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Universidade de Brasília

Instituto de Ciência Política

A CRISE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS E A ATUAÇÃO DE


ARTHUR LIRA: UMA ANÁLISE DE CASO

Júlia Almeida Menegassi

Brasília

2023
I. Introdução

Em 1964, o Governo de João Goulart, “Jango”, enfrentou uma crise de paralisia


decisória, isso porque, o Presidente foi incapaz de se articular com o Congresso e se viu
inserido em uma situação de dissonância com o legislativo. Com a redemocratização,
foram inseridos uma série de aparatos constitucionais que garantem a fluidez da tomada
de decisões do executivo e impedem que o presidente fique isolado politicamente,
exemplificados pelas indicações de cargos comissionados e, tema central do presente
texto, as medidas provisórias.

Em 2023, o Brasil enfrentou uma situação adversa de forma sucinta, em março,


foi instaurada uma pequena crise em razão de uma alteração procedimental realizada
durante a pandemia envolvendo as Medidas provisórias e que acabou por estagnar a
agenda do Governo em um momento extremamente estratégico, em razão de um embate
específico entre dois importantes atores políticos.

Assim, o presente ensaio tem como premissa analisar esse momento da política
no Brasil tendo como base a teoria de Kenneth Shepsle. Logo, busca-se, em primeiro
lugar, demonstrar como o rito das MP’S e todo o procedimento que as envolve está
relacionado à teria das instituições de Shepsle, mais especificamente da legislatura, em
segundo lugar, aplicar o dilema da cooperação na dificuldade de alcançar um consenso
entre os dois principais atores, e, por fim, entender como o Presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira, utilizou sua posição de liderança.

II. Instituições e procedimento: O rito das MP’s

Em primeiro lugar, para entender a crise que se instaurou em razão das Medidas
provisórias, é necessário compreender como se organizam as instituições conforme a
teoria de Shepsle. Nesse sentido, as instituições são resultado da cooperação de indivíduos
diante de situações adversas recorrentes, de tal maneira a resultar na criação de protocolos
institucionalizados para lidar com essas situações. As instituições podem ser
caracterizadas, em primeiro lugar, pela divisão sistemática das atividades, em seguida
pela especialização do trabalho, pela jurisdição e, por fim, pela delegação. O presente
tópico irá desenvolver como o arcabouço institucional do legislativo influencia no
processo decisório, sobretudo no caso das medidas provisórias.
Consoante Kenneth Shepsle, para compreender o legislativo é necessário partir da
premissa de que os legisladores são norteados pela racionalidade instrumental na busca
de políticas que agradem vários de seus eleitores, além do mais, as preferências dos
legisladores em relação às opções políticas são heterogêneas e nenhuma preferência
desses atores é suficientemente numerosa na legislatura para ser decisiva, portanto, um
parlamento sempre se caracteriza por ser diverso (2010, p.379). Tendo essas
características como ponto de partida, é possível entender que o espaço de tomadas de
decisões e formulações de políticas é heterogêneo e diverso, e as maiorias são cíclicas,
ou seja, como normalmente não há opiniões predominantes, falta um equilíbrio nas
maiorias, de forma que elas estão sujeitas a diversas variáveis condicionantes.

Diante disso, como forma de garantir que as decisões sejam tomadas de forma
mais homogênea, é necessário a criação de procedimentos internos, por exemplo o
sistema de comissões que funciona como uma forma de “dividir assuntos e especializar-
se no trabalho com o propósito de romper a indeterminação, gerar tomadas de decisão
informadas e garantir que a legislatura tenha efeitos sobre o sistema político em geral.”
(SHEPSLE, 2010, p. 391)

Para contextualização, o caso que está sendo tratado nesse ensaio é especial visto
que as medidas provisórias são um dispositivo de competência do executivo, ou seja, não
são propostas tampouco nascem na esfera legislativa. As medidas provisórias, também
chamadas, MP’s foram criadas, conforme a obra “Críticas ao Presidencialismo de
Coalizão no Brasil” de Lucio Rennó, como finalidade de evitar uma crise de paralisia
decisória, como aconteceu no Brasil às vésperas da instauração do regime militar (2006,
p.261).

Nesse sentido, as medidas provisórias foram criadas como um mecanismo na era


democrática do Brasil, a fim de permitir que o presidente consiga governar, uma vez que
elas têm poder de lei, mas, dispensam, em primeiro momento, todo o processo de
discussão e articulação na esfera legislativa. Entretanto, está previsto constitucionalmente
que essas medidas provisórias precisam passar posteriormente por um aval do Congresso
em um prazo de 120 dias, ou seja, devem ser votadas tanto na Câmara quanto no Senado,
para que se tornem de fato leis. Para isso, está previsto que se instale uma comissão mista
que tenha um número proporcional de senadores e deputados, e que conte com o sistema
de rodízio parlamentar, garantindo que parlamentares de partidos pequenos também
consigam opinar nas decisões do executivo.
Portanto, a criação de uma comissão mista específica para deliberar sobre a
temática abordada pela Medida provisória é um exemplo claro da delegação de serviços
a esse comitê específico, a que é atribuído determinado poder. Além disso, a designação
de parlamentares específicos, que tenham conhecimento sobre determinadas áreas, a fim
de compor essa comissão está estreitamente relacionada à sua jurisdição.

III. Cooperação: O dilema entre Arthur Lira e Rodrigo Pacheco

Em 2020, o Brasil adentrou em uma emergência sanitária sem precedentes, nunca


antes vivenciada: a Pandemia de Covid-19. Com a estrutura nacional de sistema de saúde
sobrecarregada, diversas mudanças tiveram de ser implementadas tanto partindo da
estrutura organizacional de setores burocráticos a nível de rua, quanto mudanças
profundas na ordem social, econômica e política.

Logo, durante o período pandêmico, o Congresso ficou paralisado por um tempo,


de forma que não só diversos projetos ficaram estagnados, como também, dado o caráter
emergencial do período, havia uma pressão para que os projetos passassem por uma
análise mais sucinta. Isso porque, diante desse contexto, era necessária maior
concentração de poder, de forma que as decisões tomadas fossem formuladas com mais
eficiência, garantindo que fossem implementadas em um prazo menor. Logo, o Supremo
Tribunal Federal (STF), por meio do Ministro Alexandre de Moraes, autorizou a
suspensão da obrigatoriedade da formação de uma comissão mista de deputados e
senadores para a discussão de Medidas provisórias. Assim, isso significou uma
reorganização na delegação de poder no procedimento de tramitação de Medidas
provisórias, resultando na redução do tempo e no encurtamento do debate.

Contudo, com a declaração do fim do período de Pandemia, o debate de retomada


do rito constitucional mediante o retorno das instalações de Comissões mistas ressurgiu.
Nessa perspectiva, o fim de março de 2023 ficou marcado pela atuação de dois atores
políticos proeminentes nessa disputa: o Presidente da Câmara dos deputados, Arthur Lira,
e o Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, que, mesmo diante de uma agenda
travada no Congresso e com Medidas elementares para a formação do novo Governo
aguardando para serem votadas, somente cooperaram após uma série de articulações.
Uma explicação para esse embate está na teoria de Kenneth Shepsle, baseada no
individualismo metodológico, ou seja, os indivíduos possuem suas preferências e crenças
individuais mesmo que inseridos em um meio coletivo, de forma que irão agir pensando
sempre em atingir suas próprias metas. Logo, é possível dizer que para Shepsle os
indivíduos tendem a não cooperar, isso porque os custos para esse tipo de interação são
altos, logo, a cooperação só acontece quando ambos os lados irão conseguir maximizar
suas vantagens.

Tendo isso em mente, é possível dizer que a truncamento das medidas provisórias
em março é resultado da não cooperação de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, pois não
havia fatores vantajosos o suficiente que levassem a isso. Se por um lado o Presidente da
Câmara defendia a permanência da mudança na pandemia priorizando a otimização e
desburocratização bem como carregava os interesses corporativistas de manutenção do
poder, argumentando que a Casa é regimentalmente menos privilegiada que o Senado,
que possui poder sobre a esfera executiva por meio, por exemplo, de Sabatinas, com
aprovação de Ministros do Supremo, embaixadores, presidentes de agências etc. Por outro
lado, O Presidente do Senado Federal, defende o respeito ao rito constitucional e
representa a insatisfação dos senadores com os prazos adotados na Câmara, uma vez que,
com prerrogativa de ser a casa iniciadora, o texto chega “amarrado” e com prazo apertado
para aprovação ou rejeição, dificultando qualquer tipo de deliberação sobre a matéria.

IV. Controle da Agenda: O presidente da Câmara enquanto líder

Outro destaque importante para esse caso é a atuação de Arthur Lira enquanto
liderança. Como citado no tópico anterior, o Presidente da câmara vem defendendo os
interesses da casa, logo, o líder moderno age e advoga por aquilo que irá permitir a
garantia de sua reputação, ou seja, atua tanto como agente e quanto como servidor,
visando reassegurar objetivos que sejam do interesse daqueles que lidera.

Segundo Kenneth Shepsle, em “Analyzing politics” ao Presidente da Câmara, que


é eleito pelo plenário, são concedidas as responsabilidades e os poderes destinados a fazer
uso razoável de recursos da instituição. Apesar de nem sempre possuírem uma autoridade
completa e irrestrita como é o caso da presidência em algumas comissões, a câmara e os
partidos, respectivamente, delegam responsabilidade para que o Presidente gerencie
reuniões. (2010, p. 397). Por isso, Lira se encontra em uma posição que lhe permite
decidir o rumo das votações, isso porque é atribuição do presidente designar a relatoria
das matérias, controlar a agenda e decidir o timing das votações.

V. Conclusão

Por fim, texto busca analisar um evento marcante da política brasileira em


2023 a partir dos conceitos trazidos por Shepsle. É possível concluir que os
instrumentos teóricos embasados no individualismo metodológico, ou seja, aquele
que parta da premissa de analisar a sociedade sob uma ótica individual, que são
oferecidos pelo cientista político são importantes ferramentas para compreender
eventos e escolhas tomadas por determinados atores.

Referências Bibliográfica

SHEPSLE,Kenneth. Analyzing Politic, New York: W. W. Norton & Company Inc.,


2010.

RENNÓ, Lúcio R.. Processos Ins tucionalmente Constritos ou Individualmente Dirigidos.


Crí cas ao Presidencialismo de Coalizão no Brasil. UFMG, 2006

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