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GUSTAVO ZAGREBELSKY

El derecho dúctil

Del estado de derecho al estado constitucional


1 – El Estado de derecho
Não há dúvida que o Estado de Direito representa historicamente um dos elementos
básicos das concepções constitucionais liberais.
Entretanto, dada a possibilidade de reduzir o Estado de Direito a uma fórmula carente de
significado substantivo desde o ponto de vista estritamente político constitucional, não é de se
estranhar que os estados totalitários do entre-guerras levantassem discussão sobre a
possibilidade de se considerar esses estados como “Estados de Direito”.
Os doutrinadores destes estados chegaram a sustentar que o estado totalitário seria a
restauração do Estado de Direito como Estado que segundo sua exclusiva vontade,
expressada na lei positiva, atuava para impor eficácia do direito nas relações sociais frente às
tendências de ilegalidade alimentadas pela fragmentação social e pelo anarquismo.
Mas a frente, ficou claro que a sociedade, com suas próprias exigências, e não a
autoridade do Estado, começava a ser o ponto central de compreensão de um Estado de
Direito. A lei seria a expressão do Estado capaz de impor-se incondicionalmente não em nome
dos interesses próprios, mas como instrumento de garantia de direitos.
Definição de Otto Mayer para Rechtstaat: a) a supremacia da lei sobre a administração;
b) a subordinação à lei, e somente à lei, do direitos dos cidadãos, evitando, portanto, que
poderes autônomos da administração possam incidir sobre eles; c) a presença de juízes
independentes e com competência exclusiva para aplicar a lei, e somente a lei, às
controvérsias surgidas entre os cidadãos e entre os cidadãos e o Estado.
Desse modo, o Estado de Direito assumia um significado que compreendia a
representação eletiva, os direitos dos cidadãos e a separação dos poderes, um significado
particularmente orientado para a proteção dos cidadãos frente às arbitrariedades do Estado.

2 – O princípio da legalidade. Excurso sobre o “rule of law”.


O Estado liberal de Direito era um Estado que se auto afirmava através do princípio da
legalidade.
O princípio da legalidade supunha a redução do direito à Lei e a exclusão de todas as
demais fontes do Direito.
Mas o que deve ser entendido por “Lei”? A resposta talvez esteja no confronto entre o
princípio da legalidade convencional e o “rule of law” inglês.
“Rule of law and not of men” consistia na luta contra o absolutismoao impor às
pretensões do rei os “privilégios e liberdades” tradicionais dos ingleses, representados e
defendidos pelo parlamento.
Em suma, a diferença principal entre as duas concepções reside no fato de que o
absolutismo régio foi derrotado, em um caso como poder régio e em outro como poder
absoluto.
O princípio da legalidade implica em um “absolutismo parlamentar” por meio da lei. Já no
rule of law, a lei é concebida somente como um dos elementos constitutivos de um sistema
jurídico complexo, o “commom law” nasceu de uma elaboração judicial do direito da natureza e
do direito positivo, da razão e da legislação, de história e tradições.
No sistema inglês, a Lei é mais um “produto de justiça”, mais do que uma vontade
política soberana.
O rule of law orienta, originariamente, pela dialética do processo judicial, mesmo quando
as regras advém do parlamento. Para o “rule of law” o desenvolvimento do direito é um
processo inacabado, historicamente sempre aberto.
Para o rule of law o direito se origina a partir de experiências sociais concretas. No
Rechtsstaat, ao contrário, o direito tem a forma de um sistema no qual a partir de premissas
se extraem consequências, ex principus derivationes.

3 – Liberdade dos cidadãos, vinculação da Administração: o significado liberal do


princípio da legalidade
Segundo a primeira e mais rigorosa concepção do princípio da legalidade, o poder
executivo, carece de atribuições originárias, dependendo integralmente da lei.
A capacidade de atuar do executivo dependia de “leis de autorização” e somente é válida
dentro dos limites da dita autorização.
Segundo a regra básica do Estado de Direito as regras referentes à relação entre Estado
e sociedade eram objeto de “reserva de lei” que excluía a ação independente da administração.
A distinta posição perante a lei diferenciava a administração pública dos sujeitos
privados, era uma consequência de assumir junto ao princípio da legalidade o princípio da
liberdade.
Em suma, aos particulares tudo o que não era vedado por lei era permitido e à
administração só era permitido o que estava previsto legalmente. Princípio da liberdade do
particular e Princípio do poder do estado limitado pela lei.
O estado liberal era o contrário do chamado “estado de polícia” regido pelo paternalismo
do estado, onde, em geral, a ação dos particulares só se admitia mediante administração da
administração. No estado de polícia, uma sociedade de menores, no estado liberal, uma
sociedade de adultos.

4 – A lei como norma geral e abstrata


A generalidade era a essência da lei no estado de direito e estava vinculada a alguns
postulados fundamentais como a moderação do poder, a separação dos poderes e a igualdade
ante a lei.
A lei significava uma “normatividade média” isto é, feita para todos e, consequentemente
garantia contra o uso desmedido do poder, mesmo o legislativo. A generalidade também era
garantidora da separação dos poderes, já que à época entendia-se que se a lei pudesse descer
ao caso específico, substituiria os atos do executivo e as sentenças do judiciário. A igualdade
perante a lei (formal) é o espírito do século XIX, estando presente em todas as constituições
liberais.

5 – A homogeneidade do direito legislativo no estado liberal

Na orgnização jurídica do Estado, o princípio da legalidade traduzia-se na hegemonia da


burguesia que se expressava pela “Câmara representativa”, e a diminuição dos poderes do
executivo e do judiciário que, apesar de serem autônomos, eram subordinados à lei.
O judiciário passava a ser a “boca da lei”, mero aplicador de um direito elaborado pelos
burgueses, eliminando-se qualquer aparato de contrapeso.
A questão da submissão do executivo à Lei foi mais complexa, principalmente pela
cultura dominante até então, de governos absolutistas. Entretanto, em busca maior coerência
nas manifestações de vontade do Estado, a Lei passou a ser o caminho a ser seguido para
alcançar unidade e homogeneidade nos estados.
A Lei era superior a quaisquer atos jurídicos, até mesmo às constituições da época. As
constituições flexíveis serviam, portanto, apenas para uma coisa: impedir o retorno das
concepções absolutistas.
Assim, a burguesia impunha suas próprias regras e mantinha alijados do sistema as
demais classes, através da limitação de voto. Proletariado e seus movimentos eram ignorados
e ao catolicismo era dado um espaço à parte, para não atrapalhar a “legislação civil”.
Todo esse quadro demonstrava, portanto, que a ciência do direito podia manter que as
disposições legislativas era partes de um sitema jurídico coerente e que o intérprete podia
chegar às conclusões legais através de indução ou através de reflexão. Esse é o fundamento
da interpretação sistemática e da analogia, dois métodos de interpretação que permitiam
individualizar a norma em coerência com o “sistema”. A sistematicidade acompanhava,
portanto, a plenitude do direito.
Não podemos pensar nesse quadro, entretanto, pensando na “lei” como ela é hoje. No
século XIX a Lei era, por excelência, o código. O código representava a vontade positiva do
legislador, capaz de impor-se indiferentemente em todo o território do estado e que objetivava
um projeto jurídico baseado na razão (a razão da burguesia liberal).

6- Positivismo jurídico e estado de direito legislativo


A concepção de direito propria do estado de direito, do princípio da legalidade e do
conceito de lei era o “positivismo jurídico”, ciência da legislação positiva.
Essa teoria pressupõe a concentração da produção jurídica em só uma instância
constitucional, a instância legislativa. Essa simplificação resume a ciência jurídica a,
simplesmente, a busca pela vontade do legislador.
Um “ciência do direito” reduzida à apenas essa busca não poderia reinvidicar nenhum
valor autônomo. Era, pois, apropriada a afirmação da época “três palavras retificadoras do
legislador convertem bibliotecas inteiras em lixo”.
Durante o século XIX o positivismo acrítico foi mantido. Entretanto, ainda está mantido,
mesmo que como um resíduo, nos dias de hoje. Ainda há juristas práticos que atuam de
maneira eminentemente positivista, o que se justifica apenas pela força da tradição, já que o
estado constitucional está em contradição com esta “inércia mental”.

7 – O estado constitucional
O Estado constitucional representa uma mudança capital, genética.
Pela primeira vez na época moderna, a Lei vem submetida a uma relação de adequação,
e portanto de subordinação, a uma instância mais alta de direito estabelecido pela constituição.
Há quem diga que os estados constituintes nada mais são do que uma continuação
história dos estados de direito, sendo o último grau do governo das leis e não dos homens.
Entretanto, o autor faz ressalva de que o Estado Constitucional, mais do que uma
continuação do Estado Liberal, se trata de uma profunda transformação, que afeta inclusive o
conceito de direito.

8 – A lei, a administração e os cidadãos


Atualmente, a distinção do particular e do Estado perante a Lei não se mantém. Seria
problemático sustentar a regra dupla do princípio da legalidade (ao particular tudo que não é
proibido pela lei é permitido e ao estado só é permitido o que a lei prevê). Essa regra não se
mantém para nenhum dos dois.
A administração desenvolve diversos atos necessários à execução das atividades
estatais. Um exemplo são as atividades de “planificação” (em que o executivo atua sem regras
prévias estabelecidas).
A Lei pode, portanto, estabelecer diretrizes, mas nunca prever todos os atos do
executivo a priori.

9 – A redução da generalidade e da abstração das leis


Atualmente vive-se uma “pulverização” do direito legislativo. Isso ocorre pelo enorme
número de leis de caráter setorial e temporal, ou seja, de reduzida generalidade ou de baixo
grau de abstração, como nas leis meramente retroativas, nas quais nem mesmo existe uma
intenção regulatória.
Hoje, afasta-se da concepção clássica da lei do Estado liberal em função dos caracteres
de nossa sociedade, condicionada por uma ampla diversificação de grupos e estratos sociais
que participam do processo legislativo.

10 – A heterogeneidade do direito no estado constitucional: o ordenamento jurídico como


problema.
Atualmente, a Lei já não é mais uma expressão “pacífica” de uma sociedade política e
internamente coerente, mas apenas uma manifestação e instrumento de competição e
enfrentamento social. A lei não é o final, mas apenas a continuação de um conflito.
Como consequência, temos cada vez mais o comprometimento do produto legislativo, já
que através da negociação de forças numerosas e com interesses heterogêneos (necessária
para a formação de coalizões) as leis se tornam contraditórias, caóticas, obscuras e expressam
a ideia de que para conseguir um acordo, tudo é passível de transação pelas partes, incluindo
os mais altos valores, os direitos mais intangíveis. (exemplo da Comissão de Direitos
Humanos)
Assim, hoje deve-se descartar completamente a ideia de que as leis e as outras fontes,
consideradas em conjunto, constituem por si um ordenamento – como ocorria no século XIX. A
crise da ideia de código é uma manifestação clara dessa mudança. Nessas condições, a
exigência de uma recondução a unidade deve ter em conta a crise do princípio da legalidade,
determinada pela acentuada perda de sentido, pulverização e incoerência da lei e das outras
fontes de direito.

11 – A função unificadora da constituição. O princípio de constitucionalidade.


Apesar de a unidade do ordenamento não ser mais fato indiscutível, o pluralismo não
implica em anarquia normativa. Quando há consenso social suficientemente amplo, alguns
aspectos podem ser consagrados em texto indisponível, que sobrepõe eventuais “senhores da
lei” e até mesmo fontes concorrente com a constituição.
A Lei, que já foi medida exclusiva de todas as coisas, cede espaço para a constituição. A
constituição assume o papel de manter unida e em paz sociedades inteiras divididas em seu
interior e concorrentes.

12 – Recursos de unificação do direito no Estado Constitucional


O que caracteriza o Estado Constitucional atual é, antes de tudo, a separação entre os
distintos aspectos e componentes do direito que no estado de direito do século XIX estavam
unificados, reduzidos à Lei.

El Derecho por princípios

1 – Direito por regras e direito por princípios


A palavra norma alude a algo que deve ser ou deve produzir-se, em particular, a que um
homem deve comportar-se de determinada maneira.
Diante desse conceito de “norma” é importante diferenciar o que poderia denominar-se
como “regra” e o que poderia denominar-se “princípio”.
Se o direito atual é composto de regras e princípios cabe observar que as “normas
legislativas” são prevalentemente “regras”, ao passo em que as normas constitucionais sobre
direito e sobre a justiça são prevalentemente princípios. Assim, distinguir os princípios das
regras significa, a grosso modo, distinguir a constituição da Lei.
Quando a Lei fala que os trabalhadores em greve devem garantir determinadas
prestações de serviços públicos, trata-se de regra. Quando a constituição fala que a greve é
um direito, estamos diante de um princípio.
Quais são as diferenças entre regras e princípios?
Primeiramente, apenas os princípios desempenham papel propriamente constitucional,
papel “constituivo”. As regras, mesmo as previstas na constituição, se esgotam em si mesmas,
não tendo nenhuma força constitutiva fora do que elas mesmas significam.
Uma grande diferença entre as regras e os princípios consiste na diferença de
tratamento dado pela ciência jurídica. Existem diversas teorias interpretativas das regras, o que
não se repete com os princípios.
Isso porque às regras “se obedece” sendo importante, portanto, determinar com precisão
seus preceitos. Aos princípios, por sua vez, “se adere” e, por isso, o importante torna-se
compreender o mundo de valores.
Por fim, pode-se indicar que as regras, e somente as regras, poderiam ser aplicadas
mecânica e passivamente. Essa ideia tipicamente positivista carece totalmente de sentido, na
medida em que o direito contem princípios. A aplicação dos princípios é completamente distinta
e requer que, quando a realidade exija uma reação, que se tome posição em conformidade
com eles.

2- Princípios constitucionais e política

Em função da clara diferença entre regras e princípios, já se questionou inclusive sobre a


possibilidade de utilização dos princípios na atividade judicial.
O principal debate sobre esse assunto teve palco no momento histórico de criação das
primeiras formas de jurisdição constitucional da Europa.
Discutia-se que, como os princípios não tem suposto fático, não poderiam ser utilizados
na operação lógica-jurídica (principalmente a subsunção da hipótese legal)., que segundo a
tradição da época era a única que realmente poderia ser chamada de “aplicação”.
Como a utilização dos princípios não poderia ser considerada aplicação jurídica,
recorrer aos princípios na atividade judicial consistiria, fatalmente, em abuso. Os princípios
deveriam, portanto, guiar apenas os órgãos comprometidos e responsáveis politicamente. Os
princípios teriam efeito apenas na gestão “política” do estado, já que incompatível com as
funções que se consideravam eminentemente judiciais.
O autor considera que os argumentos eram devidamente fundamentados, entretanto a
negação da relevância judicial dos princípios era um radicalização engendrada pela concepção
positivista da atividade judicial.
A questão não era, e não é, a eliminação dos princípios da atividade jurisdicional em
função das concepções de uma época ultrapassada. Ao contrário, era preciso se dar conta de
que a transformação do direito por regras para o direito por princípios tratava-se de uma
alteração estrutural do direito, com consequências muito sérias, inclusive para a jurisdição.
Tal fato não é simples e implica em questões que não seriam nem mesmo cogitadas no
estado de direito, como a ausência de segurança jurídica, de previsibilidade nas decisões
judiciais e a possibilidade do ativismo judicial.
A questão da aplicação dos princípios voltou à pauta na época das novas constituições
do entre-guerras, mas se desenvolveu com argumentos mais gerais.
Questionava-se se os princípios não esconderiam um vazio jurídico ou contaminariam as
verdadeiras normas jurídicas com afirmações políticas, proclamações de boas intenções e
etc... Os princípios não poderiam ser invocados em juízo pois seriam causa de aspirações
frustradas e, deste modo, gerariam o descrédito do Direito. Afirmava-se que a
operacionalização dos princípios dependeria de sucessivas opções políticas da lei que as
desenvolveu.
Nas assembleias constituintes italiana e alemã teve cabo um debate sobre a natureza
das normas constitucionais. Grosso modo, o debate consistia na dúvida sobre a validade das
concepções tradicionais do positivismo jurídico no novo contexto constitucional.
Na Itália foram superadas as objeções às normas de princípio e prevaleceu claramente a
posição favorável a estas, enquanto na Alemanha ocorreu o contrário. Mas no final das contas,
fórmulas como o “Estado social de direito” e os princípios da “dignidade humana” terminaram
por introduzir o que se queria excluir.
Cabe ressaltar que as discussões sobre as normas constitucionais de princípio
escondiam uma questão muito mais importante do que parecia, qual seria o papel da legislação
e, correlativamente, da jurisprudência na determinação do direito.
O Estado-legislador deixa de ser o “senhor do direito” para ser apenas o “senhor da lei”,
mas não do direito.

3 – Direito positivo e direito natural

Essa mudança de conceito que tirou do Estado a autoridade de “senhor do direito” para
apenas “senhor da lei” trouxe diversas preocupações aos positivistas. Não só defender o direito
das incursões da política, mas também a “positividade” do direito perante a destrutiva
incidência do direito natural.
O autor defende que os positivistas entediam a questão equivocadamente, já que a
constitucionalização representa o intento de “positivar” o que durante séculos se considerou
como prerrogativa do direito natural, a saber: a determinação da justiça e dos direito humanos.
A constituição, com efeito, não transcente do direito legislativo, não se colocando em
uma dimensão independente da vontade criadora dos homens e, portanto, não precede da
experiência jurídica positiva.
A constituição é, por definição, uma criação política, não o simples reflexo de uma ordem
natural, mas sim, a máxima de todas as criações políticas.

A diferencia de la Constitución, que es la ley de la concordia, las leyes constitucionales


son esencialmente leyes de la discordia. Se podría afirmar que son la continuación de la lucha
política al máximo nivel, es decir, con los medios del derecho constitucional: máxima ley,
máxima discordia. Es esta consideración lo que explica el hecho aparentemente paradójico de
que el verdadero momento constitucional es sólo el inicial y que es más fácil hace una
Constitución de la nada que modificar en lo substancial una ya existente.
La Constitución no es derecho natural, sino más bien la manifestación más alta de
derecho positivo.

4 – O duplo alcance normativo dos princípios

Segundo a doutrina positivista tradicional, os princípios desempenhariam apenas


funções supletiva, integradoras ou corretivas das regras jurídicas. Os princípios autariam para
“aprimorar” o ordenamento e entrariam em jogo apenas quando as outras normas não
estivessem em condição de resolver plena ou satisfatoriamente as funções reguladoras
atribuídas à lei.
Deve-se ter em mente, entretanto, que nos caóticos ordenamentos atuais, existem
“colisões” entre os conteúdos das normas jurídicas (regras contra regras ou regras contra
princípios), nem sempre fáceis de resolver com os instrumento de eliminação de antinomias
tradicionais (norma mais recente, específica).
Nesses casos é que entrariam em cena os princípios, com sua força diretiva e
vinculante, já que são normas constitucionais.
Essa já é uma forma de atribuir um papel importante aos princípios, já que todos os
casos em que se acabam de indicar a carência de uma só regra, as teses positivistas mais
estritas se limitavam a afirmar a ausência de direito e a liberdade do intérprete para recorrer a
critérios morais, e antijurídicos. Aqui, segundo esse ponto de vista, já não estaríamos diante de
uma “interpretação”, mas teria se possibilitado propriamente uma função criativa da
jurisprudência.
Concebidos como normas supletivas do direito, os princípios desempenham função
pratica de direito. Entretanto, essa concepção é parcial e gera uma contradição, na medida em
que as normas de maior densidade de conteúdo – os princípios – teriam caráter acessório das
regras – que possuem menor densidade de conteúdo.
Essa concepção deriva-se do conceito de que, na realidade, apenas as regras são
normas verdadeiras, ao passo que os princípios seriam apenas uma “válvula de escape” do
ordenamento. Uma vez mais o positivismo se revela uma ideologia que distorce a realidade no
campo do direito.
Uma reflexão mais profunda deixa claro que essa concepção é equivocada. Os
princípios não impõe uma ação de acordo com uma hipótese normativa, como ocorre com as
regras. Os princípio apenas apontam sentidos para uma “tomada de posição”.
A realidade em contato com o princípio se vivifica, por assim dizer, e adquire valor.
*O ser “iluminado” pelo princípio aún no contiene en sí el “deber ser”, la regla, pero sí
indica al menos la dirección en la que debería colocarse la regla para no contravenir el valor
contenido en el principio*

5 – O caráter prático da ciência do direito

Segundo o dualismo positivista, a “produção” do direito – a normativação – seria


determinada meramente pela vontade criadora e, ao contrario, o “conhecimento do direito” – é
dizer, a ciência jurídica – dependeria unicamente de uma reflexão racional.
Assim, a normatização e a ciência do direito seriam desenvolvidas por duas faculdades
do espírito humano que não guardam nenhuma relação entre si. A normatização seria uma
atividade totalmente irracional ao passo que a reflexão científica, ao ter como objeto a mera
vontade transcrita em normas poderia definir-se como ciência somente em sentido secundário
ou instrumental. Tratar-se-ia de uma ciência que não dominaria seus próprios fins. Em suma, o
mundo do direito seria o mundo da vontade.
Em todo caso, segundo o positivismo o direito não poderia considerar-se uma ciência
prática. Ademais, considerava a ideia de uma ciência prática um contradição em termos.
Aristóteles considerava como ciências teoréticas aquelas que tinham relação com o
mundo que não mudava e não poderia mudar segundo o interesse humano (assim seria as
ciências da natureza e do divino). As ciências práticas, por sua vez, seriam aquelas que tem
como âmbito material o que estaria compreendido no âmbito da ação humana. O objeto das
ciências teoréticas seria o conhecimento, enquanto o objeto das ciências práticas seria a ação.
Assim, as ciências práticas consistiriam em conduzir a ação e, portanto, a vontade que a
move ao domínio da razão, é dizer, em determinar as condições de um uso da vontade
conforme a razão. Seu pressuposto é que a reflexão racional tem relação com a orientação da
ção. A isso se denomina “razão prática”.
Entretanto, é concebível que a razão se proponha a essa função? “puede referirse esta
pregunta a la voluntad que opera a través del derecho?”
A teoria dualista positivista nega essa proposição e separa totalmente a ciência da
praxis. Ou trata-se de ciência e então não tem nada com a vontade e não é prática, ou é
vontade e então não tem relação com a razão e a ciência.
Kelsen: Uma razão que cria normas é uma razão que conhece e ao mesmo tempo que
quer, es a la vez conocer y querer. Essa é a noção contraditória da razão prática.
Para o positivismo, a praxis jurídica é atingida a partir da verdade que é conhecida
através da razão.
Por isso, pode-se dizer que a ciência do direito positivo em um ordenamento jurídico “por
princípios” deve considerar-se uma ciência prática porque do ser – iluminado por princípios –
nasce o dever ser.
Sob essa perspectiva, poderiam encontrar-se de acordo tantos as doutrinas positivistas
quanto as jusnaturalistas puramente racionalistas.
A natureza prática do direito significa também que o direito, atento a sua função, se
preocupa com sua idoneidade para disciplinar efetivamente a realidade conforme os valores
que os princípios conferem à mesma.
Assim as consequências práticas do direito não são consideradas de maneira posterior,
sem influência sobre o direito, mas são elementos qualitativos deste. Não se trata de afirmar
que o fático teria prioridade sobre o normativo, mas sim de manter uma concepção de direito
que permita que os dois momentos não sejam irrelevantes um para o outro, como ocorre no
positivismo.
A importância dessa temática é evidente em todos os problemas relativos à validade das
normas jurídicas. Se o direito deve voltar-se para a realidade, ou seja, se deve voltar-se ao
caso concreto tendo em conta o que determinam os princípios, não pode controlar a validade
de uma norma tendo em conta exclusivamente o que ela dispõe.
Não basta considerar o direito dos livros, é preciso ter em conta o direito em ação;
não basta uma validade lógica, é necessária uma validade prática.
Ignorar que a norma muda de significado sem que necessariamente haja mudança do
que está escrito na norma (ignorar o direito vivente) implica em uma amputação de uma parte
importante da função de garantia do direito em um ordenamento determinado por princípios

6 – Jurisprudência frente a ciência jurídica. O pluralismo de princípios.

**Se objeto e método devem concordar, deve-se rechaçar a ideia de tratar


cientificamente o direito atual ao estilo de uma disciplina lógico formal**
Entretanto, o jusnaturalismo racionalista e, posteriormente, o positivismo legislativo de
tradição continental consideravam o sistema jurídico como um dado e completo, derivado de
um único fundamento e capaz de compreender-se através de raciocínio dedutivo e atento ao
princípio da não contradição.
Tais ideias perdem o sentido, entretanto, quando se atenta para o fato de que o direito
não é dado mas sim um constante “fazer-se” no qual confluem diversas exigências advindas de
nomeros e por vezes contraditórios princípios.
É necessário ter em mente a diferença entre a scientia juris e a juris prudentia. A primeira
seria a racioanlidade formal e a segunda a racionalidade material, ou seja, orientada pelo
conteúdo. (Em termos aristotélicos episteme x phronesis. Termos escolásticos ratio speculativa
x ratio pratica.)
A scientia iuris consistiria no “verdadeiro x falso”, “tudo ou nada” enquanto a juris
prudentia buscaria o mais apropriado, o mais oportuno, o mais adequado e produtivo.
Seriam lógicas contrapostas, em geral. Na linguagem utilizada hoje, a busca pelo melhor
possível na realização dos princípios se denomina “razoabilidade”, uma discutível expressão
para aludir ao que classicamente se conhecia como “prudentia”.
Weber chegou a afirmar que a prudentia teria entrado em decadência ante a progressiva
formalização do direito moderno. Se isso é certo, temos que admitir que os ordenamentos
contemporâneos retornaram a aspectos do direito pre-moderno.
Inadivertidamente, os autores das constituições vigentes implantaram condições para
uma renovação do direito baseada na tradição antiga. Um vez mais, a ideia de um raciocínio
linear das concepções de direito se mostra uma ideologia infundada.
A restauração do métoco lógico-formal de tratamento do direito atual suporia, aí sim, um
retrocesso, posto que hoje seria impossível um formalismo ou um positivismo dos princípios.
O conteúdo dos princípios constitutivos do ordenamento jurídico depende do contexto
cultural em que eles se inserem. Tais princípios comportam diversos valores e conceitos e são
objeto de discussões intermináveis. As concepções exercem sua influência sobre cada
aplicação do direito, porque as cartas constitucionais são apenas esboços cujo alcance
concreto se move no sentido da evolução das ideias.
Ainda, os princípios não se estruturam segundo uma hierarquia de valores, o que
produziria uma incompatibilidade com o caráter pluralista da sociedade, algo inconcebível nas
condições constitucionais materiais da atualidade.
No caso de conflito, o princípio mais “alto” (rango = classificar) privaria de valor todos os
outros, causando um “tirania de valor” essencialmente destrutiva.
A pluralidade de princípios e a ausência de uma hierarquia formal entre eles impede a
existência de uma ciência sobre sua articulação, restando a prudência e a ponderação. A
ponderação sobre os bens jurídicos dirigida pelo princípio da proporcionalidade de que fala a
doutrina alemã entra nesse enfoque.
As tentativas de formalizar procedimentos lógicos para essa ponderação – no ponto de
vista de uma scientia juris – tem resultados desastrosos.
Para que os princípios possam coexistir, é necessário que eles percam seu caráter
absoluto.
Os estóicos diziam que só a virtude ética é absoluta e somente por ela se pode e se
deve morrer, incluindo o suicídio quando não há outra saída. O direito por princípios de valor
constitui uma relativização da ética. Pode parecer uma renúncia mas, na época do pluralismo,
relativizar uma ética não significa renunciar a ter uma visão do mundo, mas apenas que
significa considerar que a superveniência do mundo é condição necessária para a realização
do próprio projeto ético. (CUIDADOOOO!!!))
Por outro lado, os princípios não são como as regras que devem ser aplicados sob a
lógica do “tudo ou nada”, pois estes apresentam um aspecto que as regras não possuem: a
ponderação de peso e importância.
O direito por princípios é, portanto, o sistema mais idôneo para a superveniência de uma
sociedade pluralista, cuja característica é a manutenção do equilíbrio através de transações de
valores.
Deve-se ter cuidado, entretanto, com a transformação das ponderações de princípios em
transações de valores, que poderia criar algo muito parecido com o mercado de valores. Além
disso, a tradição ocidental da categoria do dano (através de um valor ou princípio violado)
indenizável (transformado em dinheiro) implica na mercantilização dos valores jurídicos.
Esse fenômeno deve ser combatido ferrenhamente, pois implementa um tendência que
não satisfaria nenhum dos valores em jogo, nem mesmo mediante a transformação dos valores
sacrificados em pecúnia, mas apenas conduziria para uma tirania de um só valor, o valor
econômico, que seria capaz de submeter todos os demais.
A sociedade que quer manter seu caráter pluralista tem de eleger valores que não tem
preço, valores entre os quais o equilíbrio deve alcançar-se mediante a ponderação com outros
valores do mesmo tipo, sem a participação do “meio homologador e desnaturalizador” do
dinheiro.

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