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Ano 1,TA, ST7

Patrícia Vogado Silva

DIREITO CONSTITUCIONAL I
Professor Carlos Blanco de Morais

Baseia-se no estudo da Constituição da República: leis de regulamentação do Estado.


Uma lei que não respeite a Constituição diz-se inconstitucional. Estas
inconstitucionalidades são tratadas pelo Tribunal Constitucional, em conjunto com os
tribunais comuns. São por estes também tratados outros assuntos referentes ao Direito
Constitucional.

Capítulo I – Funções do Estado Ordenamento

O conceito de Estado de direito coincide, hoje em dia, com o conceito de Estado-


Ordenamento – colectividade territorial na qual está fixado um povo e instituído um
poder político soberano que visa a satisfação dos interesses gerais.
Neste, encontra-se a estrutura tripartida definida por Jellinek, à qual se acrescenta um
quarto elemento:
o Povo – conjunto de pessoas ligadas a uma colectividade territorial e unidas pelo
vínculo jurídico da nacionalidade;
o Território – espaço físico em que a colectividade se insere, delimitado por
fronteiras aéreas, marítimas e terrestres;
o Poder político soberano – sistema de órgãos que desempenham funções de
autoridade e que impõem, de forma limitada, coercivamente a sua vontade aos
governos (plano interno). É este que representa os interesses da colectividade
(plano internacional)
o Ordenamento jurídico – sistema composto por actos jurídicos e por autoridades
competentes para produzir e aplicar esses mesmos actos
É fundamental a inserção da noção de ordenamento jurídico no conceito de Estado de
Direito uma vez que, sem ordenamento, a colectividade seria regida por poderes
arbitrários, passando a inserir-se nas categorias de Estados Nominais e Estados falhados.
Esta relação entre Estado e ordem jurídica é abordada por Kelsen e, para este, o Estado
era um sistema de normas que exprimia a necessidade de uma ordem jurídica.
Como colectividade politicamente organizada, o Estado supõe um sistema de
autoridades políticas, administrativas e jurisdicionais – órgãos titulares, funções,
serviços e prestações. É importante ter presente a ideia de que o poder precede a lei.
O Estado-Ordenamento engloba diversas pessoas jurídicas colectivas de carácter
público, entre as quais o Estado-Pessoa. Engloba depois entidades secundárias, com
variável autonomia perante o Estado-Pessoa, como os estados federados, as regiões
autónomas e as autarquias locais. Engloba também pessoas colectivas de carácter
público não territoriais, como as universidades.

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Os interesses do Estado-Ordenamento representam os seus principais fins ou tarefas –


segurança, justiça e bem-estar. A estes, podemos ao abrigo do art 9 da CRP acrescentar
outros como a promoção da igualdade de géneros e do desenvolvimento do território;
a promoção e protecção do património cultural, do ambiente e dos recursos naturais;
a valorização do ensino e da Língua Portuguesa.
Estes fins são atingidos através de actividades públicas que podem ser jurídicas ou não
jurídicas. O carácter jurídico de uma actividade é medido pela natureza jurídica
dominante dos actos produzidos ao seu abrigo.
São funções estaduais as actividades jurídico-políticas desenvolvidas pelas autoridades
do Estado-Ornamento que têm em vista os fins do mesmo. Essas actividades, por sua
vez, podem caracterizar-se como um conjunto de actos produzidos por decisão de
autoridades públicas, que se agrupam em função da semelhança dos seus critérios
materiais, orgânicos e formais.
EXEMPLO: actividade legislativa é composta por actos jurídicos que têm algumas semelhanças: são
produzidos por órgãos com competência legislativa – critério orgânico – envolvem conteúdo político –
critério material – e dispõem de forma própria e força geral – critério formal.
Na ordem jurídica portuguesa, a função jurisdicional é levada a cabo pelos tribunais; a
função legislativa é tomada por órgãos de soberania – AR, governo e órgãos regionais
(assembleias legislativas das regiões) – e a função administrativa é repartida pelo
governo, por órgãos constitucionais do Estado-Pessoa (Provedor de Justiça e algumas
autoridades administrativas independentes) e por privados investidos em funções de
autoridade.

Antiguidade Clássica
o Aristóteles – defende a existência de três formas de governo – Monarquia,
aristocracia e poligarquia – que levadas ao extremo (quando actuassem em
proveito próprio) evoluiriam para tirania, oligarquia e demagogia. São
distinguidas algumas funções políticas na pólis, com destaque para a actividade
deliberativa, função de autoridade das magistraturas e função judiciária. Este
pensamento foi retomado por Políbio que defende a combinação dos três tipos
de governo num só – governo misto.

Na Idade Moderna
o Maquiavel – acolhe a forma de governo misto, defendendo no entanto que este
reduziria as três formas enunciadas à Monarquia e à República, de onde podia
resultar um governo aristocrático e um governo democrático.

o Iluminismo e Estado liberal


o John Locke (liberalismo aristocrático) – quadripartição de poderes do Estado –
legislativa (função suprema), federativa (política externa), executiva (aplicação
das leis) e prerrogativa (aprovação de actos de guerra, excepção e necessidade).
O Parlamento acolhe a função legislativa e o Rei detém o resto das funções.
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Justificou a Monarquia Constitucional inglesa no século XVII. Defende a


propriedade privada e acredita que só essa conferiria paz e felicidade ao
Homem, sendo fonte de poder e de prazer. É tão contra o Absolutismo como
contra a soberania popular, dizendo que os valores da ordem, segurança e
propriedade têm de ser assegurados através de um governo misto – o Rei (poder
monárquico); a Câmara de Lordes (poder aristocrático) e a Câmara dos Comuns
(poder democrático).
o Montesquieu – defende o governo misto, acreditando num domínio da
aristocracia e não do monarca. Desenvolve a ideia de uma tripartição de poderes
do Estado – legislativa (primado), executiva (segurança interna, guerra e política
externa) e jurisdicional (punição de crimes e resolução de litígios). O poder deve
ser separado, porque “só o poder limita o poder”.
o Benjamin Constant – defende uma monarquia constitucional, baseada numa
quadripartição de poderes – moderador (Rei – poder de controlo sobre os
outros poderes), executivo (ministros que respondem perante o Parlamento),
legislativo e judicial. O Rei tinha poder para dissolver as Câmaras e vetar as suas
leis.
o León Duguit – acredita numa tripartição de poderes, sendo eles legislativo
(emissão de actos-regra), executivo (edição de actos-condição e actos
subjectivos) e judicial (conceder perdões).
o Hans Kelsen – o Estado tem duas funções: legislativa e executiva (criação e
aplicação do direito). Estas duas funções implicariam a criação de normas
jurídicas. Admitiu, mais tarde, dado às Constituições modernas, que a função
legislativa se dividiria em actividade administrativa e poder judicial, atribuídas
a órgãos distintos.

Portugal
o Marcello Caetano – Diferenciou as situações jurídicas e não jurídicas na base de
critérios materiais, formais e orgânicos. As funções não jurídicas seriam as
actividades política e técnica e nas jurídicas estariam englobadas a legislativa e
a executiva.
o Comes Canotilho & Marcelo Rebelo de Sousa – defendem a quadripartição de
funções – política, legislativa, administrativa e jurisdicional.
o Jorge Miranda – defende uma tripartição de funções – política, administrativa e
jurisdicional.

A posição adoptada é a da separação de funções de acordo com o modelo de Jorge


Miranda. Tal ocorre porque nesta posição é tomada a função política, no seu sentido
amplo, como aquela que engloba actividades que pressupõe a adopção de critérios
políticos, como é o caso da actividade legislativa e da actividade política stricto sensu.
Para além disso, é adoptada a teoria do Professor Jorge Miranda porque esta trata das

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funções do Estado pressupondo a prática de actos jurídicos – actos garantidos pela


coercibilidade do Direito, lateralizando outras funções estaduais, como a função
técnica, irrelevantes para o Direito Constitucional.
Num Estado social de direito, a lei não é apenas uma regra jurídica, mas sim um
instrumento político. Deste modo, a função política do Estado não pode ser tida como
autónoma perante a função legislativa. Aliás, a lei tende a definir-se pelo seu conteúdo
político. Desta maneira, não funcionaria a separação da política e da lei quando esta é,
na realidade, a manifestação jurídica mais relevante dessa actividade.
Este modelo, no entanto, apresenta falhas: a função política implica que a actividade
legislativa, a mais importante, se torne numa sua sub-função, tirando-lhe a relevância
devida; as responsabilidades públicas no âmbito da política externa não são
autonomizadas, decompondo-se em actos políticos e actos normativos reconduzidos à
actividade da política (ss) externa.
A hierarquização das funções do Estado advém de Carré de Malberg que esboçou
critérios firmes para essa hierarquia. É excluída a construção clássica de poderes
separados, estanques e igualmente soberanos, defendendo a ideia de interdependência
dos poderes. A função política (composta pela actividade legislativa e pela actividade
política stricto sensu) é uma actividade dominante, vinculada à Constituição. As funções
administrativa e jurisdicional são ditas secundárias, vinculadas à função legislativa.
A função jurisdicional, apesar disso, implica uma dimensão autónoma que é a do
controlo da constitucionalidade, cuja submissão é apenas perante os tribunais e a
legalidade. Disto resulta que a submissão dos tribunais perante a lei (art 205º, nº 1 CRP)
devendo estes, ao abrigo do art 204º, desaplicar uma lei que se revele inconstitucional.
A maioria dos membros do Tribunal Constitucional, que tem a última palavra acerca do
possível choque entre as leis e a Constituição, é eleita por órgãos políticos,
desenvolvendo estes funções arbitrais/moderadoras em alguns conflitos políticos. Este
controlo da constitucionalidade não é assumido como quarto poder (como alguns
consideram), actuando no âmbito da função jurisdicional.

A função política (LS) consiste numa actividade de ordenação da vida colectiva que
assenta em valores, ideologias e programas. É exercida em benefício da colectividade.
Esta difere da função técnica – conjunto de critérios e instrumentos aptos à influência,
aquisição, legitimação, conservação e exercício do poder de autoridade na
colectividade. A técnica implica o reconhecimento da sociedade como uma realidade
conflitual onde há conflito de interesses, dividida em grupos, facções e partidos que
protagonizam esses mesmos interesses.
No que toca à actividade política, o Estado de direito democrático e soberano impõe
que haja decisões fundadas no bem comum, tomadas pelos órgãos competentes para
esse efeito. Na Constituição, o exercício da actividade política é abrigado pelos artigos
197º, nº1 (quanto ao governo) e 161º (quanto à AR).
De acordo com o escrito na Constituição, as funções legislativa e política são separadas
(arts 161º, 197º e 198º). No entanto, em termos doutrinários e jurisprudenciais, a
função legislativa é a mais importante das funções políticas. Com isto, a lei é, tal como

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são as normas políticas e os actos políticos, resultado da função política lato sensu e
todos estes são diferenciados de acordo com os seus critérios formais. A função política
(LS) é então uma macro-actividade pública, que se assume com poder dominante e que
supõe o exercício de responsabilidades normativas, destinadas a definir antes de mais
o interesse público de uma colectividade.
As actividades públicas podem assim ser caracterizadas através de critérios orgânicos –
órgãos competentes para o exercício da mesma função –, critérios formais – actos que
nos termos constitucionais, se encontram aptos para o exercício dessa actividade
naturalmente livre e inovatória – e materiais – “liberdade” e “inovação” na definição de
políticas públicas que preenchem os fins do Estado.
Existem vários graus de liberdade no exercício da função política. A Constituição, por
vezes, determina relações de dependência:
o Entre actos praticados no âmbito da mesma actividade/sub-função da função
política;
o Entre actos derivados das diferentes actividades componentes da função
política.
No primeiro caso, existem na actividade legislativa leis que se subordinam a outras leis
de hierarquia material superior. EXEMPLO: decretos-lei complementares subordinados às leis de
base – art 112, nº 2 CRP. Na actividade política (SS), há normas de função política cuja
produtividade jurídica depende de outro acto político. EXEMPLO: decreto presidencial que
declara o Estado de Sítio depende da outro acto político - autorização da Assembleia da República, nos
termos dos art 138º, nº 1 e 166º, nº 5.
No segundo caso, verifica-se a subordinação da actividade legislativa ao sentido
vinculativo de uma decisão resultante de um referendo (norma atípica da atividade
política) – art 115º, nº1 –; a subordinação do acto referendário (função política ss) à lei
orgânica do referendo – art 115º, nº1 –; a subordinação do decreto presidencial que
declara o Estado de Sítio/Estado de Emergência (actividade política ss) à lei orgânica
correspondente – art 19º, nº7.

Actividade legislativa
CRITÉRIO MATERIAL
A actividade legislativa tem-se como um “poder de criação e modificação da ordem
jurídica, mediante a aprovação de normas com conteúdo político e eficácia externa
que, fundadas e submetidas ao princípio da constitucionalidade, regulam a vida
colectiva e prevalecem sobre a generalidade dos atos resultantes das demais funções
do Estado.” A actividade legislativa pode ser identificada através do princípio da
legalidade democrática – art 3º, nº3 – a submissão dos tribunais e da Administração
pública a esse princípio – art 203º; art 266º, nº2 – em conjugação com o princípio da
tipicidade da lei – art 112º, nº5.
A função legislativa implica o exercício de uma política pública reguladora, com um
programa intencional de valores e interesses que tem peso na edição de critérios de
decisão que modificam a ordem jurídica interna – poder normativo primacial.

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CRITÉRIO FORMAL
A função legislativa liga-se à prática de actos jurídico-públicos que se devem integrar
numa das três formas de lei previstas no art 112º, nº 1 – leis, decretos-lei e decretos
legislativos regionais. Não se verifica actividade legislativa fora destes três títulos
legislativos.

CRITÉRIO ORGÂNICO
De acordo com um critério orgânico, a função legislativa, ao abrigo da c) dos art 161º,
198º e 227º, consiste numa actividade jurídico-pública reservada à competência da AR,
do Governo e das assembleias legislativas das regiões autónomas. Isto implica a falta
total de competência de outros órgãos constitucionais em exercer a função legislativa.

DEFINIÇÃO
Dado isto, a função legislativa pode ser tida como “a actividade político-normativa
traduzida num poder inovador de criação/modificação da ordem jurídica exercida pelos
órgãos competentes para tal, cujos actos assumem forma de lei e vinculam o exercício
das outras funções do Estado.”

Actividade política stricto sensu


CRITÉRIO SUBSTANCIAL
Em Portugal, a actividade política ss tem mais liberdade em termos jurídicos do que a
função legislativa. Baseia-se na produção de actos e na externalização de condutas
relativas ao sistema de freios e contrapesos do sistema político; ao exercício da política
externa; ao uso de poderes excepcionais na defesa da República e às formas de
exercício da democracia directa ou semi-directa.
A maior liberdade que caracteriza a actividade política prende-se com o facto de os
actos políticos – decisões jurídicas de conteúdo singular (individual e concrecto) – não
estarem sujeitas a um controlo de constitucionalidade. Os actos políticos não são
sujeitos a fiscalização da sua validade e podem produzir efeitos jurídicos imperativos,
mesmo que inconstitucionais.

CRITÉRIOS ORGÂNICO-FORMAIS
Numa ordem formal, o exercício da acividade política stricto sensu envolve a emissão
de actos singlares e de actos normativos. Estes actos assumem formas diversas, sendo
que nenhuma delas assume carácter legislativo. EXEMPLO: decretos do PR; moções e
resoluções da AR; resoluções do Conselho de Ministros.
Ao Direito Constitucional interessam os actos que produzem efeitos jurídicos.

Relativamente aos actos políticos que provêm dos órgãos de soberania, estes
relacionam-se com o princípio da interdependência de poderes – art 111º, nº1. A
Constituição distribui competências aos vários órgãos do Estado, estando estes
obrigados a cooperar entre si. Esta cooperação implica controlos recíprocos, partilha de
competências e observância de limites. Nenhum órgão de soberania pode exercer

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livremente as suas competências sem controlo algum por parte dos restantes. Como
exemplo de défice de colaboração entre órgãos temos a Constituição francesa de 1975.
De acordo com Loewenstein, os actos políticos são técnicas de controlo. Apesar disso,
considera-se que os actos políticos se dividem em actos de direcção política e actos de
controlo.

ACTOS DE DIRECÇÃO POLÍTICA


São “decisões que envolvem uma escolha livre de opções relativas ao funcionamento das
instituições do Estado e determinam objectivos da acção política, podendo fixar vias para
a sua prossecução.” Esta função não é idêntica à função de direcção da actividade
administrativa.
De acordo com o Tribunal Constitucional – Ac nº 214/2011 – nenhum órgão de
soberania pode tornar-se hierarquicamente superior a outro. A principal figura
relacionada com estes actos é o PR. Relativamente aos actos que tratam da nomeação
de titulares de órgãos constitucionais, podemos ter actos independentes – nomeação
dos Representantes da República das regiões autónomas; nomeação do PM, tendo em
conta os resultados eleitorais – e actos de partilha de competências com o Governo –
nomeação dos membros do Governo sob proposta do PM; nomeação do Procurador
Geral da República e dos membros do Alto Comando Militar sob proposta do Governo.
Os actos de direcção presidencial implicam liberdade no plano jurídico e político e se
projectam na subsistência de órgãos de soberania em funções – dissolução do
Parlamento; renúncia do PR; demissão do PM; marcação de eleições.
Outros actos, como a convocação extraordinária da AR, do exercício extraordinário da
presidência do Conselho de Ministros e da presidência do Conselho Superior de Defesa
nacional (que assume importantes funções em tempos de guerra), são actos que
implicam o exercício de poderes directivos sobre o funcionamento de órgãos colegiais.
Relativamente aos actos de projecção institucional relevante para a protecção da
República e da vontade popular, podemos referir a declaração dos estados de sítio e de
emergência sujeito a autorização do Parlamento; declaração de guessa e feitura de paz
sob proposta do Governo; convocação de referendos sob proposta do Governo ou do
Parlamento.
Na AR, verificamos a realização de importantes poderes de direcção sobre a subsistência
de outros órgãos em funções.
Há manifestações do poder de direcção que implicam a designação de titulares de
órgãos constitucionais – eleição parlamentar do Provedor de Justiça (eleito com uma
maioria de 2/3) e de dez juízes do Tribunal Constitucional. A proposta de convocação
de referendos é, também ela, um acto de direcção política, partilhado com o PR. O
Governo e respectivos órgãos exercem poderes de direcção, p.e., na proposta de
ministros que o Primeiro-Ministro faz ao Presidente da República.

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ACTOS DE CONTROLO
Os actos de controlo político implicam um poder de vigilância por determinados centros
de poder sobre outros órgãos ou titulares de órgão, bem como sobre os actos que estes
emanam. Podemos nestes enquadrar:
o Decisões de responsabilização política e jurídica interorgânica – convocação de
membros do Governo pelo Parlamento; iniciativa de processo de impeachment
do PR e suspensão de membros do Governo pelo Parlamento envolvendo
processo criminal.
o Poderes de livre apreciação do mérito de actos de outros órgãos – veto de
promulgação presidencial de actos legislativos; ratificação de tratados;
assinatura de acordos
o Autorizações, atestações e confirmações – referenda ministrial dos actos do PR
(em situações muito concretas); assentimento das deslocações do Presidente ao
exterior pela AR; autorização parlamentar da confirmação do estado de sítio e
estados de emergência decretados pelo Presidente.
o Actos de garantia juríica da ordem constitucional – promoção do controlo
preventivo e sucessivo da constitucionalidade as normas pelo Presidente, o
Primeiro-Ministro e os deputados.
Os actos políticos não devem ir ao encontro das normas da função política, podendo
no entanto assumir a mesma forma, como no caso do decreto e da resolução. Os actos
políticos com eficácia jurídica são aprovados pelos órgãos constitucionais competentes
para o exercício da função política, têm carácter individual e concrecto e o seu efeito
projecta-se na esfera jurídica dos órgãos do poder político. Estamos então perante
actos não normativos mas com conteúdo jurídico imperativo. Exemplos desta situação
são as competências do Presidente da República relativamente ao veto e à promulgação
de actos legislativos, bem como dos decretos presidenciais de assinatura e ratificação
de convenções internacionais. No caso da Assembleia da República, temos a aprovação
de moções e resoluções, de conteúdo singular, das quais resultem efeitos jurídicos
(aprovação de uma moção de censura ao Governo por maioria absoluta; reprovação de
uma moção de confiança ao Governo; autorização da declaração dos estados de
excepção mediante resolução). No caso do Governo, são exemplo os decretos de
nomeação e demissão de titulares de órgãos constitucionais, a apresentação de moções
de confiança ao Parlamento e o instituto da referenda ministrial de actos do PR. É-nos
também possível encontrar actos desta natureza fora dos órgãos de soberania – estão
presentes no domínio das regiões autónomas.
Relativamente às normas gerais e abstractas relacionadas com a função política SS
temos como exemplos: o decreto normativo do PR que declara os estados de sítio e de
emergência; as resoluções normativas; a decisão referendária vinculativa de carácter
nacional, regional ou local, na medida em que obrigue o conteúdo de normas jurídicas.
Podemos, a estas, chamar normas atípicas da função política.
O Estado pode, no plano externo, aprovar actos da função política com conteúdo tanto
normativo como não normativo (apesar de estes segundos serem escassos). Nos actos
normativos podemos distinguir actos jurídicos unilaterais – protesto, renúncia – e a
aprovação de convenções internacionais – tratados e acordos internacionais.

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A função administrativa corresponde à concretização e execução de leis e na satisfação


das necessidades colectivas legalmente definidas (através de actos, contractos e
atuações materiais), providos de órgãos e agentes com iniciativa e parcialidade na
prossecução do interesse público.

CRITÉRIO MATERIAL
A função administrativa é subordinada não só à Constituição mas também à lei – art
266º, nº 2 CRP. É na lei que estão presentes as opções primárias relacionadas com a
satisfação das necessidades públicas. À função administrativa cabe a actividade
secundária – providenciar essas mesmas necessidades.
Os centros de decisão administrativa devem ter iniciativa – capacidade própria para
realizar os comandos legais e ir ao encontro nas necessidades colectivas – e parcialidade
– são parte interessada na realização das necessidades públicas. Essa parcialidade não
impede, no entanto, que se verifique o princípio constitucional da imparcialidade, não
favorecendo nem prejudicando os interesses de uns em relação aos de outros.
Define-se através do art 266º, nº 2 da CRP que devem ser observados no exercício da
actividade administrativa princípios constitucionais como legalidade, igualdade,
proporcionalidade, justiça, imparcialidade, constitucionalidade e boa-fé.

CRITÉRIOS ORGÂNICOS
A atividade administrativa é levada a cabo por órgãos e agentes competentes que se
regem pelo art 266, nº2. Os órgãos são centros autónomos e institucionalizados que
desenvolvem funções públicas administrativas em nome de uma pessoa colectiva. Os
agentes estão subordinados aos órgãos e com eles formam a vontade colectiva inerente
ao exercício da função administrativa. Ambos podem praticar actos com efeitos
externos em nome de uma pessoa colectiva.
O Governo é considerado o órgão superior da administração pública – art 182º - tendo
assim direcção sobre a administração directa, orientação sobre a administração
indirecta e tutela sobre a administração autónoma (art 199º d)). Existem outros órgãos
executivas com autonomia, como os governos das regiões autónomas, as câmaras
municipais e as juntas de freguesia.

CRITÉRIOS FORMAIS
Os critérios formais prendem-se com a manifestação do exercício da actividade
administrativa sendo os actos e os contractos aqueles que produzem efeitos jurídicos.
Os actos da Administração podem ser actos normativos (regulamentos
administrativos) – normas jurídicas gerais e abstractas que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos; actos
administrativos – decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem
produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
No que toca aos contratos administrativos, são acordos plurilaterais que se destinam à
constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica administrativa.

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A função jurisdicional é a actividade que resolve conflitos relacionados com o direito,


através da aplicação da Constituição, das leis e de outras normas, mediante decisões de
carácter individual e concreto tomadas pelos tribunais (independentes, imparciais e
passivos).
CRITÉRIOS MATERIAIS
Como objecto da função temos a resolução de questões que envolvem a aplicação do
Direito. O seu fim é a composição, concreta ou abstracta, de conflitos e litígios, mediante
a resolução de uma questão jurídica, tendo em vista garantir a justiça e a paz jurídica.
Na sua natureza subordinada, é uma actividade jurídico-pública destinada a aplicar a
Constituição e a lei, razão pela qual os decisores jurisdicionais estão perante estas
submetidos – arts 203º e 204º. Essa subordinação dos decisores perante a lei não faz,
no entanto, com que os tribunais não possam interpretar as situações de forma
autónoma e independente. Por outro lado, também não impede os tribunais comuns
(art 204º) e o Tribunal Constitucional (art 221º e 277º e seguintes) de julgar a invalidade
das leis contrárias à Constituição.

CRITÉRIO ORGÂNICO
O elemento orgânico relaciona-se com os tribunais serem centros institucionais de
poder formados por juízes que, com independência, desenvolvem a função
jurisdicional. A independência dos tribunais (art 216º, nº 1) manifesta-se quer perante
aos restantes órgãos de poder, quer entre si.
Para além do Tribunal Constitucional, existem ainda o Supremo Tribunal de Justiça, os
tribunais judiciais de primeira e segunda instância, o Supremo Tribunal
Administrativo, os tribunais administrativos e fiscais (também de primeira e segunda
instância) e o Tribunal de Contas – art 213º.

CRITÉRIO FORMAL
O elemento formal traduz-se nas decisões jurisdicionais, que corporizam o exercício da
função jurisdicional. No plano de um critério misto (material + formal), o conteúdo das
sentenças é em regra a individual e concreto. Excepção a isto são certos efeitos das
declarações de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional com força
obrigatória geral.

A separação de poderes encontra-se enunciada no art 2º e no art 111º da Constituição.


Este princípio nasce com a Revolução Liberal no século XVIII, teorizado por Locke e por
Bloingbroke, no quadro de uma Monarquia mista, garantindo assim a segurança, a
propriedade e a liberdade individual, opondo-se à tirania.
Montesquieu estudou-o e divulgou-o, transformando-o em axioma e em critério
estruturante do Estado de Direito democrático. O princípio foi exposto na Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1978 e estabeleceu-se que Estado que não

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consagrasse a separação de poderes nem reconhecesse os direitos fundamentais das


pessoas não teria Constituição.
Este princípio da separação de poderes é diferente do que havia sido adoptado na leitura
da divisão de poderes oitocentista.
O princípio da separação de poderes implica que cada órgão constitucional a quem é
atribuído o núcleo essencial de uma função do Estado, se deva conter nos limites das
competências que lhe são atribuídas. Deste modo, é assegurado um sistema de
repartição das actividades públicas, de desconcentração e de responsabilidade jurídica
e política no exercício dessas actividades.
Raramente acontece o Tribunal Constitucional intervir relativamente à intromissão dos
tribunais em funções de ordem não jurisdicional.
Ver Ac nº 1/91 e Ac 214/2011 relativos à intromissão de órgãos legislativos na função
administrativa.
Como corolário do princípio de separação de poderes, importa:
o A repartição da actividade política (SS) entre o Presidente da República, a
Assembleia da República e o Governo;
o A repartição da actividade legislativa entre a AR e o Governo, sem prejuízo do
primado da AR e da centralidade do Governo no exercício dessa função;
o A exclusão da atribuição da função administrativa, com eficácia externa, à AR
o A reserva da jurisdição aos Tribunais.
Ver páginas 58/59, Carlos Blanco de Morais, “Curso de Direito Constitucional”

A separação de poderes torna-se insuficiente se não estiver aliada ao princípio da


interdependência dos mesmos. Isto advém do facto de não bastar uma repartição de
competências entre órgãos soberanos e a atribuição do núcleo de uma função para que
seja garantida a limitação de poder. Uma autoridade soberana pode abusar do poder
exclusivo que lhe foi conferido e exercê-lo de forma ilícia e desmedida. Assim, dado que
“só o poder limita o poder”, Montesquieu sublinhou a inevitabilidade de comunicação
entre poderes separados, exercendo os órgãos de poder uma função de controlo e
limitação entre si mesmos. Disto resultam actos como a dissolução do Parlamento,
autorização/confirmação de decisões tomadas por outros órgãos, etc. Para além deste
motivo, há ainda um outro: as exigências de eficiência do funcionamento político
reclamam uma articulação recíproca na repartição de diferentes tarefas sobre a mesma
actividade. Isto é verificável na influência do Presidente da República sobre outros
órgãos e no exercício de competências partilhadas.
A ideia de interdependência de poderes está presente no art 111º da Constituição.
Trata-se do universo dos “checks and balances” (freios e contrapesos) estabelecidos
entre órgãos de poder político. No plano de uma colaboração formal, há a destacar:
a) Iniciativas legislativas do Governo junto da Assembleia da República;
b) Autorizações da Assembleia ao Governo no quadro de uma relação de confiança;
c) Declaração dos estados de excepção pelo Presidente da República, que carece
de audição do Governo e da autorização da Assembleia,

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d) O referendo nacional, proposto pelo Governo ou pelo Parlamento, controlado


em termos de validade pelo Tribunal Constitucional e convocado pelo Presidente
da República;
e) A nomeação dos representantes da República pelo Presidente, ouvindo o
Governo;
f) A nomeação dos Chefes do Alto Comando Militar e do Procurador Geral da
República pelo Presidente da República, sob proposta do Governo.
Relativamente ao controlo político interorgânico, temos:
a) Os institutos de promulgação e do veto presidencial;
b) A ratificação ou assinatura de convenções internacionais pelo Presidente da
República
c) A referenda ministrial de actos do Chefe de Estado
No plano da direcção política, com dimensão de controlo:
a) A demissão do Governo e a dissolução do Parlamento pelo Chefe de Estado
b) A demissão do Governo pela Assembleia da República.

A integração do Estado Português na União Europeia pressupõe que nos encontremos


subordinados à mesma. Os poderes subordinantes da UE implicam a limitação da esfera
das competências dos Estados-membros e a edição de actos jurídicos unilaterais que
prevalecem sobre o direito interno.
Para alguns, isto implicaria uma necessária abertura da Constituição portuguesa aos
valores europeus e, por vezes, a prevalência do direito europeu a essa mesma
Constituição. A presença de um Estado na União Europeia provoca nele uma limitação
de poderes soberanos. Isto ocorro dado que os Estados-membros delegam na UE,
através de Tratados, competências que passam a ser exercidas em comum pelas
instituições europeias ou de modo partilhado entre estas e os órgãos soberanos dos
Estados. Esta delegação está tratada na Constituição no art 7º, nº 6.
A delegação de poderes visa a coesão económica e social, a criação de um espaço de
liberdade, segurança e justiça e a definição de uma política externa comum. Apesar
disto, o núcleo de certas matérias, como as de justiça, segurança, política externa e
defesa nacional, não podem ser delegadas, sob pena de, com uma revisão de tratados,
se rever indiretamente a Constituição e se violar um dos seus limites materiais de
revisão e onde surge o princípio da interdependência nacional (art 288º, a)). Deste tipo
de situação resulta a necessidade de haver limites à delegação do exercício dessas
responsabilidades:
o Os princípios fundamentais e estruturantes da República Portuguesa – O
Estado, soberano como dito no art 3º, nº1 CRP, não pode delegar funções que
ponham em causa critérios como a essência da política externa; a autonomia das
Forças Armadas Portuguesas na defesa da República; a independência dos
Tribunais; a integridade do sistema de direitos fundamentais e a independência
da política de justiça e segurança interna.

12
Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

o O princípio da subsidiariedade – em sede de poderes concorrentes é excluída a


delegação, na UE, de poderes que as entidades mais próximas dos cidadãos
exerçam com mais eficiência.
o A reciprocidade – todos os Estados devem aceder em idêntica limitação de
poderes.

A União Europeia é, com base no Tratado de Lisboa, uma associação de Estados de


natureza confederal, com elementos de recorte federal. Essa componente federal
manifesta-se na estrutura e nos poderes da Comissão e do Parlamento. Em termos
normativos, está presente no regime de aplicação do primado dos
regulamentos/decisões. Financeiramente, por sua vez, encontra-se plasmada na união
monetária. A componente confederal é, em termos institucionais, visível na
composição e no funcionamento do Conselho (órgão intergovernamental). No âmbito
normativo, o aspecto confederal ressalta na natureza de Tratado, no primado das
constituições dos Estados-membros e na transposição das decisões-quadro. Por fim, em
termos estruturais, encontra-se na esfera das competências delegadas e no processo
de decisão da política externa e das políticas de segurança, defesa e justiça.
Isto faz com que a União Europeia não possa ser tida como um Estado composto ou
como uma entidade híbrida. É, então, tida como uma Confederação atípica composta
por Estados de soberania limitada. É atípica porque tem nela forte presença de
elementos federais de integração dos Estados-membros e a soberania dos Estados é
limitada porque os Estados associados delegam nela parte dos seus poderes soberanos,
que a União passa a exercer a título exclusivo. Esses poderes podem também ser
exercícios em comum – art 7º, nº 6 –. Para além disso, a limitação da soberania dos
Estados associa-se à supremacia dos actos jurídicos de direito europeu sobre o direito
interno dos Estados - art 288º Tratado de Lisboa e jurisprudência do Tribunal de Justiça
da União.
De acordo com a jurisprudência do TJU, o conjunto de todos os tratados institutivos da
União seria uma Carta Constitucional e todo esse direito estaria hierarquicamente
acima do direito dos Estados, incluindo as respecitvas Constituições. Houve quem
entendesse que deveria haver uma limitação recíproca entre as Constituições dos
Estados e os Tratados da União. Tudo isto gerou uma tentativa de conceber uma
Constituição Europeia, “Tratado Constitucional Europeu”. Levada a referendo entre os
Estados-membros, o Tratado foi reprovado e disto resulta o abandono da natureza
federal.
Apesar disto, pode dizer-se que o Tratado de Lisboa (2007) manteve cerca de 90% do
texto presente no suposto Tratado Constitucional. A aceitação deste segundo Tratado,
Tratado de Lisboa, prende-se com a queda da expressão “Constituição” e com o
término da ideia de supremacia total do direito da União.

13
Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

A ACTIVIDADE LEGISLATIVA
As competências legislativas dos Estados-membros foram as mais limitadas pelo
exercício das competências da União Europeia. A UE assumiu total domínio sob áreas
relacionadas com a política de pescas e monetária. Em áreas em que se verifica uma
concorrência paralela/complementar de exercício de poder, a lei interna admite agora
ou um carácter sub-primário, sendo apenas um suplemento às directivas europeias, ou
um afastamento perante a supremacia dos regulamentos europeus, em caso de
legislação interna que lhes seja contrária.
Supostamente, esta realidade teria maior impacto nas competências do Governo e da
Assembleia da República, sendo estes os órgãos do poder legislativo em Portugal. No
entanto, o que se verificou foi que acabou por ser limitado o protagonismo legislativo
da AR. Tal verifica-se porque, na realidade, são os representantes do Governo aqueles
que, no Conselho Europeu, definem a essência da política europeia. Para além disso, a
grande parte das normas de direito europeu é adoptada em âmbito interno através de
decretos-leis. Relativamente a matérias de competência exclusiva da Assembleia,
apesar de por lá passar, surgem como proposta de lei do Governo. Para agravar toda
essa situação, verifica-se a permissão do Tribunal Constitucional, em casos específicos,
as matérias serem transpostas por decreto-lei, mesmo que a respectiva matéria seja de
competência da AR – Ac nº 80/2014.
Verifica-se, assim, o reforço do Governo no seu poder legislativo e uma consequente
perda de influência do Parlamento nessa mesma função.

ACTIVIDADE POLÍTICA STRICTO SENSU


O processo de negociações relativas à política europeia é levado a cabo pelos Governos
dos Estados. Esse processo passa pela actividade desenvolvida pelo Conselho, pelas
actividades de consulta das instituições nacionais prévias à edição de normas europeias,
por conferências entre os Estados e pela revisão dos tratados institutivos. Isto aumenta
a relevância do Governo em comparação com a do Parlamento no âmbito da política
geral.
É a Assembleia da República que aprova as alterações aos tratados da União. No
entanto, tendo em conta que a maioria dos Deputados Parlamentares é associado ao
Governo, a autonomia decisória é reduzida. A AR viu assim entrar nas suas funções, a
função de se pronunciar “(…) nos termos da lei, sobre as matérias pendentes de decisão
em órgãos no âmbito da UE que incidam na esfera da sua competência legislativa
reservada” – art 161º CRP.

PODER ADMINISTRATIVO
O poder administrativo do Governo foi aumentado no que toca à concretização e
execução de normas jurídicas da União Europeia. Apesar disso, deu-se a criação de uma
administração independente e de outra semi-independente, resultantes da
necessidade de garantir certos direitos fundamentais e de a regulação económica ser
feita por órgãos ditos neutrais. Estas são então novas áreas da Administração Pública,

14
Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

que residem em sectores dessa mesma que estão submetidos a vínculos


governamentais.
Falamos, então, de administração directa – sujeita à hierarquia do Governo – de
administração indirecta – sujeita a poderes de superintendência1 - e de administração
autónoma – submetida a poderes de tutela. (art 199º). As autoridades reguladoras
independentes e semi-independentes surgem assim devido à desconfiança
institucional relativamente a uma Administração Pública sujeita a vínculos de poder
governamental, no que toca à sua capacidade de assegurar a tutela de certos bens
jurídicos. Em Portugal, são autoridades independentes entidades como a Entidade
Reguladora da Comunicação Social, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho
Económico e Social, o Provedor de Justiça, a Comissão Nacional para a Protecção de
Dados. Estas são criadas com base numa previsão Constitucional – art 267º, nº3 – e
caracterizam-se por:
a) Exercício de funções administrativas, de administração constitutiva;
b) Não se encontram sujeitas a quaisquer vínculos ou tutela;
c) Os seus titulares de órgãos de direcção são irresponsáveis pelos actos e
declarações proferidas no exercício de funções;
d) Esses mesmos titulares são eleitos mediante assentimento de órgãos
representativos ou eleição ou designação por vários órgãos;
e) Os órgãos de direcção não podem ser dissolvidos;
f) A maioria dos seus membros não pode ser eleita pelos sujeitos que são objecto
da actividade regulada.
A regulação pública da Economia trata-se de um sistema composto por instituições,
procedimentos, normas e actos idóneos para a aplicação dessas mesmas normas, de
modo a garantir que os agentes económicos satisfazem as necessidades de bem-estar
colectivas, não prejudicando nunca o interesse público. Estas autoridades são pela lei
designadas como independentes (são consideradas pessoas colectivas e entidades
administrativas independentes), mas na realidade são tidas como semi-
independentes. Têm em comum com as anteriores a prática de administração
constitutiva e a não sujeição a hierarquias governamentais. No entanto, a sua
autonomia é mais atenuada, bem como é a dos titulares dos seus órgãos de direcção.
Pegando em expoentes da doutrina portuguesa que permitem graduar o nível de
independência, podemos dizer que estamos perante um nível médio-baixo, dado que se
verifica:
a) A governamentalização da designação dos órgãos executivos;
b) A destituição de titulares centrados em juízos de méritos;
c) A maior duração de mandatos, com possibilidade de renovação não imediata;
d) A tutela preventiva de mérito do Governo nos planos plurianuais, orçamentais,
decisões financeiras e patrimoniais da entidade;
e) O poder de veto suspensivo do presidente sobre a legalidade e o mérito de certas
decisões colegiais das administrações.

1
Acto de vigiar e dirigir; fiscalização.

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Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

Trata-se, na realidade, de “quango2” – Quasi-autonomous non-governmental


organisations – reformado na sua autonomia.
No domínio económico, as normas europeias têm imposto a criação de autoridades
independentes (ou semi-independentes), para oferecer ao mercado uma
imparcialidade decisória. Apesar de estas se terem já mostrado indispensável, a
multiplicação de autoridades independentes e semi-independentes conduz ao
enfraquecimento dos Governos dos Estados por parte da União Europeia. Isto acontece
porque são criadas relações directas entre essas autoridades e as entidades europeias,
pondo em causa a sua suposta independência externa; porque se cria uma
administração separada; porque se facilita a retirada de responsabilidades governativas
para essas administrações separadas.
O resultado de tudo isto é a redefinição e o enfraquecimento dos Governos na função
administrativa.

PODER JURISDICIONAL
Os tribunais comuns dos Estados-membros perderam importância face ao Tribunal de
Justiça da União. Está presente no Tratado de Lisboa que um juiz nacional, ao resolver
um caso ao qual sejam aplicáveis normas europeias, tem competência para as
interpretar e para as aplicar. Se, p.e., um Regulamento europeu, com prevalência sobre
o direito ordinário interno, contradiz a lei, deve ser ignorada a lei ordinária e aplicada a
medida europeia. O juiz nacional, assim, limita o poder legislativo dos órgãos de
soberania ao desaplicar as suas leis em virtude do direito europeu.
O tribunal comum perde competências para o TJU e isto acontece porque tratando-se
de uma questão de jurisdição nacional de última instância que envolva a interpretação
de uma norma comunitária distinta da interpretação ditada pelo TJU, o tribunal nacional
é obrigado a enviar essa questão ao TJU. Resulta, daqui, o instituto do reenvio
prejudicial.

Capítulo II – Actos jurídico-públicos

O acto jurídico-público é uma decisão imputada aos órgãos de uma pessoa colectiva
com aptidão para produzir efeitos jurídicos na prossecução de fins públicos. A decisão,
por sua vez, é a exteriorização de vontade imputável a um ente público, cujo grau de
vinculação pode ser maior ou menor conforme a natureza da função – é maior numa
actividade como a política, falando-se em liberdade conformadora do conteúdo dessa
vontade em relação à sub-função legislativa; é menor em funções subordinadas à
legalidade, como as funções administrativa e jurisdicional.

2
Os “Quangos”, criados no Reino Unido, são entidades autónomas não formalmente governamentais,
cujos membros são designados pelo Governo e que desenvolvem actividades administrativas usualmente
cometidas ao Executivo, dispondo de orçamento próprio e autonomia administrativa relativamente à sua
organização interna.

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Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

Essa vontade é imputada ao poder funcional do órgão de uma pessoa colectiva


geralmente pública, como é o caso do Estado-Pessoa, dos institutos, das associações
públicas, das regiões e das autarquias. Existem apesar disso situações em que o acto
provém de um ente privado, ente esse a quem foi concedida autoridade por parte de
uma pessoa colectiva pública – ex: concessão de serviço público.
É a função pública que permite conferir aos actos o carácter de actos jurídico-públicos,
o que se traduz na produção de efeitos jurídicos, em que se verifica a manifestação
unilateral de um poder de império sobre os seus destinatários, assegurado pela
coercibilidade do direito. A Constituição trata do princípio da constitucionalidade dos
actos jurídico-públicos no artigo 3º, nº 3

São pressupostos jurídicos do acto os órgãos, a vontade psicológica e a competência.


São estes que vão condicionar a prática do acto, sendo realidades pré-existentes em
relação a ele.
o Órgãos – são os centros institucionais de poder que produzem o acto jurídico-
público. São unidades funcionais através das quais uma pessoa colectiva atinge
os seus fins, alcançados mediante decisões unitariamente consideradas. A
decisão do órgão é imputada à pessoa jurídica de que ele faz parte. Sendo
instituições abstractas, os órgãos decidem mediante a actuação das pessoas
físicas que os titulam.
o Vontade psicológica – é a vontade presente no órgão que antecede o acto. É a
transformação da vontade psicológica em vontade declarada que dá origem ao
acto jurídico-público. A vontade declarada é a que configura a forma e o
conteúdo do acto.
o Competência – é a atribuição a um órgão, com possível exclusão dos restantes,
do poder funcional de aprovar actos jurídico-públicos relativos a determinada
matéria e dentro dos limites de determinado espaço e tempo. Tem uma
componente subjectiva – exercício por parte de um órgão a quem o poder é
cometido – e outra objectiva – reconhecimento normativo de uma competência
exercida ao abrigo de uma função do Estado-Ordenamento e no âmbito de uma
determinada matéria e de um determinado espaço. MRS: “a competência é
subjectivo-objectivada”.
o Se o titular do órgão for coagido a promulgar o acto, esse acto é inválido ou
inexistente, dado que a vontade psicológica difere da vontade declarada.
o São elementos fundamentais do acto:
o Forma – modo como o acto é produzido e revelado. Cada acto tem na sua origem
uma sequência lógica e encadeada de outros actos que, juntos, geram o acto
final. Esse procedimento é o procedimento produtivo do acto. Esses
procedimentos produtivos são regulados pela Constituição3. A revelação em

1) Leis da Assembleia da República – arts 167º e 170 // tratados e acordos internacionais – arts 8º, 134º/b) e c),
161º, 197º e 227º/t) // referendo a nível nacional – arts 115º/b) e c) // declaração dos estados de excepção –
arts 19º e 138º

17
Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

sentido estrito consiste no título jurídico ou legenda. A revelação dos actos


jurídico-públicos é tratada nos arts 112º, nº 1 e 116º
Conteúdo – é, na realidade, o seu objecto e o seu fim. O objecto pode ser imediato
– disposições materiais que configuram a vontade declarada – ou mediato – conjunto
de situações fácticas ou jurídicas sobre as quais a declaração incide. O fim é o
objectivo que o acto tem.
Um acto que obedece aos parâmetros constitucionais é um acto que, na sua formação,
se encontra conforme a Constituição e cuja forma e conteúdo respeitam as normas
impostas pela Lei Fundamental.
Podemos, também, falar em tipologia dos actos jurídico-públicos. Neste campo,
podemos dividi-los de acordo com a vontade e com o objecto.
De acordo com a vontade:
o Actos livres – verificam-se quando o seu autor goza da faculdade para os
praticar.
EXEMPLO: regime geral de promulgação; veto político presidencial
o Actos devidos – o autor do acto é obrigado a praticá-lo
EXEMPLO: veto por inconstitucionalidade do Presidente; obrigação de promulgação de lei
confirmada pelo Parlamento
o Actos simples – são actos praticados por um só órgão
EXEMPLO: nomeação do Primeiro-Ministro pelo Presidente da República; dissolução da
Assembleia da República pelo Presidente, ouvindo o Conselho de Estado
o Actos complexos unipessoais – implicam um concerto de vontades diversas de
órgãos e titulares pertencentes à mesma pessoa colectiva
EXEMPLO: procedimento legislativo parlamentar que resulte de um acto de iniciativa do
Governo ou deputados
o Actos complexos pluripessoais – implicam um concerto de vontades diversas de
órgãos e titulares pertencentes a pessoas colectivas distintas
EXEMPLO: processo de revisão dos estatutos político-administrativos das regiões,
iniciados pelas suas assembleias e aprovados pela AR
o Decisões – são actos de vontade de um órgão singular
EXEMPLO: decretos presidenciais respeitantes a actos livres do Presidente da
República
o Deliberações – actos jurídicos de vontade imputada a órgãos colegiais
EXEMPLO: Assembleia da República, Conselho de Ministros

De acordo com o objecto:


o Actos de eficácia interna – têm efeito na esfera jurídica do órgão que os emite.
Os seus efeitos não se projectam directamente nos cidadãos, mas sim nos órgãos
de poder político, condicionando outros actos.
EXEMPLO: actos administrativos aprovados pela AR tendo em vista a sua gestão interna
o Actos de eficácia externa – os seus efeitos afectam destinatários diversos do
órgão que o emite.
EXEMPLO: leis e decretos-lei
o Actos declarativos – são actos que atestam uma situação jurídica já constituída
EXEMPLO: declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, proferida pelo
Tribunal Constitucional

18
Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

o Actos constitutivos – geram um “status jurídico” novo, criando, modificando ou


extinguindo situações jurídicas
EXEMPLO: generalidade das leis
o Actos-condição – vinculam o conteúdo de outros actos, sendo pressuposto
necessário da sua produção ou da sua validade. Modificam o ordenamento
jurídico.
EXEMPLO: leis de base da reserva parlamentar em relação aos decretos-lei complementares
o Actos-objecto – actos vinculados no seu conteúdo pelos actos-condição
EXEMPLO: decreto-lei complementar, decreto-lei autorizado
o Actos normativos – implicam a aprovação de leis e de outros actos jurídico-
públicos de conteúdo geral e abstracto
EXEMPLO: regulamentos
o Actos não normativos – decisões públicas não legislativas com conteúdo
individual e concreto
EXEMPLO: actos políticos e actos administrativos

O art 277º, nº 1 define que o sistema de fiscalização da constitucionalidade tem por


objecto normas. Daqui resulta a necessidade de compreender quais são os actos
jurídico-públicos que assumem a natureza de norma jurídica.
Podemos definir norma como regra de direito portadora de um conteúdo geral e
abstracto.
Tornou-se prática corrente a “desmaterialização” de actos legislativos. Esta traduz-se
na emissão de leis singulares e na produção de leis medidas e leis individuais e
concretas, que incidem sobre situações particulares.
Assim, na ordem jurídica portuguesa, a generalidade e a abstracção apenas são
exigidas relativamente a leis que disciplinem as matérias presentes no art 18º, nº 3 ou
que se encontram pressupostas no conteúdo exigível a certas categorias legais.
Parte da doutrina entende que a lei se define pela politicidade do seu conteúdo, pela
sua forma e pela sua força. Assim, o problema deveria resolver-se. No entanto, o nº 4
do art 268º faz referência à hipótese de existirem leis com conteúdo idêntico ao de um
acto administrativo, o que deita por terra a definição dada supra.
O acto administrativo é uma manifestação singular da actividade executiva, que se
encontra vinculado à lei. O seu conteúdo não é politicamente inovador como o da lei,
nem supõe qualquer liberdade na sua edição. A sua forma não é a legal.
Conclui-se que a abstração não devia ser um elemento de definição de norma, pois
essa não abrange regras que se esgotam na regulação de um determinado facto. “Essa
construção pressupõe que as normas sejam, por regra, gerais e também abstractas,
excepto se revestirem a natureza de actos legislativos, os quais se caracterizam por
ser critérios de decisão de conteúdo político, dotados da forma e de força geral de lei,
independentemente de o seu conteúdo ser geral e abstracto, geral e concreto ou até
individual e concreto.”

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Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

O referendo e uma forma de expressão da democracia semi-directa, exercida no âmbito


da função política. Depende da combinação da vontade representativa dos órgãos de
poder político que o propõem (AR e Governo) e que o convocam (PR), com a vontade
do eleitorado que aprova ou rejeita, mediante sufrágio, a questão referendada.
A maioria da Doutrina considera o referendo vinculativo um acto político não
normativo, dado que o facto de este incidir sobre matérias da competência legislativa
dos órgãos de soberania não o converte em norma. No entanto, o resultado
referendário de resposta positiva, sendo vinculativa, pode ser equiparada a uma
decisão-regra. Não podendo haver uma decisão-regra com conteúdo normativo sem
alcance normativo, conclui-se que o referendo pode de facto ser um acto político
normativo. Isto torna-se claro quando o legislador é, por exemplo, obrigado a alterar
uma lei para que esta se torne conforme com o que foi decidido por um referendo de
resposta positiva.
Há quem diga, também, que o resultado vinculativo do referendo consiste numa
resposta a uma questão, resposta essa cujo conteúdo é demasiado abstracto para que
se possa equiparar a lei. No entanto, este argumento perde força quando constatamos
que existem, p.e., na Constituição princípios normativos com igual generalidade aos que
resultam do referendo.
Diz-se ainda que os efeitos do referendo se projectam apenas na estrutura organizativa
do poder político, não influenciando a estrutura externa. No entanto, os efeitos
positivos do referendo – impositivos de um comando activo – sobre o decisor normativo
equiparam-se ao de uma lei de autorização legislativa. Se ninguém diz que uma lei de
autorização legislativa não tem carácter normativo, o mesmo não se pode dizer acerca
do referendo.
Assim, o referendo tem conteúdo normativo, sendo este regime regido pelo art 115º
da Constituição e pela Lei do Referendo.

Objecto
O objecto de um referendo é sempre uma questão de interesse nacional que se
encontre na esfera de competências do Governo ou da Assembleia – art 115º CRP. São
destas matérias excluídas as alterações à Constituição, as questões e actos de conteúdo
orçamental, tributário ou financeiro, bem como as matérias presentes no art 161º CRP
e as que são de exclusiva competência da AR.
Âmbito e extensão
Cada referendo incide apenas sobre uma matéria, sendo o número de perguntas, no
máximo, três – art 7º, nº 1 Lei do Referendo. A isto são excepção as convenções
internacionais, às quais apenas é admitida uma questão.
Formulação da questão
As perguntas têm de ser claras e objectivas, possíveis de responder com sim ou não, não
podendo ser precedidas por preâmbulo.
Procedimento

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Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

o Iniciativa – a iniciativa primária cabe à AR e ao Governo, mediante resolução


parlamentar ou resolução do Conselho de Ministros. A iniciativa pode ainda
partir dos cidadãos, por força do art 115º, nº 2, com um mínimo de assinaturas
de 75.000. Este pedido é apreciado pela AR e não pelo PR.
o Controlo da constitucionalidade e legalidade – As propostas referendárias são
submetidas a um controlo de constitucionalidade e legalidade, entregando o PR
a proposta ao Tribunal Constitucional. Mesmo que não pretenda convocar o
referendo, o PR deve sempre entregá-lo para controlo do TC.
o Convocação – O PR dispõe de liberdade absoluta para convocar ou não o
referendo que lhe é proposto. A proposta que é rejeitada pelo PR não pode ser
renovada na mesma sessão legislativa, salvo dissolução da AR ou demissão do
Governo. Caso o TC não se pronuncie acerca da inconstitucionalidade da
proposta, o PR dispõe de 25 dias para decidir se convoca ou não o referendo.
Participam no referendo todos os cidadãos eleitores residentes em Portugal e cidadãos
residentes no estrangeiro regularmente recenseados e com laços de efectiva ligação à
comunidade nacional se a matéria do referendo lhes disser directamente respeito.
Acrescentam-se ainda os cidadãos de países de expressão portuguesa com estatuto de
igualdade de direitos políticos.
O referendo é aprovado se os votos a favor corresponderem a mais de metade dos
eleitores inscritos no recenseamento. Se não se verificar a maioria necessária, o
referendo terá o efeito político equivalente a uma consulta não vinculativa.
o Caso a resposta seja negativa e o referendo seja vinculativo, teremos um
comando normativo de sentido proibitivo, que impede o legislador parlamentar
ou governamental de aprovar um acto legislativo ou convenção internacional
sobre a matéria tratada no referendo. Também o PR deixa de poder promulgar
leis que desrespeitem o sentido negativo do acto referendário, sob pena de
ilegalidade dessas mesmas. Essa ilegalidade por força no disposto na lei de valor
reforçado que é a Lei do Referendo é susceptível de controlo do TC em
fiscalização.
o Caso a resposta seja positiva e o referendo seja vinculativo, a AR ou o Governo
devem aprovar, num prazo máximo e respectivo de 90 e 60 dias, um acto
legislativo ou uma convenção internacional de sentido correspondente à decisão
referendária. Alguma doutrina entende que o não cumprimento desses prazos
representaria inconstitucionalidade por omissão. Se, por contrário, for aprovada
uma lei ou convenção que contraria o disposto no referendo vinculativo:
 Se for aprovado depois da renovação da AR por novas eleições e
formação de novo governo, será válida;
 Se não, será ilegal.
Esse acto legislativo ou convenção internacional não está sujeito ao veto
presidencial nem à recusa do PR em assinar (no caso da convenção). Pode, no
entanto, exercer o seu direito de veto fundado numa discordância em relação a
normas do diploma que não resultem directamente do sentido do referendo. O
PR pode promover a fiscalização preventiva da constitucionalidade do acto
legislativo ou convencional.

21
Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

Para a CRP, uma resolução é um acto da competência da AR e das assembleias


legislativas das regiões – art 119, e)
No caso das resoluções da AR, por esta não ter competência administrativa com eficácia
externa e não ter também funções jurisdicionais, sendo a resolução tudo o que não toma
forma de lei ou de moção, conclui-se que esta é um acto da função política stricto sensu.
Não sendo na CRP especificado o conteúdo específico para todas as resoluções, estas
podem ser actos políticos ou normas atípicas da função política.
Relativamente ao Governo, por sua vez, não têm consagração na CRP as resoluções do
Conselho de Ministros. Estas podem, no entanto, ser actos administrativos e
regulamentos administrativos, como podem ser actos e normas da função política. Têm
assim funções e conteúdos variáveis.
Nenhuma delas está sujeita à promulgação por parte do Presidente da República.

Regimentos
Os regimentos dos órgãos colegiais são regras relativas à organização e funcionamento
desses centros de poder, podendo ainda falar de direitos e deveres dos seus titulares.
Estes regimentos são subsidiários relativamente à Constituição: p.e. o Regimento da
AR é importante mas tem um papel secundário perante as disposições presentes na CRP
relativamente à Assembleia.
Dado que os regimentos integram a função política (podendo no caso do Governo
integrar-se também na função administrativa) e dado que a sua função é de
complementaridade da CRP, podemos dizer que os regimentos são normas atípicas da
função política stricto sensu.
Os regimentos representam normas jurídico-públicas com eficácia externa. No caso da
AR, essa eficácia traduz-se, p.e. na comparência do Governo nas sessões do Parlamento,
com direito do uso da palavra; no caso do Conselho de Ministros, essa eficácia implica,
p.e., o regime de audições. Sendo normas jurídico-públicas com eficácia externa, podem
ser objecto de fiscalização da sua constitucionalidade.
Apesar de podermos dizer que os regimentos são normas sobre a normação, dado que
regulam o procedimento de produção de outras normas, estes não apresentam carácter
vinculativo. Não têm, consequentemente, valor reforçado. Disto resulta que o
incumprimento destes regimentos por actos legislativos não torna esses actos inválidos.
Sempre que houver uma matéria reservada ao regimento por força da Constituição, a
sua regulação por lei é inconstitucional, dado que viola a norma constitucional que
determina essa reserva (p.e. art 160º/b) CRP)
Relativamente ao Governo, a violação de um regimento em matéria de audição das
regiões pode representar uma violação da Constituição. Por ser o regimento um acto da
função política e tendo esta uma natureza primária em relação à função administrativa,
estes subordinam os actos administrativos internos (no caso da AR) e qualquer acto de
administração (no caso do Governo).

22
Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

Resoluções parlamentares incidentes sobre o conteúdo ou a eficácia de outros


actos normativos
o Apreciação parlamentar para efeito de cessação ou suspensão de eficácia de
decretos-leis e decretos legislativos regionais – o Tribunal Constitucional
considera que as resoluções da Assembleia que determinam a cessação de
vigência ou a suspensão de decretos-leis assumem natureza normativa. Essas
são exemplo do princípio de controlo interorgânico exercido no âmbito da
função política. É com estas conseguida uma derrogação expressa ao princípio
da tipicidade da lei – art 112º, nº 5 – pois mesmo não revestindo forma de lei,
determinam a cessação da vigência de uma ou a sua suspensão. Assumindo que
estas representam normas jurídicas, conclui-se que estarão então sujeitas a
fiscalização de constitucionalidade.
o Resoluções que aprovam tratados – as resoluções da Assembleia da República
que aprovam tratados internacionais – art 166º/5 CRP

Declaração dos estados de excepção


São esses o estado de sítio e o estado de emergência, regulados no art 19º CRP. São
uma legalidade de crise, que traduzem a imagem de um estado público de necessidade
justificante.
Estes dois regimes distinguem-se por um conjunto de factores:
o Os seus pressupostos são comuns – art 19º, nº 2 – mas o estado de sítio
pressupõe uma maior gravidade, relativamente ao estado de emergência. A
escolha entre um e outro implica assim um respeito pelo princípio da
proporcionalidade.
o A declaração do estado de emergência é obrigatoriamente parcial no que toca
à suspensão das liberdades, dos direitos e das garantias
o A declaração do estado de sítio pode envolver a intervenção activa das FA na
respectiva execução. O mesmo não sucede com a declaração do estado de
emergência.
A declaração dos estados de excepção é da competência exclusiva do Presidente da
República. Esta declaração é uma norma atípica da função política.
 Natureza normativa do decreto presidencial
 Essência não legislativa do decreto
 Natureza vinculada da norma à CRP
O decreto é susceptível de fiscalização sucessiva, concreta e abstracta da sua
constitucionalidade, enquanto acto normativo.
O acto de declaração está primeiramente sujeito a parecer obrigatório mas não
vinculativo do Governo (art 197º, nº1, f)). Depois está sujeito a uma habilitação política
da AR, a qual pode ou não autorizar a declaração dos estados de excepção, mediante
resolução (art 166º, nº 5 e art 138º).
Não é claro o motivo pelo qual a autorização da AR é um acto normativo, dado que a
CRP se limita a atribuir normatividade ao decreto presidencial que declara os estados de
excepção, e não à autorização parlamentar cujo conteúdo a CRP não define. Para além

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Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

disso, não faz sentido que a legislação ordinária emitida no cumprimento dos estados
de excepção esteja subordinada a uma resolução autorizativa da AR que apenas
promonoriza o conteúdo da declaração presidencial. Existe ainda o facto de nem a CRP
nem a própria lei orgânica imporem ao legislador ordinário a necessidade de respeitar
o conteúdo de uma resolução parlamentar. Não seria possível sustentar a ilegalidade
desses actos que não respeitassem a resolução, uma vez que não é definida qualquer
relação de subordinação. O mesmo se remete para os actos normativos e individuais da
Administração.
Conclui-se, assim, que as normas pormenorizadas da declaração podem operar como
recomendações de ordem política, mas não são regras juridicamente vinculantes do
legislador ou da Administração Pública.
Se a AR não estiver disponível para autorizar a declaração, esta autorização é dada pela
respectiva Comissão Permanente. Antes de ser publicada, a declaração carece ainda de
referenda ministrial. Só depois disto poderá esta ser publicada em Diário da República,
sendo esse facto condição necessária para a sua eficácia.

A Administração Pública supõe a edição de normas gerais e abstractas que regulam as


relações jurídicas administrativas – regulamentos administrativos. O CTA define assim
regulamentos administrativos como “as normas jurídicas gerais e abstractas que, no
exercício de poderes administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”. Esta
definição implica três atributos constitutivos:
o Elemento substancial – “as normas jurídicas gerais e abstractas” – daqui resulta
que há em D.Público normas jurídicas sem carácter geral e abstracto; entende-
se também que os actos administrativos gerais ou os regulamentos desprovidos
de acção permanente não são regulamentos para efeitos da aplicação do CPA.
Elemento funcional – são normas produzidas “no exercício de poderes
administrativos” – os poderes funcionais de autoridade têm aqui capacidade
para produzir normas regulamentares, que se distinguem das outras categorias
normativas. Disto resulta que, por exemplo, podendo o Governo e as
assembleias legislativas aprovar normas regulamentares, as das assembleias são
diferentes das do Governo, uma vez que resultam de uma actividade
administrativa, secundária e subordinada à atividade legislativa levada a cabo,
neste caso, pelo Governo.
Atributo consequencial no âmbito da eficácia – as normas regulamentares
visam “produzir efeitos jurídicos externos” – disto resulta que as que não o fazem,
como as normas regulamentares com eficácia restrita ao interior de uma pessoa
colectiva ou de um órgão da Administração, não são regulamentos para efeito
da aplicação do mesmo Código.

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Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

É definido no art 143º do Código do Procedimento Administrativo. É então na lei


prevista a existência de:
o Regulamentos independentes – necessitam, para serem editados, de uma lei
que defina a competência objectiva ou subjectiva para a sua emissão. Devem
assumir a forma de decreto regulamentar se forem aprovados pelo Governo4 e
subordinam-se à CRP.
o Regulamentos autónomos – são normas administrativas emitidas por órgãos
integrados na Administração autónoma que prossegue interesses próprios,
como é o caso das autarquias ou das universidades.
o Regulamentos de execução – limitam-se a complementar ou a concretizar
normas legais.

Se dissermos que a norma jurídica é norma interpretada, diríamos também que a


actividade jurisdicional seria sempre normativa. No entanto, as decisões jurisdicionais
limitam-se a aplicar a lei a um caso concreto, não sendo assim actos normativos.
Resultam da interpretação e aplicação de critérios decisórios produzidos por órgãos não
jurisdicionais.
Entre 1926 e 1995, os Assentos do STJ tentaram uniformizar as diferenças que havia
entre julgamentos, através de uma decisão com força obrigatória geral, sob a forma de
uma norma jurisprudencial. Esta fixava um critério de decisão fundado numa
interpretação vinculante do sentido do acto legislativo. Foi, no entanto, declarada
inconstitucional por violação do art 112º, nº 5 CRP. Disso resultou a revogação do
instituto dos assentos do Código Civil.
Apesar disso, existem manifestações normativas por parte dos tribunais,
nomeadamente na integração de lacunas, o que implica a criação de uma norma singular
para suprimir esse vazio. No entanto, esta norma esgota-se naquele caso concreto, pelo
que a normatividade é circunscrita. A norma não tem força obrigatória geral.
Há também certas decisões do Tribunal Constitucional que assumem carácter
normativo, derivado da lei ou da CRP, quando extraem o sentido normativo que nelas
existe. É o caso das decisões de interpretação conforme à Constituição e das sentenças
aditivas, em que ao ser julgada a inconstitucionalidade parcial de uma norma juntam à
parte correcta um princípio ou norma constitucional, assegurando assim a sua
conformidade com a Constituição.
A Constituição não admite regulamentos delegados – normas administrativas que
derroguem, integrem ou interpretem actos legislativos, dado que isso é proibido pelo
princípio da tipicidade da lei.

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Disto decorre que todas as normas regulamentares que sejam emitidas pelo Governo e não tenham
forma de decretos regulamentares são tidas como inconstitucionais

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Ano 1,TA, ST7
Patrícia Vogado Silva

O direito da UE é a fonte formal das normas comunitárias que constituem o Direito


Comparado. O direito institucional integra não só os tratados que instituíram as
Comunidades Europeias e a União Europeia, mas também os tratados que
posteriormente os modificaram. Falamos, assim, do Tratado de Roma e dos posteriores
Tratado de Maastricht, Amsterdão, Nice e Tratado de Lisboa (2009). Estes tratados
(neste caso o de Lisboa por ser o mais actual) vigoram na ordem interna dos Estados.
Os tratados institutivos da UE preveem a existência de actos jurídicos unilaterais criados
pelos órgãos da União, com conteúdo normativo e não normativo.
No art 288º do Tratado de Lisboa estão previstos três actos jurídicos unilaterais: as
directivas, os regulamentos e as decisões. Estes actos têm carácter vinculativo perante
os Estados-membros.
o Directivas – normas que vinculam os Estados quanto ao resultado a alcançar,
deixando liberdade para que cada um escolha e afecte os seus meios à
prossecução desse fim. Têm como destinatários imediatos os órgãos dos
Estados-membros que as devem complementar, estando todo o processo
vinculado aos objectivos fixados na directiva. A directiva não produzirá efeitos
directamente junto dos cidadãos.
o Regulamento da União – norma jurídica directamente aplicável em todos os
Estados-membros, obrigatória em todo o seu conteúdo (do qual resulta a sua
supremacia face ao direito ordinário dos Estados e até em certos casos sobre as
normas constitucionais que não integrem princípios estruturantes desse Estado).
É um acto normativo, dado o seu carácter geral. Os seus destinatários imediatos
são não só os Estados-membros mas também todos os órgãos da União. Este não
carece de transposição para a ordem jurídica de cada Estado, como acontecia
com a directiva, dado que goza de aplicabilidade directa na ordem jurídica dos
Estados-membros.
o Decisões – actos não normativos que, nos termos do art 288º do Tratado de
Lisboa, têm carácter obrigatório em todos os seus elementos para os
destinatários que designar. Tem então um regime idêntico ao dos regulamentos,
relativamente à sua aplicabilidade directa e efeitos direitos.

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