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PRÉ-UNIVERSITÁRIO OFICINA DO SABER Aluno(a):

DISCIPLINA: Literatura PROFESSORES: Suéllen da Mata

QUINHENTISMO NO BRASIL TEXTO 7

Contexto histórico-cultural
Ainda hoje, os historiadores discutem sobre os reais propósitos da expedição de Pedro Álvares Cabral, que
acabou por atingir a costa americana em 1500. Qual era seu objetivo: explorar a parte lusitana da América ou
buscar um novo caminho para as Índias, diferente daquele descoberto por Vasco da Gama pouco tempo antes?

O que não está em discussão é que já existiam povos que habitavam essa terra, muito antes de esta ser
denominada de Brasil — termo que se origina da madeira vermelha, cor de brasa, do pau-brasil, do qual se
extraía uma tinta cuja coloração tinha grande aceitação comercial na Europa por ser usada para tingir as vestes
da nobreza.

Para demarcar esse fato, a historiografia mais recente tem deixado de lado a expressão descobrimento,
preferindo usar o termo achamento — utilizado pelos primeiros cronistas que chegaram aqui. Houve, portanto,
o “achamento” do Brasil. Os portugueses encontraram uma terra e, nessa terra, um povo que não esperava por
eles.

A terra brasileira, contudo, não premiou a empresa expansionista com as compensações imediatas pretendidas
por seus articuladores. Não havia a quantidade de prata e pedras preciosas que os espanhóis encontraram na
porção que lhes coube da América. Por isso, nos primeiros anos após a chegada da frota de Pedro Álvares
Cabral, o Brasil foi praticamente desprezado por seus “achadores”.

Autoridades de algumas nações europeias começaram a se perguntar o que teria levado os portugueses a
alcançar a costa americana. Para averiguar o potencial comercial das riquezas locais, enviaram para cá seus
próprios informantes.

Viajantes de diversas origens, colonos já estabelecidos aqui e religiosos que desenvolviam o trabalho de
catequese produziram documentos a respeito da nova terra. Foi a primeira produção escrita a ter o Brasil como
tema.

Podemos levantar a seguinte questão a respeito dessa documentação quinhentista sobre o Brasil: ela pode ser
entendida como literatura?

Essa pergunta será respondida mais adiante, quando serão vistos dois tipos de produção textual que se
relacionam ao Brasil do século XVI: a literatura de informação
(ou de viagens) e a literatura de catequese (ou jesuítica).

Literatura de informação
Uma literatura que tratava de descobrimentos era tradição em Portugal. Existia já uma vasta produção de relatos
de viagem que narravam cada etapa da expansão do Império português. Muitos deles permaneceram secretos,
seguindo os interesses da coroa em guardar para si as rotas marítimas que apresentavam maior potencial
mercantil.

Tais registros atiçavam a imaginação tanto de seus destinatários imediatos quanto daqueles que vieram a
conhecê-los posteriormente. Tinham o poder de disseminar o terror por causa dos perigos que relatavam.
Geralmente, essas narrativas registravam o dia a dia das viagens e dos contatos iniciais com a terra e seus
habitantes. Embora algumas fossem muito bem escritas, não havia a intenção de ser uma produção artística. O
interesse maior era informar as autoridades da metrópole a respeito das riquezas eventualmente encontradas e
do tipo de exploração que se poderia desenvolver na nova terra.

A Carta, de Pero Vaz de Caminha

A Carta é considerada uma verdadeira certidão de nascimento do Brasil. Se podemos enxergá-la assim,
devemos levar em conta que a notícia de sua existência demorou a se espalhar. Obedecendo à prática adotada
pelas autoridades portuguesas de manter sigilo de suas descobertas marítimas, a Carta ficou escondida tanto
tempo que acabou esquecida entre os papéis de um arquivo histórico de Lisboa e só veio a público em 1817.

Pero Vaz de Caminha não era um simples redator. Não se limitava a colocar no papel os fatos que se propunha
registrar. Funcionava como informante e como colonizador. Caminha cumpriu todas essas funções com
competência.

Pero Vaz de Caminha (1450-1500) foi um letrado português que serviu a D. Manuel I
como escrivão e tesoureiro.

Em 1500, foi nomeado escrivão da feitoria de Calicute, na Índia, e embarcou para lá na


armada de Pedro Álvares Cabral. Redigiu a Carta do achamento do Brasil, relatando ao
rei os acontecimentos da viagem até a passagem pela América portuguesa. Faleceu na
Índia, no mesmo ano.

Como informante, preocupou-se em transmitir ao rei os costumes indígenas, tais como: Caminha, estátua em
Porto Seguro, BA.
o uso de ornamentos corporais, o hábito de realizar danças, os procedimentos adotados na
confecção de arcos e flechas, as moradias, etc. O trecho a seguir evidencia a preocupação
do autor em comunicar ao rei as primeiras impressões que os navegantes tiveram dos indígenas.

A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e bons narizes. Em geral são bem feitos. Andam nus,
sem cobertura alguma. [...].

Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que verdadeiramente de leve, de
boa grandeza e, todavia, raspado por cima das orelhas. [...]

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e muito gentis, com cabelos muito pretos e
compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras
que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.

[...]

E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima, daquela tintura; e certamente era tão bem feita e tão
redonda, e sua vergonha — que ela não tinha! — tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-
lhes tais feições, provocaria vergonha, por não terem as suas como a dela.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Porto Alegre: L&PM, 1985. p. 78-81. (Fragmento).

Caminha também agia como colonizador, ao reconhecer o tripé que sustentava a empresa colonial portuguesa
no Brasil: imposição ideológica, domínio político e exploração econômica.

A imposição ideológica ocorria por intermédio da religiosidade. Antes da ação mais decisiva da catequese
jesuítica, os navegantes davam o exemplo. Para eles, tratava-se de um trabalho de conversão religiosa que tinha
por objetivo salvar as almas indígenas. A Carta insiste nesse ponto, como se pode ver a seguir.
E bem creio que se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e
convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar.

[...]

Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal
semente que Vossa Alteza nela deve lançar.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Porto Alegre: L&PM, 1985. p. 96-98. (Fragmento).

A tendência do indígena à imitação parecia a Caminha um facilitador desse trabalho de conversão — que, no
final das contas, não se mostraria assim tão fácil, como perceberiam posteriormente os jesuítas.

O domínio político está presente na Carta de forma explícita. Caminha sugere algumas estratégias de
dominação que poderiam ser eficazes, por exemplo:

Ninguém não lhes deve falar de rijo, porque então logo se esquivam: para bem os amansar é preciso que tudo
se passe como eles querem.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Porto Alegre: L&PM, 1985, p. 88. (Fragmento).

O terceiro fator de sustentação da empresa colonialista portuguesa era a exploração econômica da nova terra.
Fica evidente, na Carta, o interesse primordial dos navegantes: a busca de recursos financeiros para sustentar o
Estado luso. Leia o trecho.

Um deles viu umas contas de rosário, brancas: mostrou que as queria, pegou-as, folgou muito com elas e
colocou-as no pescoço. Depois tirou-as e com elas envolveu os braços e acenava para a terra e logo para as
contas e para o colar do Capitão, como querendo dizer que dariam ouro por aquilo. Nós assim o traduzíamos
porque esse era o nosso maior desejo...
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Porto Alegre: L&PM, 1985. p. 79. (Fragmento).

Como os portugueses não encontrassem na nova terra ouro, prata ou o que considerassem precioso, só restou a
Caminha indicar ao rei outras riquezas da terra que pudessem justificar o empreendimento colonizador. O fato
de os portugueses não enxergarem a possibilidade de conquistar os lucros com que sonhavam adiou por
algumas décadas o trabalho mais efetivo de colonização.

Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até outra ponta que contra o norte
vem, de que nós deste ponto temos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por
costa. Tem, ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, algumas vermelhas, outras brancas; e a
terra por cima é toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia redonda, muito
chã e muito formosa.

Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque a estender d’olhos não podíamos ver senão terra
com arvoredos, que nos parecia muito longa.

Nela até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem o
vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre-Douro e Minho,
porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.

As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é grandiosa que, querendo aproveitá-la, tudo dará nela, por
causa das águas que tem.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta. Porto Alegre: L&PM, 1985. p. 97-98. (Fragmento).

Literatura de catequese
No início do século XVI, a Igreja Católica se viu às voltas com dissidências internas: um grupo de religiosos
discordou da decisão do papa de conceder indulgências (isto é, perdão pelos pecados cometidos) em troca de
esmolas, com as quais se pretendia erguer a Catedral de São Pedro, em Roma. A oposição a essa determinação
recebeu o nome de Reforma Protestante (que estudaremos mais tarde). Os reformistas foram expulsos da Igreja
e constituíram uma nova religião, que ganhou muitos adeptos.

Com isso, o poder político da Igreja diminuiu. Para reagir a essa perda de influência, o clero organizou
estratégias de compensação, buscando expandir seu poder em lugares inexplorados — a América foi um deles.

A fim de sistematizar o trabalho de catequese dos habitantes dessas novas terras, em 1534 foi fundada a
Companhia de Jesus pelo missionário espanhol Inácio de Loyola. Os jesuítas foram pioneiros nesse projeto
de catequizar os indígenas e também de colonizar as novas terras. Para cumprir essa missão, escreveram
cartas e tratados descritivos, mas também produziram crônicas históricas, poemas e peças teatrais.

Os membros da Companhia de Jesus (conhecidos como jesuítas) receberam a missão de desenvolver o trabalho
de catequese em terras distantes. A Companhia herdou de sua origem militar a organização e a obediência
hierárquica — uma das máximas impostas aos jesuítas era: “acredito que o branco que eu vejo é negro, se a
hierarquia eclesiástica assim o tiver determinado”.

Mesmo antes da constituição da Companhia de Jesus, o trabalho de catequese estava incluído no projeto
colonizador lusitano. Como já vimos, em sua Carta, Caminha faz inúmeras referências à ação dos
missionários. O jesuíta de maior destaque a atuar no Brasil foi José de Anchieta.

José de Anchieta
José de Anchieta nasceu em 1534 nas Ilhas Canárias, pertencentes à Espanha. Estudou Filosofia na
Universidade de Coimbra e ingressou na Companhia de Jesus em 1551. Dois anos depois, veio para o Brasil.
Colaborou na fundação da cidade de São Paulo, em 1554. Junto a seu superior, Manuel da Nóbrega,
desenvolveu um intenso trabalho de catequese.

Foi também poeta, mas se destacou principalmente como autor de peças de


caráter religioso que visavam transmitir o ensino católico aos indígenas de
maneira lúdica.

Faleceu em 1597, em Reritiba (atual Anchieta), no Espírito Santo.

Anchieta enxergou na representação teatral um instrumento eficiente para a


catequese dos indígenas. Ele buscava uma expressão primitiva e simples
que facilitasse a comunicação. O objetivo era divertir e envolver, para que
os indígenas pudessem apreciar a palavra cristã antes mesmo de
compreendê-la. A simplicidade, portanto, não era manifestação de
ingenuidade ou falta de talento, mas sim estratégia de sedução ideológica.

As peças de Anchieta, em várias línguas, buscavam atingir todos os


sentidos do público, que era formado não apenas por indígenas, mas
Anchieta. Autor e data desconhecidos.
também por colonos, marujos, comerciantes, entre outros. Seu texto
Óleo sobre tela, 60 × 50 cm. Museu
sugeria a agregação de cantos, números de dança e a utilização de Paulista da Universidade de São
vestimentas coloridas pelos personagens; é provável também que Anchieta Paulo, São Paulo.
tenha entendido que as culturas indígenas estavam intrinsecamente
relacionadas a festas, danças, músicas e representações.

A abordagem das questões morais era feita de maneira maniqueísta. De um lado, estavam as entidades católicas
personificadas; de outro, as personagens que os indígenas associavam ao mal, como os demônios Anhanguçu,
Tatapitera, Arongatu e Cauguacu, que aparecem em uma de suas peças. O conteúdo delas girava em torno da
condenação de prazeres mundanos e de práticas de feitiçaria.

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