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RAÍZES DA MALDIÇÃO

DOS FARAÓS

LUIZ HENRIQUE TORRES


Copyright ©2022 Casaletras.

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Capa e diagramação: Luiz Henrique Torres

Editor: Marcelo França de Oliveira

Conselho Editorial

Prof. Dr. Amurabi Oliveira (UFSC)

Prof. Dr. Aristeu Elisandro |Lopes (UFPEL)

Prof. Dr. Elio Flores (UFPB)

Prof. Dr. Fábio Augusto Steyer (UEPG)

Prof Dr. Francisco das Neves Alves (FURG)

Prof. Dr. Jonas Moreira Vargas (UFPEL)

Profª Drª Maria Eunice Moreira (PUCRS)

Prof. Dr. Moacyr Flores (IHGRGS)

Prof. Dr. Luiz Henrique Torres (FURG)


2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R2193
Raízes da Maldição dos Faraós / Luiz Henrique Torres. [ Recurso eletrônico ] Porto
Alegre: Casaletras, 2022.

268 p.
Bibliografia
ISBN: 978-65-86625-55-4

1. História do Egito- 2. Maldição dos Faraós - 3. Egiptologia - I. Torres, Luiz Henrique


- II. Título.

CDU: 83-1733 CDD: 960

EDITORA CASALETRAS
R. Gen. Lima e Silva, 881/304 - Cidade Baixa
Porto Alegre - RS - Brasil CEP 90050-103
+55 51 3013-1407 - contato@casaletras.com
www.casaletras.com/academico-livros

3
⚫ “Afinal, o que há no Egito que explique tamanho
fascínio, capaz de resistir – e, na realidade, crescer
ainda mais – ao longo de tantos séculos? O que faz
uma civilização tão antiga como essa continuar
ditando modas e, seis milênios depois, prosseguir
influenciando aspectos tão diversos da vida
contemporânea, seja na arquitetura, nas artes, no
espiritualismo, na ciência e na filosofia? E o que faz,
nos dias de hoje, movimentos sociais tão variados,
como a maçonaria e as associações de consciência
negra, reivindicarem uma relação de descendência
direta ou indireta com ela?” (Margaret Bakos, 2004) 4
SUMÁRIO
⚫ Introdução/6
⚫ Fundamentos históricos da civilização egípcia/15
⚫ Egiptologia - Egiptomania/26
⚫ Napoleão e seu fascínio: o Egito é redescoberto pelo
Ocidente/32
⚫ Mumificação/59
⚫ O nascimento da Literatura sobre a Maldição dos Faraós/84
⚫ A Maldição de Tutankâmon/132
⚫ A Múmia no Cinema/184
⚫ A maldição: raízes históricas/239
⚫ Bibliografia e acervos/261

5
INTRODUÇÃO
⚫ Este livro foi escrito como um roteiro de temas para discussão
entre os acadêmicos da disciplina História e Terror
(Universidade Federal do Rio Grande).
⚫ O ano do seu lançamento é o centenário da descoberta da tumba
de Tutankamon (1922) e traz subsídios para a compreensão de
alguns marcos referenciais na longa duração temporal em que
foi construída a “maldição dos faraós”.
⚫ A disciplina busca refletir sobre as raízes históricas ligadas as
construções míticas e as readaptações discursivas ao longo do
tempo.
⚫ Isto já foi realizado em relação a historicidade do vampirismo
eslavo (TORRES, 2018) e propiciou discussões produtivas. Desta
feita, aproveitando o destaque internacional do centenário de
Tutankamon, serão oferecidas algumas ferramentas intelectuais
para analisar os discursos que ecoarão em 2022.

6
⚫ Um amplo levantamento iconográfico foi realizado
buscando instigar o leitor refletir sobre as construções
pictóricas, fotográficas e artísticas de cenários do
Egito.
⚫ A questão central a ser desvelada é buscar as raízes
históricas do mito da “maldição dos faraós”.
⚫ Selos emitidos pelo Egito, referentes a temáticas do
período faraônico, foram reproduzidos ao longo do
livro e fazem parte do acervo filatélico do autor.
⚫ O leitor é convidado para acompanhar as raízes
históricas que fundamentaram a “maldição dos faraós”
e o papel histórico-literário legado às múmias nos
escritos ocidentais.
7
Os fundamentos históricos para analisar a
veracidade da “maldição dos faraós” originadas no
Antigo Egito deve ser buscado nos primórdios da
ocupação do Rio Nilo entre o período pré-dinástico e o
início do Antigo Império por volta de 3100 a.C.
⚫ O processo de mumificação e o culto aos mortos é a
primeira abordagem em que poderia residir as raízes de
uma suposta “maldição”. Registros em tumbas e
papiros são uma fonte para esta reflexão.
⚫ O segundo momento é a presença europeia fazendo a
“redescoberta” do Antigo Egito com Napoleão
Bonaparte, no final do século XVIII, e a divulgação das
“múmias” na Europa Ocidental.

8
⚫ A construção literária, a partir do século XIX, é outro
caminho investigativo que precede o evento fundamental: a
descoberta, em 1922, no Vale dos Reis, da tumba de
Tutankamon.
⚫ A cobertura da imprensa sobre os eventos das mortes
ocorridas após a escavação da tumba, projetaram a ideia da
“maldição”.
⚫ A difusão pelo cinema da “maldição dos faraós”, a partir de
1932, -com o filme “A Múmia”, e a filmografia posterior,-
encerra este ciclo investigativo que pode propiciar a luz
suficiente para a compreensão de uma construção
histórico-mítica de mais de cinco mil anos.
⚫ Investigar estes temas que apresentam uma logicidade
cronológica pode contribuir para situar o leitor nos limites
entre o referencial documental e a produção ficcional.
9
A ESFINGE EM GIZÉ É A GUARDIÃ DA SABEDORIA MILENAR.
CARTÃO-POSTAL, 1905.

10
INÚMERAS INVASÕES E GUERRAS A ESFÍNGE PRESENCIOU AO LONGO DE
CINCO MIL ANOS. DIVERSIFICADAS RELIGIÕES E TECNOLOGIAS AQUI
ESTIVERAM. "BONAPARTE DIANTE DA ESFINGE" JEAN-LEÓN GÉRÔME, 1868
(ACERVO: ART RENEWAL CENTER).

11
Soldados britânicos e indianos posam para foto com a esfinge
e pirâmide em Gizé durante a Primeira Guerra Mundial.
https://www.historiailustrada.com.br

12
Cargueiro militar do Exército dos EUA sobrevoa as
Pirâmides de Gizé, em outubro de 1943. (AP Photo).
A II Guerra Mundial sobrevoa o Egito.

13
EGITO: ATUAL
LOCALIZAÇÃO
GEOGRÁFICA

O Egito ou República Árabe


do Egito é um país localizado
entre o nordeste da África e o
sudoeste da Ásia. É um país
mediterrâneo que faz
fronteira com Israel, o
território palestino em Gaza,
Líbia e Sudão. É banhado pelo
Mediterrâneo e pelo Mar
Vermelho. Localizado no
extremo leste do deserto do
Saara tem o clima
predominante desértico, um
relevo plano e a dependência
das águas do Rio Nilo.

14
FUNDAMENTOS
HISTÓRICOS DA
CIVILIZAÇÃO
EGÍPCIA

MAPA DO ANTIGO
EGITO. In: HISTÓRIA
GERAL DA ÁFRICA
VOL. 2.

15
⚫ Conforme DESPLANCQUES (2019) Os
FUNDAMENTOS
primeiros vestígios esparsos de cultura HISTÓRICOS DA
paleolítica no Egito recua a 300.000 a.C. CIVILIZAÇÃO
Caçadores-coletores no vale uadi Kubanieh EGÍPCIA
remontam a 18.000 a.C. quando o rio Nilo
era estreito e de fluxo lento. Com o final da
última glaciação o fluxo hidrográfico se
tornou intenso e o “Nilo Selvagem” (entre 12
e 10.000 a.C.) tornou a ocupação muito
difícil devido as cheias devastadoras.
Caçadores-coletores (entre 7300 e 6400
a.C.) retomam parcialmente a ocupação das
margens. Cerca de 6000 a.C. inicia a
agricultura e a domesticação de animais
(bois, carneiros e cabras) no Vale do Nilo.
Comunidade agrícola de maior porte surge
em Faium (no norte) em 5200 a.C. e por
volta de 4200 a.C. no sul do Egito. 16
OS NOMOS
IN: MORETA, 1927.

17
⚫ Pelo menos a 4300 a.C. grupos humanos de horticultores já
ocupavam sistematicamente às margens do rio Nilo num
processo prévio ao Egito Faraônico. O Pré-Dinástico foi
caracterizado pelos períodos: badariano (4300-3800 a.C.),
Nagada I (3800-3500 a.C.), Nagada II (3500-3200 a.C.) e
Nagada III ou protodinástico (3200-3000 a.C.).
⚫ Por volta do ano 3500 a.C. o Egito Antigo ainda não existia
como um Estado unificado. Na verdade a região era
composta por várias tribos que habitavam às margens do rio
Nilo. Estas tribos, formadas por clãs familiares, estavam
unificadas em pequenas confederações tribais
denominadas nomos (ou sepat no egípcio antigo).
⚫ Cada nomo cultuava uma divindade específica, mantendo
uma organização político-religiosa independente dos clãs
vizinhos. Os líderes eram chamados de nomarcas e, em
geral, eram escolhidos entre os chefes dos clãs. Existiram 42
nomos sendo 20 no Baixo Egito, ampla região do delta do
Nilo no Mar Mediterrâneo.
18
⚫ Por meio de guerras de conquistas, iniciou-se, um
processo de unificação dos vários nomos egípcios.
Inicialmente, ocorreram duas unificações distintas,
uma entre os nomos do sul e outra ao norte.
⚫ A unificação dos nomos ao sul do rio Nilo resultou na
formação do Reino do Alto Egito, que tinha por
divindade o deus Seth.
⚫ Já a unificação dos nomos da região ao norte do rio
Nilo, mais precisamente no entorno do Delta do Nilo,
formaram o Reino do Baixo Egito, este tendo no deus
Hórus a divindade máxima.

19
⚫ A unificação dos dois reinos somente ocorreu por
volta do ano 3100 a.C. com o primeiro faraó, Menés
I, que passou a utilizar uma única coroa que fundia
as cores branca (Alto Egito) e vermelha (Baixo
Egito). Menés (ou Narmer) não somente foi o
primeiro faraó egípcio, também foi o responsável
por fundar a primeira das 30 dinastias que
governariam o Egito Faraônico entre 3100 e 332 a.C.
Ao longo de quase três milênios governaram cerca
de 330 faraós.
20
⚫ Os historiadores dividem a história faraônica em
períodos: Época Tinita iniciada com a unificação em
3100 a.C. compreendendo as duas primeiras dinastias.
Império Antigo (2686-2180 a.C.) abarcando as
pirâmides de Djoser e de Gizé, portanto, até a IV
Dinastia. Na sequência veio o Primeiro Período
Intermediário de 150 anos de duração com graves
distúrbios políticos. O Império Médio (2040-1780
a.C.) foi seguido de um Segundo Período
Intermediário (1780-1560 a.C.) quando ocorreu a
invasão dos Hicsos em 1650 até a expulsão dos
invasores pelo faraó Amósis I que fundou a XVIII
Dinastia e transferiu a capital de Mênfis para Tebas.
Sucedeu o Império Novo (1560-1070 a.C.)
caracterizado pela expansão territorial egípcia e por
faraós de destaque como Ramsés I, II e III,
Aquenáton, Nefertite e Tutankamon. 21
⚫ As dinastias de XXI a XXX (Terceiro Período
Intermediário) sucedem o Novo Império e fazem
parte de um período de fragmentação política e
início da decadência com invasões por outros
povos. Em 525 a.C. os persas controlam o Egito
(formando a XXVII dinastia tendo por faraó
Cambises II) permanecendo até a conquista
realizada por Alexandre Magno quando tem início
o período Greco-Romano em 332 a.C.
⚫ Os conflitos com outros povos marcaram a história
egípcia como é o caso da invasão dos líbios, núbios,
assírios e persas.
22
⚫ Com a ocupação militar pelas tropas de Alexandre, o
Grande, tem início a Dinastia Ptolomaica (nome
oriundo do general Ptolomeu) e a capital passa para a
cidade de Alexandria. A cultura helenística (grega) se
difunde e neste período será construído o farol e
biblioteca de Alexandria, o templo de Ísis em Philea e o
templo de Hórus em Edfu. Entre 305 a.C. até 30 a.C.
foram 16 faraós ptolomaicos até a queda de Cleópatra
VII quando os romanos passaram a controlar o Egito e
encerraram a longa duração das dinastias. Após o
domínio romano (até 395 d.C.) ocorreu o controle
bizantino (perdura até 642 d.C.), persa (Império
Sassânida 619-621 d.C.), árabe (iniciado em 642 d.C.) e
otomano (iniciado em 1517). Após a breve ocupação
francesa entre 1798-1801, os ingleses passam a ter
influência no Egito que é declarado protetorado
Britânico em 1882.

23
⚫ Tropas britânicas ocuparam militarmente o Egito e
o reconhecimento da independência ocorreu em
1922. Uma Monarquia Constitucional manteve os
laços de subordinação do Egito a Inglaterra até a
eclosão do golpe militar que levou Gamal Abdel
Nasser ao poder em 1952. A nacionalização do
Canal de Suez ocorreu em 1958 num contexto de
anti-colonialismo, nacionalismo e construção da
Liga Árabe.
⚫ No presente, o país navega de forma complexa
entre o nacionalismo, a aproximação com o
Ocidente, o fundamentalismo islâmico e a busca
de preservação de suas raízes.
24
Aegyptus Antiqua, 1765. Atlas Generale de D Anville. In: Description
de l’Egypte.

25
EGIPTOLOGIA/EGIPTOMANIA
⚫ A longa duração temporal em que se fundamenta a
construção do mito da “maldição dos faraós” é a História do
Egito Faraônico. Estamos no campo da Egiptologia, que
estuda a civilização egípcia extinta com fundamentos
históricos, geográficos, arqueológicos, artísticos, literários,
e, também, por meio da Filologia que analisa a linguagem
preservada nas fontes históricas.
⚫ O nascimento sistemático destes estudos, remete ao nome
do francês Jean-François Champollion que em 1822
decifrou a pedra de Roseta possibilitando o conhecimento
da escrita hieroglífica. A disciplina de Egiptologia foi criada
por Champollion, em 1831, no Collège de France (Paris).
26
EGIPTOLOGIA/EGIPTOMANIA
⚫ Margarete Bakos propõe pensar em três tipos de
leituras/pesquisas sobre o Egito Antigo: “a Egiptofilia,
a Egiptomania e a Egiptologia. A primeira, da
Egiptofilia, busca o exotismo naquela sociedade e
deseja a posse de coisas relativas ao Egito antigo. A
segunda, da Egiptomania, faz reinterpretação e reuso
de traços da cultura do antigo Egito de uma forma que
lhe sejam atribuídos novos significados. A última, da
Egiptologia, caracteriza os olhares dos egiptólogos
acadêmicos e trata com rigor científico tudo que se
relaciona com o antigo Egito, inclusive práticas de
egiptomania”.

27
EGIPTOMANIA
⚫ As releituras e apropriações da vida material e
espiritual do Egito, a egiptomania, se expressam numa
diversificada gama de produtos e práticas, visíveis em
espaços públicos ou privados: esfinges, monumentos,
obeliscos, pirâmides, sarcófagos, estilos
arquitetônicos, mitologia, divindades, citação de
faraós, obras faraônicas, arte cemiterial, objetos
artísticos, roupas, cortes de cabelo, músicas, fantasias,
festa de carnaval, HQs, gamers, cards, filmes etc.

28
D. PEDRO E A
EGIPTOMANI
A

Uma forma de
apropriação do
Egito faraônico é a
charge. No caso, o
caricaturista
republicano Angelo
Agostini na Revista
Ilustrada (RJ) de
1871 que reproduz a
esfinge com o rosto
de D. Pedro II. In:
BAKOS, 2004.

29
A “mania”
ligada ao Egito
levou inclusive a
escalada das
pirâmides pelos
turistas.

Henri Béchard,
1880. Acervo:
National
Geographic.

30
O COLECIONISMO MUITAS VEZES ESTEVE
ASSOCIADO AO ROUBO DE RELÍQUIAS. STEFANO
BIANCHETTI/CORBIS. SMITHSONIANMAG.COM

31
NAPOLEÃO E SEU FASCÍNIO: O EGITO É
REDESCOBERTO PELO OCIDENTE. Acervo: Descrição
do Egito, vol.5, década de 1810.

32
DESCRIÇÃO DO EGITO. CARTA TOPOGRÁFICA, 1798-1801.

33
PLANTA FRANCESA DO BAIXO EGITO EM 1798. DESCRIÇÃO DO
EGITO DÉCADA DE 1810.

34
A expedição de Napoleão ao Egito, a partir de 1798, promoveu a
Egiptologia na Europa. A esfinge, parcialmente coberta pela areia, foi
redescoberta. Teve seu nariz destruído em 1378 por um fundamentalista
iconoclasta que desejava destruir um símbolo pagão que era cultuado
pelos camponeses egípcios. Atentamente, a Esfinge observou/observa a
tortuosa caminhada da humanidade.

35
CAMPANHA DO EGITO
⚫ No contexto da Revolução Francesa, Napoleão
Bonaparte se destacou como chefe e estrategista
militar. Napoleão, com indicação do Diretório francês,
planejou a ocupação militar do Egito para deste
território avançar para a Índia e derrotar o Império
Britânico na sua mais rica colônia. A Campanha do
Egito (1798-1801) não se restringiu ao controle militar,
pois, buscou evidenciar o poder intelectual francês que
almejou contar a história esquecida da civilização
egípcia -antes e depois- de sua dominação pelos povos
estrangeiros.
36
CAMPANHA DO EGITO
⚫ O Egito era governado por mamelucos (senhores proprietários
de terra) que pagavam tributos para o Império Otomano que era
aliado dos ingleses. Os franceses enfrentaram a resistência
militar dos mamelucos e batalhas como a das Pirâmides e a do
Cairo foram travadas e vencidas pelos franceses. Porém, a frota
naval inglesa lançou fulminante ataque e na Batalha do Nilo os
franceses foram derrotados perdendo grande número de
embarcações. Os franceses tiveram de lutar contra os
mamelucos, ingleses e otomanos tendo como resultado final a
derrota militar e a retirada negociada das tropas para a França.
Foram três anos de conflito e milhares de mortos. A Campanha
do Egito redundou em fracasso militar, mas, em redescoberta do
Egito para o mundo Ocidental. O que, pela devastação
patrimonial, pode ter sido uma grande derrota para o Egito. Em
outra perspectiva, a egiptologia permitiu ler as ruínas e artefatos
para escrever a história egípcia. 37
CAMPANHA DO EGITO. ACERVO: MANUEL MOURÃO,
COMMONS.WIKIMEDIA

38
BONAPARTE COM OS SÁBIOS FRANCESES NO EGITO. ELA ESTÁ
OBSERVANDO UMA MÚMIA. MAURICE HENRI ORANGE DÉCADA DE
1890.

39
BATALHA DAS PIRÂMIDES 1798, FRANÇOIS WATTEAU. ACERVO:
MUSEU DE BELAS ARTES DE VALENCIANES.

40
BATALHA DAS PIRÂMIDES. LOUIS-FRANÇOIS LEUJENE,
1808. MUSÉE NATIONAL DES CHATÊAUX DE VERSAILLES.

41
42
NASCIMENTO DA EGIPTOMANIA NA FRANÇA.
PLANTA DO VALE DOS REIS EM 1800.

43
OBRA - DESCRIÇÃO DO EGITO
⚫ Com a intervenção napoleônica foi criado no Cairo
(1798) o “Instituto do Egito” para desenvolver
pesquisas sobre a civilização egípcia. Um volumoso
material resultou das atividades dos 160 acadêmicos e
cientistas civis (Comissão de Ciências e Artes do Egito)
que realizaram o levantamento nas fontes escritas,
iconográficas, arquitetônicas, artefatos arqueológicos
etc.
⚫ Napoleão defendeu a publicação das pesquisas numa
vasta obra: Description d’Égypte. A primeira edição é
formada de 23 volumes que foram publicados entre
1809 e 1822, constituindo numa coleção magnífica em
informações escritas e imagéticas.

44
45
DESCRIÇÃO DO EGITO. FRONTISPÍCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO 1809.
PERSPECTIVA DO EGITO: DA ALEXANDRIA A PHILAE.

46
DESCRIÇÃO DO EGITO. FRONTISPÍCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO, 1809.

47
DESCRIÇÃO DO EGITO, 1809. TEMPLO DE ÍSIS NA ILHA DE PHILE.

48
DESCRIÇÃO DO EGITO. FRAGMENTOS DE ESTÁTUAS
MORTUÁRIAS EM TEBAS (ATUAL LUXOR) IMEDIAÇÕES DO
VALE DOS REIS.

49
DESCRIÇÃO DO EGITO, 1811. HIERÓGLIFOS EM
TEBAS.

50
DESCRIÇÃO DO EGITO. Vol 2, 1810. PINTURAS EM
SARCÓFAGOS. TEBAS.

51
DESCRIÇÃO DO EGITO, VOL. 2, 1810.
HIERÓGLIFOS.

52
DESCRIÇÃO DO EGITO (PUBLICADO EM 1822). ESFINGE E
GRANDE PIRÂMIDE. ARTISTAS: CONTÉ E SCHROEDER.

53
A EGIPTOLOGIA FRANCESA DESENCADEOU UM AMPLIADO INTERESSE NO
EGITO E NO RETRATAR ICONOGRÁFICO. PIRÂMIDES EM GIZÉ, DAVID
ROBERTS, 1839. ACERVO: BIBLIOTECA DO CONGRESSO AMERICANO.

54
GIZÉ. FOTÓGRAFO BONFILS, DÉCADA DE 1870.
BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO.

55
GIZÉ. FOTÓGRAFO ANTÔNIO BENTO, 1862-1873.
ACERVO: BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE
JANEIRO.

56
D. PEDRO II E COMITIVA EM GIZÉ, 1871.
BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO.

57
CANAL DE SUEZ
⚫ A Campanha de Napoleão desencadeou desdobramentos
científicos que se difundiram pela Europa, entre eles: a
descoberta da Pedra de Roseta e a decifração dos
hieróglifos-, o surgimento da Egiptologia e a publicação da
Description de l’Égypte.
⚫ Outro fator para a popularização do Egito foi a construção
do Canal de Suez, uma hidrovia que liga o Mar
Mediterrâneo ao Mar Vermelho. São 193 quilômetros de
extensão, 24 metros de profundidade e 365 metros de
largura. A obra se estendeu entre 1859 a 1869 e intensificou
fricções políticas entre França e Inglaterra. A importância
da obra desencadeou um aumento da presença europeia na
costa do Mediterrâneo e o surgimento da cidade de Port
Said. Notícias sobre o Egito se tornaram cotidianas nas
capitais europeias. 58
Vendedor de
múmias no Egito,
1875. Fotógrafo:
Félix Bonfils.
O artefato de
maior atração na
divulgação da
Egiptomania
foram as
múmias. Esta
iconoclastia
Ocidental será o
fruto mais
consumido.

Mas o que é a
mumificação?

59
MUMIFICAÇÃO. Card Liebig, 1925.

60
MUMIFICAÇÃO
⚫ A maldição como conhecemos no presente não teria impacto sem a
presença de uma múmia! A ponto de haver uma confusão entre os
termos nos filmes: maldição dos faraós ou maldição das múmias?
Podemos pensar que o papel principal é das múmias através do seu
impacto visual com as bandagens e força descomunal. Mas pelas raízes
históricas a maldição emana dos faraós ou de quem foi enterrado
naquela tumba. A múmia seria um veículo ou um meio dirigido para a
ação vingativa contra a profanação da tumba.
⚫ Surge a questão do que é uma múmia? É um ser humano ou animal que
foi parcialmente preservado através da ação natural ou artificial, sem
ocorrer a decomposição cadavérica. A possibilidade natural existe em
pântanos, geleiras e especialmente, em desertos, onde a umidade é
mínima.
⚫ No Egito, frente a religião que almejava a preservação do corpo físico
como garantia para o ingresso no plano espiritual, surgiram sofisticados
métodos artificiais de mumificação. A sofisticação destes
conhecimentos possibilitaram que corpos mumificados ainda estejam
preservados 5 mil anos depois do procedimento. 61
MUMIFICAÇÃO
⚫ O nome múmia não é egípcio e sim persa
(mumya - betume) sendo apropriado pelos árabes
e remete a aparência das múmias encontradas
pelos povos árabes: a cor e aparência do betume
(um derivado do petróleo).
⚫ A observação empírica de corpos parcial ou
plenamente mumificados nos enterramentos feitos no
deserto pode ter sido um fator de investigação de
técnicas que permitissem o controle artificial do
processo de não decomposição dos corpos. O contato
do cadáver com a areia era fundamental para a retirada
dos líquidos do corpo e a efetivação da mumificação.
Porém, colocar os corpos em caixões ou fibras vegetais
já impedia a ação direta da areia e a decomposição 62
tinha continuidade.
MUMIFICAÇÃO
⚫ Através da experiência, os egípcios constataram que a
decomposição se dava principalmente de dentro para
fora e que as bactérias existentes inicialmente nos órgãos
internos do corpo se espalhavam para o exterior. Os
embalsamadores perceberam que para deter o processo
de putrefação, teriam que remover os órgãos internos.
⚫ Foi isto, combinado com a descoberta das propriedades
naturais de secagem do natrão, que resultou nas famosas
múmias egípcias que conhecemos hoje.
⚫ Descobrir os fatores da decomposição exigiu a
observação sistemática para constatar que era necessário
a retirada dos órgãos internos e a realização de vários
63
tratamentos químicos com o corpo.
MUMIFICAÇÃO

⚫ Descobertas arqueológicas recentes remetem a um


conhecimento sofisticado de mumificação ao período
pré-dinástico (cerca de 3100 a.C.), porém, inúmeros
exemplos de uma técnica madura ocorreram a partir da IV
dinastia (cerca de 2575 a.C.). O tipo de incisão, a retirada
dos órgãos e seu tratamento, o embrulhamento em linho
(sem os quais as múmias perderiam muito do seu
charme...), já estão difundidos e ao longo do tempo serão
popularizados não se restringindo aos enterramentos dos
faraós e grupos mais privilegiados.

64
MUMIFICAÇÃO
⚫ A mumificação era feita em etapas exigindo
conhecimentos de anatomia e química pelos responsáveis
pelo procedimento.
⚫ Sacerdotes estavam envolvidos, já que havia uma
ritualização com orações que acompanhavam a parte física
e técnica de lavagem do corpo e de remoção das vísceras.
Era feita uma incisão no abdômen para retirada do coração
(tratado quimicamente e voltava para o corpo no final),
intestino, rins, fígado, estômago etc. Pelo nariz era
realizada a retirada do cérebro. Percebemos que os egípcios
já conheciam fundamentos de medicina interna.
⚫ O corpo era colocado em água e sal por cerca de 70 dias
matando as bactérias decompositoras e promovendo a
desidratação.

65
MUMIFICAÇÃO
⚫ No final da desidratação, o corpo era preenchido com ervas
aromáticas e serragem, além de objetos de caráter religioso
que poderiam ser úteis na caminhada do espírito.
⚫ A próxima etapa era a colocação das ataduras de linho
branco que também recebia substâncias e uma cola para se
prenderem ao corpo. A última etapa era a colocação da
múmia num sarcófago e preencher o ambiente com os
vasos canopos (onde foram colocadas as vísceras) e objetos
úteis (amuletos, deuses protetores e inclusive o Livro dos
Mortos) na difícil passagem para o outro plano. Após a
tortuosa viagem pelas trevas o coração seria pesado no
Tribunal de Osíris. Quem conduzia o espírito para o
Tribunal era Anúbis.
66
ANÚBIS
⚫ É o nome do deus egípcio da morte.
⚫ Era a divindade do embalsamamento, guardião das
tumbas e juiz dos mortos. Ele é representado com
cabeça de chacal ou associado aos cães. Sua presença
era constante nas tumbas.

67
AS MÚMIAS COMO MERCADORIA
⚫ O tráfico de múmias do Egito para a Europa
remonta ao século XV e se intensificou no século
XVI com interesse no seu uso como medicamento.
Na antiguidade greco-romana já se fazia referência
as propriedades de cura associada ao consumo de
betume preto. Triturar múmias aproximava a
aparência do betume e era mais agradável ao
paladar devido as ervas aromáticas.
⚫ A profanação se tornou sistemática e as múmias se
tornaram uma mercadoria que assumiu diferentes
usos nos séculos seguintes.
68
PÓ DE MÚMIA. MUSEU DE
HAMBURGO.

69
PÓ DE MÚMIA
⚫ O betume preto apresenta uma relação com a cura de
doenças na antiguidade oriental. Os persas, denominavam
o betume de “múmiya” e assim foram seguidos pelos árabes
que associam os corpos encontrados em sarcófagos com
múmias pela sua aparência que lembra o betume preto.
⚫ O pó, feito com múmias trituradas, era vendido na Europa
para diluição do sangue, reduzir a tosse, antiinflamatório,
cicatrizante de feridas e analgésico.
⚫ O maior problema para a população consumidora da
época, não era o consumo do pó original das múmias que
tinha toda uma aura de aceitação supersticiosa dos poderes
mágicos que recuava ao tempo da espiritualidade egípcia.
O receio era consumir as falsificações em que cadáveres
recentes eram triturados para garantir a manutenção de um
mercado lucrativo. Ou seja, o que preocupava é o exercício
do canibalismo de um produto falsificado.
70
TINTA “MARROM MÚMIA”. ACERVO: HARVARD
ARTS MUSEUM.

71
TINTA “MARROM MÚMIA”
⚫ Outra forma de utilização das múmias trituradas
era o pigmento para pinturas. Era o “marrom
múmia” produzido com o extrato de múmia,
gordura, terra, mirra e amônia. Desde os anos 1500
eram vendidas aos pintores para obterem
sombreamento e tom de pele. Artistas como
Edward Burne-Jones e Delacroix utilizaram a tinta
que só deixou de ser fabricada em 1964.

72
APRESENTAÇÃO EM QUE UMA MÚMIA DE TEBAS SERIA
DESENBRULHADA EM 1850.

73
SHOW DE DESENROLAR MÚMIAS
⚫ Esta prática pode ter sido a mais danosa pois provocou uma
corrida ao consumo de múmias aquecendo o mercado de
destruição de sítios arqueológicos em busca de sarcófagos e
múmias.
⚫ A profanação virou um espetáculo banal com argumento
inicial de investigar corpos mumificados de milhares de
anos e os objetos que os acompanhavam. Retirar a
bandagem e encontrar amuletos ou joias era o clímax. A
aura de grandiosidade e religiosidade da civilização egípcia
se converte num modismo mórbido e depreciativo.
⚫ Outras utilizações de múmias são mais improváveis ou
lendárias por significarem a desvalorização financeira do
aquecido mercado das múmias: uso como fertilizantes na
Inglaterra (ocorreu um lote com múmias de gatos),
queimar múmias como combustível nas locomotivas
egípcias, usar as bandagens para imprimir jornais etc.
74
COLECIONISMO DE MÚMIAS
⚫ Múmias inteiras ou partes do corpo passam a ser
colecionadas no contexto da redescoberta da civilização
egípcia e pelo fascínio ligado ao Orientalismo. Artefatos
arqueológicos faziam parte deste desejo de consumo. Mas,
fragmentos humanos davam um tom místico a coleção. Aos
abonados, uma viagem ao Egito para conhecer as ruínas e
ainda adquirir souvenirs macabros se associavam a um
mercado local de saques e oferta de produtos. Um grande
número de múmias foram compradas e enviadas para
centros de pesquisa e universidades, garantindo a
preservação de uma pequena mas relevante parte de
sarcófagos e múmias para a pesquisa científica e a
divulgação de conhecimentos.
75
TRATADO MÉDICO SOBRE MÚMIAS
DE PETTIGREW (1834)

76
CIRURGIÃO PIONEIRO EM
AUTÓPSIAS NAS MÚMIAS EGÍPCIAS

77
PETTIGREW
O cirurgião inglês Thomas Pettigrew promoveu em 1821, num
apelo pseudocientífico como encontros para médicos,
espetáculos em que se desenrolavam múmias no Teatro de
Piccadilly em Londres. As apresentações se tornaram
populares e impulsionaram as atividades públicas e
particulares que necessitavam de um número cada vez maior
de múmias para serem desembrulhadas e identificadas: sexo,
idade e objetos que estavam embalados em seu interior etc.
Entre a repugnância e a curiosidade, a profanação de corpos
enterrados ritualmente, se tornou uma moda. Era a “múmia
kinder”.
Pettigrew acumulou grandes conhecimentos nesta “arte” de
exumação e publicou um livro referencial para os estudos
científicos no ano de 1834: História das Múmias Egípcias.

78
EXPOSIÇÃO EGÍPCIA EM LONDRES
NO PICCADILLY em 1828.

79
DISSECAÇÃO DE MÚMIA NO CAIRO EM 1886.
ORGANIZADA PELO EGIPTÓLOGO FRANCÊS GASTON
MASPERO E OBSERVADA POR MILITARES EUROPEUS.

80
DISSECAÇÃO DE UMA MÚMIA – QUADRO DE
PAUL DOMINIQUE PHILIPPOTEAUX – 1891.

81
MANCHESTER EM 1908. ARQUEÓLOGA MARGARET
MURRAY E A MÚMIA DE KHNUM-NAKHT.

82
O INTERESSE POR MÚMIAS NA INGLATERRA SE ESTENDEU PELO SÉCULO
XIX E FOI OBJETO PARA A CARICATURA SATÍRICA. CHARGE DE THOMAS
ROWLANDSON (1806).

83
O NASCIMENTO DA LITERATURA SOBRE A
MALDIÇÃO DOS FARAÓS/MÚMIAS

84
⚫ A longa caminhada literária na abordagem das
múmias teve início em 1827. A fonte principal que
será aqui utilizada é a coletânea de 25 contos
publicado por John Irish “A Mummy Omnibus:
1820-1920s (2018)”. Apenas alguns destes contos
foram selecionados e não a sua totalidade. Se
buscou evidenciar que já se aproxima de dois
séculos as incursões da produção literária referente
ao tema “múmias e maldições”. Além do livro de
Irish, uma bibliografia mais ampla também foi
investigada.
85
JANE LOUDON – 1827 (A
MÚMIA)

THE MUMMY!
A TALE OF THE TWENTY-SECOND
CENTURY.
By Jane Webb (Mrs. Loudon).
"Why hast thou disquieted me, to bring me
up?"
I SAM., xxviii. 15.

LONDON: HENRY COLBURN, NEW


BURLINGTON STREET.
1827.

86
JANE LOUDON

87
JANE LOUDON
⚫ The Mummy!: Or a Tale of the Twenty Second Century (1827)
publicado em Londres por Jane Webb Loudon (1807-1858),
dá início a literatura sobre múmias.
⚫ O faraó Quéops, que reviveu na Inglaterra no ano de 2126, é o
tema central do romance e ele distribui conselhos sobre
política, progressos científicos e como viver em sociedade.
Não há qualquer elemento de “maldição”. A autor busca
demonstrar a sabedoria egípcia que continuaria a ser útil
três séculos no futuro de quando o romance deve ter sido
escrito (1826?). A primeira edição foi publicada em 1827.
⚫ Especula-se que a autora acompanhou o pai numa
apresentação da abertura de bandagens de múmias em
Piccadilly. Com apenas 17 anos ficou órfã e começou a
escrever este livro futurista, com criativos elementos de
ficção científica.
88
MARY SHELLEY
⚫ Hipoteticamente, Mary Shelley teria influenciado a criação de “A
Múmia” (na reflexão de Lisa Hopkins, 2003). Jane Loudon não
traz a vida uma criatura fundada no horror e na busca de
vingança contra o criador (Victor Frankenstein). Ela reanima a
múmia de Queóps que é um poço de sabedoria, conhecimentos e
equilíbrio. A múmia não é o fruto de uma profanação do ciclo de
nascimento e morte (realizado pelo saber médico que
desencadeou desgraças) e sim foi reanimada magicamente por
forças não humanas (poder divino).
⚫ Interessante é que Mary Shelley no romance Frankenstein
relaciona a criatura gerada em laboratório como uma aberração
superior a de reviver uma múmia: “Nenhum mortal poderia
suportar o pavor daquela visão. Uma múmia que voltasse a vida
não seria tão assustadora”. O livro de Shelley teria sido uma
fonte de inspiração para Loudon?

89
DIE MUMIE VON ROTTERDAM. GEORG
DÖRING. 1829.

90
A MÚMIA DE ROTTERDAM
⚫ A história se passa em 1702 no Porto de Rotterdam
(Holanda). Envolve, entre outros personagens, um
poderoso comerciante Tobias van Vlieten e o professor de
história natural Eobanus Hazenbrook. No Museu Natural
de Leyden não havia uma múmia egípcia em exposição. A
proposta do professor é que o comerciante, em seu
testamento, autorizasse a sua mumificação. A obsessão do
professor era possuir uma múmia mas elas eram difíceis de
serem conservadas na Europa devido as condições do ar.
Era necessário obter um corpo para mumificar com
extremos cuidados para durar por milênios. Vlieten foi
escolhido para compor o Museu administrado pelo
professor, porém, se rebela frente a esta perspectiva.

91
THÉOPHILE GAUTIER :
O PÉ DA MÚMIA
⚫ The Mummy’s Foot, história de 1840 de Théophile
Gautier (1811-1872), em que um jovem compra um pé
mumificado (da princesa Hermonthis com mais de
3.000 anos) em uma loja de antiguidades parisiense
para usar como papelão. Naquela noite, ele sonha com
a bela princesa a quem o pé também pertencia, e os
dois se apaixonam, mas, a distância temporal não
permite o relacionamento. O jovem desperta do que
seria apenas um sonho, mas o pé mumificado teria
voltado para o passado e em seu lugar, em
agradecimento, estava uma estatueta do Antigo Egito.
É uma ficção gótica sem “maldições” e sim, explorando
a temática do amor impossível devido a anacronia
temporal e ao lugar social dos apaixonados.
92
EDGAR ALLAN POE: PEQUENA CONVERSA
COM UMA MÚMIA (1845)

⚫ Edgar Allan Poe escreveu um conto chamado "Some


Words With a Mummy" (em que uma múmia acaba
sendo reanimada e conversa com os cientistas).

93
EDGAR ALLAN POE (1845)
O conto “Pequena Conversa com uma Múmia” foi
originalmente publicado por Edgar Allan Poe no periódico
American Review de abril de 1845. A narrativa trata de um
grupo de cientistas norte-americanos liderados pelo Dr.
Ponnonner, que realizaram uma expedição científica as
montanhas da Líbia e trouxeram uma múmia encontrada
em uma gruta. O conto é satírico e humorístico pois Poe
busca evidenciar a arrogância científica do tempo em que
viveu e descaracterizar o pensamento moderno de que o
passado reflete o atraso civilizatório. Ao ganhar vida, a
múmia Allamistakeo, passa a dialogar com os cientistas e
expor conhecimentos da antiguidade que constrange os
conhecimentos científicos da modernidade
norte-americana da década de 1840.
94
EDGAR ALLAN POE (1845)
⚫ Não há maldição e sim argumentação de antigos conhecimentos
egípcios que evidenciam a oposição entre a arrogância e a
sabedoria. Poe interpreta o pensamento americano desta época
como fundado no desprezo à tradição e na arrogância frente a
posturas diferenciadas (numa referência ou completo silêncios
ou as críticas recebidas por sua produção intelectual). Como a
múmia é associada à morte e a negação da existência, Poe
utilizou este exemplo extremo para humilhar os cientistas e
literatos. Portanto, se observa o recurso da narrativa literária
para criticar as práticas de seu tempo. Portanto, Poe “se
preocupava com questões relacionadas ao seu meio social, às
ideologias correntes em sua época à sua própria posição
enquanto escritor”, e desenvolve uma narrativa, que “através do
humor e da sátira, exerce uma crítica contundente em relação à
mentalidade norte-americana e aos exageros do século XIX,
manifestos nas ideias progressistas e no avanço científico
95
observado na época” (BELLIN, 2010).
ROMANCE DA MÚMIA PUBLICADO POR
THEOFILE GAUTIER EM 1858. CAPA DA EDIÇÃO
DE 1901.

96
O ROMANCE DA MÚMIA
⚫ Este é o livro de maior impacto oitocentista no
imaginário referente ao Antigo Egito e as múmias.
Theophile Gautier escreveu o romance “Le Roman de
la Momie” em 1858.
⚫ Ao retornar da vitoriosa campanha militar na Etiópia,
o faraó Ahmosis (Ramsés ?) conhece a filha de um
sacerdote e se apaixona por ela. A jovem e bela egípcia
se chama Tahoser que está afetivamente ligada a Poeri,
um hebreu exilado já prometido a outra mulher. O
conflito está esboçado dentro dos fundamentos do
romantismo e dos trágicos desfechos. Nesta época, os
hebreus são escravos no Egito e Moisés lidera a fuga
dos hebreus e envia as “dez pragas do Egito”.
Posteriormente, ocorre a fuga pelo Mar Vermelho.
97
98
O ROMANCE DA MÚMIA
⚫ Descrições do cotidiano e de técnicas egípcias, relatos
sobre a história bíblica do período, caracterizam este
escrito com elementos de romance histórico.
⚫ Esta história foi conhecida por um jovem aristocrata
inglês, Lord Evangale, e um egiptólogo alemão, Dr.
Rumphius, ao profanarem uma tumba no Vale de
Biban-el-Molouk. A sepultura ficou por mais de 3.500
anos inviolada e deveria ser o local de repouso de um
faraó. Entretanto, a múmia era de uma mulher que
estava perfeitamente conservada: a jovem Tahoser.
Uma nota final do livro insinua que Evangale teria se
apaixonado pela múmia de Tahoser.
99
ROMANCE DA MÚMIA (EDIÇÃO DE 1920)

100
O ROMANCE DA MÚMIA (EDIÇÃO DE 1931)

101
LOUISA MAY ALCOTT – 1869
“PERDIDO EM UMA PIRÂMIDE: A MALDIÇÃO DA MÚMIA”

102
LOUISA MAY ALCOTT – 1869
“PERDIDO EM UMA PIRÂMIDE: A MALDIÇÃO DA
MÚMIA”
⚫ O conto “Perdido em uma pirâmide: a maldição da
múmia” foi escrito pela renomada escritora
norte-americana Louisa May Alcott (1832-1888). De
forma despretensiosa foi publicado no The New World,
vol.1, n.1, 16 de janeiro de 1869. O conto caiu no
esquecimento e foi redescoberto numa biblioteca pelo
egiptólogo Dominique Monteserrat em 1998. Para
Monteserrat a maldição é uma construção literária.
Neste conto nasce o “the mummy’s curse” ou “a
maldição da múmia” que foi retomada inúmeras vezes
na linguagem literária.
⚫ O enredo é criativo e a narrativa flui com destreza.

103
LOUISA MAY ALCOTT – 1869
“PERDIDO EM UMA PIRÂMIDE: A MALDIÇÃO DA
MÚMIA”
⚫ Dois exploradores estão realizando pesquisas arqueológicas
na pirâmide de Queóps e encontram um sarcófago com a
múmia de uma mulher. Trata-se de uma sacerdotisa
conhecedora dos poderes das trevas. Os dois
desembrulham a múmia, em busca de objetos valiosos, até
deixá-la nua e expondo as longas tranças que
aformoseavam o seu crânio. Um acidente leva a
necessidade de colocarem fogo em objetos na pirâmide
para obterem, através da fumaça, a atenção de outras
pessoas. A múmia é queimada e um papiro retirado de seu
interior tinha uma mensagem que ameaçava os
profanadores de uma vingança. Também foi encontrada
uma caixa dourada com sementes deixadas pela
sacerdotisa/feiticeira.

104
LOUISA MAY ALCOTT – 1869
“PERDIDO EM UMA PIRÂMIDE: A MALDIÇÃO DA
MÚMIA”
⚫ A maldição da múmia provém de uma mulher que garantiu
vingança aos profanadores. Esta vingança não é a de uma múmia
se arrastando para esmagar os intrusos e sim através de sementes
que farão brotar plantas com veneno paralisante ou mortal. Um
dos exploradores morreu ao plantar e fazer contato com a tóxica
flor. Ele morreu em grande agonia, delirando e proferindo frases
sobre múmias, pirâmides, serpentes e uma fatal maldição. A flor
continha um veneno mortal desenvolvido por feiticeiras egípcias
absorvendo a vitalidade de quem a cultivava.
⚫ O outro explorador teve uma punição mais angustiante: sua
esposa ficou inflexivelmente paralisada exigindo permanente
cuidados. Após ficar em contato com a flor que era branca
fantasmagórica em forma de cabeça de uma cobra escarlate e
sofrer uma síncope, ela afirmou: “Nem o sono, nem a comida,
nem o ar me dão forças e às vezes uma névoa curiosa parece
nublar minha mente”.
105
LOUISA MAY ALCOTT – 1869
“PERDIDO EM UMA PIRÂMIDE: A MALDIÇÃO DA
MÚMIA”
⚫ A morte em vida foi o destino da esposa do explorador
que passou a viver isolado para cuidar “com devoção
patética do fantasma pálido, que nunca, com palavras
ou olhares, poderia agradecê-lo pelo amor que
sobreviveu até mesmo a um destino de irremediável
desesperança”.
⚫ Neste conto, emerge pela primeira vez o enfoque na
“maldição” tendo por autora uma mulher e como
personagem principal uma sacerdotisa/feiticeira
egípcia.

106
ARTHUR CONAN DOYLE
O ANEL DE THOTH (1890)
⚫ O conto “O Anel de Thoth” (The Ring of Thoth) foi publicado em
janeiro de 1890 no The Cornhill Magazine e assinala a primeira
incursão de Arthur Conan Doyle em temáticas do antigo Egito.
Doyle retomou estes escritos e foi o principal literato a defender a
existência de uma “maldição dos faraós”.
⚫ O Sr. John Vansittart Smith é um estudante de Egiptologia que
viaja à França para ver alguns papiros no Museu do
Louvre. Cansado de sua visita, ele se senta em um canto do museu
e cochila. Quando ele acorda, o museu está fechado e ele está
trancado lá dentro. Tentando sair, ele conhece um homem
estranho que parece realizar um ritual em uma múmia. O curioso
personagem conta a sua história:
seu nome é Sosra e nasceu há 3500 anos no Egito. Era um
sacerdote do deus Osíris e descobriu um remédio contra a
morte. Ele o usou e o compartilhou com seu assistente,
Parma. Também queria administrar esse elixir à sua noiva, Atma,
mas ela morreu pouco antes. Ficou desesperado porque não podia
se juntar a ela na vida após a morte. 107
ARTHUR CONAN DOYLE
O ANEL DE THOTH (1890)
⚫ Então Smith buscou se tornar mortal novamente. Parma
relatou-lhe que havia encontrado um antídoto, mas decidiu
usá-lo para si mesmo, para que pudesse morrer e encontrar
Atma no além. Sosra percebeu que o antídoto estava no
anel de Thott, mas Parma o havia escondido e levou seu
segredo para o túmulo. 3.500 anos depois, a múmia de
Atma é encontrada por arqueólogos franceses e repatriada
para o Louvre. Sosra conseguiu ser contratado no museu,
encontrou o sarcófago de Atma e conseguiu o anel
contendo o precioso elixir. No final de sua incrível história,
Sosra acompanha Vansittart até a saída. Dois dias depois,
os jornais noticiam que um homem foi encontrado morto
no museu enrolado nos braços de uma múmia (resenha
adaptada de: https://www.arthur-conan-doyle.com/
index.php?title=The_Ring_of_Thoth).
108
Conan Doyle. Lot. N. 249.
Harper’s Monthly
Magazine, setembro de
1892, p. 525. Ilustração de
William T. Smedley.
In:https://www.arthur-con
an-doyle.com

Reprodução de
uma página da
primeira edição
publicada do
conto Lote nº
249 no ano de
1892. Na
ilustração, um
detalhe da
Igreja na
Universidade de
Oxford. 109
ARTHUR CONAN DOYLE
LOTE nº 249
⚫ Lote nº 249 é um conto publicado originalmente na Harper’s
Monthly Magazine no mês de setembro de 1892. Recebeu a partir
de 1894 outras edições, inclusive com ilustrações (como na
edição francesa de 1906).
⚫ O enredo transcorre na primavera de 1884 no campus da
Universidade de Oxford. Dois estudantes de medicina, Smith e
Lee, e um estudante de línguas orientais Bellingham moram
numa torre da esquina no Old College. Numa noite, Bellingham
é encontrado inconsciente em seu apartamento que está lotado
de artefatos orientais, entre eles, uma múmia que fora retirada de
seu sarcófago e que tinha a anotação: Lote nº 249. O acadêmico
estava escondendo em seu apartamento algo estranho que
produzia sons não identificados.
110
Conan Doyle, Lot. 249. Edição de 1906. In: https://www.arthur-conan-doyle.com
Ilustração Martin Van Maële (Société d’Édition et de Publications, setembro de
1906).

111
ARTHUR CONAN DOYLE
LOTE nº 249
⚫ Em meio a desconfiança ocorre um crime no
campus quando um acadêmico foi estrangulado
por um homem de braços fortes e unhas muito
longas. Lee discutiu com Bellingham pois parecia
ter descoberto o que este guarda em seu quarto.
Lee é encontrado parcialmente afogado na beira de
um lago no campus de Oxford, porém, acaba salvo
por Smith e um amigo. Os acadêmicos acreditam
que o autor da tentativa de homicídio era a múmia.
No dia seguinte, após acusar e discutir com
Bellingham, Smith foi seguido por uma figura alta,
magra e de cor escura, escapando por pouco de um
ataque.
112
Conan Doyle, Lot. 249. Edição de 1906. In:
https://www.arthur-conan-doyle.com Ilustração Martin Van
Maële (Société d’Édition et de Publications, setembro de 1906

113
ARTHUR CONAN DOYLE
LOTE nº 249
⚫ Smith consegue uma arma e vai a casa de Bellingham
forçando-o a atear fogo a múmia. Um papiro também é
queimado, pois, nele estariam as instruções para reviver a
múmia. O conto termina de forma vaga sem esclarecer se
realmente havia a ação nefasta de Bellingham e a evocação
de uma múmia para cometer assassinatos. Não seria tudo
fruto de uma imaginação paranoica do acadêmico Smith?
⚫ A seguir são reproduzidas mais algumas ilustrações sobre a
perseguição da múmia publicadas nas edições de 1898, 1906
e 1924.

114
Conan Doyle, Lot. 249. Edição de 1906. In:
https://www.arthur-conan-doyle.com Ilustração Martin Van
Maële (Société d’Édition et de Publications, setembro de
1906).

115
Conan Doyle, Lot. 249. Edição de 1906. In:
https://www.arthur-conan-doyle.com Ilustração Martin Van Maële
(Société d’Édition et de Publications, setembro de 1906).

116
Conan Doyle, Lot. 249. Edição de 1906. In:
https://www.arthur-conan-doyle.com Ilustração Martin Van
Maële (Société d’Édition et de Publications, setembro de
1906).

117
Conan Doyle, Lot. 249. In:
https://www.arthur-conan-doyle.com Ilustração de
Antoine-Marie Raynolt em La Lecture (dezembro de 1898.

118
Conan Doyle. La momie-vivante (Lot. N. 249).
Ilustração: Frederic Rouff, 1923-1924.
https://www.arthur-conan-doyle.com

119
BRAM STOKER "A JÓIA DAS SETE ESTRELAS“
(1903)

120
BRAM STOKER
⚫ Arqueólogos encontram a tumba da rainha egípcia
⚫ Tera que havia sido amaldiçoada pelos sacerdotes. Neste
local está um sarcófago e uma mão de múmia com sete
dedos, adornada com um anel de rubi com sete pontas que
parecem estrelas. O egiptólogo Abel quer ressuscitar Tera,
porém, esta passa a dominar Margaret, filha do cientista.
Mexer com o desconhecido provocou a morte de várias
pessoas e, numa revisão publicada em 1912, Stoker retira o
capítulo final com tantas mortes e o triunfo da maldição de
Tera. Fez um novo epílogo brando.
⚫ Esta rainha fictícia apresenta semelhanças com uma
personagem real que foi Hatshepsut (1479-1458 a.C.). Howard
Carter descobriu a tumba desta Rainha em 1903, mesmo ano
do lançamento deste romance. Bram Stoker era um
aficionado leitor do Egito Faraônico e traz descrições
detalhadas de objetos e cenários, além de citar destacados
egiptólogos.
121
BRAM STOKER

⚫ Stoker tinha amizade com o egiptólogo William


Wilde e Richard Francis Burton. Ele estudou em Dublin
no Trinity College que se destacou em Orientalismo e
Egiptologia.
⚫ A Jóia das Sete Estrelas se caracteriza como “horror
gótico” com ênfase no “Gótico Imperial” onde os temas
da literatura gótica se voltavam a consequências do
imperialismo e do colonialismo. O medo do poder
oculto e de forças desconhecidas desencadeadas por
Tera poderia ser o reverso “do impulso externo da
aventura imperialista” e o desencadear de uma crise na
civilização europeia.
122
AGATHA CHRISTIE – 1924
Este conto da “rainha do crime” foi publicado em 1924 no contexto da
descoberta da tumba de Tutankamon e seus desdobramentos sobrenaturais
tão difundidos na imprensa mundial. A associação de mortes, como a de
Carnarvon, trazendo a tona a “maldição dos faraós” instigou Agatha
Christie a contrapor a especulação da imprensa com um raciocínio lógico
neste conto “A Aventura da Tumba Egípcia”.

No conto escavações realizadas por dois ingleses próximo ao Cairo, em


Gizé, resultam na descoberta de uma série de câmaras funerárias, entre as
quais, a tumba do faraó Men-her-Ra da VIII dinastia com capital em
Mênfis. Após a descoberta começou a ocorrer a morte de participantes da
escavação e a imprensa creditou os fatos a “maldição do faraó” que teve sua
tumba profanada: “o poder mágico do antigo Egito passou a ser exaltado a
um ponto quase fetichista”. Poirot é convidado pela viúva de um
arqueólogo morto em situação trágica para investigar o que realmente
ocorreu com o seu marido. A narrativa foi construída para, paralelamente
a cobertura sensacionalista da imprensa em relação a tumba de
Tutankamon, propor uma interpretação fundada em observação rigorosa
dos eventos e explicações lógicas e racionais. É uma resposta as ocorrências
do seu tempo e, possivelmente, rechaçar a abordagem mágica proposta por 123
Conan Doyle.
AGATHA CHRISTIE – 1924
Agatha Christie demonstrava ter algumas leituras de história
do Egito e conduz a sua narrativa para um desfecho ligado a
assassinatos premeditados por interesses materiais e
concretos de apropriação do alheio. Manteve-se coerente a
sua literatura policial. Ela colocou no enredo o personagem
de Anúbis, que não passava de uma fantasia humana de
Anúbis. Agatha flerta com leituras sagradas como O Livro
dos Mortos para desmistificar a suposta crença egípcia em
maldições. Numa passagem do conto a escritora fala a
Hercule Poirot que descrê na divulgação tendenciosa da
mídia expandida ao pensamento popular de que a estranha
sucessão de mortes relacionadas com a tumba de
Men-her-Ra seria uma “prova incontestável da vingança de
um faraó do passado contra os profanadores”.

124
AGATHA CHRISTIE – 1924
Para Poirot, tal crença “é absolutamente contrária a todas as
crenças e pensamentos dos antigos egípcios”. Interessante é
o escrito ter sido lançado no contexto dos acontecimentos
que seriam amplificados nos anos seguintes e na contramão
do sensacionalismo que vigorava. Especialmente, se
fizermos um contraponto com outro autor de literatura
policial que é Conan Doyle que seguiu um caminho
radicalmente oposto ao da “dama do crime”.
Neste conto temos a temática da “maldição” em decorrência
do fato histórico da descoberta da tumba de Tutankamon e
a cobertura da imprensa frente às mortes. A ficção se
amparou nos episódios de 1923.

125
ELIZABETH
PETERS –
egiptóloga autora
de 19 livros
populares sobre o
Antigo Egito.
Amelia Peabody é
a personagem
central das
publicações
iniciadas em 1975.
Este livro da série
foi lançado em
1981.

126
127
RAMSÉS, O MALDITO
⚫ Anne Rice (1941-2021) é muito conhecida pela obra
Crônicas Vampirescas. Ela também enveredou pelo tema
Egito faraônico e múmias no livro A Múmia ou Ramsés, o
Maldito (1989). Uma série em HQs foi produzida com 12
volumes (Millennium Comics, 1990).
⚫ O enredo remete a descoberta, no Vale dos Reis, da tumba
de Ramsés por um arqueólogo inglês que acaba sendo
assassinado por um sobrinho que tinha interesses
financeiros. A múmia acaba sendo enviada para a casa do
arqueólogo e sua filha Julie se encarrega da guarda. Na
condição de herdeira de uma grande fortuna, Julie se torna
a nova vítima do sobrinho. Ramsés desperta da morte para
evitar o envenenamento de Julie e passa a contar a sua
história.

128
RAMSÉS, O MALDITO
⚫ Ramsés e Julie acabam se apaixonando e ele fala sobre o
elixir da vida, sua paixão por Cleópatra e suas vivências no
antigo Egito. Ele percorre as ruas de Londres e vai
descobrindo a vida cotidiana de uma metrópole no mundo
contemporâneo. Os dois viajam até o Cairo e descobrem a
tumba de Cleópatra a qual é despertada pelo uso profano
do elixir da vida por parte de Ramsés. Este reviver resulta
em muitas mortes e no desequilíbrio da relação vida e
morte, condição humana e sobrenaturalismo.
⚫ Anne Rice promove uma reflexão sobre o sentido da vida e
o desejo da imortalidade. E o preço a pagar por esta busca...

129
A LITERATURA COMO OBJETO DE ANÁLISE
⚫ Estas referências literárias que buscaram rastrear as raízes
da “maldição dos faraós” não esgotam o arrolamento. De
forma direta ou fragmentada a visitas literárias ao tema são
mais amplas, além, das abordagens que são
literárias/ficcionais e que buscam passar por conhecimento
científico.
⚫ Para além da busca da maldição a produção é muito ampla
sobre diferentes aspectos e personagens da civilização
egípcia, o que remete a uma vasta matéria-prima para a
investigação crítica para potenciais pesquisadores. Como
ressaltou Ciro Flamarion Cardoso (2004): “se a
egiptomania for apropriação e reinterpretação de
elementos da cultura egípcia, ressignificados e aos quais
novos usos são destinados no mundo contemporâneo, os
romances históricos de tema egípcio se encaixam bem
nesta definição”.
130
PAPEL MOEDA EGÍPCIO COM O
MONUMENTO DE ABU SIMBEL

131
A MALDIÇÃO DE
TUTANKÂMON

132
O VALE DOS REIS. ENTRADA DE UMA TUMBA
REAL, 1821, EDWARD DE MONTULE.

133
O VALE DOS REIS
⚫ O Vale dos Reis é uma região onde, por um
período entre os séculos XVI-XI a.C. (1539-1078
a.C.), tumbas foram construídas para os faraós,
poderosos nobres ou administradores do Reino
Novo (da XVIII até a XX dinastia do Antigo
Egito). O Vale se localiza na margem oeste do
rio Nilo, oposto a Tebas (atual Luxor), no centro
da Necrópole de Tebas e já foram encontradas
70 tumbas. Neste local foi sepultado
Tutankâmon.

134
Porta da tumbá do faraó Tutankâmon, em 1922,
ainda com o lacre original descoberto por Carter.

135
Máscara mortuária de Tutankâmon. Museu
Egípcio do Cairo.

136
⚫ Tutankâmon (1336-1327 a.C) subiu ao trono com 10
anos e governou até sua morte aos 19 anos. Era filho de
Aquenáton com uma de suas irmãs ainda não
identificada. O faraó morreu, possivelmente, em
decorrência de malária e teve problemas de má
formação física devido aos laços de consaguinidade (os
pais eram irmãos). No seu governo ocorreu a
restauração da supremacia do Deus Amon e a capital
foi transferida para Tebas. Entre a morte e o
enterramento foram cumpridos os 70 dias de intervalo
e ele foi enterrado numa tumba pequena que
possivelmente já estava pronta para outra pessoa.
137
Pintura em caixa encontrada na tumba. Acervo:
Museu Egípcio do Cairo.

138
A TUMBA DE TUTANKÂMON
⚫ As tumbas do Vale dos Reis são visitadas por
saqueadores desde os primórdios dos enterramentos.
Escavações se tornaram sistemáticas após o
reconhecimento cartográfico pelos franceses no início
dos século XIX. Tutankâmon é uma das 70 tumbas do
Vale dos Reis. Ostenta o código de identificação KV-62
e foi descoberta em novembro de 1922.
⚫ O financiador da expedição arqueológica foi o 5°
Conde de Carnarvon (1866-1923) um milionário inglês.
A busca teve início em 1907 e o arqueólogo inglês
Howard Carter (1874-1939) liderou os trabalhos que
envolveu outros profissionais e muitos egípcios nas
escavações. O Departamento de Antiguidades do Egito
supervisionava os trabalhos.
139
LORD CARNARVON

140
CARNARVON
⚫ Carnarvon foi um dos pioneiros do automobilismo e sofreu
um grave acidente de automóvel na Inglaterra. Realizou
várias cirurgias e ficou com problemas respiratórios. A
extrema umidade do inverno inglês o levou a viajar para o
Egito no ano de 1903. A umidade do ar neste país é muito
baixa lhe garantindo melhora na qualidade respiratória. No
Egito se interessou por pesquisas arqueológicas e, em 1905,
conheceu Howard Carter que realizava escavações em sítios
egípcios desde 1890. A parceria foi estabelecida e se
desdobrou em descobertas relevantes e na apropriação e
construção/consolidação narrativa e imagética de um
monstro: a múmia. A literatura esboçou a múmia como
instrumento que enfrenta a profanação, mas, o cinema
definirá, em 1932, uma historicidade e homogeneidade para
sua existência: a paixão, a punição e a vingança contra os
profanadores do objeto amado.
141
LORD CARNARVON

142
A ESCAVAÇÃO
⚫ Localizar o túmulo foi muito difícil pois até a entrada
estava encoberta com ruínas de cabanas de operários que
realizaram a construção.
⚫ No dia 4 de novembro de 1922 a escavação identificou os
primeiros degraus que levavam a uma tumba. Carter
informou a Carnarvon o qual partiu da Inglaterra com sua
filha para acompanhar a sequência dos passos. Ele estava
muito doente nesta época e tinha 56 anos. No dia 24 de
novembro ele chega ao sítio arqueológico e foi iniciada a
limpeza dos demais degraus. Ao chegar a uma porta lacrada
foi identificado o nome de Tutankâmon. Rompido o lacre a
“maldição” foi libertada!
143
HOWARD CARTER

144
CARTER
⚫ Diário de Howard Carter, 27 de novembro de 1922: “Chegou
o momento decisivo. Com as mãos trêmulas fiz uma
minúscula fenda no canto superior esquerdo. A escuridão e
o vazio, até onde alcançava o comprimento de uma vara de
metal, indicavam que atrás não havia nada... Se fizeram
testes com velas por precaução diante da possibilidade de
que houvesse gases perigosos e então, ampliando o orifício
um pouco, meti uma vela e olhei... A princípio não pude
ver nada... Mas depois, quando meus olhos se
acostumaram com à escuridão, começaram a emergir por
entre a névoa alguns detalhes da sala que havia ali: animais
estranhos, estátuas e ouro – por toda parte, o resplendor do
ouro. Durante um momento... Fiquei paralisado pela
surpresa e, quando Lorde Carnarvon, incapaz de suportar
mais o mistério, me perguntou excitado: ‘Vê alguma coisa’?,
não pude mais que emitir as palavras: ‘sim, coisas
maravilhosas’.”
145
A TUMBA
⚫ A tumba já havia sido parcialmente roubada em
algum(s) momento(s) do passado. Os ladrões já
haviam empilhado peças e deixado o cenário bastante
bagunçado com sobreposição de objetos. As melhores
joias e objetos de valor (de maior facilidade para
carregar) haviam desaparecido. Mas o que restou
foram quase 5.400 peças que trazem inúmeras
informações sobre o Antigo Egito. Somente para
limpeza e registro dos objetos foram dez anos de
trabalho.

146
147
A TUMBA

⚫ Conforme o egiptólogo Henry James “a recompensa


arqueológica e artística da tumba foi incalculável. Foram
descobertos objetos que não pareciam com nada do
anteriormente descoberto ou que eram conhecidos
somente pelas cenas representadas em tumbas e templos:
os grandes sepulcros, os ataúdes e a múmia, o Canópio e
seu precioso conteúdo, os leitos rituais, as figuras divinas
de ouro e as imagens de próprio Tutankâmon (...) Os textos
sobre práticas funerárias, inclusive alguns fragmentos do
Livro dos Mortos, dão muitas indicações sobre os amuletos
e os objetos que eram postos sobre o corpo para
protegê-lo.”
148
Área das
pesquisas no
Vale dos Reis
Vista geral da tumba
de Tutankâmon na
The Illustrated
London News de 17
de fevereiro de 1923.

149
OS ARTEFATOS ENCONTRADOS
⚫ A referência máxima é o sepulcro onde foi colocado o faraó.
Esta sepultura deveria conservar a múmia garantindo sua
longevidade no pós-vida terrena. E Tutankâmon foi
colocado numa proteção sofisticada composta por três
ataúdes, um sarcófago de pedra e quatro féretros. Quatro
vasos Canopos guardavam órgãos internos e estavam em
pequenos cofres dentro de uma arca de calcita recoberta de
madeira dourada.
⚫ Somente em 1925 Carter abriu o ataúde para examinar a
múmia. Se Lord Carnarvon foi vítima da “maldição”, pois
sua morte ocorreu em 1923, não era necessário romper o
silêncio da múmia para desencadear os eventos sinistros.
150
OS ARTEFATOS ENCONTRADOS
⚫ Os objetos permitem analisar técnicas sofisticadas de
trabalho em metal, madeira, cerâmica, mineral e rocha. A
maioria dos objetos tem dimensão religiosa e ritual e a
variedade mostra a radicalidade do espiritual frente a vida
cotidiana. São encontrados o leito ritual; ataúdes; shabtis
(figura mumificada que assistia o faraó, de forma mágica,
na vida futura); figuras de divindades antropomórficas;
figuras de divindades animais; amuletos; figuras reais;
insígnias reais; vestimentas; calçados; porta-joias; colares;
peitoral; brincos; braceletes; anéis; carruagem; armas;
barco solar; trono; caixa pintada; cadeiras; camas; cofres
em madeira; vaso de perfume etc.

151
Primeiras fotografias dos artefatos encontrados na tumba. O fotógrafo
Harry Burton realizou mais de 3 mil fotografias referente a descoberta.
Acervo: Griffith Institute, Oxford University.

152
153
154
O local da escavação/análise dos artefatos se tornou
um “pesadelo” devido a frequência de turistas e
jornalistas.

155
VIGILÂNCIA
POLICIAL
A segurança da tumba de
Tutankâmon foi rigorosa
frente a frequência de
turistas e curiosos. A
maior preocupação residia
na “visita” por traficantes
de obras de arte que
haviam sido atraídos pela
repercussão internacional
nas mídias da época. Esta
fotografia é de 16 de
dezembro de 1922
publicada no The
Illustrated London News.

156
Menino egípcio com um colar da tumba. A
participação dos egípcios na escavação foi
indispensável para sua realização.

157
A COBERTURA DA IMPRENSA –
novembro de 1922

158
THE TIMES, 17-02-1923. FOTOGRAFIAS: HARRY
BURTON.

159
A COBERTURA DA IMPRENSA
⚫ O amplo assédio pela imprensa iniciou uma semana após a
divulgação da descoberta. Correspondentes de jornais faziam
plantão nas imediações da tumba e acompanhavam cada
movimento ou nova informação. Carnarvon decidiu vender os
direitos de cobertura da imprensa apenas para o jornal London
Times por 5.000 libras esterlinas além de participação na venda
das notícias pelo Times para outras empresas de comunicação.
Insatisfeitos com a exclusividade, outros jornais passaram para a
especulação e o sensacionalismo sobre acontecimentos ligados a
tumba. A morte de Carnarvon, quatro meses depois de sua
entrada na tumba, desencadeou a sistemática construção de
uma “maldição” de Tutankâmon. Os jornais e revistas passam a
vender cada vez mais e a lucratividade elevou a imaginação a
parâmetros inimagináveis. Textos retirados de outros contextos
se convertiam em traduções pela imprensa “de morte aos
profanadores da tumba”. Outros supostos escritos passam a ser
inventados ampliando o interesse dos leitores pelo tema.
160
161
A COBERTURA DA IMPRENSA
⚫ Ajudando no desencadear da maldição surgiu a
publicação da famosa escritora exotérica e romancista
Marie Corelli (1855-1924) que publicou uma carta na
revista New York World sobre as fatídicas
consequências da profanação da tumba. O problema é
que a publicação ocorreu duas semanas antes da morte
de Carnarvon em 5 de abril de 1923. O filão para a
imprensa sensacionalista foi muito bem utilizado para
legitimar a suposta “maldição dos faraós”. O impacto
de Arthur Conan Doyle defendendo a vingança de
“elementais” contra os profanadores também
incentivou esta construção narrativa.
162
CONAN DOYLE E OS ELEMENTAIS
⚫ Conan Doyle estava em visita aos Estados Unidos,
hospedado em New York, para discutir ectoplasmas e
espiritismo. Desde 1916, frente as inúmeras mortes durante
a Primeira Guerra Mundial, Doyle começa a ser voltar a
investigações sobre a vida após a morte na perspectiva do
espiritismo. Os dez milhões de mortos exigiam a criação de
um novo cristianismo, conforme Doyle. Nesta cruzada
religiosa ele defende os elementais (entidades espirituais
ligada aos elementos da natureza) como a explicação para a
maldição dos faraós.
⚫ Estas informações foram obtidas em Daniel Handerg
Alonso (2020) “Sir Arthur Conan Doyle and the Curse of
Tutankhamen”, no site https://medium.com/
163
CONAN DOYLE E OS ELEMENTAIS
⚫ Em entrevista ao jornal New York Times, no dia 5 de abril de
1923, Arthur Conan Doyle é questionado sobre a morte, às
duas horas da madrugada daquele dia, de Lord Carnarvon.
Respondeu sobre a possibilidade de uma maldição com a
seguinte argumentação: “Não é decente nem seguro tirar de
seus locais de descanso os corpos de antigos reis. Os egípcios
sabiam muito mais sobre o ocultismo do que nós sabemos
hoje. Este deve ter sido um elemento peculiar de uma
maldição egípcia. Os antigos egípcios estavam muito
ansiosos para guardar os túmulos de seus reis, há razão para
acreditar que eles colocaram elementais em guarda, e isso
pode ter causado a morte de Lord Carnarvon. Um elemental
maligno pode ter causado a doença fatal de Lord Carnarvon.
Não se sabe que elementais existiam naqueles dias, nem qual
poderia ser a forma. Esses elementais não são espíritos no
sentido comum, pois não tem alma. Um elemental é uma
coisa construída, artificial, uma força imbuída que pode ser
trazida à existência por meios espirituais ou pela natureza”.
164
CONAN DOYLE E OS ELEMENTAIS
⚫ Doyle também faz referência a morte de seu amigo o jornalista Bertram
Fletcher Robinson editor do Daily Express. No verão de 1904 Fletcher
fez uma matéria sobre a “sacerdotisa da morte” um sarcófago existente
na Sala Egípcia do Museu Britânico e que provocara infortúnios e
tragédias desde sua compra no Egito na década de 1860. A sugestões do
jornalista sobre a maldição da sacerdotisa de Amen-Rá foi publicada e
em janeiro de 1907 Fletcher morreu de febre tifóide e a imprensa
especulou que ele pode ter sido uma das vítimas da sacerdotisa. O
tempo passou e as investigações sobrenaturais de Doyle o fazem
lembrar, no ano de 1923, da antiga amizade com Fletcher que renderam
inclusive a escrita de O Cão de Baskerville. Doyle afirma para os
jornalistas que a morte de Fletcher estava ligada a ação de elementais
que guardavam o sarcófago da sacerdotisa. A defesa da maldição
destinada aqueles que violassem determinadas tumbas egípcias ficava
fortalecida pela argumentação de um famoso escritor.

165
CONAN DOYLE E OS ELEMENTAIS
⚫ O próprio New York Times refutou as afirmações de
Doyle referente a maldição como sendo irracionais. O
The Morning Post também condenou o espaço dado a
informações falsas. O egiptólogo Wallis Budge remete
a pura superstição difundir uma suposta maldição dos
faraós após a descoberta da tumba de Tutankâmon e os
eventos que se seguiram. Para Budge, falando a
imprensa, “se houvesse tal maldição e pudesse ter sido
eficaz, não restaria nenhum arqueólogo hoje.
Desenterrei múmias em muitas terras, mas nenhuma
maldição caiu sobre mim. Você não acha que aquelas
pessoas que dizem ter perecido sob a maldição teriam
morrido de qualquer maneira?”.

166
Revista O Malho
26-11-1932.
A imprensa
sensacionalista passa a
ligar acontecimentos
como o apagar de luzes
no Cairo com o
sobrenaturalismo da
ação do faraó. Aqueles
que visitaram a tumba e
ficaram doentes ou
morreram foram
associados com a
maldição.

A circulação de notícias
alcançou os jornais e
revistas da maioria dos
países. Inclusive no
Brasil.

167
REVISTA DO RADIO (1926).

168
Jornal O Malho, RJ, 18-01-1930.

169
THE ILLUSTRATED LONDON NEWS
⚫ Esta revista ilustrada foi fundada em Londres em 1842 e,
acompanhou parte da construção da Arqueologia como
ciência. A descoberta da tumba de Tutankâmon despertou
neste periódico uma ampla cobertura jornalística e
fotográfica. Dedicou dois extensos artigos por ocasião da
abertura na edição de 16 de dezembro de 1922 com os
títulos “No Túmulo de Tutancâmon: Celebrações de
Abertura” e “Do Rei Tutancâmon ao Rei Fuad: Egito Antigo
e Novo”; cinco artigos adicionais nos próximos meses; e, em
1923, dois números especiais, um de fotografias do túmulo
(3 de fevereiro) e um “Número do Egito” (24 de fevereiro).
In: The Illustrated London News and Archaeology, Thomas
Prasch(UniversidadeWashburn).https://www.gale.com/int
l/essays/thomas-prasch-illustrated-london-newsarchaeolo
gy.
170
EDIÇÃO ESPECIAL DO THE ILLUSTRATED LONDON
NEWS 24-02-1923.

171
CARNARVON, O DESENCADEAR
⚫ O epicentro do desencadear da “maldição” foi a morte de Lord
Carnarvon. O financiador da “profanação” morreu quatro meses
e sete dias após sua entrada triunfal na tumba.
⚫ O perfil de saúde de Carnarvon não era nada alentador pois já
em 1903, fizera uma viagem ao Egito para melhorar o seu estado
de saúde que precocemente era frágil. Sua viagem ao Egito em
novembro de 1922 foi desgastante, pois, estava com a saúde
fragilizada. Ele faleceu de infecção generalizada após cortar com
uma navalha, durante o barbear, uma área do rosto em que fora
picado por um mosquito. O processo infeccioso foi fatal num
corpo já debilitado.
⚫ Sua morte é paradigmática, pois, abriu a imaginação para todo o
tipo de malefício nos anos seguintes.

172
CARNARVON, O DESENCADEAR
⚫ Carter não caiu fulminado apesar de ficar 10 anos
trancado na tumba catalogando as peças: viveu até
1939. A filha de Carnarvon, Evelyn, viveu até 1980.
⚫ Das 58 pessoas que estavam no local quando, em dois
momentos, a tumba, e, posteriormente, o sarcófago de
Tutankâmon foi aberto, 8 morreram num prazo de 12
anos. Oito mortes estariam por trás da “maldição”!
Porém, quantos já apresentavam algum problema de
saúde como Carnarvon ou quantos foram vítimas do
fungo “Aspergillus niger” cujos esporos podem ter sido
inalados se alojando nos pulmões?

173
CARNARVON, O DESENCADEAR
⚫ Entrar e permanecer num espaço que ficou cerca de
3.300 anos fechado pode trazer alguns riscos.
Substâncias tóxicas com formaldeído e gás de amônia,
podem causar danos aos olhos e serem inalados
trazendo prejuízos ao pulmão. Também podem causar
reações alérgicas. Outro fator de perigo remete aos
fungos ligados aos excrementos de morcegos ou de
roedores, além de bolores nas múmias e bactérias nas
paredes. Resistência do organismo, propensão
individual e tempo de exposição aos agentes podem
fazer eclodir diferentes reações fisiológicas.
⚫ Porém, o maior fator suspeito de uma “maldição” pode
ter sido a cobertura virulenta da imprensa...

174
COLEÇÃO DE POSTAIS DA DÉCADA DE 1920.
Artefatos encontrados na tumba.

175
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179
180
181
182
O arqueólogo Howard Carter examinando o
sarcófago de Tutancâmon (Mansell/LIFE Pictures).

183
O CINEMA...

184
A MÚMIA NO CINEMA

⚫ As múmias foram traduzidas para a linguagem do


cinema a partir do diretor George Meliés em 1899 (O
Túmulo de Cleópatra). Entre as décadas de 1910 e 1920
películas já eram conhecidas dos cinéfilos, mas, sem
maior destaque ou sucesso. BRYER (2013) analisou esta
produção e identificou o foco central dos roteiros:
“múmias eram figuras românticas, amantes que
retornavam à vida para se reencontrar com seus
amores reencarnados”.

185
A LOJA DE CURIOSIDADES ASSOMBRADA (1901)

186
A MÚMIA NO CINEMA
⚫ Outros filmes pioneiros que trouxeram temas do Egito,
com ou sem múmias, foram: The Haunted Curiosity
Shop (A Loja de Curiosidades Assombrada - 1901); A Múmia
(1911); Cleopatra (1917) e Egyptian Melodies: Silly Symphony
(Melodias egípcias: Sinfonias Tolas - 1931).
⚫ A descoberta da tumba de Tutankâmon e suas
consequências mudou o cenário temático para investir
num enredo ligado a historicidade de uma maldição
ocorrida no passado do Egito faraônico. A data do filme é
1932 e esta é a obra referencial para os roteiros posteriores.
A vingança da múmia fruto de uma maldição dos faraós
está completando 90 anos!
187
A MÚMIA DE 1932 – O GRANDE CLÁSSICO

188
A MÚMIA – O ROTEIRO
⚫ Uma equipe de arqueólogos do Museu Britânico, em 1921,
realizam escavações no Egito. Encontram a múmia de
Imothep um alto sacerdote do Templo do Sol em Karnak.
Constatam que a múmia foi enterrada viva devido a um
sacrilégio cometido. Imothep foi sentenciado a morte na
vida e no além-vida. Num baú estava um manuscrito de
Thoth e um aviso de que não deveria ser lido pois
desencadearia uma maldição. Um dos membros da equipe
lê as palavras mágicas do papiro e faz despertar a múmia
que foge com o pergaminho. Em 1932, o filho do líder da
equipe está escavando no Egito e recebe a visita do egípcio
Ardath Bey (de fato era Imothep) que indica o local onde se
faria a descoberta da tumba da princesa Anck-es-en-Amon
da XVIII dinastia (filha do faraó Amenófis) que teria sido
enterrada a 3.790 anos em Tebas.

189
190
A MÚMIA – O ROTEIRO
⚫ De fato, estava no local indicado. Após a escavação a múmia e os
artefatos foram enviados ao Museu do Cairo. Ardath Bey, no
museu, faz a leitura do manuscrito do Thoth para reviver a múmia
da princesa e, distante dali, uma jovem entrar em transe.
⚫ Helen (filha de um inglês governador do Sudão) observa da janela
de um prédio no Cairo as pirâmides de Gizé (que de fato estão a 38
km de distância...) e, em transe, vai até a porta do Museu do Cairo.
Bey necessita do corpo dela e de sua conexão com o antigo Egito
para trazer de volta a vida à princesa. E a aí reside a essência
temática: a princesa morreu e o sacerdote Bey a amava e não
aceitou o seu passamento. Ele, na tumba, evoca o manuscrito de
Thoth para trazer a princesa novamente a vida desafiando a fúria
dos deuses. Porém, foi pego cometendo o sacrilégio e condenado a
ser enterrado vivo coberto por bandagens como uma múmia. O
faraó ordenou esta morte nefasta para que aquele crime não mais
se repetisse. O sacerdote foi enterrado no deserto num túmulo
sem nome e junto um baú com o manuscrito. E assim perdurou
até a descoberta realizada pelos arqueólogos em 1921. 191
192
A MÚMIA – O ROTEIRO
⚫ Passado milhares de anos o sacerdote permanece irredutível na
obsessão e afirma para Helen, numa postura blasfema: “meu
amor é mais eterno que os templos de nossos deuses”. “Nenhum
homem sofreu o que sofri por você” e que ela enfrentará “o
horror pelo amor eterno”.
⚫ Como a alma de Helen estava num corpo mortal várias vezes
reencarnado era necessário matar aquele corpo e embalsama-lo.
Deveria ser apunhalada e jogada num caldeirão de natrão.
Porém, ela não aceita a morte e afirma que a paixão que nutriu
no passado ficara perdida no passado. Ao resistir a ser morta ela
evoca ser filha de Ísis e que queria ser salva dessa “múmia”. Bey
ou Imothep, prestes a mata-la com uma adaga, afirma: “você
descansará da vida como o sol que se põe a oeste, mas, nascerá
novamente no leste quando os primeiros raios de Amon-Rá
espantar as sombras”. O desfecho não é com a intervenção da
força ocidental e masculina, e sim com a ação de Helen
implorando ajuda de Ísis que transforma Bey/Imothep numa
múmia e depois num esqueleto sem poderes físicos ou mentais.

193
194
A MÚMIA – A
DIREÇÃO
Karl Freud foi o diretor
e impôs à filmografia
elementos fundados no
expressionismo alemão
num momento em que
se firmava o cinema
falado nos Estados
Unidos. Seu trabalho de
câmara foi inovador e
dirigiu mais de 100
filmes entre eles O
Golem, Metrópolis,
Drácula e Terra dos
Deuses.

195
NINA WILCOX
PUTNAN –
ARGUMENTO
INICIAL DO
FILME A MÚMIA
(1932)
Romancista,
roteirista e
dramaturga. É
autora de mais de
500 contos. A
história original de
A Múmia foi escrito
por ela e por Richard
Schayer. Porém,
ficou muito distante
do roteiro do filme
escrito por
Balderston.

196
JOHN
BALDERSTON –
ROTEIRISTA DE A
MÚMIA (1932)
Balderston participou
da cobertura
jornalística da
descoberta da tumba
de Tutankâmon. In
loco vivenciou o
potencial de uma
história que
trabalhando o Egito
faraônico poderia
inserir uma temática
de amor, maldição e
vingança para atrair o
público cinéfilo.

197
A PAIXÃO
MILENAR
Os atores principais
foram Boris Karloff
(Imothep e Ardath
Bey) e Zita Johann
(Helen).

A sessão de
maquiagem feita em
Karloff durava oito
horas e eram brutais
para a pele: algodão,
graxa e cola, mistura
que depois de seca era
muito dolorosa para
retirar. Ele deve ter
sentido o peso dos
milênios em carregar
uma múmia e sua
maldição.

198
CENÁRIO COM
ÍSIS.

Fotografia de
divulgação do
filme em que Zita
Johann está em
frente a uma
estátua de Ísis.
Este cenário foi
escolhido para o
epílogo do filme e
a ruptura da
maldição.

199
UNIVERSAL
MONSTERS
Coleção de
miniaturas
colecionáveis
lançada pela
Universal e
produzida pela
Diamond Select.

Boris Karloff em
seus sarcófago no
filme A Múmia de
1932. Acervo: LHT.

200
HISTÓRIA E FICÇÃO
⚫ A egiptóloga Márcia Jamille (site Arqueologia Egípcia -
https://www.youtube.com/ watch?v=XFxw10LzSYA) esclarece alguns
aspectos da veracidade do filme em relação a história egípcia: o
pergaminho de Thoth não existe; os egípcios não acreditavam em
reencarnação e sim na continuidade da vida após a morte; diferente do
que foi mostrado, a mumificação exigia a evisceração dos órgãos
internos; a mutilação no local do rosto do sarcófago pode ter
fundamento para evitar que a pessoa vislumbrasse a bonança de uma
nova vida pós-morte; quem autorizava escavações arqueológicas eram a
França e a Inglaterra, não podendo os egípcios exercer a arqueologia
neste período; a princesa foi um nome retirado da esposa de
Tutankâmon; as escavações, para retirada da rocha e areia, realmente
recorria ao trabalho braçal de inúmeros egípcios que utilizavam cestos;
referência a hieróglifos no período pré-dinástico era incorreto pois só
surgem no período Tinita; a deusa Bastet não é ligada a “desgraça” e sim
a “proteção”; para mumificação o corpo era colocado numa mesa e o
natrão era aplicado não ocorrendo a colocação do corpo dentro de um
caldeirão repleto de natrão fervendo.
201
202
IMHOTEP EXISTIU?
⚫ Um personagem histórico chamado Imhotep
realmente existiu. Porém, não tem nada a ver com o
personagem ficcional do filme.
⚫ Imhotep foi vizir do faraó Joser da III dinastia.
Também era sacerdote do deus Rá em Heliópolis.
Atuava como arquiteto e engenheiro em Sacara,
estando associado, hipoteticamente, a construção da
pirâmide escalonada. Também foi reverenciado como
poeta e filósofo.
⚫ O Imhotep do roteiro de 1932 e do O Retorno da
Múmia (1999), ou seja, a múmia vingativa, não tem
qualquer referência ao personagem histórico.
203
CONTINUAÇÃO DO CICLO DA
UNIVERSAL
A MÃO DA MÚMIA (1940)

204
A MÃO DA MÚMIA (1940)
⚫ Este é o segundo filme dos cinco realizados com esta
temática. O glamour do filme de 1932 se dissolveu já nesta
incursão. O roteiro traz alguns elementos do clássico, mas,
o clima de seriedade se dissolve em cenas de humor
desconectadas. A trama se passa por volta de 1910.
⚫ O sacerdote Kharis, é apaixonado pela filha do faraó a
princesa Ananka. A jovem e bela princesa morre e Kharis
usa os seus conhecimentos de magia para trazê-la
novamente a vida rompendo com a tradição e os tabus. O
resultado foi ser enterrado vivo e virar um guardião da
tumba de Ananka. Passados três mil anos destes
acontecimentos, uma poção com folhas de tana o trazem
de volta a vida: ele deveria proteger Ananka de uma
expedição arqueológica americana que profanaria o
descanso da princesa. A múmia acaba sendo destruída
(aparentemente...) e a princesa foi levada do Egito para os
Estados Unidos.
205
A TUMBA DA MÚMIA (1942)

206
A TUMBA DA MÚMIA (1942)
⚫ Nesta sequência a ação transcorre nos Estados Unidos.
Se passaram três décadas do filme anterior e a seita dos
Sacerdotes de Karnak (que protege túmulos saqueados
por violadores) conduz a múmia de Kharis
(restaurada) para o EUA com o objetivo de matar todos
os que participaram da profanação. A vingança de
Kharis é cruel e uma trilha de mortos segue o enredo
do filme.
⚫ O referencial é a história de paixão entre o sacerdote e
a princesa. A profanação ocidental desta tradição que é
vingada pela múmia com a ajuda de uma seita egípcia.
Um confronto entre a visão cientificista e a
egiptomania x tradições religiosas ancestrais.
207
O FANTASMA
DA MÚMIA
(1944)

208
O FANTASMA DA MÚMIA (1944)

209
O FANTASMA DA MÚMIA (1944)
⚫ O gótico em preto e branco da Universal com suas imagens
de uma múmia de grande porte caminhando com
dificuldade mas sendo implacável ao estrangular a vítima,
fez mais uma aparição neste período da Segunda Guerra
Mundial.
⚫ Novamente a trama se passa nos Estados Unidos onde a
múmia de Kharis busca o resgate de Ananka para
conduzi-la a sua morada sepulcral no Egito. A seita dos
sacerdotes está novamente envolvida no resgate. Após um
ritual a múmia de Ananka reencarna no corpo de uma
egípcia residente nos EUA. O foco conduz ao sequestro da
nova Ananka para leva-la ao Egito.
⚫ Parecia o fim desta série, mas, no mesmo ano, outro filme é
lançado. Vejamos em mais detalhes como encerra este ciclo
da múmia.

210
A MALDIÇÃO DA MÚMIA (1944)

211
A MALDIÇÃO DA MÚMIA (1944)
⚫ Este é o quinto filme da franquia múmia pela
Universal. As múmias do sacerdote Kharis (que
profanou a imagem de Ísis para buscar o pergaminho
que permitiria trazer os mortos para a vida) e da
princesa Ananka (morta há 3.000 anos e filha do faraó
Amenophis) estão submersos num pântano em
Mapleton, nos Estados Unidos. Um sacerdote egípcio
tenta levar os dois de volta para o Egito. Um
desabamento soterra Kharis e Ananka retoma a vida e
depois retorna a condição de múmia. Ambos
continuam nos Estados Unidos para uma sequência da
série de filmes. O que felizmente não ocorreu nos anos
seguintes. Mas o essencial do roteiro foi retomado
neste filme. Vejamos...
212
A MALDIÇÃO DA MÚMIA (1944)
⚫ Como Kharis profanou o templo dos deuses e procurou alterar o
caminho da vida e da morte, foi punido com uma morte cruel (ser
enterrado vivo) e jamais obteria descanso para sua alma. A maldição foi
proferida por Amon-Rá e Kharis foi sepultado sozinho numa colina ao
lado do Vale dos Sete Chacais. Ao lado foram enterrados folhas de Tana.
Posteriormente, Kharis foi retirado do local e colocado em outra cova do
outro lado da montanha. Ele seria imortal e seu coração continuaria
batendo pela eternidade e de seu sarcófago vigiaria a tumba da princesa
Ananka. Somente os sacerdotes de Arkam sabiam onde ficava a
localização de Kharis e ali ele ficou vigilante por 3.000 anos. Um
arqueólogo americano que procurava a tumba de Ananka encontrou o
sarcófago de Kharis e ocorreu a vinda para os Estados Unidos. Dois
supremo sacerdotes de Amon-Rá vieram a este país para leva-los de
volta ao Egito mas foram mortos. Para reviver Kharis era utilizada as
folhas de Tana para fazer um chá. A Tana é uma árvore nativa de
Madagascar e adaptada a ecossistemas úmidos. Pode aliviar dores,
inflamações e problemas estomacais. Um rio do Quênia tem o nome de
Tana. A múmia foi derrotada e a princesa voltou a condição de múmia.
⚫ O ciclo de cinco filmes chegava ao fim e legou belas imagens da múmia
se arrastando por pântanos ou apavorando os profanadores. Mas a
sensação é de esgotamento, pois, a fórmula se tornou repetitiva.
213
CICLO
DA
HAMMER
– A MÚMIA
(1959)

214
CICLO DA HAMMER
⚫ A relação de filmes com temática derivadas da
“maldição dos faraós” ou múmias assassinas remetem
a mais de 30 filmes. Optou-se por se restringir as duas
grandes produtoras: Universal e Hammer.
⚫ A Universal dedicou cinco películas ao tema em seu
formato de “gótico em preto e branco” entre 1932 e 1944
(e uma comédia em 1955). Posteriormente, a partir de
1999, mais quatro filmes foram realizados.
⚫ A Hammer produziu quatro filmes em seu estilo
“gótico colorido” entre 1959 a 1971.
⚫ Vejamos, a seguir, algumas características dos filmes
sobre múmias produzidos pela produtora inglesa
Hammer.
215
A MÚMIA (1959)
⚫ Arqueólogos, no ano de 1895, escavam no Egito a tumba da princesa
Ananka, sacerdotisa em Karnak, enterrada há quatro mil anos. O selo
real e as peças do interior da tumba lembram o cenário que se conhece
de Tutankâmon. O egípcio (Mehemet Bey) alerta para não profanarem
o local para que a vingança de uma múmia viva, revivida através da
leitura de um manuscrito de invocação, não recaia sobre eles. Em 1898,
em Londres, a múmia caça os profanadores. A múmia é o sacerdote
Kharis que foi responsável pelos rituais de mumificação e
enterramento de Ananka. Kharis era apaixonado pela princesa e não
aceitando sua morte, faz um ritual para a ressuscitar utilizando o
manuscrito da vida escrito pelo Deus Karnak. Descoberto durante o
ritual teve a língua cortada e foi enfaixado e enterrado vivo, em pé, para
ser o eterno guardião da tumba da princesa.
⚫ Este é o primeiro filme da Hammer com a temática da maldição da
múmia.
⚫ Constata-se que a base do filme é o roteiro do clássico da Universal de
1932 com os nomes utilizados no filme de 1940. Excelente para
comparar os diferentes efeitos da filmagem em P&B e a cores (dirigido
por Terence Fisher). Os atores Christopher Lee e Peter Cushing dão o
tom de horror que caracterizou a Hammer nos anos 1950-60. O roteiro,
que é uma refilmagem, foi escrito por Jimmy Sangster.
216
A MÚMIA (1959)

217
A MALDIÇÃO DA TUMBA DA
MÚMIA

218
A MALDIÇÃO DA TUMBA DA
MÚMIA
⚫ O filme tem início em 1900 com o assassinato de um
arqueólogo que descobriu, no Vale dos Reis, a tumba de
Ra-Antef filho de Ramsés VIII e a profanação realizada
com a múmia e as peças encontradas. O mecenas
mantenedor da expedição, um comerciante sem
escrúpulos, não permite que a descoberta seja levada para o
Museu do Cairo e pretende fazer apresentações
sensacionalistas com a múmia para ganhar muito dinheiro.
Interesse comercial, tour mundial iconoclasta e desprezo
com a cultura egípcia propiciam o cenário de crítica e ação
de um grupo contrário a atuação colonialista. O arremate é
a vingança realizada, em Londres, pela múmia do faraó Ra.
A pesquisa arqueológica é associada ao colonialismo
ocidental e sua pior face: o passado enquanto mercadoria
para o deleite das plateias. Inúmeras passagens na
excelente interpretação do empresário são emblemáticas:
“não há sacrilégio quando se ganha dinheiro!”.

219
A MALDIÇÃO DA TUMBA DA
MÚMIA

220
A MORTALHA DA MÚMIA (1967)

221
A MORTALHA DA MÚMIA
⚫ Incisiva crítica a arrogância imperialista é The Mummy's Shroud.
⚫ Em 2000 a.C. um faraó egípcio é morto numa conspiração e seu
filho Kah-to-Bey é levado para o deserto pelo servo Prem. Nesta
difícil fuga o príncipe morre e é enterrado numa formação
rochosa no deserto. Em 1920 uma expedição inglesa encontra o
túmulo e leva o corpo para o Cairo. Porém, são avisados por um
guardião da tumba de que mortes ocorreriam com a profanação.
A múmia do servo Prem retorna a vida através da leitura de
textos sagrados recitados pelo guardião. Os que escavaram a
tumba passam a ser perseguidos e mortos. O empresário que
financiou o projeto é arrogante e inflexível exigindo que a múmia
e o seu acervo fossem levados clandestinamente para circular
pela Europa em apresentações lucrativas: as famosas sessões de
desembrulhar a múmia. Sua postura é uma referência a atitude
imperialista de repudiar a tradição em nome do ganho
financeiro.

222
A MORTALHA DA MÚMIA

223
SANGUE NO SARCÓFAGO DA
MÚMIA (1971)

224
SANGUE NO SARCÓFAGO DA MÚMIA
(1971)
⚫ O filme é uma adaptação do livro de Bram Stoker The Jewel of the
Seven Stars.
⚫ O enredo remete a uma expedição arqueológica inglesa que
encontra a tumba da rainha Tera que, em vida, estava envolvida
com rituais maléficos. Era considerada uma “Rainha das Trevas” e
foi morta por sacerdotes que cortaram a sua mão direita. Na mão
havia um anel com poderes mágicos cujo cintilar formava a
imagem de uma constelação e sete estrelas, um portal para os
poderes das trevas. O grupo de arqueólogos que descobre a
Rainha encontram três relíquias junto ao sarcófago e dividem a
pilhagem. Um deles fica com a múmia e a mão amputada com o
anel. A filha deste arqueólogo recebe de presente de seu pai o
anel e passa a ser possuída pelo espírito da rainha Tera. A
tradicional múmia com suas bandagens se arrastando até a
vítima não existe neste filme que recorre ao efeito sinistro de uma
mão “caminhando” até estrangular as vítimas.
⚫ Portanto, o enredo foge aos clichês comuns e centra a ação na
figura da rainha Tera e no domínio psíquico e espiritual de uma
jovem obsediada.
225
SANGUE NO SARCÓFAGO DA
MÚMIA (1971)

226
SANGUE NO SARCÓFAGO DA
MÚMIA (1971)

227
RETORNO DA UNIVERSAL

228
A MÚMIA (1999)

229
A MÚMIA (1999)
⚫ A Universal retomou o ciclo de A Múmia de 1932. O
cinema avançou muito em efeitos especiais e na
qualidade de projeção entre as décadas de 1930 e 1990.
⚫ O primeiro filme, lançado em 1999, se chamou A
Múmia e foi escrito e dirigido por Stephen Sommers.
⚫ O roteiro remete ao ano de 1926 quando um
explorador americano localiza Hamunaptra (uma
cidade fictícia dos mortos próximo a Tebas). Ele
conhece uma jovem que reanima a múmia do
sacerdote Imhotep que tem planos sinistros de
destruição para a humanidade. Horror atenuado por
muita aventura, humor e bons efeitos especiais. Sem
conexão com o clássico de 1932.

230
O RETORNO
DA MÚMIA (2001)

231
O RETORNO DA MÚMIA (2001)
⚫ É uma continuação de A Múmia (1999) e se passa em
Londres no ano de 1935. Os dois personagens
principais se casaram e tiveram um filho que foi
sequestrado para ressuscitar o Escorpião Rei e liberar o
Exército de Anúbis. Muita ação num clima de matinê
sem pretensões de veracidade histórica. Recurso livre à
magia e ao ficcional. Ritmo dinâmico e efeitos
especiais. Novamente, obteve uma ótima bilheteria e
uma comprometida pontuação na crítica
especializada.

232
A MÚMIA: A TUMBA DO
IMPERADOR DRAGÃO (2008)

233
A MÚMIA: A TUMBA DO
IMPERADOR DRAGÃO (2008)
⚫ No terceiro filme da série o Antigo Egito vai parar na
Antiga China. A “muralha da China” e o “Exército de
Terracota” são as atrações. O Imperador Dragão
retorna após 2.000 anos para escravizar a humanidade.
⚫ Excelentes efeitos especiais e muita ação.
⚫ Porém, a tradicional múmia dissolveu-se
completamente e se restringiu ao apelo do título. A
trilogia chegava ao fim e manteve um pleno
distanciamento da versão da década de 1930. Mas
certamente, a trilogia garantiu que o tema das múmias
retornasse com muita força para o imaginário popular.

234
DARK UNIVERSE OU UNIVERSAL
MONSTERS

235
A MÚMIA (2017)

236
A MÚMIA (2017)
⚫ Este filme seria o início de uma nova série da Universal: o
Dark Universe. O retorno nas bilheterias comprometeu o
projeto de retomar os monstros clássicos.
⚫ O filme é de ação, aventura, fantasia e terror. O enredo
remete a um rubi egípcio enterrado por templários numa
tumba que é encontrada numa obra realizada em Londres.
Descobre-se num hieróglifo a história da princesa Ahmanet
que vende sua alma ao deus Seti. Ela assassina a família
pelo poder e acaba sendo enterrada viva em um sarcófago
por sacerdotes. A tumba de Ahmanet é descoberta no
Iraque e a princesa se liberta iniciando uma luta para obter
o rubi e libertar Seti. A produção fracassou frente à crítica
especializada.
237
MÚMIA (2017) UNIVERSAL FILMES.

238
A MALDIÇÃO: RAÍZES HISTÓRICAS

239
A MALDIÇÃO: RAÍZES HISTÓRICAS
⚫ Vamos avançar na reflexão sobre as raízes
históricas da maldição dos faraós trazendo mais
alguns elementos para investigação e
encaminhando algumas interpretações: a maldição
em documentos egípcios; o Livro dos Mortos;
manuscritos de Thot; a presença árabe e a presença
ocidental; a expansão da egiptomania; a narrativa
literária e a narrativa cinematográfica.

240
A MALDIÇÃO: RAÍZES HISTÓRICAS
⚫ As maldições registradas em documentos/monumentos
egípcios são raras. Alguns exemplos:
⚫ Na 9ª dinastia o túmulo de Khentika Ikhekhi registrou:
"Quanto a todos os homens que entrarem neste meu
túmulo ... impuro ... haverá julgamento ... será dado um fim
a ele ... Vou agarrar seu pescoço como um pássaro ... Vou
lançar nele o medo de mim mesmo".
HAMILTON-PATERSON, 1978.
⚫ Zahi Hawass (2000) destacou: "Malditos sejam aqueles que
perturbam o resto de um faraó. Aqueles que quebrarem o
selo desta tumba encontrarão a morte por uma doença que
nenhum médico pode diagnosticar.”

241
A MALDIÇÃO: RAÍZES HISTÓRICAS
⚫ Hawass ao escavar tumbas de construtores em Gizé
encontrou: "Todas as pessoas que entrarem nesta
tumba que farão o mal contra esta tumba e a
destruirão que o crocodilo seja contra eles na água e
cobras contra eles na terra. Que o hipopótamo esteja
contra eles na água, o escorpião na terra."
⚫ Da XVIII dinastia temos estas palavras: “Quem invadir
minhas propriedades, danificar minha tumba, ou
retirar dela minha múmia, será punido pelo deus-sol.
Não legará seus bens a seus filhos, seu coração não terá
prazer em viver; ele não receberá água na tumba e sua
alma será destruída para sempre”.
242
A MALDIÇÃO: RAÍZES HISTÓRICAS
⚫ David Silverman (1987) investigou a historiografia
referente a existência de maldições nas tumbas e
constatou que elas são mais encontradas em tumbas
de particulares (especialmente no Antigo Império) e
não da realeza.
⚫ As maldições reais, estão mais voltadas a punir durante
a vida do nobre e não após. Há um discurso em Deir el
Bahri por Tutmés I para a corte de sua filha, o faraó
reinante Hatshepsut: “Aquele que a adorar,
viverá; aquele que falar mal em uma maldição contra
sua majestade, ele morrerá”.
243
A MALDIÇÃO: RAÍZES HISTÓRICAS
⚫ Uma maldição longa e detalhada foi encontrada na tumba de Amenhotep da 18ª
Dinastia:
⚫ “Quanto a [qualquer um] que venha depois de mim e que encontre a fundação da
tumba funerária em destruição…
quanto a quem tomar o pessoal do meu povo

permita que eles desempenhem sua função de escriba...
Eu os colocarei na fornalha do rei...
Seu uraeus vomitará chamas sobre o topo de suas cabeças, demolindo sua carne e
devorando seus ossos.
hey se tornará Apophis [uma serpente divina que é vencida] na manhã do dia do
ano.
Eles vão virar no mar que vai devorar seus corpos.
Eles não receberão honras recebidas por pessoas virtuosas. Eles não poderão
engolir ofertas dos mortos.
Não se derramará para eles água em libação...
Seus filhos não ocuparão seus lugares, suas mulheres serão violadas diante de seus
olhos.
Seus grandes estarão tão perdidos em suas casas que ficarão no chão...
Eles não entenderão as palavras do rei no momento em que ele estiver em alegria.
Eles serão condenados à faca no dia do massacre...
Seus corpos se decomporão porque passarão fome e não terão sustento e seus
ossos perecerão” In: Silverman, David "The Curse of the Curse of the
Pharaohs" Expedition Magazine 29.2 (1987): n. pag. Expedition Magazine. Penn
Museum, 1987 Web. 28 Aug 2022
http://www.penn.museum/sites/expedition/?p=14511
244
A MALDIÇÃO: RAÍZES HISTÓRICAS
Na tumba de Petety e sua esposa, havia a seguinte maldição:
“Escutem todos! O sacerdote de Hathor castigará em dobro
aquele que entrar nesta tumba ou fizer qualquer mal a ela. Os
deuses o confrontarão, pois sou honrado pelo seu Senhor. Os
deuses não permitirão que qualquer coisa aconteça a mim. O
crocodilo, o hipopótamo e o leão devorarão aquele que causar
qualquer malefício a minha tumba”.
Portanto, alguns exemplos existem de maldições contra os
invasores. Frente às inumeráveis mensagens encontradas nas
tumbas, templos etc, são aparições raras. Além do mais estas
maldições devem ter sido indiferentes aos milhares de
saqueadores que pilharam as necrópoles egípcias...

245
RELIGIOSIDADE EGÍPCIA
⚫ “Os egípcios acreditavam que o homem mortal poderia
ser levantado da morte, e atingir a vida eterna. A
ressureição era o assunto para o qual toda oração era
dita e toda cerimônia executada, e todo texto, e todo
amuleto, e toda fórmula, de cada e todo período, eram
diligenciados para habilitar o mortal para vestir a
imortalidade e viver eternamente em seu corpo
transformado e glorificado.” Wallis Bunge, As Ideias
dos Egípcios sobre a Vida Futura.

246
A “MALDIÇÃO” VEM DO LIVRO
DOS MORTOS?

247
LIVRO DOS MORTOS
⚫ O Livro dos Mortos (ou Livro de Sair para a Luz) recua ao
Império Novo iniciado em 1580 a.C. e é constituído por
textos que evocam orações, hinos, sortilégios e feitiços
escritos em rolos de papiro ou nas faixas de linho das
múmias. Trechos mais antigos foram adaptados ao Livro
dos Mortos sendo retirados do Livro das Pirâmides
(fórmulas mágicas nas câmaras funerárias das pirâmides de
Sakara com cerca de 3000 a.C.) e o Livro dos Sarcófagos (a
partir da VII dinastia no Império Médio são escritos na
madeira interna dos sarcófagos).
⚫ A conduta moral fundada na verdade e na justiça era o
fundamento dos textos. O julgamento das ações terrenas
após a morte era uma etapa crucial para a chegada ao
paraíso e evitar o reino das trevas. Daí o texto ser colocado
na tumba ou no sarcófago junto a múmia para guiar o
morto na viagem para o local do julgamento e pesagem da
alma. Escribas utilizavam tinta preta e pincel para o texto e
tinta vermelha para o título.
248
LIVRO DOS MORTOS
⚫ O Livro dos Mortos não se constitui num “livro” com
“autores” e sim numa coletânea de textos de diferentes
épocas e que sofria seleções textuais em determinado
período. A primeira versão compilando estes textos
encontrados nos sarcófagos foi publicado em Paris em
1805. Porém, a primeira tradução dos textos foi feita
em 1842 por Karl Lepsius e publicada em alemão. O
Papiro de Ani é o mais conhecido destes “livros” e tem
24 metros de comprimento. Este guia para o além
possibilitaria enfrentar os desafios de uma difícil
jornada que conduzia ao embarque na barca solar e a
transposição do subsolo da Terra em direção ao
renascer do Sol no amanhecer.
249
LIVRO DOS MORTOS
⚫ Um complexo caminho tinha de ser trilhado até o
clímax no julgamento realizado por 42 divindades
dirigidas por Osíris. A ritualização mágica do Livro dos
Mortos possibilitaria enfrentar esta decisiva luta entre
o mundo da luz e o mundo das trevas.
⚫ Portanto, o objetivo dos 200 textos conhecidos do
Livro dos Mortos não é proferir maldições contra quem
violasse a tumba e o sarcófago.

250
A MALDIÇÃO ESTÁ NO LIVRO DE THOT?

251
⚫ Thoth é uma divindade que recua ao período
anterior ao surgimento da Civilização Egípcia. É
considerado o Deus da escrita e do conhecimento.
O Livro de Thoth que de fato eram inúmeros textos
(e não um manuscrito com maldições) mantidos
em bibliotecas e consultados por sacerdotes
egípcios, eram constituídos por rituais, geografia,
medicina, arquitetura, hinos religiosos, o Duat
(reino dos Mortos) etc.
⚫ Estes escritos de magia e técnicas não fazem
referência direta a “maldição dos faraós”.
⚫ *Não confundir com O Livro de Thoth de autoria
do ocultista Aleister Crowley.
252
OU É UMA CRIAÇÃO
FICCIONAL?
⚫ Ficcional construído historicamente a partir de
experiências acumuladas desde a intervenção de
Napoleão, da literatura, da imprensa até os
avanços da medicina e da arqueologia.
⚫ A curiosidade pelo orientalismo egípcio forneceu
motivação e inspiração para o desenvolvimento da
linguagem literária e cinematográfica.

253
QUAIS AS RAÍZES HISTÓRICAS DE UMA
MANIFESTAÇÃO CULTURAL COMO A MALDIÇÃO DOS
FARAÓS?

⚫ A mumificação é um processo natural inserida na


cultura sobrenatural dos Egípcios. O medo com os
saqueadores e ladrões propiciou o surgimento de
alguns escritos ligados a amaldiçoar quem profanasse
os túmulos. Isto se deu de forma rara em relação as
milhares de descobertas já feitas.
⚫ O Livro dos Mortos se volta a orientar o melhor
caminho a ser percorrido pelo Morto e não em proferir
Maldições.
⚫ O Livro de Thoth são textos dispersos que, entre
tantos temas, investigou a vida pós-morte e as
divindades a ela associada.

254
QUAIS AS RAÍZES HISTÓRICAS DE UMA MANIFESTAÇÃO
CULTURAL COMO A MALDIÇÃO DOS FARAÓS?
⚫ As “curiosidades” com a cultura egípcia voltada aos
mortos já se faz presente a partir da ocupação
Islâmica no século VII. Porém, foi com a expedição
de Napoleão entre 1798-1801 que surgiria o interesse
sistemático pelo Egito e sua descoberta na Europa
Ocidental, especialmente, na França e Inglaterra. A
pilhagem de múmias e artefatos se intensifica e se
converte numa curiosidade crescente pelos
europeus. A literatura se voltará a contemplar esta
curiosidade, em escritos que surgem a partir de 1827
e começam a trabalhar o sobrenatural e a possível
“maldição de faraós” que tiveram suas tumbas
profanadas como no conto de 1869.
255
QUAIS AS RAÍZES HISTÓRICAS DE UMA
MANIFESTAÇÃO CULTURAL COMO A
MALDIÇÃO DOS FARAÓS?
⚫ O clímax desta construção ficcional ocorre no contexto
científico posterior a escavação da tumba de
Tutankamon (1922)e a suposta onda de mortes que seria
resultado da maldição desencadeada pela profanação da
tumba. A cobertura da imprensa foi fundamental para
difundir o sensacionalismo sobre os mistérios
envolvendo a descoberta e suas supostas consequências.
A linguagem cinematográfica aproveitará estas
especulações e produzirá o primeiro clássico sobre a
maldição das múmias em 1932. Os fundamentos
discursivos e visuais, iniciados com este filme da
Universal, terá continuidade em vários outros filmes
desta produtora e também da Hammer. As produções
posteriores, se voltarão a explorar os efeitos especiais, as
aventuras e a ação para repor o tema aos cinéfilos
contemporâneos. 256
QUAIS AS RAÍZES HISTÓRICAS DE UMA
MANIFESTAÇÃO CULTURAL COMO A
MALDIÇÃO DOS FARAÓS?
⚫ A maldição enquanto uma suposta “obviedade”
que reside na cultura egípcia, de fato é uma
construção da ficção literária, jornalística e da
narrativa cinematográfica, que se voltou a juntar
peças diferentes e formar um “pseudo-mosaico
coerente” que fundamentava a real existência de
“Múmias” que voltam a “Vida” após dormirem por
milênios esperando a vingança e o cumprimento
da maldição aos seus profanadores.

257
⚫ A verdade é uma construção narrativa (escrita,
estética, normativa) formalizadora de representações
do passado que estabelecem uma linguagem do senso
comum sobre um tema. A verdade poderá ter quase
nada de semelhança com o processo histórico e
cultural ocorrido no passado. Investigar as raízes
históricas de uma manifestação cultural possibilita
equacionar as construções discursivas da verdade, que
passa pelo viés da oralidade, dos discursos oficiais, das
falas dos colonizadores e do silêncio dos colonizados,
da produção iconográfica, da construção literária, da
linguagem cinematográfica, jornalística e
historiográfica.
258
⚫ Investigar as raízes históricas remete a análise das
pesquisas arqueológicas, dos documentos históricos, da
historicidade já conhecida no campo da Egiptologia, da
revisão crítica das fontes iconográfica, jornalística,
literária, cinematográfica e da produção historiográfica.
⚫ O fruto deste trabalho resultará em verdade
desmistificadora e ao mesmo tempo em fonte a ter sua
verdade desmistificada frente a outros olhares
investigativos no campo científico. Nisto reside a
Ciência: a verdade enquanto processo de construção
não absoluto, não ideologizado, que não admite ver
apenas a sua face refletida no espelho do tempo.

259
⚫ O cinema foi a mídia mais eficiente – com recurso ao
entretenimento visual - na difusão da “maldição dos
faraós”. A produção da Universal e, a partir de 1959, da
Hammer, impulsionaram o interesse pela “maldição”.
Os quadrinhos/graphic novel também contribuíram
para manter o tema vivo, especialmente, entre o
público mais jovem. Como as HQs se apropriaram da
linguagem literária e cinematográfica para recontar na
arte sequencial a “maldição dos faraós” e o papel
vingador das múmias?
⚫ Ótimo objeto a ser desenvolvido num próximo livro!

260
BIBLIOGRAFIA

261
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Henrique Torres.

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CARTÃO POSTAL DE 1905 COM SELOS E
CARIMBOS EGÍPCIOS (PERÍODO
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