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Introdução

Por mais que esteja presente na literatura da politica-eleitoral brasileira, o termo


coalizão é por vezes utilizado de forma alheia ou até mesmo em sentido pejorativo ao seu
objeto fim, que é a obtenção da governabilidade, levando a conclusões também imprecisas
sobre o papel das relações dos poderes Executivo e Legislativo e dos seus atores na relação de
poder observáveis pelas ciências sociais, como a realização de uma agenda politica alinhada
com os planos de governo apresentados durante a campa eleitoral e a ideologia partidária.
Neste trabalho de conclusão de curso, proponho refletirmos sobre o lulismo, conceito
apresentado por Singer (2009) para analisar o comportamento eleitoral dos brasileiros nos
dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010, e como podemos analisar as influências
dessa mudança do comportamento eleitoral nas coalizões firmadas entre o Executivo ao
Legislativo.
O trabalho se divide em três partes que estão organizados da seguinte forma:
primeiramente faremos uma análise bibliográfica sobre os principais apoiadores e críticos ao
presidencialismos de coalizão, buscaremos também entender quais são as ferramentas a
disposição do Executivo, indicados pela literatura, para buscar uma relação com o Legislativo,
visando a governabilidade; Na segunda parte, buscarei propor, por intermédio de uma análise
bibliográfica, dos principais fatos ocorridos durante as duas primeiras gestões petistas sob a
luz das relações entre Executivo e Legislativo; Para finalizar analisaremos o reformismo fraco
com o apoio das coalizões firmadas.

Base da governabilidade no presidencialismo brasileiro

Governar, em um regime presidencialista ou parlamentarista, não é uma atividade


simples e/ou solitária. Muitos se enganam em acreditar que ao alcançar a presidência de um
país, terá o poder absoluto nas suas mãos, e que tudo poderá ser resolvido com uma simples
“canetada”1. Diversas são as instituições que compõem a engrenagem governamental, e que
irão gerar freios e contrapesos ao executivo federal. Também incorre em equívoco o
presidente que passa a acreditar que por ter uma excelente aprovação popular (seja ela dada
pela resposta das urnas eleitorais e/ou pela aprovação de seu governo) terá o apoio
incondicional do Congresso. Em uma reflexão minimalista (no que diz respeito a forma, haja
1
"Minha caneta tem mais poder que a sua", disse Bolsonaro a Maia: Presidente deu detalhes da conversa que
teve com o presidente da Câmara durante um almoço no Supremo Tribunal Federal
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/05/28/interna_politica,758288/bolsonaro-
alfineta-maia.shtml
vista que o conteúdo é repleto de detalhes e enredos), poderíamos pensar em governabilidade
como sinônimo de coalizão, isso para qualquer país cujo o cenário politico seja moldado pelo
multipartidarismo. Então, ao pensamos na formação de governo, poderemos ter em mente
que:

O impacto da formação do governo se estende muito além das relações legislativo-


executivo, entretanto. A formação do governo está no cerne da política
representativa, bem como de grande parte da vida econômica e social. (LAVER,
Michael; SHEPSLE, Kenneth A., 1996, pág. 4)2

Isso nos permite pensar que o presidencialismo de coalizão, expressão inaugurada por
Sérgio Abranches3, seria um modelo de coalizão que visaria a governabilidade, por meio da
obtenção de uma maioria parlamentar necessária para o sucesso da aprovação de sua agenda
política. Para Limongi e Figueiredo (1998) esse modelo deveria ter sido evitado, já que a
relação que o executivo teria com os diferentes atores da governabilidade geraria conflitos
institucionais insolúveis, como também suscitaria uma forte tendência à inoperância, quando
não à paralisia decisória.
Então, essa relação de cooperação entre executivo e legislativo, do atendimento de
interesses, não é uma via simplificada. Se de um lado o executivo ainda detém poder de
agenda dos trabalhos legislativos, “com a capacidade de determinar quais propostas serão
objetos de consideração do Congresso e quando o serão”, induzindo assim os “parlamentares
à cooperação”, o presidente brasileiro “também tem poder de forçar, unilateralmente, a
apreciação das matérias que introduz dentro de determinados prazos 4.” Limongi e Figueiredo
(1998), frisam que os presidentes ainda contam com os recursos não-legislativos, sendo eles
os controles do acesso aos principais cargos, dos mais diferentes escalões, valendo salientar
que os ministérios, segundo Palotti e Cavalcante (2019) são “um dos principais ativos à
disposição dos presidentes para produzir decisões legislativas favoráveis e possibilitar o
alcance de suas preferências no que tange à agenda de políticas públicas”. Seriam eles
distribuídos entre os partidos de acordo com os objetivos fins de cada pasta, consagrando
assim, uma formação de governo mais concisa e coerente. Mas tenhamos em mente que essa

2
Texto original: The impact of government formation extends far beyond legislative-executive relations,
however. Government formation is at the very heart of representative politics, as well as of a large part of
economic and social life.
3
Expressão cunhada por Sérgio Abranches e empregada pela primeira vez no artigo "Presidencialismo de
Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro" em 1988.

4
Vide a Constituição Federal, Artigo 62, que em sua redação trata sobre a edição de Medidas Provisórias, com
força de lei, e também o Artigo 64, parágrafo primeiro, que versa sobre a solicitação de urgência para apreciação
de projetos de iniciativa da presidência da republica.
formação ministerial tem por dominância os “fatores relacionados a proporcionalidade da
representação dos partidos no parlamento” (PALOTTI E CAVALCANTE, 2019).
Há, ainda, ao executivo outro mecanismo de controle de agenda, além da capacidade
de legislar e de controlar a nomeação a cargos diversos, que são as emendas parlamentares
individuais, essas emendas podem ser entendidas como “engrenagens centrais de um
complexo sistema de troca de apoio que garantiria, na arena legislativa, o apoio” (LIMONGI
E FIGUEIREDO, 2005) do qual o executivo necessitaria para gozar de governabilidade, é
sabido que os parlamentares gozam do direito de realizar emendas individuais ao orçamento,
mas cabe ao executivo o poder “discricionário para executar uma parcela do orçamento
segundo seu julgamento de conveniência e oportunidade” (BAIÃO, COUTO E JUCÁ, 2018).
Há críticas sobre esse pensamento, uma vez que, ao vislumbramos que a relação entre
executivo e legislativo não se estabelece de forma individualizada, parlamentar com o
executivo, segundo Santos (2002) “os parlamentares delegam aos líderes uma parte
considerável de seu controle sobre a pauta legislativa”, porque os partidos, como conjunto
representativo, têm mais poder de barganha com o executivo, do que os parlamentares de
forma isolada. Para corroborar com o pensamento de que a articulação entre o executivo e
legislativo se dá em relações entre os partidos do que entre parlamentares individualizados,
Laver e Shepsle (1996) afirma que partidos mais fortes, ou seja, que ocupam um número
expressivo de cadeiras no parlamento, estão em “posição de barganha particularmente
poderosa5”. Não obstante, esse comportamento orientado ao partido seria uma resposta ao
aparecimento de uma “clivagem de ordem programática na política brasileira e a diminuição
dos recursos para a patronagem” (MELO e CÂMARA, 2012). Conforme o Senado Federal, as
emendas podem ser compreendidas como:

As emendas feitas ao Orçamento Geral da União, denominado de Lei Orçamentária


Anual (LOA) – enviada pelo Executivo ao Congresso anualmente –, são propostas
por meio das quais os parlamentares podem opinar ou influir na alocação de
recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu
mandato, tanto junto aos estados e municípios quanto a instituições. Tais emendas
podem acrescentar, suprimir ou modificar determinados itens (rubricas) do projeto
de lei orçamentária enviado pelo Executivo. Existem quatro tipos de emendas feitas
ao orçamento: individual, de bancada, de comissão e da relatoria. As emendas
individuais são de autoria de cada senador ou deputado. As de bancada são emendas
coletivas, de autoria das bancadas estaduais ou regionais. Emendas apresentadas
pelas comissões técnicas da Câmara e do Senado são também coletivas, bem como
as propostas pelas Mesas Diretoras das duas Casas. (Helena Daltro Pontual, Fonte:
Agência Senado)6

5
Texto original: particularly powerful bargaining position.
6
https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/emendas-ao-orcamento
A formação de um presidencialismo de coalizão pode ser dada, inicialmente, por dois
modelos de coalizão, a minoritária e a majoritária, a relação entre esses modelos de coalizão é
assimétrica e Laver e Shepsle (1996) nos diz que a “distinção que permite a possibilidade de
governos "minoritários", compreendendo gabinetes cujos partidos parlamentares não
controlam entre si a maioria de assentos legislativos. Apesar disso, um governo minoritário
ainda deve ter o apoio da maioria no legislativo 7”. Esses tipos de coalizões, minoritária e
majoritária se dividem em duas outras categorias as quais Sérgio Abranches (2018) as
nomeou de coalizão ideológica, quando os partidos de mesma ideologia, como partidos de
esquerda ou de direita, se unem numa coalizão mais homogênea, e a de coalizão pragmática
ou fisiológica, que é quando essa coalizão é mais heterogênea, sem que se leve em distinção o
grupo ideológico ao qual o partido faz parte. Para Laver e Shepsle (1996) “Essas correlações
entre posições de política em diferentes dimensões são altamente significativas para a
possibilidade de equilíbrio no processo de formação do governo.” No Brasil, porém, por conta
da perigosa8 combinação entre presidencialismo e multipartidarismo, percebemos uma
prevalência histórica das coalizões majoritárias fisiológicas.
No cenário de coalizão, a formação de governo passa a ter uma conotação clientelista,
onde as divisões dos ministérios se darão pelos dividendos políticos que determinadas pastas
poderão ofertar aos partidos que comporão a coalizão e, as de maiores dividendos são as que
recebem maiores destaques para negociação por parte do Executivo, visando alcançar para sua
base governista os partidos com as maiores bancadas, ou o poder de controle das liberações
das emendas parlamentares e de bancadas, trazendo uma ideia errônea de que o
presidencialismo de coalizão é povoado de vícios. Para Abranches (2008), “as coalizões
podem ser formadas por métodos legítimos de negociação de programas e valores, livrando o
presidencialismo de coalizão de tais vícios.”
Esse é o principal elemento que irei discorrer neste trabalho, o modelo adotado pelo
presidente Lula, se foi o presidencialismo de coalizão 9 ou de fato, o presidente conseguiu
inaugurar um novo modelo de relação entre o executivo e o legislativo, que foi nomeado por

7
Texto original: “distinction that allows for the possibility of "minority" governments, comprising cabinets
whose parliamentary parties do not between them control a majority of legislative seats. Despite this, a minority
government must still command majority support in the legislature.”
8
Para Sérgio Abranches “[n]o ambiente multipartidário, e com o aumento da competição eleitoral, era quase
impossível que um partido elegesse seu candidato à Presidência e, ao mesmo tempo, conquistasse a maioria
necessária para governar.”
9
Para Sérgio Abranches “O fato de nosso presidencialismo ser de coalização nasce da nossa diversidade social,
das disparidades regionais e das assimetrias de nosso federalismo, que são mais bem acomodadas pelo
multipartidarismo proporcional.”
Singer (2012) de “realinhamento eleitoral10”. Irei direcionar a análise aos dois primeiros
mandatos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), que foram nos anos de 2003 a 2010.
Não buscarei explanar sobre os problemas estruturais presentes em um presidencialismo de
coalizão, mas cabe analisar de forma desapaixonada os modelos políticos adotados nos
primeiros 8 anos de governo petista. Nessa perspectiva, descreverei o clientelismo, vício
arraigado a cultura política brasileira, como um fenômeno de atuação dos “condomínios de
poder” (ABRANCHES, 2008) na relação dos poderes executivo e legislativo. E também, a
capacidade representativa e de decisão que esses condomínios de poder exercem na
capacidade de gestão de agenda política do poder executivo. Dessa agenda política do
executivo, vamos analisar também o “reformismo fraco”, segundo que Singer (2018), foi
realizado por Lula durante seus dois mandatos presidenciais. Buscarei, nas próximas páginas,
apresentar as diferentes coalizões empreitada pelo executivo federal, mensurar o quanto de
sucesso foi advindo das coalizões formadas, qual foi a capacidade de blindagem ao governo
que foi gerada pelo legislativo, especialmente nas instaurações e nas conduções de CPIs e na
recepção e gestão dos diversos pedidos de Impeachment, como também, todos os custos
envolvidos para que tais coalizões fossem satisfatórias.

10
Para André Singer “Teria havido, a partir de 2003, uma orientação que permitiu, contato com a mudança da
conjuntura econômica internacional, a adoção de políticas para reduzir a pobreza e para a ativação do mercado
interno, cem confronto com o capital.”

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