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ICONOGRAFIA SOBRE

O EGITO FARAÔNICO
NA LIEBIG
Luiz Henrique Torres

ICONOGRAFIA SOBRE O
EGITO FARAÔNICO NA LIEBIG

CASALETRAS
PORTO ALEGRE
2022
Copyright ©2022 Casaletras.

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Capa e diagramação: Luiz Henrique Torres

Editor: Marcelo França de Oliveira

Conselho Editorial
Prof. Dr. Amurabi Oliveira (UFSC)
Prof. Dr. Aristeu Elisandro |Lopes (UFPEL)
Prof. Dr. Elio Flores (UFPB)
Prof. Dr. Fábio Augusto Steyer (UEPG)
Prof. Dr. Francisco das Neves Alves (FURG)
Prof. Dr. Jonas Moreira Vargas (UFPEL)
Profª Drª Maria Eunice Moreira (PUCRS)
Prof. Dr. Moacyr Flores (IHGRGS)
Prof. Dr. Luiz Henrique Torres (FURG) 3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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Iconografia sobre o Egito Faraônico na Liebig / Luiz Henrique Torres. [ Recurso eletrônico ] Porto Alegre:
Casaletras, 2022.

240 p.
Bibliografia
ISBN: 978-65-86625-54-7

1. Iconografia - 2. Egito Faraônico - 3. Liebig - I. Torres, Luiz Henrique - II. Título.

CDU: 83-1733 CDD: 932

EDITORA CASALETRAS
R. Gen. Lima e Silva, 881/304 - Cidade Baixa
Porto Alegre - RS - Brasil CEP 90050-103
+55 51 3013-1407 - contato@casaletras.com
www.casaletras.com/academico-livros

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SUMÁRIO

■ Introdução/7
■ O Antigo Egito/8
■ Liebig/14
■ Liebig, o químico/18
■ Litografia e cromolitografia/20
■ Propagandas/27
■ Iconografia/47
■ O Egito nos Cards Liebig/48
■ Considerações finais/226
■ Referências/234

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“O historiador não pode ser um sedentário, um burocrata da
história, deve ser um andarilho fiel a seu dever de exploração
e aventura”. Jacques Le Goff

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INTRODUÇÃO

■ Neste livro se busca um arrolamento de material iconográfico


difundido em cards de propaganda da empresa Liebig que trazem ao
público europeu visões e temáticas que buscavam definir o Egito
entre 1884-1925. Foram selecionados 88 cards editados ao longo
destes 41 anos.
■ Quais os temas que se fizeram presente nesta produção e quais
foram os mais enfatizados para criarem imaginários associativos
entre a imagem e o Egito Antigo?
■ Como se desejava mostrar um Egito que só existia nas estruturas
materiais e nos registros documentais que sobreviveram?
■ A investigação possibilitou adentrar em alguns aspectos da sociedade
egípcia faraônica e deseja partilhar com os leitores, o imagético
enquanto objeto preliminar para reflexão.

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O ANTIGO EGITO
■ O Egito está localizado entre o nordeste da África e o sudoeste da Ásia. É
um país banhado pelo Mar Mediterrâneo e cortado de sul a norte pelo
Rio Nilo. Devido ao deserto do Saara, apenas 5,5% da área do atual
Egito pode ser ocupada: as imediações do Rio Nilo. É um dos berços da
civilização com ocupação humana desde 10000 a.C. por caçadores-
coletores e pescadores.
■ O deserto do Saara se formou por volta de 8000 a.C. Tribos passaram a
ocupar o Vale do Rio Nilo a partir de 6000 a.C. desenvolvendo práticas
agrícolas e construindo as primeiras edificações. Os mais antigos
hieróglifos encontrados datam de 3200 a.C.

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O ANTIGO EGITO
■ Estas culturas pré-dinásticas (culturas Badari e Nacada) foram
ocupando e diferenciando o Baixo (foz no Mediterrâneo) do Alto Nilo
(direção a fronteira com o Sudão). Estes povos formaram
comunidades que ocuparam o Baixo e o Alto Nilo por cerca de 2.000
anos, constituindo os Nomos. Em 3100 a.C. o rei Menés (ou Narmer)
unificou estas comunidades distintas e se tornou o primeiro faraó do
Egito e iniciou a primeira das trinta dinastias que se estenderam por
três milênios até as ocupações macedônicas (332 a.C.) e romanas
(30 a.C.). Num período de três milênios de dinastias inúmeros
eventos ocorreram e a maioria se perdeu no silêncio da
documentação ou na destruição do patrimônio arqueológico.

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O ANTIGO EGITO
■ Os historiadores dividem a história faraônica em períodos: Época Tinita
iniciado com a unificação em 3100 a.C. compreendendo as duas primeiras
dinastias. Império Antigo (2686-2180 a.C.) abarcando as pirâmides de Djoser
e de Gizé, portanto, até a IV Dinastia. Na sequência veio o Primeiro Período
Intermediário de 150 anos de duração com graves distúrbios políticos. O
Império Médio (2040-1780 a.C.) foi seguido de um Segundo Período
Intermediário (1780-1560 a.C.) quando ocorreu a invasão dos Hicsos em
1650 até a expulsão pelo faraó Amósis I que fundou a XVIII Dinastia e
transferiu a capital de Mênfis para Tebas. Sucedeu o Império Novo (1560-
1070 a.C.) caracterizado pela expansão territorial egípcia e por faraós de
destaque como Ramsés I, II e III, Aquenáton, Nefertite e Tutankamon. As
dinastias de XXI a XXX (Terceiro Período Intermediário) sucedem o Novo
Império e fazem parte de um período de fragmentação política e início da
decadência com invasões por outros povos. Em 525 a.C. os persas controlam
o Egito e aí permanecem até a conquista realizada por Alexandre Magno
quando tem início o período Greco-Romano em 332 a.C.
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O ANTIGO EGITO
■ Os conflitos com outros povos marcaram a história egípcia como é o
caso da invasão dos líbios, núbios, assírios e persas. Com a ocupação
militar pelas tropas de Alexandre, o Grande, tem início a Dinastia
Ptolomaica (nome oriundo do general Ptolomeu) e a capital passa para
a cidade de Alexandria. A cultura helenística (grega) se difunde e neste
período será construído o farol e biblioteca de Alexandria, o templo de
Ísis em Philea e o templo de Hórus em Edfu. Entre 305 a.C. até 30 a.C.
foram 16 faraós ptolomaicos até a queda de Cleópatra quando os
romanos passaram a controlar o Egito e encerrar a longa duração das
dinastias. Após o domínio romano ocorreu o controle persa, bizantino,
árabe e otomano. Após a breve ocupação francesa os ingleses passam
ter influência no Egito que é declarado protetorado Britânico em 1882.

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O ANTIGO EGITO

■ Se a invasão de Napoleão Bonaparte (1798-1801) desencadeou a


primeira redescoberta do Egito na Europa, o colecionismo de estampas
com referências a este país foi um dos catalizadores tardios do interesse
em conhecer o antigo Egito e suas ruínas. Esta caminhada através da
distribuição de cards não está sozinha, mas, é um dos suportes já
presente na literatura sobre a maldição dos faraós, nas descobertas
arqueológicas, nos tratados históricos, nos shows oitocentistas
apresentando a exumação de múmias, em elementos da arquitetura e
nas expressões teatrais, que lançaram as bases da Egiptologia e da
Egiptomania dos 1800.

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O ANTIGO EGITO

■ Mesmo tardio, o lançamento destas coleções pode ter sido o mais


eficiente suporte na divulgação “popular” de imagens relacionadas a
temáticas egípcias selecionadas conforme o gosto e receptividade do
público a que se destinava.
■ Adaptar aos interesses do público significava tornar palatável e
instigar a curiosidade com forte ênfase na qualidade estética
colorizada de cenários que se tornavam palpáveis nas mãos dos
colecionadores e eram objetos fecundos para, através da imaginação
dos “leitores”, ampliá-los e recriá-los na anacronia de novos cenários
culturais.

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LIEBIG
■ The Liebig Company foi uma empresa inglesa fundada em
Londres que produziu extrato de carne a partir de 1865. A carne
bovina em forma de pasta ou cubos foi uma criação do químico
alemão Justus von Liebig. Uma das maiores fábricas foi instalada
em Fray-Bentos no Uruguai em 1861. Este complexo industrial foi
instalado na margem do Rio Uruguai e produzia extrato de carne
enviado a granel para a Inglaterra onde era embalado (em potes
de vidro e posteriormente em latas) e distribuído. Dois mil e
quinhentos bois eram abatidos por dia e em Fray-Bentos eram
empregos 1.400 trabalhadores. Foi construída uma fábrica na
Argentina em Cólon (1905) e no Paraguai em 1923.
■ Um produto cultural legado pela empresa foram os cartões ou
cards (fichas litográficas coloridas) que passaram a acompanhar
os produtos desde 1872 e que persistiu até a década de 1970.
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■ Os cartões comerciais tiveram um grande destaque na segunda metade do século
XIX e acompanhavam produtos de uso cotidiano como chocolate, café, cacau,
sopas, cigarros, margarina, pasta de dente, detergente entre outros produtos.
Inicialmente, o público almejado eram crianças e jovens, porém, a recepção foi
intensa entre os adultos. Os primeiros dez anos da Liebig foram voltados a
temáticas de crianças, flores, animais e comicidade cotidiana. O perfil mudou,
especialmente, após 1886, drasticamente e os temas mais “educativos” e
“científicos” se tornaram a regra ou a exclusividade. O objetivo fundamental era
agradar ao público consumidor para que este desejasse comprar novamente o
produto garantindo boas vendas que legitimasse o investimento da empresa com
os cards.
■ Estes cartões passaram a ser objeto de colecionismo em vários países e suas
séries foram publicadas em alemão, francês, inglês, belga, holandês, espanhol,
italiano etc. Foram mais de 11.000 cards editados! Somente na Alemanha foram
publicadas 1.138 séries com cerca de 7.000 cartões.
■ Os belos cards e o sucesso da iniciativa, estimulou outras empresas a lançarem
coleções que acompanham os seus produtos. Foi o caso, no Brasil, da coleção
Eucalol encartada nos sabonetes da empresa Myrta a partir de 1930.

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■ Bernhard Jussen ressaltou que os cards comerciais de colecionismo são artefatos
visuais de memória. A esfera de reprodutibilidade técnica envolvida, com a emissão
de milhões de unidades, influenciaram o conhecimento visual coletivo e a própria
consciência de processo histórico. Afinal, a sua ampla circulação entre milhões de
pessoas fez chegar imagens artísticas, de informações técnicas e de experiências
civilizatórias, que não poderiam ser alcançadas pelo grande público através da
observação das pinturas históricas em museus ou da documentação/bibliografia
dos acervos de bibliotecas.
■ A discussão sobre as imagens é muito antiga. Já em Platão (República livros III e
X) a imagem é vista como um objeto de arte capaz de tocar a sensibilidade e a
emoção. Exatamente por evocar a paixão, pode conduzir a passividade do
observador e a dispersão da racionalidade fortalecendo a aparência frente a
verdade. Reduzir a realidade as imagens seria fugir continuamente a falta de
autenticidade na captação do estar no mundo. A Era Moderna em sua etapa da
Revolução Industrial -que propiciou o desenvolvimento das técnicas-,
especialmente a partir da segunda metade do século XIX, permitiram a
massificação de imagens que se convertem em discursos que se sustentam
através da expressão imagética.

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■ Os recursos pictóricos, as cores, as disposições e ênfases, estão plenas de
significados que com rapidez cognitiva são assimilados edificando representações
de mundo. A ferrenha luta por impor visões de mundo na esfera voltada ao
mercado de consumo, as posturas ético-sociais e as ideologias políticas, se
difundem cada vez mais para construir sentidos e apropriar-se das
individualidades: “Uma imagem aparentemente banal como uma imagem
publicitária carrega em si os elementos de imagem e visão de mundo. Nesse
sentido, se a história da cultura é a história da elaboração consciente e
inconsciente de imagens-síntese de visões de mundo, a história dos ideais
humanos seria uma história de seus efeitos sobre a subjetividade” (RODRIGUES,
2017).

■ O anúncio publicitário que palpita envolto numa embalagem de card


informativo/educativo procura sequenciar historicidades fragmentadas para
convertê-las em experiências do passado que se tornam apropriadas ao consumo
superficial no tempo presente em que for observada. As experiências passadas
podem ser selecionadas, miniaturizadas, refeitas em sentidos: são representações
imagéticas de experiências reconstruídas, que se esvaíram no tempo ou que
nunca foram reais e, sim construções ficcionais.

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LIEBIG, O QUÍMICO
■ Justus von Liebig (1803-1873) foi um químico alemão e um dos fundadores
da Química Orgânica. Foi o iniciador da aplicação de fertilizantes químicos
para o desenvolvimento de plantas. Como professor universitário
desenvolveu pesquisas laboratoriais e deixou muitos escritos que trouxeram
grandes avanços no campo da Química. Foi o criador do Liebig’s Fleisch
Extract o extrato de carne líquido que garantiria a ingestão de proteínas para
garantir a nutrição humana. Esta empresa criada em 1865 é que passou a
produzir os cards a partir de 1872.

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Justus von Liebig foi retratado postumamente nos cards. Como
se observa nesta edição de 1903.

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LITOGRAFIA E CROMOLITOGRAFIA
■ A litografia é uma técnica de impressão criada pelo alemão Aloys Senefelder em 1796.
Este método de impressão é realizado numa pedra litográfica (de no mínimo 5 cm de
espessura) composta de um calcário especial. A imagem é desenhada nesta pedra com
materiais gordurosos como bastão, lápis ou pasta e na sequência recebe soluções
químicas e água. Desta forma as áreas oleosas são fixadas na pedra devido a repulsão
entre água e óleo. A próxima etapa é a entintagem que é a fixação da gordura na
superfície da pedra. Para obter a imagem uma prensa desliza entre o papel e a pedra
litográfica produzindo a imagem. Inúmeras imagens podem ser obtidas e a pedra poderá
ser novamente utilizada: será lixada e limpa com perfeição para receber um novo
desenho.
■ A cromolitografia segue o mesmo princípio metodológico da litografia só que os desenhos
são impressos em cores. O litógrafo alemão-francês Godefroy Engelmann registrou
oficialmente a técnica em 1837. A complexidade é ainda maior ao utilizar a estampa
colorida pois várias pedras litográficas tinham de passar pela folha para imprimirem as
respectivas cores. Qualquer desvio já causava a sobreposição de cores em lugares
incorretos tornando o resultado defeituoso. Era um trabalho de precisão milimétrica que
exigia maestria e provocava muito desgaste nos editores. Os cards Liebig são um destes
preciosos produtos litográficos que foram produzidos a partir do século XIX.
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Esta série de 1906 mostra o trabalho de produção dos cards o que contribui para visualizar o
trabalho de criação litográfica. São documentos que mostram as diferentes etapas que levaram a
criação de uma primorosa coleção visual. A primeira etapa é a criação do tema e da estética da série
pelo artista. Isto envolve pesquisa sobre a fundamentação científica, histórica e geográfica para evitar
inconsistências factuais sobre as sociedades retratadas.

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A exploração das rochas calcárias foi essencial para prover de matéria-prima a realização do trabalho
litográfico. Trabalhadores de uma pedreira retiram a pedra e já fazem os cortes iniciais para formar os
blocos que serão polidos e adaptados ao formato das prensas. Esta extração é realizada no município de
Solnhofen na Baviera. Esta formação geológica, além da pedra calcária litográfica, também apresenta
organismos fossilizados como dinossauros. Estes fósseis fazem parte do acervo de história natural de
instituições científicas.

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Vários artistas trabalham nas pedras calcárias que estão recebendo os
desenhos. É uma grande oficina de produção artística voltada a
reprodução posterior da imagem por meio de engrenagens mecânicas. É
um trabalho artístico que exige extrema habilidade e perfeição técnica.

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Setor de impressão em que o papel, a tinta e a pedra litográfica farão contato
para formar matrizes dos belíssimos cards coloridos. Para um ótimo resultado
final é preciso que a impressão das cores sejam realizadas exatamente nas
áreas previstas. O controle humano da máquina transita a atividade entre a
esfera do industrial, do artesanal e da produção de uma obra de arte.

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Em volumes tão elevados de unidades, o uso da rotativa se tornava essencial pois
possibilitava que cada grande página de papel especial imprimisse cerca de cem cards.
Uma mulher está atuando na impressão da rotativa e verificando a qualidade das cópias:
era preciso excluir os cards com defeitos. O fornecimento do papel cartonado e da tinta já
envolve outros fornecedores e um grande número de trabalhadores em toda cadeia
produtiva.

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A última etapa é o corte individual dos cards -na guilhotina- para
embalar e seguir para o transporte. O destino será os centros de
distribuição do extrato de carne para serem anexados aos produtos. É
uma grande rede de trabalhadores envolvidos na criação, editoração
e distribuição de milhares de cards diferentes que chegaram a
tiragem total (hipotética) na casa de bilhão de unidades.

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PROPAGANDA FRANCESA DA LIEBIG (1890)

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PROPAGANDA FRANCESA DA LIEBIG (1890) – detalhe

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PROPAGANDA FRANCESA DA LIEBIG (1891)

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PROPAGANDA FRANCESA DA LIEBIG (1891) – detalhe

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PROPAGANDA NA “HARPERS’S MAGAZINE
ADVERTISER” DE 1899

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PROPAGANDA FRANCESA DA LIEBIG (1897)

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EMBALAGENS DO EXTRATO DE CARNE

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ESTE ANÚNCIO DA LIEBIG COMPANY’S DO ANO DE 1899 FOI PUBLICADO
NA REVISTA THE COSMOPOLITAN SURGIDA EM NOVA IORQUE EM MARÇO
DE 1886. A ESFINGE E AS PIRÂMIDES DE GIZÉ SÃO O CENÁRIO.
NAPOLEÃO OBSERVA A ESFINGE EM 1798

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ÁLBUM ALEMÃO PARA COLOCAR OS CARDS LIEBIG – ATÉ 1910

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ÁLBUM FRANCÊS COM CARDS EMITIDOS ATÉ 1930

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ÁLBUM LIEBIG EM INGLÊS – SÉRIES ATÉ 1912

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PRIMEIRA SÉRIE EDITADA DE CARDS LIEBIG EM 1872. AS
FOTOGRAFIAS MOSTRAM A EMPRESA EM FRAY BENTOS NO
URUGUAI. OS CARDS TINHAM A DIMENSÕES DE 11 X 7 CM

39
SEGUNDA SÉRIE EDITADA DE CARDS LIEBIG EM 1872.
AS FOTOGRAFIAS MOSTRAM A EMPRESA EM FRAY
BENTOS NO URUGUAI

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O VERSO - A MAIORIA DOS CARDS TRAZIA APENAS
DIVULGAÇÃO DOS PRODUTOS OU RECEITAS

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CARD BELGA DE 1896 COM RECEITA CULINÁRIA PARA O
EXTRATO DE CARNE

42
ALGUMAS VEZES O VERSO TRAZIA TAMBÉM INFORMAÇÕES
SOBRE A IMAGEM DO CARD( 1904)

43
VERSO DE UM EXEMPLAR DE 1913. O TEXTO INFORMA QUE DESDE A
FUNDAÇÃO DA LIEBIG EM 1865 ATÉ 1913 JÁ HAVIAM SIDO ABATIDOS 7
MILHÕES DE CABEÇAS DE GADO PARA FAZER O EXTRATO

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O VERSO TEVE VÁRIAS MUDANÇAS NO DESIGN DOS ANÚNCIOS. A ASSINATURA
DE LIEBIG FOI UMA MARCA DA EMPRESA PARA ENFATIZAR A ORIGINALIDADE
DO PRODUTO FRENTE AS IMITAÇÕES

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VERSO EM ALEMÃO COM KORNER (1897) E
ITALIANO COM MICHELANGELO (1905)

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ICONOGRAFIA
■ Os cards consistem em documentos imagéticos que são fontes de informação e de comunicação que
possuem o emissor (o objeto em si), o receptor (que fará a leitura do objeto) e o mediador (a narrativa
estética e escrita que transmitirá ao receptor os fundamentos de sua produção). Portanto, o card é um
suporte documental que transmite narrativas visuais e escritas com motivações para a construção de
sentidos e logicidades. É o produto material de uma historicidade com intuito, no caso em foco,
comercial e de conhecimento (organizadora de sentidos éticos e normativos para a explicação dos
fenômenos humanos e processos históricos).

■ Buscou-se uma análise conceitual do documento (card) caracterizando o assunto/tema principal. Na


fundamentação analítica de PANOFSKY (1979) investigou-se (sem realizar um arrolamento rigoroso) o
nível pré-iconográfico (descrição da imagem); o nível iconográfico com a descrição da temática da
imagem e os significados secundários a ela associados. No terceiro nível o “iconológico” ou a “iconografia
interpretativa”, adentrou-se, de forma preliminar, na investigação do conteúdo da imagem na esfera de
motivações mais amplas e conexões com construções gerais de representações. Para isso, é necessário
conectar o card no conjunto maior do assunto “Egito” e cruzar informações sobre outras séries com
temáticas históricas. Nesta direção, o card isolado de um conjunto maior tem poucas motivações
interpretativas, pois, a sua conexão com outros cards com a temática do Egito é que propiciam uma
construção de “objetivo e sentido explicativo” das historicidades do passado em conexão com projeto de
mundo no que foi o tempo presente da Liebig no período selecionado (1884-1925).

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O EGITO NOS CARDS LIEBIG
■ O contexto histórico inicial de inserção dos cards é o imperialismo
europeu atuante na Ásia e África. No tempo destes cards o Egito está
contextualizado no Império Otomano (presente entre 1517-1914) e na
condição de Protetorado Inglês a partir de 1882.
■ O conhecimento e a curiosidade pelos povos “colonizados” ou
“exóticos” se expressa na domesticação de cenários e personagens,
trazendo recortes arquitetônicos, culturais e biológicos dos povos que
existiam para além do centro civilizatório da época na Europa
Ocidental.
■ Em especial, analisaremos quais os elementos essenciais do Egito
faraônico que serão enfatizados pela Liebig para confirmar a noção
de progresso civilizatório que liga o passado até o apogeu no
presente.

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O EGITO NOS CARDS LIEBIG
■ De certa forma os cards buscam domesticar o mundo e globalizam, através da
imagem, as diversidades civilizatórias em grande parte ainda desconhecidas fora
dos tratados científicos. As curiosidades mundiais se convertem em febre
colecionista para os que detinham recursos para adquirir estes bens de consumo
como o caldo de carne produzido pela Liebig (e os preços iniciais da Liebig eram
relativamente populares). Estes cartões colecionáveis se tornaram eficiente meio
de divulgação dos produtos e se converteram em colecionismo que garantia que a
marca adentrasse nas residências e fosse socializada através da troca dos cards
repetidos. A circulação chegou a 3 milhões de exemplares por card.
■ Como destacou Eric Hobsbawm (1981) a ideologia do progresso e do crescente
otimismo burguês no domínio da natureza, através dos avanços científicos e
técnicos, trazia a noção de uma humanidade que se aperfeiçoava. Fazia emergir a
crença na evolução histórica e nos estágios do desenvolvimento humano.
■ Foram selecionados com rigor, -sem almejar o esgotamento dos exemplares-, os
cartões distribuídos nos produtos da Liebig até 1925. Esta data assinala o
lançamento de uma série sobre Tutankamon evidenciando o impacto da descoberta
da tumba deste faraó no ano de 1922-1923.
■ O material a seguir possibilita uma incursão preliminar às visões do Antigo Egito
difundidas na Europa entre 1884-1925.
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1884 – Este é o primeiro card emitido pela Liebig com tema
contextualizado no Egito faraônico. Editado na Itália faz parte
de uma coleção de temas bíblicos. O foco está na passagem
de Gênesis 41:1-57 sobre José e o sonho do faraó hicso Xexi
(1720-1650 a.C.).

51
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1884 – Entre as coleções com temas bíblicos esta imagem
artística remete a destruição da armada egípcia no Mar
Vermelho. É o episódio da fuga dos israelitas da escravidão no
Egito e seu retorno (o êxodo) para Canaã (atual região da
Palestina e Israel). Os eventos míticos e os reais se passaram
por volta de 1300 a.C. num período de crise ambiental e política.

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1887 – A primeira de muitas representações de Cleópatra a
rainha de raízes macedônicas (helenística) que governou o
Egito em seu colapso frente a Roma. Esta é uma das mais
efetivas associações promovida nos cards: Cleópatra e o
Egito.

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1888 – A navegação no Rio Nilo foi uma das bases do sucesso da
ocupação da extensa área fluvial egípcia. Na margem arborizado se
observa ruínas de estruturas materiais da antiguidade. A embarcação do
protetorado otomano remete ao tempo presente do card na penúltima
década do século XIX.

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1889 –Cena com simbologias egípcias e a centralidade está
na rainha Cleópatra (69-30 a.C.). A fama de beleza e sedução
a tornou um ícone ocidental nas abordagens do período de
expansão e dominação romana do Egito.

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1889 – Referência a atividades e torneios de atletismo
ficaram registradas na decoração de tumbas ou vasos
egípcios. A imagem mostra três competidores disputando uma
corrida e mulheres observam e tocam instrumentos musicais.

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1891 – Série de seis cards referentes a ópera Aida. A música foi
composta por Giuseppe Verdi e libreto de Antonio Ghislanzoni. A estreia
ocorreu na Casa da Ópera, no Cairo, no dia 24 de dezembro de 1871.

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1891 - Os personagens principais são Aida que é escrava de
Amneris, a filha do faraó. Aida é escrava, porém, filha do rei
etíope Amonasro e inimigo dos egípcios.

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1891 - Radamés é o capitão da guarda egípcia e apaixonado
por Aida. Porém, Amneris deseja o comandante militar e
pretende se vingar de Aida acusando-a de conspiração com os
etíopes. Estes acontecimentos se desenrolam em Tebas.

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68
1891 - Cenário de batalhas, avanços e recuos militares,
intrigas palacianas e vinganças marcam a ópera que se
passam em interiores e em cenários do Rio Nilo e do Templo
de Ísis.

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70
1891 – Acusado de traição Radamés espera o julgamento
enquanto Amneris tenta convencê-lo a negar a suposta
conspiração. Não aceitando ele acaba sendo condenado a
morte.

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1891 – No quadro superior a princesa Amneris chora e amaldiçoa os sacerdotes que
proferiram a condenação de morte. E na parte inferior Aida consegue entrar no
túmulo em que Radamés foi enterrado vivo para morrerem juntos.
A princesa e os egípcios são retratados nos cards como brancos. Radamés é
apaixonado por Aida que é uma princesa negra (etíope) e prefere morrer do que
negar o seu amor.

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74
1892 – Personagem Amneris da ópera Aida e personagem Beatrix do
romance de Balzac. O destaque comparativo se voltou a duas
personagens brancas. E a princesa Aida onde estará?

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1892 – Card sobre a história da escrita hieroglífica. É um pedido do
faraó endereçado a Osíris para que conceda um bom enterramento e
descanso na cidade dos mortos. Além da parede o sarcófago está
repleto de hieróglifos propiciadores de uma boa passagem para o
mundo dos mortos.

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78
1892 – A devoção ao “Touro Ápis” ou “Hep” já está presente desde
a Primeira Dinastia em 3100 a.C. Era o deus da fecundidade,
vegetação e ressurreição, conectando-se ao deus-sol Ra. A corrida
ritual que renovava e legitimava o poder do faraó, ocorria em
Mênfis e envolvia o touro e o faraó em atividades que fortaleciam
sua força e fertilidade para governar o Egito.

79
80
1893 – O card é “estilos de arquitetura”. No cenário das pirâmides
de Gizé – tendo o olhar observador da esfinge-, um homem com
vestimentas privilegiadas, entorna um chá. O perfil é de um sultão
do Quedivato do Egito (1867-1914) um estado tributário autônomo
do Império Otomano que foi dissolvido com a ocupação britânica
no início da Primeira Guerra Mundial.

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1894 - Card alemão com seis cenários: mulher egípcia; margem
do Nilo; cena de uma rua e populares; vista do Cairo; crocodilo
do Nilo; acampamento nas pirâmides próximo a esfinge.

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1895 – As pirâmides de Gizé será um dos temas mais
visitados nos cards Liebig e demarca a quarta dinastia e suas
obras faraônicas. No lado oposto está a trigésima e última
dinastia egípcia com capital em Alexandria e o mais famoso
farol da antiguidade oriental.

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1895 – A coleção é sobre o desenvolvimento da navegação mundial na
antiguidade. O registro é de um barco a vela egípcio (e também movido a
remos) que está transportando uma carga de peças, possivelmente, banhadas
a ouro. Registros mais antigos de barcos no Egito recuam a 3200 a.C. Para
construção eram usadas madeiras nativas, coníferas do Líbano ou cedro.

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1896 – Um tema muito visitado é a rainha Cleópatra que assinala a confluência
complexa da historicidade das civilizações grega, romana e egípcia. Neste cenário
glamoroso a rainha aparece vestida como a deusa Ísis. Seu barco também ganhou
notoriedade pelo requinte e extravagância. A construção da representação visual
da rainha é um tema inesgotável: sua beleza nos cards se torna questionável
frente a moedas e esculturas da antiguidade; era branca, negra ou miscigenada?
No presente é um ícone reconstruído e revisitado que envolve opiniões passionais.

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1896 – A ênfase na espiritualidade e ritualização é uma
representações mobilizadas pela Liebig em seus cards. Sacerdotisas
com instrumentos musicais e o sacerdote estão realizando um culto
ao Deus Rá, uma divindade central do amplo panteão egípcio. Rá, o
Deus do Sol, foi o criador de todas as formas de vida e protetor do
Egito estando o seu principal santuário localizado em Heliópolis.

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1897 – Novamente uma representação artística de Cleópatra.
Simbologias egípcias são associadas no cenário em que está
centralizada a rainha da dinastia ptolomaica que assinalou o declínio
faraônico e a dominação romana. Ela segura flores de lótus que significa
nascimento e renascimento, sendo a flor da espiritualidade.

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1897 – Este card remete a valorização da filatelia. A menina turca está com o
braço apoiado numa lata de extrato Liebig e ao seu lado está uma imagem das
pirâmides e barcos no Rio Nilo. Um diferencial reside na reprodução de antigos
selos do Egito: os primeiros circularam em 1866 e outros clássicos reproduzidos
são de 1867, 1872, 1879 e 1884. Os selos com a esfinge e a pirâmide
continuaram a receber novas tiragens até as duas primeiras décadas do século XX.
Estes selos foram fator de projeção internacional do patrimônio material em Gizé.

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1897 – Símbolo característico da presença do imperialismo são as tropas militares
inglesas com seus fardamentos icônicos como o casaco vermelho. A expulsão das
tropas francesas pelas forças britânicas em 1802, não significou a ocupação da
região. A disputa pelo Canal de Suez é que levou ao domínio britânico em 1882, a
instituição de protetorado e influência na vida política egípcia até 1956. Mesmo a
independência do Egito em 1922 conseguiu alterar as relações da presença
britânica na região.

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1898 - Série sobre os estilos arquitetônicos na antiguidade. Contemplou a
arquitetura egípcia e a hindu. Foram reproduzidas na arquitetura egípcia
esculturas, monumentalidade da construção de prédios, capitel de uma
coluna palmiforme, decoração colorida e obelisco. Esta cultura material
influenciou padrões artísticos europeus desde os primórdios do século XIX.

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1900 – De uma coleção de seis cards sobre “óperas
famosas”, novamente, Aida, foi contemplada. Além de uma
cena da ópera e de uma imagem de Verdi, foi ilustrada a
fachada do Teatro Scala de Milão.

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1900 - O card é dedicado a povos africanos e o foco central
está na esfinge, nas pirâmides do Egito e na simbologia de
Ísis. A centralidade dos povos africanos se faz nas
representações egípcias ligadas as técnicas arquitetônica,
escultórica e artística.

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1901 – Interior de um templo egípcio (Templo de Philae?) de devoção a deusa Ísis. Além da
cenografia com objetos e imagens, a ritualização passa, especialmente, pela música, dança e
gestualidade. Ísis foi a mais destacada divindade egípcia por ajudar a restaurar as almas dos
mortos como fez com Osíris. Proporcionava proteção e nutrição aos mortos, além de proteção
maternal aos vivos. Ísis era a esposa e mãe mitológica dos faraós.

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1902 – Ruínas de Tebas (atual Luxor) se localizam a 800 km ao sul
de Alexandria (Delta do Nilo). Foi capital durante o Império Novo
(1550-1070 a.C.). A imagem remete as ruínas do Templo de Luxor e
as estátuas gigantescas de Ramsés II.

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1903 – Cena de uma caçada ao crocodilo do Nilo. Este é
um dos maiores crocodilos do mundo podendo medir mais
de 5,5 metros e pesar até uma tonelada. O card mostra o
trabalha coletivo de cinco caçadores para agarrar um
crocodilo.

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1903 – A cidade de Porto Saíde fica localizada no Mar Mediterrâneo na
entrada do Canal de Suez. Foi fundada em 1859 quando Ferdinand de Lesseps
deu início a construção do Canal de Suez que foi inaugurado em 1869. É uma
cidade constituída por população multinacional e que estava em acentuado
crescimento do comércio internacional no período deste card.

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1903 – Cena em que o faraó Tutemósis III (XVIII dinastia)
recebe tributos dos sírios e núbios. É o ano 1450 a. C. e
Tutemósis III se notabilizou pelas atividades militares e
expansão imperial. No canto superior esquerdo uma escultura
em granito deste faraó que foi enterrado no Vale dos Reis.
Coleção dedicada aos “grandes conquistadores”.

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1903 – Cena no interior de um palácio onde está ocorrendo um
banquete faraônico. Chapéus utilizados pelo faraó e membros da
realeza podem ser observados. Vinho está servido e cerveja também
era produzida no Egito. Na necrópole de Abidos foi descoberta uma
cervejaria com 5.000 anos.

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1904 – A série “as plantas na arte decorativa” fizeram
referência a flor de lótus. No cenário a planta está
nascendo entre as ruínas de um templo com suas colunas
no estilo flor de lótus. Ao fundo as grandes pirâmides.

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1904 – Mais uma imagem da barca de Cleópatra. Desta vez numa edição emitida na
Bélgica. O mito de Cleópatra remete ao tempo do Imperador Octávio e aos escritores
Horácio e Virgílio que a consideraram responsável pela guerra civil, a sedução, derrota
militar e morte de Marco Antônio. Shakespeare encenou que a paixão de Cleópatra e
Marco Antônio conduziu ao final trágico que encerrou as dinastias faraônicas. Os
debates entre historiadores desde o século XVIII mantiveram vivo o mito de Cleópatra
com ênfase, na cultura popular, na sedução e suntuosidade da rainha.

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1904 – Série de seis cards “o país dos faraós” mostrando a construção da pirâmide de
Quéops. A maior pirâmide de Gizé tinha uma altura original de 146 metros e foi
construída durante a IV dinastia egípcia para ser o túmulo do faraó Quéops (Khufu).
Deve ter sido construída entre 2580-2560 a. C., portanto, tem uma idade de cerca de
4.500 anos.

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1904 – Série “o país dos faraós”. Representação de uma caçada em que se
observa um leão e uma leoa atacando os guerreiros egípcios. A figura do faraó em
seu carro de combate disparando uma flecha é muito repetida nas pictografias dos
templos. O aspecto da atuação guerreira ressalta a coragem na manutenção do
território frente a incursões inimigas.

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1904 – Cena da barca real de Cleópatra singrando o Rio Nilo. A embarcação se tornou
lendária pois os remos eram de prata, parte das estruturas da embarcação eram de ouro e
marfim. O barco ficava ancorado em porto privado junto ao palácio de Cleópatra em
Alexandria. A proa da barca mostra a rainha com chifres de vaca e glifo de trono, a
representação da deusa Ísis. Um dos detalhes da pintura lateral é o “olho de Hórus”, o filho
de Ísis. Cleópatra buscou fortalecer o seu poder com a mimese com Ísis que era divindade
mais poderosa e muito popular.

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1904 – Na série “o país dos faraós” o cenário mostra a coroação real e a presença
de representantes de outros reinados que vão saudar o faraó ou mostrar reverência.
O faraó era considerado um deus vivo que assumiu o poder terreno para governar
divinamente os egípcios. Era filho do deus Osíris, desta forma, os faraós eram
intermediários entre os desígnios dos deuses e o mundo terreno.

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1904 – No extremo sul do Egito, uma procissão está levando a
estátua do deus Osíris até o templo de Ramsés II em Abu Simbel,
província de Assuan. Quando da criação do Lago Nasser o
complexo foi realocado, em 1968, numa área acima do nível do
reservatório que constituiu a Grande Barragem de Assuan.

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1904 – O culto ao deus Ápis recua há pelo menos 3000 a.C. e
representava a fecundidade, ressureição, renascimento e fertilidade. O
touro participava da “corrida ritual” quando o faraó renovava o seu poder
ao disputar com o touro numa atividade de resistência física.

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1904 – Uma série sobre “animais em representações
artísticas” dedicou um card aos leões e fazendo referência a
esfinge que possui corpo de leão e cabeça humana. Sua
função era preservar a segurança da necrópole em Gizé.

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134
1905 –Série alemã com o tema religioso “a emoção”. Observa-se a
veneração de duas egípcias à estátua de uma deusa do amplo
panteão egípcio. A espiritualidade ritual será um tema tratado com
insistência nestas quatro décadas. O texto diz: “admirar o que move
o coração”.

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1906 – A biga é um carro de combate utilizado pelos
egípcios desde 2000 a.C. Era utilizada pela nobreza e pelo
faraó para desfiles militares, religiosos, caçadas e batalhas.

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1906 – Ramsés II e seu exército, estão prestando homenagem a esfinge
que é a protetora da necrópole em Gizé. Ramsés reinou entre 1279-
1213 a.C. ao longo de 66 anos tendo participado de inúmeras
campanhas militares trazendo um período de prosperidade ao Egito. Foi
enterrado no Vale dos Reis e sua múmia, localizada em 1885, se
encontra no Museu Egípcio no Cairo.

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1906 – Coleção “Viagem pelo Mediterrâneo” mostra uma rua do Cairo
com seu estilo arquitetônico e de vestimentas. A influência árabe
islâmica (e também otomana) é marcante e a circulação de ocidentais,
especialmente ingleses, marcava este período. O Cairo surgiu em 116
a.C. como uma fortificação romana. A cidade atualmente é a sede da
Liga Árabe e possui mais de 8 milhões de habitantes.

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1907 – A obtenção de água potável é um dos maiores
desafios das sociedades. Na imagem a força do boi
está erguendo um recipiente com água que estava
guardada numa cisterna.

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1907 – Espaço privado destinado a realeza egípcia para
aportes estéticos. Maquiagem, penteados, banhos
perfumados, pomadas à base de óleo e perfumaria aplicada
na pele eram utilizados. As fragrâncias eram associadas a
propiciação com os deuses visando o retorno à saúde.

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1907 – Card editado na Alemanha com o tema a “Rainha de Mênfis”.
Isto remete a uma antiga cidade egípcia com mais de 5.000 anos de
fundação. Fica localizada a 25 km ao sul do Cairo e era a mais antiga
capital do Egito e sede do poder no Antigo Império (2686-2181 a.C.).
Hipoteticamente, a personagem retratada pode ser a rainha Heterpheres
I a mãe do faraó Khufu que construiu a maior pirâmide de Gizé quando a
capital era em Mênfis.

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1907 - Na série “a arte de diferentes povos” a centralidade está numa
mulher cercada por objetos de arte em vidro, arquitetura,
representações pictóricas, trabalho artesanal com penas de aves,
vestuário e adereços, além da esfinge e de uma pirâmide em Gizé.

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1907 – Retorno da viagem fluvial de uma princesa. O principal modal de
deslocamento de produtos e passageiros foi o Rio Nilo. Nesta direção, o
desenvolvimento de técnicas de construção naval pelos egípcios foi
fundamental para o crescimento e consolidação desta civilização. Os
deslocamentos terrestres traziam dificuldades pela presença do deserto
do Saara com a falta de água e dunas. As caravanas podiam ser
dispendiosas ou inviáveis de carregar/transportar grandes volumes de
produtos agrícolas ou artesanais.

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1908 – Festa das Flores junto ao Rio Nilo nas proximidades das pirâmides de
Gizé. As ritualizações e os vários festivais populares marcaram a vida egípcia. O
cenário retrata músicos e a oferenda de flores que são lançadas ao Rio Nilo. As
festas faziam parte do cotidiano e envolviam o culto aos deuses que garantiam o
equilíbrio da existência que regido pela vontade dos deuses, pelos sacerdotes
que faziam a leitura desta vontade e pela estabilidade propiciada pelo poder
divino dos faraós.

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1908 – Cenário de uma floresta petrificada no deserto do Sahara, nos
montes Mokattam, próximo ao Cairo. O destaque está na “Rosa de Jericó”
que sobrevive em condições extremas de aridez e que ao morrer se
contrai em forma de um emaranhado circular. Porém, colocada na água
floresce novamente.

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1909 – Trabalho meticuloso de artistas egípcios pintando hieróglifos e
representações pictóricas num sarcófago. Uma parte mínima desta produção
de sarcófagos chegou bem conservada ao tempo presente. Como a projeção
espiritual egípcia estava indissociavelmente ligada ao além-túmulo, os cuidados
com a arte funerária eram essenciais e se tornavam mais sofisticadas
conforme as posses materiais do morto e de sua família. Este devia ser um
mercado de trabalho perene (reduzidos em momentos de grandes crises ou
invasões) para muitos artistas, construtores de tumbas e mumificadores.

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1909 – O porto e cidade de Alexandria foi fundada em 331 a.C. por Alexandre, o Grande, iniciando
a dinastia Ptolomaica. Localizado no delta do Nilo se tornou a base marítima do Egito e foi a capital
por quase mil anos. É lembrada pelo Farol da Alexandria e pela maior Biblioteca da antiguidade.
Foram tantas invasões, pilhagens, incêndios, terremotos etc, que quase nada dos antigos
monumentos chegaram ao presente. Atualmente, é o maior porto do Egito e sua população supera
5 milhões de habitantes.

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1910 – Versão em alemão e francês do mesmo card que mostra
turistas europeus visitando Gizé. As roupas e postura evidenciam
um público privilegiado. O brinde de champanhe tendo a esfinge e
as pirâmides ao fundo é a síntese do cart postale que se tentava
fixar no imaginário dos turistas europeus.

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1910 – Visão de trabalhadores descarregando produtos nas margens do Rio Nilo no
Cairo. Pode se observar os tradicionais navios a vela que eram usados para navegação
no Nilo. A imagem traz uma cena mais próxima do cotidiano dos egípcios, porém, não é
o período faraônico mas a primeira década do século XX. É uma série de seis cartões
contemporâneos de sua edição em 1910. A “ostentação” do Egito faraônico,
amplificada nos cards, não foi questionada.

163
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1910 – Procissão de um casamento árabe com vestuário
compatível para celebrações. Ao fundo a esfinge e uma das
pirâmides de Gizé parcialmente encoberta pela areia do deserto.

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1910 - A legenda do card alemão é “templo na rocha em Abu Simbel”. Localizado
numa vila da província de Assuan no Alto Egito (próximo a fronteira com o Sudão), Abu
Simbel é constituído por dois templos esculpidos na rocha no século XIII a.C. na
dinastia do faraó Ramsés II. O templo principal foi dedicado a Ramsés II e o templo
menor a deusa Hator e a rainha Nefertari.

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1910 – Vendedores em rua da cidade de Alexandria.
Vendedores de chá, tecidos, legumes e outras mercadorias
fazem parte do cotidiano egípcio com o perfil da influência
cultura otomana e do islamismo.

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1910 – Comerciantes e compradores em Port Said. É uma
cidade portuária localizada na costa do Mar Mediterrâneo ao
norte do Canal de Suez. A fundação ocorreu em 1859 com a
construção do Canal de Suez. O início da ocupação britânica
do Egito ocorreu por Port Said em 1882.

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1910 – Atividade atualmente proibida, escalar as pirâmides foi uma recreação
realizada por séculos. Com a queda da cobertura original, os grandes blocos de pedra
se tornaram escadarias que possibilitavam – para os mais atléticos – a escalada. A
visão observada do planalto de Gizé era magnífica, destacando-se as estruturas da
necrópole, as pirâmides, a esfinge, o vilamento de Gizé, o Rio Nilo e a distante cidade
do Cairo. Conta a lenda que D. Pedro II teria escalado a pirâmide de Queóps em sua
visita de 1871.

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1910 – Série de cards com o tema “evolução do comércio e da
indústria”. Mercadores egípcios estão negociando com povos
vizinhos, possivelmente, na fronteira com o Sudão. Carretas
puxadas a bois trazem as mercadorias egípcias e dois
arqueiros observam a cena.

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1910 - Uma série italiana se dedicou a “evolução dos
instrumentos musicais”. Na imagem estão seis músicos
egípcios utilizando os seguintes instrumentos: lira, arpa e
alaúde que tem sua origem na antiguidade egípcia. Também
formas antigas do pandeiro, a flauta de castanholas e o sistro
eram usados.

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1911 – O Egito retratado no período de dominação romana (30 a.C.-641 d.C).
Tributos estão sendo pagos à Roma através de produtos de arte em vidro. Vários
recipientes, de diferentes tamanhos, comprovam o domínio egípcio desta técnica
desde 1600 a.C. Foram os primeiros povos a fabricar embalagens como vasilhas
abertas com jarros e tigelas. A técnica do sopro que permitia fabricar garrafas, copos
e potes, remete a Alexandria do tempo da dominação romana.

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1911- Oficina onde artesãos produziam objetos de vidro. Há cerca de
5.000 anos na Mesopotâmia a produção humana de vidro teve início
com o aquecimento com fogo de uma mistura de sílica, carbonato de
cálcio e soda. Pequenas peças foram produzidas no Iraque. Há 1600
a.C. os egípcios sofisticam a técnica e produzem grandes jarros, vasos e
copas. Também no Egito surgiu a técnica de vidro soprado como é
mostrado no card. A arte em vidro era um trabalho manual muito
valorizado que remetia a habilidades pessoais e poderes ocultos.

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1912 - Este card Liebig de 1912 mostra uma imagem de Napoleão Bonaparte no ano de
1798 durante a Campanha do Egito (1798-1801). Napoleão está numa postura de
reverência ao observar a múmia de um faraó. Ele tinha um fascínio pela cultura egípcia
faraônica e chegou a passar uma noite no interior da pirâmide de Queóps. A missão
científica francesa que acompanhou Napoleão nesta campanha militar fez um
levantamento arquitetônico, de fontes escritas e de objetos da cultura material que
levaram a descoberta do Egito no Ocidente. Estava nascendo a Egiptologia.

183
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1912 – Com o tema “vestígios de civilizações perdidas” o card mostra a
escavação das colunas do templo do faraó da V Dinastia Sefrés ou Sauré
(2487-2475 a.C.). Este faraó foi o primeiro a construir um complexo funerário
em Abusir, localidade próxima ao atual Cairo. Edificou uma pirâmide de 50
metros de altura que está parcialmente em ruínas.

185
186
1912 – Três sacerdotes estão fazendo um culto a Hórus e estão usando
máscaras com a representação deste deus. Hórus é o filho de Osíris e
Ísis, sendo a divindade dos céus com corpo de homem e cabeça de
gavião. A estátua e as máscaras estão sem os olhos. O mito remete a
que Hórus perdeu um olho ao lutar contra Seth. O símbolo do “olho de
Hórus” representa a vitória do bem contra o mal e a proteção espiritual.

187
188
1913 – Cenário com a rainha Cleópatra e os seus serviçais. O leque era
presença fundamental na corte dos faraós para aliviar os insetos e o
calor excessivo, durante o dia: afinal, se estava no deserto do Saara. O
tórax e o abdômen nu de homens e, por vezes, mulheres, está em
sintonia com o intenso calor que excede os 40 graus.

189
190
1913 – O consumo de cerveja não se restringia ao consumo pelos grupos
privilegiados mas se difundiu pelos mais diferentes segmentos sociais. O
consumo era realizado por adultos e crianças, e era uma prescrição médica
para algumas doenças. Em Gizé, quando da construção das grandes pirâmides,
foram construída cervejaria e padaria para o consumo dos trabalhadores. Nos
enterramentos, o pão e a cerveja também era uma das ofertas. A cervejaria de
grande porte mais antiga já escavada se encontra em Abidos e funcionou há
5.000 anos. Nesta antiga cidade é que foi enterrado o primeiro faraó Narmer.

191
192
1913 – Série francesa sobre a história do suporte para a
escrita. Mostra artesãos egípcios coletando a planta papiro e,
após retirar fatias do seu caule, formavam um tramado que
seria prensado, seco e polido para obter a consistência para a
escrita. Isto permitia a preservação -num suporte maleável- de
informações legais e religiosas.

193
194
1913 – Ritual fúnebre realizado por um sacerdote no
interior de um mausoléu. Pinturas nas paredes, incenso e
devoção ao deus Sobeque que é representado como um
crocodilo que divinizava as águas do Rio Nilo. Também era
protetor da gravidez e dos enterramentos.

195
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1914 – Esta é uma série que trata de plantas que servem de
alimento para animais. No caso, é a cana-de-açúcar que era
servida como alimento para os bois de tração no antigo Egito.

197
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1920 – O tema é a ouriversaria através dos séculos. Mostra a fundição e utilização
de ouro entre os egípcios. No Egito e na Núbia ocorria a exploração de ouro. Na
elaboração das peças mais refinadas, os egípcios utilizavam uma liga de ouro, prata
e excepcionalmente bronze. Com o ouro, produziam joias, adornos, máscara
funerária, sandálias, estatuetas etc. Devido aos saqueadores, o mínimo do que foi
produzido chegou ao presente.

199
200
1922 – A veneração de animais é uma das características da sociedade
egípcia. O cenário remete ao templo de Ísis, portanto, a Ilha de Philea no
sul do Egito. Aves estão sendo alimentadas podendo ser uma referência
ao pássaro sagrado Benu que seria uma manifestação de Osíris e
símbolo do planeta Vênus que precede o Sol que anuncia um novo dia.

201
202
1922 – Cleópatra novamente é o centro das atenções! A habilidosa
rainha se projetou em seu tempo de governo e buscou alianças frente
a presença romana pelo controle do Egito. Jogou até o último minuto
quando colocou fim a própria vida frente ao esgotamento das
possibilidades de se manter no poder. O Egito faraônico assistiu sua
derrocada com a queda de Cleópatra.

203
204
1922 – Outro card com o tema das aves sagradas. Estes pássaros
proliferaram nas áreas alagadas junto ao Rio Nilo. Ao morrerem, eram
embalsamados e colocados em área adjacente ao templo do Deus
Thot.

205
206
1922 – Cena do cotidiano egípcio: moagem de grãos num
moinho com tração pela queda de água. Numa sociedade de
base agrícola o aproveitamento da água do Nilo e a moagem dos
grãos era essencial para a sobrevivência. Obras de regadio
foram essenciais para a fixação humana ao longo do Rio Nilo.

207
208
1924 – Série de 6 cards com o tema “a água entre os antigos
romanos e egípcios”. Três exemplares remetem ao Egito e
neste a legenda é “escravos egípcios lavando roupas”. É uma
rara referência a escravidão nesta sociedade.

209
210
1924 - Nesta imagem do uso da água junto ao Rio Nilo, um
escravo está segurando um recipiente de água que faz parte
de uma engrenagem hidráulica . Estas obras de regadio foram
essenciais para a irrigação das plantações e para o consumo
de água humano numa região muito árida.

211
212
1924 – O último card desta série traz uma manifestação religiosa egípcia: a
procissão de ação de graças agradecendo aos deuses pela inundação das margens
propiciada pela cheia das águas do Rio Nilo. Na mitologia egípcia “Hapi” era a
divindade que personificava as águas do Nilo que transbordavam entre os meses de
julho outubro. Osíris era o responsável por fertilizar as águas.

213
214
1925 – Coleção com a temática “o sepultamento de um rei do Egito”.
O impacto da descoberta da tumba de Tutankamon (1922-1923)
desencadeou um interesse ainda maior sobre o Egito faraônico. A
imagem mostra a morte de Tutankamon.

215
216
1925 – Mumificação de Tutankamon. Este processo demorava cerca de 70 dias
sendo o corpo lavado com água e vinho de palma e ocorria a retirada das vísceras
(com exceção do coração). Alguns órgãos eram colocados em vasos canopos. O
corpo era envolvido por natrão (sal mineral) por 40 dias para desidratar. Após era
lavado, aromatizado e preenchido com serragem e plantas secas. Estava pronto
para receber 20 camadas de tiras de linho com goma.

217
218
1925 – A barca solar transportando Tutankamon pelo Rio Nilo até sua tumba no
Vale dos Reis. Na mitologia egípcia o Deus Rá se deslocava por uma barca pelo
céu e com a ajuda de outros deuses garantia que o sol surgisse todos os dias e
as trevas da noite fossem vencidas. A barca solar mais antiga encontrada e
preservada é a do faraó Khufu (Queóps) com 4.600 anos.

219
220
1925 – Após o transporte pelo Rio Nilo o cerimonial fúnebre seguia por terra até o
local do enterramento, no caso, uma tumba no Vale dos Reis. Tutankamon, da XVIII
dinastia, faleceu em 1323 a.C. com apenas 18 anos de idade. Todos os
procedimentos rituais deveriam ser rigorosamente seguidos para que a alma se
desprendesse do corpo com segurança em harmonia com a nova existência. O
“Livro dos Mortos” traziam muitas das orientações para alcançar este objetivo.

221
222
1925 – Já na tumba de enterramento são feitas novas evocações e pedido da
ajuda dos deuses. Os objetos do falecido eram colocados neste espaço em
companhia do corpo mumificado no sarcófago. Nesta tumba, foram encontrados
mais de cinco mil objetos que aí foram depositados antes da câmara mortuária
ser lacrada em 1323 a.C. e reaberta para pesquisas em 1923.

223
224
1925 – A tumba de Tutankamon (KV-62) foi descoberta em 4 de novembro de
1922. A pesquisa foi financiada pelo milionário inglês Lord Carnarvon e a
escavação foi orientada pelo arqueólogo Howard Carter. O trabalho foi lento e
com interrupções. Somente no final de 1925 é que se teve acesso a múmia.
Este fato pode explicar que esta coleção de cards ainda não contemplou a
imagem da máscara funerária de Tutankamon. Um dos objetos mais preciosos e
conhecidos já encontrados. O cenário mostra o Vale dos Reis.

225
CONSIDERAÇÕES FINAIS
■ É preciso destacar que se buscou racionalizar alguns temas desenvolvidos neste
material iconográfico. O que não sinaliza o esgotamento das visões que se pode
obter e que apresentam uma dimensão de subjetividade. O tempo cultural de
produção das imagens aqui contempladas é diferente do tempo presente e suas
motivações. As escolhas de uma época ou visão de mundo sobre determinado
tema apresentam significados inerentes ao seu contexto histórico e a
expressões psicossociais dos criadores. No presente, realizamos uma
apropriação do material imagético repondo aos olhos contemporâneos que
reconstruirão/elaborarão visões sobre imagens passadas. No passado e no
presente as seleções do que se pretende ver não pode ser dissociada do olhar
criador. As bagagens intelectuais, ideológicas, conhecimentos empíricos e
atrações estéticas serão diferenciadas, conforme o leitor da imagem! A forma
de compor uma imagem num card pressupõe uma narrativa que busca conectar
partes significativas que conectam pictografias com palavras para compor ideias
e interpretações. O resultado é uma representação que consiste numa
construção imagética, ou “o modo como em diferentes lugares e momentos
uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”
(CHARTIER, 1990).
226
■ A linguagem visual constitui um discurso não verbal que busca edificar
imaginários os quais foram construídos em historicidades (temporalidade e
espacialidade determinadas) e são dotadas de sentidos (objetivos de construção
de imaginários que convertem realidades do passado em reconstruções ficcionais
de experiências históricas). É preciso enfatizar que imagens e discursos não são o
real pretérito, não são expressões literais que refletem o espelho da realidade.
“As representações de coisas ou atos, são produtos de estratégias de interesses e
manipulação” (PESAVENTO, 1995).

■ O período delimitado remete ao primeiro card identificado que foi em 1884 até o
ano de 1925 quando já ocorrera o impacto da descoberta da tumba de
Tutankamon e a cobertura da imprensa que difundiu a maldição dos faraós.
Entretanto, o tema da maldição decorrente da abertura da tumba, ainda não se
fez presente e a ênfase foi a ritualização e as etapas envolvendo o enterramento
de um faraó ou de um nobre egípcio, no caso, Tutankamon.

227
■ Nos oitenta e oito (88) cards analisados, as temáticas se voltaram a várias abordagens do Egito faraônico
(74) e ao Egito a partir da dominação romana após a morte de Cleópatra (14). Alguns temas foram mais
persistentes e estiveram presente –de forma central ou periférica- no cenário construído pelo artista no
tema de um determinado card. Este cenário pode contemplar um conjunto de imagens as quais
direcionam o olhar do colecionador para a memorização/associação mental do assunto “Egito” a
determinada representação do passado. Nesta direção os temas e as imagens (que não são exclusivos,
mas, que fazem parte da construção imagética do card) que mais são replicados passam a se constituir
numa construção visual persistente e persuasiva na construção do imaginário associado ao Antigo Egito.
Um exemplo é um faraó com uma comitiva refinada no cenário das pirâmides e da esfinge. O glamour, o
poder real e as estruturas materiais monumentais passam a constituir uma identidade que remete ao
Egito faraônico. Outro exemplo, é a repetição do símbolo associado a Ísis com asas de fênix que foi o logo
mais persistente e que buscou traduzir uma imediata associação entre esta imagem e o Antigo Egito.

■ Vejamos os temas mais frequentes: símbolo de Ísis com asas de fênix (25); hieróglifos (19); culto e danças
a divindades (15); cenário das pirâmides (18) e esfinge (15); felás, populares e beduínos (18); Rio Nilo
(13); poder do faraó (13); embarcação tradicional (12); Cleópatra (10); camelos (9); obelisco (9); ruínas e
monumentos arquitetônicos monumentais (9); soldados (9); a Opera Aida (8); sarcófago (7); instrumentos
musicais (7); Tutankamon (6); flor de lótus (5). Portanto, em 88 cards estes 19 temas se fizeram presente
104 vezes. Frente ao público colecionador que se deseja atingir, são os temas mais repetidos e
persistentes.
228
■ Outros assuntos abordados em menor escala foram: obra hidráulica (3); Alexandria e farol
(3); Otomanos (3); leões (3); cavalos (3); Crocodilo do Nilo (3); Boi Ápis (2); Cairo (3); Port
Said (2); cena popular cotidiana (2); passagem bíblica (2); escravos (2); monumento em Abu
Simbel (2); arte em vidro (2); papiro (1); cenários variados (1); corrida (1); militares
britânicos (1); arquitetura (1); ruinas de Tebas (1); cena privada da realeza (1); Ouriversaria
(1); comércio (1); Napoleão e a múmia (1); mumificação (1); escavação arqueológica (1).
Estes 26 temas foram reproduzidos 53 vezes.

■ Conhecimentos técnicos egípcios como a arquitetura dos templos, ouriversaria, arte em


vidro, obras hidráulicas, arquitetura mortuária, arte da navegação, estatuária monumental
dos faraós, arte militar e escrita hieroglífica, estão presentes nos temas tratados. Imagem
de cidades e portos foram contemplados em menor quantidade. Mas a ênfase principal
reside em destacar o poder dos faraós em tempos de paz e de guerra e o seu culto pela
população. A religiosidade e a devoção ao panteão de deuses, foi persistentemente tratado,
especialmente, se destacou a Deusa Ísis nas representações imagéticas que permeavam os
templos e os espaços públicos. O enterramento do faraó Tutankamon foi trabalhado em seis
cards que mostraram o sentido religioso de cada ritual e a propiciação à vida que se inicia
após a morte. A ênfase é que os egípcios projetam sua vida terrena num vínculo
indissociável com o passamento.

229
■ A rainha Cleópatra foi uma personagem que marcou a imaginação ocidental, pois, é
associada a sedução, glamour e inteligência. Dez cards foram dedicados a Cleópatra.
Foi enfatizado o seu período de governo e a ostentação material como a sua barca
construída, além da madeira, com elementos em ouro, prata, pedras preciosas e
marfim. Não apenas Cleópatra, mas, as mulheres estiveram presentes em 48 cards
(54,5%) evidenciando ser este público um potencial consumidor de imagens
colecionáveis, afinal, foi intensa a produção por várias empresas de postcards e de
imagens femininas (anexadas em produtos) no período da Belle Époque (1870-1914).
No caso dos produtos Liebig, as mulheres eram as maiores divulgadoras dos extratos
que eram utilizados no preparo de alimentos.
■ Outro tema recorrente foram as pirâmides e a esfinge, portanto, o cenário de Gizé
(que de forma direta e indireta aparece em 33 cards ou 37,5%). Estas imagens são
icônicas e correram o planeta numa longa duração temporal que remete a campanha
militar francesa entre 1798-1801 e que foi fortalecida com os cards de várias
empresas a partir da década de 1880. A circulação de turistas ocidentais se
intensificou na virada dos séculos XIX para o XX e a necrópole em Gizé, até pela
proximidade do Cairo, foi um dos locais mais visitados. Ou seja, na construção de
representações pictóricas, o Egito estará ligado a trilogia: as pirâmides, a esfinge e a
máscara mortuária de Tutankamon (que será difundida amplamente após 1925!).
230
■ O Rio Nilo foi enfatizado com insistência e associado as embarcações, dois temas confluentes
que se somados estiveram presentes vinte e cinco vezes. O animal mais lembrado na
associação com o meio físico egípcio foi o Camelo que foi reproduzido nove vezes. Porém, o
camelo domesticado pode ter surgido na região apenas em 700 a.C. sendo as mulas e burros
utilizados no transporte. A associação deste animal com período recuados do Egito faraônico
pode ser incorreta (conforme as atuais pesquisas arqueológicas). Com certa surpresa, um
assunto muito abordado foi a ópera Aida do italiano Giuseppe Verdi. Possivelmente, seja o
resultado do impacto causado por esta ópera desde sua apresentação inicial no Egito em 1871
e, que, 20 anos depois (a maioria dos cards são de 1891) ainda é uma referência. O desenlace
trágico define o romance impossível entre um branco egípcio e uma negra etíope, tendo por
“megera”, uma princesa branca. A morte acaba sendo a única solução para o casal cuja paixão
fatalista é lida como expressão de heroísmo. À princesa restou blasfemar dos sacerdotes e
descrer dos deuses se arremetendo no ocaso existencial.

■ Os egípcios e os faraós são retratados como brancos e a presença dos felás, beduínos e
populares é restrita em relação ao amplo “cotidiano urbano e rural” da época. A ênfase está em
espaços palacianos com sacerdotes e sacerdotisas que remetem a uma harmonização espiritual
e a um afastamento do mundo real: o da difícil sobrevivência no deserto do Saara por parte da
maioria da população de agricultores ou artesãos.
231
■ Numa síntese mais específica, o “personagem” mais presente nos cards e
que comparece em várias temáticas é o faraó. Esta centralidade do poder
transmite a segurança da manutenção da integridade territorial que fazia
os egípcios promoverem a devoção a este líder político, religioso e militar.
A defesa contra os inimigos externos, a manutenção do poder centralizado
para evitar as divisões que levaram o Egito as guerras internas e o
enfraquecimento administrativo, são leituras possíveis para tanta ênfase
no poder centralizado. Numa leitura indireta e ligada a vigência do
imperialismo britânico neste período, a noção de um guarda-chuva
imperial (o Protetorado Britânico no Egito) seria um modelo para
transmitir segurança e evitar a fragmentação. Este é o tema disperso nas
imagens que mais persistiu e fixou um imaginário de poder, admiração e
monumentalidade que teria se preservado nas obras materiais através dos
milênios.

232
■ Numa reflexão mais ampla e resgatando a análise realizada por Marta
García Morcillo no artigo “Antiquity and Modern Nations in the Liebig
Trading Cards” a autora destaca os cards como um instrumento educativo
que combinava imagens com texto contribuíndo para fixar e transmitir
tradições e legitimar linhas de continuidade entre o passado e o presente,
além de ressaltar as raízes míticas e lendárias que constituíram a
historicidade das nações modernas.
■ Nesta direção a Liebig desenvolveu um projeto que envolvia o nutricional
(extrato de carne), a inserção no mercado com as propagandas/cards e o
educacional ao utilizar os cards como um alimento para o intelecto e a
ampliação do conhecimento histórico e geográfico. Morcillo destaca os
cards da Liebig como uma “enciclopédia global colecionável” que impactou
a esfera doméstica e a vida cotidiana de consumidores num amplo
espectro social. A influência cultural deste material imagético remete ao
papel desempenhado pelos livros de história e outras mídias construtoras
de identidade. Também direciona à crença no progresso, na ciência, na
tecnologia e na expansão industrial, que legariam uma linha de
continuidade e aprimoramento do passado para o presente.

233
■ E o Mundo Antigo -e inclusive o Egito que pudemos analisar-, será enfatizado pela
Liebig enquanto uma longa duração temporal da história da humanidade e do
desenvolvimento das técnicas e da ciência. Haveria uma lógica de
desenvolvimento científico cujos aportes se constituíram em civilização complexa
na Europa dos séculos XIX e primórdios do XX, especialmente, no período do
Imperialismo e de acentuado nacionalismo. A identidade nacional e o sentimento
de pertencimento a uma trajetória histórica da humanidade -que na Belle Époque
ganhou sua completude-, traz a noção que as descontinuidades não impediram a
linearidade explicativa de que o Estado Nacional é a consolidação de projetos
passados. Daí viria a ênfase em ressaltar o poder dos líderes, como o faraó, a
importância da religiosidade enquanto uma coesão cultural e o somatório de
técnicas que levaram a Revolução Industrial.
■ Para além das belas e atraentes imagens dos cards estão motivações para
representar um “tempo presente desejado e construído”, cujo viés construtivo
adentra na legitimação dos processos históricos sendo alicerçado numa
caminhada com “fragmentações e continuidades” e com supostas “linearidades e
coerências” nesta longa trajetória humana no planeta.

234
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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The Charles e Laura Dohm Shields Trade Card Collection, Bibliotecas da Universidade
de Miami.

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FONTE DAS IMAGENS

■ Acervo particular: Luiz Henrique Torres.


■ https://www.flickr.com/
■ https://www.ebay.com/
■ https://www.delcampe.net/en_US/collectibles/
■ http://bndigital.bn.gov.br/acervodigital/
■ https://gallica.bnf.fr/
■ http://www.cartolino.com/liebig/reeks0001/lily01r.html
■ https://archive.org/

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O AUTOR
■ Luiz Henrique Torres é Doutor em História do Brasil (PUCRS) e possui
um antigo interesse na história do Egito faraônico. Coleciona cards,
cartões-postais, selos, moedas, miniaturas, filmes e hqs sobre o
Antigo Egito.

■ É professor na Universidade Federal do Rio Grande (FURG) onde


leciona História e Terror, disciplina que propicia reflexões sobre as
construções culturais e os mitos ancestrais que são a matéria-prima
para narrativas e reconstruções contemporâneas do fantástico.

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