Você está na página 1de 141

1

LUIZ HENRIQUE TORRES

HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL:


FUNDAMENTOS PARA A COMPREENSÃO
DO PROCESSO HISTÓRICO E HISTORIOGRÁFICO –
CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E POPULAÇÕES INDÍGENAS

PLUSCOM

2018
2
3

©Luiz Henrique Torres.

ISBN: 978-85-9491-029-5

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

H67399 História do Rio Grande do Sul: fundamentos para a compreensão do processo


histórico e historiográfico - caracterização física e populações indígenas /
Luiz Henrique Torres. Rio Grande: Pluscom Editora, 2018.

141p.
Bibliografia
ISBN: 978-85- 9491 – 030 - 5

1. História - Brasil 2. História do Rio Grande do Sul 3. Historiografia do


Rio Grande do Sul. 4. Populações indígenasI. Torres, Luiz Henrique. II.
Título

CDU : 981.65 CDD:981


4

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO/6
O CONHECIMENTO/10
FUNDAMENTOS HISTORIOGRÁFICOS/14
CALENDÁRIO COSMICO/19
CALENDÁRIO GEOLÓGICO/23
PLACAS TECTÔNICAS/25
GEOGRAFIA RIO-GRANDENSE/28
FORMAÇÃO GEOLÓGICA/29
EVOLUÇÃO GEOLÓGICA/31
GEOLOGIA DA PLANÍCIE COSTEIRA/32
PAISAGENS GEOMORFOLÓGICAS/34
BIOMAS/36
BIOMAS DO BRASIL/37
BIOMAS DO RIO GRANDE DO SUL: MATA ATLÂNTICA E PAMPA/38
BIOMAS DO RIO GRANDE DO SUL: MOSAICO DE PAISAGENS/39
MACROZONEAMENTO AMBIENTAL/40
BACIAS HIDROGRÁFICAS/41
PAISAGENS HIDROGRÁFICAS/45
CLIMA DO RIO GRANDE DO SUL/47
O CORREDOR DE TORNADOS DA AMÉRICA DO SUL/49
PAISAGENS DO RIO GRANDE DO SUL/51
PLANÍCIE COSTEIRA OU ZONA COSTEIRA/52
O LITORAL NORTE/54
LITORAL MÉDIO/58
5

LITORAL SUL/63
ESCUDO SUL-RIO-GRANDENSE/66
DEPRESSÃO CENTRAL/68
PLANALTO DA SERRA GERAL/69
PAMPA GAÚCHO E CAMPANHA GAÚCHA/72
VESTÍGIOS DA VIDA VEGETAL E ANIMAL/74
FORMAÇÃO FÓSSIL/74
SÍTIOS PALEOBOTÂNICOS/76
SÍTIOS PALEONTOLÓGICOS/79
A MEGAFAUNA PLEISTOCÊNICA/81
POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO DO RIO GRANDE DO SUL/82
O POVOAMENTO DO LITORAL RIO-GRANDENSE/89
POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO NA VISÃO DE SILVIA COPÉ/94
A ARTE RUPESTRE: A PEDRA GRANDE/95
POPULAÇÕES INDÍGENAS NO PERÍODO COLONIAL/98
POVOS DO PAMPA: O PERÍODO DO CONTATO/100
CATEQUESE E ALDEAMENTO DE MINUANOS: AMOSTRA DOCUMENTAL/101
OS GUARANIS/111
CHINOCA E AS RAÍZES CULTURAIS DO GUARANI KERN/114
ÍNDIOS COROADOS E KAINGANGS/122
RETOMANDO O POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO/126
INDÍGENAS NA HISTORIOGRAFIA/128
POPULAÇÕES INDÍGENAS CONTEMPORÂNEAS/132
UMA REFLEXÃO/134
CONSIDERAÇÕES FINAIS/135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS/136
6

INTRODUÇÃO

A formação histórica do Rio Grande do Sul recua ao povoamento humano ocorrido nos últimos doze milênios. Há
uma linha de demarcação fundada nos primórdios da história colonial com a presença européia que remonta aos
primeiros reconhecimentos do litoral no século XVI e que remete as Missões Jesuítico-guaranis nos séculos XVII e XVIII.
Dos paleoíndios à cultura ceramista do neolítico tropical até a incursão oficial luso-brasileira a partir de 1737, temos uma
longa duração temporal com uma multiplicidade de experiências históricas que possibilitam a compreensão parcial do
presente.

Atuo como professor de História do Rio Grande do Sul há 30 anos. Almejei, nesta obra, sistematizar um pouco da
trilha de leituras realizadas nestas três décadas. Nesta direção, este livro é destinado aos acadêmicos da disciplina de
História do Rio Grande do Sul (podendo ser útil para os interessados em Historiografia do Rio Grande do Sul) e de
Processos Históricos na Zona Costeira. É uma introdução rigorosa a este processo histórico, com ênfase temática, tendo
por guia autores renomados que para mim foram essenciais quando da elaboração de aulas ou para as pesquisas. As
preocupações metodológicas com a aprendizagem guiaram a escrita que propiciará um panorama geral e ênfase em
alguns temas basilares.

O recurso de exposição será temático, buscando preservar parcialmente a cronologia, mas tendo por objetivo a
compreensão dos processos fundamentais para o conhecimento da História do Rio Grande do Sul nos períodos pré-
colonial, colonial, imperial e republicano.

O escrito foi elaborado com base em publicações de diversos autores que serão, por vezes, referenciados
conjuntamente com a reprodução do texto/capítulo. Realizei uma leitura e resumo das principais orientações/conclusões
destes autores frente aos interesses elucidativos do processo histórico rio-grandense. Busca-se sempre o suporte para a
compreensão e não o esgotamento factual/interpretativo.
7

Com esta escolha metodológica de buscar temas gerais explicativos, será possível contemplar algumas das
referências fundamentais para a compreensão do processo histórico sul-rio-grandense com enfoque em processos
basilares e não na totalização temática. São temas que se abrem para a busca de outras leituras e avanços
interpretativos fundados em necessidades intelectuais contemporâneas.

Esta publicação de História do Rio Grande do Sul foi dividida em quatro volumes: Caracterização Física e
Populações Indígenas (volume 1); Período Colonial (volume 2); Período Imperial (volume 3) e Período Republicano
(volume 4).

A obra é um estímulo para se buscar/investigar a ampla bibliografia que foi citada ao longo e no final do escrito.
Um diferencial que buscou ser enfatizado é o de evidenciar que a história e a historiografia caminham juntas. A escrita
da história está pautada por critérios narrativos que remetem ao campo da Epistemologia ou Teoria da História. Buscou-
se trazer o contexto básico da escrita da história e de seu formato racionalizado: a Historiografia, que contempla às
obras norteadoras da construção do conhecimento.

O resultado esperado é que a obra seja um referencial útil para alavancar estudos mais aprofundados da História
Rio-grandense. Este material paradidático será usado como texto básico para os acadêmicos de História do Rio Grande
do Sul da Universidade Federal do Rio Grande e para os mestrandos da disciplina Processos Históricos na Zona
Costeira (Mestrado em Gerenciamento Costeiro-Instituto de Oceanografia/FURG). Volumoso material iconográfico e
fotográfico também foi reproduzido para ser divulgado e instigar a ampliação dos olhares sobre imagens construídas no
passado e que podemos promover releituras no presente. Aos interessados, os volumes estarão disponíveis para serem
acessados/baixados no blog historiaehistoriografiadors.blogspot.com.br

Neste primeiro volume será feita uma caracterização preliminar do processo histórico Sul-Rio-Grandense tendo por
pano de fundo o Calendário Cósmico dos macro-eventos que permitem a compreensão do espaço físico em que a trama
das sociedades rio-grandenses se processa. A formação geológica, o surgimento da vida e as leituras que fósseis de
8

plantas e animais tem recebido por parte dos cientistas serão sistematizadas. Fronteiras estanques com o Prata serão
questionadas. As primeiras migrações humanas, que recuam há doze milênios, serão contextualizadas nos quadros dos
conhecimentos da Arqueologia e as diferentes culturas pré-coloniais que ocuparam diferentes ecossistemas serão
abordadas. As populações indígenas atuais serão enfocadas em termos de legados e integração com a sociedade
brasileira. Este primeiro volume explicita que a clássica repetição historiográfica do Rio Grande do Sul como uma “terra
de ninguém” no século XVII e XVIII não corresponde às ocupações culturais indígenas de uma temporalidade que
remonta há milênios e que persistia no período Colonial e Imperial.

Agradeço imensamente aos profissionais do campo da História que através do exercício da ciência histórica, me
propiciaram caminhar com passos mais seguros no desvelamento cognitivo do inesgotável passado da humanidade, em
especial, do passado sul-rio-grandense.
9

Localização do Rio Grande do Sul na América do Sul e no Brasil. http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/caracteristicas-gerais


10

O CONHECIMENTO

Iniciemos o livro com uma reflexão: como o conhecimento é construído?

As respostas serão as mais variadas e os tipos de conhecimento também são múltiplos. Mas o que se busca,
neste livro, é refletir sobre a História do Rio Grande do Sul. O objeto é o processo histórico construído pelos homens! Os
vestígios materiais e imateriais que chegaram ao presente são a fonte a ser investiga. Chegar até o presente pode
significar uma ponta de projétil de mais de cinco mil anos ou um livro, escrito por um historiador, há cento e cinqüenta
anos. Poderá ser também os detalhes da fachada de um prédio ou um poema declamado por um payador que mora nas
barrancas do Rio Uruguai.

Aquilo que chega ao tempo presente parece infindável mas de fato são fragmentos do que sobreviveu a passagem
do tempo e aos esquecimentos dos homens. Trabalhamos com fragmentos do passado os quais receberão leituras das
necessidades das gerações no presente e de suas visões de mundo. Aí entra o papel dos procedimentos científicos de
observação, organização, análise, interpretação, construção teórica e construção redacional (a escrita histórica formula
um discurso sobre o passado!). Teremos construído uma verdade entre muitas, porém, esta verdade deve ser
sustentada a partir da análise teórico/explicativa das fontes e de um relato escrito/verbal que remete o objeto investigado
ao patamar de interpretação plausível e sustentável do tempo pretérito. O passado fragmentado se transforma em
construção ficcional de uma verdade em construção em conflito com outras verdades. O “topo do Olimpo” estará sempre
para além mas o conhecimento acumulado e criticamente revisitado permitirá vislumbrar com clareza a longa subida
deste monte e dos seus perigos.

O conhecimento de História do Rio Grande do Sul se faz com as fontes disponíveis (documentais, orais, materiais
etc) e com os discursos construídos sobre o passado com o viés de construção de verdade (as fontes historiográficas, os
escritos dos intelectuais e historiadores desde o século XIX). Ao pesquisador, olhar para estes dois lados, permite
avançar com mais segurança na investigação do passado e evitar erros e preconceitos inerentes a estas caminhadas.
11

Ao escrever a história, é a humanidade que está sendo construída a partir do lugar social de um indivíduo ou grupo, com
base em certas formas de interrogar o passado: formas mais reflexivas ou mais reprodutivas de uma ideologia já pronta
que sempre levará as mesmas respostas. Esta última modalidade de selecionar os objetos está fundada na noção de
dogma e de manipulação do passado para servir aos interesses contemporâneos de seus agentes.

O conhecimento se produz com muita leitura das fontes histórico/historiográficas que nos abre um grande leque de
possibilidades interpretativas e de percepções intelectuais. O mesmo cenário poderá sofrer leituras que transcendem um
suposto senso comum.

Peguemos um exemplo elucidativo. Temos dois estudantes universitários: um de História e um de Economia que
são convidados a observar e descrever um cenário campestre, num local chamado de Estância Velha, na área rural do
município de Santa Maria. Cada um recebe um papel e deverá desenhar e colocar observações sobre o que estão
vendo neste cenário. Inclusive podem caminhar pelo local para buscar algum vestígio elucidativo do que observaram do
ponto mais distante.

O estudante de Economia buscará trazer o máximo de detalhes visuais que saltam aos olhos na descrição da
paisagem: ele está num ponto mais alto do terreno e observa um campo com algumas árvores de pequeno porte, mas,
insignificantes para sustentar uma exploração de madeira; parte do terreno está coberto por capim e a outra parte está
arada para o plantio. Ele observa dois bois e um arado tosco que será puxado por estes animais sem o recurso a
mecanização. A direita ele desenha um pequeno curso de água cercado por vegetação de mata-galeria. Ele não
consegue constatar que tipo de plantio será feito ou observar benfeitorias que possibilitem apreender o padrão de renda
obtido com a venda. Ele desenha e entrega a sua interpretação da paisagem a partir dos olhares desenvolvidos que
modelam a sua percepção cerebral voltada aos conhecimentos de sua área de formação: a dinâmica econômica de
ocupação e reprodução produtivo do espaço. Ele olha para a paisagem investigando a produção, circulação,
mercantilização e lucro advindo das atividades.
12

O estudante de História que está desenvolvendo pesquisas num Núcleo de Arqueologia da Universidade Federal
de Santa Maria entrega o seu desenho acompanhado de várias observações escritas.

A primeira sensação ao olhar para o desenho -que este estudante de História elaborou- é de perplexidade, pois,
estruturas e personagens “fantasmas” foram plantados na paisagem. O desenho ficcional mostra três grandes casas
comunais e homens, mulheres e crianças, parcialmente nuas. Algumas mulheres estão sentadas fazendo cerâmica e
outras esmagando milho. Alguns homens estão chegando à aldeia ostentando seus arcos e flechas e arrastando um
animal que foi caçado. Algumas mulheres estão voltando do arroio com um grande pote cerâmico cheio de água fresca.
A fumaça cobre parcialmente as casas comunais que é o local onde o fogo fica acesso dia e noite. Os alimentos são
cozidos neste fogo, a carne é moqueada (assada numa espécie de churrasqueira) assim como a mandioca que foi
previamente moída e deixada de “molho” no arroio próximo. O fogo ainda protege a aldeia dos animais durante a noite e
garante o calor no frio do inverno.

A bagagem de conhecimentos de estudante de História o fez enxergar aquilo que não está necessariamente
explícito numa paisagem. De certa forma, o conhecimento científico trabalha com evidências indiretas e correlações que
permitam “ampliar o cenário”, “projetar possibilidades explicativas” e “produzir saber”. O conhecimento de um tema
possibilita ver, analisar, sistematizar e interpretar um cenário dando vida a possibilidades de existência concreta de um
processo histórico no passado.

Esclarecendo o desenho: o estudante de História, ao observar o terreno à distância, vislumbrou três formações na
área arada que deixava visível três elipses escuras (a terra estava constituída por restos de material orgânico que restou
da alimentação que a torna mais escura). Ou seja, três casas comunais em que índios da Tradição Tupiguarani
(Guaranis) exercitavam o seu cotidiano de caçadores, coletores e horticultores. Para comprovar a observação inicial, ele
caminhou até o local e coletou alguns “cacos de cerâmica” que um leigo poderia confundir com rochas. A técnica de
confecção acordelada da cerâmica e o tipo de cobertura artística se enquadrava na Tradição Tupiguarani que migrou da
Amazônia e se distribuiu pelo Brasil a partir de 2.500 antes do presente. Além de ceramistas eles eram horticultores de
13

coivara (queima do mato para posterior plantio). Haviam chegado a Santa Maria a cerca de 1.000 anos: é o que o
estudante afirmou em suas notas!.

Mas como um campo despovoado poderia trazer até a informação temporal? As inúmeras horas de leitura de
bibliografia sobre o tema/afins e a experiência prática de já ter visitado sítios e até participado de escavação de poços
teste (recorte quadricular que busca confirmar a existência de material arqueológico e seus estratos de ocupação)
permitiu que com convicção ele pudesse afirmar até sobre a datação: para a Tradição Tupiguarani havia cinco datações
absolutas de carbono 14 (a matéria-prima para análise são os restos de madeira queimada nas fogueiras) em sítios
próximos aquele local. Variavam entre 900 e 1.100 anos antes do presente! Uma datação média de 1.000 anos!

Este caso é apenas uma exemplificação com o objetivo de ressaltar que o conhecimento é fruto de muita leitura,
investigação, senso crítico e transpiração intelectual. A bagagem de conhecimentos e sensibilidades fazem com que
uma paisagem se transforme em múltiplas possibilidades de leitura em consonância com o campo de atuação do
observador. Que o conhecimento amplia a nossa visão a respeito dos cenários, dando vida aquilo que não está explicito,
mas, cujas evidências ainda estão latentes para receberem leituras que nos ajude a entender o passado da humanidade
e até desenhar em papel uma “presentificação” do passado.

A História é um campo do conhecimento extremamente amplo e complexo, com inúmeras interpretações


historiográficas e com um grande potencial de utilização da “imaginação mediada cientificamente”. Pode ser um cenário
revisitado e ampliado, uma leitura dos silêncios do passado, de dar voz aqueles esquecidos pela história e de repensar
as interpretações em voga.

É fundamental não esquecer que a História é um campo do conhecimento científico que “constrói ficções
verossímeis e argumentáveis”, que exige um esforço de revisão teórica e historiográfica, e que deve ter como referência
a ética da verdade crítica e não o dogmatismo reducionista.
14

FUNDAMENTOS HISTORIOGRÁFICOS

A perspectiva aqui utilizada é de que a História é um processo que se traduz em historicidades das sociedades
humanas. O rompimento do silêncio da matéria física se fez com o processo biológico/cultural de desenvolvimento
cerebral dos hominídeos (últimos quatro milhões de anos) até o surgimento das metodologias de racionalização
sistemática dos eventos/fenômenos na antiguidade greco-romana. No campo do conhecimento histórico podemos utilizar
o referencial de Heródoto e Tucídides (cerca de 500 anos antes de Cristo) para situar a busca de uma disciplinarização
da memória oral e sua alocação em conhecimento escrito a ser preservado para as gerações futuras.

A História enquanto acontecer do passado só pode ser transformada em racionalização sistemática enquanto ação
intelectual que fará uma leitura dos fragmentos do passado em busca de interpretações parciais ou totalizadoras. A
História em si é campo de viagens ficcionais e a recriação do passado é um processo indispensável e natural: desde que
o processo seja mediado por métodos racionais de crítica que publicizem o saber para ser questionado pela comunidade
científica! A sustentabilidade argumentativa da interpretação é essencial para o avanço do conhecimento e a dilapidação
das imperfeições e das verdades não sustentáveis discursivamente.

A abordagem utilizada nesta obra é de que o conhecimento histórico não anda separado do conhecimento
historiográfico. O conhecimento é produzido por autores/intelectuais dentro de “paradigmas” e “representações” de um
determinado período e referências explicativas de um campo do conhecimento. Mesmo que aqui fique apenas “sugerida”
esta abordagem que será realizada em alguns momentos que se considerou essencial para ampliar o “leque reflexivo”, o
que se buscou foi enfatizar que a historiografia é essencial para entender a escrita e as interpretações históricas. As
escritas da história estão localizadas no tempo e no espaço, as conjunturas e estruturas são fundamentais para situar a
ação dos agentes históricos e também das percepções dos intelectuais frente ao seu tempo. Cada época é marcada por
mais de uma explicação do passado e de paradigmas do conhecimento, mas o impacto numa comunidade intelectual é
muitas vezes concentrado num destes referenciais de construção discursiva. Os objetos enfatizados, as escolhas
documentais, os conceitos, as formas de narrativa, as teorização mais amplas e os autores citados se tornam essenciais
15

para pensar o escrito e constatar os seus limites e avanços frente à reflexão do passado. Portanto, a História e a
Historiografia caminham juntas: a última reflete as tentativas intelectuais transformadas em discursos para entender a
primeira sem contudo esgotá-la! Mas avancemos em algumas reflexões sobre o assunto.

A análise historiográfica passa pela problematização dos fundamentos epistemológicos da história. Questões
como: o conhecimento histórico é uma verdade absoluta ou relativa, com explicação uni ou multi-causal, análise
conjuntural e/ou estrutural, mera crença ou cientificidade, legitimadora ou questionadora da realidade etc. O historiador
responde a estas perguntas -mesmo que não tenha consciência disto-, e produzindo o conhecimento, dá sentidos para o
processo humano no tempo (história processo), para o passado (história conhecimento) e para si mesmo (historicidade
do ser).

O procedimento da objetividade científica em história passa pelo documento (e sua crítica) e pelo método
(pressupostos teóricos constituídos por conceitos que estabelecem um modelo que explique determinada realidade
passada ou presente), o qual deve receber uma contínua crítica e revisão de seus fundamentos na elaboração de
verdades parciais sobre o processo histórico. Não há um método, mas métodos pertinentes à interpretação do objeto
analisado numa correspondência necessária com a crítica documental e com referência no processo histórico em sua
dimensão multi-causal. O método do historiador dá sentidos possíveis para o processo histórico passado a partir das
motivações do presente, mediatizadas pelo instrumental teórico-metodológico construtor de explicações parciais numa
tentativa de globalização do acontecer, possível na medida do não privilegiamento de atores, temas, situações, mas,
considerando, apesar das necessárias seleções e delimitações, a história como um processo totalizador motivado por
historicidades dimensionadas em estruturas sociais, políticas, mentais, econômicas complexas, fundamentadas em
discursos - sempre ideológicos -, definidores dos modos de ser e da existência.

O conhecimento é produzido a partir de um método, tendo como objeto o documento (escrito, oral, arqueológico
etc), resultando em interpretações parciais, que a crítica acadêmica e o contínuo repensar teórico-metodológico
motivarão a ampliação desta documentação, dos temas, das análises, da constante crítica epistemológica e da
16

aproximação com as Ciências Sociais e Naturais, como a Filosofia, Sociologia, Geografia, Antropologia, Arqueologia,
Biologia... Tendo sempre claro que os homens, em cada época, reescrevem a história e interrogam os intelectuais,
reinterpretam e indicam releituras para o movimento diacrônico das sociedades, matéria e pensamento no tempo.

A fundamentação epistemológica, em historiografia, apresenta múltiplas considerações e direcionamentos em


sintonia com os debates intelectuais e sociais, com a comunidade acadêmica e seu instrumental teórico-metodológico
para a investigação histórica. A sistematização de um determinado período e tema presente na produção historiográfica
é necessária para buscarmos os sentidos de um certo momento intelectual e as tendências normatizadoras dominantes
na produção do conhecimento. É necessário destacar o espaço de arbitrariedade ao estabelecer um conceitual que
sistematize certa produção, pois a categoria explicativa pode uniformizar as diversidades de maneira artificiosa e ainda
mais grave, destituindo especificidades de cada discursante.

Francisco Rüdigger discute os paradigmas em história, lançando uma pertinente questão: “Os paradigmas
epistemológicos fornecem a teoria do método utilizado pelos historiadores. As escolas históricas sempre se vinculam a
certos paradigmas, embora a pretensão de cada um deles seja elaborar um modelo de ciência válido para toda a
historiografia. Na maior parte das vezes, elas compartilham conceitos retirados de vários deles, de modo que seus textos
representativos raramente servem de exemplos dos cânones de um paradigma com exclusão absoluta dos postulados
por outro.1 A citação encontra sintonia na análise dos intelectuais sul-rio-grandenses, como já constatou Sandra
Pesavento numa caracterização historiográfica do positivismo.2 Rüdigger considera que o método é o elemento de

1
RÜDIGGER, Francisco. Paradigmas do Estudo da História. Porto Alegre: IEL/IGEL, 1991, p. 11-2.
2
“Os historiadores de conotação positivista selecionaram dados e os classificam numa seqüência linear, cronológica. Relataram os acontecimentos
arrolando causas que encadearam os fatos com as suas conseqüências. Via de regra, a história política foi o seu tema predileto, relegando a um modesto
plano os fenômenos sócio-econômicos. Contudo, não é correto afirmar que todo o seu trabalho se caracteriza pela ausência de interpretação e de análise. O
que se verifica, comumente, é o historiador apresentar, mescladas, tendências positivistas com laivos idealistas, embora as duas correntes metodológicas se
oponham a nível de teoria do conhecimento. A conciliação, no plano da prática, é tornada possível pela combinação de um relato linear, causal, mas onde as
grandes mudanças se dão em função dos atos individuais, da atuação das grandes personalidades”. PESAVENTO, Sandra. Historiografia e ideologia In:
DACANAL, José H. (Org) RS: Cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980, p. 82.
17

mediação entre os paradigmas de compreensão da ciência histórica e a prática dos historiadores, o que me faz inferir
que a escassa preocupação metodológica na historiografia gaúcha (anterior a década de 1970) permite indagar sobre a
própria cientificidade deste conhecimento e da consistência de sua fundamentação paradigmática. O conceito de
paradigma para Rüdigger é assim conceituado: “O termo é empregado neste estudo, para designar o complexo de
postulados, conceitos e procedimentos mínimos que distinguem, pela maior ou menor adesão por parte dos autores da
área, um enfoque do outro no seio da problemática epistemológica da história. O termo corrente é usado como sinônimo
de paradigma e o termo tendência como forma variada que compõe com outras uma corrente ou paradigma.3

O ponto de referência do conceito está em Thomas Khun, onde o paradigma é a matriz disciplinar compartilhada
por determinada comunidade intelectual.4

A escolha desta referência conceitual prende-se na sua pertinência do ato de organizar e transmitir certa
inteligibilidade à produção intelectual analisada. A adaptação destes conceitos é realizada na seguinte dimensão:
paradigma epistemológico refere-se ao complexo teórico-metodológico na produção do conhecimento histórico que
possibilita a identificação de uma unidade conceitual, como é o caso do positivismo, historicismo etc; paradigma ou
corrente historiográfica é a fundamentação teórico-metodológica do conhecimento histórico produzido por determinada
comunidade intelectual a partir de paradigmas epistemológicos, isto é, diferenciados paradigmas convergem para uma
unidade discursiva, como é o caso do conceito de paradigma historiográfico tradicional, que será utilizado ao longo da
obra para classificar a produção historiográfica do Rio Grande do Sul no período referido. Este paradigma é constituído
por diferenciados paradigmas epistemológicos como o positivista, historicista e o idealista, mas encontram uma
linguagem comum em nível metodológico. Um último conceito a ser introduzido é o de tendência historiográfica,
compreendido como os enfoques que privilegiam certos temas, personagens, situações ou análises metodológicas.

3
RÜDIGGER, op. cit, p. 13.
4
KHUN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1979.
18

É necessário destacar que estes conceitos são instrumentos que encontram consistência explicativa em sua
sistemática crítica (e não serão todas as ciências embasadas em métodos cujos novos problemas, se impõem frente à
ampliação dos objetos?), testando sua viabilidade em explicar e dar sentidos à documentação historiográfica do período
abordado, levando-se em consideração numa crítica historiográfica,5 os paradigmas epistemológicos, historiográficos e
tendências, conjunturas e processo histórico.

Em momentos posteriores serão feitas incursões trazendo recortes de interpretações historiográficas do passado
Rio-grandense!

A seguir vamos situar o tempo do historiador num tempo muito mais amplo: o da matéria e da energia! Vivemos
num certo período deste amplíssimo Calendário Cósmico: não somos apenas frutos de nossa sapiência ou de nossa
ignorância, mas de um processo multifacetado de bilhões de anos que é objeto de estudo da Cosmologia.

5
A crítica historiográfica consiste no arrolamento sistemático e utilização de um instrumental racional na análise do discurso historiográfico através da
contextualização do discursante, na análise do conceitual utilizado na obra e inserção desta nos paradigmas historiográficos e no processo histórico mais
amplo.
19

CALENDÁRIO CÓSMICO
20

O Calendário Cósmico é um recurso didático para visualizar os eventos que transcorreram desde o Big Bang (13,8
bilhões de anos no passado). Foi criado pelo cientista Carl Sagan e faz parte do seu livro Os Dragões do Éden sendo
apresentado na série Cosmos (1980). Parte-se de um calendário anual que tem início no dia 1 de janeiro e que segue
até o dia 31 de dezembro às 23h59min 59s. O sistema solar surge em 9 de setembro e a vida na Terra no dia 30 de
setembro. Os dinossauros aparecem no dia 25 de dezembro e os primeiros hominídeos surgem no dia 31 de dezembro
às 9h25min. Os homo sapiens despontam no calendário nos últimos oito minutos. O Antigo Egito remete aos últimos 30
segundos e Cristóvão Colombo descobre a América a cerca de 1 segundo. A Idade Moderna e a Idade Contemporânea,
com seus inumeráveis eventos e complexidades, estão inseridos neste último segundo do dia 31 de dezembro do
Calendário Cósmico. Ou seja, o silêncio da temporalidade que nos precede é ensurdecedor!
O lugar individual frente ao Calendário abarca em média 0,15 segundo desta escala temporal! É pouco tempo mas
o suficiente para os procedimentos intelectuais terem construído informações basilares para a edificação deste
calendário e para que tenhamos as ferramentas críticas para nos situar nesta macro temporalidade e sondar a superfície
de seus mistérios.
O Rio Grande do Sul está inserido no calendário cósmico! O surgimento da matéria e sua expansão há 13,8
bilhões de anos, possibilitou o surgimento posterior das galáxias e dos sistemas solares. A 4,6 bilhões de anos o planeta
Terra inicia sua formação que se prolonga de forma dinâmica até o presente. Os continentes flutuam sobre um mar de
magma e a crosta terrestre nos ilude com a solidez das rochas que freqüentemente se desequilibram frente às pressões
oriundas do interior do planeta. Há menos de 4 milhões anos começa a caminhada que levaria, -entre bifurcações e
complexidades a serem desveladas-, ao homo sapiens que surgiu a cerca de 200 mil anos. O modo-de-ser caçador-
coletor foi o mais longo das adaptações antes da “recente” e incipiente Revolução Agrícola (a cerca de 10 mil anos) e a
urbanização nos rios Tigre e Eufrates a cerca de 6.500 anos: os processos agrícola e urbano que são temporal e
tecnicamente desiguais entre os grupos humanos sedentários, com variações continentais e regionais. O registro escrito
das sociedades remonta a cerca de 8 mil anos permitindo, através do seu aprimoramento, registrar as ações humanas
que são fontes essenciais para pesquisar o passado.
21

Para desvelar o passado parte-se das fontes que podem ser os registros materiais que sobreviveram à dinâmica
destruidora das intempéries e do descaso humano; o estudo da evolução geológica; o pesquisa do surgimento da vida
unicelular e mais complexa; as leituras dos fósseis paleobotânicos e paleontológicos; as fontes escritas num período
recente etc. Pesquisas de diferentes campos do conhecimento como a Geologia, Paleontologia, Arqueologia,
Climatologia etc, buscam esclarecer este longuíssimo calendário cósmico cujos registros dos acontecimentos estão
espalhados pelas camadas geológicas que inclusive resguardam a presença humana num momento do passado. Este
olhar do humano remete a Paleoantropologia e a Antropologia. A documentação escrita, que é parte essencial de uma
documentação bem maior, é objeto de enfrentamento do historiador que formula interpretações a partir das indagações
contemporâneas. Quanto mais ele estabelecer um senso crítico de que o contemporâneo é apenas um momento
passageiro deste processo cósmico, mais ele poderá pensar o passado enquanto um objeto a ser
investigado/indagado/expresso e menos como um passado já condicionado por um conteúdo ideológico contemporâneo
já pronto e adaptável as teorias do presente.
Um recorte mais específico do Calendário Cósmico nos leva ao Sistema Solar cuja estrela é o Sol. Ela é uma das
mais de dez sextilhões de estrelas distribuídas em 100 bilhões de galáxias. O número de planetas ainda é muito maior...
Mas o nosso recorte é o Sol e os planetas que giram em torno deste astro em especial a Terra: mesmo o nosso planeta
já traz uma longa história geológica e inúmeras (e fragmentadas) experiências dos hominídeos e multifacetadas
experiências ligadas aos homo sapiens. Muitas lacunas e muitas culturas a serem interpretadas, tudo permeado pelo
equilíbrio instável das relações internacionais, nacionais, étnicas e culturais.

Pensar o Calendário Cósmico como pano de fundo busca instigar a reflexão de nossa caminhada terrestre que se
volta a História Geral da humanidade, onde o Rio Grande do Sul está inserido em diferentes níveis (mais intensos, mais
brandos ou quase imperceptíveis). A seguir vamos investigar o tempo geológico que levou a formação atual dos cenários
geomorfológicos que conhecemos no Rio Grande do Sul.
22

Terra vista do Espaço, à noite, em 1994. Nos últimos 3,7 milhões de anos os poucos antropóides e posteriormente os homo sapiens, estes últimos migraram por Continentes e deixaram extensa
descendência. A urbanização e especialmente a Revolução Industrial propiciou o crescimento populacional de algumas centenas de indivíduos para os padrões atuais de 7,3 bilhões de terráqueos.
https://visibleearth.nasa.gov/view.php?id=55167
23

CALENDÁRIO GEOLÓGICO

O tempo geológico pode ser pensado enquanto um calendário constituído por escala temporal medida em bilhões,
milhões ou milhares de anos. Diferente do tempo histórico que é medido em poucos milhões e especialmente milhares
ou centenas de anos, o tempo geológico possui escalas com divisões em éons, eras, períodos, épocas e idades que
representam os grandes eventos geológicos do planeta Terra desde sua formação há 4,6 bilhões de anos. A presença
dos homo sapiens recua a época Pleistoceno e os principais eventos ligados a agricultura, domesticação de animais,
urbanização, desenvolvimento de técnicas, formações dos Estados, já estão inseridos na época atual: o Holoceno. O
abismo temporal entre o calendário geológico e o histórico é brutal!

Representação do tempo geológico em formato de relógio . MA


(milhões de anos); GA (bilhões de anos). Wikimedia Commons.
24

A Escala Geológica de
Tempo deve ser lida de
baixo para cima.
Acompanhando a
formação do planeta até o
período Quaternário e
Época Holoceno que
corresponde aos últimos
11 mil anos.
25

PLACAS TECTÔNICAS

Características do relevo, do clima e de uma “suposta” estabilidade da crosta terrestre estão relacionadas com o
movimento das placas tectônicas que podem definir a escolha de povoamento humano ou a inviabilidade de ocupação
de um ecossistema. O desenvolvimento de conhecimento e tecnologia, por vezes, se produz frente aos desafios naturais
que exigem investimentos e respostas científicas e culturais.

As placas tectônicas são gigantescos blocos que integram a camada sólida externa da Terra, ou seja, a litosfera
(crosta terrestre e parte superior do manto) que estão em constante movimentação sobre o magma. O Brasil e o Rio
Grande do Sul estão localizados entre a Placa Sul Americana (zona de divergência – afastamento de 3 cm por ano da
América do Sul em relação à África) e Placa de Nazca (zona de convergência onde as placas se aproximam e se
chocam – exemplo é a formação da Cordilheira dos Andes). Terremotos e maremotos são exemplos destes fenômenos
de poder destrutivo provocados pelo choque de placas. Os danos podem ser devastadores e promover o
despovoamento de regiões. O Brasil se encontra no interior de uma placa e não em suas extremidades (apesar da
ocorrência de tremores em muitas localidades brasileiras mas que raramente alcançam 5,0 na Escala Richter). No Rio
Grande do Sul são detectados tremores relacionados à Placa de Nazca que tem provocado, nos últimos anos,
terremotos com vítimas e danos graves no Chile. Ressalte-se, que o Rio Grande do Sul não apresenta uma atividade
sísmica preocupante.
26

Placas tectônicas. http://pubs.usgs.gov/gip/dynamic/slabs.html


27

A Biosfera (camadas essenciais para a manutenção da vida) é constituída pela Litosfera (camada sólida que circunda a Terra);
Hidrosfera (conjunto de águas) e Atmosfera (camada de gases).

Na imagem se observa a Litosfera (camada externa e sólida) com espessura de até cerca de 72km; o Manto,
camada viscosa, constituído por rochas em estado de magma devido a temperatura de 2.000°C (cuja pressão age
sobre as placas tectônicas) com extensão de 2.900 km; e o Núcleo da Terra constituído por uma bola no estado
sólido (ferro e níquel) envolvido em uma camada líquida e com temperatura de até 5.000°C. Sua extensão é de
mais de 10.000 km.
28

GEOGRAFIA RIO-GRANDENSE

A história humana e a produção cultural se processam no tempo e no espaço. A historicidade, “o fazer histórico”
fruto das experiências humanas, sempre é realizado, consciente ou inconscientemente, no tempo e no espaço! A
espacialidade é essencial para compreender as migrações, adaptações ao meio e a construção de ferramentas para a
sobrevivência ou para o crescimento econômico. Rios, pampa, planalto, frio ou calor, etc, são fatores essenciais para a
adaptação e criação intelectual que venha a superar as adversidades do meio natural ou utilizar o seu potencial. Muitas
vezes, os desafios para o povoamento e abastecimento, levou a inteligência humana ao desenvolvimento ou
aprimoramento de meios adaptativos: os desafios do meio físico enquanto propulsor da criatividade cultural e da
edificação de ferramentas intelectuais e manuais. Certamente, os impactos da irracionalidade na exploração dos
recursos também produz resultados desequilibradores na relação homem-natureza. O uso excessivo dos recursos
naturais e um crescimento demográfico irracional são fatores de desequilíbrio e de tensões sociais e políticas!.

A história se processa/constrói na relação da ação humana com o meio físico/fatores naturais, originando técnicas
adaptativas para a sobrevivência civilizatória, sendo a cultura o substrato unificador da relação humanidade/natureza. A
sustentabilidade da relação se traduz em processos racionais e irracionais, num equilíbrio frágil entre o
egoísmo/egocentrismo e a projeção de manejo racional dos recursos.

Compreendendo que o processo humano se realiza no espaço, em linhas gerais, vamos definir a formação
geológica e as principais paisagens geomorfológicas que formam a espacialidade Sul-Rio-grandense. Complementando
a visão preliminar, serão abordados outros aspectos da espacialidade e também conhecimentos básicos de
Paleobotânica e de Palentologia.

A Geografia é essencial para a compreensão dos processos


históricos! É uma ciência voltada à compreensão do espaço
geográfico e sua relação com os seus habitantes.
29

FORMAÇÃO GEOLÓGICA

A Geologia remete ao estudo da origem, estrutura, composição e transformações da crosta terrestre. O surgimento
de formas de vida, situam-se em diferentes momentos desta longa história de constituição dos continentes. A formação
geológica pode explicar muito sobre as possibilidades de desenvolvimento das sociedades humanas. Como exemplo,
estão os tipos de solo propícios para a agricultura ou o coletivismo, ou as variações de relevo que exigem tecnologias
mais sofisticadas ou custos excessivos para fixação.

Uma síntese do cenário geológico Rio-Grandense foi elaborado por Wilson Wildner e Ricardo Lopes. Alguns
pressupostos são reproduzidos a seguir:

“A evolução geológica do Rio Grande do Sul registra uma história prolongada de colisões entre
continentes, assoalhos oceânicos, arcos de ilhas, vulcões e bacias sedimentares, hoje fazendo parte do registro
geológico das rochas que compõem a superfície do nosso estado. O mapa geológico mostra a distribuição superficial
dessas rochas,distinguidas de acordo com a sua idade, expressa em bilhões (Ga) ou milhões de anos (Ma), estrutura e
composição de cada unidade. As rochas mais antigas do estado são da era paleoproterozoica. Abrangem os registros
geológicos que remontam a idades que variam entre 2,5 a 1,6 bilhões de anos e estão arranjadas geologicamente junto
com rochas do Neoproterozoico, com idades entre 1,0 a 542 milhões de anos e distribuídas por toda a região central e
oriental do estado do Rio Grande do Sul.As atividades de construção do nosso escudo, das rochas que compõem o
substrato do sul do Brasil, encerram-se durante o Cambriano, com idades entre 542 e 488 milhões de anos, quando então
predominaram grandes regimes vulcânicos, associados a extensas bacias sedimentares.Segue-se a esses episódios
vulcânicos um período de intensa calmaria e sedimentação, o qual perdurou até o Cretáceo Inferior, quando então ocorreram a
grande divisão do continente gonduânico e o recobrimento de toda a porção sul do Brasil e parte da África por extensos derrames
de basaltos.
Dentro desses limites de idade, as rochas evoluíram de diversas formas e em vários ambientes, como montanhas,
geleiras, rios, desertos, desembocaduras de rios e vulcões.
30

Geologicamente, o estado do Rio Grande do Sul está constituído por uma porção central, onde predominam rochas
cristalinas designadas como Escudo Sul-Rio-Grandense, as quais estendem-se do NE do Uruguai até o sul da Bahia, vão
conformando a costa brasileira, ou a serra do Mar, entre Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo, até serem
truncadas pelo Cráton do São Francisco, já na Bahia. Essas rochas cristalinas estão representadas por um conjunto de
rochas graníticas, gnaisses de várias composições, rochas metamórficas e associações de sedimentos e rochas
vulcânicas antigas. Essa região é designada como Província Mantiqueira, onde o Rio Grande do Sul representa o seu
segmento extremo sul. A província limita-se, a leste, com os sedimentos da Planície Costeira, correspondentes à porção
aflorante da Bacia de Pelotas; a norte e a oeste, com os sedimentos e derrames basálticos da Bacia do Paraná. A
Província Paraná compreende as formações sedimentares depositadas desde o Permiano até o Jurássico, que
recobrem as litologias da Província Mantiqueira, sobrepostas e/ou intrudidas por rochas relacionadas ao Magmatismo
Serra Geral, deidade cretácica, que compõem a Serra Gaúcha, ou os Campos de Cima da Serra. A Planície Costeira, a
segunda mais extensa planície de areia do planeta, comparável apenas ao Golfo do México, está representada por
sedimentos finos cenozoicos, cuja sedimentação teve início quando do rompimento e expansão do continente
Gondwana e conseqüente abertura do oceano Atlântico, condicionando a evolução dessa vasta planície de areia à
seqüência de eventos de sedimentação marinha miocênica que culminaram com eventos transgressivo-regressivos
relacionados aos processos glacioeustáticos do final do Terciário. A evolução geológica do Rio Grande do Sul encerra-
se com o desenvolvimento de extensos depósitos aluvionares, distribuídos ao longo dos principais rios, como o
Camaquã, das planícies do rio Santa Maria ou ao longo do delta do Jacuí e seus afluentes, seguidos de sedimentações
residuais, como as formações Santa Tecla e Tupanciretã”.6

6
In: WILDNER, Wilson & LOPES, Ricardo C. Evolução Geológica: do paleoproterozoico ao recente. In: VIERO, Cláudia & SILVA, Diogo R. A. da (Orgs.).
Geodiversidade do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CPMR, 2010.
31
As estruturas geológicas – também chamadas
de províncias geológicas– são as formações
rochosas e estruturais que compõem a litosfera
EVOLUÇÃO GEOLÓGICA terrestre. Elas indicam, entre outras coisas, a
composição do relevo, a sua idade aproximada e
também as suas características mineralógicas. Por
exemplo: os combustíveis fósseis encontram-se
somente em bacias sedimentares, enquanto os
escudos cristalinos possuem outros tipos de
minerais.

Os principais tipos de estruturas geológicas são: os


crátons (escudos cristalinos e plataformas
continentais), as bacias sedimentares e os
dobramentos modernos.

Os crátons são, por muitas vezes, chamados


de escudos cristalinos ou maciços antigos, mas
esses nomes indicam apenas um de seus dois
subtipos, sendo o outro formado pelas plataformas
continentais. Trata-se de províncias geológicas
com idade antiga e apresentam, por isso, as mais
antigas rochas do planeta, tendo sido muito
desgastados pela ação dos agentes erosivos.
Apresentam uma estrutura rochosa firme e
relativamente plana, composta, principalmente, por
relevos planálticos. As bacias sedimentares, por
sua vez, são áreas formadas a partir da intensa
deposição de sedimentos sobre uma área de
depressão relativa ou absoluta, o que faz com que
eles se acumulem em camadas ao longo do tempo
e constituam as rochas sedimentares. Geralmente,
esse acúmulo de sedimentos acontece em áreas
oceânicas que, com o movimento das placas
tectônicas, transformam-se posteriormente em
áreas continentais. Como já dissemos, é nas
bacias sedimentares que encontramos os
combustíveis fósseis, como o petróleo, o gás
WILDNER, Wilson & LOPES, Ricardo C. Evolução Geológica: do paleoproterozoico ao recente. In: VIERO, Cláudia & natural e o carvão mineral.
SILVA, Diogo R. A. da (Orgs.). Geodiversidade do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CPMR, 2010.
32

GEOLOGIA DA PLANÍCIE COSTEIRA

“A Província Costeira do Rio Grande do Sul é constituída, em parte,


pela Bacia de Pelotas, segmento meridional das bacias marginais que
compõem a margem continental brasileira. Apoiada sobre um
embasamento composto pelo complexo cristalino pré-cambriano e
pelas seqüências sedimentares e vulcânicas, paleozóicas e
mesozóicas da Bacia do Paraná, a Bacia de Pelotas teve sua origem
relacionada com os movimentos tectônicos que, a partir do
Cretáceo, conduziram à abertura do Oceano Atlântico Sul.
Acompanhando sucessivos basculamentos em direção ao mar, foram
ali acumulados, durante o Cenozóico, mais de 10.000m de
sedimentos depositados em ambientes continentais, transicionais e
marinhos. A porção superficial desta seqüência sedimentar está
exposta na Planície Costeira do Rio Grande do Sul, uma ampla área
de terras baixas (33.000km2) em sua maior parte ocupada por um
enorme sistema de lagoas costeiras”. VILWOCK, Jorge Alberto &
TOMAZELLI, Luiz José. Planície Costeira do Rio Grande do Sul: gênese
e paisagem atual.
http://www.mma.gov.br/estruturas/chm/_arquivos/cap_2_lagoa_ca
samento.pdf
O litoral do Rio Grande do Sul tem uma extensão de 622 km o que
equivale a 8,5% do litoral brasileiro.
Barreira é uma massa arenosa, disposta paralelamente à costa, e que
permanece elevada acima da maré mais alta (Glossário Geológico IBGE,
1999).
A Barreira pleistocênica I é a mais antiga com o primeiro evento
transgressivo regressivo marinho ocorrido há aproximadamente 400 mil
anos; a Barreira pleistocênica II com 325 mil anos; a Barreira
WILDNER, Wilson & LOPES, Ricardo C. Evolução Geológica: do paleoproterozoico ao recente. In: VIERO, Cláudia & pleistocênica III com cerca de 120 mil anos; e a Barreira holocênica IV é
SILVA, Diogo R. A. da (Orgs.). Geodiversidade do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CPMR, 2010.
a mais recente com 5 mil anos.
33

Conforme Alois Schafer,7 três aspectos diferenciam a planície costeira do Rio Grande do Sul do restante do
mundo: “1. A existência de dois corpos de água de grande extensão na área da planície, a Laguna dos Patos e a Lagoa
Mirim. Estas existem devido à largura extraordinária da planície que alcança mais de 70 km entre o mar e as montanhas
(Escudo Rio-Grandense). Assim, a área total da planície, de 37.000 km², é ocupada por uma área de corpos de água de
14.260 km², ou seja, 38,5%. 2.lagunas de grande extensão existem em muitos lugares do mundo. Mas em poucos casos
há uma seqüência de lagoas menores entre as lagunas e o mar. O assim chamado “Rosário de Lagoas costeiras”, como
o presente no Litoral do Rio Grande do Sul; 3.A terceira característica, e a mais importante, é a presença de lagoas
muito próximas ao mar e de água doce, ou seja, sem salinidade. Em costas lagunares com pequenas lagoas entre as
lagunas maiores e o mar existem, em regra, corpos de água mixosalinos ou salgados; lagoas costeiras de água doce
são a exceção. Os grandes corpos de água lagunas e a desembocadura de um rio de uma grande bacia hidrográfica
determinam quimicamente a água subterrânea doce; assim, a pressão da água doce continental para o mar mantém
uma lente de água subterrânea doce bastante estável abaixo da barreira. Essa situação, aliada ao balanço hídrico
positivo, garante a existência de lagoas de água doce na Planície Costeira do Rio Grande do Sul. No Litoral rio-
grandense existe um número e uma diversidade de lagoas de água doce que não é observada em nenhum outro lugar
do mundo. Elas estão inseridas em um mosaico de ecossistemas terrestres muito heterogêneos, responsáveis pela alta
diversidade de associações vegetais. Por causa disso, o Ministério do Meio Ambiente classifica essa região como de
“alto” e “muito alto” valor para a biodiversidade da fauna e flora”.
► Ecossistema: conjunto formado por todos os fatores bióticos e abióticos que atuam simultaneamente sobre determinada região.
Considerem-se como fatores bióticos as populações de animais, plantas e bactérias e os abióticos os fatores externos como
temperatura, água, o Sol, o solo, o gelo, o conjunto de todas as interações bióticas com abióticas em um determinado local ou uma
área geográfica.◄

7
SCHÄFER, Alois. A planície costeira do Rio Grande do Sul: um sistema ecológico costeiro único no mundo. In: SCHÄFER, Alois (Org.) Atlas Sócio-
Ambiental dos Municípios de Mostardas, Tavares, São José do Norte e Santa Vitória do Palmar. Caxias do Sul: Educs, 2009.
34

PAISAGENS GEOMORFOLÓGICAS

A Geomorfologia é um ramo da Geografia voltado ao estudo das formas das paisagens (formas da superfície
terrestre). Quatro unidades geomorfológicas podem ser definidas no Rio Grande do Sul:
►O Planalto Meridional ao norte do Estado, formado por rochas basálticas decorrentes de um grande derrame de lavas
ocorrido na era Mesozóica. A nordeste encontram-se as maiores altitudes que alcançam 1.398m (Monte Negro em São
José dos Ausentes). As bordas do Planalto Meridional correspondem à chamada Serra Geral.
►A Depressão Central, no centro do Estado que é formada de rochas sedimentares, dando origem a um extenso
corredor com terrenos de baixa altitude.
►O Escudo Sul-Rio-grandense, ao sul com rochas ígneas do período Pré-Cambriano e, por isto mesmo, muito
desgastadas pela erosão. Sua altitude não ultrapassa os 600m.
►A Planície Costeira teve sua formação do período Quaternário da era Cenozóica, a mais recente da formação da terra.
Corresponde a uma faixa arenosa de 622km que se estende no sentido geral norte-sul, com ocorrência de cordões de
lagunas e lagoas, entre as quais destacam-se a Laguna dos Patos e Mirim. O processo de formação desta região é
muito dinâmico, estando em constante mutação em decorrência dos processos de sedimentação marinha e flúvio-
lacustre (http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/hipsometria-e-unidades-geomorfologicas).

Apesar de não ser consenso podemos considerar outra unidade geomorfológica no RS: a
Cuesta do Aedo, um planalto baixo localizado no Oeste, se estendendo entre Uruguaiana,
Alegrete e Santana do Livramento. Apresenta resquícios do Planalto basáltico com altitudes
entre 100 e 300 metros. A agropecuária é a principal atividade econômica.
35

Quatro unidades Geomorfológicas do Rio Grande do Sul. http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br


36

BIOMAS

Os biomas são definidos pelo IBGE como “um conjunto de vida (vegetal e animal) constituído pelo agrupamento de tipos de
vegetação contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de
mudanças, o que resulta em uma diversidade biológica própria.” Segundo o “Mapa dos Biomas do Brasil”, elaborado pelo IBGE e
pelo Ministério do Meio Ambiente, o país possui 5 grandes biomas. O de maior extensão é o da Amazônia que abrange 49,29% do
território brasileiro e uma área aproximada de 4.196.943 km². O menor bioma é o do Pantanal com uma área aproximada de
150.355 km² ou 1,76% do território do Brasil. No RS, em função da diversidade de clima, solos e relevo há a formação de distintos
ecossistemas derivados de dois grandes biomas: a Mata Atlântica e o Pampa.
O domínio do bioma Mata Atlântica, que pode ser definido pela presença predominante de vegetação florestal, se estende
por cerca de 37% do território gaúcho, ocupando a metade norte do estado, embora atualmente restem somente 7,5% de áreas
remanescentes com alto grau de fragmentação em relação à cobertura vegetal original. Cerca de 2.931.900ha destas áreas
remanescentes encontram-se protegidas desde 1993, constituindo a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica do RS.
Já o Bioma Pampa, cuja ocorrência no Brasil é restrita ao Rio Grande do Sul, ocupa a metade sul do estado se estendendo
por 63% do território gaúcho. Define-se por um conjunto de vegetação de campo em relevo predominante de planície que se
estende também pelo Uruguai e Argentina e é marcado pela presença de grande diversidade de fauna e flora ainda pouco
conhecida. É considerado atualmente o segundo bioma mais ameaçado do país, atrás apenas do bioma Mata Atlântica.
Os mapas a seguir identificam os biomas do Brasil e os biomas do Rio Grande do Sul.
37

BIOMAS DO BRASIL

http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/mosaico-de-imagens
38

BIOMAS DO RIO GRANDE DO SUL: MATA ATLÂNTICA E PAMPA

http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/mosaico-de-imagens
39

BIOMAS DO RIO GRANDE DO SUL: MOSAICO DE IMAGENS

http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/mosaico-de-imagens
40

MACROZONEAMENTO AMBIENTAL

O zoneamento ambiental é um instrumento de organização territorial que busca o uso eficiente do solo e a efetiva gestão
ambiental, almejando a conservação da biodiversidade, a qualidade ambiental do solo e dos recursos hídricos, aliado ao
desenvolvimento sustentável da economia. É uma ferramenta que busca soluções para o conflito entre a sustentabilidade
ecológica e o desenvolvimento econômico. O quadro abaixo traz um cenário amplo da ocupação e usos do solo: uma visualização
do macrozoneamento ambiental do Rio Grande do Sul.
http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/macrozoneamento-ambiental
41

BACIAS HIDROGRÁFICAS

Entende-se por bacia hidrográfica8 “toda a área de captação natural da água da chuva que escoa superficialmente para um
corpo de água ou seu contribuinte. Os limites da bacia hidrográfica são definidos pelo relevo, considerando-se como divisores de
águas as áreas mais elevadas. O corpo de água principal, que dá o nome à bacia, recebe contribuição dos seus afluentes sendo
que cada um deles pode apresentar vários contribuintes menores, alimentados direta ou indiretamente por nascentes. Assim, em
uma bacia existem várias sub-bacias ou áreas de drenagem de cada contribuinte. Estas são as unidades fundamentais para a
conservação e o manejo, uma vez que a característica ambiental de uma bacia reflete o somatório ou as relações de causa e
efeito da dinâmica natural e ação humana ocorridas no conjunto das sub-bacias nela contidas” (http://www.sema.rs.gov.br/bacias-
hidrograficas).
O Rio Grande do Sul é um dos estados brasileiros com maior disponibilidade de águas superficiais. Seu território é drenado
por uma densa malha hidrográfica superficial e conta com 3 grandes bacias coletoras: a bacia do Uruguai, a do Guaíba e a
Litorânea. A bacia do Uruguai, que faz parte da Bacia do Rio da Prata, abrange cerca de 57% da área total do Estado; a bacia do
Guaíba abrange 30% da área do Estado e a Bacia Litorânea abrange 13% do total.
O uso do solo da bacia do Uruguai está vinculado principalmente às atividades agrícolas, pecuárias e agroindustriais. A
bacia do Guaíba apresenta áreas de grande concentração industrial e urbana, sendo a mais densamente povoada do Estado, além
de sediar o maior número de atividades diversificadas, incluindo as atividades agrícolas e pecuárias e agroindustriais, industriais,
comerciais e de serviços.
A bacia litorânea apresenta usos do solo predominantemente vinculados às atividades agropecuárias, agroindustriais e
industriais. No Rio Grande do Sul a gestão dos recursos hídricos alcançou importantes avanços com a instalação dos Comitês de
Gerenciamento de Bacias Hidrográficas, cujo trabalho visa definir instrumentos de planejamento e gestão dos recursos hídricos,
promovendo a sua recuperação e conservação. Das 23 sub-bacias do Estado, 15 contam com Comitês instalados e operantes, 4
apresentam comissões provisórias e 4 são bacias compartilhadas que necessitam de tratamento especial
(http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/bacias-e-sub-bacias-hidrograficas).
8
A Bacia Hidrográfica, simplificadamente, pode ser compreendida como um conjunto de terras drenadas por um rio principal e seus afluentes, onde a água
escoa dos pontos mais altos para os mais baixos.
42

Bacias Hidrográficas. http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/bacias-e-sub-bacias-hidrograficas


43

http://www.sema.rs.gov.br/bacias-hidrograficas.
44
Bacias Hidrográficas e os rios In: http://www.sema.rs.gov.br/bacias-hidrograficas.
45

Cartão-postal Rio das Antas editado pela Casa Miscelânea - Porto Alegre. Por volta de 1905.
PAISAGENS HIDROGRÁFICAS

Cartão-postal. Rio Forqueta na década de 1920.


46

Cartão-postal do Porto de Cachoeira do Sul no Rio Jacuí. Década de 1920. Rio Uruguai, Salto de Yucumã no Parque Estadual do Turvo. Foto de
Vanderlei Debastiani.

Lagoa dos Patos em imagem da NASA.


http://photojournal.jpl.nasa.gov/catalog/PIA03444
47

CLIMA

O clima do Rio Grande do Sul é “temperado do tipo Subtropical”, classificado como Mesotérmico Úmido
(classificação de Köppen). Devido à sua posição geográfica, entre os paralelos 27°03"42"" e 33°45"09"" de latitude Sul, e
49º42"41"" e 57º40"57"" de longitude Oeste, apresenta grandes diferenças em relação ao Brasil. A latitude reforça as
influências das massas de ar oriundas da região polar e da área tropical continental e Atlântica. A movimentação e os
encontros destas massas definem muitas de nossas características climáticas.

As temperaturas apresentam grande variação sazonal, com verões quentes e invernos bastante rigorosos, com a
ocorrência de geadas e precipitação eventual de neve. As temperaturas médias variam entre 15 e 18°C, com mínimas
de até -10°C e máximas de 40°C. Com relação às precipitações, o Estado apresenta uma distribuição relativamente
equilibrada das chuvas ao longo de todo o ano, em decorrência das massas de ar oceânicas que penetram no Estado.

O volume de chuvas, no entanto, é diferenciado. Ao sul a precipitação média situa-se entre 1.299 e 1.500mm e, ao
norte a média está entre 1.500 e 1.800mm, com intensidade maior de chuvas à nordeste do Estado, especialmente na
encosta do Planalto, local com maior precipitação no Estado (In: http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/clima-
temperatura-e-precipitacao).
48

Temperaturas médias no Rio Grande do Sul.


http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/clima-temperatura-e-precipitacao Precipitação média no Rio Grande do Sul. http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/clima-
temperatura-e-precipitacao
49

O CORREDOR DE TORNADOS DA AMÉRICA DO SUL

Um dos fenômenos meteorológicos mais devastadores são os tornados tão conhecidos pela cobertura da mídia no
meio oeste norte-americano e a destruição que provocam. O Rio Grande do Sul está localizado numa área que é
considerada a segunda maior do planeta em probabilidade para a ocorrência de tornados (conforme estudos do
Laboratório Nacional de Tempestades Severas dos Estados Unidos). O “Corredor de Tornados da América do Sul” está
localizado onde se encontram os ventos frios e secos vindos dos Andes e Patagônia e os ventos úmidos e quentes
vindos da Amazônia e Chaco. Argentina, Uruguai, Paraguai e o sul da Bolívia estão nesta área além do Rio Grande do
Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Triângulo Mineiro e Mato Grosso do Sul.
Conforme os meteorologistas da Metsul "estamos no Corredor dos Tornados da América do Sul em que a
propensão para este tipo de fenômeno é altíssima. Esta zona, que compreende o Centro e o Norte da Argentina, o
Uruguai, o Sul do Brasil e o Paraguai, é a segunda mais propícia ao registro de tornados no mundo, ficando atrás
apenas das Planícies Centrais dos Estados Unidos. Os tornados, portanto, são parte da nossa realidade climática e são
muito mais freqüentes do que se imagina."9 https://www.pronosticoextendido.net

9
Meteorologistas Estael Sias, Luiz Fernando Nachtigall e Eugenio Hackbart.
https://twitter.com/metsul
50

No ano de 2004 ocorreu um fenômeno raro. O Catarina foi o primeiro


furacão tropical documentado cientificamente no Brasil: foi o primeiro
registro oficial de um ciclone tropical no Atlântico Sul. Na escala Saffir-
Simpson o furacão foi de categoria 2 com ventos sustentáveis de até
180 km/h. O ciclone chegou a zona costeira entre Torres (RS) e
Laguna (SC) com ventos de até 170 km/h provocando 11 mortes, 518
feridos e danos materiais em mais de quarenta mil casas.

Os ciclones extratropicais são comuns no sul do Brasil mas a formação


de um ciclone tropical (que exige águas do Atlântico com temperatura
superior a 24-25°C e uma série de outras condições propícias) ainda é
fator de debates e hipóteses. Mudanças climáticas e anomalias
atmosféricas é uma das linhas de investigação.

Furacão Catarina em 26-03-2004. National Oceanic and Atmospheric Administration ( NOOA).

Furacão Catarina. 27 de março de 2004. NASA.


51

PAISAGENS DO RIO GRANDE DO SUL

Atualmente, o Estado do Rio Grande do Sul possui uma área de 282.062 Km² (3,3% do território brasileiro e 0,4 da
superfície do planeta). Está localizado abaixo do Trópico de Capricórnio e faz fronteira com o Uruguai e a Argentina. As
coordenadas geográficas são: Latitude Norte 27°03’42’’ e Sul 33°45’10’’; Longitude Leste 49°42’31’’ e Oeste 57°40’57’’.
Vamos destacar algumas imagens da Planície Costeira (litoral do Rio Grande do Sul classificado em Norte, Médio e Sul
com 12% da área total); Planalto (53%); Depressão Central ou Periférica (18%) e Escudo Sul-rio-grandense (17% da
área total).

Os dados sofrem modificação dependendo da fonte utilizada e as nomenclaturas também são


diversificadas. Aspecto a ser considerado em estudos mais específicos é que o mesmo município poderá
apresentar mais de uma paisagem e ser enquadrado em duas ou mais classificações.

“Todos os que se iniciam no conhecimento das ciências da natureza – mais cedo ou mais tarde, por um caminho ou por outro
– atingem a ideia de que a paisagem é sempre herança. Na verdade, ela é uma herança em todo o sentido da palavra:
herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como
território de atuação de suas comunidades. (...) Mais do que simples espaços territoriais, os povos herdaram paisagens e
ecologias, pelas quais certamente são responsáveis, ou deveriam ser responsáveis. Desde os mais altos escalões do governo e
da administração até o mais simples cidadão, todos tem uma parcela de responsabilidade permanente, no sentido da
utilização não-predatória dessa herança única que é a paisagem terrestre. Para tanto, há que conhecer melhor as limitações
de uso específicas de cada tipo de espaço e de paisagem. Há que procurar obter indicações mais racionais, para preservação
do equilíbrio fisiográfico e ecológico. E acima de tudo, há que permanecer eqüidistante de um ecologismo utópico e de um
economismo suicida”. AB’SABER, Aziz. Os Domínios de Natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2003, p. 9-10.
52

PLANÍCIE COSTEIRA OU ZONA COSTEIRA

Antonio Carlos Robert de Moraes10 realizou um estudo clássico sobre o povoamento do litoral brasileiro. A
conceituação de zona costeira é complexa, mas, Moraes consegue abarcar intelectualmente uma aproximação
ao tema. Para ele, a zona costeira “pode ser conceituada de uma forma simples como a interface ou espaço de
transição entre a terra e o mar, entendidos como grandes domínios ambientais. É a parte da terra afetada por
sua proximidade ao mar, e a parte do oceano afetada por sua proximidade a terra. É uma área em que
processos dependentes da interação entre geosfera, hidrosfera e atmosfera são mais intensos e diretos. A zona
costeira se caracteriza, portanto, por sua tridimensionalidade, pelo encontro das águas (doces e salgadas) com
a terra e a atmosfera, e por sua “fluidez”, de água e de ar, mas também de gente, embarcações, mercadorias e
significados. Como espaço físico, é de certa forma indeterminado, já que a definição de limites físicos passará
sempre por uma escolha social mais ou menos arbitrária. É antes um território culturalmente construído do que
um espaço fisicamente dado”.

►A zona costeira do Rio Grande do Sul se estende por 622 km e está dividido em Litoral Norte, Médio e Sul.

*Entre as paisagens, o maior enfoque será dado a Planície Costeira, pois, o público imediato a que se destina
este livro são estudantes do Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento Costeiro e alunos de Graduação
em História com temáticas ligadas ao processo histórico na zona costeira do Rio Grande o Sul.

10
MORAES, Carlos Dante de. Contribuições para a Gestão da Zona Costeira Brasileira. São Paulo: Edusp, 1987.
53

http://www.mma.gov.br/informma/item/10601-rio-grande-do-sul-munic%C3%ADpios-da-zona-costeira
54

O LITORAL NORTE

O Litoral Norte do Rio Grande do Sul é integrado por 19 municípios, com economia preponderantemente
associada à atividade turística de veraneio, o que confere à região características de grande variação sazonal da
população e intensa urbanização. Trata-se de uma região de idade geológica recente, cujos ecossistemas apresentam
características de fragilidade e raridade, mostrando uma seqüência de ambientes de especial valor paisagístico e
produtividade biológica: praias marinhas, barreiras de dunas, banhados, cordão de lagoas doces e salobras e encosta da
serra. Esta fragilidade ambiental, associada aos movimentos de população, implica na necessidade de um ordenamento
da ocupação territorial, com medidas que contemplem adequadamente suas restrições e potencialidades e minimizem a
ocorrência de problemas sócio-econômicos e ambientais (http://www.fepam.rs.gov.br/programas/gerco_norte.asp).
População total Área no setor
Município Área total (Km²) Área no setor (%)
(hab) (Km²)

Arroio do Sal 5.273 127,17 100,00% 127,17

Balneário Pinhal 7.452 106,18 98,33% 104,41

Capão da Canoa 30.498 96,57 100,00% 96,57

Capivari do Sul 3.107 412,75 2,71% 11,19

Caraá 6.403 294,77 2,43% 7,16

Cidreira 8.882 241,48 100,00% 241,48

Dom Pedro de Alcântara 2.636 79,27 100,00% 79,27

Imbé 12.242 39,63 100,00% 39,63

Itati * 2.836 195,21 100,00% 195,21


55

Mampituba 3.106 156,54 76,06% 119,06

Maquiné 7.304 624,04 100,00% 624,04

Morrinhos do Sul 3.533 166,25 100,00% 166,25

Osório 36.131 669,99 94,30% 631,80

Palmares do Sul 10.854 928,91 0,08% 0,74

Riozinho 4.071 236,49 0,31% 0,73

Santo Antônio da Patrulha 37.035 1.067,35 14,43% 154,02

São Francisco de Paula 19.725 3.326,90 5,84% 194,29

Terra de Areia 8.617 142,45 100,00% 142,45

Torres 30.880 161,46 100,00% 161,46

Tramandaí 31.040 143,49 100,00% 143,49

Três Cachoeiras 9.523 252,59 100,00% 252,59

Três Forquilhas 3.239 236,35 95,57% 225,88

Xangri-lá 8.197 60,16 100,00% 60,16

TOTAIS 292.584 9.766,00 3.779,06

Fonte dos dados: Área total (Secretaria da Agricultura e Abastecimento, 2002); População Total (IBGE, 2002); Percentual de área na bacia (GEOFEPAM, 2002); obs.: o cálculo da
população de cada município, na bacia, foi estimado pelo DRH/SEMA, levando-se em conta a localização da sede municipal; (*) município emancipado após 2000.
56

Litoral Norte do RS. Tânia Marques Strohaecker e Elírio e. Toldo jr. O Litoral Norte do Rio Grande do Sul como
um pólo de sustentabilidade ambiental do Brasil meridional.
57

Guaritas de Torres. Jean Debret, década de 1820.


58

LITORAL MÉDIO

O Litoral Médio do RS compreende áreas de entorno da Laguna dos Patos, verificando-se importantes diferenças
ambientais e sócio-econômicas entre a porção a leste e a porção a oeste da Laguna. Assim sendo, é geralmente
adotada esta subdivisão como critério de estudo e de planejamento desta região. A Laguna dos Patos, a maior do
mundo com 10.145 km², apresenta profundidade média de 5 metros, com extensão de 250 km. Este corpo d’água
condiciona a presença de dois grandes subsistemas, a Restinga Litorânea e a Restinga Lagunar, que ao sul estão
interconectados pelo subsistema estuarino transicional, representados por marismas e dunas vivas. Embora de gênese
semelhante, estes dois subsistemas tem idades diferentes e portanto encontram-se em estágios diferenciados. O
reconhecimento destas diferenças é importante no planejamento do desenvolvimento da região, uma vez que elas se
refletem em diferenças na sua organização estrutural, funcional e na sua capacidade de recuperação ambiental,
requerendo, portanto, níveis diferenciados de manejo (http://www.fepam.rs.gov.br/programas/gerco).

LITORAL MÉDIO OESTE - Municípios: Tapes**, Sentinela do Sul**, Cerro Grande do Sul**, Camaquã, Barra do
Ribeiro*, Arambaré, Cristal, São Lourenço do Sul , Pelotas, Morro Redondo, Pedro Osório***, Arroio Grande***, Capão
do Leão, Chuvisca, Turuçu, Cerrito**, Rio Grande e Arroio do Padre. Superfície de 16.764km² e extensão de 340 km de
costa.

Este setor apresenta uma grande heterogeneidade espacial, distribuído em nove unidades naturais: planície alta,
planície média, planície baixa, matas nativas, banhados de água doce permanentes, lagoas interiores, dunas
obliteradas, dunas vivas e mantos de aspersão eólica. Na região mais próxima ao estuário da Laguna dos Patos
destaca-se a presença de ecossistemas denominados de marismas, que são equivalentes ecológicos aos manguezais.
Constituem-se em comunidades herbáceas localizadas em áreas úmidas com influência marinha direta, com
representantes de plantas originárias dos trópicos e de zonas temperadas frias, caracterizando esta região como de
transição. A ocupação humana nesse subsistema é mais intensiva, com a presença de cidades e das principais
atividades econômicas da região, agricultura, pecuária e boa parte dos florestamentos. Destaca-se a presença de
Pelotas e Rio Grande, cidades pólo na região, onde existe grande influência do uso industrial e os significativos impactos
gerados pelo Superporto (http://www.fepam.rs.gov.br/programas/gerco).
59

População total Área no setor


Município Área total (Km²) Área no setor (%)
(hab) (Km²)

Amaral Ferrador 5.740 505,94 0,75 3,79

Arambaré 3.917 516,67 100 516,67

Arroio do Padre * 2.563 125,34 100 125,34

Arroio Grande 19.152 2.542,96 5,43 138,08

Barra do Ribeiro 11.845 738,35 4,77 35,22

Camaquã 60.383 1.680,66 99,72 1.675,95

Canguçu 51.447 3.517,09 0,87 30,60

Capão do Leão 23.718 783,22 100 783,22

Cerrito 6.925 461,14 73,68 339,77

Cerro Grande do Sul 8.273 323,77 72,81 235,74

Chuvisca 4.502 213,84 92,95 198,76

Cristal 6.632 681,09 96,26 655,62

Dom Feliciano 13.297 1.261,16 1,95 24,59

Morro Redondo 5.998 246,81 100 246,81

Pedro Osório 8.107 598,06 17,50 104,66

Pelotas 320.595 1.520,58 100 1.520,58

Piratini 19.414 3.403,91 0,29 9,87


60

Rio Grande 186.544 2.833 31,81 901,18

São Jerônimo 20.283 968,54 0,03 0,29

São Lourenço do Sul 43.691 2.025,56 100 2.025,56

Sentinela do Sul 4.892 281,99 68,54 193,28

Tapes 16.291 813,81 82,73 673,27

Turuçu 3.710 285,73 100 285,73

TOTAIS 847.919 26.329,22 10.724,58

Fonte dos dados: Área total (Secretaria da Agricultura e Abastecimento, 2002); População Total (IBGE, 2002); Percentual de área na bacia (GEOFEPAM, 2002); obs.: o cálculo da
população de cada município, na bacia, foi estimado pelo DRH/SEMA, levando-se em conta a localização da sede municipal; (*) município emancipado após 2000.

LITORAL MÉDIO LESTE - Possui uma superfície de 11.836 km² e uma extensão de 270 km de Costa. Os municípios
são Palmares do Sul, Viamão*, Mostardas, Tavares, São José do Norte e Capivari do Sul (*Município parcialmente
dentro da área do GERCO (Gerenciamento Costeiro) com sede municipal fora).

Este setor é bastante recente, tendo sua origem a partir do último evento transgressivo- regressivo, há
aproximadamente 7.000 anos atrás. Deste modo, os solos não se encontram ainda estruturados e a produção primária é
muito restrita. As maiores lagoas – Lagoa do Peixe e do Estreito, apresentam alta produção de detritos que é
eventualmente exportada para o Oceano durante o inverno e a primavera. Nestas estações do ano, o nível d’água das
lagoas encontra-se alto, rompendo em alguns locais a barreira arenosa que as separam do Oceano, formando os
“sangradouros” que aportam os detritos acumulados. As maiores concentrações de aves costeiras normalmente estão
associadas à presença desses sangradouros. Este subsistema corresponde a aproximadamente 1/4 do ecossistema
total, predominando as dunas costeiras e ocorrendo no restante da área apenas quatro unidades naturais, constituídas
pelas dunas obliteradas, banhados permanentes, banhados temporários e lagoas costeiras recentes. Apesar da baixa
heterogeneidade espacial, a biodiversidade é relativamente alta, devido à presença do sistema marinho adjacente que
61

sustenta uma comunidade de praia abundante e diversificada. É nesse subsistema que se encontra o Parque Nacional
da Lagoa do Peixe integrante da Rede Hemisférica de Reservas de Aves Praieiras e da Rede de Reserva da Biosfera,
pela sua importância ambiental. Os processos mais importantes são o transporte de nutriente das lagoas para o oceano,
estocagem e fluxo bidirecional de sedimentos oceano/dunas, produção secundária (estocagem de genes) e regulação
hidrológica devido aos banhados marginais. As comunidades silvestres são características de ambientes marinhos e
límnicos costeiros. A atividade econômica é incipiente, mas localmente importante, resumindo-se a pecuária extensiva,
reflorestamento com espécies exóticas, rizicultura e pesca de peixe e camarão principalmente pela comunidade de
Tavares. É nesse setor que se verifica a principal atividade de lazer para a comunidade local, que é o veraneio nos
rústicos balneários locais (http://www.fepam.rs.gov.br/programas/gerco).
População total Área no setor
Município Área total (Km²) Área no setor (%) Fonte dos dados: Área total
(hab) (Km²)
(Secretaria da Agricultura e
Balneário Pinhal 7.452 106,18 1,67% 1,77 Abastecimento, 2002); População
Total (IBGE, 2002); Percentual de
Capivari do Sul 3.107 412,75 97,29% 401,56 área na bacia (GEOFEPAM, 2002);
obs.: o cálculo da população de
Mostardas 11.658 1.938,34 100,00% 1.938,34
cada município, na bacia, foi
Osório 36.131 669,99 0,05% 0,33 estimado pelo DRH/SEMA,
levando-se em conta a localização
Palmares do Sul 10.854 928,91 99,92% 928,17 da sede municipal; (*) município
emancipado após 2000.Fonte:
Santo Antônio da Patrulha 37.035 1.067,35 10,07% 107,48
Diretrizes Ambientais para o
São José do Norte 23.796 1.133,72 100,00% 1.133,72 Desenvolvimento dos Municípios
do Litoral Norte.
Tavares 5.342 651,21 100,00% 651,21

Viamão 227.429 1.491,48 53,46% 797,35

TOTAIS 362.804 8.399,93 5.959,94


Barra da Lagoa do Peixe. http://parnalagoadopeixe.blogspot.com.br
62

Links
Parque relacionados:
Nacional da Lagoa do Peixe.
www.sema.rs.gov.br
http://parnalagoadopeixe.blogspot.com.br/2015/11
www.rbma.org.br

“O Parque Nacional da Lagoa do Peixe está localizado em uma extensa


planície costeira arenosa, situada entre a lagoa dos Patos e o Oceano
Atlântico (municípios de Mostardas e Tavares). Sua paisagem é composta
por mata de restinga, banhados, campos de dunas, lagoas de água doce e
salobra, além de praias e uma área marinha. Apesar da denominação,
lagoa do Peixe é, na verdade, uma laguna, por causa da comunicação com
o mar. É relativamente rasa, com 60 centímetros de profundidade em
média. Possui 35 quilômetros de comprimento e 2 quilômetros de
largura, e é formada por sucessão de pequenas lagoas interligadas,
caracterizando, assim, um reservatório natural de água salobra. A área é
um berçário para o desenvolvimento de espécies marinhas, entre as quais
camarão-rosa, tainha e linguado, e atrai variadas espécies de aves, que
encontram na lagoa e em suas marismas farta alimentação”. In:
http://parnalagoadopeixe.blogspot.com.br
63

LITORAL SUL

A ampla planície costeira que estende-se no litoral Sul do RS, desde a fronteira com o Uruguai, abriga um dos
mais relevantes sistemas naturais do Estado, onde os banhados e áreas úmidas associados a lagoas e cursos d’água
constituem aspecto dominante na paisagem. Nesta área destacam-se as lagoas Mirim e Mangueira, dentre outros corpos
d’água. Parte da região sofre o impacto do uso abusivo de agricultura e pecuária por serem áreas de formação geológica
recente, cuja vegetação encontra-se ancorada em uma tênue camada de solo arenoso. Focos de reflorestamento, com
espécies exóticas, encontram-se pulverizados por toda a área. Existe uma faixa mais ou menos contínua de dunas e
areais ao longo do litoral, compondo a borda da Lagoa Mirim em direção a Lagoa dos Patos. Os areais estão
desprovidos de cobertura vegetal ou apresentam espécies halófitas. Nas baixadas úmidas, entre as dunas, desenvolve-
se uma vegetação de transição entre os ambientes aquático e terrestre. Apesar do número elevado de lagoas costeiras,
as dunas lacustres ocupam uma área mais restrita, sendo muitas vezes substituídas por brejos marginais. Um tipo
especial de campo reconhecido como "butiazal" ocorre na região, com exemplares de Butia capitata dispersos em meio
ao estrato herbáceo contínuo.
Comunidades herbáceas são também encontradas em áreas úmidas com influência marinha direta, denominadas
de marismas. Estes ecossistemas são equivalentes ecológicos dos manguezais, inexistentes no Rio Grande do Sul. Os
principais conflitos enfrentados na conservação destes ambientes e da biodiversidade estão associados a rizicultura,
atividade econômica significativa na região, sendo dominante na paisagem. Dentre os impactos causados pelo cultivo do
arroz, destaca-se a alteração do regime hidrológico da região e a contaminação das águas através do uso de
agrotóxicos. Destaca-se neste setor a Estação Ecológica do Taim como importante Unidade de Conservação dos
ecossistemas de áreas úmidas. Municípios: Pedro Osório, Arroio Grande, Jaguarão, Rio Grande, Santa Vitória do
Palmar e Chuí (http://www.fepam.rs.gov.br/programas/gerco).
64

População total Área no setor Fonte dos dados: Área total


Município Área total (Km²) Área no setor (%)
(hab) (Km²) (Secretaria da Agricultura e
Abastecimento, 2002); População
Arroio Grande 19.152 2.542,96 94,55% 2.404,37 Total (IBGE, 2002); Percentual
de área na bacia (GEOFEPAM,
Chuí 5.167 200,62 100,00% 200,62
2002); obs.: o cálculo da
população de cada município, na
Jaguarão 30.093 2.070,45 47,26% 978,49
bacia, foi estimado pelo
DRH/SEMA, levando-se em conta
Pedro Osório 8.107 598,06 82,14% 491,25
a localização da sede municipal;
(*) município emancipado após
Rio Grande 186.544 2.833 67,98% 1.925,87
2000.
Santa Vitória do Palmar 33.304 5.239,1 100,00% 5.239,1

TOTAIS 282.367 13.484,19 11.239,70


65
Jean Debret e a Barra do Rio Grande na década de 1820.

Jean Debret e os perigos da navegação no litoral sul.


66

ESCUDO SUL-RIO-GRANDENSE

Também conhecido por Serras do Sudeste a altitude não excede os 550 metros. É formado por rochas do
período Pré-Cambriano e intensa erosão. Este planalto compreende um conjunto de ondulações suaves a moderadas
(coxilhas) e cobertas por vegetação rasteira e herbácea. É um planalto antigo, com terrenos
de granito e gnaisse formando o Escudo Sul-Rio-Grandense. Ocupa toda a porção sudeste do estado, configurando
uma área triangular cujos vértices correspondem aproximadamente às cidades de Porto Alegre, Dom Pedrito e Jaguarão
(ANDRIOTTI & BINOTTO). O conjunto está dividido, pelo vale do rio Camaquã, em duas grandes unidades, uma ao
norte e outra a sul, denominadas Serra de Herval e Serra dos Tapes, respectivamente (GONÇALVES & SANTOS).
Chama a atenção a presença das formações rochosas denominadas guaritas entre outras na cidade de Caçapava
do Sul. Na região de Caçapava, segundo o IBGE, predomina a formação Savana Gramínio-lenhosa formada por campos
finos e campos místicos. Os morros são cobertos de plantas características da região, endêmicas e ameaçadas pelo
extrativismo, podendo-se citar principalmente cactáceas e petúnias. Predominam pequenas e médias propriedades,
onde se desenvolvem as pecuárias bovina, caprina e ovina (http://www.biodiversidade.rs.gov.br/portal).
O Escudo Sul Rio-grandense apresenta uma grande diversidade geológica e geomorfológica. Inserido como o
embasamento geológico do estado, apresenta uma área de aproximadamente 65.000 km² (CHEMALE JR., 2000).
Apesar de sua extensão relativamente limitada, o Escudo Sul-rio-grandense apresenta associações dos três grandes
grupos de rochas, isto é, Ígneas, Metamórficas e Sedimentares, com idades muito antigas, que variam desde o
Arqueano até o Eopaleozóico (~3,85 bilhões de anos - ~542 milhões de anos).

Munícipios abrangidos: Aceguá, Amaral Ferrador, Arroio do Padre, Bagé, Caçapava do Sul, Camaquã, Candiota, Canguçu,Capão do
Leão, Cerrito, Cerro Grande do Sul, Chuvisca, Cristal, Dom Feliciano, Dom Pedrito, Encruzilhada do Sul, Herval, Hulha Negra, Jaguarão,
Lavras do Sul, Morro Redondo, Pedras Altas, Pedro Osório, Pelotas, Pinheiro Machado, Piratini, Santana da Boa Vista, São Lourenço do Sul e
Turuçu.
67
Formação rochosa em Caçapava do Sul. http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=918846

AB'SABER (1964), examinando problemas do relevo brasileiro,adota uma classificação, para o relevo do Rio Grande do Sul, onde
individualiza 4 grandes conjuntos que compõem seu relevo: Planalto Uruguaio-Sul-Rio-Grandense, constituído de maciços antigos
regionais, pertencentes ao Escudo Uruguaio-Sul-Rio-Grandense, na forma de um baixo planalto cristalino de altitudes médias
oscilando em torno de 200-400m, no qual se destacam algumas superfícies ou níveis de erosão modernos; Planalto Meridional,
onde é comum a presença de derrames basálticos, triássicos ou jurássicos, associados às formações sedimentares dos princípios e
meados do mesozóico; Depressão Periférica, como extensa calha de desnudação marginal, com relevo dominantemente suave e
colinoso; e as Planícies e Terras Baixas costeiras.
68

DEPRESSÃO CENTRAL

A Depressão Central é uma larga faixa Leste-


Oeste, na bacia do Jacuí e seus afluentes. O relevo
é ondulado apresentando altitudes médias inferiores
a 100 metros. Seus limites são a Serra Geral ao
norte e a Serra do Sudeste ao sul. A vegetação se
divide em: campestre, silvática e palustre. A
vegetação campestre refere-se aos campos. A mata
foi substituída pela agricultura e plantações de
acácia e eucalipto. A vegetação silvática é composta
por cinco formações: a galeria, os capões, o parque,
as manchas de matas arbustivas e a mata virgem.
Climaticamente a região é, juntamente com a
Campanha, a zona mais quente do Estado, com
precipitações médias entre 1.300-1600 mm. Alguns
dos principais municípios são: Porto Alegre, Santa
Maria, Canoas, Guaíba, Santa Cruz do Sul, Taquari,
Gravataí, Cachoeira do Sul etc. Ocupa uma área de
31.778 km².
69

PLANALTO DA SERRA GERAL

Também denominado de Planalto Meridional é a maior formação fisiográfica com 153.000 km². Engloba a
chamada Serra Gaúcha e apresenta os pontos mais elevados do Rio Grande do Sul nos Aparados da Serra (em torno
de 1.300 metros). Vamos destacar algumas divisões do Planalto que é caracterizado pelo solo basáltico.
A noroeste está a “Região Missioneira” situada entre os rios Ibicuí, Uruguai e Ijuí. As altitudes variam entre 300-
400 metros e reduzindo para 60-80 no Vale do Uruguai.
Entre o noroeste e o norte está o “Alto Uruguai” situado entre o Rio Uruguai e o Rio Ijuí, até Marcelino Ramos.
Os principais municípios formadores são: Erechim, Tenente Portela, Palmeira das Missões, Sarandi, Santa Rosa,
Frederico Westephalen, Getúlio Vargas, Três Passos, Giruá e Três de Maio. O relevo é suave em direção ao Rio Uruguai
e mais acidentado no sentido contrário ao deslocamento das águas. A altitude no planalto chega até 500 a 700 metros,
havendo vales profundos e de encostas íngremes de 100 a 300 metros.
O “Planalto Médio” é limitado ao Norte pela região do Alto Uruguai, ao Sul pela Depressão Central e Leste pela
Encosta Superior do Nordeste. As principais cidades são: Passo Fundo, Carazinho, Cruz Alta, Ijuí, Panambi,
Tupanciretã, Soledade, Tapera e Júlio de Castilhos. A região alcança 700 metros no Leste e 400 a 500 metros no Oeste,
incluindo a bacia do Jacuí Superior, em cujo vale há altitudes até inferior a 200 metros. No Sul, onde há transição para
Depressão Central são as florestas latifoliadas que ocupam a borda do planalto numa faixa que se alarga de Jaguari,
passando por Mata, São Pedro do Sul, Santa Maria, até o vale do Jacuí.
A “Encosta Superior do Nordeste” é constituída pelos municípios de: Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Guaporé,
Flores da Cunha, Nova Prata, Farroupilha, Garibaldi etc. Está encravada entre a Encosta Inferior do Nordeste e os
campos do Planalto. O relevo é muito montanhoso. A região é recortada profundamente por rios que formam vales
estreitos. As altitudes variam de 300 a 600 metros nos vales, até 800 metros nos limites com o planalto.
A “Encosta Inferior do Nordeste” é delimitada ao Norte pela Encosta Superior do Nordeste, ao Sul pela
Depressão Central, Leste pelo litoral e a Oeste pelo Planalto Médio. É formada pelos municípios de Santa Cruz do Sul,
Venâncio Aires, Montenegro, Encantado, Lajeado, Taquari, Santo Antonio, Sobradinho, Candelária etc. Ocorrem
70

principalmente derrames basálticos mas também, sílticos e folhelhos sílticos, num relevo fortemente inclinado e em
altitudes de 50 a 100 metros no Sul, subindo para 500 a 600 metros no Norte.
Nos “Campos de Cima da Serra” o relevo é suave com recortes profundos de alguns rios. Esta região é formada
de uma planície elevada de inclinação para Oeste. O material de origem é basáltico. As altitudes variam entre 1.200-
1400 metros nos Aparados da Serra (e Itaimbézinho). Localizada no extremo Nordeste do Estado, fazendo divisa ao
Nordeste com o Estado de Santa Catarina. Os principais municípios são: Vacaria, Bom Jesus, São Francisco de Paula,
Cambará do Sul, Lagoa Vermelha, Esmeralda e outros.
As denominações são múltiplas e não consensuais como é o caso do termo “Serra Gaúcha” que abarca a
Encosta Superior do Nordeste, os Campos de Cima da Serra e a região das Hortências (com epicentro entre Gramado,
Canela e Nova Petrópolis – com forte apelo turístico).
Cascata do Caracol em Canela. Fotografia: Tiago Fioreze.
71
Itaimbézinho nos Aparados da Serra. Fotografia de Claus Bunks.
72

PAMPA GAÚCHO E CAMPANHA GAÚCHA

As planícies com coxilhas cobertas por campos constituem o “Pampa Gaúcho” que regionalmente também é
chamado de “Campanha Gaúcha”. Numa delimitação mais específica são lembradas as cidades de São Gabriel, Bagé,
Dom Pedrito, Rosário do Sul, Alegrete, Quaraí, Uruguaiana etc. O relevo suave com altitudes entre 60-120 metros
remete a uma fisionomia monótona com cobertura vegetal propicia a criação pastoril e agricultura. Esta caracterização
permite uma aproximação com a Campanha Gaúcha mas não abarca todo o bioma pampa.
Muitas divergências sobre a delimitação espacial do Pampa Gaúcho se faz presente em diversos autores. Um
exemplo é Lindman (1906). Ele considera o Rio Grande do Sul como uma zona de transição entre a mata virgem
brasileira e os pampas argentinos, e o divide em duas regiões geográficas: parte norte (ou Planalto) e parte sul e oeste
(ou Campanha). Lindman dividiu os campos do Rio Grande do Sul em Campos de Porto Alegre, Campanha do Rio
Grande, Campos do Planalto e Campos do curso médio do rio Uruguai.
Uma análise mais recente amplia a divisão dos campos. Para Boldrini (2010) haveriam: Campos do bioma Mata
Atlântica (“campos do Brasil Central”, situados no norte do Estado e que tem continuidade em Santa Catarina e Paraná)
e Campos do bioma Pampa (“campos do Uruguai e sul do Brasil”). Os Campos do bioma Pampa estão divididos em
Campos de barba-de-bode, na região norte e noroeste do estado; Campos de solos rasos, na região sudoeste do estado
(Campanha Sudoeste), fronteira com o Uruguai e Argentina, sobre Neossolos Litólicos; Campos de solos profundos, no
sudoeste do estado (região da Campanha Meridional) na fronteira com o Uruguai, sobre solos diversos, especialmente
Chernossolos, Vertissolos e Planossolos; Campos dos areais, no centro-oeste do RS; Vegetação savanóide, no planalto
sul-riograndense, no centro-leste do Estado, sobre Neossolos Litólicos derivados do granito, rasos e muito pedregosos,
embora ocorram associações com Argissolos Vermelho-amarelos e outros solos de textura arenosa; Campos do centro
do Estado; Campos litorâneos.
O Pampa Gaúcho receberá outras denominações no Uruguai e Argentina mas de fato é um “continuum
fisiográfico” que historicamente formou identidades culturais com proximidades e intercâmbios numa fronteira em
73

movimento. Parte do imaginário relacionado ao gaúcho rio-grandense se forjou neste espaço ligado a criação do gado e
conseqüentes relações de poder produzidas.

Cartão-postal por volta de 1905 do Editor R. Strauch. Candiota e a fisiografia da Campanha Gaúcha.
74

VESTÍGIOS DA VIDA VEGETAL E ANIMAL

Após esta breve introdução a Geografia Rio-Grandense que nos possibilitou evidenciar alguns cenários
fisiográficos basilares para entender a ocupação humana nos últimos milênios, faremos um retorno temporal de
“longuíssima duração” para buscar as evidências da presença de vida vegetal e animal. Adentraremos no
campo do conhecimento das pesquisas paleontológicas e paleobotânicas.

FORMAÇÃO FÓSSIL

A fossilização é um processo físico e químico complexo que permite conservar vestígios ou partes do corpo de
seres vivos que viveram no passado. É necessário que ocorra a deposição de material sedimentar que garanta a
preservação: junto às praias, em mares profundos, em águas lodosas de rios, em áreas pantanosas e lodosas etc.
Partículas minerais, em camadas sobrepostas, vão se depositar gradualmente ao longo de milhares ou milhões de anos
fazendo com que as partes mais duras do ser vivo se integre as rochas sedimentares. Os fósseis são raros em relação
aos vegetais e animais que viveram no passado, pois é necessário que o corpo fique coberto antes do início da
decomposição. A mineralização é uma das formas de formação de fósseis. O processo ocorre em meios aquáticos com
plantas ou animais.
Pércio de Moraes Branco contribui para ampliar o conceitual básico neste campo do conhecimento. Conforme o
autor, fósseis são restos ou vestígios de animais e vegetais preservados em rochas. Restos são partes de animal (ex.:
ossos, dentes, escamas) ou da planta (ex.: troncos) e vestígios são evidências de sua existência ou de suas atividades
(ex: pegadas). Geralmente ficam preservadas as estruturas mais resistentes do animal ou da planta, as chamadas partes
duras (como dentes, ossos e conchas). As partes moles (como vísceras, pele e vasos sanguíneos) preservam-se com
muito mais dificuldade. Pode ocorrer também o caso ainda mais raro de ficarem preservadas tanto as partes duras
quanto as moles, como no caso de mamutes lanudos que foram encontrados intactos no gelo e de alguns insetos que
fossilizam em âmbar.
75

Considera-se fóssil aquele ser vivo que viveu há mais de 11 mil anos, ou seja, antes do Holoceno, que é a época
geológica atual. Restos ou evidências antigas, mas com menos de 11 mil anos, como os encontrados nos sambaquis,
são classificados como subfósseis.
A paleontologia, o estudo dos fósseis, divide-se em: paleozoologia (estudo dos fósseis animais), paleobotânica
(estudo dos fósseis vegetais) e paleoicnologia (estudo dos icnofósseis, estruturas resultantes das atividades dos seres
vivos, como pegadas, sulcos, perfurações ou escavações). A paleobiologia é o ramo da paleontologia que estuda os
fósseis e suas relações dentro da biosfera, e a paleopalinologia estuda os pólens e esporos. A fossilização resulta da
ação combinada de processos físicos, químicos e biológicos. Para que ela ocorra, ou seja, para que a natural
decomposição e desaparecimento do ser que morreu seja interrompida e haja preservação são necessárias algumas
condições, como rápido soterramento e ausência de ação bacteriana, que é a responsável pela decomposição dos
tecidos. Também influenciam na formação dos fósseis o modo de vida do animal e a composição química de seu
esqueleto (BRANCO, CPMR, 2014).
76

SÍTIOS PALEOBOTÂNICOS

Sommer e Scherer (1999) no artigo “Sítios Paleobotânicos do Arenito Mata nos Municípios de Mata e São Pedro do
Sul, RS” discorrem sobre os sítios paleobotânicos do centro do estado nos possibilitando investigar uma história muito mais
antiga do que a ocupação humana.
Segundo os autores, as “florestas petrificadas” que afloram nas regiões de Mata e São Pedro do Sul compõem alguns
dos mais importantes sítios paleobotânicos da América do Sul. Embora estas florestas petrificadas sejam conhecidas desde
algumas décadas no Rio Grande do Sul, somente no último decênio iniciaram-se tentativas de proteção e conservação deste
patrimônio científico cultural. Estes gigantescos troncos mineralizados, que atingem até 30 metros de comprimento, são
representantes de uma densa floresta formada prioritariamente por coníferas. As florestas petrificadas que afloram em
diferentes sítios paleontológicos da porção central do Estado do Rio Grande do Sul têm sido nas últimas décadas
relacionadas a diferentes idades e a distintas unidades estratigráficas. Atualmente, estudos estratigráficos, tafonômicos e
paleontológicos integrados têm vinculado diferentes associações de madeiras petrificadas a distintas unidades estratigráficas,
sendo as “florestas petrificadas” mais importantes e mais abundantes as relacionadas ao Arenito Mata.11 As ocorrências de
fósseis vegetais no Mesozóico do Rio Grande do Sul estão concentradas na região central do Estado. Os fósseis ocorrem
como caules silicificados de grande porte, normalmente rolados sobre sedimentos de diversas idades, que se distribuem
amplamente numa faixa leste-oeste de 200 km, embora o mais expressivo registro ocorra nas regiões dos municípios de São
Pedro do Sul e Mata.
Estudos recentes indicam que os troncos silicificados estão associados a três diferentes unidades estratigráficas, que
afloram ao longo da Depressão Periférica do Rio Grande do Sul: Formação Santa Maria, Formação Caturrita e Arenito Mata.

11
Apenas para buscar uma aproximação temporal esta madeira fossilizada remete a cerca de 200 milhões de anos antes do presente. África e América do
Sul estavam unidas e nesta região se formou uma bacia sedimentar (grande depressão que acumula diferentes tipos de material). Rios com grande energia
(sistema fluvial) promoviam a derrubada de coníferas junto ao leito do rio. Ao longo de milhões de anos os troncos foram preenchidos com sílica que
promoveu a sua fossilização e preservação até o presente.
77

SOMMER & SCHERER, 1999


78

Museu de História Geológica do Rio Grande do Sul (MHGEO)/Laboratório de História da Vida e da Terra (Lavigӕa) – Unisinos.
79

SÍTIOS PALEONTOLÓGICOS

Sítios paleontológicos são áreas propícias à formação e preservação de fósseis. A evolução da vida animal pode
ser investigada com a coleta e análise de fósseis existentes nestes sítios. A matéria a seguir enfatiza as descobertas de
animais Pré-históricos na região de Santa Maria (Revista Arco, 2017).
80
81

Tigre de dentes de sabre. Smilodon populator, Hungarian


A MEGAFAUNA PLEISTOCÊNICA Natural History Museum.

Animais de grande porte caracterizaram a época do Pleistoceno (entre


2,6 milhões e 11 mil anos antes do presente). Populações humanas, inclusive
no Brasil, conviveram com a megafauna que foi parcialmente extinta a partir de
11 mil anos com o final da Era do Gelo. Uma das hipóteses para a extinção são
as mudanças climáticas com a passagem de um clima frio e seco para um clima
quente e úmido. Enquanto na África sobreviveram várias espécies da
megafauna como o elefante, girafa, hipopótomo, leão, rinoceronte etc, no Rio
Grande do Sul a extinção atingiu quase todas as espécies: smilodon, megatério
peso de 4 toneladas), toxodonte, glyptodon, pampatherium etc. A participação
dos caçadores humanos no ocaso destas espécies ainda é objeto de estudo.

Megatério. Megatherium, The Wonderful Paleo Art of Heinrich Harder.


82

POVOAMENTO PRÉ-COLONIAL DO RIO GRANDE DO SUL

Esta brevíssima incursão de algumas temáticas do tempo geológico evidencia a riqueza de processos que
levaram a formação geográfica do território e do desenvolvimento de formas de vida vegetal e animal ao longo
de centenas de milhões de anos. É o momento de começarmos a inserir o tempo histórico neste longuíssimo
pano de fundo dos processos geológicos e biológicos. Este tempo histórico está associado à presença dos
seres humanos que passam a freqüentar as paisagens Rio-grandenses nos últimos milênios. Mesmo que não
deixassem por escrito sua passagem é possível analisar os seus vestígios materiais para interpretar suas
trajetórias. Inclusive, os primeiros caçadores-coletores tiveram contato com a megafauna pleistocênica e
consistiram na primeira migração que conduziu ao longo dos milênios seguintes na ocupação de parte do Rio
Grande do Sul. O cenário de migração está inserido na paleopaisagem do final da Era do Gelo.

Uma caracterização da paleopaisagem e da ocupação humana do Rio Grande do Sul foi feita pelo arqueólogo e
historiador Arno Alvarez Kern.12 O cenário por ele proposto possibilita uma visão ampla da temática indígena que se
estendeu por 97% do período de ocupação humana anterior a chegada dos europeus (que corresponde a 3% do tempo
total). ou seja, dos últimos 12 mil anos até o século XVI ocorreu o exclusivismo do povoamento por populações
indígenas.

Conforme Kern, a região platina sofreu inúmeras transformações ambientais durante o quaternário recente,
especialmente no final do pleistoceno e holoceno. A base física do relevo não sofreu transformações maiores, a não ser
no litoral, mas os ecossistemas foram profundamente alterados pelas oscilações climáticas. Paisagens glaciais; imensas
geleiras nos Andes; uma pequena calota glacial estabelecida na Patagônia e ventos frios e cortantes soprando do sul
para o norte ocasiona o predomínio das condições ambientais frias e secas. Isso desencadeia a ampliação das
paisagens vegetais abertas e restrições das espécies adaptadas às condições tropicais. Neste ambiente, a flora e a
12
KERN, Arno Alvarez. Pré-História e Ocupação Humana. In: Kern, A & SANTOS, C. (Direção). História Geral do Rio Grande do Sul (Povos Indígenas).
Passo Fundo: Méritos, 2009.
83

fauna já estão adaptadas há milênios, desde o auge da última fase da glaciação entre 20.000 e 18.000 antes do
presente (A.P.).

Nas planícies e nas montanhas os verões deveriam ser apenas temperados e os invernos muito rigorosos, com
precipitações de neve nas alturas do planalto meridional. Com a concentração de imensas quantidades de água nas
calotas glaciais, o nível do mar estava muito abaixo do atual, colocando toda a plataforma continental à mostra. A
corrente fria das Falklands, rumando para o norte ao longo do litoral, contribuía para aumentar a aridez e a seca.

Neste período, a transgressão marinha inundava as planícies costeiras do Brasil meridional e as terras baixas do
litoral atlântico do Uruguai. Os grupos que se estabeleceram nesta área, puderam pescar e coletar moluscos em um
ambiente muito favorável. As condições tropicais favoreciam a proliferação da fauna lacustre e marinha.

Pouco a pouco, o mar recuou aos níveis atuais. Imensas porções de água salgada ficaram isoladas do mar por
cordões litorâneos arenosos, dando origem às lagoas e lagunas da planície costeira. O recuo marinho holocênico criou
um ambiente extremamente favorável à vida. Os grupos pré-históricos que ali se estabeleceram tiveram amplas
possibilidades de pescar, coletar e também caçar. As evidências arqueológicas dos sítios próximos aos litorais marinhos
e junto aos mangues indicam a exploração diversificada dos variados nichos ecológicos existentes.

A região do rio da Prata já estava povoada desde a última glaciação, há 12.000 anos A.P., ou seja, 10.000 antes
de Cristo. As evidências arqueológicas conhecidas são ainda incompletas e muito reduzidas. Entretanto, já é possível ter
uma ideia inicial sobre as origens e os primórdios da instalação dos primeiros caçadores-coletores. Esta imensa área foi
pouco a pouco ocupada por grupos pré-históricos de caçadores-coletores-pescadores que se instalaram nas
paleopaisagens ainda geladas e secas. A mais remota ocupação no território da bacia platina só pode ser compreendida
como uma continuação do povoamento da América, durante e após a última glaciação. A datação mais antiga registrada
para a chegada dos primeiros caçadores-coletores é de 12.770 ± 220 A.P no Rio Uruguai.
84

Há uma série de datações que se escalonam entre 11.500 e 8.500 antes do presente, nesta área. A gradual
ocupação do continente americano se desenvolveu no final da última glaciação e durante o início do Holoceno. Esse
povoamento foi realizado por grupos pré-históricos dotados de uma cultura material que é o prolongamento dos padrões
culturais paleolíticos. Sua aparência física era correspondente ao homo sapiens. Ainda não foram encontrados
esqueletos que possam indicar a existência de homens mais antigos. Sob o impacto das transformações ambientais, os
grupos de caçadores-coletores-pescadores se instalaram pouco a pouco nas paisagens atlânticas da bacia do rio da
Prata. Migraram possivelmente ao longo das encostas dos Andes, ou através da planície amazônica, então desprovida
da atual vegetação florestal de grande porte e de milhares de espécies. Chegaram a tempo de conviver com a
megafauna pleistocênica antes da sua extinção.

A região platina deve ser considerada como uma zona de transição, extremamente heterogênea, não só do ponto
de vista cultural, mas também enquanto espaço geográfico. Possui certas características de área de transição entre a
zona tropical brasileira ao norte, as paisagens austrais da Patagônia ao sul e as cadeias de montanhas andinas a oeste.
E mesmo as paisagens que tanto caracterizam o seu espaço ambiental, das estepes do pampa aos altos do planalto; os
vales dos rios e a planície litorânea; todas se prolongam para fora dos limites da região em estudo. São todas paisagens
muito diferenciadas, com distintos relevos, climas, floras e faunas. O clima equatorial quente e úmido, e que acompanha
o litoral e as encostas do planalto meridional até o sul do Brasil, contrasta com os ventos frios, as geadas (mais
raramente a neve) das alturas do Planalto Meridional e das latitudes meridionais do pampa.

Mesmo que haja certa uniformidade climática ao longo do ano, com precipitações pluviométricas constantes e
ausência de estação seca, as amplitudes térmicas são notáveis. As paisagens vegetais apresentam igualmente
diferenças muito grandes, incluindo infindáveis tapetes de gramíneas dos pampas sulinos, as densas florestas tropicais
das vertentes atlânticas e as florestas subtropicais com pinheiros "araucária" do planalto.

Formada de contrastes e contatos, as paisagens platinas ao mesmo tempo em que ajudavam para a formação de
padrões culturais distintos, nunca impediram os contatos interétnicos. Nestas paisagens, grupos de caçadores e
85

cultivadores se estabeleceram no decorrer de mais de 12 milênios, ao longo dos quais o espaço geográfico se
desdobrou em paleopaisagens cambiantes. Esse processo de longa duração é um dos mais difíceis fatores a ser
compreendido. Tendo em vista a gama cambiante das paisagens geográficas e a insuficiência dos dados climáticos,
ainda é difícil estabelecer as relações existentes entre as diversas evidências do relevo, solo, clima, flora e fauna.

As condições ambientais começaram gradualmente a se transformar entre 13.000 e 10.000 A.P.


Predominantemente glaciais até então, as temperaturas subiram pouco a pouco devido a uma maior intensidade da
radiação solar. Com o derretimento das geleiras, subiram os níveis marinhos. A transgressão marinha invadiu a planície
litorânea, inundando-a pouco a pouco. Persistiram os climas secos com pluviosidade restrita, mas cada vez mais
quentes. Apenas por volta de 7.000 A.P. o clima temperado seco tornar-se-ia úmido, com a progressiva chegada das
chuvas intensas e das massas de ar tropical do norte.

As florestas se desenvolveram, com a pluviosidade e a umidade, reocupando áreas onde antes predominavam as
paisagens abertas. Os caçadores-coletores-pescadores teriam que se readaptar a estas grandes transformações que
ocorreram em todo o planeta. Estes grupos pré-históricos aproveitaram o derretimento das neves glaciais e a subida dos
níveis marinhos, para instalar sítios de coleta e de pesca em litorais marinhos. Ao longo dos 10.000 anos do Holoceno o
povoamento indígena, que já estava iniciado, incrementou-se. Indicativo disto é a multiplicação de evidências de sítios
arqueológicos associados a este contexto, indicando uma expansão demográfica. Desenvolvem-se culturas materiais
típicas do mesolítico, com uma difusão de pequenos implementos lascados, denominados de micrólitos, muito bem
retocados e com gumes serrilhados.

Também remontam ao Holoceno as evidências das culturas materiais neolíticas, que indicam não apenas uma
tecnologia baseada no polimento da pedra, mas também a utilização intensa da cerâmica e a domesticação de plantas e
animais. Mas é somente por volta de 2.000 A.P. que teve início o processo de neolitização e a cerâmica fez a sua
aparição, aparentemente após o início da horticultura, que em grande parte parece coincidir com a chegada de uma
nova cultura na região platina, a guarani. A entrada dos guaranis da Amazônia reconfigurou totalmente toda a área
86

platina. Descendo pelos rios em direção ao sul, começaram a disputar por espaço junto aos vales quentes e úmidos,
desalojando ou absorvendo em parte populações dos outros povos. Gradualmente se estabelecem como a maior
unidade cultural da região.

Na região platina os grupos indígenas estavam estabelecidos em diversos ambientes com padrões de adaptação
diferenciados, a partir de tradições culturais estabelecidas desde muitos séculos. A base para a formação destas
sociedades nativas foi os primeiros grupos de caçadores, coletores e pescadores que aqui se estabeleceram, em plena
glaciação. Os vestígios mais antigos encontrados pelas pesquisas arqueológicas indicam que locais de acampamento
dos primeiros povoadores da região em geral se encontram nos vales dos rios que cortam profundamente as encostas
do planalto rio Pelotas, Uruguai, Jacuí, Antas (ou Taquari), Caí, Maquiné e Itajaí.

Através deles os caçadores-coletores do planalto tiveram acesso às florestas das encostas e àquelas que limitam
com os campos dos pampas. No decorrer do período pós-glacial, nos últimos 10.000 anos, estes grupos se
transformaram de maneira extraordinária, diferenciando-se entre si, até os momentos que antecederam o povoamento
europeu.
87

Domínios naturais da América do Sul, AB'SABER, 1977.


88

Vegetação do Brasil entre 18.000-13.000 A.P. Fonte: Ab'Saber, 1977.


89

O POVOAMENTO DO LITORAL RIO-GRANDENSE

O período anterior ao povoamento europeu no litoral do Rio Grande do Sul é uma história de longuíssima duração.
Desde as primeiras identificações no século XVI até o efetivo início da fundação, a partir de Rio Grande em 19 de
fevereiro de 1737, o litoral do Rio Grande do Sul possui processos históricos que recuam milênios no passado.

No Brasil, a presença humana é reconhecida cientificamente a mais de 12 mil anos. Porém, uma discussão
inesgotável apresenta hipóteses de 40 mil anos ou mais em sítios arqueológicos no Piauí (São Raimundo Nonato). Para
o Rio Grande do Sul, as datações indicam aproximadamente doze milênios junto ao Rio Uruguai, com a presença de
caçadores-coletores. O recorte que será feito se refere à planície costeira rio-grandense que abarca, numa visão de
conjunto, os litorais Norte, Médio e Sul do RS. Portanto, muito tempo antes dos europeus cruzarem pelo litoral rio-
grandense, populações “indígenas” promoviam suas migrações e ocupações destes ecossistemas lagunar-estuarino e
oceânico.

A passagem a seguir foi reproduzida de Arno Alvarez Kern a partir da leitura dos livros Arqueologia Pré-Histórica
do RS e Antecedentes Indígenas.

Conforme Kern, as paisagens da planície litorânea são muito diversificadas. A vegetação florestal atlântica é
presente nas encostas do planalto, mas se torna rarefeita ao sul. Erguendo-se até altitudes de mil metros acima do nível
do mar, as abruptas e escarpadas encostas orientais do planalto sul-brasileiro avançam em direção ao oceano Atlântico
de maneira irregular, e por isto a longa planície costeira ora é mais larga, ora mais estreita. Muitas vezes as montanhas
se encontram junto às praias, batidas pelas ondas, ou em pleno oceano, emergindo como ilhas. Durante milênios,
pescadores e coletores marinhos viveram nesta estreita paisagem emoldurada por duas magníficas, mas, quase
intransponíveis barreiras geográficas, o mar e a serra, com poucos lugares de trânsito para as terras do interior. Os
grupos pré-históricos poderiam chegar no máximo até as ilhas próximas ao litoral, com canoas.
90

No holoceno ocorreram avanços do mar, as transgressões marinhas, nas quais os níveis marinhos subiram até
cinco metros acima do atual. Esse parece ter sido um dos ambientes preferidos pelos grupos de pescadores-coletores
pré-históricos. O recuo holocênico marinho formou extensas e estreitas faixas de areia, que isolaram lagoas e lagunas,
cujas águas pouco a pouco se dessalinizaram. Em outras áreas mais baixas e sob a influência das marés, formaram-se
manguezais, com uma vegetação bem típica, de pouca altura e de raízes aéreas. Junto às margens das lagoas e dos
pequenos rios, em torno dos manguezais e subindo pelas encostas do planalto, uma exuberante floresta tropical
atlântica encontrou possibilidades de se desenvolver, rica em caça e possibilidades de coleta. Mais para o sul, quando
as montanhas se afastam do oceano, desaparecem os manguezais e as pequenas praias bordejadas por rochedos. As
áreas abertas de campo aparecem, ligando-se com as imensas pradarias dos pampas. Passam a predominar as
imensas praias de mar aberto, cobertas por dunas móveis de areia, principalmente ao sul de Torres. A mudança de
paisagem é muito grande, e os sítios arqueológicos dos pescadores-coletores desaparecem pouco a pouco, assim como
os elementos materiais de sua cultura.

Há seis mil anos, quando se instalaram as condições quentes e úmidas do ótimo climático, grupos de pescadores
e coletores marinhos iniciaram uma lenta, mas, constante ocupação da planície litorânea. Vindos provavelmente dos
litorais de São Paulo e Paraná, onde existem datações de radiocarbono mais antigas, pouco a pouco eles chegaram às
praias de Santa Catarina e do litoral norte do Rio Grande do Sul. Os locais de habitação destes grupos pré-históricos
estão associados aos sambaquis, criando a idéia de uma "cultura sambaquiana". Um termo cômodo, mas na verdade
pouco preciso, pois seu conteúdo cultural é muito diverso. Pouco se sabe sobre o seu aspecto físico, mas sua dieta e
sua cultura material permitem afirmar que eram predominantemente pescadores e coletores.

Os restos de fogueiras encontrados, com evidências de um sistema de cocção de alimentos com pedras
termóforas, sugerem que não conheciam a cerâmica. Entretanto, a cultura material encontrada nos locais de habitação
desses grupos de pescadores-coletores, demonstra uma grande capacidade artesanal e o perfeito domínio de técnicas,
principalmente o polimento da pedra e do osso. Em osso polido criaram pequenos pesos de linha para a pesca
91

individual, anzóis, agulhas e pontas de flecha. Os anzóis e os pesos de redes e de linha, que encontramos nos sítios
costeiros, demonstram que eles pescavam tanto no mar como nas lagoas e nos rios. Estes grupos litorâneos parecem
ter desaparecido ou se aculturado.

Os sambaquis13 são sítios arqueológicos que apresentam vestígios culturais em meio a camadas com alta
densidade de conchas, trazidas pelas populações pescadoras-caçadoras-coletoras. São constituídos por restos de
animais, sepultamentos humanos, artefatos, fogueiras e outros restos de atividades humanas. Por sua
multifuncionalidade, não podem ser classificados somente como sítios de habitação ou funerário. O tamanho também é
variável, podendo ser rasos ou chegando a vários metros de altura.

Para KERN, os primeiros habitantes do litoral sul do Brasil conheciam o polimento da pedra e do osso. Blocos de
pedras, algumas vezes à beira mar, apresentam sulcos alongados polidos, que evidenciam o seu uso como polidores de
implementos, possivelmente empregando areia e água do mar como abrasivos. Com essa técnica criaram lâminas de
machado para atividades diárias e artefatos fusiformes polidos com sulcos, provavelmente com finalidade ritual. Mas há
também artefatos com evidências das técnicas de desbaste e lascamento. Desenvolveram também percutores para a
elaboração de objetos de pedra lascada, pesos de tear para a tecelagem das redes e pesos de rede para a pesca no
mar.

As rochas utilizadas como percutores ou como núcleos, eram seixos rolados que foram trazidos dos vales dos rios
que descem as encostas do planalto. Isto demonstra que estes grupos circulavam pela planície costeira em todas as
direções, explorando ao máximo seus diversos ambientes e fontes de matéria-prima. Dessas rochas que existem em

13
Os Sambaquis tem recebido releituras como a de Maria Dulce Gaspar (Museu Nacional do Rio de Janeiro) no livro Sambaqui: Arqueologia do Litoral
Brasileiro (Jorge Zahar Editor, 2000). Para a autora, a corrente “artificialista” – que vê os sítios como obra de seres humanos – divide-se em duas vertentes:
uma que define os sambaquis como resultado da acumulação casual de restos de comida e local de moradia; e outra vertente, enfatiza os sambaquis como
construções propositais e como monumentos funerários. Para Maria Dulce os sambaquis são fruto de um trabalho social ordenado visando à construção de
“imponentes marcos paisagísticos”.
92

abundância, desde as encostas da Serra Geral até as falésias do litoral, os artífices dos sambaquianos pré-históricos
elaboraram mais de quarenta tipos diferentes de utensílios e objetos de adorno. Dentre eles, pode-se destacar, como
sendo de uso cotidiano, as lascas comuns e as lâminas usadas como facas, os furadores para fazer furos circulares, as
talhadeiras para cortar a madeira ou o osso, os raspadores para limpar as peles dos animais, os instrumentos com
entalhes para alisar as hastes de flecha e lanças, entre outros. A indústria lítica destes grupos de pescadores-coletores
costeiros, e em especial a belíssima arte dos zoólitos14, não se limitou apenas aos territórios que ocupavam. Exemplares
de suas manifestações culturais passaram pelos caminhos naturais para o interior, como os campos que se abrem em
direção ao pampa uruguaio ou pelas margens ao longo do vale do rio Jacuí.

As paisagens abertas com vegetação de gramíneas e arbustos são genericamente denominadas de pampas na
Argentina, no Uruguai e no Rio Grande do Sul. Nos extensos campos ao sul da bacia do Jacuí raros bosques quebram a
monotonia dessas paisagens. Mesmo as pequenas elevações, as coxilhas, à distância se confundem numa planície
suavemente ondulada. Convidativa ao deslocamento foi habitada por grupos nômades que percorriam as imensas
pradarias do Pampa e do Chaco. Os restos da cultura material dos primeiros povos pampeanos são hoje encontrados
dispersos em quase toda essa grande área. Em áreas próximas ao litoral atlântico os vestígios arqueológicos
evidenciam o predomínio da pesca e da coleta marinha de moluscos e crustáceos. Nas áreas pampeanas próximas às
margens das lagoas ou nas zonas baixas e alagadiças, podiam pescar peixes em profusão e coletar moluscos.

14
Zoólitos são esculturas, que, em geral, apresentam “representações naturalistas ou geométricas, zoomórficas ou antropomórficas; confeccionadas em
diferentes suportes materiais, a exemplo de rochas e ossos de baleia, são comumente reconhecidas por zoólitos, antropólitos ou zoósteos. A função exata
quanto à utilização dos zoólitos ainda é imprecisa. Entretanto, a principal hipótese está associada com uma possível atividade ritualística, sobretudo, devido
a presença de uma cavidade que existe em grande parte dessas peças. A observação etnológica de objetos com cavidades similares, utilizados como
recipientes para acondicionar componentes alucinógenos em cultos xamânicos, contribuiu para a interpretação desse possível uso para os zoólitos”.
GOMES, Angela A. de Oliveira. Perspectivas interpretativas no estudo das esculturas zoomórficas pré-coloniais do litoral sul do Brasil: uma abordagem
preliminar In: www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/memorare_grupep/article/.../1399
93

Os abundantes restos encontrados sugerem uma ocupação sazonal nas margens das lagoas, e que se efetuava
na primavera e até meados do verão. Dentre os restos de peixes encontrados nos sítios arqueológicos, encontram-se
miraguaias, tainhas, bagres e corvinas e nas lagoas próximas ao mar também camarões e os siris. Em outras zonas, e
em especial nos campos, predominam evidências de caça. Em todas estas áreas, podia ser realizada continuamente a
caça das capivaras, das emas, dos veados campeiros, dos ratões do banhado, dos tatus, dos pequenos roedores e das
aves. Podiam igualmente coletar moluscos terrestres e fluviais, ovos de aves e frutos de diversas plantas, tais como as
figueiras, os jerivás, os cactos e eventualmente mel silvestre. Aparentemente os povos pampeanos perduram nestas
mesmas paisagens e seriam os mesmos grupos indígenas que se tornaram conhecidos a partir do século XVI como os
Charrua e os Minuano. No século XVII, as frentes de colonização ibéricas invadem as áreas abertas pampeanas para
explorar intensamente as vacarias de gado selvagem e instalar as estâncias de gado domesticado

A partir do século XVI, a documentação histórica luso-espanhola se refere apenas aos Guarani e aos grupos de
Guaianá no litoral. Não há referências similares aos grupos sambaquianos, conhecidos apenas pelos seus sítios
arqueológicos e por sua cultura material. Provavelmente permaneceram neste ambiente propício até que os Guarani
iniciaram a ocupação do litoral após 2.000 AP. Mas eles não devem ter sido simplesmente eliminados pelos grupos
invasores. Os pescadores-coletores devem ter passado por processos culturais de "guaranização". Os "sambaquianos"
miscigenados também podem ser a origem dos grupos denominados carijós, que habitavam o litoral do Rio Grande do
Sul e de Santa Catarina, conclui Arno Alvarez Kern
94

Sambaqui Capão da Marca, Tavares. Arqueólogo Pedro Mentz Ribeiro Sambaqui da Casca, Mostardas. Arqueólogo Pedro Mentz Ribeiro
(1999). (1999).

Zoólito representando um tubarão

Zoólito representando um tubarão, possivelmente da espécie Carcharodon carcharias


(tubarão branco). Peça sob salvaguarda do Laboratório de Antropologia e Arqueologia da
Universidade Federal de Pelotas. O zoólito foi encontrado por volta de 1980 (quando do
uso de um retro-escavadeira) no interior de Capão do Leão fazendo parte de uma coleção
particular. As dimensões da peça são 57,2 cm (comprimento) 22,3 cm (largura) 13,5 cm
(altura); Cavidade ventral: forma elipsóide longitudinal: 17,5 cm (comprimento) 12,6 cm
(largura) 5,2 cm (altura) Peso: 11.950 g. O material é a rocha vulcânica serpentinito,
material encontrado a pelo menos 150 km de distância (GONZALEZ & MILHEIRA, 2005).
Como hipótese para explicar a ocorrência deste zoólito, os autores levam em
consideração três fatores: a disponibilidade de matéria-prima, territorialidade e
composição da coleção (mais artefatos foram encontrados associados ao zoólito),
“podemos pensar em questões como trocas de materiais entre grupos construtores de
cerritos com grupos sambaquieiros que permeiam tanto a esfera das relações econômicas
como simbólicas” (p.93).
95

A ARTE RUPESTRE: A PEDRA GRANDE

Arte rupestre consiste em diversificadas expressões estéticas e simbólicas que expressam determinada cultura
pré-histórica. Duas expressões de arte rupestre são: petroglifos (usando técnicas de picoteamento, polimento e
raspagem de uma superfície rochosa) ou pictografia (pinturas realizadas com o uso de pigmentos minerais coloridos).
Segundo Lizete Dias de Oliveira,
“fascinante e envolta em mistério, a arte rupestre é a mais importante fonte de informações sobre as
origens intelectuais e artísticas da humanidade. Um dos únicos vestígios deixados voluntariamente
pelos homens pré-históricos, essa manifestação cultural é muito anterior à linguagem escrita.
Modelar, gravar ou pintar sobre um suporte rochoso é uma atividade realizada em todos os
continentes, do Alasca à América do Sul, da Europa à Ásia ou à Austrália (...). A arte rupestre nos
coloca diante de uma dialética entre o passado e o presente. Entendemos quem somos hoje, se
compreendermos o que éramos, como vivíamos ou como pensávamos. Somos o resultado de várias
influencias culturais que foram marcando nossa visão de mundo. Um olhar sobre a arte rupestre do
Rio Grande do Sul deveria inicialmente reconhecer que existem duas temporalidades que se
interconectam e influenciam. Reconhecer que nosso discurso sobre o passado é fruto da nossa visão
de mundo atual, mas que também é fruto das influências culturais pretéritas”.15

Os sítios de arte rupestre no Rio Grande do Sul estão, em sua maioria, alinhados na escarpa do Planalto
Meridional (ao norte do Vale do Rio Jacuí). As imagens são gravadas em arenito e basalto, principalmente pela técnica
de incisão e de polimento. A maior parte das gravuras é encontrada em blocos isolados ou agrupados, em abrigos sob
rocha, paredões e grutas. Um sítio de destaque é o da Pedra Grande (no município de São Pedro do Sul) que se

15
OLIVEIRA, Lizete Dias de. Arte Rupestre. In: Kern, A & SANTOS, C. (Direção). História Geral do Rio Grande do Sul (Povos Indígenas). Passo Fundo:
Méritos, 2009, p. 420.
96

constitui num abrigo próximo ao Arroio Ribeirão e ao Rio Toropi. O abrigo é um bloco de arenito com 86,5m de
comprimento por 9 de espessura e 8,5 de altura. Os petroglifos estão localizados, especialmente, no centro do abrigo e
foram feitos num longo período: entre 900 a.C. e 1.300 d.C. Grupos da Tradição Umbu foram os primeiros ocupantes do
local e posteriormente grupos horticultores da tradição tupi-guarani aí se estabeleceram. Outra ocupação, já colonial,
ocorreu entre 1633-1637 quando a redução jesuítico-guarani de São José foi edificada nas proximidades do abrigo antes
de sua fuga frente ao avanço dos bandeirantes escravistas.
Detalha dos petroglifos da Pedra Grande.
OLIVEIRA, 2009.
97

Arqueólogo Pedro Augusto Mentz Ribeiro em sítio de arte rupestre (abrigo sob rocha). Anos Sítio de arte rupestre (petroglifos) na aquarela de Jean Debret da
1970. década de 1820.
98

POPULAÇÕES INDÍGENAS NO PERÍODO COLONIAL

No século XVI os Charrua e Minuano percorriam as paisagens abertas e frias dos pampas; os grupos horticultores
de fala jê habitavam as aldeias de casas subterrâneas dos altos do planalto; e os horticultores Guarani de origem
amazônica estavam instalados em aldeias localizadas nos vales dos grandes rios e nas margens das lagoas. Neste
contexto aconteceram os primeiros contatos das populações ameríndias com os conquistadores ibéricos, recém
chegados na região platina, os quais procuraram articular alianças com os grupos locais.
Para os Guarani, a aliança com os luso-espanhóis favorecia a vitória contra seus inimigos tradicionais, e as
relações de parentesco, com a entrega das mulheres, possibilitavam o escambo e os presentes. Seus aliados brancos
eram Karaí, poderosos indivíduos com traços dos heróis-civilizadores de suas lendas, que traziam novas tecnologias:
lâminas de machado, anzóis e facas em metal; tecidos e armas de fogo.
Para os ibéricos, a aliança com os Guarani propiciava a mobilização de guerreiros para a conquista de outros
índios ainda resistentes ao avanço europeu; a apropriação de excedentes agrícolas para sustento dos brancos; o
estabelecimento de núcleos de população com a incorporação social das mulheres guaranis.
As relações evoluíram para uma crescente exploração do trabalho indígena sob a forma de servidão,
especialmente nas áreas sob controle espanhol e de escravidão, empregada principalmente pelos portugueses. As
sucessivas frentes européias de colonização e a crescente resistência indígena geraram crises e confrontos armados
que implicaram no deslocamento para áreas afastadas ou mesmo em tentativas de etnocídio de populações inteiras.
Apesar dos muitos guerreiros mortos em combate, a derrota nunca eliminou totalmente as populações. Muitos dos
povoados foram transformados ou reinstalados em "aldeias" lusas e em pueblos hispânicos. Alguns indígenas
colaboraram com o branco invasor colocando a seu serviço sua força de trabalho, como moradores nas aldeias das
Missões e como peões das estâncias de gado do pampa. Outros foram dizimados pela escravidão nas lavouras de cana-
de-açúcar de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, até serem substituídos pelos escravos trazidos da áfrica.
99

Após a crise demográfica das populações nativas motivada pelas guerras e doenças, foi ao longo do período
Colonial e de maneira muito lenta que as populações indígenas puderam, pouco a pouco, tornar a crescer.
Paralelamente, aumentou a miscigenação resultante de relações forçadas e da concubinagem entre homens europeus e
mulheres indígenas.
Armas indígenas na pintura de Jean Debret. O artista percorreu entre o sudeste e o sul do Brasil e não especificou a que grupos
os artefatos pertence.
100

POVOS DO PAMPA DO PERÍODO DE CONTATO

Conhecidos sob a denominação histórica de Charruas e Minuanos, os povos pampeanos descendem dos mais antigos
caçadores que se instalaram nos pampas platinos durante a última glaciação. Com as suas boleadeiras, seus arcos e flechas,
perambulavam pelos campos, caçando as emas, os veados, os tatus, os ratões do banhado e as capivaras. Em seus acampamentos
de nômades, faziam fogos de chão e ali assavam a carne dos animais em espetos de madeira. Junto às lagoas do litoral Sul, sua
atividade era sobretudo a pesca.

Suas técnicas de lascamento da pedra eram muito sofisticadas, pois elaboravam pontas de lança e de flecha com retoques
muito bem feitos. Em muitas áreas de pesca, próximo ao litoral e em terrenos alagadiços do interior, esses grupos de caçadores
passaram a se instalar em pequenas elevações, os "cerritos", onde deixaram evidências de seus enterramentos rituais, das suas
atividades de pesca e a sua cerâmica, provavelmente destinada à cocção de peixes. Foram autores de gravuras em paredes de
abrigos ou em rochedos ao ar livre. Essa arte tem uma simbologia instigante, pois alguns signos sugerem uma magia de caça, outros
uma magia da fertilidade.

Foram estes caçadores nômades Guaicuru, Charrua e Minuano os grupos que mais resistiram ao processo de colonização
européia e às ações de evangelização missionária. Os caçadores- pescadores transformaram-se em guerreiros-cavaleiros portando
suas longas e temidas lanças pelos pampas que conheciam tão bem. Lutaram para manter a sua irredutível independência até os
inícios do século XX. Muitos viram decretadas as suas sentenças de morte, no campo de batalha ou na emboscada à traição. Mas
alguns também participaram intensamente das lutas entre os portugueses e espanhóis, e mais tarde, nas campanhas de
independência dos países da região. Entretanto, um número ainda difícil de precisar, terminou se transformando em peões das
estâncias de gado que se implantavam. Os pampeanos deram à sociedade colonial duas contribuições importantes. Em primeiro lugar,
um colorido na tez e um olhar especial, pois colaboraram de maneira inquestionável para a formação étnica dos primeiros habitantes
das estâncias de gado, peões ou filhos dos proprietários. Na tez amorenada e nos olhos rasgados de muito "índio velho" gaúcho, ainda
hoje persiste esta herança genética. Em segundo lugar, colaboraram com inúmeros traços culturais, dentre os quais o churrasco na
campanha, as reuniões em torno do fogo de chão, uma fita amarrada na testa prendendo os cabelos lisos e negros, às boleadeiras na
cintura, a chinoca e o nomadismo típico deste tipo arredio.
101

CATEQUESE E ALDEAMENTO DE MINUANOS: AMOSTRA DOCUMENTAL

Os Minuanos eram caçadores, pescadores e coletores que habitavam a Antiga Banda Oriental do Uruguai, constituindo
cerca de 1.000 indivíduos quando dos contatos com os colonizadores luso-espanhóis, a partir dos primeiros relatos na metade do
século XVII. Ocuparam especialmente os campos próximos as margens de rios e arroios, lagunas ou banhados, dependendo dos
recursos vegetais e animais destas áreas. Viviam agrupados em toldos e eram nômades, buscando sistematicamente territórios
para a caça e a coleta.
O contato com os europeus que exploravam o gado e que fizeram surgir as vacarias e as estâncias, provocou algumas
alterações na forma de organização destes grupos, que buscaram uma atuação mais destacada das chefias e a adaptação as
lides campeiras, através do roubo e do contrabando do gado e da habilidade no uso do cavalo que foi introduzido pelos europeus.
Porém, com o avanço da ocupação européia e a incorporação dos espaços platinos aos latifúndios que acarretam nos
cercamentos dos campos, os Minuanos acabam sendo exterminados ou assimilados à sociedade européia, de forma violenta ou
através de aldeamentos, na medida em que a reprodução do modo de vida dependente do nomadismo tornou-se inviável. Entre as
tentativas de incorporação através da política indigenista pombalina, do extermínio nas lutas do Prata ou da inserção dos homens
como peões nas estâncias e das mulheres como domésticas nas casas dos brancos, não restaram alternativas para a reprodução
do modo-de-ser Minuano frente a sociedade colonial luso-espanhola em expansão. As últimas referências ao grupo, foi feita no
Uruguai por volta de 1870.
A presença indígena dos Minuanos nas imediações da Barra do Rio Grande foi relatada num documento anônimo escrito
em italiano referente a acontecimentos ocorridos entre 1748 e 1751. Estes Minuanos mantiveram-se por mais de dez anos
afastados da ocupação lusitana estabelecida a partir da Fortaleza de Jesus-Maria-José, recuando para a região do rio Jaguarão e
da Lagoa Mirim. A política portuguesa de incorporação destes grupos se efetivou a partir de 1749 quando Minuanos se
reaproximam das cercanias da Barra do Rio Grande, sendo que 54 índios foram batizados no dia 8 de setembro deste ano. A
incorporação persistiu até 1752, e devido ao receio da presença deles na Vila do Rio Grande, foram transferidos para a Fazenda
Real do Bojuru, sob administração do guarda-mor João Antunes da Porciúncula. O documento a seguir, foi publicado por Serafim
Leite na História da Companhia de Jesus no Brasil e se refere à presença e batizado de Minuanos em Rio Grande.
102

Os Minuanos “chegaram a princípio de junho de 1748 e como então começava o inverno, que naquela terra é bastante
rigoroso por causa da muita neve, ordenou o Governador que se provessem os Padres de uma casa bem resguardada e de toda a
roupa própria dessa estação. Passado o inverno, que naquele ano durou até fins de agosto, fez-se a missão em setembro.
Acabada ela, com muitas obras de edificação e piedade, a qual deviam fazer seguindo o seu santo Instituto, pediram licença ao
Governador para voltar a Santa Catarina, como tinham prometido ao Governador daquela Ilha. Não lhe concedeu o Governador a
licença, dizendo-lhes que a mente de El-Rei era que se aldeassem todos os índios, que comodamente pudessem, por aquela
região, que o esperava uma brigada de índios chamados Minuanos, que da Guarda do Chuí e da Fortaleza de São Miguel se lhe
devia mandar; e que fariam grande serviço a Deus, a sua Majestade e a ele, se esperassem para instruir, doutrinar e batizar
aquela gente selvagem. Deixaram os Padres por então de apressar a volta para Santa Catarina, pelo grande bem que esperavam
colher. Mas como o Coronel Governador não realizou a expedição que se combinara, fez-se muito vagarosamente a entrada de
três brigadas de índios, e por último da 4ª brigada foi preciso que o Padre Bento Nogueira ajudasse a conduzi-la, porque dando
parte ao Governador o Capitão Pedro Pereira Chaves, comandante da Guarda do Chuí, que a brigada de índios, que já se havia
posto a caminho, repugnava entrar, porque tinha adoecido mortalmente uma índia já dentro do nosso campo, ofereceu-se o Padre
Nogueira ao Governador para ir batizar a mulher e animar aqueles selvagens a virem. O Governador aceitou a oferta e no meado
de junho de 1750, pôr-se a caminho levando como catequista um índio chamado José Ladino, que sabia a língua espanhola.
Chegando o Padre a Surucumbu, distante da povoação cerca de 50 léguas, pelo meio dia, avistou-se com o comandante, que
estão invernava com os índios, por causa da muita água e neve de que estava cheia a campanha aquele ano. Encontrou o Padre e
a mulher, já fora do perigo de morte, capaz de fazer a viagem, e a animou e a todos os outros a entrarem na povoação,
assegurados pelo catequista Ladino do bom tratamento que achariam nos Padres.
Entraram finalmente. E juntando-se as outras brigadas de índios, que já estavam dentro da povoação do Rio Grande,
começaram os Padres a instruí-los e a catequizá-los, prometendo-lhes que depois se aldeariam entre a guarda da fortaleza do
Estreito e a guarda da fortaleza do Norte.
Chegado, porém, o tempo de aldear-se, opôs-se a vizinhança, dizendo que os índios lhes roubariam o gado e os padres
tomariam conta das terras. Representação mais que suficiente para o Governador mudar de sistema, por causa da sua pouca
resolução, e ficarem as coisas como antes. Mas os índios batizados, com as suas mulheres, por conselho dos padres, foram servir
103

a El-Rei nas terras do Buiru (Bojuru), pertencentes à Coroa, onde ganhavam o mesmo salário dos homens de trabalho, ficando as
moças índias ao cuidado de suas madrinhas para as instruir e doutrinar.
Em outubro de 1750 celebraram-se os batismos dos índios Minuanos, sendo seus padrinhos o mesmo Governador e todas
as outras pessoas importantes do Presídio. Os batizados, entre adultos e crianças, foram pouco mais de 60. Os índios Minuanos,
com serem os mais valorosos da campanha, eram já em pequeno número, porque os índios, chamados Tapes e outros chamados
Charruas, em muito maior número, os andavam acabando e destruindo. Eram de gênio e natureza bastante doce e amicíssimos
dos portugueses de que é suficiente prova o não haver notícia que Minuano roubasse ou matasse português algum, não obstante
ser necessário toda e qualquer vez que quisessem ir à Colônia ou a Monte Vidio ou a muitas outras terras, passar por meio das
campanhas destes índios, onde quase todos os portugueses os encontravam. Esta nação, assim valorosa e de tão boas maneiras,
pediu à Coroa de Portugal a tivesse debaixo de seu domínio por causa do Governador não a querer aldear como se disse. Afirma
o Padre Nogueira que indo no mês de dezembro de 1750, na festa do Natal, à fortaleza de São Miguel, nos confins de Portugal,
distante bem 50 léguas da Vila do Rio Grande, falara com o célebre Minuano, por nome d. Xiclano, índios amável, pela sua
gentileza, gênio doce e boas maneiras, o qual tinha sob o seu poder algumas aldeias de índios e facilmente os conduziria para os
aldear, se depois ficassem todos com os padres; mas, como nada disso se podia esperar, e via que o Governador não queria
aldear aos outros índios, já estavam todos dispersos pela campanha, nem pode o padre fazer que D. Xiclano viesse com os seu
pares para a povoação.
O vestido que usam os índios Minuanos consiste em algumas peles de cervo. As índias, logo que nascem, lhes fazem na
testa uma cruz de cor azul que chega até o nariz; é costume ainda destas mulheres, quando morre algum de seus parentes
próximos, cortar o nó dos dedos das mãos. Com uma se encontrou um dos dois missionários, a qual já não tinha nas mãos, senão
um ou dois dedos ilesos. Também os homens fazem as suas demonstrações, que é ferirem os próprios braços e espáduas com
flechas, enxergando-se, depois, tanto nos braços como nas espáduas, os sinais das feridas. O que é muito comum ver-se
naqueles bárbaros. Finalmente, a 24 de maio de 1751, partiram os dois missionários do Rio Grande de São Pedro para a Ilha de
Santa Catarina, aonde chegaram nos meados de julho.”
104

Minuanos no Uruguai. Segunda metade do século XIX.


105

Charruas. Milão, 1827.G. Ferrario.


106
Charrua na aquarela de Jean Debret (década de 1820).
107

Índios pampeanos em litografia de Carlos Morel. Museu Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires. Década de 1830.
108
Índios pampeanos. Cacique e sua mulher. Litografia de Carlos Morel. Acervo: Museu Nacional de Bellas Artes de
Buenos Aires. Década de 1830.
109

Índio dos Pampas (Buenos Aires e fronteira). Adolphe Portier e Adolphe d’ Hastrel. Litografia
aquarelada. Primeira metade do século XIX. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
110
Charruas civilizados. Jean Debret. Década de 1820. Observa-se laço, boleadeiras, uma pele de onça e
tropeiros com gado chimarrão (ao fundo à esquerda).

Índios Guaicurus. Jean Debret década de 1820.


111

OS GUARANIS

Algumas características e interpretações do povoamento dos guaranis no Rio Grande do Sul serão
destacadas a seguir:

►Muitos séculos antes da denominação colonial ibérica, os grupos Tupi e Guarani desenvolveram uma intensa atividade
de conquista e povoamento de uma enorme área situada no Litoral Leste do Brasil e em grande parte da região do Rio
da Prata. A partir da Amazônia e em toda costa atlântica, migrações de grupos de tupis e guaranis se desenvolvem, por
volta de 2.000 A.P. Isso correu aparentemente, após um episódio climático seco importante possivelmente entre 3.000 e
2.000 A.P., que deve ter provocado uma crise na floresta equatorial amazônica e nas restantes massas florestais do
continente.
►Rumando inicialmente para o nordeste do Brasil e, após, para o sul, os grupos de tupis ocuparam grande parte da
costa leste, desde o Equador até o Trópico de Capricórnio, no Litoral de São Paulo. Quando os portugueses descobriram
o Brasil e se instalaram no Litoral, este já estava ocupado pelos Tupinambás.
►Os Guaranis desceram da Amazônia para o sul pelos caminhos hidrográficos da bacia platina; instalaram-se desde o
sul do Mato Grosso e do Trópico de Capricórnio até a foz do Rio da Prata, ocupando ainda o Litoral sul-brasileiro.
Deixaram intocadas, entretanto, as alturas do Planalto Meridional e o pampa. Suas aldeias e os seus territórios de caça,
pesca e coleta ocuparam amplos espaços nos férteis vales dos rios Paraguai, Paraná, Uruguai e Jacuí, bem como nos
de seus afluentes.
►Sabe-se que os Guaranis faziam continuamente expedições guerreiras, atacando os povos vizinhos para devorá-los
em cerimônias de canibalismo. Isso aconteceu em relação aos grupos pampianos dos Charruas e Minuanos, bem como
aos grupos de fala jê do Planalto. A partir de um padrão amazônico de instalação das aldeias na paisagem, buscaram os
vales quentes e úmidos bordejados pela floreta tropical e a subtropical. Subiram os vales dos rios que se lançam pelas
encostas do Planalto Sul-Brasileiro, até altitudes não superiores a 700 metros, enquanto predominarem as condições de
112

calor e umidade. Mas não chegaram a penetrar nas matas de araucária que se estendiam pelas alturas do Planalto, nem
mesmo nos campos que ali existem.
►Através do Vale do rio Jacuí, eles atingiram os litorais sul-brasileiro e uruguaio, instalando-se nas matas que bordejam
as lagoas, as lagunas e os pequenos rios da costa atlântica, e as encostas da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul.
Nessas áreas-limite com os campos, estes guerreiros provenientes da Amazônia defrontaram-se com os indígenas
pampianos, rivalizando com eles pela posse das áreas restritas de floresta (capões de mato e florestas-galerias), onde
podiam plantar. Subindo pela Planície Litorânea, os guaranis ocuparam os espaços anteriormente povoados pelos
grupos Sambaquianos, do Rio Grande do Sul até o sul de São Paulo.
►Nos ambientes subtropicais, os grupos tribais Guaranis se concentraram na produção de milho e da mandioca doce
(ou aipim), para os quais necessitaram de recepientes cerâmicos mais globulares (diferente dos Tupis que usavam
recipientes cerâmicos planos para a produção da mandioca amarga.
►As aldeias dos grupos indígenas Guaranis eram geralmente instaladas em clareiras em meio à floresta subtropical,
próximas a fontes de água e sobre colinas situadas junto às várzeas férteis dos rios, num espaço-modelo repetido desde
tempos imemoriais.
►As aldeias compunham-se de casas ovais (ocas) onde habitavam diversas famílias nucleares pertencentes à mesma
família extensa (clã). As habitações poderiam ser distribuídas e torno de um espaço coletivo de circulação, reunião,
danças, bebedeiras sagradas, festins canibais e mesmo desportos. As cabanas variavam em número, mas geralmente
eram de três a seis.
►A população Guarani era bem maior do que a dos grupos de caçadores que os antecederam na região, e com os
quais disputaram o território.
►O ambiente florestal e das margens fluviais lhes dava condições de realizar em abundância a caça e a coleta. Nas
águas dos rios, das lagoas, e mesmo do mar, peixes e moluscos podiam complementar a caça. Nas pequenas roças
113

abertas pelos homens em meio a clareira, as mulheres plantavam nos férteis solos ricos em húmus. Sua horticultura
conhecia uma variedade muito grande de espécies cultivadas.16

Cambuchi caguabá (vasilha para beber). Museu Antropológico do Rio Grande do Sul.

16
KERN, Arno. Pré-História e Ocupação Humana. In: KERN, A.; SANTOS, M. C. (Direção). Povos Indígenas. Passo Fundo: Méritos, 2009, vol. 5, p. 50-61.
114

CHINOCA E AS RAÍZES CULTURAIS DO GUARANI


O texto a seguir, escrito em narrativa literária e fundamentado na história/antropologia, aproxima do leitor o
cotidiano dos Guaranis e evidencia que parte de sua cultura já faz parte de práticas alimentares e do linguajar rio-
grandenses até o presente. O tema desenvolvido por Arno Kern, se passa no período pós Guerra Guaranítica (1752-1756)
e derrocada do projeto histórico missioneiro. A cultura ancestral dos Guaranis ainda está presente mesmo após o
processo transcultural missioneiro de redução dos Guaranis a civilização européia ter perdurado por um século e meio.
Os conflitos e desafios para sobrevivência frente à sociedade colonial em expansão marca a narrativa.

“Lentamente, para não fazer barulho, a índia levantou-se da rede onde dormia, num gesto repetido milhões de vezes
durante séculos pelos seus ancestrais guaranis. Aproximou-se da porta da habitação e olhou para o horizonte. Os primeiros raios
do sol iluminavam as névoas do amanhecer. A neblina subia lentamente, emergindo das partes ainda escuras dos vales
profundos, deslizando pelo flanco das colinas. Tons róseos e vermelhos iam sendo pintados de maneira impressionista por Quaraí,
o sol que nascia para um novo dia luminoso e quente. Ela lembrou que neste momento mágico, nas aldeias dos guaranis, os pajés
e os caciques fariam seus mais belos discursos. Com as palavras sagradas, dentre as mais belas da língua tupi-guarani, saudava-
se o dia que nascia. Louvava-se também Quaraí, agente e testemunha de mais uma vitória da vida contra as trevas da noite e da
morte.

A índia estreitou ainda mais os seus olhos rasgados, tentando ver através das brumas as sombras do vale. Pressentiu de
maneira imprecisa o mistério. Sabia que os fantasmas dos antigos guaranis muitas vezes abandonavam suas igaçabas, as urnas
funerárias onde estavam enterrados na mesma posição fetal em que haviam sido concebidos por milhares de índias iguais a ela.
Vagavam pela noite, buscando a vingança contra os seus inimigos de sempre. Muitos deles tinham sido guerreiros guaranis
mortos, ao longo de muitos séculos, nas lutas contra os nômades charruas e minuanos. E muitos destes irredutíveis caçadores,
por sua vez, também tinham sido mortos por seu povo. Aqueles bravos guerreiros estavam sempre circulando por todos os vastos
espaços do pampa, agora montados nos cavalos obtidos ou roubados dos brancos. E chegavam mesmo até as fímbrias das
florestas, onde atacavam as aldeias dos guaranis ou as Missões dos jesuítas.

Desde que as inúmeras levas de migrantes guaranis haviam invadido e colonizado os vales quentes e úmidos dos rios da
região, cobertos pelas verdes florestas subtropicais, as guerras contra os antigos habitantes da região haviam sido constantes.
Isso ocorrera no interior dessas densas matas onde muitos bandos de um obscuro povo de caçadores e coletores terminaram se
115

submetendo aos guaranis, ao final de dois milênios de contatos e combates. Muitos destes caçadores das florestas, entretanto,
haviam subido para o alto do planalto. E ainda lá estavam, instalados em suas aldeias de casas subterrâneas. Refugiados em
meio às matas de pinheiros araucária, atacavam também as aldeias dos guaranis situadas nos vales dos rios que desciam as
encostas do planalto.

Vindos da Amazônia, os seus antepassados guaranis continuaram a plantar e cultivar suas hortas no solo fértil das matas.
Defenderam esses vales que agora eram seus, e neles mantiveram seus padrões culturais imemoriais. Não imaginaram jamais
que seriam conquistados e vencidos, por sua vez. Os brancos chegaram quase em silêncio, explorando os litorais e os grandes
rios. E hoje dominavam vastos territórios. Muitos dos guaranis sucumbiram diante das armas de fogo trazidas pelos novos
conquistadores espanhóis ou portugueses. Em face dos decididos e valentes guerreiros das matas de araucária e dos pampas
sem-fins, os seus antepassados guaranis haviam sido muitas vezes vencedores. O mesmo não aconteceu nas lutas contra os
novos invasores. Ao longo de quase dois séculos seus antepassados guaranis se, lançaram corajosamente contra estes novos
inimigos, desafiando-os com suas armas até então invencíveis. Os tacapes, as fundas, os arcos e as flechas, não eram suficientes
ante as armas que disparavam a destruição à distância. O terrível projétil que traria a morte explodia como o raio e soava como o
trovão de Tupã. Inúmeros destes novos conquistadores de pele clara foram submetidos ao ritual de honra que se concedia aos
inimigos valorosos. Foram comidos pelos guaranis, que buscavam adquirir suas qualidades e seu poder. Tudo em vão. Esses
brancos que haviam chegado em imensas ilhas flutuantes de madeira, através do mar, e que se haviam interiorizado pelos férteis
vales cobertos pela floresta, conquistaram a terra e o corpo dos guaranis. Esses novos invasores foram os mesmos que levaram
para as suas redes as mulheres dos guaranis, para delas fazer suas concubinas e procriar seus filhos mestiços. Como havia
acontecido com ela. Pela derrota no campo de batalha, os guerreiros foram submetidos aos trabalhos terríveis da escravidão. Na
agricultura, foram atrelados aos arados, juntamente com os bois, como se fossem animais domésticos e, submetidos ao jugo dos
senhores brancos. Muitos terminaram morrendo, transformados em combustível da grande fogueira colonial, que necessitava do
trabalho dos braços vigorosos dos guerreiros derrotados. Outros fugiram para o recesso das matas para atacar novamente os
brancos. Aos milhares, entretanto, eles se refugiaram nas Missões dos jesuítas e franciscanos, únicos espaços consentidos de
liberdade onde poderiam sobreviver etnicamente.

Milhares de outros indígenas desapareceram no mais profundo das florestas. Afastando-se das áreas invadidas pelos
brancos, partiram em busca de um espaço de liberdade em meio à floresta. Buscavam uma ilusão. Terminaram encontrando
outros grupos indígenas, que reagiram violentamente ao ver seus territórios de caça e coleta invadidos. Outras vezes, deram
ouvidos aos seus pajés, e partiram liderados por eles em busca de "yvy mara ey", a terra sem mal. Esse paraíso deveria encontrar-
116

se no leste, onde o sol Quaraí nascia. Entretanto, poucos foram tão longe. Eles se, defrontaram com o mar, um obstáculo
intransponível. E nas praias do oceano imenso, sem sucesso dançaram noites inteiras para tornar o corpo mais leve e assim poder
voar para o oriente. Em lugar da "terra sem mal", entretanto, encontraram os caravelões dos escravagistas de São Vicente.
Terminaram conduzidos como escravos para as lavouras de cana de São Paulo e do Rio de Janeiro.

A índia voltou-se para o interior da moradia. Nada aparentava na face impassível, apenas uma profunda tristeza estampada
no olhar, provocada em parte por recordações de tempos passados, em parte por histórias que escutara junto às fogueiras de seu
povo. Aproximou-se das cinzas e carvões do fogo de chão que se havia apagado desde a noite anterior. Tornou a acender o fogo
e avivar o braseiro. Seus antepassados durante milênios haviam mantido este fogo de chão aceso em suas moradas. Ele lhes
protegia do frio, ao mesmo tempo em que dava uma sensação de segurança e de proteção contra a noite e a morte, lá fora. Ela
colocou água fresca a esquentar em um recipiente cerâmico, em meio aos carvões e galhos; que queimavam na fogueira.
Enquanto isso, preparou um churrasco. Da mesma maneira seus antepassados haviam fincado pedaços de carne de caça no
espeto feito de um resistente galho de árvore, cravado no chão junto ao calor das brasas para assar. Logo, um delicioso odor se
desprendeu do churrasco, provocado pelos pingos de graxa que caíam no braseiro. Lá fora, o vento frio da manhã começou a
soprar, enquanto que o Sol se elevava pouco a pouco, dominando a paisagem. No mosaico de campos e verdes florestas, viam-se
aqui e ali as manchas vivas e coloridas de amarelo ou rosa dos ipês coloridos, anunciando a primavera.

Começou a preparar um mate, como há séculos seus antepassados haviam feito. Utilizou uma planta nativa, um porongo,
cortado numa das extremidades, de maneira a formar um recipiente vegetal muito útil, a cuia. Colocou no seu interior folhas
quebradas e moídas de erva-mate. Acrescentou água e um taquari, ou seja, um canudo de taquara, destinado a sorver a infusão.
Em sua memória lembrava ainda a figura de um pajé, tomando esta infusão mágica, como milhares de outros haviam feito antes
dele, para tirar da própria natureza a solução dos segredos que ela impunha aos homens.

Voltou-se para a parte mais escura da habitação e acordou o homem que lá dormia, em outra rede. Ela mesma tecera e
tingira com suas próprias mãos esta rede onde o seu homem ainda dormia, segundo gestos e padrões milenares de seu povo.
Acordou-o suavemente, chamando-o:

- Chê...
117

Estendeu-lhe o mate nativo, que ele tornou lentamente, ainda bêbado de sono. Sorvendo gole a gole, ele aqueceu as mãos
e o corpo, sentindo a bebida começara fazer efeito, afastando para bem longe os véus do sono. Ela olhava para a face branca de
seu homem, coberta por barbas e um bigode levemente aloirado pelo sol. Ele chegara após as guerras dos guaranis contra as
tropas dos portugueses e dos espanhóis, que haviam invadido as Missões e posto um fim às esperanças de todo um povo. E
desde então viviam juntos. Ela vira nele a possibilidade de sobreviver nestes tempos difíceis e ao mesmo tempo de ser amada e
protegida. Ele, por sua vez, devia a ela o conhecimento das coisas da terra e a própria sobrevivência do dia-a-dia. Como ela,
muitos guaranis decidiram procurar o mundo dos brancos. Alguns foram ser peões nas fazendas, para trabalhar da mesma
maneira como tinham feito nas intensas estâncias de gado das Missões. Outros, que tinham aprendido muitos ofícios dos padres,
foram ser artesãos nas cidades dos brancos. Terminaram assim desaparecendo como etnia guarani ou como índios missioneiros,
para se transformarem pouco a pouco nos milhares de mestiços da sociedade colonial. Ela sabia que seus filhos dariam origem às
gerações de mestiços de ar indígena que povoariam estas terras, conservando muitos dos hábitos nativos.

Ele lhe sorriu e a atraiu para junto de si, chamando-a: - Mani, minha bela chinoca.

Os traços indígenas de sua companheira, os olhos rasgados e os cabelos negros e espessos, o levavam a utilizar o termo
tão usual na região: chinoca, ou pequena china. E como ela lhe lembrava a cor do amendoim, por sua tez amorenada, ele também
a chamava carinhosamente de "Mani", utilizando o termo guarani para designar esta planta. O amendoim era uma planta que
descobrira por intermédio dela, assim como tantas outras plantas e ervas medicinais. Eram muito diferentes daquelas que
conhecera na Península Ibérica, de onde saíra para uma nova vida em um novo mundo. Terminou pouco a pouco o mate, tomou a
encher a cuia e a passou para Mani. Pensou consigo mesmo: este era um hábito ao qual se afeiçoara de tal maneira, que
duvidava que um dia pudesse passar sem ele.

Outro hábito do qual sabia que jamais se, livraria, e ao qual tanto se afeiçoara, era Mani. Ela ainda encantava
irresistivelmente. Ele passara toda uma vida em meio às repressões e aos controles sociais da sociedade em que nascera e vivera
até os trinta anos. Era ainda um pouco inquietador sentir-se tão apaixonado por Mani. E poder praticar com ela o sexo com uma
desenvoltura e uma liberdade que jamais imaginara ser possível. Estariam certos os que viam naquelas novas terras, um
continente, entregue ao demônio? Ou teriam razão os que diziam que os índios não tinham pecado, o que tornava este novo
mundo além do Mar-Oceano um paraíso? Apesar de, ser muito quieta e parecer estar sempre imersa em seus pensamentos, Mani
demonstrava que o queria. Entretanto, nunca o chamava por seu nome, Miguel. Apenas se referia a ele como "Chê". Mas quando
ouvia Mani chamar-lhe, dizendo suavemente "chê", ele sentia na sua entonação, mais que compreendia, o tom de posse e de
118

propriedade que o curto vocábulo significava, o que lhe agradava muito. Mani, por sua vez, estava feliz de ter encontrado um
branco que gostava dela, a protegia e não a ameaçava continuamente com o fogo do inferno. Na Missão para onde todo o seu
povo fora em busca de defesa contra o etnocídio, muitas vezes ouvira restrições ao seu comportamento, com ameaças do castigo
de Tupã. Isso a havia deixado temerosa porque conhecia perfeitamente bem o poder de destruição do seu raio, quando caía sobre
a floresta ou sobre árvores isoladas nos campos. Era evidente, porém, que seu homem tinha alguns hábitos muitos estranhos. Não
compreendia muito bem, por exemplo, por que ele relutava tanto em acompanhá-la nos banhos diários nas águas límpidas do rio
próximo. Na sua aldeia, todos sempre se banhavam muitas vezes ao dia nas águas das lagoas, e dos rios e arroios. Por que ele
parecia temer este, hábito? Ela utilizava seu corpo e sua sensualidade como forma de atraí-lo para dentro da água, no que quase
sempre tinha sucesso, pois terminavam fazendo juntos o amor. Pouco a pouco, ela o iria ensinando como se vivia nestas florestas
e rios.

Mani se encontrava junto ao fogo, enquanto cuidava do espeto e da carne. Esta deveria ser lentamente cozida pelo calor
das brasas. E não queimada externamente pelas chamas enquanto que o interior permanecia cru, como já vira alguns brancos
apressados fazerem. Enquanto esperava com paciência, buscou algumas folhas de tabaco que plantara, colhera e secara ao sol,
como as mulheres dos guaranis sempre haviam feito com esta planta nativa. Picou todas elas cuidadosamente, no côncavo da
mão. Miguel preparou um cigarro palheiro para ele, com uma larga palha de espiga de milho. Enquanto isso, Mani colocou o
tabaco no fornilho de um cachimbo de cerâmica. Como a sua mãe, e a mãe de sua mãe, ela mesmo fizera o cachimbo, modelado
artesanalmente em argila que trouxera das encostas das colinas, próximo dos veios de água e de suas vertentes. Secara
cuidadosamente ao sol o cachimbo, pintado ritualisticamente de vermelho, sabendo que o seu próprio uso e o fogo aceso
repetidas vezes seriam responsáveis pela queima final. Enquanto acendia o tabaco, e observava a fumaça subir lentamente no ar
da manhã, lembrou que em sua aldeia natal os pajés sopravam a fumaça dos cachimbos na direção das crianças recém-nascidas.
Como a bruma da manhã que significava a vida renascida, assim também a fumaça ritual do tabaco daria vida ao pequeno
"curumim". Teria ela esta possibilidade? Teria ainda filhos? Os soldados espanhóis e portugueses que a haviam encontrado,
violado e surrado, eram responsáveis pelas suas dúvidas. Antes ela não estivesse entre aqueles que preferiram atear fogo à
Missão a entregar aos portugueses os povoados que representavam todo o trabalho ele milhares de homens e, mulheres guaranis,
ao longo de quase dois séculos.

Quando o churrasco estava quase pronto, ela preparou um beiju de farinha de mandioca, e colocou algumas espigas de
milho nas brasas. Miguel s, espantava com o domínio que ela tinha sobre esta natureza que para ele, ainda era em grande parte
um mistério, tão diferente eram a flora e a fauna daquelas que ele conhecia desde criança. Mani nunca procurava ensiná-lo,
119

apesar de suas insistências. Para ela, os guerreiros não manipulavam a reprodução das plantas, um atributo das mulheres, por
serem as geradoras da vida. Ela mesma plantava e colhia as plantas nativas que o seu povo conhecia desde muitos séculos: a
abóbora, o porongo, o amendoim, o tabaco, o algodão, a batata, o feijão, o milho e a mandioca. Seguia padrões culturais já
milenares ele seu povo, e por esta sabedoria acumulada conhecia todas as ervas e seus poderes de cura. Miguel observava e
aprendia, como esperava que seus filhos viessem também a aprender com Mani. No próprio momento que ela colhia a raiz da
mandioca, já enterrava um pedaço do caule e tapava o buraco com o pé. Sabia que ela conhecia também as maneiras de tornar
comestível a mandioca amarga. Entretanto, o milho era um mistério, tanto para Miguel como para Mani. Jamais eles o haviam
encontrado em estado selvagem. De onde teria surgido? Não podiam imaginar que esta planta era uma invenção dos indígenas
americanos, realizada há milênios, com o cruzamento de algumas gramíneas. Enquanto que a observação de todas as plantas
mostrava que elas tinham meios para se reproduzir sozinhas, o milho tinha que ser plantado. Sua espiga, se caísse rio chão,
apodrecia antes mesmo de germinar. Assim, tornava-se necessário sempre guardar algumas centenas de grãos de milho secos
para o próximo plantio. Estes padrões tecnológicos haviam sido aprendidos e seguidos pelos guaranis durante séculos. Mani os
reproduzia sem saber que faziam parte de uma tradição cultural que na América tinha nove, mil anos. E que se perpetuaria ainda
por muitos séculos. Seria verdade que o domínio das plantas havia sido dado aos guaranis por um herói civilizador, como seus
antepassados contavam em volta das fogueiras?

Para Miguel, o primeiro contato com esta natureza tão diferente já ocorrera na viagem, no momento da chegada. Quando
passara pelo litoral desta imensa colônia brasileira, no barco que o trouxera para o sul, ficara extasiado com a exuberância da
vegetação e com muitas frutas que os indígenas, utilizavam em seu cotidiano: o abacate, a goiaba, o caju, o coco, o abacaxi. O
Novo Mundo não fora para ele um choque apenas pela flora. A fauna igualmente era exuberante e diferente de tudo que conhecia.
A princípio não entendia muitas das palavras que lhe falavam os portugueses que encontrava nestes territórios. Eram palavras em
tupi-guarani, que jamais escutara em Portugal. Eram muito comuns nas frases dos habitantes da colônia: arara, jacaré, tatu,
itapeva, taquara, etc. Teriam sido criadas pelo mesmo Deus bíblico responsável pelos animais do Velho Mundo? Ficou muito
espantado um dia em que soube que "caí" não era apenas o nome de um rio, mas sim um macaco pequeno. A vida junto de Mani
ainda lhe trazia surpresas diárias.

Miguel preparou-se para sair. Terminara outro chimarrão, comera rapidamente algumas lascas generosas de carne e
segurou entre os dentes outro paliteiro aceso, com evidente prazer. Colocou sobre a testa uma larga tira de couro, que prendia os
cabelos, como ele, vira muitas vezes na cabeça de guerreiros, entre os guaranis e os charruas. Vestiu um poncho que Mani tecera
com finos fios de algodão e tingira com belas cores. Ela buscara muito longe os vegetais e os minerais com os quais produzia
120

cores muito vivas e alegres. Miguel se havia rapidamente habituado a utilizar o poncho indígena e o vestia sobre a sua própria
roupa. Protegia dos ventos frios do inverno, tanto quando andava a cavalo, como quando dormia nos campos sob a proteção das
copas da figueira ou do umbu. Mani entregou-lhe as bolas de boleadeira e ele amarrou com cuidado na cintura. Sabia ele sua
utilidade, não apenas na caça às emas e aos veados campeiros, mas igualmente nas lides do gado. Ele observou detidamente as
boleadeiras, admirando mais uma vez, a capacidade de quem tinha imaginado este prolongamento cultural tão eficaz para o braço
e a mão do caçador. Ele não podia imaginar que as boleadeiras já eram utilizadas há quatro mil anos nas imensas paisagens
abertas das planícies do Pampa e da Patagônia.

Montando no cavalo que encilhara, Miguel partiu a galope pelas coxilhas em busca do gado selvagem que por lá se
reproduzia desde o século anterior. Ia orgulhoso de ser um autêntico açoriano, de boa cepa lusitana, dono de uma nova terra.
Tinha uma memória curta, pois não se dava conta que jamais voltaria a ser um autêntico português. Assim como os
conquistadores c colonizadores ibéricos marcaram de maneira indelével o continente com a sua cultura, haviam igualmente sido
tocados profundamente pelas raízes culturais indígenas. Chimarrão e poncho, churrasco e palheiro, boleadeiras e fogo de chão,
milho e mandioca, redes e cachimbos, tabaco e erva-mate, e tantos outros traços culturais, eram coisas das quais os seus
antepassados açorianos, naquelas ilhas perdidas rio Atlântico, jamais haviam ouvido falar”.17

17
KERN, Arno Alvarez. Chinoca (ou o legado indígena de gaúchos sem memória). In: Nós, os Gaúchos. GONZAGA, Sérgius. & FISCHER, Luis Augusto
(Coords). Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1993, p. 64-70.
121

Vasilhames cerâmicos Guarani. Museo Del Barro. Asunción, Paraguai.


ALMEIDA & NEVES (2015). Evidências arqueológicas para a
origem dos Tupi-Guarani no leste da Amazônia.
122

ÍNDIOS COROADOS E KAINGANGS

O etnônimo Kaingang (ramificação lingüística macro-jê) foi aplicado pela primeira vez em 1882 por Telêmaco
Borba conforme se designavam índios de aldeamento do Paraná. Estes grupos do Planalto Brasileiro foram identificados
como Guaianá no século XVI; Pinarés e Coáguas nos séculos XVII e XVIII; e Coroados, Bugres e Botocudos no século
XIX (DORNELLES, 2011). No Rio Grande do Sul do século XIX, os Coroados se confrontaram com colonos alemães e
italianos pela posse das terras do Planalto Meridional. É fator de discussão entre os especialistas se Coroados e
Kaingangs (poderiam ter chegado no final do século XIX) corresponde aos mesmos grupos que ocupava o Planalto
(Campos de Cima da Serra e a Serra Gaúcha). Nesta abordagem, será considerado que os Kaingangs são os Coroados
retratados por Affonso Mabilde na década de 1840.
No século XIX havia dezenas de unidades político-territoriais cada qual chefiada por um cacique principal (põ’í-
bang) e vários caciques subordinados (rekakê; põ’í) dos grupos locais que formavam a unidade sociopolítica. Mais
exatamente, os territórios kaingang no Rio Grande do Sul tinham como limite a noroeste o rio Piratini, a nordeste o rio
Pelotas, ao sul as bacias do Caí, Taquari e Jacuí. Tal como aconteceu nas bacias do atual Estado do Paraná, vários
desses caciques tornaram-se aliados dos brancos e colaboraram na conquista dos grupos resistentes. Ficaram famosos
na história regional os põ’í que, em diferentes momentos, colaboraram no processo de conquista: no Paraná e Santa
Catarina – Condá, Viri e Doble; no Rio Grande do Sul - Condá, Nonoai, Fongue, Nicafi (também grafado Nicaji, Nicofé,
Nicafim), Braga e Doble. Pode-se relacionar a expansão geográfica dos Kaingang com as pressões que as expedições
de conquista foram promovendo. Alguns caciques foram-se aldeando e tornando-se aliados dos brancos, obrigando os
grupos recalcitrantes a se retirarem para lugares mais distantes da rota expansionista, que lá permaneciam até serem
novamente localizados e pressionados a se aldearem, liberando parte dos seus territórios para os fazendeiros e colonos
nacionais e estrangeiros. Apesar de todas as guerras dos Kaingang para expulsar os brancos, os caciques foram
vencidos um a um e aceitaram fixar-se nos aldeamentos definidos pelo governo, sob pena de serem exterminados, como
123

de fato alguns o foram. Simultaneamente ao aldeamento, os territórios foram sendo ocupados pelas fazendas e a
colonização nacional foi se consolidando nas décadas seguintes (TOMMASINO & FERNANDES).

Coroados e Coropós. Johann Moritz Rugendas (década de 1820). Acervo Artístico- Johann Moritz Rugendas (1802-1858) foi um pintor
cultural dos Palácios do Governo, São Paulo.
alemão que chegou ao Brasil em 1821. Publicou em 1835
Voyage pittoresque dans le Brésil baseado em sua
produção de 1821 a 1824. Sua obra é uma referência
fundamental para conhecer o Brasil da década de 1820.
124
Araucária Brasiliense e seus pinhões em desenho feito no Paraná
Cartão-postal com índios Coroados no Paraná. Datado de 1906. In: BIGG-WITHER, Thomas.

“Durante os meses de maio, junho e julho, é costume dos


índios coroados mansos desta zona deixar o aldeamento e
sair andando pelas grandes florestas de pinheiros,
alimentando-se do que conseguem matar com o arco e a
flecha e com o fruto dos próprios pinheiros. O pinhão, fruta
oblonga, de cerca de uma polegada e meia de comprimento,
“com um diâmetro de meia a três quartos de polegada na
parte mais grossa, tem uma casca coriácea, como a da
castanha espanhola. O paladar e, entretanto, superior ao
desta última e, como produto alimentício, basta dizer que os
índios muitas vezes só se alimentam dele, durante muitas
semanas. Pode ser comido cru, mas os índios habitualmente o
assam na brasa até partir, quando fica em condições. O sabor
ainda melhora quando cozido, mas este é um sistema que os
índios não praticam”. BIGG-WITHER, Thomas P.
125

Urna funerária de um chefe Coroado. Jean Debret. Década de 1820.

Bandeirantes atacando botocudos em São Paulo. Debret. Década de 1820.


126

RETOMANDO O POVOAMENTO PRÉ-HISTÓRICO

“Embora muito ainda precise ser descoberto e estudado, a pesquisa arqueológica já disponibiliza conhecimento
relativamente detalhado sobre o passado “pré-histórico” da região. Os sítios mais antigos são aqueles que possuem material lítico
lascado com pontas de projétil feitas em rochas de estrutura cristalina (sílica). São sítios que também possuem bolas de
boleadeira, mós, bigornas, raspadores, furadores e também implementos feitos em osso (arpões, anzóis etc.). Esses vestígios
possuem muita semelhança com os materiais encontrados em sítios distribuídos na região da Pampa e na Patagônia, indicando
que os grupos indígenas dessa região tinham uma filiação cultural semelhante. Eram bandos de caçadores e coletores de
paisagens abertas, ancestrais dos grupos que os documentos coloniais registraram como Minuanos, Charruas, Yarós e Guenoas.
No litoral sul (em continuidade ao que ocorre na República do Uruguai) e na Depressão Central (vale dos rios Jacuí e Ibicuí), tais
grupos também executaram grandes aterros artificiais chamados “cerritos”, nos quais enterravam seus mortos, faziam fogueiras,
construíam cabanas e deixaram restos de seus artefatos. No litoral norte do Estado surgiram aldeias de grupos praticantes da
coleta de recursos marinhos, principalmente moluscos, mas também praticantes de pesca e de caça, criadores dos grandes
sambaquis (amontoados de conchas e de ossos) que existiam na região de Torres e que ainda existem distribuídos no litoral dos
estados de Santa Catarina e Paraná. Outras populações indígenas intensificaram a circulação humana nessa região ao longo dos
últimos milênios.

Os antigos caçadores, pescadores e coletores receberam influência de grupos amazônicos e andinos, passando a praticar o
incipiente cultivo de plantas e a produção de vasilhas cerâmicas. A assimilação da prática da cerâmica está registrada nas
camadas de sítios de maior extensão, como é o caso de centenas de estruturas subterrâneas construídas pelos ocupantes
originários da região do planalto. Tais estruturas foram antigas habitações, geralmente distribuídas em conjuntos (aldeias), dentro
das quais surgiram fogões, bancadas para assento e instrumentos feitos em pedra, madeira, osso e cerâmica. Já foram
descobertas estruturas subterrâneas com até vinte metros de diâmetro e conjuntos com até quarenta casas, evidenciando grandes
aldeias compostas por centenas de pessoas. Os criadores das casas subterrâneas viviam no planalto, na mesma região onde no
período colonial estavam presentes grupos que ficaram conhecidos como Guananases, Caáguas, Coroados, Botocudos,
Tapejaras e Ibiraiaras. A cerâmica também é encontrada nas camadas mais superficial dos cerritos, demonstrando que os antigos
caçadores e coletores da porção sul do Estado sofreram iguais influências advindas de povos cultivadores. Mais ou menos na
127

época de Cristo, o território da bacia do rio da Prata foi invadido por grupos com traços culturais típicos dos cultivadores de
floresta, artífices da cerâmica que passou a ser chamada Guarani, que ocuparam todas as várzeas e planícies férteis das margens
dos rios, lagos, lagoas e do mar. Através da coivara introduziram o plantio do milho, da mandioca, dos feijões, das abóboras e
outras plantas. Os Guarani criaram aldeias compostas por grandes casas comunais que abrigavam até seiscentas pessoas. Nos
locais onde habitaram, surgem marcas de estacas e manchas relativas às suas antigas casas, instrumentos feitos em pedra
lascada e polida (lâminas de machados, mãos de pilão, pesos de rede, bigornas etc.), enterros humanos dentro de urnas
funerárias, cerâmica com decoração plástica e com pintura na superfície. Tornaram-se dominantes, expulsaram ou assimilaram os
outros grupos que viviam antes nas áreas de floresta por eles ocupadas. Essas sociedades foram encontradas pelos primeiros
colonizadores que chegaram pelo litoral, descritos pelos antigos cronistas como Arachanes, Carijós, Anjos, Guarani e Tapes”
(SOUZA, 2009, p. 275-276).

Casas subterrâneas do Planalto.


128

INDÍGENAS NA HISTORIOGRAFIA

A maioria dos autores que pesquisaram o período colonial sul-rio-grandense entre o século XIX até a década de 1960,
sistematicamente recorreram a uma leitura das sociedades indígenas como um capítulo que antecede a chegada dos
europeus. A história teria início com a expansão ultramarina européia e os projetos de expansão e incorporação luso-
espanhol no extremo sul do Brasil. Os indígenas são apresentados como um tema-compartimento que deve ser lembrado,
uma etiqueta que define um conteúdo histórico-cultural generalizado: a Pré-História, que abrange os “primeiros habitantes”,
“populações primitivas” etc. O referencial eurocêntrico é a fronteira que separa a barbárie da civilização, desfigurando a
possibilidade metodológica da dimensão de um “continuum” humano? A descaracterização dos conteúdos civilizatórios
específicos seria uma conseqüência? A unidade consiste em captar as sociedades a partir dos seus referenciais de
existência social, sem etapas e representações pré-concebidas que definem os civilizados ou a ausência de civilização.
Encaminhamento complexo e tão raro em nossa historiografia: a ruptura entre a Pré-História e a História, prende-se ao
reconhecimento e ocupação do território pelos portugueses e espanhóis. Os mais de doze milênios anteriores, com
diferenciadas adaptações e tecnologias das populações aos ambientes do planalto, campanha, litoral e vales/encostas dos
rios, resumem-se a algumas curiosidades no capítulo dedicado aos “índios” (quase sempre com apontamentos pejorativos ou
que destaquem curiosidades). A chamada Pré-História corresponde percentualmente a 97% da cronologia do povoamento do
Rio Grande do Sul. Os europeus entram neste “continuum” histórico (se convertermos esta cronologia para um dia = 24
horas) quando o relógio marcou 23 horas e 15 minutos. Nós vivemos no primeiro segundo do day after e ainda recorremos à
fragmentação do processo e sua delimitação a certos personagens e dinâmica histórica.

A formação histórica no período colonial está contextualizada nos quadros do sistema colonial mercantilista do Antigo
Regime, respondendo aos mecanismos advindos dos interesses europeus em incorporar os territórios descobertos no Novo
Mundo. As áreas de extração de metais (ouro, prata) e o latifúndio monocultor voltado ao mercado externo eram os centros
privilegiados pelas Coroas Ibéricas na ocupação e exploração dos territórios descobertos em nome da cruz e da espada.
129

A incorporação tardia da Bacia Platina Oriental enquadra-se na dinâmica do sistema colonial enquanto área periférica e
economicamente secundária, com diferenciada integração à economia central voltada a exploração metalífera (no caso da
Coroa Espanhola) e a economia agro-exportadora do nordeste brasileiro e região mineradora do Sudeste (Coroa
Portuguesa).

A Bacia Platina Oriental no século XVI apresentava poucas povoações de origem européia como Buenos Aires e
Asunción. Os interesses de uma ocupação estável no Rio Grande do Sul seria desencadeada pela Companhia de Jesus com
seu projeto salvacionista de Conquista Espiritual dos indígenas Guaranis quando, entre 1626-1641, fundaram
Reduções/Missões no noroeste e centro. O confronto com os escravistas paulistas acarretou na retirada dos missioneiros e
na dispersão do gado nos campos. O retorno das Missões pós-1682 (com os Sete Povos), acarretaria no colapso deste
projeto civilizatório no contexto das conjunturas da segunda metade do século XVIII (Tratado de Madri, política das luzes e
expulsão dos jesuítas da América). As Missões jesuítico-guarani estavam ligadas as autoridades administrativas e
respondiam aos interesses da Monarquia Espanhola (índios eram súditos do rei, pagavam impostos e prestavam serviço
militar através do exército Guarani) e representavam uma fronteira castelhana num território que passa a ser disputado por
Portugal após a edificação da Colônia do Sacramento (1680) no Rio da Prata e da fundação do Rio Grande pelo brigadeiro
José da Silva Paes em 1737, na barra onde as águas da Lagoa dos Patos passam para desaguar no Oceano Atlântico.

Os embates diplomáticos e os interesses geopolíticos mútuos no controle do comércio e produção escoada pelo Rio da
Prata, desenvolveram-se entre os séculos XVII até XIX. Como o objetivo é destacar elementos da formação territorial e
cultural do RS, é preciso insistir que o caráter periférico desta economia frente a dinâmica político-administrativa da Coroa
Portuguesa no Brasil ao longo do período colonial (com a incorporação via pecuária e charqueada – atividade de subsistência
à mineração como alimentação dos escravos e população de baixa renda), não se resume a inserção sul-rio-grandense no
contexto brasileiro e exclusão do platino. Os intercâmbios culturais e econômicos, a continuidade fisiográfica, o passado
histórico missioneiro em comum e os distintos destinos dados as populações que há mais de doze mil anos distribuíram-se
pelo território, possibilita repensar o mecanismo inclusão/exclusão e relativizar a partir de uma dimensão histórico-
130

arqueológica, a dialética da longa duração que nos traz um quadro mais totalizador e menos passional de nossas formações
históricas.

O apego ao etnocentrismo por parte dos intelectuais analisados é uma matriz que possibilita encontrar uma
convergência nos discursos sobre o índio na formação histórica. A leitura das principais obras historiográficas permite
constatar a afirmação. De Carlos Teschauer18 (que destaca a presença civilizatória missioneira) até Moysés Vellinho19 (que
nega a contribuição missioneira para a formação regional), o indígena é visto a partir de uma perspectiva etnocêntrica, onde o
civilizado é o patamar cultural que de uma forma paternalista como em Teschauer, Luis Gonzaga Jaeger,20 Arnaldo Bruxel,21
e Aurélio Porto,22 ou através de um claro preconceito étnico como em Moysés Vellinho, Othelo Rosa23 e João Borges
Fortes,24 se busca negar a diversidade étnica dos que construíram este processo histórico, realizando um esvaziamento do
espaço indígena e redefinição, cujo marco é o povoamento luso-açoriano. O civilizado, seja padre ou bandeirante, são os
referenciais que explicam o processo histórico e onde tudo o mais, -índios, negros ou a natureza-, ajustam-se conforme suas
conveniências e projetos coloniais, regionais ou nacionais.

A cultura indígena, para os autores da tendência historiográfica jesuítico-espanhola, não está em sintonia com os
preceitos do cristianismo, sendo indispensável realizar a conquista espiritual e salvar a alma dos “selvagens”. O ataque ao
modo-de-ser do indígena e sua substituição por valores difundidos pelos jesuítas é indispensável para superar o primitivo e
alcançar a civilização cristã. Neste discurso, recorre-se a representação do índio como uma criança grande, infantil e ingênua,
precisando da orientação paternal do padre que o conduzirá no espaço das Reduções para uma vida decente, regrada,
policiada e cristã. A seqüência evolutiva proposta por estes autores percorre da criança pagã até o adulto cristianizado.

18
TESCHAUER, Carlos. História do Rio Grande do Sul dos dois primeiros séculos. Porto Alegre: Selbach, 1918-1921, 3 vols.
19
VELLINHO, Moysés. Capitania d’El Rey: aspectos polêmicos da formação rio-grandense. Porto Alegre: Globo, 1964.
20
JAEGER, Luiz Gonzaga. As primitivas reduções no RS. In: Terra farroupilha. Porto Alegre: s.ed., 1937.
21
BRUXEL, Arnaldo. Os Trinta Povos guaranis. Porto Alegre: EST, 1987.
22
PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai. Rio de Janeiro: SPHAN, 1943.
23
ROSA, Othelo. Formação do RS. In: Fundamentos da cultura rio-grandense. Porto Alegre: UFRGS, 1957, vol. 2.
24
FORTES, João Borges. Casaes. Rio de Janeiro: Edição do Centenário Farroupilha, 1932.
131

A tendência luso-brasileira com posições mais moderadas como em Walter Spalding25 ou assumidamente
preconceituosas em relação a outras etnias, recorre continuamente a termos pejorativos na caracterização do indígena, como
por exemplo: indolentes, boçais, inferiores, ferozes, fleumáticos etc. A própria humanidade do índio é questionada por
Moysés Vellinho26 que considera a escravidão e o sacrifício dos vencidos “como uma lei da vida” (VELLINHO, 1960: 110).

A formação histórica deve avançar para novas leituras intelectuais com uma dilapidação e incorporação de
temporalidades das sociedades anteriores a presença européia, consideradas na perspectiva de sociedades históricas. A
imagem associada à Pré-História como constituída por figurantes bucólicos (com sua tosca tecnologia e interminável luta
pela sobrevivência) e selvagens (animalidade não controladas pela cultura da sociedade colonial) impõe limites
antropológicos e históricos que não respondem a uma preocupação totalizadora do processo humano, além de legitimar
relações de subjugação e, no caso, extermínio de populações indígenas sob o manto da legitimação de certo uso do
conhecimento histórico.

A concepção desta formação, tantas vezes antagônica ou alheia a história platina mais ampla em que está inserido o
RS, pode avançar para novas leituras de dimensões integradoras ao espaço e cultura platinas. O conhecimento histórico
possibilita proceder a estas releituras dos últimos milênios do povoamento, dos fundamentos geopolíticos, culturais e mentais
de referencial ibérico, dos intercâmbios comerciais e de preocupações sociais e econômicas em comum até a atualidade. As
fronteiras estão para além do Rio Uruguai e convergem para o sul num redimensionamento do mapa e repensar do
imaginário ligado ao antagonismo.

25
SPALDING, Walter. À luz da história. Porto Alegre: Globo, 1933 e Gênese do Brasil sul. Porto Alegre: Sulina, 1953.
26
VELLINHO, Moysés. Os jesuítas no RS. In: Fundamentos da cultura rio-grandense. Porto Alegre: UFRGS, 1960, v.4.
132

POPULAÇÕES INDÍGENAS CONTEMPORÂNEAS

José Otávio Catafesto de Souza escreveu um artigo no livro “RS Índio – Cartografias sobre a produção do conhecimento”
onde desenvolve uma reflexão sobre as comunidades indígenas no Rio Grande do Sul. O autor relaciona o processo histórico com
a realidade vivida pelos indígenas.
“A maior parte dos habitantes deste Estado não conhece ou não reconhece que as comunidades indígenas façam parte da
sociedade regional. Há uma ideia distorcida de que os índios verdadeiros habitam apenas o norte do país ou as florestas do
interior da América do Sul. Quando alguém encontra um índio por aqui, imediatamente supõe que ele seja estrangeiro ou
amazônico; quando descobre que ele vive no Rio Grande do Sul, passa a dizer que ele não é mais índio. Os índios do Rio Grande
do Sul são rotulados como miseráveis, como se suas aldeias fossem apenas restos degradados de um capítulo de nosso glorioso
passado regional. A presença de indígenas circulando por cidades (como Porto Alegre, Caxias do Sul, São Leopoldo, Santa Maria,
Pelotas e em outras tantas) ou acampando na beira das rodovias é percebida como algo recente e oportunista, como se os índios
estivessem chegando agora no Rio Grande do Sul, como se saídos de florestas distantes apenas atraídos pelos benefícios
assistenciais e pela proteção tutelar do indigenismo promovido pelo Estado Nacional brasileiro. Essas distorções ideológicas
traduzem os preconceitos culturais enraizados na nossa estrutura de classes sociais, estereótipos incorporados nas instituições
gaúchas ao longo dos séculos de nossa história.
Sinteticamente podemos dizer que existem duas línguas indígenas ainda amplamente faladas no Rio Grande do Sul
(Guarani e Kaingang), além de outras praticadas por poucos indivíduos (Charruas, Xokleng etc.). Os falantes Guarani são divididos
em parcialidades étnicas, sendo os Mbyá-Guarani os mais numericamente representados (em torno de dois mil e duzentos
indivíduos), ao lado de poucos Xiripá e Nhandeva que vivem próximo de áreas Kaingang (ocupantes de Votouro, Nonoai e Mato
Preto, por exemplo). Os Mbyá-Guarani estão distribuídos em torno de 24 aldeias (tekoa) no Estado, apenas duas delas maiores
(em torno de dois mil hectares cada – Riozinho e Pacheca), uma outra média (Varzinha, com quase 800 hectares.) e todas as
demais com menos de 300 hectares. Boa parte das aldeias Mbyá-Guarani sobrevive na forma de acampamentos em beira de
estrada ou em terrenos com menos de 10 hectares para seu uso exclusivo. As aldeias Kaingang são maiores e distribuídas
principalmente no norte do Estado, poucas delas com dezenas de milhares de hectares (Guarita com 23.406; Nonoai com quase
15.000; Rio da Várzea com 16.400; Serrinha com quase 12.000), as demais com muito menos (Ligeiro e Cacique Doble com
133

4.500; Votouro com 3.700; Inhacorá com 2.900; Monte Caseiros com 1.112; Ventarra com 772). Ao todo, existem dezesseis
diferentes áreas Kaingang, sendo as maiores compostas internamente por diversas aldeias. Os recursos naturais dentro das
Terras Indígenas são cobiçados por não indígenas e se transformam em objeto de disputa econômica e política dentro dos
municípios onde elas estão situadas, criando formas ilegais de exploração das matas, de arrendamento das terras e de
endividamento que provocam conflitos dentro das aldeias e acabam por instituir um regime de desigualdades sociais entre os
índios. Em muitas áreas, as jovens indígenas são prostituídas pelas elites locais. Muitas aldeias são manipuladas por partidos
políticos, transformadas em currais eleitorais onde se acirram disputas internas que chegam inclusive ao confronto físico.
A realidade atual enfrentada pelos grupos indígenas resulta mais imediatamente do processo histórico de sua inevitável
integração ao nosso modelo de civilização, onde ficaram impossibilitados para exercer plenamente sua autodeterminação, mesmo
no caso de terem suas terras demarcadas. No entanto, a realidade contemporânea das comunidades indígenas só pode ser
compreendida melhor quando consideramos os fatores estruturais e de grande antiguidade surgidos durante a adaptação de suas
tradições culturais aos diversos ambientes que compõem essa parte da América do Sul” (SOUZA, 2009, 273-275).
Áreas Indígenas. Fonte FUNAI.
134

UMA REFLEXÃO
“Persiste na sociedade sul-rio-grandense um desconhecimento muito grande em relação às vicissitudes históricas de muitos dos
grupos indígenas que colaboraram em sua formação. Torna-se necessário uma tomada de consciência em relação ao seu legado
histórico, para chegar-se a uma ideia da sua formação intelectual. As imigrações, espontâneas ou forçadas, tiveram as mais variadas
origens: asiáticas, africanas, européias. É importante que a sociedade contemporânea tenha consciência desse longo processo
histórico para que possa se compreender inserida nele, em sua última, relativa e transitória etapa. Dessa maneira, entenderá a sua
situação existencial.
No período colonial, as antigas populações que aqui viviam foram em parte dizimadas pelo genocídio e seus sistemas socioculturais
continuam a desaparecer gradualmente, pois a sociedade de não-índios destrói suas culturas materiais, na destruição sistemática dos
sítios arqueológicos. De maneira insensível e irrefletida, aniquilaram-se os últimos vestígios de sua passagem pela história.
Os atuais desenvolvimentos de nossa sociedade, tanto nas zonas rurais como urbanas, têm perturbado de maneira substancial
estes arquivos de cultura material. São responsáveis por isso alguns fenômenos antrópicos, tais como a implantação de redes de
estradas de rodagem, a abertura de canais de irrigação, a destruição das matas e sua substituição por áreas agricultáveis, a instalação
de barragens e imensos lagos para a produção de energia elétrica.
Tenta-se, em nome do progresso, encontrar soluções cada vez mais onerosas para resolver os problemas de uma sociedade que
cresce demograficamente, quase que sem nenhum controle, gerando novos problemas. É responsabilidade de toda a sociedade
impedir esta destruição sistemática, e não apenas o vão esforço de legisladores, de funcionários do patrimônio ou de alguns dos raros
historiadores e arqueólogos.
A questão indígena é contemporânea. Sem compreendê-la não se enfrentam os vazios de cidadania e a solidária convivência da
diversidade republicana, condição intransponível do pertencimento. Além dos etnocídios, da usurpação dos territórios e da tutela
segregada, o sistema colonial e o estado nacional cometeram dois outros crimes hediondos, de lesa-humanidade, contra os povos
indígenas: produziram nos brasileiros a impossibilidade de reconhecimento destes povos autóctones como detentores de
historicidade, na apreensão de seus processos evolutivos e adaptativos e nas suas redes culturais e diversos mecanismos
preconceituosos, anexaram os índios na natureza e retiraram deles a noção de sociabilidade. Como não inventores-construtores de
sociedades, adstritos às matas e aos campos, cometeram contra eles a mais drástica operação: retiraram os mesmos da história.
Essa devastação intrusa foi capaz de converter ao ódio e ao preconceito – energias da ignorância – 12.000 anos de história
indígena no Rio Grande do Sul. O equivalente a seis vezes o tempo da cristandade.
Não se trata de um desconhecimento. Praticamente todos possuem uma opinião sobre o índio. Essa constatação é a prova de
que estamos diante de um fenômeno político-cultural. De versões que, combinadas, alimentam o preconceito e sustentam a barreira,
quando não o nevoeiro do estranhamento, para que a ilustração conviva com a cidadania.
É assustadora a invasão do senso comum no ambiente escolar. A força de conhecimentos invertidos, deturpadores, odiosos e
preconceituosos transitam pelo próprio ambiente universitário, ainda alimentado pelos processos de intrusão, nos quais os povos
indígenas, além de perderem suas terras, tiveram suas imagens deturpadas, e sonegadas suas memórias.
O Rio Grande do Sul possui fronteiras internas. Entretanto, não se alicerçam no direito à diferença e à especificidade étnica
como parte do todo. São limites de exclusão, de estranhamento, de ódios e de não reconhecimentos de povos autóctones que
deveriam possuir o primeiro direito. São os índios reais que estabelecem a conexão histórica com o passado.
No entanto, existe certa preferência política, cultural e educacional da sociedade nacional em se relacionar com indígenas
mortos como algo distante, invariavelmente para ilustrar aspectos selecionados dos grupos coloniais e rio-grandenses. Quando
favorável, a visão romântica sobre o indígena, ainda decorrente da distorção proporcionada pela ilusão do bom selvagem, o condensa
em suposto modo de vida antigo, como estereótipos indumentários estanques – a tríade do arco-flecha, tanga e lança –,
invariavelmente reproduzidos pelo discutível cinema de aventura e pelos livros didáticos assépticos.
O Rio Grande do Sul não seria o que é social e culturalmente sem a sua parte indígena”.

Arno Alvarez Kern, Maria Cristina dos Santos, Tau Golin. Apresentação do livro Povos Indígenas.
135

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste primeiro volume de “História do Rio Grande do Sul – fundamentos históricos e historiográficos
caracterização física e populações indígenas”, buscou-se contemplar alguns temas imprescindíveis para a compreensão
do passado histórico Rio-grandense. Essencialmente, estes subsídios iniciais para leituras mais aprofundadas, lançaram
a reflexão de que o tempo histórico não está dissociado do tempo geológico ou geográfico. Os grandes processos que
modelaram geomorfologicamente o planeta Terra são indissociáveis dos processos históricos dos últimos doze milênios
no que hoje chamamos de Rio Grande do Sul. Em História, a noção de transitoriedade e de mutabilidade são essenciais
para promover a compreensão parcial do devir histórico das sociedades. O meio físico e biológico (relevo, clima,
vegetação, bioma etc) tem muito a dizer para as adaptações humanas e para o desenvolvimento de artefatos, técnicas,
revoluções científicas e ações culturais voltadas ao desenvolvimento das sociedades.
Os amplos cenários geológico, paleobotânico e paleontológico, precede as formações históricas das populações
de caçadores-coletores que começam a ocupar o Rio Grande do Sul nos primórdios do Holoceno. As civilizações se
movem nestes cenários e criam cultura que edificará identidades a partir das técnicas, artes e espiritualidade.
Neste volume inicial as “Populações Indígenas” tiveram um enfoque preliminar que terá continuidade no volume 2
que tratará do “Período Colonial” no Rio Grande do Sul. O processo histórico Missioneiro, ou seja, as Missões Jesuítico-
Guaranis serão interpretadas enquanto conquista espiritual, fronteira espanhola, processo civilizatório transcultural e
fricção belicosa entre as frentes de expansão lusitana e espanhola-platina. Os fundamentos da sociedade Rio-grandense
luso-brasileira serão investigados a partir da trilogia: grande propriedade pecuarista, mão-de-obra escrava e autocracia.
A fundação do Rio Grande, o tropeirismo, as guerras entre Portugal e Espanha, a formação escravista charqueadora, os
conflitos com o Prata, a formação do gaúcho histórico e o espaço platino, serão equacionados a partir de historiadores
que trabalharam estes temas.
Enfim, estamos apenas começando a modelar uma interpretação – entre tantas outras – deste longo e complexo
processo de experiências históricas que é o povoamento humano no Rio Grande do Sul.
136

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AB’SÁBER, A. N. O relevo Brasileiro e seus problemas. In: O Brasil: a terra e o homem". São Paulo: Cia Editora Nacional, vol. 1,
1964.

_______. Os domínios morfoclimáticos na América do Sul: primeira aproximação. Geomorfologia. São Paulo, n. 52, p. 1-22, 1977.

_______. Espaços ocupados pela expansão dos climas secos na América do Sul, por ocasião dos períodos glaciais quaternários.
Paleoclimas. São Paulo, n. 3, p. 1-19, 1977.

_______. Os Domínios de Natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003,

ALMEIDA, Fernando Ozorio & NEVES, Eduardo Góes. Evidências Arqueológicas para a origem dos Tupi-Guarani no leste da
Amazônia. Mana. Rio de Janeiro: vol.21 n.3, Dez. 2015.

ANDRIOTTI, José Leonardo Silva & BINOTTO, Raquel Barros. Geoquímica do Escudo Sul-Rio-Grandense: delimitação de áreas-
alvo. Outubro de 2015 In: https://www.researchgate.net/publication/283259486

BECKER, Ítala. El Índio e la Colonización: Charrúas y Minuanes. São Leopoldo, IAP, 1976.

BOEIRA, Nelson et al. História Geral do Rio Grande do Sul – Colônia. Passo Fundo: Méritos, 2006.

BOLDRINI, I. I. (1997). Campos do Rio Grande do Sul: caracterização fisionômica e problemática ocupacional. Boletim do Instituto
de Biociências UFRGS. Porto Alegre: UFRGS, n. 56, 1997.

BIGG-WITHER Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná, três anos de vida em suas florestas e
campos — 1872/1875. Rio de Janeiro/Paraná: José Olympio/UFPR, 1974.
137

BRANCO, Pércio Moraes. CPMR, 2014. In: http://www.cprm.gov.br/publique/Redes-Institucionais/Rede-de-Bibliotecas---Rede-


Ametista/Canal-Escola/O-que-sao-e-como-se-formam-os-fosseis%3F-1048.html

BROCHADO, José Proenza. A expansão dos Tupi e da cerâmica policrômica amazônica. Dédalo. São Paulo: n. 27, p. 65-82,
1989.

BROCHADO, José Proença; LA SALVIA, Fernando. Cerâmica Guarani. Porto Alegre: Posenato Arte e Cultura, 1989.

BRUXEL, Arnaldo. Os Trinta Povos Guaranis. Porto Alegre: EST, 1987.

BUCHMANN, Francisco Sekiguchi. Bioclastos de Organismos Terrestres e Marinhos na Praia da Plataforma Interna do Rio Grande
do Sul: natureza, distribuição, origem e significado geológico. Porto Alegre: Tese de Doutorado em Geociências/UFRGS, 2002.

COPÉ, Silvia Moehlecke. 12000 anos de História: arqueologia e pré-história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2013.

DEBRET, Jean. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial, 2015.

DORNELLES, Soraia Sales. De Coroados a Kaingangs: as experiências vividas pelos indígenas no contexto da
imigração alemã e italiana no RS do século XIX e início do XX. Porto Alegre: UFRGS, Dissertação de Mestrado, 2011.

FORTES, João Borges. Casaes. Rio de Janeiro: Edição do Centenário Farroupilha, 1932.

GASPAR, Maria Dulce. Sambaqui: Arqueologia do Litoral Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

Glossário Geológico / IBGE – Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. Rio de Janeiro: IBGE, 1999.

GOMES, Angela A. de Oliveira. Perspectivas interpretativas no estudo das esculturas zoomórficas pré-coloniais do litoral sul do
Brasil: uma abordagem preliminar In: www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/memorare_grupep/article/.../1399
138

GONÇALVES, Jussara Maria S. & SANTOS, Neida Maria dos. Análise das Classificações do Relevo para o Rio Grande do Sul In:
Boletim Gaúcho de Geografia. Porto Alegre: Associação dos Geógrafos Brasileiros, n. 13, agosto 1985.

GONZALEZ, Manuel & MILHEIRA, Rafael Guedes. Reinterpretando o zoomorfo de tubarão da coleção “Carla Rosane Duarte
Costa” In: Cadernos do LEPAARQ – Textos de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio. Pelotas: UFPEL, 2005.

GUTFREIND, Ieda. A historiografia rio-grandense. Porto Alegre: EdUFRGS, 1992.

GUTFREIND, Ieda & REICHEL, Heloisa. As Raízes Históricas do Mercosul. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 1996.

JAEGER, Luiz Gonzaga. As primitivas reduções no RS. In: Terra farroupilha. Porto Alegre: s.ed., 1937.

KERN, Arno Alvarez. O processo histórico platino no século XVII: da aldeia guarani ao povoado missioneiro. In: Estudos Ibero-
Americanos. Porto Alegre: PUCRS, XI(1), 1985.

______(Org.) Arqueologia Pré-história do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991.

______. Chinoca (ou o legado indígena de gaúchos sem memória). In: Nós, os Gaúchos. GONZAGA, Sérgius. & FISCHER, Luis
Augusto (Coords). Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1993.

______. Os Índios: no limiar da América Latina. In: KERN, A.A. et. al. (Orgs.) Rio Grande do Sul: continente múltiplo. Porto Alegre:
Riocell, Marprom, 1993.

______. Antecedentes Indígenas. Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 1994.

______. Pré-História e Ocupação Humana. In: Kern, A & SANTOS, C. (Direção). História Geral do Rio Grande do Sul (Povos
Indígenas). Passo Fundo: Méritos, volume 5, 2009.

KHUN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1979.
139

LEINZ, Viktor & AMARAL, Sérgio Estanislau do. Geologia Geral. 12 ed., São Paulo: Ed. Nacional, 1995.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1949, 10 vols.

LINDMAN, C.A.M. & FERRI, M.G. A Vegetação no Rio Grande do Sul. EDUSP/Itatiaia: São Paulo/Belo Horizonte, 1974 (original de
1906).

MABILDE, Pierre François Alphonse Booth. Apontamentos sobre os indígenas selvagens da Nação Coroados dos matos da
Província do Rio Grande do Sul – 1836-1866. São Paulo: Ibrasa; [Brasília]: INL / Fundação Nacional Pró-Memória, 1983.

MELIÁ, Bartomeu S.J. El Guaraní conquistado y reducido. Asunción: CEADUC, Universidad Católica N.S. de la Asunción, 1986.

MONTOYA, Padre Antonio Ruiz de. Conquista espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai,
Paraná, Uruguai e Tape. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985.

MORAES, Carlos Dante de. Contribuições para a Gestão da Zona Costeira Brasileira. São Paulo: Edusp, 1987.

OLIVEIRA, Lizete Dias de. Arte Rupestre. In: Kern, A & SANTOS, C. (Direção). História Geral do Rio Grande do Sul (Povos
Indígenas). Passo Fundo: Méritos, volume 5, 2009.

PESAVENTO, Sandra. Historiografia e ideologia In: DACANAL, José H. (Org) RS: Cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1980.

PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai. Rio de Janeiro: SPHAN, 1943.

RIBEIRO, Pedro Augusto Mentz. A arte rupestre no sul do Brasil. Revista do CEPA. Santa Cruz do Sul: FISC, n. 7, 1978.

________ Arqueologia e História Pré-Colonial. IN: TAGLIANI, Paulo Roberto; RIBEIRO; ALVES; TORRES. Arqueologia, história e
sócio-economia da restinga da Lagoa dos Patos: uma contribuição para o conhecimento e manejo da reserva da biosfera. Rio Grande: FURG, 1999.
140

ROSA, Othelo. Formação do RS. In: Fundamentos da cultura rio-grandense. Porto Alegre: UFRGS, 1957, vol. 2.

RÜDIGGER, Francisco. Paradigmas do Estudo da História. Porto Alegre: IEL/IGEL, 1991.


RUGENDAS, Hohann Moritz. Rugendas e o Brasil. São Paulo: Editora Capivara, 2012.
SAGAN, Carl. Os Dragões do Éden. São Paulo: Francisco Alves, 1980.

SCHÄFER, Alois. A planície costeira do Rio Grande do Sul: um sistema ecológico costeiro único no mundo. In: SCHÄFER, Alois
(Org.) Atlas Sócio-Ambiental dos Municípios de Mostardas, Tavares, São José do Norte e Santa Vitória do Palmar. Caxias do Sul:
Educs, 2009.

SCHMITZ, Pedro Ignácio. Pré-história do Rio Grande do Sul. Documentos 05. São Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas,
1991. p.7-31.

SOUZA, José Otávio Catafesto de. Aos fantasmas das brenhas: etnografia, invisibilidade e etnicidade de populações originárias no
sul do Brasil (RS). Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Assistente Social, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, 1998.

________. Um salto do passado para o futuro: as comunidades indígenas e os direitos originários no Rio Grande do Sul . In: Silva,
G.F.; Penna, R.; Carneiro, L.C.C. (Orgs.). RS Índio – Cartografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2009.

SOMMER, M.G. & SCHERER,C.M.S. Sítios Paleobotânicos do Arenito Mata nos Municípios de Mata e São Pedro do Sul, RS. In:
SCHOBBENHAHUS,C.; CAMPOS,D.A.; QUEIROZ,E.T.; WINGE,M.; BERBERT-BORN,M. (Edit.). Sítios Geológicos e
Paleontológicos do Brasil, 1999 (publicado em http://www.unb.br/ig/sigep/sitio009/sitio009.htm).

SPALDING, Walter. À luz da história. Porto Alegre: Globo, 1933

______. Gênese do Brasil sul. Porto Alegre: Sulina, 1953.


141

STROHAECKER, Tânia Marques & TOLDO JR, Elírio E. O Litoral Norte do Rio Grande do Sul como um pólo de sustentabilidade
ambiental do Brasil Meridional. In: IX Coloquio Internacional de Geocrítica. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, 28 de mayo - 1 de junio de 2007.

TESCHAUER, Carlos. História do Rio Grande do Sul dos dois primeiros séculos. Porto Alegre: Selbach, 1918-1921, 3 vols.

TOMMASINO, Kimiye & FERNANDES, Ricardo Cid. Kaingang. In: Enciclopédia dos Povos Indígenas do Brasil.Instituto
Socioambiental | Povos Indígenas no Brasil, http://pib.socioambiental.org Acessado em: 17/02/2018.

VELLINHO, Moysés. Os jesuítas no RS. In: Fundamentos da cultura rio-grandense. Porto Alegre: UFRGS, 1960, v.4.

_______. Capitania d’El Rey: aspectos polêmicos da formação rio-grandense. Porto Alegre: Globo, 1964.

VILWOCK, Jorge Alberto & TOMAZELLI, Luiz José. Planície Costeira do Rio Grande do Sul: gênese e paisagem atual.
http://www.mma.gov.br/estruturas/chm/_arquivos/cap_2_lagoa_casamento.pdf. Acesso: 20 de novembro de 2017.

WILDNER, Wilson & LOPES, Ricardo C. Evolução Geológica: do paleoproterozoico ao recente. In: VIERO, Cláudia & SILVA, Diogo
R. A. da (Orgs.). Geodiversidade do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CPMR, 2010.

ZAMPERETTI, Bernardo & MARTINEZ, Gustavo. O Caminho das Descobertas In: Revista Arco. Santa Maria: UFSM, maio de
2017.

Você também pode gostar