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COISAS DO DIREITO

DIREITO ADMINISTRATIVO
Gustavo Fernandes

@gustavo_fernandes_sales
gustavo.fernandes@tjdft.jus.br
AULA 01
CONCEITOS INICIAIS
DE DIREITO ADMINISTRATIVO
1. ORIGEM DO DIREITO ADMINISTRATIVO:
O Direito Administrativo é um dos ramos do Direito Público – tronco que visa a regular,
precipuamente, os interesses sociais e estatais, atingindo só reflexamente a conduta
individual (MEIRELLES, 2016, p. 40) – e seu conceito é envolvido em divergências entre os
publicistas.
Como ramo autônomo, nasceu entre o final do século XVIII e o início do século XIX, a
partir do momento em que se desenvolveu o conceito de Estado de Direito, estruturado
sobre os princípios da legalidade e da separação de poderes, isto é, junto com o movimento
incipiente do constitucionalismo (em sentido estrito). Embora já houvesse desde muito
antes normas administrativas, essas se enquadravam no jus civile, juntamente com outras
normas de outros ramos da ciência jurídica (DI PIETRO, 2019, p. 1-2).
Aponta-se a França como o berço histórico do Direito Administrativo, com a
edição da Lei de 28 pluvioso do Ano VIII (1800), que organizou a
Administração Pública francesa (DI PIETRO, 2019, p. 8), seguida do
desenvolvimento dado pela jurisprudência do Conselho de Estado, com seu
contencioso administrativo.
A autonomia desse direito viria propriamente com o famoso caso Blanco,
em 1873, quando se decidiu pela responsabilidade civil do Estado por conta do
acidente envolvendo a menina Agnès Blanco, em Bordeaux, atingida por uma
vagonete da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo (DI PIETRO, 2019,
p. 9).
2. DIREITO ADMINISTRATIVO NO BRASIL:

Embora já existisse uma administração pública organizada no período imperial


– regida, contudo, pelo direito privado –, foi somente com a criação da cadeira
de Direito Administrativo nos cursos jurídicos, na Faculdade de Direito de São
Paulo, que esse novo ramo do direito passou a se desenvolver.
O Decreto 608/1851 dispôs normativamente sobre a criação dessa cadeira,
mas ela só foi efetivamente instalada em 1856, sendo regida por José Antonio
Joaquim Ribas (DI PIETRO, 2019, p. 23).
Já em 1857 era editada a primeira obra sistematizada – Elementos de Direito
Administrativo Brasileiro – de Vicente Pereira do Rego (MEIRELLES, 2016, p.
55).
COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO
Prova: PUC-PR - 2014 - TJ-PR - Juiz Substituto. A primeira
cadeira de direito administrativo no Brasil foi criada em 1851 e com
a implantação da República acentuou-se a influência do Direito
Público Norte-Americano, adotando-se todos os postulados do rule
of law e do judicial control.
Gabarito: certo.
No início da República, suprimiu-se o Conselho de Estado, de
influência francesa, e promoveu-se a substituição do sistema de dualidade
de jurisdição pelo de unidade de jurisdição, tipicamente anglo-
americano.
A influência norte-americana se fez sentir, também, pela adoção de um
sistema de controle jurisdicional dos atos da Administração Pública
(judicial review), embora não se tenha acolhido o princípio do stare
decisis, que confere força obrigatória aos precedentes judiciais (DI
PIETRO, 2019, p. 27).
COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO
Prova: PUC-PR - 2014 - TJ-PR - Juiz Substituto. O direito
administrativo tem como fontes a lei, a doutrina, os costumes e a
jurisprudência, vigorando entre nós, desde o início da República,
dado a influência sofrida do direito norte-americano, o princípio do
stare decises.
Gabarito: errado.
De acordo com DI PIETRO (2019, p. 27), o Direito Administrativo brasileiro
evoluiu no seguinte sentido:

Ao contrário do que ocorre na França, em que a principal fonte do Direito


Administrativo é a jurisdição administrativa, no Brasil tal papel é realizado
pela lei.
Em boa verdade, as bases do Direito Administrativo estão na Constituição
Federal, a exemplo do que se vê em relação à:
. intervenção do Estado na propriedade privada (art. 5º, XXIV e XXV; 182, § 3º, III;
184; e 243),
. regime jurídico do servidor público (arts. 37 a 41)
. aos princípios da Administração Pública (art. 37),
. regra sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado (art. 37, § 6º),
. à proteção do patrimônio público (art. 5º, LXXIII; art. 23, I),
. à regra sobre concessões e permissões de serviços públicos (art. 175)
. à disciplina sobre contratos e licitações (art. 37, XXI; art. 22, XXVII).
. controle interno, judicial e legislativo (art. 5º, XXXV; 70) (DI PIETRO, 2019, p. 28).
3. TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO:
A lista de tendências atuais é inspirada em Di Pietro (2019, p. 31-44):
1. Constitucionalização do Direito Administrativo: significa: a) a elevação, ao
nível constitucional, de matérias antes tratadas infraconstitucionalmente; e b) a
expansão ou irradiação dos efeitos das normas constitucionais por todo o sistema
jurídico.
A principal consequência seria a atribuição ao Poder Judiciário da possibilidade de
controle de aspectos do ato administrativo antes vedados, uma vez que a
Administração Pública passa a dever obediência não somente à lei, mas ao Direito
(substituição da legalidade por juridicidade).
2. Democratização da Administração Pública: fortalecimento da
democracia participativa mediante a previsão de instrumentos de participação
do cidadão na gestão e no controle da Administração Pública, a exemplo do
disposto no § 3º do art. 37 da CF/88 (“A lei disciplinará as formas de
participação do usuário na administração pública direta e indireta...”).
Também contribuem para a democratização da Administração Pública a
processualização do Direito Administrativo, em razão da exigência do devido
processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV) e da promulgação da Lei de Processo
Administrativo federal (Lei n. 9.784/1999); e o princípio da transparência, em
que se inserem o direito à informação, o princípio da publicidade e a exigência
de motivação.
3. “Crise na noção de serviço público”: tendência de transformar serviços
públicos exclusivos do Estado em atividades privadas abertas à livre iniciativa.
4. Agencificação: outorga de função regulatória às agências reguladoras
(autarquias de regime especial).
5. Aplicação do princípio da subsidiariedade (o estado somente deve
tomar pata si certas atividades quando o setor privado não puder prestar o
serviço): privatização de empresas estatais, ampliação de parcerias entre os
setores público e privado, crescimento do terceiro setor etc.
6. Administração Pública Gerencial: maior discricionariedade para as
autoridades administrativas, controle de resultados e autonomia administrativa,
financeira e orçamentária.
7. Consensualidade: incremento da atividade contratual (fenômeno da
contratualização), evidenciado por novas modalidades de gestão de serviços públicos,
privatização de empresas estatais, quebra do monopólio e terceirização.
LINDB, art. 26 (Lei 13.655/18): “Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou
situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de
licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando
for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante
interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação
aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial”. Esse
compromisso (§ 1º): I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e
compatível com os interesses gerais; III - não poderá conferir desoneração permanente
de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV - deverá
prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as
sanções aplicáveis (...)
8. Reconstrução do princípio da supremacia do interesse público: tal
princípio passa a ser objeto de importantes críticas e relativizações, ou ao
menos de uma releitura. Fala-se em ponderação de interesses, em prol da
garantia de direitos fundamentais e da centralidade da pessoa humana, e em
razoabilidade no âmbito da atuação estatal.
9. Privatização ou fuga para o direito privado: tendência de se ampliar o
uso de institutos do direito privado “com o objetivo de privatizar o próprio
regime jurídico a que se submete a Administração Pública, para escapar às
normas sobre licitação, contrato administrativo, concurso público, (...) controle
formais, regras sobre orçamento e contabilidade pública” (DI PIETRO, 2019,
p. 43). Essa fuga nunca poderá ser total ou integral, porque as normas de
direito privado sempre serão derrogadas parcialmente pelo direito público.
4. OBJETO DO DIREITO ADMINISTRATIVO:
Anota Hely Lopes Meirelles (2016, p. 42) que o objeto do Direito Administrativo é a
realização concreta, direta e imediata dos fins desejados pelo Estado. Afasta-se, assim, a
ingerência desse ramo do Direito na atividade estatal abstrata, que seria a legislativa, na
indireta, que seria a judicial, e na mediata, relacionada à ação social do Estado.
Não compete ao Direito Administrativo dizer quais são os fins do Estado, mas, sim,
disciplinar as atividades e órgãos estatais ou a eles assemelhados, para o eficiente
funcionamento da Administração Pública.
a) Administração Pública (em sentido objetivo e subjetivo); b) Entidades paraestatais e
do terceiro setor; c) Regime jurídico administrativo; d) Meios de atuação da Administração
Pública, envolvendo atos, contratos, processo de licitação, acordos; e) Bens públicos; f)
Intervenção do Estado na propriedade; g) Processo administrativo; h) Responsabilidade civil
do Estado; i) Controle da Administração Pública; j) Improbidade administrativa.
5. FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO:
No direito francês, a principal fonte do Direito Administrativo é a jurisprudência
dos órgãos do contencioso administrativo, em que pese a crescente inflação
legislativa e regulamentar.
No sistema de common law, a jurisprudência (precedentes judiciais) se revela a
fonte primordial.
No Brasil, apesar da forte influência francesa, a lei é tida como fonte principal do
Direito Administrativo, malgrado a inexistência de codificação. Nesse sentido,
Meirelles aponta que a lei, em sentido amplo – envolvendo desde a Constituição até os
regulamentos executivos – é a fonte primária do Direito Administrativo (2016, p. 49).
A jurisprudência ainda exerce papel modesto na seara
administrativa, embora venha crescendo a sua importância, sobretudo
no que tange à replicação das decisões do Supremo Tribunal Federal e
do Superior Tribunal de Justiça, além da proliferação de decisões e
súmulas com efeitos vinculantes incidentes sobre toda a
Administração Pública.
O costume (uso recorrente e consciência generalizada de
observância), no âmbito do Direito Administrativo, tem aplicação
praticamente nula (DI PIETRO, 2019, p. 61), embora se fale em
costume administrativo como prática admitida em casos de lacuna
normativa, como fonte secundária (CARVALHO, 2019, p. 42).
COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO
Prova: CESPE - 2019 - PGE-PE - Analista Judiciário de
Procuradoria. No Brasil, assim como no sistema de common law, o
costume é uma das fontes principais do direito administrativo.
Gabarito: errado.
O costume é norma jurídica que deriva da conjugação do uso corrente
(elemento objetivo) e da convicção generalizada da necessidade da sua
observância (elemento subjetivo), podendo se desenvolver secundum legem
(conforme a lei), praeter legem (além da lei) e contra legem (em violação à lei) –
sendo este último majoritariamente inadmitido.
Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2014), não se confunde com a praxe
administrativa – adotada por conveniência procedimental dos órgãos da
Administração Pública –, por faltar-lhe o elemento subjetivo relacionado ao
reconhecimento de sua indispensabilidade, que recomenda a sua geral observância.
Apesar de tais práticas administrativas não serem admitidas como fonte
autônoma do Direito Administrativo, a Lei 9.784/99 impede a eficácia retroativa
das novas interpretações levadas a efeito pela Administração Pública, em
respeito à segurança jurídica (art. 2º, parágrafo único, inc. XIII).
6. CODIFICAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO:

A questão da codificação do Direito Administrativo (3 correntes) – segundo Meirelles


(2016, p. 50) – triparte-se entre os que negam as suas vantagens, os que defendem apenas
uma codificação parcial e os que pensam ser a codificação total a melhor opção.
O autor admite fazer parte dessa última linha de pensamento, seguindo o que já ocorre em
outros ramos do Direito, haja vista que a codificação propiciaria à Administração e aos
administrados “maior segurança e facilidade na observância e aplicação das normas
administrativas”.
Hoje, o que se tem é uma infinidade de leis, decretos, decretos-lei, e até mesmo alguns
códigos parciais (Código de Águas, Código da Mineração, Código Florestal etc.),
desgarrados de qualquer sistema, o que dificulta sobremaneira o estudo da disciplina.
Lei 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica); Lei 13.848/2019 (Dispõe
sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das
agências reguladoras); Lei 13.844/2019 (Estabelece a organização básica dos
órgãos da Presidência da República e dos Ministérios); Lei 13.800/2019 (Dispõe
sobre a constituição de fundos patrimoniais); Lei 13.726/2018 (Desburocratização
da administração pública); Decreto 9.507/2018 (Dispõe sobre a terceirização na
administração pública federal); Decreto 9.412/2018 (Atualiza os valores das
modalidades de licitação); Lei 13.460/2017 (Dispõe sobre participação, proteção
e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública);
Lei 13.334/2016 (Cria, no âmbito da Presidência da República, o Programa de
Parcerias de Investimentos – PPI); Lei 13.303/2016 (Estatuto jurídico das
empresas estatais); Lei 13.019/2014 (Organizações da Sociedade Civil – OSC);
Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção); Lei 12.462/2011 (Institui o Regime
Diferenciado de Contratações Públicas - RDC); (...)
Lei 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos); Lei 11.079/2004 (Parcerias
público-privadas); Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão); Lei 10.257/2001 (Estatuto
da Cidade); Lei 9.986/2000 (Dispõe sobre a gestão de recursos humanos das
agências reguladoras); Lei 9.790/1999 (Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público – OSCIP); Lei 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo
Federal); Lei 9.637/1998 (Organizações Sociais); Lei 8.987/1995 (Concessão e
permissão da prestação de serviços públicos); Lei Complementar 76/93
(Desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma
agrária); Lei 8.666/1993 (Lei de licitações e contratos); Lei 8.429/1992 (Lei de
Improbidade Administrativa); Lei 8.112/1990 (Estatuto funcional dos servidores
públicos federais); Decreto-lei 200/1967 (Dispõe sobre a organização da
Administração Federal); Decreto-lei 4.657/1942 (LINDB, com as alterações
promovidas pela Lei 13.655/2018); Decreto-lei 3.365/1941 (Lei geral das
desapropriações); Decreto-lei 35/1937 (Lei do Tombamento); Decreto
20.910/1932 (Regula a prescrição administrativa quinquenal).
7. COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE
DIREITO ADMINISTRATIVO:
A competência para legislar sobre Direito Administrativo, em geral, é
concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal – uma vez não prevista
como privativa da União –, cabendo aos Municípios suplementar a legislação
federal e a estadual no que couber (CF, art. 30, II) e tratar de assuntos de
interesse local (CF, art. 30, I).
Nada obstante, determinadas matérias de Direito Administrativo são
atribuídas privativamente à União (CF, art. 22, II, III, IV, V, IX, X, XI, XII,
XXV, XXVI, XXVII, XXVIII).
CF, Art. 22: (...) II - desapropriação; III - requisições civis e militares, em caso de
iminente perigo e em tempo de guerra; IV - águas, energia, informática,
telecomunicações e radiodifusão; V - serviço postal; IX - diretrizes da política
nacional de transportes; X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima,
aérea e aeroespacial; XI - trânsito e transporte; XII - jazidas, minas, outros recursos
minerais e metalurgia; XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza; XXVII -
normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as
administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas
públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; XXVIII -
defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização
nacional.
8. CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO:

Inicialmente, a doutrina francesa trouxe dois critérios para identificação do


Direito Administrativo (DI PIETRO, 2019, p. 64-6):
1. Escola da puissance publique (potestade pública). Desenvolvida por
Maurice Hauriou no século XIX, distingue atividades de autoridade (atos de
império), praticadas com prerrogativas de autoridade, e atividades de gestão
(atos de gestão), praticadas em posição de igualdade com os particulares.
COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO
Prova: CESPE - 2017 - TRF - 1ª REGIÃO - Analista Judiciário - Área
Judiciária. A escola da puissance publique distingue-se da escola do serviço
público por conceituar o direito administrativo pela coerção e pelas
prerrogativas inerentes aos atos de império, diferenciando-os dos atos de
gestão.
Gabarito: certo.

Segundo a escola da puissance publique, as prerrogativas e os privilégios


que o Estado possui frente ao particular constituem um critério definidor do
direito administrativo.
Gabarito: certo.
2. Escola do serviço público. Encabeçada por Leon Duguit, Jèze e
Bonnard, essa teoria afirma que o direito público se limita a cuidar de
regras de organização e gestão dos serviços públicos, entendidos ora
em sentido amplo (abrangendo todas as funções do Estado, inclusive
a jurídica, independente do regime), ora em sentido estrito
(deixando de contemplar atividades diversas do conceito de serviço
público, embora tipicamente administrativas).
COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO
Prova: FCC - 2014 - Prefeitura de Cuiabá - MT - Procurador Municipal (com
adaptações). Desenvolvida em fins do século XIX e início do século XX, essa
corrente doutrinária, inspirada na jurisprudência do Conselho de Estado
francês, era capitaneada pelos doutrinadores franceses Léon Duguit e Gaston
Jèze, os quais buscavam, no dizer de Odete Medauar, “deslocar o poder de foco
de atenção dos publicistas, partindo da ideia de necessidade e explicando a
gestão pública como resposta às necessidades da vida coletiva" (O Direito
Administrativo em Evolução, 2003:37). Estamos nos referindo à Escola do
Serviço Público.
Gabarito: certo.
3. Critério do Poder Executivo. O Direito Administrativo se limitaria a
abranger a atividade praticada pelo Poder Executivo, sem contemplar
atividades tipicamente administrativas praticadas pelos outros poderes, e
incluindo funções políticas ou de governo, que não constituem objeto do
Direito Administrativo. Afirma Hely Lopes Meirelles que essa visão limitada
ao sujeito de onde emana o ato administrativo, e não ao ato em si mesmo, era
concebida pela escola italiana ou subjetivista, integrada por Meucci,
Renelletti, Zanobini e Raggi (2016, p. 41).
4. Critério das relações jurídicas. O Direito Administrativo é o conjunto
de normas que regem as relações entre a Administração e os administrados, o
que não se mostra adequado para diferenciar esse ramo de outros, além de
não abarcar temas como a organização interna da Administração Pública.
5. Critério teleológico ou finalístico. O Direito Administrativo seria o
sistema dos princípios jurídicos que regulam a atividade do Estado para o
cumprimento de seus fins. Costuma-se afirmar que se trata de definição genérica
e incompleta. Segundo Ricardo Alexandre (2018, p. 82), “esse critério também
peca por não definir quais as atividades que caberiam ao Estado e por trazer à
baila a discussão sobre os fins do Estado, cuja matriz ideológica adotada
conduzirá a respostas distintas”.
6. Critério negativo ou residual. Compreende o Direito Administrativo
como todas as atividades desenvolvidas para a consecução dos fins estatais, com
exclusão da legislação, da jurisdição e das atividades patrimoniais, regidas
pelo direito privado.
7. Critério da Administração Pública. O Direito Administrativo é o
conjunto de princípios que regem a Administração Pública. Segundo Di
Pietro (2019, p. 68-9), tal critério é adotado por grandes autores como Hely
Lopes Meirelles, Celso Antônio Bandeira de Mello e Marçal Justen Filho, além
da própria jurista (2019, p. 69-70).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Ramo do direito público que tem por objeto
os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a
Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os
bens e meios que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública.”
9. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO:

De acordo com Hely Lopes Meirelles (2016, p. 53), são três os pressupostos
necessários para a interpretação das normas, atos e contratos administrativos,
quais sejam:
1) a desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados;
2) a presunção de legitimidade dos atos da Administração; e
3) a necessidade de poderes discricionários para a Administração
atender ao interesse público.
COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO
Prova: PUC-PR - 2014 - TJ-PR - Juiz Substituto. A interpretação do direito
administrativo, além da utilização analógica das regras do direito privado que
lhe foram aplicáveis, há de considerar, necessariamente, três pressupostos:
1º) a desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados; 2º) a
presunção de legitimidade dos atos da administração; 3º) a necessidade de
poderes discricionários para a Administração atender ao interesse público.
Gabarito: certo.
Deve-se atentar, ainda, para a recente alteração da LINDB, promovida pela
Lei n. 13.655/18.
Pelo art. 22, “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão
considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das
políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.
Ademais, “em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato,
contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as
circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a
ação do agente” (art. 22, § 1º).
Em prol da segurança jurídica, especialmente a vertente subjetiva (proteção
à confiança legítima), estabelece o art. 23 que “a decisão administrativa,
controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova
sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo
condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando
indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja
cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos
interesses gerais”.
Por sua vez, dispõe o art. 24 que “a revisão, nas esferas administrativa,
controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou
norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as
orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança
posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente
constituídas”.
Consideram-se orientações gerais “as interpretações e especificações
contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou
administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa
reiterada e de amplo conhecimento público” (art. 24, parágrafo único).
10. SISTEMAS DE CONTROLE DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:
Por sistema administrativo, ou sistema de controle da Administração, “entende-se o
regime adotado pelo Estado para a correção dos atos administrativos ilegais ou ilegítimos
praticados pelo Poder Público em qualquer dos seus departamentos de governo”
(MEIRELLES, 2016, p. 55).
Dois são os principais sistemas de controle que surgiram nos ordenamentos jurídicos: o
inglês (ou sistema de jurisdição única) e o francês (ou sistema do contencioso
administrativo).
(i) Sistema do contencioso administrativo: por esse sistema, acolhido na
França, os atos ilícitos praticados pela Administração Pública ficam sujeitos a
uma jurisdicional especial e diversa do Poder Judiciário, formada por tribunais
de natureza administrativa. Há dualidade de jurisdição, nos seguintes
termos:
• A jurisdição administrativa é formada por tribunais de natureza
administrativa, a exemplo do Conselho de Estado francês, os quais julgam
litígios que envolvam a atuação da Administração Pública com caráter de
definitividade. As suas decisões, portanto, formam coisa julgada material.
• A jurisdição comum é integrada por órgãos do Poder Judiciário,
legitimados a analisar os atos submetidos à sua apreciação que não digam
respeito à atuação da Administração Pública.
(ii) Sistema de jurisdição una ou única: por esse sistema – originário da
Inglaterra e transposto para diversos países, como Estados Unidos da América,
Bélgica, México e Brasil (MEIRELLES, 2016, p. 59) –, todos os litígios,
envolvam ou não a Administração Pública, devem ser solucionados pelo Poder
Judiciário. Só os órgãos jurisdicionais possuem competência para proferir
decisões definitivas, com força de coisa julgada material (final enforcing
power).
Não há vedação à resolução de conflitos na esfera administrativa, mas tais
decisões não possuem o caráter de definitividade, podendo ser levadas à
apreciação final do Poder Judiciário. As decisões administrativas formam
apenas o que se denomina “coisa julgada administrativa”, que encerra a
discussão naquela esfera, mas não tem o poder de impedir a discussão da
matéria perante órgãos com função jurisdicional.
O Brasil-Colônia conheceu ambos os tipos de jurisdição (a una e a dúplice,
do contencioso administrativo). O contencioso administrativo foi implantado
em 1761, pelo Marquês de Pombal, perdurando até a proclamação da
Independência e durante a época imperial (CRETELLA JÚNIOR, 1971, p. 40).
Enfim, com a instauração da República, o Brasil adotou de uma vez por todas o
sistema de jurisdição única, tipicamente inglês, em que há controle judicial dos
atos administrativos (CF/1891, art. 60 ).
Hely Lopes Meirelles leciona que “a EC 7/77 estabeleceu a possibilidade da
criação de dois contenciosos administrativos (arts. 111 e 203), que não
chegaram a ser instalados e que com a Constituição/88, ficaram definitivamente
afastados” (2016, p. 61).
A CF/88 manteve o sistema inglês de jurisdição una. Consagra a
inafastabilidade da jurisdição, ao prescrever no art. 5º, XXXV, que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
A possibilidade de recorrer ao Judiciário não depende do prévio
esgotamento das instâncias administrativas, isto é, proíbe-se o
estabelecimento de instância administrativa de curso forçado. Tal vedação
significa que não é possível exigir o exaurimento da discussão em sede
administrativa para se admitir o exercício do direito de ação. Há uma exceção
constitucional:
CF, art. 217, § 1º. “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à
disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da
justiça desportiva, regulada em lei”.
Como forma de minimizar essa exceção à inafastabilidade da jurisdição, o §
2º dispõe que “a justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias,
contados da instauração do processo, para proferir decisão final”.
COMO ESSE ASSUNTO FOI COBRADO EM CONCURSO
Prova: CONSULPLAN - 2019 - TJ-MG - Titular de Serviços de Notas e de
Registros - Remoção. Reconhecida a existência de dois sistemas
administrativos, quais sejam, francês e inglês, têm-se consolidados os moldes
de um sistema de unicidade de jurisdição e outro de dualidade de jurisdição.
No que diz respeito aos sistemas anteriormente mencionados, é correto
afirmar que o ordenamento jurídico pátrio veda a imposição de acesso a
qualquer instância/órgão administrativo como pressuposto a pleitos judiciais.
Gabarito: errado.
Está errado porque há a exceção do STJD – Justiça Desportiva
Outras hipóteses apontadas pela doutrina, como a exigência de exaurimento
das vias administrativas para o uso da reclamação (Lei 11.417/06, art. 7º, §
1º) e a necessidade de comprovação da recusa de informações por parte da
autoridade administrativa em habeas data (Lei 9.507/97, art. 8°, inc. I;
Súmula 2-STJ), não configuram violação à inafastabilidade da jurisdição;
apenas vedam o acesso ao Judiciário por um meio específico, sem impedir o uso
das vias processuais ordinárias, ou obstam a prolação de decisão de mérito,
como ocorre em qualquer decisão extintiva de processo por ausência de
condições da ação.
STF: “O art. 5º, XXXV, assegura o acesso à jurisdição, mas não o direito à
decisão de mérito, que pende - é um truísmo - de presença dos pressupostos do
processo e das condições de ação, de regra, disciplinados pelo direito ordinário
(...)” (RE 273.791, j. 15.08.2000).
11. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

A doutrina costuma definir a Administração Pública levando em


consideração a dualidade entre:
a) sentidos subjetivo e objetivo;
b) sentidos amplo e restrito; e
c) funções extroversa e introversa.
a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico: “designa os entes que
exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e
agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a
atividade estatal: a função administrativa” (DI PIETRO, 2019, p. 74).
b) em sentido objetivo, material ou funcional: “designa a natureza da
atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública
é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder
Executivo” (DI PIETRO, 2019, p. 74).
a) em sentido amplo, a Administração Pública subjetiva compreende tanto
os órgãos governamentais, supremos (Governo), que têm a incumbência de
planejar, traçar os planos de ação, fixar os objetivos do Estado, como também os
órgãos administrativos, subordinados, que executam os planos governamentais.
No aspecto objetivo, a Administração Pública em sentido amplo compreende a
função política e a função administrativa;
b) em sentido estrito, a Administração Pública engloba apenas os órgãos
administrativos (no aspecto subjetivo) e somente a função administrativa (no
aspecto objetivo), excluindo-se, portanto, os órgãos governamentais e a função
política.
A função administrativa (Administração Pública em sentido objetivo e
estrito) é marcada pelas seguintes características (DI PIETRO, 2019, p. 80): 1. É
atividade concreta, de execução da lei; 2. Tem por finalidade a satisfação direta
e imediata dos fins do Estado; e 3. O regime é predominantemente o de direito
público.
Em sentido subjetivo e estrito, a Administração Pública engloba os sujeitos
que exercem atividade administrativa. Todos os poderes da República, e
mesmo órgãos constitucionais que não integram qualquer deles, exercem
funções administrativas, ainda que de maneira atípica. Portanto, não são apenas
os órgãos do Poder Executivo que recebem da lei atribuição para a função
administrativa.
a) Função externa (extroversa): refere-se à atividade-fim da Administração
Pública, que objetiva atender interesses públicos primários em benefício direto
dos cidadãos (CARVALHO, 2019, p. 34). A gestão externa dos interesses dos
administrados conforma a administração extroversa.
b) Função interna (introversa): atine à atividade-meio da Administração
Pública, que atende as necessidades da coletividade apenas de forma indireta, já
que busca primordialmente concretizar o interesse da própria máquina
administrativa (interesse público secundário). Diz respeito a normas e ações que
tratam do pessoal, dos bens e da estrutura organizacional da Administração
(CARVALHO, 2019, p. 35).
A Administração extroversa representa a relação externa existente entre os
órgãos e entes da Administração e os administrados, cuidando da atividade-fim
da Administração Pública, efetivada pelas atividades de fomento, poder de
polícia, intervenção e pelos serviços públicos.
A Administração introversa corresponde às relações existentes entre os
entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), entre esses e os
órgãos da Administração Direta, ou entre os órgãos entre si. São relações
internas, necessárias para a efetivação das relações externas, vale dizer, a
Administração se organiza internamente para poder exercer adequadamente a
atividade administrativa em benefício da coletividade. Fala-se em gestão
interna de pessoal, de patrimônio e gestão financeira.
12. REFORMA DO APARELHO DO ESTADO:
Segundo consta do “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”,
aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em setembro de 1995, a reforma
do aparelho do Estado “está orientada para tornar a administração pública mais
eficiente e mais voltada para a cidadania. Este Plano Diretor focaliza sua
atenção na administração pública federal, mas muitas das suas diretrizes e
propostas podem também ser aplicadas no nível estadual e municipal”.
Ao destacar a necessidade de redefinição do papel do Estado, o texto,
partindo de uma perspectiva histórica, apresenta os três modelos básicos de
administração pública – cujos princípios e características não devem ser
confundidos com os da administração das empresas privadas.
(i) Administração Pública Patrimonialista. “No patrimonialismo, o
aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, e os
seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real. Os cargos são
considerados prebendas. A res publica não é diferenciada das res principis. Em
consequência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de
administração. No momento em que o capitalismo e a democracia se tornam
dominantes, o mercado e a sociedade civil passam a se distinguir do Estado.
Neste novo momento histórico, a administração patrimonialista torna-se uma
excrescência inaceitável.”
(ii) Administração Pública Burocrática. “Surge na segunda metade do
século XIX, na época do Estado liberal, como forma de combater a corrupção e
o nepotismo patrimonialista. Constituem princípios orientadores do seu
desenvolvimento a profissionalização, a ideia de carreira, a hierarquia funcional,
a impessoalidade, o formalismo, em síntese, o poder racional-legal. Os
controles administrativos visando evitar a corrupção e o nepotismo são sempre
a priori. Parte-se de uma desconfiança prévia nos administradores públicos e
nos cidadãos que a eles dirigem demandas. Por isso são sempre necessários
controles rígidos dos processos, como por exemplo na admissão de pessoal,
nas compras e no atendimento a demandas. (...) seu defeito, a ineficiência, a
auto-referência, a incapacidade de voltar-se para o serviço aos cidadãos vistos
como clientes.”
(iii) Administração Pública Gerencial. “Emerge na segunda metade do
século XX, como resposta, de um lado, à expansão das funções econômicas e
sociais do Estado, e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização
da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra os problemas
associados à adoção do modelo anterior. A reforma do aparelho do Estado passa
a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na
prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura
gerencial nas organizações. (...) A administração pública deve ser permeável à
maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade
civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)”,
contrapondo-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia
tradicional.
COISAS DO DIREITO
DIREITO ADMINISTRATIVO
Gustavo Fernandes

@gustavo_fernandes_sales
gustavo.fernandes@tjdft.jus.br

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