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Martha Abreu,
Ab reu, Rachel Soihet e
Rebeca Gontijo (organizadoras)
Cultura política e
leituras do passado
Historiografia e ensino de história
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CIVILIZ AÇÃO B UAS ILLIK A hiiMlf
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* PtnqulMdoEstadodoRiodaJan
eiro
Rio de Janeiro
2007
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COPYRIGHT © Martha Abreu, Rachel Soihet e Rebeca Gontijo (orgs.) Sumário
CAPA
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PROJETO GRÁFICO
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yn Grumacb e João d e Souza Leite
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
CIP-BRASIL. AGRADECIMENTOS 9
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
C974 Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de
história'/ Martha Abreu, Rachel Soihet e Rebeca Gontijo (orgs.). - Rio APRESENTAÇÃO 11
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
PARTE I
Inclui
ISBN bibliografia
978-85-200-0695-5
Política, história e memória 21
1. História - Estudo e ensino. 2 Ciência política - Estudo e ensino.
ensino.
3. Política e cultura. 4. Cultura política. 5. Pesquisa histórica. I. Abreu,
Martha. II. Soihet, Rachel, 1938- . III. Gontijo, Rebeca. O presente do passado: as artes de Clio em tempos de memória 23
Impresso no Brasil
07
Cultura política e cultura histórica
no Estado Novo
Angela de Castro
Castro Gomes*
‘ Angela do
História de Brasil
CastrodaGomes é pesquisadora
UFF. Este sén ior revista
texto é uma versão do CPDOC/FGV e professora
e condensada t itular
do artigo “A de
cultura
histórica do Estado Novo”, publicado em Projeto História, São Paulo, n. 16, fev. 1998.
m
Como a literatura que trata da chamada era Vargas já consagrou, o Esta-
do Novo (1937-45) tem uma marca fundamental: a ambiguidade. Por isso, J)
estão fadados ao fracasso todos os esforços analíticos que procurem re
duzir suas dinâmicas políticas a esquematismos simplistas e/ou mani-
queístas. Nesse sentido, vale lembrar que se está falando de um curto espaço
de tempo — são apenas oito anos — que demarcou a instalação de um
que se chamou, na época, uma política voltada para “a recuperação do sinal de automática adesão às diretrizes ideológicas de um regime políti
passado nacional brasileiro”. Trata-se, portanto, de uma dimensão espe co, ou como prova de “cooptação”, entendendo-se por cooptação algo
cífica de política pública num duplo
duplo sentido. Em primeiro lugar, porque é próximo a uma transação mercantil de caráter utilitário; A questão do
permitir a compreensão dos sentidos que um determinado grupo (cujo conhecimento/saber histórico produzido em uma época, não havendo
tamanho pode variar) atribui a uma dada realidade social, em determina sincronia necessária entre os dois. E, do mesmo modo como as culturas
do momento e lugar. políticas são plurais, pode-se pensar em mais de uma cultura histórica
Justamente por isso, a constituiç ão de uma cultura política demanda convivendo, disputando,
disputando, enfim, estabelecendo vários tipos de interlocução
tempo,
de média sendo umduração.
e longa conceito Uma
que integra o universo
postulação que nãodeexclui
fenômenos políticos
a existência de entre
A si e com a produção
construção historiográfica
de uma cultura política eem
dedeterminado
uma cultura período.
histórica, por'!
movimentos e de transformações em seu interior, mas que adverte para o conseguinte, vincula-se fortemente à implementação de políticas públi
fato de eles não serem nem rápidos, nem contingentes, nem arbitrários, cas, em particular sob regimes
regimes autoritários, que investem de maneira cons
havendo pontos mais resistentes e outros mais permeáveis. Dentro da ciente e eficiente na busca de sua legitimidade, mobilizando valores, crenças
mesma chave, os historiadores insistem na diversidade de culturas polí e tradições da sociedade, com destaque para os que se referem a uma he
ticas existentes em qualquer sociedade. Competindo entre si, com rança e passado histórico comuns.3Nesse sentido, este texto está sugerin
plementando-se, entrando em rota de colisão, sua multiplicidade não do que, em certas conjunturas políticas — como no caso da do Estado
impediria, contudo, a possibilidade de emergência de uma cultura políti Novo —, há um esforço evidente para se articular iniciativas estatais de
ca dominante em certas conjunturas específicas. Além disso, o processo política cultural com a conformação de uma^ cultura política nacional,'em
de constituição de culturas políticas, e esse é o ponto, incorporaria sem que a leitura do passado ganha espaço priviJegià^õrmide o que sè~êstá
pre uma leitura do passado — histórico, mítico ou ambos —, que conota chamando de cultura histórica é dimensão constitutiva e também estraté
positiva ou negativamente períodos, personagens, eventos e textos re gica da cultura política.
ferenciais. Essa leitura do passado também envolveria um “enredo” — uma Com esse mesmo cenário de fundo, a questão do conhecimento/saber
narrativa — do próprio passado, podendo-se então conformar uma cul histórico tem que ser pensada em registro distinto. Isso porque sua carac-
tura histórica articulada a uma cultura política. Estudar uma cultura terística e desenvolvimento articulam-se com outro conjunto complexo e
política, sua formação e divulgação — quando, quem, através de que ins diversificado de variáveis, a saber: a situação do campo intelectual inter
trumentos — seria igualmente entender “como” uma interpretação do nacional e nacional (debates, conceitos); a autonomia, sempre relativa, do
passado (do presente e do futuro) foi produzida e consolidada através do campo intelectual em face do campo político; as características do regime
tempo, integrando-se
ciais, inclusive ao imaginário ou à memória coletiva de grupos so
os nacionais. político
tura (se democrático
democrát
política, em que ico ou autoritário);
se deve ponderar aos constrangimentos
política cultural que da conjun
estiver (se
No que se refere às relaçõesjmtre cultu rajustórjca e historiografia
historiografia,, o estiver) sendo desenvolvida pelo Estado; e a força de atores, como os in
aspecto mais evidente é o da amplitude do primeiro conceito, que vai além telectuais, em termos de participação e/ou oposição políticas. Portanto,
„j< da historiografia definida como a história dos hist oriadores, de suas
suas obras podemos considerar que, em certos períodos específicos, a presença e o
^ e disciplina. Tal constataçã o tem como desdobra mento importante o impacto sociais da cultura histórica e do conhecimento histórico podem
r
,'y
-
fO'" fato de assinalar que os historiadores de de ofício n ão detêm
detêm o monopólio ser crescentes, mas também podem ocorrer disjunções, sempre explicá
£
" ' do processo de constituição
constitui ção e propagação de uma
um a cultura histórica, atuando veis por razões próprias a cada conjuntura nacional específica.
o
fAa'O1* interativamente com outros agentes que não são homens de seu métier. É o caso do Estado Novo no Brasil, quando não se verifica uma pro
Há, por conseguinte, diferenças evidentes de amplitude e de natureza entre dução de textos históricos numericamente significativa, como várias aná
o que se pode considerar cultura histórica e o que se pode entender por lises historiográficas têm apontado. Mas, ao mesmo tempo, em função de
4 8 4 9
CULTURA FOTtTTCA E LtlIUR AS 1) 0 PASSABCT
POLlTICA, h i s t ó r i a e m e m ó r i a
um bem construído e executado projeto ideológico do regime, difunde-se deter as principais posições no momento em que o processo se desenvo
desenvol
l
amplamente uma cultura política, centrada em uma visão de “nosso pas ve (o que pode ser até bem compreensível), são eles que, como profissio
sado e de nossa história”, que se apropria e lê o estoque de obras acumu nais da história, se dedicam, a posteriori, a analisá-lo. Um trabalho que
lado, associando-o
Mas a outros
a complexidade materiais
da relação e dando-lhe
entre novo sentido
cultura histórica e força.4
e historiografia exige a compreensão de quem nele se envolveu mais diretamente; de quais
foram os eventos selecionados por essa memória (com as hierarquias e as
não fica por aí, porque o que está sendo aqui compreendido como passí omissões); de como e po rq ue o foram e, finalmente, em que circuncircunstância
stânciass
vel de ser designado como de interesse para o campo historiográfico ex e com que objetivos tal projeto se desenvolveu. Voltando ao exemplo do
cede a análise da trajetória de historiadores, de obras históricas e da própria Estado Novo, pode-se dizer que, se o conhecimento histórico produzido
disciplina (escolas, currículos). Ou seja, também se está considerando como por historiadores aí não floresceu tanto, floresceu uma política cultural
objeto de conhecimento desse campo de estudo o tratamento que uma que consagrou uma cultura histórica pela apropriação não apenas de au
questão ou uma categoria vem recebendo da literatura, ao longo de um tores e obras históricas, mas igualme
igualmentente de um vasto conjunt o de discur
período, o que inclui tanto os balanços bibliográficos como o acompa sos e práticas que falava sobre o “povo” e a “nação”. Essa cultura histórica
nhamento da trajetória de um conceito. iria marcar tanto a cultura política que o regime estava propondo para o
Além dessas dimensões, ainda se pode considerar outra, que envolve país como igualmente a própria tradição acadêmica na área da história,
ria, gros so m od o e de forma certamente imprecisa, a análise de representa por tempo nada desprezível. O fato de o Estado Novo não ser um perío
ções construídas por grupos sociais de dimensões variadas sobre “sua” do particularmente frutífero em termos de produção de obras históricas
própria história. Uma operação que situa problemáticas como a da memó não o torna menos estratégico em termos da importância de uma cultura
ria coletiva, da identidade (da nação, de instituições, de famílias e de gru histórica que então foi produzid
produzida,a, o que, aliás, q ualifica a relação assimé
pos mesmo não formalmente organizados) e das políticas (governamentais trica, mas fundamental, ocorrida entre ambas.
ou não), visando a consolidação de um passado comum; visando o enqua Em busca de tocar nesse conjunto de questões, mas sem querer querer esgotá-
dramento de uma memória de grupo, especialmente se for um grupo naci lo, este texto acompanha algumas iniciativas da política cultural estado-
onal. O trabalho de investigar como, quem e com que recursos
recursos de poder uma novista de valorização do “passado nacional”/Tal “passado” tinha tanto
dada cultura
ser útil, histórica históricas
pois culturas é conformada, é muito
costumam difícil,
marcar umamasmemória
a tentativa pode
nacional, o sentido de uma tradição que marcava a cultura popular como a forma
de um discurso histórico datado, em que a figura do historiador e suas
estando, freqúentemente, vinculadas a culturas políticas e a políticas cultu obras deviam
deviam ser recupe radas7o que se postulava, em sentido amplo, era
rais. Dessa forma, esse é um esforço de nítido interesse historiográfico, no uma grande harmonia entre essas duas vertentes do “passado nacional”,
sentido aqui explicitado. Assim, se a identidade de qualquer grupo social o que não excluía tensões e choques advindos de uma bricolage difícil.
não se faz sem recurso a “seu” passado, e se esse processo é dinâmico, mas Contudo, o que também fica evidente, sendo o objetivo mais específico
(
não arbitrário, torna-se matéria de particular valor para o historiador com
preender as leituras de passado que as memórias coletivas empreendem,
sobretudo se estão relacionadas a políticas governamentais explicitamente
deste texto demonstrar, é a existência de um esforço que visava a alargar
o “lugar” do conhecimento histórico no interior da própria cultura histó
rica, e desta, no interior da cultura política proposta pelo Estado Novo.
dirigidas ao enquadramento da memória nacional.5 Esses intentos podem ser observados,
observados, por exem plo, quer atrav
através
és do esta
Por conseguinte, se os historiadores estão envolvidos, em graus muito
muito belecimento de subsídios a instituições históricas e a eventos comemora
variados, com tais construções memorialísticas, podendo, inclusive, não tivos, quer através do apoio à publicação e à divulgação de textos definidos
s 1
5 o
CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PASSADO
POLlTICA, HISTÓ RIA E MEM ÓRIA
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5 3
CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PAS SADO POLlTICA. HISTÓRIA E MEM ÓRI A
próprio presidente, que não perdia a oportunidade de atar passado e pre do”, de interpretar uma realidade social, mas não pela constatação sim
sente, mostrando que, “mesmo em plena vigência das lutas internas mais ples de algo que existe — um destino, um tempo cíclico —, e sim por um
espetaculares” vividas no país, conseguíamos manter os princípios huma tipo de aproximação — pelo uso de um método — que consiste em se
nos e cristãos
espécie da nacionalidade.
de fantasma Portanto,
a ser enfrentado; “o passado”
como condição aparece comodeuma
para deixar as “chegar ao realdopor
sim o começo trás”,mas
futuro, a partir de seu
o último “passado”.
momento 0 presente
do passado, não pers-
numa é as
sombrar e poluir o “espírito nacional”. As razões desse temor não são muito pectivaa evolucionista, mas não progressivista.1
pectiv progressivista.122 Finalmen
Finalmente,
te, em terceiro
bem equacionadas, mas as indicações são tanto de que ele advinha de um lugar, essa postulação de “passado” não é unitária. Se o “espírito nacio
real desconhecimento de nossas origens como de um sentimento de infe nal” está nos costumes, na raça, na língua e na memória, devendo todos
rioridade que precisavam ser definitivamente exorcizados. ser recuperados e valorizados, há duas concepções de passado sendo pro
Em segundo lugar, “o passado” é postulado como um “manancial de postas e convivendo nesse discurso: a de um passado ligado à cultura
inspiração”. Mas não se trata de acreditar em retorno nem em uma con popular e que, manifestando-se através de um conjunto de tradições, convi
cepção de passado (história) como “mestre” do presente e futuro. Essa ve com o presente, sendo a-his tórico e referido a um umaa idéia d
dee tempo não
concepção ficava comprometida pela assertiva anterior, que indicava uma datado; e a de um passado histórico, ligado a uma idéia de tempo linear,
tradição de deméritos bem maior que a de méritos. É claro que sempre se cronológico, datado e referido à memória de fatos e personagens únicos,
poderia argumentar
argumentar que se aprende também com erros, com os maus exem existentes numa sucessão à qual é vedado conviver com o presente.
plos, mas não seria esse propriamente o objetivo da política cultural do Esses dois sentidos de passado e suas formas de relação com o presen
Estado Novo em seu esforço de “recuperação do passado”. A necessidade te e o futuro convergem para uma visão de totalidade que emerge de for
do passado, sua inscrição como “fonte” da nacionalidade e, por conse ma fundamental na organização da própria seção “Brasil social, intelectual
guinte, como bússola da política, advinha muito mais da orientação que e artístico”. Nela há espaços reservados para cada uma dessas dimensões:
os ideólogos do regime sustentavam de que não havia governos bons ou “folclore” ao lado de “história”; costumes regionais ao lado de páginas
maus — não havia modelos universais —, e sim governos adequados ou do passado nacional. Dessa forma, o esforço de “recuperação do passa
não a uma realidade singul
singular.
ar. Ajperspectiva historicista aí assumida impu do” não hierarquizava um desses sentidos em relação ao outro, mas os
nha uma
com valorização
respostas do “passado”,
verossímeis única “realidade”
tal exigência capaz Também
de “adequação”. de preencher
fica qualificava,
“conteúdos”estabelecendo
vinculados àsoperações específicasquanto
tradições populares em cada caso. Tanto
à história os
do Bra
evidente que essa demanda implicava uma leitura positiva do “passado”, sil precisavam ser trabalhados de forma adequada, sem preconceitos de
o que igualmente não poderia resvalar para excessos idealizadores que a inferioridade ou de superioridade ufanista, ambos prejudiciais ao “espíri
política “realista” do Estado Novo igualmente não comportava. to nacional”. O “lugar do passado” nessa construção discursiv
discursivaa é crucial
e, nesse “passado”,
“passado”, o “lugar da história” é extremamente relevante, como
A nova política do Brasil não inspira outra coisa senão a união da cultura a argumentação de Cultura Política pretende demonstrar.13
com a vida. Realista, seus postulados se firmam em bases de uma seguran
ça que, existindo no presente, vai afirmar seu ponto de apoio nos alicer
ces do passado.11 0 PASSADO NACIONAL: SENTIDO E LUGAR
LUGAR DA HISTÓRIA
A operação intelectual não deixa dúvidas. Trata-se de buscar um “senti- Nos artigos de Cultura Política, “interpretar” a nossa história era tarefa
5 4
1
contrário. Assim,
Assim, o que os textos dos editoriais da revista parecem indicar
fundamental para nela se encontrar um “sentido” da nacionalidade, algo
postulado como muito distante de idéias de utopia, fatalismo ou imobilismo é uma espécie de dupla operação. De um lado, reserva-se o “passado tra-\
presentes em regimes políticos anteriores. Esse “sentido” vai ser identifi dicional da cultura popular” para uma concepção espacial dos fatos de
T
cado no processo de centralização polídca que estaria presente na evolu “nossa evolução social”, organizada por regiões geográficas, com seus
ção social do Brasil. Iniciada com Tomé de Sousa, no século XVI, “nossa costumes religiosos, alimentares, musicais. Portanto, não se tratava de
evolução” ganharia contornos contemporâneos com Getúlio Vargas e o expulsar ou minimizar essa percepção geográfica, tão marcante, mas sim
Estado Novo. A “vocação ” centraliza
centralizadora
dora que o estudo da história do Brasil de circunscrevê-la e/ou, principalmente, de abrir campo para outro tipo
demonstrava confirmava-se também em todas as experiências fracassadas de concepção. De outro lado, o “passado histórico brasileiro” precisava >
de descentralização, quer fossem a das capitanias hereditárias, quer fos libertar-se desta preeminência “geográfica”, apontada como aquela que
sem a do hiperfederalismo da designada República “Velha”. procurava derivar nossa evolução de fatores “naturais”, como se eles fos
Nada surpreendente, considerando-se a proposta política estadono- sem capazes
capazes de determinar completamente as características dos “homens
de uma raça”, de um “povo”.
vista. O que torna essa leitura da “evolução histórica brasileira” mais in
teressante é a forma como ela se associa a uma concepção de fazer história Embora numa primeira leitura a linha de argumentação pareça indi
car tão-somente uma atualização do debate entre duas vertentes datadas
que ataca uma “outra”, considerada ainda persistente e resistente. Isso de fins do século XIX — a que defendia a determinação do meio/clima, e
porque, para Cultura Política, aqueles que sempre defenderam a descen
tralização política o fizeram esgrimindo o forte argumento da extensão a que insistia na centralidade da questão “racial” —, o que ocorria não
geográfica do país, indicador tanto de sua grandeza quanto de suas difi era tão simples. Em pr imeiro lugar, porque os argumentos “geográfi cos”
culdades de alcançar integração e harmonia. Uma pequena citação pode continuavam coexistindo, de forma muito própria, com os “históricos”;
ser pedagógica: em segundo lugar porque, quando se falava em “raça”, não mais se mobi
lizavam os mesmos referenciais biológicos próprios ao pensamento de fins
Imbuídos das teorias sociológicas da época [...] eles [os partidários da do século XIX e início do XX. A palavra “raça” era a mesma, mas, no
descentralização] queriam [...] fazer tudo derivar dos chamados fatores novo contexto, estava sendo preenchida por conteúdos socioculturais e
internos [...]. Entretanto, nós sabemo
sabemoss [... ], a geografia não é tudo
tudo,, sendo, não tanto por conteúdos étnicos. Por essa razão, talvez, os dois sentidos
antes de mais nada, incapaz de fazer modificar a natureza do homem de do “passado” e do “tempo” — um eminentemente histórico e cronológi
uma determinada raça.14 co e outro não datado e “vivo” no presente — constituíssem as faces de
uma mesma totalidade, razão pela qual ela precisava ser montada com t anta
Dessa forma, embora o djscursojEt revista procurasse construir uma his eficiência e cuidado.
tória política do Brasil marcada basicamente pela continuidade da centra Do ponto de vista que nos interessa destacar, se o presente permanece
lização, própria do pensamento conservador que valoriza a autoridade, ancorado no passado como tradição, durante os anos do Estado Novo se
ele não excluía rupturas nesse processo, responsabilizando uma concep faz um esforço consciente e avultado para redescobrir esse “passado his
ção mais “espacial” de nossa história por tais desvios. Por conseguinte, o tórico” enquanto realidade fundamental para a compreensão da nação.
elemento de continuidade com a linha da tradiçâo/centralização, no caso Um passado que não podia, como a tradição, coexistir com o presente,
da construção de um discurso histórico, não impedia a afirmação de uma mas que, exatamente por isso, era fonte de explicação para o novo.
ordenação mais temporal do que espacial dos acontecimentos, antes pelo
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5 6
- --
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-- -- -- - C U L 1 U R A P O l l T I C A E LE IT U RA S DO P A S S A D O
Provavelmente, não é casual que esse discurso esteja sendo emitido por Cultura Política, a essas iniciativas, entendidas como a maior prova
em articulação com uma série de iniciativas públicas, elencadas pela re da atenção dispensada pelo regime à evolução cultural do país. Segundo a
vista como comprovação de sua tese de “recuperação do passado”. No revista, a quantidade e a qualidade das obras publicadas espelhavam ca
ano de 1940, por exemplo, fora criado, em Petrópolis, o Museu Imperial, balmente a criatividade que se vivenciava nessa esfera da cultura nacio
multiplicando-se pelo país as sedes do Instituto Histórico e Geográfico. nal. Nesse sentido, já em seu primeiro número, Cultura Política abre uma
Aliás, todos eles estavam na lista das 23 associações históricas subsidiadas subseção intitulada “Movimento bibliográfico”, cujo objetivo era realizar
pelo governo federal, das quais apenas três não eram entidades desse tipo: um levantamento, o mais preciso possível, de tudo o que se publicava no
a Sociedade Capistrano de Abreu e o Instituto de Geografia e História território nacional. Sob a responsabilidade de Antônio Simões dos Reis,
Militar, ambos no Rio de Janeiro; e a Sociedade Paulista de Estudos His do Instituto Nacional do Livro (INL) — outra obra do regime —, o que
tó r ic o s.15 . se desejava era que autores e editores enviassem seus trabalhos para a re
A proposta de recuperação do passado histórico passara a integrar vista, de forma que pudessem ser listados
listado s e divulgados.1
divulgados.177 Essa subseção
também um verdadeiro calendário de comemorações de centenários de subsistiu até dezembro de 1943, abrindo subitens para classificar uma li
nascimento ou morte dos mais notáveis_ vultos e instituições da história teratura especialmente voltada para comentar as realizações do Estado
do Brasil. Em 1937, o centenário de fundação do Colégio Pedro II; em nacional, para explicar o pensamento do presidente e também para para divul
divul
gar o que se escrevia sobre o Brasil no exterior.18
ifc' 1938, o primeiro século do Arquivo Nacional e do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, e a exposição, organizada pelo Serviço do Patri Para se ter uma idéia do perfil do conteúd
conteúdo o temát ico da seção, vale
vale obser
mónio Histórico e Artístico Nacional, devida ao centenário de falecimen var que ela enumera um acentuado conjunto de monografias de caráter his-
p
to de José Bonifácio de Andrada e Silva; em 1939, o centenário de tórico-corográfico e de memórias, e que há uma razoável concentração em
nascimento do marechal Floriano Peixoto e os festejos do centenário de certos assuntos
assuntos históricos. Durante os três primeir
primeiros
os anos de publi
publicaçã
cação
o (1 941-
restauração do Reino de Portugal; em 1940, o centenário da Maioridade 3), os temas mais recorrentes são: relações colónia-metrópole, missões reli
de D. Pedro II e do quarto centenário da fundação da Companhia de Je giosas (jesuítas), ação bandeirante, questões de fronteiras e movimentos
sus; em 1941, os centenários de nascimento de Prudente de Morais e separatistas.
separatistas. A eles se seguem os livros que debate m o escravismo e a econ o
Campos Sales e o da coroação de D. Pedro II, para citar os mais impor mia cafeeira. Como se pode deduzir desse perfil, a maioria das obras versa
tantes. Em torno desses eventos, a comunidade dos historiadores se mo sobre o período colonial, havendo um número proporcionalmente pequeno
bilizava, pois sua preparação envolvia a organização de exposições, de textos dedicados ao Império e, menor ainda, ao período republicano.
congressos e publicações, algumas de grande porte. As comemorações Contudo, se esses dados conduzem à percepção de uma pequena atenção
cumpriam seu papel catalisador, contando com o sistemático compareci- destinada, pela produção históric a e pela revista, a o período republicano, isso
mento e apoio do Ministér io da Educação e Saúde.16
Saúde.16 é neutralizado pela existência de outra seção: “Roteiro bibliográfico da
Uma área de atuação do regime merece, contudo, um cuidado todo República”. Diferentemente da anterior, ela não é uma seção sistemática, sendo
especial de Cultura Política nesse verdadeiro arrolamento de frentes de muito mais uma espécie de pesquisa patrocinada pelo periódico “acerca da
incentivo à recuperação do passado histórico brasileiro. Ela diz respeito história da República, desde a sua génese, no final do Segundo Reinado, até
ao apoio à produção de textos, abarcando tanto as publicações oficiais os tempos atuais”.19 Entregue ao historiador Sílvio Peixoto, ser seráá pub
publicada
licada
quanto aquelas resultantes da “cooper ação privada”, em especial de algu em quatro partes — outubro e novembro de 1943 e janeiro e junho de
mas editoras. Vale a pena fazer um acompanhamento da cobertura dada, 194 4 — , catalogando um total de 78 obras sobre o período republicano.
republicano.
5 8
:
Duas outras subseções de Cultura Política se integram a esse esforço Abreu.21 Hélio Viana não dá seguimento a essasessas observações, até mesmo
de demonstrar
demonstrar o que se tem publicado no Brasil, especialmente a partir de porque elas ocupam o último número em que a subseção aparece. Entre
1930, recortando a área dos estudos sobre a história do Brasil. Uma delas tanto, é interessante notar que ele está escrevendo exatamente quando as
é “Literatura histórica”, que integra a parte de “Evolução intelectual” da Faculdades de Filosofia começam a formar suas primeiras turmas de pro
revista. Publicada desde o primeiro número de março de 1941 sob a res fessores de segundo grau e de pesquisadores de história. A partir de mea
ponsabilidade do historiador Hélio Viana, ela tem periodicidade regular dos dos anos 1940, com a continuidade desse processo, sem dúvida quer
até julho de 1942, quando toda a revista se altera. A outra subseção é o perfil do historiador, quer o da produção historiográfica se alteram de
“Movimento literário”, que integra a seção “Literatura” e terá publicação forma progressiva, sendo o momento que examinamos o de uma transi
entre setembro de 1943 e maio de 1945. ção entre um modelo que datava ainda do século XIX e um novo modelo
O primeiro espaço é inteiramente reservado às publicações na área de de escrita e de profissional da história, cujos contornos não eram muito
história,
história, estando o responsáve
responsávell voltado para a divulgação de tod os os “gê nítidos e/ou consolidados.
neros”: crónicas; viagens; compêndios; ensaios; biografias; obras sobre Finalmente, é necessário examinar a subseção “Movimento literário”,
geografia e etnografia do Brasil; traduções de livros de viajantes estran cujo objetivo era resenhar romances, biografias, poesias, peças teatrais e
geiros; reedições de textos e documentos históricos. De forma geral, a li ensaios históricos
em especial, para a eárea
literários. Portanto,
de história um espaço
e cuja marca que nãopor
foi o interesse sereedições
voltava,
teratura histórica examinada ao longo desse um ano e meio em que a
de textos considerados fundamentais. No período em que é publicado,
subseção é publicada compõe-se de uma produção recente, e em parte
“Movimento literário” resenha um total de 19 livros por ele classificado
integrante de periódicos de instituições culturais da época. Para Hélio
como “estudos brasileiros de interesse históric o”. A questão
questão é verificar que
Viana,, esse trabalho era a “prova irrefutável” do progresso que se instala
Viana
tipo de textos é aí destacado. De imediato, verifica-se que seis são biogra
va na área da investigação histórica, sendo igualmente um empreendimento
fias de vultos da história do Brasil22e cinco são reedições de livros consi
que permitia um mapeamento das abordagens que vinham sendo dadas a
derados fundamentais para o conhecimento do Brasil. O cuidado na
certos acontecimentos e períodos de nossa história. Um aspecto interes
impressão dessas reedições é assinalado, e os elogios com que elas são
sante era o reconhecimento da importância das biografias, romanceadas
saudadas
saud adas indicam a importância atribuída a seu reaparecimento comercial.
ou não, no interior dessa literatura histórica.20 Mas o que pode ser retido de todo esse conjunto de subseções desti
Um último aspecto pode ser assinalado a partir dos comentários do
nadas a registrar a produção cultural do país, especialmente na área da
articulista de “Literatura histórica”. Este diz respeito a uma certa trans
história do Brasil, é a intenção de Cultura Política, isto é, o que desejava
formação no tipo de estudo elaborado pelos historiadores, que estariam “provar” ao leitor. Para a revista, era inegável a fertilidade de nossa
francamente privilegiando monografias e ensaios e não mais realizando intelectualidade e a criatividade com que respondia a uma política cultu
textos de síntese.
síntese. A razão principal para tal tendência er a a dificuldade da ral efetiva de apoio governamental. Essa resposta evidenciava que o pro
realização
realização de pesquisas
pesquisas históricas que exigiam fo ntes do cumentais inédi dutor de bens simbólicos mobilizava-se com ânimo quando via garantidas
tas ou pouco exploradas, o que demandava muitos recursos f inanceiros e as condições de seu trabalho. Tal transformação, Cultura Política afirma
também
tamb ém organizacionais. Daí a produção passar
passar a ter um carát er cada vez va, fazia com que o “passado” recuperado, valorizado e não mais temido
mais fragmentado e circunscrito a períodos e questões bem específicos, fosse, finalmente, o fundamento da nacionalidade brasileira, que o Esta
não havendo mais trabalhos como os de Varnhagen e Capistrano de do Novo impulsionava em direção a um futuro alvissareiro.
eo 61
r 1.1I T U B A p o l í t i c a c l e i t u r a s d o p a s s a o o P O L Í T I C A.
A. HISTÓRIA E Mt MÓ KIA
1. Sobre o tema política cultural, ver Philippe Urfalino, “Uhistoire de la politique bam livros sobre esportes; engenharia; direito e legislação; etnografia; sociologia;
história geral e do Brasil; ciências económicas e finanças; ciências médicas; psicolo
culturelle”, em Jcan-Pierre Rioux e Jean- François Sirinelli, Pour une histoire
culturelle, Paris, Seuil, 1997, p. 311-24. gia, ciências ocultas; antropologia; música; educação; militarismo; física e química;
além de biografias, romances e literatura infantil.
2. Uma pequena
pequena mas substanc
substancial
ial refle xão sobre a categoria de cultura histórica está em
18. “M ovimento bibliográfico”, Cultura Política, n. 19, set. 1 942, p. 232 . A“Bibliogra
A“Bibliogra
Jacq ues Le Go ff, “H istó ria” , em História e memória, Campinas, Unicamp, 1990, p.
fia estrangeira sobre o Brasil” foi organizada por Carlos Pedrosa.
45-50. O texto de Bernard Guenée referido por ele é Histoire et culture
culture historique
19. Sílvio Peixoto, “Roteiro bibliográfico da República”, Cultura Política, n. 33, out.
duns l'Occident medieval, Paris, Aubier, 1980. Naturalmente estaremos fazendo lei
1943, p. 245-60. ldem, n. 34, p. 264-73; n. 36, p. 297-303; e n. 41,p. 214-20.
tura e uso muito livres dessa categoria neste texto.
ver “Literatura histórica”, Cultura Política, n.
20. Sobre as biografias, ver 8 e 9, out. 1941.
3. Isso não quer dizer
dizer que tais regimes tenham secunda
secundarizado
rizado políticas fortemente coer
21. Hélio Viana, “Literatura histórica”, Cultura Política, n. 17, jul. 1942.
citivas, como é o caso do exemplo do Estado Novo. Ou seja, o investimento estatal
22. Os vultos “históricos” obje to de biografias foram Gonçalve s Dias; D. Pedro I; Ra
pode crescer nas duas dimensões, não haven
havendo
do correlação necessária entre ambas.
poso Tavares; Matias de Albuquerque; Quintino Bocaiúva; Diogo Antonio Feijó;
4. Na resenha de meu livro História e historiadores: politica cultural no Estado Novo,
Machado de Assis e Alvares de Azevedo.
Rio de Janeiro, Ed. FGV, 1996, escrita para a revista Estudos Históricos, Rio de Ja
neiro, Ed. FGV, v. 10, n. 19, 1997, p. 141-4, Francisco Falcon observou, de forma
precisa, esse aspecto, assinalando como pode ser problemático o uso do conceito de
cultura histórica. Apesar de concordar com as dificuldades por ele apontadas, con
sidero-o útil para delimitar a questão que me preocupa no livro e, neste texto, eu o
retomo, tentando explorar suas potencialidades.
5. O conceito de enquadramento da memória está sendo tomado de Michel Pollak,
especialmente em seu texto “Memória, esquecimento e silêncio”, Estudos Históri-
cos, Rio de Janeiro, Ed. dos Tribunais, v. 3, 1989, p. 3-15.
6. O text o que se segue é uma versão alterada de parte do cap ítulo IV de meu livro
anteriormente citado.
6 2
Dos “Estados nacionais” ao “sentido
da colonização”: história moderna e
historiografia do Brasil
Brasil colonial
Maria Fernanda Bicalho*
‘ Professora
Núcleo do Departamento
de Pesquisas de Cultural
em História História (Nupehc).
da Univ
Universidade
ersidade Federal Flumine nse; membro do
•
Mas há uma distância enorme entre os conselhos distribuídos a aprendi
zes em certos
certos momentos e duma maneira d iscursiva e fragmentada — há
uma enorme distância entre essas indicações de trabalho e essa espécie de
confiança humana de mestre-de-obras
mestre-de-obras explicand o aos seus leito
leitores,
res, que
não são necessariamente “da sua especialidade”, o que para ele represen
ta o seu trabalho, que fins lhe propõe e em que espírito o pratica: e tudo
isto, não como pedante que dogmatiza, mas como homem que procura
compreender-se na íntegra.
Lucien Febvre, “Vers une autre histoire” (1949), em Combats pour l'histoire ;
comentando a experiência e a obra de Marc Bloch.
em “âmbito nacional”, e da vivência de um sentimento de nacionalidade nos inserimos/O que temos vivenciado nas últimas décadas são movimen
— experiências vistas como indissociávei
indissociáveiss à centralidade do poder monár tos de explosão — ou de implosão — das antigas nacionalidades e a emer
quico e à constituição dos Estados modernos. gência de outras identidades, locais, regionais, religiosas, étnicasTJSobre
No entan to, estudos recentes vêm contradi
contradizendo
zendo essa ideia.2
ideia.2 Referin- elas vem se pautando um profundo rearranjo da geografia, da política e
do-se aos trabalhos que têm revisto e relativizado a natureza do absolutis
absolutis do próprio conceito que tínhamos até então de Europa. Por outro lado, a
mo francês, o historiador catalão Xavier Gil Pujol afirma que o termo Europa — e n ão só ela — tem p resenciado, em termos económicos e po
“centralizaçã o” foi empregado pela primeira vez
vez em 1794 , em plena épo líticos, o desenvolvimento de organizações supranacionais, como a Co
ca do Terror, no seio da Revolução Francesa, convertendo-se, a partir de munidade Européia. Tais processos levam necessariamente a um exercício
então, no objetivo político dos governos liberais do século XIX.3 de reinterpretação histórica daquilo que há cerca de cinquenta anos —
Em artigo publicado em 1992, John Elliott afirma que a formação de em plena Guerra Fria — era visto e sentido como dado e, quiçá, imutável.
SB
SBNão é por acaso que nas últimas décadas novos objetos, novos méto
Í
Estados centralizados, absolutistas e “nacionais” era um tema caro à
historiografia do século XIX, inserida numa conjuntura de fortalecimen- dos, novas
novas teorias, nova
novass interpretaçõ es têm povoado — e provocado
provocado —
to dos Estados-nações e preocupada com a sua compreensão, projetando os estudos históricos. E essas rupturas vêm incita
incitando
ndo a construção de novos
7 o 7 1
O ANTIG O REGIME E A COL ONI ZAÇÃ O EM QUESTÃO
CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSADO
No caso específico da União Ibérica (1580-1640), o historiador Jean- mico sobre a própria comunidade. Referindo-se a recentes estudos sobre
Frédéric Schaub, superando as interpretações “nacionalistas”7— algumas a imposição do poder central na região do Languedoc, no sul da França,
baseadas no discurso articulado pelo próprio movimento de Restauração Pujol afirma que:
portuguesa —, afirma não ser mais possível compreender a incorporação As facções locais foram quase sempre decisivas no momento de determi
de Portugal à monarquia hispânica insistindo apenas no argumento da
nar o resultado final da intervenção real, já que as lealdades ao país [na
conquista territorial do mais fraco pelo mais forte. Sem descartar as dife
acepção do termo na época] ou à Coroa dependeram muitas vezes dos
rentes estratégias utilizadas por Filipe
Filipe II p
para
ara consumar seu
seu intento a
pequenos conflitos e desordens dentro da esfera local e regional. Uma vez
diplomacia, o reconhecimento de seus direitos à sucessão do trono portu
mais se constata que as relações não eram facilmente dicotômicas. Mes
gu
guês,
ês, o domínio militar — , Schaub recupera a importância do acordo
mo numa questão tão clara de ação estatal como os impostos, há que ver
contratual entre o rei espanhol e os súditos portugueses reunidos em cor o Estado não só como um extrator de riqueza mas também como um dis
tes, no Convento de Tomar, em 1581, quando Filipe II se comprometeu a tribuidor. [...]
[.. .] Durante as déc
décadas
adas centrais do século XVII
XVII,, as incrementadas
incrementadas
respeitar a imunidade jurisdicional da coroa lusa. A partir do que ficou receitas fiscais da Coroa não saíram do país [do Languedoc] na sua totali
estabelecido pelo p ac to , ou contrato, entre o rei e o reino. dade, [...] e metade do total recolhido foi desembolsado dentro da pró
pria região; esses fatos explicam o interesse dos dirigentes de Languedoc
No que diz respeito ao governo político, é criado um Conselho de Portu na manutenção da situação criada por Richelieu.9
gal que tem de funcionar sempre junto do rei, onde quer que ele se encon
tre. No caso de o rei ser levado a afastar-se do reino, o governo só poderia O autor conclui que, por vezes, o fortalecimento do Estado se deveu me^
ser encarnado por um vice-rei de sangue real ou por uma junta de gover nos ao uso da força, a progressos institucionais ou a aperfeiçoamentos
nadores portugueses [...]. Dos cargos e ofícios da Justiça e da Fazenda, administrativos impostos de cima para baixo, do centro sobre as localida
excluem-se todos os estrangeiros, isto é, todas as pessoas não naturais de des, do que à resposta a solicitações das elites regionais e locais interessa-
Portugal. [...] O comando militar das tropas e das frotas portuguesas tem
das em usar os mecanismos instituídos pelo centro em benefício próprio.
necessariamente de caber a um natural de Portugal. A exclusão dos foras
Nesse sentido, entre o poder central e o poder ou poderes locais havia
teiros aplica-se de igual modo no domínio do padroado eclesiástico [...]
Os Estados do reino, reunidos em cortes, devem ser convocados pelo rei uma densa rede de relações, interesses e pactuações.
S? os Estados tidos tradicionalmente pela historiografia como centra-
como única forma de representação legítima do reino. Em suma, o novo
rei prometia não suprimir nenhuma função ou ofício do aparelho mo lizados dependiam, para o sucesso da intervenção real em_seus múltiplos
nárquico português no qual sucedia e garantia aos seus súditos a exclusivi territórios, da aquiescência e colaboração das elites locais, o que dizer das
dade total das futuras nomeações.8 monarquias compósitas? Uma de suas grandes fragilidades era o absen-
teísmo régio, ou seja, a ausência física do rei nos diferentes reinos^incor-
Em geral, as tentativas de conquista, integração e subordinação à autori porados à monarquia; o que levou, no entanto, a que as elites locais
dade de um único monarca — estrangeiro ou não — levaram a uma gran desfrutassem um maior grau de autogoverno que estava longe de desafiar
de interdependência entre o rei e as elites locais, cuja lealdade foi, não seu status quo. Exemplo disso nos é dado pela análise de Schaub acerca
raro, ganha e mantida por meio do clientelismo. Em contrapartida, estas do poderio sempre crescente, ao longo da União Ibérica, da casa dos
mesmass elites — senhoria is e urbanas — podiam ex ercer maior pr essão
mesma Bragança. Embora os duques de Bragança tivessem renunciado a partici
—sobre-a-Goroa e, simultaneam ente, estender seu dom ínio social_e_econô-
social_e_econô- par diretamente dos assuntos portugueses durante o governo hispânico,
7 3
7 2
esse pecúlio de idéias, aliado a outros referentes greco-latinos e do cristia processo de colonização das Américas portuguesa e espanhola, os livros
nismo, sob diferentes
dif erentes apropriações, marcou as relações políticas dos homens didáticos — e me refiro, sobretudo, ao s do ensino médio — tardam a in in
do Antigo Regime, em tempos ditos de capitalismo comercial. Os reis devi corporar a revisão historiográfica, fruto de pesquisas que, nos últimos anos,
am ter grandes riquezas, [...] exatamente para poderem distribuir mais re têm sido desenvolvidas principalmente nos programas de pós-grapós-graduação
duação
cursos e manterem mais servidores. Quanto mais fossem estes últimos, e das universidades brasileiras. Em regra o clássico ensaio de Caio Prado
mais ricos, maiores poderiam ser os domínios e os meios dos príncipes.13 Júnio r “O sentido da coloniz ação”, publicado em 1 94 2 no livro Forma-
ção do Brasil contemporâneo, é o ponto de partida para a reprodução —
Em outras palavr
palavras,
as, as monarquias compósitas foram constituídas sobre um mais do
do que a refl exão — dos manuais de história adotados em nossas nossas
mútuo pacto entre a Coroa e as elites nobres e plebéias, provinciais e urba- escolas. Caio Prado era um historiador marxista e, como escreve José
nas,j3 que conferia, mesmo às uniões mais arbitrárias e artificiais, uma cer Roberto do Amaral Lapa, seu “livro parece superar as obras dos demais
ta dose de flexibilidade
flexibil idade e estabilidade. A nobreza sentia-se atraída pela cult ura autores que também se utilizaram do marx ismo para tentar decifrar a rea
da corte. Tanto ela quanto os magistrados
magistrados,, mercadores e principais homens lidade brasileira, sempre com o objetivo de mudá-la”.14
mudá-la”.14
7 4 7 5
/ Ape
Apesar
sar de todos os méritos, que não são
são poucos,
poucos, o livro de Caio Pra Caio Prado
Prado foi o primeiro histo riador a explicitar as ligações entre o pr o
do é tributário de uma perspectiva histórica — de um regime de histori cesso de colonização e o desenvolvimento capitalista internacional. De
cidade, para usar o co nceito de Francois Hartofi15—
Hartofi15— própria das décadas acordo com Amaral Lapa, o autor
de 1940 ,5 0 e 60. Ao analisar a constituição
constituição do Estado e da nagã
nagão
o no Bra-
sil e na América Latina, traça, por um lado, uma linha mestra de evolução insere o Brasil, sua descoberta e colonização, como parte do grande movi
e desenvolvimento; entendendo-a, por outro, como decorrência ou ma- mento encetado pelo capital mercantil, graças às descobertas e avanços
nifestação interna de processos estruturais — como o desenvolvimento tecnológicos com que se aceleram e se mundializam as comunicações. Uma
do capitalismo
capitalismo — oco rridos externamente, nos centros dinâmicos da Eu- vasta empresa comercial, sem maiores preocupações em construir uma
sociedade unitária e integrada. Empresa de exploração do que é encon
ropa Ocidental.
Ocidental. Preocupado em compreender os fundamentos da nacio
trado e comercializável, que se estenderá à grande agricultura de exporta
nalidade brasileira, Caio Prado afirma que:
ção capaz de atender aos interesses
interes ses europeus de consumo.1
consu mo.188
Todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo “sentido”. Este
Se o sentido comercial da colonização é desenvolvido por Caio Prado
se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos
J únior, o livro de Fernando Nov ais Portugal e Brasil na crise do antigo
e acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tem sistema colonial (1777-1808), publicado na década de 1970. formula um
po. Quem observa aquele conjunto, desbastando-o do cipoal de inciden
tes secundários que o acompanham sempre
sempre e o fazem muitas vezes
vezes confuso novo
novo conceito: o de antigo sistema colonial, que relaciona a dependência
e incompreensível, não deixará de perceber que ele se forma de uma linha da colónia à metrópole, a organização das atividades produtivas e das
mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem em ordem rigo relações
relações de produção coloniais, ao processo de acumulação primitiva de
rosa, e dirigida sempre numa determinada orientação.16 capital na Europa, de acordo com as práticas mercantilistas então em
voga.19A
voga.1 9A tese de Novais encont rou grand e difusão — inclusive no ensin o
O evolucionismo presente na argumentação de Caio Prado combina-se^
combina-se^ no médio — no artigo “O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial”,
entanto, com uma perspectiva dialética. A historiadora Maria Odila Leite inserido na coletânea organizada por Carlos Guilherme Motta Brasil em
da Silva
Silva Dias afirma que o impas
impasse
se da contradição entre o vir-a-ser da nacio Perspectiva. Nele se lê:
nali
nalidade
dade e as relações sociais de dependência colonial levou Caio Prado
Temos assim os dois elementos essenciais à compreensão do modo de orga
a construir seu livro Formação do Brasil contemporâneo sobre dois eixos nização e dos mecanismos de funcionamento do antigo sistema colonial:
principais inter-relacionados numa relação permanente de oposição estru como instrução de expansão da economia mercantil européia, em face das
tural [...]: o eixo da dependência colonial, conduzindo à tese da anomia condições desta nos fins da Idade Média e início da época moderna, toda
dos oprimidos e sua incapacidade de articulação política, foi elaborado atividade económica colonial se orientará segundo os interesses da bur
nos capítulos “Sentido da colonização”, “Grande lavoura”, “Mineração”, guesia comercial da Europa; como resultado do esforço económico coor
“Organização social”, “Administração” e “Organização social e política”. denado pelos novos Estados modernos, as colónias se constituem em
Neles o historiador aprofundou as contradições do sistema produtivo en instrumento de poder das respectivas metrópoles.20
quanto pólo do sistema
sistema capitalista internac
internacional.
ional. [... ] outro eixo de elabo
ração desta obra diz respeito à formação na nacionalidade brasileira, às
relações de dependência interna, às dificuldades de vir a ser do inorgânico.17
7 6
7 9
7 8
CULTURA POLiTICA E LEITURAS DO PASSADO
O ANTIGO REGIME E A COLONIZAÇÃO EM QUESTÃO
e entre senhores e escravos a chave de interpretação das múltiplas rela sua importância, no que tange às sociabilidades culturais, políticas e eco
ções e con exões entre centro e localidades,
localidades, dominantes e dominados. Se a nómicas vivenciadas no interior dos impérios ultramarinos da época
história global adquiriu certa visibilidade como entidade analítica e peda moderna, descentraliza a análise em t ermos de mov imento que parte
parte exclu
gógica, resta-nos, no entanto, inventar uma série de instrumentos teóri sivamente dos Estados metropolitanos, conferindo flexibilidade às rela
cos e metodológicos pertinentes à sua elaboração. ções imperiais, o que promove conexões intercoloniais.32
intercoloniais.32
Um desses instrumentos seria o conceito de rede, que alguns historia Outros caminhos vêm sendo trilhados por novos estudos que, por náo
dores têm elegido para analisar a dinâmica económica, política e social se calcarem em generalizações e formalizações dos proces
processos
sos sociais,
sociais, par- >
dos impérios ultramarinos ou coloniais da época moderna. Estes se cons tem do pressuposto de que eles são eminentem ente históricos, que têm uma
tituíam por meio de múltiplas redes
redes de relações — p olítica s, económic as, historicidade, isto é, são datados e localizados no tempo e no espaço, não
sociais, culturais — que conectavam os sujeitos históricos para além do podendo ser bem compreendidos a não ser pela inclusão de uma dimensão
território europeu, podendo comportar um ou vários centros económi interna. Sã o trabalh os produzidos nas últimas duas
duas décadas — muitos deles
cos10— sendo constituídas pela multiplicidade e diversidade de laços en dissertações de mestrado ou teses de doutorado — que partem das repre
tre diferentes agentes históricos e regiões ultramarinas, o que, no conjunto, sentações, experiências e ações dos atores históricos, ou seja, da cultura
constitui um amplo inventário de experiências e singularidades. A força e política e dos padrões sociais de h omens e mulheres que vivenc
vivenciaram
iaram o pro
a substância desses laços são suscetíveis de mudanças, e estas são capazes cesso de colonização nos tempos modernos. Um exemplo dos mais signifi
de alterar a própria rede ou relação de maneira fundamental,
cativos dessas
dessas abordagens en contra-se nos trabalhos que, nos últimos vinte
jpr Jo ão Fragoso e Maria de Fátima Silva Gouv êa vêm desenvolvendo
anos, vêm sendo desenvolvidos sobre “as práticas cotidianas, os costumes,
estudos sobre redes imperiais que, entre fins do século XVII e início do
enfrentamentos, resistências, acomodações e solidariedades, modos de ver,
XVIII, envolviam diferentes agentes do império português: casas aristo-
viver, pensar e agir dos escravos”. De acordo, mais uma vez, com Sílvia Lara:
fio cráticas do reino, magistrados, oficiais régios, negociantes e, inclusive,
5 membros das elites coloniais residentes em diferentes regiões ultramari
A partir da década de 19 80
80,, os estudos sobre a escravidão do
doss africanos e
nas. Elas eram tecidas pela circulação, comunicação e troca entre esses
seus descendentes no Brasil passaram por transformações que redimen-
homens — e mulheres — de mercadorias, informações, bens materiais e sionaram a abordagem do tema. Questionando as amarras estruturais de
culturais, e eram adensadas por relações de parentesco e clientelísticas,
aproximando e afastan
afastando
do diferentes grupos, em termo s de alianças políti paradigmas explicativos fixados na década de 1960 , vár
paradigmas vários
ios historiadores
historiadores
enfatizaram a necessidade de procurar outras perspectivas de análise. Ao
cas e interesses pecuniários. Os autores argumentam que criticar o enfoque estritamente macroeconômico e a ênfase
ênfase no caráter vio
lento e inexorável da escravidão, observaram que o resultado da maior
este circuito de relações deu lugar a determinadas formas não só de acu parte da produção sobre o tema era uma história que, mesmo sem o dese
mulação e circulação de informações, bem como de definição de estraté jar, apoi
apoiava
ava-se
-se num
numaa óptica
óptica sen
senhori
horial
al q
que
ue era, ine
inevit
vitav
avelm
elmen
ente,
te, exc
exclude
ludente
nte..
gias governativas, voltadas para o acrescentamento político e material dos Recuperando movimentos e ambiguidades que antes poderiam parecer
interesses portugueses, [...] sejam os interesses individuais e de redes surpreendentes, valorizaram a experiência escrava, que passou a ser ana
clientelares, sejam os corporativos da Coroa como um todo.31 lisada com base em outros parâmetros. Assim, os valores e as ações dos
escravos foram incorporados como elementos importantes para a com
Por fim, como o texto de Maria de Fátima Gouvêa e Marília Nogueira preensão da própria
própr ia escravidão
escravi dão e de suas
suas transformações.3
transfor mações.333
dos Santos publicado neste livro propõe, o estudo das redes em termos de e
8 2 8 3
A partir
partir dessa
dessa inflexão teórico-metodoló gica creio que podemos, por meio designar a modalidade de consciência de si de uma comunidade humana. A seu ver,
de nossos estudos e pesquisas, contribuir para dar sentido não apenas a essa noção pode fornecer um instrumento de comparação de tipos de história dife
temas coloniais, mas também ao nosso sempre renovado ofício de historia rentes no sentido de iluminar distintas
distintas formas de relacionamento com o temp o ou,
em outras
outras palavras, formas específicas
específicas de experiência do tempo. Cf. François H artog,
dores.
mentosAfinal, comoFebvre,
de Lucien nos lembra François
explicar Hartog,
o mundo aocomentando os ensina
mundo, responder às “Ordres du temps, regimes d’historicité”, em Regimes d’historicité. Présentisme et
expériences du temps, Paris, Seuil, 2003, p. 19-20.
questões que se apresentam aos homens de hoje, é decididamente a tarefa 6 . Sobre as Cortes, cf. Pedro Cardim, Cortes e cultura política no Portugal
Portugal do Antigo
do historiador. Não se trata de fazer tábula rasa do passado, mas de com Regime, Lisboa, Edições Cosmos, 1998.
preender em que ele difere do presente, por que e em que ele é pa ss ad o, 7. Cf., a esse respeito, o capítulo “Manifes tos de Portugal.
Portugal. Reflexõ es acerca de um Estado
num
num mundo queque,, se em todos os sentidos é comandado pelo pr esente, é, moderno”, de Rodrigo Bentes Monteiro e Jorge Miranda Leite, neste livro.
também
també m e profundamente, diferente dos tempos atuais, quer em suas prá 8 . Jean-Frédéric Schaub, Portu
Portugal
gal na monarquia hispâni ca (158 0-1640 ), Lisboa, Livros
hispânica
Horizonte, 2001, p. 21.
ticas, quer em suas representações.34
9. Pujol, op. cit., p. 126-7.
10. Segundo Schaub, “o afastamento espetacular dos titul titulares
ares da casa não deve, porém,
alimentar ilusões.
ilusões. Uma leitura atenta da correspondência política trocada e ntre Lis
boa, Vila Viçosa [“cor te” dos duques de Bragança] e M adri revela a multiplicidade
Notas de canais através dos quais os sucessivos
sucessivos duques exerceram a sua influência no seio
dos grandes conselhos das polissinodias portuguesa e hispânica. [...] o duque de
1. Segundo o Dicionário de P olíti ca de Norberto Bobbio, “o termo nação, utilizado
olítica Bragança teria sido, na viragem dos anos 20, o patrono direto de quatro dos sete
para designar
designar os mesmos contextos significativos
significativos a que hoje se aplica, isto é, aplica membros do Conselho de Portugal, e teria tecido, de forma indireta, laços fortes
do à França, à Alemanha, à Itália etc., faz seu aparecimento no discurso político — com outros dois dos seus membros” (Schaub, op. cit., p. 64).
na Europa — durante a Revolução Francesa”. Cf. N. Bobbio et al., Dicionário de 11. Fernanda Olival, As Or dens mil ita res e o E sta do mo der no. Ho nra , m erc ê e v en ali da de
em Portugal (1641-1789), Lisboa, Estar Editora, 2001, p. 15.
Política, v. 2, Brasília/São Paulo, Ed. UnB/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
12. Ibidem, p. 18.
2004, p. 796.
13. Ibidem, p. 17.
2. Recentes interpretações historiográficas pr problematizam
oblematizam tanto a extrema centraliza
ção quanto a unificação cultural ou a existência de um sentimento nacional, inclu 14. José Roberto do Amaral Lapa, “Caio Prado. Formação do Brasil contemporâneo”,
em Lourenço Dantas Mota (org.), Introdução ao Brasil.
Brasil. Um banquete no trópico,
siv
sivee na França do século XV I. Cf. Emmanuel Le Roy Ladurie, O Estado monárquico.
São Paulo, Ed. Senac, 1999, p. 259.
França 1460-1610, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
15. Cf. nota 5.
3. Xavier Gil Pujol, “Centralismo e localismo? Sobre as relações políticas e culturais
16. Caio Prado Júnio r, “O sentido da colonização”, em For mação do Br as ilil conte mpo
entre capital e territórios nas monarquias européias dos
dos séculos XVI e XV II”, Pené- râneo, 15a ed., São Paulo, Brasiliense, 1977, p. 19.
lope. Fazer e Desfazer a História, n . 6 , 1991, p. 123-4.
17. Maria Odila Leite da Silva
Silva Dias,
Dias, “Impasses do inorgânico”, em Maria Ângela D ’Incao
4. John H. EUiott, “A Europe of composite monarchies”, Past and Present, n. 137,1992, (org.), Ensaios sobre Caio Prado Jiinior, São Paulo, Brasiliense/Ed. Unesp/Secretaria
p. 48-71. de Estado da Cultura, 1989, p. 389-90. Analisando outro importante livro de Caio
5. Lucie
Lucienn Febvre, “Caminhan do para uma outra História”, em Combates p ela história Prado Júnior, História económica d o Brasil, Rubem M. L. Rego afirma que a tese
II, Lisboa, Editorial Presença, 1977, p. 225-6. Mais recentemente, François Hartog central do autor sobre o largo processo de transformação p or que passa a formação
cunha o conceito d e\regimes d e historicidade,\que pode ser entendido de duas for social brasileira, principalmente durante a segunda metade do século XIX e as pri
mas: numa acepção restrita, como uma sociedade trata o seu passado, e nele se vê; meirass décadas do século X X, é a de que a integração na nova etapa de desen volvi-
meira
e numa acepção mais vasta, de acordo com a qual regimes de historicidade serve para mento do capitalismo internacional, a que denomina “ordem imperialista", “se
8 4
8 5
2 0 . lde m, “O Brasil
Brasil nos quadros do antigo sistema
sistema colonial”, em Carlos Guilherme M ota dinâmica das redes imperiais portuguesas”, publicado neste livro. Cf., também, Maria
i
I
I
‘ F.ste artigo faz parte de dois trabalhos de pesquisa mais amplos que contam com o apoio
financeiro do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
‘ ‘ Pesquisadora
Pesquisadora do CNPq e professora do Departamento de História e do Programa de Pós-
mento político e não outro. Historiadores têm concluído que culturas determinadas tramas e dinâmicas socioeconôm icas, que deram vida e for
determinadas
políticas têm se constituído em fator de agregação social, concorrendo de ma à materialidade e à governabilidade portuguesa
portuguesa em seus domín ios u l
modo preponderante em favor da constituição de uma visão comum da tramarinos.
9 2 9 3
ANTÔNIO COELHO GUERREIRO: por tão interessante personagem, que de mercador , passa a bur o c r a t a,
a,
TRAJETÓRIA E SOCIABILIDADES CULTURAL. POLÍTICA E ECONÓMICA chegando, por fim, ao posto de primeiro go ve rn ad or das ilhas de Solor e
Timor. Desse modo, pretende-se perceber a sua inserção em redes que, ao
Igreja Matriz do Redondo, 4 de julho de 1694: subiam ao altar para con conjugarem poder, conhecimento e comércio, influenciaram de modo
trair matrimónio
matrimónio Antônio Coelho Guerreiro e D. Margarida Bernarda de muito particular a governação portuguesa no ultramar de finais dos seis
Noronha.222 Quatro anos depois, em 169 8, n ascia e era batizada
Noronha.2 batizada a filha centos e início dos setecentos. Ou seja, pretende-se perceber como entre
única do casal, D. Maria Antónia Xavier de Noronha, tendo por padri redes e trajetórias o império português do ultramar se estabeleceu e se
nho Antônio LuísLuís Gonçalves da Câmar
Câmaraa Cou tinho ,23
,23 almotacé-mor do consolidou.
reino e então vice-rei da índia.2
índia.244 No e ntanto, para se entender melhor a
escolha de padrinho tão importante, é preciso voltar ao ano de 1688. D e S a n ti
ti a g o d e C a c é m a L u a n d a
Corria o ano de 1688 quando aportou em Luanda João de Lencastre.
Em sua companhia trazia Antônio Coelho Guerreiro, que por provisão Pode-se
Pode-se dize
dizerr que desde muito
muito jovem Antônio Coel ho G uerre iro, n ascido
régia de I o de abril
abril do mesmo ano se transforma va em secret ário de go em Santiago de Cacém no Alentejo, esteve ligado ao ultramar português.
verno do reino de Angola. Uma vez investido na nova função, cabia a Com 25 anos, isto é, em 1 678 , aportava eem
m Pernambuco,
Pernambuco, onde permaneceu
Coelho Guerreiro tarefas de importância significativa, reguladas
reguladas pelo re por cerca de quatro anos. Segundo Rau, Coelho Guerreiro rapidamente
gimento
gimento que então lhe foi dado.2
dado.233 De volta de Angola, em 16 92 , passou ascendeu de soldado a capitão de infantaria. Ao final de sua passagem pelo
pelo Estado do Brasil, ora governado por Antônio Luís Gonçalves da Nordeste da América portuguesa já se encontrava na posição de secretá
Câmara Coutinho, primo de João de Lencastre, novamente seu compa rio de Estado da capitania de Pernambuco, nomeado interinamente pelo
nheiro de
de viag
viagem.
em. Seis ano
anoss depois, em 16 98 , Câ mara Coutinho assumia então governador Aires de Sousa de Castro.
o vice-reinado do Estado da índia, batizava a filha de Coelho Guerreiro e Como vem sendo mostrado pela historiografia especializada, o cam
o tinha como secretário de governo. po de
de batalhas sempre fora um celeiro no qual os futuros encarre gados da
Segundo Virgínia Rau, a folha de serviços de Coelho Guerreiro “é administração, seja ultramarina ou mesmo reinol, eram escolhidos. Bom
brilhante e revela, simultaneamente, uma tripla actividade de burocrata, exemplo disso foram as batalhas
batalhas travadas quando da guerra de R estaur a
de guerreiro e construtor militar”.26No entanto, a autora vai além da folha ção (1640-68), ocasião na qual estiveram vários governadores ultramari
de serviços e chama atenção para o Coelho Guerreiro mercador, publi nos.28 Nesse sentido, pode-se dizer que a administração tanto do rein o
cando o seu Livro de rezão. Na mesma linha traçada pela historiadora por quanto do ultramar sempre esteve intimamente ligada à organização mi
tuguesa segue o também historiador e também português Artur Teodoro litar. Pode-se mesmo dizer que, antes de serem ministros del-Rei, eram
de Mattos. Já Joseph Miller, africanista norte -americano, privil
privilegia
egia a face todos militares a serviço do mesmo
mesmo..
comercial do mesmo personagem, fazendo um belo estudo do mesmo Livro Dito isso, Coelho Guerreiro parece não ter sido a exceção que confir
de rezão. Escolha tal
talvez
vez influenciada por Frédéric Ma uro, que anos antes mou a regra acima anunciada. Chegando a Pernambuco juntamente com
dedicara a Coelho Guerreiro um capítulo de seu livro Nova história
história e N ovo o novo governador, Aires de Sousa de Castro, Coelho Guerreiro parece
M un do P ter sabido muito bem auxiliá-lo com seus serviços militares. Sempre zelo
Dito isso, será também Antônio Coelho Guerreiro o protagonista dessa so e dedicado, mas inteligente acima de tudo, participou ativamente da
parte do artigo, de modo a se entender melhor a trajetória desenvolvida
construção da fortaleza de Brum. No entanto, o que parece ter marcado
9 6 9 7
9 8
do primeiro regimento para tal cargo em Angola. Tal regimento, muito Brasil, ainda se encontrava nele. O ano de 1692 revela-se, portanto, de
provavelmente, serviu de base para a redefinição do cargo em todo o im extrema relevância para o que até aqui se disse. Nesse ano, em Salvador,
pério, como se verá mais adiante nesta reflexão. deu-se o encontro de João de Lencastre, Câmara Coutinho e Coelho
Em meados de abril partia para a África na companhia de João de Guerreiro, todos servindo ao rei no ultramar e com interesses
interesses comuns li
Lencastre, amigo
amigo de infância do mesmo rei39e, como
com o já mencionado, genro gados ao tráfico de escravos.
do outrora governador de Pernambuco Pedro de Almeida, logo concu- Lencastre e Coelho
Co elho Guerreiro seguiram viag
viagem
em para Portugal, enquanto
nhado de Roque da Costa Barreto. Dito isso, deve-se olhar com mais cui Câmara Coutinho deu continuidade
continuidade ao seu bom governo no Brasil. Nesse
dado para tais relações, bem como para as esferas que as mesmas conjugam. meio-tempo, o salitre foi descoberto, as naus da índia passaram a parar
cada vez com mais frequênc ia em Salvador,42 bem como veio do rein o,
De Luanda a Salvador em 1693, o pedido da opinião do almotacé-mor do reino acerca da libe
ração do comércio da aguardent
aguardentee no reino de Angola.
Angola. O então governa
Corria o ano de 1674 quando, em Lisboa, João de Lencastre desposava dor se mostrou favorável a tal liberação, como já era de se esperar, tendo
Maria Thereza de Portugal, filha de Pedro de Almeida. Em janeiro do em vista suas relações de parentesco.
mesmo ano e na mesma cidade, Antônio Luís Gonçalves da Câmara Chega-se enfim ao ano de 1694. Câmara Coutinho deixa o governo
Coutinho se casava com Constança de Portugal, prima em primeiro grau do Estado do Brasil muito bem avaliado, sendo sucedido por ninguém
de João de Lencastre. Era, portanto, por causa dessa união que ambos se menos que Lencastre, que chegava também muito bem indicado, inclusi
diziam primos.40 ve pelo próprio Câmara Coutinho. Em Lisboa, Coelho Guerreiro então
Já casados e já ligados po
porr p arentesc o, a mbos deram continuidade
co ntinuidade às se casava, após ter pleiteado junto ao rei recompensas pelos serviços pres
suas trajetórias. Lencastre assumiu em 1688 o governo de Angola e Câ tados em Pernambuco e em Angola.4
Angola.433 Não obstante ter deix ado o posto,
po sto,
mara Coutinho, em 1689, o de Pernambuco. Câmara Coutinho parece ter permanecido
permanecido na América, como mostram as
Lencastre permaneceu em Angola por quatro anos, tendo, como já referências
referências que aparecem na documentação coeva.44 Corria então a ad
visto, Coelho Guerreiro como seu secretário. Uma vez no governo, ministração de Lencastre na Bahia, e as tratativas para a liberação do co
Lencastre mostrou-se muito empenhado na liberação do consumo de mércio de aguardente continuavam, quando em 1695 esta se dá de fato.
aguardente
agua rdente — moeda de troca no tráfico , na região — e posteriormente
posteriormente
do seu comércio. Parece ter tido em todos esses assuntos a ajuda sempre De Salvador
Salvador ao Tim or
1o o i o 1
Desde seu tempo na Bahia, Câmara Coutinho se mostrara interessado indício dos cuidados que esse burocrata-mercador certamente teve em
em questões relacionadas à índia, mais especificamente à junta de comér relação a seus interesses e afazeres, tanto na esfera da administração por
cio, que se intentava estabelecer com a ajuda de recursos vindos do Bra tuguesa quanto de seus negócios mercantis ao longo de toda a sua vida.
sil.45
sil.45 Como já me ncionado nesta reflexão , os navios da carreira da índia Talvez resida aí, justamente, um aspecto distintivo de sua trajetória admi
passaram a parar cada vez com mais frequência em Salvador, e aqui dei nistrativa e económica, dimensões profundamente imbricadas num con
xar grande quantidade de tecidos, outra moeda essencial no tráfico.46 texto que caracteriza profundamente o modo de ser da gestão imperial
Chamada a atenção para a importância dos tecidos como influente moe portuguesa na época.
da no tocante ao trato de escravos em Angola, começa a fazer sentido o Visando a uma consid eração mais apurada do modo como isso se con
empenho demonstrado tanto por Câmara Coutinho quanto por Coelho figurou, cabe , antes de mais nada, avaliar algumas da
dass principais implica
Guerreiro em agora assumir postos no Oriente. Nesse sentido, o ano de ções derivadas da ocupação do cargo de secretário de governo no último
1698 ganha
ganha importância crucial. quartel do século XVII, bem como o modo como o mesmo favorecia o
Enquanto os dois personagens acima citados se encontravam no Orien entrelaçamento dos interesses administrativos com aqueles que mobiliza
te, Lencastre permanecia no Brasil e Luís César de Meneses, outro minis vam diversos mercadores que circulavam pelos “mares portugueses”.
tro a estes ligado, assumia o governo de Angola. Desse modo, pode-se dizer Como já indicado, apesar de ter chegado a Pernambuco na condição
que o circuito do tráfico ia, pouco a pouco, sendo muito bem articulado de simples alferes, Guerreiro rapidamente foi alçado ao posto de secretá
pela rede de ministros régios ultramarinos analisada. Não tardou muito, rio de governo da capitania no início da década de 1680. Esse cargo des
porém, para que Coelho Guerreiro desse mais um passo ascendente na conhecido pela historiografia era indubitavelmente de extraordinária
hierarquia administrativa ultramarina. Em 1701, Câmara Coutinho “pela importância para que a adm inistração portuguesa então se organizasse
organizasse de
confiança que fazia de sua pessoa”, nomeou-o primeiro governador das modo mais sistemático nas áreas sob sua jurisdição no período.
ilhas de Timor e Solor. O decreto que nomeou Antônio Guerreiro secretário de governo do
Percorrida
Percor rida a trajetória de Antônio C oelho Guerreiro no ultram
ultramar,
ar, en reino de Angola, datado de 28 de fevereiro de 1688, baixou o regimento
tende-se por que ele foi um belo exemplo do flu xo e re flu xo hu m an o ocor para o novo cargo, ocasião em que foram também criados os cargos de
rido no movimentado mundo português da época moderna, como bem secretário de governo do Maranhão e do Rio de Janeiro.48 Este regimento
chamou a atenção o historiador britânico Russell-Wood.47 Assim, pode-se tinha como base aquele anteriormente editado para o cargo de secretário
agora passar para a análise mais detalhada de alguns traços que destacam do governo de Pernambuco, aprimorando-se nessa ocasião sua natureza
tal trajetória de modo muito particular, sobretudo o exercício do cargo mais particular, bem como confirmando com maior clareza sua centra-
de secretário de governo nas partes mais importantes do império português. lidade no âmbito da organização e da ação governativa portuguesa nas
áreas sob jurisdição do cargo em questão.
S e c r e t á r io
io d e g o v e r n o e m e r c a d o r A década de 1680 despontava como um momento importante no pro
cesso de redefinição de estratégias mais efetivas de governo por parte
Antônio Coelho Guerreiro confeccionou ao longo de sua vida um livro da Coroa em relação ao ultramar. Várias foram as medidas editad
editadas
as nesse
sentido, fato bem exemplificado pela decisão explicitada na carta régia
de contabilidade de seus negócios — seu Livro de rezão —, documento enviada ao secretário de governo do Estado do Brasil, Bernardo Vieira
que constitui um raro espécime de seu tipo, tendo sido um dos únicos a
ter sobrevivido até os tempos de hoje. Isso se apresenta como um forte Ravasco, em 2 de ab ril de 16 88, quando ficou determinado que esse
esse ofi
ofi--
1 o 3
i o 2
ciai deveria “fazer presente todas as [...] ordens [da Coroa] que houver quanto verdadeiros agentes ou “instrumentos de poder e conhecimento”51
na secretaria
secretaria todas as vezes que vier nov o gov ernador” ,49
,49 a que foi tam da Coroa e dos grupos interessados no bo m andamento da administração
bém atribuído o secretário de governo do reino de Angola pelo regimento portuguesa em praças mercantis tão importantes como Angola, Rio de
de 1688. Jan eiro , Mara nhão e Pernam buco.
Em termos gerais, alguns itens desse regimento demonstram com cla Em termos mais particulares, determinava o capítulo 16 do regimen
reza a centralidade governativa do cargo de secretário recém-criado. O to que a secretaria de governo
governo do reino de Angola
Angola teria um oficial respon
elemento mais importante a concorrer para isso era o fato de que, a partir sávell por cuidar das causas dos mocamos — ou seja, o direito dos africanos
sáve
de então, ele se tornava responsável pela emissão de todos os diplomas de recorrer ao governador de Angola caso achassem que haviam sido es
govemativos nas áreas sob sua jurisdição. A emissão dos diplomas refe cravizados de forma indevida. Esse era um elemento central na boa arti
rentes à posse de todos cargos administrativos, das patentes reais e/ou culação das várias visões de mundo ali presentes, mais particularmente
militares,
militares, das provisões régias,
régias, dos f eitos da Justiça, das cartas de sesmarias, em termos das noções de direito, tornando assim possível um cotidiano
de todas as homenagens,so bem como de todos os traslados de livros de mais favorável ao pleno funcionamento do tráfico de escravos em Angola.
registros, ficava a partir de então sob sua responsabilidade. Tal jurisdição Toda essa centralidade administrativa que passava
passava a ser exercita da p elo
delegava a esse oficial o poder de regular praticamente sozinho todo o novo secretário de governo o colocava numa posição privilegiada para
ritmo da maioria das atividades mercantis geridas a partir das áreas sob atuar em favor de determinados interesses em detrimento de outros. Adi
sua responsabilidade. Isso porque era ele, e ninguém além dele, que tinha cione-se a isso o fato de que Guerreiro almejou, em grande medida, ocu
a responsabilidade de emitir todos os despachos de todas as embarcações, par tal posição, deixando assim transparecer a clareza com que esse
sumacas e patachos, que saíssem de sua área em direção aos portos de indivíduo entendia a pertinência desse cargo governativo para a melhor
Portugal, Brasil e Angola. -j gestão de seus negócios. Na verdade, negócios e governabilidade estavam
t
,
i
Além disso, era o secretário que ficava a partir de então responsável ; tão intrinsecamente imiscuídos que é praticamente impossível saber o que
pela melhor e maior organização do governo propriamente dito. Fator engendrava o que àquela altura.
-
A
sine qua non para que alguma forma de continuidade administrativa pu E, nesse sentido, destaca-se o dado apresentado por Frédéric Mauro,
<
desse ser viabilizada na gestão da área em questão. De acordo com o capí !
1 0 5
amplo leque de conexões dentre a multiplicidade de agentes e interesses A importância do registro escrito foi também enfatizada através da
presentess naquele conte xto.
presente consideração das atribuições do secretário de governo, responsável em
Tal ambiente encontrava assim suporte em uma poderosa cultura po grande medida por sua produção e guarda. Tal registro animou a circu
lítica
como que plasmava
um todo. aquela
A edição sociedade
daquela no interior
complexa malha do
de império
diplomasportuguês
governa- lação de concepções de mundo e a produção de procedimentos sociocul-
turais que ajudaram a plasmar em um grande todo o império português
tivos se encontrava profundamente associada a uma série de ritos e ceri àquela época.
mónias característicos das sociabilidades vigentes à época. As cerimónias
de pl ei to e m én ag e eram um de vários exemplos que contribuíam para a
configuração desse cenário. A nomeação de subordinados, o apadrinha
mento de filhos de associados, as práticas do do m e do contradom , enfim, Notas
vários tipos de recursos e de estratégias favoreceram a articulação dos
grupos sociais interessados. 1. Michel Foucault, Vigiar e punir, Petrópolis, Vozes, 1977; idem, M icrofísica
icrofísica do poder,
Rio de Janeiro, Graal, 1990.
2. Idem, Microfísica do poder, p. 221.
CONCLUSÃO 3. Marie ta de Morae s Ferreira, “A nova ‘velh
‘velhaa história’ : o retorno da hi
história
stória políti
ca”, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10 , 1992, p. 2 65- 71; René Remond
(org.), Por uma história política, Rio de Janeiro, Ed. UFRJ/FGV, 1996; Jean-Pierre
Este capítulo teve como ob jetivo considerar a capaci
capacidade
dade de certos agen
Rioux e Jean-François Sirinelli (orgs.), Para uma história cultural, Lisboa, Editorial
tes em articular homens e interesses situados em diferentes partes do im Estampa, 1998. Ver também Rachel Soihet, Maria Fernanda Baptista Bicalho e Maria
pério português, em fins do século XVII e início do XVIII. Para tanto, de Fátima Silva Gouvêa (orgs.), Culturas políticas. Ensaios de história cultural, his
procurou analisar a forma como uma dada cultura política, característ
característica
ica tória política e ensino de história, Rio de Janeiro, Mauad, 2005.
da época moderna em Portugal, foi capaz de plasmar e consubstanciar con 4. Serge Berns tein, “A
“A cultura política”, em Rioux e Sirinelli (orgs.), op. cit., p. 351-2.
5. I b ide m , p. 352.
cepções de mundo e modos de vida comuns a contextos geográficos e
6. I b ide m , p. 351 e 361-3.
sociopolíticos tão diferentes como aqueles que compunham o ultramar seu clássico A s o
7. Destaca- se primeiramente a obra de Norbert Elias, especialmente seu
português. Essa cultura política, em grande medida, tornou possív
possível
el a iden
c ie dade de c or t e , publicado pela primeira vez na década de 1940, tendo recebido
tificação de um pa tr im ón io coletivo compartilhado por diferentes gru
grupos
pos em 2001 uma tradução brasileira pela editora Jorge Zahar. Além desse, o livro de
em diferentes territórios que, juntos e em enorme intercâmbio, formava
formavam m Marc Bloch, Os reis taumaturgos, publicado pela primeira vez na França em 1924,
aquele império. traduzido pela Companhia das Letras em 1993.
Antônio Coelho Guerreiro foi um mercador que não se satisfez em 8. Nesse sentido, vale também destacar as seguintes obras: Fernando Bouza Alvarez,
apenas mercadejar.
mercadejar. Era preciso mais do que isso. Era preciso também in Corre man uscrito. Uma historia cultural del Siglo de O ro, Madri, Marcial Pons, 2002,
Roger Chartier, A h ist ór ia cul tur al , Lisboa
Lisboa,, Difel, 1990 ; Roger Chartier (org.), His
gressar no mundo do governo de sua sociedade e assim também alcançar
tória da vida privada, 3 : da R enascença ao Século das Luzes, São Paulo, Companhia
o status, a honra e os privilégios usufruídos por aqueles que compartilha
das Letras, 1991; Natalie Zemon Davis, The gift in the Sixteenth century France,
vam a condição de oficial da Coroa. Travestia-se assim em “mercador-
Madison, The University
University of Wisconsin Press, 200 0; J ohn Elliot, La Espana imperi
Press, imperial,
al,
burocrata , metáfora daquele que era o modo de ser das articulações entre 1 4 6 9 - 1 7 1 6 , Barcelona, Mondadori, 1998; Jack Greene, Negotiated authorities.
governação e atividade mercantil na sociedade lusa. Essays in colonial po litical and constitutional history, Charlottesville, University of
1 o 6 1 0 7
Penélope: revista de História e Ciências Sociais, 23, Lisboa, ICS, 2000, p. 67-88. 76. Coleção Debates, 13.
14. Ver
Ver,, especialmente,
especialmente, João Fragoso, “A “A formação da economia colonial no Rio de Ja 28. Monteiro, O crepúsculo dos grandes, op. c it.; Francisco Bethencourt, “O Complexo
neiro e de sua primeira elit
elitee senhorial (séculos XVI e X VII)”, em Jo ão Luís Ribeiro
Ribeiro Atlântico”, em Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (orgs.), H is t ória ória da e xpan
Fragoso, Maria
Maria de Fátima Silva Gouvêa, M aria Fernanda Baptista Bicalho (orgs.), O s ão por t u gu e s aa,, v. 2, Lisboa, Círculo dos Leitores, 1998.
Antigo Regime nos tró pic os. A din âm ica imp eria l por tug uesa , sé cu los XVI-XVIII, Rio 29. Pedro Calmon, História do Brasil, Rio de Janeiro, José Olympio, 1958, v. 3, p. 856-7.
de JJaneiro,
aneiro, Civilização
Civilização Brasileira, 200 1, p. 29 -71 . Ver também: Antônio Carlos Jucá 30. Rau, op. cit., p. 14.
de Sampaio, Na encruzilhada do Imp ério — Hierarquias sociais e conjunturas eco 31. Em relação à Guerra dos Bárbaros, ver Ped Pedro
ro Puntoni, A g ue rr a d os bá rb ar os . Po
nómicas nono Rio de Janeiro (c. 1 650-17 50c.), Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 2003. vos in díge n as e a c olon izaç ão do s e r t ão n or de s t e do B r as il, 165 0- 1720, São Paulo,
Hucitec,
Hucit ec, 200 2.
15. Jo ão Luís Ribeiro Fragoso, “A formação da economia colonial...”, 200 1, op. cit., p.
50; e Fragoso, Gouvêa e Bicalho, “Uma leitura do Brasil colonial...”, 2000, op. cit. 32. Domingos do Loreto Cou to, “Desagravos do Brasi Brasill e glórias d dee Pernambuco”, An ais
da B ib liot e c a N ac ion al do Rio de J an e ir o, v. 24 e 25, Rio de Janeiro, 1904.
16. Maria de Fátima Silva Gouvêa, “André“André Cusaco: o irlandês ‘intemp estivo’, fiel súdito
T he gove r n or s PortugaTs South Atlantic empirc in the
de S.
S. M. Traje tórias adm inistrativas e redes governativas no império português, 33. Ross Little Bardwell, of
ur y. S oc ial b ac kgr ou n d, q u alific at ion s , s e le c t ion an d r e war d, de
s e ve n t e e n t h c e n t ur
c. 1660-1700”, comunicação apresentada no Colóquio Internacional Biografias e
doutorado, University of Califórnia, Santa Barbara, 1974.
1 0 8
1 0 9
C U L T U R A P O L l T I C A E L E I T U R A S D O P A S S A D O
34 . Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes. A form açã o do Brasil no Atlântico
Felipe
sul, São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
35. Portu
Portugal,
gal, Lisboa e a Cor te nos reinados de D. Pedro II e D. Joã o V. Mem órias históri
cas de Tristão
Tristão da Cunha de Ataíde, I o conde de Povolide, introd. de António Vascon
celos de Saldanha e Carmen M. Radulet, Lisboa, Chaves Ferreira Publicações, s.d.
36. Roquinaldo Ferr
Ferreira,
eira, “Dinâmica do comércio intracolonial: geribitas, panos asiáti
cos e guerra no tráfico angolano de escravos (século
(século XV III)”, em Fragoso, Bicalho e
Gouvêa (orgs.), O Anti go R eg im e no s tr óp ico s, o p. ci t.; Ferreira, Transforming Atlantic
s lavi
lavin
n g: t r ade , war far e an d t e r r it or ial
ial c on t ol in An gola. 1650 - 1800, Califórnia,
University of Califórnia, 2003.
37. I de m , 2003, p. 24-5.
Os “manifestos de Portugal”
38. Rau, op. cit., p. 15. Reflexões acerca de um Estado moderno
39. Portu
Portugal,
gal, Lisboa e a C orte nos reinados de D. Pedro II e D. Joã o V..., op. cit.
40. Marilia Nogueira
Nogueira dos Santos, “Parentes-clientes
“Parentes-clientes ou somente parente? Notas para Rodrigo Bentes
Bentes Monteiro*
uma reflexão sobre parentesco e redes clientelares no Atlântico sul português, sécu Jorge Miranda Leite**
los XVII e XVIII”, An ais d o I Co ng res so de ge ne al og ia d o Rio d e J an ei ro , Rio de
Jan eir o, Colé gio Bras ileir o de Gen eal ogia , 20 06 .
41. Rau, op. cit.
42. José Roberto do Amaral Lapa, A Ba hia e a car rei ra d a ín di a, São Paulo, Hucitec,
2000; Sanjay Subrahmanyam, O império asiático português, 1500-1700. Uma his
tória política e económica, Lisboa, Difel, 1995.
43. Rau, op. cit.
44. BNRJ, Seção de Manuscritos, 11-30,
11-30, 29, 007 n. 008 .
Nogueira dos Santos, D e s t e s e u s e rvidor
45. Marilia Nogueira rvidor le al e d e dic ado, 2004, op. cit.
46. Roquinaldo Ferreira, Transforming Atlantic slaving, 2 0 0 3 , op. cit.
47. A. J. R. Russell-Wood, U m m u n do e m m ovim e n t o, Lisboa, Difel, 1999.
48. Caixa 13, documento 59 , Documentos Avul
Avulsos
sos — Angola (I a seção), Arqui
Arquivo
vo His
tórico Ultramarino. Ver também Rau, op. cit., p. 15-6.
49 . Carta régia
régia de de 16 88, em D oc u m e n t os H is t ór ic os,
de 2 de abril de os, Rio de Janeiro, Biblio
teca Nacional, Typ. Baptista de Souza, 1945, v. 68 , p. 184.
50 . As homenagens diziam respeito às cerimónias de p le it o e mé na ge que marcavam a
tomada de posse de vários cargos governativos, ocasiões em que os oficiais juravam
fidelidade e vassalagem à pessoa real especificamente para a ocupação do cargo em
questão. Para um estudo sobre o assunto, ver Francisco C. Cosentino, “O ofício e as
‘ Professor de História Mod erna da Un Universidade
iversidade Federal Fluminense.
cerimónias de nomeação e posse para o governo-geral do Estado do Brasil (séculos “ Graduando em História da Univers
Universidade
idade Fede
Federal
ral Fluminense e bolsista de inic iniciação
iação cientí
XVI e XVII)”, em Bicalho e Ferlini (orgs.), op. cit., p. 137-55. fica (CNPq) vinculado à pesquisa R e c o r t es
es d e M e m ó r i a : a c o l e ç ã o B a r b o s a M a c h a d o e n t re
re
Portugal e o B rasil, parcialmente patrocinada pela Biblioteca Nacional, sob a coordenação de
51. Gouvêa e t al., Redes de poder e conhecimento... , 2004, op. cit.-, e André Rodrigo Bentes Monteiro e Pedro Cardim. Esta investigação conta com o trabalho dos pesqui
Cusaco...”, 2005 , op. cit.
Cusaco...”, sadores David Felismino e Ana Paula Caldeira, e dos estagiários Pedro Fonseca de Araújo,
52. Mauro, op. cit., p. 168. Gustavo Kelly de Almeida e Jerônimo Duque Estrada de Barros.
1 i o
Anónimo, sécu
século
lo XV II
Em meados
meados do século XVI II, o abade português Diogo Barbosa Machado
(1682 -177 2) tinha hábito de colecionar vár vários
ios tipos
tipos de documen
documentos
tos
impresso
impressos:
s: estampas de retratos, mapas e princip almente p equena; obras
escritas, que aqui vamos chamar “folhetos”. Estes folhetos faziarr. parte
dos meios de divulgação dos mais diversos acontecimentos naquele mun-
do após a invenção da imprensa em 1450: nascimentos, casamentos e nos sugere a perspectiva de buscar o significado da expressão escolhida
mortes de reis e príncipes, relatos de batalhas, elogios a nobres e clérigos, para esses três volumes no exame dos conteúdos dos próprios folhetos.-
tratados e reuniões políticas, sermões. Os folhetos — ou opúsculos — Sob o título de “Manifestos de Portugal”, os documentos foram dis
normalmente eram
e ram produzidos em rápidas e pequenas tiragens para agilizar postos em ordem cronológica pelo abade de Sever: no primeiro volume,
sua difusão, dinamizando assim a comunicação escrita nas sociedades da de 1580 a 1642; no segundo, de 1642 a 1646; e por último de 1647 a
época moderna.' A coleção montada pelo nosso abade de Sever abrangia 1727. Mas vamos procurar apresentá-los agora em alguns blocos temáticos.
muitos folhetos relativos a Portugal e a seu império ultramarino, do sécu É importante observar que estes blocos não sã o monolíticos , uma
uma vez qque
ue
lo XVI ao XVIII. Já no final de sua vida, Barbosa Machado ofereceu sua alguns
algu ns assuntos se interpenetram e aparecem também aleatoriame
aleatoriamente.
nte. De
livraria para recompor a Real Biblioteca de D. José I (1750-77), perdida fato, as balizas do primeiro volume indicam um momento muito impor
no grande terremoto de Lisboa em 1755. Em 1808, como sabemos, a vin tante da história portuguesa, caracterizado pela união das coro
coroas
as ibéricas.
da da
da corte para o Brasil foi acompanhada desta biblioteca, e nela a cole Os folhetos são escritos em português, espanhol, francês e latim, com
ção Barbosa Machado, composta por mais de 3 mil folhetos. Esses predomínio do português.
documentos hoje fazem parte do acervo da Biblioteca Nacional do Brasil.
Brasil. O primeiro tema que se destaca no tomo I é a sucessão do trono luso em
A proposta deste capítulo é trabalhar um pequeno extrato desse grande 158 0, co m uma carta dos governadores de Portugal após a morte do cardeal-
cardeal-
conjunto de fontes, relacion ando-o à bibliografia produzida so
sobre
bre o tema rei D. Henrique (1 578 -80 ), tio do desapar
desaparecido
ecido D. Sebas
Sebastião
tião (1554-78 ). Tra
dos Estados modernos, seja na sua vertente historiográfica e acadêmica, ta-se de um folheto com tom favorável à candidatura do rei de Espanha Felipe
seja no campo da produção didática. Pois Barbosa Machado não apenas II em Portugal; nesse folheto, D. Antônio, prior do Crato, bastardo de um
reuniu, mas também classificou todos esses folhetos por temas, encader filho do antigo rei D. Manuel I (1495-1521), figura como principal antago
nando-os em 145 grossos volumes depositados na seção de obras raras. nista, apresentado de forma pejorativa. Mas, no mesmo tomo, logo a seg seguir,
uir,
Estamos interessados nos três volumes que foram agrupados com o encontram-se quatro folhetos que defendem a legitimidade de D. Antônio,
sugestivo título de “Manifestos de Portugal”. Esses livros contêm 67 fo sendo três de sua própria autoria, combatendo as pretensões de Felipe II. Esses
folhetos destinam-se, aparentemente, a explicar a causa de D. Antônio aos
lhetos
sos comdeotamanhos di
diverso
versos,
que teria feito s, publicado
publicados
Barbosa s entre
Machad 1 580 eesse
o nomear 1 727 . Ficamos
grupo curio
de folhetos outros reinos, e angariar apoio para a luta armada.3
dessa forma, diferente de outras classificações mais fáceis, como, por exem O segundo assunto abo rdado é a Res tauração portuguesa inicia
iniciada
da em
plo, em relação aos sermões ou às reuniões de autos de cortes, para citar 164 0, qu ando se destaca o papel de alg
alguns
uns nobres nesse processo ddee inde
apenas alguns casos de outros volumes da coleção. pendência. O principal argumento é a quebra, por parte de Castela, do
No conhecido Vocabulário Portuguez e Latino..., do padre Rafael acordo feito em Tomar, no momento em que Felipe II se tornou Felipe 1
Bluteau, contemporâneo de Diogo Barbosa Machado, não há nenhuma de Portugal (1580-98). Um grupo de nobres em especial desponta como
menção ao termo. Mas, nos dicionários atuais da língua portuguesa, m a- protagonista desse processo, ofuscando o papel do rei, enquanto a plebe
nifestar significa tornar algo púb lico, um programa político ou de idéi idéias.
as. seguia ordeira e concordante. Nesses documentos são descritas as ações
Por sua vez, manifesto é associado a uma declaração política e solene, imediatas à deflagração do conflito em Io de dezembro de 1640: distri
tornada pública por um governo, grupo, partido ou indivíduo, para di buição de cargos entre participantes do levante, notícias do ocorrido no
vulgar uma posição escrita, empregada no meio diplomático nas relações reino e no ultramar e providências para a proteção das fronteiras no con
entre Estados. No entanto, a ausência do termo no dicionário setecentista fronto com Castela.
1 1 5
1 1 4
Nesse conjunto, estão presentes alguns principais argumentos levan nando-se o título dos Reis Católicos , e enumerando várias heresias que
tados para justificar a aclamação de D. João IV (1640-56): a melhor li estes teriam cometido em sua história.
nhagem de sua avó Catarina de Bragança, a usurpação de Felipe II e a tirania O grande
grande tema d
do
o terceiro tomo — entre 164 7 e 17 27 — é o atentado
do governo de Felipe IV, III de Portugal (1621-40). Os folhetos mostram contra D. Joã o IV em 164 7, na procissão de Corpus Christi,
Christi, crime atribuído
também um esforço diplomático para o reconhecimento da independên a Felipe IV de Espanha. Nesses textos, afirma-se que o rei português foi
cia de Portugal por parte das potências estrangeiras. Fala-se ainda de um salvo pela intervenção divina. O clima criado servia para conclamar os
amor inato entre o monarca português e seus súditos, interrompido pela “portugueses” à unidade, pois uma das principais acusações contra o rei
dominação filipina, e agora restituído. Entretanto, nesse tomo figura tam castelhano era o seu desrespeito à religião. Alguns autores apontam tam
bém um folheto castelhano, afirmando que Portugal era originalmente um bém o desespero espanhol ante a resistência portuguesa, que já durava
feudo de Castela. Diante desse acalorado debate de impressos, Barbosa sete
sete anos. Respeitan
Respeitandodo a cro nologia dos acontecimentos, o colecionad or
Machado colocou em seguida um folheto português, respondendo siste pôs novamente em evidência o assunto do reconhecimento da Restaura
maticamente às idéias do anterior. O último documento do tomo refere- ção pela Santa Sé, revigorado em fu nção das expectativas criada
criadass pela posse
se a uma carta do Marquês de Montalvão, vice-rei do Brasil, ao conde do novo papa, Alexandre VII.S
Maurício de Nassau dando-lhe notícia da Restauração portuguesa. Mas nem todos os opúsculos selecionados pelo abade tratavam de prín
Como vimos, o segundo tomo apresenta 25 folhetos entre 1642 e 1646. cipes ou papas. Um folheto em especial reproduz a carta do nobre Estevão
Nesses poucos anos, destaca-se um tema também inserido no contexto da de Meneses, levado pequeno por seus pais para Castela na ocasião da Res
Restauração, sobre os manifestos em repúdio à prisão de D. Duarte, ir tauração portuguesa, mas que, ao tornar-se adulto, decide viver em Portu
mão mais novo de D. João IV. Esse príncipe se encontrava em batalhas no gal, reconhecendo a legitimidade de D. João IV e da casa de Bragança.
J
Sacro Império, durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-38), quando es t Situados já no período final da guerra com Castela, dois folhetos fazem
tourou a Restauração em Portugal. Ficou preso então, sob domínio da casa um balanço do conflito de 1663-64, sublinhando as vitórias e conquistas
de Habsburgo, até sua morte em 1649. Há um enaltecimento das virtudes da nova
nova dinastia, sugerindo um clima de concór dia, austeridade e firmeza.
do infante e críticas em relação ao rei da Hungria, ao imperador e à “ven Os “Manifestos de Portugal” compilados por Barbosa Machado ainda
da” deste príncipe para Castela. Os folhetos atenuam a responsabilidade abrangem a Guerra de Sucessão da Espanha (1701-1713), quando dois
dos alemães, acentuando a culpa dos castelhanos.4 autores anónimos retratam o cenário europeu e as alianças possíveis para
Além de D. Duarte, outro assunto ocupa as páginas de muitos folhe Portugal. No entanto, os dois últimos folhetos deste tomo referem-se a
tos do tomo II: a questão do reconhecimento da legitimidade de D. João I uma polêmica entre Portugal e a Companhia das índias Ocidentais sobre
IV e da independência portuguesa pela Santa Sé com base em vários argu ■ os direitos de navegação na costa da Guiné.
mento s— geneal ogia, costumes portugueses, providência divi
divina.
na. Os por
tugueses alegavam, ainda, a crise pela falta de nomeação de clérigos e
oficiais da Igreja no reino e no além-mar. O reconhecimento da Restaura A FORÇA DA TRADIÇÃO
ção pelo papado preocupava não apenas os portugueses, mas também os
castelhanos, que se esforçavam ao máximo para evitá-lo, pressionando o Muito tempo depois da montagem da coleção pelo abade de Sever, o tema
papa e atentando contra a vida dos enviados portugueses a Roma. Em do Estado moderno tornou-se importante para a definição de uma histó
alguns folhetos, encontram-se críticas bastante ácidas a Castela, questio- ria política. Afirmava-se desde o século XIX a noção de Estado associada
1 1 6 1 1 7
CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PAS SADO O ANTIG O REGIME E A COL ONI ZAÇÃ O EM QUESTÃO
sensos foram revistos, como, por exemplo, acerca da indistinção entre de união
união das Coro as ibéricas e da Restau ração nem sempre apresenta uma
público e privado, e da relativa mobilidade social. Mas o caso francês, oposição nítida entre Portugal e Espanha. Ante o vazio de poder instaura
devido à singularidade do processo político ali vivido (monarquia absolu do em 1580, há posicionamentos diversos relativos às regras de sucessão,
ta, Revolução) e também à profusão de estudos existentes, acabou se tor que podiam legitimar D. Antônio ou Felipe II de Habsburgo. A candida
nando paradigmático na construção de um modelo de compreensão: um tura de D. Antônio parecia ser muito importante no jogo político das
Estado racional, burocrático, nacional, secular, e com uma sociedade potências estrangeiras. Já no contexto da Restauração, o abade de Sever
estamental. Esse padrão foi adaptado, pela semelhança ou pela diferença, incluiu panfletos pró-Portugal, e também pró-Castela. Em alguns casos, o
às outras monarquias e repúblicas européias no Antigo Regime.7 debate de idéias estava presente num só folheto. A incerteza da situação
No caso português, a historiografia produzida após as revoluções li expressava-se também na América portuguesa, quando o marquês de
berais do século XIX tendeu a projetar a imagem de um Estado forte e Montalvão participava ao holandês Maurício de Nassau seu apoio ao rei
centralizador para o passado do Antigo Regime. Escrevia-se assim uma Bragança. Ironicamente, o próprio vice-rei do Brasil seria preso tempos
história de Portugal marcada por grandes momentos: o Milagre de depois sob acusação de conspirar em favor de Caste la. Em meio ao I o de
1 1 8 1 1 9
CULTURA POLlTIC A E LEITURAS DO PASS ADO O ANTIGO REG IME E A COLON IZAÇÃO EM QU ESTÃO
dezembro de 1640, destaca-se o senso de oportunidade do grupo dos guesa pela Santa Sé. Essa questão parecia ser decisiva para portugueses e
aclamadores, nobres de segunda linha que passaram a ocupar os primei espanhóis, naquele cenário político do século XVII. O papa era conside
ros postos no novo governo. Nesse sentido, o poder de decisão do rei rad
rado
o um importante árbitro para conferir legitimidade
legitimidade e sacralidade
sacralidade aos
encontrava-se um tanto ofuscado, certamente também pelo contrato es reis. No entanto, ele também estava sujeito aos interesses das potências
tabelecido entre o soberano e a sociedade, com vistas ao bom governo e à européias. Como sabemos, Roma só reconheceu Portugal em 1669, um
preservação dos privilégios, evitando-se a tirania do último reinado de ano após a Espanha.
Felipe IV de Habsburgo. A fluidez e a oscilação de posições seriam evi Enfim, os documentos reunidos
reunidos por Diogo Barbosa M achado aludem
dentes ainda no interessante folheto que descreve a história do jovem nobre a um outro tempo: no início do século XVIII, a guerra pelo trono espa
Estevão de
de Menezes, nascido português, criado na Espanha por opção dos nhol também
também expressava interesses relativos às conquistas ultramarinas.
pais, mas que desejou retornar e viver na terra natal por reconhecer a le Nesse âmbito,
âmbito, era evidente a fragilidade de Portugal nas relações européias,
gitimidade
gitim idade de D. João IV
IV.. Por vezes a propaganda restauracionista se valia o que influenciava e limitava suas aspirações comerciais. Os últimos fo
de exemplos bastante pessoais, quase rom anceados.10 lhetos tratam dessas expectativas possíveis nos embates com a Holanda
Como vimos, uma das primeiras reações contra a dinastia Bragança por uma rota comercial.
que assumiu o poder régio em Portugal foi a prisão e a morte de D. Duarte, Portanto, os vários assuntos aqui destacados indicam a conjugação entr e
possíveis
possív eis pela al
aliança
iança entre o imperador e o rei da Espanha. M as é preciso os aspectos político e religioso naquele mundo tão diferente do nosso, seja
lembrar que, em 1640, esse príncipe português, irmão mais novo de D. pela inexistência de uma suposta razão de Estado em oposição à moral
Joã o IV, enco ntrav a-se a serviç o militar dos intere sses de Caste la, o que cristã,, ou pela d
cristã dependência
ependência da monarquia em relação ao pa pado." A pro
denota a inexistência de um plano articulado de longa data para pôr fim moção dos aclamadores no movimento de 1640 também se relaciona à
ao jugo espanhol. No entanto, preso e morto, D. Duarte tornou-se mártir relativa mobilidade social numa sociedade de Antigo Regime, desfazendo
causa restauracionista, imitando o destino de seus antepassados: o in-
da causa fronteiras entre o estamental e o individual, o governo da coisa pública e
fan te san to D. Fernando, filho de D. João I (1385-1433), morto em Tânger os interesses particulares, os ideais e os anseios de ascensão. Nesse senti
no século
século XV, e D. Sebas tião, em Alcácer Quibir no século XV I. Os nume do, o exemplo particular de D. Duarte, além de relativizar os interesses
rosos folhetos relativos a esse caso entre os “Manifestos de Portugal” in antagónicos de Portugal e Castela, expressa a construção histórica dos
dicam a construção da tirania castelhana por episódios capazes de despertar mitos como propulsores de uma pretensa identidade nacional. O elogio
a comoção popular, e também o seu uso como argumento pela diploma de suas virtudes, acompanhado da crítica à perfídia dos Habsburgo, e a
cia portuguesa, empenhada no reconhecimento dessa independência. aura mística que revestiu o infante mais uma vez associavam a política à
Para Portugal,
Portugal, os monarcas Habsburgo foram injustos com o cativeiro religião. A fragilidade desse Estado e de seu império também é evidente
de D.
D. Duarte. Era uma questão de ordem moral, contra os princípios cris nos episódios das autoridades vacilantes, e nas limitadas perspectivas co
tãos. A tentativa de assassinato de D. João IV em 1647 também foi objeto merciais. Um mundo de muitas trajetórias entrecruzadas, relacionadas a
de muitos folhetos que julgavam as ações políticas de Castela sob o pris um contexto mais amplo. No século XVIII, o abade Barbosa Machado,
imbuído de uma perspectiva mais enciclopédica, reuniu todos esses docu
ma dessa
dessa lógi
lógica,
ca, fortalecid a porque o fracassado regicídio o correu n o dia
da procissão de Corpus Christi, o que afrontava os valores da religião. mentos, classificando-os
mentos, classificando-os em sua coleção com o “Man ifestos de Portugal”.
Tudo parece confluir para a importância do grande número de documen Com efeito, os temas levantados são desenvolvidos por uma nova
tos — vinte folhetos
folhetos — sobre o reco nhecimento da independência portu- historiografia
historiografia preocupada em entender as relações de poder nas socieda-
1 2 1
1 2 o
1 2 2
1 2 3
evidencia
ali, hoje e modos
ontem. de relaçãoa com
Portanto, o tempo:
hipótese formasdede
do regime experiência,atua
historicidade aquiso
e Regime,
Regim
ce e, porexpansionista,
e forte, oposição ou analogia. No Nada
absolutista. caso português,
diferente um Estado
do que preco
figura na
bre vários tempos, instaurando um vaivém entre presente e passado, ou produçãoo didática brasileira, amarrada a esses model
produçã modelosos teóricos de inter
melhor, passados, eventualmente distantes no tempo e no espaço.15 pretação, configurando uma mesma cultura histórica.18
Desse modo, para a sociedade portuguesa diretamente relacionada ao Nas últimas décadas, presenciamos uma revisão dessa perspectiva. No
tempo de escrita e publicação dos folhetos analisados, a história tendia a contexto da União Européia, da crise dos poderes centralizados e da globa
ser um repertório de exemplos valorosos que deviam ser imitados: a cau lização, novas pesquisas procuram desconsiderar os temas do “nacional”
sa justa dos restauradores, o heroísmo de D. Duarte, as virtudes cristãs e do Estado, aludindo à pluralidade de poderes, aos vínculos entre políti
dos reis lusos. Esse campo de elogios se contrapunha aos vícios dos vi ca e religião, à mobilidade social, à confusão entre cargos públicos e redes
lões, mormente os castelhanos: tirania dos Habsburgo, crueldade e des de interesses
interesses.. No â mbito mais cultural, as micro-histórias são considera
respeito ao estatuto nobiliárquico, afronta à religião. Por meio dessa das
das em contex tos mais abrangentes. Esses aspectos visam
visam a caracterizar a
oposição, as histórias
histórias dos portugueses em conflito — nas guerras euro- alteridade da cultura política na época moderna. No entanto, não obstante
péias ou no império ultramarino
ultramarin o — podiam inspirar os leitores
leit ores das pe os méritos e as qualidades dessas investigações, também é possível contex-
quenas obras em suas ações. A história como mestra da vida.16 tualizar essa nova historiografia política. À maneira da anterior vista como
Como vimos, os folhetos foram compilados e arrumados pelo abade tradicional,l, ela também entende o passado pelo se
tradiciona seuu presente, sintonizada
de Sever. De acordo com a cultura mais enciclopédica de meados do sécu com o que Hartog denominou p re se n ti sm o — fenômeno característico dos
lo XVIII, Barbosa Machado não se esquivou de várias polêmicas ao reu tempos mais contemporâneos, vinculado à valorização dos patrimónios
nir folhetos divergentes, agrupando-os em sequência para melhor explicitar histórico e ecológico, bem como à desilusão em relação ao futuro. Ao
a diferença.
diferença. Destaca-se o período da Restauração como emblemático para
para valorizar
valorizar a documentação primária em detrimento dos sistemas interpre-
esses
ção ao“Manifestos
estrangeiro,defosse
Portugal”, que posicionavam
ele o inimigo o reino
espanhol, um aliadoluso
ou em rela
o papa. tativos, nosso texto
Contudo, situa-se
ante essas nessa perspectiva
diferentes de compreensão
culturas históricas, da história.19
hiscapítulo
que neste tória.19
Essas relações construíam a identidade de Portugal. Em nossa percepção, significam diferentes modos de se relacionar com o passado, não desmere-
1 2 4 1 2 5
C U L T U R A PO L l T I C A E L E I T U R A S D O PAS S AD O
O tM QVtSTra
çamos nenhum tempo ou olhar, nem mesmo aqueles associados às aborda Notas
gens mais tradicionais. Todas essas produções — panfletárias, de colecio
nadores ilustrados, acadêmicas ou didáticas — são, em nossa perspectiva, 1. Fernando Bouza Alvarez, Alvarez, Del escribano a la bib lioteca. La civilización
civilización escrita europea
associadas a vários regimes de historicidade. Portanto, sã
sãoo significativas para en la alta e da J m odern a (siglos X XV-
V-XV
XVII ), Madri, Síntesis, 1997.
II),
a construção de diversas histórias do Estado moderno e, dentro desse con 2. Raphael Bluteau, Vocabulário portuguez e latino..., Coimbra, Colégio das Artes da
junto mais amplo, do caso português. Pois todas elas são, cada
ca da uma em seu Companhia de Jesus, 171 2; Rio de Janeiro, Uerj, 200 0, C D-RO M; Aurélio Aurélio Bua Buarque
rque
de Hollanda, N o v o d i ci o ná ri o d a l í ng
ng ua p o rtug uesa , Rio de Janeiro, Nova Frontei
tempo, “Manifestos de Portugal”.
ra, 1986, p. 1 OS 1; Antônio Houaiss et ai , Dic ionário Houaiss da língua língua portuguesa,
É o momento então de voltarmos a explorar a expressão que nos Rio de Janeiro, Objetiva, 2004, p. 1837.
provocou inquietação ao início deste artigo. Entre os documentos reu 3. Para essaessass referências, Diogo Barbosa Machado (org.), M an ife sto s de P ort ug al 158 0-
nidos pelo abade
abade de Sever en contram-se títu los de sumários, explana 1 6 4 2 , Lisboa, s.n.t., 1. 1. Im Impossível
possível citar os documentos separadamente.
ções, justificativas, demonstrações, relações, cartas, panegíricos, apologias, 4. I d e m , 1642-1646, Lisboa, s.n.t., t. II.
5. Id em , 1647-1727, Lisboa, s.n.t., t. III.
orações, avisos exortató
tivas, narrações rios, discursos,
e declarações, segundo proclamações, suplicas,
gêneros literários invec-
e estilos vi
6 . A título
título de exemplo, Jacob Burckhardtt,
Burckhardtt, A cultu ra d o R ena sci me nto na Itá lia. Um ens aio,
São Paulo,
Paulo, Companhia das das Letras,
Letras, 1991, p. 2 1-1 07 [Ia ed. 1860 ]; Max Weber,Weber, Eco
gentes. Mas todos foram compreendidos por Barbosa Machado como no m i a y so ci ed a d , México, Fondo de Cultura Económica, 2002 [Iaed. 1922]. Para
representantes das relações de Portugal com o estrangeiro, fosse ele o uma definição sistemática do Estado moderno, Norberto Bobbio et al., Dicionário de
rei da Espanha, o papa, os holandeses, ingleses, franceses ou o impera po lít ica , Brasília/São Paulo, Ed. UnB/Imprensa Oficial do Estado, 2000, p. 425-31.
dor Habsburgo.20 7. Sobre a escola dos An nal es, Peter Burke, A E sc ol a do sA nn al es 19 29 -19 89. A r evo lu
Desse modo, a acepção encontrada nos dicionários contemporâneos, ção francesa da historiografia, São Paulo, Ed. Unesp, 1992. Para um balanço histo-
riográfico sobre o absolutismo, Fanny Cosandey e Robert Descimon, UAbsolutisme
referente à vida
vida política e à diplomacia entre Estados pode adquirir nessa
historiographie, Paris, Seuil, 2002. Sobre a cronologia do Esta
en France. Histoire et historiographie,
interpretação um sentido mais profundo. Pois manifestar significa relacio do moderno: Jean-Frédéric Schaub, “Le temps et 1’Etat: vers un nouveau régime
nar-se com o outro, a fim de se construir a própria identidade — dimen historiographique de 1’Ancien Régime Français”, Quade rni Fiorentini. Pe Perr la storia del
são particularmente forte na conjuntura da Restauração. pe ns ier o gi ur idi co m od er no , Milão, Dott. A. Giuffrè, 1996, n. 25, p. 125-81.
Neste passei
passeioo pelo tempo , vislumbramo
vislumbramoss diversos outros que lidaram 8. Crença surgida em Portugal após o desaparecime nto de D. Sebastião na batalha da Alcá Alcá
com as histórias de Portugal: autores do Antigo Regime em diferentes cer Quibir em 157 8. Desde fins do século XVI o sebastianismo
sebastianismo assoc
associou-
iou-se
se à fé na volta
séculos,
século s, o colecionador setecentista,
setecentista, historiad
historiadores
ores do
doss séculos XIX , X X e de um rei salvador que viria resgatar Portugal dos castelhanos. O fortalecimento da crença
sebástica nos meios letrados e populares teve papel importante na Restauração da inde
XXI. Portanto, em nosso breve estudo, altamente beneficiado por uma
pendênciaa portuguesa em 1640 . O historiador oitocentista Oliveira
pendênci Oliveira Martins
Martins foi um dos
visão posterior e por isso mesmo mais abrangente desse processo, procu poucos a considerar o fenômeno cultural de forma positiva, manifestação do “gênio
ramos nos conceber como mais um outro, estrangeiro, que pode ler e in natural íntimo da raça”. Já António Sérgio foi seu crítico mais feroz. Jacqueline Hermann
terpretar diferentes histórias de Portugal, desde o século XVI até o nosso trata da longevidade do mito, e descarta sua redução a uma crendice irracional de igno
próprio tempo, desde Portugal até o Brasil. rantes, ou uma seita de fanáticos. Jacqueline Hermann, No reino do desejado. A cons
cons
trução do seb astianismo em Portugal,, São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
Portugal
9. Para uma
uma visão abrangente dos trabalhos dos historiadore s portugu
portugueses
eses no período,
entre eles o romântico Oliveira Martins (1845-94) e o representante do Estado Novo
Damião Peres
Peres (18 89- 197 6), Luís
Luís Reis Torgal
Torgal et al ., História da história em Portugal
XIX-XX, Lisboa, Círculo de
sécu los XIX-XX, de Leitores, 199 6.
1 2 7
CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PAS SAD O O ANTIGO REGIME E A COLONIZAÇ ÃO EM QUE STÃO
10. Sobre Estevão de Meneses, senhor da casa de Tarouca, Diogo Barbosa Machado série do ensino médio dos colégios Teresiano e São Bento, no Rio de Janeiro, o em
escreveu sua biografia provavelmente inspirado no documento que integra sua co préstimo dos livros e os come ntários acerca dessas questões.
leção de folhetos. Machado, Bibliotheca lusitana, hiftorica, critica e cbronologica 14. Para um
umaa análise mais detalhada sobre o sistema
sistema do vestibular,
vestibular, Américo Freire, “O
na qual compreben de a noticia dos auctores portuguezes, e das obras que compuzerão ensino de história no Rio de Janeiro sob a ótica da história política”, em Rachel
defde o tempo da promulgaçaõ da Ley da Graça até o tempo prezente..., Lisboa Soihet, Maria Fernanda Baptista Bicalho e Maria de Fátima Silva Gouvêa (orgs.),
Occidental, Officina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1747, t. I, p. 737. Culturas políticas. Ensaios da história cultural, histór
história
ia política e ensino de história,
11. É p reciso observar que analisamos neste artigo uma documen tação de perfil diplo Rio de Janeiro, Mauad, 2005, p. 453-67.
mático e circunstancial,
circunstancial, mais concentrada no século XVH , diferente, portanto, dos 15. François Hartog, Regimes d’historicité. Présentisme et experiences du temps, Paris,
tópicos cotejados por M ônica da Silva Ribeiro neste livro. Seui
Seuil,
l, 2003 .
12. Sobre as relações entre moral religiosa e política, Pedro Cardim, “Religião e or 16. Reinhart Koselleck, Futuro pasado. Para una semântica de los tiempos históricos,
dem social. Em torno dos fundamentos católicos do sistema político do Antigo Barcelona, Paidós, 1993, p. 41-66; idem, historialHistoria, Madri, Trotta, 2004;
Regime”, Revista de história das idéias. O Estad o e a Igreja, Coimbra, Instituto de Hartog, op. cit., p. 53-75.
História e Teoria das Idéias
Idéias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 17. A idé
idéia
ia de brecha do tempo encon tra-se em Hartog, inspirado na filosofi
filosofiaa de Hann ah
2001, v. 22, p. 133-74; e José Pedro Paiva, “As relações entre o Estado e a Igreja Arendt. I de m , p. 77-107; Hannah Arendt, Entre o passado e o futuro, São Paulo,
após a Restauração. A correspondência de D. João IV para o cabido da Sé de Évora”, Perspectiva, 1972, p. 35-6.
ibidem, p.107-31; sobre a mobilidade social, Fernanda Olival, As ordens militares 18. Torgal, História da história em Portugal séc
séculos
ulos XI
XIX-X
X-XX,
X, op. cit.
e o Estado moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789), Lis 19. Hartog, op. cit., p. 113-206.
boa, Estar, 2001; sobre razão de Estado, Luís Reis Torgal, Ideologia política e teo 20. Sobre a diplomacia portuguesa, ver PePedro
dro Cardim,
Cardim, “Embaixadores e representantes
ria do Estado na Restauração, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade de diplomáticos da Coroa portuguesa no século XVII”, Cultura: revista de história e
Coimbra, 1981-1982, 2 v.; sobre o questionamento do centralismo político, Pedro teoria das idéias, Lisboa, Centro de História da Cultura, 2002, v. XV, p. 47-86; e
Cardim, “Centralização política e Estado na recente historiografia sobre o Portu Pedr
Pedroo Cardim, Nun o G. F. Mon teiro e David Felismino, ““A A diplomacia
diplomacia portuguesa
gal do Antigo Regime”, em Nação e defesa, Lisboa, Ministério dos Negócios Es no Antigo Regime. Perfil sociológico e trajectórias”, em Nuno Monteiro, Pedro
trangeiros, 1989, p.131-58; acerca das relações indissociáveis entre indivíduo e Cardim e Mafalda Soares da Cunha (orgs.), Óptima Pars.
Pars. Elites ibero-am ericanas d o
sociedade, Norbert Elias, A sociedade d os indivíduos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Zahar,, An tigo Re gi me , Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais/Instituto de Ciências Sociais
1994; sobre o uso político dos mitos, Cario Ginzburg, Olhos de madeira. Nove da Universidade de Lisboa, 2005, p. 277-337.
reflexões sobre a distância. São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 42-84; sobre
a fragilidade da monarquia Bragança restaurada, Rodrigo Bentes Monteiro, O rei
no espelho. A monarquia
monarquia portugue
portuguesa
sa e a colonização da América 1640-1720, São
Paulo, Hucitec, 2002; e sobre a micro-história, Giovanni Levi , A he ra nç a im ate ria l.
Trajetória
Trajet ória de um exorcista no P iemonte d o século XVII, Rio de Janeiro , Civilização
Civilização
Brasileira, 2000.
13. Foram consultadas as seguintes obras: Luiz Koshiba e Denise Manzi Frayze Pereira,
História do Brasil no contexto d a história ocidental, São Paulo, Atual, 2003, p. 17-
Patríciaa Ramos Braick, História das cavernas ao tercei
159 ; Myriam Becho M ota e Patríci
ro milénio, São Paulo,
Paulo, Moderna, 2002 , p. 167- 247; Flavio de Campos
Campos e Renan
Renan Garcia
Garcia
Miranda, A escrita da história, São Paulo, Escala Educacional, 2005, p. 146-283; e
Gilberto Cotrim, História Global. Brasil e geral,
geral, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 146-
265. Sobre a historiografia acerca do Brasil colonial, ver o artigo de Maria Fernanda
Bicalho neste livro. Agradecemos a Suzana de Souza e Silva, professora da terceira
1 2 8 1 2 9
t
iá
iL
com põem a cul tura pol í tica d e um a certa soci ed ad e os con h ecim en tos , ou
tica
melhor, sua distribuição entre os indivíduos que a integram, relativos às
i n stitui
stitui ções, à práti ca pol í ti
tica,
ca, às f orças pol í ti cas operan tes n um d eterm i
n ad o con texto; as te n d ê n c i as m ai s ou m en os d if
if usas, com o, p or exem pl o,
a i n d i f eren ça, o ci n i sm o, a ri gi
gi d ez, o d og m ati sm o, ou, ao i n vés, o sen ti d o
d e con f i an ça, a ad esão, a tol erân ci a para com as f orças pol í ti
ticas
cas d i versas
da própria etc.; finalmente, as norm as, com o, por exem pl o, o d i rei to- d ever
dos cidadãos a participar da vida política, a obrigação de aceitar as deci
sões d a m ai ori a, a exclusão
exclusão ou n ão d o recurso a f orm as vi ol en tas d e açã o.4
1 3 3
A inquietação dos historiadores acerca da cultura política é recente, sendo primeiros pensadores políticos a utilizar a fórmula “razão de Estado”,
particularmente importante nos campos da história política e da histó também compartilhava essa perspectiva de análise.
ca dessa noção, trabalhada desde, pelo menos, o Quatrocentos, pelos considerarmos assim, está alicerçado em sólidos motivos, já que muitas das
humanistas italianos. Através desse procedimento, poderemos estabelecer suas
suas idéias viriam a constituir a base daquilo que se convencionou chamar
c hamar de
o modo como tal conceito era tratado pelos intelectuai
intelectuaiss do século XVI e, a “razão de
de Estado” — expressão posteriorm
posteriormente
ente definida por Gio
Giovanni
vanni Botero
seguir, analisar a forma como os pensadores do século XVII e princípios do — tanto por pensadores contemporâneos como p por
or aqueles que atuar
atuaram
am nos
XVIII iniciaram um processo de ampliação do mesmo. Nesse sentido, bus séculos seguintes,
seguintes, em vários pontos da Europa moderna.
caremos relacionar a questão da “razão de Estado” com o surgimento de Voltando a O prí nc ipe , Maquiavel destaca que o modo como se vivia
uma nova cultura política na forma de administrar e governar os territórios era muito diferente daquele como se deveria viver, e por isso,
na virada do século XVII para o XVIII. A partir dessa idéia, iremos tratar
do império português nesse período, sendo o domínio na América um pon quem quiser praticar sempre a bondade em tudo o que faz está fadado a
sofrer, entre tantos que não são bons. É necessário, portanto, que o prín
to-chave para se
A respeito daobservar tais
concepção demodificações.
“razão de Estado” proposta por Maquiavel, cipe que deseja manter-se aprenda a agir sem bondade, faculdade que usa
rá ou não, em cada caso, conforme seja necessário.11
transmitia-se, segundo
segundo Quentin Skinner,6 a idéia de que bons fins pod
podiam
iam
ser usados
usados como forma de se justificar maus meios. Guicciardini,7 um dos
dos
i 3 s
1 34
Maquiavell deixa bem claro que o soberano não deve se importar em pra
Maquiave pra
Botero procura distanciar-se do pensamento de Maquiavel, que já não
ticar os vícios que auxiliam na manutenção do Estado, porque, segundo
era muito bem-visto nesse período em decorrência de seu posicionamento
ele, certas qualidades que parecem virtudes levam à ruína, enquanto ou
tras que parecem vícios trazem o aumento da segurança e do bem-estar. a respeito das formas de se conservar um Estado, mas é perceptível a se
melhança de idéias de ambos. Assim como Maquiavel, ele concentra em
Portanto, o príncipe não deve se preocupar com a reputação de cruel, se
discutir a forma de se tratar os súditos e evitar insurreições, a disciplina
o seu propósito for manter o povo leal e unido. Dessa forma, Maquiavel
militar e a essencialidade da defesa. Botero afirma a importância de o
conclui que seria mais seguro para o príncipe ser temido do que amado,
governante se guiar pelos princípios da justiça, mas logo vai para a noção
porque de prudência política, afirmando que, na decisão do príncipe, o interesse
vencerá sempre qualquer outro argu mento .15.15
os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que
Para estudar o pensamento político português, Botero torna-se tão ou
quem se faz temer, pois o amor é mantido por vínculos de gratidão que se
rompem quando deixam de ser necessários, já que os homens são egoís mais importante que Maquiavel, como iremos ver a seguir, já que, segun
1 3 6
1 3 7
CULTURA POLlTICA E LEITUR AS DO PASSA DO O ANTI GO REG IME E A COL ONI ZAÇÃ O EM QUESTÃO
Estado é um domínio firme sobre povos e razão de Estado é o conhecimen Dessa forma, vários pensadores humanistas, que a princípio execravam
to de meios adequados a fundar, conservar e ampliar um domínio deste as idéias de Maquiavel, passaram a moderar sua opinião, e expressar que,
gênero. Na verdade, embora, falando em absoluto, ela abranja as três par
tes supracitadas, parece contudo dizer mais estritamente respeito à conser
ao aceitar a doutrina da razão de Estado, apenas reconheciam a força es
vação do que às outras, e, das outras, mais à amp liação do que à fundação.19
fundação.19
magadora da necessidade bruta. [...] acrescentavam que na verdade não
chegavam a desdenhar as virtudes, já que a própria necessidade poderia,
Apesar de sua importância, a obra de Botero também recebeu diversas quem sabe, ser tida como uma entre elas.23
críticas, ainda durante o século XVII, principalmente por se considerar a
sua definição de “razão de Estado” imprecisa, o que causava vários tipos No século XVII, diversos pensadores continuaram se dedicando a com
de equívocos. Para Meinecke, o trabalho desse pensador poderia ser tra preender
preender a “razão de Estado”, pensando-a por meio de teorias
teorias racionalistas,
duzido da seguinte forma: através das quais a noção se tornaria mais consistente. Entre eles, pode
moss destaca
mo destacarr Tho mas Hobbes, que em 16 40 publicou
publicou a primeira
primeira versão
versão
O seu ed i f í ci o assem el h a- se a um a I g reja jesuí ti ca n asci d a d o espí ri to de Do cidadão, que tratava das relações entre Igreja e Estado.
renascentista e ricamente ordenada, o seu tom é o de um pregador que
Hobbes se preocupa em trabalhar os pontos necessários à manutenção
sabe temperar adequadamente a dignidade, a doçura e a severidade.20
do Estado, tal qual havia feito Maquiavel e, assim como este, tem uma con
cepção bastante pessimista da natureza humana. Para o autor, devia ser
Para os jesuítas, embora se possa admitir
admitir que a manutenção do Estado e a
competência exclusiva dos reis o discernimento entre o bem e o mal. As
segurança do reino sejam valores políticos supremos, continuaria sendo
sim,
sim, os legítimos re is “tornam justas as coisas por ele ordenadas, apenas por
errado utilizar os meios propostos por Maquiavel para alcançá-los. Esse
pensamento destaca que ordená-las,
ordená-las, e injustas aquelas proibidas, apenas por proibi-las”.24
proibi-las”.24 Contudo,
os particulares reivindicavam para si a ciênc ia do bem e do mal, desejando
a doutrina da r agione di s tato é “insana” e ím pia, po is a linha de ação mais
mais igualar-se ao rei, o que, segundo Hobbes, não seria bom para a segurança
prudente a ser seguida, para conservar um Estado, será sempre manter do Estado.
Estado. De ac ordo com esse pensador, toma-se importante entender que
Deus “satisfeito e benévolo” mediante a “observância de Sua lei sagrada” o que era justo ou injusto era de competência do príncipe. Por isso,
e a “obe diência a Seus mandam entos”.2
entos”.211
a opinião desses que ensinam ser pecado dos súditos às ordens do príncipe
De acordo com Skinner, os humanistas do Norte da Europa, mesmo an que considerem injustas
injustas não é apenas equivocada como deve também ser in
tes de conhecerem a concepção de argumentação política de Maquiavel, cluída dentre aquelas coisas que ap resentam-se contrárias à obediência civil.
civil.223
já busc avam elim inar qualqu er poss ibilidade de “co nsid erar legítim o des
conhecer os ditames da justiça na esperança de alcançar um benefício Data de 1651 a mais importante obra de Thomas Hobbes, Leviatã, em
maior”.22C ontudo, já no século XV I, estes mesmos humanistas começa que aprofunda várias questões já enunciadas em Do cidadão. Nesse livro,
ram a se dar conta da dificuldade de se manter o ideal de justiça como a trabalha a origem contratual do Estado e se mostra um grande defensor
única base aceitável da vida política, passando assim a considerar que, na do absolutismo político. Para ele, o grande Leviatã é o Estado, em que a
medida em que a busca da justiça fosse incompatível com a conservação soberania seria uma alma artificial que daria vida e movimento a todo o
da República, poderia ser justificável praticar-se o útil em vez do correto. c°rpo. Assim,
1 3 8 1 3 9
•
•
•
CULTURA POLlTlCA E LEITURAS DO PASSA DO
1 I O ANTIGO REGIME E A COLONIZ AÇÃO EM QUESTÃO
• o poder do representante
represent ante é sempre limitado nos corp
corposos políticos.
políticos . Quem | Contudo, segundo António Manuel Hespanha e Ângela Barreto
estabelece seus limites é o poder soberano. O poder ilimitado é soberania , Xavier, as decisões políticas fundamentais desencadeadas, em Portugal,
•
• absoluta
absoluta.
. Em todos os Estados o soberano é absoluto
os seus súditos.26 absol uto representante de todos no século
século XV II,
1
continuavam a submeter-se muitas vezes a critérios bem distantes da “ra
• Já no século XX , Frie drich Mein ecke, que trabalha
trab alha com
co m os pensadores da zão de Estado” ou “interesses nacionais”, tendo unicamente a ver com
• “razão de Estado”, afirma que a mesma ainda não foi suficientemente questões subordinadas ao desagravo da “honra” de determinada pessoa
estudada, e a percebe como ou família, ou ao interesse demonstrado por certo “amigo” em que fosse
•
tomada uma dada decisão. Inversamente, havia casos de amizades inque-
a máxima do obrar político a lei motora do Estado. A razão de Estado diz bráveis, mesmo quando estavam em causa posições políticas.30
ao político o que tem que fazer, a fim de manter o Estado são e robusto. E
como o Estado é um organismo, cuja força não se mantém plenamente, Até mesmo Meinecke — para quem, de uma forma ou de outra, em todas
•
• mas que é possível desenvolver-se e crescer, a razão de Estado indica tam as partes se governa segundo a razão de Estado” — percebe que esta só
bém os caminhos e as metas deste crescimento.27 poderia ser apreendida em um determinado estado de desenvolvimento
•
histórico, quando o Estado se encontrasse suficientemente forte. A
• Em Portugal, o debate acerca da “razão de Estado” se inaugurara nas pri
aplicabilidade da razão de Estado
Estado”” dependeu
dependeu sempre dodoss meios de po
• meiras décadas do século XVII, época em que a crise financeira, adminis
der que fornecia a situação social, económica e técnica da época.31
trativa e militar forçava a realização de reflexões sobre as matérias de
• Nesse sentido, percebemos então o século XVIII como um momento
governo. Já em 1616 editava-se a Verdad eira razón de Estad o, de autoria
Verdadeira
• de inflexão para o surgimento de uma nova “razão de Estado” como uma
de Fernando Alvia de Castro, vedor geral da Gente de Guerra e Presídios
prática a ser desenvolvida no império português e, por isso, quando nos
• de Portugal. Passava-se a destacar então uma nova problemática política,
referimos ao seu
seu aparecimento,
aparecimento, sobretudo a partir
partir dos anos
anos 1 72 0 e 173 0,
voltada para os os aspectos técnicos e táticos
tático s do exer cíci o do poder.2
poder.288 Essa
• problemática, trabalhada pelo real magistrado e jurisconsulto português estamos tratando do desenvolvimento e da aplicabilidade de um conceito
• há muito enunciado, mas que não tinha espaço na sociedade e na política
Pedro Barbosa Homem, antimaquiavelista radical, em sua obra Discurso
• portuguesa do Seiscentos.
de la jurídica razón d e Es tado, queria apontar
jurídica y verdadeira razón
•
» as regras que tornam um príncipe experimentado ou para manter na sua
pessoa os Estados que possui, ou para as conservar os mesmos Estados na A CORTE DE D. JOÃO V E O SURGIMENTO DE NOVAS
•
forma e grandeza original que têm, ou para com novos aumentos ilustrar, ESTRATÉGIAS DE GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO
• ou acrescentar a antiga massa de que eles se formam.29
• Várias questões colaboraram para o surgimento de novas estratégias de
• Nesse contexto, o período da União Ibérica teve grande importância em governoo e administração
govern administração no reinado de D. Joã o V ( 170 6-5 0), co nsubstan
favor dessas mudanças na forma de se pensar o Estado e uma “razão de ciadas na idéia de uma “razão de Estado”. Entre elas, podemos citar a
•
Estado”. Isso pode ser percebido até mesmo pelo fato de que o maior criação da Academia Real de História,32 em 1720, e a influência dos
# exemplo de O pr ín cip e, de Maquiavel,
Maquiav el, era Fernan do, marido de
de Isabel. ■j “estrangeirados”.
•
1
• 140 S 1 4 1
Isabel Mota33destaca a Academia como uma font e produtora de re dedicar a qualquer tipo de comércio, e para equilibrar as rendas autori
presentações do rei, configurando modos de implantação de um poder zou-se um aumento geral nas tabelas de salários.
central que não era apenas de natureza simbólica. Como bem percebe Nuno Todos esses pontos nos indicam o surgimento de uma nova cultura
Monteiro, “passada a conjuntura imediatamente ulterior à Restauração, política nesse momento, com a Academia Real servindo como indicativo
o pluralismo político e institucional parece diminuir claramente no Por dessas mudanças. Ocorria uma transformação substancial tanto na cultu
tugal barr oco” .34
.34 Nesse sentido, podemos inferir que essas característic as ra quanto nos processos de expansão imperial dos portugueses. Do des
formavam uma nova perspectiva no século XVIII, promovendo mudan cobrimento passava-se,
passava-se, nesse momento, para a preocupação emem consolidar
ças administrativas e governativas no império português. a expansão, através das ciências e das técnicas de fixação no terreno e de
A noção de serviço ao rei com mérito e aplicação era praticada pela colonização. Surgia o período dos engenheiros-mores, criando-se o que
Academia, e estava ligada à necessária “atenção” do rei a essa questão, Jaime Cor tesão 36 chama de uma nova era da cultura expansionista portu
caracterizando a “economia” moral do dom. Esse conceito torna-se fun guesa, correspondente ao tipo social do “matemático”, ou do engenhei
damental para se trabalhar com os poderes informais, as relações sociais e ro-cartógrafo, racionalista e experimental, tão essencial nesse período de
as expressões de serviço, clientela e amizade nesse período. Percebendo- transformações administrativas no império português.
se o par dom e retribuição como uma espiral crescente de benefício, ti Em relação ao “estr angeirados”, Isabel M ota 37destaca que
que os mesmos
nha-se a idéia de que a dívida fundada da relação entre liberalidade e não estavam fora da cultura portuguesa por estar no estrangeiro, mas se
gratidão era infinita. Essa “economia” destaca o caráter devido das retri riam aqueles que emitiriam um juízo crítico do país, apesar de participar
buições régias aos serviços prestados à Coroa, mostrando a existência de dessa cultura criticada. Podemos destacar D. Luís da Cunha como repre
uma obrigatoriedade nos atos dos benefícios reais, que não dependiam sentante notável desse grupo, que explicitou muito bem as mudanças
somente da sua vontade, mas também de uma tradição muito forte do governativas do início do século XVIII. Ele foi estudante da Universidade
costume de retribuição. de Coimbra, realizando o curso universitário de direito com bom apro
A noção de mérito iria nortear mudanças administrativas nas décadas veitamento e qualidade, e por isso foi nomeado desembargador do Porto;
de 1720 e 30, e passava a se sobrepor ao valor e à honra, mesmo entre a depois passou para a Casa de Suplicação, foi desembargador dos Agra
nobreza. Essa questão é referida ainda por Pedro Ca rdim ,3,3Sao
Sao afirm ar que vos, senador palatino e diplomata.
a história da tensão entre “honra” aristocrática e “funcionalidade” foi uma Ao tratar da definição de fronteiras no Brasil, D. Luís mostrava que o
das principais facetas da luta política na segunda metade do século XVII mais importante para Portugal eram as pretensões territoriais na América
e início do XVIII. Essa noção viria a influir fortemente até mesmo na es portuguesa, com a posse e o domínio da colónia do Sacramento e do ter
colha de funcionários régios para o ultramar, bem como em suas formas ritório na margem esquerda do Prata. Defendia ser necessário conceber
governativas no império português. um novo espaço geográfico para o império português, e para tal seria es
governativas no império português.
A preocupação com a funcionalidade se juntam outras questões seme sencial definir o papel a ser desempenhado pelo Brasil. No futuro, o im
lhantes, que apontam para o surgimento e a cristalização de um novo pério português tenderia a transformar-se no império luso-brasileiro. Essa
ambiente administrativo, com o aparecimento da idéia de “corrupção”. A idéia passou a permear constantemente seu pensamento e, em suas Ins-
partirr do ano de 1720 , D. Jo ão V buscou abolir os privilég
parti privilégios
ios comerciais truções política s ,38a im portânci a do Brasil era amplamente
truções amplamente destacada, o
de todos os funcionários régios, desde o posto de vice-rei e governador que nos faz perceber a existência de um “projeto” voltado para a América
até o de capitão e equivalentes. Os funcionários ficaram proibidos de se Portuguesa:
1 4 2 1 4 3
Não só pela crescente importância do Brasil mas também pelas novas e propôs um novo método de cobrar os tributos sobre o ouro: o sistema de
propôs
prementes necessidades que o crescimento desta colónia implicava, em capitação.
capitação. O projeto recebeu parecer do conde de Assuma
Assumar,
r, de integran
relação à mão-de-obra escrava de origem africana, e ao desenvolvimento tes do Conselho
de Pina Ultramarino,
e Proença, dos Minas
que veio para jesuítas,Gerais,
e de Martinho de Mendonça
e trouxe uma cópia do
do comércio com a Europa, a África e a Ásia.39
mesmo para o Estado do Brasil.
Nesse sentido, D. Luís optava por demonstrar as questões como uma evi Martinho de Mendonça era sócio da Academia Real de História, bi
dência da “razão de Estado”, e dessa forma conseguia alcançar seu objeti bliotecário de D. João V e guarda-mor da Torre do Tombo, frequentou a
vo de estabelecer um sistema coerente de medidas para o melhoramento Universidade de Coimbra e viajou pela Europa, onde adquiriu vasta cul
dos interesses de Portugal. Seu projeto de reformas foi considerado uma tura nos mais diversos campos, como no da filosofia, filologia, matemática
referência fundamental para a governação na segunda metade do Sete e história.
história. Homem das Luzes,
Luzes, era também con siderado um “estrangeirado”,
centos, mas podemos inferir que algumas de suas idéias já estavam pre e foi incumbido de ir para a região das Minas Gerais, tornando-se gover
sentes na forma de se compreender e organizar o império português nadorr interino da capitania
nado capitania em 1 736 . Dess
Dessee mod o, recebeu um regimen
durante o reinado
reinado de D. João V, especialmente a partir da década de 17 30, to, ou instrução,40 que indicava a sua forma de ação em relação ao novo
propiciando o surgimento de um novo ambiente administrativo tanto na tributo, ordenando o fechamento das casas de fundição, a não-comuta-
corte quanto no ultramar. ção dos dízimos e a permissão da circulação de ouro em pó. Desde o iní
Sua idéia mais forte e ousada foi justamente a do projeto político de cio do projeto esteve presente a preocupação com “as relações entre o
um império luso-brasileiro, com a transferência da corte para o Rio de método
méto do de arrecadar impostos, o proveito do Estado , a quietude dos po
Janei ro, ficando um vice-rei em Portugal, idéia essa retomada posterior- vos e a obstrução dos descaminhos”,41sendo que esta última questão cons
mente por Rodrigo de Sousa Coutinho, secretário de Estado da Marinha tituía a principal motivação para a alteração na forma de cobrança, uma
e Ultramar,
Ultramar, a partir
partir de 17 96. Dessa forma, podemos perceber o Brasil como vez que o contrabando e a falsificação de ouro aumentaram muito entre
centro vital do império, além de notarmos também a importância espe os anos de 1725 e 1735.
cífica do Rio de Janeiro e da região centro-sul, o que torna ainda mais A descoberta do ouro das Minas foi um dos fatores representativos
claras as mudanças nas estratégias de governação que estavam sendo para se compreender a dinâmica imperial portuguesa a partir da última
implementadas. década do Seiscentos, que constituía e interligava as redes das mais diver
Para compreendermos o surgimento dessas novas estratégias adminis sas regiões do ultramar entre si e com o centro. Contudo, nas primeiras
trativas do império português, especialmente a partir dos anos 1730, de décadas subsequentes aos descobrimentos, a organização político-admi
vemos destacar também o papel de Alexandre de Gusmão, estadista que, nistrativa da região ainda não se encontrava firmemente estabelecida, e o
como D. Luís da Cunha, era considerado um “estrangeirado”. Em 28 de contrabando era um grande problema a ser enfrentado pela Coroa portu
fevereiro de 1732, o nome de Alexandre de Gusmão foi escolhido para guesa.42
membro da Academia Real de História. Além disso, tornou-se secretário Podemoss perceber o despontar de um maior ordenamento nas Minas
Podemo
do rei, passando a despachar com D. João V sobre os negócios do Brasil. somente a partir
novas formas da décadadedetributo
de cobrança 1730, sobre
tendo-se então
o ouro. A oadoção
cuidado
do de criar
sistema
Nesse mesmo
mesmo período — entre 1 732 e 173 3 — , os descaminhos
descaminhos do
ouro e de diamantes na América
Am érica portuguesa agravavam-se cada vez mais
mais,, de capitação em 1735, depois de reflexão cuidadosa e de amplo debate
prejudicando os rendimentos de Portugal. Nessa conjuntura, Gusmão realizado em 1733 bem como a presença de Martinho de Mendonça nas
1 4 s
1 4 4
CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PASS ADO O ANTIG O REG IME E A COLON IZAÇÃO EM QUESTÃO
Minas e a instrução passada a ele são fortes indicativos das mudanças administração da justiça. O cuidado na escolha de governadores
administração governadores era fun
administrativas que estavam em processo. Além da preocupação com a damental,
damental, para não se provocar ód io e evitar, dessa forma, o perigo interno.
cobrança de impostos sobre a produção aurífera, também se estabelece O parecer apresenta ainda soluções para as outras causas de perigos
ram nessa
nessa época — mais precisamente em 13 de maio de 17 36 — modi internos, como a questão da falta de recurso à corte e os tribut
internos, tributos.
os. Em re
ficações e correções no regimento das Minas, criado em 1702.43 lação
lação ao últi
último,
mo, também já enunciado por Giovanni Botero ,4 ,466 o con se
Nesse contexto, não podemos esquecer do tão falado parecer do con lheiro percebe que os povos do Brasil se encontravam excessivamente
selheiro Antônio Rodrigues da da Costa,44
Costa,44 em 17 32, que apres enta de ma
ma tributados, o que causava descontentamento e prejudicava o comércio.
neira singular a conjuntura do momento, e aponta mudanças que deveriam Dessaa forma, ele então alerta que os tributos deviam
Dess deviam ser bem ponderados,
ser realizadas na forma de condução do governo a partir de então. Um de acordo com as suas reais necessidades.
dos documentos mais citados pela historiografia,45
historiografia,45 considerado um ver Nesse sentido, Rodrigues da Costa trabalha com aquilo que denomi
dadeiro testamento político, o parecer destaca os problemas do Estado na “razão d
dee Estado ”:4
”:477 a preocupaç ão de não se ter
do Brasil e os perigos para sua manutenção, mostrando o que devia ser
feito para evitar a perda do território. os vassallos descontentes e vexados, porque a conservação dos Estados
O conse lheiro percebe o problema da conservação do Estado — em consiste principalmente no amor e affeição dos súbditos, e as máximas
decorrência das grandes riquezas e das minas de ouro que se tinham des contrarias a estas, todas são iniquas, abom ináveis e tyrannicas.48
1 4 6 1 4 7
A CULTURA POLÍTICA MODERNA E O ENSINO DA HISTÓRIA: Para embasar esse tipo de análise, consolidada pela historiografia
A FORMAÇÃO DO ESTADO NACIONAL novecentista e reproduzida pelos livros didáticos, ocorreu a apropriação
crónica, como ocorre no livro Viver a h istória, da sexta série, publicado impérios desse
do a cultura período,
política ou que,com
moderna porventura,
um ponto os de
fragmentaram, perceben
inflexão dentro desse
em 2002, que, ao tratar da expansão ultramarina européia, destaca, em
Portugal, um Estado estruturado na Baixa Idade Média e um impulso em processo.
favor da centralização política no século XIV.50
1 4 8 1 4 9
Notas
14. Jose Antonio Maravall, Estado moderno y mentalidadsocial, Madri, Alianza, 1972,
p. 52S.
1. A noção de império surgiu especialmente em Charles Boxer, O império colonial
por tug uês (14 15 -1 82 5) , Lisboa, Edições 70, 1969. 15. Gicvanni Botero, Da razão de Estado, Coimbra, Instituto Nacional de Investigação
Científica, 1992 [Ia ed. 1549],
2. A. J. R. Russell -Wood, Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericór
Russell-Wood, Misericórdia
dia da Bahia, 16. Luís Re is Torgal é professor catedrático da Universidade de Coimbra, coordenador
1550-1775, Brasília, Ed. UnB, 1981; idem, Um mundo em movimento: os portu científico do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade
gue ses na Áfric a, Ásia e A mér ica (14 15- 180 8), Lisboa, Difel, 1998. de Coimbra e desenvolve seus principais trabalhos a partir das últimas décadas do
3. Serge Berstein, “A cultura política”
política”,, em Jean-François Sirinelli e Jean-Pierre Rioux século XX.
(dirs.), Para uma história cultural, Lisboa, Editorial Estampa, 1998, p. 352. 17. Luís Reis Torgal, “Prefácio”, em Giovanni Botero, op. cit., p. IX.
4. Giacom o Sani, “Cultura política”, em Norberto Bobbio, Nicola Matteutti e Gian- 18. Botero, op. cit., p. 16.
Pasquino, Dicionário de política, Brasília, Ed. UnB, 1995.
franco Pasquino, 19. Ibidem, p. 5.
5. O con ceito de Antigo Regime é fundamental para o nosso trabalh o, e se refere a um 20. Meinecke, op. cit., p. 69.
período específico, que se delimita, para fins didáticos, do fim da Idade Média até 21. Skinner, op. cit., p. 44 9. Esse pensamento surgiu com o jesuíta es
espanhol,
panhol, companheiro
a Revolução Francesa. A expressão teria surgido no final do século XVIII, pela idéia de sunro Inácio de Loiola, padre Pedro Ribadeneyra, no século XVI. Ribadeneyra era
dos revolucionários franceses de 1789. Antes de ser um conceito, Antigo Regime defensor de uma “razão de Estado” cristã, considerada por ele como a verdadeira,
indicava aquilo a que os revolucionários se opunham, e rapidamente a expressão segura e certa razão de Estado”, contra a de Maquiavel e dos políticos, políticos, considerada
transcendeu os limites da monarquia francesa, pois aquelas características condena fa ls a, en ga no sa e ince rta. Expôs suas principais idéias no Tratado de la religión y virtudes
das não se encontravam apenas na França. Contudo, o que nos importa destacar são que d ebe tener el príncipe cristiano para governar y conservar sus Es Estados
tados.. Contra lo
algumas características presentes no que entendemos por Antigo Regime, em que que X icolas Maquiavelo y los Polític Políticos
os de este tiempo ensenam, Madri, 1595.
“as leis eram consuetudinárias, os direitos eram consagrados pelo uso. Os poderes, 22. I b ide m , p. 268. Entre os pensadores que compartilham esse ponto de vista, ambos
prerrog ativas e privilégios sobrepunham- se e conflitavam entre si infindavelmente . escrevendo ainda no século XVI, estão o humanista e diplomata Elyot, no Livro
Cf. William Doyle, O Antigo Regime, São Paulo, Ática, 1991, p. 26. Assim, pode c ha m a d o d o m a gis
gistt r ado
ado , e Erasmo — um dos mais célebres humanistas do século
mos perceber a importância de se trabalhar com uma cultura política de Antigo XVI, defensor de uma reforma da Igreja e da sociedade baseada na mensagem cristã
Regime para compreendermos as complexas e singulares relações desencadeadas no —, no Príncipe cristão, em clara contraposição a O pr ínc ipe , de Maquiavel.
seio dessa sociedade. Cf. Maria Fernanda Baptista Bicalho, “Conquista, mercês e 23. I b ide m , p. 273.
poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a cultura política do Antigo 24. Thomas Hobbes, Do cidadão, São Paulo, Martin Claret, 2004, p. 158.
Regime”, Al ma nac k B razi liens e: revista eletrónica, n. 2, IEB/USP, nov. 2005, dispo 25. Ibidem, p. 159.
26. Idem, Leviatã, São Paulo, Martin Claret, 2005, p. 168.
nível em www.almanack.usp.br .
27. Meinecke, op. cit., p. 3.
6 . Quentin Skinner, As fu nd açõ es do pen sam ent o po lít ico mo de rno , São Paulo, Com
28. Antó nio Man uel Hespanh a e Ângela Barreto Xavier, “A
“A rrepresentação
epresentação da sociedade
panhia das Letras, 1996, p. 267.
e do poder , em José Mattoso (dir.), História de P ortuga
ortugal:l: o Antigo Regime (1620-
7. Francesco Guicciardini, Máx ima s e refl exõ es, s.l., s.e., 1530.
1807), v. 4, Lisboa, Editorial Estampa, 1993, p. 133.
8. Nicolau Maquiavel, O prín cipe , São Paulo, Martin Claret, 2002.
29. Pedro Barbosa Homem, Discurso de la jurídica y verdadeira razón de Estado, Coimbra,
9. Ibidem, p. 72.
1626, a pu d Hespanha e Xavier, op. cit., p. 133.
10. Friedrich Meinecke, La idea de la razón de Estado
Estado en la edad moderna, Madri, Centros
30. Ant ónio Ma nuel He spanha e Ângela Barreto Xavier, ““As
As rredes
edes cli
clientelares”,
entelares”, em José
de Estúdios Constitucionales, 1983. Mattoso (dir.), op. cit., p. 386.
11. Maquiavel, op. cit., p. 93.
31. Meinecke, op. cit., p. 27 e 423.
12. Ibidem, p. 99
32. A idéia da criação da Academia Real de História surgiu por intermédio do teatino
13. Ibidem, p. 107.
Manuel Caetano de Sousa, que em suas viagens entrou em contato com a erudição
1 5 0
1 5 1
CULTU RA POLlTICA E LEITURA S DO PASSAD O O ANTI GO REGIME E A COL ONI ZAÇÃ O EM QUESTÃO
francesa e italiana. O teatino já era membro da Academia Portuguesa, formada pelo ouro: a p obreza mineira no século XVIII,
XVIII, Rio de Janeiro, Graal, 1982; Luciano Ra
conde de Ericeira. Caetano de Sousa tinha o intuito de escrever a história eclesiás poso Figueiredo, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa:
tica de Portugal na língua latina. Como frequentava a corte, e tinha acesso ao rei D. Rio de Janeiro, B ahia e Minas Gerais, 16 40-16 71, 3 v., tese de doutorado, FFCLCH/
Jo ão V, ex pôs o pr oje to , que foi ace ito. A part ir desse empr eendim ento foi sendo USP, São Paulo, 1996; Charles Ralph Boxer, A i d ad e d e o ur o d o Bra sil : d or es d e c re s
constituída a Academia Real, incumbida de escrever a história portuguesa, e que cimento de uma sociedade colonial, São Paulo, Nova Fronteira,
Fronteira, 20 00 ; M aria Verónica
Verónica
pretendia reconstruir a memória da monarquia portuguesa. Essa instituição funcio Campos, Gove r n o de m in e iros
iros , 1693- 173 7, tese de doutorado, FFCLCH/USP, São
nava como um indicativo do renascimento científico e literário em Portugal, favo Pau
Paulo, Júnior, op. cit.
lo, 200 2; Oliveira Júnior,
recendo assim a construção de uma nova “razão de Estado” em Portugal. 43. Donald Ramos, “Administração das Minas”, em Mari a Beatriz Nizza da Silva (coor d.),
Ferreira da Mota, A A ca de m ia R ea l da H is tó ri a: os in tele ctu ais , o po de r cu ltu
33. Isabel Ferreira Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil, Lisboa, Verbo, 1994, p. 18.
ral e o poder monárquico no século XVIII, Coimbra, Edições Minerva, 2003, p. 34. 44. Antônio Rodrigues da
da Costa foi presidente do Conselho Ultramarino e membro da
34. Nuno Gonçalo Freitas Mon teiro, “A consolidação
consolidação da di
dinastia
nastia de
de Bragança e o apo Academia Real de História, e quando faleceu foi substituído por Alexandre de
geu do Portugal barroco: centros de poder e trajetórias sociais (1688-1750)”, em Gusmão nas duas instituições.
Jos é Tenga rrinh a (or g.) , História de Portugal, São Paulo, Unesp, 2001, p. 221. 45. Consulta do Conselho Ultramarino a Sua Majestade, no ano de 1732, feita pelo
conselheiro Antônio Rodrigues da Costa. Alguns dos autores que já trabalham com
35. Pedro Cardim, “A Casa Rea l e os órgãos centrais de governo no Portugal da segunda
segunda
metade dos Seiscentos”, T e m po, Dossiê: Política e Administração no Mundo Luso- o parecer são: Fernando A. Novais, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema
Brasileiro, v. 7, n. 13, jul. 2002, p. 57. Colon ial ( 1777- 1808) , São Paulo,
Paulo, Hucitec, 197 9; Evaldo Cabral
Cabral de Mello, A fro nd a
36. Jaime Cortesão, A lex an dr e d e Gu sm ão e o Tra tad o de Ma dri d, Lisboa, Livros Hori dos mazombos: nobres contra mascastes, Pernambuco, 1666-1715, São Paulo, Com
zonte, 1984. panhia das Letras, 1995; Luciano Raposo Figueiredo, op. cit.; Maria Fernanda
37. Isabel Ferreira da Mota, op. cit., p. 349. Baptista Bicalho, A c id ad e e o im pé ri o: o Ri o de Ja ne ir o no séc ul o X VIII, Rio de Ja
38. D. Luís da Cunha, Instruções políticas, Lisboa, Comissão Nacional para as Come neiro, Civilização Brasileira, 2003/Todos estes autores falam de Antônio Rodrigues
morações dos Descobrimentos Portugueses, 2001, p. 137-42. As Instruç
Instruções
ões p olíti da Costa em termos do que antes já havia dito Jaime Cortesão sobre seu parecer, no
cas a que estamos nos referindo foram feitas a pedido de Marco Antônio de Azevedo livro sobre Alexandre de Gusmão. Cf. Jaime Cortesão, A lex an dr e de G us mã o e o
Coutinho ao seu mestre e mentor, D. Luís da Cunha, quando o primeiro foi escolhi Trat
Tratado
ado de Madrid, Lisboa, Livros Horizonte, 1984.
do para secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, e este, receando despreparo, 46. Botero, op. cit., p. 20.
pediu a D. Luís uma instrução com conselhos políticos. As Instruções de D. Luís da 47. Consulta do Conselho Ultramarino a Sua Majestade, no ano de 1732, feita pelo
Cunha nunca chegaram a Marco Antônio, mas mostravam o grande conhecimento conselheiro Antônio Rodrigues da Costa, p. 480.
sobre a economia e as finanças do império português que D. Luís possuía, além de 48. Ibidem, p. 480-1.
apresentar sua preocupação com a defesa dos interesses globais do império, não 49. Gilberto Cotrim, H is ttór
ór ia ge r al n ova c on s c iê n cia:
cia: e r a m ode r n a e m u n do c o n t e m p o
desejando que os interesses da economia brasileira dele se desligassem, visto que a râneo: 8J série, São Paulo, Saraiva, 2001, p. 12.
prosperidade económica do Brasil era essencial para o conjunto imperial. 50. Cláudio Vicentino , Vive
Viverr a história: en sino fund ame ntal: 6a série, São Paulo, Scipione,
2002 , p. 128.
39. I b ide m , p. 144.
40. “Regimento ou instrução que trouxe o governador Martinho de Mendonça de Pi
Pina
na 51. Como referências importantes da nova historiografia, que tratam do tema em ques
e de Proença”, Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, 1898, ano 3, tão, podemos citar: Xavier Gil Pujol, “Centralismo e localismo? Sobre as relações
p. 85-8. políticas e culturais entre capital e territórios nas monarquias européias dos séculos
41 . Paulo Cavalcante O liveira Júnior, “Negó cios de trapaça: caminhos e descami
descaminhos
nhos XVI e XVII”, Penélope: Fazer e Desfazer História, Lisboa, n. 6 , 19 91; Jack P. Greene,
na América portuguesa (1700-1750)”, v. 1, tese de doutorado, FFCLCH/USP, São N e got iat e d au t hor it ie s : e s s ays in c olon ial polit ic al an d c on s t it u c ion al his t or y,
Paulo, 2002, p. 12-3. Charlottesvile, University of Virgínia Press, 1994; Evaldo Cabral de Mello, op. cit.;
dee Mello e Souza, Opulência e
42 . Sobre a história da mineração no Brasil, ver Laura d A. J. R. Russell-Wood,
Russell-Wood, “Centros
“Centros e periferias
periferias no mundo luso-brasileiro:
luso-brasileiro: 1 50 0- 18 08 ”,
miséria das Minas Gerais, São Paulo, Brasiliense, 1981; idem, Desclassificados do Revista Brasileira de História, São Paulo, Anpuh/Humanitas Publicações, 1998, v.
1 5 2 1 5 3
18, n. 36; João Luís Ribeiro, Maria Fernanda Baptista Bicalho e Maria de Fátima
Silva Gouvêa (orgs.), O An tigo Reg ime n os t ró pi co s: a di nâ mi ca im pe ri al p or tug ue sa
(séculos XW-XVIll), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001; Maria Fernanda
Baptista Bicalho, A c id ad e e o im pér io: o Rio de Ja ne ir o no sé cu lo XV III, Rio de Ja
neiro, Civilização Brasileira, 2003. Vale ressaltar que essa historiografia aponta para
uma nova cultura política no século XVIII, a que nos referimos no artigo.
1 S4
Por
Por que pensa
pensarr a história e po r que ensinar história hoje? Como nos ensina
a historiadora norte-americana Natalie Zemon Davis, ainda que a história
não nos ofereça respostas fáceis para nossas questões do presente nem li
ções muito claras sobre a experiência humana, o estudo do passado deve
servir, antes de mais nada, como uma lição de esperança.1Isso porque ele
nos ensina que mudanças podem ocorrer e que as possibilidades na história
são muitas. Mais do que isso, ele nos mostra que, “por mais impositiva que
a sociedade possa ser, há sempre alternativas abertas para as pessoas faze
rem sua história”.2 Podemos voltar ao passad
passadoo e apresentá-lo às gerações
seguintes, como uma forma, portanto, de exercitar essa possibilidade de
pensarmos de modo diferente tanto o próprio passado como o presente.
Gostaria de pensar as questões que serão tratadas neste capítulo a partir
dessas lições de Natalie Davis. E é com esse espírito que desejo apresentar a
discussão acerca da questão da distinção social no império português. Ava
liada pela historiografia como uma sociedade estamental — que de fato o
era — e, portanto, vista como uma sociedade de distinções sociais rígidas
na qual os indivíduos nasciam desiguais e assim permaneciam perante a lei
ao longo de suas vidas, as sociedades do Antigo Regime e suas conquistas
ultramarinas
ultram arinas estavam,
estavam, entretanto, longe de serem estáticas. Neste capítulo
procurarei justamente entender em que medida as distinções sociais nessas
sociedades podiam ser variáveis e flexíveis, tanto pela sua própria natureza
quanto pela
pela ação — isolada ou coletiva — dos indivíduos. Proponho e ntão,
com esse intuito, que observemos o caso das instituições voltadas para o
abrigo e educação de órfãs administradas pelas
pelas Santas Casas de Miser icór
dia do Porto, Rio de Janeiro e Salvador no século XVIII.
* *
No ano de 1796, uma contenda acerca de uma licença de casamento na Interessam-nos, entretanto, outros pontos. Nessa conten-da podemos
Bahia chegou aos tribunais régios de Lisboa.3Como era costume, foi pe ver em ação, de forma muito clara, conhecidos preceitos de distinção so
dido ao ouvidor-geral do civil4 que informasse sobre a questão. D . Paula cial caros às sociedades do Antigo Regime, entre eles distinções de cor,
Ignácia de Oliveira, junto com sua mãe, requeria a Sua Majestade licença “limpeza de sangue” e “de mãos” e prestígio social; além de reivindica
para que pudesse se casar com Manuel Ignácio Lisboa, visto que seu pai, ções de posição social e cálculos em to rno da igual
igualdade
dade de qu
qualidades
alidades entre
Jos é Pin heiro de Queiroz, não queria permitir o enlace. O pai de D. Paula pessoas que pretendiam se casar. Vemos ainda um elemento importante
se dizia contrário ao casamento, alegando diferença de qualidade nas pes que nem sempre é considerado o bastante quando analisamos essas so
soas dos nubentes.5Segundo José de Queiroz, o pretendente à mão de sua ciedades e a forma como constituíam seus mecanismos de distinção e os
filha era “tido e havido” por mulato na ilha do Fayal, seu pai havia servi uso
usoss que faziam dos mesmos — ou seja, o papel da chamada “voz pública”,
do como lacaio ao desembargador Francisco Antônio da Silveira, no Rio ou “voz comum”, na constituição da “fama pública” e, por conseguinte,
de Janeiro, e não tinha bens com que sustentar sua filha. Ele, por sua vez, da distinção social. Se observarmos atentamente a querela apresentada à
aleg
alegava
ava ser bacharel formado, mestre-de-campo6
mestre-de-campo6 condecorado e senhor justiça régia, co nstatarem os q ue esta se desenrolou em meio à utilização
de dois engenhos de cujos bens poderia dotar suas filhas com 50 mil cru dos julgamentos coletivos, expressos por meio da fama e estima públicas
zados cada uma. dos indivíduos
indivíduos e de seus grupos fa miliares, que os tornavam “ridos e havi
O ouvidor, cumprindo as diligências necessárias, reuniu os testemu dos” por alguma coisa ou lhes atribuíam, por exemplo, “nota de mulatice”
nhos relativos à contenda. Segundo sua averiguação, o pretendente Ma ou “nota de ser de nação”, como forma de avaliação das distinções sociais
nuel Ignácio Lisboa havia ficado com “nota de mulato” por intrigas feitas em jogo. Estaremos, portanto, num campo nem sempre explorado do que
no tribunal da relação. Porém, de acordo com os testemunhos recolhidos, se poderia chamar da cultura política do Antigo Regime — ou seja, no
concluiu o ouvidor que a família do dito Manuel jamais tivera qualquer debate acerca do papel da fama pública na constituição dos códigos e re
“nota de mulatice” entre os moradores da ilha do Fayal, que o pai deste ferentes, para utilizar os termos de Jean-François Sirinelli, que marcam os
nunca havia sido lacaio e sim criado grave,' servindo as filhas do dito valores, as normas e as hierarquizações dessa sociedade.9
desembargador no Rio de Janeiro, e que ele, pretendente, jamais havia Acredito que os recolhimentos de órfãs administrados pelas Santas
exercido o fícios mecânicos,8sendo capitã
capitão
o de navio e tendo negocia
negociações
ções Casas de Misericórdia e seu processo de seleção das assistidas sejam um
por meio das quais era plenamente capaz de dar sustento à pretendida espaço privilegiado para observarmos o funcionamento desses mecanis
esposa. mos de articulação da fama pública com a elaboração e a utilização das
O o uvidor esclareceu ainda que, segundo
segundo os testemunhos, José Pinhe
Pinheiro
iro distinções sociais em questão. Ao longo do século XVIII, as irmandades
de Queiroz, o pai querelante, posto que fosse bacharel formado em Coim da Misericórdia administraram, por todo império português, um número
bra, “não usara jamais de suas letras”, e que fora, sim, mestre-de-campo, crescente de instituições voltadas para o abrigo, a educação, a dotação e o
mas sem soldados, e que por esse motivo havia recebido baixa por ordem casamento
casame nto de meninas órfãs, conh ecidos como “recolhimentos de órfãs”.10
de Sua Majestade. Além disso, era sabido que os dois engenhos que pos Nas primeiras décadas do século XVIII, as cidades do Porto, Rio de
suía estavam arruinados e andavam em praça para cobrir suas volumosas Janeiro e Salvador passaram a cont ar com semelhantes instituições. Os
dívidas. Por esses motivos, considerava o ouvidor que não havia desigual recolhimentos de órfãs administrados pelas Misericórdias em várias cida
dade no casamento e a licença devia ser concedida. Infelizmente não sa des do império português pouco tinham a ver com os orfanatos como os
bemos o final da contenda e se a licença foi concedida ou não. entendemos atualmente. Não se tratava de instituições abertas a todos os
1 5 9
1 5 8
indivíduos abaixo da idade adulta que haviam perdido a tutela paterna. recolhidas das barreiras impostas pelos mesmos estatutos.14As regentes
Muito pelo contrário, os recolhimentos deveriam dar abrigo a um públi do recolhimento também estavam
estavam proibidas de admitir novas reclusa
reclusas,
s, pois
co bastante específico de meninas. Não que a sociedade do Antigo Regi esta era considerada uma p rerroga tiva das mesas administradoras.15
administradoras.15
me desconhecesse formas amplas e indistintas de auxílio. As Casas dos Em 1765, D. Francisca Rege, viúva de um alferes, “muito pobre e
Expostos, por exemplo, recebiam indistintamente recém-nascidos e be onerada de três filhos”, com o argumentava na petição que escreveu à mes
mesaa
bés de diferentes procedências, cores e condições. Entretanto, os diversos da Misericórdia da Bahia, pediu uma vaga no recolhimento para sua fi
tipos de auxílio prestados pela irmandade distribuíam-se de forma dife lha, de mesmo nome, então com 16 anos e correndo grande perigo em
renciada
rencia da pelas populações das cidcidades.
ades. Com o demonstra Isabel dos Guima sua honra devido à suma pobreza a que se havia reduzido a fam ília.1
ília.16Ao
6Ao
rães
rães Sá, nos casos em que o auxílio objetivava a reprodução ou manutenção requerer um lugar para a filha, juntou um atestado de um religioso da Sé
dos estatutos sociais e os investimentos caritativos eram mais altos por no qual constava que a candidata era “moça branca, legítima, cristã-ve
indivíduo,, certos crité rios de discriminação eram geralmente aci onad os.11
indivíduo os.11 lha, e vive em companhia de sua mãe no estado de donzela muito hones
Instituições que se utilizavam de critérios discriminatórios para acei tamente
tamen te [...] ”.
tação de seus membros não eram, entretanto, uma exceção, e sim a regra Na petição de D. Francisca Rege encontramos todos os elementos que
nos domínios portugueses, fosse no reino ou no ultramar, durante o An estavam presentes na seleção de meninas assistidas pelas Misericórdias.
tigo Regime.12Das
Regime.12Das câmaras às irmandades leigas (como as Misericór dias), As características exigidas das órfãs comungavam dos mecanismos e cate
passando por corporações de ofício, ordens militares e ordens religiosas, gorias de classificação e distinção que de resto operavam de modo mais
todas essas instituições estabeleciam barreiras para a admissão de seus amplo no Antigo Regime. Estes mecanismos de distinção sofreram um
membros.
membro s. O fator discr iminatório pode ser inclusiv
inclusivee consider ado uma das processo de transformação e consolidação ao longo do tempo e variaram
funções mais
mais importantes desempenhadas por semelhantes institui ções ao de acordo com o contexto no qual as diversas Misericórdias estavam
colaborarem para dar forma ao espaço social e criar “fronteiras sociais”, inseridas, havendo diferenças sensíveis entre aqueles empregados pelas
como denominou Isabel dos Guimarães Sá, numa sociedade estamental irmandades do reino e do ultramar. Mesmo levando-se em consideração
organizada com base em noções de distinção, hierarquia e pri vilégio. 13
organizada tais especificidades, podemos dizer que a distribuição dos dotes, em espe
Quando as Misericórdias em questão
questão — Rio de Janeiro , Salvador e cial, e antes dela a administração de mercearias e do rol de visitadas for
Porto — construíram e abriram seus recolhimentos na primeira metade neceram para as Misericórdias uma primeira experiência do uso de
do século XVIII, já havia, portanto, nos territórios sob jurisdição portu categorias de discriminação no auxílio às mulheres e mais especificamen-
guesa, uma experiência institucionalizada de estabelecimento de barrei te às órfãs e às donzelas.
ras
ras à aceitação de indivíduos.
indivíduos. Delimitar o público que deveria ser assistido Os critérios de seleção tornaram-se aos poucos mais detalhados. Até o
no recolhimento era parte de um processo de estabelecer relevantes fron século XVI, possivelmente sob a influência do moralismo reformador que
teiras sociais. Por isso, tão importante quanto delimitar o grupo dos que marcou esse século, predominou uma fórmula um tanto ampla de classi
podiam ser auxiliados era delimitar aquele que não podia ser aceito na ficação das jovens assistidas, incluindo três requisitos “órfã-pobre-honra-
instituição. Essa prerrogativa discriminatória era tão significativa que os da”.17 A honra fem inina, nesse caso, dizia respeito ac ima de tudo a sua
estatutos do recolhimento do Porto, por exemplo, proibiam os chamados honra sexual.
sexual. Quando chegamos ao século X VII I, essa categori
categorização
zação evo
irmãoss definidores — grupo tradicionalmente compo sto pelos ir mãos mais
irmão luiu e passou a incluir outros elementos de distinção para incorporar um
antigos e prestigiados da irmandade — de dispensarem as candidatas a perfil mais detalhado das assistidas como “órfã-pobre-honrada-filha legí
1 6 o 1 6 1
1 6 2 1 6 3
CULTURA POLlTICA E LEITURAS DO PASSADO O ANTIGO R EGIME E A COL ONIZ AÇÃO EM QUES TÃO
ção aos escravos.30 É dentro dessa hierarquia de credibilidade para repre de dos julgamentos tornava-se ainda mais elástica e instável, possibilitan
sentar a voz pública que devemos pensar a preocupação dos irmãos da do inúmeras combinações em um sistema que se pretende rígido à pri
Misericórdia nas suas prescrições para a eleição das testemunhas de maior meira vista, como podemos ver no caso narrado na abertura do capítulo,
“fé e crédito” nas inquirições acerca das órfãs. em que as distinções sociais entre os indivíduos em querela oscilavam de
Como mostra Donald Ramos, o estabelecimento da verdade e credibi acordo com os testemunhos e os rearranjos da “fama pública”.
lidade dos indivíduos através do julgamento e conhecimento comunitários Com tantos elementos em jogo, o momento das inquirições e da sele
fazia com que a definição de crime, pecado e fama fosse relativa e não ção das órfãs a serem assistidas abria brecha para vários tipos de negocia
absoluta, e que o processo de produção desse conhecimento se configu ções e acomodações. Nesse sentido, o papel dos recolhimentos foi o de
rasse, em última instância, como uma busca mais por consenso que por oferecer a essas recolhidas a chancela de uma poderosa instituição que
verdade. Por trás dessa visão encontrava-se um sistema jurídico e políti reivindicava para si os privilégios devidos àqueles que gozavam dos mais
co, para o qual a concórdia pública era mais importante do que a “verda altos graus de “honra e estimação”. Ao mesmo tempo que os recolhimen
de”paz
A e a ejustiça era pensada
o consenso sociaismuito
eram,mais
maportanto,
is como um instrumento
os princípios conciliatório.
norteadores da tos buscavam ajudar a manter ou estabelecer certas fronteiras sociais, es
tas mesmas fronteiras seriam povoadas por uma população “construída”
justiça e dos julgamentos, e a fama pública dos indivíduos acer acerca
ca de sua
suass pela própria instituição a partir desse emaranhado de relações e possibili
ações ou qualidades tinha tanta ou mais importância do que suas ações e
dades que marcavam a constituição da fama pública e dos mecanismos de
qualidades em si.
distinção
distinção social que esta alimentava.
Os julgamentos comunitários e os processos de construção de conhe
cimento baseados nesses julgamentos produziam, portanto, o que Chris
Wickham denominou
d enominou uma “verdade acorda da”.3 da”.311 É por meio de verda
verda
des desta ordem que devemos entender as categorias de distinção em jogo
Notas
nos requisitos exigidos no processo de admissão das meninas ao recolhi
mento e, também, a própria função de semelhantes instituições. 1. Entrevista com Natalie Zemon Davis, em Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke
A imagem que se procurava criar para os recolhimentos como o abri (entrevistadora), As mu itas fa ce s da his tóri a: n ove entre vista s, São Paulo, Ed. Unesp,
go de órfãs honradas, cristãs-velhas, filhas legítimas e, especificamen te nos 2000, p. 86.
recolhimentos ultramarinos, de brancas, correspondia à representação que 2. Ibidem, p. 85.
esses homens de elite tinham das populações meritórias de suas locali 3. Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo, Papéis do Brasil, avulsos, 3, do
dades e às fronteiras sociais que se queriam construir. Nessa sociedade de cumento 5.
4. Ouvidor-geral do civil: principal juiz da Coroa na re lação. Ver A
A.. J. R. Russell-Wood,
distinções fixas, porém maleáveis, como descreve Silvia Lara,32e mantida
Fidalgos e filantropos : a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550 -1755, Brasília,
por relações de dádiva de cunho assimétrico, essas categorias operavam
Ed. UnB, 1981, p. 308.
entrecortadas pelas marcas das obrigações interpessoais, das solidarieda 5. Na expressão “diferença de qualidades”, “qualidades” se refere aos elementos de
des comunitárias e dos julgamentos coletivos expressos pela voz pública. distinção social presentes em sociedades estamentais, como nobreza de nascimento,
Nessa sociedade, que combinava movimentação populacional, dimensões por exemplo, e, no caso das sociedades sob jurisdição portuguesa, “limpeza de san
imperiais, sistemas de identidade baseados na localidade, relações de gue” e “limpeza de mãos”.
obrigação e clientela e reputação expressa pela voz pública, a variabilida Oficial de regimento de infantaria. Ver Russell-Wood, op. cit., p. 308.
1 6 6 1 6 7
7. “Criado grave”, nesse caso, refe re-se a um criado respeitado, admitido ao serviço 17. Ao longo do século XVI, intelectuais, tanto leigos quanto religiosos, mostrariam
grande angústia com uma suposta decadência moral da cristandade. Na esteira des
familiar privado, em oposição a “lacaio”.
8. O s chamados “ofícios mecânicos” eram todos os que requeriam trabalh o manual, sas preocupações, a moralística humanista ibérica católica investiu na necessidade
de reforma e educação dos indivíduos, buscando aproximar suas condutas das nor
como, por exemplo, os de carpinteiro, tanoeiro, pedreiro e entalhador.
9. Jean-François Sirinelli, apu d Eliana R. de Freitas Dutra, “História e culturas políti mas da Igreja e concedendo uma nova importância ao casamento, que na moralística
cas: definições, usos e genealogias”, Varia História, n. 28, dez. 2002, p. 24. A refe medieval era claramente desvalorizado diante do estado clerical e celibatário. Sobre
rência de Sirinelli é Jean-François Sirinelli, Histoire des droites em Fratice, essa questão ver Pedro Serra, “A c ar t a de gu ia aos c as ados e a tradição moralística
Fratice, t. II, Paris,
sobre o casamento na península Ibérica
Ibérica (séculos XVI-XV II)”, em Pedro Serra (org .),
Gallimard, 1992, p. II-IV
Carta de guia aos casados de D. Fernando Manuel de Melo, Braga/Coimbra, Ângelus
10 As Santas Casas de Misericórdia eram irmandades leigas, restritas a homens de certa
.
condição social, de direto patrocínio régio, que se dedicaram a administrar, entre Novus Editora, 1 996 ; e Ron aldo Vainfas,
Vainfas, Trópico dos pecados: moral, sexualidade e
Inquisição no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997.
outras instituições e obras de caridade, hospitais e recolhimentos de órfãs por todo
18. Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia do Porto, Re c om pilaç ão da adm i
o império português ao longo da época moderna.
nistração de legados 1689, p. 343.
11 Isabel dos Guimarães Sá, “As Misericórdias no império português, 1500-1800”,
.
1 6 8
C U L T U R A PO L l T I C A E L E I T U R AS D O PAS S AD O
o f S oc ial H is ttor
or y, Pittsburgh, Carnegie Mellon University, v. 3, n. 4, verão de 2000,
p. 887- 912.
Constituiçõess primeiras do arcebispado da Bahia, publica
27. Assim, as Constituiçõe publicadas
das em 17 20, como
exemplifica Ramos, apresentavam uma distinção entre certos atos considerados
pecaminosos em si e outros, mais abundantes, passí
passíveis
veis de
de investigação apenas quando
eram de domínio comum ou causavam escândalo público.
28. “Alvará de lei secretíssimo contra o puritanismo”, em Cole ç ão da le gis laç ão por tu
tu
gu es a, compilada por Antonio Del
Delgado
gado d
daa Silva,
Silva, 1828 , livro II (176 3-9 0), p. 181-9 ,
a p u d Maria Luiza Tucci Carneiro, Preconceito racial no Brasil colónia: os cristãos
cristãos--
Colónia de povoamento e colónia
n ovos , São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 102. de exploração. Reflexões e
29. Estatutos da província de Santo Antônio do Brasil
Brasil,, Lisb
Lisboa,
oa, Officina de Manoel & José
questionamentos sobre um mito
Lopes Ferreira, 1709, cap. 1, parágrafo 1, p. 1, apud Carneiro, op. cit., p. 207-8.
30. Ramos, op. cit., p. 894. Mary Anne Junqueira*
31. Sobre “V erdades acordadas” ou “agreed truth”, ver
ver Chris Wickham, “G ossip and
and
resistance among the medieval peasantry”, Past and present, 160, ago., 1998, p. 6.
Silviaa Hunold Lara, Fragmentos setecentistas:
32. Silvi setecentistas: escravidão, cultura e p oder na Am éri
c a por t u gu e s aa,, Campinas, tese de livre-docência, IFCH/Unicamp, 2004, p. 91.
‘ Professora de História da América Indepen dente nos cursos de História e Relações Interna
cionais da Universidade de São Paulo (USP).
1 7 0
1 7 3
CULTURA E3LÍTICA E LEITURAS DO PAS SAD O 0 ANTIGO REGIME E A COLO NIZA ÇÃO EM Q U E S TÃ O
doi da América.
América. Assim, rio era o fato de estarmos plantados no Novo cesso que se estendeu do períoco colonial até metade do século XIX, e no
Mindo, termos passado por dois séculos (Estados Unidos) ou três (Amé- qual o território da região se multiplicou 11 vezes — foi eminentemente
ricr Latina) de colonizaçlo européia que explicaria o nosso “incómodo predatória. A devastação corria acelerada na segunda metade do século
atnso”, uma vez que a existência de uma potência económica nas Améri XIX , e gru
grupo
poss religios
religiosos
os — c o n o os transcendentalistas, que viam a na
cas ,ogava por terra a explicação de que a condição mesma de coloniza- turezaa como expressão do div ino — se preocupavam bastante, pois a na
turez
dot determinaria o nosso lugar no mundo como periferia. turezaa do pa
turez país
ís desaparecia r apida mente . A parti r das críticas e apreensões
A título de exemplo, vejamos a explicação apresentada por um pro desse grupo e também de outro s ambientalistas criou-se nos Estados Uni
fessor universitário, publicada no caderno Fovest do jornal Folha de S. do
doss o prime
primeiro
iro parque nacional, em 187 2, com o nome de YellowsYellowstone,2
tone,2
Paido, dirigido ao público que presta vestibulares: onde a narureza primitiva deveria permanecer preservada.3
Voltando ao excerto, é claro no texto o pessimismo do autor em rela
A conquista dos territórios do Novo Mundo pelas metrópoles européias deu ção ao nosso presente
presente e, conseq-u entemente, a o nosso futuro, pois a explo
1 7 5
1 7 4
As questões climáticas são consideradas d eterminantes para o desenvolvi voamento sendo divulgado ainda na academia, apesar das críticas já
mento dos dois tipos de colonização: a de povoam ento, em climas tempe realizadas aos modelos generalizantes, e também é possível notar o uso
rados, e a de exploração, nas regiões tropicais. O determinismo climático dessa dicotomia entre um público que estou chamando aqui de “cul
atravessa a interpretação de forma rígida, tanto quanto a dupla tipologia to”, como jornalistas, economistas, advogados, muitos deles formado
da colonização. res de opinião.
O autor trata dos Estados Unidos, afirmando que as colónias do Nor
deste eram diferentes das do Sul, onde predominava a escravidão. Essa
SOB
BR
RE AS ORIGENS D O TERMO
perspectiva climática coloca o Sul dos Estados Unidos como colónia de
exploração. Veremos adiante que, certamente, o autor do manual se ins
pirou no famoso livro de Caio Prado Júnior, Form ação do Brasi Brasill contem- Não é fácil rastrear as origens da dicotomia colónia de povoamento e coló
por âne o. Aliás, a influência de Prado Júnio r nos livros didáticos parece-nos nia de exploração no Brasil, mas é possível identificar os usos do termo em
considerável, uma vez que, geralmente, os manuais tratam do tema clássicos da historiografia brasileira. Um dos precursores é exatamente o já
explicitando o sentido da colonização, expressão amplamente utilizada pelo citado Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Júnior, publica
do em 1942. Não é meu objetivo analisar o autor ou entender o contexto
historiador e título do segundo capítulo do seu famoso livro. O manual
no qual escreve. Sabemos que os “intérpret es do Brasil” — especialme nte
não é diferente:
Caio Prado
Prado Júnior, Sérgio Buarque
Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre — de
Na s zonas temperadas da América do No rte e eem m algumas áreas da Amé senvolveram
senvolv eram as suas análises
análises a partir do país que surgiu após a revolução
rev olução de
rica do Sul,
Sul, predom inou a c o l o n i z a ç ã o d e p o v o a m e n t o , caracterizada por 1930, ligados ao “sopro de radicalismo intelectual e análise social” que não
uma organização económico-social que conservava muita semelhança havia sido, apesar de tudo, “abafado pelo Estado Novo”, como já disse
com suas origens européias. A c o l o n i z a ç ã o d e e x p l o r a ç ã o foi caracterís- Antonio Cândido.6 O que pretendo aqui aqui é procurar entender o porquê
porqu ê da
tica das zonas tropicais da América, nas quais pred ominou a grande agri longa utilização e permanência dessa explicação.
cultura tropical escravista e monocultu ra p roduto ra de açúcar, tabac tabaco,
o, Como já identificamos, a proposição de Prado é atravessada por uma
algodão. Nesse modelo de colonização predominou também a socieda espécie de determinismo climático. Para ele, não era apenas a distinção
de rural, na
na qual o trabalho escravo foi sempre abundante, sej sejaa pela uti entr
entree a colonização ibérica e a colonização anglo-saxã que nutriu as socie
lização de nativos, seja pela importação dos negros africanos [grifos do
dades de perspectivas e ritmos diferentes; segundo o autor, a chave para o
autor].5 entendimento
entendimen to das diferenças dos processos
processos económ icos estava no tipo de
colonização que se desenvolveu nas zonas tropicais e nas temperadas das
Os livros didáticos, nós sabemos, são um poderoso instrumento de di Américas. Dessa forma, Prado incluía a região de pl an tat ion do Sul dos
vulgação de variadas concepções sobre a história. Embora essas obras Estados Unidos entre as colónias de terras tropicais, aproximando-as das
de referência sejam centrais para a veiculação dessas idéias, acredito de colonização ibérica. Para o autor, além de haver apenas dois tipos de
que a análise particular dos manuais escolares não é suficiente para en
tendermos a força com que determinadas visões consolidadas se apre colonização no Novo Mundo, marcadas por dois aspectos económicos
distintos, também a Europa era pensada de forma homogénea e única. As
sentam, pois os exemplos se repetem, e não apenas nos livros didáticos. análises baseadas nas estruturas económicas fizeram com que as diversi
Pode-se encontrar o binómio colónia de exploração e colónia de po dades e conflitos próprios da conquista e colonização das Américas fos-
T T f 17 7
1 7 9
CULTURA POLÍTICA E LEITURAS DO PASSADO O ANTIGO REG IME E A COLO NIZA ÇÃO EM QU ESTÃO
[...] Como se vê, as colónias tropicais tomaram um rumo inteiramente uma colónia de povoamento. Essa é uma versão da história norte-ameri
diverso do de suas irmãs da zona temperada. Enquanto nestas se consti cana que circulou por aqui: a de que os Estados Unidos foram formados
tuirão colónias propriamente de povoa ment o (o nome ficou consagrado a partir da colonização dos peregrinos puritanos, os famosos pais peregri
depois do trabalho clássico de Leroy-Beaulieu, De la colonisation chez les
nos, deixando de lado as colónias sulistas que foram o modelo de coloni
peuples modernes).'1
zação inglesa
inglesa do período. Sabe-se hoje que as pequenas colónias formadas
ao Nordeste do país por seitas radicais eram exceção e não a norma da
O objetivo de Caio Prado e Celso Furtado era entender o presente. No
colonização inglesa.14Essa idéia encontra-se introjetada na cultura daquele
entanto, os dois autores partiram do passado, do período colonial. Ade
país
país e se transformou, ao longo do tempo, numa verdadeira mitologia da
mais, partiram da comparação para em seguida analisar mais detalhada-
nação.15
mente o Brasil. A questão da compara ção em his tória vem sendo já bastante
Devemos nos perguntar por qual motivo uma enorme extensão de terra
analisada, e merece destaque aqui o fato de que esse método, em Prado e
do Novo Mundo — do Brasil, passando por inúmeras ilhas do Caribe
Furtado, estabelece uma hierarquia na qual os Estados Unidos são vistos
como centro e dominantes e o Brasil, e os outros países da América Lati (várias delas de colonização inglesa) e chegando à colónia de Maryland,
onde hoje está localizada a capital do país, Washington, DC — foi colo ni
na, como periferia e dominado s.13
zada a partir do sistema de pl an tat ion . Pode-se sugerir que assim foi por
Embora nossos dois autores, em seus trabalhos, tratem da questão
que esse
esse era o projeto mais vi
viáve
ávell e lucrativo para a colonização européia
colónia de povoamento e colóni a de exploraç ão de forma mais elaborada
nas Américas. Os ingleses instalaram no Caribe e ao Sul da América do
e matizada que o “senso comum”, eles pensaram a colonização do Novo
Norte o sistema que vinha sendo bem-sucedido entre espanhóis e portu
Mundo dividida em duas partes completamente distintas e radicalmente gueses nos séculos XVI e XVII.
separadas. Conforme essa perspectiva, enquanto as colónias inglesas da
As evidências são notórias também na cultura material que herda
América, sobretudo as do Nordeste, haviam estabelecido um vínculo com
mos. Basta dar uma volta pela cidade de Cuzco, no Peru, caminhar pela
a terra, desenvolvendo
desenvolvendo o m ercado interno, na América
América Latina, espanhóis
praça das Armas e observar a catedral de três naves construída sobre o
e portugueses, ávidos por metais preciosos e outras possibilidades da re antigo Wajayapata, ponto de reuniões e decisões político-religiosas e
gião, voltaram-se exclusivamente para a Europa.
militares incas. Impressiona também a Igreja de Santo Domingo, fincada
sobre o Qoricancha, o templo do Sol incaico. Sabemos que no México
não foi diferente: os espanhóis instalaram-se sobre as cidades político-
SOBRE OS MODELOS GENERAUZANT ES
administrativas e sobre os templos religiosos astecas. Tais aspectos mos
tram claramente a intenção de domínio e a violência utilizada para
Sabe-se que tal explicação de base estrutural e económica, além de
subjugar os nativos. No entanto, também revelam que os espanhóis vie
generalizante e reducionista, não resiste à menor investigação por parte
ram para ficar, estabelccer-se, apropriar-se do território que haviam
dos estudiosos que se debruçam sobre os documentos da época, nem aos “descobert o”. 16
olhos do turista mais atento.
Em primeiro lugar, vimos que, diferentemente das questões^eográfi E fato que os modelos generalizantes e simplistas foram já amplamen
te criticados, todavia a questão que nos move a enfocar esse tema é me
cas colocadas por Caio Prado, o autor do excer to que utilizei
utilizei da Folha de
no
noss “desconstruir o mito ”, mas, como já disse, procurar entender por qual
S. Paulo afirma que Estados Unidos — o país como um todo — foram
motivo ele permanece entre nós e é tão recorrentemente repetido.
TTTT
ção é muito consolidada como explicação para a nossa condição, uma vez a França, como r eferência e m odelo cultu ral,18
ral,18 já na segunda
segunda metade
metade do
que, de uma maneira ou de outra, está fortemente plantada no imaginário século XX o nosso olhar voltou -se para os Estados Unidos e o queque aquele
social brasileiro. Segundo Bronislaw Baczko, país representa em termos das dimensões da modernidade. Além disso,
são evidentes o interesse e a admiração de determinados setores brasilei
o imaginário social informa acerca da realidade, ao mesmo tempo que ros pelos Estados Unidos. Não preciso lembrar o quanto a cultura norte-
constitui um apelo à ação, um apelo a comportar-se de determinada ma americana encontrou ressonância entre os brasileiros; basta uma
uma volta nos
neira.. Esq uema de interpreta
neira interpretações,
ções, mas também de valorização, o disposi shoppings para identificarmos que a quase totalidade das lojas não mais
tivo imaginário suscita a adesão a um sistema de valores e intervém utiliza a palavra liquidação, mas estampa em suas vitrines termos como
eficazmente nos processos da sua interiorização pelos indivíduos, mode “off ” ou “sale”, ou ainda como determinados setores da classe média se
lando os comportamentos, capt urando as energias e, em caso de necessi
necessi
esforçam para comprar um automóvel off-road.
dade, arrastando os indivíduos para uma ação comum.'7 Para intelectuais como Edward Said e Mary Louise Pratt, o discurso
colonizador foi bastante competente, pois penetrou nas “sociedades do
Partindo das proposições desse autor, é possível sugerir que o nosso olhar
minadas”, emoldurando posições intelectuais, políticas e económicas,
sempre voltado para fora das nossas fronteiras, em direção aos países di
atravessando as várias dimensões da cultura e atingindo até mesmo as con
tos desenvolvidos, faz parte do nosso imaginário, o qual carrega um siste
cepções estéticas. Tal qual a economia, o conhecimento foi organizado em
ma de valores a partir do qual olhamos com admiração os países chamados
chamados
centros de poder, sendo que esse mesmo centro impôs sua autoridade,
autoridade, por
centrais, nos caracterizando, por contraste, de forma deficiente, carente e
meio dos mais variados tipos de discurso, colocando-se como o produtor
incompleta com relação a um modelo difícil de alcançar. exclusivo do saber. Dessa forma, o discurso colonizador é visto por esses
autores como um instrumento eficiente do processo de colonização, uma
vez que se encontra incorporado/introjetado pelas sociedades que passa
O BRASIL E OS ESTADOS UNIDOS COMO REFERÊNCIA EXTERNA ram pelos processos de domínio e ainda têm na Europa ou nos Estados
Unidos a sua referênc ia do que é ser m odern o.1
o.199 Pratt mostra que
que as dis
Penso que as reflexões publicadas recentemente por autores que preten tinções binárias e as separações radicais devem ser revistas, uma vez que
dem discutir a centralidade da Europa, tanto em termos económicos como os encontros entre metropolitanos e locais se caracterizam por interações
na elaboração da sua autoridade quanto à construção do conhecimento, de ordens diversas, embora a metrópole marcasse sua centralidade com
nos oferece subsídios para refletir sobre o tema e, mais precisamente, so relação ao “resto do mundo”. Para a autora, o processo não deve ser en
bre o lugar em que nos colocamos com relação aos Estados Unidos. tendido como binário, mas sim compreendido através das trocas, apro
Parto da idéia de que as
as proposiçõ es mais claramente apresentadas por priações e transculturações que se estabeleceram nas zonas colonizadas.
Caio Prado e Celso Furtado vieram “revestir de cientificidade” uma for Para o antropólogo Stuart Hall, interessa entender o lugar que o dis
ma que já tínhamos de pensar o Brasil com relação aos países mais ricos. curso colonizador propõe para os vários países considerados atrasados e
Em outras palavras, são proposições que caíram sobre um imaginário no a relação que essas sociedades desenvolveram com o chamado centro.
qual sobressaem as imagens positivas dos países considerados desenvolvi Note-se que em vários casos, quando o discurso da metrópole se refere
dos, ao mesmo tempo que a nossa própria imagem é subestimada. Se no ao Ocidente, muitas vezes o faz reduzindo este à Inglaterra, à França e
1 8 2 1 8 3
aos Estados Unidos. Para Hall, não é possível estabelecer separações, pois Notas
posição com relação ao centro desenvolvido, sendo que em muitos mo 11. Cf. Gesner Oliveira, “Cuzco, Our o Preto e o mal da altura” , Folha de S. Paulo, 11/
12/2004.
mentos essa relação se configurou — e se configura — como de subordina
subordina
12. Cf. Prado Júnior, op. cit., p. 30.
ção ou subalternidade, para utilizar um termo mais veiculado recentemente. 13. Ver Maria Li Ligia
gia Prado, “Repensando a história comparada da América Latina”, Re
Tal dicotomia encontrou um campo fértil, pois caiu sobre uma sociedade vista de História, n. 152, Io semestre de 2005, p. 11-33.
que em muitos momentos olhou para a Europa — e agora para os Esta 14. Ver Jack P. Greene, Pursui
Pursuits
ts of happiness.
happiness. Th e social develop ment o f earl
earlyy modern
dos Unidos — com admiração e como meta ou modelo a ser alcançado. Bri
Britis
tishh colonies and the formation o f Ameri can culture, Chapei Hill, The University
American
Ademais, a dicotomia colónia de povoamento e colónia de explora of North Carolina Press, 19S8.
ção sugere que reavaliemos a escrita da nossa história nacional, que ainda 15. Sobre os puritanos e a ampla utilização de uma retórica religiosa na cultura norte-
americana, ver Cecília Azevedo, “A santificação pelas obras: experiências do protes
hoje, muitas vezes dentro da própria academia, vem repetindo o “lugar tantismo nos EUA”, Tempo, Rio de Janeiro, Departamento de História, UFF, n. 11,
de destaque” do Brasil com relação aos outros países da América Latina22 2001, p. 111-29.
e, por outro lado, indicando a nossa “posição subordinada” com relação 16. Ver Leandro Karnal, Estados Unidos.
Unidos. Da colónia à ind ependência, São Paulo, Con
aos Estados Unidos. texto, 1998.
--------------------------
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--------- T B T
17. Ver Bror.islaw Baczko, “Ima çnação socia l”, em Enciclopédia Einaudi, Lisboa, Im
Bror.islaw
3 1 1
3 1 3
3 1 2
num movimento espontâneo de amor, todos os presentes às pobres e mes A pátria traja de luto pela morte de seu historiador. Morte irreparável,
pois que a constância, o fervor e o desinteresse que o caracterizavam difi
quinhas exéquias — grandes nomes nacionais; humildes índios a que ti cilmente se hão de ver reunidos no mesmo indivíduo.1
indivíduo.122
nha servido e abrigado; respeitáveis senhoras por quem nutrira tanto afeto
e que lhe retribuíam com tanta sinceridade, sem limite de idade, das avós
de cabelos brancos às mocinhas que desabrochavam à vida; discípulos Após a morte, Capistrano foi associado às mesmas características que ele
pranteando o Mestre; íntimos rememorando as expansões de sua intimi valorizara em Varnhagen — a constância, o fervor e o desinteresse —,
dade — todos quiseram levar os restos queridos ao cemitério com uma conform e lembrou Garc ia em seu discurso fún ebre. 13
demonstração última, singela e augusta, de imarcescível saudade.10 í Além do elogio proferido no enterro, alguns artigos foram publica
publicados
dos na
- imprensa
imprensa da capital e do Ceará, terra natal de
de Capistran
Capistrano.
o. O historiador Joã o
Rodrigo Otávio Filho complementa lembrando que o préstito era com Ribeiro, por exemplo, defendeu a decretação de luto nacional.
nacional. Afirmou que
posto não apenas por gente excelsa, mas por “amigos sem renome ou gló o “sábio mestre ” — um “homem despido de todas as vaidad vaidades
es e de todas as
6
ria, discípulos silenciosos, e dois índios tristes, índios que ele trouxera da preocupações de interesse material” — era o único que poderia ter escrito a
selva e educara como fi lhos”. 11 história
histó ria do Brasil com autoridade, lastimando que ele não o tenha feito, por
'' J& ) Os relatos fazem questão de frisar que os membros da elite política e não conseguir levar a cabo o que principiava. Também chamou a atenção para
-! inte
intele
lect
ctua
uall do país
país cami
caminh
nhar
aram
am llad
adoo a lado
lado com g gen
ente
te comu
comum,
m, ssem
em hie- as “esquisitices e singularidades” de Capistrano, observando que “ninguém
, pO rarquia. Alé
Alémm da curiosa presença de dois índios, homens e mulheres anô- como ele parecia um índio que houvesse perfurado a civilização e subido à
" r / , iS>.nimos de diferentes faixas etárias transitaram entre o modesto lugar onde
ym
tona da nossa cultura, co
com
m arco-e-
arco-e-flecha,
flecha, seminu e indomável”.1
indomável”.144
V viveu
viveu e morreu
morreu Capistrano e o local do enterro. Os discursos
discursos valo
valorizam
rizam a Essa associação de Capistrano aos indígenas também aparece nas ob
’fó*' espontaneidade das homenagens póstumas, marcadas pelo tom intimista, servações do jornalista Assis Chateaubriand, cujo olhar captou a presença
destacando a sinceridade do afeto demonstrado pelo morto e exaltando a
de um índio tuxinim no velório e no enterro. Disse Chateaubriand:
humildade,
humilda de, presente
presente tanto na vida como na m orte do homenageado.
homenageado. 0
caixão foi conduzido a pé, carregado pelos amigos e admiradores que se Ao sair do pobre porão de trapista intelectual onde morava, o enterro de
revezaram, entre os quais Cândido Rondon, Rodolfo Garcia, Francisco Capistrano de Abreu, quando lhe tomou uma das alças do caixão, o índio
Sá, Afonso Celso, Rodrigo Otávio, Paulo Prado, Miguel Arrojado Lisboa,
Lisboa, tuxinim, que ele mandara buscar, para fixar-lhe a língua, do interior do
Francisco de Assis Brasil, Graça Aranha, Miguel Couto, Assis Chateau- Mato Grosso, eu tive como que a sensação de que nenhum de nós era tan
briand, entre outros, inclusive os dois índios. to o expoente de qualquer cousa de eterno, na vida do grande indigenista,
Durante o enterro, o historiador Rodolfo Garcia fez o elogio do morto como aquele representante dos primeiros povoadores da terra brasileira.
em nome do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a mais importante Luís (assim se chamava o tuxinim) ali estava, com a sua farda de soldado
instância de consagração dos estudos históricos do país, desde a primeira da brigada policial, os olhos vermelhos de chorar, levando o esquife de
metade do século XIX, quando foi criado. O ponto alto do discurso foi a Capistrano de Abreu, ao lado de Francisco Sá, Paulo Prado, Arrojado Lis
repetição das palavras emitidas pelo próprio Capistrano na ocasião da morte boa, Aguiar Moreira e tantos outros. A presença daquele índio no acom
de outro historiador, o ilustre Francisco Adolfo de Varnhagen,
Varnhagen, em 187 8. Até panhamento fúnebre do eminente historiador, cuja paciência beneditina
então, Varnhagen
Varnhagen era considerado o pai da historiografia brasileira, autor da reproduziu para a nossa história tantos idiomas dos nossos aborígines, em
História geral do Brasil (1854-57), obra revisada por Capistrano e Garcia. Ao vésperas de desaparecerem, era como um pedaço da brasilidade.15
escrever o necrológio de Varnhagen,
Varnhagen, Capistrano lamentou:
3 1 5
3 1 4
Par
Paraa o observador,
observador, o índio choroso no velório representava “qualquer coisa Em outubro, durante a Sessão Magna comemorativa d
do
o 89 ° aniversá
de eterno” na vida de Capistrano. Representava “um pedaço da brasili-
dade”, que o historiador-indigenista pudera atingir e, de certa forma, sal rio de fundação do instituto, o historiador Ramiz Galvão pronunciou al
gumas palavras sobre o morto. Após uma pequena biografia, em que
var, com seus estudos. chamou a atenção para a presença dos livros como companheiros e mes
Outro jornalista, Gonçalo Jorge, fez questão de lembrar o contraste
tres de Capistrano e para sua trajetória profissional marcada pela passa
entre o corpo de Capistrano, “desajeitado e exótico”, e seu “espírito lu
gem por instituições como a Biblioteca Pública da Corte, o Colégio de
minoso”. Afirmou: “No físico, ele era um sertanejo, um filho do adusto
Pedro
Pedr o II e o I HGB , o orador con firmou a imagem de um sábio
sábio que
que tinha
Nordeste, um homem feio, agreste, desagradável. No espírito, que belo e
a aparência de um “filho das selvas transplantado para o seio da civiliza
alto clarão havia!” Também frisou que a decantada generosidade de
ção”. Também reafirmou a visão de Capistrano como “uma alma boa e
Capistrano contrastava com sua irreverência, sarcasmo e ironia, lamen
meiga” despida de vaidades.20
tan
tando,
do, como João R ibeiro, que ele não tenha legado uma grande obra ao
Brasil, como era e sperado.1
sperado.166 Os discursos produzidos logo após a morte de Capistrano parecem
guiar-se pela mesma lógica da consagração em vida, ainda que haja o tom
Já o escritor C oelho N eto apre sentou C apistrano com o “um estran ho
hiperbólico
hiperb ólico c aracterístico dos elogios fúnebres
fúnebres.. Predominam as interpre
no meio
meio e no tempo” por seu temperamento
temperamento arredio, interpretado como
tações que o apresentam como um homem bom, de alma generosa, leal
uma “sobrevivência do ‘bárbaro’, latente no supercivilizado”. Para esse
aos amigos e avesso a futilidades, como é de se esperar dos necrológios.
comentarista, Capistrano possuía uma “alma primordial” que o impelia
I Mas a imagem mais sugestiva que pode ser extraída dos necrológios de
par
paraa o est
estudo
udo do pas
passado
sado.. Concordand o com Jo ão Ribei ro, afirma que o
\ Capistrano diz respeito ao seu vínculo com dois universos distintos: o da
falecido sábio era um “selvagem, que o estudo tornou um dos expoentes
|“barbárie” e o da “civilização”. Nas palavra"s'c!e'Coêíh(rNeto,
máximos da nossa cultura” . 17
Além dos artigos que circularam pela imprensa, também ocorreram
foi como um su rto atávico o aparecimento desse espírito singular em nos
manifestações de
manifestações de pesar na Câmara dos Deputados
Deputados e no Senado e, como era sas letras.
letras. O h ome m v inha da tribo ancestral trazendo a red
rede,
e, em que
de praxe, as atas das sessões foram registradas nos anais e publicadas nos
sempre dorm iu, e as flechas,
flechas, das quais somente aproveitou as penas, apa-
jornais.18 Por fim, seguiram-se as homenagens nas principais instâncias de
rando as, para a escrita,
escrita, e um po uco de curare, com que as ervou, dan do
consagração do mundo intelectual da época. Um mês após o funeral, foi
— — 1 1— ............. lhes a ironia dicaz, a sátira mordente com que revidava a ataques dos que,
feita homenagem
homenagem na 6a Sessão Ordinária do I HGB , dirigida pelo presidente de mui baixo, pretend iam feri-lo.21
feri-lo.21
perpétuo,, o conde Afonso Celso .19
perpétuo .19 Jo ão Pandiá Calóg eras apresentou o
necrológio daquele que considerava como um verdadeiro “tapuia transplan Assim
Assim como a erudição de Capistrano (com destaque para se seu
u poliglotismo)
tado para o meio civilizado”. Suas qualidades como erudito e homem mo permitia associá-lo a um ideal de cultura e civilização, sua aparência, seus
desto, dotado de uma alma “bondosa”, “pura”, “abnegada” e “heroica”, modos de vestir e falar eram aspectos que permitiam recuperar rnrarte-
avesso às vaidades e a todo pedantismo, ajudaram a tecer a imagem de um
“beneditino
“bened itino das
das letras”, que era, ao mesmo tempo, “artista e pensador”. Ao rísticas atribuídas aos indígenas e sertanejos, o que sua origem interiorana
ajudava a sustentar. A “rudeza”, a “feiura”, a “agressividade” e a “descon
lembrar o historiador morto, propôs um outro arranjo para a tradição fiança” compunham uma figura de homem do interior bastante distinto
historiográfica brasileira: desde então, a história de Capistrano se confun do tipo urbano, cosmopolita, do dândi de modos afrancesados, que na
diria com a própria memória da escrita da história no Brasil. época representava os ideais de progresso e civilidade. Mas, ao lado da
3 1 e
3 1 7
3 1 8
3 1 9
CULTURA POLÍTICA E LEITU RAS DO PASSA DO REP RES ENTA ÇÕES DO POVO. DO INTELECTUAL E DA NAÇÃO
dò interior, caracterizado como inculto, rústico e/ou selvagem e identifi Em 1994, a revista Veja divulgou o resultado de uma pesquisa de opinião
cado pelas
pelas figuras do caboclo , do sertane jo e até do indígena!2^ Observa- dirigida a um grupo de 15 intelectuais brasileiros “de porte”, com o obje
se a imagem recorrente de um “homem de letras”, cuja coragem, tenacidade tivo de determinar as “vinte obras mais representativas da cultura brasi
e persistência permitiram desbravar o passado, abrindo caminho para leira, em todos os setores e em todas as épocas”. Entre os intelectuais
outros descobridores. Tais discursos
discursos constituíram a imagem de Capistrano consultados
consul tados est
estavam
avam os antropólogos Darcy Ribeiro e R oberto D aMatta,
como símbolo de uma nacionalidade que se quer culta e civilizada e, ao os historiadores
historiadores Francisco Iglé
Iglésias
sias e José Murilo de Carvalho, o cientista
mesmo tempo, próxima do sertão não civilizado, lugar onde, acreditava- político Wanderley Guilherme dos Santos, os críticos literários Alfredo
se, o Brasil seria mais autêntico e verdadeiro. Uma figura referencial para Bosi, Wilson Martins e Fábio Lucas, os economistas Celso Furtado e
a intelectualidade dedicada ao estudo do Brasil, que podia então, através Roberto Campos, os escritores João Ubaldo Ribeiro e Josué Montello, os
de seu exemplo, exorcizar as críticas que recebia devido aos seus referen poetas José Paulo Paes e Ferreira Gullar e o professor de literatura e ensaísta
ciais europeus, sobretudo franceses. Supostamente, Capistrano materiali Luiz
Luiz Costa Lima. A obra campeã de indicações foi o livro Os sertões (1905),
zou — por seu compor tamento, suas origen s, interesses e estudos — um de Euclides da Cunha, uma unanimidade entre os entrevistados. Em se
modelo de intelectual
intelectual capaz de abarcar
abarcar o sertão e a cidade, que, assim como gundo lugar, Casa-grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre (14 votos),
o “pequeno mundo” dos intelectuais, era associada a um ideal de civilida seguida por Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa (13 vo
de. Ao menos para os herdeiros da tradição de estudos sobre o Brasil, esse tos); M acu na ím a (1928), de Mário de Andrade (11 votos); Dom Casmur
historiador “sertanejo” seria uma espécie de mediador entre os mundos ro (1899), de Machado de Assis (8 votos) e Raízes do Brasil (1936), de
da civilização e da barbárie, por possuir aquilo que então era esperado de Sérgio Buarque de Holanda (8 votos). Cabe ainda observar que, entre 22
um historiador: erudição, cultura geral, informações originais, “habilida livros lembrados, 11 eram romances, 8 eram obras de não-ficção e 3 eram
de de investigação minuciosa, aliada ao método de comparação, dedução livros de poesia. Como observou o jornalista Rinaldo Gama, o cânone
e exposição” e, talvez o principal — o “sentimento da terra e da gence” eleito não era jovem, sendo que o livro mais novo da lista era Fo r ma ç ã o
brasileiras.29 económica do Brasil (1960), de Celso Furtado. Além disso, o Brasil repre
Essa oscilação entre a civilização e a barbárie pode ser lida como algo sentado por tais obra s era muito mais rural do que urbano.31
urbano.31
que faz parte de um longo processo, que se estende do século XIX até, Regina Abreu analisou essa enquete e argumentou que seus resultados eram
pelo menos, a década de 1920, quando a historiografia se ocupa da cons significativ
significativos
os como sintoma de algo maior: um complexo trabalho de co ns
trução de uma narrativa da história nacional fundada em um ideal de ci trução memorialística, por meio do qual se consolidam
consolidam autores e obras consi
vilização e, ao mesmo tempo, com o registro das particularidades nacionais. deradas importantes para uma dada sociedade, em determinado momento.32
Identificado como descendente de tribos ancestrais, Capistrano teria Deixando de lado os critérios adotados na enquete e na escolha dos nomes
sido “salvo
“salvo da barbárie” pela erudição, send o transform ado em paradigma que a responderam, é possível considerar que a lista da Veja contendo as “vinte
do historiador, um narrador munido com “flechas” transformadas em obras mais representativas da cultura brasileira” constitui um exemplo do
instrumentos para a escrita; penas “envenenadas” com as quais deixou modo como uma dada sociedade expressa — por meio da opinião dos inte
suas marcas no mundo das letras. Para Coelho Neto, “o livro o purificou lectuais — aquilo que pensa que é, por meio da escolha de autores e obras
da barbárie fazendo-lhe o nome atingir a glória”.30 supostamente capazes de compreender e explicar o Brasil.
Capistrano de Abreu não foi incluído em tal lista. Trata-se de um histo
riador reconhecido — não necessariamente lido — sobretudo po r aqueles
3 2 0 3 2 1
historiografia difundida pelo Instituto Histórico e G eográfico Brasileiro, gi as po lít ica s, São Paulo, Companhia das Letras, 1987; Pierre Bourdieu, “Campo
de poder, campo intelectual e b ab it u s de classe”, em A e co no m ia da s tr ocas si m bó -
do qual fazia parte, embora pretendesse separar-se dele “em tempo, se não
licas, trad. de Sérgio Miceli e t a i , São Paulo, Perspectiva, 2003, p. 183-202, cole
morrer repentinamente .33.33 Capistrano não morreu repentinamente nem Estudos 20 ; e Nathalie Heinich, La gloire de Van Gogh: essai d’anthropologie de
ção Estudos
deixou o IHGB, mas manteve com ele relações conflituosas, como pode 1’admiration, Paris, Les Editions de Minuit, 1991.
ser percebido em sua correspondência e em pelo menos um de seus arti 4. Rodrigo Otáv io Filho, “A vi
vida
da de Capistran o de Abreu. Aula inaugural
inaugural do Curso
gos, em que critica duramente a instituição.34 Capistrano de Abreu”, 2/9/1953, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasi-
leiro, Rio de Janeiro, v. 221, out.-dez., 1953, p. 66 .
Freqiientemente lembrado como aquele que poderia ter escrito a “ver
Roquette-Pinto, “Capistrano de Abreu”, Boletim do Museu Nacional,
5. Edgar Roquette-Pinto, Nacional, Rio de
dadeira” história do Brasil, mas que não o fez, Capistrano tornou-se o
Ja ne iro , v. IV, n. 1, mar. 19 28 , p. 1.
historiador representativo de uma historiografia considerada moderna, 6. J oã o Felipe Gonçalves de fende a necessidade de analisar os rituais fún
fúnebres
ebres da Pri
mais preocupada em propor questões, refletir sobre processos e construiconstruirr meira República em conjunto, tomando cada caso como exemplo de um fenômeno
relações entre temas até então pouco ou nunca explorados, tais como as mais amplo, o “movimento geral de criação de heróis”. O objetivo é compreender
festas, a família e as práticas culturais.
culturais. Historiografia vinculada a uma noção o sentido comum das várias manifestações de uma prática ritualística, supostamente
de verdade fundada na crítica da memória e da tradição.35 caracterizada pelos seguintes elementos comuns: a construção e a naturalização de
hierarquias; o reforço da estrutura social; o desenvolvimento de um individualismo
j ® Co mo foi dito a o longo do te xto, a celebraçã o de seu nome logo após
da distinção. João Felipe Gonçalves, “Enterrando Rui Barbosa: um estudo de caso
sua morte par ece estar vinculada
vinculada,, entre outras coisas, ao desejo de conci
3 2 3
3 2 2
da construção fúnebre de heróis nacionais na Primeira República”, Estudos Históri Coelho Neto, op. cit.
co s — Dossiê Heróis Nacionais, Rio de Janeiro, v. 14, n. 25, 2000, p. 151 e 156-7. Chateaubriand, op. cit.
7. Como exemplos de estudos de funerais de homens públicos, ver: Gonçalves, op . O livro de Afonso Celso apresenta 11 motivos para a superioridade do Brasil, relacio
cit.-, Regina Abreu, “Entre a nação e a alma: quando os mortos são comemorados”, nados à natureza, ao povo e à história. Foi publicado por ocasião das comemorações
Estudos Históricos — D os s iê
iê Com e m or aç õe s , Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, 1994, p. do IV Centenário do Descobrimento do Brasil, tornando-se um marco do gênero que,
205-30, disponível em www.cpdoc.fgv.br
www.cpdoc.fgv.br,, p. 1-24. Ver também o texto de Luigi posteriormente, ficou conhecido como ufanista, caracterizado pela exaltação otimis
Bonafé sobre os funerais de Joaquim Nabuco (1910), neste livro. ta das características naturais, culturais e históricas do Brasil. Ver Afonso Celso, Por
8. Gonçalves, op. cit., p. 149. que me ufano do meu país, Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1997 [Ia ed. 1900].
9. I b ide m , p. 151. 24. O tema da génese da nação é central na historiografia e na literatura européia e bra
10. João Pandiá Calógeras, [Necrológio de Capistrano de Abreu], Atas da 6a Sessão sileira
sileira do século XIX . Entre os mitos elaborados em meio à reflexão sobre a forma
Ordinária do 1HGB, 13/9/1927, Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t. 101, v. 155, ção da nacionalidade brasileira, dois se destacam: o da mistura das três r aç as
1928, p. 355. formadoras da nacionalidade (brancos, índios e negros) e o de um passado ancestral
11. Otávio Filho, op. cit., p. 65. representado pela figura idealizada do índio inserido em natureza idílica. Ver, por
“Necroló gio de Francisco Adolfo de Varnhagen”, em Ensaios
12. Capistrano de Abreu, “Necroló Capeiari Naxara, Cientificismo e sensibilidade romântica:
exemplo, Má rcia Regina Capeiari
e estudos: crítica
crítica e h istória, Ia série, 2a ed., Rio de Janeiro/Brasília, Civilização Bra- em busca de um sen tido explicativo para o Brasil,
Brasil, Brasília, UnB, 2004; John Manuel
silei
sileira/lN
ra/lNL,
L, 19 75, p. 81-9 1. Originalmente publicado no Jo rn al d o C om m er ci o , 16
Originalmente Monteiro, “As ‘raças’ indí
indígenas
genas no pensamento brasileiro”, em Marcos Cho r M aio
a 20/12/1878. e Ricardo Ventura Santos (orgs.), Raça, ciência e sociedade, Rio de Janeiro, Fiocruz,
13. O elogio fúnebre feito por Garcia é parcialmente citado por Pedro Gomes de Ma 1996, p. 15-22; e Kaori Kodana, “Uma missão para letrados e naturalistas: ‘Como
tos, Capistrano de Abreu: vida e obra do grande historiador, Fortaleza, A. Batista história do Brasil’”, limar Rohloff de Mattos (org.), H is t ór ias do
se deve escrever a história
Fontenele, 1953, p. 311; Raimundo de Menezes, Capis t r ano
ano de Ab r e u : u m hom e m ensino da história n o Brasil, Rio de Janeiro, Access, 1998, p. 9-65.
que estudou, São Paulo, Melhoramentos, 1956, p. 77; e José Honório Rodrigues, 25 Sobre a invenção do sertão e do sertanejo, ver, por exemplo, Janaína Amado, “Re
“Rodolfo Garcia”, em História e historiografia, Petrópolis, Vozes, 1970, p. 155. gião, sertão, nação”, Estudos Históricos — Dossiê História e Natureza, Rio de Ja
14. Jo ão Rib eiro, “Retrato de Capistrano de Abreu”, em O b r as — Crítica, v. VI: H isto neiro, n. 8, p. 145-51; ide m , “Construindo mitos: a conquista do Oeste no Brasil e
riadores, org. Múcio Leão, Rio de Janeiro, ABL, 1961, p. 93-4. Originalmente pu nos EUA”, em Janaína Amado e Sidney Valadares Pimentel (orgs.), Passando dos li
blicado no Jo rn al d o Bra sil, 14/8/1927. mites, Goiânia, UFG, p. 51-78, especialmente p. 63-7. Entre os escritores que ti
15. Assis Chateaubriand, “Capistrano de Abreu”, O Jo rn al , 14/8/1927. nham o interior do país como tema e que ajudaram a consolidar a chamada “literatura
16. G onçalo Jorge , Capistrano de
de Abreu , Jo rn al do Bra sil, 15/8/1927. sertaneja” estavam José de Alencar, Fagundes Varela, Bernardo de Guimarães,
17. Henriqu e Coelho Neto, “Redimido”, Jo rn al d o Bra sil , 21/8/1927. Franklin Távora, visconde de Taunay, Coelho Neto, Artur Azevedo, Catulo da Pai
18. Ver O G l o b o , 13/8/27, 15/8/27 e 18/8/27; Jo rn al do C om m er ci o, 14/8/27 e 16/8/ xão Cearense, Cornélio Pires e Valdomiro Silveira. Ver Regina Abreu, O e n igm a de
27; Gazeta de Notícias, 14/8/27 e 16/8/27; Jo rn al d o Bra sil , 14/8/27,15/8/27, 16/8/ Os sertões, op. cit., p. 169 e 171. Antonio Cândido compreendeu o fenômeno do
27, 19/8/27, 21/8/27 e 26/8/27; A M anh ã, 16/8/27; O Jo rn al , 28/8/27. “regíonalismo” literário como “uma das principais vias de autodefinição da consciên
19. A 6a Sessão Ordinária foi realizada no dia 13 de setembro de 1927. Suas atas foram cia local”. O interesse pelo interior teria produzido uma verdadeira “aluvião serta
publicadas na Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t. 101, v. 155, 1928, p. 342-56. O neja”, caracterizada pelo autor como “artificial” e “pretensiosa”, responsável por
necrológio escrito por Pandi
Pandiáá Calógeras encontra-se entre as págin
páginas
as 34 4 e 35 5. “um sentimento subalterno e de fácil condescendência
condescendência em relação ao p róprio país,
20. A 7a Sessão Mag
Magna
na comemor
comemorativa
ativa oc
ocorreu
orreu no dia 21 de outubro de 1927 e foi pre
a pretexto de amor à terra”. Teria
Teria sido “um meio de encarar com olhos europeus as
sidida por Washington Luís, presidente da República e presidente honorário do nossas realidades ma
nossas mais
is típicas”. Cf. Antonio Cândido, “Literatura e cultura de 190 0
IHGB. As atas foram publicadas na Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t. 101, v. 155, a 1945 (panorama estrangeiro)”, em Literatura e sociedade: estudos de teoria e his
1928, p. 418-469. O necrológio escrito por Ramiz Galvão encontra-se entre as tória literária, São Paulo, Companhia Editora Nacional/Edusp, 1965, p. 129-65. A
páginas 460 e 465. proposta aqui é compreender o interesse pelo interior em fins
fins do século X IX e iní-
3 2 4 3 2 5
cio do XX não como algo “artificial”, fruto de um olhar estrangeiro sobre as “rea 33. Nota biob ibliográfica anexada à carta de Capistrano de Abreu a Guilherme Studart,
lidades mais típicas”, mas como parte de um complexo processo de invenção de de 18/8/1901, em Capistrano de Abreu, Cor r e s pon dê n c ia, org. e prefácio José
tradições brasileiras, distintas das tradições européias (notadamente a portuguesa), .
£ c
.
Honório Rodrigues, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira
Brasileira MEC, 1977, v. 1, p. 152.
-áSãlsb-
indígenas e africanas. 34. Ver críticas aõ IHGB no artigo Ca pistrano de Abreu “Uma grande idéia idéia”,
”, em Ensaios
26. Essas duas vertentes interpretativas podem ser mais bem compreendidas quando e estudos: crítica e história, 4a série, Rio de Janeiro/Brasília, Civilização Brasileira/
considerados os marcos
marcos cronológicos do movimento modernista paulista de de 19 22 e INL, 1976, p. 90. Originalmente publicado na Gaze t a de N ot íc ias ias em 17/4/1880.
1924. A visão negativa em relação ao interior prevalece na chamada primeira fase Ver referências à criação do Clube Taques, em homenagem ao genealogista Pedro
do movimento, enquanto uma visão mais positiva pode ser localizada, sobretudo, Taques — “uma sociedade com umas vinte pessoas”, escolhidas a dedo, que contri
após 1924. Ver Eduardo Jardim de Moraes, “Modernismo revisitado”, Estudos buiriam com trabalho e dinheiro para a cópia e publicação de documentos —, na
Históricos — D os s iê Mode r n is m o, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, 1988, p. 220-38. carta de Capistrano de Abreu a Antônio Joaquim de Macedo Soares, [1883], em
27. Por exemplo, o grupo Verde-Amarelo — que expressou de modo paradigmátic paradigmáticoo Correspondência, op. cit., v. 3, p. 2.
os ideais do movimento modernista em São Paulo — valorizava o regionalismo e 35. Ricardo Benzaquen de Araújo, “Ronda noturna: narrativa, crítica e verdade em
defendia o sertanejo como elemento portador da nacionalidade. O Brasil autênti- Capistrano de Abreu”, Estudos Históricos — Dossiê Caminhos da Historiografia,
co seria o Brasil do interior. Inspirados em Afonso Celso, os “verde-amarelos” Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 1988, p. 28-54.
definiam a brasilidade como um estado de espírito promovido pela intuição do
sentimento nacional. Em ambos os casos, a noção remete a algo que é natural (es
pontâneo), passível de ser captado pela sensibilidade e não pelo intelecto. Ver
Mônica Pimenta Velloso, “A brasilidade verde-amarela: nacionalismo e regiona
lismo paulista”, E s t u dos H is t ór ic os —- D os s iê O s an os vin t e , Rio de Janeiro, v. 6,
n. 11, 1993, p. 89-112.
28. Sobre as represent
representações
ações do homem brasileiro no ffim im do século XIX e início do do XX,
ver, por exemplo, Márcia Regina Capelari Naxara, Estrangeiro em sua própria ter- ter-
3 2 7
3 2 6
H
M
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3 7 5
CULTURA POLÍTICA E L E I T UR
UR A S DO PAS SADO PARTICIPAÇÃO P O L Í T I CA
Antes de sua ligação com Francisco Pinheiro de Campos, pai de Vasques, Nacional, cujo objetivo declarado era incent
incentivar
ivar a atividad
atividadee de dramatur
gos brasileiros.
Bernardina, sua mãe, foi casada com Martinho Corrêa Vasques. Martinho Vasques permaneceria no Ginásio até 1867. Sua contratação, tanto em
era um homem relativamente rico, e quando faleceu, em 1835, deixou um
património de quatro casas, dez
dez escravos, objetos de prata, our o, jóias, rou 1858 quanto em 1860, foi parte de uma estratégia para superar a crise da
pas, móveis e dívidas a serem recebidas pela viúva e seus cinco filhos.4 companhia, decorrente do sucesso da empresa do ator Florindo no Tea
Quatro anos após a viuvez de sua mãe, Vasques nasceria como fruto tro São Januário e do impacto do cabaré-teatro Alcazar, fundado por
de uma união ilegítima. Ao mesmo tempo, Bernardina enfrentaria difi Josep h Arnaud. Suas cenas có micas, encenadas no Ginásio a pa rtir do fi
culdades financeiras, presumíveis a partir dos registros de venda e hipote nal de década de 1850, fizeram parte da mudança para um repertório mais
ca de alguns
alguns dos bens que herdara do marid o.5 Tais dificuldades ajudam a ao gosto do público do que as comédias realistas de moldes franceses.
entender o realce dado pelos biógrafos à infância modesta de nosso pro Através da representação e da dramaturgia, Vasques continuou a tri
tagonista.6 O estigma de um nascimento ilegítimo, o empobrecimento da lhar o difícil caminho da ascensão social, que, não limitada aos aspectos
família, a rejeição de alguns irmãos e a mestiçagem indicam que sua traje financeiros, representava, acima de tudo, a conquista da visibilidade, a
tória, não fosse o sucesso alcançado nos palcos, talvez não o diferenciasse difícil concretização do direito de se expressar publicamente e participar
muito de boa parte de seus contemporâneos. No entanto... dos grandes debates.
Martinho, irmão de Vasques,
Vasques, era cómico da companhia de Joã o Cae Suas cenas cómicas eram, em geral, monólogos de linguagem simples
tano no Teatro São Pedro. Vasques se acostumou a circular desde menino e um único ato, com forte presença musical, improvisação, relação direta
nos bastidores da companhia, na qual estrearia aos 15 anos, após atuar com o público e valorização da expressão corporal.8 Vas Vasque
quess tendeu a
nos espetáculos da Barraca do Teles, montada no campo de Santana du negar, nessas cenas, o interesse pela política, mesmo que tal questão fosse
rante os festejos do Divino.7 crucial em algumas delas.
Em 1858, Vasques ingressou no Ginásio Dramático, onde funcionava Dona Rosa, personagem de uma cena cómica que tematiza o interesse
a companhia de Joaquim Heliodoro, que trouxe da França os princípios e e a curiosidade pública em torno do Alcazar, demonstra total ignorância
o repertório da reforma realista do teatro. Para os realistas, o teatro era em relação a assuntos políticos. Após descrever vivamente, inclusive com
uma espécie de tribuna na qual eram defendidos os projetos de sociedade imitações, as atrações e os frequentadores do cabaré-teatro, afirma:
dos dramaturgos, visando à reforma dos costumes das platéias.
Os adeptos da reforma, como José de Alencar e o jovem Machado de Há dias ia eu pela rua do Cano fazer as minhas compras ao mercado e
Assis, viam com maus olhos os espetáculos acusados de compactuar com topo com um criançola, com o seu competente charuto de palmo e meio,
o gosto do público, considerado ignorante e indisciplinado. Além das baixas e o malcriado encostou-se à parede para que eu passasse pelo meio da rua.
comédias, os melodramas e dramalhões
dramalhões do repertório r omântico de João Não pude deixar de dizer: — O menino não sabe o que é política? — Sei,
Caetano também eram alvo de suas críticas, por abusarem das emoções minha velha — respondeu-me o desavergonhado. — E tanto sei que per
fortes e dos enredos mirabolantes. tenço à Liga. — A Liga? — disse eu assustada, pensando que me tinha
No início de 1859, após um curto período de atividades em Pernam caído alguma das pernas. — Sim, à Liga, ao Partido Progressista; Viva a
buco, Vasques empregou-se no Teatro das Variedades, dirigido por Furta Constituição do Império — diz ele a correr, gritando-me de
de longe: — Oh,
do Coelho. Em meados de 1860, Furtado Coelho se transferiu para o barata, larga os óculos.4
Ginásio e fundou, com Vasques e outros atores, a Sociedade Dramática
3 7 6 3 7 7
____________________________ _
_______ PARTICIPAÇÃO P Q L l T I C-
C- Ã------------------------------------------------------------
CU LTU RA P O --LL-j-TT-C-A— 6 L E I T V * A S - D O P A S S A O O
ocupava o papel de nova metrópole sobretudo através do controle da ati provocando desordens
Em O Brasil nas ruamais
e o Paraguai, s.13 uma vez o personagem único é o se
vidade exportadora.12Apresentando seus inconvenientes e exploradores
nhor Brasil, que, afirmando ser constan temente roubado por
por seus hóspe
vizinhos — uma inglesa velha, feia, egoísta e com mania de casar e um
des, refere-se aos probl
problemas
emas político-m ilitares da bacia Platina, incluindo
incluindo
francês alfaiate, sapateiro, pintor, maquinista, fogueteiro, bombeiro e
através de trocadilhos, aos conflitos entre blancos e colorados no
alusões, através
lampista —, o senhor Bra sil, filho de Portugal, constr ói uma image
imagem
m al
Uruguai, ao ditador argentino Manuel Rosas, às frequentes violações das
ternativa da Inglaterra e da França, geralmente associadas, naquele con
fronteiras brasileiras e à aliança entre o Uruguai, a Argentina e o Brasil no
texto, à civilização e ao progresso. Mostrando comicamente que os
combate às pretensões expansionistas do ditador paraguaio Solano López.1
investimentos europeus nem sempre se concretizavam em melhorias para
Escrita e encenada no início da Guerra do Paraguai, a peça, dedicada aos
os habitantes da corte, e indicando ter consciência dos ganhos ingleses e
Voluntários da Pátria em sua versão impressa, incentivava o alistamento
franceses com a venda de produtos industrializad
industrializados,
os, o con trole das ativi
ativi como prova de patriotismo.
dades exportadoras brasileiras e os empréstimos, o personagem acaba Nas três cenas cómicas em que se faz presente, o senhor Brasil mencio
apresentando, em música, as ações desses países como ameaças à sobera na, através de trocadilhos, diversas províncias do Império e suas caracte-
nia e à economia nacional. rísticas geográfic as.15Tais
as.15Tais referências re metem ao es forço da elite dirigente
para unificar um Império dividido entre cidadãos e não-cidadãos, cida-
3 7 9
dãos ativos e não-ativos, a partir da imagem de um território indivisível e Dramática.20 Esse teatro, instalado no jardim do Hotel Brisson, foi um
governado de forma centralizada. Entendido como um e único, o Impé dos mais populares do Rio de Janeiro, especializado na encenação de
rio, sob a direção de uma elite ilustrada, deveria conter a nação brasileira operetas e cançonetas em português.21
— a associação de todos os brasileiros —, apesar de sua frágil coesão, re Na Fénix Dramática foi encenado, a partir de novembro de 1868,
sultante da manutenção do escravismo e da heterogeneidade da popula Orfeu na roça, de autoria do próprio Vasques, que se tornou um dos
ção composta por brancos, mestiços, negros livres, escravos e índios. maiores
maior es êxitos de bilheteria do séc
século
ulo X IX , com mais de quatrocentas re
Se a nação não se apresentava como um corpo coeso, o território do presentações seguidas em duas sessões diárias, à tarde e à noite. Orfeu na
Império ocupava o seu lugar,
lugar, transformando-se sua indivisibilidade em um roça era uma paródia da ópera-cômica Orfeu nos infernos, de Offenbach,
dogma político.16Ao mesmo tempo que nomes de províncias distantes eram que estava em cena no Alcazar e já atingira a incrível marca de 450 repre
citados em peças teatrais escritas na corte, as escolas públicas de instrução sentações.
primária, que sofreram na época forte regulamentação estatal, difundiam Pelo extraordinário sucesso que alcançou junto ao público, Orfeu na
os conhecimentos geográficos, fazendo com que um número crescente de roça é um marco da ascensão dos gêneros ligeiros nos palcos fluminenses.
cidadãos em formação tomassem pela nação o território em sua integri Operetas, mágicas, burletas, vaudevilles, óperas-cômicas, cenas cómicas e
dade,, indivisibilidade e ausência de com oçõe s.17
dade s.17 revistas de ano ganharam, a partir dos anos 1860, cada vez mais espaço
A leitura atenta dessas cenas cómicas permite perceber que Vasques nas preferências das platéias e nas crónicas desiludidas da crítica ilustra
contribuiu, apesar da postura modesta, da comicidade e da negação da da, que lamentava a afirmação de um tipo de espetáculo que, em vez de
política, para a consolidação do Império e da elite senhorial, fortalecen modificar os costumes do público, favorecendo a civilização da cidade e
do, nos palcos, o projeto político conservador/saquarema.1
conservador/saquarema.18Além de abor do Império, se voltava para o entretenimento.
darem a relação do Brasil com outros países, tendo como pano de fundo A contribuição de Vasques para a ascensão dos gêneros ligeiros não se
a defesa da soberania nacional, as cenas apresentam o mesmo persona limitaria à composição e à encenação de Orfeu na roça. Até o fim da vida,
gem, de pais portugueses. O senhor Costa Brasil já podia, na década de o artista faria grande sucesso em muitos personagens de peças ligeiras, com
1860, apresentar-se como filho de Portugal sem maiores conflitos, daí especial destaque para as revistas de ano. Entretanto, já na maturidade,
resultando o nome metafórico de Joaquim. A questão nativista, que no Vasques encontraria outros espaços para defender suas idéias e projetos,
final das primeiras décadas do século XIX caracterizava a metrópole por sem nunca abandonar a profissão de ator. Para tanto, a identidade cons
tuguesa como entrave a ser superado, vinha sendo substituída pelo pro truída nos palcos seria seu primeiro e mais importante capital.
blema da recunhagem da moeda colonial, que posicionava a Inglaterra Entre 1883 e 1884, Vasques foi responsável pela coluna “Scenas
como nova metrópole — com sua intervenção nos rumos do tráfico ne cómicas” da Gazeta da Tarde,
Tarde, jornal abolicionista cujo redator-chefe era
greiro intercontinental e na questão da mão-de-obra—, e portanto como se
seu
u amigo José do Patrocínio. Já no segundo
segundo folhetim, o autor evidenciou
alvo das críticas e debates.19 o projeto de defesa do teatro brasileiro através da negação de que fosse
Em 186 7, Vasques
Vasques foi despe
despedido
dido do Teatro Ginásio. Após trabalhar um cronista, da afirmação de sua imagem de ator e da confissão de que
por um breve período no Teatro São Pedro e depois em São Paulo, retornou contaria com a ajuda dos colegas de palco na confecção dos textos.22
à corte e fundou uma associação
associação dramática, que estreou em março de 1868 O fato de Vasques negar ser um cronista, reforçando sua identida
no Teatro Provisório. Em maio do mesmo ano, a companhia instalou-se de de homem de teatro, parece uma defesa prévia contra os possíveis
no Teatro Jardim de Flora, na rua da Ajuda, ganhando o nome de Fénix ataques de intelectuais ciosos da demarcação do seu território. Afinal,
3 8 0 3 8 1
já na década de 18 60 foi comu m a dep reci ação de artis tas que, como As referências ao movimento popular abolicionista permitem relativizar
relativizar
Vasques, embora não tivessem formação erudita e não fossem intelec a ênfase atribuída, sobretudo nos livros didáticos e bancos escolares, ao
tuais, se tornaram autores de peças teatrais de grande sucesso junto ao abolicionismo de cunho parlamentar e às pressões externas pelo fim da
público, sendo por isso apelidados pejorativamente de “carpinteiros escravidão no Brasil. Nesse sentido, a análise da trajetória de Vasques
teatrais ”.23
”.23 corrobora os vários estudos dedicados à propaganda e às ações abolicio
Como fazia em seus textos teatrais, Vasques nega ter objetivos políti nistas não necessariamente parlamentares,27que se somam, no esforço de
cos na atividade de cronista, embora comece a falar de política logo em visualizar a política em lugares e ações inesperados, aos trabalhos que se
seguida. A respeito da inquietação de amigos diante da sua aparição na debruçam sobre a atuação dos próprios cativos para, através de ações
imprensa, esclarece: cotidianas, encontrar brechas de liberdade, minando lentamente as bases
Não se assustem, portanto, os meus camaradas, eu de política nem o chei de sustentação da escravidão.28
Após participar da campanha abolicionista, Vasques voltaria a dar
ro, primeiro porque nunca pude entender desta geringonça, e segundo, sinais de sua
sua atuação política em 30 de abril e I o de
de maio de 1892 , quando
porque pertenço a um único partido — o público que frequenta os teatros
publicou na imprensa cartas a Flor iano Peixoto pedindo anistianistiaa para os
— é a ele que devo tudo, é pois a ele que me entrego de corpo e alma.24
desterrados de Cucuí. Floriano Peixoto fora eleito vice-presidente em
1891 ao lado de Deodoro da Fonseca, que concorrera à presidência em
Através da negação, Vasques reconhece na crónica um espaço propício
outra chapa. O governo Deodoro, marcado pela dura repres
repressão
são às opo
para a discussão
discussão de temas políticos. Por outro lado, marca sua diferença
sições e pelo fecham ento do Congresso, foi interrompido pela renúncia
renúncia
em relação aos demais cronistas, geralmente dotados de uma instrução
do presidente no final desse mesmo ano, quando o cargo foi assumido
mais refinada, mesmo que autodidata, e de ambições literárias e políti
pelo vice.
cas. Apresentando-se como um modesto homem dos palcos, Vasques A posse foi questionada em um manifesto enviado a Floriano em abril
garante um espaço para expressar suas idéias e se protege de possíveis
de 18 92. Liderados pelo contra-almi
contra-almirante
rante Custódio de Mello, os sig
signatá
natá
críticas dos cronistas literatos ciosos de sua pretensa função social e dig
dig
nidade. rios do docume nto alegavam que, de acordo com as disposições
disposições transitórias
transitórias
da Constituição, deveriam ser realizadas novas eleições para a presidên
Além de dedicar várias crónicas à campanha abolicionista, Vasques
cia, já que Deodoro deixara o cargo antes de completar dois anos em exer
encontrou outras maneiras de contribuir para a causa. Aproveitando-se
cício. Como resultado da manifestação, foi decretado estado de sítio por
de sua popularidade, parava em lugares movimentados e iniciava peque
72 horas, seguindo-se a prisão de inúmeros civis e militares.29Alguns dos
nos discursos, com certo tempero có mico, em favor da Abolição. Vasque
Vasquess
também participou de espetáculos teatrais voltados para a propaganda prisioneiros políticos, entre eles Olavo Bilac, foram distribuídos em dife
abolicionista, como a matiné em benefício da compra de cartas de alforria rentes fortalezas na capital da República.
República. Outros, como José do Patrocí
para duas escravas realizada no Polytheama Fluminense em janeiro de nio, foram deportados para o Amazonas, em Tabatinga e Cucuí, o mais
18 84 .25
.25 Espetáculos
Espetáculos teatrais abolicionistas
abolicionistas foram comuns na década
década de avançado posto militar do país.
18 80, subst
substituind
ituindo
o as conferências promovidas nos teatros pela Associa
Associa Naquele conflituoso governo de Floriano Peixoto, foi com muita co
ção Central Emancipadora ao longo dos anos 1870 e atraindo um públi ragem que Vasques se apresentou ao presidente da República:
co bem mais diversificado.26
3 8 2 3 8 3
Chamo-me Francisco Corrêa Vasques; tenho 53 anos de idade; sou viúvo fazia esperar! Aquele que morreu fora de sua querida pátria, mirrado de
e moro
Souàmonarquista
rua Evaristodadagema,
Veiga,porém
n° 31.não
Nãoconspiro
tenho política.
contra as instituições saudades,
da amava
paz — alva porademais
como o Brasil
sua longa barbae—
osnão
brasileiros, para que
se estendesse a bandeira
sobre todos os
nem o governo. culpados.
Nunca votei; nem hoje, nem no tempo do Império. O juiz que devera Isto não é habeas corpus, nem pedido de anistia. Quem escreve estas
dar-me o título de eleitor recusou-se a fazê-lo, dizendo que não me co linhas a V Ex. é um monarquista da gema, e deve até parecer original vir
nhecia. Isto contrariou-me um pouco porque eu queria votar no meu
ele em defesa de republicanos. [...]
empresário, a ver se apanhava aumento de ordenado.
Monarquista da gema! Deve ter parecido a V. Ex. esta frase um tanto
Sou ator desde 1856. Dizem que faço rir na comédia, chorar no dra
ma e que finjo de tenor nas operetas. Tenho escrito alguns trabalhos para chula, imprópria talvez, do assunto da minha carta. Engano, perfeito en
o teatro e já fui folhetinista da Gazeta da Tarde. gano! O que era o Império do Brasil? Um grande ovo, que, por obra e
Fiz conferências sobre a escravidão e em quase todas as matinés que graça da Santa Cruz, tinha recebido o privilégio de nunca ficar choco.
se realizaram nessa época eu recitei versos de pé quebrado, porém da minha O choque, porém, que ele recebeu no dia 15 de novembro, por aque
lavra.30 les que desejavam viver às claras, deu em resultado o estratagema e só fica
a clara. Ora, aí está por que eu continuo a dizer a V. Ex. que sou monar
O fato de Vasques ter se apresentado, mais uma vez, como um ator sem quista da gema, e assim hei de continuar a gemer e a chorar neste vale de
interesse pela política reforça a hipótese de que essa era uma estratégia lágrimas.
que permitia a conquista de espaços de expressão nos grandes debates — Os dias sucedem-se mas não se parecem.31
políticos — nacionais. Mesmo que seus interesses imediatos fossem de
fender um amigo e alimentar a própria notoriedade, Vasques optou por É digno de nota que Vasques afirme não estar pedindo habeas corpus
trilhar o caminho da participação política. Uma escolha arriscada, já que para os desterrados de Cucuí. Esse pedido fora feito, pouco antes, por
poderia lhe render desafetos e mesmo perseguições. Rui Barbosa, sendo negado pelo Supremo Tribunal Federal. Publicada
Após a breve apresentação de si mesmo,
mesmo , Vasques critica a dura repres seis dias após a votação do pedido de habeas corpus no Supremo, a car
são sobre os supostos conspiradores, alegando que eles eram apenas re ta de Vasques a Floriano talvez tivesse o sentido de divulgar o problema
publicanos. Afirmando que a Proclamação da República também fora para os leitores menos interessados nos assuntos políticos e jurídicos,
resultado de uma conspiração, o ator acaba por lembrar que ela poderia além de representar outra forma de pressão sobre o governo. Apresen
ter sido derrotada pelas forças imperiais. Entretanto, a imagem que cons tando-se como humilde artista saudoso da monarquia e avesso à políti
trói do período imperial, através de trocadilhos muito característicos de ca, Vasques sublinhava os contrastes que o distinguiam, por exemplo,
seus textos teatrais, é bem menos violenta do que a situação por ele des
de Rui Barbosa, então senador da República e inimigo político de
crita naqueles tempos republicanos.
Floriano Peixoto.
Imagine, agora, V. Ex. o que seria se a conspiração de 14 de novembro de Em tom saudosista, o artista estabelece uma comparação entre o Im
1889 tivesse falhado. Onde estariam todos aqueles que concorreram para pério e a República, associando ao primeiro a alegria da Abolição e, à se
a queda do império? Banidos, desterrados ou...? Não! A grande alma do gunda, a tristeza da repressão às oposições.
império brasileiro não guardava ódios nem vinganças: o perdão não se
3 8 4 3 8 s
Ontem,
ças, por otoda
dia a13parte.
de maio de 1888
O povo, coberto
em toda de flores,da
a plenitude festas, músicas, dan
sua satisfação! [...] No dia 7 de maio de 1892, Vasques repetiu a reivindicação de anistia
em outra carta a Flori ano P Peixoto
eixoto.3
.333 Mais uma vez, suav
suavizou
izou as crítica s
Amanhã, o que será o 13 de maio de 1892? [...] com trocadilhos e outros recursos cómicos, chegando a comentar que foi
A tristeza substituirá a alegria [...] a música só fará ouvir um lamento, criticado por se dirigir de forma irónica ao presidente da República. Se o
um gemido, que será repetido em coro pelas crianças em nome da pátria
uso de trocadilhos não escondia a firmeza de seus objetivos, certamente
saudosa dos seus filhos.
fazia com que suas declarações parecessem menos subversivas para as
[...] é necessário que estejamos todos reunidos no mesmo ponto para
saudarmos o nascer do sol do dia 13 de maio! [...] Os desterrados fize autoridades republicanas.
ram parte desta legião heroica que levou o terror até ao fundo da última Lembrando a imagem de frieza associada ao presidente e apostando
senzala. A Abolição não foi só a remissão dos cativos, foi mais alguma que a vaidade o levaria a querer revertê-la, Vasques afirma que ninguém
cousa,
todos naa princesa o pressentiu,
grande batalha, e quando
se ajoelhou aos pésJosé doagradecer-lhe
para Patrocínio, oem
chefe
nomede poderia ver o sofrimento das vítimas da repressão sem se comover.
de uma raça oprimida, viu perfeitamente sobre a cabeça imperial o bar Dizem que V. Ex. é um homem frio, calmo, indiferente e que nesta causa
rete frígio: ela era no momento não Isabel a Redentora, porém sim Isa marcha direito na estrada real da justiça sem sentir a mais leve emo
bel a Republicana. ção. Não o creio. O soldado brasileiro que se bateu heroicamente, nos
Vamos, general, não deixe que a República devore os seus próprios campos de batalha em defesa de sua mãe Pátria, não pode a sangue frio
filhos.32 associar-se ao espetáculo doloroso, que já começou, do aniquilamento
dos nossos irmãos. São brasileiros, são republicanos que sofrem, víti
Neste último trecho, Vasques sugere que os mais íntimos anseios republi mas talvez de ódios e vinganças. A política é talvez o que exige de nós
canos foram concretizados, contraditoriamente, no período imperial. Suas esta energia fatal, esta vontade de ferro,36esta firmeza de rochedo; pois
afirmações remetem ao isabelismo, que reivindicava, nos momentos fi bem, é nisso que quero bater: água mole em pedra dura tanto bate até
que fura.
nais do Império, a defesa da princesa regente por associar a Abolição a Eu preferi falar-lhe graciosamente, com meiguice e na altura a que a
um ato de bondade pessoal. Um de seus adeptos foi Patrocínio, que, em ‘ sua educação e o seu caráter têm direito de exigir de todo cidadão. Seria
bora republicano de longa data, prestou homenagens à princesa Isabel e este caminho errado? Não creio, e V. Ex. se leu a minha carta concordará
•
passou a apoiá-la após a assinatura da Lei Áurea, abandon ando a causa da ' de certo comigo.37
República até a Proclamação, da qual não participou.33 ,
As palavras de Vasques também confrontam, com sutileza, uma das Como costumava fazer ao justificar sua atuação nos palcos e na imprensa,
bases de sustentação das medidas repressivas do governo Floriano. No Vasques recorre ao público para reforçar suas reivindicações e sua forma
discurso governista, a defesa dos verdadeiros ideais da República, amea de expressão.
çados pela presença de interesses oligárquicos nas hostes republicanas,
Dessa opinião é o público, que esgotou a edição da Cidade do Rio da tarde
justificaria
justif icaria , em uma perspectiva salvacionista, a ultrapassagem dos limites de 30 de abril e a do Jor nal do Brasil de I o de maio. Modéstia à parte, eu
legais e institucionais pelo chefe de governo. Em oposição a esse discurso não esperava tanto.
legitimista, os legalistas, tendo à frente Rui Barbosa, defendiam a manu Porém, qual seria o motivo de semelhante procura? O meu nome?
tenção da ordem constitucional e o federalismo.34 Pouco vale. O mérito literário da carta? Nem pensar em tal.
3 8 6 3 8 7
Foi porque o povo viu que eu falando com toda a cortesia, embora em
Entre João Caetano dos Santos e Manoel Deodoro da Fonseca existem
tom humorístico, lhe dizia verdades.
E porque o povo sentia como eu a saudade daqueles, que devendo estar grandes pontos de contato, ambos filhos do povo, ambos militares, com
bateram pela defesa da pátria, ofereceram-
ofereceram-lhe
lhe o seu san
sangue
gue e a sua vida no
reunidos conosco no mesmo ponto para saudarmos a aurora do dia 13,
campo de batalha. Como ator João Caetano representou toda a sua vida
sofrem longe da família e de seus amigos a pena de desterro!
diante de um povo que o aclamou rei da cena, e vós, representando o dra
É finalmente porque o povo, conhecendo a história do lugar deste
ma que tem por título 15 de novembro de 1889, fostes aclamado por este
desterro, já os considera perdidos. O povo sente que essa caravana do ta
mesmo povo presidente da República. Pois bem, rasgai o véu da estátua e
lento está condenada à pena última.38
já que sois
sois o far
farol
ol que
que ilu
ilumi
mino
nou
u todo
todo o cam
caminh
inhoo par
paraa reco
reconstr
nstruçã
uçãoo da
da pá
pátri
tria,
a,
emprestai-me um pouco dessa luz para reconstruir o teatro brasileiro. Nesse
Reconhecendo modestamente que as tiragens dos jornais não se esgota dia João Caetano vos abençoará do fundo da sepultura, e Francisco Corrêa
ram pelo mérito literário do seu texto, Vasques protege-se, uma vez mais, Vasques bradará na praça pública: viva o primeiro presidente da Repúbli
de possíveis
assuntos que,críticas
além de à interferência de um
sérios, envolviam simples
duras homem
críticas de teatro
à política em
republi ca dos Estados Unidos do Brasil!40
cana e eram, naquele contexto, passíveis de repressão. Por isso mesmo, Apontando semelhança
semelhançass entre Deodoro da Fonseca e o ator Jo ão Caeta
Vasques não hesita em recorrer ao universo teatral para descrever a situa no, que era filho de um capitão de ordenanças e lutara na Guerra Cisplatina
ção dos desterrados de Cucuí, comparados, na injustiça que sofriam, a nos anos 1820, Vasques aproveita para solicitar apoio do governo para a
Desdêmona, personagem de Shakespeare assassinada por Otelo em con atividade teatral. Tal pedido, corriqueiro ao longo do século XIX, ajuda a
sequência das intrigas do malévolo lago. minimizar as diferenças entre o Império e a República, além de abrir a
Recorrendo a uma imagem religiosa que, associada à imperatriz Tere possibilidade de conciliação com o novo regime. A afirmação de que
sa Cristina, valoriza a suposta bondade da família imperial, Vasques re Deodoro fora aclamado pelo povo também deve ser problematizada.
força a idéia de que o governo republicano se caracterizava pela injustiça Camuflando a realidade de que a Proclamação da República fora um gol
e insensibilidade. pe militar sem mobilização das massas,
massas, e omitindo que Deodo ro fora eleito
em pleito indireto marcado por rumores de intervenção militar para ga
Oh! Foi ela [a República] que matou a 15 de novembro de 1889 uma pobre rantir sua vitória, Vasques encontra uma maneira de suavizar suas críticas
velha que, debulhada em lágrimas, pedia que a deixassem ficar, porque, ao novo regime.
vergada pela idade e pela moléstia, ia com certeza morrer sob o azorrague
Ainda tentando conquistar a simpatia e afastar as desconfianças do
do inverno da Europa, saindo precipitadamente do Rio de Janeiro em pleno
governo, Vasques refere-se novamente, de forma elogiosa, a Floriano Pei
verão. [...] Santa e virtuosa senhora, advoga lá de cima a minha causa.
Desterrada no céu pede a Deus por teus filhos, os desterrados da terra! xoto, reconhecendo inclusive a legitimidade de sua posse, que fora ques
Salve! Rainha, Mãe de Misericórdia!3* tionada pelos desterrados.
Antes de terminar a carta a Floriano Peixoto, Vasques reproduz um dis A escada da legalidade lhe conduziu ao poder. O seu proceder correto de
soldado como tem sido até hoje deve ter sentido o enorme peso da pena
curso por ele proferido no dia 3 de maio de 1891, na inauguração de uma
imposta aos desterrados que, se cometeram um desvario, não são por cer
estátua em homenagem ao ator João Caetano, em que se dirigiu ao presi to réus de alta traição!
dente Deodoro da Fonseca, presente na cerimónia. Eles estremecem o nosso Brasil como verdadeiros patriotas.
3 8 8
389
O dia 13 de maio de 1888 foi o alicerce do edifício que hoje se chama A sutileza de Vasques,
Vasques, expressa na le mbran ça de aspectos positivos
positivos do
República e os operários dessa obra, aqueles que mais trabalharam para governo Floriano, não o impede de reafirmar sua predileção pela monar
isto estão privados longe do coração da pátria, de sentir o seu pulsar entu quia. Entretanto, ao fim da carta, através da idéia de que todos eram bra
siástico neste grande dia! sileiros o artista aponta a anistia como um caminho para a conciliação
Vamos, general, ainda uma vez, um pouco de boa vontade e tudo se entre monarquistas, republicanos oposicionistas e o governo da Repúbli
fará. O dia 13 de maio é a confraternização de todos os brasileiros; V Ex.
ca. Em troca desse gesto apresentado como generoso, ele próprio, mo
não quererá que, no meio
mei o das festas que se preparam para este dia, se ouça
narquista e amigo de Patrocínio, prestaria fidelidade à bandeira da
um coro de lamentações!
República. Até mesmo a alma do “grande brasileiro” D. Pedro II, falecido
[...] A sentinela avançada que se colocou como V Ex. às portas do
meses antes em Paris, abençoaria a conciliação, anunciando um novo tempo
Tesouro Nacional, gritando alerta para que os salteadores sejam recebi
dos à baioneta calada, deve igualmente ser o bom guarda dos desterrados para a vida política brasileira.43
para bradar à morte que já se avizinha — Passe ao largo! São meus irmãos! As cartas a Floria no, escritas e publicadas no final da vida
vida de Vasques,
Vasques,
Vinde! Liberdade! Igualdade! Fraternidade!
Frat ernidade!441 talvez representem o ápice de sua participação política e ascensão social,
que, como vimos, não deve ser entendida apenas em termos financeiros.
Nessa carta, o autor utiliza uma estratégia um pouco diferente da adotada Declarando-se avesso a temas políticos nos palcos e na imprensa, fazendo
na anterior. Não mais ressaltando o papel da família imperial na Aboli uso de trocadilhos e reforçando sua identidade de artista cómico, o ator
ção, Vasques apresenta o 13 de maio como alicerce da República, o que criou para si uma imagem inofensiva e quase ingénua, estratégica para sua
acaba provocando uma quase naturalização da mudança de regime. Nes inserção em sérios debates que agitavam intelectuais e políticos ao longo
se sentido, não é por mero acaso que Vasques escolhe a proximidade da de toda a segunda metade do século XIX.
Em suas reivindicações na imprensa, marcadas pelo recurso aos senti
quela data para a reivindicação da liberdade dos prisioneiros políticos da
República. A referência ao lema da Revolução Francesa, por sua vez, de mentos humanitários, pela valorização da amizade e até por representa
ções de cunho religioso, Vasques apropriou-se da imagem negativa dos
monstra sutilmente a opinião de que os princípios republicanos estavam
“carpinteiros teatrais”, construída décadas atrás para afastá-los dos gran
sendo traídos pelo governo.
des debates que agitavam os políticos e a intelectualidade, conseguindo,
Nota-se também, no trecho citado, a referência à política financeira
inversamente, garantir-lhes, como seu representante, um espaço de ex
do governo Floriano, que combateu a especulação desenfreada iniciada
pressão. Ao mesmo tempo, como fizera na campanha abolicionista das
com a febre de emissões de papel-moeda no período em que Rui Barbosa
ruas, Vasques
Vasques buscou uma forma de ser entendid o nas páginas
páginas dos jornais
ocupou o Ministério da Fazenda. A suspensão da emissão de moeda pelos
e de conquistar o apoio da gen te co m um da cidade.
bancos, a decretação de auxílios pecuniários à indústria, o combate à O acompanhamento de sua trajetória demonstra a necessidade e a
corrupção, o tabelamento de preços, o incentivo à imprensa, o reorde- urgência do alargamento do que se define como participação política. Por
namento do sistema bancário e a recusa da intromissão dos credores in outro lado, permite visualizar a possibilidade de diferentes estratégias
ternacionais na política interna lhe teriam garantido apoio significativo adotadas por aqueles que lutaram para assumir o papel de protagonistas
de parte das camadas médias do R io de Jan eiro .4
.42Apoio
2Apoio que Vasques
Vasques tende
tende políticos, em uma sociedade na qual a maioria da população parecia des
a reforçar em sua argumentação favorável à anistia para os presos políticos tinada ao silêncio e à subalternidade.
de Cucuí.
3 9 0 3 9 1
1. Entendo que os homens e mulheres consider ados comuns formam um grupo amplo Vasques, O Brasil e o Paraguai, Rio de Janeiro, Tipografia Popular
14. Francisco Corrêa Vasques,
e heterogéneo, com graus muito diversos de participação política e visibilidade so de Azeredo Leite, 1865.
lo, Oficina de José Marques, 1939; Lothar Hessel e Georges Raeders, “Correia 19. Mattos, op. cit., p. 143.
Vasques”, em O teatro no Brasil sob D. Pedro II, Porto Alegre, Ed. UFGRS, 1986, 20. Alg
Algumas
umas informações
informações sobre essa companhia foram retiradas de José Galante de Sousa,
v. II, p. 96-9. O teatro no Brasil, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, Instituto
4. Arquivo Nacio nal, Inventários, Provedor ia, fundo 3J, seção de guar
guarda
da SDJ, número Nacional do Livro, 1960, p. 206. Procópio Ferreira, no entanto, apresenta dados
8.992, maço 470, ano 1835. dferentes. Vasques a teria fundado em 1868, já no Teatro Jardim de Flora, sob a
5. Arqu
Arquivo
ivo Nacional, Ofíci
Ofício
o de Notas, livro 24 8, o fício 1, folha 50, 28/5/18
28/5/1841,
41, seçã
seção
o denominação de Fénix Dramática. Ver Ferreira, op. cit., p. 103-4.
de filmes, rolo n° 031.17-79; livro 249, ofício 1, folha 175, 18/6/1842, seção de 21. Brasil Gerson, História das ruas do Rio d e Janeiro, Rio de Janeiro, Lacerda,
Brasil Lacerda, 20 00 , p. 96.
filmes, rolo n° 031.17-79; livro 232, ofício 3, folha 113v, 10/7/1860, seção de fil 22. Gazeta da Tarde
Tarde,, 25/10/1883.
mes, rolo n° 010.21-79. Silviaa Cristina Souza, As noi tes d o Gin ásio : t eat ro e
23. S:bre os carpinteiros teatrais, ver Silvi
6. O fato de não termos encontrado inventário de Bernardina sugere que seu património
património tinsões culturai
culturaiss na Corte (1 832-186 8), Campinas, Ed. Unicamp, 2002, p. 225-34.
tenha se dissipado ao longo da vida. Também não encontramos inventário de Fran 24. Gazeta da Tarde
Tarde,, 25/10/1883.
cisco Corrêa Vasques. Seria interessante analisar outros motivos que levaram os 25. Ver Gazeta da Tarde, 17, 24, 25, 26, 28 e 31/1/1884.
biógrafos a realçar a origem modesta de Vasques. No caso da biografia escrita por