Você está na página 1de 30

Prof. Andrey H.

Andreolla

Teoria do Crime – parte III


Culpabilidade
Requisito que se incorpora ao injusto penal
(categoria impessoal) para completar o
conteúdo do delito, isto é, para uma conduta
ser punível. É a possibilidade de
responsabilizar a pessoa pelo fato.

O Brasil adota a teoria do livre-arbítrio para


fundamentar a culpabilidade (e não a do
determinismo).
Que pode ser formal e material

A culpabilidade é, portanto, um juízo de


reprovação pessoal, feito ao autor de um fato
típico e antijurídico, porque, podendo se
comportar conforme o direito, o autor do
referido fato optou livremente por se
comportar contrário ao direito. Serve como
fundamento e medida da pena, além de ser um
conceito que identifica e delimita a
responsabilidade individual e subjetiva.

3
Elementos da culpabilidade • a capacidade de o agente
responder criminalmente por
sua conduta
O juízo de reprovação (imputabilidade);
necessário do fato depende
dos seguintes fatores: • a possibilidade de saber que
sua conduta é proibida
(potencial conhecimento da
Circunstâncias ilicitude); e, por fim,
legais e extralegais
• a viabilidade de se exigir um
podem reduzir ou comportamento diferente do
excluir o juízo de injusto penal (exigibilidade
culpabilidade por de uma conduta diversa).
incidir sobre algum
desses ele mentos.
Imputabilidade

● Capacidade de imputação. Possibilidade de atribuir a alguém a responsabilidade


pela prática de uma infração penal.
● Sem tal elemento, o sujeito carece de liberdade e de faculdade peara
comportar-se de outro modo. Logo, inculpável.
● Dois elementos devem se fazer presentes para que haja imputabilidade:
intelectivo (o agente tem higidez psíquica que lhe permite ter consciência do
caráter ilícito do fato?) + volitivo (o agente domina sua vontade?).
● Aferição da imputabilidade: critério biopsicológico (idade mínima + ausência
de problemas mentais). Além da idade mínima, o agente também deve ser capaz
de compreender a ilicitude do ato e de se comportar conforme a norma.
Imputabilidade, sl. 2
● A idade mínima é 18 anos. Agora, o CP não define imputabilidade por
saúde mental. Devemos chegar a ela por exclusão. Conforme o art. 26, CP, é
possível definir que o imputável é aquele que não apresenta doença
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado e, além
disso, é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
se determinar de acordo com esse entendimento.
● Não basta ser portador de transtornos; a lei exige que, em decorrência dos
transtornos, o sujeito seja incapaz de compreender a ilicitude de seu
comportamento ou de se comportar conforme o direito.
● Consequências: art. 26, caput, CP -> medida de segurança. Menor de idade:
ECA.
Imputabilidade, sl. 3
● A culpabilidade comporta distintos graus segundo a maior ou menor capacidade
mental do indivíduo para compreender o caráter ilícito de sua conduta e atuar
conforme a determinação normativa.
● Semi-imputabilidade: Quando o sujeito, apesar de ser portador de transtorno
mental, possui, no momento do fato, uma capacidade reduzida de compreensão.
Art. 26, p. único, CP: a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em
virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto
ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento
● Logo, o semi-imputável responde por crime, mas o juízo de culpabilidade em
relação a ele é menor, por isso da redução da pena. Contudo, pode o juiz optar por
aplicação de medida de segurança (art. 98, CP).
Semi-imputáveis: indivíduos que destoam de
um padrão de normalidade psíquica, mas que
não chegam ao ponto da doença mental grave
que comprometa integralmente sua capacidade
de entender o caráter ilícito de sua conduta
e/ou de atuar conforme esse entendimento.

Atenção - Doença mental e desenvolvimento mental incompleto: Não cabe ao jurista, nos limites de
seu conhecimento e formação, determinar quem é imputável ou não. Quando houver dúvidas sobre a
capacidade do agente, é necessário um exame elaborado por profissionais habilitados, como psicólogos
e psiquiatras. Instaura-se o incidente de insanidade mental, previsto no art. 149 do CPP. 8
Imputabilidade, sl. 4

● Superveniência de doença mental: art. 41, CP. O condenado deve ser


recolhido à casa de custódia ou outro estabelecimento adequado, enquanto
perdurar o problema.
● É o caso do imputável pela prática de um crime e que desenvolve, após a
sentença condenatória, algum transtorno mental.
● Enfermidade não é transitória? Art. 183, LEP: substituição da pena por medida
de segurança.
Inimputabilidade em razão da embriaguez

• Embriaguez: intoxicação transitória causada pelo álcool ou por substância de


efeitos análogos.
• Classificação:
• Não acidental (voluntária ou culposa): quando o agente ingere a substância
alcoólica com a intenção de embriagar-se; surge a embriaguez culposa quando o
agente, por negligência ou imprudência, acaba por embriagar-se. Pode ser
completa ou incompleta, mas jamais exclui a imputabilidade (art. 28, II, CP).
• Acidental (caso fortuito ou força maior): a embriaguez decorre de caso fortuito (o
sujeito desconhece o efeito inebriante da substância que ingere) ou força maior
(o sujeito é obrigado a ingerir a substância inebriante). Se completa, isenta o
agente de pena (art. 28, § 1º, CP); se incompleta, diminui a pena (art. 28, § 2º, CP).
Inimputabilidade em razão da embriaguez

• Embriaguez patológica: Patológica é a embriaguez doentia, que,


conforme o caso concreto, pode ser tratada como anomalia
psíquica, gerando a inimputabilidade do agente ou redução de sua
pena, nos moldes do art. 26 do CP.
• Embriaguez preordenada: nessa espécie, o agente ingere bebida
alcoólica ou consome substância de efeitos análogos com a
finalidade de cometer um crime. Completa ou incompleta, não
haverá exclusão da imputabilidade, tampouco redução de pena,
mas a incidência de agravamento da sanção penal (artigo 61, II, l,
do Código Penal). Adota-se, também, a Teoria da Actio Libera in
Causa.
Então...

1. O agente, ao praticar o crime, estava embriagado por vontade própria


(dolosamente), por descuido próprio (culposamente) ou por motivos
alheios à sua vontade (caso fortuito ou força maior)?
2. Se a embriaguez foi causada por motivos alheios à vontade do agente,
deve-se verificar se tinha ou não consciência sobre o fato ilícito – poderá
haver redução ou exclusão do juízo de culpabilidade, respectivamente;
3. Se a embriaguez foi voluntária ou por descuido, o sujeito deverá
responder pelo crime, independentemente do grau de consciência sobre o
ato ilícito praticado – o juízo de culpabilidade se mantém (Teoria da Actio
Libera in causa).
Actio libera in causa?
• Não deixa de ser imputável quem se pôs em situação de inconsciência ou de
incapacidade de autocontrole, dolosa ou culposamente, e nessa situação comete o
crime. A explicação da teoria da "actio libera in causa" é perfeitamente válida para a
hipótese de embriaguez pré-ordenada, e até mesmo para os casos de embriaguez
voluntária ou culposa.

• A constatação da imputabilidade + vontade do agente no momento em que


ingeria a bebida, evita a responsabilidade penal objetiva: se bebeu prevendo o
resultado, querendo a sua produção, haverá crime doloso; se bebeu, prevendo o
resultado, e aceitou sua produção, temos o dolo eventual; se bebeu e previu o
resultado, o qual acreditou poder evitar, configura-se a culpa consciente; se não
previu, mas era previsível, culpa inconsciente; se imprevisível, fato atípico.
Potencial conhecimento da ilicitude

● Possibilidade que tem o agente imputável de compreender a


reprovabilidade da sua conduta.
● Não se exige conhecimento técnico, mas apenas que tenha condições de
perceber que o seu comportamento não encontra respaldo no direito,
sendo por ele reprovado. Não se confunde com o conhecimento da lei, mas
a consciência de que fazer aquilo é errado.
● A falta de conhecimento sobre a antijuridicidade não é incompatível com o
princípio ignorantia legis non excusat, previsto no art. 3º, LINDB: Ninguém se
escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
● A partir desse elemento, podemos falar no erro de proibição.
Erro de proibição (art. 21, CP)
• Causa excludente da potencial consciência da ilicitude. É o desconhecimento
da lei pelo agente.
• Uma vez publicada no Diário Oficial da União, a lei se presume conhecida
por todos. Logo, não nos é dado desconhecer a lei. É possível, no entanto,
que o agente, mesmo conhecendo a lei, incida em erro quanto à proibição do
seu comportamento, valorando equivocadamente a reprovabilidade da sua
conduta, podendo acarretar a exclusão da culpabilidade.
Então...

• O erro pode ser: escusável (o agente atua ou se omite sem ter a


consciência da ilicitude do fato em situação na qual não é possível lhe exigir
que tenha esta consciência) ou inescusável (o agente atua ou se omite sem
a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
circunstâncias, ter ou atingir essa consciência).
• Escusável: afasta-se a culpabilidade. Inescusável: diminui a pena de um
sexto a um terço.
• Devem ser levadas em conta as características pessoais do agente.
Espécies de erro de proibição

• Erro de proibição direto: o agente se equivoca quanto ao conteúdo de uma norma


proibitiva, como o holandês que, habituado a consumir maconha em seu país,
acende um baseado no Brasil. Equivoca-se quanto ao caráter proibido de sua
conduta.
• Erro de mandamento: ocorre nos crimes omissivos (próprios ou impróprios). Recai
sobre uma norma mandamental. Alguém que deixa de prestar socorro, por ex., por
acreditar não estar obrigado a tanto (omissivo puro); o caso do plantão, por
exemplo, cujo horário de saída é às dezessete horas. Imagina que a partir daí não é
mais responsável, afinal, azar do outro que se atrasou (omissivo impróprio, pois erra
sobre a norma mandamental, sobre o dever em si, e não sobre a situação fática do
dever ou sobre os seus pressupostos, mas sobre o dever propriamente).
• Erro de proibição indireto (ou de permissão): o agente sabe que a conduta é
típica, mas supõe presente uma norma permissiva. "A", traído por sua mulher,
acredita estar autorizado a matá-la para defender sua honra ferida.
Exigibilidade de conduta diversa

● Para a reprovação social, não basta que o autor do fato lesivo seja
imputável e tenha a possibilidade de lhe conhecer o caráter ilícito. Exige-
se, ainda, que nas circunstâncias tivesse a possibilidade de atuar de
acordo com o ordenamento jurídico.
● O cometimento de fato típico e antijurídico, por agente imputável que
procedeu com dolo ou culpa, de nada vale em termos penais se dele não
era exigível, nas circunstâncias em que atuou, comportamento diferente.
Não se pode formular um juízo de censura ou reprovação, destarte, se do
sujeito ativo era inviável requestar outra conduta.
● Art. 22, CP. Pune-se, nesse caso, o autor da coação ou da ordem. Vejamos:
Coação irresistível
• Coação moral: ameaça, promessa de realizar um mal. Difere-se da coação
física irresistível. Nada impede que haja violência física que crie coação moral.
• Irresistibilidade da coação: assim compreendida aquela a que o coato,
oprimido pelo medo, não pode subtrair-se, mas apenas sucumbir ante a
violência moral, realizando a conduta criminosa para satisfazer a vontade
do autor da coação. Na resistível, o agente é punido, mas a pena é
atenuada (os dois respondem, mas o coagido tem a pena atenuada, e o
coator agravada).
Aqui, a responsabilidade penal do agente coagido desloca-se para a figura do
coator, na condição de autor mediato.
Obediência hierárquica
Misto de coação + erro. Requisitos:
• Ordem de superior hierárquico: manifestação de vontade emanada de
um detentor de função pública dirigida a um agente público
hierarquicamente inferior, destinada à realização de uma ação ou
abstenção.
• Ordem não seja manifestamente, claramente ilegal: a ordem recebida,
apesar de ilegal, tem aparências de legalidade, induzindo o subordinado
em erro, que acaba por executá-la.
• Estrita observância da ordem: o subordinado não pode exceder-se na
execução do mandamento aparentemente legítimo, sob pena de
responder pelo excesso.
Dirimentes supralegais

• Discutia-se, antes, quanto à possibilidade de ter excludentes de culpabilidade


não previstas na legislação.
• Hoje, admitem-se, de forma pacífica, hipóteses não antevistas pelo legislador.
• Fundamento: a exigibilidade de conduta diversa é característica fundamental
da culpabilidade. Logo, não é admissível que se estabeleça a responsabilidade
penal em decorrência de comportamentos humanos inevitáveis.
• Exemplos: cláusula de consciência e desobediência civil.
Cláusula de consciência

• Tal situação tem por objeto decisões morais ou religiosas sentidas como deveres
incondicionais vinculantes da conduta;
• Experiência existencial de um sentimento interior de dever incondicional, cuja proteção
constitucional impede valoração como certo ou errado;
• Direitos fundamentais e coletivos limitam a cláusula de consciência;
• Em tipos penais que protegem direitos humanos fundamentais, a exculpação do fato de
consciência é condicionada à proteção do bem jurídico por uma alternativa neutra: a recusa do
pai à necessária transfusão de sangue no filho menor, por motivos religiosos, é suprida pela
ação do médico, sob estado de necessidade; a recusa do médico, por motivo de consciência,
de realizar aborto necessário, é suprida pela ação de outro médico; crime de insubmissão
militar etc.
• Em nenhuma hipótese, o fato de consciência exculpa a efetiva lesão de bens jurídicos
individuais fundamentais, como a vida, por exemplo.
Desobediência civil

• A desobediência civil representa atos de insubordinação que têm por


finalidade transformar a ordem estabelecida, demonstrando a sua injustiça
e necessidade de mudança.
• Exige-se para o reconhecimento dessa dirimente: (i) que a desobediência
esteja fundada na proteção de direitos fundamentais; (ii) que o dano
causado não seja relevante.
• Exemplo: ocupações de prédios públicos; invasões do MST.
Questões
especiais
Indígena
• Não mais se exclui a culpabilidade por desenvolvimento mental incompleto,
como era tratado anteriormente. Tal fato possui um cunho preconceituoso,
partindo-se de uma ideia etnocêntrica de presunção de superioridade
intelectual de quem é criado na área urbana.
• O motivo de exclusão da culpabilidade do índio não integrado poderá ser
invocado, em casos específicos, por ausência de potencial consciência de
ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa (valores do índio incompatíveis
com os da norma).
• Ao integrado, o grau de inserção na sociedade fora da tribo pode contribuir
para melhor entendimento da antijuridicidade, mas certamente o juízo de
reprovabilidade não será igual.
Indígena
• No caso de condenação por infração penal, a pena deverá ser atenuada
atendendo o seu grau de integração. Atenuante genérica.
• Se possível, as penas de detenção e reclusão deverão ser cumpridas no local
de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximo da
sua habitação
Emoção e paixão

• Diz o art. 28, I do Código Penal que a emoção e a paixão não excluem a
imputabilidade. Para o legislador, esses estados emocionais não retiram a
capacidade de o sujeito responder pelo ato ilícito.
• Pode excluir, contudo, quando configurarem alguma patologia.
• Pode a emoção servir como circunstância atenuante, nos moldes do artigo
65, III, "c", ou como causa de diminuição de pena, como prescrevem os
artigos 121, §1°, e 129, §4° , ambos do Código Penal.
Teoria da coculpabilidade (não aceita pela jurisprudência)
• “[...] os indivíduos marginalizados do grupo social, aos quais não se realizam as
garantias mínimas dos seus direitos fundamentais, não podem ser obrigados a
respeitar a lei em razão disso, ou seja, o Estado somente terá o direito de punir as
pessoas que violam suas leis depois de haver cumprido com todas as obrigações
para com todos os membros da sociedade”.
• Aquele sujeito que recebeu mais oportunidades de desenvolvimento pessoal
tem maior responsabilidade de agir conforme a norma se comparado àquele
que se encontra em situação de vulnerabilidade. Se o maior juízo de
culpabilidade pode aumentar a pena, o menor juízo deve reduzi-la ou até
excluí-la.
• Co-divisão de responsabilidade entre o Estado, a sociedade e o indivíduo
infrator.
Teoria da coculpabilidade (não aceita pela jurisprudência)
Remete à ideia de coculpabilidade às avessas:
• Quando o Estado, além de não prestar a devida assistência social, ainda criminaliza
certas atitudes, aludindo que essas pessoas poderiam ter uma conduta conforme o
direito, apesar de marginalizadas. Ex.: art. 59 e 60 (revogado) da Lei de
Contravenções Penais.
• Quando o Estado realiza o abrandamento à sanção de delitos praticados por pessoa
com alto poder econômico e social, como no caso dos crimes de cifra dourada.
• Prevê a possibilidade de o Estado punir, com rigor necessário (aumentando o
rigorismo na hora de determinar a culpabilidade), os agentes com condição social
privilegiada.
Hipnotismo e sonambulismo
• O hipnotismo já foi equiparado a uma doença mental transitória, desde
que, é claro, não tivesse o propósito de deixar-se hipnotizar para vir a
delinquir, que configuraria a hipótese de actio libera in causa.
• Antes, portanto, poderia excluir a culpabilidade. Mas, será que não falta o
requisito da voluntariedade, que exclui a conduta? É esse o entendimento
majoritário agora, em que pese não haja consenso.
• O sonâmbulo não é considerado portador de doença mental. Tal conduta
não é analisada no plano da culpabilidade. Figura como causa de exclusão
da própria conduta, como já vimos.

Você também pode gostar