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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


FACULDADE DE HISTÓRIA

Da História da População e de Naufrágios...


p. 58-100

OSEAS SERGIO DO ROSÁRIO -

Belém – Pará
Abril/2024
Entre os predecessores da demografia histórica podemos apontar Gilberto Freyre que,
no prefácio de Casa Grande & Senzala – escrito em Lisboa, em 1931, e revisto em Pernambuco,
em 1933 –, já registrava com clareza a relevância da massa documental da qual se serviram,
duas décadas depois, os autores aos quais devemos a formulação dos métodos que deram
nascimento à demografia histórica.
Da década de 1960 são os ensaios pioneiros de Luis Lisanti Filho e Maria Luiza
Marcílio, cabendo a esta última a autoria da tese intitulada La ville de São Paulo, peuplement et
population (1750-1850) d'après les registres paroissiaux et les recensements anciens‚ texto
seminal do qual resultou o reconhecimento, em escala internacional e, sobretudo, em âmbito
nacional, da demografia histórica brasileira.
Ao fim do decênio de 1970 e início do seguinte deu-se a extensão dos olhares dos
demógrafos historiadores para regiões que permaneciam inexploradas assim como aplicaram-se
novas abordagens para captar o evolver populacional das áreas contempladas anteriormente. O
rol de especialistas, embora longo, não pode ser descurado: Norte (Ciro Flamarion Santana
Cardoso); Paraíba (Elza Régis de Oliveira, Diana Soares de Galliza); Goiás (Eurípedes Antônio
Funes, Maria de Souza França); Rio de Janeiro (Eulália Maria Lahmeyer Lobo). Clotilde A.
Paiva e Beatriz Ricardina de Magalhães versaram sobre Minas Gerais; Horacio Gutiérrez
dedicou-se de modo inovador ao Paraná; Maria Nely dos Santos discorreu sobre Sergipe
enquanto o Piauí recebeu a atenção de Miridan Brito Knox. Na década de 1980 Elizabeth
Darwiche Rabello, Carlos de Almeida Prado Bacellar e Ana Sílvia Volpi Scott empenharam-se
em deslindar as distintas facetas das elites paulistas.
Os registros paroquiais, por sua vez, precisam voltar a receber a devida atenção. Note-
se, a respeito, que os pioneiros da demografia histórica brasileira emprestaram a tal fonte
documental grande apreço; mais recentemente, no entanto, ela parece ter sido "esquecida".
Para o Brasil, ainda não contamos com uma história regional solidamente fundada; este
questionamento, obviamente, não se dirige especificamente à demografia histórica, mas, sim, a
todos os que se debruçam sobre nosso passado. Não obstante, tal afirmativa, por encerrar uma
verdade indiscutível, também deve ser ouvida pelos demógrafos historiadores aos quais cumpre,
igualmente, a tarefa de reverter o atual panorama. Podemos e devemos contribuir para o
estabelecimento de uma história regional de alto nível.
Outra dimensão de grande importância para o entendimento de nossa formação
demográfica prende-se às questões vinculadas à propriedade e, sobretudo, ao uso da terra, tanto
no passado como no presente. A gênese e o avolumar-se da assim chamada população
redundante ou superpopulação relativa viram-se condicionados, a meu ver, pelas formas de
acesso ao usufruto da terra no Brasil, o qual não apresentou o mesmo grau de exclusão
observado com respeito à propriedade deste fator produtivo. Poder-se-ia mesmo aventar a
hipótese de que a relativa facilidade de acesso ao seu uso define-se como determinante principal
da aludida gênese. Entender as relações entre a propriedade e o usufruto da terra parece-me,
pois, crucial para explicarmos a formação daqueles excedentes populacionais, os quais,
hodiernamente, representam um dos maiores problemas sociais defrontados pela nação, pois, a
assim considerada modernização do campo, acompanhada pela rápida ocupação de vastas áreas
segundo moldes capitalistas estritos e pelo esgotamento da fronteira agrícola, acarretaram
mudanças radicais nas formas de uso da terra, fato este que levou à marginalização da referida
parcela redundante de nossa população

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