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Hermenêutica e

Direitos Humanos

Fabiano Melo e Filipe Augusto Caetano Sancho


JUR0210_v2.0
Apresentação da disciplina

Essa disciplina propõe o estudo dos principais aspectos concernentes à


relação dialógica entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional dos
Direitos Humanos. Para tanto, estudar-se-á, em um primeiro momento,
sobre as principais temáticas concernentes à hermenêutica constitucional
para, na etapa ulterior, desenvolver a teoria geral dos direitos humanos e
o diálogo entre o sistema jurídico brasileiro e a proteção internacional aos
direitos humanos. Trata-se de articular duas dimensões no estudo da Cons-
tituição, tanto no plano interno, com as suas singularidades no processo de
interpretação das normas constitucionais, como as suas relações no tabuleiro
internacional, por meio do diálogo e interação com os sistemas supranacio-
nais de proteção aos direitos da pessoa humana.

Com efeito, na primeira aula, delinear-se-á alguns dos principais aspectos


do constitucionalismo contemporâneo, com abordagem das teorias dos
autores Ronald Dworkin e Robert Alexy. Um aspecto central será a discussão
dos métodos de solução de conflitos entre normas constitucionais. A par
das principais leituras contemporâneas, adentra-se nas proposições críticas
formuladas pelo jurista brasileiro Lênio Streck.

Na aula seguinte, o cerne será a hermenêutica constitucional, notada-


mente os delineamentos sobre a importância dos métodos de interpretação
das normas constitucionais. Para tanto, uma abordagem dos princípios e dos
principais métodos de interpretação das normais constitucionais.

Na terceira aula, tem-se a propedêutica de uma teoria geral dos direitos


humanos, com o conjunto de elementos, características e fundamentações
que constituem o arcabouço da concepção contemporânea desses direitos.
O cerne será fornecer os principais elementos para a compreensão desses
direitos com as principais definições; terminologias associadas; fundamen-
tações filosóficas; conteúdo das dimensões de direitos; e as características
contemporâneas dos direitos humanos.

Por fim, uma discussão sobre a inserção do Brasil no sistema interna-


cional de proteção aos Direitos Humanos. Em um primeiro momento, uma
análise da Constituição de 1988 e as relações e instrumentos de interface
com a realidade internacional. É preciso destacar que, com a redemocra-
tização, o Brasil passou a ser signatário dos principais tratados e conven-
ções internacionais sobre direitos humanos. Esse fato proporcionou a aber-
tura do nosso sistema jurídico para o sistema global de direitos humanos
das Nações Unidas e o sistema regional de direitos humanos, da Organi-
zação dos Estados Americanos. Essa abertura, por sua vez, trouxe uma
série de desafios para os juristas brasileiros no processo de interpretação e
diálogo entre os sistemas de proteção e, em especial, na responsabilidade do
Estado brasileiro na proteção aos direitos humanos, inclusive sendo acionado
por meio de demandas contenciosas em instâncias internacionais, como as
condenações na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Estes são, em
síntese, os desafios dessa disciplina!

Bons estudos!
Autoria: Fabiano Melo Gonçalves de Oliveira e Filipe Augusto Caetano Sancho
Leitora Crítica: Juliana Caramigo Gennarini
Como citar este documento: Oliveira, Fabiano Melo Gonçalves de. Sancho, Filipe Augusto
Caetano. Hermenêutica .e Direitos Humanos. Valinhos: 2020.

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Sumário

TEMA 1

Princípios e regras constitucionais 06

TEMA 2

Hermenêutica constitucional 26

TEMA 3

Teoria geral dos direitos humanos 48

TEMA 4

O Brasil e o sistema internacional de direitos humanos 67


1
Princípios e regras
constitucionais
1. Objetivos
• Analisar as normas constitucionais de acordo com o constitucionalismo contemporâneo, em

especial a força normativa da Constituição.

• Identificar as espécies de normas constitucionais, com foco na reflexão sobre as diferenças

entre regras e princípios a partir das teorias de Ronald Dworkin e Robert Alexy.

• Observar os métodos de solução de colisão entre as normas constitucionais.

• Refletir acerca das críticas propostas por Lenio Streck a partir da análise do constitucionalismo

contemporâneo, em especial, a teoria da ponderação de Robert Alexy.

2. Introdução
A presente aula tratará das normas constitucionais no contexto contemporâneo. Neste sentido, par-

te-se de uma das ocorrências mais importantes do século XX no âmbito do Direito Constitucional: a

atribuição do status de norma jurídica à Constituição.

Nasce, assim, a ideia de força normativa da Constituição, como um documento supremo e pro-

tegido por instrumentos efetivos de controle de constitucionalidade, o que gera, com efeito, uma

ampliação do poder relativo à jurisdição constitucional.

A partir da força impositiva das normas constitucionais, postulados ético-morais ganham força vin-

culativa e passam a ser objeto de definição pelos juízes incumbidos desta jurisdição.

Consolidou-se na Teoria do Direito, em especial no que se refere ao Direito Constitucional, que o gênero

“normas jurídicas” comporta, em meio a outras definições, duas grandes espécies: regras e princípios.

Dworkin e Alexy buscaram esclarecer que a distinção entre regras e princípios não se refere sim-

plesmente ao grau da norma, sendo, primeiramente, de ordem qualitativa.

Será analisada, assim, nesta aula, a posição de Ronald Dworkin, segundo a qual princípios e regras

possuem uma distinção de natureza lógica, os dois correspondem a conjuntos de padrões que apon-

tam para decisões particulares acerca da obrigação em circunstâncias específicas, mas diferenciam-se

quanto à natureza da orientação que oferecem.

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De igual forma, a teoria de Robert Alexy que diferencia princípios e regras tem como ponto mais

importante o fato de que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior

medida possível dentro das possibilidades, sendo, para o autor, “mandamentos de otimização”.

Tal diferenciação entre princípios e regras se torna importante para compreender os casos de coli-

sões entre princípios e conflitos de regras, que serão analisados no decorrer desta aula.

Por fim, visando ampliar a análise do tema, será observada a posição de Lenio Streck e sua crítica

às inovações do constitucionalismo contemporâneo, em especial a análise do autor sobre a errônea

aplicação da teoria da ponderação de Alexy no Brasil e a discricionariedade judicial, o panprincipiolo-

gismo e o ativismo judicial proveniente desta aplicação.

3. Normas constitucionais
Uma das ocorrências mais importantes do século XX, no âmbito do Direito Constitucional, é o reco-
nhecimento do status de norma jurídica à Constituição. Não se fala mais em norma constitucional ape-
nas com caráter essencialmente político ou apenas como um convite à atuação, como norma apenas
dirigente. Até então, nas palavras de Barroso (2015), vigorava a centralidade da lei e a supremacia do
Parlamento, mas após a Segunda Grande Guerra Mundial, veio a se difundir e, hoje, a prevalecer, a
ideia de força normativa da Constituição como um documento supremo e protegido por instrumentos
efetivos de controle de constitucionalidade. O autor pontua, neste sentido, que a partir desta força
normativa da constituição resultam três consequências relevantes: a) a aplicação direta e imediata
das normas constitucionais às situações que comtempla, em especial as normas referentes à proteção
e promoção dos direitos fundamentais; b) as normas constitucionais funcionam como parâmetro de
validade das demais normas jurídicas do ordenamento, controle que pode ser submetido ao crivo das
cortes constitucionais, comum na maior parte das democracias ocidentais e c) as normas constitucio-
nais devem pautar o intérprete e aplicador do direito no momento de determinar o alcance e o sentido
das normas infraconstitucionais, pautando a argumentação jurídica a ser desenvolvida.
Nas palavras de Mendes (2017), é marca do instante atual a superioridade da Constituição, à
qual se subordinam todos os poderes, garantindo-se mecanismos de controle de constitucionalidade.
Além disso, a constituição absorve valores morais e políticos, em especial num sistema de direitos

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fundamentais autoaplicáveis. Há, assim, uma ampliação do poder relativo à jurisdição constitucional
em relação às deliberações políticas de órgãos de cunho representativo, isso em razão da materializa-
ção da constituição e da força impositiva das normas constitucionais. Neste sentido, postulados éti-
co-morais ganham força vinculativa e passam a ser objeto de definição pelos juízes incumbidos desta
jurisdição, que nem sempre dispõem de critérios objetivos de fundamentação, preestabelecidos pelo
próprio ordenamento jurídico. Aos fatores apontados, diversos autores dão o nome de “neoconstitu-
cionalismo”.
Consolidou-se na Teoria do Direito, em especial no que se refere ao Direito Constitucional, que o
gênero “normas jurídicas” comporta, em meio a outras definições, duas grandes espécies: regras e
princípios.
Alexy (2008, p. 87) define a norma como “razões para juízos concretos de dever-ser”, assim, tanto
as regras como os princípios são normas jurídicas, pois ambos dizem o que deve ser, ainda que de
espécies muito diferentes, a distinção entre regras e princípios, com efeito, é uma distinção entre duas
espécies de normas.
Nas palavras de Barroso (2015, p. 238-239), trata-se de uma distinção qualitativa essencial no
direito contemporâneo, principalmente a partir do reconhecimento da atribuição de normatividade aos
princípios constitucionais. Nas palavras do autor, os princípios constitucionais são a porta pela qual os
valores “passam do plano ético para o mundo jurídico” e são alçados ao centro do sistema jurídico,
irradiando-se para todo o ordenamento, influenciando diretamente a interpretação e aplicação do
direito e, segundo o autor, permitindo uma leitura moral do Direito.
Neste mesmo sentido, para Mendes (2017), tanto regras quanto princípios, em geral, são vistos
como espécies de normas, pois ambos descrevem algo que deve ser, valem-se de categorias deonto-
lógicas comuns às normas: são mandados, permissões ou proibições. Porém, é muito comum buscar-
-se a distinção entre regras e princípios a partir de vários critérios, dentre eles o da generalidade ou da
abstração, segundo o qual os princípios seriam normas com teor mais aberto que as regras, próximo a
esse critério, poderia se falar também em distinção pelo grau de determinabilidade dos casos de apli-
cação da norma, em que os princípios seriam normas que necessitam de mediações concretizadoras
por parte do legislador, do judiciário ou da Administração, já as regras seriam de aplicação imediata.
Por outro lado, a separação entre regras e princípios pode ser tida por um critério de importância da
norma para o sistema jurídico, sendo o princípio o fundamento de outras normas.

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Tornou-se, a partir deste novo prisma, de relevante importância a análise da distinção entre regras
e princípios, o que veio à tona a partir das teorias formuladas pelo filósofo do direito norte-americano
Ronald Dworkin, em sua obra “Levando os direitos a sério” e, na sequência, nas teorias do alemão
Robert Alexy, especialmente em sua obra “Teoria dos direitos fundamentais”.
Nas palavras de Mendes (2017) Dworkin e Alexy buscaram esclarecer que a distinção entre regras e

princípios não se refere simplesmente ao grau da norma, sendo, primeiramente, de ordem qualitativa.

4. A diferença entre princípios e regras


A partir do neopositivismo de Kelsen e Hart, baseado na análise linguística do Direito, o atual pós-po-
sitivismo se divide em duas perspectivas teóricas: a linha procedimentalista, que parte da convicção de
que não há mais valores éticos ou princípios morais capazes de uma universalização numa perspectiva
substancial, e uma linha substancialista, que sustenta a necessidade de fundamentar adequadamente a
existência de princípios morais e valores éticos substanciais. Um dos estímulos mais importantes nesta
linha substancialista foi dada por Ronald Dworkin, um dos principais representantes do pós-positivismo
jurídico, como perspectiva teórica que busca resgatar os princípios morais e valores éticos para dentro
da racionalidade do Direito. O autor promoveu uma distinção essencial para o Direito contemporâneo: a
distinção entre regras e princípios (SIMIONI, 2011, p. 204-205).
De acordo com Dworkin (2002, p. 42), princípios e regras possuem uma distinção de natureza
lógica, os dois correspondem a conjuntos de padrões que apontam para decisões particulares acerca
da obrigação em circunstâncias específicas, mas diferenciam-se quanto à natureza da orientação que
oferecem. Neste sentido, afirma o autor que “as regras são aplicadas à maneira do tudo ou nada”. A
partir dos fatos que a regra estipula, ou a regra é válida, sendo aplicada ao caso, ou não, e em nada
contribui para a decisão. Pode haver exceções, porém, estas também seriam levadas em conta na
decisão, se não seria incompleta.
Neste caso não há espaço para interpretação do julgador, apenas aplica-se a regra, obtendo a res-
posta definida.
Já os princípios funcionam de forma diversa, na sua aplicação as consequências jurídicas não se
seguem automaticamente quando as condições são dadas. Nas palavras de Dworkin (2002, p. 42),
os princípios têm uma dimensão que as regras não possuem: a dimensão do peso ou importância.

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Quando os princípios se cruzam, o julgador tem que levar em consideração a força relativa de cada
um, não se trata de uma mensuração exata e o julgamento acerca da força de um princípio sobre
o outro provavelmente será objeto de controvérsia. Porém, essa importância ou peso faz parte da
essência do princípio, diferente das regras, que não possuem essa dimensão, as regras, em sua fun-
ção, são importantes ou não. Assim, é possível afirmar que, segundo Dworkin, não há regras mais
importantes que outras enquanto parte do sistema de regras. Se duas regras estão em conflito, uma
suplanta a outra em razão de sua importância maior, se entram em conflito uma delas não pode ser
válida. Nestes casos, resolve-se o conflito com os métodos de resolução de antinomias, pelos critérios
hierárquicos, cronológico e de especialização.
Segundo Mendes (2017, p. 73), “os princípios, como delineados por Dworkin, captam os valores
morais da comunidade e os tornam elementos próprios do discurso jurídico”.
Como esclarece Simioni (2011), Dworkin estabelece uma importante distinção entre regras e prin-
cípios, que influenciou bastante a teoria procedimentalista, especialmente em Alexy, ainda que com
diferenças. Os princípios em Dworkin são questões de fundamento e não precisam estar positivadas
em leis ou precedentes. As regras são normas jurídicas positivadas, que impõem direitos e obrigações,
aplicadas em uma questão de tudo ou nada, ou se aplica ou não, não há meio termo, e os princípios
são todos os padrões morais e políticos transcendentes ao direito positivo a que as decisões judiciais
recorrem para decidir casos não solucionados pelas regras, princípios não estabelecem questões pré-
vias, não são válidos ou inválidos, mas questão de peso, de fundamento, de importância e de justifi-
cação adequada.
Segundo Silva (2003), analisando a teoria de Robert Alexy, é possível afirmar que o jurista alemão
parte do pressuposto de que há uma distinção qualitativa e não de grau entre princípios e regras,
semelhante ao de Dworkin, porém, sua contribuição foi a de precisar algumas premissas básicas dessa
ideia e a de desenvolver a concepção de princípios como mandamentos de otimização.
Em sua obra “Teoria dos Direitos Fundamentais”, Alexy (2008, p. 85) trata da estrutura das normas
de direitos fundamentais e, quando adentra na análise das regras e dos princípios, considerados pelo
autor como diferentes espécies de normas jurídicas, a parte estrutural das normas afirma que a dis-
tinção entre princípios e regras é uma “chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos
direitos fundamentais”. Nas palavras do autor tal distinção é elemento fundamental da dogmática dos
direitos de liberdade e igualdade e dos direitos da proteção, da organização, dos procedimentos e das

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prestações em sentido estrito. Com esta distinção, problemas com os efeitos dos direitos fundamen-
tais perante terceiros e a repartição de competências entre os tribunais constitucionais e o Parlamento
podem ser melhor esclarecidos. Tal distinção constitui a estrutura da teoria normativo-material dos
direitos fundamentais e é ponto de partida para a resposta à pergunta sobre a possibilidade e os limi-
tes da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais, sendo assim um dos fundamentos centrais
do edifício da teoria dos direitos fundamentais.
Para Alexy (2008, p. 90), o ponto mais importante para diferenciar regras e princípios consiste no
fato de que “os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. São, portanto, “mandamentos de otimização”,
que possuem duas características: a) podem ser satisfeitos em graus variados e b) a medida de sua
satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas das possibilidades jurídicas, que são
determinadas pelos princípios e regras colidentes.
Conforme esclarece Mendes (2017), o grau de cumprimento previsto pelo princípio é determinado
pela confrontação com outros princípios e regras opostas (possibilidade jurídica) e pela consideração
da realidade fática sobre a qual operará (possibilidade real).

Já as regras, para Alexy (2008, p. 91), são satisfeitas ou não satisfeitas. Ou seja, se vale a regra,

deve-se fazer o que ela exige. Com efeito, segundo o autor, as regras contêm determinações no

âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Conclui o autor: “a distinção entre regras e prin-

cípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um

princípio”.

De acordo com Barroso (2017), buscando uma simplificação da diferenciação entre regras e princí-

pios, é possível destacar três critérios: o conteúdo, a estrutura normativa e o modo de aplicação. Quanto

ao conteúdo, os princípios identificam normas que expressam decisões políticas fundamentais (ex.:

República, Estado Democrático de Direito), valores a serem observados em razão de sua dimensão ética

(ex.: dignidade da pessoa humana) ou fins públicos a serem realizados (ex.: erradicação da pobreza).

As regras, por sua vez, são comandos objetivos, prescrições que expressam uma obrigação, uma proi-

bição ou uma permissão, são a concretização dos valores e fins públicos. Diferente dos princípios, não

transferem ao intérprete a avaliação das condutas aptas a realizá-las. Com relação à estrutura normativa,

princípios apontam para ideais a serem alcançados, sem descrição objetiva da conduta a ser seguida,

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há uma indeterminação do sentido e diferentes meios de realização. Já as

regras são normas descritivas de comportamentos, com menor possibilidade de

ingerência do intérprete na atribuição de



sentidos e na identificação de hipóteses Para saber mais
O Supremo Tribunal Federal tem utilizado em
de aplicação. Segundo o autor é no modo seus julgados as teorias de Ronald Dworkin e
Robert Alexy?
de aplicação que se identifica a maior dis-
No Recurso Extraordinário nº 638.4911 de relatoria
tinção entre princípios e regras: os princí- do Luiz Fux, julgado pelo Supremo Tribunal Federal
em 17 de maio de 2017, percebe-se a aplicação pela
pios indicam um valor, um fim, uma dire- corte constitucional das teorias de Ronald Dworkin e
Alexy. Segundo o relator: “na missão de dar a vida
ção, e, numa ordem pluralista, por vezes aos preceitos constitucionais, o próprio constituinte
pode estabelecer normatizações com definição
a Constituição pode apontar para dire- de conteúdo suficientemente aferível a nível da
Constituição e outras que necessitam de mediação do
ções diversas gerando tensões e eventu- legislador para dar-lhes um conteúdo determinado.
As normas constitucionais cuja determinação de
ais colisões, que somente podem ser dis-
conteúdo impõe seja feito aquilo que o texto
solvidas na análise do caso concreto. As determina, são consideradas regras constitucionais,
hipótese em que sua aplicação se dá ‘tudo ou
regras se aplicam na modalidade “tudo ou nada’ mediante o mecanismo de subsunção, nas
conhecidas palavras de Ronald Dworkin (DWORKIN,
nada”, ocorrendo o fato descrito, deverá Ronald. Levando os Direitos a Sério, tradução e
notas Nelson Boeira, Editora Martins Fontes, 2002,
incidir a regra, diferente do princípio, não p. 39), situação em que apenas será possível a sua
não aplicação caso a regra não seja válida ou em se
há margem de valoração por parte do tratando de uma ‘cláusula de exceção’ como refere
o alemão Robert Alexy (ALEXY, Robert. Teoria dos
intérprete, trata-se de simples subsun-
Direitos Fundamentais, 5ª edição, tradução de Virgílio
ção. Os princípios não são aplicados na Afonso da Silva, Malheiros Editores, 2012, p. 104-
105). De outro lado, há normas constitucionais que
modalidade “tudo ou nada”, ao contrário, não ostentam um conteúdo definitivo na altura do
texto constitucional, os conhecidos ‘princípios’, cuja
há uma dimensão de peso que assumem incidência ao caso concreto demanda a dimensão
‘peso’, como ‘mandamentos de otimização’, que
em determinada situação específica. Nas dada a sua textura aberta possibilita uma atividade
hermenêutica mais intensa na obtenção
palavras do autor “caberá ao intérprete do seu conteúdo”. (BRASIL, 2017, [s.p.]).

proceder à ponderação dos princípios e 1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 638491 - Paraná.
Tráfico de drogas. Veículo apreendido com o sujeito ativo. Decretação de
fatos relevantes, e não a uma subsunção perdimento do bem. Exigência de habitualidade do uso do bem na prática
criminosa ou adulteração para dificultar a descoberta do local de acondiciona-
mento. Interpretação de artigo da constituição federal. Ausência de pronun-
do fato a uma regra determinada”. ciamento do plenário do supremo. Repercussão geral reconhecida. Relatora:
Min. Luiz Fux, 22 de agosto de 2017. Disponível em: http://www.stf.jus.br/
portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=fgts&base=baseRepercussao.
Acesso em: 29 abr. 2011.

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5. A colisão entre normas
A diferenciação entre princípios e regras se torna importante para compreender os casos de coli-

sões entre princípios e conflitos entre regras. Como observa Mendes (2017), a colisão entre princí-

pios, assim como o conflito entre as regras, refere-se a situações em que a aplicação de mais de uma

norma ao caso concreto resulta em consequências contraditórias entre si. Ocorre que a solução para o

conflito entre regras não é o mesmo para o conflito entre princípios: um conflito entre regras é solu-

cionado selecionando uma das regras para que valha como cláusula de exceção da outra ou decla-

rando que uma delas não é válida.

Trata-se da solução de antinomias, critérios clássicos como a hierarquia, a especialidade ou a cro-

nologia. É o que Alexy (2008, p. 92-93) denomina “cláusula de exceção”. Segundo o autor, um con-

flito entre regras é solucionado introduzindo-se em uma das regras uma exceção que elimine o con-

flito ou se uma das regras for considerada inválida. Trata-se de uma decisão sobre validade.

Segundo Simioni (2011), analisando as teorias propostas por Dworkin, problemas de colisão entre

regras se resolvem com a criação de exceções ou critérios que permitam decidir qual regra é válida

para o caso, como as regras de aplicação da lei no tempo e no espaço. O próprio direito também pode

criar regras que criam exceções de aplicação de outras regras mais gerais, como o caso de aplicação

de regra geral e regra especial.

Porém, preceitua Mendes (2017), quanto aos princípios, os critérios não são tão simples, pois no

caso há que se apurar o “peso” dos princípios em confronto, consistindo neste fato a “ponderação”

acerca dos princípios que se apresentam para o mesmo caso. Importante salientar que se apresenta-

dos em abstrato, nenhum dos princípios em colisão apresentariam primazia sobre o outro, porém, sob

a análise do caso concreto anda impede que um princípio venha a prevalecer.

Os princípios, ao contrário das regras, não determinam vinculativamente as decisões, mas contêm

fundamentos, que devem ser conjugados com fundamentos provenientes de outros princípios, por isso

a afirmação, de que em Dworkin, os princípios possuem uma dimensão de peso, assim, ocorrendo

uma colisão entre princípios, o que tem um peso maior sobrepõe-se ao outro, sem que este perca sua

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validade (ÁVILA, 2001, p. 157).

Em Alexy (2008), a partir de uma apuração e maior desenvolvimento da proposta de Dworkin,

se dois princípios colidem, um deles tem que ceder. Não significa que um deles será considerado

inválido, nem que será introduzida uma cláusula de exceção, o que ocorrerá é que um princípio terá

precedência sobre a aplicação do outro de acordo com o caso concreto, sob outras condições pode-

ria o caso ser solucionado de forma diversa. Conflitos entre princípios, portanto, ocorrem não no

plano da validade, mas na dimensão do peso, um sopesamento que ocorrerá diante dos interesses

conflitantes.

Como esclarece Ávila (2001), em Alexy, uma colisão entre princípios não se resolve de imediato,

com a determinação da prevalência de um princípio sobre o outro, mas a decisão se estabelece a par-

tir de uma ponderação entre os princípios colidentes, em que um deles irá por fim prevalecer. Neste

sentido, é possível afirmar que da colisão entre os princípios nasce o dever de proporcionalidade, pois

da colisão é preciso verificar qual deles possui peso maior no caso concreto, com efeito, a solução

apenas advém de uma ponderação no plano concreto em que se estabelecerá, naquelas condições,

qual princípio deve prevalecer.

A solução dá-se sempre diante de um caso concreto: se há conflito de regras, resolve-se pelas

clássicas solucionadoras da antinomia, no plano da validade da norma. Se há regra a ser aplicada,

aplica-se e não há que se falar em conflito. Porém, se não há regras e a solução se dará por meio

de princípios, havendo colisão, terá que ser apurado no caso o “peso” dos princípios, aplicando-se a

ponderação proposta por Alexy.

6. Streck e a crítica das inovações do


constitucionalismo contemporâneo
A partir da análise do exposto, é possível perceber que a separação entre regras e princípios e

a utilização direta dos princípios em função de seu “peso” nas decisões jurídicas pode trazer alguns

impasses e crises que ocorrem no campo direto da democracia. Afinal, passa-se a aceitar em deci-

sões jurídicas argumentos de política, moral e economia, por vezes travestidos de princípios e que

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ultrapassam o que foi decidido majoritariamente, legislado, para deixar a decisão na mão de juízes
e tribunais que, não rara as vezes, utilizam-se de aberturas discricionárias para decidir com base em
sua própria consciência, realizando ponderações e utilizando-se de princípios criados em suas próprias
decisões, gerando o chamado ativismo judicial que pode ser prejudicial para a estabilidade da relação
entre constitucionalismo e democracia.
Segundo Streck (2014, p. 48), um dos problemas no constitucionalismo atual é a discricionarie-
dade judicial. A partir do momento da descoberta da “indeterminação do direito”, passando pelas
ideias de autores argumentativistas como Alexy, no momento da decisão acaba sobrando espaço
para ser preenchido pela vontade discricionária do juiz e é preciso estar atento para tais posturas que
podem afrontar um constitucionalismo democrático, abrindo espaço para ativismos judiciais a fim de
‘implementar’ e ‘concretizar’ direitos fundamentais, mas permitindo decisões moldadas pela vontade,

de acordo com a consciência do intérprete. É preciso cuidado, pois a discricionariedade pode acabar

sendo sinônimo de arbitrariedade, uma vez que a falta de um método pode ser um salvo conduto para

a decisão a partir da vontade do julgador.

Tal espaço aberto faz crescer o ativismo judicial, gestado no interior do próprio sistema jurídico,

consistindo num ato de vontade daquele que julga, causando um desequilíbrio entre os Poderes, pois

há uma extrapolação dos limites da atuação do Judiciário pela via de uma decisão que é tomada a

partir de critérios não jurídicos. São manifestações baseadas em pragmatismos que tomam empres-

tado pressupostos originários de teorias argumentativas como a de Alexy, em especial quando as deci-

sões aplicam a proporcionalidade e a razoabilidade. Assim a ponderação acabou sendo transformada

em enunciado performativo, construindo sentido próprio em determinada decisão, que pode se dife-

renciar de outras (STRECK, 2014, p. 61-66).

Streck (2011, p. 10) critica abertamente como foram recebidas no Brasil teorias jurídicas estran-

geiras, que tomaram o Direito Constitucional brasileiro, em especial a teoria de Robert Alexy, que,

segundo o autor, recebeu uma leitura superficial da doutrina e dos tribunais. Na maior parte das vezes

os adeptos da ponderação utilizam erroneamente a teoria de Alexy e não levam em consideração que

é impossível fazer uma ponderação que resolva diretamente o caso, segundo Streck, a ponderação

não é uma operação em se colocam dois princípios na balança e se escolhe o que pesa mais. Os bra-

sileiros transformaram a ponderação em um princípio, utilizando esse conceito como um álibi teórico

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capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos.

O autor aponta ainda que no Brasil, a partir das teorias argumentativas, foi construído um “panprin-

cipiologismo” que faz com que haja uma proliferação incontrolada de enunciados, a pretexto de se

aplicar princípios constitucionais, para resolver casos concretos, por vezes ao alvedrio da própria lega-

lidade constitucional. Utilizando-se desta abertura para o estabelecimento de princípios, a partir da

utilização às avessas da ponderação alexyana, acaba-se por escancarar uma porta para a discriciona-

riedade (STRECK, 2011, p. 12-14).

A falta de teorias adequadas às demandas da Constituição brasileira permitiu um forte protago-

nismo judicial, um ativismo que se manifesta do uso indiscriminado de princípios e valores escondidos,

permitindo uma atividade solipsista, o que se torna problemático, pois a democracia passa a depender

de posições individuais de juízes e tribunais (STRECK, 2011, p. 19-20).

Pontuando
• Uma das ocorrências mais importantes do século XX, no âmbito do Direito Constitucional, dá-se

à atribuição do status de norma jurídica à Constituição.

• Consolidou-se na Teoria do Direito, em especial no que se refere ao Direito Constitucional, que

o gênero “normas jurídicas” comporta, em meio a outras definições, duas grandes espécies:

regras e princípios.

• De acordo com Dworkin (2002, p. 42) “as regras são aplicadas à maneira do tudo ou nada”. A

partir dos fatos que a regra estipula, ou a regra é válida, sendo aplicada ao caso, ou não, e em

nada contribui para a decisão. Os princípios têm uma dimensão que as regras não possuem: a

dimensão do peso ou importância.

• Para Alexy (2008, p. 91) “os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na

maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. São, portanto,

“mandamentos de otimização”. Já as regras são satisfeitas ou não satisfeitas. Ou seja, se vale a

regra, deve-se fazer o que ela exige. Com efeito, segundo o autor, as regras contêm determi-

nações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.

17
• Problemas de conflito entre regras são resolvidos através da solução de antinomias, critérios

clássicos como a hierarquia, a especialidade ou a cronologia. É o que Alexy (2008, p. 92-93)

denomina “cláusula de exceção”. Conflitos entre princípios, portanto, ocorrem não no plano

da validade, mas na dimensão do peso, um sopesamento que ocorrerá diante dos interesses

conflitantes.

Glossário
NEOCONSTITUCIONALISMO: segundo Barroso (2006), o neoconstitucionalismo ou novo direito

constitucional identifica um conjunto de transformações ocorridas no Estado e no direito constitu-

cional, em meio às quais podem ser assinalados: a) como marco histórico, a formação do Estado

constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; b)

como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a rea-

proximação entre Direito e ética; c) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a

força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de

uma nova dogmática da interpretação constitucional.

ANTINOMIA: segundo Cunha (2011) antinomia é um paradoxo, uma contradição, um conflito que

ocorre entre normas jurídicas de uma mesma hierarquia.

PANPRINCIPIOLOGISMO: trata-se de um termo cunhado por Lenio Streck (2014) que significa lite-

ralmente uma “proliferação de princípios” fruto da aplicação ao direito brasileiro da teoria argumen-

tativa de Robert Alexy, criticada pelo autor.

18
Verificação de leitura
QUESTÃO 1 - (PGE-PA – Procurador do Estado – 2011 – PGE-PA) “O marco filosófico do novo direito

constitucional é o pós-positivismo. O debate acerca de sua caracterização situa-se na confluência das

duas grandes correntes do pensamento que oferecem paradigmas opostos para o Direito: o jusna-

turalismo e o positivismo. Opostos, mas, por vezes, singularmente complementares. A quadra atual

é assinalada pela superação (...) dos modelos puros por um conjunto difuso e abrangente de ideias,

agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo.” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito

Constitucional Contemporâneo: os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São


Paulo: Saraiva, 2009, p. 247)

Acerca do paradigma pós-positivista no Direito Constitucional, leia as proposições a seguir e assinale

a (s) alternativa (s) CORRETA (S):

I - Caracteriza-se, entre outros aspectos, pelo reconhecimento da normatividade dos princípios e de

sua diferença qualitativa em relação às regras.

II - Caracteriza-se, entre outros aspectos, pela tese da rígida separação entre direito, moral e política,

expressa na obra O Império do Direito, de Ronald Dworkin.

III - Caracteriza-se, entre outros aspectos, pela reabilitação da razão prática e da argumentação jurí-

dica, manifesta, por exemplo, na obra de Robert Alexy.

IV - Caracteriza-se, entre outros aspectos, pelo desenvolvimento de uma teoria procedimentalista dos

direitos fundamentais, elaborada por autores como Ronald Dworkin e H. L. Hart.

V - Caracteriza-se, entre outros aspectos, pela concepção da interpretação-aplicação do direito como

um fenômeno volitivo e não cognoscitivo, pela retomada dos valores na interpretação e pela ilimitada

discricionariedade judicial nos casos difíceis, como sustenta o realismo jurídico alemão.

a) Apenas as alternativas II, IV e V estão corretas.

b) Apenas as alternativas III, IV e V estão corretas.

c) Apenas as alternativas I e V estão corretas.

d) Apenas as alternativas II e IV estão corretas.

e) Apenas as alternativas I e III estão corretas.

19
QUESTÃO 2 - (AFPR – Advogado – 2013 – COPS-UEL) A partir do final da década de 1980, sob a

difusão de obras de autores como Ronald Dworkin e Robert Alexy, o tema relativo aos princípios –

notadamente os princípios constitucionais – desenvolveu-se dogmaticamente no Brasil, levando a uma

concepção de superação do positivismo jurídico. De acordo com essa concepção, assinale a alternativa

correta:

Princípios estão no plano idealístico e regras são normas jurídicas que emitem um comando de

otimização.

a) Princípios estão no plano idealístico e regras são normas jurídicas que emitem um comando de

otimização.

b) A função principal dos princípios é manter a integração das regras, dando-lhes unidade.

c) Predominantemente, princípios são normas finalísticas e regras são normas descritivas.

d) Diferenciam-se princípios e regras pelo grau de exigência normativa, sendo as regras exigíveis juri-

dicamente, ao contrário dos princípios.

e) Os princípios são comandos programáticos destituídos de eficácia normativa.

QUESTÃO 3 - (TRT 14ª Região (RO e AC) – 2012 – Juiz do Trabalho – TRT 14R) De acordo com a

hermenêutica constitucional assinale a opção INCORRETA:

a) Para Dworkin não é possível a correlação entre o direito e os valores sociais.

b) Podemos afirmar que não há hierarquia normativa entre princípios. Na verdade o que existe é dis-

tinção axiomática/valorativa.

c) De acordo com o princípio da unidade da Constituição o conflito entre princípios resolve-se pelo

método da ponderação.

d) De acordo com o princípio da justeza ou conformidade funcional não pode haver subversão do

esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido.

e) Pelo método científico-espiritual a análise da forma constitucional não se fixa na literalidade da

norma, mas parte da realidade social e dos valores subjacentes do texto da Constituição.

20
QUESTÃO 4 - (PC-MS – Delegado de Polícia – 2017 – FAPEMS) Sobre a interpretação das normas

constitucionais, um dos temas que há vários anos permanece em discussão é o da diferença entre

regras e princípios, indo desde a proposta de Ronald Dworkin em 1967, passando pela ponderação

de valores proposta por Robert Alexy na década de 1980, e alcançando as práticas judiciais atuais no

Brasil. Consoante aos autores NERY JR. e ABBOUD1 (2017), “[...] de forma concomitante com o cresci-

mento da importância da Constituição, a consolidação de sua força normativa e a criação da jurisdição

constitucional especializada (após a 2ª Guerra Mundial), consagrou-se, principalmente, pela revalori-

zação dos princípios constitucionais [...]”.

Diante disso, afirma-se que:

a) O Supremo Tribunal Federal tem adotado a máxima da proporcionalidade, ainda que não rigorosa-

mente, para a solução de colisão de princípios (por exemplo, voto do Ministro Luís Roberto Barroso

no Habeas Corpus 126.292 de 17/02/2016).

b) A ponderação de valores não tem sido adotada pelo Poder Judiciário brasileiro.

c) Não há diferença entre regras e princípios.

d) Princípios são aplicáveis à maneira do “ou-tudo-ou-nada”.

e) O positivismo jurídico aceita a distinção entre regras e princípios.

1
NERY JR, Nelson; ABBOUD, Georges. Direito Constitucional Brasileiro. Curso Completo. São Paulo: RT, 2017, p. 124.

21
QUESTÃO 5 - (TCE-MG – Auditor Conselheiro Substituto – 2018 – FUNDEP) Nas últimas décadas, as

teorias de Robert Alexy, relativas à distinção entre as espécies de normas jurídicas, têm sido aplicadas

na hermenêutica constitucional. No tocante à tese de que os princípios se caracterizam como manda-

dos de otimização, é correto afirmar que:

a) A medida do cumprimento dos princípios depende das possibilidades fáticas e jurídicas.

b) A observância dos princípios somente ocorre se for garantida a sua eficácia máxima (ótima) em

cada caso concreto.

c) A referida caracterização dos princípios insere-se em uma distinção quantitativa (de grau) entre

princípios e regras.

d) A referida característica dos princípios visa denotar o seu papel na construção do direito como

“integridade”, por meio da qual se pode alcançar a resposta correta em cada caso concreto.

e) A referida característica dos princípios visa distingui-los das meras diretrizes políticas e denotar sua

verdadeira natureza de regras jurídicas.

22
Referências bibliográficas
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.

ÁVILA, Humberto. A Distinção entre Princípios e Regras e a Redefinição do Dever de


Proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, ano I, v. I, n. 4, jul. 2001.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os Conceitos


Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

______. Neoconstitucionalismo: o Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil. In


Revista Forense, v. 102, n. 384, p. 71-104. Rio de Janeiro, mar./abr. 2006.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional.
12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário Compacto do Direito. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
2011.

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

______. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, ano 1, n. 1, p. 607-630, 2003.

SIMIONI, Rafael. Regras, Princípios e Políticas Públicas em Ronald Dworkin: a Questão da


Legitimidade Democrática das Decisões Jurídicas. Revista Direito Mackenzie, v. 5, n. 1,
p. 203-218.

STRECK. Lenio Luiz. As Recepções Teóricas Inadequadas em Terrae Brasilis. Revista de


Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 10, n. 10, p. 2-37, jul./dez. 2011.

_______. Verdade e Consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

23
Gabarito
QUESTÃO 1 – Alternativa E

O pós-positivismo, corrente à qual se filiam Robert Alexy e Ronald Dworkin, caracteriza-se pelo

reconhecimento da normatividade dos princípios e de sua diferença qualitativa em relação às regras,

dentre outras características, não há uma separação entre o direito, a moral e o direito, e opera-se

pela reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica, manifesta, por exemplo, na obra de

Robert Alexy.

QUESTÃO 2 – Alternativa C

Como exposto na aula, para Alexy (2008, p. 90) “os princípios são normas que ordenam que algo

seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. São

“mandamentos de otimização”. Já as regras, para Alexy (2008, p. 91), são satisfeitas ou não satisfei-

tas. Ou seja, se vale a regra, deve-se fazer o que ela exige. Com efeito, segundo o autor, as regras

contêm determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Conclui o autor: “a

distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda

norma é ou uma regra ou um princípio”. Assim, é possível afirmar que os princípios são normas fina-

lísticas e as regras são normas descritivas, conforme apontado na alternativa correta.

QUESTÃO 3 – Alternativa A

Dworkin rompe com o positivismo jurídico possibilitando uma correlação entre o direito e os valo-

res sociais, aderindo a corrente do pós-positivismo, em que o direito envolve uma questão de valores

morais.

24
QUESTÃO 4 – Alternativa A

Como trabalhado na aula, há uma diferença entre princípios e regras adotada hoje pelo direito cons-

titucional brasileiro. O Poder Judiciário brasileiro, principalmente em julgados no âmbito do Supremo

Tribunal Federal, tem aplicado as teorias de Ronald Dworkin e Robert Alexy, que diferenciam regras

de princípios. A máxima da proporcionalidade tem sido adotada, juntamente com a ponderação de

valores, teorias argumentativas pós-positivistas.

QUESTÃO 5 – Alternativa A

Como abordado na aula, para Alexy (2008, p. 90), o ponto mais importante para diferenciar regras

e princípios consiste no fato de que “os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na

maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”.

25
2
Hermenêutica
constitucional
1. Objetivos
• Compreender o significado da hermenêutica constitucional e a importância da interpretação das

normas constitucionais no contexto atual.

• Analisar os métodos de interpretação das normas constitucionais, instrumentos de racionaliza-

ção da hermenêutica.

• Analisar os princípios de interpretação constitucional utilizados pelos aplicadores do direito na

prática da hermenêutica constitucional.

2. Introdução
A hermenêutica constitucional se concretiza em técnicas de interpretação das normas constitucio-

nais que buscam dar sentido aos preceitos constitucionais, atividade de enorme importância, princi-

palmente no contexto atual de efetividade das normas constitucionais e abertura para a aplicação dos

princípios.

Trata-se de uma atividade intelectual do intérprete executada através de métodos e princípios que

tem como objetivo lhe dar legitimidade, racionalidade e controlabilidade, e que tem como momento

final a aplicação das normas jurídicas, que se tornam normas de decisão ao caso concreto (BARROSO,

2015, p. 304).

Importante salientar que a interpretação constitucional possui características distintas dos outros

ramos do Direito, pois está cercada de especificidades que lhe desenham um campo único, uma vez

que a atribuição de sentido aos preceitos constitucionais é atividade marcada por um potencial de efei-

tos sobre a ordem jurídica, sobre o cotidiano dos indivíduos, pois proclama valores a serem protegidos,

seguidos e estimulados pelos poderes constituídos e pela própria sociedade (MENDES, 2017, p. 79).

Afinal, ao interpretar a Constituição é importante ter em mente que se trata da norma máxima do

ordenamento jurídico, fato que dá um contorno especial para esta atividade hermenêutica.

Com efeito, a interpretação da Constituição, no domínio da hermenêutica jurídica, é singular,

27
quanto mais num Estado democrático de direito em que a Constituição não é meramente semântica,

possui força normativa. Desde o advento da Constituição de 1988, a partir da redemocratização, a

hermenêutica constitucional tem ganhado impulso e crescente interesse, sobretudo quando a comuni-

dade jurídica se deu conta da magnitude do papel do Supremo Tribunal Federal nesse processo inter-

pretativo (MENDES, 2017, p. 80).

Neste contexto, os métodos e princípios de interpretação constitucional se tornam importantes ins-

trumentos racionalizadores da jurisdição constitucional, a partir de sua consolidação no sistema jurídico

contemporâneo.

Assim, os métodos e princípios da hermenêutica constitucional visam reduzir o impacto da liber-

dade interpretativa dos órgãos jurisdicionais, buscando estabelecer regras para alcançar uma raciona-

lização e maior transparência nas decisões jurídicas.

No decorrer desta aula serão analisados os métodos de interpretação das normas constitucionais,

quais sejam: o método clássico, que preconiza que a Constituição deve ser interpretada como as

regras hermenêuticas comuns a todas as leis; o método da tópica, que toma a Constituição como um

conjunto aberto de regras e princípios, dentre os quais o aplicador deve escolher o que mais se ade-

qua para o caso concreto; o método científico-espiritual, de acordo com o qual se deve enxergar a

Constituição como um sistema cultural e de valores de um povo, cabendo ao intérprete aproximar-se

desses valores, e o método hermenêutico-concretizador, segundo o qual o caso concreto também é

importante, como na tópica, porém, a primazia não é do problema, mas da Constituição.

Serão analisados nesta aula, também, os princípios de interpretação constitucional, que servem de

baliza que antecedem a solução do caso concreto, visando auxiliar a função do aplicador do direito,

com fórmulas de busca que contribuam na solução dos problemas de interpretação.

No mesmo sentido, os seguintes princípios: o princípio da supremacia da Constituição, segundo o

qual as normas constitucionais possuem posição hierárquica superior às demais normas do ordena-

mento jurídico; o princípio da unidade da Constituição, que determina que devem ser tomadas solu-

ções que tragam harmonia em caso de tensões existentes entre as normas constitucionais; o prin-

cípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos, segundo o qual as leis e atos

28
normativos editados pelos poderes possuem presunção de validade e legitimidade; o princípio da efi-

cácia integradora, que determina que deve-se dar preferência aos critérios que favoreçam a integra-

ção social e a unidade política; o princípio da interpretação conforme a Constituição, princípio que

consiste em recomendar aos intérpretes da Constituição que, diante de normas infraconstitucionais de

múltiplos significados, optem pelo sentido que as tornem constitucionais; o princípio da razoabilidade

ou da proporcionalidade, muito importante na hermenêutica contemporânea, e o princípio da efeti-

vidade, segundo o qual as normas constitucionais são normas jurídicas, a Constituição possui força

normativa e o intérprete deve prezar pelo máximo de efetividade na proteção e na aplicação dos dis-

positivos constitucionais.

3. Interpretação da constituição
A hermenêutica constitucional é a técnica de interpretação das normas constitucionais. Trata-se da

busca do sentido dos preceitos constitucionais, atividade de enorme importância, principalmente no con-

texto atual de efetividade das normas constitucionais e abertura para a aplicação dos princípios.

Conforme pontua Baracho (1977, p. 175), a hermenêutica objetiva, através de métodos de inter-

pretação, a determinação do sentido e do alcance das normas, visando extrair todo o seu conteúdo.

Nas palavras de Barroso (2015, p. 304), a “hermenêutica jurídica é um domínio teórico, especula-

tivo, voltado para a identificação, desenvolvimento e sistematização dos princípios de interpretação do

direito”. É a atividade de revelar e atribuir sentido a elementos normativos com a finalidade de solucio-

nar problemas jurídicos. Trata-se de uma atividade intelectual executada através de métodos, técnicas

e parâmetros que lhe dão legitimidade, racionalidade e controlabilidade, que tem como momento final

a aplicação das normas jurídicas, que se tornam normas de decisão ao caso concreto.

Segundo Mendes (2017, p. 79), interpretar a Constituição é analisar o ato normativo, porém, com

características distintas dos outros ramos do Direito, pois a interpretação constitucional está cercada

de especificidades que lhe desenham um campo único. A atribuição de sentido aos preceitos constitu-

cionais é atividade marcada por um potencial de efeitos sobre a ordem jurídica, sobre o cotidiano dos

29
indivíduos, pois proclama valores a serem protegidos, seguidos e estimulados pelos poderes constitu-

ídos e pela própria sociedade. Ao interpretar a Constituição é necessário ter em mente que se trata

da norma suprema da comunidade e a fonte de legitimidade formal de todo o ordenamento jurídico,

além de compreender que as normas constitucionais, por disporem sobre relações entre os poderes e

os cidadãos, possuem uma ineliminável pressão ideológica e política. Ou seja, os interesses na inter-

pretação das normas constitucionais tendem a ser mais amplos e de projeção estrutural mais avultada

se comparados com os interesses na análise das normas infraconstitucionais. Acresce importância ao

tema o fato da Constituição estar repleta de termos vagos e com muitos sentidos, pois existem no

texto constitucional fórmulas de compromisso, conteúdo valorativo. A Constituição está ligada a uma

fase histórica, com metas impostas ao Estado, que impõem um fazer, mas não indicam o como fazer.

De fato, a interpretação da Constituição possui especificidades que lhe dão um contorno diferen-

ciado. Como salienta Barroso (2015, p. 306) “a interpretação constitucional compreende um conjunto

amplo de particularidades, que a singularizam no universo da interpretação jurídica”. Inicialmente

observa-se que o direito constitucional tem uma relação direta com as relações políticas, disciplinando

o exercício do poder e os exercícios de direitos de cidadania. A Constituição possui o papel de limitar

o governo da maioria, enunciando direitos e garantias fundamentais, e ao mesmo tempo garante o

governo da maioria, assegurando a participação de todos e a alternância do poder. Neste sentido, as

normas constitucionais apresentam peculiaridades: desfrutam de superioridade jurídica, apresentam

com frequência textos vagos e conceitos jurídicos indeterminados.

Mendes (2017, p. 79) traz à tona um aspecto importante, que deve ser levado em consideração

na hermenêutica constitucional contemporânea. Trata-se do fato de que as constituições atuais têm

incorporado valores morais ao domínio jurídico, não se limitando a apenas discriminar competências

e limitar a ação do Estado, injetando índole jurídica a aspirações filosóficas e princípios ético-doutri-

nários. Afirma o autor: “as constituições contemporâneas absorvem noções de conteúdo axiológico

e, com isso, trazem para a realidade do aplicador do direito debates políticos e morais”. Importante

observar ainda que o intérprete possui pré-compreensões sobre esses temas políticos e morais, que

não podem ser simplesmente descartadas, mas que devem ser reconhecidas pelo próprio aplicador,

30
a fim de serem medidas com o juízo mais amplo surgido da apreciação dos vários ângulos do pro-

blema a ser solucionado. Com razão, pontua o autor que esse exercício não pode levar à dissolução

da Constituição no voluntarismo do juiz ou das opiniões das maiorias de cada instante.

Com efeito, a interpretação da Constituição, no domínio da hermenêutica jurídica, é singular,

quanto mais num Estado democrático de direito em que a Constituição não é meramente semântica,

mas possui força normativa. Desde o advento da Constituição de 1988, a partir da redemocratiza-

ção, a hermenêutica constitucional tem ganhado impulso e crescente interesse, sobretudo quando a

comunidade jurídica se deu conta da magnitude do papel do Supremo Tribunal Federal nesse processo

interpretativo (MENDES, 2017, p. 80).

4. Métodos de interpretação
constitucional
Os métodos e princípios de interpretação constitucional se tornam importantes instrumentos racio-

nalizadores da jurisdição constitucional, a partir de sua consolidação no sistema jurídico contemporâ-

neo. Fato é que os tribunais constitucionais assumiram um papel primordial na estrutura jurídica atual.

Nas palavras de Coelho (2004, p. 1), as cortes constitucionais assumiram a incumbência “de dar a

última palavra sobre a constituição”. Para o autor criou-se um contexto de controvérsias, ou até de

incômodo político em que a única certeza é de que essas cortes estão acima da tradicional tripartição

de poderes, não conhecem limites no exercício de suas atribuições e que a preocupação chave dos

juristas é a formulação de cânones hermenêuticos a fim de buscar reduzir a um mínimo democrati-

camente tolerável os resíduos de voluntarismos e irracionalidades por vezes presentes nas decisões

judiciais, em especial nos vereditos dos órgãos da jurisdição constitucional.

Neste sentido, os métodos e princípios da hermenêutica constitucional visam reduzir o impacto da

liberdade interpretativa dos órgãos jurisdicionais, buscando estabelecer regras para alcançar uma racio-

nalização e maior transparência nas decisões jurídicas.

Passemos, então, à análise dos métodos de interpretação constitucional:

31
4.1. Método clássico
Este método preconiza que a Constituição deve ser interpretada com as regras hermenêuticas

comuns a todas as leis. Seguem as fórmulas clássicas sugeridas por Savigny: a interpretação sistemá-

tica, histórica, lógica e gramatical. Não obstante a importância das normas constitucionais, segundo

este método, seriam elas tratadas como normas jurídicas comuns, daí a sua fragilidade.

4.2. Método da tópica ou tópico-problemático


O presente método toma a Constituição como um conjunto aberto de regras e princípios, den-

tre os quais o aplicador deve escolher o que mais se adequa para o caso concreto. Segundo Mendes

(2017, p. 90), neste método, o foco é o problema e as normas constitucionais servem de catálogo de

múltiplos e variados princípios que servirão de solução para o problema prático. O autor pontua que

o método supõe um consenso acerca do conteúdo da Constituição e sobre os valores nela inseridos,

dificultando sua aplicação em sociedades distinguidas pela polarização ou multiplicidade de visões em

torno de valores políticos e morais.

4.3. Método científico-espiritual


De acordo com este método deve-se enxergar a Constituição como um sistema cultural e de valo-

res de um povo, cabendo ao intérprete aproximar-se desses valores. Porém, afirma Mendes (2017, p.

90), esses valores são instáveis e tornam a interpretação elástica e flexível.

4.4. Método hermenêutico-concretizador


Neste método o caso concreto também é importante, como na tópica, porém, a primazia não é

do problema, mas da Constituição. A atividade interpretativa é levantada pelo problema, mas para

solucioná-lo o aplicador está vinculado ao texto constitucional. Nas palavras de Mendes (2017, p. 90),

para obter o sentido da norma o intérprete utiliza sua pré-compreensão, atuando sob a influência das

suas circunstâncias históricas, mas sem perder de vista o caso concreto que se apresenta, ocorre uma

mediação entre o texto e a situação concreta que exige a solução. Este método desenvolveu-se em

32
Friedrich Müller, que o denominou “método jurídico-estruturante”, em que a norma não se confunde

com o texto, mas tem relação estrutural com o trecho da realidade social em que incide, elemento

essencial para a extração do significado da norma.

5. Princípios da interpretação
constitucional
Segundo Barroso (2015, p. 333), os princípios de interpretação constitucional são premissas con-

ceituais, metodológicas ou finalísticas dirigidas ao intérprete, que devem anteceder a solução concreta

do caso.

Como assevera Mendes (2017, p. 91), tais princípios propõem balizas a serem observadas na ativi-

dade do intérprete das normas constitucionais, buscando conferir maior teor de racionalidade à tarefa,

reduzindo o espaço para pragmatismos exacerbados. Segundo o autor tais premissas foram expos-

tas por Konrad Hesse, recebidos na língua portuguesa por Gomes Canotilho, sendo úteis na tarefa do

aplicador do direito, mas não devendo ser superestimados, pois no caso concreto podem entrar em

contradição entre si.

Coelho (2004, p. 12) afirma que, como os métodos de interpretação, os princípios devem ser apli-

cados conjuntamente, num “jogo concertado de complementações e restrições recíprocas”. Adverte o

autor que os princípios de interpretação constitucional não têm caráter normativo, assim, não encer-

ram interpretações obrigatórias, valendo como pontos de partida ou fórmulas de busca que auxiliam

na solução dos problemas de interpretação.

Analisemos os princípios de interpretação constitucional:

5.1. Princípio da supremacia da Constituição


Nas palavras de Barroso (2015, p. 334), a Constituição cria ou refunda um Estado, a partir de seu

nascimento a soberania popular se converte em supremacia constitucional, assim, tem-se um traço

primordial para a análise das normas constitucionais: possuem posição hierárquica superior às demais

normas do ordenamento jurídico.

33
5.2. Princípio da unidade da Constituição
Nas palavras de Mendes (2015, p. 92), este princípio postula que se evitem contradições entre as

normas constitucionais se não se considerar uma norma da Constituição fora do sistema em que se

integra. Complementa o autor: “as soluções dos problemas constitucionais devem estar em conso-

nância com as deliberações elementares do constituinte”. Tal princípio orienta o intérprete a encontrar

soluções que tragam harmonia em caso de tensões existentes entre as normas constitucionais, consi-

derando a Constituição como um todo unitário.

Barroso (2015, p. 338) afirma que a Constituição é o documento que dá unidade ao ordenamento

jurídico, através da irradiação de seus princípios aos diferentes domínios infraconstitucionais. Assim,

o presente princípio é uma especificação da interpretação sistemática que serve de instrumento ao

intérprete na harmonização das tensões e contradições entre as normas jurídicas.

Nas palavras de Tavares (2017, p. 190), deve-se considerar a Constituição como um sistema, e,

nesse sentido, um conjunto coeso de normas. Não se pode, portanto, tomar uma norma constitucional

como suficiente em si mesma. Deve existir sempre uma harmonização dos significados atribuíveis às

normas de uma mesma Constituição afastando a ideia de contradições. Nas palavras do autor: “sendo

a constituição um sistema, deve-se admitir a coesão entre as normas, de maneira a considerá-las

ordenadas e perfazendo um corpo harmônico”.

Seguindo esta lógica de unidade, segundo Bercovici (2000, p. 96), os princípios constitucionais

configuram um núcleo irredutível da Constituição e suas normas não podem ser interpretadas isolada-

mente. Afinal, o texto constitucional é fundado em princípios que lhe garantem harmonia e coerência.

Assim, não há interpretação de um texto isolado, mas de todo o ordenamento constitucional.

5.3. Princípio da presunção de constitucionalidade


das leis e atos normativos
No sistema jurídico nacional as leis e atos normativos editados pelos poderes possuem presunção

de validade e legitimidade, ou seja, são consideradas, em princípio, adequadas ao sistema constitucio-

nal. Naturalmente, que se trata de presunção iuris tantum, uma vez que podem passar pelo crivo do

34
controle de constitucionalidade admitindo prova em contrário que poderá desconstituir sua presunção

inicial de conformidade com o ordenamento constitucional.

5.4. Princípio da concordância prática


Este princípio, também chamado de princípio da harmonização, consiste numa recomendação para

que o aplicador do direito constitucional, ao se deparar com uma situação de concorrência entre bens

dotados de igual proteção constitucional, adote a solução que possibilite a realização de qualquer um

deles, sem o sacrifício dos demais. A aplicação deste princípio somente pode se dar diante do caso

concreto, por isso é chamado de “prática” (COELHO, 2004, p. 17-18).

Tal aplicação se dá em caso de conflitos entre normas constitucionais, no caso, devem ser concilia-

das as pretensões de efetividade das normas para que se estabeleçam limites ajustados ao caso con-

creto em que devem incidir. Como pontua Mendes (2017, p. 95), os problemas de concordância prá-

tica surgem em casos de colisão de princípios em que o aplicador do direito se vê desafiado a encon-

trar uma harmonização máxima entre os direitos em atrito, buscando que o sacrifício de um princípio

ocorra para a solução justa e proporcional do caso concreto.

5.5. Princípio da correção funcional


O presente princípio tem por finalidade orientar a atividade hermenêutica no sentido de que, sendo

a norma fundamental um sistema coerente de repartição de competências, não podem os intérpretes

chegar a resultados diversos do esquema organizatório-funcional nela estabelecido. Trata-se de princípio

aplicado de forma mais contundente no controle de constitucionalidade (COELHO, 2004, p. 20).

5.6. Princípio da eficácia integradora


Conforme preleciona Coelho (2004, p. 20), este princípio orienta o intérprete da Constituição a

procurar, ao construir soluções para os casos concretos, dar preferência aos critérios que favoreçam a

integração social e a unidade política, pois toda Constituição, além de criar uma ordem jurídica, visa

produzir e manter uma coesão social.

35
5.7. Princípio da interpretação conforme a
Constituição
Este princípio consiste em recomendar aos intérpretes da Constituição que, diante de normas

infraconstitucionais de múltiplos significados, optem pelo sentido que as tornem constitucionais e

não pelos quais resulte uma declaração de inconstitucionalidade, visando valorizar o trabalho legisla-

tivo, preservando as leis e prevenindo o surgimento de conflitos. Conforme aponta Coelho (2004, p.

23-24), não se trata de salvar uma lei à custa da Constituição, mas da otimização do “querer consti-

tucional” no sentido de que, diante de diversas possibilidades de interpretação, opte o intérprete pela

que se “orienta para a Constituição ou a que melhor corresponde às decisões do constituinte”.

Como assevera Mendes (2017, p. 95), em função da presunção de constitucionalidade, não se pode

supor que o legislador tenha a intenção de dispor em sentido contrário à Constituição. Assim, se uma

norma infraconstitucional, devido às suas peculiaridades semânticas, admite mais de um significado

e um deles for compatível com a Constituição, deve-se entender que aquele é o sentido próprio da

norma em exame.

Barroso (2015, p. 337), ao dispor sobre o princípio analisado, afirma que a interpretação conforme a

Constituição pode envolver a atividade interpretativa adequada dos valores e princípios constitucionais

ou a declaração de inconstitucionalidade de interpretações possíveis de uma norma, ou ainda, a decla-

ração de não incidência de uma norma a determinada situação, por violação à Constituição.

5.8. Princípio da razoabilidade ou da


proporcionalidade
Tal princípio revela grande importância na dogmática jurídica contemporânea, sendo utilizado como

instrumento para aferir a legitimidade das restrições de direitos e equilíbrio na concessão de pode-

res, privilégios ou benefícios. Como expõe Coelho (2004, p. 24), este princípio possui uma essência

axiológica que emana diretamente dos ideais de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação,

proibição de excesso, dentre outros valores correlatos.

36
Barroso (2015, p. 340) o considera um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais

e do interesse público, pois permite um controle sobre a discricionariedade dos atos do Poder Público

e funciona como medida de aplicação da norma ao caso concreto para uma melhor realização do fim

constitucional.

5.9. Princípio da efetividade


As normas constitucionais são normas

jurídicas, a Constituição possui força nor-
Para saber mais
mativa e o intérprete deve prezar pelo Como o princípio da interpretação, conforme a
constituição, é aplicado no âmbito do Supremo
máximo de efetividade na proteção e na Tribunal Federal?
No âmbito do Supremo Tribunal Federal o princípio
aplicação dos dispositivos constitucionais. da interpretação conforme a constituição é aplicado
com ou sem redução de texto, senão vejamos: a)
Tal princípio está intimamente ligado na ADI nº 1.127-8 o Supremo utilizou a interpreta-
ção conforme a constituição com redução de texto,
ao princípio da força normativa da quando decidiu pela exclusão da expressão “ou de-
sacato” do art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB, para
Constituição e visa orientar os aplicado- compatibilizar a imunidade material dos advogados
ao art. 133 da Constituição; b) na ADI nº 1.150-2/
res da lei para que interpretem as normas RS o STF declarou que os §§ 3º e 4º do art. 276 da
Lei nº 10.098 do Estado do Rio Grande do Sul só
constitucionais dando a elas a máxima são constitucionais desde que se exclua da apli-
cação desses dispositivos as funções ou empregos
eficácia, buscando alcançar a otimização de servidores celetistas que não se submeteram a
concurso conforme estabelece o art. 37, II da CF e
da aplicação da Constituição, em especial o § 1º do art. 19 do ADCT, utilizando interpretação
conforme sem a redução de texto, uma vez que a
quando se tratar de direitos fundamentais
supressão de qualquer expressão poderia alterar sua
literalidade, mas aplicando determinada interpre-
(COELHO, 2004, p. 22).
tação que preserva a constitucionalidade da norma
impugnada; c) o Supremo usou interpretação con-
forme, também sem redução de texto, mas, desta
vez, para excluir da norma impugnada uma inter-
pretação que lhe acarretaria inconstitucionalidade
na ADI nº 1.719-9 em que excluiu, com eficácia
ex tunc, o sentido da norma do art. 90 da Lei dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais que impedia a
aplicação de normas de direito penal, de conteúdo
mais favorável ao réu, aos processos penais com
instrução iniciada à época da vigência desse diplo-
ma legal. (MORAES, 2017, p. 805)


37
Pontuando
• A hermenêutica constitucional se concretiza em técnicas de interpretação das normas constitu-
cionais que buscam dar sentido aos preceitos constitucionais, atividade de enorme importância,
principalmente no contexto atual de efetividade das normas constitucionais e abertura para a
aplicação dos princípios.
• Importante salientar que a interpretação constitucional possui características distintas dos outros
ramos do Direito, pois está cercada de peculiaridades que lhe desenham um campo único,
uma vez que a atribuição de sentido aos preceitos constitucionais é atividade marcada por um
potencial de efeitos sobre a ordem jurídica, sobre o cotidiano dos indivíduos, pois proclama
valores a serem protegidos, seguidos e estimulados pelos poderes constituídos e pela própria
sociedade (MENDES, 2017, p. 79).
• Os métodos e princípios da hermenêutica constitucional visam reduzir o impacto da liberdade
interpretativa dos órgãos jurisdicionais, buscando estabelecer regras para alcançar uma raciona-
lização e maior transparência nas decisões jurídicas.
• Foram analisados os seguintes métodos de interpretação das normas constitucionais: o método
clássico, que preconiza que a Constituição deve ser interpretada como as regras hermenêuti-
cas comuns a todas as leis; o método da tópica, que toma a Constituição como um conjunto
aberto de regras e princípios, dentre os quais o aplicador deve escolher o que mais se adequa
para o caso concreto; o método científico-espiritual, de acordo com o qual se deve enxergar a
Constituição como um sistema cultural e de valores de um povo, cabendo ao intérprete apro-
ximar-se desses valores, e o método hermenêutico-concretizador, segundo o qual o caso con-
creto também é importante, como na tópica, porém, a primazia não é do problema, mas da
Constituição.
• Os princípios de interpretação constitucional, que servem de baliza que antecedem a solução
do caso concreto, visam auxiliar a função do aplicador do direito e são fórmulas que auxiliam
na solução dos problemas de interpretação.
• Foram analisados os seguintes princípios: o princípio da supremacia da Constituição, segundo
o qual as normas constitucionais possuem posição hierárquica superior às demais normas do
ordenamento jurídico; o princípio da unidade da Constituição, que determina que devem ser

38
tomadas soluções que tragam harmonia em caso de tensões existentes entre as normas cons-
titucionais; o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos, segundo
o qual as leis e atos normativos editados pelos poderes possuem presunção de validade e legi-
timidade; o princípio da eficácia integradora, que determina que deve-se dar preferência aos
critérios que favoreçam a integração social e a unidade política; o princípio da interpretação
conforme a Constituição, princípio que consiste em recomendar aos intérpretes da Constituição
que, diante de normas infraconstitucionais de múltiplos significados, optem pelo sentido que
as tornem constitucionais; o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, muito impor-
tante na hermenêutica contemporânea, e o princípio da efetividade, segundo o qual as normas
constitucionais são normas jurídicas, a Constituição possui força normativa e o intérprete deve
prezar pelo máximo de efetividade na proteção e na aplicação dos dispositivos constitucionais.

Glossário
HERMENÊUTICA: é a atividade de interpretação ou explicação do sentido das palavras, nas ciên-

cias, e das expressões, nas artes (SIDOU, 2016, p. 304). Aplicada no campo do Direito a herme-

nêutica pode ser traduzida como a ciência da interpretação das normas, tendo como objetivo a

análise e a sistematização dos processos ou métodos a serem aplicados para fixar o real sentido e

o alcance das normas jurídicas (LUZ, 2014, p. 203).

PRESUNÇÃO IURIS TANTUM: “Diz-se do conceito antecipado, válido até prova em contrário”

(SIDOU, 2016, p. 487).


PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE: também reconhecido como princípio da proporcionalidade, indica
o meio pelo qual o operador do Direito pondera os valores que informam o ordenamento jurídico,
buscando o equilíbrio, a moderação e a harmonia das decisões judiciais. O princípio é considerado
um mecanismo de controle da discricionariedade administrativa e legislativa, permitindo ao julga-
dor, pelo senso da proporção, coibi-la. (LUZ, 2014, p. 291).

39
Verificação de leitura
QUESTÃO 1 - (TCE-MG – Auditor Conselheiro Substituto – 2018 – FUNDEP) No tocante à interpreta-

ção constitucional, Luís Roberto Barroso afirma haver um princípio que se destina “à preservação da

validade de determinadas normas, suspeitas de inconstitucionalidade, assim como à atribuição de sen-

tido às normas infraconstitucionais, da forma que melhor realizem os mandamentos constitucionais”.

Tal princípio “abriga, simultaneamente, uma técnica de interpretação e um mecanismo de controle de

constitucionalidade.” Assinale a alternativa que apresenta o princípio referido por Barroso:

a) Princípio da efetividade.

b) Princípio da interpretação conforme a Constituição.

c) Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público.

d) Princípio da supremacia da Constituição.

e) Princípio da unidade da Constituição.

QUESTÃO 2 - (PJC-MT – Delegado de Polícia Substituto – 2017 – CESPE) O método de interpretação

da Constituição que, por considerá-la um sistema aberto de regras e princípios, propõe que se deva

encontrar a solução mais razoável para determinado caso jurídico partindo-se da situação concreta

para a norma, é denominado método:

a) Hermenêutico clássico.

b) Científico-espiritual.

c) Tópico-problemático.

d) Normativo-estruturante.

e) Hermenêutico concretizador.

40
QUESTÃO 3 - (TJ-SP – Juiz Substituto – 2017 – VUNESP) Leia o texto a seguir: “[…] arranca da ideia

de que a leitura de um texto normativo se inicia pela pré-compreensão do seu sentido através do

intérprete. A interpretação da constituição também não foge a esse processo: é uma compreensão de

sentido, um preenchimento de sentido juridicamente criador, em que o intérprete efectua uma ativi-

dade prático normativa, concretizando a norma a partir de uma situação histórica concreta. No fundo

esse método vem realçar e iluminar vários pressupostos da atividade interpretativa: (1) os pressupos-

tos subjetivos, dado que o intérprete desempenha um papel criador (pré-compreensão) na tarefa de

obtenção de sentido do texto constitucional; (2) os pressupostos objectivos, isto é, o contexto, actu-

ando o intérprete como operador de mediações entre o texto e a situação a que se aplica; (3) relação

entre o texto e o contexto com a mediação criadora do intérprete, transformando a interpretação em

‘movimento de ir e vir’ (círculo hermenêutico). […] se orienta não por um pensamento axiomático

mas para um pensamento problematicamente orientado.” Da leitura do texto do constitucionalista

J.J. Gomes Canotilho, conclui-se que o autor se refere a que método de interpretação constitucional?

a) Método tópico-problemático-concretizador.

b) Método científico-espiritual.

c) Método tópico-problemático.

d) Método hermenêutico-concretizador.

e) Método clássico.

41
QUESTÃO 4 - (CRM-MG – Advogado – 2017 – FUNDEP) “Repare-se que a invocação desses princípios
pode levar a resultados não unívocos. O postulado da máxima eficácia da norma de direito fundamen-
tal pode resultar em uma solução desaconselhada pelo princípio da conformidade funcional, por exem-
plo. Esses princípios não devem ser vistos como elementos de uma fórmula capaz de produzir soluções
necessárias e absolutamente persuasivas. Tampouco se há de falar em hierarquia entre eles. Esses prin-
cípios da interpretação constitucional apenas auxiliam a que argumentos jurídicos se desenvolvam em
um contexto de maior racionalidade, favorecendo algum controle sobre o processo de concretização
das normas constitucionais, com proveito, igualmente, para o valor da segurança jurídica” (MENDES;
BRANCO, 2015, p. 97). Considerando o estudo dos princípios da interpretação constitucional, assinale a
alternativa em que a relação do princípio com o seu conteúdo está INCORRETA:
a) O princípio da correção funcional é erigido pela doutrina como o único capaz de convocar o intér-
prete a encontrar soluções que harmonizem tensões existentes entre as várias normas constitucio-
nais, considerando a Constituição como um todo unitário, de grande utilidade nos casos de conflito
entre normas constitucionais, quando os seus programas normativos se entrechocam.
b) Com o princípio da força normativa da Constituição, propõe-se que seja conferida prevalência aos
pontos de vista que tornem a norma constitucional mais afeita aos condicionamentos históricos do
momento, garantindo-lhe interesse atual e, com isso, obtendo-se máxima eficácia, sob as circuns-
tâncias de cada caso.
c) O princípio da unidade da Constituição postula que não se considere uma norma da Constituição
fora do sistema em que se integra, evitando-se contradições entre as normas constitucionais. As
soluções dos problemas constitucionais devem estar em consonância com as deliberações elemen-
tares do constituinte.
d) O princípio da correção funcional também é um critério orientador da atividade interpretativa,
capaz de conduzir a que não se deturpe, por meio da interpretação de algum preceito, o sistema
de repartição de funções entre os órgãos e pessoas designados pela Constituição.
e) O princípio da presunção de constitucionalidade indica que no sistema jurídico nacional as leis e
atos normativos editados pelos poderes possuem presunção de validade e legitimidade, ou seja,
são considerados, a princípio, adequados ao sistema constitucional. Naturalmente que se trata de
presunção iuris tantum, uma vez que podem passar pelo crivo do controle de constitucionalidade
admitindo prova em contrário que poderá desconstituir sua presunção inicial de conformidade com
o ordenamento constitucional.

42
QUESTÃO 5 - (ANAC – Analista Administrativo – 2016 – ESAF) A Supremacia das Normas Constitu-

cionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e dos atos normativos

editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do

ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à

Constituição Federal. Nesse sentido, quanto à interpretação constitucional, é correto afirmar:

a) O Supremo Tribunal Federal, ao reduzir o alcance valorativo da norma impugnada, adequando-a

à Carta Magna, excluindo da norma impugnada determinada interpretação incompatível com a

Constituição Federal, utiliza a interpretação conforme sem redução do texto.

b) Ante o princípio hermenêutico da força normativa da Constituição, exige-se a coordenação e a

combinação dos bens jurídicos em conflito para que se evite o sacrifício total de uns em relação

aos outros.

c) De acordo com o princípio do efeito integrador, os órgãos encarregados da interpretação da norma

constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema orga-

nizatório funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário.

d) Para que se obtenha uma interpretação conforme a Constituição, o intérprete poderá declarar a

inconstitucionalidade parcial do texto impugnado, no que se denomina interpretação conforme a

Constituição sem redução do texto.

e) Conforme o princípio da concordância prática ou da harmonização, a uma norma constitucional

deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda. Parte inferior do formulário.

43
Referências bibliográficas
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Hermenêutica Constitucional. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, ano 14, n. 53, p. 113-144.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os Conceitos


Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

BERCOVICI, Gilberto. O Princípio da Unidade da Constituição. Revista de Informação


Legislativa, Brasília, ano 37, n. 145 p. 95-99.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional.
12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

COELHO, Inocêncio Mártires. Métodos e Princípios da Interpretação Constitucional: o que


são, para que servem, como se aplicam. Caderno Virtual, v. 2, n. 8, abr./jun. 2004, s/n.
Disponível em: <http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/arti-
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CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário Compacto do Direito. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
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LUZ, Valdemar P. da. Dicionário Jurídico. Barueri: Manole, 2014.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33. ed. São Paulo: Atlas. 2017.

SILVA, Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, n. 798, p.
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SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 11. ed.
Rio de Janeiro, 2016.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva,
2017.

44
Gabarito
QUESTÃO 1 – Alternativa B

Como exposto na aula, trata-se do princípio da interpretação conforme a Constituição que con-

siste em recomendar aos intérpretes da Constituição que, diante de normas infraconstitucionais de

múltiplos significados, optem pelo sentido que as tornem constitucionais e não pelos quais resulte

uma declaração de inconstitucionalidade visando valorizar o trabalho legislativo, preservando as leis

e prevenindo o surgimento de conflitos (COELHO, 2004, p. 23-24). Como assevera Mendes (2017,

p. 95), em função da presunção de constitucionalidade, não se pode supor que o legislador tenha

a intenção de dispor em sentido contrário à Constituição. Assim, se uma norma infraconstitucional,

devido às suas peculiaridades semânticas, admite mais de um significado e um deles for compatível

com a Constituição deve-se entender que aquele é o sentido próprio da norma em exame. Segundo

Barroso (2015, p. 337), ao dispor sobre o princípio analisado, afirma que a interpretação conforme a

Constituição pode envolver a atividade interpretativa adequada dos valores e princípios constitucionais

ou a declaração de inconstitucionalidade de interpretações possíveis de uma norma, ou ainda, a decla-

ração de não incidência de uma norma a determinada situação, por violação à Constituição.

QUESTÃO 2 – Alternativa C

Conforme tratado na aula, o método tópico-problemático toma a Constituição como um conjunto

aberto de regras e princípios, dentre os quais o aplicador deve escolher o que mais se adequa para o

caso concreto. Segundo Mendes (2017, p. 90), neste método, o foco é o problema e as normas cons-

titucionais servem de catálogo de múltiplos e variados princípios que servirão de solução para o pro-

blema prático. O autor pontua que o método supõe um consenso acerca do conteúdo da Constituição

e sobre os valores nela inseridos, dificultando sua aplicação em sociedades distinguidas pela polariza-

ção ou multiplicidade de visões em torno de valores políticos e morais.

45
QUESTÃO 3 – Alternativa D

Trata-se do método hermenêutico-concretizador. Como visto na aula, neste método o caso concreto

também é importante, como na tópica, porém, a primazia não é do problema, mas da Constituição.

A atividade interpretativa é levantada pelo problema, mas para solucioná-lo o aplicador está vincu-

lado ao texto constitucional. Nas palavras de Mendes (2017, p. 90), para obter o sentido da norma

o intérprete utiliza sua pré-compreensão da norma, atuando sob a influência das suas circunstancias

históricas, mas sem perder de vista o caso concreto que se apresenta, ocorre uma mediação entre o

texto e a situação concreta que exige a solução. Este método desenvolveu-se em Müller, que o deno-

minou “método jurídico-estruturante”, em que a norma não se confunde com o texto, mas tem rela-

ção estrutural com o trecho da realidade social em que incide, elemento essencial para a extração do

significado da norma.

QUESTÃO 4 – Alternativa A

Como visto na aula o princípio da correção funcional tem por finalidade orientar a atividade herme-

nêutica no sentido de que sendo a norma fundamental um coerente de repartição de competências,

não podem os intérpretes chegar a resultados diversos do esquema organizatório-funcional nela esta-

belecido (COELHO, 2004, p. 20).

46
QUESTÃO 5 – Alternativa A

O princípio da interpretação conforme a Constituição, como exposto na aula, consiste em recomen-

dar aos intérpretes da Constituição que, diante de normas infraconstitucionais de múltiplos significa-

dos, optem pelo sentido que as tornem constitucionais e não pelos quais resulte uma declaração de

inconstitucionalidade visando valorizar o trabalho legislativo, preservando as leis e prevenindo o surgi-

mento de conflitos. Conforme aponta Coelho (2004, p. 23-24), não se trata de salvar uma lei à custa

da Constituição, mas da otimização do “querer constitucional” no sentido de que, diante de diversas

possibilidades de interpretação, opte o intérprete pela que se “orienta para a Constituição ou a que

melhor corresponde às decisões do constituinte”. Barroso (2015, p. 337), ao dispor sobre o princípio

analisado, afirma que a interpretação conforme a Constituição pode envolver a atividade interpretativa

adequada dos valores e princípios constitucionais ou a declaração de inconstitucionalidade de inter-

pretações possíveis de uma norma, ou ainda, a declaração de não incidência de uma norma a deter-

minada situação, por violação à Constituição.

47
3
Teoria geral dos
direitos humanos
Objetivos
• Conhecer os principais elementos constitutivos da teoria geral dos direitos humanos.

• Possibilitar o conhecimento da gênese histórica dos direitos humanos e suas singularidades com

outras disciplinas.

• Estruturar as temáticas basiladoras para a compreensão dos documentos internacionais sobre

direitos humanos.

1. Introdução1
O estudo da teoria geral dos direitos humanos tem como objetivo fornecer os subsídios para a com-

preensão do seu conceito, fundamento, elementos e características que constituem o alicerce da con-

cepção contemporânea dos direitos da pessoa humana no âmbito internacional.

Com efeito, a leitura contemporânea dos direitos humanos tem como marco histórico o término da

Segunda Guerra Mundial; no plano institucional a criação das Nações Unidas em 1945; e na esfera jurí-

dica a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Com essa conjugação inicia-se o

processo de internacionalização dos direitos humanos e o estabelecimento do sistema global de direitos

humanos, com suas convenções internacionais que inspiraram a criação dos sistemas regionais de direi-

tos humanos, como o sistema europeu, o interamericano e o africano de direitos humanos.


No âmbito global, o destaque é para a Carta Internacional dos Direitos Humanos ou Internacional
Bill of Rights, que é composta por três documentos: (i) A Declaração Universal dos Direitos Humanos;
(ii) O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; e (iii) O Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Constituem a estrutura fundamental de proteção dos direitos huma-
nos no âmbito global.
Além dos documentos integrantes da Carta Internacional dos Direitos Humanos, é possível enu-
merar vários tratados e convenções do sistema global e de indeclinável importância na generalização
dos direitos humanos. Enumera-se exclusivamente para contribuir na compreensão do alcance que

a temática teve na fase de internacionalização: (i) Convenção para a Prevenção e a Repressão do


1 Os apontamentos dessa aula foram extraídos de: MELO, Fabiano. Direitos Humanos. São Paulo: Método, 2017.

49
Crime de Genocídio (1948); (ii) Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951); (iii) Convenção

Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1966); (iv) Convenção

sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade (1968); (v)

Convenção Internacional sobre a Repressão e o Castigo ao Crime de Apartheid (1973); (vi) Convenção

sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979); (vii) Convenção

Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (1984); (viii)

Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989); (ix) Convenção Internacional sobre a Proteção dos

Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (1990); (x) Convenção

sobre a Diversidade Biológica (1992); (xi) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

(2007).

Não obstante, subjacente a todo esse arcabouço protetivo, é necessário conhecer os elementos e

características fundamentais do que conhecemos atualmente como direitos humanos.

2. Conceito de direitos humanos


As definições de direitos humanos não são unívocas. Conforme pontua Melo (2017), “trata-se de

expressão múltipla, por vezes genérica, ambígua, fluída e cuja delimitação conceitual aceita variações

de natureza filosófica, histórica, social, cultural, política ou mesmo linguística”. Por essa razão, definir os

direitos humanos pode significar um resultado insatisfatório, pela imprecisão e amplitude da expressão.

Conforme Melo (2017), dois aspectos estão presentes na maioria das conceituações de direitos

humanos: (i) são direitos que se assentam na dignidade da pessoa humana, (ii) com a sua afirmação

histórica em face do poder estatal, não obstante se reconhecer atualmente a sua proteção em todas

as esferas, pública ou privada.

As Nações Unidas definem direitos humanos como “garantias jurídicas universais que protegem indi-

víduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”.

Importante definição referenciada pela doutrina é a do jurista espanhol Antonio-Enrique Pérez Luño

(2005, p. 50), que conceitua os direitos humanos como “o conjunto de faculdades e instituições que,

em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas,

50
as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e

internacional”.

Em síntese, são direitos decorrentes do processo histórico de afirmação da dignidade da pessoa

humana, aprumados nos valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade, em uma noção integral

e interdependente. Esses direitos asseguram as condições de sobrevivência e afiguram como possi-

bilidade emancipatória para a plena realização do projeto de vida da pessoa e, em última análise, da

coletividade.

3. Terminologias associadas
Expressões como “direitos humanos”, “direitos fundamentais”, “direitos do homem”, “liberdades

públicas” e outras, são utilizadas para referenciar ao conjunto de direitos que denominamos “direitos

humanos”, causando confusões e divergências entre os juristas.

Conforme Ingo Wolfgang Sarlet, (2010, p. 27) “a doutrina tem alertado a heterogeneidade, ambi-

guidade e ausência de consenso na esfera conceitual e terminológica, inclusive no que diz respeito

com o significado e o conteúdo de cada termo utilizado”.

Nesse contexto, analisar-se-á quatro das expressões mais recorrentes na doutrina:

• Direitos do homem;

• Liberdades públicas;
• Direitos humanos;

• Direitos fundamentais.

A expressão direitos do homem afigurou originalmente no título da “Declaração Francesa dos

Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789. Há de se compreender que essa designação é fruto

das revoluções liberais do século XVIII, de inspiração jusnaturalista. O jurista português J. J. Gomes

Canotilho (2003) afirma que os direitos do homem são válidos para todos os povos, em todos os tem-

pos, em uma dimensão jusnaturalista-universalista, decorrentes da própria natureza humana e, por-

tanto, de caráter inviolável, intemporal e universal.

Já as liberdades públicas são os direitos individuais que designam um status negativo, isto é, uma

atividade negativa do Estado. São direitos que protegem das intervenções arbitrárias do Estado na

51
esfera do indivíduo. São exemplos das liberdades públicas o direito à vida, à propriedade, à segurança,

à locomoção, etc.

Direitos humanos e direitos fundamentais são terminologias que assumem maiores convergências

e por isso demandam análise específica.

Pela expressão direitos humanos entende-se os direitos consignados nos documentos internacio-

nais adotados no arcabouço do sistema global de direitos humanos das Nações Unidas e nos sistemas

regionais de direitos humanos (interamericano, europeu, africano). Trata-se de expressão afeta ao

âmbito internacional e que relaciona os direitos suprapositivados ou supranacionais.

Os direitos fundamentais são aqueles positivados e reconhecidos na ordem constitucional estatal.

Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet (2010), “aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positi-

vados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado”. Para J. J. Gomes Canotilho

(2003), os direitos fundamentais são os direitos jurídica e constitucionalmente garantidos e limitados

no espaço e no tempo.

No mesmo sentido Antonio-Enrique Pérez Luño (2005), que consigna que grande parte da dou-

trina entende que os direitos fundamentais são aqueles direitos positivados nas constituições estatais.

Em síntese, de um lado, no âmbito internacional dos direitos humanos, tem-se o Direito Internacional

dos Direitos Humanos, com seus documentos (declarações, convenções, protocolos) e mecanismos de

implementação e controle (relatórios, comunicações interestatais, petições individuais e outros proce-

dimentos) e, de outro, no nível estatal, os direitos fundamentais, como positivação daqueles direitos

na ordem jurídica de um determinado Estado (MELO, 2017).

4. Fundamento dos direitos humanos


Como a própria denominação, por óbvio são direitos ligados à pessoa humana. Como se trata de

um conjunto de direitos afetos à pessoa humana, o substrato inerente a todos é a dignidade da pes-

soa humana. A dignidade da pessoa humana é uma construção histórica, que se transformou na con-
temporaneidade em fundamento do pensamento ético-jurídico universal, norteadora dos modelos de

Estado e sociedade, e que, inclusive, é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art.

1º, III, CF/88).

52
5. Fundamentação dos direitos
humanos
A fundamentação dos direitos humanos, isto é, a sua existência e legitimação, contempla inúmeras

teorias, as quais destacamos:

• jusnaturalista;

• positivista;

• moralista.

Conforme Melo (2017), “O jusnaturalismo compreende os direitos humanos como direitos naturais

(básicos, inalienáveis, de todos os homens), seja por inspiração divina, como proposto nas primeiras

manifestações de seus teóricos, seja fruto da razão humana, como proposto pelos defensores da secu-

larização, na busca de um fundamento que não se aprumasse na existência de Deus”. No jusnatura-

lismo, os direitos naturais são inerentes ao homem, anteriores ao Estado e, portanto, não concedidos

pelo direito positivo. Pouco importa se reconhecidos ou não pela ordem positiva, são direitos de todos

os homens, e cabe ao Estado respeitá-los.

Para os positivistas, direitos humanos são somente aqueles positivados na ordem jurídica estatal,

na lei positiva de cada Estado. Por consequência, não são considerados direitos inerentes ao homem,

mas concedidos pelo Estado, de forma institucionalizada.

Para a teoria moralista ou ética os direitos humanos são direitos morais e, portanto, “não aferem

a sua validade por normas positivadas, mas diretamente dos valores morais da coletividade humana”

(RAMOS, 2013, p. 49). Conforme Silva (2002, p. 130), “os direitos humanos como direitos morais

seriam aquelas exigências éticas, bens, valores, razões ou princípios morais de especial importân-

cia gozados por todos os seres humanos, pelo simples fato de serem seres humanos, de tal forma

que permitem supor uma exigência ou demanda frente o resto da sociedade; e têm a pretensão de

serem incorporados ao ordenamento jurídico como direitos jurídico-positivos, se já não o estiverem”.

53
6. Características dos direitos
humanos
Entende-se por características os elementos vinculados à concepção contemporânea de direitos

humanos.

6.1. Universalidade
A universalidade é o elemento constitutivo da gênese da ideia dos direi-

tos humanos. A universalidade é o reconhecimento de que a dignidade e a

capacidade para o exercício de direitos são

inerentes a todos que compõem a família 


Para saber mais
humana, sem distinções que possam con- Apesar das divergências e polêmicas sobre “uni-
versalidade x relativismo”, a Declaração de Vie-
vergir em discriminações, limitações, redu- na (1993) enunciou que os direitos humanos são
universais, indivisíveis, interdependentes e inter-re-
cionismos ou perseguições por elementos lacionados. Enunciou um forte universalismo e um
fraco relativismo. Isto é, as particularidades nacio-
como sexo, raça, origem nacional, proce- nais e regionais devem ser levadas em considera-
ção, mas sem obstar a promoção e proteção aos
dência ética, religiosa ou qualquer outra direitos humanos.

condição.

Em síntese, conforme Antonio-Henrique Perez Luño (2002), ou os direitos humanos são universais

ou não são direitos humanos.

6.2. Indivisibilidade e interdependência


A Declaração Universal dos Direitos Humanos consagrou, como elementos integrantes, em conjunto

com a universalidade, as noções de indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.

A indivisibilidade pressupõe a compreensão integral dos direitos humanos, não podendo dissociar

os direitos civis e políticos, de um lado, dos direitos econômicos, sociais e culturais, de outro. Não

se admite o fracionamento dos direitos humanos, uma vez que, conforme Flávia Piovesan (2003), a

54
Declaração Universal de 1948 introduziu inovação extraordinária ao conjugar o discurso liberal de cida-

dania – expresso nas Declarações do final do século XVIII – com o discurso social – consignado, por

exemplo, na Declaração do Povo Trabalhador e Explorado da União Soviética.

Para Lysian Valdes e Danielle Annoni (2013, p. 40), “a característica da indivisibilidade fundamenta-

-se no princípio da não discriminação, conferindo aos direitos humanos igual importância e, portanto,

igualdade de tratamento jurídico”.

É nesse contexto, destarte, que deve ser interpretada a noção de direitos humanos, em que os

direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais constituem direitos integrais, inter-

-relacionados e interdependentes. Não é possível fracionamento ou divisões na compreensão ou apli-

cabilidade desses direitos (MELO, 2017).

6.3. Historicidade
Direitos Humanos são direitos históricos. Conforme Melo (2017), “a historicidade, enquanto carac-

terística, reconhece que os direitos humanos não nascem todos em um determinado momento, mas

são fruto de um longo processo histórico de avanços e retrocessos em seu reconhecimento e proteção.

Nas palavras de BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Elsevier, p. 9, “os direitos do homem, por mais

fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracte-

rizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual,

não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”.

Assim, falar em direitos humanos é reconhecê-los como direitos construídos historicamente em

conjunto com as transformações políticas, econômicas e sociais da comunidade humana.

6.4. Vedação ao retrocesso e proibição de proteção


deficiente
A vedação ao retrocesso, também chamado de efeito cliquet, constitui uma verdadeira blindagem

contra retrocessos e flexibilizações na proteção aos direitos consagrados. Não há que flexibilizar ou

retroceder na proteção aos direitos assegurados para se conformar aos interesses políticos e econômi-

cos de maiorias pontuais (MELO, 2017).

55
Trata-se de característica particularmente importante no que tange à proteção aos direitos econô-

micos, sociais e culturais, para não retrocedê-los a níveis de proteção inferiores. Até mesmo porque

há uma cláusula de progressiva realização dos direitos econômicos, sociais e culturais, como se vê no

Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (sistema global de direitos humanos)

e no Protocolo de San Salvador (sistema interamericano de direitos humanos). Significa que, até o

máximo dos recursos disponíveis, cabe ao Estado implementar e assegurar esses direitos, como saúde,

educação, previdência social, moradia, etc.

Em última análise, o que se pretende é a proteção contra os retrocessos, uma verdadeira “blinda-

gem protetiva”, além de impedir que a proteção deficiente comprometa a efetividade dos direitos, em

especial os econômicos, sociais e culturais.

6.5. Inalienabilidade
Trata-se da impossibilidade de transacionar ou comercializar direitos (humanos, fundamentais) a

outrem, uma vez que não possuem conteúdo econômico. São indisponíveis. Como observa Uadi

Lamego Bulos (2007, p. 406), “os seus titulares não podem vendê-los, aliená-los, comercializá-los,

pois não têm conteúdo econômico”.

6.6. Irrenunciabilidade
Direitos humanos são irrenunciáveis, não podendo ser abdicados, recusados ou rejeitados e qual-

quer manifestação do indivíduo nesse sentido será nula de pleno direito.

6.7. Imprescritibilidade
No plano internacional, não há que se falar na incidência do instituto da prescrição para os direitos

humanos. Mesmo com o decurso do tempo, são exigíveis a qualquer momento. O fato de a pessoa

humana não exercê-lo por um longo período não implica o advento da prescrição.

56
7. Classificação de direitos humanos
A teoria das gerações de direitos é, sem dúvida, a mais conhecida – e alvo de intensas críticas –

classificação de direitos humanos.

Essa abordagem teve sua primeira formulação pelo jurista tcheco-francês Karel Vasak em uma

palestra realizada em 1979, que, por sua vez, foi albergada e difundida na obra A Era dos Direitos,

lançada em 1981, de autoria do jurista italiano Norberto Bobbio.

A teoria das gerações (ou geracional), inspirada nos ideais da Revolução Francesa (liberdade, igual-

dade e fraternidade), divide a gênese histórica e o conteúdo dos direitos humanos em três gerações

de direitos, a saber (MELO, 2017):

• Direitos humanos de primeira geração, os chamados direitos de liberdade (direitos de defesa),

consistentes nos direitos civis e políticos;

• Direitos humanos de segunda geração, direitos de igualdade (direitos de prestação), compreen-

didos os direitos econômicos, sociais e culturais.

• Direitos humanos de terceira geração, os direitos da solidariedade, como o direito ao meio

ambiente, direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, etc.

Uma parcela significativa da doutrina optou por substituir o termo “geração de direitos” por “dimen-

são de direitos”. Assim, onde se lê “geração de direitos” é possível substituir por “dimensão de direi-

tos”, que, aliás, é a nossa preferência.

7.1. Direitos humanos de primeira dimensão


Os direitos de primeira dimensão são decorrentes das revoluções liberais do século XVIII, com as

declarações de direitos norte-americanas (a Declaração do Bom Povo da Virgínia e a Declaração de

Independência dos Estados Unidos, ambas de 1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão da Revolução Francesa, de 1789, que enunciaram os direitos liberais clássicos.

O valor que caracteriza a primeira dimensão de direitos é a liberdade, que pode ser a liberdade de

comércio, de expressão, de consciência, de reunião, de associação, de crença e religião, etc.

57
Quanto ao conteúdo, os direitos de primeira dimensão são os direitos civis e políticos.

Entende-se por direitos civis o direito à vida, à liberdade, à propriedade privada, à igualdade formal

e posteriormente outras liberdades específicas como a de pensamento, expressão, reunião, associa-

ção, dentre outras.

Já os direitos políticos conferem a possibilidade de participação nos destinos políticos, notadamente

o direito de votar e ser votado.

Os direitos civis e políticos são direitos de cunho negativo, de status negativo ou de prestações

negativas, ou seja, impõem a não intervenção do Estado na esfera do indivíduo, uma abstenção em

atuar na esfera individual.

7.2. Direitos humanos de segunda dimensão


Os direitos de segunda dimensão são frutos dos movimentos de trabalhadores da segunda metade

do século XIX (tendo como referencial teórico o Manifesto Comunista de 1848) e das transformações

sociopolíticas nos primeiros anos do século XX, como a Revolução Bolchevique na Rússia (1918) e as

Constituições do México (1917) e de Weimar (1919).

O valor dos direitos de segunda geração (dimensão) é a igualdade, não a igualdade formal liberal,

mas a igualdade material, de condições de vida e trabalho das classes obreiras. Trata-se da igualdade

material para o homem da classe operária, do trabalhador.

O conteúdo da segunda dimensão são os direitos econômicos, sociais e culturais. São exemplos

de direitos sociais a educação, a saúde, a moradia; de direitos econômicos os trabalhistas, de filiação

sindical, de condições justas de trabalho; ou ainda de direitos culturais o respeito à identidade e à

memória da comunidade, o direito às fontes culturais, etc.

São direitos de prestação (obrigação) positiva, porque, em essência, impõem e demandam a ação

estatal para a sua efetivação. Em outras palavras, para políticas de educação, saúde, moradia, etc.,

é necessário a alocação de recursos financeiros, uma atuação positiva do Estado para efetivá-los.

58
7.3. Direitos humanos de terceira dimensão
Os direitos de terceira dimensão são os direitos de solidariedade, de fraternidade ou até mesmo

“direito dos povos”. São direitos de reconhecimento recente, após a Segunda Guerra Mundial.

O valor é a fraternidade (ou solidariedade).

São exemplos de direitos de terceira dimensão o direito ao meio ambiente, o direito à paz, à auto-

determinação dos povos, à proteção e a conservação do patrimônio comum da humanidade.

Enquanto nas primeiras gerações a titularidade era do homem-indivíduo, os direitos de terceira

geração são destinados à proteção de grupos humanos (povo, nação e até mesmo a humanidade),

como direitos de titularidade coletiva ou difusa.

Direitos Direitos de primeira Direitos de segunda Direitos de terceira


humanos geração/dimensão geração/dimensão geração/dimensão
Econômicos, Sociais e
Direitos Civis e Políticos Difusos
Culturais

Valor Liberdade Igualdade Fraternidade

Revoluções Liberais
do século XVIII: Constituição do
• Revolução Industrial México (1917);
Recorte
• Independência das Revolução Russa (1918); Pós Segunda Guerra Mundial
Histórico
13 Colônias da América Constituição de
do Norte Weimar (1919)
• Revolução Francesa

Fonte: elaborado pelo autor.

7.4. O uso da expressão “dimensão de direitos”


Em decorrência das críticas à classificação de direitos em gerações, uma parcela significativa da
doutrina optou pelo uso da expressão “dimensão” de direitos humanos.
Ao se utilizar “dimensão de direitos humanos” evita-se a falsa impressão de substituição gradativa
de uma geração de direitos por outra. Em outras palavras, uma geração não substitui outra geração,
ao reverso, são gerações complementares. Conforme Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 45), o reconheci-
mento progressivo de novos direitos tem o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade.

59
7.5. A classificação de T. S. Marshall
A classificação geracional, concedida por Karel Vasak e que se popularizou pelos escritos de Norberto
Bobbio, foi precedida por uma teoria de análise evolutiva das fases históricas dos direitos de cidadania,
exposta na obra Cidadania, Classe Social e Status, lançada em 1950, de autoria de T. H. Marshall, sociólogo
inglês que foi Chefe do Departamento de Ciências Sociais da UNESCO entre 1950 e 1960.
Em sua obra, o autor inglês dividiu o desenvolvimento da cidadania em três partes: (i) direitos civis; (ii)
direitos políticos; (iii) direitos sociais. Para T. H. Marshall, o século XVIII caracterizou-se pelos direitos civis,
o século XIX como o momento dos direitos políticos e o século XX como o dos direitos sociais.

Pontuando
• A concepção contemporânea dos direitos humanos tem como marco histórico o término da
Segunda Guerra Mundial e no plano institucional a criação das Nações Unidas em 1945, com
destaque para a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Com essa
conjugação inicia-se o processo de internacionalização dos direitos humanos e o estabeleci-
mento do sistema global de direitos humanos.
• Os direitos humanos possuem características ontológicas e definidoras, como a universalidade,
a indivisibilidade e a interdependência dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais
e difusos. Elas conjugam a leitura contemporânea.
• Para explicar a sua gênese histórica, a teoria das gerações (ou geracional) dos direitos huma-
nos, inspirada nos ideais da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), divide a
gênese histórica e o conteúdo dos direitos humanos em três gerações de direitos, congregando
os direitos de liberdade (individuais), de igualdade (coletivos) e os de solidariedade (difusos).

Glossário
DIREITOS HUMANOS: entende-se os direitos consignados nos documentos internacionais ado-
tados no arcabouço do sistema global de direitos humanos das Nações Unidas e nos sistemas
regionais de direitos humanos (interamericano, europeu, africano). Trata-se de expressão afeta ao
âmbito internacional e que relaciona os direitos suprapositivados ou supranacionais.

DIREITOS FUNDAMENTAIS: são aqueles positivados e reconhecidos na ordem constitucional esta-


tal, isto é, os direitos jurídica e constitucionalmente garantidos e limitados no espaço e no tempo.
TEORIA DAS GERAÇÕES/DIMENSÕES DE DIREITOS HUMANOS: teoria popularizada por Norberto
Bobbio para explicar a gênese histórica da afirmação dos direitos humanos desde o advento da
modernidade.

60
Verificação de leitura
QUESTÃO 1 - (VUNESP – 2014 – PC/SP – Investigador de Polícia). Na evolução histórica dos direitos

humanos, surgem o que se convencionou denominar de “gerações dos direitos”, que representam a

valorização de determinados direitos em momentos históricos distintos. Assim sendo, assinale a alter-

nativa que contempla direitos pertencentes à primeira geração dos direitos humanos:

a) Direitos econômicos e de igualdade.

b) Vida e liberdade.

c) Direitos trabalhistas e previdenciários.

d) Direitos civis e direito à paz.

e) Fraternidade e direitos sociais.

QUESTÃO 2 - (VUNESP – 2013 – PC/SP – Escrivão de Polícia) Considerando o que a doutrina majo-

ritária dispõe sobre o desenvolvimento e conquista dos direitos humanos, pode-se afirmar que esse

desenvolvimento histórico, classificado por gerações de direitos, pode ser, cronologicamente, assim

representado:

a) Direitos individuais; direitos coletivos e direitos sociais.

b) Direitos individuais, direitos coletivos e liberdades negativas.

c) Liberdades positivas, liberdades negativas e direitos sociais.

d) Direitos sociais; direitos de liberdade e direitos da fraternidade.

e) Direitos de liberdade; direitos sociais e direitos difusos.

61
QUESTÃO 3 - (Promotor de Justiça – MPE-2008) Sobre os direitos humanos, assinale a alternativa

correta:

a) Têm como características a universalidade, a historicidade e a indivisibilidade.

b) Conceituam-se como posições jurídicas reconhecidas pela ordem jurídico- constitucional de cada

Estado soberano.

c) Sob uma perspectiva histórica abrangem apenas os direitos à liberdade, segurança e propriedade.

d) Compreendem, além dos direitos civis e políticos, os direitos sociais, econômicos e culturais, sendo

que os últimos não são exigíveis.

e) Correspondem aos direitos naturais e são protegidos por organismos internacionais.

QUESTÃO 4 - (CESPE – 2011 – DPE/MA – Defensor Público) Considerando a teoria geral dos direitos

humanos, assinale a opção correta:

a) Consoante a teoria da margem de apreciação, nenhuma norma de direitos humanos pode ser invo-

cada para limitar o exercício de qualquer direito.

b) A característica da indivisibilidade dos direitos humanos decorre da constatação de que a condi-

ção de pessoa é o único requisito para a sua titularidade de direitos e das necessidades humanas

universais.

c) A superioridade das normas de direitos humanos caracteriza-se pela aferição de idoneidade, neces-

sidade e equilíbrio da intervenção do Estado em determinado direito fundamental.

d) O princípio da proibição do retrocesso social é uma cláusula de defesa do cidadão em face de

possíveis arbítrios impostos pelo legislador no sentido de desconstituir as normas de direitos

fundamentais.

e) Com a inclusão dos direitos sociais no rol dos direitos do homem, antes composto apenas de direi-

tos de liberdade, os direitos do homem passaram a constituir uma categoria homogênea.

62
QUESTÃO 5 - (MP/SP - Analista de Promotoria - 2015 - VUNESP) Assinale a alternativa que correta-

mente disserta sobre aspectos conceituais dos Direitos Humanos em sua evolução histórica:

a) Os Direitos Humanos da terceira dimensão marcam a passagem de um Estado autoritário para um

Estado de Direito e, nesse contexto, o respeito às liberdades individuais, em uma perspectiva de

absenteísmo estatal, fruto do pensamento liberal-burguês do século XVIII.

b) Os direitos de quarta dimensão, ou direitos de liberdade, têm como titular o indivíduo, são opo-

níveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subje-

tividade que é seu traço mais característico, sendo, assim, direitos de resistência ou oposição ao

Estado.

c) Os direitos fundamentais da primeira dimensão são marcados pela alteração da sociedade por pro-

fundas mudanças na comunidade internacional, identificando-se consequentes alterações nas rela-

ções econômico-sociais, sobretudo na sociedade de massa, fruto do desenvolvimento tecnológico

e científico.

d) Os direitos da quinta dimensão são direitos transindividuais que transcendem os interesses do indi-

víduo e passam a se preocupar com o gênero humano, com altíssimo teor de humanismo e uni-

versalidade, inserindo o ser humano em uma coletividade que passa a ter direitos de solidariedade

ou de fraternidade.

e) A evidenciação de direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos de igual-

dade, sob o prisma substancial, real e material, e não meramente formal, mostra-se marcante nos

documentos pertencentes ao que se convencionou classificar como segunda dimensão dos Direitos

Humanos.

63
Referências bibliográficas
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.


ed. Coimbra: Almedina, 2003.

MALHEIRO, Emerson. Direito Internacional Público. São Paulo: Malheiros, 2014.

MELO, Fabiano. Direitos Humanos. São Paulo: Método, 2016.

PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Universalidad de los Derechos Humanos y el Estado


Constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2002.

______ . Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. 9. ed. Madrid: Editorial


Tecnos, 2005.

PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2013.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010.

______ ; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo: RT, 2011.

SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas. Fundamentando os Direitos Humanos: Breve


Inventário. In: Legitimação dos Direitos Humanos. Rio: Renovar, 2002.

VALDES, Lysian; ANNONI, Danielle. O Direito Internacional dos Refugiados e o Brasil.


Curitiba: Juruá, 2013.

64
Gabarito
QUESTÃO 1 - Alternativa D

Os direitos de primeira geração são os chamados direitos de liberdade, que podem ser a liber-

dade de comércio, de expressão, de consciência, de reunião, de associação, de crença e religião, etc.

Inclui-se, ademais, o direito à vida.

QUESTÃO 2 - Alternativa A

A teoria das gerações (ou geracional), inspirada nos ideais da Revolução Francesa (liberdade, igual-

dade e fraternidade), divide a gênese histórica e o conteúdo dos direitos humanos em três gerações

de direitos: (a) Direitos humanos de primeira geração, os chamados direitos de liberdade (direitos

de defesa), consistentes nos direitos civis e políticos, de índole individual; (b) Direitos humanos de

segunda geração, direitos de igualdade (direitos de prestação), compreendidos os direitos econômicos,

sociais e culturais, de natureza coletiva. (c) Direitos humanos de terceira geração, os direitos da soli-

dariedade, como o direito ao meio ambiente, direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desen-

volvimento, etc., de natureza difusa.

QUESTÃO 3 - Alternativa A

De fato, como assinalado pela assertiva e visto durante as aulas, são características dos direitos

humanos a universalidade (de todas as pessoas, sem discriminações), a indivisibilidade (dos direitos

civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais) e a historicidade (são direitos históricos).

65
QUESTÃO 4 - Alternativa D

A vedação ao retrocesso, também chamado de efeito cliquet, constitui uma verdadeira blindagem

contra retrocessos e flexibilizações na proteção aos direitos consagrados. Não há que flexibilizar ou

retroceder na proteção aos direitos assegurados para se conformar aos interesses políticos e econômi-

cos de maiorias pontuais

QUESTÃO 5 - Alternativa E

A assertiva converge com os denominados direitos de segunda geração/dimensão de direitos huma-

nos, compreendendo os direitos econômicos, sociais e culturais.

66
4
O Brasil e o sistema
internacional de
direitos humanos
Objetivos
• Conhecer a dinâmica dos tratados internacionais na proteção da pessoa humana.

• Compreender o processo de incorporação dos tratados e convenções internacionais de direitos

humanos no ordenamento jurídico brasileiro.

• Estudar o controle de convencionalidade e sua aplicabilidade.

1. Introdução1
A previsão institucional dos direitos humanos, na concepção contemporânea, ocorreu tardiamente no
Brasil, com a promulgação do ordenamento constitucional de 1988, resultante da abertura democrática
após o regime militar.
Nesse processo, a dignidade da pessoa humana configurou-se como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil. Conforme Melo (2017), “em nosso ordenamento jurídico, a dignidade da pessoa
humana é o fundamento axiológico, indeclinável e norteador do Estado brasileiro e, por consequência, ins-
pira e orienta as funções constitucionais, assim como a interpretação e aplicação das normas”.
Em conjunto com o reconhecimento da dignidade da pessoa humana e tendo como referência histórica
os atos de supressão de direitos individuais após o regime militar e os desafios com a redemocratização, a
Constituição de 1988 consagrou no art. 5º uma plêiade de direitos sem precedentes na história constitu-
cional. Conforme Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 65-66), “a relevância atribuída aos direitos fundamentais
e até mesmo a configuração do seu conteúdo são frutos da reação do Constituinte, e das forças sociais e
políticas nele representadas, ao regime de restrição e até mesmo aniquilação das liberdades fundamen-
tais”. Contemplou os direitos sociais (art. 6º) e os direitos políticos (art. 14) e os direitos de solidariedade,
como a proteção ao meio ambiente (art. 225). Ademais, conferiu a abertura para o reconhecimento de
novos direitos a partir da incorporação dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos.
Assim, deu-se a incorporação de uma plêiade de documentos internacionais, como o Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção
Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), dentre outros. Com isso, o Brasil se
inseriu efetivamente no sistema internacional de direitos humanos, tanto no global, das Nações Unidas,
quando no sistema interamericano, regional.
1 Os apontamentos dessa aula forma extraídos de: MELO, Fabiano. Direitos Humanos. São Paulo: Método, 2017.

68
2. Regime objetivo dos tratados de
direitos humanos
Antes de estudar a sistemática de incorporação dos tratados e convenções internacionais de direitos

humanos em nosso ordenamento, é necessário conhecer o posicionamento e dimensão dos tratados

de direitos humanos no contexto da proteção da pessoa humana.

Com efeito, um tratado significa um acordo internacional concluído entre dois os mais Estados,

regido pelas disposições do Direito Internacional, em especial da Convenção de Viena sobre Direito

dos Tratados. Um tratado estabelece ou regulamenta direitos subjetivos, ou concessões e vantagens

recíprocas entre as partes (TRINDADE, 1999, p. 29). Essa é a dinâmica dos tratados clássicos, basea-

dos na reciprocidade.

Já nos tratados de direitos humanos há uma especificidade ou caráter especial: o regime objetivo.

Isto é, não regulamentam direitos subjetivos (vantagens e obrigações recíprocas) entre Estados (como

nos tratados clássicos), mas as obrigações de interesse geral que os Estados se comprometem na

proteção dos direitos da pessoa humana. O regime objetivo dos tratados de direitos humanos impõe

deveres na proteção da pessoa humana e, de igual forma, o seu processo de interpretação é em favor

do indivíduo.

Conforme Antônio Augusto Cançado Trindade (1999, p. 29-30), “os tratados de direitos humanos

são claramente distintos dos tratados do tipo clássico, que estabelecem ou regulamentam direitos

subjetivos, ou concessões ou vantagens recíprocas, para as partes contratantes. Os tratados de direi-

tos humanos, em contrapartida, prescrevem obrigações de caráter essencialmente objetivos, a serem

garantidas ou implementadas coletivamente, e enfatizam a predominância de considerações de inte-

resse geral ordre public que transcendem os interesses individuais das partes contratantes”.

O cerne e o conteúdo dos tratados de direitos humanos incorporam obrigações de caráter objetivo

que possuem um destinatário: a pessoa humana. É dizer, os tratados de direitos humanos são elabo-

rados e formulados para a proteção dos direitos essenciais da pessoa humana, que garantem a sua

dignidade inerente (MELO, 2016).

69
3. Hierarquia dos tratados e
convenções internacionais de direitos
humanos
Para compreender a leitura do Brasil no sistema internacional de direitos humanos a temática cen-
tral é o estudo da incorporação e da hierarquia dos tratados e convenções internacionais em nosso
sistema jurídico.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 confere um roteiro das fases de formação de um tra-
tado à luz do direito brasileiro.
Dessa forma, quatro são as etapas fundamentais:
• (i) Celebração do tratado ou convenção pelo Presidente da República;
• (ii) Aprovação pelo Congresso Nacional;
• (iii) Ratificação do tratado ou convenção pelo Presidente da República;
• (iv) Promulgação pelo Presidente da República.
A princípio, a competência para celebrar tratado, convenção ou ato internacional é privativa do
Presidente da República (art. 84, VIII, da CF/1988). Ao assinar um tratado, o Estado dá a sua aquies-
cência à sua forma e conteúdo, sem gerar efeitos jurídicos vinculantes (PIOVESAN, 2009, p. 47).
Com a formalização dos procedimentos na esfera internacional, o Presidente da República efetuará
o encaminhamento de Mensagem, com a exposição de motivos elaborada pelo Ministro das Relações
Exteriores e a cópia do ato internacional, ao Congresso Nacional, que possui competência exclusiva
para “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos
ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (art. 49, I, CF/1988).
No âmbito do Congresso Nacional, a apreciação será feita inicialmente na Câmara dos Deputados e
em seguida no Senado Federal. Com a aprovação respectiva, o Presidente do Senado Federal, na qua-
lidade de Presidente do Congresso Nacional, efetua a promulgação e publicação de um decreto legis-
lativo. Em eventual não aprovação do tratado, não há estipulação de determinada espécie normativa,
hipótese que se efetua somente à comunicação mediante mensagem (MAZZUOLI, 2011).
Com a promulgação do decreto legislativo, a etapa seguinte é a ratificação, ato jurídico com efei-
tos no plano internacional (PIOVESAN, 2009). Frisa-se, contudo, que a ratificação é ato discricionário.

70
Com a ratificação, o governo brasileiro efetua a troca (no caso dos tratados bilaterais) ou depósito (no
caso dos multilaterais, como os de direitos humanos) dos atos junto à autoridade internacional res-
ponsável pela custódia, como exemplo o Secretário-Geral da ONU (nas convenções do sistema global
de direitos humanos) ou o Secretário-Geral da OEA (nas convenções do sistema interamericano de
direitos humanos). Com o depósito ocorre a produção de seus efeitos jurídicos no plano internacional
e a celebração definitiva.
Não obstante a celebração definitiva com a ratificação, no direito brasileiro é necessário ainda,
como requisito para a entrada em vigor no plano interno, a promulgação e publicação de decreto
de responsabilidade do Presidente da República (MELO, 2017). Conforme André de Carvalho Ramos
(2013, p. 258), “não há prazo para sua edição e até lá o Brasil está vinculado internacionalmente, mas
não internamente: esse descompasso enseja a óbvia responsabilização internacional do Brasil”. Apesar
das críticas doutrinárias, o fato é que o decreto presidencial promulgando o tratado é um requisito
para a sua entrada em vigor no ordenamento jurídico pátrio.
Como se vê, no processo de formação de um tratado internacional há a junção de vontades do
Poder Executivo e Legislativo, chamado de teoria dos atos complexos (RAMOS, 2013).
No que se refere à hierarquia dos tratados de direitos humanos, são quatro as principais correntes
relacionadas pela doutrina brasileira (MELO, 2017):
• Supraconstitucional: os tratados de direitos humanos estão em posição acima da Constituição.
• Constitucional: os tratados de direitos humanos são equivalentes às normas constitucionais.
• Supralegal: os tratados de direitos humanos estão acima da lei mas abaixo da Constituição.
• Legal: os tratados de direitos humanos são equivalentes às leis ordinárias federais.
Com efeito, antes do advento da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o entendimento do STF,
expresso no RE 80.004, do ano de 1977, era que os tratados internacionais, incluindo os de direitos
humanos, tinham equivalência à lei ordinária federal.
A adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, em 1992, teve o condão de trazer à baila
novas discussões sobre o status dos tratados de direitos humanos. Isso porque a Constituição Brasileira
estabelece a possibilidade da prisão do depositário infiel (art. 5º, LXVII, da CF/1988), ao passo que
o Pacto de São José da Costa Rica restringe a prisão civil somente para o descumprimento das obri-
gações alimentares (art. 7º, inciso 7, do Pacto de São José da Costa Rica). Esse panorama fomentou
significativas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, tanto pela prevalência do Pacto de São José

71
da Costa Rica quanto pela sua subordinação à Constituição de 1988. Essa divisão se verificou no HC
72.131, de 1995, em que o STF, por maioria, decidiu pelo status de lei ordinária ao Pacto de São José
da Costa Rica.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, foi introduzido o § 3º no art. 5º da
Constituição de 1988, a saber: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Esse novo dispositivo constitucional estabeleceu claramente a distinção entre os tratados comuns
e os tratados sobre direitos humanos.
Ao se reconhecer que os tratados aprovados na sistemática do § 3º do art. 5º são equivalentes às
emendas constitucionais (possuem status constitucional), surgiu a necessidade de se perquirir sobre
o status dos tratados de direitos humanos aprovados antes e daqueles que forem aprovados após a
promulgação da EC 45/2004 sem a observância desse rito especial.
Essa discussão foi delineada no julgamento do RE 466.343/SP, de 2008, em mais uma decisão
que teve como objeto a possibilidade de prisão do depositário infiel, em que o STF conferiu uma nova
interpretação e adotou a teoria do duplo status dos tratados e convenções internacionais de direitos
humanos, a saber:
• Status constitucional;
• Status supralegal.
O status constitucional é para os tratados que se submetem ao rito do § 3º do art. 5º, da CF/1988.
Esse iter foi utilizado somente para a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficiência e o seu Protocolo Adicional, ambos do ano de 2007 e incorporados no ordenamento jurí-
dico brasileiro mediante o Decreto 6.949/2009.
Já o status supralegal significa que os tratados aprovados antes da EC 45 e mesmo os posterio-
res que não observarem o § 3º do art. 5º da CF/1988, estão abaixo da Constituição, porém acima da
legislação interna.
Conforme o RE 349.703-RS, do ano de 2008, em análise decisiva sobre a prisão civil do depositário
infiel na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e na legis-
lação interna, consignou que, “Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de
San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil

72
do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos
lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima
da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos
subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela
anterior ou posterior ao ato de adesão” (grifo nosso).
No mesmo sentido, o REsp 914.253-SP, do STJ, do ano de 2009: “O Pretório Excelso, realizando
interpretação sistemática dos direitos humanos fundamentais, promoveu considerável mudança acerca
do tema em foco, assegurando os valores supremos do texto magno. O Órgão Pleno da Excelsa Corte,
por ocasião do histórico julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343 - SP, Relator Min. Cezar
Peluso, reconheceu que os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à lei ordinária, osten-
tando status normativo supralegal, o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emana-
das de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade, máxime em face do
efeito paralisante dos referidos tratados em relação às normas infra-legais autorizadoras da custódia
do depositário infiel. Isso significa dizer que, no plano material, as regras provindas da Convenção
Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do
direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em
sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade”.
No dia 9 de outubro de 2018 foi publicado o Decreto nº 9.522, promulgando o Tratado de
Marraqueche, assinado pelo Brasil em 27 de junho de 2013, na cidade de Marraqueche, localizada no
Marrocos. Com isso, destacamos que esse Tratado foi aprovado pelo Congresso Nacional, conforme os
requisitos do art. 5º, § 3º da Constituição Federal (1988), sendo incorporado ao Direito brasileiro com
status de norma constitucional.
Desse modo, o Tratado de Marraqueche foi firmado com o objetivo de facilitar o acesso a obras
publicadas às pessoas com deficiência visual ou outras dificuldades, logo, possibilitando o acesso ao
texto impresso.

73
4. Tratados material e formalmente
constitucionais e tratados
materialmente constitucionais
O STF adotou o duplo status dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos.

Contudo, doutrinadores como Flávia Piovesan (2009, p. 77-83) defendem que todos os tratados de

direitos humanos são materialmente constitucionais, por força do § 2º do art. 5º da CF/1988.

Para a doutrinadora, com o advento da EC 45/2004 os tratados de direitos humanos se dividem

em duas categorias: (i) Tratados material e formalmente constitucionais; (ii) Tratados materialmente

constitucionais.

Os tratados material e formalmente constitucionais são aqueles aprovados pelo rito especial do § 3º

do art. 5º da CF/1988. Isto é, além do conteúdo materialmente constitucional, o tratado se submeteu

à aprovação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos res-

pectivos membros e, portanto, são equivalentes às emendas constitucionais e integram formalmente

a Constituição de 1988. Já os tratados materialmente constitucionais são aqueles que não passaram

pela sistemática especial do § 3º do art. 5º da CF/1988, mas isso não significa que não sejam normas

constitucionais; só não integram sob o aspecto formal a Carta Magna.

5. Controle de convencionalidade
Conforme Melo (2017), “o controle de convencionalidade é a verificação de compatibilidade das

leis internas com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos. Isto é, além da com-

patibilidade com a Constituição Federal (e sujeito ao controle de constitucionalidade), faz-se necessá-

ria a análise das leis internas em face das convenções internacionais de direitos humanos como, por

exemplo, a compatibilidade com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, com o exercício do

controle de convencionalidade”.

74
A doutrina relaciona duas formas de exercício do controle de convencionalidade (RAMOS, 2013.
GUERRA, 2014):
• Controle de convencionalidade internacional: atribuído a órgãos internacionais, de acordo com
seu âmbito de atuação, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (sistema interame-
ricano), a Corte Europeia de Direitos Humanos (sistema europeu) e outros.
• Controle de convencionalidade nacional: que será exercido pelo Poder Judiciário no controle
nacional de supralegalidade ou constitucionalidade, já que no ordenamento brasileiro se admite
o duplo status dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, de acordo com a
sistemática de incorporação correspondente.
No sistema interamericano de direitos humanos o controle de convencionalidade internacional é
exercido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, como órgão autêntico de interpretação da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Com efeito, “na jurisprudência da Corte Interamericana (Corte IDH), surgiu o conceito de controle
de convencionalidade para denominar a ferramenta que permite aos Estados realizar a obrigação de
garantia dos direitos humanos no âmbito interno, através da verificação da conformidade das normas
e práticas nacionais, com a Convenção Americana de Direitos Humanos e sua jurisprudência”.
O controle de convencionalidade nacional, por sua vez, constitui a verificação pelo Poder Judiciário,
dentro de suas respectivas competências e regulamentações, da compatibilidade das leis internas com
as convenções internacionais de direitos humanos. No caso do sistema interamericano, a análise das
leis brasileiras em face da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da interpretação conferida
pela Corte Interamericana aos seus dispositivos. Isto é, o Poder Judiciário a exercer, de ofício, o con-
trole de convencionalidade.
Consoante Valério de Oliveira Mazzuoli (2013, p. 382), “deve a lei ser compatível com a Constituição
e com os tratados internacionais (de direitos humanos e comuns) ratificados pelo governo. Caso a
norma esteja de acordo com a Constituição, mas não com eventual tratado já ratificado e em vigor no
plano interno, poderá ela ser considerada vigente (pois, repita-se, está de acordo com o texto consti-
tucional e não poderia ser de outra forma) – e ainda continuará perambulando nos compêndios legis-
lativos publicados –, mas não poderá ser tida como válida, por não ter passado imune a um dos limites
verticais materiais agora existentes: os tratados internacionais em vigor no plano interno”.

75
Exemplo de controle de convencionalidade internacional é o paradigmático Caso Gomes Lund Vs.
Brasil, em que a controvérsia versou sobre a responsabilidade do Estado brasileiro pela detenção arbi-
trária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, resultado de operações do Exército brasileiro
empreendidas entre 1972 e 1975 com o objetivo de eliminar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da
ditadura militar brasileira (1964–1985).
Não obstante a Lei 6.683, de 1979, que concedeu anistia a todos que cometeram crimes políticos
e conexos durante a ditadura militar, a Corte Interamericana decidiu pela sua incompatibilidade com a
Convenção Americana, por impedir a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos
cometidas pelo Estado brasileiro à época. Exerceu-se nesse julgamento um controle de convenciona-
lidade, isto é, análise que declarou a incompatibilidade da Lei de Anistia com as obrigações interna-
cionais assumidas pelo Brasil com a internalização da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Aliás, a Corte Interamericana relacionou igualmente nesse julgado a obrigação do controle de con-
vencionalidade ser feito pelos tribunais nacionais, como se vê: “quando um Estado é Parte de um tra-
tado internacional, como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, também
estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção
não se vejam enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade, e que desde
o início carecem de efeitos jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está internacionalmente obri-
gado a exercer um ‘controle de convencionalidade’ ex officio entre as normas internas e a Convenção
Americana, evidentemente no marco de suas respectivas competências e das regulamentações pro-
cessuais correspondentes” (parágrafo 176 da sentença).
Contudo, no presente caso “não foi exercido o controle de convencionalidade pelas autoridades
jurisdicionais do Estado e que, pelo contrário, a decisão do Supremo Tribunal Federal confirmou a vali-
dade da interpretação da Lei de Anistia, sem considerar as obrigações internacionais do Brasil deriva-
das do Direito Internacional, particularmente aquelas estabelecidas nos artigos 8 e 25 da Convenção
Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. O Tribunal estima oportuno
recordar que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente contraídas corres-
ponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidade internacional dos Estados, respal-

dado pela jurisprudência internacional e nacional, segundo o qual aqueles devem acatar suas obriga-

ções convencionais internacionais de boa-fé (pacta sunt servanda). Como já salientou esta Corte e

76
conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os Estados

não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. As obrigações conven-

cionais dos Estados Parte vinculam todos os seus poderes e órgãos, os quais devem garantir o cum-

primento das disposições convencionais e seus efeitos próprios (effet utile) no plano de seu direito

interno” (parágrafo 177).

Em síntese, a decisão no Caso Gomes Lund Vs. Brasil dispôs sobre o imperativo do exercício do

controle de constitucionalidade ser exercido no âmbito interno, pelo Poder Judiciário, quanto pelo

intérprete internacional da convenção, no caso a própria Corte Interamericana.

Por fim, quanto ao controle nacional, o Caso Cabrera García e Montiel Flores Vs. México, sentença

em 26 de novembro de 2010, parágrafo 225, consignou que a obrigação de todos os órgãos de ado-

tar as disposições da Convenção Americana incluiu o Poder Judiciário, que deve exercer o controle de

convencionalidade entre as leis estatais e as normas da Convenção Americana, nesses termos: “Esta

Corte estabeleceu na sua jurisprudência que reconhece que as autoridades nacionais estão sujeitas

à regra da lei e, portanto, são obrigadas a aplicar as disposições em vigor no ordenamento jurídico.

Mas quando um Estado tenha ratificado um tratado internacional, como a Convenção Americana,

todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, também estão sujeitos a isso, forçando-os a garantir que

os efeitos das disposições da Convenção não são afetados por regras contrárias ao seu objeto e fina-

lidade de aplicação. Os juízes e os órgãos intervenientes na administração da justiça em todos níveis

estão obrigados a exercer ex officio um controle de ‘convencionalidade’ entre as normas internas e

a Convenção Americana claramente dentro das respectivas competências e normas processuais per-

tinentes. Nesta tarefa, os juízes e os órgãos envolvidos na administração da justiça devem levar em

conta não somente o tratado, mas também a sua interpretação feita pelo Tribunal, o intérprete final

da Convenção Americana”.

77
6. Responsabilidade internacional
do Estado
Ao incorporar os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, os Estados se com-

prometem a adotar as medidas de proteção e promoção aos direitos, isto é, possuem o dever primário

de proteção aos direitos humanos.


Como o dever primário é do Estado Parte, caberá às instâncias internacionais a atuação subsidiária

e suplementar, em caso de não cumprimento dos direitos consignados em uma determinada conven-
ção internacional (do sistema global ou regional de direitos humanos).

Para referenciar, o Brasil efetuou a sua adesão ao Pacto de São José da Costa Rica em 1992

(Decreto 678) e doravante comprometeu-se a cumprir as disposições convencionais concernentes aos

direitos civis e políticos. Em caso de violação desses direitos, é possível, após o esgotamento da juris-

dição interna e outros requisitos, acionar o sistema interamericano de direitos humanos, notadamente

a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e com os desdobramentos é possível até mesmo

a edição de sentença de responsabilização internacional em face do Estado brasileiro, emitida pela

Corte Interamericana de Direitos Humanos. A responsabilização internacional decorre da violação de

um direito que o Estado brasileiro estava obrigado a proteger (MELO, 2017).

Como exemplo, um brasileiro vítima de uma violação de direito previsto no Pacto de São José

da Costa Rica não poderá, em regra, peticionar diretamente à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos sem antes submeter e esgotar os procedimentos previstos na justiça brasileira. Essa regra

somente poderá ser flexibilizada se o Estado não garantir o devido processo legal, obstar o acesso à

Justiça e aos recursos judiciais, ou ainda se houver demora injustificada na decisão. Com o cumpri-

mento dos requisitos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos abre um procedimento de inves-

tigação e, ao final, se procedente, edita um relatório (Relatório Preliminar ou Informe 50 – já que pre-

visto no art. 50 do Pacto de São José da Costa Rica) que deverá ser observado pelo Estado brasileiro.

Contudo, em caso de não observância das recomendações do relatório, a Comissão encaminhará o caso

para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que o Brasil reconhece a jurisdição desse tribunal

internacional para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998. A Corte Interamericana analisará o caso

78
e se procedente, editará uma sentença de responsabilização internacional, que é definitiva e inapelável.

Caberá ao Estado brasileiro dar cumprimento à sentença da Corte.

O Brasil foi condenado por violações de direitos humanos pela Corte Interamericana de Direitos

Humanos nos seguintes casos contenciosos:


1. CASO XIMENES LOPES VS. BRASIL, sentença de 4 de julho de 2006;
2. CASO ESCHER E OUTROS VS. BRASIL, sentença de 6 de julho de 2009;
3. CASO GARIBALDI VS. BRASIL, sentença de 23 de setembro de 2009;
4. CASO GOMES LUND E OUTROS (GUERRILHA DO ARAGUAIA) VS. BRASIL, sentença de 24 de
novembro de 2010.
5. CASO TRABALHADORES FAZENDA BRASIL VERDE VS BRASIL, sentença de 20 de outubro de 2016;
6. CASO FAVELA NOVA BRASÍLIA VS BRASIL, sentença de 16 de fevereiro de 2017,
7. CASO POVO XUCURU VS BRASIL, publicada no ano de 2018.

Vamos pensar
Na compreensão e discussão sobre o sistema internacional de direitos humanos e a Constituição bra-

sileira, recomenda-se ao acadêmico um estudo dos principais documentos que inspiram a Constituição

de 1988, em especial a Carta Internacional dos Direitos Humanos. Ademais, é imprescindível conhecer

o Pacto de São José da Costa Rica, que é o documento internacional com maior impacto no orde-

namento jurídico brasileiro. Até mesmo porque a sua inobservância em algumas situações ensejou

a edição de sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos condenando o Estado brasileiro

por violações de direitos humanos. Sugestão: estudar os órgãos protetivos do Pacto de São José da

Costa Rica: (a) Comissão Interamericana de Direitos Humanos e (b) Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Em seguida, aprofundar com o estudo das condenações do Brasil na Corte Interamericana
de Direitos Humanos.

79
Pontuando
• O cerne e o conteúdo dos tratados de direitos humanos incorporam obrigações de caráter obje-
tivo que possuem um destinatário: a pessoa humana. Os tratados de direitos humanos são ela-
borados e formulados para a proteção dos direitos essenciais da pessoa humana, que garantem
a sua dignidade inerente.
• O STF adota a teoria do duplo status dos tratados e convenções internacionais de direitos
humanos: (a) status de emenda constitucional, para os tratados que se submetem ao rito do
§ 3º do art. 5º, da CF/1988; (b) status supralegal, para os tratados aprovados antes da EC 45
e mesmo os posteriores que não observarem o § 3º do art. 5º da CF/1988, estando abaixo da
Constituição, porém acima da legislação interna.
• O controle de convencionalidade é a verificação de compatibilidade das leis internas com os
tratados e convenções internacionais de direitos humanos.
• Ao incorporar os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, o dever primário
de proteção aos direitos humanos é do Estado Parte. Caberá às instâncias internacionais a atu-
ação subsidiária e suplementar, em caso de não cumprimento dos direitos consignados em uma

determinada convenção internacional (do sistema global ou regional de direitos humanos).

Verificação de leitura
QUESTÃO 1 - (CESPE – 2014 – MPE/AC) No que concerne à relação entre os tratados internacionais
de direitos humanos e o ordenamento jurídico brasileiro, assinale opção correta:
a) Os tratados internacionais de direitos humanos seguem a forma ordinária de incorporação de atos
internacionais, conforme o modelo dualista adotado pela Constituição Federal.
b) Os tratados internacionais de direitos humanos podem ser invocados, desde que tenham sido apro-
vados por decreto legislativo do Senado Federal.
c) A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos no plano interno inicia-se a partir do
ato de assinatura do Estado brasileiro.
d) Cabe ao Congresso Nacional ratificar os tratados internacionais de direitos humanos, que passam,
com a ratificação, a ser exigíveis.
e) Os tratados internacionais de direitos humanos possuem regime especial de incorporação, nos ter-
mos da EC nº 45/2004.

80
QUESTÃO 2 - De acordo com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a hierarquia dos
tratados internacionais de direitos humanos, analise as afirmativas a seguir.
I. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e Juventude - Regras
de Beijing.
II. Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu respectivo Protocolo
Facultativo - Convenção de Nova Iorque.
III. Convenção Americana Sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica.
IV. Tratado de Marraqueche para facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas com deficiência visual
ou com outras dificuldades, possibilitando o acesso ao texto impresso.
Sobre os tratados que são considerados de hierarquia constitucional, está correto o que se afirma em:
a) I, II, III e IV.
b) II e III, apenas..
c) II e IV, apenas.
d) I e II, apenas.
e) II, III e IV.

QUESTÃO 3 - (CESPE – 2010 – MPE/RO – Promotor de Justiça) Assinale a opção correta acerca do
surgimento e da consolidação dos direitos humanos nos planos internacional e interno:
a) Apesar de ser membro pleno da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil não ocupa a
mesma posição no Tribunal Penal Internacional, devido à impossibilidade, determinada por cláusula
pétrea da CF, de extraditar nacionais.
b) Os direitos transindividuais ou difusos não podem ser exercidos senão por coletividades, e são con-
siderados direitos humanos de terceira geração, como os direitos à sindicalização e à previdência
social.
c) Os direitos humanos de primeira geração referem-se às reivindicações de condições dignas de tra-
balho e originam-se das lutas sociais desencadeadas com a Revolução Industrial.
d) Os direitos humanos de segunda geração ainda não foram incorporados à legislação nacional, per-
manecendo, pois, como normas programáticas do direito internacional humanitário.
e) Devido a comando expresso da CF, o Brasil rege-se, em suas relações internacionais, entre outros,
pelo princípio da prevalência dos direitos humanos.

81
QUESTÃO 4 - Analise as afirmativas a seguir.
I - O “Tratado de Marraqueche para facilitar o acesso a obras publicadas às pessoas com deficiência
visual ou com outras dificuldades, possibilitando o acesso ao texto impresso” adotou o “teste dos três
passos”, pelo qual é admissível a limitação do direito do autor de determinada obra, mesmo sem o
consentimento do titular dos direitos autorais.
II - A proteção da pessoa com transtorno do espectro autista abrange o direito à educação na escola
regular, bem como estabelece a proibição do uso de denominações pejorativas ou discriminatórias.
III - A Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência não prevê, de modo expresso,
o respeito à autonomia e à independência das pessoas com deficiência.
IV - De acordo com a Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência, o ambiente
econômico e social não afeta a inclusão e o exercício de direitos por parte das pessoas com deficiência.
Está correto o que se afirma em:
a) III e IV, apenas.
b) I e II, apenas.
c) I, III e IV.
d) I e III, apenas.
e) I, II, III e IV.

QUESTÃO 5 - (CESPE – 2011 – DPE/MA – Defensor Público) A proteção internacional dos direitos huma-
nos é um conjunto de normas jurídicas que garante o respeito à dignidade de todas as pessoas. Com rela-
ção ao sistema e à natureza de proteção internacional contra as violações de direitos humanos, assinale a
opção correta:
a) Os tratados institutivos de garantias de direitos humanos fundamentam-se na noção contratualista, que
supera o princípio da reciprocidade e é comum aos direitos dos tratados.
b) A natureza diplomática da proteção internacional dos direitos humanos atribui aos Estados o dever de
proteger tanto os nacionais quanto os estrangeiros que se encontrem em território pátrio, do que se
depreende que a nacionalidade tem especial importância nesse contexto.
c) A natureza do sistema de proteção internacional dos direitos humanos é de domínio reservado do
Estado nos limites de sua soberania, possibilitando a responsabilização internacional do Estado quando
as instituições nacionais forem omissas na tarefa de proteger os direitos humanos.
d) A natureza sinalagmática dos tratados internacionais impõe obrigações estatais efetivas para a proteção
dos indivíduos e de seus direitos diante de outro Estado contratante.
e) O regime objetivo das normas internacionais de direitos humanos refere-se às várias obrigações dos
Estados com os indivíduos que estão sob sua jurisdição, independentemente da nacionalidade da pessoa.

82
Referências bibliográficas
GUERRA, Sidney. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5. ed. São Paulo:
RT, 2011.

______. Teoria Geral do Controle de Convencionalidade no Direito Brasileiro. In Magistratura:


Temas Aprofundados. Salvador: Juspodivm, 2013.

MELO, Fabiano. Direitos Humanos. São Paulo: Método, 2016.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10. ed.


São Paulo: Saraiva, 2009.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado Internacional de Direitos Humanos. v. II.


Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003.

83
Gabarito
QUESTÃO 1 – Alternativa E

Conforme o art. 5º, § 3º, CF: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que

forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos

dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Possuem, como se vê,

natureza especial.   

QUESTÃO 2 – Alternativa E

Há 3 tratados recebidos como Emenda Constitucional: a Convenção Internacional sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência, assinado em Nova York, em 30 de março de 2007; o Protocolo

Facultativo da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinado em Nova York, em

30 de março de 2007, junto com a referida Convenção; e, o Tratado de Marraqueche para Facilitar o

Acesso a Obras Publicadas às Pessoas com Deficiência Visual ou com outras dificuldades.

QUESTÃO 3 – Alternativa E

Conforme o art. 4º, II, da CF/88, o Brasil rege-se, em suas relações internacionais, entre outros,

pelo princípio da prevalência dos direitos humanos.

84
QUESTÃO 4 – Alternativa B

I - CORRETA. O Brasil aprovou o Tratado, conforme o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal (1988).

Logo, possui ele status de emenda constitucional.

II - CORRETA. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência assegura a

chamada educação inclusiva (art. 24), em que a Lei 12.764 a prevê em seu art. 3º, parágrafo único.

III - INCORRETA. A Convenção considera: n) Reconhecendo a importância, para as pessoas com

deficiência, de sua autonomia e independência individuais, inclusive da liberdade para fazer as pró-

prias escolhas.

IV - INCORRETA. A Convenção afirma que: e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em

evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas

às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade

em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

QUESTÃO 5 – Alternativa E

Conforme Antônio Augusto Cançado Trindade, “os tratados de direitos humanos são claramente

distintos dos tratados do tipo clássico, que estabelecem ou regulamentam direitos subjetivos, ou

concessões ou vantagens recíprocas, para as partes contratantes. Os tratados de direitos humanos,

em contrapartida, prescrevem obrigações de caráter essencialmente objetivos, a serem garantidas

ou implementadas coletivamente, e enfatizam a predominância de considerações de interesse geral

ordre public que transcendem os interesses individuais das partes contratantes”. O cerne e o con-

teúdo dos tratados de direitos humanos incorporam obrigações de caráter objetivo que possuem

um destinatário: a pessoa humana. É dizer, os tratados de direitos humanos são elaborados e for-

mulados para a proteção dos direitos essenciais da pessoa humana, que garantem a sua dignidade

inerente.

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