Você está na página 1de 10

Capítulo 5

o Poder Executivo, centro de gravidade


do Sistema Político Brasileiro

OCTAVIO AMORIM NETO'

Tendo o Brasil um sistema de governo talecer o Executivo porque se fez por meio
sob o qual o presidente, além de contar com da expansão de agências burocráticas subor-
a ampla legitimidade e visibilidade que lhe dinadas a este (BOSCHI e LIMA, 2002). Já
confere a sua eleição pelo povo, detém ex- os regimes autoritários contribuíram para o
tensas prerrogativas constitucionais no que engrandecimento do Executivo pela razão
concerne à direção da administração públi- óbvia de haverem simplesmente aniquilado o
ca e ao processo legislativo, é natural que o Poder Legislativo, como se deu entre 1937 e
Poder Executivo seja o centro de gravidade 1945, e de o haverem deliberadamente ames-
do regime político. Convém notar, contu- quinhado entre 1964 e 1985.
do, que a primazia do Poder Executivo não No que diz respeito à conseqüência das
é uma decorrência necessária do presidencia- carreiras políticas para a distribuição de po-
lismo. Por exemplo, nos EUA,- o Congresso der entre os órgãos do Estado, os trabalhos
é o órgão do Estado mais relevante no que de Samuels (2000; 2003) revelam que os
toca à condução da política doméstica. 2 deputados brasileiros têm, em geral, uma
No caso brasileiro, a centralidade do Po- passagem muito curta pela Câmara Baixa,
der Executivo deriva não apenas da estrutu- preferindo continuar suas carreiras em pos-
ra constitucional do país, mas também de tos do Executivo, seja no plano nacional,
fatores históricos e do padrão de carreiras estadual ou municipal. Como mostram
políticas. Dentre os fatores históricos, des- Amorim Neto e Santos (2003), o pouco tem-
tacam-se o enorme papel desempenhado pelo po de permanência dos legisladores naquela
Estado no desenvolvimento econômico na- Casa Legislativa tem um efeito considerável
cional ao longo do século XX e o legado dos sobre a capacidade do Congresso de aprovar
regimes autoritários vigentes em 1930-1945 leis de sua própria autoria, o que, por sua
e 1964-1985. A intervenção do Estado na vez, realça a presença do Poder Executivo no
economia contribuiu sobremaneira para for- processo legiferante. Como bem apontam

1. O autor agradece aos comentários de Antônio Octávio Cintra e Fabiano Santos a uma versão anterior do
capítulo.
2. Cumpre notar que, durante a presidência de George W Bush (2001-preseme), observou-se uma expansão
da esfera de atuação do Poder Executivo, no plano doméstico, em detrimento do Congresso. Veja a matéria
especial sobre o assunto em The Economist, "George Bush, contradictory conservative" (26 de agosto de
2004). Também é digno de nota o crescente uso das chamadas executive orders (decretos administrativos)
pelos presidentes norte-americanos. A esse respeito, veja Mayer (2001).

131
2 Figueiredo e Limongi (1999), entre 1989 e peito a como o presidente pretende relacio·
'w
'in 1998, nada menos do que 86% das leis pro- nar-se com o Congresso; a segunda, a comc
à'i'" mulgadas foram de autoria do Executivo, o chefe do Executivo tenciona lidar com
o
ü uma evidência eloqüente da centralidade forças políticas das unidades da Federação.
:f::
o deste órgão do Estado na vida política na- Cabe, todavia, lembrar que a dimensão par·
"-
co cional. tidária é a mais importante e decisiva. As·

-E
Q)

.!!1
OI)
o
Na primeira experiência democrática que
o Brasil teve (entre 1946 e 1964), as leis de
sim, analisa-se inicialmente essa dimensão.
Considerando-se todos os
-o autoria do Congresso corresponderam a 57% formados desde a posse de Sarney em marçc
Q)
-o do total de leis promulgadas (PESSANHA, de 1985 até o final de 2006 (ver Tabela 1).
co
-o
.;; 2002). Ou seja, no que concerne à legislação, verifica-se que estes são sempre
co
a, o papel do Poder Executivo claramente cres- multi partidários com maior ou menor gral
Q)
-o ceu nos últimos 40 anos. Com as privatizações de fragmentação e heterogeneidade ideoló'
-o
c:
Q)
ü
havidas na década de 1990, porém, pode-se
dizer que, do ponto de vista administrativo,
gica. Lula foi o presidente que mais partido!
trouxe para o primeiro escalão do governe
ci o peso do Poder Executivo tenha sido um
>
.",
federal,9 (no seu quinto ministério, nomea·
3 pouco aliviado. do em setembro de 2005). Trata-se do mai!
Q)
X
LU
O Poder Executivo pode ser estudado de fragmentado ministério formado na históri,
li> vários ângulos. Dadas as restrições de espa- do presidencialismo latino-americano. Até
-o
o ço, porém, este capítulo vai cingir-se à análi-
"- aqui, o recorde brasileiro anterior a Lula per·
o se da organização do primeiro escalão do go- tencia ao segundo ministério de Itamar Fran·
verno (o chamado ministério) e dos princi- co, com 7 partidos. Esse ministério de Itamal
pais mecanismos decisórios da Presidência da Franco, juntamente com o segundo ministé·
República. Assim, a próxima seção trata da rio do primeiro mandato de Fernandc
formação ministerial. A segunda aborda os Hentique Cardoso (doravante, FHC I), pri
poderes legislativos do presidente sob a Cons- meiro ministério do seu segundo mandate
tituição de 1988. A terceira conclui. (FHC 11) e os dois últimos de Lula I são tam
bém os mais heterogêneos do ponto de vist,
ideológico, uma vez que partidos de toda:
1. A formação do governo
as tendências ideológicas estão representa
A Constituição de 1988, assim como to- dos no primeiro escalão do Executivo. O:
das as outras Constituições republicanas que ministérios mais coesos ideologicamente sã<
teve o país, confere ao chefe do Executivo o segundo e o terceiro de Collor, uma ve:
amplos poderes sobre a administração pú- que só incluem partidos de direita.
.blica. O principal é o que dá ao presidente a O grande número de partidos e a alt
faculdade de nomear e demitir livremente heterogeneidade ideológica de quase todos o
os ministros de Estado. Ainda que o presi- ministérios nomeados desde 1992 estão inti
dente tenha tal faculdade, observa-se que a mamente ligados à crescente fragmentação
formação ministerial no Brasil tem duas di- parlamentar registrada a partir das eleiçõe
mensões fundamentais não determinadas de 1990, cumprindo também lembrar que
pela Carta Magna: a partidária e a regional Brasil tem um dos parlamentos mais fragmer
(ABRANCHES, 1988). A primeira diz res- tados do mundo.

132
Outro aspecto importante dos ministé- tros sem filiação partidária. No Brasil, como
diz respeito ao apoio parlamentar que em vários outros regimes presidenciais, os
angariar para o Executivo. Nesse ministérios não são totalmente partidarizados,
observa-se grande variação no cha- como é quase a regra nos regimes parlamen-
ll',Illauu tamanho legislativo do governo. Por taristas (AMORIM NETO 2006a:173). Os
o primeiro ministério nomeado por ministros apartidários são, em geral, especia-
dava ao presidente um suporte nomi- listas que trazem para o Executivo o benefí-
de 93,5% de cadeiras na Câmara dos De- cio do seu conhecimento técnico em algumas
. putados. Já o segundo e terceiro ministérios áreas importantes da administração pública.
, de Collor não lograram dar ao governo nem É o caso de Marcílio Marques Moreira e
30% de apoio naquela Casa Legislativa. Veri- Pedro Malan, ministros da Fazenda de Collor
fica-se também que a aproximação do fim do e FH C, respectivamente, de Luiz Fernando
mandato presidencial está associada a uma Furlan, ministro do Desenvolvimento, e
substancial queda na força legislativa do Exe- Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura,
cutivo. São os casos do último ministério de ambos do governo Lula.
Itamar Franco, de FHC II e de Lula I. Em um país como o Brasil, a disposição
Outra faceta relevante da formação mi- do presidente de trazer profissionais com-
nisterial é o grau de proporcionalidade agre- petentes para os ministérios é fundamental
gada entre a percentagem de ministérios de- porque vários setores da burocracia do Esta-
tida por cada partido e a contribuição deste, do não têm funcionários de bom nível ou
em cadeiras parlamentares, para a base nem os partidos têm quadros capazes de ocu-
legislativa do governo. Tal medida revela a par alguns postos, cabendo ao chefe de Esta-
solidez do apoio legislativo que o ministério do suprir essa falha por meio da nomeação
traz para o Executivo (AMORIM NETO, de técnicos competentes saídos das universi-
2000), permitindo que se qualifiquem os dades e do setor privado e valendo-se seleti-
achados relativos ao status legislativo nomi- vamente de experimentados servidores públi-
nal do governo. 3 Destarte, ainda que o pri- cos. Este, sim, é um problema dos ministérios
meiro ministério de Collor e os dois últimos de Lula I, que, junto com os dois de José
de Itamar Franco sejam nominalmente ma- Sarney, foram os que mais partidarizaram o
joritários (segundo os dados da quarta colu- primeiro escalão da administração federal,
na da Tabela 1), a leitura da quinta coluna comprometendo seriamente a capacidade
sugere que, efetivamente, eram governos gerencial do Estado.
minoritários, como também o comprova a Em suma, o grande desafio dos presiden-
análise de Arnorim Neto, Cox e McCubbins tes, ao nomear seus ministros, é alcançar um
(2003) e Arnorim Neto (2006b). difícil equilíbrio entre, de um lado, a reunião
Cabe ainda analisar a última .coluna da de apoio parlamentar máximo para supe-
Tabela 1, que traz a percentagem de minis- rar os problemas inerentes a um Congresso

3. O índice utilizado tem a seguinte fórmula: Proporcionalidade = 1 - 1/2 I" (I M, - P, D


;"1

onde: Mi é o percentual de participação ministerial de um partido i em um determinado ministério; e Pi é o


percentual de cadeiras que o partido i controla do total de deputados pertencentes aos partidos que inte-
gram o ministério.

133
2
:§ TABELA 1. Duração, composição partidária, apoio parlamentar, proporcionalidade
e percentagem de ministros apartidários dos Ministérios formados
ê:i entre 1985 e 2006.
o
."
.'"
õ
"-
co
E
Q)

t>
Ui SARNEY 1 {03/85·02/86l PMD8·PFL·PT8·PDS 93,5 0,66 18,0
o
-o
Q) SARNEY 2 {02/86·03/90l PMDB·PFL 69,3 0,64 14,0
-o
co
-o
'S; COLLOR 1 {03/90·10/90l PMDB·PFL·PRN 50,3 0,40 60,0
co
e;, COLLOR 2 {10/90·01/92} PFL·PDS·PRN 29,6 0,40 60,0
Q)
-o

-o COLLOR 3 {01/92·04/92} PFL·PDS 26,2 0,30 60,0


<= COLLOR 4 {04/92·10/92} PFL·PDS·PSDB·PTB·PL 43,7 0,46 45,0
Q)
'-'
õ ITAMAR 1 {10/92·01/93} PM DB·PFL·PSDB·PTB·PDT·PSB 61,6 0,62 20,0
>
.",
::> ITAMAR 2
'-' {01/93·05/93} PMDB·PFL·PSDB·PTB·PDT·PSB·PT 67,4 0,59 38,0
Q)
X
LU ITAMAR 3 {05/93·09/93} PMDB·PFL·PSDB·PTB·PSB 53,3 0,51 38,0
li;
-o ITAMAR 4 {09/93·01/94} PMDB·PFL·PSDB·PT8·PP 58,6 0,48 52.0
d: ITAMAR 5 {01/94·01/95} PMDB·PFL·PSDB·PP
O 55,3 0,22 76,0

FHC 1·1 {01/95·04/96} PSDB·PMDB·PFL·PTB 56,3 0,57 32,0


FHC 1·2 {04/96·12/98} PSDB·PMDB·PFL·PTB·PPB·PPS 76,6 0,60 32,0

FHC 11·1 {01/99·03/99l PSDB·PMDB·PFL·PTB·PPB·PPS 74,3 0.70 23.8


FHC 11·2 {03/99·10/01} PSDB·PMDB·PFL·PPB·PPS 68,2 0,59 37,5

FHC 11·3 (10/01·03/02) PSDB·PMDB·PFL·PPB 62,0 0,68 31,6

FHC 11·4 {03/02·12/02} PSDB·PMDB·PPB 45,1 0,37 63,2

LULA 1·1 {01/03·01/04l PT·PSB·PDT·PPS·PCdo8·PV·PL·PTB 49,3 0,64 17,2

LULA 1·2 {01/04-07/05} PT·PSB·PPS·PCdoB·PV·PL·PTB·PMDB 62,0 0,51 14,3

LULA 1·3 {06/05·08/05} PT·PSB·PCdoB·PV·PTB·PMDB·PL 59,8 0,56 15,1

LULA 1-4 {OB/05-09/05} PT·PSB·PCdoB·PV-PTS·PMD8·PL .69,0 0,55 19,3


LULA 1·5 {09/05·04/06} PT·PSB·PCdoB·PV·PTB·PMDB·PP·PRB·PL 69,0 0,52 19,3

LULA 1·6 {04/06·12/06} PT·PSB·PCdoB·PV·PTB·PMDB·PP 58,4 0,52 22,5

Fontes: Alzira Alves de Abreu et ai, Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930 (Rio de Janeiro, FGV Editora,
2001); Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1998, p, 4; Octavio Amorim Neto, "Gabinetes Presidenciais, Ciclos
Eleitorais e Disciplina Legislativa no Brasil," Dados, VaI, 43, N° 3, pp, 479-517, 2000; O Globo, 29 de dezembro de
2002, Caderno Especial "A Posse de Lula", p, 6; www.presidencia.gov.br; www.camara.gov.br; e dados fornecidos
pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos IIBEP) e obtidos
nos arquivos dos jornais O Globo e Folha de São Paulo,

134
fragmentado como o brasileiro e, de outro, Os dados revelam que, cotejados com os
alcançar um patamar mínimo de conhecimen- das presidências de Sarney, Collor e Itamar
to técnico a respeito das diversas áreas da Franco, os ministérios de FHC e Lula au-
administração pública para suprir as defici- mentaram consideravelmente a participação
ências da burocracia do Estado e dos qua- de São Paulo no primeiro escalão do gover-
dros partidários. no federal. Não é à toa serem chamados de
"paulistérios". Nada menos do que aproxi-
madamente 24% das nomeações ministeriais
1.1 A dimensão regional
desses presidentes premiaram paulistas, en-
dos Ministérios
quanto que, entre 1985 e 1994, somente
Para avaliar o peso dos estados nos minis- 12,3% das nomeações beneficiaram políti-
térios, é preciso que antes se estipulem crité- cos do estado. À exceção de Itamar Franco,
rios que definam quando a origem estadual político mineiro, todos os presidentes aca-
de um ministro foi relevante ou irrelevante baram por sobre-representar seus estados no
para a sua nomeação. Por exemplo, o fato de ministério. Assim, a participação ministerial
Pedro Malan ter nascido e vivido no Rio de de Alagoas, sob Collor, e do Maranhão, sob
Janeiro não teve influência na sua escolha Sarney, é maior do que o peso desses esta-
como ministro da Fazenda de FHC. Já a no- dos na Câmara.
meação de Dílson Funaro para o mesmo car- Em geral, os postos ministeriais são mo-
go por José Sarney pode ser associada ao fato nopolizados pelos oito maiores estados na
de ele ter sido um conhecido industrial do Câmara, a saber, Bahia, Ceará, Minas Ge-
estado mais relevante economicamente, São rais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Gran-
Paulo. Além disso, há que se levar em conta de do Sul, Paraná e São Paulo.
não o lugar de nascimento dos ministros, mas, Impressionante é o fato de o Rio de Ja-
isto sim, o estado onde realizaram suas carrei- neiro nunca ter sido tão bem representado
ras políticas e/ou profissionais. Assim, José no ministério quanto o foi sob Lula L En-
Dirceu, ministro-chefe do Gabinete Civil de tre 1985 e 2002, apenas 3,0% das nomea-
Lula até junho de 2005, ainda que tenha nas- ções ministeriais foram para cariocas ou
cido em Minas, é um legítimo representante fluminenses, enquanto que, com Lula, este
de São Paulo no ministério, uma vez que foi valor subiu para 8,0%. A maior participa-
neste estado que teve curso a sua carreira ção do Rio sob o primeiro mandato de Lula
política. na presidência certamente refletiu a expres-
A Tabela 2 mostra o percentual de nomea- siva vitória que o novo presidente teve nes-
ções ministeriais controladas por cada estado te estado, no segundo turno das eleições de
por presidência, entre 1985 e 2006. Note-se 2002, e o peso que o Estado do Rio tinha
que a unidade de análise são as nomeações nas bancadas de dois importantes aliados de
ministeriais e não as identidades dos minis- Lula, o PSB e o PDT.
tros. Ou seja, uma pessoa que, em um mesma Cabe ainda destacar que, sob Lula I, São
presidência, foi nomeada ministra duas vezes Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ficaram
aparece duas vezes na amostra. É o caso, por com 44,0% das nomeações ministeriais e
exemplo, de Dilma Rousseff, qúe, na primei- os estados nordestinos com 14,0%. Entre
ra presidência de Lula, ocupou os ministérios 1985 e 2002, essas percentagens foram de
de Minas e Energia e da Casa Civil. 33,00/0 e 17,0%, respectivamente. Enquanto

135
e
'o; TABELA 2, Controle das nomeações de ministros por Estado entre 1985 e 2006
por presidente.
cO
o
u
:-e
(5
"- AC o o o o o 2%
'"E
Ql Al o 3% o 2% 2% o
.'§
C/l AM o 3% o o o 2%
o
-c AP o o o o o o
Ql
-c BA 6 9% 2 6% 2% 2 5% 2 4% 4 6%
'"
-c
S
['"
CE o o 2 4% o o 3 5%
co
Ql
DF o 3% 2% o o 2 3%
-c

-e
c:
Ql
U
ES

GO
o
2 3%
o
o 2
2%

4%
o
2% o
2% o
o
ci
>
MA 3 4% o 2% o 2% o
'''''"
U
Ql
MG 10 14% o 11 20% 5 11% 5 9% 8 13%
X
LU
MS o o 2% o 2% o
Q;
-c
MT 1% o o o o o
ti: PA 3 4% 3% 2% o 2% o
o
PB o o o o 2% o
PE 5 7% 2 6% 2% 2 5% 2 4% 2 3%

PI 2 3% o 2% 2% 2% o
PR 3 4% 4 13% 2% 2 5% 2% 2%

RJ 2 3% 3% 3 5% 2% 2% 5 8%

RN 1% o 2% o 2% o
RO o o o o o 2%

RR o o o o o 2%
RS 3 4% 2 6'% 3 5% 6 14% 3 5% 8
SC 2 3% 3% 2% o o 2

SE 1% o 2% o o o
SP 8 12% 7 22% 6 11% 13 30% 12 21% 15 23%
TO o o o o o o
Origem estadual
politieamente 17 25% 9 28% 17 30% 10 23% 23 40% lO 16%
irrelevante

Total 69 100% 32 100% 56 100% 44 100% 57 100% 64 100%

Fontes: Alzira Alves de Abreu et ai, Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930 {Rio de Janeiro, FGV Editora,
20Dl}; Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1998, p, 4; Octavio Amorim Neto, "Gabinetes Presidenciais, Ciclos
Eleitorais e Disciplina Legislativa no Brasil," Dados, Vol, 43, N° 3, pp, 479·517, 2000; O Globo, 29 de dezembro de
2002, Caderno Especial liA Posse de Lula", p, 6; www.presidencia.gov.br; www.camara.gov.br; e dados fornecidos
pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (IBEP) e obtidos
nos arquivos dos jornais O Globo e Folha de São Paulo.

136
a participação ministerial dos três grandes 2. As prerrogativas legiSlativas do
chefe do Poder Executivo'
estados aumentou consideravelmente, a dos
nordestinos caiu. Esta mudança a favor dos A Constituição de 1988 confere ao chefe
maiores estados é conseqüência da força do do Poder Executivo um papel decisivo no
PT nos grandes centros urbanos e nas regiões processo legislativo. O presidente tem o di-
mais desenvolvidas do país. Levando-se em reito de propor projetos de lei e emendas cons-
conta que São Paulo, Minas Gerais e Rio de titucionais e, além disso, possui iniciativa
Janeiro têm 41,0% da população nacional, legislativa exclusiva no que concerne à admi-
mas recebem apenas 33,0% das cadeiras da nistração pública e ao orçamento. O chefe do
Câmara, uma das conseqüências mais im- Executivo tem também a prerrogativa de" ve-
portantes da presidência de Lula, no que tar, parcial ou totalmente, as leis aprovadas
concerne à distribuição do poder político pelo Legislativo, podendo o veto presiden-
entre as regiões do país, é compensar, atra- cial ser derrubado por uma maioria absoluta
vés de uma participação ministerial amplia- em uma sessão conjunta do Congresso.
da, os grandes estados por sua sub-represen- Ademais, o presidente tem o poder de
tação parlamentar. editar medidas provisórias, isto é, decretos
Outra razão que levou à redução da par- que têm a força de lei a partir do momento
ticipação ministerial dos estados nordestinos em que são publicados no Diário Oficial. Esta
na primeira presidência de Lula foi a ausên- é uma das características mais marcantes da
cia do PFL no primeiro escalão do Executi- atual estrutura constitucional do país. As
vo. Como se sabe, as bases políticas deste medidas provisórias permitem ao chefe do
partido se encontram majoritariamente no Executivo exercer um considerável controle
Nordeste. sobre o processo legislativo (FIGUEIREDO
Para finalizar, convém ressaltar que a e LIMONGI, 1999). Até 2001, uma vez edi-
concentração das nomeações ministeriais nas tada uma medida provisória, o Congresso
mãos dos maiores estados e também dos mais tinha 30 dias para votá-Ia. Se o Congresso
ricos, em um país tão desigual como o Brasil nada fizesse nesse período, a medida provi-
e no qual a política tende a ser clientelística, sória expiraria. Na maioria dos casos, o Po-
pode ter o pernicioso efeito de contribuir der Legislativo acabava não deliberando so-
para congelar a concentração de.renda inter- bre as medidas provisórias dentro do prazo
regional, uma vez que os ministros que são constitucionalmente estipulado. Assim, o Su-
legítimos representantes dos seus estados no premo Tribunal Federal, em uma decisão to-
primeiro escalão do Executivo Federal ten- mada em 1989, autorizou o Executivo a
dem a canalizar mais recursos dos seus mi- reeditar as medidas provisórias que o Con-
nistérios para seus respectivos estados do que gresso não tivesse apreciado em tempo há-
para outros que, provavelmente, tenham bil. O Executivo não hesitou em aproveitar
maiores carências socioeconômicas. tal oportunidade. Das 6.406 medidas provi-
sórias assinadas entre 5 de outubro de 1988
(data da promulgação da nova Constituição)

4. Esta seção se baseia em Amorim Neto (2003) e em Amorim Neto, Cox e McCubbins (2003).

137
e 15 de outubro de 2006, apenas 861 programa de governo. Isto porque o Exe-
(13,4%) foram medidas originais. Apenas 42 cutivo conta com uma força política que o
dessas 861 medidas originais foram rejeita- permite, de forma mais ou menos segura,
das pelo Congresso, 9 editadas pelo presi- obter a cooperação do Legislativo para
dente José Sarney, 10 por Fernando Collor, aprovar projetos de lei, diminuindo, por-
1 por FHC I, 15 por FHC Ir e 7 por Lula L tanto, a necessidade de recorrer às medidas
A partir de setembro de 2001, em função provisórias (AMORIM NETO, COX e
da emenda constitucional N° 32, as medidas McCUBBINS 2003; AMORIM NETO e
provisórias passaram a ter que ser apreciadas TAFNER 2002). Tal foi o que aconteceu
pelo Poder Legislativo dentro de um prazo durante as presidências de FHC, mais for-
mais dilatado, 60 dias. Porém, doravante, só tes que a anterior e que a posterior, do ponto
podem ser reeditadas uma vez. de vista do apoio parlamentar, como visto
O Poder Executivo tem recorrido a medi- na seção anterior.
das provisórias para tratar dos mais variados A última afirmação pode parecer equi-
assuntos, apesar de determinar a Constitui- vocada, uma vez que FHC foi constantemen-
ção só deverem elas ser utilizadas em casos te criticado pelo supostamente abusivo nú-
de urgência e relevância. Por exemplo, até mero de medidas provisórias que editou.
direitos de pesca no rio Amazonas já foram Porém, há de se fazer a devida diferenciação
regulados por medida provisória. dentro do universo das medidas provisórias
Em suma, as medidas provisórias se tor- (doravante, MPs). Sem dúvida, FHC reeditou
naram um poderoso instrumento decisório muitas MPs. Entretanto, em termos da fre-
nas mãos do Poder Executivo porque per- qüência anual de MPs originais, ele é o pre-
mitem que este mude o status quo legal do sidente com a menor taxa entre 1989 e 2006:
país de forma unilateral. Como afirmam 33 MPs originais por ano, em média. Sarney
Figueiredo e Limongi, "Os direitos de inicia- editou 83 MPs originais em 1989. Collor
tiva legislativa exclusiva e o poder de emitir emitiu, em média, 48 MPs originais entre
decretos com imediata força de lei dão ao 1990 e 1991 (1992 deve ser excluído por-
Executivo a capacidade de controlar a agen- que foi um ano atípico devido à crise polí-
da legislativa em seu tempo e conteúdo" tica que levou à destituição deste presiden-
(2000: 156). te). Itamar Franco baixou, em média, entre
É, porém, fundamental ressalvar que nem 1993 e 1994,69 MPs originais. E Lula, en-
todos presidentes recorrem igualmente às tre janeiro de 2003 e 15 de outubro de
medidas provisórias. Observa-se também 2006, assinou 64 MPs por ano, em média
uma importante variação na maneira pela (ver Tabela 3).
qual os chefes do Executivo se valem dos Ademais, é possível criar um índice que
instrumentos ordinários de legislação (pro- permita avaliar em que medida os presiden-
jetos de lei ordinária, projetos de lei com- tes implementam a sua agenda legislativa por
plementar e -projetos de emenda à Consti- iniciativas ordinárias ou por instrumentos
tuição). Sob presidências que contam com extraordinários (as MPs originais). Assim, o
um sólido apoio parlamentar, os instrumen- denominador do índice é constituído pela
tos ordinários de legislação tendem a preva- soma do númerO de projetos de lei ordiná-
lecer sobre os extraordinários (as medidas ria, de projetos de lei complementar, de
provisórias) no esforço de implementação do emendas constitucionais e de MPs originais

138
propostas por um presidente. O numerador em função da votação, em 1991, do projeto
é a soma do número de projetos de lei ordi- do deputado Nélson Jobim que procurava
nária, de projetos de lei complementar e de limitar a edição das MPs, o Congresso indi-
emendas constitucionais originados do Exe- cou claramente a Collor que não toleraria
cutivo. O índice varia de zero a 1. Quanto mais a maneira abusiva com que este presi-
mais próximo o seu valor estiver de 1, mais dente delas se valera no ano anterior.
o Executivo se vale de iniciativas legislativas Finalmente, o chefe do Executivo tem
ordinárias. No caso do presidente Sarney, também a prerrogativa constitucional de re-
incluíram-se também os decretos-lei que ele querer urgência para projetos de lei. A cha-
editou antes da promulgação da Constitui- mada urgência constitucional dispensa qual-
ção de 1988 como se fossem MPs originais quer votação no Congresso. A Câmara dos
para que toda a sua presidência possa ser Deputados e o Senado contam com 45 dias
comparada às outras. para apreciar qualquer projeto considerado
O exame do índice mostra que os meno- urgente pelo presidente. Se qualquer uma das
res valores se encontram nas presidências de Casas Legislativas não der conta desse pra·
Sarney, Itamar e Lula. Já sob os dois manda- zo, o projeto para o qual o Executivo re·
tos de FHC, registram-se os dois valores mais quereu urgência é imediatamente posto em
altos: 0,57 e 0,71 (ver Tabela 3). Cumpre votação. Caso alguma das Casas emende o
notar que, apesar de apresentar o primeiro projeto, a outra tem 10 dias para deliberar
valor mais alto do índice, a presidência de sobre as emendas. As Casas do Congresso po·
Collor deve ser considerada atípica porque, dem decidir apreciar o projeto considerado

TABELA 3. Decretos-lei. MPs originais, Projetos de Lei Ordinária, Projetos de Lei


Complementar e Projetos de Emenda à Constituição originados do
Executivo e índice de Iniciativas Legislativas Ordinárias, por presidente.

I!:D Iilm
. . .
SARNEY 115·03·1985 a 14-03·19901 209 125 367 9 O 0,53

COLLOR 115·03·1990 a 02·10·19921 n.a. 88 197 13 6 0,71

ITAMAR 103·10·1992 a 31·12·1994) n.a. 141 146 9 3 0,53

FHC 1101·01·1995 a 31·12·1998) n.a. 160 186 11 17 0,57

FHC 11101·01·1999 a 31·12·2002) n.a. 103 231 16 10 0,71

LULA I 101·01·2003 a 15·10·2006) n.a. 244 167 8 8 0043

Fonte: http://v..'Ww2.camara.gov.br/proposicoes.

139
urgente no tempo em que quiserem, mas isto te, o Poder Judiciário também é um freio
significa que a sua apreciação tem que ser fundamental às tendências expansionistas do
concluída antes que qualquer outra matéria Executivo, mas este ponto fugiu aos limita-
possa ser considerada. dos objetivos deste texto.
Os dados disponíveis mostram que 53% Por último, lembre-se que as deficiências
dos projetos de lei de autoria do Executivo técnico-administrativas do gigantesco apare-
que foram aprovados pelo Congresso, entre lho de Estado brasileiro também agem no sen-
1989 e 1994, tramitaram sob regime de ur- tido de limitar a capacidade de ação do Poder
gência na Câmara dos Deputados. Nesse mes- Executivo. Portanto, os presidentes, ao esco-
mo período, os projetos de lei originados no lherem seus principais assessores, devem le-
Executivo levaram, em média, 26 dias para var em conta não apenas critérios políticos,
serem enviados ao Senado (FIGUEIREDO e mas também considerações relativas à quali-
LIMONGI, 1999:55-67). Ou seja, a urgên- dade técnica dos seus ministros. Ou seja, o
g cia constitucional é outro mecanismo que fa- exercício do Poder Executivb requer do seu
ii3 vorece a expediência com que tramita a agen-
ü chefe a suprema habilidade dé tratar bem seus
ci da legislativa do Poder Executivo. aliados políticos e, concomitantemente, me-
>
'.g
ü lhorar os quadros administrativos do gover-
'"X
LU no, tarefas que, na nossa história, nem sem-
3. Conclusão
-o pre vão de mãos dadas.
cE Segundo alguns estudiosos dos regimes
o
presidenciais, o chefe do Executivo brasilei-
ro é um dos mais fortes do mundo em ter-
mos de prerrogativas legislativas (SHUGART
e CAREY, 1992). O presidente brasileiro tam-
bém comanda um vasto império administra-
tivo, incluindo não apenas os ministérios, mas
também o Banco Central, o Banco do Brasil,
o BNDES (o maior banco de investimento
público do mundo), a Petrobrás (a maior
empresa nacional) e várias outras agências
estatais. Somem-se a esses fatores constitu-
cionais e administrativos as debilidades
institucionais do Congresso e está armado
o cenário para a emergência do Poder Exe-
cutivo como O mais influente órgão de Esta-
do na vida política nacional.
Neste capítulo, procurou-se mostrar tam-
bém que dois importantes contra-pesos ao
Poder Executivo são o sistema partidário e a
Federação, que forçam o presidente, ao mon-
tar seu ministério, a acomodar uma grande
diversidade de forças políticas. Obviamen-

140

Você também pode gostar