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Jurisdição, Processo e
Direitos Humanos
Editora: APPODI
ISBN: 978-85-64680-03-6
CDU 342.7(81)
“MOVIMENTO BRASILEIRO DA EFETIVIDADE CONSTITUCIO-
NAL”: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ADOÇÃO DOS POS-
TULADOS NEOCONSTITUCIONALISTAS NO BRASIL
Nos países iliados à tradição romano-germânica, este modelo fortaleceu-se com a redemo-
superior como norma estruturadora da produção do direito.
cratização da Europa após a Segunda Grande Guerra. Além da previsão de constituições extensas,
foram concebidos os tribunais constitucionais, aptos a assegurar os valores nelas inscritos.
Diante do sucesso europeu e do fortalecimento da Suprema Corte Norte-Americana, a “re-
volução constitucional” (CAPPELLETTI, 1996, p. 14-15) irradiou-se pelo Ocidente e, juntamente
com a expansão da economia de mercado, é considerada um fenômeno mundial, a abranger dis-
tintas tradições jurídicas.
O presente texto insere-se neste debate e pretende avaliar o constitucionalismo a partir da
sua expressão teórica nos países de tradição ibérica – a festejada fórmula neoconstitucionalista,
que busca compreender – ou promover – a aceitação da preponderância constitucional enquanto
alicerce das instituições estatais, a determinar as condições de exercício do poder político.
O constitucionalismo, além de seus aspectos descritivos, parece pretender mais. Constitui-
ria um “movimento” de matizes ideológicos, teóricos e metodológicos (COMANDUCCI, 2003, p.
76), cujo objetivo é operar uma transformação da cultura jurídica, para fazer frente ao fenômeno
da constitucionalização dos ordenamentos nacionais. Intenta, ainda, avaliar as repercussões da
sua proposta na prática dos tribunais e demais atores jurídicos e até nas demais relações sociais
(GUASTINI, 2003, p. 49).
1 Doutora em Direito pela UFPE (2012). Mestre em Direito pela UFPE (2006). Advogada da União, com exercício
na Procuradoria Regional da União - 5ª Região. Professora da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
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As contribuições dos autores identiicados com o neoconstitucionalismo tiveram enorme
acolhida entre os doutrinadores brasileiros, que vislumbram na concretização de parte dos direitos
previstos na Constituição de 1988 a oportunidade de romper com a tradição de desigualdades que
caracteriza a sociedade brasileira. Não por acaso, Cláudio Pereira de Souza Neto (2003, p. 14)
observa uma mobilização jurídica e política, cujo objetivo é desenvolver mecanismos dogmáticos e
processuais para concretização do texto constitucional, ao qual denominou de “constitucionalis-
mo brasileiro da efetividade”.
Em detrimento dos louváveis objetivos deste comprometimento teórico, defende-se aqui a
necessidade de analisar a validade teórica e a operatividade dos postulados neoconstitucionalistas.
Assim, busca-se avaliar a adoção deste movimento pelos constitucionalistas brasileiros e a corres-
pondência das suas pretensões com as características do texto constitucional vigente no Brasil.
ticas e ilosóicas que a nortearam, em extensa e variada produção teórica jurídica. Como visto,
A experiência constitucionalista do século XX é assentada, ao lado das perspectivas polí-
nos meios acadêmicos ibero-americanos, o conjunto de teorias que intentam uma reaproximação
entre as dimensões descritiva e prescritiva na Teoria Geral do Direito (ARIZA, 2003, 164-ss) é
denominado preferencialmente de neoconstitucionalismo.
Como assevera Paolo Comanducci (2003, p. 75), os termos “constitucionalismo” e “neo-
constitucionalismo” são bastante ambíguos e se prestam a representar uma teoria e/ou ideologia
uso destes sentidos mostra-se suiciente para delinear a diferença entre neoconstitucionalismo e
e/ou método de análise do direito, além de modelos constitucionais. Segundo o autor, o mero
constitucionalismo, pois este seria uma ideologia, talvez respaldada no jusnaturalismo, mas que
não constituía uma Teoria do Direito. Tampouco exibia uma pretensão metodológica, num período
marcado pelo positivismo jurídico. Em contrapartida, o neoconstitucionalismo caracteriza-se por
esta dimensão tríplice: ideologia, teoria e metodologia.
Numa concepção preliminar, tem-se que o neoconstitucionalismo refere-se a determinados
aspectos estruturais, que repercutem numa renovada cultura jurídica. Implica, primordialmente,
numa noção forte da intervenção jurídica, e se caracteriza pela aceitação de uma “constituição in-
vasora”, que impregna gradualmente toda a legislação e acaba por transformar o sistema jurídico.
Isto porque a implementação parcial ou integral das condições necessárias para a sua realização
dá-se segundo um processo histórico que pode ser mais ou menos longo, cambiante de acordo com
o sistema jurídico estudado.
Riccardo Guastini, ao enumerar as condições que determinado sistema deve satisfazer para
ser considerado “impregnado” pela normativa constitucional, assevera a existência de condições
necessárias para esta constatação, ao lado de outras que permitem aferir a intensidade desta
constitucionalização. Assim, a previsão de uma constituição rígida e da sua garantia jurisdicional
são das instâncias judiciais no processo político denotam um ordenamento altamente inluenciado
é pressuposto indispensável. Já o reconhecimento da força normativa da constituição e a repercus-
cionais não podem ser derrogadas, modiicadas ou ab-rogadas por quaisquer outros dispositivos.
normas do ordenamento e determina os conteúdos da legislação ordinária2. As normas constitu-
2 “Uma das perspectivas que ganha força é a da denominada “iltragem constitucional”, que reconhece a pree-
minência normativa da constituição frente às demais normas do ordenamento jurídico. Fala-se, nesta seara, numa
unidade formal do sistema, com o reconhecimento do aspecto hierárquico-normativo, como numa unidade material
ou axiológica, que remete a interpretação de qualquer instituto jurídico ao parâmetro constitucional.” (SCHIER,
2008, p. 3)
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decorre do seu alcance mais amplo, em virtude dos objetivos colimados e dos valores nelas implí-
citos. Estas peculiaridades redundaram, inclusive, na (re)formulação de uma Teoria da Constitui-
pios ou critérios gerais de valoração, e seu conteúdo depende da densiicação e concretização por
Como lembra Inocêncio Mártires Coelho (1997, p. 78), as constituições enunciam princí-
parte do intérprete aplicador, que deve exercer uma atuação criativa, adequando-se às mutações
dos valores nelas expressos (CAPPELLETTI, 1992, p. 130). Constata-se, conseqüentemente, um
grande esforço da doutrina juspublicista em trazer novos elementos para a formação de uma
tura ou conteúdo normativo - permite sua aplicação direta em alguns momentos, a garantir sua
efetividade sem intervenção de qualquer órgão legislativo.
públicas – estatais ou não – estariam submetidas aos inafastáveis conteúdos constitucionais. Isto
porque os direitos fundamentais nelas previstos, que formam uma espécie de núcleo intangível
do Estado, representariam uma “esfera” do que pode ser decidido ou não, e podem “legitimar” ou
nal de um determinado sistema político e/ou seu ordenamento jurídico tornar(em) efetivos os
direitos fundamentais (FERRAJOLI, 2000, p. 22-25).
importantes decisões acerca de determinado grupo social, deve ter sua força normativa airmada
Ao mesmo tempo, a constituição, ao exigir esta “guarda” especial, por abrigar em seu texto
regras que favorece e fortalece a imperatividade dos seus mandamentos (SANCHÍS, 2003, p. 101,
ss).
Esta construção teórica redunda na supervalorização do Direito Constitucional, ramo ju-
para entender a expansão do direito nas sociedades ocidentais, que se restringiria, nos moldes tra-
dicionais, tão-somente a reproduzir as normas jurídicas, sem atentar para seu necessário caráter
Deste modo, o neoconstitucionalismo signiica uma ruptura com os padrões jurídicos co-
prospectivo.
nhecidos, e impõe uma nova visão. Como bem expõe Luigi Ferrajoli (2000, p. 23-34), um dos seus
maiores expoentes, a partir da descrição do seu parâmetro garantista para o direito,
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do direito, que inegavelmente guarda um amparo ideológico, no sentido da defesa das potenciali-
(ou o conjunto de métodos que compõem esta pretensão) e sua inluência ideológica.
dêmico, nos próximos itens passa-se à análise de dois aspectos desta teorização: sua metodologia
cionalizado. Todavia, há divergências quanto à forma de abordagem destes sistemas. Como alerta
método – mas um objeto modiicado – do positivismo; ao passo que outros autores defendem uma
Paolo Comanducci (2003, p. 83-87), alguns entendem que o neoconstitucionalismo tem o mesmo
diversiicado. A Teoria do Direito deve aceitar os valores ínsitos às normas positivadas e a interfe-
ral-burguesa – na compreensão dos ordenamentos permeados por um projeto moral e ideológico
rência dos juízos morais na interpretação. Por im, cabe-lhe revelar o caráter preponderantemente
tivista e tem como uma de suas idéias-chave a superação da dicotomia direito natural x direito
positivo (BONAVIDES, 1999, p. 258). Defende, também, a normatividade dos princípios jurídicos,
Assim, a norma jurídica pode ser geral (estabelecida para uma ininidade de atos) ou espe-
que antes eram vistos como enunciados de cunho suprapositivo ou derivações da lei.
cial (rege tão-somente atos ou fatos). O princípio é geral porque comporta uma série indeinida
de aplicações.
O reconhecimento da normatividade dos princípios os situa como espécie do gênero norma
jurídica, juntamente com as regras, ocupando um papel de superioridade frente a estas. Esta é a
perspectiva adotada por Robert Alexy e Ronald Dworkin, cujos principais trabalhos são constante-
mente citados pelos autores neoconstitucionalistas.
Regras e princípios explicitam um dever ser, podendo ser formulados com a ajuda das ex-
pressões deontológicas de mandato, permissão e proibição4, sendo razões e juízos concretos
3 Interessa notar que Paolo Comanducci (2003, p. 88) entende que Ferrajoli assinala um conteúdo normativo para
a ciência jurídica, recaindo numa adesão ao neoconstitucionalismo ideológico. A ciência jurídica, ademais, abrangeria
a Dogmática Jurídica e a Teoria do Direito, que passam a exercer um papel político, incompatível com um modelo
explicativo. O modelo de Ferrajoli seria ideal, o que lhe afasta de uma abordagem teórica do direito.
4 Diversamente, Canotilho (2000, p. 1052) defende que as regras implicam em mandatos, pois os princípios teriam
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vinculatividade, pois são autênticas normas, que obrigam e têm eicácia positiva – conduzem a
(ALEXY, 1997, p. 83). Assim, a normatividade dos princípios está assentada na sua positividade,
determinadas soluções em cada caso, segundo a inalidade perseguida - e negativa sobre compor-
tamentos públicos ou privados. Sabe-se que as decisões, regras ou mesmo subprincípios que se
contraponham a princípios serão inválidos, por contraste normativo (ESPÍNDOLA, 1999, p. 59).
gica, os valores ou ins – conforme prefere denominá-los Dworkin. Osprincípios e valores são geral-
Ao lado dos princípios e regras, as normas jurídicas ainda comportam uma dimensão axioló-
reportar aos valores e vice-versa. Airma-se, até, que o cumprimento gradual dos princípios tem
mente relacionados. Os tribunais constitucionais, quando se referem aos princípios, costumam-se
Os princípios são reconhecidos como mandados de otimização, pois seu cumprimento de-
pende das necessidades reais e das jurídicas (ALEXY, 1997, p. 86). Somente os princípios possuem
a dimensão do valor. Oprincípio pode ser válido para uma determinada relação concreta, um pro-
blema legal, mas não estipula uma solução particular. E quem houver de tomar a decisão levará
em conta todos os princípios envolvidos, elegendo um deles, o que não implica na invalidade do
Assim, é o critério do peso que deine a diferença entre uma regra ou princípio (DWORKIN,
outro.
1978, p. 27). A solução quando princípios estão envolvidos difere dos critérios fornecidos pela her-
razões prima facie e as regras são razões, a menos que se estabeleçam exceções, deinitivas.
argumentação libera o princípio da necessidade de condições de precedência. Os princípios são
Tecidas estas considerações, para que diante do caso concreto seja escolhida a solução mais
justa, propõe-se o uso da máxima de proporcionalidade, que envolve a avaliação da adequação, ne-
cessidade (postulado do meio mais benigno) e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação
propriamente dita). Esta máxima de proporcionalidade, em sentido estrito, é dedutível do caráter
envolva o menor prejuízo – e de adequação - adequação entre meios e ins -, referem-se às possi-
de princípio dos direitos fundamentais. Já as noções de necessidade – que preconiza a solução que
apenas uma função genérica. Já as normas de direitos, liberdades e garantias teriam aplicabilidade direta.
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O reconhecimento da preponderância dos princípios privilegia a ponderação, voltada ao caso
concreto. A interpretação é reconhecida como uma atividade criadora e, por conseguinte, são acei-
quem se reira, como Perez Luño (1996, p.14), à idéia de “direito judicial”, caracterizado pelo pro-
tos maiores espaços de discricionariedade aos operadores jurídicos e à função jurisdicional. Há
dos princípios permite redeinir as complexas relações entre direito e moral. Neste sentido, deve-se
Portanto, a incorporação de conteúdos morais na estrutura normativa constitucional através
pontuar que a distinção entre as ordens normativas constitui-se um dos parâmetros fundamentais
de princípios abriu uma ampla margem para o reconhecimento da inluência desta ordem ética
do positivismo jurídico clássico. A constitucionalização de valores morais sob a fórmula normativa
no direito positivo. Mais que espécies normativas, tem-se a centralidade dos princípios na ordem
ciência comprometida com referidos aspectos. Método e ideologia estão, portanto, relacionados.
Não por acaso, Humberto Ávila (2009, p. 187) aponta fundamentos (ou características)
comuns às diversas acepções da expressão neoconstitucionalismo, que guardam entre si um en-
cadeamento lógico necessário: normativo (preferência normativa ou teórica pelos princípios, em
detrimento das regras jurídicas); metodológico (os princípios exigem, para sua aplicação, a téc-
nica da ponderação); axiológico (a ponderação demanda o privilégio da justiça particular frente
à justiça geral) e organizacional (a individualização da aplicação necessita de um judiciário forte,
mostrando, entre seus principais aspectos, sua faceta ideológica, ao lado da busca por uma teo-
rização e uma metodologia diferenciadas. O objetivo, comumente apregoado, é o de operar uma
transformação da cultura jurídica (GUASTINI, 2003, p. 47-ss).
Nesta ideologia, destaca-se a preferência pela defesa dos direitos fundamentais. A limitação
do poder estatal, objetivo do constitucionalismo clássico, é posta em segundo plano, pois hoje
se exige dos poderes legislativo e judiciário a concretização dos direitos fundamentais constitu-
cionais, além da valorização dos mecanismos estatais de tutela destes. A conexão entre direito e
moral é tão forte, que autores como Alexy, Dworkin e Zagrebelsky defendem um dever moral de
obedecer a constituição e a diferença entre sua interpretação e dos demais ramos jurídicos.
lização do Estado constitucional democrático de direito”, justiicada pelo consenso em torno dos
Os juristas são exigidos a tomar uma “posição mais ativa e comprometida com a melhor rea-
O positivismo cientíico, do qual a maioria dos seus autores busca se afastar, era caracterizado jus-
A construção teórica do neoconstitucionalismo, especialmente, depende desta mobilização.
tes ponderações quanto a este projeto. Além da inevitável crítica sob o aspecto da legitimidade
democrática das suas pretensões, que deferem ao direito e suas instituições um acentuado papel
político, tem-se ainda a complexa relação entre as esferas jurídica e moral.
tribunais, mas sobretudo do nível de pressão e mobilização política que sobre eles se izer” (CIT-
bilidade de uma cidadania juridicamente participativa que depende, é verdade, da atuação dos
suas diretrizes e outros que procuram retirar do texto toda a carga eicacial possível. Os primeiros
pretativos na experiência posterior à promulgação da Constituição. Há setores que discordam das
com a discussão que resultou na redeinição do instituto do Habeas Corpus, ainda no século XIX.
assumindo caráter nitidamente político. Em termos históricos, somente poderia ser comparada
Assume-se, assim, que a “luta” política pela eicácia constitucional é também uma busca jurídica
rica Latina, em que “as normas, ao lado de possuírem capacidade prescritiva e vinculante, são
consideradas uma expressão de desejos, ou seja, o norte, o horizonte para onde se deseja conduzir
o processo social”.
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O interessante no direcionamento ao campo da efetividade constitucional (principalmente
dos direitos sociais) das esperanças progressistas de parte da doutrina é que a solução dos proble-
mas brasileiros, até o inicio dos anos 90, era vista sob “um discurso mais alternativo, em alguns
mentos posteriores os izeram agarrar-se à constituição, que se tornou uma espécie de âncora
casos até anti-estatal”. Como bem observa João Maurício Adeodato (2003, p. 88), “os aconteci-
Isto porque, enquanto os outros poderes são justiicados pelos processos eleitorais, o Judiciá-
tória pode sim ser compatibilizada com uma instituição apta a cumprir sua função constitucional.
rio extrairia sua legitimidade da realização dos ins prescritos no art. 3° da Constituição Federal de
1988. Esta é a posição de Jônatas Moreira de Paula (2002, p. 51-61), que airma que os princípios
do mencionado dispositivo são marcos do ordenamento e paradigma essencial para a interpreta-
ção e concretização da CF-88, o que excluiria a neutralidade dos juízes para sua implementação.
Sob referido parâmetro, quando a questão submetida à apreciação diz respeito àqueles objetivos,
deve o judiciário avaliar as escolhas do gestor público.
tuir o direito objetivo, protetivo de direito subjetivo, que se torna eicaz na eventualidade de ser
O juiz não poderia limitar-se a declarar um direito material. Se necessário for, deve consti-
so como instrumento de efetivação da ordem jurídica, pois é através dele “que se confere eicácia
cometida uma sanção jurídica em caso de descumprimento. Considera-se, deste modo, o proces-
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ca, é natural que a doutrina brasileira esteja “sobredeterminada pelos inluxos especulativos das
num dos marcos para a compreensão do ordenamento jurídico pátrio. Como toda nação periféri-
culturas jurídicas mais maduras” (MAIA, p. 2). Por outro lado, o histórico de desigualdade social
e política da sociedade brasileira mostrou-se um fator de reforço do empenho pela normatividade
constitucional.
Persiste, porém, o questionamento acerca da operatividade do neoconstitucionalismo en-
quanto marco teórico aplicável à interpretação da Constituição de 1988, em confronto com as
características da norma vigente.
Nesta seara, tem-se as considerações de Humberto Ávila, no sentido de avaliar os principais
aspectos do neoconstitucionalismo. Para o autor, o fundamento normativo desta concepção con-
siste na idéia de que as constituições utilizam-se “exclusiva” ou “preferencialmente” dos princí-
pios, dando preferência a esta espécie normativa. Esta predileção do constituinte fundamentaria o
efetividade de algumas promessas constitucionais e justiicar referido projeto, tão questionável sob
pelo discurso neoconstitucionalista, seja na sua prática ou por seus resultados, para alcançar a
formular uma direção “correta” a ser considerada na abordagem dos “valores constitucionais”.
As constituições pluralistas, em seu texto normativo, obstaculizam este tipo de aproximação, ao
estabelecer uma diversidade ideológica, ou, nas palavras de Gustavo Zagrebelsky (1999; p. 13-14),
uma “proposta de soluções e co-existências possíveis”, que não pode ser traduzida num projeto
rigidamente ordenador da vida social.
Algumas destas novas constituições exprimem, ao lado da previsão de um projeto redistribu-
tivo, a defesa de interesses que são antagônicos a esta pretensão.
A Constituição Brasileira, por exemplo, caracterizada por sua riqueza programática e razões
redemocratizantes, carrega pontos de divergência, a permitir que as mais diversas expectativas,
tabelecer um projeto pré-determinado de vida em comum, optou por ratiicar suas condições de
decisões e doutrinas sejam criadas em seu nome. Isto porque o constituinte, que não podia es-
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realização, adotando certo relativismo em alguns dos seus preceitos. A norma superior, assim, é
vista como uma plataforma a garantir legitimidade para que cada um dos setores sociais inicie a
competição para imprimir ao Estado uma orientação (ZAGREBELSY, 1999, p. 13-14).
Não se pode prever qual aspecto será ressaltado na atividade interpretativa dos tribunais e
demais agentes jurídicos, o que põe à prova os pressupostos de submissão da atividade política ao
ras da concretização de um projeto constitucional essencialmente indeinido quanto aos seus ins.
direito, por vezes movidos pelo bem-intencionado interesse em atingir as vantagens transformado-
parece impedir a deinição de uma “teoria adequada” para a interpretação. No caso brasileiro, tra-
A amplitude do universo constitucional compreende uma fragmentação metodológica que
ta-se apenas de uma conseqüência de uma sociedade complexa. Nestes termos, a defesa de uma
materialidade constitucional não dispõe de elementos aptos a garantir a efetivação de determina-
dos direitos em detrimento de outros.
A caracterização neoconstitucionalista, ao promover a relevância das normas constitucio-
nais, sem a necessária consideração destes aspectos, assume o risco de se desvencilhar da sua
pretensão descritiva dos ordenamentos jurídicos, numa confusão entre o aspecto simbólico-dis-
cursivo e sua prática jurídica. Referidos fatores, se não considerados, repercutem precisamente
nas condições de concretização deste projeto.
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