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Referência: DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.

35ª
edição. Rio de Janeiro: Forense, 2022;

1
O DIREITO ADMINISTRATIVO

1. Formação do Direito Administrativo


Como ramo autônomo, o Direito Administrativo nasceu entre o final
do século XVIII e o começo do século XIX, com a Lei 28 do Pluviose do
ano de 1800, responsável por organizar, pela primeira vez, a Administração
Pública, juridicamente garantida e exteriormente obrigatória. Antes disso,
se enquadrava, como outras normas pertencentes, hoje, a outros ramos, ao
jus civile, sem princípios que lhe conferissem autonomia.
As suas normas eram esparsas¹ e, além disso, tratavam somente de
temas relativos ao “funcionamento da Administração Pública, à competência
de seus órgãos, aos poderes do Fisco, à utilização, pelo povo, de algumas
modalidades de bens públicos, à servidão pública”.
O direito administrativo não encontrou ambiente propício na Idade
Média para desenvolver-se, uma vez que era a época das monarquias
absolutas, sistema de governo no qual pertencia ao soberano todo o poder,
que era ilimitado. Por consequência, havia um ilimitado poder para
administrar, com o rei não podendo ser submetido aos tribunais, visto que
seus atos se colocavam acima de qualquer ordenamento jurídico. Os
tribunais não eram, além disso, independentes, uma vez que, em uma
primeira fase, o rei decidia os conflitos entre os particulares e, em uma fase
posterior, as funções judicantes foram delegadas a um conselho subordinado
ao soberano. Como resultado, formulou-se a teoria da irresponsabilidade do
Estado, que continuou a ter aplicação em alguns Estados modernos.
Apesar disso, haviam, durante a Idade Média, algumas obras,
especialmente dos séculos XIII e XIV, que apontavam para o surgimento dos
atuais direito constitucional, administrativo e fiscal, como o Liber
Constitutionis, publicado pelo parlamento de Melfi em 1231.
A formação do direito administrativo como ramo autônomo, bem
como de outros ramos do direito público, ocorreu junto ao chamado Estado
de Direito, estruturado sobre o princípio da legalidade e o princípio da
separação de poderes. Disso decorre a afirmação de que o direito
administrativo é resultado das revoluções que derrubaram o Ancién Regime
no final do século XVIII, período em que se cogitou a possibilidade de
haverem normas que delimitassem a atuação dos governantes, as suas
relações entre si e, sobretudo, com os governados. Alguns vão até o ponto de
afirmarem que o direito administrativo só existe realmente nos países que
adotaram os princípios defendidos por tais revoluções, assertiva que não se
figura verdadeira na medida em que há o entendimento de que o direito
administrativo possuiu desenvolvimento e origem diversos em vários países,
sem, contudo, deixar de ser direito administrativo. Sobre isso, é importante
ressaltar que, por ter desenvolvimento diferente, o direito administrativo
pode ter um desenvolvimento maior ou menor, com o menor significando
uma maior aplicação do direito privado nas relações jurídicas.
Em verdade, também o conteúdo do direito administrativo varia no
tempo e no espaço, a depender do tipo de Estado adotado.
No Estado de Polícia, em que há tão somente a finalidade de assegurar
a ordem pública, o objeto do direito administrativo é menor amplo, porque
menor é a interferência estatal no domínio da atividade privada.
O Estado Social é mais atuante, havendo o desenvolvimento de
inúmeras atividades na área da saúde, educação, previdência social, sempre,
além da tarefa de manter a ordem pública, com o objetivo de promover o
bem-estar coletivo. Nesse caso, o direito administrativo amplia o seu
conteúdo, porque cresce a máquina estatal e, em seguida, o campo de
incidência da burocracia administrativa e o conceito de serviço público.
“Além disso, a substituição do Estado liberal, baseado na liberdade de
iniciativa, pelo Estado-Providência ampliou, em muito, a atuação estatal no
domínio econômico, criando novos instrumentos de ação do poder público,
quer para disciplinar e fiscalizar a iniciativa privada, com base no poder de
polícia do Estado, quer para exercer atividade econômica, diretamente, na
qualidade de empresário”.
A partir disso, ampliou-se o conteúdo do direito administrativo ao
ponto de se poder falar-se em direito econômico, novo ramo baseado, de um
lado, em normas de direito público e, do outro, de direito privado.
No Brasil, começou-se falar em Direito Administrativo como
disciplina obrigatória a partir do Decreto Imperial 608 de 1851, algo que
ocorreu, no mundo, pela primeira vez na Universidade de Paris, França.

2. Fundamentos filosóficos e constitucionais do Direito


Administrativo
Alguns defendem a origem autoritária do direito administrativo, que,
nessa visão, serviria aos interesses econômicos e políticos da burguesia. A
teoria da puissance publique (autoridades públicas, em tradução livre),
sistematizada por Maurice Hauriou, defende que o critério definidor do
direito administrativo é a existência de prerrogativas e privilégios do Estado
frente ao particular, “(...) as quais, então, foram nominadas de ‘exorbitantes’,
isto é, que exorbitavam dos direitos e faculdades que se reconheciam aos
particulares em suas recíprocas relações”. Desse modo, o particular, inserido
em uma posição de verticalidade e desigualdade, tem seus interesses
minimizados para que, com base no bem-estar coletivo, o interesse estatal
prevaleça.
Assim, paradoxalmente, o Estado de Direito, ao mesmo tempo que
preocupado com a liberdade e igualdade de todos, delegou, mediante o
Direito Administrativo, prerrogativas e privilégios ao Estado de que nenhum
particular poderia, por lei, dispor. Esse caráter autoritário foi, contudo,
abrandado por princípios que versavam sobre liberdades individuais,
delimitadoras do atuação do Estado.
“O Direito Administrativo, desde as origens, caracterizou-se pelo
binômio prerrogativas (que protegem a autoridade) e sujeições (que
protegem os direitos individuais perante os excessos do poder)”.
Houveram, é claro, alguns períodos em que a balança pendeu mais
para um lado do que para o outro. Foi o caso da fase da justiça rétenue
(justiça retida), em que o contencioso administrativo estava vinculado ao
imperador, visto como um administrador-juiz. Nessa fase, prevaleceram as
prerrogativas públicas. No Estado de Direito, por seu lado, entrou-se na fase
da justice déléguée (justiça delegada), em que a decisão dada pelo juiz passa
a ser definitiva, cenário em que prevaleceram os direitos individuais.
Segundo José Eduardo Faria, “equilíbrio entre poderes e representação
política, certeza jurídica e garantia dos direitos individuais,
constitucionalidade e legalidade, hierarquia das leis e distinção entre atos de
império e atos de gestão, autonomia da vontade e liberdade contratual – eis
alguns dos princípios básicos em torno dos quais o Estado Liberal se
desenvolveu”. Por consequência, evoluiu também o Direito Administrativo
com base nesses postulados.
A conclusão, a que chegou, por exemplo, Miguel Reale, é a de que,
embora inicialmente vinculado aos interesses políticos e econômicos dos
burgueses, – que tende a conservar o poder, de um lado, contra as antigas
classes detentoras do poder e, de outro, contra as classes subalternas que
podem vir a tentar capturá-lo –, o Direito Administrativo transcendeu esses
objetivos, incorporando princípios como o da legalidade, da justicialidade e
do interesse público, o último porque incumbe ao Estado a defesa dos
interesses coletivos. “O Direito Administrativo se constitucionalizou, se
humanizou, se democratizou”.
Por isso, não é possível concordar com a origem autoritária do Direito
Administrativo, uma vez que tal afirmativa nega a sua constitucionalização.
Hoje, em um Estado Democrático de Direito, a administração não pode
conceber as suas prerrogativas senão para o seu dever de defender os
interesses públicos e prestar contas, e os administrados, plenos cidadãos e
não mais vassalos, não podem separar seus direitos de seus deveres para com
o interesse público.
Portanto, as bases filosóficas do Direito Administrativo acompanham
também sua ligação e evolução com o Estado de Direito, de modo que, hoje,
de base essencialmente constitucional, o Direito Administrativo segue os
ideais da dignidade da pessoa humana, de participação, de transparência, de
exigência de motivação, de processualização e de controle social – os quais
são, ao mesmo tempo, os seus fundamentos filosóficos e constitucionais.

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3. A expressão administração pública


Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, a Administração Pública é
o conjunto de entes que exercem a atividade administrativa, compreendendo-
se as pessoas jurídicas, os órgãos e os agentes públicos incumbidos de
exercer a função administrativa.
Em sentido objetivo, material ou funcional, a Administração Pública
é a própria atividade exercida pelos agentes. É, nesse sentido, a função
administrativa exercida, predominantemente, pelo Poder Executivo.
Em sentindo amplo, a Administração Pública, subjetivamente
considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos,
constitucionais, aos quais incumbe traçar os planos de ação, direção,
comando, como também os órgãos administrativos, subordinados,
dependentes, aos quais compete executar os planos governamentais. Ainda
em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração
Pública compreende a função política, que traça as diretrizes
governamentais, e a função administrativa, que as executa.
Em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o
aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo,
apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos
governamentais e, no segundo, a função política.
4. Aspecto objetivo
Para entender a distinção entre Administração Pública estritamente
considerada e Governo, é necessária a pontuação das diferenças entre as
funções legislativa, executiva e jurisdicional do Estado. A legislativa
estabelece regras gerais e abstratas, chamadas leis; a judiciária, que aplica as
leis, atua mediante solução de conflitos de interesses, quando as partes não
o fazem espontaneamente; e a executiva, também responsável por aplicar as
leis ao caso concreto, atua mediante atos concretos voltados para a realização
dos fins estatais, de satisfação das necessidades coletivas.
Renato Alessi, que defende que há emanação de atos de produção
científica nas três funções, entendidos como atos que introduzem
modificações em relação a uma situação jurídica anterior, aponta as
seguintes características que as diferenciam:
I. a legislação é ato de produção jurídica primário, fundado
única e diretamente no poder soberano, e pelo qual o Estado
regula relações, permanecendo acima e nas suas margens;
II. a jurisdição é ato de produção jurídica subsidiário do ato
primário, em que também o órgão estatal permanece acima
e à margem das relações;
III. a administração é ato de produção jurídica complementar,
em aplicação concreta do ato de produção jurídica primário
contido na lei, pelo qual o Estado atua como parte das
relações, tal como ocorre nas relações de direito privado.
Em relação a esse último ponto, a diferença, se tratando da
Administração Pública, é a de que o órgão estatal tem o poder de influir na
esfera de interesses de terceiros por meio de decisões unilaterais,
posicionando-se de modo superior, privilégio tal a que o particular não tem
acesso.
A essa distinção das funções feita por Renato Alessi, pode-se
acrescentar, em relação às duas últimas funções, que a jurisdição atua
mediante provocação da parte interessada, que a exerce somente quando não
há o cumprimento espontâneo da lei pela outra parte. A administração,
diferentemente, atua de modo independente de provocação, para que o
comando legal seja cumprido e os fins estatais, alcançados.
Os atos de produção jurídica complementares não são apenas
observados na função administrativa. Podem, ainda, ser encontrados na
função política ou de governo, que “implica uma atividade de ordem superior
referida à direção suprema e geral do Estado, em seu conjunto e em sua
unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as
diretrizes para as outras funções, buscando a unidade da soberania estatal”.
Basicamente, a função política envolve atividades colegislativas e de
direção, ao passo que a função administrativa compreende o serviço público,
a intervenção, o fomento e a polícia.
Pontue-se, além disso, que os atos emanados no exercício da função
política não podem ser apreciados pelo Poder Judiciário, desde que
exclusivamente políticos e que não afetem direitos subjetivos ou difusos. São
atos políticos a convocação extraordinária do Congresso Nacional, a
nomeação de Comissões Parlamentares de Inquérito, as nomeações de
Ministros de Estado, as relações com Estados estrangeiros, a declaração de
guerra e de paz, a permissão para que forças estrangeiras transitem pelo
território do Estado, a declaração de estado de sítio e de emergência, a
intervenção federal nos Estados.
“Além disso, podem ser assim considerados os atos decisórios que
implicam a fixação de metas, de diretrizes ou de planos governamentais.
Estes se inserem na função política do Governo e serão executados pela
Administração Pública (em sentido estrito), no exercício da função
administrativa propriamente dita”.

5. Aspecto subjetivo
Vistas as três funções e, paralelamente a estas, a função política ou de
governo, é necessário verificar como se distribuem entre os três Poderes do
Estado.
A Constituição não confere uma separação absoluta dos Poderes, mas
a independência e harmonia entre si. Lega, apesar disso, atribuições
predominantes a cada um dos Poderes, de modo que cada um recebe
predominantemente uma das três funções, com algumas interferências, num
sistema de freios e contrapesos. Assim é que os Poderes Legislativo e
Judiciário, além de suas funções precípuas/principais de legislar e julgar,
exercem também funções administrativas na gestão de seus bens e pessoal,
bem como nas decorrentes dos poderes hierárquico e disciplinar sobre os
respectivos servidores.
O Executivo participa da função legislativa quando dá inicio a projetos
de lei, veta projetos aprovados pela Assembleia, adota medidas provisórias,
com força de lei, ou elabora leis delegadas.
As medidas provisórias são previstas no artigo 62 da Constituição, que
diz que, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá
adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de
imediato ao Congresso Nacional. É, contudo, vedada a edição de medidas
provisórias sobre matéria relativa a nacionalidade, cidadania, direitos
políticos, partidos políticos, direito eleitoral, direito penal, processual penal,
processual civil, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público
e/ou a carreira e a garantia de seus membros, planos plurianuais, diretrizes
orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, detenção ou
sequestro de bens, matéria reservada a lei complementar poupança popular
ou qualquer outro ativo financeiro.
Já as leis delegadas são, de acordo com o artigo 68 da CF, elaboradas
pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso
Nacional. Não serão, todavia, objeto de delegação os atos de competência
exclusiva do Congresso Nacional, de competência privativa da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar,
nem a legislação sobre organização do Poder Judiciário e do Ministério
Público ou a carreira e a garantia de seus membros, nacionalidade, cidadania,
direitos individuais, políticos e eleitorais, planos plurianuais, diretrizes
orçamentárias e orçamentos.
O Legislativo exerce algumas funções judicantes, como quando
processa e julga o Presidente da República por crime de responsabilidade,
bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aquele.
Exerce-as, ainda, quando processa e julga os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional do Ministério Público, o Procurador Geral da República e o
Advogado Geral da União nos crimes de responsabilidade (art. 52, incisos I
e II, da CF).
A função política é repartida entre o Executivo e Legislativo, com
preponderância do primeiro. No Executivo, isso ocorre pela concentração de
poderes nas mãos do Presidente da República e pela elaboração das diretrizes
e planos de governo, bem como quanto ao comando deste último. O
Legislativo, quando grande parte das iniciativas do Executivo devem ser,
prévia ou posteriormente, aprovadas pelo Congresso Nacional.
Já o Poder Judiciário tem pouca influência nas decisões políticas do
Governo, restringindo-se ao seu papel de controle, sempre dependente de
provocação.

6. Administração Pública em sentido estrito


Para além da ideia de Administração Pública em sentido amplo, que
abrange, em sentido subjetivo, os órgãos governamentais (Governo) e os
órgãos administrativos (Administração Pública em sentido estrito e próprio),
e, em sentido objetivo, a função política e a administrativa, tratar-se-á, agora,
apenas da Administração Pública em sentido estrito, que compreende:
I. em sentido subjetivo, as pessoas jurídicas, órgãos e agentes
públicos que exercem a função administrativa;
II. em sentido objetivo, a atividade administrativa exercida por
aqueles entes.
“Nesses dois sentidos, a Administração Pública é objeto do estudo do
direito administrativo; o Governo e a função política são mais objeto do
Direito Constitucional”.

7. Administração Pública em sentido objetivo


Em sentido objetivo, a Administração Pública compreende as próprias
atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de
atender concretamente às necessidades coletivas. Corresponde, assim, à
função administrativa, atribuída e exercida predominantemente pelos órgãos
do Poder Executivo.
Nesse sentido a Administração Pública abrange o fomento, a polícia
administrativa e o serviço público. Alguns autores falam em intervenção
como quarta modalidade, enquanto outros a consideram como espécie de
fomento.
Há, também, quem inclua a regulação econômico-social como função
administrativa, caso de Marçal Justen Filho, para quem essa modalidade
“consiste na atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos
sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para
implementar as políticas de governo”. Um pouco além, afirma que a
regulação é tanto a função administrativa como a legislativa, jurisdicional e
de controle.
Para Maria Sylvia, a regulação envolve uma parcela de cada uma das
funções administrativas (polícia administrativa, intervenção e fomento),
como, aliás, decorre do próprio pensamento de Marçal. Nessas outras
funções administrativas, também estão presentes a normativa e a de controle.
O fomento abrange a atividade administrativa de incentivo à iniciativa
privada de utilidade pública. As seguintes atividades, indicadas por Fernando
Andrade de Oliveira, são de fomento:
a) auxílio financeiro ou subvenções, por conta dos orçamentos
públicos;
b) financiamento, sob condições especiais, para a construção de hotéis
e outras obras ligadas ao desenvolvimento do turismo, para a
organização e o funcionamento de indústrias relacionadas com a
construção civil, que visem a produção alargada de materiais
aplicáveis da edificação de residências populares, concorrendo
para seu barateamento;
c) favores fiscais que estimulam atividades consideradas
particularmente benéficas ao processo material do país;
d) desapropriações que favoreçam entidades privadas sem fins
lucrativos, que realizem atividades úteis à coletividade, como os
clubes desportivos e as instituições beneficentes.
“Trata-se de elenco meramente exemplificativo, já que outras
modalidades de fomento são previstas em lei, como ocorre nas parcerias com
as Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (Oscips), além de outras entidades do terceiro setor (...).
Muitas vezes, o fomento abrange o repasse de verbas orçamentárias, a cessão
de servidores públicos, a permissão para utilização de bens públicos, entre
outras modalidades”.
A polícia administrativa executa as chamadas limitações
administrativas, que são restrições em benefício do interesse coletivo.
Compreende medidas de polícia, ordens, notificações, licenças,
autorizações, fiscalização e sanções.
Serviço público é toda atividade, essencial ou relevante, que a
Administração executa, direta ou indiretamente, para satisfazer à
necessidade coletiva, sob regime predominantemente público. São exemplos
os previstos pelo artigo 21 da CF, em que estão incluídos as instalações de
energia elétrica e aproveitamento energético, os serviços de
telecomunicações, navegação aérea, aeroespacial e transporte ferroviário.
A intervenção abrange a regulamentação e fiscalização da atividade
econômica de natureza privada (intervenção indireta), assim como a atuação
direta do Estado no domínio econômico (intervenção direta), especialmente
por meio de estatais, segundo as normas do direito privado. No segundo caso,
conforme o artigo 173 da CF, o Estado opera segundo as normas de direito
privado, mas com derrogações impostas por outras normas constitucionais,
como as relacionadas à fiscalização financeira e orçamentária (artigo 70).
Para Maria Sylvia, a função administrativa é apenas a atividade total
ou predominantemente sujeita ao direito público. Dessa forma, a intervenção
constitui função administrativa. Trata-se, de acordo com a autora, de uma
atividade privada, que o Estado exerce em regime de monopólio ou em
regime de competição com o particular, conforme o determine o interesse
público ou as razões de segurança (artigo 173 da CF). Tratam-se, de acordo
com Celso Antônio de Mello, de “serviços governamentais”.
A regulação é atividade que envolve o poder normativo (função
atípica) da Administração Pública, polícia, fomento e intervenção,
concentradas nas agências reguladoras, ainda que nem todas tenham essa
denominação. Assim, melhor definir dizendo que tais atribuições se
concentram em um mesmo ente.
Em sentido objetivo, a Administração Pública possui as seguintes
características:
a) é uma atividade concreta, no sentido de que executa a vontade do
Estado contida na lei;
b) visa a satisfação direta e imediata dos fins do Estado;
c) o seu regime jurídico é predominantemente de direito público, embora
possa também submeter-se a regime de direito privado, parcialmente
derrogado por normas de direito público.
“Assim, em sentido material ou objetivo, a Administração Pública
pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado
desenvolve, sob regime jurídico total ou parcialmente público, para a
consecução dos interesses coletivos” (p. 220).

8. Administração pública em sentido estrito


Considerando os sujeitos que exercem a função administrativa, a
Administração Pública abrange todos os entes aos quais a lei atribui o seu
exercício.
A função administrativa é predominantemente exercida pelos órgãos
do Poder Executivo. Apesar disso, por o regime constitucional adotar o
princípio da especialização das funções no lugar do princípio da separação
absoluta, os demais Poderes do Estado também a exercem, em parte por
órgãos administrativos existentes entre os Poderes Legislativo e o Judiciário
(as chamadas Secretarias) e, em parte, pelos próprios parlamentares e
magistrados. Os parlamentares a exercem por meio das leis com efeito
concreto, que são leis apenas em sentido formal, porque emanam do
Legislativo e obedecem ao processo de elaboração das leis, sendo, contudo,
verdadeiros atos administrativos quanto ao seu conteúdo. Os magistrados,
por meio de atos de natureza disciplinar, atos de provimento de seus cargos,
atos relativos à situação funcional dos integrantes do Poder Judiciário.
“Assim, compõem a Administração Pública, em sentido subjetivo,
todos os órgãos integrantes das pessoas jurídicas políticas (União, Estados,
Municípios e Distrito Federal), aos quais a lei confere o exercício de funções
administrativas. São os órgãos da Administração Direta do Estado” (p. 221).
Quando, porém, a lei opta pela execução indireta da atividade
administrativa, transferindo-a a pessoas jurídicas com personalidade de
direito público ou privado, tem-se a chamada Administração Indireta do
Estado.
“Desse modo, pode-se definir a Administração Pública, em sentido
subjetivo, como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei
atribui o exercício da função administrativa do Estado” (p. 222).
A enumeração legal dos entes que, subjetivamente, compõem a
Administração Pública, instituída no artigo 4° do Decreto-Lei n° 200 de 67,
com a redação dada pela Lei n° 7.596, determina que a Administração
Federal compreende:
a) a administração direta, que se constitui dos serviços integrados na
estrutura administrativa da Presidência da República e dos
Ministérios;
b) a administração indireta, que compreende autarquias, empresas
públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas, todas
dotadas de personalidade jurídica própria.
Esse decreto-lei é aplicável somente à União. Apesar disso, contém
conceitos, princípios que, com algumas ressalvas, se incorporam aos Estados
e Municípios, que admitem as mesmas entidades da Administração Indireta,
também chamada de Administração Descentralizada.
Por último, hoje também compõem a Administração Indireta os
consórcios públicos, disciplinados pela Lei n° 11.107.

3
REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

9. Regime público e privado na administração pública


A Administração Pública pode submetem-se a regime jurídico de
direito privado ou a regime jurídico de direito público, opção que é feita, em
regra, pela Constituição ou pela lei. Como exemplo, o art. 173, §1°, da
Constituição, prevê que as empresas públicas, as sociedades de economia
mista e suas subsidiárias que exploram atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços sujeitam-se ao regime
jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Nesse caso, não
deixou a Constituição outra opção que não a adoção, por parte de entidades
que desempenham atividade econômica, do regime de direito privado.
Já o art. 175, que outorga ao Poder Público a incumbência de prestar
serviços públicos, deixou à lei a opção de adotar o regime jurídico de direito
privado ou de direito ou público. Isso não significa que a Administração
Pública não participe da decisão, o fazendo na medida em que, tendo o Poder
Executivo grande parcela das decisões políticas, dá início ao processo
legislativo que resultará na promulgação da lei contendo a decisão
governamental.
“O que não pode é a Administração Pública, por ato próprio, de
natureza administrativa, optar por um regime jurídico não autorizado em lei;
isto em decorrência da sua vinculação ao princípio da legalidade”.
As hipóteses em que a Administração Pública pode atuar sob regime
de direito privado são, no geral, feitas pelo próprio legislador, como ocorre
com as pessoas jurídicas, contratos e bens de domínio privado do Estado.
Como regra, aplica-se o direito privado no silêncio da norma de direito
público.
É importante salientar que, quando emprega modelos privados, a
Administração nunca se submete integralmente ou totalmente ao direito
privado, ainda que, às vezes, se nivele ao particular, até chegando a não
exercer sobre ele qualquer prerrogativa de Poder Público. Não deixa,
contudo, de se vestir de certos privilégios, como o juízo privativo, a
prescrição quinquenal, o processo especial de execução, a
impenhorabilidade de seus bens, bem como nunca deixa de se submeter a
restrições relativas à competência, finalidade, motivo, forma, procedimento,
publicidade. Outras vezes, mesmo utilizando o direito privado, a
Administração conserva algumas de suas prerrogativas, na medida
necessária para adequar o meio utilizado ao fim ou lixo a cuja consecução se
vincula por lei.

10. Regime jurídico-administrativo


Ao passo que a expressão regime jurídico da Administração Pública
é utilizada para designar, em sentido amplo, os regimes de direito público e
de direito priva a que pode submetem-se a Administração Pública, a
expressão regime jurídico-administrativo é reservada ao conjunto de traços
e conotações que tipificam o Direito Administrativo, colocando a
Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação
jurídico-administrativa.
“Basicamente, pode-se dizer que o regime administrativo se resume a
duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições”.
Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se a Administração Pública à
observância da lei e do direito, incluindo princípios e valores previsto
explícita e implicitamente na Constituição. São, portanto, sujeições por meio
da aplicação, do direito público, do princípio da legalidade.
Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, importante
para que alcance os fins a que a lei a incumbiu, são-lhe outorgados
prerrogativas e privilégios que permitem que a supremacia do princípio do
interesse público sobre o particular seja assegurada.
Alguns desses privilégios ou prerrogativas, de que não gozam os
particulares, tais como a autoexecutariedade, a autotutela, o poder de
expropriar, o de requisitar bens e serviços, o de ocupar temporariamente o
imóvel alheio, o de instituir servidão, o de aplicar sanções administrativas, o
de alterar e rescindir unilateralmente os contratos, o de impor medidas de
polícia, bem como privilégios como a imunidade tributária, prazos dilatados
em juízo, juízo privativo, processo especial de execução, presunção de
veracidade de seus atos.
Ao lado das prerrogativas, algumas restrições a que está sujeita a
Administração Pública, sob pena de nulidade do ato administrativo e, em
alguns casos, até mesmo de responsabilização da autoridade que o editou,
com desvio de poder, são a observação da finalidade pública, assim como os
princípios da moralidade administrativa, da legalidade, da obrigatoriedade
de dar publicidade aos atos administrativos, a sujeição à realização de
concursos para seleção de pessoal e de concorrência pública para a
elaboração de acordos com particulares.
Assim, o conjunto das prerrogativas e restrições, muitas previstas sob
a forma de princípios, a que está sujeita a Administração e que não se
encontram nas relações entre particulares, constitui o regime jurídico
administrativo.

11. Reflexos da LINDB sobre o Direito Administrativo


A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n°
4.657) contém normas que se inserem na teoria geral do direito, sendo, por
isso mesmo, aplicada a todos os ramos do direito, público e privado.
A partir de sua alteração pela Lei n° 13.655 (regulamentada pelo
Decreto n° 9.830), foram introduzidos novos dispositivos que se inserem,
mais especificamente, no âmbito do direito administrativo. Tais alterações,
que reforçam a exigência de determinados princípios já previstos na
Constituição e em leis infraconstitucionais, são, em especial, os da segurança
jurídica, da motivação, da proporcionalidade, da consensualidade, da
transparência, da participação, da eficiência e do interesse público. Além
disso, o dispositivo prevê a responsabilização do agente público pelas
decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
A proteção à segurança jurídica parece constituir o grande objetivo da
lei, constante já do seu preâmbulo, que diz ser a função da lei a inserção, na
LINDB, de disposições sobre segurança jurídica e eficiência. Revela-se
também na norma do artigo 23, pelo qual “a decisão administrativa,
controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova
sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo
condicionamento de direito, deverá prever regime de transição, quando
indispensável para que o novo dever ou novo condicionamento de direito
seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo
aos novos interesses gerais”.
Essa transição, segundo art. 7° do Regulamento (Decreto n° 9.830),
quando cabível, preverá:
a) os órgãos, as entidades da administração pública e os terceiros
destinatários;
b) as medidas administrativas a serem observadas para adequação à
interpretação ou à nova orientação sobre norma de conteúdo
administrativo;
c) o prazo e o modo para que o novo dever ou novo condicionamento de
direito seja cumprido.
Além disso, também em nome da segurança jurídica, o artigo 24 veda
a retroação de nova orientação geral, reforçando norma já contida no art. 2°,
parágrafo único, inciso XIII, da Lei n° 9.784 (Lei de Processo Administrativo
Federal), que veda a aplicação retroativa de nova interpretação, sendo de
aplicação obrigatória nos processos administrativos. O art. 24 da Lei de
Introdução às Normas de Direito Brasileiro, de efeito mais amplo, porque
voltado para as esfera administrativa, controladora e judicial, institui que, ao
ser revista a validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa, levar-se-á em conta as orientações gerais da época, sendo
vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se
declarem inválidas situações plenamente constituídas. Trata-se de hipótese
em que a invalidação de ato ou contrato da administração não deve retroagir,
isto é, situações cujos efeitos já produzidos por ato ilícito devem ser
respeitados, em nome da segurança jurídica. O art. 5°, §1°, do Regulamento,
também veda que possa se declarar inválida situação plenamente constituída
devido a mudança posterior de orientação geral, não excluindo, contudo, a
possibilidade de suspensão de efeitos futuros de uma relação em curso.
Vale dizer que a mudança de orientação geral produz efeitos para o
futuro, não podendo servir de fundamento para a anulação de decisões
anteriores, adotadas com base em orientação geral então vigente.
“O parágrafo único do artigo 24, repetido no artigo 5º, § 3º, do
Regulamento, tem a cautela de definir o que se entende por ‘orientações
gerais’: são ‘as interpretações e especificações contidas em atos públicos de
caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa, e, ainda, as
adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento
público”.
O art. 24 protege, sem dúvida, o princípio da segurança jurídica, nos
aspectos:
a) objetivo, que diz respeito à estabilidade das relações jurídicas;
b) subjetivo, que protege a confiança legítima do administrado quanto à
validade dos atos emanados pelo Poder Público.
O princípio da motivação é reforçado com as normas dos artigos 20 e
21 da LINDB. O artigo 20 exige que, nas esferas administrativa, controladora
e judicial, não se decida com base em valores jurídicos abstratos sem que
sejam consideradas as consequências práticas da decisão. A motivação, de
acordo com seu parágrafo único, demonstrará a necessidade e a adequação
da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou
norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. Ainda,
institui o § 2° do artigo 3° do Regulamento que, na indicação das
consequências práticas da decisão, o decisor apresentará apenas aquelas
consequências práticas que, no exercício diligente de sua atuação, consiga
vislumbrar diante dos fatos e fundamentos de mérito e jurídicos.
“Nesse dispositivo combina-se o princípio da motivação com o da
proporcionalidade. Se existem duas ou mais alternativas, a motivação tem
que demonstrar que a medida adotada era realmente necessária e a mais
adequada diante das circunstâncias concretas que exigiam a decisão”.
Importante ressaltar que, conforme o art. 3°, §1°, do Regulamento, são
valores jurídicos abstratos aqueles previstos em normas jurídicas com auto
grau de indeterminação e abstração, como nos chamados conceitos jurídicos
indeterminados, que não têm um conteúdo preciso, em que se incluem os
princípios jurídicos em geral (moralidade, interesse público, eficiência,
dentre outros) ou vocábulos abertos, tal qual necessidade pública, interesse
social, urgência, notório saber, etc.
Cabe também observar que, de acordo com o Regulamento (Decreto
n° 9.830 de 2019), a decisão será motivada com a contextualização dos fatos,
quando cabível, e com a indicação dos fundamentos de mérito e jurídicos.
Essa previsão, que consta do seu artigo 2°, é complementada com o § 1°,
pelo qual a motivação da decisão conterá os seus fundamentos e apresentará
a congruência entre as normas e os fatos que a embasaram, de forma
argumentativa. Já os §§ 2° e 3° preveem que a motivação indicará as normas,
a interpretação jurídica, a jurisprudência ou a doutrina que a embasaram,
além de poder ser constituída por declaração de concordância com o
conteúdo de notas técnicas, pareceres, informações, decisões ou propostas
que procederam a decisão.
Proíbe, o artigo 21 da LINDB, que, nas esferas administrativa,
controladora e judicial, a decisão que decretar a invalidação de ato, contrato,
ajuste, processo ou norma administrativa o faça sem que indique, de modo
expresso, suas consequências jurídicas e administrativas. Já o seu parágrafo
único impõe que tal decisão deve, quando for o caso, indicar as condições
para que a regularização ocorra equânime e proporcionalmente, sem
prejudicar os interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos
ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais
ou excessivos. Há, com isso, a imposição da observância dos princípios da
proporcionalidade, motivação e interesse público.
O art. 4° do Regulamento, tratando ainda da motivação das
invalidações, permite a modulação dos efeitos da decisão, permitindo, diante
das consequências jurídicas, que os efeitos da declaração sejam restringidos
e/ou que se decida que sua eficácia se inicie em momento posteriormente
definido. Pelo seu §5°, a modulação dos efeitos da decisão buscará a
mitigação dos ônus ou das perdas dos administrados ou da administração
pública que sejam anormais ou excessivos em função das peculiaridade do
caso. Com isso, a administração pública recebe larga margem de
discricionariedade para modular os efeitos das decisões de invalidações, com
base no princípio da proporcionalidade, exigindo-se, ainda assim, rigorosa
motivação.
Também o artigo 22 exige motivação adequada que demonstre que, na
interpretação das normas sobre gestão pública, sejam considerados os
obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências de políticas
públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. Essa
norma, indo além da motivação, exige razoabilidade na interpretação das
normas, de tal modo que as imposições ao agente público levem em
consideração as dificuldades e os obstáculos que enfrenta na execução das
políticas públicas. Por exemplo, devem ser levadas em conta as limitações
financeiras e orçamentárias, inclusive a exigência das normas da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Para além do parágrafo único do artigo 20, anteriormente citado, a
proporcionalidade também é exigida pelos artigos 21, parágrafo único, e 22,
§§ 1°, 2° e 3°. No §1°, “em decisão sobre regularidade de conduta ou
validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão
consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou
condicionado a ação do agente”. Pelo §2°, “na aplicação de sanções, serão
consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que
dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou
atenuantes e os antecedentes do agente”. Como se verifica, o dispositivo
exige que a sanção seja devidamente motivada, com a indicação dos fatores
que foram levados em consideração para a escolha da penalidade cabível. Já
o §3°, especialmente relevante diante da sobreposição de instâncias
sancionadoras (punição, em relação a um mesmo fato, na esfera
administrativa, cível, de atuação do Tribunal de Contas, na esfera do CADE,
entre outras), exige que as sanções aplicadas ao agente sejam levadas em
conta na dosimetria das demais sanções da mesma natureza e relativas ao
mesmo fato. O objetivo é impedir a cumulatividade de sanções pela prática
da mesma infração.
Sobre a consensualidade, o art. 26 da LINDB institui que, para
eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na
aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a
autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for
o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante
interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a
legislação aplicável, sendo que o compromisso só produzirá efeitos a partir
de sua publicação oficial. O dispositivo permite que a autoridade
administrativa, ao invés de decidir unilateral e imperativamente, entre em
acordo com os interessados para corrigir a irregularidade, afastar a incerteza
jurídica e pôr fim ao litígio. Para isso, deve-se, porém, adotar determinadas
cautelas, como a oitiva do órgão jurídico, a realização de consulta pública,
quando prevista em lei ou for de interesse das partes, e o atendimento ao
interesse geral.
Embora, de forma predominante, tal compromisso expresse o
princípio da consensualidade, deve ser motivado na forma do artigo 2° do
Regulamento.
Além disso, o §1° do art. 26 impõe a observação de outros requisitos
para a celebração do compromisso:
a) deverá buscar solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e
compatível com os interesses gerais, isto é, a preocupação com os
princípios da proporcionalidade, eficiência e interesse público;
b) não poderá conferir desoneração/desobrigação permanente de dever
ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral,
impedindo-se soluções isoladas, que contrariem interpretação adotada
em caráter geral para situação semelhantes, o que, se ocorresse,
contrariaria o princípio da isonomia;
c) deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo e modo
para seu cumprimento, a forma de fiscalização quanto a sua
observância, os fundamentos de fato e de direito, a sua eficácia de
título executivo extrajudicial e as sanções aplicáveis em caso de
descumprindo, tendo em vista a eficácia do compromisso.
A lei deveria ter indicado quais as sanções cabíveis, diante da
impossibilidade de punição sem previsão legal. Percebe-se, além disso, que
o requisito da eficácia de título executivo extrajudicial é de legalidade
duvidosa, por não haver sua previsão legal, especialmente por não estar
contido nos documentos que têm força de título executivo extrajudicial que
estão previstos no art. 784 do CPC, bem como outras leis.
O Regulamento, no art. 11, prevê o termo de ajustamento de gestão,
medida não prevista na LINDB e que somente terá validade se tiver
fundamento em alguma norma legal. O termo de ajustamento de gestão,
firmado entre os agentes públicos e os órgãos de controle interno da
administração pública, tem a finalidade de “corrigir falhas apontadas em
ações de controle, aprimorar procedimentos, assegurar a continuidade da
execução do objeto, sempre que possível, e garantir o atendimento do
interesse geral”. A decisão de celebrar o termo deverá ser motivada e ele não
poderá ser celebrado com agente público que tenha agido com dolo ou erro
grosseiro, conforme dispõem os §§ 1° e 2° da mesma disposição
regulamentar.
“O artigo 27 da LINDB determina que: ‘A decisão do processo, nas
esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação
por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do
processo ou da conduta dos envolvidos’. Pelo § 1º: ‘A decisão sobre a
compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu
cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor’. E, pelo § 2º, ‘para prevenir
ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual
entre os envolvidos'. O dispositivo está reconhecendo que a decisão
administrativa ou a dos órgãos de controle, ainda que lícita, pode resultar em
benefícios indevidos, ou mesmo prejuízos anormais ou injustos, para uma
das partes. A norma enquadra-se no tema da responsabilidade civil e tem por
objetivo ‘evitar procedimentos contenciosos de ressarcimento de danos'
(conforme consta do artigo 9º do Regulamento). Nesse caso, é possível a
celebração de compromisso entre os envolvidos para regular a forma como
a compensação será feita. Mais uma vez, a tendência para o consenso, em
substituição às decisões unilaterais”.
O art. 28 da LINDB prevê que os órgãos de controle somente poderão
responsabilizar pessoalmente o agente público se a decisão ou opinião
técnica for emitida com dolo (intenção de praticar ato ilícito) ou erro
grosseiro. O erro grosseiro é aquele que não admite qualquer dúvida sobre
a sua ocorrência, como a aplicação de dispositivo legal já revogado ou
decisão que afronta súmula administrativa ou jurisprudencial de amplo
conhecimento na esfera administrativa ou que, conforme art. 12, §1°, do
Regulamento, “aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com
culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de
negligência, imprudência ou imperícia”. O objetivo da norma é o de impedir
que os órgãos de controle responsabilizem os agentes públicos por decisões
ou opiniões que sejam aceitáveis e defensáveis diante de divergências
doutrinárias ou jurisprudência sobre a mesma matéria, de que se entende que
a simples divergência de opinião em relação à adotada pelo órgão de controle
não pode servir de fundamento para a responsabilização do agente público.
Em complemento, de acordo com o § 2° do artigo 12, não será
configurado dolo ou erro grosseiro do agente público se não restar
comprovada, nos autos do processo de responsabilização, situação ou
circunstância fática capaz de caracterizar o dolo ou o erro grosseiro. Pelo §
3°, o mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não
implica responsabilização, exceto se comprovado o dolo ou o erro grosseiro
do agente público. O § 4°, por sua vez, institui que a complexidade da
matéria e das atribuições exercidas pelo agente público serão consideradas
em eventual responsabilização do agente público. Os §§ 5° e 7°, por fim,
determinam, respectivamente, que o montante de dano ao erário (conjunto
de bens e tesouros do Estado), ainda que expressivo, não poderá, por si só,
ser elemento caracterizados de erro grosseiro ou dolo e que, no exercício do
poder hierárquico, só responderá por culpa in vigilando (culpa por falta de
cautela ou atenção) aquele cuja omissão caracterizar erro grosseiro ou dolo.
De acordo com o artigo 17 do Regulamento, o disposto no artigo 12
não afasta a possibilidade de aplicação de sanções previstas em normas
disciplinares, inclusive nos casos de ação ou de omissão culposas de natureza
leve.
Quanto à análise da regularidade de decisão, o artigo 13 do
Regulamento prevê que a atuação de órgãos de controle privilegiará ações
de prevenção antes de processos sancionadora e que a eventual estimativa de
prejuízo causado ao erário não poderá ser considerada isolada e
exclusivamente como motivação para se concluir pela irregularidade de atos,
contratos, ajustes, processos ou normas administrativas.
O artigo 14 do Regulamento, aplicável somente à esfera da União,
determinou que, no âmbito do Poder Executivo Federal, o direito de regresso
previsto no §6° do artigo 37 da Constituição, somente poderá ser exercido
na hipótese de o agente público ter agido com dolo ou erro grosseiro em suas
decisões ou opiniões técnicas. Aqui, deve, de acordo com o mesmo
dispositivo, haver a observância aos princípios constitucionais da
proporcionalidade e da razoabilidade.
De modo a favorecer a participação do particular no controle social da
Administração Pública, o art. 29 da LINDB estabelece que “em qualquer
órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa,
salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta
pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio
eletrônico”. Pelo §1° do dispositivo, a convocação conterá a minuta
(rascunho) do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta
pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se
houver.
O dispositivo exige, ainda, que as manifestações dos interessados
sejam levadas em consideração pelo órgão que fez a consulta, exigindo-se
motivação quanto à aceitação ou rejeição das sugestões apresentadas em
relação ao projeto do ato normativo.
No capítulo que trata da segurança jurídica na aplicação das normas,
o Regulamento, em seu artigo 18, reforçando a LINDB, estabelece que a
edição de atos normativos por autoridade administrativa poderá ser
precedida de consulta pública para manifestação de interessados,
preferencialmente por meio eletrônico. Também essa decisão pela
convocação de consulta pública deve ser motivada.
Por fim, em relação à transparência, o artigo 24 do Regulamento prevê
que compete aos órgãos e às entidades da administração pública manter
atualizados, em seus sítios eletrônicos, as normas complementares, as
orientações normativas, as súmulas e os enunciados a que se referem os
artigos 19 e 23, anteriormente citados.

12. Princípios da Administração Pública


Os princípios são as proposições básicas, fundamentais, típicas que
condicionam todas as estruturações subsequentes. Esse é o conceito de José
Cretella Júnior.
Segundo o mesmo autor, os princípios classificam-se em:
a) onivalentes ou universais, comuns a todos os ramos do saber, como o
da identidade e o da razão suficiente;
b) plurivalentes ou regionais, comuns a um grupo de ciências,
informando-as nos aspectos em que se interpenetram, como o
princípio da causalidade, aplicável às ciências naturais;
c) monovalentes, que se referem a um só campo do conhecimento, como
os princípios gerais de direito;
d) setoriais, que informam um setor específico ou setores específicos em
que se divide determinada ciência;
“Desse modo, o Direito Administrativo está informado por
determinados princípios, alguns deles próprios também de outros ramos do
direito público e outros dele específicos e enquadrados como setoriais, na
classificação de Cretella Júnior”.
Os dois princípios fundamentais do Direito Administrativo, que
asseguram a liberdade do indivíduo e autoridade da Administração, são os
da legalidade e da supremacia do interesse público sobre o particular, que
não são específicos do Direito Administrativo, porque informam todos os
ramos do direito público; no entanto, são essenciais, porque, a partir deles,
constroem-se todos os demais.
A CF/88 faz menção expressa a alguns princípios a que se submete a
Administração Pública Direta e Indireta, a saber, os princípios da legalidade,
da impessoalidade, da moralidade administrativa, da publicidade e eficiência
(art. 37, caput), aos quais a Constituição do Estado de São Paulo acrescentou
os da razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.
A Lei n° 9.784 (Lei do Processo Administrativo Federal), no art. 2°,
faz referência aos princípios da legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Além disso, outras leis esparsas fazem expressa referência a princípios
específicos de determinados processos, tais como a Lei n° 8.666, a Lei n°
14.133 (nova Lei de Licitações), e com a Lei n° 8.987, que disciplina a
concessão e permissão de serviço público.
Salvo alguns princípios específicos de determinados processos, serão
analisados a seguir os demais princípios constitucionais e os legais já
referidos, além de alguns implícitos no modelo de Estado de Direito, como
o são os princípios do interesse público, da segurança jurídica, da boa-fé, da
motivação, da razoabilidade e proporcionalidade, que informam também o
Direito Administrativo.

13. Legalidade
Uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais, que,
ao mesmo tempo que os define, limita a atuação administrativa que tenha por
objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade,
o princípio da legalidade significa que, na relação administrativa, a vontade
da Administração Pública é a que decorre da lei.
Segundo o princípio da legalidade, a Administração só pode fazer o
que a lei permite, ao passo que, no âmbito da relação entre particulares, o
princípio aplicável é o da autonomia da vontade, pelo qual se pode fazer tudo
aquilo que a lei não proíbe.
Além de referido no art. 37, esse postulado está contido no art. 5°, II,
da CF, que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei.
“Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por
simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar
obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de
lei”.
A observância do referido preceito constitucional é também garantido
pelo mesmo dispositivo, em seu inciso XXXV, em decorrência do qual a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito,
previsão que inclui as decorrentes de ato da Administração. Além disso, a
Constituição prevê outros remédios específicos contra a ilegalidade
administrativa, como a ação popular, o habeas corpus, o habeas data, o
mandado de segurança e o mandado de injunção. A esses soma-se o controle
pelo legislativo, diretamente ou com o auxílio do Tribunal de Contas, e o
controle pela própria Administração.

14. Supremacia do interesse público


Presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da
sua execução em concreto pela Administração Pública, o princípio da
supremacia do interesse público inspira o legislador e vincula a autoridade
administrativa em toda a sua atuação. A sua influência na elaboração da lei
se dá, por exemplo, em relação ao interesse que se tem em vista que a norma
proteja. O direito privado contém normas de interesse individual e, o direito
público, normas de interesse público.
Esse critério tem sido criticado em razão da existência tanto de normas
de direito privado que objetivam proteger o interesse público, como as
concernentes ao Direito de Família, quanto normas de direito público que
defendem também interesses dos particulares, como as normas de segurança,
saúde pública, censura, disposições, em geral, atinentes ao poder de polícia
do Estado e normas que consagram os direitos fundamentais.
Apesar das críticas, esse critério distintivo, que realmente não é
absoluto, preserva algumas características: (I) as normas de direito público,
embora protejam reflexamente o interesse individual, têm o objetivo
primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo; e (II) pode-
se dizer que o direito público somente se desenvolveu quando substituiu-se
a ideia do indivíduo, singularmente considerado, como fim único do direito,
ideia própria do individualismo, pelo princípio que vincula a ideia de que os
interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.
Com efeito, já em fins do século XIX começaram a surgir reações
contra o individualismo jurídica, momento em que o Estado teve de
abandonar sua posição passiva e o Direito passou a ser visto como meio para
consecução da justiça social, do bem comum, do bem-estar coletivo. A partir
disso, surgem, no plano constitucional, novos preceitos, que, hoje, permitem
a intervenção do Poder Público no funcionamento e na propriedade das
empresas, as que condicionam o uso da propriedade ao bem-estar social, as
que reservam para o Estado a propriedade e a exploração de determinados
bens, como as minas e demais riquezas do subsolo, as que permitem a
desapropriação para a justa distribuição da propriedade, as que preocupam-
se com os interesses difusos, como o meio ambiente e o patrimônio histórico
e artístico nacional. Tudo isso em nome dos interesses públicos que incumbe
ao Estado tutelar.
“É, pois, no âmbito do direito público, em especial do Direito
Constitucional e Administrativo, que o princípio da supremacia do interesse
público tem a sua sede principal”.
Ocorre que, como dito anteriormente, da mesma forma que esse
princípio inspira o legislador ao editar as normas de direito público, também
vincula a Administração Pública, ao aplicar a lei, no exercício da função
administrativa.
Se a lei entrega à Administração Pública os poderes de desapropriar,
de requisitar, de intervir, de policiar, de punir, é porque tem em vista atender
ao interesse geral, que não pode ceder diante do interesse individual. Em
consequência, se, ao usar de tais poderes, a autoridade administrativa
objetiva prevalecer o interesse individual sobre o interesse público e, em
consequência disso, se desviar da finalidade ou poder previsto em lei,
ocorrerá o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade, o que torna o
ato ilegal.
Ligado a esse princípio de supremacia do interesse público, também
chamado de princípio da finalidade pública, está o da indisponibilidade do
interesse público, que, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “significa
que sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos
ao setor público – não se encontram à livre disposição de quem quer que seja,
por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem
disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los –
o que é também dever – na estrita conformidade do que dispuser a intentio
legis”. Mais além, diz que “as pessoas administrativas não têm, portanto,
disponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda e
realização. Esta disponibilidade está permanentemente retida nas mãos do
Estado (e de outras pessoas políticas, cada qual na própria esfera) em sua
manifestação legislativa. Por isso, a Administração e a pessoa
administrativa, autarquia, têm caráter instrumental”.
Em consequência de não poder dispor dos interesses públicos cuja
guarda lhes é atribuída por lei, os poderes atribuídos à Administração têm o
caráter de poder-dever, poderes que não pode deixar de exercer, sob pena de
responder pela omissão, em razão de estar prejudicando o interesse público.
O princípio do interesse público está expressamente previsto no art.
2°, caput, da Lei n° 9.784, e especificado no parágrafo único, com a
exigência de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total
ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (inciso II).
Fica, a partir disso, claro que o interesse público é irrenunciável pela
autoridade administrativa, salvo disposição em contrário.
O princípio foi, além disso, inserido entre os princípios da licitação no
art. 5° da Lei n° 14.133.

15. Impessoalidade
Esse princípio, que aparece, pela primeira vez, com essa denominação,
no art. 37 da CF/88, tem diferentes interpretações, pois, ao contrário dos
demais, não tem sido objeto de cogitação pelos doutrinadores.
Num primeiro sentido, o princípio se relaciona com a finalidade
pública que deve nortear toda a atividade administrativa, não podendo, em
razão disso, atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas
determinadas. Aplicação desse princípio encontra-se, por exemplo, no art.
100 da CF, que, ao disciplinar os precatórios judiciais, proíbe a designação
de pessoas ou de casos nas dotações orçamentárias e nos créditos abertos
para esse fim.
Num segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da
Silva, baseado na lição de Gordillo, que “os atos e provimentos
administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao
órgão ou entidade administrativa da Administração Pública. Acrescenta o
autor que, em consequência disso, “as realizações governamentais não são
do funcionário ou autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as
produzira”. A própria Constituição dá uma consequência expressa a essa
regra, quando, no §1° do art. 37, proíbe que conste nome, símbolos ou
imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores
públicos em publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos”.
Na Lei n° 9.784/99, o princípio aparece implicitamente no art. 2°,
parágrafo único, inciso III, nos dois sentidos assinalados, pois se exige
“objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção
pessoal de agentes ou autoridades”.
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei n°
14.133/21, no art. 5°, ao mencionar os princípios da licitação, inclui o da
impessoalidade.
“Outra explicação desse princípio encontra-se em matéria de exercício
de fato, quando se reconhece validade aos atos praticados por funcionário
irregularmente investido no cargo ou função, sob fundamento de que os atos
são do órgão e não do agente público”.
Oportuno lembrar, ainda, que a Lei n° 9.784/99, nos arts. 18 a 21,
contém normas sobre impedimento e suspeição, que se inserem também
como aplicação do princípio da impessoalidade e do princípio da moralidade.
Do mesmo modo que nas ações judiciais existem hipóteses de impedimento
e suspeição do juiz, também no processo administrativo essas hipóteses
criam presunção de parcialidade da autoridade que decidir sem declarar a
existência das causas de impedimento (presunção absoluta e objetiva) ou
suspeição (presunção relativa e subjetiva).

16. Presunção de legitimidade ou de veracidade


Esse princípio, também chamado de presunção da legalidade, abrange
dois aspectos: (I) a presunção da verdade, da certeza dos fatos; e (II) a
presunção da legalidade, que diz respeito a presunção, em razão de a
Administração se submeter a lei, de que todos os seus atos são verdadeiras e
praticados com observância das normas legais pertinentes, até prova em
contrário.
Trata-se de presunção relativa (juris tantum) que, como tal, admite
prova em contrário. O efeito dessa presunção é a inversão do ônus da prova.
Como consequência, “as decisões administrativas são de execução
imediata e têm a possibilidade de criar obrigações para o particular,
independentemente de sua concordância e, em determinadas hipóteses,
podem ser executadas pela própria Administração, mediante meios diretos
ou indiretos de coação. É o que os franceses chamam de decisões executórias
da Administração Pública”.
A Lei n° 13.460, que dispõe sobre a participação, proteção e defesa
dos direitos do usuário dos serviços públicos da Administração Pública,
prevê também a presunção de boa-fé do usuário do serviço público,
colocando-a entre as diretrizes a serem observadas pelos prestadores de
serviços públicos, em seu art. 5°, pelo qual o usuário de serviço público tem
direito à adequada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos e
prestadores de serviços públicos observarem a presunção de boa-fé do
usuário (inc. II), além de outras diretrizes.

17. Especialidade
Dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse
público decorre, dentre outros, o da especialidade, concernente à ideia de
descentralização administrativa.
É o princípio pelo qual quando as pessoas jurídicas públicas
administrativas são criadas pelo Estado, sob a forma de autarquias, para
descentralizar a prestação de serviços públicos, não podem afastar-se das
finalidades que a lei lhes incumbe, o que provém do fato de não terem a livre
disponibilidade dos interesses públicos.
Embora esse princípio seja normalmente referido às autarquias, não há
razão para negar a sua aplicação quanto às demais pessoas jurídicas,
instituídas por lei, para integrarem a Administração Pública Indireta. Criadas
ou autorizadas por lei, tais entidades não podem desvirtuar-se dos objetivos
legalmente definidos.
Com relação às sociedades de economia mista, o art. 237 da Lei n°
6.404 prevê que “a companhia de economia mista somente poderá explorar
os empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou
a sua constituição”. Significa que nem mesmo a Assembleia Geral de
Acionistas pode alterar esses objetivos, que são institucionais, ligados a
interesse público indisponível pela vontade das partes interessadas.
O Estatuto Jurídico das Empresas Estatais, aprovado pela Lei n°
13.303, contém, no art. 8°, inciso I e §1°, aplicação do princípio da
especialidade.

18. Controle ou tutela


Pelo princípio do controle ou da tutela a Administração Pública Direta
fiscaliza as atividades das entidades da Administração Indireta, com o
objetivo de garantir a observação de suas finalidades institucionais.
Colocam-se em confronto a independência da entidade, que goza de
parcela de autonomia administrativa (fins próprios, definidos em lei) e
financeira (patrimônio próprio), e, de outro lado, a necessidade de controle,
para que a pessoa jurídica política (União, Estado ou Município) que instituiu
a entidade da Administração Indireta se assegure de que ela está agindo de
conformidade com os fins que Justificaria a sua criação.
Apesar disso, a regra é a autonomia. O controle, que não se presume e
somente pode ser exercido nos limites definidos em lei, é a exceção.

19. Autotutela
Enquanto pela tutela a Administração exerce controle sobre outra
pessoa jurídica por ela mesma instituída, pela autotutela o controle se exerce
sobre os próprios atos, com a possibilidade de anular (desfazimento de ato
ilegal) ou convalidar (tornar válido) os ilegais e revogar (extinção de ato
válido, que deixou de ser conveniente e oportuno) os inconvenientes ou
inoportunos, independentemente de recurso ao Poder Judiciário.
É uma decorrência do princípio da legalidade, um vez que, se a
Administração Pública está sujeita à lei, cabe-lhe, evidentemente, o controle
da legalidade.
Esse poder da Administração está consagrado nas súmulas 346 e 473
do STF. Pela de n° 346, “a Administração Pública pode declarar a nulidade
dos seus próprios atos”; e pela de n° 473, “a Administração pode anular os
seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque
deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência
ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvadas, em todos
os casos, a apreciação judicial”.
Também se fala em autotutela para designar o poder que tem a
Administração Pública de zelar pelos bens que integram o seu patrimônio,
sem necessitar de titula fornecido pelo Poder Judiciário. Ela pode, por meio
de medidas de polícia administrativa, impedir quaisquer atos que ponham
em risco a conservação desses bens.

20. Hierarquia
Pelo princípio da hierarquia os órgãos da Administração Pública são
estruturados de tal forma que se cria uma relação de coordenação e
subordinação entre uns e outros, cada qual com atribuições definidas na lei.
Desse princípio, que só existe relativamente às funções administrativas, não
em relação às legislativa e judiciais, decorre uma série de prerrogativas:
a) a de rever os atos dos subordinados;
b) a de delegar e avocar atribuições;
c) a de punir;
d) as anteriores, em conjunto, geram para o subordinado o
dever de obediência.

Com a instituição da súmula vinculante pelo artigo 103-A da CF,


acrescentado pela EC n° 45/04, foi estabelecida uma subordinação
hierárquica dos órgãos do Judiciário ao Supremo Tribunal Federal; isto
porque, se a decisão judicial contrariar ou aplicar indevidamente a súmula, o
STF poderá cessá-la se acolher reclamação a ele dirigida, e determinar que
outra seja proferida. Esse dispositivo foi, contudo, revogado.
Pelo art. 102, §2º, “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas
ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal”. Haveria, nesse caso, uma subordinação hierárquica dos órgãos
do Judiciário ao Supremo Tribunal Federal.
A mesma hierarquia decorre de outras sentenças judiciais que
funcionam como precedentes de observância obrigatória no âmbito do
próprio judiciário, como em relação aos recursos de repercussão geral,
conforme artigos 102, §3°, da CF e 1.035 do CPC.

21. Continuidade do serviço público


O serviço público, sendo a forma pelo qual o Estado desempenha
funções essenciais ou necessárias à coletividade, não pode parar. Daí
decorrem consequências importantes:
a) a proibição de greve nos serviços públicos, vedação
que, embora antes se entendesse absoluta, está
consideravelmente abrandada, pois a CF, no art. 37,
inciso VII, determina que o direito de greve será
exercido “nos termos e nos limites definidos em lei
específica”. O STF, na ausência de “lei específica”,
decidiu pela aplicação da Lei n° 7.783/89. Quando
houver intenção de greve, é necessário o aviso prévio,
no caso dos serviços públicos essenciais, de, no
mínimo, 72 (setenta e duas) horas.
b) necessidade de institutos como a suplência, a delegação
e a substituição para preencher as funções públicas
temporariamente vagas;
c) a impossibilidade, para quem contrata com a
Administração, de invocar a exceptio non adimpleti
contractus (exceção do contrato não cumprido) nos
contratos que tenham por objeto a execução de serviço
público.
d) a faculdade que se reconhece à Administração de
utilizar os equipamentos e instalações da empresa que
com ela contrata, para assegurar a continuidade do
serviço;
e) com o mesmo objetivo, a possibilidade de encampação
de serviço público, pela qual a, no decurso do prazo da
concessão de serviços públicos, a Administração,
mesmo sem culpa do particular, pode por fim à
colaboração instituída, avocado a si mesma o serviço,
por motivo de interesse público, mediante justa
indenização paga ao antigo contratado pelos prejuízos
efetivamente causados pelo ato do Poder Público.

22. Publicidade
Esse princípio, previsto no art. 37 da CF, exige a ampla divulgação
dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de
sigilo previstas em lei.
Existem na própria Constituição (art. 5°) alguns preceitos que
confirmam ou, no caso de outros, restringem o princípio da publicidade,
elencados abaixo:
1. O inciso LX do art. 5° determina que a lei só poderá restringir
a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem. Como a
Administração Pública tutela interesses públicos, não se
justifica o sigilo de seus atos processuais, a não ser que o
próprio interesse ou lixo assim determine, como, por exemplo
no caso de a segurança pública estiver em jogo, ou que o
assunto, se divulgado, possa ofender a intimidade de
determinada pessoa, sem qualquer benefício para o interesse
público;
Pode tanto ocorrer um conflito entre o direito ao sigilo, que protege a
intimidade, e outro direito individual (direito à liberdade de opinião e de
imprensa), quanto, também, o conflito entre o direito à intimidade e um
interesse público, como, em relação ao último, o dever de fiscalização por
parte do Estado.
O inciso LX, anteriormente citado, deve ser combinado o inciso X do
mesmo dispositivo, pelo qual são estabelecidas como invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Também os incisos XI e XII do art. 5° protegem o direito à intimidade, com
o primeiro garantindo a inviolabilidade de domicílio, salvo em caso de
flagrante delito, desastre ou para prestar socorra, ou, durante o dia, por
determinação judicial, e, no caso do segundo, garantindo o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal.
O conflito entre o direito individual de sigilo e o interesse público é
resolvido por meio da invocação do princípio da proporcionalidade (em
sentido amplo), que exige a observância das regras da necessidade,
adequação e proporcionalidade (em sentido estrito). Em outras palavras, a
medida deve trazer o mínimo de restrição ao titular do direito, devendo
preferir os meios menos onerosos (regra da necessidade), ser apropriada para
a realização do interesse público (regra da adequação) e ser proporcional em
relação ao fim a atingir (regra da proporcionalidade em sentido estrito).
“Para proteger a intimidade, como direito individual, o direito positivo
limita a atuação de determinados órgãos e instituições e de determinados
profissionais que, por força das funções que lhe são próprias, têm
conhecimento de informações relativas a terceiros, impondo-lhes o dever de
sigilo. Nessas hipóteses, as informações obtidas não podem ser objeto de
divulgação; não tem aplicação, nesses casos, a regra da publicidade”.
Existe o sigilo como direito fundamental, ao qual corresponde o dever
de sigilo imposto a todos aqueles, agentes particulares e públicos, que
tenham conhecimento de dados sigilosos que não lhe pertencem e em relação
aos quais fica vedada a divulgação ou publicidade. Vale dizer que o Código
Penal tipifica como crime o fato de “revelar a alguém, sem justa causa,
segredo de que tem ciência em razão de função, ministérios ofício ou
profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.
A Lei n° 12.527, que regula o acesso a informações (e está
regulamentada pelo Decreto n° 7.724, alterado pelos Decretos n°’s 9.690 e
9.781), estabelece, no art. 31, §1°, que as informações pessoais, relativas à
intimidade, vida privada, honra e imagem terão seu acesso restrito,
independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100
(cem anos) a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente
autorizados e à pessoa a que elas se referirem. Poderão ter autorizada sua
divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento
expresso da pessoa a que elas se referirem. No §3° do mesmo dispositivo são
indicadas as hipóteses em que o consentimento não será exigido. No §4° há
a proibição que a restrição de acesso à informação seja invocada com o
intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular
das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a
recuperação de fatos históricos de maior relevância.
2. O inciso XIV do art. 5° assegura a todos o acesso à informação
e resguardado o sigilo da fonte (de onde obteve a informação),
quando necessário ao exercício profissional;
3. O inciso XXXIII do art. 5° estabelece que todos têm direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança
da sociedade e do Estado. Essa norma deve ser combinada com
a do inciso LX, que garante o sigilo dos atos processuais quando
necessário à defesa da intimidade e proteção do interesse social.
Tais dispositivos estão disciplinados pela Lei n° 12.527, de
2011;

A Lei 12.527 (Lei de Informações) disciplina também os artigos 37,


§3°, II, e 216, §2°, da Constituição. O art. 37 prevê lei que assegure o acesso
dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos do
governo, observado o disposto no art. 5°, X e XXXIII. O art. 216 outorga à
Administração Pública a gestão da documentação governamental e as
providências para franquear/permitir sua consulta a quantos dela
necessitarem.
A Lei, ao mesmo tempo que resguarda o direito de acesso à
informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos
fundamentais (art. 21), também protege as hipóteses de sigilo (além do juiz
e do Ministério Público, os dados processuais são limitados às partes e a seus
advogados), de segredo de justiça (partes e advogados não têm acesso aos
autos, que ficam limitados ao juiz, ao MP e aos servidores autorizados) e de
segredo industrial (conhecimento capaz de conferir a um produto uma
característica que o faz diferençável de seus similares e concorrentes), no art.
22. Ainda, estabelece o procedimento de acesso à informação, abrangendo o
pedido e os recursos cabíveis (arts. 10 a 19), com a previsão de que os órgãos
do Poder Judiciário e do Ministério Público informarão ao Conselho
Nacional de Justiça e ao Conselho Nacional do Ministério Público,
respectivamente, as decisões que, em grau de recurso, negarem acesso a
informações de interesse público. Nos arts. 23 e 24 definem que a informação
em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão
de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá
ser classificada como ultrassecreta (25 anos) secreta (15 anos) ou reservada
(5 anos). Nos arts. 27 e 28, estabelece os procedimentos de classificação,
reclassificação e desclassificação do sigilo de informações, indicando as
autoridades competentes e exigindo, dentre outros requisitos, fundamento da
classificação. No art. 32, define as condutas ilícitas que ensejam
responsabilidade do agente público ou militar e as sanções cabíveis,
inclusive por ato de improbidade. Por último, estabelece as penalidades
cabíveis à pessoa física ou entidade privada que detiver informações em
virtude de vínculo de qualquer natureza com o Poder Público.
O Decreto n° 9.094, que regulamenta a Lei n° 13.460 e foi alterado
pelo Decreto n° 10.279, veio facilitar o acesso a informações ao dispor sobre
a simplificação do atendimento prestado aos usuários dos serviços públicos,
ratificar a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação em
documentos produzidos no País e regulamentar a Carta de Serviços ao
Usuário, prevista no art. 7° da Lei n° 13.460. essa Carta, conforme estabelece
o art. 11, §1°, do referido Decreto, tem por objetivo informar aos usuários:
a) os serviços prestados pelo órgão ou entidade do Poder Executivo
Federal;
b) as formas de acesso aos serviços a que se refere o inciso I;
c) os compromissos e padrões de qualidade do atendimento ao público;
d) os serviços publicados no portal único gov.br, nos termos do disposto
no Decreto n° 8.935.

4. O direito à informação relativa à pessoa é garantido pelo habeas


data, procedimento processual que promove o acesso ou
retificação (correção) de informações constantes de banco de
dados de órgãos públicos ou instituições similares. Nos termos
do inc. LXXII do art. 5° da CF, conceder-se-á:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do
impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo
sigiloso, judicial ou administrativo.

O habeas data tem, pois, uma finalidade restrita. Em outras hipóteses


que não as elencadas acima, o direito à informação pode ser assegurado pelas
vias ordinárias ou por mandado de segurança, tendo o último a finalidade de
proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas
data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física
ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de
autoridade. Isso porque nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída
da apreciação do Poder Judiciário (art. 5°, indico XXXV).
Tal direito à informação está disciplinado pela Lei n° 9.507. De acordo
com o parágrafo único do art. 1°, “considera-se de caráter público todo
registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam
ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou
entidade produtora ou depositária de informações”. Fica claro que o direito
à informação, nesse caso específico em que é protegido pela habeas data,
somente é exercido quando a informação estiver depositada em órgão ou
entidade, públicos ou privados, que forneçam dados a terceiros. Não cabe o
direito de a informação for usada para uso exclusivo do próprio órgão ou
entidade.
O direito à informação é exercido mediante requerimento dirigido ao
órgão ou entidade depositária do registro ou banco de dados, devendo ser
deferido ou indeferido no prazo de 48 horas e a decisão comunicada ao
requerente em 24 horas (art. 2°). Em casa de deferimento, o depositário deve
comunicar ao requerente o dia e hora em que tomará conhecimento da
informação (art. 3°).
Constatada a inexatidão de qualquer dado a seu respeito, ao
interessado é dado requerer a sua retificação, em petição acompanhada de
documentos comprobatórios, conforme o art. 4°. No mesmo dispositivo, nos
§ 1°, consta que, feita a retificação em, no máximo, dez dias após a entrada
do requerimento, a entidade ou órgão depositário do registro ou da
informação dará ciência ao interessado. Pelo § 2°, ainda que não se constate
a inexatidão do dado, se o interessado apresentar explicação ou contestação
sobre o mesmo, justificando possível pendência sobre o fato objeto do dado,
tal explicação será anotada no cadastro do interessado. O procedimento
administrativo para a obtenção dessas medidas é gratuito, conforme art. 21
da Lei n° 9.507.
Em caso e recusa, caberá o habeas data.
5. O inciso XXXIX do art. 5° assegura a todos,
independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direito
e esclarecimento de situações pessoais.

“Quando a certidão é pedida para outros fins, como, por exemplo, a


proteção de interesses coletivos, ainda assim ela é devida pela
Administração, sob pena de tornar-se inviável a propositura de ação popular,
de ação cívil pública ou de mandado de segurança coletivo, só que, nessa
hipótese, a certidão, ou mesmo o direito à informação, não será gratuita”.
O direito à expedição de certidão está disciplinado pela Lei n° 9.051,
que fixa o prazo de 15 dias para atendimento, a contar do registro do pedido
no órgão expedidor e exige que do requerimento constem esclarecimentos
relativos aos fins e razões do pedido.
Na Lei n° 9.784, o art. 2°, parágrafo único, inciso V, exige “divulgação
oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas
na Constituição”, além de outras exigências pertinentes ao mesmo princípio.
Ainda com relação ao princípio da pessoalidade, a Lei de
Responsabilidade Fiscal estabelece, no art. 1°, § 1°, que a responsabilidade
na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente. E, no art. 48, com
a redação dada pela Lei Complementar n° 131, estabelece normas sobre a
“transparência da gestão fiscal”, exigindo, no parágrafo único:
a) incentivo à participação popular e realização de audiências públicas,
durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de
diretrizes orçamentárias e orçamentos;
b) liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em
tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução
orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público;
c) adoção de sistema integrado de administração financeira e controle,
que atenda a padrão mínimo de qualidade, estabelecido pelo Poder
Executivo da União e ao disposto no artigo 48-A.

Além disso, a Lei Complementar n° 131/09 inseriu dispositivos


prevendo:
a) a exigência de disponibilização de informações pertinentes à despesa
e à receita a qualquer pessoa física ou jurídica (art. 48-A);
b) a legitimidade de qualquer cidadão, partido político, associação ou
sindicato para denunciar irregularidades ao Tribunal de Contas e ao
órgão do Ministério Público sobre o descumprimento das normas da
Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 73-A);
c) a observância de prazos fixados na lei para cumprimento da medidas
previstas nos arts. 48 e 48-A, sob pena de sujeições à sanção prevista
no artigo 23, § 3°, I, ou seja, proibição de recebimento de
transferências voluntárias (arts. 73-B e 73-C).

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