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Direito da Organização

Administrativa
Resumo do Livro

Florian Leichtenmüller
Direito da Organização Administrativa
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Direito da Organização Administrativa


Resumo do Livro

Matéria para a Frequência

Parte I – Introdução
I – Administração Pública

1. Conceito de Administração
1.1. As necessidades coletivas e a administração pública
Quando falamos de administração pública, tem-se presente todo um conjunto de necessidades
coletivas cuja satisfação é assumida como tarefe fundamental pela coletividade. Para a satisfação dessas
necessidades coletivas exige avultados meios humanos e materiais. Onde quer que exista e se
manifeste com intensidade suficiente uma necessidade coletiva, aí surgirá um serviço público
destinado a satisfazê-la, em nome e no interesse da coletividade.
Temos de ter a atenção de que nem todos os serviços que funcionam para a satisfação das
necessidades coletivas têm a mesma origem: uns são criados e geridos pelo Estado (ex: polícia,
impostos), outros são entregues a organismos autónomos que se autossustentam financeiramente
(ex: hospitais, portos, etc.), outros ainda são entidades tradicionais de origem religiosas hoje
assumidas pelo Estado (Universidades). Destes serviços, alguns são mantidos e administrados pelas
comunidades locais autárquicas (ex: limpeza, abastecimento público), outros assegurados em
concorrência por instituições públicas e particulares (ex: escolas, estabelecimentos de saúde, etc.), e
etc. No fundo o que referir é que, mesmo sendo de outras origens, todos os serviços existem e
funcionam para a mesma finalidade – a satisfação das necessidades coletivas.
Basicamente temos três espécies de necessidades coletivas: a segurança, a cultura, o bem-estar. A
justiça fica excluída do âmbito administrativo, uma vez que pertence ao poder judicial.
Às demais necessidades coletivas, entram todas na esfera administrativa e dão origem ao conjunto,
vasto e complexo, de atividades e organismos a que se chama administração pública.

1.2. Os vários sentidos da expressão «administração pública»


Existem dois sentidos:
1) Organização – a administração pública surge como sinónimo de organização
administrativa – em sentido orgânico ou subjetivo.
2) Atividade – administração pública como sinónimo de atividade administração – em sentido
material ou objetivo.
Basicamente, este conjunto vasto e complexo de organismos, não é mais do que um sistema de
serviços e entidades (em sentido orgânico ou subjetivo), que atuam por forma regular e contínua
para a completa satisfação das necessidades coletivas (em sentido material ou objetivo).

1.3. Administração Pública em sentido orgânico


O Estado é a principal entidade de entre as que integram a Administração, o Governo é o mais
importante órgão administrativo do país, os ministérios, direções-gerais e repartições públicas são
serviços da maior relevância no panorama administrativo, e os funcionários civis são o maior corpo de

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elementos humanos ao serviço da Administração. Mas isto tudo não passa de uma parte da
Administração Pública no seu conjunto.
Estas figuras não esgotam o âmbito da própria administração central do Estado (instituições
militares, forças de segurança). Por outro lado, o Estado não é composto apenas por órgãos e serviços
centrais (localizados em Lisboa), também compreende órgãos e serviços locais espalhados pelo litoral
e no interior (regiões autónomas, distritos, concelhos), onde desenvolvem por forma desconcentrada
funções de interesse geral ajustadas às realidades locais. A Administração Pública não se limita ao
Estado: a atividade administrativa não é uma atividade exclusiva do Estado. Existem outras instituições
que têm personalidade própria, e constituem por isso entidades política, jurídica e sociologicamente
distintas (o caso dos municípios, das freguesias, das regiões autónomas, das associações públicas,
entre outras). Ainda temos casos em que a própria lei admite que a atividade administrativa seja
exercida por particulares.
Podemos então definir Administração Pública como o sistema de órgãos, serviços e agentes do
Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, e de algumas entidades privadas, que
asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de
segurança, cultura e bem-estar.
Concluímos, que a Administração Pública em sentido orgânico compreende duas realidades: as
pessoas coletivas públicas e os serviços públicos (organizações com personalidade jurídica); e os
funcionários e agentes administrativos (indivíduos).
Chama-se função pública, ao conjunto dos indivíduos que trabalham como profissionais
especializados ao serviço da Administração.

1.4. Administração Pública em sentido material


Neste sentido, a administração pública é uma atividade. É a atividade de administrar, ou seja, de
tomar decisões e efetuar operações com vista à satisfação regular de determinadas necessidades,
obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes.
Podemos então definir a administração pública, neste sentido, como a atividade típicas dos
serviços públicos e agentes administrativos desenvolvida no interesse geral da coletividade, com vista à
satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar, obtendo
para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes. É, portanto, uma
atividade regular, permanente e contínua de poderes públicos com vista à satisfação de necessidades
coletivas.
Como já se disse, os fins da Administração Pública são: a segurança, a cultura, e o bem-estar
económico e social (que também são fins do Estado). E é isto que esta tem de garantir: a satisfação
desses mesmos fins (vistos como necessidades coletivas).

1.5. Administração Pública vs Administração Privada


A administração pública e a administração privada distinguem-se pelo objeto sobre que incidem,
pelo fim que visam prosseguir, e pelos meios que utilizam.
Quanto ao objeto, a administração pública versa sobre as necessidades coletivas assumidas como
tarefa e responsabilidade própria da coletividade. Já a administração privada incide sobre
necessidades individuais ou necessidades que não atingem, contudo, a generalidade de uma
coletividade inteira. Mas pode haver casos em que o objeto de uma administração privada coincide
com o da administração pública.
Quanto ao fim, a administração pública tem necessariamente de prosseguir o interesse público, é
o único fim que as entidades públicas e os serviços públicos podem legitimamente prosseguir. A
administração privada tem em vista fins pessoais ou particulares, que podem ser tanto fins lucrativos
como fins não económicos.
Quanto aos meios, os particulares são juridicamente iguais entre si e, em regra, não podem impor
uns aos outros a sua própria vontade, salvo se for num contrato. O contrato é o instrumento jurídico
típico das relações privadas. Mas o contrato não é um instrumento da administração pública. A

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administração pública tem meios de autoridade, que possibilitam às entidades e serviços públicos
impor-se aos particulares sem ter de aguardar o seu consentimento ou fazê-lo contra a sua vontade. A
administração pública encontra-se limitada nas suas possibilidades de atuação por restrições,
encargos e deveres especiais, de natureza jurídica, moral e financeira.

1.6. Administração Pública e as funções do Estado


1) Política e administração pública
A política tem um fim específico: definir o interesse geral da coletividade. Já a
administração pública existe para prosseguir outro objetivo: realizar em termos concretos o
interesse geral definido pela política.
A política tem uma natureza criadora, cabendo-lhe inovar no desenvolvimento e
conservação da comunidade. A administração tem uma natureza executiva, ou seja, põe em
prática as orientações tomadas a nível político. É por isso que a política reveste caráter livre e
primário, enquanto que a administração tem um caráter condicionada e secundário, estando
subordinada às orientações da política e da legislação.
A política pertence aos órgãos superiores do Estado, enquanto que a administração está
sujeita à direção/fiscalização desses órgãos e entregue a órgãos secundários e subalternos.
Os órgãos políticos são diretamente eleitos pelo povo, ao passo que os órgãos
administrativos são nomeados/eleitos por colégios eleitorais restritos. Em relação ao Governo,
este é simultaneamente um órgão político (eleito pelo povo) e administrativo (está
subordinado à Assembleia da República).
A administração pública, como é óbvio, sobre influência direta da política, na medida que
as suas funções e meios variam conforme a opção política fundamental (quer seja,
conservador, liberal ou socialista). A administração pública é que executa e desenvolve as
ideias políticas.

2) Legislação e administração pública


A função legislativa encontra-se no mesmo plano/patamar que a função política. A
legislação também define opções, objetivos, normas abstratas, enquanto que a administração
pública executa, aplica e põe em prática o que lhe é superiormente determinado. A
administração pública é uma atividade totalmente subordinada à lei: a lei é o fundamento, o
critério e o limite de toda a atividade administrativa.
Há casos de leis que materialmente contêm decisões de carater administrativo, e há atos
administrativos que materialmente revestem todos os carateres de uma lei, faltando-lhes
apenas a forma e a eficácia da lei.

3) Justiça e administração pública


Estas duas funções têm importantes traços comuns: ambas são secundárias, executivas,
subordinadas à lei. Mas distinguem-se pelo simples facto de: uma consistir em julgar e a outra
em gerir.
A justiça visa aplicar o direto aos casos concretos, a administração pública visa prosseguir
interesses gerias da coletividade.
A justiça aguarda passivamente que lhe tragam os conflitos sobre que tem de pronunciar-
se; a administração pública toma ativamente a iniciativa de satisfazer as necessidades
coletivas que lhe estão confiadas. A justiça está acima dos interesses, não é parte nos conflitos
que decide; a administração pública defende e prossegue os interesses coletivos a seu cargo, é
parte interessada.
A justiça é assegurada por tribunais cujos juízes são independentes no seu julgamento e
inamovíveis do seu cargo. Já a administração pública é exercida por órgãos e agentes
hierarquizados, de modo que em regra, os subalternos dependem dos seus superiores e
podendo ser transferidos ou removidos livremente para cargo ou lugar diverso.

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Há casos em que a administração pública pode em certos atos praticar atos


jurisdicionalizados (ex: decisões punitivas, sancionatórias, etc.) e casos em que os tribunais
comuns praticam atos materialmente administrativos (ex: processos de jurisdição voluntária).
Para além do princípio da submissão da administração pública à lei, também temos o
princípio da submissão da administração pública aos tribunais, para apreciação e fiscalização
dos seus atos e comportamentos.
Conclusão: podemos dizer que a administração pública, no seu sentido material ou objetivo, é a
atividade típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização do poder político,
desempenham em nome da coletividade a tarefa de prover à satisfação regular e contínua das
necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social, nos termos estabelecidos
pela legislação aplicável e sob o controlo dos tribunais competentes.

2. Sistemas Administrativos
2.1. Sistema administrativo anglo-saxónico/britânico/ de administração judiciária
As caraterísticas do sistema administrativo de tipo britânico são:
1) Separação dos poderes – o Rei foi impedido de resolver questões de natureza contenciosa,
por força da lei de abolição da Star Chamber (1641), e foi proibido de dar ordens aos
juízes, transferi-los ou demiti-los, mediante o Act of Settlement (1701);
2) Estado de Direito – O Rei ficou subordinado ao direito, em especial ao direito
consuetudinário, resultante dos costumes sancionados pelos tribunais (common law). O
Bill of Rights determinou que o direito comum seria aplicável a todos os ingleses em
qualquer parte da Grã-Bretanha, inclusive o Rei. Visto como Rule of Law (Império do
direito).
3) Descentralização – cedo se praticou a distinção entre a administração central e a
administração local. As autarquias locais gozavam de uma ampla autonomia face a uma
intervenção central diminuta. Não se consideravas que as autarquias locais fossem meros
instrumentos do governo central, eram encaradas como entidades independentes,
verdadeiros governos locais.
4) Sujeição da Administração aos tribunais comuns – a Administração Pública acha-se
submetida ao controlo jurisdicional dos tribunais comuns.
5) Subordinação da Administração ao direito comum – tanto o Rei como os seus conselhos e
funcionários regem-se pelo mesmo direito que os cidadãos anónimos. Todos os órgãos e
agentes administrativos estão submetidos ao direito comum, o que significa que por via de
regra não dispõem de privilégios ou de prerrogativas de autoridade pública.
6) Execução judicial das decisões administrativas – a Administração Pública não pode
executar as suas decisões por autoridade própria. Em caso de litigio com o particular, tem
de recorrer a um tribunal comum e esperar pela sentença, ou seja, a Administração
Pública não tem força executória própria.
7) Garantias jurídicas dos particulares – os cidadãos dispõem de um sistema de garantias
contra as ilegalidades e abusos da Administração Pública. O particular pode recorrer a um
tribunal superior, o King’s Bench, e pedir um mandado ou uma ordem do tribunal para que
a Administração deixe de fazer alguma coisa. O juiz não pode anular decisões, apenas
pode ordenar às autoridades administrativas que cumpram a lei.
Tem o nome de sistema de administração judiciária, dado o papel influente nele exercido
pelos tribunais.

2.2. Sistema administrativo francês ou de administração executiva


As suas principais caraterísticas são:

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1) Separação dos poderes – com a Revolução Francesa foi proclamado o princípio da


separação dos poderes, com todos os seus corolários materiais e orgânicos. A
administração ficou separada da Justiça.
2) Estado de Direito – não se estabeleceu apenas a separação de poderes, mas enunciaram-
se solenemente os direitos subjetivos públicos invocáveis pelo indivíduo contra o Estado: a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
3) Centralização – foi necessário construir um aparelho disciplinada, obediente e eficaz, para
se impor novas ideias, para implementar reformas políticas, económicas e sociais. Nesse
aparelho os funcionários da administração central são organizados segundo o princípio da
hierarquia; o território francês é dividido em cerca de 80 departamentos chefiados por
prefeitos, de livre nomeação governamental, que formam uma poderosa administração
local do Estado; e os próprios municípios perdem autonomia administrativa e financeira,
sendo dirigidos por um maire, nomeado pelo Governo e assistido por um conselho
municipal, também nomeado e ambos na dependência do prefeito. As autarquias locais
não passam de instrumentos administrativos do poder central.
4) Sujeição da Administração aos tribunais administrativos – em 1790 e 1795 os juízes foram
proibidos de conhecer os litígios contra as autoridades administrativas, e em 1799, foram
criados os tribunais administrativos, que não eram verdadeiros tribunais, mas órgãos
administrativos, independentes e imparciais, incumbidos de fiscalizar a legalidade dos atos
da Administração e de julgar o contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade
civil.
5) Subordinação da Administração ao direito administrativo
6) O privilégio da execução prévia – o direito administrativo confere à Administração Pública
um conjunto de poderes exorbitantes sobre os cidadãos, sendo o mais importante o
privilégio de execução prévia, que permite à Administração executar as suas decisões por
autoridade própria. Quando um órgão da Administração francesa toma uma decisão
desfavorável a um particular e se este não a acata voluntariamente, o órgão pode por si só
empregar meios coativos para impor o respeito pela sua decisão, sem recorrer a um
tribunal, ou seja, as decisões unilaterais da Administração Pública têm força executória
própria.
7) Garantias jurídicas dos particulares – o sistema francês oferece aos particulares um
conjunto de garantias jurídicas contra os abusos e ilegalidades da Administração Pública,
que são efetivadas pelos tribunais administrativos. Mas como os tribunais são
independentes e, portanto, a Administração é independente dos tribunais, apenas podem
anular um ato ilegal, mas não podem proibir a Administração de proceder de uma
determinada forma, nem a condenar por uma determinada decisão. E por isso são as
autoridades administrativas que decidem como e quando hão-de executar as sentenças
que hajam anulado os seus atos.
Este sistema é um sistema de administração executiva, dada a autonomia aí reconhecida ao
poder executivo relativamente aos seus tribunais.

Resumindo:
▪ Semelhanças: ambos consagraram a separação de poderes e o Estado de Direito.

▪ Diferenças:
a) Quanto à organização administrativa, o inglês é um sistema descentralizado, já o
francês é centralizado;
b) Quanto ao controlo jurisdicional da Administração, o inglês entrega-o aos
tribunais comuns e o francês aos tribunais administrativos. Em Inglaterra há
unidade de jurisdição, em França existe dualidade de jurisdições;

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c) Quanto ao direito regulador da Administração, no tipo britânico é o direito


comum (basicamente é direito privado), mas no tipo francês é o direito
administrativo (direito público);
d) Quanto à execução das decisões administrativas, o inglês depende da sentença
do tribunal, e o francês atribui autoridade própria a essas decisões e dispensa a
intervenção prévia de qualquer tribunal;
e) Quanto às garantias jurídicas dos particulares, o sistema britânico confere aos
tribunais comuns amplos poderes de injunção (obrigação) face à Administração,
que lhes fica subordinada como a generalidade dos cidadãos; já a França só
permite aos tribunais administrativos que anulem as decisões ilegais das
autoridades ou as condenem ao pagamento de indemnizações, sendo a
Administração independente do poder judicial.

2.3. Evolução e situação atual dos dois sistemas


Os dois sistemas não pararam no tempo. E a evolução ocorrida no século XX veio a determinar
uma aproximação relativa dos dois sistemas, nos seguintes aspetos:
a) Quanto à organização administrativa: a administração britânica tornou-se mais
centralizada, dado o grande crescimento da burocracia central, a criação de
vários serviços locais do Estado, e a transferência de tarefas e serviços antes
executados a nível municipal para órgãos de nível regional, estes mais sujeitos do
que aqueles à tutela e à superintendência do Governo. A administração francesa,
foi gradualmente perdendo a sua anterior centralização, aceitando a autonomia
dos corpos intermédios, a eleição livre dos órgãos autárquicos, uma certa
diminuição dos poderes dos prefeitos e uma vasta reforma descentralizadora que
transferiu numerosas e importantes funções do Estado para as regiões.

b) Quanto ao controlo jurisdicional da Administração: na Inglaterra surgiram os


tribunais administrativos (ainda que diferentes do modelo francês), mas a
administração continua sujeita ao controlo dos tribunais comuns. Já em França,
houve um aumento das relações entre os particulares e o Estado, submetidas à
fiscalização dos tribunais judiciais.

c) Quanto ao direito regulador da Administração: deu-se uma aproximação entre os


dois sistemas, na Inglaterra começou a aparecer milhares leis administrativas. Na
França, a administração teve de passar a atuar sob a proteção do direito privado.

d) Quanto à execução das decisões administrativas: na Inglaterra foram criados os


tribunais administrativos, que não são autênticos tribunais, mas sim órgãos
administrativos independentes, criados junto da Administração central, para
decidir questões de direito administrativo que a lei manda resolver por critérios
de legalidade estrita (pensões sociais, águas, urbanismo, etc.). As decisões destes
tribunais são obrigatórias para os particulares. Já no caso francês, a administração
concede aos particulares a possibilidade de obter dos tribunais administrativos a
suspensão da eficácia das decisões unilaterais da Administração Pública: muitas
das decisões só vêm a ser executadas se um tribunal administrativo, a pedido do
particular interessado, a tal se não opuser.

e) Quanto às garantias jurídicas dos particulares: na Inglaterra os tribunais não


podem substitui-se à Administração no exercício dos poderes discricionários que
a lei lhe atribui. Em França, os tribunais administrativos ganham cada vez mais
poderes declarativos face à Administração, no exercício dos quais, se não podem

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condenar as autoridades administrativas a fazer ou a não fazer algo, mas já


podem, para além da mera anulação dos atos ilegais, declarar o comportamento
devido pela Administração, sob pena de ilicitude, dos atos dos órgãos e agentes
que desobedeçam. Ambos adotaram a figura conhecida em Portugal do Provedor
de Justiça (Ombudsman na Inglaterra e Médiateur na França).

Parte II – Teoria Geral da Organização Administrativa


I – Elementos da Organização Administrativa

A Organização Administrativa

Podemos entender por organização administrativa como o modo de estruturação concreta que a lei dá à
Administração Pública de um certo país.

Os elementos da organização administrativa são dois: as pessoas coletivas públicas e os serviços públicos. Já
em relação aos sistemas de organização iremos abordar três: a concentração e desconcentração; a
centralização e descentralização; e a integração e devolução de poderes.

1. Pessoas Coletivas Públicas

1.1. Preliminares
As expressões pessoa coletiva pública e pessoa coletiva de direito público são completamente opostas.
No caso português, a Administração Pública é geralmente representada, nas suas relações com os
particulares, por pessoas coletivas públicas: na relação jurídico-administrativa, um dos sujeitos é, em
regra, uma pessoa coletiva pública. Mas isto não significa que a Administração seja formada por pessoas
coletivas públicas e apenas por elas. Constitui um fenómeno corrente nas últimas décadas a criação de
pessoas coletivas de direito privado destinadas exclusivamente à satisfação de necessidades coletivas. A
Administração Pública tem de ser compreendida hoje como um conjunto formado por dois setores, o
setor público tradicional e o setor privado administrativo.

Temos de ter a atenção de que os indivíduos que dirigem como órgãos as pessoas coletivas públicas,
não são eles próprios a Administração. Quando um particular entra em contato com a Administração
Pública, politicamente tratará com pessoas físicas (ex: um ministro ou um diretor-geral, etc.), mas
juridicamente a relação que se trava não tem do outro lado como sujeitos esses indivíduos, antes será
estabelecida com a pessoa coletiva pública ao serviço da qual eles se encontram (ex: Estado, município, a
universidade).

1.2. Conceito
Para conseguir distinguir as pessoas coletivas públicas das privadas, temos de adotar um critério misto:
o fim e a capacidade jurídica. A nosso ver podemos definir pessoas coletivas públicas com as pessoas
coletivas criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por
isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos.

Resumindo por tópicos o conceito:

• São pessoas coletivas.

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• Criadas por iniciativa pública – significa que as pessoas coletivas nascem sempre de uma decisão
pública, regida pelo direito público, tomada pela coletividade nacional ou por comunidades
regionais ou locais autónomas, ou proveniente de uma ou mais pessoas coletivas públicas já
existentes: a iniciativa privada não pode criar pessoas coletivas públicas.
• Criadas para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos – as pessoas coletivas
públicas existem para prosseguir o interesse público e não para quaisquer outros fins. Temos de
ter a noção que há pessoas coletivas privadas que também prosseguem interesses públicos e
podem simultaneamente prosseguir interesses privados.
• As pessoas coletivas públicas podem exercer poderes públicos, mesmo poderes de autoridade,
mas fazem-no em nome da Administração Pública, nunca em nome próprio.

1.3. Espécies
Podemos dizer que existem sete categorias de pessoas públicas em Portugal (Art. 2º, nº 4 CPA):

- Estado
Segundo o critério da maior
- Institutos Públicos dependência para a menor
dependência do Estado
- Empresas Públicas (entidades públicas empresariais)

- Associações Públicas

- Entidades Administrativas Independentes

- Autarquias Locais

- Regiões Autónomas

Quais os tipos de pessoas coletivas públicas a que essas categorias se reconduzem? São três:

a) Pessoas coletivas de população e território (estão incluídos: o Estado, as Regiões Autónomas e as


Autarquias Locais)
b) Pessoas coletivas de tipo institucional (correspondem aos diversos institutos públicos e as
empresas públicas)
c) Pessoas coletivas de tipo associativo (correspondem as associações públicas)

1.4. Regime Jurídico


Não se trata de um regime uniforme, não é igual para todas as pessoas coletivas públicas: depende da
legislação aplicável. Em relação às autarquias locais, têm todas o mesmo regime. Já os institutos públicos,
as empresas públicas e associações públicas, o regime varia muitas vezes de entidade para entidade,
conforme a respetiva lei orgânica.

Análise de aspetos predominantes:

a) Criação e extinção – a maioria das pessoas coletivas públicas são criadas por ato do poder central,
mas pode também há casos de criação por iniciativa pública local. As pessoas coletivas públicas
não podem extinguir-se a si próprias, ao contrário do que acontece com as pessoas coletivas
privadas. Uma pessoa coletiva pública só pode ser extinta por decisão pública.
b) Capacidade Jurídica de direito privado e património próprio

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c) Capacidade de direito público – as pessoas coletivas públicas são titulares de poderes e deveres
públicos. Entre estes, temos os poderes de autoridade (aqueles que denotam supremacia das
pessoas coletivas públicas sobre os particulares e consistem no direito que essas pessoas têm de
definir a sua própria conduta ou conduta alheia em termos obrigatórios para terceiros,
independentemente da vontade destes) – exemplos destes poderes: o poder regulamentar, o
poder tributário, o poder de expropriar, etc.
d) Autonomia Administrativa e financeira
e) Isenções Fiscais
f) Sujeição ao regime da contratação pública e dos contratos administrativos – A regra é que as
pessoas coletivas privadas não estão sujeitas ao regime da contratação pública e não podem
celebrar contratos administrativos com outros particulares (exceção: Art. 2º, nº 2 e 3º, nº 1/b) C.
Contratos Públicos).
g) Bens do domínio público – as pessoas coletivas públicas são titulares de bens do domínio público e
não apenas de bens do domínio privado.
h) Regime da função pública – o pessoal das pessoas coletivas públicas está sujeito a regimes laborais
publicísticos e não ao do contrato individual de trabalho.
i) Sujeição a um regime administrativo de responsabilidade civil – as pessoas coletivas públicas
respondem nos termos da legislação próprias do Direito Administrativo, e não nos termos da
responsabilidade regulada pelo Código Civil.
j) Sujeição a tutela administrativa
k) Sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas
l) Foro Administrativo – as questões surgidas da atividade pública destas pessoas coletivas
pertencem à competência dos tribunais do contencioso administrativo

1.5. Órgãos
Como sabemos, todas as pessoas coletivas são dirigidas por órgãos. A estes cabe tomar decisões em
nome da pessoa coletiva ou manifestar a vontade imputável à pessoa coletiva. Em relação à natureza dos
órgãos, temos de estudar duas conceções:

1- Defendida por Marcello Caetano – considera que os órgãos são instituições e não indivíduos,
isto é, os órgãos são vistos como centros institucionalizados de poderes funcionais, a exercer
pelos indivíduos, com o objetivo de expressar a vontade juridicamente imputável à pessoa
coletiva. O órgão é uma instituição e o titular do órgão é o individuo.

2- Defendida por Afonso Queiró e Marques Guedes – considera que os órgãos são os indivíduos e
não as instituições. Aqui o órgão não é visto como o centro de poderes e deveres. Ao conjunto
de poderes funcionais chama-se competência, ou seja, é a competência do órgão. Para estes
autores, se se define órgão como aquele elemento da pessoa coletiva a quem cabe tomar
decisões em nome dela, ou a quem compete manifestar uma vontade imputável à pessoa
coletiva, é evidente que o órgão tem de ser o individuo, porque só os indivíduos tomam
decisões e podem manifestar uma vontade. Ou seja, para esta conceção, os órgãos são os
indivíduos e os poderes são as competências desses mesmos órgãos.

Ao olhar do nosso curso, entendemos que estas conceções estão erradas. Temos de ter a atenção de
três grandes perspetivas: organização administrativa, a atividade administrativa e as garantias dos
particulares. Em relação à primeira (organização administrativa), é evidente que os órgãos têm de ser
concebidos como instituições (o Governo, a Camara Municipal). Já na segunda perspetiva (a da
atividade administrativa), estamos numa perspetiva da Administração a atuar, a tomar decisões, a

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praticar atos administrativos, ou seja, vemos que o que interessa aqui ao direito é ver o órgão como
indivíduo: quem decide, quem delibera, são os indivíduos e não os centros de poderes.

Em resumo: os órgãos da Administração são instituições para efeitos da organização administrativa, e


indivíduos para a atividade administrativa.

1.5.1. Classificação dos órgãos


a) Órgãos Singulares – aqueles que têm apenas um titular.

Órgãos Colegiais – os órgãos compostos por dois ou mais titulares. Hoje em dia, um
órgão colegial tem, no mínimo, três titulares e deve ser sempre composto por um
número impar de membros.

b) Órgãos Centrais – aqueles que têm competência sobre todo o território nacional.

Órgãos Locais – são os órgãos que têm a sua competência limitada a uma
circunscrição administrativa, ou seja, apenas a uma parcela do território nacional.

c) Órgãos Primários – são aqueles que dispõem de uma competência própria para
decidir as matérias que lhes são confiadas.

Órgãos Secundários – são os que apenas dispõem de uma competência delegada.

Órgãos Vicários – são aqueles que só exercem competência por substituição de


outros órgãos.

d) Órgãos Representativos – aqueles cujos titulares são livremente designados por


eleição. Os restantes são Órgãos Não Representativos.

e) Órgãos Ativos – são aqueles a quem compete tomar decisões ou executá-las.

e.1) Órgãos Decisórios – a quem compete tomar decisões.


e.2) Órgãos Executivos – a quem compete executar as decisões tomadas, pô-las
em prática.

Órgãos Consultivos – são aqueles cuja função é esclarecer os órgãos ativos antes de
estes tomarem uma decisão (através da emissão de pareceres).

Órgãos de Controlo – são aqueles que têm por missão fiscalizar a regularidade do
funcionamento de outros órgãos.

f) Órgãos Permanentes – aqueles que segundo a lei têm duração indefinida.

Órgãos Temporários – os que são criados para atuar apenas durante um certo
período.

g) Órgãos Simples – são os órgãos cuja estrutura é unitária.

Órgãos Complexos – são aqueles cuja estrutura é diferenciada, isto é, aqueles que são
constituídos por titulares que exercem também competências próprias a título
individual (Ministros) e são, em regra, auxiliados por adjuntos, delegados ou
substitutos (Secretários de Estado, Subsecretários de Estado).

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1.6. Órgãos Colegiais em especial


Os principais termos de grande importância didática:
a) Composição – é o elenco abstrato dos membros que hão-de fazer parte do órgão colegial,
uma vez constituído.
Constituição – é o ato pelo qual os membros de um órgão colegial, uma vez designados, se
reúnem pela primeira vez e dão início ao funcionamento desse órgão.

b) Marcação – é a fixação da data e hora em que a reunião terá lugar.


Convocação – é a notificação feita a todos e cada um dos membros acerca da reunião a
realizar, na qual são indicados, além do dia e hora da reunião, o local desta e a respetiva
ordem do dia/agenda.

Para que os órgãos colegiais possam funcionar, cada uma das suas reuniões tem de ser
marcada e convocada.

c) Reuniões – é o encontro dos respetivos membros para deliberarem sobre a matéria da sua
competência (se o órgão colegial é de funcionamento contínuo, diz-se que está em sessão
permanente, embora possa se reunir apenas uma vez por semana; se for um órgão colegial
de funcionamento intermitente, existem duas a quatro sessões por ano).
Sessões – são os períodos dentro dos quais podem reunir os órgãos colegiais de
funcionamento intermitente.

Tanto as reuniões como as sessões podem ser ordinárias (se se realizam regularmente em
datas ou períodos certos) ou extraordinárias (se são convocadas inesperadamente fora
dessas horas ou períodos).

d) Os órgãos colegiais são por definição compostos por uma pluralidade de titulares.
Membros – são todos os titulares do órgão colegial (o presidente [que existe sempre], os
vice-presidentes, secretários e tesoureiros, quando existam, são membros e não vogais).
Vogais – são apenas os membros que não ocupem uma posição funcional dotada
expressamente de uma denominação apropriada.

e) Funcionamento, deliberação e votação – os órgãos colegiais, uma vez constituídos,


começam a funcionar, isto é, a desempenhar as funções para que foram criados. O seu
funcionamento realiza-se através de reuniões, e cada reunião começa quando é declarada
aberta pelo presidente e termina quando por ele é declarada encerrada. Mas a parte
essencial é a deliberativa, isto é, aquela em que o órgão colegial é chamado a tomar
decisões em nome da pessoa coletiva a que pertence. A votação é o processo jurídico mais
frequente pelo qual os órgãos colegiais deliberam, permite apurar a vontade coletiva pela
contagem de vontades individuais dos membros.

f) Quórum – significa o número mínimo de membros de um órgão colegial que a lei exige para
que ele possa funcionar regularmente ou deliberar validamente. Temos dois tipos de
quórum: de funcionamento e de deliberação. ~

g) Modos de Votação – temos vários de votação:

1) Votação Pública – os presentes ficam a saber o sentido do voto de cada um. Pode ser:
nominal (levantados ou sentados, por braços erguidos ou caídos, por divisão) ou por
método eletrónico.
2) Votação secreta ou escrutínio secreto – o voto de cada um não se toma conhecido dos
demais, pode ser por listas, por esferas, ou por método eletrónico.

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h) Maioria – é habitualmente definida como «metade dos votos e mais um». MAS esta
definição é incorreta, pois não se ajusta às hipóteses em que o número global de votos seja
ímpar. Portanto, tem de ser definida como sendo «mais de metade dos votos». Diz-se
maioria simples ou absoluta, quando corresponde a mais de metade dos votos; e relativa
quando se traduz a maior votação obtida entre várias alternativas, ainda que não atinja mais de
metade dos votos; e qualificada ou agravada, se a lei a faz corresponder a um número superior à
maioria simples (ex: 2/3, 4/5, etc.).

i) Voto de desempate e voto de qualidade – a forma mais usada pela lei para resolver o
impasse criado por uma votação empatada consiste na atribuição ao presidente do órgão
colegial do direito de fazer um voto de desempate ou um voto de qualidade. Em ambos, é o
presidente quem decide do sentido da votação: no primeiro procede-se à votação sem que
o presidente vote e, se houver empate, o presidente vota desempatando; no segundo, o
presidente participa como os outros membros na votação geral e, havendo empate,
considera-se automaticamente desempatada a votação de acordo com o sentido que o
presidente votou.

j) Adoção e aprovação – os órgãos colegiais deliberam sobre propostas ou propostas que lhes
são apresentados. Se a votação é favorável a uma certa proposta ou projeto, diz-se destes
que foram adotados ou aprovados pelo órgão colegial. A partir deste momento, tais
propostas/projetos deixam de exprimir o ponto de vista do membro apresentador para se
convertem numa decisão do órgão em causa e, portanto, na vontade da pessoa coletiva a
que o órgão pertence.

k) Decisão – são as resoluções dos órgãos singulares. A nosso ver os atos administrativos são
uma decisão.

Deliberação – é o processo específico usado nos órgãos colegiais para tomar decisões.

l) Atos – são as decisões tomadas.

Atas – são as narrativas das reuniões efetuadas, onde se mencionam não só as decisões
tomadas, mas tudo o mais que tiver ocorrido em reunião.

m) Dissolução – é o ato que põe termo coletivamente ao mandato dos titulares de um órgão
colegial. Só há dissolução quanto a órgãos colegiais designados por eleição.

Demissão – o ato que faz cessar as funções de um órgão singular. Se os titulares do órgão
colegial são nomeados, o ato que põe termo coletivamente às suas funções é a demissão.

As principais regras gerais para a constituição e funcionamento dos órgãos colegiais são:
1) Cada órgão colegial deve ter um presidente e um secretário, em princípio, eleitos pelos
próprios membros (Art. 21º, nº 1). Na falta do presidente – Art. 22º, nº 1
2) Compete ao presidente abrir e encerrar as reuniões, assegurar a sua boa ordem, dirigir os
trabalhos e assegurar o cumprimento das leis aplicáveis e a regularidade das deliberações
(Art. 21º, nº 2). Pode ainda suspender ou encerrar antecipadamente as reuniões, em
circunstâncias excecionais, mas pode ser revogada por maioria de dois terços dos membros
(Art. 22º, nº 3).
3) Compete ao secretário redigir os projetos de atas das reuniões, passá-las ao livro respetivo
uma vez aprovadas, organizar o expediente e coadjuvar (ajudar) o presidente no que ele
pedir.

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4) O presidente pode reagir em tribunal contra as deliberações tomadas pelo órgão a que
preside e que ele considere ilegais, propondo as correspondentes ações judiciais e as
providências cautelares adequadas (Art. 21º, nº 4). Os presidentes destes órgãos são
defensores e fiscalizadores da legalidade administrativa (Art. 21º, nº 2).
5) Cabe ao presidente fixar os dias e as horas das reuniões ordinárias (Art. 23º, nº 1). Em
relação às reuniões extraordinárias, terão lugar quando o presidente as convocar, por sua
iniciativa ou a pedido de pelo menos um terço dos vogais (Art. 24º, nº 2).
6) Qualquer órgão colegial só pode deliberar em reunião formalmente convocada e realizada,
sendo inexistentes quaisquer pretensas decisões tomadas por auscultação telefónica, ou
por circuito integrado de televisão.
7) Nenhum órgão colegial pode reunir e deliberar sem estar devidamente constituído.
8) Um órgão colegial só pode deliberar sobre matéria constantes da ordem do dia, a menos
que se trate de reunião ordinária e que pelo menos dois terços dos membros reconheçam a
urgência da deliberação imediata sobre outros assuntos (Art. 26º).
9) As reuniões dos órgãos colegiais da Administração não são públicas, apenas quando a lei o
permite (Art. 27º).
10) A violação das disposições sobre convocação de reuniões, incluindo as relativas aos prazos,
gera ilegalidade das deliberações tomadas, salvo se nenhum dos membros suscitar oposição
(Art. 28º).
11) Os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar em primeira convocação quando esteja
presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto (Art. 29º, nº 1 e
3).
12) O quórum dos órgãos colegiais compostos por três membros é sempre de dois, mesmo em
segunda convocatória (Art. 29º, nº 4).
13) A votação é precedida por uma discussão das propostas apresentadas, desde que qualquer
membro manifeste interesse (Art. 31º, nº 1).
14) Os membros que se encontrem legalmente impedidos de intervir num procedimento não
devem votar nem participar na discussão das propostas relativas a tal procedimento, nem
podem estar presentes na reunião durante a discussão e votação (Art. 31º, nº 3).
15) As deliberações são em regra tomadas por votação nominal (Art. 31, nº 1). São sempre
tomadas por escrutínio secreto as deliberações que envolvam a apreciação do
comportamento ou das qualidades de qualquer pessoa, devendo o presidente determinar,
em caso de dúvida, que seja adotada essa forma de votação (Art. 31º, nº 2).
16) A generalidade das deliberações são tomadas por maioria absoluta dos membros presentes
à reunião (Art. 32º, nº 1).
17) Se houver empate, repete-se a votação e se mantiver o empate, a votação é adiada para a
reunião seguinte, sendo aí suficiente para aprovação a maioria relativa (Art. 32º, nº 2).
18) Em caso de empate, o presidente terá o voto de qualidade, salvo se a lei ou os estatutos
determinarem a adoção do voto de desempate (Art. 33º, nº 1, 2 e 3).
19) A decisão tem de ser sempre fundamentada.
20) De cada reunião será lavrada ata (Art. 34º, nº 1).
21) A ata de cada reunião será aprovada no final da reunião ou no início da reunião seguinte, só
votando, neste último caso, os mesmo que estiveram presentes na reunião anterior (Art.
34º, nº 2, 3 e 4).
22) As decisões tomadas pelos órgãos colegiais só adquirem eficácia depois de aprovadas as
atas correspondentes. A eficácia das decisões pode também ser conferida pela assinatura
da minuta (Art. 34º, nº 6).
23) As atas são redigidas pelo secretário e assinadas pelo mesmo e pelo presidente (Art. 34º, nº
2).

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24) Os membros do órgão colegial que votarem vencidos podem fazer constar da ata o seu voto
vencido e a respetiva justificação (Art. 35º, nº 1) e devem fazê-lo sempre que se trate de
pareceres a enviar a outros órgãos administrativos (Art. 35º, nº 3).
25) Se alguma deliberação tomada for ilegal, ficam responsáveis por ele os membros que a
aprovaram e não aqueles com votos vencidos (Art. 35º, nº 2).
26) Nos casos omissivos na lei administrativa, na falta de costume aplicável, a constituição e o
funcionamento dos órgãos é regulado pelo Regimento da Assembleia da República.

1.7. Atribuições e competência


As atribuições são os fins ou interesses que a lei incumbe às pessoas coletivas públicas de prosseguir.
Para isto, é necessário que estas pessoas coletivas tenham poderes – os poderes funcionais. O conjunto
de poderes funcionais chamamos de competência, ou seja, a competência é o conjunto de poderes
funcionais que a lei confere para a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas.
Qualquer órgão da Administração ao agir, conhece e encontra pela frente uma dupla limitação: pois 1)
está limitado pela própria competência (não pode invadir a esfera de competência de outro órgão da
mesma pessoa coletiva); 2) está também limitado pelas atribuições da pessoa coletiva em cujo nome atua
(não pode praticar quaisquer atos sobre matéria estranha às atribuições da pessoa coletiva a que
pertence).
As atribuições e as competências limitam-se reciprocamente: nenhum órgão administrativo pode
prosseguir atribuições da pessoa coletiva a que pertence por meio de competências que não são suas, nem
pode exercer a sua competência fora das atribuições da pessoa coletiva a que pertence.
Esta distinção é importante para compreender a diferença que existe entre os fins que se prosseguem
e os meios jurídicos que se usam para prosseguir esses fins, e também porque a lei estabelece uma sanção
diferente para o caso de os órgãos da Administração praticarem atos estranhos às atribuições das pessoas
coletivas públicas (que se tornam atos nulos – Art. 161º, nº 2, al. b) CPA) ou atos fora da competência
confiada a cada órgão (considera-se atos anuláveis – Art. 163º, nº 1 CPA). Mas isto é no caso do município,
porque quando se trata do Estado, a situação é bem diferente. No Estado o que separa os órgãos uns dos
outros, não é apenas a competência, mas também as atribuições. Isto é assim, porque no Estado as
atribuições estão repartidas por ministérios (Defesa, Finanças, etc.). Significa que, se um Ministro A praticar
um ato sobre a matéria estranha ao seu ministério, porque está incluída nas atribuições de outro Ministro
B, a ilegalidade não será apenas incompetência por falta de competência, mas também por falta de
atribuições. O quer dizer que o ato não será anulável, mas sim nulo!

1.8. Competência em especial


Como se delimita a competência entre os vários órgãos administrativos? Em primeiro lugar, temos de
afirmar que a competência só pode ser conferida, delimitada ou retirada pela lei (Art. 36º, nº 1 CPA) –
Princípio da Legalidade.
Ideias a reter:
a) A competência não se presume: só há competência quando a lei a confere a um órgão.
b) A competência é imodificável
c) A competência é irrenunciável e inalienável: os órgãos nunca podem praticar atos pelos quais
renunciem os seus poderes ou os transmitem para outros órgãos, apenas nos casos em que a
lei o permite (ex: delegação de poderes) – Art. 36º, nº 1 e 2 CPA

1.9. Critérios de Delimitação da Competência


A distribuição da competência pode ser feita em função de quatro critérios:
1) Em razão da matéria – por exemplo: quando a lei diz que à Assembleia Municipal compete
fazer regulamentos.
2) Em razão da hierarquia – por exemplo: quando a lei efetua uma repartição vertical de
poderes, conferindo uns ao superior e outros ao subalterno.

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3) Em razão do território – a repartição de poderes entre os órgãos centrais e locais, ou


distribuição de poderes por órgãos locais diferentes em função das respetivas áreas.
4) Em razão do tempo – só há competência administrativa em relação ao presente: é ilegal a
prática de atos pela Administração que visem produzir efeitos para o passado (efeitos
retroativos), bem como regular situações que não se sabe se ocorrerão no futuro (atos
diferidos).
Um ato administrativo praticado por certo órgão da Administração contra as regras que delimitam a
competência dir-se-á ferido de incompetência.

1.10. Espécies de Competência


As principais classificações que interessa conhecer são as seguintes:
1) Quanto ao modo de atribuição legal da competência – a competência pode ser explícita
(quando a lei a confere por forma clara e direta) ou implícita (quando é deduzida de outras
determinações legais ou de certos princípios gerais do direito público).

2) Quanto aos termos do exercício da competência – a competência pode ser condicionada ou


livre, conforme o seu exercício esteja ou não dependente de limitações específicas impostas
por lei ou ao abrigo da lei.

3) Quanto à substância e efeitos da competência – aqui fala-se de: competência dispositiva (é o


poder de emanar um dado ato administrativo sobre uma determinada matéria, pondo e
dispondo acerca do assunto) e competência revogatória (é o poder de revogar/anular esse
primeiro ato com ou sem possibilidade de o substituir por outro diferente). Partindo desta
ideia ainda é possível falar de mais duas competências: a primária ou de 1º grau (poder de
praticar atos primários sobre certa matéria) e a secundária ou de 2º grau (poder de sobre a
mesma matéria praticar quaisquer atos secundários – ex: revogação, anulação, suspensão,
ratificação, etc.).

4) Quanto à titularidade dos poderes exercidos – temos: competência própria (quando os


poderes exercidos por um órgão da Administração, são os poderes cuja titularidade o
pertence) e competência concedida (quando um órgão exerce parte da competência de
outro órgão, cujo exercício foi transferido através de delegação de poderes ou por
concessão).

5) Quanto ao número de órgãos a que a competência pertence – falamos de competência


singular (quando a competência pertence a um único órgão, que a exerce sozinho) e
competência conjunta (quando a mesma pertence simultaneamente a dois ou mais órgãos
diferentes, tendo de ser exercida por todos ele em ato único).

6) Quanto à inserção da competência nas relações interorgânicas – temos:


6.1) Competência dependente e independente (conforme o órgão, seu titular esteja
ou não integrado numa hierarquia e se ache ou não sujeito ao poder de direção de
outro órgão e ao correspondente dever de obediência). Dentro da competência
dependente temos:

- Competência Comum (quando tanto o superior como o subalterno podem tomar


decisões sobre o mesmo assunto, valendo como vontade da Administração aquela
que primeiro for manifestada)

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- Competência própria (quando o poder de praticar um certo ato administrativo é


atribuído diretamente por lei ao órgão subalterno). Esta ainda se divide em três
sub-hipóteses:

- Competência Separada (o subalterno é competente para praticar atos


administrativos, mas não são definitivos, cabe a recurso hierárquico
necessário)

- Competência Reservada (o subalterno é competente para praticar atos


definitivos, mas cabe recurso hierárquico facultativo)

- Competência Exclusiva (o subalterno é competente para praticar atos


administrativos dos quais não cabe recurso hierárquico, mas pode vir a
ser revogado pelo seu superior)

7) Competência Objetiva (conjunto de poderes funcionais para decidir sobre certas matérias –
competência tout court).

Competência Subjetiva (pretende significar: a indicação do órgão a quem é dada certa


competência).

1.11. Regras Legais sobre a Competência


1) A competência fixa-se no momento em que se inicia o procedimento (Art. 37º, nº 1 e 2 CPA).
Quando o órgão competente passa a ser outro, o processo deve ser-lhe remetido
oficiosamente (nº 3).
2) Se a decisão final de um procedimento depender de uma questão que seja da competência de
outro órgão administrativo ou de tribunais (questão prejudicial), deve o órgão competente
suspender a sua atuação até qua aqueles se pronunciem (Art. 38º, nº 1 e 3).
3) Antes de qualquer decisão, o órgão administrativo deve certificar-se de que é competente para
conhecer da questão que vai decidir (Art. 40º, nº 1) – autocontrolo da competência.
4) Quando um particular dirigir um requerimento a um órgão que se considere a si mesmo
incompetente para tratar do assunto, o documento deve ser enviado oficiosamente ao órgão
competente, tudo se passando, para efeitos de prazos, como se a apresentação ao órgão
competente tivesse ocorrido no momento da apresentação ao órgão incompetente (Art. 41º
CPA).

1.12. Conflitos de atribuições e de competência – Ver Arts. 51º e 52º CPA

2. Os Serviços Públicos
2.1. Conceito
Os serviços públicos são organizações humanas criadas no seio de cada pessoa coletiva com o fim a
desempenhar as atribuições desta, sob a direção dos respetivos órgãos. Desta definição temos de retirar
pontos fundamentais:
1) Organizações humanas – são estruturas administrativas acionadas por indivíduos, que
trabalham ao serviço de certa entidade pública
2) Existem no seio de cada pessoa coletiva pública – estão dentro dessa pessoa coletiva
pública, são as células que a integram, são um componente/elemento integrante, uma
peça essencial.
3) São criados para desempenhar as atribuições da pessoa coletiva pública – é pelas direções
gerais situadas no centro e pelas delegações, repartições e outros serviços colocados na

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periferia que o Estado realiza as suas funções de polícia, educação, saúde, obras públicas,
transportes, etc.
4) Atuam sob a direção dos órgãos das pessoas coletivas públicas – quem toma as decisões
que vinculam a pessoa coletiva pública perante o exterior são os órgãos dela; e quem
dirige o funcionamento dos serviços existentes no interior da pessoa coletiva são também
os seus órgãos. Mas quem desempenha as tarefas concretas e específicas em que se
traduz a prossecução das atribuições das pessoas coletivas públicas são os serviços
públicos.
As relações que existem entre os órgãos e os serviços públicos são de dois tipos: os órgãos
dirigem a atividade dos serviços e os serviços auxiliam a atuação dos órgãos. As decisões dos
órgãos têm de ser rodeadas de particulares cuidados, em termos que garantam a escolha da
melhor solução possível para prossecução do interesse público. Daí que é necessário
desenvolver uma atividade prévia de preparação e estudo das diversas soluções possíveis, de
modo a habilitá-lo a decidir da forma mais adequada. Os serviços públicos desenvolvem a sua
atuação quer na fase preparatória da formação da vontade do órgão administrativo, quer na
fase que se segue à manifestação daquela vontade, cumprindo e fazendo cumprir aquilo que
estiver determinado.

2.2. Espécies
Podemos classificar os serviços públicos, de acordo com duas perspetivas:
▪ Perspetiva Funcional:
1) Serviços públicos como unidades funcionais – os serviços públicos distinguem-se de acordo
com os seus fins (ex: serviços de polícia, de educação, de saúde, etc.). É com base neste
critério que se dividem as várias direções-gerais dos ministérios, e os seus respetivos
serviços executivos. Quando a lei agrupa conjuntos de unidades funcionais afins numa
mesma organização homogénea, sob a direção de um membro do Governo (incumbido na
sua chefia), estamos perante Ministérios ou Secretarias de Estado – departamento
governativo.

2) Serviços Públicos como unidades de trabalho – agora os serviços distinguem-se pelo tipo
de atividade que desenvolvem. Em cada departamento os serviços diferenciam-se
consoante a natureza das tarefas que desempenham. Os serviços são vistos como uma
autêntica unidade de trabalho, cujo objetivo é levar a cabo diversas atividades tornadas
necessárias para prossecução das atribuições da pessoa coletiva pública.

▪ Perspetiva Estrutural:
1) Serviços Principais – aqueles que desempenham as atividades correspondentes às
atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem. Dentro destes serviços, temos:
1.1) Serviços Burocráticos (os serviços principais que lidam por escrito com os problemas
diretamente relacionados com a preparação e execução das decisões dos órgãos da
pessoa coletiva a que pertencem – são serviços de staff)
1.1.1) Serviços de apoio (estudam e preparam as decisões dos órgãos administrativos)
1.1.2) Serviços executivos (executam as leis e os regulamentos aplicáveis, bem como as
decisões dos órgãos dirigentes das pessoas coletivas a que pertencem)
1.1.3) Serviços de controlo (que fiscalizam a atuação dos restantes serviços públicos)
1.2) Serviços Operacionais (são os serviços principais que desenvolvem atividades de caráter
material, correspondentes às atribuições da pessoa coletiva pública a que pertencem)
1.2.1) Serviços de prestação individual (facultam aos particulares bens ou serviços de
que estes carecem para a satisfação de necessidades coletivas individualmente
sentidas)

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1.2.2) Serviços de polícia (exercem fiscalização sobre as atividades dos particulares


suscetíveis de por em risco os interesses públicos)
1.2.3) Serviços técnicos (todos os restantes serviços operacionais cuja atividade não
consista em prestações individuais aos particulares, nem em vigilância sobre as
respetivas atividades)
2) Serviços Auxiliares – aqueles que desempenham atividades secundárias ou instrumentais,
que visam tornar possível ou mais eficiente o funcionamento dos serviços principais.

2.3. Regime Jurídico


Os princípios fundamentais do regime jurídico dos serviços públicos são os seguintes:
1) O serviço público releva sempre de uma pessoa coletiva pública
2) O serviço público está vinculado à prossecução do interesse público
3) A criação e extinção de serviços públicos, bem como a sua fusão e reestruturação, são
aprovadas por decreto-regulamentar
4) A organização interna dos serviços públicos é matéria regulamentar
5) O regime de organização e funcionamento de qualquer serviço público é modificável
6) A continuidade dos serviços públicos dever ser mantida
7) Os serviços públicos devem tratar e servir todos os particulares em pé de igualdade
8) A utilização dos serviços públicos pelos particulares é onerosa
9) Os serviços públicos podem gozar de exclusivo ou atuar em concorrência
10) Os serviços públicos podem atuar de acordo quer com o direito público quer com o direito
privado

2.4. Organização dos Serviços Públicos


Podem ser organizados de acordo com três critérios:
1) Organização Horizontal – atende à distribuição dos serviços pelas pessoas coletivas
públicas e à especialização dos serviços segundo o tipo de atividades a desempenhar.
2) Organização Territorial – faz uma distinção entre serviços centrais e periféricos, consoante
os mesmos tenham um âmbito de atuação nacional ou meramente localizado e áreas
menores. É uma organização profunda dos serviços públicos, no qual o topo é preenchido
pelos serviços centrais e, conforme se caminha para a base, por serviços daqueles
dependentes.
3) Organização Hierárquica – traduz-se na estruturação dos serviços em razão da sua
distribuição por diversos graus ou escalões do topo à base, que se relacionam entre si em
termos de supremacia e subordinação.

2.5. Hierarquia Administrativa


2.5.1. Conceito – a hierarquia é o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois
ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere
ao superior o poder de direção e impõe ao subalterno o dever de obediência. O modelo
hierárquico carateriza-se pelos seguintes traços específicos:
1) Existência de um vínculo entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos (pelo
menos dois órgãos administrativos ou um órgão e um agente [superior e subalterno])
2) Comunidade de atribuições entre os elementos da hierarquia (tanto o superior como o
subalterno têm de atuar para a prossecução de atribuições comuns)
3) Vínculo Jurídico constituído pelo poder de direção e pelo dever de obediência
2.5.2. Espécies – temos dois tipos:
1) Hierarquia Interna - tem por âmbito natural o serviço público. Consiste num
modelo em que se torna a estrutura vertical como diretriz, para estabelecer o
ordenamento das atividades em que o serviço se traduz: é uma hierarquia de
agentes. Deparamos com vínculos de superioridade e subordinação entre agentes
administrativos.

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2) Hierarquia Externa – aqui também se toma a estrutura vertical como diretriz, mas
para estabelecer o ordenamento dos poderes jurídicos em que a competência
consiste: é uma hierarquia de órgãos. Os vínculos de superioridade e subordinação
estabelecem-se entre órgãos da Administração. Está em causa a repartição das
competências entre aqueles a quem está confiado o poder de tomar decisões em
nome da pessoa coletiva. Os subalternos praticam atos administrativos.

2.5.3. Os poderes do superior – São basicamente três:


1) Poder de Direção – consiste na faculdade de o superior dar ordens (são comandos
individuais e concretos: a adoção de uma determinada conduta específica) e
instruções (são comandos gerais e abstratos: adoção da mesma conduta sempre
que se verifiquem as situações previstas), em matéria de serviço, ao subalterno.

2) Poder de Supervisão – consiste na faculdade de o superior revogar, anular ou


suspender os atos administrativos praticados pelo subalterno.

3) Poder Disciplinar – consiste na faculdade de o superior punir o subalterno, de


acordo com sanções previstas na lei.

2.5.4. O dever de obediência – consiste na obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções


dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob a forma legal (Art.
73º, nº 8 LGTFP). Temos de ver agora os seguintes casos (Art. 271º, nº 2 e 3 CRP + 177º
LGTFP):
a) Casos em que não há dever de obediência:
- Em relação às ordens ou instruções emanadas do legítimo superior hierárquico, em
objeto de serviço e com a forma legal (Art. 271º, nº 2 CRP + 73º, nº 8 LGTFP);
- Em relação a ordens ou instruções emanadas do legítimo superior hierárquico, em
objeto de serviço e com a forma legal, sempre que o cumprimento das
ordens/instruções implique a prática de qualquer crime (Art. 271º, nº 3 CRP + 177º, nº
5 LGTFP) ou quando provenham de ato nulo (Art. 162º, nº 1 CPA);

b) Casos em que há dever de obediência


- Todas as restantes ordens, em objeto de serviço, com a forma legal, e não
implicarem a prática de um crime nem resultarem de um ato nulo, dever ser
cumpridas pelo subalterno;
- Se forem dadas ordens ilegais (que não constitua crime), o subalterno só ficará
excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da
execução tiver reclamado ou tiver exigido a transmissão ou confirmação delas por
escrito, fazendo expressa menção de que considera ilegais as ordens ou instruções
recebidas (Art. 177º, nº 1, 2, 3 e 4).

II – Sistemas de Organização Administrativa

1. Concentração e Desconcentração
1.1. Conceito
Tanto o sistema da concentração como o sistema da desconcentração dizem respeito à
organização administrativa de uma determinada pessoa coletiva pública. Têm como pano de fundo a
organização vertical dos serviços públicos, consistindo basicamente na ausência ou na existência de
distribuição vertical de competência entre os diversos graus ou escalões da hierarquia.
A administração concentrada é o sistema em que o superior hierárquico mais elevado é o único
órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados às tarefas de preparação e
execução das decisões daquele. Já a administração desconcentrada é o sistema em que o poder

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decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais permanecem sujeitos à
direção e supervisão daquele. Ou seja, a desconcentração traduz-se num processo de
descongestionamento de competências, conferindo-se a funcionários ou agentes subalternos certos
poderes decisórios, os quais numa administração concentrada estariam reservados em exclusivo ao
superior. O princípio da desconcentração administrativa encontra-se consagrada constitucionalmente
– Art. 267º, nº 2 CRP, significando que em Portugal é favorecida e desenvolvida a desconcentração.

1.2. Espécies de desconcentração


Tais espécies podem apura-se à luz de três critérios:
1) Níveis de desconcentração – há que distinguir entre desconcentração a nível central e
desconcentração a nível local, consoante ela se inscreva no âmbito dos serviços da
Administração central ou no âmbito dos serviços da Administração local;

2) Graus de desconcentração – ela pode ser absoluta (a desconcentração é tão intensa e é


levada tão longe que os órgãos por atingidos se transformam de órgãos subalternos em
órgãos independentes) ou relativa (a desconcentração é menos intensa, mantém a
subordinação dos órgãos subalternos aos poderes do superior);

3) Formas de desconcentração – temos a desconcentração originária (decorre imediatamente


da lei, reparte a competência entre o superior e os subalternos) e a desconcentração
derivada (só se efetiva mediante um ato específico praticado para o efeito pelo superior –
traduz na delegação de poderes);

1.3. A delegação de poderes


1.3.1. Conceito – Por vezes a lei, atribuindo a um órgão a competência normal para a prática de
determinados atos, permite que esse órgão delegue noutro uma parte dessa competência
– chama-se a isso delegação de poderes. De acordo com o Art. 44º, nº 1 CPA, a delegação
de poderes é o ato pelo qual um órgão da administração, normalmente competente para
decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente
pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria. Ou seja, são três os requisitos da
delegação de poderes:
a) É necessária uma lei que preveja expressamente a faculdade de um órgão delegar
poderes noutro – lei de habilitação.
b) É necessária a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma
pessoa coletiva, ou de dois órgãos de pessoas coletivas públicas distintas, dos
quais um seja o órgão competente (delegante) e outro o órgão eventualmente
competente (delegado).
c) É necessária a prática de um ato de delegação propriamente dito, isto é, o ato
pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado,
permitindo-lhe a prática de certos atos na matéria sobre a qual é normalmente
competente.

1.3.2. Espécies – temos de distinguir:


a) Espécies de habilitação para a prática da delegação de poderes – pode ser
genérica (a lei permite que certos órgãos deleguem, sempre que quiserem, alguns
dos seus poderes em determinados outros órgãos – uma só lei de habitação serve
de fundamento a todo e qualquer ato de delegação praticado entre esses tipos de
órgãos. É o que sucede nos casos do Art. 44º, nº 3 e 4. Nestes casos só podem ser
delegados poderes para a prática de atos de administração ordinária [todos os
atos não definitivos, bem como os atos definitivos que sejam vinculados ou cuja
discricionariedade não tenha significado ou alcance inovador na orientação geral

Florian Leichtenmüller 20
Direito da Organização Administrativa
•••

da entidade pública a que pertence o órgão], por oposição aos atos de


administração extraordinária [se se tratar de seguir orientações gerais novas, ou
de não seguir as existentes]) ou específica.

b) Espécies de delegação de poderes:


- A delegação de poderes pode ser ampla e restrita, conforme o delegante resolva
delegar uma grande parte dos seus poderes ou apenas uma pequena parcela
deles.
- Quanto ao objeto da delegação, esta pode ser específica ou genérica, isto é, pode
abranger a prática de um ato isolado ou permitir a prática de uma pluralidade de
atos: no primeiro caso, uma vez praticado o ato pelo delegado, a delegação
caduca (Art. 50º, al. b) CPA); no outro, o delegado continua indefinidamente a
dispor de competência, a qual exercerá sempre que tal se torne necessário.
- Há casos de delegação hierárquica (delegação dos poderes de um superior
hierárquico num seu subalterno) e delegação não hierárquica (delegação de
poderes de um órgão administrativo noutro órgão ou agente que não dependa
hierarquicamente do delegante).
- Ainda temos a delegação propriamente dita ou de 1º grau e a subdelegação de
poderes (que pode ser delegação de 2º grau ou de 3º, ou de 4º, etc., conforme o
número de subdelegações que forem praticadas – é uma delegação de poderes
delegados).

1.3.3. Regime Jurídico – Vejamos as linhas gerais do regime jurídico da delegação de poderes:
a) Requisitos do ato de delegação – para que o ato seja válido e eficaz, a lei
estabelece um certo número de requisitos especiais:
- Quanto ao conteúdo: Art. 47º, nº 1 CPA: é através desta especificação dos
poderes delegados que se fica a saber se a delegação é ampla ou restrita, e
genérica ou específica. A indicação do conteúdo da competência delegada deve
ser feita positivamente, isto é, por enumeração explícita dos poderes delegados
ou dos atos que o delegado pode praticar. O conteúdo do ato de delegação deve
incluir ainda a indicação da norma que atribui o poder delegado, assim como da
norma habilitadora da delegação (nº 2, 2º parte do preceito).
- Quanto à publicação: na falta de disposição legal específica, a publicação dos
atos de delegação de poderes deve ser feita no Diário da República ou na
publicação oficial da entidade pública, assim como no sítio institucional da
Internet (Arts. 47º, nº 2 e 159º CPA)

b) Poderes do delegante – uma vez conferida a delegação de poderes pelo delegante


ao delegado, este adquire a possibilidade de exercer esses poderes para a
prossecução do interesse público. O delegante tem a faculdade de avocação de
casos concretos compreendidos no âmbito da delegação conferida (Art. 49º, nº 2):
se avocar, o delegado deixa de poder resolver esses casos, que passam de novo
para a competência do delegante. Ainda tem o pode de dar ordens, diretivas ou
instruções ao delegado, sobre o modo como deverão ser exercidos os poderes
delegados (nº 1 do artigo). O delegante pode ainda eliminar qualquer ato praticado
pelo delegado, quer por considerar ilegal (anulação) que por o considerar
inconveniente (revogação em sentido estrito).

c) Requisitos dos atos praticados por delegação – os atos praticados pelo delegado
devem obediência estrita aos requisitos de validade fixados na lei. E ainda há
requisitos especiais: os atos do delegado devem conter a menção expressa que

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Direito da Organização Administrativa
•••

são praticados por delegação, identificando-se o órgão delegante (Art. 48º, nº 1 +


151º, nº 1, al. a) CPA).

d) Natureza dos atos do delegado – a regra geral é de que os atos do delegado são
definitivos nos termos em que o seriam se tivessem sido praticados pelo delegante
(Art. 44º, nº 5 CPA). O recurso dos atos do delegado para o delegante só pode ter
lugar por expressa disposição legal (Art. 199º, nº 2 CPA).

e) Extinção da delegação – se a delegação for conferida apenas para a prática de um


único ato, ou para ser usada unicamente durante certo período, praticado esse
ato ou decorrido esse período, a delegação caduca (Art. 50º, al. b), 1º parte CPA).
Há dois outros motivos de extinção:
1) Pode ser extinta por anulação ou revogação: que pode ser feita pelo
delegante a qualquer momento e sem fundamentação (Art. 50º, al. a)
CPA);
2) Extingue-se por caducidade sempre que mudar a pessoa do delegante ou
a do delegado (Art. 50º, al. b), 2º parte CPA);

f) Regime jurídico da subdelegação – Art. 46º CPA

2. Centralização e Descentralização
2.1. Conceito
Para conseguirmos definir estes dois conceitos, temos de falar de dois planos:
1) Plano jurídico: diz centralizado o sistema em que todas as atribuições administrativas de um
dado país são por lei conferidas ao Estado, não existindo quaisquer outras pessoas coletivas
públicas incumbidas do exercício da função administrativa. Chamar-se-á descentralizado o
sistema em que a função administrativa esteja confiada não apenas ao Estado, mas também
a outras pessoas coletivas territoriais – designadamente, autarquias locais.
2) Plano político-administrativo: há centralização quando os órgãos das autarquias locais
sejam livremente nomeados e demitidos pelos órgãos do Estado, quando devam obediência
ao Governo ou ao partido único, ou quando se encontrem sujeitos a formas
particularmente intensas de tutela administrativa, designadamente a uma ampla tutela de
mérito. Só há descentralização quando os órgãos das autarquias locais são livremente
eleitos pelas respetivas populações, quando a lei os considera independentes na órbita das
suas atribuições e competências.
Em Portugal, vale a descentralização.

2.2. Espécies de descentralização


Quanto à forma:
a) Descentralização Territorial (dá origem às autarquias locais)
b) Descentralização Institucional (dá origem aos institutos públicos e às empresas públicas)
c) Descentralização Associativa (dá origem às associações públicas)

2.3. Limites da descentralização


A descentralização tem de ser submetida a certos limites, não pode ser ilimitada. Os limites
podem ser de três ordens:
1) Limites a todos os poderes da Administração (ex: quando a lei delimita as atribuições e as
competências de uma autarquia local; quando a CRP consagra o princípio da legalidade e
obriga as autarquias locais a moverem-se sempre dentro da legalidade, etc.)
2) Limites à quantidade de poderes transferíveis para as entidades descentralizadas (Art.
267º, nº 2 CRP)

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Direito da Organização Administrativa
•••

3) Limites ao exercício dos poderes transferidos (são os que resultam da intervenção do


Estado na gestão das autarquias locais)

2.4. A tutela administrativa


2.4.1. Conceito – A tutela administrativa consiste no conjunto dos poderes de intervenção de uma
pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade
ou o mérito da sua atuação. Desta definição resultam as seguintes caraterísticas:
a) A tutela administrativa pressupões a existência de duas pessoas coletivas
distintas (a tutelar e a tutelada);
b) Uma dessas pessoas coletivas tem de ser uma pessoa coletiva pública;
c) Os poderes de tutela administrativa são poderes de intervenção na gestão de
uma pessoa coletiva;
d) O fim da tutela é assegurar que a entidade tutelada cumpre as leis em vigor e
garantir que sejam adotadas soluções convenientes e oportunas para a
prossecução do interesse público;

2.4.2. Espécies – temos de distinguir entre duas espécies:


1) Quanto ao fim:
a) Tutela de Legalidade – visa controlar a legalidade das decisões da entidade tutelada
b) Tutela de Mérito – visa controlar o mérito das decisões administrativas da entidade
tutelada
2) Quanto ao conteúdo:
a) Tutela Integrativa – consiste no poder de autorizar ou aprovar os atos da entidade
tutelada;
b) Tutela Inspetiva – consiste no poder de fiscalização da organização e funcionamento da
entidade tutelada (dos seus órgãos, serviços, documentos e contas);
c) Tutela Sancionatória – consiste no poder de aplicar sanções por irregularidades que
tenham sido detetadas na entidade tutelada;
d) Tutela Revogatória – é o poder de revogar os atos administrativos praticados pela
entidade tutelada;
e) Tutela Substitutiva – é o poder da entidade tutelar de suprir as omissões da entidade
tutelada, praticando, em vez dela e por conta dela, os atos que forem legalmente
devidos;

2.4.3. Regime Jurídico – linhas gerais:


1) Existe um princípio geral da maior importância em matéria de tutela administrativa: a
tutela administrativa não se presume – só existe nas modalidades que a lei consagrar,
e nos termos e dentro dos limites que a lei impuser.
2) Em relação às autarquias locais, só há tutela de legalidade, não tutela de mérito (Art.
242º, nº 1 CRP).
3) A entidade tutelada tem legitimidade para impugnar os atos pelos quais a entidade
tutelar exerça os seus poderes de tutela (Art. 55º, nº 1, al. c) CPTA).

3. Integração e Devolução de Poderes


3.1. Conceito
Os interesses públicos a cargo do Estado, ou de qualquer outra pessoa coletiva de fins múltiplos,
podem ser mantidos pela lei no elenco das atribuições da entidade a que pertencem ou podem ser
transferidos para uma pessoa coletiva de fins singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua
prossecução (instituto público, empresa pública).
Entendemos por integração o sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado,
ou pelas pessoas coletivas de população e território, são postos por lei a cargo das próprias pessoas
coletivas a que pertencem.

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Direito da Organização Administrativa
•••

Já devolução de poderes é o sistema em que alguns dos interesses públicos do Estado, ou de


pessoas coletivas de população e território, são postas por lei a cargo de pessoas coletivas públicas de
fins singulares. Também é usada para designar o movimento da transferência de atribuições, do Estado
(ou outra pessoa coletiva territorial) para outra entidade.

3.2. Regime Jurídico


A devolução de poderes é feita sempre por lei. Os poderes transferidos são exercidos em nome
próprio pela pessoa coletiva pública criada para o efeito. Mas são exercidos no interesse da pessoa
coletiva que os transferiu, e sob a orientação dos respetivos órgãos. As pessoas coletivas públicas que
recebem devolução de poderes são entes auxiliares ou instrumentais, ao serviço da pessoa coletiva de
fins múltiplos que as criou. Quem define a orientação geral da atividade desses organismos é o Estado,
ou a pessoa coletiva de fins múltiplos que os criou.

3.3. Sujeição à tutela administrativa e à superintendência


Os institutos públicos e as empresas públicas estão sujeitos a tutela administrativa. Mas as
entidades que exercem administração indireta por devolução de poderes estão sujeitas a mais do que
isso: além da tutela administrativa, elas estão sujeitas ainda a uma outra figura, a um outro poder ou
conjunto de poderes do Estado, a que a Constituição chama superintendência (Art. 199º, al. d) CRP).
A superintendência é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de
definir os objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei
na sua dependência. É um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela administrativa.
Porque esta tem apenas por fim controlar a atuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a
superintendência se destina a orientar a ação das entidades a ela submetidas. A tutela controla, a
superintendência orienta. A tutela administrativa tem por objeto entidades independentes, ao passo
que a superintendência tem por objeto organismos dependentes.

O Art. 199º CRP apresenta-nos três realidades distintas:


1) Administração Direta do Estado – Governo como superior hierárquico, tem o poder de
Atenção

direção;
2) Administração Indireta do Estado – Governo tem a responsabilidade da superintendência,
tem o poder de orientação;
3) Administração Autónoma – pertence ao Governo desempenhar a função da tutela
administrativa e possui um conjunto de poderes de controlo;

Parte III – A Organização Administrativa Portuguesa (pp. 193 à 611)


I – Administração Central do Estado

1. O Estado
1.1. Estado como pessoa coletiva
A qualificação do Estado como pessoa coletiva decorre da própria Constituição – Arts: 3º, nº 3; 5º,
nº 3; 18º, nº 1; 22º; 27º, nº 5; 41º, nº 4; 48º, nº 2; 54º, nº 5, f); 65º, nº 4; 84º, nº 2; 199º, al. d); 201º, nº
1, b), e nº 2, b); 269º, nº 1 e 2; 271º, nº 1 e 4; 276º, nº 6, etc.

1.2. Espécies de administração do Estado


A administração do Estado é multiforme e comporta variadas espécies. Temos de distinguir entre
administração central do Estado e administração local do Estado. Nem todos os órgãos e serviços do

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Direito da Organização Administrativa
•••

Estado exercem competência extensiva a todo o território nacional; nem todos são órgãos e serviços
centrais. Há também órgãos e serviços locais, instalados em diversos pontos do território nacional e
com competência limitada a certas áreas (circunscrições).
A segunda distinção a fazer é a administração direta do Estado e a administração indireta do
Estado. É uma classificação presente no Art. 199º, alínea d) da CRP. A administração direta do Estado é
a atividade exercida por serviços integrados na pessoa coletiva do Estado (ex: a Presidência do Conselho,
os Ministérios, as Secretarias de Estado, etc.), ao passo que a administração indireta do Estado é uma
atividade que é exercida por pessoas coletivas distintas do Estado (ex: Instituto Português do Desporto e
Juventude, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, etc.).

1.3. Administração Direta do Estado


Temos de destacar os principais carateres específicos do Estado e a sua administração direta:
1) Unicidade (o Estado é a única espécie deste género);
2) Caráter Originário (o Estado é a única pessoa coletiva que não é criada pelo poder
constituído. Tem natureza originária)
3) Territorialidade (tem um certo território: o território nacional. É a pessoa coletiva de
território e pessoas mais importante: todas as parcelas territoriais estão sujeitas ao poder
do Estado, bem como todos os indivíduos de todo o território)
4) Multiplicidade de atribuições
5) Pluralismo de órgãos e serviços
6) Organização em Ministérios (os órgãos e serviços do Estado estão estruturados em
departamentos, organizados por assuntos/matérias)
7) Instrumentalidade (a administração do Estado é subordinada. A administração direta está
submetida ao poder de direção do Governo – Art. 199º, al. d) CRP; a administração indireta
sujeita à superintendência e tutela do Governo; e a administração autónoma é controlada
pelo poder de tutela)
8) Estrutura hierárquica
9) Supremacia (em relação aos sujeitos de direito privado e a outras entidades públicas)
Atualmente a Administração direta do Estado é regulada pela Lei nº 4/2004, de 15 de janeiro–
que estabelece os princípios e normas a que esta deve obedecer –, para além dos diplomas específicos
relativos à organização e funcionamento de cada Ministério.

1.4. Atribuições do Estado


Podemos dizer que os fins ou objetivos que o Estado tem de atingir divide-se em três categorias
(segundo Bernard Gournay):
1) Atribuições Principais
a) Atribuições de Soberania (defesa nacional, relações externas, polícias, etc.)
b) Atribuições Económicas (moeda, crédito, imposto, comércio externo, etc.)
c) Atribuições Sociais (saúde, segurança social, habitação, ambiente, etc.)
d) Atribuições Educativas e Culturais (ensino, investigação científica, desporto, etc.)
2) Atribuições Auxiliares (funções logísticas)
a) Gestão de Pessoal
b) Gestão do Material
c) Gestão Financeira
d) Funções Jurídicas e de contencioso
e) Funções de arquivo e documentação
3) Atribuições de Comando (destinam a prepara e a acompanhar as tomadas de decisões de
chefia)
a) Estudos e planeamento
b) Previsão
c) Organização

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Direito da Organização Administrativa
•••

d) Controlo
e) Relações Públicas

1.5. Órgãos do Estado


Os órgãos do Estado são: o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo (o
principal órgão administrativo) e os Tribunais (neste caso são órgãos não administrativos).

2. O Governo
2.1. Principais Funções
Em relação aso funções, nesta disciplina iremos apenas concentrar nas funções administrativas,
que se encontra no Art. 199º. Podemos dizer que são três:
1) Garantir a execução das leis
2) Assegurar o funcionamento da Administração Pública
3) Promover a satisfação das necessidades coletivas

2.2. Competência e o seu exercício


Há vários modos de exercício da competência do Governo:
1) O Governo pode exercer a sua competência por forma colegial, através do Conselho de
Ministros. As resoluções que tomar desta forma terão de ser adotadas por consenso ou
por maioria no Conselho de Ministros, enquanto órgão colegial (Art. 200º CRP).
2) Também pode ser exercida individualmente, pelos vários membros do Governo: ou pelo
Primeiro Ministro, ou por cada um dos Ministros, Secretários de Estado ou
Subsecretários de Estado que integram o Governo.

2.3. A estrutura do Governo


Segundo o Art. 183º CRP a estrutura do Governo compreende as seguintes categorias de membros
do Governo:
a) Primeiro Ministro
b) Vice-Primeiros Ministros
c) Ministros
d) Secretários de Estado
e) Subsecretários de Estado

2.3.1. Primeiro Ministro – As funções do Primeiro Ministro vêm reguladas no Art. 201º, nº 1 CRP.
Do ponto de vista administrativo, o Primeiro Ministro tem dois tipos de funções:
a) Funções de Chefia – dirige o funcionamento do Governo e coordena e orienta a
ação de cada um dos Ministros. Ainda preside o Conselho de Ministros, referenda
os decretos regulamentares e intervém pessoalmente na nomeação de certos
altos funcionários do Estado.
b) Funções de Gestão – compete ao Primeiro Ministro administrar ou gerir os
serviços públicos da Presidência do Conselho e cabe-lhe orientar as diferentes
Secretarias de Estado que estejam integradas na Presidência do Conselho.

2.4. O funcionamento do Governo


1º O Governo é constituído, nomeado e tem de elaborar o seu programa e apresentar-se com ele
à Assembleia da República, para debate e votação.
2º Depois aparece o Conselho de Ministros a definir as linhas gerias da política governamental
(Art. 200º, nº 1, al. a) CRP), bem como definir as linhas gerais da execução da política
governamental
3º Depois, o Primeiro Ministro dirige a política geral do Governo, coordenando e orientando a
ação de todos os Ministros e dirige o funcionamento do Governo (Art. 201º, nº 1, al. a) e b) CRP)

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Direito da Organização Administrativa
•••

4º Cabe aos Ministros executar a política definida para os seus ministérios (nº 2, al. a) do preceito)

2.5. O Conselho de Ministros


Podemos definir Conselho de Ministros como o órgão colegial constituído pela reunião de todos os
Ministros, sob a presidência do Primeiro Ministro, ao qual compete desempenhar as funções políticas e
administrativas que a Constituição ou a lei atribuam coletivamente ao Governo. As suas funções
administrativas estão descritas no Art. 200º, nº 1, als. a), e), f) e g) CRP.

2.6. Conselhos de Ministros especializados


Os conselhos de Ministros especializados são órgãos secundários e auxiliares do Conselho de
Ministros, formados por alguns membros deste, e que funcional como secções do Conselho dos Ministros
(Art. 200º, nº 2 CRP). Podem ter um de três funções:
1) Preparar os Conselhos de Ministros (consiste em preparar as decisões de hão-de ser
tomadas pelo Conselho de Ministros) – função preparatória
2) Tomar decisões em nome do Conselho de Ministros (quando a lei confira competência
para tal ou quando essa competência tenha sido atribuída por delegação do Conselho de
Ministros) – função decisória
3) Executar decisões do Conselho de Ministros (estudar e decidir acerca das formas de dar
execução a deliberações que tenham sido tomadas pelo Conselho de Ministros) – função
executiva

3. Os Ministérios
3.1. Composição
Atualmente a composição do Governo é a seguinte:
a) Primeiro Ministro
b) Vice-Primeiro Ministro
c) Ministro de Estado e das Finanças
d) Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
e) Ministro da Defesa Nacional
f) Ministro da Administração Interna
g) Ministro da Justiça
h) Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares
i) Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional
j) Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia
k) Ministro da Economia
l) Ministro da Agricultura e do Mar
m) Ministro da Saúde
n) Ministro da Educação e Ciência
o) Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social

3.2. Classificação
Os ministérios são os departamentos da administração central do Estado dirigidos pelos Ministros
respetivos.
Os ministérios devem agrupar-se em quatro categorias:
1) Ministérios de Soberania (aqueles em que as atribuições políticas são predominantes, por
lhes estar confiado o exercício das principais funções de soberania do Estado)
2) Ministérios Económicos (superintendem nos assuntos de caráter económico, financeiro e
monetário)
3) Ministérios Sociais (destinam-se a realizar a intervenção do Estado nas questões de
natureza social e cultural e no mundo do trabalho)

Florian Leichtenmüller 27
Direito da Organização Administrativa
•••

4) Ministérios Técnicos (aqueles que se dedicam à promoção das infraestruturas e dos


grandes equipamentos coletivos, exercendo funções técnicas)

II – Administração Estadual Indireta

1. Conceito e Espécies
1.1. Noção
Podemos definir administração estadual indireta, do ponto de vista material, como uma atividade
administrativa do Estado, realizada, para a prossecução dos fins deste, por entidades públicas dotadas
de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e financeira. Do ponto de vista
subjetivo, podemos definir a mesma como o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com
personalidade jurídica própria e autonomia administrativa ou financeira, uma atividade administrativa
destinada à realização de fins do Estado.

1.2. Aspetos Materiais


1) A Administração Estadual Indireta é uma forma de atividade administrativa – é uma
modalidade de administração pública em sentido objetivo.
2) É uma atividade que se destina à realização de fins do Estado, sendo uma atividade de
natureza estadual. Traduz-se na realização de funções que são tarefas do Estado.
3) Não se trata de uma atividade exercida pelo próprio Estado – o Estado, transfere para outras
entidades (através da devolução de poderes).
4) É uma atividade exercida no interesse do Estado, mas é desempenhada pelas entidades a
quem está confiada em nome próprio e não em nome do Estado. Trata-se de exercer uma
atividade destinada a realizar fins do Estado. O Estado é que se responsabiliza
financeiramente. O Estado dispõe do poder de nomear e demitir os dirigentes desses
organismos ou entidades, possui o poder de lhes dar instruções e diretivas acerca do modo de
exercer a sua atividade, e tem o poder de fiscalizar e controlar a forma como tal atividade é
desempenhada.
5) Também é caraterística essencial da administração estadual indireta a sua sujeição aos
poderes de superintendência e de tutela do Governo (Art. 199º, al. d)).

1.3. Aspetos orgânicos


1) A Administração Estadual Indireta é constituída por um conjunto de entidades públicas que
são distintas do Estado – têm personalidade jurídica própria.
2) A decisão de criar estas entidades cabe ao Estado.
3) O financiamento destas entidades cabe ao Estado.
4) Estas entidades dispõem em regra de autonomia administrativa e financeira, isto é, tomam
elas as suas próprias decisões, gerem como entendem a sua organização, cobram elas as suas
receitas, realizam elas próprias as suas despesas, organizam elas próprias as suas contas.
Essas entidades públicas não são o Estado, mas completam-no. Trata-se de entidades que, em
regra, têm dimensão nacional, em todo o território nacional. Não se pode confundir com
autarquias locais. Essas entidades são duas: institutos públicos e empresas públicas.

2. Institutos Públicos
2.1. Conceito

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Direito da Organização Administrativa
•••

Podemos definir o instituto público como uma pessoa coletiva pública, de tipo institucional, criada
para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de caráter não empresarial,
pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública.
O instituto público é uma pessoa coletiva pública (Art. 3º, nº 4 + 4º, nº 1 LQIP), do tipo
institucional, ou seja, assenta sobre uma organização de caráter material e não sobre um
agrupamento de pessoas. É uma entidade criada para assegurar o desempenho de funções
administrativas determinadas (Art. 8º LQIP). Tem a missão de assegurar o desempenho de funções
administrativas, ou seja, o desempenho de uma atividade pública de caráter administrativo. Não há
institutos públicos para o exercício de funções privadas, nem para funções públicas não
administrativas. Os institutos públicos só podem tratar das matérias que lhes sejam cometidas por lei
(Art. 8º, nº 3 LQIP). Os institutos públicos, ao contrário do Estado, das autarquias locais e das regiões
autónomas, são entidades de fins singulares e desempenham funções de caráter não empresarial (Art.
3º, nº 3 LQIP).

2.2. Espécies
Existem três espécies:
1) Serviços personalizados – são os serviços públicos de caráter administrativo a que a lei atribui
personalidade jurídica e autonomia administrativa ou financeira (Art. 3º, nº 1 e 2 LQIP). São
serviços a quem a lei dá personalidade jurídica e autonomia para poderem funcionar como se
fossem verdadeiras instituições independentes. Dentro desta espécie temos uma subespécie:
os organismos de coordenação económica (que são serviços personalizados do Estado que se
destinam a coordenar e regular o exercício de determinadas atividades económicas, que pela
sua importância merecem uma intervenção mais vigorosa do Estado).

2) Fundações Públicas – são fundações que revestem natureza de pessoas coletivas públicas. De
acordo com a definição legal, as fundações públicas são pessoas coletivas de direito público,
sem fim lucrativo, com órgãos e património próprio e autonomia financeira e administrativa
(Art. 49º, nº 1 LGF + 3º, nº 1 e 2 LQIP).

3) Estabelecimentos Públicos – são os institutos públicos de caráter cultural ou social, organizados


como serviços abertos ao público, e destinados a efetuar prestações individuais à generalidade
dos cidadãos que delas careçam. Exemplo: Universidades Públicas ou Hospitais do Estado.

Resumindo:

- Se o instituto público pertence ao organograma dos serviços centrais de um Ministério, e


desempenha atribuições deste no mesmo plano que as respetivas direções gerais, é um serviço
personalizado do Estado;

- Se o instituto público assenta basicamente num património, existe para o administrar e vive
dos resultados da gestão financeira desse património, é uma fundação pública;

- Se o instituto não é uma direção geral personalizada, nem um património, mas um


estabelecimento aberto ao público e destinado a fazer prestações de caráter cultural ou social
aos cidadãos, então é um estabelecimento público;

2.3. Regime Jurídico


a) São pessoas coletivas públicas (Art. 4º, nº 1 LQIP)

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Direito da Organização Administrativa
•••

b) Beneficiam de autonomia administrativa (Art. 4º, nº 2 e 3 + 35º, nº 1 da mesma)


c) Podem dispor de autonomia financeira (Art. 4º, nº 2)
d) São criados mediante ato legislativo (Art. 9º, nº 1) e modificados e extintos mediante ato de
valor igual ou superior ao que os tenha criado (Art. 16º, nº 3)
e) Possuem órgãos próprios, sendo o principal o conselho diretivo (Art. 18º)
f) Os presidentes são órgão dirigente do instituto público e órgão do Estado
g) Os seus serviços podem ser centrais e locais (Art. 15º, nº 2 e 3)
h) Estão subordinados aos poderes de superintendência e tutela do Governo (Arts. 41º e 42º)
i) Podem conceder ou delegar algumas das suas atribuições a entidades privadas (Arts. 53º e 54º)

3. Empresas Públicas
3.1. Conceito
Podemos definir empresas públicas com as organizações económicas de fim lucrativo, criadas e
controladas por entidades jurídicas públicas.

3.2. Empresa pública como empresa


Para definir o conceito de empresa, temos de partir primeiro do conceito de unidades de
produção, que são organizações de capitais, técnica e trabalho, que se dedicam à produção de
determinados bens ou serviços, destinados a ser vendidos no mercado mediante um preço. Assim, as
empresas públicas são unidades produtivas que têm por finalidade institucional, intrínseca, dar lucro.
Tem de ter um fim lucrativo (mesmo que tenha um baixo, médio ou alto lucro). Têm a obrigação legal
de dar lucro.

3.3. Espécies de empresas públicas


a) Quanto à titularidade – há empresas públicas estaduais, regionais ou municipais, conforme
pertençam ao Estado, a uma região autónoma ou a um município.
b) Quanto à natureza jurídica -existe empresas públicas com personalidade jurídica e empresas
públicas sem personalidade jurídica.
c) Quanto à forma – sob forma privada ou sob forma pública.
d) Quanto ao objeto – consoante tenham ou não por objeto a exploração de serviço público ou
de um serviço de interesse económico geral.

3.4. Regime Jurídico – D.L. nº 133/2013, de 3 de outubro.

3.5. Personalidade e autonomia


As empresas públicas, sob a forma jurídica pública são dotadas de autonomia patrimonial (Art.
28º, nº 1). As empresas públicas que revistam forma jurídica privada serão sociedades, em regra,
sociedades anónimas. Se revestirem forma jurídica pública, serão entidades públicas empresariais (Art.
56º).

3.6. Criação e extinção


A criação de empresas públicas que revistam a forma de sociedade é feita nos termos definidos
nas sociedades comerciais (Art. 10º, nº 1 D.L. Nº 133/2013). A constituição de uma empresa pública
depende da autorização do Ministro das Finanças e do Ministro responsável pelo setor da atividade da
empresa. E é precedida de um parecer da Unidade Técnica (Art. 10º, nº 1 e 2). A falta de autorização
determina a nulidade de todos os atos e negócios jurídicos relativos à constituição da empresa (Art.
12º, nº 1). A extinção das empresas encontra-se estipulado no Art. 35º.

3.7. Órgãos

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Direito da Organização Administrativa
•••

A lei prevê que deve integrar três membros, salvo quando a dimensão e complexidade da
empresa justificar uma composição diversa (Art. 31º, nº 2). A lei atribui ao Ministro das Finanças o
poder de definir, nos estatutos de cada empresa, a concreta configuração dos órgãos de administração
e de fiscalização (Art. 31º, nº 3). Quanto à designação dos administradores nas empresas públicas não
é feita por eleição da assembleia geral da empresa, mas por deliberação do Conselho de Ministros
(Art. 32º, nº 4). O conselho de administração integra sempre um elemento proposto pelo Ministro das
Finanças, a quem compete aprovar expressamente qualquer matéria com impacto financeiro superior
a 1% do ativo líquido da empresa (Art. 31º, nº 3). As funções do órgão de fiscalização são assumidas
por um conselho fiscal (Art. 33º, nº 1), composto por um máximo de três membros.

3.8. Superintendência e tutela do Governo


As empresas públicas estão sujeitas à intervenção do Governo, que reveste as modalidades de
superintendência e da tutela. Sobre as empresas públicas, o Governo tem, por lei, os seguintes
poderes:
a) Definição das orientações estratégicas por resolução do Conselho de Ministros (Art. 24º, nº
1);
b) Exercício dos direitos de Estado, como acionista, através do Ministro das Finanças, em
articulação com o Ministro responsável pelo setor de atividade da empresa (Art. 37º, nº 1 e 2).
c) Definição da política setorial a prosseguir e as orientações específicas de cariz setorial
aplicáveis a cada empresa, assim como os objetivos a alcançar pela empresa no plano
operacional e o nível de serviço público a prestar (Art. 39º, nº 4).
d) Aprovação do plano de atividades e do orçamento da empresa pelo Ministro das Finanças e
pelo Ministro responsável pelo setor da atividade da empresa (Art. 39º, nº 8 e 9).
e) Sujeição a autorização do Ministro das Finanças da realização de operações que se traduzam
na prestação de garantias em benefício de outra entidade ou na assunção de
responsabilidades que ultrapassem o orçamento anual da empresa (Art. 25º, nº 5).
f) Exigência de informações sobre a vida económica e financeira da empresa (Arts. 44º e 45º).

III – Administração Autónoma

1. Conceito e Espécies
1.1. Conceito
A administração autónoma é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a
constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas
atividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo.
A administração autónoma prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem,
ou contrário da administração indireta, que prossegue atribuições do Estado, ou seja, interesses
alheios.
A administra autónoma dirige-se a si mesma – autoadministração – são os seus próprios órgãos
que definem com independência a orientação das suas atividades, sem estarem sujeitos a ordens ou
instruções, nem a diretivas ou orientações do Governo.
O único poder que constitucionalmente o Governo pode exercer sobre a administração autónoma
é o poder de tutela (Art. 199º, al. d) + 229º + 242º CRP).

1.2. Entidades incumbidas da administração autónoma


Há várias espécies de entidades públicas que desenvolvem uma administração autónoma ou que
pertencem à Administração Autónoma:
1) Associações Públicas
2) Autarquias Locais
3) Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira

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Direito da Organização Administrativa
•••

As primeiras são entidades de tipo associativo; as segundas e as terceiras são as chamadas


pessoas coletivas de população e território. Em todas elas há um substrato humano: todas são
agrupamentos de pessoas, ao contrário do que acontece na administração indireta (que são substratos
materiais – de serviços, patrimónios, estabelecimento ou empresas).

2. Associações Públicas
2.1. Conceito
Podemos definir associações públicas como sendo as pessoas coletivas públicas, de tipo associativo,
destinadas a assegurar autonomamente a prossecução de determinados interesses públicos
pertencentes a um grupo de pessoas que se organizam com esse fim.
As associações públicas, ainda quando desenvolvem uma atividade económica relevante, nunca
têm por fim último a obtenção de lucro, enquanto as empresas públicas procuram a obtenção de lucro
ainda que na prática nem sempre o alcancem.
As associações públicas caraterizam-se precisamente pela sua grande heterogeneidade,
sobretudo quanto ao tipo de associados, mas também quanto aos fins prosseguidos, refletindo-se
essa, consequentemente nos jurídicos que lhes são aplicáveis. Existem associações públicas de entes
públicos, de entes particulares e de entidades públicas e privadas.

2.2. Espécies
São três as espécies de associações públicas:
1) Associações de entidades públicas – trata-se de entidades que resultam da associação, união ou
federação de entidades públicas menores e de autarquias locais. Trata-se também de entidades
que se têm desenvolvido e multiplicado de uma forma muito intensa, sobretudo devido ao
sucessivo adiamento da criação das regiões administrativas. Exemplos mais relevantes: as áreas
metropolitanas, as comunidades intermunicipais e as associações de municípios e de freguesias
de fins específicos (Art. 247º e 253º da CRP + 63º a 110º LAL).

2) Associações de entidades privadas – temos como exemplos as ordens profissionais e as câmaras


profissionais.

3) Associações de caráter misto – há associados públicos e particulares, uns e outros com direito a
participar na assembleia geral ou num órgão deliberativo equivalente, em proporções variáveis.

2.3. Regime Constitucional e Legal


Podemos afirmar que as associações públicas têm muitas regras e princípios:
a) A validade dos atos de todos os poderes públicos depende da sua conformidade com a
Constituição (Art. 3º, nº 3).
b) À regra da vinculação das entidades públicas ao regime dos direitos, liberdades e garantias (Art.
18º, nº 1).
c) Ao direito de os particulares acederem aos tribunais para defesa dos seus direitos, impugnando
aí todas as decisões administrativas lesivas desses direitos (Art. 20º).
d) Ao princípio da responsabilidade civil dos poderes públicos, por violação ativa ou omissiva de
direitos dos particulares (Art. 22º).
e) Ao direito de os particulares solicitarem a intervenção do Provedor de Justiça em defesa dos
seus direitos afetados por atuações ou omissões de entidades administrativas (Art. 23º).
f) Aos direitos de audiência e defesa dos particulares e dos seus associados, em todos os
processos sancionatórios e contraordenacionais (Art. 32º, nº 10).
g) À fiscalização das suas finanças pelo Tribunal de Contas (Art. 214º).

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Direito da Organização Administrativa
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3. Autarquias Locais
3.1. Generalidades
3.1.1. A administração local autárquica – em sentido subjetivo é o conjunto das autarquias locais.
Já em sentido objetivo é a atividade administrativa desenvolvida pelas autarquias locais. A
existência de autarquias locais é um imperativo constitucional (Art. 235º CRP).

3.1.2. Conceito – podemos definir, segundo o Art. 235º, nº 2 da CRP, a seguinte definição: as
autarquias locais são pessoas coletivas públicas de população e território, correspondentes
aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que
asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos
próprios, representativos dos respetivos habitantes. Temos de referir que são pessoas
coletivas distintas do Estado, não pertencem ao Estado. São entidades independentes e
completamente distintas do Estado – embora possam por ser ele ser fiscalizadas,
controladas ou subsidiadas. Temos agora de analisar quatro elementos essenciais:
a) Território – chama-se circunscrição administrativa. Desempenha a função de
identificar a autarquia local. Tem a função de definir a população respetiva, isto é o
agregado populacional cujos interesses vão ser prosseguidos pela autarquia local.
Desempenha também o papel de delimitar as atribuições e as competências da
autarquia e dos seus órgãos, em razão do lugar.
b) Agregado populacional – é em função dele que se definem os interesses a prosseguir
pela autarquia e porque a população constitui o substrato humano da autarquia local.
c) Interesses comuns – que servem de fundamento à existência das autarquias locais, as
quais se formam para prosseguir os interesses privados das populações locais.
d) Órgãos Representativos – os órgãos das autarquias locais são eleitos em eleições livres
pelas respetivas populações – eleições autárquicas.

3.1.3. Princípio da autonomia local – pressupões e exige os seguintes direitos:


1) O direito e a capacidade efetiva de as autarquias regulamentarem e gerirem sob a
sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações – domínio
reservado.
2) O direito de participarem na definição das políticas públicas nacionais que afetem
os interesses próprios das populações.
3) O direito de partilharem com o Estado ou com a região as decisões sobre o
interesse comum.
4) O direito de regulamentarem a aplicação das normas ou planos nacionais por
forma a adaptá-los convenientemente às realidades locais.

3.1.4. Espécies de autarquias locais – o sistema português de autarquias locais compõe-se de


freguesias e municípios.

3.2. Freguesia
3.2.1. Conceito – podemos definir freguesias como as autarquias locais que, dentro do território
municipal, visam a prossecução de interesses próprios da população residente em cada
circunscrição paroquial (paróquia como sinónimo de freguesia).

3.2.2. Organização administrativa do território das freguesias – a Lei nº 22/2012, de 30 de maio,


aprovou que o número de freguesias é de 3092.

3.2.3. Atribuições – Art. 7º LAL, fornece um elenco de atribuições das freguesias, as quais se
estendem aos seguintes domínios:
a) Estabelecimento rural e urbanos
b) Abastecimento Público

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c) Educação
d) Cultura, tempos livres e desporto
e) Cuidados primários de saúde
f) Ações Social
g) Proteção Civil
h) Ambiente e salubridade
i) Desenvolvimento
j) Ordenamento urbano e rural
k) Proteção da comunidade
Quais são as principais atribuições das freguesias?

a) Plano Político – as freguesias realizam o recenseamento eleitoral e é através dos


seus serviços que se desenrolam os diversos processos eleitorais de carater
político e administrativo.
b) Plano Económico – as freguesias ocupam-se da administração dos seus bens e
promovem obras públicas.
c) Plano Cultural e Social – as freguesias desenvolvem uma ação da maior importância.

3.2.4. Órgãos
1) Assembleia de Freguesia – Art. 5º LCFA diz quantos são os membros da Assembleia de
Freguesia (7 a mais de 200). As assembleias reúnem 4 vezes por ano: Abril, Junho,
Setembro e Novembro ou Dezembro – Art. 11º, nº 1 LAL. A competência das
assembleias vem regulada nos Arts. 9º e 10º da mesma lei e 17º LCFA. E podem ser
agrupadas em quatro funções:
a. Função Eleitoral – a Assembleia elege a Junta de Freguesia
b. Função de Fiscalização – a Assembleia acompanhada a atividade da Junta,
controlando e superintendendo o seu funcionamento
c. Função de orientação geral – compete à Assembleia discutir os orçamentos e
as contas, estabelecer normas gerais e aprovar regulamentos, constituir grupo
de trabalho, etc. Tem poderes tributários e regulamentares.
d. Função Decisória – consiste em decidir os casos concretos mais importantes.

2) Junta de Freguesia – podemos definir junta de freguesia como o corpo administrativo


da freguesia e é constituída por um Presidente e um certo número de vogais (de
acordo com Art. 24º, LCFA). A competência da Junta encontra-se nos Arts. 16º e 19º
LAL + 34º LCFA. As suas funções são:
a. Função Executiva – assegura a execução das deliberações da Assembleia da
Freguesia, bem como a execução das leis, regulamentos e planos aplicáveis.
b. Função de Estudo e Proposta – deve estudar os problemas da freguesia e
propor soluções para eles.
c. Função de Gestão – assegura a gestão regular dos bens, serviços, pessoal,
finanças e obras.
d. Função do Fomento – está incumbida de apoiar as iniciativas socias, culturais,
desportivas.

3.3. Município
3.3.1. Conceito – podemos definir município como a autarquia local que visa a prossecução de
interesses próprios da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos
representativos por ela eleitos.

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3.3.2. Criação, extinção e modificação – cabe à Assembleia da República a competência para


apreciar as iniciativas que visem a criação, extinção e modificação dos municípios (Arts. 2º
da Lei nº 142/85).

3.3.3. Atribuições Municipais – são atribuições do município a promoção e salvaguarda dos


interesses próprios das respetivas populações, em articulação com as freguesias. O Art.
23º LAL fala dos seguintes domínios:

a) Equipamento rural e urbano


b) Energia
c) Transportes e comunicações
d) Educação
e) Património, cultura e ciência
f) Tempos livre e desporto
g) Saúde
h) Ação Social
i) Habitação
j) Proteção Civil
k) Ambiente e saneamento básico
l) Defesa do consumidor
m) Promoção do desenvolvimento

3.3.4. Transferência de competências dos órgãos do Estado para os órgãos do município – é


através de dois instrumentos:
1) Transferência Legal de Competências – faz-se por ato legislativo (Art. 114º LAL). A
lei deve prever expressamente os recursos humanos, patrimoniais e financeiros
necessários e suficientes ao exercício pelos órgãos autárquicos das competências
transferidas (Art. 115º, nº 1), contemplando necessariamente uma referência às
fontes de financiamento e aos seus modos da sua afetação (nº 2).

2) Delegação de competências – está previsto nos Arts. 116º e ss LAL. A delegação


funda-se na celebração de um contrato interadministrativo (Art. 120º, nº 1), cujo
conteúdo deve integrar uma referência aos recursos humanos, patrimoniais e
financeiros necessários e aos estudos que fundamentaram a decisão de celebrar o
contrato.

3.3.5. Os órgãos do município em geral – o município é uma pessoa coletiva que tem os seus
órgãos: são órgãos que tomam decisões, que manifestam a vontade própria da pessoa
coletiva em causa. Os principais órgãos do município são (Art. 250º):
1) Assembleia Municipal – é o órgão deliberativo do município.
- Composição – Art. 251º CRP. A Assembleia da Municipal não é toda ela eleita
diretamente: é constituída por membros eleitos e por membros de inerência. É
constituída por um presidente e dois secretários.
- Funcionamento – Art. 27º LAL
- Competência – Art. 25º LAL

2) Câmara Municipal – é o órgão colegial executivo encarregado da gestão


permanente dos assuntos de uma autarquia local.
- Composição – Arts. 57º, 58º e 59º LCFA
- Funcionamento – a câmara municipal está em sessão permanente (Art. 40º, nº 1
LAL)
- Competência – Art. 33º LAL

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3) Presidente da Câmara
- Competência – Arts. 35º e 34º LAL

3.3.6. Os serviços Municipais – A preparação e execução das decisões tomadas pelos órgãos do
município compete aos serviços. Podemos definir serviços municipais como os serviços do
município que, não dispondo de autonomia, são diretamente geridos pelos órgãos principais
dos municípios. Os serviços municipais são criados pela assembleia municipal, sob
proposta da Câmara Municipal (Art. 25º, nº 1, al. m), e nº 3 LAL).

3.3.7. Associações de Municípios – podemos definir associações de municípios como


agrupamentos de municípios para a realização conjugada de interesses comuns.

IV – Administração Regional Autónoma

1. Conceito
As Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, são pessoas coletivas de direito público, de população
e território, que pela Constituição dispõem de um estatuto político-administrativo privativo e de órgãos
de governo próprio democraticamente legitimados, com competências legislativas e administrativas para
a prossecução dos seus fins específicos (Art. 225º CRP). As regiões autónomas são dotadas de órgãos de
governo próprio cujos titulares são designados com a participação dos eleitores residentes nos
respetivos territórios.

2. Sistema de governo regional


Os órgãos próprios das regiões autónomas são: Assembleia Legislativa, Governo Regional e um
Representante da República (Art. 230º e 231º CRP)
2.1. Representante da República – cabe nomear o presidente do governo regional, de acordo com os
resultados eleitorais, bem como nomear os restantes membros do governo regional (Art. 231º, nº
4 e 5 CRP).

2.2. Assembleia Legislativa – são órgãos eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, por um
período de quatro anos. Os eleitores são todos e quaisquer cidadãos portugueses recenseados
nas regiões, bem como os não cidadãos portugueses residentes nas regiões autónomas. Nos
Açores, a eleição dos deputados regionais faz-se por dez círculos eleitorais, em que cada ilha elege
dois deputados, mais um por cada 7250 eleitores ou fração superior a 1000, sem ultrapassar os
57 deputados. Na Madeira, a eleição faz-se através de um único círculo, que elege 47 deputados.
Os direitos e deveres dos deputados regionais encontra-se estipulado no nº 6 do Art. 231º CRP.
2.2.1. Competências – Aqui o que interessa é a competência administrativa (Arts. 227º, nº 1 e
232º, nº 1 CRP + os Estatutos Político Administrativo dos Açores e da Madeira – Arts. 41º
dos Açores e 39º da Madeira).

2.3. Governo Regional – é definido como o órgão executivo de condução da política regional e o órgão
superior da administração pública regional. Ele é formado em função dos resultados eleitorais para
a assembleia legislativa e perante nomeação do Representante da República. Depois comparece
perante a Assembleia Legislativa para tomar posse. Mas só entra em pleno de funções após
apresentar à mesma o seu programa governamental e após esse ser debatido e aprovado. Cada
secretário regional está à frente de uma secretaria regional. O governo regional é um órgão
complexo, compreendendo pelo menos um presidente e vários secretários regionais. Pode ainda
ter um vice-presidente e subsecretários regionais. Os membros dos governos regionais têm os
mesmos deveres, incompatibilidades, imunidades, direitos e regalias que os membros do Governo
da República. Apenas referir que existe um número elevado de institutos públicos e de empresas

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Direito da Organização Administrativa
•••

públicas na dependência dos governos regionais e estão sujeitos aos poderes de tutela e de
superintendência dos respetivos governos regionais.

2.3.1. Competências – Estão presentes nas alíneas do Art. 227º, nº 1 da CRP. A nível das
competências administrativas são as alíneas d), g), h), j), m) e o).

2.3.2. Poder Executivo – de acordo com as Arts. 16º e 90º do Estatuto dos Açores e do nº 2 do
Art. 7º do Estatuto da Madeira, no âmbito das competências dos órgãos regionais, a
execução dos atos legislativos no território da Região é assegurada pelo governo regional.
Compete aos governos regionais: aplicar toda a legislação emanada das assembleias
legislativas das suas regiões, sem exceção; de aplicar nos respetivos territórios insulares
uma boa parte da legislação emanada de órgãos de soberania.

2.4. Relações entre o Estado e as Regiões Autónomas – as regiões autónomas não se encontram
constitucionalmente sujeitas a um poder de tutela administrativa do Estado, uma vez que não
integram a noção estrita de administração autónoma do Art. 199º, al. d) CRP. Mas isto não
significa que o Governo esteja impedido de dispor de poderes de supervisão nos casos em que as
leis nacionais aplicadas pelas regiões autónomas sejam para estas leis imperativas, isto é, tenham
sido emanadas ao abrigo de uma competência legislativa reservada dos órgãos de soberania e
para se aplicarem uniformemente em todo o território nacional. Conclui—se que se a legislação
for de interesse geral, o resultado da execução dessa legislação é também interesse geral, logo o
Estado não se pode desinteressar desse resultado.

IV – As Instituições Particulares de Interesse Público

1. Conceito
O Direito Administrativo não regula apenas entidades públicas, também regula algumas
categorias de entidades privadas, precisamente aquelas que pela atividade a que se dedicam não
podem deixar de ser consideradas na ótica do interesse geral – são as instituições particulares de
interesse público. Trata-se de entidades privadas criadas por iniciativa particular, através de atos de
direito privado, mas que prosseguem fins de interesse público e por isso ficam sujeitas por lei a um
regime parcialmente traçado pelo Direito Administrativo. Podemos definir as instituições particulares de
interesse público como pessoas coletivas privadas que, por prosseguiram fins de interesse público, têm o
dever de cooperar com a Administração Pública e ficam sujeitas, em parte, a um regime especial de Direito
Administrativo. Por que motivos é que este fenómeno ocorre? Por vários motivos:

a) É a Administração Pública que, não podendo arcar com todas as tarefas que é necessário
desenvolver em prol da coletividade, faz apelo aos capitais particulares e encarrega
empresas privadas de desempenharem uma função administrativa: é o que se passa, por
exemplo, com as concessões de serviços públicos, de obras públicas ou do domínio público
– exercício privado de funções públicas;

b) A lei considera que um certo número de coletividades privadas são de tal forma relevantes
no plano do interesse coletivo que decide, contudo submete-las a uma fiscalização
permanente ou mesmo a uma intervenção por parte da Administração Pública (ex:
sociedades de interesse coletivo) – controlo público de atividades privadas;

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Direito da Organização Administrativa
•••

c) A lei admite que em determinadas áreas de atividade sejam criadas entidades privadas,
por iniciativa particular, para se dedicarem à prossecução de tarefas de interesse geral (ex:
instituições de assistência) – coexistência colaborante entre atividades públicas e privadas;

As instituições particulares de interesse público apresentam os seguintes traços caraterísticos


principais:

a) Ponto de vista orgânico/subjetivo – são entidades particulares, isto é, pessoas coletivas


privadas, resultantes de iniciativa privada;

b) Ponto de vista material/objetivo – desempenham por vezes uma atividade administrativa


de gestão pública, outra vezes exercem uma atividade de gestão privada;

c) Ponto de vista do direito aplicável – o regime jurídico a que tais instituições estão sujeitas é
um misto de direito privado e de Direito Administrativo.

Existem quatro espécies de instituições particulares de interesse público:

a) As sociedades de interesse coletivo;


b) As pessoas coletivas de mera utilidade pública; Pessoas coletivas de
c) As instituições particulares de solidariedade social;
utilidade pública
d) As pessoas coletivas de utilidade pública administrativa;

2. Sociedades de Interesse Coletivo


2.1. Conceito – podemos definir como empresas privadas, de fim lucrativo, que por exercerem
poderes públicos ou estarem submetidas a uma fiscalização especial da Administração Pública, ficam
sujeitas a um regime jurídico específico traçado pelo Direito Administrativo. Exemplos:
concessionárias e outras empresas a que tenha sido confiada, a qualquer título, a prestação de um
serviço público ou de um serviço de interesse geral. Estas entidades privadas têm um fim lucrativo
– são normalmente sociedades

2.2. Espécies – as principais espécies de sociedades de interesse coletivo que existem atualmente
são:
a) Sociedades concessionárias de serviços públicos, de obras públicas, ou de exploração de
bens do domínio público;
b) Empresas que prestem serviços públicos ou serviços de interesse geral;
c) Empresas participadas que prestem serviços públicos ou serviços de interesse geral;
d) Outras empresas, participadas ou não, que exerçam poderes públicos;
e) Empresas que exerçam atividades em regime de exclusivo ou de privilégio não conferido
por lei geral.

2.3. Regime Jurídico – é um regime duplo: em parte constituído por privilégios especiais, de que as
empresas privadas normalmente não gozam e em parte constituído por deveres especiais, a
que tão-pouco a generalidade das empresas privadas se acham submetidas.
Entre as prerrogativas e privilégios das sociedades de interesse coletivo podemos citar três
mais importantes:

a) Isenções Fiscais
b) Direito de requer ao Estado a expropriação por utilidade pública de terrenos de que
necessitem para se instalar

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Direito da Organização Administrativa
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c) Possibilidade de beneficiar, quanto às obras que empreendem, do regime jurídico das


empreitadas de obras públicas
Na categoria dos deveres especiais impostos por lei às sociedades de interesse coletivo, podem
ocorres os seguintes:

a) Os corpos gerentes destas empresas podem encontrar-se sujeitos a


incompatibilidades e limitações de remuneração estabelecidas por lei para os
gestores públicos
b) Se se tratar de empresas participadas pelo setor público, ficam sujeitas às regras e
princípios que o RSEL (Regime Jurídico do Setor Empresarial Local) manda aplicar-lhes
c) O funcionamento destas empresas pode achar-se submetido à fiscalização efetuada
por delegados do Governo (é o representante do Estado, que fiscaliza a atividade da
empresa: não é órgão da empresa, é órgão do Estado, e fiscaliza em nome do Estado
a atividade desenvolvida pela empresa);

2.4. Natureza Jurídica das Sociedades de Interesse Coletivo – há duas teses principais sobre o
assunto:
a) Tese Clássica – essas entidades, vistas como privadas, não fazem parte da
Administração Pública: são colaboradoras da Administração, mas não são seus
elementos integrantes.
b) Segunda tese – diz que estas entidades são órgãos indiretos da Administração.
A nosso ver, a tese clássica é a que está certa. As entidades colaboram com a Administração,
mas não fazem parte dela: são elementos externos à Administração, que com ela cooperam –
não são elementos componentes da mesma. Por isso é que nos afigura a designação tradicional
de sociedades ou empresas de interesse coletivo.

3. Pessoas Coletivas de Utilidade Pública


3.1. Conceito – as associações e as fundações podem ser olhadas pela lei como entidades de
utilidade particular ou como entidades de utilidade pública. São de utilidade particular as
pessoas coletivas privadas que, embora de fim não lucrativo, desenvolvam atividades que não
interessem primacialmente à comunidade nacional ou a qualquer região autónoma ou
autarquia local, mas apenas a grupos privados; e as pessoas coletivas privadas e de fim não
lucrativo que, embora visando objetivos de interesse geral, não aceitem cooperar com a
Administração Pública, central ou local. Podemos definir pessoas coletivas de utilidade pública
como as associações e fundações de direito privado que prossigam fins não lucrativos de
interesse geral, cooperando com a Administração central ou local, em termos de merecerem da
parte desta a declaração de «utilidade pública» - D.L. nº 460/77, de 7 de novembro. Exemplos:
as Misericórdias, as Associações de Bombeiros voluntários, as creches, os lares de idosos, etc.

3.2. Espécies – podem ser classificadas segundo diferentes critérios:

a) Quanto à natureza do substrato – podem ser: associações, fundações e cooperativas;


b) Quanto ao âmbito territorial de atuação – são pessoas coletivas de utilidade pública geral,
regional ou local, conforme prossigam fins de interesse nacional ou fins que interessem
apenas a uma região autónoma ou a uma autarquia local;
c) Quanto aos fins que prosseguem e ao regime jurídico a que estão sujeitas – há três
espécies:
c.1) Pessoas coletivas de mera utilidade pública (ex: clubes desportivos, associações
científicas) – compreendem todas as pessoas coletivas de utilidade pública que não
sejam instituições particulares de solidariedade social nem pessoas coletivas de

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utilidade pública administrativa. Prosseguem quaisquer fins de interesse geral que não
correspondam aos fins específicos das outras duas categorias. Carateriza-se por um
certo número de regalias e isenções, a par de alguns deveres e limitações; a
intervenção da Administração Pública no funcionamento destas entidades é mínima, e
não envolve tutela administrativa nem controlo financeiro.

c.2) Instituições particulares de solidariedade social (ex: Misericórdias) – são as que


constituem para dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de
justiça entre os indivíduos – nomeadamente para fins de apoio a crianças e jovens,
apoio à família, promoção da saúde, etc. Têm privilégios e limitações especiais, o
direito ao apoio financeiro do Estado e a sujeição à tutela administrativa deste.

c.3) Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa (ex: Associações de


Bombeiros voluntários) – são as pessoas coletivas de utilidade pública que prossigam
algum dos fins previstos legalmente – ex: associações humanitárias. Têm privilégios e
restrições especiais, a sujeição à tutela administrativa e ao controlo financeiro do
Estado.

3.3. Regime Jurídico – de acordo com o D.L. nº 460/77, de 7 de novembro, as pessoas coletivas de
utilidade pública têm o seguinte regime jurídico administrativo:
a) Não podem desenvolver atividades económicas em concorrência com outras entidades
que não possam beneficiar do estatuto de utilidade pública (Art. 2º, nº 1, al. c) e 12º, nº 2,
al. a));
b) Não podem exercer a sua atividade, de forma exclusiva, em benefício dos interesses
privados quer dos próprios associados, quer dos fundadores (Art. 2º, nº 1, al. f));
c) Têm de estar registadas numa base de dados mantida pela Secretaria-Geral da Presidência
do Conselho de Ministros (Art. 8º, nº 1);
d) Gozam de isenções fiscais previstas nas leis tributárias (Art. 9º);
e) Beneficiam de isenção de taxas de televisão e de rádio e de isenção de taxas previstas na
legislação sobre espetáculos e divertimentos públicos (Art. 10º, al. a) e e)), bem como da
publicação gratuita das alterações dos seus estatutos no Diário da República (Art. 10º, al.
f));
f) Dispõem de tarifas reduzidas no consumo de energia elétrica e de água (Art. 10º, al. b));
g) Podem requerer a expropriação por utilidade pública, mesmo urgente, dos terrenos de que
careçam para prosseguir os seus fins estatutários (Art. 11º);
h) Têm de enviar anualmente à Presidência do Conselho o relatório e contas do exercício,
prestar à Administração Pública quaisquer informações solicitadas e comunicar à
Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros as alterações dos estatutos (Art.
12º);

Florian Leichtenmüller 40

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