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DIREITO BANCÁRIO

Introdução

O Direito Bancário é considerado um ramo do direito especializado no tratamento do


dinheiro. O Direito Bancário é o direito do dinheiro, quer pelo facto de existir
entidades que tratam dele, quer ainda pelo facto de as operações realizadas por estas
entidades terem uma relação com o dinheiro.

O Direito Bancário define-se pelo seu objecto: compreende normas e princípios


jurídicos relacionados com a banca. Segundo Prof. António Menezes Cordeiro, o termo
“banca”, “bancos”, “banqueiros” ou “instituições bancárias1” têm um alcance
envolvente2: abarcam o universo relativo ao “banco central 3”, às instituições de crédito
e sociedades financeiras e à actividade desenvolvida por essas entidades, com os seus
clientes4.

CAPÍTULO I – ASPECTOS PRELIMINARES

1. Noção do Direito Bancário

O Direito Bancário é um conjunto ou complexo de princípios e normas jurídicas que


regulam a actividade bancária, bem como a constituição, organização 5 e
funcionamento das instituições bancárias.

O Direito Bancário regula e estuda duas grandes áreas:


a) A da constituição e organização6 das instituições de crédito e sociedades
financeiras: debruça-se sobre os bancos e demais instituições de crédito e
sociedades financeiras, as condições de acesso à sua actividade, a suspensão e
a fiscalização e as diversas regras conexas, bem como do Banco de
Moçambique. Esta área tem a designação de Direito Bancário Institucional.
b) A da actividade desenvolvida pelas instituições de crédito e sociedades
financeiras: tem a ver com as relações interbancárias e com as relações que se
estabeleçem entre as instituições de crédito e sociedades financeiras e os
particulares, sendo destacável a actividade desenvolvida pelas instituições de
crédito e sociedades financeiras isto é, actividade bancária. Esta área tem a
designação de Direito Bancário Material

O Direito Bancário Material tem uma autonomia marcada pela especificidade do seu
objecto – as operações realizadas pelas instituições de crédito e sociedades

1
E nós ainda acrescentamos um outro termo: instituições bancárias, por ser largamente usado como
sinónimo de bancos, instituições de crédito e sociedades financeiras no tecido bancário e por ser ainda
um termo menos tendencioso.
Instituição bancária é toda a entidade que legalmente recebe depósitos ou concede de forma
profissionalizada; ou ainda, a que como tal for designada por lei, adoptando a natureza de instituição de
crédito e sociedade financeira. ARMINDO SARAIVA MATIAS, Direito Bancário, (1998),10.
2
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito Bancário, 3ªed. (2008): 21.
3
JOSÉ MARIA PIRES, Elucidário de Direito Bancário, (2002) : 13.
4
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., Idem.
5
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., Idem.
6
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., Idem.
financeiras. Percebe-se assim, que a parte mais expressiva do direito bancário é a que
disciplina os actos bancários, isto é, da actividade das instituições de crédito e
sociedades financeiras, na sua relacão com os particulares e clientes.

Mas afinal, em que consiste e se traduz esta actividade bancária?

A actividade bancária é o complexo de práticas, actos ou contratos levados a efeito por


instituições de crédito e sociedades financeiras, os quais consumam-se nas operações
bancárias7. Constituem operações bancárias os negócios jurídicos, isto é prática de
actos ou contratos consumados por instituições bancárias com vista à realização do
respectivo objecto, em conformidade com a lei8.

2. Posicionamento do Direito Bancário

Tradicionalmente o Direito Bancário faz parte do direito privado e era considerado


como um ramo do Direito Comercial e este um direito especial em relação ao Direito
Civil.

Diferentemente do que tem sido defendido peremptória e timidamente por alguns


autores9 como sendo um ramo do Direito Comercial, actualmente o consideramos que
não se enquadra em nenhuma das categorias ou ramos de Direito, ainda que se lhe
reconheça maior inclinação para o direito privado.

O Direito Bancário compreende normas pertencentes a tradicional dicotomia dos


ramos de direito: direito público e privado.

Vejamos, por exemplo:

a) Direito Constitucional – As normas constantes da Constituição da República;


artigo 126 (sistema financeiro) e artigo 132 (Banco de Moçambique, como
Banco Central) têm natureza constitucional e corporizam o Direito Bancário. E
aqui relevará o conceito de Constituição Económica10.

b) Direito Administrativo – O Banco de Moçambique é definido como pessoa


colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira,
com a natureza de empresa pública (cfr. Artigo 1 da Lei n.º 1/92, de 3 de
Janeiro – Lei Orgânica do Banco de Moçambique). Donde, as normas que
delimitam os seus poderes, organização e funcionamento têm natureza
administrativa.

As normas do regime jurídico das instituições de crédito e sociedades


financeiras relativas à autorização para a constituição das instituições de
crédito e sociedades financeiras, caducidade da autorização e sua revogação
(cfr. Artigos 13 a 18 da Lei n.º 15/99, de 1 de Novembro/ Lei n.º 9/2004, de 21

7
ARMINDO SARAIVA MATIAS, Op. Cit., (1998) : 9.
8
Referimo-nos a Lei n.º 15/99, de 1 de Novembro/ Lei n.º 9/2004, de 21 de Julho – Lei das Instituições de
Crédito e Sociedades Financeiras (cfr. Artigo 4 do Decreto n.º 56/2004, de 10 de Dezembro –
Regulamento da Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e o Decreto n.º 57/2004, de 10
de Dezembro – Regulamento das Microfinanças.
9
JOSÉ MARIA PIRES, Op. Cit., Idem, 37-38 e ARMINDO SARAIVA MATIAS, Op. Cit. : 8.
10
Entendido como conjunto de normas e princípios constitucionais que delimitam e regulam a actividade
económica. Veja Jorge Miranda
de Julho – Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) têm
natureza administrativa.

c) Direito Processual Civil – O Decreto-Lei n.º 1/2005, de 27 de Dezembro –


Código de Processo Civil, atribui natureza de títulos executivos às sentenças
condenatórias, documentos exarados ou autenticados por notários que
importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, os
documentos particulares assinados pelo devedor que importem a constituição
ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado
ou determinável nos termos do artigo 805, de obrigação de entrega de coisa ou
prestação de facto (Artigo 46, alíneas a) e b)).

d) Direito Comercial – O Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro – Código


Comercial, estabelece que as operações bancárias são actos de comércio
(Alínea a), do n.º 1 do artigo 4, conjugado com alínea d) n.º 1 do artigo 3, e as
pessoas singulares ou colectivas que as executam a título profissional, têm a
qualidade de empresários comerciais11 (Alínea a) do artigo 2). Pelo que, as
normas que regem tais operações bancárias e comerciantes pertencem ao
Direito Comercial.

e) Direito Civil – O artigo 101 da Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto - Lei da Família
estabelece no seu n.º 1 que “os cônjuges podem acordar, entre si, em possuir
contas bancárias especialmente destinadas a ocorrer à satisfação de despesas
domésticas”. Tal norma parece-nos aplicável ao Direito Bancário.

O Direito Civil é, em geral, aplicado ao Direito Bancário, nomeadamente o


Direito das Obrigações no qual relevam as garantias destas.

f) Direito Económico – A actividade bancária, no seu conjunto – e não apenas as


operações bancárias – sujeita-se ao direito económico, ou seja: à um conjunto
de regras e institutos que visam, tem por função, organizar, coordenar, dirigir e
desenvolver as actividades económicas12 e que são ditados pelo Estado13.

Assim, na opinião do Prof. Menezes Cordeiro, o Direito Bancário actual é


predominantemente um Direito Privado 14 marcado por particularidades da regulação
da situação bancária singular, pela natureza privada das instituições de crédito e

11
Facto que leva alguns autores a designar o Direito Bancário como direito das operações do Banco e o
direito dos profissionais de comércio bancário. Cfr. VASCO SOARES DE VEIGA, Direito Bancário, 2.ª ed.
(1997) : 32.
12
Para um conceito de Direito Económico, (1981), 156 citado por ARMINDO SARAIVA MATIAS, Op. Cit.,
(1998):14.
13
É no âmbito do Direito Económico onde torna-se visível a intervenção do Estado, este assume o
dirigismo económico da actividade bancária motivado pela importância atribuída a concessão de crédito e
a consequente criação de moeda, o papel dos bancos nos sistemas de pagamentos e a necessidade de
proteger os interesses dos depositantes e dos investidores.
A actividade bancária constitui, com efeito, um sector básico da economia, condicionante de outros
sectores de actividade. Não é, pois, de admirar que o Estado por ele se interesse e nele actue, quer como
poder regulador quer como agente económico.
O Estado intervém na actividade económica por via indirecta ou directa, ou seja: prossegue o interesse
público por regulação, enquadramento, incentivo e fiscalização das actividades dos agentes económicos
ou assume ele próprio o desempenho da actividade bancária. Nesta intervenção, o direito bancário é
frequentemente atravessado por actos e normas de natureza administrativa. ARMINDO SARAIVA
MATIAS, Ibidem: 14.
14
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito Bancário, Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa, (1997): 33.
sociedades financeiras e das operações bancárias realizadas por essas entidades,
regidas, primeiramente, pelo Direito Comercial.

No entanto, o facto de o Direito Bancário ser predominantemente privado, não


dispensa os elementos públicos constantes do Direito Bancário Institucional,
designadamente normas sobre a constituição, organização e funcionamento das
instituições de crédito e sociedades financeiras sujeitas à supervisão do Banco de
Moçambique.

3. O problema da autonomia do Direito Bancário. Posição defendida

Alguns autores afirmavam que o Direito Bancário não era uma disciplina auto-
suficiente15. O Direito Bancário usava categorias, regras pertencentes aos outros ramos
de direito, públicos e privados.

Consideravam ainda que as suas normas e princípios enformadores eram frágeis, para
além da clivagem existente entre o Direito Bancário Institucional e Direito Bancário
Material.

Em termos simplistas: eles concluíam que o Direito Bancário não era um ramo de
direito autónomo16.

Porém, a problematização da autonomia do Direito Bancário ganha particular interesse


quando, no âmbito de um movimento mais amplo de consagração e autonomização
das disciplinas jurídico-económicas, as faculdades de direito e outras entidades de
formação jurídica primaram pela sua sistematização e estudo.

No Direito Bancário, é assumida a sua autonomia pedagógica que passa pelo estudo
sistemático das normas que regulam a actividade, bem como a constituição e o
funcionamento das instituições bancárias17.

Em suma: a autonomia do Direito Bancário pode ser sustentada tendo por base alguns
critérios:
1.º Autonomia científica (Dispõe de princípios, conceitos e termos característicos
(por exemplo, taxas de juros e de câmbios, sigilo bancário, spread,
transferência electrónica de fundos, sistema de pagamentos; a supervisão e
regulação da actividade bancária);
2.º Método (O Direito Bancário é um adisciplina que tem merecido um estudo
individualizado, verificando-se uma crescente e notável doutrina na área
bancária, bem como a sua inclusão nos vários cursos jurídicos);
3.º Legislação (Assiste-se cada vez mais a uma enorme e profícua elaboração
legislativas ou normativas específicas do Direito Bancário).
Portanto, parece-nos claro que o Direito Bancário moderno satisfaz os supracitados
critérios e, como tal, pode ser encarado como uma disciplina autónoma, independente
e que tem colhido maior atenção e especialização dos juristas e tratadistas
interessados nesta área.

15
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., (1997): 33.
16
VASCO SOARES DE VEIGA, Op. Cit. : 29.
17
ARMINDO SARAIVA MATIAS, Op. Cit., (1998) :15
E actualmente já é notória a especialização do Direito Bancário, o crescendo das
instituições bancárias faz crer que o Direito Bancário deve ser encarado como nova
uma especialidade dotada de autonomia. E isto, é um facto!

4. Papel e importância do Direito Bancário

O Direito Bancário legitima e regula o sistema financeiro e as suas relações com os


particulares.

E a importância do Direito Bancário é pulsado e assenta na importância da actividade


bancária.

Os bancos desempenham um papel de intermediário nos pagamentos e na concessão


de créditos.

Para além deste papel tradicional ou clássico 18, os bancos disponibilizam consultoria e,
com a intervenção de entidades por eles dominadas, proporcionam, emissão e gestão
de instrumentos de pagamentos, tais como cartões de crédito e cheques de viagem e a
locação financeira e o acesso a serviços vários.

Portanto, aos bancos são lhes atribuídos a massificação do crédito, o favorecimento da


circulação de riquezas e a concentração das poupanças e investimentos individuais.

O Direito Bancário possibilita o aperfeiçoamento de quadros e soluções que acabam


constituindo património da Ciência do Direito. Por exemplo, o instituto do sigilo
bancário uma construção do Direito Bancário que pode servir para a construção de
outros sigilos profissionais19.

5. As características gerais do Direito Bancário

As características do Direito Bancário são seguintes:

a) Permanentemente em modificação ou instável: a actividade bancária não se


compadece com o carácter conservador das normas jurídicas, estando sujeitas
a permanentes adequações ou conformações à realidade, sob pena de se
verem ultrapassadas e obsoletas.

b) Técnico: o Direito Bancário é um Direito técnico na perspectiva jurídica, na


perspectiva da ciência económica, bem como na das tecnologias informáticas.
É, pois, do seu carácter técnico que consiste a segurança do sistema financeiro.

c) Sem fronteira: o direito bancário é um direito sem fronteiras e nisso reside a


sua enorme capacidade, universalidade e abrangência. Por exemplo, as normas
e princípios vigentes no ordenamento jurídico moçambicano identificam-se
com os dos demais ordenamentos jurídicos, designadamente o português,
angolano20. Como afirma ARMINDO SARAIVA MATIAS, uma prática bancária,
desde que eficiente, não resiste as fronteiras nem as barreiras do direito: ela é

18
Recepção de depósitos e a concessão de créditos.
19
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., (2008): 36-37.
20
Referimo-nos aqui aquelas normas e princípios que podem ser surpreendidos nas leis, em sentido
formal (por exemplo, as que regulam as instituições de crédito e as sociedades financeiras e o
funcionamento dos Bancos centrais) e material, bem como nos demais instrumentos normativos
emanados pelo Banco de Moçambique.
absorvida e moldada pelos sistemas jurídicos que se vêem forçados à sua
regulamentação21.

d) Especificidade das suas fontes: O Direito Bancário, para além de fontes comuns
aos outros ramos de direito, possui fontes específicas ou próprias, como
adiante constataremos quando abordarmos as fontes de Direito Bancário.

CAPÍTULO II – OS PRINCÍPIOS BANCÁRIOS GERAIS

1. Generalidades

Os princípios no Direito correspondem a orientações que informam o conteúdo de


normas jurídicas.

Os princípios têm diversos papéis, nomeadamente22:

a) Papel ordenador, na medida em que permite ordenar problemas, soluções e


normas.

b) Papel programático, na medida em que constituem uma base sobre a qual o


legislador poderá, depois, construir novas normas. Dai ser relevante referir-se
as normas programáticas23.

c) Papel regulativo, na medida em que são havidos como instrumentos para


solucionar casos concretos, quer relacionado as normas, quer corporizando
conceitos indeterminados, quer ainda integrando lacunas.

Aplica-se ao Direito Bancário, os Princípios gerais do Direito Privado: princípio da tutela


da pessoa, princípio da autonomia privada, princípio da boa fé e responsabilidade civil,
os Princípios gerais do Direito Público: princípio da legalidade, princípio da igualdade,
princípio da imparcialidade e princípio da proporcionalidade e os Princípios aplicáveis
aos actos comerciais: princípio da internacionalidade, princípio da simplicidade e
princípio da rapidez, princípio da clareza jurídica, princípio da publicidade e princípio
da tutela da confiança e princípio da onerosidade.

Neste sentido, ao Direito Bancário são aplicáveis os princípios gerais do Direito, bem
como os que lhe são próprios24. Os princípios bancários sobressaem em diversos
institutos e na concretização das situações jurídicas bancárias e permitem encontrar e
justificar soluções concretas25.

2. Os princípios bancários gerais:

2.1. O princípio da simplicidade

21
ARMINDO SARAIVA MATIAS, Op. Cit.: 11.
22
Veja-se com maior detalhe ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., (2008) : 141-142.
23
As normas programáticas são de aplicação diferida e não de aplicação ou execução imediata. Têm
como destinatário primacial o legislador.
24
Veja-se com maior detalhe os princípios bancários gerais, o Prof. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO,
Op. Cit., (2008): 143.
25
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit.,(2008): 143.
A ideia da simplicidade está associada a dispensa de formalidades e solenidades
requeridas a certos actos. A actuação bancária exige indispensavelmente a observância
do princípio da simplicidade, até como uma das formas de reduzir os custos com
transacções.

O princípio da simplicidade é concretizado através dos seguintes subprincípios:


consensualismo e reformalização normalizada; uso da informática e unilateralidade.

a) Consensualismo e reformalização normalizada

A vontade (ou o consenso) dos intervenientes seria eficaz independentemente da


forma que determinado acto pudesse revestir.

Atenção: Mas isto não significa que no Direito Bancário, a simplificação formal deve
dispensar a forma escrita. Aqui as declarações orais ou tácitas de vontades dos
intervenientes não lhe são aplicáveis. Sobretudo quando se está em causa, por
exemplo a concessão de dinheiro haverá sempre lugar a contrato reduzido a escrito.

Segundo o Prof. António Menezes Cordeiro 26, as exigências da simplicidade acabam


por induzir uma reformalização. E por necessidade de conferir rapidez, a vontade dos
intervenientes pode ser manifestada por aposição de simples assinatura em
formulários previamente concebidos pelos bancos.

Em suma: os actos bancários surgem sem especiais formalidades.

b) Uso da informática

Hoje é inegável a importância da informática nas nossas vidas. E, se assim o é, o


mesmo verifica-se a nível do bancário.

O uso da informática simplifica:

- a contratação e a prática de diversos actos bancários 27 à distância, com recurso à


internet banking e ATM28.

- a execução de deveres de informação e de comunicação, nomeadamente envio de


extractos bancários, aviso de débito ou crédito e realização de diversas operações (por
exemplo, pagamento de salários, de fornecimento de electricidade, de água ou de
telefone dispensando a intervenção humana, primando, assim, pela via informática).

c) Unilateralidade

As cartas subscritas pelo cliente são negociadas previamente com o banco ou podem,
ainda, ser oferecidas por este para a subscrição pelo cliente.

Em suma: os actos bancários completam-se, muitas vezes, apenas por simples cartas,
assinadas pelo cliente, dispensam-se, assim, as clássicas propostas e aceitação.

2.2. O princípio da rapidez

26
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., (2008): 148.
27
Por exemplo, transferência electrónica de fundos interbancária, pagamentos em numerário em ATM.

28
ATM – Automated Teller Machine (Caixa Automática).
O princípio da rapidez compreende a rapidez bancária, a normalização substancial, o
recurso a cláusulas contratuais gerais e a desmaterialização.

a) Rapidez bancária, a normalização substancial

A rapidez bancária está associada a facilidade na tomada de decisão que permita a


celebração de um certo acto bancário.

A rapidez exige, à partida, a normalização substancial. Aqui os bancos geralmente


recorrem a modelos legais previamente definidos. Por exemplo, para a concessão do
crédito habitacional poderá recorrer a mútuo hipotecário 29 ou locação financeira de
imóveis.

Em suma: o giro bancário não se compadece com negociações complexas ou com


tempos de espera.

b) Recurso a cláusulas contratuais gerais

É frequente o recurso às cláusulas contratuais gerais nos contratos bancários, as quais


foram corporizando os usos no Direito Bancário.

As vantagens da adesão às cláusulas contratuais gerais tem a ver com a dispensa de


todo um processo de negociação prévia e clarifica o objecto de certo contrato.

c) Desmaterialização

A desmaterialização tem a ver com possibilidade de representação e de comunicação


das realidades atinentes à banca – e, maxime, do próprio dinheiro através de suportes
automáticos30 e electrónicos e a consequente dispensa de suportes materiais ou
escritos.

A desmaterialização no Direito bancário é responsável pela massificação dos


instrumentos de pagamentos, tais como os cartões de crédito, de débito, a truncagem
de cheques31 e a transferência de fundos electronicamente, prescindindo, em muito
casos, de suportes materiais ou escritos.

2.3. O princípio da ponderação bancária

O princípio da ponderação bancária assenta na prevalência das realidades,


interpretação segundo o primeiro entendimento e a eficácia sancionatória.

Quanto ao primeiro entendimento: perante actos jurídicos correntes, o direito


bancário dará primazia ao primeiro entendimento que deles resulte; há como que uma
tutela da aparência, em moldes particulares.

29
Importa muito, latamente, dizer que o mútuo bancário (distinto do mútuo civil artigo 1142 do Código
Civil) é celebrado por um banco e tem em vista a consignação do mútuo a determinado destino, ou seja: à
importância recebida, pelo cliente, de um determinado banco deverá necessariamente ser aplicado para o
fim para o qual terá sido solicitado.
30
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., (2008): 155-156.

31
A propósito valerá a pena referir que a truncagem de cheque pressupõe que o cheque físico deixe de
circular entre os bancos e sua imagem e dados são transformados em conteúdo electrónico para
circulação e integração nos sistemas. A compensação de cheques é feita por imagem.
A interpretação segundo o primeiro entendimento, significa que a declaração negocial
vale com o sentido resultante dessa mesma declaração, ou na falta deste
entendimento, com o do primeiro entendimento que, dela, o operador venha retirar.

Veja-se, neste caso, o que dispõe o artigo 236 do Código Civil 32.

Relativamente a sanções, o direito bancário aponta para um princípio da eficácia. A


sanção mais eficaz é a não concessão de mais crédito 33.

CAPÍTULO III - FONTES DO DIREITO BANCÁRIO: NOÇÃO E ENUMERAÇÃO

1. Generalidades

Fonte do Direito Bancário é o modo de formação e de revelação das normas jurídicas


bancárias34.

No Direito Bancário, as fontes podem ser internas e internacionais. As internas são a


Constituição da República, a Lei Orgânica do Banco de Moçambique, o Código
Comercial, a Legislação extravagante, os usos bancários, os Actos normativos do Banco
de Moçambique e o Código de Conduta. Estas duas últimas fontes ditam, a nosso ver,
uma das características do Direito Bancário que são a especificidade das fontes do
Direito Bancário, pois não são aludidas àquelas que são comuns a todo o Direito.

E as fontes internacionais são as Convenções e os Tratados.

2. Fontes internas

a) Constituição da República

Na Constituição da República verificamos algumas normas relativas ao sistema


financeiro (cfr. Artigo 126) e ao Banco de Moçambique (cfr. Artigo 132).

b) Lei Orgânica do Banco de Moçambique

Pelo posicionamento central no âmbito do sistema financeiro, destaca-se a Lei n.º


1/92, de 3 de Fevereiro – Lei Orgânica do Banco de Moçambique, prevê aspectos
relevantes sobre a supervisão bancária (cfr. artigo 37).

c) O Código Comercial

32
“A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real
declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente
contar com ele.”
33
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO. Op. Cit., (2008): 161.
34
Podem ser apontados primariamente como modos de formação (o costume e o uso) e os modos de
revelação (a lei e a doutrina).
Sobre o conceito de fontes de direito em geral ver ASCENCAO, José de Oliveira, O Direito, Introdução e
Teoria Geral, (2005): 255 e ss. JOSÉ CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, (1994): 79
-80.
O Código Comercial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro, com as
alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 2/2009, de 24 de Abril, prevê normas
relativas as Leis Uniformes de Cheque (cfr. artigo 782 e ss.).

d) Legislação extravagante

A legislação sobre o bancário encontra-se dispersa por vários diplomas legais.


Consideremos, a título meramente exemplificativo:

1. Lei n.º 15/99, de 1 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º
9/2004, de 21 de Julho - Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras
(LICSF);
2. Decreto n.º 56/2004, de 10 de Dezembro - Regulamento da Lei das Instituições de
Crédito e Sociedades Financeiras (RLICSF);
3. Decreto n.º 57/2004, de10 de Dezembro - Regulamento das instituições de
Microfinanças;
4. Lei n.º 30/2007, de 18 de Dezembro – Lei que regula o processo de Liquidação
Administrativa das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras
5. Lei n.º 2/2008, de 27 de Fevereiro – Lei do Sistema Nacional de Pagamentos;
6. Lei n.º 11/2009, de 11 de Março – Lei Cambial.

e) Os actos normativos do Banco de Moçambique

Ao Banco de Moçambique é conferida a competência ou poder regulamentar que


reside na possibilidade de aprovar regras gerais e abstractas por meio do Aviso do
Governador do Banco de Moçambique.

Os Avisos do Governador do Banco de Moçambique têm de fundamentar-se em Lei,


Decreto-Lei ou Decreto do Conselho de Ministros, não podendo contrariar esses
diplomas, sob pena de ilegalidade.

Os Avisos têm como destinatário as instituições de crédito e sociedades financeiras ou


outras instituições sujeitas a supervisão do Banco de Moçambique.

Os Avisos do Governador do Banco de Moçambique devem ser publicados em BR (cfr.


alínea g) do Artigo 144 da Constituição da República).

Para além dos Avisos, podem ser citados as Circulares que são documentos normativos
destinados à divulgação externa de normativos do Banco e a esclarecimentos de
matérias anteriormente divulgadas.

f) Os Códigos de Conduta

O n.º 2 do artigo 47 da Lei n.º 15/99, de 1 de Novembro – LICSF prevê a elaboração de


códigos de conduta pelas associações representativas das instituições de crédito e
sociedades financeiras, os quais são, obrigatoriamente, remetidos ao conhecimento do
Banco de Moçambique.

O Código de Conduta é o conjunto sistematizado de princípios e regras, de conteúdo


ético, relativos a certa profissão ou sector de actividade, ditados, quase sempre, por
entidades não estaduais35.
35
ARMINDO SARAIVA MATIAS, Op. Cit.: 84.
O Código de Conduta está subordinado à lei, não podendo ultrapassar limites impostos
pelas suas normas, tão-pouco contraria-las.

Entre nós pode-se apontar, exemplificativamente, o Código de Conduta do Mercado


Cambial Interbancário36.

g) Os usos bancários

Nas relações jurídicas bancárias, os usos constituem práticas seguidas e que são
reiteradas pelas partes, faltando, no entanto, a convicção da sua obrigatoriedade.

Assim, o conteúdo, as consequências das operações bancárias, o comportamento das


instituições bancárias são, frequentemente, determinados pelos usos bancários. A
propósito, veja-se o exemplo do depósito de cheques cruzados 37, meios de
identificação de clientes, nomeadamente o conhecimento pessoal e a abonação por
testemunhas38.

3. Fontes internacionais

As fontes internas (as enunciadas anteriormente) diferem das internacionais pelo facto
de estas serem oriundas de convenções celebradas entre Estados ou tratados
comunitários.

Podemos considerar como sendo normas bancárias de origem internacional as


resultantes das convenções de Genebra de 19 de Março de 1931 que originaram às leis
uniformes relativas a letras, livranças e sobre o uso de cheque (previstas no anterior
Código Comercial revogado), ora constantes do artigo 704 e ss., do Decreto-Lei n.º
2/2005 de 27 de Dezembro - Código Comercial.

As normas internacionais com maior relevância no Direito Bancário são as do Direito


Comunitário.

Considerando o processo de integração regional previsto a nível da SADC – maxime


integração monetária que prevê a criação de um Banco Central Regional e moeda
única da região –, parece-nos claro que haverá que contar com as normas
internacionais aplicáveis em toda Comunidade da SADC, as quais poderão inspirar e
determinar as fontes internas de cada Estado membro).

O DIREITO BANCÁRIO INSTITUCIONAL

CAPÍTULO I – O SISTEMA FINANCEIRO

36
O Código de Conduta do Mercado Cambial Interbancário foi assinado pelos participantes deste
mercado, a 30 de Dezembro de 2004, onde se adoptam princípios e normas de cariz ético-deontológico e
práticas que contribuíram para elevar os padrões de profissionalismo dos operadores e a eficiência do
próprio mercado, com vista a criar um ambiente são, transparente, de zelo, honestidade, competência,
bem como a consolidar o clima de confiança mútua entre os operadores.Cronologia Banco de
Moçambique, http://www.bancomoc.mz/index.php?lang=po&menu=27, consultado em Agosto de 2008.
37
TEODORO ANDRADE WATY, Introdução ao Direito Bancário, (2004): 36.
38
Referências a usos bancários expressos nos termos do n.º 2, alínea a) do Artigo 2 do Aviso n.º 3/2007,
de 28 de Fevereiro – Documentos de Identificação de Clientes em Operações Financeiras.
1. Noções básicas

1. Moeda e sistema financeiro

O Sistema Financeiro tem sido, classicamente, entendido como integrando o sector


bancário, o sector segurador e o sector do mercado de valores mobiliários.

De todo o modo, interessa-nos a parte relativa ao sector bancário, na sua acepção


ampla, de que fundamentalmente iremos nos ocupar nesta disciplina.

Alguns autores vão curando da conceptualização do sistema financeiro, nos seguintes


termos:

O Instituto de Formação Bancária de Moçambique, define o Sistema Financeiro como


um conjunto composto pela legislação financeira 39, produtos financeiros40, instituições
financeiras41 e mercados financeiros42 que asseguram, essencialmente, a
intermediação financeira (canalização da poupança para o investimento). 43

O Prof. António Menezes Cordeiro, ensina que o Sistema Financeiro é o conjunto


ordenado dos bancos ou entidades similares e das instâncias que, sobre eles, exercem
um controlo44.

A noção supracitada é material. Pois, o Estado intervém largamente para regular o


sistema financeiro, criando um conjunto de normas, ou seja, Direito Institucional.
Simultaneamente, o Estado fixa os limites de aplicação destas normas.

Significa que o Estado define, para efeitos jurídicos, o que entende por sistema
financeiro ou seja, o sistema financeiro formal: conjunto ordenado das entidades que
o Estado entende incluir nesse sistema.

A esta noção formal, podemos toma-la como sendo restrita ou subjectiva, pois ela
centra-se apenas nas instituições.

De forma simplista: o sistema financeiro é um conjunto ordenado de instituições de


crédito e sociedades financeiras.

2. Características do sistema financeiro

São características dos sistemas financeiros, nomeadamente a internacionalização,


inovação, concorrência, universalização, desintermediação financeira e
45
desregulamentação .

a) A internacionalização

39
Legislação financeira: conjunto de normas que regulam a actividade financeira. IFBM, Sistema
Financeiro Moçambicano, (s/d): 3.
40
Produtos financeiros: depósitos bancários, bilhetes de tesouro, acções, obrigações, certificados de
depósitos, papeis comerciais. IFBM, Op. Cit.: 4.
41
São compreendidas nas Instituições financeiras o Banco Central, instituições de crédito e sociedades
financeiras.
42
Mercados financeiros: ponto de encontro entre a procura e a oferta de produtos financeiros. IFBM, Op.
Cit.: 4.
43
IFBM, Op. Cit.: 3.
44
CARLOS COSTA PINA, Instituições e mercados financeiros, (2004): 19 ss. Citado por ANTÓNIO
MENEZES CORDEIRO, Direito Bancário, (2008): 57.
45
IFBM, Op. Cit.: 9-14.
A partir da década 60, a actividade financeira na generalidade dos países começa a ser
exercida cada vez mais além fronteiras.

A partir deste período verifica-se um desenvolvimento acentuado dos mercados


financeiros internacionais e aumento do mercado interbancário entre países.

E este incremento do mercado interbancário internacional resultou num esforço


crescente de inovação, maior eficácia e qualidade dos serviços prestados, maior
concorrência entre as instituições, menores margens financeiras e maiores riscos.

O desenvolvimento do mercado financeiro internacional originou a tentativa de


uniformização ou harmonização das normas relativas a regulamentação do sistema
financeiro.

Entre nós, a necessidade de modernização e de aproximação dessas normas deu azo à


reforma da regulamentação geral do sistema financeiro moçambicano. Verificou-se a
consagração da Lei n.º 28/91, de 31 de Dezembro, revogada pela Lei n.º 15/99, de 1 de
Novembro e alterada pela Lei n.º 9/2004, de 21 de Julho – Lei das instituições de
crédito e sociedades financeiras (LICSF).

b) A inovação

A inovação financeira tem ocorrido em dois domínios. No primeiro, das técnicas


utilizadas para realizar as operações tradicionais, em que observa-se, nomeadamente
o desenvolvimento das novas tecnologias, a informática aplicada à Banca e a rapidez
das comunicações.

No segundo, nas formas de operar, tendo-se reflectido no aparecimento de empresas


financeiras com funções completamente novas.

c) A concorrência

A concorrência entre as instituições financeiras tornou-lhes polivalentes e menos


especializadas, acabando, assim, por apresentar novos produtos.

d) A universalização

A universalização das funções financeiras dá origem ao modelo da Banca Universal,


adoptado por vários países.

O modelo de universalização está associado ao princípio de universalidade das


actividades bancárias, segundo o qual os bancos podem exercer variadíssimas
actividades, para o nosso caso, as previstas nos termos do artigo 4 da LICSF.

e) A desintermediação financeira

A desintermediação financeira tem a ver com facto de as instituições bancárias


afastaram-se cada vez mais da sua função clássica de intermediação financeira
(recepção de depósitos e concessão de crédito) e assumirem outras funções
permitidas por lei.

f) A desregulamentação
A desregulamentação significa o aligeiramento, regra geral, da legislação sobre
mercados financeiros.

A desregulamentação não quer dizer liberdade total, mas a regulamentação


indispensável e flexível, por forma a permitir a adaptação e expansão do mercado.

CAPÍTULO II – O SISTEMA FINANCEIRO MOÇAMBICANO

1. Evolução geral

a) Da independência à liberalização do sector, passando pelos Acordos de Lusaka e


a integração da Banca.

A evolução geral do sistema financeiro moçambicano - da independência à


liberalização do sector, passando pelos Acordos de Lusaka e a integração da Banca, nos
seus aspectos mais marcantes, pode ser apreciado estabelecendo uma brevíssima
cronologia.

 Fase – do período colonial até 1974;

 Fase –de 1974- 1977;

 Fase – de 1977-1987;

 Fase – de 1987 - actualidade.

Para a compreensão do tema proposto, concentremo-nos nas seguintes fases:

1.ª Fase - do período colonial até 1974

Com a criação do Banco Nacional Ultramarino (BNU) em Portugal, em 1864, este viria,
posteriormente, a instalar-se em Moçambique.
É assim que, a actividade bancária terá iniciado no século XIX com a implantação do
Departamento do BNU em 1877, sendo que a 1ª agência foi instalada na Ilha de
Moçambique.

A instalação do BNU em Moçambique tinha em vista financiar:


 o desenvolvimento e consolidação da ocupação efectiva das colónias;
 a exploração dos recursos existentes nas colónias para auxiliar o comércio, a
indústria, a agricultura e o desenvolvimento de infra-estruturas nas colónias.

O BNU subordinava-se a dois ministérios: O Ministério de Obras Públicas, Comércio e


Indústria em relação aos assuntos da Metrópole e o Ministério da Marinha e Ultramar
em relação as operações realizadas no Ultramar.

O BNU detinha a exclusividade da actividade bancária em Moçambique, portanto,


realizava exclusivamente a emissão da moeda.
Posteriormente, através da Lei de 27 de Abril de 1901, ficou liberalizada a actividade
bancária para Moçambique, Índia e Timor. E as razões da liberalização tinham a ver
com existência da relação comercial e económica com República Sul Africana.

O BNU tinha as seguintes atribuições:

 Detinha a emissão monetária;


 Realizava operações de crédito;
 Desempenhava as funções de Tesoureiro do Estado colonial;
 Exercia a supervisão bancária;
 Realizava outras operações ou actividade.

No mesmo período, o BNU celebrou um acordo com o Governo que vigorou de 1901 a
1910 e, prorrogado, até 1919. Essencialmente, o acordo privilegiava o BNU em
detrimento dos outros bancos.

Em Maio de 1919, verificou-se uma alteração do regime bancário. Esta alteração visava
a consolidação da autonomia do sistema financeiro das colónias, ou seja a liberalização
da actividade bancária.

Em 1925, foi promulgada a legislação relativa a actividade bancária, tendo sido


instituído o Ministro das Finanças como Autoridade monetária e cambial e criado a
Inspecção do Comércio Bancário como instituição subordinada ao Ministro com a
atribuição de supervisão.

No período subsequente até 1974, assistiu-se ao aperfeiçoamento do regime de


supervisão e ao alargamento das instituições bancárias a operar em Moçambique,
nomeadamente:

 A Casa Bancária de Moçambique;


 O Banco Comercial de Angola;
 O Banco de Crédito Comercial e Industrial;
 A Caixa Económica de Moçambique; e
 O Instituto de Crédito de Moçambique.

2ª fase - de 1974-1977

Assiste-se, nesta fase, a celebração do Acordo de Lusaka em 7 de Setembro de 1974,


tendo sido acordado a criação em Moçambique de um Banco Central 46.
Pelo Decreto n.º 23/74 de 23 de Novembro, foram outorgadas as competências de
supervisão bancária ao ministro da coordenação económica.

Pelo Decreto n.º 53/75 de 14 de Maio é deferida ao Governo de Transição a


competência para criar o Banco Central de Moçambique.

Pelo Decreto n.º 2/75 de 17 de Maio foi criado o Banco de Moçambique e aí cessam as
funções e as actividades do Departamento de Moçambique do BNU.
46
Cfr. Número 16, do Acordo entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique
celebrado em Lusaka em 7 de Setembro de 1974.
Seguiram-se momentos conturbados caracterizados por actos de sabotagem
económica, nomeadamente desvio de divisas, muitas vezes, praticado pelos próprios
bancos.

Em 1977, através da Lei n.º 5/77 de 31 de Dezembro, foi determinada a cessação das
actividades da Caixa Bancária de Moçambique e dos Departamentos em Moçambique
do Banco Comercial de Angola e Instituto de Crédito de Moçambique, sendo o seu
património (activos e passivos) integrado no Banco de Moçambique.Neste período,
são igualmente extintos o Banco de Fomento Nacional e o Banco Pinto & Sotto Maior.

Através da Lei n.º 6/77, de 31 de Dezembro foi criado o Banco Popular de


Desenvolvimento, através da fusão do Instituto de Crédito de Moçambique e o
Montepio de Moçambique. Assim, passaram a funcionar em Moçambique 3 bancos,
dos quais 2 dois do Estado: o Banco de Moçambique e o Banco Popular de
Desenvolvimento e, um privado: o Banco Standard Totta de Moçambique.

Portanto, através das Leis n.ºs 5/77 e 6 /77, ambas de 31 de Dezembro, se efectuou
aquilo que se chamou de integração da Banca.

2. O Banco de Moçambique (BM)

a) Origem e evolução

Sob ponto de vista estrutural há que distinguir essencialmente dois momentos


importantes na origem e evolução do BM:

No 1º momento – Criação do BM como Banco Central, emissor e comercial, bem como


a aprovação da sua primeira Lei Orgânica (artigo 1 do Decreto n.º 2/75, de 17 de Maio
conjugado com o artigo 4 da Lei Orgânica).

No 2º momento – Aprovação da Lei Orgânica do BM vigente, em que procede-se a


separação institucional das funções de Banco Central das de Banco Comercial,
permitindo, assim, que o BM assumisse a plenitude das suas funções do Banco Central
e pudesse espevitar maior competitividade entre os bancos comerciais (§ 3.º da
Fundamentação e artigo 2 da Lei n.º 1/92, de 3 de Janeiro).

Relativamente a direcção máxima do BM, importará salientar 3 momentos:

O 1º momento – Em que a direcção máxima do governo do BM era confiada ao


Governador e Vice-Governador (artigo 56 da Lei Orgânica aprovada pelo Decreto n.º
2/75 de 17 de Maio); O 2º momento – A existência de uma figura com a designação de
Ministro Governador do BM, assente na planificação geral da economia e enquadrado
no âmbito da organização do Estado vigente neste período histórico (Veja-se alguns
exemplos nos artigos 6, n.º 3 e 10 da Lei n.º 2/80 de 16 de Junho e n.ºs 2 e 3 do artigo
3; artigos 9 e 13; e n.º 2 do artigo 15, da Lei n.º 3/80 de 16 de Junho. O 3º momento –
O momento em que voltamos a designação de Governador e Vice-Governador (n.º 1
do artigo 45, da Lei n.º 1/92 de 3 de Janeiro).
Em termos constitucionais há que frisar 3 momentos da evolução: o 1º momento da
CRPM de 1975 – Inexistência da menção do BM enquanto instituição, com excepção a
relativa a nomeação do Governador e Vice-Governador (alínea do artigo 54); o 2º
momento da CRM de 1990 – Perpetua-se a inexistência da menção expressa do BM,
não obstante haver menção sobre a nomeação, exoneração, demissão do Governador
e Vice-Governador pelo Presidente da República (artigo 121); o 3º momento da CRM
2004 – Reitera-se a referência sobre a nomeação, exoneração e demissão do
Governador e Vice-Governador, define o BM como Banco Central da República de
Moçambique, um órgão fundamental, o qual se rege por lei própria e normas
internacionais (artigo 132).

b) Natureza, atribuições e funções

Nos termos do artigo 1 da Lei n.º 1/92, de 3 de Janeiro, define o BM como uma pessoa
colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, com a
natureza jurídica de empresa pública. E, nos termos do artigo 2, como Banco Central
da República de Moçambique.

Concorda esta norma com a do artigo 132 da Constituição da República, em que se


dispõe, que:

1. “O Banco de Moçambique é o Banco Central da República de Moçambique.

2. O funcionamento do Banco de Moçambique rege-se por lei própria e pelas


normas internacionais a que a República de Moçambique esteja vinculada e
lhe sejam aplicáveis”.

Resulta daqui, que o BM tem dignidade constitucional e possui um regime jurídico


próprio, podendo, por isso, ser considerada uma pessoa colectiva especial.
O BM tem, por um lado, funções de organização de Estado na sua qualidade de Banco
Central, nomeadamente, nas funções emissora, de autoridade cambial, de autoridade
de supervisão, cabendo-lhe os poderes de licenciamento, inspecção e sancionamento.

Autonomia financeira: o problema é de saber em que termos se pode sustentar a


autonomia tendo em conta que:

- Por um lado, o facto de o capital do BM ser detido integralmente pelo Estado, de


acordo com o n.º 1 do artigo 4 e, por outro, em caso de deficit, ser o Estado a
reintegrar o capital de acordo com o preceituado no artigo 66.

A autonomia financeira a que a Lei se refere, tem a ver com a separação de


patrimónios diferentes daqueles que pertence ao Estado e aquele que é afecto ao BM.

A autonomia financeira justifica-se também pelo regime estabelecido nos artigos 18 a


19, segundo o qual, em caso de necessidade de recursos financeiros, o Estado pode
recorrer ao empréstimo ao BM.

Por outro lado, reforça a autonomia financeira do BM, o estabelecimento de um


regime contabilístico e orçamental próprios, independente do regime aplicável ao
Estado (artigo 61 e ss.).
A Lei Orgânica do BM prevê nos termos do artigo 3, os fins (objectivos) que devem ser
prosseguidos pelo BM. Tais fins ou, simplesmente, atribuições constituem os
interesses públicos ou necessidades colectivas que lhe são impostos por lei.

São atribuições do BM (artigo 3):

 A preservação do valor da moeda nacional. Esta atribuição traduz claramente a


intenção ou a ideia da manutenção da estabilidade dos preços. Esta é a principal
atribuição do BM.

Para além desta atribuição principal podem ser enumeradas outras, designadamente:

 Promover a realização de correcta política monetária;

 Orientar a política de crédito com vista à promoção do crescimento e


desenvolvimento económico e social do País;

 Gerir disponibilidades externas de forma manter adequado volume de meios de


pagamentos necessários ao comércio internacional;

 Disciplinar a actividade bancária.

E todas estas atribuições devem estar em observância com as políticas do Governo.

As funções do BM, enquanto Banco Central, estão previstas nos termos do artigo 16 a
40. Tais funções pertencem a classe de poderes/deveres, os quais não só podem mas
devem ser exercidos, quando o interesse público, consagrado nas atribuições, assim o
impor.

O BM exerce as seguintes funções:

 Banqueiro do Estado (artigo 17 a 19);

 Consultor do Governo no domínio financeiro (artigo 20);

 Orientador e controlador das políticas monetária, financeira e cambial (artigo


21 a 27);

 Gestor das disponibilidades externas do país (artigo 28 a 33);

 Intermediário nas relações monetárias internacionais (artigo 34 a 36);

 Supervisor das instituições financeiras (artigo 37 a 39);

 Caixa de Tesouro (artigo 40).

c) Organização interna

Já o dissemos, o BM é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia


administrativa e financeira, como tal necessita, para a prossecução dos seus fins, de
uma organização interna constituída por normas que definem a estrutura (os órgãos),
a composição, bem como as suas competências.

Segundo o artigo 44 da Lei Orgânica, os órgãos do BM são o Conselho de


Administração, Conselho de Auditoria e Conselho Consultivo.
 Conselho de Administração

É um órgão de administração do BM. É um órgão deliberativo e executivo, de


composição colegial (artigos 46 e 50).
Efectivamente, dispõe o n.º 1 do artigo 45, que o Conselho de Administração é
composto por um Governador, que preside as suas sessões, por um Vice-Governador e
por quatro administradores.
Cada um dos Administradores responde por determinadas áreas denominadas de
pelouro.

O regime de designação dos membros do Conselho de Administração está previsto,


nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 45.

As competências do Conselho de Administração são estabelecidas nos termos do


artigo 46.

E nos termos do artigo 47 são estabelecidas, em especial, determinadas competências


ao Governador as seguintes competências:

O funcionamento do Conselho de Administração é rege-se nos termos do artigo 50,


que estabelece as reuniões ordinárias e extraordinárias, sua periodicidade e
deliberações.

As funções dos membros do Conselho de Administração são exercidas em regime de


tempo inteiro, salvas excepções previstas nos termos do artigo 51.

 Conselho de Auditoria

Segundo o artigo 5, o Conselho de Auditoria é um órgão interno de fiscalização das


actividades do BM e os seus membros podem, em conjunto ou separadamente,
efectivar inspecções sempre que julguem necessário.

O Conselho de Auditoria não goza de qualquer supremacia sobre o Conselho de


Administração.

O Conselho de Auditoria é composto por quatro membros, dos quais três nomeados
pelo Ministro das Finanças e um eleito pelos trabalhadores do BM.

O Conselho de auditoria funciona em reuniões, nos termos dispostos no artigo 54.

Nos termos do artigo 53 são estabelecidas competências do Conselho de Auditoria.

 Conselho Consultivo

O Conselho Consultivo é um órgão de apoio e consulta do Conselho de Administração,


cuja composição é formada pelos membros do conselho de administração, Directores
do BM e gerentes de filiais (n.º 1 do artigo 44 conjugado com o artigo 55).
Podem ser, porém, convidados outros quadros superiores do Banco, representantes
de ministérios, de instituições de crédito, bem assim sindicatos do ramo bancário
(artigo 55).

As competências do Conselho Consultivo são estabelecidas nos termos do artigo 56.

O funcionamento do Conselho Consultivo é estabelecido nos termos do n.º 2 do artigo


56, sendo previstas reuniões ordinárias e extraordinárias.

3. Supervisão

a) Noção e objectivos

A actuação realizada pelo Estado ou por outros entes públicos sobre as instituições
bancárias, de modo a controlar a sua actividade chama-se supervisão bancária. Esta
“surge como uma designação tradicional da regulação, dentro sector bancário” 47.

A legislação bancária nacional não define a supervisão. No entanto, o poder de


supervisão exercido pelo BM sobre as instituições de crédito e sociedades financeiras
abrange um conjunto extenso e diversificado de competências enunciadas,
extensamente, nos artigos 37 e 38 da Lei n.º 1/92, de 3 de Janeiro e, em especial, no
artigo 72 da LICSF.

A supervisão tem como âmbito às instituições de crédito e sociedades financeiras com


sede em Moçambique, bem como a supervisão das sucursais e escritórios de
representação em Moçambique de instituições de crédito e sociedades financeiras
com sede no estrangeiro e é feita de acordo com a sua Lei orgânica e o presente
diploma48”.

Das disposições acima referidas, pode entender-se que:

A supervisão é a actuação desenvolvida pelo BM, dentro dos limites impostos por Lei,
sobre as instituições de crédito e sociedades financeiras, para controlar a sua
actividade.

A supervisão pode ser de fiscalização de acompanhamento ou supervisão off site, ou


ser realizada através da inspecção ou supervisão in loco ou on site49. A primeira tem a
ver com a análise das actividades das instituições de crédito ou sociedades financeiras
sujeitas à supervisão realizada nas instalações do BM, baseando-se nos balancetes
mensais e demais elementos, que lhe são remetidos, relativos à situação e às
operações que as essas instituições realizam (cfr. artigo 39 da Lei n.º 1/92, de 3 de

47
CORDEIRO, António Menezes, op. cit, pg. 749.
48
Neste momento, referimo-nos a Lei n.º 1/92 de 3 de Janeiro – Lei Orgânica do BM e a Lei n.º 15/99, de
1 de Novembro alterada pela Lei n.º 9/2004, de 21 de Julho (LICSF).
49
MUSSA JUSSA MUSSA, Saneamento Financeiro dos bancos em Moçambique, (2003),versão revista e
melhorada: 5-6.
Janeiro). A segunda é exercida nas instalações das instituições sujeitas a supervisão
(cfr. artigo 75 da LICSF).

b) Espécies

O exercício da função supervisora da actividade bancária prossegue um conjunto de


finalidades fundamentais: de um ponto de vista de salvaguarda de um interesse geral,
visa cuidar que a actividade bancária, estando sujeita a regras claras de actuação,
constitua um verdadeiro motor de desenvolvimento económico e um factor de
credibilidade externa dos países, para além de salvaguardar as condições adequadas
de funcionamento do mercado monetário, financeiro e cambial; de um ponto de vista
de salvaguarda dos interesses particulares, visa garantir os clientes bancários uma
efectiva segurança nas transacções e, de um modo mais genérico, proteger os
interesses dos depositantes, investidores e demais credores. 50

A supervisão bancária pode concretizar-se através de uma abordagem


comportamental, prudencial ou geral, consoante o cerne das matérias alvo de
fiscalização, e ser exercida numa base individual, numa base consolidada ou visando
especialmente os conglomerados financeiros, de acordo com o grau pretendido de
integração da informação ou a específica da natureza do sujeito passivo da
supervisão.51 52

Deste modo, a primeira espécie de regulação do sector bancário a ser realçada é a


chamada supervisão comportamental, que consiste na fixação de um conjunto de
regras e deveres de conduta impostos aos bancos, visando essencialmente:

 Fixar padrões de comportamento que assegurem a qualidade e a correcção


dos serviços prestados, segundo critérios de rigor profissional;

 Adequar o relacionamento entre bancos e clientes aos princípios gerais da


boa-fé, da prestação de informação adequada e da salvaguarda da reserva da
vida privada;

 Prevenir a ocorrência de conflitos de interesses, nomeadamente entre as


entidades financeiras e os membros dos respectivos órgãos sociais; e

 Garantir o exercício da actividade segundo ditames da sã concorrência entre as


diversas entidades financeiras.

Os objectivos acima são materializados pela definição de um conjunto de deveres


genéricos que as instituições de crédito e sociedades financeiras devem observar,
estabelecidas nos artigos 42 e seguintes da Lei n° 15/99, de 1 de Novembro 53, alterada
pela Lei n° 9/2004, de 21 de Julho, nomeadamente:

50
FERREIRA, António Pedro, op. cit. pg. 421.
51
Idem, pg. 424.
52
António Pedro Ferreira aponta dois critérios para a determinação das espécies da supervisão bancária.
O critério de natureza formal, do qual decorrem as espécies comportamental, prudencial e geral, e o
segundo critério, de natureza, substancial, através do qual, para além das espécies encontradas pelo
critério anterior, detecta-se a supervisão orientada especificamente para o controlo e fiscalização da
actuação negocial das entidades bancárias em face dos respectivos clientes e me face umas das outras.

53
Lei das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (LICSF).
 Regras de conduta: o dever de assegurar aos clientes os mais elevados níveis
de competência técnica, com vista a garantir que a organização empresarial
das entidades bancárias funciona com os meio humanos e técnicos adequados
– artigo 42; os deveres de diligência, neutralidade, lealdade, discrição e
respeito pelos interesses que lhes são confiados no âmbito das relações com o
clientes – artigo 43; o dever de informar aos clientes as taxas a praticar nas
operações activas e passivas que estejam autorizadas a realizar e de
assistência – artigo 45; a proibição de práticas concertadas, no âmbito da
defesa da concorrência – artigo 46; e os códigos de conduta – artigo 47;

 Segredo profissional: o dever de segredo que é imposto aos membros da


administração ou de fiscalização das instituições de crédito e sociedades
financeiras – artigo 48 a 50;

 Conflitos de interesses: a proibição de concessão de crédito, sob qualquer


forma ou modalidade, aos membros dos órgãos de administração ou de
fiscalização – artigo 51.

A segunda espécie é a supervisão prudencial, que está expressamente prevista no


capitulo VII da Lei das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (LICSF), com
o título “normas prudenciais e supervisão”. Traduz-se na criação e aplicação de normas
que visam a gestão sã e prudente (safe and sound) das instituições.54

O princípio geral que preside este tipo de supervisão é enunciado no artigo 60, que
estabelece que “as instituições de crédito e sociedades financeiras devem aplicar os
fundos de que dispõem de modo a assegurar a todo o tempo níveis adequados de
liquidez e solvabilidade”.

Com base nesse princípio, pode-se extrair quatro objectivos imediatos ou


instrumentais e dois objectivos mediatos ou finais. 55 Constituem objectivos imediatos
ou instrumentais fazer com que as instituições mantenham adequados níveis de
liquidez, estejam aptas a cumprir os compromissos assumidos, a todo o tempo,
estejam dotadas de meios estruturais que lhes permitam manter a sua actividade no
futuro, sem especiais dificuldades e adoptem critérios saudáveis de gestão, evitando
riscos de insolvência.

São objectivos mediatos ou finais, a prevenção e preservação do sistema financeiro e


dos riscos sistémicos e a salvaguarda de cada instituição e dos interesses dos
respectivos credores, clientes e depositantes.

O fundamento desse tipo de supervisão é a evidente impossibilidade de que o


consumidor depositante supervisione e fiscalize as actividades dos bancos, incluindo a
situação patrimonial dos mesmos. Compreende-se que assim seja, porquanto a análise
patrimonial de determinada instituição bancária passa por conhecimentos técnicos
financeiros que a maioria do cidadão comum desconhece.

O ideal é que cada instituição bancária assuma os seus próprios erros e corrigi-los de
forma a manter a sanidade do sistema, mas esse ideal está longe de ser atingido,
restando ao Estado, através da supervisão prudencial, adoptar medidas necessárias
54
MATIAS, Armindo Saraiva, Direito Bancário, Volume II (Separata), in Estudos em Homenagem ao
Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Almedina, Coimbra, 2001, pg. 571.
55
Idem, pg. 573.
para que sejam minimizados os problemas de liquidez que normalmente afectam as
instituições bancárias.

Ou seja, a regulação prudencial actua no sentido de prevenir que os bancos se


exponham demasiadamente a riscos que possam vir a acarretar dificuldades de
solvência e até mesmo da sua existência, já que a falência de determinada instituição
bancária pode reflectir-se sobre todo o sistema e provocar a chamada crise sistémica.

As principais regras prudenciais são as seguintes: imposição de requisitos de fundos


próprios em função dos riscos decorrentes da actividade desenvolvida – artigo 62;
controlo das participações qualificadas, que consiste numa participação no capital
social de que resulte uma influência significativa na respectiva gestão, presumindo-se
que existe tal influência, sempre que a seja atingida ou ultrapassada a percentagem de
10%56 - artigo 65 e ss; a constituição e manutenção do capital mínimo e reservas a
serem fixados por Aviso do Governador do Banco de Moçambique – artigos 61 e 63; as
relações de participação da instituição de crédito com o capital das sociedades
participadas; a obrigatoriedade de registo no Banco de Moçambique dos acordos
parassociais – artigo 70; imposição de regras especiais de contabilidade – artigo 71.

A terceira espécie é a denominada supervisão geral, que decorre do disposto no artigo


72, que confere a competência especial ao Banco de Moçambique de acompanhar as
actividades das instituições de crédito e sociedades financeiras, zelar pela observância
das normas que disciplina a sua actividade, emitir recomendações para que sejam
sanadas irregularidades detectadas, tomar providências extraordinárias de
saneamento.

Para além das três espécies de supervisão acima referenciadas 57, também se pode falar
da supervisão em base consolidada, que é definida pela al. z) do n° do artigo 2 da Lei n°
9/2004, de 21 de Julho, como sendo “a supervisão efectuada pelo Banco de
Moçambique às instituições de crédito e sociedades financeiras obrigadas, nos termos
da legislação aplicável, à apresentação de contas consolidadas, nomeadamente pelo
facto de as mesmas serem consideradas empresas-mãe de outras pessoas colectivas
suas filiais ou nelas deterem participações financeiras, ou ainda estarem a elas ligadas
por alguma outra relação ou interesse considerado relevante, nos termos da legislação
aplicável…”.

É que a constituição de grupos de empresas e conglomerados têm constituído,


ultimamente, um fenómeno notável, mas nem sempre evidentes as razões
determinantes desses agrupamentos. Sendo, normalmente, invocadas razões de
dimensão adequada, de racionalidade económica, da concorrência em mercados cada
vez mais sofisticados, a verdade é que, também frequentemente, os grupos servem
para a alocação indevida de activos, descobertura de passivos, fabricação de imagem
desconforme.58

A supervisão de base consolidada pretende, assim, assegurar um conhecimento real da


situação económico-financeira do grupo, no seu conjunto, não esquecendo as

56
Definição dada pela al. k) do artigo 2 da LICSF.
57
Até porque afigura-se necessária a complementaridade de ambos modos do exercício da função
supervisora.
58
MATIAS, Armindo Saraiva, op. cit., pg. 587.
implicações que, para esse conjunto, possam ser aportadas por cada uma das
unidades que o integram.59

Portanto, a supervisão consolidada tem como objectivo a verificação da observância


de certos limites e relações prudenciais, tomando como base a situação financeira
consolidada do conjunto de empresas abrangidas, em conformidade com critérios
normativos60 cuja observância é imposta por lei e Aviso.

A este respeito, por força do disposto no n.º 2 do artigo 55, da LICSF:

“Compete ao Banco de Moçambique definir os termos e condições em que as


instituições de crédito e sociedades financeiras, bem como as entidades a elas
ligadas por relações de proximidade, de domínio ou de grupo 61, são sujeitas a
supervisão em base consolidada”.

É assim que o Aviso n.º 8/GBM/2007, de 30 de Março, determina as normas relativas à


supervisão em base consolidada.

4. Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras

4.1. As Instituições de crédito

a) Noção

A al. a) do n.º 1 do artigo 2 da Lei n.º 15/99, de 1 de Novembro alterada pela Lei n.º
9/2004, de 21 de Julho (LICSF), define instituições de crédito62 como:

“empresas que integram uma das espécies previstas no artigo 3 desta Lei, cuja
actividade consiste, nomeadamente, em receber do público depósitos ou outros
fundos reembolsáveis, quando o regime jurídico da respectiva espécie
expressamente o permita, a fim de os aplicarem por conta própria, mediante a
concessão de crédito”.

Seguindo a noção legal da instituição de crédito, identifiquemos e explicitemos três


elementos:

O primeiro elemento: tem a ver com a aproximação às empresas, para designar que as
instituições de crédito devem constituir-se como empresa. Um universo
indeterminado de destinatários de regras jurídicas patrimoniais63.

59
FERREIRA, António Pedro, op.cit. pg. 517.
60
JOSÉ MARIA PIRES, Op. Cit.: 419-420.
61
Veja-se as definições da relação de domínio, de grupo e de proximidade, previstas nos termos do artigo
2, n.º 2, als. l), m) e n), respectivamente, da LICSF.
62
A primeira definição dada pela Lei n.º 15/99, de 1 de Novembro, reduzia-se a indicar como “Instituições
de crédito: empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos
reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito”.
Ora, da confrontação desta definição àquela que é dada pela Lei n.º 9/2004, de 21 de Julho, constata-se
que a enunciada por esta última corresponde a adopção de um conteúdo exemplificativo da actividade
das Instituições de crédito, para abranger e acautelar actividades diversas, desde que sejam permitidas
por Lei. Veja-se o exemplo das instituições de moeda electrónica, tipificadas na alínea i) do n.º 2 do artigo
2 da Lei n.º 9/2004, de 21 de Julho,
63
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito Bancário, (2008): 785.
O segundo elemento: tem a ver com a actividade exercida pelas instituições de crédito
- receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis.

Receber do público refere-se a receber de pessoas (singulares e colectivas)


indeterminadas e externas à instituição de crédito, ainda que se saiba poderem ser
depositantes ou investidores.

Depósitos ou outros fundos reembolsáveis, trata-se de dinheiro ou de equivalente a


este, ficando a instituição de crédito com o dever de restituir.
Acresce, que o n.º 1 do artigo 8, não considera fazendo parte do conjunto de fundos
reembolsáveis recebidos do público os fundos obtidos mediante emissão de
obrigações, nos termos do Código Comercial.

O terceiro elemento: refere-se ao escopo da sua actividade - a fim de os aplicarem por


conta própria, mediante a concessão de crédito. Significando que a concessão de
crédito se exerce mediante operações de crédito, incluindo concessão de garantias e
outros compromissos, nos termos da al. b), do n.º 1 do artigo 4.

Para efeitos da LICSF, o n.º 2, do artigo 8, excluí da concessão de crédito:

a) Os suprimentos e outras formas de empréstimos e adiantamentos entre uma


sociedade e os respectivos sócios;
b) empréstimos concedidos por empresas aos seus trabalhadores no âmbito da
sua política de pessoal;
c) as dilações ou antecipações de pagamentos acordados entre as partes em
contratos de aquisição de bens ou serviços;
d) as operações de tesouraria, quando legalmente permitidas, entre sociedades
que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo;
e) a emissão de senhas ou cartões para pagamento dos bens e serviços
fornecidos pela empresa emitente.

É aplicável às instituições de crédito e às suas actividades o princípio da exclusividade,


consagrado nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 7 LICSF.

A violação do princípio de exclusividade constitui uma contravenção especialmente


grave, nos termos da alínea a) do artigo 107 da LICSF e punível com multa de vinte a
duzentos mil meticais ou de cem mil a um milhão de meticais, consoante sejam
pessoas singulares ou colectivas.

Além da contravenção, a recepção de depósitos e outros fundos reembolsáveis, pelas


instituições de crédito e sem que para tal estejam autorizados, constitui crime punível,
nos termos do artigo 98 da LICSF.

O n.º 3 do citado artigo apresenta, porém, excepções em relação a algumas entidades


que podem receber, do público, fundos reembolsáveis, nos termos das disposições
legais, regulamentares ou estatutárias aplicáveis. Tais entidades são o Estado, as
Autarquias locais, os Fundos e Institutos públicos dotados de personalidade jurídica e
autonomia administrativa e financeira e as Seguradoras.
De resto, o n.º 4 do mesmo artigo estabelece casos excepcionais em que determinadas
entidades, não sendo instituições de crédito e sociedades financeiras, podem realizar a
actividade de concessão de crédito.

Outros princípios aplicáveis às instituições de crédito e sociedades financeiras podem


ser extraídos a partir das seguintes disposições:

O princípio da abertura internacional (artigo 9), o princípio da verdade das firmas ou


denominação (artigo 10), o princípio da conformação legal (artigo 11) e o princípio de
colegialidade (artigo 12)64, todos da LICSF.

b) Espécies de instituições de crédito

As espécies de instituições de crédito são tipificadas e definidas nos termos do artigo 3


e n.º 2 do artigo 2, respectivamente, ambos da LICSF:

a) os bancos;
b) as sociedades de locação financeira;
c) as cooperativas de crédito;
d) as sociedades de factoring;
e) as sociedades de investimento;
f) os microbancos, nos diversos tipos admitidos na legislação aplicável 65;
g) as instituições de moeda electrónica;
h) outras empresas que, correspondendo à definição da alínea a) do n.º 1 do
artigo 2, como tal sejam qualificadas por Decreto do Conselho de Ministros.

c) Actividade das Instituições de Crédito

Relativamente as actividades das instituições de crédito, o artigo 4, dispõe que:

“1. Os bancos podem exercer as seguintes actividades:

a) recepção do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis;


b) operações de crédito, incluindo concessão de garantias e outros
compromissos;
c) operações de pagamentos;
d) emissão e gestão de meios de pagamento, tais como cartões de crédito,
cheques de viagem e cartas crédito;
e) transacções, por conta própria ou alheia, sobre instrumentos do mercado
monetário, financeiro e cambial;
f) participação em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de
serviços correlativos;
g) consultoria, guarda, administração e gestão de carteira de valores
mobiliários;
h) operações sobre metais preciosos, nos termos estabelecidos pela legislação
cambial;
i) tomada de participações no capital de sociedades;
64
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito Bancário, (2008): 790-791.
65
Integra a legislação aplicável aos Microbancos, nomeadamente, o Decreto n.º 57/2004, de 10 de
Dezembro.
j) comercialização de contratos de seguro;
k) aluguer de cofres e guarda de valores;
l) consultoria de empresas em matéria de estrutura de capital, de estratégia
empresarial e questões conexas.
m) outras operações análogas e que a lei lhes não proíba.

3. As restantes instituições de crédito só podem efectuar as operações que lhes


sejam permitidas pelos diplomas legais específicos que rejam a sua actividade”.

O n.º 1 do artigo 11 da LICSF fixa os requisitos gerais para que se considere instituição
de crédito.

4.2. As Sociedades financeiras

a) Noção

Do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 2 da LICSF, podemos definir as Sociedades


financeiras como:

“ empresas que não sejam instituições de crédito cuja actividade principal


consista em exercer uma ou mais das actividades referidas nas alíneas b) a g)
do n.º 1 do artigo 4 da presente Lei”.

Os n.ºs 2 e 3 do artigo 11 fixam os requisitos gerais das sociedades financeiras,


designadamente:

 corresponder a uma das espécies previstas na lei;


 ter por objecto principal uma ou mais das actividades referidas nas alíneas
b) a g) do n.º 1 do artigo 4 ou outra prevista na legislação aplicável;
 subscrever e realizar capital social em montante não inferior ao mínimo
legal.
b) Espécies de sociedades financeiras

Constituem espécies de sociedades financeiras constantes do artigo 5, as quais são


definidas no 2 do artigo 2 da LICSF:

a) as sociedades financeiras de corretagem;


b) as sociedades correctoras;
c) as sociedades gestoras de fundos de investimento;
d) as sociedades gestoras de patrimónios;
e) as sociedades de capital de risco;
f) as sociedades administradoras de compras em grupo;
g) as sociedades emitentes ou gestores de cartões de crédito;
h) as casas de câmbio;
i) as casas de desconto;
j) outras empresas que, compreendendo à definição da alínea b) do n.º 1 do
artigo 2, sejam como tal qualificadas por Decreto do Conselho de Ministros.

c) As actividades das sociedades financeiras


Quanto as actividades das sociedades financeiras, dispõe o artigo 6 da LICSF, que:

“As sociedades financeiras só podem efectuar as operações que lhes são


permitidas pela legislação específica que rege a sua actividade”.

5. Vicissitudes

5.1. Constituição/autorização, registo e modificação

a) Constituição/autorização

A constituição de instituição de crédito e sociedade financeira com sede em


Moçambique depende de autorização a conceder, caso a caso, pelo Governador do BM
(artigo 13 da LICSF).

O processo de autorização é precedido da instrução de um pedido, o qual deve


compreender os elementos arrolados no artigo 14 da LICSF.

A decisão sobre o pedido deve ser tomada no prazo de 90 dias a contar da recepção do
pedido ou, se for o caso, das informações complementares e deve ser notificada, por
escrito aos requerentes (artigo 15 da LICSF).). Podendo, o mesmo pedido ser objecto
de indeferimento verificados os factos previstos nos termos do n.º 2 do artigo 15 da
citada Lei.

Carecem de autorização do BM as instituições de crédito e sociedades financeiras com


sede em Moçambique que pretendam estabelecer sucursal no estrangeiro (artigo 25
da LICSF).

O estabelecimento, em Moçambique, de sucursais de instituições de crédito e


sociedades financeiras com sede no estrangeiro está igualmente dependente da
autorização do Governador do BM, nos termos do artigo 32 da LICSF).

b) Registo

Além do processo de autorização das instituições de crédito e sociedades financeiras,


pelo BM, é indispensável o seu registo especial no BM (artigo 40 da LICSF).

O registo abrange os elementos tipificados nos termos do n.º 2 do artigo 40 conjugado


com artigo 12 e seguintes do Regulamento da Lei das instituições de crédito e
sociedades financeiras – aprovado pelo Decreto n.º 56/2004, de 10 de Dezembro.

O registo é recusado com fundamento nos casos previstos nos termos do artigo 41 ou
noutras leis.

c) Modificação

As alterações dos estatutos das instituições de crédito e sociedades financeiras estão


sujeitas a prévia autorização do Governador do BM (artigo 23 da LICSF). Portanto, a
fusão, cisão ou dissolução envolvendo as instituições de crédito e sociedades
financeiras carecem de autorização prévia do Governador do BM (artigos 23 e 24 da
LICSF).
5.2. Extinção dos efeitos da autorização

A extinção dos efeitos da autorização das instituições de crédito e sociedades


financeiras pode resultar da caducidade ou revogação, previstas nos artigos 16 e 17,
respectivamente, ambos da LICSF.

a) Caducidade

O artigo 16 prevê, as seguintes causas da caducidade:

a) Renúncia expressa pelos requerentes (podendo ser anterior à constituição da


instituição ou posterior a ela, porém anterior ao início da actividade);

b) Falta da constituição da instituição no prazo de 3 meses;

c) Falta de início da actividade no prazo de 12 meses, ou após um período


adicional de 6 meses concedido excepcionalmente;

d) Dissolução66 da instituição.

b) Revogação67

A revogação da autorização das instituições de crédito e sociedades financeiras deve


justificar-se com base nos fundamentos enumerados no n.º 1 do artigo 17, da LICSF,
para além de outros que a lei possa prever.

A revogação da autorização tem como consequência a dissolução e liquidação da


instituição de crédito ou sociedade financeira em causa (artigo 17, n.º 2).

A competência para a revogação da autorização está confiada ao Governador do BM,


devendo para todos os efeitos, ser fundamentada e notificada à instituição de crédito
ou sociedade financeira em causa (artigo 18 da LICSF).

5.3. Suspensão preventiva da autorização

A suspensão preventiva da autorização está prevista nos termos dos n.ºs 3 e 4 do


artigo 17 da LICSF.

A suspensão preventiva da autorização ocorre independentemente da dedução de


acusação por qualquer das infracções previstas na LICSF, mas podendo igualmente ser
preliminar ou incidente da mesma.

A suspensão preventiva da autorização é determinada, pelo BM, quando a gravidade


da situação o justifique, havendo, por isso, fundado receio da verificação de alguma
das seguintes situações:

 Perturbação do mercado monetário, financeiro ou cambial;


66
Dissolução é a verificação do facto extintivo da pessoa colectiva. ANA PRATA, Dicionário Jurídico
(1995): 377
67
A revogação é o acto administrativo que se destina a extinguir os efeitos de outro acto administrativo
anterior. FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo III, (): 351.
 Grave prejuízo para a confiança no sistema financeiro;

 Continuação da prática de grave irregularidade.

A suspensão preventiva tem os seguintes efeitos (artigo 17, n.º 4):

 Encerramento imediato de todos os estabelecimentos; e

 Suspensão da actividade da instituição de crédito ou sociedade financeira, com


possibilidade de manter-se os serviços mínimos indispensáveis ou necessários, se
assim for conveniente.

6. Saneamento

6.1. Finalidade e âmbito

A adopção das providências extraordinárias de saneamento, pelo BM, tem as seguintes


finalidades68:

a) Proteger os interesses dos depositantes, investidores e outros credores ( 69). Ou


seja, tem-se em vista proteger as expectativas dos clientes, investidores e
demais credores que depositaram nos bancos toda a sua confiança; e

b) Salvaguardar as condições normais de funcionamento do mercado financeiro.


Pretende-se, pois, que os bancos continuem a desempenhar o seu papel no
funcionamento do referido mercado, intervindo normalmente na oferta de
recursos financeiros ou na sua intermediação (dinheiro, acções, obrigações) e
na transacção da moeda estrangeira. Para tanto, é importante que os bancos
estejam em boas condições financeiras para exercer estas actividades.

Para além destas duas finalidades das providências extraordinárias de saneamento de


natureza legal, outra, ainda que não tendo tal natureza, pode ser aflorada que é de:
proteger interesses dos trabalhadores, visto que assegura a manutenção dos seus
postos de trabalho nas instituições de crédito e sociedades financeiras.

Da conjugação dos arts. 81, n.º 1 e 90, conclui-se que as regras que dão corpo ao
saneamento financeiro aplicam-se às instituições de crédito e as sociedades
financeiras com sede em Moçambique, bem como às sucursais de instituições de
crédito e as sociedades financeiras com sede no estrangeiro.

6.2. Processo

68
() N.º 1, do artigo 81, da LICSF.

69
() Entende-se por depositante a pessoa que confia dinheiro a uma instituição bancária; JOSÉ MARIA
PIRES, Direito Bancário, (1994): 168; por Investidor a pessoa singular ou colectiva que tenha
disponibilizado capitais e recursos próprios ou sob sua conta e risco, destinados à realização de algum
empreendimento (...) art. 1 n.º 1, Lei n.ºs 3/93, de 24 de Junho - Lei de Investimentos; por Credor o cliente
do Banco que adquire o direito de crédito contra o Banco.
O pressuposto legal, nos termos do proémio do artigo 83 da LICSF, da adopção pelo
BM, de qualquer providência extraordinária de saneamento é a verificação de uma
situação de efectivo desequilíbrio financeiro.

Considera-se que a instituição de crédito ou sociedade financeira está em tal situação


se, designadamente ocorrer uma redução dos fundos próprios 70 a um nível inferior ao
mínimo legal ou não forem observados os rátios de solvabilidade71 ou de liquidez72. E
estas situações não têm de ser de verificação cumulativa.

Portanto, impõe-se, como regra, que os fundos próprios não devam ser, em momento
algum, inferiores ao capital social mínimo exigido para a constituição das instituições
de crédito. A inobservância desta regra constituirá indício bastante para considerar
que se está em desequilíbrio financeiro.

Com efeito, os rátios de solvabilidade ou de liquidez não devem estar aquém do


necessário ou desrespeitar as proporções exigidas de solvabilidade ou liquidez, sob
pena de considerar-se que determinada instituição está financeiramente
desequilibrada.

A situação de desequilíbrio financeiro pode vir ao conhecimento do BM, directamente,


através do exercício das suas competências ou poderes de supervisão ou por via da
comunicação.

Nesse sentido, temos um relevante dever de comunicação previsto nos termos do


artigo 82 da LICSF. Esta disposição impõe ao órgão de administração ou de fiscalização
de uma instituição de crédito ou sociedade financeira, quando se encontre
impossibilitada de cumprir as suas obrigações, ou em risco de o ficar, o dever de
comunicar imediatamente o facto ao BM. Se, entretanto, o órgão de administração ou
de fiscalização omitir ou a diferir, ficam os membros dos órgãos desses órgãos
individualmente obrigados a referida comunicação.

A comunicação deve ser acompanhada ou seguida, com a maior brevidade, de


exposição das razões determinantes da situação criada e da relação dos principais
credores, com indicação dos respectivos domicílios.

O incumprimento de dever de comunicação previsto neste artigo é punível nos termos


da alínea h) do artigo 107 da LICSF.

70
Por Fundos próprios deve entender-se “determinadas posições patrimoniais favoráveis. A noção de
fundos próprios abrange realidades distintas. Assim, Os fundos próprios são compostos por elementos
positivos e por elementos negativos (). São considerados elementos positivos, nomeadamente, o capital
realizado, as reservas legais, as reservas estatutárias e outros resultados positivos transitados de
exercícios anteriores, títulos de participação e elementos negativos, nomeadamente, as acções próprias,
certos resultados negativos (O Aviso n.º 06/GGBM/98, fixa os elementos que devem integrar os fundos
próprios e define as suas características).
71
Nos termos do n.º 1, do art. 3, do Aviso n.º 06/GGBM/2007, de 30 de Março, deve entender-se por
rácio de solvabilidade, “a relação entre o montante dos fundos próprios e o dos elementos do activo e
extra-patrimoniais ponderados em função do respectivo risco”.
O rácio de solvabilidade constitui o instrumento prudencial por excelência para se aquilatar da “saúde” de
um banco, mormente nos planos da sua solvabilidade, liquidez e equilíbrio.
De acordo com as disposições que o regulamentam, o rácio de solvabilidade é encontrado através de
uma fórmula, na qual têm peso determinante os fundos próprios e os riscos ponderados.
72
Enquanto que, o rácio de liquidez é a relação entre o passivo imediatamente exigível e o activo
disponível ().
É assim que, verificada a situação de desequilíbrio financeiro, o BM pode determinar,
no prazo que fixar, a aplicação isolada ou combinada da (s) providência(s)
extraordinária(s) de saneamento, constantes do artigo 83 e seguintes da LICSF.

Com o início do saneamento na data previamente fixado, o BM deverá informar


expressamente a instituição de crédito ou sociedade financeira em causa do
saneamento a que fica sujeito, bem como notificá-la aquando do seu termo, quando se
ultrapassem as causas que o ditaram, conforme estabelece o n.º 3, do artigo 81, da
LICSF.

7. Providências extraordinárias

Desde logo, entendemos que, existem as providências extraordinárias de saneamento


mais brandas e outras menos brandas. As providências mais brandas podem ser
restritivas ou proibitivas (cfr. artigo 83 da LICSF e artigo 22 do RLICSF), consoante
sejam imposições para restringir ou impedir a prática de certas actividades.

A imposição de alguma ou de todas as providências extraordinárias mais brandas


depende da gravidade da situação de desequilíbrio financeiro verificado na instituição
de crédito ou sociedade financeira.
O n.º 1, do artigo 83 da LICSF, enumera as seguintes providências extraordinárias de
saneamento:
a) apresentação, pela instituição em causa, de um plano de recuperação e
saneamento;
b) restrições ao exercício de determinados tipos de actividades;
c) restrições à concessão de crédito e à aplicação de fundos em determinadas
espécies de activos;
d) restrições à recepção de depósitos, em função das respectivas modalidades de
remuneração;
e) imposição da constituição de provisões especiais;
f) proibição ou limitação da distribuição de dividendos;
g) sujeição de certas operações ou certos actos à prévia a aprovação do BM.

No âmbito do plano referido na al. a) do artigo 83, prevê o n.º 2 da LICSF, que:

“O BM poderá estabelecer as condições que entenda convenientes para a


aceitação do plano de recuperação e saneamento referido na alínea a) do
número anterior, designadamente aumento ou redução do capital, alienação
de participações sociais e outros activos”.

Por sua vez, o RLICSF no seu artigo 19 prevê que:

“O BM poderá convidar outras instituições a cooperar no saneamento,


nomeadamente, com o fim de viabilizar adequado apoio monetário e
financeiro, cabendo-lhe orientar essa cooperação”.

Depreende-se daqui que, as instituições que irão cooperar no saneamento não têm de
ser necessariamente financeiras, podendo ser de outra natureza desde que tenham
capacidade financeira para o efeito.
As providências extraordinárias menos brandas consubstanciam verdadeiras
intervenções na gestão ou na fiscalização da instituição de crédito ou sociedade
financeira (artigos 84 e 85 da LICSF), designadamente, a designação de
administradores provisórios e designação de comissão de fiscalização as quais
defendemos que são menos brandas, porquanto implicam verdadeiras intervenções na
gestão ou fiscalização das instituições de crédito ou sociedades financeiras em que
esteja em curso o saneamento.

Com efeito, dispõe o artigo o artigo 84 da LICSF que, no decurso do processo de


saneamento o BM pode designar para a instituição de crédito ou para a sociedade
financeira um ou mais administradores provisórios que têm, de entre outros, os
poderes e deveres conferidos por lei e pelos estatutos aos membros do órgão de
administração.

Os poderes e deveres dos administradores provisórios aqui referidos, bem como os


seus mandatos e remuneração estão previstos nos termos dos artigos 20 e 21 do
RLICSF.

Além disso, e cumulativamente ou não com a designação de administradores


provisórios, pode o BM designar uma comissão de fiscalização com o âmbito referido
nos termos do artigo 85 da LICSF e com os poderes e deveres conferidos por lei ou
pelos estatutos ao conselho fiscal ou ao auditor de contas.

Acresce o artigo 22, da RLICSF, que:

“Juntamente com a designação de administradores provisórios, o BM poderá


determinar as seguintes providências extraordinárias:

a) Dispensa temporária da observância de normas sobre controlo


prudencial ou de política monetária;
b) Dispensa temporária do cumprimento pontual de obrigações
anteriormente contraídas;
c) Encerramento temporário de balcões e outras instalações em que
tenham lugar transacções com o público”.

As providências extraordinárias subsistem apenas enquanto se verificar a situação que


as haja determinado (artigo 86 da LICSF).

De acordo com este preceito, a intervenção do BM deve limitar-se ao tempo


estritamente necessário para atingir um asituação de normalidade.

8. Liquidação

Quando as providências adoptadas não permitiam recuperar a instituição, é decretada,


pelo BM, a revogação da autorização para o exercício da respectiva actividade,
seguindo-se a sua liquidação (artigo 89 da LICSF).

A liquidação é feita nos termos estabelecidos na lei aplicável, designadamente a que


regula o processo de liquidação administrativa das instituições de crédito e sociedades
financeiras, aprovada pela Lei n.º 30/2007, de 18 de Dezembro 73.
73
Veja-se com efeito o âmbito da aplicação da Lei n.º 30/2007, de 18 de Dezembro, disposto no n.º 1 do
artigo 2 desta Lei.
II- O DIREITO BANCÁRIO MATERIAL

CAPÍTULO I – A SITUAÇÃO JURÍDICA BANCÁRIA

1. Noção, modalidades e factos

a) Noção

A situação jurídica bancária é aquela que, pela sua relevância, é regulada pelo Direito
Bancário Material. Está orientada para a disciplina de actos das instituições de crédito
e sociedades financeiras.

A situação jurídica bancária traduz a realização do Direito Bancário ou seja, em face de


um dado problema “de natureza bancária” em concreto aplica-se-lhe uma solução.

b) Modalidades

A situação jurídica bancária pode assumir várias modalidades. Pode ser classificada em
função do facto constitutivo ou do seu conteúdo, de acordo com as classificações das
situações jurídicas e dos negócios jurídicos. Tais classificações inspiram-se no Direito
Civil.

Quanto ao facto constitutivo, podemos ter situações:

 Uni e plurilaterais ou contratuais;

 Formais e consensuais;

 Reais quoad constitutionem

 Reais quoad effectum;

 Causais e abstractas;

 Típicas e atípicas;

 Onerosas e gratuitas;

 De administração e de disposição.

A classificação tipicamente bancária, tida como comum, são operações passivas e, em


oposição, operações activas.

As operações passivas são aquelas cujos efeitos dependem da vontade do sujeito a


quem assistem. Assim, são consideradas situações passivas aquelas em que a
instituição de crédito se apresenta devedora, por exemplo nos casos das contas e o
depósito.

As operações activas são aquelas cujos efeitos não dependem da vontade do sujeito a
quem assistem. São consideradas situações activas aquelas em que a instituição de
crédito figura como credora, por exemplo nos casos de concessão e abertura de
crédito, desconto, descoberto, antecipação, locação financeira e cessão financeira.

Mas, a classificação das operações em passivas e activas não tem sido adoptada, ainda
que à ela se recorra. A não adopção deve-se ao facto de retirar a sua operacionalidade
dogmática e não esgotar outras categorias de situações jurídicas bancárias,
nomeadamente as operações de prestação de serviço – pagamentos, cobranças,
operações mobiliárias e operações acessórias – e as operações de garantia.

Outra classificação é a que distingue as operações bancárias comerciais das de


investimento, assente nas técnicas bancárias empregues e ao tipo de clientela
envolvida.

Neste sentido, as operações bancárias comerciais tem a ver com simples entrega de
dinheiro, nomeadamente a abertura de conta, o depósito bancário, os pagamentos e
transferências (giro bancário), a emissão de cheque, emissão de cartão, o crédito,
negócios cambiais.

As operações bancárias de investimento têm a ver com aquisição de produtos


financeiros e actuação no mercado de capitais, nomeadamente os títulos de crédito,
administração de patrimónios, os negócios da bolsa

Quanto ao conteúdo, podemos ter situações:

 simples e complexas;

 uni e pluriactivas e passivas;

 analíticas e compreensivas.

Em regra, pode-se afirmar que as situações jurídicas bancárias são patrimoniais,


contratuais e onerosas.

c) Os factos constitutivos74

As fontes das situações jurídicas privadas são os seus factos constitutivos. Em sentido
lato, o facto é o evento considerado relevante para o Direito.

Na Doutrina distingue-se actos dos simples factos em sentido restrito. São actos
aqueles que o Direito considera factos constitutivos subjacentes como produto da
vontade humana. É exemplo de acto bancário, abertura de conta. São factos em
sentido restrito aqueles que o Direito considera factos constitutivos subjacentes como
eventos alheios a vontade humana. É exemplo de um facto a destruição de um bem
em locação financeira.

d) Os sujeitos e objecto

 O banqueiro

Como um dos sujeitos da situação jurídica bancária temos o banqueiro, termo


latamente usado para designar as instituições de crédito e sociedades financeiras,
tipificadas no artigo 3 e 5 da LICSF.

74
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO. Manual de Direito Bancário. 2008. 3.ª edição: 233
O banqueiro é uma entidade legalmente habilitada a praticar, de forma profissional,
habitual e exclusiva os actos bancários.

 O cliente

O cliente é a pessoa que contacta com o banqueiro.

O cliente pode ser classificado em razão da sua natureza: clientes singulares e


colectivos.

Os clientes singulares são as pessoas físicas e, os colectivos podem ser associações,


sociedades ou instituições de diversa natureza pública ou privada.

Segundo ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, a actividade bancária, pelo prisma do cliente


é, hoje, pura e simplesmente instrumental. Assim, quem tenha capacidade para a
prática de determinado acto patrimonial tem, salvo, capacidade para o fazer em modo
bancário.75

Os menores, os interditos e os inabilitados podem ter acesso a serviços prestados


pelos banqueiros na medida em que estejam em causa actos ao alcance da sua
capacidade de exercício. Não sendo possível, deverão ser usados os meios previstos na
lei para suprir as suas incapacidades.

Assim, a incapacidade dos menores deve ser suprida pelo poder parental nos termos
do artigo 283 e ss. da Lei n.º 10/2004, de 25 de Agosto - Lei da Família e,
subsidiariamente, pela tutela (artigo 124 do Código Civil). Aos interditos é aplicado,
com as necessárias adaptações, os meios de suprimento a sua incapacidade (artigo 139
do Código Civil) e aos inabilitados através da assistência dum curador (artigo 153 do
Código Civil).

e) O objecto

O objecto (imediato) da situação jurídica bancária é o complexo de direitos e deveres


emergentes do concreto acto bancário considerado. O complexo em causa é
sinteticamente designado pelo facto jurídico que o origine.

Dos actos bancários previstos nos termos do n.º 1 do artigo 4 da LICSF poder-se-á falar
de possíveis objectos das situações bancárias. Pelo que, para a definição da situação
bancária é relevante que haja sujeitos, bem como um objecto especificamente
bancário.

2. Segredo bancário

2.1. Generalidades

Em geral, o segredo implica a sujeição do dever de não revelar determinados


conhecimentos ou informações, constituindo assim um verdadeiro dever de non
facere.

O dever de segredo profissional é imposto a certas profissionais, nomeadamente os


médicos, os advogados ou os sacerdotes que têm acesso a esfera privada dos seus
75
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO. Manual de Direito Bancário. 2008. 3.ª edição: 238.
clientes. O dever de segredo pode resultar da relação contratual entre as partes e de
deontologia profissional imposta àqueles profissionais.

O segredo ou sigilo bancário – esta última designação commumente usada na doutrina


– traduz o dever profissional, a que estão adstritas determinadas pessoas, de não
revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida de
instituição bancária (instituição de crédito ou sociedade financeira) ou às relações
destas com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do
exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços76.

O segredo bancário funda-se no contrato, no dever de boa fé e nos direitos de


personalidade e com protecção constitucional 77.

Diz-se que o segredo bancário funda-se no contrato, na medida em que ele baseia-se
na relação jurídica bancária de natureza contratual geral ou nos vários negócios
bancários celebrados entre o banqueiro e o cliente. Por exemplo, na abertura de
conta, o banqueiro e o cliente acordam que devem respeitar o segredo ou sigilo pelas
informações ou elementos a que têm acesso.

Funda-se no dever de boa-fé na medida em que o segredo bancário aparece como


uma concretização daquele dever.

E, por fim, o segredo bancário basea-se nos direitos de personalidade e é, igualmente,


merecedor de protecção pela Constituição, pois ele tem a ver com os direitos
fundamentais relativos à personalidade em geral, e com o direito à vida privada dos
clientes e dos banqueiros. Efectivamente, os artigos 80 do C.C 78. e 4179 da Constituição
da República, fazem fé do que dissemos.

O segredo bancário encera em si a privacidade necessária ao exercício da actividade.


Este instituto cria e promove a confiança que deve assentar às relações entre as
instituições bancárias e os clientes. Tem como objectivo defender os interesses dos
clientes80, o bom nome destes e das instituições bancárias e o exercício normal das
actividades dessas instituições.

2.2. Regime jurídico do segredo bancário:

a) Sujeitos e objecto

O segredo bancário está regulado nos termos dos artigos 48 a 50 da LICSF, sob a
designação de “segredo profissional”.

76
JOSÉ MARIA PIRES, Elucidário de Direito Bancário, 2002: 472.
77
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO. Manual de Direito Bancário. 2008. 3.ª edição: 257 e 258.
78
O artigo 80 do C.C. dispõe que: “ (Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada) 1. Todos
devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem. 2. A extensão da reserva é
definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas”.
Parece-nos que o disposto no artigo 80 do Código Civil seja a concretização do princípio proclamado nos
termos do artigo 42 da Constituição da República. Diz este artigo que: “(Âmbito e sentido dos direitos
fundamentais) Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem outros constantes
das leis”.
79
O artigo 41 da Constituição da República dispõe que:
“(Outros direitos pessoais)
Todo o cidadão tem direito à honra, ao bom nome, à reputação, à defesa da sua imagem pública e à
reserva da sua vida privada.”
80
Ac. STJ, de 29.5.1991: Proc.002500.dgsi.Net citado por ABÍLO NETO. Operações Bancárias,
Legislação – Doutrina – Jurisprudência. 2008: 528.
O segredo bancário reporta-se a determinados sujeitos passivos, a um âmbito ou
objecto específico e, ainda a uma duração. A este respeito, o artigo 48 estabelece que:

“1. os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições


de crédito e sociedades financeiras, os seus empregados, mandatários,
comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou
ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos
respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo
conhecimento advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da
prestação dos seus serviços.

2. Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas


de depósitos e seus movimentos e outras operações financeiras.

3. o dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços”.

b) Excepções

Nos termos do n.º 1 do artigo 49 da LICSF, são excepcionados ao dever de segredo


bancário todos os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição, os
quais podem ser revelados, mediante autorização a ser concedida pelos clientes,
dirigida por escrito à instituição.

Para além dos casos de excepção supramencionados, os factos e elementos objecto do


dever de segredo, podem ser revelados:

i. Ao Banco de Moçambique, no âmbito das suas atribuições;

São os casos de dever de informação imposto as instituições bancárias para comunicar


ao BM: os elementos informativos relativos às operações de crédito no âmbito da
Central de Registos de Crédito (artigo 4 do Aviso n.º 007/GGBM/2003, de 4 de
Dezembro – Regulamento da Central de Registos de Crédito) e os casos de rescisão e
celebração de nova de convenção de cheques (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2 da Lei
n.º 5/98, de 15 de Junho – Lei do Cheque).

ii. Nos termos previstos na Lei Penal e no Processo Penal;

Desde logo, as excepções referidas na Lei Penal e Processual Penal justificam-se por
superiores razões de interesse geral.

iii. Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de
segredo;

Esta última excepção residual permite que sejam ressalvados todos os demais casos
não previstos anteriormente, desde que sejam estabelecidos por Lei. Por exemplo:

- a admissibilidade de cessação do dever de sigilo a que estão obrigados os


dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária (n.º 4 do artigo 75 da
Lei n.º 2/2006, de 22 de Março – Lei Geral Tributária);

- revelação, ao Ministério Público, de informações relativas a operações sobre as


quais sejam suspeitas da práticas de certos crimes e de factos que indiciam a
prática de crimes, bem como o fornecimento de informações ou apresentação de
documentos solicitados pelas autoridades judiciais (Lei n.º 7/2002, de 5 de
Fevereiro – Lei sobre o Branqueamento de Capitais).

iv. Ao Fundo de Garantia de Depósitos, no âmbito das respectivas atribuições

v. Quando haja ordem judicial, assinada por um juíz de direito.

De resto, o n.º 3 do artigo 49 da LICSF, considera lícita a divulgação de informações


sumárias ou agregadas e que não seja possível identificar individualmente as pessoas
ou instituições.

c) Sanções

À violação do dever de segredo podem ser aplicáveis sanções de natureza diversa.


Assim, temos sanções de diversa natureza:

a) Sanção penal: penas de prisão até seis meses e multa correspondente (previsto
nos termos do artigo 102 da LICSF conjugado com artigo 290 do C.P. – violação
de sigilo profissional);

b) Sanção contravencional: Multas (nos termos da al. f) do artigo 106, sem


prejuízo das sanções que forem aplicáveis nos termos do artigo 109 da LICSF);

c) Sanção civil: indemnização (nos termos do n, º 1 do artigo 483 do C.C.);

d) Sanção disciplinar: sanções disciplinares (as previstas no artigo 63, da Lei n.º
23/2007, de 1 de Agosto - Lei do Trabalho conjugado com artigo 65 81 do
ACTSB82).

81
A sanção de natureza disciplinar tem de, naturalmente, pressupor a quebra do dever de guardar sigilo
profissional imposto aos trabalhadores do Sector Bancário, cuja violação constitui, nos termos do artigo
63, uma infracção disciplinar sujeita as sanções disciplinares, previstas nos termos do artigo 65 do
ACTSB.
82
ACTSB é abreviatura do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, subscrito em 30 de
Dezembro de 1997, em Maputo, pelo Banco de Moçambique, Sindicato Nacional dos Empregados
Bancários, Banco Comercial de Moçambique, SARL, Banco de Fomento e Exterior, Banco Internacional
de Moçambique, Banco Popular de Moçambique, Banco Standard Totta de Moçambique e Instituto de
Formação Bancária de Moçambique.

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