Você está na página 1de 18

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


FACULDADE DE DIREITO

DENILSON ALVES MOURA


RUBIA JULIANE BRAGA VIANA
SHIRLEY BRANDÃO

A Constituição Dirigente, Constitucionalismo Liberal Igualitário, Constitucionalismo


Procedimental Democrático, e Constitucionalismo Radical

Belém, PA

1
1. REFERÊNCIA .......................................................................................................... 03
2. CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE ............................................................................. 04
3. CONSTITUCIONALISMO LIBERAL IGUALITÁRIO ...................................... 08
4. CONSTITUCIONALISMO PROCEDIMENTAL DEMOCRÁTICO ................ 12
5. CONSTITUCIONALISMO RADICAL ................................................................. 14

2
Curso de teorias constitucionais brasileiras / [organizado por] Breno Baía Magalhães. -
Belo Horizonte: Conhecimento Editora, 2022. 136 p.

3
A CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE
William Walace
Breno Baía Magalhães

A principal constituição que o Brasil promulgou, sem sombra de dúvidas, é a nossa


Constituição atual de 1988. Muito se fala na imprensa do dia 5 de outubro, quando a carta
constitucional foi anunciada publicamente, contudo houve todo um processo constituinte nos
anos anteriores que viabilizaram o movimento de redemocratização do país. Um aspecto
relevante desse período é a criação da Constituição Dirigente em meados dos anos de 1986 a
1987, sua origem foi marcada pelo contexto histórico pós-ditatorial, onde a “Emenda
Constitucional Dante de Oliveira” é recebida com rejeição (essa emenda preconizava as
primeiras eleições diretas no Brasil). Com a permanência das eleições indiretas, é realizado um
pleito eleitoral que nomeia Tancredo Neves para presidente da República, este último conhecido
por seus ideais progressistas e distanciamento da ideologia militarista. Por infortúnio da vida,
Tancredo Neves veio a falecer um pouco das eleições, assumindo em seu lugar o vice-presidente
José Sarney, que ao contrário de seu parceiro político, tinha proximidade com as alas militares
e possuía uma atitude mais conservadora (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 55).

Apesar das diferenças entre os governantes, foi nas mãos de Sarney que assentou as
promessas constituintes proferidas por Tancredo e a responsabilidade de atender ao desejo de
Democracia do povo brasileiro, isto posto, Sarney convoca uma comissão constituinte em 1986
para desenvolver um anteprojeto constitucional inovador para o país, que no futuro veio a
tornar-se nossa CRFB/88. Essa comissão foi designada como a “Comissão Provisória de
Estudos Constitucionais” composta pelos maiores nomes do Direito Constitucional do Brasil,
dentre eles José Afonso da Silva, Pinto Ferreira e Afonso Arinos, que possuíam em seu
arcabouço teórico uma orientação fortemente progressista, por essa razão o primeiro
anteprojeto da comissão foi severamente criticado pelos acadêmicos e rejeitado pelo presidente
Sarney, pois segundo os citados, apresentava “forte tendência “socialista”, um viés estatista
que demandava intervenção estatal na economia e, por fim, a de que ele seria responsável pela
elevação do déficit público” (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 56, adaptado):

Os autores progressistas do anteprojeto buscaram inspiração nas construções


teóricas socialistas e social-democratas em desenvolvimento na Europa ibérica
que serviram de base para as Constituições de Portugal (76) e Espanha (78).
Entre as obras lidas pelos comissionados, destacam-se as monografias do

4
português José Gomes Canotilho, “Constituição Dirigente e Vinculação do
Legislador”, e a do espanhol Elías Díaz, “Estado de derecho y sociedad
democrática”. Ambas defendiam que a norma constitucional, de natureza
jurídica, era capaz de realizar um complexo processo de transformação social
que desaguaria na transição para o socialismo. Não obstante o anteprojeto
tenha sido rejeitado e a Constituinte tenha optado por não seguir nenhum texto
base específico, partes da redação e do espírito do anteprojeto se fizeram
presentes durante todo o funcionamento das comissões e subcomissões da
constituinte.

Não obstante a rejeição do projeto em virtude da perspectiva mencionada, o socialismo


dirigente permaneceu motivando os indivíduos, tanto que se apresenta no projeto final da
Constituição, como podemos notar na própria ideia de Estado Democrático de Direito. Ainda
sobre as concepções acerca da Constituição Dirigente, Gilberto Bercovici a conceitua como:

[...] fundamento a sua relação com a realidade social da qual faz parte, sua
dimensão histórica e sua pretensão de transformação, por meio dos sentidos,
fins, princípios políticos e ideologia que conformam a Constituição de 1988.
Desse modo, segundo essa teoria, a Constituição não pode ser compreendida
isoladamente sem que se estabeleça um diálogo com a teoria social, a história,
a economia e, especialmente, a política de uma determinada realidade estatal.
São constituições típicas do Estado Social, uma vez que positivam direitos
prestacionais e dispõem sobre a intervenção estatal no domínio econômico
(MAGALHÃES (org.), 2022, p. 57).

Como podemos perceber na citação acima, esse modelo constitucional visa a promoção
do Estado pelo bem-estar social de seu povo, assim como pontua princípios de justiça social e
transformação da sociedade por meio do constitucionalismo democrático. Falando nesse
último, Bercovici postula que uma das principais contribuições do Constitucionalismo
Dirigente é justamente o rigor acadêmico e a coerência interpretativa, em outras palavras, deve-
se seguir à risca os padrões acadêmicos em relação a metodologia racional e positivação das
normas, bem como sempre estar alinhado aos fundamentos da Constituição no momento em
que se realizar a interpretação jurídica, pois é bem-vinda uma pluralidade interpretativa, mas
não qualquer tipo de interpretação que se distancie dos princípios constitucionais, ou seja, a
Constituição é um norte onde estão reunidos os objetivos que a nação pretende promover e
alcançar, onde não são permitidas contradições:

A abertura ao pluralismo significa que a Constituição dirigente não retira das


forças políticas sua agência própria, fornecendo meios para que questões
políticas centrais sobre procedimentos e competências possam ser debatidas
socialmente. No entanto, a abertura não implica a alteração de aspectos
essenciais do programa, ou seja, a Constituição “admite várias intepretações,
mas não qualquer interpretação” (BERCOVICI, 2003, p. 289). Essa vinculação
5
interpretativa atinge as decisões governamentais sobre políticas públicas, o que
faz com que a legislação deva seguir, pari passu, as diretrizes constitucionais
(MAGALHÃES (org.), 2022, p. 59).

Para tanto, o art. 3º da CRFB/88, que postula os princípios fundamentais e gerais do


nosso ordenamento jurídico, atua como um “guia interpretativo” para os legisladores, juristas
e administradores da máquina estatal. Um exemplo disso é a ADPF proposta pela Associação
Brasileira de Empresas de Distribuição (ABRAED) que questionava a Lei 6.538/78 como um
“monopólio da União sobre a recepção, entrega e transporte de cartas” (MAGALHÃES
(org.), (2022, p. 60). A associação acusou o Estado de atuação predatória dos Correios e de
transgredir à livre iniciativa e concorrência de mercado. O Ministro Marco Aurélio, que relatou
o caso, se mostrou favorável e concordou com a ABRAED sobre a necessidade de devolver à
iniciativa privada as atividades concernentes ao serviço público, além de acreditar que a ampla
concorrência influenciaria uma melhora nos serviços de entrega. Entretanto, para o Ministro
Eros Grau, esse argumento postula um anticonstitucionalíssimo, pois o Correio, como todo
serviço público, atua em caráter de privilégio e não de monopólio, tendo em vista a garantia do
serviço para todos os brasileiros, como presume o art. 1º e 3º da Constituição, é notório os ideais
da Constituição Dirigente no relato do Ministro, como explanado pelos autores:

O dirigismo constitucional é latente no voto do Ministro, para quem o Estado


brasileiro foi pensado pela constituinte como interventor em setores da
economia em regime de privilégio para, nesta quadra histórica e da situação de
desigualdade da sociedade brasileira, atuar vigorosamente de acordo com os
objetivos transformadores da República. Pensar de forma diferente, ou, no
caso, atribuir a prestação de serviços públicos à atividade privada não seria,
tão somente, um erro político-econômico, mas também uma violação ao
programa constitucional formulado pelos arts 1º e 3º (MAGALHÃES (org.),
2022, p. 62).

Com o passar dos anos, dirigismo constitucional sofreu alguns reveses, tanto por parte
de um dos seus percursores, que foi o caso de João Gomes Canotilho, que revisou vários dos
conceitos socialistas em sua teoria o que colocou em cheque as bases intervencionistas de sua
obra, quanto por parte da ascensão do neoliberalismo – e, consequentemente, do capitalismo –
no mundo, isto posto, os autores dessa vertente criaram a tese da “constituição dirigente
invertida” que aborda o seguinte pressuposto:

[...] Diferentemente da formulação originária acerca do dirigismo


constitucional da política, em sua versão invertida, a constituição dirigente
apregoa a necessidade de o Estado vincular-se irrestritamente aos ditames do
mercado internacional e à mergulhar em políticas de austeridade fiscal como
6
forma de garantir o desenvolvimento nacional (MAGALHÃES (org.), 2022, p.
63).

Resumidamente, a perspectiva do Estado de caráter intervencionista e transformador da


realidade social altera-se para uma visão mercadológica selvagem, que busca a todo custo o
desenvolvimento nacional, onde apenas uma pequeníssima parcela da população mais
favorecida será beneficiada com as políticas públicas efetuadas nesse plano desenvolvimentista,
todavia a grande massa populacional irá padecer cada vez mais em meio a escalada das
desigualdades, é o que estamos acompanhando ao longo do século XXI, em especial, pós golpe
de 2013 e eleição de Jair Messias Bolsonaro.

Por último, os autores destacam as críticas a Constituição Dirigente, empregando o


pensamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sendo a principal delas voltada para o caráter
“engessado” dessa Constituição, onde o legislador encontra-se de “mãos atadas” para governar,
além de colocar em dúvida a finalidade do modelo constitucional, suas contradições e
promessas adiadas. Para Filho, existem duas causas que tornam extremamente difíceis esse tipo
de constituição, a saber: a falta de condições financeiras do Estado para cumprir suas promessas
e a falta de competências governamentais dos nossos representantes para cumprir as funções
requisitadas pelo aparelhamento estatal, assim sendo, esse conjunto problemas acarreta em uma
crise institucional, crise essa que possui base na nossa constituição atual (MAGALHÃES (org.),
2022, p. 65).

PALAVRAS-CHAVE: Constituição Dirigente; redemocratização; Poder Constituído;


princípios fundamentais.

7
CONSTITUCIONALISMO LIBERAL IGUALITÁRIO
Vitoria Gabriele Rodrigues de Almeida
Breno Baía Magalhães

O Constitucionalismo ao longo da história defende a pluralidade de práticas jurídicas e


teorizações construídas em torno de limitar os poderes do Estado e defender os direitos
fundamentais do ser humano. O Liberalismo é uma teoria política e social que enfatiza
fundamentalmente os valores individuais da liberdade e da igualdade, e defende que todos os
indivíduos têm direitos humanos inatos. Portanto, a leitura Liberal Igualitária, é um modo de se
ver e interpretar o constitucionalismo e uma tentativa de compatibilizar igualdade e liberdade
(MAGALHÃES (org.), 2022, p. 66):

[...] O liberalismo igualitário foi a ideologia política que serviu de base para
autores progressistas brasileiros, situados fora da ideologia socialista ou
comunista, justificar a legitimidade da recém promulgada Constituição de
1988 e sua intransigente batalha contra as desigualdades sociais. Portanto,
trata-se de um conjunto de constitucionalistas que, diferentemente do
socialismo advogado pelo constitucionalismo dirigente, não assume
compromissos políticos com o processo de transformação social do Brasil a
partir de modelos vinculados e particulares de sociedade, economia ou
desenvolvimento.

Nesse sentido, podemos associar que a perspectiva constitucional de democracia se


mostra a mais ideal para o liberal igualitário. Isso porque a concepção estatística baseada no
princípio da soberania popular, tomado por si só, permitiria uma decisão política que impusesse
a todos uma perspectiva pessoal de bem viver, uma moral privada, desde que fosse vontade da
maioria. Porém isso fere a igualdade de consideração e respeito que o Estado deve ter com cada
cidadão e, portanto, não é algo aceito pela concepção constitucional de democracia. A exposição
contextual da teoria do constitucionalismo liberal igualitário, traz uma concepção de que a
igualdade e a Constituição são mais importantes e deve ser cuidada por uma sociedade
politicamente organizada, essa vertente, também associada à centro-esquerda norte-americana,
que procura meios para erradicar as desigualdades sociais, subsequentes do capitalismo
institucional e burguesa. (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 66).

A ideologia dos autores John Rawls e Ronald Dworkin, trazem a questão das políticas
de discriminação positiva. O método usado é a interpretação textual, tomando cuidado de
trabalhar o mais próximo possível da linguagem e dos conceitos nos próprios textos dos autores
e cobrindo a evolução do tema na obra de cada um. Esses pensadores defendem uma postura
8
liberal de proteção dos direitos sociais, individuais e coletivos. Ademais, legitimam que a
atuação dos agentes públicos deve ser afirmativa com a do Poder Judiciário, para a
concretização dos efeitos benéficos da carta magna. (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 67).

A contribuição para a construção do pensamento liberalista igualitário, deve-se, muito


ao fato do Teórico e Doutor Oscar Vilhena Vieira, notável por sua eximia pratica na área dos
Direitos Humanos e responsável pela incorporação e adaptação mais bem sucedida das teses do
liberalismo igualitário para a realidade brasileira. O Liberalismo caracteriza-se pelas discussões
em prol do respeito e da liberdade de cada indivíduo, da política autônoma para cada um
perseguir os seus próprios planos de vida, e, tecem argumentações acerca do papel do Estado
enquanto uma organização política e de seus deveres em assegurar meios para uma soberania
do bem-estar do indivíduo e assegurar que não se tenha obstáculos que impeçam essas ações
(SOUZA NETO; SARMENTO, 2016 apud MAGALHÃES (org.), 2022, p. 68). Em Uma Teoria
da Justiça de Rawls (2020, p. 232) apud Magalhães (org.), 2022, p. 68-69):

[...] A organização de uma sociedade justa se dá a partir de dois princípios


básicos hierarquicamente organizados (dotados de prioridade lexical). O
primeiro corresponde ao entendimento de que cada pessoa deve ter um direito
igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas, compatível com um
sistema semelhante de liberdade para todos, o que inclui a garantia material de
ferramentas para que todas as pessoas concretizem seus projetos de vida. Este
princípio contempla o que chamamos tradicionalmente de direitos
fundamentais. Ainda que o ideal de justiça de Rawls advogue uma perspectiva
redistributiva, os direitos ou liberdades não entrariam nesse cálculo de bens
sociais aptos a serem redistribuídos de acordo com algum critério
procedimental de justiça. Por sua vez, o segundo princípio estabelece que as
desigualdades sociais e econômicas devem ser arranjadas de forma que ambas
sejam: (a) para o maior benefício dos menos favorecidos, de acordo com o
princípio das economias justas, e (b) anexado a cargos e posições abertas a
todos em condições de igualdade justa de oportunidades. Em razão da
prioridade lexical desses princípios, um só pode ser satisfeito se o anterior for
cumprido, dessa forma, o acesso a cargos e posições em igualdade de
oportunidades só será possível caso todas as pessoas gozem, igualmente, das
liberdades individuais e se o sistema político mantiver as desigualdades que
beneficiem os menos favorecidos (Uma Teoria da Justiça de Rawls (2020, p.
232) apud Magalhães (org.), 2022, p. 68-69).

Para Rawls, os princípios supracitados, devem ser usados pela sociedade em razão de
seus membros se encontrarem sob um “véu de ignorância”, que dificulta o auto reconhecimento
das características dos princípios da justiça. O Constitucionalismo Liberal Igualitário, consiste
em uma defesa do afastamento de prováveis restrições e na defesa da liberdade individual,

9
cingidas em argumentos paternalistas e justificativas embasadas no tradicional de uma
comunidade. Outrossim, esse pensamento eleva a leitura moral da Constituição, e corrobora
para o entendimento do indivíduo sobre seus direitos constitucionais (SOUZA NETO;
SARMENTO, 2012 apud MAGALHÃES (org.), 2022, p. 69). Em seu segundo trabalho de
maior fôlego, fruto de sua tese de doutorado, Oscar Vilhena defende:

[...] a existência de uma reserva de justiça constitucional, encapsulada pelas


cláusulas pétreas e representada pelas normas que deverão ser consideradas
como essencialmente ou verdadeiramente constitucionais. De acordo com a
tese, há uma diferença hierárquica e qualitativa entre as normas constitucionais
positivadas no texto da Constituição de 1988, condição que legitima a
comunidade política a extrair do texto constitucional ordinário, por meio de
emendas constitucionais, o tecido adiposo conjuntural fruto de acordos frívolos
firmados na constituinte sem que essa reforma constitucional seja capaz de
abalar a estrutura da Constituição. A essência constitucional está fincada em
solo firme pelas cláusulas supraconstitucionais que espelham as decisões fruto
da escolha racional e consciente do povo brasileiro em seu momento
constituinte mais democrático.
Como liberal, o autor enxerga na Constituição um mecanismo de pré
comprometimento para colocar a salvo as liberdades fundamentais das
decisões políticas passionais das maiorias de turno. As normas constitucionais,
portanto, condicionam o procedimento democrático à realização de uma
plataforma racional e ética. Ora, se a constituinte representa, para os liberais,
um momento decisivo, no qual a comunidade política exerce seu juízo
ponderado racional sobre quais serão as regras que a regerão, o conteúdo desse
acordo deve ser aceito, racionalmente, por todas as pessoas como uma
plataforma legítima e infundida de preceitos éticos (MAGALHÃES (org.),
2022, p. 69-70).

Ter essa compreensão é importante porque cada concepção diferente a respeito do que
a igualdade exige define a maneira com que um governo, para ser considerado justo, deve tomar
suas decisões. Segundo essa teoria da igualdade aceita pelos liberais, as decisões políticas
devem ser independentes de qualquer concepção particular do que dá valor à vida, e assim, um
governo não tratará aos seus cidadãos como iguais se preferir uma concepção particular, seja
por ela ter sido aceita pela maioria ou porque ela seria considerada de algum modo superior ou
virtuosa. Trazendo para o âmbito Constitucional, essa posição igualitária que os liberais
adotaram, elucida o texto da carta magna, como se existisse uma reserva de justiça na
Constituição brasileira, esse pensamento de Oscar Vilhena, traz à tona, a diferença qualitativa
e hierárquica entre normas constitucionais da Constituição Federal de 1988 (MAGALHÃES
(org.), 2022, p. 70).

10
A Constituição brasileira tem um procedimento de alteração formal pouco rigoroso, pois
pode ser acrescentado, alterado ou removido sem preocupações políticas ou sem maiores
preocupações sociais. Por outro lado, a legitimidade da carta magna não se limita a uma
positividade legal, mas sim a uma ideia racional de justiça, a partir de teorias éticas. A resiliência
da Constituição de 1988 em se manter quase inalterada, mesmo tendo mostrado problemas
como: risco de sofrer um envelhecimento precoce, exigindo reformas constantes; dependência
extrema de intervenção legislativa; e ambição normativa leva a uma frustração social, já que o
Estado não é capaz de cumprir as promessas constitucionais, por isso tem-se a ideia de reserva
de justiça. Portanto, somente os princípios básicos de uma justiça política concretamente
representados pelos essenciais constitucionais cuja ética inerente resguarda a igualdade e a
liberdade. O Constitucionalismo Liberal Igualitário, deve-se agarrar a meios que promovam a
liberdade e a igualdade do ser humano, nos princípios da Constituição. Logo, a desordem e a
falta de afirmatividade no cumprimento da Carta magna, é um desafio que deverá ser enfrentado
para que haja a soberania do bem estar, da igualdade e da liberdade do indivíduo, para que
assim, se cumpra o que está pressuposto na Constituição Federal de 1988 (MAGALHÃES
(org.), 2022, p. 71-72).

PALAVRAS-CHAVE: Constituição; Liberalismo; Igualitarismo; Constitucionalismo.

11
CONSTITUCIONALISMO PROCEDIMENTAL DEMOCRÁTICO
Gabriel Alberto Souza de Moraes
Breno Baía Magalhães

Nos anos 90, o Estado enxergava no Supremo Tribunal Federal, uma espécie de
escudeiro dos interesses políticos e econômicos deles, no exercício da jurisdição constitucional,
uma postura foi adotada para a abertura de espaços de reformas legislativas e constitucionais, e
visava aumentar o poder do tribunal no seu exercício.

[...] em 1993, por exemplo, a fim de criar bloqueios institucionais que


dificultassem o controle de constitucionalidade difuso de leis federais que
versavam sobre matéria tributária, o Governo Federal propôs Emenda
Constitucional que, a um só tempo, criava um tributo, uma ação no controle
abstrato/concentrado de constitucionalidade e o quimérico efeito vinculante
(MAGALHÃES (org.), 2022, p. 108).

A Ação Declaratório Constitucional funcionou como um estratagema para blindar o


Estado de ações que contestassem seu poder fiscal arrecadatório; porém, a regulamentação
legislativa da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental em 1999, serviu para que
o Executivo Federal manejasse um instrumento processual capaz de avocar ao Supremo
Tribunal Federal, em casos de tramitação na justiça ordinária que ameaçavam atrasar a
privatização de empresas públicas. Em embates jurídicos descritos pela imprensa como a
“guerra de liminares”. Nesse prisma, as constantes alterações formais do texto constitucional,
a expansão do exercício da jurisdição constitucional e sua derradeira incorporação nas leis que
regulamentaram as ações no controle abstrato despertaram a desconfiança de um grupo de
juristas mineiros que questionava as credenciais democráticas desse avanço jurisdicional do
STF:

Uma nova geração de pesquisadores mineiros, inspirados nos textos de


Menelick Carvalho dos anos 90, aprofundou-se nas teses de Jurgen Habermas
para formular uma barreira de contenção teórica contra o fortalecimento
congressual da Jurisdição Constitucional do STF. Dentre os jovens juristas
estudiosos da Teoria Crítica Constitucional, aquele que desenvolveu seus
estudos com maior desenvoltura e profundidade foi, seguramente, Marcelo
Cattoni, autor de importante livro sobre “Teoria da Constituição”
(MAGALHÃES (org.), 2022, p. 109).

Certas tendências do constitucionalismo pós-guerra alemão que foi marcado pela


formulação de uma proposta teórica e tentativas de superação dos paradigmas do Estado Social
e Liberal que fosse capaz de simultaneamente oferecer uma significativa proteção às garantias
12
individuais sem recair em uma atuação por demais expansiva ou um dirigismo estatal do Poder
Judiciário (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 109).

Na visão de Cattoni, que critica as teorias constitucionais brasileiras clássicas, como a


construção de um modelo ideal de normas constitucionais, o qual é reiteradamente contestado
pela dura realidade (CATTONI, 2021, p. 33 apud MAGALHÃES (org.), 2022, p. 109). Como
prática social interpretativa, o Direito constitucional não se beneficia, pontua o autor, de
construções teóricas que não levem em consideração o ponto de vista normativo daqueles
diretamente implicados à prática pois são preocupados em demasia com questões normativas
do direito. As teorias clássicas da Constituição, entabulam-se em uma visão do real e o ideal,
pois ela não pretende estabelecer uma dialética entre ambas as instâncias, mas a soberania de
algum dos lados dessa divisa (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 109-110).

Para essa corrente do pensamento constitucional, o direito atua como um material


fornecido pela política e assume certa precedência sobre a atuação do jurídico estar
condicionada aos resultados de um debate político inclusivo e prévio. O direito é um
procedimento para a contínua existência de uma sociedade democrática e funcional, ele opera
de uma forma integralizadora socialmente, e é a único meio capaz de ensejar um debate político
público justo e igualitário. Porém, os métodos procedimentais ou democráticos, problematizam
essa construção de igualdade na sociedade, pois esses métodos que o jurídico usa, não engloba
completamente o todo social (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 110-111).

Para que se tenha uma legislação política autônoma, são necessárias formas de
comunicação das condições procedimentais institucionalização jurídica. Diante disso, garantir
as condições processuais para o exercício da autonomia pública e privada dos cidadãos é de
competência do judiciário. Portanto, a justiça constitucional, referisse-a a condições processuais
e aos meios comunicativos, para um verdadeiro início democrático do direito, afastando a
axiologia culturalista e o instrumentalismo liberal (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 111-112).

PALAVRAS-CHAVE: Democracia; social; Constitucionalismo; direitos; Constituição.

13
CONSTITUCIONALISMO RADICAL
Arthur Pedroso de Almeida
Breno Baía Magalhães

Quando falamos de constituições brasileiras, logo surge em nosso pensamento a


primeira constituição outorgada no país, a saber a Constituição de 1824, no entanto, ao longo
dos anos, novos modelos constitucionais foram desenvolvidos e apresentados, um desses
modelos é o Constitucionalismo Radical da Dra. Vera Karam de Chueuri, da Universidade
Federal do Paraná (UFPR). A professora concebeu a teoria recentemente, em meio aos protestos
de 2013, manifestações essas mobilizadas por um anseio de uma reforma política urgente no
Brasil, que pôs em ênfase uma problemática nacional velada: a confiança da nação nas
capacidades transformadoras, mediadoras e de preservação proclamadas na Constituição de
1988. Essa tese possui fundamento nas concepções francesas pós-marxistas que criticam a
democracia liberal, como as pertencentes a cientista política Chantal Mouffe, e nas
compreensões jurídicas depreendidas pelo filósofo Jacques Derrida (MAGALHÃES (org.),
2022, p. 119). O Constitucionalismo Radical tem como centro a chamada dimensão conflitual,
inclusive postula que a mesma é inata à ordem política e encontra-se em um estado latente na
Constituição, esse "lócus do conflito" é representado no símbolo do Poder Constituinte que, nas
palavras de Chueuri, é "a forma política da democracia":

[...] isto é, como o elo de conexão intrínseco entre o conflito político e a


pacificação, que é objetivo do Direito. E é exatamente nesse ponto, no que se
refere ao conflito, que essa modalidade de constitucionalismo assenta suas
bases ao flertar com o significado político mais ínsito do adversarismo no jogo,
da tensão, do agonismo (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 120).

Logo, a disputa e a alteridade intrínsecas ao Constitucionalismo Radical não se encerram


com a criação de uma constituição, como em outros modelos constitucionais, muito pelo
contrário, é o impulso do Poder Constituinte Originário constante que proporcionará a
vivacidade das promessas efetuadas durante a elaboração da constituição, além de estimular a
ação política como forma de preservar a democracia e combater as desigualdades presentes no
interior da nação. É interessante a visão da autora sobre o conflito como um campo de
construção permanente de práticas inovadoras constitucionais que, apesar da possibilidade de
serem positivados, não se tornam necessariamente imutáveis e estão a serviço do seu contexto
14
histórico e do seu povo. Esse caráter constitutivo do conflito, particularmente, remete ao
emprego do termo na Psicologia Organizacional, onde o mesmo é utilizado como um
instrumento estimulador de novas ideias e possui relevância ímpar para o ordenamento
organizacional diário. Isto posto, para que se possibilite efetivamente o Constitucionalismo
Radical, como citado anteriormente, é preciso que o Poder Constituinte seja flexível e esteja
em posse do povo, ou seja, que se origine e se compreenda através dos movimentos sociais, das
manifestações públicas da sociedade civil em amplo espectro de diversidade e que a carta
constitucional seja um dispositivo de mediação política, onde se possa criar a partir e por meio
dela, atribuindo o viés de responsabilidade e de poder soberano ao povo:

Por essa razão, com um Poder Constituinte maleável e entregue nas mãos do
povo, o poder de ressignificar a Constituição (radical) em um conflito político
mediado pela própria Constituição, entendida como a possibilidade de se
estabelecerem regras estáveis de conduta (aqui se apresenta a dynamis antes
mencionada entre os Poderes Constituinte e Constituído), ir às ruas e ecoar as
múltiplas vozes se torna o corolário para que a Constituição Radical se efetive.
Desde uma perspectiva mais prática, isso significa não excluir (ou limitar)
mecanismos e formas de participação popular a partir do discurso restritivo do
constitucionalismo, mas que “a ausência dos limites finais assinala a
possibilidade constante de modificação como a forma imanente aos processos
(CHUEIRI; FONSECA; HOSHINO,
de disputas e participação”
2020, p. 87 APUD (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 121).

Outro conceito utilizado por Vera Karam é o da "performance" de Judith Butler, para a
autora essa é uma característica essencial que difere a Constituição Radical da Tradicional, pois
ela “performa o conflito e por meio dessa performatividade viabiliza novos processos”, em
outras palavras, novas formas de readquirir direitos fundamentais, seja pela via processual, ou
através dos movimentos populares são oportunizadas. Essa busca pela reivindicação dos
direitos realizada nas manifestações, isto é, a ação política efetuada pelos indivíduos em união
protestando nas ruas, tem como pano de fundo a chamada precariedade, ou seja, a desigualdade
que os assola cotidianamente e que se apresenta como fator comum em suas subjetividades é a
mesma que os mobiliza ao protesto, na busca de condições que oportunizem a vida com
qualidade (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 122-123). Em suma:

A Constituição Radical, por conseguinte, será performativa ao comportar a


reinvenção de seu texto em diferentes contextos citacionais, será agonista ao
entender que tais contextos decorrerão do debate democrático que não possui
fim, e será radical ao ouvir os anseios daqueles corpos inviabilizados que
sofrem com a despossessão e de expandir os horizontes de proteção e

15
efetivação dos direitos fundamentais por meio da reimaginação eterna do texto
constitucional (MAGALHÃES (org.), 2022, p. 124).

A respeito da aplicabilidade da teoria, por se tratar de uma tese jovem e ainda estar em
desenvolvimento, não há registros aplicáveis em nosso ordenamento jurídico, como o Supremo
Tribunal Federal (STF), no entanto há um exemplo que ocorreu justamente no mesmo ano das
manifestações que suscitaram o Constitucionalismo Radical:

A ex-presidenta Dilma Rouseff propôs, durante o final de seu primeiro


mandato, um plebiscito que tinha como tema a convocação de uma assembleia
constituinte específica destinada à reforma política. Os constituintes, de acordo
com sua proposta, teriam total liberdade para legislar a nível constitucional
dentro daquele tema, com a promessa de que tudo o que decidissem seria,
prontamente, incorporado na Constituição (MAGALHÃES (org.), 2022, p.
126).

Embora a reforma política seja almejada pelo povo brasileiro, como citado no início
desse texto, é importante ressaltar que os protestos de 2013 utilizavam dessa pauta de maneira
desorientada, com jargões e palavras de ordem soltos ao vento, como por exemplo "estamos
aqui contra a corrupção", "queremos mudar isso daí". Foram inúmeras as cenas de pessoas que
não faziam ideia do que, no mínimo, significava o conceito de corrupção e o que realmente
pretendiam alcançar com as manifestações. Instaurou-se uma dicotomia no país que pedia a
todo custo para "punir os maus", assim como vários temas importantes foram mesclados e
utilizados de forma deturpada. Apesar dos percalços, essa tentativa da ex-presidente Rouseff
em acionar o Poder Constituinte, por meio de uma assembleia, e assim promover as mudanças
clamadas pela população é o exemplo mais próximo que temos de Constitucionalismo Radical
no país, que na época careceu de uma mediação política para que pudesse se desenvolver,
inclusive a própria Vera Chueuri foi contrária a essa assembleia e em seu discurso relatou que
a Constituição de 1988 apresenta poder constituído suficiente que fundamenta e possibilita
ações constituintes diversas e, consequentemente, transformadoras (MAGALHÃES (org.),
2022, p. 127-128).

Por fim, os autores tecem críticas ao modelo do Constitucionalismo Radical, a


primeira delas diz respeito ao teor histórico da teoria, que ainda é insipiente dado o próprio
tempo de criação da mesma e o contexto histórico brasileiro. Em seguida, são apresentadas
críticas em formato de questionamentos acerca do poder constituinte 'ser" a democracia, e se há
registros históricos que comprovem que as manifestações populares no Brasil, em especial a de

16
2013, são responsáveis por elevar a liberdade e garantir direitos fundamentais a todos. A
resposta para ambas as perguntas é não, a ideia de que nossos representantes políticos
verdadeiramente representam a grande massa dos brasileiros é falaciosa, um exemplo foi a
assembleia constituinte de 88 que, em sua maioria, foi formada por indivíduos que já pleiteavam
o poder no período ditatorial e que representaram seus interesses próprios. Chega a ser ingênuo
acreditar que não haverá parcialidade, e até mesmo pessoalidades, nos discursos e ações dos
nossos representantes, tendo em vista que os mesmos cumprem uma agenda política, mas
também particular. No caso das manifestações de 2013, esse viés idealizador se torna ainda
mais preocupante, levando em consideração os desdobramentos que ocorreram nos anos
seguintes, principalmente, em relação a vulnerabilidade a qual foi exposta nossa Constituição
e Democracia, em outras palavras, movimentos difusos em que nós não sabemos todas as
intenções destinadas e requeridas oportunizam o crescimento de forças antidemocráticas,
colocando em risco os próprios princípios constituintes e o poder já constituído:

No caso das manifestações, que a professora enxerga como instâncias de poder


constituinte-democracia em ação, o exemplo de 2013 não parece, em
retrospecto, favorável ao seu argumento. Desde lá, e especialmente após a
captura conservadora dessas manifestações em 2015, longe de termos o grande
ganho de direitos — a revolução pretendida — tivemos, em verdade, o
completo oposto: um desmonte sem precedentes dos serviços públicos, uma
crise política e de representação, governos extremamente impopulares frutos
de manobras antidemocráticas e um sempre presente risco de nos tornamos
uma democracia antidemocrática. Portanto, parece que a autora de, certo
modo, romantiza tais momentos de nossa história política para neles encontrar
uma centelha de pura Democracia, sem dar-se conta de que inexistem
momentos puramente democráticos, mas complexos instantes de forças
contraditórias se digladiando, e que instrumentalizar esses momentos sem
considerar sua natureza conflituosa é deixar a porta aberta para que as forças
não democráticas cresçam livres e sorrateiramente. (MAGALHÃES (org.),
2022, p. 129).

Destarte, ao longo dos anos a teoria do Constitucionalismo Radical e,


consequentemente, sua autora, vem se distanciando do ideal do Poder Constituinte como fator
de união e se aproximando da perspectiva voltada às manifestações e movimentos sociais
provindos de locais e de sujeitos vulneráveis. É compreendido hoje a necessidade de se atuar
interdisciplinarmente e de se buscar tratativas fora do Direito Estatal e da academia, ou seja,
buscar soluções e perspectivas outras no dia a dia, ouvindo demandas, conversando com outras
áreas de conhecimento e trabalhando com a democracia na prática, em sua aplicabilidade plural
(MAGALHÃES (org.), 2022, p. 130).

17
PALAVRAS-CHAVE: Constituição Radical; Poder Constituinte; Democracia; dimensão
conflitual; ação política; manifestações populares.

18

Você também pode gostar