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GUIA DE ESTUDO DE
DIREITO ADMINISTRATIVO
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Estes apontamentos consistem num guia de estudo. A sua leitura não dispensa a presença
nas aulas nem a consulta da bibliografia obrigatória recomendada.
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INTRODUÇÃO
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Significado de administrar
A Administração Pública é o conjunto de entidades, órgãos e serviços, articulados
entre si, que executam tarefas preordenadas à execução de interesses públicos. Estes
interesses são heterónimos, ou seja, são não só alheios à própria administração mas
também fixados e impostos de fora, pela CRP e pela lei.
Podemos distinguir os interesses privados (dos sujeitos), que são interesses
próprios, protegidos pela ordem jurídica e determinados pelo próprio, dos interesses
públicos, na medida em que estes são fixados pelo legislador e não pela Administração
Pública.
Aplica-se o conceito de “administração” a esta estrutura porque gere recursos que
são da comunidade, ao mesmo tempo que os administra em benefício dessa mesma
comunidade. Tratando-se de recursos escassos, a sua gestão requer escolhas,
hierarquias, prioridades.
Quanto ao adjetivo "pública" emprega-se pois diz respeito a uma atividade
desenvolvida em prol de uma comunidade, trata-se de satisfazer necessidades de uma
sociedade mais ou menos homogénea mas politicamente organizada. Estas
necessidades carecentes de satisfação são identificadas, elegidas pelos órgãos do
Estado e confiadas à Administração Pública, transformando-se assim em fins públicos.
Por outras palavras, existe um processo de satisfação de interesses gerais, comuns,
coletivos dos quais os órgãos escolhem os que devem ser confiados à Administração
Pública. Esta satisfação faz-se em diferentes medidas como acontece, por exemplo,
com o abastecimento público de água potável e saneamento pois tratam-se de
necessidades que o Estado chama a si no sentido de ser totalmente satisfeita.
Noutros setores da atividade humana o mesmo não acontece visto que o Estado se
remete ao mero auxílio no controlo e fiscalização dessas atividades.
Quando a necessidade coletiva é transformada em interesse público formam-se
fins públicos, tais como a saúde, ensino, segurança nos quais a Administração Pública
atua, motivo pelo qual existe.
Num sentido objetivo, a Administração Pública enquanto atividade, é um conjunto
de tarefas que se manifesta, de acordo com determinados princípios, através de atos
com valor e força jurídica própria (ato, regulamento, contrato administrativo), sujeita a
um Direito próprio, isto é, ao Direito estatutário, no cumprimento dessas mesmas
tarefas. Assim sendo, por um lado, os interesses gerais da comunidade não são todos
assumidos pelo Estado e confiados à Administração Pública, pelo que a sua satisfação
é deixada ao livre funcionamento da sociedade, através de mecanismos de mercado;
por outro lado, existem vários interesses da comunidade que o Estado entende que
deverá chamar a si a sua satisfação para que esta seja corretamente realizada –
interesses públicos.
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Noções gerais:
Os interesses públicos reportam-se a uma generalidade de pessoas. As
comunidades podem ser diferentes mas o interesse público não tem necessariamente
de se reportar às comunidades maiores (estaduais), também pode dizer respeito a
comunidades menores, como é o caso das comunidades regionais.
O interesse público não é um interesse individual nem sequer é a soma dos
interesses individuais de uma comunidade, pois é um interesse diferente que
transcende a soma dos interesses individuais.
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Noções gerais
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Noções prévias:
Para se falar em funções do Estado temos de pensar no princípio da separação de
poderes.
Numa fase inicial, o princípio da separação de poderes foi formulado por John
Locke, filósofo inglês do século XVII, bem como por Charles Montesquieu (filósofo e
político francês, 1ª metade do século XVIII).
Este princípio teve consagração expressa, pela primeira vez, na Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Atualmente, a consagração dos Direito Fundamentais assim como a estrutura do
Estado assente no princípio da separação de poderes são a essência de uma
Constituição.
O princípio foi formulado em alternativa ao Governo limitado, como oposição ao
despotismo esclarecido que vigorava em toda a Europa Continental, nos séculos XVII e
XVIII.
Propunha-se distribuir as diferentes funções do Estados por diferentes órgãos ou
complexo de órgãos, por diferentes poderes (sentido organizativo). Estes órgãos
deveriam estar separados entre si, numa situação de paridade.
A proposta subjacente era: as 3 funções concentradas no monarca absoluto, isto é,
as funções legislativa, executiva ou administrativa e a jurisdicional passariam a
competir depois de entregues, respetivamente, à Assembleia Representativa
(Parlamento), ao monarca e aos tribunais (julgavam com total independência,
deixavam de estar dependentes de um último recurso para o monarca).
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As leis medidas e leis individuais constituem uma exceção (têm sempre de recair
sobre uma opção fundamental na vida da comunidade – tem de se aplicar um
critério material. O artigo 18º exige que qualquer restrição de direitos seja geral e
abstrata – está não poderá ser uma lei-medida).
Na sua aparência externa podem ser atos administrativos (exemplo: Uma decisão de
expulsão de um emigrante ilegal – ato administrativo – em contraposição a uma decisão de expulsão
de um diplomata envolvido em atividades incompatíveis com o seu estatuto – esta não é recorrível
pois trata-se de um ato político, pelo que não está sujeito a controlo jurisdicional; uma decisão para
o envio de um contingente militar também é um exemplo de ato político.).
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A Época Contemporânea
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O moderno conceito de lei nunca se dissocia dos contributos históricos que para ela
contribuíram. O Prof. Gomes Canotilho dizia que temos a mais antiga dimensão da lei,
a dimensão material e universal – a lei boa e justa, orientada para o bem comum e que
sempre esteve presente no pensamento ocidental (desde os gregos até ao
jusnaturalismo cristão medieval). (NOTA: A lei boa e justa foi teorizada por S. Tomás de Aquino).
O contributo de Thomas Hobbes também foi fundamental. Salientava o elemento
voluntarista e positivo da lei – lei como comando imposto por quem tem o poder
coercivo, isto é, a ideia de vontade e imposição da lei.
Locke acentuou as características da lei como instrumento para alcançar a liberdade
– a lei como quadro referencial para homens livres, que atuam no seu próprio
interesse e que graças ao carácter geral e abstrato conseguem alcançar e realizar o seu
próprio interesse, permitindo uma proteção dos súbditos em relação ao rei.
Montesquieu estabeleceu a ligação da lei com o poder legislativo próprio das
assembleias representativas (quadro da separação de poderes).
Rousseau entendia a lei como instrumento de atuação da igualdade política. A lei
era duplamente geral quanto ao objeto (trata por igual os cidadãos) e quanto à origem
(ela própria é fruto de uma vontade igual dos cidadãos).
Por último, Kant considera a lei como expressão da razão.
Todos estes contributos estão presentes atualmente no pensamento ocidental na
concessão do conceito de lei.
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c) O liberalismo económico
O liberalismo económico era o modelo económico adotado. O Estado de Direito
correspondeu ao acesso da burguesia comercial e industrial ao poder. A burguesia
afeiçoou o Direito aos seus interesses.
O Estado de Direito Liberal propõe uma separação entre Estado e sociedade mas ao
invés do que acontecia com o Estado polícia (aumento da intervenção da
Administração na sociedade), o objetivo era reduzir o Estado e a Administração ao
mínimo.
Portanto, existia não só uma limitação interna do poder como também uma
limitação externa – os 3 poderes limitam o respetivo âmbito de atuações e os
respetivos fins.
O Estado limita-se a garantir a paz social e a segurança de bens e vida das pessoas.
A ideia é que a sociedade se desenvolva espontaneamente. Não intervém na atividade
económica porque a encara como uma continuação da atividade privada geral – a
economia autorregula-se e não tem de ser superiormente regulada pelo Direito (não
deve existir uma ordem jurídica económica porque deve ser deixada ao livre jogo dos
agentes económicos, que a vão modelando através de instrumentos jurídicos
fornecidos pelo Direito Privado, designadamente pelo contrato).
A ideia de mercado surge como resultado da livre interação entre os indivíduos e
entende-se que qualquer intervenção pública constituía uma interferência indevida
nesse jogo que só iria prejudicar a sociedade e pôr em causa a prosperidade
conseguida do livre jogo.
O critério de lucro era o de máxima eficiência, pelo que não existia uma perspetiva
coletiva – o bem comum era a soma aritmética dos interesses individuais de cada um
dos seus membros. Assim, cada pessoa, ao disponibilizar as suas capacidades na
produção/distribuição de bens ao menor custo possível, em concorrência, contribui
melhor do que o poder público para a prosperidade geral.
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Este cenário opõe-se ao sistema de status do Antigo Regime, cujo sistema ditava
várias restrições à liberdade contratual bem como à propriedade, por imperativos de
carácter ético ou político.
Num primeiro momento, a tutela jurídica do Estado Liberal destina-se aos
proprietários (preponderância para a propriedade imobiliária), à qual vai corresponder
uma configuração estática e não dinâmica do direito patrimonial do proprietário.
O regime da propriedade no Antigo Regime tinha um conteúdo diversificado pelo
que não fazia sentido a ideia de propriedade plena; no Estado Liberal o mesmo não
acontece. Assim, dá-se a abolição dos institutos jurídicos tradicionais apoiados nos
interesses das comunidades com origem na Idade Média (exemplo: Morgadio, em que o
morgado era o herdeiro do falecido mas tinha obrigações de alimentação.).
Passa a existir uma abstração das normas, típicas da moderna conceção de lei. Estas
normas estão inseridas em Códigos (movimento da codificação) e, tal como a
autonomia da vontade é exacerbada em termos da máxima liberdade contratual e
conteúdo dos contratos, existe uma consagração do direito da propriedade como
direito absoluto e pleno – direito sagrado e inviolável que cada um tem de dispor dos
seus bens (individualismo possessivo). Este é o primeiro momento do Estado Liberal de
Direito
Num segundo momento, o proprietário é ultrapassado pela evolução social do
século XIX.
Fruto da 2ª Revolução Industrial, a ideia de propriedade dá lugar à ideia de empresa
– propriedade dinâmica.
Assiste-se à “comercialização” do Direito, isto é, à progressiva tutela jurídica da
atividade económica dinâmica.
Procura-se proteger o homem de negócios, assistindo-se a um grande
desenvolvimento do Direito Comercial, que opera numa segunda fase do Estado
oitocentista (Liberal).
Vão desaparecendo as vantagens jurídicas dos lavradores, criadores de gado
artesãos – economia tradicional; em contrapartida, fortalecem-se e ampliam-se os
direitos dos comerciantes, industriais, financeiros e prestamistas.
Em matérias de fontes de Direito é reconhecido o valor coercivo geral às regras
promulgadas pelas empresas, isto é, às condições contratuais impostas.
Existe uma simpatia pelos negócios abstratos e propensão para valorizar a vontade
declarada, o que significa que o legislador se abstrai da significação social do negócio –
mercantilização do Direito Privado, colocado ao serviço do moderno capitalismo.
O Direito do Estado desliga-se das considerações extra positivas e rebaixa-se a
condição de Direito supletivo (não imperativo, próprio do Direito Privado).
As regras contratuais fogem ao controlo estadual. Existe um reforço patrimonial dos
direitos subjetivos e deixam de existir limitações ao exercício dos direitos e desaparece
um juízo ético do mundo dos contratos (exemplo: legalização da usura.).
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A figura da lei-medida foi teorizada por Carl Schmitt (1ª metade do século XX).
Segundo o autor, a lei medida seria um comando de um legislador extraordinário com
o valor de lei. Esta lei é caracterizada por ser ao mesmo tempo lei e sua execução, ou
seja, num só comando existe uma norma geral e abstrata e imediatamente a sua
execução na situação concreta, na qual se esgota esse comando (é uma forma de
“legalizar” as derrogações à lei geral e abstrata bem como escapar ao controlo dos
tribunais essas derrogações – exemplo: Existe uma lei geral de expropriações, de caráter geral e
abstrata, que vale para todas as situações de expropriação.
Na legislação ordinária criam-se regimes excecionais de expropriações que só valem
para determinadas situações concretas, como aconteceu com a construção da
Barragem do Alqueva. Estes regimes alteram, simplificam e aceleram os regimes de
expropriação. Só valem para determinadas zonas e apenas vigoram durante o tempo
em que se realiza a respetiva obra.)
A lei-medida justifica-se por imperativos de justiça e desenvolvimento (fins últimos
prosseguidos pelo Estado), desde que seja materialmente justa.
A teoria da lei-medida de Schmitt foi desenvolvida por Ernst Forsthoff (século XX),
segundo o qual a lei-medida não vinha de um legislador extraordinário mas sim do
legislador ordinário que é obrigado a fazê-lo para responder às exigências da
sociedade técnica do século XX, usando a lei para seguir finalidades concretas.
No entanto, não se deve confundir lei-medida (ou individual) com os atos
administrativos com forma de lei porque a CRP, adotando uma conceção material de
separação de poderes, garante o recurso contencioso contra quaisquer atos
administrativos independentemente da sua forma.
Apesar de não ser fácil a distinção entre lei-medida e ato administrativo podemos
diferenciá-los pela caracterização da opção tomada:
No âmbito da gestão dos negócios públicos do dia-a-dia, típica do poder executivo
(função privada – função secundária), estamos sempre perante um ato
administrativo (independentemente de estar camuflado numa disposição de uma
lei da AR) – vinga a caracterização material, adotada pela CRP quanto à
caracterização das funções do Estado;
Perante uma opção fundamental da vida da comunidade estamos perante uma
lei-medida, não controlada pela função administrativa, pelo que o único controlo
será do TC, na fiscalização da constitucionalidade. As leis-medida têm de ser
orientadas por uma noção de justiça
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Último quartel do século XX e primeira década do século XXI: contexto global da crise
do Estado Social ou Administrativo:
A causa direta da crise dos países ocidentais foi a abrupta subida do preço do
petróleo através da cartelização dos países produtores (países árabes).
Num sistema de cartel subiram os preços afetando as economias ocidentais, dos
países desenvolvidos e industrializados. Isto levou à necessidade de uma retração do
Estado (dos seus fins e funções). Este processo iniciou-se no mundo anglo-saxónico
(EUA e RU), onde a tradição liberal está mais enraizada.
Nestas décadas, os teóricos liberais da Escola de Chicago, da Escola Austríaca
fizeram-se ouvir.
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Por não deixarem de ser bens e serviços essenciais à comunidade, quando o Estado
se retira, intensificou a regulamentação que ficou a cargo da Administração
independente – autoridades independentes do Governo com fortes poderes
administrativos, jurisdicionais ou para legislativos (poderes regulamentares com
emanação de regulamentos eu se aproximam do caráter inovador das leis).
As autoridades independentes são compostas por técnicos altamente
especializados, em setores de interesse económico geral como os transportes públicos,
energia, telecomunicações, distribuição de água e saneamento.
Pretende-se assegurar uma concorrência leal, em benefícios do consumidor, que
leve à descida de preços mesmo de forma artificial, assegurando-se para os
consumidores mais desfavorecidos o financiamento/subsidiação. A ideia é assegurar
que os preços sejam acessíveis mas não muito abaixo do preço de custo bem como
uma melhor relação qualidade-preço.
Estas autoridades são independentes porque muitas vezes o Estado mantém os
operadores ou mantém uma posição de domínio (golden share).
O problema dos antigos sectores públicos prendia-se com o abaixamento de preços
em períodos eleitorais para níveis insustentáveis.
Estas autoridades, libertas da pressão dos ciclos eleitorais, conseguem zelar pelo
eficiente do funcionamento dos mercados, assegurando um preço acessível (se
necessário através da subsidiação dos consumidores mais desfavorecidos).
O princípio da eficiência, desdobramento do princípio do interesse público, assume
um papel relevante. O Estado regulador assenta na economia de mercado e na livre
concorrência.
No mundo ocidental e na Europa subsistiu sempre um sistema de economia de
mercado, com intervenção de poderes públicos e vigência de um sistema de
planificação – sistema de economia mista (já não corresponde ao modelo económico
atual).
Para concluir, o Estado Social sobrevive. O Estado regulador ainda é um Estado
social, pelo que este sobrevive enquanto a despesa púbica for possível.
2. Os sistemas de Administração
Este sistema vigora no RU, Estados que foram suas colónias assim como nos EUA e
países da Commonwealth.
Neste sistema a AP tem como características:
É altamente descentralizado;
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Por isso, este sistema é conhecido por um sistema de administração judiciária, que
se traduz na ocupação pelos tribunais de uma grande parte do espaço que na Europa
Continental é ocupado pelo executivo forte (exemplo: No nosso sistema, para construir uma
estrada que tenha de passar por terrenos particulares, o Governo expropria através de uma decisão de
autoridade própria o terreno do particular, através de um ato administrativo, neutral e autoritário, que
por si só opera a transferência da propriedade do bem imóvel em causa para o Estado, em troco do
pagamento de uma indeminização. Este ato pode ser logo executado porque os atos administrativos são
atos executivos e, se necessário, com recurso à força, podendo ser a própria Administração a fazê-lo. No
entanto, a posteriori, os particulares podem impugnar e discutir o montante decido pela Administração.
Tudo isto acontece sem intervenção dos tribunais.).
No caso do sistema judiciário, a Administração não tem o prévio poder de
autoridade. Utilizando o exemplo anterior, para obrigar o titular do terreno a
Administração tem de solicitar ao tribunal a operação de transferência de propriedade
para a Coroa. Será por ordem do tribunal que o particular será obrigado a vender (é
uma venda forçada por ordem do tribunal).
É o tribunal que vai avaliar o interesse público, decidindo se este exige aquela venda
forçada, ao mesmo tempo que faz um confronto com os interesses particulares.
A separação de poderes neste sistema revela uma supremacia dos tribunais face à
Administração. Por este motivo, a nossa doutrina publicista considera que os tribunais
administram, podendo decidir num sentido contrário à Administração.
Neste sistema há normas de Direito Público que fogem à lógica do Direito comum –
administrative law. No seu conjunto, estas leis não formam um ramo de Direito
próprio e autónomo, são normas excecionais (a sua amplitude e profundidade é
menor do que no Direito Administrativo continental).
Todas as relações jurídicas entre a Administração e particulares são regidas pelo
Direito comum ou geral.
Em suma, o sistema britânico caracteriza-se pela descentralização, a regulação das
relações entre a Administração pública e os particulares ser feita pelo Direito Privado
(posição de paridade), a inexistência dos tribunais administrativos (a atuação da
Administração é objeto de fiscalização por tribunais comuns), poder de plena
jurisdição face à Administração (os tribunais não estão delimitados à mera fiscalização
da legalidade da atividade administrativa podendo anular atos com fundamento no
interesse público, obrigando a Administração a praticar atos em razão da avaliação que
o próprio tribunal faz do interesse publico, em cada caso concreto).
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Ao longo dos últimos 70 anos assistimos a uma aproximação dos sistemas, sem
que nenhum perdesse a sua identidade própria.
Deu-se uma administrativização do sistema britânico através da sua centralização.
Criaram-se Ministérios nas áreas sociais (emprego, ensino, saúde e SS), com
implementação territorial. Dentro deles também existe uma estrutura hierárquica.
Multiplicaram-se as normas administrativas (administrative law) e aumentou a sua
importância no Estado Providência. (NOTA: Já se pode falar numa sujeição da Administração à
lei – princípio da legalidade positiva.).
Criaram-se “administrative tribunals” (instância de natureza indefinida) para
aplicar a nova legislação. São entidades especializadas em razão da matéria, que
julgam recursos de atos da Administração mas não são verdadeiros tribunais nem são
compostos por juízes, são uma espécie de autoridades administrativas independentes
que desempenham materialmente funções que no nosso sistema estão a cargo dos
tribunais administrativos.
No continente assistimos, no século XX, a uma orientação descentralizadora que
tende a esvaziar o Estado em benefício das regiões e comunidades locais – o Estado
perde importância para as regiões e autarquias locais (jusante) e da UE (montante).
É relevante a recente tendência da diminuição do peso do Estado na sociedade. Por
outro lado, assiste-se a um progressivo uso do Direito Privado pela Administração,
com a adoção de formas jurídico-organizativas privadas e a sujeição da atividade a
outros organismos/entidades (a fuga para o Direito Privado aproxima a Administração
privatizada à Administração do RU).
Na Europa dá-se um progressivo aumento dos tribunais administrativos no sentido
da plena jurisdição.
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NOTA: Sob a égide da UE, o RU afeiçoou a sua legislação e sistema ao paradigma da UE, pelo que esta
aproximação não será perdida após o RU ter abandonado a UE. Irá manter-se a legislação e
regulamentos comunitários até sua revogação expressa.
Entrada no tema
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Os juízos de aplicação da lei a casos concretos são distintos dos juízos próprios da
atividade administrativa, aos quais vai recorrer o órgão administrativo para aplicação a
lei a casos concretos.
Deste modo, a diferenciação entre a atividade jurisdicional e o exercício do poder
discricionário não passa pelo facto de a atividade jurisdicional estar vinculada à
aplicação da lei ao passo que o poder discricionário é um poder livre – isto não
acontece. Para definir os limites do controlo jurisdicional da atividade administrativa
discricionária repudia-se este critério e utiliza-se o critério de fixação dos limites dado
aos juízes no controlo da discricionariedade da Administração Pública.
Relativamente ao critério a utilizar, salienta-se que o poder discricionário, enquanto
manifestação do poder executivo do Estado, tem uma natureza distinta do poder
jurisdicional, o que não se justifica pelo facto de o poder discricionário ser livre em
relação ao Direito ao mesmo tempo que o poder jurisdicional é um poder vinculado –
este é um critério antiquado.
O poder judicial também é um poder que se distancia da lei como o poder
discricionário, embora em dimensões diferentes. A distinção é de natureza porque
também há discricionariedade jurisdicional.
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O controlo total significa que o Tribunal não se restringe, ao passo que o controlo
positivo leva-nos à ideia de que o Tribunal vai determinar na sua sentença
condenatória o ato que a Administração terá de praticar, caso conclua que a
Administração violou as regras que regulavam o conteúdo da sua decisão, pelo que o
ato deve ser declarado nulo e a Administração será condenada a praticar o ato que
devia ter praticado.
As questões discutidas são clássicas de Teoria Geral do Direito. As respostas
passam, na aplicação da lei pela Administração Pública (órgão administrativo), pela
distinção na estrutura da norma entre o que são operações de mera interpretação ou
de integração de lacunas (extralegais, clássicas) – está no domínio vinculado. (NOTA:
Todo o poder discricionário é uma lacuna na lei – é uma lacuna intralegal).
Se se tratar de matéria de interpretação e integração de lacunas clássicas está
sujeita ao controlo total dos tribunais. Se são operações que traduzem o exercício do
poder discricionário terá de ser encontrada outra resposta.
Na controvérsia entre o domínio de interpretação/integração de lacunas contra o
domínio da discricionariedade, os grandes temas que se discutem são:
Saber se o preenchimento dos conceitos imprecisos é totalmente uma questão de
interpretação da lei, se será só de alguma forma ou se, por outro lado, o
preenchimento de conceitos imprecisos é sempre uma discricionariedade;
Distinção entre os vários tipos de conceitos imprecisos (classificatórios, conceitos
tipo, conceitos subjetivos);
O verdadeiro alcance da discricionariedade isto é, se é uma liberdade concedida à
Administração (se todas as opções são igualmente válidas e indiferentes para o
Direito) ou, se por outro lado, as escolhas não são indiferentes ao Direito e se o
papel da Administração é completar/integrar os pressupostos legais em cada caso
concreto;
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a) A discricionariedade de decisão
Nestes casos o legislador atribui à Administração, verificados os pressupostos da
previsão normativa, o poder de tomar ou não tomar uma determinada decisão (ato
administrativo).
O operador deôntico é o conceito “pode” – há duas alternativas: praticar ou não
praticar o ato. A norma bifurca-se em duas possibilidades e é aqui que está a
indeterminação normativa estrutural.
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Temos uma norma aberta na sua estrutura, ou seja, uma indeterminação normativa
estrutural.
Nos outros ramos do Direito, o relevo dos conceitos imprecisos prende-se com o
facto de o Direito Civil e o Direito Penal serem ramos do Direito muito consolidados –
os conceitos que surgem nas suas normas estão consolidados.
No DA isto não acontece porque é um ramo mais recente (200 anos) e assistimos,
após a II GM, a um fenómeno de proliferação das normas do DA e das situações de
discricionariedade. Isto significa que existem conceitos novos, pelo que não foram
objeto de um trabalho jurisprudencial tão aprofundado. Contudo, esta não é a
principal razão para que a problemática dos conceitos imprecisos seja de grande
relevância no DA e o mesmo não aconteça nos outros ramos.
Nos outros ramos do Direito só há uma autoridade pública que aplica a lei – os
tribunais. Não há uma situação em que duas autoridades públicas (poderes soberanos
do Estado) concorram entre si para a aplicação de uma norma a situações concretas.
Decorrente do princípio da separação dos poderes, pode colocar-se a questão de se
reconhecer alguma margem de autonomia ao poder administrativo (autoridade
pública que aplica a lei). No entanto, esta questão não se coloca a algumas correntes
doutrinárias extremas.
O juízo jurisprudencial típico da sentença já não é lógico-dedutivo. Na atividade
jurisdicional passamos a ter valorações autónomas (contributo da Jurisprudência dos
Interesses) e chegam a existir momentos emotivos nas sentenças. Isto acontece
porque a sentença é um espaço de criação de Direito.
Por isto, no Direito Penal e no Direito Civil, no preenchimento de conceitos
imprecisos é normal a jurisprudência vá contribuindo.
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a) Entrada no tema
A teoria dos conceitos imprecisos, muito relevante no Direito Administrativo, teve
como primeiro autor Jellinek (1ª metade do século XX).
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Por outro lado, há uma corrente doutrinária que remeteu para a interpretação ou
para a discricionariedade o preenchimento do conceito consoante se localize na
hipótese ou consequência da norma. Deste modo, tentou aplicar a seguinte
classificação:
Se o conceito estiver na previsão (hipótese) – é uma operação cognitiva, momento
em que o aplicador da norma está a reconhecer o conceito;
Se o conceito estiver na estatuição (consequência) – é um momento volitivo ligado
às faculdades de ação da Administração.
CONCLUINDO:
Não se estabelece um regime diferente, é apenas uma simples alteração da técnica
normativa. É preciso ter cuidado porque é importante ter em atenção a divisão da
norma.
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Noções prévias:
Entende-se por prerrogativas de avaliação que na margem de livre apreciação dos
conceitos imprecisos e, de alguma forma, no poder discricionário em geral, nalguns
casos, certos fatores apontarão para o reconhecimento de uma maior margem de
liberdade (criação da zona de reserva da Administração) e a presença de outros fatores
pode apontar para um sentido contrário.
Por outras palavras, em cada norma concreta deve-se verificar a presença de
fatores que apontem para um sentido ou outro. Quando apontarem para um
reconhecimento de uma maior margem de reserva de Administração estamos perante
as prerrogativas de avaliação, se apontar para outro sentido serão outros elementos,
que apontam para um maior controlo.
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Uma outra hipótese encara a discricionariedade como uma habilitação legal para a
Administração se limitar a completar um pressuposto de facto normativo e perfeito,
isto é, na hipótese da norma são configurados os pressupostos cuja verificação vão
legitimar a Administração a agir. O pressuposto está incompleto intencionalmente,
pelo que cabe à Administração completar para cada caso esse pressuposto.
Esta operação tem dois momentos lógicos distintos, apesar de isto não significar
que na prática estes se consigam distinguir.
Num primeiro momento, a Administração faz uma norma para o caso concreto, que
vai juntar aos pressuposto legais não para a situação concreta mas para a categoria
abstrata onde ela se insira, pondo-se no lugar do legislador e completando-o no
espírito deste se pudesse ter antevisto a situação em causa.
Depois, a aplicação da norma completada pela Administração e aplicada à situação
concreta leva-nos a um raciocínio dedutivo. O trabalho de complementação da
previsão legal (feito objetivamente) aponta para uma única solução possível. O
legislador não completa os pressupostos pela sua incapacidade e porque não pode
nem deve na sua previsão desenvolver um grande número de situações da vida real a
priori e deixa esse trabalho para a Administração
A Administração tem uma dupla tarefa: em primeiro lugar, do ponto de vista
objetivo, vai completar os pressupostos imperfeitos no espírito do legislador e fixar
critérios objetivos (que provavelmente só se aplicarão naquele caso em concreto).
Rogério Ehrhardt Soares e Sérgio Correia sustentam a tese quanto à natureza do poder
discricionário.
Este procedimento é a regra, o que não significa que no ordenamento jurídico não
hajam exceções face às quais somos obrigados a reconhecer que existe uma
verdadeira liberdade da Administração Pública, pelo que qualquer das consequências
da norma jurídico-administrativa será válida para o legislador. É preciso ter em
atenção que esta é uma exceção.
Nestes casos excecionais não estamos perante situações mas sim de escolhas de
pessoas para cargos públicos.
No domínio da escolha de pessoas temos um campo vasto, pelo que não podemos
confundir com os atos administrativos. Trata-se do campo do exercício dos direitos de
participação política (exemplo: 1 – A eleição do Presidente de uma pessoa coletiva pública por parte
de uma Assembleia Representativa; 2 – As instituições de ensino superior público são uma forma de
Administração Autónoma que têm sempre um órgão executivo, em princípio um órgão individual, que é
o reitor, e os órgãos colegiais, uma espécie de Parlamento que é o Conselho Geral, que elege o reitor.
Trata-se de um fenómeno eleitoral, de eleição indireta porque há um órgão representativo que elege
indiretamente, pois também ele foi eleito. Estamos no domínio eleitoral de exercício de direitos de
participação política lato sensu; 3 – As eleições dos órgãos das associações públicas.).
Todos os exemplos são fenómenos eleitorais no domínio do exercício de direitos de
participação política que não devem ser confundidos com atos administrativos.
Contudo, no âmbito de escolha de pessoas abandona-se o terreno eleitoral e entra-se
no domínio de escolha de pessoas que corresponde aos atos administrativos.
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1. Noções introdutórias
Noções prévias
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Regras jurídicas e princípios jurídicos: a lógica dos princípios, por contraposição à das
regras:
Tanto as regras como os princípios são normas jurídicas, ou seja, pautas de conduta
imperativas.
Nas regras (pode ser uma norma imperativa-perspetiva, proibitiva ou permissiva),
quando se verifique na realidade o pressuposto por ela enunciado a consequência
surge em modos definitivos. Temos aqui um silogismo: premissa maior, premissa
menor e conclusão – nenhum destes elementos pode falhar.
Quanto aos princípios estamos perante normas elásticas, são mandatos de
otimização. Dirigem-se ao aplicador da norma no sentido de fazer o melhor possível.
Há um valor subjacente ao destinatário da norma, pelo que a autoridade que aplica a
norma terá de fazer o melhor possível para salvaguardar o bem jurídico por si
tutelado. Isto acontece na lógica da reserva do possível (possível facto e possível
jurídico).
Em cada situação concreta a primeira operação é verificar se há uma relação de
pertinência entre a relação concreta e um ou mais princípios gerais da atividade
administrativa. O princípio tem de ser convocado e ser objeto de ponderação porque
normalmente não é apenas um a ser convocado, são mais e estes podem ser
contrários – situações de colisão, de sobreposição. Isto significa que terá de se
ponderar valores e um princípio ab initio pode ser sacrificado porque outro foi mais
pertinente.
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Isto não afeta o seu núcleo duro porque senão a solução é ilegal. No fundo trata-se
de saber se a situação está numa zona de núcleo central do princípio ou não.
Para salvaguardar um direito fundamental não teremos de sacrificar outro – é um
dogma/axioma. Nunca a observância de um princípio sacrifica totalmente outro.
Os princípios convocados são sempre objeto de argumentação e ponderação. A
solução procurada tem de ser testada e será dada prevalência ao princípio que mais
pertinência apresente. Havendo perturbação do princípio e não violação, essa
perturbação não é invalidante nos casos de colisão.
Os princípios são normas abertas, carentes de preenchimento valorativo. A
hierarquia não é estabelecida pelo legislador mas sim pelo aplicador da lei (primeiro o
órgão administrativo e depois os tribunais).
Legalidade e juridicidade
Legalidade e mérito:
A AP está obrigada, pela função positiva dos princípios, a dar uma solução ao caso
concreto.
Estamos a pensar na grande divisão entre legalidade e mérito, baseada na questão
de onde começa o poder discricionário e onde termina a interpretação.
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Legalidade e juridicidade:
Os tribunais só controlam a legalidade, seja na observância de regras ou princípios.
Isto significa que quanto aos poderes vinculados os princípios têm pouca relevância.
O princípio da legalidade
Este princípio tem funções similares noutros ramos do Direito. Todavia, no Direito
Administrativo tem uma importância superior comparativamente à que tem no Direito
Privado (NOTA: Não se pode comparar a autonomia dos privados ao exercício do poder discricionário
da Administração sobre a qual o princípio vai ter então grande relevo.).
Concluindo, o princípio da legalidade deve ser entendido como um princípio de
juridicidade e submissão da Administração ao Direito em geral.
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Quando o nº2 do artigo refere que “a Administração pública deve ser organizada”
passamos para o âmbito da organização administrativa e não da atividade
administrativa.
Relativamente à celeridade, esta é uma exigência importante em matéria de
procedimento administrativo, isto é, de a Administração Pública tratar de modo rápido
as tarefas que lhe competem, sobretudo quando se trata de tomar decisões de que
dependem a satisfação de interesses dos particulares.
Em relação à eficiência e economicidade, tratam-se de termos muito parecidos. A
economicidade trata-se da projeção da eficiência em matéria de custos. Estes
conceitos estão relacionados com a ideia de fazer muito com pouco, conseguir
alcançar os melhores resultados possíveis com os recursos disponíveis, que por
definição são escassos.
Está em falta uma 4ª vertente mas que está implícita: a eficácia. A eficácia não se
deve confundir com eficiência. Eficácia diz respeito à máxima adequação possível dos
meios utlizados face aos resultados que se pretendem alcançar. É uma vertente
indissociável do dever de boa administração. Paradoxalmente é a única vertente com
expressa consagração constitucional (no artigo 267º, nº3 da CRP a eficácia é invocada
como razão de ser de um patamar mínimo de unidade da Administração Pública).
Em contraposição a outros princípios, a unidade é a eficácia da atuação
administrativa que pode ser prejudicada por uma descentralização desmedida.
Tem-se visto que o mérito e a legalidade, ou seja, os critérios de boa administração
estão fora do controlo dos tribunais distinguem-se dos parâmetros jurídicos que o
Tribunal se pode e deve socorrer para invalidar um ato da Administração.
Assim, existindo o princípio de boa administração parece que faz desaparecer a
diferença entre mérito e legalidade, o que à partida significa que será fundamento
suficiente para invalidar um ato administrativo.
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O princípio da igualdade
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Nos casos em que não existe alterações no órgão, caso se constate que o critério
adotado anteriormente não se adapte aos resultados (esta situação é exigida pela lei e
é por isso que existe poder discricionário).
O princípio da proporcionalidade
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Noções prévias:
a) Entrada no tema
Para terminar a matéria respeitante aos princípios da atividade administrativa
importa falar sobre o princípio da justiça, da razoabilidade e o da racionalidade.
Tanto o princípio da justiça como o da razoabilidade estão consagrados no artigo 8º
do CPA, ao passo que o princípio da racionalidade ainda não tem consagração
expressa, apesar de estar vigente e ser reconhecido pela jurisprudência e doutrina.
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O princípio da justiça:
a) Entrada no tema
Até recentemente dizia-se que o princípio da justiça foi daqueles que transitou da
zona do mérito para a zona da legalidade. A revelação dos princípios gerais da
atividade administrativa foi uma das vias de construção do Direito Administrativo. Foi
uma revelação puramente jurisprudencial de vários princípios que se entendia que
regulavam a atividade da Administração Pública, incidindo no exercício do poder
discricionário.
Os princípios foram sendo previstos ao longo do tempo. O primeiro a ser convocado
foi o princípio da igualdade e os restantes foram sendo revelados pela jurisprudência.
Há algumas décadas atrás, quando se falava em justiça de atuação da
Administração tratava-se de um parâmetro próprio da zona de mérito, oportunidade
ou conveniência, na medida em que a justiça não estava relacionada com a
juridicidade ou legalidade. O mesmo acontecia com os critérios da proporcionalidade,
que eram de boa administração e não de judicialidade.
Lentamente os princípios sofreram uma transição para a zona da legalidade, o que
levou à ampliação do âmbito de atuação dos tribunais no controlo da atividade
administrativa.
O dever de boa administração já é um princípio geral da atividade administrativa,
sob pena de acabar com a reserva do poder executivo. Evidentemente tem um alcance
limitado como princípio jurídico que pode levar à anulação judicial de um ato
administrativo.
Esta recente transição traz a dificuldade de saber quando se deve convocar este
princípio ou quando um regulamento/decisão administrativo será inválido por violação
do princípio. A justiça é um ideal difícil de atingir. Todo o Direito positivo deveria ser
justo, bem como todas as sentenças e decisões administrativas no espaço próprio de
criação jurídica.
Todas as decisões administrativas deveriam ser justas no espaço de criação
administrativa, que é um espaço de discricionariedade, o que significa que todas as
decisões têm algo de injusto.
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O princípio só será justo se condensar um sentido base ou último de um fim que há-
de presidir a todo o Direto (aqui encontra-se a ideia de Direito).
A consequência desta construção é que como última instância de todo o Direito
positivo, lhe atribuí uma marca de Direito como algo devido e que escapa ao domínio
da vontade, não é fruto da voluntas (vontade) do legislador e das decisões da
Administração Pública.
A ideia de Direito tem um conteúdo mínimo. Não é uma ideia intemporal nem
universal. O seu conteúdo só é indiscutivelmente válido num determinado espaço e
época civilizacional.
No nosso tempo e espaço, a ideia de Direito identifica-se com os valores da paz
jurídica e com a realização da justiça nas suas várias dimensões – justiça igualitária,
comutativa e distributiva.
Os princípios de Direito Público justo são a responsabilidade, igualdade,
proporcionalidade, imparcialidade e todos aqueles que estão na génese do Estado de
Direito, como a limitação e controlo do poder, juridicidade, não retroatividade, tutela
jurisdicional efetiva.
Acerca do princípio da justiça, Gomes Canotilho e Vital Moreira dizem que a
Administração não deve pautar a sua conduta por critérios de justiça abstrata, isto é,
de justiça desligada do concreto ordenamento jurídico. Para que uma decisão
administrativa se possa considerar inválida apenas se deve considerar a justiça
constitucionalmente plasmada em certos critérios matérias ou de valor (dignidade da
pessoa humana, direitos fundamentais, igualdade).
Quando o atual artigo 8º notifica a Administração, e consequentemente os
tribunais, a compatibilizar as escolhas administrativas e as escolhas discricionárias com
a ideia de Direito (sem afastar o subjetivismo administrativo ou judicial), aponta num
sentido que não é exatamente indicado pelos constitucionalistas.
A ideia de Direito transcende o ordenamento jurídico de um país. Não teremos de
ficar amarrados a um sistema de valores positivados.
Quando no artigo 8º do CPA se diz que a Administração e os tribunais se devem
conduzir por uma ideia de Direito, está o a ultrapassar o ordenamento jurídico positivo
português. Isto traduz-se num critério de defensabilidade, apelando aos conceitos de
“homem médio” e “bom pai de família”, aos conceitos de justiça e bom senso
enraizados na comunidade.
O decisor administrativo ou judicial, de acordo com esse juízo, tem de averiguar da
sustentabilidade de uma dada decisão à luz dos princípios de justiça e razoabilidade.
Daqui não poderia surgir um sentimento de discordância, mesmo que o
administrador/julgador não concorde subjetivamente com o juízo imperante na
comunidade.
Na interpretação das normas e valorações administrativas, a interpretação deverá
orientar-se por estas diretrizes não tomando como parâmetro apenas o ordenamento
jurídico positivo, cujo topo é a CRP.
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Constitui uma cláusula geral a que, em primeiro lugar, deve ser submetido o poder
discricionário. É a primeira diretriz para decidir se uma dada decisão é ou não
arbitrária.
É subsidiário relativamente aos outros princípios. Trata-se de um mecanismo de
controlo da qualidade global e da ponderação de interesses feita pela Administração,
uma verificação que não é aprofundada nem detalhada, pretendendo-se aferir a prévia
aceitabilidade da decisão.
Quando o convocamos não se define a justa medida ou quantidade,
nomeadamente do sacrifício imposto para a prossecução do interesse público.
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O princípio da imparcialidade
Entrada no tema:
O princípio da imparcialidade está consagrado no artigo 9º do CPA, no qual se
pode distinguir uma função preventiva e uma função sucessiva.
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O princípio da boa-fé
Relativamente a outros ramos, o princípio da boa-fé (artigo 10º do CPA) surge com
as devidas adaptações e alterações no Direito Administrativo.
A 1ª dimensão do princípio é a boa-fé subjetiva que diz que a Administração está
obrigada a atuar lealmente e de forma transparente. Mesmo que a última intenção do
órgão seja reta e louvável, a Administração não pode fazer promessas informais que
não pode ou não quer cumprir, levando o particular a não exercer um direito que tem.
Provando-se a prática e as razões subjacentes, os atos de recusa são inválidos por
violação do princípio da boa-fé.
Não viola o princípio da boa-fé apenas uma atitude desleal. Uma ação errática que
crie expectativas ao particular durante o procedimento e que no final exista um ato de
recusa o ato também poderá ser invalidado por violação da boa-fé.
É importante perceber até que ponto a AP está limitada pelo Direito Privado.
Importa relembrar que nos sistemas de administração executiva (ou continental)
existe um ramo de Direito consolidado com princípios próprios, um Direito estatutário
ao qual a Administração se subordina sempre que atua com os seus poderes ou
prerrogativas de autoridade – é o Direito Administrativo. Contudo, a Administração
não deixa de ter ligações com o Direito Privado.
Estas ligações são de 2 tipos:
O Direito Privado, ao proteger a esfera jurídica das pessoas em geral, fá-lo no
mesmo espaço, fixando limites aos demais associados no sentido de respeitarem
esses direitos (direitos absolutos que requerem aos associados uma atitude de
respeito ou abstenção – exemplo: Direito de propriedade não é pelo facto de a Administração
ser um poder público e usar prerrogativas de autoridade que pode a invadir a propriedade, está
limitada como qualquer sujeito privado, o que não implica que tenha poderes de autoridade com
fins expropriativos e que leve à sua tomada de posse de um terreno. Normalmente não o pode
fazer.).
O Direito Privado é um limite à atividade da Administração, que dentro dos
limites da licitude não pode perturbar um direito, pelo que condiciona a atuação
da AP;
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Contratos através dos quais a Administração não adquire/aluga bens móveis mas
sim que ela própria aluga/vende bens móveis (exemplo: Contratos através dos quais um
serviço municipal venda água para consumo público através de uma rede fixa) ;
Contratos através dos quais a Administração não aluga mas vende serviços. A
Administração tem sempre a faculdade de, em alternativa ao contrato de Direito
Privado, celebrar um contrato de DA com o mesmo objeto – capacidade de
escolha;
Contratos relacionados com bens imóveis, em que a Administração surge como
arrendatárias;
Contratos afins que envolvam bens imóveis, a não ser que a Administração opte
por celebrar um contrato sujeito ao regime geral dos contratos administrativos.
Em regra, dos contratos administrativos existem alguns regulados por lei na Parte III
do Código dos Contratos Públicos (contrato de empreitada de obras públicas,
concessão de serviços e obras públicas, aquisição/locação de bens móveis e aquisição
de serviços) que não estão apenas sujeitos a um regime substantivo de DA mas
também o procedimento ligado à situação do contrato pela Parte II do Código dos
Contratos Públicos (CCP).
No entanto, devido a critérios relacionados com a concorrência, isto é, sempre que
a AP contrata recorrendo ao contrato de Direito Privado e a prestação que vai buscar
ao mercado possa ser prestada por mais do que um operador económico, é obrigada a
adotar um procedimento concursal (Parte III do CCP).
CONCLUINDO: a Administração pode celebrar contratos de Direito Privado, desde
que sujeita ao DA no que diz respeito ao procedimento (que será de tipo concursal).
Portanto, Direito Público e Direito Privado misturam-se.
Existem pessoas coletivas públicas que na sua atividade estão sujeitas ao Direito
Privado, das quais fazem parte 2 antigas subespécies de institutos públicos que
ganharam autonomia:
1. Antigos institutos públicos empresariais, hoje designados por entidades
públicas empresariais (exemplo: Hospitais). São pessoas coletivas públicas regidas
pelo Direito Público na sua organização e funcionamento mas que na sua
atividade estão sujeitas ao Direito Privado;
Para além destas, existem pessoas coletivas que sendo desdobramentos das
pessoas coletivas públicas tradicionais, estão totalmente submetidas ao Direito
Privado porque têm natureza jurídico-organizativa privada, como é o caso das
sociedades comerciais, sociedades anónimas, sociedades por quotas, cooperativas.
Nestas, as entidades públicas detém 100% do capital/quotas ou, pelo menos, a maioria
ou então as regras que regem essas entidades atribuem uma influência dominante às
entidades públicas (dominam a sociedade mas podem não ter a maioria das quotas) –
designa-se AP em forma privada. A relação com o Direito Privado é relevante porque
aplica-se Direito Privado às suas atividades.
Atualmente, já não existem fundações públicas com natureza jurídico-organizativa
privada. A Lei-Quadro das Fundações Públicas associa à influência dominante pública
a natureza jurídico-organizativa pública da fundação (movimento de regresso ao
Direito Público). Por outras palavras, o CCP situa no universo administrativo tradicional
das pessoas públicas, as fundações públicas. A Lei-Quadro das Fundações e o CCP, no
que respeita às fundações públicas remetem estas fundações para a organização
administrativa mesmo no que respeita à sua atividade (de Direito Privado) há um
predomínio de regimes de DA – o DA e o Direito Privado têm igual peso na sua
atividade.
Mesmo na AP tradicional uma espécie de institutos públicos hoje autonomizados na
categoria de entes públicos são autoridades administrativas sujeitas a um regime
misto na sua atividade.
As associações públicas (de entidades privadas, coo as ordens profissionais)
também na sua atividade, apesar de pertencerem à AP tradicional tem partes da sua
atividade que pertencem ao Direito Privado (exemplo: Contratos de trabalho).
Vivemos numa época de assimetrias quando se tenta distinguir entre a aplicação de
Direito Público ou Direito Privado.
As entidades da AP de Direito Privado (sociedades comerciais, associações,
entidades públicas empresariais) que à luz do DUE e do CCP são qualificadas como
organismos de Direito Público, já podem escolher entre Direito Público e Direito
Privado relativamente aos contratos e ao regime substantivo dos contratos a celebrar.
Atendendo à especificidade da sua atividade, há razões que levam a uma maior
flexibilidade na sua atuação, pelo que podem escolher não quanto ao regime
procedimental mas sim o tipo de contrato no regime substantivo (exemplo: Escolha entre
um contrato de empreitada de obras públicas ou de empreitada privada; entre um contrato de
aquisição administrativo de aquisição de imoveis ou um contrato privado de aquisição de imóveis).
Estas entidades designadas organismos de Direito Público (artigo 2º, nº2 do CPP) têm
escolha quanto à figura substantiva entre contrato administrativo ou contrato de
Direito Privado (quando o objeto é passível de ser regulado por Direito Privado).
Quanto às situações em que AP é remetida para o Direito Privado, o Direito Público
e o Direito Privado misturam-se, pelo que o Direito Público está sempre presente.
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O princípio da descentralização
O conceito de descentralização:
O princípio da descentralização (artigo 6º, nº1 + artigo 267º, nº2 + artigo 235º e
seguintes da CRP) traduz-se numa imposição aos poderes constituídos de transferirem
poderes administrativos (atribuições e competências) do centro para a periferia, com a
especificidade de essa transferência se operar a favor de pessoas coletivas públicas
distintas do Estado.
A descentralização administrativa apresenta 2 vertentes:
1. Vertente estática: esgota-se com a criação por lei de novas pessoas coletivas
públicas com atribuições e competências herdadas do estado. Com a entrada em
vigor da CRP de 1976 esta vertente esgotou-se com a consagração da autonomia
local, através da qual todas as freguesias e municípios adquiriram autonomia de
que não dispunham na anterior ordem constitucional, o que se concretizou
através da 1ª lei das autarquias locais de 1977;
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A devolução de poderes:
No fenómeno da devolução de poderes estamos perante um ente público primário
(pessoa coletiva pública territorial) que entrega a outra entidade também pública
determinadas atribuições que pertencem de raiz ao ente matriz (Estado, região ou
município). O objetivo é que a 2ª pessoa coletiva (de fins específicos) prossiga as
atribuições enquanto mero instrumento da 1ª, ou seja, é uma forma de Administração
indireta do Estado.
Tudo acontece formalmente como aquelas atribuições pertencessem
completamente à entidade que recebe as atribuições. Estes entes de fins específicos
gozam de autonomia administrativa (atos administrativos que não admitem recurso),
financeira (gere autonomamente os seus próprios orçamentos) e patrimonial (bens
próprios).
Este processo é diferente da verdadeira descentralização (de âmbito territorial), na
qual existe a transferência para as autarquias locais (a título de interesses próprios da
respetiva comunidade) de novas atribuições e competências, que passam a ser
próprias dessas comunidades.
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O princípio da desconcentração
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A desconcentração originária:
a) Noções gerais
Normalmente, na desconcentração originária transferem-se apenas competências e
não atribuições, entre órgãos da mesma pessoa coletiva e não de distintos sujeitos
públicos.
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A desconcentração derivada:
c) Pressupostos da delegação
Para a prática do ato de delegação de poderes, através do qual o órgão
administrativo competente para decidir numa dada matéria, permite através da lei
que outro órgão passe a exercer poderes de decisão nessa matéria.
O órgão delegante é aquele que permite ao outro exercer parte da sua
competência, ao passo que o órgão delegado é aquele que vai passar a poder exercer a
competência cujo exercício lhe foi transferido. Já os poderes transferidos são os
poderes delegados.
Para que haja validamente uma delegação de poderes/competências é preciso que
esta seja permitida por lei – lei de habilitação.
A lei de habilitação tem de identificar o órgão delegante, determinar os poderes
delegáveis e identificar os órgãos que vão beneficiar da delegação, ou seja, os órgãos
delegados.
Depois, terá de existir a prática de um ato administrativo de delegação, onde terá
de conter uma descrição rigorosa e detalhada dos poderes delegados. A lei requer
ainda que o ato seja publicado, caso contrário não será eficaz.
Sempre que o delegado pratique atos ao abrigo da delegação está obrigado a
mencionar a sua qualidade de órgão delegado (terá de dizer que a competência
pertence ao Estado).
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d) Regime da delegação
A relação hierárquica entre delegante e delegado é de supra e infra ordenação.
Quanto à competência delegada, existindo uma relação hierárquica entre
delegante e delegado, a relação de hierarquia dica suspensa e é substituída por uma
outra relação de supra e infra ordenação mas que já não é hierárquica. Na relação
delegatória (pode substituir a relação hierárquica) afasta o poder típico do superior
hierárquico (poder de direção/decisão) porque com a delegação, no âmbito dessa
matéria, existe uma transferência de responsabilidade do delegante para o delegado,
que vai passar a exercer competência.
No entanto, mantém-se na esfera do delegante os poderes de supervisão
adequados ao controlo sucessivo dos atos praticados ao abrigo da delegação (o
delegante pode revogar/suspender os atos do delegado, oficiosamente ou a pedido do
destinatário do ato).
Em 2º lugar, existe um poder reforçado de superintendência. O delegante pode
emitir diretivas e instruções genéricas sobre o modo como o delegado terá de exercer
a competência.
Para além disto, através de um ato designado “avocação”, o delegante pode avocar
(chamar a si) o exercício da competência do delegado relativamente a casos
específicos, pelo que fica responsável por decidir sobre o assunto em concreto.
Por último, o delegante pode livremente e a todo o momento revogar o ato de
delegação porque a lei configura a delegação de poderes como um ato que pressupõe
uma confiança pessoal do delegante no delegado. Se esta desaparecer ou for posta em
causa, o delegante terá liberdade para revogar a delegação. Esta situação poder-se-á
comprovar nas situações de mudança de titular de um órgão delegado pois a
delegação caduca. Isto não significa que o novo titular não seja merecedor da
confiança do anterior titular do órgão mas é necessário que o delegante renove o ato
de delegação.
Esta modalidade de desconcentração (voluntária ou delegada) é muito cautelosa
pois o titular da competência, apesar de a poder delegar tem liberdade de fazer cessar
a competência do delegado se ela não corresponder àquilo que pretendia.
e) Natureza da delegação
Consequência do princípio da legalidade administrativa, pelo princípio da
irrenunciabilidade das competências (artigo 36º do CPA) o delegante continua a ser o
titular da competência.
Neste caso, limita-se apenas a transferir o seu exercício, que passa a ser um
exclusivo do delegado.
Apesar de o delegante ser o único titular da competência, enquanto a delegação
existir, o delegante não pode exercer a competência ao mesmo tempo que ela está a
ser exercida pelo delegado. Caso pretenda recuperar a competência para a poder
exercer, terá de revogar a delegação.
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Dá-se uma modificação na lógica destas instituições. Uma vez que todos os
membros dos órgãos das associações públicas são eleitos por privados, quando
assumem os seus cargos, os titulares dos membros dos órgãos das associações
públicas ficam impedidos de prosseguir os interesses socioprofissionais da
comunidade que os elegeu, isto é, ficam apenas ligados à prossecução do interesse
público da profissão. Esta é a única forma de compatibilizar com o Estado de Direito a
figura da associação pública, em que a totalidade dos membros dos órgãos são
escolhidos por particulares.
Apesar de isto parecer contraditório, acredita-se que há uma coincidência entre os
interesses públicos e os interesses privados dos membros da associação profissional
(exemplo: Um médico que infringe as regras da sua profissão, quando é julgado por uma comissão
disciplinar da ordem dos médicos esta fará de tudo para defender o prestígio da profissão.).
Apesar
das possíveis más condutas dos elementos da ordem, há um interesse da coletividade
profissional salvaguardar o prestígio da profissão para que as pessoas em geral
continuam a confiar nela.
Para que as associações públicas desenvolvam a sua atividade essencialmente
regulatória (disciplinar) acredita-se que há uma coincidência entre estes interesses,
que existindo explica a razão da sua existência.
Tendo estas associações públicas uma atividade regulatória que existe em favor dos
utentes, os serviços profissionais acabam por não estar representados, o que se traduz
numa falha. Ainda assim, isto não torna estas entidades inconstitucionais.
A atual lei das associações profissionais prevê a possibilidade de ser órgão da
ordem um Provedor dos Utentes, eleito pelos entes dos serviços profissionais, o que
permitiria um maior equilíbrio.
O princípio da subsidiariedade
O conceito de subsidiariedade:
O princípio da subsidiariedade está consagrado na Carta Europeia de Autonomia
Local.
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Entrada no tema:
Este é um princípio tanto de atividade como de organização administrativa.
Como princípio da organização administrativa traduz-se na exigência de organização
e procedimento administrativos serem justos e imparciais.
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Entrada no tema:
A Administração é um sistema constituído por pessoas coletivas (elemento base).
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a) Noções gerais:
As pessoas coletivas de Direito Privado são por ato jurídico privado, previstos no
CC (Associações e Fundações), Código das Sociedades Comerciais (Sociedades
Comerciais) e Código Cooperativo (Cooperativas).
Retirando o caso especial do reconhecimento ministerial das fundações, regulado
no CC e Lei-Quadro das Fundações, em princípio não há a intervenção de qualquer ato
legislativo ou administrativo. As pessoas coletivas privadas são criadas por negócio
jurídico (ato de Direito Privado).
Quanto às pessoas coletivas públicas, na maioria dos casos, o regime legal geral
qualifica-as como tal ou em cada ato específico de criação são objeto de expressa
qualificação.
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Quando o legislador qualifica uma pessoa coletiva como pública ela será
indiscutivelmente pessoas coletiva pública (isto acontece em quase todos os casos).
Ainda assim, podem existir casos em que a lei cria uma dada pessoa coletiva mas
não a identifica expressamente como tal, não procede a qualquer qualificação.
É nestes casos que será necessário enunciar os critérios que permitem distinguir
entre uma pessoa coletiva pública e pessoa coletiva privada: critério de iniciativa,
critério do fim e critério da capacidade jurídica.
b) Critério da iniciativa:
Se a pessoa coletiva é criada por lei ou ato administrativo será à partida uma pessoa
coletiva de Direito Público.
Não é um critério definitivo porque há pessoas coletivas criadas ou reconhecidas
por lei que são indiscutivelmente privadas (exemplo: Fundação Minerva – tutelada por uma
Universidade privada, a Universidade Lusíada. Foi criada por DL no Governo de Durão Barroso. Com
recurso aos outros critérios não existem dúvidas de que é uma entidade privada; Empresas
nacionalizadas após o 25 de abril foram reprivatizadas através de lei.).
c) Critério do fim:
Sempre que a lei confia expressamente a uma pessoa coletiva a prossecução de um
fim público, ela será de Direito Público.
O legislador é o único que poderá dissolver a obrigatoriedade de a pessoa coletiva
pública prosseguir os interesses públicos por ele confiados.
É o critério mais falível devido à similitude com pessoas coletivas privadas, que
prosseguem fins paralelos (NOTA: O Prof. Colaço Antunes não partilha desta opinião.).
Logo, em termos substanciais, pode não ser fácil distinguir o fim da pessoa coletiva
de interesse público do fim de uma pessoa coletiva pública.
NOTA: Nenhum destes critérios é suficiente, pelo que é necessário, pelo menos, conjugar dois deles.
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Órgãos administrativos
Noções gerais:
a) Entrada no tema
Segundo Marcelo Caetano, órgão é o elemento da pessoa coletiva que consiste no
centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo
colégio de indivíduos que constituem o órgão, com o objetivo de exprimir a vontade
juridicamente imputável a essa pessoa coletiva.
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(NOTA: Uma pessoa coletiva, normalmente, nunca tem um só órgão, tem pelo menos 2 – o órgão
executivo e o órgão deliberativo. O órgão deliberativo pressupõe que a pessoa coletiva pública em causa
seja de tipo corporativo ou associativo. Mas, normalmente, têm 3 órgãos. As pessoas coletivas de tipo
institucional não têm um órgão deliberativo.).
As competências são sempre distribuídas por 2 ou mais órgãos. À partida, é órgão
toda a instância que na pessoa coletiva pública tenha competências próprias, por força
da lei.
A lei orgânica (que cria a pessoa coletiva pública) designa os órgãos, distribuindo as
competências pelos mesmos – critério formal legal. Pode acontecer que a lei não o
faça expressamente e se tenha recorrer às competências para se chegar à conclusão
que uma determinada instância é um órgão.
O DA é um direito dos órgãos administrativos. Em rigor, as pessoas coletivas não
são apenas constituídas por órgãos, são também integradas por agentes e serviços.
Os agentes que integram os serviços não tomam decisões nem exprimem a
vontade jurídica da pessoa coletiva, limitam-se a preparar e executar as decisões dos
órgãos, desenvolvendo as atividades materiais ou técnicas ou praticar os atos
instrumentais que lhes cabe praticar e desenvolver. Isto distingue o órgão do mero
agente (funcionário público) ou um titular de um cargo (exemplo: Vereador – é um cargo e
não um órgão).
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Noções gerais
Entrada no tema:
As atribuições são um apanágio das pessoas coletivas, ao passo que as
competências dizem respeito aos atributos dos órgãos. Deste modo, tanto as
atribuições como as competências são poderes administrativos. A legitimação é um
conjunto de condições ou requisitos que têm de se verificar para que os órgãos
possam validamente agir em situações concretas, isto é, um conjunto de condições
atinentes ao titular do órgão, tal como atribuições e competências são requisitos
relativos ao titular da competência, mas são de ordem variável.
Em primeiro lugar, as atribuições são tarefas ou fins que a lei outorga às pessoas
coletivas públicas, que terão de desempenhar/prosseguir através dos respetivos
órgãos.
Ao nível do Estado e Regiões Autónomas, na mesma pessoa coletiva as diferentes
atribuições estão distribuídas pelos vários Ministérios ou secretarias regionais, como
se cada uma delas fosse uma pessoa coletiva distinta (o que não acontece).
Nesta exceção, as atribuições distribuem-se em complexos orgânicos, existindo uma
repartição horizontal das competências, dentro de cada pessoa coletivas, o que
acarreta consequências mais graves caso haja violação das atribuições.
As competências são sempre atributos dos órgãos, sendo que cada uma delas é um
conjunto de poderes funcionais (poderes-deveres) que o órgão tem de exercer para
prosseguir as atribuições da pessoa coletiva em que se insere (exemplo: Poder
regulamentar, tributário, expropriativo, contraordenacional, aplicação de sanções disciplinares públicas,
licenciamento de atividades, poderes concessórios, atribuição de subsídios/subvenções e demais
poderes inerentes à atividade prestativa – ou seja, poderes de autoridade).
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Incompetência simples:
Existem consequências da violação das exigências legais acima referidas. Se um
órgão atuar com falta de competência ou exercer uma competência de outro órgão
existe um vício de incompetência na decisão tomada.
Regra feral, a falta ou violação de competências gera a mera anulabilidade. A
exceção a esta regra é a nulidade (consequência mais gravosa).
É estabelecido um prazo curto para o particular ou quem tenha legitimidade para
impugnar o ato (para o MP 1 ano e para o particular 3 meses). Passados estes prazos,
primeiro para o particular e depois para o MP, o ato já não será impugnável.
Em certos casos de incompetência abre-se uma exceção pela sua gravidade no que
respeita aos princípios gerais da organização administrativa, neste caso o princípio da
legalidade das competências.
Em determinados casos, a conexão territorial das situações e situações jurídico-
administrativas abrangidas pelos poderes dos órgãos é tão forte que não pode deixar
de constituir o elemento essencial do ato administrativo. Assim, é difícil aceitar que a
consequência possa ser a mera anulabilidade.
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As competências
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1. Noções gerais
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O Governo
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NOTA: O PM tem uma grande importância na função administrativa estando situado no topo da
hierarquia administrativa. A relação entre o PM e Ministros, os Secretários e os Subsecretários de
Estado não são relações hierárquicas mas sim de cooperação e confiança.
Entrada no tema:
A Administração Estadual Indireta é totalmente constituída por entes públicos
funcionais, de tipo institucional ou fundacional.
Em primeiro lugar, surgem os institutos públicos. Este conceito pode ser entendido
em sentido amplo/dogmático ou em sentido estrito.
Institutos públicos:
Em sentido amplo/dogmático, os institutos públicos são constituídos por todas as
pessoas coletivas públicas de caráter institucional ou funcional, sem um substrato
associativo ou corporativo. É a categoria usual no universo das pessoas coletivas que
estabelece a divisão entre pessoas coletivas públicas de tipo institucional/funcional e
pessoas coletivas públicas de tipo associativo/corporativo.
Associações públicas:
As associações públicas são pessoas coletivas públicas de tipo corporativo ou
associativo.
No Direito Privado as associações comerciais são pessoas coletivas públicas de tipo
corporativo. Já as fundações são pessoas de tipo institucional ou fundacional.
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Fundações públicas:
A fundação pública é uma subespécie do instituto público pela importância que
tem o elemento patrimonial. Por outro lado, a atividade da fundação pública de Direito
Público dirige-se a terceiros e satisfação dos seus interesses, tal como acontece com as
de Direito Privado.
Assim, neste sentido amplo/dogmático salientam-se os estabelecimentos públicos,
as fundações públicas, as empresas públicas e os serviços públicos personalizados
(categoria residual).
a) Noções gerais
Tem-se assistido à autonomização como categorias que se distanciaram da figura
do instituto público e passaram a ser categorias próprias, o que aconteceu com as
empresas públicas institucionais e as fundações públicas.
Para além disso, a figura do estabelecimento público (presta bens/serviços) ficou
praticamente esvaziada porque essas entidades foram adquirindo o formato de
entidades públicas empresariais (empresas públicas) ou fundações. O instituto público
prestador de bens e serviços praticamente que desapareceu e passou a identificar-se
com a categoria residual de serviços públicos personalizados.
b) Regime jurídico
No início da época de 2000 apareceu a Lei-Quadro dos Institutos Públicos na qual
passou a existir um conceito estrito de instituto público, menos amplo.
Este regime não se aplica às entidades públicas empresariais, às fundações públicas
de Direito Privado (passam a estar reguladas na Lei-Quadro das Fundações),
instituições de ensino superior público (institutos públicos de regime especial) nem às
entidades administrativas independentes, com forma de instituto público mas
consideradas institutos públicos especiais, o que os exclui do regime da Lei-Quadro
dos Institutos Públicos (Lei nº 3/2004, de 15 de janeiro).
O instituto público é uma categoria residual em que a maioria dos entes que
integram a Administração Indireta do Estado têm a forma de instituto público.
Quanto às fundações públicas, existem as de Direito Público integradas por pessoas
coletivas públicas cuja organização, funcionamento, a atividade estão sujeitas ao
Direito Público, são uma subespécie da figura do instituto público (exemplo: Fundação para
a Ciência e Tecnologia.). Também existem as fundações públicas de Direito Privado, que
foram constituídas através de um processo de criação previsto no CC.
A Lei-Quadro das Fundações proibiu a criação de fundações públicas de Direito
Privado, melhor dizendo, podem criar-se mas são automaticamente pessoas coletivas
públicas.
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Quando ao regime, é misto ou compósito. Estão sujeitas ao Direito Privado mas são
vários os regimes sujeitos ao regime de Direito Público (sujeição ao regime da
responsabilidade civil extracontratual do Estado).
As entidades públicas empresariais são pessoas coletivas públicas, sujeitas na sua
organização ao DA e, subsidiariamente, ao Código das Sociedades Comerciais. Dada a
sua natureza empresarial, a sua atividade está sujeita ao Direito Privado.
Estão reguladas do artigo 56º ao artigo 61º do Regime jurídico do setor público
empresarial.
Ao nível regional existem regimes do setor público empresarial. As entidades
públicas regionais são criadas e extintas por DL, não estão sujeitas ao regime de
insolvência e liquidação a que estão sujeitas as entidades em geral.
Hoje, as entidades públicas empresariais são um formato utilizado para entidades
que tanto exercem uma atividade de intervenção direta no mercado (comercialização,
venda, distribuição de bens/serviços), ao mesmo tempo que acumulam funções
reguladoras – têm uma atividade mista que não encaixaria no modelo de empresa
pública societária.
Na prestação de serviços sociais, nomeadamente na área da saúde, refere-se as
EPE’s em hospitais. O diploma que regula este tipo especial de entidade pública
empresarial é o DL nº 233/2005, de 29 de dezembro.
Outra das entidades públicas empresariais que pode ser referida é a entidade
nacional para o mercado dos combustíveis.
Existe ainda uma entidade para gestão da dívida púbica, o IGCP – Agência de Gestão
da Tesouraria e da Dívida Pública.
Por último, existe também a Agência para o Investimento e Comércio Externo de
Portugal, EPE.
São entidades que prosseguem atividades de natureza administrativa, ao mesmo
tempo que prosseguem uma atividade de intervenção direta no mercado. Para
atividades puramente empresariais a opção tem sido um formato de empresa pública
societária (influência pública dominante).
Figuras controvertidas
As associações públicas:
A jurisprudência qualificou-as como Administração Indireta do Estado porque
resultam de um processo de devolução de poderes, sendo que necessariamente
prosseguem fins estaduais.
Ao nível legal, o legislador, soberano em matéria de organização administrativa,
confere-lhes uma autonomia similar aquela que a CRP assegura às autarquias locais e
universidades.
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O ente público criador (ou adquirente) não descarrega nessa entidade nenhuma
parcela da função administrativa que lhe cabe desempenhar, não há um fenómeno
de substituição (exemplo: Pode ser uma decisão estratégia do ponto de vista das políticas
públicas o Estado criar/adquirir uma empresa dedicada ao fabrico e venda de armamento e outros
equipamentos militares. Hoje em dia, a exploração desta atividade não é tarefa que a lei confira
diretamente ao Estado. Ao criar esta fábrica está a prosseguir o interesse público mas não é tarefa
confiada diretamente ao Estado por lei. Não há uma atividade que o ente primário Estado
descarregue nesta empresa, logo não é função administrativa – não é concessionável ou delegável
noutra entidade).
Nestes casos não existe um fenómeno de Administração Indireta.
2. Quando o Governo cria uma empresa privada, ou seja, uma empresa pública
societária, a entidade substitui-se ao Estado – fenómeno de delegação da função
administrativa.
Como nesta entidade está delegada uma parcela da função administrativa, é AP
em sentido funcional, pelo que se reconduz à Administração Indireta.
Os poderes de intervenção são aqueles que o regime confere ao Governo, são
poderes que através da função acionista cabe determinar a conduta e as atividades
destas entidades.
Este regime também se aplica às associações públicas, em que surgem poderes
equivalentes aos de superintendência.
Noções prévias
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São independentes para assegurar valores superiores que poderiam ficar em perigo
se fossem deixadas às forças políticas maioritárias em cada momento. Deste modo,
estão livres das maiorias políticas conjunturais.
b) Legitimidade técnico-científica
Tratam-se de entidades cujos cargos, seja ao nível da Administração ou dos
dirigentes, são preenchidos por técnicos altamente qualificados, em cada um dos
setores de atividade em causa.
Fala-se numa legitimidade técnico-científica, o que leva a uma maior aceitação das
decisões por parte dos destinatários, na medida em que a alta qualificação contribui
para uma maior /boa aceitação das decisões por parte dos interessados.
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Estado-Administração (remissão)
Regiões Autónomas:
Em primeiro lugar, surgem as Regiões Autónomas (Açores e Madeiras), que mais
do que uma manifestação da Administração Autónoma manifestam uma
descentralização política e legislativa (gozam de autonomia legislativa e política face ao
Estado português), o que pode levar a dizer que são quase Estados.
Estes entes têm Governo e Parlamento próprios e regem-se por uma lei básica,
com valor reforçado – os estatutos político administrativos próprios.
Poucas distinções se pode fazer relativamente a Estados federados. A diferença diz
respeito ao facto de não lhes ter sido reconhecido poder constituinte próprio. A sua
existência resultou do exercício de um poder constituinte uno, que se lhes sobrepõe.
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Noções gerais:
As autarquias locais são pessoas coletivas públicas de pessoas e território.
Caracterizam-se por agregarem a população de uma determinada parcela do
território do Estado, assentam nesse mesmo. Por outro lado, estão dotadas de órgãos
representativos das respetivas populações (legitimidade democrática representativa
direta).
Por último, visam a prossecução dos interesses próprios das populações, nos
termos do artigo 235º, nº2 da CRP: “As autarquias locais são pessoas coletivas
territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses
próprios das populações respetivas.”.
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Segundo o artigo 236º, nº3: “Nas grandes áreas urbanas e nas ilhas, a lei poderá
estabelecer, de acordo com as suas condições específicas outras formas de organização
territorial autárquica.” – permite a criação de novas autarquias atípicas (que não
estejam previstas na CRP) ou normais associações dos municípios.
As associações dos municípios têm o seu regime da Lei das Autarquias Locais – Lei
nº 75/2013, de 12 de setembro.
O regime destas associações estabelece 2 tipos de associações:
1. Associações de fins múltiplos – são as comunidades intermunicipais, isto é,
pessoas coletivas públicas constituídas por municípios que correspondam a uma
ou mais unidades territoriais definidas com base na nomenclatura de unidade
territorial estatística, da UE, as NUTS III. Têm um órgão de direção, conselho
executivo bem como um secretário executivo, que assegura a gestão corrente;
As Regiões Administrativas:
As Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto também são consideradas
associações de municípios, de pertença obrigatória. Estas regiões não podem ser
consideras autarquias locais porque não possuem órgãos diretamente eleitos pelos
cidadãos – carecem de legitimidade democrática direta.
As áreas metropolitanas são uma instância do poder local que não é
supramunicipal, são sim uma instância intermunicipal por exprimirem uma forma de
cooperação. São ainda uma manifestação da autonomia municipal.
Em jeito de conclusão, no âmbito do poder local, as associações de município são
pessoas coletivas públicas derivadas, secundárias e eventuais – são legitimadas e
suportadas constitucionalmente pelos municípios (pessoas coletivas públicas
originárias, primárias, necessárias).
Nos termos da CRP e da lei, as regiões administrativas têm uma assembleia
representativa e um executivo, designado por Junta Regional. Contudo, ainda não
estão instituídas.
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Razão de ordem
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As associações públicas estão previstas no artigo 267º, nº3. Para além disso, existe
uma lei geral das associações públicas profissionais – Lei nº2/2013 de 10 de janeiro.
Esta lei fixa o regime comum de criação, organização e funcionamento das
associações públicas, ao mesmo tempo que determina que os fins prosseguidos pelas
associações públicas são sempre fins públicos relacionados com os interesses gerais da
profissão e dos utentes. Já não se tratam de interesses privados ou socio profissionais
como acontecia até há bem pouco tempo.
Podem ser criadas por lei, quando seja necessário que uma profissão seja objeto de
controlo ou regulação especial porque os seus profissionais estão sujeitos a normas
técnicas (legis artis) e a regras deontológicas específicas, pelo que a associação
pública será uma entidade reguladora que vai zelar pelo cumprimento dessas normas
e regras.
A lei proíbe o numerus clausus, o sistema de acreditação de cursos universitários.
Quanto aos aspetos organizativos, está prevista a possibilidade de um provedor os
destinatários dos serviços profissionais.
Apenas estão sujeitas a tutela (de legalidade), pelo que os regulamentos de acesso
à profissão assim como de acesso à especialidade estão sujeitos à regulação tutelar.
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Noções introdutórias
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Noções gerais:
O superior hierárquico pode, no seu conjunto de poderes que podem ser
designados de direção em sentido amplo, e englobam: poder de direção em sentido
estrito (ou poder de decisão), poder de substituição, poder disciplinar, poder de
supervisão, poder de inspeção e o poder de decidir conflitos de competência.
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b) Poder de substituição
Está entregue ao superior hierárquico e traduz-se no poder de ele se substituir ao
subalterno, nomeadamente no que diga respeito a competências exclusivas (apenas
em casos de grave e prolongada inércia/inatividade do subalterno).
É um poder sobre pessoas e não sobre atos, o que leva a um afastamento do
substituído das funções públicas.
Neste caso, será o órgão substituto que vai acumular nas suas funções as funções
do órgão substituído (NOTA: Distingue-se do poder de modificar ou substituir o ato praticado pelo
subalterno, que se trata de um poder sobre atos e não sobre pessoas.).
O poder de substituição é praticado a priori, já o poder de modificar ou substituir
atos praticados por um subalterno é praticado a posteri (o ato já praticado vai ser
modificado o que poderá ser uma substituição parcial ou substituído totalmente por
um segundo ato – ato secundário).
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c) Poder disciplinar
É um poder sobre pessoas.
Consiste na faculdade de, depois de uma verificação direta (inquérito) da prática ou
da notícia/indício credível que comprovem uma eventual infração, aplica-se a sanção
disciplinar correspondente à infração praticada (traduz-se necessariamente na
violação pelo subalterno dos deveres funcionais a que está sujeito nos termos da lei
geral do trabalho em funções públicas – dever de obediência, correção, lealdade, etc.).
Por vezes, durante o inquérito, o poder de determinar, instaurar e instruir o
processo disciplinar é atribuído a um determinado superior hierárquico e o poder de
aplicar é dado a outro órgão, situado num grau superior na hierarquia – poderes
distribuídos e não concentrados.
É um poder de supremacia, conexo com o poder de decisão. Traduz-se numa
garantia do cumprimento das ordens e instruções. Tanto o sujeito ativo como o
passivo do poder disciplinar se orientam para prosseguir o fim, embora em planos
distintos.
Os fins do poder disciplinar é restabelecer o normal funcionamento do
serviço/organização, uma vez que o problema da infração disciplinar se traduz numa
conduta que perturba o serviço. Este poder irá servir apenas para o restabelecimento
da ordem do serviço, estando despido de considerações éticas, o que leva a uma clara
distinção em relação ao ilícito profissional ou penal.
Mesmo no caso em que a situação de emprego público se faz através de contratos
de emprego público, o poder disciplinar continua a apoiar-se na lei e não no contrato,
ao contrário do que acontece no poder disciplinar laboral, que se baseará, em
princípio, no contrato de trabalho.
d) Poder de supervisão
Este é um poder sobre atos (e não sobre pessoas) que consiste na capacidade de o
superior hierárquico revogar, anular, suspender, modificar ou substituir os atos
praticados pelo subalterno.
Pode ser exercido oficiosamente através da avocação ou na sequência de
interposição pelo destinatário do ato (particular) de um recurso hierárquico. Neste
caso, passa a ser um poder de decidir recursos.
Este poder vem regulado no CPA, na parte relativa ao ato administrativo.
e) Poder de inspeção
É um poder de fiscalização através do qual o superior fiscaliza a atividade do
subalterno, através de inquéritos, sindicâncias e auditoras, tratando-se de um poder
instrumental dos anteriores porque é através deste que o superior obtém a adequada
informação sobre o modo como o subalterno desenvolve a sua atividade. Só depois de
obtida esta informação exercerá os seus poderes de decisão, substituição, disciplinar
ou supervisão.
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Está previstos nas leis orgânicas dos Ministérios, que regulam os respetivos
serviços inspetivos.
Noções gerais
Relação de superintendência
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Relação de tutela
Noções gerais:
É uma relação interorgânica externa, ou seja, estabelece-se em torno de pessoas
coletivas públicas distintas, como contrapartida da descentralização. Trata-se de um
conjunto de poderes conferidos por lei a um órgão executivo.
Em regra, o poder tutelar não se presume, excecionando-se apenas dois casos. São
poderes de controlo e intervenção da pessoa coletiva pública territorial de fins
múltiplos, relativamente ao funcionamento dos órgãos de outra pessoa coletiva. Visa-
se conciliar os interesses da pessoa tutelada com os interesses mais amplos da pessoa
tutelar.
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