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O DOMICÍLIO

Noção: para avançar uma noção podemos socorrer-nos das palavras de José
de Oliveira Ascensão: “juridicamente, é necessário considerar a pessoa ligada a
um lugar para o exercício da sua vida jurídica. Esse lugar chama-se domicílio”1.
Poderíamos dizer, a partir destas palavras, que o domicílio é o lugar ao qual uma
pessoa se acha ligada para o exercício da sua vida jurídica.

C.A. MOTA PINTO, define-o como “o ponto de conexão entre a pessoa e


um determinado lugar”2.
Sentidos: em sentido amplo, o domicílio diz respeito tanto às pessoas físicas
como às pessoas colectivas. Em sentido restrito, o domicílio diz respeito apenas às
pessoas singulares. Às pessoas colectivas corresponde a sede.
Para Castro Mendes, a ideia de domicílio corresponde ao sítio onde a pessoa
mora3. Faz-se corresponder, tradicionalmente, a noção jurídica de domicílio com
a noção realística de residência; ou seja, há uma correspondência entre o domicílio
e a residência. Entretanto, essa correspondência é meramente tendencial, porque
nem sempre a residência será o domicílio da pessoa, não basta residir num local
para se poder considerar esse lugar como domicílio; a lei fixa domo domicílios
muitos outros lugares. Assim, rigorosamente falando, domicílio não é nem
sinónimo de residência, lugar onde a pessoa reside com alguma permanência, nem
muito menos de paradeiro, sendo este, o lugar onde a pessoa se acha localizada
num determinado momento.

A noção de domicílio é-nos dada pelo art. 82/1 do C.C.: o domicílio é a


residência habitual de uma pessoa. Tem de ser residência habitual, isto é, a

1
Teoria Geral do Direito Civil 83-I, pág. 156 vol I.

2
TGDC 68-I

3
Citado por Franco João Melo, in dic. Pág.367.
residência onde a pessoa vive normalmente, ou como diz C.A. MOTA PINTO
“…onde a pessoa costuma regressar após ausências mais curtas ou mais
longas…”4.
Mas o domicílio pode ser o local de residência ocasional, quando a pessoa
não tiver residência habitual. Não havendo residência habitual nem ocasional,
considera-se domicílio o seu paradeiro (art. 82/2).

Modalidades de domicílio:

José De Oliveira Ascensão aponta-nos dois critérios para classificar o


domicílio: o critério da natureza da relação jurídica e o critério da relevância
da vontade para a fixação do domicílio.
De acordo com o primeiro critério, o domicílio pode ser geral ou
particular, conforme seja fixado para a generalidade dos efeitos jurídicos ou para
determinadas situações, conforme diga respeito às relações jurídicas em geral ou
diga respeito a determinadas relações jurídicas em especial, mormente as
profissionais. Assim, a residência habitual será o domicílio geral, enquanto o
local de trabalho ou o domicílio profissional será o domicílio particular,
resultando isto da leitura do art. 82 e 83 C.C., que dizem, respectivamente: “a
pessoa tem domicílio no lugar da residência habitual”; a pessoa que exerce
uma profissão tem, quanto às relações que a esta se referem, domicílio
profissional no lugar onde a profissão é exercida”.

Do ponto de vista do segundo critério, voluntariedade, atende-se à


relevância da vontade da pessoa no estabelecimento do domicílio, isto é, há que
distinguir entre as situações em que a fixação do domicílio resulta de um acto
voluntário quer seja um negócio jurídico, quer seja um simples acto de vontade do
qual a lei faz depender a produção dos efeitos jurídicos respectivos, embora a

4
TGDC, 68-II,
pessoa não os tivesse previsto ou querido, daquelas em que a vontade de pessoa
não é relevante, porque é fixado imperativamente pela lei. No primeiro caso, fala-
se de domicílio voluntário; no segundo, de domicílio necessário ou legal (esta
última é, aliás, a terminologia utilizada pelo Código Civil).

Portanto, o domicílio é voluntário quando resulta de um acto de vontade, da


escolha da pessoa. Será necessário se for imperativamente estabelecido pela lei.

Por seu turno, o domicílio voluntário pode ser geral, especial ou particular5.
O domicílio voluntário geral corresponde à residência habitual e está previsto no
art. 82/1 e 2. É geral porque é o que releva para a generalidade dos efeitos jurídicos.
O domicílio voluntário especial corresponde ao domicílio profissional, que se
verifica para as pessoas que exerçam uma profissão e é relevante para as relações
que se refiram à profissão. O domicílio é o lugar onde a profissão é exercida (art.
83).

De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, se a profissão for exercida em


diversos lugares, cada um deles constitui domicílio para as relações que lhe
correspondem.

A terceira modalidade do domicílio voluntário é o domicílio particular,


previsto no art. 84 C.C.. Tem a particularidade de resultar de convenção (das
partes) e, portanto, de um negócio jurídico, e exigir a forma escrita (contanto que
a estipulação seja reduzida a escrito). Geralmente é estabelecido para determinados
fins, tais como as comunicações recíprocas entre as partes. O domicílio particular
pode coincidir ou não com o domicílio profissional, isto é, as partes podem
estipular como domicilio (particular) um lugar outro que a residência habitual e
diferente do lugar onde se exerce a profissão.

5
Mot Pinto TGDC, 68-II
Quanto ao domicílio necessário, José De Oliveira Ascensão distingue
entre domicílio necessário geral e domicílio necessário particular6. O primeiro é o
que diz respeito às pessoas sujeitas à representação legal, ou seja, das pessoas
sujeitas à guarda do(s) respectivo(s) representantes legais (pais ou tutores). O
domicílio de uma pessoa nestas condições corresponde ao domicílio da pessoa que
sobre ela tem poder de representação. Assim, o domicílio do menor é a residência
habitual dos pais, o interdito acha-se domiciliado na residência habitual do tutor (
art. 85/1 C.C.), exceptuando-se as situações em que o incapaz possa intervir
pessoalmente (verbi gratia, casos em que a ordem jurídica permite a actuação
pessoal do menor).

É particular o domicílio legal/necessário dos empregados públicos. É


necessário porque não depende da vontade do funcionário, ele não pode celebrar
negócios incidindo sobre a determinação do domicílio. “Por isso, o Estado não tem
de procurar onde mora o funcionário faltoso para lhe comunicar a interposição de
um processo disciplinar porque se considera domiciliado no próprio lugar de
trabalho (art. 87/1 C.C.); é esta a ideia que está expressa no art. 87/1: “…Os
empregado públicos, civis ou militares quando haja lugar certo para o exercício de
seus empregos, têm nele domicílio necessário…”

O nº 2 deste mesmo artigo estabelece que o domicílio necessário é


determinado pela posse do cargo ou pelo exercício das respectivas funções.

Diz-se domicílio necessário particular porque para as relações estranhas à


vida profissional, o lugar determinante é o da residência habitual e não o do
desempenho da função(7. É particular em contraposição ao seu domicílio
voluntário geral, respeitante às relações jurídicas em geral, daí que o nº 1 do art.
87 diga “…sem prejuízo do domicílio voluntário no lugar da residência habitual”.

6
TGDC 85-I

7
José De Oliveira Ascensão, TGDC, 85-II, pág. 160
O art. 88 C.C. fala de um outro tipo de domicílio legal: o dos agentes
diplomáticos angolanos. Sempre que eles invoquem a extraterritorialidade,
consideram-se domiciliados em Luanda. Segundo José de Oliveira Ascensão,
trata-se de uma subespécie do domicílio necessário particular. Diz o mesmo autor:
“aqui perde-se toda a base realística, pois não existe sequer a presunção de o
diplomata aí se encontrar, que se poderia invocar nos restantes casos”. 8
Há um
traço de voluntariedade, resultante do facto de os diplomatas poderem invocar a
extraterritorialidade, diz ainda o nosso autor.

Relevância jurídica do domicílio

O domicílio é relevante para uma pluralidade de efeitos nos vários ramos


do Direito. Vejamos apenas algumas:

- É relevante para a determinação da competência territorial dos tribunais.


Assim, o tribunal competente para quaisquer acções é o tribunal do
domicílio do réu (art. 85 C.P.C.). Isto representa um favorecimento do réu
na medida em que se fosse outro o critério para determinar a competência
territorial, o réu poderia ser obrigado aos diversos sacrifícios, com as
implicações que isto acarreta, para se mover para o tribunal.

- Nas Direito das Obrigações, relevância do domicílio manifesta-se, inter


alia, nas circunstâncias de a prestação debitória dever ser efectuada no lugar
do domicílio do devedor (art., 772 C.C.) e no pagamento da renda ser feito
no domicílio do locatário, se não tiver sido estipulado outro lugar (art.
1039), o que significa que, em regra, será o credor/locador a se deslocar
para cobrar. Nos últimos dois casos, há também, um favorecimento do
devedor.

8
85-III, pág. 160.
- Em Direito Privado e em Direito Internacional Público, o domicílio
é elemento de conexão Segundo Américo Fernando Brás Carlos, trata-se dos
elementos “…que colocam os factos em ligação com o território…”9 ou ainda,
aqueles que permitem aferir da existência relevante de ligação entre um facto e
determinado território. Em Direito Fiscal (Internacional), nas situações em que
dois Estados se consideram com competência para tributar um facto que se
encontra em contacto com mais do que um ordenamento jurídico, os Estados
recorrem a vários elementos de conexão para se determinar qual dos Estados tem
competência para tributar. Entre tais elementos se encontra a residência. Uma
pessoa singular que seja nacional de um Estado e trabalhe noutro Estado será
tributada pelo rendimento (salários) pelo Estado em que se seja considerado
residente.

- O domicílio é, igualmente, importante no Direito das Sucessões, onde a


sucessão por morte se abre no último domicílio do seu autor (art. 2031 C.c.).

É interessante uma nota de Castro Mendes trazida à tona por José De


Oliveira Ascensão sobre a relevância do domicílio: o domicílio é o ponto legal de
contacto não pessoal uma vez que permite dizer que se considere que a pessoa se
encontra lá. Se alguém dirige a outrem uma declaração receptícia, ou seja, cuja
eficácia depende de que seja dirigida a outrem, basta fazê-lo para o domicilio, sem
a possibilidade de ou outro declarar que não recebeu”. Assim, se Abel quer exigir
a Bento que abandone o andar que ocupa, pode mandar uma carta registada para o
domicílio, e Bento não pode alegar que não a leu 10
Se o destinatário fraudulentamente não receber a carta registada com ou sem
aviso de recepção, pode-se ir ao domicílio do destinatário e meter uma carta
debaixo da porta ou deixar um recado à criada.

99
Impostos, Teoria Geral, 2ª Ed. Actualizada e aumentada, Ed. Almedina, pág. 226

10
(TGDC 86-IOI, pág. 162)
Basta, por exemplo, que o credor se dirija à caixa de correio do devedor.
Este não pode alegar ou invocar desconhecimento, provada a comunicação, ela
produz os seus efeitos.
C.A. MOTA PINTO nota a respeito: “é, igualmente, no domicílio da pessoa
que devem ser praticadas as diligências ou efectuadas as comunicações dirigidas a
dar-lhe conhecimento pessoal de um facto, quando esse conhecimento seja
pressuposto de determinados efeitos. Há uma presunção de presença da pessoa no
domicílio, com o que se visa impedir escapatórias” 11.

AUSÊNCIA
Noção12: Pode-se falar de ausência em dois sentidos: um sentido amplo e
em sentido restrito. Em sentido amplo, a ausência traduz-se na não presença de
uma pessoa num certo lugar onde se esperaria poder encontrá-la. Este é o sentido
em que vulgarmente se fala da ausência.

Em sentido restrito e técnico, a ausência consiste no desaparecimento de


uma pessoa, acompanhado da ignorância geral do seu paradeiro e da consequente
impossibilidade de contacto com ela.

Luís A. De Carvalho Fernandes designa a ausência em sentido amplo como


a ausência simples e chama a ausência em sentido restrito de ausência qualificada.
O mesmo autor nota que a ignorância geral não se reporta à generalidade das
pessoas mas sim àquelas pessoas que normalmente teriam possibilidade de
conhecer o seu paradeiro.

11
C.A. MOTA PINTO, TGDC, 68-I, pag. 262.

12
Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, 1978, I-437, Citado por Franco João Melo, Dicionário de
Conceitos e Princípios Jurídicos, pág. 108
A ausência em sentido técnico, que é a que nos interessa, está
regulamentada nos artigos 89ss do Cód. Civ.

Pressupostos da ausência (art. 89/1):


- Desaparecimento ou não presença de uma pessoa num determinado local
- Falta de notícias (sem que dele se saiba parte) e impossibilidade de
contacto com a pessoa.

O artigo 89/1 parece, à primeira vista, transparecer a ideia de que o facto de


o ausente ter deixado bens que careçam de administração é também um
pressuposto da ausência em sentido técnico. Para se considerar alguém como
ausente, em termo de conceitos, basta que ele tenha desaparecido em condições
em que seja impossível obter notícias. Outra coisa é a pessoa desaparecida ter
deixado bens que careçam de administração. Assim, diríamos a existência de bens
que careçam de administração não é pressuposto da ausência em si, mas sim da
curadoria ou curatela, ou se quisermos, da decretação judicial da ausência que se
destina àquela.

Relevância jurídica da ausência: resulta dos efeitos jurídicos que ela


desencadear, que podem ser patrimoniais e/ou pessoais.

1º: Efeitos patrimoniais:


a) 1º: a ausência é relevante juridicamente na medida em que, verificada,
ela coloca a questão de tomar medidas tendentes a evitar os prejuízos decorrentes
da falta de administração dos bens da pessoa do ausente e a movimentação das
relações jurídicas patrimoniais do ausente. Esta necessidade postula, por sua vez,
a instauração da curadoria provisória ou definitiva ou a declaração da morte
presumida.

b): a ausência tem ainda efeitos sucessórios: se alguém é declarado


judicialmente ausente, não só os seus bens podem estar sujeitos ao regime da
herança (abertura provisória da sucessão) como, ainda, quando era sucessível de
outra pessoa, a partir do momento em que se considera ausente, deixa de o ser,
como nota José De Oliveira Ascensão no seguinte exemplo:

“Suponhamos que Abel, em ausência judicialmente declarada, é


beneficiado por Bento com uma disposição testamentária. Suponhamos
ainda que Carlos, primo de Abel, é o sucessível prioritário deste; e Diogo
o sucessível subsequente de Bento. A quem deve ser devolvida a herança,
se Abel está ausente? A uma leitura apressada poderia parecer que os
bens deveriam caber a Carlos. Mas não é isso que diz o preceito, nem ele
teria assim qualquer sentido, uma vez que nesse caso estaria ainda no
domínio da regra geral. O que se diz é que se vai proceder como se Abel
não existisse. Em consequência, os bens vão passar, não aos sucessíveis
de Abel, mas aos sucessíveis de Bento. Será, pois, a Diogo que eles
deverão ser devolvidos… deve-se entender que há uma verdadeira
presunção de morte: a lei presume que o ausente é falecido, se bem que
efectivamente não tire desta situação todas as consequências que tira da
morte”13.

Efeitos pessoais: a ausência, além de fundamentar a presunção de morte,


(declaração de morte presumida), com as possíveis consequências dela decorrentes
da morte (art. 115 C.C.), é, no Direito da Família, fundamento do divórcio
(litigioso), nos termos da alínea a) do art. 98º do Código de Família, que
estabelece: “O divórcio pode ser pedido, designadamente:…” alínea c) “pela
ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a três anos”.
Por outro, reza o nº 1 do artigo 116 do Código Civil: “o cônjuge do ausente casado
civilmente pode contrair novo casamento”. E ainda, no caso de o ausente
regressar: “…Considera-se dissolvido o primeiro casamento”.14

Nota bene: a ausência juridicamente relevante é, segundo José de


Oliveira Ascensão, um conceito relativo, na medida em que, citamos “É…pela
valorização das circunstâncias concretas que podemos concluir se a pessoa não
presente, cujo paradeiro é ignorado, está juridicamente ausente ou não…mesmo
que haja noticias de que a pessoa vive em lugar remoto, mas foge a todo o contacto,

13
(Direito Civil, teoria Geral, 70-II e III)

14
Uma solução que é algo grosseira
pode haver elementos para levar a decretar judicialmente a ausência: …se alguém
aparece todos os dias no seu estabelecimento com a regularidade de um relógio e
deixa de vir sem mais durante uma semana sem se saber onde se encontra nem
haver possibilidade de o contactar, está ausente. Se quem foi realizar uma
expedição ao Árctico está 3 meses sem dar notícias, não está ausente.” 15.

Pressupostos da decretação judicial da ausência:


Se a ausência em sentido técnico se basta com a não
presença/desaparecimento sem notícias, já a declaração judicial da ausência não se
satisfaz com isto, porque , como transparece da leitura do artigo 89/1 C.C., ela tem
em vista a instauração da curatela. Assim, são os seguintes, nos termos do
supracitado artigo, os pressupostos da referida declaração:

- Estado de ausência, tal como delimitado acima (desaparecimento sem


notícias e sem possibilidade de contacto.
- Existência de um património abandonado.
- Inexistência do representante legal ou voluntário.

Fases da ausência: curadoria provisória, definitiva e morte presumida


Estas fases não obedecem a uma lógica de precedência, ou seja, não é
preciso passar por elas sucessivamente. Conforme maior ou menor a probabilidade
de o ausente regressar, requerer-se-á a curadoria provisória, a definitiva. Se houver
já um convencimento de que o ausente não regressará, sendo que tudo indique que
ele terá falecido, então poder-se-á partir directamente para a declaração da morte
presumida.

15
(87-I).
Curadoria provisória: art. 89 C.C.
Para se requerer e nomear um curador provisório, é preciso que se
verifiquem os seguintes pressupostos:
- Desaparecimento de alguém sem noticias
- Ter deixado bens (necessidade de prover a administração desses bens
- Falta de um representante legal ou procurador voluntário
- Havendo procurador, se este não puder ou não quiser exercer as suas
funções
- Requerimento pelo Ministério Público ou qualquer interessado.

A curadoria diz-se provisória porque há um convencimento de que a pessoa


em causa ainda pode regressar, mas é preciso tomar medidas para cuidar dos bens
bens.

Legitimidade para requerer a curadoria provisória e quem a pode


exercer:
Podem requerer a C.P. o Ministério público ou qualquer interessado.
Diferente é a questão de saber quem pode ser curador. Quanto a isto, o artigo 92
C.C. estabelece: o cônjuge, os herdeiros presumidos (são as pessoas que
receberiam os bens se o ausente faltasse definitivamente), algum interessado na
conservação dos bens.

Deveres do curador (art. 93 e 95c.c.):


- Prestar contas anualmente
- Prestar caução
- Requerer os procedimentos cautelares e intentar as acções que não possam
ser retardadas
- Representar o ausente em acções contra eles propostas
Actos do curador sujeitos à autorização judicial (art. 94)
- Alienação, oneração de bens imóveis, objectos preciosos, títulos de
crédito, estabelecimentos comerciais e quaisquer outros bens cuja oneração ou
alienação não constitua acto de administração (por exemplo vendera coisa não é
um acto de (mera) administração, mas vender os produtos da quinta do ausente é
um acto de administração).

O nº 4 do artigo 94 estabelece os critérios para o tribunal autorizar os


actos referidos no nº anterior:
- Necessidade do acto para evitar a deterioração ou ruína dos bens;
- Solver dívidas, custear benfeitorias necessárias ou úteis
- Ocorrer a outra necessidade urgente.

Direitos do curador: remuneração de 10% da receita liquida realizada (art.


96 C.C.).

Termo da curadoria provisória: art. 98:


- Pelo regresso do ausente (retoma-se a situação normal). Note-se que a lei
não diz que a curadoria provisória termina pela notícia da existência do
ausente.
- Se o ausente providenciar acerca da administração dos bens (procurador
voluntário).
-Comparência do representante legal
- Entrega dos bens aos curadores definitivos
- Certeza da morte. Abre-se a sucessão.

Curadoria definitiva:
A curadoria definitiva é vista pela lei como uma situação mais sólida, em
que os interesses dos sucessíveis já são mais prosseguidos16.

Pressupostos: em geral, os pressupostos da curadoria definitiva são os


mesmos que os da curadoria provisória, com excepção de dois particulares, que
têm que ver com o elemento tempo (art. 99 C.C.) – “decorridos dois anos, … ou
cinco anos…”. É este elemento que afasta cada vez mais a ténue convicção de que
17
a pessoa desaparecida ainda possa regressar. Se o ausente não indicou
procurador, dois anos são suficientes para requerer a justificação da ausência; se
tiver deixado procurador ou representante legal, o prazo é estendido para cinco
anos.

Legitimidade: na curadoria definitiva, o legislador cerrou, estreitou e


restringiu o círculo das pessoas que podem requerer a curadoria definitiva, ao
contrário do que acontecia na curadoria provisória (onde bastava ser interessado
na conservação dos bens). São eles: o cônjuge, os herdeiros e as pessoas que
tiverem sobre o ausente direito(s) dependente(s) da condição da sua morte.

Efeitos da justificação da ausência:


A curadoria provisória importa a abertura provisória da sucessão porque dá
lugar aos seguintes factos:

1º: á abertura de testamentos (art. 101 C.C.)18.

16
José de Oliveira Ascensão, Direito civil Teoria Geral 91-III

17
São ilustração disto o facto de a legitimidade para requerer a curadoria definitiva caber às pessoas que
têm um direito dependente da condição da morte do ausente (art. 100 C.C.) e o facto de, justificada a
ausência, se abrirem os testamento para a partilha dos bens da herança e ainda o facto de os legatários já
poderem exigir a entrega dos bens antes da partilha (art. 102 C.C.).

18
O património do ausente é tratado como verdadeira herança. Há uma abertura provisória da sucessão.
2º- Entrega de bens aos legatários e outras pessoas com direito a bens
determinados;

3º Nomeação do curador definitivo: cabeça-de casal. O curador definitivo


reside no cabeça-de-casal, que é a pessoa a quem é confiada a administração
dos bens enquanto não é efectuada a partilha (art. 2079 e 103 C.C.). Depois
da partilha, o curador reside na pessoa dos herdeiros, que serão, neste caso,
os curadores definitivos (ART. 104 C.C.) e outras pessoas a quem sejam
entregues os bens. Se aparece um novo interessado ou um herdeiro que
exclua alguns dos sucessíveis, são-lhe entregues os bens.

4º: Partilha e entrega dos bens (art. 103 C.C.)19.

5º O cônjuge sobrevivo pode requerer o inventário e a partilha 8art. ???)

Direitos e obrigações do curador:


Deveres:
- Pagamento da caução. Esta, não é, todavia, obrigatória (art. 107/1).
Esta obrigação parece não ser imposta aos herdeiros (art. 107/2
C.C.), isto é o que se depreende dos dizeres da lei segundo os quais
“…até à prestação da caução, os bens são entregues a outro
herdeiro ou interessado que ocupará … a posição de curador
definitivo”.

- Requerer os procedimentos cautelares necessários e intentar as


acções que não possam ser proteladas;

19
C.A. MOTA PINTO nota que aqui os herdeiros ainda não são proprietários, mas apenas curadores
definitivos (Teoria Geral do direito Civil, 69-II-B, pág. 266), pelo que o seu direito e ainda resolúvel.
- Representar o ausente nas acções contra ele propostas.

Direitos:
- O curador definitivo (sendo cônjuge, ascendente ou descendente)
tem direito à totalidade dos frutos percebidos (art. 111 C.c.). Nos
outros casos, o curador definitivo terá direito a dois terços dos
rendimentos líquidos dos bens que administre.

Termo da curadoria definitiva (art. 112)


A curadoria definitiva termina com:
- O regresso do ausente20
- Notícia da sua existência e do lugar onde reside. À diferença do que
se passava na curadoria provisória, a noticia da existência do ausente é
causa do fim da curadoria definitiva, pelo que com essa notícia apenas se
prolonga a curadoria provisória.
- Certeza da morte do ausente
- Declaração da morte presumida

Morte presumida:
Requisitos (art. 114):

20
Não basta o ausente regressar para acabar com a curadoria definitiva. Os bens só lhe são entregues se ele
requerer a sua entrega. Se não o fizer, os bens continuam sob o administrador definitivo. Com as noticias
do ausente, este é notificado de que os seus bens estão em curadoria e que assim continuarão enquanto ele
não providencias (art. 113/2 C.C.). Por isso, como nota José De Oliveira Ascensão, nem as meras notícias
nem o regresso do ausente fazem cessar a curadoria definitiva, já que é necessário que ele requeira a entrega
dos seus bens (art. 113/1 e 2)., sendo assim, a cessação referida no artigo 112 com o regresso e com as
notícias do ausente é enganosa. José De Oliveira Ascensão nota aqui que a instauração da curadoria
definitiva requer a justificação da ausência, contrariamente ao que se passava na curadoria provisória. Isto
é um mecanismo de prevenção contra a circunstância de aqui avultar já outro interesse além do ausente.
- Prolongamento da ausência com os seguintes prazos:
- 10 anos sobre as últimas noticias
- 5 anos sobre estas no caso de maiores de 80 anos (contados da data em
que completariam 80 anos)

- Mais de 10 anos, até se completarem 5 anos sobre a data em que o ausente,


sendo vivo, atingiria a maioridade.
Nota: aventar várias hipóteses (exercícios) sobre a ausência de menores.
Legitimidade: art. 114/41 – Remissão para o art. 100: interessados, todos
quantos tenham direitos dependentes da condição da morte do ausente, a começar
pelos herdeiros. Como dito acima, a declaração da morte presumida não depende
da instauração da curadoria definitiva.
Efeitos (art. 115): a declaração de morte presumida produz os mesmos
efeitos que a morte. É uma verdadeira presunção de morte. Os bens são atribuídos
às pessoas que teriam direito a eles se o ausente fosse falecido, com a nota
distintiva de que esta entrega é a título definitivo. Quanto à forma de entrega, como
previsto na curadoria definitiva, com as necessárias adaptações, isto é,
salvaguardando as situações constituídas.

Regresso do ausente e morte em data diversa (art. 119): tanto no


primeiro como no segundo caso, o ausente e os seus sucessores (de novos
designados) só terão direito ao património como ele se encontrar, isto é o que
manda o artigo 118/2 e 119, com direito á sub-rogação real. A sub-rogação pode
ser:

Directa: direito aos bens encontrados

Sub-rogação indirecta: - Res succedit in loco rei


-Pretium succedit in loco rei: subrogação indirecta
-Res succedit in loco pretii
Directa = direito aos bens encontrados.
Indirecta: recebe o preço da venda dos bens deixados e direito aos bens
directamente subrogados.

Má fé dos sucessores: se os sucessores estavam de má-fé, isto é, sabiam


que o ausente estava vivo na data da morte presumida ou que os sucessores eram
outros) deverão indemnizar o ausente ou, no segundo caso, os sucessores reais.
Efeitos sobre o casamento:
- Pessoais: a declaração de morte presumida não defende da necessidade da
administração de bens; tem efeitos pessoais. O efeito pessoal relevante é que a
declaração de morte presumida dissolve o casamento (dissolução por divórcio art.
116/1).

Notas de José De Oliveira Ascensão: em caso do regresso do ausente, qual


dos casamentos sacrificar?. Tanto a lei angolana como a Portuguesa sacrificam o
primeiro casamento, considerando-o dissolvido. De acordo com o nº 1 do art. 116
do Cód. Civil, “O cônjuge do ausente casado civilmente pode contrair novo
casamento; neste caso, se o ausente regressar, ou houver notícia de que está vivo,
quando forem celebradas novas núpcias, considera-se o primeiro matrimónio
dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida”.

O Código civil Português é contraditório ao estabelecer no art. 115 na


reforma de 1977: a morte presumida “não dissolve o casamento, sem prejuízo do
disposto no artigo seguinte”. Este artigo seguinte diz: “O cônjuge do ausente
casado civilmente pode contrair novo casamento. Isto é , na opinião de José De
Oliveira Ascensão, a autorização da bigamia.

Parece-nos errado considerar dissolvido por divórcio o casamento quando


o que se presume é a morte. Deveria ser o legislador mais coerente com o artigo
115 que manda aplicar o regime da dissolução do casamento por morte.
Em segundo lugar, não se tem em conta sequer a vontade do cônjuge do
ausente regressado, sacrifica-se logo o primeiro casamento. José De Oliveira
Ascensão considera que os efeitos da ausência são resolúveis se o ausente
regressar”21 Esta resolubilidade tem todavia de ser conciliada com as situações
entretanto constituídas. Teria, todavia, pelo menos de reconhecer ao cônjuge do
ausente a anulação do segundo casamento por erro. Mas muito mais do que isso,
haveria que reconhecer um verdadeiro direito do cônjuge à manutenção do
primeiro casamento com o sacrifício do segundo (94-II). Há como que uma
violação do direito á liberdade de escolha.

21
Op. Cit. 94-II.

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