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Definição geral

O Quinhentismo é um movimento mais documental e histórico do que literário e só existiu no


Brasil. Abriga a literatura de informação, a literatura de formação(também chamada de
caquetese) e alguns tratados relacionados à dominação portuguesa do território brasileiro que,
até então, era pertencente aos povos originários que foram denominados pelos europeus como
“povos indígenas”.

Portugal apossou-se do território, que passou a servir aos interesses da metrópole. A principal
finalidade das grandes navegações era a expansão do comércio, mas os povos originários do
Brasil não eram nem compradores nem vendedores de nada. Restou o objetivo da exploração
econômica da terra encontrada aliada a um processo de aculturação da população nativa.

Assim, esse período nos estudos literários e históricos retrata apenas o projeto colonial
português, que incluiu duas frentes: a religiosa e a laica, ou seja, a Fé e o Império. E duas
estratégias: a exploração econômica e a catequese. Daí também derivam dois tipos de textos: a
literatura de viagem (informação sobre a terra) e a literatura proselitista católica (a sedução do
nativo para se converter à religião católica).

A literatura de informação

De grande valor documental, a produção escrita nesse período traça um detalhado perfil da
terra sob a ótica de um colonizador surpreso com o que acabara de encontrar, tão diferente a
seus olhos. Os mínimos sinais da natureza eram registrados como indícios de mensagens de
Deus aos conquistadores.

A Carta de Pero Vaz de Caminha nos passa a impressão de que a harmonia indivíduo-natureza
não havia sido rompida. O mito da bondade natural é lembrado no fato de os selvagens andarem
despidos como se desfrutassem do estado bíblico de inocência. Não tinham comido ainda o fruto
do bem e do mal. Caminha fixou uma das primeiras imagens do bom selvagem, mito que seria
formulado de maneira mais abrangente pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau no século XVIII. Em
síntese, esse mito concebe o ser humano como bom por natureza e a vida em sociedade como
agente que o corrompe.

A Carta é datada de primeiro de maio de 1500, mas só foi publicada pela primeira vez em 1817.
Ela traz as primeiras impressões da frota de Cabral sobre a terra onde chegaram e seus
habitantes, tratando dos acontecimentos que vão da partida da expedição de Portugal, em 9 de
março de 1500, até o envio de uma nau de volta, em primeiro de maio, informando ao rei o que
foi encontrado na terra nova.

A Carta pode ser dividida em três partes. A primeira mostra a travessia marítima, uma expressão
da largueza dos itinerários lusitanos. Mas, para isso, vale-se de poucos parágrafos sumários.
Quando surgem os primeiros sinais de terra, inicia-se a segunda parte da Carta e o relato torna-
se minucioso. Essa parte termina com a visão paradisíaca das índias nuas. A terceira parte é um
painel mostrando os esforços do colonizador para começar a absorver a terra no processo
comercial, religioso e simbólico, introduzido pelas grandes navegações. Os maiores conflitos
viriam depois.

Ainda que o objetivo da correspondência fosse informativo, Caminha não deixou de utilizar o
bom domínio da escrita que possuía, podendo ser considerado um escrivão-escritor. O valor
fundamental da Carta está no fato de que o cronista, embora identificado com uma das culturas
em tensão, deixa que a outra se manifeste e lhe confere viva expressão. Um traço importante
no estilo do cronista é o visualismo. Caminha coloca as cenas diante dos olhos do leitor. Ele é
um mestre da cor e da imagem, virtudes herdadas de seu antecessor, o cronista Fernão Lopes.
O ângulo visual de Caminha restringe-se à amurada do navio ou a breves visitas à praia para
relacionar-se com a população nativa. A terra quase sempre é vista do mar. E o narrador
demora-se mais no espetáculo humano que no da natureza.

O encontro entre as duas culturas não é mostrado como choque. Um bom exemplo das
diferenças entre elas está na reunião que os portugueses promovem na nau Capitania quando
trazem, pela primeira vez, dois indígenas a bordo:

O capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de
ouro bem grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão
Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele, vamos sentados
no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram (os dois indígenas). Mas não fizeram sinal
de cortesia, nem de falar ao capitão nem a ninguém.
GUERREIRO, M. Viegas. In: CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a el-rei Dom Manuel sobre o achamento do
Brasil. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1974. p. 40.

Vale lembrar que o fato de o choque entre os portugueses e as populações indígenas não ser
narrado na Carta de Caminha não significa que ele não tenha existido. Só temos acesso a
documentos e registros portugueses, logo é um ponto de vista unilateral. Caminha inclusive
afirma, na Carta, que os indígenas eram “muito mais nossos amigos que nós seus”.

Não há dúvida de que a Carta vai muito além de um registro burocrático dos fatos. E esse “além”
encontra-se na literariedade do texto: a beleza das imagens, a expressividade das palavras, as
sugestões cromáticas e cinéticas, a riqueza de uma linguagem já exercitada na prosa de outros
cronistas. À medida que a leitura da Carta avança, é possível perder de vista o narratário definido
na figura de D. Manuel e compreender que Caminha dirige-se a um leitor mais geral, dentro do
qual você se sente incluído. E esse poder de inclusão vem dos recursos literários do autor.

Tratado da Terra do Brasil e História da Província de Santa Cruz

Na literatura de informação merecem destaque o Tratado da Terra do Brasil, escrito por volta
de 1570, e a História da Província Santa Cruz, impressa em 1576, ambos de Pero Magalhães
Gândavo. No Tratado, a prioridade é mostrar as riquezas da terra, os recursos naturais nela
existentes, para que os portugueses se animem a povoá-la, o que fica explícito nas palavras do
autor no “Prólogo ao leitor”:

Minha tenção não foi outra, neste sumário, senão denunciar em breves palavras a fertilidade e
abundância da terra do Brasil, para que (com) esta fama venha a notícia de muitas pessoas que
nestes reinos vivem com pobreza, e não duvidem escolhê-la para seu remédio.
GÂNDAVO, Pero Magalhães. Tratado da Terra do Brasil e História da Província Santa Cruz. Belo Horizonte:
Editora Itatiaia, 1980. p. 22.

Percebe-se também que havia índios escravizados, já que são mencionados os “forros” (livres).
Gândavo, às vezes, critica duramente os costumes indígenas, como neste comentário de ordem
linguística e moral:

A língua deste gentio toda pela costa é uma: carece de três letras, não se acha nela F, nem L,
nem R, cousa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira
vivem sem justiça e desordenadamente.
GÂNDAVO, Pero Magalhães. Tratado da Terra do Brasil e História da Província Santa Cruz. Belo Horizonte:
Editora Itatiaia, 1980. p. 52.

Os assuntos que mais interessavam a Gândavo eram o comportamento sexual dos indígenas e
os rituais de antropofagia, haja vista que esses povos eram aculturados pelos portugueses e
tinham seus costumes submetidos ao olhar, sem alteridade, de outra sociedade. Outro ponto
que sempre interessou aos colonizadores, e que está presente na História da Província de Santa
Cruz, são as riquezas materiais que as terras novas podem oferecer à metrópole.

Literatura de catequese

Os padres jesuítas exerceram uma relevante função didática e moral nos primeiros séculos da
colonização portuguesa no Brasil, tentando estabelecer um modelo teocrático de civilização por
meio de suas escolas. Nesse modelo, o índio era a matéria-prima de uma nova sociedade. Muitas
vezes os jesuítas entraram em choque com o patriarcalismo agricultor leigo, que via no índio
apenas a mão de obra escrava.

A atividade pedagógica (ensino do latim), a ação missionária (cristianizar) e a função moralizante


(casamentos) compõem a missão dos jesuítas.

A contribuição de Padre José de Anchieta


Na história da Literatura Brasileira, o Padre José de Anchieta ocupa lugar importante por sua
condição de sermonista, poeta e dramaturgo, servindo-se dos seguintes idiomas: latim,
castelhano, português e tupi (língua geral). Toda sua obra poética e teatral tem objetivos
missionários para alcançar indígenas, soldados e colonos. O Auto de São Lourenço, representado
em 10 de agosto de 1583, em Niterói, foi composto por Anchieta em tupi, espanhol e português.
Apresenta personagens alegóricas tipicamente medievais, como “Amor de Deus” e “Temor de
Deus”. O caráter dualista (divisão entre bem e mal, certo e errado), que ajudava a promover a
doutrinação do público-alvo, está no conflito entre as forças da salvação (São Sebastião, São
Lourenço, Anjo) e as da perdição (Guaixará, rei dos diabos, e Aimbirê e Saravaia, seus criados).
Uma das técnicas utilizadas para mostrar a superioridade do colonizador foi colocar a fala do
Anjo em português e a do demônio em tupi.

A poesia lírica de Anchieta preserva a medida velha (redondilhas menores e maiores) da poesia
medieval, porque são versos curtos, fáceis de memorizar e de cantar nas cerimônias litúrgicas.
Muito lembradas são essas redondilhas a Santa Inês:

Cordeirinha linda,

Como folga o povo

Porque vossa vinda

Lhe dá lume novo

[...]

Morro porque vejo

Que este nosso povo

Não anda faminto

Deste trigo novo.

[...]

Não se vende em praça

Este pão de vida,

Porque é comida

Que se dá de graça.
ANCHIETA, José de. A Santa Inês. In: FAUSTINO, Mário (Org.). Evolução da poesia brasileira. Salvador:
Fundação Casa de Jorge Amado, 1993. p. 18..
José de Anchieta e o teatro

As primeiras realizações teatrais em terras brasileiras são os autos do Padre José de Anchieta,
uma espécie de teatro-catecismo para ensinar os valores cristãos aos indígenas, sobretudo nas
crianças. Os autos de Anchieta buscam tocar diretamente os corações, evitando raciocínios
abstratos. Figuras alegóricas (exposição de um pensamento sob forma metafórica) representam
a morte, os pecados, anjos e demônios, suscitando temor e terror diante dos castigos e a
aceitação das verdades da fé católica. Portanto, a arte dramática do Padre Anchieta é um
instrumento didático, comprometido com os fins religiosos da catequese. Esse teatro reconstrói,
a seu modo, um pouco do momento inicial da nossa história.

Leia os trechos a seguir para perceber como o texto teatral de Anchieta é construído conforme
os preceitos da difusão a fé católica por meio das artes. Neste fragmento do segundo ato,
Guaixará, Ambirê e Saravaia representam a perdição / o pecado.

Que bom costume é bailar!

Adornar-se, andar pintado,

tingir pernas, empenado

fumar e curandeirar,

andar de negro pintado.

Andar matando de fúria,

amancebar-se, comer

um ao outro, e ainda ser

espião, prender Tapuia,

desonesto a honra perder.

Para isso com os índios convivi.

Vêm os tais padres agora

com regras fora de hora

pra que duvidem de mim.

Lei de Deus que não vigora.


ANCHIETA, José de. O Auto de São Lourenço. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 48.
O “antídoto” contra esses pecados está nesta fala de São Lourenço:

Mas existe a confissão,

bem remédio para a cura.

Na comunhão se depura

da mais funda perdição

a alma que o bem procura.

O teatro de Anchieta representa o esforço dos jesuítas para incorporar os povos indígenas
brasileiros às raízes da civilização cristã e promover a integração social entre o indígena e o
português. São do Padre José Anchieta as primeiras expressões líricas da poesia e as
manifestações inaugurais do teatro em terras brasileiras.

Se depois de arrependidos

os índios vão confessar

dizendo: “Quero trilhar

o caminho dos remidos”.

– o padre os vai abençoar.

ANCHIETA, José de. O Auto de São Lourenço. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. p. 66.

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