1. A negligência é um tipo especial de punibilidade que oferece
uma estrutura própria quer ao nível do ilícito quer ao nível da culpa. 2. O tipo objetivo de ilícito dos crimes materiais negligentes é constituído por três elementos: a violação de um dever objetivo de cuidado; a possibilidade objetiva de prever o preenchimento do tipo; e a produção do resultado típico quando este surja como consequência da criação ou potenciação pelo agente, de um risco proibido de ocorrência do resultado. 3. A violação pelo agente do cuidado objetivamente devido é concretizada com apelo às capacidades da sua observância pelo “homem médio”. 4. A não observância do cuidado objetivamente devido não torna perfeito, por si própria, o tipo de ilícito negligente, antes importa que ela conduza a uma representação imperfeita ou a uma não representação da realização do tipo. 5. Para que exista culpa negligente, com preenchimento do tipo-de- culpa, necessário é ainda que o agente possa, de acordo com as suas capacidades pessoais, cumprir o dever de cuidado a que se encontra obrigado. 6. Enquanto na negligência consciente o agente representou como possível o resultado ocorrido, mas confiou, não devendo confiar, que ele não se verificaria, na negligência inconsciente o agente infringe o dever de cuidado imposto pelas circunstâncias, não pensando sequer na possibilidade do preenchimento do tipo pela sua conduta. O que se entende por dolo eventual, culpa consciente e culpa inconsciente?
O sujeito que participa de um racha, o motorista que dirige um
automóvel embriagado criando um risco proibido, a pessoa que pratica roleta russa, o atirador de facas circense que lança o instrumento metálico no tórax da mulher caracterizam situações polêmicas na esfera do Direito penal. Deve o seu autor responder criminalmente a título de dolo eventual ou culpa consciente? Tais questões e outras tantas são corriqueiramente indagadas pelos operados do Direito, estudantes da matéria e, até mesmo, por aqueles que não convivem com o Direito penal diuturnamente, apenas o conhecem pelas manchetes jornalísticas e pelos programas televisivos, fato cada vez mais comum.
Para responder a indagação proposta é preciso conhecer o que é
dolo eventual, culpa consciente e culpa inconsciente. O dolo eventual é uma espécie de dolo indireto que haverá quando o sujeito conhece a possibilidade do resultado e, embora não deseje que ele aconteça, assume o risco de produzi-lo e age com total indiferença em relação ao bem jurídico tutelado (representação + aceitação + indiferença). O sujeito representa a situação que poderá ocorrer (lesão ao bem jurídico) e mesmo assim prossegue a conduta.
De outro lado, a culpa consciente existirá quando o sujeito prevê
o resultado da conduta, entretanto, em razão de sua habilidade ou experiência, acredita que não ocorrerá (previsão + confiança). Em tal situação, em nenhum momento o sujeito quer ou assume o risco da ocorrência do resultado, ele apenas prevê e confia na evitação do evento ofensivo.
Sendo certo que o maior embate reside na diferenciação entre
dolo eventual e culpa consciente, a culpa inconsciente é a regra no ordenamento jurídico: trata-se do clássico crime culposo. Ocorre quando o sujeito não prevê o resultado que era previsível. Não previu porque foi negligente, imprudente ou imperito, mas era possível tal evento. O agente agrega um risco proibido à situação que o fará responder na modalidade culposa clássica. Há uma violação do dever de cuidado que ocasionará a lesão ao bem jurídico protegido. Em atenção à indagação inicial proposta, temos que o agente que participa de um racha, o motorista que dirige um automóvel embriagado criando um risco proibido ou a pessoa que pratica roleta russa pode, em tese, se assumiu o resultado, ter sua conduta imputada a título de dolo eventual representação + aceitação+ indiferença perante o bem jurídico). Tudo depende do caso concreto. Entretanto, o atirador de facas circense que mata a mulher, em tese, deveria responder a título de culpa consciente (representação + confiança), previu mas acreditou na evitação. Para a culpa inconsciente temos a situação do cirurgião que esquece um instrumento no corpo do paciente e este falece em razão de uma hemorragia decorrente de uma perfuração causada pelo objeto estranho. O médico que deixou de tomar o devido cuidado, não previu o que era previsível, responderá por homicídio culposo.
Um outro bom critério para distinguir o dolo eventual da culpa
consciente é o seguinte: no dolo eventual, caso o agente soubesse do resultado morte, teria cessado sua conduta; na culpa consciente, mesmo prevendo o resultado, o agente não para sua conduta.