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35ª
edição. Rio de Janeiro: Forense, 2022;
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O DIREITO ADMINISTRATIVO
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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
5. Aspecto subjetivo
Vistas as três funções e, paralelamente a estas, a função política ou de
governo, é necessário verificar como se distribuem entre os três Poderes do
Estado.
A Constituição não confere uma separação absoluta dos Poderes, mas
a independência e harmonia entre si. Lega, apesar disso, atribuições
predominantes a cada um dos Poderes, de modo que cada um recebe
predominantemente uma das três funções, com algumas interferências, num
sistema de freios e contrapesos. Assim é que os Poderes Legislativo e
Judiciário, além de suas funções precípuas/principais de legislar e julgar,
exercem também funções administrativas na gestão de seus bens e pessoal,
bem como nas decorrentes dos poderes hierárquico e disciplinar sobre os
respectivos servidores.
O Executivo participa da função legislativa quando dá inicio a projetos
de lei, veta projetos aprovados pela Assembleia, adota medidas provisórias,
com força de lei, ou elabora leis delegadas.
As medidas provisórias são previstas no artigo 62 da Constituição, que
diz que, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá
adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de
imediato ao Congresso Nacional. É, contudo, vedada a edição de medidas
provisórias sobre matéria relativa a nacionalidade, cidadania, direitos
políticos, partidos políticos, direito eleitoral, direito penal, processual penal,
processual civil, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público
e/ou a carreira e a garantia de seus membros, planos plurianuais, diretrizes
orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, detenção ou
sequestro de bens, matéria reservada a lei complementar poupança popular
ou qualquer outro ativo financeiro.
Já as leis delegadas são, de acordo com o artigo 68 da CF, elaboradas
pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso
Nacional. Não serão, todavia, objeto de delegação os atos de competência
exclusiva do Congresso Nacional, de competência privativa da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar,
nem a legislação sobre organização do Poder Judiciário e do Ministério
Público ou a carreira e a garantia de seus membros, nacionalidade, cidadania,
direitos individuais, políticos e eleitorais, planos plurianuais, diretrizes
orçamentárias e orçamentos.
O Legislativo exerce algumas funções judicantes, como quando
processa e julga o Presidente da República por crime de responsabilidade,
bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aquele.
Exerce-as, ainda, quando processa e julga os Ministros do Supremo Tribunal
Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho
Nacional do Ministério Público, o Procurador Geral da República e o
Advogado Geral da União nos crimes de responsabilidade (art. 52, incisos I
e II, da CF).
A função política é repartida entre o Executivo e Legislativo, com
preponderância do primeiro. No Executivo, isso ocorre pela concentração de
poderes nas mãos do Presidente da República e pela elaboração das diretrizes
e planos de governo, bem como quanto ao comando deste último. O
Legislativo, quando grande parte das iniciativas do Executivo devem ser,
prévia ou posteriormente, aprovadas pelo Congresso Nacional.
Já o Poder Judiciário tem pouca influência nas decisões políticas do
Governo, restringindo-se ao seu papel de controle, sempre dependente de
provocação.
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REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO
13. Legalidade
Uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais, que,
ao mesmo tempo que os define, limita a atuação administrativa que tenha por
objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade,
o princípio da legalidade significa que, na relação administrativa, a vontade
da Administração Pública é a que decorre da lei.
Segundo o princípio da legalidade, a Administração só pode fazer o
que a lei permite, ao passo que, no âmbito da relação entre particulares, o
princípio aplicável é o da autonomia da vontade, pelo qual se pode fazer tudo
aquilo que a lei não proíbe.
Além de referido no art. 37, esse postulado está contido no art. 5°, II,
da CF, que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei.
“Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por
simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar
obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de
lei”.
A observância do referido preceito constitucional é também garantido
pelo mesmo dispositivo, em seu inciso XXXV, em decorrência do qual a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito,
previsão que inclui as decorrentes de ato da Administração. Além disso, a
Constituição prevê outros remédios específicos contra a ilegalidade
administrativa, como a ação popular, o habeas corpus, o habeas data, o
mandado de segurança e o mandado de injunção. A esses soma-se o controle
pelo legislativo, diretamente ou com o auxílio do Tribunal de Contas, e o
controle pela própria Administração.
15. Impessoalidade
Esse princípio, que aparece, pela primeira vez, com essa denominação,
no art. 37 da CF/88, tem diferentes interpretações, pois, ao contrário dos
demais, não tem sido objeto de cogitação pelos doutrinadores.
Num primeiro sentido, o princípio se relaciona com a finalidade
pública que deve nortear toda a atividade administrativa, não podendo, em
razão disso, atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas
determinadas. Aplicação desse princípio encontra-se, por exemplo, no art.
100 da CF, que, ao disciplinar os precatórios judiciais, proíbe a designação
de pessoas ou de casos nas dotações orçamentárias e nos créditos abertos
para esse fim.
Num segundo sentido, o princípio significa, segundo José Afonso da
Silva, baseado na lição de Gordillo, que “os atos e provimentos
administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao
órgão ou entidade administrativa da Administração Pública. Acrescenta o
autor que, em consequência disso, “as realizações governamentais não são
do funcionário ou autoridade, mas da entidade pública em nome de quem as
produzira”. A própria Constituição dá uma consequência expressa a essa
regra, quando, no §1° do art. 37, proíbe que conste nome, símbolos ou
imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores
públicos em publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos”.
Na Lei n° 9.784/99, o princípio aparece implicitamente no art. 2°,
parágrafo único, inciso III, nos dois sentidos assinalados, pois se exige
“objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção
pessoal de agentes ou autoridades”.
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei n°
14.133/21, no art. 5°, ao mencionar os princípios da licitação, inclui o da
impessoalidade.
“Outra explicação desse princípio encontra-se em matéria de exercício
de fato, quando se reconhece validade aos atos praticados por funcionário
irregularmente investido no cargo ou função, sob fundamento de que os atos
são do órgão e não do agente público”.
Oportuno lembrar, ainda, que a Lei n° 9.784/99, nos arts. 18 a 21,
contém normas sobre impedimento e suspeição, que se inserem também
como aplicação do princípio da impessoalidade e do princípio da moralidade.
Do mesmo modo que nas ações judiciais existem hipóteses de impedimento
e suspeição do juiz, também no processo administrativo essas hipóteses
criam presunção de parcialidade da autoridade que decidir sem declarar a
existência das causas de impedimento (presunção absoluta e objetiva) ou
suspeição (presunção relativa e subjetiva).
17. Especialidade
Dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse
público decorre, dentre outros, o da especialidade, concernente à ideia de
descentralização administrativa.
É o princípio pelo qual quando as pessoas jurídicas públicas
administrativas são criadas pelo Estado, sob a forma de autarquias, para
descentralizar a prestação de serviços públicos, não podem afastar-se das
finalidades que a lei lhes incumbe, o que provém do fato de não terem a livre
disponibilidade dos interesses públicos.
Embora esse princípio seja normalmente referido às autarquias, não há
razão para negar a sua aplicação quanto às demais pessoas jurídicas,
instituídas por lei, para integrarem a Administração Pública Indireta. Criadas
ou autorizadas por lei, tais entidades não podem desvirtuar-se dos objetivos
legalmente definidos.
Com relação às sociedades de economia mista, o art. 237 da Lei n°
6.404 prevê que “a companhia de economia mista somente poderá explorar
os empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou
a sua constituição”. Significa que nem mesmo a Assembleia Geral de
Acionistas pode alterar esses objetivos, que são institucionais, ligados a
interesse público indisponível pela vontade das partes interessadas.
O Estatuto Jurídico das Empresas Estatais, aprovado pela Lei n°
13.303, contém, no art. 8°, inciso I e §1°, aplicação do princípio da
especialidade.
19. Autotutela
Enquanto pela tutela a Administração exerce controle sobre outra
pessoa jurídica por ela mesma instituída, pela autotutela o controle se exerce
sobre os próprios atos, com a possibilidade de anular (desfazimento de ato
ilegal) ou convalidar (tornar válido) os ilegais e revogar (extinção de ato
válido, que deixou de ser conveniente e oportuno) os inconvenientes ou
inoportunos, independentemente de recurso ao Poder Judiciário.
É uma decorrência do princípio da legalidade, um vez que, se a
Administração Pública está sujeita à lei, cabe-lhe, evidentemente, o controle
da legalidade.
Esse poder da Administração está consagrado nas súmulas 346 e 473
do STF. Pela de n° 346, “a Administração Pública pode declarar a nulidade
dos seus próprios atos”; e pela de n° 473, “a Administração pode anular os
seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque
deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência
ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvadas, em todos
os casos, a apreciação judicial”.
Também se fala em autotutela para designar o poder que tem a
Administração Pública de zelar pelos bens que integram o seu patrimônio,
sem necessitar de titula fornecido pelo Poder Judiciário. Ela pode, por meio
de medidas de polícia administrativa, impedir quaisquer atos que ponham
em risco a conservação desses bens.
20. Hierarquia
Pelo princípio da hierarquia os órgãos da Administração Pública são
estruturados de tal forma que se cria uma relação de coordenação e
subordinação entre uns e outros, cada qual com atribuições definidas na lei.
Desse princípio, que só existe relativamente às funções administrativas, não
em relação às legislativa e judiciais, decorre uma série de prerrogativas:
a) a de rever os atos dos subordinados;
b) a de delegar e avocar atribuições;
c) a de punir;
d) as anteriores, em conjunto, geram para o subordinado o
dever de obediência.
22. Publicidade
Esse princípio, previsto no art. 37 da CF, exige a ampla divulgação
dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de
sigilo previstas em lei.
Existem na própria Constituição (art. 5°) alguns preceitos que
confirmam ou, no caso de outros, restringem o princípio da publicidade,
elencados abaixo:
1. O inciso LX do art. 5° determina que a lei só poderá restringir
a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem. Como a
Administração Pública tutela interesses públicos, não se
justifica o sigilo de seus atos processuais, a não ser que o
próprio interesse ou lixo assim determine, como, por exemplo
no caso de a segurança pública estiver em jogo, ou que o
assunto, se divulgado, possa ofender a intimidade de
determinada pessoa, sem qualquer benefício para o interesse
público;
Pode tanto ocorrer um conflito entre o direito ao sigilo, que protege a
intimidade, e outro direito individual (direito à liberdade de opinião e de
imprensa), quanto, também, o conflito entre o direito à intimidade e um
interesse público, como, em relação ao último, o dever de fiscalização por
parte do Estado.
O inciso LX, anteriormente citado, deve ser combinado o inciso X do
mesmo dispositivo, pelo qual são estabelecidas como invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Também os incisos XI e XII do art. 5° protegem o direito à intimidade, com
o primeiro garantindo a inviolabilidade de domicílio, salvo em caso de
flagrante delito, desastre ou para prestar socorra, ou, durante o dia, por
determinação judicial, e, no caso do segundo, garantindo o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal.
O conflito entre o direito individual de sigilo e o interesse público é
resolvido por meio da invocação do princípio da proporcionalidade (em
sentido amplo), que exige a observância das regras da necessidade,
adequação e proporcionalidade (em sentido estrito). Em outras palavras, a
medida deve trazer o mínimo de restrição ao titular do direito, devendo
preferir os meios menos onerosos (regra da necessidade), ser apropriada para
a realização do interesse público (regra da adequação) e ser proporcional em
relação ao fim a atingir (regra da proporcionalidade em sentido estrito).
“Para proteger a intimidade, como direito individual, o direito positivo
limita a atuação de determinados órgãos e instituições e de determinados
profissionais que, por força das funções que lhe são próprias, têm
conhecimento de informações relativas a terceiros, impondo-lhes o dever de
sigilo. Nessas hipóteses, as informações obtidas não podem ser objeto de
divulgação; não tem aplicação, nesses casos, a regra da publicidade”.
Existe o sigilo como direito fundamental, ao qual corresponde o dever
de sigilo imposto a todos aqueles, agentes particulares e públicos, que
tenham conhecimento de dados sigilosos que não lhe pertencem e em relação
aos quais fica vedada a divulgação ou publicidade. Vale dizer que o Código
Penal tipifica como crime o fato de “revelar a alguém, sem justa causa,
segredo de que tem ciência em razão de função, ministérios ofício ou
profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.
A Lei n° 12.527, que regula o acesso a informações (e está
regulamentada pelo Decreto n° 7.724, alterado pelos Decretos n°’s 9.690 e
9.781), estabelece, no art. 31, §1°, que as informações pessoais, relativas à
intimidade, vida privada, honra e imagem terão seu acesso restrito,
independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100
(cem anos) a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente
autorizados e à pessoa a que elas se referirem. Poderão ter autorizada sua
divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento
expresso da pessoa a que elas se referirem. No §3° do mesmo dispositivo são
indicadas as hipóteses em que o consentimento não será exigido. No §4° há
a proibição que a restrição de acesso à informação seja invocada com o
intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular
das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a
recuperação de fatos históricos de maior relevância.
2. O inciso XIV do art. 5° assegura a todos o acesso à informação
e resguardado o sigilo da fonte (de onde obteve a informação),
quando necessário ao exercício profissional;
3. O inciso XXXIII do art. 5° estabelece que todos têm direito a
receber dos órgãos públicos informações de seu interesse de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança
da sociedade e do Estado. Essa norma deve ser combinada com
a do inciso LX, que garante o sigilo dos atos processuais quando
necessário à defesa da intimidade e proteção do interesse social.
Tais dispositivos estão disciplinados pela Lei n° 12.527, de
2011;