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 Nadia de Araujo, Direito Internacional Privado

 Não há codificação exata, utilizam-se a doutrina e julgados.

1. Regime de bens

Pode-se dizer que os principais tópicos abordados no DIPr são, de um


lado, as famílias e, do outro, os contratos internacionais. No Brasil, as questões
relativas à família e o DIPr se colocam perante o juiz quando é preciso
determinar, através do método conflitual, a lei aplicável ao fato concreto, ou
quando é necessário dar efeitos aqui a fatos ocorridos no exterior.

Desde 1942, com a LINDB, o Brasil adota o domicílio como elemento


de conexão para reger as questões relativas à capacidade e ao direito de
família (art. 7º). Será regido pela lei brasileira o estrangeiro aqui domiciliado,
sendo irrelevante, em regra, a nacionalidade do indivíduo ou qualquer
disposição de sua lei nacional.

Da mesma forma, em regra geral, o brasileiro domiciliado no exterior não


será mais regulado pela lei brasileira quanto à sua capacidade e direitos de
família, mas sim pela lei de seu domicílio.

O casamento é um ato complexo para o DIPr, pois exige tanto a


determinação da lei aplicável à capacidade das partes para praticar o ato como
a lei aplicável à celebração do ato. Devido a essa complexidade, o caput do art.
7º da LINDB não é suficiente para solucionar, pela simples aplicação da regra
do domicílio, todos os conflitos de lei no espaço que possam surgir em função
do casamento, especialmente quando os nubentes possuem residências
habituais diferentes.

1.1. Os efeitos patrimoniais do casamento. A lei aplicável ao regime de


bens do casamento

O regime matrimonial de bens é a regulamentação das relações


pecuniárias derivadas da associação conjugal. Os noivos, muitas vezes, já
possuem bens e durante a vida conjugal poderão vir a adquirir outros, quer por
aquisição própria, doação ou sucessão. Faz-se necessário, assim, determinar
como serão administrados esses bens, se constituem um patrimônio comum ou
separado, se e em que limites poderão ser alienados e ainda seu destino em
caso de dissolução da sociedade conjugal.

No Brasil, o regime de bens decorre da lei ou de convenção dos


nubentes, por pacto antenupcial (art. 1.639, CC). O Código Civil de 2002
mantém como regime legal o da comunhão parcial 1 (art. 1.640), mas admite
sua modificação, mediante autorização judicial (art. 1.639, § 2º) – ou seja,
procedimento de jurisdição voluntária, com a participação obrigatória do
Ministério Público; exige-se, para tanto, manifestação de vontade de ambos os
cônjuges e a exposição dos fundamentos pelos quais assim desejam proceder.

O regime de bens obedece à lei do país em que tiverem os nubentes


domicílio. No caso de os cônjuges terem domicílio diverso, determina-se a lei
aplicável para o regime de bens pelo primeiro domicílio conjugal – isto é, o
primeiro domicílio em que se inicia o casamento (art. 7º, § 4º da LINDB).

De acordo com o ordenamento, as disposições quanto ao regime de


bens podem ser mais ou menos restritas. Junto a isso, deve-se entender a
qualificação dos bens: direitos reais, de família ou atos jurídicos (as obrigações,
atos lato sensu, são regidas no DIPr pelo art. 9º da LINDB).

1.2. A mutabilidade do regime de bens

No direito brasileiro, sempre vigeu o princípio da imutabilidade do regime


de bens. Não era permitido aos cônjuges alterar o regime de bens ou modificar
o pacto antenupcial após o casamento. O reflexo desse princípio para o DIPr
significava que a lei aplicável ao regime de bens, uma vez determinada,
também era imutável.

O Código Civil de 2002 inovou ao estabelecer de maneira expressa a


possibilidade de se alterar o regime matrimonial, devendo ser consensual. Tal
inovação põe por terra a interpretação da imutabilidade e aproxima o instituto

1
Na comunhão parcial de bens, o patrimônio adquirido ao longo do casamento passa a ser do
casal, devendo ser dividido na ocasião de um divórcio. Na comunhão universal de bens, o
patrimônio anterior ao casamento e aquele adquirido durante o casamento passa a ser dividido
integralmente para o casal.
do regime de bens das demais questões de direito de família, para quais a
LINDB determina no caput do art. 7º ser aplicável a lei do domicílio.

Ora, seria incoerente admitir-se que as questões de direito de família


sejam reguladas pela lei do atual domicílio dos cônjuges, excetuado o regime
de bens, que estaria sempre vinculado a um domicílio sem qualquer relação
com as partes ou com seus bens.

 Quanto às disposições do pacto antenupcial, há países em que esta


liberdade é ampla, permitindo estipulações desconhecidas da lei
brasileira. No momento do divórcio ou da sucessão, serão consideradas
as cláusulas violadoras da ordem pública brasileira, mesmo se aplicável
a lei estrangeira. Pode ocorrer que um pacto, válido pela lei local na sua
celebração, em caso de cumprimento no Brasil, tenha algumas de suas
cláusulas tidas como nulas, com relação aos bens aqui situados.
 Numa concepção moderna do DIPr, o respeito à ordem pública na
aplicação do direito estrangeiro implica na verificação dos valores em
jogo, como forma de adequar a norma estrangeira ao nosso
ordenamento. No RE 78811, o STF reconheceu o esforço comum como
um valor a ser protegido contra a aplicação fria do direito estrangeiro;
num REsp, por sua vez, o STJ entendeu que o esforço comum
precisaria ser comprovado no caso concreto, sob pena de vir a gerar
uma situação de enriquecimento sem causa em benefício de um único
herdeiro.
 O respeito à ordem pública exige do julgador a utilização da técnica de
ponderação de valores: a proteção dos bens da família, de um lado, e a
proibição de enriquecimento sem causa, de outro, para determinar como
se aplicaria o princípio da ordem pública nesse caso concreto. Saiu-se
da lógica matemática que sempre regeu o DIPr, para uma noção de
ordem pública que não ignora as situações individuais.

2. Dissolução da sociedade conjugal

De acordo com o Código Civil, o casamento pode dissolver-se por quatro


motivos: nulidade ou anulação, separação judicial, divórcio ou morte de um dos
cônjuges. Cada um desses motivos tem uma repercussão diferente para o
DIPr.

a) Anulação

No que diz respeito à anulação no Brasil, ela ocorre quando há algum


vício no momento da celebração do casamento. O casamento, então, é nulo
quando há vício insanável e qualquer pessoa pode informá-lo.

Quanto à lei aplicável aos casos de invalidade do matrimônio, a LINDB


traz o art. 7º, § 3º. Repetindo o sistema do regime de bens, manda aplicar a lei
do domicílio dos nubentes ou, sendo diverso este domicílio, a lei do primeiro
domicílio conjugal.

O casamento nulo retroage e o maior impasse está no caso do


casamento feito no exterior. Exemplo: um casamento é feito na França; o casal
vem morar no Brasil e aqui se percebe uma nulidade, não considerada na lei
francesa; observa-se a lei francesa mesmo assim.

*Para o STF, nos anos 1970, admite-se a regra em questão, a do domicílio


conjugal, somente para os casos de erro essencial ou coação, observando-se,
neste caso, os prazos prescricionais da lei domiciliar. Nos casos, por exemplo,
de erro na habilitação dos nubentes, observa-se a lei brasileira.

b) Divórcio

A dissolução do casamento pelo divórcio apresenta duas hipóteses com


repercussões no DIPr: divórcio realizado no Brasil de casamento realizado no
exterior, e os efeitos de divórcios realizados no exterior, tenha sido o
casamento celebrado no exterior ou no Brasil.

 Divórcio realizado no Brasil

Estando o casal, cujo casamento foi celebrado no exterior, domiciliado


no Brasil e querendo aqui divorciar-se, serão competentes a justiça e a lei
processual brasileira. As questões de DIPr que se apresentam ao juiz
reportarão à verificação da validade do ato estrangeiro – ou seja, a celebração
do matrimônio.
 Divórcio ocorreu no exterior

Se o divórcio ocorreu no exterior, a produção de efeitos no Brasil


dependerá de sua homologação no STJ. Conforme o NCPC, dispensa-se no
art. 961, §5º a homologação de sentenças estrangeiras de divórcio consensual.

 Para a professora, há apenas uma forma de dissolução de casamento


sem ligação com o divórcio: o casamento desfeito em cartório, ou seja, a
separação extrajudicial. Todavia, no DIPr, a regra geral é que o
casamento se desfaz com decisão judicial.

No caso da anulação e divórcio, a lei aplicável aos bens pela dissolução


da sociedade conjugal seguirá a regra do domicílio. Observa-se para os bens o
art. 8º da LINDB:

Art. 8o Para qualificar os bens e regular as relações a eles


concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem
situados.

§ 1o Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o


proprietário, quanto aos seus bens móveis.

3. Sucessões

No caso da morte de um dos cônjuges, há a abertura de sucessão. Às


vezes, pode ocorrer a declaração de ausência, a presunção de morte e só
depois o início da sucessão.

Nas sucessões, a regra geral para a lei aplicável é a lei do último


domicílio do de cujus, mas há exceção que privilegia a nacionalidade a fim de
proteger os filhos e cônjuges brasileiros na sucessão dos bens que se
encontrem no Brasil (§1º do Art. 10 da LINDB e inciso XXXI, do Art. 5º da CF).

A regra constitucional é de caráter unilateral, pois na sua primeira parte


privilegia, de forma expressa, a norma brasileira. Sua interpretação poderia
indicar não ser cabível a análise da norma estrangeira. No entanto, a segunda
parte do art. 5º, XXXI da CF demonstra que, antes de ser aplicada a lei
brasileira, é necessário observar a lei estrangeira para que se possa avaliar se
é ou não mais benéfica do que a nossa lei.

Para os falecidos no Brasil, o regime da sucessão causa mortis é


regulado pelo Código Civil por duas formas: a testamentária e a legal. Nessa
discussão, se fala sobre bens móveis e imóveis (art. 8, §1º LINDB), mas essa
classificação hoje talvez já não seja tão útil – surge um novo binômio: corpóreo
x incorpóreo.

O testamento é ato personalíssimo de última vontade, pelo qual um


indivíduo dispõe dos seus bens. Mas a vontade do indivíduo possui um limite
imposto pela lei: a sucessão legítima.

Nesse caso, os herdeiros são designados pelo parentesco e a lei


brasileira reserva metade dos bens do de cujus aos herdeiros necessários. Por
isso, o testamento só abrange 50% dos bens do falecido, sendo a outra metade
dos herdeiros necessários (art. 1.789, CC). Não havendo, em determinada
situação, herdeiros necessários, a liberdade de testar abrange a totalidade do
patrimônio do indivíduo.

Se o indivíduo não expressar sua vontade por testamento, a sucessão


seguirá a lei, ou seja, será legítima.

Conforme o art. 10 da LINDB e o art. 1.785 do CC, a sucessão obedece


à lei do último domicílio do falecido. No entanto, há situações em que o
inventariado tinha domicílio fora do território nacional, mas bens no Brasil e
mesmo no exterior. Nesses casos, é preciso utilizar conceitos do DIPr para
determinar a jurisdição competente e a lei aplicável à sucessão.

Há dois sistemas que fundamentam a lei aplicável no caso das


sucessões. O sistema da unidade/universalidade sucessória entende que, no
território, só há uma lei para se aplicar ao falecido – é a regra geral do Brasil,
em que vigora o ultimo domicílio do de cujus, independentemente da natureza
e da situação dos bens.

O que quebra esse sistema é quando há bens em mais de um território,


caso em que haverá o sistema da pluralidade/fracionamento sucessório. Diante
da pluralidade de foros sucessórios, o bem seguirá para a sua sucessão a lei
do país em que estiver. Portanto, é possível ter uma dupla regência legal da
sucessão, com cada país aplicando sua regra em relação aos bens ali
situados.

 A determinação das regras da sucessão se dá nessas etapas: 1) o


último domicílio do falecido; 2) se há bens em mais de um país – o bem
segue a lei onde se encontra, lex rei sitae; 3) se há testamento; 4)
havendo bens no Brasil, a sucessão será regulada pela lei brasileira em
benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, a menos que a lei
estrangeira lhes seja mais benéfica.

Em caso de falecimento de pessoa domiciliada no estrangeiro com bens


situados no Brasil, o inventário desses bens será no Brasil, podendo o juiz
estar diante de duas hipóteses: (i) em não havendo filhos ou cônjuge brasileiro,
o bem imóvel aqui localizado será regido pelas regras da lei estrangeira do
último domicílio do de cujus; (ii) em havendo filho ou cônjuge brasileiro, a
sucessão seguirá a lei brasileira, a menos que a lei estrangeira lhes seja mais
benéfica.

Quando a sucessão se iniciar no Brasil, não serão trazidos à colação os


imóveis localizados no estrangeiro (STF). Não poderá um dos herdeiros, ainda
que demonstre a existência do bem no exterior e que teria sido alocado sem
considerar a lei brasileira, promover a compensação na partilha.

 No Brasil, a base da teoria é a universalidade mitigada. O juízo é


universal, mas se torna fracionado na medida em que você possui
imóveis em diferentes territórios. Em síntese, a sucessão é aberta no
último domicílio, mas há outros elementos de conectividade.

3.1. Sucessão testamentária

No Brasil, o testamento é ato personalíssimo de expressão da última


vontade e, no DIPr, para analisar a sua validade, podemos seguir quatro
critérios:
1) A capacidade do testador no momento do ato: se este era capaz de
discernir o ato e se é capaz na lei do país em que se abrirá a sucessão.
2) A forma do ato: se o testamento cumpre a forma da lei do local da sua
elaboração e a forma da lei no país em que se abre a sucessão – no
Brasil e na maioria das ordens, o testamento é tido como ato unilateral,
mas pode haver ordens em que é aceito o testamento feito em conjunto.
3) O conteúdo: se o que foi testado realmente era possível testar.
4) A habilitação, a ordem de sucessão e o interesse dos herdeiros.

O DIPr busca fazer prevalecer a última vontade do testador, mas essa


vontade está limitada:

i) às regras do local em que o testamento foi elaborado, quanto à


capacidade de testar, à forma do ato e ao seu conteúdo;
ii) à lei do país em que se abrirá a sucessão, quanto à capacidade de
testar, à forma do ato e ao seu conteúdo.

No Brasil, se o testamento não cumpre as normas e procedimentos da


lei, pode ser decretado nulo. Por isso, é interessante adequá-lo à forma da lei.

 Forma (capacidade de testar e forma do ato) x conteúdo (última


vontade).
 Italiana que testa sobre imóveis no Brasil. Era capaz na Itália, cumpriu a
forma do testamento prevista pela lei italiana e o conteúdo não
desrespeitou a ordem pública brasileira. Testamento procedeu.
 Em matéria de testamento, sempre busca-se preservar a última vontade
do testador, desde que respeitada a ordem pública brasileira e que não
haja fraude à lei.
 A última vontade não é total, mas está atrelada à forma. Ela só será
respeitada se em conformidade com a lei.
 Revogação testamentária: um herdeiro afirma que não quer sua parte,
então é realocada pelos outros herdeiros.
 Hipóteses de inexecução: fez um testamento, mas o filho apontado
como adotado não foi, de fato, adotado. Declarou um bem, mas, por
imposto não pago, foi levado pelo governo.
Se nada deu certo no testamento, parte-se para a sucessão legítima.
Neste caso, devemos notar se há conflitos de lei sobre a qualificação dos bens
da sucessão: se uma lei diz que o bem é móvel, outra, imóvel, prevalece a lei
onde o bem está situado.

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