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Análise do conto “O menino que escrevia versos” de

Mia Couto
Antônio Emílio Leite Couto, conhecido popularmente como Mia Couto, nasceu
em 5 de julho de 1955 na cidade de Beira em Moçambique. Couto publicou seus
primeiros trabalhos no Jornal da Beira aos 14 anos de idade. Em 1972 mudou-se
para Lourenço Marques (atual Maputo, capital de Moçambique) para estudar
medicina. A partir do ano de 1974 agarrou-se ao jornalismo e com a
independência do país, tornouse repórter e diretor da Agência de Informações
de Moçambique. Voltou à Universidade de Eduardo Mondlane para se formar
em biologia, especializando-se em ecologia, sendo atualmente professor em
diversas faculdades desta universidade. Atualmente é o autor moçambicano
mais traduzido e divulgado no exterior e um dos autores estrangeiros mais
vendidos em Portugal.

O conto que será analisado tem o título “O menino que escrevia versos” que foi
publicado pela primeira vez em 2003 no livro de contos O Fio das Missangas.
Neste conto de Mia Couto temos a participação de quatro personagens
principais e um que é apenas mencionado pelo escritor. Assim como expõe
Massaud Moisés em seu livro Dicionário de termos literários:

“[…] poucas as personagens que povoam o conto. Duas ou três tão somente as
que participam diretamente no conflito. E se acontecer de a população
dramática avultar, é inevitável que alguns figurantes desempenham função
secundária, de ambiente ou cenário social. […]” (MOISÉS, 2013)

Temos o pai, a mãe (Dona Serafina), o menino e por fim, o médico. O pai era
ignorante, não tinha nenhum pouco de afinidade com a leitura ou qualquer
outro tipo de conhecimento que não fosse a mecânica, como fica explícito nesta
passagem: “O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino,
nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias.” (COUTO,
2009, p. 131). A mãe, a única personagem que tem um nome é chamada de
Dona Serafina. Ela é uma parte que entende o filho, mas é submissa ao marido,
que pede para que o filho seja levado ao médico para ver se há algo de errado
com o miúdo, e ela aceita. O menino passava por alguns problemas na vida, e
para tentar esquecer, ele começa a escrever versos em seu novo caderno. É então
descoberto pelo irmão que logo o denuncia ao pai como se o que ele estivesse
fazendo fosse um crime: “– Ele escreve versos! Apontou o filho, como se
entregasse criminoso na esquadra.” (COUTO, 2009, p. 131)

O conto narra um episódio na vida desta família que decide levar o filho ao
médico por ele preferir escrever versos ao invés de preferir “se lançar ao
esfrega-esfrega com as meninas” (COUTO, 2009, p. 132). Chegando na clínica,
o pai pede ao médico que “faça uma revisão geral” na parte mecânica e na
parte elétrica do garoto. Mais uma vez a ignorância do pai fica aparente, pois
além desta revisão, ele queria que o médico “afinasse o sangue, calibrasse os
pulmões e, sobretudo, lhe espreitassem o nível do óleo na figadeira” (COUTO,
p. 132). Descreve a situação do menino como uma “vergonha familiar” além de
insinuar que o “problema” do filho era um tipo de “mariquice intelectual” e que
a escola e seus amigos o estavam contagiando o seu filho. O médico ouve tudo, e
então pergunta ao menino se ele sente alguma dor. O menino logo responde que
a vida lhe dói. O médico então pergunta o que ele faz quando as dores se
principiam. O menino responde que ele sonha. O médico fica impaciente e diz
que não tem tempo para aquilo tudo, que aquele lugar não era uma clínica
psiquiátrica (COUTO, p. 133). A mãe entra em desespero por não achar que o
filho tem chances de cura. O médico pede ao menino o caderno que ele usava
para escrever seus versos e os pede que volte à clínica na semana seguinte.
Quando voltaram, o médico pergunta se o menino não teria mais versos, o
menino então mostra seu novo caderno cheio de “vida” diz que o menino está
em estado grave, e que será necessário interná-lo na clínica para ser assistido de
perto. O conto termina com o menino internado e o médico sendo ouvinte dos
versos sem preço do pequeno escritor.

Ao analisarmos o conto, fica claro que as ações dos pais do menino são
acentuadas por eles não serem instruídos e pela sua criação. O pai era o mais
inflexível de todos, queria que o menino fosse igual a ele, grosso e sem
instrução. Só o básico já serviria para o menino. Mas isso de certa forma não é
culpa do pai que fora criado assim pelos seus pais, e seus pais tiveram a mesma
criação e assim sucessivamente, é algo que se perpetua culturalmente, até que
alguém, no caso do conto, o menino, começa a ver o mundo de uma forma
diferente, mais poética por assim dizer. O pedido que o pai faz diretamente ao
médico prova que ele o via como algum tipo de máquina, e que, assim como os
outros de sua família, poderia ser calibrado como uma máquina qualquer. Ao
ver que o filho estava fazendo coisas que o pai nunca o programou, ele achava
que o filho tinha algum problema, mas era apenas o filho se expressando. Ele
ainda cogitara retirar o pequeno da escola por estar havendo o aprofundamento
nesses estudos. A mãe tem um papel muito importante na casa. Pode-se
pressupor que o marido saia de casa para trabalhar de mecânico enquanto ela
fica em casa cuidando dos filhos pela atitude com que o pai os intimida, típico
de uma “família tradicional”. Ela poderia ter um laço mais forte com o garoto
por ficar muito tempo com ele, e por isso tentara defender o menino da primeira
vez. Isso pode explicar o porquê de somente ela desfruta de um nome no conto.
Por ela ser o lado que compreende o filho. Os versos escritos pelo garoto que, de
acordo com Marques (2012), é precocemente imerso nas dores da vida, vê no
sonho, na poesia, uma tentativa de fuga dessa realidade, e, ao mesmo tempo,
uma espécie de tradução dela, já que escreve o que sente, o que vive. E o médico
quer ter o máximo que ele puder disso, chegando ao ponto de arcar com as
despesas da internação do garoto apenas para desfrutar de seus melodiosos
versos.

O menino que escrevia versos segue a estrutura normal de um conto. Ele tem
um narrador observador, onde ele apenas narra o que está vendo no momento
na terceira pessoa, como pode-se observar no trecho: “A mãe, em desespero,
pediu clemência. O doutor que desse ao menos uma vista de olhos pelo
caderninho dos versos”. Este conto de Mia Couto segue em dois momentos e
todos eles ocorrem na clínica: o primeiro momento é o primeiro contato que a
família tem com o médico e o segundo momento se dá na volta deles ao
consultório na semana seguinte para saber o que o médico tinha a dizer. Então
há uma quebra de tempo entre a primeira semana e a segunda, omitindo-se o
que ocorreu entre os dias, resumindo-se apenas a clínica do médico, como que
se desse continuidade ao diálogo da semana que se passou.

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