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Texto Copyright © 2022 por Luciana Falcão

Revisão: Laura Klif


Diagramação e Capa: LF Studio
Imagem de Capa: Khusen Rustamov e Kytalpa by Pixabay
CDD B869.3 CDU 82-3/49
Obra de ficção criada pela autora onde quaisquer semelhanças deverão ser consideradas como mera
coincidência. Nomes de pessoas e lugares foram criados para dar vida a história, não se tratando de
nenhum evento real.

UM GRANDE AMOR PARA ROBERTA


Luciana Falcão
1ª edição – 2022

Todos os direitos reservados Falcão Editorial. Esta obra está protegida pela Constituição Federal
de1988, inciso XXVII, artigo 5º e pela Lei de Direitos Autorais n.º 9.610/98. Sua reprodução
configura crime na forma do artigo 184 do Código Penal Brasileiro.
Sumário
Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Epílogo
Bônus 1
Bônus 2
Agradecimentos
Sobre a Autora
Contatos da Autora
Aos esperançosos que nunca desistem, pois sabem que um dia alcançarão a
vitória.
Deus é com vocês!
Sinopse
Roberta é uma menina sonhadora de 17 anos. Ela fez planos para um
futuro próximo. Assim como todas as adolescentes de sua idade, ela quer
experimentar o que de melhor a vida tem para lhe oferecer.
Mas, seu destino foi alterado após o diagnóstico de uma doença
complicada. Entre tratamentos, surtos da idade e muita força da família e
dos amigos, Roberta vai superar uma fase difícil.
Ela precisará da ajuda deles e onde menos ela espera encontrar apoio vai
mostrar que as aparências enganam.
Um bad boy desejado pelas meninas mais populares de sua escola vai
cruzar seu caminho e ela vai viver momentos que nunca imaginou.
Uma história de amor, amizade, superação e uma pitada de romance.
Prólogo
A esperança é o sonho do homem acordado.
Aristóteles

Como esquecer o inesquecível?


Como prosseguir sem pensar no passado?
Um passado de dor e angústia, não apenas para mim, mas, para todas as
pessoas envolvidas. Sim! As pessoas que mais amo na vida. Todas
envolvidas em não permitir que eu sofresse mais, se elas pudessem... Ah...
se elas pudessem. Eu sei que elas teriam sofrido minhas crises. Cada uma
daquelas malditas crises. Elas teriam sofrido em meu lugar. Só que não foi
assim. As pessoas que me amam não puderam experienciar nenhuma delas,
com o intuito de me pouparem.
— Pai... — gritei. Dentro do meu limite, já que respirar estava
impossível.
Foram minutos ou segundos. Não sei ao certo. Mas, eles entraram em
meu quarto e eu só lembro dos olhos da minha mãe. Ela estava desesperada.
Tentando ser forte, mas desesperada.
— Estou aqui, meu amor. O que foi?
— Mãe... mãe... eu... eu não...
Respirar.
Absorver o oxigênio do ar em nossos pulmões e liberar o gás carbônico.
Até as plantas e os animais fazem isso.
Simples?
Acredito que seja. Mas, não naquele dia.
— Vou pegar as chaves e trocar de roupa. — A voz do meu pai.
— Fica calma. Tenta respirar... não fica com medo, estou com você,
meu amor.
— Eu...
— Shuuuu. — Suas mãos me acalentavam. Elas circulavam pelas
minhas costas, como se fosse possível me garantir o ar de que tanto
necessitava.
Doía. Muito. Era difícil demais.
Então, tudo aconteceu em uma madrugada.
Minha mãe trocou minha camiseta de dormir por uma de malha. Era
uma das minhas preferidas, que me lembro de ter deixado sobre as costas da
cadeira. Eu havia chegado mais cedo do curso e como não usei por muito
tempo, deixei na cadeira para usar mais uma vez.
Seios?
Não! Esses eu não tinha muito. E ela pouco se importou em me vestir
um top. Sim, um top. Se não havia seios, não tinha por que comprar sutiãs.
Eu gostava dos tops, eram mais práticos.
Quanto ao short, ela também não se importou em sair de casa comigo
vestida em um short masculino. Na verdade, era um paper touch. Aqueles
shorts masculinos cheios de desenhos. Vendia muito na minha cidade e
nenhum deles tinha modelo feminino. Então, eu gostei das estampas e
comprei alguns.
Injusto!
— Vamos?
— Pega ela!
Senti os braços do meu pai serem transpassados sob minhas pernas e
costas. Apoiei minha cabeça em seu peito e juntei meus braços na frente do
meu corpo.
Iluminado!
Minha mãe e eu adorávamos curtir com a cara do meu pai. Sempre que
a gente queria muito que ele nos fizesse algum favor, “iluminado” era a
palavrinha mágica.
“Senhor iluminado, pode me dar um dim-dim pra eu comer um sorvete
com a Aninha?”
“Iluminado, a lâmpada da cozinha queimou, preciso da sua ‘luz’.”
“Iluminado, Toddynho quer passear e ele só obedece a você.”
E lá ia o meu pai, fazer todas as vontades de suas garotas, como ele nos
chamava.
Por que iluminado? Simples, Lucas! Do grego Loukas. Lucas era o
nome daquele montão de músculos. Meu pai se cuidava e minha mãe
adorava. Ele era bombeiro.
Continuei tentando o que estava cada vez mais se tornando impossível.
E a dor lancinante em meu peito resolveu dar as caras.
— Está doendo, mãe.
— Calma, meu amor. Já estamos quase lá.
No hospital, fui atendida de emergência e meus pais não saíram de perto
de mim. Exceto depois de um longo tempo em que um dos médicos que me
atendeu, chegou com o resultado de algum dos muitos exames que eu fiz.
Ele levou meu pai até o lado de fora do quarto em que eu estava.
O mais difícil foi ver a angústia nos olhos da minha mãe. Ela queria
estar lá do lado de fora. Queria saber em primeira mão o que estava me
acontecendo. Contudo, ela jamais me deixaria sozinha, com dor, que apesar
de amena por conta dos remédios, ainda estava lá.
— Vai lá, mãe.
— Não, meu bem. Vou esperar o seu pai. Já ele volta e veremos que não
é nada demais.
Suas mãos me transmitiam afeto, além de calor. Ela me acariciava nos
braços, no rosto e beijava minha testa. Seu amor era real e contínuo. Eu me
sentia protegida. Mesmo com a minha mente me dizendo que algo de muito
ruim estava acontecendo comigo.
Meus olhos pesavam. Pesavam tanto que eu travava uma batalha para
ficar acordada e ouvir do médico as palavras que ninguém quer ouvir dentro
de um hospital.
Acordei depois de um bom tempo. A luz do dia invadia as janelas do
meu quarto hospitalar. Mas, o que me chamaram a atenção foram os olhos
da minha mãe. Ela tentava disfarçar. Percebi suas lágrimas e suas mãos
limpando correndo, assim que percebeu que eu estava acordando.
— Oi, querida. — Ela sussurrava.
— Está melhor? — Meu pai estava atrás dela, segurando forte um de
seus ombros. Ele parecia mais controlado, ele era mais controlado.
— O que eu tenho? — soou mais como um resmungo. Eu me sentia
demasiadamente fraca.
Tudo que eu sempre sonhei na vida foi crescer e ter uma família como a
dos meus pais. Ele se entrega totalmente e minha mãe nos abraça de uma tal
maneira, que a gente não consegue sentir falta de nada.
Faculdade, cursos, hobbies, planos de uma jovem sonhadora. Eu tinha
todos. Eu queria conhecer o mundo na garoupa de uma moto. Loucura, eu
sei! Mas, eu queria sentir o vento, enquanto o amor da minha vida acelerava
fundo sua Harley-Davidson.
Romântica.
Sonhadora.
Viciada em filmes e livros de amor.
Culpada!
O destino gritou comigo e disse: pare de sonhar! Juro que foi isso o que
eu ouvi e não:
— Linfoma de Hodgkin!
Então é isso!
Eu me chamo Roberta, tenho 17 anos e estou cursando o último ano do
ensino médio. Sou branca, meus cabelos são claros, assim como os meus
olhos, que puxei do meu pai. Atualmente eu estou pensando em cursar a
faculdade de medicina, mas acho que este sonho terá que ser adiado por...
não sei dizer por quanto tempo. Acho que vai depender do que o destino
reservou para mim.
A luta vai ser grande.
O caminho é incerto.
Capítulo 1
“A amizade é um amor que nunca morre.”
Mário Quintana

Ótima maneira de passar as férias: Disney.


Hashtag: Só que não!
Diagnosticada com Linfoma de Hodgkin aos dezessete anos, minha vida
mudou por completo. Eu queria curtir, aprender, errar, rir dos meus próprios
erros, depois de me desesperar e tentar acertar. Só que a vida queria me
aplicar alguma lição que eu não compreendia muito bem.
Que Deus, em sã consciência, permite que uma jovem cheia de vida
passe por isso, hein?
Eu não tenho as respostas. Vou ter que aguardar.
— Bebe o suco todo.
— Não quero, estou enjoada.
— São os remédios, o médico nos advertiu que seria assim.
— Quero meu celular, pega pra mim, por favor?
— Claro, meu amor.
Os dias eram tão longos. Ao menos era a sensação que eu tinha. Ficava
deitada praticamente o dia todo. Só me levantava para as necessidades
fisiológicas. Caso contrário, eu teria que voltar às fraldas descartáveis e
banhos de banheira “sobre a pia do banheiro”.
Não mesmo!
Eu andava com dificuldade. Nas folgas do meu pai, ele me carregava no
colo até o quarto dele. Era lá que ficava a banheira, em uma suíte
magnífica. Minha mãe entrava em seguida e me ajudava com o banho. Eu
me sentia muito fraca e ela tinha um medo enorme de que eu me afogasse.
Ridículo, eu sei!
Coração de mãe é uma comédia. Talvez eu a compreenda quando... se
eu for mãe... algum dia.
Para isso eu teria que viver primeiro.
Daí... arrumar um marido.
Enfim...
Férias. É sobre isso que eu gostaria de falar. As piores da minha vida.
Ao menos até o momento.
No início, eu não podia receber visitas. Minha imunidade estava muito
baixa e qualquer contato com o mundo exterior poderia ser o meu fim.
Minha melhor amiga, a Ana Vitória, ela me ligava por chamada de
vídeo todos os dias. Ao menos umas três vezes.
— Oi, Betinha!
— Oi...
— O que houve, está passando mal? — Ela sempre fazia uma cara de
quem poderia estar presenciando a morte de alguém. Às vezes era
engraçada a forma como ela arregalava os olhos e suas narinas inflavam.
— Não — ri. — Apenas um pouco de enjoo.
— Tomou seus medicamentos?
— Sim. São eles que estão me deixando desse jeito.
— Isaque veio aqui. Ele ainda está triste, não se conforma que não pode
te ver.
— Ele pode me ligar.
— Sabe como ele é.
— Sim, sei.
Isaque era o nosso melhor amigo. Nós três crescemos juntos e
estudamos na mesma escola desde o jardim da infância. Nossos pais se
conhecem da adolescência, quando os pais deles vieram para o bairro em
que moramos atualmente.
Nunca passamos mais de um dia sem nos ver. Nos finais de semana
sempre curtíamos a casa um do outro. Nossas férias sempre foram
programadas com antecedência. A Aninha era responsável pelo roteiro e o
Isaque, pela compra das entradas. Parques aquáticos, cinemas, circos,
shows e muitas outas ideias legais. Eu era o banco!
Na verdade, eu era a poupança. Eu cuidava de guardar nossas mesadas.
Pois do contrário, eles cediam às tentações e gastavam tudo.
Era muito legal.
Colecionamos fotos e vídeos dos lugares que frequentamos.
Nossa próxima viagem cobraria de nós um grande esforço. Pois, em
comum acordo e com o aval dos nossos pais, assim que todos
completássemos dezoito anos e estivéssemos formados, iríamos alugar uma
casa na Região dos Lagos por uma semana.
Curtição sem supervisão!
Seria o máximo. Se... não fosse o todo certinho do Isaque. Os pais dele
eram evangélicos e cheios de regras. Não eram fanáticos. Mas, havia regras
bem sérias sobre “cuidar do nosso corpo”. Algo sobre o Espírito de Deus
habitar nele.
Eu gostava muito da paz que emanava naquele lar. Os pais do Isaque
eram pessoas maravilhosas. Sempre tinham uma palavra de conforto. E ele
estava indo pelo mesmo caminho. Tanto que o celular dele era usado apenas
com o intuito de se comunicar com a família dele.
Nada de jogos, nada de bate-papos, nada de tentação ou música
profana.
Meus pais até que tentaram impor regras de uso para o meu tempo no
celular. Eu não questionei, disse apenas que não me proibissem de falar
com meus amigos. A regra durou por um mês. Já que nem eles tinham
controle sobre os aparelhos deles.
O Isaque era um menino incrível. Ele possuía olhos bondosos. Sabe
quando a pessoa te olha e parece enxergar a sua alma? Ele era assim. Seus
pensamentos eram sempre bondosos a respeito dos outros. Jamais julgava
pelos defeitos ou deslizes. Dizia que o julgamento não nos cabia e que com
a mesma medida que julgássemos alguém, poderíamos ser julgados. Ele
ficava sério quando repetia os ensinamentos que recebia dos pais dele.
— Vou convencê-lo a ligar para você.
— Não precisa, vai fazer ele pecar.
— Palhaçada! — Começamos a rir.
— Deixa ele. Todos temos o nosso tempo.
— Mas... — Ela ficou séria e eu sabia o que se passava por aquela
cabecinha. Seus olhos brilhavam com as lágrimas que se formavam.
— Não pense mais nisso. Viu que nosso casal Japril não vai mais ficar
junto.
— Odeio a Shonda!
Sim! A gente odiava ela. Quando tudo parecia dar certo, ela dava um
jeito de estragar tudo. Grey's Anatomy era um lance só nosso. Aninha e eu
assistíamos juntas todas às sextas, quando ela vinha dormir na minha casa.
A mãe dela dobrava no plantão do fim de semana e ela não gostava de ficar
sozinha.
Coisas de meninas. Uma espécie de noite das garotas. Meu pai
comprava algumas guloseimas e de vez em quando rolava umas pizzas
salgada e doce.
— Sinto falta da nossa bagunça.
— Eu também — confessei chorosa.
Não havia muito o que falar. Ficamos olhando uma para outra. A gente
nem sempre precisava de palavras, éramos cúmplices uma da outra.
Depois da nossa conversa silenciosa, desliguei nossa chamada e quando
ia colocar o telefone na mesa de cabeceira, um toque familiar soou.
Observei por alguns segundos e aceitei a chamada de vídeo.
— Oi.
— Oi — respondi.
Ele parecia cansado, seus olhos estavam marcados, como se tivesse
chorado por algum tempo. Eu senti tanta saudade daquele rosto, que meus
lábios se formaram em um sorriso involuntário.
— Nem parece que está... — Ele se calou e percebi o brilho que se
formou em seus olhos, estavam cheios de lágrimas que logo rolaram por seu
lindo rosto.
— Senti sua falta — confessei sorrindo.
— Eu também!
Capítulo 2
“Só é lutador quem sabe lutar consigo mesmo.”
Carlos Drummond de Andrade

Eu queria me esconder.
Eu queria sair de casa e ver pessoas.
Eu queria voltar para casa e não ver pessoas.
Um misto de sentimentos confusos dominou a minha mente. Eu não me
reconheço mais.
Posso colocar a culpa nos remédios? Na minha doença? Posso! Mas, a
verdade é que essa sou eu.
A Roberta que tem medo de não alcançar os sonhos. A menina que
espera viver um grande amor, ainda que seja necessário quebrar a cara. Ou
que ela quebre a cara enquanto vive esse grande amor.
É difícil compreender?
Eu preciso muito das respostas ou logo estarão me colocando em uma
camisa de força.
— Eu não vou e pronto!
— Roberta! Agora não é hora de se tornar uma filha rebelde. Que isso,
filha? Você não é assim.
— Droga, mãe. Eu estou me sentindo um ser de outro universo. Acha
que é fácil para mim?
— Não, meu amor. — Ela sentou na cama ao meu lado e respirou fundo.
Ela vai me convencer, eu sinto... — Escuta... — E lá vamos nós.
— Prontas? — Meu pai aparece na porta e minha mãe apenas lhe dá um
olhar. Eu meio que suplico, mas ele é um traidor e me abandona. Ela volta
seu olhar para mim.
— Todos, sem exceção, estamos sujeitos a passar por um momento
crítico na vida. Um momento em que podemos sentir medo. A questão é se
você vai deixar o medo te bloquear ou se vai dizer para ele que está pronta
para o que der e vier.
— Eu sei... mãe. Mas, é que...
— Não permita que essa doença tire mais de você, do que está disposta
a entregar. Levanta a cabeça, respira fundo, pega sua roupa preferida e sai
para a vida.
— Por que é que a senhora sempre faz isso? — Não consigo esconder
meu melhor sorriso e minha mãe acaricia meu rosto.
— Porque eu te amo e tudo que eu mais desejo é te ver sorrindo. — Ela
toca na ponta do meu nariz. Desde que eu me entendo por gente, ela faz isso
quando eu sorrio para ela.
— Me ajuda a escolher uma roupa?
— Sim. Mas, agora você só tem mais cinco minutinhos.
Acho que consigo me virar em cinco minutos.
A escola é um lugar complexo.
Não é tão simples como tentam te empurrar. Requer domínio de
personalidade. Esperteza para lidar com os mais fortes e sabedoria para
lidar com os mais fracos.
Subordinação nem sempre é o que se espera. Os professores estão no
topo da cadeia alimentar e se você não dança conforme a música, você
“dança”. Entendeu?
Tem que ter lábia. Tem que marcar território. Tem que se tornar o líder
da tribo, caso queira sobreviver.
Quer saber onde eu me encaixo?
Faço parte do time da boa vizinhança, da turma do “deixa disso”, sou
política muitas vezes e quero sempre agradar a todos. Só que nem sempre
isso funciona.
Hoje é a prova dos nove. É o dia de ver quem é quem, saber quem são
nossos amigos de verdade.
Tirando a Ana Vitória e o Isaque, que estão no topo da hierarquia no que
se refere aos meus amigos, tenho outros com quem me relaciono muito bem
e outros de forma respeitável.
— Oi, amigaaaaaaa! — Aninha me encontra e vem correndo na minha
direção. Gritando, é claro!
— Oi — respondo não muito animada, pois estou com vergonha.
— O que houve?
— Eu não sei se foi uma boa ideia voltar para a escola.
— Deixa disso! Vamos ver onde caímos.
Ela enlaça nossos braços e caminhamos até o corredor do último ano. É
o corredor dos vitoriosos. Cujas paredes trazem as molduras com as fotos
dos alunos que passaram para uma boa faculdade, colégio militar, concurso
público. Enfim, é o local onde a nossa escola exibe seus pupilos especiais e
inteligentes.
— Um dia voltaremos aqui e veremos a foto do Isaque.
— Pode apostar! — E por falar nele...
— Isaqueeeeee. — A doida ataca outra vez.
Meu coração chega a doer quando olho para meu melhor amigo depois
de três meses sem poder vê-lo pessoalmente. Ele continua tão bonito como
antes e com aquela aura de pessoa maravilhosa e especial.
— Posso te abraçar? — Ele me questiona.
— Deve!
Saudade.
Tristeza.
Amor fraternal.
Tudo junto e misturado em um único abraço. Ele não me aperta, acho
que está com medo de me machucar. Eu não o questiono. Apenas aproveito
que ele é mais alto do que eu e me aconchego em seu peito.
Um perfume doce. Delicioso.
— Está tudo bem, não sente nada?
— Estou bem, não se preocupe. Os médicos me liberaram para a rotina.
— Graças a Deus. Eu já estava ficando louco sem poder te ver.
— Agora nós vamos colocar toda saudade em dia.
— Agora nós iremos checar nossas salas, isso sim!
— Deixa de ser chato, Isaque — reclama Aninha. — Vamos apenas
olhar as turmas e depois vamos fugir para a cantina.
— Desmiolada como sempre, garota. — Ele implica, mas sorri e não
nos impede.
Morri de saudade deles!
Checamos nossa sala e vamos bater perna pelos corredores. Hoje é a
famosa volta às aulas, então... a diretoria nos permite essa folguinha.
Tem muitos alunos novos conhecendo o lugar e eles não reclamam.
Depois eles reúnem todos os alunos na quadra e fazem a apresentação dos
professores.
A cantina é o point do ensino médio. Comemos, bebemos, conversamos
e tem aqueles casais que se grudam até o tocar da sirene. Daí eles se beijam
e partem cada um para sua respectiva sala de aula.
Eu sempre invejei esses casais. Sempre quis viver um amor de escola.
Aquele amor que você guarda nas memórias e conta pros amigos no futuro.
Minha mãe diz que teve um lance com um professor de educação física.
Acredita? Eu aqui que não consigo nem um colega de escola e ela se
agarrando com um professor. E de educação física.
Meu pai não esquenta quando ela conta essa história, mas eu sei que ele
morre de ciúme. Ele gostava dela, mas ela não dava bola.
— Muuuuuuu....
— Para com isso. — Eu a repreendo. — Vai que ela escuta.
— Azar é o dela. Toda a escola sabe que o Vinícius pega a Eloá. Tá com
ele porque é trouxa.
— Deixa quieto. Isso vai dar merda quando a Letícia souber.
— E eu quero assistir de camarote. — Aninha bate palmas. Minha
amiga é louca, só pode.
O Vinícius nem é essa Coca-Cola toda. Não sei como ele consegue
pegar duas meninas na mesma escola. A Letícia é tiro, bomba e porrada.
Quando ela souber..., tenho até pena da Eloá. Quero estar bem longe. Mas,
pelo visto eu sou a única.
— Adultério é pecado — diz o Isaque.
— Mas, eles não precisariam estar casados? — Uma pergunta
pertinente, eu acho. — Como funciona isso? — Preciso entender.
— Deus não criou o homem para uma vida de promiscuidade. O que ele
faz não é certo. Namoro é compromisso. Você escolhe a pessoa com quem
vai passar o resto da sua vida e faz com ela uma aliança.
— Tô fora! Quero me amarrar em ninguém, não. Sou uma alma livre,
quero curtir e provar quantos beijos eu puder. — Minha amiga é muito sem
noção. Acho que ela nem se escuta quando fala.
— Isso também é pecado.
— Guarde suas explicações para você, Isaque. — Ela se vira e vai
buscar alguma coisa na geladeira das bebidas. Fico observando, enquanto
ela anda até o caixa.
— E você? — Isaque me puxa dos meus pensamentos, ele me traz à
realidade. — Também quer sair por aí em um rodízio de beijos?
— Eu? — Penso na pergunta por alguns segundos. — Se eu conseguir
ao menos um, já estarei no lucro... diante da minha situação. — Minhas
últimas palavras saem sussurradas. Mas, ele me ouve.
— Tudo tem seu tempo.
Isaque tem razão.
Contudo, não sei se o meu tempo compreende que tenho sonhos que
gostaria de realizar.
Ele enlaça nossos dedos e eu aproveito o calor de suas mãos.
Meus amigos são tudo o que eu preciso para saber lidar com os dias
difíceis que virão. Sei que não vão ser dias fáceis. Eu ainda estou lutando
contra esta doença e uma imagem diferente do que sempre fui está me
incomodando neste exato momento.
Estou inchada por conta dos remédios. Usando uma boina por causa da
falta dos meus cabelos. Posso até não ser bonita como a Margot Robbie...
eu queria ser a Margot... enfim, o que vejo no espelho está longe de
conseguir ser ao menos um quinto do que ela é.
— Quer um suco?
— Quero. — Talvez melhore o meu humor.
Capítulo 3
“Onde quer que nos encontremos, são os nossos amigos que constituem o nosso mundo.”
William James

Todo começo é difícil. Eu tentava me adaptar com esta nova realidade.


Eu só queria que tudo voltasse ao normal. Mas, eu sabia que isso não seria
possível.
Ao menos não seria tão fácil.
O primeiro mês foi de readaptação. As pessoas precisavam se acostumar
com a presença de uma aluna que lutava com todas as suas forças para
sobreviver.
Eu não era nenhum bicho de sete cabeças.
Pelos corredores da escola eu observava alguns alunos me olhando de
maneira estranha. Eu não os condenava.
Uma coisa era ouvir sobre a doença e até mesmo ter que conviver com
um parente com câncer. Outra, era estar perto demais de uma menina que
tinha uma vida inteira pela frente, passando por isso.
Minha imagem não ajudava muito.
Eu sempre fui branquinha, mas estava pálida neste momento. Meus
cabelos, que ultrapassavam um palmo de meus ombros, agora estavam
curtos demais.
Eu cobria eles com um lenço. Foi difícil aceitar a ideia, mas minha mãe
me conquistou.
— Não quero usar, mãe.
— Por que não? Vai ficar muito chique.
— Vou parecer uma velha.
— Que isso? É óbvio que não vai. Ao menos experimenta.
E foi o que eu fiz.
Entrei no banheiro do corredor e tranquei a porta. Por um tempo eu
fiquei sentada sobre o sanitário, olhando para aquele lenço em minhas
mãos.
Depois de muito observar suas imagens aleatórias, levantei e me
posicionei de frente para o espelho.
Respirei fundo e segurei a vontade de chorar, ao olhar tão
detalhadamente para minha fisionomia refletida no espelho.
Meus cabelos!
Enrolei, dando algumas voltas e finalizando com um nó no topo da
minha cabeça. Parecia um turbante.
Desfiz!
Centralizei e dei um nó na parte de trás, na minha nuca. Não ficou tão
ruim.
Desfiz!
Centralizei mais uma vez, sendo que dessa vez eu fiz um laço na lateral
do meu rosto.
— Desse eu gosto mais.
Perfil direito.
Perfil esquerdo.
Acho que ficou bom!
Não desfiz e ainda fui até minha mãe. Ela me olhou e sorriu.
— Acho que vou aderir à moda.
— Vai ter que raspar os cabelos primeiro.
— Você pensa que não sou capaz?
Seu olhar me assusta. Eu sei que ela é bem capaz, mas eu não quero que
ela faça isso.
— Não inventa, você não é a Camerom Diaz.
— Sua mãe é muito mais bonita.
Meu pai entrou no meio da nossa conversa e a beijou na testa. Adoro o
sorriso que ela dá, quando ele a elogia.
Tudo que eu gostaria de viver, é isso: um grande amor!
Só mais um dia aparentemente normal.
Na escola, eu continuo andando pelos corredores, na esperança de ver
minha amiga chegar. Ela está atrasada.
Enquanto estou andando em direção ao banheiro, sou violentamente
chocada com o ombro de uma garota.
— Ficou cega? Olha para onde anda.
— Foi mal.
— Olha só... se não é a aberração do último ano.
Toda escola tem um aluno que gosta de se impor sobre os demais. A
Selena é esse tipo de aluna. Ela é maldosa, debochada, gosta de implicar
com os alunos aparentemente mais fracos.
Tudo que eu não queria era esbarrar com ela.
Observo a aglomeração que se forma. Não consigo me mover.
— Que paninho ridículo.
Ela puxa meu lenço e eu não consigo fazer nada.
— Me devolve.
— Peraí, deixa eu ver como fica. Vem cá, Jú.
A outra garota se aproxima, ela quer a aprovação da Selena, então vai
fazer o que ela mandar. Mesmo que seja para lamber o chão que ela pisa.
Selena amarra o meu lenço no pescoço da Juliana.
— Me devolve isso.
Estou ficando desesperada com a quantidade de alunos que já está se
aglomerando. Todos eles observam e alguns cochicham, enquanto outros
riem.
Ninguém faz nada.
— Que palhaçada é essa?
— Ouço a voz da Aninha. Ela parece chateada, furiosa.
— Devolve o lenço da minha amiga agora.
— Se toca, garota. Quem você pensa que é para falar comigo desse
jeito?
Minha amiga não responde, do nada elas estão se atracando e ninguém
faz nada.
Meu pulmão fica pesado em meu peito. Uma falta de ar me domina e
perco as forças em minhas pernas. Caindo sentada no chão, bem no meio do
corredor.
Ouço vozes ao meu redor.
Não sei o que está se passando, até escutar uma voz grossa.
— Larga ela.
— Foi ela quem começou, Renan.
— Vou arrancar seus cabelos, sua...
— Calada, me dá esse lenço.
— Não.
— Ou você me entrega por bem, ou eu vou arrancar ele de você.
— Ai, Renan, você nunca falou assim comigo antes.
— Me dá logo isso.
Ouço tudo sem conseguir proferir uma palavra. Meus batimentos agora
parecem que estão se normalizando.
Olho para o rapaz que está bem na minha frente, agachado, com meu
lenço em suas mãos. Ele coloca na minha cabeça e me levanta do chão.
— Amiga...
— Você está bem? — Ele me pergunta e nossos olhos se prendem em
uma conexão muito estranha.
Um sentimento de vergonha invade meu peito. Não penso em nada e
saio correndo.
Corro até não conseguir mais. Entro na quadra poliesportiva que fica
nos fundos da escola. Ando até o vestiário.
Tudo vazio. Não há ao menos um sinal de que tenha sido usado. Vou na
direção dos chuveiros e me sento no chão.
O desejo de chorar é tão grande, que eu não consigo segurar.
Eu me sinto tão impotente. Como foi fácil para aquela garota me
humilhar na frente de todos. Eu senti tanta vergonha, que se eu tivesse
morrido, não me preocuparia tanto.
Os pensamentos mórbidos me controlam.
Escuto passos e depois uma voz.
— Você está bem?
Eu apenas o observo.
— Sua amiga está na diretoria, ela está explicando tudo que aconteceu.
— Preciso ajudar...
— Não esquenta, ela parece esperta.
— Não quero que ela seja expulsa por minha causa, é nosso último ano.
— A culpa não foi sua. Vem, levanta desse chão. Acredito que isso não
vai te fazer bem.
Enquanto fala, ele me suspende com tanta facilidade do chão.
Andamos até pararmos diante dos armários. Ele me coloca sentada no
banco.
— Achei você.
Minha amiga entra toda esbaforida. Acho que fiz a Aninha praticar ao
menos um pouco de educação física. Ela odeia e me parece que correu até
aqui.
— A diretora disse que vai te liberar, que no seu caso não é bom que
você tenha mais nenhum tipo de estresse. Ela queria ligar para sua mãe, mas
eu disse que te levaria em casa.
— Eu estou bem.
— Eu posso te levar.
— Muita gentileza sua! — Não gosto da forma como ela fala com ele.
— Não precisa se incomodar — tento —, volte para sua turma.
— Não é incômodo. Vem! — Ele segura na minha mão e a Aninha
arregala os olhos. — Me diz onde mora e eu te levo.
— Aqui. — Ela estende o próprio celular para ele. — Coloca seu
número e te passo a localização pelo zap.
Eu devo ter caído, batido com a cabeça e morrido.
É isso!
Não há outra explicação que se encaixe nessa loucura que minha vida
acabou de virar.
Andamos até o estacionamento, onde apenas os professores têm
autorização para estacionarem seus carros.
Aninha não fala nada, ela apenas me deu a mão e andamos agarradinhas
até o estacionamento.
— Já andou de moto?
Não... mesmo!
Eu vejo, mas não acredito.
Ela sorri!
Ele me entrega um capacete.
E quanto a mim...
— É uma Harley-Davidson?
— A própria.
— E de quem é?
— Roubei.
Oi?
Olho para a cara da minha amiga e ela também fica séria. Aposto que
está se questionando em qual furada ela acabou de me colocar.
Como se não bastasse a cara de bad boy e o fato de ele ser o único aluno
que não respeita o uniforme escolar, mais essa.
— Toma. — Ele me estende o capacete.
— É melhor eu voltar para a sala.
— Estou curtindo com a tua cara, garota. Anda... coloca logo o
capacete.
Não sei se estou convencida, mas a Aninha pega o capacete da minha
mão e coloca em minha cabeça.
Vejo o Renan montar sobre a moto e o ronco do motor me desperta. Ele
me olha de lado e sinto que é um sinal para que eu suba de uma vez.
— Você me paga — digo para minha melhor amiga barra traidora.
— Me agradece depois dos beijos.
— Ana...
Olho sem graça para o Renan, que está rindo do que a minha amiga
acabou de falar.
Não sei onde estou com a cabeça. Monto em sua moto e não sei o que
fazer. Renan segura minhas mãos e me puxa para que eu agarre sua cintura.
— Segura em mim.
— Ahann.
Capítulo 4
“Eu vejo meu futuro em seus olhos”
Perfect, de Ed Sheeran

O vento bate em meus... no meu lenço!


Eu queria tirar o lenço e sentir este vento gostoso tocando em meus fios
ralos e curtos.
Só que a vergonha não me permite curtir o momento, a aventura que
sempre sonhei viver, e agora que tenho a oportunidade, não posso
aproveitar como deveria.
Ele acelera!
Acho que ele percebeu que eu gostei da emoção.
Apertei sua cintura e um som de satisfação saiu de meus lábios.
Estou animada. Não tenho culpa.
Parada na calçada da minha casa, ele desliga o motor.
— Chegamos?
— Sim.
— Está entregue.
— Obrigada.
Tento descer. Quero levantar uma das minhas pernas e sair da moto.
Mas, a emoção mexeu com meu sistema locomotivo.
— Espera! Vou te ajudar.
Que vergonha.
Ele sai da moto e segura na minha cintura, me obrigando a passar meus
braços por seus ombros e segurar em seu pescoço.
Aproveito para inalar o seu perfume.
É tão gostoso!
— Acontece.
— Foi minha primeira vez — digo, sentindo meu rosto corando por
causa da vergonha.
— Podemos repetir, se você quiser...
— Imagina... não precisa se preocupar comigo. Você deve ter seus...
afazeres.
Afazeres?
Sério?
Pareço uma velha. Jovens como o Renan não têm afazeres.
Lances, coisas, namorada...
Com certeza ele tem uma namorada e muito provavelmente ela é uma
mulher e... linda.
— Nem tantos. Depois da aula eu meio que fico de bobeira.
— Amigos?
— Alguns. Mas, a maioria arrumou algo para fazer.
— Entendo.
Ai, que droga!
Não sei mais o que dizer e o silêncio está constrangedor.
— Preciso ir — anuncio e ele segura minha mão, me puxando para um...
— Nos vemos na escola amanhã?
— A...
Ele me deu um beijo no rosto e ainda quer me ver amanhã na escola.
Claro, está preocupado por conta de tudo que me aconteceu.
— Roberta, meu amor, o que houve? A diretora acabou de me
informar...
— Oi, mãe... é... esse...
— Prazer, Renan.
Ele é tão perfeito!
Estou apaixonada!
Suspiro em silêncio, apenas observando ele esticar o braço e oferecer a
mão direita para minha mãe o cumprimentar.
E minha mãe..., sendo minha mãe, é claro, não apenas aperta a mão dele
como o puxa para um abraço.
— Muito obrigada. Acabei de falar com a Aninha e ela me disse que
você se ofereceu para ajudar minha filha. Fico te devendo uma pizza.
Oi?
O que eu perdi?
— Vou cobrar!
— Ah! Eu me chamo Viviane e pode vir sempre que quiser conversar
com a Roberta, ela já pode receber visitas.
— Bom saber. — Recebo uma encarada com um belo sorriso e só penso
em abrir uma cratera e me jogar dentro. — Vou nessa!
— É... hum... tudo bem.
Ele senta na moto e coloca o capacete. Fico olhando e observando como
ele é tão...
— Gatinho, hein.
— Mãe!
— O que foi? — Ela sorri e eu só quero correr. — Como você está? O
que aconteceu?
— Posso respirar, entrar, sentar?
— Claro, meu amor. Vamos.
Finalmente eu consigo chegar dentro de casa e vou direto para meu
quarto. Só agora me recordo que deixei minhas coisas na escola.
Puxo o celular do bolso da minha bermuda e sinto vontade de rir com a
quantidade de mensagens que minha amiga deixou:
[11:35]: “E aí... conta tudo.”
[11:36]: “Estão passeando?”
[11:40]: “Está tão ocupada que não pode me responder?”
[11:50]: “Ele beija bem?”
[12:00]: “Amigaaaaa”
[12:01]: “Eu vou surtar aqui”
[12:40]: “Olha... o Isaque pegou suas coisas e vai levar para você.”
[12:45]: “Amiga da onça.”
[13:00]: “Espero que tenha beijado ele de uma vez.”
[13:01]: “Tá guardando essa boca não sei pra quem.”

As vezes eu acho que um espírito zombeteiro se apossa do corpo da


minha amiga e faz com que ela diga esse montão de bobagens. Ou escreva!
— Preciso de um banho.
Depois de resfriar meus pensamentos, que não param de projetar a
imagem do Renan, eu sento no sofá da sala e minha mãe traz um copo com
suco de laranja e alguns comprimidos.
Eles fazem parte da minha nova vida.
— Me conta o que aconteceu.
— Não foi... nada.
— Como, não?
— Apenas uma valentona que decidiu implicar e eu não consegui
revidar, apenas isso.
— E... — Ela sorri. — Onde o bonitão entra na história?
— Pode parando. — Tento me levantar do sofá. Não vou ter aquela
conversa sobre garotos, logo agora. Já falamos sobre isso.
— Espera... — Sua mão toca a minha com gentileza e eu me sento
novamente no sofá, ao seu lado. — Ele parece gentil. Gostei dele.
— A senhora e a torcida do Flamengo.
Não há como conter nossa gargalhada. Renan é um garoto muito bonito
e as meninas são caidinhas por ele. Eu não seria a primeira e tão pouco a
última.
Dessa conversa, eu sei que não vou escapar.
— Ele apenas me ajudou e se ofereceu para me trazer em casa.
— E que moto!
— A senhora gostou? — Arregalo meus olhos em excitação. — Eu nem
acreditei quando vi.
— Só... toma cuidado, você me entende, não é?
— Nem termina, mãe.
— Você está com dezessete anos e temos que conversar sobre isso, é
importante.
— Eu não tenho nada com ele, foi apenas uma carona.
— Se você diz...
É... eu digo!
Quem olharia para uma menina que mal sabe se vai estar viva na
semana que vem? Uma menina que perdeu seus cabelos e cuja aparência
causa estranheza nas pessoas.
Eu já fui uma garota bonita. Eu era vaidosa e gostava de me arrumar.
Gostava de cuidar dos meus cabelos e hoje, isso não é mais possível.
Ao anoitecer, a campainha toca e eu ouço a voz do meu amigo. Ele veio
trazer meu material de escola, que eu deixei lá. Não pensei em nada,
quando tudo aconteceu.
Chego na sala e ele está sentado, conversando com meu pai.
— Filha, o que houve?
— Nada demais, já foi resolvido.
— Tem certeza?
— Tenho sim. Vem, Isaque. Vamos até a cozinha conversar.
Ele se levanta e depois de cumprimentar meus pais, que acenam em
concordância, como se ele precisasse disso, caminha na minha direção e me
segue.
Isaque sempre foi assim. Um garoto respeitador e que não ultrapassa os
limites que são impostos pelos adultos.
Na cozinha, ele senta em uma das cadeiras e eu abro a geladeira. Olho
para o que tem dentro dela e sorrio ao saber que ainda tem umas duas
latinhas com refrigerante. Eu não posso tomar, mas ele não tem nenhuma
restrição. Pego a lata e depois de lavar, abro e despejo o néctar dos deuses,
o ouro negro, em um copo duplo. A espuma que sobe me faz salivar, mas eu
não posso!
— Toma!
— Obrigado.
— Eu que te agradeço por ter trazido meu material.
— Fiquei preocupado. Quando cheguei no corredor, todos só falavam
do ocorrido, mas quando fui te procurar, você já havia saído.
— É... — Fico sem jeito, sem saber como falar sobre o que aconteceu
depois. — Eu tive ajuda.
— Tô sabendo. — Seu olhar se desvia do meu e eu acho que ele está...
sei lá... parece chateado.
— Perdi muita coisa? — Melhor mudar o foco.
— Coloquei uma folha, com minhas anotações, dentro do seu caderno.
Tem um trabalho para a semana que vem.
— Já começamos bem — suspiro.
Conversamos um pouco sobre a aula que perdi e sobre o trabalho que
teremos que fazer. Será em grupo e acabamos ficando em grupos diferentes.
O que não nos impede de estudarmos juntos do mesmo jeito. Ele se despede
e eu sinto que ele quer me dizer alguma coisa. Só que ele não fala.
— Nos vemos amanhã. — Ele me abraça!
Normal. Sempre nos abraçamos quando nos despedimos. Contudo,
dessa vez eu senti uma coisa estranha. Meu corpo gelou por dentro e senti
ele demorar mais alguns segundinhos em nosso afeto.
Sem saber o que dizer, eu apenas olho para o Isaque, que se afasta e eu
tenho que confessar: ele está diferente, talvez... mais velho, mais...
— Ele ficou um rapaz tão bonito, não é, querida?
— Acho que... sim.
Eu acho?
Capítulo 5
“Tudo que você precisa saber está no primeiro beijo.”
Rachel, de Friends

Que semana difícil!


Trabalho.
Grupo de estudo.
Teste.
Atividades em grupo.
Clube do livro. Onde eu estava com a cabeça?
Tá... eu achei que não duraria muito e tentei aproveitar ao máximo.
Só que eu escolhi conhecimento ao invés de diversão. Quem faz isso aos
dezessete anos?
Pelo visto, só eu mesma!
O colégio ficou um alvoroço com a semana de Feira da Literatura e de
Ciências. Um corre-corre para arrumar as salas e corredores.
Aninha ficou responsável pela confecção das camisetas da turma de
Literatura. Vamos falar sobre as obras de Carlos Drummond de Andrade.
Ela achou uma camisa personalizada com a célere frase: “E agora, José?”
Boa sacada e a professora adorou!
Eu tive que decorar uma parte do poema e fiquei estressada com isso.
Odeio decorar coisas que parecem sem sentido, mas acho que tem algum
sentido para a professora.
Enfim...
— Oi!
— Não aguento mais ler esse poema — reclamo com minha amiga.
— Acha que é a pior parte? Experimenta aguentar as piadinhas dos
alunos do fundamental. Crianças!
— O que eles falaram?
— Eles leem a frase e ficam esperando a resposta. Odeio esses pirralhos.
— Fica calma!
Até que é engraçado.
E agora, José?
Não sabemos o que responder. Só espero que ela refreie sua língua,
afinal, são crianças.
Preciso de um pouco de ar.
Saio da sala em que estamos falando sobre o autor e no corredor eu dou
de cara com aquelas meninas que nem deveriam existir.
Selena me vê e eu não posso correr, virar e voltar para a sala. Vai
parecer que estou com medo delas.
O que em parte é verdade.
Tenho medo do escândalo e de ficar em evidência mais uma vez.
— O verde lhe caiu bem... se bem que o marrom seria melhor, não é
Juliana?
A amiga apenas ri. Eu fico parada e ela continua:
— Uma fruta podre!
Ouço algumas risadas e me seguro para não chorar. De longe eu avisto o
Isaque e ele percebe que não estou nada bem.
Mas, assim que ele começa a andar na minha direção, vejo um sorriso
animado no rosto de Selena e ela olha com empolgação para alguém que
parece estar vindo detrás de mim.
— Oi, Ren... — Ela não termina e eu sinto...
— Oi. — Ele repousa sua mão no meu ombro e beija meu rosto, me
dirigindo esse “oi”. — Se afasta dela.
Eu não sei o que dizer.
Aninha está parada na porta da nossa sala.
Isaque também parou, ele apenas observa.
Ele nos observa!
Meu coração bate forte e a cara da Selena se fecha na hora.
Droga! Mais problemas com essa desaforada.
— Ai, Renan. Você nunca falou comigo assim. Vamos sair hoje? — Ela
pergunta toda empolgada e eu só quero me virar e sair correndo.
— Não posso, tenho compromisso.
— Não me diz que é com essa múmia. — Seu olhar é furioso e eu não
sei o que faço. Não posso ficar no meio desse problema entre eles dois.
— Sim e não!
Ajudou muito!
— Sim. Meu compromisso é com a Roberta e não, ela não é uma
múmia, é minha garota. E daqui por diante eu espero que você a respeite.
— Mas... como é que...
— Vem, vamos beber alguma coisa.
Sinto sua mão deslizar pelo meu ombro, passar pelo centro das minhas
costas, descer até minha lombar, momento em que fecho meus olhos e ela
chega na minha mão e segura.
Estou morta de vergonha.
As pessoas estão me olhando como se eu fosse uma aberração.
Talvez eu seja! Já que muito provavelmente meu rosto está pálido.
O olhar de Isaque me faz sentir culpa. Não sei do que exatamente, mas
eu sinto.
Não penso em mais nada.
Paramos na lanchonete da escola e ele pede dois sucos de manga.
Ainda bem que não foi refrigerante, eu não sei se conseguiria dizer que
não bebo mais.
— Senta aqui. — Ele segura meu braço e puxa a cadeira. Eu sento.
— Toma.
Cuidando de mim outra vez?
O que é que está acontecendo?
— Renan. — Minha voz sai falha. — Eu...
— Não esquenta.
— Não precisa se preocupar. Vou desfazer aquela história e ninguém vai
ficar achando que temos alguma coisa.
— O que foi? — Ele me olha diferente. — Não estou à sua altura? —
Parece sério.
— Não! — sai meio afobado. — Não é isso. É que você... eu... o que
sua namorada vai pensar?
— Não tenho namorada. Estava pensando que você poderia assumir
esse posto, mas já que me rejeitou.
— Não rejeitei.
Ai, meu Deus.
O que eu estou fazendo? Estou me complicando cada vez mais. Ele está
rindo e eu aqui em desespero.
— Relaxa. Bebe o suco.
Eu até que tento. Sinto o adocicado da manga em meus lábios, mas a
minha garganta trava e ele não desce.
Ficamos apenas sentados. Ele toma o suco e eu enrolo com o meu.
Forço a descida do líquido gelado e finalmente termino.
— Quer voltar ou quer ir para casa?
— Como?
— Vou te levar, quando quiser ir embora.
Acho melhor não abrir mais minha boca. Ou posso me arrepender
amargamente.
Andamos até o prédio principal, onde minha sala fica. No corredor, as
pessoas não param de nos encarar. Eu também olharia para um casal que
não tem nada em comum.
Um cara lindo e todo trajado de roupa de motoqueiro e uma... “pobre
camponesa de nobre coração que vai todos os dias ao bosque recolher
lenha”.
Isso eu gravei! É do Chapolim!
Não tenho pretensão de achar que teria alguma chance com ele, até que
uma das meninas que nos olha, começa a falar:
— Até parece que eles estão namorando mesmo. Conheço o Renan, ele
não ia se interessar por uma garota que nem ela.
— Nunca vi eles juntos, quem dirá se beijando.
Que vergonha!
Tento soltar minha mão da dele, mas ele aperta mais e sou surpreendida,
quando ele para de andar e me puxa para ele.
O. Que. Está. Acontecendo?
Nossos corpos de frente um para o outro, sua respiração sobre a minha,
seus olhos nos meus lábios e ele passa a língua pelo dele.
O que me faz ter pensamentos impuros.
Deus me livre!
Um beijo!
Meu... primeiro... beijo.
Ele está com a boca sobre a minha e eu apenas dou passagem para a
língua que, educadamente, passa sobre meu lábio inferior.
Um arrepio sobe pela minha nuca. Mas, poderia ser um vento encanado!
Ele aperta minhas costas, puxando mais um pouco para seu peito.
Seguro em seus braços e aperto sua jaqueta.
Nossas línguas se esfregando uma na outra e o gosto da manga só
melhora o ato.
Tem algo acontecendo comigo e eu não consigo expressar em palavras.
Sinto até vergonha. Eu já estudei, li livros, conversei com minha mãe e até
com a Aninha, que é meio louca, mas não chegou aos “finalmentes” ainda.
Nosso beijo é lento.
Ele explora minha boca com delicadeza.
Sua língua buscando se enroscar com a minha e de vez em quando seus
dentes roçam nos meus.
Eu vou desmontar.
Acho que ele percebe e interrompe nosso beijo. Mas, não antes de
finalizar, puxando de leve o meu lábio inferior com seus dentes.
— Agora você é oficialmente a minha namorada.
Eu não vou falar nada.
Não consigo pensar e pode ser que algo incoerente passe pelos meus
lábios.
Sua mão outra vez na minha. Ele me conduz até minha sala e a Aninha
está na porta.
Ela viu tudo.
Claro que viu!
— Te pego em meia hora.
— Aham...
— Sua louca!
Sou acusada por ela e vejo algumas pessoas cochichando.
— Eu não tive culpa — tento me defender. — Ele me puxou e quando
eu vi...
— E como foi? Não me esconda nada.
— Não sei como descrever com palavras.
— Vem.
A doida me puxa, me tirando de dentro da sala de aula. Andamos até o
corredor lateral e ela abre a porta do banheiro para cadeirantes e tranca. Só
cabe um por vez, diferente do coletivo.
— Por que não me contou que vocês estavam namorando? Não somos
mais amigas? — Quanto drama!
— Não somos namorados. Isso foi apenas por causa da provocação da
Selena. Acho que ele tem pena de mim.
— Duvido! Eu vi o jeito que ele te olha e aquele beijo não teve nada de
falso.
— Eu sei... — Não consigo esconder um sorriso.
— Como foi? Para de me enrolar.
— Foi mágico!
— Trabalho com detalhes, Roberta. — Seu revirar de olhos me faz rir
outra vez. Sei muito bem o que ela quer ouvir.
— Senti uma coisa, lá...
— Tesão!
— Que loucura! É assim que acontece quando se beija um garoto?
— Um homem. O Renan já tem dezoito e ele já é um homem.
— Ai... é verdade!
Capítulo 6
“Lutar pelo amor é bom, mas alcançá-lo sem luta é melhor.”
William Shakespeare

Eu beijei um homem. Não posso nem acreditar no que acabou de


acontecer. Só pode ser um sonho e logo eu vou acordar.
Ficamos conversando por mais um tempo e saímos do banheiro. Não
demora muito e eu vejo o Renan na porta da sala.
— Vai. Vou dizer para a professora que você se sentiu mal. Para alguma
coisa boa essa doença tem que servir.
E não é que ela tem razão.
Outra vez ele segura na minha mão e caminhamos pelos corredores da
escola até que chegamos no estacionamento e ele me entrega um outro
capacete.
Dois?
Estaria tudo planejado de antecedência?
Vai saber!
Não me canso da sensação gostosa de sentir o vento em minha pele.
Mesmo com o ar gelado do inverno, eu gosto do frio.
Ele para diante de uma casa tão bonita. A calçada é larga e tem um
jardim enfeitando a frente. Um portão de garagem se abre e ele invade com
a moto.
Assim que ele para, eu desço sem sua ajuda. Já estava na hora de
aprender, se vou ser a “namorada”.
— Quero te mostrar um lugar.
— Aham...
De alguma forma, eu perco as palavras ou fico burra, quando estou em
sua presença.
Andamos até uma área de lazer e a piscina está cheia. É linda com a
bomba ligada. Elas fazem borbulhas.
Ele me direciona até uma casa toda de paredes de vidros. Está protegida
com algumas cortinas na cor bege.
Vejo ele abrir a porta com a digital. Ao menos não invadimos nada. A
principal fica do outro lado. De onde estamos eu posso ver. É tão grande e
parece ter ao menos uns três andares.
— Entra, fica à vontade.
— Quem mora aqui?
— Eu.
— Sozinho? — Fico chocada. A casa é tão bonita.
— Minha mãe mora com meu padrasto na casa da frente.
— Hum.
Não sei o que dizer.
Observo o ambiente e tem uma televisão enorme e um vídeo game sobre
a mesa de centro. Ele some do meu campo de visão e eu ando pela sala e
observo tudo.
Minimalista!
Um sofá cinza e comprido de frente para uma parede com uma televisão
muito grande. Na lateral tem um abajur, desses que tem uma curvatura. A
mesa de centro parece de mármore. Ela é muito grande. A sala toda é
grande. Uma passagem apenas, indicando a existência de um corredor.
— Vem, vou te mostrar a casa.
Sua mão toca a minha e eu acompanho ele.
Passamos pela abertura e um extenso corredor iluminado pela parede de
vidro é o que vejo. Sou atraída pela piscina e não vejo ele me apontar a
cozinha, onde eu entro.
— Você cozinha? — Confesso que não consigo imaginar a cena.
— Normalmente a Ivana vem fazer minhas refeições e eu só preciso
colocar no micro-ondas. Mas, às vezes eu arrisco um macarrão instantâneo.
Rio.
— E você? Se acha tão esperta. — Seus passos invadindo a cozinha e
sua mão me puxando... — O que sabe fazer?
— Bolo de cenoura.
— Profissional! — Seus olhos demonstram que mandei bem na escolha
dos meus dotes culinários.
— Também sei fazer panqueca.
— Não acredito! — Ele finge estar impressionado e se afasta de mim.
— Vejamos! — Agora ele abre a geladeira. — Não sei o que estou
procurando, pra ser bem sincero.
— Deixa comigo!
— Fique à vontade!
Abro algumas portas e fico impressionada. Esta cozinha tem de tudo que
se pode imaginar. Utensílios de última geração. Uma pena que o “inquilino”
não sabe aproveitar.
Peguei todos os materiais que preciso para fazer uma panqueca. Como
recheio eu vou usar peito de peru e ricota. É mais saudável.
O cream cheese light vai ajudar a não deixar o recheio seco.
Bati a massa no liquidificador e coloquei ele para lavar minha bagunça.
Se não cozinha, limpa!
Está sendo um dia muito divertido.
A panquequeira elétrica é incrível. Não acredito que ele não sabia para
que servia.
Finalizei nossa refeição e sua cara de impressionado está mexendo com
meu ego. Minha autoestima acabou de subir quatro níveis.
— Isso está... hum... impressionante.
Ele fala com a boca cheia e eu acho isso a coisa mais linda. Ele é tão
lindo! Mesmo com a boca cheia e fazendo sujeira.
— Agora eu quero o bolo. Olha na geladeira e veja se tem cenoura, se
não tiver, vou ligar para a Ivana providenciar.
Ele parece que não vê comida há muitos dias.
O bolo assa e a cobertura está pronta para derreter, assim que o bolo
ficar pronto.
Enquanto isso, ficamos apenas assim... esperando.
— Vem cá. — Sua mão me puxa e meu coração acelera. — Tem
cobertura aqui.
Ele toca minha blusa e eu não acredito que caí nessa. Assim que olho
para cima, ele me beija.
Ai!
Não é como da primeira vez. Ele aumenta a velocidade do nosso beijo e
parece que nunca nos beijamos. Suas mãos apertam minha cintura e sou
impelida a tocar sua nuca, acariciando e puxando para beijá-lo com mais
vontade.
— Preciso parar ou...
Ele toca seus fios castanho-claro e puxa para trás. Está preocupado com
alguma coisa.
— Desculpa. Acho que me excedi.
— Não. — Eu me apresso em dizer. Também curti e desejei esse beijo,
do jeitinho que ele aconteceu.
— Não quero que pense que te trouxe aqui para me aproveitar de você.
— Não penso isso. Não se preocupe.
— É que... — Outra vez eu vejo preocupação em seus olhos e faço algo
impensado. Pois se tivesse ponderado, com certeza não faria.
Toco seu rosto e me aproximo, deixando a dica de que vou beijá-lo. Ele
não se afasta e não avança. Observo que ele está gostando da minha
iniciativa.
Dou mais um passo e escorrego meu polegar em seus lábios.
— Meu primeiro beijo foi perfeito, mas o segundo me deixou querendo
mais.
Seu olhar revela confusão por conta das minhas palavras e quando ele
sorri, acredito que entendendo o que eu acabei de dizer, sou atraída até sua
boca e com nossos olhos abertos eu o beijo.
Não sou beijada dessa vez.
Estou no comando do nosso contato e meus olhos falam por mim. Eles
dizem que eu quero mais, quero muito mais do que ele já me deu até aqui.
Um calor invade meu corpo e só há um jeito de apagar. Quero sentir
mais um pouco dessa sensação gostosa que as pessoas chamam de tesão.
Sem pensar em mais nada, tiro sua jaqueta, empurrando pelo ombro até
que ela caia no chão.
Não interrompemos nosso contato visual.
Ele tira minha jaqueta jeans e eu continuo. Toco sua cintura e puxo sua
camisa, tirando. O cheiro do bolo indica que ele está quase pronto.
Nosso beijo não é interrompido por nossas ações. Tranquilamente
usamos as mãos e nossas bocas.
Percebo ele hesitar, ao tentar tirar minha camisa, então... faço eu mesma.
Momento em que precisamos interromper outra vez o nosso beijo.
Só então, noto a cicatriz que ele tem no peito, bem na direção do
coração. Toco com a ponta dos meus dedos e depois lhe dou um beijo. Ele
suspira e segura minha mão, levando até seus lábios e beijando meus dedos.
De repente ele me suspende pela cintura e me senta sobre a bancada da
pia. Entrelaço suas pernas com as minhas e continuamos nosso beijo.
Suas mãos passeam pelo meu corpo e elas exploram cada detalhe entre
minha cintura e meu pescoço. Ele não toca meus seios, por mais que eu
esteja querendo este contato. Nunca fui tocada por ninguém.
Esqueço por alguns segundos meu top e meus seios pequenos.
Será que é por este motivo que ele não quer tocar? Talvez prefira os
maiores. Ele percebe que estou preocupada. Acho que deixei transparecer
meu constrangimento.
— Você é perfeita, Roberta.
— Continua.
Eu fiquei doida de vez.
Só há essa explicação.
Levantei meus braços, indicando que ele poderia continuar me
despindo.
Seus olhos revelam algo que eu não sei decifrar.
— Não posso!
Ele para e se vira, me dando suas costas e noto algumas cicatrizes, elas
são grandes.
— Eu... — desço, completamente sem graça, da bancada e tento pegar
minhas roupas.
— Espera, olha, não é você. — Típico.
— “Não é você, sou eu”, eu sei — digo chateada.
— É sério. Vem cá.
Ele me abraça e eu sinto vontade de chorar. Estou tão envergonhada de
ter sido tão estúpida.
O Renan é o tipo de cara que eu deveria me afastar. Ele é fechado e faz
o que dá na telha. Filho do professor de matemática com a irmã da esposa
do dono da escola. Isso, meio que dá a ele um certo poder de fazer o que
bem entende.
Fiquei sabendo que seus pais são divorciados e a julgar pelo casarão que
estou vendo aqui, o padrasto dele é quem banca tudo.
Talvez esse jeito fechado dele venha do relacionamento que não deu
certo entre os pais dele.
Só que ele é tão lindo que a mulherada pouco se importa com os
problemas que ele carrega. Inclusive, agora eu faço parte deste grande
grupo.
Seu abraço me conforta, ele me faz sentir especial. É como se com ele
eu pudesse ser quem eu sou. Não a antiga Roberta, mas a nova, a que está
se tratado de um câncer e que em razão disso, não tem mais seus belos
cabelos.
— Eu não posso me envolver com uma pessoa, sem saber se teremos
um futuro juntos.
Eu entendo.
Minhas lágrimas também.
Acho que o sonho acabou.
Eu me afasto de seus braços e me abaixo para pegar minhas coisas.
— O bolo está pronto, é só derreter o chocolate e jogar sobre ele.
Assim que completo, saio correndo de sua cozinha. Mas, não alcanço
metade do caminho e sou abraçada por ele.
— Espera, não foi isso que eu quis dizer, é sério.
— Não precisa se justificar. Eu sei muito bem a condição que eu vivo,
só que não te pedi nada, não pedi para receber o tratamento especial a quem
não poderia morrer sem ao menos ser beijada pela primeira vez.
— Fui seu primeiro!
Não acredito que ele está rindo vitorioso.
É isso! Fui um troféu.
Mais uma conquista para sua prateleira de mulheres. Só faltava a
moribunda para a coleção.
— Parabéns.
Dou as costas outra vez e ele para na minha frente. Não me deixando
continuar.
— Preciso te contar algo, é um segredo que eu não conto para ninguém.
Ele está tão sério que eu esqueço meu problema e fico instintivamente
preocupada com ele.
A vida é complicada e quando você pensa que já ouviu de tudo, alguém
te prova o contrário.
Capítulo 7
“Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.”
Antoine de Saint-Exupéry

Faz um mês que estamos nos encontrando aqui. Sua casa da piscina
virou nosso ponto de encontro. Ele me espera na saída da escola e me traz
para seu “cantinho”.
Não fazemos nada além de nos beijarmos e nos abraçarmos com um
pouco mais de intimidade. Mas, não da forma que as pessoas imaginam.
Ele não me toca inapropriadamente. Tiro apenas minha camiseta da
escola e sua boca provoca sensações incríveis no meu pescoço.
Seus dedos tocam minhas costas com carinho e às vezes ele repousa sua
mão sobre minhas nádegas, só que logo ele se corrige.
— Opa! Escorregou.
— Estou achando que suas mãos têm vontade própria.
— Se elas tivessem. — Seu olhar me domina e eu fico presa, olhando
para seus lábios falantes que me hipnotizam. — Eu já teria lhe tocado
aqui... — Ele toca a renda do meu sutiã, isso mesmo, agora eu uso. — E...
— Ele desce, causando uma sensação gostosa em meu ventre, apenas com a
expectativa do que pode acontecer. — Aqui. — Ele enfia a mão pelo cós da
minha calça, mas segura meu cinto com força, se controlando.
— Eu lhe entregaria tudo.
— Eu sei... — Seus lábios tocam a ponta do meu nariz. — Vamos ver
televisão.
Ele se levanta e eu posso ver o quanto que ele está se segurando. Não
sou boba, sei muito bem o que acontece com um homem, quando ele tem
seu desejo reprimido. Eu já senti a pressão desse desejo e confesso que
gostei.
Televisão é sempre uma boa saída para dois jovens com tesão
acumulado.
Sempre um filme de ação. Mas, nem sempre escapamos das cenas
quentes e olhamos um para o outro e rimos.
— Vou te levar em casa.
De repente ele aperta o peito com a mão esquerda e eu corro em sua
direção.
— Renan.
— Não é nada.
Vejo sua fisionomia de dor e ele continua apertando. Consigo fazer com
que ele se sente e corro até a cozinha, pegando um dos comprimidos, dos
muitos que ele toma.
Abro a geladeira e pego uma garrafinha com água mineral. Corro até ele
e o faço ingerir o medicamento.
Renan é portador de uma doença hereditária das artérias coronárias. Ele
já fez uma cirurgia, mas não resolveu muito.
— Melhor?
— Sim. Obrigado.
— Posso ficar, ligo pros meus pais e digo que vou te fazer companhia.
— Não quero que tenha problemas com eles. Vou ficar bem.
— Então eu volto sozinha.
— Nem pensar. Vou te levar.
— Não, mesmo. Vou ligar para o meu pai e ele vem me pegar.
— Droga!
— Não esquenta. Acho melhor você dormir na sua mãe, vai ser melhor
pra você.
— Vou fazer isso.
Não demora muito e meu pai vem me pegar. Eu sinto um aperto tão
grande em meu coração. Fico com a sensação de que eu deveria ter ficado
com ele.
Nós nos despedimos no portão de sua casa. Sinto vergonha em beijá-lo
bem diante dos meus pais, mas eu estou preocupada e ele percebeu.
— Não fica assim. Vou ficar bem.
— Promete que me liga?
— Prometo.
Então ele me beija.
Entro no carro dos meus pais, que ficam de risinhos bobos.
— Ele está bem? — Minha mãe pergunta.
— Tomou o remédio e vai ficar na casa dos pais.
— Como assim casa dos pais?
Ops!
Só agora me dou conta da mancada que acabo de cometer.
Eu nunca disse para os meus pais que o Renan mora em uma casa
independente da mãe e do padrasto. Eles pensam que ficamos na sala da
casa deles, bem diante dos olhares dos adultos.
— Pai.
— Que história é essa, Roberta?
Ele para o carro e eu sei que a coisa ficou feia.
— O Renan mora numa espécie de casa da piscina, só que muito maior
e com muito mais conforto. Ele e o padrasto não se dão muito bem.
— E vocês ficam sozinhos nessa casa?
— Sim..., mas, não do jeito que você está pensando.
— Como sabe o que eu estou pensando? — Ele se vira para trás e nos
encaramos. Estou com vergonha, mas precisamos dessa conversa.
— Não fazemos sexo, se é o que te preocupa.
— Querida... — Minha mãe se vira para trás. — É que nos
preocupamos, você ainda é jovem e tem muito o que viver pela frente.
— Será?
Minha pergunta deixa meus pais constrangidos. Minha mãe me dá um
sorriso vazio e meu pai apenas me olha.
— Escuta... pai, nosso namoro é totalmente diferente dos outros jovens
que eu conheço. O Renan me respeita e eu confio nele. Não vou mentir,
dizendo que eu não quero. — Nessa hora ele muda seu semblante e tenta
interferir na conversa, apenas faço um gesto para que ele não me
interrompa. — O Renan está doente e não quer que eu tenha minha primeira
experiência com uma “bomba-relógio”.
Nessa hora eu não consigo evitar e meus olhos escorrem feito uma
cachoeira.
— Minha filha!
Minha mãe tira seu cinto de segurança e pula para o banco de trás. Ela
me conforta.
É triste, porém real.
Em casa, eu tomo um banho e vou direto para a cama. Pego meu celular
e leio a mensagem dele:
[22:17]: “O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.”
De quem é? :[22:25]
[22:25]: Fernando Pessoa.
É lindo! :[22:26]
[22:26]: Estou pensando em nós dois.
Sobre? :[22:26]
[22:27]: Sobre te amar.
Fico olhando para o telefone e não consigo acreditar no que eu acabei de
ler. Não consigo responder e de repente ele toca.
— Diz alguma coisa, eu sei que está parada e olhando para o celular.
— Não sei o que te dizer.
— Que sou correspondido já seria um ótimo caminho.
— Também sinto.
— Amor?
— Sim.
Um sorriso toma meu rosto e me pego refletindo sobre o peso dessa
palavra: Amor!
— Queria ter outras vidas e em cada uma delas eu desejaria passar ao
seu lado.
— Por que finge ser um bad boy? — Ouço sua risada.
— Não sei do que está falando.
— Você é tão doce. Gosta de ler e é tão carinhoso comigo.
— A culpa é sua, você me estragou. Acabou com minha fama.
— Acho que você se esconde.
— Pode ser. É mais fácil de encarar a realidade.
— Não precisa. Seja apenas você.
— Desejo ser apenas eu, quando você está ao meu lado.
— Gosto dessa versão.
— Quer viajar comigo, nas férias?
— É que...
Droga! Como digo para o meu namorado que planejei passar as férias
com meus melhores amigos e que essas férias já foram planejadas e pagas
há mais de um ano?
— Fez planos. Eu te entendo.
— Poderia vir junto.
— Não precisa. Vai curtir com seus amigos e quando voltar, matamos
nossa saudade.
Conversamos até que meus olhos pesaram e eu dormi. Não antes de
ouvi-lo dizer:
— Amo você.
Depois ele desligou.
Provas finais.
Trabalhos de conclusão e férias.
Renan e eu nos despedimos de uma forma tão melosa. Parecia que seria
nossa última despedida. Ele me deu um livro. As Cônicas de Nárnia. Uma
versão de luxo com a capa dura do Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa.
Eu adorei. Vi todos os filmes, mas sei muito bem que o livro é bem
melhor.
Embarco com meus amigos em uma louca aventura. Pagamos um carro
particular para nos levar até Angra dos Reis. Vamos aproveitar as ilhas
maravilhosas que tem naquele paraíso verde e fazer memórias para contar
aos nossos familiares.
A casa é bem localizada e tem dois quartos. Uma sala espaçosa e a
cozinha é jeitosinha.
Deixamos nossas malas e vamos andar pela cidade.
— Eu nem acredito que estamos aqui e... sem a supervisão dos nossos
pais. — A Aninha está de fato empolgada com nossas férias.
— Já somos adultos. — De forma enfática, Isaque responde, ele também
parece feliz, mas está reservado.
— Quero tirar muitas fotos. Está me ouvindo, Roberta?
— Oi... estou, sim.
Eu estava enviando uma mensagem para o Renan, queria dizer que
chegamos bem. Eu também preciso saber se ele está bem. Fiquei com a
sensação de que ele queria dizer alguma coisa, quando nos despedimos.
— Está tudo bem? — Isaque me pergunta.
— Está, sim. — Dou um sorriso forçado.
— Guarda esse celular e vamos comer alguma coisa. Estou azul de
fome.
Ela tem razão.
Coloco meu telefone no bolso da minha saia jeans e andamos pelas ruas
desconhecidas, a fim de encontrarmos um lugar para comermos alguma
coisa.
Capítulo 8
“E o que não posso e não quero exprimir, fica sendo o mais secreto dos meus segredos.”
Clarice Lispector

O residencial onde a casa está localizada é perfeito. A casa está muito


bem conservada e os quartos são confortáveis.
Aninha e eu ficamos com o quarto que possui camas extras. Acho que é
para acomodar crianças, quando os pais viajam em família.
O do Isaque só tem a cama de casal e um pequeno guarda-roupa.
Já arrumamos todas as nossas coisas e depois que descansarmos um
pouquinho, vamos procurar um mercadinho. Saiu bem mais em conta
ficarmos em uma casa com uma cozinha equipada. Gastamos menos,
quando fazemos nossa própria refeição.
Acredito que comeremos muitas frutas e saladas, já que o preparo é
basicamente água para lavar.
O livro que o Renan me deu é maravilhoso, já estou no capítulo dois,
quando Lúcia conhece o Sr. Tumnus, o fauno. É uma história maravilhosa.
Pensando nele, no Renan, paro a leitura e pego meu celular.
— Já é a quarta vez que você para de ler para olhar esse telefone.
— Nada a ver — digo frustrada.
— Liga de uma vez.
— Liguei. — Olho para o celular, fico perdida nas mensagens que
enviei e que ele não visualizou ainda.
— Dá um espaço. Os caras não gostam quando as garotas ficam em
cima.
— Eu não fico em cima — digo me justificando, não é isso que estou
fazendo. — Estou apenas preocupada. Ele sempre me atende. — Olho outra
vez para o telefone e... nada.
Ela parece que entendeu meu ponto de vista ou se cansou de falar
alguma coisa.
Os dias passam e nossas férias são tão divertidas que eu já começo a
sentir o aperto da volta para casa, mas também sinto saudade do Renan, e
dos meus pais, é claro!
O Isaque está agindo de uma forma estranha. Nós conversamos, quando
estamos os três no mesmo ambiente, mas basta a Aninha se afastar, que ele
logo arruma um jeito de sair.
— Vou fazer alguma coisa pra gente beliscar. — Aninha se levanta e nos
deixa sozinhos na varanda.
— Acho que vou ligar para os meus pais. — Isaque se coloca de pé e eu
me levanto, parando bem na frente dele. — Algum problema? — Ele me
questiona, me encarando.
— Temos?
— Não entendi. Precisa de algo?
— O que está acontecendo, Isaque? Tem agido de uma maneira muito
estranha, comigo.
— Não sei do que está falando. — Ele se justifica e tenta passar.
— Precisamos conversar.
Empeço que ele saia outra vez. Seu olhar revela que ele quer falar algo,
mas nada sai de seus lábios.
— Sempre fomos amigos e nunca tivemos segredos. O que está
acontecendo?
— Não sei se este é o melhor momento para falarmos sobre isso.
— Por favor. — Toco em sua mão e ele abaixa a cabeça, olhando para
nossas mãos juntas. — Estou preocupada, sinto que te fiz alguma coisa, mas
não sei o que pode ter sido.
— Você não me fez nada. — Sua outra mão livre toca meu rosto em um
carinho singelo. Fecho meus olhos.
Um sentimento estranho, mas agradável ao mesmo tempo, toma conta
de mim. Seu toque se estende por alguns segundos e ele quebra o silêncio
que está tão bom.
— Você continua linda como no primeiro dia que te conheci. — Abro
meus olhos e percebo que os dele estão estranhos, parecem brilhar. — Não
sei mais como controlar o que eu sinto, Roberta.
— O quê?
Não há tempo suficiente para processar sua fala e tirar alguma
conclusão lógica do resultado. Acontece tão lento e tão rápido ao mesmo
tempo.
Os lábios de Isaque se aproximam dos meus.
Não sei o que fazer.
Acho que fui dominada, sinto em meu corpo um arrepio estranho.
O que começou com um selinho, se transformou em um beijo de
verdade, assim que dei passagem para sua língua invadir minha boca.
Ele me abraça e permanecemos em um beijo gostoso.
O que estou pensando?
Eu estou com o Renan!
— Eu não posso!
Finalmente eu caio na realidade e me afasto. Ele apenas me observa,
enquanto dou alguns passos para trás e logo me viro, voltando para dentro
de casa e indo me refugiar em um dos quartos.
Assim que olho para o celular que está sobre a minha cama, noto que as
mensagens que enviei para o Renan estão visualizadas. Mas, não há
respostas.
— O que está acontecendo?
Pergunto para ninguém em especial. Seria tão bom que houvesse uma
resposta para isso.
Aninha entra no nosso quarto com uma bacia de pipoca. Ela está com
uma cara estranha.
Pronto! Agora todos nesta casa resolveram ficar estranhos.
— Está... tudo bem? — Ela titubeia em sua pergunta.
— Se eu disser que não, a solução vai aparecer?
— Não sei? — Ela me pergunta, como quem sonda a resposta, com
medo de dizer algo de errado.
— Minha vida virou de cabeça para baixo — reclamo.
— Diz isso por causa do beijo? — A cara que ela faz diz tudo.
— Você viu? — questiono espantada.
— Desculpa.
Não sei o que fazer.
Conversamos por horas e eu abro meu coração para minha melhor
amiga. Ela me ouve sem nenhum julgamento.
Depois de muito falar e ela me ouvir, acabamos dormindo.
Os dias voam e nossas férias acabam.
Retornamos para os nossos lares.
Desde o dia do beijo que Isaque e eu não nos falamos.
Só que, assim que eu chego em casa, meu celular emite uma notificação,
pensando ser do Renan, pego e clico. Começo a ler as mensagens que vão
chegando uma após outra, até que para e ele fica off-line:
“Eu fiz de tudo para guardar este sentimento. Achei que nossa amizade
estaria acima de tudo”
“Muitas vezes tentei te contar, mas fui um covarde.”
“Meu maior medo não foi da rejeição, mas do distanciamento. Temia
estragar nossa amizade para sempre.”
“Eu preferi ter sua companhia, ainda que não pudesse ter seu coração”
“Hoje eu não tenho mais medo.”
“Estou me arriscando, estou arriscando perder sua amizade, mas não
posso mais guardar o que eu sinto.”
“Eu te amo... Roberta. E vou te amar, ainda que a distância.”
“O amor é sofredor... tudo espera, tudo suporta.”
Leio cada palavra com minhas lágrimas escorrendo por meu rosto.
Como pode uma pessoa te amar em segredo?
Como pode seu melhor amigo viver cada alegria, dor, luta, e muitos
outros momentos ao seu lado e você nem ao menos saber dos reais
sentimentos dele por você?
Eu estou tão confusa que não sei o que responder. Se é que ele espera
alguma resposta de mim.
Minha mãe entra no quarto e não entende o que está acontecendo. Eu
também não entenderia se estivesse no lugar dela. Imagina... sua filha sai
para curtir um final de semana que ela planejou durante um ano e ao
retornar, você a encontra com um semblante confuso e triste?
— Mãe...
Eu apenas a abraço e sou confortada por seu amor materno. Não há
lugar mais reconfortante do que os seus braços. Eles me afagam e sem nada
perguntar, ela me embala.
Alguns minutos depois, que não sei precisar quantos foram, eu me
afasto e sento na cama, com meu celular em minhas mãos.
— Estou tão confusa.
— O que houve, meu amor?
— Eu amo o Renan, não tenho dúvidas sobre o que eu sinto.
— Hum... — Seu olhar reflete, como se ela estivesse tentando encontrar
sentido no que acabei de lhe confessar. — Aconteceu alguma coisa?
— O Isaque me beijou.
Ela arregala os dois olhos e eu fico com vergonha da sua reação.
— Menino bobo.
— Oi?
— Não acredito que ele esperou você arrumar outro para finalmente
revelar o que sente.
— Ele te contou?
— Sobre o beijo?
— Não, sobre o que ele sente por mim.
— E precisava? Até cego via que ele era caidinho por você.
— E por que a senhora não me falou, mãe?
— Achei que soubesse.
Impressionante!
É verdade quando dizem que o traído é sempre o último a saber. E é
exatamente assim que eu me sinto. Como é possível que até minha mãe
tenha percebido e eu... que sou a maior interessada, não percebi?
— O que você vai fazer?
— Como assim? — Que pergunta é essa? O que ela pensa?
— Ele te beijou, tá... e agora? O que está se passando na sua cabecinha?
— Não sei, mãe. Estou confusa e pra piorar, o Renan não me atende,
não me responde e eu sei que ele leu minhas mensagens.
Meu telefone toca e leio o nome.
— É ele — digo empolgada e atendo: — Renan.
— Boa tarde, é a Roberta?
— Sim.
— Sou a mãe do Renan.
E agora?
Arregalo meus olhos e minha mãe sibila uma pergunta:
— Quem é?
— A mãe dele. — Apenas mexo os lábios.
Ela se levanta e sai do meu quarto, me dando privacidade para esta
conversa.
Ouço uma voz tão suave do outro lado da ligação.
Eu a vi por umas duas vezes, mas foram de longe. O Renan nunca quis
que eu tivesse contato com sua família. Ele dizia que eram pessoas
complicadas e que nem ele, se pudesse escolher, gostaria de se envolver
com eles.
Aquilo me entristecia. Tenho um ótimo relacionamento com meus pais e
não me imagino longe deles, a ponto de não os desejar na minha vida.
Eu não insisti, apenas curti a companhia dele, enquanto eu pude.
— Me perdoa se eu li suas mensagens. É que eu achei o aparelho dele e
fiquei preocupada quando li o que você escreveu.
— Eu não sabia mais o que fazer, ele não me atendia e eu apenas me
deixei levar pelo desespero de não saber o que estava acontecendo.
— Eu também faria o mesmo, no seu lugar. Ainda me lembro de como
eu era na sua idade. — Ela faz um som de quem esboça um riso alegre.
— Ele vai ficar bem?
— Estamos aguardando o médico retornar com os exames. Sinto que o
Renan está cansado dessas cirurgias.
— Eu preciso saber de tudo que acontece com ele ou vou enlouquecer.
— Não fique assim, não vai te fazer bem, querida.
— Ele te contou?
— Sim. Antes da cirurgia, nós conversamos e ele me falou que estava
apaixonado por uma menina e que você também estava lutando para
sobreviver.
Conversamos por horas e então... desligamos.
Ouvir o que ela me contou não me faz pular de alegria, afinal, ele não
está nada bem, eu sinto isso em suas palavras não ditas. Contudo, uma
notícia, ainda que não seja tão boa, é melhor do que nenhuma.
A vida precisa continuar.
O mundo ainda gira do lado de fora dos meus problemas.
Meus pais continuam seus esforços para cuidarem de mim.
Meu tratamento não acabou, mas os resultados estão indicando que tudo
vai dar certo.
Formada...
Pensando no meu amanhã...
Esperando por um novo dia...
Assim eu continuo. Um de cada vez!
Capítulo 9
“Chego a chorar, manso de tristeza. Depois levanto e de novo recomeço.”
Clarice Lispector

— Para, amor! Vamos nos atrasar.


— Não importa, quero mais um beijo.
— Vai borrar meu batom.
— Sabe que não precisa disso, é linda sem maquiagem.
— Tá... agora vamos, não podemos chegar atrasados.
— Vamos.
Os anos passam e com eles aprendemos muitas coisas. Eu, por exemplo,
aprendi que tudo tem um porquê. Nem sempre compreendemos, mas o
porquê continua lá.
Formada em pedagogia, logo após vencer o linfoma, eu fui presenteada
com uma vida perfeita, ao lado de um homem maravilhoso e que não mede
esforços para a minha felicidade.
Assim que concluímos o ensino médio, eu levei ainda mais dois anos
para dar continuidade nos meus estudos, mas eu não desisti.
Com o resultado final dos meus exames, eu comemorei em grande
estilo. Fomos todos festejar em um restaurante e lá eu fui pedida em
casamento.
E eu disse: Sim!
Casada aos vinte e dois anos. Buscando concluir minha graduação e
com planos de formar uma família.
Adiamos o plano assim que ele decidiu que deveríamos comprar nossa
casa primeiro. E foi o que fizemos.
Dez anos depois e hoje nós vamos comemorar sua segunda graduação.
Meu marido gosta de estudar.
Fato!
— Senhor Isaque de Medeiros dos Santos...
Seu nome é chamado nos alto-falantes e logo nossas famílias se
colocam de pé para aplaudi-lo, enquanto ele toma o canudo das mãos do
orador.
Minha vida é perfeita!
O Renan me mostrou que eu tinha muito o que viver, ele acreditou em
mim e me deu a esperança de que eu tanto precisava.
Nosso amor foi especial à nossa maneira.
Três meses depois, daquelas férias que nos separaram, eu recebi um
livro pelos correios, Nárnia. O segundo dos sete que foram chegando aos
poucos. Em cada um deles, uma carta. Mas, a que mais me chamou a
atenção foi a que ele se despedia de mim, a que ele colocava um ponto final
em nosso lindo e tenro romance.
Suas palavras mais se pareciam com poesias. Ele me agradecia por ter
entrado em sua vida e por ter trazido cor para ela. Terminou, dizendo que
não era justo, por mais que ele me amasse, e ele repetia isso em cada linha
escrita, dizia que eu deveria encontrar uma pessoa especial, uma pessoa que
valorizasse o meu sorriso, a minha doçura e até os gemidos que ele gostaria
de ter arrancado de mim.
Mal sabia ele que meus gemidos eu tive que reprimir, que eu tive
vergonha de todos os que tive vontade de colocar para fora. Seus beijos
eram sublimes e seus toques em minha pele me faziam desejar ir muito
além de um namoro gostoso no sofá.
Sua última carta me fez querer viver. Ele não disse onde estava, mas eu
sabia que sua família o havia levado para se tratar fora do Brasil.
Falei mais algumas vezes com sua mãe e depois... tudo se tornou
silencioso, até acabar de uma vez.
O Isaque apareceu no momento que eu mais precisei de apoio. Nós
conversamos sobre o que ele sentia por mim e eu pedi que ele respeitasse
meu tempo.
Eu o amava, mas não era o amor eros que uma mulher sente por um
homem. Esse, ele conquistou com o tempo.
A reciprocidade do nosso amor surgiu com as trocas de olhares,
enquanto estudávamos; com gestos bobos, como toques de pés sob a mesa
de jantar; idas ao cinema e beijos castos na porta da minha casa.
Ele me respeitava. Jamais me tocou de forma inapropriada, não me
beijou com volúpia, não me abraçou apertado.
Com ele foi tudo diferente e eu também gostei.
Nosso casamento foi planejado por nossos pais. Bem à moda antiga. Eu
tive que usar um véu e uma grinalda como símbolos da minha pureza, sem
falar do exame com laudo e tudo, onde a médica comprovava que eu era
virgem de verdade.
Eu não me senti violada. Os pais dele eram religiosos e eu não os
questionei, quando revelaram o desejo de que seu filho se casasse com uma
moça “pura”.
No fim, fiquei muito feliz de ter me guardado para o meu esposo, que
também se guardou para mim. Nossa lua de mel foi incrível. A começar
pelo lugar.
Porto de Galinhas!
Lembro dos detalhes como se fosse hoje.
“— Você é perfeita. — Seu olhar revelava o quanto ele me admirava e
eu ainda estava vestida. — Parece mentira que estamos casados.
— Eu fui tão burra, como não percebi seus sentimentos por mim, você
sempre foi tão gentil comigo.
— Isso não importa mais.”
Ele estava nervoso, tentava esconder, mas estava. Assim como eu.
Então, eu tomei a iniciativa em nosso beijo e aos poucos ele relaxou. Toquei
em seu peito e fui abrindo os botões de sua camisa.
Depois de completamente aberta, eu empurrei por seus ombros e desci
por seus braços. Ele me olhava e sorria.
Meu coração batia rápido, eu estava ansiosa pelos momentos que se
seguiam. Ele começou a me despir. Eu estava com um vestido simples, sem
corte e folgado no corpo. Bastou suspender e logo seus olhos pousaram
sobre meu corpo seminu.
Eu estava mais magra e bem mais bonita. Confesso que atualmente eu
relaxei um pouquinho e ganhei uns quilinhos a mais. Mas, no meu
casamento eu estava ótima.
“— Linda demais e é só minha.
— Tira a calça. — Ordenei e percebi que ele gostou da minha atitude.”
Seu corpo era lindo. Continua... até melhor, pois ele corre todos os dias
pelo condomínio e ainda faz alguns abdominais em casa.
Apenas com a cueca boxer, ficamos abraçados na cama e namoramos
por um bom tempo. Ele leu que a primeira vez de uma mulher tinha que ter
paciência e como ele não era experiente, preferiu não arriscar e seguir todas
as informações que ele pegou na internet.
“— Se não for bom, você tem que me falar, tudo bem?”
Apenas balancei a cabeça, concordando com suas palavras.
Sua boca me distraía em um beijo calmo, delicado, enquanto ele
avançava e eu sentia como se estivesse sendo rasgada. E todas as vezes que
ele percebia meu desconforto, ele parava.
Ficamos um bom tempo apenas na tentativa, até que eu tomei a frente:
“— Enfia de uma vez!”
E assim ele fez.
Eu segurei a dor e ele começou a me dar vários beijos pelo rosto, ombro,
pescoço. Era como se ele me pedisse perdão pela dor infringida. Só que não
era culpa dele. Aquilo era algo de que todas as mulheres precisam passar,
precisamos enfrentar o começo, se quisermos continuar.
E eu queria muito continuar. Ah... se queria!
Aos poucos ele foi se movimentando e a dor foi sendo substituída pelo
prazer. Seus beijos ajudaram muito. Assim como as carícias que ele fazia
com a mão. Ele tocava meus cabelos, meu rosto, minha cintura.
Eu estava me sentindo uma nova mulher, até que ele:
“— Desculpa... eu...
— Está tudo bem. Eu li que é assim mesmo.
— Mas eu achei que pudesse controlar mais um pouco.”
A vergonha de ter sido tão rápido estampava seu rosto. Eu sabia que
poderia ser assim, afinal, éramos dois jovens sem experiência sexual
nenhuma.
Tentamos mais algumas vezes naquele dia. Ele dizia que não conseguia
resistir, bastava eu estar ao seu lado e logo seu... tentei dar um apelido, mas
ele me proibiu. Logo seu membro se mostrava animadinho.
Eu me sentia da mesma forma. Eu não imaginava que algo poderia ser
tão bom, tão prazeroso. Aquilo não cessava. Fizemos na cama, no sofá da
saleta, no banho, até sobre a pequena mesinha de jantar.
Eu descobri um Isaque que jamais imaginei, um homem cheio de fogo e
desejo por sua esposa. Eu também me tornei outra pessoa. Eu o queria de
uma forma que chegava a ser doentia. Eu não pensava em mais nada.
Acordava desejando ele, não tinha vontade de sair do quarto do hotel.
Eu amei meu marido de todas as formas possíveis e ainda nos amamos
como em nossa lua de mel.
Capítulo 10
“Seus ramos se renovarão, não cessarão os seus frutos e viverá.”
Ao cheiro das águas, de Ana Paula Valadão

— Quando foi sua última menstruação?


— Deveria ter sido há três semanas atrás.
— Costuma atrasar desse jeito?
— Não, foi a primeira vez.
— Bom..., então eu vou te dar..., deixa eu ver... Aqui! — Ela abriu uma
das gavetas em sua mesa e pegou uma caixa. — Toma, faz este teste ali no
banheiro. Não posso continuar seu preventivo sem ter a certeza de que você
não está grávida.
Grávida?
Será?
Mas, eu tomei todas as precauções.
Só me resta seguir as recomendações desta caixinha. No banheiro, eu
observo os detalhes, é muito organizado e bem feminino. O cheiro é
agradável, parece lavanda.
O frasco coletor de urina, que vem dentro da caixa, está pela metade e a
haste está inundada. Olho para meu celular e vejo os minutos passando de
forma lenta, ao meu ver.
Cinco minutos e... vamos ver no que deu!
— Amor... Amor... — Ouço o barulho de uma porta se fechando. —
Roberta. — Ele me grita. — Amor? O que houve?
Não sei o que dizer. Isaque chegou para almoçarmos, como ele faz todos
os dias. A loja que ele trabalha fica bem próxima da nossa residência e ele
almoça em casa todos os dias.
O quarto está escuro. Cheguei da consulta médica e vim direto para o
nosso quarto. Fechei as cortinas e me encolhi sobre a minha cama.
Chorei por mais de uma hora. Eu chorava, parava, pensava, lembrava e
chorava mais um pouco. Por duas vezes tentei ligar para minha mãe. Talvez
ela pudesse me aconselhar ou me consolar. Mas, eu não tive coragem e
bloqueei o celular.
Acho que cochilei por alguns minutinhos. Eu me assustei com sua voz a
me chamar.
— Sente-se mal? — Ele se deitou atrás de mim e me abraçou. Sua boca
encostada em meu ouvido, eu só queria me virar e chorar em seus braços.
— Não sei o que faremos.
Viro para ele e escondo meu rosto em seu peito. Suas mãos acariciam
meus cabelos.
— O que houve, amor? Fala comigo. Foi a consulta, aconteceu alguma
coisa?
— Eu estou grávida!
Tomei coragem, levantei a cabeça, olhei em seus olhos e disse de uma
vez. Seus lábios se abriram em um lindo sorriso e eu estou com medo de lhe
contar sobre o restante da consulta.
— Isso é uma ótima notícia. O que está te preocupando, meu amor?
— Tem um nódulo no meu seio.
Pronto!
Foi como tirar um doce da boca de uma criança. Ele estava tão feliz, eu
desejei curtir este momento com ele, mas a vida fez novos planos.
Com muito custo, eu me levantei e sentei na nossa cama. Recostei na
cabeceira e ele sentou-se de frente para mim. Suas mãos seguram as minhas
e de repente, ele as suspende, levando até seus lábios e deposita beijos em
cada nó dos meus dedos.
— Quando será a biópsia?
— Agendei para daqui a dois dias. Quanto mais rápido eu souber, mais
rápido saberei o que fazer.
— E o bebê? O que foi que a doutora falou?
— Se o resultado da biópsia acusar o câncer, eu não vou poder fazer a
quimio ou a radio, só me resta... — Olho para meu esposo e busco coragem
para transmitir as palavras que eu tive que ouvir naquele consultório e que
me derrubaram psicologicamente. — A mastectomia!
— Isso... — suspira, nitidamente abalado. — Vamos orar, amor. Lucas
um, trinta e sete: “porque para Deus nada é impossível”.
Eu me rendo!
Permito que ele me abrace e suas palavras me confortam.
Depois que nos casamos, eu abracei a fé do meu esposo. Fui tomada por
uma sensação tão prazerosa e reconfortante, que descobri ser ali o meu
lugar.
Congregamos em uma igreja evangélica próxima de nossa casa. Isaque
fez faculdade de Teologia, assim que terminamos o Ensino Médio. Ele
sentia prazer em estudar todos os assuntos relacionados a Deus. Depois, ele
fez Psicologia. Um curso que lhe caiu feito luva.
Por enquanto ele ainda trabalha em uma grande loja de departamento
muito procurada aqui no Brasil. Mas, ele está poupando para comprar uma
sala empresarial, onde montará seu consultório. Duas vezes por semana ela
dá aula de Antigo Testamento no Seminário Teológico em nossa igreja.
Somos felizes da nossa maneira simples de viver.
Ele recebeu um dom.
O dom de me tranquilizar todas as vezes que ora pela minha vida, pelas
minhas dúvidas, por minhas enfermidades. Alguém lá no céu se agrada
muito com a maneira dele viver, aposto!
Almoçamos e ele retorna para seu trabalho.
O dia da biópsia chega e minha mãe está comigo. O Isaque queria pedir
o dia, mas eu não deixei. Ele me manda mensagem a cada meia hora. Eu
amo meu marido.
— Do que está rindo? — Minha mãe me pergunta, ao notar meu sorriso
bobo, enquanto leio a mensagem do meu esposo. Apenas amostro para ela,
a mensagem que ele me mandou, e ela lê. — Vinte mil por um par de
peitos? — pergunta chocada.
Isaque e eu conversamos sobre a mastectomia e ele fica pesquisando
sobre cirurgias para a implantação de silicone. Eu me divirto com ele.
— Essa não é a questão, mãe. Mas, o fato dele querer adiar a compra da
sala dele. Isso me faz amá-lo cada vez mais.
— Ele é um genro de ouro. Por um tempo eu fiquei com medo de que
você não fosse se esquecer daquele rapaz.
— O Renan foi especial à sua maneira.
— Não teve mais notícias?
— Nenhuma.
Pensar no Renan me deixa triste. Ele foi importante em uma época em
que eu não tinha esperança nenhuma de ter uma vida feliz. Eu achava que
não chegaria a desfrutar de uma vida adulta.
Sete livros e seis cartas. Foram apenas o que me restaram da nossa
história de amor. Eu ainda guardo os livros. Li todos eles. Isaque sente
ciúme dos livros e das cartas. Eu nunca menti sobre o que aconteceu e
depois de alguns anos eu deixei que ele lesse as cartas.
Ficamos alguns dias nos falando de forma monossilábica. Eu respeitei o
direito dele de sentir ciúme do Renan e de todo amor que ele revelou sentir
por mim em cada uma de suas cartas.
Eu jamais poderia me desfazer daquelas cartas, cada uma delas
compunha uma história de superação, uma etapa que se mostrou
importante. E eu venci cada uma delas.
Depois de um tempo, ele apenas aceitou e nós conversamos.
“— Desculpa, eu sou um tolo. Mas, é que eu senti muito medo de te
perder para ele. Aquele beijo foi uma facada em meu coração, sabia? Eu
me culpei por não ter revelado meu sentimento por você.
— Você sabe que eu te amo e não tem por que se preocupar. O Renan
me mostrou que eu podia viver, independente daquela doença. E..., acabou
que ele me levou até você. Você era a pessoa que me faria querer viver
cada dia mais. E ainda é.
— Eu te faço feliz?
— Cada segundo...”.
A gente se beijou e fez amor de um jeito tão especial. Eu me sentia
ligada a ele de uma maneira sobrenatural. Minha pele ardia de desejo pelos
toques sensíveis do meu esposo. Sem falar dos beijos que sempre
revelavam o quanto ele me desejava. Só de pensar nele o meu corpo reage e
eu preciso ter cuidado para não entregar o que estou sentindo.
— Está pensando...
— No Isaque, mãe. É claro!
Rimos.
Meus pensamentos são dele. Assim como meu corpo.
Sou chamada pela enfermeira e sigo para meu destino.
Assim que entro, ela me indica um banheiro para que eu troque as
minhas roupas. Tiro meu vestido e fico me observando através do espelho.
Preciso cortar os carboidratos, ou este pneuzinho logo vai virar um pneu
maior.
Em seguida, tiro meu sutiã e coloco o avental que está dentro de um
saco. Ainda está quentinho!
Retorno para a sala e sento na maca que ela me indica. “Algo simples!”.
Foram as palavras da minha ginecologista.
A porta se abre e minha médica entra. Ela fala sobre o procedimento e
eu tento ficar tranquila, mas é praticamente impossível. Só penso no bebê
que está sendo gerado em meu ventre. Isso me deixa ansiosa. Tenho medo
de que o procedimento interfira na minha gestação. Por mais que ela tenha
me dito que não é um procedimento difícil e que o feto não será
prejudicado.
Feto!
Bebê. É como imagino a semente de meu marido, que cresce dentro de
mim.
Não contei os minutos, nem ao menos olhei no relógio. Fui anestesiada
na mama direita e uma agulha fez todo o resto.
Agora eu preciso esperar o resultado.
Em casa, estou tomando um banho relaxante. A água cai sobre os meus
cabelos e tapa meus ouvidos, me impedindo de captar os detalhes ao meu
redor.
Sou despertada com o toque das mãos do Isaque, que acariciam meus
braços. Abro meus olhos e ele sorri para mim.
— Está tudo bem?
— Vai ficar.
Repouso minha cabeça em seu peito e ele me abraça.
Apenas um banho e vamos para nossa cama. Nosso refúgio.
— Pedi uma pizza. — Ele puxa a coberta e se ajeita ao meu lado,
ligando a televisão em um canal de filmes.
— Que bom, não consegui preparar nada, estava cansada.
— Quando sai o resultado?
— Na semana que vem.
— E quando começa o pré-natal?
— Ainda vou marcar, estou esperando resolver essa parte primeiro.
— Estamos juntos nessa. — Ele beija minha cabeça.
— Menina ou menino? — pergunto para meu esposo, enquanto acaricio
seu peito sobre a camisa do pijama.
— Vindo com saúde...
— Sem essa, amor. Faz uma escolha. — Ele ri.
— Bom..., apesar da maioria dos homens desejar um filho para partilhar
seus gostos, eu gostaria de ter uma menina.
— Sério? — Apoio meu queixo sobre seu peito e o encaro
desacreditada.
— Sério! — responde e me dá um selinho. — E você?
— Menino.
Deito outra vez em seu peito e fecho meus olhos.
Um tempo depois, sou despertada por um carinho em meus cabelos. Ele
me chama para comer. Estou com tanta preguiça, que quase dispenso a
pizza.
Comemos, conversamos e vamos dormir.
Capítulo 11
Quem sou eu pra questionar um Deus fiel?
Esperança, de Julia Vitória

— “És minha âncora. A minha esperança. Em que minha fé firmada


está. Eu não temerei, eu não temerei. Eu não temerei.”
— Linda canção. Obrigado, Priscila. Que Deus continue abençoando
sua vida e sua voz. Lucas capítulo um, versículo trinta e sete diz que para
Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas.
O Pastor Jessé começa seu sermão e é neste momento que eu me
desmancho em lágrimas.
Eu conheço a história de Maria, a mãe de Jesus. Ela era apenas uma
menina assustada com a presença de um ser divino. Até eu me assustaria,
mesmo sendo adulta.
E ainda tem sua prima Isabel, que na velhice gerou um filho. Realmente,
para Deus não existe nada impossível e eu sou a prova disso.
Fui diagnosticada com um linfoma aos dezessete anos de idade. Não foi
fácil. Mas, superei cada batalha com o amor e a ajuda dos meus pais e
amigos. E depois de muita luta, eu fiquei curada!
Aos trinta e dois anos eu estou grávida de oito semanas.
Meu esposo está feliz. Ele está se contendo por causa do novo
diagnóstico de câncer que eu recebi: Carcinoma Lobular Invasivo de grau
três.
A situação é bem ruim, já que eu fui diagnosticada no comecinho da
minha gestação, no mesmo dia que eu descobri que estava grávida, para ser
mais precisa. Sendo assim, o tratamento com radioterapia ou quimioterapia
não é uma opção válida. Interromper a gestação não é nem uma opção! Eu
jamais pensaria nessa possibilidade, bem como meu esposo.
O que nos restou?
Mastectomia.
Dói na alma, eu sei, mas é a única forma de levar minha gestação
adiante e não morrer de câncer.
Serei muito bem acompanhada nesta nova fase da minha vida. Terei
consultas regulares com minha obstetra, uma oncologista e um mastologista
indicados pela minha médica. Ela também me deu indicação para me
consultar com um psicólogo, mas eu disse que já me consultava com o
melhor psicólogo.
Ela riu!
Os dias passam e as consultas chegam. Com oito semanas, muitas coisas
incríveis estão acontecendo dentro da minha barriga. Meu bebê está
crescendo. Ele está se formando. Seus órgãos estão sendo desenhados um a
um. É maravilhoso!
Mas, o melhor de tudo é poder ouvir seu coraçãozinho. Ele bate tão
rápido, que eu fiquei impressionada. Minha mãe até chorou.
Em casa, eu conto todos os detalhes para o Isaque:
— Foi lindo, amor. Ele bate tão rápido, que quando escutei, fiquei até
preocupada. Mas, a menina que fez o exame me explicou que é assim
mesmo.
— Eu queria ter estado com você. — Ele me abraça e me beija no rosto.
— Quem sabe no próximo exame eu consiga agendar para seu dia de
folga.
— Eu vou ficar muito feliz.
— A doutora falou que poderia fazer um exame de sangue para saber o
sexo do bebê, mas eu não queria. O que você acha?
— Acho que deve ser tudo do jeitinho que você quiser. — Ele beija
minha boca e eu não permito que ele se afaste.
— Eu estou muito feliz, amor — digo e o abraço apertado.
Ficamos assim, abraçados e curtindo nosso momento de felicidade
mútua.
Na décima primeira semana da minha gestação, estou indo fazer uma
ultrassonografia importantíssima para o meu bebê.
A morfológica vai observar todos os detalhes, incluindo a transluscência
nucal, que é a avaliação necessária para descartar a Síndrome de Down.
— Seu bebê está ótimo, mãe.
— Que bom. — Não consigo controlar minha alegria e meu sorriso não
tem mais para onde se ampliar. Isaque segura minha mão e também sorri.
— Quer saber o sexo, papai?
— Podemos?
— Deixa eu ver..., me ajuda aí... — Ela fala com nosso bebê. — Hum...
— Ela sorri como a gente. — Obrigada, lindinho!
Tem momento mais feliz que este na vida?
Se tem, acho que ainda não experimentei!
Em casa, ficamos sentados no sofá, olhando para as imagens do nosso
pequeno. Nosso príncipe ainda não nasceu e já é muito amado. Meu
telefone toca e eu atendo:
— Oi, mãe!
— Fala de uma vez, Roberta.
— É um menino! — Olho para o Isaque, que ainda está feito um bobo,
olhando para a imagem.
Conversamos sobre a arrumação do quarto. Fazemos planos para a
mobília. Isso me ajuda a não pensar que daqui a duas semanas eu estarei
fazendo uma cirurgia muito importante.
Minha obstetra decidiu que seria melhor se esperássemos o final do
primeiro trimestre, que é quando o bebê já está com todos os órgãos,
necessários para sua sobrevivência, formados.
O grande dia chega e eu estou tentando manter a tranquilidade.
Enquanto recolho umas roupas do varal, buscando ocupar a mente, Isaque
está no nosso quarto orando. Ele tem orado mais vezes e por mais horas,
desde que marcamos a cirurgia.
No hospital, eu me despeço do meu esposo. Nós nos abraçamos e
choramos. Ele tenta ser forte, mas nesta hora ele se permite ser humano e eu
entendo.
Uma grande luminária é acesa sobre meu rosto, mas eu fecho meus
olhos e falo com Deus, em meus pensamentos:
“Senhor, eu sei que sou amada por ti e sou ouvida. Preciso de paz e só o
Senhor pode me dar. Protege meu bebezinho, ele é o presente que o Senhor
nos deu...”
O sono vem chegando, mas não antes de poder escutar algo que não sei
de onde está vindo...
“Mateus...”
Acordo!
Rostos conhecidos me cercam.
— Oi, amor.
— Oi... — Minha voz sai fraca.
— Descanse mais um pouco.
Em casa, uma nova luta!
Segundo a minha médica, a cirurgia foi muito boa e vamos aguardar o
resultado da biópsia. É ele quem vai determinar os próximos passos a serem
tomados.
O Isaque conseguiu adiantar suas férias e ele vai cuidar de mim. Minha
mãe decidiu que vem preparar nossas refeições e deixar a despensa cheia.
— Está confortável? — Ele me pergunta.
— Na medida do possível, sim.
— Quer as almofadas?
— Acho que sim.
Ganhei duas almofadas em formato de coração. Elas são úteis para que
eu possa apoiar meus braços. Meu esposo me ajuda sempre. Ele suspende
um de cada vez e encaixa a almofada sob minha axila.
Um dia de cada vez, é assim que eu preciso caminhar.
Não é fácil. Nunca é.
Há dias que eu acordo bem. Já outros...
— Não fica assim, amor.
— Por quê? Você pode me dizer por quê?
— Os planos de Deus...
— Não me vem com esse papo... — grito e em seguida eu me
arrependo.
— Vamos orar?
Eu permito que ele ore por mim. Eu sinto que preciso.
Antes da cirurgia eu li muitos informativos sobre a mastectomia,
principalmente em gestantes. Não é um momento fácil para uma não
gestante, imagina para uma mulher que sonhou com filhos, que sonhou em
amamentar seus filhos.
Eu não consigo me ver no espelho. É dolorida demais a ideia de que eles
não existem mais.
Quando adolescente, eles não eram tão grandes, mas quando eu me
casei e o tempo passou, eles até que ficaram em um tamanho satisfatório.
Eram bonitos!
Eu me sentia feminina.
Os toques do Isaque me faziam desejá-lo ardentemente. Ele recitava os
versos em que Salomão cortejava Sulamita: “os seus seios são para mim
como cachos de uvas”.
Agora me diga o que se faz com um cacho de uvas. Nunca mais eu vou
sentir a boca do meu esposo saboreando meus mamilos como se saboreia
um cacho de uva.
Meu Deus!
A depressão chegou e eu preciso reconhecer. Eu preciso lutar.
Com a ajuda do meu esposo, dos meus pais e até dos meus sogros eu
estou conseguindo passar por esta fase.
A Aninha chegou de viagem e veio me ver.
— Eu estava tão preocupada com você. É horrível estar em um lugar
onde não tem sinal de nada.
— Estou feliz em te ver. Você está ótima, amiga.
Ela me abraça com cautela e ficamos assim.
Quem diria que a minha amiga, que só queria aproveitar a vida, se
tornaria uma médica em uma das organizações mais impressionantes do
mundo.
Os médicos sem fronteiras, uma organização que vem ajudando pessoas
pelo mundo inteiro, acabaram tirando minha melhor amiga de mim, mas foi
por uma causa nobre.
Ela estava em Donetsk, na Ucrânia. A pandemia assustou muita gente.
Nós sobrevivemos, mas ainda existe o risco de se contrair a doença. Lá, ela
ajuda a tratar de pacientes com sintomas leves e até moderado. Eles têm
uma unidade móvel que dá suporte a muitas casas.
— Como está o Yaroslav?
— Bem. — Ela faz uma cara que não corresponde à resposta. —
Estamos indo.
— Coitado — suspiro.
— Tenho muito trabalho, Roberta. Não tenho tempo para atender aos
caprichos dele.
— Ele te ama e quer ser teu marido, amiga.
— Já moramos juntos, não está bom?
— Casamento vai além disso. É um compromisso diante de Deus.
— Eu estou pensando em me casar aqui no Brasil.
— Sério?
— Sim. Assim que você estiver boa para ser minha madrinha.
— Sinto tanto a sua falta.
— Eu também, Betinha..., eu também!
Hoje eu vou retirar o dreno. A oncologista que cuida de mim, me falou
que está com pouco líquido em um dos seios e quase nada no outro.
Finalmente, mais um passo.
O sexto mês está quase no fim e saber que o resultado da biópsia foi
favorável, nos faz querer festejar.
Escolhemos um restaurante próximo a nossa casa e nossos pais estarão
presentes.
— Graças a Deus deu tudo certo, Roberta. — Minha sogra me abraça.
— É, sim.
— Deus é maravilhoso, minha filha. Continue crendo e suas dádivas
serão derramadas sobre sua vida.
— Amém, sogrinha, amém...
Conversamos, comemos, festejamos mais esta etapa em minha vida.
Eu venci!
É dessa forma que eu me enxergo, todas as vezes que entro no quarto do
meu bebê. Foi lá que eu tive outra experiência que acreditei ter sido efeito
da anestesia, quando aconteceu da primeira vez. Eu dobrava as roupinhas e
guardava na gaveta quando ouvi aquele nome outra vez.
Isaque chega e começa uma conversa sobre nomes de bebês. Ele cita
vários nomes bíblicos e fala sobre seus significados.
— Mateus!
Eu digo decidida.
Isaque sorri para mim e fala:
— Dádiva de Deus, realmente nosso bebê é o nosso presente enviado
por Deus. — Suas mãos acariciam minha barriga e eu sinto meu peito
inundado de amor por eles dois.
Quem sou eu para questionar os planos de Deus? Diz aí!
Capítulo 12
“As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro
sem medo.”
Epicuro

Estou grande e cansada, mas estou feliz.


Mateus está forte e saudável.
Isaque está babando.
Meus pais não são os únicos avós corujas.
Não sei mais onde enfiar tantos presentes. Tem fralda descartável até
sobre o meu guarda-roupa. Eu não reclamo, pois sei que vou precisar.
A Aninha finalmente parou de enrolar o noivo e eles se casaram em uma
cerimônia simples no hotel em que ficaram hospedados. Eu pude ser a
madrinha deste sonho lindo, ao menos para o noivo, que parecia que ia
infartar.
Tudo deu certo no fim das contas.
Mas...
O passado bateu na minha porta. Na verdade, ele enviou uma mensagem
pelo celular. Uma informação, um endereço, um horário e um pedido de
perdão.
Eu fiquei em choque por alguns segundo e o Isaque ficou preocupado.
Ele tomou o telefone da minha mão e eu acordei com a reclamação dele:
— Você não vai.
— Eu preciso.
— Roberta! Isso não tem cabimento.
— Você não entende. — Pego o meu celular de sua mão e ando até o
nosso quarto. Estou chateada e confusa ao mesmo tempo.
— Você é que não me entende. Isso só pode ser brincadeira. Depois de
todos esses anos? Sério?
— Eu vou, eu preciso.
Pego minha bolsa com meus documentos e checo se está tudo dentro
dela. Abro o guarda-roupa e passo a mão pelos vestidos.
— Não me peça para compreender isso.
Ele sai do quarto e escuto o barulho da porta sendo fechada com força.
Pego um vestido todo preto, mas não me sinto confortável com isso. Ele
não gostaria... é o que eu penso!
Vestida em um tecido confortável e florido, calço uma sapatilha e ando
até minha cômoda. Na última gaveta eu guardo as cartas que ele me deu.
Desço as escadas do apartamento e aguardo o carro que chamei. Ele não
demora muito e eu entro.
No caminho, fico pensando no que vai acontecer quando eu estiver lá.
Respiro fundo algumas vezes e solto lentamente pela boca. Acaricio minha
barriga. Não posso ficar nervosa.
O carro para diante do local que eu digitei no aplicativo e eu abro minha
bolsa, pegando o dinheiro da corrida.
— Pode ficar com o troco.
— Obrigada. — A motorista me dá um sorriso e depois ela olha para a
entrada do local.
Suspiro!
Abaixo os óculos escuros e entro.
Procuro pela sala correta e quando estou me aproximando, vejo de longe
o cortejo já a caminho. Sigo em passos muito lentos. Não somos parentes.
Apenas fiz parte do seu passado.
Observo as pessoas e reconheço alguns rostos da época da escola, a
maioria deles são de professores.
Fico de longe, mas ela me vê e se aproxima.
— Desculpe-me. — Ela me abraça e chora.
O tempo lhe fez bem. Parece jovem e ainda conserva sua beleza.
— Tudo bem! — digo, tentando confortá-la.
— Ele me pediu que lhe entregasse algo, caso você aparecesse, está lá
na minha bolsa.
— O que aconteceu?
— A última cirurgia lhe garantiu mais alguns anos de vida. Ele estava
cansado dos tratamentos e decidiu viver o que fosse concedido a ele.
— Ele sofreu?
— Não. Foi como dormir. Ele faleceu durante o sono.
Não sei o que dizer.
Ela segura na minha mão e caminhamos até o caixão. Está fechado,
enquanto as últimas palavras são ditas por um senhor de cabeça branca. Ele
acaba, está abatido, ao contrário de Débora, o professor parece muito mais
velho.
O momento final se aproxima. Percebo um movimento, Débora se
aproximando do esposo, ela me olha e eu não sei o que fazer. Do nada, um
senhor, trajando um uniforme, se aproxima do caixão e abre.
— Pode se despedir.
Sinto um peso em minhas pernas, como se meu corpo fosse ao chão.
Respiro fundo e caminho lentamente.
Cabelos grisalhos.
Seu rosto continua lindo.
Colocaram um terno preto, com uma blusa branca e uma gravata preta.
Mas, eu tenho certeza que ele ia preferir as roupas de motoqueiro que ele
usava. Poucas flores!
Toco seu rosto e minhas lembranças me fazem chorar. Eu preciso fechar
este ciclo em minha vida. Dentro da minha bolsa eu trago as cartas que ele
me deu. Elas me deram a esperança de que eu tanto precisava para lutar
pela vida... e eu vivi!
Pego suas cartas e coloco sob suas mãos, que estão unidas sobre seu
corpo, bem na altura do peito.
Saio, permitindo que aquele mesmo senhor feche o caixão novamente.
Eu preciso me afastar, então eu caminho. Não olho para trás. Não quero
ver o último minuto em que terei a certeza de que nunca mais verei o
Renan.
Não quero ver seu caixão descer e tudo acabar.
Um toque suave em meu ombro e uma voz chorosa me fazem parar.
— Toma.
Pego o envelope de suas mãos e continuo andando. O tempo está
abafado, preciso fazer uma pausa. Ainda bem que tem alguns bancos pelo
trajeto.
Será que alguém se conforta em ficar sentado em meio a tantos
túmulos?
Bom... ao menos de um descanso eu poderei desfrutar.
Um envelope branco!
Acho melhor enfrentá-lo de uma vez. Abro e percebo que dentro dele
tem uma fotografia e um papel dobrado. Pego a fotografia, é uma menina
que aparenta ter uns seis anos. Ela é loirinha e tem os olhos azuis. Tão
linda!
Ao abrir a carta, meu coração dá um tranco e eu aperto meu peito,
sentindo um leve incômodo. É a letra dele. Continua muito bonita e suas
palavras continuam poéticas.
“És minha bela, Roberta. Aquela que fez o palpitar de um coração sem
futuro galopar por átomos triunfantes. Perfumada com a essência das mais
belas flores, todas juntas em um encaixe perfeito de contentamento e gozo.
Se estais a ler estas linhas, suplantado fui à eternidade, onde almejo de
forma audaz, gozar a paz, na esperança de tornar-te a ver-te em uma nova
vida. Desejei estar ao seu lado de forma egoísta. E desta forma tomei a
mais aguerrida das decisões. A jovem bela que propositadamente coloquei
à frente desta carta é um pedaço do meu coração, é a transfiguração do
desejo ardente de ter formado uma família ao seu lado. Não se espante
diante de tamanha semelhança. A genitora foi escolhida à dedo e seguindo
à risca todas as características que mais se assemelhavam a você. Roberta
é fruto do meu amor pela mulher que almejei para nossas vidas. Ela alegra
meus dias, enquanto ainda posso desfrutá-los. É doce, gentil, esperta e está
sendo criada pela minha mãe. Contei a ela nosso breve romance, de
maneira juvenil e em forma de um doce conto de fadas. Meu maior desejo é
que vocês se conheçam algum dia. ‘E de te amar assim muito e amiúde, é
que um dia em teu corpo de repente hei de morrer de amar mais do que
pude’. Vinícius de Moraes entende o que eu sinto.”
Olho da carta para a foto e não sei o que pensar. Minhas lágrimas não
querem parar e sinto alguém se sentando ao meu lado.
— Meu filho só amou uma mulher na vida. E foi por causa desse amor,
que ele lutou para viver, mesmo que não pudesse tê-la outra vez. Ele sabia
que você estava casada e bem. Ele criou uma conta falsa no Instagram,
apenas para te acompanhar.
— Onde está a mãe da menina? — É a única coisa que consigo pensar
neste momento.
— Minha neta não tem mãe. Renan alugou uma barriga. É mais comum
do que você imagina, nos Estados Unidos. Mulheres vendendo seu útero
sabe-se lá o porquê.
— Ele pagou para ter uma noite com uma mulher e poder engravidá-la?
— Estou chocada com tamanha audácia. Sendo que ele nunca me tocou,
nós nunca fizemos...
— Inseminação!
São tantas informações que eu não sei como não saio correndo.
Ah! Lembrei..., a barriga que eu carrego.
Minha vida não está confusa demais para que o Renan me apareça com
uma dessas?
Onde ele estava com a cabeça quando tomou uma decisão egoísta como
essa? Onde já se viu, contratar uma mulher com todas as minhas
características físicas, para arriscar ter um bebê com a minha aparência e
ainda por cima dar o meu nome àquela criança? O que vai ser dessa
menina?
Saio do cemitério com a cabeça cheia e quando chego no portão
principal, dou de cara com um homem abatido e com um semblante de
culpa.
— Por favor, me perdoa. Nunca mais eu faço isso.
— Me abraça — peço chorando.
Eu me jogo nos braços do meu marido. O lugar de onde eu jamais
deveria ter saído.
Capítulo 13
“Mas de todos os lugares o mais bonito, inspirador. É onde fico em oração junto aos pés do
Salvador.”
O melhor lugar do mundo, de Novo Tom.

— Eu te amo.
— Eu te amo mais.
— Não, eu te amo mais...
Quem ganha essa guerra?
A questão não é se teremos um vencedor, mas se teremos duas pessoas
dispostas a superar todas as barreiras e a demonstrar em gestos, carinhos e
palavras, tudo o que sentem uma pela outra.
Subimos as escadas do nosso apartamento com muito cuidado. O Isaque
é daqueles maridos que se tornam pais e sua superproteção só aumenta.
Mas, assim que chegamos diante da nossa porta, ele me abraça e me beija.
A barriga não atrapalha em nada, damos o nosso jeitinho. Abro a porta,
enquanto ele acaricia minha barriga e beija meu pescoço, demonstrando que
está querendo algo a mais.
— Eu fui um tolo, amor. Assim que eu desci e entrei no carro, fiquei
pensando na burrada que eu fiz.
— Esquece isso, amor. Já estamos bem. — Coloco minhas mãos em seu
pescoço e acaricio, subindo para sua nuca e o puxando para que ele me
beije.
— Eu não queria sentir ciúme dele, mas eu sinto. Desculpa.
— Acabou!
— Eu te amo tanto, amor.
— Então me prova.
Ele me abraça com vontade e me conduz lentamente até o nosso quarto.
Depois, ele suspende meu vestido, tirando ele por cima da minha cabeça.
Eu não consigo olhar para o espaço vazio deixado pela cirurgia. Ele
percebe e começa com beijos pelo meu pescoço, descendo até meu ombro e
a ponta de seus dedos tocam minhas cicatrizes.
O local ficou dormente, então, eu não sinto nada. Ele sabe disso, mas
seu gesto indica que ele não se importa com o vazio que ficou.
Ele se inclina e beija as minhas cicatrizes. Uma lágrima desce por minha
face esquerda. Eu seco, não quero estragar nosso momento, mas meu
marido sente quando estou sensível.
Diante de mim, ele sorri e segura minhas duas bochechas com suas
mãos delicadas.
— Minha esposa perfeita. A mulher que eu amei desde o primeiro dia
que a vi, quando ainda éramos crianças.
Eu sou apaixonada por este homem. Meu marido é o ser humano mais
incrível do mundo e não há um só dia em que eu não agradeça a Deus por
ter sido abençoada com sua existência.
Ele foi meu melhor amigo e continua sendo até hoje.
Eu tiro sua roupa e acaricio seu peito, fazendo um caminho de beijos
que vão até seus lábios. Sinto a pele dele se arrepiar, o que me faz sentir
vitoriosa.
Sem roupa nenhuma, pelados como viemos ao mundo, nos deitamos em
nossa cama. O local onde fazemos amor todas as vezes que desejamos.
Isaque sempre foi carinhoso, ele sempre respeitou as preliminares. E eu
amo cada segundo dessas preliminares.
Sua boca tocando meu corpo, seus dedos provocando arrepios em minha
pele, as palavras de amor que ele sussurra em meu ouvido.
Ele já cantou para mim.
A gravidez me deixou mais sensível e meus gemidos ficaram mais altos.
Eu nunca fui escandalosa, sempre tivemos um relacionamento calmo e
saudável. Se engana quem pensa que devagar não dá prazer. Eu sinto e não
é pouco.
Sem falar que durante a gravidez ele ficou mais cauteloso ainda com
meu corpo. A médica nos explicou que o sexo não fazia mal para o bebê e
que tudo dependeria do meu conforto.
E falando em conforto, deitada é a última posição que eu quero na
minha vida na hora dos finalmentes. Não consigo respirar direito, então, nos
amamos comigo por cima, com ele recostado na cabeceira, beijando minha
boca e declarando seu amor por mim.
— Promete que nunca vai me abandonar, Roberta?
— Não começa, Isaque. — Eu rio em sua boca, enquanto falamos e nos
beijamos. — Já prometi isso, esqueceu?
— Fala de novo, amor.
— Prometo ser fiel até a morte e blá, blá, blá...
— Você está pisando no meu coração, esposa.
— Cala a boca e me beija agora, Isaque.
Meu ápice requer sua língua enfiada na minha boca, sempre! E ele sabe
disso.
Tudo pronto para a chegada do nosso Mateus.
Já deixei a bolsa da maternidade arrumada.
O Isaque me liga a cada meia hora. Ele fica preocupado, achando que
vou passar mal antes do dia da cirurgia, que já está marcada.
E quando o dia chega..., vamos todos para o hospital
No quarto particular eu fico deitada na cama, aguardando a hora da
minha cirurgia. Minha família está tão feliz, que eu não sinto medo.
Pela manhã, antes de sairmos de casa, meu esposo orou comigo e pelo
nosso filho. O mais incrível é que todas as vezes que o Isaque ora com a
boca na minha barriga, o Mateus fica se mexendo, é como se ele estivesse
compreendendo todas as palavras do pai.
Não preciso nem comentar sobre o que esse gesto do nosso filho causa
no meu esposo.
Minha sogra e minha mãe ficam conversando, enquanto meu esposo lê a
bíblia e meu pai faz palavras cruzadas. Meu sogro foi até a cantina para
comprar algo de beber.
Uma enfermeira aparece e logo, dois maqueiros. Eles me transferem
para uma outra cama.
Minha família se aproxima. Ele me abençoa e me beijam, um por vez.
Por último, meu esposo se debruça e me beija.
— Vai dar tudo certo, amor. Eu te amo.
— Também te amo — digo e sou conduzida.
A cirurgia começa.
Uma pequena anestesia local e depois a famosa anestesia que assusta
muitas mulheres.
Em poucos instantes eu não sinto mais nada da barriga para baixo.
Novo Tom está tocando bem baixinho. Foi o meu pedido, que eu
pudesse ouvir uma música que me tranquilizasse e a minha obstetra colocou
em seu celular. Sem dúvidas, o melhor lugar do mundo é aos pés do
Salvador. É em Deus que eu encontro esperança, a esperança que traz alívio
para o sofredor.
A canção me acalma e de repente eu ouço um choro forte.
— Bem-vindo, Mateus.
Minha médica diz e eu quero ver meu filho.
Na sala, todos se movimentam. Eu fico escutando a conversa. A pediatra
diz que ele é bem grande e parece muito saudável, sem falar que é uma
criança muito bonita.
— Quero ver.
— Já estou indo, mamãe. — Ela simula a voz de uma criança e eu
começo a chorar. — Sou um bebezão.
— Ele é lindo — digo sorrindo para meu filho —, é a cara do pai. —
Mateus puxou as feições do Isaque. Isso vai desmontar o meu marido.
— Que injusto, não é mesmo. — Ela brinca e volta com meu bebê para
um carrinho. — Assim que estiver bem, devolvo ele para que seja
amamentado. — No segundo em que termina a frase, ela se dá conta do que
acabou de me dizer. — Ai, desculpa!
— Não esquenta. — Estou tão feliz com a chegada do meu filho, que
não me importo com isso.
Fecho meus olhos e agradeço a Deus por ter sido abençoada com uma
família completa.
No quarto, todos me aguardam e quando eu entro, meu marido se
aproxima. Ele apenas acaricia meus cabelos e sorri todo feliz. Aposto que
ele viu nosso menino.
— Eu só posso te agradecer por ser esta mulher incrivelmente forte que
você é, amor. Eu tenho muito orgulho de você, Roberta. Se não fosse assim,
jamais poderia ver o rosto do nosso filho, ele é perfeito.
Aperto meus olhos, tentando desanuviar as lágrimas que me impedem
de enxergá-lo perfeitamente e tudo que eu mais quero é ver o lindo rosto do
meu esposo sorrindo para mim.
Durmo por algumas horas e acordo com a voz da médica que me
operou. Ela passa as recomendações para meu esposo e diz que preciso ficar
quietinha. Não é bom falar após uma cirurgia. Os gases não são nada legais
para quem tem uma cicatriz na barriga.
Mais tarde, abro meus olhos e só vejo meu esposo.
— Amor...
— Oi, querida. Precisa de algo, sente alguma coisa, quer que eu chame a
enfermeira? — Ele me atropela com seu excesso de cuidado.
— Estou bem. Fica tranquilo. Onde estão nossos pais?
— Eles foram descansar. Nossas mães disseram que você precisa se
recuperar com tranquilidade.
— Tá! Nosso bebê?
— Ele está dormindo no berçário. A enfermeira vai trazer ele só depois
que você conseguir sentar e comer alguma coisa.
— Não tenho fome.
— Hora do banho!
Uma senhora entra toda alegre em meu quarto. Não sei qual a razão da
alegria. Eu acabei de passar por uma cirurgia, mas o que parece é que um
caminhão passou por cima e depois deu a ré.
— Vai ver como fica melhor depois do banho.
— Pode apostar! — digo sarcástica e meu marido esboça um riso, ele
me conhece.
O banho é horrível.
Ficar de pé é horrível.
Eu quero voltar para a cama e não sair mais.
Contudo, eu venci mais esta etapa e o Isaque me vestiu uma roupa
melhor que a camisola hospitalar. Pelo menos a camisola que comprei não
deixa minha bunda de fora.
Minha barriga está preta e flácida.
Sem peitos e com a barriga horrorosa. Duvido ele me olhar e dizer que
sou perfeita e que está com tesão.
Ah! Eu duvido!
Mais dois dias no hospital e finalmente estamos em casa.
Isaque leva nosso bebê para o quarto, enquanto minha mãe vai para a
cozinha com a minha sogra. Nossos pais estão sentados no sofá, ouço a
televisão ligada e um jogo está passando.
Homens!
Eu só quero uma coisa: cama!
Deito na minha cama. Já estava com saudade dela.
— Precisa de algo?
— Dormir.
— Vou fechar a cortina e não se preocupa com o Mateus, vou cuidar
dele.
— Aham!
Ele sai e fecha a porta.
Eu me aconchego em minha cama e durmo.
Acordo sem saber que horas são. A cortina fechada não me deixa saber.
Parece tarde.
Levanto com muita calma e entro no banheiro do meu quarto. Depois de
usar a privada, lavo minhas mãos e olho para o meu rosto, esticando ele
com as duas mãos.
— Acho que envelheci.
— Continua linda.
— Que susto! —Viro para a porta e vejo meu marido sorrindo, ele está
escorado na porta, me observando.
— Desculpa. Vamos comer?
— Sim.
Na mesa de jantar, nossos pais conversam animados sobre política. Eu
apenas me sento e o Isaque se senta ao meu lado.
— Sente-se melhor, meu amor? — Minha mãe me pergunta e senta ao
meu lado.
— Estou. Eu precisava dormir em uma cama de verdade.
— Que bom.
— O que temos? — questiono levantando a tampa.
— Arroz branco, salada de legumes cozidos e frango cozido.
— O cheiro está ótimo.
— Vamos agradecer. — Meu marido atrai nossa atenção e todos param
o que estão fazendo.
Ele ora pela refeição e pela união da nossa família. E, claro, ele também
ora pelo nosso filho.
Almoçamos, falamos sobre os planos para o futuro, nossos pais se
despedem e nós ficamos sós.
— Gosto do silêncio — digo e meu marido segura minha mão.
— Você está bem?
— Estou. O que foi?
— Não sei, estou te achando preocupada com alguma coisa.
— É... — suspiro. — Não tenho como esconder nada do meu psicólogo
favorito — rio. — Eu me sinto dispensável. Toda mulher que amamenta, de
alguma forma é como se a criança dependesse dela para sobreviver. Sem os
seios eu me sinto dispensável. Qualquer pessoa pode cuidar do meu filho.
— Ele precisa de você, amor. Não é só a questão do leite. Sabia que ele
reconhece você pelo seu cheiro? Ele precisa de você, não basta que outra
pessoa o alimente.
— Sério? Não está dizendo isso para me deixar feliz?
— É para que se sinta feliz, mas é a mais pura verdade.
— Tenho medo de não ser uma boa mãe.
— Como não? Você abriu mão dos seus seios para que ele viesse ao
mundo. Eu sei muito bem que o aborto seria uma solução, mas você nem ao
menos cogitou essa hipótese, não conversamos sobre isso. Você abraçou a
gravidez e lutou pela vida do nosso filho.
Nessa hora eu não consigo controlar minhas emoções e acabo chorando.
Meu esposo é o melhor psicólogo, eu não preciso de outro profissional. Ele
sempre sabe como me ajudar, como tirar a tristeza de dentro do meu peito.
Eu me aproximo dele e deito minha cabeça em seu ombro. Sua mão
acaricia meus cabelos.
— Em minhas próximas férias faremos nosso primeiro passeio em
família. Aonde você gostaria de ir?
— Podemos ir para Angra? — Levanto a cabeça e olho para ele. Seus
olhos revelam excitação e confusão ao mesmo tempo.
— Por que Angra?
— Temos algo inacabado naquele lugar — sorrio para ele.
— Temos? — Seu sorriso se alarga e eu só quero beijá-lo.
— Temos sim...
Seguro seu rosto e o beijo.
Mas, logo somos interrompidos por um choro.
— Alguém está com ciúme. — Ele diz e se levanta.
— Deixa que eu cuido.
Caminhamos juntos até o quarto do nosso filho. Mateus tem um choro
forte. Eu pego meu menino em meus braços e o acalento. Canto para ele
uma canção de ninar e logo ele para de chorar. Aproveito para checar sua
fralda.
Suja! Muito suja!
Enquanto troco sua fralda, Isaque busca a fórmula para que eu alimente
nosso menino.
De fralda trocada e aquecido outra vez, eu me sento na poltrona e puxo
a almofada de amamentação. Apoio ele em meu braço e coloco a
mamadeira que o Isaque me dá.
Meu bebê é esfomeado. Ele puxa com vontade e fico pensando se
aquela sucção fosse em meu seio. Certamente ele arrancaria o bico do lugar.
Assim que termino de amamentá-lo, o Isaque pega ele para o fazer
arrotar. Levanto e vou arrumar a bagunça que fiz ao trocá-lo. Jogo a fralda
suja na lixeira e passo o lenço umedecido com álcool no trocador. Depois
eu guardo o restante das coisas no lugar.
Ele dorme.
Isaque o coloca no berço.
Abraço meu marido.
— Obrigada.
— Pelo quê? — Ele passa o braço por sobre minha cabeça e se vira para
me abraçar.
— Por ter aparecido e se tornado o meu grande amor.
— Não existiria um Isaque sem uma Roberta.
— Verdade. Alguém lá de cima te viu e falou: desce, você vai se tornar
um grande amor para a Roberta.
E foi desse jeito!
Epílogo
“Saber encontrar a alegria na alegria dos outros é o segredo da felicidade.”
Georges Bernanos

Cinco anos.
Parece mentira que meu bebê já vai fazer cinco anos.
Alugamos um salão de festas com tudo pronto. Tem muitos brinquedos
divertidos e o Mateus tem muitos coleguinhas. Tanto na escola, quanto na
igreja e mais os do nosso apartamento.
Meus pais juntaram dinheiro para fazerem uma viajem de lua de mel.
Eles estão completando quarenta anos de casados.
É quase meia vida juntos.
Então... logo depois da festa eles embarcam em uma nova lua de mel
para a Europa.
O Isaque finalmente comprou uma sala empresarial e montou seu
consultório de psicologia. Ele atende de segunda a sexta e só vive cheio. Eu
tentei ajudar no início, mas o Mateus suga minhas energias, ele é hiperativo.
Por fim, ele aceitou contratar uma secretária, alguém para cuidar da agenda
e fazer a ficha dos pacientes.
Uma senhora lá na nossa igreja estava com uma neta desempregada e
nós a abençoamos. Ela é muito dedicada e faz faculdade no turno da noite,
ela faz administração e além do salário, decidimos ajudar com metade da
faculdade dela.
O salão está cheio. Já cumprimentei mais da metade das pessoas e estou
cansada. Olho para a entrada e não acredito no que meus olhos veem.
— Ana?
— Betinha!
Ela corre em minha direção. A gente se abraça como dá.
— Por que não me contou?
— Eu queria fazer uma surpresa.
— E conseguiu!
Minha melhor amiga está com uma barriga linda. Eu nem acredito que
vou ser titia.
— Vai ficar quantos dias, desta vez.
— Todos!
— Como assim?
— Voltamos de vez.
Esta notícia não poderia ter chegado na melhor hora. Estou vivendo um
momento tão bom em minha vida, que só faltava ela para completar minha
alegria.
Festejamos por mais um ano de vida do nosso pequeno Mateus. Que de
pequeno só tem o singelo apelido.
Meu bebê é grande. A pediatra até passou uma dieta alimentar. Disse
que ele está acima do peso e que isso não é bom para uma criança de cinco
anos.
Mas, como faço quando ele chora me pedindo biscoito recheado? Ou
refrigerante?
Eu sei que não é certo dar essas coisas para uma criança. Só que
marinheiro de primeira viagem, de uma criança que foi praticamente um
milagre, alguém precisa nos dar um desconto!
Hoje é festa, ele vai comer tudo que ele quiser e depois vamos entrar na
dieta.
Pulamos, cantamos, brincamos. Meus sogros oram por nosso filho e o
Parabéns da Aline Barros começa a tocar.
Em casa, levamos todos os presentes para o quarto de Mateus, que corre
em desespero para abrir todos. São tantos que nem sabemos onde vamos
guardar.
— Mãe, mãe... Olha esse.
— Que lindo, meu amor. Mas, deixa a mamãe ver de quem são, assim
nós podemos agradecer.
— São muitos, amor.
— Eu sei, meu bem. Mas, temos que anotar tudo direitinho. As pessoas
se ofendem quando não agradecemos certinho. Elas compram com tanto
carinho.
— Tá certo! Vou pegar um bloco e te ajudar.
— Dinossauro! — Meu bebê grita empolgado.
— Uhulll! — comemoro com ele.
Mateus adora tudo que diz respeito aos dinossauros. Ele está muito
encantado com uma réplica bem grande de um Tiranossauro Rex.
Depois de tudo arrumado, em cada lugar estratégico para que ele tenha
acesso fácil aos brinquedos, eu me sento no chão e ele corre para me
abraçar.
— Quem é o bebezão da mamãe?
— Eu.
— Amor da mamãe, amanhã nós vamos começar nossa dietinha, tá
bom?
— Não quero.
— Já conversamos, Mateus.
— Não gosto de suco.
— Mas é importante, você sabe.
— Não quero.
— Então eu vou colocar o dinossauro lá em cima do guarda-roupa.
— Não, mamãe!
Eu não aguento a carinha que meu filho faz. É de partir o coração de
uma mãe. Mas, ele precisa entender que com a saúde não se brinca.
Na sala, eu ligo meu notebook para verificar nossas finanças e uma
chamada pelo Skype toca.
— Oi, linda!
— Oi, tia.
— Como estão todos?
— Estamos bem. Como foi a festa?
— Foi boa. Estou exausta, mas valeu a pena.
— Que bom. Tenho novidades.
— Conta.
— Minha avó vai me deixar passar as férias aí no Brasil.
— Jura?
— Posso ficar com você?
— Claro, meu amor.
— O tio não vai ficar chateado?
— Claro que não! — Isaque coloca a cara na frente da câmera e vejo o
sorriso de Roberta se alargar em seu rosto. — Vou pegar você no aeroporto.
— Vó! — Ela grita por Débora, que logo aparece. — Tio Isaque disse
que me pega no aeroporto, eu posso ir sozinha?
— Oi, Roberta.
— Oi, Débora.
— Vou pensar, prometo.
Eu que pensei que só teria o Mateus, agora tenho um casal. Foi o
presente que Renan deixou para mim. Ele queria muito que a gente se
aproximasse e quando ela completou oito anos, a Débora contou a história
de verdade, não aquele conto de fadas que o pai dela criou.
Ela quis muito me conhecer e fizemos uma chamada pelo computador.
Eu fiquei preocupada com o que o meu esposo ia pensar sobre isso, mas ele
me surpreendeu.
A verdade é que ele ficou encantado pela Roberta, minha versão em
miniatura, mesmo não sendo minha filha biológica. E como ele sonhou em
ter uma filha que também se parecesse comigo, a Robertinha caiu nas
graças dele.
Ela ficava um pouco retraída com ele, mas depois ela foi se soltando e
esse gesto dele hoje só a deixou mais feliz.
Ela chama o Mateus de irmãozinho. Não questionamos. Gostamos da
ideia de que eles se conheçam e convivam como se fossem uma família de
verdade.
O Renan foi especial e de todos os presentes que ele me deu, ela se
tornou meu preferido.
Alguém lá no céu também o escolheu para entregar um grande amor
para a Roberta, e esse amor veio na forma que eu jamais imaginei.
Uma criança linda e especial!
Bônus 1

A vida nem sempre acontece do jeito que queremos.


No meu caso, eu queria estudar filosofia e escrever algumas histórias.
Dramas.
Também pensei em ser roteirista.
Mas, com o diagnóstico de uma doença hereditária, que só acometia os
homens da minha família materna, eu reduzi minhas expectativas e decidi
viver do meu jeito.
Claro que minha decisão afetou o relacionamento da minha família, que
já não era lá essas coisas.
Ainda criança, vi meus pais discutirem e sempre pelos mesmos motivos:
dinheiro.
Minha mãe não se conformava com a vida que o meu pai podia dar para
ela. Ela acreditava no potencial dele, ela sempre dizia que ele poderia ir
muito além. Só que ele não queria, ou talvez não tivesse disposição.
Talvez!
As brigas só aumentavam, até o dia em que ela o encarou e disse que
não dava mais. Que não sentia mais nada por ele e que estava gostando de
outra pessoa.
Com catorze anos eu tive que escolher um dos lados. No primeiro
momento eu escolhi o meu pai. Eu sentia que não era justo o que ela estava
fazendo com ele.
Minha mãe é uma mulher extraordinária. Ela não se formou na
faculdade. Até começou, mas se apaixonou pelo professor de matemática
que a ajudou a passar no vestibular: meu pai.
Meu avô materno e meu pai não se entendiam. Ela saiu de casa e foi
viver com ele. Não demorou muito e eu apareci, jogando seus sonhos por
terra.
Já a minha tia, essa se deu bem ao se casar com o dono de uma rede de
ensino. Assim que sua vida começou a progredir, eu percebi que a minha
mãe foi nutrindo um sentimento de inveja, mas ela não confessava.
Foi então que ela conheceu o Hernandez. Um homem dez anos mais
velho do que ela. Advogado criminalista muito famoso e que podia oferecer
à minha mãe, a vida que meu pai não quis, ao menos “ele não tentou”. Era
o que ela dizia para me confortar.
Aos quinze eu acabei indo morar com ela. Meu pai se tornou um
alcóolatra e com o diagnóstico da minha doença, ela achou melhor assim.
Eu não me dava muito bem com o meu padrasto. Ele queria exercer sua
autoridade sobre mim. Só que ele não era o meu pai e a cumplicidade da
minha mãe me irritava.
Foi assim que a fase da rebeldia começou. Eu saía e só chegava de
madrugada, bebia e fumava cigarro com meus amigos, pegava quantas
mulheres estivessem disponíveis em uma noite só.
Meu comportamento não me ajudou em nada e eu tive que passar pela
primeira cirurgia.
Foi difícil.
Descobri que os amigos não eram tão amigos assim.
Perdi mais da metade de um ano escolar. Por sorte, o marido da minha
tia me colocou em uma classe especial, eu precisei me esforçar para cobrir
as disciplinas que perdi.
Foi então que eu a conheci...
Linda.
Um anjo.
Doce.
Um sorriso que atingiu meu falho coração.
Roberta era a perfeição em forma de gente. Ela estava sempre com uma
menina de cabelos negros, que também era bonita, mas não era a minha
Roberta. Havia um rapaz. Ele parecia sempre sério e eu fiquei sabendo que
a família dele era cristã.
Um dia... Ela simplesmente sumiu.
Eu perdi o motivo que me fazia aguentar aquelas pessoas entediantes e
aquelas meninas oferecidas. Não nego que saí com algumas delas e que até
me diverti um pouco.
Seu retorno à escola me pegou de surpresa. Tive receio de me
aproximar. Soube que a doença dela a afastou por causa do tratamento. Sua
imunidade ficou tão baixa que ela não poderia se expor.
Frágil.
Doce.
Linda.
Um sorriso temeroso. Foi assim que ela voltou.
Eu a queria para mim. Queria protegê-la do mundo. Eu impediria que
qualquer pessoa se aproximasse dela.
Minha Roberta!
Foi em um momento de dor que nos conhecemos formalmente. Olhei
em seus olhos e vi o desespero, a vergonha e o medo.
Encontrá-la acuada como um animal em um chão frio só aumentou meu
desejo de cuidar dela.
Nossos momentos juntos eram tão perfeitos. Eu queria poder congelar o
tempo e não devolvê-la para seus pais.
O problema foi o coração. Esse, que deveria bater por cada segundo de
existência da minha amada, resolveu aprontar e me afastou dela.
Foi doloroso.
Foi revoltante.
Foi...
Eu tive que abrir mão do grande e único amor da minha vida. Ela era tão
sensível. Ainda me lembro do dia que revelei algo que a deixou muito triste.
“— Posso te perguntar uma coisa? — Seus olhos oscilavam entre meu
rosto e seus dedos.
— Claro!
— O que são essas marcas nas suas costas?
— É isso? — tentei parecer que não me importava, mas era doloroso
demais e eu só queria esquecer.
— Se não quiser falar, tudo bem. Vou entender.
— Não..., é que. — Segurei suas mãos e a conduzi. — Senta aqui.”
Contei a verdade.
Falei sobre a minha história familiar e de como meu pai se tornou uma
pessoa que eu não queria acreditar, mas era real. Falei das brigas entre meus
pais — mesmo depois de separados —, das madrugadas que ele apareceu
bêbado, dizendo que queria me ver, que tinha direito. No fundo eu sabia que
ele queria ver a minha mãe.
Por fim, eu contei sobre a briga que levou meu padrasto a se meter e que
por causa disso eu me meti também, tentando defender o meu pai e no calor
da briga o meu pai me empurrou e eu caí sobre a mesa de centro na casa
principal. Era uma mesa bem grande e de vidro.
Levei muitos pontos nas costas e fiquei um bom tempo em observação,
por causa do outro problema.
Foi um tempo difícil para todos nós, mas foi resolvido, quando meu pai
decidiu fazer tratamento e um ano depois ele organizou a própria vida. Eu o
perdoei.
A minha mãe ficou com pena dele e pediu para minha tia intervir. Foi
assim que ele acabou dando aula em uma das escolas em que o cunhado da
minha mãe era dono.
Ela ficou tão emocionada, que minha única reação foi abraçá-la e não
soltá-la por um longo tempo.
Eu a amava.
Roberta foi a primeira e a única mulher a ocupar meu coração da
maneira mais carnal e pura ao mesmo tempo.
Eu a desejava.
Mas..., eu não podia.
Jamais estragaria sua primeira vez. Deveria ser especial.
Outra crise, outro desespero, medo de morrer e não ter vivido tudo que
desejei viver ao lado dela.
Então, não me restou outra saída que não fosse libertá-la:
“Minha doce Roberta, a menina mais linda que eu conheci na vida.
Aquela que inundou meu coração de amor e alegria, mesmo com ele
tentando por fim ao nosso romance. Você é tudo que eu sempre quis e
jamais cogitei. Eu não conhecia o amor. Eu não sabia que necessitaria dele
como meus pulmões necessitam do ar. Eu te amo. Quero sua alegria, sua
risada, seu desejo e muito mais dos seus doces beijos.
Mas, eu seria egoísta demais se eu a prendesse a mim. Um jovem com
um destino incerto. Você é perfeita e eu te amo muito para te sacrificar
assim. Você entrou na minha vida e trouxe cor para ela. Uma vida
acinzentada e muitas vezes apagada, sem cor alguma. Sou grato por ter
feito parte dela.
Por isso, espero que me entenda, eu te amo demais e meu maior desejo
é que você conheça uma pessoa especial e que ela te faça feliz e que
valorize cada sorriso seu, sua doçura e os gemidos que eu faria de tudo
para arrancar de você e lhe entregar os meus. Eu te amo, Roberta. E é por
isso que eu preciso dizer adeus! Meu amor, por favor me entenda.”
Eu levei mais de uma hora para escrever aquelas palavras. Coloquei em
um livro e pedi minha mãe para enviar para o Brasil.
Nos Estados Unidos eu fiz uma cirurgia que me garantiu uma qualidade
melhor de vida, mas eu ficaria dependente dos medicamentos. Nada me
livraria deles.
Enviei outras cartas. Todas sem remetente. Eu acompanhei seu avanço,
sua cura, seu noivado. Ela postava tudo e eu a observava de longe. Tive
momentos de depressão. Eu quis jogar tudo para o alto e voltar para o
Brasil. Eu a queria de volta. Mas, não seria justo com ela.
Foi então que eu tomei a decisão mais louca da minha vida.
Eu a recriei só para mim.
Minha filha tornou meus dias melhores. Eu acreditava que ela era de
fato o fruto da minha união com a Roberta.
Foi a única forma de não cometer a besteira de tomar, novamente, os
comprimidos de dormir que minha mãe tomava.
Eu não queria mais viver.
Eu queria viver, mas pela minha filha.
E o tempo foi generoso. Ele me permitiu desfrutar do seu chorinho, das
idas ao pediatra, do primeiro dentinho e do som gostoso de sua voz infantil
ao pronunciar “papai”.
Eu vivi e desejei viver muito mais.
Os últimos exames se mostraram insatisfatórios.
Não questionei.
Aceitei o que eu recebi. Eu vivi!
Estudei.
Formei-me em Literatura Inglesa pela faculdade mais conceituada dos
Estados Unidos. Plantei uma árvore em nosso quintal e escrevi um livro
infantil.
A única coisa que eu não fiz, foi amor com a mulher da minha vida.
Mas, quem sabe na próxima.
Hoje eu estou cansado e só quero dormir, descansar meu corpo e sonhar
com ela, mais uma vez.
Ou a última!
Bônus 2

A garota mais linda da sala era a minha melhor amiga. Eu era tímido e
não me enturmava muito bem. Com sua amizade veio a da Aninha, uma
menina esperta, decidida, sabia o que queria e não tinha medo de falar o que
pensava. Almas interligadas, contudo, opostas.
Crescemos juntos. Dividimos os piores e os melhores dias da nossa
infância, adolescência e o início da nossa fase adulta.
E com o amadurecimento veio o amor.
Ah! O Amor!
O mais completo e absoluto dos sentimentos.
Eu me descobri apaixonado pela Roberta na pré-adolescência. Eu não
sabia o que fazer e o medo tomou conta das minhas decisões.
Escrevi algumas cartas e depois rasguei. Tentei colocar em palavras,
tudo o que eu sentia por ela em meu coração.
Foi tão difícil que eu desisti.
Resolvi que ficar ao seu lado já seria o suficiente.
Mas ver outro homem tocar em seu corpo e ainda por cima beijar seus
lábios, isso não foi nada legal. Um sentimento de mágoa, ciúme e raiva
tomou posse do meu coração.
Eu fiquei com raiva da Roberta.
Como era possível que ela não interpretasse meus gestos de carinho.
Gestos que eu não repetia com a Aninha, e nem essa, ela também não
reparou. Se fosse o caso, já teria me questionado ou falado com a Roberta.
Frustrado!
Foi como eu me tornei. Um rapaz frustrado aos dezoito anos e sem
coragem de revelar os próprios sentimentos pela melhor amiga.
Tal sentimento só não venceu para o sentimento de abandono, o que eu
tive, quando a Roberta ficou isolada do mundo. Sem poder ver seu rosto,
ouvir sua voz e sua risada gostosa. Eu precisava me esforçar para não fazer
cara de bobo todas as vezes que ela ria.
Pobre coração!
Em nossas férias eu decidi que revelaria tudo, mas bastava ela estar
perto, que eu tremia por dentro e minha valentia se esvaía.
Ao ser confrontado por ela, minha única solução foi confessar meu amor
e não pensar demais. Apenas agir!
E eu agi. Mas, sua rejeição me fez pensar na besteira que eu havia feito.
Ela estava comprometida e minha atitude ia contra tudo aquilo que eu
acreditava. Eu respeitava os relacionamentos e se eu estivesse são, não teria
agido pelo desespero de lhe confessar meu amor por ela.
Eu fui um tolo.
Os meses passaram, comecei a estudar e aos poucos fui resgatando
nossa amizade. O meu amor só aumentou ainda mais.
Saber que ela estava sozinha me deixou feliz. Eu me sentia egoísta
quase que o tempo todo, pois eu sabia que ela estava sofrendo pela partida
mal explicada do Renan.
Fiz o que um melhor amigo poderia ter feito: ofereci meu ombro,
recolhi suas lágrimas, dei palavras de consolo e a abracei em todas as vezes
que ela me permitiu. Algumas vezes rolou um certo constrangimento, mas
não me deixei abater.
Se eu estava na chuva..., deveria me encharcar.
Não esqueço do dia que me enchi de coragem e lhe pedi em namoro.
“— Você está estranho. — Seu sorriso só aumentava meu nervosismo.
— Impressão sua — tentei disfarçar, mas foi em vão.
— Eu te conheço, Isaque. Fala de uma vez. O que está... — Não permiti
que completasse e respirando fundo, falei:
— Quer namorar comigo?”
Ela ficou chocada. Não dizia uma única palavra e acho até que parou de
respirar. Eu me senti culpado. Achei que estava pressionando ela de alguma
maneira. Fiquei sem saber como agir e passei a mão pelo cabelo, na
tentativa de falar alguma coisa, mas para a minha surpresa, foi ela que
quebrou aquele silêncio constrangedor ao dizer que sim.
Levei alguns segundos para acreditar e somente quando ela sorriu e me
beijou no rosto foi que eu voltei ao normal.
Não foi um processo fácil. Roberta ainda estava sentida pelo abandono
do Renan, sem falar da luta que ainda travava contra o câncer.
Fomos nos relacionando aos poucos. Trocando olhares e sorrisos bobos,
dividindo o mesmo sofá na hora do filme, conversando sobre o futuro, os
estudos, nossos planos.
Nosso primeiro beijo, como namorados, foi estranho. Estávamos
sentados no sofá de sua casa, seus pais estavam na cozinha. A tia Viviane
sempre inventava alguma coisa para fazer e praticamente obrigava o tio
Lucas a ir com ela. Aquele gesto deixava a Roberta muito constrangida.
“— Gostou do filme? — perguntei, segurando sua mão sobre a almofada
que nos separava.
— Sim. Eu não sabia que eles sofreram tanto por causa de sua fé.
— Os cristãos foram muito perseguidos e Paulo fez parte dessa
perseguição.
— Ainda bem que ele se arrependeu, não foi? — Seu olhar se prendeu
no meu e eu não resisti.
— Eu quero muito te beijar, Roberta — disse, com meus lábios quase
tocando os dela. Senti sua respiração.
— A... — Seus olhos se fecharam, seus lábios se entreabriram e eu
avancei.”
Eu queria continuar beijando seus lábios. Um dos motivos, além de ser
maravilhoso, era de que eu não estava preparado para encarar seus olhos,
depois daquele beijo.
Eu era um covarde.
Os passos dos pais da Roberta, indicando que estavam vindo em nossa
direção, me fizeram interromper nosso beijo. Eles entraram na sala com
algumas bebidas e refeições e arrumaram a mesa de jantar.
Foi observando seus pais, a interação que eles tinham, como a minha
amada se sentia ao lado deles, seus sorrisos e sua alegria juvenil, que eu
tomei a maior decisão da minha vida: Roberta seria minha esposa.
Eu me esforcei, eu estudei, arrumei um trabalho e quando ela ficou
curada do Linfoma, eu a pedi em casamento.
Minha mulher!
Minha esposa!
“Com a costela que havia tirado do homem, o SENHOR Deus modelou
uma mulher e a conduziu até ele”.
Assim que a marcha nupcial tocou, meu coração quase parou.
Literalmente eu segurei ele. Coloquei a mão direita sobre meu peito e dei
leves batidas, sussurrei para que ele se acalmasse, pois depois daquele dia
nada e ninguém poderia nos separar.
“Por isso, o homem deixará pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e os
dois serão uma só carne? De modo que eles já não são dois, mas uma só
carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe.”
Eu recitava em pensamento!
E ela entrou...
Perfeita!
Minha!
Acompanhada por seu pai, o véu que cobria seu rosto não me impedia
de ver seu sorriso. Ela estava linda e perfeita com aquele vestido de noiva.
Minhas batidas se aceleraram e eu precisei respirar fundo e soltar o ar bem
devagar.
“— Pode beijar a noiva! — Ele disse!”
Mas, o que eu ouvi mesmo foi: “se acalme, ela já é sua”.
Acho que foi o meu próprio subconsciente tentando me tranquilizar.
Eu amei cada parte do corpo da minha mulher. Não consegui me segurar
e assim que ela adormeceu, após nossa primeira vez como marido e mulher,
em nossa lua de mel, eu a admirei.
Gravei cada detalhe em minha mente. Tive medo de que ela partisse, me
deixasse, ou qualquer outra coisa absurda que só existia dentro da minha
cabeça. Então, eu observei cada curva do seu corpo, as pintinhas em suas
costas, o arrepio em sua pele, quando sem poder mais controlar, eu a toquei
de leve. O cheiro dos seus cabelos, da sua pele, mas o que mais me atraíram
foram os seios.
Pequenos, empinados e com os bicos rosados. Eram perfeitos e eu não
resistia a eles. Roberta adorava ser tocada em seus seios. Eu me perdia no
prazer que ela sentia.
Arrancá-los não foi fácil.
Contudo, minha esposa se demonstrou a mulher mais especial, corajosa
e decidida. Ela tomou a mais dura das decisões por amor. Amor ao nosso
filho.
Eu sou o homem mais realizado da face da terra. Fui abençoado por
Deus, quando ele a separou por esposa para a minha vida. Seu corpo
mudou, seus seios naturais foram substituídos por artificiais, o que não
mudou em nada tudo que eu sinto por ela.
Vê-la feliz, realizada e feminina é a única coisa que me importa.
— Confessa, você gostou dos turbinados. — Ela sorri, ao olhar para os
novos seios pelo espelho.
— Não vou negar, mas você sabe que eu gostava dos outros e mesmo
sem eles você ainda continuava perfeita.
— Tá. — Ela revira os olhos e sorri, toda boba após a nova cirurgia.
— São lindos. — Afasto seus cabelos do ombro e a beijo no pescoço. —
Como você.
Quando Mateus completou dois anos, Roberta fez a cirurgia para
reconstruir as mamas. Ela usou duas próteses com trezentos mililitros em
cada. Recobrando parte de sua autoestima. Mas, ainda faltava algo, que nós
conseguimos recentemente.
A nova cirurgia devolveu o brilho original aos seus olhos, de quando ela
se olhava no espelho e se enxergava como mulher de verdade.
As novas próteses das aréolas e dos mamilos devolveram o sorriso
verdadeiro no rosto da minha esposa. Até o sexo mudou e eu não tenho do
que reclamar.
Se os seios representam sua feminilidade, tudo que eu mais quero é que
ela curta esta nova fase da sua vida, pois eu agradeço todos os dias a Deus
por ela estar viva e ao meu lado.
Minha Roberta, o grande amor da minha vida!
Agradecimentos
Agradeço a Deus por me abençoar com o dom de uma mente criativa.
Pois o intuito é criar fantasias que nos permitam sonhar. Agradeço a toda
minha família por me apoiar. Agradeço aos meus leitores do Wattpad, onde
essa história começou a ser desenvolvida. Principalmente ao grupo de
WhatsApp Wattpadianos.
Agradeço às escritoras do Projeto AmazonasBooks por toda ajuda no
processo de divulgação do material de trabalho.
Meu muito obrigada a todos!
Sobre a Autora

Bacharel em Direito formada pela Universidade Estácio de Sá. Pós-


Graduada em Terapia de Família pela Faculdade Unyleya. Moradora do Rio
de Janeiro. Nascida em outubro de 1980. Filha de uma Advogada atuante e
um Bacharel em Direito aposentado. Escritora de romances para adultos,
iniciou sua carreira com a obra “Ninguém vai te amar do jeito que eu te
amo”, lançada em 2020 pelo Clube de Autores. Casada desde 2001 com
Anderson Falcão, Bacharel em Teologia, Pós-Graduado em Hermenêutica
Bíblica, Mestre em Teologia Sistemática e professor de Teologia. Desse
relacionamento eles possuem três filhos. Atualmente está se dedicando
integralmente à escrita de seus romances e ao projeto AmazonasBooks. Um
grupo de escritoras independentes que trocam experiências literárias com o
intuito de crescerem.
Contatos da Autora
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“Escrever reúne duas alegrias, falar sozinho e à multidão.”
Cesare Pavese

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