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Jw .

Martha Abreu, Rachel Soihet e


Rebeca Gontijo (organizadoras)

Cultura política e
leituras do passado
Historiografia e ensino de história

<2 FAPERJ
CIVILIZAÇÃO B U ASILLIKA hiiMlflçAu Carlos Chnqn» Filho de Amparo
* Ptn q ulM do Estado do Rio da Janeiro

Rio de Janeiro
2007
(fer U>3S3HíW
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COPYRIGHT © Martha Abreu, Rachel Soihet e Rebeca Gontijo (orgs.) Sumário

CAPA
Euelytt Grumacb
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PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumacb e João de Souza Leite
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE AGRADECIMENTOS 9


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
C974 Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de
história'/ Martha Abreu, Rachel Soihet e Rebeca Gontijo (orgs.). - Rio APRESENTAÇÃO 11
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

Inclui bibliografia PARTE I


ISBN 978-85-200-0695-5
Política, história e memória 21
1. História - Estudo e ensino. 2 Ciência política - Estudo e ensino.
3. Política e cultura. 4. Cultura política. 5. Pesquisa histórica. I. Abreu,
Martha. II. Soihet, Rachel, 1938- . III. Gontijo, Rebeca. O presente do passado: as artes de Clio em tempos de memória 23

CDD - 907 Manoel Luiz Salgado Guimarães


06-4642 CDU - 930(072)

Cultura política e cultura histórica no Estado Novo 43

Angela de Castro Gomes

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou PARTE II


transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia
autorização por escrito. O Antigo Regime e a colonização em questão 65

Dos “Estados nacionais” ao “sentido da colonização”:


história moderna e historiografia do Brasil colonial 67
Direitos desta edição adquiridos pela Maria Fernanda Bicalho
EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Um selo da
EDITORA RECORD LTDA. Cultura política na dinâmica das redes imperiais portuguesas,
Rua Argentina 171 - 2 0 9 2 1 -3 8 0 - Rio de Janeiro, RJ - Tel.: 2 5 8 5 -2 0 0 0
séculos XVII e XVIII 89
PEDIDOS PELO REEM BO LSO POSTAL Maria de Fátima Silva Gouvêa/Marilia Nogueira dos Santos
Caixa Postal 23.052 - Rio de Janeiro, RJ - 20922-970

Impresso no Brasil
07
Dos “Estados nacionais” ao “sentido
da colonização”: história moderna e
historiografia do Brasil colonial
Maria Fernanda Bicalho*

‘ Professora do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense; membro do


Núcleo de Pesquisas em História Cultural (Nupehc).
M as há uma distância enorme entre os conselhos distribuídos a aprendi­
zes em certos momentos e duma maneira discursiva e fragmentada — há
uma enorme distância entre essas indicações de trabalho e essa espécie de
confiança humana de mestre-de-obras explicando aos seus leitores, que
não são necessariamente “da sua especialidade”, o que para ele represen­
ta o seu trabalho, que fins lhe propõe e em que espírito o pratica: e tudo
isto, não como pedante que dogmatiza, mas como homem que procura
compreender-se na íntegra.

Lucien Febvre, “Vers une autre histoire” (1 9 4 9 ), em Com bats pour l'histoire ;
comentando a experiência e a obra de M arc Bloch.

ESTADOS NACIONAIS E MONARQUIAS COMPÓSITAS:


A PROJEÇÃO DO PRESENTE SOBRE O PASSADO

Encontramos, em geral, nos livros didáticos, principalmente nos de ensino


médio, conceitos como “nação”, “nacionalismo” ou “sentimento nacional”
anaçronicamente utilizados para caracterizar processos ocorridos nos
primórdios da época moderna. Exemplo comum dessa projeção do presen­
te sobre o passado é recorrente no tópico “formação dos Estados moder­
nos”, processo muitas vezes intitulado “formação dos Estados nacionais”,
r - o Nesses casos, o sentimento^ a existência de instituições nacionais sur-
gem precocemente, no momento da crise do feudalismo e no movimento
de centralização do poder das monarquias europeias.1 Esse processo não
taro vem seguido da constituição de uma “burocracia”, do reforço de um
“exército nacional”, da criação de leis, taxas e procedimentos jurídicos
CULTURA POllTICA E LEITURAS DO PASSADO O ANTIGO REGIME E A C OLONIZAÇÃO EM QUESTÃO

em “âmbito nacional”, e da vivência de um sentimento de nacionalidade nos inserimos/O que temos vivenciado nas últimas décadas são movimen­
— experiências vistas como indissociáveis à centralidade do poder monár­ tos de explosão — ou de implosão — das antigas nacionalidades e a emer­
quico e à constituição dos Estados modernos. gência de outras identidades, locais, regionais, religiosas, étnicasTJSobre
No entanto, estudos recentes vêm contradizendo essa ideia.2 Referin- elas vem se pautando um profundo rearranjo da geografia, da política e
do-se aos trabalhos que têm revisto e relativizado a natureza do absolutis­ do próprio conceito que tínhamos até então de Europa. Por outro lado, a
mo francês, o historiador catalão Xavier Gil Pujol afirma que o termo Europa — e não só ela — tem presenciado, em termos económicos e po­
“centralização” foi empregado pela primeira vez em 1794, em plena épo­ líticos, o desenvolvimento de organizações supranacionais, como a Co­
ca do Terror, no seio da Revolução Francesa, convertendo-se, a partir de munidade Européia. Tais processos levam necessariamente a um exercício
então, no objetivo político dos governos liberais do século X IX .3 de reinterpretação histórica daquilo que há cerca de cinquenta anos —
Em artigo publicado em 1992, John Elliott afirma que a formação de em plena Guerra Fria — era visto e sentido como dado e, quiçá, imutável.
Estados centralizados, absolutistas e “nacionais” era um tema caro à SBNão é por acaso que nas últimas décadas novos objetos, novos méto­
Í historiografia do século X IX , inserida numa conjuntura de fortalecimen-
to dos Estados-nações e preocupada com a sua compreensão, projetando
retroativamente suas origens para as nascentes monarquias em formação
dos, novas teorias, novas interpretações têm povoado — e provocado —
os estudos históricos. E essas rupturas vêm incitando a construção de novos
conceitos e a ressignificação de antigas noções. Um desses conceitos é o
nos séculos X V e XVI. De acordo com essa perspectiva, os Estados-na­ de “Estados compósitos” ou, como prefere Elliott, de “monarquias,
ções que então se afirmavam na Europa oitocentista constituiriam a compósitas”: formações políticas que incluíam diferentes reinos, regiões,
culminação lógica de um movimento linear e contínuo, cujas origens eram povos e tradições sob a soberania de um governante. Essa era a experiên­
identificadas nos primórdios dos tempos modernos.4 cia da monarquia hispânica dos Habsburgo, que reunia, sob a soberania
Elliott nos chama a atenção para que difejentes momentos históricos de Castela, os reinos de Aragão, Leão, Catalunha, Navarra; mais tarde,
implicam questionamentos distintos e perspectivas historiográficas espe- Milão, Nápoles, Sicília, Países Baixos e, por último, Portugal. Outro exem­
cíficas. E ele não é o único, nem foi o primeiro a nos fazer recordar essa plo pode ser depreendido da reunião do País de Gales, da Escócia e da
lição fundamental de história. Em 1949, Lucien Febvre, um dos fundado­ Irlanda sob o domínio da Inglaterra.
res da Escola do Annales, já afirmava que Algum grau de integração deveria ser atingido pelas monarquias
compósitas se o soberano quisesse ter efetivo controle sobre o território
a história não apresenta aos homens uma coleção de fatos isolados. Ela anexado, seja por meio da guerra, seja por união dinástica. Certamente a
organiza esses fatos. Ela explica-os, e portanto, para os explicar, transfor­ força e a coerção desempenharam seu papel, mas tornava-se dispendioso
ma-os em séries, a que não presta igual atenção. Porque, quer queira quer manter um exército de ocupação no território anexado, além do risco de
não, é em função das suas necessidades presentes que ela recolhe sistema­ rebeliões locais ou provinciais. A reunião das cortes — espécie de assem-
ticamente, e em seguida classifica e agrupa os fatos passados. É em função bléias compostas pelo rei e os representantes das três Ordens ou Estados
da vida que ela interroga a morte.5 constitutivos do reino6 — , assim como a nomeação de conselheiros “au­
tóctones” para os órgãos colegiados que aconselhavam o monarca eram
f ê ) O historiador é um sujeito de seu tempo, e as questões que apresenta ao formas de “ouvir as vozes” e os interesses dos súditos e das comunidades
seu objeto de estudo — e às fontes que escolhe analisar — não estão locais, além de aproveitar suas experiências na implementação de futuras
dissociadas da conjuntura política, social, económica e cultural na qual políticas.

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O ANTIGO REGIME E A COLONIZAÇÃO EM QUESTÃO
CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSADO

No caso específico da União Ibérica (1580-1640), o historiador Jean- mico sobre a própria comunidade. Referindo-se a recentes estudos sobre
Frédéric Schaub, superando as interpretações “nacionalistas”7 — algumas a imposição do poder central na região do Languedoc, no sul da França,
baseadas no discurso articulado pelo próprio movimento de Restauração Pujol afirma que:
portuguesa — , afirma não ser mais possível compreender a incorporação
de Portugal à monarquia hispânica insistindo apenas no argumento da As facções locais foram quase sempre decisivas no momento de determi­
nar o resultado final da intervenção real, já que as lealdades ao país [na
conquista territorial do mais fraco pelo mais forte. Sem descartar as dife­
acepção do termo na época] ou à Coroa dependeram muitas vezes dos
rentes estratégias utilizadas por Filipe II para consumar seu intento a
pequenos conflitos e desordens dentro da esfera local e regional. Uma vez
diplomacia, o reconhecimento de seus direitos à sucessão do trono portu­
mais se constata que as relações não eram facilmente dicotômicas. Mes­
guês, o domínio militar — , Schaub recupera a importância do acordo
mo numa questão tão clara de ação estatal como os impostos, há que ver
contratual entre o rei espanhol e os súditos portugueses reunidos em cor­ o Estado não só como um extrator de riqueza mas também como um dis­
tes, no Convento de Tomar, em 1581, quando Filipe II se comprometeu a tribuidor. [...] Durante as décadas centrais do século XVII, as incrementadas
respeitar a imunidade jurisdicional da coroa lusa. A partir do que ficou receitas fiscais da Coroa não saíram do país [do Languedoc] na sua totali­
estabelecido pelo p acto, ou contrato, entre o rei e o reino. dade, [...] e metade do total recolhido foi desembolsado dentro da pró­
pria região; esses fatos explicam o interesse dos dirigentes de Languedoc
No que diz respeito ao governo político, é criado um Conselho de Portu­ na manutenção da situação criada por Richelieu.9
gal que tem de funcionar sempre junto do rei, onde quer que ele se encon­
tre. No caso de o rei ser levado a afastar-se do reino, o governo só poderia O autor conclui que, por vezes, o fortalecimento do Estado se deveu me^
ser encarnado por um vice-rei de sangue real ou por uma junta de gover­ nos ao uso da força, a progressos institucionais ou a aperfeiçoamentos
nadores portugueses [...]. Dos cargos e ofícios da Justiça e da Fazenda, administrativos impostos de cima para baixo, do centro sobre as localida­
excluem-se todos os estrangeiros, isto é, todas as pessoas não naturais de
des, do que à resposta a solicitações das elites regionais e locais interessa-
Portugal. [...] O comando militar das tropas e das frotas portuguesas tem
das em usar os mecanismos instituídos pelo centro em benefício próprio.
necessariamente de caber a um natural de Portugal. A exclusão dos foras­
Nesse sentido, entre o poder central e o poder ou poderes locais havia
teiros aplica-se de igual modo no domínio do padroado eclesiástico [...]
uma densa rede de relações, interesses e pactuações.
Os Estados do reino, reunidos em cortes, devem ser convocados pelo rei
S? os Estados tidos tradicionalmente pela historiografia como centra-
como única forma de representação legítima do reino. Em suma, o novo
rei prometia não suprimir nenhuma função ou ofício do aparelho mo­ lizados dependiam, para o sucesso da intervenção real em_seus múltiplos
nárquico português no qual sucedia e garantia aos seus súditos a exclusivi­ territórios, da aquiescência e colaboração das elites locais, o que dizer das
dade total das futuras nomeações.8 monarquias compósitas? Uma de suas grandes fragilidades era o absen-
teísmo régio, ou seja, a ausência física do rei nos diferentes reinos^incor-
Em geral, as tentativas de conquista, integração e subordinação à autori­ porados à monarquia; o que levou, no entanto, a que as elites locais
dade de um único monarca — estrangeiro ou não — levaram a uma gran­ desfrutassem um maior grau de autogoverno que estava longe de desafiar
de interdependência entre o rei e as elites locais, cuja lealdade foi, não seu status quo. Exemplo disso nos é dado pela análise de Schaub acerca
raro, ganha e mantida por meio do clientelismo. Em contrapartida, estas do poderio sempre crescente, ao longo da União Ibérica, da casa dos
mesmas elites — senhoriais e urbanas — podiam exercer maior pressão Bragança. Embora os duques de Bragança tivessem renunciado a partici­
—sobre-a-Goroa e, simultaneamente, estender seu domínio social_e_econô- par diretamente dos assuntos portugueses durante o governo hispânico,

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CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PASSADO O ANTIGO REGIME E A COLONIZAÇÃO fu OIIESTAO

exerciam um poder de verdadeira “corte na província”. A vastidão de seu das cidades — todos aqueles que tinham meios de servir ao rei — espera-^
património, sua dispersão territorial e a complexidade das redes cliente- vam receber em retribuição dádivas e mercês, em títulos, cargos, proventos
lísticas que mantinham com figuras proeminentes na condução da políti­ e acrescentamento de status. A identidade de homens e mulheres com a sua
ca filipina fizeram com que, iniciado o movimento de independência de comunidade local — com a “pátria”, no sentido em que esse termo era
Castela, constituíssem a casa nobre que detinha as maiores credenciais para entendido nos séculos XVI e XVII — não era incompatível com a extensão
assumir a Coroa lusa no Portugal restaurado.10 da lealdade a uma entidade mais ampla, um rei, uma monarquia ou um
A patronagem e a “economia de mercês” como estratégia de incorpo- Estado, desde que as vantagens da união pudessem ser reconhecidas.
ração das elites locais tinham também sua eficácia na formação das monar­ - Segundo Elliott, se por um lado a Europa do século XVI era predomi­
quias européias. Segundo a historiadora Fernanda Olival, “a liberalidade, nantemente uma Europa de monarquias compósitas, coexistindo com uma
o gesto de dar, era considerado, na cultura política do Antigo Regime, como miríade de unidades territoriais e iurisdicionais independentes, por ou-
virtude própria dos reis, quer em Portugal, quer no resto da Europa Oci­ tro, essa mesma constatação — ou interpretação — não nos deve levar a
dental. Assim a apresentavam inúmeros teólogos, homens de leis e trata­ pensar que os Estados compósitos eram um meio caminho necessário,
distas políticos os mais diversos”.11 Afirma que o papel dos príncipes não embora incompleto e insatisfatório, no lento e sempre contínuo processo
era inovar, e sim garantir a ordem que, segundo muitos, era dada por Deus. de formação dos Estados unitários, em termos políticos e culturais. Essa
Nesse sentido, seu comportamento deveria ser moldado por imitação da linha inexorável e evolutiva de “formação dos Estados nacionais” traçada,
divindade, tornando-se o maior exemplo para os seus súditos. Seu perfil desde o século XVI até o século X IX , deve — e tem sido — questionada
e revista pela historiografia dos nossos dias.
moral deveria se basear na virtude, na bondade, na liberalidade. A acu­
mulação de proventos materiais era condenada, pois equivalia à avareza,
um vício dos mais censurados. De acordo com a autora, “mais importan­
O SENTIDO DA COLONIZAÇÃO: A PROJEÇÃO DO PASSADO SOBRE 0 PRESENTE
te do que a posse de muitos haveres, era saber governá-los e distribuí-los
de modo a atrair a fidelidade dos súditos”.12 A seu ver,
Também no que diz respeito ao Brasil colónia, ou, de forma mais geral, ao
esse pecúlio de idéias, aliado a outros referentes greco-latinos e do cristia­ processo de colonização das Américas portuguesa e espanhola, os livros
nismo, sob diferentes apropriações, marcou as relações políticas dos homens didáticos — e me refiro, sobretudo, aos do ensino médio — tardam a in­
do Antigo Regime, em tempos ditos de capitalismo comercial. Os reis devi­ corporar a revisão historiográfica, fruto de pesquisas que, nos últimos anos,
am ter grandes riquezas, [...] exatamente para poderem distribuir mais re­ têm sido desenvolvidas principalmente nos programas de pós-graduação
cursos e manterem mais servidores. Quanto mais fossem estes últimos, e das universidades brasileiras. Em regra o clássico ensaio de Caio Prado
mais ricos, maiores poderiam ser os domínios e os meios dos príncipes.13 Júnior “O sentido da colonização”, publicado em 1942 no livro Form a­
ção d o Brasil contem porân eo, é o ponto de partida para a reprodução —
Em outras palavras, as monarquias compósitas foram constituídas sobre um mais do que a reflexão — dos manuais de história adotados em nossas
mútuo pacto entre a Coroa e as elites nobres e plebéias, provinciais e urba- escolas. Caio Prado era um historiador marxista e, como escreve José
nas,j3 que conferia, mesmo às uniões mais arbitrárias e artificiais, uma cer­ Roberto do Amaral Lapa, seu “livro parece superar as obras dos demais
ta dose de flexibilidade e estabilidade. A nobreza sentia-se atraída pela cultura autores que também se utilizaram do marxismo para tentar decifrar a rea­
da corte. Tanto ela quanto os magistrados, mercadores e principais homens lidade brasileira, sempre com o objetivo de mudá-la”.14

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CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSADO O ANTIGO REGIME E A C OLONIZAÇÃO EM QUESTÃO

/ Apesar de todos os méritos, que não são poucos, o livro de Caio Pra­ Caio Prado foi o primeiro historiador a explicitar as ligações entre o pro­
do é tributário de uma perspectiva histórica — de um regime de histori­ cesso de colonização e o desenvolvimento capitalista internacional. De
cidade, para usar o conceito de Francois Hartofi15 — própria das décadas acordo com Amaral Lapa, o autor
de 1940 ,5 0 e 60. Ao analisar a constituição do Estado e da nagão no Bra-
sil e na América Latina, traça, por um lado, uma linha mestra de evolução insere o Brasil, sua descoberta e colonização, como parte do grande movi­
e desenvolvimento; entendendo-a, por outro, como decorrência ou ma- mento encetado pelo capital mercantil, graças às descobertas e avanços
nifestação interna de processos estruturais — como o desenvolvimento tecnológicos com que se aceleram e se mundializam as comunicações. Uma
do capitalismo — ocorridos externamente, nos centros dinâmicos da Eu- vasta empresa comercial, sem maiores preocupações em construir uma
sociedade unitária e integrada. Empresa de exploração do que é encon­
ropa Ocidental. Preocupado em compreender os fundamentos da nacio­
trado e comercializável, que se estenderá à grande agricultura de exporta­
nalidade brasileira, Caio Prado afirma que:
ção capaz de atender aos interesses europeus de consumo.18

Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo “sentido”. Este
Se o sentido comercial da colonização é desenvolvido por Caio Prado
se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos
e acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tem­ J únior, o livro de Fernando Novais Portugal e Brasil na crise d o antigo
po. Quem observa aquele conjunto, desbastando-o do cipoal de inciden­ sistema colonial (1 7 7 7 -1808), publicado na década de 1970. formula um
tes secundários que o acompanham sempre e o fazem muitas vezes confuso novo conceito: o de antigo sistema colonial, que relaciona a dependência
e incompreensível, não deixará de perceber que ele se forma de uma linha da colónia à metrópole, a organização das atividades produtivas e das
mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem em ordem rigo­ relações de produção coloniais, ao processo de acum u lação prim itiva d e
rosa, e dirigida sempre numa determinada orientação.16 capital na Europa, de acordo com as práticas mercantilistas então em
voga.19A tese de Novais encontrou grande difusão — inclusive no ensino
O evolucionismo presente na argumentação de Caio Prado combina-se^ no médio — no artigo “O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial”,
entanto, com uma perspectiva dialética. A historiadora Maria Odila Leite inserido na coletânea organizada por Carlos Guilherme Motta Brasil em
da Silva Dias afirma que o impasse da contradição entre o vir-a-ser da nacio­ Perspectiva. Nele se lê:
nalidade e as relações sociais de dependência colonial levou Caio Prado
Temos assim os dois elementos essenciais à compreensão do modo de orga­
a construir seu livro Formação do Brasil contemporâneo sobre dois eixos nização e dos mecanismos de funcionamento do antigo sistema colonial:
principais inter-relacionados numa relação permanente de oposição estru­ como instrução de expansão da economia mercantil européia, em face das
tural [...]: o eixo da dependência colonial, conduzindo à tese da anomia condições desta nos fins da Idade Média e início da época moderna, toda
dos oprimidos e sua incapacidade de articulação política, foi elaborado atividade económica colonial se orientará segundo os interesses da bur­
nos capítulos “Sentido da colonização”, “Grande lavoura”, “Mineração”, guesia comercial da Europa; como resultado do esforço económico coor­
“Organização social”, “Administração” e “Organização social e política”. denado pelos novos Estados modernos, as colónias se constituem em
Neles o historiador aprofundou as contradições do sistema produtivo en­ instrumento de poder das respectivas metrópoles.20
quanto pólo do sistema capitalista internacional. [...] outro eixo de elabo­
ração desta obra diz respeito à formação na nacionalidade brasileira, às
relações de dependência interna, às dificuldades de vir a ser do inorgânico.17

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O ANTIGO REGIME E A C O LO N IZA Ç Ã O EM QUESTÃO
CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PASSADO

E acrescenta: volução n o Brasil (1789 -1 8 0 1 ), de 1979, ao discutir o “processo de to­


mada de consciência no Brasil num momento crítico da história do antigo
É nesse contexto, e só neste contexto, que se torna possível compreender sistema colonial português”, ou seja, o de sua crise, afirma que “nesse uni­
o modo como se organizaram nas colónias as atividades produtivas e as verso de reflexos que é o mundo colonial do século XVIII há que observar,
suas implicações sobre os demais setores da vida social.21 nos mecanismos de tomada de consciência — elaboração das nacionali­
dades — , aquelas construções mentais que em vários casos nortearam a
Mais uma vez a chave de análise da organização económica, social e políti­ ação emancipadora”.24 Portanto, para o historiador, o processo de tomada
ca das Américas portuguesa e hispânica só poderia ser alcançada por meio de consciência do “viver em colónias”, que se desdobrou nas chamadas
da lógica do capital, da formação dos Estados centralizados e absolutistas e inconfidências e conjurações, já continha em si “manifestações naciona­
do desenvolvimento do capitalismo na Europa. Não é à toa que a his­ listas. sendo que o nacionalismo emergente no final do século XVIII no
toriografia da década de 1970 cunhou igualmente o conceito de transição Brasil é, na base, anticolonialista. A consciência nacional começa a des-
d o feudalism o vara o capitalism o ao se referir aos tempos modernos. Se pertar, e passa a não ser contida pelas estruturas do Estado dentro do qual
por um lado essa visão praticamente negava aos atores engendrados na di­ emerge”.25 Mais uma vez o sentimento nacional é vislumbrado precoce-
nâmica do processo de colonização possibilidades múltiplas de escolha e de mente.
negociação de suas estratégias individuais e sociais, tornando-os mais obje­ Comentando a historiografia marxista brasileira da década de 1970,
em geral, Sílvia Hunold Lara afirma que:
tos do que sujeitos de uma “política colonial” — e, portanto, de seus desti­
nos históricos— , minimizava, igualmente, as diversidades e singularidades
Em muitos trabalhos, a idéia de uma “unidade nacional” ainda continuou
regionais e temporais do que se convencionou chamar de “Brasil colónia”.22
a ser projetada para a “colónia”, construindo-se uma história que era do
De acordo com Sílvia Hunold Lara, em artigo publicado em 2005:
“Brasil” colonial, não dos domínios portugueses na América; que era da
nação, não de sujeitos históricos múltiplos, desiguais e diferentes. Por isso,
Mas foi sobretudo a ênfase nas análises macroestruturais, que marcaram a oposição que separava radicalmente o arcaico-escravista colonial do
os anos 1970, que acabou por cristalizar a imagem da “colónia” como um moderno-capitalista-nacional continuou de certo modo a ser a base das
todo homogéneo. Nos debates marxistas dessa época, a expressão “Brasil reflexões históricas sobre o período colonial até bem pouco tempo atrás.26
colonial” passou praticamente a desconsiderar diversidades políticas, geo­
gráficas, populacionais, económicas e cronológicas. Privilegiando o deba­
Embora primasse pela interpretação da lógica do capital, das práticas
te conceituai, muitos empreenderam análises nas quais eram referenciados
mercantilistas e dos modos de produção, assim como do escravismo
lado a lado documentos dos séculos XVII e XIX ou que diziam respeito à
colonial, a historiografia marxista dos anos 1970 não deu maior aten­
Bahia, ao Rio de Janeiro ou ao Maranhão.23
ção à cultura política que informava a visão de mundo dos sujeitos his-
tóricos, e que poderia explicar, em seus próp rios term os, as relações
Outro traço dessa historiografia consistiu na ênfase, para além da comple­
económicas, sociais, políticas e culturais que conectaram as colón ias
mentaridade, da oposição e, progressivamente, da contradição de inte-
às m etróp o les.
resses^ntre colónia e metrópole, entre colonizadores e colonos. Esta
dualidade aprofunda-se no momento da crise do antigo sistema colonial,
em fins do século XVIII. Carlos Guilherme Mota, no livro Idéia de re-

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CULTURA POLiTICA E LEITURAS DO PASSADO
O ANTIGO REGIME E A COLONIZAÇÃO EM QUESTÃO

OS IMPÉRIOS COLONIAIS E A CULTURA POLÍTICA DA ÉPOCA MODERNA


te generalista para ser proficuamente aplicada à análise da história das
múltiplas e complexas estruturas imperiais que emergiram tanto nas Amé­
Se o Estado-nação não deve ser visto como o resultado final de um pro­
ricas quanto em regiões da África e do Oriente ao longo da época moderna.
cesso histórico iniciado na época moderna, seja qual for o lado do Atlân­
Em um dos artigos que assina no mesmo livro, Greene critica o uso
tico, torna-se necessário refletir sobre as estruturas mais amplas no seio
indiscriminado de um modelo coercitivo e centralizado de organização
das quais situamos nossas pesquisas especializadas. Em coletânea publicada
imperial, no qual poderosos Estados-nações exploravam colónias, cuja
em 2002, N egotiated empires. Center an d peripheries in the Am éricas, os
autoridade fluía de cima para baixo, do centro sobre as populações sujeitas
autores utilizam os conceitos de centro e periferia para analisar o relacio­
nas distantes e distintas periferias. Assim como as monarquias compósitas,
namento entre os Estados europeus e seus territórios ultramarinos. Na
os impérios da época moderna podiam espelhar uma soberania fragmenta­
introdução ao livro, os historiadores norte-americanos Jack Greene e Amy
da, além de considerável autoridade poder ser mantida pelas ditas periferias.
Turner discutem os estudos de Immanuel Wallerstein, The m odern tvorld-
Em suma, a formação dos hoje chamados impérios coloniais pressupôs a
system, publicado entre 1974 e 1989.27
construção de novos centros — ultramarinos — igualmente detentores de
Os conceitos de centro e periferia de Wallerstein têm sido usados, in­
autoridade, por meio de complexos mecanismos de negociação.28
clusive por historiadores brasileiros, para entender o sistema mundial co­
O que tem sido a linha de argumentação aqui desenvolvida é que novas
lonial e mercantilista. Em sua perspectiva, um núcleo europeu composto
questões, assim como um outro recorte metodológico — e, portanto, uma
de Estados centrais, com máquinas estatais poderosas, integrava culturas
/ diferente perspectiva historiográfica — , vêm se impondo na aurora deste
nacionais e complexas economias, que crescentemente incorporaram e do­
|) / novo milénio. Em decorrência de um conjunto de transformações econô-
minaram áreas periféricas com Estados fracos ou não existentes — eco­
/ micas, políticas e culturais vividas nas últimas décadas, a estabilidade e a
nomias simples baseadas na mineração, na agricultura, em vários tipos de
/ coerência do Estado-nação, convencionalmente tomado como uma criação
exploração de recursos, utilizando-se de trabalho compulsório. Nesse es­
/ da “modernidade” européia, não é mais tão evidente quanto há meio sécu-
quema, o centro sempre dominava a periferia, embora ele próprio não
/ lo. Aliás, muitas têm sido as críticas ao acentuado eurocentrismo implícito
fosse necessariamente estável, uma vez que mecanismos estruturais da
nessa visão. Em “Connected histories: notes towards a reconfiguration of
“economia-mundo” poderiam empurrar alguns Estados-centro para um
early modern Eurasia”, o historiador indiano Sanjay Subramanyam denun­
status periférico ou semiperiférico.
cia a “ditadura”, “camisa-de-força” ou “imposição” do modelo da trajetó­
De acordo com Greene e Turner. apesar de Wallerstein ter desenvolvi­
ria européia nos tempos modernos para análises de outras realidades, como
do essas categorias para facilitar a análise do processo que teve suas ori-
a asiática. Ou seja, contrapõe-se a uma noção de modernidade que classifi­
gens na época moderna, e embora historiadores da América Latina utilizem
ca e hierarquiza sociedades tão distintas e territórios tão distantes de acor­
do com um processo histórico que parte sempre da Europa.29
dência — que emergiu nos anos de 1960 — para expljcar o subdesenvol-
Pode-se dizer que, diante da “crise” do Estado-nação. os estudos his­
vimento, essa conceituação específica do relacionamento centro-periferia
tóricos vêm tomando duas direções: (1) uns encontraram na micro-histó­
não tem sido fulcral nos argumentos de uma nova historiografia produzi­
ria um “espaço” pertinente no interior do qual definem seus objetos; (2)
da nas Américas sobre o período colonial. O çsquema de Wallerstein con­
outros extrapolaram as estruturas nacionais que lhes eram familiares, en­
fere muito poder aos núcleos europeus, é exclusivamente focado na criação
contrando na flexibilidade das constantes negociações e dos diferentes
dos sistemas de comércio internacionais, apresentando uma visão bastan-
pactos entre governantes e governados, entre elites reinóis e ultramarinas

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CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSAOO O ANTIGO REGIME E A CO LO N IZA Ç Ã O EM QUESTÃO

e entre senhores e escravos a chave de interpretação das múltiplas rela­ sua importância, no que tange às sociabilidades culturais, políticas e eco­
ções e conexões entre centro e localidades, dominantes e dominados. Se a nómicas vivenciadas no interior dos impérios ultramarinos da época
história global adquiriu certa visibilidade como entidade analítica e peda­ moderna, descentraliza a análise em termos de movimento que parte exclu­
gógica, resta-nos, no entanto, inventar uma série de instrumentos teóri­ sivamente dos Estados metropolitanos, conferindo flexibilidade às rela­
cos e metodológicos pertinentes à sua elaboração. ções imperiais, o que promove conexões intercoloniais.32
Um desses instrumentos seria o conceito de rede, que alguns historia­ Outros caminhos vêm sendo trilhados por novos estudos que, por náo
dores têm elegido para analisar a dinâmica económica, política e social se calcarem em generalizações e formalizações dos processos sociais, par- >
dos impérios ultramarinos ou coloniais da época moderna. Estes se cons­ tem do pressuposto de que eles são eminentemente históricos, que têm uma
tituíam por meio de múltiplas redes de relações — políticas, económicas, historicidade, isto é, são datados e localizados no tempo e no espaço, não
sociais, culturais — que conectavam os sujeitos históricos para além do podendo ser bem compreendidos a não ser pela inclusão de uma dim ensão
território europeu, podendo comportar um ou vários centros económi­ interna. São trabalhos produzidos nas últimas duas décadas — muitos deles
cos10 — sendo constituídas pela multiplicidade e diversidade de laços en­ dissertações de mestrado ou teses de doutorado — que partem das repre­
tre diferentes agentes históricos e regiões ultramarinas, o que, no conjunto, sentações, experiências e ações dos atores históricos, ou seja, da cultura
constitui um amplo inventário de experiências e singularidades. A força e política e dos padrões sociais de homens e mulheres que vivenciaram o pro­
a substância desses laços são suscetíveis de mudanças, e estas são capazes cesso de colonização nos tempos modernos. Um exemplo dos mais signifi­
de alterar a própria rede ou relação de maneira fundamental,
cativos dessas abordagens encontra-se nos trabalhos que, nos últimos vinte
jpr João Fragoso e Maria de Fátima Silva Gouvêa vêm desenvolvendo
anos, vêm sendo desenvolvidos sobre “as práticas cotidianas, os costumes,
estudos sobre redes imperiais que, entre fins do século XVII e início do
enfrentamentos, resistências, acomodações e solidariedades, modos de ver,
XVIII, envolviam diferentes agentes do império português: casas aristo-
viver, pensar e agir dos escravos”. De acordo, mais uma vez, com Sílvia Lara:
fio cráticas do reino, magistrados, oficiais régios, negociantes e, inclusive,
5 membros das elites coloniais residentes em diferentes regiões ultramari­
A partir da década de 1980, os estudos sobre a escravidão dos africanos e
nas. Elas eram tecidas pela circulação, comunicação e troca entre esses
seus descendentes no Brasil passaram por transformações que redimen-
homens — e mulheres — de mercadorias, informações, bens materiais e sionaram a abordagem do tema. Questionando as amarras estruturais de
culturais, e eram adensadas por relações de parentesco e clientelísticas, paradigmas explicativos fixados na década de 1960, vários historiadores
aproximando e afastando diferentes grupos, em termos de alianças políti­ enfatizaram a necessidade de procurar outras perspectivas de análise. Ao
cas e interesses pecuniários. Os autores argumentam que criticar o enfoque estritamente macroeconômico e a ênfase no caráter vio­
lento e inexorável da escravidão, observaram que o resultado da maior
este circuito de relações deu lugar a determinadas formas não só de acu­ parte da produção sobre o tema era uma história que, mesmo sem o dese­
mulação e circulação de informações, bem como de definição de estraté­ jar, apoiava-se numa óptica senhorial que era, inevitavelmente, excludente.
gias governativas, voltadas para o acrescentamento político e material dos Recuperando movimentos e ambiguidades que antes poderiam parecer
interesses portugueses, [...] sejam os interesses individuais e de redes surpreendentes, valorizaram a experiência escrava, que passou a ser ana­
clientelares, sejam os corporativos da Coroa como um todo.31 lisada com base em outros parâmetros. Assim, os valores e as ações dos
escravos foram incorporados como elementos importantes para a com­
Por fim, como o texto de Maria de Fátima Gouvêa e Marília Nogueira preensão da própria escravidão e de suas transformações.33
dos Santos publicado neste livro propõe, o estudo das redes em termos de e

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CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PASSADO
O ANTIGO REGIME E A COLONIZAÇÃO EM QUESTÃO

A partir dessa inflexão teórico-metodológica creio que podemos, por meio designar a modalidade de consciência de si de uma comunidade humana. A seu ver,
de nossos estudos e pesquisas, contribuir para dar sentido não apenas a essa noção pode fornecer um instrumento de comparação de tipos de história d ife­
temas coloniais, mas também ao nosso sempre renovado ofício de historia­ rentes no sentido de iluminar distintas formas de relacionamento com o tem po ou,

dores. Afinal, como nos lembra François Hartog, comentando os ensina­ em outras palavras, formas específicas de experiência do tempo. Cf. François H artog,
“Ordres du temps, regimes d’historicité”, em Regimes d ’historicité. Présentisme et
mentos de Lucien Febvre, explicar o mundo ao mundo, responder às
expériences du tem ps, Paris, Seuil, 2 0 0 3 , p. 19-20.
questões que se apresentam aos homens de hoje, é decididamente a tarefa
6 . Sobre as C ortes, cf. Pedro Cardim, C ortes e cultura política n o Portugal d o Antigo
do historiador. Não se trata de fazer tábula rasa do passado, mas de com­ Regime, Lisboa, Edições Cosmos, 199 8 .
preender em que ele difere do presente, por que e em que ele é passado, 7. Cf., a esse respeito, o capítulo “M anifestos de Portugal. Reflexões acerca de um Estado
num mundo que, se em todos os sentidos é comandado pelo presente, é, moderno”, de Rodrigo Bentes M onteiro e Jorg e Miranda Leite, neste livro.
também e profundamente, diferente dos tempos atuais, quer em suas prá­ 8 . Jean-Frédéric Schaub, Portugal na m onarquia hispânica (1580-1640), Lisboa, Livros
Horizonte, 2 0 0 1 , p. 21.
ticas, quer em suas representações.34
9. Pujol, op. cit., p. 126-7.
10. Segundo Schaub, “o afastamento espetacular dos titulares da casa não deve, porém,
alimentar ilusões. Uma leitura atenta da correspondência política trocada entre Lis­
boa, Vila Viçosa [“corte” dos duques de Bragança] e Madri revela a multiplicidade
Notas de canais através dos quais os sucessivos duques exerceram a sua influência no seio
dos grandes conselhos das polissinodias portuguesa e hispânica. [...] o duque de
1. Segundo o D icionário d e Política de N orberto Bobbio, “o termo nação, utilizado Bragança teria sido, na viragem dos anos 2 0 , o patrono direto de quatro dos sete
para designar os mesmos contextos significativos a que hoje se aplica, isto é, aplica­ membros do Conselho de Portugal, e teria tecido, de forma indireta, laços fortes

do à França, à Alemanha, à Itália etc., faz seu aparecim ento no discurso político — com outros dois dos seus membros” (Schaub, op. cit., p. 64).

na Europa — durante a Revolução Francesa”. Cf. N. Bobbio et al., D icionário de 11. Fernanda Olival, As Ordens militares e o Estado m oderno. Honra, m ercê e venalidade
em Portugal (1641-1789), Lisboa, Estar Editora, 2 0 0 1 , p. 15.
Política, v. 2, Brasília/São Paulo, Ed. UnB/Imprensa O ficial do Estado de São Paulo,
12. Ibidem , p. 18.
2 0 0 4 , p. 796.
13. Ibidem , p. 17.
2. Recentes interpretações historiográficas problematizam tanto a extrem a centraliza­
14. José Roberto do Amaral Lapa, “Caio Prado. Formação do Brasil contem porâneo”,
ção quanto a unificação cultural ou a existência de um sentim ento nacional, inclu­
em Lourenço Dantas M ota (org.), Introdução a o Brasil. Um banquete n o trópico,
sive na França do século X V I. Cf. Emmanuel Le Roy Ladurie, O Estado m onárquico.
São Paulo, Ed. Senac, 199 9 , p. 2 5 9 .
França 1460-1610, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
15. Cf. nota 5.
3. Xavier Gil Pujol, “Centralismo e localismo? Sobre as relações políticas e culturais
16. Caio Prado Júnior, “O sentido da colonização”, em Form ação do Brasil con tem p o­
entre capital e territórios nas monarquias européias dos séculos X V I e X V II”, Pené-
râneo, 15a ed., São Paulo, Brasiliense, 197 7 , p. 19.
lope. Fazer e D esfazer a H istória, n. 6 , 1 9 9 1 , p. 123-4.
17. Maria Odila Leite da Silva Dias, “Impasses do inorgânico”, em M aria Ângela D ’Incao
4 . John H. EUiott, “A Europe o f composite monarchies”, Past an d Present, n. 1 3 7 ,1 9 9 2 , (org.), Ensaios sobre C aio Prado Jiinior, São Paulo, Brasiliense/Ed. Unesp/Secretaria
p. 4 8 -7 1 . de Estado da Cultura, 198 9 , p. 3 8 9 -9 0 . Analisando outro importante livro de Caio
5. Lucien Febvre, “Cam inhando para uma outra H istória”, em C om bates pela história Prado Júnior, H istória económ ica d o Brasil, Rubem M. L. Rego afirma que a tese
II, Lisboa, Editorial Presença, 1 9 7 7 , p. 22 5 -6 . M ais recentemente, François Hartog central do autor sobre o largo processo de transformação por que passa a form ação
cunha o conceito d e\regimes d e historicidade,\que pode ser entendido de duas for­ social brasileira, principalmente durante a segunda metade do século X IX e as pri­
mas: numa acepção restrita, com o uma sociedade trata o seu passado, e nele se vê; meiras décadas do século X X , é a de que a integração na nova etapa de desenvolvi-
e numa acepção mais vasta, de acordo com a qual regimes d e historicidade serve para mento do capitalism o internacional, a que denomina “ordem im p erialista", “se

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O ANTIGO REGIME E A C O L O N IZA Ç Ã O EM QUESTÃO
CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSAOO

30. Cf., a esse respeito, A. J . R. Russell-Wood, “C entro e periferia no mundo luso-bra­


processou sem modificação substancial do caráter fundamental da economia do país”.
sileiro, 1 5 0 0 -1 8 0 8 ”, Revista Brasileira d e H istória, v. 18, n. 36, 1998, p. 202.
Cf. Rubem M . L. Rego, Sentimento d o Brasil. C aio Prado Júnior. Continuidades e
31. João Luís Ribeiro Fragoso e M aria de Fátima Silva Gouvêa, “Vitorino Magalhães
mudanças no desenvolvimento da sociedade brasileira, Campinas, Ed. Unicamp, 2 00 0 .
18. Lapa, op. cit., p. 263. Godinho et les réseaux impériaux” . Arquivos d o Centro Cultural Calouste Gul-

19. Fernando Novais, Portugal e Brasil na crise d o antigo sistem a colon ial (1777-1808), benkian, v. 5 0 , 2 0 0 5 , p. 89.
São Paulo, H ucitec, 197 9 , p. 62. 32. Maria de Fátima Silva Gouvêa e M arília Nogueira dos Santos, “ Cultura política na
dinâmica das redes imperiais portuguesas”, publicado neste livro. Cf., também, Maria
2 0 . ldem , “O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial”, em Carlos Guilherme M ota
de Fátima Silva Gouvêa, G. de A. Frazão e M arília Nogueira dos Santos, “Redes de
(org.), Brasil em perspectiva, 10a ed., Rio de Janeiro/São Paulo, D ifel, 197 8 , p. 49.
poder e conhecim ento na governação do império português, 1688-1735”, Topoi:
Esse artigo foi novamente publicado em Fernando Novais, Aproxim ações. Estudos
d e história e historiografia, São Paulo, Cosac Naify, 2 0 0 5 , p. 4 5 -6 0 . revista de H istória, v. 5 , n. 8, jan.-jun. 2 0 0 4 , p. 9 6-137.
2 1 . Ibidem , p. 57. 33. Lara, op. cit., p. 2 5 .
2 2 . Para uma magistral análise do conceito de região colonial afinada com a tese da 34. Hartog, op. cit., p. 14.

colonização de exploração nos quadros do antigo sistema colonial, cf. limar Rohloff
de M attos, O tem po saquarem a, São Paulo, H ucitec, 1 9 8 7 , p. 2 4 -5 .
2 3 . Sílvia Hunold Lara, “Conectando historiografias: a escravidão africana e o Antigo
Regime na América portuguesa”, em Maria Fernanda Baptista Bicalho e Vera L. A.
Ferlini (orgs.), M odos de governar. Ideias e práticas políticas no im pério português.
Séculos XVI a XIX, São Paulo, Alameda Editorial, 2 0 0 5 , p. 24.
2 4 . Carlos Guilherme M ota, ldéia de revolução no Brasil (1789-1801). Estudo das fo r­
m as d e pensam ento, Petrópolis, Vozes, 1 9 7 9 , p. 2 2 .
2 5 . Ibidem , p. 90.
2 6 . Lara, op. cit., p. 24.
2 7 . Immanuel Wallerstein, The modern world-system, 3 v., Nova York, Academic Press,
1 9 7 4 -8 9 .
28. J. Greene, “Transatlantic colonization and the redefinition o f empire in the early modern
era. The British-American experience”, em C. Daniels e M. Kennedy (eds.), Negotiated
Empires. Centers an d Peripheries in the Américas, 1500-1820, Nova York/Londres,
Routledge, 2 0 0 2 , p. 2 67-82. Certamente Greene desenvolve sua argumentação com
base na experiência da América inglesa, cuja singularidade e diferença em relação à
espanhola e à portuguesa têm que ser levadas em conta. Para uma análise cujo foco é o
império português nos tempos modernos, cf. Jo ão Luís Ribeiro Fragoso, Maria Fernanda
Baptista Bicalho e Maria de Fátima Silva Gouvêa, “Uma leitura do Brasil colonial: bases
da materialidade e da governabilidade no Império”, Penélope: revista de História e de
Ciências Sociais, n. 23, Lisboa, 200 0 , p. 6 7 -8 8 ; e J. L. R. Fragoso, M. F. B. Bicalho e M.
de F. Silva Gouvêa (orgs.), O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa
(séculos XVI-XVHI), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.
2 9 . Sanjay Subrahmanyam, “Connected histories: notes towards a reconfiguration o f early
modern Eurasia”, em Victor Lieberman (ed.), Beyond Binary Histories. Re-imagining
Eurasia to c. 1830, Michigan, University o f Michigan Press, 1999, p. 2 8 9 -3 1 6 .

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