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Análise crítica à tutela dos danos não patrimoniais no Direito do Trabalho

Moçambicano

O Direito do Trabalho visa essencialmente reger a relação em que uma pessoa presta uma
actividade subordinada à outra mediante remuneração. Neste âmbito, a subordinação deverá
ser limitada para não lesar os direitos pessoais do trabalhador durante a prestação, e em caso
de lesão há que garantir a reparação dos danos causados ao trabalhador.

Pretendemos propor respostas à questão de saber se os danos não patrimoniais são


eficientemente tutelados à luz do Direito do Trabalho moçambicano. Na tentativa de
responder à questão iremos nos socorrer das legislações, doutrinas e jurisprudências
moçambicana, portuguesa e brasileira.

1.    Sobre os Direitos Pessoais

 O legislador constitucional através do artigo 41, da Constituição da República de


Moçambique (CRM), informa que todo o cidadão tem direito à honra, ao bom nome, à
reputação, à defesa da sua imagem pública e à reserva da sua vida privada, estabelecendo
desta forma a base da a tutela e a defesa dos direitos pessoais.

Mais ainda, veio o legislador constitucional, por meio do artigo 42, da CRM, informar que os
direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes
das leis, ou seja, ainda que as leis ordinárias pretendam conferir outros direitos não podem ser
em prejuízo ou para limitar os direitos consagrados na constituição. No caso em análise,
equivaleria em dizer que a fixação de uma indemnização estabelecida em critérios exclusivos
de tempo de serviço e remuneração não podem substituir, limitar ou excluir os direitos
pessoais consagrados na Constituição.

O legislador ordinário, através do artigo 56, da Lei n. 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do


Trabalho (LT) estabeleceu que Todo o Direito resultante do contrato de trabalho e da sua
violação ou da cessação prescreve no prazo de 6 meses, a partir do dia da sua cessação.(o
sublinhado é nosso), pelo que é a matéria emergentes do contrato de trabalho, que deverá ser
julgada pela lei adjectiva, neste caso, o Código do Processo de Trabalho e as sucessivas leis
que regulam a matéria.

2.    Dos direitos inerentes ao despedimento ilícito

Com a declaração de ilicitude do despedimento, passam a ser indemnizáveis não só os danos


emergentes e os lucros cessantes nos termos do artigo 564, n.1 do Código Civil, mas também
os danos não patrimoniais nos termos do artigo 496, n. 1 do Código Civil.

Naturalmente, caberá ao trabalhador a prova dos danos. Isto sem prejuízo do valor da
indemnização fixada pela lei, acrescido dos salários intercalares e outros créditos vencidos e
não pagos continuarem a representar de algum modo uma presunção de dano.

A negação de reparação do dano moral traduz-se numa flagrante situação desfavorável para
os trabalhadores, e na consagração de uma solução menos protectora do que a que resulta do
Direito Civil, onde a indemnização, nos termos do artigo 562, do Código Civil, se estende a
todos os danos.

Neste sentido, sempre poderá ser atendido o dever de indemnizar pelo dano não patrimonial,
por aplicação das normas gerais em matéria de incumprimento dos contratos nos artigos 798
e ss do Código Civil, posição defendida pelo Albino Mendes Batista em estudos sobre o
Código do Trabalho.

A posição acima consagrada não é apadrinhada pela jurisprudência que se mantém a remar
contra esta corrente, defendendo a não-ressarcibilidade dos danos não patrimoniais face à
eventual existência de danos gravíssimos e provados contra a imagem, auto-estima, respeito e
bom-nome (pessoal e profissional) do trabalhador, susceptível de lhe provocar grande
instabilidade emocional e intenso sofrimento psicológico, e, nalguns casos, afectar seriamente
a sua posição no Mercado de trabalho e até na vida conjugal.
3.    Sobre a competência em razão da matéria

Nos termos do artigo 2, da Lei 10/2018, de 30 de Agosto, “o Tribunal do Trabalho tem


competência para dirimir os litígios emergentes das relações jurídico-laborais privadas,
exceptuando todas as demais que não tenham esta natureza,” e já ficou anteriormente
demonstrado que nos termos do artigo 56 quais as matérias que emergem da relação jurídico-
laboral, sendo os danos não patrimoniais, parte integrante.

Esta competência é reforçada pela alínea a), do artigo 12 da Lei 10/2018, de 30 de Agosto,
que dispõe que “Compete ao tribunal de trabalho conhecer e julgar as questões emergentes
de relações jurídico-laborais de trabalho subordinado.”

Mais ainda, a alínea a) do n. 1 do artigo 27 do Código do Processo de Trabalho, manda


informar que são ainda competências do tribunal do trabalho “as questões entre sujeitos de
uma relação jurídica de trabalho… quando emergentes de relações conexas com a relação
de trabalho, por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência”, e o n. 2 do
mesmo dispositivo limita informando que “só tem competência quando o pedido se cumule
com outro para o qual ele seja directamente competente”

4.    Sobre a cumulação de pedidos

Ainda sobre a cumulação de pedidos nos termos conjugados dos artigos 470 e 31, do Código
de Processo Civil, autoriza a que o autor cumule pedidos que não derivem de formas de
processos distintos, e quando o são que apenas o sejam em função do valor da causa, e
quando a causa de pedir seja a mesma.

Posição contrária à jurisprudência é sufragada pela doutrina moçambicana, através do autor


Mateus Mosse, na sua obra Relações Laborais – Desafios e Oportunidades que argumenta
que “em direito laboral, o direito de indemnização com fundamento em danos não
patrimoniais (danos morais) é fundado na violação culposa dos direitos do trabalhador por
parte do empregador, violação esta que é causadora de danos que, pela sua gravidade,
merecem tutela do direito.”

Fora de portas, a doutrina brasileira comunga da mesma solução acima, pelas palavras do
Walmir Oliveira da Costa em “Dano Moral nas Relações Laborais – Competência e
Mensuração” afirma que “a relação de emprego, sendo esta o vínculo jurídico que obriga
empregado e empregador por meio do contrato de trabalho… e visa à reparação do dano
moral praticado em qualquer fase do contrato de trabalho”.

A mesma posição é tomada pela doutrina portuguesa defendida pelo Doutrinário Romano
Martinez, na sua Obra “Da Cessação do Contrato de Trabalho”, 2ª edição, pp 499 -502, na
qual adianta que os danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador em consequência do
despedimento ilícito sendo suficientemente graves merecem a tutela do direito nos termos do
artigo 496/1, do CC, e já o fazia mesmo antes deste regime ter ficado regulado pelo artigo
436 do Código do Trabalho português ter acatado finalmente com esta solução.

O facto de não haver uma remissão expressa para a lei geral não inviabiliza que as regras de
direito civil se apliquem no foro laboral, porque no direito do trabalho, como direito privado,
valem subsidiariamente as regras de direito civil.

Como exemplo, podemos imaginar a situação em que sem qualquer fundamento possível um
director vem a ser despedido ilicitamente com fundamento em assédio sexual à secretária.
Naturalmente que, para além de dever ser ressarcido através de uma justa indemnização nos
termos da lei do trabalho, deve igualmente ser ressarcido pelos danos à sua imagem pela
repercussão que este facto poderá causar na sua vida profissional bem assim conjugal.

5.    Conclusão
Pelo acima exposto concluímos que o dano não patrimonial, além de ser qualificado como
grave para merecer tutela do direito, está sujeito ao regime geral da prova. Desde modo, cabe
ao trabalhador o ónus da prova da sua existência, assim como da relação causal com o
despedimento ilícito e este pedido deve ser cumulado na mesma acção de impugnação de
despedimento, por duas razões:

A)    só poderá ser adquirido mediante a declaração de ilicitude do despedimento;

B)    quando o despedimento for declarado ilícito já terá prescrito nos termos do artigo 56 da
Lei do Trabalho.

O Direito do Trabalho moçambicano, contrariamente à doutrina moçambicana, brasileira e


portuguesa, bem assim à legislação comparada àqueles dois países, não tutela de forma eficaz
os danos resultantes da violação dos direitos pessoais pois exime-se da responsabilidade de o
fazer através dos Tribunais do Trabalho e delega aos Tribunais Comuns, onde o
princípio favor laboratoris não procede.

Legislação

1. Constituição da República de Moçambique, 2018

2. Lei n. 23/2007, de 1 de Agosto, Lei do Trabalho

3. Lei n. 10/2018, de 30 de Agosto, Lei de Revogação da Lei n. 18/92, de 14 de Outubro


que cria os Tribunais do Trabalho.

4. Decreto -Lei n. 45 497, de 30 de Dezembro de 1963, Código do Processo do Trabalho


tornado extensivo à Moçambique pela Portaria n. 88/70, de 16 de Março
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3. Beirão, João Carlos (2016). Acórdãos do Tribunal Supremo: Jurisdições Cível,


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5. COSTA, Walmir Oliveira da (1999). Dano Moral nas Relações Laborais –


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6. Fernandes, Antónimo Monteiro (2012). Direito do Trabalho. 16a ed. Coimbra:


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7. Martinez, Pedro Romano (2006). Da Cessação do Contrato. 2a ed. Coimbra:


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9. Mosse, Mateus (2007). Relações Laborais: Desafios e Oportunidades. Maputo: W


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