Você está na página 1de 14

Organizadores

João Paulo Allain Teixeira


Louise Dantas de Andrade

Jurisdição, Processo e
Direitos Humanos

Recife, julho de 2014


Créditos

Dseign da capa: Ana Catarina Lemos

Composição do miolo: Ana Catarina Lemos

Organização e revisão: João Paulo Allain Teixeira e Louise Dantas de Andrade

Editora: APPODI

J95 Jurisdição, processo e direitos humanos / João Paulo Allain


Teixeira, Louise Dantas de Andrade, organizadores.
-- Recife : APPODI, 2014.
255 p. : i..

ISBN: 978-85-64680-03-6

1. Direitos humanos - Brasil. I. Teixeira, João Paulo


Fernandes Allain. II. Andrade, Louise Dantas de.

CDU 342.7(81)
“MOVIMENTO BRASILEIRO DA EFETIVIDADE CONSTITUCIO-
NAL”: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADOÇÃO DOS POS-
TULADOS NEOCONSTITUCIONALISTAS NO BRASIL

Flávia Santiago Lima1

1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: DA PREMÊNCIA DA AVALIAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS TEÓ-


RICOS E DA OPERATIVIDADE DOS POSTULADOS NEOCONSTITUCIONALISTAS
O constitucionalismo atual adquiriu seus contornos iniciais nos Estados Unidos do século
XIX, quando o célebre caso Marbury x Madison estabeleceu a premissa da hegemonia do texto

Nos países iliados à tradição romano-germânica, este modelo fortaleceu-se com a redemo-
superior como norma estruturadora da produção do direito.

cratização da Europa após a Segunda Grande Guerra. Além da previsão de constituições extensas,
foram concebidos os tribunais constitucionais, aptos a assegurar os valores nelas inscritos.
Diante do sucesso europeu e do fortalecimento da Suprema Corte Norte-Americana, a “re-
volução constitucional” (CAPPELLETTI, 1996, p. 14-15) irradiou-se pelo Ocidente e, juntamente
com a expansão da economia de mercado, é considerada um fenômeno mundial, a abranger dis-
tintas tradições jurídicas.
O presente texto insere-se neste debate e pretende avaliar o constitucionalismo a partir da
sua expressão teórica nos países de tradição ibérica – a festejada fórmula neoconstitucionalista,
que busca compreender – ou promover – a aceitação da preponderância constitucional enquanto
alicerce das instituições estatais, a determinar as condições de exercício do poder político.
O constitucionalismo, além de seus aspectos descritivos, parece pretender mais. Constitui-
ria um “movimento” de matizes ideológicos, teóricos e metodológicos (COMANDUCCI, 2003, p.
76), cujo objetivo é operar uma transformação da cultura jurídica, para fazer frente ao fenômeno
da constitucionalização dos ordenamentos nacionais. Intenta, ainda, avaliar as repercussões da
sua proposta na prática dos tribunais e demais atores jurídicos e até nas demais relações sociais
(GUASTINI, 2003, p. 49).

1 Doutora em Direito pela UFPE (2012). Mestre em Direito pela UFPE (2006). Advogada da União, com exercício
na Procuradoria Regional da União - 5ª Região. Professora da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
120
As contribuições dos autores identiicados com o neoconstitucionalismo tiveram enorme
acolhida entre os doutrinadores brasileiros, que vislumbram na concretização de parte dos direitos
previstos na Constituição de 1988 a oportunidade de romper com a tradição de desigualdades que
caracteriza a sociedade brasileira. Não por acaso, Cláudio Pereira de Souza Neto (2003, p. 14)
observa uma mobilização jurídica e política, cujo objetivo é desenvolver mecanismos dogmáticos e
processuais para concretização do texto constitucional, ao qual denominou de “constitucionalis-
mo brasileiro da efetividade”.
Em detrimento dos louváveis objetivos deste comprometimento teórico, defende-se aqui a
necessidade de analisar a validade teórica e a operatividade dos postulados neoconstitucionalistas.
Assim, busca-se avaliar a adoção deste movimento pelos constitucionalistas brasileiros e a corres-
pondência das suas pretensões com as características do texto constitucional vigente no Brasil.

2. NEOCONSTITUCIONALISMO E SUAS VERTENTES: PRESSUPOSTOS PARA A CARACTERI-


ZAÇÃO DOS SISTEMAS JURÍDICOS CONSTITUCIONALIZADOS

ticas e ilosóicas que a nortearam, em extensa e variada produção teórica jurídica. Como visto,
A experiência constitucionalista do século XX é assentada, ao lado das perspectivas polí-

nos meios acadêmicos ibero-americanos, o conjunto de teorias que intentam uma reaproximação
entre as dimensões descritiva e prescritiva na Teoria Geral do Direito (ARIZA, 2003, 164-ss) é
denominado preferencialmente de neoconstitucionalismo.
Como assevera Paolo Comanducci (2003, p. 75), os termos “constitucionalismo” e “neo-
constitucionalismo” são bastante ambíguos e se prestam a representar uma teoria e/ou ideologia

uso destes sentidos mostra-se suiciente para delinear a diferença entre neoconstitucionalismo e
e/ou método de análise do direito, além de modelos constitucionais. Segundo o autor, o mero

constitucionalismo, pois este seria uma ideologia, talvez respaldada no jusnaturalismo, mas que
não constituía uma Teoria do Direito. Tampouco exibia uma pretensão metodológica, num período
marcado pelo positivismo jurídico. Em contrapartida, o neoconstitucionalismo caracteriza-se por
esta dimensão tríplice: ideologia, teoria e metodologia.
Numa concepção preliminar, tem-se que o neoconstitucionalismo refere-se a determinados
aspectos estruturais, que repercutem numa renovada cultura jurídica. Implica, primordialmente,
numa noção forte da intervenção jurídica, e se caracteriza pela aceitação de uma “constituição in-
vasora”, que impregna gradualmente toda a legislação e acaba por transformar o sistema jurídico.
Isto porque a implementação parcial ou integral das condições necessárias para a sua realização
dá-se segundo um processo histórico que pode ser mais ou menos longo, cambiante de acordo com
o sistema jurídico estudado.
Riccardo Guastini, ao enumerar as condições que determinado sistema deve satisfazer para
ser considerado “impregnado” pela normativa constitucional, assevera a existência de condições
necessárias para esta constatação, ao lado de outras que permitem aferir a intensidade desta
constitucionalização. Assim, a previsão de uma constituição rígida e da sua garantia jurisdicional

são das instâncias judiciais no processo político denotam um ordenamento altamente inluenciado
é pressuposto indispensável. Já o reconhecimento da força normativa da constituição e a repercus-

No plano jurídico, os neoconstitucionalistas identiicam a concepção de Estado de Direito


pela constituição (GUASTINI, 2003, p. 49).

com o reconhecimento da supremacia constitucional, que condiciona a interpretação das demais

cionais não podem ser derrogadas, modiicadas ou ab-rogadas por quaisquer outros dispositivos.
normas do ordenamento e determina os conteúdos da legislação ordinária2. As normas constitu-

A constituição possui normatividade, o que pressupõe a aceitação do seu caráter vinculante


aos poderes públicos e aos particulares. As relações jurídicas são intermediadas pelos princípios e
direitos constitucionalizados, ainda que reconhecido o alto grau de abstração.
Aceita-se, assim, o forte caráter principiológico e genérico das normas constitucionais, que

2 “Uma das perspectivas que ganha força é a da denominada “iltragem constitucional”, que reconhece a pree-
minência normativa da constituição frente às demais normas do ordenamento jurídico. Fala-se, nesta seara, numa
unidade formal do sistema, com o reconhecimento do aspecto hierárquico-normativo, como numa unidade material
ou axiológica, que remete a interpretação de qualquer instituto jurídico ao parâmetro constitucional.” (SCHIER,
2008, p. 3)
121
decorre do seu alcance mais amplo, em virtude dos objetivos colimados e dos valores nelas implí-
citos. Estas peculiaridades redundaram, inclusive, na (re)formulação de uma Teoria da Constitui-

Foram exploradas as especiicidades da matéria, pois os preceitos constitucionais são di-


ção, encarregada da discussão da interpretação e aplicação dos seus preceitos.

ferentes das disposições legislativas ordinárias, ao estabelecer os fundamentos do ordenamento


jurídico (BARACHO, 1984, p. 108).

pios ou critérios gerais de valoração, e seu conteúdo depende da densiicação e concretização por
Como lembra Inocêncio Mártires Coelho (1997, p. 78), as constituições enunciam princí-

parte do intérprete aplicador, que deve exercer uma atuação criativa, adequando-se às mutações
dos valores nelas expressos (CAPPELLETTI, 1992, p. 130). Constata-se, conseqüentemente, um
grande esforço da doutrina juspublicista em trazer novos elementos para a formação de uma

Defende-se que a eicácia das normas constitucionais - independentemente de sua estru-


“Nova Hermenêutica Constitucional” (BONAVIDES, 1999, p. 258).

tura ou conteúdo normativo - permite sua aplicação direta em alguns momentos, a garantir sua
efetividade sem intervenção de qualquer órgão legislativo.

ao legislador na densiicação dos seus mandamentos. Dessarte, entende-se que as deliberações


A imperatividade constitucional não conferiria, a rigor, um espaço de discricionariedade

públicas – estatais ou não – estariam submetidas aos inafastáveis conteúdos constitucionais. Isto
porque os direitos fundamentais nelas previstos, que formam uma espécie de núcleo intangível
do Estado, representariam uma “esfera” do que pode ser decidido ou não, e podem “legitimar” ou

A própria democracia, no neoconstitucionalismo, justiicar-se-ia pela capacidade operacio-


“deslegitimar” uma determinada atuação estatal.

nal de um determinado sistema político e/ou seu ordenamento jurídico tornar(em) efetivos os
direitos fundamentais (FERRAJOLI, 2000, p. 22-25).

importantes decisões acerca de determinado grupo social, deve ter sua força normativa airmada
Ao mesmo tempo, a constituição, ao exigir esta “guarda” especial, por abrigar em seu texto

(BARROSO, 2005), por uma jurisdição forte e adequada.


Demanda-se uma nova visão dos poderes estatais, especialmente do poder judiciário, que
passa a exercer uma função de garantia do cidadão, em contraponto aos demais - executivo e
legislativo -, ainda que estes estejam legitimados democraticamente pelas maiorias, já que seus
membros são investidos pelos processos eleitorais.
A preponderância do texto, e dos acordos nele contidos, irradia-se pelas gerações ulteriores,

forma. Para os neoconstitucionalistas, é precisamente a diiculdade de promover mudanças nas


que sofrem limitações nas tentativas de alterá-lo, diante da relevante rigidez nos processos de re-

regras que favorece e fortalece a imperatividade dos seus mandamentos (SANCHÍS, 2003, p. 101,
ss).
Esta construção teórica redunda na supervalorização do Direito Constitucional, ramo ju-

2003, p. 109-112). É reconhecida a insuiciência de uma teoria jurídica meramente descritiva


rídico que encerra, hoje, as discussões em torno da dimensão política do direito (BERCOVICI,

para entender a expansão do direito nas sociedades ocidentais, que se restringiria, nos moldes tra-
dicionais, tão-somente a reproduzir as normas jurídicas, sem atentar para seu necessário caráter

Deste modo, o neoconstitucionalismo signiica uma ruptura com os padrões jurídicos co-
prospectivo.

nhecidos, e impõe uma nova visão. Como bem expõe Luigi Ferrajoli (2000, p. 23-34), um dos seus
maiores expoentes, a partir da descrição do seu parâmetro garantista para o direito,

el paradigma del Estado constitucional de derecho – o sea, el modelo garantista –


no es otra cosa que esta doble sujeción del derecho al derecho, que afecta a ambas

tancia, los signos e los signiicados, la legitimación formal y la legitimación sustan-


dimensiones de todo fenómeno normativo: la vigencia y la validez, la forma y la sus-

cial o, si se quiere, la “racionalidad formal” y la “racionalidad material” weberianas.

Veriica-se que, além de descrever os ordenamentos jurídicos, numa análise preponderante-


mente dogmática, o neoconstitucionalismo pretende trazer um novo método, uma nova teorização

122
do direito, que inegavelmente guarda um amparo ideológico, no sentido da defesa das potenciali-

Diante da multiplicidade de signiicados da expressão e da grandiosidade deste projeto aca-


dades da normatividade constitucional.

(ou o conjunto de métodos que compõem esta pretensão) e sua inluência ideológica.
dêmico, nos próximos itens passa-se à análise de dois aspectos desta teorização: sua metodologia

3. PÓS-POSITIVISMO E NEOCONSTITUCIONALISMO: A DEFESA DA CENTRALIDADE DOS


PRINCÍPIOS NA ORDEM CONSTITUCIONAL E REDEFINIÇÃO DAS COMPLEXAS RELAÇÕES
ENTRE DIREITO E MORAL
Enquanto teorização, o neoconstitucionalismo almeja descrever as conseqüências da cons-
titucionalização, atribuindo-lhe características próprias, como a existência de uma constituição
“invasora”, a positivação dos direitos fundamentais, a “onipresença” dos princípios e regras cons-

Veriica-se um certo consenso quanto aos aspectos descritivos de um ordenamento constitu-


titucionais e peculiaridades da interpretação e aplicação destas normas.

cionalizado. Todavia, há divergências quanto à forma de abordagem destes sistemas. Como alerta

método – mas um objeto modiicado – do positivismo; ao passo que outros autores defendem uma
Paolo Comanducci (2003, p. 83-87), alguns entendem que o neoconstitucionalismo tem o mesmo

mudança radical de metodologia de abordagem, diante do novo objeto de estudo.


Haveria, assim, um neoconstitucionalismo positivista de matriz italiana, mais aproximado
de um “positivismo inclusivo”, que tem como expoentes os multicitados Paolo Comanducci e
Riccardo Guastini, Susana Pozzolo e José Juan Moreso; e o neoconstitucionalismo não positivista,
respaldado na obra de Robert Alexy, que parece concentrar a maioria dos autores,como Gustavo
Zagrebelsky, Alfonso Garcia Figueroa, Santiago Sastre Ariza (MAIA, 2008, p. 7). Fala-se, por isso,
da existência de vários neoconstitucionalismos, como no título da obra que contém parte conside-
rável dos artigos citados no presente texto.
Embora alguns neoconstitucionalistas, como Luigi Ferrajoli (p. 8), concebam sua formula-
ção como o reforço ou a própria representação do positivismo em sua forma mais perfeita 3, fato
é que a maioria dos autores visualiza nesta teoria ou neste conjunto de teorias um afastamento do
positivismo tradicional (FIGUEROA, 2003, p. 164-165).

convergir em um ponto: as diiculdades do positivismo metodológico – útil na formatação libe-


Deste modo, o neoconstitucionalismo ampara-se em variada produção teórica, que parece

diversiicado. A Teoria do Direito deve aceitar os valores ínsitos às normas positivadas e a interfe-
ral-burguesa – na compreensão dos ordenamentos permeados por um projeto moral e ideológico

rência dos juízos morais na interpretação. Por im, cabe-lhe revelar o caráter preponderantemente

A corrente que atenta para a ineiciência do método positivista é denominada de pós-posi-


prático que deve nortear seus estudos (ARIZA, 2003, p. 245).

tivista e tem como uma de suas idéias-chave a superação da dicotomia direito natural x direito
positivo (BONAVIDES, 1999, p. 258). Defende, também, a normatividade dos princípios jurídicos,

Assim, a norma jurídica pode ser geral (estabelecida para uma ininidade de atos) ou espe-
que antes eram vistos como enunciados de cunho suprapositivo ou derivações da lei.

cial (rege tão-somente atos ou fatos). O princípio é geral porque comporta uma série indeinida
de aplicações.
O reconhecimento da normatividade dos princípios os situa como espécie do gênero norma
jurídica, juntamente com as regras, ocupando um papel de superioridade frente a estas. Esta é a
perspectiva adotada por Robert Alexy e Ronald Dworkin, cujos principais trabalhos são constante-
mente citados pelos autores neoconstitucionalistas.
Regras e princípios explicitam um dever ser, podendo ser formulados com a ajuda das ex-
pressões deontológicas de mandato, permissão e proibição4, sendo razões e juízos concretos

3 Interessa notar que Paolo Comanducci (2003, p. 88) entende que Ferrajoli assinala um conteúdo normativo para
a ciência jurídica, recaindo numa adesão ao neoconstitucionalismo ideológico. A ciência jurídica, ademais, abrangeria
a Dogmática Jurídica e a Teoria do Direito, que passam a exercer um papel político, incompatível com um modelo
explicativo. O modelo de Ferrajoli seria ideal, o que lhe afasta de uma abordagem teórica do direito.
4 Diversamente, Canotilho (2000, p. 1052) defende que as regras implicam em mandatos, pois os princípios teriam
123
vinculatividade, pois são autênticas normas, que obrigam e têm eicácia positiva – conduzem a
(ALEXY, 1997, p. 83). Assim, a normatividade dos princípios está assentada na sua positividade,

determinadas soluções em cada caso, segundo a inalidade perseguida - e negativa sobre compor-
tamentos públicos ou privados. Sabe-se que as decisões, regras ou mesmo subprincípios que se
contraponham a princípios serão inválidos, por contraste normativo (ESPÍNDOLA, 1999, p. 59).

gica, os valores ou ins – conforme prefere denominá-los Dworkin. Osprincípios e valores são geral-
Ao lado dos princípios e regras, as normas jurídicas ainda comportam uma dimensão axioló-

reportar aos valores e vice-versa. Airma-se, até, que o cumprimento gradual dos princípios tem
mente relacionados. Os tribunais constitucionais, quando se referem aos princípios, costumam-se

Princípios e regras têm métodos de interpretação especíicos, a exigir a identiicação dos


seu equivalente na realização dos valores (DWORKIN, 1978, p. 24-25).

enunciados normativos dentre estas categorias. A doutrina principiológica encarrega-se de dei-


nir critérios de diferenciação, como o da generalidade, determinabilidade dos casos de aplicação,

mostram-se insuicientes na análise dos casos concretos, pois careceriam de objetividade.


remissão à idéia de direito, importância para o ordenamento jurídico, entre outras. Estes, porém,

Os princípios são reconhecidos como mandados de otimização, pois seu cumprimento de-
pende das necessidades reais e das jurídicas (ALEXY, 1997, p. 86). Somente os princípios possuem
a dimensão do valor. Oprincípio pode ser válido para uma determinada relação concreta, um pro-
blema legal, mas não estipula uma solução particular. E quem houver de tomar a decisão levará
em conta todos os princípios envolvidos, elegendo um deles, o que não implica na invalidade do

Assim, é o critério do peso que deine a diferença entre uma regra ou princípio (DWORKIN,
outro.

1978, p. 27). A solução quando princípios estão envolvidos difere dos critérios fornecidos pela her-

a airmação de que os princípios colidem, ao passo que as regras são conlitantes.


menêutica tradicional, como o da especialidade ou da norma mais recente. É bastante divulgada

O critério do peso exige a análise de acordo com as peculiaridades e circunstâncias do caso


concreto, estabelecendo-se entre os princípios uma relação de precedência condicionada.
As circunstâncias indicam as condições sob as quais um princípio precede o outro. Devem
ser observadas, porém, as condições sob as quais se produz uma lesão a um direito fundamental,
devendo tal fato ser evitado. Pesa, nesta hipótese, uma proibição “jusfundamental”.
A questão deve ser resolvida mediante uma lei de colisão, que coloca que as condições sob
as quais um princípio precede ao outro, constituindo o pressuposto de fato de uma regra que ex-
pressa a conseqüência jurídica do princípio precedente. Infere-se daí o caráter diferenciado prima
facie dos princípios, pois um princípio não determina como resolver a relação entre sua razão e
uma que lhe é oposta. Os princípios carecem de determinação com respeito aos seus contrapostos
e as possibilidades fáticas (ALEXY, 1997, p. 87-94). Para Dworkin (1978, p. 26-27), as regras váli-
das são aplicáveis na medida do tudo ou nada e os princípios contêm uma razão que indica uma
direção, mas não predeterminam uma decisão.
As regras também estão sujeitas às exceções, por vezes até dos princípios. Mas o fato é que
um princípio pode ser deixado de lado quando um oposto tem peso maior. Em contrapartida, isso
não acontece com a regra, que não é afastada quando o princípio que a “sustenta” é hierarquica-
mente inferior a outro princípio.
Tampouco com a suposição de uma carga de argumentação em benefício de um determina-
do princípio se equipara a seu caráter prima facie, bem como uma regra que traga esta carga de

razões prima facie e as regras são razões, a menos que se estabeleçam exceções, deinitivas.
argumentação libera o princípio da necessidade de condições de precedência. Os princípios são

Tecidas estas considerações, para que diante do caso concreto seja escolhida a solução mais
justa, propõe-se o uso da máxima de proporcionalidade, que envolve a avaliação da adequação, ne-
cessidade (postulado do meio mais benigno) e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação
propriamente dita). Esta máxima de proporcionalidade, em sentido estrito, é dedutível do caráter

envolva o menor prejuízo – e de adequação - adequação entre meios e ins -, referem-se às possi-
de princípio dos direitos fundamentais. Já as noções de necessidade – que preconiza a solução que

bilidades fáticas (ALEXY, 1997, p. 89-106).

apenas uma função genérica. Já as normas de direitos, liberdades e garantias teriam aplicabilidade direta.
124
O reconhecimento da preponderância dos princípios privilegia a ponderação, voltada ao caso
concreto. A interpretação é reconhecida como uma atividade criadora e, por conseguinte, são acei-

quem se reira, como Perez Luño (1996, p.14), à idéia de “direito judicial”, caracterizado pelo pro-
tos maiores espaços de discricionariedade aos operadores jurídicos e à função jurisdicional. Há

tagonismo dos magistrados na conformação do direito, para adaptá-lo às transformações sociais.

dos princípios permite redeinir as complexas relações entre direito e moral. Neste sentido, deve-se
Portanto, a incorporação de conteúdos morais na estrutura normativa constitucional através

pontuar que a distinção entre as ordens normativas constitui-se um dos parâmetros fundamentais

de princípios abriu uma ampla margem para o reconhecimento da inluência desta ordem ética
do positivismo jurídico clássico. A constitucionalização de valores morais sob a fórmula normativa

no direito positivo. Mais que espécies normativas, tem-se a centralidade dos princípios na ordem

inluência de um princípio tido como universal – a dignidade humana.


constitucional. Sob esta concepção, portanto, reabilita-se a dimensão axiológica no direito, por

4. ASPECTOS IDEOLÓGICOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO

vantes ins atribuídos ao direito, os neoconstitucionalistas defendem a necessidade de uma nova


Constatado que o positivismo metodológico não atende adequadamente aos novos e rele-

ciência comprometida com referidos aspectos. Método e ideologia estão, portanto, relacionados.
Não por acaso, Humberto Ávila (2009, p. 187) aponta fundamentos (ou características)
comuns às diversas acepções da expressão neoconstitucionalismo, que guardam entre si um en-
cadeamento lógico necessário: normativo (preferência normativa ou teórica pelos princípios, em
detrimento das regras jurídicas); metodológico (os princípios exigem, para sua aplicação, a téc-
nica da ponderação); axiológico (a ponderação demanda o privilégio da justiça particular frente
à justiça geral) e organizacional (a individualização da aplicação necessita de um judiciário forte,

É freqüente o emprego da expressão “movimento” para deinir o neoconstitucionalismo,


predominante em relação ao poder legislativo).

mostrando, entre seus principais aspectos, sua faceta ideológica, ao lado da busca por uma teo-
rização e uma metodologia diferenciadas. O objetivo, comumente apregoado, é o de operar uma
transformação da cultura jurídica (GUASTINI, 2003, p. 47-ss).
Nesta ideologia, destaca-se a preferência pela defesa dos direitos fundamentais. A limitação
do poder estatal, objetivo do constitucionalismo clássico, é posta em segundo plano, pois hoje
se exige dos poderes legislativo e judiciário a concretização dos direitos fundamentais constitu-
cionais, além da valorização dos mecanismos estatais de tutela destes. A conexão entre direito e
moral é tão forte, que autores como Alexy, Dworkin e Zagrebelsky defendem um dever moral de
obedecer a constituição e a diferença entre sua interpretação e dos demais ramos jurídicos.

lização do Estado constitucional democrático de direito”, justiicada pelo consenso em torno dos
Os juristas são exigidos a tomar uma “posição mais ativa e comprometida com a melhor rea-

valores constitucionalizados, que “dinamizariam um patriotismo constitucional a suprir a ideia de


nação” (MAIA, p. 15-16).

O positivismo cientíico, do qual a maioria dos seus autores busca se afastar, era caracterizado jus-
A construção teórica do neoconstitucionalismo, especialmente, depende desta mobilização.

tamente pelo apego à “neutralidade” e à função descritiva. Distanciar-se do positivismo redunda


na aceitação de uma ciência jurídica prescritiva, que inscreve sua relevância a partir dos compro-

A airmação de um neoconstitucionalismo ideológico, todavia, abre margem para relevan-


missos que assume (ARIZA, 2003, p. 251).

tes ponderações quanto a este projeto. Além da inevitável crítica sob o aspecto da legitimidade
democrática das suas pretensões, que deferem ao direito e suas instituições um acentuado papel
político, tem-se ainda a complexa relação entre as esferas jurídica e moral.

tuição diminuem consideravelmente o grau de certeza do direito. A airmação do direito subme-


A ponderação de princípios constitucionais e a aceitação da interpretação moral da consti-

ter-se-ia às preferências éticas do juiz individual (POZZOLO, p. 352-353).


Por isso, além de apontar os inevitáveis problemas desta “moral objetiva”, a ser aplicada pe-
los magistrados, Comanducci (2003, p. 91-3) critica a pretensão de reduzir a indeterminação do
direito por princípios que acabam por ampliá-la, ainda que tais princípios prestem-se a objetivos
125
recomendáveis.
A individualização das decisões, por sua vez, pode comprometer a função da justiça geral,
que assegura uniformidade de tratamento e estabilidade do sistema, cujo princípio da segurança
jurídica depende de inteligibilidade, estabilidade e previsibilidade (ÁVILA, 2009, p. 199).

5. O “CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO DA EFETIVIDADE” E O ENGAJAMENTO ACA-


DÊMICO PELA CONCRETIZAÇÃO DA PAUTA REDISTRIBUTIVA DA CONSTITUIÇÃO DE
1988
Com amparo no debate europeu, a expressão neoconstitucionalismo tornou-se freqüente no
vocabulário jurídico brasileiro. Inúmeros são os trabalhos jurídicos destinados à descrição do fe-
nômeno da constitucionalização do direito no Brasil, e suas repercussões nos mais diversos ramos
jurídicos. O trabalho de Luís Roberto Barroso, “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do
Direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil”, de 2005, publicado em incontáveis
veículos doutrinários, mostra-se um dos principais inventários do protagonismo das normas cons-
titucionais.
A discussão sobre os conteúdos constitucionais encontra respaldo no texto vigente que, am-
parado por um projeto redemocratizante, positivou os mecanismos da democracia representativa
e participativa. A previsão dos meios de canalização das expectativas da “comunidade de intérpre-
tes”, como o amplo rol de legitimados a propor ação direta de inconstitucionalidade e os mecanis-
mos de defesa popular dos direitos coletivos e difusos (ação civil pública e ação popular) ou ainda,
as possibilidades de reclamações aos poderes públicos, permitem aferir que o texto constitucional
previa os futuros embates sobre seu conteúdo.
São os instrumentos de participação previstos na CF-88 que, segundo Cittadino, asseguram
aos cidadãos o status de autores do direito, e não meros destinatários das normas jurídicas. O
trabalho de conversão dos preceitos constitucionais em realidade política é “tarefa de responsa-

tribunais, mas sobretudo do nível de pressão e mobilização política que sobre eles se izer” (CIT-
bilidade de uma cidadania juridicamente participativa que depende, é verdade, da atuação dos

TADINO, 2002, p. 37-39).


A positivação de princípios de conteúdo mais aberto e a constante remissão à posterior regu-
lamentação em lei ordinária das questões constitucionais mais palpitantes delegou alguns debates
para o futuro, na expectativa de que os arranjos políticos permitissem a concretização de algumas
daquelas normas. E, diante da complexidade da sociedade brasileira, as esperanças em torno do
resultado destes arranjos dependiam do ponto de vista defendido.
E se, no âmbito das constituições pluralistas, cada setor representa uma determinada inter-
pretação do direito, alinhada com seus interesses, no caso brasileiro, há diversos caminhos inter-

suas diretrizes e outros que procuram retirar do texto toda a carga eicacial possível. Os primeiros
pretativos na experiência posterior à promulgação da Constituição. Há setores que discordam das

recorrem às “teses e interpretações despistadoras”, e apoiados na tradição privatista, passam a


supervalorizar os textos infraconstitucionais. Já os segundos partem em busca da efetividade e
enfatizam os valores e princípios adequados às suas pautas políticas.
Desde 1988, os diversos grupos capitanearam as interpretações sobre os conteúdos consti-
tucionais. Defende-se até a existência de um “movimento político teórico” sem precedentes na
história jurídica brasileira - o “constitucionalismo brasileiro da efetividade”. O objetivo deste mo-
vimento de dimensões jurídicas e políticas é desenvolver mecanismos dogmáticos e processuais
para efetivação do texto constitucional, com a aceitação do seu caráter emancipatório. Para Cláu-
dio Pereira de Souza Neto, esta mobilização conjuga elaboração teórica e uma perspectiva de ação,

com a discussão que resultou na redeinição do instituto do Habeas Corpus, ainda no século XIX.
assumindo caráter nitidamente político. Em termos históricos, somente poderia ser comparada

Assume-se, assim, que a “luta” política pela eicácia constitucional é também uma busca jurídica

Para Raymundo Juliano Feitosa (2003, p. 253), é um relexo do constitucionalismo na Amé-


(SOUZA NETO, 2003, p. 14-17)

rica Latina, em que “as normas, ao lado de possuírem capacidade prescritiva e vinculante, são
consideradas uma expressão de desejos, ou seja, o norte, o horizonte para onde se deseja conduzir
o processo social”.
126
O interessante no direcionamento ao campo da efetividade constitucional (principalmente
dos direitos sociais) das esperanças progressistas de parte da doutrina é que a solução dos proble-
mas brasileiros, até o inicio dos anos 90, era vista sob “um discurso mais alternativo, em alguns

mentos posteriores os izeram agarrar-se à constituição, que se tornou uma espécie de âncora
casos até anti-estatal”. Como bem observa João Maurício Adeodato (2003, p. 88), “os aconteci-

das novas esperanças bem-intencionadas”. No mesmo sentido, Feitosa (FEITOSA, p. 246-247)


também critica os “exageros” na visão transformadora e até “messiânica” do texto e da jurisdição
constitucional.
O direcionamento dos anseios ao Judiciário é acompanhado pela expectativa quanto ao de-
sempenho, pela instituição, de um papel ativo na tutela dos parâmetros constitucionais, a con-
dicionar e limitar as deliberações públicas “contrárias” à natureza dos princípios e normas da lei
fundamental. Conforme acentua Campilongo (CAMPILONGO, 1994, p. 49), “o juiz não aparece
mais como o responsável pela tutela dos direitos e situações subjetivas, mas também como um dos
titulares da distribuição de recursos e da construção de equilíbrio entre interesses supra-indivi-
duais.”
Expressivos e importantes autores, amparados pelas contribuições do neoconstitucionalis-
mo, caminharam para a formulação de uma nova teoria jurídica no Brasil. Como exemplo destes
esforços, Streck (2002, p. 91-93) cataloga as mais relevantes pesquisas, a abranger diversas áreas,
que têm por escopo a reformulação dos pressupostos de estudo do direito, em aproximadamente
3 (três) páginas de seu livro.
Destacam-se as formulações de Andreas Krell (2002, p. 15) que, ao combater alguns dos ar-
gumentos levantados contra a atuação judicial, defende que a noção de uma cidadania reivindica-

Isto porque, enquanto os outros poderes são justiicados pelos processos eleitorais, o Judiciá-
tória pode sim ser compatibilizada com uma instituição apta a cumprir sua função constitucional.

rio extrairia sua legitimidade da realização dos ins prescritos no art. 3° da Constituição Federal de
1988. Esta é a posição de Jônatas Moreira de Paula (2002, p. 51-61), que airma que os princípios
do mencionado dispositivo são marcos do ordenamento e paradigma essencial para a interpreta-
ção e concretização da CF-88, o que excluiria a neutralidade dos juízes para sua implementação.
Sob referido parâmetro, quando a questão submetida à apreciação diz respeito àqueles objetivos,
deve o judiciário avaliar as escolhas do gestor público.

tuir o direito objetivo, protetivo de direito subjetivo, que se torna eicaz na eventualidade de ser
O juiz não poderia limitar-se a declarar um direito material. Se necessário for, deve consti-

so como instrumento de efetivação da ordem jurídica, pois é através dele “que se confere eicácia
cometida uma sanção jurídica em caso de descumprimento. Considera-se, deste modo, o proces-

forçada a direitos materiais espontaneamente ineicazes” (PAULA, 2002, p. 112).


Outros expoentes, como Comparato, direcionaram seustrabalhos para a análise das possibi-
lidades jurídicas de controle da atividade do Executivo, de forma a garantir que os compromissos
constitucionais sejam incorporados à prática dos poderes. O autor defende o controle de consti-
tucionalidade de políticas públicas, confrontando as regras que estruturam o desenvolvimento
da atividade administrativa e as decisões de governo com os objetivos constitucionais. A análise

também a inalidade almejada.


jurídica da decisão administrativa abrangeria os instrumentos escolhidos para a intervenção e

Segundo o autor, constatada a inconstitucionalidade da política adotada, todas as leis e atos


normativos executórios seriam atingidos, mas os atos já praticados sob a vigência da política ques-
tionada seriam preservados. Para evitar os prejuízos decorrentes da invalidação de uma política
pública em andamento, o autor propõe a viabilidade do controle prévio das decisões administra-
tivas, que teria, além do óbvio efeito desconstitutivo, natureza injuntiva ou mandamental. (COM-
PARATO, 1997, p. 21-22).
A doutrina que sustenta o controle e até a imposição coercitiva de políticas publicas pelo
Poder Judiciário, evidentemente, sofre severas críticas. Tais questionamentos freqüentemente são
respaldados pela noção de democracia, considerando que o Judiciário não detém legitimação
popular para interferir nas decisões tomadas pelos poderes majoritários, o que seria incompatível
com o sistema representativo previsto no art. 1º, parágrafo único da CF-88.
Observa-se, deste modo, que os postulados do neoconstitucionalismo, especialmente da sua
vertente ideológica, encontraram ampla aceitação nos meios jurídicos brasileiros e se converteram

127
ca, é natural que a doutrina brasileira esteja “sobredeterminada pelos inluxos especulativos das
num dos marcos para a compreensão do ordenamento jurídico pátrio. Como toda nação periféri-

culturas jurídicas mais maduras” (MAIA, p. 2). Por outro lado, o histórico de desigualdade social
e política da sociedade brasileira mostrou-se um fator de reforço do empenho pela normatividade
constitucional.
Persiste, porém, o questionamento acerca da operatividade do neoconstitucionalismo en-
quanto marco teórico aplicável à interpretação da Constituição de 1988, em confronto com as
características da norma vigente.
Nesta seara, tem-se as considerações de Humberto Ávila, no sentido de avaliar os principais
aspectos do neoconstitucionalismo. Para o autor, o fundamento normativo desta concepção con-
siste na idéia de que as constituições utilizam-se “exclusiva” ou “preferencialmente” dos princí-
pios, dando preferência a esta espécie normativa. Esta predileção do constituinte fundamentaria o

à justiça geral e, por im, num Poder Judiciário forte.


emprego da ponderação enquanto método, implicando na prevalência da justiça particular frente

A análise do texto normativo da Constituição de 1988, porém, atinge o argumento central,


pois a preferência por um modelo analítico denota a opção pelo estabelecimento de regras, com a
clara função de “eliminar ou reduzir problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle
do poder”, numa espécie de ponderação “pré-legislativa”. Tem-se, claramente, mais regras que

Assim, a tese da constituição principiológica sofreria um empecilho de ordem cientiica, que


princípios.

denota a “sobreposição de enunciados doutrinários” ao invés de descrição do sistema jurídico, o


que transformaria o neoconstitucionalismo em ideologia ou movimento, ao invés de teorização ou
método, que não esconderia, em verdade, uma certa “subserviência à doutrina estrangeira”(ÁVI-
LA, 2009, p. 189-192).

6. CONCLUSÕES: PONDERAÇÕES SOBRE AS PRETENSÕES NEOCONSTITUCIONALISTAS E


AS DIFICULDADES NA INTERPRETAÇÃO DOS DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Conforme foi possível veriicar nas linhas precedentes, o neoconstitucionalismo é um em-
preendimento acadêmico ambicioso. Propõe uma nova visão, ao descrever os ordenamentos ju-
rídicos e as conseqüências da sua constitucionalização, espelhando uma teorização e uma me-
todologia distintas. São poucos os pontos em comum entre as diversas correntes albergadas pela

traditórias. Referida fragmentação metodológica demanda a consideração das especiicidades de


expressão. Estas atendem às mais diversas tradições jurídicas e se mostram demasiadamente con-

cada um dos universos que compõem a expressão.


As teorias e métodos, nesta seara, parecem confundir-se com seu aspecto ideológico, na

terminação entre o neoconstitucionalismo ideológico e teórico conlui numa pretensão transfor-


exigência de um dever moral dos juristas com a efetividade das escolhas constitucionais. A inde-

Destaca-se, assim, a dúvida acerca da operatividade dos sistemas altamente inluenciados


madora da realidade que certamente exige a avaliação das conseqüências deste projeto.

efetividade de algumas promessas constitucionais e justiicar referido projeto, tão questionável sob
pelo discurso neoconstitucionalista, seja na sua prática ou por seus resultados, para alcançar a

Sabe-se que mesmo os defensores da normatividade constitucional têm diiculdades em


o aspecto democrático.

formular uma direção “correta” a ser considerada na abordagem dos “valores constitucionais”.
As constituições pluralistas, em seu texto normativo, obstaculizam este tipo de aproximação, ao
estabelecer uma diversidade ideológica, ou, nas palavras de Gustavo Zagrebelsky (1999; p. 13-14),
uma “proposta de soluções e co-existências possíveis”, que não pode ser traduzida num projeto
rigidamente ordenador da vida social.
Algumas destas novas constituições exprimem, ao lado da previsão de um projeto redistribu-
tivo, a defesa de interesses que são antagônicos a esta pretensão.
A Constituição Brasileira, por exemplo, caracterizada por sua riqueza programática e razões
redemocratizantes, carrega pontos de divergência, a permitir que as mais diversas expectativas,

tabelecer um projeto pré-determinado de vida em comum, optou por ratiicar suas condições de
decisões e doutrinas sejam criadas em seu nome. Isto porque o constituinte, que não podia es-

128
realização, adotando certo relativismo em alguns dos seus preceitos. A norma superior, assim, é
vista como uma plataforma a garantir legitimidade para que cada um dos setores sociais inicie a
competição para imprimir ao Estado uma orientação (ZAGREBELSY, 1999, p. 13-14).
Não se pode prever qual aspecto será ressaltado na atividade interpretativa dos tribunais e
demais agentes jurídicos, o que põe à prova os pressupostos de submissão da atividade política ao

ras da concretização de um projeto constitucional essencialmente indeinido quanto aos seus ins.
direito, por vezes movidos pelo bem-intencionado interesse em atingir as vantagens transformado-

parece impedir a deinição de uma “teoria adequada” para a interpretação. No caso brasileiro, tra-
A amplitude do universo constitucional compreende uma fragmentação metodológica que

ta-se apenas de uma conseqüência de uma sociedade complexa. Nestes termos, a defesa de uma
materialidade constitucional não dispõe de elementos aptos a garantir a efetivação de determina-
dos direitos em detrimento de outros.
A caracterização neoconstitucionalista, ao promover a relevância das normas constitucio-
nais, sem a necessária consideração destes aspectos, assume o risco de se desvencilhar da sua
pretensão descritiva dos ordenamentos jurídicos, numa confusão entre o aspecto simbólico-dis-
cursivo e sua prática jurídica. Referidos fatores, se não considerados, repercutem precisamente
nas condições de concretização deste projeto.

REFERÊNCIAS
ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira: situação e limites. SCAFF, Fer-
nando Facury (org.). Constitucionalizando direitos: 15 anos da Constituição Brasileira de 1988.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 75-96.
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucio-
nales, 1997.
ARIZA, Santiago Sastre. La ciencia jurídica ante el neoconstitucionaismo. In: CARBONELL, Mi-
guel (org.). Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Trotta, 2003, p. 239-258.
ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel & BINENBOJM, Gustavo (orgs.). Vinte
Anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 187-202.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio Janeiro: Forense, 1984.
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tar-
dio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005. Dispo-
nível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em: 16 jan. 2007.
BERCOVICI, Gilberto. A constituição dirigente e a crise da teoria da constituição. BERCOVICI,
Gilberto et al. Teoria da constituição: estudos sobre o lugar da política no direito constitucional.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 75-150.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina,
2000.
CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado.
Porto Alegre: SAFE, 1992.

constitucional”. Revista Española de Derecho Constitucional, a. 6, n. 17, p. 9-47, mayo/ago, 1996.


CAPPELLETTI, Mauro. ¿Renegar de Montesquieu? La expansión y la legitimidad de la “justicia

CITTADINO, Gisele. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação de


poderes. VIANNA, Luiz Werneck (org.). A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte:
UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ, 2002, p. 17-42.
129
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: SAFE, 1997.
COMANDUCCI, Paolo. Formas de (Neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBO-
NELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Trotta, 2003, p. 75-98.
CAMPILONGO, Celso. Os desaios do Judiciário: um enquadramento teórico. In: FARIA, José
Eduardo (org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça.São Paulo: Malheiros, 1994, p. 30-51.
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas.
Revista dos Tribunais. São Paulo,a. 86, v. 737, p. 11-22, mar. 1997.
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 1999.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
FEITOSA, Raymundo Juliano. Quinze anos da Constituição de 1988: o “fetichismo” como limite
às possibilidades de concretização da Constituição Federal de 1988. SCAFF, Fernando Facury
(org). Constitucionalizando direitos:15 anos da Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 241-256.
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias – la ley del más débil.Madrid: Trotta, 2000.
FERRAJOLI, Luigi. Juspositivismo crítico y democracia constitucional. Disponível em: http://
www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/90250622101470717765679/isonomia16/isono-
mia16_01.pdf. Acesso em: 02 nov 2009.
FIGUEROA, Alfonso Garcia. La teoría del Derecho en tiempos del constitucionalismo. In: CAR-
BONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo (s). Madrid: Trotta, 2003, p. 159-186.
GUASTINI, Ricardo. La constitucionalización del ordenamiento jurídico: el caso italiano. In: CAR-
BONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo (s).Madrid: Trotta, 2003, p. 49-73.
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional “comparado”.Porto Alegre: Safe, 2002.
MAIA, Antonio Cavalcanti. As transformações dos sistemas jurídicos contemporâneos: aponta-
mentos acerca do neoconstitucionalismo. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-
bin/upload/Texto1159(2).pdf Acesso em 15 mar 2008.
PAULA, Jônatas Moreira de. A jurisdição como elemento de inclusão social.Barueri: Manole, 2002.
PEREZ LUÑO, Antonio E. Derechos humanos y constitucionalismo en la actualidad: ¿continui-
dad o cambio de paradigma?. In: PEREZ LUÑO, Antonio E. (coord.). Derechos humanos y cons-
titucionalismo ante el tercer milenio.Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 11-52.
POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo y Especiicidad de la Interpretación Constitucional.
Disponível em:http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/23582844322570740087891/
cuaderno21/volII/DOXA21Vo.II_25.pdf. Acesso em: 12ago2008.
SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia constitucional y derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2003.
SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desaios da iltragem constitucional no momento do neoconstitu-
cionalismo. Disponível em: www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 12dez2008.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria da constituição, democracia e igualdade. BERCOVICI,
Gilberto et al. Teoria da constituição: estudos sobre o lugar da política no direito constitucional.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 1-73.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova critica do direito.Porto

130
Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
ZAGREBELSY, Gustavo. El derecho dúctil:ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta, 1999.

131

Você também pode gostar