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E O IMPÉRIO DO BRASIL
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
Organizadores
casa leiria
A escravidão brasileira do século XIX,
em sua época, foi vista como um legado colonial.
Para seus opositores, tratava-se de um entrave a
ser superado para a modernização do país; para
os que dela viviam e extraíam seus lucros, um
mal necessário que, em algum momento, viria
a ser gradativamente eliminado no futuro. Essa
visão da escravidão oitocentista como herança
colonial, em que pesem as inúmeras ressalvas e
críticas às concepções da História como um pro-
cesso evolutivo, ou talvez até por conta delas,
tornou-se um lugar comum na historiografia sub-
sequente e mesmo atual. O conjunto de ensaios
que compõem esse livro visa problematizar esse
aparente consenso.
O ponto de partida é a constatação de
que a escravidão afro-americana no Brasil, assim
como no Sul dos Estados Unidos e em Cuba, não
só se manteve, mas expandiu-se e adquiriu po-
tência e dimensão inusitadas nos séculos ante-
riores. Nas palavras de Dale Tomich, que prefa-
cia a obra, ela se constituiu em uma verdadeira
segunda escravidão que, longe de ser uma ins-
tituição do antigo regime ou do antigo sistema
colonial, pressupôs o processo de construção de
Estados nacionais e de expansão internacional
do mercado capitalista, ao mesmo tempo em
que foi uma de suas vertentes constitutivas. Do
ponto de vista econômico, esse processo levou à
maior procura por novas matérias-primas, como
o algodão, e mercadorias tropicais como o café e
o açúcar, produtos de consumo de massa incor-
porados à dieta básica dos trabalhadores e das
classes médias europeias e norte-americanas.
Do ponto de vista político, a Era da Revoluções
abriu um quadro internacional de contestações à
escravidão afro-americana, especialmente após a
Revolução Haitiana, a primeira e única a pôr fim
ao regime servil por obra dos próprios escravos.
Nessas condições, a permanência e expansão da
escravidão dependeram decisivamente da prote-
ção de Estados nacionais, integralmente escravis-
tas, como o Império do Brasil e os Estados Con-
federados da América, em sua breve e belicosa
existência, ou que defendiam parcialmente sua
manutenção, como os Estados Unidos, até 1860,
e o Império espanhol.
A Segunda Escravidão e o Império do Bra-
sil em perspectiva histórica trata a temática da se-
gunda escravidão como uma série de questões
em aberto. A primeira parte do livro traz um
debate mais abrangente sobre as articulações
entre a segunda escravidão e o capitalismo his-
tórico. A segunda discute a segunda escravidão
e a diversidade regional da economia brasileira
no século XIX. A terceira considera a pertinência
do uso do conceito para o estudo da economia
colonial tardia na América portuguesa. A última
parte aborda a questão teórica e metodológica
da relação entre a perspectiva mais geral e tota-
lizante da segunda escravidão, a agência e a mi-
cro-história. Esses temas são abordados por his-
toriadores com visões distintas sobre o conceito
de segunda escravidão, em seguida comentadas
por debatedores, alguns dos quais críticos a essa
concepção.
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO
E O IMPÉRIO DO BRASIL
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Editora Casa Leiria
Rua do Parque, 470 – B. Padre Reus
93020-270 São Leopoldo/RS
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO
E O IMPÉRIO DO BRASIL
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Casa Leiria
São Leopoldo / RS
2020
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO E O IMPÉRIO DO BRASIL
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
Organizadores
Catalogação na publicação
Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973
Para os nossos alunos e colegas professores.
Senhores, a propriedade não tem somente
direitos, tem também deveres, e o estado
da pobreza entre nós, a indiferença com
que todos olham para a condição do povo,
não faz honra à propriedade, como não faz
honra aos poderes do Estado. Eu, pois, se
for eleito, não separarei mais as duas ques-
tões – a da emancipação dos escravos e a
da democratização do solo. (Longos aplau-
sos.) Uma é o complemento da outra. Aca-
bar com a escravidão não nos basta; é pre-
ciso destruir a obra da escravidão.
(Joaquim Nabuco, discurso em um comício
popular em sua campanha política no Reci-
fe, a 5 de novembro de 1884)1.
1 Joaquim Nabuco, Campanha Abolicionista no Recife [1884]. Brasília: Edições do Senado Federal,
2005, p. 58.
SUMÁRIO
13 APRESENTAÇÃO
Dale Tomich
19 INTRODUÇÃO
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
PARTE I
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E CAPITALISMO
HISTÓRICO EM PERSPECTIVA ATLÂNTICA
PARTE II
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E DIVERSIDADE
ECONÔMICA E REGIONAL
PARTE III
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E PERÍODO COLONIAL TARDIO
PARTE IV
SEGUNDA ESCRAVIDÃO, MICRO-HISTÓRIA E AGÊNCIA
Dale Tomich1
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Apresentação
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Apresentação
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INTRODUÇÃO
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
19
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Introdução
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Introdução
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PARTE I
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E CAPITALISMO
HISTÓRICO EM PERSPECTIVA ATLÂNTICA
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO E O DEBATE
SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CAPITALISMO E
ESCRAVIDÃO. ENSAIO DE HISTORIOGRAFIA
Ricardo H. Salles
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
1 Essa primeira versão apareceu na Comparative Studies in Society and History, v. 23, n. 4, p.
620-655, out. 1981. Uma versão em português, sob o título Escravidão e desenvolvimento
econômico: Brasil e Estados Unidos no século XIX, apareceu em 1983, na Estudos Econômicos,
São Paulo, v. 13, n. 1, p. 223-257.
2 Empregarei a palavra mercadológica no sentido de atividade voltada para o mercado com
fim de obtenção de lucro, sem o sentido usual relativo ao marketing, enquanto conjunto de
práticas e saberes específicos relativos ao mercado.
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A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
6 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa online, ibidem. Não deixa de ser significativo, para
os propósitos deste texto, que o neologismo escravismo não exista na língua inglesa. Signi-
ficativo também é o fato de que, ainda segundo o Houaiss, sua aparição dicionarizada em
português, de 1885, anteceda a de capitalismo, que é de 1899.
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A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
A segunda escravidão
Percebendo essas diferenças significativas entre a escravidão
colonial e a escravidão do século XIX, principalmente no plano econô-
mico, e antevendo suas consequências mais amplas, o historiador nor-
te-americano Dale Tomich formulou, em 1988, o conceito de “segunda
escravidão”. O conceito, revisado em capítulo de livro de 2004 (Tomich,
2011 [2004]), tem ganhado crescente aceitação entre os historiadores
da escravidão afro-americana do século XIX, tanto nos Estados Unidos
quanto no Brasil. Numa leitura pontual, indica quatro especificidades his-
tórico-estruturais da escravidão afro-americana que seriam próprias do
século XIX no Sul dos Estados Unidos, no Brasil, particularmente no Vale
do Paraíba e suas zonas adjacentes, e em Cuba.
Em primeiro lugar, enquanto declinava ou entrava em processo
de abolição em outras regiões das Américas, a escravidão afro-americana
renovou-se e se expandiu, em escala inédita nessas áreas. Em segundo
lugar, isso ocorreu em íntima conexão com o desenvolvimento do capita-
lismo industrial e a consolidação da hegemonia internacional britânica,
fatores que, direta ou indiretamente, contribuíam para o declínio e a
abolição da escravidão no restante das Américas. Em terceiro lugar, a se-
gunda escravidão fez parte e nutriu-se do mesmo processo de expansão
do mercado internacional correlato ao desenvolvimento do capitalismo
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
7 Um quarto volume, sobre o século XIX, principalmente em seus aspectos políticos, apareceu
em 2011 (Wallerstein, 2011).
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9 Como representantes dessas vertentes, ver, respectivamente, Sodré (1964 [1962]), Prado Jr.
(1973 [1942]) e Gorender (1978).
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O capitalismo da escravidão
O debate sobre capitalismo e escravidão atingiu seu auge exa-
tamente nos anos de 1980, ao final dos quais, lembremos, Dale Tomich
forjou a noção de segunda escravidão.10 Em seguida, a discussão hiber-
nou, sufocada por sucessivas viradas que dominaram as historiografias
norte-americana e atlântica da escravidão moderna nas últimas décadas:
virada cultural, micro-histórica, narrativa e da agência, especialmente da
agência escrava. Hoje, ao que parece, numa nova virada, a da História
Global, a questão é retomada, ainda que se querendo nova em folha.
Essa nova interpretação historiográfica é expressa no volume coletivo
organizado por Sven Beckert e Seth Rockman, intitulado Capitalismo da
escravidão, e sintetizada na introdução por eles redigida, que sumarizo e
comento a seguir (Beckert; Rockman 2016, p. 1-27).
De acordo com essa perspectiva, a economia escravista do Sul
teria desempenhado um papel crucial no deslanche do desenvolvimento
capitalista estadunidense. Reconhecer esse fato desafiaria um dos mitos
mais persistentes na história americana, que vê a escravidão como uma
instituição meramente regional, certamente indispensável para a com-
preensão do Sul, mas de importância insignificante para a nação como
um todo (Beckert; Rockman, 2016, p. 6). A plantation e a fábrica compu-
nham uma mesma e coerente economia nacional, avaliação que, segundo
esses autores, era menos controversa, há 175 anos, do que é hoje. O
capitalismo estadunidense não teria decolado superando a escravidão,
um obstáculo a seu desenvolvimento, como na versão até então predo-
minante, mas teve, na escravidão, a raiz de sua pujança.
Esta centralidade da escravidão na economia nacional pode ser
demonstrada por alguns fatos: até 1860, o algodão foi o principal produto
de exportação do país; o capital representado pelo estoque de escravos
era maior do que aquele representado por todas as ferrovias e fábricas nor-
te-americanas; capitais estrangeiros garantiam a expansão territorial das
plantations pela Luisiana e pelo Mississipi; a maior concentração de energia
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uma guerra de vida e morte para o Sul, que não apenas perdeu seu status
político anterior, no interior da nação, como também teve seu modo de
vida, se não completamente destruído, quebrado e transformado para
sempre. E quando falamos do Sul, falamos principalmente de sua classe
dominante de senhores de escravos e de seu mundo. Hoje há poucas
dúvidas que a Guerra da Secessão foi uma guerra em defesa da escravi-
dão. Como qualquer guerra, a da Secessão poderia não ter acontecido.
Nenhuma força irresistível obrigou a elite política da Carolina do Sul a
tomar a decisão de se separar da União. Tampouco obrigou os demais
estados do Sul mais profundo e, em seguida, os demais estados do Velho
Sul, a seguirem seu exemplo. O Norte, por seu lado, poderia ter aceitado
a secessão, negociado a paz numa composição com a Confederação e,
assim, até mesmo, conseguir o reestabelecimento da União em novas
bases. Nada disso aconteceu. Por quê?11
A questão se torna ainda mais relevante e paradoxal, se aceitarmos
a linha interpretativa proposta em Slavery’s capitalism e em análises simila-
res de que a escravidão desempenhou papel essencial no desenvolvimento
do capitalismo norte-americano. Se é verdade que a escravidão esteve na
ponta, ou ao menos teve uma grande relevância para o desenvolvimento
econômico norte-americano, isso não se aplica quando consideramos o
grande salto da economia, já então capitalista e em rápida transição para
o capitalismo industrial, que a região dos Grandes Lagos, no noroeste do
país, experimentou, a partir da década de 1840 (Egnal, 2009). No final da
década de 1850, aqueles que tinham suas bases políticas no Norte e, prin-
cipalmente, no noroeste capitalista, os republicanos, apostaram que o de-
senvolvimento dessa economia não só prescindia do aporte trazido pela
economia escravista do Sul, como também requeria, de imediato, seu con-
finamento no território por ela já ocupado e, a longo prazo, sua abolição
(Oakes, 2014). A história provou que estavam mais certos do que pensa-
vam. O que aconteceu, tanto em termos da guerra quanto em termos de
suas consequências, não estava nas previsões dos republicanos.
11 Sem ter espaço para desenvolver o ponto, descarto a explicação de que foi a incapacidade
das lideranças políticas, de um lado e de outro, em lidar com suas divergências de forma pa-
cífica, que teria levado ao conflito. Trata-se de uma explicação circular, que toma como causa
aquilo que tem de ser explicado: exatamente por que essas lideranças erraram tanto e levaram
seus erros às últimas consequências. Uma segunda explicação, também descartada, coloca no
centro das divergências as concepções distintas sobre o alcance e o papel do Governo Central
na federação e na vida dos estados. Resta explicar, contudo, o porquê de todos os estados
escravistas terem aderido à Confederação, e todos sem escravidão, à União. Os três estados
na divisa do Sul com o Norte, onde a escravidão era legal, mas residual, e que tinham suas
economias dependentes do Norte, sintomaticamente, aderiram à União. Sobre o assunto, ver
Ashworth (1995, 2007 e 2012) e Egnal (2009).
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12 Segundo Marx, o capital preexistiu ao sistema capitalista nas formas de capital mercantil e
capital usurário. Nessa condição, apropriava-se de parte do mais valor gerado na produção, de
maneira independente das formas dessa produção (modos de produção). O capital industrial,
ainda segundo Marx, seria a única forma de capital produtivo que cria riqueza, e não apenas
se apropria dela. Sobre essa concepção e sua relação com o que denominam capital escravis-
ta-mercantil, ver Pires; Costa (2000). Esses autores corroboram a visão de Marx e cunham o
conceito de capital escravista-mercantil para dar conta das economias escravistas modernas.
Ligado ao modo de produção específico da moderna escravidão, por sua natureza, exportador
de mercadorias, e subordinado ao sistema capitalista internacional, o capital mercantil-escra-
vista seria uma terceira forma de capital não produtivo. A concepção aqui exposta é distinta.
Considero o capital-escravista – sem o complemento mercantil, visto como tautológico, uma
vez que todo capital é mercadoria – como uma segunda forma de capital produtivo, caracte-
rístico, como o capital industrial, da modernidade.
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13 A escravidão moderna, tanto em sua faceta colonial, quanto como segunda escravidão, fugiria
assim da noção de “contemporaneidade do não contemporâneo”, apresentada por Reinhart
Koselleck em sua interpretação da modernidade, sendo, rigorosamente, tão contemporânea
quanto o capitalismo. Cf. (Koselleck, 2006).
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A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
14 A qualificação do sistema mundial do século XIX como capitalista, apesar de ser formado tam-
bém a partir de outras estruturas históricas não-capitalistas, como as formações socais pré-ca-
pitalistas europeias, não-capitalistas na África, na Ásia e na América do Sul, e, notadamente, das
formações sociais da segunda escravidão, leva em conta duas considerações. Por um lado, o
capitalismo foi e é o fator decisivo no desenvolvimento desse sistema. Hipoteticamente, poderia
haver capitalismo sem segunda escravidão, mas não poderia haver segunda escravidão sem ca-
pitalismo. No mesmo sentido, todas as outras formações sociais não-capitalistas pré-existentes
foram por ele profundamente afetadas. Por outro, o capitalismo implicou em uma estrutura
específica, expansiva e dissolvente, que tendeu e tende a desagregar as formas não capitalistas
de produção, situadas na periferia e na semiperiferia, mesmo quando as modificou e recriou.
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17 Esses autores não utilizam a categoria de segunda escravidão, mas fazem menção aos planta-
dores escravistas, ao lado das aristocracias dominantes europeias, como forças não capitalis-
tas que, juntamente com os interesses capitalistas britânicos, moldaram a ordem internacional
de livre comércio no século XIX.
18 Na mesma época em que Dale Tomich elaborava o conceito histórico de segunda escravidão,
o sociólogo Philip McMichael, considerou que o Sul não deveria ser compreendido como uma
região distinta por conta de seu sistema de trabalho, mas seu sistema de trabalho deveria
ser reconceituado “como parte componente de uma emergente força de trabalho mundial
no século XIX. Mais especificamente (...), através do mecanismo da expansão da cultura do
algodão, o trabalho escravo sulista foi integrado em uma nascente relação assalariada global.
Quer dizer, na medida em que o mercado mundial obtinha maior coerência como um sistema
unificado por relações de valor (por ex., preços mundiais, financiamento global ancorado em
Londres), ele subordinou a produção de mercadorias ao ritmo industrial competitivo do traba-
lho assalariado” (McMichael, 1991, p. 10-11). Ainda segundo McMichael, essa relação assala-
riada global se distinguiria do trabalho assalariado em si por duas razões: 1) ela não implicaria
em evolução no sentido do trabalho assalariado como um ponto de chegada da organização
do trabalho em escala mundial e; 2) o assalariamento seria apenas uma das formas fenomeno-
lógicas de trabalho, ainda que decisiva, no complexo mundial de produção de mercadoria que
emergiram no século XIX. A escravidão algodoeira teria sido um dos elementos dessa com-
binação de várias formas fenomenológicas de trabalho em uma unidade contraditória (McMi-
chael, 1991, p. 11). Se é fato que trabalho escravo da segunda escravidão e o novo trabalho
assalariado do capitalismo foram partes integrantes de um mesmo processo global, que teve
nas relações de trabalho assalariado seu elemento decisivo, isso, no entanto, não tornou essas
relações sociais de trabalho equivalentes ou intercambiáveis. A unidade das formas que com-
puseram essas relações globais foi historicamente contraditória, marcada por disputas entre
distintos e, muitas vezes, antagônicos, sujeitos históricos. No caso das formações sociais da
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UNIDADES DE ANÁLISE, JOGOS DE ESCALAS E A
HISTORIOGRAFIA DA ESCRAVIDÃO NO CAPITALISMO
Leonardo Marques
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Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo
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Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo
Marxismos
Uma longa e rica tradição de estudos marxistas sobre a escravidão,
que vão dos tradicionais trabalhos de Manuel Moreno Fraginals (1964) às
recentes contribuições de Ricardo Salles (2008), continua a animar e ins-
pirar inúmeros debates sobre as relações entre capitalismo e escravidão.
A forma como o debate é tratado varia, evidentemente, de acordo com as
definições e enquadramentos do capitalismo enquanto processo históri-
co. Uma das definições mais fundamentais, amplamente compartilhada,
foca na relação entre capital e trabalho assalariado, que se reflete em aná-
lises da história do capitalismo que localizam o sistema em sociedades
nas quais tais relações se generalizaram e passaram, consequentemente,
a operar de acordo com novos imperativos econômicos. Não raro, essa
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Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo
Sistemas-mundo
Um dos fundamentos básicos da abordagem de sistemas-mun-
do consiste no questionamento do Estado-Nação enquanto unidade de
análise, além de outras heranças do século XIX nas Ciências Sociais, in-
cluindo as definições clássicas de capitalismo que o associam ao livre
mercado. A caracterização geral de Wallerstein do capitalismo, como um
sistema histórico no qual o capital “passou a ser usado (investido) de ma-
neira especial, tendo como objetivo, ou intenção primordial, a auto-ex-
pansão (sic)”, é acompanhada de uma discussão, esta sim mais polêmica,
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Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo
Considerações finais
A agenda de pesquisa colocada originalmente por Eric Williams
voltou a pautar debates historiográficos contemporâneos sobre a escra-
vidão nas Américas. Nesse contexto, as discussões geradas pelo concei-
to de segunda escravidão têm colaborado para manter o debate vivo e
quebrar as amarras de um nacionalismo metodológico que continua a
permear boa parte das contribuições historiográficas sobre o tema. Não
apenas estamos conhecendo mais a fundo os mútuos condicionamentos
entre as três principais sociedades escravistas do Oitocentos – Brasil,
Cuba e Estados Unidos –, mas, também, avançamos na compreensão do
lugar dessas sociedades escravistas no capitalismo global do século XIX.
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Referências
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Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo
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Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo
71
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
72
Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo
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COMENTÁRIO
ESCRAVIDÃO HISTÓRICA E CAPITALISMO
HISTÓRICO: NOTAS PARA UM DEBATE
Rafael Marquese
75
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
***
Na demanda pela conceituação do que foi a primeira escravidão,
coloca-se a necessidade de uma mirada de longa duração. Surge aqui o
primeiro ponto de divergência com Ricardo Salles. Ele escora explicita-
mente sua apreensão do capitalismo na tradição teórica e historiográfica
a que pertencem Maurice Dobb, Robert Brenner, Robin Blackburn e mui-
tos outros, tradição esta que “vê na generalização das relações de tra-
balho assalariado o aspecto central e distintivo do capitalismo. (...) Esse
76
Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate
77
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
78
Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate
***
Em seu ensaio de 1988, um dos alvos de Tomich foi o de explicitar
os limites das narrativas que tomaram o período de 1787 a 1888 como
o “século da emancipação”. Sob o manto de uma aparente continuidade
79
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Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate
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Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate
1 Esse segundo tema, a bem da verdade, foi abordado em trabalhos anteriores do autor (Salles,
1996, p. 158-167; Salles, 2008, p. 79-110), que muito me inspiraram em outro artigo (Marque-
se, 2015).
83
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
***
Seja como for, concordo que a Guerra Civil representou um pon-
to de inflexão nas relações entre capitalismo e escravidão. Minhas ob-
servações finais talvez possam nos ajudar a dar um passo adiante na
compreensão das naturezas distintas das crises da primeira e da segunda
escravidão, incorporando assim a dimensão do abolicionismo que nos
cobram Leonardo Marques e Ricardo Salles, porém nos termos da leitura
que Tomich e McMichael fazem da perspectiva do sistema-mundo.
Eis um desenho muito sumário e simplificado dessa formulação al-
ternativa, diretamente inspirada pela recente tese de doutorado de Alain
El Youssef (2018). A primeira era da abolição foi marcada pelos seguintes
eventos: emancipação gradual, via interrupção do tráfico transatlântico e
leis de ventre livre, nas unidades federativas do norte dos Estados Unidos
(1787-c.1830); abolição francesa, em 1794, em resposta à Revolução de
Saint-Domingue (1791); independência do Haiti, em 1804, em resposta à
reinstituição da escravidão no Império francês (1802); abolição britânica
do tráfico transatlântico (1807) e da escravidão (1833-38); abolições nas
novas repúblicas da antiga América espanhola (1810-c.1830), com a repli-
cação das medidas tomadas, antes, no norte dos Estados Unidos. A nova
abolição francesa, em 1848, e a holandesa, em 1862, atingiu sistemas
escravistas residuais que pertenciam ao tempo histórico do longo século
XVIII. A cadeia de eventos desse primeiro ciclo de abolições fez parte da
crise geral do sistema atlântico do noroeste europeu, que se abriu com
os resultados da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Ora, para muitos
historiadores a vitória esmagadora da Grã-Bretanha nesse conflito global
marcou o início do longo século XIX britânico, que traria a imposição em
escala global de seu poder econômico e militar, com o início da virada
imperial para o Oceano Índico, em meio ao processo de profunda trans-
formação de seu tecido econômico e social decorrente da primeira Re-
volução Industrial. O que estou sugerindo, em resumo, é que a primeira
era da abolição foi travejada por uma crise particular nas relações entre
capitalismo histórico – que passava por mutações de fundo, geradas pelo
arranque do ciclo britânico de acumulação (Arrighi, 1996) – e escravidão
histórica – a do sistema atlântico do noroeste europeu. O que emergiu
dessa crise foi a estrutura histórica da segunda escravidão, que teve por
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Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Escravidão histórica e capitalismo histórico: notas para um debate
89
PARTE II
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E DIVERSIDADE
ECONÔMICA E REGIONAL
RAÍZES ESCRAVAS DA INDÚSTRIA NO BRASIL
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
1 Sobre o alcance dessas ideias na definição dos modelos explicativos brasileiros, cf. Bielscho-
wky (1995).
2 Notadamente aquelas feitas pelos autores que propuseram o modo de produção escravista
colonial.
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Raízes escravas da indústria no Brasil
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Raízes escravas da indústria no Brasil
3 Sobre João Severiano Maciel da Costa, ver a sua própria publicação, em Portugal, em 1821:
Memórias sobre a necessidade de abolir a introdução dos escravos africanos no Brasil, sobre o modo e
as condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
Caribe América
América
Anos Brasil do Norte
Espanhola
Britânico Francês Holandês Dinamarquês (EUA)
1781-1790 42,2 181,2 100,2 357,8 12,3 4,6 55,8
1791-1800 77,4 233,6 194,3 82,6 5,3 14,5 79
1801-1810 85,7 241,3 105,4 17 0 3,3 156,3
1811-1820 177,8 327,7 0 18,8 0 0 10
1821-1830 103,5 431,4 0,4 57,9 0,1 0 2
1831-1840 207 334,3 10,2 0,6 0 0 0
1841-1850 54,6 378,4 0 0 0 0 0
1851-1860 122 6,4 0 12,5 0 0 0,3
1861-1870 31,6 0 0 5,9 0 0 0
Totais 901,8 2.134,30 410,5 553,1 17,7 22,4 303,4
pode ocasionar. Apesar de a obra defender claramente o fim do tráfico de escravos, seu autor
reconhecia que a medida não deveria ser tomada de imediato. A atuação política de João Se-
veriano – foi Deputado na Assembleia Nacional Constituinte em 1823, Ministro do Império e
um dos 10 conselheiros nomeados por D. Pedro I para redigir a Constituição de 1824, membro
ainda do Conselho de Estado, Ministro da Fazenda, Presidente da Província da Bahia e Senador
de 1826 até 1833 – não foi marcada pelo combate ao tráfico de escravos, nem mesmo pela
defesa de sua extinção, ficando sua posição muito mais no campo das ideias.
98
Raízes escravas da indústria no Brasil
Tabela 2: Distribuição da importação dos escravos por regiões no Brasil (1781 – 1855)
Norte da
Quinquênios Centro-Sul Bahia Totais % Centro-Sul
Bahia
1781-85 34.800 - 28.300 63.100 55,15
1786-90 44.800 20.300 32.700 97.800 45,8
1791-95 47.600 34.300 43.100 125.000 38,08
1796-00 45.100 36.200 27.400 108.700 41,49
1801-05 50.100 36.300 31.500 117.900 42,49
1806-10 58.300 39.100 26.100 123.500 47,2
1811-15 78.700 36.400 24.300 139.400 56,45
1816-20 95.700 34.300 58.300 188.300 50,82
1821-25 120.100 23.700 37.400 181.200 66,28
1826-30 176.100 47.900 26.200 250.200 70,38
1831-35 57.800 16.700 19.200 93.700 61,68
1836-40 202.800 15.800 22.000 240.600 84,28
1841-45 90.800 21.100 9.000 120.900 75,1
1846-50 208.900 45.000 3.600 257.500 81,12
1851-55 3.300 1.900 900 6.100 54,09
(média geral)
Totais 1.314.900 409.000 390.000 2.113.900
58,02
4 Stein, (1961), Grandeza e decadência do café no vale do Paraíba, com referência especial ao
município de Vassouras. Sobre a ideia de civilização e classe senhorial, entre outros estudos,
destaca-se a obra de Holanda, (2008) e o trabalho de Mattos, (1994).
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
100
Tabela 3: Pauta das exportações brasileiras (milhões de libras)
Couros,
Anos Café % Açúcar % Algodão % Borracha % % Fumo % Cacau % Outros* % Total
Peles
1821-30 7,4 19,2 10,7 27,8 8,1 21 0 0 5,3 13,8 1 2,6 0,2 0,5 5,8 15,1 38,5
1831-40 23,9 43,8 13,3 24,4 5,8 10,6 0,2 0,4 4,3 7,9 1 1,8 0,3 0,5 5,8 10,6 54,6
1841-50 24,3 42,6 15 26,3 4,2 7,4 0,3 0,5 4,9 8,6 1,1 1,9 0,5 0,9 6,7 11,8 57
1851-60 55,4 51,7 20,9 19,5 6,2 5,8 2,5 2,3 7,7 7,2 2,8 2,6 1,1 1 10,5 9,8 107,1
1861-70 67,1 44,2 19,3 12,7 28,9 19,1 5,4 3,6 9 5,9 4,6 3 1,4 0,9 16 10,5 151,7
1871-80 117 56,8 24,3 11,8 17,3 8,4 11,3 5,5 10,8 5,3 7 3,4 2,7 1,3 15,4 7,5 205,4
1881-90 124 62,2 19,5 9,8 8,8 4,4 15,6 7,8 6,4 3,2 5,4 2,7 3,3 1,7 16,5 8,3 199,5
Fonte: IBGE. Anuário Estatístico 1939/1940. In: NOGUEIRA, Dênio. Raízes de uma nação. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, p. 342,
apud GUIMARÃES, Carlos Gabriel. Bancos, economia e poder no Segundo Reinado: o caso da Sociedade Bancária Mauá, Macgregor & Companhia
(1854-1866). Tese (Doutorado em História Econômica), apresentada ao Curso de Pós-Graduação em História Econômica da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1997.
* O item “Outros” consistia em produtos como erva-mate, diamante, ouro, castanha-do-pará, madeiras, farinha de mandioca, aguardente e
outros produtos, sobre os quais não se dispõe de informações estatísticas confiáveis.
Raízes escravas da indústria no Brasil
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
5 O algodão brasileiro terá um comportamento atípico, dado pela alta durante a Guerra da
Secessão nos EUA (década de 1860). Já o açúcar e o fumo enfrentarão conjunturas de crise
ao final da década de 1880, porém, irão aumentar de importância nas décadas seguintes do
regime republicano. Particularmente, o comportamento do cacau e da borracha durante o final
do século XIX e início do XX reforçam essa tendência de crescimento.
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Raízes escravas da indústria no Brasil
similares ao que ocorria nos demais países europeus, ou seja, sem gran-
des defasagens tecnológicas, como se deu na 2ª metade do mesmo sé-
culo. A associação entre a modernização de nossa economia, ligada à
grande abundância de produtos tropicais, ou a uma vocação natural do
país, aparentemente, se tornou uma máxima em nosso desenvolvimento.
Trabalhos de Teresa Cribelli, por exemplo, demonstram que a participa-
ção nacional nas feiras e exposições internacionais, particularmente a da
Filadélfia em 1876, foi marcada pela valorização dos produtos naturais
– como madeira, peles, frutos e raízes, e pelo processamento (melhora-
mento) dos mesmos. É significativo observarmos ainda que, no censo
industrial de 1920, o Ministério da Agricultura anotava como “Cultura
de Plantas Industriais e outras espécies arbustivas e arborescentes (...)” a
produção de cana de açúcar, fumo, algodão, mamona, café, cacau, coco,
maniçoba, dentre outras.9
Sintomático é o Mappa economico do Brazil, elaborado em 1911
pelo Engenheiro Civil Álvaro José Rodrigues, solicitado pelo Ministro da
Agricultura, Indústria e Comércio – Pedro de Toledo -, que relaciona as
riquezas nacionais a três categorias específicas: 1) a produção agrícola/
pastoril, destinada à exportação; 2) os produtos da terra (extrativismo e
mineração), e 3) as indústrias manufatureiras. Tais dados se relacionam
ainda aos do comércio internacional e aos das suas principais rotas, con-
forme pode ser visto na imagem a seguir:
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Raízes escravas da indústria no Brasil
119
ESCRAVIDÃO E CAPITALISMO: DIMENSÕES DE
UMA ECONOMIA REGIONAL NO SÉCULO XIX
121
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
1 Para Campos dos Goytacazes, ver quadro 1; para a área delimitada como Zona da Mata de
Minas Gerais, ver Carrara, (1993, capítulo II, quadro 7); para a Província do Espírito Santo, ver
Almada, (1984, p. 68-69).
122
Escravidão e capitalismo: dimensões de uma economia regional no século XIX
Fronteiras conectadas
Paulo Mercadante (1978) assinalara a clara conexão regional,
especialmente, pelo aproveitamento da rede fluvial que adentrava os
três núcleos distintos. O Rio Paraíba do Sul, quando não por ele mesmo,
atingia por seus afluentes e subafluentes (Muriaé, Carangola e Pomba)
123
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Escravidão e capitalismo: dimensões de uma economia regional no século XIX
125
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
126
QUADRO 1
POPULAÇÃO ESCRAVA EM CAMPOS DOS GOYTACAZES
18502 18633 18724 18815
Freguesias
Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total
São Salvador 6.036 4.447 10.483 4.897 3.700 8.597 4.332 3.677 8.009 3.553 3.396 6.949
São Sebastião 1.681 1.647 3.328 2.071 1.882 3.953 1.796 1.486 3.282 1.562 1.284 2.846
São Gonçalo 2.533 2.043 4.576 2.502 2.118 4.620 2.335 1.915 4.230 2.054 1.634 3.688
Sto. Ant. Guarulhos 5.621 3.315 8.936 7.859 5.770 13.629 4.564 3.766 8.330 3.097 3.320 7.227
São Fidelis 2.395 1.476 3.871
São José Leonissa 730 399 1.129
Lagoa de Cima 2.556 2.087 4.463 3.130 2.516 5.646 674 569 1.243 577 502 1.079
Santo Ant. de Pádua 503 278 781
São Benedito 418 231 649 362 206 568
Senhor Bom Jesus 644 495 1.139 624 365 989
Natividade Carangola 963 869 1.832 829 762 1.591
Dores de Macabu 1.012 1.015 2.027 885 875 1.760
Totais 22.055 15.692 37.747 20.459 15.986 36.445 17.662 14.931 32.593 15.241 13.072 28.913
5 Almanak Mercantil, Industrial, Administrativo e Agrícola da Cidade e Município de Campos para 1881.
127
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
QUADRO 2
VARIAÇÃO DA POPULAÇÃO ESCRAVA NAS PRINCIPAIS
FREGUESIAS EM CAMPOS DOS GOYTACAZES
1850 – 1863 – 1872 – 1881
QUADRO 3
AFRICANOS COM DESTINO A CAMPOS DOS GOYTACAZES
128
Escravidão e capitalismo: dimensões de uma economia regional no século XIX
129
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
130
Escravidão e capitalismo: dimensões de uma economia regional no século XIX
131
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
6 Monitor Campista, 17 jan. de 1865, p. 2 e.3. Acervo Arquivo Público Municipal de Campos dos
Goytacazes, doravante APMCG.
132
Escravidão e capitalismo: dimensões de uma economia regional no século XIX
Limites transpostos
A integração entre espaços regionais encontrou eco nas provín-
cias vizinhas. Marcelo Godoy e Lidiane Barbosa (2008, p. 159-186), ao
analisarem a modernização dos transportes em Minas Gerais, no último
quartel do século XIX, perceberam a importância das obras de infraestru-
tura no processo de formação do mercado interno capitalista, no Brasil.
Segundo os autores, as articulações entre mercados, principalmente, no
Sudeste, serviram para quebrar o isolamento geográfico dos mercados
regionais, reduzir custos de transportes e comunicações, dinamizar a
circulação de pessoas e mercadorias, e universalizar a circulação de in-
formações. Dessa forma, as redes de transportes levavam a economia de
um padrão tradicional para um sistema integrado. Godoy e Barbosa per-
ceberam as demandas por obras públicas na Província de Minas Gerais,
ao identificarem as principais obras de conexão regional, inter-regional e
interprovincial, com centralidade na Zona da Mata mineira.
No caso de Minas Gerais, o objetivo central, além de integrar-se,
era chegar ao mar, o que coincidia com o interesse reverso da Província
do Rio de Janeiro, em adentrar terras alterosas em busca de mercadorias.
A retomada dos planos de obras públicas, apresentada pela província me-
diterrânea, em 1864, consagrava a integração entre mercados regionais a
partir de eixos Mar de Espanha – Leopoldina – Ouro Preto; e Porto Novo
do Cunha – Barbacena – Rio das Velhas, em conexão não apenas com o
Rio de Janeiro, mas com Campos dos Goytacazes.
133
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
134
Escravidão e capitalismo: dimensões de uma economia regional no século XIX
135
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Escravidão e capitalismo: dimensões de uma economia regional no século XIX
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Escravidão e capitalismo: dimensões de uma economia regional no século XIX
139
COMENTÁRIO
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E RAÍZES ESCRAVAS DA
MODERNIZAÇÃO CAPITALISTA DO BRASIL
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
142
Segunda escravidão e raízes escravas da modernização capitalista do Brasil
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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COMENTÁRIO
SEGUNDA ESCRAVIDÃO, ESPAÇOS ECONÔMICOS E
DIVERSIFICAÇÃO REGIONAL NO BRASIL IMPERIAL
Gabriel Aladrén
145
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Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
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Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
3 Aqui e doravante os dados sobre o tráfico transatlântico foram extraídos do banco de dados
Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. https://www.slavevoyages.org
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
150
Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
e Ferreira. A mesma fonte serviu para Roberto Borges Martins estimar que no período 1811-
1830 o Rio de Janeiro importou 225 mil africanos novos, Minas Gerais 224 mil, São Paulo 65
mil, Rio Grande do Sul 23 mil e demais destinos (Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Espírito
Santo) 17 mil (Martins, 2018, p. 551-556). Em seu cálculo, Martins projetou a distribuição dos
escravos novos registrados nos despachos para a quantidade total de africanos desembarca-
dos no Rio de Janeiro, de acordo com os dados do Trans-Atlantic Slave Trade Database. Sua
estimativa deve ser lida com muita reserva, por diversos motivos. Primeiro, por assumir que os
proprietários urbanos da Corte não compravam africanos recém-chegados, o que é insustentá-
vel. O principal problema, no entanto, é a baixa representatividade do registro nos despachos
perante os dados sobre os africanos introduzidos via tráfico transatlântico. No intervalo 1824-
30, o mais sólido, ela montava a 55%. Em toda a série (1809-1833), a 35% (Fragoso; Ferreira,
2001, quadro 3). Isto é, a fonte não fornece informações sobre o destino de 65% dos escravos
desembarcados. O equívoco da projeção pode ser aferido por meio de um teste. Segundo
Martins, no decênio 1811-1820 o Rio Grande do Sul recebeu 1.567 africanos novos remetidos
do Rio de Janeiro. Contudo, documentos lacunares sobre a entrada de escravos na capitania
sulina registram a entrada de 14.567 escravos africanos e crioulos no mesmo período (Ala-
drén, 2012, p. 53). Desses, 1.176 vieram de Salvador (Ribeiro, 2005, p. 115). Entre os 13.391
restantes, quantos eram novos? Baseado na proporção de crioulos e africanos novos e ladinos
no tráfico para o Rio Grande (Aladrén, 2012, p. 107), calculo que a capitania tenha recebido
10.300 africanos novos provenientes do Rio de Janeiro no decênio 1811-1820, quantidade
6,5 vezes maior do que a computada por Martins. Presumo que distorções também seriam
identificadas se o mesmo teste pudesse ser aplicado para São Paulo. De todo modo, a despei-
to das imprecisões da estimativa de Martins, não há dúvida de que Minas Gerais e o interior
da província do Rio de Janeiro foram os principais destinos dos africanos desembarcados no
Centro-Sul entre 1808 e 1830.
6 Contudo, nas zonas em que a intensificação do tráfico transatlântico se combinava com a
montagem de unidades produtivas agroexportadoras houve concentração da propriedade
escrava. No agro fluminense, entre 1790 e 1835, os senhores com pelo menos cinquenta es-
cravos aumentaram sua participação no conjunto dos escravos possuídos de 33% para 46%
(Florentino, 1997, p. 28-30). Em São Paulo, entre 1804 e 1829, os proprietários de mais de
quarenta cativos aumentaram sua participação de 11% para 29% (Luna; Klein, 2005, p. 158).
151
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Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
7 Dados sobre o volume e valor das exportações de açúcar foram compilados por Eisenberg
(1974, p. 9-10). A crise atingiu as zonas produtoras de modo desigual. A Bahia experimentou
estagnação e declínio a partir da década de 1860, mas Pernambuco e outras províncias do
Nordeste ampliaram sua produção. Para o desempenho das diferentes províncias cf., além de
Eisenberg, Barickman (2003; 1996) e Galloway (1971).
154
Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
8 Parte dos artigos transportados via cabotagem era reexportado ao exterior. No caso do açúcar,
65% eram consumidos no mercado doméstico. No do café, apenas 31% (Marcondes, 2012, p.
161-163).
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
9 Para 1818/19, estimativa do Conselheiro Velloso, reproduzida em Luna; Klein (2010, p. 92;
192-195). O Censo de 1872 computa 57% dos escravos vivendo nas províncias de Minas Gerais,
Rio de Janeiro e São Paulo. Na matrícula de 1873 são 55% (Slenes, 1976, p. 57).
10 Roberto Borges Martins estima em 141 mil a quantidade de escravos ocupados no café nas
três províncias no início da década de 1870 (Martins, 2018, p. 129-133).
157
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
muito diferente nos três espaços. Na maior parte dos estados sulistas, as
plantations de algodão alcançaram a autossuficiência alimentar. O pânico
de 1837 induziu os plantadores a integrarem a produção de mantimentos
como componente central na administração de suas propriedades. Uma
porção significativa do tempo de trabalho dos escravos se destinava ao
cultivo de milho e à criação de animais (Gallman, 1970; Parron, 2015, p.
370; Olmstead e Rhode, 2017). Em Cuba, a especialização açucareira foi
tão aguda que gerou dependência de alimentos importados do exterior
(charque, bacalhau, farinha de trigo e arroz) e podou o desenvolvimento
da pecuária e da agricultura de subsistência (Funes, 2012).
A vitalidade da produção mercantil de mantimentos e insumos
realizada com trabalho escravo constitui uma dimensão fundamental da
economia escravista no Brasil. A relação entre zonas agroexportadoras
e retaguardas produtivas regionais voltadas ao abastecimento remonta
ao século XVII, com a expansão combinada do açúcar e da pecuária no
Nordeste. Os efeitos demográficos e econômicos do ciclo da mineração
ligaram espaços produtivos diversificados por meio de circuitos mercan-
tis. Foi, no entanto, a grande transformação ocorrida entre as últimas
décadas do século XVIII e as primeiras do XIX que gerou um mercado in-
terno relativamente integrado por meio de rotas de transporte terrestre
e da navegação de cabotagem. A expansão cafeeira não parece ter rom-
pido essa estrutura. Até o fim do tráfico transatlântico, pelo contrário,
lhe deu mais força. A dinâmica mudaria depois. São necessárias novas
pesquisas sobre os vínculos entre as diferentes zonas do café e os setores
de abastecimento. Na década de 1850, a “carestia de gêneros” aumentou
o preço dos alimentos no Brasil. Uma das explicações aventadas pelos
contemporâneos foi exatamente a escassez de mão de obra, atribuída ao
fim do tráfico e à concentração dos escravos nos cafezais (Costa, 2010, p.
173-180; Slenes, 2004, p. 342-343).
Na medida em que a produção escravista orientada ao abasteci-
mento foi uma marca duradoura da economia brasileira, a plantation não
dominou a paisagem social das diferentes províncias. Trata-se de um qua-
dro bem distinto do verificado em Cuba, onde os engenhos de grande
porte proliferaram. Dada a hiperespecialização da ilha no setor açucarei-
ro, os efeitos para a estrutura de posse de escravos foram evidentes. No
Sul dos Estados Unidos a concentração não era tão elevada, entre outros
motivos porque as plantations de algodão típicas mobilizavam uma força
de trabalho mais modesta. Os ganhos de produtividade eram maiores
nas unidades que contavam com pelo menos dezesseis escravos, mas
tendiam a decrescer nas que possuíam mais de cinquenta (Fogel, 1989, p.
158
Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
11 A planta produtiva dos diferentes artigos era decisiva na conformação da estrutura da posse
de escravos. Os engenhos de açúcar e as plantações de arroz exibiam concentrações mais
elevadas. As fazendas de tabaco e trigo, mais baixas. As plantations de algodão ficavam num
patamar intermediário (Niemi Jr., 1977). Nos distritos açucareiros da Louisiana os proprietários
de pelo menos cinquenta escravos controlavam mais de dois terços dos escravos e das terras
e eram responsáveis por três quartos da produção (Follett, 2005, p. 21-33). As vinte e nove
maiores plantações de arroz da Carolina do Sul e da Geórgia em 1850 tinham pelo menos
trezentos escravos e seus proprietários possuíam em média quatrocentos e cinquenta, não
necessariamente no cultivo de arroz. Em 1860, havia apenas quatorze propriedades em todo
o Sul com mais de quinhentos escravos. Nove eram plantações de arroz (Dusinberre, 1996, p.
387-396). O padrão de concentração do açúcar e do arroz, no entanto, não teve um impacto
abrangente na estrutura de posse do Sul como um todo, pois esses setores juntos reuniam
apenas 10% da população escrava. O mesmo pode ser dito sobre o tabaco (12%) e os serviços e
manufaturas urbanas (12%). O setor algodoeiro concentrava quase 65% dos escravos. Calculei a
distribuição com base na estimativa de J. D. B. DeBow, superintendente para o censo de 1850,
também utilizada por Gavin Wright, Stanley Engerman e Robert Fogel.
159
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
12 Essa leitura é apropriada para identificar as novas formas assumidas pela escravidão oitocen-
tista em espaços específicos e também permite a comparação estática entre formações sociais
escravistas, de modo a delinear semelhanças e diferenças entre elas. Tal método foi utilizado,
por exemplo, por Richard Graham (1981) para comparar o desenvolvimento econômico e a
estrutura social do Sul dos Estados Unidos e do Brasil e o levou a atestar que a escravidão
norte-americana exibia um caráter moderno e uma integração ao capitalismo industrial sem
paralelo com a brasileira. Evidentemente, Graham não trabalhava com o conceito de segunda
escravidão. Recentemente, historiadores que analisam a relação entre escravidão e capitalis-
mo tendem a esposar concepção semelhante para sublinhar a excepcionalidade norte-ame-
ricana. Capitalismo e escravidão são tomados como fenômenos que só interagem e ganham
sentido em enquadramentos analíticos nacionais e regionais (Beckert; Rothman, 2016). Em
linha oposta, a perspectiva da segunda escravidão desafia os historiadores a construírem obje-
tos e a formularem quadros explicativos que rompam com os limites espaciais e temporais de
formações sociais específicas (Kaye, 2009).
160
Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
13 Quando se trata da escravidão moderna, não há como se falar em sistemas escravistas iso-
lados ou autossuficientes, como propôs Roberto Borges Martins (2018) para Minas Gerais
no século XIX. A reprodução da escravidão no Brasil oitocentista, em todas as suas formas
particulares, dependeu de laços econômicos, políticos e ideológicos que ganhavam expressão
e sustentação no Estado nacional. A crítica que Stanley Engerman e Eugene Genovese (1983)
realizaram ao trabalho de Martins emprega esse argumento. Segundo os autores, as socie-
dades escravistas modernas dependiam da vinculação com o mercado mundial capitalista e
eram incapazes de se reproduzir sem ele. Setores produtivos escravistas de subsistência ou
orientados ao mercado interno só poderiam perseverar se integrados a economias escravistas
exportadoras de commodities.
161
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Segunda escravidão, espaços econômicos e diversificação regional no Brasil imperial
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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171
PARTE III
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E
PERÍODO COLONIAL TARDIO
A INSERÇÃO DOS INGLESES NO IMPÉRIO
PORTUGUÊS: O CASO DA FAMÍLIA GULSTON
NO RIO DE JANEIRO, c.1710-c.17201
175
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
176
A inserção dos ingleses no império português: o caso da família Gulston no Rio de Janeiro, c.1710-c.1720
sob hegemonia espanhola (Boxer, 1969b; Almeida, 1993; Puga, 2009; No-
vais, 1995), foi com o Tratado de Paz e Aliança de 1654, celebrado entre
os reinos de Portugal e da Inglaterra, essa última ainda sob o governo
do protetorado de Cromwell, que formalmente tivemos a abertura do
mercado imperial português para o comércio direto com os negociantes
ingleses. Com esse tratado,2 que só pode ser compreendido dentro da
conjuntura da Restauração Portuguesa (1640) e da diplomacia e da políti-
ca europeias pós-Guerra dos 30 anos,3 os negociantes ingleses passaram
a atuar formalmente no fretamento de navios no Império Português, ou
seja, participaram diretamente do comércio das frotas. Além disto, face
à pressão política inglesa, foi criado o cargo de juiz conservador em Lis-
boa e no Porto para tratar das questões judiciais envolvendo os súditos
ingleses (Shaw, 1998, p. 65-66; p. 114-116).
Em 1661, a Coroa Portuguesa celebrou novo tratado com os
ingleses, que, como enfatizou Evaldo Cabral de Mello, por pouco não
emperrou o Tratado de Haia, que firmou a paz entre Portugal e as Pro-
víncias Unidas (Mello, 1998, p. 227-253). O Tratado de 1661 não só
vinculou a Coroa Portuguesa à Coroa Inglesa, com a realização do casa-
mento de Catarina de Bragança com Carlos II, como rendeu à Inglaterra
um dote de dois milhões de coroas portuguesas (cruzados), só definiti-
vamente pago em 1684, além de Tanger, no Norte da África, e Bombaim,
na Ásia, essa última de fato em 1665. O tratado estabeleceu também
a tolerância religiosa e a reafirmação da participação dos negociantes
ingleses no comércio direto no Império Português. Num artigo secreto,
os ingleses se comprometiam a defender Portugal, caso houvesse um
ataque das Províncias Unidas por terra e mar (Mello, 1998; Shaw, 1998,
p. 15-16; p. 210-211).
Entretanto, no referido Tratado, mais especificamente nos arti-
gos 12 e 13, quatro famílias inglesas tiveram permissão para se fixarem
com privilégios e imunidades “em Goa, Cochim e Dio (Artigo 12) e Bahia
de todos os Santos, Rio de Janeiro e Pernambuco, tão bem quanto todos
os outros dos domínios portugueses nas Índias Ocidentais” (Artigo 13)
(Shaw, 1998, p. 15).
A respeito desses ingleses no Estado do Brasil, Boxer destacou o
relato do aventureiro, Capitão William Dampier, na Bahia, em 1699, que,
2 Ratificado em 1656, quando a armada de Robert Blake “exigiu ratificação, sob a ameaça de
novo bloqueio em Lisboa”, como também de “captura o comboio da Cia Geral do Brasil (Mello,
1988, p. 182). A respeito da criação da Cia. Geral do Brasil”. cf. (Costa, 2002).
3 Significa uma relação com o fim da Guerra Anglo-Holandesa e a capitulação holandesa de
Recife, de maio de 1654.
177
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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A inserção dos ingleses no império português: o caso da família Gulston no Rio de Janeiro, c.1710-c.1720
10 Annals and Antiquities of the Counties and County Families of Wales,..., by Thomas Nicholas.
London: Longmans, Green, Reader & Co., 1872. v.1, p. 288. (Mantive em inglês como na obra
citada). Assim como na Illustrations of Literary History, apareceu Ralph Gulston, morto em
1739, mais precisamente em 11/03/1739. O periódico Gentleman’s Magazine and Historical
Chronicle, v. IX, for year MDCCXXIX, noticiou o falecimento de Ralph Gulston, squire, Turkey
Merchant, em 11/03/1739. Gentleman’s Magazine and Historical Chronicle, v. IX, for the year
MDCCXXIX, p. 161.
11 Em Lisboa, Joseph Gulston ficou conhecido como o Velho, pois, seu filho homônimo, que fez
parte da firma a partir de 1719, era conhecido como Joseph Gulston, o Moço.
12 Em Portugal, os Gulston tinham residência na Rua das Pedras Negras. No entanto, e segundo
Silva, “com excepção de um pequeno período, à volta de 1720, em que moraram na Rua das
Canastras” (Silva, 1995, p. 29).
13 Em 1713, a firma estava associada com outro negociante inglês, Thomas Crofford (Sil-
va,1995, p. 32).
14 Duarte Sodré Pereira fora Governador da Ilha da Madeira quando tomou posse do morgado
dos Tibaus, em 1712. No retorno para Lisboa, em 1713, recebeu outras mercês de D. João V,
como fidalgo escudeiro da sua casa. Em 1717, procedeu ao tombo das propriedades do seu
morgado de Aguas Belas e, em 1718, foi indicado para o governo da Capitania de Pernambuco
pelo Duque de Cadaval, como também para a Capitania do Rio de Janeiro, pelo Conselheiro
do Conselho Ultramarino António Rodrigues da Costa, ambas sem confirmação. Em 1719, foi
provido por carta para Governador e Capitão da Praça de Mazagão, retornando ao Reino em
1724. Em 1727, foi nomeado para Governador e Capitão-General da Capitania de Pernambuco,
ficando no cargo por dez anos, até 1737 (Silva, 1992, p. 28-30).
181
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
15 Segundo Silva, não existia esse tipo misto de agente na “legislação comercial” portuguesa,
com base nas Ordenações Filipinas. De acordo com seu estudo, “o correspondente se ocupa
cumulativamente da comissão e da consignação” (Silva, 1992, p. 89). Designa-se como comis-
sário “o negociante que, em seu próprio nome, recebe ou compra mercadorias para vender
ou expedir por conta de outros”, e consignatário, “aquele que, em praça diferente daquela em
que se encontra o mandante, vende por conta deste, as mercadorias remetidas” (Silva, 1992,
p. 81; 84).
16 As letras seguras são as letras de câmbio, emitidas pelos negociantes. Letra de câmbio consti-
tuiu-se numa ordem de pagamento, à vista ou a prazo, que o sacador dá ao sacado em benefício
do tomador. Sacador é o que cria a letra de câmbio; sacado é aquele contra quem a ordem de
pagamento é dirigida, e tomador é aquele que se beneficia do saque da letra de cambio (Silva,
1992, p. 88).
17 No entendimento de António Manuel Hespanha, com ênfase na História do Direito, o Império
Marítimo Português do período moderno fora marcado pela fragmentação territorial, e polí-
tica, em detrimento de uma concepção centralizada. Cf. (Hespanha, 2001, p. 163-188). Uma
crítica a tal concepção foi feita por Laura de Mello e Souza (2007). A réplica de Hespanha à
crítica de Laura veio em Hespanha (2007, p. 55-66).
18 Max Weber denominou esses negociantes “comerciantes atacadistas”, e Fernand Braudel de-
nominou-os “negociantes-capitalistas”. Para Webber e Braudel, esses negociantes eram “capi-
talistas modernos” (Weber, 2006; Braudel, 1992, p. 329-382).
182
A inserção dos ingleses no império português: o caso da família Gulston no Rio de Janeiro, c.1710-c.1720
Em outra carta, para Joseph Gulston & Cia, Duarte Sodré Pereira
chamou atenção de uma carregação22 de trigo vindo de Nova York (EUA)
para Lisboa, na qual 400 bucheís (bushel) eram enviados para a firma
inglesa em Lisboa:
19 Embora nesse momento, início do século XVIII, não houvesse uma diferenciação institu-
cional que separasse negociante de mercador, como ocorreu no Período Pombalino com a
criação da Junta de Comércio, a definição de negociante de grosso é válida para aqueles do
comércio de alto risco e do ultramar. SALES, Alberto Jaqueri de. Diccionario Universal de
Commercio. Tradução e adaptação manuscrita do Dictionnaire Universel de Commerce, de
Jacques Savary de Brulons. Lisboa: [s.n.], 1813. 3 v. O dicionário francês foi editado em 1723,
e há uma extensa bibliografia sobre os negócios e os negociantes de grosso no Império
Português, seja no Reino, seja nas regiões coloniais da América Portuguesa no século XVIII.
Uma pequena síntese está em (Guimarães, 2007, p. 35-64; Borrego, 2006; Pesavento, 2009;
Souza, 2012; Prado, 2015).
20 Em conversas com Maria Julia de Oliveira e Silva sobre a relação do negociante com o governa-
dor, a mesma destacou que Domingos era “o seu ‘homem de negócios’, encarregado de cumprir
as ordens dadas por Duarte Sodré Pereira.
21 Copiador de Cartas de Duarte Sodré, fl. 119v. (Apud Silva,1992, p. 81). David Lovrego era um
negociante inglês radicado na Ilha da Madeira. Balangra é um veleiro de um mastro de espicha
ou de latino quadrangular, com velas de proa, originalmente utilizadas no Mediterrâneo. Cf.
Medeiros (1993, p. 33). 100 moios é igual a 6000 alqueires, que é igual a 83.400 litros (1 alq =
13,9 litros - capacidade, peso).
22 Carregação era o termo utilizado para designar uma carga específica (mercadoria, inclusive
escravos), pertencente a uma ou mais pessoas, e enviada para uma localidade distinta daquela
em que seus proprietários residiam, com a finalidade de ser vendida.
183
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
23 Copiador de Cartas de Duarte Sodré, fl. 128. (Apud Silva, 1992, p. 96). Não temos certeza,
porém, Abraam de Pexter pode ser na realidade, Abrahan de Peyster, o 20º prefeito de New
York, em 1698, e com outros cargos públicos na cidade, da família de negociantes de Peyster,
de origem huguenote francesa, que se refugiou nas Províncias Unidas no período do Massacre
de São Bartolomeu. Seu pai, Johannes de Peyster, nasceu na Holanda e migrou para Nova Ams-
terdã, que depois se tornou New York. Sobre Abraham de Peyster cf. Koot (2011, p. 164; 204;
207); Dobson (2009, p. 19). 1 bushel (bsh ou bu) de trigo = 60 lb = 27,2155422 kg.
24 A respeito de Francisco Pinheiro cf. Levy (1977); Ellis (1982); Donovan (1990); Furtado (1999);
Guimarães (2007); Honda (2005).
25 Ainda não achamos a data de chegada do Ralph Julia Gulston no Rio de Janeiro. A fonte inglesa
destacou o ano de 1710, assim como Maria de O e Silva. William Donovan citou o ano de 1709
(Donovan, 1990, p. 265).
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A inserção dos ingleses no império português: o caso da família Gulston no Rio de Janeiro, c.1710-c.1720
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
30 Antonio Pinheiro Netto para Francisco Pinheiro, 12/06/1712, Cartas de Minas Gerais, NC, v.
I, p. 383. Almude é uma medida de volume equivalente a 25 litros; Canada é uma medida de
volume equivalente a 2,622 litros.
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31 (Grifo e destaque nosso). Ralph Gulston para Francisco Pinheiro, 10/08/1713, Carta do Rio de
Janeiro, NC. v. II, p. 30. Patacho era um barco à vela, de dois mastros tendo, a vela de proa
redonda e a de ré do tipo latina, podendo carregar de 40 a 100 ton; era utilizado para o trans-
porte de mercadorias e de tropas.
32 Ralph Gulston para Francisco Pinheiro, 24/11/1713, Carta do Rio de Janeiro, NC. v. II, p. 38.
Baeta é um pano de lã felpudo, que não foi apisoado (batido, encorpado a malho). Covado é
uma medida de comprimento equivalente a 66 cm. Sarafina era um tecido fino de lã, usado para
forro. A respeito das frotas do século XVIII, que ligavam Lisboa a Pernambuco, Bahia e Rio de
Janeiro cf. (Godinho, 1953, p. 69-88; Lobo, 1975, p. 49-107).
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
33 Luis Lisante destacou que Terence Milner, “comerciante em Lisboa, teve negócios com Fran-
cisco Pinheiro. Uma Carta Régia de 10/08/1725, concedeu-lhe moratória de 4 anos, visto que
seus credores o tinham abonado”. NC, v. I, . CXXXVII.
34 Guilherme Earle era sobrinho do cônsul geral inglês em Lisboa João Earle, e Cudsden era João
Cudsden.
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A inserção dos ingleses no império português: o caso da família Gulston no Rio de Janeiro, c.1710-c.1720
Rio
Meu Sr. recebi a de VM. que estimei muito por me
assegurar que goza de boa saúde, que assiste fica
a dispor do VM., recebi as 1280/8 de ouro que VM.
fizeram mercê de me remeter por conta da carre-
gação que foi no Navio N. Sr.a M.te Carmo e Santo
Antônio em que fomos interessados em igual parte
Timpeste Millenes e G.me Viollete e espero que VM.
tenham dado saída a toda carregamento e espero
que remetam a minha parte na forma das nossas or-
dens em ouro nessa nau de guerra, e eu não faltarei
em servir a VM. no que tiver préstimo destas parte
q.m D.s g,de. 37
35 (grifo nosso) Joseph e Ralph Gulston para Guilherme Vilett e Guilherme Earle, Cudsden, Milner
& Danby, e o Sr. Francisco Pinheiro, 15/06/171, Carta do Rio de Janeiro. NC, V. II, p. 68. Quintal
é uma medida de peso equivalente a 4 arrobas (@), e a 58,7465 Kg. 1@ equivale a 14,6866
Kg.
36 A respeito do ouro cruzando o Atlântico pelos particulares e pela Coroa cf. (Costa, Rocha,
Souza, 2005, p. 71-81).
37 Francisco Pinheiro para Ralph Gulston, 25/02/1714, Carta de Lisboa, NC. v. IV, p. 700.
38 Cf. Nota 42.
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
39 Francisco Pinheiro para Ralph Gulston, 10/03/1716, Carta de Lisboa, NC. v. IV, p. 723.
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A inserção dos ingleses no império português: o caso da família Gulston no Rio de Janeiro, c.1710-c.1720
40 Era irmão de outro correspondente de Pinheiro, Antonio Xavier de Montojos e Silveira, que
estava na Ilha de São Miguel, a maior e principal ilha do Arquipélago dos Açores. A ilha do
Faial situa-se no extremo ocidental do Arquipélago dos Açores, separada da Ilha do Pico por um
estreito braço de mar.
41 (grifo nosso) Francisco Pinheiro para Thomas Debrun da Silveira, Carta de Lisboa, 26/04/1720,
NC. v. V, p. 7.
42 Journals of the House of Commons, v. 20, 1722, p. 842. Numa outra fonte, The Works of the
Right Honourable Joseph Addison. Squire, os irmãos ingleses apareceram como subscritores
para publicação: Messiers Joseph and Ralph Gulston of Lisbon. Cf. The Works of the Right
Honourable Joseph Addison. Squire. London: Printed Jacob Tonson, 1721. v.4.
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192
A inserção dos ingleses no império português: o caso da família Gulston no Rio de Janeiro, c.1710-c.1720
43 BRASIL. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). Cartório do Segundo Ofício de Notas, Fundo 5E,
Livro 17, f. 93. (AN, CSON, 5E, L.17).
44 BRASIL. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). Cartório do Segundo Ofício de Notas, 5E, L.17, f. 93.
193
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
45 BRASIL. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). Cartório do Segundo Ofício de Notas, 5E, L.17, f.
93. (Sampaio, 2001, p. 91-92).
46 BRASIL. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). Cartório do Segundo Ofício de Notas, 5E, L.17, f.
94.
47 BRASIL. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). Cartório do Segundo Ofício de Notas, 5E, L.17, f.
94. (Sampaio, 2001, p. 92).
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Referências
Fontes Primárias:
Annals and Antiquities of the Counties and County Families of Wales,..., by Thom-
as Nicholas. London: Longmans, Green, Reader & Co., 1872. v.1.
BRASIL. Arquivo Nacional. (Rio de Janeiro). Cartório do Segundo Ofício de
Notas, Fundo 5E, Livro 17, f. 93. (AN, CSON, 5E, L.17).
BRASIL. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). Cartório do Segundo Ofício de
Notas, 5E, L.17, f. 93
BRASIL. Arquivo Nacional (Rio de Janeiro). Cartório do Segundo Ofício de
Notas, , 5E, L.17, f. 93.
48 Neste momento da pesquisa, não cabe uma discussão sobre o conceito e as críticas à Nova
Economia Institucional (NEI) e à teoria dos custos de transação. Por ora, basta o significado
de custos de transação, que são os custos totais associados a uma transação (comercial, finan-
ceira e outras), executando-se o mínimo preço possível do produto (custos de produção), com
o intuito de maximizar o lucro face às imperfeições dos mercados e à racionalidade limitada
dos agentes. Cf. (Coase, 1937, p. 386-405; Coase, 1992, p. 713-719; Williamson, 1985; William-
son; Winter, 1991). No tocante às críticas à NEI cf. (Britto, 1994, 120-139; Fagundes, 1997).
195
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
DAMPIER, William. A voyage to New Holand etc... in the year 1699. London:
Printed W. Bothan, 1709. 2 v.
Gentleman’s Magazine and Historical Chronicle, v. IX, for the year MDCCXXIX.
Illustrations of the Literary History of the eighteenth century consisting of au-
thentic memoirs and original letters of eminent persons. By John Nichols,
F. S. A., v. 5. London: Printed by and for J. B. Nichols and Son, 1828.
Journals of the House of Commons, v. 20, 1722, p. 842.
The Works of the Right Honourable Joseph Addison. Squire. London: Printed
Jacob Tonson, 1721. v.4.
LISANTI FILHO, Luís. Negócios coloniais (uma correspondência comercial do
século XVIII). Brasília: Ministério da Fazenda, 1973.
SALES, Alberto Jaqueri de. Diccionario Universal de Commercio. Tradução e
adaptação manuscrita do Dictionnaire Universel de Commerce, de
Jacques Savary de Brulons. Lisboa: s. ed. 1813. 3 v.
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Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/images/posgraducao/pepi/diss
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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204
O ANACRONISMO DE UM ATAVISMO? A
PROPÓSITO DA SEGUNDA ESCRAVIDÃO
SOB ÉGIDE MERCANTILISTA
Introdução
Creio que a explicação do título se impõe. Importa, de saída, es-
clarecer a primeira parte do enunciado. Julgo-me dispensado de tecer
considerações no que toca ao significado semântico do termo anacro-
nismo, o que me remete diretamente à elucidação da palavra atavismo.
Conforme o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, entende-se por ata-
vismo: “reaparição em um descendente de caracteres de um ascenden-
te remoto e que permaneceram latentes por várias gerações” (Houaiss;
Villar, 2001, p. 331). Na medida em que um atavismo necessariamente
encerra uma observação temporal do passado em direção ao presen-
te, o raciocínio inverso demanda uma regressão do presente rumo ao
passado, donde o risco de se incorrer em uma análise anacrônica. Em
minha defesa prévia, evoquei o caráter interrogativo no enunciado, ou
seja, minhas premissas argumentativas estão em construção, abertas ao
debate. Não trago certezas, mas dúvidas. O que proponho é um exer-
cício arriscado; a saber: procurar em um ascendente características ob-
serváveis em um descendente. Ir do presente para o passado. Em se
tratando do recorte temporal do conceito aqui trabalhado, ir do passa-
do oitocentista para o passado setecentista. Isso estabelecido, passo à
segunda parte da alcunha do meu texto.
Aqui, a trama se complica. Peço que meu leitor seja indulgente e
me conceda o benefício da dúvida. Pois bem, vamos ao cerne da questão.
O estudioso familiarizado com o tema da escravidão, própria ao sécu-
lo XIX, indubitavelmente já esbarrou na definição de segunda escravidão
formulada por Dale Tomich. Em essência, o autor envidou esforços no
sentido de compreender um aparente paradoxo: como a instituição da
escravidão floresceu em algumas regiões, ou experimentou maximização
em outras (respectivamente Cuba e Brasil, por exemplo), em pleno albor
e desenvolvimento do sistema capitalista de produção? Em síntese, a res-
205
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
208
O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista
esteve baseado na ideia segundo a qual, para vencer a competição ultramarina, os produtores
domésticos haveriam de ser subsidiados e seus competidores, taxados. Contudo, em finais
do século XVIII, tal premissa sofreu uma modificação - momento em que o triunfo sobre os
competidores estaria alicerçado nos avanços tecnológicos voltados para produção. Em adi-
ção, essas seriam sociedades rentistas, donde a influência do pensamento de Adam Smith.
Já na perspectiva marxista, o mercantilismo seria parte constituinte da chamada acumulação
primitiva de capital. Posteriormente, os pensadores marxistas correlacionaram semelhante en-
tendimento com o trato ultramarino favorável às potências europeias na esteira do comércio
assimétrico (as colônias exportavam matéria-prima e as metrópoles produtos industriais), cujo
desfecho explicaria o desenvolvimento industrial via comércio ultramarino. Lars Magnusson
faz terra arrasada da historiografia acerca do tema, com honrosa exceção a Hecksher. Para o
autor, o mercantilismo foi primeiro, e acima de tudo, literatura em forma de livros, manuais,
tratados e periódicos acerca de uma variada sorte de assuntos, desde temas políticos contro-
versos até práticas relativas a comércio, transporte, manufaturas domésticas, imigração de
trabalhadores habilidosos, taxas de juros, enriquecimento, poder estatal etc. De passagem, o
autor prefere definir o mercantilismo em termos do que ele não foi. Ou seja, o mercantilismo
não teria sido uma doutrina bem estruturada erigida em cima de princípios igualmente bem
estruturados através dos quais seria possível descrever um comportamento econômico e/ou
medidas políticas. Sobre os autores aqui citados, conferir a bibliografia ao final do capítulo.
2 Um dos autores mais trabalhados pela historiografia, Pierre Deyon, faz eco ao entendimento
de Hecksher, segundo o qual o mercantilismo consistiu, dentre outras facetas, em uma pode-
rosa força de unificação nacional e de obtenção de poder pelo Estado (Deyon, 2001, p. 51-53).
Segundo o Dictionary of Political Economy, por sistema mercantilista se entende “a política
econômica da Europa desde a ruptura da organização medieval da indústria e do comércio até
o domínio do sistema de Laissez-faire”, sendo a Inglaterra o único país passível de ser estuda-
do por todos os vieses mercantilistas (Palagrave, 1906, p. 727). Disponível em: https://archive.
org/stream/cu31924052158262#page/n7/mode/2up. Acesso em: 04 jan. 2018.
209
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
3 Em linha argumentativa afim à anteriormente enunciada, Robert Haywood infere que a con-
cepção mercantilista inglesa defendia a fulcral importância do crescimento demográfico como
sustentáculo para o desenvolvimento da Grã-Bretanha, proibindo-se, dessa forma, o movi-
mento de emigração para as colônias britânicas. Pari passu à percepção segundo a qual se
impunha o povoamento das conquistas ultramarinas, a adoção do trabalho escravo se avizi-
nhou como solução ideal, dentre outros fatores, por: a) gerar lucro; b) nascida fora do império
britânico, essa mão de obra adicionaria densidade demográfica aos seus domínios; c) baixo
custo de manutenção (com demandas limitadas ao necessário para a sobrevivência física dos
africanos); d) suposta facilidade de controle por meios coercitivos e, por fim, e) o nível de pro-
dutividade dessa mão de obra dependia única e exclusivamente da vontade de seus senhores
(Haywood, 1957, p. 456-458).
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O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
6 Faz-se mister observar que não tenho a menor intenção de reduzir as relações sociais escra-
vistas à esfera econômica. O que proponho é pensar a lógica atinente à segunda escravidão
dentro da perspectiva mercantilista, tomando-a como expoente de uma moral social. À vista
disso, penso sistema econômico mundial na matriz de uma organização política, social e eco-
nômica, proveniente da organicidade das relações sociais dos indivíduos. Não comungo com
as teorias que defendem centro e periferia, acumulação de capital via transferência de riqueza,
capitalismo mercantil ou financeiro etc. Penso, antes, no processo de unificação mundial cau-
datário do engenho humano, cujas ações são compostas por uma série de valores que somen-
te de forma arbitrária podem ser isolados e reduzidos às esferas do econômico, do político,
do social e do cultural.
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O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista
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O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista
8 Como argumento cautelar, sou forçado a explanar que as relações sociais de produção es-
cravista eram extremamente complexas, fruto das constantes negociações entre senhores e
escravos, e estavam imersas na lógica de funcionamento das sociedades em suas diversas
facetas: cultural, social, religiosa, política, econômica etc.
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
9 Neste ponto, creio que o diálogo com Blackburn se impõe. Para o autor, a primeira escravidão,
compreendida entre 1520 e 1800, “se desenvolveu em um mundo feudal tardio, pré-moder-
no, quando o capitalismo ainda estava em sua infância”. Em sua perspectiva, “a difusão das
relações sociais capitalistas nos séculos XVI e XVII pôs o dinheiro em novas mãos e incentivou
formas de existências cada vez mais dependentes do mercado. Muitas pessoas já começaram
a esperar que suas necessidades básicas fossem atendidas pelo dinheiro que ganhavam, e não
pelo que produziam”. O modo oblíquo pelo qual enxergo a questão me força a questionar, por
exemplo, como mensurar a porcentagem frente à população das “muitas pessoas” cada vez
mais dependentes do quanto ganhavam, Não posso deixar de entender que o autor toma o
todo pela parte. Seja como for, para Blackburn, a primeira escravidão e a segunda guardaram
entre si, dentre outras semelhanças, o fato de que “eram dependentes da chamada ‘economia
natural’’’. Dito de outro modo, os escravos eram incentivados a “suprir sua própria necessida-
de de comida”, sendo que a família escrava buscava assegurar a posse de animais e/ou terras
– às vezes concedida pelos senhores. Percebe a primeira escravidão permeada pela luta de
classes entre escravos e senhores no âmbito da “economia natural”, perspectiva da qual me
afasto. Seja como for, é sugestivo o fato de o autor, mesmo que não explicitamente, acabar por
analisar a primeira escravidão sob o aparato da perspectiva mercantilista. A título de exem-
plo: “Os comerciantes europeus, ao longo de todo o período moderno, pagavam pelos escra-
vos a mercadores e governantes africanos. Os plantadores do Novo Mundo compravam muitos
outros insumos dos mercadores coloniais e desejavam vender artigos tropicais e subtropicais,
produzidos por escravos, nos mercados europeus. Na época colonial, a ‘primeira escravidão’ foi
organizada em monopólios mercantis, de tal maneira que os colonos ingleses, franceses e por-
tugueses se viam obrigados a vender seus produtos exclusivamente a transportadores nacionais.
Muitos colonos europeus começavam a vida como imigrantes independentes que não aceitavam
o controle colonial, mas logo se viam obrigados a aceitar a autoridade da metrópole, uma vez
que as potências coloniais controlavam as rotas marítimas e os portos. Esses sistemas coloniais
eram beligerantes e competitivos, com um histórico tempestuoso de guerras e uma ressaca de
concorrência comercial” (Blackburn, 2016, p. 14-18).
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O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
políticos etc., cargos esses que lhes viabilizavam influenciar até mesmo
a política (mercantilista) dos grandes Estados modernos, talvez seja fac-
tível analisar a interdependência e a mútua formação desses elementos
não apenas na divisão do trabalho do sistema mundial, mas também na
configuração social do trabalho nas sociedades escravistas, ou seja, es-
tudar as relações sociais de produção escravista imersas nas relações de
poder reificadas a partir da tríade “terra, trabalho, capital (mercado)”,
sem perder de vista que esses elementos são “interdependentes e mu-
tuamente formativos”.
No devir do trecho citado, o autor acrescenta que, por intermé-
dio da perspectiva da economia-mundo, a escravidão pode ser percebida
“como uma forma específica de produção social que é continuamente
feita e refeita através da relação historicamente cambiante entre terra,
trabalho e mercado”. O fator humano é precisamente o agente que res-
ponderá tanto pela perenidade anteriormente mencionada, como pela
mutabilidade histórica de terra, trabalho e mercado. Insisto nesse pon-
to por compreender que a chave para concatenarmos escravidão e mer-
cantilismo à luz da proposição de Tomich repousa em admitirmos que,
dentro da lógica de funcionamento das sociedades pré-capitalistas, a es-
cravidão interagia com uma economia substantiva, ou seja, caudatária da
compreensão humana dos fatores terra, trabalho e renda.10
Por fim, e ainda na passagem em questão, assevera Tomich:
além disso, ao conceber complexos determinados
de produção escravista como parte de uma singular
divisão mundial de trabalho, essa perspectiva nos
permite especificar as relações e os processos atra-
vés dos quais cada um desses processos é formado,
bem como diferenciar sistemas escravistas entre si,
dentro do conjunto evolutivo das relações que for-
mam a economia-mundo (Tomich, 2016, p. 85).
218
O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista
11 Com fito de asseverar minha argumentação, basta observarmos as várias guerras e disputas
comerciais perpetradas no Estado da Índia, na África etc. pelas nações europeias no contexto
mercantilista precisamente pelo controle de circuitos mercantis, por exemplo. Outro ponto
radica no forte impacto que a política monetária chinesa exercia sobre a economia mundial no
que toca ao comércio e circulação da prata. Não é demais repisar a importância do bulionismo
no debate mercantilista.
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
Referências
BLACKBURN, Robin. Por que segunda escravidão? In: MARQUESE, Rafael;
SALLES, Ricardo (Org.). Escravidão e capitalismo histórico no século XIX.
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O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob égide mercantilista
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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COMENTÁRIO
BENEFÍCIOS E LIMITES DA SEGUNDA ESCRAVIDÃO
COMO MÉTODO PARA UMA RAZÃO DIALÉTICA
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Benefícios e limites da Segunda Escravidão como método para uma razão dialética
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Benefícios e limites da Segunda Escravidão como método para uma razão dialética
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Benefícios e limites da Segunda Escravidão como método para uma razão dialética
2 Para oportuna discussão sobre o conceito de bloco histórico, anteriormente definido por
Ricardo Salles, ver Hugues Portelli (1977).
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
que equivale a dizer que a coisa real se torna ela mesma seu próprio prin-
cípio, em uma interpretação que denota a pedra angular do pensamento
existencialista.
Disso decorre que a história não é pura contingência – há um
princípio –, porque ela expressa, em seu desenrolar, uma inteligibilidade
– principalmente dialética – feita pela contradição. Para Jean-Paul Sartre,
todas as finalidades são contrafinalidades, e todos os movimentos da
matéria, seja no sentido da continuidade ou da ruptura, revelam con-
tradições sustentadas e dirigidas pelos homens – e mulheres. Em um
esforço para dar saída libertária ao estruturalismo característico de sua
época, a dialética de Sartre propunha uma história sempre realizada por
seres de carne e osso, que, em seu relacionamento conflitivo, projetam
por interiorização da práxis pretérita uma nova práxis exteriorizada. Tro-
cando em miúdos, na própria realização da contradição estaria o balão
de oxigênio ao inferno que são outros.3 Uma via de escape, no entanto,
circunstanciada pela contradição que a possibilitou e limitada, por ex-
tensão, por aquela que será seu produto. Eventos históricos, diria Sartre,
terminam sempre em uma indecisão, porque as soluções obtidas em sín-
tese não são apenas originárias de um grupo, mas a decorrência de um
tolhimento à ação de um grupo em relação a outro. Expectativas sempre
frustradas, portanto, visto que o resultado da contradição escapa a cada
parte.
O grupo social, no sistema de pensamento considerado, faz as
vezes do motor da história, na medida em que nele se manifestam tanto
as condições da ação histórica – o prático-inerte – quanto as possibili-
dades dessa ação – o projeto e a luta. Sartre nega que o grupo impeça a
realização de um destino individual – cada um vive sua vida particularmen-
te, sugere na Crítica da razão dialética –, mas, ao mesmo tempo, considera
que essa realização está circunscrita a um campo restrito de possibili-
dades, onde a própria experiência individual produz o ser de grupo. A
ampliação das margens que constringem o grupo sujeita-se, a seu turno,
à efetivação da classe na práxis. Isto é, ultrapassar a condição de grupo
significa realizar a própria classe, em uma trama de finalidades e contra-
finalidades de classe, que deglutem as de indivíduo.
Daqui emerge talvez o principal limite da proposta de Tomich. Ao
distinguir o objeto de observação da unidade de análise, o que implica
um recuo reflexivo incompatível com a razão dialética, a segunda es-
cravidão subsome as relações formativas desta pelo prisma daquele. Em
3 A expressão, assim formulada, aparece em outra obra de Jean-Paul Sartre: a peça de teatro
Huis Clos, A portas fechadas, em português.
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Referências
ANIEVAS, Alexander, NISANCIOGLU, Kerem. How the West Came to Rule.
The Geopolitical Origins of Capitalism. London: Pluto Press, 2015.
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Benefícios e limites da Segunda Escravidão como método para uma razão dialética
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PARTE IV
SEGUNDA ESCRAVIDÃO,
MICRO-HISTÓRIA E AGÊNCIA
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SEGUNDA ESCRAVIDÃO E
MICRO-HISTÓRIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Mariana Muaze
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
1 Este debate pode ser acompanhado através dos seguintes textos: Machado (1987); Lara
(1988); Chalhoub (1990); Slenes (1995); Lara (1995); Marquese (2008, 2013); Marquese; Salles
(2016).
2 A referência mais direta aqui é o livro Visões da Liberdade, de Sidney Chalhoub, que analisa
casos de ações de liberdade movidas por escravos e intermediada por livres como forma de
luta por direitos na justiça. A crítica recai sobre um protagonismo insuspeito dos cativos na
condução de suas lutas contra os senhores, tratando-se de uma análise dos atores sociais na
qual a sociedade escravista mais geral, em seu momento de crise, não teria sido considerada.
Sobre esse debate, consultar: Salles; Marquese (2016, p. 117-118). De uma forma mais geral, a
mesma critica aparece em Tomich (2018).
242
Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível
3 O livro saiu em inglês em 2004 e, em português, em 2011, reunindo artigos do autor, escri-
tos entre 1987 e 1997. Sua organização é feita em três partes. Na primeira, A escravidão na
economia mundial, apresenta o conceito de segunda escravidão e discute seu ponto de vista
teórico contrário a três grandes interpretações da escravidão moderna: a Nova História Econô-
mica (de autores como Robert Fogel e S. Engerman), a marxista, de Eugene Genovese, e a do
moderno sistema-mundo, de Immanuel Wallerstein. “Resumida e esquematicamente, a Nova
História Econômica presumia a validade universal das categorias econômicas, aplicáveis tanto
à economia capitalista quanto à economia escravista, deixando sem resposta as questões per-
tinentes à interpretação histórica e à formação das relações sociais. Já Genovese veria escra-
vidão e capitalismo como sistemas incompatíveis, este mais moderno e aquele mais atrasado,
envolvendo momentos difíceis do processo evolutivo histórico. Finalmente, para Wallerstein,
o moderno sistema-mundo, compreendendo relações de trabalho tanto assalariadas quanto
coercivas – dentre elas, a escravidão -, se constituiria em uma estrutura histórica empírica,
com múltiplas formas de trabalho, entretanto perdendo de vista as diferenças fundamentais
entre as distintas relações sociais de produção.” Salles (2013, p. 251-252). Nas partes seguin-
tes, O global no local e Trabalho, tempo e resistência: mudando os termos da comparação,
apresenta uma análise comparativa do Caribe Inglês, Francês e Espanhol, entre o final do XVIII
e a primeira metade do XIX, a partir do conceito exposto. Para uma resenha do livro aqui
citado, ver Salles (2013, p. 249-254).
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
As trilhas da Micro-História
A Micro-História italiana não foi um movimento homogêneo e,
portanto, não se constituiu como um corpo unificado de proposições
ou uma escola historiográfica (Lima, 2006, 2009; Revel, 1998; Oliveira;
Almeida, 2009). Ao contrário, pode ser mais bem definida como uma me-
todologia, uma prática historiográfica com referências teóricas múltiplas
e ecléticas (Levi, 1991, p. 133). Com esta característica, a Micro-História
se desenvolveu em articulação com variados debates na revista Quaderni
Storici, a partir dos anos de 1970.
Inicialmente dirigida por historiadores com tradição marxista e
dos Annales, o periódico promoveu o encontro de pesquisadores italia-
nos de diferentes gerações e tendências teóricas. Seus principais colabo-
radores foram Carlo Ginzburg, Eduardo Grendi, Giovanni Levi, Carlo Poni,
246
Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível
4 Jacques Revel nos sinaliza que muito do programa crítico da Micro-História à História Social
estava relacionado ao método sociológico proposto pelo durkheimiano François Simiand para
as Ciências Sociais e adotado pelos Annales. Insistia que os historiadores deveriam evitar os
estudos do único; do acidental (entendidos como o indivíduo, o acontecimento singular) para
priorizar a repetição, as regularidades, estas sim mais viáveis ao conhecimento científico.
(1998, p. 17).
5 Henrique Espada Lima (2006) já aponta o artigo Microanálise e história social, de Eduardo
Grendi, publicado em 1977, na revista Quaderni Storici, como o primeiro a possuir uma pro-
posta metodológica integradora para a Micro-História. Ronaldo Vainfas (2002) ressalta ainda
Sinais: raízes de um paradigma indiciário como outro texto importante para a proposição de
um método alternativo à história-síntese.
6 Carlo Ginzburg propõe o “método nominativo” como forma de explorar e dialogar com as
séries documentais na investigação histórica. O nome seria “o fio de Ariadna que guia o inves-
tigador no labirinto documental, é aquilo que distingue um indivíduo de outro em todas as
sociedades conhecidas: o nome”. (…) “Este não fecha necessariamente a porta à investigação
serial. Serve-se dela. (…) Mas o centro de gravidade do tipo de investigação micronominal
encontra-se noutra parte. As linhas que convergem para o nome e que dele partem, compondo
247
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
ção de uma história vista de baixo (em forte diálogo com a antropologia
cultural e as propostas do historiador inglês Edward P. Thompson), a cen-
tralidade da experiência dos atores para análise do social (Lima, 2006;
Ginzburg, 1991) e a inclusão de novos grupos (mulheres, judeus, campo-
neses, proletários) na investigação histórica. Dessa forma, reforçavam a
importância da lente microscópica e da redução da escala de observação
para a reconstituição do vivido, sem abrir mão das estruturas nas quais
os sujeitos históricos se articulam. Em suas palavras: “para além delas
[as experiências individuais diversificadas] é possível atingir aquele nível
mais profundo, invisível, que é constituído pelas regras do jogo, a histó-
ria que os homens não sabem que fazem”, lição dada por Marx e Freud
(Ginzburg, 1989, p. 177).
Tal esforço, como o próprio título do artigo confirma, era um
convite ao método da microanálise, ao uso dos arquivos italianos (abun-
dantes em fontes seriais com forte potencial qualitativo) e à implemen-
tação de uma agenda de pesquisa, que buscasse marcar uma posição
política na historiografia italiana e no campo da História Social dos anos
1970/80 (Revel, 1998).
A Micro-História não nega nem se desinteressa pela estrutura
ou a escala macro, como criticam alguns. Apenas, não as considera o
ponto de partida da investigação histórica. Parte de um problema ge-
ral. Entretanto, acredita que a análise do individual, através da lente mi-
croscópica, da descrição etnográfica do comportamento humano, leve
ao conhecimento dos desvios e das liberdades dos sujeitos no interior
dos sistemas prescritos, ou seja, dentro da própria estrutura. Tais pro-
cedimentos buscam conhecer as estruturas em todos os seus aspectos
e não somente nos aspectos hegemônicos. A proposição é uma inversão
da lógica anterior.7 Ao invés de buscar a homogeneidade, a repetição de
padrões, e descartar as heterogeneidades das análises, parte-se das bre-
chas, das irregularidades e das contradições para se pensar os sistemas
uma série de teias de malha fina, dão ao observador a imagem gráfica do tecido social em que
o indivíduo está inserido”. (1989, p. 174-175).
7 Segundo Guinzburg, selecionar como objeto de conhecimento apenas o que é representativo
e, por isso, passível de serialização, significa pagar um preço, em termos cognitivos, muito
alto. Nem todas as temporalidades e temáticas históricas possuem documentação abundante
para fazê-lo. Além do que, “em qualquer sociedade a documentação é intrinsicamente dis-
torcida, uma vez que as condições de acesso à sua produção estão ligadas a uma situação de
poder e, portanto, de desequilíbrio. Por outro lado, anula as particularidades da documen-
tação existente em benefício do que é homogêneo e comparável”. Para ele, o conhecimento
histórico científico implica na construção de séries documentais, mas até o documento mais
anômalo pode ser inserido e analisado para lançar luz sobre uma série mais ampla. (2006, p.
262-263)
248
Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível
249
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
8 Juntamente com os artigos da revista Quaderni Storici, foi importante para o aprofundamento
dos debates sobre Micro-História a coleção Microstorie, editada pela Einaudi a partir de 1981,
e dirigida por Carlo Ginzburg e Giovanni Levi. Entre os quinze primeiros números lançados
estavam: Sociedade patrícia e sociedade plebeia, de E. P. Thompson (com textos que mais tarde
seriam reunidos no livro Costumes em Comum), O retorno de Martin Guerre, de Natalie Zemon
Davies, A herança imaterial, de Giovanni Levi e Biografia de uma cidade: história e narrativa:
Terni, 1830-1885, de Alessandro Portelli.
250
Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível
9 Giovanni Levi coloca duas principais diferenças entre as prerrogativas defendidas por Geertz e
pelos micro-historiadores: “1 – a antropologia interpretativa enxerga um significado homogê-
neo nos sinais e símbolos públicos, enquanto a micro-história busca defini-los e medi-los com
referência à multiplicidade de representações sociais que eles produzem; 2 – a micro-história
não rejeitou a consideração de diferenciação social da mesma maneira que a antropologia
interpretativa, mas a considera essencial para se ter uma interpretação tão formal quanto pos-
sível das ações, do comportamento, das estruturas, dos papéis e dos relacionamentos sociais”.
(Vainfas, 2002, p. 124-125).
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
Construindo pontes
Nesta parte final do capítulo, cabe retomar a pergunta que origi-
nou nossa reflexão: seria a metodologia da Micro-História incompatível
com os estudos da segunda escravidão? Sem medo, me arrisco a reafir-
mar que não, já que o próprio Dale Tomich tem escrito sobre as possibi-
lidades de diálogo, mesmo que as pesquisas nesta direção ainda sejam
bastante recentes.
Aqui, é importante pensar a historicidade do debate. Pelo prisma
da escravidão saiu em inglês, em 2004, reunindo artigos publicados entre
1987 e 1997, sendo a primeira parte, onde se encontram as principais
proposições da obra, inclusive o conceito de segunda escravidão, a mais
antiga.10 O livro objetivava:
reconstruir teoricamente o desenvolvimento históri-
co de regimes escravistas particulares, locais, como
resultados de processos econômicos mundiais e di-
ferenciar esses regimes uns dos outros por sua
posição dentro da totalidade político-econômica. A
especificidade dos regimes escravistas particulares
contribui simultaneamente para e revela a heteroge-
neidade espacial e temporal da economia mundial ca-
pitalista. Desse modo, a escravidão revela a constan-
te assimetria, desigualdade e tensão entre histórias
locais particulares e os diversos, porém unificados,
ritmos temporais e tensões espaciais dos processos
econômicos mundiais (Tomich, 2011, p. 52).
10 A primeira versão do capítulo A segunda escravidão (capítulo 3), do livro Pelo prisma da
escravidão, foi publicada, em 1988, em Rethinking the nineteenth century: movements and con-
tradiction, uma coletânea organizada por Francisco O. Ramirez. (Salles, 2013).
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Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível
11 “Uma explicação completa da história da destruição da escravidão durante o século XIX teria
de levar em conta a diversidade dos fatores políticos, sociais, ideológicos, dos quais as ações
dos escravizados não foram menos importantes. Não obstante, a transformação da economia
mundial tornou as condições da existência do trabalho mais vulneráveis e voláteis do que
antes”. (Tomich, 2011, p. 96).
12 Segundo Baptist, a própria “virada cultural”, como se desenhou, foi uma reação à interpreta-
ção de que as pessoas escravizadas eram passivas e se comportavam como o tropo sub-huma-
no dos racistas e paternalistas que defendiam a escravidão. Eram chamadas de “sambos”, ou
submissos, que renunciavam a seus interesses em prol de seus senhores, conforme encontrado
em David Elkins. (2016, p. 280-181).
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
13 Neste artigo, as diferenças entre Cuba e Estados Unidos eram exacerbadas e permitiam res-
ponder questões como: para onde os escravos se destinaram após a abolição? Que status pu-
deram obter naquelas sociedades (incluindo status civil, direito de propriedade e voto)? Que
estratégias as classes dominantes foram capazes de utilizar para manter as hierarquias sociais
estabelecidas? Como os escravos e seus aliados lutaram contra isso? (Zeuske; Finzch, 2010).
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Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível
14 Para o historiador, a experiência de George Danson Flinter como emigrado na Venezuela, du-
rante a Independência, e seus processos de revolução e contrarrevolução, o tornaram um defen-
sor da escravidão. Para ele, a escravidão era a melhor forma de trabalho, não somente em Porto
Rico e Cuba, mas para todas as colônias espanholas. Seus escritos, publicados em espanhol e
inglês, afirmavam que a escravidão espanhola era mais humana e benevolente, em termos legais,
do que as experiências inglesa e francesa, e, por isso, as revoltas eram bem menos frequentes.
A análise de Nowara demonstra como Flinter se tornou um autor do pró-escravismo na fase
pós-Revolução Francesa, pautando discussões com os abolicionistas ingleses e influenciando
escravagistas do Brasil, Estados Unidos e Império Espanhol (Schimidt-Nowara, 2014).
15 Em resposta à perspectiva da História Global, mas não necessariamente à segunda escravidão
como conceito, Giovani Levi comenta em entrevista que a História Global não é uma nova me-
todologia, mas um alerta à falta de consciência do eurocentrismo por parte dos historiadores.
Portanto, trata-se da defesa da totalidade policêntrica, sem necessariamente uma proposição
metodológica nova. (Oliveira, 2017).
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
Referências
BAPTIST, Edward. The half has never been told: slavery and the making of
American capitalism. Filadélfia: Basic Books, 2014.
BAPTIST, Edward. Seres humanos escravizados como sinédoque histó-
rica. In: MARQUESE, Rafael; SALLES, Ricardo (Org.). Escravidão e ca-
pitalismo histórico no século XIX. Cuba, Brasil e Estados Unidos. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. p. 261-319.
BLACKBURN, Robin. A queda do escravismo colonial, 1776-1848. Rio de Ja-
neiro: Record, 2002.
BLACKBURN, Robin. Por que segunda escravidão? In: MARQUESE, R.;
SALLES, R. Escravidão e capitalismo histórico no século XIX. Cuba, Bra-
sil e Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. p.
13-54.
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da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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invertida e outros ensaios. São Paulo: Unesp, 2013. p. 9-29.
COSTA, Emília Viotti da. Estrutura versus experiência. Novas tendências
na história do movimento operário e das classes trabalhadoras na
América Latina: o que se perde e o que se ganha. In: A dialética inver-
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DRESCHER, Seymour. Abolição – uma história da escravidão e do antiescravis-
mo. São Paulo: Unesp, 2010.
FLORENTINO, Manolo; FRAGOSO, João. O arcaísmo como projeto. Mercado
atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial
tardia: Rio de Janeiro, 1790-1840. Rio de Janeiro: Ver Curiosidades,
1993.
GENOVESE, Eugene. The political economy of slavery. New York: Random
House, 1967.
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Segunda escravidão e Micro-História: um diálogo possível
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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MICROANÁLISE E SEGUNDA ESCRAVIDÃO: A
NARRATIVA DOS INDIVÍDUOS E A MODERNIDADE
ESCRAVISTA NO VALE DO CAFÉ
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Microanálise e segunda escravidão: a narrativa dos indivíduos e a modernidade escravista no vale do café
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
1 Segundo o autor, “os números apresentados sugerem que se prefira imobilizar capital em
prédios – atitudes características do Antigo Regime – do que abrir empresas por ações, signo
de um possível capitalismo” (Fragoso, 2013, p. 160).
2 A crítica de Thompson ao termo pré-industrial parece reveladora: “É uma queixa comum que os
termos ‘feudal’, ‘capitalista’ ou ‘burguês’ sejam demasiado imprecisos para serem úteis numa
análise séria, abrangendo fenômenos demasiado vastos e díspares. Entretanto, agora encon-
tramos constantemente o emprego de novos temos, como ‘pré-industrial’, ‘tradicional’, ‘pater-
nalismo’ e ‘modernização’ (...) Com um cientificismo enganador, esses termos se apresentam
como se não contivessem julgamento de valor. Também possuem estranha temporalidade.
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Microanálise e segunda escravidão: a narrativa dos indivíduos e a modernidade escravista no vale do café
Desgosto particularmente de ‘pré-industrial’, uma tenda cujas pregas espaçosas acolhem lado
a lado os fabricantes de roupas do Oeste da Inglaterra, os ourives persas, os pastores guate-
maltecos e os bandoleiros corsos” (2005, p. 27). Para crítica semelhante, cf. Marquese (2013,
p. 223-253).
3 Embora o autor não seja assertivo nessa antítese, a leitura do terceiro capítulo Ensaio sobre
a economia da Corte e sua elite empresarial entre 1850 e 1880 indica que há uma equivalência
direta entre “economia industrial” e economia capitalista. Da mesma forma que o conceito de
capitalismo segue pautado na ideologia do mercado autorregulado, na definição de mercado
assalariado e no conceito de mais-valia (Fragoso, 2013, p. 157-178). Sobre a perspectiva de
Marx e o reconhecimento da produção de mais valia nas sociedades escravistas cf. Pires; Costa
(2010, p. 13-15). Para uma a crítica à ideologia do mercado autorregulado cf. Polanyi (2012).
4 Ao que parece deram lugar a “continuidades setecentistas” e à “economia pré-industrial” (Fra-
goso, 2013, p.162; 167).
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6 Luís Henrique Tavares foi categórico ao relacionar o tráfico à economia capitalista. Segundo
ele: “Conclusão: nada disso podia ficar no nível dos comerciantes de escravos no Brasil ou
em Cuba, esses negreiros de todas as nacionalidades; nem apenas nas iniciativas pessoais de
um Manoel Pinto da Fonseca, de um José Bernardino de Sá, de um Joaquim de Souza Breves,
grandes negreiros no Rio de Janeiro dessa época; (...) Em verdade só poderia ter se dado como
se deu: no conjunto complexo de enlaces que tinham suporte nas grandes praças comerciais
da Europa e dos Estados Unidos” (1988, p. 29).
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7 Segundo Fragoso, “Além dos já citados nesta seleta faixa de fortuna apareciam senhores como
João Martins Cornélio dos Santos, que em 1870 era diretor de uma companhia de seguros
chamada de Garantia, além de estar envolvido com o Banco Comercial do Rio de Janeiro, que
seria o segundo mais importante da cidade em 1876” (2013, p. 163; 169).
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11 Segundo Mello, “- se existiam alguns fazendeiros demandando escravos por motivos de prestí-
gio ou ostentação, a demanda agregada desta categoria de donos de escravos era muito limitada
e incapaz de elevar o preço de mercado de escravos acima do nível ditado por motivos normais
de rentabilidade. - Se para a maioria dos fazendeiros de café o prestígio social fosse parte sig-
nificativa da sua demanda de escravos, o preço destes estaria acima do nível que existiria, caso
considerações econômicas apenas estivessem presentes, e a taxa de retorno seria mais baixa do
que a de ativos com risco equivalente, a diferença entre as duas sendo o prêmio pago pelo con-
sumo conspícuo. - Se os fazendeiros de café tinham uma mentalidade pré-capitalista e estavam
limitados por atitudes tradicionais e um comportamento paternalista, isso não os impedia de
responder aos incentivos de ordem econômica e de alocarem seus recursos como faria qualquer
outro grupo orientado para o lucro e possuindo uma mentalidade capitalista” (Mello, 1978, p.
37-38).
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12 Dessa forma, “a persistência de relações não assalariadas não é vista simplesmente como uma
‘resistência’ dos grupos feudais, (semifeudais ou quase feudais) ao avanço do capitalismo, mas
sim com uma característica definidora do sistema”. Sua expansão “acarreta a incorporação
diferencial de várias formas de ‘controle do trabalho’ e não a generalização do trabalho assa-
lariado” (Tomich, 2011, p. 83).
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Referências
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e comércio lícito em Angola, 1830-1860. 1. ed. Luanda: Kilombe-
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FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: merca-
do atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia
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GINZBURG, Carlo. Microhistory and World History. In: BENTLEY, Jerry;
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RETORNO DE QUETZALCOATL?
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Referências
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segunda escravidão? A dinâmica da escravidão no vale amazônico
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FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado
atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia co-
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A segunda escravidão: o retorno de Quetzalcoatl?
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COMENTÁRIO
PARA UMA NOVA DIMENSÃO DOS ESTUDOS SOBRE
A HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO: DIÁLOGOS ENTRE
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO E A MICRO-HISTÓRIA
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Para uma nova dimensão dos estudos sobre a história da escravidão:
diálogos entre a Segunda Escravidão e a Micro-História
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Para uma nova dimensão dos estudos sobre a história da escravidão:
diálogos entre a Segunda Escravidão e a Micro-História
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A utilização do microscópio enquanto metáfora nada mais é que
a aproximação do olhar para captar um traço, uma singularidade ou um
comportamento que, em um olhar distante poderiam escapar. Uma pes-
quisa com essa proposta metodológica deve ser aquela também desven-
cilhada de qualquer preocupação com a captação de comportamentos
uniformes e tampouco de uma hierarquização do menor para o maior.
Com a variação das escalas, que se concretiza pela utilização de distintas
fontes, emergem as diferentes instâncias de percepção, as brechas, as
contradições e as irregularidades (Ginzburg, 2006, p. 267; Levi, 1991).
A esse procedimento de pesquisa se devem somar outras preocu-
pações próprias também da Micro-História. Se a fonte consultada pode ge-
rar uma instância de percepção, a escolha dela atinge uma enorme centra-
lidade e pode definir os rumos da investigação proposta. É esta a exortação
das falas e textos de Giovanni Levi nos dias de hoje, que mais se aproxima
de uma dimensão política do método. O foco na história daqueles que
produziram menos documentos, como as mulheres, os desafortunados e
as minorias, pode enriquecer a compreensão dos mundos relacionais.
Se realmente a Micro-História consegue se articular à perspectiva
macro, tal como defendida pelos historiadores acima, considero ainda,
mesmo com os atuais esforços, um grande desafio para nós historiadores.
Referências
BLACKBURN, Robin. “Por que segunda escravidão?” In: MARQUESE, R &
SALLES, R. Escravidão e capitalismo histórico no século XIX – Cuba, Bra-
sil e Estados Unidos. RJ: Civilização Brasileira, 2016.
CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da
escravidão na corte. SP: Cia das Letras, 1990.
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Para uma nova dimensão dos estudos sobre a história da escravidão:
diálogos entre a Segunda Escravidão e a Micro-História
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A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
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OS AUTORES
Mariana Muaze
Professora do Departamento de História da Uni-
rio, pós-doutora pela universidade de Michigan,
pesquisadora do CNPq, autora do livro As memó-
rias da Viscondessa: família e poder no Brasil Império
(Zahar, 2008), organizadora dos livros O Vale do
Paraíba e o Império do Brasil nos quadros da Segun-
da Escravidão, em parceria com Ricardo Salles,
(7 Letras, 2015) e O 15 de Novembro e a queda da
Monarquia, em parceria com Keila Grinberg (Chão
Ed., 2019).
Ricardo H. Salles
Professor do Departamento de História da Uni-
rio, pesquisador do CNPq, autor de Guerra do
Paraguai: Escravidão e cidadania na formação do
Exército (Paz e Terra, 1990), Nostalgia Imperial: Es-
cravidão e formação da identidade nacional no Brasil
do Segundo Reinado (Ponteio, 2013, 2a ed.), Joa-
quim Nabuco, um pensador do Império (Topbooks,
2002), E o vale era escravo. Vassouras, século XIX:
senhores e escravos no coração do Império (Civiliza-
ção brasileira, 2008) e organizador de Escravidão
e capitalismo histórico no século XIX – Cuba, Brasil e
Estados Unidos, em parceria com Rafael Marquese
(Civilização Brasileira, 2016).
A reflexão sobre as relações entre capitalismo e es-
cravidão no Mundo Atlântico e no Brasil em particular traz
consigo o questionamento sobre como a escravidão mol-
dou o capitalismo brasileiro no século XIX e na atualidade.
Por mais que a campanha abolicionista e o movimento dos
escravos pela emancipação tenham sido vitoriosos no 13
de Maio, eles não foram capazes de se transformar em lu-
tas nacionais por direitos sociais e igualdade racial. Hoje,
mais de 130 anos depois, essa pauta é cada vez mais ur-
gente no país que mais mata jovens negros em idade entre
15 e 29 anos, que possui a quinta maior taxa de feminicí-
dio do mundo, sendo a maioria das vítimas mulheres ne-
gras, e que insiste em retirar direitos das populações mais
pobres em prol de um capitalismo de agenda neoliberal.
Tais índices não são meros acidentes de percurso. Eles têm
fundamento histórico e se justificam, dentre outras coisas,
pela construção de uma nação calcada na hierarquia e na
exploração da mão de obra escrava.
Esse fundamento histórico de nosso presente é
abordado por diferentes historiadores nos capítulos de A
Segunda Escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histó-
rica que tratam de vários aspectos da escravidão brasileira
do século XIX.
ISBN 978-65-990698-7-1