Você está na página 1de 94

lucio carvalho

l a m i nu a n a

Relato em linguajar
fronteiriço
hors commerce

sant ' ana do livramento


– 2 0 23 –

—5—
prosa

—3—
C oleção Prosa
Vo lume 12

—4—
S C R I P TA M A N E N T

—6—
l a m i n ua na

—7—
—8—
A curiosidade manifestada pelas nações em relação à
investigação dos feitos e aventuras de seus ancestrais
costuma produzir decepções, pois a história de épocas
remotas se encontra amiúde envolta em obscuridade,
incerteza e contradição.
David Hume. História da Inglaterra: da
invasão de Júlio César à Revolução de 1688

Seja como for, seja isso tudo uma lenda, esse passado
é o passado desse povo e ele não saberia se inspirar
em outro.

Simone Weil. Contra o colonialismo

Indiecito dormido
pa acompañarte se duerme el río.
Atahualpa Yupanqui

—9—

prólogo

— 10 —
lucio carvalho

Aos povos sem escrita, ágrafos, resta o


escasso suporte das lendas, dos relatos, da tradição
oral, o desamparo historiográfico e o registro
de terceiros. As suas são histórias que ocorreram
muito antes do surgimento da internet ou do
livro, antes do manuscrito, e estão aquém do
letramento. Não estão aquém, no entanto, do
ímpeto narrativo que acompanha o homem e
viabilizou suas noções literárias e descritivas,
ocupando, como ensina Roger Chartier, a “brecha
existente entre o passado e a representação.”
(chartier, 2017, p. 12).
E o que se poderia dizer de culturas cuja
linguagem restou praticamente inominada, à
exceção de termos e rudimentos de um vocabulário
igualmente nunca fixado por inteiro e que,
por consequência, resta apreendido mais por
aproximação e efeito comparativo do que por
sua decodificação direta? Deveria-se pensar
em um mundo povoado pela mitologia e pela
superstição, como os da ancestralidade humana,
a que nem um recorte epistêmico superveniente
poderia alcançar completamente? Um mundo
simbólico (e caótico) a ser organizado por um
conhecimento e narrativas externos?

— 11 —
prólogo

Por séculos, a episteme acima preponderou


sobre qualquer possibilidade etnográfica. Apenas
no decurso do séc. xx é que se cogitou a necessidade
de revisar um método de pensamento antropológico
que antes servira perfeitamente bem às necessidades
bélicas e expansionistas do mundo europeu, ora
o justificando ora o fomentando. E apenas muito
ao final do séc. xx é que se pensou nos termos
de outra perspectiva, uma na qual o centro de
interesse se desloca radicalmente e devolve ao
olhar de quem aparenta ter outras ferramentas de
pensamento que não a racionalidade cartesiana
as indagações que acompanham o homem desde
sempre: quem somos, quem fôramos, quem ainda
nos tornaremos?
Estas são as questões iniciais com que se
depara quem deseja reconstituir literariamente um
mundo dado por extinto e cujos traços remanescentes
são residuais, mestiços e com muitas camadas de
sobreposição cultural. Este é o mundo dos povos
ameríndios que habitaram a porção mais ao sul
do Brasil; povos que mantiveram maior contato
com o mundo hispânico, para além do Rio da
Prata, e que desde o período colonial inicial
trataram de se adaptar (de modo mais ou menos

— 12 —
lucio carvalho

feliz) às características dos colonizadores. Na


descrição dos primeiros jesuítas, povos “infiéis”,
que não eram seduzidos nem pela sua catequese
e nem pela forma de vida e organização política
das reduções que os religiosos espanhóis foram
fundando ao longo dos rios Paraná e Uruguay,
no empreendimento das suas “missões”.
No Rio Grande do Sul, por uma conjunção
de fatores e condicionantes políticos, a historiografia
a respeito das parcialidades não-guarani, isto
é, não reduzidas, é praticamente inexistente. Sabe-se
que houve a presença indígena, mas quase não
se pode produzir conhecimento acerca de suas
condições de vida, mobilidade territorial e elementos
culturais a não ser por aproximação dos relatos
militares e dos catequizadores. Desde aí, pode-se
ter certo que são visões muito parciais e em
acordo com a perspectiva dos novos ocupantes
dos territórios ao sul e a fronteira móvel entre
a Banda Oriental (antigo Uruguai) e os territórios
que se começavam a ocupar pelos açorianos
que chegaram ao Rio Grande do Sul à época
do Tratado de Madri ( 1750 ) e bandeirantes e
militares que obtiveram da Coroa Portuguesa
permissão e posse de terras.

— 13 —
prólogo

É desde este “rasgo de continuidad” (asenjo,


2018) que etnólogos, arqueólogos e historiadores
têm realizado pesquisas na busca de reconstituir
a história de vida de populações que foram
erradicadas em decorrência de ações militares e
assimiladas num modo de vida condizente com a
organização política e laboral estabelecidos pela
República Oriental del Uruguay de um lado e, de
outro, pela Província de São Pedro do Rio Grande
do Sul.
O desenlace final das duas maiores etnias
pampianas rio-grandenses (guenoas-minuanos e
charruas) vêm a ocorrer, portanto, como decorrência
do grande esforço militar em torno da dissolução
das missões jesuíticas para a abertura da colonização
territorial. Todavia seria impossível delimitar um
antes e um depois, um marco definitivo desse
desenlace, embora tanto a expulsão final dos guaranis
das missões e a morte de suas lideranças, Nicolau
Nhenguirú e o santificado Sepé Tiaraju, assim como
as campanhas militares de Fructuoso Rivera, no
Uruguai, não deixem dúvidas a respeito do empenho dos
colonizadores criollos espanhois e dos portugueses
em reconfigurar a ocupação dos territórios que por
milhares de anos esteve dominada pelos primitivos

— 14 —
lucio carvalho

habitantes do Rio Grande do Sul (porto, 1954) e


suas nações indígenas de um modo seguramente
mais perene do que se acelerou a partir da presença
dos europeus desde o séc. xvi.
No vazio produzido na memória histórica
desde o predomínio bélico e populacional das
parcialidades indígenas até a consolidação política
uruguaia e rio-grandense, no entanto, seria ingênuo
supor que um novo tipo mestiço não houvera se formado
a partir do encontro de populações humanas, ainda
que vivessem em universos tão distintos.
Nessa perspectiva, exceto por um desejo
político de europeização expressa do continente,
é igualmente possível imaginar-se que pequenos
nichos populacionais tenham transitado numa forma
de vida por vezes mais adaptada às novas circunstâncias,
mas ainda guardando as características originais.
Dessa forma, ao longo da metade final do séc. xix foi
se dando, ao passo da adaptação paulatina do modo
de vida dos indígenas, o seu processo de assimilação
político e cultural, seja pelo emprego de sua força
de trabalho quanto pela incorporação de práticas
e costumes. Não é preciso que se descartem as
evidências documentais e historiográficas das
campanhas de extermínio para compreender-se que

— 15 —
prólogo

los últimos remanentes de aquellas sociedades nativas serán


aldeados, fundan el proletariado rural, nutren el ejército;
pero desaparecen de la historia como grupo con soberanía y
autonomía cultural. (mazz, 2018).
Assim como na antropologia o “elo perdido”
entre o último ancestral comum da diferenciação
do homo sapiens em relação aos antropóides até
hoje foi impossível de ser datado e localizado
definitivamente, na história platina e do Rio Grande
do Sul resta um vazio semelhante em torno de
definições que poderiam delimitar quando o tipo
humano gaúcho (ou gaucho, no Prata) passou a
existir. Curiosamente, a origem do próprio termo
“gaucho” é motivo de controvérsia histórica entre
linguistas, filologistas, historiadores, folcloristas
e curiosos em geral. A filigrana atravessou os séculos,
passou pelas mãos de pesquisadores brasileiros
experientes, como Aurélio Porto, Augusto Meyer
e Manoelito de Ornellas; do lado do Prata, pode-se
citar ao menos os estudos de Madeleine Nichols e
Ricardo Molas.
No capítulo destinado a discutir as etnias
guaicurus no Rio Grande do Sul, não contente
em procurar iluminar na sua História das missões no
Uruguai o momento de transição antropológica do

— 16 —
lucio carvalho

indígena guenoa-minuano em gaúcho, o historiador


Aurélio Porto chega mesmo a apontar na figura
de um dos últimos grandes caciques da etnia,
D. Miguel Caraí, como sendo ao mesmo tempo
o último cacique guenoa-minuano e o primeiro
“gaúcho de campo”.
Antes que se assuma que o historiador
obteve, de fato, a revelação de quem seria este
primeiro gaúcho, é necessário, no entanto, situar
em que contexto ele realizou sua pesquisa. Aurélio
Porto publicou suas conclusões em 1942, movido
pelo desejo expresso do governo federal brasileiro,
em especial do presidente Getúlio Vargas, no
tombamento das missões rio-grandenses e na
afirmação do patrimônio físico também na
história imaterial brasilera. Positivista que havia
trabalhado na Federação, órgão de imprensa do
Partido Republicano Riograndense, Aurélio Porto
trabalhou com o Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, vinculado ao Ministério de
Saúde e Educação, ao lado de pesquisadores como
Sérgio Buarque de Holanda e Lucio Costa, a fim
de estabelecer as missões como vitrine brasilera
do órgão recém criado (gutfreind, 1998).

— 17 —
prólogo

Mais ou menos feliz no seu apontamento, é


preciso reconhecer que Porto investiu grandemente
na elucidação histórica e descrição etnográfica
dos povos originários que se encontravam no Rio
Grande do Sul, Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai,
considerando-se que os grandes movimentos
humanos ocorriam na mesma medida da colonização
e das guerras de fronteira, com a Cisplatina, a
Revolução Farroupilha ( 1835 ) no Rio Grande
do Sul e a independência do Uruguai e a Guerra
Grande (1839‒1842) que delimitou em definitivo o
contorno da fronteira e a separação política dos
Estados. Os movimento humanos, todavia, não
cessaram com a guerra e somente a partir de
pesquisas recentes, como as de Acosta y Lara e
Oscar Fabvre, pôde-se saber que os remanescentes
da população charrua e guenoa-minuano no Uruguai
continuaram a habitar a fronteira, mantendo-a aberta
pelo trânsito de uma população que, na perspectiva
étnica e cultural, consiste praticamente na mesma.
Mais ao sul do Brasil, ainda hoje influenciam-se
mutuamente no modo de vida, na linguagem e
práticas culturais as duas nações por meio do
intercâmbio realizado sobretudo pelos gaúchos
de lá de de cá, ou seja, a população rural.

— 18 —
lucio carvalho

Reduzir o fenômeno do gaucho ao pampa


alargado, ou seja, o território a leste do Prata, seria,
no entanto, uma percepção parcial. A oeste do Prata,
de Buenos Aires abaixo ou Rio Uruguai acima em
direção ao Gran Chaco paraguaio, a população
miscigenada, no caso o gaúcho, foi predominante e
teve especialmente na Argentina um prolongamento
histórico que durou até a conquista final da Campanha
do Deserto (1879). Por lá, as etnias charrua e
guenoa-minuano não predominavam, mas, sob o
grande teto chamado simplesmente “pampa”,
viveram, prosperaram e fundaram aquela população
indígenas da etnias tehuelche, araucanos, ranqueles
e outras tantas (passetti, 2012). Fenômeno continental,
o gaúcho e seus hábitos fundamentais, instrumentos
de trabalho e indumentária poderiam ser encontrados
com pequenas diferenças em todos estes países. O
apogeu dessa cultura, reportada por pesquisadores
que vieram à América do Sul, como Charles Darwin
que aqui esteve por volta de 1833 , foram os
séculos xviii e xix . Tão logo o séc. xx iniciou
e a industrialização do pós-guerra consolidou-se,
primeiro a influência indígena decaiu e, na sequência,
a do próprio gaúcho de campo.

— 19 —
prólogo

Do gaúcho, enquanto o próprio termo suscitou


no Rio Grande do Sul o desenvolvimento de um
complexo aparato histórico-ideológico fundamentado
no desejo de folcloristas que, a exemplo da literatura
gauchesca do Prata, pretendiam sentar as bases de
uma etnografia cultural dominante, nunca se havia
cogitado o seu fim histórico, mas a sua super existência
como ser supremo da campanha, caracterizado
quase sempre numa imagem positiva e, salvo pelo
romance realista de 30, perene e romântica. Apenas
em torno dos anos 80 do séc. xx uma nova leva
de intelectuais iniciou a postular uma narrativa
histórica alternativa, logo chegando-se ao extremo
de sua negação. Foi o que pretendeu, por exemplo,
o Prof. José Hildebrando Dacanal, em 1980, ao
publicar um ensaio em que, ao mesmo tempo em
que defendia a necessidade de reconstituir-se os
vestígios indígenas, propugnou por denegar até
mesmo a existência histórica do tipo humano gaúcho.
Trata-se de um momento político e intelectual dos
mais interessantes, nos quais os muitos exageros
ideológicos de um século de história positiva foram
confrontados a contestações baseadas em outros
exageros ideológicos, quase todos fundados numa
noção materialista histórica predominante no
meio intelectual rio-grandense daquele período e
da qual o livro RS: Cultura e Ideologia talvez seja o

— 20 —
lucio carvalho

exemplo mais bem acabado para dar conta desta


polêmica (dacanal, 1980).
Do indígena rio-grandense, propriamente a
história cultural não se ocupou tanto. Possivelmente
a presença hegemônica do gaúcho e sua cultura tenham
feito sombra aos seus antecedentes, é possível, porém
sua história subjaz à própria história dos gaúchos.
Mesmo na literatura, que é um espaço de liberdade
reflexiva sem equivalente, a presença indígena é
pouco marcante. No Guia do folclore gaúcho preparado
por Augusto Meyer em 1951, o escritor relembra o
esforço do folclorista Cezimbra Jacques em arranjar uma
memória literária para o indígena, em consideração
à pobreza do acervo indígena incorporado ao folclore
gaúcho amplo senso (meyer, 1975).
De modo semelhante ao que ocorreu no
Uruguai, com a recuperação das campanhas militares
que ajudaram a exterminar do pequeno país a etnia
charrua (no Uruguai celebrizou-se a polêmica
literária em torno à publicação do romance Bernabé,
Bernabé, de Tomás de Mattos, em 1989) a literatura
pouco a pouco recomeça a enxergar o o indígena
desde um ponto de vista menos depreciativo da
que preponderou ao longo do séc. XX. À exceção
de Sepé Tiaraju, que povoa a crença e cultura
populares há mais de um século e hoje se propõe

— 21 —
prólogo

inclusive sua canonização, os demais personagens


indígenas da literatura são predominantemente
incidentais, quase sempre descritos como sujeitos
esquivos, arredios e marginalizados do contexto
urbano e rural.
Veja-se, por exemplo, em Simões Lopes Neto
e no conto Melancia – Coco Verde, dos Contos Gauchescos ,
como é caracterizado por um dos personagens
portugueses o índio agauchado Reduzo, subalterno
do exército vivendo às graças de um estancieiro
e que no conto levou culpas que não eram suas:
“-Foi esse negro, com tanta arma, que estarreceu
a menina! (lopes neto , 1956)”. Veja-se no conto
Estrangeira, de Tapera, como o escritor Alcides
Maya narra o comportamento de um gaúcho de
origem indígena: “(...) Escravizou-se, enfraqueceu-se,
mergulhou aos poucos na inércia a que o menor
abuso de sensação leva imediatamente os da sua
raça. (maya, 2003)”. Em Érico Veríssimo, em que
pese o longo espaço dedicado ao catequizado
guarani Pedro Missioneiro, os incréus aparecem
em Ana Terra como maloneros, isto é, saqueadores:
“De quando em quando grupos de índios coroados
desciam das bandas da coxilha de Botucaraí e se
vinham da direção do rio, atacando as estâncias e os
viajantes que encontrassem no caminho (veríssimo,

— 22 —
lucio carvalho

1964)”. Ciro Martins, em seu livro de estreia, Paz


nos Campos, no conto Flete revela sutilmente a origem
indígena de um peão de estância: “Uma mão charrua,
tostada de sol, hábil apesar da aspereza da lida,
alcançou-lhe a cuia, bruna como a mão. (martins,
1957)”. Mais tarde, com Sem Rumo, notabiliza o
personagem Chiru (do tupi che-iru: meu companheiro
– carvalho, 1987), cuja anomia reflete sua possível
ascendência pagã. Ainda mais próximo do presente,
no conto Dois Guaxos, publicado em 1998 por Sergio
Faraco no livro Dançar tango em Porto Alegre, o irmão
se repugna da relação da irmã com um peão descrito
como “aquele traste indiático, aquele bugre calavera
e muito alcaide (faraco, 1998)”.
Por certo é desnecessário reiterar que a
composição autoral literária de um personagem
não necessariamente repercute sua visão de mundo,
todavia a linearidade discursiva entre os autores em
diversos marcos temporais evidencia, à exceção de
João Simões Lopes Neto, cujo alter ego Blau Nunes
declara saber o que sabe por meio do cronotopo de sua
“avó charrua”, uma percepção social do índio na
vida rural e na cultura regional predominantemente
desde um ponto de vista negativo. E por certo
estes não são deliberações ou declarações com status
científico, mas passagens resultantes da observação

— 23 —
prólogo

e reflexão de cada um deles. A coincidência,


inobstante uma visada cruel da situação humana
do indígena e seus descendentes camponeses,
também enuncia a ideia de uma população cada vez
mais marginalizada, a despeito de ser bansílar na
constituição do tipo humano gaúcho, especialmente o
habitante do meio rural. Destoa dos demais autores
“canônicos” da literatura rio-grandense o folclorista
Barbosa Lessa, que se valeu de transcriações de lendas
guaranis para, num projeto autoral diferenciado,
valorizar ostensivamente a contribuição indígena,
ainda que em apelos ao fantástico como em O boi
das aspas de ouro e Rodeio dos Ventos: contos gauchescos e
de tradição missioneira. As demais obras destacadas
retomam a mitologia de Sepé Tiaraju, como em Tiaraju,
de Manoelito de Ornellas, e na de Alcy Cheuiche,
com Sepé Tiarajú – Romance dos Sete Povos das Missões.
Nessa perspectiva, não se trata apenas de combater
a ideia colonial e puramente materialista das relações
humanas, o que se coloca para o futuro é a reorganização
do presente e a inclusão do humano de forma imanente
no mundo natural. No que diz respeito ao histórico,
portanto não se requer apenas o reconhecimento
de um passado de violências crudentas, mas muito
mais a recepção de elementos culturais que nunca

— 24 —
lucio carvalho

saíram daqui, apesar da desigualdade total das


percepções sociais quanto ao significado de estar
ao sul do Equador nesta específica virada temporal.
Se é legítima a cogitação do que, afinal, se
pode fazer com o passado, sua representação e
legado, é compreensível que alguns pensem ser mais
simples reformar o futuro e dar por encerrado o
tempo que passou. Mas então como lidaríamos
com o esquecimento das gerações quanto às gerações,
do oblívio que consumiria a história como se num
mecanismo quântico sem mais explicações? Ora,
todos os povos do mundo estão sempre recriando
e transfigurando seus mitos procurando dessa forma
intervir na mentalidade dos seus e dos outros.
Fato é que sem o trabalho da memória nada ocorrerá
a não ser a previsível erradicação dos vestígios
de seres humanos essencialmente iguais ao que
hoje nós somos. Todavia, enquanto for possível
à arte operar como ferramenta da memória, não
há porque recusá-la, bastando que se respeite a
busca criteriosa da verdade e não a consolidação
de qualquer preferência ideológica. Pode-se dizer
que este é o pressuposto epistemológico, se é que
ele é cabível, na elaboração desta narrativa.

— 25 —
prólogo

Narrada em primeira pessoa sob a ótica de


um desertor da Guerra do Paraguai cuja linguagem
mescla de forma desorganizada elementos e sintaxe
tanto do português quanto do espanhol, a novela
certamente está mais de acordo ao vocabulário dos
criollos e paisanos do campo que dos cidadãos urbanos.
Essa, afinal, é sua ambientação. Passando-se quase
toda em campo aberto, as cidades da época são apenas
mencionadas com muito distanciamento. Todavia
não se pense tratar essa linguagem de uma variação
do “portunhol selvagem” ou “portunhol literário”
conforme são compreendidos contemporaneamente.
Até mesmo pela proximidade histórica, é muito
mais uma linguagem híbrida, não mesclada, expandida
entre o português e o espanhol alternadamente e não
uma síntese dos dois. Encontra-se provavelmente mais
próxima do espanhol de Eduardo de Acevedo Diaz e
do português de João Simões Lopes Neto do que do
dialeto plural e desterritorializado dos escritores
Fabián Severo e Douglas Diegues ou do portunhol
praticado oralmente no Uruguai. Ainda assim, é
uma linguagem mais radicalizada e espanholizada
da que praticaram, por exemplo, os escritores Sergio
Faraco e Aldyr Garcia Schlee, para ficar apenas
com dois dentre tantos escritores rio-grandenses
que incorporaram literariamente termos, corruptelas
e expressões inteiras do espanhol platino sem,

— 26 —
lucio carvalho

contudo, fundar uma vertente filológica em nenhum


dos idiomas. No que se refere às inserções de termos
do guarani ou recuperados do códice Villardebó 1
e sua pequena coleção de vocábulos charrua, os
termos aparecem também mesclados, sem uma
estrutura gramatical particular, cujo uso certamente
já se encontrava diluído a esse tempo histórico. A
imprecisão gramatical, neste caso, é determinada
pela ausência de registro escrito e pelo contexto de
enunciação dificultado em qualquer tentativa de
transcriação (malinowski , 2022).
Nesta novela, um pequeno clã remanescente
das etnias originárias do sul brasíleiro busca por
sua sobrevivência num mundo que se transforma
radicalmente. Atravessado por contingentes
populacionais dominantes desde o lado dos espanhóis
quanto dos brasileiros, sequer se pode pretender
determinar a que parcialidades ou etnias provinham,
se é que não provinham justamente do encontro
de muitas etnias, conforme os registros históricos
uruguaios e brasileiros atestam muitas vezes (barrios
pintos, 1991).

1
Anotações que o médico Teodoro Vilardebó sistematizou entre
1841 e 1842 a partir de entrevistas a um sargento desertor e a
uma indígena da etnia. Ver Vilardebó, Teodoro. Notícias sobre los
charruas: el Códice Vilardebó. Montevideo: Covadionga, 1963.

— 27 —
prólogo

Seja como for, a ideia aqui nunca foi buscar


uma noção purista dos povos originários, senão
representar que a sua dissolução ocorreu ao
passo de uma superveniente presença cultural,
a do gaúcho, que se fixou e foi dominante na
geografia do sul do continente principalmente
entre os séculos xvii e xix . Este não é um
trabalho de historiografia e antropologia, mas
mera ficção histórica que se debruça no passado
e seus registros e interpretações menos para
consolidar uma perspectiva ou submeter uma
pela outra do que por aventar a natureza volátil
e breve da história. Como ficção, seus limites
são os mesmo do conhecimento e da imaginação
do autor. Não havendo qualquer necessidade de
comprovação, a narrativa se ergue pela própria
mitologia pampiana. Como mitos, os personagens
da novela estão imbuídos tanto dos resquícios das
culturas originárias quanto da perspectiva das outras
pessoas com que travam contato. São pessoas de
passagem e sem residência que se transformaram ao
longo do tempo no povo que somos hoje e que por
nenhuma razão podem ou devem ser menosprezadas
ou esquecidas.

— 28 —

la minuana

— 29 —
— 30 —
lucio carvalho

Rente um cerro cuasi na margem do Rio


Negro, pela banda oriental, hay um humilde
rancho que brasileros e castellanos mercantes de
couros costumam buscar para reposo. Aos viajantes,
a pulpera, conhecida como La Puma, sempre tem
a oferecer pescado fresco. As traíras más gorditas
que hay em leguas. La Puma las serve aos trozos,
limpios de espinas, fritos com grasita de capincho
em um largo tacho de ferro sobre um fogo de chão
siempre encendido. Quem passa por ali e conhece
aquelas bandas, sabe bem que o cheiro a frito sentido
ao longe, nas coxilhas, é de sua proveniência.
Pero os que chegam a La Puma no son solo
os de paso. Les viene também a sobra da guerra,
os tortos e os enfermos, de farda ou civiles, como
eu, que buscam cura com uma de suas filhas, uma
hechicera que vive solita num ranchito detrás
de la pulperia e ali prepara tizana, yuyos e encantos.
Ao contrário de Teófila, a irmã más velha,
de la hechicera no se sabe o nome. Minuana la
llaman e quem la sigue de longe falando sozinha
entre os arboles ou ralhando com o casal de zorros
que le anda na volta, se achega solo em caso de
última necessidade. Foi por ela, no pelos fritados da
madre, que entrei naquelas paragens a que me tirasse

— 31 —
la minuana

das tripas o pavor da morte e também de matarme.


Pavor das mortes da campanha de San Antonio
e da minha própria, después assombrada de tanto
fantasma.
Cheguei tarde, a la noche, e La Puma pronto
me quitó la esperança. A filha quemava em febre
de a dias. Fué picada por uma boboka2 ou se dejó
morder, no se sabia. No podia tratar a quienquiera
e, lo que era peor, tampoco a tratar a si misma.
Se moría la brujita. La Puma me invitó pa’uma
reza, indagando: “¿No es usted cristiano? Entonces…
Guarda la pobrecita…”

No casebre me sentei do seu lado, cerca


de um brasero de pedra que aquecia o rancho de
adentro, e busquei seu vulto aquietado um tanto
com a nossa chegada. Quando entrava no meio do
padre-nosso, ela ergueu a mão e, de olho cerrado,
tateou meu rosto detrás da barba crescida de dias
e das melenas de meses… La Puma apretava las
manos e Teófila nos mirava da entrada do rancho
com uma cara de quem poco sabe ni quiere saber.

2
Do tupi –cobra-coral– cf. Moacyr Ribeiro de Carvalho. Dicionário
tupi (antigo)-português, 1987.

— 32 —
lucio carvalho

“Bendice a minha santinha, cristiano,


pa’que ela se encontre con tu Diós…”, pediu e
eu continuei a reza iniciada. Ao fim do amém,
a jovem de tez cobriza e cabelos longos abriu os
olhos e vi que não corria risco de vida. Em seus
olhos no se via o velo empañado das finaditas.
Mas me parecia um certo logro ou o olhar de
quem confirmava algo sem dizer o quê.
“Es un milagro!”, repetia La Puma e Teófila
se ajoelhava aos pés da doente como se rendesse
homenagem a uma divindad que eu não conhecia
nem via nem entendia...
“Espera, mi’hijo, não sai daqui. Reza otra
vez… Por garantia…”, pediu a mulher como se eu
–e não a filha– tivesse poderes de salvación…
“¡E Teófila, aquenta água pa’o nosso
visitante!”, ordenou. A filha se foi porta afora e
voltou com os apetrechos do mate. Después se foi
novamente, levada por La Puma.
Bueno… No le trovo se dissesse que tudo
aquilo me gustava. Vinha comendo e bebendo male
male. La Minuana –no se explica dizendo–, pero tenia
uma coisa bruta de tan hermosa que me trancava,
sem arredar do seu lado. Simplesmente no podia.

— 33 —
la minuana

E quando se acomodou tomando um gole d’água


me olhou como se me conhecesse de há muito e
disse com uma voz assoprada: “Entonces me achaste,
patrício… Yo te velava a tanto tiempo…”
No sé que artes tenía, conhecia mucho de
nome, mas sem duda um encanto já estava em
curso. Entonces me tomou por la mano, fez com
que largasse a cuia de mate, e me levou guiando
por baixo do seu poncho. Não demorei a encontrar
o que seria a picadura em carne viva, latejando,
e como cosa de nunca sentida fez com que me
afundasse no que parecia ser o próprio escuro e
culebroso Rio Negro.
Después no sé quanto fiquei ali. Me dormí
e quando acordei La Minuana estava acocorada no
fogo de chão, preparando algo. Um refogado que
perfumava o lugarzinho de yerbas, de aire limpio e
madressilva.
Tampoco sé em que momento La Puma e
Teófila voltaram, pero luego juntos os quatro
bebemos o cozido em cumbucas de barro. A cara
dolida do dia anterior se foi. Sorrisos haviam,
pero todo o demás seguía silencioso. Parecia uma
celebración e naides se animava a dizer nada,
hasta que se ouviu La Puma com voz tremida: “El

— 34 —
lucio carvalho

agouro se cumprió, mi’hija… Él llegó cuando morias.


Es tu esposo, com la graça de Diós o, que sea, de
anhá3...”
La Puma se levantou e, de regalo, desenrolou
um couro de cervo prateado que maneou no meu
pescoço com um tento. La Minuana tinha um igual,
um pouco más curto.
Pela abertura que servia de janela, vi que
el pueblito cercano parecia a punto de abandonar
o lugar. Tal vez por miedo al “ña dul4”, la muerte
voladora, ou alguma otra amenaza, no lo sé. Vinham
do Cacequi, no Brasil, e agora se preparavam a
partir otra vez. La Minuana desatou a falar com
a parentada e me encarou como indagando se eu
também me ia. Pensei que horrores más encontraria ao
lado daquela gente e tremi. Pero se acaso la muerte
me vem por cima, ela me salvaria e certo que eu a
ela. Nos fuímos.

3
Do tupi –demônio– cf. Moacyr Ribeiro de Carvalho. Op. cit, 1987.
4
Do charrua –trazer doenças– cf. Teodoro Miguel Vilardebó. Op.
cit, 1963.

— 35 —
la minuana

san isidro

— 36 —
lucio carvalho

Por diante, temos ainda pelo menos cinco


dias hasta o matadero de San Isidro. Talvez más se
ao fim de otra uma lua, mala suerte, nos topamos
com chuva a medio camino. É lá que Don Aristides
prometeu a La Puma e sus índios por changas na
carneada, em tempos de antanho. O tempo de animais
de sobra nos campos já no es como dantes e no sé
que cosa a indiada espera encontrar, pero me voy
com La Puma e assim me devo portar, como el unico
branco entre eles. A mi me tratam o más bem. Do seu
modo sempre arisco, pero mejor de que los acusam.
O que ninguém ainda entende es lo que pasa
com La Puma, que se quedó de um modo raro. La
voz no le sale más dos lábios, solamente um balbucio que
cuasi no fala nada. Parece que tem a boca alambrada
e entonces mira por todo sem esperar salvación na
filha e sem esta tampoco saber de que maneiras
poderia hacerlo. ¡Engualichó5! dizem os índios.
O modo de chegar em San Isidro é franco,
aberto por el llano e en el camino, por Diós, no hay
ni un sólo vaquiano malo. Hacendados pobres no
más ou chacreros que no se importan de dar paso
e pouso para o nuestro campamento.

5
Do quíchua –bruxaria– cf. Eugenio Petit Muñoz. Los primitivos
habitantes del Uruguay, 1958.

— 37 —
la minuana

“Si es preciso, ve allí, flaquito! Tu te entende


com ellos...”, me anunció La Minuana quando na
aurora gris desemborcamos a lo menos dos cambonas
llenas con un tantito de eirá, o mel de guarupu6
guardado numa botella bajo el cayapi7. A mi no me
gusta el mate dulce, pero acompanho porque la
dulzura ajuda a porfiar a fome. Olhei adonde estava e
os braços pesaron ao largo do corpo. Fiquei buscando
piedritas para la honda que el Guamanaín ayer
me regaló.
Pela manhã, La Puma parecia ter melhorado
um tanto, pero no lo bastante para seguir viagem.
Teríamos de reforçar o toldo e, que decir... Lo
único a ser feito, que yo sepa, es boleando el ganado
ajeno.
Ay mi cosa.. Mas bueno... Que hay de hacer?
Boleei o corpo no lombo, montei e antes de tocar
la criniera ele arrancou como um trueno cañada
abaixo. ¡Diós… si tuviera um destes em cargas
contra os guarani! ¡Ayhihihi...!

6
Fauna –Melipona bicolor– é uma abelha social da subfamília dos
meliponíneos.
7
Do tupi –mantas de couro de veado sovadas e descarnadas– cf. Luís
Gonzaga Jaegger. O índio no Rio Grande do Sul, 1957.

— 38 —
lucio carvalho

O cabaiu8 para mi suerte tinha um modo de


quem anda solo. Ao sinal del Guamanaín e de los
muchachos, seguiu seus passos hasta que nos cercamos
de un tropel que estava bebendo numa aguada. Um
dos indiecitos, el más chiquito, miró detrás e me
fez para pararme junto à coronilha do matagal.
Ali fiquei e pensava que eu, um soldado,
estava já obedecendo ordens de um guri... Pero
luego me perdí nos pajaritos do capón de mato,
que pousavam sem cuidar de mim e nem do bagual
que parecia nem respirar, cambiando orelhas,
hasta que uma perdiz revoló com o seu arrulho e
o cavalo fez de se assustar, pero lo llamé como me
ensinaram, “¡Pi-ká!9”, e ele foi se acalmando e sossegou
de otra vez.
Havia um poco adelante donde paramos uma
yerba dura, nascida no tronco de uma corticera, e
lembrei de que La Minuana solía usar la yerba en
sus preparos. Quis darle un regalo e me afastei rumbo
do nascente, enquanto o grupo partiu del otro lado,

8
Do tupi –cavalo– cf. João Cezimbra Jacques. Ensaio sobre os
costumes do Rio Grande do Sul precedido de uma ligeira descrição
física e de uma noção histórica, 1883.
9
Do charrua –silêncio– cf. Teodoro Miguel Vilardebó. Noticias sobre
os charruas (códice Vilardebó), 1963.

— 39 —
la minuana

nas minhas costas. O cavalo incluso intentó avisarme


num relincho, mas no le entendi e segurei com força
o freio de cuero cruzado en la boca e se aquietou.
Quando alcancei o ramo más vivo, escutei o alarido
surdo del Guamanaín dando sinal da carrera. O cavalo
entonces como se enojó, pataleó e me jogou contra
o lajeado, margem de la tibia corriente d’água ali
dentro daquele matagal.
Ao voltar a mim, otra vez acordado, estava
solo e pensei escutar lejos os índios fazendo despacito
uma carga. Cueros quizás. E carne. Esperava eu que si.
Livre por um instante, pensava em la Minuana bajo
el cielo oscuro a buscar-me. Pensava também pelo
contrário, que se perseguisse a luz da madrugada
haveria de chegar hacia la línea, frontera do Brasil.
Pensava no que eu queria e não queria para mi vida
e no podia decidirme por nada. Uma debilidad me
alcançaba los huesos. E como não havia um minuán
a me observar, sentei em meus próprios pés e tratava
de decidir se les dejaba... Se la dejaba...
Não muito longe um ñacurutu10 volvió de
arriba e ouvi como que la voz de La Minuana
encarnada en él. Como se me buscasse porque no me
permitiria más si no fuera juntos. E passou otra vez,

10
Fauna. Corujão - Buho Viginianuse.

— 40 —
lucio carvalho

e otra, hasta partir sin más. E se me abrió algo en el


pecho, de encontrarla otra vez...
No podia más pensar em um retorno que
não fosse a ela, a su gente miserable. Caminando
ao lado d’água, pensei estar cerca del toldo, pero
no... Otra vez o pássaro passou arriba e segui con
la vista en su rumbo. Su vuelo parecia de lamento,
pero otra vez revelou adonde irme. Ao norte, cerca del
Tacuarembó, donde estava el matadero e donde dias
depois acabei por llegar. Este hombre, Don Aristides,
que, em vez de darles trabajo, los aprisionó...
Cerca de aquella estancia, por no sé quantas
noites tanteei de buscarla sem poder cruzar la
propriedad. Por entonces, eu nem siquiera sabia que
La Minuana havia dejado La Puma en un cumbrecito
empiedrado donde la tolderia esteve armada. No podia
imaginar, sendo ansí, quanto le dolía a morte de su
madre e más aún dejarla atrás. Nem que, a parte
isso, no sentía nada más en el pecho, ni al menos um
recuerdito de mi existencia.
Dias más tarde, numa noche em que me
enfurnei no pajonal por um muro caído dei com o
otro lado del corral e encontrei finalmente donde los
guardaban. Lugar que, siquiera serve a los cerdos,
no poderia ser um lugar para la gente...

— 41 —
la minuana

el guamanaín

— 42 —
lucio carvalho

Me custou, ¿que sé yo?, dos ou três dias, no


más, para que me acostumbrasse a seguir o comando
del Guamanaín. Parente más viejo de La Minuana,
um primo o talvez hermano, quando tomou o
comando de nuestra marcha no pude más que
seguir su mando. Mando no, indicaciones, porque
el Guamanaín nunca erguia la voz pa naides.
Até que me provasse de confiança, no me
descuidava. Seguia mis pasos mesmo quando no lo via.
E com La Minuana ele mal falava. Se entendiam,
parece, numa língua estranha, hablada por dentro
da boca e com las manos que apontavam cosas e
rumbos que para mim no teniam nem um sentido.
Todas as tardes, antes que se acendessem as
fogueiras, me levava con él para lejos del campamento.
Rastreando o que havia em redor, se arranchados ou
currais esquinados que los criollos montevideanos
levantavam a fin de parar el ganado cimarrón11. Corrales
imensos de piedra a indicar que luego viriam a ser
campos com gente dispuesta a defenderlo. Muchos ansí
se espalhavam na llanura e donde antes havia un
desierto de cervos e animalada, agora se alambrava de
poco en poco, mandando quem anda errante al norte.

11
Animais de origem europeia (gado vacum e cavalar) espalhados e
tornados selvagens na região pampiana.

— 43 —
la minuana

Antes, en el camino, se rondava os arredores


e, en el retorno a la tolderia, levamos algo de caça.
No virapá12 e numa seta da aljava, el Gumanaim
acertava o que se movesse no rastro de trinta o
quarenta braças. Menos o nhandú13, galopeado a
rédea solta com um reboleio de bolas de cima do
seu overo negro hasta emparelhar na carrera.
O primeiro que me tentou ensinar foi a
manejar a guia de las boleaderas14. Fui desastroso
e mesmo ansí ele me hizo hacerlo montado em seu
próprio pingo. Ao me alcançar as rédeas retovadas,
disse algo ao animal e por encanto o cavalo cuasi
se deitou para que eu o montasse. Le garanto que
nunca dantes havia visto algo ansí na vida. E o
animal parecia saber todo lo que hacer sem que eu o
manejasse. A modo de decir, era él que caçava. Eu
apenas me dejaba ir ao seu comando no más.
“Habrás que laçar uno. Y amansarlo para tu
compania...”, disse certa vez olhando no barro de um
banhado o rastro molhado de uma cavalhada.

12
Do tupi –arco– cf. Moacyr Ribeiro de Carvalho. Op. cit, 1987.
13
Do tupi –ema– cf. Moacyr Ribeiro de Carvalho. Op. cit, 1987.
14
Arqueologia. Arma de caça de uso disseminado no continente.
De duas pedras para aves e três para quadrúpedes. Cf. Edgard
Roquette-Pinto. Relatório de excursão ao litoral e à região das lagoas
do Rio Grande do Sul, 1962.

— 44 —
lucio carvalho

“Y mira bien, que no soy de ensenhanzas...”,


me alertou a seguir.
Me quedei pensando em como faria isso. Se
chegar a tanto, será más por sorte ou sossego do animal
que por meu trato. Pero las cavalhadas pareciam
haver já tomado distancia. De maneras que era de
esperar e seguir de a pé. Para quem havia andado
tanto já, que me custava?
Pela primera boleada acertada no avestruz,
na mesma noite el Guamanaín me fez uma marca na
testa, igual a que tem a indiada. Él mismo tenia três
destas e más um huesito trespassando o lábio inferior
recebido ao nascer. Um assim na cara, La Minuana
me dijo, yo solo teria se jogasse a vida por eles. E ansí
também um nome no seu modo de nombrar la gente.
Pero como saber se um deles morreria por mi?
Hasta ali, no sabia. Um dia qualquer poderiam me
fazer prisioneiro ansí sin más. Pero em menos tempo do
que pensava, comprovaria que el Guamanaín havia
de ser para mim não otro chefe, mas um hermano.

— 45 —
la minuana

escape

— 46 —
lucio carvalho

Logo que me permitiram tomar parte dos


carneos, soube bem que nada que oferecesse
àqueles hombres les interessaria muito. Os olhos dos
que se acostumaram ao manuseio da carne, todo los
dias, não é mui diferente de quem volta de la guerra.
Nas manos, o sangue e o sebo se entranham cada vez
más profundamente bajo la piel. A morte se les pasa
em vano. El ánimo se vuelve aburrido igual que
las tardes borrasquentas de outubro, indiferente
aos bramidos e lamentos de quien sea. De maneiras
que só havia mesmo um modo de abrir um flanco
na guarda do matadero, se algum entre os guardas
flaquease...
¿Mas qual dentre los cueras? Haveria de provar
uno a uno hasta ver qual o más vago.
Noite adentro los hombres se entregam a la
biscaya, jogo de cartas que o padrino me ensinou
nos dias de chuva sin fin del Chaco. Um jogo de
parejas. Nos fundos das mangueiras, bajo um techo
de sapê mal armado em troncos secos, después da
lida os homens carteavam como se no houvesse
amanhã. E bebiam, claro, da mesma aguardente que
os índios tanto gustavam. Mas a mim, para mi suerte, a
bebida nunca me animou, mucho más la yerba-mate
paraguaia. Entonces me mantinha desperto enquanto
eles se emborrachavam.

— 47 —
la minuana

Pois assim fué que no solo salvé o próprio cuero


como juntei plata después de cambiar de carnicero a
garroteador, e, de última, um dos paisanos em troca
do que havia le ganado, fez vista grossa para que eu
entrasse no chiquero donde los índios estaban presos.
“No digas a naides...”, me implorou o hombre
e le devolví sus cositas, sus monedas e la botella
de la que no se apartava, el chancho. Garanti que se
quedasse quieto hasta que dessem por conta de
qualquer cosa. El Manolo temblava de miedo que
descobrissem sus robos e sabia que a paciência do
pulpero con él também já estava por terminar. De
maneras que me levou ao corralito donde mantinham
os minuáns, enquanto a milicada que andava na volta
decidisse o que fazer deles.
Quando finalmente consegui entrar, La
Minuana baixou os olhos e apertou junto ao corpo os
indiecitos da chusma, como se de mí se protegesse.
Tal qual um yaguaretê e sus crias, estava claro que
me via como se voltasse a ser aquél estranjero que
um dia chegou sem aviso al rancho de su madre.
Quem me tomou pelo braço, pero, foi el
Guamanaín. Sem arco, bolas, arma alguma, no queria
saber donde estive ou quanto tempo havia faltado,
solo o que poderia fazer para ajudá-los a fugir dali o
quanto antes. E me dizia cuasi llorando, o índio, que

— 48 —
lucio carvalho

mesmo na miséria da tolderia solo sabia viver em


libertad.
“¿Quien le dejó pasar?”, indagou e le respondi
que um borracho qualquer, por aguardente. Parecia
sentirse ainda más diminuído e me apontou La
Minuana, e mostrou que também parecia enferma
igual que La Puma.
“Hace tiempo no dice cosa con cosa...”, e
aquilo me entristeceu ainda más que a situação deles
todos, sucio da cabeça aos pés de poeira e lodo,
porque a água que les davam de beber era volcada
num cocho, como bestias.
Sem as tranças, os cabelos da Minuana pareciam
uma escultura como as que vi em Missiones, nas
iglesias, aquelas santas que os guarani faziam para o
culto dos padres, que tivesse sido jogada ao próprio
destino, de pronto encontrada por el viento. Como
si fuera uma aparición da antiga, que conheci.
Mientras reunia lo poco que no les haviam
tomado, contei o que havia visto em torno ao matadero
e, com a esperança de que me prestasse atenção,
do que me havia acontecido. Los caminos eram
distantes do rio e dos capones de mato, donde hay
mejor guarida. Seguro que la única ruta de escapada
seria por las coxilhas altas detrás de los cerros.

— 49 —
la minuana

Com niños e viejos no seria simples, pero La Minuana


entendeu que devíamos irnos o quanto antes e saiu
levando los dos perritos que amansara en los dias ali.
A noite sin luna, escura e nublada, parecia
perfeita para el escape. E com gestos e estalos de
boca ela foi orientando a que saíssem de uma vez,
apesar do sono, da fome e da fatiga. Em um montón,
fueran passando bajo la mureta de donde saíam
ainda más imundos, pero nada les importava a no
ser se livrarem daquele lugar. Por último, ficamos
nosotros cuidando por se algum de los vigias havia
percebido o movimento. Después nos fuímos também,
rumbo ao norte, ao curso del Cuareim. Neste
momento se nos paró por delante a figura miserable
de aquel Manolo cercado de otros guardas, trancando
nosso paso.
Como um tigrero, el Guamanaín rolou por
baixo das pernas de um deles, deitandole à terra e
partiu entre a poeira do lugar, sumindo más rápido
que lo agarrassem. Apesar da destreza nos cavalos,
os índios correm numa velocidade espantosa. Desde
piás vivem em carreras e muitos chegam a desafiar
corridas com perros nas pulperias, e cuasi sempre
las ganam. De manera que, nessas timbas, conseguem
os víveres e bebidas de que gustan.

— 50 —
lucio carvalho

Deitado e sometido por meia dúzia de paisanos,


estranhei que el Guamanaín se dirigiu ao lado
oposto de La Minuana. O natural, pensei eu, era que se
reunisse aos demais índios, pero por alguna razón
tomou o caminho da várzea enquanto os demais
subiram o cerro. Mas luego não enxerguei más nada,
por culpa de uma pancada na nuca que me dormiu.
Mal vi la mano del cuera… Solo podia mesmo ser
aquele desgraçado...

— 51 —
la minuana

desterro

— 52 —
lucio carvalho

Por certo yo no fuí o primero que andou


entre eles. Los minuáns no eram dos povos menos
amistosos que havia e, pelo que ouvi, quanto más
ao sul viajasse, ainda más salvajes se encontraria.
“¿Miles?”, me comentou no caminho certa vez
el Guamanaín, dudando que os índios pudessem
ainda enfrentar los ejércitos com esse monte de
gente.
“No puedo creer...”, resmungou sofrenando
o cavalo, quando le contava que do otro lado do
Prata os milicos de Buenos Aires lutavam campo
adentro, en el desierto, contra aquele que chegou a
ser chamado de Napoleón de los Pampas, o cacique
Cafulcurá15, de los tehuelches. Contra él e otros tantos
que en revuelta chegavam a miles, e era um ejército
cuasi imbatible. “No sé ni contarlo...”, concluiu.
No horizonte em derredor, se via solamente
puntitas de manadas pastando cerca de las rastrilladas.
Soltando os cabelos de la vincha e os sujeitando otra
vez, acompanhou com la mano en visera a passagem
do voo distante das marrecas ao sul sem creer no
que le contava. “Cosas del ayer”, disse e flanqueou
seu cavalo retomando nosso retorno a los toldos.

15
Cacique mapuche/tehuelche que liderou na Argentina um exército
de até 6.000 indígenas de diversas etnias. Faleceu em 1872. Cf.
Gabriel Passetti. Indígenas e criollos: política, guerra e traição nas
lutas no sul da Argentina (1852-1885), 2012.

— 53 —
la minuana

Por certo sua imagem não tinha a majestade


de um cacique, pero los minuáns não guardavam
más memória de los antepassados e nem sabiam que
haviam afrontado e sitiado Montevideo em acordo
com otras indiadas, em malones16 com más de uma
centena de toldos al largo do rio Yi. Ahora nem el
Guamanaín nem La Minuana imaginavam que cosas
ansí se passassem e nem tão longe donde andávamos.
Bem dito que viviam cada vez más
espremidos entre os criollos de um lado e os
brasileros do otro, agauchandose muchas veces e
servindo a unos e a otros conforme a necessidade.
No eram más tribo, eso no, pero um pequeño clã
desafiando dia trás dia o próprio remate. E porque
preferiam a vida de andarengos, iban escapandose
de pelear contra os homens brancos. Fizeram justo
o contrário, a veces lutavam a seu lado en cambio
de chiquitajes, cosuelas e cavalgaduras porque já
não conseguiam ter paz para criar nada nessa vida
sem paradeiro. Por isso no les importava estar deste
ou daquele lado da línea de la fronteira. Para eles,
todo era um solo lugar e o único limite que les
paraba era el alambre de los nuevos dueños de la
tierra, cuasi sempre apossadas por brasileros.

16
Malones eram invasões indígenas contra as propriedades rurais e
cidades. Cf. Gabriel Passetti.Op. cit, 2012.

— 54 —
lucio carvalho

Pela noite, em torno do fogo amontoado bajo


um imenso timbó que alumbrava los ojos assustados
daquela gente, tratei de dizer que talvez no era seguro
ir al matadero. Por aí hay sempre uma guerra em
curso e firmar pouso cerca de las estâncias me parecia
más seguro. El Guamanaín no me dejaba opinar
mucho, contrariado quanto más insistisse naquilo.
ansí também La Minuana que pronto me recolhia
de las asambleas bajo la risada dos índios. E sem La
Puma para conducir los alces e cazadas, a fome nos
rondava cada vez de más cerca.
Quienes que dicem que los índios nunca se
rien é porque nunca vivieron entre eles. Riem a su
modo, com a boca fechada como com verguenza.
Também es cierto que quanto más viejos, más
taciturnos se hacen. Causa que las tristezas e mortes
vão atorando as esperanças en mejores dias, cosa
que marcam na própria pele com cicatrizes como se
fueran hechas en tigrerias.
Mas bueno, se Diós a mi me havia tocado tal
vida, no podía más que aceitar. Los minuáns no me
temian e nem eu trazia la viruela que tanto pavor
les dava. Se tivesse um espelho, veria que na verdade
era eu que estava cada vez más parecido con ellos,
aún más después que me quitaram la barba com um
cuchillito feito de piedra.

— 55 —
la minuana

E ansí fué que antes de começar la terceira


lua de marcha, uma mañana La Minuana despertó
com as minhas roupas e eu estava de peito nu, igual
que eles. De pronto pensei no que diria se me visse
o padrino ou o Capitán Velázquez, cubierto solo
por uma pele de cervo. Pero por su sonrisa dulce e
el olor como de raíces brabas y hojas adormecidas,
me llevaria en su rastro donde fosse.

— 56 —
lucio carvalho

la puma

— 57 —
la minuana

La Puma se murió como eu nunca havia


visto ninguém morrer, igual que uma asombración.
Volvíamos de la cazada noturna. Luna
llena rebrilhava nos cervos e aquele couro era
precioso para eles e en las pulperias conseguiam
buenos escambos por mantimentos. Havia dias
que ela cuasi não podia más emitir uma palavra,
sólo sonidos guturais, de garganta. Mesmo
ansí, los minuáns a levavam consigo num petizo
bichoco17.
“Suerte”, diziam, La Puma era su suerte
en las cazas e parecia ter um sentido especial para
avistar as presas. Mas naquela noite la suerte se
deu volta. Em vez de apontar um banhado onde
os cervos se van por los brotos más maduros del
pajonal, levou a indiada rumbo a um taquaral no
curso de um arroio. Naides le questionó.
Aljavas às costas, bolas atadas na cintura,
os índios adentraram sem saber o territorio dos
leones. São fieras que tienen uma catinga mui
própria, como se fuera um covil de serpientes que
no alcança a agredir el olfato, pero causa um mal
estar, uma tibieza, um torpor. Los animales cagan por

17
Criollismo. Mesmo que doente, envelhecido.

— 58 —
lucio carvalho

todo el sitio y rascan as árvores a modo de mostrar


a los invasores la fuerza de sus garras. Pero sempre
mui silenciosos e sólo atacan defendendo suas crias.
De otro modo, preferem escapar de confrontos.
Sus cueros valem más que o dos cervos, isso nos
cambios com los gauchos, que cubriendo as pernas
com um destes já passavam a decirse “tigreros”.
Pero ali, por estranho, no se notava seus rastros
nem olor.
Porque La Puma se iba por último, os índios
se adiantaram dejándola sola com um dos indiecitos
e comigo no más. Por esos dias no confiavam que eu
pudesse ajudarlos a acertar uno chajá18 que fosse.
Melhor que me quedasse com ela detrás de uma das
reboleras do chaparral. Foi quando assisti o que
hasta hoy no me parece atinado dizer ou explicar.
Acocados, como os índios se acostumbram
sentar, ficamos ouvindo justo o vento silbando no
pajonal. Logo depois del ponente, los pajaritos se
aquietam e é quando os cervos se atrevem a cruzar os
banhados em busca das folhas maduras. La Puma
no parecia preocuparse com la caza, mas mirava
a mim como se tentasse entender o que, afinal, eu
poderia fazer por eles todos. Sus ojos pacatamente

18
Fauna –mesmo que tachã– Chauna Torquata, da família Anhimidae.

— 59 —
la minuana

buscavam os meus. De primera la evité, mas después


permiti que me examinasse como quisiera. Ela
entonces erguió las cejas e me fez um sinal com la
mano sobre os lábios, para que silenciasse. Pasaron
lo que me pareciam muchos dias de silêncio hasta
que murmurando me disse: “Misa jalaná19”, que na
língua de los índios é como se diz pa uno guardar
silencio. Pero... ¡Que cosa!.. Eu já estava quieto...
No... Decia, na verdade era para que não me
movesse...
Levantando, rengueou unos passos atrás,
deitou no piso e, se contei certo, ao menos cinco
pumas la rodearon e passaram a lamerla dos pés a
cabeça. De pronto se alejaran, desfazendo aquela
brujeria e sumindo cada qual para um lado, como
por sonho ou encantamiento.
Antes que os índios voltassem, o indiecito se
deitou sobre o corpo de La Puma e começou a chorar
de um modo estridente, gritando ao mesmo tempo.
El Guamanaín foi o primeiro a apearse junto ao corpo
de la vieja e sem perguntar o que havia passado,
tomou de un cuchillo atravessado en el cayapi e
cortou de fuera a fuera o braço, ensanguentando

19
Do charrua - fica quieto - cf. Teodoro Miguel Vilardebó. Op. cit, 1963.

— 60 —
lucio carvalho

o rosto da índia. Depois tomou do tembeta que ela


trazia sob o lábio e trocou com o dele próprio.
Por sorte tive o chiquito por testigo, porque
temi que no me creerían se les contaba de los leones.
Pero a essa altura los índios de mi já se fiavam,
pobre gente... Tarde o temprano teriam de aceitar
o que les dizia, que no les restava a otra que o
trabalho nas estâncias e que evitassem a todo custo
los hombres de uniforme. Aqueles no les perdonam
jamás o les traicionam sin remorso, como tem
andado por toda a parte a fazer... Eles seriam apenas
más carne de cañón para sus refregas.
Sem cervos nem preás nem avestruzes vol-
tamos al campamento cargando o corpo de La Puma
sobre o cavalo del Guamanaín, como se fueran los
posibles honores de un jefe. Durante o resto da
nossa viagem, a fome e a morte nos alcançariam
antes. Solo tendríamos de comer raíces e brotos
de corticeira. Pero, ao chegarmos, La Minuana não
permitiu que de pronto se levantasse campamento e
alenjándose de todos iniciou com sua mãe no alto
de um cerrro cercano o primeiro passo da desolla.

— 61 —
la minuana

o tembeta

— 62 —
lucio carvalho

Depois que se escaparam del matadero e


me caí prisionero, a última pessoa que eu desejava
encontrar era o Capitán Velázquez. Boenairense que
desprezava a vida nas cidades, havia sido para mi
um salvador nas campanhas do Paraguai. Nessa
vida de peleas, no hay gratidud más grande que
uno deve ter sino por quién lo salva. Pero ao tomar
ciência de las condiciones do meu apresamento,
Velázquez me dispensó el trato dado a um soldado
ordinário, um dos tantos desertores que havia visto
nos anos de cavalaria prestados ao ejército.
“¿Que te pasó, cristiano? ¿Quieres vivir como
los salvajes? Pués te daré la suerte que deseas...”,
disse ao me encontrar de mano atada cargando
vísceras e buchadas dos animais carneados por el
gauchaje. E nunca más falou comigo, sumindo em
definitivo nas casitas que serviam a los patrones e
capataces do lugar bem más atento a duas chinitas
que le seguiam de cabresto.
Dos serviços del matadero, o meu era o
más vulgar. Sem uma faquita que fosse, não tinha
como defenderme nem mesmo do calavera que eu
tinha subornado. E o infeliz se provalecia. Esfolou
o couro do meu lombo com um mango de rabo de tatu
tantas vezes quanto pode, como uma bruta venganza.

— 63 —
la minuana

Donde andávamos, tierra de naides, fazia


no mucho tiempo que Oribe20 pasó arregimentando
tropas contra los brasileros e eu sonhava que el
caudillo ainda vivesse e nos encontrasse e pusesse
um fim naquela tortura. Mas os dias e noches
passavam sem sinal de alma viva por los campos
del matadero, sólo los gauchos a tropear el ganado já
amansado das estâncias. Los cimarrones se acabavam
ao mesmo passo que los índios e pensar nisso no me
calmava. Ao contrário, más me causava desgosto ser
prisionero de tán mala gente como los milicos.
Pero, uma manhã, mui cedo havia algo
distinto. Entre el silbado de sempre, dos barreros
e otros diablos de plumas, ouvi como se um pombo,
pero en verdad sabia que era sonido de gente. E que
nascia de las manos com manhas que sólo os minuáns
teriam. Desde donde estava, encostado num dos
palanques em que se maneavam os baguales, alcé
los ojos hacia un arból, um tarumã que se misturava
entre as talas e coronilhas cerca del corral. De no se
creer o que via, mas o fato es que el Guamanaín
retornó e entonces mis esperanzas já borraditas
renasceram e quise escapar dali tão pronto pudesse.

20
Manuel Oribe (1792-1857), chefe militar e segundo presidente da
Republica Oriental del Uruguay.

— 64 —
lucio carvalho

Na luz da manhã seria um peligro tentar,


pero entendi lo que me dizia com seus gestos,
encenados no alto da árvores. Pela noite eu deveria
arranjar um modo de ir a las casas del matadero e
por la ventana él chegaria para salvarme.
Assim foi feito. Luna nueva buena pa el escape,
pero no pasaría sem que se borrasse de sangre el
albergue. Quedose um soldado dos que seguiam o
Capitán, mas sem um grito que fosse, degollado de
un solo golpe. Saltamos la ventana abierta de par en par
e pronto bati meus olhos no overo d’el Guamanaín
deitado bajo el matagal, tisnado como um perrito
manso. Él mismo estaba todo coberto de barro, pero
no exalava aquél horrible mal olor com que los índios
afastavam mosquitos parecidos a murciélagos. Cierto
que no me importaria com isso me arrastei ao seu
lado rumbo donde estava a montaria.
Livre das cordas com que me ataram por
dias, eu sorria como se fuera un pájaro de vuelta a
los cielos. Pero mi alegria durou poco quando notei
que me adelantava ao passo e que el Guamanaín
ficou parado no más después que um estampido
sonó desde de la carniceria. Um tiro de pólvora
havia dado nel Guamanaín e me vi entre socorrerlo
o abandonarlo. Si volvia, cuasi certo que los hombres
pronto me alcanzariam.

— 65 —
la minuana

Voltei adonde quedose e lo encontré en los


estertores. Mirandome bem nos olhos, disse que a
mim cumpria regressar à trilha do Cuareim hasta que
encontrasse otra vez a los demás e me fez prometer
que cuidaria de la indiada como a mi própria gente.
E se eu ainda no hubiera compreendido, me fez
saber com um gesto de la mano em mi ventre que
La Minuana cargava ahora também a nuestro hijo.
Mi nombre foi mesmo su último dicho. Me
nombró “Peregrino”. Na língua deles, “Atairú”, el
viajero, o sem lugar no mundo. O sem paradeiro.
Arrancou de sua boca o tembeta e guardou entre
mis manos, mandandome escapar sin más demora
em su caballo, si no quisesse aquele mesmo fim.

— 66 —
lucio carvalho

o reencontro

— 67 —
la minuana

Deixar el Guamanaín para trás fué para


mi más dificil –que sei eu– que deixar la casa
materna... Quando estava más longe, cheguei
a mirar atrás para ver se os soldados haviam
buscado seu corpo. Não os vi. Vi que os caranchos
o cercavam e no alto os corvos bajaban poco a
poco a altura de sus volteios como a decir que
pronto também iriam ao rés do campo. Que fosse
assim e não se acabasse nas mãos de um borracho
carnicero daqueles...
Sabia o que me cumpria fazer e havia le
prometido, pero pensava em como encontrar o
que havia restado de aqueles índios. La Minuana
parecia estar enferma como La Puma, los demás
eran jovencitos ou velhos. Muchos haviam caído
muertos o desgarrandose ansí, sin otro más, no
curso da malfadada jornada. No podia no buscarlos.
Recorrendo o Tacuarembó abaixo, lembrei
do último campamento feito, próximo do lugar
onde La Puma se murió. Encontrei incluso las
maderas com que havia sido feito o fogo. Mas em
fuego muerto um paisano no encosta a mano e eu no
tinha as artes dos índios de fazer fogo em maderas,
entonces abracei-me ao cavalo porque começava a
esfriar e eu vestia farrapos...

— 68 —
lucio carvalho

No silêncio, cuasi desmaiando de sono


enrolado em meu próprio corpo, escutei lejos o
que me parecia um lamento. Algum animal da
noite, pensei. Mas qual? Apurei o ouvido e decidi
seguir mesmo no escuro aquela cantoria que
parecia de um pájaro mas bem poderia ser dela...
La Minuana.
Vinha de um cerro. Do mesmo cerro donde
calcinó sob um pedregal o corpo de sua mãe. Eu la
procurava olhando ao alto ao tempo em que cuidava
o chão em que pisava. O garrão de potro era o mesmo
que andar de a pé, mas felizmente no encontré
ninguna cosa viva, cobra, escorpión, solo el pedregal.
De repente a voz de La Minuana ficou más clara e
seu vulto surgiu contra a luz possível del amanecer
ainda distante.
Ela fazia o que eu sabia que era costume
dos índios, mas me parecia uma profanación verla
descarnando os ossos de su madre e ensacandolos
numa xerga. A sua imagem era de um ritual ancestral
que no me pertencia e se eu me avicinase para impedir
seria, esa sí, uma violación. Sentei cerca donde ela
trabajava e vi que me notou, mas não fez sinal de
parar.

— 69 —
la minuana

Regressou trazendo um couro como um


saco com o que sobrou de La Puma. Veio a mim
e se parou bem do meu lado. Continuei sentado
e ela me olhava com espanto, sem amor, como se
custasse a me reconhecer. E seguiu seu caminho
comigo de atrás pensando em como lhe diria que
el Guamanaín, se fuera – e por mi causa.
A noite se adensou na escuridão e eu
seguia seus passos de cada vez más perto, a
ponto de ouvir os ossos batendo logo na minha
frente. De longe, avistei o cavalo d’el Guamanaín
se aproximando de onde estava o fogo ainda de
otras luas. Distinto de mim, La Minuana no tenia
medo do fogo morto e se pôs a acenderlo com o
que dispunha. No escuro mesmo juntei folhas e
gravetos e ela aceitou que después de encendido
me sentasse por perto. Lado a lado um não via o
otro, hasta que dormimos e quando desperté, não
sei de que maneras, tenia la cabeça em seu colo.
“Volviste, muchacho?”, e numa alucinação
me parecia ter o mesmo perfume de quando a
encontrei na pulperia de La Puma, madressilvas...
“¿Y pa adónde vamos ahora?” Eu mal tinha
acordado e pensava que um gole de yerba-mate
me faria bién, pero era um sueño...

— 70 —
lucio carvalho

“¿Y los demás?”, perguntei levantandome


com o sol agredindo os olhos ainda semiabertos.
“En una estancia más abajo… Unos hombres
de a caballo los llevaron”, e apontou com os olhos o
caminho de la frontera hacia el sur.
“Entonces vamos también...”, disse. “Nos
empleamos de cualquier cosa... Tendrán de recibirnos”,
continuei.
“Es brasilero”, avisou. “Tanto hace. Habremos
de nos entender...”, disse e ela concordou.
Ajustamos en el overo del Guamanaín o que
ela trazia, tambén los restos de La Puma, pocos cueros,
mas nada de comer.
Prontos a partir, alcançou las bolas cintadas e
disse “Ahora muestra o que mi inchalá21 te enseñó”.
Seguimos contra o sol, tapando os olhos com a
ajuda de las manos. No caminho, después de docenas
de tiros, logré golpear uma perdiz. Ela sorria e já no
parecía enferma, sino feliz. E eu também.

21
Do charrua - irmão - cf. Teodoro Miguel Vilardebó. Op. cit, 1963.

— 71 —
la minuana

el indiecito

— 72 —
lucio carvalho

Além dos campos de Sant'Anna, mas allá de


la frontera, o Rio Negro segue seu corcoveio hasta
dar com aquele acampamento de um antigo cacique
que ajudou Sepé em tempos mui antigos a expulsar
los demarcadores em Santa Tecla. O lugar, agora
chamado Bagé, cresce sem parar com guarnición
armada, paroquia, cabildo, intendente, prisión,
delegado, o sea, tudo o que precisa uma ciudad.
Foi donde nos paramos, um pouco más ao
norte, después de la marcha em que nos desfizemos
de cuasi tudo que nos fizesse parecer gente de la
indiada. É claro que mesmo ansí bastava bater os
olhos en La Minuana para que se visse que a
chinita e sua cor de terra cozida no era la misma mia,
alva como a maioria dos habitantes do lugar. Mas en
la ubicación de campo aún, cerca de la ciudad pero ni
tanto, gente como ela e nuestro piazito havia de montón.
Empregados aqui e ali em tropas e otros
serviços, poderíamos viver com alguma tranquilidad.
Se não vivera comigo, La Minuana ciertamente seria
uma a más de las que sirven a la gauchada en los
burdeles de la campanha. Com mejor sorte, uma peona
de galpón ou de casa, de alguma senhora de estância.
Como mantinha as artes de cura com que se afamara
no passado, la población le tenia cuidado. Algum
que no le tuviera saberia que ao passar en el bolicho
habia un facón pronto a tomar sus quejas.

— 73 —
la minuana

Mas bueno, ansí nos acomodamos por aqui e


estamos por buscar la dicha para nuestro paganito.
O padre nos fez saber a todos que o batismo era
livre, desde que não nos tardássemos. ¡De hoy no
se escapa el diablito!
“¿José?.. ¡Vení!”, sua mãe o chamava bem na
frente do nosso rancho que nem porta tinha direito
a essa altura. Nada do indiecito. No es posible que
tenha se escapado justo hoje...
“¿Donde se metió esse cristiano?”, perguntou
e indiquei que era melhor ir por él. Tomamos os
fundos da casa, na direção do braço da sanga
donde apreciava pescar e ouvir o canto do rio e
dos pássaros, quando não estava de banho em
diabaradas com los otros chiquitos do lugar.
Pero no estaba. Ao menos no donde lo
sabíamos siempre. Eu temi por um instante, e se
tivesse fugido o taura? Pero La Minuana estava
tranquila e indicou que ele na verdade havia ido ao
otro lado del rio e estava deitado boca abajo, bem
como los minuáns teniam costumbre para entender
o rumor das distâncias. Dormia, el indiecito...
Fiz de atravessar a água, mas ela me interpelou:
“Te vas a mojar la ropa”... Coloquei as mãos na boca
como se fosse gritarlo e ela me impediu também.

— 74 —
lucio carvalho

“Dejalo... No se despierta un indiecito a quien


el río puso a dormir...”, disse e protestei lembrando
do batismo na cidade e de que já tínhamos, afinal,
tudo pronto para partir.
“Acaso pensas que hay um batismo maior
que esse, tche...? ¡Dejalo!”, insistiu e me olhou com
olhar de quem no estava pedindome nada...
“No tiene guardado el tembeta de mi hermano?
Pues hoy es el dia de entregarlo a su dueño...”, disse
e então me aquietei.
O dia não tinha frio nem era calor, como são
os dias de otoño, dias del tero azul22. Uma barbicha
anciana de corticeira voló ante a nosotros na direção
da pulperia e notei que o humo ainda volava arriba
la chimenea. Poderíamos virar o mate, sentar bem
ali na frente um tanto e simplesmente continuar la
vida. Pero algo no me permitia moverme e La
Minuana respaldó la cabeza e sus cabellos negros
taparon mi vista e depois percebi que José afinal
havia acordado, nos mirava e sorria como se fuéramos
pa’ él como arte de alguna pintura, o qualquer otra
cosa ansí.

22
El Tero Azul é uma lenda de origem charrua compilada no livro
Mitos, leyendas y tradiciones de la Banda Oriental, de Gonzalo Abella.

— 75 —
— 76 —
— 77 —
re fe rê nc ias

abella , Gonzalo. Mitos, leyendas y tradiciones de la Banda


Oriental, Montevideo, Betunsam, 2008.
acosta y lara , Eduardo F. La guerra de los charruas en la
banda oriental. Montevideo: Monteverde, 1970.
asenjo , Darío Arce. Historia y memoria del desencuentro indio
en Uruguay. Rev. urug. Antropología y Etnografía [on
line]. 2018, vol.3, n.2, pp.107-116
barrios pintos , Aníbal. Los aborígenes del Uruguay: del
hombre primitivo a los últimos charruas. Montevideo:
Linardi y Risso, 1991.
carvalho, Moacyr Ribeiro de. Dicionário tupi (antigo)-português.
Salvador: Ed. do Autor, 1987.
castro, Eduardo Viveiros de. Metafísicas canibais. São Paulo:
Cosac Naify, 2015.
chartier , Roger. A história ou a leitura do tempo. 2. ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
dacanal, José Hildebrando (org.); gonzaga, Sergius (org.). RS:
cultura & ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.
darwin, Charles. Viagem de um naturalista ao redor do mundo:
diários de pesquisa sobre a história natural e a geologia
dos países visitados durante a viagem do Beagle. Porto
Alegre: L&PM, 2008. 2v.
faraco, Sergio. Contos completos. 3. ed. Porto Alegre: L & PM, 2011.
favre , Oscar Padrón. Sangre indígena en el Uruguay. 3. ed.
Montevideo: Libros del autor, 1994.
gutfreind , Ieda. A historiografia gaúcha. 2ª Ed. Porto
Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1998.
jacques João Cezimbra. Ensaio sobre os costumes do Rio Grande
do Sul precedido de uma ligeira descrição física e de uma
noção histórica, 1883.

— 78 —
jaegger, Luíz Gonzaga. O índio no Rio Grande do Sul, Porto
Alegre: puc/rs, 1957.
malinowski, Bronislaw. Magia, ciência e religião. São Paulo:
Vozes, 2022.
martins, Ciro. Paz nos campos. Col. Província, Vol. 12. Porto
Alegre: Globo, 1957.
_______. Sem rumo. 2 ed. Col. Rio Grande, Vol. 29. Porto
Alegre: Globo, 1977.
maya, Alcides. Tapera. 3. ed. Porto Alegre: Movimento,
Universidade Federal de Santa Maria, ufsm, 2003.
mazz, José M. López. Sangre indígena en Uruguay. Memoria y
ciudadanias post nacionales. Athenea Digital – 18 (1):
181-201 (marzo 2018).
meyer, Augusto. Guia do folclore gaúcho. Rio de Janeiro:
inl/iel, 1975.
muñoz, Eugenio Petit. Los primitivos habitantes del Uruguay,
Enciclopedia Uruguaya, 1958.
passetti, Gabriel. Indígenas e criollos: política, guerra e
traição nas lutas no sul da Argentina (1852-1885).
São Paulo: Alameda, 2012.
porto, Aurélio. Primitivos habitantes do Rio Grande do Sul.
In: História das missões no Uruguai, vol 3, pt 1.
Porto Alegre: Selbach, 1954.
roquette-pinto, Edgard. Relatório de excursão ao litoral e à
região das lagoas do Rio Grande do Sul, Porto Alegre:
Gráfica da urgs, 1962.
veríssimo, Érico. O tempo e o vento - O Continente, Tomo I.
Porto Alegre: Globo, 1967.
vilardebó, Tedoro Miguel. Notícias sobre los charruas: el
Códice Vilardebó. Montevideo: Covadionga, 1963.

— 79 —
índ ex

Abella, Gonzalo, 75 Diegues, Douglas, 26


Acevedo Diaz, Eduardo de, 26 Dois guaxos, Faraco, S., 23
Açorianos, 13
América do Sul, 19 El Tero azul, Abella, G., 75
Araucanos, 19 Estrangeira, Maya A., 22
Argentina, 19, 53
Asenjo, Dario Arce, 14 Fabvre, Oscar, 18
Faraco, Sérgio, 23, 26
Bagé, 75, 83 Flete, Martins, C., 23
Banda Oriental, 13, 14, 31, 64, 75
Bandeirantes, 13 Gran Chaco, 19
Bernabé, Bernabé, Mattos, T., 21 Guaicurus, 16
Botucaraí, 22 Guarani,14, 22, 24, 27, 38, 49
Brasil, 12, 18, 35, 40, 83 Guenoa-minuano, 17-19
Buarque de Holanda, Sérgio, 17 Guerra Grande, 18
Buenos Aires, 19, 53 Guerra do Paraguai, 26
Guia do folclore gaúcho, Meyer,
Cacequi, 35 A, 21
Cafulcurá, (cacique), 53 Gutfreind, Ieda, 17
Campanha do Deserto, 19
Caraí, Miguel, D., 17 História da Inglaterra: da invasão
Carvalho, Moacyr Ribeiro de, 23 de Júlio César à Revolução de
Chaco, 47 1688, Hume, D., 9
Chartier, Roger, 11 Hume, David, 9
Charruas, 27, 39
Cheuiche, A., 24 Indígenas e criollos: política, guerra e
Chile, 18 traição nas lutas no sul da Argentina
Cisplatina, 18 (1852-1885), Passetti, G., 53
Contos Gauchescos, Lopes Neto, J.S., 22
Contra o colonialismo, Weil, S., 9 Jacques, João Cezimbra, 21, 39
Coroa Portuguesa Jaegger, Luís Gonzaga, 38
Costa, Lucio, 17
Lara, Acosta y, 18
Dacanal, José Hildebrando, 20, 21 Lessa, Barbosa, 24
Dançar tango em Porto Alegre Lopes Neto, João Simões,22, 23, 26
Faraco, S., 23 Los primitivos habitantes del Uruguay,
Darwin, Charles, 19 Muñoz, E. P., 37

— 80 —
Malinowski, Brolnislaw, 27 Ranqueles, 19
Mapuche, 53 República Oriental del Uruguay, 13,
Martins, Ciro, 23 14, 19, 21, 26, 83
Mattos, Tomás de, 21 Revolução Farroupilha, 18
Maya, Alcides, 22 Ribeiro de Carvalho, Moacyr, 32
Mazz, José M. Lopez, 16 Rio Grande do Sul, 30
Melancia – Coco Verde, Lopes Neto Rio Negro, 31, 34, 73
J.S., 22 Rio Uruguay, 13, 18
Meyer, Augusto, 16, 21 Rodeio dos Ventos: contos gauchescos e
Ministério de Saúde e Educação, 17 de tradição missioneira, Lessa B., 24
Missões, 13, 14, 17 Roquette-Pinto, Edgard, 44
Mitos, leyendas y tradiciones de la RS: Cultura e Ideologia, Dacanal, J, 19
Banda Oriental, Abella, G., 75
Molas, Ricardo, 16 San Isidro, 37
Muñoz, Eugenio Petit,37 Sant'Anna, 73
Santa Tecla, 73
Nhenguirú, Nicolau, 14 Schlee, Aldyr Garcia, 26
Nichols, Madeleine, 16 Sem rumo, Martins, C., 23
Notícias sobre los Charruas: el Códice Sepé Tiarajú – Romance dos Sete Povos
Vilardebó, Vilardebó, T, 27 das Missões, Cheuiche, A., 24
Severo, Fabián, 26
O boi das aspas de ouro, Lessa, B., 24
Tacuarembó, 41, 68
Ornellas, Manuelito de, 16, 24
Tapera, Maya, A., 22
Tehuelche, 19, 53
Paraguai, 16, 26, 63
Tiarajú, Ornellas, M. de, 24
Paraná, Rio, 13
Tiarajú, Sepé, 14, 21, 24
Partido Republicano
Tratado de Madri, 13
Riograndense, 17
Tupi, 23, 32, 35, 37, 38, 39, 44
Passetti, Gabriel, 19, 53, 54,
Paz nos campos, Martins, C., 23
Vargas, Getúlio, 17
Pintos, Barrios, 27
Veríssimo, Érico, 22, 23
Vilardebó, Teodoro,27, 35, 39, 60, 71
Porto Alegre, 83, 84
Viveiros de Castro, Eduardo, 78
Porto, Aurélio, 15-18
Prata, (região), 12, 16, 19, 20, 53 Weil, Simone, 9

Quíchua, 37 Yupanqui, Atahualpa, 9

— 81 —
— 82 —
Lucio Carvalho [1971]

Nascido na fronteira do Brasil e o Uruguai, em


Bagé (Rio Grande do Sul), viveu sua infância e adolescência
entre a cidade natal, o município de Lavras do Sul, cidade
onde residiam os avós paternos, e a estância Três Tarumãs,
propriedade rural de seus pais.
Servindo-se de uma máquina de datilografar
Olivetti vermelha, presente do pai, ainda em Bagé começa
sua atividade literária.
Os registros mais antigos são versos escritos aos seis
anos de idade. Na terceira infância, lê o quanto pode dos
livros da família, antologias, enciclopédias, jornais e o que
lhe for possível, sem deixar de lado a experiência infantil
e o adolescer. Nesse meio tempo, publica com amigos na
imprensa alternativa local e participa de mostra promovida
por grupos de artistas locais no ano de 1986. Começa a
estudar música.
Durante os anos a seguir, escreve esparsamente. No
fim da década de oitenta, passa a viver em Porto Alegre,
onde ainda reside. Gradua-se no curso de Biblioteconomia
e Documentação e especializa-se em Literatura Brasileira na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Da pós-graduação,
resulta a edição do livro A crise da representação rural na
literatura rio-grandense (2020).

— 83 —
Em meados da primeira década, retoma a
atividade literária ao tempo em que principia a atividade
jornalística. Passa a atuar como ativista em movimentos
de direitos humanos. Co-edita e torna-se redator do
portal e revista Inclusive – inclusão e cidadania, projeto
que recebe da Organização dos Estados Ibero-americanos o
Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos em 2010.
Na década seguinte, intensifica a produção
jornalística e de crítica literária, escrevendo para
periódicos impressos e mídias digitais de todo o país.
Parte deste trabalho está registrado no livro Sim, se
discute, com terceira edição em 2022.
Ao mesmo tempo, retoma a interrompida
produção literária e passa a publicar, além de textos
críticos e ensaios, poemas e contos. Em 2015, publica pela
editora Movimento, de Porto Alegre, o livro de contos A
aposta, integrando a Coleção Rio Grande da editora.
Em 2015 e 2017, respectivamente, publica o
volume de poemas Falso Alarde e a coleção de ensaios
Inclusão em Pauta, em edição do autor. A seguir, em
2019, cria o selo editorial Valentine e por seu intermédio
publica mais duas novelas, Frente fria e Down House
1858, o romance Trapézio (republicado como Fica na tua
pela Saraquá Edições em 2021), dois volumes de poemas
(Pedra-pomes e Achados, salvados, perdidos) e uma
antologia de contos intitulada Interiores (2019).

— 84 —
O selo é encerrado em 2021, ano no qual todas
as edições tornaram-se esgotadas. Em 2022, publica
Inventário, pela tan Ed., livro que reúne a produção
poética dos livros anteriores e recupera poemas desde o
ano de 1986.
Atua profissionalmente no Ministério Público do
Estado do rs, no qual concursou-se em 2004. Em 2020,
criou e tornou-se editor da revista literária quadrimestral
Sepé (issn 2675-9365), hoje em sua décima edição.
Continua produzindo literatura e crítica como se não
houvesse amanhã.

— 85 —
bi blio g rafia se lecionada

Livros
A aposta, Ed. Movimento, 2015. 150 p.
Inclusão em pauta, 2ª ed (ac. aberto), Porto Alegre, Valentine,
(2015, 2022). 326 p.
Falso alarde, Porto Alegre, Valentine, 2017, 268 p.
Pedra-pomes, Porto Alegre, Valentine, 2019, 141 p.
Achados, salvados, perdidos, Porto Alegre, Valentine, 2021, 116 p.
Sim, se discute, 3ª ed (ac. aberto), Porto Alegre, Edição do
Autor, 2022. 441 p.
Interiores, Porto Alegre, Valentine, 2019. 259 p.
Frente fria, Porto Alegre, Valentine, 2019. 162 p.
Down House, 1858: o inquérito de Arthur, Porto Alegre,
Valentine, 2019. 176 p.
Fica na tua, Cachoeira do Sul, Saraquá Edições, 2021. 287 p.
A crise da representação rural na literatura rio-grandense,
Porto Alegre: Ed. Fi, 2020. 76 p.
Contos da Sepé (org.), Porto Alegre, Diadorim, 2022. 216 p.
Inventário, tan ed., Sant'Ana do Livramento, 2022. 432 p.
Coisas outras, (ac. aberto), Edição do autor, 2023. 197 p.

Poesia esparsa
Três poemas inéditos. Curitiba (pr), Portal Cronópios, 2012.
Poemas. S. l, Mallarmargens, Vol. 1, n. 6, 2012.
Cinco poemas inéditos. S. l, Mallarmargens, Vol. 2, n.7, 2013.
Cinco poemas. Natal (rn), 7Faces. Ano vii. 13. Ed. jan/jul 2016.
Cinco poemas orientais e um do oriente médio; Tão simplesmente
(a flautista de porcelana). Belo Horizonte (mg),
Germina – Revista de Arte & Literatura, 2015.
A desordem ordenada. Belo Horizonte (mg), Germina – Revista
de Arte & Literatura, 2017.

— 86 —
Sala de espera. Belo Horizonte (mg), Germina – Revista de
Arte & Literatura, 2017.
Três poemas (de Falso Alarde). Curitiba (pr), Escamandro –
poesia, tradução, crítica, 2018.
Cinco poemas. Diversos afins, 2022.

Ficção esparsa
O insepulto. Belo Horizonte (mg), Suplemento Literário mg.
Ed. 1.368 (set/out, 2016), p. 17-19.
Por via das dúvidas. Belo Horizonte (mg), Germina – Revista
de Literatura & Arte. v. 12, n. 4 (dez./2016), on-line.
Fechando a conta. Porto Alegre (rs), Correio do Povo, Caderno
de Sábado (supl.), 11 de março de 2017, p. 3.
De vez em quando. Porto Alegre (rs), Correio do Povo, Caderno
de Sábado (supl.), 8 de julho de 2017, p. 3
Guri. Belo Horizonte (mg), Suplemento Literário mg. Ed. 1.383
(mar/abr, 2019), p. 34-39.

Crítica esparsa
Hannah Arendt, poeta. Porto Alegre (rs), Zero Hora, 2023.
Diante do mundo. Porto Alegre (rs), Zero Hora, 2023.
A nova biografia de Fernando Pessoa. Porto Alegre (rs), Revista
Parêntese, 2023.
Os cativos. Porto Alegre (rs), Revista Parêntese, 2022.
Novos mares para Mar Becker. Porto Alegre (rs), Zero Hora, 2022.
A divina proporção literária. Porto Alegre (rs), Revista
Parêntese, 2023.
Caminhos do livro no Rio Grande do Sul. Porto Alegre (rs),
Revista Parêntese, 2023.
Cancelando Darwin. Porto Alegre (RS), Revista Parêntese, 2023.

— 87 —
Liberdade e opressão em Simone Weil. Teresina (pi), Revista
Amálgama, 2021.
Contra o ódio. Porto Alegre (rs), Correio do Povo, 2021.
Lugar do pensamento na poesia brasileira. Revista Sísifo. n° 13,
Janeiro/Junho 2021. isnn 2359-3121.
A mulher submersa. Porto Alegre (rs), Correio do Povo, 2021.
Hors Concours. Revista Parêntese (rs), 2021.
Marrom e amarelo. Porto Alegre (rs), Correio do Povo, 2020.
Livros de viagem. Porto Alegre (rs), Correio do Povo, 2020.
A filosofia do pacato Byung-chul Han. Porto Alegre (rs),
Correio do Povo, 2019.
A terra inabitável. São Leopoldo (rs) Ihu online, 2019.
Política à mancheia. Porto Alegre (rs), Correio do Povo, 2019.
Nenhum mistério. Teresina (pi), Revista Amálgama, 2018.
A tirania do amor. Teresina (pi), Revista Amálgama, 2018.
O leitor como metáfora (e realidade). Teresina (pi), Revista
Amálgama, 2018.
Xarqueada ganha edição comemorativa. Porto Alegre (rs),
Correio do Povo, 2018..
A paixão tranquila de Emily Dickinson. Belo Horizonte (mg) –
Germina – Revista de Arte & Literatura, 2018.
Poesia, sua desgraçada. Belo Horizonte (mg) – Germina –
Revista de Arte & Literatura, 2017.
A vida secreta das árvores. São Leopoldo (rs), Ihu online, 2017.
A poesia, a crítica e um tanto mais de Antonio Cicero. Teresina
(pi), Revista Amálgama, 2017.
A introspecção luminosa de Itálico Marcon. Porto Alegre (rs),
Correio do Povo, 2017.
Sardônico Bierce. Porto Alegre (rs), Correio do Povo, 2017.
O afiador de versos. Belo Horizonte (mg) – Germina – Revista
de Arte & Literatura, 2017.

— 88 —
Um livro que aceita adjetivos. Teresina (pi), Revista Amálgama,
2017.
Desbaratando Fernando Pessoa. Teresina (pi), Revista
Amálgama, 2017.
Pasolini e o non-sense da poesia. Teresina (pi), Revista
Amálgama, 2015.
A fronteira desfeita por Sérgio Faraco. Belo Horizonte (mg)
Suplemento Literário mg, 2015.
Turismo para cegos. Teresina (pi), Revista Amálgama, 2015.
Os lumes de Mia Couto e a voz de Herberto Helder. Curitiba (pr),
Homo Literatus, 2014.
Quarenta vezes Zero. Curitiba (pr), Homo Literatus, 2014.
Prepare-se para cair. Teresina (pi), Revista Amálgama, 2014.
Da cartografia da exclusão ao mergulho da subjetividade. São
Paulo (sp), Observatório da Imprensa, 2014.
Nós, os estropiados. Porto Alegre (rs), Zero Hora, 2017.
O regresso. Teresina (pi), Revista Amálgama, 2017.
A crise e a narrativa rashomônica das redes sociais. São Paulo
(sp), Observatório da Imprensa, 2016.
A cultura do estupor. São Paulo (sp), Observatório da Imprensa, 2016.
A gamificação e o futuro da leitura. São Paulo (sp), Observatório
da Imprensa, 2015.
O insepulto gaúcho. Porto Alegre (rs), Sul 21, 2015.
Cor e relevo na música brasileira. Rio de Janeiro (rs), Revista
Música Brasileira, 2015.
A confluência poética de Jeniffer Franklin. Goiânia, Jornal
Opção, 2014.
O e-book de areia. Teresina (pi), Revista Amálgama, 2014.
Do que depende a sobrevivência da leitura? São Paulo (sp),
Observatório da Imprensa, 2010.
O primeiro não. Porto Alegre (rs), Via Política, 2010.

— 89 —
— 90 —
sumário

9 epígrafes
11 prólogo

31 la minuana
37 san isidro
43 el guamanaín
47 escape
53 desterro
58 la puma
63 o tembeta
68 o reencontro
73 indiecito dormido

78 referências
80 índex
82 sobre o autor
86 bibliografia selecionada

— 91 —
capa
karina rodas
projeto gráfico
tan
revisão do autor

iconografia
selo . autorretrato em seis traços , tan 1994
cerca de pedra e coronilha , rocha , uruguay , autor desconhecido
carte de la partie méridionale du bresil , m . bonne ,1781
ojibwa camp at the shores of georgian bay , paul kane (1810–1871)
lucio carvalho em três tarumãs, bagé, por viviane carvalho, 1998

tan ed .
13 de maio , 292
sant ' ana do livramento
97573-438 - rs - brasil
55 55 3242 2112 — 55 55 984588498
598 98281216 (uruguay)
www.taneditorial.com.br
tan@editorial.com.br

— 92 —
copyright © 2023 desta edição , tan ed . – © 2023 lucio carvalho
todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19–2–1998.
é proibida a reprodução sem a expressa anuência da editora ou do autor

dad o s int e r nac ionais de catalo gação


na p ub l icação (c ip )
câmara b ras i l e ira d o l ivro

20 23

Carva lho , Lucio


L a Mi nua na / Lucio Carvalho. -- 1. ed.--
– Sant ' Ana do Livr a m e nt o , rs : t an ed. 2 0 23 .
96 p. ; 13 x 20 cm. – (Coleção ; v.12)

ISBN 978-65-81264-12-3

1. Indígenas - História 2. Prosa brasileira


I. Título. II. Série.

23-164 04 8 cdd- b 8 6 9 .8

Índices para catálogo sistemático:


1 . Pr o s a : Lite r a t ur a br a s ile ir a B 8 6 9 . 8

Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253

— 93 —
tan ed.

Poesia
à espera de um igual (1985 – 2018) Thomaz Albornoz Neves, 2020.

oriente . tradução . Thomaz Albornoz Neves, 2021.


24 verbetes -ocidente- ensaios e traduções.
Thomaz Albornoz Neves, 2022.
política – poemas aforismos desaforos cronopoemas –

ed. bilíngue. Michel Croz, 2021.


antologia inventada. ed. bilíngue, Rafael Courtoisie, 2021.

poesia (1985 – 2011). Getúlio Ellwanger Neves, 2022.

inventário (1986 – 2020). Lucio Carvalho, 2022.

olhar o ar . Felipe García Quintero, 2023.

Prosa
relatos reunidos . Graciela Moratorio, 2021.
pós - escrito a dante milano . Thomaz Albornoz Neves, 2023.
perros del diablo . Letícia Nuñez Almeida, com aquarelas de

Florencia Valle, 2023.


diário de golfe. 3ª ed. revisada. Thomaz Albornoz Neves, 2023.

Fotografia
9 paisagens. Thomaz Albornoz Neves, 2023.
fora de foco – Fotos Privadas. Thomaz Albornoz Neves, 2023.

Desenhos
esboços . Thomaz Albornoz Neves, 2023.

— 94 —
la minuana
foi paginado pelo
editor em julho de 2023 com
fontes Apollo 9/ 18 e impresso
em bookcel 80 gr. no mesmo mês na
cidade de Mvdeo por Mastergraf
para tan ed. no IV ano
da sua fundação
150 exe. num.

d. l. :
12/ 2023

— 95 —
S C R I P TA M A N E N T

— 96 —

Você também pode gostar