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APOSTILA 5 –

GÊNESE E EVOLUÇÃO
DO DIREITO
ADMINISTRATIVO
Professora Leila Leiva
1. GÊNESE E EVOLUÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

ROTEIRO:

1.1 – Conceito de Direito Administrativo;

1.2 – Ausência de codificação do Direito Administrativo e pluralidade de


fontes:

1.3 – Taxinomia do Direito Administrativo: relações com outros ramos do


direito;

1.4 – Evolução do Estado e do Direito Administrativo;

1.5 – A constitucionalização do Direito Administrativo e a valorização dos


princípios constitucionais;

1.6 – Mutações e tendências do Direito Administrativo.

1. GÊNESE E EVOLUÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Gênese é o mesmo que origem, criação, início, ou seja, origem do direito


administrativo.

O nascimento do Direito Administrativo relaciona-se diretamente com a


consagração dos ideais da Revolução Francesa de 1789 e o surgimento do Estado
de Direito. A partir dos ideais liberais revolucionários da burguesia (separação de
poderes, princípio da legalidade e Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão), o poder estatal é limitado e o Direito Administrativo é concebido como
ramo especial do Direito, ao lado do Direito Privado, regulador das relações
envolvendo o Estado e o exercício das atividades administrativas.
As limitações ao poder estatal e a proteção dos cidadãos podem ser justificadas por
três conquistas revolucionárias:

a) princípio da legalidade: submissão do Estado à lei (Estado de Direito), deixando


de lado a liberdade absoluta e arbitrária do Antigo regime, substituindo-se o
governo dos homens pelo governo das leis;

b) princípio da separação de poderes: mecanismo de limitação do exercício do


poder estatal, uma vez que evitava a concentração de poderes nas mãos de um
mesmo órgão;

c) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: consagra direitos


fundamentais que são oponíveis ao Estado.

No período anterior, não se concebia a existência de Direito Administrativo


autônomo, uma vez que não havia limites impostos à atuação estatal. O Estado
absoluto (Estado de Polícia – Polizeirecht), vigente nos séculos XIV a XVIII,
caracterizava-se pela centralização do poder nas mãos do monarca que possuía
poderes ilimitados. A vontade do Rei era a própria vontade do Estado, a lei
suprema (l’Etat c’est moi). Dessa forma, o Estado, por não se encontrar limitado
pela ordem jurídica, não poderia ser responsabilizado pelos danos eventualmente
causados a terceiros (The king can do no wrong)

A origem do Direito Administrativo remonta ao célebre julgamento do caso


Blanco (arrêt Blanco). Nesse caso, datado de 1873, uma criança de cinco anos,
Agnès Blanco, havia sido atropelada por uma vagonete pertencente à Companhia
Nacional de Manufatura de Fumo. O Tribunal de Conflitos, ao apreciar uma
espécie de conflito negativo de competência entre o Conselho de Estado e a Corte
de Cassação, responsáveis, respectivamente, pela jurisdição administrativa e pela
jurisdição comum, fixou a competência do Conselho de Estado para o julgamento
da causa, tendo em vista a presença do serviço público naquele caso e a
necessidade de aplicação de regras publicísticas, diferenciadas daquelas aplicáveis
aos particulares.

No campo normativo, a lei do 28 pluviose do ano VIII de 1800 é apontada como a


“certidão de nascimento” do Direito Administrativo, pois estabeleceu, de forma
pioneira, normas de organização administrativa e de solução de litígios contra a
Administração Pública.

Na célebre lição de Prosper Weil, o Direito Administrativo seria “fruto de


milagre”, pois o seu surgimento decorreu da decisão do próprio Estado de se
autovincular ao Direito. Essa concepção parte da premissa de ruptura e de
descontinuidade com o Antigo Regime, mas, em verdade, não é isenta de críticas.

Paulo Otero, em oposição à tese de ruptura, sustenta que haveria uma relação de
continuidade entre a França pós-revolucionária e os ideais consagrados pelo
período político anterior, servindo o Direito Administrativo, na verdade, como um
mecanismo para legitimar e, ao mesmo tempo, imunizar o poder estatal contra o
controle externo, especialmente a partir da instituição de uma justiça
administrativa especializada (Conselho de Estado), integrante do Executivo. A
confusão das funções de executar e julgar nas mãos de um único “poder”
(Executivo) é considerado como um “pecado original” do contencioso
administrativo francês.

Ao que parece, no entanto, o surgimento do Direito Administrativo não teria sido


fruto de um milagre, tampouco representaria uma continuidade com o regime
anterior. Não se pode afirmar uma origem exclusivamente milagrosa quando a
força da Revolução impôs aos governantes a necessidade de estabelecerem regras
especiais e limitadoras da ação estatal em um novo contexto sociopolítico.
Induvidosamente, o surgimento do Direito Administrativo foi fruto da pressão
social. De outra parte, não se teria efetivamente uma solução de continuidade com
o Velho Regime, pois, ainda que existissem defeitos ou “pecados” importantes, a
Administração deixava de ser totalmente arbitrária e passava a encontrar limites
em normas legais, respondendo o Estado civilmente pelos seus atos.

1.1 - CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que tem por objeto as regras e
os princípios aplicáveis à atividade administrativa preordenada à satisfação dos
direitos fundamentais.

Não é tarefa simples a conceituação da função administrativa e a sua diferenciação


com as demais funções estatais (legislativa e judicial). Cada vez mais complexa,
em razão da pluralidade de atividades que se inserem no seu conceito (poder de
polícia, função regulamentar, fomento, serviços públicos, regulação etc.), a
atividade administrativa tem sido caracterizada de forma residual para englobar,
em princípio, todas as atividades não legislativas e não judiciais.

Há uma íntima relação entre a função administrativa e a atividade administrativa.


Enquanto a função administrativa envolve o conjunto de prerrogativas e
competências estatais, a atividade administrativa é o exercício concreto, por meio
de ações ou omissões estatais, da função administrativa.

Quanto ao fundamento do Direito Administrativo, o tema sofreu mutações ao


longo do tempo, especialmente pelas mudanças no perfil do Estado e da sociedade.
Inicialmente concebido a partir da noção de serviço público, o Direito
Administrativo foi alargado e encontrou fundamento na concepção tradicional do
interesse público. Atualmente, influenciado pelo fenômeno da
constitucionalização do ordenamento jurídico, parece adequado sustentar que o seu
principal objetivo é a satisfação dos direitos fundamentais.

AUSÊNCIA DE CODIFICAÇÃO DO DIREITO


ADMINISTRATIVO E PLURALIDADE DE FONTES

Ao contrário de outros ramos do Direito (exs.: Direito Civil, Direito Processual


Civil, Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Tributário, Direito
Eleitoral), o Direito Administrativo não é codificado. Em razão da autonomia
legislativa reconhecida aos Entes federados, existem normas federais, estaduais,
distritais e municipais sobre a matéria, o que demonstra a heterogeneidade e a
pluralidade do Direito Administrativo brasileiro.

De lado a discussão doutrinária sobre as vantagens ou desvantagens da


codificação, é possível perceber, no Brasil, uma espécie de codificação parcial do
Direito Administrativo por meio das normas sobre processo administrativo que
concentram regras e princípios básicos que regem a atuação administrativa (ex.:
Lei 9.784/1999, que regula o processo administrativo federal), sem desconsiderar,
é claro, o papel agregador da própria Constituição Federal que consagra diversas
normas jurídico-administrativas.

TAXINOMIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO: RELAÇÕES COM


OUTROS RAMOS DO DIREITO
O Direito Administrativo, dotado de especialização e autonomia científica,
relaciona-se com outros ramos do Direito, bem como com outras áreas do
conhecimento não jurídicas.

No campo do Direito interno, o Direito Administrativo relaciona-se, por exemplo,


com as seguintes disciplinas:

a) Direito Constitucional: a relação de todos os ramos jurídicos com o Direito


Constitucional tem sido reforçada pelo fenômeno da constitucionalização do
Direito, e, no caso do Direito Administrativo, o texto constitucional é repleto de
normas direcionadas à organização administrativa, aos agentes públicos, às
atividades administrativas etc.;

b) Direito Tributário e Direito Financeiro: o lançamento de tributos, a arrecadação


de receita, a efetivação da despesa pública, entre outras atividades financeiras ou
tributárias, são disciplinadas, em grande medida, pelo Direito Administrativo;

c) Direito Eleitoral: a efetivação das normas estabelecidas no Código Eleitoral (Lei


4.737/1965) e legislação correlata envolve, necessariamente, o exercício de
atividades administrativas, tais como o alistamento eleitoral, a organização da
votação, a fiscalização da propaganda partidária etc.;

d) Direito do Trabalho e Direito Previdenciário: esses dois ramos do Direito


guardam estreita relação com o Direito Administrativo, com destaque para os
órgãos e autarquias responsáveis pela fiscalização do cumprimento das normas
trabalhistas e previdenciárias, na concessão de benefícios, na aplicação de sanções,
na utilização do regime celetista para empregados das pessoas jurídicas de Direito
Privado da Administração etc.;

e) Direito Penal: a legislação penal tipifica, por exemplo, crimes contra a


Administração (arts. 312 a 359-H do CP), bem como é possível aplicar princípios
penais ao Direito Administrativo sancionador (ex.: devido processo legal, ampla
defesa, contraditório);
f) Direito Processual Civil e Penal: a organização dos tribunais, a prática de atos
administrativos, no exercício da função atípica dos magistrados, a organização da
carreira, a aplicação de sanções disciplinares, dentre outros exemplos, subordinam-
se ao Direito Administrativo, sem olvidar a aplicação, no que couber, de
determinados princípios do processo judicial ao processo administrativo;

g) Direito Civil: o diálogo entre o Direito Civil e o Direito Administrativo pode


ser exemplificado pela previsão, no Código Civil, de institutos e conceitos
importantes que são utilizados, com bastante frequência, pela Administração
Pública, naquilo que se convencionou denominar “fuga para o direito privado” (ou
publicização do privado e privatização do público), tais como os atos jurídicos, os
negócios jurídicos, os bens, as pessoas jurídicas de direito privado etc.;

h) Direito Empresarial: a celebração de contratos comerciais, a utilização de


formas societárias por pessoas instituídas pela Administração são exemplos de
relação entre o Direito Empresarial e o Direito Administrativo.

No interior do Direito Administrativo, em razão de complexidade e especialização


de determinadas áreas, verifica-se a importância crescente, por exemplo, do
Direito Regulatório, do Direito da Concorrência e do Direito Econômico.

No campo do Direito Internacional também é possível perceber a relação do


Direito Administrativo com o Direito Internacional Público e o Direito
Internacional Privado, tais como as atividades diplomáticas, a disciplina e a
organização dos órgãos internacionais, as arbitragens internacionais envolvendo
entidades da Administração.

Em razão do fenômeno da globalização, econômica e jurídica, é possível afirmar


a existência do Direito Administrativo comunitário (também denominado Direito
Administrativo europeu ou Direito Administrativo da União Europeia) e do Direito
Administrativo global
Por fim, o Direito Administrativo, assim como as demais ciências jurídicas,
relaciona-se com outras ciências não jurídicas (ex.: Economia, Sociologia), sem
que isso signifique a perda de autonomia do sistema jurídico. Destaque-se, por
exemplo, no campo da regulação e dos contratos, a utilização de conceitos
econômicos para resolver problemas legais e, por outro lado, a utilização do
Direito para influenciar a Economia (Law & Economics ou Análise Econômica do
Direito – AED)

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO E A

VALORIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

O Direito Administrativo vem passando por transformações importantes em razão


do fenômeno da constitucionalização do Direito.23 O reconhecimento da
normatividade da Constituição (Die normative Kraft der Verfassung) e de sua
superioridade hierárquica exige a adequação de todo o ordenamento jurídico ao
texto constitucional

Após a II Guerra Mundial, em virtude da indevida utilização do texto


constitucional como instrumento legitimador de práticas autoritárias, o
constitucionalismo sofreu modificações importantes e a Constituição nos países
europeus passou a ter caráter normativo, passível de invocação perante os
tribunais. O novo constitucionalismo europeu era marcado por três características
principais:

a) a ascensão do princípio democrático, após o período totalitário, como único


princípio de organização política;
b) a consagração da jurisdição constitucional concentrada, inspirada na doutrina
kelseniana; e

c) a criação de um sistema especial dos direitos fundamentais perante as maiorias


eventuais e transitórias, assegurado pela justiça constitucional.

O novo constitucionalismo (“neoconstitucionalismo”, “constitucionalismo


contemporâneo” ou “constitucionalismo avançado”) é caracterizado pela crescente
aproximação entre o Direito e a moral, especialmente a partir do reconhecimento
da normatividade dos princípios constitucionais e da crescente valorização dos
direitos fundamentais.

É importante notar que o caráter normativo da Constituição já havia sido


reconhecido na célebre decisão do juiz Marshall, no caso Marbury v. Madison, em
1803. A doutrina, todavia, tem apontado o caso Luth, julgado em 15 de janeiro de
1958 pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, como marco do processo de
constitucionalização do Direito.

A constitucionalização do Direito não pressupõe apenas colocação do texto


constitucional no topo da hierarquia do ordenamento jurídico. Trata-se, em
verdade, de processo dinâmico interpretativo de releitura (transformação) do
ordenamento jurídico que passa a ser impregnado pelas normas constitucionais.
Em consequência, a aplicação e a interpretação de todo o ordenamento jurídico
devem passar necessariamente pelo filtro axiológico da Constituição (“filtragem
constitucional”).

Os princípios constitucionais e os direitos fundamentais, nesse contexto, passam a


ter posição de destaque na ordem constitucional, pois as Constituições procuram
valer-se cada vez mais dos princípios como forma de amoldar, nos seus textos,
interesses conflitantes existentes em uma sociedade pluralista. O caráter aberto das
normas principiológicas evita o congelamento da atuação dos Poderes
Constituídos e a necessidade de se efetuarem constantes alterações formais no
texto da Constituição, o que desvalorizaria, inclusive, a sua força normativa.

Por outro lado, é possível perceber a busca por maior efetividade dos direitos
fundamentais, especialmente a partir dos crescentes instrumentos de controle da
atuação do Poder Público, por exemplo, a maior intromissão do Poder Judiciário
na análise da legalidade das omissões e das ações administrativas necessárias à
efetivação de políticas públicas e a previsão de diversos instrumentos jurídicos de
tutela dos interesses difusos (ex.: ação civil pública, ação popular etc.).

O fenômeno da constitucionalização do ordenamento jurídico abalou alguns dos


mais tradicionais dogmas do Direito Administrativo, a saber:

a) a redefinição da ideia de supremacia do interesse público sobre o privado e a


ascensão do princípio da ponderação de direitos fundamentais;

b) a superação da concepção do princípio da legalidade como vinculação positiva


do administrador à lei e a consagração da vinculação direta à Constituição;

c) a possibilidade de controle judicial da discricionariedade a partir dos princípios


constitucionais, deixando-se de lado o paradigma da insindicabilidade do mérito
administrativo;

d) a releitura da legitimidade democrática da Administração, com a previsão de


instrumentos de participação dos cidadãos na tomada de decisões administrativas
(consensualidade na Administração).

MUTAÇÕES E TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO


O Direito Administrativo tem sofrido profundas transformações nos últimos anos,
sendo possível destacar, exemplificativamente, as seguintes mutações e
tendências:

a) Constitucionalização e o princípio da juridicidade: conforme destacado no item


1.8, a constitucionalização do Direito Administrativo acarreta o reconhecimento
da normatividade primária dos princípios constitucionais (princípio da
juridicidade) e a centralidade dos direitos fundamentais, com a redefinição da ideia
de supremacia do interesse público sobre o privado; a superação da concepção
liberal do princípio da legalidade como vinculação positiva do administrador à lei
e a consagração da vinculação direta à Constituição; a possibilidade de controle
judicial da discricionariedade a partir dos princípios constitucionais; e o reforço da
legitimidade democrática da Administração por meio de instrumentos de
participação dos cidadãos na tomada de decisões administrativas.

b) Relativização de formalidades e ênfase no resultado: a busca pela eficiência


administrativa, compreendida como a efetivação dos direitos fundamentais, tem
justificado a relativização de formalidades desproporcionais, o que evidencia a
substituição da Administração Pública burocrática e formalista por uma
Administração Pública gerencial e de resultados.

c) Elasticidade do Direito Administrativo: diálogo com outras disciplinas jurídicas


(exs.: Direito Econômico, Direito Financeiro, Direito Tributário, Direito
Urbanístico) e não jurídicas (exs.: Economia, Sociologia), bem como a constatação
de que a sua aplicação não está restrita ao seio do Estado, incidindo, também, sobre
os atores privados que exercem atividades de relevância pública (ex.: Terceiro
Setor). No campo internacional, é possível mencionar, inclusive, a existência de
Direito Administrativo global, que não está restrito, necessariamente, às fronteiras
do Estado nacional (Direito Administrativo sem Estado), com destaque para a
atuação da ONU, OCDE, Banco Mundial, FMI, a organização internacional não
governamental para padronização de normas técnicas e de qualidade (ISO),
Greenpeace etc.

d) Consensualidade e participação: ao invés da atuação unilateral e impositiva da


vontade administrativa, a decisão estatal deve ser construída, na medida do
possível, a partir do consenso (exs.: mediação, acordos, parcerias) e da
participação social (exs.: consultas e audiências públicas), o que garante maior
legitimidade democrática à Administração.

e) Processualização e contratualização da atividade administrativa: o ato


administrativo, que representa a vontade unilateral da Administração, perde seu
papel de protagonista para o processo e os negócios jurídicos, que viabilizam a
participação do destinatário na formação da vontade estatal, o que garante maior
legitimidade e eficiência à atuação administrativa.

f) Publicização do Direito Civil e a privatização do Direito Administrativo: a


tradicional linha divisória entre o Direito Público e o Direito Privado, típica do
Estado Liberal de Direito, é mitigada com a publicização do Direito Civil (exs.:
aplicação horizontal dos direitos fundamentais, boa-fé objetiva, socialização e
eticidade) e a privatização do Direito Administrativo, com a “fuga para o Direito
Privado” por meio da instituição de pessoas jurídicas de direito privado (exs.:
empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais de direito
privado), da celebração de parcerias com entidades privadas (exs.: concessões e
permissões de serviços públicos, parcerias com o Terceiro Setor) e da formalização
de instrumentos jurídicos privados (exs.: contratos).

g) Aproximação entre a Civil Law e a Common Law: apesar da origem francesa,


de tradição romano-germânica (Civil Law), o Direito Administrativo brasileiro
tem sofrido fortes influências de países da tradição anglo-saxônica (Common
Law), especialmente a partir da globalização econômica e jurídica, o que pode ser
exemplificado pela consagração de princípios comuns (exs.: ampla defesa,
contraditório, devido processo legal, razoabilidade); a releitura da concepção
francesa de serviço público e a adoção da noção das public utilities, com o
reconhecimento da livre-iniciativa para prestação dos serviços de utilidade
pública; a instituição de agências reguladoras, inspiradas no modelo norte-
americano etc.

APOSTILA 6 – FONTES, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO


DIREITO ADMINISTRATIVO

Professora Leila Leiva

2. FONTES, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO


ADMINISTRATIVO

ROTEIRO:

2.1 – Fontes do Direito Administrativo;

2.2 – Lei (juricidade);

2.3 – Doutrina;

2.4 – Jurisprudência;

2.5 – Costumes;

2.6 – Precedentes Administrativos e Praxes Administrativas;


2.7 – Interpretação do Direito Administrativo;

2.8 – Integração do Direito Administrativo.

2. FONTES, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO DIREITO


ADMINISTRATIVO

2.1 – FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO:

A expressão “fonte” traduz a ideia de ponto de partida. As fontes são os meios e


as formas de revelação do Direito.

Superada a concepção positivista do Direito, as fontes do Direito Administrativo


não se resumem às normas formais oriundas do Estado ou dos detentores do poder
político, admitindo a elaboração de fontes extraestatais (ex.: direito
consuetudinário, autorregulação, lex mercatoria etc.).

A globalização (econômica e jurídica), a constitucionalização do Direito, a


especialização de funções e a descentralização do poder, entre outros fatores,
acarretaram a crise das fontes estatais e nacionais, produzidas no seio do Estado
soberano. O Direito não é produto exclusivo do Estado, mas também da sociedade
e do mercado.
Por esta razão, a interpretação e a aplicação do Direito Administrativo devem levar
em consideração a realidade social e econômica, bem como as consequências
advindas da decisão administrativa.

É possível afirmar, destarte, que o Direito não se resume ao legalismo, existindo,


portanto, uma pluralidade de fontes na atualidade.2 Em razão dos impactos
tecnológicos e do desenvolvimento de setores da economia, é possível encontrar,
no interior do próprio Estado, uma pluralidade de subsistemas jurídicos (Teoria
dos ordenamentos setoriais), pautados por princípios, conceitos e estruturas
hierárquicas específicas de cada setor (ex: telecomunicações, energia etc.)

Em virtude do fenômeno da constitucionalização do direito, percebe-se,


atualmente, a crescente centralidade constitucional da teoria das fontes do Direito,
bem como a marginalização da legalidade formal.

As fontes do Direito podem ser classificadas de diversas formas, conforme


demonstrado a seguir:

a) fontes formais: são aquelas que emanam do Estado, criadas por meio de
processos formais estabelecidos pela ordem jurídica (ex.: lei); e fontes materiais
(ou reais): são produzidas fora do ambiente institucional (ex.: costumes);

b) fontes imediatas ou diretas: são aquelas que possuem força suficiente para gerar
normas jurídicas (ex.: lei e costume); e fontes mediatas ou indiretas: não possuem
força suficiente para produção de normas jurídicas, mas condicionam ou
influenciam essa produção (ex.: doutrina e jurisprudência);

c) fontes escritas (ex.: lei em sentido amplo) e fontes não escritas (jurisprudência,
costumes e os princípios gerais de direito).
As fontes do Direito Administrativo são: a lei (juridicidade), a doutrina, a
jurisprudência, os costumes e os precedentes administrativos

LEI (JURIDICIDADE)

A lei, como fonte do Direito Administrativo, deve ser considerada em seu sentido
amplo para abranger as normas constitucionais, a legislação infraconstitucional, os
regulamentos administrativos e os tratados internacionais.

Trata-se da ideia de juridicidade segundo a qual o administrador deve respeitar a


lei e o Direito. Em virtude do processo de constitucionalização do ordenamento
jurídico, o Direito Administrativo deve ser (re)interpretado à luz do texto
constitucional, fato que demonstra a necessidade de releitura de alguns institutos
jurídicos clássicos para se adequarem aos direitos fundamentais e demais normas
constitucionais vigentes.

DOUTRINA

A doutrina, compreendida como as opiniões dos estudiosos sobre institutos e


normas do Direito, também deve ser considerada como fonte material (não formal)
do Direito Administrativo.

Ainda que as opiniões dos autores não tenham força vinculativa, certo é que elas
possuem uma imperatividade lógica que influencia o administrador, o juiz e o
legislador.

Por essa razão, a doutrina, ainda que não seja considerada fonte formal, exerce
influência fática e decisiva na compreensão e na aplicação do Direito.9 Mencione-
se, por exemplo, a “Escola do serviço público” ou “Escola de Bordeaux” que, no
início do século XX, a partir da doutrina de Léon Duguit e Gaston Jèze, foi
responsável pela teorização do serviço público, base do Direito Administrativo
francês.
JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência, que reflete as decisões reiteradas dos tribunais sobre


determinado tema, representa, atualmente, importante fonte do Direito.

A relevância do papel da jurisprudência é reforçada pelo fenômeno da


judicialização do Direito e pelo reconhecimento da força vinculante de
determinados entendimentos consagrados no âmbito do STF (teoria da vinculação
aos precedentes), com destaque para as decisões de mérito proferidas nas ações
diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade
(art. 102, § 2.º, da CRFB), bem como na hipótese de aprovação de súmula
vinculante (art. 103-A da CRFB, regulamentado pela Lei 11.417/2006). Mencione-
se, como exemplo da importância do papel da jurisprudência no processo de
formação do Direito Administrativo, a decisão do STF que reconheceu a
efetividade do direito de greve dos servidores estatutários, ainda que ausente a lei
regulamentadora exigida pelo art. 37, VII, da CRFB, com fundamento na aplicação
analógica da Lei 7.783/1989 que trata da greve dos celetistas em geral.

COSTUMES

Os costumes revelam o comportamento reiterado e constante do povo, encontrado


em determinado espaço físico e temporal, que possui força coercitiva. Existem dois
elementos inerentes aos costumes:

a) elemento objetivo: repetição de condutas; e

b) elemento subjetivo: convicção de sua obrigatoriedade.

Os costumes podem ser divididos em três espécies:

a) secundum legem: é o previsto ou admitido pela lei;


b) praeter legem: é aquele que preenche lacunas normativas, possuindo caráter
subsidiário, conforme previsão contida no art. 4.º da LINDB; e

c) contra legem: é o que se opõe à norma legal.

A consagração do costume como fonte autônoma do Direito Administrativo não é


livre de polêmicas. Parte da doutrina nega a possibilidade de reconhecimento do
denominado “Direito Administrativo consuetudinário”, uma vez que a sua
observância depende do seu acolhimento pela lei, como ocorre, por exemplo, no
Direito Tributário (art. 100 do CTN). Outra parcela da doutrina sustenta que os
costumes somente são considerados fontes quando criam direitos para os
particulares perante a Administração, sendo vedada a instituição de deveres em
razão do princípio da legalidade.

Entendemos que, ressalvado o costume contra legem, o costume é fonte autônoma


do Direito Administrativo. A releitura do princípio da legalidade, com a superação
do positivismo, a textura aberta de algumas normas jurídicas e a necessidade de
consideração da realidade social na aplicação do Direito demonstram que os
costumes devem ser considerados como fontes do Direito Administrativo. Os
costumes podem derivar de comportamentos reiterados da própria Administração
(praxe administrativa). Ex.: determinação do Chefe do Executivo para não
cumprimento de lei que entender inconstitucional, mesmo ausente decisão
definitiva do Poder Judiciário nesse sentido.

PRECEDENTES ADMINISTRATIVOS E PRAXES ADMINISTRATIVAS

Por fim, os precedentes administrativos também devem ser considerados como


fontes do Direito Administrativo.

O precedente administrativo pode ser conceituado como a norma jurídica retirada


de decisão administrativa anterior, válida e de acordo com o interesse público, que,
após decidir determinado caso concreto, deve ser observada em casos futuros e
semelhantes pela mesma entidade da Administração Pública.

O precedente administrativo pode surgir da prática reiterada e uniforme de atos


administrativos em situações similares. Todavia, a reiteração de decisões em casos
semelhantes não é uma condição necessária para a criação do precedente, ainda
que esse fator contribua para maior estabilidade do ordenamento e confiança dos
administrados. Em verdade, uma única decisão administrativa pode ser
considerada precedente administrativo a ser seguido em casos semelhantes.

A teoria dos precedentes administrativos é aplicada em relações jurídicas distintas


que apresentam identidade subjetiva (mesmo ente federativo e/ou a mesma
entidade administrativa) e objetiva (semelhança entre os fatos envolvidos no
precedente administrativo e no caso atual).

Ademais, a teoria pressupõe a legalidade do precedente (a Administração não pode


ser obrigada a seguir, indefinidamente, precedentes ilegais) e a inexistência de
justificativa relevante e motivada para alteração do precedente (a teoria não
acarreta o congelamento definitivo da ação estatal, admitindo-se a superação dos
precedentes em razão de transformações jurídicas, sociais, econômicas, entre
outros fatores).

A força vinculante do precedente administrativo decorre da necessidade de


segurança jurídica, de vedação da arbitrariedade, de coerência e de aplicação
igualitária da ordem jurídica.

A inaplicabilidade do precedente ao caso atual pode ocorrer, de forma motivada,


em duas situações:

a) distinguishing: quando o administrador demonstrar diferenças substanciais


entre o caso atual e o precedente que justifiquem a adoção de solução jurídica
diversa; e

b) overruling: quando o administrador demonstrar, por exemplo, uma das


seguintes justificativas:
b.1) o precedente apresentou interpretação equivocada da legislação,

b.2) as alterações econômicas, sociais ou políticas justificam nova orientação para


o atendimento do interesse público,

b.3) as consequências práticas oriundas do precedente se mostram contrárias ao


interesse público; e

b.4) a norma utilizada no precedente é ilegal ou inconstitucional.

Nesses casos, é possível aplicar a teoria denominada prospective overruling,


segundo a qual os tribunais, ao mudarem suas regras jurisprudenciais, podem, por
razões de segurança jurídica (boa-fé e confiança legítima), aplicar a nova
orientação apenas para os casos futuros. Assim, por exemplo, no âmbito do
controle de legalidade dos atos administrativos, a autoridade administrativa pode
determinar a incidência de efeitos prospectivos de suas respectivas decisões a
partir da aplicação analógica do art. 27 da Lei 9.868/1999 ou de regras específicas,
como ocorre no Estado do Rio de Janeiro (art. 53, § 3.º, da Lei 5.427/2009)

Em determinadas hipóteses, o caráter vinculante dos precedentes tem previsão


legal expressa, como ocorre, por exemplo, no caso do art. 40, § 1.º, da LC 73/1993,
que institui a Lei Orgânica da AGU, ao dispor que o parecer aprovado e publicado
com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e
entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

O precedente administrativo, em princípio, somente é exigível quando estiver em


compatibilidade com a legislação. É possível, contudo, que, excepcionalmente,
mesmo em relação aos atos ilegais, os precedentes administrativos retirem a sua
força vinculante dos princípios da confiança legítima, da segurança jurídica e da
boa-fé.
A praxe administrativa, por sua vez, é a atividade interna, reiterada e uniforme da
Administração Pública na aplicação das normas e atos jurídicos (exemplo: a
pesquisa de preços na fase interna da licitação ou na dispensa de licitação, com a
obtenção de, no mínimo, três orçamentos de fornecedores distintos)

A praxe administrativa não se confunde com os precedentes administrativos.


Enquanto os precedentes envolvem decisões administrativas em casos concretos e
que devem ser respeitadas em casos semelhantes, a praxe administrativa envolve
a atividade de rotina interna da Administração.

Outra diferença que pode ser mencionada refere-se ao fato de que o precedente não
exige reiteração de decisões administrativas no mesmo sentido, sendo suficiente
uma decisão administrativa para que esta seja considerada precedente a ser
observado em casos semelhantes. A praxe administrativa, assim como os
costumes, pressupõe a reiteração uniforme de condutas internas da Administração.

De qualquer forma, as referidas diferenças não são tão significativas, uma vez que
as duas hipóteses refletem comportamentos administrativos ou manifestações
jurídicas que repercutem de forma semelhante na ação estatal e nos interesses dos
cidadãos

INTERPRETAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

A interpretação consiste na tarefa de descobrir ou precisar o significado e a


amplitude das normas vigentes. Trata-se de atividade constitutiva na medida em
que produz as normas jurídicas que serão aplicadas aos casos concretos ou
hipotéticos.

O direito não pode ser desconectado dos fatos. As disposições genéricas e abstratas
devem ser conformadas à realidade com o objetivo de garantir a justiça e a
equidade. O texto legal é ponto inicial da interpretação e da aplicação das normas
jurídicas que deve ser complementado com a realidade. Isso significa que a
interpretação jurídica é contextualizada, isto é, o sentido da norma depende do
respectivo contexto histórico, social, econômico e político em que se encontra
inserida.

Existem, por certo, significados mínimos que antecedem o processo de


interpretação. As palavras, utilizadas pelo texto, limitam e condicionam, de alguma
forma, as possibilidades de significados que podem ser atribuídos pelo intérprete.
Ainda que impreciso o conceito previsto na lei (conceito jurídico indeterminado),
é possível extrair da expressão uma “certeza negativa” (situações que certamente
não se inserem no conceito) e uma “certeza positiva” (hipóteses que certamente se
encaixam no conceito). Entre essas duas “zonas de certezas”, existe a chamada
“zona de penumbra” ou “de incerteza” em que a definição do conceito demanda
uma criatividade maior do intérprete.

É por essa razão que não se deve confundir o texto da lei ou o dispositivo legal
com o conceito de normas jurídicas. Por mais precisa que seja a disposição legal,
sempre será necessária a interpretação, não devendo ser admitida a máxima in
claris non fit interpretatio. A clareza dos dispositivos legais somente pode ser
auferida após o processo de interpretação. Em outras palavras: a clareza não é a
premissa, mas resultado da interpretação.
As experiências e as compreensões prévias do intérprete, desde que não sejam
arbitrárias, influenciam na busca dos sentidos dos textos normativos. Frise-se, no
entanto, que a pré-compreensão, momento inicial da interpretação, significa
apenas a antecipação prévia e provisória do resultado da busca do sentido da
norma, devendo, portanto, ser finalizada com a análise do caso concreto à luz do
ordenamento vigente. A interpretação dos dispositivos legais acarreta a produção
de normas jurídicas: a interpretação é o caminho; a norma é o ponto de chegada.

Tradicionalmente, duas teorias buscaram fundamentar a teoria da interpretação:

a) mens lesgislatoris (subjetiva): a interpretação busca compreender a vontade do


legislador;

b) mens legis (objetiva): o objetivo da interpretação é encontrar a vontade da lei.


Tem prevalecido a teoria objetiva, especialmente pelo fato de ser impossível
admitir a existência, no interior do complexo processo legislativo, da vontade de
um legislador consagrada no texto da lei.

Quanto à origem, a interpretação normalmente é classificada em três categorias:

a) autêntica: é a interpretação pelo próprio legislador que elabora normas (“leis


interpretativas”) destinadas ao esclarecimento de outras normas jurídicas;

b) judicial: é a interpretação por órgãos do Poder Judiciário; e

c) doutrinária: é a interpretação levada a efeito pela doutrina.

Existem vários caminhos possíveis que podem ser percorridos na busca da mens
legis (interpretação objetiva). São os chamados métodos de interpretação, que
podem ser enumerados da seguinte forma:

a) interpretação lógico-gramatical: a atividade interpretativa tem por objetivo


compreender os significados das palavras utilizadas pela norma;
b) interpretação histórica: esse método leva em consideração o momento histórico
(occasio legis) em que a norma foi elaborada;

c) interpretação sistemática: as normas devem ser compreendidas como integrantes


do sistema jurídico, dotado de unidade e harmonia, razão pela qual não podem ser
interpretadas de maneira isolada;

d) interpretação teleológica: a interpretação deve revelar a finalidade da norma


(ratio legis) no momento de sua aplicação.

Todos os métodos de interpretação acima citados são importantes e devem ser


considerados pelo intérprete. Todavia, diante dos denominados “casos difíceis”,
em que a utilização dos diferentes métodos leva a resultados diferentes no caso
concreto, a doutrina tem dado primazia aos métodos sistemático e teleológico. A
interpretação sistemática do Direito Administrativo, em razão de sua autonomia
científica, deve levar em consideração, preponderantemente, as normas de direito
público, e não as normas de direito privado, bem como deve ser pautada pela maior
proteção e efetividade dos direitos fundamentais.

INTEGRAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O ordenamento jurídico possui lacunas, pois não é possível ao legislador antecipar


e englobar nas normas jurídicas toda a complexidade inerente à vida em sociedade.

A existência de lacunas não justifica, todavia, a inaplicabilidade do Direito. Nesse


sentido, é imperiosa a utilização de instrumentos de integração do sistema jurídico
para suprir as eventuais lacunas, tais como a analogia, os costumes e os princípios
gerais de Direito (art. 4.º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro).
A analogia decorre da máxima ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio, ou
seja, onde existe a mesma razão, deve ser aplicada a mesma disposição, o que
decorre do princípio da igualdade. Existem duas espécies de analogia:

a) analogia legal ou legis: aplica-se a regra que regula caso semelhante ao caso não
regulado por regra alguma; e

b) analogia jurídica ou iuris: busca-se no sistema jurídico (e não em dispositivo


específico) a norma que será aplicada ao caso não normatizado.

Enquanto a analogia legis busca regra existente aplicável a caso semelhante, a


analogia iuris procura nos princípios gerais de Direito a solução para integração da
lacuna.

Tanto a analogia legis quanto a analogia iuris podem ser utilizadas para supressão
de lacunas no Direito Administrativo. No entanto, a legitimidade da utilização da
analogia depende do respeito ao princípio federativo, bem como da necessidade de
prestigiar a autonomia desse ramo do Direito. Por essa razão, a analogia deve ser
feita, preferencialmente, com normas jurídicas de Direito Administrativo,
sobretudo com base nas normas editadas pelo Ente Federado respectivo ou com
base nas normas gerais ou constitucionais, devendo ser evitada a aplicação
analógica de normas de Direito Privado. Ex.: aplicação analógica do art. 21 da Lei
4.717/1965, que estabelece o prazo prescricional de cinco anos para propositura da
ação popular, à ação civil pública.

Por fim, a analogia não pode ser utilizada para fundamentar a aplicação de sanções
ou gravames aos particulares, especialmente no campo do poder de polícia e do
poder disciplinar.
E-mail: leila_leiva@yahoo.com.br

ASSUNTOS DAS AULAS MINISTRADAS POR

José Maria Pinheiro Madeira

Pós-Doutor em Direito Público pela Cambridge Internacional University. Pós


Doutorado em Administração Pública pela Emil Brunner Word University. Doutor em Filosofia
da Administração Pública Mestre em Direito do Estado. Doutor em Ciências Jurídico-Sociais.
Doutor honoris causa em Ciência Política e Administração Pública pela Emil Brunner University.
Mestre em Direito do Estado.
Procurador Legislativo (aposentado). Professor Emérito da
Universidade da Filadélfia. Professor Palestrante da Escola de Magistratura do Rio de
Janeiro. Professor Coordenador de Direito Administrativo da Universidade Estácio de
Sá. Professor do Curso de Pós Graduação da Fundação Getúlio Vargas. Coordenador
Geral da Área de Graduação do Grupo Lusófona (Portugal/Brasil – RJ). Presidente da
Academia Nacional de Juristas—ANAJ -. Membro titular de inúmeras bancas
examinadoras de Concursos Públicos, a nível Federal e Estadual.

PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO:

3.1. A força normativa dos princípios no pós -positivismo: distinção entre


princípios e regras
O estudo do Direito Administrativo, no Brasil, até hoje não foi codificado. Temos,
na realidade, legislação esparsa. Daí que os PRINCÍPIOS são de vital importância na
ausência de um sistema legal codificado.

O princípio jurídico é norma de hierarquia superior a das regras. É incorreta


a interpretação da regra, quando dela se choca contra os princípios. E tem mais: na
ausência de regra específica para regular dada situação, utilizam-se os princípios.
Há um caso interessantíssimo, julgado recentemente pelo TJ/RJ. Caso de
probabilidade de “cola” em concurso público da Polícia Civil. A título de ilustração, segue
recente decisão do STJ:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA. COLA OU FRAUDE.
NÃO CONSTATAÇÃO. EXCLUSÃO DO CERTAME. IMPOSSIBILIDADE.
Se a Administração, durante a realização das provas, não constatou a
existência de fraude ou cola, verifica-se a impossibilidade de excluir
candidatos do certame, pelo fato de coincidência de acertos e erros nas
questões. Sentença reformada”. (0001348-88.2004.8.19.0008) - APELAÇÃO

Probabilidade de cola não tem nada a ver com PROVAS INEQUÍVOCAS. Fere
os Princípios da Presunção de Inocência, da Moralidade, da Motivação. Como pode a
Administração Pública eliminar discricionariamente um candidato diante de tal
circunstância? Os dois candidatos eram concurseiros, sempre estudavam juntos,
frequentavam os mesmos cursinhos.
É com base nos princípios que possamos equacionar situações concretas.
Caros alunos, nunca se invocaram tanto os princípios como hoje. Estamos, sem
sombra de dúvida, vivendo a era principiológica do Direito. Por isso mesmo, na
atualidade, é bastante fácil encontrar decisões judiciais, do próprio STF e do STJ,
unicamente fundamentada em princípios. Violar um princípio é muito mais grave que
transgredir uma regra.
Solicito a atenção de todos que, às vezes, a só utilização de uma norma- regra pode
levar a uma tremenda injustiça e estaríamos condenados a viver numa sociedade fechada.
Um bom exemplo vale mais do que mil palavras! Vejamos, pois, na praticidade:
um particular prestou um serviço para a Administração Pública, via contrato verbal, mas
não recebe a remuneração.

Atenção!
Pela leitura do Art. 60, da Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93), é
estabelecida a norma pela qual não é possível a celebração de contrato verbal com a
Administração (salvo as exceções previstas no §único, do mencionado artigo), sendo nulo
e não produzindo efeitos.
Quais efeitos? Um dos efeitos é exatamente o pagamento. Como fica essa
situação? A doutrina e o STJ entendem que a Administração tem que pagar ao particular.
Nesse caso prático, há a colisão do artigo da lei versus princípio da moralidade.
Questionamos: é justo o Estado se beneficiar às custas do particular? De certo, que não,
pois haveria o enriquecimento ilícito do Estado. O Estado tem que prezar pela moralidade,
tem que ser o exemplo, o modelar, o protótipo. Portanto, havendo colisões entre
dispositivo da lei e um princípio, numa situação concreta, significa que princípio
prevalecerá.
Princípio é a base, é o alicerce, é o que sustenta todo edifício jurídico. Princípios
são diretrizes e vetores a serem seguidos. Princípio é uma autêntica bússola. Princípio
serve como método interpretativo. Então, pelos exemplos dados, verifica-se que o
princípio define a lógica, a racionalidade. Os princípios se diferenciam das meras regras
por serem mais abrangentes. Princípios traduzem valores a serem seguidos. Nos
princípios, há alto nível de abstração; nas regras, baixo nível de abstração.
Não esqueçamos que os princípios que regem a Administração Pública configuram-
na no seu aspecto funcional ou objetivo, isto é, demonstram como deve ser o
funcionamento das diversas estruturas administrativas constituídas nos níveis federal,
estaduais, distrital e municipais de nosso país.
Afora isso, tais a observância de tais princípios, entre outras vantagens, cria a
necessária uniformidade para o funcionamento dessas administrações, o que facilita o
relacionamento do administrado com o Estado brasileiro, pois as regras a serem acatadas
terão como fundamento exatamente esses princípios.
Finalizando, como se observa facilmente, violar um princípio é muito mais grave
de que se violar um artigo de determinada lei, a ponto que a Lei de Improbidade
Administrativa faz alusão de que transgredir, infringir e violentar um princípio, está
cometendo conduta de Improbidade Administrativa, nos termos do Art 11, da Lei
8429/92. Portanto, improbidade administrativa não é só desvio de verba ou intentos
corruptíveis contra a Administração Pública.
A doutrina costuma dividir os princípios em: Princípios Expressos (ou
Específicos) e Princípios Implícitos (ou Inespecíficos ou Reconhecidos).
Princípios Expressos são aqueles taxativamente previstos no texto normativo,
como aqueles elencados no caput do Art. 37, da Constituição. Já os Princípios Implícitos
são aqueles que não constam isoladamente do texto normativo, sendo reconhecidos a
partir de uma elaboração doutrinária ou mesmo jurisprudencial.
Há livros utilizando a expressão “Princípios Fundamentais”, o que é um
pleonasmo, redundância. Se são princípios, de certo que são fundamentais, pois
fundamental é aquilo que já possui valoração própria, tal qual ocorre com os princípios.
Havendo colidência entre os princípios, o máximo que poderá ser feito será a ponderação
entre os princípios conflitantes, conforme o caso concreto.
A resolução do conflito entre princípios pode se dar pela utilização do postulado
da proporcionalidade, que guiará o processo de ponderação entre tais princípios, de modo
a se buscar racionalidade, equilíbrio e aceitável aproximação entre os ideais de justiça e
de segurança.
O mencionado postulado da proporcionalidade, desenvolvido por Robert Alexy,
subdivide a proporcionalidade (alguns a tratam como postulado, outros como princípio)
em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu. Nessa
exata sequência, os subprincípios vão ser empregados, no conflito de princípios em
concreto, até ser encontrada a melhor solução.
Desse modo, os três suprincípios mostram-se como passos metodológicos rumo à
resolução do impasse gerado pela colidência principiológica até então existente.
O sistema constitucional do Direito Administrativo funciona como uma rede
hierarquizada de princípios, regras e valores, que exige não mais o mero respeito à
legalidade estrita, mas vincula a interpretação de todos os atos administrativos a respeito
desses princípios. A função administrativa encontra-se subordinada às finalidades
constitucionais e deve pautar as suas tarefas administrativas no sentido de conferir uma
maior concretude aos princípios e regras constitucionais, uma vez que estes não figuram
como enunciados meramente retóricos e distantes da realidade, mas possuem plena
juridicidade.

Antes de analisar os princípios que regem a Administração Pública, cabe


novamente acentuar que esses princípios se constituem mutuamente e não se excluem,
não sendo jamais eliminados do ordenamento jurídico; sua função programática é
fornecer as diretrizes situadas no ápice do sistema a serem seguidas por todos os
aplicadores do direito.

Contudo, por ser o Direito Administrativo um ramo relativamente novo e de


elaboração pretoriana, convém observar que este é auxiliado pelas bem qualificadas
interpretações doutrinárias, que não só procuram consolidar seus institutos, mas também
contribuir, didaticamente, ao classificar seus princípios informadores, como assim o faz
Diogenes Gasparini, para quem os princípios podem ser onivalentes, plurivalentes e
monovalentes.

Os princípios onivalentes são os que valem para qualquer ciência, a exemplo do


princípio de não-contradição, ou seja, duas proposições não podem ser, simultaneamente,
verdadeiras e falsas. Os plurivalentes, por sua vez, são princípios comuns a um grupo de
ciências, como, por exemplo, o princípio da causalidade, que informa as ciências naturais:
à causa corresponde um dado efeito. Já os princípios monovalentes são aqueles aplicáveis
a uma única ciência, a exemplo do princípio da legalidade para o Direito.

Seguindo essa classificação, Gasparini ainda divide os princípios monovalentes


em gerais e específicos: os gerais seriam aqueles que só valem para um ramo de uma
determinada ciência, como é o princípio da supremacia do interesse público (no embate
entre o interesse público e o privado há de prevalecer o interesse público), que só é
aplicável ao Direito Público; e os específicos, que são os que valem somente para uma
parte de um ramo de certa ciência, nos moldes do princípio da continuidade do serviço
público, que só é válido para o Direito Administrativo.

Já para Edmir Netto de Araújo e Maria Sylvia Zanella Di Pietro1, por exemplo, os
dois princípios fundamentais que decorrem da bipolaridade do Direito Administrativo –
liberdade do indivíduo e autoridade da Administração – são os princípios da legalidade
(expressamente mencionado na Constituição, art. 5o, II) e o da supremacia do interesse
público sobre o particular (relaciona-se com a noção de potestade pública), de onde se
construiriam todos os demais.

Seja como for, embora essa classificação apresente variações, há unicidade para o
fato de que “não se pode encontrar qualquer instituto do Direito Administrativo que não
seja informado pelos respectivos princípios”, observa José dos Santos Carvalho Filho,
citando José Cretella Júnior, uma vez que os princípios revelam as diretrizes fundamentais
da Administração, cuja conduta só poderá ser considerada válida se estiver com eles
compatível.

3.2.1. Princípio da legalidade (juridicidade)

O princípio da legalidade, um dos principais ideais da Revolução Francesa, que


acabou por justificar a criação do próprio Direito Administrativo, é enunciado na
Constituição Federal, geográfica e topograficamente falando, duas vezes: a primeira
encontra-se no art. 5o, II, cuja enunciação é oriunda da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de que legalidade consiste em que ninguém está obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei; e, pela segunda vez, no art. 37,
caput, que o repete como um dos princípios da Administração – o princípio da legalidade.

Mas, se já mencionado no art. 5o, II, qual então o sentido dessa repetição no art.
37, caput? Tal se justifica pelo fato de que o enunciado no art. 5o, II, se aplica aos
particulares, sendo certo que a eles é permitido fazer tudo o que a lei não veda, enquanto
que a Administração deve agir conforme a lei. Como diz o professor Caio Tácito, o

1
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 67.
administrador nunca age por vontade própria, mas é sempre um concretizador da vontade
previamente manifestada na lei.

Em outros termos, quando aplicada ao particular, a legalidade é, como diz a


doutrina portuguesa, identificada como a vinculação negativa à lei, ou seja, a lei é como
mero limite da liberdade ou da autonomia privada dos particulares, que estão autorizados
a fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, não veda. Já em relação à Administração Pública,
a legalidade tem como conteúdo, não de limite externo, mas de condição para ação, o que
os portugueses chamam de vinculação positiva à lei, ou seja, a lei é algo que não só limita,
mas preordena toda e qualquer ação administrativa.

E qual é o fundamento dessa distinção, qual seja, porque a legalidade, quando


aplicada aos particulares, tem um conteúdo negativo de limite e, quando aplicada à
Administração, tem um conteúdo positivo de condição? A lei é, idealmente, a
manifestação de vontade dos titulares dos direitos ou interesses pelos quais cabe a
Administração zelar. Consequentemente, a lei é o fundamento de validade de qualquer
ação administrativa, que, na verdade, apenas concretiza a vontade popular expressa pelo
Legislativo. Essa é a visão clássica.
O Estado, hoje, só pode agir quando autorizado por Lei, ou seja, o administrador
é um autêntico robô da lei. Somente a lei pode criar dever e obrigações ao particular.
Logo, a Administração não pode, por simples ato administrativo, impor obrigações a
terceiros, extinguir e criar direitos. Ato administrativo não é lei. O ato administrativo tem
um papel secundário. Havendo uma colisão entre a lei e um ato administrativo, a lei
prevalece e o ato será nulo.

A grande virtude do Estado Democrático de Direito é que ninguém está acima da


lei.
Em certa ocasião, o Presidente da República, expediu o Decreto do Programa
Nacional de Direitos Humanos, impedindo que, em matéria de reintegração de posse de
terras, o juiz expeça liminar, sem antes esgotar a esfera administrativa (mediação). Tal
decreto está na contra mão do mencionado artigo constitucional.
Vale aqui, a respeito do tema, relembrar, no entanto, que somente a Constituição
Federal pode estabelecer a restrição, a exceção.
Por exemplo, há a alusão à exceção prevista no art. 217 § 1º da Constituição Federal
em que o Poder Judiciário só admitira ações relativas às competições desportivas, como,
por exemplo, transferência e expulsão de jogador, qualquer ação que envolva discussão
sobre contrato de emprego especial (formal) entre atleta desportivo e seu empregador
(entidade de prática desportiva) deve ser apresentado diretamente na Justiça Desportiva,
que é privada e outro assunto pertinente da seara desportiva ( ler o § 2º do art. 217 da
CF).
O objetivo geral, após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, foi justamente
para evitar a paralisação de campeonatos quando o objeto da lide for por competições
desportivas. Dentro desse contexto, a Constituição impôs à justiça desportiva prazo
máximo para proferir a decisão final, que é de sessenta dias, contados da instauração do
processo administrativo. Como se pode deduzir, após o prazo estipulado (CF, art. 217,
§2º), o Poder Judiciário poderá conhecer da controvérsia.
Só para finalizar o tema é bom frisar que a justiça desportiva não é uma justiça
autônoma nem integra o Poder Judiciário. Trata-se de um órgão, de cunho administrativo
pertencente ao Ministério da Educação e do Desporto.

Exemplos para fixar melhor


Caso Concreto 1 - Casas invadidas pelas enchentes tiveram isenção do IPTU por
decreto. O prefeito só poderia ter praticado tal ato se estivesse respaldado por lei. O que
fez um cidadão? Em nome da moralidade pública, postulou e prosperou em uma ação
popular, anulando tal benefício.
Caso Concreto 2 - Prefeito que impediu, por meio de decreto municipal, o uso
de minissaia nas ruas desse município, atendendo a pressão da Igreja. Consequentemente,
o ato foi anulado.
Caso Concreto 3 - Para se estabelecer o rodízio de veículos, deve ser elaborada
uma lei nesse sentido e jamais por decreto poderia ser estabelecida essa proibição, porque
somente a lei pode extinguir, criar direitos e impor obrigações ao particular. Ato
administrativo não é lei.
A vontade da Administração Pública é a vontade da lei. No direito Administrativo
não há espaço para a liberdade, autodeterminação, arbítrio e bel prazer das partes,
exatamente porque o poder público está enclausurado e amarrado ao estrito cumprimento
da norma.
Diferentemente do que ocorre no direito privado, no qual não havendo proibição
legal, pode prevalecer a autonomia da vontade das partes. Em decorrência disso, a
Administração não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer
espécie, criar obrigações ou impor vedações.
E, por fim, cabe mencionar que o princípio da legalidade não significa somente
que a Administração só pode agir de acordo com a reserva da lei. Hoje, a concepção atual
determina que o princípio da legalidade está intimamente ligado à vedação da ofensa aos
demais princípios.
3.2.2. Princípio da impessoalidade
O que quer dizer impessoalidade? Justamente a característica de não pertencer a
uma pessoa em particular. Prefixo IN, já traduz a ideia de negação. Portanto, vigora a
imparcialidade.
O princípio da Impessoalidade, consagrado no caput do art. 37, é a primeira vez
que aparece em nossa Constituição Federal e nada mais é que um sinônimo clássico do
princípio da finalidade pública, visando somente o atingimento da coletividade e não visa
interesse privado, sob pena de caracterizar o desvio de finalidade.
Trata-se de inconstitucionalidade a criação de norma editalícia impedindo que
candidatos com tatuagens participem de concursos públicos, salvo se violar valores
constitucionais ou morais. Em razão da restrição de porte de tatuagem, jamais impediria
ou dificultaria o concursado em exercer funções próprias do cargo.
Diante desse quadro, resta concluir que toda rua é logrador público. A expressão
“rua particular” é inexistente. Isso é um absurdo! Fere o princípio da impessoalidade.
Mas, houve aprovação, por via lei, transformando o logradouro público em rua via
particular? O comando da lei é inconstitucional. Pergunto: Como se pode pegar uma
rua, mesmo sem saída, cedendo um bem de uso comum do povo, para meia dúzia de
moradores?! Trata-se de uma agressão ao direito de ir e vir. A rua não é do morador!
Agora, diferentemente das vias internas que estão dentro do condomínio
particular. “Via interna” não é mais logrador público. Aí, tudo bem. Do portão para lá,
só pode adentrar morador ou com anuência do proprietário/inquilino.
Outra grande dor de cabeça! “Praia particular! Não entre!”. Isso é estarrecedor.
As praias são bem de uso comum do povo. Não existe praia particular! O que existe são
propriedades particulares que vão dar na praia. Evidentemente, que não se pode invadir
à propriedade particular para chegar à praia! “Praia particular” é expressão irreal,
inválida, por ferir o princípio da impessoalidade.
A primeira acepção é justamente o da impessoalidade como projeção da isonomia,
isto é, impessoalidade no sentido de não pertencer a uma pessoa em particular, ou seja,
aquilo que não pode ser aplicado, especialmente, a pessoas determinadas; é uma
característica genérica da coisa que não pertence à pessoa alguma, e é isso que a atividade
da Administração Pública deve fazer: destinar-se a todos os administrados, à sociedade em
geral, sem determinação ou discriminações que tenham o conteúdo de um privilégio odioso,
não fundamentado em valores constitucionais. Como regra, portanto, toda ação
administrativa deve dispensar tratamento igual a todos os administrados, não podendo a
Administração Pública, evidentemente, estabelecer tratamentos diferenciados,
beneficiando determinadas pessoas ou empresas.

Então, seriam decorrências do princípio da impessoalidade regras, mesmo


constitucionais, como a regra do concurso público, prevista no art. 37, II; a regra da
licitação prevista também no art. 37, XXI; e a regra no sistema de precatórios prevista no
art. 100, que impõe um dever de pagamento das dívidas judiciais da Fazenda Pública,
tendo como critério exclusivo o critério cronológico de apresentação dos precatórios, aqui
então se apresentando, somente a título de fixação, o seguinte esquema:

PRINCÍPIO DA
IMPESSOALIDADE

Exemplos
Na Administração Pública, Toda ação administrativa
este princípio deve revelar deve dispensar tratamento
a impessoalidade como igual a todos os Concurso Público Precatório Licitação
projeção da ISONOMIA. administrados. Art. 37, II, CFRB Art. 100, CFRB Art. 37, XXI, CFRB

Aqui há uma discussão envolvendo quais são as discriminações odiosas e quais


são as discriminações legítimas que a Administração Pública pode fazer, mas que são
questões mais afetas para o Direito Constitucional, uma vez que isso interfere,
necessariamente, com o entendimento sobre direitos fundamentais e o princípio da
isonomia, que é o campo próprio do Direito Constitucional, mas que será muito discutido
no Direito Administrativo quando se discute, por exemplo, certos critérios de concursos
públicos, critérios de licitações públicas. Quais são as especificações dos editais e quais são
as exigências que podem constar de concursos públicos, de acordo com os fins, com os
propósitos dos concursos e dos editais de licitação?
Importante registrar, portanto, que o princípio da isonomia possui duas vertentes:
a) isonomia formal: todos são iguais perante a lei (igualmente livre para os atos
da vida civil). As normas jurídicas não poderão conter distinções que não
sejam autorizadas pela própria Constituição. Essa exigência é dirigida àqueles
que criam as normas jurídicas gerais, bem como àqueles que as aplicam ao
caso concreto.
b) Isonomia substancial: adotada pela própria Constituição Federal, visando
tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais. Nesse caso, a lei
estabelecerá critérios, “fatores de desigualação”. Por exemplo, sexo, cor.

E mais do que isso, quais são as circunstâncias envolvendo a prestação de serviços


públicos no exercício do poder de polícia, dentre outras coisas, que justificam que a
determinadas pessoas sejam concedidos tratamentos diferenciados mais benéficos que a
outras? Tudo isso terá, no plano Constitucional, um tratamento adequado, mas que
envolverá necessariamente a ação da Administração Pública.

A segunda acepção do princípio da impessoalidade não tem a ver com o princípio


da isonomia, mas com a estrutura interna da Administração. Impessoalidade, nesse
sentido, significa que os atos da Administração Pública não são imputáveis, não são
atribuíveis, aos agentes públicos que os praticam.

Em outras palavras, quando uma determinada ação administrativa é praticada,


quem age é a Administração Pública através de um elemento humano seu, que não se
confunde, evidentemente, com a pessoa física do agente público. Essa tese adotada pelo
Direito Administrativo brasileiro é chamada de Teoria do Órgão.

Foi só com a Teoria do Órgão que surgiu a Imputação Volitiva, uma expressão
complicada, mas cuja ideia é simples, qual seja, a de que o agente público não representa,
seja contratual ou legalmente, a Administração. Ele, na verdade, é o braço vivo da
Administração em ação. Para usar um termo que os membros do Ministério Público
gostam muito: ele não representa o MP, mas ele é o próprio MP vivo. Assim, o agente
público é a Administração Pública viva, em ação. Isso significa que a vontade manifestada
pelo agente público é a vontade da Administração. Pelo menos naquele caso, é a vontade,
a ação que a Administração Pública escolheu manifestar através do seu braço humano.
Assim, a imputação da vontade manifestada pelo agente público é imediata à própria
Administração Pública. E uma ilegalidade que o agente público tenha praticado é
imputada imediatamente a Administração.

Portanto, dizer-se que ato administrativo é impessoal, nessa acepção, significa


dizer que ele é praticado, em última análise, do ponto de vista jurídico, pela pessoa
jurídica a que o agente público pertence, e não pela pessoa natural – agente público.
Teoria do
Órgão

Imputação
Volitiva

O agente público não Isso significa que a O ato administrativo é


representa, seja vontade manifestada impessoal, visto que é
contratual ou pelo agente público é a praticado pela pessoa
legalmente, a vontade da jurídica a que o agente
Administração. Administração; público pertence

Então, para que haja verdadeira impessoalidade, é dever da Administração atender


exclusivamente ao interesse público, sua finalidade direta e primeira. E é isso o que diz o
princípio da impessoalidade.

Importante também é ressaltar que o princípio da Impessoalidade se encontra


demonstrado internamente, ou seja, na própria gestão administrativa, quando o Art
37, § 1o, da CR, dispõe que atos de propaganda oficial de governo, como programas,
obras, serviços e campanhas devem ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, mas que dessa publicidade não podem constar nomes dos
governantes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal, podendo
ser colocado, quando muito, por exemplo, “obra patrocinada pelo Governo do
Estado”.
Portanto, conclui-se que, além de legal e moral, o ato administrativo deve ser
também impessoal, sendo vedada, portanto, a publicidade por parte da entidade
pública que implique promoção pessoal de autoridades ou servidores. Logo, o
administrador não poderá se autopromover com seus atos, mesmo em caráter
educativo, informativo.
Um grande desdobramento do princípio da impessoalidade está contido no art. 37,
§ 1º da Constituição.

O Art 37, § 1o, biparte-se: a) “a publicidade dos programas devem ter caráter
educativo”; b) “não podendo constar nome, símbolos, imagens”. Isto é uma proibição
porque a Constituição entendeu que incluir nomes, símbolos, imagens não é nada
educativo.
Pelo parágrafo acima, deduz-se que não se pode utilizar a propaganda oficial
como forma de promoção pessoal. Nunca poderá ser utilizada a expressão do tipo: “Mais
uma realização do prefeito tal Nicácio das Couves”. Não se pode fazer dispor de tal
entoação e ênfase porque, na real verdade, a obra não é dele e, sim, do Estado, da
coletividade. O prefeito não atua em nome próprio: é um representante do Estado
(encarnação do Estado), por isso está proibido de vincular a atuação em seu nome, sob
pena de caracterização de promoção pessoal, desvio de finalidade. O dinheiro da
construção do hospital é da sociedade e não dele, prefeito, não podendo se promover às
custas da sociedade.
É vedado aos Estados e aos Municípios atribuir nome de pessoa viva a
avenida, praça, rua, logradouro, ponte, reservatório de água, viaduto, praça de esporte,
biblioteca, hospital, maternidade, edifício público, auditórios, cidades e salas de aula, o
Tribunal, julgou o pedido improcedente, por reputá-lo compatível com o princípio da
impessoalidade (CF, art. 37, caput e § 19). ADI 307/CE, Rel. Min. Eros Grau).

Um esclarecimento necessário
Caso Concreto 1 - Outro caso que merece destaque, dentro deste mesmo princípio,
é a limitação da publicidade em obras públicas ou entidades que, a qualquer título, recebam
subvenção ou auxílio dos cofres públicos federais, como salienta o Art 37, caput e § 19,
da CR e os artigos 1º, 2º e 3º da Lei 6.454/77. Ou seja, em tais obras não podem constar
nomes, símbolos ou imagens capazes de promover autoridades ou servidores públicos,
sendo vedado, em todo território nacional, atribuir nome de pessoas vivas aos referidos
bens, não estando presente a mesma regra nos casos envolvendo capital exclusivamente
privado.
Caso Concreto 2 - Em homenagem ao princípio da Impessoalidade, as questões
de concursos públicos, sendo anuladas em virtude de estarem incorretas as suas
formulações, causando a alteração de notas e, via de consequência, na classificação dos
candidatos, tais questões anuladas atingirão indiscriminadamente todos os participantes,
alterando a nota para todos os participantes.

O princípio da Impessoalidade, por outro lado, admite atenuações, como, por exemplo,
no tocante à possibilidade de imposição de limite de idade e sexo, para concorrer a
concurso público, que é sempre tormentosa. Não se havendo de ignorar, como regra, que
os cargos públicos são acessíveis àqueles que preencham os requisitos estabelecidos em
lei (Art 37, I, CR).
De um lado, destacando-se a regra do Art 7o, XXX, da CR, aplicável aos servidores
públicos por força do Art 39, § 3o (redação da EC 19/98), que veda qualquer tipo de
discriminação por motivo de idade, no processo de admissão a cargo ou emprego público,
muito embora possa a lei estabelecer critérios diferenciados quando a natureza do cargo
o exigir.
Equivocado seria o entendimento da Administração Pública se anulasse
determinada questão e somente considerasse o equívoco em benefício do candidato que
a tivesse reclamado. Portanto, verificado o erro na formulação das questões, deve a
Administração proceder a sua correção, pois, caso contrário, seria legitimar o equívoco
e possibilitar que os candidatos com menor conhecimento fossem aprovados em
detrimento de outros, mais aptos e mais preparados. Em sendo assim, obviamente que,
atribuindo a pontuação exclusivamente ao reclamante, estariam sendo feridos os
princípios da Isonomia e da Impessoalidade.

Em sendo assim, poder-se-ia dizer que o princípio da impessoalidade está


intimamente ligado ao clássico princípio da supremacia do interesse público ou da
finalidade – que vai merecer destaque mais à frente –, pois impõe ao administrador
público que só pratique o ato para o seu fim legal, e o fim legal é unicamente aquele que
a norma de Direito indica, expressa ou virtualmente, como objetivo do ato, de forma
impessoal. A partir do momento que o princípio da finalidade exige que o ato seja
praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro
objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros, embora possa, entretanto, o
interesse público coincidir com o de particulares, como ocorre normalmente nos atos
administrativos negociais e nos contratos públicos, casos em que é lícito conjugar a
pretensão do particular com o interesse coletivo, vedando a prática de ato administrativo
sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente a
satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes
governamentais, sob forma de desvio de finalidade.2

Nesse diapasão, aqui se destaca o caso de um agente político que, no último ano
de seu mandato, sem a devida autorização legal, permitiu o uso de bens imóveis públicos,
beneficiando algumas entidades e vários particulares, que lá construíram suas sedes e
inúmeras moradias, não levando em conta que tais áreas seriam destinadas, futuramente,
à construção de postos de saúde, hospitais e escolas, o que inviabilizou,
consequentemente, tais empreendimentos de interesse público. A conduta desse agente
revelou, sem dúvida, a inobservância dos princípios da legalidade, impessoalidade,
finalidade, moralidade e da supremacia do interesse público, sendo suficiente para
caracterizar desvio de finalidade, além de improbidade administrativa, pelo inegável
prejuízo ao erário que veio aquela irregularidade a causar. Com efeito, essa conduta
privilegiou apenas uma parcela reduzida de pessoas em detrimento do interesse público
maior, ou seja, é manifesto o desvio de finalidade na medida em que buscou, mediante ato
administrativo (decreto), fazer entrega de bens públicos por tempo indeterminado e
gratuitamente, sem que nisso houvesse qualquer resquício de interesse público.

Repisando o assunto, o princípio da impessoalidade determina que a única


motivação primária da atividade administrativa é o interesse público, definido em lei, o
qual, para atender à coletividade, e não a uma pessoa determinada ou a um grupo
específico, obriga a Administração a tratar igualitariamente todos os indivíduos com os
quais se relacione. Pode-se dizer, então, que o princípio em destaque é a clarificação do
princípio constitucional da isonomia, embora implícito, até porque, se “todos são iguais
perante a lei” (art. 5o, caput, CF), também o são perante a Administração Pública (art. 3o
da Lei nº 8.666/93). Daí se ter como exemplos de sua materialização, dentre outros, a
necessidade de concurso público para a escolha de servidores e empregados públicos,
assim como a exigência de licitação para a escolha das pessoas que irão celebrar contratos
com a Administração Pública, acrescentando-se, igualmente, o caso dos precatórios, pois
não se pode escolher a quem pagar.
Em síntese, não se pode favorecer ou prejudicar uma determinada pessoa por
critérios subjetivos. Se o critério for objetivo, isso naturalmente pode ocorrer, mas não
acarretando violação ao princípio da impessoalidade.

Um exemplo típico está contido no art. 7o, § 5o, da Lei nº 8.666/93, que veda
“a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de
marcas, características e especificações exclusivas, salvo nos casos em que for
tecnicamente justificável”. Por tal razão, o Supremo Tribunal Federal vetou uma lei

2
“Administrativo. Concurso público. Exame psicotécnico. Caráter sigiloso da entrevista. Art. 37 da
Constituição Federal de 1998. Princípio da impessoalidade. Violação. Viola o princípio da impessoalidade
a avaliação psicológica de candidato a concurso público realizada em caráter subjetivo e sigiloso, sujeita
única e exclusivamente ao arbítrio do examinador.” (STJ, REsp nº 27.865/DF, Rel. Min. William
Patterson).
estadual, por exigir que a empresa, para participar do certame licitatório, deveria ter sua
sede no Estado contratante.

No trato da impessoalidade na Administração Pública quanto a nomeação de


cargos de confiança, vale destacar a já mencionada controversa a respeito da Resolução
N° 7 do CNJ que trata do nepotismo no Poder Judiciário, cujo entendimento foi estendido
a Administração Pública pelo STF através da Súmula Vinculante 13, de onde se destaca
a diferenciação entre agentes administrativos e agentes políticos para fim de incidência
dos critérios para a configuração do nepotismo e também, e não menos importante, a
vedação a nomeação de parentes a cargos de confiança ou em comissão do próprio
nomeante como de outro servidor da mesma pessoa jurídica (nepotismo cruzado).

Súmula Vinculante 13
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou
por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de
servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou
assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou,
ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em
qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas,
viola a Constituição Federal.

Desta Súmula Vinculante 13, se extrai por exemplo que é vedada a nomeação de
parentes para cargos administrativos, sendo, porém, possível a nomeação de parentes para
cargos políticos, como é o caso da nomeação da filha do governador ou do prefeito para
cargo de secretária estadual de saúde, uma vez que o STF excluiu, em princípio, os
exercentes de cargos de natureza eminentemente política, como secretários municipais e
estaduais e ministros de Estado.
Por fim, é importante frisar, por extensão, que o Supremo Tribunal Federal vedou
terminantemente o nepotismo cruzado. Para exemplificar isso, suponha-se o seguinte: uma
autoridade administrativa contrata a esposa de um grande amigo para o exercício de um
cargo em comissão e, como gratidão, esta autoridade contrata a esposa daquela
autoridade.

3.2.3. Princípio da moralidade

Imagine-se o seguinte exemplo: se o presidente do sindicato dos delegados do Rio de


Janeiro é um reconhecido inimigo detrator do chefe da Polícia Civil e este chefe da Polícia
Civil, ao assumir, transfere o presidente do sindicato dos delegados de uma delegacia da
capital para delegacia regional de Itaperuna. Em princípio, do ponto de vista da legalidade
estrita, esse ato de relotação é legal. É legal porque há uma vaga na delegacia de Itaperuna,
e há outro delegado para ser provido na vaga aberta na capital com a relotação daquele
delegado no interior. E a escolha de onde os delegados serão lotados, na falta de outro
critério legal específico, é ato discricionário e constitui porção discricionária do ato do
chefe da Polícia Civil, que é a autoridade administrativa hierarquicamente superior.
Porém, conhecendo os fatos subjacentes a essa relotação, é possível dizer que o chefe da
Polícia Civil se valeu de um meio lícito, que era discricionariamente lotar e relotar
delegados, para atingir um fim ilícito, imoral do ponto de vista administrativo, que
contraria em sentido amplo a finalidade da lei, que é utilizar a relotação para punir
inimigos políticos, detratores políticos, ou para punir até servidores que tenham praticado
algum tipo de infração. E relotação ou remoção não é meio de punição. A relotação é um
meio de distribuir servidores de forma a atender o interesse do serviço. Tanto ainda que,
se do ponto de vista da legalidade estrita o ato fosse inatacável, seria inválido, por imoral.
Nesse caso, então, note-se que existe uma norma específica que foi violada, qual
seja, o princípio da finalidade. Todo ato administrativo, além de ter um agente
competente, uma forma, um objeto e um motivo, tem que ter uma finalidade. E esta
finalidade do ato de relotação, que seria atender o melhor interesse do serviço, foi
contrariada aqui. Portanto, o ato seria ilegal e não imoral em sentido amplo. O problema
é que o princípio da legalidade nem sempre se apresenta de forma tão explícita, ele nem
sempre delineia toda a sua finalidade.
Outro exemplo significante de aplicação do princípio da moralidade seria aquele
que, do ponto de vista estritamente legal, a escolha pela aplicação de recursos públicos
em determinadas áreas e não em outras para a construção de açudes, de barragens, seria
um ato discricionário. Mas a escolha específica de determinadas áreas para beneficiar
determinados proprietários de terra (que eram eles próprios, os políticos da região, ou
muito próximos a políticos da região), caracteriza uma imoralidade administrativa e
também uma violação, aí, ao princípio da impessoalidade, já que há um favorecimento
pessoal desses proprietários, na medida em que a moralidade administrativa impõe a
observância de uma regra básica de boa administração, a de que os atos administrativos
devem procurar atender à coletividade como um todo sem beneficiar nenhum
administrador, que especificamente seria diretamente favorecido.

PRINCÍPIO DA
MORALIDADE

Bens Jurídicos Tutelados

LEGALIDADE DECORO BOA FÉ

Consequências
Artigo 37, §4o, CRFB

Ressarcimento ao
Suspensão dos Perda da Função Indisponibilidade de
Erário
Direitos Políticos Pública Bens
Artigo 37, §5o, CRFB
3.2.4. Princípio da publicidade

Publicidade é a divulgação oficial do ato administrativo para conhecimento público e


início de seus efeitos externos, porquanto a Administração, afinal, não pode atuar, em
regra, secretamente, “por baixo dos panos”; ela tem que se mostrar para a sociedade,
isto é, ela tem que se mostrar para a sociedade, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo,
como por exemplo, assuntos ligados à defesa nacional, segurança pública, intimidade,
vida privada, honra, sigilo da fonte, e alguns outros valores que devem ser sopesados e
resguardados, mesmo diante da regra da Publicidade dos atos da Administração.
A Publicidade visa possibilitar que se alcance a Transparência. Esta, seja considerada
subprincípio da Publicidade ou mesmo princípio autônomo, é o fim maior da
Publicidade, com a qual pode haver maior e melhor controle sobre as condutas da
Administração Pública, controle esse, inclusive, social.
Quanto à Transparência, como dito acima, há quem a considere suprincípio da
Publicidade. Talvez melhor será considerada como um princípio autônomo, que passou
a ganhar peso, pois complementa e instrumentaliza a ideia da Publicidade, estando
presente na legislação infraconstitucional, como por exemplo, na Lei de Acesso à
Informação (Lei federal nº 12.527/2011).
A Transparência instrumentaliza a Publicidade, porque não bastaria à Administração
Pública divulgar os seus atos. Necessário também se faz que os atos do Poder Público
sejam acessados e conhecidos pelos administrados de maneira clara, inequívoca,
compreensível, atualizada, íntegra, verossímil, facilitada e participativa. Exemplo
conhecido da aplicação do Princípio da Transparência é o Portal da Transparência,
serviço de informação eletrônica mantido pelo Executivo Federal (sítio
www.portaltransparencia.gov.br).

A palavra-chave, aqui, é a transparência. A publicidade visa a proteger a


transparência para que se possa exercer o controle sobre a Administração Pública.
Metaforicamente, a Administração deve ser vista como uma casa de vidro onde a
coletividade poderá enxergar o que está sendo realizado no seu interior. E é a partir dessa
noção de publicidade que se podem trazer algumas discussões concretas.

Afora isso, há interessantes “justificativas” morais para a Publicidade ser princípio


e, como tal, uma regra a ser seguida pela Administração Pública brasileira, dentre as quais
pode-se apontar as seguintes:
- Se o interesse é da coletividade, nada mais justo que ela, que é a destinatária
principal da função administrativa, tomar conhecimento das atitudes da Administração,
dentro, logicamente, do que seja considerado legítimo, seguro e legal em termos de se
tomar conhecimento. Ex: não é justificável que a Administração Pública “esconda” que
pretende fazer um leilão licitatório de viaturas desativadas de uma repartição pública.
Porém, não é razoável que a Administração Pública divulgue todos detalhes da frota de
veículos que são utilizados em operações policiais dentro de um Estado da Federação,
pois isso tem a ver com a questão da segurança pública.
O sigilo demasiado e não justificado denotará suspeitas, desconfianças,
insegurança jurídica, fatores que devem ser afastados do cotidiano da Administração
Pública.
A propósito, há de se observar que é legítima a publicação, inclusive em site
eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes dos seus servidores, por
completo, bem como e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens
pecuniárias, em homenagem (STF – ARE 652777, Acórdão Eletrônico Repercussão
Geral), em homenagem a transparência na condução da coisa pública tão cobrada pela
sociedade.

À luz dessa orientação fica evidente que não é inconstitucional e não padece de
qualquer ilegitimidade a publicação, em sítio eletrônico mantido pela Administração
Pública, do nome dos seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos brutos
e de outras vantagens pecuniárias.
De outra banda, fala-se, basicamente, do direito que assistiria aos servidores
municipais de não ver divulgada a sua remuneração bruta. Isso por implicar violação à
sua intimidade e vida privada, de parelha com o perigo que representaria para a sua
segurança pessoal e familiar o conhecimento geral de tal remuneração por modo
nominalmente identificado. Conhecimento geral tanto mais temerário quanto
disponibilizado em rede mundial de computadores (internet), porquanto viabilizador de
formatação de um tipo de banco de dados que terminaria por habilitar terceiros a planejar
golpes financeiros contra os servidores municipais e assediá-los.

De um lado, faz-se presente, aí sim, o princípio da publicidade administrativa


(caput do art. 37). Princípio que significa o dever estatal de divulgação dos atos públicos.
Dever eminentemente republicano, porque a gestão da “coisa pública” (República é isso)
é de vir a lume com o máximo de transparência. Tirante, claro, as exceções também
constitucionalmente abertas, que são “aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança
da sociedade e do Estado” (inciso XXXIII do art. 5º). Logo, respeitadas que sejam as
exceções constitucionalmente estampadas, o certo é que “todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral,
que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade”, conforme a 1ª parte
redacional do mesmo art. 5º. Com o que os indivíduos melhor se defendem das
arremetidas eventualmente ilícitas do Estado, enquanto os cidadãos podem fazer o
concreto uso do direito que a nossa Constituição lhes assegura pelo §2º do seu art. 72,
verbis : “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para,
na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas
da União”.

Assim sendo, tratando-se a Publicidade de mais um dos princípios reitores da


Administração Pública explícitos na Constituição Federal, este estabelece que a
Administração está obrigada a dar conhecimento ao público, pelos mais variados meios
de comunicação previstos em lei, de todos os seus atos, decisões e atividades, a fim de
permitir não só o controle interno, bem como o externo, de sua obediência aos demais
princípios de Administração, o que faz com que os administradores atuem às claras,
permitindo aos cidadãos gozarem de pleno exercício do Estado Democrático de Direito.
Daí, pelo princípio da Publicidade, torna-se obrigatória a divulgação oficial dos atos
administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo legal, quando a própria Publicidade
pode causar lesão a finalidade de interesse público a ser atendido.

Fique de olho!
A Publicidade é, inegavelmente, um pressuposto de eficácia do ato administrativo. Isto
significa que o ato administrativo, como qualquer ato jurídico, pelo menos como regra,
passa por aqueles planos da existência, da validade e da eficácia. E isso não é uma mera
afirmação doutrinária, pois ela tem consequência relevantíssima na prática, quais sejam:
no plano da existência, para saber se existe no mundo jurídico; da validade, para saber se
é correspondente com a ordem jurídica; e da eficácia, para saber se o ato tem capacidade
para produzir efeitos.

Em regra, todos os atos administrativos são publicados, porque pública é a


Administração que os realiza, exceto os que a lei ou o regulamento eximam dessa
imposição, em razão de segurança nacional, investigação criminal ou interesse
público, o que exige prévia declaração e motivação em processo regular.
Assim, a Constituição restringe a publicidade dos atos processuais, por
exemplo, quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5o,
LX); para a retificação de dados, quando não prefira o cidadão fazê-lo por processo
sigiloso, judicial ou administrativo (art. 5o, LXXII, “b”).

Tome nota !

É de fundamental importância ressaltar que a mera veiculação da notícia, pela


imprensa falada, escrita ou televisada, do ato praticado pela Administração Pública não
atinge a essência do princípio da Publicidade, mesmo que a divulgação do ato ocorra em
programas dedicados a noticiar, especificamente, assuntos relativos ao dia-a-dia
administrativo, como é o caso de a Voz do Brasil, conforme já decidiu o STF.

Nos casos dos atos individuais (atos com destinatários certos), a publicação só vale se
for feita pessoalmente, como é o caso de intimação pessoal para quem responde a
processo administrativo disciplinar, bem como aprovação em concursos públicos.
Caso Concreto 2 - É legal a determinação, a título de ilustração, da Administração
Pública no sentido de designar nova data para a realização da prova de aptidão física para
a candidato, aprovado no exame intelectual , mas que perdeu a prova de exames físicos,
porque não teve acesso à convocação feita pela internet. Portanto, em homenagem ao
princípio da publicidade, a Administração Pública terá que convocar, pessoalmente, o
candidato aprovado em concurso público, diante do não cumprimento da ampla
publicidade no ato da convocação, a qual só foi realizada somente por meio do Diário
Oficial.

Um esclarecimento necessário

O servidor pode se arrepender ou esse arrependimento tem eficácia? Ele pode evitar a
exoneração ou aposentadoria, nessa situação? Dependerá de ter ocorrido ou não a
publicação do ato, porque, nesse exemplo, presumindo-se que ele tenha pedido a
exoneração ou a aposentadoria na hora do almoço, até que ele chegue em casa, arrependa-
se e volte, não haveria tempo hábil para a publicação no Diário Oficial do dia seguinte.
Nesse caso, então, considerando-se que a exoneração ou a aposentadoria ainda não tenha
sido publicada, ele poderá, então, retratar-se. Diferentemente da situação desse servidor
acordar no dia seguinte e o ato já se encontrar publicado no Diário Oficial, mesmo que o
servidor manifeste seu desejo de desistência, esta não mais poderá ser concretizada
porque, se o ato foi publicado, já produziu sua eficácia.
Portanto, se publicou e produziu a eficácia, para retornar da aposentadoria ou da
exoneração, em princípio, só realizando o servidor um novo concurso público. Então, essa
questão da produção da eficácia no ato administrativo é relacionada à publicação do ato,
percebendo-se, dessa maneira, que a publicidade tem, sim, algumas consequências
importantes em várias áreas e, pelo menos, nesses dois exemplos, vê-se que a publicidade
seria fundamental.
Em regra, todos os atos administrativos são publicados, porque pública é a
Administração que os realiza, exceto quando a própria Constituição Federal cria a
restringibilidade, em razão de segurança nacional, investigação criminal ou interesse
público, o que exige prévia declaração e motivação em processo regular. Assim, a
Constituição restringe a publicidade dos atos processuais, por exemplo, quando a defesa
da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5o, LX); para a retificação de dados,
quando não prefira o cidadão fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo (art.
5o, LXXII, “b”).3

No que tange à publicidade dos atos processuais, observe-se, como exemplo (com
data anterior a vigência do atual Código de Processo Civil), o caso de um indivíduo
portador do vírus HIV que, por ter desenvolvido a doença, precisou ajuizar ação ordinária
para obter do Poder Público o fornecimento de medicação adequada para manter em nível
zerado sua carga viral. Solicitou o indivíduo, contudo, que o processo fosse mantido em
sigilo, uma vez que a publicidade dos fatos e atos praticados afetaria sobremaneira sua
vida pessoal e profissional, sendo seu objetivo, portanto, preservar sua família de
maledicências e insinuações, bem como evitar prejuízos em sua profissão. Entretanto, o
pedido de tutela antecipada foi indeferido, cuja alegação do juízo a quo teria sido de que
o caso não se enquadrava em nenhuma das hipóteses previstas no art. 155 do CPC/73,
pois a lei afirma que os atos processuais são públicos (princípio este que remonta o Direito
romano e está em sintonia com o regime democrático) e, portanto, a exceção à regra
haveria de ser interpretada restritivamente.

Aos atos e contratos administrativos, de forma a produzirem efeitos jurídicos e


regulares, deve ser dado a devida publicidade, e sua omissão poderá acarretar a

3
Com relação à publicidade, STJ: RMS nº 10.131/PR, Ementa: “1. Dentre os Direitos e Garantias
Fundamentais capitulados no art. 5o da Constituição Federal está inserido o de que ‘todos têm direito de
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo em geral, que
serão prestados no prazo de lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’ (inciso XXXIII). 2. Inequívoco que os documentos
cuja exibição foi requerida pelos impetrantes não estão protegidos pelo sigilo prescrito no art. 38 da Lei
1.595/64, sendo sua publicidade indispensável ã demonstração da transparência dos negócios realizados
pela Administração Pública envolvendo interesses patrimoniais e sociais da coletividade como um todo. 3.
Recurso ordinário conhecido e provido para, reformando o acórdão impugnado, conceder a segurança nos
termos do pedido formulados pelos recorrentes”.
invalidação dos mesmos e, por via de consequência, além de os prazos não fluírem, estes
atos e contratos não terão eficácia, isto é, não produzirão efeitos, daí concluindo-se que a
publicidade, como princípio-meio, dá origem a um princípio implícito, que é o do controle
dos atos, contratos e procedimentos administrativos.

Registramos, por outro lado, em que pese a discussão em questão, o raciocínio


mais prudente e correto, reside no sentido da validade na utilização por whastsApp.

No que tange à matéria, as intimações poderão ser feitas por meio de aplicativos
cujo número for fornecido pelo juízo aos advogados e partes que manifestarem
interesse. A intimação será considerada cumprida a partir do momento em que o
intimando responder a mensagem, em até 24 horas, confirmando seu recebimento. Caso
o recebimento não seja confirmado dentro do prazo, deverá ser feita a intimação
comum.

Caso, portanto, caso o interessado deixe de confirmar o recebimento da


intimação três vezes no mesmo processo, ele será excluído do cadastro do juízo,
podendo voltar a receber informações pelo aplicativo apenas após seis meses.

Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça já se posicionou que o envio de


intimações pelo WhatsApp é plenamente aceitável.

Veja-se, a respeito disso, a transcrição do posicionamento do CNJ:

"A previsão legal do uso de aplicativos de mensagens revela-se essencial para


que a prática possa ser disseminada no país com segurança jurídica e o Poder
Judiciário possa utilizar a tecnologia disponível e popularizada para a maior eficiência
na prestação jurisdicional."

3.2.5. Princípio da eficiência

O quinto e último princípio explícito no caput do art. 37, também reitor da função
administrativa, é o princípio da eficiência, que passou a integrar a Constituição da
República com a edição da EC nº 19, de 1998, denominada de Reforma Administrativa
do Estado, e cuja ideia básica é orientar toda a atividade administrativa no sentido de que
ela seja desempenhada não só com legalidade, moralidade e impessoalidade, mas também
com presteza, perfeição, funcionalidade, melhor qualificação técnica e profissional, de
modo que a Administração tem o dever de ser eficiente quando da prática de seus atos,
com o fim de proporcionar um resultado rápido e preciso que satisfaçam os anseios da
sociedade. não podendo o administrado ser punido ante a inoperância injustificada do
órgão administrativo.

Com relação a esse princípio, pouca coisa se tem na doutrina, não se arriscando
os autores a falar muito dele, até porque a jurisprudência é escassa, em razão de os casos
concretos raramente chegarem ao Judiciário, e de se ter aqui a mesma dificuldade de
aplicação desse princípio como ocorre com o princípio da moralidade. Ou seja, falar sobre
o que é moral ou imoral é difícil, como já se viu, é complicado, na prática, a mesma coisa
acontecendo quando se fala sobre o que é eficiente e o que não é eficiente, porquanto a
eficiência é muito ampla, tornando difícil trazer-se uma definição precisa desse princípio
ou da noção de eficiência. Algumas decisões administrativas podem ser eficientes do
ponto de vista econômico; outras, porém, podem não ser eficientes do ponto de vista
econômico, mas eficientes do ponto de vista social. Enfim, implica em certa dificuldade
classificar se uma atuação administrativa é ou não eficiente e em que situações a
ineficiência poderia gerar a invalidade de um ato.

A dificuldade é tamanha, nesse sentido, que o prof. Carvalho Filho, por exemplo,
chega a afirmar, textualmente, que a eficiência, por si só, não pode ser trazida como
argumento para anulações de atos administrativos4, e Celso Antônio Bandeira de Mello
segue mais ou menos nessa mesma linha. A eficiência é muito mais um ideário que deve
nortear a atuação administrativa, mas é muito complicado usar a eficiência como
parâmetro, principalmente para o controle judicial da atuação administrativa.

Contudo, por mais respeitados que sejam esses autores, a tendência é o Judiciário
se utilizar, como vem fazendo, a eficiência para controlar as ações ou omissões da
Administração, podendo anular atos administrativos, inclusive, com base na eficiência,
sobretudo porque, se os princípios são normas, e a eficiência é um princípio expresso
constitucionalmente, a tendência é que a eficiência seja considerada, sim, parâmetro para
o controle judicial do ato administrativo. O problema, então, passa a ser o próprio uso ou
abuso desse princípio pelo Judiciário no controle dos atos do Poder Público, daí os autores
colocarem um freio na eficiência.

A visão geral que a doutrina aponta em relação à eficiência administrativa é a


necessidade de a Administração Pública efetivar de maneira célere os objetivos
constitucionais e legais que lhe são colocados. Assim, a ideia de eficiência é a de
efetivação, de resultados, efetivação dos objetivos que a ordem jurídica coloca para a
Administração Pública. Se ela não alcança os objetivos colocados pela Constituição da
República num tempo razoável, é possível afirmar-se que essa atuação administrativa
seria uma omissão ou que violaria o princípio básico da eficiência.

Assim, partindo-se da premissa de que princípio é um mandamento fundamental


que inspira a atuação administrativa, não se pode dizer, então, que a eficiência seja um
mandamento inspirado de sua atuação. Mais que isso, a eficiência é o resultado da própria
atuação, podendo ser medida objetivamente através de pareceres, peças técnicas, perícias,
etc. No princípio da eficiência, a palavra chave está na busca da perfeição, no rendimento
funcional, conforme já lecionava o saudoso Hely Lopes Meirelles. É o que se espera de
toda boa administração, um dever.

A respeito disso, interessante observar que há inúmeros posicionamentos dos nossos


tribunais determinando indenização a servidores públicos por demora em certidão de
contagem de tempo de serviço

4
Conforme o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, o controle judicial “[...] sofre limitações e
só pode incidir quando se tratar de comprovada ilegalidade”, tanto que a doutrina tem consagrado, diz o
autor, citando Vladimir da Rocha França, que ‘o Poder Judiciário não pode compelir a tomada de decisão
que entende ser de maior grau de eficiência’, nem invalidar atos administrativos invocando exclusivamente
o princípio da eficiência”. CARVALHO FILHO, op. cit., p. 18.
Recentemente, A 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo
manteve sentença da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital julgou procedente pedido
de indenização feito por servidora obrigada a adiar aposentaria em razão da demora na
expedição da certidão de tempo de serviço. A Fazenda do Estado e a SPPrev
indenizarão a autora, a título de dano material, no valor correspondente ao período de
trabalho compulsório, descontando os 100 dias permitidos por lei, devidamente
atualizado pelo IPCA a partir dos respectivos vencimentos, e acrescido de juros de
mora, nos termos da Lei nº 11.960/09.

Dica da hora
Eficiência é gastar menos? É atender ao interesse público, mesmo gastando mais?
Hoje, a doutrina majoritária vem afirmando que o princípio da eficiência está intimamente
ligado com a economicidade. Mas, a nosso ver, a economicidade não é a pedra angular
do princípio da eficiência. A eficiência gira em torno de um controle de resultados e não
obrigatoriamente econômico. Resultado não significa lucro e, sim, a melhor satisfação
em prol do interesse da coletividade. Na real verdade, o princípio da eficiência envolve
uma análise prévia, na qual se busca equilibrar a relação custo/benefício.

Caso concreto

Entre construir uma ponte ou construir um terminal de barcas para atravessar


determinado riacho, a Administração deve levar em conta o custo dos investimentos e o
benefício em termos de desenvolvimento econômico, de geração de empregos, geração
de impostos. Então, como se observa facilmente, o princípio da eficiência tem como
objetivo um maior grau de racionalidade econômica nos gastos públicos.

Ainda pelo princípio da Eficiência, é reprovável que um juiz, por exemplo, afirme
que fez concurso para juiz e não para administrador de cartório. O perfil do juiz, hoje,
também é o de supervisor e administrador, pois o juiz titular da Vara é o responsável pela
condução das atividades desenvolvidas no âmbito de seu cartório. De forma que não vá o
juiz só tomar conhecimento dos problemas que ali ocorrem, inviabilizando a prestação
jurisdicional eficiente, quando estes se tornam manchete de jornais. Absurdo, por
exemplo, as petições que são juntadas oito meses após a entrada do requerimento. A cada
ano, há um milhão e duzentos mil processos novos e os juízes têm compromisso com a
qualidade. A grande morosidade da justiça dá margem à perda de sua credibilidade; daí
dizer-se que a justiça é lenta e cara.

Absurdo, por exemplo, as petições que são juntadas oito meses após a entrada do
requerimento. A cada ano, há um milhão e duzentos mil processos novos e os juízes têm
compromisso com a qualidade. A grande morosidade da justiça dá margem à perda de
sua credibilidade; daí dizer-se que a justiça é lenta e cara.
Atualmente, um caso que merece destaque em nossos tribunais, no tocante ao princípio
da Eficiência, é a situação envolvendo o sistema penitenciário brasileiro, onde ocorrem
diversas violações de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, sendo a
população carcerária submetida a situações extremamente vexatórias e desumanas,
enfrentando superlotação em presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas
insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, alimentação inapropriada, falta
de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à
educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por
organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas,
discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual, características
incompatíveis com os recursos disponibilizados pela Administração Pública.

Corroborando o exposto, com o acréscimo do § 8o ao art. 37 da Constituição


Federal, feito pela EC nº 19/98, duas normas expressas consagram o princípio em
comento: a avaliação periódica de desempenho a que está submetido o servidor e a
possibilidade de formalização de contratos de gestão. Note-se que ambas se justificam: a
primeira, pois a Administração Pública deve buscar os melhores resultados sem
desperdícios, tornando a execução de suas atribuições a melhor possível, a custos
menores; e, a segunda, porque os contratos de gestão aumentam a autonomia gerencial,
orçamentária e administrativa de órgãos e entidades públicas. Assim sendo, na busca de
maior eficiência, o Estado pode firmar parcerias com o setor privado (parcerias público-
privadas) ou, então, optar por delegar parte de seus serviços.

3.2.6. Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade

O que é ser razoável? Significa agir conforme a razão, ser moderado, comedido,
aceitável, ponderado, sensato, sendo nesse sentido que o agente público, no desempenho
de suas funções, deve buscar soluções dentro daqueles valores considerados razoáveis,
compatíveis com os critérios lógicos que se pode exigir do bom administrador, ao visar
ao interesse público, embora o que pode ser razoável para uns, pode não o ser para outros.
Mas, mesmo que não o seja, há que se reconhecer que os valores de tais condutas se
situam, em princípio, dentro dos padrões de aceitabilidade. Assim, todo ato será razoável
quando houver adequação entre meios e fins, e somente os atos manifestamente absurdos
devem ser controlados pelo Poder Judiciário com fundamento na razoabilidade, sob pena
de se adentrar no mérito administrativo.

Por exemplo, caso seja exigido em um edital de concurso público o nível técnico para
determinada área, é possível candidatos com o nível superior, da mesma área,
concorrerem para estas vagas? Exemplo: técnico de administração e graduados em
Administração. Existe algum princípio que ampare neste caso? Sim, o princípio da
razoabilidade. Mas há que se ver também a lei específica criadora do cargo, pois ela deve
prever uma formação mínima. Se a formação superior na mesma área englobar os
conhecimentos abrangidos pelo ensino técnico da mesma área, a recusa do candidato com
formação superior à mínima exigida não é razoável. O candidato que tenha nível superior
e que se interesse por uma vaga de nível médio pode prestar o concurso para a
oportunidade; já o contrário é que não seria razoável (formação/escolaridade mínima).
A razoabilidade trata-se de um princípio implícito na Constituição Federal que
limita e controla todo ato estatal (administrativo, legislativo e jurisdicional, notadamente
o ato discricionário (juízos de oportunidade e conveniência).

Mas o que vem a ser proporcional, que não aquele conceito relativo às proporções
matemáticas? Na linguagem jurídica, proporcional também tem o sentido de harmonia,
conformidade, adaptação entre as partes e o todo. Então, quando se analisou aquela
questão da supremacia do interesse público sobre o particular, por exemplo, observou-se
que, às vezes, há dois interesses públicos conflitantes – interesse coletivo e direitos
individuais – e, quando isso ocorre, a Administração deve realizar uma ponderação de
interesses, buscar uma solução intermediária de sopesamento, valendo-se da
razoabilidade e da proporcionalidade, para que tais interesses possam ser atendidos na
maior medida possível e restringidos na menor porção necessária. Obviamente que, ainda
que diante de certas circunstâncias, dizia o princípio da supremacia do interesse público
que a determinação da Administração continha necessariamente o que era o interesse
público naquela circunstância e que a invocação pura e simples do princípio da
supremacia já seria suficiente para fundamentar o ato administrativo.
Atualmente, no entanto, com a ponderação e com o uso do princípio da
razoabilidade, o que há de novo no Direito Administrativo é que a Administração passa
a ter que apresentar razões (motivação é a forma pela qual a Administração vai externar
estas razões) que perpassam por três aspectos: a chamada adequação, a exigibilidade ou
necessidade, também chamada de vedação do excesso, e a proporcionalidade em sentido
estrito, que serão analisados mais à frente, mas que já se pode adiantar, de antemão, que
eles indicam quase que o caminho da ponderação administrativa.
Na adequação entre meios e fins, o que se procura ver é em que medida sacrificar o
interesse individual em nome do interesse público, ou vice-versa, constitui fator adequado
da sua composição, do seu atendimento recíproco, sem que um exclua o outro
completamente.

A título de exemplo, se um concurso público realizado para escolher o


bailarino que interpretará Zumbi dos Palmares convocar somente candidatos
negros, não haverá inconstitucionalidade, mesmo sendo a raça fator determinante
da discriminação. Mas, caso absurdo é aquele que, para concorrer ao cargo de arquiteto,
exige que a pessoa seja do sexo feminino, quando haverá flagrante discriminação, pois
não há uma justificativa técnica e científica para a escolha do sexo. Os meios empregados
têm que ser adequados ao fim almejado, por isso que há autores chamando a razoabilidade
de Justiça Administrativa.

Outra hipótese interessante de registro refer-se ao caso de uma candidata, em Minas


Gerais, que se inscreveu no concurso, sendo aprovada na 1a fase – prova de
conhecimentos –, mas excluída nos exames preliminares de saúde em razão de possuir
prótese de silicone nos seios.
Essa reprovação não passa pelo crivo do critério da razoabilidade, visto que a prótese
implantada operacionalizou-se apenas por motivos estéticos, e não para a substituição de
órgão perdido total ou parcialmente, em razão de “doenças ou deformidades congênitas
adquiridas”, o que não a torna inapta, no caso, para a atividade policial. O ato que a exclui
do processo seletivo é ilegal e, ainda, discriminatório, uma vez que a candidata não é
portadora de qualquer distúrbio que a impeça para o exercício das funções do cargo.
Portanto, in casu, considerando o critério específico referente à prótese de silicone,
impõe-se analisar as circunstâncias e especificidades do caso concreto para se estabelecer
a razoabilidade da exigência, sob pena de se infringir os princípios da legalidade,
isonomia, moralidade, eficiência e acessibilidade aos cargos públicos, que regem a
Administração Pública. Mas, considerando que a candidata apresenta prótese de silicone
em caráter estético, isto, a princípio, não a torna inapta para atividade policial.

Sempre seguindo o entendimento da doutrina majoritária, passa-se agora a


examinar um pouco mais a fundo o princípio da proporcionalidade, posto que,
diferentemente da ideia de razoabilidade, ele teria se desenvolvido no Tribunal
Constitucional alemão a partir da cláusula constitucional do Estado de Direito, como no
Brasil se consagra o Estado Democrático de Direito.

Concluindo-se, portanto, que uma medida ou um ato estatal tem que passar pelas seguintes
apreciações:
Adequação
A adequação, também chamada de idoneidade, é o primeiro requisito pelo qual deve
passar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, no sentido de que toda ação
administrativa, toda a medida estatal só se justifica na medida em que ela for apta, idônea,
adequada e suficiente para promover uma finalidade prevista na norma jurídica. Assim,
quando o ato estatal é adequado para promover uma finalidade pública, prevista na norma,
esse ato é proporcional a princípio, pois ele haverá que passar pelos outros critérios
também. Essa é o entendimento do prof. Humberto Ávila, utilizando-se de uma caricatura
desse subprincípio a partir da imagem de um cidadão que quer se proteger do sol usando
uma peneira, colocando-a sobre a cabeça. Essa peneira, evidentemente, não é meio
adequado para proteger essa pessoa do sol, não é adequada para a finalidade perseguida
pelo agente – que é a de se proteger do sol.
Trazendo-se agora um exemplo jurídico, julgado inclusive pelo Supremo Tribunal
Federal, e que está em livros, é a decisão clássica do corretor de imóveis. Em algum
momento, a legislação exigiu que os corretores de imóveis tivessem uma habilitação
específica para atuar como corretores. A legislação exigiu diploma, como acabou
acontecendo em relação aos jornalistas, e a questão também foi decidida pelo Supremo
Tribunal Federal.
No caso em tela exigiu-se um diploma qualquer, um atestado diferenciado
qualquer para o corretor exercer a sua profissão. Mas qual era o fim da norma? Controlar
aquela profissão, o exercício da corretagem, e o meio utilizado para controlar aquela
profissão foi a exigência de um atestado, um diploma profissional.
Necessidade ou Exigibilidade
O segundo teste do princípio da proporcionalidade, que se soma ao anterior
numa gradação, como uma espécie de segundo degrau da proporcionalidade, envolve a
apreciação da necessidade, também chamada exigibilidade ou subprincípio da
vedação do excesso da medida estatal.

Por esse subprincípio, dentre os meios adequados para a consecução de um


determinado fim eleito pela Administração, deve a Administração escolher aquele que
restringe no menor grau possível os direitos individuais. Ou seja, a atuação do agente
deve ser aquela unicamente necessária quando não há outra forma menos gravosa,
menos restritiva, para alcançar o fim perseguido, daí justificar-se a principal função dos
juízes, que é aplicar as normas jurídicas de acordo com a gravidade do ato e o grau de
importância do bem jurídico constitucionalmente protegido.5

Aqui se começa a perceber que é a ponderação que rege a convivência entre o


interesse coletivo e o interesse individual, e não aquela regra de supremacia, pois é a
necessidade, enquanto subprincípio da proporcionalidade, que vai guiar o administrador
a, depois de ter escolhido um meio que seja adequado, idôneo, apto a atingir o fim,
escolher dentre esses meios idôneos, adequados e aptos, aquele que seja o estritamente
necessário, isto é, aquele que seja o que menos restrinja direitos individuais. Assim,
repita-se: não é uma regra de supremacia de que o interesse público será atingido
quando a Administração define que um meio atinge o fim a que se destina. Mais do que
isso: os direitos individuais devem ser preservados na sua maior proporção.
Portanto, a ideia básica de proporcionalidade é a seguinte: em alguns casos,
quando há duas ou mais medidas possíveis que podem ser adotadas para alcançar uma
finalidade, à medida que necessariamente será adotada, implementada, é justamente a
que restringirá menos aqueles direitos fundamentais em conflito, e alcançar, claro, no
final, a mesma finalidade que as outras medidas alcançariam. Assim, de acordo com o
subprincípio da necessidade, será a medida menos gravosa para os direitos fundamentais
dos cidadãos que deverá ser adotada, caso contrário, se a medida utilizada for a mais
gravosa, mais restritiva a direitos fundamentais, terá sido uma medida desproporcional.
Em outros termos, ainda, entre uma medida menos gravosa e outra mais gravosa, e se
todas alcançam o mesmo fim, que é aquele previsto na legislação, é exigível que o
administrador atue de modo a restringir menos, trazendo menos prejuízos para as
pessoas; por isso a necessidade, enquanto subprincípio da proporcionalidade, também é
chamada de exigibilidade ou de vedação ou proibição de excesso.

5
A esse respeito, observa o professor Celso Antônio que “a inadequação à finalidade da lei é inadequação
à própria lei. Donde, atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que,
sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso
detectado”. BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 101.
Então, por exemplo, quando há a possibilidade de a polícia administrativa
sanitária apenas recolher todos aqueles gêneros que estão com três dias fora do prazo de
validade ou que estão apodrecidos no supermercado, não há sentido em determinar o
fechamento do estabelecimento, que seria um ato mais gravoso do que o necessário para
o atendimento do interesse público, o que tornaria o ato irrazoável e desproporcional.

Proporcionalidade em Sentido Estrito


É aqui, na proporcionalidade em sentido estrito, que a doutrina afirma que haverá uma
verdadeira ponderação entre os direitos ou princípios envolvidos, pois é aqui que se vai
analisar o custo-benefício da medida; que se vai dizer qual princípio vai ceder espaço e
qual princípio será aplicado no caso concreto, trabalhando-se, assim, com o aspecto mais
problemático da ponderação administrativa: a ponderação de interesses.
Esse subprincípio se parece muito com a necessidade, costumeiramente dizendo
a doutrina que, na necessidade, analisam-se os fatos e, na proporcionalidade em sentido
estrito, analisam-se as normas. Portanto, na necessidade, seriam analisadas as situações
fáticas e, na proporcionalidade em sentido estrito, seria analisada a possibilidade jurídica,
a ponderação jurídica propriamente dita. E exemplo disso pode-se encontrar naquele caso
dos botijões de gás (trazido pelo próprio STF e citado por toda a doutrina), quando uma
lei estadual determinou que todas as pessoas que comercializassem botijões ou cilindros
de gás teriam que levar uma balança de precisão na hora da venda, efetuando a pesagem
na frente de cada consumidor, para saber se realmente o que estava escrito na embalagem
correspondia ao conteúdo efetivamente colocado dentro daquele botijão.
Eventualmente, se tivesse menos gás que o especificado no botijão, esses comerciantes
teriam que pagar a diferença em dinheiro, na hora, em cash ao consumidor ou fazer o
respectivo desconto. Mas ocorreu que os vendedores dos botijões, alegaram que não
tinham condição de levar uma balança de precisão para cada venda, além de dinheiro
trocado para poder pagar uma eventual diferença. E isto porque, na realidade, em grandes
regiões ou em grande parte do país, principalmente no interior, é muito comum esse
comércio ser feito por meio de motos e, com isso, essas pessoas não conseguiriam mais
transportar na moto o que transportavam até então, pois, além do botijão de gás, teriam
que levar, agora, também a necessária balança, assim podendo ficar impedidas de exercer
essa atividade, por exemplo.
Ou seja, essa exigência dificultou bastante a atividade de comercialização de botijões e
cilindros de gás, repercutindo a questão no STF, numa ADI, em relação a essa lei estadual,
vendo-se a Suprema Corte diante de um conflito entre dois princípios constitucionais: de
um lado, o princípio da livre iniciativa (art. 170, IV), e, de outro lado, o princípio da
proteção ao consumidor (art. 170, V), dois princípios, duas exigências que, de fato, podem
conflitar, como conflitam nesse caso.
Mas, afinal, qual era a intenção da legislação que trouxe a exigência de pesagem do
botijão e de pagar a diferença? A intenção de proteger o consumidor. Só que, ao mesmo
tempo, essa exigência impediria a comercialização normal do botijão por grande parte
das pessoas que o comercializavam, ou seja, ela impediria, por via reflexa, a livre
iniciativa.
E foi assim, ponderando esses dois princípios que estavam em jogo, ainda que
implicitamente, que o STF acabou declarando aquela lei inconstitucional, pois, apesar de
conferir proteção ao consumidor, aniquilava por completo a atividade empresarial, não
deixando de dizer o STF, além disso, que seria até possível harmonizar-se, no caso
concreto, as duas normas, sem aniquilar uma delas em detrimento da outra, ao observar
que o legislador estadual poderia garantir a defesa do consumidor por outros meios, e não
necessariamente por aquela medida adotada, que acabou inviabilizando outro princípio
constitucional, a livre iniciativa. Então, se o Estado quer proteger o consumidor, que o
faça fiscalizando diuturnamente naqueles estabelecimentos que comercializam os
botijões, que seus agentes fiscalizem sem dizer a hora, sem dizer o local, utilizando-se do
elemento surpresa, e, se encontrarem irregularidades, que o Estado aplique sanções
gravosas para inibir uma atuação contra o consumidor.
Mas, ao dizer isso, o que ocorreu foi que o Supremo Tribunal Federal confundiu
a ideia de necessidade, pois tinha uma medida apta, menos gravosa, para alcançar aquele
fim, que é a fiscalização, percebendo-se, assim, que é difícil fazer uma distinção, na
prática, entre a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, quando se faz
juridicamente um sopesamento entre princípios constitucionais. Mas, de uma forma ou
de outra, não haveria dúvida no final: para o Tribunal, ainda que se apoiasse no
subprincípio da necessidade, ele consideraria inconstitucional aquela lei estadual.
3.2.7. Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado
(princípio da finalidade pública)
Reza então tal princípio que o interesse público está sempre acima do interesse
particular. Assim, nos casos conflituosos entre interesses privados e públicos, não há que
se olvidar em prestigiar o interesse público, que sempre prevalece, fato facilmente
exemplificado pelas prerrogativas que tem o Poder Público de desapropriar a propriedade
privada em prol do coletivo, como para a reforma agrária, dado que o interesse público
suplanta o interesse do proprietário; exercer o poder de polícia, através do qual são
estabelecidas algumas restrições a certas atividades e direitos individuais; exigir a função
social da propriedade; defender o consumidor e o meio ambiente, etc.

A desapropriação caracteriza-se pela intervenção na propriedade, uma vez que o


Estado, de forma coercitiva, transfere para si o domínio do bem de terceiro com
fundamento em interesse público definido em lei. E como pressuposto para a supressão
dessa propriedade com base em necessidade, utilidade pública ou interesse social, a
Constituição Federal garante prévia e justa indenização ao proprietário do bem
expropriado (art. 5o, XXIV). Ou seja, o interesse da coletividade vai sacrificar o direito
de propriedade em prol do interesse público maior.

Exemplo disso é quando o Estado desapropria imóveis próximos às rodovias, em


função do caos no trânsito. O Poder Público, com fundamento na supremacia do interesse
público, pode desapropriar aqueles bens para remover os obstáculos que impedem a
duplicação da rodovia, como se fosse uma intervenção cirúrgica, porque seria inaceitável
se, quando fosse desapropriar um imóvel para tal fim, a Administração Pública tivesse de
verificar a aceitação do proprietário, ficando o Poder Público preso à vontade do
particular, o que fugiria à lógica do razoável.
No mesmo sentido, em termos de caso concreto, menciona-se um julgado recente em que
determinado cidadão, ao voltar de viagem dos Estados Unidos e de casamento marcado,
resolve realizar um sonho: construir sua casa em terreno adquirido antes de sua viagem.
Contudo, ao levar um engenheiro para elaborar um projeto de construção para o terreno,
deparou-se com uma praça pública no mesmo local.
Neste caso, trata-se de ato ilícito da Administração Pública, que não realizou o
procedimento previsto na legislação para realizar a desapropriação, assim ocorrendo a
chamada desapropriação indireta, que ocorre muito por erro de cálculo. No entanto, certo
ou errado, o Poder Público realizou algo em prol da coletividade, materializado na
construção de uma praça, mas que poderia ser também um hospital, um posto de saúde,
uma escola pública, uma creche. Só que os bens, uma vez incorporados à Fazenda
Pública, não podem ser objeto de reivindicação e qualquer ação, julgada procedente,
resolver-se-á em perdas e danos (art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41).
Destaca-se, desse modo, que o bem daquele cidadão alcançou status de bem público de
uso comum do povo, impossibilitando qualquer medida reivindicatória e, para o caso,
caberia apenas ação indenizatória.
Portanto, não obstante o respeito ao direito à propriedade constituir garantia
fundamental, que vem disposta no art. 5o, XXII, da Constituição Federal, essa garantia
não possui caráter absoluto, não é mais imaculada, sagrada, inviolável e inatingível,
devendo a propriedade cumprir sua função social (art. 5o, XXIII) sob pena de legitimar a
intervenção do Estado em homenagem ao princípio da supremacia do interesse público
sobre o interesse privado, expresso em uma destinação social, assim cumprindo o
mandamento constitucional.

Outros exemplos típicos da supremacia do interesse público são as servidões


administrativas, limitações, ocupações temporárias, tombamentos e requisições.
Sobre a servidão administrativa, um exemplo bastante significativo é aquele que se
encontra o Estado impedido de levar energia elétrica domiciliar às regiões longínquas
porque os proprietários dos imóveis, sobre os quais recairá a passagem das torres, se
opõem, o que seria um absurdo. E, neste caso, haverá indenização? Depende; só se houver
prejuízo econômico. Isto é, se os fios elétricos passam no pico do morro, onde o
proprietário nunca nem esteve, não há que se falar em indenização. Diferentemente,
porém, se oito sapatas passam na fazenda daquele proprietário, com isso reduzindo o
espaço para a criação de seu gado nelore, por exemplo, quando então é cabível a
indenização.

Na limitação administrativa, em que o município fecha algumas ruas aos carros e


um edifício-garagem tem prejuízo, há direito à indenização (caso verídico que está
ocorrendo no Rio de Janeiro, com a Travessa Angrense, no bairro de Copacabana - RJ).

Outro caso exemplar é o da requisição administrativa, prevista no art. 5o,


XXV, da Constituição Federal, que trata de iminente perigo público. Esse princípio deve
ser seguido, tanto no momento da elaboração da lei, quanto no momento da
execução da mesma, num caso concreto, sempre vinculando a autoridade
administrativa. Havendo atuação que não atenda ao interesse público, haverá o vício de
desvio de poder ou desvio de finalidade, que torna o ato nulo.
Além da intervenção na propriedade, há outros casos de supremacia do interesse público,
como o das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos. Um exemplo é o do
calçamento de uma estrada de dez quilômetros. A Administração Pública pode alterar
unilateralmente o contrato, impondo, por termo aditivo, sem licitação, um aumento de
25% da cláusula de serviço, independentemente da vontade da empresa contratada, e tal
prerrogativa está dentro do limite imposto por lei (art. 65, § 2o, da Lei 8.666/93). Isto
jamais poderia ser possível no Direito Privado, salvo com a aceitação das partes.

Acrescente-se, ainda, aos casos de supremacia do interesse público:


 prazo dilatado: prazo em dobro para todas as manifestações processuais;

 recurso de ofício: se o juiz proferir uma sentença desfavorável ao Estado,


esta sentença só se tornará eficaz se houver uma reapreciação em 2o grau,
independentemente da apelação do Estado, e tal fundamento reside na supremacia do
interesse público. A princípio, então, não há que se falar em trânsito em julgado até o que
se chama de reexame necessário;

 presunção da legalidade e legitimidade dos atos administrativos: às vezes,


o cidadão sofre uma multa de trânsito em lugar que nunca esteve e, neste caso, há inversão
do ônus da prova, mas é juris tantum;

 autoexecutoriedade: quando a Administração executa algo com seus


próprios meios, e um exemplo disso é quando dissolve uma passeata em função de
vandalismo, independentemente da apreciação do Judiciário;

 prescrição administrativa: a norma que concede 5 (cinco) anos para a


cobrança de um crédito em face do Estado;

 investidura: conforme estabelecido pelo art. 17, § 3º, da Lei nº 8.666/93.

3.2.8. Princípio da continuidade


Partindo-se da noção mais estrita de serviços públicos, que tradicionalmente a doutrina
concebe como sendo todas as atividades administrativas prestadas pelo Estado, ou por
seus delegatários, no sentido de oferecer utilidades ou comodidades materiais destinadas
a satisfazer não só os administrados em geral, como também a cada particular,
singularmente, a exemplo do fornecimento de água, luz, gás, dentre outros, a expressão
serviço público presente no princípio da continuidade significa mais que isso: ao
englobar todas as atividades administrativas desempenhadas pelo Estado em seu conceito,
por continuidade do serviço público entende-se que essas atividades estatais devem ser
dotadas de uma organização tal, e cercadas de um conjunto de garantias legais, que não
possam ser paralisadas em prejuízo de direitos dos cidadãos.
Uma outra projeção do princípio da continuidade do serviço público está relacionada à
questão da greve, que é vedada em serviços de natureza essencial e naqueles
considerados, por lei, como imprescindíveis ao desenvolvimento e à segurança da
sociedade, prevendo o Art 37, VII, da CF/88, que o direito de greve dos servidores
públicos será regulamentado por lei específica, mas observando que é expressamente
vedado o exercício desse direito aos militares (Art 142, § 3o, IV).

Assim, como o estabelecimento de um serviço público só se justifica se ele atender


ao interesse público, ele há de ser prestado com regularidade, sob pena de sua interrupção
implicar em apuração de responsabilidade objetiva do Estado.
E é a essa regularidade que se está a referir quando se afirma, por exemplo, que
uma delegacia de polícia não pode fechar as portas. O Estado poderia ficar um mês sem
prestar segurança pública? Certamente que não, porque segurança pública é poder de
polícia, é dever do Estado, e esse serviço tem que existir continuamente, ao fundamento
de que o art. 144 da CF/88, ao tratar de segurança pública, não colocou um limite de
horário para essa atividade, isto é, que só haverá segurança pública das 7 às 17 horas e,
depois desse horário, será cada um por si. É bem verdade que se vê as ruas sem
policiamento depois de uma determinada hora, mas isto pode gerar uma responsabilização
civil para o Estado por falta de prestação do serviço adequado. É a chamada falta do
serviço, por quebra do princípio da continuidade, por inexistência do serviço.

No entanto, em outras palavras, é o que acontece quando se precisa de ônibus no


Rio de Janeiro às 3 horas da manhã, por exemplo, o que vai ser difícil, pois ele só vai
surgir lá pelas 6 horas, ainda que seja, em razão da regularidade do serviço, mas isto
significa dizer que se convive com uma ilegalidade. Da mesma forma ocorre com o metrô
da cidade, que normalmente fecha à meia-noite e só reabre às 5 da manhã, e não há razão
técnica que justifique isto, porque os metrôs do mundo inteiro realizam a conservação
independentemente de seu funcionamento. Mas o metrô do Rio de Janeiro continua
fechando à meia-noite, regularmente, aí sim, e sem contar com os domingos e feriados,
quando fecha às 23 horas, só reabrindo às 7 da manhã. Assim, da mesma forma que as
delegacias de polícia e os plantões de emergência têm que funcionar 24 horas por dia, os
transportes e outros serviços essenciais também devem, ou deveriam funcionar
continuamente, sem interrupções.

Note-se, portanto, que a continuidade, hoje, não é um princípio inerente só aos serviços
públicos, mas também se aplica às atividades em geral da Administração, inclusive às
atividades privadas socialmente relevantes ou consideradas essenciais pela legislação.
Exemplo disso é a Lei nº 7.783/89, que fala sobre o exercício do direito de greve dos
trabalhadores em geral, e que hoje é aplicada por analogia aos servidores estatutários,
como se verá mais adiante, cujos arts. 10 e 11 merecem ser observados e brevemente
comentados.

“Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:


Como se vê, o art. 10 elenca várias atividades que a lei considera essenciais e, para
I – tratamento
estas, no caso dee greve,
abastecimento de água;
preocupou-se produção eem
o legislador distribuição
prever, nodeart.
energia
11 e elétrica, gás e
seu parágrafo
combustíveis;
único, a continuidade delas. Só que algumas dessas atividades, note-se, são privadas,
como a atividade
II – assistência bancária,
médica e outras ali colocadas são serviços públicos, por isso a Lei nº
e hospitalar;
7.783/89 fala de trabalhadores em geral, pois alguns desses trabalhadores ou empregados
III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV – funerários;

V – transporte coletivo;

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII – telecomunicações;
prestam serviços públicos – basta imaginar-se uma concessionária de serviço público, que
só tem empregados, não tem estatutários –, daí essa lei se aplicar a esses empregados.

Então, para essas atividades essenciais, inclusive a atividade bancária, que é privada e
não considerada serviço público, tem que haver continuidade, e tanto isto é verdade que,
ao tratar da greve dessas atividades, a Lei 7.783/89 exige uma notificação prévia
comunicando que vai haver greve, com prazo mínimo razoável, para que ninguém seja
pego de surpresa, mas ao mesmo tempo exigindo que se mantenha um mínimo de serviço
funcionando, chamado de operação-padrão, porque não pode haver solução de
continuidade para essas atividades essenciais, sejam públicas ou privadas.

E o que isso demonstra? Que o princípio da continuidade também se aplica às entidades


privadas. Se não, imagine-se o Terceiro Setor (que será estudado mais a frente, em outra
oportunidade), a OS, a OSCIP, por exemplo, que são organizações sociais e organizações
da sociedade civil de interesse público, e com as quais o Estado faz contrato de gestão
(Lei nº 9.63798) e termo de parceria (Lei nº 9.790/99), respectivamente.

Aqui, então, destacam-se dois aspectos importantíssimos da continuidade:


primeiro, que esse princípio se aplica não só ao Estado, enquanto prestador de serviço
público, mas também ao próprio particular, enquanto delegatário do serviço público; não
importa, portanto, se é o Estado ou se é o particular a prestar o serviço, porque sua
continuidade é um princípio que diz respeito à atividade administrativa, prestadora de
serviço público, e se é o particular a prestar serviço público, ele também se submeterá a
esse princípio.
Quanto ao segundo destaque, este diz respeito aos casos concretos, ou seja, às aplicações
do princípio da continuidade no Direito Administrativo que a doutrina tradicional
costuma apontar, assunto que se passa a verificar em seguida.
Aplicação concreta do princípio da continuidade, trazida pela doutrina, é a questão
da exceção do contrato não cumprido, no âmbito dos contratos administrativos, pois,
como regra geral, é vedado a quem contrata com a Administração Pública, pelo menos
em tese, paralisar os serviços que presta ou interromper o fornecimento de um bem ao
Estado, invocando a exceptio non adimpleti contractus, a não ser depois de decisão
judicial, de acordo com o art. 39, parágrafo único, da Lei nº 8.987/95, uma discussão que
sempre pautou a doutrina, uma vez que a continuidade guarda estreita pertinência com o
princípio do interesse público.

Mas será que o particular contratado, insatisfeito com o reiterado descumprimento


das normas contratuais pelo poder concedente, mais especificamente com relação ao não
pagamento da conta pelo Poder Público, esse particular não poderia paralisar suas
obrigações enquanto o Estado não regularizasse o pagamento? Pode o particular
suspender o serviço para o Poder Público? Será que o particular pode alegar exceptio non
adimpleti contractus em contratos administrativos?
Antigamente, no tempo da vigência do Decreto-Lei 2.300, de 1986, nenhum
particular poderia invocar, nos contratos administrativos, o não cumprimento das
obrigações da própria Administração para paralisar as suas atividades. Portanto, a
doutrina tradicional não admitia que o particular suscitasse a exceção do contrato não
cumprido no contrato administrativo; se o Poder Público não estivesse pagando, não
estivesse cumprindo suas obrigações, que o particular fosse a juízo, pois ele não poderia,
autonomamente, paralisar suas atividades através da “exceptio”.

Com a revogação desse Decreto pela Lei nº 8.666/93, que regulamentou o art. 37,
XXI, da Constituição Federal de 1988, instituindo normas para licitações e contratos da
Administração Pública, houve um juízo de ponderação, entendendo-se que aquela solução
era autoritária, solução do Estado novo, solução do regime militar, solução dos
primórdios do Direito Administrativo francês, muito vinculado à lógica do Antigo
Regime, e a exceção do contrato não cumprido passou a ser admitida, cumprido um
determinado prazo estipulado no regime da Lei nº 8.666/93, que é de 90 dias. Passado
então este prazo, a lei passa implicitamente a admitir que o particular paralise suas
atividades, como já dizia o art. 1.092 do velho Código Civil, hoje desmembrado nos arts.
476 e 477 do novo Código de 2002, que resumidamente aquele dispunha que, nos
contratos bilaterais, uma parte pode deixar de cumprir sua obrigação quando a parte
contrária deixou de cumprir a sua.

Note-se, assim, que a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) mitigou a


exceção do contrato não cumprido nos contratos administrativos, mas continua exigindo
um prazo de 90 dias para que o particular pare de cumprir a sua obrigação, pois a ideia é
preservar a continuidade do serviço público, pelo menos por 90 dias, para que a
Administração possa regularizar os seus pagamentos e as atividades não sofram solução
de continuidade.

Hoje, no entanto, esses três argumentos foram afastados ou relativizados


pelo ordenamento, ou pela doutrina moderna, que ora traz uma nova interpretação para a
exceção do contrato não cumprido, no âmbito dos contratos administrativos, admitindo-
a, ainda que excepcionalmente. Então, nos dias de hoje, tem-se que relativizar aqueles
três princípios da seguinte maneira: em primeiro lugar, a doutrina tradicional apontava a
legalidade, porque não havia uma lei admitindo expressamente a exceção do contrato não
cumprido para os contratos administrativos, mas hoje a doutrina fala que há norma legal
admitindo expressamente duas hipóteses de exceptio nos contratos administrativos, que
estão nos incisos XIV e XV do art. 78, da Lei nº 8.666/93.

Em resumo, o art. 78 fala sobre rescisão de contrato, havendo lá seus requisitos,


enfim, algumas exigências nos incisos XIV e XV, mas abrindo uma possibilidade para,
em vez de rescindir o contrato, o particular paralisar suas obrigações enquanto não for
regularizado, por exemplo, o pagamento. Numa das hipóteses, o art. 78 fala em atraso de
pagamento pelo Estado por mais de 90 dias; se não pagar em até três meses, aí, sim, o
particular pode parar suas obrigações. É isso, basicamente, o que diz a lei.
PRINCÍPIO DA
CONTINUIDADE DO
SERVIÇO PÚBLICO

Serviços essenciais não


podem ser interrompidos

Ao militar são proibidas a


Exercício do direito de greve
sindicalização e a greve
Lei 7783/99
Art. 142, 3o, IV, CRFB

3.2.9. Princípio da autotutela


Um dos mais importantes corolários do princípio da legalidade é a autotutela, que
vem a ser um princípio informativo do Direito Administrativo de fácil entendimento, vez
que já traz em sua própria nomenclatura a noção básica de seu significado, qual seja: se
tutela é sinônimo de controle, logo, quando se fala em autotutela, fala-se em autocontrole.
Daí partindo, autotutela administrativa significa o controle interno que a Administração
Pública exerce sobre a sua própria atuação, sobre os seus próprios atos.
Aliás, o princípio da legalidade vem antes e até a emissão do ato administrativo,
visto que só se pode praticar o ato havendo previsão legal, e o princípio da autotutela vem
depois; ou seja, toma-se a lei e emite-se o ato (princípio da legalidade), sendo neste
momento que entra em atividade o princípio da autotutela ou autocontrole porque, mesmo
sendo emitido o ato, a Administração Pública tem o dever, de ofício, de controlar a
legalidade dos atos que praticou e, continuamente, rever, reexaminar essa legalidade.

Assim, por ser o Estado o guardião da legalidade, ao se deparar com algum vício de
legitimidade, seja uma ilegalidade expressa, seja um vício de moralidade, ou até mesmo
um equívoco de interpretação da lei, não pode a Administração Pública andar de braços
dados com a ilegalidade, ou ficar de braços cruzados, se assim se preferir dizer, sob pena
de ferir o Art 37 da Constituição Federal.
Então, ao exercer uma fiscalização interna quanto à sua atuação, seja de ofício ou por
provocação do particular, a Autotutela possibilita à Administração Pública, de um lado,
reapreciar seus atos e anular os que forem ilegais – nesse caso fala-se até em dever-poder
de anulação, e não apenas em faculdade (em princípio é um dever, que não é absoluto,
porque ainda teria a convalidação, assunto a ser estudado, mais detidamente, quando se
começar a apreciar a teoria geral do ato administrativo) – e, de outro, como segunda
prerrogativa nesse autocontrole, a Administração também pode revogar os atos legais,
por se apresentarem inconvenientes e inoportunos, e sem precisar de interferência do
Judiciário.
No entanto, o princípio da autotutela não pode resultar em um “cheque em
branco” dado ao administrador de forma absoluta e irrestrita.
Vale aqui se fazer uma importante observação no sentido de que é necessária,
obrigatoriamente, a observância do devido processo legal e a ampla defesa para a
anulação de ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses
individuais (Informativo 732 e 763 do STF).
Qualquer ato da Administração Pública que tiver o condão de repercutir sobre a
esfera de interesses do cidadão deverá ser precedido de prévio procedimento em que se
assegure ao interessado o efetivo exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.

Então, repetindo mais uma vez, em relação ao aspecto da dispensa do devido processo
legal, é de suma importância ressaltar que o princípio da garantia à ampla defesa,
assegurado no art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal, juntamente com a
obrigatoriedade do contraditório constituem cláusulas pétreas asseguradas no processo
judicial e no procedimento administrativo.
Cabe ressaltar que o princípio da autotutela não está explícito na Constituição; ele é um
conceito doutrinário que, construído pela jurisprudência, acabou consagrado, no Brasil,
na Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, a qual dispõe, in verbis:

“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais,
porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

Tradicionalmente, então, essa é a súmula apontada como fundamento para a autotutela


administrativa (fundamento mais positivista, como uma regra, súmula, norma), pois, vale
lembrar que há também uma súmula anterior, a de nº 346, que diz, simplesmente, que “a
Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”, enunciado que
foi aperfeiçoado pelo próprio STF, como se pode perceber, com a edição da Súmula 473,
que passou então a servir de fundamento não somente para anular atos ilegais, mas
também para revogar atos administrativos por motivo de conveniência e oportunidade,
respondendo a Administração pelos efeitos respectivos (tanto a revogação quanto a
anulação podem gerar responsabilidade civil), ressalvados o reexame pelo Judiciário em
ambos os casos (o Judiciário pode rever atos de revogação como de anulação).
Por essa súmula, note-se que, em primeiro plano, o Poder Público pode sanar, pode
corrigir os defeitos dos seus atos administrativos, com a possibilidade de anulá-los, ou
invalidá-los, como preferem alguns autores. Além disso, esse autocontrole, essa
autotutela também passa por uma segunda análise, ou seja, mesmo que os atos sejam
válidos, sejam legais, o próprio Poder Público pode entender que eles não são mais
convenientes ou não mais oportunos para a coletividade. Nesse segundo momento, então,
o Poder Público pode revogar os atos discricionários que se mostrem inconvenientes ou
inoportunos, que é aquilo que a doutrina chama de revogação por razões de mérito
administrativo.
Portanto, no exercício da autotutela, a Administração tem (i) o dever de anular os atos por
ilegalidade e (ii) essa possibilidade de revogar os atos discricionários, que foram editados
por conveniência e oportunidade, por uma reanálise das razões desse mérito
administrativo, revogação esta que a doutrina diz que é uma faculdade, mas isso também
será mais aprofundado dentro do estudo dos atos administrativos.
Esta previsão, vale salientar, encontra-se positivada na Lei nº 9.784/99, que trata da
autotutela em termos expressos no art. 53, que traz a mesma ideia e praticamente a mesma
redação do Enunciado 473 do STF, e no art. 54, que fala dos efeitos de anulação e
revogação.

O Princípio da Autotutela é um poder-dever da


PRINCÍPIO DA
Administração Pública em controlar internamente
AUTOTUTELA seus próprios atos.

ATO ADMINISTRATIVO

ANULAÇÃO REVOGAÇÃO

FATO GERADOR FATO GERADOR


ATO ADMINISTRATIVO ATO ADMINISTRATIVO
QUE NASCE ILEGAL POR VÍCIO EM UM QUE NASCE LEGAL MAS PERDE A
DOS SEUS ELEMENTOS. A ANULAÇÃO CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE.
TEM EFEITO EX TUNC O MÉRITO DO ATO É REAVALIADO.

CONVALIDAÇÃO DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA


(REFORMA, RATIFICAÇÃO OU CINCO ANOS OS EFEITOS SÃO EX NUNC E GERA
SANATÓRIA) DIREITOS ADQUIRIDOS POR TER SUA
PROCEDIMENTO EM QUE O AGENTE É A CONVALIDAÇÃO DO ATO ORIGEM LEGAL.
COMPETENTE TORNA O ATO LEGAL. ADMINISTRATIVO PELO TEMPO.

3.2.10. Princípio da consensualidade e da participação


Na atualidade, muito a doutrina tem falado em consenso e participação popular, o que
vem merecendo especial atenção de autores consagrados que se dedicam a escrever de
uma forma mais aprofundada sobre o Direito Administrativo. Jessé Torres Pereira Júnior,
por exemplo, do Rio de Janeiro, é um deles, que vem falando muito de consensualidade,
e Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que há mais de trinta ou quarenta anos vem falando
de participação, da tendência em relação à participação e ao consensualismo no âmbito
do Direito Administrativo.
Hoje, então, o princípio da consensualidade e participação está muito em voga, seja
porque o ordenamento tem trazido a consagração de instrumentos de participação, seja
porque a doutrina tem tratado desse tema.
Isso significa uma mudança de perfil da atuação, da mentalidade da Administração
Pública que, tradicionalmente, desde que o Direito Administrativo surgiu, sempre se
fundamentou no ato administrativo, naquele ato unilateral, impondo a Administração a
sua vontade ao particular, quando isso se fizesse necessário.
Assim, por tradição, a grande característica da atuação do Poder Público
sempre foi essa: a possibilidade de intervenção unilateral na liberdade e na propriedade
do indivíduo. Então, o protagonista do Direito Administrativo que se conhece,
tradicionalmente, é o ato administrativo, ato unilateral que o Poder Público edita para
influenciar ou restringir a liberdade ou a propriedade do cidadão ou para condicionar o
exercício de alguns direitos. É o que alguns chamam de uma Administração Pública
“autoritária” ou de uma Administração Pública Unilateral, que seria típica do Estado de
Direito.
Mas, quando se olha o art. 1o de nossa Constituição Federal, lá está consagrado o
chamado Estado Democrático de Direito e, levando-se em conta que, no texto
constitucional, o legislador não usa palavras inúteis, a expressão “Democrático” não
pode ser um nada jurídico.
Dizem alguns autores que, com a colocação da expressão “Democrático” ao lado da
expressão Estado de Direito tradicional, o constituinte quis ressaltar um viés democrático,
o Estado brasileiro, e não apenas um Estado de Direito que observa a lei ou o
ordenamento; mais que observar a lei, o Estado tem que atuar de maneira democrática e
isso quer dizer que, na medida do possível, a atuação estatal deve atender os interesses da
população, deve promover os direitos fundamentais e deve atender a vontade da
população. Esse é, pois, o lado democrático.
Nesse momento até se poderia entrar com outro aspecto um pouco filosófico, mas
que só iria justificar o que está acontecendo, que é justamente o próprio ideal de
democracia. Então, o que seria essa democracia atual? Tradicionalmente, sempre se
buscou a ideia de uma democracia representativa, necessária e suficiente para justificar e
legitimar a atuação do Estado, porque numa democracia representativa e, portanto, não
direta, como era na Grécia Antiga, em que todos falavam diretamente o que pensavam,
elege-se um representante (Governador ou Prefeito), que é eleito e atua durante todo o
seu mandato em nome do povo. Mas se a pergunta versar sobre em quem se votou para
Deputado Estadual na última eleição, comumente este não terá seu nome lembrado.
Partindo-se daí, poder-se-ia dizer que a democracia representativa tem um caráter muito
formal e tem muito pouco de substancial, porque o povo não consegue controlar seus
“representantes”, que ganharam um “cheque em branco” para atuar durante o mandato.
Mas, no Brasil, não se tem um recall, não se tem outros instrumentos de controle mais
direto, em princípio, embora se tenha, agora, o referendo, plebiscitos. Às vezes, tem-se
isso na prática, mas, quando muito, é mal implementado.
Logo, se isso é democracia representativa, hoje, não satisfaz a exigência constitucional
de um Estado efetivamente Democrático. Então, no Brasil, cada vez mais os autores que
vêm escrevendo sobre a matéria têm falado em democracia não apenas representativa,
que continua valendo, é claro, mas em democracia deliberativa6 ou quase direta, ou a
consagração de alguns instrumentos da democracia direta.
Contudo, o que importa é o que vai surgir com isso, ou seja, o que significa democracia
deliberativa, cuja noção compreende, mais do que eleger representantes, o povo deve
deliberar sobre as atuações que serão adotadas pelo Poder Público. O uso da deliberação

6
Acerca do tema, confira-se a obra de Cláudio Pereira de Souza Neto, que é um grande professor e filósofo
do Direito, autor de livros sobre Democracia Deliberativa, trabalhando com as doutrinas de Habermas, de
Robert Alexy.
pública, do debate público, para que as pessoas se manifestem nesses debates públicos
colocando as suas opiniões, para que o Poder Público, a partir desses debates, tenha
condições de tomar decisões administrativas melhores, que atendam de maneira mais
próxima aos interesses da população.
Assim, o povo sai de uma Administração Pública chamada de unilateral, ou que alguns
chamam de autoritária, e hoje ingressa na chamada Administração Pública Consensual,
expressão já consagrada na doutrina. Assim, no lugar de se ter o ato administrativo como
grande protagonista – o ato administrativo é tão essencial quanto o ato jurídico do Direito
Civil –, agora, na Administração Pública Consensual, há uma tendência de
contratualização e processualização da Administração Pública.
A tendência, modernamente, portanto, é não mais uma atuação apenas unilateral do Poder
Público, mas de atos administrativos que caminhem pari passu com os contratos
administrativos, com outros atos jurídicos que podem ser editados pela Administração,
que cada vez mais se valerá de um acordo com o particular ou do consenso com ele.
Assim, ao invés de simplesmente impor ao particular a sua vontade, a Administração tem
buscado ouvir o particular, atuar de forma orquestrada, processualizada, contratualizada,
e atender às necessidades desse particular. É por isso que, cada vez mais, a legislação
infraconstitucional brasileira vem consagrando instrumentos de parcerias entre Estado e
particular, formas de contratações, processos administrativos diferentes,
processualizando e contratualizando a atuação da Administração.
Ou seja, quando o Estado impunha sua vontade unilateralmente acabava gerando danos
para os particulares. Hoje, porém, o Estado está vendo que tem que satisfazer diversos
princípios diferentes, haja vista se tratar de uma sociedade pluralista, que tem princípios
que entram em choque eventualmente, princípios que estão em contradição, pelo menos
em tese, e para que o Estado atinja um princípio, ele acabará por restringindo outro. Então,
para que ele atinja um princípio, eventualmente, ouvirá a população para saber, no caso
concreto, qual interesse ou princípio ele, Estado, deve concretizar e qual princípio deixará
de lado, momentaneamente, no caso concreto; por isso, é cada vez mais difícil administrar
de maneira impositiva.
Então, aquela noção de um Poder Público que impõe a sua vontade para o particular, e
este tem que cumprir e ponto final, agora está mudando, pois o Poder Público busca o
diálogo com o particular, vai buscar, através de processos administrativos, de contratos,
ajustes, convênios, consenso com o particular, pois é através desse diálogo, bem como
através da participação deste, em tese, que se conseguiria chegar a uma decisão
administrativa melhor, do ponto de vista qualitativo.
Então, citando-se alguns exemplos práticos dessa tendência que vem sendo apontada7
pela doutrina, um dos mais concretos é o Estatuto da Cidade, que é repleto de
instrumentos de participação direta do cidadão na formulação de políticas urbanas. Por
outro lado, se tais instrumentos são ou não efetivados, isso já é outra discussão.

7
Além de Diogo de Figueiredo, também falam em processualização, que é uma tendência há algum tempo,
Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Odete Medauar, que tem um livro sobre Processualidade Administrativa,
dentre outros.
Outro exemplo se refere às leis que criaram as Agências Reguladoras – e aqui,
obviamente, há uma lei para cada agência, porque é lei específica que cria autarquia;
então, cada lei criará a sua autarquia regulatória –, pois praticamente todas trouxeram
instrumentos de participação direta para o cidadão na elaboração de normas regulatórias
e também na tomada de decisões administrativas pelo agente, observando-se que foram
as leis das agências que consagraram as audiências públicas e as consultorias públicas.
3.2.11. Princípio da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa -fé.
Também chamado de princípio da boa-fé dos administrados ou princípio da
proteção da confiança, o princípio da segurança jurídica é um dos que integram o rol de
princípios elencados na Lei nº 9.784/99, que, como já reiteradas vezes dito, regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Dessa forma, a
Administração deve observância a esse princípio e, como uma das consequências dessa
determinação, esta Lei veda textualmente a aplicação retroativa de nova interpretação de
determinadas normas legais (art. 2º, parágrafo único, XIII, parte final), o que seria
contrário, até mesmo, ao princípio da moralidade administrativa.
Assim, a segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas
mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios
integradores do próprio conceito de Estado de Direito, estando a ele visceralmente
ligada a exigência de maior estabilidade das situações jurídicas, mesmo daquelas que,
na origem, apresentam vício de ilegalidade. Portanto, a prevalência do princípio da
legalidade sobre o da proteção da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo
destinatário por meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de
procedimentos que geram sua responsabilidade.
Nesse sentido, vale trazer uma passagem de estudos feitos pelo professor Miguel
Reale, acerca da revisão dos atos administrativos, onde ele diz:

Não é admissível, por exemplo, que, nomeado irregularmente um


servidor público, visto carecer, na época, de um dos requisitos
complementares exigidos por lei, possa a Administração anular
seu ato, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação
merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a
experiência podem ter compensado a lacuna originária. Não me
refiro, é claro, a requisitos essenciais, que o tempo não logra por
si só convalescer, como seria, por exemplo, a falta de um diploma
para ocupar cargo reservado a médico, mas a exigências outras
que, tomadas no seu rigorismo formal, determinariam a nulidade
do ato.

Observe-se, então, que a prescrição e a decadência são fatos jurídicos através dos
quais o ordenamento confere destaque ao princípio da estabilidade das relações jurídicas,
ou, como se tem denominado atualmente, princípio da segurança jurídica, que juntamente
com o princípio da proteção da confiança passaram a constar de forma expressa, ainda
que implicitamente, no art. 54 da Lei nº 9.784/99, segundo o qual “o direito da
Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para
os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo
comprovada má-fé”, conjugando a norma, assim, não só o aspecto de tempo, como
também o de boa-fé.

Percebe-se, desse modo, que a observância da boa-fé implica na relação de


confiança entre a Administração Pública e os administrados, mais frequentemente
observando-se sua presença nas relações contratuais do Estado com particulares, e que
essa relação de confiança se faça de acordo com a presunção de boa-fé de ambas as partes.

Com base nesse princípio, pode haver a convalidação ou sanatória do ato nulo.
Em muitas hipóteses, o interesse público prevalente estará na conservação do ato que
nasceu viciado, mas que, depois, pela omissão do Poder Público em invalidá-lo, por
prolongado período de tempo, consolidou nos destinatários a crença firme na legitimidade
do ato. Entretanto, alterar esse estado de coisas, sob o pretexto de restabelecer a
legalidade, causará mal maior do que preservar o status quo ante. Em tais circunstâncias,
o princípio da segurança jurídica prevalece sobre o princípio da legalidade, como
imposição da justiça material.

A respeito do assunto, há também de se fazer o registro de um


exemplo fornecido por Regis Fernandes de Oliveira, que, por sinal, é interessantíssimo:

Imagine-se a seguinte hipótese: autorizou-se um loteamento em


terras municipais. O interessado, valendo-se de documentos falsos,
logrou obter aprovação do loteamento, seu registro e o competente
deferimento do loteamento perante a própria Prefeitura Municipal
a quem pertenciam as terras. O ato que determinou a expedição do
alvará autorizando a realização do loteamento é nulo. E a nulidade
advém do conteúdo do ato. O loteamento não poderia ser
autorizado, uma vez que dentro do imóvel municipal. Inobstante,
famílias adquiriram lotes, construíram casas, introduziram-se
melhoramentos, cobrados foram tributos incidentes sobre eles,
bem como tarifas de água etc. Enfim, onde era terreno municipal
erigiu-se verdadeira cidade. Anos após, descobre-se que o terreno
não pertencia ao loteador e que se trata de área municipal. Imagina-
se, mais, que se tratava de verdadeiro paul, que foi sanado pelos
adquirentes e, o que era um terreno totalmente inaproveitável,
tornou-se valorizado.8

Oportuno é observar, portanto, que a Administração, diante do caso concreto, tem


o arbítrio de decidir qual a melhor solução, ou seja, anular o ato ou convalidá-lo,
dependendo do interesse público em jogo. Mas, se a posição sufragada for a convalidação,
o ato tem que preencher os seguintes requisitos: não se origine de dolo, não acarrete lesão
ao interesse público e nem prejuízo a terceiros, por determinação do art. 55 da Lei nº
9.784/99.
Esclareça-se que a confiança legítima, que hoje no Brasil está muito em voga, foi
incorporada, na Itália, a partir do princípio geral da boa-fé. E as próprias noções de boa-

8
OLIVEIRA apud DI PIETRO. Direito ..., op. cit., p. 226.
fé e de confiança legítima estão atreladas também a algum aspecto do princípio mais
genérico de segurança jurídica. Por isso, a nosso ver, os princípios da segurança jurídica,
da confiança legítima e da boa-fé andam lado a lado, são muito parecidos, podendo ser
tratados basicamente como sinônimos, embora alguns autores tentem fazer uma distinção
entre eles.

PODERES ADMINISTRATIVOS:
6.1. Conceito
No âmbito do Direito Público, o conceito de poder é de suma importância, embora seu
significado escape, quando em vez de sua acepção mais ampla, que poderia designar,
por exemplo, a capacidade geral de agir, de produzir efeitos. Assim, nas relações
humanas, poder consiste, em essência, no predomínio da vontade de uma pessoa sobre
as demais; então, nos vínculos entre órgãos administrativos, é o predomínio de um sobre
outro. Já nos vínculos funcionais entre autoridades ou agentes públicos, expressa a
ascendência de uns sobre os outros, que se traduz, por exemplo, em expedir ordens e
instruções, fiscalizar as atividades, modificar ou desfazer decisões. Mas, sob o aspecto
relacional Administração/particulares, o poder da primeira sobre os segundos acarreta a
imposição de condutas, de ônus, de encargos, de sanções e a restrição ao exercício de
direitos e atividades, sempre com fundamento legal.
Além desses termos, menciona-se também amiúde, no Direito Administrativo brasileiro,
a locução poder-dever, para assim expressar o dever conjugado ao poder ou, de modo
similar, o dever que nasce do exercício de um poder. Indica-se, mesmo, no rol dos
princípios do Direito Administrativo, o princípio do poder-dever, que significaria a
obrigação imposta à autoridade de tomar providências quando o interesse público está
em jogo. Embora não represente demasia o vocábulo dever associado a poder, pois
evoca explicitamente a ideia de obrigação de agir, o esclarecimento do sentido que o
termo poder adquire no âmbito da atuação administrativa torna prescindível o uso dessa
fórmula composta, ou seja, poder-dever.
Observe-se, assim, que, na função, o exercício do poder não é livre, mas, pela
impossibilidade de separá-lo de um fim, apresenta-se inevitavelmente condicionado a
requisitos que justificam a atuação e orientam seu concreto desenvolvimento. Na
função, o dever surge como elemento ínsito ao poder e, desse modo, a Administração
concretiza, na sua atuação, o poder conferido pela norma, para atendimento de um fim.
Portanto, as atividades da Administração Pública configuram-se, em princípio, como
função, e é a referência a um fim conferido pela norma que mostra o caráter instrumental
do poder. Os limites postos pelo ordenamento ao exercício do poder administrativo
correspondem à exigência de garantir o vínculo do poder ao fim para o qual foi atribuído.
6.2. Excesso e desvio de poder
Numa definição bastante sumária, o abuso de poder é a violação formal ou ideológica
da lei e, segundo a doutrina vigente, admite duas modalidades básicas: o excesso de
poder e o desvio de poder ou de finalidade, como é mais conhecido.
O excesso de poder não enseja grandes discussões, pois é a violação de uma regra de
competência; ocorre quando o agente, embora competente, atua fora da determinação
legal ou do ato normativo. Assim, se a lei dita quais são as atribuições do agente e,
mesmo assim, ele excede os limites da competência que lhe foi conferida pela
Administração para agir em seu nome, utilizando o poder de forma abusiva, portanto,
consequentemente há uma violação formal da lei.
Assim, há excesso de poder quando o próprio conteúdo (o que o ato decide) do ato vai
além dos limites legais fixados. O excesso amplia ou restringe o conteúdo. O disposto
pelo ato excede o estabelecido pela lei.
Essa ilegalidade conhecida por excesso de poder ocorre, por exemplo, quando a lei
prescreve que a permissão de uso de bem público só pode ser outorgada a título
precário, mas o agente a outorga por certo prazo. Da mesma forma, ocorre esse vício
quando a lei estabelece que qualquer concessão de serviço público só pode ser
outorgada sem exclusividade, mas o agente público celebra o contrato de concessão
com esta cláusula. Mais um exemplo: pela Lei nº 8.112/90, a comissão de inquérito se
encerra com o relatório. No entanto, a comissão, num determinado caso, aplica a
sanção. A comissão de inquérito extrapolou os limites de sua atribuição em, por acaso,
demitir o servidor de sua atribuição legal. E ainda, a lei permite a entrada de qualquer
pessoa em dado recinto público; e um ato, no entanto, veda o ingresso de mulheres.

Importante registrar
Há de se observar, todavia, que o excesso de poder é considerado pelo STJ menos grave
que o desvio do poder (ou de finalidade). No excesso de poder, o ato não é nulo por
inteiro; naquilo que não exceder, aproveita-se. Ou seja, há a nulidade de, apenas, uma
parte. É o que ocorre, por exemplo, quando da penetração no imóvel, no decreto de
desapropriação, que há de ser feita com cautelas, que constitui um dos efeitos do
decreto. Só que, ao ingressar em bem imóvel, o abuso de poder não vai anular todo o
ato de desapropriação.

Caso Concreto - A ilegalidade conhecida por excesso de poder


ocorre, por exemplo, quando a lei prescreve que a permissão de uso de bem público só
pode ser outorgada a título precário, mas o agente a outorga por certo prazo. Da mesma
forma, ocorre esse vício quando a lei estabelece que qualquer concessão de serviço
público só pode ser outorgada sem exclusividade, mas o agente público celebra o
contrato de concessão com essa cláusula. Mais um exemplo: pela Lei nº 8.112/90, a
comissão de inquérito se encerra com o relatório. No entanto, a comissão, num
determinado caso, aplica a sanção. A comissão de inquérito extrapolou os limites de
sua atribuição em, por acaso, demitir o servidor de sua atribuição legal. E ainda, a lei
permite a entrada de qualquer pessoa em dado recinto público, enquanto um
determinado ato, no entanto, veda o ingresso de mulheres.
Já a segunda espécie de abuso consiste no desvio de poder ou desvio de finalidade.
Neste caso, não é a competência que se excede, mas se trata do administrador praticar
ato divorciado do interesse público, agindo de modo a afastar-se dos objetivos previstos,
explícita ou implicitamente, na regra da competência, apartando-se, dessa forma, do
princípio da impessoalidade ou da finalidade. O agente extrapola os limites da lei,
valendo-se de sua suposta obrigação em agir nos ditames legais e voltado ao interesse
público, mas pretendendo um fim diverso do qual lhe é lícito agir, assim violando
ideológica ou moralmente a lei.
Ou seja, quando o poder é desviado, pressupõe-se haver discricionariedade, dada a
liberdade de ação que o agente possui, e, por esse motivo, o desvio é facilmente
mascarado.
Dessa forma, o desvio de poder ou desvio de finalidade se trata de um vício ideológico,
subjetivo, ao colimar “o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou
utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente
legal9”, um vício considerado insanável, não podendo, portanto, ser convalidado como
no excesso de poder.

Pode-se dizer, então, que o desvio de finalidade é a violação ideológica da lei, porque
não se está violando a lei em sua literalidade, mas em seu espírito. A lei tem uma
vontade, a mens legis, e, surgindo os casos concretos, a vontade da lei é no sentido de
sua aplicação. Portanto, se o agente está violando essa mens legis, é óbvio que estará
sendo cometido um ato com desvio de finalidade.
Tal desvio acontece, por exemplo, quando o agente desapropria um bem para perseguir
ou vingar-se de um desafeto político ferrenho ou para favorecer um parente, como foi
um caso ocorrido em Magé, cujo prefeito desapropriou um imóvel de um particular e,
posteriormente, o vendeu para um sobrinho instalar uma escola privada, embora, neste
caso, haja a retrocessão, sendo o direito do expropriado de exigir de volta seu imóvel,
porquanto o mesmo não teve o destino para o qual foi desapropriado.
Note-se, assim, que a atuação do agente, nessa hipótese, está sendo de maneira pessoal,
afastando-se, portanto, do interesse público para dar atendimento ao interesse privado,
diferentemente quando se desapropria um imóvel para fazer uma escola pública e,
posteriormente, muda-se a finalidade, ali se construindo um hospital, mesmo porque o
interesse público muda a todo instante, a este instituto a doutrina denomina de
tredestinação lícita.
De fato, quando se fala em abuso de poder, a ideia que se tem é que a conduta só pode
ser cometida através de atos, condutas comissivas da Administração Pública. Ocorre
que há também a forma omissiva de abuso de poder, que a Administração o faz, e com
muita frequência, cometendo abusos através de omissões.
Para se ter uma ideia de como ocorre essa forma omissiva de abuso de poder, basta
observar-se uma prática muito comum da Administração Pública, qual seja, quando ela
se encontra obrigada a se manifestar diante de um requerimento (direito de petição),
como por exemplo, certidões de tempo de serviço ou mesmo certidão negativa de
débito, mas permanece inerte, embora seja direito de todo o indivíduo obter informação
a respeito de dados ou circunstâncias de interesse pessoal (art. 5o, XXXIV, “b”, da
CRFB/88).
Mas, em que momento se configura o abuso de poder por omissão? A partir de que
momento surge o abuso de poder? A partir de que momento tem o particular o direito de

9
Ibidem, p. 109.
agir contra a Administração para compeli-la a se pronunciar ou a motivar a eventual
negativa?

Importante registrar
Para responder tais questões, bom é lembrar-se de um entendimento doutrinário que diz
o seguinte: “enquanto perdurar o silêncio, estando obrigada a Administração a se
manifestar a respeito de determinado tema, o administrado não perde o seu direito
subjetivo; por isso, afirma-se que, no silêncio, não flui o prazo do mandado de
segurança. É claro que, se há prazo estabelecido em lei ou em regimento interno ou em
outro ato normativo qualquer, ultrapassado aquele prazo, já há abuso de poder,
começando, assim, a fluir o prazo do mandado de segurança”.

Importante registrar
Questão polêmica, porém, em relação à última hipótese aventada, é quando o Poder
Público não tem prazo para se manifestar, surgindo daí a complicação, tendo-se que
aplicar o conceito do prazo razoável. Ultrapassado tal prazo, estará havendo, com
certeza, o abuso do poder. Alguns autores dizem até que esse prazo razoável é o próprio
prazo de 120 dias do mandado de segurança.
Mas, então, o que é prazo razoável? Como ele se configura? Para estas respostas não
existem uma regra apriorística, pois o conceito jurídico de prazo razoável é
indeterminado, dependendo do requerimento, dependendo do local, entre outros. É o
magistrado, portanto, que vai analisar, casuisticamente, se o prazo razoável já escoou. A
título ilustrativo, o juiz pode, simplesmente, afirmar: “Diante da dificuldade deste
requerimento, já que o direito postulado é complexo, entendo que não existe ainda a
fluência do prazo razoável que daria ensejo à impetração do mandado de segurança.
Não havendo, portanto, ato abusivo de poder, por omissão, indefiro a inicial”.
Espécies de poderes administrativos (conceitos e fundamentos).
Poder Vinculado

Didaticamente, é conveniente que o poder vinculado e o poder discricionário sejam


compreendidos conjuntamente, simultaneamente.

Na real verdade, sequer seria correto em falar em poder vinculado e poder


discricionário, sendo mais correto de competência vinculado e competência
discricionária, ou seja, tão-somente, regras de competência vinculada ou discricionária. o
chamado poder vinculado não existe como poder autônomo, mas, ao contrário, dá ideia
de restrição
Mas, quando estaremos diante do poder vinculado e do poder discricionário?
Para começar, verifica-se que, diante de determinadas situações concretas, tem o
administrador margem de liberdade ou não para praticar um ato e, neste caso, para saber
qual dos poderes está em jogo, se o discricionário ou o vinculado, é imprescindível que
se observe os seguintes fatos: em situações que a lei deixa a critério da autoridade atuar
ou não, de agir ou não, o ato é discricionário, tendo o administrador até a opção para
decidir como irá praticá-lo; mas, se a lei já determina a atuação em um caso específico,
o ato é vinculado.

Assim, em se tratando de poder vinculado, é de se perceber que ele não é


propriamente um poder, seguindo entendimento dominante de balizada doutrina, pois
decorre de um ato vinculado, ou seja, a própria lei já estabelece o que tem que ser feito
diante de determinado fato, não tendo o administrador, nesse caso, poder algum de
decisão; ele irá praticar, na expedição de seu ato administrativo, simplesmente, uma
vinculação.
Portanto, o chamado poder vinculado não encerra nenhuma faculdade ao administrador,
uma vez que sua atuação está vinculada à lei, que já determina os elementos e requisitos
necessários à sua formalização. A lei retira o poder de decisão do administrador e
decide no seu lugar, impondo a prática do ato, embora ele esteja no comando da lei.
Assim visto, não há que se falar em poder, porque poder está ligado a não sujeição;
consequentemente, não mais se fala em poder vinculado, posto que ninguém tem poder
vinculado. Por exemplo, licença para construir é fruto da atuação do poder vinculado. A
conduta está previamente está estabelecida na lei.

Mas, ilustrando-se hipóteses de poder vinculado, verifica-se que a Lei nº


8.112/90 prevê que o funcionário público, faltando ao serviço por mais de 30 (trinta) dias
consecutivos ou 60 (sessenta) dias interpolados, durante o período de doze meses, tem de
ser demitido (arts. 132, II e III). Constatadas essas hipóteses (requisitos legais), ao
administrador a lei não oferece alternativa, nem mesmo em se tratando de um funcionário
exemplar, não havendo que se falar, portanto, em perdão. Logo, constata-se que a
autoridade administrativa está vinculada aos comandos da lei. Percebe-se facilmente que
a lei obriga, em uma única opção do que deve ser feito diante de determinado fato, não
tendo o administrador, nesse caso, poder algum de decisão, mas sim um dever da
administração pública. Trata-se, na real verdade, de um “ato matemático” porque o
administrador funciona como um autêntico “robô” da lei, que retira o poder de decisão
do administrador e decide no seu lugar.

Outra hipótese se encontra no art. 117, XI, da mesma Lei, a qual proíbe
terminantemente que o servidor atue como procurador ou intermediário junto a
repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou
assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro,
comportamento que é punível com demissão. E tem mais: a demissão por infringência
do mencionado artigo incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo
público federal pelo prazo de 5 (cinco) anos.
Ainda na mesma Lei, o poder vinculado também se encontra presente no art. 207, caput,
porquanto o administrador tem que conceder, mediante laudo médico, licença à
servidora gestante.
Mais um exemplo é a aposentadoria compulsória do servidor que ainda que o servidor
público não peça, é concedida. Portanto, o administrador está obrigado a produzir o ato
de aposentadoria (art. 40, II, da CF).
Pelos exemplos mencionados, deduz-se que o poder vinculado um ato matemático
porque só há uma única atuação possível, aceitável, não havendo liberdade de ação do
administrador público, devendo obrigatoriamente, apenas, seguir o que a lei prescreve.
A lei retira o poder de decisão do administrador e decide no seu lugar. O administrador
funciona como um autêntico “Robô” da lei.
Poder Discricionário
O poder discricionário tem sua origem proveniente do termo “discrição”, do latim
discretio, discernere (discernir, distinguir). Então, discricionário é o que se opõe à
discrição de outrem, ou seja, que se deixa a seu critério, a seu arbítrio, para que delibere
ou resolva segundo circunstância ou necessidade do momento.
Exemplificando, o poder discricionário pode ser demonstrado da seguinte maneira:
uma determinada pessoa mora num lugar que não tem iluminação; ela reclama e requer a
prestação do serviço. A autoridade, então, irá prestar o serviço, se entender ser oportuno
e conveniente, exercendo, assim, o poder discricionário.
Assim, na essência, poder discricionário é a faculdade conferida à autoridade
administrativa de escolher, ante a certa circunstância, uma entre várias soluções
possíveis. Mas, como se pode identificar se um ato é discricionário ou não?
No Poder Discricionário, o administrador está subordinado à lei. Só que o agente tem
liberdade para atuar de acordo com o juízo de conveniência e oportunidade, dentro dos
ditames da Lei. Havendo, por exemplo, duas alternativas, estabelecidas e Lei, o
administrador poderá optar por uma delas, escolhendo a que melhor atende ao interesse
público. As duas opções são válidas. Poder discricionário metaforicamente é “válvula de
escape”. Há uma margem legal de liberdade. A Lei admite mais de uma conduta válida,
dentre as quais o administrador terá que optar. O juiz não pode optar por outro ato
administrativo, por não ser substituto do administrador.

Toda vez que a lei utiliza o verbo poder ou, da mesma forma, expressões do tipo “é
facultado”, “a critério”, “de acordo com o juízo de conveniência e oportunidade”, ela
estará se referindo a atos discricionários, estará enfocando o poder discricionário, e que
pode ser demonstrado com o seguinte exemplo: uma determinada pessoa mora num
lugar que não tem iluminação; ela reclama e requer a prestação deste serviço. Pois bem,
a autoridade irá prestar o serviço, se entender ser oportuno e conveniente, exercendo,
assim, o poder discricionário.
Esse poder de escolha que, dentro dos limites legalmente estabelecidos, tem o agente do
Estado, entre duas ou mais alternativas, na realização da ação estatal, é que se chama
poder discricionário. Poder discricionário é poder, mas poder sob os limites da lei e que
só será válido e legitimamente exercido dentro da área cuja fronteira a lei demarca. O
poder ilimitado é arbítrio, noção que briga com a do Estado de Direito e com o princípio
da legalidade que é dele decorrente.
O poder discricionário vem, geralmente, indicado nas leis que definem a competência
dos órgãos e agentes públicos pelas expressões “poderá”, “é autorizado”, “permite-se”,
ou semelhantes, assim como as ressaltadas acima. Ao conceito de poder discricionário
contrapõe-se o de competência vinculada ou ligada, referindo-se aos casos e situações
em que o Estado está estritamente submetido à lei, não cabendo ao agente público
qualquer margem de liberdade, como se demonstrou no tópico pretérito.
Outro exemplo do poder discricionário, no parâmetro da lei, é o fechamento de boates.
Assim, se o fundo de comércio tinha autorização para funcionar como restaurante, mas
funcionava como boate, apesar do alvará constar ser para restaurante, diz a legislação
que, uma vez descumprida a finalidade do alvará, a Administração Pública pode: a)
advertir; b) fixar um prazo para regularização; c) suspender temporariamente as
atividades; d) cassar o alvará.
No caso, quando a lei abre esse leque de opções, o administrador vai poder escolher a
punição. Esta possibilidade de escolha, dentro do âmbito da lei, é exercício do poder
discricionário, pois a lei não previu um só comportamento, mas vários. Contudo, tem a
Administração que motivar a sua escolha, ou melhor, terá que mencionar porque
escolheu uma opção e não a outra, tendo que ser a punição adequada ao caso, e cuja
última saída é cassar o alvará. Há que preponderar, portanto, o princípio da
proporcionalidade da sanção em relação aos meios.
Poder Hierárquico
É o alicerce, a base, a espinha dorsal da própria estrutura da máquina administrativa pois,
sem hierarquia na atividade administrativa, nenhuma organização funcionaria, seria o
caos, autêntico transtorno, anarquia e desordem. O poder hierárquico é o alicerce, a base,
o sustentáculo da própria estrutura administrativa, objetivando a boa
engrenagem administrativa. O poder hierárquico é inerente a toda estrutura
administrativa. Toda estrutura tem um poder de comando. A hierarquia é fundamental.
Gera efeitos, apenas, no âmbito interno da Administração Pública.

Quando se pensa em qualquer tipo de empresa bem organizada, pressupõe-se que dentro
de sua estrutura haja uma hierarquia, além de disciplina aos seus funcionários. E, em se
tratando da Administração Pública, isto não é diferente.

Então, quando se fala em poder hierárquico no âmbito da Administração Pública, fala-se


de uma característica natural decorrente de sua estrutura, devendo-se pensar que todo o
escalonamento de seus funcionários é feito, em princípio, a partir da hierarquia, da
subordinação, ou seja, algumas pessoas vão mandar, outras vão executar, obedecer.10
Portanto, é natural da estrutura administrativa, como é natural de qualquer organização,
que pessoas venham a dar ordens e outras venham a receber e executar estas ordens.

Sendo assim, dentro da estrutura hierárquica, a autoridade superior vai poder exercer
sua influência decisória sobre a autoridade inferior a ela subordinada, tendo-se,
portanto, uma hierarquia dentro da estrutura administrativa.

10
Aliás, a título ilustrativo, já dizia Aristóteles, ao falar que o poder circunda as esferas das relações humanas, que alguns seres,
quando nascem, estão destinados a obedecer; outros, a mandar.
Poder hierárquico, então, é o de que dispõe o Estado para distribuir e escalonar as
funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a
relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal.

O poder hierárquico tem por objetivos ordenar, coordenar, controlar e corrigir as


atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública.
A submissão hierárquica retira do inferior a atuação política, isto é, despe o
subordinado da ação de comando, permitindo-lhe, tão somente, agir no estrito âmbito de
suas atribuições específicas. Ao chefe do órgão executivo é que incumbe tomar as
resoluções políticas, no sentido da escolha do objeto, dos meios e da oportunidade mais
convenientes à consecução dos fins governamentais, que devem tender sempre para o
bem comum.
O segundo efeito da hierarquia é o de fiscalização das atividades desempenhadas por
agentes subordinados, a fim de o superior verificar se a conduta do subordinado está em
conformidade com as determinações superiores, objetivando mantê-los dentro dos
padrões legais regulamentares instituídos para cada atividade administrativa.

A terceira consequência do poder hierárquico seria a delegação, que é a


transferência de atribuições de um órgão ou de seu titular, a outro, no aparelho
administrativo. É uma das mais importantes prerrogativas do poder hierárquico, a
possibilidade de delegar competências, entendida como a faculdade conferida ao
administrador para atribuir temporariamente parte de suas atribuições a um
subordinado. Além da delegação de competência, que é feita por uma autoridade
superior à outra que lhe é subordinada, chamada, por isso, de delegação vertical, é
possível também a delegação feita de um órgão ou agente para outro, ainda que entre
eles não haja relação de hierarquia e subordinação (delegação horizontal), como é o
caso do art. 12 da lei n° 9784/99, que será apreciado mais adiante. Como exemplo típico
deste caso é a delegação de competência feita por órgão de trânsito à polícia militar para
fiscalizar e aplicar multas de trânsito.
O delegante não é responsável pelo ato do delegado. O STJ já decidiu, acerca do
assunto, que o ato praticado pelo delegado é de total responsabilidade dele, a não ser no
caso de dolo, que ambos passam a ser co-responsáveis. Inclusive, para fins de MS, a
autoridade coatora é o delegado.
Via de regra, quem recebe a delegação não pode subdelegar para terceiros. A delegação
só pode ser recusada por força maior.
Importante mencionar já de início que a delegação de competência é sempre temporária
e não poderá ser recusada pela autoridade delegada, eis que emana da hierarquia que
inerente à própria atividade administrativa. No entanto, nos casos de delegação
horizontal, como a transferência da competência ocorre entre órgãos e agentes sem
relação de hierarquia entre si, será necessária a anuência por parte do órgão (ou agente)
delegado, tendo em vista este não estar subordinado ao delegante.
Como a delegação é discricionária e sempre temporária, poderá o delegante a qualquer
tempo revogá-la, chamando novamente para si as atribuições anteriormente transferidas
ao delegado. Ressalte-se que o ato de tornar sem efeito ou revogar a delegação de
competência então existente não se confunde com o instituto da avocação, que será mais
adiante ensinado.
Pois bem, feitas essas apreciações a respeito da delegação, volta-se a falar sobre os
demais efeitos da hierarquia, que tem uma quarta consequência, a chamada avocação,
que é chamar para si atribuições originariamente entregues a subordinado, fato inverso
da delegação, portanto.
Como regra geral, a avocação é permitida, embora tenha caráter de excepcionalidade, só
devendo ser adotada pelo superior hierárquico quando houver motivos relevantes para
tal substituição, e isto porque a avocação de um ato sempre desprestigia o inferior e, não
raro, desorganiza o normal funcionamento do serviço; por isso deve ser fundamentada,
porque representa uma capitis diminutio do agente administrativo. Logo, a avocação
não é permitida com muita liberdade.
De acordo com o art. 15 da Lei 9.784/99, são requisitos indispensáveis do instituto da
avocação: é necessário que haja motivos relevantes que a justifiquem, devendo
mencionar as razões fáticas.
Pela avocação substitui-se a competência do inferior pela do superior hierárquico, com
todas as consequências desta substituição, notadamente o deslocamento do juízo ou da
instância para ajustá-lo ao da autoridade avocante em caso de demanda. Assinale-se,
também, que a avocação desonera o inferior de toda responsabilidade pelo ato avocado
pelo superior. Não pode ser avocada atribuição que a lei expressamente confere a
determinado órgão ou agente, como, por exemplo, o julgamento de concorrência pela
Comissão competente na licitação ou a aprovação de um ato por autoridade superior
diversa da que deveria praticá-lo originariamente por determinação legal.
Por tal motivo, o art. 15 da Lei nº 9.784/99 estipula que “será permitida, em caráter
excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária
de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior”.
Então, para avocatória, existem dois argumentos:
I – chamar para si a competência de subalterno (avocação vertical), que tem amparo
legal no art. 15 da Lei nº 9.784/99. É lógico e razoável que isto ocorra, pois se existe
toda essa estrutura hierarquizada, é evidente que um ato do subalterno possa ser revisto
pelo seu superior hierárquico, mesmo em se tratando de ato lícito, podendo ocorrer a
revogação, onde se avalia o mérito; portanto, este mecanismo, na função administrativa,
é possível; e
II – trazer de volta a competência delegada, mecanismo este previsto no art. 42, § 2o, da
Lei nº 9.784/99. É importante lembrar de que esta disposição abraça, apenas, o âmbito
federal, ou seja, para os Estados e Municípios não se opera tal regra.

Teoria da Encampação
FIQUE DE OLHO

A teoria da encampação é um desdobramento do Poder Hierárquico.

Dentro de uma estrutura administrativa, se uma autoridade subalterna


pratica um determinado ato administrativo em desacordo com a lei e, por conta disto, dá
ensejo a impetração de um Mandado de Segurança. Todavia, este MS é dirigido ao
superior hierárquico daquela autoridade que praticou o ato irregular, que por sua vez,
presta informações no referido MS, corroborando o acerto do ato praticado.
Em face da relação de hierarquia, o Superior pode perfeitamente
encampar o ato na apresentação das informações, deslocando-se a titularidade do ato.
Isto ocorre pois quando (ao ser erroneamente indicado como
autoridade coatora) o Superior Hierárquico defende, em seu mérito, o ato impetrado.
Teremos, aí, uma hipótese da chamada “Teoria da Encampação do Ato Impugnado no
Mandado de Segurança”.
Essa teoria consiste na encampação do ato por autoridade
hierarquicamente superior àquela que efetivamente praticou o ato, materializado no
momento de apresentação das informações. Ou seja, a autoridade superior avoca o ato
de seu subordinado como sendo seu, prestando as informações como se fosse o titular
do ato impugnado.
Além disso, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça é
pacífica no sentido que não basta apenas a prestação de informações, mas esta deve vir
acompanhada da contestação dos fatos e direitos aduzidos na peça inicial do writ.
Cumpre, portanto, registrar que é indispensável a defesa do mérito, não servindo,
apenas, prestar informações.
A jurisprudência tem prestigiado esse entendimento:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO CIVIL E


ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE APONTADA
COMO COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. MILITARES
TEMPORÁRIOS. LICENCIAMENTO. ATO DISCRICIONÁRIO.
AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À PRORROGAÇÃO DE
TEMPO DE SERVIÇO.1. De acordo com a teoria da encampação, adotada
por este Superior Tribunal de Justiça, a autoridade hierarquicamente
superior, apontada como coatora nos autos de mandado de segurança, que
defende o mérito do ato impugnado ao prestar informações, torna-se
legitimada para figurar no polo passivo do Mandado de Segurança. (...)”
(MS 8.206/DF, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira
Seção).

Poder Disciplinar
Poder disciplinar significa justamente o poder que tem a autoridade competente de
averiguar infrações funcionais praticadas por agentes públicos e para aplicar, se for o
caso, a respectiva sanção disciplinar. Cabe à Administração Pública, portanto, apurar
infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à
disciplina administrativa. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos
aqueles que se vinculam à Administração, por relações de qualquer natureza,
subordinando-os às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que
passam a integrar definitiva ou transitoriamente.
É importante registrar

Na aplicação da sanção, sem dúvida, há uma certa discricionariedade na aplicação,


diferente do do Direito Penal. De acordo com a gravidade, o administrador tem um leque
de opção, de acordo com a Lei 8.112/90, art. 127:
Art. 127. São penalidades disciplinares:

I - advertência;
II - suspensão;
III - demissão;
IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
V - destituição de cargo em comissão;
VI - destituição de função comissionada.

De acordo com a gravidade, a Administração Pública dentre elas, escolhe o que melhor
atende o interesse público, mas terá que motivar o porquê da aplicação de tal sanção, sob
pena de nulidade, ou seja, tem que haver uma adequação da penalidade x a falta praticada.

O judiciário não pode substituir-se à administração pública na punição do servidor,


mas pode determinar aplicação de pena menos severa.

É interessante mencionar a citação do julgado abaixo:

“Embora o Judiciário não possa substituir-se à Administração na punição do servidor,


pode determinar a esta, em homenagem ao princípio da proporcionalidade, a aplicação de
pena menos severa, compatível com a falta cometida e a previsão legal” (STF, RMS
24901).

Curiosamente, vale mencionar que, se a punição for muito light, pode o Judiciário
ampliá-la? Nesse caso, não. Por enquanto, é só redução para patamares razoáveis. Se, por
acaso, a infração for grave, mas o administrador entender que cabe apenas uma
advertência verbal, o Judiciário não interfere, haja vista que o poder disciplinar cabe ao
administrador público, não ao Judiciário, que só vai verificar se a aplica-

Poder Regulamentar

Convém lembrar que a função estatal de editar normas gerais e abstratas é do Poder
Legislativo, que desempenha um papel importantíssimo enquanto porta-voz da
sociedade, sobretudo, buscando com ela satisfazer expectativas ou atender às
necessidades de todos, inclusive do próprio Estado. Acontece que o legislador não é
capaz de apreender, absorver detidamente todas as situações que surgem no meio social;
consequentemente, não pode prever, no texto positivo, todas as situações fáticas, até
mesmo por conta das transformações que ocorrem dentro da própria sociedade em tão
pouco tempo.
O detalhamento, esclarecimento ou regulamentação das leis somente é possível em
decorrência da existência desse poder regulamentar, também denominado poder
normativo. Sendo assim, tem o administrador a faculdade de clarificar as leis, detalhando,
esmiuçando, explicitando seus meandros, para dar executoriedade àquelas que não são
auto executáveis, denominando-se esta competência de poder regulamentar, que é
definido por Hely Lopes Meirelles como “a faculdade de que dispõem os Chefes do
Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua
correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência
ainda não disciplinada por lei”.
Esse poder regulamentar é, então, na visão majoritaríssima da doutrina, uma
prerrogativa da Administração Pública de editar atos gerais, normas gerais para
complementar as leis, assim permitindo “sua fiel execução” (art. 84, IV, da CF/88).11
Cabe frisar, porém, que o exercício dessa prerrogativa pela Administração é voltado
apenas para complementar os vazios da lei, para dar à máquina administrativa condições
de materializar a lei, não podendo, pois, a Administração alterá-la, modificá-la,
inovando na ordem jurídica, a pretexto de estar regulamentando algo mais.
Atenção !
As leis administrativas podem ser regulamentadas, mesmo que os textos da
legislação não contenham expressamente essa regulamentação, porque estamos diante das
denominadas leis não-autoexecutáveis, portanto, por ser inerente a função
administrativa, não há impedimento para tal, podendo ser materializadas por resoluções,
Decretos, Portarias.

O fundamento constitucional do poder regulamentar, em relação à União, é o inciso IV


do art. 84, da CF/88, ao dispor que ao Presidente da República compete expedir
decretos e regulamentos para a fiel execução das leis – o que pressupõe, portanto, a
prévia existência de uma lei. No que diz respeito aos Estados-Membros e Municípios,
por sua vez, são os dispositivos semelhantes consignados nas Constituições estaduais e
nas Leis Orgânicas municipais, até porque, pelo princípio da simetria constitucional, o
mesmo poder é conferido aos Chefes do Poder Executivo (governadores, prefeitos,
interventores) para os mesmos fins.
Reforça-se que à Administração não cabe contrariar a lei (contra legem) e nem ir além
do permitido (extra legem), ou seja, o exercício do poder regulamentar somente pode se
dar secundum legem, só pode se dar em conformidade com o conteúdo da lei e nos
limites que ela impuser, decorrendo daí que não podem os atos formalizadores criar
direitos e obrigações, porque tal é vedado num dos postulados fundamentais que

11
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como
expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; ”
norteiam o sistema jurídico brasileiro, qual seja: “Ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5o, II, CF) – grifo nosso. Se
assim o fizer, a Administração estará cometendo abuso de poder regulamentar,
invadindo a competência do Legislativo, podendo o ato sofrer invalidação pelo
denominado Poder de Sustação, estabelecido no art. 49, V, da Carta Magna, que
autoriza o Congresso Nacional a sustar atos normativos que extrapolem os limites do
poder de regulamentação.
Há total possibilidade de controle judicial em face do Poder Regulamentar ? Sim, em
conformidade com o art. 102, I, alínea “a” da Constituição Federal, exatamente por
traduzir generalidade, abstratividade, quando o regulamento contrariar frontalmente os
limites da lei, podendo ser atacado por via direta, isto é, por intermédio da Adin.
No tocante a polêmica da existência ou não do decreto autônomo, cabe frisar
que o decreto autônomo não existe para detalhar a lei. Trata-se de uma criação do direito
italiano. Existe como se fosse a lei , substituto da lei, por exemplo, o DL 3365/41 ( regra
geral da desapropriação).

O decreto autônomo não teria a função de detalhar os comandos legais. Logo, não
integra o poder regulamentar. O objeto do decreto autônomo seria justamente expedir
matérias com força de lei (inovação na ordem jurídica, impondo direitos e obrigações
para os administrados).
Antes da entrada em vigor da EC n° 32 de 2001, nossa Carta Magna não admitia tal
figura, admitindo-se apenas o decreto regulamentador ou de execução que, como se
pôde ver, é ato editado pelo chefe do Poder Executivo com intuito de regulamentar uma
lei, visando sua fiel execução.
Apesar da resistência de parte da doutrina constitucionalista ao decreto autônomo,
devido à clara usurpação de atribuições que, a rigor, pertenceriam ao Poder Legislativo,
fato é que a partir de 2001 passou-se a existir autorização expressa dada pelo
Constituinte ao Presidente da República para que este edite tais atos, conforme se pôde
verificar do exame do art. 84, da CFRB/88.

Assim sendo, atualmente o Presidente da República possui competência para


edição de decreto, ainda que inexistente lei anterior, desde que o assunto esteja
relacionado com à organização e funcionamento da administração federal, ou seja, à
simples reengenharia administrativa, e desde que não haja aumento de despesa ou
extinção de órgãos públicos. Além disso, desejando o Presidente simplesmente
extinguir funções ou cargos públicos, quando vagos, poderá fazê-los
administrativamente por meio de decreto autônomo.
Por fim, sabendo-se que tal decreto não possui como finalidade regulamentar a lei, mas
sim criar direito novo, caso seja constatada alguma incompatibilidade entre suas normas
e a Constituição Federal, será possível a aferição abstrata da inconstitucionalidade,
como já bem decidiu o STF em certa ocasião.
Para se chegar à atualidade, e analisar os mais recentes entendimentos, cabe observar,
que tradicionalmente, havia duas correntes doutrinárias sobre o decreto autônomo. A
primeira corrente, que sempre foi, e ainda é, minoritária, vale dizer, era defendida
pelo publicista Hely Lopes Meirelles, que admitia a figura do decreto autônomo,
fundamentando na teoria dos poderes implícitos.
Assim, o argumento utilizado por este mestre, que continua sendo o mesmo
sustentado pela primeira corrente nos dias de hoje, é o seguinte: se a Constituição
Federal coloca uma série de deveres e objetivos para o Estado, ele, então, tem o dever
constitucional de atender alguns desses objetivos, alguns direitos. Por exemplo: o
Estado tem o dever de promover a saúde; o Estado tem que promover a educação; o
Estado tem que defender o meio ambiente, enfim, existem alguns deveres
constitucionais colocados para o Estado-Administração e, se a Constituição coloca
finalidades, deveres que a Administração deve alcançar, ela tem que ter os meios para
alcançar esses fins.
Então, para uma primeira corrente doutrinária, aparentemente majoritária, o art. 84,
VI, “a”, hoje, estaria consagrando um caso excepcional de decreto autônomo, e quem
diz isso, expressamente, é a Di Pietro, que só admite o regulamento autônomo para essa
hipótese específica inserida na alínea “a”, uma vez que a competência se limita à
organização e funcionamento, “pois a criação e extinção de Ministérios e órgãos da
Administração Pública continua a depender de lei, conforme artigo 88, alterado pela
Emenda Constitucional nº 32”, diz ela, estabelecendo até mesmo essa norma um “certo
paralelismo com atribuições semelhantes da Câmara dos Deputados, do Senado e dos
Tribunais”. Assim, para essa autora, excluindo essa hipótese, “só existe o regulamento
de execução, hierarquicamente subordinado a uma lei prévia, sendo ato de competência
do Chefe do Poder Executivo12”.
Então, além da Di Pietro, nessa corrente também está, por exemplo, entre outros
autores, o Gustavo Binenbojm, e eles vão dizer que, agora, esse decreto que organiza a
Administração Pública não precisa de uma lei prévia; esse decreto vai ter fundamento,
portanto, direto no texto constitucional. Assim, consoante esse entendimento de alguns
autores, o decreto de que trata o art. 84, VI, “a”, é mesmo autônomo, mas um decreto
meramente interno da Administração, que seria aquele decreto chamado organizacional,
que não cria direitos e obrigações para as pessoas em geral.
Vale destacar, porém, que o Gustavo Binenbojm tem uma posição mais de vanguarda,
uma posição mais radical em relação a isso, indo além na sua interpretação pessoal ao
dizer que, independentemente do art. 84, VI, “a”, cabe uma releitura do decreto
autônomo ou de poder normativo autônomo inclusive em situações não expressamente
colocadas no texto constitucional. Para esse autor, além dos casos expressos na
Constituição, poderia haver decreto autônomo mesmo em situações não expressas,
desde que não haja uma vedação na Constituição Federal, quando não haja uma reserva
qualificada de lei, como acontece em matéria tributária e em matéria penal, por
exemplo, e desde que essa atuação normativa primária seja sempre para atender, ampliar
ou promover direitos fundamentais.

12
DI PIETRO, op. cit., p. 93.
Poder de Polícia
O poder de polícia é uma prerrogativa outorgada pela Administração Pública a
seus agentes, que lhes dá o poder-dever de agir em nome dela. É através dessas
ações que o Estado intervém nas relações sociais, sendo este o seu real objetivo. Nesta
relação, o homem, então, é destituído de seu poder individual supostamente absoluto e
passa a figurar como coadjuvante num cenário maior, que é o interesse público.
Relevante é ressaltar, portanto, que não há direito individual absoluto. Os direitos são
todos relativos, em prol do interesse público, o que significa dizer que a Administração
pode limitar, condicionar e restringir os direitos individuais em prol do interesse
coletivo, mas sem poder jamais retirar o próprio direito do cidadão, hipótese em que não
seria poder de polícia, e sim arbítrio, configurador do abuso de poder. Assim, em nossos
dias, predomina a ideia da relatividade dos direitos, porque, de acordo com as palavras
do civilista francês Georges Ripert, “o direito do indivíduo não pode ser absoluto,
visto que absolutismo é sinônimo de soberania. Não sendo o homem soberano na
sociedade, o seu direito é, por consequência, simplesmente relativo13”.
Vamos para a praticidade:

Determinada associação de moradores da cidade de Niterói convoca ato


contra a cobrança do selo pedágio, a ser realizada às 17:00 horas, a véspera de um
feriadão. de uma sexta-feira, na Ponte Rio. Niterói. O Poder Público, comunicado do
evento, pode a sua realização?
O Poder de Polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do
interesse público que visa proteger. O Poder de Polícia não tem finalidade de destruir
os direitos individuais, mas sim, de assegurar o seu exercício, adequando-o ao bem-
estar social. Só poderá restringir um direito individual quando este entrar em
confronto direto com o interesse público, com interesses da coletividade. Por isso,
entendemos que a Administração Pública Não poderá impedir a realização do
protesto contra o aumento do pedágio, por ser até uma garantia constitucional ( art.
5°, inc. XVI), porém, poderá, e deverá , em nome do interesse maior da
coletividade, determinar a mudança de dia, lugar e horário, assegurando, deste modo,
o bem-estar da sociedade. Logo, a Administração Pública, no exercício da Polícia
Administrativa, agirá preventivamente, visando obstar uma atividade particular que
se revele contrastante com o interesse público, isto é, que cause um dano para
coletividade. A realização de uma passeata no dia e hora citados causaria,
provavelmente, um dano, uma perturbação à coletividade. A atuação administrativa
na hipótese, funcionaria em relação aos futuros danos advindos do comportamento
em questão.

Neste caso, mesmo tendo sido o Poder Público comunicado do evento,


entendemos que a Administração Pública não poderá impedir a realização do protesto
contra o aumento do pedágio, por ser até uma garantia constitucional (art. 5o, inc.
XVI); poderá, e deverá, porém, em nome do interesse maior da coletividade,
determinar a mudança de dia, lugar e horário, assegurando, deste modo, o bem-estar

13
Apud MEIRELLES. Direito…, op. cit., p. 131.
da sociedade. Logo, a Administração Pública, no exercício da polícia administrativa,
agirá preventivamente, visando obstar uma atividade particular que se revele
contrastante com o interesse público, isto é, que cause um dano para coletividade. A
realização de uma passeata no dia e hora citados causaria, provavelmente, um dano,
uma perturbação à coletividade. Já pensaram numa manifestação, mesmo pacífica, na
Ponte Rio Niterói, sexta-feira, às 18 h, que caos?!

Polícia administrativa e polícia judiciária

Bem, teoricamente falando, essa distinção parece fácil, mas a prática é muito mais rica
do que se imagina, pois, a diferença entre essas duas “polícias” é apenas relativa. Na
prática, suas características ora se invertem, ora se confundem, e nem sempre é fácil
vislumbrar isso no caso concreto, tanto assim que a doutrina costuma dizer que a polícia
administrativa tanto pode agir preventivamente (como, por exemplo, proibindo o porte
de arma) como pode agir repressivamente (quando apreende a arma usada
indevidamente). Entretanto, em ambas as hipóteses, poder-se-ia afirmar que ela está
tentando impedir que o comportamento individual produza danos maiores à sociedade, e
nesse sentido é correto dizer que o caráter da polícia administrativa é eminentemente
preventivo. Mas, ainda assim, falta precisão ao critério, pois se pode inferir que a polícia
judiciária, embora seja uma atividade administrativa repressiva em relação ao indivíduo
infrator da lei penal, é também uma atividade preventiva em relação ao interesse geral,
porque, punindo o infrator, procura-se evitar que o indivíduo volte a incidir na mesma
infração.
Note-se, assim, que a distinção é complexa, mas aqui se vai tentar apontar algumas
diferenças possíveis, das muitas encontradas na doutrina, entre polícia administrativa e
polícia judiciária.
A primeira diferença que todos os autores enfocam é que a polícia administrativa atua
de forma preventiva, dizendo que ela é uma “atividade-fim”, que ela é um fim em si
mesma ou se exaure em si mesma, em uma única fase, enquanto a polícia judiciária atua
de forma repressiva, sendo considerada uma “atividade-meio” porque ela é preparatória,
isto é, ela prepara o terreno para uma futura atuação estatal ou para um outro órgão ou
ente estatal qualquer. No entanto, vimos que esse critério de distinção torna-se
esvaziado quando se identifica entre ambas os efeitos preventivo e repressivo, como se
demonstrou no exemplo acima e que também veremos abaixo.

É evidente que, em princípio, toda atuação da polícia administrativa é preventiva,


mas entendimento este que hoje em dia perdeu força, pois a ela não se nega uma
atuação repressiva. Senão, vejamos que: quando o fiscal da salubridade visita um
supermercado, por exemplo, ou um restaurante, ele vai preventivamente (fazer uma
fiscalização) para avaliar as condições gerais do estabelecimento. Mas, se o órgão ou
entidade de fiscalização sanitária ingressa naquele estabelecimento comercial e lá
encontra alimentos com validade vencida, alimentos fora da refrigeração adequada,
enfim, impróprios para o consumo, em más condições de higiene na sua conservação,
problemas sanitários, insetos, vestígios de roedores, o que pode fazer essa entidade ou
esse órgão fiscalizador? Aplicar imediatamente as sanções àquele estabelecimento e, se
for o caso, ao seu proprietário, apreendendo os alimentos impróprios para o consumo,
por exemplo, inutilizando-os depois, além de aplicar a multa equivalente ao ilícito,
assim abandonando a atuação preventiva para atuar repressivamente, lavrando o auto de
infração bem como o auto de destruição, para dar ampla defesa e o contraditório ao
dono do estabelecimento, sob pena de ser um ato arbitrário.
Portanto, no caso da polícia administrativa, verifica-se que, muito embora a ação do
agente público seja, a princípio, fiscalizatória, meramente preventiva, nada impede que
sua atuação se converta em repressiva, a fim de que seja garantida a salubridade,
embora seja óbvio que esta não é a sua atividade principal.
Então, no exemplo citado, o que aconteceu? O órgão ou a entidade exerceu a polícia
administrativa, alcançando o fim desejado. E qual era o fim desejado? Verificar se
estava tudo certo, de acordo com a legislação, e, caso contrário, aplicar as sanções. Mas,
ao visitar as instalações do estabelecimento, o agente constatou aquelas tais
irregularidades e já diretamente aplicou as sanções respectivas, ou seja, a polícia
administrativa atuou numa só fase, não tendo que preparar terreno para uma outra
atuação estatal. É claro que aquela decisão da polícia administrativa, em tese, pode ser
impugnada, até na via judicial, mas ela não é necessária ou não é necessária a atuação
de outro órgão para que aquela polícia administrativa exerça a sua atividade a alcançar a
sua finalidade, pois se trata de auto executoriedade do ato administrativo, ao contrário
do que acontece, pelo menos em regra, na polícia judiciária, que é preparatória.

A polícia administrativa funda-se em um vínculo geral entre a Administração


Pública e os administrados, que autoriza a imposição de condicionamentos ou
limitações ao uso, gozo e disposição da propriedade e ao exercício da liberdade, em
benefício do interesse público: a propriedade, porque deve cumprir sua função social,
e a liberdade, por se compatibilizar com o princípio da prevalência do interesse público,
condicionamentos estes relacionados ao bem-estar público ou social.
A razão do poder de polícia é, portanto, o interesse social, e o seu fundamento está na
supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e
atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de
ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos
individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento
administrativo.
Assim sendo, há elementos que bem caracterizam a polícia administrativa, quais sejam:
os atos editados pela Administração Pública, diretamente ou por delegação legal; o
vínculo com o interesse público ou social; a incidência sobre a propriedade ou a
liberdade; o caráter notadamente preventivo, para evitar a ocorrência de dano social, ou
especificamente repressivo, se já consumado o dano social ou se o administrado resiste
em atender à prevenção.

. Um esclarecimento necessário
O Poder de Polícia não pode extinguir o direito, esvaziar um direito. É de suma
importância ficar consignado que o poder de polícia reside no condicionamento e
restrições, mas jamais na supressão do direito garantido constitucionalmente.
É importante atentar para a seguinte regra: será competente para exercer o poder de
polícia administrativa a entidade que tem competência para legislar sobre a matéria,
segundo a repartição constitucional de competências, e o nosso sistema constitucional
de competências discrimina, por exemplo, quais são os assuntos de competência
legislativa privativa da União, que estão contemplados no art. 22 da Carta da República.
Mas, já no art. 21, por exemplo, que trata das competências materiais da União Federal,
há uma referência, no inciso VI, sobre a autorização e a fiscalização da produção e
comércio de material bélico, e esta competência é exclusiva da União. Por isso, quando
o Município do Rio de Janeiro quis regular a compra e venda de material bélico, tal
pretensão foi-lhe negada porque, na real verdade, a Constituição estabelece à União o
poder de legislar sobre essa matéria.
Se o poder de polícia, como já dito, é conferido a todas as Pessoas Políticas da
Federação, a elas cabendo atuar editando leis e atos administrativos, coerente é que se
lhes confira, também, em decorrência, o poder de expor minuciosamente as restrições,
atuação esta que caracteriza o poder de polícia originário, o qual nasce, portanto, com a
entidade que o exerce, sendo pleno o seu exercício, subordinado unicamente à
Constituição; melhor dizendo, é exercido pelo próprio Estado – pela administração
pública direta. Então, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios têm competência
para exercer poder de polícia dentro daquele sistema de partilha de competências
estabelecido na Constituição.

Existe, ainda, o poder de polícia delegado, este um pouco mais complexo, que é o
que se transfere a outras pessoas administrativas vinculadas ao Estado – administração
pública indireta –, para atuarem através de lei formal, caracterizando-se por serem atos
de execução. É o poder que, embora limitado, as pessoas recebem através de um ato
próprio para isso, mas cuja delegação não é outorgada a pessoas de direito privado
desprovidas de vinculação real com os entes públicos, pois estas não possuem o ius
imperii necessário ao desempenho do poder de polícia, ou seja, não têm competência
legal, atribuída originalmente a elas, para fazer determinadas fiscalizações, como foi na
época dos vários planos econômicos, quando vários órgãos da Administração municipal
e estadual receberam competência para fiscalizar o tabelamento de preços, e como no
caso do IBAMA, uma autarquia federal que, na área de meio ambiente, exerce poder de
polícia derivado ou delegado.
Afirmar que o poder de polícia não pode ser delegado por ser uma atividade adstrita
à soberania estatal e o Estado não poder delegar aquilo que é ligado à sua soberania,
trata-se de um posicionamento superado. Nem tudo ligado ao poder de polícia é
vinculado à soberania do Estado, ou seja, ao poder de império, pois existem
atividades ligadas ao poder de polícia que correspondem ao poder de gestão, que são
justamente aquelas praticadas sem que o Estado utilize de sua supremacia sobre os
destinatários. Para a corrente majoritária, o poder de polícia não pode ser delegado
para as pessoas da administração Pública Indireta (pessoa jurídica de direito
privado). No entanto, afirmar que o poder de polícia não pode ser delegado por ser
uma atividade adstrita à soberania estatal e o Estado não poder delegá-la, trata-se de
um posicionamento superado.
Por isso, hoje predomina a posição intermediária, isto é, que o poder de polícia é
parcialmente delegável.
Assim, antes de se falar propriamente de delegação, há de se observar, conforme dito, as
formas de atuação do poder de polícia, que podem ser a escrita ou a verbal, admitindo-
se, ainda, a simbólica, como os silvos dos policiais de trânsito, por exemplo, a
sinalização do tráfego de veículos e pedestres etc., atuações estas, no entanto, cujo
exercício não é instantâneo, e sim percorrido em fases, que eventualmente vão ser
seguidas no caso concreto.
Mas, por que é importante compreender essas fases de polícia? Por várias razões,
principalmente para entender as controvérsias que existem sobre essa temática, que é a
delegação do poder de polícia à entidade privada, pois invariavelmente a doutrina vai
trazer, a partir dessas fases, diversos aspectos do poder de polícia para responder à
questão em tela. A jurisprudência, no entanto, assim não procede, porque tem uma
posição mais clássica, mais conservadora, mas infelizmente o que se observa é que não
são poucos os magistrados que, em suas decisões, chegam a confundir poder de polícia
com Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Federal, com poder de segurança pública,
quando isto não é verdade. Uma entidade autárquica, quando fiscaliza o meio ambiente,
quando fiscaliza as condições sanitárias de um restaurante, por exemplo, ela está
exercendo poder de polícia, mas isto não tem nada a ver com o sentido técnico da
expressão segurança pública. Assim, dizer que não se delega poder de polícia à entidade
privada, até aí, tudo bem, é o raciocínio perfeito, mas afirmar que isto é porque
segurança pública não se delega a terceiros é um argumento equivocado, bastando
observar o caso concreto da fiscalização de trânsito, que faz lembrar segurança pública e
que a Administração pode contratar com terceiros essa atividade instrumental, mas isto
não é o poder de polícia que está sendo delegado14. Portanto, poder de polícia pode
envolver segurança pública, mas pode envolver segurança de trânsito, pode incidir sobre
a disciplina das construções (poder de polícia edilícia), sobre a proteção do meio
ambiente (poder de polícia ambiental), da saúde pública (poder de polícia sanitária), etc.
Enfim, há inúmeras manifestações de poder de polícia, sendo segurança pública apenas
uma delas. Agora, é bom deixar claro que essa crítica que aqui se faz não é quanto à
conclusão a que alguns magistrados chegam, de que não se delega poder de polícia à
entidade privada, e sim com relação ao argumento, que tem que ser coerente, tem que
ser um argumento jurídico, e não aquele que eles trazem.
Como se pode observar, então, o poder de polícia abrange uma área muito mais ampla
do que polícia de segurança. Assim, certas áreas de atuação do poder de polícia não só
podem como devem ser delegados a terceiros, inclusive pela falência dos próprios
órgãos públicos, especialmente a polícia de costume.
Pois bem, partindo-se dessas premissas, seguindo a orientação didática do professor
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que nesse ponto é praticamente repetida por quase
todos os autores, existe um ciclo de fases que vão ser adotadas no exercício do poder de
polícia, que ele denomina de ciclo de polícia, elencando quatro modos de atuação
administrativa: pela ordem de polícia, pelo consentimento de polícia, pela
fiscalização de polícia e, por fim, eventualmente, pois nem sempre necessária, pela
sanção de polícia, momentos importantes que agora serão detidamente analisados,
detalhando-se seus meios de execução.

CICLOS OU FASES DO
PODER DE POLÍCIA

CONSENTIMENTO FISCALIZAÇÃO DE SANÇÃO


ORDEM DE POLÍCIA
DE POLÍCIA POLÍCIA DE POLÍCIA
(INDELEGÁVEL)
(DELEGÁVEL) (DELEGÁVEL) (INDELEGÁVEL)

O primeiro momento ou fase do exercício do poder de polícia é a ordem de polícia,


que é qualquer norma consubstanciada no princípio da legalidade, pois ninguém é
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; logo, a
ordem de polícia é matéria sujeita a reserva legal e só por lei se pode veicular ordem
de polícia – por isso as autarquias reguladoras não podem legislar. E quem pode
impor direitos e obrigações é a lei. Então, essa ordem de polícia envolve
necessariamente a atuação legislativa.
Seria uma “gracinha”, delegar competência para pessoa privada fazer lei (rs). Quer
ver um exemplo de ordem de polícia? Um exemplo de ordem de polícia é quando o
Código de Trânsito Brasileiro menciona os requisitos para que seja obtida a Carteira
Nacional de Habilitação, uma norma genérica e também abstrata, dirigida a todos os
casos e também a todas as pessoas, que restringe a liberdade de conduzir um veículo
automotor em prol da segurança de terceiros15. O particular não pode criar direitos e
obrigações para outro particular.
Partindo daí, então, o que vai dizer o Diogo de Figueiredo? Que essa ordem de polícia
envolve necessariamente a atuação legislativa, porque só a lei pode impor
primariamente restrições e condicionantes a direitos fundamentais, só a lei pode criar
direitos e obrigações ao particular, pois é ato normativo primário como já vimos
preteritamente. É a lei, portanto, o fundamento primeiro do poder de polícia, embora
possa haver, variável ou eventualmente, outros atos administrativos normativos que vão
executar, esmiuçar o que a lei já disse previamente, trazendo genericamente algumas
condições e restrições a direitos fundamentais, como é o caso do regulamento executivo
que analisamos em momento passado deste trabalho.

15
Nesse sentido, observe-se a jurisprudência do STJ: “Direito Administrativo. Recurso Ordinário em mandado de segurança.
PROCON. Aplicação de multa no exercício do poder de polícia. Princípio da legalidade. Ausência de tipicidade da infração.
1. O procedimento administrativo pelo qual se impõe multa, no exercício do Poder de Polícia, em decorrência da infringência à
norma de defesa do consumidor deve obediência ao princípio da legalidade. É descabida, assim, a aplicação de sanção
administrativa à conduta que não está prevista como infração.
2. Recurso ordinário provido” (RMS nº 19510/GO, 1a T., Min. Teori Albino Zavascki).
Na segunda fase, vem o consentimento de polícia e o nome já é auto
sugestivo. No consentimento, o que o Estado vai fazer? Algumas atividades privadas
só poderão ser executadas com consentimento prévio do Estado. Por exemplo, casas
construídas nas proximidades da praia não poderão jogar detritos diretamente no
mar, porque a lei exige sumidouro. Essas atividades privadas, para serem exercidas
precisaram necessariamente de uma concordância prévia do poder público, de um
consentimento prévio do poder público. O Estado diz: “olha, para exercer essa
atividade privada, que é importante, que é perigosa, particular, tem que pedir
primeiro um consentimento prévio pra mim, o Poder Público”.

É ao lado da ordem de polícia que se encontra. Então, esse segundo momento do


exercício, o consentimento de polícia, que se manifesta através de autorizações e
licenças, basicamente. Nessa fase, então, o que o Estado vai fazer? Ele vai restringir
o exercício de algumas atividades privadas, geralmente da livre iniciativa, que só
poderão ser executadas com um consentimento prévio do Poder Público, e quem vai
destacar quais são essas atividades que precisam desse consentimento é o legislador.
Esse consentimento pode ser delegado. Atualmente, a título de ilustração, o poder
público está delegando para as clínicas conveniadas, com o objetivo de aferir exames
oftalmológicos, para o fim especial de verificar se o cidadão está apto para a
renovação de carteira de habilitação de motorista.

Esse ato de consentimento, então, através de licença ou de autorização, representa uma


resposta positiva da Administração à intenção daqueles interessados em exercer
determinada atividade que necessite desse referido consentimento para ser considerada
legítima. Logo, a partir do momento que o Estado emite uma carteira de habilitação, por
exemplo, ele está consentindo que o cidadão desempenhe uma atividade sujeita ao seu
controle.
Assim, quando a lei confere à Administração apenas o poder-dever de aferir os
requisitos legais sem nenhuma margem de deliberação sobre a conveniência e
oportunidade de se permitir ou não permitir o desempenho da atividade, está-se diante
de um consentimento vinculado, classificado pela lei como licença, que é o primeiro
momento de concretização administrativa da vontade legal de limitar a vontade do
particular em prol do interesse público maior.

Licença, então, é o ato administrativo vinculado pelo qual o Poder Público,


verificando que o interessado atendeu a todas as exigências legais, possibilita-lhe a
realização de atividades ou de fatos materiais, vedados sem tal apreciação. Portanto, a
licença pressupõe apreciação do Poder Público no tocante ao exercício de direito que o
ordenamento reconhece ao interessado, por isso não pode ser negada quando o
requerente atende a todos os requisitos legais para sua obtenção. Logo, se o titular do
direito comprova que atendeu a todas as exigências estabelecidas para a concessão da
licença, a Administração Pública é obrigada a concedê-la; há o dever da Administração
de deferira licença – ato vinculado da Administração Pública. Uma vez expedida, ela
traz o pressuposto da definitividade, embora possa estar sujeita a prazo de validade e ser
anulada ante a ilegalidade superveniente. Mas, além disso, a licença ainda se desfaz por
cassação, quando o particular descumprir requisitos para o exercício da atividade, e por
revogação, se advier motivo de relevante interesse público que exija a não mais
realização da atividade licenciada, cabendo, neste caso, indenização ao particular,
concessa venia de balizado entendimento em contrário com fundamento de que ato
vinculado só pode ser anulado e não revogado, pois revogação está ligada a critérios de
oportunidade e conveniência, ou seja, de mérito administrativo.
Nesses moldes, um exemplo de consentimento de polícia vinculado é a licença da
atividade profissional de advogado, como já se viu acima, cuja limitação se dá pelo
conjunto de requisitos que o profissional deve preencher para desempenhar a função.
Portanto, se o sujeito se formou, é bacharel em Direito, fez a prova da Ordem e passou,
preenchendo todos os requisitos legais do art. 8º do Estatuto da Advocacia, a OAB tem
a obrigação de conceder a licença para o exercício da função de advogado. E isso vale
para qualquer Conselho.
Da mesma maneira acontece com a licença para dirigir veículos automotores: se o
administrado fez a prova teórica, a prova prática, passou em tudo, atendeu a todas as
exigências legais, o Poder Público tem o dever de dar a licença ao particular, não
podendo negar-lhe a carteira de habilitação.

Hipóteses há, no entanto, em que a lei, ao invés de estabelecer que o


consentimento da Administração será manifestado de forma vinculada pela mera
aferição do preenchimento dos requisitos legais pelo particular, ao contrário, ela
transfere à Administração uma margem de liberdade para a autorização ou não da
realização de atividade particular submetida ao Poder Público, e isto por causa da
discricionariedade legislativa. Nesta hipótese, então, a lei diz que, pelas circunstâncias
de certas atividades específicas, o administrador deve poder avaliar, no caso concreto,
se é conveniente e oportuno ao interesse público permitir que elas se realizem, estando-
se diante, nesse caso, de um consentimento discricionário, parcialmente vinculado (pois
nenhum ato administrativo é totalmente discricionário), chamado pela doutrina de
autorização, que seria o segundo momento do consentimento de polícia, mas que pode
haver ou não, de acordo com o predisposto na norma legal. Em sendo assim, se ela não
submeter a atividade particular a um consentimento prévio da Administração, esse
segundo momento não existirá. Mas, de regra, ele existe.
Então, por ser ato discricionário, como se observou, o Poder Público não é obrigado a
consentir, a autorizar o particular para certas atividades, tendo liberdade para conceder
ou não uma autorização, por isso o Diogo vai dizer que a autorização é discricionária e
constitutiva: discricionária porque o particular não tem um direito preexistente, não tem
direito subjetivo à autorização, e constitutiva porque, quando o Estado resolve, através
de uma conveniência e oportunidade, conceder aquela autorização, ele está constituindo
o direito do particular de exercer aquela atividade.
Seguindo essa linha de raciocínio, ou seja, por não ser um direito do particular, mas o
Poder Público quem o concede, por ser uma atuação discricionária, é de se deduzir que
esse direito pode ser revogado a qualquer momento, em princípio, sem que isso gere
indenização, daí se conclui ser também um ato de consentimento precário, pois tal
característica é exatamente esta: pode ser revogada a qualquer momento, sem que gere
direito de indenização ao administrado.
Portanto, por inexistir direito subjetivo à atividade, a autorização se apresenta como ato
administrativo discricionário e precário por excelência. Isto porque, no âmbito do poder
de polícia, diz respeito ao exercício de atividades cujo livre exercício pode, em muitos
casos, constituir perigo ou dano para a coletividade, mas que não é oportuno impedir de
modo absoluto; desde que a Administração Pública esteja convencida de que a atividade
pretendida pelo administrado é conciliável com o interesse público, poderá deferi-la. É o
caso da autorização para o comércio de fogos e da autorização de porte de arma, pois
ninguém tem o direito de portar arma; pelo contrário, trata-se de um ilícito. Mas, se
alguém pretender portar arma, para isso precisará de uma autorização de autoridade
administrativa competente, que tem a “faculdade de examinar, caso a caso, as
circunstâncias de fato em que o exercício pode se desenvolver, a fim de apreciar a
conveniência e a oportunidade da outorga16”.

Alvará de licença é típico ato vinculado. A autoridade administrativa está


amarrada na lei, sem margem de escolha, e um exemplo é o alvará de licença para
construir, encontrado no Plano Diretor ou no Código de Obras. Caminha, também, sob o
aspecto de ser permanente, porque, uma vez expedido o alvará de licença não pode ser
revogado. É o problema que atualmente se vive com os apart-hotéis. O atual prefeito
não conseguiu revogar as licenças passadas, pois são atos vinculados e, por isso, não
possuem mérito. O decreto revogado possui efeito ex nunc, ou seja, daqui para frente,
não podendo desfazer o que foi feito.

Já o alvará de autorização é ato discricionário, constitutivo e precário, revogável a


qualquer momento, pois, se um ato é discricionário, possui juízo de valor. É o oposto do
alvará de licença porque, lá, o administrado tinha direito subjetivo, mas, aqui, ele não
tem direito, por isso, se pede a autorização, e a Administração, em querendo, conferirá,
por livre vontade. Entretanto, como a Administração usou do juízo de valor, poderá, a
qualquer momento, reavaliar o ato, inclusive revogando-o, o que demonstra que o ato é
precário. É o caso do alvará de porte de arma, já bastante comentado neste trabalho,
porque não se tem direito de andar armado. Portanto, para andar armado, tem-se que
solicitar autorização à Administração, a fim de avaliar a conveniência e a oportunidade
de conceder o porte de arma. Assim, a autoridade administrativa concedente, pode
revogá-la a hora que achar conveniente, não dando margem ao direito adquirido.

16
MEDAUAR, op. cit., p. 372.
O terceiro momento do exercício do poder de polícia é a fiscalização, que é atividade
material típica de polícia consistente na verificação do cumprimento ou não, pelo
particular, das normas legais que estabeleçam proscrições (vedações) ou das condições
estabelecidas pela Administração para consentir o desempenho de atividades, pois há
determinadas circunstâncias que, por exemplo, a licença é concedida sob condição, e
essas condições vão ser aferidas exatamente no momento da fiscalização. Assim,
aquelas restrições ou condicionantes que foram colocadas primeiramente pela lei,
secundariamente por atos normativos administrativos ou até pelo consentimento de
polícia, elas têm que ser cumpridas, e o Poder Público tem que verificar isso, fazendo
uso da fiscalização. Isso é poder de polícia, poder de polícia fiscalizatório.
Portanto, é nesse momento, na fiscalização, que o Poder Público tanto vai verificar se
determinada atividade está sendo desempenhada pelo particular de acordo com a ordem
de polícia, quando observar se não estão ocorrendo abusos nas utilizações de bens e nas
atividades que receberam consentimento de polícia; portanto, uma atividade material da
Administração que previne danos decorrentes da ação dos administrados, como é o caso
das visitas dos agentes públicos competentes a restaurantes, bares e lanchonetes, para
fiscalizar ou verificar se os banheiros dos restaurantes se encontram em perfeitas
condições higiênicas, se estão sendo cumpridas as normas necessárias à correta
determinação dos atos no que concerne à higiene e à qualidade dos alimentos postos ao
consumo público, ou até verificar se a edificação de um imóvel está sendo realizada
segundo o alvará de licença concedido, dentre outras.

FISCALIZAÇÃO DE
POLÍCIA
(DELEGÁVEL)

ATIVIDADE DO
ESTADO PARA
VERIFICAR SE O
DESEMPENHO DAS
ATIVIDADES
SEGUEM AS
VEDAÇÕES E
CONDIÇÕES
ESTABELECIDAS.

Verifica a efetiva execução


do Ato por parte do
particular.

A última fase do exercício do poder de polícia é a sanção, que é uma penalidade


aplicada pelo Poder Público àquele que, ao descumprira ordem ou o consentimento de
polícia, comete uma infração, um ilícito administrativo, que será sancionado de acordo
com o que dispõe a lei.
Destaca-se, contudo, que essa aplicação de sanção é uma etapa eventual, pois poder de
polícia não significa necessariamente aplicar sanção ao particular, ou seja, pode-se ter
poder de polícia sem sanção. Se, na fiscalização, está tudo ok, tudo perfeito, claro que a
autoridade administrativa não vai sancionar ninguém, mas exerceu o poder de polícia.
Portanto, em decorrência da fiscalização, que inclui a observação (ou vigilância
observadora), a inspeção, a vistoria, os exames laboratoriais, só haverá sentido na
aplicação da sanção se for verificada uma infração do particular, quando a atividade de
poder de polícia se converte em atividade de poder sancionatório e, aí, têm-se as
sanções, que podem ser pecuniárias e as consistentes em constrangimento da liberdade
individual.
Então, como visto, o poder de polícia é coercitivo e conta com medidas punitivas
indicadas nas diversas leis que o disciplinam, medidas estas, porém, que não se
confundem com as sanções do poder disciplinar nem, muito menos, com as sanções
penais. Elas são os elementos de coação e de intimidação, sem os quais o poder de
polícia não teria razão de ser, ou seja, ele seria inócuo, contraproducente ou ineficiente.
Portanto, quem exerce o poder de polícia deve estar aparelhado de meios coercitivos
para as hipóteses de desobediência às leis em geral e às ordens da autoridade
competente.
Quando se trafega em excesso de velocidade, o “pardal” fotografa (fiscalização),
através de serviços terceirizados. Ocorre que não é esse terceiro que vai aplicar a
multa, apenas encaminhará a infração ao poder concedente para lavrar o auto.
Baseando-se naquela informação o poder público vai aplicar a sanção de polícia. A
sanção de polícia, esta sim, é indelegável, pois é matéria sujeita à reserva coercitiva
do Estado e só pessoas jurídicas de direito público, autarquias e fundações públicas
de direito público, que pressupõem o poder de império do Estado, atividade esta
exclusiva de Estado, podem multar.
A aplicação de toda e qualquer sanção, por sua vez, depende, para sua validade, que, em
processo administrativo regular, ofereça-se ao infrator o direito ao contraditório e à
ampla defesa, conforme determina a Constituição Federal, em seu art. 5o, LV.

SANÇÃO
DE POLÍCIA
(INDELEGÁVEL)

PENALIDADE
APLICADA
CONFORME A LEI A
QUEM DESCUMPRE
ORDEM OU
CONSENTIMENTO
DE POLÍCIA

Havendo ilegalidade, será


aplicada uma sanção
CICLOS OU FASES DO
PODER DE POLÍCIA

CONSENTIMENTO FISCALIZAÇÃO DE SANÇÃO


ORDEM DE POLÍCIA
DE POLÍCIA POLÍCIA DE POLÍCIA
(INDELEGÁVEL)
(DELEGÁVEL) (DELEGÁVEL) (INDELEGÁVEL)

LEI LICENÇA / ATIVIDADE DO PENALIDADE


LIMITANTE A AUTORIZAÇÃO ESTADO PARA APLICADA
LIBERDADE OU RESTRITIVA A VERIFICAR SE O CONFORME A LEI A
PROPRIEDADE DO DETERMINADAS DESEMPENHO DAS QUEM DESCUMPRE
INDIVÍDUO EM ATIVIDADES ATIVIDADES ORDEM OU
PROL DO INTERESSE PRIVADAS, DE SEGUEM AS CONSENTIMENTO
PÚBLICO. INTERESSE SOCIAL VEDAÇÕES E DE POLÍCIA
RELEVANTE. CONDIÇÕES
ESTABELECIDAS.

Tem por base a lei que trata Permite o particular a exercer uma atividade. Verifica a efetiva execução
Havendo ilegalidade, será
das limitações impostas aos Licença – ato vinculado / permanente do Ato por parte do
aplicada uma sanção
particulares. Autorização – ato discricionário / precário particular.

BLITZ PARA VERIFICAR A OBSERVADA A


CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS, O
CTB EXIGE A CNH E INDICA LICENÇA DE QUEM ESTA ILEGALIDADE, APLICA-SE A
EXEMPLO: SEUS REQUISITOS
ESTADO CONDECE A LICENÇA -
CONDUZINDO VEÍCULO. SANÇAO CABÍVEL.
CNH
ATO PREVENTIVO. ATO REPRESSIVO.

Os atributos do poder de polícia são supremacias especiais para externar e


materializar a vontade estatal.

Proporcionalidade
O sentido da proporcionalidade, como condição de validade do exercício do poder de
polícia, é consequência da necessidade do uso deste poder para que se atinja o interesse
público, o que equivale dizer que a arbitrariedade e a coerção não podem ser exercidas
pelos agentes da Administração Pública. Dessa forma, o poder de polícia só pode ser
exercido na extensão e intensidade proporcionais ao que seja demandado para o
cumprimento da finalidade de interesse público a que está atrelado, sob pena de, caso
os meios utilizados forem mais enérgicos do que o necessário à obtenção do resultado
colimado, configurar-se-á o ato como ilegítimo. Segundo Marcelo Caetano, “o emprego
imediato de meios extremos contra ameaças hipotéticas ou mal desenhadas constitui
abuso de autoridade. Tem de existir proporcionalidade entre os males a evitar e os
meios a empregar para a sua prevenção”.17
É imperioso, portanto, o respeito à proporcionalidade entre a medida escolhida e a
finalidade da lei que determina a execução de tal medida, uma relação de equilíbrio
entre os meios e os fins da atividade administrativa, daí a doutrina mais autorizada ter
erigido a proporcionalidade à categoria de princípio necessário à legitimidade do ato de
polícia. Como realça Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da
proporcionalidade representa uma faceta da razoabilidade, que impõe à Administração
cautela na sua atuação, devendo observar critérios aceitáveis sob a ótica racional,
atribuindo à sua conduta prudência e sensatez, até porque uma conduta desarrazoada
não condiz com a finalidade da lei, pois é através dela que se obtém a medida ideal que

17
CAETANO. Manual...,op. cit., p. 1.159.
atende de modo perfeito a finalidade pretendida, ou seja, o poder de polícia não deve ir
além do necessário à satisfação do interesse público.

Então, quando há inobservância desse princípio, o qual está vinculado, inicialmente, à


própria ideia de Estado Democrático de Direito, incorre o agente administrativo em
abuso de poder. Assim, a decisão da Administração que for “desproporcional”, no que
se refere a qualquer de seus elementos valorativos, deve ser considerada ilegal e, por via
de consequência, ser anulada, sendo cabível, no caso concreto, o administrado valer-se,
para resguardar seus direitos, do habeas corpus e do mandado de segurança, quando o
ato atingir o exercício de uma liberdade ou o uso, gozo e disposição de uma
propriedade, respectivamente. A medida utilizada deve ser, portanto, o único meio
eficaz para alcançar a finalidade pretendida e não pode ser exercida de modo excessivo,
com rigor maior que o necessário. O princípio da proporcionalidade caminha, enfim, no
mesmo passo que os princípios da supremacia do interesse público, da legalidade, da
finalidade e da razoabilidade.
Assim, quando o servidor público, no exercício de sua fiscalização, encontra uma
irregularidade, ele irá avaliar qual a gravidade da infração para escolher uma sanção
proporcional. Desta forma, fica evidente que a lei não pode prever todo e qualquer tipo
de sanção, e, por tal motivo, dá ao administrador margem discricionária, usando o juízo
de valor diante da infração, a fim de impor a sanção adequada.

Discricionariedade (ou Vinculação?)

O poder de polícia, na maioria dos casos, é exercido sobre o impulso do poder


discricionário, pois, ao editar a norma jurídica sobre matéria sujeita ao poder de
polícia, o legislador nem sempre tem condições de regrar, de maneira explícita e
objetiva, o comportamento do agente público ante às situações concretas. Nestes casos,
que são a maioria, já se teve a oportunidade de apreciar anteriormente que ao agente é
conferida, pela lei, uma certa liberdade para, de acordo com a conveniência e
oportunidade, optar pela atuação da polícia administrativa mais adequada. Desse modo,
a fiscalização do comércio de gêneros alimentícios ou da pesca, por exemplo, é feita de
acordo com a escolha, meios e condições estabelecidos pelo órgão ou entidade
encarregada desse mister.
É essa característica da discricionariedade que permite à Administração, por exemplo,
escolher o melhor momento para fiscalizar determinada atividade; o local mais
estratégico para se montar uma Blitz de trânsito; a gradação de uma sanção a ser
aplicada a um particular, etc. Em todas essas situações, e em inúmeras outras, o Poder
Público tem a possibilidade de efetuar um juízo de valor sobre a conveniência e
oportunidade de se praticar o ato, dentro dos limites estabelecidos pela lei e desde que
observado o princípio da proporcionalidade.
A Administração Pública, portanto, tem a livre escolha, no exercício do poder de
polícia, em que momento deve agir e estabelecer suas metas prioritárias. Quer dizer
que, em relação ao momento de exercício da função de polícia, o poder público vai
ter essa liberdade para avaliar qual é a conveniência, qual é a oportunidade, qual é o
melhor momento melhor para exercer aquele poder de polícia. Daí, afirmarmos que,
em regra, o poder de polícia é discricionário.
Essa discricionariedade, contudo, como se sabe, não é absoluta; a liberdade do
agente cinge-se a motivos e finalidade de acordo com a vontade da lei, ainda que
implícitos. Assim, existem casos em que o comportamento do agente encarregado do
poder de polícia vem regrado na lei que disciplina a matéria e, nesta situação, não há
escolha: o agente está jungido à conduta prescrita na lei, que já diz, de antemão, por
exemplo, que há alguns requisitos a serem preenchidos para o exercício de certas
atividades, não sendo necessário dar uma margem maior de liberdade ao administrador
para fazer outras exigências. Ou seja, a lei estabeleceu de per si tudo o que era
necessário para garantir a segurança das pessoas, por isso definiu que a atividade
administrativa que se seguiria à previsão legal seria uma atividade plenamente
vinculada. Exemplo dessa vinculação é a polícia que cuida da postura relativa à
construção, instrumento materializador da licença para construir, de competência do
Município, que é obrigatória se o interessado atender às condições e às exigências
emanadas da lei e do regulamento, como já fizemos no estudo acima. Nessa hipótese, o
poder de polícia é vinculado ou regrado, ou seja, o agente não encontra espaço para
escolha; tendo o particular preenchido os requisitos legais para construir, ele tem o
direito subjetivo à obtenção do alvará.
Desse modo, há de se observar que nem sempre o poder de polícia é discricionário, pois
em algumas hipóteses ele é vinculado, como o exemplo clássico das licenças para
construir, a que se fez alusão acima, para dirigir veículos, e outros atos caracterizados
como licença, que expressam o consentimento de polícia, que se segue ao conjunto de
requisitos legalmente previstos.

Autoexecutoriedade

Trata-se de meios diretos de coerção.

Desde o momento de sua expedição, os atos de polícia se revestem de executoriedade,


que é a qualidade pela qual o Poder Público pode compelir materialmente o
administrado ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu, com a característica de
que não precisa buscar, previamente, as vias judiciais. Então, quando a Administração
apreende bens, interdita um estabelecimento e destrói os alimentos nocivos ao consumo
público, ela o faz com base na prerrogativa da autoexecutoriedade que, segundo a
corrente clássica, é a possibilidade de a Administração decidir e fazer atuar as suas
decisões por seus próprios meios, independentemente de título judicial, assegurados o
contraditório e a ampla defesa, ressalvados nos casos de urgência e flagrância, hipótese
em que se lavra o auto de infração. Nesses moldes, então, poderá a Administração
empregar meios diretos de coerção, compelindo materialmente o administrado a fazer
alguma coisa, utilizando-se, inclusive, da força, se necessário. Esse atributo, portanto,
que é próprio de todos os atos administrativos, possibilita que a atividade do poder de
polícia, os atos de polícia administrativa, seja executada imediata e diretamente sem
prévia apreciação judicial, mas cabendo repetir que, como os atos de polícia são atos
administrativos, estão sujeitos a todos os princípios e atributos norteadores dessa
espécie de atos jurídicos.

Caso concreto
Qual é o fundamento jurídico de ato da Administração Pública que
ordena a demolição de prédio particular ameaçado de ruir com risco à integridade
física de pessoas? Pode o proprietário do imóvel sustar a iniciativa da
Administração?
Sim, o atributo da auto-executoriedade autoriza a própria Administração
Pública a executar as suas decisões, com os próprios meios, as prestações
tipicamente administrativas podem ser exigidas e executadas imediata e diretamente
sem precisar recorrer, previamente, ao Poder Judiciário. Dispensa, assim, de
mandado judicial.
Poderá, então, a Administração empregar meios diretos de coerção, compelindo
materialmente o administrado a fazer alguma coisa utilizando-se, inclusive, da força,
se necessário.
O Ato da Administração Pública que ordena a demolição de prédio
particular, ameaçado de ruir, com risco à integridade física de pessoas, tem como
fundamento jurídico o princípio da predominância do interesse público sobre o
particular O exercício desse poder perde a sua justificativa quando é utilizado para
prejudicar ou beneficiar pessoa determinadas. Há desvio de poder da autoridade que
se afasta da finalidade pública. O desvio de poder gera a nulidade do ato e
responsabilidade do administrador, como consequência, nas esferas civil, penal e
administrativa.
Não pode o proprietário do imóvel sustar a iniciativa da Administração Pública,
baseado no princípio da supremacia do interesse público, não cabendo ao particular
qualquer medida, administrativa ou judicial, que vise impedir a incidência da
limitação sobre o imóvel de sua propriedade, pois as medidas tomadas pela
Administração Pública foram impostas pelo Poder de Polícia do Estado.
Somente quando a Administração age com abuso de poder, extrapolando os limites
legais, cabe ao particular opor-se à limitação imposta por ela, e arguir indenização
pelos prejuízos decorrentes deste ato administrativo.

Coercibilidade
De fato, todo ato de polícia é imperativo, isto é, obrigatório para o seu destinatário,
admitindo-se até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando este opõe
resistência. Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a
coerção estatal para torná-los efetivos, e essa coerção também independe de autorização
judicial; é a própria Administração que determina e faz executar as medidas de força
que se tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade
administrativa, justificando-se, portanto, o emprego da força física quando houver
oposição do infrator.
Porém, nos casos em que a força física exceder os limites da razoabilidade e for
aplicada com violência desproporcional, caracterizar-se-á o excesso de poder e o abuso
de autoridade, que serão passíveis de reparação e consequente punição dos agentes que
o excederam. Daí estarem os atos de poder de polícia submissos ao princípio da
proporcionalidade.
Portanto, o ato de polícia não é facultativo para o administrado, de vez que todo ato de
polícia tem a coercibilidade estatal para efetivá-lo. E, dado o atributo da
autoexecutoriedade, como visto, essa coerção independe de autorização do Poder
Judiciário, pois é a própria Administração Pública que decide e toma as providências
cabíveis para a realização do que decidiu, removendo os eventuais obstáculos que o
administrado oponha, inclusive, para isso, aplicando as medidas punitivas que a lei
indique.

Exigibilidade

A Administração se vale de meios indiretos de coerção, obrigando o


particular a cumprir uma obrigação, independentemente de sua concordância, ou
mesmo contra a sua vontade. Portanto, a exigibilidade é o poder que tem a
Administração de tomar decisões executórias nos termos da lei.

Pode ser, por exemplo, uma situação de um imóvel que esteja em estado
precário de condições e sem segurança ao público. O poder público lavra, então, um
auto de infração e determina que o particular promova as obras de restauração, num
prazo de 45 dias, por exemplo, sob pena de multa diária no valor de “x”. O particular
está obrigado a fazer isso e, se por acaso, quiser se insurgir contra esta decisão
executória, que é exigível dele, terá que ir ao Judiciário para tentar anular aquele ato e
demonstrar que tal imóvel está em perfeitas condições, podendo ser utilizado sem
nenhum problema.

Outro exemplo: exigência do extintor de incêndio, em veículos, sob pena


da não liberação do veículo. Igualmente, seria condicionar à obtenção do licenciamento
do veículo, após pagamentos de multas pendentes.

7. ATO ADMINISTRATIVO
7.1. Conceito
O ato administrativo, sendo espécie do gênero ato jurídico, é, pois, um ato jurídico
realizado pela estrutura administrativa, mas possuidor de peculiaridades próprias. Uma
delas, a mais importante, é a característica da imperatividade.
Com efeito, ato administrativo é a manifestação unilateral de vontade da Administração
Pública que, graças ao poder de império, tem condições de impor obrigações a terceiros,
visando travar relações jurídicas para atender ao interesse público.
7.2. Ato administrativo e ato privado da administração
Cabe distinguir, nesta oportunidade, os atos de administração dos atos da Administração
Os primeiros são atos meramente materiais, não jurídicos, embora editados por agentes
administrativos credenciados.
Já os atos da Administração seria o gênero e os demais atos, inclusive os atos de
administração, espécies. Dentre os atos de administração, subdividem-se estes em atos
jurídicos e atos não-jurídicos, encaixando-se o ato administrativo no primeiro rol.
Portanto, nem todos os atos praticados pela Administração são atos administrativos,
embora possam até ser consequentes daqueles. Atos da Administração são aqueles
praticados pelo Estado no exercício da função administrativa para atingir as finalidades a
que se propõem, ao passo que atos administrativos são aqueles em que o Poder Público
atua com seu poder de império, usando de prerrogativas administrativas.
Vale, portanto, antecipar que ato administrativo é manifestação do exercício da função
administrativa que sob o regime jurídico de direito público que objetiva a aquisição,
conservação, modificação, transmissão ou extinção de direitos para consecução do
interesse público. Exemplo disso é um decreto expropriatório.
É interessante ainda observar que nem todo ato administrativo é ato da Administração,
bem como, nem todo ato da administração é ato administrativo.
Como ato da Administração, temos, como típicos exemplos, contratos privados, em que
a Administração Pública pratica ato sob regime jurídico de direito privado. Logo, se a
Administração Pública celebra um contrato de locação, privado, na condição de locatária,
não será ato administrativo, mas sim ato da Administração ou ato de mera atuação do
Estado.
Deve-se lembrar, também, que, conceitualmente, o ato administrativo se submete ao
regime jurídico de direito público. Já a locação e o comodato, ainda que celebrados pela
Administração Pública, serão contratos submetidos ao regime jurídico de direito privado.
Seguindo uma sistematização proposta por Oswaldo Aranha Bandeira de Melo 18,
podemos distinguir os seguintes tipos de atos da Administração:
a) Atos inteiramente regidos pelo Direito Privado, conforme o Direito Civil,
nivelando-se ao particular, abrindo, pois, mão do seu poder de supremacia,
vez que desnecessário em muitas situações.

É o que ocorre, por exemplo, na locação de um grande galpão para


servir de almoxarifado de certa repartição pública, nos contratos de compra e
venda, ou na emissão de cheques ou outros títulos. Embora a escolha do
imóvel possa, em alguns casos, ser precedida de uma licitação, procedimento
de Direito Público, o contrato em si tem natureza privada, sendo regido pela
legislação civil comum;

18
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. v. I. Rio de Janeiro: Forense,
1999, p. 412.
b) Atos puramente materiais, quer dizer, que não apresentam efeitos jurídicos
diretos, não podendo, portanto, serem considerados sequer atos jurídicos. Tal
é o caso, por exemplo, da execução de trabalhos técnicos, como a projeção de
obras por um engenheiro, a pavimentação de uma rua, a verificação das
condições sanitárias de uma população, o atendimento ambulatorial ou
hospitalar em hospital da rede pública, o ministério de uma aula em
universidade ou escola pública por ocupante de cargo público de professor, a
colocação de um transformador numa rua ou a construção de uma galeria.

Tais atos, repita-se, embora não tenham conteúdo jurídico direto e


imediato, podem, em alguns casos, ser produzidos de forma indireta, como no
caso de danos causados a particulares, por agentes públicos, que ensejam a
obrigação de indenizar;

c) Atos de governo ou atos políticos, praticados no exercício de função política,


e que, do ponto de vista formal, submetem-se diretamente à Constituição e,
pois, ao Direito Constitucional e não ao Direito Administrativo, como no caso
da participação do Executivo no processo legislativo, de que são exemplos: o
envio de Emenda Constitucional ao Congresso Nacional propondo reforma do
Estado, o veto total ou parcial de projeto de lei, ou sua sanção.

Embora sejam atos de caráter infraconstitucional amplamente


discricionários, ditados em consonância com os projetos das correntes
político-ideológicas hegemônicas em determinada conjuntura, tais atos são
passíveis de controle jurisdicional, sempre que afrontarem normas ou
princípios constitucionais.

Ainda que submissos diretamente à regência do Direito Constitucional,


deve-se excluir do conceito de atos políticos ou de governo os atos normativos
ou especiais dos Poderes Legislativo e Judiciário, pertinentes ao exercício das
suas funções;

d) Atos administrativos propriamente ditos, enquadrados dentro de um regime de


Direito Público que lhes conferem poderes e limitações especiais, não
detectáveis nos atos jurídicos comuns regidos pelo Direito Privado. São
praticados não somente no Executivo, mas também nos Poderes Legislativo e
Judiciário, no exercício de função administrativa, que lhes serve de suporte
para o desempenho de suas funções típicas.

São atos administrativos a nomeação de pessoa para titularizar cargo


público, bem como a concessão de aposentadoria, a realização de licitação
para aquisição de bens ou serviços, ou a desapropriação de determinado
imóvel para fins públicos etc.

Exemplos de fatos administrativos são: a apreensão de mercadorias, a demolição de um


imóvel, a desapropriação de um bem privado, dispersão de manifestantes etc, atividades
que são desenvolvidas pela Administração Pública no exercício da função administrativa,
mas que não geram efeito jurídico nenhum, não expressam manifestação de vontade, juízo
ou conhecimento da Administração sobre uma certa situação, embora isto não signifique
que, desses fatos, não possam decorrer efeitos de natureza jurídica, como o direito a uma
indenização.
Fatos administrativos seriam todos aqueles fatos materiais e concretos praticados pela
Administração ou que acarretam efeitos em relação à Administração, tal como a
construção de uma ponte, a instalação de um serviço público.
7.3. Ato e processo administrativo
Ato Administrativo consiste na espécie de ato jurídico através do qual a administração
pública manifesta a sua vontade, tendo como finalidade satisfazer no interesse
público. Consiste em manifestação unilateral de vontade da Administração,
diferentemente de ato legislativo ou ato judicial, quer não devem ser confundidos com
ato administrativo. O Judiciário e o Legislativo podem, também, expedir atos
administrativos de forma atípica, mas tal função pertence primariamente à
Administração Pública.

Por meio do ato administrativo, a Administração Pública tem como finalidade


adquirir, transferir, resguardar, modificar, extinguir e declarar direitos ou impor
obrigações a ela mesma e aos particulares. Os atos administrativos podem ser
unilaterais ou bilaterais. Ato administrativo unilateral consiste em ato que forma-se
com vontade única da Administração Pública, e atos administrativos bilaterais, como
contratos administrativos, requerem duas ou mais vontades.

Processo é o conjunto de atos que se movimentam para a consecução de um resultado.


Os processos administrativos são previstos na Lei nº 9784/99, que os regulamenta no
âmbito federal. Porém não há subordinação nenhuma da lei estadual perante a lei
federal. Ambas são legais nas formas que foram editadas e são autônomas.

7.4. Silêncio administrativo


Outra forma a ser considerada é o silêncio administrativo, que ocorre quando a
Administração Pública se omite da incumbência de manifestar sua vontade, posto que a
exigência desta é requisito de aperfeiçoamento do ato administrativo, o que provoca
algumas divergências doutrinárias.
Conforme já explanado, no Direito Privado, de acordo com a lei civil, o silêncio, como
regra, importa consentimento tácito, considerando-se os usos e as circunstâncias normais.
Isto só não valerá se a lei já apontar a consequência da omissão, isto é, declarar como
indispensável a manifestação expressa (art. 111 do Código Civil).
Entretanto, no Direito Público, o silêncio não revela a prática de ato administrativo, visto
que inexiste manifestação formal de vontade. O que ocorre, neste caso, é um fato jurídico
administrativo que, por isso mesmo, há de produzir efeitos na ordem jurídica. Portanto,
se a Administração não responder à pretensão do particular, isso não vai significar que
houve o consentimento estatal em relação ao que foi requerido, conforme ocorre no
Direito privado. Aqui, ao contrário, a ausência de manifestação ou a omissão não
significa uma aceitação.
Não se pode confundir manifestação omissiva com ausência de vontade, pois esta
ausência significaria a não existência do ato administrativo em sentido restrito. O que
pode existir, nestes casos, é um ato ilícito, nos seguintes termos: Se cabia à Administração
a obrigação de atuar, e ela assim não procedeu, fica caracterizada a ilicitude, incidindo,
neste caso, o regime de responsabilidade civil. O silêncio não deverá ser interpretado
como manifestação de vontade. Deverá ser o não-ato, o vazio, o nada.
Ocorre que há situações em que o Direito determina que a Administração Pública deverá
se manifestar obrigatoriamente e, desde logo, qualifica o silêncio como manifestação de
vontade em determinado sentido, ou seja, o silêncio configurará um ato administrativo,
porque assim está determinado juridicamente, bastando, para tanto, que uma lei preveja
que a inércia da Administração significará a aceitação de um requerimento. Contudo, isso
não é a regra.
Por isso, o silêncio administrativo e a manifestação indireta de vontade não se confundem,
visto que o silêncio consiste na omissão e a manifestação indireta se verifica quando a
Administração deixa de se manifestar formal e especificamente sobre certa questão, mas
adota condutas indicativas, de modo indireto e inquestionável, da existência de uma
vontade em determinado sentido.
Portanto, dependendo da natureza do silêncio ou omissão administrativa, poderá ser
configurado como infração ao Direito, que não poderá ser invocado para eximir a
Administração Pública da responsabilidade penal, administrativa e civil derivada da
omissão.
A doutrina tem predominantemente adotado a solução de que, ao termo assinalado por
lei, se a Administração não se manifestou, deve-se presumir uma solução de negação do
pedido, de improcedência, salvo se a própria lei, expressamente, lhe tiver dado outro
sentido.
Chamamos atenção esse argumento não é tão pacífico, consoante art. 24 da Lei 9.784/99:
“Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade
responsável pelo processo e dos prazos administrados que dele
participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo
de força maior” (grifamos).

A ausência de motivação, “quando a motivação do ato for obrigatória, porque assim o


impõe a lei, o vício nele existente pode situar-se no elemento forma, desde que haja
descompasso entre o que a lei exige e o que consta o ato”.19
Todavia, a responsabilidade do agente público, ao contrário do que ocorre com a
Administração, não se limita à esfera cível, espraiando efeitos nas instâncias
administrativa e penal, a depender da gravidade do comportamento que tenha ele
assumido.

19
É o ensinamento de José dos Santos Carvalho Filho, p.104.
Imaginemos a hipótese de um agente público que, tendo o dever de solucionar
determinado petitório de um particular, observe tratar-se de um antigo rival seu, deixando
de cumprir o dever de responder. Estará, assim, incorrendo no crime de prevaricação,
descrita no artigo 319 do Código Penal, ficando sujeito às penas daquele crime.
7.5. Elementos do ato administrativo (perfeição, validade e eficácia).
Quando se fala em formação e efeito do ato administrativo, a referência se dá a quatro
itens:

PERFEIÇÃO EFICÁCIA

EXEQUIBILIDADE
VALIDADE
(EXISTÊNCIA)

Perfeição

Para ser perfeito, dizemos que o ato precisa estar completo, isto é, possuir determinados
elementos, sem os quais, materialmente, ele nem mesmo existe no mundo jurídico.
Portanto, ato perfeito é aquele que possui todos os elementos à sua formação; não os
possuindo, ele não existe.
Para a formação do ato ser perfeito, o processo pode se dar de uma maneira longa, mas
não intervindo, neste caso, a vontade do Administrador. O certo é que a perfeição do ato
somente vai suceder quando se encerrar seu ciclo de formação, ressalvando-se, aqui, que
o sentido da perfeição é o de conclusão.
Eficácia

A eficácia do ato pode ser conceituada como a idoneidade que tem o ato administrativo
para produzir seus efeitos na esfera jurídica, não apresentando obstáculo, ou seja, o ato
está pronto para atingir o fim a que foi destinado. Eficácia, em síntese, é a aptidão do ato
para produzir efeitos.
Assim, toda vez que um ato repercute, nessas circunstâncias, na esfera jurídica, dizemos
que ele é eficaz, não estando sujeito a prazos, à condição suspensiva nem a um ato de
ratificação que condicione a sua produção de efeito.
Constituir-se-ia a eficácia, então, em um pressuposto da validade do ato administrativo?
Não, eis que muitas vezes o ato é válido, existe, mas é ineficaz, já que está sujeito a três
institutos, quais sejam: condição, encargo e termo.
Entretanto, existem algumas situações que, para produzir efeitos, o ato precisa ser
homologado, obrigatoriamente, a fim de possuir a chancela da eficácia.
A título ilustrativo, seria o caso de um processo de aposentadoria em que o Chefe do
Executivo a concede. Neste caso, é necessário que o Tribunal de Contas ratifique,
confirme esse ato, segundo prescreve o art. 71, III, da Constituição da República.
Outro exemplo é a dispensa de licitação. Para ter eficácia, essa dispensa tem que ser
homologada por autoridade superior, que fará uma revisão, uma fiscalização do controle
de validade.
Enquanto não houver homologação, não estará sacramentada a eficácia, eis que a
homologação é condição suspensiva, ou seja, enquanto ela não for implementada, o ato
não produz efeitos e, sendo assim, é ineficaz.
Para essa acepção, damos como exemplo o período de vacatio legis, como um decreto do
Chefe do Executivo, que entrará em vigor em 15 dias. O decreto foi realizado com todos
os elementos estipulados por lei (motivo, finalidade, objeto, forma e competência), ou
seja, está materialmente completo, tem existência e validade. Porém, enquanto pendente
(15 dias), esse ato (decreto) não é eficaz, uma vez que não se encontra, ainda, em estado
de produtividade de seus efeitos.
Exequibilidade

A exequibilidade, que não se confunde com a eficácia, significa a efetiva disponibilidade


que tem a Administração para dar operatividade ao ato. Desse modo, um ato
administrativo pode ter eficácia, mas não ter ainda exequibilidade.
A produção de efeitos, contudo, não guarda relação com estes fatos, tanto assim que um
ato administrativo pode estar totalmente perfeito e eficaz, porém não exequível. Por
exemplo, no processo administrativo pendente a recursos. É eficaz, mas só se torna
exequível depois do recurso administrativo.
Deduzimos, pois, que a noção de exequibilidade só se satisfaz após superados todos os
obstáculos que a antecedem.
Validade
Por fim, a validade é a situação jurídica que resulta da conformidade do ato com a lei ou
com outro ato de grau mais elevado. Se o ato não se compatibiliza com a norma superior,
a situação, ao contrário, é de invalidade.
Ato válido é aquele que tem todos os seus elementos, possuindo estes as qualidades
estabelecidas em lei. Então, a autoridade é competente, a forma é legal, o objeto é lícito.
É um plus em relação à mera perfeição, eis que todos os elementos já são perfeitos, mas
valendo ressaltar que, para serem válidos, esses elementos têm que ter as finalidades
estabelecidas pela lei.
Bem a propósito, Celso Antonio Bandeira de Mello20 assim apresenta, de forma didática,
a seguinte sistematização acerca da matéria, acentuando que um ato pode ser:

A - Perfeito, válido e Quando concluiu seu ciclo regular de formação, cumpriu


eficaz todas as etapas necessárias, ajustando-se às exigências legais,
estando apto a produzir os efeitos que lhe forem próprios, mas
observando-se que o fato de ter sido mencionado nessa
ordem, ou seja, perfeito, válido e eficaz, não significa dizer
que o posterior pressupõe o anterior. Como exemplo, temos
uma interdição, via de regra, não subordinada a termo ou
condição, que, por si só, já é eficaz.
B - Perfeito, inválido Quando, apesar de ter cumprido seu ciclo de formação e de
e eficaz não se achar conforme às exigências normativas, encontra-se
produzindo os efeitos que lhe seriam inerentes. É exemplo o
ato de declaração de utilidade pública, para fins
expropriatórios, editado por vingança.
C - Perfeito, válido e Quando, apesar de ter concluído seu ciclo de formação e estar
ineficaz em conformidade com o ordenamento jurídico, o ato não
puder produzir seus efeitos próprios, em razão de estar à
espera de um termo inicial ou de uma condição suspensiva,
ou autorização, aprovação ou homologação, a serem
manifestados por uma autoridade controladora. Exemplo para
este caso é o ato que permite a contratação depois que o
vencedor da licitação tenha promovido a competente garantia.
D - Perfeito, inválido Quando o ato, esgotado seu ciclo de formação, encontrar-se
e ineficaz em desconformidade com o ordenamento jurídico; por
conseguinte, seus efeitos ainda não podem fluir, pois
dependem de algum acontecimento previsto como necessário
para a produção dos efeitos (condição suspensiva ou termo
inicial, ou aprovação ou homologação dependentes de outro
órgão). Essa hipótese se dá quando, antes de declarada a
nulidade, o ato estiver produzindo seus efeitos. Assim, o ato
que permite a nomeação de um funcionário para cargo de
provimento efetivo, sem prévio concurso, depois do recesso,
é exemplo de ato inválido e ineficaz. Cabe aqui salientar que
a questão da retroatividade da invalidade é outra coisa, que é
bem relativa atualmente.

7.5.1. Agente público competente

A competência é um dos requisitos a serem observados para a validade do ato.

20
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, op. cit., p. 356.
No que tange à competência do ato administrativo, registramos que a Lei da Ação Popular
(artigo 2º, Lei 4.717/65) elenca e conceitua todos os elementos do ato.

COMPETÊNCIA Competência é um conjunto de


atribuições criadas por Lei a um
Art. 2o, Lei 4717/65
órgão ou agente público

ELEMENTO VINCULADO DO
ATO ADMINISTRATIVO

Ø AGENTE DE FATO Ø Obrigatória


Ø DELEGAÇÃO Ø USURPADOR DA FUNÇÃO Ø Irrenunciável
Ø AVOCAÇÃO DE PÚBLICA CARACTERÍSTICAS Ø Imodificável / Imutável
COMPETÊNCIAPÚBLICA Ø AGENTE COM DESEQUILÍBRIO Ø Imprescritível e
PSÍQUICO/MENTAL Ø Distribuída

A competência é elemento vinculado, pois deve ser definida incondicionalmente pelo


texto normativo, seja constitucional ou legal.
Competência é o círculo definido pela lei, dentro do qual podem os agentes exercer
legitimamente suas atividades. Esta denominada competência administrativa muito se
assemelha à capacidade no Direito Privado.
A fonte da competência decorre, exclusivamente, da lei. No dizer dos doutrinadores, a lei
é a fonte normal da competência. É nela que se encontram os limites e a dimensão das
atribuições cometidas às pessoas administrativas, órgãos e agentes públicos.
No que alude à competência administrativa, frise-se que a lei não é a sua fonte exclusiva.
Nesta hipótese, ela há de se originar de texto expresso contido da Constituição Federal,
nas leis e nas normas administrativas. Com isso, a competência será sempre elemento
vinculado da atuação administrativa.
Insta acentuar que, havendo omissão do legislador quanto à fixação da competência para
a prática de determinados atos, deduz-se que é competente a autoridade máxima da
organização administrativa.
A inderrogabilidade e a improrrogabilidade são características inerentes à competência.
A primeira se justifica pelo fato de que a competência de um órgão ou agente não se
transferir a outro por acordo de vontade. Não pode uma autoridade administrativa chegar
a um consenso com outra autoridade e modificar a sua transferência, seja para transferi-
la, seja para assumir uma nova competência.
Já a improrrogabilidade traz em si o fato de que não se pode assumir uma outra
competência se não tiver autorização para tanto. Agente que não têm competência para
determinada função, não poderá vir a tê-la sem que ocorra uma alteração legal
superveniente.
Em processo civil, quando a competência é absoluta, ela é improrrogável. Quando a
competência for relativa, estaremos diante de uma competência prorrogável. Então,
proposta ação em juízo relativamente incapaz e, se não houver alegação de
incompetência, em tempo hábil, aquele juízo vai ser prorrogável. Na Administração
Pública, a competência vai ser sempre improrrogável.
No entanto, há hipóteses que excepcional a inderrogabilidade da competência. São os
casos de avocação e de delegação.

Avocação é a exceção à inderrogabilidade em que a autoridade superior pode


atrair para sim atribuições de agentes públicos hierarquicamente subordinados. Ou
seja, dá-se de baixo para cima.
Delegação é a exceção à inderrogabilidade onde a autoridade superior pode
distribuir atribuições suas a agentes públicos hierarquicamente subordinados,
desde que parcialmente e dentro de limites estabelecidos. Ou seja, dá-se de cima
para baixo.
7.5.2. Finalidade
Ao se conceituar a finalidade do ato administrativo, este elemento é associado, de
imediato, à satisfação do interesse público, que por seu turno se consuma com o alcance
do bem comum. Já o bem comum será o resultado final que se sucederá aos atos
praticados pelo agente público no âmbito de sua competência administrativa, de acordo
com previsão de norma legal expressa. Com efeito, uma vez alcançado o interesse público
e atingido o bem comum, poder-se-á considerar que a finalidade do ato foi atingida e
consumada.
7.5.3. Forma
A forma é o modo, o revestimento, a roupagem externa do ato administrativo , ou seja, o
revestimento como deve ser praticado.
Também vinculada à lei, quando a lei expressamente a exigir, mas não depende de
forma determinada, consoante art. 22 da Lei 9.784/99. No entanto, é inevitável
esclarecer que sem forma o ato é inexistente, pois informalismo não significa ausência
de forma.
Portanto, sem a forma o ato sequer completa seu ciclo de existência, tornando-se nulo
por não cumprir a observância completa e regular as formalidades essenciais à sua
seriedade (art. 2o, parágrafo único, alínea “b”, da Lei da Ação Popular).
No Direito Administrativo, vigora um princípio oposto ao Direito Civil. Enquanto neste
existe uma liberdade de forma, sendo a formalidade uma exceção, para o Direito
Administrativo a regra é que a forma deve ser prescrita em virtude do ato perfeito a ser
atingido.

Excepcionalmente a vontade administrativa exterioriza-se, por meio de:


a) sons ( apito, sirene de ambulância);
b) sinais ( semáforo ou placas de trânsito);
c) palavras (fiscais ou atos de polícia de segurança).

Então, a forma é, em regra, escrita. Aliás, o simples pressuposto para que a forma seja
escrita acrescenta a esta o elemento da vinculação. Há exceções, conforme já explanado,
tais como o sinal de trânsito, que é um ato administrativo visual; o apito do guarda, ato
administrativo sonoro; o gesto do guarda de trânsito, ato administrativo visual, entre
outros. Estes atos se caracterizam por não possuir uma forma escrita, apesar de esta ser a
exceção.
Como exemplo de forma escrita têm-se os autos de punição, de destruição e de interdição.
Sempre que possível, todo e qualquer ato administrativo deve ser escrito e reduzido a
termo, a fim de facilitar o direito de defesa do cidadão que foi autuado com qualquer
destes atos. Esta exigência “reduzida a termo” já faz da forma um elemento vinculado21.
É, pois, importante, e mesmo fundamental, que todos os atos administrativos sejam
devidamente formalizados e bem documentados, de modo a viabilizar o controle da
conduta do administrador no manuseio da coisa pública, elemento essencial a um Estado
Democrático de Direito.
7.5.4. Motivo
O motivo do ato administrativo diz respeito à causa que originou a prática daquele ato,
ou seja, a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a prática do ato
administrativo. É o “porquê” do ato administrativo, o que leva a Administração Pública
a emitir o ato. O motivo é obrigatório, indispensável.
A existência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se
fundamenta o ato, é materialmente existente ou juridicamente adequada ao resultado
obtido, que nada mais é do que a execução do objeto para atender efetivamente a
finalidade.
Assim, o motivo ora será de fato, ora será de direito. Quando o motivo for deixado a
critério do administrador para decidir se pratica ou não o ato (discricionário), terá este
motivo de fato; quando o motivo for fixado em lei, que obriga o administrador a praticar
um ato administrativo (vinculado) determinado, será ele motivo de direito.
Exemplo do motivo de fato é a desapropriação comum, onde a decisão cabe ao
administrador. Já o motivo de direito teria como exemplo a desapropriação contida no art.
243 da Constituição Federal, pois aqui a lei está impondo à Administração o dever de agir
daquela maneira determinada.
Então, motivo é a circunstância de fato ou de direito que autoriza ou impõe ao agente a
prática do ato administrativo, que pode ser identificada como aquelas situações reais que
devem ser levadas em conta para o agir da Administração Pública competente. Uma
construção irregular, por exemplo, pode ensejar a edição de um ato (embargo) que
imponha a imediata paralisação da obra, da mesma forma que a necessidade de um

21
A única autora que entende que a forma não é elemento vinculado do ato administrativo é a Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em
razão da mutabilidade da forma não gerar necessariamente a nulidade. Mas isso não é novidade, porque a competência também é
um elemento vinculado que se pode ratificar. Então, competência e forma são convalidáveis.
veículo para servir a Administração gera a edição de ato que determine a abertura de
licitação. Vemos assim que, nos dois casos, os motivos levaram a Administração Pública
a praticar os referidos atos.
Há, portanto, uma relação de causa e efeito entre motivo e finalidade. Finalidade é uma
razão genérica, motivo é uma razão específica. Ocorrido o motivo, aquilo que, em
abstrato, é a finalidade, torna-se necessário de se atender. Exemplo disto: não há vagas
em escola; então, desapropria-se para prestar educação pública. Desapropriação é objeto
e educação pública é a finalidade. Mas cabe observar que a educação pública só surgiu
nessa história porque não há vagas na escola (motivo).
A propósito, caberia então perguntar: por que razão de fato ou de direito?
Para responder a essa pergunta temos que observar o objeto do ato administrativo, que
pode ser vinculado (quando determinado) ou discricionário (quando indeterminado).
É claro que todo motivo fundado na realidade é uma razão de fato, mas a partir do
momento que o legislador elabora a lei e imagina, como real, a razão, colocando-a no
texto legal, esta razão se torna de direito, embora continue sendo uma razão de fato que
ocorre na realidade, mas, se está no texto legal, é razão de direito. Será uma hipótese de
motivo vinculado, motivo previsto no ato.
O caso de ato disciplinar, como o abandono de cargo, por exemplo, é um dado da
realidade, mas é um motivo descrito em lei. Assim, se cometido um crime funcional
(ofensa ao chefe, por exemplo), este será um motivo que, neste caso, é uma razão de
direito e, portanto, um motivo vinculado.

Observemos as seguintes situações fáticas:


– Insuficiência dos transportes marítimos entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói
(motivo). O administrador não está obrigado, por lei, a praticar um ato administrativo de
que resulte a construção de uma ponte entre as duas cidades (discricionariedade).
– Se um servidor público preencheu o seu período aquisitivo de férias, o administrador
tem o dever de colocá-lo de férias (vinculação).
Sendo vinculado o motivo ou a causa do ato administrativo, o administrador, ao praticá-
lo, deverá justificar a existência do referido motivo previsto em lei.
Portanto, repita-se, motivo gera a necessidade de atender a finalidade, por ser ele
submisso a ela. Embora valha a finalidade, o motivo é insanável, porque ele é um só. Uma
vez expresso o motivo, a autoridade está vinculada a ele, ainda que tenha escolhido
discricionariamente.
A obrigatoriedade da existência no mundo real dos motivos alegados e que determinam
a prática do ato administrativo como requisito de sua validade acabou por dar origem à
teoria dos motivos determinantes.

É sempre importante relembrar


1. Motivo de Direito – O fato está previsto na norma legal. Por exemplo, ato e
aposentação compulsória aos 75 anos. Não há, portanto, a possibilidade da
Administração Pública escolher um comportamento que não o previamente
indicado na norma pois a lei não abre possibilidade de entendimento diverso
(vinculado).
2. Motivo de Fato - É a situação de fato que o administrador elege para a atividade
administrativa, sem previsão na norma de direito (discricionário).

7.5.5. Objeto
O objeto tem íntima relação com o conteúdo do ato administrativo, por entendê-lo em um
conjunto, ou seja, por tratar-se da situação jurídica por ele criada, modificada, declarada
ou extinta no que concerne a pessoas, coisas, ou atividades sujeitas à atuação do Poder
Público. Em síntese, é a transformação jurídica que o ato provoca (criação, aquisição,
decisão, declaração, modificação, transformação comprovação ou extinção de situações
jurídicas).
Trata-se, portanto, do conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta seu
poder e sua vontade, ou simplesmente atesta situações preexistentes.
Objeto, como se observa facilmente, é aquilo que o ato almeja alcançar. Um ato de
nomeação para cargo público tem como objeto (objetivo), a ocupação de um cargo
público. O alvará de licença para construção tem por objeto permitir que o particular possa
edificar de forma legal. O objeto da multa é penalizar o transgressor de norma
administrativa.
É assim o resultado no mundo jurídico, ora o objeto é determinado, ora é determinável
(indeterminado), sendo certo que só será válido se reconhecidamente estiver sob o prisma
da licitude, moralidade e possibilidade. É o fim imediato do ato administrativo, verificado
no momento do ato, ao contrário do motivo, que é anterior. É o que deseja a
Administração Pública, isto é, é a realização de relações jurídicas, é a materialização do
ato administrativo.
Quando for determinado, o elemento será vinculado, quando define o conteúdo do ato,
reproduzindo a vontade do legislador e como exemplo teríamos a desapropriação do art.
243 da CF, que diz o que será expropriado. Já quando for indeterminado, o elemento será
discricionário, podendo o agente público definir o alcance, os limites do conteúdo do ato
administrativo, estabelecendo termos, condições e modos. Portanto, há uma margem de
liberdade do Administrador para preencher o conteúdo do ato. A título de ilustração, uma
autorização para passeatas de tantas a tantas horas em lugar tal. Outro exemplo, seria a
desapropriação em que o administrador elege discricionariamente o bem, segundo a
conveniência do interesse público.
Maria Sylvia Di Pietro22 indica, com precisão, a maneira de identificar o objeto de um
ato administrativo, bastando, para tanto, “verificar o que o ato enuncia, prescreve,
dispõe”, distinguindo-se o objeto do ato, do seu conteúdo. Para tanto, cita o exemplo de
uma desapropriação, onde o conteúdo do ato seria a desapropriação em si, ao passo que

22
DI PIETRO, op. cit., p. 171.
o objeto se identificaria pelo imóvel sobre o qual recairia o procedimento
administrativo. O ato administrativo de exoneração produz o desligamento do servidor
público.
Em suma, pode-se observar que os requisitos da competência, finalidade e forma devem,
impreterivelmente, estar prescritos em lei, ao passo que o motivo e o objeto são passíveis
de valoração pelo administrador, reduzidos ao seu poder discricionário para dispor sobre
sua aplicação. É de se destacar, no entanto, que, mesmo discricionária, a vontade do
agente deve encontrar os limites na lei, de modo a afastar o desvio de finalidade ou o
abuso de autoridade, repudiados pelo Direito.
Para o ato administrativo ser válido, o objeto deve ser lícito, possível e determinado ou
determinável. A licitude é o requisito fundamental. A possibilidade se dá quando é
suscetível de ser realizado. Hoje, o novo Código Civil é mais preciso, exigindo que o
objeto seja além de lícito e possível, determinado ou determinável.

Cabe ressaltar ainda que, em se tratando de atividade vinculada, o objeto deverá ser o
mesmo que a lei previamente estipulou. Aliás, diz-se vinculada porque a lei já determinou
o objeto a ser alcançado. Porém, quando se tratar de discricionariedade, onde a lei dá
margem de escolha para o Administrador, é permitido ao agente traçar as linhas que
limitam o conteúdo de seu ato, mediante a avaliação dos elementos que constituem
critérios administrativos.
7.6. Discricionariedade x Vinculação
Há que se considerar, aqui, a classificação do ato administrativo, no que tange à liberdade
de atuação do administrador. Assim, podemos dizer que os atos são vinculados ou
discricionários. Vinculados são aqueles em que a lei estabelece as condições de sua
realização; neles, não resta ao administrador uma liberdade de escolha, vez que sua
atuação fica adstrita às condições estabelecidas pela lei, que dará o contorno de validade
do ato. Como exemplo, podemos citar o momento da habilitação em um procedimento
licitatório, em que as regras para tal ato encontram-se normatizadas na Lei no 8.666/93.

ATO ADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE

ATO ATO
VINCULADO DISCRICIONÁRIO

ADMINISTRADOR MARGEM DE
INTEGRAL ADMINISTRADOR
PÚBLICO APLICA ESCOLHA DADA
PREVISÃO LEGAL INTEGRA A LEI
A LEI PELA LEI
Na vinculação, portanto, são aqueles que, quando da sua prática, o agente público não
goza de qualquer margem de liberdade. O ato apresenta-se inteiramente vinculado às
determinações legais em toda sua trajetória e elementos constitutivos. Aqui, não há
espaço para emissão de juízos de conveniência ou oportunidade.
a vinculação se identifica pela impossibilidade de mais de um comportamento possível
por parte da Administração. A lei prevê, diante de uma situação concreta, uma única
atuação possível do agente. É o caso da licença para edificar. Se o projeto de construção
se encontra em conformidade com a legislação municipal, o agente público competente
não pode deixar de deferi-la.
Observa-se que o motivo e o objeto do ato já constituíam elementos que o legislador quis
expressar. Logo, o agente irá apenas reproduzir os elementos no próprio ato. Assim, não
há que se falar em mérito administrativo no tocante a vinculação.
Já no tocante a discricionariedade, os atos apresentam maior liberdade ao administrador,
que decidirá pela conveniência, oportunidade, conteúdo, destinatário e modo de sua
realização.
A existência da discricionariedade dá-se em razão da impossibilidade jurídica, que se
justifica em razão do artigo 2º da CF, isto é, devido à tripartição dos Poderes, que prega
a independência e a harmonia entre os Poderes. Não existiria independência entre os
Poderes Executivo e Legislativo se só existissem atos vinculados.
Então, para que o Executivo exerça com plenitude sua independência prevista no art. 2 o
da Constituição Federal, é necessário que ele tenha uma forma de agir discricionária, que
lhe dê liberdade de atuação em relação ao Poder Legislativo.
A discricionariedade nasce da própria lei, que atribui a faculdade de atuação ao
administrador. A lei entrega o juízo de valor ao administrador.
Deve-se observar, contudo, que na Administração Pública não existe ato inteiramente
discricionário. Toda a discricionariedade é vinculada em pelo menos alguns dos seus
aspectos. Assim, o ato discricionário é vinculado quanto à competência, ou seja, deve ser
praticado por agente público competente, sob pena de nulidade.
Importa destacar que ao se analisar a discricionariedade, depara-se somente com dois
requisitos: o motivo e o objeto, posto que a competência, a finalidade e a forma serão
sempre regradas pela norma legal. Pode, todavia, ocorrer de o motivo e o objeto também
se apresentarem na lei que autorizou o ato, não se admitindo ao administrador a
possibilidade de escolha quanto à adequação daquele ato.
7.6.1. Mérito Administrativo
Mérito administrativo é juízo de valor, pautado na conveniência e oportunidade do ato. E
quando se fala em conveniência e oportunidade, entramos num campo bem amplo, dada
a sua inconstância, pois conveniente e oportuno hoje, poderá não sê-lo amanhã.
Desse modo, o mérito é encontrado em apenas dois elementos do ato administrativo:
motivo e objeto, pois só estes dois elementos podem ser discricionários. Já a vinculação
é destinada sempre à competência, finalidade e forma e, eventualmente, ao motivo e ao
objeto.
Sendo assim, quanto à conveniência e à oportunidade, vê-se que cabe ao administrador
exercer esse controle, de índole eminentemente administrativa.
Contudo, vício de competência e forma acarretam ofensa ao princípio da legalidade, bem
como à finalidade. Como sabemos, então, que um ato é imoral? Quando ocorre um vício
de finalidade, ou melhor, quando se pratica o ato para fins pessoais ou para favorecer
terceiros.
7.6.2. Controle judicial dos atos administrativos discricionários
Analise-se a hipótese de um determinado Prefeito pretender construir um hospital.
O juiz não poderá adentrar no mérito administrativo, controlar o juízo da oportunidade e
conveniência na questão, se será construído hospital ou metrô. Há insindicabilidade
(inquestionável) do mérito, não se podendo questioná-lo em razão da independência e
harmonia dos Poderes (art. 2o da Constituição).
Com tal natureza, percebe-se que o agente poderá mudar sua concepção quanto à
conveniência e oportunidade da conduta. Desse modo, repita-se: é a ele que cabe exercer
esse controle, de índole eminentemente administrativa.
Assim, se a conveniência e a oportunidade, durante a vigência do ato, forem alteradas,
cabe ao agente competente desfazer o mesmo e cancelar a autorização, utilizando-se,
assim, do controle a ele pertinente.

Conforme demonstrado, a conveniência e a oportunidade do ato administrativo


constituem critérios ditados pelo poder discricionário, o qual, conclui-se, desde que
utilizado dentro dos permissivos legais, é intangível pelo Poder Judiciário.
Não resta dúvida, que o Poder Judiciário poderá analisar o ato discricionário, pois é sua
atribuição analisá-lo com o único propósito de averiguar se o mérito foi acertadamente
usado na discricionariedade. Todavia, não pode o mérito do ato administrativo ser
controlado pelo Poder Judiciário.
Pretendeu a doutrina, porém, aumentar o controle do mérito do ato administrativo, haja
vista ter criado teorias a respeito. Com isso, constata-se a existência de quatro teorias de
controle do ato discricionário pelo Poder Judiciário criadas pela doutrina. São elas: Teoria
do Desvio de Finalidade; Teoria dos Motivos Determinantes; Teoria do Conceito Jurídico
ou Legal indeterminado e Teoria da Razoabilidade.
Desse modo, conforme fartamente exposto, todo ato administrativo deve,
necessariamente, cumprir uma finalidade pública, em sintonia com os diversos interesses
públicos legalmente previstos, de forma explícita ou implícita.
Teoria do Desvio de Finalidade
Caracteriza-se, tecnicamente, o desvio de finalidade pela utilização de determinada
competência para a prática de ato que destoe da finalidade diversa da prevista em lei.
Muitas vezes o ato poderá, inclusive, se revestir de uma aparência de legalidade. Mas, em
seu âmago, pretende servir a outros fins que não o interesse público em razão do qual foi
outorgada competência ao agente público, embora ostente, na maioria dos casos, a
aparência de legalidade.

Tal ocorre quando, por exemplo, o chefe de uma repartição remove servidor com
intuito de prejudicá-lo. A jurisprudência do STF já fixou que “é inadmissível a interdição
de estabelecimento ou a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para cobrança
de tributo” (Súmulas 70 e 323).
Teoria dos Motivos Determinantes
No ato discricionário, esta teoria nasceu defendendo a motivação facultativa, pois como
o Administrador tem vários caminhos a seguir, não lhe é necessário dar a motivação de
forma obrigatória.
Se no ato discricionário, porém, o administrador apresentar a motivação, esse motivo será
determinante para a legalidade do ato, ficando esta atrelada à veracidade do motivo. E,
em não sendo o motivo verídico, pode-se recorrer ao Juízo para prová-lo inexistente e,
consequentemente, anular o ato administrativo discricionário.
Tem-se que esta teoria é mais eficiente do que a teoria do desvio de finalidade, pois nesta,
questiona-se o elemento motivo discricionário, em razão de uma motivação.
Nesta hipótese, a motivação passa a ser condicionante para a validade do ato. Se se provar
em juízo que a motivação é falsa, nulo será o ato.
Teoria do Conceito Jurídico ou Legal Indeterminado
Essa recente teoria não tem o intuito de invadir o mérito ou a discricionariedade, mas
busca evitar o aparecimento do mérito, ou seja, que determinada situação seja resolvida
discricionariamente. Não quer questionar, também, a razoabilidade da feitura do ato.
Diferentemente das outras, é a única teoria que não procura analisar o ato discricionário,
mas tão somente evitar o aparecimento do mérito administrativo. Tenta equacionar, na
real verdade, a dúvida em relação ao conceito jurídico indeterminado, com critérios
objetivos, e evitando assim que o caso venha a ser solucionado pela discricionariedade,
por critérios subjetivos.
A decisão política é abandonada e se substitui o critério subjetivo por outros palpáveis,
como perícias, jurisprudências, pareceres etc, facilitando a decisão do magistrado. Então,
percebe-se que esta teoria tem o intuito de diminuir a discricionariedade do
Administrador, substituindo a integração administrativa (critérios subjetivos) por uma
interpretação da lei, com base em elementos na legislação brasileira.
Merece destaque a questão concernente à saúde pública. Deve-se questionar a extensão
de seu risco, ao se aplicar critérios meramente subjetivos.
O conceito jurídico indeterminado é bem aplicado em questões que envolvam a saúde
pública, posto que restringe a discricionariedade do agente público, haja vista a relevância
que merece ser trazida a assuntos que envolvam Segurança Nacional, não parecendo,
sequer razoável, o uso da conveniência e da oportunidade, tampouco de atos políticos
nesta esfera.
Deve-se, ao contrário, impor ao agente público a estreita observância à interpretação da
lei e à prática de critérios objetivos. Portanto, o conceito jurídico indeterminado será o
limiar da discricionariedade, quando a questão versar sobre saúde pública, restringindo a
liberdade do Administrador e levando-o a buscar a solução que mais se coadune com a
justiça social.

Imagine-se a questão se um determinado agricultor produzir uma


fórmula revolucionária de fertilizante, com custos bem baixos, e pretender comercializá-
lo. Este fato, por si só, criará um certo “desconforto” às indústrias de agrotóxicos e
fertilizantes que estão no mercado e que comercializam seus produtos com preços
equiparados.
Com isso, na certeza da impossibilidade de se comercializar referido produto com preço
tão abaixo do mercado, as empresas concorrentes conseguem levar ao conhecimento da
Administração Pública o risco iminente que a circulação daqueles produtos trará à saúde
pública.
Revestido desta informação, o Administrador não concede a autorização para a indústria
e comércio deste produto, quando solicitado pelo produtor. Este, sentindo-se prejudicado
pela negação do Administrador, questionará em juízo a proibição de sua fórmula,
anexando ao seu pleito competente parecer de um renomado sanitarista, bem como
instrumento de perícia de um laboratório, afirmando que a nova fórmula não oferece, de
maneira alguma, qualquer risco algum à saúde da população.
Desta forma, não trazendo a Administração aos autos argumentos objetivos consistentes
que contradizem as provas do agricultor, não restará ao Magistrado outra solução, após a
interpretação da norma com base em critérios objetivos, senão deferir o pedido de
liberação para a indústria e comércio do produto em questão.
Face esta decisão, anular-se-á o ato que impede a comercialização. Tem-se com isso que
tecnicamente, o Magistrado valeu-se de elementos objetivos para resolver o litígio, tais
como parecer e perícia, não adentrando na esfera subjetiva, qual seja, da
discricionariedade.
A incidência da teoria do conceito jurídico indeterminado foi criada com o objetivo de
diminuir a margem dada à discricionariedade do Administrador. É evidente que, quando
todos os critérios objetivos conduzirem a questão a uma única solução possível, não se
questionará a proporção da discricionariedade (mérito), e sim o conceito jurídico
indeterminado, que visa não dar espaço à discricionariedade.
É de suma importância observar que, em ocorrendo conflito de interpretação mesmo nos
critérios objetivos (pareceres, perícias e jurisprudências conflitantes), não deixando claro
ao Magistrado a solução viável a ser utilizada, o critério passa a ser o subjetivo (mérito
interno). Então, havendo mais de um caminho a ser seguido, o ato será indiscutivelmente
discricionário.
Imaginemos, no exemplo dado, que a Administração, ao contestar a peça inicial da
contenda, ofereça um parecer contrário de um sanitarista também renomado, e que ambos
juntem jurisprudências divergentes. Consumado está um conflito de provas. O
Magistrado, face às questões apresentadas, não tem condições de formar uma convicção,
nem de estabelecer uma solução clara para o caso.
Então, verifica-se nesta hipótese, que os critérios objetivos não permitem uma única
conclusão possível, perpassando a questão da interpretação. Portanto, se tecnicamente
não há um único caminho a seguir, segundo aqueles critérios objetivos, não se pode dar
procedência ao pedido contido na ação, passando a decisão a ser do Administrador, eis
que à matéria restou apenas a discricionariedade, o juízo de valor.
O surgimento da teoria do conceito jurídico indeterminado frutificou uma nova
denominação para a discricionariedade, que se dividiu em discricionariedade volitiva e a
discricionariedade cognitiva.
A discricionariedade volitiva seria a discricionariedade propriamente dita, aquela que traz
um juízo de valor, girando em torno da decisão política, com base na conveniência e
oportunidade, pede uma integração.
A discricionariedade cognitiva ou técnica seria este conceito jurídico indeterminado. Na
verdade, não seria uma discricionariedade propriamente dita, mas a interpretação da
norma e o alcance de uma solução possível.
Então, apenas na discricionariedade volitiva incidirão a conveniência e a oportunidade,
onde há um juízo de valor até no fazer ou no não fazer o ato. A cognitiva é mais regrada,
amarrada.
Pode haver conflito de perícias, jurisprudências, pareceres etc. Por exemplo, no caso
enfocado, o conflito surgiria quando a Administração trouxesse aos autos pareceres
questionando a fórmula do fertilizante e/ou apresentasse perícia contrária.
Nesse caso, devido à controvérsia, não caberá ao Juiz decidir a respeito do conceito
jurídico indeterminado, pois os critérios objetivos não se bastaram, por si só, para resolver
a questão, ficando a decisão a cargo do administrador.
Por isso, o ato que vier a se fundar na constatação administrativa do fato da ocorrência de
um motivo jurídico indeterminado é um ato legalmente vinculado a essa devida
determinação fática, cuja realidade, adequação e suficiência deverão necessariamente
suportá-lo, sob pena de não preencher os seus respectivos requisitos de validade.
Teoria da Razoabilidade

Essa teoria não perpassa o mérito. Na verdade, cria limites na atuação discricionária. Já
se tem o limite legal, portanto, ela agrega o limite razoável.
Maria Sylvia Di Pietro afirma que tal teoria apenas pode ser aplicada em casos extremos,
que beira o ridículo. Já Celso Antônio Bandeira de Melo, dita que a teoria da
razoabilidade, por si só, é um conceito jurídico indeterminado.
A razoabilidade, de acordo com a primeira autora, encontra uma chamada “zona
cinzenta”, onde o questionamento político é saudável. Extrapolou essa zona cinzenta,
chegou ao extremo do irrazoável.
É bom frisar que a Constituição abre espaço para a razoabilidade, em seu artigo 70,
quando fala no controle do gasto público. Este art. 70 não fala em Poder Judiciário, mas
sim em Congresso Nacional. Fala em legitimidade e economicidade. Como se questionar
a legitimidade e economicidade? Com a razoabilidade não há dúvida. É por isso que, com
base no art. 70, entendemos que hoje é possível controlar ato administrativo
discricionário.
A razoabilidade23 significa, em linhas bastante gerais, agir de acordo com o senso comum
(não confundir com “bom senso”, que é juízo subjetivo) em uma determinada sociedade.
24 25

7.6.3. Atributos dos atos administrativos:


7.6.3.1. Presunção de legitimidade e de veracidade

Observe-se, com os olhos de ver, que a legitimidade está intimamente ligado


com a legalidade e a veracidade dos atos administrativos. Os atos administrativos
gozam da presunção de legalidade que, para ser afastada, necessita de prova cabal da
deformação do ato e não podem ser consideradas, para efeito de anulação de um ato
administrativo, alegações gerais e imprecisas, tais como violação aos princípios da
dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do contraditório.

Como a Administração está sujeita ao Princípio da Legalidade e, ao menos, em


tese, atua desinteressadamente, os atos administrativos gozam de presunção de
legitimidade. Ou seja, são presumidos como tendo sido praticados de acordo com
o Direito. O particular é que deverá comprovar que aquele ato não corresponde à
verdade.

Portanto, até prova em contrário, presumem-se legais todos os atos emanados do Poder
Público. Daí se dizer que prevalece a presunção juris tantun, por ter sido realizado o ato

23
“[...] O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se o que ocorre no dia-a-dia e não o extravagante. [...]”.
(STF, RE 199066 ED/PR. Rel. Ministro Marco Aurélio, 2a Turma).
24
Conforme delineado por Luis Roberto Barroso: O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder
Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça [...].

[...] É razoável o que seja conforme a razão supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o que não seja arbitrário ou caprichoso, o
que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. (Interpretação e aplicação da constituição. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 204-205).

25
Confira-se, também, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: A razoabilidade – que, aliás, postula a proporcionalidade – a
lealdade e boa-fé, tanto como o respeito ao princípio da isonomia, são princípios gerais do Direito que também concorrem para
conter a discricionariedade dentro de seus reais limites, sujeitando os atos administrativos a parâmetros de obediência inadversável.

[...] Também não se poderiam admitir medidas desproporcionadas em relação às circunstâncias que suscitaram o ato e, portanto,
assintônicas com o fim legal – não apenas porque conduta desproporcional é, em si mesmo, comportamento desarrazoado, mas
também porque representaria um extravasamento da competência. (grifos nossos). (Discricionariedade e controle jurisdicional. São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 96-97).
em conformidade com o Direito. Essa característica decorre do próprio ato
administrativo, não dependendo de lei expressa.

Fique ligado

Exemplo de legalidade e legitimidade seria o caso de um cidadão ter sido multado por
dirigir com o braço para fora do carro. Ao postular recurso administrativo, alega que seu
carro possui ar condicionado e que nunca dirigira de vidro aberto, muito menos com o
braço para fora. Não logrará efeito, pois o Poder Público tem a presunção de legalidade
e legitimidade. Ademais, a viabilidade de êxito do seu recurso estaria condicionada à
apresentação de provas e não somente a argumentos.
Todavia, pode ocorrer de o ato administrativo apresentar-se
eivado de ilegalidade, o que, por si só, não basta para desnudar a sua presunção de
legalidade.
Em razão de sua própria natureza, não se faz necessária a autorização judicial para a
execução ou operatividade do ato, que acontece de imediato. É o que se denomina de ato
de pronta execução, salvo se a parte interessada vier a obter, mediante recursos internos
ou por via judicial, a suspensão de tal execução, sob a alegação de ilegalidade deste. No
entanto, até que tal suspensão ocorra, os atos são válidos e produzirão todos os efeitos,
posto que ainda existentes no mundo jurídico.
Quando se afirma que o ato administrativo não pode ser controlado previamente, não se
está fechando às portas para os remédios constitucionais. Apenas, está a se afirmar que o
ato não pode ser questionado previamente quanto a sua existência.

Por outro lado, a Administração não tem necessidade de realizar a prova de legitimidade
do ato praticado, visto que o ônus da prova é transferido à parte atingida pelo ato
supostamente ilegal.

Nos termos do art. 19, inciso II, da Constituição de 1988, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios recusar fé aos documentos públicos. É um
voto de confiança a favor da administração púbica.
De fato, os atos administrativos, tendo em vista o exercício regular das funções
administrativas, que, em muitos casos, não pode sofrer interrupção, têm em favor de si a
presunção de legitimidade, a presunção de constituírem exercício legítimo de poder, por
parte da autoridade administrativa.
Por conseguinte, toda resistência a tais atos, toda invocação de nulidade contra eles deve
ser necessariamente alegada e provada em juízo, quando tal alegação não é aceita na
própria esfera administrativa.
Uma ordem de interdição de um restaurante, por exemplo, sob alegação de insalubridade,
tem a seu favor a presunção de legitimidade. O titular do estabelecimento não pode opor
resistência privada a tal ordem, como poderia fazê-lo se se tratasse de um título particular,
como um contrato. Se a ordem for ilegítima, deverá o referido titular desconstituí-la na
via administrativa, ou, no seu malogro, na via judicial.
A consequência mais direta dessa presunção que milita em prol dos atos administrativos
é que as decisões administrativas podem ser executadas imediatamente, e têm, ademais,
a possibilidade de criar obrigações para o particular, independentemente de sua
concordância.

Fique ligado no caso concreto, bastante significativo, para


compreender melhor.

Caso interessante julgado pelo tribunal de um determinado Estado. À época, houve


uma batalha campal. A Procuradoria do Estado x Tribunal de Contas. O Tribunal
de Contas baixou uma deliberação em que o Estado só poderia fazer dispensa de
licitação se, antes, submetesse tal ato à apreciação do Tribunal de Contas, ou seja,
teria que passar pelo seu crivo. Em juízo, a Procuradoria Geral do Estado
conseguiu derrubar essa deliberação por estar ferindo a presunção de legalidade e
legitimidade dos atos administrativos.

O caso acima mostra muito bem a força, no aspecto prático, que essa característica
tem para o ato administrativo.
Tal conteúdo tem presunção de veracidade, ou seja, até prova em contrário, deve
ser tido e considerado verdadeiro. Trata-se de um instrumento de trabalho colocado à
Administração Pública, não necessitando sua autenticidade ser declarada por autoridade
judicial ou administrativa de hierarquia superior.
Já pensaram se a Administração tivesse que provar: “Aquele fato aconteceu, aconteceu...”
Se assim não fosse, seria embaraçada toda a atividade administrativa, causando sérios prejuízos
ao interesse público.

Importante registrar que a presunção de legalidade, veracidade e legitimidade


dos atos administrativos produz as consequências fundamentais:
1ª. Consequência - O ato administrativo, mesmo inválido, praticado em
desconformidade com a lei, produz todos os efeitos, como válido fosse, não podendo ser anulado,
salvo pronunciamento no sentido contrário do Poder Judiciário ou a própria Administração.
Seria o caso, hipoteticamente, de uma farmácia vendendo remédio, controlado, sem
receita médica. O agente público, em vez de multa-la, fechou e lacrou o estabelecimento, mesmo
que a lei afirmasse que o agente público só tinha competência para multar. Não tem jeito! Está
lacrado e interditado! Então, ato vai produzindo efeitos até o proprietário do estabelecimento
provar administrativamente ou no judiciário a ilegalidade do agente.
2ª. Consequência – Aduz o atual Código Civil, em seu art. 168, que as nulidades absolutas
podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber
intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do
negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido
supri-las, ainda que a requerimento das partes.
Em que pese a discussão, o Poder Judiciário não pode, "ex officio", apreciar a invalidade
do ato, de modo diferente do ato jurídico de direito privado. Determina se, no artigo 168 do
Código Civil, que as nulidades absolutas podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo
Ministério Público, sempre que lhe couber intervir, devendo, quando couber o ato, ser
pronunciadas pelo Juiz. A mesma coisa não acontece relativamente ao ato administrativo, pois a
nulidade de tal ato só pode ser decretada pelo Judiciário, através de solicitação por parte da
pessoa interessada. (Trata-se de uma corrente forte, Maria Sylvia Di Pietro). Não procede de
ofício decidir a invalidade dos atos administrativos pois requer uma investigação de ação, ou
seja, diante de provas evidentes em contrário.
7.6.3.2. Imperatividade
Este atributo decorre do próprio exercício do Poder Público, donde se pode presumir que
seus atos, já ao nascerem, apresentam força de império ao recaírem sobre seus destinatários, não
se lhes cometendo a possibilidade de discutir sua decisão ou aplicação e restando, apenas, a sua
execução. É o poder que a Administração tem de, unilateralmente, influenciar a esfera jurídica
de outrem, ou seja, sem o consentimento deles. É um ato impositivo, mas requer expressa
previsão em lei.

Portanto, a imperatividade permite à Administração Pública impor a sua vontade


ao particular, mesmo que este não concorde com o ato administrativo. Esta acepção
permite-nos afirmar, então, que a imperatividade é uma manifestação unilateral de
vontade que pode criar obrigações a terceiros, porque há a supremacia do interesse
público em jogo, passando a Administração figurar numa posição superior em relação aos
particulares. E essa posição de supremacia vai fazer com que os atos administrativos
sejam revestidos desse atributo da imperatividade, implícito na Constituição Federal e
com previsão no artigo 2º, caput, da Lei nº. 9.784/99.

Fique de olho

O exemplo que podemos oferecer quanto à imperatividade é o tombamento e a


desapropriação em que a concordância do proprietário não é necessária, onde nada pode o
particular fazer, mas apenas aceitar a vontade da Administração, que decide quais os bens que
serão tombados ou desapropriados.

É relevante a observação de que tombamento, mesmo havendo motivo vinculado, há


uma exceção: quando o ato fica por conta adstrito ao pedido do dono do bem.

Todo ato administrativo dispõe de coercibilidade (obrigatoriedade) para seu cumprimento


ou execução, como decorrência da própria existência do ato administrativo, posto que as
manifestações de vontade do Poder Público trazem em si a presunção de legitimidade.
Como consequência da imperatividade, temos que todo ato administrativo deve sempre
ser cumprido, sob pena de se sujeitar à execução forçada pela Administração ou pelo
Judiciário. Daí ser a imperatividade, a nosso ver, a principal característica do ato.
Cabe ressaltar que existe ato administrativo sem imperatividade, quando não houver na
prática de um ato, uma posição de supremacia do Estado em relação ao particular como
é o caso do ato administrativo enunciativo e nos atos negociais.
Os atos enunciativos não impõem nada a ninguém, como os atestados, as certidões, os
pareceres, pois são apenas opiniões que não têm qualquer imperatividade, somente
informam, dão alguma certeza oficial sobre algo. Numa certidão ou mesmo num atestado
há um mero reconhecimento de uma situação de fato. Da mesma forma, os atos de
consentimento ou negociais (como as autorizações e permissões), não são dotados de
coercibilidade.
A bem do interesse público, o ato
administrativo, quando fixa obrigações, é imperativo, e sua observância inevitável.
Portanto, tal atributo somente se apresenta nas medidas administrativas que impõem
obrigações, não aparecendo nos atos de outorga, como licenças e autorizações, ou nos
atos meramente declaratórios, como as certidões.
Outro exemplo é a requisição. A polícia pode parar o carro de um particular e lho
requisitar para perseguir um bandido, cabendo ao proprietário desse veículo ceder a essa
requisição, sob pena de responder a um processo penal.

É sempre importante relembrar

A imperatividade não existe nem está presente em todos os atos administrativos,


mas somente nos atos que impõem obrigações. O ato cujo conteúdo dependa da
manifestação de vontade do administrado e negociais solicitados pelo particular
(permissões, autorizações, alvará de funcionamento), não possuem tais atos, por uma
questão óbvia, de tal atributo. Esse raciocínio é, cristalinamente, aplicado aos atos
administrativos enunciativos ou meramente declaratórios (certidões, atestados e
pareceres), pois conferem direitos postulados pelo interessado.

Tome nota

Cabe enfocar, por oportuno, que o parecer administrativo terá, obrigatoriamente,


efeito imperativo, em havendo exigência legal, exatamente no caso de licitação/contratos
administrativos, diferentemente quando girar em torno de assuntos puramente políticos e
técnicos, o que, por consequência, isentará o servidor de responsabilidade por ser
meramente ato opinativo e não vinculante. Por isso, é frequente o parecer finalizar com a
expressão “salvo o melhor juízo”. Não se está impondo nada a ninguém. É uma opinião
(é ato enunciativo). Em havendo posição contrária, “Eu me rendo”, ou seja, “se gostou,
aprova!”; “se não gostou, reprova!”. O parecer, na real verdade, é uma opinião do servidor
público investido numa função.

Na imperatividade, repetindo, mais uma vez, o cumprimento dos atos


administrativos é imposto, de modo unilateral, ao administrado, mesmo contra a
sua vontade.
Outros exemplos:
- colocação de placas de nome de rua em parede de residências de
particulares, situadas em esquina.
- estabelecimento de dia e horário para a realização de comícios
políticos.

IMPERATIVIDADE

Impõe o
cumprimento/
execução do Ato
(Obrigatoriedade)

EXCEÇÕES
Defesa do Execução forçada
INTERESSE PÚBLICO e pela Administração
Atos que não impõe
COLETIVO ou pelo Judiciário.
obrigações a terceiros

Exemplos: Atos Negociais ou de Consentimento


DEVE OBSERVAR O
PRINCÍPIO DA (Autorização, Permissão de Uso, Visto, etc)
Tombamento,
LEGALIDADE
Desapropriação,
(Todo Ato deve ser Atos Enunciativos
Sanções de Polícia,
previsto em Lei (Certidões, Atestados, Pareceres, etc)
etc

7.6.3.3. Autoexecutoriedade
A auto-executoriedade complementa a imperatividade.
Apesar de a auto-executoriedade ser a regra no Direito Administrativo, ela possui uma
série de requisitos que a relativiza, posto que só pode existir auto-executoriedade quando
prevista expressamente em lei ou houver risco público iminente.
Alguns entendem que, salvo nos casos em que realmente não for possível, a auto-
executoriedade não pode levar a ausência do contraditório e da ampla defesa. Então, a
Administração até pode auto-executar, o que equivale a não recorrer ao Judiciário, mas
se obriga a oferecer, antes, o contraditório e a ampla defesa.
Contudo, se o risco público iminente, que já deu respaldo à auto-executoriedade, for
considerado muito grave, exime-se a Administração da imediata apresentação do
contraditório e da ampla defesa, podendo, logo, executar o ato e posteriormente oferecer-
lhes.
A própria lei poderá dispor, em seu texto, que a Administração poderá praticar
o ato e apenas depois conceder o contraditório e ampla defesa. É o que se dá, por exemplo,
na apreensão do veículo.
Então, o contraditório e a ampla defesa condicionam a auto-executoriedade. Outro é o
desfecho se a lei já faz menção ou se o interesse público exigir, ocasião em que estes
serão sobrepostos ao ato. Primeiro auto-executa e depois concede o contraditório e a
ampla defesa.

É de suma importância mencionar que a auto-executoriedade não vai liberar a


Administração Pública de dar ampla defesa e o contraditório. Só que o devido processo
legal é dado posteriormente. Nesse caso, a Administração Pública lavra um ato
circunstanciado com formalismo. Portanto, não confundir auto-executoriedade com a
arbitrariedade.

Importante
Um exemplo, muito frequente está no cultivo de plantas psicotrópicas. Imagine uma
viatura da polícia que, ao passar casualmente, descobre uma lavoura com essas plantas.
O policial para a viatura e, executoriamente, pode e deve penetrar na propriedade, fazendo
a apreensão da maconha, sem a necessidade de recorrer ao órgão jurisdicional. Por óbvio,
o policial deve ter todas as suas atividades devidamente documentadas, circunstanciado
para evitar a arbitrariedade. Não precisa, pois, o Poder Público solicitar, junto ao Poder
Judiciário, um alvará de autodestruição.
O fato de a Administração ter a auto-executoriedade não isenta o administrado de buscar
a tutela jurisdicional, como poderá fazê-lo numa ação cautelar. Como exemplo, no caso
de um prédio que precisa ser demolido, poderá a Administração valer-se dessa
prerrogativa e auto-executar o ato. Não obstante, tem a opção de recorrer a uma
autorização judicial, objetivando se resguardar de futuras contendas, como pedidos de
indenização dos ex-moradores do prédio.
Destituída está a Administração Pública do poder de auto-executar os valores pecuniários,
pois a este fato não se aplicam os princípios que condicionam a auto-executoriedade
(previsão legal ou risco público iminente).
Por exemplo, não há que se falar em risco público iminente no pagamento de um tributo.
Tampouco existe amparo legal que justifique a Administração auto-executar valores
pecuniários. Com isso, descaracterizada está a auto-executoriedade administrativa no
tocante a valores pecuniários, sendo certo que a sua cobrança deverá se submeter ao que
dispõe a Lei de Execução Fiscal, que estabelece o procedimento de cobrança judicial que
disciplina a execução fiscal, e a qual está obrigada a Administração Pública.
Todavia, mister se faz distinguir, neste contexto, auto-executoriedade de exigibilidade.
Conforme exposto, não dispõe a Administração de auto-executoriedade quanto aos
valores pecuniários. O mesmo não se aplica à exigibilidade, eis que esta não está atrelada
aos princípios da previsão legal ou do risco público iminente.
Desta forma, nada impede que a Administração constitua um título executivo, e isto ela
pode fazer, posto que possui exigibilidade, e o inclua na Dívida Ativa, submetendo-o aos
trâmites do adequado procedimento judicial de cobrança administrativa (execução fiscal),
independente de processo de conhecimento.
Nos variados atos que a Administração Pública executa, rotineiramente, muitas das vezes
auto-executoriedade e exigibilidade se confundem e se atropelam, pela falta de
observância legal do administrador.
A auto-executoriedade confere poderes à Administração Pública para que esta possa
executar o ato diretamente, sem necessidade do crivo do Poder Judiciário, sob a pertinente
alegação da necessidade da prestação imediata e continuada do serviço público, de forma
a não prejudicar o seu bom andamento e, consequentemente, o interesse coletivo.
Com isso, constata-se a existência do Poder inerente à Administração Pública, que a
permite levar seus atos às últimas consequências. Exemplo da auto-executoriedade é o
caso de um fiscal de salubridade que, na prática rotineira de suas atividades, se dirige a
um supermercado e se depara com uma mercadoria de data de validade vencida. O fiscal,
valendo-se de seu poder de polícia, inutilizará o material imediatamente, não precisando,
para tanto, de autorização do Poder Judiciário.
Oportuno mencionar que auto-executoriedade não pode caminhar de braços dados com a
famigerada arbitrariedade, devendo esta última ser repudiada pelos administrados. O
administrador, por seu turno, a fim de demonstrar lisura nos seus atos auto-executáveis,
deve valer-se, sempre que possível, da forma escrita para consigná-los.
Neste particular, releva considerar que, se submetido o ato do Poder Executivo ao controle
do Poder Judiciário, restaria vulnerado o princípio constitucional básico da tripartição das
funções estatais, consagrado no art. 2o da Constituição Federal.
Vale dizer que o art. 5o, LV, da CF/88, restringiu a intensidade deste atributo, ao estender
as garantias do contraditório e da ampla defesa para os procedimentos administrativos.
A característica da auto-executoriedade é usada normalmente quando o Estado exerce o
poder de polícia.
Quando o Poder Público, no exercício de seu poder de polícia, entende de eliminar
mercadorias deterioradas, por exemplo, realizando fiscalização de um bar, o ato se reveste
do caráter de autoexecutoriedade.
Como exemplos, destacamos os seguintes:
a) Embargos e demolição de obras clandestinas;
b) Apreensão de gêneros alimentícios ou medicamentos, impróprios para o
consumo, para posterior inutilização;
c) Apreensão de mercadorias vendidas ilegalmente (guardas municipais,
policiais civis e federais contra “camelôs”);
d) Internação compulsória de ébrios, loucos, portadores de doenças
infectocontagiosas, que ponham em risco a saúde pública e o meio ambiente;
e) Interdição ou fechamento de estabelecimentos comerciais ou industriais que
não atendam às normas de segurança, higiene e meio ambiente;
f) Envio, para depósito público, de bens móveis que estejam impedindo a
passagem de pedestres nas calçadas, e de veículos nas vias públicas;
g) Polícia Civil ou Militar realizando uma busca pessoal em um traficante por
portar arma ou substâncias psicotrópicas.

Atenção!!

A executoriedade provém da validade do ato, isto é, da presunção de legitimidade. Esse


atributo, como já afirmamos, não é comum a todos os atos administrativos, só podendo
ser utilizado:
 Nos casos previstos em lei; ou
 Quando implícitos no sistema legal, isto é, naqueles casos em que se faz
necessária a tomada de uma medida urgente, sob pena de geral
comprometimento do Direito, acarretando prejuízo para o interesse público,
se não for adotado (urgência, perigo iminente).

7.7. Classificação dos atos administrativos.


7.7.1. Critério da formação do ato: atos simples, compostos e complexos.
A lei determina que, para a criação do ato se faz necessário, apenas, a manifestação de
vontade de um só órgão. Seria, por exemplo, uma licença para edificar ou para portar uma
arma de fogo; portaria do Ministro da Saúde, no sentido de instaurar um procedimento
administrativo disciplinar, lavratura de um auto de infração etc.
Podem ser, ainda, singulares e colegiais. Os simples singulares são os emanados dos
órgãos cujo titular é um único agente.
Deve-se ressaltar, no entanto, que todo decreto assinado pelo Presidente da República
vem acompanhado com a assinatura de um Ministro de Estado. Como neste ato ocorre a
assinatura de um Ministro, há quem questione se este seria simples ou composto.
Ocorre que, nestas circunstâncias, a assinatura do Ministro não se reveste de uma
obrigatoriedade necessária à produção dos efeitos do decreto, mas apenas para fazer valer
o princípio da reforma administrativa, elencado no Decreto-lei no 200/67, art. 6o, II, que
é o Princípio da Coordenação.
Desta sorte, tem-se que a assinatura do Ministro, neste caso, serve para que este tome
conhecimento, de imediato, do conteúdo do decreto, por ser matéria de sua pasta. Não se
constitui esta assinatura, em definitivo, em requisito para a validade do decreto.
Os atos simples colegiais são os que provêm de órgãos, como o próprio nome indica,
colegiados, como é o caso dos conselhos e de comissões e, por isso, são frutos de
deliberações, ou seja, do concurso de vontades unificadas de um só órgão.
Há vezes em que a importância dos atos na esfera do Direito Administrativo é tão
relevante, que justifica a obrigação, através de lei, da manifestação de, no mínimo, dois
órgãos. Trata-se de ato composto ou complexo.
Todo ato administrativo que fique com sua eficácia dependente de uma condição, que vai
ser atendida por outro órgão, cuja vontade se funde para formar uma só vontade
autônoma, é denominado de ato composto.
Exemplo disso é um concurso público para o cargo de promotor de justiça, onde a
comissão de concurso público aprova os candidatos, objetivando o ingresso no cargo, mas
será o Conselho Superior do respectivo Ministério Público quem homologará o ato de
aprovação. Nesse caso, o segundo órgão exerce um controle de legalidade sobre o ato
praticado anteriormente.
Nas palavras brilhantes de Pinheiro Madeira, “observa-se que o ato composto tem uma
condição suspensiva de exequibilidade, que é um “algo mais”, isto é, se houver
homologação. ”26
Logo, todo e qualquer ato que depender de homologação, aprovação, referendo,
aquiescência, visto, parecer etc., caracteriza-se como ato composto.
Em síntese, o ato composto é uma vontade que, para ser exequível, tem como condição a
ratificação ou a verificação, prévia ou posterior, por uma vontade, de outro órgão.
Já o ato complexo será formado pela vontade de dois ou mais órgãos ou agentes,
realizando um só ato administrativo. A grade diferença do ato complexo para o ato
composto é que neste último são dois atos e naquele, apenas um ato.
No ato complexo, não há partes e não há interesses diversos, há uma operação encadeada
de atos, uma operação conjunta. Não há uma vontade principal e uma acessória.
7.8. Espécies de atos administrativos.
7.8.1. Atos administrativos normativos
Os atos normativos possuem seus objetivos mencionados na Constituição Federal. Por
exemplo, o art. 49, V, reza que compete exclusivamente ao Congresso Nacional sustar os
“atos normativos” do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou os limites
de delegação legislativa.
Vê-se, então, que há atos do Poder Executivo com conteúdo normativo, o que significa
dizer que a lei delega ao Poder Executivo (no sentido de Administração Pública) a
emissão de atos normativos.

26
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração Pública – Tomo I. Rio de Janeiro: Elsevier, 11ª ed., p. 546 e 547.
Atos normativos são comandos de ordem geral e abstrata que funcionam como leis em
sentido material, com a finalidade de suprir a lacuna da norma jurídica formal ou
explicitar a sua execução.
Exemplos de atos normativos são os decretos; os regulamentos que não sejam postos em
vigor por decreto, como o regulamento (edital) de concurso público e também o edital de
licitação; os regimentos, como o Regimento Interno do STF, que é ato normativo emitido
pelo Poder Judiciário; as resoluções (emitidas pelo Judiciário), que também têm caráter
de atos normativos, quando a norma da resolução se dirige aos jurisdicionados
genericamente.
São eles atos administrativos que coercitivamente são impostos à coletividade, aos
administrados. Eles estabelecem uma relação jurídica que obriga um determinado
comportamento, uma forma de comportamento abstrato aplicado genericamente sob
coerção, sob pena de sanção, no caso de desobediência destes atos.
Significa que eles têm caráter material de norma, sem, contudo, se constituir em lei. Ou
seja, não é formalmente lei, porque não resulta do processo legislativo previsto no art. 59
da Constituição Federal. Não é emitido pelo Poder Legislativo, como poder político.
As leis previstas no art. 59 da Constituição da República têm o mesmo caráter (salvo raras
exceções, das chamadas leis de efeito concreto) de abstração, generalidade e coerção. Em
tese, estabelece-se uma norma de comportamento que se dirige a todos de forma geral, e,
em caso de desobediência, haverá a sanção e a coerção.

As mesmas características intrínsecas vão ocorrer com o ato administrativo normativo


que tem caráter de abstração, generalidade e de coerção. Estabelece-se uma relação
jurídica no âmbito externo da Administração.
Uma relação entre a Administração e os administrados, de caráter geral. É uma norma de
comportamento que não se dirige especificamente a esta ou àquela pessoa, dirige-se à
coletividade ou, pelo menos, a um grupo indeterminado de pessoas.
Contudo, uma parte da doutrina entende que os atos administrativos normativos são leis
no sentido material, porque o conteúdo do ato administrativo normativo opera como se
fosse lei.
A diferença entre um decreto e uma lei está em que o decreto (em que pese seja abstrato
e geral) é ato administrativo normativo e a lei é ato de soberania do Poder Legislativo. O
decreto se subordina, portanto, à lei. Ele é uma manifestação daquela delegação
legislativa que está no art. 49, V, da CF.
Os atos normativos em geral se submetem ao controle de legalidade, além do controle de
constitucionalidade, porque hierarquicamente, são inferiores às leis no sentido formal.
Exatamente por isso, a Constituição Federal, em seu art. 49, V, confere poder ao
Congresso Nacional de sustar atos normativos do Executivo, eis que neste caso, o Poder
Legislativo nada mais é que a manifestação do poder político, que pratica atos de
soberania sobre a Administração Pública exercida pelo Poder Executivo.
Exemplo: o decreto que coloca em vigor o Regulamento do Estatuto dos Funcionários
Públicos Civis. Esse decreto põe em vigor norma de caráter geral, abstrato e
coercitivamente imposto a toda aquela coletividade de servidores. Esse decreto tem os
mesmos caracteres de abstração, generalidade e coerção que tem a lei, mas o decreto
regulamentar decorre da lei, regulamentando-a no sentido formal.
7.8.2. Atos administrativos ordinatórios
Atos ordinatórios são aqueles atos internos da Administração que visam o seu
funcionamento e a conduta dos seus agentes, a exemplo das instruções, avisos, ordens de
serviço, resoluções, circulares, portarias, ofícios etc.
Segunda espécie nesta classificação, os atos ordinatórios decorrem, basicamente, do
poder hierárquico e se organizam hierarquizadamente. Significa dizer que a lei vai cuidar
de distribuir, em graus diferentes, poderes diferentes a autoridades diferentes, de maneira
que determinadas autoridades detenham mais poder, no exercício da Administração
Pública, do que outras.
Em razão disso, determinadas autoridades podem dar ordens a outras, e podem rever atos
e decisões administrativas de outras. A existência dos recursos administrativos decorre
basicamente do poder hierárquico, e os atos ordinatórios decorrem deste mesmo poder.
São ainda aqueles atos que se manifestam de autoridades superiores para
autoridades inferiores, no sentido de que a autoridade superior detém poder hierárquico
sobre a autoridade inferior.
Em síntese, seriam todos aqueles atos praticados com a finalidade de conduzir o
funcionamento interno da Administração. Por exemplo, o ato do chefe de uma repartição
pública dispondo sobre os dias que o servidor poderá gozar férias (algo de interesse
predominantemente interno).
Neste sentido, como vemos, o ato ordinatório manifesta hierarquia, manifesta
determinação de autoridades superiores para as inferiores no exercício da Administração
Pública. Por isso, os atos ordinatórios só geram efeitos jurídicos no âmbito interno da
Administração Pública, ou seja, entre órgãos e agentes públicos.
Tanto é ato ordinatório a ordem verbal do Governador de Estado a um Secretário de
Estado, quanto a resolução do Procurador Geral de Justiça que determina aos Promotores
que bimestralmente apresentem relatório estatístico de suas atividades. O primeiro é um
ato individual, o segundo é geral. Note-se que aqui, a “resolução” é um ato ordinatório
(já vimos que resolução pode ser também um ato normativo). O que importa não é o nome
de que se reveste o ato, mas sim o seu conteúdo. É o conteúdo do ato que determinará sua
espécie.
Resolução, portaria (a portaria pode ser também ato normativo, quando, por exemplo, o
Juiz regula a presença de menores em bailes de carnaval – é um ato normativo porque
tem caráter geral e externo, atingindo a todos os jurisdicionados indistintamente).
Também, a portaria, como ato do Promotor de Justiça que instaura Inquérito Civil, nos
termos da lei da Ação Civil Pública (Lei no 7.347).
Frise-se que o que importa não é o nome, mas o conteúdo. Os avisos são atos típicos de
Ministro, são atos ordinatórios destinados a seus subordinados. Outros exemplos: ato
administrativo, concedendo remoção, férias, aposentadoria, licença sem vencimentos etc.
Anomalamente, utiliza-se decreto como ato individual e não como ato normativo.
Exemplo: decreto que aposenta determinado servidor. Em regra, o decreto normativo é
emitido pelo Chefe do Executivo. Evidentemente que tanto os atos normativos quanto os
ordinatórios de caráter geral só ganham vigência (exequibilidade) com a sua publicação.
A publicação destes atos é condição de exequibilidade, face ao princípio da publicidade,
diferente do órgão ordinatório individual, que ganha eficácia com a ciência de seu
destinatário.
O decreto segue a sorte da lei. Se esta for inconstitucional, aquele também o será. Lei
inconstitucional não pode gerar atos normativos legais.
7.8.3. Atos administrativos enunciativos
Os atos enunciativos são aqueles em que a administração se limita a enunciar, a declarar
direito ou situação jurídica relevante. Ela enuncia, declara determinada situação jurídica
pretérita ou determinado direito já existente, e o faz porque somente ela tem a
competência legal para tal, na forma da lei.
O parecer é um exemplo típico de ato enunciativo, porque, além de exteriorizar um
entendimento da Administração Pública, reconhece-se também uma situação já ocorrida.
Temos, as certidões, os atestados, as declarações, pareceres...
Qual a diferença de certidão para o atestado? A certidão vai ser a mera cópia, o mero
registro de um documento já existente na Administração: “ Certifico que nas folhas tais,
do livro tal, consta a seguinte informação:”
O atestado será um reconhecimento de uma situação de fato que tenha ocorrido: “Atesto
que no dia tal, fulano de tal, compareceu no Juízo do 4º Juizado para depor sobre o
processo...”
Como exemplo, a Administração detém os registros públicos. A lei irá conferir a
determinados funcionários fé pública para atestar a autenticidade destes registros. Não
obstante, a mesma lei vai exigir fé pública a determinadas situações jurídicas, como
condição de validade das mesmas. Exemplo por excelência de atos enunciativos são as
certidões e os atestados. Parte da doutrina diz que determinados pareceres com
características normativas também são atos enunciativos.
O direito de certidão é um direito individual, previsto no texto constitucional, em seu art.
5º, inciso XXXIV, ”b”. Esta só poderá ser emitida pela Administração Pública. Aliás,
ressalta-se que todo registro público é monopolizado pela Administração Pública, ainda
que o Oficial de Cartório tenha as características peculiarmente estipuladas pela
Constituição, qual seja, de não ser servidor público. Contudo, a serventia é pública.
Assim como a titularidade de um imóvel só poderá ser comprovada com a transcrição do
título aquisitivo no Registro Imobiliário, a comprovação da transcrição só poderá sê-lo
através de certidão.
A certidão enuncia um direito já existente. Exemplo: certidão de nascimento e certidão
de óbito. Todas as serventias cartorais são órgãos de Administração Pública, fiscalizados
pelo Poder Judiciário, e suas atividades são eminentemente administrativas. As serventias
não são órgãos jurisdicionais, mas, conforme já enunciado, são órgãos da Administração
Pública, inseridos no Poder Judiciário.
7.8.4. Atos administrativos punitivos ou sancionatórios
São eles os que têm no objeto uma sanção imposta pela Administração aos infratores de
dispositivos legais em sentido amplo, podendo ser seus próprios servidores ou
particulares. Exemplos: multas, interdições, destruição de coisas, inutilização de gêneros
alimentícios, demissões, suspensões, afastamentos, advertências, etc.
Os atos punitivos decorrem de outro poder da Administração, que é o poder disciplinar,
que tanto pode ser interno como externo.
Os atos administrativos punitivos são aqueles que se destinam a sancionar, a punir as
infrações cometidas contra o interesse público pelos administrados ou pelos servidores
públicos, na forma da Lei ou de outros atos administrativos. Quando um sujeito viola
norma contida legalmente em ato normativo, este sujeito pode receber uma sanção.
Exemplos: Um agente público infringiu determinada norma do regulamento do Estatuto
dos Funcionários Públicos; por isso, receberá um ato punitivo interno.
Se um sujeito estaciona seu carro na rua em local proibido, o policial
expedirá um auto de infração, que é um ato punitivo externo denominado de multa,
permitido pelo Código Nacional de Trânsito. Como atos punitivos externos, além da
multa, tem-se a interdição de atividades, a apreensão e inutilização de gêneros
alimentícios. Internamente esses atos punitivos são previstos nos estatutos (demissão,
suspensão, repreensão, advertência).
Os atos punitivos decorrem basicamente do poder disciplinar, que é um poder inerente ao
poder hierárquico. Aliás, de nada valeria esse poder, se desobedecida a ordem, a
Administração Pública não pudesse, pelo menos, exercer coerção em sancionar a
desobediência (a desobediência a um ato ordinatório, decorrente do poder hierárquico,
tem como consequência um ato punitivo, decorrente do poder disciplinar). O ato punitivo
tem uma relação intrínseca com o ato ordinatório, porque é uma manifestação de coerção
em caso de desobediência deste ato.
Mas os atos normativos também podem prever a existência de atos punitivos. Como
exemplo, temos um sujeito que, fora do prazo fixado por decreto, apresenta a declaração
de rendimentos para o Imposto de Renda de Pessoa Física. Face esse atraso, será multado
e perder o direito ao parcelamento. Ato negocial: não recolher, dentro do prazo, a taxa
decorrente de permissão de uso de bem público, está rescindido por culpa do
permissionário.
O importante em relação ao ato punitivo, a partir de 1988, é o texto do art. 5º, LV, da
Constituição Federal, que estendeu ao processo administrativo a garantia da ampla defesa
e do contraditório, com os meios e recursos inerentes.
Pela primeira vez na história constitucional brasileira se disse: “aos litigantes e aos
acusados em geral”. Ou seja, o direito do contraditório e da ampla defesa passou a ser não
apenas aos acusados, mas aos litigantes.
7.9. Extinção dos atos administrativos.
7.9.1. Extinção normal ou natural
O ato administrativo, quando praticado, terá uma finalidade, um objetivo a ser alcançado.
E quando o objetivo é efetivamente alcançado, será extinto, desfeito. Então, produziu
naturalmente os efeitos, de modo a que se produza a sua extinção natural, extinção essa
não volitiva.

A título de exemplo, citemos a declaração da estabilidade a um servidor efetivo,


após o completamento com aproveitamento do seu estágio probatório de três anos.
Cumpridas as condições e o termo final, o ato de concessão da estabilidade se consuma e
tão logo produza esse efeito deixa de existir.

Outra modalidade de desfazimento se dará em razão do desaparecimento do sujeito.


Exemplo para isso são os casos de um permissionário de uso, que está sendo beneficiado
por esse ato administrativo, mas que vem a falecer posteriormente. Também é exemplo
dessa modalidade, o caso de um imóvel que é tombado por importância histórica, mas
que é destruído por uma enchente superveniente.
7.9.2. Extinção por manifestação de vontade da Administração: caducidade,
cassação, anulação e revogação.
No que se refere à caducidade, também consiste em modalidade de extinção não volitiva,
que se dá quando o ato administrativo é extinto por conta de alteração superveniente na
legislação. Digamos que um particular tenha um consentimento estatal para comercializar
soja transgênica. Posteriormente, surge uma legislação que proíbe tal comercialização.
Observa-se que o ato de retirada precisa estar calcado em alguma lei (precisa ter um
fundamento de validade). A caducidade ocorre, portanto, por fatores estranhos à vontade
do particular, ou até mesmo da administração Pública.
Passando às modalidades volitivas, comecemos pela renúncia, que se opera quando o
próprio beneficiário do ato abre mão de uma vantagem de que desfrutava em razão do ato
administrativo praticado, demonstrando, assim, não mais desejar a se valer da
continuidade dos efeitos daquele ato. É exemplo de renúncia quando alguém tem uma
permissão de uso de um bem público, mas não quer mais explorá-la.
Outra forma de extinção volitiva do ato administrativo é a cassação, que se aplica quando
o beneficiário de determinado ato descumpre condições que permitem a manutenção
deste e de seus efeitos.

Duas são características da cassação: a primeira reside no fato de que se trata de


ato vinculado, já que o agente só pode cassar o ato anterior nas hipóteses previamente
fixadas na lei ou em outra norma similar. A segunda diz respeito à sua natureza jurídica:
trata-se de ato sancionatório, que pune aquele que deixou de cumprir as condições para a
subsistência do ato.
Exemplo: cassação de licença para exercer certa profissão; ocorrido um dos fatos que a
lei considera gerador da cassação, esta poderá extinguir o ato administrativo
anteriormente existente (licença).
As duas últimas modalidades volitivas de extinção do ato administrativo são, exatamente,
as mais importantes ao estudo do tema, pois são as mais presentes no dia-a-dia
administrativo e as que mais possuem relevância doutrinária e jurisprudencial. Trata-se
da anulação (também conhecida no Direito Administrativo como invalidação) e a
revogação, que serão tratadas em tópicos específicos, abaixo.
Anulação
Anulação é o desfazimento de um ato administrativo ilegal ou ilegítimo pela
Administração ou pelo Poder Judiciário. É, assim, o mecanismo de controle da legalidade
do ato administrativo, à qual incumbe verificar se estão presentes os requisitos do ato.
Opera, portanto, efeitos ex tunc, ou seja, retroage à data do ato originariamente investido,
tornando válido do início ao fim.
A anulação, enquanto forma extintiva de um ato administrativo, é um ato administrativo
vinculado pelo qual é desfeito outro administrativo que apresente alguma ilegalidade.

Em regra, a anulação gera efeitos retroativos (ex tunc), exceto quando inviável ou
impossível essa plena retroação, justamente por causar algum dano importante ao
interesse público. Imagine, ao se descobrir ilegalidades na investidura de um servidor,
ocorrida há vinte anos passados, fosse a Administração Pública anular tudo o que esse
suposto servidor fez ou do que participou, ainda que venha a ser agora exonerado ou
demitido?
A anulação pode ser decretada pela própria Administração Pública (com base no seu
poder de autotutela) ou pelo Poder Judiciário (controle judicial da legalidade
administrativa).
Sobre a anulação dos atos pela própria Administração, merece destaque o Verbete no 473,
da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que assim o permite, mas desde que observados
os direitos adquiridos. Entende a jurisprudência mais atualizada que a Administração tem
a faculdade e não o dever de anular os atos ilegais, decisão esta a ser tomada à luz do
interesse geral.
Considerando a pacificação sobre o tema, frente à Súmula editada, vale analisarmos mais
detidamente o entendimento sumulado, elegendo em destaque alguns dos elementos que
o compõe, erigindo seus efeitos.
Cabe inicialmente conceituar Administração para sabermos que é o destinatário na
Súmula. A Administração pode ser entendida como o aparelhamento do Estado
preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades
coletivas.
A Administração Pública designa tanto pessoas e órgãos governamentais, como a
atividade administrativa em si mesma. Assim sendo, pode-se falar em Administração
Pública aludindo-se aos instrumentos de governo, como à gestão mesma dos interesses
da coletividade.
Há uma particularidade interessantíssima, que consiste em se saber se pode a
Administração Pública impugnar judicialmente seus próprios atos.
Outro elemento que merece destaque é o que se refere à anulação. Conforme já
demonstrado, à anulação vinculam-se as questões de inobservância aos requisitos de
legalidade para a perfeição do ato, cabendo tanto à Administração quanto ao Judiciário
declará-la.
O que vale aqui ser comentado são os efeitos de tal declaração. Os efeitos da
anulação dos atos administrativos retroagem, consistem em fulminar
retroativamente o ato viciado, desfazendo todos os vínculos originados do ato,
operando efeitos ex tunc, como se nunca tivesse existido, exceto em relação a
terceiros de boa-fé.
Esta compreensão tem sido atenuada pela jurisprudência no sentido de manter efeitos
originados de atos ilegítimos em relação a terceiros de boa-fé. A presença de terceiros de
boa fé no raio de incidência do ato anulado, considerando-se a necessidade da segurança
jurídica, a presunção de legitimidade, que envolve as atividades da Administração, tem
guardado o entendimento de que em relação a estas pessoas, os efeitos do ato sejam
respeitados e mantidos.
A anulação se dará por vícios que tornem o ato ilegal. Daqui se impõe sabermos no que
consistem os vícios que definem tão significativa consequência aos atos administrativos.
Para compreendermos o que são os vícios é válido iniciar pela verificação da perfeição e
consequente validade do ato administrativo.
Resumidamente, podemos dizer que um ato será perfeito quando possuir todos os
elementos de procedimento e forma definidos em lei. Os vícios, então, se originam do
não atendimento do ciclo pré-definido para a formação do ato administrativo. Quer nos
parecer que a ilegalidade anunciada na Súmula não se resume a inobservância da lei, mas
abrange a necessidade de atendimento a todos os princípios informadores da
Administração Pública e a todos os elementos constitutivos dos atos administrativos.
Dos atos nulos não se originam direitos. Ressalvadas as atenuações anunciadas no
parágrafo anterior, é uma consequência lógica. A todos os atos se impõe a legalidade
como condição para sua validade e eficácia.
Revogação

Revogação é a extinção de um ato administrativo ou de seus efeitos por outro ato


administrativo (discricionário), efetuada volitivamente por razões de conveniência e
oportunidade.
Na revogação, não há uma ilegalidade. Há apenas uma nova avaliação acerca da
conveniência ou oportunidade para a manutenção do ato. Cabe à autoridade
administrativa avaliar se o ato administrativo praticado merece ou não permanecer no
ordenamento jurídico.
A revogação se opera com a supressão de ato válido e eficaz. Pressupõe, então, um ato
legal e perfeito, mas inconveniente ou inoportuno ao interesse público, cuja análise é
cometida somente à Administração, amparada na discricionariedade do Administrador.
Revogação, portanto, diz respeito ao controle de mérito, ou seja, o ato é válido, lícito,
porém será avaliada a sua continuidade, a sua manutenção, que, se inexistente, ter-se-á o
ato por revogado, produzindo efeitos ex nunc, vale dizer, a partir do instante em que é
revogado perde a validade, produzindo efeitos somente daquele instante em diante, ou
seja, ou seja, ele é irretroativo (nunca retroage).

Revogação é um ato administrativo discricionário, pois se estará reavaliando a


conveniência e oportunidade do ato administrativo. Revogação, portanto, é a reavaliação
de mérito. Logo, a Administração não pode revogar um ato vinculado, por ser a revogação
a reavaliação do mérito e o ato vinculado não tem mérito.
A revogação destaca-se por se tratar de eliminação de ato administrativo legítimo,
praticando em conformidade com o ordenamento jurídico, mas que, por outro lado, não
se encontra de acordo com o interesse público que cumpre à Administração defender.
A revogação, então, constitui um dos instrumentos mais importantes de que dispõe a
Administração Pública para manter ou restabelecer o interesse público, mesmo quando
não se esteja tratando da ilicitude dos atos administrativos.
Assim, a Administração Pública não deve fazer uso de sua faculdade de extinguir um ato
administrativo, senão quando o interesse público o exige. A inconveniência do ato, neste
caso, deve necessariamente atingir a própria Administração. Um ato administrativo
inoportuno e inadequado somente ao particular e que em nada aflige o ente público não
há que ser revogado.
Como qualquer ato administrativo, a revogação tem que se fundar em regras que
habilitem a autoridade a agir. Os motivos que levam à determinação da revogação do ato
estão ancorados na inconveniência e/ou na inoportunidade do ato ou da situação gerada
por ele (inadequação).
A revogação é o resultado de um reexame que conduz à conclusão da sua inadequação ao
interesse público, uma correção de rumo, uma revisão de sua atuação.
Quando tratamos da revogação verificaremos que estamos diante da supressão de um ato
ou seus efeitos, mas com absoluto respeito aos efeitos já operacionalizados. Assim, os
efeitos gerados por um ato revogador possuem eficácia ex nunc, isto é, não há a
desconstituição dos efeitos passados.
Com a revogação, a obrigação da Administração é de manter os efeitos passados do ato
revogado; em regra, não há margem para indenização de prejuízos presentes ou futuros
eventualmente ocasionados pela revogação.
A situação se inverte se o ato revogado já tiver gerado direitos ao destinatário. Neste caso,
não há impedimento de revogação e nem é reconhecido ao particular a possibilidade de
se opor à ação Administrativa, mas sim lhe é garantido o reconhecimento e indenização
relativa aos prejuízos suportados, por considerar-se que eventual direito já se incorporou
no seu patrimônio.
Se, por um lado, não pode o particular manter situações prejudiciais ao interesse público,
de outro, não é lícito ao Poder Público suprimir direitos e vantagens individuais
adquiridos legitimamente pelo particular.
Não se pode sonegar, no entanto, o princípio constitucional que atribui ao Poder Judiciário
a possibilidade de apreciação incondicionada de eventuais conflitos que ameacem ou
lesem direitos. Isto quer dizer que, ao Judiciário, é deferida a “última palavra”, em relação
aos dissídios.

Traduz, assim, disposição administrativa para o futuro. Não terá uma retroatividade
dos efeitos, ou seja, a partir da revogação é que deixará de produzir efeitos aquele ato
revogado. Os efeitos que já haviam sido produzidos são mantidos.
Ora, como é uma avaliação que se faz em torno da conveniência e oportunidade, o
Judiciário não vai poder revogar ato administrativo, a não ser que o ato administrativo
tenha sido oriundo do próprio Poder Judiciário.
Por exemplo, o Tribunal de Justiça resolve fazer uma licitação, podendo o Poder
Judiciário revogá-la por se tratar de âmbito interno do próprio Poder Judiciário. Por
caracterizar incursão no próprio mérito da decisão administrativa anteriormente tomada,
a revogação somente pode ser feita por autoridade administrativa competente.
7.10. Convalidação ou Sanatória.
Convalidação é corrigir, suprindo um ato que possui uma ilegalidade sanável.
A sanatória, na real verdade, ocorre porque há um entendimento de que, em alguns atos
ilícitos, a anulação pode trazer piores consequências à coletividade e ao Poder Público do
que a sua manutenção.
Merece destaque, a respeito do tema, a preponderação do interesse público é que vai
equacionar a situação diante de um determinado caso concreto.
Vamos supor que estamos diante de um ato ilegal, mas o conteúdo desse ato interessa o
interesse coletivo e do Estado. Confrontando, pela adequação, temos, de um lado o
princípio da legalidade pedindo a anulação do ato; do outro lado, há o princípio da
supremacia do interesse público postulando para manter os efeitos do ato. O que fazer?
Faz-se a ponderação de interesses. Ou seja, faz-se a sanatória, onde se retira o vício e
mantém o conteúdo.
Uma questão doutrinária a ser enfrentada é se identificar se a convalidação é ato
discricionário ou vinculado. Há autores afirmando que se trata de ato discricionário. No
entanto, ficamos com aqueles que a consideram ato vinculado, pois se trata de um poder-
dever que tem a Administração Pública de suprir o vício do ato.
Diante de uma ilegalidade, a Administração pode ou deve anular seus atos? Esta é a
grande polêmica.
O raciocínio majoritário, pacífico, entre os grandes administrativistas, sustentam que a
sanatória é um ato discricionário. Quem vai fazer essa avaliação e mérito, da conveniência
e oportunidade, é o administrador público. Conclui-se, então, que o Poder Judiciário não
poderá fazer sanatória do Executivo.

Art. 55, Lei 9.784/99: Em decisão na qual se evidencie não acarretarem


lesão ao interesse público nem prejuízos a terceiros, atos que apresentarem defeitos
poderão ser convalidados.
Conferindo-se o teor do referido artigo acima, para que um ato possa ser
convalidado:
a) o ato não apresentar lesão ao interesse público;
b) o ato não acarretar prejuízos a terceiros;
c) decisão discricionária da Administração acerca da conveniência e
oportunidade de convalidar o ato (em vez de anulá-lo).

Explicando melhor: suponha que o ato discricionário tenha sido praticado por servidor
que não era competente. Trata-se de um ato nulo, porque a autoridade que proferiu o ato
não era competente para tanto. Como há juízo de discricionariedade, o agente competente
pode ou não convalidar o ato. Declarar a nulidade do ato ou preservá-lo seria uma opção
discricionária nesse caso. Mas não é assim em qualquer ato discricionário, porque, se
mudou o interesse público, o que cabe é revogação e não invalidação.
Há, em nossos anais, uma situação particularizante, que despertou grandes interesses: um
juiz, portador de um diploma falso, decretou a prisão de um traficante. O ato tem natureza
legal ou é ilegal? A partir da Lei 9.784/99, é possível convalidar um ato nulo
administrativo, ou seja, viciado, desde que não cause prejuízo ao interesse público.
O que seria melhor para o interesse público, transformar o ato ilegal em legal,
convalidando-o, deixando o traficante preso ou soltá-lo?
Sobre este aspecto, o art. 55 da Lei no 9.784/99 aduz o seguinte:
“Todo ato nulo viciado pode ser convalidado, desde que não acarrete
prejuízo ao interesse público, nem prejuízos para terceiros”.

A sanatória retira o vício do ato e o salva em respeito à legalidade. Ao lado da sanatória,


temos a conversão e a confirmatória.
Exemplificando a sanatória, poderíamos trazer a questão do loteamento
irregular. A Administração autoriza a feitura do loteamento, mas, ao passar por auditoria
do controle externo, verifica-se que aquele loteamento foi expedido irregularmente. Há,
portanto, vício na forma. Só que o loteamento já se encontrava totalmente habitado.

A Prefeitura permitiu ponto de táxi e linha de ônibus nas proximidades, além de expedir
inúmeros alvarás para padarias, farmácias etc. Criou-se um bairro totalmente urbanizado.
Nascerá um conflito entre os dois princípios: o da Legalidade e o da Supremacia do
Interesse Público.

Nesse caso, os efeitos da anulação serão piores do que a manutenção do ato ilegal.
Anulando-se o loteamento, é lógico que trará piores consequências do que a manutenção
dos efeitos do ato ilegal.

Na sanatória o efeito opera ex tunc, retroage à data da ilegalidade e salva o ato da


publicação em diante.

Sintetizando, temos, assim, três formas para convalidar o ato administrativo:


a) Com vício de competência – quando o ato foi praticado por pessoa
incompetente, ele pode ser convalidado, a não ser que se trate de competência
exclusiva. Naquele caso, então, o vício de competência é convalidado pela
ratificação.
Por exemplo, o ato praticado por um servidor insano é um ato nulo,
exceto, porém, se o ato praticado pelo servidor incapaz for ato vinculado. Isto
porque sabemos que, no ato vinculado, o servidor se apresenta como mero
executor da lei, um mero longa manus do legislador. Então, a manifestação de
vontade é coincidente com o que está na lei, e havendo coincidência de
manifestação do administrador louco, por exemplo, e da lei, naturalmente que
esse ato vinculado será considerado válido;

b) Com vício de forma – supondo-se que, por esquecimento, não houve


homologação em uma licitação, podemos utilizar a reforma para que aquele
ato ilegal possa se tornar legal;

c) Com vício de objeto – há conversão/reforma. A reforma refere-se a vício de


objeto, ou seja, o ato possui ao mesmo tempo uma parte válida e outra inválida.
Se a primeira puder sobreviver sem a segunda, procede-se a reforma.
Exemplo: a Administração Pública concedeu férias e licença a um servidor no
mesmo ato. Acontece que, a férias, ele tinha direito, mas não à licença, porque
tal servidor se encontrava ainda em período probatório, hipoteticamente. Neste
caso, faz-se a reforma do ato, invalidando a licença e mantendo as férias. Outro
exemplo: a Administração promoveu um servidor por antiguidade e outro, por
merecimento, no mesmo ato administrativo. Percebeu-se, posteriormente,
que o mais antigo não era aquele, e sim um terceiro. Então, substitui-se aquele
por este outro. Isso é reforma do ato. Mais um exemplo: converte-se a
demissão em advertência.

PROCESSO ADMINISTRATIVO

PROFESSORA LEILA LEIVA


ROTEIRO

1. CONCEITO E FONTES NORMATIVAS;

2. PROCESSO OU PROCEDIMENTO;

3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO:

3.1. PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL;

3.2. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;

3.3. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA;

3.4. PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE;

3.5. PRINCÍPIO DO FORMALISMO MODERADO;

3.6. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE;

3.7. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE;

3.8. PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO;

3.9. PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO;

3.10. PRINCÍPIO DA GRATUIDADE;

3.11. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA CONFIANÇA


LEGÍTIMA E DA BOA-FÉ.

4. FASES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO;


5. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA;

6. PRECLUSÃO E “COISA JULGADA”;

7. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD).

1. CONCEITO E FONTES NORMATIVAS

“Processo administrativo é a relação jurídica que envolve uma sucessão


dinâmica e encadeada de atos instrumentais para obtenção da decisão
administrativa”.

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, o conceito de processo


administrativo é “o instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos
e de atividades do Estado e dos particulares a fim se der produzida uma
vontade final da Administração”.

Atenção:

Todos os Entes Federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)


possuem competência para legislar sobre processo administrativo, por essa
razão, apesar de algumas polêmicas, a LEI nº 9.784/1999 que trata do
Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal NÃO
se aplica aos outros Entes federados (Estados, Distrito Federal e Municípios).

Exceções:

* APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA (acessória, auxiliar, secundária)


A Lei do Processo Administrativo – Lei nº 9.784/1999 aplica-se
subsidiariamente aos processos administrativos especiais previstos em
legislação própria (art. 69, da citada Lei nº 9.784/1999).

A referida legislação é de natureza subsidiária (acessória), ou seja, aplica-se


aos processos administrativos que tenham subsidiariamente regulamentação
por lei específica.

Assim, se o processo administrativo possuir regulamentação específica, a Lei


nº 9.784 é aplicada subsidiariamente. Em sentido contrário, se não possuir
regulamentação específica, aplicar-se-á em sua integralidade.

Desse modo, a aplicação da Lei 9.784/99 é subsidiária, só é aplicada na


ausência de normas específicas, nesse sentido, dispõe o art. 69, senão
vejamos.

Art. 69. “Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se


por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta
Lei”.

* APLICAÇÃO SUPLETIVA (complementar) E SUBSIDIÁRIA

O artigo 15, da Lei nº 13.105/2015 – Código de Processo Civil, que dispõe:

Art. 15. “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais,


trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão
aplicadas supletiva e subsidiariamente.”

Nesse sentido, a Jurisprudência:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS


ESTADUAIS. ATO ANULATÓRIO DA INVESTIDURA. ART. 54 DA
LEI N. 9.784/1999. ESTADOS-MEMBROS. APLICAÇÃO
SUBSIDIÁRIA. PRAZO DECADENCIAL. SUSPENSÃO.
INTERRUPÇÃO. NÁO OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. VIGÊNCIA
DA LEI. DECADÊNCIA CONFIGURADA. I. A jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça é assente no sentido de que a Lei n. 9.784/1999 pode ser
aplicada de forma subsidiária no âmbito dos Estados-Membros, se ausente
lei própria regulando o processo administrativo no âmbito local, o que se
verifica no caso do Estado do Rio de Janeiro. (REsp 1103105/RJ, Rel.
Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2012, DJe
16/05/2012).

IMPORTANTE:

A Lei nº 9.784/1999 – é uma lei administrativa federal. Ela se aplica à


Administração Pública Federal, direta e indireta, inclusive aos órgãos dos
Poderes Legislativo e Judiciário da União (quando estes estiverem
desempenhando funções administrativas (art. 1º, caput, e § 1º, da Lei nº
9.784/1999).

ATENÇÃO:

A Lei nº 9.784/1999 NÃO obriga os Estados, Distrito Federal e Municípios


aplica-la, pois não é uma lei nacional.

A aplicação da Lei federal nº 9.784/1999 é para o caso de lacuna ou


omissão na Lei administrativa do Rio de Janeiro nº 5.427/2009.

No Rio de Janeiro temos a Lei nº 5.427/2009 que estabelece normas


sobre atos e processos administrativos.
CUIDADO:

Nas Forças Armadas, em âmbito administrativo, se aplica a Lei nº


9.784/1999 (lei federal).

O STJ admite a aplicação, por analogia, da Lei 9.784/1999 aos demais Entes
federados que não possuem legislação específica (RMS (Recurso Ordinário
em Mandado de Segurança) nº 21.070-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma,
DJe 14.12.2009).

2. PROCESSO OU PROCEDIMENTO

Os estudiosos diferenciam os termos: processo e procedimento.

PROCESSO – refere-se à relação jurídica entre pessoas preordenada


(determinada, estabelecida, destinada) a um fim.

PROCEDIMENTO – é o rito e denota o caráter dinâmico daquela relação.

Existe divergência na doutrina sobre a nomenclatura ideal: PROCESSO ou


PROCEDIMENTO.

Alguns autores preferem a expressão “procedimento administrativo”,


reservando a utilização do termo “processo” somente para a esfera judicial,
porém, há autores que utilizam a expressão processo administrativo.
O legislador não faz distinção entre processo e procedimento administrativo
(na lei ele usa como sinônimos). Apesar disso:

Processo é o conjunto de atos direcionados a um determinado fim.

Procedimento é a forma como esses atos se desenvolvem no tempo e no


espaço.

O processo judicial se conclui com uma decisão/sentença.

O processo legislativo busca como fim a criação de um ato normativo.

O processo administrativo, por sua vez, tem como objetivo final a prática de
um ato administrativo.

Ou seja, o processo administrativo é uma fase preparatória para realização


de ato administrativo.

O autor Rafael Carvalho Rezende Oliveira prefere a expressão “processo


administrativo”, consagrada no artigo 5º, LV, da Constituição Federal:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em


geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes”;

Assim como também, no artigo 69, da Lei nº 9.784/1999:

“Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei


própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”.

Igualmente, no art. 15, do CPC:


Art. 15. “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais,
trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão
aplicadas supletiva e subsidiariamente.”

É possível constatar que muitos doutrinadores utilizam as expressões


“processo administrativo” e

“procedimento administrativo” como sinônimas.

Porém, tecnicamente as duas locuções possuem significados diferentes:

PROCESSO é uma relação jurídica, razão pela qual “processo


administrativo” significa o vínculo jurídico entre a Administração e o
usuário, estabelecido para a tomada de uma decisão.

Processo = relação jurídica (sujeitos do processo) entre a Administração


Pública e os Administrados.

Ao passo que PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO é a sequência


ordenada de atos tendentes à tomada da decisão.

Para o contexto de provas e concursos públicos, é recomendável utilizar a


nomenclatura “processo administrativo” por se tratar da terminologia
empregada pela Lei n. 9.784/99.

O PROCESSO estatal é gênero do qual são espécies os:

- PROCESSO LEGISLATIVO;

- PROCESSO JURISDICIONAL;

- PROCESSO ADMINISTRATIVO.
3. PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

O processo administrativo é regido por diversos princípios consagrados,


expressa ou implicitamente, tanto na Constituição Federal como na
legislação ordinária (são todas as leis que não estão na CRFB).

3.1. PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL:

Trata-se do princípio dirigido diretamente ao Estado, indicando que lhe cabe


o dever de observar rigorosamente as normas legais que ele mesmo criou
(art. 5º, LIV (54) da CF/88).

O princípio do devido processo legal está enunciado no art. 5º, LIV (54), da
Constituição Federal:

“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo


legal”.

Ou seja, cabe ao administrador realizar o processo de acordo com as regras


legais/constitucionais que o regulam (princípio da legalidade).

Mesmo nas hipóteses em que a lei for omissa quanto à determinada etapa do
procedimento, o que vai regular a situação será a regra geral ou os princípios,
como da proporcionalidade e razoabilidade, que limitarão a
discricionariedade do administrador.
Para o autor Rafael Carvalho Rezende Oliveira, o Devido Processo Legal
(due process of law), consagrado no art. 5º, LIV (54), CRFB, possui 02
sentidos:

1. Sentido Procedimental – a Administração deve respeitar os


procedimentos e as formalidades previstas na lei; e

2. Sentido Substantivo – a atuação administrativa deve ser pautada pela


razoabilidade, sem excessos.

3.2. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

O princípio do Contraditório está previsto no art. 5º, LV (55), CRFB.

Esse princípio garante o direito das partes serem ouvidas e informadas sobre
os fatos, argumentos e documentos relacionados ao processo administrativo,
bem como impõe o dever de motivação das decisões administrativas.

Ex: O acusado em Conselho de Disciplina tem o direito de ter acesso a todos


os documentos que compõe o CD, assim como o seu advogado.

Ex: A solução do CD deve ser motivada.

Todo ato e decisão administrativa devem ser motivados.

3.3. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

A AMPLA DEFESA, assim como o Contraditório, está prevista no art. 5º,


LV, da CRFB e é uma garantia que reconhece o direito da parte rebater
acusações ou interpretações com a finalidade de evitar ou minorar sanções,
bem como preservar direitos e interesses.

Em regra, a ampla defesa deve ser oportunizada antes da formulação da


decisão administrativa, salvo situações excepcionais urgentes nas quais a
defesa pode ser postergada para momento posterior (ex: apreensão de
medicamentos com validade expirada; embargo de obra em área de risco).

Quando se fala em AMPLA DEFESA, é a utilização de todo tipo de provas


legais para a defesa do acusado.

Dentre essas provas, podemos destacar a PROVA EMPRESTADA. (Cai


muito em prova)

PROVA EMPRESTADA – é aquela prova que foi produzida em outro


processo (administrativo ou judicial), onde o acusado (parte interessada no
processo) precisa que essa prova seja aceita, apreciada e considerada válida
pela autoridade que preside um processo diverso.

A prova emprestada é aceitável no processo administrativo disciplinar, desde


que seja respeitado o contraditório e a ampla defesa tanto no processo em
que a prova emprestada foi produzida, quanto no processo em que a prova
emprestada será utilizada.

Em regra, a prova que será utilizada pelas partes e pelo juiz no processo é
produzida dentro do próprio processo. No entanto, é possível que uma prova
que foi produzida em um processo seja levada (transportada) para ser
utilizada em outro processo.

A isso a doutrina chama de “prova emprestada”.

“Prova emprestada é a prova de um fato, produzida em um processo, seja por


documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial,
que é trasladada para outro processo sob a forma documental.” (DIDIER JR.
Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 52).

Para tanto o STJ sumulou:

Súmula 591 STJ: “É permitida a “prova emprestada” no processo


administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo
competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa.”

Outra posição importante da jurisprudência do STJ é a possibilidade


de usar provas emprestadas de inquérito policial e de processo criminal na
instrução de Processo Administrativo Disciplinar, desde que assegurados o
contraditório e a ampla defesa. O entendimento está previsto na Súmula 591,
aprovada em 2017 pela 1ª Seção.

De acordo com a jurisprudência, é possível usar interceptação


telefônica emprestada de processo penal no PAD, desde que autorizada pelo
juízo criminal – responsável pela preservação do sigilo de tal prova –, além
de observadas as diretrizes da Lei 9.296/1996.

No MS 17.534, um dos precedentes que embasaram a súmula, o


ministro Humberto Martins reconheceu a possibilidade de uso de
interceptações telefônicas na forma de provas emprestadas. Ele relatou
recurso de um policial rodoviário federal que teve a demissão decretada com
base em provas de ação penal.

O ministro destacou que, no caso, foram observados os critérios


necessários para a utilização desse tipo de prova: a devida autorização
judicial e a oportunidade de o servidor contraditar o seu teor ao longo da
instrução.

3.4. PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE

A Administração pode instaurar e impulsionar, de ofício, o processo


administrativo até a decisão final, independentemente de provocação de
qualquer interessado (art. 2º, parágrafo único, XII, 5º e 29, todos da Lei nº
9.784/1999).
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos
princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança
jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados,


entre outros, os critérios de:

(...)

XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo


da atuação dos interessados;

Art. 5o “O processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido


de interessado.”

Art. 29. “As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os


dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante
impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos
interessados de propor atuações probatórias.”

O Princípio da Oficialidade denota importante diferença entre o processo


administrativo e o judicial, pois, no processo judicial, em razão da jurisdição,
o processo somente poderá ser instaurado (iniciado) por iniciativa da parte –
art. 2º, do CPC.

Art. 2º “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por


impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.”

3.5. PRINCÍPIO DO FORMALISMO MODERADO (ou Informalismo)


Embora o processo administrativo seja formalizado por escrito e em
obediência ao rito previsto na lei, não são exigidas solenidades rígidas, salvo
aquelas essenciais à garantia dos administrados (arts. 2º, parágrafo único,
VIII e IX, e 22, todos da Lei nº 9.784/1999).

O processo possui caráter instrumental (instrumentalidade das formas) e não


pode ser considerado um fim em sim mesmo, admitindo-se, portanto, a
superação de formalidades excessivas. (É a desburocratização e relativização
do formalismo, estimulados pela Lei nº 13.726/2018 que racionaliza atos e
procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, Distrito
Federal e Municípios), objetivando a simplificação do processo.

3.6. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

O processo administrativo, assim como a atividade administrativa em geral,


deve ser pautado pela publicidade e transparência, com ampla divulgação à
sociedade (administrados), viabilizando o acesso aos particulares
interessados, tendo em vista o princípio constitucional da publicidade (art.
37, CRFB) e os direitos fundamentais à informação (art. 5º, XXXIII, da
CRFB) e ao direito de obtenção de certidões, insculpido no art. 5º, XXXIV,
“b”, da CRFB.

Excepcionalmente, a publicidade do ato administrativo poderá ser


restringido quando o sigilo for imprescindível para a segurança da sociedade
e do Estado (art. 5º, XXXIII, da CRFB) ou para proteger a intimidade pessoal
ou o interesse social (art 5º, LX, da CRFB).

Ex: Menina de 10 anos estuprada.

O princípio da publicidade é também mencionado no art. 2º, parágrafo único,


V e X, e art. 3º, II, da Lei nº 9.784/1999.
Igualmente, no art. 2º, da Lei nº 5.427/2009:

Art. 2º “O processo administrativo obedecerá, dentre outros, aos


princípios da transparência, legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, impessoalidade, eficiência, celeridade, oficialidade,
publicidade, participação, proteção da confiança legítima e interesse
público.”

3.7. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

Os atos praticados no âmbito do processo administrativo devem ser:

a) adequados para alcançarem a finalidade pública pretendida (adequação);

b) praticados sem excesso (necessidade); e

c) ponderados no caso concreto (proporcionalidade em sentido estrito).

Ex: Não é proporcional uma sanção de exclusão para um policial militar que
está na briosa há 20 anos, no comportamento excepcional, sem nenhuma
alteração, só porque no dia da sua folga, manobrou a viatura deixada no meio
da rua por um colega que estava de serviço, mas que passava mal e teve que
se dirigir imediatamente ao banheiro de um estabelecimento comercial.

Por essa razão, o art. 2º, parágrafo único, VI, da Lei 9.784/1999 exige a
“adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições
e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao
atendimento do interesse público”.

Igualmente, no art. 2º, § 1º, VIII, da Lei 5.427/2009:

§1º Nos processos administrativos serão observadas, entre outras, as


seguintes normas:
(...)

VIII - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações,


restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao
atendimento do interesse público”;

3.8. PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

São assegurados ao administrado a razoável duração do processo e os meios


que garantam a celeridade de sua tramitação, na forma do art. 5º, LXXVIII
(78), da CRFB.

Em âmbito federal, por exemplo, o art. 49, da Lei 9.784/1999, determina que,
após a instrução de processo administrativo, “a Administração tem o prazo
de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período
expressamente motivada”.

Em âmbito estadual, por exemplo, o artigo 45, da Lei 5.427/2009, dispõe:

Art. 45. “Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração


tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação, por igual
período, expressamente motivada.”

3.9. PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO

Os agentes públicos devem indicar os pressupostos de fato e de direito que


determinarem a decisão, obrigando assim a motivação dos atos
administrativos.

Vide art. 2º, caput, e parágrafo único, VII e 50, todos da Lei 9.784/1999.

Vide art. 2º, caput; 48, caput, § 1º, § 3º, da Lei 5.427/2009.

3.10. PRINCÍPIO DA GRATUIDADE


É proibida a cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em
lei – art. 2º, parágrafo único, XI, da Lei 9.784/1999 e no art. 2º, XI, da Lei
5.427/2009:

XI – “proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as


previstas em lei”;

3.11. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA CONFIANÇA


LEGÍTIMA E DA BOA-FÉ

As partes de um processo devem sempre atuar com lealdade e os atos


praticados no processo administrativo devem respeitar o direito adquirido, o
ato jurídico perfeito e a coisa julgada – art. 5º, XXXVI, da Constituição
Federal, bem como proteger a confiança das pessoas em relação às
expectativas geradas por promessas e atos estatais. Em consequência, a Lei
9.784/1999 exige que a atuação das partes seja pautada por padrões éticos de
probidade, decoro e boa-fé (art. 2º, parágrafo único, inciso IV); veda a
aplicação retroativa de nova interpretação (art. 2º, parágrafo único, inciso
XIII) e impõe o prazo de cinco anos para o exercício da autotutela
administrativa (art. 54) – ou seja, 05 anos para a Administração Pública
anular seus próprios atos.

A Lei 5.427/2009, prevê no art. 2º, IV e XII; e 53, vejamos:

“IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

XII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o


atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa de
nova interpretação, desfavorável ao administrado, que se venha dar ao
mesmo tema, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé;
Art. 53. A Administração tem o prazo de cinco anos, a contar da data da
publicação da decisão final proferida no processo administrativo, para anular
os atos administrativos dos quais decorram efeitos favoráveis para os
administrados, ressalvado o caso de comprovada má-fé.”

LEMBRETE:

Princípio da Autotutela – prerrogativa da Administração de revogar atos por


razões de interesse público ou anular atos ilegais (art. 53, da Lei 9.784/1999;
art. 51, da Lei 5.427/2009 e Súmula 473, do STF).

Art. 53, da Lei 9.784/1999 – “A Administração deve anular seus próprios


atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.”

Art. 51 da Lei 5.427/2009 - “A Administração deve anular seus próprios


atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode, respeitados os direitos
adquiridos, revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade.”

Súmula 473 do STF: “A Administração pode anular seus próprios atos,


quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam
direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a
apreciação judicial”.

4. FASES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

O processo administrativo se divide em três fases:


1. Fase Introdutória ou Inicial – é aquela em que o processo administrativo
pode ser iniciado de ofício ou por provocação do interessado;

2. Fase Preparatória ou Instrutória – é a etapa da produção de provas


(documentais, testemunhais, periciais, “prova emprestada”, áudio,
audiovisuais etc), de apresentação da defesa e outras alegações pelos
interessados, elaboração de relatórios e outros atos necessários à formulação
da decisão final; e

3. Fase Decisória ou de Julgamento – é a fase em que a autoridade


competente (unipessoal (monocrática) ou colegiado) emite a decisão
administrativa e os atos necessários à eficácia da decisão (publicação (por
exemplo no BOL PM), notificação etc).

5. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA

DECADÊNCIA – é a extinção de um direito. É a perda de um direito que


não foi exercido pelo seu titular no prazo previsto em lei; é a perda do
direito em si, em razão do decurso do tempo.

Em âmbito federal, a Administração Pública tem o prazo decadencial de


cinco anos para anular seus atos administrativos, quando geradores de efeitos
favoráveis para os destinatários, salvo comprovada má-fé. Trata-se de
importante limitação temporal da autotutela administrativa, pois decorrido o
prazo quinquenal (de 5 anos), a Administração perde o direito de anular os
atos ilegais.

Igualmente, ocorre no âmbito estadual, conforme o art. 53, da Lei


5.427/2009.
Questão controvertida referente à eventual limitação temporal para o
exercício da autotutela administrativa quando a lei é omissa na fixação
do prazo decadencial.

Existem 03 entendimentos:

1º entendimento – o prazo decadencial é contado apenas a partir da data da


entrada em vigor da legislação que estipula o prazo decadencial, tendo em
vista o princípio da irretroatividade da lei.

2º entendimento – em razão do princípio da segurança jurídica, na hipótese


de omissão legislativa, deve ser aplicado, por analogia, o prazo prescricional
previsto no art. 205, do Código Civil, ou seja, 10 anos.

3º entendimento – também se baseia no princípio da segurança jurídica,


porém, admite a aplicação por analogia dos prazos extintivos previstos na
legislação administrativa que, normalmente, consagra os prazos de
prescrição e de decadência de 05 (cinco) anos.

O que alguns autores, como o Rafael Carvalho Rezende Oliveira entendem


ser o melhor e mais adequado entendimento, é o 3º. Em razão do princípio
da segurança jurídica e da confiança legítima, mesmo ausente norma
expressa, deve ser limitado, no tempo, o poder de autotutela administrativa.
Em virtude da autonomia do Direito Administrativo, a analogia deve ser feita
no âmbito da legislação de Direito Público (Lei administrativa federal,
estadual do RJ, Constituição Federal etc), envolvendo a relação entre a
Administração e o Administrado, não sendo adequada a utilização do Código
Civil como parâmetro para os prazos de prescrição ou decadência, devido o
Código Civil regular relações de direito privado.

Assim, não exercida a prerrogativa da autotutela no prazo legal de cinco


anos, opera-se a decadência administrativa. Isto quer dizer que a
Administração Pública perde o direito de anular os atos favoráveis ao
particular, ainda que ilegais. A exceção se dá em relação aos atos ilegais
quando configurada a má-fé do administrado, conforme a ressalva contida
nos arts. 54, da Lei 9.784/1999 e art. 53, da Lei 5.427/2009.

DECADÊNCIA - Cessação de um direito por não ter sido utilizado em


tempo legal.

PRECLUSÃO - Preclusão consiste na perda do direito de se manifestar


num processo (o processo já existe, é no decorrer do processo),
principalmente devido ao fato de não ter exercido a sua manifestação no
momento correto e da forma prevista.

COISA JULGADA – A coisa julgada garante, em conjunto com o trânsito em


julgado, a segurança jurídica e a impossibilidade da mesma matéria ser
analisada mais de uma vez pelo Poder Judiciário.

6. PRECLUSÃO E “COISA JULGADA”

O processo administrativo envolve a prática de atos administrativos


encadeados dentro de determinado lapso temporal.

Em regra, os atos processuais devem ser praticados no prazo de cinco dias


(por exemplo: apresentar provas, esclarecimento de alguma dúvida do juiz,
cumprimento de alguma exigência feita pelo Ministério Público, juntada de
documentos faltantes etc), salvo circunstâncias excepcionais que autorizem
a dilação desse prazo (art. 24, caput, e parágrafo único, da Lei 9.784/1999.

A Administração e os Administrados devem estar atentos aos prazos


processuais fixados em lei, sob pena de sofrerem consequências negativas,
tais como a preclusão e a coisa julgada, além da decadência mencionada
anteriormente.

A preclusão é a perda de uma faculdade processual, tendo em vista a inércia


do interessado (serve tanto para a Administração, quanto para o administrado
e o particular) que deixa de praticar determinado ato dentro do prazo legal.

Ex: Se o policial militar não interpõe um recurso administrativo no prazo


legal para rever o ato de exclusão, opera-se a preclusão administrativa.

ATENÇÃO:

Não confundam os termos: “decadência”, “prescrição” e “preclusão” que


estão inseridos na categoria genérica de “PRAZOS EXTINTIVOS”.

Na DECADÊNCIA – extingue-se o próprio direito (conjunto de normas);

Na PRESCRIÇÃO – extingue-se a pretensão (é o que se pretende, o que se


pede na ação, o que se exige ou solicita, aquilo que almeja receber com a
propositura da ação);

E na PRECLUSÃO – extingue-se a faculdade (concessão, permissão,


consentimento) processual.

Ex: O Autor pode recorrer, é uma faculdade processual que ele tem, porém,
se não o fizer dentro do prazo, ele perde essa concessão, essa faculdade.

A COISA JULGADA ADMINISTRATIVA (ou preclusão máxima ou


consumativa) revela a impossibilidade de modificação, de ofício ou mediante
provocação, da decisão na via administrativa. Vale dizer: coloca-se um ponto
final ao poder autotutela estatal, impedindo a revogação e a anulação do ato
administrativo. É a impossibilidade de modificação da decisão
administrativa ou judicial. Porém, no âmbito administrativo a definitividade
da decisão é relativa, restringindo-se apenas a esfera administrativa, uma vez
que a decisão administrativa pode ser revista no âmbito jurisdicional.

Nunca esqueçam:

“O DIREITO NÃO SOCORRE AOS QUE DORMEM”

7. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD)

(próxima apostila)

APOSTILA 4

9. AGENTES PÚBLICOS

Professora Leila Leiva

ROTEIRO:

9.1 – Conceito;
9.2 – Espécies.

9.2.1 – Agentes Públicos de Direito (agentes políticos, servidores públicos,


particulares em colaboração) e Agentes Públicos de Fato.

9.1 – CONCEITO:

A expressão “agentes públicos” possui conotação genérica e engloba todas as


pessoas físicas que exercem funções estatais.

Os agentes públicos são responsáveis pela manifestação de vontade do Estado e


pelo exercício da função pública, que pode ser remunerada ou gratuita; definitiva
ou temporária; com ou sem vínculo formal com o Estado. Esse conceito amplo foi
adotado, por exemplo, no art. 2.º da Lei 8.429/1992, art. 73, § 1.º, da Lei
9.504/1997 e art. 327 do CP.

9.2 – ESPÉCIES:

Os agentes públicos podem ser divididos em, pelo menos, dois grupos:

a) agentes públicos de direito: são os agentes que possuem vínculos jurídicos


formais e legítimos com o Estado, regularmente investidos nos cargos, empregos
e funções públicas; e

b) agentes públicos de fato: são os particulares que, sem vínculos formais e


legítimos com o Estado, exercem, de boa-fé, a função pública com o objetivo de
atender o interesse público, inexistindo investidura prévia nos cargos, empregos e
funções públicas.

Em síntese, as espécies de agentes públicos podem ser identificadas no quadro a


seguir:
I) Agentes públicos de a) agentes políticos
direito b) servidores públicos
b.1) estatutários
b.2) trabalhistas ou celetistas
b.3) temporários
c) particulares em colaboração
II) Agentes públicos de fato a) putativos
b) necessários

9.2.1 – AGENTES PÚBLICOS DE DIREITO (AGENTES POLÍTICOS,


SERVIDORES PÚBLICOS, PARTICULARES EM COLABORAÇÃO) E
AGENTES PÚBLICOS DE FATO:

AGENTES PÚBLICOS DE DIREITO


Os agentes públicos de direito podem ser classificados em três categorias:
1) agentes políticos;
2) servidores públicos; e
3) particulares em colaboração.

1) AGENTES POLÍTICOS - Há enorme controvérsia doutrinária em relação à


conceituação dos agentes políticos, sendo possível apontar, para fins didáticos,
dois grandes entendimentos sobre o assunto.

Primeira posição: conceito amplo: agentes políticos são os componentes do


Governo nos seus primeiros escalões que atuam com independência funcional,
com funções delineadas na Constituição, que não se encontram subordinados aos
demais agentes, pois ocupam os órgãos de cúpula (“órgãos independentes”).
Inserem-se nesse conceito os chefes do Executivo (Presidente da República,
Governadores e Prefeitos), os membros das Casas Legislativas (Senadores,
Deputados e vereadores), membros do Poder Judiciário (magistrados), membros
do Ministério Público (Procuradores e Promotores) etc. Nesse sentido: Hely Lopes
Meirelles.

Segunda posição: conceito restritivo: agentes políticos são aqueles que ocupam
local de destaque na estrutura estatal, responsáveis pelas decisões políticas
fundamentais do Estado. Esse é o entendimento majoritário. Nesse sentido: José
dos Santos Carvalho Filho, Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, Diógenes Gasparini

Adotamos o conceito restritivo de agentes políticos que possuem as seguintes


características:

a) o acesso ao cargo político ocorre por meio de eleição (ex.: chefes do Executivo)
ou pela nomeação por agentes eleitos para ocuparem cargos em comissão (ex.:
Ministros e Secretários estaduais e municipais);

b) a função política possui caráter transitório, tendo em vista o princípio


republicano, e será exercida por prazo determinado (mandato); e

c) as decisões políticas fundamentais de Estado, caracterizadoras da função


política, envolvem, primordialmente, a alocação de recursos orçamentários e o
atendimento prioritário de determinados direitos fundamentais.

A partir do conceito restritivo e das características principais dos agentes políticos,


verifica-se que essa categoria de agentes abrange os chefes do Executivo
(Presidente, Governadores e Prefeitos), os seus auxiliares (Ministros, Secretários
estaduais e Secretários municipais) e os membros do Poder Legislativo
(Senadores, Deputados e vereadores), excluindo-se desse conceito, por exemplo,
os membros do Poder Judiciário e os membros do Ministério Público.

A discussão em torno do conceito de agente político possui relevância prática,


cabendo mencionar dois casos exemplificativos:
a) o STF assentou a inaplicabilidade da sua Súmula Vinculante 13,3 que veda o
nepotismo na Administração Pública, aos agentes políticos; e
b) controvérsias sobre a aplicabilidade da Lei 8.429/1992 a determinados agentes
políticos, que cometem atos de improbidade caracterizados como crimes de
responsabilidade

2) SERVIDORES PÚBLICOS - Os servidores públicos representam a grande


maioria dos agentes públicos. São aqueles que possuem vínculos profissionais
variados com o Estado e que desempenham a função pública de forma remunerada
e não eventual. São espécies de servidores públicos: estatutários, celetistas
(empregados públicos) e temporários.

São classificados quanto à natureza da função exercida, os servidores podem ser:

a) civis (art. 39 a 41 da CRFB); e

b) militares (art. 42 – Estados e art. 142, § 3.º – Forças Armadas).

De acordo com o regime jurídico, os servidores públicos são divididos em três


categorias:

a) estatutários (relação de trabalho é regulada por normas específicas. A CRFB


abandonou a

expressão funcionário público);

b) trabalhistas (ou celetistas – CLT); e

c) temporários (art. 37, IX, da CRFB).

3) PARTICULARES EM COLABORAÇÃO - Os particulares em colaboração,


também conhecidos como agentes honoríficos, são aqueles que exercem,
transitoriamente, a função pública, mediante delegação, requisição, nomeação ou
outra forma de vínculo, mas não ocupam cargos ou empregos públicos.

Exs.: jurados, mesários em eleições, empregados das empresas concessionárias e


permissionárias de serviços públicos, notários e registradores, particulares
requisitados para o serviço militar, estagiários contratados pela Administração
Pública etc

AGENTES PÚBLICOS DE FATO

Os agentes públicos de fato são os particulares que não possuem vínculos jurídicos
válidos com o Estado, mas desempenham funções públicas com a intenção de
satisfazer o interesse público. São os particulares que exercem a função pública
sem a investidura prévia e válida.

É importante notar que a noção de agente de fato não se confunde com a de


usurpador de função pública, uma vez que este último atua com má-fé para se
beneficiar do exercício irregular da função pública e sua conduta é tipificada como
crime pelo art. 328 do CP.

Os agentes públicos de fato dividem-se em duas categorias:


a) agentes de fato putativos: exercem a função pública em situação de
normalidade e possuem a aparência de servidor público (ex.: agentes públicos que
desempenham a função pública sem a aprovação em concurso público válido); e
b) agentes de fato necessários: exercem a função pública em situações de
calamidade ou de emergência (ex.: particulares que, espontaneamente, auxiliam
vítimas em desastres naturais).

A atuação dos agentes de fato acarreta dois questionamentos: a eventual


necessidade de convalidação dos atos praticados e a responsabilidade civil do
Estado pelos danos causados a terceiros.

Em virtude da teoria da aparência e da boa-fé dos administrados, os atos dos


agentes putativos devem ser convalidados perante terceiros e o Estado será
responsabilizado pelos danos causados. Ademais, a remuneração recebida pelo
agente de fato putativo, em razão do exercício efetivo da função, não deverá ser
devolvida ao Estado, sob pena de enriquecimento sem causa do Poder Público e
desrespeito à boa-fé do agente.

Da mesma forma, em relação aos atos dos agentes de fato necessários, os atos
devem ser, em regra, convalidados quando beneficiam os terceiros de boa-fé.

No entanto, a doutrina não tem admitido a responsabilidade civil do Estado pelos


danos causados por agentes de fato necessários, uma vez que não se pode invocar,
aqui, a teoria da aparência. Nada impede, contudo, que o Estado seja
responsabilizado pelo mau funcionamento do serviço que gerou a calamidade e
incentivou a atuação do agente de fato. Ex.: os sinais de trânsito, em cruzamento
movimentado, param de funcionar e um particular (agente de fato necessário) tenta
normalizar o caos do trânsito, emitindo “ordens” aos motoristas dos veículos, não
evitando, porém, a colisão de dois veículos. No caso, o Estado poderá ser
responsabilizado pelo mau funcionamento do serviço (quebra do sinal de trânsito),
e não propriamente pela atuação do agente de fato.

APOSTILA 3

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E


RESPONSABILIDADE CIVIL

Professora Leila Leiva


ROTEIRO:

8.3.15. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD)

10. RESPONSABILIDADE CIVIL

10.1 – Conceito;

10.2 – Responsabilidade Civil e Sacrifício de Direitos;

10.3 – Responsabilidade Civil Objetiva: Ato Lícito e Ilícito

10.4 – Fundamentos da responsabilidade objetiva: Teoria do Risco


Administrativo e Repartição dos Encargos Sociais;

10.5 – Pessoas responsáveis à luz do art. 37 § 6º, da CRFB/88 (pessoas


jurídicas de direito público);

10.6 – Responsabilidade Civil do Estado Por Omissão;

10.7 – Agentes Públicos e a Responsabilidade Civil do Estado.

10.7.1 – Dualidade de Regimes de Responsabilidade Civil no art. 37 § 6º, da


CRFB: Responsabilidade Objetiva do Estado e Responsabilidade Subjetiva
do Agente Público;

10.7.2 – Reparação de dano e ação regressiva e face do agente público.

CONCEITO:

O processo administrativo disciplinar (PAD) é o principal instrumento jurídico


para formalizar a investigação e a punição dos agentes públicos e demais
administrados, sujeitos à disciplina especial administrativa, que cometeram
infrações à ordem jurídica.

PLURALIDADE NORMATIVA - Competência legislativa dos entes


federados:
As normas sobre Processo Administrativo Disciplinar estão inseridas na
autonomia de cada ente federado, sendo assim, existem normas federais, estaduais,
distritais e municipais sobre processo administrativo disciplinar, não sendo lícito
à União fixar normas cogentes (obrigatórias, coercitivas) para os demais entes.

Em âmbito federal, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) encontra-se


regulado pela Lei 8.112/1990 e, supletivamente, pela Lei 9.784/1999.

Na PMERJ temos quatro Processos Administrativos Disciplinares:

Conselho de Justificação (CJ), Conselho de Disciplina (CD), Comissão de Revisão


Disciplinar (CRD) e o Conselho Escolar de Disciplina.

No âmbito estadual do Rio de Janeiro, quando se fala em PAD – Processo


Administrativo Disciplinar temos os Decretos 2.155/1978 e 43.462/2012 - que
regula o Conselho de Disciplina, a Lei nº 427/1981 - que regula o Conselho de
Justificação e a Portaria PMERJ nº 407/2012 – que regulamenta a Comissão de
Revisão Disciplinar (CRD).

A Lei nº 5.427/2009 – regula as normas sobre atos e Processos Administrativos


no âmbito do Rio de Janeiro, ou seja, não é uma lei específica para Processo
Administrativo Disciplinar (o Processo Administrativo é o gênero, e o Processo
Administrativo Disciplinar é uma espécie do Processo Administrativo).

O Processo Administrativo Disciplinar “é o instrumento destinado a apurar


responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas
atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre
investido” (art. 148 da Lei 8.112/1990).

EM ÂMBITO MILITAR
- CONSELHO DE DISCIPLINA:

Art. 1º - O Conselho de Disciplina é destinado a julgar da incapacidade do


Aspirante-a-Oficial PM ou BM e das demais praças PM ou BM do Estado do Rio
de Janeiro com estabilidade assegurada, para permanecerem na Ativa, criando-lhes
condições para se defenderem.

- CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO:

Art. 1º - O Conselho de Justificação é destinado a julgar, através do Processo


Especial, da incapacidade do Oficial da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros,
para permanecer na Ativa, criando-lhe, ao mesmo tempo, condições para se
justificar.

- COMISSÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR:

Art. 1º - A Comissão de Revisão Disciplinar (CRD) destina-se a julgar a


incapacidade presumida das Praças da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
sem estabilidade assegurada em permanecerem nas fileiras da Corporação, o que
se fará através de processo disciplinar que propicie condições para se defenderem.

Os atos praticados na vida privada do servidor não caracterizam, em princípio,


ilícitos administrativos sujeitos à sanções disciplinares, salvo nos casos previstos
em lei ou se os referidos atos tiverem reflexos ou relação, direta ou indireta, com
a função pública.

As normas disciplinares da Lei 8.112/1990 aplicam-se exclusivamente aos


servidores públicos civis investidos em cargos públicos de pessoas jurídicas de
direito público federais (arts. 1º e 2º).

Exclui-se da incidência da Lei 8.112/1990, os seguintes agentes:

a) Agentes Políticos – que podem ser responsabilizados por crime de


responsabilidade;
b) Militares – aplica-se a legislação castrense;

c) Particulares em colaboração com o Poder Público – inclusive os estagiários;

d) Servidores Temporários – além de não ocuparem cargos públicos, submetem-


se à legislação especial;

e) Terceirizados – submetem-se aos regulamentos disciplinares internos das


respectivas estatais;

f) Empregados das empresas estatais - submetem-se aos regulamentos


disciplinares internos das respectivas estatais;

g) Empregados públicos das pessoas jurídicas de direito público federais – Lei


9.962/2000.

SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA

É o processo administrativo preliminar que visa apurar a existência de indícios


quanto à infração funcional e à respectiva autoria.

Normalmente, a sindicância é caracterizada pelo caráter inquisitório (não


litigioso), uma vez que não tem por objetivo principal a aplicação de sanção do
agente, mas apenas busca elementos que servirão de fundamento para instauração
do futuro processo disciplinar principal. Em consequência, inexiste a previsão
normativa de sanção, a sindicância não depende da observância do princípio da
ampla defesa e do contraditório.

IMPORTANTE:

Existe a previsão de aplicação de sanções em sindicâncias por parte de


determinadas normas jurídicas. Porém, nessas hipóteses para que haja sanções em
sindicância, é imprescindível que haja a observância aos princípios da ampla
defesa e do contraditório.
É o que ocorre na legislação federal, que admite a aplicação das sanções
disciplinares de advertência ou suspensão de até 30 dias, assegurados a ampla
defesa e o contraditório (arts. 143 e 145, II, da Lei 8.112/1990).

A SINDICÂNCIA PODE SER DIVIDIDA EM DUAS ESPÉCIES:

1) Sindicância Preliminar ao Processo Disciplinar Principal – é aquela


destinada à produção de elementos de provas quanto à infração e à autoria,
servindo de peça informativa para o processo administrativo principal; e

2) Sindicância como Processo Sumário de Aplicação de Sanções – é a


possibilidade de aplicação de sanções leves aos agentes, exigindo-se, neste caso,
respeito às garantias da ampla defesa e do contraditório.

RESUMINDO: Seja sindicância, inquérito, processo administrativo disciplinar,


se houver a previsão normativa de aplicação de sanção ao investigado ou acusado,
a autoridade competente deverá respeitar a ampla defesa e o contraditório para
juricidade da sanção aplicada.

INQUÉRITO ADMINISTRATIVO:

A expressão “inquérito administrativo” pode ter três aplicações diferentes:

1. O termo é empregado como sinônimo de sindicância, tendo em vista a natureza


inquisitorial desse processo preliminar;

2. Pode ser empregado como sinônimo de processo disciplinar principal; e

3. Na legislação federal, por exemplo, o termo é usado para identificação da fase


instrutória do processo disciplinar principal.
O processo disciplinar federal divide-se em três fases (art. 151, da Lei 8.112/1990):

1ª fase. Instauração – o processo pode ser instaurado de ofício pela Administração


ou mediante provocação, exigindo-se a citação do acusado para apresentar defesa.

É possível a instauração do PAD a partir de denúncia anônima, desde que o Poder


Público adote medidas prévias, informais e sigilosas, para apurar a
verossimilhança da denúncia (Súmula 611 do STJ).

Súmula 611-STJ: Desde que devidamente motivada e com amparo em


investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo
administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-
dever de autotutela imposto à Administração. STJ. 1ª Seção. Aprovada em
09/05/2018, DJe 14/05/2018.
Isso porque, de acordo com o art. 5º, IV, da CRFB, é proibido o anonimato, não
podendo preponderar (prevalecer) sobre o dever ético-jurídico de investigação de
condutas ilícitas, imposto pelos princípios constitucionais da Legalidade,
Impessoalidade e Moralidade insculpidos no art. 37, caput, da CRFB.

2ª fase. Instrução – é onde se realiza a produção de provas que embasarão a futura


decisão administrativa, admitindo-se, inclusive, a prova emprestada, desde que
devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a
ampla defesa, na forma da Súmula 591 do STJ;

3ª fase. Decisória – é quando a comissão responsável pelo PAD elaborará parecer


final que será encaminhado para autoridade competente que emitirá a decisão
administrativa, condenatória ou absolutória, devidamente motivada.

ATENÇÃO:

O excesso de prazo para a conclusão do PAD só causa nulidade se houver


demonstração de prejuízo para a defesa – Súmula 592 do STJ.

Súmula 592-STJ: O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo


disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.
DEFESA TÉCNICA NO PAD E A SÚMULA VINCULANTE 5 DO STF:

- A aplicação de sanções disciplinares depende da obediência aos Princípios


Constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório, sob pena de nulidade da
sanção aplicada.

- O acusado tem o direito de requerer a produção das provas que quiser para provar
a sua inocência, desde que essas provas sejam admitidas pelo ordenamento
jurídico.

- A Administração Pública tem a prerrogativa de determinar, de ofício, a produção


de provas em busca da verdade real (verdadeira realidade dos fatos).

- O direito à ampla defesa engloba tanto a autodefesa do particular (depoimento e


alegações contidas na resposta à acusação) quanto a defesa técnica exercida por
advogado. A Administração deve oportunizar o exercício da defesa do acusado,
sob pena de nulidade do processo.

- A presença do advogado no PAD não é uma condição essencial para validade da


sanção disciplinar.

- O princípio constitucional da Ampla Defesa exige que a Administração abra a


oportunidade para que o acusado constitua advogado, porém, a decisão caberá ao
próprio acusado.

- Proporcionada a ampla defesa ao acusado, restará atendido o princípio


constitucional, independentemente da constituição do advogado no PAD.

- Nesse sentido, a Súmula Vinculante nº 5 do STF estabelece: “A falta de defesa


técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a
Constituição”.

- Há doutrinadores que discordam da Súmula Vinculante 5 do STF.

- Para alguns doutrinadores há exceção à Súmula Vinculante 5 do STF em


determinados casos, quando será obrigatória a presença do advogado no PAD para
a juridicidade (conformidade com o que diz a lei, os princípios; legalidade) da
sanção disciplinar.

- Como por exemplo, do PAD instaurado para apurar o abandono do cargo do


servidor que não é encontrado pela autoridade administrativa. Nessa hipótese, não
haverá autodefesa, pois o acusado não foi encontrado, justificando-se a
obrigatoriedade de nomeação de advogado dativo (indicado pela autoridade) para
que exista ao menos, a defesa técnica no processo, de acordo com o art. 164, § 2º,
da Lei 8.112/1990.

- Outra hipótese de obrigatoriedade da presença do advogado está prevista na


Súmula 533 do STJ, que prevê: “Para o reconhecimento da prática de falta
disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de
procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado
o direito de defesa, a ser realizado por advogado, constituído ou defensor público
nomeado”. Nessa última hipótese, prevaleceu a tese da inaplicabilidade da Súmula
Vinculante 5 do STF aos processos administrativos que envolvam questões penais,
especialmente a execução da pena, onde está em questão a liberdade do indivíduo.

PARECER DA COMISSÃO NÃO VINCULA A DECISÃO DA


AUTORIDADE COMPETENTE:

Muito importante esse tema, pois não é só na caserna, mas em todo processo
administrativo disciplinar.

O PAD será conduzido por comissão de servidores, designados pela autoridade


competente, responsável pelo parecer final opinando pela condenação ou
absolvição do acusado.

Na Administração Federal, a referida Comissão é composta por três servidores


estáveis e o respectivo presidente deve ser ocupante de cargo efetivo superior ou
de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado (art.
149 da Lei 8.112/1990).

NO CONSELHO DE DISCIPLINA:

Art. 5º, do Decreto 2155/78 - O Conselho de Disciplina é composto de 03 (três)


Oficiais da Corporação da praça a ser julgada.

§ 1º - O membro mais antigo do Conselho de Disciplina, no mínimo um Oficial


Intermediário, é o Presidente; o que lhe segue em antiguidade é o Interrogante e
Relator; e o mais moderno, o Escrivão.

NO CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO:

Art. 5º, da Lei 427/1981 - O Conselho de Justificação é composto de 3


(três) oficiais, da ativa, da Corporação a que pertencer o justificante, de posto
superior ao seu.
§ 1º - O membro mais antigo do Conselho de Justificação, no mínimo um
oficial superior da ativa, é o presidente, o que lhe segue em antiguidade é o
interrogante e relator, o mais moderno, o escrivão.

NA COMISSÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR:

Art. 2º, § 2º, Portaria/PMERJ 407/2012 – A nomeação dos integrantes da


Comissão de Revisão Disciplinar, ocorrerá preferencialmente na publicação do ato
de submissão, devendo ser composta por 03 (três) Oficiais, dos quais aquele que a
presidirá será, no mínimo, um Oficial Intermediário, o Presidente; o que lhe segue
em antiguidade, o Interrogante e Relator; e o mais moderno, o Escrivão.

A Comissão encerra suas atividades com a elaboração do parecer final, sem decidir
o processo. O parecer final elaborado pela Comissão será encaminhado à
autoridade competente para prolação da decisão administrativa. Nesse caso, o
parecer da Comissão NÃO é vinculante, uma vez que a autoridade competente
poderá contrariar as conclusões da Comissão e decidir de maneira diversa com
fundamento nas provas constantes dos autos (art. 168 da Lei 8.112/1990).

CUIDADO:

A aplicação de sanção mais grave pela autoridade competente diversa daquela


sugerida pela Comissão, não se trata de reformatio in pejus (reformar para piorar),
pois não há “nova” decisão que agrava a situação do acusado, uma vez que quem
dará a decisão será a autoridade competente.

Ao final do PAD, existe uma decisão: aquela proferida pela autoridade


competente, sendo certo que o parecer da Comissão não possui cunho decisório.

PAD: Recurso, Revisão e Reformatio in pejus:

O acusado, condenado no PAD, pode recorrer da decisão proferida pela autoridade


administrativa.

Há a possibilidade da autoridade superior administrativa prover o recurso e agravar


a sanção disciplinar aplicada pela autoridade inferior.

A questão é polêmica, mas o que tem prevalecido é a viabilidade da reformatio in


pejus nos processos administrativos disciplinares por aplicação supletiva do art.
64, parágrafo único, da Lei 9.784/1999.

Na hipótese de revisão de sanção disciplinar, baseada em fatos novos ou


circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada
ao servidor, não será admitida a reformatio in pejus na forma do art. 182, caput e
parágrafo único, da Lei 8.112/1990.
Art. 182, da Lei 8.112/1990: “Julgada procedente a revisão, será declarada sem
efeito a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor,
exceto em relação à destituição do cargo em comissão, que será convertida em
exoneração.

Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento de


penalidade”.

PRAZO PARA O RECURSO DA DECISÃO DA AUTORIDADE NO


CONSELHO DE DISCIPLINA (CD):

Art. 14.

Parágrafo Único - O prazo para interposição de recurso é de 05 (cinco) dias,


contados da data na qual o acusado tem ciência da decisão do Conselho de
Disciplina ou da publicação da solução da autoridade nomeante. *alterado pelo
DECRETO Nº 43.462 10 DE FEVEREIRO DE 2012, Bol da PM n.º 030 - 13 Fev
12.

PRAZO PARA O RECURSO DA DECISÃO DA AUTORIDADE NA


COMISSÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR (CRD):

Art. 14 – O Revisionado ou seu defensor, poderão interpor o recurso de


reconsideração de ato da decisão final exarada pelo Comandante Geral.

§ 1º – O prazo para interposição do recurso será de 48h (quarenta e oito horas),


contadas a partir da data na qual o revisionado tenha ciência da publicação da
decisão do Comandante Geral.

MEIOS SUMÁRIOS: Sindicância, Verdade Sabida e Termo de Declaração:


Os MEIOS SUMÁRIOS de apuração de faltas disciplinares, de acordo com a
doutrina, referem-se às infrações disciplinares de menor gravidade ou às infrações
objeto de flagrante na Administração.

São espécies de meios sumários:

- Sindicância;

- Verdade Sabida; e

- Termo de Declarações do Infrator.

- Sindicância administrativa – é o meio sumário de apuração de infrações


funcionais que servirá para instauração do futuro processo disciplinar principal.
(Já estudamos anteriormente).

- Verdade Sabida – é a hipótese em que a autoridade superior verifica


pessoalmente o cometimento da infração funcional pelo subordinado. Testemunha
ocular da infração, a autoridade competente poderia aplicar, de forma sumária, a
respectiva penalidade ao agente público, na hipótese em que não for exigida a
instauração de processo disciplinar (Ex: subordinado agride o superior
hierárquico).

Verdade sabida consiste na possibilidade da autoridade competente impor uma


pena administrativa, ou seja, autuar diretamente o agente público, quando
presencia uma irregularidade. Não existe mais no nosso ordenamento jurídico
após a Constituição Federal de 1988, que garante o direito ao contraditório, ampla
defesa e devido processo legal, também no processo administrativo.

- Termo de Declaração – é o meio sumário para apuração de faltas de menor


gravidade, quando a autoridade competente reduz a termo as declarações do
subordinado e, confessada a infração funcional, aplica as sanções disciplinares. Na
hipótese em que o subordinado negar a acusação, deverá ser instaurado processo
disciplinar.

Igualmente a verdade sabida, previstos em alguns estatutos funcionais, deve ser


considerado incompatível com a Constituição Federal de 1988, uma vez que
permitem, em tese, a aplicação de sanções aos agentes públicos, sem respeitar os
princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

SANÇÕES DISCIPLINARES E PRESCRIÇÃO:

A caracterização da responsabilidade administrativa do agente público, após a


garantia da ampla defesa e do contraditório, acarreta a aplicação de sanção, dentro
do prazo prescricional, na forma do respectivo Estatuto funcional. Ou seja, se a
Administração Pública, dentro do prazo prescricional de cada Estatuto funcional,
não aplicar a sanção administrativa, após o prazo prescricional não poderá mais
aplicar. A penalidade administrativa imposta ao agente público deve ser
imediatamente efetivada, após o julgamento do PAD, ainda que não tenha ocorrido
a “coisa julgada administrativa”, tendo em vista a autoexecutoriedade dos atos
administrativos e a ausência, em regra, de efeito suspensivo nos recursos
administrativos (art. 109 da Lei 8.112/1990/.

O art. 142 da Lei 8.112/1990 estabelece três prazos prescricionais que variam de
acordo com a gravidade da sanção disciplinar:

a) 5 anos: demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição


de cargo em comissão;

b) 2 anos: suspensão;

c) 180 dias: advertência.

Com a consumação da prescrição, ocorre a extinção da punibilidade. A contagem


do prazo prescricional inicia-se no momento em que o fato se tornou conhecido e
interrompe-se com a instauração de sindicância ou PAD.
PROCESSO DISCIPLINAR E PROCESSO PENAL:

No PODER DISCIPLINAR – o Estado exerce atividade administrativa com a


finalidade de manter a ordem interna das atividades administrativas por meio de
apurações e eventuais sanções aos agentes públicos que descumpriram o Estatuto
Funcional ou a legislação vigente, bem como aos demais sujeitos que violaram as
normas administrativas aplicáveis aos vínculos jurídicos específicos travados com
a Administração.

No PODER PENAL do Estado, a atividade jurisdicional, exercida pelo Poder


Judiciário, e tem por objetivo apurar e punir os particulares e agentes públicos que
cometerem infrações penais.

A independência das instâncias administrativa e penal, no entanto, sofre


mitigações no ordenamento vigente. Em determinadas circunstâncias, a decisão
proferida na esfera penal vinculará o conteúdo da decisão administrativa –
inexistência do fato ou negativa de autoria.

a) CRIME FUNCIONAL – aquele praticado no exercício da função


administrativa contra a Administração Pública. (Ex: peculato, prevaricação etc).

a.1) Condenação Penal – nesse caso, o agente será necessariamente sancionado


na esfera administrativa. Na hipótese de pena privativa de liberdade por tempo
igual ou superior a um ano, a sentença penal, de forma expressa e motivada, poderá
determinar a perda do cargo, da função pública ou do mandato eletivo (art. 92, I,
“a” e parágrafo único, do Código Penal).

Art. 92. “São também efeitos da condenação:

I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um


ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública.”
a.2) Absolvição Penal – a absolvição do agente pelo juízo penal não influencia,
necessariamente, a esfera administrativa. A eventual comunicação de instâncias
dependerá das razões da absolvição:

a.2.1) Absolvição por Negativa de Autoria ou Inexistência do Fato – a decisão


penal vincula a esfera administrativa e o agente deverá ser necessariamente
absolvido no processo disciplinar – art. 126, da Lei 8.112/1990.

Na hipótese em que o servidor tiver sido demitido administrativamente, a


absolvição penal posterior acarretará a necessidade de reintegração do servidor ao
cargo, com o pagamento de todas as vantagens que deixou de receber no período.

a.2.2) Absolvição por ausência de provas – não impede a aplicação de sanção


disciplinar ao servidor, inexistindo vinculação entre as esferas administrativa e
penal. Trata-se do denominado “resíduo administrativo”, consagrado na Súmula
18 do STF que dispõe: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo
juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”.

b) CRIME NÃO FUNCIONAL – é o crime praticado fora do exercício da função


administrativa.

b.1) Condenação Penal – em princípio, a decisão penal não influenciará na esfera


administrativa, tendo em vista a ausência de correlação entre o crime ao exercício
da função pública. Porém, em determinados casos, os estatutos funcionais podem
estabelecer de forma diversa, cabendo ressaltar que, na hipótese de pena privativa
de liberdade por tempo superior a quatro anos, a sentença penal, de forma expressa
e motivada, poderá determinar a perda do cargo, da função pública ou do mandato
eletivo – art. 92, I, “b” e parágrafo único, do Código Penal.

Art. 92. São também efeitos da condenação:

I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro)
anos nos demais casos;
b.2) Absolvição Penal – não há influência na esfera administrativa, inexistindo
sanção disciplinar a ser aplicada, uma vez que não houve infração ao estatuto
funcional.

CONSELHO DE DISCIPLINA - PRESCRIÇÃO

Art. 17, do Decreto 2.155/1978 – Prescrevem em 06 (seis) anos, computados da


data em que foram praticados, os casos previstos neste Decreto.

OBS: Não prescrevem em 5 (cinco), determinação presente no caput do Artigo 74


Lei nº 5.427/2009, e sim em 6 (seis) anos, conforme estipulado neste Decreto, a
aplicação de punições disciplinares oriundas do Conselho de Disciplina, uma vez
que os preceitos da Lei nº 5.427/2009 são subsidiários (artigo Art. 75).

CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO - PRESCRIÇÃO

Art. 17, da Lei 427/1981 - Prescrevem em 6 (seis) anos, computados da data em


que foram praticados, os casos previstos nesta lei.

10. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Professora: Leila Leiva

ROTEIRO

10.1 – CONCEITO
10.2 – RESPONSABILIDADE CIVIL E SACRIFÍCIO DE DIREITOS
10.3 – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA: ATO LÍCITO E ILÍCITO
10.4 – FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA: Teoria do
Risco Administrativo e Repartição dos Encargos Sociais
10.5 – PESSOAS RESPONSÁVEIS À LUZ DO ART. 37, § 6º, DA CRFB/88
(pessoas jurídicas de direito público)
10.6 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO
10.7 – AGENTES PÚBLICOS E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
10.7.1 – Dualidade de regimes de responsabilidade civil no art. 37, § 6º, da
CRFB/88: Responsabilidade Objetiva do Estado e Responsabilidade Subjetiva do
Agente Público
10.7.2 – REPARAÇÃO DO DANO E AÇÃO REGRESSIVA EM FACE DO
AGENTE PÚBLICO

10.1 – CONCEITO

“A responsabilidade civil do Estado significa o dever de reparação dos danos


causados pela conduta estatal, comissiva ou omissiva.”
Rafael Carvalho Rezende Oliveira

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A responsabilidade civil do Estado é a obrigação de reparar os danos causados a


terceiros pelas condutas praticadas pelos seus agentes públicos, no exercício de
suas funções.

10.2 – RESPONSABILIDADE CIVIL E SACRIFÍCIO DE DIREITOS

É tradicional a distinção entre a Responsabilidade Civil por Danos causados pela


Atuação Estatal e o Sacrifício de Direitos promovido pelo Poder Público.
- A Responsabilidade Civil do Estado pressupõe violação a direitos,
normalmente mediante conduta contrária ao ordenamento jurídico (Ex:
indenização por erro médico ocorrido em hospital público), gerando assim o dever
de ressarcimento dos prejuízos causados (tanto material quanto moral).
Na responsabilidade civil, a lesão aos direitos de terceiros é efeito reflexo da
atuação estatal, lícita ou ilícita.

- O Sacrifício de Direitos envolve situações em que a própria ordem jurídica


confere ao Estado a prerrogativa de restringir ou suprimir direitos patrimoniais de
terceiros, mediante o devido processo legal e o pagamento de indenização (Ex:
desapropriação).
O sacrifício de direitos compreende atuação estatal, autorizada pelo ordenamento
jurídico, ou seja, há previsão legal, e tem por objetivo principal (direto) restringir
ou extinguir direitos de terceiros, mediante pagamento de indenização.

10.3 – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA: ATO LÍCITO E


ILÍCITO

ATO ILÍCITO – é qualquer ato que seja contrário ao direito. Ato proibido pela
lei.

Em regra, a responsabilidade civil está relacionada à violação de um dever jurídico,


motivo pelo qual o ato ilícito é a fonte geradora da responsabilidade.

O ordenamento jurídico prevê a responsabilidade por atos ilícitos em situações


excepcionais, como por exemplo no artigo 188, II, c/c os artigos 929 e 930, todos
do Código Civil, vejamos:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito


reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de
remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo.

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188,
não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que
sofreram. (O Estado será responsabilizado e deverá indenizar).

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro,
contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver
ressarcido ao lesado.

Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se


causou o dano (art. 188, inciso I).

Em regra, a Responsabilidade Civil do Estado ocorrerá na hipótese de atos


ilícitos.

Porém, a doutrina tem admitido a Responsabilidade Civil do Estado por ATO


LÍCITO em duas situações:

1) EXPRESSA PREVISÃO LEGAL:


Ex: Responsabilidade da União por danos provocados por atentados
terroristas contra aeronaves de matrícula brasileira, previstos na Lei
10.744/2003 (Dispõe sobre a assunção, pela União, de responsabilidades civis
perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos
correlatos, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas
brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo.); e

2) SACRIFÍCIO DESPROPORCIONAL AO PARTICULAR:


Ex: Ato jurídico que determina o fechamento permanente de rua para tráfego de
veículos, inviabilizando a continuidade de atividades econômicas prestadas por
proprietários de postos de gasolina ou de estacionamento de veículos.

A responsabilidade civil do Estado é objetiva.

No campo da responsabilidade objetiva do Estado, a ilicitude desloca-se da


conduta estatal para o resultado (dano antijurídico). Independentemente da conduta
do agente (seja lícita ou ilícita), a responsabilidade do Estado restará configurada
quando comprovado o dano ilícito, anormal, desproporcional, causado à vítima.
Ou seja, ainda que a conduta do Estado seja lícita, restará caracterizada a
responsabilidade do Estado quando demonstrada a ilicitude do dano.

10.4 – FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA: Teoria do


Risco Administrativo e Repartição dos Encargos Sociais

A responsabilidade civil do Estado apoia-se em dois fundamentos importantes:


TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO e REPARTIÇÃO DOS
ENCARGOS SOCIAIS.

A TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – pressupõe que o Estado assume


prerrogativas especiais e tarefas diversas em relação aos cidadãos que possuem
riscos de danos inerentes.

Pela Teoria do Risco Administrativo, a atuação estatal que cause dano a terceiros
faz nascer para a administração pública a obrigação de indenizar,
independentemente da existência de falta do serviço ou de culpa de determinado
agente público. Basta que exista o dano decorrente de atuação administrativa, sem
que para ele tenha concorrido o terceiro prejudicado.
Como o dano causado a terceiros pela atividade administrativa deverá ser
indenizado independentemente de perquirição (indagação, questionamento) a
respeito da existência de culpa – seja “culpa administrativa”, seja culpa pessoal de
um determinado agente público -, diz-se que essa modalidade de responsabilidade
civil é do tipo OBJETIVA.
Em resumo, presente o fato do serviço e o nexo direto de causalidade entre o fato
e o dano ocorrido, nasce para o poder público a obrigação de indenizar.

Ao terceiro que sofreu o dano não incumbe comprovação de qualquer espécie de


culpa do Estado ou do agente público. A Administração é que, na sua defesa,
poderá, se for o caso, visando afastar ou atenuar sua responsabilidade, comprovar
(e o ônus da prova é dela), a ocorrência de alguma das chamadas excludentes.

Usualmente são aceitos como excludentes a culpa exclusiva da vítima, a força


maior e o caso fortuito.
(Caso fortuito - é uma circunstância provocada por fatos humanos que interfere
na conduta de outros indivíduos. É o evento proveniente de ato humano,
imprevisível e inevitável, que impede o cumprimento de uma obrigação, tais como:
a greve, a guerra etc.
Força maior - é um evento previsível ou imprevisível, porém inevitável,
decorrente das forças da natureza, como o raio, a tempestade etc.)

Caso a Administração pública demonstre que houve culpa recíproca, isto é, dela e
do particular, concomitantemente, a sua obrigação de indenizar será
proporcionalmente atenuada.
Segundo essa teoria, em razão dos benefícios gerados à coletividade pelo
desenvolvimento das atividades administrativas, os eventuais danos suportados
por determinados indivíduos devem ser suportados, igualmente, pela coletividade.
O ressarcimento dos prejuízos é efetivado pelo Estado com os recursos públicos,
ou seja, oriundos das obrigações tributárias e não tributárias suportadas pelos
cidadãos. Dessa forma, a coletividade, que se beneficia com a atividade
administrativa, tem o ônus de ressarcir aqueles que sofreram danos em razão dessa
mesma atividade. Trata-se da adoção do Princípio da Repartição dos Encargos
Sociais, vinculado ao princípio da igualdade (isonomia).
Outra teoria que procura justificar a responsabilidade civil do Estado é a Teoria
do Risco Integral
A responsabilidade civil do Estado é objetiva e não se admite nenhuma forma de
exclusão. Há quem entenda que essa teoria é aplicável excepcionalmente, caso haja
previsão em lei e a natureza do dano o admita.
Por essa teoria, a Administração Pública responderá integralmente dano
independentemente de qualquer coisa, independentemente de qualquer excludente.
A Administração Pública sempre vai responder independentemente se o particular
(vítima) agiu com culpa ou não.
Ex: danos nucleares (art. 21, XXIII, “d”, da CRFB); danos ambientais ou
ecológicos na lei de crime ambiental (art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981) e no (art.
225 § 3º, da CRFB); atentados terroristas em aeronaves brasileiras (art. 1º, da Lei
nº 10.744/2003).
Teoria do Risco Integral que é uma teoria extremada do risco administrativo, que
não admite qualquer forma excludente da responsabilização do Estado, devendo
esse a indenização em todos os casos que ocorra o dano. É uma teoria que beira o
absurdo e, portanto, não é aceita pelo nosso ordenamento, salvo em raríssimos
casos.

O ordenamento jurídico brasileiro adotou, como regra, a TEORIA DO


RISCO ADMINISTRATIVO, embora uma parcela da doutrina e da
jurisprudência defenda a adoção da Teoria do Risco Integral em situações
excepcionais.

10.5 – PESSOAS RESPONSÁVEIS À LUZ DO ART. 37, § 6º, DA CRFB/88


(pessoas jurídicas de direito público)

Assim dispõe o § 6º, do art. 37 da Constituição Federal:

§ 6º. “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito


privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Respondem as pessoas jurídicas de Direito Público e também as pessoas jurídicas


de Direito Privado prestadoras de serviços públicos.

Assim, quando o servidor público (policial militar) atua, considera-se que o Estado
atuou.
PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO:
As pessoas jurídicas de direito público, que respondem de forma objetiva, com
fundamento no artigo 37, § 6º, da CRFB, são as entidades integrantes da
Administração Direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ou da
Administração Indireta (autarquias e fundações autárquicas).

PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE


SERVIÇOS PÚBLICOS:
Da mesma forma, a responsabilidade objetiva se aplica às pessoas jurídicas de
direito privado que prestam serviços públicos. Estão incluídos nessa categoria as
entidades de direito privado da Administração Indireta (empresas públicas,
sociedades de economia mista e fundações estatais de direito privado) e as
concessionárias e permissionárias de serviços públicos.

10.6 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO

Há divergência entre a doutrina e a jurisprudência sobre a natureza da


responsabilidade civil nos casos de omissão estatal.

Existem três entendimentos:

Primeira posição – A responsabilidade do Estado é objetiva, pois o art. 37 § 6º,


da CRFB não faz distinção entre condutas comissivas ou omissivas. Hely Lopes
Meirelles defende essa posição.

Segunda posição – A responsabilidade civil do Estado é subjetiva, com presunção


de culpa do Poder Público (presunção juris tantum (apenas de direito) ou relativa),
tendo em vista que o Estado, na omissão, não é o causador do dano, mas atua de
forma ilícita (com culpa) quando descumpre o dever legal de impedir a ocorrência
do dano. O art. 37 § 6º, da CRFB, ao mencionar os danos causados a terceiros, teve
o objetivo de restringir a sua aplicação às condutas comissivas, uma vez que a
omissão do Estado, nesse caso, não seria “causa”, mas “condição” do dano.

Defendem essa posição: Oswaldo Aranha Bandeira de Mello; Celso Antônio


Bandeira de Mello; Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Diógenes Gasparini; Lúcia
Valle Figueiredo de Rui Stoco.

Terceira posição – Nos casos de omissão genérica, relacionadas ao


descumprimento do dever genérico de ação, a responsabilidade é subjetiva. Por
outro lado, nas hipóteses de omissão específica, quando o Estado descumpre o
dever jurídico específico, a responsabilidade é objetiva. Defendem essa posição:
Guilherme Couto de Castro e Sergio Cavalieri Filho.

Rafael Carvalho Rezende Oliveira entende ser objetiva a responsabilidade civil do


Estado em virtude de suas omissões juridicamente relevantes, pois o art. 37 § 6º,
da CRFB e o art. 43 do Código Civil, que consagram a Teoria do Risco
Administrativo não fazem distinção entre ação e omissão estatal.

Art. 43. C.C. “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver,
por parte destes, culpa ou dolo.”

Ainda que a omissão não seja causa do resultado danoso, como afirma a segunda
posição, certo é que a inação (inércia) do Estado contribui para a consumação do
dano.

É preciso distinguir a omissão natural e a omissão normativa. A omissão natural


relaciona-se com a ausência de movimento ou comportamento físico, sem a
produção de qualquer resultado (da inércia nada surge. A omissão normativa
pressupõe o descumprimento de um dever jurídico, gerando consequências
jurídicas, inclusive a responsabilidade civil.
Assim, a responsabilidade por omissão estatal revela o descumprimento do
dever jurídico de impedir a ocorrência de danos.

Todavia, somente será possível responsabilizar o Estado nos casos de omissão


específica, quando demonstradas a previsibilidade e a evitabilidade do dano,
notadamente pela aplicação da teoria da causalidade direta e imediata quanto ao
nexo de causalidade (art. 403, do Código Civil).

Vale dizer: a responsabilidade restará configurada nas hipóteses em que o Estado


tem a possibilidade de prever e de evitar o dano, mas permanece omisso.

Nas omissões genéricas, em virtude das limitações naturais das pessoas em geral,
que não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo, e da inexistência do
nexo de causalidade, não há que falar em responsabilidade estatal, sob pena de
considerarmos o Estado segurador universal e adotarmos a teoria do risco integral.

Por exemplo: o Estado não é responsável pelos crimes ocorridos em seu território.
Porém, se o Estado é notificado sobre a ocorrência de crimes constantes em
determinado local e permanece omisso, haverá a responsabilidade.

Ex: Uma moradora do Grajaú que alegou ter ligado para a polícia reclamando do
barulho do vizinho, e alegando que a polícia nada fez, se ficar provada a alegação
da moradora, o Estado será responsabilizado por omissão.

Exemplo que enseja o dever de indenizar para o Estado é o caso envolvendo a


guarda de pessoas e coisas perigosas. Conforme já decidiram os tribunais
superiores (STF e STJ), o Estado responde objetivamente pelos danos sofridos por
presidiário no interior do estabelecimento prisional.
De acordo com o STF, o Estado possui responsabilidade objetiva pelos danos
causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições
legais de encarceramento.

(STF: “Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo,


manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no
ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37 § 6º, da
Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais,
comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência
das condições legais de encarceramento” (Tema 365 da Tese de Repercussão Geral
do STF)).

DA BALA PERDIDA

NÃO HÁ RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR BALA


PERDIDA

Como se sabe, o dever de indenizar do Estado pelo dano sofrido pelo cidadão,
embora prescinda da demonstração de culpa, exige a existência de prática de ato
por agente público no exercício da função, dano e o nexo de causalidade entre os
elementos anteriores.

Assim, continua sendo necessária a demonstração do dano, da conduta


administrativa, e do nexo causal, sendo descabida a responsabilização estatal por
fatos de terceiros.

O dever de prestar segurança pública não torna o Poder Público segurador


universal, assumindo responsabilidade em sua totalidade por todos os fatos
praticados por criminosos
Veja-se que, no caso, não haveria falar em falha na atividade policial pelo fato de
ter colocado em risco a segurança da população.

Ora, admitir ser o Estado responsável pelo simples fato de entrar em uma
comunidade, de responder pelo dano causado antes de qualquer disparo efetuados
por seus policiais é inviabilizar a ação das forças de segurança!

De ver-se que as decisões que reconhecem a existência do dever de indenizar pelo


só fato de ter existido um confronto, independentemente da origem do disparo, têm
por fundamento a existência de situação de risco imposta pelo Estado quando
procede a troca de tiros em locais públicos com grande concentração de pessoas.

Caso concreto: (FALA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA): ‘No caso, como


comprovado, o autor foi atingido antes de qualquer troca de tiros – se é que ocorreu
– sendo certo que a direção em que foi atingido está a afastar a possibilidade de o
díspar ter sido feito por policial.

Enfim, lamentando o ora contestante o evento, há que se concluir que não há nexo
de causalidade entre a atuação dos agentes públicos e o dano alegado. Assim,
espera o réu a improcedência dos pedidos.”

“BALA PERDIDA”: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, OU


NÃO?

De quem é a responsabilidade por mortes e ferimentos ocasionados pela chamada


“bala perdida”, que no confronto entre criminosos e agentes da lei, quase sempre,
encontra um inocente para matar, aleijar ou lesionar? Se comprovada que a bala
partiu da arma do agente do Estado a responsabilidade do Estado é certa? Se o
criminoso não é agente do Estado e a bala partiu de sua arma a responsabilidade é
de quem?

Para tentar dirimir estas perguntas é que resolvi escrever este post, calcado nas
valiosas lições do Desembargador Sérgio Cavalieri filho, com base em seu
excelente artigo, intitulado “A Responsabilidade Civil Objetiva e Subjetiva do
Estado”, o qual ele publicou na Revista da EMERJ, de número 55.

Infelizmente tornou-se fato corriqueiro o confronto entre policiais e


bandidos nas grandes e pequenas cidades em nosso pais, ocasião em que pessoas
inocentes são atingidas. nestes casos o dano tem como causa uma atividade
administrativa do Estado. Pouco importa saber se o projetil (bala) partiu da arma
do policial em exercício de sua função ou da arma do criminoso, em atitude de
afronta à lei e à sociedade, pois o dano teve origem de uma ação malfadada do
Estado. Trata-se de aplicar a Teoria do risco da Atividade.

É dever do Poder público exercer suas atividades com absoluta segurança,


principalmente se tal atividade for geradora de risco ou de perigo para a sociedade.
A atividade policial, por si só, é uma atividade de alto risco. Destarte, sempre que
o dano resultar dessa atividade estatal, haverá o dever de indenizar objetivamente
a vítima atingida por projetil, quando houver a denominada “troca de tiros” entre
agentes do Estado e criminosos, pois não há dúvidas que a atividade dos agentes é
fator que contribuirá de forma decisiva para que o dano ocorra.

Somente quando não houver atividade de agentes do Estado e a bala atingir


o cidadão inocente é que não se pode responsabilizar o Estado, pois ele não é
segurador universal de toda e qualquer situação desagradável que ocorra na
sociedade. Assim, se o cidadão é atingido por disparo de arma de fogo realizado
por criminoso em troca de tiros com quadrilha rival, sem qualquer atividade
policial envolvida no evento, a responsabilidade não pode ser atribuída ao Estado,
pelo fato de não ter contribuído para o evento danoso. A jurisprudência dos nossos
Tribunais inclina-se para este entendimento:
[…] Responsabilidade Civil do Estado. Danos Materiais e Morais. Ação
Policial. Perseguição em Via Pública. Vítima atingida por Projétil de Arma de
Fogo. Bala perdida. Indenização por Danos Morais e Materiais. Configuração
(….) O ponto central de controvérsia nos autos se concentra na existência ou
não de responsabilidade civil do Estado quando agentes públicos (policiais
militares), empreendendo perseguição a bandidos, com estes trocam tiros em via
pública de alto tráfego de veículos e pedestres, resultando, desse roteiro, lesões
de natureza grave em terceiro, vítima inocente […] A responsabilidade civil do
Estado, pelos danos causados a terceiros, decorrentes da atuação dos agentes
públicos, nessa qualidade, é objetiva” (REsp 1056605–RJ, Relator Ministro Luiz
Fux, Primeira Turma do STJ) […].

[…] RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – CONFRONTO


ENTRE POLICIAIS E TRAFICANTES – BALA PERDIDA MORTE DA
FILHA DOS AUTORES – NEXO DE CAUSALIDADE DEVER DE
INDENIZAR – PENSIONAMENTO – DANO MORAL. Havendo confronto
entre o Estado-polícia e traficantes, trazendo a morte de menor, que nada tinha
haver com o fato, impõe se o dever de indenizar ao Estado, independentemente
da bala ter sido desferida por arma de policial ou de traficantes. Risco da
atividade que dá causa ao dano, impondo o dever de indenizar. Precedentes.
Reparação material – pensionamento – que impõe prova. Ausência de presunção
de dano. Reparação moral bem mensurada. Conhecimento e provimento parcial
do recurso. Apelação Civil n.0056609-59.2004.8.19.0001 (2008.001.58356) –
DES. RICARDO COUTO – Julgamento: 21/01/2009 – SÉTIMA CÂMARA
CÍVEL-TJRJ […].

Fácil, assim, perceber que não adianta o Estado alegar fato de terceiro ou
fortuito, especificamente nos casos de confronto entre marginais e agentes do
Estado, para se eximir da responsabilidade de indenizar, pois a responsabilidade
será objetiva e decorrerá do risco da atividade estatal. Excepcionalmente, quando
não houver intervenção do Estado no fato danoso é que sua responsabilidade estará
afastada. Espero ter sido claro nesta breve abordagem do assunto e coloco-me à
disposição para o debate sobre o tema.

Fonte: Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 55, p. 01-11, jul.-set.


2011.

DOIS ENTENDIMENTOS DO STJ:

Informativo nº 0386
Período: 9 a 13 de março de 2009.

PRIMEIRA TURMA

RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTADO. BALA PERDIDA.

Cuida-se de ação de indenização por danos físicos, psicológicos e estéticos contra o Estado,
ajuizada por vítima de disparo de arma de fogo efetuado por policial militar, em razão de perseguição
policial contra assaltantes. Para o Min. Relator, a prescrição da ação indenizatória teve como lastro inicial
o momento da constatação das lesões sofridas e de suas consequências. Tendo a recorrida ajuizado a ação
em 13/1/2004, revela-se inocorrente a prescrição, porquanto o completo delineamento das lesões sofridas
e a constatação da irreversibilidade de seu quadro clínico deram-se no ano de 2002. Quanto à ofensa do art.
264 do CPC, sob o fundamento de que o acórdão recorrido entendeu pela conduta comissiva do Estado e
de que a parte alega, na inicial, a existência de omissão, transmudando-se de ofício a causa de pedir após
já contestada a lide, o Min. Relator entende que as razões não prosperam, uma vez que eventual modificação
do dispositivo legal aplicável ou a mudança de caracterização jurídica do fato base pedido não incidem
sobre o veto do art. 264 do CPC. Quanto à alegada ofensa dos arts. 603 e 610 do CPC, entendeu o Min.
Relator que a adoção do princípio tempus regit actum pelo art. 1.211 do CPC impõe obedecer ao fato de
que a lei em vigor regula os recursos cabíveis quando da prolação do ato decisório. No caso, o acórdão
recorrido que examinou a controvérsia foi proferido em 24/8/2006, posteriormente, portanto, à revogação
dos dispositivos indicados como violados. Os elementos de convicção já existentes nos autos permitem
configurar o fato administrativo (a perseguição policial e o tiroteio em via pública), o dano (lesões sofridas
pela vítima) e o nexo causal (que tais lesões decorrem de errôneo planejamento de ação policial, com
veementes indícios de que o projétil de arma de fogo que atingiu a autora teria sido disparado de armamento
utilizado pelos policiais militares). Diante disso, a Turma conheceu parcialmente do recurso do Estado e,
nessa parte, negou-lhe provimento. REsp 1.056.605-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
10/3/2009.
Informativo nº 0364 Período: 18 a 22 de agosto de 2008.

PRIMEIRA TURMA

RESPONSABILIDADE. ESTADO. “BALA PERDIDA”.

Trata-se de ação indenizatória em que se busca do Estado a reparação de danos materiais e morais
decorrentes da morte de menor que foi atingido por "bala perdida" disparada por outro menor que se
encontrava foragido de estabelecimento destinado ao cumprimento de medida sócio-educativa de
semiliberdade. Assim, no caso, não há como afirmar que a deficiência do serviço do Estado, de permitir
que o menor que vinha cumprindo medida sócio-educativa em regime de semi-liberdade permanecesse
foragido, tenha sido causa direta e imediata do tiroteio durante o qual a "bala perdida" resultou na morte
de outro menor, nem que esse tiroteio seja efeito necessário da referida deficiência. Logo, ausente o nexo
causal, afasta-se a responsabilidade do Estado. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, negou provimento ao recurso. REsp 858.511-DF, Rel. originário Min. Luiz
Fux, Rel. para acórdão Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 19/8/2008.

10.7 – AGENTES PÚBLICOS E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO


ESTADO

A configuração da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito


público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos
está necessariamente relacionada à ação ou omissão de determinado agente público
no exercício da atividade administrativa. Portanto, o agente público ocupa papel
de destaque na responsabilização do Estado.

10.7.1 – Dualidade de regimes de responsabilidade civil no art. 37, § 6º, da


CRFB/88: Responsabilidade Objetiva do Estado e Responsabilidade
Subjetiva do Agente Público
O art. 37 § 6º, da CRFB consagra dois regimes jurídicos distintos de
responsabilidade:

1) Responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas


jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos; e

2) Responsabilidade pessoal e subjetiva dos agentes públicos.

A norma constitucional, ao tratar da responsabilidade pessoal dos agentes públicos,


exigiu a comprovação do dolo ou culpa, sem qualquer gradação do elemento
subjetivo. Contudo, o art. 28 da LINDB (Lei de Introdução às Normas de Direito
Brasileiro) exige a demonstração do dolo ou erro grosseiro (culpa grave) para
responsabilização dos agentes públicos, o que pode gerar dúvidas quanto à sua
constitucionalidade.

Art. 28, da LINDB: “O agente público responderá pessoalmente por suas decisões
ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

O art. 28 foi motivo de grande questionamento, visto que responsabiliza o agente


público em caso de dolo ou erro grosseiro. Mas vale enfatizar que esta
responsabilização pessoal, não retira a responsabilidade do Estado por atos de seus
agentes, conforme prevê o artigo 37,§ 6º da Constituição.

No entendimento do Rafael Carvalho Rezende Oliveira, não há ofensa ao texto


constitucional na gradação da culpa, por parte do legislador ordinário, para
responsabilização pessoal do agente público, notadamente pela razoabilidade da
restrição.

(“Aliás, não seria a primeira restrição fixada pelo legislador infraconstitucional na


configuração da responsabilidade pessoa e subjetiva de agentes públicos.
Mencione-se, por exemplo, a responsabilidade dos magistrados (art. 143 do
CPC/2015 e art. 49 da LC 35/1979) e dos membros do MP (art. 181 do CPC/2015)
que está, tradicionalmente, condicionada à comprovação do dolo ou fraude.
Proteção semelhante é assegurada aos advogados públicos (art. 184 do CPC/2015)
e defensores públicos (art. 187 do CPC/2015)”.

O VOCÁBULO “AGENTES” E SEU ALCANCE:

A responsabilidade do Estado relaciona-se à atuação de todo e qualquer agente


público. Por essa razão, o art. 37 § 6º, da CRFB utiliza o vocábulo “agentes”, que
tem conteúdo abrangente e engloba toda e qualquer pessoa física no exercício da
função pública: agentes públicos de direito (agentes políticos: servidores públicos
estatutários, celetistas e temporários; e particulares em colaboração) e de fato
(putativos e necessários).

(Em relação aos agentes de fato putativos, a responsabilidade funda-se na teoria da


aparência – o particular tem aparência de servidor público – e na boa-fé dos
terceiros. Por outro lado, quanto aos agentes de fato necessários, a
responsabilidade é justificada pelo funcionamento inadequado do serviço que
contribuiu para situação emergencial).

O Estado somente será responsabilizado se o dano for causado por agente público
“nessa qualidade” (art. 37, § 6º, da CRFB), ou seja, deve haver uma ligação direta
entre o dano e o exercício da função pública ainda que o servidor esteja fora de sua
jornada de trabalho. Dessa forma, os atos praticados por agentes em suas vidas
privadas, oriundos de sentimentos pessoais, sem relação com a função púbica, não
acarretam responsabilidade do Estado, mas responsabilidade pessoa do agressor
na forma do Código Civil.

(O STF condenou o Estado por atuação de policial que, em seu período de folga e
em trajes civis, efetua disparo com arma de fogo pertencente à sua corporação,
causando a morte de pessoa inocente (STF, RE 291.035/SP, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 06.04.2006, p. 104, Informativo de Jurisprudência do STF n. 421). Em
outra oportunidade, o STF afastou a responsabilidade do Estado na hipótese em
que policial, utilizando-se de arma da corporação, causa dano à amante por
motivos sentimentais (STF, 1ª Turma, RE 363423/SP, Rel. Min. Carlos Britto,
DJe-047 14.03.2008, p. 467, Informativo de Jurisprudência do STF n. 370). No
segundo caso, o agente atuou por sentimento pessoal sem exercer a função pública
ou praticar ato administrativo).

10.7.2 – REPARAÇÃO DO DANO E AÇÃO REGRESSIVA EM FACE DO


AGENTE PÚBLICO

A reparação do dano pode ser feita na via administrativa (através de um acordo


administrativo) ou na via judicial.

O agente público, em caso de dolo ou culpa, pode causar danos ao Estado ou a


terceiros.

O agente público que causar danos ao Estado – a responsabilidade será apurada


por meio de processo administrativo, com ampla defesa e contraditório. Constatada
a responsabilidade subjetiva do agente, o pagamento poderá ser realizado
espontaneamente ou, caso contrário, por via judicial.

OBSERVAÇÃO: É ilegal impor o desconto em folha de pagamento dos agentes


públicos do valor relativo ao ressarcimento ao erário, salvo se houver prévia
autorização do agente ou procedimento administrativo com ampla defesa e
contraditório.

Quando o agente público causar danos a terceiros – o terceiro, vítima do dano,


poderá demandar em face do Estado (responsabilidade objetiva) ou do próprio
agente púbico (responsabilidade subjetiva), salvo nos casos em que for adotada a
teoria da dupla garantia quando a única via seria o direcionamento do pedido de
reparação em face do Estado.
De qualquer forma, o Estado, após indenizar a vítima, tem o dever de cobrar,
regressivamente, o valor desembolsado perante o respectivo agente público,
causador efetivo do dano, que agiu com dolo ou culpa.

O direito de regresso do Estado em face do agente público surge com o efetivo


pagamento da indenização à vítima. Não basta, portanto, o trânsito em julgado da
sentença que condena o Estado na ação indenizatória, pois o interesse jurídico na
propositura da ação regressiva depende do efetivo desfalque nos cofres públicos.
A propositura da ação regressiva antes do pagamento poderia caracterizar
enriquecimento sem causa do Estado.

A cobrança regressiva em face do agente público deve ocorrer, inicialmente, na


esfera administrativa. No caso de acordo administrativo, o agente providenciará o
ressarcimento aos cofres públicos. Ausente o acordo, o Poder Público deverá
propor a ação regressiva em face do agente público culpado.

ATENÇÃO:

Alguns doutrinadores e jurisprudência entendem que a ação de ressarcimento


proposta pelo Poder Público em face de seus agentes é IMPRESCRITÍVEL, tendo
em vista o que prevê a parte final do § 5º, do art. 37, da CRFB. O STF decidiu que
é prescritível (prazo de três anos, na forma do art. 206 § 3º, V, do Código Civil) a
ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil originado
de acidente de trânsito.

§ 5º, do art. 37, CRFB. “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos
praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário,
ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
Registre-se que a referida decisão da Suprema Corte foi proferida em ação de
ressarcimento proposta pela União em face de uma empresa de transporte
rodoviário e de motorista a ela vinculado, em virtude de acidente automobilístico,
mas a tese da prescritibilidade, em princípio, poderia ser aplicada às ações
propostas pelo Poder Público em face de seus servidores em situações semelhantes.

O STF decidiu que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário público


fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa,
submetendo-se, contudo, à prescrição a pretensão de ressarcimento ao erário
público fundada em ato culposo de improbidade.

E- mail: leila_leiva@yahoo.com.br

Professora Leila Leiva

AULA 1 – CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

(Item 11 do Edital)

11.1. Controle (Espécies);

11.2. Autocontrole (controle interno), controle externo e controle


social;

(11.3. Controle preventivo e repressivo; - É MATÉRIA DE DIREITO


CONSTITUCIONAL – não é da prova de administrativo)

11.3. Controle preventivo, concomitante e posterior;

11.4. Controle de legalidade e controle de mérito;


11.5. Controle administrativo

11.5.1. Conceito;

11.5.2. Tutela e autotutela administrativa;

11.5.3. Meios de controle administrativo;

11.5.4. Controle do Tribunal de Contas;

11.5.4.1. Conceito e visão geral;

11.5.4.2. Critérios do controle: legalidade, legitimidade e


economicidade.

CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

11.1. Controle (Espécies):

O controle da ação administrativa pode ser classificado a partir de


vários critérios:

11.2. Autocontrole (controle interno), controle externo e controle


social:

Quanto ao órgão, entidade ou pessoa responsável por sua


efetivação, o controle pode ser dividido em três categorias:

a) autocontrole (ou controle interno): é efetivado pelo próprio


Poder Executivo; é todo aquele realizado pela própria Administração,
mais especificamente dentro de um mesmo Poder.
É o controle que cada um dos poderes (Executivo, Judiciário e
Legislativo, quando estão exercendo a função administrativa) exerce
sobre seus próprios atos e agentes.

Ex: Exemplo atual é do Desembargador que humilhou o Guarda


Municipal. Compete ao próprio órgão administrativo do Poder
Judiciário apreciar e julgar a conduta do Desembargador.

Ex: Corregedoria da PMERJ controlando (fiscalização e revisão) os


atos dos policiais militares.

Ex: Corregedoria do Judiciário controlando os atos dos serventuários


da justiça.

O Controle Interno está previsto na Constituição Federal, no caput do


art. 74:

Art. 74. “Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de


forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:”

b) controle externo: é exercido pelo Poder Judiciário e pelo Poder


Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas respectivo; é
exercido por órgão integrante a Poder distinto do órgão responsável
pela prática do ato controlado. É quando um órgão fiscalizador se
situa fora do âmbito do Poder controlado. O controle é exercido por
um Poder sobre os atos administrativos praticados por outro Poder.

Ex: Anulação judicial de ato da Administração Pública (ação judicial


para anular um ato ilegal de exclusão ou para requerer a reintegração
do policial), é exemplo da fiscalização do órgão do Poder Judiciário
na prática de um ato do Poder Executivo. É a anulação de um ato do
Poder Executivo por decisão judicial (Poder Judiciário).
Ex: Controle da Administração Pública Direta sobre a Indireta
(Atenção: Não existe hierarquia, mas há controle).

Ex: Controle do Judiciário sobre atos do Executivo.

Ex: TCU controlando atos do executivo ou judiciário.

Ex: A sustação, pelo Congresso Nacional, de atos normativos do


Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (Art. 49, V,
CRFB).

Ex: O julgamento anual, pelo Congresso Nacional, das contas


prestadas pelo Presidente da República e a apreciação dos relatórios
por ele apresentados, sobre a execução dos planos de governo (Art.
49, IX).

Ex: A auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União sobre


despesas realizadas pelo Poder Executivo federal.

c) controle social: é implementado pela sociedade civil (é aquele


exercido pelos cidadãos), por meio da participação nos processos de
planejamento, acompanhamento, monitoramento e avaliação das
ações da gestão pública e na execução das políticas e programas
públicos (ex.: participação em consulta pública ou audiência pública;
direito de petição ou de representação etc.)

Esse controle só é possível através do Princípio da Publicidade (onde


todos os atos administrativos devem ser públicos para ciência dos
cidadãos).

Ex: LEI 13.869/2019 – que dispõe sobre os crimes de abuso de


autoridade.
EX: Lei 8.429/92 – que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos
agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do
mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,
indireta ou fundacional.

Ex: Art. 31, § 3º, da CRFB:

“Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder


Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de
controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

(...)

§ 3º As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias,


anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e
apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos
da lei.”

Ex: Participação em consulta pública ou audiência pública;

Ex: Direito de petição ou de representação etc.

11.3. No Direito Administrativo temos:

Quanto ao momento do controle:

a) CONTROLE PRÉVIO OU PREVENTIVO;

B) CONTROLE CONCOMITANTE; e

C) CONTROLE POSTERIOR
a) CONTROLE PRÉVIO OU PREVENTIVO – também chamado de
controle a priori, é aquele realizado antes do ato controlado. É o
controle exercido antes da publicação do ato administrativo.

Ex: Mandado de Segurança impetrado para impedir a prática de ato


ilegal, como por exemplo impedir que um aluno se forme na
faculdade porque está em débito com as mensalidades.

Ex: Mandado de Segurança para garantir que o aluno se forme no


CFS, pois ele foi matriculado no CFS por força de liminar, mas, no
decorrer do curso de formação a liminar foi cassada, porém, a PM
manteve o aluno no curso até o final, só que 1 dia antes da formatura
avisou que ele não participaria da formatura. Nesse caso, coube
mandado de segurança para garantir que o aluno participasse da
formatura com os demais colegas de turma.

São exemplos de controles exercidos ANTES de ocorrer o ato


administrativo (ato controlado).

B) CONTROLE CONCOMITANTE – é promovido


concomitantemente (simultaneamente, ao mesmo tempo) à
execução da atividade controlada.

Ex: Fiscalização durante a execução de uma obra pública.

Ex: Fiscalização de um contrato em andamento.

Ex: Fiscalização das obras do Maracanã.

Ex: Fiscalização dos hospitais de campanha.


C) CONTROLE POSTERIOR – também é conhecido como controle
a posteriori, é aquele que é realizado após a prática do ato
controlado. Implementado sobre o ato administrativo existente, o que
pressupõe a sua publicação.
Ex: Ação popular proposta visando anular ato lesivo ao patrimônio
público.

“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular


que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de
que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência;”

Ex: Mandado de segurança para garantir a matrícula do aluno


(policial) no CAS, por exemplo.

11.4. Controle de legalidade e controle de mérito;

Por fim, quanto ao parâmetro do controle sobre a atuação


administrativa, este tem sido dividido pela doutrina em duas
categorias:

- Controle de Legalidade;

- Controle de Mérito.

Controle de Legalidade - analisa a compatibilidade da atuação


administrativa com o ordenamento jurídico.

O controle de legalidade pode ser exercido pela própria


Administração ou pelo Poder Judiciário.
É a verificação, no âmbito interno (autotutela administrativa) ou
externo, da compatibilidade formal do ato administrativo com a
legislação infraconstitucional.

É aquele em que o órgão controlador faz o confronto entre a conduta


administrativa e uma norma jurídica vigente e eficaz, que pode estar
na Constituição, na lei ou em ato administrativo impositivo de ação
ou de omissão. Verificada a incompatibilidade da ação ou omissão
administrativa com a norma jurídica, deve ser revista a conduta de
quem a praticou por ser ilegítima.

O controle de legalidade dos atos da Administração pode ser interno


ou externo, ou seja, pode ser processado pelos órgãos da mesma
Administração ou por órgãos de Poder diverso.

O controle de legalidade visa analisar a conformidade dos atos


estatais com as normas e os princípios, podendo ser exercido tanto
de maneira interna (autotutela) quanto de forma externa pelo Poder
Judiciário. Caso confirmada a ilegalidade, deverá o ato ser anulado.

Assim, o Legislativo, Judiciário e a própria Administração podem


exercer o controle de legalidade.

O art. 103-A, § 3º, da CRFB, introduzido pela EC nº 45/2004


(Reforma do Judiciário), prevê a anulação do ato administrativo que
ofenda súmula vinculante, ou lhe dê aplicação indevida, como
mecanismo de controle de legalidade.

Art. 103-A “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por


provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros,
após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar
súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual
e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na
forma estabelecida em lei. (Incluído pela EC 45/2004)

(...)

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula


aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao
Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará
que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula,
conforme o caso.

SÚMULA VINCULANTE – é o conjunto de decisões de um Tribunal


Superior. (Ou seja, são necessárias várias decisões judiciais iguais).
Essas decisões tratam do mesmo tema e deverão ser julgados da
mesma maneira.

Quando existem muitas decisões judiciais iguais sobre casos


concretos idênticos, formam a súmula vinculante, que é uma norma
jurídica que define como determinada situação deve ser decidida
dentro de um processo.

A súmula vinculante tem força de lei e determina como aquele caso


concreto deve ser julgado, não admitindo qualquer outra decisão
diferente, a menos que o caso concreto em questão seja diferente do
que formou a súmula vinculante.

Por fim, a súmula vinculante tem efeito erga omnes, isto é, “para
todos”. Assim, o conteúdo da súmula vinculante deve alcançar todos
os casos concretos idênticos.
O objetivo da criação da súmula vinculante é diminuir a insegurança
jurídica, causada por diferentes interpretações da mesma lei sobre
casos concretos idênticos.

Igualmente, a súmula vinculante garante mais uniformidade nas


interpretações da lei nos casos concretos entre os órgãos do Poder
Judiciário e da própria Administração Pública.

CONTROLE DE LEGALIDADE
Pode ser realizado pela:
Administração Judiciário Legislativo
(Executivo)
Súmula 346 ART. 5º, XXXV, CRFB Quando a Constituição
Federal autorizar
STF 346: “A Art. 5º, XXXV, CRFB:
Administração Pública “A lei não excluirá da
pode declarar a nulidade apreciação do Poder
dos seus próprios atos”. Judiciário lesão ou
ameaça a direito”.
Atualmente fala-se em Controle de Legalidade em Sentido Amplo,
isto é, lei mais regras e princípios constitucionais. Sempre que há
ilegalidade no ato administrativo, deverá ocorrer a anulação do ato.

Instrumentos para controle dos atos administrativos


Administração Judiciário Legislativo
(Executivo)
Autotutela Mandado de Tribunal de Contas,
Segurança, por por exemplo.
exemplo.
Ex de controle de legalidade: Anulação da reprovação de candidato
da prova da PMERJ por possuir tatuagem ou por ter sido reprovado
na pesquisa social.
Ex: Ação de reintegração do policial excluído indevidamente.
(Exemplo do Poder Judiciário fazendo o controle de legalidade do ato
de exclusão do policial militar, desde que o ato administrativo da
exclusão do policial militar tenha sido ilegal, incompatível com a
norma jurídica).

Controle de Mérito - (conveniência e oportunidade) – é exercido


somente pela própria Administração quanto aos juízos de
conveniência e oportunidade de seus atos. Trata-se, portanto, de
atuação discricionária, exercida sobre atos discricionários.

Não se admite controle do mérito de atos administrativos pelo Poder


Judiciário, exceto quanto aos atos praticados pelo próprio Judiciário
no exercício de função atípica, ou seja, de função administrativa.

IMPORTANTE: O controle de mérito é realizado somente pela


Administração Pública (Poder Executivo), não podendo o Judiciário
interferir para não violar o Princípio da Separação dos Poderes, no
art. 2º, da CRFB.

Art. 2º “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si,


o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Quando o ato administrativo não for mais conveniente ou oportuno,


a Administração Pública faz uso da REVOGAÇÃO (Súmula 473 do
Supremo Tribunal Federal – STF):

Súmula 473 STF: “A administração pode anular seus


próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-
los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos
os casos, a apreciação judicial.”

Essa súmula traduz a ideia do princípio da autotutela, pelo qual a


própria Administração poderá reanalisar os seus atos sem que para
isso tenha de recorrer ao Poder Judiciário.

Ex: Revogação de ato administrativo que submeteu o policial militar


a Conselho de Disciplina. (lembrar que a própria administração pode
revogar seus atos).

Outros exemplos:

1) Executivo controlando legislativo: Veto às leis.

2) Executivo controlando judiciário: nomeação dos ministros do STJ


e STF.

3) Legislativo controlando o executivo: Lei orçamentária. Aprovação


de contas pelo legislativo. No crime de responsabilidade quem julga
o Presidente é o Senado (Câmara dos Deputados autoriza a
instauração do processo e o Senado Federal julga efetivamente).
Legislativo também controla o executivo através da sustação dos
atos normativos que exorbitem o poder regulamentar.

4) Legislativo sobre judiciário: Controle financeiro e orçamentário (lei


orçamentária). Aprova as contas do PJ.

5) Judiciário controlando executivo e legislativo: Quando controla a


legalidade dos atos. Controle concentrado de constitucionalidade.

6) O Judiciário examina a legalidade de atos administrativos em


mandado de segurança (art. 5º, LXIX (69), da CRFB).

7) O Legislativo, através do seu Tribunal de Contas, aprecia a


legalidade dos atos de admissão de pessoal (art. 71, III, da CRFB).
Art. 71. “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será
exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual
compete:

(...)

III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão


de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta,
incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público,
excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão,
bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e
pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o
fundamento legal do ato concessório”;

CONTROLE ADMINISTRATIVO

LEGALIDADE MÉRITO
Verifica se o ato administrativo Analisa a conveniência e a
é lícito ou não. oportunidade de ato válido.
PODE SER REALIZADO
 Pela própria  Pela própria
Administração Pública; ou
Administração Pública.
 Pelo Poder Judiciário.

Então, Controle Administrativo é controlar, é a necessidade de


analisar, fiscalizar, revisar a atuação estatal de forma a evitar abusos
por parte dos agentes, órgãos e entes administrativos.
11.5. Controle administrativo

A exteriorização da vontade administrativa pode ocorrer de diversas


formas, notadamente por meio de manifestações unilaterais (atos
administrativos) e bilaterais (contratos da Administração).

11.5.1. Conceito

“Controle administrativo é a prerrogativa reconhecida à


Administração Pública para fiscalizar e corrigir, a partir dos critérios
de legalidade ou de mérito, a sua própria atuação”. Rafael Carvalho
Rezende Oliveira

“O conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos


quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade
administrativa em qualquer das esferas de Poder”. José dos Santos
Carvalho Filho

“Conjunto de instrumentos que o ordenamento jurídico estabelece a


fim de que a própria administração pública, os Poderes Judiciário e
Legislativo, e ainda o povo, diretamente ou por meio de órgãos
especializados, possam exercer o poder de fiscalização, orientação
e revisão da atuação administrativa de todos os órgãos, entidades e
agentes públicos, em todos os Poderes e níveis da Federação”.
Marcelo Alexandrino & Vicente Paulo
É o controle interno que a própria Administração Pública faz em
relação aos seus próprios atos. Está fundamentado no poder da
autotutela, exercido pelo Poder Executivo e pelos órgãos
administrativos dos Poderes Legislativo e Judiciários sobre suas
próprias condutas, observando os aspectos de legalidade e de mérito
administrativo (conveniência e oportunidade administrativas).

O controle administrativo típico (próprio) é aquele realizado pelo


Poder Executivo sobre os atos de seus próprios órgãos e entidades.
Entretanto, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário também realizam
controle administrativo (de forma atípica), quando, exercendo função
administrativa, fiscalizam os atos administrativos editados pelos seus
próprios órgãos.

É o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos


quais se exerce o poder de FISCALIZAÇÃO e de REVISÃO da
atividade e ato administrativo em qualquer das esferas do poder.

Quando, por exemplo o Poder Legislativo aprecia a legalidade ou o


mérito de um ato administrativo oriundo de um dos seus órgãos, está
realizando controle administrativo.

Ex¹: Quando uma autoridade do Legislativo, por exemplo um


deputado, exonera um servidor que foi nomeado para cargo em
comissão (é feito controle de mérito, ou seja, de conveniência e
oportunidade).
Ex²: Quando a corregedoria do Legislativo de um município anula um
concurso público realizado para preenchimento de cargos efetivos na
respectiva câmara municipal, no qual foi constatado uma
irregularidade (é feito o controle de legalidade), sendo então exercido
controle administrativo.

Igualmente, é controle administrativo aquele exercido pelo Poder


Judiciário, quando atua no exercício de função administrativa sobre
os seus próprios atos de natureza administrativa, função essa atípica.

Ex¹: Quando o diretor da secretaria de uma determinada vara da


Justiça do Trabalho revoga uma portaria de delegação de
competência que editara a fim de transferir a um subordinado o
exercício de uma de suas atribuições legais (está realizando o
controle de mérito).

Ex²: Quando a autoridade competente para homologar uma licitação


realizada por um tribunal do Poder Judiciário verifica uma
irregularidade no procedimento e anula a licitação (é feito o controle
de legalidade), estando assim ocorrendo o controle administrativo.

O controle administrativo (da própria Administração Pública) é um


controle de legalidade e de mérito. É sempre um controle interno,
porque é realizado por órgãos integrantes do mesmo Poder que
praticou o ato.

PALAVRAS-CHAVE QUE DEFINEM O CONTROLE


ADMINISTRATIVO É:

FISCALIZAÇÃO e REVISÃO
FUNDAMENTOS DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA:

LEGALIDADE e EFICIÊNCIA

A FINALIDADE DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


É O:

INTERESSE PÚBLICO

11.5.2. Tutela e autotutela administrativa

“O controle exercido pela Administração Direta (União, Estados,


Distrito Federal e Municípios) sobre os atos praticados pelas
entidades que integram a Administração Indireta denomina-se tutela
administrativa ou, em âmbito federal, supervisão ministerial.” Rafael
Carvalho Rezende Oliveira.

Consiste este princípio no poder-dever que a Administração Pública


tem de controlar seus próprios atos, revendo-os e anulando-os
quando houverem sido praticados com alguma ilegalidade. Dessa
forma, a autotutela funda-se no princípio da legalidade administrativa:
se a Administração Pública só pode agir dentro da legalidade, é de
se considerar que os atos administrativos que dela fujam devam ser
revistos e anulados, sob pena de afronta ao ordenamento jurídico.

O controle administrativo deriva do poder de AUTOTUTELA que a


administração pública tem sobre seus próprios atos e agentes, e está
sintetizada na Súmula 473 do STF:

“A Administração pode anular seus próprios atos,


quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque
deles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados
os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos,
a apreciação judicial”.

Normalmente, o poder de autotutela é exercido por órgãos superiores


em relação aos inferiores e por órgãos especializados (controle
técnico, auditorias etc).

O poder de autotutela encontra fundamento nos princípios a que se


submete a Administração Pública, em especial o da legalidade e o da
predominância do interesse público, dos quais decorrem todos os
demais.

Com efeito, se a Administração está sujeita à observância da lei e à


consecução do interesse público, não há por que negar-lhe o controle
sobre os próprios atos para assegurar a observância daqueles
princípios, mesmo porque, não o fazendo, sujeita-se ao controle
pelos demais Poderes, aumentando os ônus do Estado na missão
suprema de tutela do direito.

Esse controle sobre os próprios atos administrativos pode ser


exercido ex officio, quando a autoridade competente constatar a
ilegalidade de seu próprio ato ou de ato de seus subordinados; e
pode ser provocado pelos administrados por meio dos recursos
administrativos.

O controle administrativo pode ser feito de ofício, quando a iniciativa


é da própria administração pública) ou mediante requerimento, isto
é, por provocação dos administrados através de reclamações,
representações, impugnações, recursos e petições administrativas
de um modo geral.

CONTROLE ADMINISTRATIVO

REQUERIMENTO OFÍCIO

É comum aparecer em prova estas duas súmulas do STF:

SÚMULA 346 SÚMULA 473


A Administração Pública pode A Administração pode anular
declarar a nulidade de seus seus próprios atos, quando
próprios atos. eivados de vícios que o tornem
ilegais, porque deles não se
originam direitos; ou revoga-los,
por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os
direitos adquiridos, e
ressalvada, em todos os casos,
a apreciação judicial.

Também encontramos no artigo 53, da Lei nº 9.784/1999:

“A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de


vício de legalidade, e pode revoga-los por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.”

Então temos a SÚMULA 346, a SÚMULA 473 e o artigo 53, da Lei


nº 9.784/1999 todos tratando da autotutela.

Ao se valer das formas de extinção dos atos administrativos -


anulação e revogação, a administração pública está exercendo
controle interno que lhe é conferido por meio do Princípio de
Autotutela.

ANULAÇÃO: Um ato é nulo quando afronta a lei, quando foi


produzido com alguma ilegalidade. Pode ser declarada pela própria
Administração Pública, no exercício de sua autotutela, ou pelo
Judiciário.

Opera efeitos retroativo, “ex tunc”, como se nunca tivesse existido,


exceto em relação a terceiros de boa-fé. Entre as partes, não gera
direitos ou obrigações, não constitui situações jurídicas definitivas,
nem admite convalidação.
REVOGAÇÃO: Revogação é a forma de desfazer um ato válido,
legítimo, mas que não é mais conveniente, útil ou oportuno. Como
é um ato perfeito, que não mais interessa à Administração Pública,
só por ela pode ser revogado, não cabendo ao Judiciário fazê-lo,
exceto no exercício de sua atividade secundária administrativa, ou
seja, só pode revogar seus próprios atos administrativos.

Assim, seus efeitos são proativos, “ex nunc”, sendo válidas todas as
situações atingidas antes da revogação. Se a revogação é total,
nomeia-se ab-rogação; se parcial, chama-se derrogação.

O CONTROLE ADMINISTRATIVO PODE SER:

- HIERÁRQUICO; ou

- NÃO-HIERÁRQUICO

- HIERÁRQUICO

É o controle entre os órgãos da Administração Direta que sejam


escalonados verticalmente, em cada Poder. Na Administração
Indireta o controle também é escalonado verticalmente, no âmbito
interno da própria entidade.

Para existir hierarquia é necessário que se trate de órgãos e agentes


da mesma pessoa jurídica, mas, também, que, na estrutura
organizacional dessa pessoa jurídica, esses órgãos e agentes
estejam localizados na mesma linha hierárquica. Só nesse caso é
possível falar em escalonamento vertical, em linha de comando, em
relação superior-subordinado.

- NÃO-HIERÁRQUICO

a) Entre órgãos que, embora integrem uma só pessoa jurídica, não


estão na mesma linha de escalonamento vertical; e

b) Entre a Administração Direta e a Administração Indireta (tutela ou


controle finalístico).

Ressaltando que, tanto o controle hierárquico quanto o não-


hierárquico podem ocorrer de ofício, no exercício da denominada
fiscalização administrativa, ou ser provocados pelo administrado.

De uma forma geral, o meio que o administrado tem para provocar o


controle é através do direito de petição, previsto na Constituição
Federal, no seu art. 5º, inciso XXXIV, “a” – é assegurado a todos o
“direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de poder”.

11.5.3. Meios de controle administrativo

O controle administrativo é exercido, em regra, por meio de


processos administrativos, instaurados de ofício ou a requerimento
do interessado.

Existem diversos meios de controle administrativo:

* Direito de Petição
* Controle Ministerial – é o exercido pelos Ministérios sobre os
órgãos da Administração Pública Direta a eles vinculados e também
sobre as pessoas da Administração Indireta Federal - Na esfera
federal, esse controle é denominado de supervisão ministerial pelo
Decreto-lei nº 200, de 25-2-67.

* Hierarquia Orgânica ou Fiscalização Hierárquica – tem relação


com o chamado sistema organizacional da Administração; com o
escalonamento de seus órgãos; tudo isso como decorrência do
Poder Hierárquico da Administração, onde o agente de grau superior
fiscaliza os atos do agente de grau inferior.

CNJ – faz o controle administrativo. O CNJ – Conselho Nacional de


Justiça não pode fazer controle da função jurisdicional, o controle do
CNJ é da atividade administrativa.

* Controle Social – é o controle do Poder Público realizado pela


sociedade.

Art. 5º, LXXXIII, da CRFB: “qualquer cidadão é parte legítima para


propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e
do ônus da sucumbência;”

Ex: Leis de iniciativa popular, onde acabam por determinar que a


Administração realize determinada conduta.

Ex: § 3º, do artigo 37, da CRFB:

§ 3º “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na


administração pública direta e indireta, regulando especialmente:”
* Recursos Administrativos

* Coisa Julgada Administrativa – Quando inexiste, no âmbito


administrativo, possibilidade de reforma da decisão oferecida pela
Administração Pública, se está diante da coisa julgada administrativa.

Característica atribuída a determinada decisão tida como imutável


após o escoamento de todos os prazos para interposição de recursos
administrativos.

Ex: Quando transitar em julgado o auto de infração fiscal onde não


couber mais recurso, é o trânsito em julgado devido o esgotamento
das vias recursais.

* Prescrição Administrativa - Prescrição é a perda do direito de


ação por inércia (desinteresse) do seu titular

* DIREITO DE PETIÇÃO – art. 5º, XXXIV, “a”, da CRFB.

O direito de peticionar está ligado à possibilidade de pedir algo.


Assim, poderá o particular provocar a Administração Pública para
que esta controle seus atos. Esse entendimento é consagrado na
Constituição Federal.

Art. 5º, CRFB

“XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do


pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou


contra ilegalidade ou abuso de poder;”

Como é feito esse direito de petição?


Através dos recursos administrativos, onde o administrado, junto aos
órgãos da Administração, vai requerer a revisão de determinado ato
administrativo.

Em virtude do princípio da inafastabilidade, poderá o


interessado, a qualquer momento, buscar o Poder Judiciário
para solucionar um conflito decorrente de alguma ilegalidade,
não sendo necessário para tanto o esgotamento da via
administrativa, salvo em casos expressamente previstos na
Constituição como os relacionados à Justiça Desportiva.
Art. 217, § 1.º, CF/1988. O Poder Judiciário só admitirá ações
relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-
se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

Como consequência do direito de petição, surge para a


Administração o dever de oferecer uma resposta, pois, salvo
disposição legal em contrário, o silêncio administrativo não produz
nenhum efeito. Portanto, poderá o interessado buscar o Judiciário
para que este force o Poder Público a se pronunciar sobre o caso.

* RECURSOS ADMINISTRATIVOS:

O princípio do duplo grau de jurisdição garante aos interessados a


possibilidade de ter o processo revisto. Esse entendimento encontra-
se, inclusive, sedimentado no próprio Pacto de São José da Costa
Rica:

Art. 8.º, 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se


presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua
culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena
igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...]

h) Direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

Segundo a doutrina majoritária e os tribunais superiores, essa


garantia aplica-se tanto às ações judiciais quanto aos processos
administrativos. Corroborando com esse entendimento, o STF editou
a Súmula Vinculante 21.

“É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de


dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”.

Assim, não se podem instituir limitações indevidas ao direito de


recorrer, sob pena de afronta aos princípios do contraditório, ampla
defesa, devido processo legal e duplo grau de jurisdição.

O referido recurso pode ser interposto tanto em face de alguma


ilegalidade praticada pelo Poder Público quanto em relação à
ausência de conveniência e oportunidade na decisão prolatada. “Art.
56, Lei 9.784/1999. Das decisões administrativas cabe recurso, em
face de razões de legalidade e de mérito.”

* RECURSOS ADMINISTRATIVOS – tramitam somente na esfera


administrativa.

No direito administrativo temos:

- Representação;

- Reclamação;
- Pedido de Reconsideração; e

- Revisão.

- Representação:

É a denúncia de irregularidades, ilegalidades e condutas abusivas


perante a própria Administração. O denunciante pode ser qualquer
pessoa, ainda que não afetada pelo ato impugnado, que deverá
assinar a petição.

- Reclamação:

É o recurso interposto pelo interessado que foi atingido pelo ato


administrativo ou fato lesivo.

- Pedido de Reconsideração:

É o recurso dirigido à mesma autoridade que praticou o ato contra o


qual se insurge o recorrente, solicitando nova análise da matéria.

- Revisão:

É o recurso de que se utiliza o servidor público, punido pela


Administração, para solicitar novo exame da decisão, quando
surgirem fatos novos capazes de demonstrar a sua inocência.

Pode ser requerida a qualquer tempo, pelo próprio interessado, seu


procurador ou por terceiros, ou ainda ser declarada de ofício pela
própria Administração. Na revisão não poderá ocorrer reforma para
agravar a situação do recorrente.
No Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro,
no artigo 49 e parágrafos e no artigo 56, parágrafo único, do
RDPMERJ, temos como recursos administrativos disciplinares:

- Pedido de reconsideração (prazo de 2 dias úteis – art. 57,


RDPMERJ);

- Queixa (prazo de 5 dias úteis – art. 58, RDPMERJ); ou

- Representação (prazo de 5 dias – art. 58, RDPMERJ).

Esses 3 recursos acima não podem ser feitos coletivamente.

- PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO - é o recurso interposto mediante


requerimento, por meio do qual o Policial Militar, que se julgue, ou
julgue subordinado seu, prejudicado, ofendido ou injustiçado, solicita
à Autoridades que praticou o ato, que reexamine sua decisão e
reconsidere seu ato.
O pedido de Reconsideração de ato deve ser encaminhado através
da Autoridade a quem o requerente estiver diretamente subordinado.

- QUEIXA – é o recurso disciplinar, normalmente redigido sob forma


de ofício ou parte, interposto pelo Policial Militar que se julgue
injustiçado, dirigido diretamente ao Superior imediato da Autoridades
contra quem é apresentada a Queixa.

A apresentação da Queixa só é cabível após o pedido de


Reconsideração de ato ter sido solucionado e publicado em Boletim
da OPM onde serve o queixoso.

O queixoso deve comunicar, por escrito, à Autoridades de quem vai


se queixar, o objeto do recurso disciplinar que irá apresentar.
O queixoso deve ser afastado da subordinação direta da Autoridades
contra quem formulou o recurso, até que seja julgado. Deve, no
entanto, permanecer na localidade onde se situa à OPM em que
serve, salvo no caso de existência de fatos que contra-indiquem essa
permanência.

- REPRESENTAÇÃO - é o recurso disciplinar, normalmente redigido


sob forma de ofício ou parte, interposto por Autoridades que julgue
subordinado seu estar sendo vítima de injustiça ou prejudicado em
seus direitos, por ato de Autoridades Superior.

RECURSO HIERÁRQUICO: PRÓPRIO X IMPRÓPRIO

Quando falamos em recurso hierárquico, a primeira coisa que vem à


mente é uma estrutura verticalizada, pautada no poder hierárquico,
na qual o superior revisa os atos do subordinado. Nesse caso,
estamos diante do denominado: recurso hierárquico próprio.

Podemos citar, como exemplo, o caso de um secretário de segurança


pública (autoridade superior) que analisa os atos praticados pelo
delegado de determinada circunscrição.

Todavia, nem sempre existirá essa noção de hierarquia nos recursos


administrativos. Em casos excepcionais, autorizados expressamente
por lei, pode ser que uma autoridade revisora não seja superior
àquela prolatora da decisão. Nesse caso, teremos o recurso
hierárquico impróprio.

Imagine a seguinte situação: a autarquia “X” deu uma decisão


desfavorável a João, particular. Caso exista previsão legal, poderá o
interessado recorrer ao Ministério supervisor para tentar reverter a
sua situação.

Observe que entre a autarquia e o Ministério (órgão pertencente à


União) não existe hierarquia, mas apenas vinculação. Logo, caso um
recurso venha a ser admitido, será denominado recurso hierárquico
impróprio.

11.5.4. Controle do Tribunal de Contas

O Tribunal de Contas NÃO faz parte de nenhum dos três Poderes


(Executivo, Legislativo, Judiciário).

Ele é um órgão independente que auxilia o Poder Legislativo na


realização do controle externo referente à fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial de todas as
pessoas que recebam recursos públicos, sejam elas entes públicos
ou não.

11.5.4.1. Conceito e visão geral

Conceito: Os tribunais de contas são órgãos vinculados ao Poder


Legislativo, que o auxiliam no exercício do controle externo da
administração pública, sobretudo o controle financeiro.

Não existe hierarquia entre os Tribunais de Contas e o Poder


Legislativo.

Os Tribunais de Contas não praticam atos de natureza legislativa,


somente atos de fiscalização e controle, de natureza administrativa.
Os Tribunais de Contas são auxiliares do Poder Legislativo, como
prevê os artigos 70 a 75 da CRFB:

Art. 70. CRFB. “A fiscalização contábil, financeira, orçamentária,


operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e
indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das
subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,
mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica,


pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre
dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em
nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido


com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (competências
do Tribunal de Contas da União).

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República,


mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de
seu recebimento;

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por


dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas
as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e
as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade
de que resulte prejuízo ao erário público;

III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de


pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações
para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de
aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que
não alterem o fundamento legal do ato concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado
Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades
administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais
entidades referidas no inciso II;

V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo


capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado
constitutivo;

VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União


mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado,
ao Distrito Federal ou a Município;

VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por


qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a
fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre
resultados de auditorias e inspeções realizadas;

VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou


irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre
outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências


necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando


a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

Lembre-se que o Tribunal de Contas não pode sustar contratos,


sendo a competência para esse tipo de ação do próprio Congresso
Nacional.

LEMBRETE:

Sustar aTos = Tribunal de Contas


Sustar CONtratos = CONgresso Nacional

XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos


apurados.

§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente


pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as
medidas cabíveis.

§ 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa


dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá
a respeito.

§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa


terão eficácia de título executivo.

§ 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e


anualmente, relatório de suas atividades.

Art. 72. A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, §1º,
diante de indícios de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de
investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar
à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os
esclarecimentos necessários.

§ 1º Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes


insuficientes, a Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo
sobre a matéria, no prazo de trinta dias.

§ 2º Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que


o gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública,
proporá ao Congresso Nacional sua sustação.

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem
sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o
território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.
§ 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre
brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II - idoneidade moral e reputação ilibada;

III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros


ou de administração pública;

IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade


profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

§ 2º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado


Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério
Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os
critérios de antigüidade e merecimento;

II - dois terços pelo Congresso Nacional.

§ 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas


garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros
do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e
pensão, as normas constantes do art. 40. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)

§ 4º O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas


garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais
atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de


forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a


execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e
eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e
entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos
públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem


como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de


qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas
da União, sob pena de responsabilidade solidária.

§ 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte


legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante
o Tribunal de Contas da União.

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber,


à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados
e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos
Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais


de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros”.

Apesar de auxiliarem o Poder Legislativo em determinadas tarefas,


os Tribunais de Contas, em virtude da sua forte independência,
devem ser considerados órgãos constitucionais independentes que
não estão inseridos na relação hierárquica dos três Poderes.
ATENÇÃO: Apesar de ser considerado “tribunal” com atribuição para
“julgar” contas, o Tribunal de Contas não exerce função jurisdicional,
mas, sim, função administrativa de natureza técnica, razão pela qual
a validade dos seus atos pode ser apreciada pelo Poder Judiciário.

Súmula 347 STF – “O Tribunal de Contas, no exercício de suas


atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos
do poder público.”

Art. 113, da Lei nº 8.666/93:

Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e


demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de
Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os
órgãos interessados da Administração responsáveis pela
demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução,
nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle
interno nela previsto.

§ 1o Qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica


poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes
do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação
desta Lei, para os fins do disposto neste artigo.

Atualmente, existem os seguintes Tribunais de Contas:

TCU – Tribunal de Contas da União: auxilia o Congresso Nacional.


TCE – Tribunal de Contas dos Estados: auxilia as Assembleias
Legislativas.

TCDF – Tribunal de Contas do Distrito Federal: auxilia a Câmara

Legislativa Municipal.

TCM – Tribunal de Contas dos Municípios: auxilia a Câmara dos


Vereadores.

Obs.: Existem apenas dois TCMs (Tribunais de Contas dos


Municípios) reconhecidos constitucionalmente: São Paulo e Rio de
Janeiro. Isso ocorre em virtude de a Constituição Federal de 1988 ter
vedado, de forma expressa, a criação da Corte de Contas municipal,
vejamos: “Art. 31, § 4.º É vedada a criação de Tribunais, Conselhos
ou órgãos de Contas Municipais”. Logo, apenas foram aceitos os
TCMs que já existiam anteriormente (antes da Constituição Federal
de 1988), os de São Paulo e Rio de Janeiro.

Por fim, cumpre observar que, apesar de o Município não poder


instituir seu próprio Tribunal de Contas, poderá o Estado criar um
órgão de contas específico para a fiscalização de seus Municípios,
entendimento respaldado pelo próprio Supremo.

11.5.4.2. Critérios do controle: legalidade, legitimidade e


economicidade

a) Legalidade – exame da compatibilidade formal do ato


administrativo com a lei.
b) Legitimidade – adequação do ato administrativo com os
princípios consagrados no ordenamento jurídico (juridicidade). A
legitimidade é conferida ao cidadão, não englobando, por
consequência lógica, as pessoas jurídicas; e

c) Economicidade – relação de custo-benefício da medida adotada.

E-mail: leila_leiva@yahoo.com.br

Curso completo de Licitação e Contratos

Considerações iniciais

Sabemos que a Administração Pública, por suas entidades estatais,


autárquicas e paraestatais, realiza obras e serviços, faz compras, alienações e locação
de bens e, como qualquer pessoa que pretende fazer algum negócio, notadamente
procura a melhor proposta para concretizar tais tarefas.
Porém, ao contrário do particular e das entidades privadas, que são dotadas
de grande liberdade no que tange à aquisição, alienação e locação de bens ou à
contratação e execução de obras ou serviços, bastando cumprir as regras impostas
pelo Direito Civil, Comercial e Tributário, a Administração Pública é obrigada a se
utilizar de um procedimento preliminar, hodiernamente chamado de licitação, que
nada mais é do que uma das formalidades que antecedem à elaboração de um
contrato administrativo para tais objetivos, em conformidade da lei.
Assim sendo, para realizar uma obra, um serviço, uma compra ou uma
alienação, sempre visando o interesse público, repisa-se, a Administração Pública é
obrigada a realizar licitação, um instrumento básico pelo qual ela seleciona a
proposta mais vantajosa, evitando o desperdício nos gastos públicos, atendendo,
dessa forma, ao princípio da economicidade. Importante é destacar que o único
motivo que justifica a instauração desse procedimento é aquele que configura uma
necessidade pública, e somente esta é o suporte fático juridicamente sustentável de
toda a licitação.
Desde a aquisição de bens simplórios, por exemplo, compra de lâmpadas
para órgãos públicos, até a compra de uma avião para transportar o presidente da
República ou reparos de obras de um estabelecimento estadual ou serviços de
limpeza em um hospital público, etc, como regra geral, deve passar por uma
licitação.
Constitui crime a celebração de contrato com o setor privado, sem a prévia
licitação.
O que deve ser lLicitado, qual o objeto da licitação?
Obras, serviços, compras e alienações, O rol é exemplificativo, pois todo e qualquer
contrato deve ser precedido de licitação. Ex.: compra e venda; financiamento; seguro;
concessão de direito real de uso.
De acordo com o art. 37, XXI./CF, toda a estrutura administrativa brasileira é forçada a
licitar. Obras, serviços, compras e alienações. Este inciso deve ser combinado com o art.
1º, parágrafo único, da Lei 8.666/93, que cita toda a estrutura administrativa brasileira.
A novidade é a inclusão dos fundos especiais — que não são pessoas jurídicas mas são
administrados por pessoas jurídicas que têm obrigação de licitar. E o caso, por exemplo:
• Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) — administrado pela CEF,
empresa pública obrigada a licitar;
• Fundo de Emergência: administrado pelo Ministério da Fazenda, órgão público da
administração direta, obrigado a licitar;
• Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) — é o seguro desemprego, administrado
pelo Ministério do Trabalho, órgão da administração direta, obrigada a licitar.
As empresas estatais, por sua vez, só estarão obrigadas a licitar, quando exercerem
atividade meio, que não é aquela ativida-de para a qual foram criadas. A atividade fim é
a venda do produto final, não precisa de licitação, porque tem que competir com entida-
des privadas — art. 17, II, e, da Lei 8.666/93.
E, por fim, Curso vai responder a todas as dúvidas rotineiras, de acordo com
fundamento nas normas constantes do ordenamento jurídico vigente e nas mais recentes
jurisprudências do TCU, exatamente por abranger questões práticas.

Objetivos Gerais:

Conferir suporte técnico, jurídico e administrativo aos profissionais envolvidos


direta ou indiretamente nas licitações, contratações e gestão de obras, serviços e outras
atividades, em consonância com as mais recentes com as mais recentes decisões do STJ
e do STF, das alterações legislativas, bem como as Súmulas e Decisões do TCU.
PÚBLICO ALVO: Secretários municipais, servidores, funcionários,
integrantes de comissões de licitação, membros dos ministérios públicos e juízes,
advogados, assessores jurídicos, procuradores, agentes do controle interno e
externo, concursos públicos e Exames de Aferição junto à OAB.

CURSO COMPLETO DE LICITAÇÃO E CONTRATOS


ADMINISTRATIVOS –

Objetivos:
Nesse capítulo, você deverá ser capaz de:
 Entender o funcionamento do procedimento administrativo
licitatório por meio da percepção de suas modalidades;
 Compreender os casos de contratação direta, como exceções ao princípio
licitatório;
 Identificar as cláusulas exorbitantes em cada contrato administrativo,
compreendendo sua inserção e sua importância, bem como captar a Teoria da Imprevisão
e interferências imprevistas.

Palavras-chave: Licitação, Modalidades, Tipos, Recursos, Contratação


Direta, Cláusulas Exorbitantes.

1. Introdução
Sabemos que a Administração Pública, por suas entidades estatais,
autárquicas e paraestatais, realiza obras e serviços, faz compras, alienações e locação
de bens e, como qualquer pessoa que pretende fazer algum negócio, notadamente
procura a melhor proposta para concretizar tais tarefas.

Porém, ao contrário do particular e das entidades privadas, que são dotadas


de grande liberdade no que tange à aquisição, alienação e locação de bens ou à
contratação e execução de obras ou serviços, bastando cumprir as regras impostas
pelo Direito Civil, Comercial e Tributário, a Administração Pública é obrigada a se
utilizar de um procedimento preliminar, hodiernamente chamado de licitação, que
nada mais é do que uma das formalidades que antecedem à elaboração de um
contrato administrativo para tais objetivos, em conformidade da lei.
Assim sendo, para realizar uma obra, um serviço, uma compra ou uma
alienação, sempre visando o interesse público, repisa-se, a Administração Pública é
obrigada a realizar licitação, que é um procedimento administrativo, já que se compõe
de uma série ordenada de atos jurídicos (atos administrativos concatenados), os quais
são praticados com o propósito de se alcançar um determinado resultado, selecionando
a proposta mais vantajosa, evitando o desperdício nos gastos públicos, atendendo.

QUEM ESTÁ OBRIGADO A LICITAR?

Atenção! Art. 37, XXI, CF c/c Art 1º, Lei 8.666/93.


De acordo com o art. 37, XXI, CF, toda a estrutura administrativa brasileira é
forçada a licitar. Há que se observar a inclusão dos fundos especiais — que não são
pessoas jurídicas mas são administrados por pessoas jurídicas que têm obrigação de
licitar. E o caso, por exemplo: Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) —
administrado pela CEF, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) — é o seguro
desemprego.

Fique de olho - As empresas estatais, por sua vez, só estarão obrigadas


a licitar, quando exercerem atividade meio, que não é aquela atividade para a qual foram
criadas. A atividade fim é a venda do produto final, não precisa de licitação, porque tem
que competir com entidades privadas — art. 17, II, e, da Lei 8.666/93.
Ao propósito de mencionarmos as estatais, foi promulgada a Lei 13.306, de 30 de
junho de 2016, conhecida como o Estatuto da Estatal, que dispõe sobre o estatuto jurídico
da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Tal lei, entre os seus artigos 28 ao 67, trata das licitações e, entre os artigos 68
ao 84, disciplina os contratos celebrados pelas estatais
Tome nota – Os conselhos que controlam as profissões são autarquias
corporativas, porque estariam defendendo, em especial, a categoria de seus associados e,
indiretamente, defenderem interesse coletivo, no controle do exercício das profissões,
como é o caso do CRM, CRO, CREA etc, submetem-se aos ditames da Lei de Licitações.
No entanto, a Lei 9.649/98, parágrafo 9º, do art. 58, isenta a OAB do procedimento
licitatório, constituindo a única exceção a esse respeito.

O que deve ser licitado, qual o objeto da licitação?

art. 37, XXI/CF c/c art. 2º da Lei 8.666/93: Obras, serviços, compras e
alienações. O rol é exemplificativo, pois todo e qualquer contrato deve ser precedido de
licitação. Ex.: compra e venda; financiamento; seguro; concessão de direito real de uso,
concessão de uso.

Modalidades de licitação - Licitação é género, do qual temos as seguintes


espécies: Concorrência, Tomada de Preços, Convite, Concurso, Leilão e Pregão.

Tipos de Licitação - estes estão no parágrafo primeiro do art. 45: Menor


preço, Melhor técnica, Técnica e preço e Maior oferta. Concurso e Leilão são
modalidades pouco utilizadas pelo poder público porque não têm por objeto compras,
obras ou serviços (trilogia básica).

Concurso — art. 22, § 4º c/c 52, Lei 8.666/93

Caso concreto - Tem por objeto a escolha de trabalho técnico,


científico e artístico. Como exemplo podemos citar o projeto de reformulação de uma
determinada orla marítima , que poderá abrir a modalidade de licitação por concurso,
onde qualquer arquiteto pode apresentar seu trabalho arquitetônico livremente, submetido
à uma comissão para analisar o melhor deles. Ao escolher o melhor projeto, acaba o
concurso. É frequente a escolha de logotipo por ocasião, o que ocorreu nas Olimpíadas
recentemente, utilizando a modalidade de concurso. O concurso serviu apenas para a
escolha do melhor trabalho artístico.
Fique ligado - A comissão que realiza a modalidade de Concurso é a
única que pode ser formada sem a presença de servidores públicos. É uma exceção. A
regra é que a comissão tenha, no mínimo, 3 membros, sendo 2 deles servidores (art. 51).
Mas, para o concurso, poderão ser os 3 de área estranha à Administração (art. 51, § 5º).

Leilão — art. 22, § 5º c/c 53 da Lei 8.666/93


Apesar de ser mais utilizado do que o concurso, a lei também não lhe deu grande
atenção. Tem por objeto a venda de bens móveis inservíveis, produtos legalmente
apreendidos ou penhorados, ou para alienação de bens imóveis. Na verdade o termo
"penhorado" foi indevidamente utilizado. O certo é "empenhado" pois bens penhorados
são aqueles leiloados pelo Poder Judiciário. A Administração Pública é Poder Executivo,
e os bens empenhados são aqueles dados em garantia em contratos com ela celebrados.
É uma das raras modalidades de licitação que não tem comissão, podendo ser
conduzida por um único servidor ou, até mesmo, por um leiloeiro oficial — a modalidade
convite também pode ser conduzida por um único servidor. Além dessa, há outra
peculiaridade: é a única modalidade que aceita a substituição de uma proposta por outra.
De regra, a proposta é colocada em um envelope e lacrada, não podendo ser alterada. Mas
no leilão, se um concorrente oferece determinado preço, que vem a ser posteriormente
elevado por outro participante, o primeiro pode modificar e melhorar o preço ofertado,
quantas vezes lhe for conveniente.

Concorrência, Tomada de Preços, Convite


São as modalidades mais importantes: art. 22, I, II e III, todas se referindo à
trilogia básica de “compras, obras e serviços”. Para saber qual delas usar, basta seguir o
que dita o art. 23 da Lei de Licitações, que se baseia no porte ou valor do contrato. Antes
de abrir a licitação, já existe um valor estimado, mesmo porque a verba orçamentária já
tem que ter sido prevista. E feita uma pesquisa de mercado para fazer a estimativa do
valor do objeto a contratar — bem ou serviço. A partir disso, consulta-se a tabela do art.
23 e chega-se à modalidade adequada.
Para contratos de pequeno porte, tem-se a possibilidade de utilizar o convite; nos
de médio porte, a tomada de preços; e, por fim, nos de grande porte, a concorrência.
O parágrafo 4° do art 23 nos diz que, nos casos em que couber convite, a
Administração poderá utilizar a tomada de preços, e, em qualquer caso, a concorrência.
A lei permite ao participante modificar, usando a maior em detrimento da menor. Deve-
se ter cuidado, porque sendo um valor estimado, se o valor revelado pela pesquisa de
mercado indica a modalidade convite, mas está muito próximo da tomada de preços, deve-
se optar por esta última (superior). Com isto evita-se perda de tempo e dinheiro.

Na concorrência, tem-se o maior número possível de participantes. O


parágrafo primeiro do art. 22 conceitua: "entre quaisquer interessados". Diz também que
a habilitação vem depois do edital. Significa que a concorrência é uma modalidade de
licitação que respeita o procedimento normal de toda e qualquer licitação, ou seja,
primeiro vem o edital. Em seguida, com base no preenchimento de seus requisitos, tem-
se a habilitação. Posteriormente, vem o julgamento, a homologação e, finalmente, a
adjudicação.

A tomada de preços, por sua vez, permite, em regra, cadastramento prévio.


Isto porque esta modalidade de licitação foi criada para agilizar o procedimento. O edital
exige uma série de documentos para que o licitante venha a ser habilitado. A habilitação
consiste na verificação de como está a saúde da empresa, se tem ou não condições de
contratar com a Administração. Analisa-se o contrato social, o CNPJ, exigem-se certidões
negativas das Fazendas (para saber se está pagando os impostos em dia), do INSS
(Certidão Negativa de Débitos), etc. É um trabalho demorado, que requer atenção. Na
tomada de preços, esta documentação é exigida para o cadastramento da empresa, e terá
validade de um ano (art. 34). Com o cadastramento elimina-se a análise diária dos
documentos, agilizando-se o procedimento todo. É emitido o CRC (Certificado de
Registro Cadastral). Então a habilitação, em regra, na tomada de preços, é realizada antes
do edital.
O CRC é válido por um ano, mas há alguns documentos que tem validade menor.
Nesta hipótese, encontramos o CND, exigido junto ao INSS, e o CRS — Certificado de
Regularidade Social. que é exigido perante o FGTS, ambos com validade de 6 meses.

O Convite, apesar de ser modalidade de licitação de pequeno porte


aparentemente mais simples, é, na verdade, a mais complicada. Seria, teoricamente, para
convidados. É a única em que o instrumento convocatório não é edital, e sim carta-
convite. São enviadas cartas às empresas convidando-as a participar, mas, note-se que,
também as não convidadas poderão fazê-lo, desde que manifestem seu interesse até 24
horas antes da apresentação das propostas. Isso, por si só, fomenta a manutenção do
registro cadastral, enfraquecido na tomada de preços. O convidado, por sua vez, pode ser
cadastrado, ou não. O mais comum é chamar o cadastrado, já que este tem sua
documentação em dia.
De acordo com o art. 29, IV da Lei 8.666/93 e art. 195, § 3º, CF, o CND é
obrigatório, bem como o CRS (Lei 9.021/95, art. 29).

Tome nota A lei exige, pelo art. 22, § 3º, no mínimo 3 escolhidos ou
convidados para o convite. Mas prevê que, desde que seja justificada a ocorrência, seja
admitida a hipótese de participarem menos do que este número (art. 22, § 7°).

Pregão

Pregão

1. Considerações Constitucionais

Antes de analisarmos as características dessa modalidade licitatória, convém


comentar alguns aspectos pertinentes à sua criação.

Pois bem. Partindo da norma geral disposta no art. 22, § 8o, da Lei no 8.666/93,
que veda a criação de outras modalidades licitatórias ou mesmo a combinação das já
contempladas no diploma legal, foi instituído o pregão como modalidade de licitação pela
Medida Provisória no 2.026, de 4 de maio de 2000 (diversas vezes reeditada, sendo a
última a de n o 2.182-18, de 23 de agosto de 2001), gerando, de pronto, discussões
doutrinárias acerca de sua constitucionalidade, não só por ter o legislador utilizado
medida provisória para instituir uma nova modalidade licitatória, mas também por ser
voltada somente ao âmbito da União, excluindo dos entes da Federação, portanto, a
prática dessa modalidade.
O primeiro aspecto a merecer registro, e que não se pode perder de vista, é o fato
de que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação (art. 22,
XXVII, da CF/88); portanto, nada impediria que o legislador federal criasse uma nova
modalidade licitatória, tanto assim que o fez. Aliás, a bem da verdade, conforme tem
destacado a doutrina, tal modalidade em apreço já teria sido contemplada pela Lei n o
9.472, de 16 de julho de 1997, ao tratar da chamada “consulta” em seu art. 54, § 1 o,
aplicável restritamente ao âmbito da Agência Nacional de Telecomunicações, a
ANATEL.
Seguindo essa linha de raciocínio, também importante de ser registrado é o
aspecto referente às normas gerais, cujo assunto pode ser revisto, com mais minudência,
no item 3 deste trabalho. Assim, se considerarmos que norma geral somente é aplicável à
União, a regra contida no § 8o do art. 22, da Lei no 8.666/93, com efeito, não estará dirigida
ao legislador ordinário federal, e sim ao Poder Executivo, que não poderá inovar mediante
decreto regulamentar, e aos demais entes da Federação, bem assim a Administração
Pública, de um modo geral, que não poderão inovar a pretexto de editarem normas
específicas sobre a matéria (art. 24, § 3o, da CF/88).

2. Bens e Serviços Comuns

Com a conversão da medida provisória em questão na Lei n° 10.520/2002, o


pregão foi incorporado definitivamente como modalidade licitatória aplicável a todos os
âmbitos e esferas da Administração Pública, não mais se restringindo à Administração
Pública Federal.

Um esclarecimento necessário
O pregão é a modalidade licitatória adequada para a aquisição de bens ou serviços
comuns, independentemente do valor estimado do contrato. O problema é saber o que são
bens ou serviços comuns.

O art. 1°, § 1°, da medida provisória, dava parâmetros para se identificar o que
são ou não bens ou serviços comuns. E o fez dizendo que serão considerados comuns os
bens ou serviços "cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente
definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado".

Tais parâmetros dão ao intérprete a idéia de um bem ou serviço que possa ser
facilmente descrito, sem a necessidade de especificações complexas, a partir do que se
pode identificar o objeto inequivocamente e com facilidade. Afasta-se logo aquilo que
não se poderia descartar como um bem ou serviço complexo na identificação.

Exemplos talvez possam ajudar: imagine a aquisição do serviço de transporte de


passageiros a ser contratado por uma autarquia federal. Também é possível enquadrar
nesse rol os serviços de limpeza e manutenção de equipamentos. No âmbito das compras,
imagine a aquisição de um microcomputador ou mesmo de móveis para escritório,
aparelhos de ar-condicionado etc.

Até mesmo serviços técnicos ou a aquisição de um determinado bem a ser


utilizado numa operação técnica complicada poderiam ser enquadrados no conceito de
bem ou serviço comum. Bastaria que a sua especificação, entre os entendidos na
especialidade, fosse simples e facilmente identificável no mercado. Naturalmente que,
numa situação dessas, seria a área técnica do ente licitante que deveria dizer se o serviço
ou o bem preenche aos requisitos a serem considerados para ser considerado comum. Aos
olhos do leigo isso pode ser apreciado de forma equivocada.

O legislador, prevendo a complicação que poderia gerar essa abertura conceitual,


delegou ao regulamento a tarefa de enumerar os bens e serviços que seriam considerados
comuns para fins de utilização daquela modalidade licitatória (Medida Provisória n°
2.182/2001, art. 1°, § 2°). E essa tarefa foi cumprida quando o Presidente da República
editou o Decreto n° 3.555/2000.

O trabalho, contudo, foi muito mal desempenhado, pois a lista de serviços comuns
era muito vaga. Mencionava espécies de serviços e bens que poderiam ou não ser
enquadrados no conceito de bens e serviços comuns, dependendo do caso. A título de
exemplo, veja-se que foi listado o "serviço de assistência". E aí se pergunta: que
assistência? Assistência a quem e para fazer o quê? Hipóteses há que seriam facilmente
enquadráveis no conceito em análise. Outras não!

Também foram citados os equipamentos em geral, excetuando-se os bens de


informática, muito embora tenham sido incluídos os microcomputadores de mesa,
monitores de vídeo ou impressora. Assim, estaria fora, por exemplo, a aquisição de
cartuchos de tinta para impressora, certo? Também não se poderia adquirir pelo pregão
um estabilizador. Mas seria possível, pela dicção regulamentar, a aquisição de qualquer
outro equipamento, fosse ou não de simples identificação, de modo a atender aos
parâmetros fixados pelo legislador.

Ao nosso ver, a enumeração dos bens e serviços comuns pelo Decreto n°


3.555/2000 não vincula a Administração, pois nada diz sobre a complexidade na
identificação de cada um dos objetos contemplados. Mais seguro se balizar pela definição,
com todas as críticas que a ela possam ser feitas, utilizada pelo legislador. Aliás, ao nosso
sentir, foi muito inteligente a supressão do § 2° do art. 1° da MP em questão, quando da
sua conversão em lei, o que resultou numa revogação a reboque do anexo do regulamento
em que se encontrava a lista de bens e serviços comuns.

Hoje, parece inegável que o conceito de que tratamos é um conceito jurídico


indeterminado e que, por isso, caberá apenas à Administração Pública a tarefa de avaliar
se esse ou aquele objeto se enquadra em seus parâmetros, salvo quando se tratar de uma
inequívoca situação que apontar para conclusão diversa (casos teratológicos).

LICITAÇÃO NA
MODALIDADE
PREGÃO
(LEI 10520/2002)

APLICÁVEL A TODOS OS AQUISIÇÃO DE BENS OU


ENTES FEDERATIVOS SERVIÇOS COMUNS
(ART. 2o, §1o, Lei 10520/02) (ART. 1o, Lei 10520/02)

CONCEITO JURÍDICO
INDETERMINADO

DISCRICIONARIEDADE DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

No que tange ao procedimento a ser adotado no pregão, é de se ver que o legislador


quis combinar eficiência e simplicidade, tendo logrado êxito na tarefa. Em primeiro lugar,
foi invertida a ordem de alguns acontecimentos. A fase de habilitação, que geralmente é
anterior ao julgamento das propostas, aqui passa a ser posterior, de modo que só será
avaliada a habilitação do vencedor. Poupa-se bastante tempo com essa medida, já que se
deixa de analisar a documentação de todos os licitantes para analisar a de um só.
O outro ponto interessante refere-se aos lances. Declarada aberta a sessão, o
pregoeiro - aqui não existe uma comissão de licitação - arrecadará os envelopes das
propostas e da habilitação, abrindo somente os primeiros e classificando-os de acordo
com os valores das propostas. Serão selecionadas a proposta contendo o menor preço e
as que se seguirem até que se chegue a uma que não ultrapasse a melhor proposta em 10%
(dez por cento). Mas serão selecionadas no mínimo três propostas, mesmo que para isso
tenha-se que abandonar o critério dos 10% (dez por cento).

Feita a seleção, poderão os classificados dar lances verbais, que serão sucessivos,
distintos e decrescentes, até que se atinja o menor valor possível. Encerrada essa fase, o
pregoeiro avaliará a aceitabilidade da melhor proposta e, se for o caso, abrirá o envelope
de habilitação, como dissemos anteriormente.

Registre-se aqui que o pregoeiro terá a possibilidade de negociar com o vencedor


a adequação de seu preço aos critérios de aceitabilidade da proposta fixados pela
Administração previamente (no edital).

Quanto à habilitação, esta será feita de acordo com o sistema de cadastramento de


cada uma das unidades federativas, podendo, contudo, o licitante, no caso de haver
alguma irregularidade apontada no cadastro, apresentar na própria sessão a documentação
comprobatória da regularização de sua situação.

Verificada a regularidade habilitatória, será declarado vencedor o licitante e a ele


será adjudicado o objeto do certame. Do contrário, se não houver essa regularidade na
habilitação, partir-se-á para o licitante classificado em segundo lugar, a fim de verificar a
sua documentação de habilitação. Estando tudo em condições a ele será adjudicado o
contrato.

Registre-se, aqui, que também será possível aquela negociação entre o pregoeiro
e o segundo colocado, se a sua habilitação estiver em condições, mas mesmo assim o seu
preço estiver fugindo aos critérios de aceitabilidade previamente fixados pela
Administração.
LICITAÇÃO NA
MODALIDADE APLICÁVEL A TODOS OS ENTES FEDERATIVOS
PREGÃO (ART. 2o, §1o, Lei 10520/02)
(LEI 10520/2002)

AQUISIÇÃO DE BENS OU CARACTERÍSTICAS


VEDADO PARA:
SERVIÇOS COMUNS E
(ART. 5o, Decreto 3555/00)
(ART. 1o, Lei 10520/02) PROCEDIMENTO

CONCEITO JURÍDICO CONTRATAÇÃO DE OBRAS E MODALIDADE DE MELHOR


INDETERMINADO SERVIÇOS DE ENGENHARIA PREÇO

DA
JULGAMENTO DA
COMERCIAL
PROPOSTA COMERCIAL
DISCRICIONARIEDADE DA

DE JULGAMENTO
LOCAÇÕES IMOBILIÁRIAS E
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ALIENAÇÕES PROPOSTA COM PREÇOS
ESCRITOS E POSSIBILIDADE
DE LANCES VERBAIS

PROPOSTA
REGRA: SELECIONA AS PROPOSTAS COM

FASE DE
VALOR MENOR OU IGUAL A 10% DO

FASE
CLASSIFICAÇÃO DAS VALOR DA MELHOR CLASSIFICADA
PROPOSTAS CONFORME
VALOR
Principal característica do EXCEÇÃO: MÍNIMO DE 3 PROPOSTAS
Pregão é a inversão entre
as fases de habilitação e
julgamento da proposta
CADASTRO PRÉVIO
VERIFICAÇÃO DA

DO
HABILITAÇÃO DO
HABILITAÇÃO SOMENTE DO

VENCEDOR
LICITANTE VENCEDOR
DE HABILITAÇÃO
VENCEDOR POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE
DOCUMENTOS NO ENVELOPE DE
HABILITAÇÃO
LICITANTE
HABILITAÇÃO
FASE DE

OK
FASE

Não

VERIFICAÇÃO DA POSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO DE


HABILITAÇÃO DO PRÓXIMO VALOR PARA EQUIPARAR AO PRIMEIRO
CLASSIFICADO COLOCADO

3 Da Subsidiariedade do Regime da Lei n° 8666/93 ao Pregão

A própria Lei n° 10.520 dispõe, em seu art. 9°, que aplicam-se subsidiariamente,
para a modalidade de pregão, as normas da Lei n° 8.666/93. Isto significa que o pregão
estará sujeito a todas as normas da Lei n° 8.666/93 que se mostrem necessárias para a sua
exeqüibilidade e aplicação, nos momentos em que a Lei do Pregão tratou
insuficientemente ou mesmo nada falou. Conseqüentemente, onde a Lei do Pregão foi
expressa, suas normas excluirão as normas da Lei que lhe sejam eventualmente contrárias,
devendo prevalecer o princípio da especialização.

Cabe ressaltar que, mesmo nos casos onde a Lei do Pregão for omissa, ao utilizar
a legislação subsidiária, deve-se manter prudência no sentido de não afrontar os princípios
que regem o pregão. Essa é a proposta deste trabalho. Quando, no momento em que a Lei
do Pregão for omissa, será aplicado subsidiariamente a Lei n° 8.666/93 sem desconsiderar
os avanços alcançados com a instituição da nova modalidade.

4 As Principais Características do pPregão

No art. 2° do Decreto 3.555 estão dispostas as principais características do pregão,


com exceção da inversão das fases. O Art. 2° dispõe que é "a modalidade de licitação em
que a disputa pelo fornecimento de bens ou serviços comuns é feito por sessão pública,
por meio de propostas escritas e lances verbais".

O pregão envolve inovações procedimentais, inclusive, com visto anteriormente,


com a consagração de uma proposta doutrinária muito discutida e esperada. A
característica mais relevante consiste na inversão das fases de habilitação e julgamento
das propostas. No pregão, somente se abre o envelope de documentação do licitante cuja
proposta foi classificada (provisoriamente, como se verá) como vencedora. Essa é a
peculiaridade mais evidente do pregão, mas não é a única. Pode referir-se ao objeto (bem
ou serviço comum), à sumariedade dos requisitos de habilitação e a outros dados,
tipicamente relacionados ao procedimento.

Assim, por exemplo, será obrigatória a presença pessoal dos licitantes (ou de seus
representantes) para acompanhar o certame. O procedimento recursal também é
específico. E outras questões poderiam ser apontadas, tal como se extrairá da exposição
seguinte.

Mas a característica essencial do pregão relaciona-se com uma sistemática


peculiar de obtenção da proposta mais vantajosa numa licitação de tipo menor preço. Nas
hipóteses de concorrência, tomada de preços e convite, a seleção da melhor proposta de
menor preço por parte da Administração possui cunho declaratório, no sentido de que o
particular elabora sua proposta definitiva antes do início do certame. A tarefa da comissão
de licitação consiste apenas em avaliar as propostas, sem qualquer inovação subsequente.
Já no pregão, a sistemática é diversa, eis que a etapa de lances destina-se à obtenção do
menor valor possível.

Embora seja parecido, o pregão não é igual ao leilão. Pode-se dizer que o leilão é
para venda, o pregão para compra. O leilão pode ser conduzido por um leiloeiro oficial
ou por um senador público, enquanto que o pregão só pode ser conduzido por um servidor.
O leilão é para venda, a princípio de qualquer bem, o pregão é modalidade para compra
ou contratação de bens e serviços comuns.

5 Limitação a Compras de Bens e Serviços Comuns

A norma é bastante clara ao dispor sobre a restrição: o uso de pregão é facultado


só para bens e serviços comuns; para os demais, não-comuns, o uso do pregão está
implicitamente vedado.

Quando se fala em comprar uma mesa, todos sabem de que se trata. Quando a
compra é de tijolos, telhas ou tubos para conexão, todos sabem de que se trata, ainda que
não seja um engenheiro. Essa é a idéia que a lei quis passar quando fala em bens comuns.
São aqueles bens que se conhece e identifica pelo simples nome, pois é assim sabido no
mercado.

Um esclarecimento necessário
Um exemplo permite compreender melhor a distinção. Um programa de
computador pode ser um bem comum, quando se tratar do chamado software de
prateleira. Suponha-se que a Administração resolva adquirir um aplicativo para
processamento de texto, reconhecendo a ausência de necessidade de qualquer
especificação determinada. Existem diversos produtos no mercado, que podem ser
fornecidos à Administração sem qualquer inovação ou modificação. A hipótese configura
um bem comum.

Imagine-se, no entanto, que a Administração necessite o desenvolvimento de um


programa destinado a fins especiais, tal como um gerenciador de banco de dados para
aposentados. Deverá produzir-se a contratação de serviços especializados, cujo resultado
poderá não ser único - mas que envolverá uma prestação sob medida para a
Administração. Esse não será um serviço licitável por meio de pregão.

A mesma coisa em relação a serviços. Serviço de limpeza, de vigilância, de


manutenção são serviços que, quando mencionados, todos identificam, não necessitando
de descrição com muitos detalhes, pois, uma vez precisando de maior detalhamento,
deixaria de ser comum.

Se ainda houver dúvida se alguma coisa é ou não bem comum, pode-se recorrer
ao Anexo II do Decreto 3555, onde há uma listagem exemplificativa, uma vez que pode-
se ter outros bens e serviços que não estão ali, mas que podem ser considerados comuns.

O Pregão não pode ser utilizado para obras e serviços de engenharia, para
locações, vendas e alienações, sendo a razão disto a vedação do art. 5° do regulamento.

No caso de obras e serviços de engenharia, a vedação se dá porque toda edificação


imobiliária envolve avaliação de circunstâncias específicas, variáveis segundo as
peculiaridades de local e necessidade, tornando-se muito problemático cogitar de objeto
padronizado.

Não se aplica às locações imobiliárias e alienações em geral porque é quando a


Administração Pública quer transferir o domínio de algum bem, querendo assim receber
o maior lance. Daí a incompatibilidade destas contratações com o sistema do pregão.

Uma grande dificuldade teórica conceitual surgiu quando sobrevinham casos


limítrofes, onde pairava a dúvida se aquele serviço seria qualquer ou atrairia uma regência
especial do Serviço de Engenharia. O serviço de manutenção preventiva e corretiva é um
destes casos limítrofes. Esse serviço poderia ser caracterizado como um serviço de
qualquer natureza, passível de licitação mediante pregão, ou a presença de características
específicas exigentes da presença de profissionais de engenharia levaria este serviço a ser
considerado como serviço de engenharia e, por conseguinte, insuscetível de licitação
mediante pregão? A matéria suscitou dúvidas por toda parte.

Recentemente, chegou ao Tribunal de Contas da União uma representação


formulada pelo CREA do Distrito Federal acerca de um pregão que estava sendo
promovido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. O objeto era a
contratação de um serviço de manutenção corretiva e preventiva com o fornecimento de
material de consumo, peças e mão-de-obra correspondente, em relação a 17 aparelhos de
Raios-X de inspeção de volumes e 17 espectrômetros de massa para detecção de drogas
e bombas. A ECT entendeu que era um serviço de qualquer natureza. O CREA entendia
que era serviço de engenharia, só podendo ser conduzido por profissionais de engenharia,
logo impossibilitando o uso de pregão. A matéria foi apreciada pelo TCU, e sua
orientação foi a seguinte:

"A medida provisória n° 2026, art. 1° e 81° conceitua bens e serviços


comuns da seguinte forma: Consideram-se bens e serviços comuns, para
fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e
qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de
especificações usuais no mercado. Sendo o serviço de manutenção
preventiva e corretiva de equipamentos aqueles estabelecidos pelos
fabricantes destes produtos, sem dúvida que todos que venham a adquirir
esses equipamentos realizarão esta manutenção de acordo com as
especificações do fabricante que são iguais para o mesmo tipo e modelo
do produto. Desta forma, os padrões de desempenho do serviço de
manutenção de equipamentos podem ser objetivamente definidos pelo
edital, pois as especificações desses serviços são as detalhadas nos manu-
ais de manutenção fornecido pelo produtor a todos os adquirentes, sendo
então usuais neste seguimento de mercado."

Um esclarecimento necessário
Os serviços de duração continuada também foram alvo de dúvidas. Serviços
contínuos são aqueles que não podem ser suspensos ou interrompidos. A interrupção ou
suspensão poderia causar dano ou prejuízo, sendo imprescindível a continuação de sua
execução. O inc. II do art. 57 da Lei n° 8.666/93 impõe, porém, certas restrições que não
podem ser esquecidas. Essa prorrogação somente poderá ser feita se os preços dos
serviços e as condições forem vantajosos. Portanto, poderá a administração utilizar-se do
pregão, em se tratando de serviços de duração continuada? Acredita-se que, tendo em
vista a filosofia que norteou o legislador (presteza, desburocratização, melhor preço e
condições) e a redação do inc. II do art. 57 da citada Lei Geral n° 8.666/93, que autoriza
a prorrogação do contrato de prestação de serviços a serem executados de forma
continuada por iguais e sucessivos períodos, desde que os preços e as condições sejam as
melhores e mais proveitosas, seria viável sua utilização.

6. Da Fase Interna do Pregão

O pregão também é composto de uma etapa interna e uma etapa externa, como em
qualquer outra modalidade de licitação.

São passos próprios à etapa preparatória do pregão: a) a justificativa da autoridade


competente quanto à real necessidade da desejada contratação;b) requisição do objeto,
significando a descrição da obra, bem ou serviço que se deseja adquirir; c) estimativa do
valor, que permitirá a adequação da despesa à previsão orçamentária, assim como a
disponibilidade do recurso; d) a elaboração do edital de pregão, contendo os itens
necessários dispostos no art. 40 da Lei n° 8.666/93; e) análise/opinamento do órgão
jurídico; f) a designação do pregoeiro, servidor que conduzirá o certame; g)
encaminhamento do edital para publicação;

A subsidiariedade da Lei 8.666/93 faz-se bastante presente nesta fase. Como dito
anteriormente, itens necessários, conforme o caso do art. 40 da referida lei estarão
presentes na elaboração do edital de pregão. As exigências de habilitação, os critérios de
aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento, as cláusulas contratuais fixando
as condições ou os prazos para fornecimento são alguns dos dispositivos essenciais e
imprescindíveis na sequência lógica dos fatos próprios da modalidade pregão.

Por expressa determinação do art. 15 do Decreto 3.555/00, continua não sendo


obrigatória a compra do edital como condição de participação no certame; não poderão
ser cobradas dos licitantes quaisquer taxas ou emolumentos, disposição esta que já
encontrava previsão no art. 32, § 5°, da lei n° 8.666/93. Assim, caso não estivesse expressa
no Decreto, seria também aplicada subsidiariamente.

O inc. III do art. 31 da Lei de Licitações prevê a exigência de garantia da proposta,


o que dificultava o acesso ao certame e não se traz nenhuma vantagem à Administração.
A apresentação de tal garantia acaba por ser uma questão apenas formal, acabando por
vezes a inabilitar ou desclassificar propostas vantajosas. Como prova de esta exigência
não traz benefício para o interesse público, a Lei n° 10.520, em seu inc. I do art. 15 vedou
sua exigência no pregão. Aí já se percebe um princípio norteador do pregão imperando
sobre o Lei n 8.666/93, o da competitividade, pois visa não ocasionar uma restrição ao
conjunto de competidores.

7. O Pregoeiro e a Equipe de Apoio

É de verificar-se que a equipe de apoio não possui, no pregão, qualquer poder de


decisão, sendo sua atuação meramente auxiliar ao pregoeiro, que delibera de forma
singular, não estando adstrita à opinião de seus auxiliares.

Na verdade, a equipe de apoio deveria ser composta por especialistas no objeto da


licitação. Se o objeto for um bem de informática, devem ser especialistas em informática.
Se for um material de expediente, especialistas nesta área. Se for a contratação de um
serviço de vigilância, igualmente. A equipe de apoio vai estar ao lado do pregoeiro,
auxiliando-o especialmente na análise das condições constantes de cada proposta, de
forma a verificar a perfeita compatibilidade com as disposições do ato convocatório.

Desta forma, não há porque acompanharmos os preceitos do § 4° do art. 51 da Lei


n° 8.666/93, que estabelece que a investidura dos membros da comissão permanente de
licitação não excederá l (um) ano. Não faz sentido estabelecer um mandato para a equipe
de apoio. Esta é escolhida para cada licitação específica, atuando nela e se desfazendo ao
final. Se, em seguida, houver nova licitação para objeto semelhante, nada impede que a
mesma equipe seja formada. E assim sucessivamente. Se a investidura não excedesse l
(um) ano, seria necessária uma equipe de centenas de pessoas , que fossem capazes de,
no conjunto, ter especialidade em todas as áreas que estão sujeitas à licitações da
Administração Pública, situação absolutamente inviável. Como foi dito anteriormente, a
equipe de apoio tem poder decisório, daí, não há razão, também, para a vedação da
recondução de sua totalidade.

Quanto ao número de membros que devem compor a equipe de apoio, nada foi
dito nas normas sobre pregão, igualmente a Lei de Licitações, que não se pronunciou
quanto a quantidade de pessoas que integram a Comissão de licitação. Assim, definiu-se
a prática de três, sempre que possível, utilizando-se aí o costume (adquirido pela prática
contumaz) da Lei Federal n° 8.666/93.

Assinale, ainda, que o pregoeiro deve, juntamente com a equipe de apoio, registrar
todos os incidentes à medida que vão acontecendo; portanto, é importante ter uma equipe
de apoio para elaboração da ata.

A figura do pregoeiro é uma das principais particularidades do pregão, em


confronto com o procedimento ordinário previsto na Lei n° 8.666/93. As comissões de
licitação são órgãos colegiados responsáveis pela condução dos certames realizados sob
as modalidades de licitação previstas na Lei n° 8.666/93 e pela deliberação conjunta de
todos os atos pratcados durante o procedimento licitatório. Assim, por expressa
disposição no art. 51, § 3°, da Lei de Licitações, regra geral, todos os membros respondem
solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão. Já no pregão, a situação é
diversa. O pregoeiro é a única autoridade com poderes para conduzir o certame e deliberar
sobre os atos a serem praticados, o que nos leva a concluir que todos os atos praticados
durante o pregão são, em princípio, de responsabilidade exclusiva do pregoeiro.

O pregoeiro poderá ser um servidor do órgão ou da entidade que promove a


licitação. Dúvidas surgiram quanto ao fato do pregoeiro ser ocupante apenas de cargo em
comissão. O professor Jessé Torres Pereira Júnior entende que aquele que ocupa cargo
em comissão ocupa cargo permanente, apesar do seu exercício ser transitório. Enquanto
estiver no exercício do cargo será considerado servidor público, submetendo-se ao regime
jurídico único.

A atividade de pregoeiro exige algumas habilidades próprias e específicas. As


medidas provisórias que regularam o pregão, antes da conversão em lei, chegaram a
dispor que somente poderia ser designado pregoeiro servidor que tivesse recebido curso
de capacitação específica. Essa determinação consta ainda do Decreto que regulamentou
aquelas medidas provisórias, mas não foi colocada na Lei n° 10.520/02.
Independentemente de exigência legal, o agente a ser designado deve receber qualificação
adequada, mediante a submissão a curso de treinamento, que pode inclusive ser
desenvolvido pela própria unidade administrativa. Para justificar juridicamente essa
diretriz, utiliza-se a regra da lei n° 8.666/93 subsidiariamente, pois os membros da
comissão devem ser servidores qualificados, conforme caput do artigo 51 da referida Lei.

8. Exigências de Habilitação

As exigências de habilitação devem seguir o disposto na Lei n° 8.666/93, levando-


se em conta a necessária simplificação derivada da ausência de especificação do objeto
licitado. Dúvidas poderão surgir quanto a exigibilidade de um ou outro documento, como
é o caso da exigência de comprovação, como requisito de habilitação, de que o licitante
atende à legislação de proteção ao trabalho de menores, à vista do disposto no art. 27, V,
Lei 8666/93 c/c 7º, XXXIII, CF.

Pode-se considerar, também, que a Lei do pregão foi omissa. Neste caso, caberia
a aplicação subsidiária da Lei n° 8.666/93, o que, pensa-se, seria mais adequado.

9. Parecer da Assessoria Jurídica

Indispensável configura-se o parecer da assessoria jurídica, inclusive acerca da


minuta do contrato. Essa solução foi explicitamente referida no art. 38, inc. VI, do
regulamento federal, o que reforça o entendimento de que as regras acerca da fase interna
contidas na Lei n° 8.666/93, devem reputar-se plenamente aplicáveis ao pregão.

10. Fase Externa do Pregão

A fase externa do pregão tem início com a convocação dos interessados por meio
de publicidade adequada. O caput do art. 4° da Lei n° 10.520 dispõe que a fase externa
do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes
regras:. A interpretação do referido artigo deve ser feita seguindo-se as regras e princípios
da Lei n° 8.666/93, significando dizer que as normas gerais ali contidas acerca de
procedimento licitatório deverão ser aplicadas subsidiariamente.

A publicidade acerca da instauração do certame e das condições de disputa possui


as mesmas finalidades daquelas previstas na Lei de Licitações.

Quanto ao meio de divulgação, as normas contidas na nova modalidade são mais


flexíveis que as da Lei n° 8.666/93. A Lei de Licitações não admite como válida a
publicação de edital no Diário Oficial do Município, impondo a todos que veiculem seus
editais no Diário Oficial do Estado. O pregão exige, em seu inciso I do art. 4° da Lei, a
publicação no Diário Oficial do respectivo ente da federação, possibilitando aos que não
possuírem utilizarem-se do jornal de circulação local. Pela Lei n° 10.520/02, excetuando
os casos em que o grande vulto da licitação impuser, nem o qualitativo grande circulação,
expresso no inciso III do art. 21 da Lei de Licitações, foi exigido.

Em relação ao período de 8 (oito) dias úteis entre a publicação e o recebimento


das propostas também deverá usar a aplicação subsidiária do § 3° do art. 21 da Lei n°
8.666/93, para se determinar a partir de quando o prazo deverá ser contado. Como a Lei
10.520/02 e o Decreto n° 3.555/00 nada disseram, considerar-se-á a data da primeira
publicação na imprensa escrita. Não se deve levar em conta o prazo de divulgação na
internet, pois torna-se problemático determinar com precisão a data em que uma certa
notícia foi inserida em um site.

Há uma discussão sobre se o pregoeiro estaria ou não autorizado pela lei a permitir
que participasse da licitação o licitante não credenciado. Há quem entenda que só pode
participar do pregão licitante que estiver presente a sessão, o representante legal, ou ainda
a pessoa que receba deste uma procuração que o autorize a fazer lances, desistir ou
recorrer em nome da empresa.

A ausência de representação das licitantes no pregão não combina com a sua


natureza. O fato de existirem lances verbais dos participantes, que obrigatoriamente
deverão estar presentes, sob pena de ficarem excluídos dos lances, torna,
indiscutivelmente, inútil o procedimento, tanto para os licitantes ausentes quando para a
Administração, já que seus preços poderão ser vencidos por lances melhores apresentados
pelos seus concorrentes. No entanto, no caso de não ocorrerem lances verbais, poderá à
proposta escrita ofertada pelo licitante ausente ser a mais vantajosa, consagrando-o
vencedor do certame se esta for a de menor preço, o que sustenta a viabilidade de apreciar
as propostas dos licitantes que não estejam presentes na sessão pública.

O Tribunal de Contas da União examinou a questão do licitante que não quer fazer
lance, entendendo que não há irregularidade em abdicar deste direito. Ora, se o licitante
presente tem o direito de não dar lances verbais, mantendo assim sua proposta escrita, por
que não aceitar as propostas escritas dos que não estão presentes? E por que não aceitar
as propostas encaminhadas via postal? Por isso, deve-se admitir a participação de
empresas que encaminham as propostas pelo correio, ressaltando que o referido licitante
estará abdicando do direito de fazer lance como do direito de recorrer, pois estará
fisicamente ausente.

11. Momento da Abertura da Sessão


O que poderá ocorrer se na hora da abertura da sessão nenhum licitante
comparecer? Este é um caso de licitação deserta, onde se deverá aplicar a Lei n° 8.666/93
subsidiariamente. O inciso V do art. 24 do referido diploma legal dispõe que a licitação é
dispensável, ou seja, será permitida a contratação direta sem licitação quando: a) a
Administração Pública tiver realizado um procedimento licitatório; b) o procedimento
tenha alcançado a fase externa com a realização da sessão de licitação; c) à sessão não
tenham comparecido licitantes; d) haja prejuízo à Administração, na repetição do certame,
conforme motivação a ser inserida nos autos; e) o escolhido pela administração, na forma
do inc. II, parágrafo único do art. 26 da Lei n° 8.666/93, satisfaça todas as condições
exigidas no edital.

Uma vez que a Administração cumpriu com o dever de garantir a isonomia, poderá
iniciar o procedimento da contratação direta sem licitação.

E quando apenas l (um) licitante comparece? Deve o pregoeiro aceitar a


participação deste único licitante? Destaca-se que na Lei n° 10.520/02 não existe nenhum
dispositivo que impeça a continuidade do certame com l (um) ou 2 (dois) interessados.
Portanto, desde que o ato convocatório do pregão não apresente cláusulas restritivas da
competição ou que direcionem o procedimento a determinado interessado e, além disso,
desde que a Administração tenha cumprido todas as exigências legais, em relação as fases
interna e externa, em conformidade com o disposto nos arts. 3° e 4° da Lei n° 10.520,
nada impede o prosseguimento do certame.

Já houve quem pretendesse, na ocorrência do caso em tela, a revogação do pregão,


sob o argumento de que não foi satisfeito o princípio da competitividade, ou que é da
essência do pregão a fase de lances, sendo que com apenas um participante essa seria
frustrada. Esse pensamento, como foi demonstrado, mostra-se equivocado, pois não há
na Lei qualquer determinação neste sentido, violando-se o princípio da legalidade. Tam-
bém se constitui num verdadeiro desprestígio ao licitante que elaborou proposta, preparou
documentos para a habilitação e veio contribuir com a Administração Pública.

Concluindo-se, desde que o preço apresentado pelo licitante não seja


superfaturado ou inexequível, e restem atendidas todas as exigências legais insertas na
Lei n° 10.520/02, nada impede a continuidade do certame e, se for o caso, a adjudicação
do objeto ao único participante do pregão.

12 Seleção dos que participarão dos lances verbais

Primeiramente, o pregoeiro fará leitura dos envelopes com o preço ofertado de


cada participante, de forma que assegure visualização e acompanhamento por todos os
presentes, procedendo a uma triagem, identificando, de imediato, a proposta de menor
preço.

Nesta etapa é realizada a classificação das propostas cujos licitantes poderão


participar da etapa de apresentação de lances verbais. A participação só é permitida para
aqueles ofertantes cujas propostas por escrito apresentem valor situado dentro de um
intervalo entre o menor preço oferecido e os demais. O objetivo é estimular os
participantes a apresentarem propostas compatíveis com a realidade do mercado, punindo
a tentativa de inflacionar preços.
Assim, o pregoeiro anunciará a proposta por escrito de menor preço e em seguida
aquelas cujos preços se situem dentro do intervalo de 10% acima da primeira. Somente
estes ofertantes poderão fazer lances verbais adicionalmente às propostas escritas que
tenham apresentado.

13. Da Instauração da Fase de Lances Verbais

Após a primeira classificação provisória, passa-se à fase de lances, que consiste


no núcleo propriamente dito do pregão. Uma vez instaurada a referida fase, cada licitante
é livre para formular verbalmente sucessivas ofertas, sempre com valor mais reduzido,
até que se obtenha o menor valor possível.

Com o intuito de evitar desgastes e desperdício de tempo é conveniente, apesar de


não haver amparo legal, que o edital estabeleça limites mínimos para os lances. Caso o
edital não discipline acerca desta dimensão, a redução em lance superveniente poderia ser
irrisória, com uma variação de centavos.

São inadmissíveis lances de valor idêntico ao já formulado por outro licitante. Ou


seja, se um licitante oferece certo valor, somente serão considerados válidos lances
sucessivos de valor menor. A adoção de tal procedimento evita que ocorra empates na
fase de lances verbais. Cabe dizer que, se o empate nesta fase fosse admitido, um licitante
que já estivesse no limite de seu preço, para aumentar suas chances de vencer o certame,
poderia dar um lance idêntico àquele que o pregoeiro já possui, visando forçar um empate
para quem sabe beneficiar-se de eventual sorteio, que é o que ocorre nas outras
modalidades quando há empate nas propostas (§ 2° do art. 45 da Lei n° 8.666/93).
Portanto, a única possibilidade de haver empate no pregão, sendo aplicado
subsidiariamente o referido artigo da Lei n° 8.666/93, é a seguinte: as duas melhores
propostas apresentadas por escrito ao pregoeiro são idênticas e posteriormente as
licitantes não formulam nenhum lance verbal. Nesse caso, se as propostas estiverem
dentro de uma realidade de mercado, de acordo com a pesquisa de preços da
Administração, poderá o pregoeiro valer-se da aplicação subsidiária do sorteio previsto
na Lei n° 8.666/93.

14. Do Lance com Preço Inexequível

Em toda a licitação a Administração corre o risco do licitante formular propostas


de valor irrisório, com a esperança de superar as dificuldades através de modificações
supervenientes. No caso específico do pregão, a competição inerente à fase de lance pode
levar o licitante a formular ofertas impensadas, produto do impulso em vencer a disputa,
provocando sérios riscos à execução.

Um esclarecimento necessário
Caso alguém, nos lances verbais, lance 60% abaixo do valor estimado, aceita-se
ou não este preço? E se o vencedor depois não executar?
Um pregoeiro deve se acautelar não apenas como servidor, mas também como
profissional, uma vez que este, assim como qualquer agente da Administração que tome
decisões, tem que dar um motivo para tais. E quais seriam os motivos para que o pregoeiro
aceite um valor 60% abaixo do valor de mercado, correndo o risco de não ser executado
ou de vir a administração a sofrer um prejuízo?

Jessé Torres só vê uma maneira do pregoeiro responder a esse dever funcional de


enunciar motivos para a sua decisão: lançar em ata algumas providências que ele terá que
tomar. A primeira será a de indagar a este proponente, na frente dos demais, na sessão
pública do pregão, para que conste em ata, a sua explicação para conseguir cotar o preço
tão abaixo do valor estimado de mercado, e tão inferior ao preço que os demais cotaram.
Se a explicação for do tipo possuía estoque antigo, adquirido quando o dólar estava em
baixa, lança-se em ata, e aí está o motivo que pareceu ao pregoeiro aceitável e de interesse
da Administração, uma vez que compraria por um preço menor, não havendo má-fé que
desabonasse esta conduta.

Mas se a explicação do proponente não for tão clara? Para o administrativista


caberia a concessão de um prazo de 48 horas para que o proponente apresentasse planilha
demonstrativa. Assim, poder-se-á provar a exeqüibüidade da execução.

Assim, Jessé Torres está acompanhando os que entendem que o pregoeiro tem que
tomar decisões fundadas em motivos, razões de fato e de direito concretos, demonstrados
(diferentemente daqueles que entendem que o pregoeiro não pode inquirir preço cotado
no pregão). É lógico que o prazo exige presteza por parte do pregoeiro (24h, 48h). Caso
seja uma documentação que continue a deixar o pregoeiro em dúvida? Não poderá decidir
de qualquer maneira, pois é servidor público, concursado, com a fé de ofício de seu cargo,
no exercício de função relevante para a administração e que importa despesa. Se a
explicação verbal lançada em ata nada lhe disse de seguro, se o documento exigido não
lhe dá segurança para decidir, Jessé Torres aconselha a aplicação subsidiária do § 3° do
art. 43 da Lei n° 8.666/93, prevendo que o pregoeiro ainda poderia converter este julga-
mento em diligência fazendo uso de regra geral das licitações, que admite a conversão do
julgamento em diligência, a qualquer tempo do procedimento licitatório. Com isso,
poderá colher o parecer de órgãos da própria Administração que sejam especializados
naquela matéria. O pregoeiro decidirá à vista destes pareceres. Talvez perca uns 5 (cinco)
dias, mas, para o jurista, vale diante da segurança de uma decisão que envolve recursos
públicos. Será mais segura e mais prudente, não sendo garantido que foi esta certeza que
pôs a salvo a Administração de qualquer aborrecimento, mas permitindo ao pregoeiro
rebater qualquer tipo de insinuação em relação a sua conduta funcional, pois terá em ata
e nos autos do processo os motivos concretos que o levaram a decidir deste ou daquele
modo.

No art. 48 da Lei n° 8.666/93 verifica-se que o motivo da desclassificação da


proposta em razão de preço inexequível está qualificado pelo advérbio manifestamente
inexequível. A Lei está exigindo de quem conduz e julga a proposta que tenha uma
razoável certeza. Este manifestamente inexequível quer dizer fundado em prova, em
demonstração, em evidências efetivas de que com aquele preço não se cumprirá o objeto
alvo da licitação. Caso se fique apenas em dúvida, poder-se-á estar desperdiçando a
oportunidade da Administração contratar em condições muito vantajosas só por um
preconceito ou premissa que não se conseguiu demonstrar manifestamente. Nem mesmo
a impugnação dos outros licitantes basta para caracterizar este manifestamente.
O autor acredita que dever-se-ia ignorar o problema da inexequibilidade na etapa
das propostas e remeter o exame da matéria a momento posterior ao encerramento dos
lances verbais, uma vez que a natureza do pregão impõe que todas as questões sejam
solucionadas rapidamente.

Assim, concluiu que a avaliação da inexequibilidade no pregão deverá se dar da


seguinte forma (destacou-se as mais importantes):

"Para sumariar o entendimento adotado acerca de inexequibilidade no


âmbito do pregão, apresentam-se as seguintes propostas doutrinárias,
adoradas para a hipótese de se reputar cabível desclassificar propostas sob
fundamento de inexequibilidade:
a) o fenômeno da inexequibilidade não é peculiar e exclusivo das licitações
processadas segundo a Lei n° 8.666 e pode ocorrer também no âmbito de
propostas e lances apresentados em licitação na modalidade de pregão;
b) em face da natureza específica do pregão, é impossível promover
avaliação precisa da inexequibilidade antes do término da fase de lances;
c) se o lance vencedor do pregão apresentar-se como significativamente
mais reduzido do que o valor do orçamento, incumbirá ao pregoeiro exigir
do ofertante, antes de encerrar a etapa competitiva, comprovação de que
sua oferta é exequível;
d) no pregão, a comprovação da exeqüibilidade da oferta deverá fazer-se
documentalmente, através de planilhas de custos e demonstrativos que evi-
denciem que o valor ofertado é suficiente para cobrir as despesas referidas
no art. 48, inc. II, da Lei n° 8.666;
e) se o licitante não dispuser de informações concretas e confiáveis, deverá
reputar-se sua proposta como inexequível, eis que é irrelevante para a Lei
e para a Administração que o sujeito atue com dolo ou com culpa: quem
não dispuser de informações acerca dos custos necessários a executar uma
prestação não poderá assegurar que sua proposta será exequível;
f) o ato convocatório deverá prever de o licitante (ou seu representante)
portar informações acerca dos custos em que incorrerá para executar a
prestação, aptas e satisfatórias para justificar a propostas ou o lance que
formular."
Concluindo-se, o pregoeiro, observando que os preços ofertados estão se
aproximando da inexequibilidade, poderá apenas alertar os presentes, não tendo poderes
para parar lances. Como se pode notar, o momento ideal para a avaliação da
exeqüibilidade não é a dos lances verbais, não cabendo a aplicação de prazos para a
realização de diligências, isto é, não sendo possível a aplicação subsidiária do § 3° do art.
43 da Lei n° 8.66/93, devido às características desta nova modalidade de licitação.

15. Da Fase Recursal

A fase recursal no pregão é bastante diferente da licitação convencional. Na


licitação convencional existem pelo menos duas fases recursais, onerando a atividade
administrativa e reduzindo a celeridade. No pregão, há apenas uma fase de recurso, que
se dá ao final do certame, logo após a declaração do licitante vencedor.27

Nota-se que as principais características do pregão estão relacionadas com as


etapas licitatórias que causavam mais morosidade aos processos de licitação
tradicionalmente conhecidos. Entende-se que a Lei n° 10.520 atingiu os pontos
nevrálgicos e obsoletos da Lei n° 8.666/93.

Um esclarecimento necessário
Conforme o inc. XVIII do art. 4°, declarado o vencedor do certame, qualquer
licitante poderá manifestar imediata e motivadamente a intenção de recorrer sobre
qualquer ato praticado durante as etapas do pregão, devendo registrar verbalmente na
sessão quais são os atos de que discorda, bem como o motivo pelo qual discorda. Estas
manifestações deverão ser consignadas em ata e ao recorrente deverá ser concedido o
prazo de três dias corridos, conforme previsto no art. 110 da Lei n° 8.666/93 (não dias
úteis como prevê o decreto) para que, se desejar, apresente por escrito as razões de
recurso, ficando os demais licitantes desde logo intimados a apresentar as contra-razões
(impugnações aos recursos) em igual número de dias, que começam a fluir do término do
prazo do recorrente, sendo-lhes assegurada vista imediata aos autos. Cabe ressaltar que
durante a sessão o pregoeiro detém amplos poderes para fazer um juízo de admissibilidade
do recurso, avaliando se de fato as alegações verbais levantadas por algum licitante são
substanciais ou se são meramente protelatórias. Os pressupostos de recorribilidade são
semelhantes aos consagrados na Lei n° 8.666/93.

A decisão sobre recurso será instruída por parecer do pregoeiro e homologada pela
autoridade competente responsável pela licitação. O acolhimento do recurso implica tão
somente na invalidação daqueles atos que não sejam passíveis de aproveitamento.

Outra característica da nova modalidade reside na especialidade do recurso, pois


a impugnação também se faz ao final do procedimento, devendo o interessado anotar
todas as irregularidades que achar relevantes e aguardar o momento terminal.

Dica da hora - Afastamento da licitação -


A regra é que todo o contrato exige prévia licitação. O afastamento é exceção, e
constitui-se em género que possui como espécies: licitação dispensada: art. 17; licitação
dispensável: art. 24; licitação inexigível: art. 25; licitação vedada: art. 79, § 5º

27
A respeito, temos a decisão do STJ, Resp. Nº 817422/RJ, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma: “ADMINISTRATIVO.
LICITAÇÃO. PREGÃO. RECURSO ADMINISTRATOVO. TEMPESTIVIDADE. 1. O recurso administrativo no procedimento
licitatório na modalidade pregão deve ser interposto na própria sessão. O prazo de três dias é assegurado apenas para oferecimento
das razões. Dessarte, se manejado a posteriori, ainda que dentro do prazo de contra-razões, revela-se intempestivo. Inteligência do
artigo 4º, XVIII, da Lei nº 10.520/02. 2. Recurso especial provido”.
A dispensável e a inexigível são as mais conhecidas. Não confundir licitação
dispensada com dispensável (dispensa de licitação), cada uma prevista em dispositivo
legal próprio.
Outro comentário necessário à licitação vedada diz respeito à escolha da marca.
Apesar do artigo mencionar "salvo nos casos em que for tecnicamente justificável", não
há impedimento. Se for provado que escolha de determinada marca (havendo outras
similares) é justificável porque torna o projeto viável, não se estará ferindo a lei. É o caso,
por exemplo, de um projeto de padronização, onde uma marca é escolhida para ser
utilizada em todas as obras. Não é uma escolha arbitrária, foi feito um estudo que
justificou esta decisão. Isto vale não somente para o art. 7º, § 5º, mas também para
qualquer outro dispositivo desta lei. É possível a escolha da marca, o que é vedado é a
escolha arbitrária, sem motivação, sem fundamento técnico que o justifique.

Dispensa e inexigibilidade têm duas diferenças básicas. A primeira,


quanto à utilização, e a segunda, quanto ao rol dos dispositivos legais. Quanto à utilização
porque enquanto a dispensa tem uso facultativo, a inexigibilidade é obrigatória. A
dispensa é uma faculdade do administrador. O fato de que a lei elenca situações de
dispensa, não significa que, em momento algum, esteja forçando o administrador fazê-lo.
O próprio caput do art. 24 nos leva a esse raciocínio porque não diz textualmente que seja
obrigatória. O administrador goza de discricionariedade. Se, mesmo dispensado, achar
que deve licitar, nada o impedirá. Na inexigibilidade, é diferente. Existe uma
obrigatoriedade expressa no caput do art. 25, quando dispõe sobre "inviabilidade de
competição". Qual a alma da licitação, por que se faz a licitação? Para estimular uma
competição, e diante desta competição, conseguir um preço mais favorável à
Administração. Então licitação significa competição. Se a licitação é inexigível quando
houver inviabilidade de competição, então a licitação é inviável. O exemplo clássico está
no inciso I do art. 25: produtor exclusivo. Se é exclusivo, é porque só existe um. Então
para que licitar? Contrata-se diretamente.

Outras situações existem que também justificam a inexigibilidade,


mesmo em se tratando de várias pessoas. É o caso da inauguração de uma obra, no qual
se deseja contratar um grande artista para fazer o show. Não há critério objetivo nessa
escolha, pode ser Gil, Caetano, Chico Buarque, não há competição. Conclui-se que a
inexigibilidade não está necessariamente ligada à presença de apenas uma pessoa que faça
o serviço, mas sim à inviabilidade da competição.
A segunda diferença está no elenco de situações. O rol do art. 24 é taxativo.Já o
rol do art. 25 é exemplificativo. Assim, em qualquer situação em que se comprove ser
inviável a competição, mesmo que não prevista em nenhuma delas, é caso de
inexigibilidade, podendo-se contratar diretamente.

Fique ligado - Vale frisar que, tanto a dispensa quanto a


inexigibilidade. necessitam de autorização da autoridade superior (art. 26 e parágrafo
único), como também de processos administrativos que as justifiquem. Uma comissão
analisará esse processo e, após sua aprovação, remeterá para ser ratificado pela autoridade
superior. Ambos abrem mão da competitividade, mas não significa que a habilitação seja
liberada. Toda documentação há de se exigida, em especial, CND (perante o INSS) e CRS
(perante o FGTS).

Comentários sobre dispensa


Outro inciso que merece ser comentado é o inciso V do art. 24: licitação deserta.
A licitação é aberta, marca-se o prazo para apresentação das propostas, e não aparece
nenhum interessado. A lei faculta, neste caso, a contratação direta com o primeiro que
aparecer. Mas todas as condições preestabelecidas pelo edital devem ser fielmente
mantidas, sob pena de se refazer toda a licitação. Licitação deserta não se confunde com
licitação fracassada (ou frustrada). Nesta última, aparecem interessados, só que ou são
todos inabilitados, ou são todos desclassificados. Ex.: todos os participantes estão em
débito com o INSS (inabilitados) — art. 24, VII — ou, ao se abrirem os envelopes, todos
os preços estão superfaturados, acima do valor de mercado (desclassificados) — art. 48.
O parágrafo terceiro deste último indica como poderá ser salva a licitação nestes dois
casos: apresentando, dentro de oito dias, os documentos faltantes ou os preços ajustados.
Caso isto não ocorra, poderá ser contratada diretamente a primeira empresa que oferecer
o valor de mercado.
A última situação de dispensa a ser analisada, é a contratação de empresas estatais.
Ou seja, é o Estado contratando empresas também do Estado. Não há necessidade de
licitação — art. 24, incisos VIII e XVI, desde que a contratada tenha sido criada com esta
finalidade.
Comentários sobre inexigibilidade

Caso concreto – Por exemplo, um determinado município desejava


comprar quatro Vectras, e só havia uma concessionária Chevrolet em seu território. A
prefeitura foi lá e contratou diretamente. Segundo o art. 20, parágrafo único, este
procedimento foi ilegal porque a licitação não se limita ao local de sua sede, pois o valor
da compra extrapola o limite do convite, cabendo tomada de preços, e, neste caso, a
exclusividade seria regional, não impedindo a participação da concessionária do
município vizinho.

O inciso II do art. 25 é o mais questionado, pois se refere à contratação de


profissional de notória especialidade. Primeiramente, deve se ressaltar que, o que é
exclusivo não é o profissional, e sim o serviço, que tem natureza singular. Como exemplo
pode-se citar a feitura do Aterro do Flamengo. É um serviço de natureza singular, que não
pode ser dado a qualquer um dos muitos jardineiros da Fundação Parques e Jardins (que
pertence ao Município). Tem-se que procurar um profissional especializado para uma
obra de tal porte.

Fique ligado - Como se chega a este profissional de natureza


especializada? O conceito está no parágrafo primeiro do art. 25: "que permita inferir que
o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do
objeto do contrato". O mais adequado, e não o único. Depreende-se, com isto, que pode-
se escolher entre diversos profissionais de natureza especializada, desde que se prove, em
razão de sua experiência anterior, sua técnica, estudo, aparelhamento, etc., que o trabalho
dele é o mais adequado para satisfazer o objetivo almejado. Muitos alegam que não se faz
licitação quando se trata de notória especialidade porque os concorrentes são muito
vaidosos, não vão oferecer o menor preço. Pode ser verdade, mas não é um argumento
jurídico. Logo, tem-se que comprovar, no procedimento de inexigibilidade, que houve
análise de diversos profissionais de natureza especializada, mas que o escolhido é o
melhor devido aos argumentos elencados. Há, necessariamente, um juízo de valor. Mas
este está amarrado à uma motivação que prove a escolha adequada de um entre vários.
Finalmente, o inciso III do referido artigo menciona a contratação de
profissionais artísticos, consagrados pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Aqui, mais do que nunca, existe um juízo de valor, uma discricionariedade. Não há
critérios objetivos. Escolher Chitãozinho e Xororó ou Henrique e Juliano? Qual é o
critério? Qual das duas duplas causa mais comoção entre as mulheres? Se o critério for o
menor preço, vai ser contratado um desconhecido, e o objetivo não é oferecer um cachê
baixo, e sim escolher um profissional que atraia muita gente para a inauguração da obra.
Note-se que a inexigibilidade de licitação tem natureza singular, não vale para empresas
de eventos. Estas têm que se submeter à competição.

Procedimento licitatório
Toda licitação tem início através de um instrumento convocatório: edital ou carta-
convite. O edital é para concorrência, tomada de preços, concurso e leilão. A carta-convite
é somente para a modalidade convite, ou seja, das cinco modalidades, quatro começam
com edital.
Publicado o edital, ele poderá ser impugnado dentro de cinco dias úteis antes da
abertura dos envelopes da habilitação (art. 41), tanto pelo cidadão (parágrafo 1º) quanto
pelo licitante (parágrafo 2º). O parágrafo 1º nos remete ao art. 113, §1°, o que significa
que, feito o edital, qualquer cidadão pode, concomitantemente, entrar com impugnação e
encaminhar ao Tribunal de Contas, na mesma representação. Hipoteticamente, o
licitante, ao ler o edital, entende que a exigência de determinado documento é
desnecessária, pois foi dirigida apenas a uma empresa, pois só ela que poderá cumpri-la.

O art. 21 refere-se à publicação do edital, e isto merece alguns comentários.


Observa-se que o convite é a única modalidade de licitação em que não há obrigatoriedade
de publicação no Diário Oficial. O convite é publicado no quadro de avisos da repartição,
apenas.

Habilitação
O interessado em participar da licitação, em regra, terá que entregar dois
envelopes lacrados à Administração: o primeiro conterá a documentação relativa à
habilitação da empresa (CND, CRS, Contrato Social da empresa, Balanço) e o segundo,
os documentos relativos à proposta (preço).
O aspecto mais interessante da habilitação refere-se ao art. 43, § 6º: uma
vez habilitado, o licitante estará realizando uma promessa de contrato, ou seja, caso seja
o vencedor, não poderá mais desistir — salvo exceções a cargo da Administração. Até
quando a Administração pode impor ao habilitado a obrigação de aceitar o contrato? Até
60 dias da data da entrega da proposta (anterior à habilitação), e não do resultado da
habilitação (art. 64, § 3º). Em regra, os editais reduzem este prazo para 30 dias. E se o
licitante for chamado dentro do prazo e não assinar o contrato? Sofrerá sanções
administrativas: advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação
(impedindo-o de contratar com a Administração por 2 anos) e, a mais grave, declaração
de inidoneidade para contratar com o poder público (que é por prazo indeterminado). O
art. 81 diz que tal fato caracteriza o descrumprimento total da obrigação assumida, e as
penalidades constam do art. 87.
Caso alguém recorra (Art. 109, I, a), tem-se que esperar o julgamento do recurso
para encerrar a fase da habilitação. Assim, somente os licitantes habilitados irão à fase do
julgamento. Os não habilitados recebem de volta seus envelopes contendo as propostas
lacrados e vão embora.

Julgamento - É presidido pela comissão de licitação, e se divide em duas: Análise


formal em que se analisam as propostas individualmente, segundo as exigências do edital.
Análise material em que se comparam as propostas, a fim de que se chegue a que melhor
satisfaz a Administração. Para que ele ocorra, o edital apresentará critérios, fatores e tipos.
Mas a lei só define o que são tipos de licitação (art. 45, §1°), não se referindo nem a
critérios, nem a fatores. Talvez a justificativa para isto seja porque o tipo eleito para
licitação é o de menor preço, ou seja, será vencedor aquele que apresentar a proposta
dentro das especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço. Deve-se ressaltar
que, com esta redação, não se eliminou a qualidade porque o legislador diz que tem-se
que descrever o objeto no edital. A proposta deve seguir àquela qualidade nele exigida.
Depois, no julgamento, será analisado o melhor preço. A Administração, desta forma,
adquire um produto com o padrão de qualidade necessário, mas pagando o preço mais
barato.
Quando o art. 46 diz que os tipos "melhor técnica" ou "técnica e preço" são
exclusivamente para serviços, pode-se concluir que para obras e compras valerá sempre
o tipo menor preço? Não, pois também existem obras que exigem profissionais altamente
especializados, podendo ser incluídos em serviços de natureza intelectual.
No caso do art. 46, sim, critérios e fatores tornam-se importantes pois a qualidade
técnica tem que ser estabelecida. (Art. 46, §1°, I, parte intermediária: "e que considerem
a capacitação ..."). Serão então definidos os critérios de julgamento, como por exemplo,
a qualidade, o rendimento, a metodologia e o prazo.

Fique afiado - O mesmo inciso, entretanto, diz que "... e a negociação


das condições propostas, com a proponente ... e etc." Ora, se o julgamento é objetivo, não
há que se falar em negociação, pois esta seria subjetiva. O legislador se defende sob o
argumento de que se três propostas atingem a pontuação mínima exigida, tem-se que
escolher uma delas, já que todas estão em condições de cumprir o que a Administração
deseja. O certo seria chamar a empresa com o maior número de pontos, abrir o envelope
de preço apenas dela, e verificar se é razoável, se está dentro do preço de mercado, etc.
Satisfeito isso, contratar com ela. Mas o que se observa com a negociação é que abrem-
se os envelopes de preços dos três licitantes, e, mesmo tendo pontuação técnica menor, a
empresa poderá ser contratada se oferecer um preço mais barato. Ou seja, a licitação foi
feita com o intuito de obter qualidade técnica, mas será contratada uma proposta que não
ofereceu a melhor técnica. O dispositivo, portanto, é incoerente. A Administração acaba
impondo à empresa que ofereceu a melhor técnica, que a execute com o menor preço, que
foi dado por outra de qualidade inferior.
No tipo de licitação “técnica e preço”, só existem dois envelopes e, portanto, não
acontece o mesmo problema do tipo “melhor técnica”. É feita uma média ponderada nos
termos do art. 46, §2º, II, onde o preço entra como mais um fator.
Vimos, então, a diferença entre critérios e fatores, que só existem nesses dois tipos
de licitação, ou seja, “melhor técnica” e “técnica e preço”.

Homologação e adjudicação
A homologação se assemelha muito ao despacho saneador em um processo. A
autoridade superior analisa todas as propostas, vê tudo o que foi feito para trás, a fim de
verificar se houve algum problema, alguma irregularidade, algum ilícito. Se encontra um
ilícito, anula. Se houve problema, devolve à comissão solicitando o cumprimento de
diligências.
Ficando satisfeito com tudo o que foi feito, ocorre a homologação. E parte-se para
adjudicação, que nada mais é do que a análise se aquela proposta vencedora realmente é
conveniente e adequada para a Administração. O fato de ser a melhor proposta, não
significa, necessariamente, que ela é boa para a Administração. Por isso diz-se que no
julgamento não se resolve nada. É na adjudicação que isto vai ocorer.

Caso concreto - A Administração deseja comprar um imóvel para nele


instalar uma repartição. Há a habilitação, o julgamento, não há superfaturamento e chega-
se à melhor proposta. A autoridade superior recebe a ordem de classificação e faz a
homologação. Tudo está correto e pronto para a adjudicação. Na hora de assiná-la, chega
uma carta informando que a Administração ganhou, através de herança jacente, um
imóvel que é adequado para a instalação da repartição. A licitação, então, será revogada,
pois não se justifica mais. Não é questão de legalidade, mas sim de conveniência. Não se
anula, se revoga.

CONTRATO ADMINISTRATIVO

) Contrato administrativo: no singular, espécie regulada rigorosamente


pelas normas de direito público. É a que está contida na Lei 8.666/93, e que possui as
chamadas cláusulas exorbitantes

Contrato de direito privado celebrado pela Administração: a Administração


poderá pactuar com o particular com base em normas predominantemente privadas. Neste
caso, não há cláusulas exorbitantes. Há normas públicas e privadas, sendo que as do
direito privado preponderam. Neste caso, apesar de ser um contrato de direito privado,
também deverá ser precedido de licitação, que é regra de direito público.

A Lei 8.666/93 não regula apenas o contrato administrativo de norma


pública. O art. 62, § 3º, inciso I , expressamente admite a possibilidade da Administração
assinar contratos de direito privado. Então a própria norma pública (com cláusula
exorbitante) permite que a Administração possa celebrar contratos regulados pelo direito
privado, e elenca os três tipos clássicos: contratos de seguro, financiamento e locação, em
que o poder público é o locatário.
Análise das Cláusulas exorbitantes - Cláusula exorbitante de modificação
unilateral de contrato (Art. 58,1 — Art. 65, l e alíneas, Lei 8.666/93).
Por que o contrato administrativo apresenta diferença tão relevante e tão
profundamente diferente do contrato sob a égide do direito privado? O Contrato
Administrativo é caracterizado pelas cláusulas exorbitantes, que são cláusulas que
exorbitam, extrapolam do comum em prol do Estado. Cláusula exorbitante encontra-se à
disposição do interesse público. Na verdade, são regras que conferem poderes especiais
para a Administração Pública diante do particular contratado. Elas são necessárias, a
Administração Pública defende o interesse da coletividade, de todo mundo.
Hipoteticamente, se a Administração Pública celebra um contrato, hoje, e amanhã
acontece algo inesperado, por exemplo, uma enchente, deixando as pessoas desobrigadas,
é lógico que a Administração Pública pode e deve mudar as condições do contrato,
podendo, inclusive, acabar com o contrato, fazendo rescisão com o particular sem
indenização No contrato administrativo, a Administração Pública encontra-se em posição
de superioridade, posição privilegiada. Por que a lei concede a Administração Pública
essa supremacia? É exatamente por encarnar o interesse da coletividade.

1.Modificação unilateral do contrato.

Fique de olho - Modificação unilateral e rescisão unilateral do contrato,


mesmo sem culpa do particular. Olha a desigualdade! É isso que dá um destaque especial
para o contrato administrativo, diferente do direito privado.
Todo contrato administrativo tem duas cláusulas: Cláusula regulamentar- são as
cláusulas que regulamentam a quantidade, da prestação de serviço e a Cláusula
econômica, também denominada monetária – vai dispor o quantum o contratado vai
receber da Administração Pública pela obra.

1ª parte: Art. 65, I, “a”: cláusula de serviço (regulamentar).


A modificação pode ser qualitativa ou quantitativa, porque o interesse público não
é estático (art. 65, § 1º da lei 8666/93). O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas
condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou
compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no
caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta
por cento) para os seus acréscimos.

Caso Concreto - Vamos imaginar que a Administração contrate uma


firma de segurança para prestar serviços por 40 horas semanais, pelo preço de 20.000,00.
A Administração não deseja mais 40 horas, pretende aumentar para 50 horas. Lógico que
a empresa será restabelecida economicamente.

Fique ligado - 2ª parte: A cláusula econômica não pode ser alterada


unilateralmente. Art. 65, I, “b” – clausula econômica. Se você mexe nas cláusulas de
serviço, consequentemente a cláusula econômica vai ser alterada em decorrência dessa
modificação unilateral da cláusula de serviço. A Administração Pública não pode entrar
no contrato administrativo e modificar unilateralmente, apenas as cláusulas econômicas.
A Administração Pública não pode dizer, por exemplo: “Agora, vamos fazer a alteração
do valor em decorrência da modificação unilateral do serviço”. Isoladamente, não pode
mexer na cláusula econômica.

Chamamos a atenção de todos que a Administração Pública pode fazer


vários aditamentos, sem licitação, desde que não ultrapasse os 25%. Faço um aditamento
agora da ordem de 5%, três meses após, peço outro aditamento na ordem de 12% e, assim
por diante.

A revisão do contrato terá que acontecer porque é um direito ser


reequilibrado economicamente o particular (consultar art. 65 § 6º da lei 8666/93).

Preço unitário – quilômetro construído: 100 quilômetros. Fica estabelecido o


preço unitário por quilômetro.

Caso Concreto – Uma determinada prefeitura realiza uma obra pública


para construção de uma estrada de 100 km, pelo valor de 1.000.000,00. No meio da obra,
percebe-se que foi esquecido de construir abrigo de proteção, para os usuários, de sol e
chuvas. É possível fazer aditamento no contrato? Vai depender do aumento. O aumento
deve ser o valor do contrato e não do objeto. Se o aumento ultrapassar a 250.000,00 haverá
impedimento porque superou o limite de 25% do valor do contrato.

Pegadinha - A grande dor de cabeça é quando o contrato administrativo


não trabalhar com preços unitários. É o chamado preço integral ou global, ou seja, foi
fixado um preço “X” por toda obra pronta. A solução é partir para um acordo, uma
negociação para fixar o valor do reequilíbrio. Por ex: constrói-se um hospital municipal
de cinco pavimentos. No meio da obra, vem o censo mostrando a necessidade da
construção de mais um andar. Como o contrato foi celebrado a obra integral num
determinado valor, a única saída é estabelecer um acordo. Em não havendo acordo, o
contratado particular terá que realizar a obra, não podendo, portanto, paralisar o serviço,
ingressando judicialmente, ocasião em que o perito de inteira confiança do juízo vai
estabelecer o quantum a receber.
Fatos que podem concorrer para revisão do contrato – O que é fato do
príncipe? É uma medida geral adotada pelo Estado que vai ter impacto no contrato
administrativo, provocando um desequilíbrio financeiro no contrato.

1.Fato do príncipe.
Não tem nada a ver com a alteração unilateral do contrato. É uma outra história.
Fato do príncipe quebra o equilíbrio financeiro inicial do contrato. Quebra, mas de forma
diferente da alteração unilateral do contrato. Na alteração unilateral do contrato, o Poder
Público mexe no contrato. No fato do Príncipe, o ente da federação contratante não mexe
nas cláusulas de serviço. Fato do príncipe é um ato genérico do Poder Público que vai
repercutir no contrato administrativo, incidindo mesmo até a quem não faz parte do
contrato.

É importantíssimo ler o art. 65 § 5º da lei 8666/93 que trás o conceito legal do fato
do príncipe, embora a lei de licitação não utilize tal expressão.

Caso Concreto - Licitação do tipo menor preço e o vencedor terá que


entregar uma frota de veículos. O imposto de importação, por ocasião da entrega dos
envelopes das propostas, possuía alíquota zero. Na época do então Presidente Collor, este
dizia que os nossos carros eram verdadeiras “carroças”. Talvez, ele utilizasse de tal
expressão para estimular a melhoria da indústria automobilística. Nessa mesma época,
para estimular o aperfeiçoamento da indústria brasileira de automóveis, acirrando a
competitividade, foi reduzida a alíquota de importação dos carros estrangeiros a 0%.
Todavia, digamos que, com o decorrer do tempo, após a entrega da proposta de
uma licitação para a aquisição de carros importados vem o Ministério da Fazenda e
aumenta a alíquota de importação para 20%, quebrando o equilíbrio econômico e
financeiro do contrato. Com o aumento desse imposto, ocasiona-se o aumento dos
encargos do contratado. Esse aumento da taxa de importação é chamado de “fato do
príncipe”.
Em função desse aumento, o contratado fará jus a revisão do contrato para que ele
possa manter o equilíbrio financeiro originário do contrato. Nesse caso, o ente contratante
tem o dever de restabelecer o licitante vencedor, não estando preso ao percentual da
alteração unilateral do contrato. Se a alíquota de importação aumentou em 20%, eu terei
que ser restabelecido efetivamente nos 20% e não no patamar de até 25% como consta a
alteração unilateral do contrato.

2.Fato da Administração.
O que seria? É uma medida adotada pelo estado contratante, diferente do fato do
príncipe em que a medida geral é adotada não pelo estado contratante.

Caso Concreto - A Administração Pública contrata uma empreiteira


para realizar uma obra. Durante a execução da obra, a Administração Pública interrompe
durante 30 dias. Essa interrupção vai impactar o contrato, pois os custos da empreiteira
aumentaram (os empregados ficam propriamente parados, mas recebem). Essa
interrupção caracteriza como fato da Administração Pública.

3.Fatos imprevistos
O que seriam fatos imprevistos? Seriam fatos materiais ligados diretamente à
execução do contrato que acaba por onerar o contratado e, consequentemente, esse
contratado fará jus a revisão de preços.
Caso Concreto - O contratado começa a executar o serviço e surge uma
camada rochosa que não apareceu no estudo de sondagem. Haverá a elevação do custo da
execução do serviço.

4.Exceção do Contrato não cumprido - Exceptio non adimpleti contractus -


Exceção do contrato não cumprido é outra cláusula exorbitante.
Nos contratos administrativos, somente pode ser invocada a exceção após 90 dias
de inadimplemento por parte da Administração Pública. É só ler o art. 78, XV, da Lei
8.666/93 – “Constituem motivos para rescisão do contrato: XV- o atraso superior a 90
dias dos pagamentos devidos pela Administração Pública decorrentes de obras, serviços,
salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna”, assegurando
ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações. Logo,
a exceção do contrato não cumprido não é aplicada integralmente.

Atenção! O contratado não poderá fazer a rescisão unilateral do


contrato. Ele terá que fazer o distrato, de forma amigável e, em não conseguindo, terá que
ir a juízo, porque cláusulas exorbitantes só em favor da Administração pública e jamais
contra ela. Se a Administração Pública for a parte errada, descumpridora do contrato, o
contratado não pode rescindir unilateralmente o contrato. No entanto, a lei admite que,
vencidos os 90 dias de atraso, o contratado fica autorizado UNILATERALMENTE a
suspender a execução do contrato. Só haverá o retorno após o pagamento, mas não pode
ser feita a rescisão (é importante ler o art. 78 inc. XV da lei). Mas terá que esperar os 90
dias.

5.Rescisão unilateral do contrato


É outra cláusula exorbitante de grande importância.
Quem pode fazer a rescisão unilateral do contrato? Só a Administração Pública
poderá rescindir unilateralmente o contrato.

Caso Concreto - A Administração assina um contrato para construir


uma escola pública. Depois, essa edificação não se torna mais interessante para a
Administração Pública. Ao tomar conhecimento que a União vai construir uma escola
técnica profissionalizante bem nas proximidades do estabelecimento de ensino do Estado.
Para que ter duas escolas, uma “dando cabeçada na outra”? Haverá, provavelmente, salas
de aula subutilizadas. Nesse caso, o que faz a Administração Pública? Vai rescindir o
contrato, mesmo sem culpa do particular.
Rescisão unilateral (artigo 58, II)

Rescisão do contrato é o desfazimento do contrato durante sua

execução por inadimplência de uma das partes, pela superveniência de eventos

que impeçam ou tornem inconveniente o prosseguimento do ajuste ou pela

ocorrência de fatos que acarretem seu rompimento de pleno direito. É a extinção

do contrato por manifestação de vontade superveniente à sua formação.

De acordo com o art. 79 da Lei de Licitação e Contratos, a rescisão poderá

ser:

a) Rescisão unilateral ou administrativa, determinando o inciso I que esta


ocorrerá “por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos
I a XII e XVII do artigo anterior”.
A rescisão administrativa é a efetivada por ato próprio e unilateral da
Administração, por inadimplência do contratado ou por interesse do serviço público;
é exigido procedimento regular, com oportunidade de defesa e justa causa, pois a
rescisão não é discricionária, mas vinculada aos motivos ensejadores desse
excepcional distrato. Opera efeitos a partir da data de sua publicação ou ciência
oficial ao interessado (ex nunc).
Abre-se aqui parêntese para verificarmos o que dizem os dispositivos
mencionados no art. 79, inciso I, da Lei n o 8.666/93.

Os incisos I a XI do art. 78 tratam das hipóteses de rescisão por


comportamento culposo do contratado. Os incisos I a VIII trazem os casos de
inadimplência e os incisos IX ao XI, por sua vez, falam do desaparecimento do
contratado, casos que irão acarretar determinadas consequências gravosas,
aplicando-se, então, o art. 80 da Lei. Em todos esses casos, a rescisão se dá por culpa
do contratado, e não há que se falar em indenização.
As medidas previstas no art. 80, apesar de contundentes e auto-executórias,
não possuem caráter de sanção, valendo conferir:
Art. 80. A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as
seguintes consequências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei:
I – assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local
em que se encontrar, por ato próprio da Administração;
II – ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos,
material e pessoal empregados na execução do contrato,
necessários à sua continuidade, na forma do inciso V do art. 58
desta Lei;
III – execução da garantia contratual, para ressarcimento da
Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela
devidos;
IV – retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite
dos prejuízos causados à Administração.
§ 1 o A aplicação das medidas previstas nos incisos I e II deste
artigo fica a critério da Administração, que poderá dar
continuidade à obra ou ao serviço por execução direta ou
indireta.
§ 2 o É permitido à Administração, no caso de concordata do
contratado, manter o contrato, podendo assumir o controle de
determinadas atividades de serviços essenciais.
§ 3 o Na hipótese do inciso II deste artigo, o ato deverá ser
precedido de autorização expressa do Ministro de Estado
competente, ou Secretário Estadual ou Municipal, conforme o
caso.
§ 4 o A rescisão de que trata o inciso IV do artigo anterior
permite à Administração, a seu critério, aplicar a medida
prevista no inciso I deste artigo.
Como a rescisão se deu por culpa do contratado, também deve ser aplicado o
art. 87, que contempla as sanções para este caso.

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a


Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao
contratado as seguintes sanções:
I – advertência;
II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no
contrato;
III – suspensão temporária de participação em licitação e
impedimento de contratar com a Administração, por prazo não
superior a 2 (dois) anos;
IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a
Administração Pública enquanto perdurarem os motivos
determinantes da punição ou até que seja promovida a
reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a
penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir
a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o
prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Entretanto, nestes casos, quando não há culpa do contratado, terá a
Administração que ressarci-lo dos prejuízos sofridos e mais encargos (só danos
emergentes, o que se gastou até então; lucros cessantes não entram), assim prevendo
o § 2o do art. 79, que trata do que deve entrar nos cálculos da indenização.
b) Rescisão amigável: estabelece o inciso II que esta rescisão feita “por acordo
entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conveniên cia
para a Administração”, dizendo ainda o § 1 o do art. 79 que “A rescisão administrativa ou
amigável deverá ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade
competente”.
A rescisão é amigável quando se realiza por mútuo acordo das partes, para a
extinção do contrato e acerto dos direitos dos distratantes. Esta modalidade de
rescisão opera efeitos a partir da data em que foi firmada (ex nunc), não havendo
retroatividade.

Razões de interesse público O art. 78, inc. XII, é importante, surge em


razão do interesse público. A AP reavaliou razões de interesse público, não sendo mais
conveniente permanecer com o contratado. Não há culpa do contratado. É lógico que essa
rescisão unilateral sem culpa do contratado tem que ter motivação obrigatória. A
consequência da rescisão unilateral do contrato é que vai dar margem à indenização. Só
que essa indenização não alcança lucros cessantes, só danos emergentes (art. 79 § 2º II da
lei 8666/93). Esse dispositivo é criticado pela doutrina porque, às vezes, uma empresa
séria não participa de outras licitações só para dar assistência de perto à Administração
Pública.

6. Ocupação temporária
Ocupação temporária é outra cláusula exorbitante (art. 58, V, Lei 8666/93). A
Administração Pública pode ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis e pessoal no
caso de rescisão do contrato, sob pena de prisão. A ocupação temporária é muito comum
no caso de rescisão, no caso de apuração de faltas administrativas. Portanto, a
Administração pode ocupar o pessoal e os bens da empresa, que deu causa ao rompimento
do contrato.

7. Aplicação das penalidades


É outra cláusula de grande importância porque as sanções previstas no art. 87 da
Lei 8666/93 são auto-aplicáveis, portanto, sem necessidade de ir a juízo, na hipótese de
inexecução total ou parcial do contrato.
Atenção: A lei admite somente acumulação da pena de multa com outra
sanção (as demais sanções não podem ser cumuladas umas com as outras). No entanto,
antes de aplicar tais sanções, a Administração Pública terá que dar obrigatoriamente o
contraditório e ampla defesa para o contratado.

A exigência de Garantias Contratuais para Execução de Obras


Desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de
garantia nas contratações de obras, serviços e compras. Caberá ao contratado optar por
uma das seguintes modalidades de garantia: caução em dinheiro ou títulos da dívida
pública; seguro-garantia; fiança bancária.
A previsão contida no § 3º do artigo 56 é uma inovação trazida pela Lei nº 8.883.
A lei estabelece demonstração técnica para a elevação da garantia e tal exigência – que
prevê a garantia proporcionalmente mais elevada - deverá constar expressamente do
edital. Constitui-se exceção ao § 2º do mesmo artigo que determina que a garantia não
excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas
condições daquele.

Agora, vamos fazer algumas considerações sobre a publicação do


contrato.

Registro do contrato: O contrato administrativo não é levado para registro em


cartório, em face da presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos. É
só registrado na Administração Pública (art. 60 da lei 8666/93,) salvo o contrato que diz
respeito ao direito real, lavrado em cartório. A publicação é requisito de eficácia. Está
contido no parágrafo único do art. 61:
Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato
ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição
indispensável para sua eficácia, será providenciada pela
Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua
assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer
que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art.
26 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).
Às vezes, o particular está fazendo uma obra, sem a publicação do contrato.
Alerto que o contrato só produz efeitos após a publicação. Pagamento só após a
publicação. Nenhum pagamento pode ser feito sem a publicação. A publicação é
resumida. A publicação é de responsabilidade da Administração Pública, o extrato do
contrato até o quinto dia útil ao do mês subsequente. Ex: imaginem que o contrato foi
assinado no dia 20 de março de 2017. O Administrador terá até o quinto dia útil do mês
seguinte, vale dizer do mês de novembro.

Duração do contrato administrativo


Pergunta-se: é possível o contrato administrativo por prazo indeterminado? Não é
possível, com previsão na lei 8666/93, art. 57 § 3º, que veda a contratação de contrato por
prazo indeterminado.
Qual a duração de um contrato administrativo? Um, dois, três anos?... Ao Poder
Público é vedada a celebração de contrato com prazo indeterminado, devendo a sua
duração, via de regra, ficar adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários (art.
57, da Lei 8666/93 e art. 167, 1,11 e § l° da Carta Magna). Então, não poderá exceder a
vigência dos créditos orçamentários.
É possível a celebração de contrato com o prazo superior a um ano do crédito
orçamentário? Vamos imaginar o seguinte cenário. A Administração Pública contrata
uma empreiteira para construir um presídio. Vamos supor que a construção desse presídio
conste no plano plurianual e que a construção levaria três anos para o seu término. Então,
nesse caso a Administração Pública pode firmar contrato por três anos. A própria Lei n°
8.666/93, nos incisos do seu art. 57, elenca algumas exceções à vinculação ao crédito
orçamentário anual, admitindo a duração dos contratos administrativos por período
superior a este quando se referirem: a projetos cujos produtos estejam inseridos nas metas
estabelecidas no Plano Plurianual.
Há uma outra exceção prevista no art. 57 que permite que a Administração Pública
assine um contrato por mais de um ano. Seria a prestação de serviços contínuos que
poderá ter o prazo de contrato de até 60 meses. O que seriam serviços contínuos? São
aqueles serviços indispensáveis ao funcionamento do órgão sem os quais o órgão não tem
como funcionar. Por exemplo, serviço de limpeza, serviço de segurança etc. Vale
observar que esse contrato pode excepcionalmente ser prorrogado por mais 12 meses,
chegando até o prazo de 72 meses. A última possibilidade de o contrato ser superior a
um ano são os contratos que envolvam aluguel de equipamento ou programa de
informática, podendo atingir o prazo máximo de 40 meses.
Responsabilidade civil na execução do contrato de obras
O tema é polêmico, pois a lei é propriamente omissa. Vamos examinar agora os
três posicionamentos do STF.
1º - A simples presença da obra já causa prejuízo a terceiros. De quem é a
responsabilidade? Ex. Na construção da linha vermelha, para construir o elevado na rua
Bela em São Cristóvão. A Rua Bela ficou inteiramente fechada para construção do
elevado. Os comerciantes da Rua Bela tiveram prejuízos por seis meses. Cabe
indenização por parte do ente da federação contratante, aplicando-se o art. 37 § 6º da CF
– Responsabilidade objetiva.

2º - Má execução da obra é a parte mais interessante. (o art. 70 da lei 8666/93.)


Quem responde, segundo esse artigo, é o empreiteiro, o contratado. O empreiteiro na
execução do contrato, hipoteticamente, deixa cair um vergalhão e amassa o veículo de
um particular. Pelo art. 70 da lei de licitação, o contratado responde subjetivamente por
danos causados a terceiros durante a execução do contrato.

Fique afiado - O STF diverge desse artigo, dizendo: O empreiteiro está


agente do Estado, logo a responsabilidade é do Estado. O art. 70 da lei de licitação
atropela o art. 37 § 6º da CF. Segundo o STF o prejudicado pode entrar com uma ação
contra o ente da federação que contratou o empreiteiro e, depois, se o ente da federação
perder a ação, entra com ação regressiva contra o empreiteiro. Vale fazer uma grande
observação. Se for uma grande empreiteira, que tem ótima situação econômica, você
escolhe em cima de quem irá mover a ação, se é contra o Estado ou se é contra o
empreiteiro. Se for uma empreiteira bem saneada economicamente, aí, é preferível mover
uma ação contra ela porque você foge do famigerado precatório. Portanto, vai depender
de cada caso concreto.
Outra particularidade: contrato de labor ou contrato integral?
Há outro detalhe importante a se fazer. Se o contrato for de labor, ou seja, o
contratado só entra com a mão de obra, e ficando provado que a má execução da obra é
resultante do péssimo material fornecido pela Administração Pública, o contratado fica
isento de responsabilidade. No entanto, o contratado tem, por obrigação, recusar o
péssimo material fornecido pela Administração Pública, sob pena de responsabilidade
solidária.
Encargos trabalhistas e fiscais
Se a empresa contratada pelo ente da federação deixa de pagar os encargos
trabalhistas, previdenciários e fiscais, o Poder contratante é que é responsável? O patrão
da empresa contratada hipoteticamente deixou de pagar o salário dos trabalhadores. Eu
posso mover uma ação contra o Poder Público para que ele pague o salário? (o art. 71 da
lei 8666/93 que trás a resposta). A lei está dizendo que a responsabilidade é somente do
contratado.
§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos
trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração
Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o
objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e
edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada
pela Lei nº 9.032, de 1995)

Art. 71 § 1º, da lei 8666/93 não trabalha com encargos previdenciários, trabalha
apenas com encargos trabalhistas, fiscais e comerciais e não há como transferir para o
ente da federação contratante. Só que esse § 1º do art. 71 da lei entra em choque com o
Enunciado 331 do TST, que diz que há responsabilidade subsidiária do ente da federação.
O art. 71 diz uma coisa e o Enunciado diz outra. Qual vai prevalecer?
Posição do STF: Segundo o STF, nenhum enunciado pode prevalecer sobre o texto
legal. Recentemente houve a declaração de constitucionalidade do § 1º do art. 71 da CF.
Por votação majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a
constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666, de 1993 (Lei de Licitações).
O dispositivo prevê que a inadimplência de contratado pelo Poder Público em relação a
encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a
responsabilidade por seu pagamento, nem pode onerar o objeto do contrato ou restringir
a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de imóveis.
A decisão foi tomada no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)
16, ajuizada pelo governador do Distrito Federal em face do Enunciado da súmula 331
do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que, contrariando o disposto no § 1º artigo 71,
da Lei 8.666/93, responsabiliza subsidiariamente tanto a Administração Direta quanto a
indireta, em relação aos débitos trabalhistas, quando atuar como contratante de qualquer
serviço de terceiro especializado. Ao decidir, a maioria dos Ministros se pronunciou pela
constitucionalidade do artigo 71, § 1º da lei nº 8.666/93.
Art. 71 § 2º da lei 8666/93 diz que a Administração pública responde
solidariamente. A Administração Pública ao fazer o pagamento de uma parcela
contratual, tem que tomar o seu devido cuidado. A Administração vai reter a dívida que
o empreiteiro tem junto ao INSS.
Fique

Súmulas do STF/STJ

As duas únicas súmulas do STF/STJ que tratam de licitações e contratos são:


Súmula 7/STF – Sem prejuízo de recurso para o Congresso, não é exequível
contrato administrativo a que o Tribunal de Contas houver negado registro.
Súmula 333/STJ – Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação
promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública.

Atividades: Aplicação: articulação teoria e prática


O prefeito do município “A”, buscando aumentar o turismo na festa de Ano Novo
de sua cidade, decidiu contratar músicos renomados e uma agência de publicidade para
realizar a propaganda do evento, procedendo de referidas contratações diretamente, sem
proceder à realização de licitação.
Com base no caso acima, responda fundamentadamente, aos itens a seguir.
A) Pode o prefeito realizar as referidas contratações sem licitação? Sob qual
fundamento legal?
B) Pode o administrador realizar contratação direta em casos que não estejam
taxativamente arrolados na lei de licitações?

Resposta sugerida
A) O examinando deverá responder que o prefeito poderia realizar a contratação
direta de músicos, uma vez que se trata de uma das hipóteses de inexigibilidade de
licitação, à luz do Art. 25, inciso III, da Lei n. 8.666/93. Todavia, em relação à contratação
de agência de publicidade, deveria o examinando indicar não ser possível a contratação,
diante da vedação legal constante do Art. 25, inciso II, da referida Lei n. 8.666/93.
B) O examinando deverá analisar cada meio de contratação. No caso da licitação
dispensada e da licitação dispensável, as hipóteses legais são taxativas, ou seja, não pode
o administrador extrapolar o legalmente previsto.
Resumo:

Nesta aula, estudamos o instituto da licitação pública e contratos administrativos


e que, por sinal, palpitante, as suas normas legais, modalidades, tipos e procedimento
licitatório, além das formas de invalidação e revogação. Ainda nesse capítulo,
discorremos questões concernentes aos contratos administrativos e suas variadas
cláusulas exorbitantes, desde o regime jurídico aplicado às suas mais variadas
peculiaridades e vantagens significativas, colocando o Poder Público em uma posição de
superioridade em relação ao particular que com ele contratar.

REFERÊNCIAS
* MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pública centralizada e
descentralizada, Tomo I.13ª.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016.

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