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JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS

O grande autor da jurisprudência dos conceitos é Puchta, discípulo de Savigny, que defende a construção da realidade jurídica através de regras lógicas que permitam a interligação de vários
conceitos. Quer isto dizer que a base desta teoria são, então, os conceitos.
Puchta acreditava que existem determinados conceitos que ainda não foram atingidos pela legislação e, consequentemente, pelo espírito do povo. Todavia, estes serão descobertos pela ciência
dogmática, que tem como base conceitos gerais e abstratos, havendo então um raciocínio lógico-dedutivo. Está em causa a função construtiva da dogmática conceitual.
O pensamento de Puchta parte da ideia da configuração de uma pirâmide conceitual, onde no topo está o conceito mais geral e abstrato e na base estão os conceitos mais específicos, ou seja, os
mais gerais e abstratos. Estes conceitos que se encontram no topo da pirâmide são de direito subjetivo, ou seja, trata-se do poder e da faculdade reconhecida pela ordem jurídica de exigir ou
pretender de alguém um dado comportamento. Segundo o autor, a validade e a legitimidade do direito estavam determinadas pelo racionalismo, pelo que uma norma só era válida se racional, o
que significa que não interessa o verdadeiro objetivo do legislador.
O conceito de direito subjetivo está intrinsecamente relacionado com a ideia de liberdade kantiana.
À medida que vamos descendo pela pirâmide encontramos conceitos mais específicos e concretos, pelo que a sua substância ética se vai diluindo. Quer isto dizer que os conceitos que se afastam
do topo acabam por ir perdendo os fundamentos lógicos, pelo que obedecem apenas a uma racionalidade que, de certa forma, se distancia das necessidades sociais que o direito deveria
responder.
A jurisprudência dos conceitos dá mais importância à coerência interna da norma e acaba por se esquecer da adequação material.
Referir ainda que a validade e a legitimidade dos conceitos encontram-se ligados pelo racionalismo, ou seja, uma norma só é verdadeiramente válida se for racional, pelo que não interessa o
objetivo que o legislador tinha aquando da sua criação.
Semelhanças com o juspositivismo
A escola da jurisprudência dos conceitos caminha para uma justiça formal, dá importância a um racionalismo formal e dedutivo, deixando de lado as necessidades de adequação material. Entende-
se por adequação material a necessidade de o direito dar resposta às questões sociais que a sociedade histórica vai colocando. A justiça material é, de certa forma, deixada de lado para dar lugar a
uma justiça formal, que apenas que importa com a coerência interna das proposições normativas.
As teorias também se aproximam no que diz respeito à decisão judicial do caso em concreto, pois esta é retirada da lei.
No entanto, não devem ser confundidas, pois têm diferentes fundamentos éticos e filosóficos.
Savigny
Savigny identificava o direito com a lei, que deveria ser interpretada tendo somente em conta a letra do texto, excluindo a possibilidade de interpretações restritivas e extensivas. Mais tarde,
abandona esta conceção e passa a relacionar o Direito com o espírito do povo. Desenvolve a teoria dos institutos jurídicos em torno dos quais se manifestam as relações típicas de uma sociedade.
A teoria da interpretação, grande legado de Savigny, revela que a interpretação era a reconstrutora do pensamento jurídico previsto na lei. Agora, ele deixa de falar em tipos de interpretação,
passando a falar de elementos interpretativos que concorrem para uma interpretação comum, unitária, global: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. O primeiro é um elemento material,
pois interpreta a letra do texto, enquanto os três últimos são elementos lógicos, porque interpretam o espírito do texto. Savigny, nesta segunda fase, recorre à interpretação restritiva e extensiva.
Ihering
Defensor da Jurisprudência dos Conceitos e da função sistemática da ciência jurídica, afirmava que o direito era como um organismo composto por vários elementos, de acordo com o método
histórico-natural. Deste modo, a partir de mecanismos lógicos, o direito pode resolver todos os problemas que se impunham.
Nesta altura, surge uma nova perspetiva sobre o Direito, designada Teoria Objetivista da Interpretação – uma interpretação puramente jurídica que vê a lei como algo que se manifesta no decorrer
da história de um modo objetivo e racional. Graças ao contributo desta teoria, Ihering, numa segunda fase do seu pensamento, apercebeu-se dos defeitos e insuficiências da ciência jurídica,
nomeadamente da Jurisprudência dos Conceitos. Notou que era impossível construir direito tendo somente em conta a coerência interna das proposições normativas, sem se preocupar com as
situações sociais a que o direito terá de responder com eficácia.
É desta maneira que Ihering chega à conclusão que o verdadeiro fundador de direito é o fim e que este é, por sua vez, produto de um conflito de interesses que tem a obrigação de harmonizar.
Mais tarde, Ihering diz que o criador de direto não é os fins em si, mas o que cria esses fins, o legislador. Aqui o legislador é afastado Estado, e desloca-se para a sociedade, tornando assim num
representante da vontade geral, da sociedade. Ora, sendo a sociedade conservada pelo Estado, o direito é identificado com a norma que é imposta coativamente por ele. O Estado é visto agora
como um servidor dos interesses e fins sociais, o direito encontra-se ao serviço do que é útil. Esta segunda fase do seu pensamento revelou-se, como se pode observar, numa clara aproximação à
jurisprudência dos interesses.
Jurisprudência dos interesses
Foi uma corrente que surgiu no século XX, tendo como principal objetivo superar a racionalidade lógica, dogmática e dedutiva que se vivia até então com a jurisprudência dos conceitos. Esta escola
foi baseada no pensamento de Ihering, sendo um dos seus autores Heck. Heck defende a necessidade da existência de um nexo causal entre o conteúdo material das normas e os conflitos de
interesses presentes na sociedade, pelo que estão em causa as finalidades sociais, sendo estas criadoras do direito.
Esta escola gira em torno dos interesses e, muitas vezes, estes interesses chocam entre si, pelo que é o direito que tem a função de os harmonizar.
A escola em causa apresenta como principais caraterísticas metodológicas, desde logo, a substituição de uma intenção formalista e lógica por uma intenção material e finalista. O direito passou a
ser visto como um sistema autossuficiente, coerente e pleno.
Esta corrente entendia que a decisão concreta faz parte do momento de realização de direito e, subsequentemente, assume uma importância metodológica particular. Desde logo, ordem jurídica é
constituída por leis e pela sua aplicação.
A presente escola admite a existência de fatores normativos extratextuais, sejam os interesses, os fins, ou até mesmo valores, como critérios preponderantes na determinação de sentidos
jurídicos. Quer isto dizer que para determinar o sentido de uma norma é necessário deitar mão de elementos que estão para lá da letra da lei. Por fim, referir que metodologicamente esta escola
aceita a alteração dos valores do direito, devendo estes seguir os valores da justiça material. Referir que, apesar disso, não devem nem podem ser postos de lado os valores da segurança e da
certeza jurídica.
Segundo Heck, não devemos ser extremistas, tendo apenas em conta um ou outro valor, pois é necessário que haja um equilíbrio e uma concordância entre os valores da justiça material e a
segurança e certeza jurídicas. Contudo, se houvesse necessidade de se afastar de uma das intenções, para o autor seria a adequação material.
O direito e as próprias leis devem ser perspetivados tendo em conta os interesses em causa, ou seja, os interesses na base da criação da respetiva norma. A jurisprudência dos interesses defende
que a aplicação do direito passa por um raciocínio de analogia, admitindo-se, portanto, a interpretação corretiva sempre que a lei fosse contrária ao espírito.
Referir que esta escola tem como postulado o princípio da obediência à lei, embora esta seja uma obediência inteligente e ponderada por parte do julgador. Contudo, importa mencionar que o
julgador não pode deixar de respeitar as leis, pelo que deve encontrar a decisão judicial nas normas, e não nas normas da decisão judicial. Está em causa a autonomia da sociedade representada
pela figura do legislador.
Todavia, esta teoria foi criticada devido ás suas insuficiências, de base sociológica (não há doutrinamento sobre a noção de interesses), criteriológica (interesses são usados ora como critérios de
decisão, ora como interesses causais), sistemática (ausência de fundamentos e critérios normativos aceitáveis pelo julgador, pelo que a consciência de sistema é posta em causa) e naturalista
positivista (uma vez que nunca houve uma total separação do juspositivismo).
Escola do direito livre (f. geny)
Esta surge no início do século XX, recebendo uma forte influência da escola da jurisprudência dos interesses. Reflete sobre a importância das fontes jurídicas extralegais e sobre a existência das
lacunas da lei. Segundo Kantorowicz, a lei tem tantas lacunas quanto palavras. No que concerne às lacunas, o julgador tem total liberdade para procurar no direito a solução que achasse mais
pertinente para resolver a problemática das lacunas.
Em sentido lato, o direito livre é aquele que está para além das leis positivadas, tendo, contudo, força jurídico-normativa. Tendo em conta um sentido mais restrito, o direito livre é visto como o
direito que emana da natureza das coisas, e como o direito que é produto da criação dos julgadores, quando recorrem ao seu sentido de justiça e a critérios normativos extralegais, para resolver
uma dada questão.
Esta escola tem vertentes em comum com a jurisprudência dos interesses, mas divergem em alguns pontos.
Para a Escola Livre do Direito, o fator primordial da formação do direito é, sem dúvida, a decisão judicial, pelo que o direito é visto como um conjunto de decisões, não de normas. Ademais, o
fundamento criador de direito não está na razão, mas sim na vontade, ou seja, o legislador deve recorrer a uma instituição axiológica emocional e ao seu sentido de justiça. O primado
metodológico está na decisão, ou seja, o juiz toma uma decisão e só posteriormente fundamenta a mesma, recorrendo às normas.
Por fim, cabe ainda mencionar que a Escola Livre do Direito reconhece as decisões contra legem em casos excecionais, nomeadamente quando existe uma norma com consequência trágica num
determinado caso, pelo que se presume que caso o legislador estivesse perante aquela situação, nunca teria legislado daquele modo.
Esta escola não conseguiu ultrapassar a jurisprudência dos interesses, uma vez que pôs excessivamente de lado o direito legislado, dado ênfase apenas à justiça material, chegando a um extremo.
Teoria Pura do direito
A teoria pura do direito surgiu em pleno século XX, pelas mãos de Hans Kelsen, pretendendo-se afastar da tese da Escola Livre do Direito. Kelsen procura fundamentar a autonomia da ciência
jurídica e, para tal, distingue duas categorias lógicas: ser e dever ser.
O ser refere-se aos comportamentos efetivos do homem, enquanto o dever ser diz respeito às prescrições que estabelecem o modo como este se deve comportar. Desta maneira, é lógico que o
direito pertence ao domínio do dever ser: a ciência do direito não está relacionada com os comportamentos do homem, é antes uma ciência de normas (até as decisões são normas). As normas
são elementos constitutivos do direito, compostas pela hipótese (previsão) e consequência (estatuição), elementos interligados pelo nexo de imputação.
A ciência jurídica pretende-se pura e universal, o que justifica a necessidade de abstrair do direito todas as considerações éticas, metafísicas, morais, entre outras, exteriores ao direito. A ciência
jurídica era unicamente vista como uma técnica específica de regulamentação social com recurso à coação.
A norma só é válida quando obedece a um determinado procedimento. Ora, segundo Kelsen, as normas estão organizadas numa pirâmide cujo topo corresponde à norma mais geral e abstrata –
Groundnorm – que corresponde à constituição de uma dada nação. É ela que estabelece os princípios básicos que regulam o conteúdo das outras normas, normas inferiores, que se encontram
nos patamares inferiores da pirâmide. Todas as normas da pirâmide têm de estar de acordo com as suas normas superiores. Porém, sendo assim, o que é que legitima a Groundnorm? Kelsen
declara que a validade desta depende da eficácia do sistema no seu todo – teoria da efetividade. O sistema era eficaz quando as normas que o compõe eram, na maioria, obedecidas na prática.
Este foi o ponto fraco da teoria, pois fundamentou uma noção essencial do dever ser através do ser, da realidade social, acabando, portanto, por fazer aquilo que mais contestava: utilizou um
fundamento ético para legitimar um conceito do dever ser. A sua teoria acabou por ser alvo de várias polémicas e discussões.
Outro aspeto importante é a confusão existente entre o momento da aplicação e da criação de direito. Kelsen considera que todas as normas são criadoras e aplicadoras de direito, exceto a
Groundnorm, que é apenas criadora.

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