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CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA

História e análise do texto


Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

O original manuscrito da carta


A célebre "Carta do Achamento do Brasil" foi escrita por Pero Vaz de Caminha em
Porto Seguro, entre 26 de abril e 12 de maio de 1500. O escrivão só interrompeu o
trabalho no dia 29, quando ajudou o capitão-mor a reorganizar os suprimentos da frota.

Enquanto o restante da armada seguiu para a Índia, o navio de Gaspar de Lemos foi
despachado por Cabral para Lisboa, ao fim da estadia no Brasil, em 2 de maio. Por meio
dele, a carta chegou ao seu destinatário. Das mãos de dom Manuel 1o, passou à
secretaria de Estado como documento secreto, pois se queria evitar que chegasse aos
espanhóis a notícia do descobrimento.

Anos mais tarde, o documento foi enviado para o arquivo nacional, localizado na Torre
do Tombo do castelo de Lisboa ("tombo" tem aí o sentido de conservação, como
quando se fala, por exemplo, em tombamento de uma cidade histórica). No arquivo, o
manuscrito de Caminha - 27 páginas de papel, com formato de 29,6 cm X 29,9 cm -
repousou esquecido durante os séculos seguintes.

O documento volta ao Brasil


Somente em 1773, o diretor do arquivo, José Seabra da Silva, mandou fazer uma nova
cópia da Carta do Achamento. Seabra tinha ligações familiares com o Brasil. Supõe-se
que por meio dele o texto de Caminha tenha chegado aqui, possivelmente com a sua
transferência para o Rio de Janeiro quando acompanhou a família real portuguesa.

Essa cópia da carta foi encontrada no Arquivo da Marinha Real do Rio de Janeiro pelo
padre Manuel Aires do Casal, que a imprimiu em 1817, tornando-a pública pela
primeira vez. O documento ganhou particular importância para o Brasil com a
Independência, em 1822.

Para o novo país, tratava-se do manuscrito que encerrava o primeiro registro de sua
existência. Além disso, no século 19, com o desenvolvimento dos estudos históricos, os
estudiosos reconheceram o valor dos documentos escritos como fontes privilegiadas
para o conhecimento da história.

Análise lingüística
Isso se deve ao fato de o português do início do século 16 estar bem distante do
português tal qual é falado hoje em dia. Alteraram-se os sons ou os significados de
algumas palavras, outras caíram em desuso, novos termos apareceram.

É o caso de "achamento", usado no século 16, e substituído por "descobrimento" nos


dias de hoje.

Mas a simples transcrição de um trecho do original de Caminha pode deixar mais clara
a ação do tempo sobre a língua e revelar o abismo histórico que se abriu entre o
português do escrivão e o nosso:

"Posto que o capitam moor, desta vossa frota e asy os outros capitaães screpuam a vossa
alteza a noua do achamento desta vossa terra noua que se ora neesta nauegaçam achou,
nom leixarey tambem de dar disso minha comta avossa alteza asy como eu milhar poder
aimda que pera o bem contar e falar o saiba pior que todos fazer."

Texto rico e envolvente


Como o português empregado por Caminha é muito diferente do atual, não se pode ter
certeza do significado de algumas palavras empregadas pelo autor.

No caso de outras, sua significação simplesmente se perdeu no tempo. Há passagens da


carta cuja compreensão depende das interpretações que os estudiosos propõem para
preencher essas lacunas.

Felizmente, esses problemas não chegam a prejudicar a compreensão do texto como um


todo. Nem impedem que se possa "traduzi-lo" para o português de hoje.

Com a intenção de informar ao rei o descobrimento e apresentar-lhe o que aqui se


encontrou, o estilo do autor é claro e marcado pela objetividade, como convém a quem
escreve um relatório.

Mas o texto acaba sendo mais do que isso, pois o escrivão não se comportou como um
simples burocrata. Sua linguagem nunca é seca ou mesquinha. Pelo contrario, Caminha
se dá o direito de ser bem-humorado, fazendo até trocadilhos e brincadeiras ao comparar
o corpo das índias com o das mulheres portuguesas.

Além disso, a grande riqueza de detalhes e as impressões do autor sobre aquilo que via
dão ao relato vida e uma grande dimensão humana, Caminha acompanha não somente
as ações do índios e europeus, mas também as reações e atitudes que cada grupo tem em
relação ao outro, chegando a perceber as emoções que o contato desperta em ambos.

Assim, por meio da sua narrativa o leitor parece entrar numa máquina do tempo e
presenciar o momento em que portugueses e índios se encontraram no litoral baiano,
quinhentos anos atrás.

Duplo valor histórico


A carta apresenta também um duplo valor histórico. De um lado, tem a importância de
ser o registro documental do descobrimento ou da entrada do Brasil na história
universal, constituindo uma espécie de certidão de nascimento do nosso país. De outro,
tem o mérito de revelar que a história se faz também a partir de fatos corriqueiros (como
o "baile" organizado por Diogo Dias e seu gaiteiro), protagonizados por pessoas comuns
e sem intenções de grandiosidade e heroísmo.

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