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FDUP - Faculdade de Direito da Universidade do Porto

GUIA DE ESTUDO DE
DIREITO ADMINISTRATIVO

Professor Doutor João Salvador Velez Pacheco de Amorim

Ano letivo de 2016/2017

Ana Patrícia Costa Gilvaz

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Estes apontamentos consistem num guia de estudo. A sua leitura não dispensa a presença
nas aulas nem a consulta da bibliografia obrigatória recomendada.
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INTRODUÇÃO

I – NOÇÕES FUNDAMENTAIS SOBRE A ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA E O DIREITO ADMINISTRATIVO

Capítulo I: Noções fundamentais

1. Direito Administrativo, administração pública e interesse


público

Noção de Direito Administrativo


Para se perceber a noção de Administração Pública, importa ter uma ideia do que
trata o Direito Administrativo.
O Direito Administrativo é o ramo do Direito Público formado por um conjunto de
normas (regras e princípios) dotadas de uma lógica própria e com traços específicos
que o caracterizam como um ramo autónomo do Direito. Tais normas regulam a
organização, o funcionamento e a atividade da Administração Pública.
Tendencialmente, quando falamos em organização e funcionamento referimo-nos
a uma realidade interna; quando falamos em atividade esta é uma atividade
relacional externa, na qual a administração se vai relacionar com os outros sujeitos do
Direito.
O Direito Administrativo, ao regular as relações jurídico-administrativas (relações
entre a Administração Pública e particulares) visa proteger os interesses públicos bem
como os direitos/interesses dos particulares. Todavia, a vocação é primeiramente a
proteção, defesa e realização do interesse público.
O Direito Administrativo é muito recente (terá pouco mais de 200 anos, remetendo-
nos historicamente à Revolução Liberal e aparecimento do Estado Liberal).
Mais precisamente, surgiu quando o poder executivo do Estado se passou a
subordinar à lei, isto é, ao Direito escrito, obrigatoriamente emanado de outro poder
do Estado, independente do executivo (Parlamento – assembleia representativa que
goza do monopólio da criação do Direito.) NOTA:A função administrativa do Estado assim como
a Administração Pública são mais antigas do que o Direito Administrativo.
A função administrativa do Estado localiza-se na história aquando da emergência do
Estado como forma histórica de organização política da sociedade (finais da Idade
Média – séculos XIII, XIV, XV).
A função deste novo Direito já existia apesar de não estar ainda separada nem ser
autónoma das demais funções do Estado (já se sabia distingui-las).

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Significado de administrar
A Administração Pública é o conjunto de entidades, órgãos e serviços, articulados
entre si, que executam tarefas preordenadas à execução de interesses públicos. Estes
interesses são heterónimos, ou seja, são não só alheios à própria administração mas
também fixados e impostos de fora, pela CRP e pela lei.
Podemos distinguir os interesses privados (dos sujeitos), que são interesses
próprios, protegidos pela ordem jurídica e determinados pelo próprio, dos interesses
públicos, na medida em que estes são fixados pelo legislador e não pela Administração
Pública.
Aplica-se o conceito de “administração” a esta estrutura porque gere recursos que
são da comunidade, ao mesmo tempo que os administra em benefício dessa mesma
comunidade. Tratando-se de recursos escassos, a sua gestão requer escolhas,
hierarquias, prioridades.
Quanto ao adjetivo "pública" emprega-se pois diz respeito a uma atividade
desenvolvida em prol de uma comunidade, trata-se de satisfazer necessidades de uma
sociedade mais ou menos homogénea mas politicamente organizada. Estas
necessidades carecentes de satisfação são identificadas, elegidas pelos órgãos do
Estado e confiadas à Administração Pública, transformando-se assim em fins públicos.
Por outras palavras, existe um processo de satisfação de interesses gerais, comuns,
coletivos dos quais os órgãos escolhem os que devem ser confiados à Administração
Pública. Esta satisfação faz-se em diferentes medidas como acontece, por exemplo,
com o abastecimento público de água potável e saneamento pois tratam-se de
necessidades que o Estado chama a si no sentido de ser totalmente satisfeita.
Noutros setores da atividade humana o mesmo não acontece visto que o Estado se
remete ao mero auxílio no controlo e fiscalização dessas atividades.
Quando a necessidade coletiva é transformada em interesse público formam-se
fins públicos, tais como a saúde, ensino, segurança nos quais a Administração Pública
atua, motivo pelo qual existe.
Num sentido objetivo, a Administração Pública enquanto atividade, é um conjunto
de tarefas que se manifesta, de acordo com determinados princípios, através de atos
com valor e força jurídica própria (ato, regulamento, contrato administrativo), sujeita a
um Direito próprio, isto é, ao Direito estatutário, no cumprimento dessas mesmas
tarefas. Assim sendo, por um lado, os interesses gerais da comunidade não são todos
assumidos pelo Estado e confiados à Administração Pública, pelo que a sua satisfação
é deixada ao livre funcionamento da sociedade, através de mecanismos de mercado;
por outro lado, existem vários interesses da comunidade que o Estado entende que
deverá chamar a si a sua satisfação para que esta seja corretamente realizada –
interesses públicos.

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O conceito de interesse público

Noções gerais:
Os interesses públicos reportam-se a uma generalidade de pessoas. As
comunidades podem ser diferentes mas o interesse público não tem necessariamente
de se reportar às comunidades maiores (estaduais), também pode dizer respeito a
comunidades menores, como é o caso das comunidades regionais.
O interesse público não é um interesse individual nem sequer é a soma dos
interesses individuais de uma comunidade, pois é um interesse diferente que
transcende a soma dos interesses individuais.

Interesse público primário e interesses públicos secundários:


É importante distinguir:
 Interesse Público Primário (ou bem comum) – valores básicos adotados por uma
comunidade política, que a vão orientar. A escolha desses valores bem como a sua
definição e satisfação está confiada apenas aos órgãos político-legislativos da
comunidade (exercício da função legislativa). No fundo, consiste numa síntese,
numa articulação de valores básicos, traduzindo-se numa escolha fundamental
que se encontra na CRP (exemplo: Modelos económicos adotados na União Europeia, que
combina a economia de mercado com a intervenção social) ;

 Interesse Público Secundário – desdobramentos do Interesse Público Primário.

Princípio da prossecução do interesse público e princípio da legalidade:


A definição dos interesses públicos é definido sempre pela lei. Portanto, depois do
princípio da legalidade da administração, pelo qual a administração está sempre
sujeita ao Direito, o segundo princípio mais importante de Direito Administrativo será
o princípio da prossecução do interesse público.
Na CRP, a ideia de Interesse Público Primário (bem comum) encontra-se no artigo
1º, artigo 2º e artigo 3º, seguidos do artigo 9º (tarefas fundamentais do Estado),
artigo 20º (pilar do sistema de justiça), artigo 80º e artigo 81º.
A importância prática da distinção prende-se com o facto de a administração dizer
respeito apenas à satisfação de Interesses Públicos Secundários pois, segundo o
princípio da legalidade (das competências), os poderes que a lei outorga à
Administração para a prossecução de interesses públicos é para prosseguir Interesses
Públicos Secundários, individualizados nas leis. Isto significa que a Administração não
pode utilizar os seus poderes alargando-os e saindo da sua competência, pois estaria a
sair da sua competência exclusiva e a invadir uma competência específica, atribuída a
outro órgão.

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O princípio da Administração é rigoroso pois qualquer desvio da sua competência,


mesmo que seja para a realização do bem comum, significa que o exercício desse
poder está viciado.
CONCLUINDO: o poder executivo (ou administrativo), que corresponde a uma
função secundária do Estado, prossegue interesses definidos pelo legislador devido à
legitimidade representativa e democrática dos órgãos político-administrativos da
comunidade.
Assim, a Administração Pública não tem liberdades, conceito que não lhe pode ser
dissociado, o que não acontece com os particulares pois é-lhes permitido tudo o que a
lei não proíba, disponibilizando-lhes espaço de licitude. A Administração Pública não
dispõe destes espaços, não podendo atuar para além do Direito, em função de fins que
tenha livremente escolhido.
Cada vez mais a lei outorga poderes discricionários à Administração Pública, que
traduzem meios para alcançar fins por ela fixados (e assim não é possível que siga
outros fins, mesmo que públicos).
Por este motivo, são poderes funcionais pois são atribuídos exclusivamente para a
execução de fins públicos específicos. (NOTA: O princípio da prossecução do interesse público
ganha autonomia face ao princípio da legalidade quando os poderes são discricionários.).

Prossecução do interesse público e proteção dos direitos e interesses dos


particulares:
A prossecução do interesse público acarreta uma tensão entre a Administração e
os particulares, na medida em que a primeira detém um poder de império (posição
geral de supremacia), ao mesmo tempo que os particulares se encontram numa
posição de sujeição, pelo que para a prossecução do interesse público significa quase
sempre uma medida de sacrifício dos particulares. Em caso de confronto, prevalecerá
sempre o interesse público, o que não significa que a ordem jurídica esqueça os
interesses particulares.
Acontece que a própria lei faz uma ponderação entre a medida dos interesses
públicos e privados em colisão, estabelecendo uma solução. Neste caso, o Direito
Administrativo outorga direitos subjetivos a particulares e atribui à Administração
poderes de autoridade; quando o mesmo não acontece e a Administração tem uma
margem de discricionariedade existem interesses legalmente protegidos, sobre os
quais ela terá de ponderar entre o sacrifício dos interesses públicos ou particulares,
harmonizando-os.
Importa não esquecer que o interesse público terá sempre primazia apesar de o
particular não ficar desprotegido, na medida em que terá o direito de exigir que a
atuação da Administração seja não discriminatória e não arbitrária (respeito pelo
princípio da igualdade), seja imparcial, justa, proporcionada, racional, razoável e
pautada pela boa-fé.

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2. Vários sentidos do conceito de Administração

Noções gerais

A Administração Pública pode tomar vários sentidos.


Genericamente, pode ser perspetivada ou num sentido mais comum, o sentido
subjetivo ou orgânico (quem é a Administração Pública?); ou no sentido objetivo, que
se refere à atividade desenvolvida pela Administração Pública no sentido orgânico (o
que/que atividade é desenvolvida?)
Podemos estar perante o exercício da função administrativa através de um ato legal
resultante do exercício da mesma, apesar de no sentido subjetivo ou orgânico
determinada entidade não estar integrada na Administração Pública. O contrário
também acontece, isto é, podemos estar perante uma entidade que no sentido
subjetivo ou orgânico se integre na Administração Pública mas a sua atividade ser
reconduzível a outra função do Estado. (NOTA: É necessário ter atenção a estas não
coincidências.
Quando falamos em Administração Pública em sentido objetivo (o que/que
atividade?) temos 3 perspetivas:
1. Administração Pública em sentido material – é o sentido que mais nos aproxima
do conceito de Administração Pública em sentido subjetivo-organizativo. Assim
sendo, refere-se ao conjunto de tarefas que se reconduzem à ideia de
administrar, ao conjunto típico de tarefas que associamos normalmente ao
aparelho administrativo em sentido subjetivo;

2. Administração Pública em sentido funcional – preocupa-se mais com a função


administrativa (o objeto) do que propriamente com quem a desenvolve (das
entidades que estejam investidas dessa função);

3. Administração Pública em sentido formal – diz respeito aos atos principais ou


típicos da função administrativa: regulamento administrativo (fonte de Direito
Administrativo), ato administrativo, contrato administrativo. (NOTA: O regulamento,
ato e contrato administrativos são os atos principais em que se estrutura toda a teoria do poder
administrativo).

Administração Pública em sentido subjetivo ou organizativo


A Administração Pública em sentido subjetivo ou organizativo é um, órgãos
sistema/complexo de entidades, serviços e agentes a quem é confiada a tarefa
fundamental da satisfação do interesse público legalmente definido no dia-a-dia, por
outras palavras, a gestão corrente e diária dos negócios públicos.

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A diversidade de órgãos, serviços e agentes articulam-se entre si e formam um


conjunto através das relações jurídico-organizativas (motivo porque se fala no
singular). Por regra, todos se subordinam ao Governo (incluindo as autarquias locais).
O elemento base é a pessoa coletiva Estado (enquanto Administração), que terá
como seu superior, em termos hierárquicos, o Governo. Para além do Estado enquanto
Administração existem as demais pessoas coletivas públicas ou de Direito Público, que
existem para além do Estado e que com ele formam a Administração Pública. Estes
situam-se em dois grandes planos:
1. ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL (constituída por 3 subníveis como demonstra o
artigo 199º, alínea d da CRP, onde são referidos os 3 setores da Administração
Pública):
a) Administração direta do Estado (artigo 199º, alínea d) da CRP) – o Governo
exerce sobre este setor poderes de direção.
É constituída por todos os órgãos (não personalizados) e serviços da pessoa
coletiva Estado enquanto administração, órgão máximo na hierarquia (NOTA: Cabe
aos órgãos o poder de decidir e aos serviços as tarefas de preparar e executar essas decisões).
Esta estrutura orgânica encontra-se na forma de pirâmide ou árvore invertida.
O vínculo que une estes órgãos e serviços, à semelhança do exército é a
hierarquia, pelo que, do topo para a base, cada superior exerce sobre todos os
subalternos os poderes de superior hierárquico.
Próprio de uma relação jurídica, a esses poderes correspondem os respetivos
deveres (NOTA: Uma ordem quando transmitida tem de ser acatada em poucos minutos, à
lógica militar).
Os órgãos e serviços podem ser centrais (Administração central – o seu
âmbito de atuação é todo o território nacional, que, em princípio mas não
obrigatoriamente, estarão sediados fisicamente em Lisboa) e periféricos, com
um âmbito competência mais reduzido (âmbito concelhio, regional, ou menor
ainda, ao nível infra concelhio, dependendo do modo de organização de cada
Ministério). (NOTA: Podem existir órgãos e serviços periféricos sediados no estrangeiro, como
acontece com as missões diplomáticas, comerciais, militares).
Não são órgãos administrativos, tanto da direta como de qualquer outra, os
órgãos de outros poderes do Estado (Assembleias Legislativas Regionais bem
como respetivos Presidentes e órgãos, que pertencem ao poder legislativo; a
Assembleia da República, o seu Presidente e Secretário-Geral; o Presidente da
República, o Conselho de Estado, o Conselho Permanente da AR; Tribunais e
respetivos Presidentes, julgados de paz).
Importa distinguir que dentro dos órgãos independentes do Estado existem,
por um lado, órgãos político-constitucionais ou auxiliares constitucionais que
também não são órgãos administrativos (MP, órgãos de gestão das
magistraturas, que são órgãos de autogoverno das mesmas).

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Não obstante, apesar de o essencial da sua atividade ser de natureza


administrativa, estes situam-se noutro poder do Estado (exemplo: As entidades
reguladoras independentes, a Comissão de Proteção de Dados Pessoais, o Provedor de Justiça, a
Comissão Nacional de Eleições);

b) Administração indireta (artigo 199º, alínea d) da CRP) – composta por


pessoas coletivas públicas distintas do Estado enquanto Administração. É
constituída por:
 Institutos públicos – entes criados pelo Estado, por lei, sendo que o ato
legislativo de criação atribuem-lhes tarefas administrativas específicas que
se reconduzem a atribuições estaduais, sendo que em função delas ficam
sob a alçada do respetivo Ministério. Existe um fenómeno de transferência
de atribuições (a criação de um instituto significa que tanto o respetivo
Ministro como o Ministério deixam exercer essa tarefa). Estas entidades
prosseguem fins do Estado, motivo pelo qual são Administração estadual.
Dentro das pessoas coletivas públicas (de tipo associativo/corporativo ou
de tipo fundacional/institucional) são o paradigma de pessoa coletiva
pública de tipo fundacional/institucional (não assentam no substrato
humano) e, por isso, têm uma personalidade jurídica é fictícia. O Governo
exerce sob os institutos públicos poderes de superintendência e de tutela
nos termos da respetiva lei-quadro. Para além disso, é o Governo quem
nomeia e exonera os membros dos órgãos diretivos;
(NOTA: Marcelo Caetano falava em 4 tipos de institutos públicos: estabelecimentos públicos,
fundações públicas, empresas públicas e serviços personalizados. Hoje, rigorosamente,
consideram-se são institutos públicos os serviços personalizados e os estabelecimentos públicos.
Contudo, existem outras entidades autonomizadas);

 Empresas públicas institucionais (EPE's - Entidades Públicas Empresariais) –


são entidades autonomizadas que são pessoas coletivas públicas e, não
obstante a sua natureza empresarial assim como a sua atividade relacional
estar sujeita ao Direito Privado, no que diz respeito à sua organização e
funcionamento internos rege-se pelo Direito Público. São entidades muito
conhecidas na área económica e na área da saúde (hospitais EPE's). São
pessoas coletivas de cariz institucional, não têm Assembleia-Geral, são
criadas por decreto-lei e os dirigentes são nomeadas e exonerados pelo
Governo. Prosseguem fins do Estado. São semelhantes num sentido amplo-
dogmático aos institutos públicos. Têm um regime jurídico próprio
regulado no Regime Geral do Setor Público Empresarial;

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 Fundações públicas – todas são pessoas coletivas públicas que poderão, no


que respeita à sua atividade, estar sujeitas ao Direito Privado ou ao Direito
Público. As fundações de Direito Público são difíceis de distinguir dos
institutos públicos. Nas fundações públicas não se dá grande relevância ao
elemento humano. Como exemplos de fundações públicas de Direito
Público: Fundação para a Ciência e Tecnologia, Fundo de resolução
bancária;

 Entidades que resultam da “fuga para privados” – no sentido organizativo


situam-se na Administração Pública, pelo que situamo-las na administração
indireta porque estão sujeitas a poderes idênticos aos institutos públicos,
às entidades públicas empresariais e fundações públicas. Para além das
entidades que resultam da fuga para o Direito Privado mas sobre as quais o
Governo tem poder, no seu interior os poderes de controlo e orientação
são os mesmos ou talvez mais fortes;

 Concessionários e demais entidades privadas investidas – são privados nos


quais o Estado investe poderes públicos, associando-os ao exercício da
função administrativa (são Administração Pública em sentido funcional);

c) Administração independente (artigo 267º, nº3 – a lei pode criar entidades


administrativas independentes) – são autoridades personalizadas ou não. Não
estão sujeitas a ordens do Governo ou quaisquer outras entidades.
São Administração estadual porque prosseguem interesses estaduais,
justificam a inserção dos institutos públicos na administração indireta.
Não existe uma relação de dependência, como acontece com os institutos
públicos e outros entes da administração indireta.
Tem poderes mais intrusivos e intensos na vida dos particulares. Sendo
essencialmente administrativos entram no domínio normativo e jurisdicional.
Estes poderes são-lhe confiados para dirimir conflitos particulares. São
poderes sancionatórios e a sua posse, juntamente com a falta de controlo do
poder executivo, coloca-lhes um problema de legitimidade democrática.
Não têm suporte democrático pois não são eleitas por nenhuma comunidade
nem estão controladas por ninguém. A única legitimação que têm é técnico-
científica porque são entidades compostas por técnicos altamente qualificados
no seu setor de atividade.

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2. ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA (desdobra-se em 2 níveis):


a) Administração autónoma territorial - constituída por entes autónomos que
têm uma base geográfica coincidente com uma certa parcela do território do
Estado.
Fazem parte desta administração as autarquias locais, as freguesias, os
municípios e, em termos virtuais, as regiões administrativas (consagradas na CRP
e na lei), as regiões autónomas (autonomia administrativa, política e legislativa,
isto é, são quase Estados).
Os entes territoriais são pessoas coletivas que têm uma comunidade de
vizinhos. As pessoas unem-se e formam uma comunidade porque habitam o
mesmo território, o que cria laços de vizinhança que geram interesses comuns e
justifica a criação de miniestados.
Estas entidades prossegue uma pluralidade de fins, sendo que o critério que o
distingue dos fins do Estado é o da incidência local dos interesses bem como o
território (elemento essencial pois não são concebíveis sem território).
As comunidades gerem os seus assuntos através de dirigentes eleitos pela
comunidade base ("autogoverno", no sentido de autoadministração).
As autarquias locais não têm poder político nem legislativo próprio, pelo que
se situam rigorosamente no poder executivo do Estado. As autarquias locais não
estão sujeitas a um poder de superintendência e a CRP afasta a hipótese do
controlo da sua atividade (o único controlo que o Estado pode fazer é o controlo
de legalidade, ou seja, a verificação do cumprimento da lei), ou seja, é uma
tutela reduzida ao mínimo (o legislador optou por uma tutela inspetiva a cargo
de Direção-Geral de Finanças).
As freguesias e municípios não têm uma relação de dependência (nenhum
tem supremacia em relação ao outro), ambos estão sujeitos à tutela estadual
inspetiva; todavia, têm uma relação de cooperação e dependência financeira
assim como uma relação orgânica (os presidentes de junta de freguesia integram
as assembleias municipais – é uma forma de representação orgânica na
administração municipal, o que permite as freguesias terem uma influência na
vida dos municípios).

b) Administração autónoma funcional – composta por entes de tipo corporativo


ou associativo (não têm como elemento essencial o território).
As comunidades de base têm entre si outras afinidades que não as relações
de vizinhança. Poderão ser afinidades profissionais (caso das associações
públicas profissionais) ou afinidades de status (status aluno-professor-funcionário de
uma Universidade pública, por exemplo). Esta administração pode subdividir-se em 2
categorias de entes:

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 Categoria das associações públicas (de entidades privadas) – são


associações que agregam entidades privadas. A pessoa coletiva pública que
as agrega é ela própria um ente público. Só existem 2 categorias:
associações públicas profissionais e associações públicas de regantes e
beneficiários;

 Universidades públicas e, perifericamente, os institutos públicos – as


Universidades são entes que, por um lado, têm uma dimensão institucional
ou fundacional e, ao mesmo tempo, são entes instrumentais do Estado
porque satisfazem o interesse público do Estado de formação de
profissionais qualificados. As Universidades são comunidades de mestres,
discípulos e funcionários chamados a eleger os seus órgãos dirigentes
(dimensão corporativa ou associativa que se concilia com uma dimensão
institucional ou fundacional – são entes híbridos).

Hoje debate-se sobre se a Administração Pública, mesmo em sentido organizativo,


se deve cingir ao universo das pessoas coletivas públicas ou de Direito Público, isto é,
às pessoas com natureza jurídico-organizativa pública.
Nas últimas décadas tem-se acentuado a tendência da "fuga para o Direito
Privado", ou seja, a entidade administrativa é formalmente privatizada e confiada a
pessoas coletivas privadas (fundações, associações, sociedades comercias,
cooperativas), constituídas pelas pessoas coletivas públicas tradicionais (Estado,
autarquias, Regiões Autónomas) para levarem a cabo a função administrativa despindo
as veste de império e ganhando flexibilidade os outros intervenientes na sociedade ou
mercado. Esta tendência tem-se mostrado de tal modo acentuada que existe uma
privatização formal e orgânica de uma grande parte da Administração Pública pelo que
se pergunta, então, se fará sentido circunscrever a Administração Pública no sentido
subjetivo/organizativo ao universo das pessoas coletivas públicas.
As pessoas coletivas privadas são desdobramentos/instrumentos das pessoas
coletivas públicas (tradicionais), têm uma organização jurídica privada, mas são-lhes
atribuídas o exercício da função administrativa. Assim sendo, estas entidades são
Administração Pública num sentido funcional.
Existe uma fronteira entre o Direito Público e o Direito Privado, entre os entes
públicos e os privados, em que entidades cruzam características públicas e privadas
mas que, funcionalmente, são Administração Pública.

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Administração Pública em sentido funcional

A Administração Pública em sentido funcional é levada a cabo por órgãos e


serviços administrativos (pessoas coletivas públicas) assim como por entidades
substancialmente privadas desde que investidas no exercício da função
administrativa, por concessão ou delegação, quer por entidades formalmente
privadas mas substancialmente públicas, sob influência dominante pública –
Administração Pública em forma derivada.

Administração Pública em sentido material

A Administração Pública em sentido material reflete os princípios e apresenta as


características especiais da Administração Pública (corresponde à ideia de administrar,
obedecendo às notas típicas que distinguem a atuação administrativa da atuação dos
restantes sujeitos de Direito). Inclui-se nesta o exercício por parte de entidades
privadas de poderes públicos; excluem-se as atuações dos órgãos da Administração
que se reconduzam a funções do Estado que não a administrativa (a política e
jurisdicional).

Administração Pública em sentido formal

A Administração Pública em sentido formal é o complexo dos atos típicos através


dos quais a Administração Pública em sentido subjetivo atua juridicamente (são
instrumentos normais, o que não quer dizer que sejam exclusivos). Os 3 atos típicos da
função administrativa são:
 Regulamento administrativo – normas jurídicas gerais e abstratas com características
de leis (generalidade, abstração, ius imperium, coercibilidade) emanadas pela
Administração e não pelos órgãos administrativos. Integram as fontes de Direito na
base da hierarquia;
 Ato administrativo – forma típica da atuação da Administração Pública, é a atuação
unilateral através de atos de autoridade em situações individuais e concretas
 Contrato administrativo – acordos de vontade em que a premissa é uma paridade de
situações entre os contraentes (a Administração celebra um contrato com um
privado em pé de igualdade). São preordenados à prossecução do interesse público
(prevalece em relação ao interesse privado). A sua formação e execução são
regulados pelo regime de Direito Administrativo, o que afasta o regime normal dos
contratos privados.

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Incluem-se na Administração Pública em sentido formal os típicos atos


administrativos e regulamentares mesmo que se reconduzam a outras funções do
Estado.
A aplicação de uma sanção disciplinar, a resolução de um litígio entre privados por
uma entidade reguladora tem sempre a força e características de um ato
administrativo.

NOTA: A AP em sentido funcional, em sentido material e em sentido formal compõem a AP em sentido


objetivo.

3. Função administrativa e outras funções do Estado

O princípio da separação de poderes

Noções prévias:
Para se falar em funções do Estado temos de pensar no princípio da separação de
poderes.
Numa fase inicial, o princípio da separação de poderes foi formulado por John
Locke, filósofo inglês do século XVII, bem como por Charles Montesquieu (filósofo e
político francês, 1ª metade do século XVIII).
Este princípio teve consagração expressa, pela primeira vez, na Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Atualmente, a consagração dos Direito Fundamentais assim como a estrutura do
Estado assente no princípio da separação de poderes são a essência de uma
Constituição.
O princípio foi formulado em alternativa ao Governo limitado, como oposição ao
despotismo esclarecido que vigorava em toda a Europa Continental, nos séculos XVII e
XVIII.
Propunha-se distribuir as diferentes funções do Estados por diferentes órgãos ou
complexo de órgãos, por diferentes poderes (sentido organizativo). Estes órgãos
deveriam estar separados entre si, numa situação de paridade.
A proposta subjacente era: as 3 funções concentradas no monarca absoluto, isto é,
as funções legislativa, executiva ou administrativa e a jurisdicional passariam a
competir depois de entregues, respetivamente, à Assembleia Representativa
(Parlamento), ao monarca e aos tribunais (julgavam com total independência,
deixavam de estar dependentes de um último recurso para o monarca).

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Cada um dos 3 poderes passaria não só a ter a faculdade de estatuir no âmbito da


função que lhe havia sido conferida pelo Estado mas também de impedir que os
outros poderes interferissem no seu domínio de atuação. Este sistema de checks and
balances, cujo objetivo era cada um dos poderes exercer as funções que lhes estavam
confiadas bem como uma vigilância aos outros poderes para impedir que se
intrometessem no exercício das outras funções, funcionaria em benefício da liberdade
dos cidadãos.
A ideia formulada por Locke e Montesquieu veio a ser desrespeitada pelas
revoluções liberais, principalmente pela Revolução Francesa.
Após as revoluções liberais, houve um corte com o Direito consuetudinário e
pactício, pelo que o Direito passou a estar centralizado e na forma escrita, ao mesmo
tempo que os poderes se limitavam a aplicar o Direito criado – é uma ideia de
separação rígida de todo o poder legislativo entregue ao Parlamento, associada a uma
evolução do processo de criação do Direito
Em França foi dada absoluta primazia ao Parlamento, com desconsideração dos
restantes poderes, essencialmente do judicial. Esta situação não vai ao encontro da
teoria da separação de poderes idealizada por Locke e Montesquieu.
A prática deste princípio pelos protagonistas das revoluções liberais levou ao
esquecimento das várias tarefas e funções do Estado que não encaixavam na ideia de
poder executivo ou administrativo (atividades relativas aos negócios estrangeiros bem
como a matérias de guerra e paz – hoje corresponde à 4ª função, a função política).

Os vários sentidos da expressão (princípio da) separação de poderes:

a) Separação de poderes em sentido politico


Convoca a questão da titularidade do poder.
Este problema tem estado presente em todo o pensamento político ocidental,
desde Aristóteles. Com o princípio da separação de poderes, Montesquieu quis dar
resposta a este problema. Tendo em atenção o exemplo de Inglaterra, defendia uma
alternativa à única legitimidade reconhecida, a legitimidade dinástica ou tradicional,
ou seja, do monarca, que naquele tempo se entendia que recebia o poder diretamente
de Deus.
Em alternativa ao sistema monista (legitimidade apenas do monarca), propôs um
sistema misto – deixaria de existir um só detentor de poder (o monarca) para haver
vários. Por outras palavras, para além do monarca, que se mantém, também seriam
legítimos detentores do poder o povo, a nobreza e o clero (devidamente
representados numa Câmara bicameral);

b) Separação de poderes em sentido organizativo


Adotado pelos homens das revoluções liberais.

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A única legitimidade reconhecida é a do Parlamento por ser o único órgão


representativo, ainda que não eleito por sufrágio direto e universal. Como fundamento
para aos outros poderes (executivo e jurisdicional) serem atribuídas funções aponta-se
uma razão organizativa, que assentava em critérios de eficiência (o Parlamento não
poderia estar sobrecarregado, logo os outros poderes iam permitir uma maior
eficiência através de uma divisão dos serviços (exemplo: o primeiro Código Civil, o código
napoleónico, continha a norma que proibia aos juízes de interpretar a lei – considerava-se que o Código
previa todas as situações pelo que não se colocariam questões interpretativas mas se surgisse alguma
questão não regulamentada esta seria remetida para o Parlamento);

c) Separação de poderes em sentido material ou funcional


É hoje adotado pela jurisprudência, é o que está consagrado nas leis fundamentais.
Não está em causa a titularidade do poder (a legitimidade reconhecida é a
democrática) nem uma melhor organização dos poderes do Estado.
Assenta numa conceção material, isto é, na ideia de que a cada órgão/complexo de
órgãos é entregue um dado poder porque este se encontra mais vocacionado para o
exercício daquela função em razão das respetivas características.
Cada poder, a seu modo, cria e aplica Direito (poder de execução e criação). A ideia
é de que não se confere a primazia a um único poder do Estado (ao Parlamento) pela
importância que é, hoje em dia, dada aos outros poderes do Estado.
Assim, tendo noção que o princípio da separação de poderes deve ser entendido no
sentido material, é necessário recordar que a função executiva do Estado era uma
função residual, para a qual era deixado tudo o que não fosse regulado e legislado.
O que se entendia ser uma só função eram duas e, para além disso, existe uma
quarta função (política), difícil de ser limitada pois está presente na função legislativa.
As opções políticas são tomadas pelo legislador através de comandos gerais e
abstratos. No que respeita aos tribunais, a função política está presente pelo que
muitas vezes a tarefa de aplicação da Constituição se torna difícil (o TC é um órgão
envolvido na vida política).
A função administrativa também se mistura com a função política, nomeadamente
através do Governo (competente por exercer a função política e é também a cabeça da
Administração Pública). Por último, o PR é o órgão que apenas exerce a função
política.

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A função administrativa no contexto de uma separação funcional ou


material das funções do Estado

Evolução histórica do princípio da separação de poderes: da separação (rígida) de


poderes à divisão (flexível) de poderes:
Do século XIX para o século XX assistiram-se a algumas mudanças que colocavam
definitivamente em causa mas também tornavam impossível o sistema de rígida
separação de poderes.
As profundas mudanças políticas, sociais, económicas e tecnológicas, durante a 2ª
metade do século XIX (2ª Revolução Industrial), levaram a que o Parlamento fosse
incapaz de responder às carências de regime, pelo que a Administração passou a
emanar normas jurídicas.
Por um lado, desapareceu o monopólio da criação de Direito; por outro lado, o
Parlamento passou a ter a necessidade de emitir leis individuais e concretas em
contextos de urgência.
Concluindo, passamos a ter o Governo e a Administração a fazer “leis”
(regulamentos administrativos) e o Parlamento a praticar atos individuais e concretos
que deveriam ser atos administrativos mas que têm a força própria do poder
legislativo. Apesar da excecionalidade das leis-medida ou leis individuais, o sistema de
rígida separação de poderes é efetivamente posto em causa.
Neste contexto, é importante distinguir a função administrativa das restantes.

Distinção entre função administrativa e a função legislativa:


É difícil distinguir a função administrativa da função legislativa, o que se deve ao
facto de os regulamentos serem normas gerais e abstratas, coercivas, dotadas de ius
imperium, partilhando com as leis o caráter inovador (à exceção das leis-medidas e leis
individuais).
Questiona-se como distinguir estas duas funções. Todavia, deparamo-nos com um
novo problema, característico do nosso sistema: o legislador não tem limite quanto ao
grau de pormenor das disposições legais (não existe uma reserva de regulamento, o
que o legislador pode legislar sobre qualquer matéria, não tem limite e pode ir até ao
mais profundo detalhe).
Na verdade, distinguimos as duas funções da seguinte forma:
 Continua a estar atribuída ao legislador a função de regular, primeiramente as
relações sociais;
 Compete ao legislador introduzir a primeira regulação da vida de qualquer setor,
tema, matéria;
 Os outros poderes, nomeadamente a função administrativa, são derivados ou
secundários;

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 As leis medidas e leis individuais constituem uma exceção (têm sempre de recair
sobre uma opção fundamental na vida da comunidade – tem de se aplicar um
critério material. O artigo 18º exige que qualquer restrição de direitos seja geral e
abstrata – está não poderá ser uma lei-medida).

Distinção entre a função administrativa e a função jurisdicional:


Entre a função administrativa e a função jurisdicional é ainda mais complicado fazer
uma distinção.
São ambas funções secundárias, ou seja, são desempenhadas quotidianamente, em
assuntos concretos e situações correntes. Assim sendo, podemos assinalar as
seguintes diferenças entre um ato administrativo e um ato jurisdicional:
 Critério orgânico – o ato jurisdicional é praticado por entidades do Estado
imparciais, neutras e independentes (tribunais), sendo que a sua única
subordinação é a lei (não estão subordinados a juízes de tribunais superiores nem
aos órgãos de autogoverno das magistraturas – cada juiz é um órgão de
soberania);
 Ao ato jurisdicional cabe resolver, de acordo com o Direito, uma situação jurídica
(conflito entre 2 ou mais intervenientes), põem termo a controvérsias numa
violação da norma jurídica;
 O juiz não tem nenhum interesse em jogo, não está comprometido com o
interesse público. Mesmo os juízes dos tribunais administrativos não estão
comprometidos com o interesse público. No entanto, a própria lei atribui
prevalência ao interesse público;
 No que respeita à função administrativa e aos atos praticados por ela, o órgão
autor da norma é parte interessada no procedimento em que entra numa relação
com os particulares. O interesse que lhe cabe defender é do interesse público, que
a lei confia aos órgãos administrativos como se fossem deles próprios. A
Administração prossegue interesses, o que leva a entrar em conflito com outros
sujeitos, nomeadamente os particulares. A única parcialidade é a que se impõe na
situação em que se tem de arbitrar uma situação entre particulares;
 A lei é o pressuposto e o fim da atividade administrativa tal como o é para o juiz;
por outro lado, paralelamente ao poder discricionário da Administração, existem
espaços de criação jurisprudenciais (existe a lei que vincula a Administração e o
juiz assim como os espaços de criação reconhecidos a ambos);
 Distinção de posição – a função administrativa é uma função proativa, de
iniciativa, pois pretende mudar e transformar as situações existentes em função
dos fins que a CRP põe a seu cargo; quanto à função jurisdicional cabe-lhe
conservar o que existe, tem um papel de conservação da ordem jurídica, pelo que
ao ser violada tem de ser reconstituída (isto não quer dizer que seja estática pois o
Direito evolui, apesar de lentamente);
 Os juízes têm também funções administrativas.
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Distinção entre a função administrativa e a função política ou governamental:


A função política situa-se a par da legislativa. Ambas são primárias e se situam no
âmbito das escolhas fundamentais da comunidade política. Por esse motivo, o
exercício de ambas apenas está limitado pela CRP e DUE.
Distinguimos a função política da legislativa na medida em que a função política se
traduz na prática de atos individuais e concretos. Para além disso, está presente e
mistura-se com as outras funções do Estado. Assim, a função legislativa acaba por se
traduzir em opções políticas sendo difícil distingui-las – fala-se em função político-
legislativa.
A função política está também presente na atividade dos tribunais. Por exemplo, o
labor do TC não é fundamentalmente jurídico. Nas linhas de fratura da CRP, cuja
interpretação e integração nunca é possível com rigor socorrendo a critérios jurídicos,
os juízes são motivados por conceções políticas, filosóficas, valores que transcendem o
jurídico.
Existem 2 categorias de atos políticos (individuais e concretos):
1. Atos constitucionais – todos os atos individuais e concretos praticados pelos órgãos de
soberania, previstos e regulados pela CRP (não são objeto de controlo pelo TC);
2. Atos políticos – são atos praticados pelo Governo e seus membros no exercício de
funções soberanas, como a defesa, negócios estrangeiros e algumas matérias da
administração interna.

Na sua aparência externa podem ser atos administrativos (exemplo: Uma decisão de
expulsão de um emigrante ilegal – ato administrativo – em contraposição a uma decisão de expulsão
de um diplomata envolvido em atividades incompatíveis com o seu estatuto – esta não é recorrível
pois trata-se de um ato político, pelo que não está sujeito a controlo jurisdicional; uma decisão para
o envio de um contingente militar também é um exemplo de ato político.).

Caracterização tipológica (material) da função administrativa:


Posto isto, distinguimos a função administrativa como aquela que abrange toda a
atividade pública, subordinada à lei, que não consistindo a título principal na
resolução de questões de Direito nem se traduzindo na realização de escolhas
fundamentais da comunidade política (entregue aos atos políticos) vise a realização de
condições concretas de realização do bem comum (ideias de paz, justiça e
desenvolvimentos, defendidos pelos órgãos superiores da comunidade – órgãos
legislativos e Governo enquanto órgão político).

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Capítulo II: Perspetiva histórica e comparatística

1. Evolução histórica da Administração Pública

Época Medieval (O “Estado de justiça”: a “ausência de Administração


Pública”

Uma forma sui generis de organização política da sociedade (o “Estado de Justiça”):


Na época medieval existiu uma forma suis generis de organização política da
sociedade (o Estado surge como embrião).
O Estado nasce na Baixa Idade Média, com apogeu nos séculos XVIII, XIX e XX.
Na Idade Média, resultante da fragmentação e queda do Império Romano, não
existia um poder de império concentrado no Estado, como forma de organização
política da sociedade. O poder de império era inerente à própria sociedade (o Estado e
a sociedade confundiam-se).
A comunidade política medieval era um universo pluricêntrico, não existia uma
figura abstrata (Nação, Estado, Povo) nem concreta (rei, príncipe, imperador) com o
encargo de dirigir os interesses comuns da sociedade que se situasse numa zona
limitada.
A comunidade era uma soma de partes, de organizações muito diferentes, com
diversos fins e lógicas, que se sobrepunham e cruzavam entre si, mas deviam viver
num certo equilíbrio. A estrutura básica deste equilíbrio eram os vínculos feudais mas
nem tudo se resumia a isso. Para além destes e do rei, existiam ordens religiosas,
corporações profissionais, guildas (associação privada) de comerciantes,
universidades, organizações/instituições, com vida, poder próprio e grande autonomia,
que eram quadros integrantes de uma sociedade. Os seus membros não estavam
ligados, como hoje, por laços étnicos, linguísticos, não tinham tradição histórica
comum. Cada um destes grupos tinha um estatuto próprio, com obrigações e
privilégios.
Fala-se na época do status, ou seja, uma pessoa nascia numa determinada ordem
(nobreza e povo) ou nela entrava (clero), o que lhe atribuía privilégios e obrigações
assimétricos. (exemplo: A Universidade tinha prisões, juízes e exército próprios.).
A época medieval durou historicamente 1000 anos (desde 476 a.C. – ano de queda
do Império do Ocidente com a conquista de Roma pelo povo bárbaro – até 1453 d.C. –
ano da queda do Império Romano do Oriente, com a conquista de Constantinopla
pelos turcos). Ainda assim, há historiadores que defendem que foram os
Descobrimentos portugueses que marcaram o fim da Idade Média e início da Era
Moderna (posição com a qual o professor concorda).
Para o estudo da nossa perspetiva histórica interessa-nos o período compreendido
entre os séculos X e XIII.
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Esta perspetiva histórica é genérica do Direito Administrativo atual.

A estrutura sociopolítica do Feudalismo (a “ausência de Administração Pública”):


Na Península Ibérica existiu o fenómeno de centralização do poder mais cedo do
que no resto da Europa.
Em Portugal não existiam as realidades de Estado, Administração Pública, interesse
público mas havia uma ideia dela pois toda a comunidade heterogénea sentia
necessidade de defesa e justiça. Contudo, não existia uma organização judiciária nem
administrativa devidamente estruturada.
A estrutura política e socioeconómica era do feudalismo – sistema que assentava
em laços de vassalagem (afinidade pessoal).
Nestes termos, era um poder detido e exercido por pessoas físicas (o senhor
adquiria, por força do juramento de vassalagem, poder sobre outro – o vassalo, que se
submetia ao suserano a troco de proteção). O senhor sobrepunha-se de uma forma
pessoal e não institucionalizada, como acontece hoje. O poder ainda não estava
institucionalizado, ou seja, não existia um sistema estável e institucional para a
satisfação de interesses gerais. Isto significa que após a morte física daquelas pessoas
os laços deveriam se reformulados, surgindo um novo poder.
Como consequência, existia uma excessiva fragmentariedade do território. Tratava-
se de uma sociedade inorgânica com extrema fragmentação dos centros de poder e na
qual se confundia o poder temporal e espiritual.
A Igreja tinha influência por toda a Europa mas do ponto de vista político não tinha
grande interesse – era uma unidade espiritual, de valores. Todavia, teve importância
do ponto de vista do início da Administração Pública.

Os embriões da Administração Pública:


A Administração Pública é contemporânea do Estado. Na época medieval deram-se
3 experiências importantes para a estruturação da Administração Pública:
1. Administração municipal – diz respeito à administração autónoma das
cidades/concelhos.
Na nossa realidade, esta é extremamente importante e antiga. A administração
dos concelhos estava bastante racionalizada – racionalização das tarefas
administrativas.
O Governo dos concelhos estava na mão da burguesia comercial, cuja
administração beneficiava dos métodos de trabalho e organização desta classe (a
escrita mercantil foi muito útil na Administração Municipal);

2. Administração da Igreja – a Igreja impunha-se a todo a Europa a partir de Roma,


cuja imposição se dava através de laços tipicamente institucionais e não pessoais
(a Igreja é a instituição mais antiga do Mundo).

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O poder da Igreja manifestava-se através de uma organização hierárquica, na


qual o Papa ocupava o topo da pirâmide e a base era constituída pelos párocos da
aldeia, titulares de poderes de cariz religioso, os quais só se submetiam ao corpo de
normas religiosas da Igreja. Mesmo após a sua morte, a instituição mantinha-se pois
o pároco era substituído.
Da estrutura da Igreja, os aspetos que mais influenciaram a Administração
Pública foram o exercício do poder (embora espiritual era exercido por vastos
territórios), a ideia territorial própria dos Estados modernos, o modelo hierárquico
bem como a racionalidade na distribuição de papéis que a Igreja seguia nas suas
estruturas (haviam ordens religiosas de cariz diverso);

3. Exércitos de mercenários – eram organizações militares profissionalizadas,


serviços oferecidos aos reis e senhores feudais a troco de uma elevada
remuneração.
Eram compostos por unidades homogéneas mas diversificadas (estrutura
hierárquica). Todos estavam orientados para o resultado final – obter a máxima
eficácia e eficiência da sua atividade para obter a vitória daquele que contratava os
seus serviços.
Os planos militares eram antecipadamente elaborados e concebidos pelo que a
atividade era delineada de acordo com esse plano e quando se alterava algo todo o
exército se movimentava com uma flexibilidade e eficiência notáveis.

Época Moderna (“O Estado sem Direito”): em especial, a subépoca do


“Estado de Polícia”

Constituição do Estado moderno e formação da Administração (século XV-XVI):


Nos séculos XIV e XV assistimos a um período de transição no qual se dá um
fortalecimento do poder real, embora limitado pelas ordens representadas nas Cortes.
Esta época foi a que mais se aproximou do governo misto teorizado por Aristóteles, no
qual se conciliava a monarquia, aristocracia e república.
Nos séculos XIV e XV deram-se um conjunto de acontecimentos que se acentuaram
mais tarde, nos séculos XVI, XVII e XVIII.
Assistimos a um triplo processo que deu origem à criação do Estado Moderno, o
Estado de Direito (forma específica de organização do poder político) – processo de
centralização/concentração do poder na pessoa do rei, de institucionalização e de
territorialização do poder.

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Na centralização do poder, o monarca passou a ser o titular originário de todo o


poder, o que não significa que os esquemas medievais não perdurassem mas todo o
poder do senhor feudal tinha um título derivado e não originário como acontecia na
Idade Média.

O crepúsculo das figuras medievais:


Quanto à institucionalização do poder, a Coroa era uma instituição independente
do seu titular físico (do rei), no tempo e local históricos. Existia uma institucionalização
do poder numa figura abstrata – a Coroa –, que tinha titulares concretos. O
nascimento do Estado é inerente ao processo de institucionalização. Este processo é
de extrema importância porque diz respeito ao fim do poder centralizado em pessoas
físicas.
O processo de territorialização do poder significa que o poder do monarca passa a
exercer-se uniformemente sobre todas as pessoas que se situam num determinado
território (as que lá residem e os estrangeiros por que lá passem) – o território passa a
ser um elemento determinante e uniformizador do poder e do Direito.
Para além disso também é necessário ter em conta o processo histórico, no qual a
Europa se libertou das ameaças externas e se expandiu através das descobertas e da
colonização das terras distantes pelos portugueses. Esta expansão propiciou a paz e
estabilidade em termos de fixação das pessoas nos territórios, visto que se
começavam a formar os grandes Estados, unidades ligadas por laços não só de
vizinhança mas sobretudo étnicos, linguísticos, religiosos e culturais – fatores de
unificação de comunidades com os quais se criavam Nações.
Portugal é o exemplo de Estado pequeno, sendo o mais antigo da Europa e com
uma delimitação estável das fronteiras que se mantém até hoje.

A evolução para o “Estado-de-Polícia” (século XVII-XVIII):


Este processo histórico, sociológico, político e jurídico acelerou-se nos séculos XVII e
XVIII – designa-se Estado polícia. Passou a existir um aumento do poder real à custa e
em detrimento dos outros centros de poder, fundamentalmente das Cortes e dos
estamentos lá representados. Os monarcas passaram a assumir um poder absoluto
que correspondeu a uma nivelação que pôs fim à heterogeneidade de estratos que
vinha da Idade Média e à limitação dos outros poderes (NOTA: O poder Papal sofreu um
grande declínio nesta época). Passou a entender-se que o rei recebia o seu poder
diretamente de Deus, dando-lhe legitimidade para governar – a teoria da soberania
una, eterna e indivisível de Jean Bodin passa a ser o fundamento teórico da
legitimidade dos monarcas.
Neste sentido, o rei passou a ter a ter uma atuação interventiva na vida da
sociedade. Os funcionários do rei intervinham em todas as áreas da sociedade e eram
meros executantes da vontade régia.

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A propósito desta época fala-se de despotismo esclarecido, o que relembra


Marquês de Pombal, cujo poder era exercido com base numa governação régia
motivada pelo facto de D. José I não ter querido assumir este papel. Este perseguiu a
Igreja, tendo assassinado alguns dos seus membros e a despojado dos seus bens.
No despotismo esclarecido o monarca não aceitava outra limitação que não fosse o
Direito Natural (ditado pela consciência de cada um). Assim, punha em causa o Direito
costumeiro e tradicional, muito dele de origem pactícia.
Contra o monarca estava a justiça, isto é, os juízes a quem competia manter a
ordem estabelecida. Muitas vezes afrontavam o monarca apesar de não existir uma
independência total do aparelho judicial (o monarca era o supremo juiz).
Quanto ao Direito: não existia Direito Público; relativamente ao Direito
Constitucional existiam normas avulsas relativas à titularidade e exercício do poder
político. Ao longo do século XVIII, principalmente em França e Portugal, o rei não
convocava as Cortes, que lhe limitavam o poder; quanto ao Direito Administrativo
existiam normas que regulavam e limitavam o poder régio (desembargo de execução
no caso português) mas eram também normas avulsas, pelo que não constituíam um
corpo homogéneo, um sistema completo e fechado. (NOTA: Na Europa Central existia uma
norma avulsa de Direito Administrativo que desenvolvia e instituía o Fisco, instrumento privado que
garantia aos súbditos uma compensação face a uma atuação agressiva do rei. O Fisco consistia num
fundo de dinheiro reservado para compensar os súbditos por prejuízos causados e está na origem do
moderno instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado).
Como foi referido anteriormente estávamos perante um Estado Polícia e importa
não o confundir com o Estado policial.
A expressão que mais corresponde ao Estado Polícia é a do Estado Administrativo,
ou seja, aquele que é caracterizado por uma Administração Pública forte, possante e
intervencionista.
Para além disso, o monarca absoluto era um déspota esclarecido, pelo lado
positivo, na medida em que se considerava como o primeiro servidor da Nação
(exemplo: Marquês de Pombal teve uma eficaz ação governativa.). Datam desta época atuações a
favor das indústrias principiantes, direitos de autor e grandes obras, sob o impulso de
monarcas absolutos. O problema está no conceito de bem comum da época, muito
diferente do que hoje é aceite.
A coisa/serviço público assentava na ostentação da Nação, do reino. Hoje em dia, o
bem comum está ligado à prosperidade geral, baseado num processo de
igualitarização (ótica redistributiva).
Importa ainda referir o pensamento económico da época – o mercantilismo. Era
uma corrente que defendia o protecionismo económico, isto é, uma máxima restrição
às importações combinada com uma política agressiva de exportações, de maneira a
aumentar a produção nacional. (NOTA: O cosmopolitismo no sentido do livre comércio
internacional só apareceu no século XIX).
É ainda de referir que o facto de existirem normas limitadoras do poder (nas que se
incluí as de caráter administrativo) põe em causa o sistema e o próprio Direito.
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No fundo, ao se concentrando as três funções do Estado na figura do monarca, as


normas administrativas limitadoras do poder eram normas emanadas pelo próprio
monarca (como dizia Ihering: “não é Direito a norma que alguém dá livremente a si
próprio”). Faz parte do Direito que a norma seja imposta de fora, pelo que deve ser
elaborada por outrem a quem esta não se irá dirigir – a ideia da legalidade é
indissociável da separação de poderes, que não existia nesta época.
Esta situação levava a que o rei promulgasse as normas por si emanadas, podendo
alterá-las por não existir um regime de recíproca vigilância e controlo entre poderes
soberanos.

A Época Contemporânea

O Estado de Direito Liberal:

a) O Estado de Direito Liberal do século XIX e a sua Administração: princípios políticos


fundamentais
A Revolução Francesa (1789) é o marco histórico que marca o nascimento do
Estado de Direito (Liberal), que irá crescer ao longo do século XIX até à I GM.
A época contemporânea é a época do Estado de Direito, que se opõe ao Estado
polícia.
O Estado de Direito apresenta 2 matrizes, uma mais revolucionária (francesa) e
outra mais reformista (germânica). A matriz francesa foi exportada pelos exércitos
napoleónicos e exportada para outros países, designadamente para Portugal e
Espanha. O Estado de Direito de matriz reformista surgiu nos principados germânicos e
no Império austro-húngaro.
O Estado de Direito assenta nos seguintes princípios:
 Princípio de um sistema de Governo representativo – estas ideias de
representação assentam nas teorias contratualistas do poder, de John Locke e
Rousseau.
Segundo estas teorias, e uma vez que o poder do governante assenta no
consentimento livre dos governados, o Governo da Nação deve ser exercido por
representantes eleitos – existem a tese da soberania nacional e a tese da soberania
popular.
Segundo a tese da soberania nacional, são representantes aqueles em quem a
Nação delega um poder que lhe pertence originariamente; segundo a tese da
soberania popular é o povo que delega esse poderes nos seus representantes – a
representatividade dos governantes é a única legitimidade aceite, a represe.
Na 1ª fase do Estado Liberal há uma convivência entre a legitimidade
representativa e a legitimidade dinástica (só o Parlamento é eleito e o Governo
depende não só do Parlamento mas também do Rei).
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A legitimidade representativa, nos termos da teoria da soberania nacional,


convive com o sufrágio restrito, censitário (o direito de eleger ou ser eleito depende
de um rendimento mínimo anual) ou capacitário (depende de uma determinada
instrução).
A teoria da soberania popular foi aquela que se impôs;

 Princípio da separação/divisão de poderes – alternativa de Governo limitado, por


oposição ao Governo absoluto.
Põe em causa a tese da soberania una, eterna e indivisível, teorizada por Jean
Bodin no século XV.
Os 3 poderes são igualmente soberanos mas nenhum se sobrepõe aos outros (o
poder fragmenta-se horizontalmente). Os poderes são soberanos porque não
reconhecem outro poder que lhes iguale no plano interno nem que lhe esteja acima
no plano internacional;

 Princípio da igualdade perante a lei – é um princípio fundamental sobretudo nos


países que sofreram a influência francesa.
Parte da ideia que os homens nascem livres e iguais. Traduz-se, na prática, na
abolição dos privilégios em razão ao nascimento ou outros fatores considerados
arbitrários (como o religioso). Estes privilégios proliferavam no Antigo Regime e
agora cedem sendo que os bens da vida deveriam ser atribuídos segundo o mérito e
capacidade.
A igualdade passa a traduzir-se na ideia de que a "a lei é cega", isto é, lei
universal/geral que se aplica a qualquer indivíduo, afastando-se a possibilidade de
aplicação de critérios imprevisíveis, subjetivos e arbitrários.
A generalidade e a abstração asseguravam a racionalidade, a legitimidade e a
justiça da lei;

 Princípio da legalidade (supremacia da lei sob as outras atividades do Estado) –


ideia de que toda a atividade do executivo e tribunais se deveria subordinar à lei,
isto é, às normas escritas e emanadas do Parlamento.
Também no Antigo Regime haviam leis mas estas estavam carentes de uma
prévia separação de poderes de onde decorre-se que o seu destinatário não fosse o
seu autor, o que já é garantido no princípio da separação de poderes;

 Princípio da garantia dos direitos fundamentais – referem-se aos direitos à


liberdade e à propriedade, para além do direito à vida e integridade física;

 Princípio do controlo jurisdicional da atividade administrativa – diz respeito à


atividade administrativa externa que afetasse os direitos dos cidadãos.
O Estado de Direito como reação ao Estado polícia foi a última fase do triplo
processo de concentração, institucionalização e territorialização do poder da Coroa.

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Este processo está na origem do Estado enquanto forma histórica de organização


política da sociedade.
O derrube das monarquias absolutas foram transformações levadas a cabo em
nome da liberdade individual, contra o arbítrio/opressão, ou seja, do poder real.
Por outro lado, em nome da liberdade social e económica, contra o
intervencionismo do rei e poderes particularistas oriundos da Época Medieval.

O período de Estado Liberal caracteriza-se pela redução dos poderes do Estado e


consequente libertação da sociedade. A Administração Pública reduziu-se ao
desempenho de tarefas específicas estaduais como a manutenção da paz e ordem
pública, a administração da justiça, a recolha dos meios financeiros necessários e a
criação de infraestruturas. Este período diz respeito à 2ª Revolução Industrial (século
XIX), no qual se deu um forte desenvolvimento da sociedade que implicava o aumento
de infraestruturas.
No entanto, o Estado recorreu a privados através de contratos de concessão por a
Administração não estar vocacionada para este tipo de tarefas.
A principal preocupação do Estado Liberal era preservar a total autonomia do
indivíduo por se entender que ainda que já não tivessem de autoridade pública,
continuavam a ser um obstáculo à liberdade e iniciativa individual.
Quanto à administração municipal, esta foi conquistada ao Estado pela burguesia
(está mais próxima da sociedade do que do Estado mas mais tarde acabarão por se
tornar pequenos Estados, fruto da descentralização).

b) A conceção liberal do Estado e da Administração


A compreensão liberal do princípio da separação de poderes dá uma importância
primordial ao Parlamento e à função administrativa. A concessão liberal menospreza
os outros 2 poderes e dá uma importância política fundamental ao poder legislativo.
Parte da subordinação do Estado ao Direito, motivo pelo qual se fala no Estado de
Direito Liberal.
A lei é entendida como uma regra sempre e necessariamente, geral e abstrata,
constituindo expressão humana (racional) e não o fruto da vontade do soberano
(voluntas) como acontecia no Estado polícia (lei feita pelos homens bons).
Contrapõem-se às leis do Antigo Regime, nas quais não estavam garantidas as
características da generalidade e abstração (o conteúdo destas leis por vezes eram
determinados por critérios singularizados e de privilégios e não pela igualdade).
Existe a ideia de que a lei não só é abstrata e ganha legitimidade própria pelas suas
características mas também resulta de uma definição da própria comunidade dos seus
interesses, definidos pelos representantes dessa mesma comunidade – a lei é fruto e
expressão da vontade geral.

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O moderno conceito de lei nunca se dissocia dos contributos históricos que para ela
contribuíram. O Prof. Gomes Canotilho dizia que temos a mais antiga dimensão da lei,
a dimensão material e universal – a lei boa e justa, orientada para o bem comum e que
sempre esteve presente no pensamento ocidental (desde os gregos até ao
jusnaturalismo cristão medieval). (NOTA: A lei boa e justa foi teorizada por S. Tomás de Aquino).
O contributo de Thomas Hobbes também foi fundamental. Salientava o elemento
voluntarista e positivo da lei – lei como comando imposto por quem tem o poder
coercivo, isto é, a ideia de vontade e imposição da lei.
Locke acentuou as características da lei como instrumento para alcançar a liberdade
– a lei como quadro referencial para homens livres, que atuam no seu próprio
interesse e que graças ao carácter geral e abstrato conseguem alcançar e realizar o seu
próprio interesse, permitindo uma proteção dos súbditos em relação ao rei.
Montesquieu estabeleceu a ligação da lei com o poder legislativo próprio das
assembleias representativas (quadro da separação de poderes).
Rousseau entendia a lei como instrumento de atuação da igualdade política. A lei
era duplamente geral quanto ao objeto (trata por igual os cidadãos) e quanto à origem
(ela própria é fruto de uma vontade igual dos cidadãos).
Por último, Kant considera a lei como expressão da razão.
Todos estes contributos estão presentes atualmente no pensamento ocidental na
concessão do conceito de lei.

Distinção entre lei e demais atos normativos:


Para além da generalidade e abstração, a lei também era necessariamente dotada
de eficácia externa e só tinha relevância jurídica toda a norma que afetasse a liberdade
e propriedade dos cidadãos (leis tributárias, leis sobre expropriações, normas
reguladoras da atividade policial) – era objeto próprio da lei afetar a liberdade e a
propriedade (se assim não fosse não tinham relevância jurídica para serem
consideradas leis mas sim normas administrativas).
O parlamento é tido como fórum de representação da sociedade em contraste com
os outros poderes (com legitimidade indireta). (NOTA: O executivo tem sempre legitimidade
indireta pois depende do Parlamento e do Rei).
Os tribunais têm apenas legitimidade democrática. O poder executivo e jurisdicional
são objeto de desconfiança pois são eles que corporizam o Estado no dia-a-dia. O
antagonismo entre Estado e sociedade mantém-se porque na mentalidade oitocentista
só o Parlamento tinha legitimidade.
O Direito Administrativo nasce neste contexto e é através dele que se concretiza a
subordinação do Estado à lei. É um Direito especial e relativo à Administração Pública,
sendo sempre visto na ótica da proteção dos particulares (vida, segurança e
propriedade) contra as atividades administrativas adversas.
O novo princípio da legalidade administrativa, segundo o qual a administração só
pode agir através de meios jurídicos, antecipava uma sujeição a uma lei prévia.

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c) O liberalismo económico
O liberalismo económico era o modelo económico adotado. O Estado de Direito
correspondeu ao acesso da burguesia comercial e industrial ao poder. A burguesia
afeiçoou o Direito aos seus interesses.
O Estado de Direito Liberal propõe uma separação entre Estado e sociedade mas ao
invés do que acontecia com o Estado polícia (aumento da intervenção da
Administração na sociedade), o objetivo era reduzir o Estado e a Administração ao
mínimo.
Portanto, existia não só uma limitação interna do poder como também uma
limitação externa – os 3 poderes limitam o respetivo âmbito de atuações e os
respetivos fins.
O Estado limita-se a garantir a paz social e a segurança de bens e vida das pessoas.
A ideia é que a sociedade se desenvolva espontaneamente. Não intervém na atividade
económica porque a encara como uma continuação da atividade privada geral – a
economia autorregula-se e não tem de ser superiormente regulada pelo Direito (não
deve existir uma ordem jurídica económica porque deve ser deixada ao livre jogo dos
agentes económicos, que a vão modelando através de instrumentos jurídicos
fornecidos pelo Direito Privado, designadamente pelo contrato).
A ideia de mercado surge como resultado da livre interação entre os indivíduos e
entende-se que qualquer intervenção pública constituía uma interferência indevida
nesse jogo que só iria prejudicar a sociedade e pôr em causa a prosperidade
conseguida do livre jogo.
O critério de lucro era o de máxima eficiência, pelo que não existia uma perspetiva
coletiva – o bem comum era a soma aritmética dos interesses individuais de cada um
dos seus membros. Assim, cada pessoa, ao disponibilizar as suas capacidades na
produção/distribuição de bens ao menor custo possível, em concorrência, contribui
melhor do que o poder público para a prosperidade geral.

d) O modelo jurídico liberal: traços gerais


O Estado Liberal não tem fins próprios. A sua atividade tem apenas o objetivo de
manter a paz e ordem jurídica, assegurando que cada um tenha todas as condições
jurídicas e institucionais para alcançar o seu bem-estar, através do livre
desenvolvimento da sua atividade económica individual. O único limite prende-se com
o facto de se ter de assegurar igual liberdade aos membros da comunidade através de
meios jurídicos (papel do Estado).
Acredita-se que o Estado não tem fins próprios, o que leva a uma rutura com o
Estado Polícia.

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e) O modelo jurídico liberal: Estado Liberal e direito público


A atividade do Estado é essencialmente jurídica. No domínio do Direito Privado é
uma atividade legislativa; também é uma atividade jurisdicional, na medida em que
assegura um aparelho coercivo para garantir o cumprimento das leis. Existe uma
ausência de fins próprios positivos, não existe uma ideia de transformação de
sociedade num Estado Liberal – compreensão negativa e formal do Estado (no que
respeita ao conteúdo das normas jurídicas, pois as normas jurídicas limitam-se a fixar
um quadro geral de atuação que regula as relações entre privados).
Quanto ao conteúdo e fins dos contratos, é uma ordem jurídica neutra que se
preocupa com o quadro jurídico de celebração desses mesmos contratos mas que se
desinteressa do conteúdo e fins dos mesmos, que irão ser determinados pelos
próprios indivíduos.
Quanto à função e destino da propriedade, são deixados à livre disposição dos
titulares, o que torna estes direitos tendencialmente absolutos. A conceção liberal de
Estado é deste modo jurídica, no sentido de que se trata de uma atividade jurídica.
Conclui-se que o Estado deixa para si a função de definir um quadro geral de
atuação dos indivíduos porque se entende que o que for uma sobreposição de fins
gerais que se imponha e transcenda os indivíduos será considerado atentatório dos
direitos de liberdade e propriedade. O papel do Direito em geral é então proporcionar
as condições necessárias para que a liberdade individual se exerça.
Num Estado Liberal, o Direito Público desinteressa-se da economia (considerada
uma continuação da atividade privada social) e das questões sociais, preocupando-se
apenas com a salvaguarda da ordem pública – lógica minimalista.
O modelo jurídico de Estado Liberal não gira em torno do Direito Público, apesar da
importância das Constituição escritas e do Direito Administrativo. Em correspondência
com a separação entre Estado e sociedade, existe uma absoluta separação entre
Direito Público e Direito Privado.
Existe uma abundância de normas dispositivas e são poucas as normas imperativas
(mesmo no Direito Privado).

f) O modelo jurídico liberal: uma ordem jurídica assente no contrato, no direito de


propriedade e, por fim, na proteção da empresa capitalista – a mercantilização do
direito
Os instrumentos de criação jurídica são a autonomia da vontade (livre
conformação do conteúdo dos contratos) e da liberdade contratual (liberdade
contratual geral). O contrato e o direito de propriedade são as figuras que
predominam nos domínios económico e social e sobre os quais se edifica a ordem
jurídica vigente pelo que são os fundamentos últimos do modelo jurídico do Estado
Liberal, que se reconduzem ao Direito Civil e Direito Comercial (Direito Privado).

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Este cenário opõe-se ao sistema de status do Antigo Regime, cujo sistema ditava
várias restrições à liberdade contratual bem como à propriedade, por imperativos de
carácter ético ou político.
Num primeiro momento, a tutela jurídica do Estado Liberal destina-se aos
proprietários (preponderância para a propriedade imobiliária), à qual vai corresponder
uma configuração estática e não dinâmica do direito patrimonial do proprietário.
O regime da propriedade no Antigo Regime tinha um conteúdo diversificado pelo
que não fazia sentido a ideia de propriedade plena; no Estado Liberal o mesmo não
acontece. Assim, dá-se a abolição dos institutos jurídicos tradicionais apoiados nos
interesses das comunidades com origem na Idade Média (exemplo: Morgadio, em que o
morgado era o herdeiro do falecido mas tinha obrigações de alimentação.).
Passa a existir uma abstração das normas, típicas da moderna conceção de lei. Estas
normas estão inseridas em Códigos (movimento da codificação) e, tal como a
autonomia da vontade é exacerbada em termos da máxima liberdade contratual e
conteúdo dos contratos, existe uma consagração do direito da propriedade como
direito absoluto e pleno – direito sagrado e inviolável que cada um tem de dispor dos
seus bens (individualismo possessivo). Este é o primeiro momento do Estado Liberal de
Direito
Num segundo momento, o proprietário é ultrapassado pela evolução social do
século XIX.
Fruto da 2ª Revolução Industrial, a ideia de propriedade dá lugar à ideia de empresa
– propriedade dinâmica.
Assiste-se à “comercialização” do Direito, isto é, à progressiva tutela jurídica da
atividade económica dinâmica.
Procura-se proteger o homem de negócios, assistindo-se a um grande
desenvolvimento do Direito Comercial, que opera numa segunda fase do Estado
oitocentista (Liberal).
Vão desaparecendo as vantagens jurídicas dos lavradores, criadores de gado
artesãos – economia tradicional; em contrapartida, fortalecem-se e ampliam-se os
direitos dos comerciantes, industriais, financeiros e prestamistas.
Em matérias de fontes de Direito é reconhecido o valor coercivo geral às regras
promulgadas pelas empresas, isto é, às condições contratuais impostas.
Existe uma simpatia pelos negócios abstratos e propensão para valorizar a vontade
declarada, o que significa que o legislador se abstrai da significação social do negócio –
mercantilização do Direito Privado, colocado ao serviço do moderno capitalismo.
O Direito do Estado desliga-se das considerações extra positivas e rebaixa-se a
condição de Direito supletivo (não imperativo, próprio do Direito Privado).
As regras contratuais fogem ao controlo estadual. Existe um reforço patrimonial dos
direitos subjetivos e deixam de existir limitações ao exercício dos direitos e desaparece
um juízo ético do mundo dos contratos (exemplo: legalização da usura.).

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O “Estado de Direito Social” ou “Estado Administrativo” do século XX:

a) Transição do Estado Liberal para o Estado Social


A partir da 2ª metade do século XIX seguiu-se uma aceleração entre a
interpenetração de Estado e sociedade, decorrente do alargamento do público
político, pelo que ocorre a 2ª Revolução Industrial e consequente crescimento das
cidades e transformação da paisagem social.
O paradigma do Estado Liberal é um público restrito interessado pelos negócios
públicos, que arranjava forma de conseguir votos das pessoas que se desinteressavam
destes assuntos, habituados ao ambiente rural.
O afluxo de população para as cidades criou uma dependência da população rural
do ritmo da economia (as crises aumentavam o desemprego) – novo problema político
porque as pessoas exigiam resposta a este cenário, atuando politicamente.
Por este motivo, nasceram os primeiros partidos políticos de massas e apareceram
os primeiros grandes grupos de interesses (essencialmente sindicatos) – aproximação
do Estado e sociedade.
A exigência do alargamento político era a generalização dos direitos políticos, ou
seja, do sufrágio universal. Deste modo, existiam condições para os partidos de massas
chegarem ao poder, momento em que iriam tentar resolver a questão social –
progressiva transição para uma lógica de um Estado que se preocupa.
O século XIX durou até à implosão da I GM (1914). Com esta assistimos ao controlo
pelo Estado de toda a economia de um país para fazer face ao esforço de guerra
(transformação de indústrias clássicas em indústrias de guerra). Pela primeira vez, de
uma forma generalizada, os Governos apossam-se da economia. Deste modo, os
Estados habituaram-se a ter a posse da economia do país.
Terminada a guerra, haveria de fazer frente às consequências de guerra
(nomeadamente a reconstrução das áreas destruídas) e o Estado manteve-se à frente
da economia em diversas áreas.
Todavia, este cenário apenas de manteve até à crise económica de 1929, que ditou
o surgimento das políticas económicas dirigistas (“welfare state” ou Estado
Providência).
A defesa do intervencionismo económico deve-se às ideias de John Maynard
Keynes, implementadas nos EUA por Franklin Roosevelt – designa-se New Deal. O New
Deal corresponde á ideia de um contrato social, um conjunto de funções que o Estado
vai assumir perante os cidadãos numa lógica pró-ativa, redistributiva e de despesa
pública.
Enquanto nos EUA as políticas económicas dirigistas foram assumidas pelo
presidente democrata Roosevelt, na Europa assistiram-se a regimes supostamente
democráticos (República de Weimar, República Espanhola) assim como a regimes
autoritários e intervencionistas que se multiplicaram nos anos 30 (regime nacional
socialista, regime fascista).

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Trata-se de uma época de forte intervencionismo económico em todo o mundo


ocidental, na qual surgem as constituições de transição (Constituição mexicana de
1917, Constituição alemã de Weimar, de 1919, Constituição espanhola de 1933.).
(NOTA: A Constituição de Weimar inspirou a Constituição portuguesa de 1933 e a constituição italiana
do pós guerra, de 1947.) Estas constituições já previam fins e funções ao Estado assim
como normas programáticas, promovendo o Estado social e administrativo.
Os regimes autoritários dos anos 30 instalaram-se na Europa e tentaram, como
reação aos malefícios atribuídos ao liberalismo, ressuscitar o corporativismo medieval.
Contudo, esta reação transformou-se num corporativismo de Estado – regime
formalmente corporativo mas um corporativismo descaracterizado que convivia com
um Estado autoritário e centralizador que negava a autonomia local.
O Estado Social atingiu o seu apogeu no pós II GM. Com a derrota das potências do
Eixo as corporações são extintas e o Estado chama a si novas funções e atribuições. Por
outro lado, ressurgem centros de poder independentes do Estado – aproximação
Estado e sociedade.
Surgem estruturas intermédias entre o Estado e sociedade inspiradas por novos
princípios:
 Princípio da participação (dos interessados no exercício do poder)
 Princípio da descentralização

O conceito de Estado de Direito democrático passa a ter como ponto essencial a


descentralização.
A consolidação do Estado Social (ou Estado Administrativo ou Estado Providência)
levou à necessidade de reconstruir a Europa, totalmente devastada. Por este motivo,
existiu o decretamento de inúmeras nacionalizações (nomeadamente da banca) e o
início nos países ocidentais de uma planificação da atividade económica (fenómeno
conhecido apenas na URSS), embora coexistindo com uma economia de mercado.
O tradicional abstracionismo foi substituído por uma intervenção, num primeiro
momento, para suprir lacunas (motivadas pelo desinteresse ou insuficiência da
iniciativa privada) e depois para corrigir os excessos de atuação dos operadores
privados, assumindo o Estado o controlo da economia global.

b) Traços essenciais do Estado Social de Direito ou Estado Administrativo


Salientam-se como principais características do regime do Estado Social:
1. Mutação na organização administrativa com o fenómeno da pluralização da
Administração Pública – deixou de existir uma Administração única e central,
passando a coexistir várias administrações em diferentes níveis territoriais
(Administração regional e local).

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Assiste-se também a uma descentralização institucional, de tipo associativo


(associações públicas) ou através de entes de tipo fundacional (institutos públicos) –
descentralização técnica/fundacional ou de serviços (também se pode designar
por devolução de poderes);

2. Alargamento dos domínios de intervenção da Administração Pública – para


além de uma Administração clássica, de Polícia, dedicada à preservação da
ordem e paz pública, passa a existir uma administração atenta e interventora na
economia.
Em Portugal, na década de 50, nascem organismos de coordenação económica,
isto é, institutos públicos com funções económicas (primeiros institutos com
funções económicas).
A administração encarrega-se da prestação de bens e serviços essenciais à
comunidade bem como passa a existir uma administração de fomento e
infraestrutura (a Administração do século XIX também atuava neste domínio).
O Estado deixa de ter uma atitude negativa/passiva para começar a agir sobre a
economia através de novos fins assinalados nas constituições. A nova posição do
Estado, como prestador de bens e serviços, foi possível pelo facto de o Ocidente ter
conhecido uma era de contínua prosperidade durante 30 anos (mínimos de
crescimento económicos de 6% ao ano) – entre os anos 40 e início da década de 70.
O fim desta era de prosperidade seguida de uma era de declínio deu-se com o
fim do padrão-ouro, com o desligamento do dólar relativamente ao ouro,
consequência dos acordos de Bretton Woods, por ação do Presidente norte-
americano Nixon. Até lá o dólar era a divisa internacional, que era trocado por ouro,
a isto junta-se o facto de existir um pacto com os países produtores de petróleo em
que o petróleo seria vendido em dólares as crises do petróleo decorrem deste
acontecimento.
Visto que Nixon se apropriou de alguns bancos centrais para fazer frente às
despesas de guerra decorrentes da Guerra do Vietname, os bancos centrais francês
e suíço exigiram aos EUA a entrega das reservas de ouro por desconfiarem da
solidez do dólar, face ao progressivo desequilíbrio da balança comercial norte-
americana.
As crises do petróleo foram consequência da desvalorização do dólar pois houve
um aumento do preço do petróleo, o que provocou um choque nas economias
ocidentais do qual estas ainda não recuperaram;

3. Os poderes públicos chamam a si atividades de interesse económico geral e


assumem bens e serviços essenciais ao bem-estar da sociedade – constroem-se
novas infraestruturas e desenvolvem-se as redes já existentes, a partir das quais
se desenvolvem os serviços públicos (transportes públicos, telecomunicações e
energia).

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Estas atividades passam a ser exploradas por empresas públicas ou por


concessões (nas quais o Estado assume a responsabilidade pelos serviços). Em
suma, apareceu uma nova Administração de prestação (económica ou social). Para
além da administração de autoridade apareceu uma nova administração prestativa
ou constitutiva. Por este motivo, existiu uma interpenetração entre Estado e
sociedade.
Desaparece a lógica da separação entre Estado e sociedade, entrando-se num
ambiente em que o Estado passa a estar presente em domínios em que só atuavam
privados.
Em muitos domínios, o Estado sujeita-se a privados prescindindo das
prerrogativas de autoridade (processo de descentralização de serviços,
fundamentalmente no domínio económico e também social); por outro lado,
muitas instituições privadas têm prerrogativas públicas por expansão das
concessões mas também porque no âmbito do princípio da participação dos
interessados, os privados coletivamente organizados também assumem poderes
públicos. Mecanismos como a audiência de interessados também é uma forma de
participação no exercício da função administrativa.

c) As transformações sofridas pelo direito público: do princípio da legalidade ao


princípio da juridicidade
O princípio da legalidade é o fundamento último do Direito Administrativo e sofreu
uma importante evolução na primeira metade do século XX.
A Administração passou a estar amplamente sujeita ao Direito e não à lei (regra
escrita).
O princípio da legalidade transforma-se no princípio da juridicidade, o que significa
que a Administração passa a subjugar-se aos direitos fundamentais e princípios gerais
de Direito Administrativo que regulam a Administração Pública (principio da igualdade,
proporcionalidade, imparcialidade, boa fé, justiça, racionalidade, razoabilidade –
normas mas não regras e não têm de ser escritas, são princípios que se obtém por via
das regras que são de elaboração jurisprudencial).
Em contrapartida, existiu uma proliferação dos poderes discricionários da
Administração, motivo pelo qual terá de se sujeitar não apenas às leis como também
aos princípios.

d) As transformações sofridas pelo direito público: o novo conceito de lei


Passou a existir um novo conceito de lei, distinto do conceito típico do Estado
Liberal. A lei deixou de ter obrigatoriamente as características da generalidade e
abstração (passa a admitir-se a lei medida e a lei individual, sem deixarem de ser
considerados atos próprios da função legislativa).

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A figura da lei-medida foi teorizada por Carl Schmitt (1ª metade do século XX).
Segundo o autor, a lei medida seria um comando de um legislador extraordinário com
o valor de lei. Esta lei é caracterizada por ser ao mesmo tempo lei e sua execução, ou
seja, num só comando existe uma norma geral e abstrata e imediatamente a sua
execução na situação concreta, na qual se esgota esse comando (é uma forma de
“legalizar” as derrogações à lei geral e abstrata bem como escapar ao controlo dos
tribunais essas derrogações – exemplo: Existe uma lei geral de expropriações, de caráter geral e
abstrata, que vale para todas as situações de expropriação.
Na legislação ordinária criam-se regimes excecionais de expropriações que só valem
para determinadas situações concretas, como aconteceu com a construção da
Barragem do Alqueva. Estes regimes alteram, simplificam e aceleram os regimes de
expropriação. Só valem para determinadas zonas e apenas vigoram durante o tempo
em que se realiza a respetiva obra.)
A lei-medida justifica-se por imperativos de justiça e desenvolvimento (fins últimos
prosseguidos pelo Estado), desde que seja materialmente justa.
A teoria da lei-medida de Schmitt foi desenvolvida por Ernst Forsthoff (século XX),
segundo o qual a lei-medida não vinha de um legislador extraordinário mas sim do
legislador ordinário que é obrigado a fazê-lo para responder às exigências da
sociedade técnica do século XX, usando a lei para seguir finalidades concretas.
No entanto, não se deve confundir lei-medida (ou individual) com os atos
administrativos com forma de lei porque a CRP, adotando uma conceção material de
separação de poderes, garante o recurso contencioso contra quaisquer atos
administrativos independentemente da sua forma.
Apesar de não ser fácil a distinção entre lei-medida e ato administrativo podemos
diferenciá-los pela caracterização da opção tomada:
 No âmbito da gestão dos negócios públicos do dia-a-dia, típica do poder executivo
(função privada – função secundária), estamos sempre perante um ato
administrativo (independentemente de estar camuflado numa disposição de uma
lei da AR) – vinga a caracterização material, adotada pela CRP quanto à
caracterização das funções do Estado;
 Perante uma opção fundamental da vida da comunidade estamos perante uma
lei-medida, não controlada pela função administrativa, pelo que o único controlo
será do TC, na fiscalização da constitucionalidade. As leis-medida têm de ser
orientadas por uma noção de justiça

A lei perde a característica de verdade racional, típica do Estado Liberal. Perde o


caráter de garante dos direitos dos particulares e da liberdade de propriedade dos
cidadãos, passando a ser instrumento de definição do interesse público, de
transformação da vida social (a cargo da Administração).

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e) A evolução do princípio da separação de poderes: de uma separação rígida a uma


divisão funcional e flexível
Outra característica típica da evolução do Direito Público refere-se à evolução do
princípio da separação de poderes. Existiu uma diluição da fronteira entre poder
administrativo e legislativo pois o Governo passa a poder legislar em situações
extraordinárias, de urgência, por delegação do Parlamento (apesar de não ser comum,
o Governo português tem competências concorrentes com o Parlamento) – a
competência legislativa deixa de ser uma reserva absoluta do Parlamento.
É de assinalar também um notável reforço do poder judicial, que deixa de controlar
apenas a mera legalidade, por outras palavras, a conformidade da função
administrativa com as regras escritas, alargando-se à atividade discricionária da
Administração Pública. Os parâmetros de controlo do poder jurisdicional serão os
princípios gerais da atividade administrativa, o que significa que também a lei deixa de
ser a única fórmula de criação do Direito. Os tribunais, através da regulação das regras,
passam a ter um papel relevante que também é criativo.

Último quartel do século XX e primeira década do século XXI: contexto global da crise
do Estado Social ou Administrativo:

a) A crise do Estado Social; o ressurgimento do liberalismo económico


Nas décadas de 70 e 80, os países ocidentais que compunham o 1º Mundo (mundo
desenvolvido – EUA, Canadá, Europa, Japão, Coreia do Sul, Taiwan) conheceram uma
profunda crise cujas sequelas ditaram uma alteração irreversível.
Várias foram as causas para esta crise:
 Choques petrolíferos (causa pública);
 Fim de acordo de Bretton Woods (causa menos evidente mas de extrema
importância). Há quem diga que esta crise tem vindo a evoluir ao longo dos anos.
O problema da moeda fiduciária é o seu descontrolo - existe uma emissão
descontrolada de moeda. O endividamento é causado por maus investimentos
causados por esta emissão descontrolada de moeda e manipulação das taxas de
juro.

A causa direta da crise dos países ocidentais foi a abrupta subida do preço do
petróleo através da cartelização dos países produtores (países árabes).
Num sistema de cartel subiram os preços afetando as economias ocidentais, dos
países desenvolvidos e industrializados. Isto levou à necessidade de uma retração do
Estado (dos seus fins e funções). Este processo iniciou-se no mundo anglo-saxónico
(EUA e RU), onde a tradição liberal está mais enraizada.
Nestas décadas, os teóricos liberais da Escola de Chicago, da Escola Austríaca
fizeram-se ouvir.

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Estes já antecipavam a crise que ocorreria do progressivo crescimento do Estado e


do aumento da despesa pública.

b) A implosão da URSS e a “globalização”; a UEM e o alargamento da UE a leste


Em finais da década de 70, assistiu-se a uma reviravolta política. Tanto nos EUA
como no RU chegaram ao poder as alas direitas (nos EUA o Partido Republicano; no RU
o Partido Conservador), afastadas desde o final da II GM.
Quando Margaret Thatcher e Donald Reagan alcançaram o poder puseram em
prática a receita liberal, aconselhados pelos economistas da Escola Liberal.
Na verdade, os resultados económicos alcançados foram excelentes, o que inspirou
as políticas económicas dos outros países do mundo ocidental. Os partidos
trabalhistas, socialistas e sociais-democratas aderiram ao processo de liberalização das
economias. Este processo conheceu um fator de aceleração ligada à implosão do
Império soviético.
Quando Gorbachov chegou ao poder russo, desmantelou o poder russo e libertos os
países da Europa de Leste.
A queda do muro de Berlim (1989) é o marco histórico desta época, seguido do
pedido de adesão na UE de todos os países da Europa de Leste; ao mesmo tempo
assitiu-se à liberalização da Índia (vigorava um sistema socialista moderado baseado
numa economia planificada) e China (não chegou a haver uma evolução política e o
partido comunista mantém-se como Partido único).

c) A Globalização e consequente desindustrialização das economias ocidentais


Houve uma evolução com acordo do GATT-OMC, que levou à criação da
Organização Mundial do Comércio. Deu-se o abaixamento/eliminação de tarifas
alfandegárias para vários produtos, o que levou a uma aceleração da economia global,
originando uma prosperidade que beneficiou principalmente os países do 3º Mundo.
Outro fator de internacionalização das economias foi a implementação da UEM
(União Económica e Monetária), em 1993, na sequência do Tratado de Maastricht.
O fim da Guerra Fria entre o bloco soviético e o mundo ocidental, o crescimento
da UE, a liberalização da Índia e China, a aceleração do comércio mundial com os
Acordos GATT-OMC e a criação da UEM são fatores que levaram à globalização
(fenómeno que se iniciou na década 90 do século XX e se tem vindo a desenvolver ao
longo da primeira década do século XXI).
Os Estados deixaram de ter meios de intervenção conjuntural como a emissão de
moeda (UE), o controlo das taxas de juros e câmbio – instrumentos de intervenção
conjuntural na economia através dos quais os Governos combatiam as crises
económicas cíclicas, o que levou a um problema de controlo das despesas públicas.
Deste modo, era preciso ultrapassar os seguintes problemas:
1º Problema: Pesados sectores empresariais públicos – os Estados trataram de se
desfazerem desses sectores através de privatizações.

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Em Portugal, principalmente na década de 90, bem como em Espanha, França,


Itália, Alemanha, os Estados alienaram a maioria das empresas públicas dos meios
de produção.

2º Problema: Tornou-se obrigatório um aligeiramento da legislação laboral – o


financiamento das reformas, pensões, subsídios de desemprego e toda a
despesa da SS tornou-se um problema porque era difícil reduzir estas despesas.

3º Problema: Desindustrialização – nos países ocidentais foi a consequência da


globalização, resultante da liberalização dos movimentos de capitais, isto é, uma
fuga do investimento industrial para a Ásia, onde emergiu uma mão-de-obra
mais ou menos qualificada, com menores custos e em contextos ambientais,
sociais, urbanísticos menos exigentes e mais degradados.

Estes produtos invadiam os mercados ocidentais, concorrendo com as poucas


industrias que subsistiam. Isto traduziu-se num benefício para a humanidade no seu
todo, em contraponto à prosperidade exclusivamente europeia. Os países
ocidentais perderam os privilégios pois houve uma redistribuição da riqueza à
escala mundial e entrou-se num sistema de permanente e progressiva redução da
despesa pública.

Último quartel do século XX e primeira década do século XXI: a reforma do Estado


Social ou Estado Administrativo:
Contudo, nem a reforma do Estado, nem a flexisegurança ou a flexibilização da
legislação da função pública e laboral foram suficientes para manter o modelo do
Estado social.
Posto isto, os Estados começaram a endividar-se para manter o modelo do Estado
social, o que se traduziu na crise das dívidas soberanas de 2009.
Esta crise começou na Grécia, seguida de Portugal, Irlanda, Espanha, Itália, e afetou
não só todos os países da Zona Euro bem como os restantes da UE.
Estes problemas traduziram-se numa mudança de paradigma do modelo de Estado.
Com as privatizações passamos de um modelo de Estado prestador para o Estado
regulador, ou seja, o Estado abdica da posição de fornecedor de bens/serviços
essenciais à população e leva a cabo uma privatização material (atividades
económicas que lhe estavam reservadas deixam e o estar) mas também aliena as
empresas públicas que operavam nesses sectores – privatização orgânica (as
empresas são transformadas em sociedades anónimas e as respetivas ações são
vendidas no mercado a privados).
Este processo não se traduziu numa desregulamentação porque o Estado, tendo o
monopólio, não era necessário uma excessiva regulamentação.

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Por não deixarem de ser bens e serviços essenciais à comunidade, quando o Estado
se retira, intensificou a regulamentação que ficou a cargo da Administração
independente – autoridades independentes do Governo com fortes poderes
administrativos, jurisdicionais ou para legislativos (poderes regulamentares com
emanação de regulamentos eu se aproximam do caráter inovador das leis).
As autoridades independentes são compostas por técnicos altamente
especializados, em setores de interesse económico geral como os transportes públicos,
energia, telecomunicações, distribuição de água e saneamento.
Pretende-se assegurar uma concorrência leal, em benefícios do consumidor, que
leve à descida de preços mesmo de forma artificial, assegurando-se para os
consumidores mais desfavorecidos o financiamento/subsidiação. A ideia é assegurar
que os preços sejam acessíveis mas não muito abaixo do preço de custo bem como
uma melhor relação qualidade-preço.
Estas autoridades são independentes porque muitas vezes o Estado mantém os
operadores ou mantém uma posição de domínio (golden share).
O problema dos antigos sectores públicos prendia-se com o abaixamento de preços
em períodos eleitorais para níveis insustentáveis.
Estas autoridades, libertas da pressão dos ciclos eleitorais, conseguem zelar pelo
eficiente do funcionamento dos mercados, assegurando um preço acessível (se
necessário através da subsidiação dos consumidores mais desfavorecidos).
O princípio da eficiência, desdobramento do princípio do interesse público, assume
um papel relevante. O Estado regulador assenta na economia de mercado e na livre
concorrência.
No mundo ocidental e na Europa subsistiu sempre um sistema de economia de
mercado, com intervenção de poderes públicos e vigência de um sistema de
planificação – sistema de economia mista (já não corresponde ao modelo económico
atual).
Para concluir, o Estado Social sobrevive. O Estado regulador ainda é um Estado
social, pelo que este sobrevive enquanto a despesa púbica for possível.

2. Os sistemas de Administração

O sistema britânico ou de Administração judiciária

Este sistema vigora no RU, Estados que foram suas colónias assim como nos EUA e
países da Commonwealth.
Neste sistema a AP tem como características:
 É altamente descentralizado;

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 Subordina-se ao Direito comum (e não a um Direito próprio e privativo com uma


lógica distinta do Direito comum);
 Existe apenas uma única ordem jurisdicional – ordem dos tribunais comum, que
aplica um Direito comum à Administração e privados;
 Inexistência da figura abstrata do Estado (concretamente no RU). Na Europa
Continental não se desliga o conceito de Administração do de Estado pois a
Administração trata-se de um poder soberano do Estado. O conceito de Estado
como pessoa jurídica de Direito interno, como titular de direitos e obrigações face
ao cidadão. No lugar da entidade abstrata existe a figura da Coroa (referencial
política e administrativo), não obstante o Rei ser politica e juridicamente
irresponsável. Quem assume a responsabilidade pelo excesso de poder são os
titulares, seja ao nível da Administração ou outros níveis.

O RU é um país que não sofreu a influência do Direito romano justinianeu e onde as


ambições da Coroa desapareceram no século XVII, com a Revolução Inglesa.
Destas perturbações resultou um triunfo político e militar das instâncias
representativas da sociedade – Tribunais e Parlamento (sob a Coroa). Na Europa, ao
longo do século XVII e XVIII existiu uma supremacia da Coroa em relação a outras
instâncias do poder.
Desde a Idade Média até aos dias hoje assiste-se a uma evolução das instituições
sem qualquer rutura revolucionária, o que explica a particularidade deste sistema.
Todo o sistema administrativo construiu-se de base para o topo, com uma
progressiva “fragilização” das instâncias superiores (construídas posteriormente).
O território do RU divide-se administrativamente em dois níveis sobrepostos: num
nível inferior, as paróquias; num nível superior, os condados. Ambos são comunidades
locais que elegem os seus órgãos e através das suas atividade satisfazem necessidades
próprias – self government ou autoadministração (no qual se inspirou o princípio da
descentralização, no século XX).
A grande característica a assinalar é o facto de não coexistirem duas
Administrações, a local e a estadual.
Na verdade, os interesses públicos são exclusivamente satisfeitos pela
Administração autónoma – não há um aparelho centralizado no qual esteja no topo
um Governo, como acontece no nosso sistema. No RU, o poder local é totalmente
independente do Governo, a sua única dependência será a económica.
Nunca se implantou neste território uma Administração estadual hierarquicamente
estruturada e dependente do poder executivo, por outras palavras, nunca houve um
poder administrativo forte, hierarquizado e estruturado par dos outros poderes.
Não existindo este poder executivo (ou administrativo) forte e centralizado que
reforce a figura do Governo leva a uma preponderância dos tribunais.

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Por isso, este sistema é conhecido por um sistema de administração judiciária, que
se traduz na ocupação pelos tribunais de uma grande parte do espaço que na Europa
Continental é ocupado pelo executivo forte (exemplo: No nosso sistema, para construir uma
estrada que tenha de passar por terrenos particulares, o Governo expropria através de uma decisão de
autoridade própria o terreno do particular, através de um ato administrativo, neutral e autoritário, que
por si só opera a transferência da propriedade do bem imóvel em causa para o Estado, em troco do
pagamento de uma indeminização. Este ato pode ser logo executado porque os atos administrativos são
atos executivos e, se necessário, com recurso à força, podendo ser a própria Administração a fazê-lo. No
entanto, a posteriori, os particulares podem impugnar e discutir o montante decido pela Administração.
Tudo isto acontece sem intervenção dos tribunais.).
No caso do sistema judiciário, a Administração não tem o prévio poder de
autoridade. Utilizando o exemplo anterior, para obrigar o titular do terreno a
Administração tem de solicitar ao tribunal a operação de transferência de propriedade
para a Coroa. Será por ordem do tribunal que o particular será obrigado a vender (é
uma venda forçada por ordem do tribunal).
É o tribunal que vai avaliar o interesse público, decidindo se este exige aquela venda
forçada, ao mesmo tempo que faz um confronto com os interesses particulares.
A separação de poderes neste sistema revela uma supremacia dos tribunais face à
Administração. Por este motivo, a nossa doutrina publicista considera que os tribunais
administram, podendo decidir num sentido contrário à Administração.
Neste sistema há normas de Direito Público que fogem à lógica do Direito comum –
administrative law. No seu conjunto, estas leis não formam um ramo de Direito
próprio e autónomo, são normas excecionais (a sua amplitude e profundidade é
menor do que no Direito Administrativo continental).
Todas as relações jurídicas entre a Administração e particulares são regidas pelo
Direito comum ou geral.
Em suma, o sistema britânico caracteriza-se pela descentralização, a regulação das
relações entre a Administração pública e os particulares ser feita pelo Direito Privado
(posição de paridade), a inexistência dos tribunais administrativos (a atuação da
Administração é objeto de fiscalização por tribunais comuns), poder de plena
jurisdição face à Administração (os tribunais não estão delimitados à mera fiscalização
da legalidade da atividade administrativa podendo anular atos com fundamento no
interesse público, obrigando a Administração a praticar atos em razão da avaliação que
o próprio tribunal faz do interesse publico, em cada caso concreto).

O sistema de Administração executiva ou continental

O sistema continental é centralizado e a sua organização baseia-se num corpo de


funcionários, estruturado hierarquicamente.
A Administração Pública é forte e corresponde a um poder soberano do Estado.
Existe um DA próprio que regula as relações entre Administração e particulares.

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A Administração goza de poder de autoridade para definir o direito aplicável em


cada situação concreta bem como o poder de impor as determinações de um ato aos
particulares sem recorrer previamente aos tribunais – é um ato executório
determinado pelo privilégio de execução prévia, através do qual a Administração pode
impor determinações coercivamente aos particulares.
Em consequência, por necessidades práticas e técnicas, existe uma rede de
tribunais distinta da ordem jurisdicional comum – é a ordem jurisdicional dos
tribunais administrativos.
Isto acontece em toda a Europa, mesmo em países como a Espanha onde não existe
uma ordem jurisdicional administrativa, dentro dos tribunais comuns existem secções
administrativas que funcionam quase tão independentemente como os tribunais
administrativos que existem, por exemplo, em Portugal.

Progressiva convergência dos dois sistemas desde o final da II GM

Ao longo dos últimos 70 anos assistimos a uma aproximação dos sistemas, sem
que nenhum perdesse a sua identidade própria.
Deu-se uma administrativização do sistema britânico através da sua centralização.
Criaram-se Ministérios nas áreas sociais (emprego, ensino, saúde e SS), com
implementação territorial. Dentro deles também existe uma estrutura hierárquica.
Multiplicaram-se as normas administrativas (administrative law) e aumentou a sua
importância no Estado Providência. (NOTA: Já se pode falar numa sujeição da Administração à
lei – princípio da legalidade positiva.).
Criaram-se “administrative tribunals” (instância de natureza indefinida) para
aplicar a nova legislação. São entidades especializadas em razão da matéria, que
julgam recursos de atos da Administração mas não são verdadeiros tribunais nem são
compostos por juízes, são uma espécie de autoridades administrativas independentes
que desempenham materialmente funções que no nosso sistema estão a cargo dos
tribunais administrativos.
No continente assistimos, no século XX, a uma orientação descentralizadora que
tende a esvaziar o Estado em benefício das regiões e comunidades locais – o Estado
perde importância para as regiões e autarquias locais (jusante) e da UE (montante).
É relevante a recente tendência da diminuição do peso do Estado na sociedade. Por
outro lado, assiste-se a um progressivo uso do Direito Privado pela Administração,
com a adoção de formas jurídico-organizativas privadas e a sujeição da atividade a
outros organismos/entidades (a fuga para o Direito Privado aproxima a Administração
privatizada à Administração do RU).
Na Europa dá-se um progressivo aumento dos tribunais administrativos no sentido
da plena jurisdição.

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Hoje em dia, os tribunais administrativos têm poderes de condenação da


Administração, reconhecem direitos e, em sede de execução de julgados, substituem-
se à Administração, elaborando sentenças que substituem o ato administrativo.
A evolução do nosso Direito é evidente na maior reforma dos últimos 200 anos no
Contencioso Administrativo, mais precisamente no Código do Processo dos Tribunais
Administrativos e a nova estatuto dos tribunais administrativos e fiscais, aprovados em
2002 e entrada em vigor em 2004.

NOTA: Sob a égide da UE, o RU afeiçoou a sua legislação e sistema ao paradigma da UE, pelo que esta
aproximação não será perdida após o RU ter abandonado a UE. Irá manter-se a legislação e
regulamentos comunitários até sua revogação expressa.

II – A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O DIREITO

Capítulo I: A Administração e o Direito Administrativo: a


problemática do poder discricionário

1. Noção de discricionariedade administrativa

Entrada no tema

Neste tema são abordadas 3 matérias:


1. Problemática do poder discricionário – problemática típica do Direito
Administrativo;
2. A Administração Pública e o Direito Privado – em que medida a Administração
Pública se sujeita ao Direito Privado;
3. Princípios gerais da atividade administrativa – matéria importante pois estes
princípios presidem à atividade de gestão pública da Administração Pública
(Direito estatutário) assim como à atividade de gestão privada, ou seja, as
pessoas coletivas públicas quando se sujeitam ao Direito Privado têm de
respeitar os princípios gerais da atividade administrativa (Direito Administrativo
Privado). Para além disso, são os únicos parâmetros para os tribunais
administrativos controlarem o poder discricionário da Administração.

Primeira noção de discricionariedade administrativa:


Quando se diz que a Administração exerce poderes discricionários significa que
deixa de atuar na zona regulada previamente pela lei.
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A atuação deixa de ser um exercício dedutivo e ao sair da legalidade estrita, a


atuação da Administração passa a envolver escolhas alternativas que, por delegação
legal, a própria Administração vai fazer, motivo pelo qual se diz que sai da zona da
legalidade estrita para entrar na zona do mérito/oportunidade/conveniência.
Cabe à Administração e não ao legislador escolher, em cada situação concreta, os
meios adequados à realização do interesse públicos.
Para a prossecução do interesse público rege-se por parâmetros técnicos e critérios
de eficácia/eficiência – decorre do princípio da prossecução do interesse público um
dever de boa administração (quanto às alternativas de atuação a Administração é
obrigada a escolher o melhor para o interesse público).
A competência discricionária é a liberdade atribuída por lei. Consiste em que seja o
órgão a ajustar o conteúdo das decisões relativas a casos concretos, ou seja, dos tos
administrativos resultantes do exercício dessa competência.
O poder discricionário é um poder de atuação externa da Administração, orientado
para fora dela e interferindo na esfera jurídica de terceiros.
O uso do termo “liberdade” não retrata fielmente a posição jurídica da
Administração porque a posição jurídica da Administração é uma posição de poder-
dever (como qualquer poder público é simultaneamente um dever). Por este motivo,
Massimo Giannini fala na discricionariedade como a “liberdade juridicamente
determinada”.
A posição da Administração Pública (sob proteção do seu Direito Administrativo)
não pode ser igual à posição dos privados quando estes praticam atos jurídicos
(negócios jurídicos, sobretudo contratos). Apesar de a teoria do ato administrativo o
situar entre o ato administrativo e a sentença, é incorreto equiparar o ato
administrativo ao negócio jurídico, visto que aos privados é sempre conferida pela
ordem jurídica a possibilidade de construírem a sua vida com base no principio da
liberdade (contratar ou não, contratar com quem quiser, ajustar o conteúdo dos
contratos). Os privados podem escolher os meios, pressupostos e fins da sua atuação,
ao contrário do que acontece com a Administração Pública, cujo interesse é-lhe
imposto de fora, pelo legislador, é um interesse público que amarram a competência
ao seu exercício. (NOTA: Metaforicamente, “O interesse público é sempre a estrela polar da
Administração na sua navegação”).
A Administração Pública só pode atuar se dispuser de uma base legal (atuação
externa). São elementos vinculados da atuação administrativa, tem de constar a
competência.
O fim público que preside esta competência é um elemento presente nas normas
administrativas.
No que respeita aos privados, os pressupostos e fins das “competências” para
celebrar contratos são sempre de escolha livre – o Direito Privado funciona como
quadro geral e regulador da atuação dos privados mas a escolha dos fins corresponde
a uma liberdade de escolha.

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A especialidade da atuação de privados abrem-se em forma de leque e da


Administração fecham-se em cone, convergindo todas para a prossecução do interesse
público.

Discricionariedade quanto ao conteúdo e demais elementos do ato administrativo:


Tem-se falado da discricionariedade da Administração quanto ao conteúdo das
decisões e atos administrativos. No entanto, por confronto com a figura do negócio
jurídico o ato administrativo também tem vários elementos (competência, fim, forma).
Assim, pode haver competência discricionária:
 Quanto à escolha da forma do ato administrativo – o Governo poder escolher
praticar o ato administrativo sob a forma de despacho simples, decreto, portaria,
resolução;
 Quanto ao procedimento – o CPA estipula certas condições obrigatórias mas o
procedimento é discricionário em grande medida;
 Quanto ao momento preciso da prática do ato;
 Quanto à escolha de pressupostos – domínios do planeamento económico,
urbanístico. Os planos são atos mistos – apesar de normalmente a lei os classificar
como regulamentos, quanto ao conteúdo existem partes tão específicas que os
tornam atos individuais e concretos.
O mesmo acontece com a atividade contratual pública em geral, na qual existe
alguma discricionariedade na escolha dos pressupostos.
Todavia, em regra, no que respeita aos atos administrativos, os pressupostos
não são de escolha discricionária.

NOTA: Quando nos referirmos a discricionariedade administrativa referimo-nos à discricionariedade


quanto ao conteúdo, isto é, às transformações jurídicas que o ato visa produzir

A discricionariedade administrativa como espécie do género


“discricionariedade”: as discricionariedades política, legislativa e judicial

As discricionariedades política, legislativa e judicial:


Não existe apenas discricionariedade administrativa, também existe
discricionariedade política, legislativa e jurisdicional, isto é, quanto às outras funções
do Estado também existem zonas de vinculação e “zonas de liberdade”.
Neste seguimento, importa distingui-las.

Discricionariedade legislativa e discricionariedade administrativa:


À partida, tal como a Administração tem o poder de conformar o ato
administrativo, aos tribunais também existe liberdade de conformação das sentenças
(o juiz já não é a “boca do Direito”).

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Nos órgãos político-legislativos da comunidade também faz sentido falar na


discricionariedade porque têm um parâmetro superior, o qual têm de respeitar, que os
obriga e vincula na prática dos atos políticos – referimo-nos à CRP, lei fundamental no
topo do ordenamento jurídico.
Todos os atos jurídico-público estão sujeitos à discricionariedade dos poderes
públicos.
Quando confrontamos a discricionariedade
Todos os atos jurídico-políticos podem estar sujeitos a discricionariedade de
poderes públicos.
É de destacar que existem diferenças significativas entre a atividade legislativa e a
atividade administrativa:
 Atividade legislativa – cumprimento de tarefas assinaladas na CRP, à qual está
materialmente vinculada.
Contudo, não se pode definir a atividade legislativa como execução ou
complemento da CRP, é muito mais do que isso. O legislador tem de respeitar os
pressupostos da sua atuação e fins assinalados pontualmente pela CRP à sua
atuação mas não existe uma sistemática precedência de lei fundamental que
condicione a atividade do legislador.
Em princípio, o legislador pode criar os pressupostos da sua atuação e escolher
livremente os fins visados por qualquer lei (sem prejuízo dos elementos vinculados
que por vezes encontramos na CRP).

 Atividade administrativa – no que respeita aos atos administrativos, a


Administração desenvolve uma atividade de execução ou complemento da lei. Isto
significa que tem de existir uma norma legal precedente que determine os
pressupostos da sua atividade assim como uma que assinale o fim que preside à
competência discricionária – não há hipótese de existir uma competência
administrativa a que ao presida um fim (corresponde ao interesse público
secundário).
A Administração goza de uma oportunidade relativa na ponderação dos meios
que irá utilizar para realizar os fins que a lei lhe assinala.
Toda a atuação administrativa individual e concreta traduz-se num
aperfeiçoamento em cada caso concreto do tipo legal, ou seja, complemento dos
pressupostos e fins determinados na lei. Toda a atividade individual e concreta da
Administração através de atos administrativos é de execução ou complemento da
lei, inclusive a atividade discricionária.
Assim, faz sentido falar em discricionariedade legislativa mas esta terá de ser
classificada como uma discricionariedade fortíssima ou soberana, própria da
atividade do Estado, diferentemente do que acontece com a discricionariedade
administrativa ou jurisdicional.

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O professor entende que apesar das diferenças estamos perante um conceito


múltiplo de discricionariedade, presente em todos os poderes soberanos do Estado
porque muitas são as matérias em que o legislador conhece idênticas limitações
quanto aos pressupostos e aos fins mas também quanto às limitações que o
legislador tem no preenchimento dos conceitos imprecisos e das cláusulas gerais –
na liberdade que o legislador tem para preencher estes conceitos conhece limites
(em tudo o que respeita a DLG) pelo que faz sentido falar num género comum de
discricionariedade.
Por outro lado, na atuação concreta da Administração também existe liberdade
de escolha de pressupostos (planeamento e atividade contratual pública) pelo que a
figura de autonomia pública não é propriamente discricionariedade mas é muito
próxima.

Discricionariedade política e discricionariedade administrativa:


O confronto entre a discricionariedade política e a discricionariedade administrativa
não é para ser muito aprofundada porque assemelha-se de algum modo à
discricionariedade legislativa, apesar de não ter o mesmo controlo.
A conformidade das leis com a CRP é objeto de controlo pelos tribunais,
nomeadamente o TC. Quanto aos atos políticos, o único controlo existente é o dos
pesos e contrapesos próprios do sistema político.
No entanto, no que respeita à parametrização feita pela CRP, podemos equiparar a
atividade política à atividade legislativa, pelo que se aplica o que foi referido quando à
discricionariedade legislativa à discricionariedade política.

Discricionariedade judicial e discricionariedade administrativa:


Quanto à discricionariedade jurisdicional, hoje em dia, os tribunais já não se
limitam a uma mera execução da lei, a uma mera aplicação da ordem jurídica. Goza
de uma liberdade de conformação tao ampla como a Administração no exercício dos
seus poderes discricionários.
O Prof. Castanheira Neves tem entendimento pacífico, assente em 2 causas:
 Pensamento jurídico (doutrina) – correntes metodológicas como a Escola do
Direito Livre, a Escola da Jurisprudência dos Interesses e dos Valores. Estas
contestam o papel da atividade jurisdicional relativamente ao seu caráter
vinculado;
 Plano do Direito positivo – assiste-se ao longo do século XX a um crescente
recurso pelo legislador a conceitos de valor e a cláusulas gerais em todos os ramos
do Direito, o que convoca uma participação do juiz no labor legislativo para a
resolução dos casos concretos. O juízo sujeito à sentença deixou e ser um
processo lógico-dedutiva, as sentenças traduzem-se cada vez mais em valorações
autónomas dos juízes – a atividade do juiz não é apenas cognoscitiva.

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Os juízos de aplicação da lei a casos concretos são distintos dos juízos próprios da
atividade administrativa, aos quais vai recorrer o órgão administrativo para aplicação a
lei a casos concretos.
Deste modo, a diferenciação entre a atividade jurisdicional e o exercício do poder
discricionário não passa pelo facto de a atividade jurisdicional estar vinculada à
aplicação da lei ao passo que o poder discricionário é um poder livre – isto não
acontece. Para definir os limites do controlo jurisdicional da atividade administrativa
discricionária repudia-se este critério e utiliza-se o critério de fixação dos limites dado
aos juízes no controlo da discricionariedade da Administração Pública.
Relativamente ao critério a utilizar, salienta-se que o poder discricionário, enquanto
manifestação do poder executivo do Estado, tem uma natureza distinta do poder
jurisdicional, o que não se justifica pelo facto de o poder discricionário ser livre em
relação ao Direito ao mesmo tempo que o poder jurisdicional é um poder vinculado –
este é um critério antiquado.
O poder judicial também é um poder que se distancia da lei como o poder
discricionário, embora em dimensões diferentes. A distinção é de natureza porque
também há discricionariedade jurisdicional.

Vinculação e discricionariedade administrativas em perspetiva histórica

Nos primórdios do Estado Liberal:


O paradigma do Estado Liberal assenta em duas premissas essenciais: a primeira, a
sujeição da Administração à lei (princípio da legalidade administrativa); a segunda, o
controlo judicial da atividade externa da Administração Pública.
Nos primórdios do Estado Liberal, a Administração e o Estado tinham um papel
reduzido e o Direito Administrativo era reduzido porque poucas eram as funções do
Estado, pelo que a regulação da atividade externa da Administração Pública reunia
pouca legislação ao mesmo tempo que se caracteriza pelo facto de as competências
atribuídas pelas normas jurídico-administrativas serem de competências vinculadas.
Tratavam-se de competências vinculadas porque o que era considerado atividade
externa da Administração (juridicamente relevante), eram aqueles cujo exercício
contendia com os direitos fundamentais de liberdade e propriedade.
Por este motivo, estas competências eram vinculadas, o que trazia a certeza e
segurança jurídica. Só era considerado matéria de lei a atividade admissível à
Administração, isto é, as áreas de matéria fiscal, expropriações, judicial.
Existe uma ideia de sujeição da Administração à lei, que é indissociável do
paradigma de as competências serem vinculadas, na sua atividade externa (a interna
não era considerada juridicamente relevante).
Era fácil para os tribunais um controlo desta atividade externa porque os âmbitos
da Administração estavam bastante circunscritos.

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Isto correspondia à conceção do princípio de separação de poderes, que atribuía


máxima importância exclusivamente ao Parlamento (função legislativa), ao passo que
os outros dois poderes soberanos do Estado (poder executivo/administrativo e poder
judicial) eram meros executores da lei.

Na transição para o Estado Administrativo do século XX:


A partir de meados do século XIX, as profundas transformações (políticas,
económicas, tecnológicas sociais) na Europa, motivadas pela 2ª Revolução Industrial,
implicaram uma ampliação dos fins e funções do Estado, o que correspondeu a um
acelerar de produção legislativa (sobretudo de Direito Administrativo), atingindo níveis
nunca pensados, o que deu origem a que os Governos também exercessem função
legislativa (pela incapacidade de o Parlamento não conseguir responder às
necessidades de legislar). Foi uma evolução inevitável do Direito Público e da
Administração Pública, motivada pelo progresso.
Este salto era cada vez menos compatível com a outorga aos órgãos administrativos
de poderes vinculados – o legislador, no setor do Direito Administrativo, foi obrigado a
recorrer cada vez mais a conceitos imprecisos e cláusulas gerais, concedendo à
Administração poderes discricionários, o que se traduziu num aumento do nível de
indeterminação das normas jurídico-legislativas.
Neste sentido, na aplicação da lei, a Administração passou a ter uma maior
liberdade na conformação do conteúdo dos ato administrativos que irá praticar –
complexificação da realidade ditada pelo Direito Administrativo. Cada vez mais se
evidenciaram as limitações do legislador, incapaz de prever antecipadamente, por via
geral e abstrata, todos os pressupostos e circunstancialismos da vida real, o que leva o
legislador a delegar na Administração os poderes para avaliar a escolha adequada para
uma situação concreta.
Com o aparecimento destas indeterminações legais, no controlo da atividade
administrativa externa, os tribunais apercebem-se que o antigo controlo total da
atividade administrativa torna-se inapropriada, pelo que os juízes não estão à vontade
para exercer o controlo da legalidade com base em parâmetros assentes em regras
técnicas e que não recorriam ao uso da legalidade estrita. Existe a tendência de os
juízes se recusarem a desenvolver uma atividade de dupla administração.

Antecipação de algumas considerações críticas sobre a abordagem tradicional à


problemática da discricionariedade administrativa:
Com esta evolução surgem os contornos da mais e complexa problemática do DA- o
poder discricionário, isto é, dos limites do controlo jurisdicional na Administração Pub
sempre que aplica normas e conceitos indeterminados.
Surge assim a mais importante e complexa problemática do DA – a problemática do
poder discricionário (limites do controlo jurisdicional à Administração Pública quando
ela exerce os seus poderes – aplicação de normas e conceitos indeterminados).

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A primeira abordagem da Doutrina a esta problemática foi tendencial ou instintiva.


Corresponde à tradicional visão das relações entre lei, legislador, Administração e
tribunais – abordagem que parte numa posição de máxima desconfiança em relação à
Administração Pública, focando-se no papel de controlo sucessivo dos tribunais para a
solução das indesejáveis indeterminações das normas jurídico-administrativas.
Esta aproximação, do ponto de vista constitucional moderno, é pouco atual e
denota-se uma parcialidade face ao que deve ser o correto entendimento do princípio
da separação de poderes que atribui aos 3 poderes do Estado papéis diferentes mas
complementares, reconhecendo-lhes uma autonomia material. Esta autonomia
traduz-se no reconhecimento de uma área de reserva, de atuação subordinada ao
Direito e criadora do Direito no caso concreto – o poder administrativo/executivo é
materialmente distinto mas com poderes jurídicos.
Esta abordagem moderna é uma conceção mais equilibrada do princípio de
separação de poderes de controlo. Reconhece a cada um dos poderes do Estado uma
autonomia não só orgânico-formal mas também material.
Do ponto de vista da ciência do Direito Administrativo, esta abordagem de controlo
total da atuação discricionária administrativa é criticada do ponto de vista dogmático.
A objeção mais importante a esta abordagem excessivamente garantística tem a ver
com as naturais limitações do legislador e dos juízes.

Os três distintos planos em que se coloca a problemática da


discricionariedade administrativa

O plano da identificação ou localização da discricionariedade na estrutura lógico-


formal da norma jurídico-administrativa (perspetiva teórico-normativa):
É um plano que se coloca ao nível da Teoria Geral do Direito e diz respeito à
identificação/localização da discricionariedade administrativa na estrutura lógico-
formal da norma jurídico-administrativa.
Procura-se responder às perguntas “Onde está ou o que é a discricionariedade
Administração? Quando surge nas normas jurídico-administrativas?”.
A resposta leva a distinguir, por um lado, os momentos de estrita vinculação da
Administração a regras jurídicas (sujeição da Administração a um programa pré-
definido pelo legislador) e, por outro lado, distinguir estes momentos de vinculação
dos momentos em que a mesma Administração assiste a um maior espaço de margem
de conformação da decisão a tomar.
Nos segmentos de estrita vinculação, a aplicação da lei pela Administração, uma vez
que os parâmetros de atuação são regras jurídicas, leva a que os Tribunais
Administrativo (na sua função de revisão) levem a cabo um controlo total e positivo do
modo como a Administração aplicou a lei.

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O controlo total significa que o Tribunal não se restringe, ao passo que o controlo
positivo leva-nos à ideia de que o Tribunal vai determinar na sua sentença
condenatória o ato que a Administração terá de praticar, caso conclua que a
Administração violou as regras que regulavam o conteúdo da sua decisão, pelo que o
ato deve ser declarado nulo e a Administração será condenada a praticar o ato que
devia ter praticado.
As questões discutidas são clássicas de Teoria Geral do Direito. As respostas
passam, na aplicação da lei pela Administração Pública (órgão administrativo), pela
distinção na estrutura da norma entre o que são operações de mera interpretação ou
de integração de lacunas (extralegais, clássicas) – está no domínio vinculado. (NOTA:
Todo o poder discricionário é uma lacuna na lei – é uma lacuna intralegal).
Se se tratar de matéria de interpretação e integração de lacunas clássicas está
sujeita ao controlo total dos tribunais. Se são operações que traduzem o exercício do
poder discricionário terá de ser encontrada outra resposta.
Na controvérsia entre o domínio de interpretação/integração de lacunas contra o
domínio da discricionariedade, os grandes temas que se discutem são:
 Saber se o preenchimento dos conceitos imprecisos é totalmente uma questão de
interpretação da lei, se será só de alguma forma ou se, por outro lado, o
preenchimento de conceitos imprecisos é sempre uma discricionariedade;
 Distinção entre os vários tipos de conceitos imprecisos (classificatórios, conceitos
tipo, conceitos subjetivos);
 O verdadeiro alcance da discricionariedade isto é, se é uma liberdade concedida à
Administração (se todas as opções são igualmente válidas e indiferentes para o
Direito) ou, se por outro lado, as escolhas não são indiferentes ao Direito e se o
papel da Administração é completar/integrar os pressupostos legais em cada caso
concreto;

O plano do alcance e limites do controlo jurisdicional dos atos administrativos


discricionários (perspetiva jurídico-metodológica):
Trata do alcance e limites do controlo jurisdicional dos atos administrativos
discricionários.
Encontra-se ao nível constitucional, pelo que já não é uma questão apenas de
dogmática geral. A questão é saber qual é o entendimento que devemos adotar em
relação ao princípio da separação de poderes.
Está em causa o posicionamento da menor ou maior independência da
Administração (poder executivo) face ao poder legislativo e ao judicial.
Neste plano, pode acontecer que uma competência qualificável como discricionária
num plano antecedente (teoria da norma) já não tenha como consequência necessária
a sujeição do exercício do poder a um controlo jurisdicional total e positivo porque
saímos do domínio da interpretação.

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No entanto, podem haver outros motivos que levem à necessidade de existir um


controlo total e positivo pelos tribunais (exemplo: Exercício de poderes administrativos com
natureza jurisdicional que por variadas razões são atribuídos à Administração Pública, tais como os
poderes sancionatórios que aplicam os “direitos penais menores” e “direitos processuais penais
menores” – são direitos contraordenacionais, poderes disciplinares desportivos, poderes disciplinares
profissionais, poderes disciplinares funcionariais.).
Como o órgão administrativo funciona como uma espécie de tribunal de 1ª
instância e estão em causa direitos fundamentais estas decisões têm natureza
jurisdicional, apesar de serem formalmente poderes administrativos, se no 1º plano
têm de ser tratados como poderes discricionários, no 2º plano não há razão para
limitar o controlo jurisdicional porque são poderes de verdadeira natureza
jurisdicional.
Portanto, a competência é discricionária até a um certo ponto (momento da
escolha), ao que se sobrepõe à decisão final do juiz porque é uma área própria dele
visto que são poderes de natureza jurisdicional.
Podem ser ainda referidas entidades reguladoras independentes que regularam
dados mercados (energia, transportes, telecomunicações). Muitas vezes têm poderes
jurisdicionais de decidir conflitos entre operadores privados, pelo que estas decisões
devem ser objeto de um controlo total pelos tribunais.
O controlo pelos tribunais tem a ver com os seus conhecimentos.
Por exemplo: os exames de conhecimento são atos de diagnose, pelo que quando
um avaliador examina um estudante está totalmente vinculado a atribuir uma
classificação numérica que corresponda exatamente aos conhecimentos do avaliado.
Estes atos são vinculados porque podem condicionar DLG e por isso são competências
vinculadas (num 1º plano).
Mesmos sendo competências vinculadas, os tribunais têm dificuldade no seu
controlo porque, como no caso dos exames, o juiz para fazer um controlo pleno teria
de se por no lugar do examinador ou mesmo repetir o exame. Assim, se num 1º plano
é uma competência vinculada, neste 2º plano tem de se equiparar de alguma forma ao
poder discricionário.

O plano dos limites constitucionais à atribuição pelo legislador de poderes


discricionários à Administração Pública (perspetiva dogmático-constitucional):
Está relacionado com os limites constitucionais à atribuição pelo legislador de
poderes discricionários à Administração Pública.
Não está em causa o correto ou incorreto exercício do poder discricionário mas sim
a constitucionalidade ou não da norma legal atributiva desse poder discricionário.
O controlo jurisdicional já não incide sobre o exercício do poder administrativo que
tem como parâmetro a lei, vai incidir sobre a legitimidade da atribuição desse poder
pelo legislador ao órgão administrativo e sobre o juiz que adota a Constituição como
parâmetro imediato.

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Em matérias de reserva de lei não são objeto de regulamento independente nem


complementar porque só são compatíveis com regulamentos executivos. Se não é
possível os regulamentos independentes ou complementares também não pode o
legislador atribuir uma competência discricionária ao órgão administrativo nestas
matérias de reserva de lei - são incompatíveis com a concessão de discricionariedade
da Administração. Assim, o ato discricionário que aplique uma lei que confira
ilegitimamente poder discricionário à Administração será declarado nulo, não pelo
incorreto exercício do poder discricionário mas sim porque se traduziu na aplicação de
uma lei inconstitucional.

2. Discricionariedade administrativa e conceitos normativos


imprecisos

Interpretação, integração de lacunas extralegais e discricionariedade


administrativa

Primeiramente, importa distinguir a atividade de interpretação da lei e


preenchimento de lacunas da discricionariedade administrativa.
Rogério Soares designa a discricionariedade como um preenchimento de lacunas
intra legais, para distinguir da tarefa clássica de aplicação da lei no preenchimento de
lacunas extralegais, ou seja, é a ideia de que através do exercício do poder
discricionário se preenche uma lacuna dentro da própria norma.
A tarefa clássica de interpretação e integração de lacunas terá de ser efetuada pela
Administração Pública porque por respeito às normas jurídicas administrativas, os
órgãos administrativos são as primeiras autoridades públicas a interpretar e aplicar a
lei ao caso concreto. Depois de surgido o litígio pode existir uma outra autoridade a
posteriori (juiz ou tribunal) que irá proceder a uma segunda interpretação e aplicação
da lei.
As tarefas de interpretação e integração de lacunas pela Administração Pública não
suscitam os problemas que surgem pelo exercício do poder discricionário porque são
operações típicas da ciência jurídica. Isto significa que são operações essencialmente
objetivas para as quais a ciência jurídica fornece os instrumentos necessários. Sendo
operações objetivas são aquelas que o juiz está habilitado a levar a cabo, em 2ª
instância, podendo rever as operações de interpretação e integração de lacunas feitas
pela Administração. Os juízes são profissionais especificamente preparados para
exercer esta tarefa.
Há uma premissa dogmática de que entre as várias interpretações possíveis da lei
só há uma válida. Em última instância, esta decisão é tomada pelo juiz.

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As operações de interpretação da lei e integração de lacunas não são puramente


lógico-dedutivas, pelo que existem diferentes correntes jurisprudenciais e diferentes
entendimentos, motivo pelo qual é necessária uma uniformização de jurisprudência
para acabar com as controvérsias. Não estamos num campo de certezas e raciocínios
lógico-dedutivos que possa trazer a atividade jurídica de interpretação e integração da
lei para uma área onde não existam controvérsia.
Tratam-se de espaços de criação jurídica, em que o juiz cria Direito e contribui com
algo de pessoal para as soluções. Evidentemente, são espaços de divergência e
controvérsia.
Contudo, estamos na zona da legalidade ou juridicidade, campo próprio de atuação
dos juristas, juízes/tribunais.
Nestas matérias, os juízes podem e devem rever as operações praticadas pelas
autoridades administrativas na aplicação, num 1º momento, da lei. Assim, tudo o que
se refere a matéria de interpretação e integração de lacunas é de competência
vinculada – a competência da Administração quando aplica a lei (normas jurídico-
administrativas), nesta matéria, são vinculadas apesar da incerteza das normas
jurídicas (não se trata de uma ciência exata).
Freitas do Amaral diz que a discricionariedade começa onde acaba a interpretação.
No entanto, a questão está em saber quando nos encontramos nesse momento, em
que acaba a interpretação e começa o poder discricionário.
Perante o exercício do poder discricionário clássico (indeterminações normativas
estruturais) não existem dúvidas quanto à intenção do legislador de atribuir uma
faculdade de escolha à Administração Pública porque é uma verdadeira delegação dos
poderes do legislador em benefício da Administração Pública. A problemática da
interpretação por oposição à discricionariedade oferece dificuldades quando estamos
no domínio dos conceitos imprecisos.
Há correntes doutrinárias que defendem que o preenchimento de todo o qualquer
conceito normativo impreciso é sempre uma tarefa de interpretação de lei.
Noutro extremo, também há correntes doutrinárias que sustentam que o
preenchimento de qualquer conceito impreciso é sempre exercício de poder
discricionário.

A discricionariedade administrativa em sentido estrito

Discricionariedade administrativa como resultante de indeterminações normativas,


estruturais e conceituais:
Existem 3 tipos de discricionariedade inequívoca (situação em que o legislador
intencionalmente delega ao órgão administrativo uma dada decisão), que não é
suscetível de se confundir com interpretação da lei.

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Duas destas modalidades são de indeterminação normativa estrutural (a norma é


aberta) e a outra é uma discricionariedade conferida através de conceitos abertos (é a
mais forte).
No entanto, antes disto, importa relembrar a estrutura da norma jurídica.
A norma jurídica é composta por 2 partes:
 Previsão – antevisão pelo legislador de uma dada situação da vida, pelo que
elabora um enunciado que é um “desenho típico” do que é descrito. A descrição
feita na previsão da norma é feita tentando-se uma abstração de
circunstancialismos concretos. A ideia é evitar que não se excluam do âmbito de
aplicação das normas, situações que não devem ser excluídas. No caso da norma
jurídico-administrativa, o preenchimento da previsão (verificação da hipótese)
constitui o pressuposto da atuação administrativa;

 Estatuição – é a consequência de decorre da verificação na vida real da previsão


feita na hipótese. Por regra, a consequência da norma jurídico-administrativa,
traduz-se na atribuição de um poder à Administração pelo que a consequência da
norma é a tomada de uma decisão pela Administração (ato administrativo, que
deverá responder à verificação do pressuposto da norma).

Indeterminações normativas estruturais e discricionariedade de escolha criativa:


Deste modo, as 3 modalidades possíveis são: a discricionariedade de decisão, a
discricionariedade de escolha de medida e a discricionariedade de escolha criativa
(indeterminações normativas conceituais).

a) A discricionariedade de decisão
Nestes casos o legislador atribui à Administração, verificados os pressupostos da
previsão normativa, o poder de tomar ou não tomar uma determinada decisão (ato
administrativo).
O operador deôntico é o conceito “pode” – há duas alternativas: praticar ou não
praticar o ato. A norma bifurca-se em duas possibilidades e é aqui que está a
indeterminação normativa estrutural.

b) A discricionariedade de escolha de medida


Também há uma delegação de poder discricionário à Administração.
A discricionariedade verifica-se quando a lei, após a enunciação dos pressupostos,
pré-determina um elenco de medidas alternativas, pelo que uma delas terá de ser
tomada pela Administração apesar de poder escolher entre uma elas – o operador
deôntico é mais extenso.
Deparamo-nos com uma indeterminação normativa estrutural pois é a própria
norma que se bifurca em duas ou mais alternativas.

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Temos uma norma aberta na sua estrutura, ou seja, uma indeterminação normativa
estrutural.

c) A discricionariedade de escolha criativa


Saímos do âmbito das indeterminações normativas estruturais para entrarmos
numa modalidade de indeterminação normativa conceitual.
Neste caso, também o legislador confia à Administração a escolha da medida que
vai tomar mas não prefigura as alternativas possíveis, pelo que atribui à Administração
a tarefa de ser ela própria a configurar para cada caso concreto a medida que irá ser
objeto dessa escolha.
O legislador apenas emite, através do conceito indeterminado em causa, uma
simples diretiva ou orientação genérica. É uma escolha criativa pois são utlizados
conceitos vagos, com elevada indeterminação e mais ligados à atuação administrativa,
ou seja, à estatuição da norma e faculdades de atuação da Administração.
Este tipo de conceitos designados conceitos discricionário ou subjetivos são
altamente indeterminados e estão ligados à faculdade de ação da Administração
Pública.
O conceito de “interesse público” é um exemplo típico conceito subjetivo ou
discricionário.
Estas duas partes estão ligadas por um operador deôntico, isto é, por um termo
que fixa a correspondência entre a previsão (hipótese) e a estatuição
(consequência), que traduz um “dever ser”.
Este “dever ser” pode ter sentidos diferentes e para o destinatário pode ser:
norma prescritiva (é um dever, impõe uma conduta positiva), uma norma proibitiva
(é uma proibição, impõe uma abstenção) ou norma permissiva (para todas as
situações a norma possibilita o afastamento de uma proibição relativa).

Os conceitos normativos imprecisos

Os conceitos normativos no direito administrativo e nos outros ramos do direito:


Uma das categorias dos conceitos normativos imprecisos são os conceitos
subjetivos ou discricionários. Nestes conceitos há uma total coincidência ou
sobreposição entre a matéria da discricionariedade administrativa e estes conceitos.
No entanto, importa analisar outras categorias de conceitos normativos imprecisos.
Antes disso, importa ter em atenção que é evidente que os conceitos normativos
imprecisos não se encontram apenas em normas de DA. Há conceitos normativos
imprecisos noutros ramos do Direito, tal como no Direito Penal e Direito Privado.
Nesses ramos, não se coloca a problemática da destrinça entre operações
puramente interpretativas e de existência de uma margem de livre decisão que
possam implicar esses conceitos.
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Nos outros ramos do Direito, o relevo dos conceitos imprecisos prende-se com o
facto de o Direito Civil e o Direito Penal serem ramos do Direito muito consolidados –
os conceitos que surgem nas suas normas estão consolidados.
No DA isto não acontece porque é um ramo mais recente (200 anos) e assistimos,
após a II GM, a um fenómeno de proliferação das normas do DA e das situações de
discricionariedade. Isto significa que existem conceitos novos, pelo que não foram
objeto de um trabalho jurisprudencial tão aprofundado. Contudo, esta não é a
principal razão para que a problemática dos conceitos imprecisos seja de grande
relevância no DA e o mesmo não aconteça nos outros ramos.
Nos outros ramos do Direito só há uma autoridade pública que aplica a lei – os
tribunais. Não há uma situação em que duas autoridades públicas (poderes soberanos
do Estado) concorram entre si para a aplicação de uma norma a situações concretas.
Decorrente do princípio da separação dos poderes, pode colocar-se a questão de se
reconhecer alguma margem de autonomia ao poder administrativo (autoridade
pública que aplica a lei). No entanto, esta questão não se coloca a algumas correntes
doutrinárias extremas.
O juízo jurisprudencial típico da sentença já não é lógico-dedutivo. Na atividade
jurisdicional passamos a ter valorações autónomas (contributo da Jurisprudência dos
Interesses) e chegam a existir momentos emotivos nas sentenças. Isto acontece
porque a sentença é um espaço de criação de Direito.
Por isto, no Direito Penal e no Direito Civil, no preenchimento de conceitos
imprecisos é normal a jurisprudência vá contribuindo.

Conceitos subjetivos ou discricionários (remissão) e conceitos classificatórios:


A questão que se coloca no preenchimento de conceitos imprecisos no momento
de aplicação da lei leva-nos a saber se uma operação de preenchimento de um
conceito impreciso leva a uma matéria de interpretação de lei ou se não será já uma
operação de interpretação de lei no domínio do poder discricionário.
A categoria dos conceitos subjetivos ou discricionários não levantam dúvidas já que
são uma modalidade de discricionariedade dada pelo legislador à AP (é a modalidade
mais forte de conceção do poder discricionário).
Por outro lado, existe outra categoria de conceitos aparentemente imprecisos:
conceitos classificatórios.
Os conceitos classificatórios reconduzem o aplicador e intérprete da norma a uma
categoria de situações.
É consensual na doutrina e jurisprudência de que não há dúvidas de que sendo
conceitos aparentemente imprecisos, só o são na aparência. Na verdade, são conceitos
vinculados e o seu preenchimento é uma tarefa vinculada da Administração, pelo que
deverá ser objeto de controlo pelos tribunais, inexistindo uma margem de livre
apreciação pela AP.

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A aparente imprecisão é resolvida em sede de interpretação porque estes conceitos


remetem para parâmetros decisórios tão precisos como os das regras jurídicas.
Existem várias categorias de conceitos classificatórios:
 Conceitos jurídicos – não são meros conceitos legais, são conceitos enraizados na
dogmática jurídica, ou seja, têm um significado já exato e preciso na ciência
jurídica, pelo que esse significado deve ser na ciência jurídica (exemplo: conceito de
domínio público, conceito de funcionário publico.).
Todavia, existem controvérsias próprias da ciência jurídica à volta destes
conceitos, pelo que o juiz estará apto para decidir em última instância qual o
preenchimento que deve ser dado ao conceito em causa;

 Conceitos técnico-científicos – o conceito remete para as ciências exatas (normas


extrajurídicas mas com um nível de precisão/objetividade similar ao das regras
jurídicas (exemplo: conceito de incapacidade.).
Contudo, também existem controvérsias nas ciências exatas, pelo que quando o
conceito técnico-científico remeter para uma ciência exata mas exista uma zona de
controvérsia, a Administração poderá ter uma estreita margem para optar por uma
das teses possíveis.
Há uma remissão implícita para outro ramo do conhecimento, para ciências
exatas (química, física, medicina, matemática);

 Conceitos descritivo-empíricos – remetem para circunstâncias de tempo e de


lugar (conceitos descritivos) ou remetem para conhecimentos que não têm base
científica mas que uma categoria de pessoas que lida com esses conceitos tenham
resposta para os preencherem (conceitos empíricos).
Existem exemplos clássicos: uma norma que diz que é possível os vendedores
fazerem venda porta a porta mas que não devem incomodar as pessoas no período
noturno. No entanto, o período noturno é diferente na cidade e no campo –
circunstâncias de lugar.
Assim, o resultado é o mesmo do que nas outras espécies de conceitos
classificatórios pois o intérprete há-de encontrar uma solução unívoca, não
imediatamente mas acabará por encontrar outros conhecimentos/regras que darão
uma resposta objetiva.

Os conceitos imprecisos-tipo: as teorias da margem de livre apreciação:

a) Entrada no tema
A teoria dos conceitos imprecisos, muito relevante no Direito Administrativo, teve
como primeiro autor Jellinek (1ª metade do século XX).

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b) A teoria dos conceitos imprecisos de W. Jellinek e a teoria da folga de Otto Bachof


Jellinek defendia de que assiste à AP uma margem de livre apreciação nos conceitos
imprecisos- tipo.
O autor explicou que estes conceitos têm um núcleo duro composto por todas as
situações passíveis de ocorrer na vida real relativamente às quais não existe
possibilidade de valoração administrativa autónoma. Isto significa que no extremo
oposto também há outro conjunto hipotético de situações passíveis de ocorrer na vida
real mas que estão fora do conceito (não estão no núcleo duro), pelo que não há
qualquer possibilidade de valoração autónoma, não há margem de discricionariedade.
Por outro lado, há a chamada zona cinzenta do conceito (auréola), onde as
situações já não serão tão claros. Os conceitos serão mais ou menos imprecisos quanto
mais o núcleo duro seja maior e a zona cinzenta mais pequena e vice-versa.
Na zona cinzenta cabe à Administração uma margem de discricionariedade (de
apreciação) que pode incluir ou não a situação concreta no conceito, não devendo o
juiz, posteriormente, interferir quando a Administração fizer uso da sua margem de
liberdade.
A “teoria da folga” de Otto Bachof aplicava a teoria dos conceitos imprecisos-tipo à
operação de subsunção (operação típica dos juristas). Esta teoria tinha por base a
teoria de Jellinek.
No entanto, existem outras teses defensoras da margem de livre apreciação que
percorrem outros caminhos mas que no fundo chegam à mesma conclusão.

c) As teorias de defensabilidade (de Ule) e da razoabilidade (de origem francesa)


A teoria da defensabilidade, do jurista alemão Ule, diz que o crivo que se vai
sujeitar ao preenchimento do conceito pela Administração é o da sustentabilidade ou
defensabilidade. Esta operação é executada pelo juiz que equaciona a hipótese de,
face à situação, perante a decisão tomada pela Administração o que dirão a
generalidade das pessoas (comunidade onde o juiz se insere).
Na teoria francesa da razoabilidade, o juiz já não se reporta à comunidade. Ainda
que o juiz não acompanhe o raciocino da maioria tem de ter a capacidade para
distinguir nas suas conceções as respostas do senso comum.
É uma teoria tipicamente francesa que faz apelo à razão.
Ainda que subjetivamente não exista concordância entre a conceção individual do
juiz enquanto membro da comunidade, se corresponder a uma razão objetiva, a um
juízo de razoabilidade que se pode considerar geral estamos na margem de livre
apreciação. Por este motivo, o juízo e a decisão administrativa devem estar excluídas
do âmbito do controlo jurisdicional.
Quanto aos conceitos imprecisos-tipo a resposta não é unívoca. O seu
preenchimento faz-se ou através da interpretação ou através exercício do poder
discricionário.

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Por outro lado, há uma corrente doutrinária que remeteu para a interpretação ou
para a discricionariedade o preenchimento do conceito consoante se localize na
hipótese ou consequência da norma. Deste modo, tentou aplicar a seguinte
classificação:
 Se o conceito estiver na previsão (hipótese) – é uma operação cognitiva, momento
em que o aplicador da norma está a reconhecer o conceito;
 Se o conceito estiver na estatuição (consequência) – é um momento volitivo ligado
às faculdades de ação da Administração.

Esta teoria é valida para os conceitos discricionários ou criativos que já foram


anteriormente isolados, pelo que importa não esquecer que estamos a abordar os
conceitos imprecisos-tipos e estes que devemos ter em atenção. (NOTA: O professor não
concorda com esta tese.)
Por este motivo, o seguinte exemplo diz respeito a duas normas que têm
exatamente o mesmo alcance e em que o conceito decisivo muda, deslocaliza-se da
previsão para a estatuição. Assim, trata-se de uma forma de desmentir esta tese.
Assim, as hipóteses são:
1. Hipótese de norma: Sempre que no decurso de uma manifestação ocorrerem
perturbações da ordem pública (previsão da norma), a polícia adotará de imediato
as necessárias medidas de contenção (estatuição da norma).
 Segundo a tese o conceito “perturbações de ordem pública” (na previsão)
seria um conceito impreciso no domínio da interpretação (trata-se de
identificar os pressupostos) e o conceito “necessárias” (na estatuição) seria
apenas ele um conceito discricionário. Concorda-se que este último seja um
conceito discricionário, o problema está no primeiro.

2. Alternativa de norma: Sempre que no decurso de uma manifestação ocorrem


perturbações de ordem pública que tornem necessária a adoção de medidas de
contenção (previsão da norma), a polícia atuará, adotando de imediato essas
medidas (estatuição da norma).
 Neste caso a norma é exatamente a mesma mas o conceito de “perturbações
de ordem pública” assim como o conceito “necessárias” passaram para a
previsão da norma.

CONCLUINDO:
Não se estabelece um regime diferente, é apenas uma simples alteração da técnica
normativa. É preciso ter cuidado porque é importante ter em atenção a divisão da
norma.

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Nesta matéria não há um critério minimamente sólido para chegarmos à conclusão


(como faz a teoria) de que se o conceito está na previsão estamos no domínio de
interpretação da lei ou se o conceito estiver na estatuição estamos no âmbito de
poder discricionário.
Falar em margem de apreciação ou de decisão é o mesmo, é indiferente. Na
atividade da Administração não é possível distinguir entre operações cognitivas e
volitivas – todo o ato administrativo tem momentos de ciência e momentos de
vontade.

d) Recondução da operação de preenchimento do conceito na chamada margem de


livre apreciação à figura geral da discricionariedade administrativa
No que respeita aos conceitos imprecisos-tipo, não será feita uma diferença de
natureza entre margem de livre apreciação e discricionariedade administrativa (é o
mesmo fenómeno).
Sempre que estivermos na margem de livre apreciação trata-se de poder
discricionário. A medida do poder discricionário depende das prerrogativas de
avaliação.

3. Discricionariedade administrativa e prerrogativas de


avaliação; natureza e fundamento da discricionariedade
administrativa

A reserva de discricionariedade da Administração: as prerrogativas de


avaliação

Noções prévias:
Entende-se por prerrogativas de avaliação que na margem de livre apreciação dos
conceitos imprecisos e, de alguma forma, no poder discricionário em geral, nalguns
casos, certos fatores apontarão para o reconhecimento de uma maior margem de
liberdade (criação da zona de reserva da Administração) e a presença de outros fatores
pode apontar para um sentido contrário.
Por outras palavras, em cada norma concreta deve-se verificar a presença de
fatores que apontem para um sentido ou outro. Quando apontarem para um
reconhecimento de uma maior margem de reserva de Administração estamos perante
as prerrogativas de avaliação, se apontar para outro sentido serão outros elementos,
que apontam para um maior controlo.

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Assim, na matéria das prerrogativas de avaliação existem 3 grandes parâmetros: a


qualidade do sujeito administrativo, a qualidade da matéria e o tipo/modo de decisão.

A qualidade do sujeito administrativo (qual o órgão?):


Quanto maior for a capacidade técnico-científica do órgão maior será a ampliação
da margem de livre decisão (exemplo: Será maior a margem de decisão nos júris universitários nas
provas de carreiras académicas – nestes casos o júri é integrado por pessoas que estão no nível máximo
de conhecimento da matéria.).
A legitimidade político-social do órgão também conta. Os órgãos de topo, como o
Governo, têm uma legitimidade reforçada em relação aos órgãos que integram a
restante hierarquia, nomeadamente órgãos singulares.
Os órgãos colegiais têm uma legitimidade reforçada consoante o princípio da
participação dos interessados (órgãos com participação social). O mesmo acontece
com os órgãos dirigentes das associações públicas.
Ao nível do poder local existem atos praticados por um órgão deliberativo (como a
Assembleia Municipal) ou por um órgão executivo (dotado de legitimidade).
Quanto maior for a capacidade técnica/científica do órgão do sujeito administrativo
maior será a autocontenção do juiz em cada conceito impreciso-tipo e vice-versa –
típica prerrogativa de avaliação.

A qualidade da matéria/assunto em causa:


Existe matéria/assuntos dos direitos fundamentais em geral, com realce para os
DLG.
Num primeiro momento, é preciso que a norma atributiva de discricionariedade
(discricionariedade propriamente dita ou conceitos imprecisos) passe pelo teste da
constitucionalidade. O próprio legislador tem limites no momento de atribuir poderes
discricionários à Administração pois pode ser um poder inválido não porque ele
próprio tenha um vício mas sim porque a norma legal que o atribui o poder
discricionário foi além do que é permitido pela reserva de lei.
A posição de sujeição do particular corresponde ao exercício do poder discricionário
não pode ser considerado um direito. Terá de ser reduzida ou eliminada a margem de
discricionariedade da Administração quando se trata de DLG – a restrição terá de ser
regulada por lei (competências vinculadas).
Se a norma legal passar o tal teste da constitucionalidade e se se entender que é
legítima a atribuição de uma pequena margem de apreciação à Administração, a
qualidade da matéria jogará sempre no sentido da redução ou eliminação da margem
de livre apreciação, ou seja, pode determinar matéria em que o tribunal exerça um
controlo total. A matéria dos DLG não é a única matéria de reserva de lei.
Verdadeira prerrogativa de avaliação é a necessidade de ponderação de interesses
complexos (públicos e privados), que joga a favor de um reconhecimento de maior
margem de livre apreciação ou decisão.

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O tipo ou modo de decisão (como se processa a decisão):


Em primeiro lugar temos a matéria dos atos de exame, de diagnóstico ou avaliação
de conhecimentos. À partida, estes atos são vinculados porque o órgão administrativo
está obrigado a classificar o examinado numa escala, fazendo corresponder uma
classificação aos conhecimentos que o examinado demonstra ter.
Esses exames concretizam restrições legais aos DLG. Os atos de exame que
concretizam estes direitos são de competência vinculada pois se fosse discricionária a
norma seria inconstitucional.
No entanto, esta competência levanta problemas ao controlo judicial, não por
causa do princípio de reserva da Administração mas sim pela dificuldade técnica de o
juiz controlar os atos ilegais que não traduzam o nível de conhecimentos do
examinado – há um problema técnico na revisão destes atos.
O problema técnico prende-se com o facto de muitos destes atos serem praticados
em massa, pelo que será difícil ao juiz reconstituir a situação para aferir com exatidão
o que se passou para depois fazer uma repetição do ato.
Nestes exames de conhecimentos há uma carga subjetivado avaliador, isto é, não se
desliga dos seus aspetos subjetivos, o que leva a existir examinadores mais ou menos
exigentes – há fatores subjetivos e aleatórios indissociáveis da pessoa humana, o que
prejudica um controlo a posteriori.
Isto joga a favor não de uma reserva da Administração mas no controlo
jurisdicional, não pelo respeito a uma área que deve ser reservada à Administração.
Para além dos atos de exame ou diagnóstico, existem os conceitos de valor que
requerem uma valoração por parte do órgão que decide, levando-a a cabo com
recurso à sua experiência.
Os conceitos de valor onde se deverá reconhecer sempre uma maior margem de
apreciação estão no âmbito dos juízos sobre aptidões pessoais e profissionais (exemplo:
Quando se vai nomear alguém especialista numa dada matéria estamos perante um típico conceito de
valor de uma aptidão pessoal ou profissional) – estes conceitos de valor jogam a favor da
margem de livre apreciação.
Existem conceitos de valor no âmbito de avaliações técnicas especializadas (exemplo:
Aptidão agrícola de um terreno) – apesar de se estar no âmbito das ciências naturais não
existem respostas certas.
Uma outra categoria de conceitos de valor são os conceitos de valor da moral
pública e dos bons costumes. Apela-se a valorações pré-existentes na comunidade, às
conceções éticas vigentes, pelo que o juiz está mais à vontade para alargar o âmbito de
controlo nesta matéria.
Aponta para a drástica redução da margem de subjetividade (do administrador ou
juiz) com recurso à valoração objetiva que surge da análise de quais são as conceções
éticas ou morais dominantes na comunidade em causa.
Jogam a favor da ampliação da margem de livre apreciação as decisões de prognose
(estimativa do que irá acontecer ou não).

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Natureza e fundamento da discricionariedade administrativa

A regra da discricionariedade administrativa como habilitação legal para a


administração completar ou integrar o pressuposto de facto normativo imperfeito:
Quanto à natureza e ao fundamento da discricionariedade colocam-se 2
alternativas:
1. Será a discricionariedade administrativa uma habilitação legal para a
Administração completar um pressuposto de facto normativo imperfeito?
Quer isto dizer que a lei enuncia os pressupostos cuja verificação habilitam a
Administração a agir. Em regra, estes pressupostos são elementos vinculados
porque não cabe à Administração apreciar livremente o pressuposto da sua própria
atuação (o juiz controla-o a posteriori).
A posição defendida é que o poder discricionário mais não é do que uma
habilitação para a Administração completar um pressuposto imperfeito que o
legislador deixou por completar;

2. A discricionariedade constituir um fenómeno que se limita ao âmbito da


consequência jurídica das normas jurídico-administrativas.
Isto significa que não estamos perante uma incumbência do legislador dirigida à
Administração para que complete o pressuposto mas sim perante uma verdadeira
liberdade de Administração em escolher entre uma ou mas condutas possíveis,
todas igual e diferentemente legítimas face à lei – o legislador é totalmente neutro.
A discricionariedade é um fenómeno que se limita ao âmbito da consequência
jurídica das normas jurídico-administrativa.
Esta tese foca-se nas consequências e diz que quaisquer que sejam as
consequências incompatíveis com a norma é possível ou legítima.
A tese dos pressupostos imperfeitos não defende o mesmo. Se a tarefa da
Administração é completar pressupostos inacabados pelo legislador, trata-se de um
diretiva/orientação, pelo que a escolha da Administração não será indiferente. A
Administração vai completar em concreto, caso a caso, os pressupostos normativos.

A nossa perspetiva será a da discricionariedade administrativa como habilitação


legal para a Administração completar/integrar o pressuposto de facto normativo
imperfeito.
Afasta-se a hipótese de a conduta adotada pela Administração resultar de uma
escolha livre porque quase toda a atividade administrativa externa, incluído a
discricionária, é uma atividade jurídica – está sujeita ao Direito mas também é criadora
de Direito.
Quando se fala na criação de Direito afasta-se a hipótese do arbítrio.

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A criação de Direito através do exercício do poder discricionário não obedece a um


processo cognitivo lógico-formal mas sim um processo designado tópico-teleológico
pela ciência jurídica.
Quanto a esta tese do poder discricionário a Administração está obrigada a algumas
operações.
Num primeiro momento, a Administração adota critérios objetivos que
complementam os critérios legais (na situação concreta). Num segundo momento, a
Administração retira as consequências e toma a decisão que resulta de uma aplicação
acumulada do critério legal e depois os critérios objetivos adotados para o caso
concreto. A acumulação dos dois critérios vai levar a uma decisão que será a solução
possível para o caso concreto.
Estas operações estão distinguidas na sua estrutura lógica. Assim, há uma exigência
de o fundamento da decisão ser objetivo, isto é, passível de uma prévia enunciação em
abstrato, agregável à norma legal. É como se o órgão da Administração se pudesse
colocar no lugar do legislador e pudesse antever a situação concreta e lhe permitisse
regular por via geral e abstrata. Quem o faz é o órgão administrativo e fá-lo primeiro
em abstrato. Destrinça entre operações.
Nesta tese, a atividade administrativa discricionária invoca as situações em que
quando o juiz, quando pretende integrar lacunas extralegais não encontra lugares
paralelos. Há uma situação com relevância para o Direito que a lei não regula
diretamente e nem sequer existem normas que regulem casos paralelos. Nestes casos,
o juiz recorre às normas ad hoc. Concluindo, a discricionariedade deixa de ser uma
possibilidade de livre escolha entre duas ou mais consequências jurídicas e passa a
aceitar-se que o legislador quis intencionalmente delegar no órgão administrativo a
tarefa de completar os pressupostos caso a caso, enunciando a norma que o legislador
faria se tivesse completado as situações que não estão previstas.
Para evitar a arbitrariedade traduzida na indiferença, a ideia que preside a esta tese
é a exigência de fixação de critérios objetivos, com uma abstração do caso concreto.
Isto reconduz-se ao dever jurídico de boa Administração. No entanto há exceções de
casos com total liberdade.

As exceções à regra: um exemplo de verdadeira liberdade de escolha entre duas ou


mais consequências jurídicas possíveis:
Uma das hipóteses da natureza do poder discricionário é saber se a
discricionariedade constitui um fenómeno que tem apenas a ver com a consequência
jurídica da aplicação das normas jurídico-administrativas. Isto significa que, focando-
nos apenas na consequência, a discricionariedade é verdadeiramente uma liberdade
de escolha entre 2 ou mais alternativas possíveis e que se torna irrelevante qualquer
das opções que se configuram do lado da consequência.

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Uma outra hipótese encara a discricionariedade como uma habilitação legal para a
Administração se limitar a completar um pressuposto de facto normativo e perfeito,
isto é, na hipótese da norma são configurados os pressupostos cuja verificação vão
legitimar a Administração a agir. O pressuposto está incompleto intencionalmente,
pelo que cabe à Administração completar para cada caso esse pressuposto.
Esta operação tem dois momentos lógicos distintos, apesar de isto não significar
que na prática estes se consigam distinguir.
Num primeiro momento, a Administração faz uma norma para o caso concreto, que
vai juntar aos pressuposto legais não para a situação concreta mas para a categoria
abstrata onde ela se insira, pondo-se no lugar do legislador e completando-o no
espírito deste se pudesse ter antevisto a situação em causa.
Depois, a aplicação da norma completada pela Administração e aplicada à situação
concreta leva-nos a um raciocínio dedutivo. O trabalho de complementação da
previsão legal (feito objetivamente) aponta para uma única solução possível. O
legislador não completa os pressupostos pela sua incapacidade e porque não pode
nem deve na sua previsão desenvolver um grande número de situações da vida real a
priori e deixa esse trabalho para a Administração
A Administração tem uma dupla tarefa: em primeiro lugar, do ponto de vista
objetivo, vai completar os pressupostos imperfeitos no espírito do legislador e fixar
critérios objetivos (que provavelmente só se aplicarão naquele caso em concreto).
Rogério Ehrhardt Soares e Sérgio Correia sustentam a tese quanto à natureza do poder
discricionário.
Este procedimento é a regra, o que não significa que no ordenamento jurídico não
hajam exceções face às quais somos obrigados a reconhecer que existe uma
verdadeira liberdade da Administração Pública, pelo que qualquer das consequências
da norma jurídico-administrativa será válida para o legislador. É preciso ter em
atenção que esta é uma exceção.
Nestes casos excecionais não estamos perante situações mas sim de escolhas de
pessoas para cargos públicos.
No domínio da escolha de pessoas temos um campo vasto, pelo que não podemos
confundir com os atos administrativos. Trata-se do campo do exercício dos direitos de
participação política (exemplo: 1 – A eleição do Presidente de uma pessoa coletiva pública por parte
de uma Assembleia Representativa; 2 – As instituições de ensino superior público são uma forma de
Administração Autónoma que têm sempre um órgão executivo, em princípio um órgão individual, que é
o reitor, e os órgãos colegiais, uma espécie de Parlamento que é o Conselho Geral, que elege o reitor.
Trata-se de um fenómeno eleitoral, de eleição indireta porque há um órgão representativo que elege
indiretamente, pois também ele foi eleito. Estamos no domínio eleitoral de exercício de direitos de
participação política lato sensu; 3 – As eleições dos órgãos das associações públicas.).
Todos os exemplos são fenómenos eleitorais no domínio do exercício de direitos de
participação política que não devem ser confundidos com atos administrativos.
Contudo, no âmbito de escolha de pessoas abandona-se o terreno eleitoral e entra-se
no domínio de escolha de pessoas que corresponde aos atos administrativos.

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Para a eleição de cargos de dirigentes da Administração Pública existe uma


autoridade administrativa independente denominada Comissão de Recrutamento e
Seleção para a Administração Pública (CReSAP).
Os dirigentes são escolhidos através de um procedimento clássico dirigido à escolha
de 3 candidatos que ficarão sempre colocados ex aequo (“em situação de igualdade”).
É um procedimento onde se exerce o poder discricionário, cujo exercício poderá cair
nas prerrogativas de avaliação.
Depois, o membro do Governo competente para a nomeação limita-se a escolher
apenas 1 destes 3 candidatos. Trata-se de uma total liberdade. Obviamente que para o
acesso ao cargo haviam requisitos legais (aspeto vinculado). No fundo trata-se de um
procedimento seccionado pois, num primeiro momento, existiu uma decisão prévia
entre vários candidatos mas a escolha final é muito limitada pela seleção livre do
Governo entre 1 dos 3 candidatos – não se trata de um ato político mas sim
administrativo.
É certo que será um ato com motivações políticas porque o Governo é livre e irá
escolher o candidato em que tenha mais confiança.
No poder judicial, o Conselho Superior de Magistratura não se trata de uma
autoridade administrativa independente mas sim de um órgão constitucional que está
fora da Administração Pública. É um órgão de configuração pública e independente,
não administrativo mas sim de natureza política. As suas funções são materialmente
administrativas pois disciplina os juízes e está encarregue da matéria disciplinar dos
juízes bem como da gestão de carreiras dos magistrados – tarefas materialmente
administrativas porque são análogas a tarefas idênticas de gestão de carreiras e
disciplina da Administração Pública.
No âmbito da última reforma da organização judiciária, cabe ao Conselho Superior
de Magistratura nomear os Presidentes dos Tribunais. Existem 21 tribunais que
correspondem à antiga divisão distrital. Cada um dos tribunais tem um Presidente que
faz em lato sensu a administração do tribunal. Esta escolha recai sobre qualquer dos
juízes que tenham dados requisitos legais vinculados. É uma escolha livre com a
agravante de se tratar de um órgão colegial, pelo que a deliberação é secreta (não há
controlo da fundamentação) – fenómeno de discricionariedade de escolha.
Nestes casos excecionais não estamos perante situações concretas, pelo que a
escolha das pessoas recai sobre critérios subjetivos. Nestes casos o fenómeno da
discricionariedade está apenas focado nas consequências da aplicação da norma
jurídico-administrativa. Não faz sentido falar em complementação de pressupostos
legais imperfeitos.

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Poder discricionário e poder regulamentar:


Deve-se ter em atenção que não devemos cair no erro de considerar o poder
discricionário da Administração como um poder idêntico ao poder regulamentar só
que reportado a situações individuais e concretas. Por outras palavras, o poder
regulamentar e o discricionário são o mesmo. O poder regulamentar é um comando
geral e abstrato, ao passo que o poder discricionário partilha a natureza do poder
regulamentar mas é exercido caso a caso para situações individuais e concretas. Em
ambos os casos a Administração procede a uma complementação da lei mas depois os
seus parâmetros da atuação são diferentes.
O poder discricionário não é um poder que se cristaliza com o seu exercício. Podia-
se pensar que por força do princípio da igualdade a Administração exerceria uma
espécie de precedente administrativo pelo que se ia autovinculando a casos concretos
à medida que os decidia casos concretos, criando regras administrativas através da sua
atividade e cristalizando o poder discricionário. Mas isto não acontece.
O poder discricionário é concedido à Administração para esta ter a flexibilidade
necessária para adotar a melhor solução para cada caso concreto. Se o princípio da
igualdade limita o poder discricionário da Administração (é o primeiro que lhe impõe
limites porque proíbe uma mudança de critério injustificada e arbitrária).
Existem várias hipóteses de alteração de critérios que podem levar a que para uma
situação em que a Administração decidiu de uma dada maneira num caso anterior,
poderá e deverá tomar uma decisão diferente num caso semelhante.
Quando há uma alteração do titular do órgão é normal que o novo titular tenha
uma perspetiva diferente de interesse público que o levam a adotar uma orientação
diferente.
Por outro lado, o mesmo titular pode adotar uma certa orientação à luz da qual vai
ter uniformidade na aplicação da lei mas pode e deve adotar uma orientação diferente
tendo como fundamento o interesse público atual (podem mudar as circunstâncias ou
o titular pode perceber que a orientação que estava a seguir não era a mais
adequada). Quando isto acontece e adota um novo critério pode tomar uma decisão
menos favorável para alguém que está na mesma situação que antes teve um
tratamento mais favorável teve nessa atuação. No entanto, o órgão não só pode como
deve alterar a sua orientação porque é por isto que lhe é outorgado o poder
discricionário. O poder discricionário é aplicado de acordo com a perspetiva do
interesse público atual.
Com o poder regulamentar isto não acontece porque o regulamento tem a mesma
natureza das leis. O órgão administrativo está obrigado, independentemente das
alterações de circunstâncias ou dos juízos subjetivos que faça, não pode estabelecer
derrogações por mais que o interesse público as pudessem justificar.

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O objetivo do regulamento é cristalizar soluções pelo que o órgão tem de aplicar


mecanicamente a norma como faz com a lei, não podendo projetar nem deslocar o
âmbito de aplicação do regulamento, deve sim aplicá-lo independentemente da sua
própria perspetiva.
O regulamento é lei em sentido amplo, pelo que não pode haver alteração
arbitrária do critério seguido anteriormente sem que seja justificado. O princípio da
igualdade proíbe o arbítrio.

A submissão do poder discricionário ao Direito: juridicidade versus


legalidade

No Estado Liberal, a sujeição da Administração à lei sob o signo das competências


vinculadas:
A juridicidade trata-se de uma submissão do Direito, isto é, uma submissão não só a
regras jurídicas mas também a princípios jurídicos (também são normas).
No Estado Liberal (quando surgiu o Direito Administrativo) partia-se da premissa da
sujeição do poder executivo à lei – princípio da legalidade da Administração.
O Estado Liberal assinalava à Administração e ao Estado competências vinculadas
porque a esfera de intervenção da Administração eram poucas – extrema redução das
funções e fins do Estado.
A Administração estava confinada a poderes de polícia, que traduziam uma
intromissão necessária na liberdade e propriedade dos cidadãos (poderes tributários,
poderes de segurança). Por exigência da conceção da época eram poderes vinculados
e detalhados.
O próprio âmbito do “juridicamente relevante” também era reduzido. A
Administração tinha algumas competências na área social mas na época eram
questões irrelevantes para o Direito.
As relações entre a Administração e os que estavam sujeitos ao seu imperium eram
consideradas o mundo interno da Administração – não existia uma relação
social/intersubjetiva própria das relações externas.

Com a transição para o Estado Social, a ampliação do fenómeno da


discricionariedade administrativa:
O domínio do juridicamente relevante era diferente em relação ao que passou a ser
após o surgimento do Estado Social de Direito.
Era matéria não justiciável, pelo que não sendo consideradas competências
externas não era possível que as decisões fossem tomadas nos Tribunais
Administrativos.

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Conclui-se que o limitado âmbito de atuação da Administração satisfazia e


prosseguia os fins que a lei lhe competia, exercia as suas competências,
desempenhava as tarefas de gestão quotidiana dos negócios públicos, exercendo
competências vinculadas.
O paradigma da Administração não era dissociável do paradigma da vinculação. Era
normal no modelo de Estado Liberal o paradigma da competência vinculada, que
desapareceu com a transição para o Estado Social. O legislador viu-se forçado a
atribuir competências discricionárias, isto é, delegar na Administração pública a
regulamentação jurídica das situações da vida, abdicando de regular por via geral e
abstrata as futuras situações concretas da vida.
Para além disso, começou a considerar-se juridicamente relevante a administração
constitutiva. Os cidadãos, do nascimento à morte, passaram a depender do Estado.
Nas relações especiais de poder também se consideravam relações externas (o que diz
respeito ao estatuto legal da pessoa, aos direitos fundamentais.

As primeiras reações à ampliação do fenómeno da discricionariedade administrativa:


O alargamento das competências discricionárias foi enorme na 2ª metade do
século XIX e início do século XX, tendo atingido o apogeu após II GM.
As primeiras reações da doutrina e jurisprudência foram condicionadas pela
conceção antiga do modelo jurídico do Estado Liberal. A primeira ideia era de que os
poderes discricionários eram desvinculados do Direito. Eram uma verdadeira liberdade
dada à Administração. Logo, eram visto como um mal, embora necessário. As escolhas
da competência discricionária eram livres, motivo pelo qual a conceção que punha
foco nas consequências da norma jurídico-administrativa é desatualizada porque
remete-nos para esta conceção do Estado de Direito.
Com o final do Antigo Regime surge o problema de se pôr termo ao arbítrio do
poder executivo. No entanto, aquilo que se procurou acabar com as Revoluções
Liberais começou a ressurgir.
No ponto de vista desta conceção clássica, pode-se remediar este mal necessário
das competências discricionárias através dos tribunais, que deveriam continuar a
manter o exercício do controlo total da atividade administrativa. Na 1ª fase do Estado
Liberal (século XIX) esta conceção fazia sentido.
As limitações do legislador são naturais, têm de ser aceites como um elemento
normal e não podem ser criticadas que a Administração goze desta delegação. Por
outro lado, o remédio proposto é inadequado porque os juízes saem fora da sua área
vocacional e dos seus conhecimentos técnicos que lhes cabe aplicar. No fundo, farão
uma dupla administração, um 2º raciocínio administrativo sobrepondo os seus
critérios aos critérios da Administração, que poderá ser um critério mais arbitrário.
No Direito Administrativo quer-se um equilíbrio entre o interesse geral e os
interesses individuais.

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A resposta à problemática do poder discricionário passa pela imposição de a


Administração, em primeiro lugar, criar critérios objetivos que complementem os
critérios legais bem como pela sujeição do poder discricionário aos princípios gerais da
atividade administrativa.
O exercício do poder discricionário não pode ser indiferente ao Direito. Não
obstante, tudo o que é regra (interpretação e integração de lacunas), isto é, os normais
instrumentos do jurista para resolver um litígio, ficou para trás mas os órgãos
administrativos quando exercem poder discricionário estão sujeitos ao Direito.
A atividade dos órgãos administrativos e a atividade discricionária está subordinada
ao Direito (não necessariamente à lei), no sentido de, por um lado, a sua atividade ter
de estar sempre sujeita a critérios objetivos e ao cumprimento de um princípio de boa
administração que passa pela adoção de critérios objetivos (o dever de boa
administração é um dever jurídico) e, por outro lado, é um poder criador de Direito.

Da legalidade à juridicidade: os princípios gerais da atividade administrativa:


Esta ligação da atuação da Administração Pública ao Direito no exercício do poder
discricionário, da autonomia privada, da autonomia contratual pública são faculdades
de ação em situações relativamente às quais se pode estabelecer um paralelismo com
o poder discricionário, que têm uma atuação que vai para lá das regras escritas. Aqui,
os parâmetros são os princípios gerais da atividade administrativa, normas jurídico-
administrativas com características diferentes das regras.
Diferentemente da crença positivista do início do século XIX, o Direito não são
apenas regras também são princípios.
Os princípios gerais de Direito privativos do Direito Administrativo são o princípio da
legalidade e o princípio da prossecução do interesse público e pelo respeito pelos
interesses protegidos dos particulares (o Direito Administrativo nunca termina a sua
busca de equilíbrio entre estes dois polos).
Para além destes, os mais importantes são o princípio da igualdade, dirigido pela
jurisprudência como limite interno ao poder discricionário (no Direito Administrativo
expressa-se na ideia de igualdade na lei, isto é, obrigação do legislador tratar
igualmente os destinatários das suas normas) – este princípio rege a igualdade face
aos poderes da Administração Pública, aos poderes discricionários.
É um princípio próximo da ideia de valor supremo do Estado de Direito e da
dignidade da pessoa humana (principal princípio constitucional) pelo que é normal que
tenha sido o 1º parâmetro que os tribunais administrativos foram revelando como
limite interno ao poder discricionário.
No II pós-guerra surgiu o princípio da imparcialidade. Desenvolveu-se como
proteção dos cidadãos face à partidarização da Administração Pública, ou seja, a
Administração não podia atender a critérios partidários no tratamento dos cidadãos. O
processo de seleção dos funcionários devia ser liberto tanto quanto possível de
critérios partidários bem como a atuação administrativa o devia ser.

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Surgem também o princípio da justiça e da proporcionalidade, o princípio da


racionalidade e da razoabilidade. Adaptam-se ainda ao Direito Privado o princípio da
boa-fé, próprio do Direito Privado, aplicado nas relações jurídico-privadas mas
transposto para o Direito Administrativo com as devidas adaptações.
A matéria dos princípios gerais da atividade administrativa tem importância porque
não só vinculam a Administração Pública no exercício do poder discricionário mas
também porque têm de ser observados pela Administração sempre que desenvolva
uma atividade de gestão privada.
Por vezes a Administração é remetida para o Direito Privado, em que vai imperar
um Direito misto designado pela doutrina como Direito Administrativo Privado,
composto por regras de Direito Privado mas que é temperado por uma componente
de Direito Público, que é a dos princípios gerais da atividade administrativa e também
no que respeita à sua atuação material ou técnica. Não são apenas os princípios gerais
da atividade administrativa mas também os direitos fundamentais dos cidadãos que
têm de ser observados em toda a atividade da Administração.
A Administração nunca é titular de direitos fundamentais, está sempre sujeita a eles
(os titulares são apenas os particulares).

Capítulo II: A Administração e o Direito Administrativo:


os princípios gerais da atividade administrativa

1. Noções introdutórias

Noções prévias

A relevância dos princípios gerais de direito administrativo em toda a atividade da


Administração:
A principal vinculação da Administração ao Direito no exercício do poder
discricionário é aos princípios gerais da atividade administrativa, que têm a mesma
força e valor jurídico das regras jurídicas, ou seja, da lei.
Naturalmente, o princípio é afastado pela lei. Quando a lei regula uma determinada
situação, o princípio é afastado a não ser o corresponda a um princípio constitucional.
Aí, a própria lei tem de respeitar o princípio constitucional.

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Princípios gerais de direito, princípios gerais com assento constitucional, princípios


gerais com valor reforçado em setores especiais do direito administrativo e
princípios especiais privativos desses setores:
Há 5 grandes princípios da atividade administrativa com consagração
constitucional (artigo 266º): princípio da igualdade, princípio da proporcionalidade,
princípio da justiça, princípio da imparcialidade e princípio da boa-fé.
Uma norma jurídico-administrativa que atribua à Administração poderes cujo
exercício leve a uma desigualdade de tratamento pode ser considerada
inconstitucional. O mesmo acontece com os outros princípios.
Estes princípios antes de mais são princípios legais, são princípios gerais de Direito,
pelo que têm a mesma força e valor jurídico da lei.
Sem prejuízo do seu papel supletivo e integrativo que faz com que sejam afastados
quando o legislador fixa uma regra, estão ao mesmo nível da lei. A violação de um
princípio tem as mesmas consequências do que a violação de uma regra.
Os princípios nem sempre têm o mesmo valor. Podem ter um valor reforçado em
certas áreas do Direito Administrativo, podendo concorrer com os princípios
privativos, isto é, para além de ter o valor de princípio geral pode ter um valor
reforçado e ser por isso um princípio privativo de uma certa área do ordenamento
jurídico.

Regras jurídicas e princípios jurídicos: a lógica dos princípios, por contraposição à das
regras:
Tanto as regras como os princípios são normas jurídicas, ou seja, pautas de conduta
imperativas.
Nas regras (pode ser uma norma imperativa-perspetiva, proibitiva ou permissiva),
quando se verifique na realidade o pressuposto por ela enunciado a consequência
surge em modos definitivos. Temos aqui um silogismo: premissa maior, premissa
menor e conclusão – nenhum destes elementos pode falhar.
Quanto aos princípios estamos perante normas elásticas, são mandatos de
otimização. Dirigem-se ao aplicador da norma no sentido de fazer o melhor possível.
Há um valor subjacente ao destinatário da norma, pelo que a autoridade que aplica a
norma terá de fazer o melhor possível para salvaguardar o bem jurídico por si
tutelado. Isto acontece na lógica da reserva do possível (possível facto e possível
jurídico).
Em cada situação concreta a primeira operação é verificar se há uma relação de
pertinência entre a relação concreta e um ou mais princípios gerais da atividade
administrativa. O princípio tem de ser convocado e ser objeto de ponderação porque
normalmente não é apenas um a ser convocado, são mais e estes podem ser
contrários – situações de colisão, de sobreposição. Isto significa que terá de se
ponderar valores e um princípio ab initio pode ser sacrificado porque outro foi mais
pertinente.

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Isto não afeta o seu núcleo duro porque senão a solução é ilegal. No fundo trata-se
de saber se a situação está numa zona de núcleo central do princípio ou não.
Para salvaguardar um direito fundamental não teremos de sacrificar outro – é um
dogma/axioma. Nunca a observância de um princípio sacrifica totalmente outro.
Os princípios convocados são sempre objeto de argumentação e ponderação. A
solução procurada tem de ser testada e será dada prevalência ao princípio que mais
pertinência apresente. Havendo perturbação do princípio e não violação, essa
perturbação não é invalidante nos casos de colisão.
Os princípios são normas abertas, carentes de preenchimento valorativo. A
hierarquia não é estabelecida pelo legislador mas sim pelo aplicador da lei (primeiro o
órgão administrativo e depois os tribunais).

Funções dos princípios

Função positiva e função negativa:


Os princípios podem ter, por um lado, uma função positiva e contribuir para a
regulação da situação concreta – é fundamento direto da solução jurídica; ou, por
outro lado, ter uma função negativa e afastar regras infra ordenadas desconformes
com eles, como os regulamentos administrativos (se o regulamento está a baixo da lei,
está a baixo dos princípios).
Um princípio jurídico pode ditar o afastamento de uma regra jurídica por esta ser
inválida. A função negativa pode ser simultânea com a função positiva, ou seja, a
função negativa vai afastar a regra que está desconforme e a função positiva fará com
que o princípio regule a situação.

Função interpretativa e função integrativa:


Para além daquelas, tem uma função interpretativa e uma função integrativa. Na
função interpretativa o princípio funciona como desempate entre várias
interpretações possíveis; já na função integrativa existe um preenchimento da lacuna
intralegal em que se traduz o exercício do poder discricionário.

Legalidade e juridicidade

Legalidade e mérito:
A AP está obrigada, pela função positiva dos princípios, a dar uma solução ao caso
concreto.
Estamos a pensar na grande divisão entre legalidade e mérito, baseada na questão
de onde começa o poder discricionário e onde termina a interpretação.

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Quando começa o poder discricionário estamos na zona de mérito, mas quando


entramos no poder discricionário a legalidade regressa à zona dos princípios.

Legalidade e juridicidade:
Os tribunais só controlam a legalidade, seja na observância de regras ou princípios.
Isto significa que quanto aos poderes vinculados os princípios têm pouca relevância.

2. Os princípios da atividade administrativa

Nas relações entre a Administração Pública e o Direito Público, a temática da


discricionariedade é uma especificidade do Direito estatutário que rege a
Administração Pública. Deste modo, a análise dos princípios gerais da atividade
administrativa ainda se inclui no âmbito das ligações entre a Administração Pública e o
seu Direito.
Os princípios serão analisados na vertente de limites internos do poder
discricionário.
Assim, podemos apontar no Código do Procedimento Administrativo os seguintes
princípios gerais da atividade administrativa: princípio da legalidade; princípios da
prossecução do interesse pública e do respeito pelos direitos e interesses legalmente
protegidos pelos particulares; princípio da boa administração; princípio da igualdade;
princípio da proporcionalidade; princípios da justiça razoabilidade e racionalidade;
princípio da imparcialidade e, por fim, princípio da boa-fé.

O princípio da legalidade

O princípio da legalidade (artigo 3º do CPA) é visto na sua vertente clássica de


legalidade positivista relaciona-se com a sujeição da Administração a regras, pelo que
é um princípio alheio à temática da discricionariedade na medida em que a
discricionariedade se exerce num campo de atuação da Administração pautado por
outros parâmetros que não a regra escrita (a regra termina onde começa o campo de
atuação discricionária, pautada por critérios de oportunidade e conveniência).
Para além dos critérios que devem guiar a atuação da Administração
(nomeadamente o da boa administração) surgem outros parâmetros que não são
regras mas sim princípios – regresso do domínio do Direito à atuação da AP.
O princípio da legalidade passou a ser entendido como um princípio de juridicidade,
que abrangia a ideia de subordinação da Administração não só a regras mas também a
princípios, importantes para a AP porque, ao substituírem as regras, passaram a ser
parâmetros de conduta no exercício do poder.
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Este princípio tem funções similares noutros ramos do Direito. Todavia, no Direito
Administrativo tem uma importância superior comparativamente à que tem no Direito
Privado (NOTA: Não se pode comparar a autonomia dos privados ao exercício do poder discricionário
da Administração sobre a qual o princípio vai ter então grande relevo.).
Concluindo, o princípio da legalidade deve ser entendido como um princípio de
juridicidade e submissão da Administração ao Direito em geral.

Os princípios da prossecução do interesse público e do respeito pelos


direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares

Poder discricionário da administração vs. autonomia privada:


O princípio da prossecução do interesse público e do respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos particulares (artigo 4º do CPA) tem uma grande
relevância em matéria de exercício do poder discricionário.
No que respeita aos aspetos vinculados, este princípio é um desdobramento do
princípio da legalidade porque existem 2 elementos que são sempre vinculados na
atuação administrativa: a competência e o interesse público.
Por maior que seja o poder discricionário conferido por lei ao órgão administrativo,
o fim/interesse público (plasmado no lei) que preside especificamente àquele poder é
sempre um elemento vinculado.
O interesse/fim público, sempre interesse público secundário (específico e privativo
de cada um dos poderes que compõem a competência do órgão), é mais específico do
que as atribuições. A cada competência (poder funcional) está associada um fim que
lhe é específico. Não pode haver a prossecução de um fim que não lhe esteja
associado nem pode existir um cruzamento de competências.
O princípio é um limite interno ao poder discricionário pois quando este existe o fim
irá tornar-se relevante, visto que seremos obrigados a escolher entre várias medidas
possíveis, o que será feito através do interesse público que motiva a escolha. O limite
da atuação da Administração é elevado e o elemento essencial é o interesse público.
Por isso, o princípio da prossecução do interesse público é um importante limite
interno ao poder discricionário.
Quando o poder é vinculado, este princípio perde importância porque basta que se
cumpra a lei para que automaticamente se realize o interesse público. Funcionará
como um princípio interpretativo em caso de ambiguidade do quadro normativo.
Relativamente à proteção dos interesses legalmente protegidos, no exercício do
poder discricionário a Administração não se limita à observância e ponderação do
interesse público. Atua num quadro complexo no qual, na mesma atuação, pode existir
conflito entre mais do que um interesse público, pelo que a Administração terá de
ponderar dando prioridade ao interesse que preside à competência que vai exercer (o
que nem sempre acontece).
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A contraposição de interesses a dirimir pela Administração no exercício do poder


discricionário:
O exercício do poder discricionário é um exercício de ponderação de interesses.
Normalmente, a ponderação será entre o interesse público e os interesses dos
particulares com os quais o órgão entra numa relação (externa).
A Administração pondera, sem deixar de dar prevalência ao interesse público, e terá
de tomar uma decisão que tenha em conta os interesses dos particulares, procurando
causar o menos sacrifício possível – a prevalência do interesse público não significa a
sua absolutização. Neste seguimento, surge o princípio da proteção dos direitos e
interesses legalmente protegidos.
Por estarmos perante direitos dos particulares, o poder da Administração já não
será discricionário, pelo que poderíamos falar num princípio de proteção de direitos.
Se a posição do particular é um direito subjetivo, a posição da Administração será de
um dever vinculado – esta é a regra.
Todos os direitos que correspondem a posições de direito fundamental (DLG), a
discricionariedade está afastada.
Vieira de Andrade defende que compatibilizamos posições de direitos dos
particulares com o poder discricionário da Administração através de direitos
condicionados (não são direitos subjetivos perfeitos).
Os direitos condicionados subdividem-se em 2 subcategorias:
 Direitos enfraquecidos – podem ser extintos ou eliminados pelo exercício do
Direito Público (exemplo: Direito de propriedade face ao direito expropriativo – é legitimo à
Administração expropriar um bem particular desde que conferidos os requisitos previstos na CRP,
como o interesse público, a previsão legal do poder previsto no artigo 62º da CRP e o pagamento
de uma justa indeminização. O direito de propriedade é um direito enfraquecido; Direito de livre
iniciativa económica privada – relativamente aos setores básicos da economia, os poderes públicos
podem vedar o acesso ao direito de empresa). Não deixam de ser direitos mas são
condicionados;

 Direitos comprimidos – sujeição a exames para se aceder a uma profissão


regulada. O poder de avaliação que se traduz num diagnóstico de conhecimentos
é um poder vinculado e reservado à Administração por razões práticas, pelo que
se trata de um poder dificilmente sindicável tal como o é o poder discricionário.
Reconduz-nos a um DLG mas a lei consente que o poder da Administração não é
um poder discricionário, mas trata-se de um poder equiparado. Leva a um esforço
máximo de controlo e grande exigência no procedimento para eliminar o mais
possível as zonas de arbítrio e incerteza.

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A correspondência entre poderes vinculados e direitos subjetivos públicos perfeitos


e entre poderes discricionários e interesses legalmente protegidos dos particulares:
Para além dos direitos condicionados surge também a categorias dos direitos prima
facie. Nestes não estamos em sede de DLG mas sim perante situações que decorrem
de direitos a subvenções.
Por vezes, a lei atribui este direito regulando-o exaustivamente na maioria das
vezes (é um direito perfeito e acabado). Por vezes isto não acontece e a lei atribui um
direito que está não acabado, não é exequível por si mesmo sem que a Administração
através da sua atuação discricionária o complete. São direitos que convivem com um
poder com uma margem de discricionariedade (são situações raras mas existem).
Retirando-se estas exceções, a regra é que se o particular é titular de um direito
existe um poder vinculado no lado da Administração (esta regra não admite exceções
em matéria de DLG).
Onde há poder discricionário existe uma posição jurídica tutelada pela ordem
jurídica, pelo que a posição jurídica subjetiva do particular não é d direito mas sim de
interesse legalmente protegido.
Os interesses legalmente protegidos são contemplados pela lei de uma forma
secundária e subordinada ao interesse público.
Na relação do particular com a Administração, o interesse legalmente protegido
corresponde a um poder discricionário. Se pelo lado da Administração correspondesse
a uma competência vinculada da Administração já não estaríamos perante um
interesse legalmente protegido mas sim perante um direito.
Quer o titular de direitos condicionados, quer o titular de direitos prima facie ou
ainda o titular de interesses legalmente protegidos podem exigir que a atuação da
Administração se guie pelos princípios gerais da atividade administrativa, ou seja, que
seja não discriminatória, não arbitrária, justa, proporcional, racional, imparcial, de boa-
fé. O particular pode invocar e exigir a observância destes princípios porque não se
esgotam na sua dimensão garantística, também podem servir o interesse público. No
entanto, na sua origem são princípios garantísticos e por isso limites à Administração
para a proteção de direitos/interesses dos particulares.

O princípio da boa administração

O princípio da boa administração do novo CPA: os valores da eficiencia,


economicidade e celeridade:
O princípio da boa administração (artigo 5º do CPA) traduz-se num desdobramento
da prossecução do interesse público.
É um princípio novo em termos de consagração expressa (novo CPA de 2015).
Importa salientar os critérios de eficiência, economicidade e celeridade (no nº1 do
artigo).

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Quando o nº2 do artigo refere que “a Administração pública deve ser organizada”
passamos para o âmbito da organização administrativa e não da atividade
administrativa.
Relativamente à celeridade, esta é uma exigência importante em matéria de
procedimento administrativo, isto é, de a Administração Pública tratar de modo rápido
as tarefas que lhe competem, sobretudo quando se trata de tomar decisões de que
dependem a satisfação de interesses dos particulares.
Em relação à eficiência e economicidade, tratam-se de termos muito parecidos. A
economicidade trata-se da projeção da eficiência em matéria de custos. Estes
conceitos estão relacionados com a ideia de fazer muito com pouco, conseguir
alcançar os melhores resultados possíveis com os recursos disponíveis, que por
definição são escassos.
Está em falta uma 4ª vertente mas que está implícita: a eficácia. A eficácia não se
deve confundir com eficiência. Eficácia diz respeito à máxima adequação possível dos
meios utlizados face aos resultados que se pretendem alcançar. É uma vertente
indissociável do dever de boa administração. Paradoxalmente é a única vertente com
expressa consagração constitucional (no artigo 267º, nº3 da CRP a eficácia é invocada
como razão de ser de um patamar mínimo de unidade da Administração Pública).
Em contraposição a outros princípios, a unidade é a eficácia da atuação
administrativa que pode ser prejudicada por uma descentralização desmedida.
Tem-se visto que o mérito e a legalidade, ou seja, os critérios de boa administração
estão fora do controlo dos tribunais distinguem-se dos parâmetros jurídicos que o
Tribunal se pode e deve socorrer para invalidar um ato da Administração.
Assim, existindo o princípio de boa administração parece que faz desaparecer a
diferença entre mérito e legalidade, o que à partida significa que será fundamento
suficiente para invalidar um ato administrativo.

Perspetiva tradicional do princípio da boa administração – a sua fraca relevância


jurídica face aos demais princípios gerais da atividade administrativa:
No entendimento tradicional, o princípio da boa administração (antes de estar
consagrado no CPA) era visto como um dever jurídico que à partida é imperfeito por
falta de sanção jurisdicional. Não gera na esfera dos administrados, um direito
judicialmente sindicável nem o MP podia obter a anulação de um ato por violação do
princípio da boa administração atendendo ao princípio da separação de poderes – os
juízes devem fazer um exercício de autocontenção para não invadirem a esfera de
atuação do poder executivo exprimido no exercício do poder discricionário, que se
designa reserva de Administração.
O dever de boa administração é controlável pelos mecanismos internos de controlo
da Administração Pública (NOTA: Na impugnação administrativa existem 2 figuras que dão origem
a procedimentos administrativos de 2º grau – a reclamação e o recursos hierárquico, hierárquico
impróprio e tutelar).

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As impugnações permitem ao órgão não só anular o ato praticado pelo órgão


subalterno com fundamento na sua invalidade mas também a sua revogação com
fundamento na violação de regras técnicas.

Significado e alcance da positivação do princípio da boa administração em sede de


controlo jurisdicional da Administração:
Não se pode dizer que a ordem jurídica não prevê controlos, ela prevê-os mas são
controlos internos dentro da Administração Pública.
A circunscrição dos tribunais no controlo que lhes está confiado encontra-se
consagrado no artigo 3º, nº1 do CPTA (assinala explicitamente a missão dos tribunais)
e artigo 71º, nº2 do CPTA (acontece quando se pede a condenação das administrações
por um ato que não praticou e o tribunal apenas pode adotar diretivas de
discricionariedade). Assim, parece que falta ao princípio o elemento subjetivo e
garantístico, a radicação subjetiva direcionada à tutela dos particulares face à
Administração, o que distingue os demais princípios da atividade administrativa.
A lei, nalguma legislação sectorial, em determinadas matérias já postulava um
dever de boa administração com consequências jurídicas (exemplo: Violação pelo
funcionário público dos deveres de zelo – artigo 73º, nº1, alínea e) e nº7 e artigos 176º a 240º da Lei nº
35/2014, de 20 de junho – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.).
No domínio da responsabilidade civil extracontratual da Administração, pelos danos
causados no exercício da sua atividade importam os artigos 7º a 10º da Lei nº
67/2007, de 31 de dezembro – trata da responsabilidade civil e contratual do Estado e
demais entes públicos. Nesta lei qualquer agente que pratique um facto ilícito e
culposo que cause prejuízos a terceiros leva a que o ente público tenha o dever de
indemnizar os prejuízos causados. Para determinação da culpa é aferido um grau de
diligência e zelo do órgão ou agente no cumprimento dos seus deveres, o que em
regra havendo uma diligência mínima não existirá culpa.
A nova lei, inspirada na lei francesa, também consagra uma figura designada “falta
de serviço”, que diz respeito aos casos em que existe anomalia no funcionamento do
serviço é anormal mas não se prova a culpa particular de ninguém. Neste caso, o ente
assumirá na mesma a responsabilidade porque o serviço funcionou mal no seu todo.
Na área do Direito Financeiro Público, o controlo é realizado pelo Tribunal de
Contas, sob a atividade da Administração Pública nos aspetos financeiros como a
gestão pública e privada. Não controla apenas a legalidade financeira (conformidade
da atuação administrativa com regras jurídicas), também controla a racionalidade
económico-financeira das decisões que envolvem despesa.
Para legitimar o alcance da sua atividade invoca o princípio da boa administração,
que terá consequências jurídicas não só no campo da responsabilidade sancionatória
(aplicação de coimas ao órgão incumpridor) mas também na responsabilidade
reintegratória (a despesa mal efetuada obriga o órgão a repor o pagamento que fez
pelos seus próprios meios).

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Gomes Canotilho entende que não há coincidência entre a norma de ação e a


norma legal de controlo. O controlo é menor porque não se estende aos tribunais;
todavia, quando isso acontece é só em zonas muito definidas.
Apesar de o princípio ser vinculativo para a atuação administrativa, não é
acompanhado pelo respetivo controlo judicial (à norma de ação não corresponde a
norma de controlo).
Questiona-se sobre o alcance jurídico da consagração do princípio da boa
administração.
Existe um suporte lógico e comum às normas onde o princípio coincide com as
normas de controlo. Estes casos são expressão do princípio, é um princípio com uma
missão unificadora, uma função de consolidação. Por outro lado, a matéria dos
conceitos imprecisos classificatórios do tipo técnico-científico era uma mera
construção, que passa a ter fundamento positivo.
Pela sua sistematização, este princípio terá de ter um âmbito substantivo mínimo,
isto é, tem de ser apto a conduzir à invalidação pelos tribunais por atuações
desconformes. Isto significa que este princípio tem uma radicação objetiva no sentido
de os particulares poderem, à partida, pedir em tribunal a invalidação de um ato. Este
elemento garantístico não pode ter a relevância dos demais princípios de alcance
geral, terá de ter sim um alcance mais restrito.
O princípio da boa administração serve para consolidar os outros, vai ser um
princípio de auxílio. Dificilmente uma decisão poderá ser julgada inválida apenas
tendo em conta a violação do princípio da boa administração. Isto significa que passa a
o teste da razoabilidade, da racionalidade, da justiça, da proporcionalidade mas que é
fraco na sua vinculatividade em termos dos tribunais se poderem socorrer dele. Isto
terá de ser assim sob pena de violação do princípio de separação de poderes – tem um
alcance modesto em relação aos outros princípios.

O princípio da igualdade

O princípio da igualdade na Constituição; sentido e implicações da consagração do


princípio no CPA:
O princípio da igualdade (artigo 6º do CPA) é fundamental, pelo que para além da
sua consagração no CPA também o encontramos no artigo 13º da CRP como um
princípio geral da atividade administrativa.
O princípio da igualdade se resume ao tipo de discriminações que refere no artigo
6º.
Quando a Administração viola o princípio da igualdade fá-lo sem estar motivada por
fatores odiosos e prejudiciais. Neste seguimento, percebe-se o normativo do artigo
13º da CRP mas não se compreende a sua importação para o CPA.

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Pela censurabilidade de uma decisão discriminatória, o tratamento desigual pela


Administração em razão de qualquer dos fatores enunciados poderá conduzir à
nulidade do ato e se a arbitrariedade for manifesta e evidente, ou seja, se o fator
odioso for a causa da discriminação que ferem os valores constitucionais podem ter a
consequência de nulidade. Esta é a consequência natural de se considerar o direito ao
tratamento igual como um direito fundamental. A discriminação manifesta, evidente e
arbitrária daqueles fatores afeta o conteúdo essencial do direito à igualdade.
O professor concorda com esta perspetiva, considerando que existem dimensões de
direitos fundamentais quando às discriminações odiosas, sendo por isso necessário
considerar o direto ao tratamento igual como um direito fundamental.
A jurisprudência tem repetidamente defendido que a consequência da violação do
princípio é a mera anulabilidade. No entanto, os tribunais, nomeadamente os
administrativos, não têm referido a hipótese de anulabilidade (jurisprudência pacífica).
Há autores que falam de momentos mais relevantes em sede de vinculação da
Administração ao princípio igualdade – na repartição dos encargos e deveres (em
nome dela justifica-se o regime da responsabilidade civil extracontratual da
Administração e o regime da indemnização por expropriação). A igualdade em matéria
de benefícios e prestações concedidos pela Administração também tem uma dimensão
relevante.
Quanto à ideia genérica da igualdade em matéria de benefícios, o professor
acrescentou um outro momento relevante: a exigência da adoção de concurso público
para atribuição de qualquer benefício.
O procedimento concursal é imposto pelo artigo 47º, nº2 da CRP (direito ao acesso
à função pública, isto é, aos empregos públicos). O DUE exige que os mais contratos
públicos mais importantes vigore a regra da adoção do procedimento concursal. Este
princípio deve estender-se à atribuição a privados de bens, atividades e negócios
públicos, em áreas como o acesso ao ensino superior, atribuição de subvenções e
outros apoios financeiros públicos, entre outros.
O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP e no artigo 6º do CPA,
envolve apenas uma dimensão formal (igualdade formal). No entanto, a CRP também
consagra o princípio da igualdade real, que justifica e fundamenta todo o capítulo dos
direitos económicos, sociais e culturais a prestações.
A igualdade formal pode ter de ser corrigida pela igualdade material, convertendo-
se em norma/princípio/regra de desigualdade formal em razão da igualdade real
(como salvaguarda).
O princípio da igualdade nalguns casos pode impor discriminações positivas para
compensar a desigualdade de oportunidades.
Deste modo, segundo o princípio da igualdade a Administração pode conceder um
tratamento igual a situações essencialmente iguais e tratamento desigual a situações
que na sua essência sejam desiguais.

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A convocação e aplicação do princípio da igualdade na atuação administrativa, isto


é, no momento em que é necessário avaliar se a Administração num ato individual e
concreto tomou uma decisão que respeitasse o princípio da igualdade, ter-se-á de
comparar a decisão em causa com uma decisão anterior. A aferição do respeito do
princípio da igualdade pela Administração requer, por isso, 2 decisões (no mínimo): a
decisão atual e a decisão anterior, entre as quais existiria uma comparação.
Por último, não existe um direito à igualdade na ilegalidade, o que significa que
ninguém tem o direito, em nome da igualdade, que se repita uma situação de
ilegalidade relativamente à qual se repitam vícios para que tenha um tratamento igual
a destinatários anteriores. Se em decisões anteriores os destinatários foram
beneficiados por decisões ilegais mas se no momento atual a Administração toma uma
decisão mais desfavorável cumprindo a lei, o ato atual não pode ser invalidado por
violação do princípio da igualdade pois, na verdade, as decisões anteriores é que não
foram devidamente sindicadas e invalidadas. (NOTA: Esta questão também se trata de
jurisprudência pacífica dos tribunais administrativos.).

A (auto)vinculação ao precedente – a propósito da figura das “diretivas de


discricionariedade”, as diferentes naturezas do poder discricionário e do poder
regulamentar:
Relativamente à questão da autovinculação ao precedente, o princípio igualdade
implica que a Administração se autovincule. Quando toma uma decisão, se a situação
se repetir mais tarde com outros destinatários funciona a vinculação do precedente –
a Administração deve tomar uma decisão idêntica à anterior.
Muitas vezes, por força da hierarquia administrativa, assistimos à emanação das
diretivas de discricionariedade (regulamentos internos designados pelo superior
hierárquico) que apontam para um determinado sentido em termos de exercício de
um pode discricionários em nome dos subalternos (exemplo: Atuação tributária).
As diretivas são legítimas mas o órgão subalterno continua obrigado a atender às
circunstâncias concretas do caso, que podem ditar uma decisão diferente à que está a
ser regulada pela diretiva. Trata-se de um limite ao dever de obediência. É um poder
discricionário, pelo que cabe ao órgão subalterno aferir e ponderar face à circunstância
concreta, tomando a decisão correta tendo em conta o interesse público.
Se as circunstâncias não puserem em causa a diretiva devem obedecer-lhe, se
revelarem que a diretiva é desadequada deve-se atender às circunstâncias concretas
que o caso exige, obedecendo o máximo possível à diretiva.
A exigência de objetividade e complementação dos pressupostos legais não
equivale a uma cristalização de critérios, ou seja, a vinculação do precedente não cria
norma.
O órgão pode e deve alterar o critério que vai seguir tendo em conta o interesse
público atual, não só em casos em que existe alteração do órgão mas também
naqueles em que isso não se verifique.

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Nos casos em que não existe alterações no órgão, caso se constate que o critério
adotado anteriormente não se adapte aos resultados (esta situação é exigida pela lei e
é por isso que existe poder discricionário).

Sanções da violação do princípio da igualdade pela Administração:


Quanto às consequências da violação do princípio da igualdade pela Administração,
a jurisprudência e pacífica em relação à anulabilidade.

O princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade – sentido e alcance; as vertentes da adequação, da


necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito:
O princípio da proporcionalidade (artigo 7º do CPA) é um princípio constitucional
consagrado em matérias de restrições bem como em direitos, liberdades e garantias,
no artigo 18º da CRP. Para além disso, é um princípio de Direito Administrativo, sendo
que é mais concretamente neste ramo que está a sua origem.
O princípio da proporcionalidade assinala 3 vertentes: adequação (a restrição deve
ser adequada conforme indica o artigo 7º, nº1); necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito. Estas 3 vertentes constituem o princípio da proporcionalidade em
sentido amplo.
Para além da ideia da proibição de excesso também abrange a proibição de defeito
(proteção insuficiente), constituindo, como os outros princípios, um limite interno ao
poder discricionário.
A Administração não está apenas obrigada a prosseguir o interesse público, tem de
o fazer de modo a causar o menor sacrifício possível aos particulares que sejam
afetados.
O nº2 do artigo 7º explicita a 2ª e a 3ª vertente do poder administrativo. Em
primeiro lugar, a vertente da necessidade (“ na medida do necessário”) e a vertente da
proporcionalidade em sentido estrito (“em termos proporcionais aos termos a
realizar”).
Qualquer decisão administrativa apenas respeita o princípio da proporcionalidade
se cumulativamente observar estas 3 exigências, pelo que basta falhar uma para existir
uma violação do princípio.
Podemos apontar certas características a cada uma das vertentes:
 Adequação (artigo 7º, nº1 do CPA) – a lesão tem de se revelar adequada para a
prossecução do interesse público, tendo em conta os objetivos que se pretendem
alcançar;
 Necessidade (artigo 7º, nº2 do CPA) – o órgão tem de demonstrar que não existia
outra alternativa menos custosa ao particular na sua prossecução do interesse
público;
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 Proporcionalidade em sentido estrito (artigo 7º, nº2 do CPA)

Em especial, a proporcionalidade em sentido estrito:


A proporcionalidade em sentido estrito, plasmada no artigo 7º, nº2 do CPA,
traduz-se numa relação de proporção entre o benefício alcançado para o interesse
público e o sacrifício que se impõe ao particular, não se ligando aos diferentes pesos
que estes interesses assumem (é uma relação direta entre o interesse público e o
interesse particular mas não significa que fiquem ao mesmo nível).
Para a anulação da decisão, o particular tem de provar que existia para a
Administração outra alternativa que seria menos benéfica para o interesse público mas
que ao mesmo tempo se traduzia num muito menor sacrifício para o particular a
medida já não passa.
Nesta medida, a Administração estava obrigada a sacrificar um pouco o interesse
público.
Esta 3ª vertente pode suscitar algumas dúvidas na medida em que, no Estado de
Direito, o interesse público tem primazia sobre os interesses dos particulares mas não
é um valor absoluto, não pode ser evidente para o Direito uma tão grande
desproporção que se traduz na escolha de uma medida alternativa.

A aparente dimensão meramente garantística das vertentes da necessidade e da


proporcionalidade em sentido estrito:
Parece que apenas a 2ª e 3ª vertente têm uma posição garantística pois a vertente
da adequação é quase um pressuposto do princípio da proporcionalidade, pelo que
estaria mais ligada ao interesse público – a sua violação põe em causa o interesse
público por o órgão não ter tomado a medida adequada.
No entanto, esta vertente tem uma visão garantística pois a medida só será
adequada se não representar para o particular um excessivo gravame.

A proibição de defeito ou proibição de proteção insuficiente:


Relativamente à proibição do defeito, segundo a perspetiva do professor, esta
dimensão não desaparece porque até 2002 o contencioso administrativo era
insuficiente, não estava prevista uma ação que condenasse a Administração à prática
de um ato.
Quando uma medida é inválida por ação insuficiente significa que a consequência
será a Administração tomar a medida de proteção suficiente em vez da medida
insuficiente, apesar de o contencioso não previa a condenação de atos insuficientes.
Hoje já é possível que um ato desproporcionado e de proteção insuficiente da
Administração leve a que seja condenada a praticar um ato de proteção suficiente.

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Os princípios da justiça, da razoabilidade e da racionalidade

Noções prévias:

a) Entrada no tema
Para terminar a matéria respeitante aos princípios da atividade administrativa
importa falar sobre o princípio da justiça, da razoabilidade e o da racionalidade.
Tanto o princípio da justiça como o da razoabilidade estão consagrados no artigo 8º
do CPA, ao passo que o princípio da racionalidade ainda não tem consagração
expressa, apesar de estar vigente e ser reconhecido pela jurisprudência e doutrina.

b) Esboço de destrinça dos elementos referentes ao princípio da justiça e ao princípio


da razoabilidade
Numa análise dos princípios do princípio da justiça e do princípio da razoabilidade
(artigo 8º do CPA), quando no artigo se refere “matéria de interpretação de normas
jurídicas” está presente a ideia de que estes princípios vão orientar a Administração
em matéria de interpretação. Quanto às “valorações próprias do exercício da função
administrativa” reconduz-nos para o poder discricionário, propriamente dito ou
margem de livre apreciação.
O princípio da justiça já estava consagrado no CPA de 1991 e desde a revisão
constitucional de 1997 que tem consagração constitucional. O princípio da
razoabilidade é novo, aparece pela 1ª vez no CPA e ainda não tem consagração
constitucional.
Apesar de o princípio da razoabilidade apenas recentemente ter tido consagração
expressa na lei, é preciso não esquecer que a jurisprudência já há muito tempo o
aplicava, nomeadamente no contencioso de atos administrativos, quando eram
anulados judicialmente atos administrativos pelo designado “erro manifesto de
apreciação”.
Estes princípios estão plasmados no mesmo artigo por opção do legislador. Ambos
têm uma forte componente pragmática, fazem apelo ao conceito de “homem médio”
ou “bom pai de família” quando convocam a justiça e o senso comum de razoabilidade
do homem médio ou do bom pai de família. No fundo, fazem apelo a um património
imaterial das pessoas que integram a comunidade, da qual emerge o próprio aparelho
administrativo e os tribunais.
Este é o primeiro problema que aparece na interpretação do artigo 8º – dois
princípios estão misturados no mesmo enunciado, o que dificulta a distinção dos
elementos que pertencem a cada um dos princípios.
Todavia, a menção às “soluções manifestamente desrazoáveis” está ligada ao
princípio da razoabilidade, o que convoca o “erro manifesto de apreciação” que tem
sido convocado pela jurisprudência administrativa na esteira da jurisprudência
administrativa francesa.
Por outro lado, a invocação da “ideia de Direito” reporta-se ao princípio da justiça.
O legislador recorda que todos os princípios gerais da atividade administrativa se
projetam para lá da discricionariedade administrativa, onde se exercem as valorações
próprias do exercício da função administrativa.

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c) Breve consideração sobre a função também interpretativa dos princípios gerais da


atividade administrativa
Os princípios gerais da atividade administrativa condicionam globalmente toda a
atividade da Administração, incluindo a atuação vinculada onde se suscitam questões
interpretativas. Na atuação vinculada, quando surgem problemas interpretativas, os
princípios têm a função de contribuir para o desempate entre duas ou mais razões
possíveis e aquele que for mais conforme deverá ser a interpretação privilegiada.
Todos os princípios conformam a atuação da Administração para além dos atos
típicos, regulados pelo Direito Administrativo, que se reconduzem ao conceito de
Administração Pública no sentido formal. Conformam a sua atuação material e
alcançam o domínio da gestão privada da Administração Pública.
Mesmo quando a Administração atua ao abrigo do Direito Privado também se
aplicam os princípios gerais da atividade administrativa.

O princípio da justiça:

a) Entrada no tema
Até recentemente dizia-se que o princípio da justiça foi daqueles que transitou da
zona do mérito para a zona da legalidade. A revelação dos princípios gerais da
atividade administrativa foi uma das vias de construção do Direito Administrativo. Foi
uma revelação puramente jurisprudencial de vários princípios que se entendia que
regulavam a atividade da Administração Pública, incidindo no exercício do poder
discricionário.
Os princípios foram sendo previstos ao longo do tempo. O primeiro a ser convocado
foi o princípio da igualdade e os restantes foram sendo revelados pela jurisprudência.
Há algumas décadas atrás, quando se falava em justiça de atuação da
Administração tratava-se de um parâmetro próprio da zona de mérito, oportunidade
ou conveniência, na medida em que a justiça não estava relacionada com a
juridicidade ou legalidade. O mesmo acontecia com os critérios da proporcionalidade,
que eram de boa administração e não de judicialidade.
Lentamente os princípios sofreram uma transição para a zona da legalidade, o que
levou à ampliação do âmbito de atuação dos tribunais no controlo da atividade
administrativa.
O dever de boa administração já é um princípio geral da atividade administrativa,
sob pena de acabar com a reserva do poder executivo. Evidentemente tem um alcance
limitado como princípio jurídico que pode levar à anulação judicial de um ato
administrativo.
Esta recente transição traz a dificuldade de saber quando se deve convocar este
princípio ou quando um regulamento/decisão administrativo será inválido por violação
do princípio. A justiça é um ideal difícil de atingir. Todo o Direito positivo deveria ser
justo, bem como todas as sentenças e decisões administrativas no espaço próprio de
criação jurídica.
Todas as decisões administrativas deveriam ser justas no espaço de criação
administrativa, que é um espaço de discricionariedade, o que significa que todas as
decisões têm algo de injusto.

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Os princípios gerais da atividade administrativa e a ideia de igualdade,


imparcialidade, proporcionalidade, de boa-fé se reconduzem-se ao conceito
aristotélico de justiça, situado num patamar superior de abstração, o que leva a que
estes ideais sejam um desdobramento do conceito abstrato de justiça.
Para que uma decisão seja invalidada por violação do princípio da justiça é
necessário que passe o crivo dos outros princípios. Mesmo quando passe estes crivos e
mesmo assim seja injusta é que haverá fundamento suficiente para anular uma
decisão administrativa.
O princípio da justiça só em caso limite apresenta autonomia jurídica em relação a
outros princípios, sobre os quais acaba por se desdobrar. É uma ultima ratio da
subordinação da Administração ao Direito.
Quando as outras condicionantes não forem suficientes para anular um ato
administrativo e este se configure como afronta aos valores da ordem jurídica e às
ideias de integridade e dignidade da pessoa humana poderá ser anulada tal decisão.

b) Breve excurso sobre a ideia de Direito enquanto referência última do princípio da


justiça
A ideia de Direito é o novo elemento introduzido recentemente no CPA, como
referência última do princípio.
A ideia de Direito justo aparece sobretudo no início do século XX, em alternativa às
conceções jusnaturalistas que imperaram na Europa Ocidental até finais do seculo
XVIII. Reduz-se à ideia de Direito válido, reconhecível pela razão humana
independentemente das circunstâncias do tempo e do espaço.
Esta conceção foi posta em causa pelo positivismo do século XIX e 1ª metade do
século XX.
Nas conceções positivistas, a matéria relacionada com a ética, valores e os critérios
que pretendem aferir se uma norma jurídica é justa ou injusta, remete-nos para o
campo do conhecimento intersubjetivo, o que é inacessível. As ideias de justiça e
critérios éticos têm um caráter subjetivo e opinável de pessoa para pessoa. Os critérios
de justiça variam de pessoa para pessoa, não são alcançáveis e só o que está plasmado
como direito positivo é que pode ser objetivamente aplicável.
A ideia de Direito é uma alternativa ao jusnaturalismo e ao positivismo jurídico, que
parte da premissa de que há uma precedência lógica e uma superioridade axiológica
dos princípios jurídicos relativamente às regras jurídicas. Enquanto princípios de
Direito justo não se obtêm, como defendem o positivismo, a partir da generalização da
regra, de um processo indutivo.
A regra de regulação só tem sentido à luz de um pensamento prévio e que
condensa através de enunciados. É o oposto do que defende o positivismo, que só
reconhece a vaidade dos princípios porque os infere a partir das regras.
Os princípios jurídicos, enquanto pensamentos diretores de regulações jurídicas não
são evidentemente regras suscetíveis de aplicação mas podem condensar-se em
regras. São normas materiais, ainda não são formais proposições jurídicas com um
nexo causal entre o pressuposto e consequência jurídica.

c) Relevo jurídico do princípio da justiça


O princípio é um pensamento orientador, indica uma direção onde se situará a
regra. É um 1º passo a partir do qual se conseguirá formular a regra.

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FDUP - Faculdade de Direito da Universidade do Porto

O princípio só será justo se condensar um sentido base ou último de um fim que há-
de presidir a todo o Direto (aqui encontra-se a ideia de Direito).
A consequência desta construção é que como última instância de todo o Direito
positivo, lhe atribuí uma marca de Direito como algo devido e que escapa ao domínio
da vontade, não é fruto da voluntas (vontade) do legislador e das decisões da
Administração Pública.
A ideia de Direito tem um conteúdo mínimo. Não é uma ideia intemporal nem
universal. O seu conteúdo só é indiscutivelmente válido num determinado espaço e
época civilizacional.
No nosso tempo e espaço, a ideia de Direito identifica-se com os valores da paz
jurídica e com a realização da justiça nas suas várias dimensões – justiça igualitária,
comutativa e distributiva.
Os princípios de Direito Público justo são a responsabilidade, igualdade,
proporcionalidade, imparcialidade e todos aqueles que estão na génese do Estado de
Direito, como a limitação e controlo do poder, juridicidade, não retroatividade, tutela
jurisdicional efetiva.
Acerca do princípio da justiça, Gomes Canotilho e Vital Moreira dizem que a
Administração não deve pautar a sua conduta por critérios de justiça abstrata, isto é,
de justiça desligada do concreto ordenamento jurídico. Para que uma decisão
administrativa se possa considerar inválida apenas se deve considerar a justiça
constitucionalmente plasmada em certos critérios matérias ou de valor (dignidade da
pessoa humana, direitos fundamentais, igualdade).
Quando o atual artigo 8º notifica a Administração, e consequentemente os
tribunais, a compatibilizar as escolhas administrativas e as escolhas discricionárias com
a ideia de Direito (sem afastar o subjetivismo administrativo ou judicial), aponta num
sentido que não é exatamente indicado pelos constitucionalistas.
A ideia de Direito transcende o ordenamento jurídico de um país. Não teremos de
ficar amarrados a um sistema de valores positivados.
Quando no artigo 8º do CPA se diz que a Administração e os tribunais se devem
conduzir por uma ideia de Direito, está o a ultrapassar o ordenamento jurídico positivo
português. Isto traduz-se num critério de defensabilidade, apelando aos conceitos de
“homem médio” e “bom pai de família”, aos conceitos de justiça e bom senso
enraizados na comunidade.
O decisor administrativo ou judicial, de acordo com esse juízo, tem de averiguar da
sustentabilidade de uma dada decisão à luz dos princípios de justiça e razoabilidade.
Daqui não poderia surgir um sentimento de discordância, mesmo que o
administrador/julgador não concorde subjetivamente com o juízo imperante na
comunidade.
Na interpretação das normas e valorações administrativas, a interpretação deverá
orientar-se por estas diretrizes não tomando como parâmetro apenas o ordenamento
jurídico positivo, cujo topo é a CRP.

O princípio da razoabilidade – características distintivas:


Há bastante tempo que a jurisprudência o revela através do erro manifesto de
apreciação.

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FDUP - Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Constitui uma cláusula geral a que, em primeiro lugar, deve ser submetido o poder
discricionário. É a primeira diretriz para decidir se uma dada decisão é ou não
arbitrária.
É subsidiário relativamente aos outros princípios. Trata-se de um mecanismo de
controlo da qualidade global e da ponderação de interesses feita pela Administração,
uma verificação que não é aprofundada nem detalhada, pretendendo-se aferir a prévia
aceitabilidade da decisão.
Quando o convocamos não se define a justa medida ou quantidade,
nomeadamente do sacrifício imposto para a prossecução do interesse público.

O princípio da racionalidade – confronto com os princípios da justiça e da


razoabilidade:
O princípio da racionalidade distingue-se do princípio da justiça e do da
razoabilidade. Quando se fala em racionalidade existe uma exigência de coerência
logica ou completude material das decisões administrativas – todo o Direito é lógico e
obedece a regras lógicas.
Por força do princípio da racionalidade, no âmbito do poder discricionário, uma
decisão administrativa não pode assentar em fundamentos contraditórios nem num
fim contraditório ao fim que se visa atingir. A decisão não pode assentar em
fundamentos obscuros, falsos, contraditórios entre si, nem o fundamento pode ser
contrário ao conteúdo e sentido da decisão tomada. Também a decisão não pode
basear-se em fundamentos inexistentes ou insuficientes.
O princípio da racionalidade não tem consagração expressa na ordem jurídica mas
existe um dever de fundamentação expressa dos atos administrativos (artigo 152º e
artigo 153º do CPA).
Quanto ao artigo 153º, nº2: “Equivale à falta de fundamentação a adoção de
fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam
concretamente a motivação do ato.” – a distinção entre exigência de forma e exigência
de fundo é fundamental.
A exigência de fundamentação expressa dos atos administrativos é formal e está
relacionada com o modo de exteriorização da vontade administrativa. Quando a lei
exige a fundamentação expressa, o órgão administrativo tem de dar a conhecer os
fundamentos que o guiaram na ponderação dos interesses.
Um ato pode estar fundamentado mas, no que se refere à motivação, não
corresponder à ponderação feita nem aos fundamentos materiais em que o órgão
baseou a sua decisão.
O princípio da racionalidade é substantivo porque regula os aspetos substantivos e
não os formais das decisões. Estes aspetos estão relacionados porque é com base na
falta de fundamentação que nos conseguimos aperceber que uma decisão não foi
tomada de forma ponderada. Para isto, a fundamentação é obrigatória para que o
particular possa aferir como foi tomada uma decisão.
Em suma, nas decisões administrativas há uma exigência de coerência, de
completude, que se postula em toda a ordem jurídica, nomeadamente para os atos
jurídicos e autoridades que aplicam a ordem jurídica nos casos concretos em espaços
de criação própria.

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O princípio da imparcialidade

Entrada no tema:
O princípio da imparcialidade está consagrado no artigo 9º do CPA, no qual se
pode distinguir uma função preventiva e uma função sucessiva.

Funções preventiva e sucessiva do princípio da imparcialidade:


Na função preventiva, preside a regras que impedem situações suscetíveis de viciar
a formação dos órgãos administrativos (exemplo: O regime geral das garantias de
imparcialidade impede os juízes e órgãos da Administração de participarem num órgão colegial e de
tomarem decisões quando estiverem em causa interesses cujo destinatário sejam parentes em linha
reta.). As exigências de imparcialidade estão consagradas entre os artigos 69º e 76º do
CPA (regras de desenvolvimento e concretização do princípio da imparcialidade). A
função preventiva não se esgota apenas em regras.
Quanto à função sucessiva, no processo de formação da vontade, o princípio obriga
a entidade que toma a decisão a fazer 2 tipos de ponderação, pelo que tem 2
vertentes:
 Positiva – o órgão tem de ponderar todos os interesses que tem de considerar,
pelo que basta que se esqueça de um e tome a decisão sem o ponderar para a
decisão poder ser invalidada;
 Negativa – estando o órgão obrigado a ponderar todos os interesses públicos e
privados também está obrigado a desconsiderar interesses irrelevantes, que não
interessam na decisão (como as afinidades e divergências pessoais, familiares,
sociais, políticas).

Questiona-se se quando o motivo determinante de uma decisão já não é o interesse


público mas sim um interesse de outra natureza, não será uma situação semelhante ao
desvio de poder.
Verdadeiramente, o princípio da imparcialidade tem um alcance menor e menos
exigente em termos de prova. Basta-se com métodos indiciários, pelo que uma decisão
pode ser anulada se ao juiz se configurar que a decisão foi parcial (não é necessária a
prova).Este princípio é mais exigente na atuação administrativa e menos em matéria
de prova, basta que se crie no entendimento do juiz que a decisão não foi imparcial.

A dimensão procedimental e organizativa do princípio da imparcialidade (remissão):


Quanto à dimensão procedimental e organizativa do princípio prevista na última
parte do artigo 9º: “(…) adotando as soluções organizatórias e procedimentais
indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.”,
não basta que se prove a isenção administrativa. Se as pessoas perdem a confiança
que no procedimento não estão reunidos os elementos para se tomar decisões
imparciais, é o suficiente para existir uma violação do princípio.
Este obriga a Administração a identificar previamente situações à partida suspeitas,
em que objetivamente se entende que o órgão não reúne as condições de
parcialidade, mesmo inexistindo uma regra (situação em que a função preventiva não
se traduz numa regra). A Administração tem de identificar e resolver esta situação.

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Se atuar neste ambiente de desconfiança, mesmo que a ponderação da decisão


tomada seja correta, como não preencheu os requisitos prévios, já não interessa que o
princípio tenha sido observado na sua função sucessiva (exemplo: As ordens profissionais
organizam exames e à luz do princípio têm que ter cuidado com a escolha do júri.).

O princípio da boa-fé

Relativamente a outros ramos, o princípio da boa-fé (artigo 10º do CPA) surge com
as devidas adaptações e alterações no Direito Administrativo.
A 1ª dimensão do princípio é a boa-fé subjetiva que diz que a Administração está
obrigada a atuar lealmente e de forma transparente. Mesmo que a última intenção do
órgão seja reta e louvável, a Administração não pode fazer promessas informais que
não pode ou não quer cumprir, levando o particular a não exercer um direito que tem.
Provando-se a prática e as razões subjacentes, os atos de recusa são inválidos por
violação do princípio da boa-fé.
Não viola o princípio da boa-fé apenas uma atitude desleal. Uma ação errática que
crie expectativas ao particular durante o procedimento e que no final exista um ato de
recusa o ato também poderá ser invalidado por violação da boa-fé.

Capítulo III: A Administração Pública e o Direito Privado


Limitação da Administração Pública pelo Direito Privado

É importante perceber até que ponto a AP está limitada pelo Direito Privado.
Importa relembrar que nos sistemas de administração executiva (ou continental)
existe um ramo de Direito consolidado com princípios próprios, um Direito estatutário
ao qual a Administração se subordina sempre que atua com os seus poderes ou
prerrogativas de autoridade – é o Direito Administrativo. Contudo, a Administração
não deixa de ter ligações com o Direito Privado.
Estas ligações são de 2 tipos:
 O Direito Privado, ao proteger a esfera jurídica das pessoas em geral, fá-lo no
mesmo espaço, fixando limites aos demais associados no sentido de respeitarem
esses direitos (direitos absolutos que requerem aos associados uma atitude de
respeito ou abstenção – exemplo: Direito de propriedade não é pelo facto de a Administração
ser um poder público e usar prerrogativas de autoridade que pode a invadir a propriedade, está
limitada como qualquer sujeito privado, o que não implica que tenha poderes de autoridade com
fins expropriativos e que leve à sua tomada de posse de um terreno. Normalmente não o pode
fazer.).
O Direito Privado é um limite à atividade da Administração, que dentro dos
limites da licitude não pode perturbar um direito, pelo que condiciona a atuação
da AP;
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A Administração Pública e o Direito Privado relacionam-se na possibilidade de em


dados casos, residualmente, utilizar instrumentos de Direito Privado. A sujeição da
Administração ao Direito Privado é mais antiga do que ao Direito Público. Antes do
Estado de Direito, no exercício das prerrogativas de autoridade da Administração,
estava fora do Direito, era uma Administração livre do Direito. Quando a
Administração atuava fora dos poderes de autoridade fazia-o através do Direito
Privado.

No conceito de Administração Pública em sentido orgânico ou subjetivo abrange-


se apenas as pessoas coletivas de Direito Público mas tem-se verificado um fenómeno
relevante de privatização da Administração Pública designado “fuga para o Direito
Privado”.
Numa perspetiva histórica, o 1º momento em que se deu uma privatização foi no
domínio das áreas económico-empresariais, no âmbito de satisfação de necessidades
coletivas (prestação de bem/serviços essenciais). As entidades e pessoas coletivas
públicas, por desenvolverem uma atividade empresarial ou económica, passaram a
estar sujeitas ao Direito Privado (empresas públicas institucionais), sujeitas na sua
organização e funcionamento ao Direito Administrativo mas na sua atividade externa
sujeitas ao Direito Privado.
Exercendo a função administrativa enveredou-se pela empresarialização (é uma
pessoa coletiva pública mas pela sua natureza empresarial não se justifica a sua
sujeição da sua atividade ao Direito Público).
Mais tarde, assistiu-se a tendências de privatização formal (a entidade continua a
ser pública assim como a sua atividade mas a função administrativa é levada a cabo
através do Direito Privado). Este segundo momento, a fuga para o Direito Privado leva
a que a Administração Pública (Estado, autarquias, regiões), se desdobrem em
entidades que não só ficam sujeitas ao Direito Privado mas também que assumem
uma natureza jurídico-organizativa privada, assumindo a forma de sociedades
comerciais.
Não é apenas a atividade desta novas entidades mas também a sua organização
que ficam sujeitas ao Direito Privado, isto é, ao Direito Comercial (ramo do Direito
societário). Assim, a par das empresas públicas institucionais também temos empresas
públicas societárias.
Este fenómeno dá-se tanto no âmbito da função administrativa (atividades
empresariais) como em atividades sociais (saúde, educação, cultura, assistência social).
Num primeiro momento, deu-se através da criação de pessoas coletivas públicas
de tipo fundacional (sujeitas ao Direito Público, ao Direito Administrativo), mas que na
sua atividade estão sujeitas ao Direito Privado.

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Num movimento de fuga mais forte, as fundações passam a estar constituídas ao


abrigo do Direito Privado, pelo que existem fundações e associações sujeitas ao Direito
Privado na sua organização e funcionamento assim como na sua atividade,
desempenhando a função administrativa apesar de recorrerem ao Direito Privado.
No entanto, tanto o Direito Privado como o Direito Público se cruzam num sistema
subsidiário.
Em finais dos anos 90 apareceram diplomas de regulação de empresas municipais,
que regula o setor empresarial do Estado.
Quanto aos fenómenos de privatização da AP existe uma privatização material – a
atividade reservada ao Estado deixa de estar encarregue aos Estados (empresas
públicas) e passam a aceder livremente através de um sistema autorizativo. Em
Portugal nos anos 90 assistiu-se a uma privatização não só material mas também
patrimonial e orgânica. O Estado perdeu a posição maioritária. Continuou a existir um
Direito Público regulador mas deixou de haver AP.
Continua a existir a privatização funcional, fenómeno da concessão de poderes
públicos (reservados ao Estado) aos privados que realizam a atividade em substituição
da Administração (apesar de ainda ter responsabilidade na execução). São verdadeiros
privados mas no âmbito da exploração do serviço/bem, no exercício das prerrogativas
de autoridade está sujeito ao Direito Público, ao mesmo tempo que nas demais
atividades está sujeito ao Direito Privado.
Na sua atividade contratual, a AP tradicional (pessoas coletivas de Direito Público)
nem sempre está sujeita ao Direito Público.
A lei (Código dos Contratos Públicos) qualifica como sendo contratos
administrativos a maioria dos principais contratos celebrados pela Administração.
São contratos de aquisição de serviços ou de bens móveis, de locação de bens
móveis, de empreitada (empreitada de obra pública quando é uma pessoa coletiva
pública) e contratos de concessão. Todos eles estão regulados autonomamente na
Parte III do Códigos dos Contratos Públicos, cuja característica é que a Administração
seja adquirente, ou seja, adquire serviços, compra/aluga bens móveis e recorre a um
privado para que ele explore um serviço seu.
O contrato através do qual a Administração vende/aluga bens móveis são
remetidos para o Direito Privado. O mesmo acontece com todos os contratos
relacionados com bens imóveis (exemplo: O caso do arrendamento, seja a Administração
senhoria ou arrendatária – aplica-se o regime geral do arrendamento urbano/rural.).
Pode-se constatar que a maioria da atividade contratual fica sujeita ao DA.
Na atividade contratual a importância do Direito Privado como Direito subsidiário
é grande e vai variando.

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Nos contratos administrativos de execução continuada (com forte regulação


púbica), o papel do Direito Privado é menor (exemplo: Um contrato de prestação de serviços
de imediata utilidade pública, tal como o contrato em que o privado empresta um serviço de limpeza
dos espaços públicos. Neste contrato a influência do D Público é maior. Já num contrato de compra de
um bem móvel, como uma resma de papel, por ser um contrato administrativo com pouco significado
jurídico, pelo que não há quase nada de Direito Público aplicado a esta atividade, pelo que sendo um
contrato administrativo aplica-se aqui o Direito Privado, uma vez que estes contratos se esgotam
instantaneamente.).
O DA atua na execução dos contratos, em situações continuadas em que fazem
sentido certos poderes de conformação do conteúdo, direção, fiscalização.
Relativamente aos contratos privados, também existe uma intervenção do Direito
Público (DA) em alguns aspetos do contrato de Direito Privado da Administração,
nomeadamente no processo de formação do contrato. Nos contratos privados,
celebrados ao abrigo de Direito Privado pela AP esta tem de adotar um procedimento
de tipo concursal regulado pelo Direito Público, ou seja, o Direito Público e o Direito
Privado estão sempre a serem convocados em alguns aspetos.
Por último, na atividade de gestão privada da AP, quando as pessoas públicas
atuam ao abrigo do Direito Privado, está sempre sujeita quer na celebração dos
contratos quer na sua execução (sobretudo nos contratos de relação continuada) os
aos princípios gerais da atividade administrativa e aos direitos fundamentais. É uma
atividade de gestão privada, através da qual a Administração atua com recurso a
instrumentos de Direito Privado mas cuja autonomia da vontade que exerce está
limitada pelos princípios gerais da atividade administrativa, principalmente pelo
princípio da prossecução do interesse público.
O CPA obriga os entes públicos, na atividade de gestão privada, a adotarem as
normas do Código que concretizam preceitos constitucionais – garantia dos
administrados (exemplo: Fundamentação.). A Administração tem de se guiar por um
Direito misto.
Em princípio, os tribunais comuns terão de aferir se a atuação, ainda que
privatística, cumprem os princípios apesar de estes não terem a mesma intensidade
que têm na sua aplicação ao poder discricionário.

Utilização do Direito Privado

Num primeiro momento, importa distinguir as ligações entre a AP e o Direito


Privado dentro do universo da organização administrativa em sentido estrito (pessoas
coletivas de Direto Público ou Direito estatutário – Estado, autarquias locais, Regiões
Autónomas, associações públicas, institutos públicos).
Na submissão da AP ao Direito Privado ou ao Direito Público há a considerar 2
domínios de atividade: o da atividade contratual e o da responsabilidade civil da
Administração (especialmente responsabilidade extracontratual).
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Dentro deste universo 100% público do Direito português, a principal atividade


contratual da AP quer em termos quantitativos quer em termos qualitativos são
qualificados e submetidos pela lei a um regime substantivo e procedimental de DA.
Fazem parte desses contratos: contrato de empreitada de obras públicas, através
do qual a Administração contrata serviços de empresas de construção civil e obras
públicas para a realização de obras privadas; contratos de aquisição e locação de bens
móveis, mediante os quais a AP se abastece; contratos de aquisição de serviços.
Estes contratos têm um objeto de contrato de Direito Privado, ou seja, têm uma
figura correspondente no Direito Civil, pelo que são contratos com a mesma estrutura.
Isto significa que não há nada de específico que envolva necessariamente o exercício
da função administrativa e poderes públicos (podem ser celebrados entre dois
privados).
Por outro lado, o mesmo não acontece com os contratos de objeto passível de ato
administrativo, aqueles que pelas suas características supõem sempre um
envolvimento da AP, o que leva à existência de atos administrativos alternativos ao
recurso ao contrato – para ser fonte da relação jurídica, a Administração pode recorrer
tanto a um ato administrativo como a um contrato administrativo (exemplo: Contratos de
concessão: de obras públicas, de serviços públicos, de exploração de domínio público, de exploração de
jogos de sorte/azar. Estes envolvem atividades públicas que a pessoa coletiva pública opta por chamar
privados a cooperar.).
Nas concessões, a relação jurídica em causa já não pode ser estabelecida entre
pessoas privadas.
No universo da AP tradicional (pessoas coletivas públicas de Direito Público), os
principais contratos são os contratos administrativos, pelo que as pessoas coletivas
públicas sempre que queiram celebrar estes contratos estão obrigadas a recorrer ao
contrato administrativo (ato de Direito Público no qual existe uma posição paritária
entre os contraentes). No regime do contrato, a posição supra ordenada da
Administração ressurge através dos poderes que o DA lhe atribui. É um regime
marcado por prerrogativas impensáveis em contratos de Direito Privado.
Para além destes contratos existem outros que terão de ser qualificados como
contratos administrativos devido a características típicas identificadas no Código dos
Contratos Públicos, tais como o objeto do controlo implicar o exercício de poderes de
autoridade ou incidir sobre atividades/bens de reserva pública, entre outros.
Há várias características (e basta que uma se verifique) para que o contrato seja
qualificado por lei como sendo um contrato administrativo. Estes critérios estão
relacionados com a publicidade (indisponibilidade) que o objeto do contrato podem
apresentar.
Geralmente, não são contratos administrativos mas sim contratos de Direito
Privado (sujeitos ao regime de substantivo Direito Privado):

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 Contratos através dos quais a Administração não adquire/aluga bens móveis mas
sim que ela própria aluga/vende bens móveis (exemplo: Contratos através dos quais um
serviço municipal venda água para consumo público através de uma rede fixa) ;
 Contratos através dos quais a Administração não aluga mas vende serviços. A
Administração tem sempre a faculdade de, em alternativa ao contrato de Direito
Privado, celebrar um contrato de DA com o mesmo objeto – capacidade de
escolha;
 Contratos relacionados com bens imóveis, em que a Administração surge como
arrendatárias;
 Contratos afins que envolvam bens imóveis, a não ser que a Administração opte
por celebrar um contrato sujeito ao regime geral dos contratos administrativos.

Em regra, dos contratos administrativos existem alguns regulados por lei na Parte III
do Código dos Contratos Públicos (contrato de empreitada de obras públicas,
concessão de serviços e obras públicas, aquisição/locação de bens móveis e aquisição
de serviços) que não estão apenas sujeitos a um regime substantivo de DA mas
também o procedimento ligado à situação do contrato pela Parte II do Código dos
Contratos Públicos (CCP).
No entanto, devido a critérios relacionados com a concorrência, isto é, sempre que
a AP contrata recorrendo ao contrato de Direito Privado e a prestação que vai buscar
ao mercado possa ser prestada por mais do que um operador económico, é obrigada a
adotar um procedimento concursal (Parte III do CCP).
CONCLUINDO: a Administração pode celebrar contratos de Direito Privado, desde
que sujeita ao DA no que diz respeito ao procedimento (que será de tipo concursal).
Portanto, Direito Público e Direito Privado misturam-se.

Pessoas coletivas públicas sujeitas ao regime de Direito Privado

Existem pessoas coletivas públicas que na sua atividade estão sujeitas ao Direito
Privado, das quais fazem parte 2 antigas subespécies de institutos públicos que
ganharam autonomia:
1. Antigos institutos públicos empresariais, hoje designados por entidades
públicas empresariais (exemplo: Hospitais). São pessoas coletivas públicas regidas
pelo Direito Público na sua organização e funcionamento mas que na sua
atividade estão sujeitas ao Direito Privado;

2. Fundações públicas de Direito Privado (exemplo: Fundação Universidade do Porto.).


São pessoas coletivas públicas regulados pelo Direito Administrativo na sua
organização e funcionamento mas que estão sujeitas ao Direito Privado na sua
atividade.
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Para além destas, existem pessoas coletivas que sendo desdobramentos das
pessoas coletivas públicas tradicionais, estão totalmente submetidas ao Direito
Privado porque têm natureza jurídico-organizativa privada, como é o caso das
sociedades comerciais, sociedades anónimas, sociedades por quotas, cooperativas.
Nestas, as entidades públicas detém 100% do capital/quotas ou, pelo menos, a maioria
ou então as regras que regem essas entidades atribuem uma influência dominante às
entidades públicas (dominam a sociedade mas podem não ter a maioria das quotas) –
designa-se AP em forma privada. A relação com o Direito Privado é relevante porque
aplica-se Direito Privado às suas atividades.
Atualmente, já não existem fundações públicas com natureza jurídico-organizativa
privada. A Lei-Quadro das Fundações Públicas associa à influência dominante pública
a natureza jurídico-organizativa pública da fundação (movimento de regresso ao
Direito Público). Por outras palavras, o CCP situa no universo administrativo tradicional
das pessoas públicas, as fundações públicas. A Lei-Quadro das Fundações e o CCP, no
que respeita às fundações públicas remetem estas fundações para a organização
administrativa mesmo no que respeita à sua atividade (de Direito Privado) há um
predomínio de regimes de DA – o DA e o Direito Privado têm igual peso na sua
atividade.
Mesmo na AP tradicional uma espécie de institutos públicos hoje autonomizados na
categoria de entes públicos são autoridades administrativas sujeitas a um regime
misto na sua atividade.
As associações públicas (de entidades privadas, coo as ordens profissionais)
também na sua atividade, apesar de pertencerem à AP tradicional tem partes da sua
atividade que pertencem ao Direito Privado (exemplo: Contratos de trabalho).
Vivemos numa época de assimetrias quando se tenta distinguir entre a aplicação de
Direito Público ou Direito Privado.
As entidades da AP de Direito Privado (sociedades comerciais, associações,
entidades públicas empresariais) que à luz do DUE e do CCP são qualificadas como
organismos de Direito Público, já podem escolher entre Direito Público e Direito
Privado relativamente aos contratos e ao regime substantivo dos contratos a celebrar.
Atendendo à especificidade da sua atividade, há razões que levam a uma maior
flexibilidade na sua atuação, pelo que podem escolher não quanto ao regime
procedimental mas sim o tipo de contrato no regime substantivo (exemplo: Escolha entre
um contrato de empreitada de obras públicas ou de empreitada privada; entre um contrato de
aquisição administrativo de aquisição de imoveis ou um contrato privado de aquisição de imóveis).
Estas entidades designadas organismos de Direito Público (artigo 2º, nº2 do CPP) têm
escolha quanto à figura substantiva entre contrato administrativo ou contrato de
Direito Privado (quando o objeto é passível de ser regulado por Direito Privado).
Quanto às situações em que AP é remetida para o Direito Privado, o Direito Público
e o Direito Privado misturam-se, pelo que o Direito Público está sempre presente.

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Em primeiro lugar, mesmo que não seja aplicável um regime de DA quanto ao


procedimento de formação do contrato, por força do sistema de organização
administrativa, antes da celebração de cada contrato de Direito Privado há uma
decisão prévia administrativa (exemplo: Autorização no âmbito de Direito Financeiro público;
Deliberação prévia do órgão competente.).
Na formação e vida do contrato, por força do artigo 2º, nº2 do CPA, as pessoas
coletivas públicas de Direito Público estão obrigadas a seguir os princípios gerais da
atividade administrativa, mesmo quando a pessoa coletiva pública de Direito Público
atua sob formas privadas.
O CPA refere que na atividade de gestão privada as pessoas coletivas públicas têm
de respeitar os princípios gerais e as normas que concretizam direitos fundamenais
dos administrados (respeito pelos princípios da audiência, fundamentação, regras de
notificação) – Direito Administrativo privado. Na AP tradicional nunca há Direito
Privado puro, mas sim um Direito Privado misto (Direito Privado + DA). Os tribunais
comuns são os competentes para apreciar os litígios.
Para que não existam casos de conflitos positivos na resolução dos litígios, a lei do
contencioso tende a atribuir a competência aos Tribunais Administrativos para
conhecer de litígios de contratos de Direito Privado, para que procedam à resolução
de questões que se suscitem na vida de um contrato de Direito Privado, pelo que o juiz
administrativo julga o conflito emergente do contrato aplicando essencialmente
Direito Privado. O mesmo acontece com a responsabilidade civil extracontratual da
Administração, visto que mesmo que esta decorra de atos de gestão privada da
Administração existe uma tendência para a jurisdição de toda a Administração estar
atribuída aos tribunais administrativos, apesar de o regime substantivo poder ser o da
responsabilidade civil do Código Civil.
Assim, conclui-se que este é um campo de permanente interseção entre o Direito
Público e o Direito Privado.

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PARTE II – DIREITO DA ORGANIZAÇÃO


ADMINISTRATIVA

I – NOÇÕES GERAIS E SISTEMA ORGANIZATIVO

Capítulo I: A organização administrativa – noções e


princípios gerais

1. Noção de organização administrativa

A organização administrativa é o modo como se estrutura em concreto, nos termos


da CRP e da lei, à AP em determinada época.
A AP é o conjunto de entidades, órgãos e serviços do Estado a quem cabe o
desempenho da função administrativa.
Fora da organização administrativa ficam o PR e respetivos serviços (Casa Civil e
Casa Militar), a AR e seus funcionários assim como os tribunais (incluindo os
administrativos). (NOTA: No conceito subjetivo-organizativo de tribunais incluem-se os juízes e
funcionários judiciais, que são funcionários administrativos do Estados.).
Estes órgãos de soberania e respetivos serviços não integram a função
administrativa do Estado, desempenham outras funções, integrando-se noutros
poderes do Estado: o PR desempenha exclusivamente a função política; a AR a função
legislativa e os tribunais a função judicial.
A AP não é uma organização mas sim um conjunto de organizações, um sistema
organizativo plural. Segundo Vital Moreira é “um sistema de entidades, órgãos, serviços e
agentes do Estado bem como das demais pessoas coletivas públicas que asseguram a título
principal e em nome da coletividade a satisfação regular e contínua dos interesses públicos.”.

2. Os princípios gerais da organização administrativa e o


sistema organizativo neles fundado

Entrada no tema: noção de organização administrativa

A organização administrativa da AP funda-se nos seguintes princípios


constitucionais: princípio da descentralização, princípio da desconcentração, princípio
da participação (dos interessados), princípio da subsidiariedade, princípio da unidade
da Administração e o princípio da imparcialidade (é simultaneamente princípio da
atividade e da organização administrativa).
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Os princípios da descentralização, desconcentração, participação (dos interessados)


e subsidiariedade são desdobramentos do princípio da aproximação dos serviços
públicos aos interessados (previsto na parte da organização administrativa da CRP).
Com estes, o constituinte pretendia contrariar normativamente a tendência de o
poder se centralizar e concentrar nos órgãos centrais do Estado.

O princípio da descentralização

O conceito de descentralização:
O princípio da descentralização (artigo 6º, nº1 + artigo 267º, nº2 + artigo 235º e
seguintes da CRP) traduz-se numa imposição aos poderes constituídos de transferirem
poderes administrativos (atribuições e competências) do centro para a periferia, com a
especificidade de essa transferência se operar a favor de pessoas coletivas públicas
distintas do Estado.
A descentralização administrativa apresenta 2 vertentes:
1. Vertente estática: esgota-se com a criação por lei de novas pessoas coletivas
públicas com atribuições e competências herdadas do estado. Com a entrada em
vigor da CRP de 1976 esta vertente esgotou-se com a consagração da autonomia
local, através da qual todas as freguesias e municípios adquiriram autonomia de
que não dispunham na anterior ordem constitucional, o que se concretizou
através da 1ª lei das autarquias locais de 1977;

2. Vertente dinâmica: é a mais importante e traduz-se num inacabado processo de


transferência de novas atribuições e competências do Estado-administração para
os entes públicos menores (autarquias). O sistema descentralizado implica a
transferência de poderes decisórios para outros entes diferentes do Estado, que
assumem a prossecução de interesses públicos que presidem aos poderes
transferidos (artigo 235º e seguintes da CRP), opondo-se ao sistema centralizado
no qual todos os interesses são prosseguidos apenas pelo Estado.

Descentralização em sentido estrito (descentralização territorial) e descentralização


técnica ou funcional ou devolução de poderes:
As vantagens da descentralização em sentido estrito (territorial) são a garantia das
liberdades locais, para além das liberdades individuais típicas do Estado do Direito
(NOTA: A autonomia local não é um direito fundamental coletivo, é apenas uma garantia constitucional.
Quando se fala em liberdades locais fazemo-lo no sentido político e não técnico-jurídico porque os
diretos fundamentais só se aplicam aos indivíduos.).

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No âmbito regional (regiões administrativas) e local, a descentralização manifesta-


se intensificação da participação política dos cidadãos através de uma reprodução ao
nível territorial dos quadros e institutos da democracia representativa que moldam o
Estado ao nível nacional.
Relativamente às desvantagens destacam-se o esbatimento da unidade do Estado e
a descoordenação no exercício da função administrativa.
Todas as vantagens não se podem comparar com o problema da hipertrofia do
Estado (mal maior).
A descentralização pode ainda distinguir-se em:
 Descentralização em sentido próprio ou estrito – diz respeito à descentralização
territorial;
 Descentralização técnica, funcional ou por serviços (devolução de poderes) – a
devolução de poderes implica a criação de pessoas coletivas públicas de fins
singulares ou específicos (NOTA: As autarquias locais e as Regiões Autónomas são pessoas
coletivas de fins múltiplos.), em oposição às pessoas coletivas públicas de fins
singulares.

Às novas pessoas coletivas públicas de fins específicos dão-se atribuições e


competências que eram assumidas diretamente pelo Estado. Estas atribuições são
associadas a interesses públicos estaduais (regionais ou locais), imputáveis a toda a
comunidade nacional/regional/local. Logo, as atribuições ditas próprias das pessoas
coletivas públicas criadas neste processo pertencem originalmente ao Estado.

A devolução de poderes:
No fenómeno da devolução de poderes estamos perante um ente público primário
(pessoa coletiva pública territorial) que entrega a outra entidade também pública
determinadas atribuições que pertencem de raiz ao ente matriz (Estado, região ou
município). O objetivo é que a 2ª pessoa coletiva (de fins específicos) prossiga as
atribuições enquanto mero instrumento da 1ª, ou seja, é uma forma de Administração
indireta do Estado.
Tudo acontece formalmente como aquelas atribuições pertencessem
completamente à entidade que recebe as atribuições. Estes entes de fins específicos
gozam de autonomia administrativa (atos administrativos que não admitem recurso),
financeira (gere autonomamente os seus próprios orçamentos) e patrimonial (bens
próprios).
Este processo é diferente da verdadeira descentralização (de âmbito territorial), na
qual existe a transferência para as autarquias locais (a título de interesses próprios da
respetiva comunidade) de novas atribuições e competências, que passam a ser
próprias dessas comunidades.

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Por outro lado, a criação de institutos públicos, fundações públicas, entidades


empresariais, associações públicas de entidades privadas (exemplo: ordens profissionais)
são entidades de fins específicos e um mero expediente utilizado pelo legislador e que
a doutrina designa por “devolução de poderes” – modelo alternativo de organização
da AP em relação ao modelo de integração de poderes.
As novas pessoas coletivas públicas passam a ter a seu cargo um específico
conjunto de interesses públicos restritos, libertando o Estado do desempenho das
tarefas correspondentes.

O princípio da desconcentração

O conceito de desconcentração; desconcentração originária e derivada:


O princípio da desconcentração está previsto no artigo 267º, nº2 da CRP: “ (…) a lei
estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração
administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação da
Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos
competentes.”) – traduz-se numa imposição aos poderes constituídos transferirem
competências do centro para a periferia.
Em relação ao princípio da descentralização, apresenta a especificidade de a
transferência se fazer, em regra, dentro da mesma pessoa coletiva pública,
designadamente do Estado. Por outras palavras, é uma transferência entre órgãos do
mesmo ente público.
Normalmente, transferência apenas competências e não atribuições. Este sistema
alternativo ao sistema de concentração de poderes relaciona-se com a organização
vertical da estrutura administrativa e, mais concretamente, com o modo como se
distribui o poder decisório nessa estrutura.
No sistema concentrado existe uma tendência para o poder se concentrar nos
órgãos mais próximos do topo da hierarquia. No sistema desconcentrado o poder
decisório vai-se repartindo pelos vários órgãos da cadeia hierárquica. Os poderes
decisórios também são atribuídos a órgãos intermédios.
Como vantagens da desconcentração assinalam-se a maior eficiência, rapidez e
qualidade das decisões tomadas pelas instâncias subalternas, visto que estão mais
próximas dos assuntos a ser decididos. Quanto ao inconveniente aponta-se uma
menor preparação dos órgãos subalternos.
A desconcentração distingue-se em 2 modalidades:
1. Originária/legal – levada a cabo pelo legislador, pelo que é a lei que distribui as
competências (exemplo: No âmbito do Ministério do Ambiente, ordenamento do território e
desenvolvimento regional, as competências atribuídas às Comissões de Coordenação e
Desenvolvimento Regional; Nos outros Ministérios, as competências atribuídas às Direções
Regionais – é uma desconcentração territorial, do centro para a periferia);

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2. Derivada/voluntária – a lei atribui o poder de raiz a um órgão mas concede-lhe a


capacidade de delegar parte dos seus poderes a outro órgão também designado
pela lei. Por isso, surge o instituto da delegação de poderes, regulado do artigo
44º ao artigo 50º do CPA.

A desconcentração originária:

a) Noções gerais
Normalmente, na desconcentração originária transferem-se apenas competências e
não atribuições, entre órgãos da mesma pessoa coletiva e não de distintos sujeitos
públicos.

b) Os casos de desconcentração intersubjetiva


Contudo, pode acontecer um fenómeno de desconcentração originária
intersubjetiva, ou seja, entre órgãos de pessoas coletivas distintas e, por sua vez, esta
pode apresentar duas modalidades: a desconcentração originária intersubjetiva sem
transferência de atribuições (mas apenas de competências) e a desconcentração
personalizada (ou desconcentração originária intersubjetiva com transferência de
atribuições).

c) Desconcentração originária intersubjetiva sem transferência de atribuições


Nesta modalidade, a lei pode estabelecer este mecanismo sem que implique
qualquer transformação nas atribuições das pessoas coletivas públicas envolvidas.
Não se trata de um fenómeno de descentralização funcional ou devolução de
poderes através de uma transferência formal de atribuições de um ente territorial (ou
primário) para um ente secundário, de fins singulares.
O legislador não intervém nas atribuições, que se mantém na titularidade do ente
público supraordenado (primário). Procede sim a uma repartição de competências
instrumentais dessas atribuições entre os órgãos de pessoas coletivas distintas.
O órgão desconcentrado a quem é atribuída uma competência ligada às atribuições
da pessoa coletiva pública supraordenada, passa a assumir um duplo caráter. Por um
lado, continua a estar integrado na pessoa coletiva a que pertence e, por outro lado,
no que respeita à competência nele desconcentrada, transforma-se num órgão
indireto (secundário) do ente público primário (que é o titular da atribuição de
determinada competência).
Consequentemente, os atos praticados no exercício da competência
desconcentrada são imputados juridicamente à pessoa coletiva supraordenada, que
responde civilmente pelos prejuízos causados por um ato ilegal, praticado pelo órgão
desconcentrado. Esses atos não podem ser revogados por outro órgão da pessoa
coletiva de fins singulares.

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É comum acontecer no que respeita a relações jurídicas de emprego público. Certos


institutos públicos, quando abrem concursos para admissão de pessoal ou para a
promoção, o órgão diretivo funciona como órgão desconcentrado, existindo um
recurso hierárquico das suas decisões. Quanto a às atribuições em matéria de
emprego público, estes institutos públicos funcionam como um órgão desconcentrado
do próprio Estado.

d) Desconcentração originária intersubjetiva com transferência de atribuições ou


desconcentração personalizada
Quanto à desconcentração personalizada, existe tanto uma transferência de
competências como de atribuições.
Alguma doutrina, entre os quais Vital Moreira, adota este conceito como
alternativa à figura da devolução de poderes (desconcentração técnica/funcional ou
de serviços).
Utiliza o conceito de desconcentração personalizada para afirmar a dupla ficção
jurídica que se traduz na figura do instituto público.
É uma dupla ficção jurídica porque a personalidade coletiva já é uma ficção jurídica
e a ela se junta a ficção de uma pessoa coletiva de tipo fundacional.
Para esta corrente doutrinária, trata-se de um fenómeno de desconcentração com
uma ténue vertente de personalidade jurídica – sublinha-se o caráter artificial dos
institutos públicos.
Esta orientação não é para seguir porque a devolução de poderes engloba
realidades diversas e que, no entendimento do Professor Pacheco Amorim, é simplista
reduzi-la a um fenómeno de desconcentração personalizada (exemplo: Laboratórios do Estados
– instituições cientificas com a forma de instituto público e cuja autonomia tem uma especial razão de ser;
Fundações Públicas de Direito Público com alto padrão de tecnicidade; Institutos Públicos como o Instituto Nacional
de Estatística, que não sendo autoridades administrativas independentes têm um papel importante e uma grande
complexidade.).
No que toca à atribuição de competências e tecnicidade, a autonomia
administrativa e financeira destas entidades não diz respeito apenas a uma simples
técnica de maior agilização dos serviços autonomia. Há uma parte da AP que reclama
autonomia. Trata-se de uma realidade intermédia de agregação de técnicos a quem se
confia, ao nível administrativo, objetivos que são mais do que uma repartição de
competências.
Ainda assim, existem casos pontuais de institutos públicos de tal forma artificiais
aos quais faz sentido aplicar a realidade defendida pelo Prof. Vital Moreira, realidade
esta estendida a todos os institutos e Administração indireta do Estado.
Apenas a estes casos pontuais faz sentido falar de desconcentração personalizada
(exemplo: Ministério da Saúde – não tem Direções Regionais, mas sim Institutos Públicos Regionais chamados ARS,
isto é, Associações Regionais de Saúde. Estas têm uma autoridade central, dependente do Ministro. Assim, o
Ministério da Saúde está desmembrado nas várias delegações regionais e nas suas instancias centrais desmembra-
se em institutos públicos, com uma autonomia formal, na medida em que o Ministro exerce o poder de comando
sobre esta estrutura. Ainda assim, as ARS têm personalidade jurídica própria, apesar de esta ser artificial.).

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A desconcentração derivada:

a) A delegação de poderes (artigo 44º ao artigo 50.º do CPA) + b) O ato de delegação


de poderes
A desconcentração derivada decorre de um ato administrativo de delegação de
poderes, previsto entre o artigo 44º e o artigo 50º do CPA.
Existem 2 possibilidades de delegação de poderes:
1. Delegação de poderes intrasubjetiva – opera-se dentro da mesma pessoa
coletiva, pelo que é a mais comum
2. Delegação de poderes intersubjetiva – está consagrada no artigo 44º do CPA:
“Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada
matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um
ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou
outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma
matéria.”. Assim, não se transferem apenas poderes mas também há uma
partilha de atribuições, pelo que o delegado ao exercer os poderes delegados
partilha das atribuições de que é titular a pessoa coletiva a que pertence o órgão
delegante, atribuições nas quais se inserem as competências delegadas. O órgão
delegado também prossegue as atribuições do órgão delegante, com o limite
territorial fixado pela pessoa coletiva a que pertence o órgão delegado (exemplo:
Se se tratar de um município, as atribuições restringem-se apenas ao território do município.)

c) Pressupostos da delegação
Para a prática do ato de delegação de poderes, através do qual o órgão
administrativo competente para decidir numa dada matéria, permite através da lei
que outro órgão passe a exercer poderes de decisão nessa matéria.
O órgão delegante é aquele que permite ao outro exercer parte da sua
competência, ao passo que o órgão delegado é aquele que vai passar a poder exercer a
competência cujo exercício lhe foi transferido. Já os poderes transferidos são os
poderes delegados.
Para que haja validamente uma delegação de poderes/competências é preciso que
esta seja permitida por lei – lei de habilitação.
A lei de habilitação tem de identificar o órgão delegante, determinar os poderes
delegáveis e identificar os órgãos que vão beneficiar da delegação, ou seja, os órgãos
delegados.
Depois, terá de existir a prática de um ato administrativo de delegação, onde terá
de conter uma descrição rigorosa e detalhada dos poderes delegados. A lei requer
ainda que o ato seja publicado, caso contrário não será eficaz.
Sempre que o delegado pratique atos ao abrigo da delegação está obrigado a
mencionar a sua qualidade de órgão delegado (terá de dizer que a competência
pertence ao Estado).

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d) Regime da delegação
A relação hierárquica entre delegante e delegado é de supra e infra ordenação.
Quanto à competência delegada, existindo uma relação hierárquica entre
delegante e delegado, a relação de hierarquia dica suspensa e é substituída por uma
outra relação de supra e infra ordenação mas que já não é hierárquica. Na relação
delegatória (pode substituir a relação hierárquica) afasta o poder típico do superior
hierárquico (poder de direção/decisão) porque com a delegação, no âmbito dessa
matéria, existe uma transferência de responsabilidade do delegante para o delegado,
que vai passar a exercer competência.
No entanto, mantém-se na esfera do delegante os poderes de supervisão
adequados ao controlo sucessivo dos atos praticados ao abrigo da delegação (o
delegante pode revogar/suspender os atos do delegado, oficiosamente ou a pedido do
destinatário do ato).
Em 2º lugar, existe um poder reforçado de superintendência. O delegante pode
emitir diretivas e instruções genéricas sobre o modo como o delegado terá de exercer
a competência.
Para além disto, através de um ato designado “avocação”, o delegante pode avocar
(chamar a si) o exercício da competência do delegado relativamente a casos
específicos, pelo que fica responsável por decidir sobre o assunto em concreto.
Por último, o delegante pode livremente e a todo o momento revogar o ato de
delegação porque a lei configura a delegação de poderes como um ato que pressupõe
uma confiança pessoal do delegante no delegado. Se esta desaparecer ou for posta em
causa, o delegante terá liberdade para revogar a delegação. Esta situação poder-se-á
comprovar nas situações de mudança de titular de um órgão delegado pois a
delegação caduca. Isto não significa que o novo titular não seja merecedor da
confiança do anterior titular do órgão mas é necessário que o delegante renove o ato
de delegação.
Esta modalidade de desconcentração (voluntária ou delegada) é muito cautelosa
pois o titular da competência, apesar de a poder delegar tem liberdade de fazer cessar
a competência do delegado se ela não corresponder àquilo que pretendia.

e) Natureza da delegação
Consequência do princípio da legalidade administrativa, pelo princípio da
irrenunciabilidade das competências (artigo 36º do CPA) o delegante continua a ser o
titular da competência.
Neste caso, limita-se apenas a transferir o seu exercício, que passa a ser um
exclusivo do delegado.
Apesar de o delegante ser o único titular da competência, enquanto a delegação
existir, o delegante não pode exercer a competência ao mesmo tempo que ela está a
ser exercida pelo delegado. Caso pretenda recuperar a competência para a poder
exercer, terá de revogar a delegação.

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A delegação é uma mera transferência do exercício da competência e não da


titularidade porque o delegante mantém poderes de controlo, superintendência e
avocação que só podem ser explicados pelo facto de o delegante se manter titular da
competência.

O princípio da participação (dos interessados)

Entrada no tema. Participação individual e coletiva:


Na organização e atividade administrativa, o princípio da participação (dos
interessados) complementa o princípio da democracia representativa.
No fundo, trata-se de um instrumento de democracia direta pois tem-se assistido a
uma fragilização do princípio da democracia representativa, na medida em que entre o
eleitor que vota periodicamente e aqueles que são eleitos se cria um notório
distanciamento. Entre os eleitos (nomeadamente Deputados à AR e membros do
Governo) e os eleitores existe uma grande máquina administrativa que dilui esta
representatividade, o que aumenta o fosso entre governantes e governados.
A democracia direta é uma forma de os administrados participarem diretamente na
vida política, de se associarem ao exercício do poder e obterem uma participação no
exercício da atividade administrativa e legislativa.
Como instrumentos de democracia direta existe o referendo (os representantes
tomam uma decisão de extrema importância mediante a consulta direta aos
administrados, seja a nível local ou nacional), o princípio da participação dos
interessados (associa os administrados ao exercício do poder proporcionando-lhes a
eleição dos seus representantes, que defendem os interesses dos particulares).

A essência do fenómeno da participação de privados na gestão dos negócios


públicos:
Por outro lado, o privado também participa a título consultivo na atividade
administrativa através da audiência dos participados – principal instrumento do
procedimento administrativo, consagrado nos artigos 121º e seguintes do CPA.
Sempre que a Administração tome uma decisão que prejudica o particular, o órgão
irá delinear um projeto de decisão. Caso seja total ou parcialmente desfavorável ao
seu destinatário, o órgão terá de o comunicar ao seu destinatário para que ele se
pronuncie, seja no domínio do mérito, da oportunidade ou da conveniência.
Se a competência for vinculada, pode estar em causa um problema de
interpretação, o que leva o particular a argumentar que a interpretação adotada é
incorreta ou que a decisão é incorreta/ilegal por existir um erro factual – domínio
vinculado da interpretação e integração da lei.

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Este princípio é uma forma de se associar o particular à atividade administrativa,


sendo relevante o domínio em que o particular é o autor de decisões administrativas,
associando-se ao exercício do poder.
Por regra, a representação dos particulares nos órgãos públicos será sempre
minoritária, caso contrário seria uma subversão do interesse público.
Participar não é exercer o poder, é apenas tomar parte no seu exercício. É certo
que há um fenómeno no exercício do poder mas na medida de um tomar parte.
CONCLUINDO: Quem participa no exercício do poder, ao abrigo do princípio da
participação, não é parte, não faz parte, apenas toma parte. O participante é um
estranho relativamente aos outros membros do órgão, é um terceiro em relação ao
órgão público.

A participação coletiva na gestão da Administração através da representação de


interesses setoriais:
A atual CRP desvalorizou e eliminou todos os vestígios de corporativismo, existindo
uma total rutura com a ordem constitucional anterior. O sistema corporativo
confundia os interesses setoriais com o interesse público/geral, ou seja, o interesse
geral era considerado a soma dos interesses setoriais, o que demonstrava uma
desvalorização da democracia representativa e uma valorização da democracia
orgânica.
No sistema anterior era normal o poder se legitimar pela soma de representações
setoriais. Todavia, após eliminação do princípio corporativista, criou-se o princípio da
participação dos interessados, seu sucedâneo (assume outro significado nas
constituições modernas).
Na nossa ordem jurídica, existem previsões específicas deste princípio em legislação
ordinária, nomeadamente em instâncias da Administração.
O princípio da participação está representado em estabelecimentos públicos de
ensino, serviços ou estabelecimentos públicos de segurança social bem como nos de
saúde.

As associações públicas de entidades privadas como típica modalidade de


participação dos interessados da gestão dos negócios públicos; distinção entre esta e
as demais figuras de participação por associação ao exercício do poder e a
descentralização (territorial):
Como modalidade de participação dos interessados na gestão dos negócios
públicos, importa ainda considerar o fenómeno das associações públicas de entidades
privadas.
Em Portugal existem apenas 2 categorias:

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1. Associações públicas dos beneficiários dos sistemas de rega (associações


públicas de regantes) – têm um caráter económico e agregam os agricultores
que beneficiam dos sistemas públicos de rega, implementados a partir de
barragens (exemplo: Barragem do Alqueva);

2. Ordens profissionais (ou associações públicas profissionais) – traduzem a ideia


de participação dos interessados em assuntos público-estaduais.
São tarefas que o ordenamento jurídico atribui, em primeiro lugar, ao Estado-
Administração mas que, num segundo momento, o legislador delega numa
organização que representa os interessados, através do mecanismo de devolução
de poderes (dá origem aos institutos públicos, às fundações públicas e às entidades
públicas empresariais).
Estas ordens são constituídas por entidades privadas que, em conjunto, se
transformam numa associação pública. São mecanismos de democracia
participativa, correspondendo à implementação do princípio da participação e não
da desconcentração, como prevê o artigo 267º, nº1 da CRP: “A Administração
Pública será estruturada de modo a (…) assegurar a participação dos interessados
na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas,
organizações de moradores e outras formas de representação democrática.”.

Não se deve confundir a participação administrativa com a descentralização


administrativa, que é apenas territorial (Regiões Autónomas, regiões administrativas,
municípios, freguesias).
No século XIX, a Administração autárquica eram semiprivadas, ou seja, as
autarquias locais eram consideradas instituições da sociedade civil e não do Estado.
Ao longo do século XX desapareceram esses traços corporativistas e privados das
autarquias locais do século XIX, que as assemelhavam ao sistema anglo-saxónico.
As autarquias evoluíram para verdadeiras instituições públicas, passando a existir a
ideia de “público”, que deixou de ser meramente nacional. Assim, surgiram 3
interesses públicos distintos: o nacional, o regional e o local. Tanto o interesse público
regional como o local deixaram de ser interesses particulares, como anteriormente.
Assistiu-se a um novo fenómeno de separação de poderes, no sentido vertical. O
poder público foi fracionado em 3 níveis: o poder estadual, o poder regional e o poder
local.
Por isso, não faz sentido falar em autarquias locais como um fenómeno de
participação de privados em assuntos públicos (entendidos, por definição, como
estaduais).
As associações públicas apresentam a particularidade de a totalidade dos membros
seus órgãos ser eleita por uma coletividade particular, com interesses
socioprofissionais.

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Dá-se uma modificação na lógica destas instituições. Uma vez que todos os
membros dos órgãos das associações públicas são eleitos por privados, quando
assumem os seus cargos, os titulares dos membros dos órgãos das associações
públicas ficam impedidos de prosseguir os interesses socioprofissionais da
comunidade que os elegeu, isto é, ficam apenas ligados à prossecução do interesse
público da profissão. Esta é a única forma de compatibilizar com o Estado de Direito a
figura da associação pública, em que a totalidade dos membros dos órgãos são
escolhidos por particulares.
Apesar de isto parecer contraditório, acredita-se que há uma coincidência entre os
interesses públicos e os interesses privados dos membros da associação profissional
(exemplo: Um médico que infringe as regras da sua profissão, quando é julgado por uma comissão
disciplinar da ordem dos médicos esta fará de tudo para defender o prestígio da profissão.).
Apesar
das possíveis más condutas dos elementos da ordem, há um interesse da coletividade
profissional salvaguardar o prestígio da profissão para que as pessoas em geral
continuam a confiar nela.
Para que as associações públicas desenvolvam a sua atividade essencialmente
regulatória (disciplinar) acredita-se que há uma coincidência entre estes interesses,
que existindo explica a razão da sua existência.
Tendo estas associações públicas uma atividade regulatória que existe em favor dos
utentes, os serviços profissionais acabam por não estar representados, o que se traduz
numa falha. Ainda assim, isto não torna estas entidades inconstitucionais.
A atual lei das associações profissionais prevê a possibilidade de ser órgão da
ordem um Provedor dos Utentes, eleito pelos entes dos serviços profissionais, o que
permitiria um maior equilíbrio.

A associação de entidades privadas (concessionários e outros) ao exercício da função


administrativa, em substituição das entidades públicas concedentes ou delegantes,
como modalidade sui generis de participação dos interessados:
Os concessionários também são um fenómeno da participação dos interessados
em assuntos públicos. Isto acontece sempre que uma entidade privada seja investida
de poderes públicos e associada ao exercício da função administrativa
Esta participação já não está ligada com a correção da democracia representativa
mas sim por razões de eficiência e preenchimento de carências da AP (financiamento
ou conhecimentos técnicos especializados).

O princípio da subsidiariedade

O conceito de subsidiariedade:
O princípio da subsidiariedade está consagrado na Carta Europeia de Autonomia
Local.

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Com a revisão constitucional de 1992 ganhou expressão na CRP, mais precisamente


no artigo 6º, nº1: “O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento
o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das
autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.”.

O princípio da subsidiariedade como diretiva constitucional dirigida ao legislador ou


como critério de repartição de competências entre o Estado e as autarquias locais
imediatamente aplicável no silêncio da lei:
Surge como complemento do princípio da descentralização mas distingue-se dele.
No âmbito do desempenho da função administrativa, as autarquias locais, para
além do direito de assumir a prossecução de interesses públicos locais (urbanismo,
ordenamento do território, abastecimento de água pública e saneamento), gozam de
uma preferência relativamente ao Estado na satisfação dos interesses públicos em
geral, o que significa que o Estado deve atuar a título subsidiário na prossecução de
interesses públicos, assumindo apenas as tarefas que, pelas suas características, deva
desempenhar com ganhos substanciais de eficácia e eficiência.
Ultrapassa-se o critério que preside ao princípio da descentralização, isto é, o
critério da distinção entre interesses locais e interesses nacionais pois já não é a
localização do interesse que se de deve ter em consideração porque esta distinção é
antiga, de um tempo em que não havia facilidade de comunicação (vias de transporte
ou telecomunicações).
Nas últimas décadas assistiu-se a um significativo desenvolvimento nestes domínios
que veio a deduzir o distanciamento geográfico. Ao se reduzir esta distância atenuou-
se a contraposição entre interesses locais e estaduais, o que leva a um aumento da
concorrência entre o poder estadual, o regional e o local, que concorrem para a
satisfação de interesses públicos cada vez mais homogéneos e indiferenciados.
À partida, a satisfação dos interesses públicos deve ser feita pelo poder mais
próximo das populações. Em situações de concorrência, só devem ficar para o Estado
as tarefas que por razões de eficiência e eficácia, por questões de escala, haja ganhos
significativos em ser o poder estadual a assumir a prossecução desses interesses no
território. Caso contrário, a preferência será pela instância regional ou local.
Desde que as matérias correspondam a um dado domínio de atuação, há uma
maior flexibilidade no sentido de as mesmas matérias poderem ser prosseguidas pelas
entidades públicas locais, regionais ou pelo próprio Estado. A escolha do legislador
será influenciada pelos critérios de escala, eficiência e ganhos substanciais, devendo
guiar-se pelo princípio da subsidiariedade.
O princípio da subsidiariedade trata-se de uma inversão de papéis em relação ao
quadro tradicional.

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A inversão de papéis consistiu no seguinte: antes era o Estado que goza da


competência geral e plena para o exercício de tarefas públicas, sendo que o legislador
só ficava obrigado a atribuir às autarquias locais as tarefas essenciais que diretamente
dissessem respeito aos seus interesses próprios, de incidência local.
Hoje, acontece o oposto. Quando se fala em AP e satisfação de interesses públicos
aparecem em primeiro lugar as entidades locais e regionais, ficando o Estado para
último, para um papel subsidiário (para além das tarefas de soberania, o Estado só
deve assumir tarefas administrativas em último lugar).
Discute-se sobre o valor e força jurídica do princípio da subsidiariedade.
Por um lado, questiona-se se será uma mera diretiva ou norma dirigida ao
legislador, sendo necessário que a atuação deste princípio seja concretizada pelo
legislador ou se, por outro lado, funciona como um critério de repartição de
competências entre as autarquias locais e o Estado, na medida em que as entidades
locais ocupam os espaços deixados em branco pelo Estado, através de normas de
caráter organizativo (regulamento independente).
Surge aqui o problema do princípio da legalidade. Às autarquias é reconhecido um
poder regulamentar independente, mais precisamente ao Governo, Regiões
Autónomas e autarquias locais, como prevê o artigo 241º da CRP: “As autarquias
locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e
dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com
poder tutelar.” – reconhecimento do poder regulamentar independente às autarquias
locais.
Os regulamentos independentes (regulamentos autónomos) não se destinam a
executar ou regulamentar uma lei anterior, ocupam-se sim de matéria ainda sem
regulamentação no ordenamento jurídico. É permitido às autarquias ir além da lei,
sendo que o único limite que o artigo prevê é o facto de não poderem ir contra a lei –
primado da lei. Isto acontece porque as autarquias locais reproduzem a democracia
representativa ao nível local através das assembleias (legitimidade democrática
direta).
Para além disso, ainda é preciso ter em conta o artigo 112º, nº7 da CRP: “Os
regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que
definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão” – apoiado num
requisito de forma está aqui uma norma que concretiza o princípio da legalidade, isto
é, que determina que todos os regulamentos têm de ter como pressuposto uma lei
que defina a competência subjetiva.
A competência subjetiva diz respeito ao órgão com competência regulamentar, ou
seja, quem pode emanar o regulamento. A competência objetiva pressupõe que a lei
indique o tema, o assunto, a matéria.
Por outras palavras, não existem verdadeiramente regulamentos independentes,
eles são sempre delegados ou autorizados (precisam de uma prévia autorização legal).

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Nunca o princípio da subsidiariedade pode pôr em causa o princípio da legalidade,


isto é, o assunto, tema, objeto de um regulamento através do qual a autarquia local
pretende ocupar um espaço em branco deixado pelo legislador, nunca pode ser um
espaço totalmente em branco pois tem de existir uma lei de habilitação.
Relativamente ao objeto, assunto ou matéria do regulamento existem 2 níveis a
considerar:
1. Atribuições – tarefas definidas, confiadas pela lei (legislador) a uma determinada
entidade pública.
Ainda assim, existe um nível superior, mais abstrato e amplo, através do qual a
lei pode indicar um certo tema, assunto, objeto que justifique a existência de uma
lei de habilitação, pelo que surge o conceito de domínio;

2. Domínio – a cada um dos domínios de atuação reconduzem-se muitas


atribuições. Os domínios de atuação são as grandes áreas da atividade da AP,
que a lei identifica como áreas concorrenciais, em que cujo âmbito pode atuar
tanto o Estado como as autarquias locais.
Estes domínios concorrenciais correspondem basicamente às áreas
governamentais (Ministérios).
A Lei nº 75/2013, de 12 de setembro (Lei das Autarquias Locais) determina que os
domínios concorrenciais são: urbanismo e ordenamento do território; ação social e SS;
agricultura, ambiente, águas, salubridade e saneamento básico; bombeiros e proteção
civil; comércio, serviços e restauração; cultura, tempos livres e desporto; educação;
energia; juventude; património e ciência; saúde; transportes e comunicações, turismo;
vias rodoviárias e estacionamento.
Nestes domínios, as autarquias podem ocupar espaços livres deixados pelo
legislador, através de um regulamento independente porque lhes é dada a
competência subjetiva pela CRP, no artigo 241º), ao passo que a competência
objetiva será definida pela lei das autarquias locais, ao definir os domínios
concorrenciais de atuação.
Fora dos domínios concorrenciais, é necessário em primeiro lugar uma intervenção
do legislador, que deverá definir numa lei prévia as competências subjetivas da
autarquia.
Assim, o artigo 112º, nº7 da CRP funciona como critério de distribuição de
competências e atribuições.

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O princípio da unidade da Administração

O princípio da unidade do Estado-Administração surge no artigo 267º, nº2 da CRP.


O nº1 deste artigo enuncia um princípio muito amplo, o princípio da aproximação dos
serviços às populações, que se desdobra nos princípios da descentralização,
desconcentração, participação e subsidiariedade.
A parte final do artigo 267º, nº2 funciona como ressalva de princípio da unidade da
administração, que é de organização e funcionamento mas também de atividade.
Nesta matéria importa apenas o princípio da unidade da Administração como princípio
da organização administrativa.
Este assegura-se em 2 planos: o da relação de supra-infra ordenação entre sujeitos
públicos e o da relação de articulação entre sujeitos públicos.

Relações de supra-infra ordenação entre sujeitos públicos: hierarquia,


superintendência e tutela (remissão):
Neste tipo de relação, a unidade é garantida através dos poderes e deveres próprios
das relações orgânicas de supra e infra ordenação.
Estas relações de supremacia/sujeição assumem-se como:
 Relação hierárquica – sobre a qual se estrutura o Estado como pessoa coletiva
pública, cuja estruturação se replica nas outras pessoas coletivas públicas. A
relação hierárquica, isto é, os poderes do superior hierárquico sobre os
subalternos asseguram a unidade da Administração dentro do Estado (maior
pessoa coletiva pública);

 Relação de superintendência – relações que se estabelecem entre o Estado e os


entes públicos que formam a Administração Indireta (institutos públicos,
fundações públicas, entidades públicas empresariais, etc.). Estas replicam-se
Regiões Autónomas e nas autarquias locais, ambos pessoas coletivas públicos com
a respetiva Administração Indireta;

 Relação de tutela – a tutela exprime-se em poderes de controlo e são relações


que se estabelecem entre o Estado e todos os outros entes públicos menores, com
diferentes intensidades (os poderes de tutela sobre o Governo são mais intensos
do que sobre os da Administração Indireta). São parcos os poderes de tutela do
Estado sobre as autarquias locais, como está previsto no artigo 199º, alínea d) da
CRP: “Compete ao Governo (…) dirigir os serviços e a atividade da administração direta do
Estado, civil e militar, superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre
esta e sobre a administração autónoma.”.

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Relações de articulação entre sujeitos públicos – os princípios da cooperação, da


colaboração e da coordenação:
Neste plano, a unidade é assegurada segundo relações de articulação entre
sujeitos públicos, relações equiordenadas em que os sujeitos públicos aparecem num
plano equiparado.
Assim, surgem os seguintes princípios, que correspondem a 3 modelos de
articulação do exercício do poder político (os sujeitos surgem num plano de
igualdade/paridade):
1. Princípio da coordenação – pretende-se assegurar que duas ou mais entidades,
em domínios de intervenção concorrentes, exercem as suas competências
isoladamente mas devidamente articuladas.
A coordenação implica um papel de relevo de um dos sujeitos de entre a
pluralidade dos sujeitos que se vão articular entre si no exercício das competências,
pois a ele lhe caberá o papel de coordenação.
Estas relações dão-se pela via procedimental, através de procedimentos
complexos que preveem e regulam a intervenção de diversas entidades
competentes na mesma matéria (um só procedimento administrativo complexo) ou
então através de dois ou mais procedimentos que decorrem paralela e
articuladamente.
Os procedimentos no âmbito do controlo das alterações urbanísticas são o caso
paradigmático de coordenação formal do exercício de competências estaduais e
municipais, em que o poder de coordenador está entregue ou à autarquia local ou
às comissões de coordenação do desenvolvimento regional.
No artigo 13º e artigo 13º-A do REJUE (Regime Jurídico da Urbanização e da
Edificação), prevê-se, no procedimento de controlo urbanístico a cargo dos
municípios, uma intervenção articulada das entidades da administração estadual
relativamente à localização da obra a construir (exemplo: Empreendimentos turísticos).
Esta intervenção processa-se através de uma pronúncia vinculativa que condiciona
a decisão final, que cabe ao município mas que é condicionada pela pronúncia
vinculativa estadual (não é uma relação de tutela).
Quanto ao regime geral de coordenação procedimental, o artigo 77º e seguintes
do CPA regulam a figura da conferência procedimental (de alcance geral).

2. Princípio da colaboração – assenta no modelo de colaboração dos poderes


públicos.
Diz respeito ao auxílio administrativo de uma entidade pública a outra entidade
pública, na medida em que a entidade auxiliada necessita de ajuda para exercer
eficaz e eficientemente a sua função.
Há um papel proeminente da entidade auxiliada porque será ela que orientará a
entidade auxiliar ao encontro dos aspetos carentes de auxílio. Esta figura está
regulada no artigo 66º do CPA.

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Tratando-se de um princípio político existe a obrigação por parte de qualquer


entidade pública auxiliar qualquer outra que necessite desse auxílio, no âmbito de
uma relação equiordenada.

3. Princípio da cooperação – há uma total equiparação, pelo que não existe um


papel mais relevante de um dos entes públicos.
Nestas situações, duas ou mais entidades exercem os seus poderes em conjunto
ou de forma concertada, com um objetivo comum (exemplo: Dois ou mais municípios
organizarem e gerirem em conjunto um serviço local.).
Esta cooperação pode realizar-se entre autarquias pu entre o Estado e
autarquias locais (o Estado faz valer a sua supremacia, está em pé de igualdade com
as autarquias em causa).
Este modelo traduz-se num encontro de vontades formadas em total autonomia,
sem condicionantes, sendo totalmente voluntário.
Existem várias formas jurídicas de cooperação, tais como: a criação e
participação em entidades instrumentais comuns (exemplo: Associações de municípios;
Empresas intermunicipais. Ambas são parcerias institucionalizadas.); celebração de acordos de
cooperação (parcerias não institucionalizadas que assentam em relações
contratuais baseadas na igualdade dos sujeitos); aprovação de instrumentos
normativos, comuns no que respeita às autarquias locais (exemplo: Planos de
ordenamento de território, em que dois ou mais municípios se associam para fazer um plano
comum.).

Através destes três princípios ou modelos (de menor vinculatividade e coercividade)


assegura-se o princípio da unidade da Administração.

O princípio da imparcialidade como princípio também de organização


administrativa

Entrada no tema:
Este é um princípio tanto de atividade como de organização administrativa.
Como princípio da organização administrativa traduz-se na exigência de organização
e procedimento administrativos serem justos e imparciais.

O caso em partícula das associações públicas:


Tem especial relevo nos casos em que a gestão de negócios públicos é atribuída a
entidades orgânicas, cujos titulares sejam representantes envolvidos nesses assuntos,
ou seja, representantes dos titulares de interesses diretamente envolvidos nesses
assuntos.

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Nestes casos, corre-se o risco de a atuação administrativa se desviar relativamente


à orientação definida pelos órgãos investidos do poder decisório máximo, segundo os
princípios democráticos do nosso sistema político, em virtude do peso excessivo ou
homogeneização dos interesses particulares representados, traduzindo-se este poder
numa privatização do serviço público em benefício de uma categoria limitada de
cidadãos. Assim, o princípio da imparcialidade terá um valor reforçado.

O imperativo constitucional da dimensão também organizativa e procedimental do


princípio da imparcialidade – a vinculação não só da Administração, mas também do
legislador:
Este princípio dirige-se ao legislador, pelo que violará a CRP se previr modalidades
de organização e procedimento administrativo parciais, que não assegurem as
garantias de imparcialidade (uma norma legal corre o risco de ser inconstitucional por
violação do princípio).

O reforço das garantias constitucionais de imparcialidade trazido pela doutrina do


“duplo caráter” dos direitos fundamentais:
Quando a violação do princípio se traduza na ofensa de DLG existe uma violação
dos próprios direitos fundamentais porque todos eles têm uma vertente substantiva e
uma vertente instrumental/adjetiva (de organização e procedimento).
Ao não se assegurar garantias de imparcialidade, lesa-se o direito fundamental na
sua vertente adjetiva (NOTA: Este tema é desenvolvido por Gomes Canotilho.).

O acolhimento pelo novo CPA das dimensões organizativa e procedimental do


princípio da imparcialidade:
O CPA 2015 consagra a obrigação da AP assegurar previamente condições de
imparcialidade, em termos de organização e procedimento.
Para além destas regras, em abstrato, tem de se respeitar as condições prévias de
imparcialidade.

Capítulo II: Os elementos da organização administrativa

1. Pessoas coletivas públicas, órgãos e serviços

Pessoas coletivas públicas

Entrada no tema:
A Administração é um sistema constituído por pessoas coletivas (elemento base).

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As pessoas coletivas são figuras abstratas e detentoras de direitos, deveres e


poderes. O conjunto de pessoas coletivas designam-se por AP e são de Direito Público
ou pessoas coletivas públicas.
A AP é constituída pelos seguintes elementos:
1. Estado-Administração (encabeçado pelo Governo);
2. Regiões Autónomas (Governos Regionais);
3. Autarquias locais (municípios, freguesias e, possivelmente, Regiões
Administrativas);
4. Institutos públicos;
5. Fundações públicas;
6. Empresas públicas institucionais/entidades púbicas empresariais;
7. Associações públicas.

Estas pessoas coletivas de Direito Público caracterizam-se por ter uma


personalidade jurídica própria (autonomia jurídica) e como pessoas, tal como as
pessoas individuais, podem atuar por si no tráfego jurídico utilizando a sua capacidade
jurídica, inerente à personalidade jurídica. Isto significa que as pessoas coletivas
públicas podem ser sujeitos de relações jurídicas.
Ao serem coletivas são entidades abstratas e não pessoas físicas e concretas,
construções jurídicas bastante sofisticadas que são instituídas em concreto por um ato
jurídico (humano e voluntário).
O motivo desta ficção jurídica é facilitar o tráfego jurídico quando envolva atuações
humanas conjuntas.
As pessoas coletivas públicas distinguem-se das privadas porque a lei lhes confia
expressamente a prossecução DIRETA OU IMEDIATA do interesse público. Ao fazê-lo,
transforma este interesse num interesse geral/interesse público, sendo ele confiado a
uma ente público.
Por outro lado, normalmente, este mandato do legislador será desempenhado
pelas pessoas coletivas públicas através de atos de autoridade, que resultam do
exercício de poderes que a mesma lei lhes atribui (emanar regulamentos
administrativos, praticar atos administrativos, celebrar contratos administrativos com
os privados – são os 3 atos jurídicos da AP).
As pessoas coletivas públicas são criadas por autoridade, ou por diploma legal ou
por ato administrativo (ao abrigo de uma lei que o preveja).
As pessoas coletivas públicas atuam sob a égide do DA (direito estatutário). São
dotadas de uma capacidade jurídica especial que se traduz no conjunto dos seus
poderes funcionais que integram as respetivas competências.
A competência é um conjunto de poderes funcionais e formam uma capacidade
jurídica especial, de Direito Público. Ainda assim, as pessoas coletivas públicas podem
atuar ao abrigo do Direito Privado.

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Como dispõem de uma capacidade jurídica especial, que normalmente exercem, a


capacidade jurídica geral de Direito Privado fica remetida para um papel secundário.
O modo de atuação da pessoa coletiva pública é o do exercício das suas
competências, mesmo que o tenha de fazer coercivamente.

A natureza privada das pessoas coletivas de utilidade pública e demais pessoas


coletivas de interesse público:
As pessoas coletivas de utilidade pública e as demais pessoas coletivas de interesse
público são formal e substancialmente privadas.
Existe um vasto universo de pessoas coletivas de utilidade pública que não são
apenas as associações ou fundações. Existem igualmente pessoas coletivas de
utilidade pública administrativa (exemplo: Associações de bombeiros), instituições
particulares de solidariedade social, de utilidade pública desportiva, entre outras.
À exceção das pessoas coletivas de utilidade pública desportiva não existe um
estatuto de utilidade pública em geral ou de interesse público. Não há um fenómeno
de exercício privado de funções públicas porque não está confiada a execução direta e
imediata de interesses públicos. Os interesses que estas entidades prosseguem são
interesses de caráter geral e coletivos mas são considerados interesses paralelos aos
interesses públicos prosseguidos pelas outras pessoas coletivas públicas (exemplo: Saúde,
ensino, solidariedade social.).
A lei prevê a possibilidade de a aquisição do estatuto de utilidade pública bem
como privilégios fiscais e outros para estas entidades, configurando-se como entidades
auxiliares da Administração.
O que distingue as pessoas coletivas públicas das demais é o facto de a lei obrigar à
prossecução de uma certa medida, sob a forma de interesses públicos. A lei prevê a
possibilidade do estatuto privado de utilidade pública bem como privilégios para estas
entidades, que são entidades auxiliares da Administração.

Natureza jurídico-organizativa e natureza profunda (pública ou privada) das pessoas


coletivas:
Quando se fala em pessoas coletivas de Direito Público (em contraposição às
pessoas coletivas de Direito Privado) referimo-nos à natureza jurídico-administrativa,
ou seja, à forma como surge uma entidade, que convoca ou a intervenção do Direito
estatutário da AP (se for pessoa pública) ou o Direito Privado.
É preciso considerar que para além da natureza jurídico-administrativa é preciso ter
em conta a natureza profunda de uma determinada pessoa coletiva.
Motivado pela “fuga para o Direito Privado” e respetivo exercício da sua
capacidade jurídica de Direito Privado assistimos a que muitas pessoas coletivas
públicas primárias constituíssem pessoas coletivas privado, sobre as quais o Estado
ordena.

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Em vez de se criarem novas pessoas coletivas públicas instrumentais criam-se sim


pessoas coletivas de natureza jurídico-administrativa privada, às quais atribuem o
objetivo de prosseguirem os interesses públicos, que pertencem às pessoas coletivas
públicas primárias. Estas pessoas coletivas privadas que são desdobramentos das
pessoas coletivas públicas primárias que as criam ao abrigo do Direito Privado,
prosseguem fins lucrativos.
As pessoas coletivas primárias que criam estas entidades consideram que a
característica do interesse público a prosseguir e respetiva atividade a desenvolver não
precisa da aplicação do poder de autoridade, que pode mesmo ser prejudicial à boa
prossecução desses fins, pelo que podem ser melhor alcançado por pessoas coletivas
privadas.
Estas atividades prosseguidas pelas pessoas coletivas privadas são:
 Atividades de cariz económico-empresarial – quem está no mercado a
adquirir/vender bens e serviços, pelo que os negócios se constituem em relações
de segurança e confiança;
 Atividades de cariz social – no âmbito da saúde, ensino, cultura.

Podem ser constituídas parcerias público-privadas, ou seja, que as entidades criadas


pela pessoa coletiva pública tenham sócios, acionistas, associados privados, desde que
estejam em minoria (a sua influência deve ser diminuta).
Neste caso, a entidade ainda será substancialmente pública se nessa posição
maioritária os entes públicos no seu conjunto assegurarem uma influência dominante.
Existe um fenómeno de colaboração em tarefas públicas ainda que numa posição
subordinada.
Deste modo, distingue-se a natureza jurídico-administrativa da natureza profunda.

Critérios de distinção entre pessoas coletivas de Direito Público e pessoas coletivas


de Direito Privado:

a) Noções gerais:
As pessoas coletivas de Direito Privado são por ato jurídico privado, previstos no
CC (Associações e Fundações), Código das Sociedades Comerciais (Sociedades
Comerciais) e Código Cooperativo (Cooperativas).
Retirando o caso especial do reconhecimento ministerial das fundações, regulado
no CC e Lei-Quadro das Fundações, em princípio não há a intervenção de qualquer ato
legislativo ou administrativo. As pessoas coletivas privadas são criadas por negócio
jurídico (ato de Direito Privado).
Quanto às pessoas coletivas públicas, na maioria dos casos, o regime legal geral
qualifica-as como tal ou em cada ato específico de criação são objeto de expressa
qualificação.

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Quando o legislador qualifica uma pessoa coletiva como pública ela será
indiscutivelmente pessoas coletiva pública (isto acontece em quase todos os casos).
Ainda assim, podem existir casos em que a lei cria uma dada pessoa coletiva mas
não a identifica expressamente como tal, não procede a qualquer qualificação.
É nestes casos que será necessário enunciar os critérios que permitem distinguir
entre uma pessoa coletiva pública e pessoa coletiva privada: critério de iniciativa,
critério do fim e critério da capacidade jurídica.

b) Critério da iniciativa:
Se a pessoa coletiva é criada por lei ou ato administrativo será à partida uma pessoa
coletiva de Direito Público.
Não é um critério definitivo porque há pessoas coletivas criadas ou reconhecidas
por lei que são indiscutivelmente privadas (exemplo: Fundação Minerva – tutelada por uma
Universidade privada, a Universidade Lusíada. Foi criada por DL no Governo de Durão Barroso. Com
recurso aos outros critérios não existem dúvidas de que é uma entidade privada; Empresas
nacionalizadas após o 25 de abril foram reprivatizadas através de lei.).

c) Critério do fim:
Sempre que a lei confia expressamente a uma pessoa coletiva a prossecução de um
fim público, ela será de Direito Público.
O legislador é o único que poderá dissolver a obrigatoriedade de a pessoa coletiva
pública prosseguir os interesses públicos por ele confiados.
É o critério mais falível devido à similitude com pessoas coletivas privadas, que
prosseguem fins paralelos (NOTA: O Prof. Colaço Antunes não partilha desta opinião.).
Logo, em termos substanciais, pode não ser fácil distinguir o fim da pessoa coletiva
de interesse público do fim de uma pessoa coletiva pública.

d) Critério da capacidade jurídica:


Se a pessoa coletiva tiver poderes públicos de autoridade para prosseguir as
finalidades confiadas por lei, será de Direito Público (NOTA: Para o Prof. Pacheco Amorim é o
critério mais importante.).
Ainda assim é falível na medida em que há pessoas coletivas cuja natureza pública
não é questionável (exemplo: Entidades públicas empresariais e fundações públicas de direito
privado) mas a lei qualifica-as como pessoas coletivas públicas. Estão sujeitas ao Direito
Privado mas a sua capacidade é compatível com a sua natureza pública (é uma
exceção).
Também existem empresas privadas (concessionários), substancialmente privadas e
que são chamadas a colaborar com a AP, que por razoes que não são políticas mas sim
por eficiência, pode ser a própria lei a conferir os poderes públicos necessários a título
excecional. Se for a lei a fazê-lo, não será fácil analisar os seus poderes.

NOTA: Nenhum destes critérios é suficiente, pelo que é necessário, pelo menos, conjugar dois deles.

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Órgãos administrativos

Noções gerais:

a) Entrada no tema
Segundo Marcelo Caetano, órgão é o elemento da pessoa coletiva que consiste no
centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo
colégio de indivíduos que constituem o órgão, com o objetivo de exprimir a vontade
juridicamente imputável a essa pessoa coletiva.

O Direito Administrativo como Direito dos órgãos administrativos:


Sendo entidades abstratas, as pessoas coletivas são ficções cujos órgãos, servidos
por titulares físicos, são os centros de imputação de direitos, deveres, poderes que a
lei abstratamente lhes atribui.
As pessoas coletivas têm capacidade de gozo de direitos mas não têm de per si
capacidade de exercício, que lhes é assegurada pelas pessoas individuais enquanto
titulares dos respetivos órgãos. São as pessoas individuais que atuam em nome da
pessoa coletiva, para a prossecução dos fins para a qual a pessoa coletiva foi criada.
É sempre através dos órgãos que se forma a vontade da pessoa coletiva, assim
como é através deles que atua, manifesta e interage com outros sujeitos de Direito.

Órgãos, agentes e serviços:


A pessoa coletiva é constituída pelo conjunto dos seus órgãos, com os quais se
identifica.
Evidentemente, os órgãos são entidades institucionais (instituições). O órgão
caracteriza-se pelo seu preenchimento das pessoas físicas dos seus titulares. Só as
pessoas físicas são capazes de formar e exteriorizar uma vontade psíquica, atuando em
conformidade com ela no mundo real.
Por este motivo, os órgãos são meios indispensáveis para as pessoas coletivas
atingirem os seus fins e cumprirem as tarefas de que foram encarregadas. Tomam
decisões e manifestam uma vontade imputável à pessoa coletiva. As pessoas
individuais/físicas são os titulares físicos dos órgãos, que exercem as competências
jurídico-administrativas que a lei atribui, pelo que podem e devem tomar decisões no
exercício desses poderes.
Está implícita uma concessão funcional de órgão, o que implica que as decisões dos
órgãos sejam imputáveis à pessoa coletiva. Se for tomada uma decisão e não se souber
qual o órgão que a tomou, basta a certeza que tenha sido tomada por qualquer órgão
dessa pessoa coletiva para que o ato seja imputável bem como todas as suas
consequências à pessoa coletiva, tal como a responsabilidade por eventuais danos
causados.

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(NOTA: Uma pessoa coletiva, normalmente, nunca tem um só órgão, tem pelo menos 2 – o órgão
executivo e o órgão deliberativo. O órgão deliberativo pressupõe que a pessoa coletiva pública em causa
seja de tipo corporativo ou associativo. Mas, normalmente, têm 3 órgãos. As pessoas coletivas de tipo
institucional não têm um órgão deliberativo.).
As competências são sempre distribuídas por 2 ou mais órgãos. À partida, é órgão
toda a instância que na pessoa coletiva pública tenha competências próprias, por força
da lei.
A lei orgânica (que cria a pessoa coletiva pública) designa os órgãos, distribuindo as
competências pelos mesmos – critério formal legal. Pode acontecer que a lei não o
faça expressamente e se tenha recorrer às competências para se chegar à conclusão
que uma determinada instância é um órgão.
O DA é um direito dos órgãos administrativos. Em rigor, as pessoas coletivas não
são apenas constituídas por órgãos, são também integradas por agentes e serviços.
Os agentes que integram os serviços não tomam decisões nem exprimem a
vontade jurídica da pessoa coletiva, limitam-se a preparar e executar as decisões dos
órgãos, desenvolvendo as atividades materiais ou técnicas ou praticar os atos
instrumentais que lhes cabe praticar e desenvolver. Isto distingue o órgão do mero
agente (funcionário público) ou um titular de um cargo (exemplo: Vereador – é um cargo e
não um órgão).

Titulares de órgãos e demais pessoas físicas com vínculo à Administração Pública:


As pessoas físicas que integram a AP são os titulares dos órgãos, outros titulares de
cargos (exemplo: Vereadores) e os funcionários (relação de emprego público, com origem
no contrato administrativo pessoal/laboral – contrato de trabalho em funções
públicas). Normalmente, os serviços são compostos por funcionários, pessoas que têm
uma relação de emprego público.
Os serviços e seus agentes muitas vezes praticam atos jurídicos, simples ou
instrumentais, para além de uma atividade material de execução da lei e das decisões
dos órgãos (exemplo: NO CPA diz-se que o funcionário deve emitir a certidão no prazo de 10 dias.).

Principais classificações dos órgãos administrativos:

a) Órgãos primários, órgãos secundários e órgãos vicários


Uma determinada figura ou instância da Administração pode não dispor a título
primário de competências próprias mas a lei pode prever a possibilidade de lhe serem
delegados (ou subdelegados) poderes (exemplo: Vereadores nas Câmaras Municipais).
Sempre que lhe sejam delegados poderes o funcionário/titular do cargo passa a
estar habilitado a praticar verdadeiros atos, regulamentos ou contratos
administrativos e não apenas atos instrumentais (preparatórios, integrativos, de
eficácia e/ou de execução).

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Nestes casos de instâncias que podem beneficiar de um delegação de poderes,


enquanto esta durar assumem a condição de órgãos – são órgãos secundários (e não
primários).
Fora da delegação, se praticarem um ato administrativo ele será inexistente.
Quanto aos órgãos vicários, a lei prevê que possam substituir um órgão
administrativo em caso de ausência do seu titular. Quando isto acontecer, essa figura
torna-se um verdadeiro órgão, só podendo exercer as competências que a lei lhe
confie e enquanto esteja a substituir o órgão primário.

b) Órgãos ativos, consultivos e de controlo


Esta classificação corresponde à grande classificação da atividade administrativa e
distingue-a consoante seja de administração ativa, consultiva ou de controlo.
Um órgão administrativo ativo toma e executa uma decisão.
Os órgãos consultivos limitam-se a informar e esclarecer os órgãos ativos.
Por último, os órgãos de controlo estão encarregados de fiscalizar os restantes
órgãos.
O mesmo órgão pode funcionar como órgão ativo, consultivo ou de controlo.
Qualquer superior hierárquico, sempre que decida um recurso hierárquico,
confirmando ou revogando a decisão do subalterno, está a exercer uma função de
controlo.
Se o superior hierárquico se substituir ao subalterno praticando o ato, passa a
exercer uma competência e torna-se um órgão da administração ativa.
A administração ativa corresponde ao paradigma da função administrativa.
Distingue-se das outras funções do Estado, nomeadamente da função jurisdicional.
Corresponde, assim, a uma função de iniciativa.
Quanto à administração consultiva, trata-se de uma vertente mais técnica.
Formulam-se juízos, avaliações e opiniões destinados a instruir no procedimento
administrativo.
Por vezes, a lei confere ao parecer um caráter vinculativo o que nos leva para o
domínio das pré-decisões. Assim, a lei transforma um suposto parecer na decisão final
ou principal do procedimento. Aquilo que a lei qualifica como ato decisório
(horizontalmente definitivo) está limitado pelo parecer e na decisão final perde
autonomia. Nestes casos, a decisão final é formalmente um ato administrativo e o
particular pode impugnar o parecer vinculativo ou aguardar, atacando o parecer
vinculativo na decisão final.
Relativamente à administração de controlo, compete aos órgãos de controlo
(exemplo: Conselhos jurisdicionais das ordens profissionais) controlar a invalidade ou a
inoportunidade/inconveniência do ato sob controlo, revogando (se o controlo for de
mérito) ou anulando (se o controlo for de validade/invalidade).
O controlo pode ser:
 Preventivo – o ato ainda não foi adotado

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 A priori – a autorização é anterior à prática do ato (o órgão de controlo analisa


um mero projeto do ato);
 A posteriori – já diz respeito às aprovações, o controlo incide num ato já
praticado. Enquanto o ato não for aprovado, existe e é valido mas é como se
não existisse no ordenamento jurídico porque não produz efeitos.

 Sucessivo – o ato já foi praticado e produz efeitos


 Revogação
 Anulação – se o ato for nulo o controlo não se traduz numa anulação mas é
exercido através de um ato declarativo, que não extingue os efeitos do ato
inválido, declarando apenas que o ato é nulo e não produz efeitos;

Os mecanismos legais de controlo são normalmente estabelecidos numa relação de


tutela (controlo de uma pessoa coletiva sobre outra pessoa coletiva infra ordenada).
Pode acontecer que uma lei institua este mecanismo de controlo das relações inter
orgânicas.

Outras classificações: órgãos singulares e colegiais, simples e complexos, centrais e


locais, permanentes e não permanentes:

a) Órgãos singulares e colegiais


O órgão singular tem um titular; o órgão colegial é formado por um conjunto de
titulares.
Na ciência da Administração chamam-se decisões aos atos praticados por órgãos
individuais, ao passo que os órgãos colegiais tomam deliberações (exemplo: CM, Governo,
etc.).

b) Órgãos colegiais simples e complexos


Os órgãos colegiais simples têm uma estrutura unitária, sendo que os seus
membros só podem atuar coletivamente. Se atuarem individualmente estamos
perante uma inexistência, excetuando-se apenas casos em que o presidente do órgão
colegial toma decisões de expediente, que são depois retificadas pelo colégio.
Nos órgãos colegiais complexos, os titulares têm competências próprias (exemplo:
CM no que respeita ao seu Presidente; Ministros em relação ao Governo.).

c) Órgãos centrais e locais


Os órgãos centrais exercem a sua competência em todo o território nacional
(normalmente, a partir da capital).
Já os órgãos locais têm uma competência limitada a uma parcela do território
(exemplo: Direções-Gerais dos Ministérios.).

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Órgãos permanentes e não permanentes:


No CPA prevê-se expressamente a figura do órgão temporário, o que não acontecia
no anterior.
O Prof. Pacheco Amorim considera que a permanência é uma característica quase
intrínseca do órgão. O órgão não permanente leva a alguma contradição.
Todavia, às comissões, júris e outras instâncias decisórias não permanentes na
Administração são-lhes aplicados o regime dos órgãos administrativos (funcionamento
e organização).
Esta ideia foi introduzida pelo Prof. Pacheco Amorim, que acha que “o legislador
fala demais”, ao qualificar expressamente como órgão os órgãos temporários.

2. Atribuições, competências e legitimação

Noções gerais

Entrada no tema:
As atribuições são um apanágio das pessoas coletivas, ao passo que as
competências dizem respeito aos atributos dos órgãos. Deste modo, tanto as
atribuições como as competências são poderes administrativos. A legitimação é um
conjunto de condições ou requisitos que têm de se verificar para que os órgãos
possam validamente agir em situações concretas, isto é, um conjunto de condições
atinentes ao titular do órgão, tal como atribuições e competências são requisitos
relativos ao titular da competência, mas são de ordem variável.
Em primeiro lugar, as atribuições são tarefas ou fins que a lei outorga às pessoas
coletivas públicas, que terão de desempenhar/prosseguir através dos respetivos
órgãos.
Ao nível do Estado e Regiões Autónomas, na mesma pessoa coletiva as diferentes
atribuições estão distribuídas pelos vários Ministérios ou secretarias regionais, como
se cada uma delas fosse uma pessoa coletiva distinta (o que não acontece).
Nesta exceção, as atribuições distribuem-se em complexos orgânicos, existindo uma
repartição horizontal das competências, dentro de cada pessoa coletivas, o que
acarreta consequências mais graves caso haja violação das atribuições.
As competências são sempre atributos dos órgãos, sendo que cada uma delas é um
conjunto de poderes funcionais (poderes-deveres) que o órgão tem de exercer para
prosseguir as atribuições da pessoa coletiva em que se insere (exemplo: Poder
regulamentar, tributário, expropriativo, contraordenacional, aplicação de sanções disciplinares públicas,
licenciamento de atividades, poderes concessórios, atribuição de subsídios/subvenções e demais
poderes inerentes à atividade prestativa – ou seja, poderes de autoridade).

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No que diz respeito às condições de legitimação, prende-se com a exigência da


autorização inter administrativa (autorização prévia) para que um órgão
supraordenado possa agir. Faltando essa autorização, o órgão não está legitimado para
agir e os atos que praticar serão inválidos.
A doutrina designa as autorizações inter administrativas como autorização
constitutiva da legitimação para a capacidade de agir.

Princípio da legalidade da competência:


Destaca-se, neste seguimento a exigência de certos requisitos legais,
expressamente previstos que, caso não se verifiquem, terão consequências.
Destaca-se a não verificação de impedimentos, no domínio das garantias de
imparcialidade regulada no artigo 69º e seguintes do CPA. Verificando-se um
impedimento, se o órgão deliberar a decisão será sempre inválida.
Outra exigência é a falta de investidura no órgão, através do qual o titular passa a
adquirir a condição de titular de órgão (NOTA: Distingue-se da tomada de posse – cerimónia).
Exige-se também que, para que um órgão colegial possa deliberar validamente
esteja preenchidos os quóruns exigidos e qualquer deliberação que tome tem de estar
verificada a maioria de votos determinada por lei. Não se verificando a maioria mas
existir a deliberação o ato será consequentemente inválido.
Podem existir outros requisitos que contribuem para a qualificação do órgão.

Violação de competências e violação ou falta de atribuições

Incompetência simples:
Existem consequências da violação das exigências legais acima referidas. Se um
órgão atuar com falta de competência ou exercer uma competência de outro órgão
existe um vício de incompetência na decisão tomada.
Regra feral, a falta ou violação de competências gera a mera anulabilidade. A
exceção a esta regra é a nulidade (consequência mais gravosa).
É estabelecido um prazo curto para o particular ou quem tenha legitimidade para
impugnar o ato (para o MP 1 ano e para o particular 3 meses). Passados estes prazos,
primeiro para o particular e depois para o MP, o ato já não será impugnável.
Em certos casos de incompetência abre-se uma exceção pela sua gravidade no que
respeita aos princípios gerais da organização administrativa, neste caso o princípio da
legalidade das competências.
Em determinados casos, a conexão territorial das situações e situações jurídico-
administrativas abrangidas pelos poderes dos órgãos é tão forte que não pode deixar
de constituir o elemento essencial do ato administrativo. Assim, é difícil aceitar que a
consequência possa ser a mera anulabilidade.

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No âmbito da pessoa coletiva Estado isto acontece em órgãos com a competência


territorial limitada (exemplo: Comissões de coordenação regionais; Diretores regionais. Se a
comissão de coordenação e desenvolvimento regional do Norte toma uma decisão em relação a uma
situação que ocorre no Algarve, se for seguida a regra a consequência será a mera anulabilidade, o que
repugna a nossa consciência jurídica porque nos diz que não é aceitável esta consequência.).
Nos
casos em que existe uma forte conexão aos poderes territoriais, a consequência será a
nulidade.
Houve uma alteração no CPA relativamente ao regime da nulidade.
Na anterior versão do atual artigo 161º, o CPA de 2015 suprimir o segmento da
norma (“São nulos os atos (…) aos quais falte um elemento essencial ou para os quais a
lei determine expressamente essa forma de invalidade”), designado normalmente pela
doutrina e jurisprudência como “cláusula geral de nulidade”.
No artigo 161º, nº2 do CPA estão listados os casos de nulidade. A utilização do
advérbio “designadamente” indica que esta lista é exemplificativa e não taxativa, o
que significa que outras situações com características análogas às que estão na lista
integrar-se-ão na previsão da norma.
A doutrina tem entendido que o advérbio não é exemplificativo, os casos de
nulidade estão indicados no CPA e outros que possam surgir serão lei especial.
No entendimento do Prof. Pacheco de Amorim não faz sentido utilizar o advérbio
“designadamente” como explicação de que pode haver leis especiais. A própria
indicação do nº1 só tem uma razão de ser, sob pena de a norma ser redundante.
Em suma, na opinião do professor, por força do princípio da legalidade os atos que
resultam em vícios graves à ordem jurídica não podem deixar de padecer de nulidade.
A incompetência territorial afronta de tal modo os princípios gerais das competências
em razão do território que não se pode deixar de apresentar uma gravidade análoga à
das atribuições, e terá a mesma consequência por força do princípio da legalidade
(levaria a uma estabilização dos efeitos de um ato tão gravoso). A doutrina não segue
esta posição.

Violação ou falta de atribuições:


Quanto à violação e falta de atribuição a consequência é a nulidade, conforme
determina o artigo 161°, nº2 do CPA. Também se consideram nulos os atos praticados
pelos Ministérios que não estejam previstos (exemplo: Um ato praticado por um Diretor Geral
das Finanças em matéria integrante das atribuições do Ministério da Saúde.).
Todavia, existe uma exceção: quando a violação da atribuição se dá por um órgão
com poderes de superintendência (exemplo: Ministro que pratica um ato cujas atribuições já não
estão ao encargo do respetivo Ministério mas sim confiadas a um instituto público, com autonomia
jurídica).
Nestes casos, segundo o Prof. Pacheco Amorim, a consequência não é a
nulidade mas sim a mera anulabilidade pois os entes instrumentais prosseguem fins
do ente matriz, há um artificialismo na separação de atribuições. A separação não é
assim tão radical que justifique que a consequência seja a nulidade. É necessário
analisar a personalidade jurídica própria do ente instrumental.
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No entanto, a lei diz que na violação de atribuições a consequência é a nulidade.


É reconhecido pela doutrina que os entes públicos instrumentais seguem os fins do
ente que os cria, pelo que as atribuições não deixam de ser fins, não podem estar
desligadas do ente matriz.

As competências

Tipos de competências de âmbito geral atribuídas aos órgãos:

a) Competência explícita e implícita


A regra é da competência explícita, tal como determina o artigo 36º, nº1 e nº2 do
CPA.
Ainda assim, excecionalmente podem-se admitir competências implícitas.
Existe o princípio geral de que os órgãos devem ter as competências indispensáveis
para a prossecução das respetivas atribuições. Se isto não for possível, deve-se juntar
às competências explícitas do órgão as competências implícitas indispensáveis para a
prossecução das atribuições.
Se há competência para fazer o mais, deve-se entender que o órgão tem
competência para ao menos.
Por vezes, a lei foca numa competência em abstrato mas não a atribui a um órgão
em concreto (exemplo: Competência para modificar unilateralmente ou rescindir um contrato
administrativo – num órgão como um município ficamos sem saber quem é o titular das competências
para a execução de um contrato.).
Deve-se fazer uma interpretação, pelo que se vai determinar a quem pertence a
competência mediante o procedimento de formação do contrato. Por analogia ou
interpretação extensiva conclui-se que a competência deve ser atribuída ao órgão que
foi competente para iniciar o procedimento e tomar a decisão.
É nestas situações que se recorre à figura da competência implícita, contrária ao
princípio da legalidade das competências, que requer que elas estejam expressas.

b) Competência livre e condicionada


Uma competência diz-se livre quando não está sujeita a nenhuma limitação legal.
Já a competência condicionada surge quando está sujeita a condições
determinadas por lei (exemplo: Quando o exercício da competência está sujeito a uma condição
suspensiva.).

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c) Competência dispositiva e revogatória


A competência dispositiva diz respeito à administração ativa. É o poder de um
órgão emanar em 1ª mão um ato sobre determinada matéria.
Na competência revogatória (ou anulatória), o órgão (no âmbito da hierarquia ou
tutela), tem competência para anular ou revogar o ato praticado pelo órgão
supraordenado. Quando o órgão de controlo revoga/anula ou confirma um ato objeto
de impugnação (em recurso hierárquico ou tutelar) exerce a competência de controlo;
pelo contrário, quando o órgão superior hierárquico modifica ou substitui o ato
revogado/anulado por um ato novo, já não exerce uma administração de controlo mas
sim uma administração ativa (competência dispositiva porque exerce a mesma
competência do órgão subalterno).

d) Competência própria e delegada


Está relacionada com a titularidade dos poderes.
Quando se tratam de poderes do próprio órgão é uma competência própria;
quando diz respeito a poderes do órgão delegado (o órgão delegado está autorizado a
exercer a competência que se mantém na titularidade do órgão delegante) existe uma
competência delegada.

e) Competência singular e conjunta


Estamos no domínio do nº de órgãos.
A competência é singular se existir apenas 1 órgão competente e este exercer a
competência sozinha; diz-se competência conjunta se existir mais do que 1 órgão
titular da competência (exemplo: Despacho ou portaria conjunta.).
No que se refere à competência conjunta, se o ato for exercido apenas por um
órgão o ato é anulável por vício de incompetência conjunta.

f) Competência acumulada e simultânea


Na competência acumulada, o mesmo titular acumula simultaneamente a
titularidade de 2 órgãos (exemplo: Nas faculdades, o diretor que é Presidente do Conselho
Científico.).
Na competência simultânea, os mesmos poderes são conferidos por lei a 2 ou mais
órgãos, podendo ser exercidos por um ou por outro. Quando um destes órgãos o
exerça o outro fica inibido de a exercer na situação concreta. Nestes casos, a lei
estabelece mecanismos que evitam o exercício desordenado.

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Tipos de competências no âmbito específico das relações inter orgânicas:


competências próprias, exclusivas e independentes

a) Competências próprias, exclusivas e independentes


A competência própria (em contraposição à exclusiva e independente) é atribuída a
um órgão subalterno e que, por isso, a pode exercer em 1ª mão. Esta é sempre comum
porque há uma regra que determina que a competência do superior hierárquico
abrange, em princípio, a competência do inferior. Esta é a tese maioritária defendida
na doutrina e jurisprudência (totalmente), mas não é unânime. O Prof. Freitas do
Amaral não a segue.
Quanto à competência exclusiva, podemos distingui-la da competência própria
porque a lei atribui inequivocamente ao órgão a competência. Isto acontece através de
vários tipos de formulações. A competência só é exclusiva quando inequivocamente,
se extrai da norma essa competência.
A regra é a competência ser própria e não exclusiva.
Quando a competência é exclusiva, o superior hierárquico perde a competência
dispositiva sobre essa matéria mas mantém a competência de controlo, o que significa
que, existindo um recurso hierárquico, o superior hierárquico está limitado enquanto
órgão de controlo apenas a revogar/anular ou confirmar o ato, nunca o pode modificar
ou substituir.

b) Distinção entre competência exclusiva e competência independente


A competência independente não é apenas exclusiva, é excludente. Isto significa
que afasta os poderes de controlo do órgão de topo da hierarquia.
Esta é a competência típica dos órgãos independentes do Estado (exemplo:
Autoridades administrativas independentes.). Portanto, há uma quebra total da hierarquia
que exclui os poderes de controlo, reservados apenas aos tribunais.
Esta matéria está regulada no artigo 197º do CPA. Nesta disposição há uma
alteração relativamente ao CPA anterior visto que agora só é possível a anulação e não
a revogação (é um controlo de mera legalidade).

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II – OS SETORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA;


TIPOLOGIA E REGIME DAS PESSOAS COLETIVAS
PÚBLICAS; AS RELAÇÕES INTERORGÂNICAS

Capítulo I: Os setores da Administração Pública e


tipologia e regime das pessoas coletivas públicas

1. Noções gerais

No universo das pessoas coletivas públicas existe uma importante fundamental


linha divisória que separa os entes públicos territoriais (pessoas coletivas de
população e território e de fins múltiplos) dos entes públicos funcionais (pessoas
coletivas funcionais ou de fins específicos).
São entes públicos territoriais o Estado, Regiões Autónomas e autarquias locais
(subdividem-se em freguesias, municípios, regiões administrativas). Estas entidades
são entes primários com estatuto constitucional e existência obrigatórias (incluindo as
regiões administrativas, pelo que se fala de uma inconstitucionalidade por omissão).
Os principais elementos constitutivos do Estado são:
 Elemento humano – elemento essencial que corresponde à população ou
comunidade;
 Elemento territorial – o território é indispensável
 Elemento político – indicia a natureza política do ente, refletida na multiplicidade
dos interesses prosseguidos. A estrutura orgânica é similar ao do Estado, assenta
numa separação básica de poderes entre o órgão executivo e a assembleia
representativa (similar à AR). A assembleia representativa é dotada de poderes
normativos (no caso das autarquias locais, o poder de emanar regulamentos) e
poderes de fiscalização do executivo.

Quanto aos entes públicos funcionais salientam-se os institutos públicos, empresas


públicas institucionais (entidades públicas empresariais), fundações públicas,
associações públicas. Todos estes prosseguem fins públicos específicos (razão de ser
da sua existência) e têm atribuições limitadas, em torno de uma matéria específica,
que integra as atribuições do ente matriz, que descarrega algumas das suas
atribuições. Enquanto entes instrumentais vão prosseguir em nome próprio essas
atribuições, pelo que se diz que são entes auxiliares ou instrumentais do ente matriz.
Os entes públicos matriz são essencialmente o Estado e as Regiões Autónomas.

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A configuração e identificação dos grandes setores da AP está no artigo 199º, alínea


d) da CRP: “Compete ao Estado, no exercício de funções administrativas: dirigir os
serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintender
na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração
autónoma.”.
Na Administração Direta do Estado, compete ao Governo dirigir os serviços e
atividade da AP.
Quanto à Administração Indireta do Estado, compete ao Governo superintender
(NOTA: Analogamente existe Administração Indireta das Regiões Autónomas e municipais – fundações
municipais).
No que respeita à Administração Autónoma, composta pelas autarquias locais e
universidade, o Governo limita-se a exercer poderes de tutela ou mero controlo, isto é,
uma tutela/controlo de legalidade (NOTA: A este setor podem ser associadas as associações
públicas.).
Os entes públicos funcionais integram a Administração Indireta, seja do Estado,
Regiões Autónomas ou autarquias locais.

2. Administração Estadual: a Administração Estadual Direta

Noções gerais: o Estado Administração


Existem 2 grandes níveis de administração: a Administração Estadual e a
Administração Autónoma.
A Administração Estadual é composta por 3 subsetores: Administração Direta do
Estado, Administração Indireta do Estado e Administração Independente.
Por outro lado, a Administração Autónoma é constituída pelos demais entes
públicos territoriais que não o Estado – Regiões Autónomas e autarquias locais, às
quais se juntam (retirando-as da Administração Indireta do Estado), as associações
públicas (NOTA: Esta opção acarreta alguma controvérsia.).
Na Administração Autónoma juntam-se ainda as universidades públicas porque são
entes públicos com autonomia constitucionalmente consagrada no artigo 76º, nº2 da
CRP: “As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica,
pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da
qualidade do ensino.”.
CONCLUINDO: a Administração Autónoma é subdividida em entes públicos
territoriais além do Estado – Regiões Autónomas e autarquias locais; pelas
universidades públicas (figuras mistas, de dimensão institucional – misto de instituto
público e associação pública) bem como em associações públicas propriamente ditas.
Tanto as universidades públicas como as associações públicas são entes públicos
funcionais.
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A Administração Direta do Estado confunde-se com a pessoa coletiva pública


Estado e esgota-se nele.
O Estado é a primeira das pessoas coletivas de Direito Público e públicas e é o mais
importante dos entes territoriais.
Quando referimos o Estado, fazemo-lo quanto ao plano do Direito interno e não do
Direito Internacional, na medida em que apenas no plano interno se pode distinguir o
Estado dos demais entes públicos porque no plano internacional o Estado engloba
tudo o que é público. No plano interno é que estabelecemos uma distinção: Estado-
Administração, Estado-juiz/tribunais, Estado-Parlamento.
Do conjunto de entidades, órgãos e serviços do Estado que desempenham a função
administrativa e integram a AP excluem-se os outros órgãos públicos, designadamente
os órgãos de soberania que não integram o poder executivo (PR, AR e Tribunais bem
como órgãos que os integram).
Quando se fala em Administração Direta do Estado/Estado-Administração só se
abrangem os órgãos e serviços da Administração Direta, quer centrais quer periféricos
(os locais, ou seja, espalhados pelo território do Estado e aqueles que estão localizados
no estrangeiro, no âmbito da rede diplomática das missões militares).
Órgãos e serviços centrais e periféricos integram-se no Estado, em departamentos
ministeriais, ou seja, integram a estrutura hierarquizada encabeçada pelo Governo.
Também fazem parte do Estado as autoridades administrativas independentes não
personalizadas (sem personalidade jurídica própria).
Quanto aos órgãos da Administração Direta destacamos o Governo.

O Governo

O Governo é a cabeça do Estado-Administração. É composto pelo PM e Ministros,


que normalmente deliberam colegialmente em CM, bem como pelos Secretários e
Subsecretários de Estado que coadjuvam ou o PM ou os demais Ministros.
Em termos colegiais, os Secretários e Subsecretários de Estado não têm assento no
CM, a não ser em substituição de um Ministro, representando-o caso não possa estar
presente.
Sendo o Governo o topo de toda a Administração Pública, seja direta ou indireta ou
autónoma, sobre toda ela exerce poder, incluindo sobre a Administração Autónoma.
Os poderes de tutela (controlo) do Governo estão cingidos à tutela de legalidade,
pelo que o Governo não pode exercer controlo de mérito e controlar a oportunidade,
conveniência dos atos e decisões das autarquias locais. A lei portuguesa institui uma
tutela de legalidade mínima, reduzida à tutela inspetiva.

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Neste sentido, o Governo encabeça toda a Administração Pública. Contudo, numa


visão mais rigorosa isto apenas acontece na Administração Direta porque o que a liga é
a estrutura hierárquica, ao passo que a Indireta, Independente e a Autónoma estão
fora da hierarquia.
O vínculo que liga os órgãos e serviços da Administração Direta é a hierarquia pelo
que o Governo exerce sobre toda ela, seja sobre a central ou sobre a periférica, um
poder de direção, nomeadamente o poder de emanar ordens/instruções concretas. É
um poder do Governo no seu todo, exercido por cada um dos Ministros exercidos nos
departamentos. As ordens de um Ministro chegam a todos os serviços do Ministério.
A figura mais importante no exercício da função administrativa do Governo é o PM
(a sua vontade, em tese, prevalece sobre a de todos os Ministros que têm assento no
CM).

NOTA: O PM tem uma grande importância na função administrativa estando situado no topo da
hierarquia administrativa. A relação entre o PM e Ministros, os Secretários e os Subsecretários de
Estado não são relações hierárquicas mas sim de cooperação e confiança.

3. Administração Estadual: a Administração Estadual Indireta

Entes públicos funcionais de tipo institucional ou fundacional

Entrada no tema:
A Administração Estadual Indireta é totalmente constituída por entes públicos
funcionais, de tipo institucional ou fundacional.
Em primeiro lugar, surgem os institutos públicos. Este conceito pode ser entendido
em sentido amplo/dogmático ou em sentido estrito.

Institutos públicos:
Em sentido amplo/dogmático, os institutos públicos são constituídos por todas as
pessoas coletivas públicas de caráter institucional ou funcional, sem um substrato
associativo ou corporativo. É a categoria usual no universo das pessoas coletivas que
estabelece a divisão entre pessoas coletivas públicas de tipo institucional/funcional e
pessoas coletivas públicas de tipo associativo/corporativo.

Associações públicas:
As associações públicas são pessoas coletivas públicas de tipo corporativo ou
associativo.
No Direito Privado as associações comerciais são pessoas coletivas públicas de tipo
corporativo. Já as fundações são pessoas de tipo institucional ou fundacional.

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Fundações públicas:
A fundação pública é uma subespécie do instituto público pela importância que
tem o elemento patrimonial. Por outro lado, a atividade da fundação pública de Direito
Público dirige-se a terceiros e satisfação dos seus interesses, tal como acontece com as
de Direito Privado.
Assim, neste sentido amplo/dogmático salientam-se os estabelecimentos públicos,
as fundações públicas, as empresas públicas e os serviços públicos personalizados
(categoria residual).

Entidades públicas empresariais:

a) Noções gerais
Tem-se assistido à autonomização como categorias que se distanciaram da figura
do instituto público e passaram a ser categorias próprias, o que aconteceu com as
empresas públicas institucionais e as fundações públicas.
Para além disso, a figura do estabelecimento público (presta bens/serviços) ficou
praticamente esvaziada porque essas entidades foram adquirindo o formato de
entidades públicas empresariais (empresas públicas) ou fundações. O instituto público
prestador de bens e serviços praticamente que desapareceu e passou a identificar-se
com a categoria residual de serviços públicos personalizados.

b) Regime jurídico
No início da época de 2000 apareceu a Lei-Quadro dos Institutos Públicos na qual
passou a existir um conceito estrito de instituto público, menos amplo.
Este regime não se aplica às entidades públicas empresariais, às fundações públicas
de Direito Privado (passam a estar reguladas na Lei-Quadro das Fundações),
instituições de ensino superior público (institutos públicos de regime especial) nem às
entidades administrativas independentes, com forma de instituto público mas
consideradas institutos públicos especiais, o que os exclui do regime da Lei-Quadro
dos Institutos Públicos (Lei nº 3/2004, de 15 de janeiro).
O instituto público é uma categoria residual em que a maioria dos entes que
integram a Administração Indireta do Estado têm a forma de instituto público.
Quanto às fundações públicas, existem as de Direito Público integradas por pessoas
coletivas públicas cuja organização, funcionamento, a atividade estão sujeitas ao
Direito Público, são uma subespécie da figura do instituto público (exemplo: Fundação para
a Ciência e Tecnologia.). Também existem as fundações públicas de Direito Privado, que
foram constituídas através de um processo de criação previsto no CC.
A Lei-Quadro das Fundações proibiu a criação de fundações públicas de Direito
Privado, melhor dizendo, podem criar-se mas são automaticamente pessoas coletivas
públicas.

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Quando ao regime, é misto ou compósito. Estão sujeitas ao Direito Privado mas são
vários os regimes sujeitos ao regime de Direito Público (sujeição ao regime da
responsabilidade civil extracontratual do Estado).
As entidades públicas empresariais são pessoas coletivas públicas, sujeitas na sua
organização ao DA e, subsidiariamente, ao Código das Sociedades Comerciais. Dada a
sua natureza empresarial, a sua atividade está sujeita ao Direito Privado.
Estão reguladas do artigo 56º ao artigo 61º do Regime jurídico do setor público
empresarial.
Ao nível regional existem regimes do setor público empresarial. As entidades
públicas regionais são criadas e extintas por DL, não estão sujeitas ao regime de
insolvência e liquidação a que estão sujeitas as entidades em geral.
Hoje, as entidades públicas empresariais são um formato utilizado para entidades
que tanto exercem uma atividade de intervenção direta no mercado (comercialização,
venda, distribuição de bens/serviços), ao mesmo tempo que acumulam funções
reguladoras – têm uma atividade mista que não encaixaria no modelo de empresa
pública societária.
Na prestação de serviços sociais, nomeadamente na área da saúde, refere-se as
EPE’s em hospitais. O diploma que regula este tipo especial de entidade pública
empresarial é o DL nº 233/2005, de 29 de dezembro.
Outra das entidades públicas empresariais que pode ser referida é a entidade
nacional para o mercado dos combustíveis.
Existe ainda uma entidade para gestão da dívida púbica, o IGCP – Agência de Gestão
da Tesouraria e da Dívida Pública.
Por último, existe também a Agência para o Investimento e Comércio Externo de
Portugal, EPE.
São entidades que prosseguem atividades de natureza administrativa, ao mesmo
tempo que prosseguem uma atividade de intervenção direta no mercado. Para
atividades puramente empresariais a opção tem sido um formato de empresa pública
societária (influência pública dominante).

Figuras controvertidas

As associações públicas:
A jurisprudência qualificou-as como Administração Indireta do Estado porque
resultam de um processo de devolução de poderes, sendo que necessariamente
prosseguem fins estaduais.
Ao nível legal, o legislador, soberano em matéria de organização administrativa,
confere-lhes uma autonomia similar aquela que a CRP assegura às autarquias locais e
universidades.

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Assim, este regime permite remeter estas entidades para a Administração


Autónoma.
Atendendo ao caráter representativo dos seus órgãos, a lei afasta o poder de
superintendência do Governo sobre estas entidades (apenas as sujeita a mecanismos
de tutela de mera legalidade).

Os concessionários de serviços públicos e demais entidades privadas com poderes


públicos:
Os concessionários de serviços públicos e demais entidades privadas com poderes
públicos, nunca podem ser entendidos como pertencendo à AP em sentido rigoroso
porque a AP é apenas constituída por pessoas coletivas públicas e estas entidades são
privadas.
Poderiam apenas integrar-se na AP em sentido funcional, pelo que se localizam na
Administração Indireta porque a sua posição de sujeição face ao concedente está
envolta de poderes muito fortes (previstos no Código dos Contratos Públicos para as
concessões constituídas por contrato administrativo). São poderes (modificar,
extinguir, fiscalizar, dirigir) fortemente intrusivos pelo que, apesar de estar
salvaguardada a autonomia do contraente privado esta convive com aqueles poderes.
Sendo que os concessionários integram a AP em sentido funcional, integrarão a
Administração Indireta.

As entidades privadas com influência dominante pública (AP em forma privada):


Existem entidades que resultam da “fuga para o Direito Privado”. Dizem respeito a
associações, sociedades comerciais e cooperativas (NOTA: Já não se falam em fundações
porque hoje a lei não permite que existam fundações públicas de Direito Privado – as fundações têm
sempre forma pública, mesmo as constituídas ao abrigo do Direito Privado.).
As entidades administrativas, em forma privada, resultam da “fuga para o Direito
Privado” e não integram rigorosamente a organização administrativa porque não são
pessoas coletivas públicas na sua natureza jurídico-organizativa, são sim privadas, o
que as exclui da AP (constituída apenas por pessoas coletivas públicas). Ainda assim,
podemos ou não integrá-las na AP em sentido funcional.
Existem 2 grandes categorias de entidades administrativas privadas ou
Administração Pública em forma privada:
1. Possibilidade de se criar/adquirir uma entidade com determinado e específico
objeto. Esse objeto tem de respeitar as atribuições que a pessoa coletiva que a
cria lhe atribui – tem de existir uma influência dominante.
O objeto da entidade respeita as atribuições. O modo de satisfação do interesse
é sempre indireto ou mediato.

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O ente público criador (ou adquirente) não descarrega nessa entidade nenhuma
parcela da função administrativa que lhe cabe desempenhar, não há um fenómeno
de substituição (exemplo: Pode ser uma decisão estratégia do ponto de vista das políticas
públicas o Estado criar/adquirir uma empresa dedicada ao fabrico e venda de armamento e outros
equipamentos militares. Hoje em dia, a exploração desta atividade não é tarefa que a lei confira
diretamente ao Estado. Ao criar esta fábrica está a prosseguir o interesse público mas não é tarefa
confiada diretamente ao Estado por lei. Não há uma atividade que o ente primário Estado
descarregue nesta empresa, logo não é função administrativa – não é concessionável ou delegável
noutra entidade).
Nestes casos não existe um fenómeno de Administração Indireta.

2. Quando o Governo cria uma empresa privada, ou seja, uma empresa pública
societária, a entidade substitui-se ao Estado – fenómeno de delegação da função
administrativa.
Como nesta entidade está delegada uma parcela da função administrativa, é AP
em sentido funcional, pelo que se reconduz à Administração Indireta.
Os poderes de intervenção são aqueles que o regime confere ao Governo, são
poderes que através da função acionista cabe determinar a conduta e as atividades
destas entidades.
Este regime também se aplica às associações públicas, em que surgem poderes
equivalentes aos de superintendência.

4. Administração Estadual: Administração Estadual


Independente

Noções prévias

As entidades administrativas independentes na Constituição e na lei:


A CRP tem uma previsão lacónica, nomeadamente no artigo 267º, nº3: “A lei pode
criar entidades administrativas independentes.”. Em 1997, com as privatizações
passaram-se a criar entidades reguladoras independentes e a sua constitucionalidade
foi posta em causa. Assim, o revisor constitucional pretendendo resolver este assunto
introduziu esta disposição.
Estas autoridades caracterizam-se por não responderem perante o Governo, não
estão sujeitas a uma tutela forte (nem a tutela superintendência). Quem controla a
legalidade destas entidades são os tribunais, em 2ª instância.
O objetivo de criação destas entidades é a criação de um poder executivo neutral,
livre de influências políticas.

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São independentes para assegurar valores superiores que poderiam ficar em perigo
se fossem deixadas às forças políticas maioritárias em cada momento. Deste modo,
estão livres das maiorias políticas conjunturais.

Breve caracterização da Administração Independente:

a) Independência, neutralidade e autoridade


Deste modo, as notas básicas destas entidades são a independência e a autoridade.
Quanto à independência, estão fora da influência do poder executivo, pelo que não
podem ser exonerados por ele, são inamovíveis. Os mandatos são longos (superiores a
4 anos).
Tem atributos típicos de tribunais: exercem poderes de caráter jurisdicional, na
medida em que podem dirimir conflitos entre operadores privados. Podem antecipar a
resolução de conflitos funcionando quase como 1ª instância jurisdicional.
Tem poderes normativos próprios: não tem poder regulamentar independente mas
sim poder regulamentar praeter legem (podem emanar regulamentos de
desenvolvimento e regulamentos complementares). São poderes fortes porque se dão
em áreas técnicas, em que a legislação do Estado é insuficiente.

b) Legitimidade técnico-científica
Tratam-se de entidades cujos cargos, seja ao nível da Administração ou dos
dirigentes, são preenchidos por técnicos altamente qualificados, em cada um dos
setores de atividade em causa.
Fala-se numa legitimidade técnico-científica, o que leva a uma maior aceitação das
decisões por parte dos destinatários, na medida em que a alta qualificação contribui
para uma maior /boa aceitação das decisões por parte dos interessados.

As distintas categorias das autoridades administrativas independentes e das


entidades reguladoras independentes:
Existem 2 grandes categorias de autoridades administrativas independentes:
1. Autoridades administrativas independentes – exercem a função administrativa
(material e formalmente), inserindo-se no poder executivo e não noutros
poderes do Estado.
Embora tenham uma forte ligação à AR (nomeadamente financeira), na verdade
a sua atividade é qualificada como materialmente administrativa.

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As entidades administrativas independentes são o provedor de Justiça, a CADA


(Comissão Acesso A Dados Administrativos), a CMTC (Companhia Municipal de
Transportes Coletivos), a CNPD (Comissão de Proteção de Dados Pessoais), a
Comissão Nacional de Eleições, a CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção
para a Administração Pública) e uma série de Conselhos (entre eles, o Conselho
Superior das Finanças Públicas, o Conselho Nacional da Educação, o Conselho de
Fiscalização de base de dados de ADN, o Conselho de Fiscalização dos Serviços de
Informação. Todas estas entidades não têm personalidade jurídica própria.
A sua missão é zelar pela prévia salvaguarda de direitos fundamentais,
designadamente o acesso à função pública do artigo 47º, nº2 da CRP pela CRESAP.

2. Entidades reguladoras independentes – normalmente não têm personalidade


jurídica própria.
São órgãos independentes do Estado, que se devem distinguir dos órgãos
auxiliares constitucionais ou político-constitucionais.
Apesar de os órgãos político-constitucionais serem despersonalizados e poderem
desenvolver uma atividade administrativa enquadram-se noutro poder de funções
do Estado, como acontece com os órgãos de autogoverno das magistraturas.
Velam pela concretização da construção económica, no âmbito da regulação dos
novos mercados, resultantes das privatizações das antigas empresas públicas.
Tratam-se de um mercado financeiro, mercado de valores mobiliários, mercado
da energia, mercado bancário, mercado das comunicações, mercado dos
transportes públicos, mercado das águas e resíduos bem como o mercado da saúde.
Em todos eles se criaram entidades reguladores que têm de ser independentes
porque não só podem atuar operadores públicos (se fossem dependentes do
Governo recaia uma suspeita de que o regulador privilegiava o operador público).
Por vezes, essas autoridades têm o poder para fixar preços, recriando as
condições de mercado que existiram que não existissem redes fixas. Se a autoridade
não fosse independente caímos no risco de os preços e prestação de serviços serem
baixos por razões eleitorais, contribuindo para o aumento do défice e dívida
pública.
A autoridade cria as condições para que estes serviços sejam universais e para
estipular a outorga de subvenções.
Regra geral, estas entidades estão sujeitas à Lei-Quadro das Entidades
Reguladoras.
O Banco de Portugal enquadra-se nestas entidades, embora não seja regulado
pela Lei-Quadro, visto que não é apenas nacional por fazer parte do eurossistema
(UE). O Banco de Portugal também desenvolve uma atividade económica, de
intervenção direta no mercado interbancário. Como desenvolve ima atividade
empresarial adquire um caráter suis generis.

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Fora da Lei-Quadro também está a entidade reguladora da comunicação social.


Esta tem estatuto constitucional.
Tem uma função reguladora, no sentido de regular os meios de comunicação
social (imprensa escrita, rádio, etc.), pelo que assume um papel importante na
defesa de determinados direitos fundamentais (liberdade de pensamentos,
liberdade de expressão).

Problemática constitucional das entidades administrativas independentes

Entrada no tema – o défice de legitimidade democrática da chamada Administração


Independente:
A problemática do défice da legitimidade democrática da Administração
Independente não foi resolvida com a sua existência expressa na CRP (na revisão de
1997) mas assegura a sua legitimidade formal.
A problemática da constitucionalidade das entidades administrativas
independentes diz respeito ao seu insuprível défice de legitimidade democrática, que
diz respeito ao poder executivo e legislativo, na medida em que o Estado de Direito
exige que estes poderes assentem na legitimidade democrática.
Há quem estabeleça uma analogia entre a independência destas entidades e a
autonomia das Regiões Autónomas e autarquias locais. No entanto, esta analogia é
improcedente.

A exigência decorrente do princípio democrático de uma ininterrupta cadeia de


legitimação, desde o “povo do Estado” até aos órgãos públicos, através de um
sistema de conexões:
Apesar de a lei ser um meio de garantia da legitimidade democrática, sendo as
entidades administrativas independentes criadas por lei (instrumento de legitimação)
esta será insuficiente porque apesar da legitimidade por ela assegurada, como
qualquer autoridade pública, estas entidades carecem de uma legitimação
organizativo pessoal, que deve suportar toda a AP à luz das exigências do artigo 1°,
artigo 2°, artigo 3°, artigo 6°, artigo 225°, artigo 235°, artigo 237° e artigo 241° da
CRP.
Esta exigência resulta do princípio democrático que exige que exista uma cadeia
ininterrupta de legitimação, desde o povo do Estado até aos órgãos públicos, através
de um sistema de conexões.

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O problema em aberto da falta de legitimação democrática organizativo pessoal de


que padece a Administração Independente:
Quanto à legitimação democrática dos entes públicos menores, é assegurada não
só pela lei mas também através das relações de superintendência e tutela. Isto leva a
que o Governo responda no Parlamento relativamente a todas as atividades dos entes
da sua Administração Indireta porque este tem os mecanismos e poderes
organizativos necessários para corrigir, sancionar e orientar a atividade destes entes,
nomeadamente o poder de nomear/exonerar os órgãos dirigentes dos institutos
públicos, fundações públicas, entidades públicas empresariais. O mesmo não acontece
relativamente às entidades administrativas independentes pois o Governo não tem
meios de controlar ou orientar a sua atividade
Nos termos da Lei-Quadro, o máximo que se poderá fazer é que os responsáveis
das entidades administrativas independentes se dirijam ao Parlamento sempre que
estes os convocar, apesar de nem este órgão ter poderes de corrigir ou sancionar os
órgãos destas entidades.
No que respeita às autarquias, elas gozam de uma legitimação reforçada porque
têm uma legitimação democrática estadual (relações de tutela, reduzida ao mínimo,
sendo tutela inspetiva) e legitimidade democrática direta (advém do povo da
autarquia, que elege os respetivos órgãos autárquicos).
Esta é então uma questão que fica em aberto.

5. Administração autónoma: a Administração autónoma


territorial

Entes públicos territoriais

Estado-Administração (remissão)

Regiões Autónomas:
Em primeiro lugar, surgem as Regiões Autónomas (Açores e Madeiras), que mais
do que uma manifestação da Administração Autónoma manifestam uma
descentralização política e legislativa (gozam de autonomia legislativa e política face ao
Estado português), o que pode levar a dizer que são quase Estados.
Estes entes têm Governo e Parlamento próprios e regem-se por uma lei básica,
com valor reforçado – os estatutos político administrativos próprios.
Poucas distinções se pode fazer relativamente a Estados federados. A diferença diz
respeito ao facto de não lhes ter sido reconhecido poder constituinte próprio. A sua
existência resultou do exercício de um poder constituinte uno, que se lhes sobrepõe.

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Também não dispõem de uma ordem jurisdicional própria, preordenada à aplicação


no seu território do ordenamento jurídico regional.
Tal como o Estado, são entes públicos maiores, o que significa que os órgãos do seu
Governo não estão sujeitos a poderes de tutela administrativa e muito menos de
superintendência, sendo elas próprias a exercer esses poderes sob a Administração
Indireta regional e autarquias locais existentes nos respetivos territórios.
Os Governos Regionais (como cabeça das Administrações regionais) e todos os
serviços ou órgãos que constituem a Administração Direita ou Indireta das regiões
integram a AP.

As autarquias locais (remissão)

Entes públicos territoriais: as autarquias locais, em especial os municípios

Noções gerais:
As autarquias locais são pessoas coletivas públicas de pessoas e território.
Caracterizam-se por agregarem a população de uma determinada parcela do
território do Estado, assentam nesse mesmo. Por outro lado, estão dotadas de órgãos
representativos das respetivas populações (legitimidade democrática representativa
direta).
Por último, visam a prossecução dos interesses próprios das populações, nos
termos do artigo 235º, nº2 da CRP: “As autarquias locais são pessoas coletivas
territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses
próprios das populações respetivas.”.

Autarquias locais e poder local:


As autarquias locais são compostas pelas freguesias, municípios e regiões
administrativas – são a expressão do poder local (trata-se de um poder soberano).
Os protagonistas deste poder local são os municípios, na medida em que as regiões
administrativas ainda não estão instituídas, ao mesmo tempo que as freguesias
mantém um papel modesto na AP.
A descentralização territorial, que se traduz na criação de autarquias locais, é mais
do que uma mera descentralização administrativa porque também apresenta um
significado político, em contrapartida ao âmbito administrativo da descentralização
institucional, que dá origem aos institutos públicos ou associações públicas.
A descentralização política afeta as funções legislativa e executiva. No caso do
federalismo (outra modalidade de descentralização política) também pode afetar a
função jurisdicional.

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Classicamente, entendesse que a descentralização administrativa, que originou as


autarquias locais, só se manifesta na função administrativa/executiva. Em exceção da
reserva da função política no sentido estrito (definição dos superiores interesses da
comunidade política), cada vez mais se revê estas noções.
Tende-se a aceitar que as autarquias são um fenómeno de descentralização bem
como de autonomia política. Sublinha-lhe que dispõe de um poder legislativo próprio,
que compete com o Parlamento, através dos regulamentos autónomos.
Do ponto de vista da sua estrutura, tal como o Estado, partilham uma natureza
política – são “pequenos Estados”. São entidades públicas básicas, superiores,
primárias, fundamentais, originárias e necessárias. São entes matriz de outros sujeitos
públicos de fins específicos.
As freguesias
Quanto às freguesias, têm uma importância diminuta, uma vez que têm
competências e atribuições modestas, ao mesmo tempo que sofrem de um
subfinanciamento crónico.
Dispõem de um órgão deliberativo (assembleia de freguesia) assim como de um
órgão executivo (Junta de Freguesia – órgão eleito pela assembleia de freguesia).

Os municípios: noções prévias:


Quanto aos municípios, são compostos pela assembleia municipal.
A assembleia municipal é um órgão deliberativo que compõe os municípios no
qual subsiste um sistema de representação orgânica por estas não serem apenas
compostas pelos Deputados municipais mas também pelos Presidentes das Juntas de
Freguesia. Este é um traço do regime corporativo que convive com o sistema de
democracia representativa.
Estes órgãos são eleitos separadamente por sufrágio direto e universal, sendo que
vigora um sistema presidencialista (o Presidente e poder executivo têm um poder
hegemónico). No entanto, nem a Câmara nem o seu Presidente têm poder para
dissolver a assembleia municipal, ao mesmo que esta não pode destituir o executivo
municipal (o mesmo não acontece nas freguesias).
Como a assembleia municipal e o Presidente têm idênticas legitimidades
democráticas, não têm o poder de se destituírem mutuamente, o que gera alguns
impasses na vida municipal.

Os municípios – as associações de municípios:


As associações de municípios são uma figura prevista na CRP, sendo de caráter
facultativo, como prevê o artigo 253º: “Os municípios podem constituir associações e
federações para a administração de interesses comuns, às quais a lei pode conferir
atribuições e competências próprias.”.

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Segundo o artigo 236º, nº3: “Nas grandes áreas urbanas e nas ilhas, a lei poderá
estabelecer, de acordo com as suas condições específicas outras formas de organização
territorial autárquica.” – permite a criação de novas autarquias atípicas (que não
estejam previstas na CRP) ou normais associações dos municípios.
As associações dos municípios têm o seu regime da Lei das Autarquias Locais – Lei
nº 75/2013, de 12 de setembro.
O regime destas associações estabelece 2 tipos de associações:
1. Associações de fins múltiplos – são as comunidades intermunicipais, isto é,
pessoas coletivas públicas constituídas por municípios que correspondam a uma
ou mais unidades territoriais definidas com base na nomenclatura de unidade
territorial estatística, da UE, as NUTS III. Têm um órgão de direção, conselho
executivo bem como um secretário executivo, que assegura a gestão corrente;

2. Associações de fins específicos – são pessoas coletivas privadas criadas para a


realização em comuns de fins específicos dos municípios que as integram). Estas
associações podem ainda subdividir-se em 2 tipos:
a) Associações de tipo sindical – são associações de defesa e representação de
interesses comum junto dos órgãos de soberania (exemplo: ANMP – Associação
Nacional de Municípios Portugueses e Associação Nacional de Freguesias, criadas pela Lei
nº54/98, de 18 de agosto)
b) Associações de cooperação – são entidades de cooperação intermunicipal
constituídas para assegurar uma cooperação comum das suas atribuições
próprias).

As Regiões Administrativas:
As Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto também são consideradas
associações de municípios, de pertença obrigatória. Estas regiões não podem ser
consideras autarquias locais porque não possuem órgãos diretamente eleitos pelos
cidadãos – carecem de legitimidade democrática direta.
As áreas metropolitanas são uma instância do poder local que não é
supramunicipal, são sim uma instância intermunicipal por exprimirem uma forma de
cooperação. São ainda uma manifestação da autonomia municipal.
Em jeito de conclusão, no âmbito do poder local, as associações de município são
pessoas coletivas públicas derivadas, secundárias e eventuais – são legitimadas e
suportadas constitucionalmente pelos municípios (pessoas coletivas públicas
originárias, primárias, necessárias).
Nos termos da CRP e da lei, as regiões administrativas têm uma assembleia
representativa e um executivo, designado por Junta Regional. Contudo, ainda não
estão instituídas.

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6. Administração Autónoma: a Administração autónoma


funcional

Razão de ordem

A Administração autónoma funcional é constituída por pessoas coletivas públicas de


tipo corporativo ou associativo.
A sua autonomia face ao Estado é similar ao da Administração autónoma territorial.
Esta divide-se em 2 categorias: associações públicas e instituições públicas de
ensino superior.

Os entes públicos associativos ou associações públicas

Existem vários tipos de associações pública, nomeadamente:


1. Associações públicas de entidades públicas
2. Associações de municípios
3. Associações públicas de entidades privadas – são as que têm maior relevância,
sendo que em Portugal apenas existem 2 subespécies:
a) Associações públicas profissionais ou ordens profissionais
b) Associações dos beneficiários dos sistemas públicas de regas ou associações
de regantes

Existem também associações públicas mistas, que integram tanto associações


públicas como associações privadas. Em Portugal, existe apenas 1 categoria: as
entidades regionais de turismo.

As associações públicas como Administração autónoma:


As associações públicas como como Administração autónoma têm a característica
do substrato cooperativo e eleição dos seus dirigentes por sufrágio universal
igualitário (traço comum com a Administração autónoma territorial).

As associações públicas de entidades privadas – as associações públicas profissionais


ou ordens profissionais:
O legislador remeteu as associações públicas profissionais aos poderes de
superintendência do Governo que lhes confere liberdade e independência no exercício
das atribuições, similar à que a CRP garante às autarquias e universidades públicas.
Assim, associando-as também ao processo de designação dos órgãos dirigentes,
aproximam-se do regime dos entes territoriais.

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As associações públicas estão previstas no artigo 267º, nº3. Para além disso, existe
uma lei geral das associações públicas profissionais – Lei nº2/2013 de 10 de janeiro.
Esta lei fixa o regime comum de criação, organização e funcionamento das
associações públicas, ao mesmo tempo que determina que os fins prosseguidos pelas
associações públicas são sempre fins públicos relacionados com os interesses gerais da
profissão e dos utentes. Já não se tratam de interesses privados ou socio profissionais
como acontecia até há bem pouco tempo.
Podem ser criadas por lei, quando seja necessário que uma profissão seja objeto de
controlo ou regulação especial porque os seus profissionais estão sujeitos a normas
técnicas (legis artis) e a regras deontológicas específicas, pelo que a associação
pública será uma entidade reguladora que vai zelar pelo cumprimento dessas normas
e regras.
A lei proíbe o numerus clausus, o sistema de acreditação de cursos universitários.
Quanto aos aspetos organizativos, está prevista a possibilidade de um provedor os
destinatários dos serviços profissionais.
Apenas estão sujeitas a tutela (de legalidade), pelo que os regulamentos de acesso
à profissão assim como de acesso à especialidade estão sujeitos à regulação tutelar.

Associações públicas de entidades privadas – as associações de regantes:


O regime das associações de regantes está fixado no decreto regulamentar nº
84/82, de 4 de novembro, ao abrigo do artigo 90º, nº1 do DL nº 269/82.

Entes públicos com duplo substrato (institucional e corporativo): as


instituições de ensino superior público

Estas instituições são compostas por universidades e institutos politécnicos.


Têm uma dimensão mista, na medida em que são simultaneamente instituições
públicas e associações públicas porque os seus órgãos são eleitos e uma comunidade
substrato composta por estudantes, professores e funcionários.
Prosseguem fins estaduais. Algumas têm estrutura de instituto público e outras de
fundação pública de Direito Privado (exemplo: Universidade do Porto.).

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Capítulo II: Relações interorgâncias

1. As relações interorgânicas internas: em especial, a hierarquia


administrativa

Noções introdutórias

As relações interorgânicas são relações jurídicas organizatórias, que estabelecem


vínculos jurídicos que se traduzem em posições de poder e de sujeição (posição ativa e
passiva).
Existem 2 tipos de relações interorgânicas:
1. Externas – os vínculos são estabelecidos entre órgãos de 2 ou mais pessoas
coletivas públicas;
2. Internas – articulam órgãos da mesma pessoa coletiva.

No que respeita às relações interorgânicas internas, as pessoas coletivas atuam


através de órgãos (instâncias decisórias) e serviços (instâncias de apoio aos órgãos,
que executam as suas decisões).
Os órgãos e serviços de cada pessoa coletiva articulam-se através da hierarquia –
típico vínculo intrasubjetivo.
A hierarquia é a modalidade regra da articulação de órgãos e serviços dentro da
pessoa coletiva pública.
Resulta da organização vertical ou hierárquica dos serviços públicos, o que significa
que se estruturam em forma de árvore invertida (ou pirâmide). A árvore invertida é o
esquema que melhor traduz a hierarquia pela interseção de ramos, que traduz a
interseção na cadeia hierárquica dos vários órgãos e serviços. A hierarquia só tem
caráter vinculativo em relação a estas interseções (exemplo: Um Diretor-Geral não é superior
hierárquico de um Diretor de serviços que esteja dependente de outro Diretor-geral, mesmo que seja
no mesmo Ministério. Só é superior hierárquico dos Diretores de serviços que dele dependam.).
À medida que se vai descendo na cadeia hierárquica existe uma diminuição dos
poderes. São atribuídos poderes de decisão ao longo da escala.
Em regra, todo o superior hierárquico dispõe da totalidade das competências dos
seus inferiores, isto é, mesmo que a lei atribua expressamente uma competência a um
subalterno e nada diga quanto à competência dos superiores hierárquicos, ela será
comum com os órgãos superiores da hierarquia – a competência é própria e não
exclusiva, por outras palavras, é partilhada (em regra). Excetua-se apenas a
competência exclusiva.

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Em conclusão, a hierarquia é o vínculo através do qual se articulam intensamente os


órgãos de cada pessoa coletiva pública. Traduz-se num poder de direção do superior
hierárquico, com o correspondente estado de sujeição do subalterno (dever de
obediência).
A hierarquia é compatível com a desconcentração, sendo o seu travão. A
desconcentração de poderes traduz-se na atribuição de poderes decisórios a
instâncias intermédias, que adquirem a capacidade de praticar atos administrativos
das matérias dos poderes desconcentrados. Quando a lei lhes atribui competências,
estas instâncias passam a ser verdadeiros órgãos (exemplo: Isto acontece com simples
serviços desconcentrados que não decidem mas recebem requerimentos, instruem e a decisão é
tomada pelos serviços competentes.). Um órgão passa a sê-lo a partir do momento em que a
lei lhe atribui competências.
Importa distinguir dentro de cada pessoa coletiva a hierarquia própria da hierarquia
imprópria, pelo que a hierarquia própria transforma-se em hierarquia imprópria
quando:
 O órgão intermédio tem natureza colegial;
 Existência de uma lei de habilitação, que prevê a delegação de competências (o
órgão delegado, sempre que exerça a competência delegada, nesse âmbito
desaparece a hierarquia dando lugar à hierarquia imprópria, feixe mais reduzido
de poderes/deveres);
 O órgão subalterno recebe uma competência exclusiva atribuída pela lei (NOTA: O
caráter exclusivo da competência tem de estar inequívoco na lei.).

Nestes casos, desaparece o poder de emanação de ordens, o mais importante


atributo do superior hierárquico.
Na hierarquia imprópria mantem-se na esfera do superior poderes de direção e
supervisão, pelo menos o poder de anular o ato praticado pelo subalterno.

Competências do superior hierárquico

Noções gerais:
O superior hierárquico pode, no seu conjunto de poderes que podem ser
designados de direção em sentido amplo, e englobam: poder de direção em sentido
estrito (ou poder de decisão), poder de substituição, poder disciplinar, poder de
supervisão, poder de inspeção e o poder de decidir conflitos de competência.

O conjunto de poderes de direção (em sentido amplo) do superior hierárquico:


Todos estes poderes são presumidos, pelo que não carecem de previsão legal
expressa.

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a) Poder de decisão (ou poder de direção em sentido estrito)


Este poder exerce-se sobre pessoas e traduz-se numa faculdade de dar ordens
(decisões individuais e concretas), dar instruções genéricas (comandos gerais e
abstratos) assim como emanar diretivas/orientações para que o subalterno guia a sua
atividade de acordo com elas.
Estas instruções que o superior impõe ao subalterno na sua atuação podem ser
dadas verbalmente ou por escrito. Na prática administrativa, as instruções genéricas
designam-se como circulares.
As diretivas e orientações são comandos vinculativos apenas enquanto aos fins,
isto é, aos resultados a alcançar, o que deixa aos subalternos a escolha dos meios.
Recorda-se que todos estes atos são internos, o que significa que não se
manifestam na esfera de terceiros. É certo que o subalterno, no cumprir do seu dever
de obediência, pode desenvolver uma competência externa num certo sentido, ou
seja, é uma ordem interna que acabará por ter efeitos externos mas que não fará com
que seja uma decisão externa. O mesmo acontece com as instruções genéricas, meros
regulamentos internos.
No entanto, isto não significa que estes atos não sejam jurídicos. Tratam-se de atos
jurídicos na medida em que existem consequências quanto à sua violação,
nomeadamente uma infração disciplinar. Efetivamente, os efeitos jurídicos esgotam-
se dentro da pessoa coletiva.
É o poder de decisão que verdadeiramente funda a posição hierárquica, dando
caráter à hierarquia.
Quer o subalterno quer o superior hierárquico prosseguem o mesmo fim público,
as mesmas atribuições, que exercem através das competências de que são titulares.
Ainda assim, o superior define-se através do modo ou modalidade dos atos que toma
na prossecução do fim público. Já o subalterno terá de desenvolver a atividade do
modo pretendido pelo superior hierárquico.

b) Poder de substituição
Está entregue ao superior hierárquico e traduz-se no poder de ele se substituir ao
subalterno, nomeadamente no que diga respeito a competências exclusivas (apenas
em casos de grave e prolongada inércia/inatividade do subalterno).
É um poder sobre pessoas e não sobre atos, o que leva a um afastamento do
substituído das funções públicas.
Neste caso, será o órgão substituto que vai acumular nas suas funções as funções
do órgão substituído (NOTA: Distingue-se do poder de modificar ou substituir o ato praticado pelo
subalterno, que se trata de um poder sobre atos e não sobre pessoas.).
O poder de substituição é praticado a priori, já o poder de modificar ou substituir
atos praticados por um subalterno é praticado a posteri (o ato já praticado vai ser
modificado o que poderá ser uma substituição parcial ou substituído totalmente por
um segundo ato – ato secundário).

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c) Poder disciplinar
É um poder sobre pessoas.
Consiste na faculdade de, depois de uma verificação direta (inquérito) da prática ou
da notícia/indício credível que comprovem uma eventual infração, aplica-se a sanção
disciplinar correspondente à infração praticada (traduz-se necessariamente na
violação pelo subalterno dos deveres funcionais a que está sujeito nos termos da lei
geral do trabalho em funções públicas – dever de obediência, correção, lealdade, etc.).
Por vezes, durante o inquérito, o poder de determinar, instaurar e instruir o
processo disciplinar é atribuído a um determinado superior hierárquico e o poder de
aplicar é dado a outro órgão, situado num grau superior na hierarquia – poderes
distribuídos e não concentrados.
É um poder de supremacia, conexo com o poder de decisão. Traduz-se numa
garantia do cumprimento das ordens e instruções. Tanto o sujeito ativo como o
passivo do poder disciplinar se orientam para prosseguir o fim, embora em planos
distintos.
Os fins do poder disciplinar é restabelecer o normal funcionamento do
serviço/organização, uma vez que o problema da infração disciplinar se traduz numa
conduta que perturba o serviço. Este poder irá servir apenas para o restabelecimento
da ordem do serviço, estando despido de considerações éticas, o que leva a uma clara
distinção em relação ao ilícito profissional ou penal.
Mesmo no caso em que a situação de emprego público se faz através de contratos
de emprego público, o poder disciplinar continua a apoiar-se na lei e não no contrato,
ao contrário do que acontece no poder disciplinar laboral, que se baseará, em
princípio, no contrato de trabalho.

d) Poder de supervisão
Este é um poder sobre atos (e não sobre pessoas) que consiste na capacidade de o
superior hierárquico revogar, anular, suspender, modificar ou substituir os atos
praticados pelo subalterno.
Pode ser exercido oficiosamente através da avocação ou na sequência de
interposição pelo destinatário do ato (particular) de um recurso hierárquico. Neste
caso, passa a ser um poder de decidir recursos.
Este poder vem regulado no CPA, na parte relativa ao ato administrativo.

e) Poder de inspeção
É um poder de fiscalização através do qual o superior fiscaliza a atividade do
subalterno, através de inquéritos, sindicâncias e auditoras, tratando-se de um poder
instrumental dos anteriores porque é através deste que o superior obtém a adequada
informação sobre o modo como o subalterno desenvolve a sua atividade. Só depois de
obtida esta informação exercerá os seus poderes de decisão, substituição, disciplinar
ou supervisão.

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Está previstos nas leis orgânicas dos Ministérios, que regulam os respetivos
serviços inspetivos.

f) Poder de decidir conflitos de competência


Também este poder se encontra regulado no CPA.
Manifesta-se no poder do superior hierárquico, em caso de conflito positivo ou
negativo, decidir o órgão competente para atuar na matéria em causa.
Tem natureza jurisdicional porque se trata de decidir de forma neutra qual a
interpretação da lei. O superior hierárquico exerce um poder jurisdicional em 1ª
instância porque a sua decisão é sempre recorrível aos tribunais.

CONCLUSÃO: A todos estes poderes correspondem deveres do subalterno.

2. As relações interorgânicas externas: superintendência e


tutela

Noções gerais

As relações interorgânicas externas podem manifestar-se na forma de


superintendência ou de tutela. Ambas são contrapartidas da descentralização, quer da
descentralização propriamente dita (o único admissível é o da tutela) quer da
descentralização funcional /de serviços ou devolução de poderes, que se manifesta
tanto na tutela como na superintendência.
A tutela e a superintendência são subprincípios que se reconduzem ao princípio da
unidade da Administração e que asseguraram as necessárias ações da Administração.

Relação de superintendência

A relação de superintendência traduz-se numa relação intersubjetiva entre dois


entes públicos, manifestando-se no poder do órgão administrativo territorial e
subordinado de emitir diretivas cujo destinatário será o órgão dirigente do ente
administrado (infra ordenado), de modo a orientar a sua atividade. Manifesta-se no
poder de orientação da pessoa coletiva pública matriz sobre a pessoa coletiva pública
infra ordenada.
Assenta em 2 pressupostos, com conexão entre si:

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1º Os fins do ente superordenados são os mesmos do ente infra ordenado – os


entes infra ordenados prosseguem fins próprios do ente superordenado. O ente
matriz não perde as atribuições, apenas deixa de as exercer porque elas são
confiadas. A partilha de fins é tao importante que acarreta consequências: a
interpretação restritiva da norma do CPA que diz que é nulo o ato que viole
atribuições de outra pessoa coletiva pública (exemplo: Quando um Ministro pratica um
ato de um Instituto Público que está na sua tutela, o ato não pode ser admitido.);
2º Responsabilidade dos órgãos dirigentes do ente superentendido perante o
órgão executivo do poder superordenado – o órgão superintendente dispõe
sempre do poder de nomear/exonerar livremente os dirigentes do ente
superentendido. É este poder que assegura a efetividade da responsabilização;

Conclui-se, por isso, que a superintendência é um poder de direção enfraquecido,


que exclui o poder de dar ordens (exemplo: Sempre que um Ministro dá uma ordem a um
Presidente de um Instituto Público comete a uma ilegalidade porque desrespeita a autonomia do
instituto público.).
Os poderes de superintendência presumem-se (NOTA: Freitas do Amaral não apoia este
perspetiva. Já o Prof. Pacheco Amorim considera que a superintendência se presume). Na visão do
Prof. Pacheco Amorim, o poder que o artigo 199º da CRP atribui ao Governo,
Governos regionais e câmaras de superintendência da Administração Indireta. Apenas
é admissível que a lei afaste o poder de superintendência quando isto se justifique.

Relação de tutela

Noções gerais:
É uma relação interorgânica externa, ou seja, estabelece-se em torno de pessoas
coletivas públicas distintas, como contrapartida da descentralização. Trata-se de um
conjunto de poderes conferidos por lei a um órgão executivo.
Em regra, o poder tutelar não se presume, excecionando-se apenas dois casos. São
poderes de controlo e intervenção da pessoa coletiva pública territorial de fins
múltiplos, relativamente ao funcionamento dos órgãos de outra pessoa coletiva. Visa-
se conciliar os interesses da pessoa tutelada com os interesses mais amplos da pessoa
tutelar.

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Tipos de Tutela Administrativa:

a) Tipos de tutela quanto ao parâmetro do controlo: tutela de mérito e tutela de


legalidade
A tutela pode assumir distinguir-se em:
 Tutela de mérito – é mais forte. Através destes mecanismos, o órgão tutelar
verifica a autoridade, mérito e conveniência da atividade executada pelo órgão
tutelado, restringindo a sua autonomia quando entender que a atividade
desenvolvida pelo ente tutelado viola regras de mérito, conveniência,
oportunidade, boa administração;

 Tutela de legalidade – restringe-se a uma simples verificação da (i)legalidade da


atividade do ente tutelado. Dos entes com autonomia consagrada (autarquias
locais e universidades públicas), a CRP afasta expressamente a possibilidade de a
lei instituir a tutela de legalidade, em homenagem à autonomia
constitucionalmente consagrada. No entanto, isto não significa que a lei não possa
estabelecer uma tutela de legalidade para outros entes, tais como as associações
públicas (sujeitas a uma mera tutela de legalidade, designadamente as associações
públicas profissionais).

b) Tipos de tutela quanto ao conteúdo do controlo: tutelas substitutiva, inspetiva,


integrativa, revogatória e sancionatória
Quanto ao conteúdo, o controlo do poder de tutela pode assumir as seguintes
modalidades:
 Tutela substitutiva – poder de a entidade tutela suprimir as omissões da entidade
tutelada, praticando por ela os atos legalmente devidos. O ente tutelar atua na
vez do ente tutelado, no sentido dos interesses públicos conferidos por lei à
entidade tutelada;

 Tutela integrativa – poder de a entidade tutelar autorizar atos a praticar (incide


sobre um mero projeto de ato – a autorização é prévia) ou traduz-se no poder de
aprovar atos já praticados pelo órgão tutelado. O ato e ineficaz enquanto não for
aprovado pela entidade tutear;

 Tutela inspetiva – poder de fiscalizar. Assinala-se que sobre as autarquias locais


apenas existe a tutela inspetiva (a tutela está reduzida ao mínimo). A Inspeção-
Geral de Finanças é a entidade competente pela tutela inspetiva das autarquias
locais;

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 Tutela revogatória – poder de revogar/suspender e ou até, em caso extremo,


modificar/substituir os atos praticados pela entidade tutelada, na sequência de
um recurso tutelar. O CPA caracteriza esta tutela como excecional porque põe em
causa a autonomia do ente tutelado;

 Tutela sancionatória – poder de a entidade tutelar impor sanções não


disciplinares à entidade tutelada pelas irregularidades cometidas. Pode traduzir-se
na perda de mandato do titular do órgão tutelado ou na dissolução de todo o
órgão. O Governo já não tem poderes de tutela sancionatória às autarquias locais,
tendo sido confiados apenas aos tribunais, nos termos da Lei de tutela das
autarquias locais. Este tipo de tutela só se aplica à Administração Autónoma
(autarquias locais, universidades públicas e associações públicas), na medida em
que relativamente à Administração Indireta o Governo pode demitir os titulares
dos órgãos, designadamente por justa causa.

c) Tipos de tutela quanto à intensidade do controlo: tutela forte e tutela fraca


Relativamente à intensidade de controlo podemos distinguir:
 Tutela forte – incide na substância das atribuições do ente tutelado. São
mecanismos de controlo e intervenção relacionados com a substância das
atribuições e funções desempenhadas pelo ente tutelado. A lei pode consagrar
mecanismos de controlo tutelar que não incidam sobre as competências do ente
tutelado mas sim sobre poderes instrumentais, de caráter financeiro ou
patrimonial;

 Tutela fraca – na sequência do controlo tutelar sobre poderes instrumentais,


mesmo que seja uma tutela de mérito, é compatível com a autonomia das
universidades públicas e com a independência das entidades reguladoras
independentes. Por outras palavras, os mecanismos de tutela fraca, que incidem
sobre questões financeiras ou patrimoniais

Associado encontramos 2 tipos de intensidade de superintendência: a


superintendência forte e a superintendência fraca.
É admissível que num primeiro nível de densificação da política geral do Governo
possa ser instrumento de uma diretiva genérica, o que é compatível com autonomia
do ente superentendido. O Governo não tem mecanismos de assegurar esta
independência genérica.

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FDUP - Faculdade de Direito da Universidade do Porto

d) Regime jurídico da Tutela Administrativa


A tutela deve estar expressamente prevista na lei, à exceção de dois casos que
decorrem do princípio da unidade do Estado:
1. Exceção em relação à tutela substitutiva – o ente tutelar, perante persistência
do ente público menor está autorizado e obrigado a substituir-se ao ente infra
ordenado sem aguardar por uma decisão judicial;

2. Exceção em relação aos poderes mínimos – o Prof. Pacheco Amorim defende


que se aplica às ordens profissionais o controlo da tutela mínima, o que decorre
do princípio da unidade do Estado. Nem sempre isto aconteceu mas hoje a lei
das associações públicas profissionais prevê este controlo.

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