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LEGISLAÇÃO CIVIL

APLICADA III

Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli


Do momento, lugar e objeto
da abertura da sucessão
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir o momento da abertura da sucessão e o objeto da sucessão


hereditária.
 Explicar o lugar da abertura da sucessão.
 Analisar as hipóteses de capacidade e incapacidade para suceder.

Introdução
A capacidade para suceder se refere à condição essencial para se tornar
herdeiro ou legatário. Em geral, todos podem ser herdeiros: pessoas
físicas, jurídicas ou nascituros. No entanto, algumas situações impedem
o recebimento da herança.
Neste capítulo, você vai ler sobre quando e onde deve ser realizada
a abertura da sucessão, bem como os capazes e incapazes para suceder.

Quando e como ocorre a abertura da sucessão?


A sucessão hereditária — entendida como a transmissão de bens, direitos e
obrigações — ocorre com a verificação da morte. Como fato jurídico, a morte
apresenta diversas consequências, para isso, é importante a determinação do
momento exato em que ocorreu.
A Lei nº. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, conhecida como Lei de Regis-
tros Públicos, regulamenta a emissão da certidão de óbito, que é o documento
oficial que comprova o falecimento, decorrendo dessa certidão os efeitos
civis da morte. Uma das informações essenciais que devem estar contidas
na certidão de óbito é o momento da morte, com indicação de data e hora. A
partir desse momento, nos termos do art. 1.784 do Código Civil, a posse da
herança é transmitida aos seus herdeiros.
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Nesse sentido, é fundamental compreender o conceito de comoriência. Nos


termos do art. 8º do Código Civil: “Art. 8º Se dois ou mais indivíduos falece-
rem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes
precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos” (BRASIL, 2002,
documento on-line). Por comoriência, então, entendemos a morte simultânea
de duas ou mais pessoas, independentemente do local. Essa situação reflete
diretamente no Direito Sucessório, como afirma Silvio Venosa (2012a, p. 13):

Se faleceu primeiro o marido, transmitiu a herança à mulher; se ambos não


tivessem descendentes ou ascendentes, e a mulher falecesse depois, a herança
iria para os herdeiros dela, ou seja, seus colaterais. O oposto ocorreria se
provasse que a mulher falecera antes. Tal situação pode ocorrer em casos de
catástrofes, acidentes ou mesmo por coincidência.

Identificado o momento da abertura da sucessão, é importante compreender


como se desenvolve o procedimento que estabelece a sucessão hereditária, ao
que chamamos de inventário. Assim prevê o art. 610 do Código de Processo
Civil (CPC) de 2015:

Art. 610 Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao in-


ventário judicial.
§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser
feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer
ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em
instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessa-
das estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualifica-
ção e assinatura constarão do ato notarial (BRASIL, 2015, documento on-line).

De acordo com a legislação, o procedimento de inventário pode ser judi-


cial ou extrajudicial, sendo processado em tabelionato de notas nesta última
hipótese. Para que possa ser desenvolvido extrajudicialmente, é necessário
que não haja divergência entre os herdeiros e que nenhum deles seja
incapaz. Em qualquer outra situação, o inventário deverá ser judicial.
Sobre o prazo para a instauração do inventário, o CPC de 2015 dispõe:

Art. 611 O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de


2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze)
meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a
requerimento de parte (BRASIL, 2015, documento on-line).
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Sobre o prazo para abertura do processo de inventário, é importante destacar


a Súmula nº. 542 do Supremo Tribunal Federal (STF): “Não é inconstitucional
a multa instituída pelo Estado-membro, como sanção pelo retardamento do
início ou da ultimação do inventário” (BRASIL, 1969, documento on-line).
Assim, o Estado poderá estipular uma multa a título de sanção pela não
observância do prazo previsto no CPC de 2015. Como o imposto cobrado sobre
a herança, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), é um
tributo estadual, compete aos Estados essa determinação.

No Estado de São Paulo, por exemplo, se o inventário for aberto entre 61 e 180 dias
após a abertura da sucessão, há a incidência de 10% sobre o valor do imposto, e, se
for requerido após o prazo de 180 dias, a multa será de 20%.

Os inventários processados extrajudicialmente tendem a ser mais rápidos


do que aqueles que tramitam em juízo. Enquanto que os primeiros tendem
a levar entre 1 e 3 meses, pois, via de regra, há concordância com os termos
da partilha, os últimos podem levar até 3 anos, o que, em geral, ocorre por
divergência em relação à avaliação dos bens e à partilha entre os herdeiros.
Quanto ao tempo de tramitação do processo de inventário, devemos consi-
derar também a complexidade do patrimônio, se há pessoa jurídica envolvida
(o que requer liquidação de cotas e ações) e se os bens imóveis estão regulari-
zados nos registros competentes, pois, caso estejam irregulares, é necessário
providenciar as respectivas correções antes da partilha, o que pode levar tempo.

Lugar da abertura da sucessão


O processo de inventário, portanto, legaliza a transmissão da herança e efe-
tivamente transfere a propriedade dos bens e direitos. Para Maria Helena
Diniz (2013, p. 43):

[...] o processo de inventário tem por escopo descrever e apurar os bens deixados
pelo falecido, a fim de que se proceda oportunamente a sua partilha entre os
herdeiros. O processo de inventário cessa, portanto, com a partilha. Com a
inscrição do formal de partilha no Registro de Imóveis, dar-se-á a mudança
do nome do falecido para os dos herdeiros.
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Sobre o lugar em que deve ocorrer a abertura da sucessão, o art. 1.785 do


Código Civil prevê o seguinte: “Art. 1.785 A sucessão abre-se no lugar do
último domicílio do falecido” (BRASIL, 2002, documento on-line). Nesse
sentido, o art. 96 do CPC de 2015 dispõe:

Art. 48 O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para


o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última
vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as
ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.
Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente:
I — o foro de situação dos bens imóveis;
II — havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes;
III — não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do
espólio (BRASIL, 2015, documento on-line).

Essa determinação legal fundamenta-se na presunção de que o último


domicílio do falecido é a sede principal de seus interesses. As pessoas naturais
e jurídicas identificam-se com algum local onde está seu centro de interesse,
seu negócio, sua família, seus amigos. Assim, as pessoas não só têm um limite
de tempo, mas também um limite de espaço. Como afirma Silvio Venosa
(2012b, p. 209):

[...] toda pessoa, como regra geral, constrói sua existência em torno de um
lugar. O nomadismo é exceção na História da humanidade a partir do mo-
mento em que sua cultura atinge determinado estágio. Poucos são os povos
e as pessoas que, na atualidade, não se fixam em um local.

É importante destacar que a legislação brasileira considera dois elementos


essenciais para a caracterização do domicílio: um material — a residência — e
outro psíquico — o ânimo definitivo. Para Caio Mário Pereira (2013, p. 313):

O lar, o teto, a habitação do indivíduo e de sua família, o abrigo duradouro


e estável — eis a residência; as relações sociais, e extensão das atividades
profissionais, o desenvolvimento das faculdades de trabalho, a radicação no
meio, a filiação às entidades locais, a aquisição de bens — eis algumas circuns-
tâncias que autorizam a concluir pela existência do ânimo definitivo de ficar

Em regra, a competência do juiz do último domicílio do falecido é absoluta,


não só porque o falecido estava nessa jurisdição no momento em que a herança
foi transmitida aos seus herdeiros, mas também porque é o mais bem estru-
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turado para solucionar todas as demandas relativas à sucessão, considerando


a unicidade da liquidação, tendo em vista que a dispersão da herança seria
prejudicial aos interesses dos herdeiros.
Eventualmente, se dois ou mais inventários forem abertos em virtude do
falecimento da mesma pessoa, em juízos diferentes, não será possível o duplo
seguimento dos processos, que não podem prosperar. Assim esclarece Flávio
Tartuce, citando um julgado de Minas Gerais (2017, p. 27):

Não é possível dar prosseguimento a dois inventários, referentes ao mesmo


espólio, sobretudo por questão de ordem pública, visando a entregar solução
no caso concreto, sob pena de prejuízo processual a ambos os feitos, que,
inclusive, poderão ter conflitos em seu trâmite, bem como na entrega de
prestação jurisdicional às partes. Assim, nos termos do art. 1.785 do Código
Civil, estando tramitando em comarcas diferentes, hipótese dos autos, resta
claro que prevalece a competência do Juízo onde foi aberta a sucessão, qual
seja o do último domicílio do falecido.

A sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil também merece


considerações quanto ao local da abertura da sucessão. De acordo com o art.
10, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 10 A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a
situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela
lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem
os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de
cujus (BRASIL, 1942, documento on-line).

A norma claramente protege os interesses do cônjuge e dos descendentes brasi-


leiros, de maneira que a ordem de sucessão estabelecida pelo art. 1.829 do Código
Civil pode até mesmo ser alterada. Essa hipótese pode ser verificada considerando
a possibilidade de que, se há bens de estrangeiro casado com brasileira ou com
filhos brasileiros, a lei nacional do falecido pode ser mais vantajosa a eles do que
seria a brasileira, resultando, assim, na alteração da ordem sucessória.

Capacidade e incapacidade para suceder


A capacidade para suceder se refere à aptidão para se tornar herdeiro ou
legatário. Essa condição é verificada no momento da morte e pressupõe uma
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capacidade geral para suceder em todos os direitos e obrigações. Nos termos


do art. 1.798 do Código Civil: “Art. 1.798 Legitimam-se a suceder as pessoas
nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (BRASIL,
2002, documento on-line).
Percebemos que o nascituro, portanto, possui legitimidade para ser herdeiro.
O nascituro é o feto já concebido, com expectativa de nascimento com vida, mas a
quem não se confere personalidade. Trata-se de uma proteção especial da legislação
para que sejam resguardados os interesses de quem se espera que venha à vida. O
Código Civil estabelece algumas situações nas quais se reconhece a existência de
um direito potencial ao ente concebido, como, por exemplo, além da sua condição
de herdeiro, a possibilidade de ser donatário e a garantia de alimentos.
Nesse sentido, o art. 1.799 do Código Civil dispõe:

Art. 1.799 Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:


I — os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde
que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II — as pessoas jurídicas;
III — as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador
sob a forma de fundação (BRASIL, 2002, documento on-line).

É importante destacar que o art. 1.799 se refere apenas à sucessão testa-


mentária, de maneira que as pessoas ali referidas não são legítimas para a
sucessão legal. No caso de herdeiros ainda não concebidos, os bens da herança
serão confiados a um curador nomeado pelo juiz. Se após 2 anos da abertura
da sucessão não nascer o herdeiro esperado, os bens caberão aos herdeiros
legítimos, salvo disposição contrária expressa do testador nesse sentido, nos
termos do art. 1.800 do Código Civil.
Como regra, todos possuem capacidade para suceder. No entanto, algumas
pessoas não podem ser herdeiras ou legatárias, conforme elencado no art.
1.801 do Código Civil:

Art. 1.801 Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:


I — a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou com-
panheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II — as testemunhas do testamento;
III — o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver
separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV — o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem
se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento (BRASIL, 2002,
documento on-line).
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Essas pessoas possuem uma incapacidade relativa. Para Silvio Venosa


(2012, p. 54):

O conceito é, na verdade, mais próximo da falta de legitimação para a sucessão


do que propriamente uma incapacidade. A ideia de suspeição está literalmente
presente nesse artigo. Todas as pessoas aí colocadas estão em posição de al-
terar indevidamente a vontade do testador, que deve ser a mais livre possível.

Por fim, há a hipótese de incapacidade para suceder por indignidade. A


vocação hereditária pressupõe uma relação afetiva, de maneira que, se o suces-
sor praticar atos indignos relativos à essa afetividade, tornar-se-á indigno de
receber a herança a ele destinada. A indignidade não é automática: o indigno
só será afastado da sucessão mediante uma sentença judicial.
São hipóteses nas quais pode ser alegada a indignidade, nos termos do
art. 1.814 do Código Civil:

Art. 1.814 São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:


I — que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso,
ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge,
companheiro, ascendente ou descendente;
II — que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III — que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o au-
tor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade
(BRASIL, 2002, documento on-line).

A indignidade pode ser afastada se houver perdão do ofendido. Nesse


caso, deve haver um ato autêntico que expresse esse perdão ou reabilitação
do indigno em testamento, nos termos do art. 1.818 do Código Civil.

Não devemos confundir deserdação com indignidade. O deserdado recebe essa


condição por vontade expressa do testador, enquanto o indigno somente pode ser
assim considerado se houver sentença judicial que o desqualifique como herdeiro.
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BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 7 jun. 2018.
BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 7 jun. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula nº. 542. Aprovada em: 3 dez. 1969. Disponível
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TARTUCE, F. Direito Civil: direito de família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 5.
DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à ciência do Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
VENOSA, S. S. Direito Civil: Direito das Sucessões. São Paulo: Atlas, 2012a. v. 7.
VENOSA, S. S. Direito Civil: parte geral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012b. v. 1.

Leituras recomendadas
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil: introdução ao direito civil. 27. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2014. v. I.
TARTUCE, F. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2015. v. 1.

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