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Enquanto o restante da armada seguiu para a Índia, o navio de Gaspar de Lemos foi
despachado por Cabral para Lisboa, ao fim da estadia no Brasil, em 2 de maio. Por meio
dele, a carta chegou ao seu destinatário. Das mãos de dom Manuel 1o, passou à
secretaria de Estado como documento secreto, pois se queria evitar que chegasse aos
espanhóis a notícia do descobrimento.
Anos mais tarde, o documento foi enviado para o arquivo nacional, localizado na Torre
do Tombo do castelo de Lisboa ("tombo" tem aí o sentido de conservação, como
quando se fala, por exemplo, em tombamento de uma cidade histórica). No arquivo, o
manuscrito de Caminha - 27 páginas de papel, com formato de 29,6 cm X 29,9 cm -
repousou esquecido durante os séculos seguintes.
Essa cópia da carta foi encontrada no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro pelo
padre Manuel Aires do Casal, que a imprimiu em 1817, tornando-a pública pela
primeira vez. O documento ganhou particular importância para o Brasil com a
Independência, em 1822.
Para o novo país, tratava-se do manuscrito que encerrava o primeiro registro de sua
existência. Além disso, no século 19, com o desenvolvimento dos estudos históricos, os
estudiosos reconheceram o valor dos documentos escritos como fontes privilegiadas
para o conhecimento da história.
Análise lingüística
Isso se deve ao fato de o português do início do século 16 estar bem distante do
português tal qual é falado hoje em dia. Alteraram-se os sons ou os significados de
algumas palavras, outras caíram em desuso, novos termos apareceram.
Mas a simples transcrição de um trecho do original de Caminha pode deixar mais clara
a ação do tempo sobre a língua e revelar o abismo histórico que se abriu entre o
português do escrivão e o nosso:
"Posto que o capitam moor, desta vossa frota e asy os outros capitaães screpuam a vossa
alteza a noua do achamento desta vossa terra noua que se ora neesta nauegaçam achou,
nom leixarey tambem de dar disso minha comta avossa alteza asy como eu milhar poder
aimda que pera o bem contar e falar o saiba pior que todos fazer."
Mas o texto acaba sendo mais do que isso, pois o escrivão não se comportou como um
simples burocrata. Sua linguagem nunca é seca ou mesquinha. Pelo contrario, Caminha
se dá o direito de ser bem-humorado, fazendo até trocadilhos e brincadeiras ao comparar
o corpo das índias com o das mulheres portuguesas.
Além disso, a grande riqueza de detalhes e as impressões do autor sobre aquilo que via
dão ao relato vida e uma grande dimensão humana, Caminha acompanha não somente
as ações do índios e europeus, mas também as reações e atitudes que cada grupo tem em
relação ao outro, chegando a perceber as emoções que o contato desperta em ambos.
Assim, por meio da sua narrativa o leitor parece entrar numa máquina do tempo e
presenciar o momento em que portugueses e índios se encontraram no litoral baiano,
quinhentos anos atrás.