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Copyright © 2024 Nana Simons

MEU PEQUENO SEGREDO SUJO


1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do
autor/editor.

Capa: Ellen Ferreira


Revisão: Lidiane Mastello
Diagramação: Amorim Editorial

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob
quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia
autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código
penal.
TEXTO REVISADO SEGUINDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA
PORTUGUESA.
SUMÁRIO
SUMÁRIO
PLAYLIST
INTERLÚDIO
DEDICATÓRIA
NOTA DA AUTORA
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
EPÍLOGO
PLAYLIST
Escute a playlist oficial do livro durante a leitura. aponte a
câmera para um dos códigos e seja direcionado para o
Spotify.
INTERLÚDIO
Minha pele tão macia, te faz lembrar da sua juventude?
Ficar duro por mim, te lembra a primeira vez que fodeu alguém?
Você diz que eu sou jovem demais,
mas me vê como uma mulher.
Você diz que eu sou ingênua demais,
mas não se importa de me ensinar coisas sujas que devem ser
mantidas em segredo.
Escondidas de garotas que usam rosa,
que confiam em homens mais velhos
longe da vista de alguém tão inexperiente assim...
Mas isso faz diferença quando eu te deixo louco de desejo?
No fim das contas, serei a única prendendo sua atenção
Porque eu gosto de como suas linhas de expressão se encaixam
em mim, amor.
Elas me fazem querer ficar com você para sempre.

“Memórias de Jenna” por Nana Simons


DEDICATÓRIA
Querida leitora,
O amor é uma mistura insana de prazer e ilusão
só os tolos amam
e só os tolos são felizes.

Querida leitora,
O amor é uma mistura deliciosa de magia e luz
só os corajosos amam
e só os corajosos são felizes.

Para vocês com amor,


Nana Simons
NOTA DA AUTORA
Meu primeiro livro de 2024 vem intenso. Um romance
erótico com várias camadas que levei alguns meses para decidir e
poucos dias para escrever. É um livro feito para quem gosta de ler
sobre amor, homens possessivos e romances proibidos.
Principalmente sobre atrações que não devem acontecer
de jeito nenhum.
Comecei esse livro enquanto escrevia Dante, e o
desenvolvi desde Luigi até agora. Foi uma longa jornada. Foi lindo.
Foi rosa e despejei algumas doses do meu coração em cada
página.
Espero muito que você goste.
A minha equipe, minhas amigas e ao meu amor, obrigada
pelo apoio em cada passo.
Leitoras e monstrinhas, se deliciem com o doutor e sua
pequena Jennie!
Mil beijos, Nana.
PRÓLOGO
"Eu gosto de foder com você só pra fazer as pazes com você
Porque o jeito que você está gritando meu nome
Me faz querer fazer amor com você
Eu posso terminar com você só pra fazer as pazes com você"

Ariana Grande, Make Up

JENNA WALDORF

Lembre-se de mim...
— Empina essa bunda pra mim — grunhiu.
— Ai! Ah, Nathaniel! — gritei, gemendo e dando um murro na
parede. Seu pau era enorme, e quando ele me puxou para trás,
empinando minha bunda para ele e fazendo a penetração ficar
ainda mais profunda, eu consegui sentir tudo, me perdi em seu
toque, naqueles dedos se movendo em meu clitóris e a mão bruta
agarrando meu seio.
Ele não iria se lembrar.
Naquele momento, eu mesma quase esquecia da nossa real
situação.
Ali, eu não era a filha doente do melhor amigo dele. Ele não
era o viúvo que ficou anos afastado sofrendo sozinho.
Ali, eu era uma prostituta, e ele me tratou como se eu não
valesse um centavo que pagou para outra garota que não era eu.
Quando ele deslizou para fora de mim, jogou duzentos
dólares no sofá onde meu joelho estava apoiado.
— Essa é sua gorjeta. O pagamento ficou com a agência.
Eu me virei para falar com ele, para vê-lo, já que havia
sentido tudo dele em mim, até seu suor grudando em minha pele, e
não vi seus olhos em nenhum momento, mas ele já estava abrindo a
porta e saindo, fechando-a e me deixando sozinha antes que eu
pudesse pensar em uma única palavra para dizer.
Agora eu voltei a ser Jenna Waldorf.
E quando recolhi o dinheiro do sofá, me senti mais doente do
que o câncer um dia me deixou.
CAPÍTULO 1
"Eu estava pensando em quem você é
Seu ponto de vista delicado
Eu estava pensando em você
Eu não estou preocupado com onde você está
Ou pra quem você voltará
Eu estou só pensando em você"

Harry Styles, Little Freak

JENNA WALDORF
PASSADO

Abri a porta para a música que vinha da área social da


piscina e sorri para os convidados.
— Cuidado, Jenna! — A doutora Liz Anderson deu um passo
atrás quando me viu andando a passos apressados entre os
convidados.
— Desculpe, doutora — pedi, rindo, mas ela sabia que não
tinha jeito.
Fui na ponta dos pés, como se ensaiasse meus passos de
ballet, rodopiando e sorrindo. Papai foi promovido a chefe de
cirurgia do hospital e todos os amigos da profissão, além da nossa
família, foram convidados para comemorar em casa com nosso
famoso domingo de hambúrguer feitos pelo doutor Charles Waldorf.
Eu recebi os convidados com meu pai na entrada bem cedo,
batendo papo como se fossem meus amigos, não dele. Tinha essa
mania que puxei da minha mãe de achar que todo mundo queria ser
meu amigo, e na maioria das vezes acabava sendo verdade. Me
dava bem com crianças quando era uma, mas assim que atingi a
adolescência, passei a me encaixar melhor com adultos do que com
gente da minha idade. Meu irmão, Kyle, se tornara meu parceiro do
crime quando o assunto era invadir os eventos de papai e fingir que
fazíamos parte do cenário.
Não demorou para a casa estar cheia.
Papai não era daqueles médicos que ficavam gritando no
hospital e abusavam da cara feia para intimidar alguém no trabalho,
ele sempre me ensinou que gentileza e educação não se
compravam e deveriam ser aprendidos dentro de casa desde cedo,
uma lição que ele queria que eu levasse para onde quer que fosse,
em qualquer caminho que escolhesse seguir na vida. Por isso, ser
promovido significava que a casa era pequena para acomodar todos
os amigos — que incluíam cirurgiões, enfermeiras, o dono do bar na
esquina do hospital, e a lista continuava. Todos felizes por sua
conquista.
Eu amava quando tínhamos visita em casa, principalmente
quando eram pessoas do hospital que me tratavam como se eu
fosse uma princesa e geralmente levavam presentes para agradar a
filha do chefe. Eu já entendia muitas coisas sobre o trabalho do meu
pai e tinha tanto orgulho por ele ser um homem importante que
conseguia unir cinquenta funcionários e um monte de familiares
tanto da parte dele da família quanto da minha mãe. Tinham
crianças correndo por todos os cantos, primos da minha idade, tios
bebendo cerveja de um lado e médicos tomando whisky do outro,
enquanto minha mãe, Violet, se juntava ao seu clube de pintura para
fazer drinks ao lado da piscina.
— Ei, anjinha. — Virei-me ao ouvir alguém me chamar, e
sorri para o doutor Becker, chefe da pediatria. Ele me abraçou de
lado, segurando uma cerveja na mão junto com um cigarro. — Vou
roubar pelo menos dois hambúrgueres dessa bandeja.
— E se trocarmos um hambúrguer por esse cigarro? Deveria
parar de fumar, doutor. — Ele olhou com surpresa para os outros
médicos na mesa.
— Anjinha, você tem que parar de andar com o seu pai.
Ouvi-lo me chamar de anjinha me dava uma sensação de
familiaridade e afeto tão bem-vindas que por isso eu nunca me
importava quando meu pai dizia que teria mais uma festa em casa.
Algumas garotas da escola que tinham pais com trabalhos
importantes como os meus, não gostavam de coquetéis e receber
sócios e amigos do trabalho, porque diziam que era chato e não
tinha nada para fazer, mas eu adorava. Todas as vezes que papai
marcava alguma coisa, eu desmarcava qualquer outra com as
minhas amigas só para participar, e ainda aproveitava para convidar
algumas amigas mais próximas.
— É verdade — reafirmei. — Como vai falar para as crianças
que cigarro é prejudicial à saúde se toda vez que eu te vejo está
com um cigarro na mão?
Eu comecei a me afastar e escutei os outros dois médicos
rindo dele.
— Essa menina não tem treze anos — ele comentou com um
balançar de cabeça, mas piscou para mim.
Eu passei a bandeja pela maioria dos convidados voltando à
área da churrasqueira para repor. A funcionária contratada olhou em
volta meio insegura.
— Por que não me deixa assumir agora?
Eu balancei a cabeça.
— Não, por favor, adoro fazer isso. Pode continuar
descansando, meus pais não vão ficar bravos com você.
Eles já nos conheciam e sabiam que papai gostava de
manter sempre as mesmas pessoas, se ele gostou do trabalho uma
vez, sempre voltava para mais, se tornava cliente fixo de
praticamente tudo. Sempre o mesmo supermercado, sempre a
mesma farmácia, só comprava com o mesmo vendedor das
mesmas lojas, e com aquele casal não era diferente. Papai adorava
fazer seus hambúrgueres, mas também precisava dar atenção aos
convidados, e por isso, a dupla contratada assava, preparava os
pães e eu servia. A essa altura ela já devia estar acostumada
comigo roubando a sua função.
Continuei passando pelo jardim distribuindo comida. Nossa
casa era enorme, uma mansão em um condomínio fechado, que
mamãe tinha escolhido porque no momento em que pisou na casa
quando ainda estava grávida de mim sentiu que poderia pintar os
quadros mais bonitos de sua vida e meu pai fechou negócio na hora
sem nem perguntar o preço. Vindo os dois de famílias ricas, dinheiro
nunca foi problema, mas eu tinha uma mesada muito limitada, que
de acordo com eles iria me ensinar o valor do trabalho.
— Ei, querida. — A enfermeira Ana e mais duas que eu não
conversei tanto acenaram para mim.
Eu parei para que elas pegassem seu lanche e guardanapos,
antes de continuar e quando vi qual era a próxima mesa, meus pés
travaram no chão. Eu não queria ir até ali, não queria ficar mais
perto da barriga enorme de grávida de Lilly Sullivan que guardava o
bebê do amor da minha vida.
Eles dois sorriam um para o outro enquanto conversavam
com duas médicas e o meu tio Ricardo. Sorriram como um lindo
casal de marido e mulher.
— Olha ela aí, vem aqui, anjinha.
Eu odiava que usassem o apelido que meu pai me deu
quando nasci, perto dele. Me fazia parecer uma criança idiota que
não sabia nada da vida — embora minha idade pudesse deixá-los
pensar daquele jeito, não era totalmente verdade. Eu tinha treze
anos, mas fazia aulas de desenho, de piano, ballet, espanhol e fiz
algumas aulas de italiano, mas acabei não gostando de falar o
idioma. Tentei aprender só porque ele era fluente, tudo por ele.
Doutor Nathaniel Sullivan. O melhor amigo do meu pai.
Nathaniel concorria ao cargo de chefe de cirurgia no Seattle
Saint Glory Hospital, o maior centro de traumas do estado. Essa não
era a primeira vez que os dois puxavam o cabo de guerra por
alguma coisa que queriam. Nathaniel e meu pai cresceram juntos,
praticamente. Sendo vizinhos desde a infância, a casa do meu pai
se tornou um abrigo seguro quando os pais de Nathaniel faleceram,
deixando-o sob os cuidados de uma tia já idosa, que morava em Los
Angeles. Eles se reencontraram quando iniciaram a faculdade de
medicina, e a partir disso, a competição era para ver quem seria o
primeiro da turma, o melhor interno, o residente chefe e assim por
diante.
Eles brincavam que só não competiram pela minha mãe,
porque ela foi desenhada para o meu pai, assim como um de seus
desenhos.
Eu me lembrava do dia que Lilly chegou. Com lindos e
compridos cabelos escuros, ela encantou a minha família e os
amigos que papai e Nathaniel dividiam.
Embora os dois fossem competidores natos, aquelas
guerrinhas nunca abalaram a amizade. E quando Nathaniel perdeu
o cargo de chefe, os dois deram risada e papai prometeu que ele
teria um salário digno do melhor cirurgião geral de Seattle.
Quando eu nasci, Nathaniel, dois anos mais novo que meu
pai, já estava destinado a ser o tio Nathaniel e eu o chamei assim
até os dez anos. Foi quando percebi que não era normal sentir
ciúmes quando Lilly o tocava, ria para ele ou sequer chegava perto.
Quando compartilhei meus sentimentos com minha mãe, ela não
sabia o que dizer, só tentou me explicar da maneira mais simples e
direta possível que ele era muitos anos mais velho e que eu
precisava me apaixonar por algum menino da minha idade. Ela riu,
disso eu lembrava.
“Ai, meu anjinho, eu tinha uma paixão pelo meu tio Grant,
dos onze aos quinze anos. Vai por mim, isso passa. Em alguns anos
ele será só o tio Nathaniel barrigudo, calvo e com a barba suja de
molho de hambúrguer.”
Olhando para ele agora, com treze, eu me perguntei se isso
era realmente possível.
— Alguém quer mais? — perguntei ao me aproximar.
Lilly abriu aquele sorriso lindo e perfeito. Eu a adorava.
Realmente a adorava. Ela tinha cabelos pretos que batiam em sua
cintura e os olhos mais azuis que eu já vi na vida, ela era tão bonita.
O meu apelido sempre foi anjinha porque meus cabelos
eram tão loiros que na infância pareciam brancos, mas meus olhos
eram castanhos e sem graça, muito diferentes do de Lilly.
E quando Nathaniel olhou para mim com aquele sorriso que
fazia meu coração bater mais forte e tudo em volta de mim ficar cor
de rosa, eu apoiei a bandeja na mesa junto com minhas mãos para
não desmaiar.
— Pensei que as batatas não iam chegar aqui, anjinha! — tio
Deen reclamou, rindo.
Evitei aquela mesa desde que o dia começou, mas as
reclamações de que a comida não chegava neles, alcançou meu pai
e eu tinha duas opções: ou enfrentava o momento de vez, ou
devolvia a bandeja e ficava de canto pensando que Lilly estava
vivendo a vida que eu queria viver.
— Ei, anjo — ele disse. — O que você tem nessa bandeja?
— Ele se inclinou para a frente, mas sua mão não saiu da perna de
Lilly.
— Você precisa parar de comer carne — ela disse, fazendo-
o revirar os olhos.
— Querida, eu não vou virar vegetariano.
— Você disse que ia tentar.
— Como quer que eu tente se o meu melhor amigo faz
hamburgada praticamente domingo sim, domingo não?
Era a mais pura verdade. Papai era um carnívoro irreparável,
quando não tínhamos festa ainda assim ele dava um jeitinho de
encontrar tempo para usar a grelha sozinho, sentando-se em sua
cadeira de praia no meio do quintal, acendia a churrasqueira e
comia os espetos com uma cerveja gelada. Mamãe ficava um pouco
à frente dele com uma tela pintando sua próxima obra de arte e
bebendo uma taça de vinho.
Nossa, eu suspirava só de lembrar. Diversas vezes fotografei
os dois da janela do meu quarto. Aquela era a vida que eu queria
para mim e ouvi-lo dizer a Lilly que ele jamais seria vegetariano me
fazia ter um pouco de esperança que esse podia ser um dos
motivos para que um dia eles se divorciassem, e quando eu fosse
mais velha — talvez com dezessete ou dezoito —, finalmente
teríamos uma chance de fazer nossa vida juntos acontecer.
— Tem hambúrguer com molho da casa ou o completo.
— Temperinho da Violet? — ele perguntou com um sorrisinho
de canto.
— Sim. — Quase não encontrei minha voz para responder.
— Papai está assando legumes, e vai fazer frutas mais tarde.
— Oh, meu Deus! — Lilly exclamou, colocando a mão por
cima da minha na mesa. — Por favor, se ele fizer abacaxi com
canela eu preciso comer!
— Vou esperar lá pra garantir suas fatias, amor. — Ele riu,
olhando para ela como se de repente um abacaxi tivesse se tornado
a coisa mais importante no mundo.
— Não — ela disse. — Você vai esquecer e ficarei sem. Eu
vou ficar lá esperando do lado da grelha.
— Não, tudo bem — neguei rapidamente —, eu trago aqui.
Eu não queria correr o risco de que ela fosse até la e ele a
seguisse, e os dois ficassem me torturando com as declarações e
demonstrações de afeto.
— Você não se importa, Jen? — perguntou. Droga, ela era
tão educada, tão alegre e simpática comigo.
Às vezes, quando eu esquecia que tinha uma paixão pelo
seu marido, me permitia ficar perto dela. Admitia para mim mesma
que quando fosse adulta, queria ser como ela em várias coisas. Ela
tinha trinta anos, era uma mulher bem-sucedida, casada e prestes a
dar à luz.
— Eu trago para você, não vamos deixar o bebê passar
vontade — brinquei, fazendo todos rirem.
Nathaniel piscou para mim e eu jurava que o meu coração
tinha derretido um pouco mais com aquele sinal. Porque só podia
ser um sinal. Ele não ficava piscando à toa para as pessoas e não
era só porque eu era a menina do seu amigo. Ele não me chamava
de anjinho como todos os outros, ele sempre me chamou de anjo e
é claro que aquela era uma forma de me fazer ter esperanças, ele
estava me avisando que quando a sua hora com Lilly chegasse ao
fim eu era o anjo que o ajudaria a superar aquela paixão de
faculdade.
— Obrigado, anjo, não sei o que eu faria sem você.
Lilly riu, olhando para ele como se tivesse dito a coisa mais
linda do mundo e ele realmente disse, mas foi para mim e não para
ela.
— Você vai ser o pai mais incrível. — Ela virou para os
outros na mesa. — Não vai, gente? Olha como ele trata a filhinha do
melhor amigo, ela tem idade para ser nossa filha. — Olhando para
mim mais uma vez, Lilly sorriu. — Quando Beca nascer eu sei que
vocês duas vão se tornar melhores amigas, você vai ser como uma
irmã mais velha.
Todos deram risada, e Nathaniel sorriu para ela sem nem
olhar em minha direção.
Meu Deus, eu estava a ponto de surtar.
Eu queria que ele olhasse, me defendesse, dissesse que
não, não seria. Que eu não tinha como ser irmã da Beca porque nós
tínhamos um futuro juntos, mas ele não disse nada e começou a
falar sobre carros com o meu tio Deen. Eu ouvi o sino que Barry
usava para avisar que mais uma leva de hambúrgueres e batatas
estava pronta e ouvi várias palmas no quintal, gritos de
comemoração como se nunca tivessem comido na vida. Senti a
necessidade urgente de jogar a bandeja na piscina e mandá-los ir
buscar a carne na água, quem sabe a carne não ficaria mais macia?
E Nathaniel não olhou para mim novamente.
Cansada de ficar ali parada como uma idiota esperando que
ele defendesse nosso futuro, eu virei as costas e voltei para a área
da churrasqueira, mas não peguei a bandeja de volta, a devolvi para
a funcionária e entrei em casa, subindo para o meu quarto e
trancando a porta. Segura e aconchegada em uma das minhas
janelas, eu conseguia ter uma vista para o quintal. Abracei apertado
o urso que Nathaniel tinha me dado de presente aos onze anos. Ele
tinha o meu tamanho naquela época e eu o carregava para todo
canto, agora ele só servia para me lembrar o meu desespero de ter
uma idade completamente diferente, assim nós realmente teríamos
uma chance.
Fiquei olhando para os dois sentados em uma mesa do meu
quintal e quando ele passou a mão na barriga dela eu não queria
sentir inveja, mas senti, parecia que meu coração estava se
quebrando mais uma vez como todas as outras quando eu via o
quanto ele amava a Lilly. Ele era carinhoso, gentil, educado, o
homem mais dedicado que eu já vi, era até mais paciente e
compreensivo do que o meu pai. Eu daria tudo para que as coisas
fossem diferentes, para que fosse eu no lugar de Lilly.
Mas tinha aprendido há muito tempo que embora meus pais
pudessem realizar a maioria dos meus sonhos, aquele sonho não
seria um desses. Fechando a cortina, eu levei meu urso para a
cama e o abracei. Pela primeira vez, torci para a música acabar e
todo mundo ir embora o mais rápido possível.
CAPÍTULO 2
"E porque suas palavras são sempre cheias de merda?
E porque você não tenta só mais um pouco
Quando diz que me quer tanto?
Deus, eu sou bonita demais pra isso"

Claire Rosinkranz, I'm Too Pretty For This

JENNA WALDORF
DIAS ATUAIS

Minha mãe olhava para o meu pai, meu pai olhava para
minha mãe e os dois me encaravam como se não tivessem
escutado direito.
Desde pequena, pelo menos quando eu fiz onze anos e
comecei a aprender o quão importante era a profissão dos meus
pais, meu pai me incentivou — praticamente decretando — que eu
seria médica e teria a liberdade de escolher entre neurocirurgiã ou
cardiologista. As duas únicas especializações que ele via como
certas para sua filha. Eu nunca quis desapontá-lo, quando tirava
notas ruins na escola sempre encontrava uma forma de revertê-las,
apenas para não ter que chegar em casa com o boletim de merda e
encarar aquele olhar decepcionado que me perseguiria pelo mês
seguinte.
E quando meu irmão três anos mais velho que eu, decidiu
que gostaria de seguir por ortopedia, meu pai literalmente desmaiou
e o levamos Às pressas para o hospital. Ele acordou no meio do
caminho apenas para gritar:
“Não me levem ao Bella River!”. O maior concorrente do
hospital dele.
Após ser atendido por um susto de pressão alta, ele ainda
tentou fazer meu irmão mudar de ideia, mas Kyle deixou claro que
não seria manipulado. De acordo com ele, não queria passar a vida
abrindo cérebros e ficar traumatizado segurando corações, ele
queria mexer com algo que parecesse mais concreto, como ossos,
ferros e um monte de outras coisas que lhe faziam sentir a
adrenalina da ortopedia. Eu entendia o meu irmão e era graças a ele
que eu tomei coragem para dois meses atrás contar ao meu pai que
eu não estava nem um pouco interessada em me tornar médica.
— Quando eu finalmente aceitei o seu irmão, você me vem
com essa facada nas costas, Jenna. O que foi que eu fiz de errado?
Ele não tinha feito nada de errado, é claro. Nem nós fizemos.
A questão era que papai tinha uma mania de querer tudo do seu
jeito e eu não podia deixar que o meu medo de o desapontar me
encaminhasse para uma vida sem paixão, seguindo uma profissão
pela qual não era apaixonada e me tornar apenas mais um diploma
enfeitando a parede da nossa sala. Argumentei incansavelmente,
dizendo que minha mãe era bem-sucedida, tinha uma carreira
brilhante, uma galeria com seu nome e artistas de todo o país
lutavam por uma vaga para conseguir expor no espaço dela. E sua
resposta não podia ter sido mais automática:
— Sua mãe nasceu uma artista e nós nascemos com o dom
de salvar vidas. São coisas extraordinárias, mas diferentes. Você é
minha filha, todos os filhos do meu pai se tornaram médicos e os
filhos deles também. Agora você me diz que será a primeira a não
seguir por esse caminho?
Parecia loucura, mas literalmente toda a família do meu pai
era composta por médicos, enquanto a da minha mãe era uma
mistura maluca de dois primos que montaram um grupo de reggae,
uma tia confeiteira que estava abrindo a terceira loja na cidade, um
tio que vendia imóveis e ficou milionário a ponto de brincar de
trabalhar, tinha engenheiros, estudantes de psicologia, e até
barman. Nenhum deles trabalhava por dinheiro porque nasceram
herdeiros, contudo na visão do meu pai, seus filhos precisavam
continuar o legado.
Eu não estava interessada em ser mais uma naquela lista.
Depois de passar cinco anos lutando pela minha vida, eu tinha que
ser forte e objetiva.
Queria fazer um pouco de tudo. Experimentar coisas
diferentes. Queria a certeza da incerteza.
— Quais são seus planos agora? — mamãe perguntou.
A voz leve e calma me trazia paz. O sorriso era acolhedor, e
ela esticou a mão por cima da mesa, mostrando que estava comigo.
Com os lindos cabelos dourados naturais presos na nuca, olhos
verdes que eu infelizmente não puxei, assim como sua altura, ela
era a mulher mais linda e elegante que já vi. E meu pai por precisar
vestir uniforme e roupa social para o trabalho, gostava de se sentir
bem em casa, por isso, ele dizia que preferia ir a restaurantes quatro
estrelas vestindo bermuda de moletom e chinelos. Mamãe precisava
chantageá-lo com algo de seu interesse na maioria das vezes para
conseguir fazê-lo vestir uma camisa social e calças apropriadas, era
engraçado, porque na maioria das vezes ela aparecia toda elegante
com saltos e vestidos longos e ele estava esperando com jeans e
tênis esportivo.
— Eu ainda não sei.
Meu pai ergueu as sobrancelhas castanhas da cor exata de
seu cabelo com a minha resposta. Os olhos cor de mel que eu havia
puxado estavam cheios de críticas.
— Contanto que não vá viver na boêmia, tirar um tempo para
decidir o que você quer fazer da vida é algo com o qual eu posso
viver por enquanto. Mas se eu souber que está querendo viver de
balada, passar todas as tardes no shopping e jogar fora o cérebro
brilhante que você tem, aí sim nós teremos um problema, Jen.
— Pai, eu não sou assim, não quero viver na vida boa me
aproveitando do seu dinheiro.
— Nosso dinheiro — minha mãe corrigiu. — E seu pai sabe
disso, ele só está fazendo comentários se deixando levar pelo
orgulho ferido. Nós já conversamos, Charles, você fez filhos para o
mundo e eles precisam ser livres para descobrir o que querem fazer.
Quer que a sua filha seja uma médica infeliz que vai acabar
matando pacientes na cirurgia porque está tão entediada e triste
com o trabalho que não dá a mínima para o que faz?
— Não diga bobagens, não é assim. — Ele me observou
com olhos um pouco mais cuidadosos. — Eu entendo suas
reservas. Sei que passou por coisas demais e não quero ser um pai
ditador, nós nunca fomos assim, Jen. Eu só me preocupo. Não
estarei aqui para sempre e não quero você sentada esperando a
vida passar enquanto não faz nada, quando você era pequena dizia
que ia ser médica.
— Mas quanta coisa mudou desde que eu era pequena, pai?
— As cicatrizes em meu corpo provavam a mudança. As marcas na
minha mente não me deixavam esquecer. — Eu dizia que queria ser
médica para você e dizia que queria pintar quadros tão bonitos
quanto a mamãe para ela. Eu também falava para o tio Deen que
adorava os colares que ele fazia para vender na praia, mas isso não
quer dizer que eu esteja interessada em comprar um quiosque. Eu
morreria de tédio.
— Não morreria de tédio salvando vidas — ele acrescentou
rapidamente, levando um tapa da minha mãe no braço.
— Pare com isso, Charles. Jen, você tem nosso total apoio
para descobrir o que quer fazer, mas o seu pai está certo quanto a
não demorar muito. — Ela pegou minha mão em cima da mesa. —
Você vai ver quando estiver com a sua mente pronta e descansada.
Não vai precisar sequer pensar sobre isso, porque a resposta estará
na sua frente, você vai olhar para as cinco portas e não vai se
confundir, pois o caminho que você deve seguir terá a porta
brilhante, filha.
Meu pai a fitou com um sorrisinho de adoração e deu um
beijo em sua bochecha.
— Sim, contanto que você continue inteligente como a sua
mãe.
Ela corou e sorriu. Eles estavam casados há mais de vinte
anos e ainda demonstravam toda a paixão.
— Eu vou aceitar o convite da Serena pra passar alguns dias
na fazenda da família e ver se minha mente desperta por algum
propósito lá.
— Quando? — papai perguntou.
— Ela viaja depois de amanhã.
— Não vai dar.
— Por que não? — Franzi o cenho.
Ele passou a mão pelos cabelos.
— Porque eu tenho uma surpresa especial.
Estreitei os olhos.
— Que surpresa?
— Não consegue adivinhar? — Ele sorriu de canto.
— Não. Eu deveria saber? É alguma data comemorativa que
esqueci? — Revirei minha cabeça pensando que dia era hoje. A
data do aniversário do meu irmão, da minha vó e de outros parentes
mais próximos. Não, nada disso. — Não tô esquecendo de nada.
— Isso é porque você não sabe para poder lembrar. O tio
Nathaniel está voltando ao país, querida. — Minha mãe sorriu,
empolgada, e papai a acompanhou. Os dois me observavam como
se fosse Natal e eu estivesse recebendo um puta presente.
— O quê?! — Eu não podia estar escutando direito, meu pai
estava falando de Nathaniel? O Nathaniel? Aquele Nathaniel — Tio?
— questionei. Minha mãe tampou a boca escondendo a risada.
— Ele não é tio dela, nunca foi.
— Ele é tio — papai disse. — Você adorava ele, chamava de
tio para cima e para baixo.
— Nathaniel — repeti, mas repeti ainda mais em minha
cabeça. — Nathaniel Sullivan?
— Nathaniel Sullivan, filha! — Ele riu. — Meu melhor amigo
desde... sei lá, meus nove anos.
— Você não tinha nove, papai, não o conhece há tanto
tempo assim.
Bebi um gole d’água.
E mais um.
E o restante do copo em seguida.
— Claro que conheço, anjinha. É o tio Nathaniel, ele estava
lá quando você nasceu!
Jesus Cristo.
Nathaniel?
Há quanto tempo eu não pensava nele?
— Pai, eu pensei que ele nunca mais fosse voltar. — Meu
coração batia acelerado, não podia acreditar que isso estava
acontecendo.
As últimas lembranças que eu tinha dele eram muito claras.
Ele entrando em casa com sangue nas mãos e chorando no
nosso sofá em completo desespero. Mamãe tentando acalmá-lo e
papai no telefone andando na sala de um lado para o outro. Claire,
nossa governanta me levou para o quarto, e no dia seguinte ele não
estava mais lá e eu nunca mais o vi. E aquilo tinha sido há sete
anos, bem, foi difícil para ele.
Continuar em Seattle depois do que aconteceu era
impossível para Nathaniel. Pelo menos foi o que o papai disse. Ele
cortou todos os laços silenciosamente e foi embora, a última notícia
que recebemos foi uma carta, um ano depois, dizendo que se
alistou no exército e se tornara um cirurgião de guerra.
Arrepiei-me, sentindo um calafrio e me abracei lembrando-
me de quando finalmente caiu a ficha de que Lilly tinha morrido. Os
médicos não tiveram tempo de salvá-la dado à pré-eclâmpsia. Ela
morreu no elevador a caminho da cirurgia, o parto seria normal e por
isso ela estava no quarto aguardando dilatar os dez centímetros,
mas no segundo seguinte um coágulo enorme se formou, não
dando tempo de chegar à sala de cirurgia. Ela morreu tentando
empurrar a bebê para fora. Eu me lembro de papai falar que era
como se seu coração tivesse explodido dentro do corpo, fatalizando
ela e Rebeca antes que tivessem a chance de se despedir ou os
dois verem seu rostinho uma única vez.
Por muito tempo me senti culpada, lembrando-me de quando
desejei estar no lugar dela e sendo uma criança boba, pensava que
morreria de amor se nunca tivesse uma chance com ele, quando
soube de sua morte, eu rezei para que Deus me perdoasse, eu tinha
certeza de que foi minha culpa depois de tanto tempo olhando para
ela e sendo apaixonada por seu marido. Contudo, eu era uma
criança fantasiando sobre o melhor amigo do meu pai e não tive
culpa do destino de Lilly e sua filha.
— Não acredito que ele vai voltar — papai refletiu. Tinha um
sorriso no rosto que não dava para medir. — Estou feliz demais. Ele
esteve fora por tanto tempo e temos sete anos para colocar em dia.
— Você teve contato com ele, amor? — minha mãe
perguntou. — Eu cheguei a procurá-lo nas redes sociais.
— Nos falamos poucas vezes. Depois que nossa vida ficou
complicada, eu não quis levar notícias ruins e lembrá-lo de tudo o
que passou. Ele era meu melhor amigo, mas eu teria ficado do
mesmo jeito se um dia perdesse você ou um de nossos filhos.
Imagina perder os dois juntos, foi uma fatalidade sem descrição.
— Será um choque para os dois — mamãe disse.
— Eu ouvi alguns rumores, mas vou esperar para comprovar,
ele é meu melhor amigo e não vou julgar antes da hora.
— Que rumores? — indaguei, reencontrando minha voz.
— Bem, ninguém sabe exatamente por onde ele andou. A
comunidade médica fala, mas só saberemos quando chegar aqui.
— Foi horrível — refleti. — Realmente esperava que ele
estivesse melhor, que tivesse encontrado algum tipo de paz. — Eu
tentava mostrar uma atitude neutra, como se eu nunca tivesse
chorado feito uma idiota por aquele homem.
Papai mudou de assunto, pegou o cardápio de sobremesas,
pensando em qual escolher. Eu notava pelo tique no canto da
sobrancelha direita que ele estava ansioso e estressado. Podia não
falar, porque dizia que era nosso porto seguro, e rochas não
quebravam, mas eu via. Ele queria o melhor amigo de volta, porém,
mais do que isso, estava preocupado com o Nathaniel que voltaria
para nossas vidas.
— Vou levar uma tortinha para o garoto da cirurgia de hoje
com câncer no cérebro inoperável.
— Isso, querido, não é para você — minha mãe o incentivou.
— Não é para mim — ele concordou.
— Leva esse aqui — apontei no cardápio —, é o meu
favorito.
Papai sorriu para mim e deu um aperto em minha mão,
chamando o garçom. Eu tentei prestar atenção na conversa que se
desenrolou na mesa depois disso, mas foi quase impossível.
Pensar que sete anos tinham se passado, e agora ele
voltaria estava confundindo meu juízo. Eu era pré-adolescente na
época e ele tinha trinta e sete anos, não passava de uma fantasia
infantil, mas ainda assim, me fez questionar tanta coisa e ter as
primeiras experiências com sentimentos tão intensos que eu tinha
medo de encontrá-lo e ver que aquilo não passou. Ao mesmo
tempo, eu sabia que agora ele tinha quarenta e dois anos, quatro a
menos que meu pai — embora meu pai fosse um quase coroa
inteirão, eu não o achava bonito daquela forma, então já sabia que
não ia achar o seu melhor amigo também.
Talvez o que minha mãe me prometeu finalmente
aconteceria.
Ai, meu anjinho, eu tinha uma paixão pelo meu tio Grant, dos
onze aos quinze anos. Vai por mim, isso passa. Em alguns anos ele
será só o tio Nathaniel barrigudo, calvo e com a barba suja de molho
de hambúrguer.”
Eu suspirei. Por que será que duvidava disso?
Tentando me livrar da ansiedade que já estava querendo me
consumir, comecei a torcer para que ele realmente tivesse se
tornado tudo aquilo.
Apenas um quase-coroa barrigudo que fazia piadas gentis,
mas inconvenientes, ficou calvo e não iria despertar nem uma única
fração de sentimento em mim.
CAPÍTULO 3
"Eu posso ser sua garotinha mas sei como me divertir
Os caras me perseguem, tentando me pegar
Quando estou fazendo compras é como se tivesse uma arma
Não importa o que eu faça, eles sempre ficam me olhando"

Paula Deanda, Easy

JENNA WALDORF

Eu me arrumei em cima da hora, mas costumava sempre


deixar alguns looks preparados quando o final de semana estava
chegando. Vesti o top vermelho que tinha mangas compridas caídas
no ombro, com a saia curta de conjuntinho.
— Acho um charme você não ter nada além de minissaias e
vestidinhos no closet.
Eu olhei para Serena com um sorriso.
— Tá sendo irônica? Porque se for o caso, vou te lembrar
que você estava comigo quando eu comprei essa roupa em Nova
Iorque. Na verdade, sempre está perto e nunca me aconselha a
comprar calças.
— Você tem pernas incríveis, por que eu iria te incentivar a
escondê-las?
— Tem razão — encolhi os ombros —, e assim é bem mais
fácil encontrar homens gostosos pra arrastar pra um cantinho.
Ela riu, e ergueu as sobrancelhas, tomando mais um gole da
taça de vinho branco.
— Um desses ainda vai te fazer sossegar, Jen, anota aí.
Apontei para ela através do espelho.
— Não me jogue praga, não é porque você se apaixonou e
está amarrada para o resto da vida que eu vou seguir esse caminho.
— Não tô amarrada a ele, nós terminamos.
Revirei os olhos.
— Claro que está. Você dizendo que terminou com ele
parece eu garantindo que o retorno de Nathaniel não me preocupa.
— Mas eu terminei mesmo! De verdade dessa vez. Ian já
era!
— Me escuta, Serena, o que eu faço? Nathaniel, sete anos
depois voltando a Seattle.
— Estou te escutando, amiga, mas o que quer que eu diga?
Não há muito o que possamos fazer.
— Você pode, por ser a única que já se apaixonou e não deu
certo, me dizer o que fazer quando eu o vir.
Ela suspirou e cruzou uma perna em cima da outra como se
não aguentasse mais falar sobre a minha paixão de infância.
— Você quer que eu seja uma boa amiga e fale a verdade ou
quer que eu diga o que prefere ouvir?
— Os dois, um de cada vez. Comece sendo uma boa amiga
e falando a verdade.
Ela jogou o cabelo loiro para trás, exibindo o decote
siliconado e natural perfeito. Os olhos azuis esfumados estavam
insanamente lindos. Ela parecia mais uma atriz de cinema do que
médica.
— Ele provavelmente ainda está traumatizado. Esse cara
amava a Lilly como um louco, amava mais do que tudo e perder,
não só ela como a filha deles, deve ter sido devastador. Em
contrapartida, você se tornou uma mulher linda, tenho certeza de
que se seduzi-lo da maneira certa vai conseguir realizar seu sonho.
— Essa última parte foi a mentira?
— É claro que foi, não viu como eu sou boa nisso? Primeiro
te falei a verdade, ou seja, fique longe do viúvo, ainda que ele não
tenha se tornado calvo, mas sim um grande gostoso traumatizado.
— E depois você me diz que eu posso seduzi-lo.
— Depois eu menti que você tem uma chance de seduzi-lo.
— Por que mentiu? Eu realmente fiquei bonita.
— Você sempre foi bonita, está muito gostosa e ficou
experiente em homens nos últimos dois anos, mas talvez não para
ele, não para a filha do melhor amigo dele. É meio bizarro, ele tem
quarenta agora.
— Quarenta e dois.
Ela riu — e roncou.
— O que torna ainda pior.
— Eu não vejo assim, sempre gostei de homens mais
velhos.
Ela bufou.
— Dar a boceta para os caras da minha universidade que
são basicamente crianças cinco anos mais velhos do que você não
te faz gostar de homens mais velhos.
— Tá, mas eu sinto que tenho tendência a gostar dos mais
velhos.
— Jen... — Ela se levantou e me abraçou por trás, apoiando
o queixo em meu ombro e me fitando pelo reflexo do espelho. —
Você vai começar a gaguejar assim que ele falar com você.
— Isso não é verdade.
— É claro que é, você aprendeu a dar e fazer boquete, se
envolveu com alguns homens e decidiu curtir a vida, mas isso é
diferente. Ele é diferente. É meu papel ser honesta e direta aqui.
— Isso é porque eu só encontro caras que me irritam!
Homens da minha idade não sabem conversar sobre nada além de
seus músculos e carros.
— Você tem essa impressão porque vive no meio de
pessoas que só falam sobre cérebros. Seu pai é médico, sua mãe
vive em outro mundo — ela deu risada —, sua melhor amiga —
Serena apontou para si mesma — é uma puta cardiologista. Suas
expectativas são altas e com razão.
Eu me olhei no espelho.
Me vestia como uma vadiazinha-patricinha-rica, e todos os
caras que eu dormia me diziam que meu boquete foi o melhor da
vida. Depois de ter sido abandonada pelo único homem que gostei
em um momento difícil, me fez pensar que talvez nem os mais
novos e nem os mais velhos serviam para alguma coisa.
Para ser honesta, eu não pensava em homens para além de
sexo até papai mencionar o retorno de Nathaniel Sullivan.
— Acha que eu deveria me aventurar com todos os tipos só
pra ter certeza de qual é o meu tipo? Mecânicos, CEO’s, padeiros,
engenheiros...
— No momento que um mecânico te debruçar sobre um
carro e deixar uma marca de graxa na sua bunda feita por um tapa,
você nunca mais vai desejar outra trepada. E CEO’s não são tão
bons assim.
Eu caí na risada.
— Médicos também não fizeram boa fama comigo.
Ela me virou para si.
— Foi apenas um médico, e Dylan McRey sempre será o
maior imbecil, escroto e pinto pequeno que qualquer mulher poderia
conhecer no mundo. Ele é nada. — Serena segurou minhas mãos.
— Mas você é uma gata provocante, sexy, inteligente...
— Com data de validade — acrescentei.
Serena arregalou os olhos azuis e deu um tapa em minha
testa.
— Cala a boca, vadia!
Dei risada.
— Ok, continue o seu discurso motivacional.
— Eu já tinha terminado, chatinha, mas essa noite vai servir
pra você curtir, esquecer tudo sobre homens e pensar em como
quer seguir pra receber o Sullivan.
— Não sou eu quem vou recebê-lo.
Serena riu.
— Eu te conheço, Jenna Waldorf, e de anjinha você não tem
nada. Principalmente, se o cara for um daddy gostoso.
Eu gritei e ela gritou junto, só para expressarmos a euforia
de pensar naquilo. Mas por um lado ela estava certa, ele devia estar
traumatizado, fechado para o amor.
E calvo, e gentil, inconveniente e com uma barriguinha.
— Eu não sei se uma noite é suficiente pra me preparar para
ele. Se o que eu sentia na infância não mudou, tô muito fodida,
Serena.
— Então eu vou garantir que você fique bêbada a ponto de
esquecer que ele chega amanhã e quando descer para tomar café
vai dar de cara com ele, pronto. Nada melhor do que um choque
para despertar a reação certa.
— Tá brincando, né?
— Pareço estar? Eu lido com corações todos os dias. Por
que você acha que as esteticistas puxam a cera da depilação de
uma vez?
— Para torturar — brinquei.
— Porque se elas puxam devagar dói muito mais. — Ambas
sabíamos que não era só por isso, mas sua analogia fazia sentido
demais para rebater. — Nós vamos beber e esquecer do doutor
viúvo e amanhã cedo quando você descer para tomar café ele já vai
estar aqui e você vai sentir um rápido puxão da cera e acabou. Vai
se sentar à mesa, tomar café com ele e vai perceber que o
sentimento da Jen criança foi embora porque era apenas uma
paixonite.
— Vamos ver — resmunguei.
— Eu já me apaixonei por primos, por tios, coisinhas que
sempre duravam um mês. Você já superou há muito tempo, só
pensa que não.
— Eu não penso que não superei, eu já superei.
Suspirei, acenando. Minha melhor amiga sabia o que falava.
Tendo trinta e dois, ela tinha dez anos na minha frente quando se
tratava da fila do amor. Já experimentou muito mais que eu, e
acompanhou meu único relacionamento da metade para o fim, e
nunca mais nos desgrudamos. Ela me conhecia, e se tinha certeza
de que eu superei, eu também confiaria nisso.
— E o nosso táxi? — questionei, fitando o espelho pra
aplicar o gloss.
— Vai chegar em cinco minutos, vamos saindo.
— E onde está seu motorista?
— Eu o dispensei por hoje, quero ver onde a noite vai me
levar.
Estreitei os olhos.
— A noite vai te levar direto para a cama de Ian Kavinsk, isso
eu já sei e você também, sua cínica.
Peguei minha Prada na enorme bancada de vidro no centro
do closet, onde em cima ficavam minhas joias exibidas em
pequenas gavetas transparentes e embaixo ficava uma roleta com
todos os meus sapatos, e passei por ela.
— Vamos logo, eu quero aproveitar um pouco da minha
amiga antes que Nathaniel monopolize você.
Eu conheci Serena durante o período mais difícil e turbulento
da minha vida.
Descobrindo o câncer com quinze anos, eu não tive muito
tempo para fazer amizades novas, já que minhas amigas não
podiam me visitar o tempo todo. Ela estava no fim da residência e
certo dia entrou no meu quarto escuro chorando, procurando um
lugar para se esconder do noivo — que já foi ex, já foi atual, às
vezes era ex e às vezes atual — em um dos términos, e acabou
chorando no canto do meu quarto. Eu esperei dez minutos em
silêncio, e quando ela estava se recuperando, eu acendi o abajur e
avisei que seu rímel estava todo borrado, antes que ela saísse da
sala com o rosto todo manchado de preto.
Ela teve uma crise de risos após uma crise de choro, e
passou a visitar meu quarto no tempo livre, sabendo que eu era só
uma adolescente boba que ia entender seus términos bobos e a
dependência que os dois tinham um do outro.
Eu entrei em remissão com ela ao meu lado.
O câncer voltou com ela ao meu lado.
E agora, sete meses depois, acompanhando com exames
para garantir que aquela maldição estava longe novamente, ela
seguia ao meu lado.
Ela dizia que eu a lembrava de como era ser jovem e que eu
tinha sorte por poder me dar ao luxo de ser inconsequente. Ela me
mostrou que a vida não tinha que ser ensaiada, mas é claro que as
incertezas do meu corpo doente também deixaram isso bem claro.
Quando você vive com uma data de validade indefinida,
planos não têm muito valor. Inconsequência se torna um luxo que eu
passei a aproveitar.
E tempo se tornou a coisa mais valiosa do mundo para mim.
Nosso táxi estava desanimado e eu precisava que ele
reagisse e tocasse alguma coisa que elevasse o clima.
— Moço, pode colocar um pop? — Ele assentiu, mas
pareceu não ter gostado de precisar tirar do jogo.
Mas quem se importava? Eu adorava dias de jogos com
meus pais e os amigos, mas não naquele momento.
Quando a voz de Olivia Rodrigo brotou nos alto-falantes nós
duas jogamos os braços para o alto em sincronia e começamos a
cantar juntas, abrimos as janelas deixando o vento entrar e eu sabia
que quando voltássemos para casa — provavelmente no carro de
Ian — colocaríamos a cabeça para fora no teto solar enquanto ele
aumentava o som no volume máximo. Eu não gostava dele, e não
aprovava o relacionamento vai e volta dos dois, mas Serena era
maluca por ele e eu não tinha muito o que fazer a não ser estar ao
seu lado como ela sempre esteve ao meu.
Nós chegamos ao clube faltando meia hora para o DJ subir
no palco.
Serena jurava que se tivéssemos ficado na pista seria mais
divertido, porque dessa vez ela queria conhecer pessoas que fugiam
do nosso mundo, mas eu preferia um banheiro sem fila e não ficar
esperando vinte minutos para conseguir pegar uma bebida, sem
contar que não teríamos como fugir, já que um dos sócios do clube
era amigo do meu irmão.
— Ian não para de me ligar, mas já avisei que hoje dele só
quero a carona.
— Uau, você disse não? — A gente tinha que falar um pouco
mais alto por conta da música.
— É claro que sim, eu amo aquele traste, mas não sou
otária. Quer dizer, já fui por muito tempo, mas ele sabe que minha
época de comer naquela mãozinha talentosa acabou.
— Quando você diz mão talentosa quer dizer por que ele é
um bom advogado ou...
— As duas coisas. — Ela jogou a mão em desdém. — Não
me faça ficar lembrando dele porque vou começar a chorar e
ninguém vai gostar.
— Se você começasse a chorar no show desse DJ, eu é que
iria te expulsar daqui.
Nós ficamos dançando com nossos drinks e quando ela já
estava no segundo, eu ainda estava na metade do primeiro. Eu
precisava ir devagar, tinha que conciliar a bebida com meus
remédios. Não exagerar para não deixar meu corpo exausto antes
de estar pronta para encerrar a noite.
Eu olhei para cima quando a última música antes do DJ
entrar no palco foi anunciada e fiquei olhando nós duas dançando
no espelho. Embora já tivesse sido muito testada pela vida, sabia
viver minha juventude plenamente.
Eu era muito bonita, não tinha problemas com dinheiro,
poderia seguir qualquer profissão que quisesse, mas ainda assim,
vivia com medo. Medo de amar demais, medo de ser amada, medo
do futuro, da vida, da porra do câncer.
Levei seis meses para contar a Dylan que estava doente e
quando contei, ele não aguentou uma sessão de quimioterapia,
pegou o anel que me deu de compromisso e fugiu. A última vez que
eu soube dele, estava entrando na residência de medicina.
Meu cabelo loiro na altura dos ombros marcava todos os
traços fortes do meu rosto. Eu adorava a minha aparência, era
vaidosa, cuidava da minha saúde com acompanhamento na
nutricionista e tinha um personal trainer que me ajudava a deixar
meu corpo da forma que eu gostava sem sacrifícios e sem
sofrimento.
— Já tá bêbada? — Serena gritou no meu ouvido, e eu
tropecei para trás entortando o pé.
O que aconteceu a seguir foi tão rápido que eu tinha certeza
de que já estava no chão e só não senti minha bunda doer porque
fiquei zonza de tanto me encarar no espelho do teto, porém, ao abrir
os olhos, vi Serena com a mão na boca, os olhos arregalados e
desviava a atenção de mim para o dono dos braços que me
seguravam.
Estiquei a mão para ela, mas minha melhor amiga estava
paralisada. Só seus olhos iam de cima para baixo entre mim e ele.
Ou o cara era muito gostoso ou uma grande desgraça.
Acabou que ele me ergueu por si mesmo.
— Qual é o seu problema? — perguntei a ela antes de me
virar e encarar o...
Ah, não. AH, NÃO. Merda, merda, merda. Isso...
Eu fechei os olhos uma, duas vezes, depois fechei por
alguns segundos uma terceira vez, mas quando abri eu ainda
encarava o mesmo rosto.
Não era uma alucinação e eu não estava sonhando.
— Você está bem? Precisa que eu chame o gerente?
— Não e-eu — gaguejei. — Eu... — Caramba, eu não
conseguia falar nada que fizesse sentido.
— Ela está bem, que tal...
— Sente-se aqui — ele interrompeu Serena, segurando meu
braço e me levando até um dos sofazinhos mais próximos. Ele me
acomodou e deu uma olhada ao redor. — Não tem um garçom
nesse maldito lugar? — Ele piscou seus olhos azuis em mim como
se tivesse irritado comigo. — Fique aqui — rosnou. Literalmente
rosnou como um cachorro irritado porque alguém tocou seu osso.
Ele caminhou até o bar e eu observei boquiaberta as costas
musculosas do homem que poucas horas atrás eu orava a Deus
para que tivesse se tornado um calvo barrigudo. Jesus, eu precisava
matar minha mãe.
Nathaniel Sullivan estava muito diferente do que ela me
prometeu, e os sentimentos que eu tive medo de continuar sentindo
quando o visse outra vez eram uma piada em comparação ao que
eu sentia ao ver aquele homem agora.
CAPÍTULO 4
"Eu fantasio com isso o tempo todo
Se você fosse meu eu te daria essa boceta das nove às cinco, das
cinco às nove
Estou tentando me comportar, mas estou me sentindo de um jeito
Que simplesmente não sou eu"

Fantasize, Ariana Grande (Cover Trinity)

JENNA WALDORF

— Você tem menos de um minuto para encontrar a saída de


emergência — eu falei para Serena, mas estava olhando para ele.
— Porque eu preciso sair daqui. — Quando não tive resposta virei
para ela e bati com as costas da mão em sua perna, fazendo-a pular
no sofá. — Tá me ouvindo? — Ela balançou a cabeça.
— Sim, é claro, eu tô ouvindo totalmente.
— E o que eu disse?
— Que aquele Deus grego conseguiu ficar ainda mais
gostoso! Porra, Jen, agora eu acredito totalmente na teoria de que
quando o homem sofre ele fica mais bonito. É claro que sim — ela
começou a divagar sozinha, encarando-o. — Eles entram na
academia, descontam a dor, a raiva e a solidão nos aparelhos.
Ficam malhados e enormes com aqueles braços fortes e o
abdômen... Jesus Cristo — ela se abana —, consegue imaginar
quantos quadradinhos tem naquela barriga?
— Serena! — gritei. — Ele não é um gostoso qualquer, ele é
o cara que eu estava há poucas horas morrendo de medo de
encontrar e ele está aqui.
— Ah, eu sei. — Ela dá risada olhando para mim como se eu
estivesse muito ferrada. — E ele tá além de tudo o que nós
imaginamos.
— Você é minha amiga ou inimiga? — Ela me encarou por
um momento e depois voltou a olhar para ele. — Serena, eu juro por
Deus que se você...
— Desculpa. — Ficando de pé, ela deu dois passos, mas
depois voltou e se sentou ao meu lado bem mais perto do que
estava. — Você tem duas opções e essa é a sua chance, ele tá no
bar e tá voltando com uma garrafa de água, não fala pra ele quem
você é, tipo literalmente finge ser qualquer outra pessoa menos
quem você é de verdade. A última vez que ele te viu você tinha 14
anos e você não se parece nada com aquela menina magrinha, os
cabelos longos que nunca ficavam penteados e as sobrancelhas
finas de tanto que arrancava pelos.
— Não fala da minha sobrancelha, era moda naquela época.
— Tá, o que eu tô querendo dizer é que você cresceu, agora
é uma mulher. Não seria bom descobrir o que essa mulher pode
fazer com esse homem? Eu vou sair daqui, digo que vou ao
banheiro e você vê o que acontece. Se sua consciência pesar mais
do que seu coração ou sei lá... a boceta — ela deu uma batida de
leve no topo da minha coxa —, você conta o seu nome. Se não,
aproveita só essa noite.
— É só uma noite? — Bufei. — Como é só uma noite se
amanhã ele vai saber quem eu sou?
— O amanhã é um problema para a Jenna do futuro, minha
amiga. O hoje é uma solução. E nós não temos o poder de voltar no
tempo, o que significa que o que ele fizer hoje tá feito e você vai ter
a lembrança pra sempre.
— E também vou ter um clima desagradável para lidar na
minha casa.
— Eu tenho um clima desagradável com metade da equipe
cirúrgica porque sou melhor que eles, mas isso não me impede de
ser a cardiologista mais procurada do hospital.
— Você acabou de fazer uma analogia que não faz o mínimo
sentido para essa situação.
— Amanhã diga para ele que estava bêbada, diga que não
se lembra. — Ela arregala os olhos como se fosse a melhor ideia do
mundo. — Perfeito! Diga para ele que estava bêbada!
— Só pode ser sacanagem, Serena...
— Peguei água para você. — Nós duas nos sobressaltamos
e Serena ficou de pé numa velocidade que até cambaleou.
— Com licença — ela disse pausadamente. — Eu preciso
fazer uma coisa no banheiro, não aquela coisa — ela franziu o
cenho —, uma outra coisa que não tem a ver com aquilo, eu preciso
sair, mas minha amiga está se recuperando daquele tombo, então
que bom que você trouxe água para ela.
Eu queria me enterrar em um buraco, porque se a minha
amiga segura de si, confiante e que nunca gaguejava estava
nervosa na frente desse homem, como é que ela esperava que eu
fosse conseguir enganá-lo sabendo o tipo de consequência que
poderia ter pela manhã?
— Você não pode ir — ele falou a ela. — Não pode me
deixar sozinha com...
— Tchau — ela o cortou e saiu a passos apressados para a
escada que levava à pista.
Ele abriu os braços olhando naquela direção e quando se
sentou na mesinha que servia para colocar bebidas na minha frente,
abriu a garrafa de água. Seus olhos... Deus... eu tinha esquecido
como seus olhos eram azuis, como eram intensos, como eram
lindos. Eu tinha me esquecido que aquele homem só precisava
respirar para mexer comigo.
— Eu não vou ficar cuidando de uma adolescente para a sua
amiguinha poder fazer a festa lá embaixo, você deveria sair com
alguém que seja sua amiga de verdade e vai cuidar de você se ficar
bêbada. Agora ela arruma um desconhecido pra te dar uma carona
para casa. Aí amanhã vocês fazem o quê? Vão postar fotinhos
juntas dizendo que a noite foi incrível? — Ele bufou. — Isso se ainda
não deixarem a conta no meu nome.
— Dinheiro não é problema para nós — eu falei suavemente,
e ele me entregou a garrafa já aberta, mas quando meus braços não
se moveram para pegá-la, ele a levou até minha boca.
— Abra. Se dinheiro não é problema você definitivamente
deveria arrumar amizades melhores ou ficar em casa. Se é que tem
idade para entrar aqui. — Eu cuspi a água em sua mão e em sua
perna e no meu próprio vestido quando engasguei, tossindo sem
parar.
— Me desculpe, me desculpe. — Eu me inclinei para a
mesinha, levando alguns guardanapos e passando em sua perna.
— Droga! As coisas não são assim, ela é uma boa amiga e ela não
está me jogando na sua mão. Não tô bêbada.
— Pare.
— Eu juro! Nós sempre fazemos isso.
— Pare com isso. — Ele tentou segurar minhas mãos, mas
eu continuei passando o guardanapo em sua coxa e quando minha
mão bateu em algo duro, fazendo-o se afastar para trás eu ergui os
olhos para ele em choque.
— Me desculpe. — Ele segurou meus pulsos, fechando os
olhos com força antes de pousar minhas mãos em minhas próprias
pernas.
— Eu vou chamar o gerente para lidar com você, não sou pai
de ninguém. — Ele se levantou, mas eu segurei seu pulso.
— Não, espera! Se você chamar o gerente, vão me colocar
para fora e eu ainda estou um pouco tonta.
Ele me observou por um momento. Nathaniel estava além de
lindo. A beleza do homem que eu era encantada antes se tornou
algo mais bruto. Ele ficou mais bruto. A forma como ele falava
comigo, como me olhava, ele não tinha mais aquele brilho nos olhos
e nem sorria. Nathaniel costumava sorrir o tempo todo. Ele brincava
demais, era a pessoa mais gentil dos recintos e agora falava comigo
— alguém que imaginava ser uma desconhecida — como se eu
fosse uma completa idiota, um peso atrapalhando seu caminho.
— Eu sou...
— Não me interessa quem você é. — Suspirando, ele tirou o
celular do bolso. — Me fale o número do seu pai, da sua mãe,
qualquer pessoa responsável.
Como é que é?
— Eu sou responsável por mim. — Ergui o queixo, de
repente irritada com seu comportamento. Eu sabia que ele tinha
passado pelo inferno, mas isso não justificava falar com uma mulher
daquele jeito. Eu fui além de educada com ele, e me desculpei
várias vezes. — Não preciso que você ligue pra ninguém, Nathaniel!
Foi tarde demais quando percebi que falei seu nome.
Imediatamente esperei que me reconhecesse, sabia que ia olhar
nos meus olhos e todas as lembranças voltariam. A menininha que
pertencia a Charles Waldorf.
Abri a boca para me explicar, para dizer que sentia muito
pelo que aconteceu com ele, mas antes que pudesse, ele segurou
meu braço.
— Por que não disse logo? — Puxando-me para sua frente,
ele segurou minha cintura de ambos os lados e andou comigo na
frente. Seu corpo praticamente me engolia, e eu sentia seu peito em
minhas costas. Ele tinha um cheiro diferente, cítrico, mentolado,
mas delicioso. Quando passamos por um grupo de pessoas, ele
levou a mão à minha barriga, fazendo calafrios arrepiarem minha
pele.
O que está acontecendo?
A força e o magnetismo do contato estava me deixando
tonta, e a tontura só aumentou quando ele abriu uma porta e me
encostou na parede. Eu rapidamente reconheci um dos camarotes
privados. Ele girou o trinco, nos isolando do mundo, e me cercou,
apoiando as mãos na parede.
Engoli em seco.
— O que...
— A agência não devia ter te mostrado minha foto, eu fui
muito claro sobre isso. E você é mais jovem do que eu pedi. Qual
sua idade?
Agência?
Quando demorei a responder, ele levou a mão grande à
fenda da minha saia e subiu devagar, provocando cada centímetro
da minha pele.
— Qual a sua idade? — questionou pausadamente. Ele tinha
lábios grossos, embora estivessem ligeiramente escondidos por
uma barba bem desenhada que não usava antes. Os olhos azuis
eram os mesmos, mas como ele parecia tão diferente?
— Vinte e um — sussurrei.
Eu tinha vinte, mas em breve vinte e um seria uma realidade.
— Eu gosto das minhas prostitutas bem treinadas, não sou
seu professor. Você tem cara de novinha, mas sabe foder?
Prostituta?
CARALHO!
Eu arregalei os olhos, meus punhos cerrando. Já não tinha
mais saliva para engolir, minha boca estava seca. Ele pensava que
eu era uma garota de programa? Não... mas... Nathaniel disse que
gostava das suas prostitutas. Isso significava que ele era um cliente
assíduo daquele serviço?
Ai, meu Deus. Isso era muito, muito pior do que a sugestão
de Serena.
Parte de mim estava magoada porque não me reconheceu.
Parte estava feliz porque seria uma bela vingança que a garotinha
que ele dizia que sempre amaria e protegeria conseguisse enganá-
lo porque ele não se lembrava dela.
— Sim — respondi num sopro de voz. — Eu sei foder.
— Qual o seu nome?
Abri a boca. Depois fechei. Meu nome?
Eu realmente queria seguir com isso? Transar com ele
sabendo quem éramos, mas o ouvindo chamar outro nome?
— Angel — falei sem pensar demais.
Seus olhos escureceram, e quando uma mão fechou em
minha cintura, ele me puxou para perto. A outra segurou meu
pescoço, firmando-me no lugar. Ele observava meu rosto com
cuidado, devagar, analisando.
— Angel — repetiu. — Combina com seu rostinho de
boneca, mas eu vou te foder como se fosse de plástico, nada
pessoal.
Ele me virou, e delicadamente encostou meu rosto na
parede, empurrando meu cabelo para o lado e liberando meu
pescoço para os lábios, onde deixou dois beijos.
— Posso foder sua boceta como se você fosse uma boneca,
Angel?
Apoiei-me na parede e firmei meus pés no chão, travando
meus joelhos.
Aquilo não estava certo. Eu devia pensar em papai, na minha
mãe e no que estava em jogo com aquela decisão. No entanto, não
conseguia pensar, não quando a Jenna adulta, estava vivendo,
rapidamente, pressionada e sem esperar, o que a Jen da pré-
adolescência sempre quis.
— Pode. — Suspirei.
— Tem certeza? — Ele abriu o cinto, e eu ouvi a fivela, o
zíper, ouvi tudo, mesmo com o ouvido encostado na parede,
engolindo as vibrações da música lá fora.
— Não foi esse serviço que você contratou? — questionei,
irritada, e fitei seus olhos. Não foi assim que eu imaginei, Nathaniel,
nunca foi assim.
Ele ficou me olhando sem se mover por um momento. Mas
apenas alguns segundos, porque em seguida, ele estava juntando o
tecido da minha saia ao redor da cintura, senti um solavanco
quando rasgou minha calcinha.
Seus dedos pressionaram meu pescoço para virar para a
frente. Ele respirou forte em minha nuca e ouvido. Todo o meu corpo
tremeu em antecipação. Já fiz sexo de todas as formas com Dylan,
mas Dylan não era nada como Nathaniel. Eu também não tinha
sentimentos gigantes e intensos por ele, como por esse homem.
Seu joelho separou minhas pernas, e ele pressionou atrás de
mim, seu corpo grande me empurrando contra a parede. Me
sobressaltei ao sentir o que só podia ser a cabeça do seu membro
ereto encostando em minha coxa. Meu peito subia e descia com
força, como a adolescente se realizando e entrando em pânico ao
mesmo tempo, e ele parecia impenetrável. Um homem prestes a
eliminar seu desejo em um corpo sem nome.
Eu queria ser beijada, tocada... queria conhecê-lo se
realmente fôssemos transar.
Contudo, ele se contentou em esfregar os dedos pela minha
abertura, levando a lubrificação que aumentava ao meu clitóris,
massageando-o antes de voltar a abertura. A ponta do pênis
cutucava a poupa da minha bunda, e eu resisti a vontade de levar a
mão entre nós e segurá-lo.
A sensação de seus dedos habilidosos em minha intimidade
era aterradora. Para sentir o prazer sem culpa, eu me obriguei a
empurrar todos os pensamentos para fora do camarote. Me obriguei
a não pensar demais quando ele segurou minha cintura, deu um
tapa ardido em minha nádega e se posicionou em minha entrada.
Grunhindo quando me invadiu.
Minha boceta se abriu para ele como uma flor
desabrochando, e talvez aquela fosse a descrição perfeita para o
que acontecia.
Ele estava realizando que eu sonhava mesmo antes de
saber como sexo funcionava.
E não fazia ideia de quem eu era.
A partir do momento que me penetrou, Nathaniel não
diminuiu os impulsos e a velocidade da penetração. Realmente me
fodeu enquanto eu gemia e me segurava como podia na parede e
no encosto do sofá ao lado. Olhei para o lado, observando-o no
espelho, e embora estivesse escuro, tive um vislumbre dele todo
reto, segurando minha cintura de ambos os lados e metendo com a
cabeça jogada para trás.
Ele tinha força nos braços, e eu nunca me senti tão
preenchida como naquele momento.
Lembre-se de mim...
— Empina essa bunda pra mim — grunhiu.
— Ai! Ah, Nathaniel! — gritei, gemendo e dando um murro na
parede. Seu pau era enorme, e quando ele me puxou para trás,
empinando minha bunda para ele e fazendo a penetração ficar
ainda mais profunda, eu consegui sentir tudo, me perdi em seu
toque, naqueles dedos se movendo em meu clitóris e a mão bruta
agarrando meu seio.
Ele não iria se lembrar.
Naquele momento, eu mesma quase esquecia da nossa real
situação.
Ali, eu não era a filha doente do melhor amigo dele. Ele não
era o viúvo que ficou anos afastado sofrendo sozinho.
Ali, eu era uma prostituta, e ele me tratou como se eu não
valesse um centavo que pagou para outra garota que não era eu.
Quando ele deslizou para fora de mim, jogou duzentos
dólares no sofá onde meu joelho estava apoiado.
— Essa é sua gorjeta. O pagamento ficou com a agência.
Eu me virei para falar com ele, para vê-lo, já que havia
sentido tudo dele em mim, até seu suor grudando em minha pele, e
não vi seus olhos em nenhum momento, mas ele já estava abrindo a
porta e saindo, fechando-a, enquanto me deixava sozinha antes que
eu pudesse pensar em uma única palavra para dizer.
Agora eu voltei a ser Jenna Waldorf.
E quando recolhi o dinheiro do sofá, me senti mais doente do
que o câncer um dia me deixou.
CAPÍTULO 5
"E esse é o problema dos casos ilícitos
E de encontros clandestinos e olhares roubados
Eles se revelam uma única vez
Mas eles mentem e mentem e mentem
Um milhão de pequenas vezes
E você quer gritar
Não me chame de criança, não me chame de amor
Olhe para esse maldito desastre em que você me transformou"

Taylor Swift, Illicit Affairs

JENNA WALDORF

Jesus Cristo.
Eu fui tão brutalmente — e bem fodida — que minha rotina
da manhã foi um eterno repeat da noite passada. Aqueles dez
minutos em questão.
Meus pais conseguiriam ver em meus olhos o que eu fiz?
Cogitei fingir que estava me sentindo mal e não descer para
o café, mas como faria isso se minha mãe estava animada
planejando a surpresa para Nathaniel? Era capaz de me buscar no
quarto. Eu nem sequer achava engraçado pensar na expressão dele
quando descobrisse que a garota para quem falou e fez coisas
absurdas na noite passada era eu, a filha do seu melhor amigo.
Você destruiu tudo, Jenna.
Houve uma batida à minha porta, e eu ajeitei o laço branco
no meu cabelo, que combinava com o vestido rosa quadriculado.
Coloquei um salto para parecer um pouco maior, já que ontem a
altura dele me engolia. Talvez vestida assim, com cara de quinze e
não vinte, ele não percebesse que era eu. Talvez eu estivesse
pirando à toa e ele nem iria me reconhecer.
— Filha! — Minha mãe bateu à porta outra vez. — Está
pronta? A surpresa é para o tio Nathaniel, não pra você — riu —,
precisa estar lá embaixo quando ele chegar!
Eu abri a porta, deixando-a entrar.
— Ele não é meu tio, mãe.
— É claro que é. Ele só não foi seu padrinho porque nós não
te batizamos, mas ele é o melhor amigo do seu pai. Não se lembra
quantas vezes vocês dois faziam aquela cara de cachorro pidão que
fazia seu pai ceder a tudo o que você queria? As noites comendo
chocolate M&M até tarde? E as dancinhas?
Meu Deus.
Meu pai nunca vai me perdoar.
— Acha que eu me pareço com a Jenna criança?
Mamãe riu.
— Que pergunta é essa, anjinha? Você é a mesma de
sempre, mas agora usa salto e minissaia. Você amadureceu, filha,
mas continua nossa princesa. Lembra do tio Nathaniel te chamando
de anjo? Será que ele vai lembrar?
— Não tenho mais doze anos, mãe. Realmente espero que
ele não lembre de nada.
Literalmente.
— Esse vestido não está muito curto? — Ela puxou a barra
para baixo.
— Mamãe! — Bati em sua mão, sorrindo. — Ele não tá vindo
aqui pra ver a minha evolução. Eu só vou ficar cinco minutos e
tenho que sair.
— Por quê? — Ela colocou as mãos na cintura, horrorizada.
E balançou a cabeça daquele jeito de quem não ia ceder. — Seu pai
e eu estamos preparando essa surpresa desde que soubemos que
ele ia voltar. Já faz sete anos, Jen!
— Pois é, sete anos e ele não liga se eu estarei aqui ou não.
E se ver papai e eu juntos fazê-lo lembrar do que perdeu?
Seus olhos marejaram. Até eu me senti um pouco azeda
pelo que disse.
— Você sempre foi um sonho para seu pai, e seu tio...
— Ele não é meu tio.
— Seu tio — repetiu, enfática. — Não vai se amargurar
disso. Eles são amigos, Jen, não competidores. Não estão
analisando qual vida deu mais certo. Você não tem escolha, filha, se
o seu compromisso é com a Serena, mande-a vir pra cá.
Ela saiu do meu quarto deixando-me com mil pedidos de
desculpas na ponta da língua e uma vontade louca de simplesmente
desfazer a noite passada e desaparecer.
Quando eu vi um carro familiar parando na garagem da
nossa casa, me senti aquela criança que ficava observando cada
passo dele outra vez. Esperando para ver como ia me dar oi, se ia
me dar um abraço e brincar comigo, ou simplesmente me tratar
como um bebezinho, apertando a ponta do nariz e puxando minhas
tranças. Ele sempre foi de “e os namoradinhos” para “seu primeiro
namorado vai levar uma surra pra ver se aguenta o tranco da
família, aí a gente vai ver se ele pode continuar”. Eu nunca devia ter
visto aquilo como algo fofo e romântico de sua parte, mas via. Era
inevitável quando tudo o que eu pensava quando olhava para ele
eram corações e uma casa com nossas iniciais na caixa de correio.
— Jen! — mamãe gritou.
Eu queria gritar de volta que estava descendo, mas minhas
pernas não obedeciam ao comando de sair do quarto, e minha boca
não abria.
Eu fechei a cortina e me afastei da janela antes que ele
aparecesse. Eu não queria vê-lo outra vez, não podia. Não sabia
como lidar com o fato de que aquele homem — o que tinha me
encostado em uma parede e me fodido como se eu fosse uma puta
— era o mesmo que fazia meu coração bater irracionalmente.
— Não posso — decretei.
No mesmo momento, sentei na cama e tirei meus saltos,
correndo para pegar um par de tênis no closet. Saí do quarto
devagar, descendo a escada pelo canto para ninguém me ver. Eu
parei por alguns segundos para ouvi-lo cumprimentar meu pai, e
quando as risadas deles se misturaram, a culpa que senti deixou
muito claro que eu não iria conseguir passar por aquele dia sem me
entregar.
E se eu fosse a culpada pelo fim da amizade entre ele e
meus pais, eu não me perdoaria.
Nathaniel já tinha perdido tudo, não era justo que perdesse
papai também.
Fechando os olhos, eu conseguia sentir o leve incômodo do
sexo. Suspirei. Merda. Eu corri para a sala de estar quando eles
foram para a cozinha.
— Onde essa menina está? — mamãe questionou. — Claire!
Vá lá em cima e diga a Jen que se ela não descer, eu vou subir e
mostrar todos os pijamas de bichinho que ela insiste em guardar.
Eu não ouvi Nathaniel rindo junto com mamãe e meu pai.
Escondi-me na parede com espelhos do corredor. Quando os
pés de Claire subiram a escada, eu corri para tirar os dois porta-
retratos de cima da lareira, e uma da nossa família, e escondi entre
a lenha, sabendo que minha mãe não acenderia, já que a lareira
servia só como decoração.
Nossa casa era nova, por isso, os quadros que tínhamos da
família ainda não foram pendurados.
Prendendo o meu cabelo eu um coque, pulei a janela. Só
tinha meu celular no bolso e nele, um único cartão registrado. Eu
teria que encontrar uma boa desculpa para os meus pais depois,
mas não podia ficar ali. Simplesmente não dava. Eu sabia que
minha mãe iria entender se eu pudesse explicar a ela, mas era
óbvio que nunca iria acontecer.
Acenei para um táxi na portaria do condomínio. Me sentia
uma criminosa, mas era melhor isso do que passar a tarde sentindo
aquela culpa esmagadora. Precisava chegar à casa de Serena, ou
até mesmo em um dos quartos do hospital, mas bem, bem longe de
Nathaniel Sullivan.
CAPÍTULO 6
"Se eu te seguir até o rio
Enviar minha tristeza para o mar
Você ficará comigo para sempre?
Você me perseguirá nos meus sonhos?
Se eu jogar tudo no rio e deixar o ritmo liderar
Ele ficará com você sempre que você me deixar?"

Daisy Jones And The Six, The River

NATHANIEL SULLIVAN

Maldito momento que aceitei o convite. Maldito dia que


resolvi voltar. Maldição de vida!
Se eu pensei, por um segundo, que visitar meu amigo mais
antigo seria uma boa ideia, estava enganado. Me arrependi assim
que estacionei o carro — que ainda era o mesmo de outras épocas,
e passou anos sob o cuidado de um amigo que o levava para
passeios na minha ausência.
A casa recém-construída, elegante e no estilo moderno e
tradicional me fez dar um solavanco para trás. Eu sabia que iria
sentir na pele as emoções mais egoístas quando chegasse, no
entanto, tudo me atingiu num nível muito maior.
Isso é o que eu devia ter hoje.
No jardim dos fundos, que eu podia ver uma piscina de
relance, eu montaria uma casa na árvore, onde Beca brincaria e me
faria passar vergonhas inexplicáveis — vestindo-me de menina, com
maquiagem e laços no cabelo, e me faria tomar chá da tarde com
seus ursos e bonecas.
Todos os meus vizinhos seriam espertos o bastante para não
reclamar de seus gritinhos e risos de felicidade.
Perceber que eu invejava meu melhor amigo me deixava
ainda mais desesperado para ir embora, mas quando a porta da
frente abriu e o sorriso de Charles me cumprimentou, eu sabia que
não podia fazer isso. Desistir deles mais uma vez como nunca
fizeram comigo.
— Nathaniel! — Ele riu, aproximando-se e me abraçando.
— Quanto tempo, meu amigo!
Permiti-me abraçá-lo de volta e sentir o calor de algo
familiar, um ambiente que eu já conhecia. Embora a casa deles
fosse nova — um projeto que Violet levou dois anos para idealizar
antes de começar a construção —, eu já sentia que estive ali antes,
porque essa era a verdade. A família Waldorf tinha o dom de
transformar qualquer lugar em um lar.
E de repente, percebi que para eles não parecia que eu
fiquei fora por sete anos. Tudo estava igual. Eu ainda era eu.
— Meu amigo querido. — Violet me abraçou. Suas mãos
leves esfregando minhas costas lentamente, como se acariciasse
um gato arisco. Como se sondasse as possibilidades de eu colapsar
e correr para me esconder outra vez.
Embora eu me orgulhasse da minha postura inabalável e
fosse conhecido por nunca mostrar vulnerabilidade, me peguei
envergonhado na frente dos dois. Quando Lilly e Rebeca se foram,
aquele casal tinha me impedido de cometer alguma besteira com
minha própria vida, e eu devia a eles para sempre por isso.
— Vivi — falei. O caroço na garganta dificultava, mas me
obriguei a erguer o queixo e falar em alto e bom som.
Depois de anos enfrentando batalhas no exército, salvando
vidas de soldados diariamente e colocando a minha própria em
risco, eu recusei o posto de chefe e voltei para a casa que já não
parecia mais um lar. Mas aqui estava Violet, me olhando como se
lesse e entendesse cada pensamento meu.
— Eu sabia que uma hora ou outra o teríamos de volta,
Nathaniel.
Ela deu um passo atrás, e o marido me alcançou outra vez.
— Demorou, mas sabe como é, amigo, as coisas
acontecem quando tem que acontecer. Vamos entrar, você tem que
ver a área da churrasqueira e grelha.
— Amor. — Violet revirou os olhos. — Ele tem que ver a
sobrinha!
Abri um sorriso ao pensar em Jenna, a garotinha que
usava aparelho, o cabelinho curto com uma franja tortinha e roupas
vários números menores por sempre ter sido muito pequena e
magrinha, devia estar uma jovem parecida com a mãe.
— Ela já entrou na faculdade? — questionei mais para
provocar Charles do que tudo. Desde a infância da menina eu sabia
que ela não seria médica, se resolvesse seguir a carreira eu ficaria
surpreso.
Como esperado, ele fechou a cara.
— Não me faça te chutar pra fora daqui da porta mesmo.
Dei risada, e Violet me acompanhou.
— Ele está se acostumando à ideia de que nossa menina
quer explorar outros horizontes. Jen! — gritou escada acima. — Faz
muito tempo, ela vai ficar tímida perto de você.
Charles me deu um tapa nas costas.
— E esse shape? Só o exército fez isso ou você virou um
desses caras que dorme e acorda na academia?
Meu primeiro impulso foi dizer que a dor de ter um pedaço
arrancado de mim me tirava o sono, e eu encontrava outras formas
de descontar a frustração. Como exercícios que deixavam meu
corpo exausto e sexo sem compromisso. Porém, meu amigo com a
vida perfeita não entenderia o peso disso. Provavelmente se sentiria
culpado pela piada. Charles estava tentando fazer com que tudo
parecesse normal, como antigamente, mas mesmo apreciando sua
dedicação, nada era igual. Não sem Lilly, sua risada, as implicâncias
com carne e minha mão sempre ocupada em sua perna.
— Você morreria para ter meu abdômen, filho da puta —
tentei brincar, mesmo com o buraco em meu estômago.
Deus do céu. Nunca desejei tanto estar de volta no meio da
guerra, salvando homens com buracos na cabeça e tampando
enxurradas de sangue com band-aid.
— Que nada. — Meu amigo bufou. — Violet ama isso aqui.
— Ele deu um tapa na barriga avantajada.
Charles não envelheceu mal. Na verdade, além da cabeça
quase completamente grisalha aos quarenta, ele só tinha uma
barriga levemente inchada, mas manteve o físico com as corridas
matinais diárias.
— Amo mesmo — a loira garantiu. — Claire — chamou
quando a governanta passou pela cozinha no corredor. — Peça
para Jenna descer, por favor.
— Ela não está no quarto, senhora, acabei de descer de lá.
— Mas eu acabei de falar com ela.
— Vou conferir mais uma vez.
— Não, eu vou, tudo bem. — Virando-se para o marido, ela
apontou. — Pare de ficar provocando seu amigo — então apontou
para mim —, deixe a barriguinha do meu homem em paz, eu amo
esse porte ursão.
Foi impossível não rir, e Charles me acompanhou, mas a
observava com uma expressão tão amorosa que minha vontade era
sumir, não só para deixá-los sozinhos, mas porque a cada minuto
percebia que não estava pronto para lidar com isso. Não desse jeito.
O amor, a cumplicidade entre eles, a parceria, isso era algo
que eu tinha todos os dias e agora ficou apenas na memória. Como
alguém lidava com isso?
— Venha — Charles me chamou quando ela saiu. —
Vamos tomar uma bebida no bar. Você ainda bebe?
Hesitei. Quando Lilly e Rebeca se foram, usei a bebida
como fuga durante meses e agora me controlava para não ter uma
recaída, porque não sabia se conseguiria me recuperar uma
segunda vez. Tomava no máximo uma cerveja quando estava com
amigos, mas não tinha garrafas em casa, e quando a dor ficava forte
demais, eu precisava afogar os impulsos de não correr até um
mercado e encher o carrinho de veneno.
Eu sabia que devia dizer ao meu melhor amigo que preferia
ficar apenas na água, bebida alcoólica há muito tempo tinha se
tornado um suco para mim, e eu não podia deixar Charles ver o
quão feio me tornei enquanto estava fora.
— Uma cerveja está bom — disse, sentindo meu coração
disparar ao aceitar e vê-lo abrir uma garrafa trincada em minha
frente.
— Como nos velhos tempos. — Sorriu e nos levou para
fora, no jardim novo que parecia inacabado. — Vamos lá, me conte
tudo. Temos anos de lacunas pra preencher.
Esse é o momento.
Quando decidi voltar para os Estados Unidos, e
principalmente, para Seattle, estava certo de que ia recomeçar.
Perceber que tinha me escondido por sete anos não foi fácil,
sobretudo, quando fiquei sóbrio e olhei ao meu redor, perguntando-
me qual foi a última vez que dei risada, que falei com um amigo.
Perceber que meus amigos estavam longe, e que seus filhos já
deviam estar grandes e eu não estive perto para ser o tio como
tínhamos prometido uns aos outros.
Além de ter sido um péssimo marido, também estava
sendo um amigo de merda.
— O que quer saber?
— Tudo — sorriu —, por onde você andou, quais foram as
aventuras. Eu sei que esteve no exército, mas passou sete anos lá?
— Não, parte desse tempo passei vagando por aí. Não
tinha certeza de qual era meu lugar no mundo quando tudo
aconteceu e precisei de um tempo para tentar descobrir. — Suspirei.
— Vou te contar tudo, irmão.
— E nós temos tempo? — Charles perguntou sem
julgamento, mas com certa tristeza na voz.
Eu o fitei nos olhos e segurei seu ombro.
— Temos muito tempo, Charles, eu vim pra ficar. Não é só
uma visita.
Ele suspirou, desviando o olhar. Disfarçou a emoção do
alívio, mas só ali eu percebi que sua ausência bateu tanto em mim,
quanto a minha bateu nele.
— Ok. — Violet aliviou o momento saindo pela porta para
nos encontrar. — Ela saiu escondida. Esse é o preço de ter filhos
adolescentes.
Charles deu risada, e Violet me olhou conferindo minha
reação ao falar de Jenna. Eu não me importava, afinal, aquela
garotinha era especial. Lilly amou tanto a filha deles e planejava que
ela e Beca se tornassem amigas, mesmo com a diferença de idade.
— Saiu por onde? — Charles questionou.
— Deve ter pulado a janela.
Eu franzi o cenho, mas achei graça.
— Por que ela fez isso?
— Acho que ficou envergonhada de te ver de novo.
Minhas sobrancelhas saltaram, surpreso. A garotinha
sempre gostou de mim quando eu a visitava.
— Por quê?
Violet sorriu, e se sentou no colo do marido.
— Bem... — falou lentamente — toda garota experimenta
uma paixão por alguém mais velho quando é criança. Geralmente
quando admira muito, quando essa pessoa é querida ou muito
bonita. Eu tive uma paixãozinha pelo meu tio e meu professor de
história, e é claro que nada aconteceu. Mas o coração acelera
quando vê a pessoa, são as primeiras borboletas no estômago.
Estreitei os olhos.
— Não estou entendendo.
Charles quase cuspiu a cerveja.
— Violet?
— Você foi a primeira borboleta no estômago da Jenna.
Não era só o tio Nate, mas o príncipe dos contos de fada dela.
Eu quase pulei do sofá. Ela deu risada, e Charles, de boca
aberta a acompanhou.
— Puta merda, como eu nunca soube disso?
— Porque não é algo que as meninas contam para o pai.
Então fique de boquinha fechada, porque você nunca soube disso.
— Eu soube agora.
— Não soube não. — Ela lhe deu um tapinha no peito.
— Porra — resmunguei, recostando-me e tomando mais
dois goles da cerveja. — Me sinto velho e errado pra caralho.
— Não sinta. A maioria das meninas começam a sonhar
com casamento entre onze e quinze anos, mas hoje em dia Jenna
vai te ver como um tio velho que não chega perto dos rapazes que
caem aos pés dela.
— E tem muitos desses — Charles resmungou de má
vontade.
Ainda perplexo, eu balancei a cabeça.
— Ela é namoradeira?
— Não — meu amigo respondeu, ríspido —, mas ficou
bonita como a mãe, meu maior castigo. — Dei risada, erguendo
meu copo em sua direção. Ele continuou: — Entramos no hall dos
espectadores, nenhuma ação acontece com a gente, mas agora que
voltou vai me ajudar a cuidar da minha filha, porque Jenna se tornou
uma menina linda e muito especial, ela merece um namorado à sua
altura e isso vai ser difícil de encontrar. Não há palavras pra
expressar como a minha filha evoluiu, irmão. Ela é inteligente, linda,
e tem uma personalidade tão alegre.
— Eu imagino — declarei, sorrindo de canto.
Eles começaram a discutir qual drink Violet ia tomar, e para
me distrair da cena e não começar a chorar e quebrar móveis e
decorações como um imbecil amargurado, eu olhei para dentro do
copo de cerveja e pensei no meu amigo dizendo que nossa época já
passou e nenhuma ação acontecia conosco.
Merda. Se eu dissesse a ele o que fiz na noite passada
com aquela garota que devia ter menos da metade da minha idade,
meu amigo não me veria com bons olhos a ponto de me considerar
digno de cuidar de sua filha.
Eu adorava Jenna, tinha certeza de que realmente se tornou
especial, e claro que agora que estava presente ia cuidar dela. Não
como cuidei da pequena garota de programa da boate, mas como
um tio e como um pai que não teve a chance de cuidar de sua filha.
Sim, eu definitivamente iria cuidar de Jen.
CAPÍTULO 7
"Você perderá se escolher
Negar colocá-la em primeiro lugar
Ela vai
E ela pode
Encontrar um homem que saiba o valor dela"

Alicia Kews, A Woman's Worth

JENNA WALDORF

Invadi o apartamento de Serena usando a minha chave. Não


me lembrava quando foi a última vez que bati à porta, toquei a
campainha ou avisei que estava chegando. Desde que nos
tornamos amigas, e ela me deu uma chave dizendo que podia ser o
meu lugar seguro também, eu levei a sério e gostava de me
esconder lá de vez em quando.
Mas assim que empurrei a porta, gritei, vendo um homem
que conhecia muito bem saindo de trás da minha amiga. Ele cobriu
o pênis — que eu já vi contra a minha vontade nos nudes que
Serena me mandava para explicar por que voltava com ele — com
uma almofada.
Serena arregalou os olhos, assustada.
— Que susto, porra!
Ela revirou os olhos, sem se preocupar em cobrir a nudez.
Estava meio sem ar, e ele se escondia atrás do sofá, me fitando
como se eu fosse a maior empata foda do mundo.
Eu fechei a porta.
— Pensei que vocês tinham terminado. De novo.
Estreitei os olhos para ele.
— Voltamos — ele rosnou.
Olhei para ela, suspirando. Minha melhor amiga era
inteligente, rica e linda de um jeito que podia fazer um homem
perder o juízo e o senso do que significava término e recomeço,
como Ian, um bilionário da bolsa que se humilhava escondendo-se
atrás do sofá.
— Caralho, anos se passam e vocês não aprendem o
significado de privacidade — disse ele.
— Anos se passam e você não aprende o significado de
“fode ou sai de cima” — rebati. — Não vou atrapalhar mais, só
preciso do seu quarto.
Ela olhou para ele e depois para mim, mas não como se
precisasse pensar no que fazer, e sim, mandando um sinal para o
ex-noivo que a sessão de sexo sem compromisso, ou sexo de
reconciliação estava acabada. Ela me seguiu para o quarto, sem
esconder o peito lindo, a bunda ou a intimidade.
Quando entramos em sua suíte, questionei:
— Que tipo de depilação é essa?
O pequeno triângulo loiro entre suas pernas era novo. Ela
entrou no closet nua e voltou vestida num robe lilás, fechando a
porta do quarto, mas voltou atrás e colocou a cabeça para fora.
— Ian! — gritou. — Traz duas taças e um vinho. Eu
consegui ouvi-lo gritar e resmungar sobre não ser nosso empregado
mesmo quando ela fechou a porta e se jogou na cama. — O novo
salão que estou frequentando me indicou, a esteticista disse que
está fazendo sucesso.
— E fez? — Balancei as sobrancelhas em direção à porta.
Ela deu risada.
— Ele ama tudo o que eu faço, meu noivo não é
parâmetro.
— Ex-noivo.
— Claro — encolheu os ombros —, ex-noivo.
— Amiga... — falei lentamente.
Ela suspirou, encarando o teto antes de ficar de pé,
andando pelo quarto.
— Ok! Eu ia te contar de outro jeito, mas na noite passada
ele me pediu pra ir pra cobertura dele ou ele vir pra cá fazermos um
teste.
— E esse será o que... o sétimo teste?
Colocando as mãos na cintura, ela estreitou os olhos.
— O que você veio fazer aqui, senhorita julgamento? Não é
o seu dia de encontrar o gostosão? Inclusive, suas mensagens de
texto estavam uma bagunça, ainda tenho dúvidas sobre o que
aconteceu.
Recostei-me na cabeceira.
— Ele voltou há um dia e eu já sei duas coisas sobre ele. O
homem que está na casa dos meus pais agora é alguém totalmente
diferente do que eu conhecia. Ele não era bruto e grosseiro daquele
jeito, na verdade, Nathaniel e papai sempre se deram bem porque
meu pai via algo especial nele, e eu também via quando mais nova,
só que desde ontem me pergunto se foi loucura da minha cabeça.
— Você acha que foi?
— Sei lá. Talvez. Eu não tenho muitos detalhes sobre o
sexo, afinal de contas foi muito rápido.
— Como assim, ele gozou rápido?
— Não... ele basicamente me colocou na parede de costas
e disse que ia me usar como se eu fosse uma boneca.
Seu queixo caiu.
— Tá brincando? Mas... você gosta de sexo bruto, tá
acostumada com isso.
— Não, Serena... Não era assim. Ele pensou que eu era
uma prostituta. Ele sai com prostitutas, parece ser algo frequente.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, pensativa.
— Isso é comum.
— O quê? Pra quem?!
Sentando-se na beira da cama, ela encolheu os ombros.
— Pessoas que já perderam alguém importante costumam
não querer se envolver com ninguém, mas descontam suas
frustrações em sexo. Já vi acontecer com meus pacientes, acredite
em mim, eles falam demais pós-cirurgia sob o efeito da anestesia.
Na maioria das vezes se escondem em relações sexuais com
amizades coloridas, garotas de programa e outros traumatizados. E
no primeiro sinal de que o bichinho do amor ou da paixão vai picar
alguém, eles vão embora. Ele perdeu a mulher e a filha, deve estar
na fase de comer prostitutas porque não quer se envolver com
alguém.
— Então seu conselho foi uma merda, porque além de
pensar que sou puta, ele vai saber que me comeu como uma
qualquer sem importância.
— E daí? Ele buscava justamente esse tipo de sexo.
— As coisas não são assim, amiga! Não preciso nem
pensar demais pra saber que estraguei a relação dele com meu pai.
Como é que vou me esconder até ele voltar para o buraco de onde
veio?
No mesmo momento, Ian, o ex-atual abriu a porta e deixou
um balde com vinho branco e duas taças na cama.
— A próxima vez que Serena quiser gozar eu vou mandá-
la ligar pra você.
Forcei um sorriso.
— E a próxima vez que ela pensar sobre se casar com
você, eu vou aconselhá-la a entrar para o médicos sem fronteiras e
tirar férias de você.
Ele fitou Serena.
— Eu não gosto da sua amiga.
Ele saiu batendo a porta, e Serena me fitou com um
sorrisinho sacana.
— Sem lição de moral, eu sei que estou errada.
— Quando foi a última vez que a gente deu lição de moral
uma na outra? E talvez esse seja o nosso problema. A gente se
deixa fazer o que quer, você não me impede e eu não te impeço de
nada!
— Eu te impeço de usar drogas e postar fotos nua na
internet.
Dei risada.
— Tá! Mas você devia me dizer pra ser uma boa garota,
que ao invés de ficar transando por aí, e principalmente fingir que
sou uma prostituta para o melhor amigo do meu pai vinte anos mais
velho, eu devia dar um jeito na minha vida!
— Eu te digo isso. — Ela serviu as taças. — Digo, mas
você não escuta. Isso é culpa minha?
— Talvez sejamos amigas de merda — refleti, sentando na
cama e aceitando minha taça.
— Não somos. — Ela me abraçou de lado. — Só não
somos chatas que querem ficar ditando como a outra deve viver.
Vamos estar aqui independentemente do que acontecer, não
deixamos a outra ir para cabanas no meio do nada com caras gatos,
não deixamos a outra aceitar bebidas de estranhos e você me diz a
verdade sobre meu ex-atual! Sabemos o principal, Jen, que estamos
aqui.
Deitei a cabeça em seu ombro.
— Não tenho ideia do que fazer agora. Não posso me
esconder até ele ir embora, e sei que uma hora meus pais vão
mostrar uma foto minha.
— Talvez ele não te reconheça. Estava de noite e ele não
estava preocupado com sua aparência, só procurava um buraco
para se enfiar.
Eu ainda me lembrava da sensação de suas mãos em meu
corpo, o toque possessivo e os rosnados em meu ouvido.
Entretanto, parecia um borrão e parecia que eu via a cena de longe,
não que era eu lá. Eu não a queria se preocupando comigo, mas
talvez isso me chateasse ainda mais do que me revelar e ser
rejeitada por ele. Não que eu quisesse que ele fosse ao meu pai,
dissesse o que fizemos e me pedisse em casamento, claro que não.
Contudo, eu sabia que mesmo com todos os problemas
que viriam se ele percebesse na hora que eu era a garota de
programa, não ser reconhecida mais uma vez doeria ainda mais do
que da primeira na noite passada.
Porque me mostraria que eu não signifiquei nada nem no
passado e nem agora para ele.
CAPÍTULO 8
"Tão jovem, cansado de correr até o limite do desejo
Controlo minha respiração, gritando silenciosamente
Eu preciso te ter agora"

John Mayer, Edge Of Desire

NATHANIEL SULLIVAN

Eu gozei no preservativo e imediatamente saí de dentro da


camareira. Estava completamente vestido, assim como ela, que
tinha apenas a saia do uniforme empurrada para cima e a calcinha
de lado. Aceitei seu sorriso como um convite quando apareceu
quinze minutos atrás, e quando balancei algumas notas, ela não
hesitou em olhar para os lados, agarrar o dinheiro e entrar. Não
precisei dizer nada, pois ela parecia ser experiente em cuidar tanto
dos hóspedes quanto dos quartos.
A garota devia estar na casa dos vinte, com cabelos ruivos
amarrados no alto da cabeça, seios pequenos e uma boca suja, que
gritava do jeito que costumava me excitar na hora do sexo. O quarto
todo em tons creme e cinza começou a me sufocar, e fiquei
desesperado para que ela recolhesse suas notas da cama
desarrumada e saísse de uma vez. Eu nunca mais a veria, mas iria
contar como um passo para minha recuperação. Não foi isso que a
porra do analista disse quando eu contei que só fazia sexo quando
comprava mulheres e elas não significavam mais nada para mim?
O idiota disse que de uma forma ou de outra, eu estava
aceitando os desejos do meu corpo e não virei celibatário, o que
significava que eu entendia que estava aqui e precisava viver. Ele
continuaria dizendo a mesma merda se me visse fechando a calça,
pegando minha maleta e deixando o quarto do hotel sem dar um
único olhar a mulher que tentava se recompor?
— Se precisar de companhia em qualquer outro momento,
doutor... — ela disse numa voz açucarada, mas antes que se
aproximasse mais, ou tentasse me tocar, eu a interrompi sem parar
meu caminho para a saída:
— Pegue seu dinheiro e saia. Mande outra camareira da
próxima vez.
Porque eu provavelmente precisaria de sexo mais tarde, e
jamais repetia uma mulher. Isso é evolução? Humilhar alguém por
que não conseguia encarar minha vergonha e olhá-la nos olhos?

Quando cheguei ao imponente Seattle Saint Glory Hospital


precisei de um momento para digerir o esplendor do prédio. Parado
a um metro da porta de vidro de entrada, eu observei as pessoas
entrando e saindo; médicos, enfermeiras e pacientes. Há
exatamente um dia tinha aceitado a proposta de Charles, e
concordei em me tornar chefe da cirurgia geral. Uma equipe que
valia milhões estava nas minhas mãos, e quando eu olhava para
baixo encarando-as, não conseguia ver em que ponto mereci isso.
Sabia que Charles tentaria me animar quando decidi voltar,
sabia que ia tentar me encaminhar para algum hospital ou uma
clínica, mas nunca pensei que confiaria de imediato um dos maiores
prestígios do hospital.
Ocupando o cargo eu só responderia a ele, e ainda assim,
minha posição era influente o suficiente para que eu não o visse
como chefe, e sim colega de trabalho. Ele não ditaria o sim e não
nas minhas cirurgias, não teria controle sobre minhas decisões, e
principalmente, deixei claro que nossa relação pessoal ficava da
porta do hospital para fora se eventualmente entrássemos em
conflito.
Respirando profundamente, obriguei meus pés a
continuarem a caminhada, dirigindo-me ao corredor de elevadores.
O hospital era o maior de Seattle, centro de traumas, referência em
especialistas. E se soubessem que eu não entrava em uma sala
limpa, esterilizada e com cirurgias planejadas há anos?
E se soubessem que passei os últimos anos costurando
pele em meio à guerra, desviando de balas e tratando traumas
variados como se fossem um corte profundo, com apenas band-aid
à vista?
Talvez isso tenha me preparado ainda mais para o
trabalho. Talvez tenha me tornado um perfeito incompetente.
Ao avistar cada placa da sala dos atendentes, parei na
porta vendo que algo acontecia lá dentro. Os sofás azuis estavam
ocupados por ternos, e enquanto uma mulher jovem, alta e loira
estava sentada, um outro rapaz de camisa social fechava sua
sandália. A cafeteira apitou, e um terceiro pegou o café fresco,
fazendo-os se aproximarem e agarrarem a primeira caneca que
vissem pela frente.
— Eu preciso disso! — um loiro baixinho, vestido de terno
cinza falou mais alto.
— Você precisa? Eu acabei de sair de uma cirurgia que
levou nove horas, essa garrafa inteira é minha — o médico negro,
de camisa social que fechava a sandália da loira rebateu.
— Garotos — ela ergueu a mão livre —, eu não vou
encarar essa festa sem pelo menos meia caneca. Parem de brigar e
passem pra cá.
— Esse é o único café que presta no hospital, doutora
Smith — um moreno garantiu vindo do banheiro, ajeitando o cinto.
— Vou ficar com o bule inteiro, porque ganhei o direito quando fodi
todos vocês na pontuação semestral de resultados.
A loira bufou.
— Você é o substituto do substituto, Reinz, qualquer
pontuação naquele departamento não foi graças a você.
— Que porra é essa? — falei, atraindo a atenção de todos
para mim. Pousei minha maleta no segundo sofá. — Na minha
época brigávamos por cirurgias, hoje vocês brigam por café?
Houve um silêncio momentâneo enquanto os quatro me
encaravam. E de repente, as reações começaram.
— Puta merda — o loiro praguejou —, é o...
— Nathaniel Sullivan — disse a morena, fitando-me
atentamente, mas sem surpresa, euforia ou empolgação. Apenas...
com conhecimento. — A lenda do corpo humano.
— Prefiro não ser mais chamado assim — falei, enquanto
desamassava meu terno da dobra do braço e o vestia.
— Doutor — o moreno se aproximou estendendo a mão —,
sou Victor Reinz. É uma honra e um privilégio...
— Ortopedia? — questionei.
— Sim — respondeu com olhos arregalados.
Acenei, dei um aperto rápido em sua mão e me virei para o
loiro baixinho.
— Pediatria?
— Nossa... Sim. É uma honra. Gianni...
— Vocês não são atendentes — afirmei. Nenhum
atendente se permitia demonstrar tamanha admiração por outro,
principalmente se fosse especialista. Gostávamos de olhar com o
queixo erguido, como se as conquistas dos outros não valessem
nada perto das nossas. O único que já arrancou de mim aqueles
olhos brilhantes de respeito foi Charles.
— Apenas eu — disse a loira de olhar firme. — Serena
Smith.
— Bem jovem. — Inclinei a cabeça de lado, observando-a.
Ela me esticou a mão.
— Chefe da cardiologia.
Uau. Eu estava impressionado. Ela era muito jovem, e eu
me impedi de olhá-la uma segunda vez. Não gostava de me
envolver com mulheres no trabalho, mas não podia mentir que já
tinha acontecido no exército, no meio do nada e quando a solidão
batia forte demais, mas lá tudo era muito bem combinado. Alguém
que eu trabalharia diariamente não seria uma boa escolha para uma
rapidinha em alguma sala vazia pelos corredores.
— Onde a festa está acontecendo? — questionei.
— No segundo andar — disse ela. — Reinz vai te
acompanhar e mostrar um pouco do hospital no caminho. Seja bem-
vindo, doutor.
Dei um aceno, peguei minha maleta e virei as costas.
— Há armários livres, mas tenho certeza de que o senhor
já tem seu consultório, eu posso levá-lo até lá... — o tal Reinz falou
da saída da sala, até o elevador. Ele era insanamente empolgado, e
eu não tinha humor para isso.
— Doutor Reinz, vamos manter o silêncio. Ao contrário do
que sua colega de trabalho pensa, eu não preciso de ajuda para
conhecer o hospital. Pode seguir seu caminho.
Eu tinha que ir até ao consultório de Charles, antes de
encarar uma festa onde apertos de mão e o tópico cirurgia seria
obrigatório a noite toda.

— Ele veio! — Charles se levantou da cadeira com um


grande sorriso no rosto ao me ver entrar.
— Vim ver se vale a pena salvar seu hospital.
Ele riu, e bateu em minhas costas.
— Eu é que vou te salvar apostando milhões nessas mãos
enferrujadas. — Riu. — Quanto tempo faz que não segura
instrumentos altamente tecnológicos?
Deixei a maleta ao lado de sua cômoda e me sentei,
sorrindo fechado. Eu tinha contado um pouco sobre as coisas
bizarras que fazíamos em campo para salvar soldados da morte
certa, e fiquei aliviado quando ele e Violet tinham escutado com
leveza, fizeram piada e até me chamaram de açougueiro — o que
eu sabia que médicos do exército consideravam uma ofensa
gigante, mas se tratando dos dois eu não conseguia ver assim. Eu
dei mais risada do que esperava naquele encontro, e por alguns
momentos esqueci a dor que apunhalava meu peito todos os dias.
— Vamos fingir que você não sente falta de operar e me
chamou aqui porque não quer deixar as coisas nas mãos das
crianças que têm como chefes de departamento.
— Crianças? — Ergueu as sobrancelhas.
— Doutora Serena Smith.
Ele revirou os olhos.
— Eu sabia que você ia implicar com ela. Essa garota foi
treinada pelos melhores do país, sabe o que está fazendo. E é uma
grande amiga de Jenna.
— Então é por isso que estou aqui? Só tem contratado de
acordo com o grau de familiaridade?
— Não seja babaca, Nate. Confio em você e confio nela. —
Ele suspirou. — Crianças nesse ramo hoje em dia se preocupam
mais do que velhos como nós que rezam pra sair logo da sala de
cirurgia.
— É bom que seja, porque eu não vou dar moleza pra
nenhum deles. Interno, residente ou atendente. Eu tenho minha
forma de trabalhar, e todos vão aceitar isso, Charles.
Ele abriu um grande sorriso.
— Então realmente vai aceitar o cargo?
— Com uma única condição — eu sorrio ironicamente —, o
departamento é meu. Mas é completamente meu.
— Você sabe que confio na sua intuição e competência —
disse ele. — Não vou me meter.
— Seu sacana — cuspo —, você está doido pra segurar
um bisturi outra vez.
Ele riu.
— Pode apostar que estou.

JENNA WALDORF

Quando cheguei ao hospital anos atrás, eu tinha atingido o


fundo do poço.
Uma colega me disse durante o tratamento do câncer que
o fundo do poço não era tão ruim assim, pois lá tinha água, mas
acontece que essa água não é tão fresca e nem mata a sede
quando você chega nessa situação, porque sabe que traiu a pessoa
que mais ama no mundo e esse erro não pode ser consertado.
Meu pai abriu mão de tantas coisas por mim quando eu
estava doente e eu não hesitei em ignorar e devolver da pior forma.
Quando olhei seu amigo e decidi que precisava tê-lo de qualquer
forma, até mesmo da mais feia. Mentindo. Que tipo de filha egoísta
fazia isso?
Quando ele me chamou para ir à recepção dos novos
internos, eu não demorei a responder que ia. Meu vestido azul na
altura do joelho, apertadinho, e o salto preto não era exatamente a
peça mais formal que eu tinha, mas todos sabiam que eu era filha
de Charles Waldorf, e não precisava de um jaleco para me misturar.
Conhecia a maioria da equipe do hospital por toda a vida.
Eu tinha orgulho de observar as pessoas alegres e
deslumbradas no salão onde a festa acontecia, estagiários felizes
por entrar no melhor programa. O Seattle Glory era o maior e
principal quando se tratava de equipe médica, especialista,
aparelhos tecnológicos e evolução de internos e residentes. Logo
que papai assumiu o cargo de chefe de cirurgia, fez uma reforma
que rendeu ao hospital um prêmio de arquitetura que estava exibido
junto com os outros que já ganharam na recepção.
Meu pai era um homem orgulhoso de tudo o que fez ali e
ele estava certo por isso. Administrar vidas daquela forma e fazer
isso com tanta gentileza e cuidado, mostrava porque ele se tornou o
homem mais poderoso do hospital. Havia outros chefes, porém,
todos sabiam que cirurgia estava no topo da hierarquia.
Enquanto eu ficava num canto com um taça de champanhe
e observava papai apertar as mãos e ter conversas longas, cheias
de gestos e inclusivas, eu conseguia diferenciar quem era interno,
quem era residente e quem estava ali apenas pela bebida e comida
grátis pós-plantão. Um dom que desenvolvi nos anos como
observadora e filha do doutor Waldorf, um dos cirurgiões mais
respeitados dos Estados Unidos.
Papai conversava com duas garotas. Uma delas eu já tinha
percebido que era médica, talvez residente, pois ao lado do meu
pai, falava gesticulando — provavelmente falando sobre o encanto
de ter conseguido uma vaga no hospital. Meu pai não gostava de
puxa-sacos, mas sabia diferenciar e valorizar pessoas que davam
valor a oportunidades. Ele amava gente apaixonada por medicina,
porque era louco pela profissão.
E eu o amava tanto quanto, por isso, me odiava por
machucá-lo como fiz, mesmo sem ele saber.
— Olha só quem o vento trouxe.
Ao ouvir a voz atrás de mim, fiquei paralisada por um
momento. Não me virei. Se aquela voz pertencesse a quem eu
suspeitava, eu preferia sair andando e ignorá-lo, porque não tinha a
menor chance de Dylan McRey estar aqui. Eu dei um passo à
frente, mas devo ter sido lenta demais, pois o dono da voz deu a
volta em torno de mim e de repente eu estava de frente com meu
ex-namorado.
— Só pode estar brincando — murmurei.
Ele encolheu os ombros.
— Me escute, Jen, por favor.
Eu o fitei sem dizer nada por um momento. Dominada por
uma raiva descomunal, eu o observei. Estava curiosa para saber o
que tinha a dizer — o que pensava que podia ser o suficiente depois
do que fez comigo. Ele ainda era o mesmo. Cabelos castanhos com
quatro dedos de comprimento, ombros largos porque todo o tempo
livre que tinha passava na academia, e um corpo magro. Ele era
bonito, sempre foi e continuava sendo.
A beleza veio da família.
O diploma veio de Dartmouth, Ivy League. Pena que não
formavam caráter lá.
— Você tem muita coragem ou é muito burro — falei.
Ele me fitou detalhadamente, seus olhos viajando pelo meu
rosto como se me admirasse.
— Caramba, você está... eu não esperava te ver tão...
— Viva? — Ergui a sobrancelha, cruzando os braços.
— Não diga isso, Jen... Não esperava te ver tão cedo. É
meu primeiro dia. Te vi e pensei que devia me desculpar antes de...
— Antes de eu falar para o meu pai que você odeia gente
doente e não merece um lugar no hospital dele?
— Eu sinto muito, Jen. De verdade.
— Que nobre — ironizei. — Desculpa nenhuma compensa
o mal que você me fez, Dylan. Agora se sinta livre para me deixar
em paz.
Avancei, mas ele segurou meu pulso como costumava
segurar antes. Bem antes. Contudo, dessa vez eu não achei aquele
traço possessivo atraente, na verdade, olhei ao redor procurando
papai ou qualquer um que me livrasse dele. A alternativa seria dar
um murro naquele nariz empinado.
— Anos se passaram, Jenna, eu cresci. Pensei muito sobre
você, sobre aquele dia.
Anos se passaram? Eu engoli em seco, lembrando-me de
como foi difícil, aterrorizante tentar superar a rejeição e o sentimento
de que eu não valia nada estando naquela situação.
— Não quero suas desculpas e não quero que busque
redenção — rosnei. — Tivemos uma curta história que não valeu de
nada nem pra mim e nem pra você.
— Eu duvido disso. — Ele inflou o peito. Sempre foi
arrogante, tinha mania de grandeza. Me levava uma flor e pensava
que tinha me dado o mundo, jogando na cara seu enorme gesto de
carinho por dias a fio.
Soltei um riso sem humor.
— É, realmente, me valeu pra aprender a não confiar em
trastes como você. Agora tire sua mão de mim ou eu vou garantir
que meu pai saiba que o homem que tornou meu tratamento ainda
mais difícil do que era naturalmente está aqui.
— Eu não fiz nada. Você sabe que eu queria que
tivéssemos funcionado.
É sério, porra?
Abandonar a namorada doente não era um crime,
realmente, mas era a minha prova de que ele não valia nada. Ele
tinha linhas de expressão mesmo sendo jovem, e era porque seu
sorriso alcançava os olhos. Mas eu sabia que ele não era doce
como mostrava ser.
Tornei-me especialista em homens como ele.
— Está sendo injusta. Isso aconteceu anos atrás, me dê o
benefício da dúvida.
— Vou te dar o benefício. Será a chance de fingir que não
me conhece!
— Não é isso que eu quero, Jen, eu fiz terapia depois do
nosso término e...
Eu não quero mais te ouvir.
— Me deixa em paz! — Puxei meu braço, lhe dei as costas
e segui meu caminho como se nunca tivesse falado com ele.
Caminhei entre as pessoas lentamente, com um sorriso no
rosto escondendo a agonia pesada em meu peito. Eu não ia
estragar a noite do meu pai. Naquele mesmo momento, Bethy, uma
das enfermeiras que cuidou de mim quando fiquei internada, me
parou e olhou por cima do meu ombro.
— Querida, ele precisa ser retirado?
Novamente senti aquele calor de estar em casa. Ela se
tornou chefe das enfermeiras, ganhou a confiança de todos os
médicos e o respeito e carinho de pacientes ao longo dos anos.
— Você o reconheceu? — perguntei baixinho.
— Como esquecer o rosto que te fez dormir chorando
durante três noites, docinho?
Suspirei.
— Não, está tudo bem. E por favor, não conte pra ninguém.
— Jenna...
— Por favor, ok? Segredo nosso.
Antes que ela continuasse negando ou me questionasse
mais, eu lhe dei um aperto no braço e me afastei cuidadosamente.
Caminhei para fora do salão, em direção ao elevador.
Precisava chegar ao meu lugar seguro, respirar e me
recompor antes de voltar à festa. Papai discursaria em breve e eu
não podia perder.
Dylan era mais velho quando nos envolvemos. Eu tinha
uma identidade falsa e o conheci em um bar. Tinha dezesseis, e ele
vinte e dois. Nos beijamos e beijamos, e ambos sabíamos que era
errado, mas eu estava vivendo no limite, e ele não se importava. Eu
tinha um corpo de mulher, era inteligente e falava como se tivesse
vinte. Isso bastou.
Ele me levou ao topo.
Meses elevando minha autoestima. Encontros, passeios e
viagens onde eu mentia para meus pais sobre a localização e
companhia. Estava apaixonada. Estava me comportando como uma
idiota.
Até que meu cabelo começou a cair e foi impossível
continuar escondendo dele.
— Eu vou vencer isso, Dy, fica comigo. Prometo que vou
vencer.
Ele só conseguiu me olhar nos olhos, dizer que não curtia
mulheres magras demais e que não suportaria me ver sofrendo
quando eu tivesse que me alimentar por tubos. A verdade era que
ele não me amava o suficiente para me ver careca, ou aguentar
olhar o inchaço da quimio e continuar dizendo que eu era
gostosinha.
Meu primeiro pensamento foi que se o câncer não me
matasse, a dor de perdê-lo iria.
Garotas jovens sempre encontram uma forma de se culpar
pelos erros de seus abusadores. E ele era meu abusador, mesmo
quando me fez sorrir, mesmo quando me fez sonhar.
O segundo pensamento foi que eu devia ir à polícia. Mas
depois de chorar até dormir voltei atrás, sabendo que me
arrependeria.
Eu precisava de um momento longe dele e das
lembranças.
Ele simplesmente ficou de pé, falou tudo o que precisava
desviando seu olhar entre a porta do banheiro e a janela, se
decidindo se falava o que queria escondido no outro cômodo ou se
jogava do nono andar para não me encarar, talvez.
Eu tive que me recuperar do primeiro término, enquanto
aprendia que a vida não seria fácil. Era dentro de casa, com pais
amorosos e sem dificuldades financeiras. Difícil com a minha
doença, com um coração que eu acreditava estar partido e com a
incerteza de que o câncer me levaria desse mundo ou não.
Eu saí do elevador no quarto andar de cabeça baixa,
sentindo uma lágrima descer pela bochecha — e não era por me
lembrar de Dylan, por Deus, não. E sim por me lembrar o quão frágil
eu me permitia ser.
— Você só era muito, muito jovem — sussurrei, dando
batidinhas na bochecha para levar a lágrima embora e não borrar a
maquiagem, mas de repente, esbarrei em algo... alguém e estava
sendo segurada por duas mãos que apertavam meus braços.
Ao erguer os olhos, encarei o rosto que não saía do meu
pensamento ultimamente.
— Ai, merda — sussurrei.
Ele imediatamente tirou as mãos de mim e deu um passo
atrás. Fechou os olhos apertados, e abriu, como se tentasse
descobrir se estava alucinando. Se a situação não fosse trágica, eu
teria soltado uma piada dizendo que a única ali propensa a ver
coisas que não existiam era eu.
— O que diabos você está fazendo aqui? — vociferou,
estreitando os olhos.
O que eu estava fazendo ali? O que ele estava fazendo ali?
Ele segurou meu cotovelo e me levou para dentro de uma
sala quando o elevador apitou, sinalizando que alguém estava
chegando. Mais uma vez eu me peguei sendo arrastada por ele, e
mais uma vez não tinha ideia de como me explicar.
Ele me encostou na porta e pressionou a mão em minha
boca. Se eu não estivesse de gloss, mas sim batom, eu
definitivamente não ficaria em silêncio. Nossos corpos estavam
colados. Meus olhos ardiam de tão arregalados. Fiz um esforço
sobre-humano para continuar imóvel, mesmo querendo fugir dali,
dele e das lembranças de estar sendo segurada contra uma parede
e devorada por seus olhos estavam me despertando. Seus olhos
igualmente acelerados verificavam todo o meu rosto.
— Não é possível — murmurei.
Eu sabia que ele começaria a trabalhar no hospital, papai
me contou que ele disse “sim” para a proposta, e depois negou.
Depois aceitou outra vez, e negou minutos depois. Por fim, papai
disse que ele deveria visitar e conferir se o hospital o atrairia. Eu só
não sabia que sua visita seria logo no único dia que eu escolhi para
tentar me redimir do erro que já tinha cometido com esse homem.
— Como me encontrou? — sua voz grave e urgente
questionou, ríspido, antes que eu pudesse me explicar.
E o que eu explicaria? A situação real? Realmente
destruiria um dos dias mais importantes para meu pai?
Ele era um professor nato. Novatos o renovavam, como se
ele aprendesse tudo de novo ao ensiná-los, e justamente esse era o
dia que eu escolheria para dizer ao seu melhor amigo que armei —
sem querer — a maior armadilha para ele?
— Está aqui com um cliente? — indagou.
— É o quê?!
— Você me ouviu — rosnou. — Quem é seu cliente?
— Eu... — A raiva me subiu, e eu cogitei dar um tapa em
seu rosto, mas enquanto o encarava e pensava nas minhas
limitadas opções para escapar daquela salinha de vacinação,
imaginei o rosto do papai descobrindo o que eu fiz, o que nós
fizemos, o imaginei entrando numa briga com Nathaniel, arruinando
sua noite.
Seus intensos olhos azuis eram tão intimidantes quanto a
sua voz, e embora eu não tivesse o costume de me dobrar às
vontades de nenhum homem, me peguei engolindo em seco a saliva
junto com meu nome e um pedido de desculpa. Ergui o queixo.
A bola de neve começava a crescer, e ele me dava mais
corda para enrolar no meu pescoço. Como uma tonta, eu segurei na
pontinha e envolvi o pescoço, preparando minha forca.
— Eu estava com um — hesitei e limpei a garganta, tinha
que pensar muito bem nas palavras para não mentir ainda mais. —
Já fiz o que tinha que fazer, se me dá licença, eu tenho que ir agora.
Ele me encarou de cima para baixo, medindo-me e
impedindo seus olhos na altura da barra do meu vestido.
— Não antes de me dizer o que veio fazer aqui. — Ele
abaixou um pouco mais o rosto. — Eu só espero que não se trate de
alguma artimanha da agência. Está me perseguindo, garota?
Eu bufei e empurrei seu peito, revirando os olhos. Eu não
teria força para afastá-lo, mas ele soltou meu pulso e deu um passo
atrás. Sua presença e seu tamanho ainda me sufocavam, mas a
pressão tinha diminuído e eu tinha pelo menos um pouco de espaço
para pensar.
— Por que eu estaria te perseguindo?
— Porque percebeu que fisgou um peixe grande, descobriu
onde eu trabalho e veio ver se conseguia uma gorjeta maior.
Meu Deus, que babaca!
— Olha só — apontei em seu rosto —, o que eu faço ou
deixo de fazer não te dá o direito de me tratar como se eu não
tivesse valor. Dinheiro, assim como o seu, tem em cada esquina.
Literalmente. Não vou ficar aqui ouvindo esse absurdo!
Segurei a maçaneta da porta, virando-me, mas não tive
chance de dobrá-la, porque fui virada outra vez, e pressionada
contra a porta.
NATHANIEL SULLIVAN

Não era possível.


Se tinha uma coisa que eu não fazia, era misturar negócios
e prazer, e principalmente, levar prostitutas para o trabalho. Como
aquela menina foi parar ali? E logo no meu primeiro dia?
— Me solta, seu bruto! — ela falou mais alto, com certa
irritação na voz.
Ela não era baixa, mas mesmo de salto sua cabeça só
alcançava meu ombro. Meus olhos escorregaram para o decote de
seios médios, a cintura fina e as coxas grossas, mas meu maior
foco ainda era na boca dela. Ela usava apenas um brilho — o que
restou dele, porque boa parte estava na palma da minha mão —, e
mesmo assim eu não conseguia desviar meus olhos e a porra da
minha atenção daquela boca.
Ela continuou falando quando meu aperto aumentou
ligeiramente, e eu senti a urgência repentina de abaixar a cabeça e
beijar aquela boca. Algo que eu não sentia há anos. Porque eu não
beijava há anos. Não desde Lilly, minha esposa e o amor da minha
vida. Mas agora, de repente, eu queria beijar uma puta?
Antes que eu fizesse besteira e quebrasse minha maior
regra por uma garota que mal tinha saído das fraldas e ganhava a
vida dando a boceta, me afastei e virei as costas.
— Saia. — Houve um silêncio absoluto. Esfreguei meu
rosto com as mãos. — Saia, porra!
— Você é um babaca — disse ela, então, abriu a porta e
apenas o som do salto foi ouvido no corredor enquanto se afastava.
Eu respirei profundamente, contendo a vontade de
persegui-la e obrigar que ficasse de joelhos com aquela boca
maldita e peguei meu telefone, procurando o número da última
agência de modelos que entrei em contato.
— Diamond Models, em que po...
— Coloque Fendy na linha — ordenei.
— Hã... quem quer falar?
— Passe o telefone para a porra da sua chefe ou eu vou
fazer questão de deixá-la saber quem foi que me irritou mais do que
eu já estava irritado.
— Si-sim, senhor. — De imediato o som da transferência
de ligação e a musiquinha de passarela chegaram ao meu ouvido.
— Caralho — murmurei.
— Pois não?
— É o Sullivan. Desde quando eu autorizei que você desse
informações minhas como meu nome completo, às putas que me
envia pra foder?
— Doutor — ela hesitou, com a voz tensa. Estava
acostumada à minha grosseria, mas nunca me viu puto assim,
nunca foi o alvo da minha falta de educação seletiva —, eu não
estou entendendo.
— A garota que você me enviou na boate acabou de
aparecer no meu trabalho. Você é a única que tem informações
sobre mim.
— Tem algum engano, doutor, eu nem sequer digo os
nomes verdadeiros dos clientes para as meninas, para a segurança
de ambos. Se vocês se encontraram, ela está em algum
compromisso pessoal, ou foi encontrar outro cliente. Sinto muito
pelo inconveniente.
— Deveria sentir porque isso é um puta inconveniente —
enfatizei.
— O que posso fazer para recompensá-lo? Não quero
perder o bom acordo que temos, doutor.
Eu afastei o telefone e fechei os olhos, respirando pelo
nariz. Deveria desligar a porra do telefone e aparecer logo naquela
festa, ficar dez minutos e ir embora. Devia tomar duas canecas de
café para me acalmar. Deveria fazer qualquer coisa, menos o que
fiz:
— Envie a garota para o meu hotel amanhã às oito da
noite. Diga pra ela não usar batom e nem saia. Use calça, e sem
salto.
Silêncio por um momento.
— Tênis? — questionou, confusa.
— Sim — rosnei. Tudo o que a deixasse menos tentadora
possível.
— Ok, doutor. Como quiser. A mesma da boate?
— Sim.
— Ela estará lá.
Desliguei sem me despedir, e enfiei o telefone no bolso.
Saí da sala e acionei o elevador. A cada passo meus pés ficavam
mais pesados. O corredor parecia muito mais longo, mas talvez
fosse porque havia um cheiro adocicado no ar. E porra... eu sabia
que era o perfume dela.
CAPÍTULO 9
"Ligue para mim se algum dia você se sentir solitário
Eu vou ser como uma das suas garotas ou dos seus amigos
Diga o que quiser e vou manter isso em segredo"

Troye Sivan, One Of Your Girls

JENNA WALDORF

— Jen! — Marjorie — minha futura cunhada, se meu irmão


parasse de enrolar depois de quatro anos de namoro e a pedisse
em casamento. — Acenou, chamando-me assim que me viu chegar
no hospital.
— Oi, Mary! Me ajuda com esses sacos. — Dei risada.
Ambos estavam cheios de brinquedos para as crianças
internadas.
Nos últimos anos, todas as vezes que as coisas ficavam
difíceis, eu visitava o hospital do câncer infantil em Seattle, e acabou
se tornando uma espécie de terapia. Quando eu não estava no
estúdio gastando meu tempo dançando, ficava com as crianças e
dava um jeito de melhorar pelo menos um pouco o dia delas. O
tratamento foi pesado para mim que estava na adolescência, para
crianças de três, cinco e sete anos era pior ainda. Seus corpos
frágeis e pequenos às vezes mal aguentavam o dia a dia com a
doença.
Depois de ver um folheto na recepção do hospital do papai,
não parei mais de aparecer, encontrando força ao ver a força dos
pequenos. Meus pais acabaram se tornando doadores generosos, e
levavam amigos que doavam e apadrinhavam crianças carentes.
— Como você está, Mary?
— Não muito bem — suspirou —, você soube da partida de
Pierre?
— Sim, meus pais me disseram. Não consegui ir ao
enterro, mas minha mãe foi.
— Foi importante demais que ela tenha ido, a mãe dele
precisava de um colo e Violet foi ótima nisso.
Fechei os olhos, dizendo a mim mesma que se eu
começasse a chorar outra vez não ajudaria em nada. Pierre tinha
lutado contra a leucemia por três anos, e aos 8, faleceu dormindo,
cansado e em paz. Sua mãe tinha dois filhos mais velhos, e a
menina que costumava ser dependente química e mal parava em
casa, encontrou forças para se recuperar ao ver a luta do irmão.
Meu pai conseguiu que um amigo — também médico —, a
internasse na melhor clínica do estado. Mesmo que nada disso
trouxesse o pequeno de volta, Suzan dizia não tinha por que
questionar as decisões de Deus.
“Eu não pude salvar meu filho, mas ele salvou nossa
família muitas vezes.”
Eu não conseguia ser assim, não perguntar por que um
menininho tão jovem e guerreiro precisou partir tão cedo.
— Você e sua família tem feito muito pelo hospital. A
administração vai reformar a brinquedoteca.
— Eles pensaram sobre minha ideia de dividir a
brinquedoteca e criar uma salinha de estudos? — perguntei.
— Sim, com certeza. O diretor ficou com um pé atrás
porque sabia que seria mais um salário pra pagar, mas a filha de
uma das enfermeiras é professora e se voluntariou para vir duas
vezes na semana.
— Isso é perfeito! — Logo me animei, abraçando-a de lado
conforme acenava para as enfermeiras na recepção. — As crianças
vão amar ter um espaço para leitura, aprender coisas novas e ter
materiais de qualidade pra desenhar. Será incrível. Você sabe que
se precisar de algo que esteja dentro do meu alcance pode contar
comigo.
— Eu sei, Jen, sou muito grata por isso. Serena apareceu
ontem pela manhã com o noivo.
— Ah, é? — Revirei os olhos, fazendo-a rir. Ao mesmo
tempo que tinha vontade de sacudir sua melhor amiga, também
entendia sua vontade de ficar no mundinho particular dos dois
fingindo que tudo estava perfeito. Ela passava os dias lutando para
salvar vidas e se Ian a tranquilizava, ao mesmo tempo que lhe dava
adrenalina e um lugar seguro, eu não podia forçá-la a decidir se
ficava ou ia embora.
Mas podia ameaçá-lo e bater de frente com ele, porque era
divertido.
Serena sabia bem o que fazer da vida, e se um dia
realmente não tivesse volta, eu estaria lá.
Passei primeiro pelos quartos das crianças mais
debilitadas, aquelas que não conseguiam sair da cama e que quase
não tinham mais movimentos nas pernas e braços. A alegria nos
rostos ao me ver sempre melhorava meu dia.
Encontrei um palhaço saindo de um quarto, enquanto uma
fada entrava no outro. Uma princesa da Disney embarcava no
elevador de mãos dadas com Milly, uma garotinha de dez anos que
morava no hospital há quatro, lutando pela vida, mas sempre com
um sorriso no rosto.
Voluntários possibilitaram isso, pessoas que encontravam
um tempinho livre para melhorar o dia de alguém que precisava
desesperadamente sorrir e esquecer a dor.
Nem sempre minhas visitas eram acompanhadas de
presentes e as crianças sabiam disso. Eu me tornei uma das “tias”
favoritas e não trocava a tentação de amá-los e ser amada por eles
por nada no mundo.
No decorrer do dia, fiz vozes, li livros, fui babá de um
garotinho de três anos cuja mãe trabalhava de dia e de noite ficava
com ele naquela poltrona desconfortável. Bati papo com as
enfermeiras, segurei um bebê para que a IV fosse introduzida em
seu bracinho e encerrei o dia na ala da quimio, fazendo carinho com
palavras e toques, naqueles que choravam de dor.
Fiz-me de forte, porque isso era o que eles precisavam ver.
E não aceitei agradecimentos porque foram eles que me salvaram
nos piores momentos da minha vida e continuavam salvando toda
vez que eu pisava no hospital.
Quando deu sete da noite, me despedi de Mary
prometendo marcar um jantar com ela e meu irmão. Por conta dos
antigos desmaios, eu não me sentia segura em dirigir, e peguei um
táxi rumo ao hotel. Eu disse aos meus pais que passaria uns dias na
casa de Serena, e a verdade era que papai tinha planos
imprevisíveis, e encontrar Nathaniel não era uma opção.
Cheguei a pensar que podia superar isso, pedir desculpas
e explicar a situação, talvez até fingir que não sabia quem ele era
quando transamos, mas então eu o encontrei no hospital, e a forma
como olhou para mim, como se eu fosse um monstro e a única a
errar, me mostrou que esse costumava ser seu jeito de tratar
mulheres. Minhas defesas se levantaram fortemente e eu não
estava pronta para vê-lo.
Por agora, me isolar num hotel era a melhor opção.
Aquele homem era lindo, tinha ficado ainda mais bonito. Eu
carregava a cruz de sempre me atrair por homens mais velhos, mas
ele não podia ser um deles. Eu não deixaria que sua beleza me
atraísse e nem que minhas tendências a gostar de aventuras e
encontros mais selvagens me fizessem ceder.
Balancei a cabeça ao fechar a porta do quarto e acender a
luz, livrando-me das memórias sexuais. No fundo, sabia que ceder
era impossível, afinal, assim que ele soubesse minha identidade,
provavelmente nunca mais olharia para mim. Talvez até voltasse a
se esconder onde esteve todos esses anos, e eu não podia mentir, a
ideia tanto me aliviava quanto assustava.

NATHANIEL SULLIVAN

Eu entrei em meu quarto de hotel tirando a gravata e


coloquei uma garrafa de whisky ao lado de uma de água no balcão
do bar. Enquanto me distanciava do cirurgião geral renomado que
tinha acabado de visitar a casa de uma cantora famosa que buscava
discrição para consultar a retirada de um tumor no intestino do avô,
observava as duas garrafas, sabendo que por fim tomaria a de
água, mas ver o whisky à disposição me dava a sensação de estar
no controle da minha vida.
Se eu não queria, não ia beber. Ponto.
Eu já estava de terno e faltavam quinze minutos para a
garota chegar. Pedi vinho seco porque gostava da sensação no meu
pau e sabia que se tinha uma coisa que a garota ia fazer hoje, seria
me chupar por um bom tempo. Lá no fundo, sabia que não devia
fazer isso. Devia ter ignorado a parte impulsiva em mim, aquele
homem que não gostava de receber um “não” e tinha que estar no
controle de tudo.
Sabia que deveria ligar para a agência e cancelar porque
tinha tempo para isso.
Por outro lado, eu gostava de sexo. Gostava pra caralho, a
um ponto que certa vez, Lilly me disse que quando ficasse mais
velha e não aguentasse tanto, eu teria que contratar mulheres para
me satisfazer. Na época, levávamos como uma piada, mas hoje eu
considerava suas palavras uma praga e minha maior desgraça. Não
foi culpa dela, mas acabou acontecendo exatamente o que ela
disse, e a diferença era que ela não estava aqui. Se estivesse, eu
jamais teria tocado em outra mulher.
Sinceramente, sabia que deveria pensar nas minhas
opções: foder a garota, gritar com ela exigindo que ficasse longe de
mim ou chamar a polícia para parar aquela perseguição. Eu tinha
muitas escolhas quando se tratava dessa dor de cabeça, e quando
uma batida soou à porta.
Mais cedo, pedi a Fendy para não dizer quem era o cliente
e ela teria uma bela surpresa, assim não conseguiria inventar uma
desculpa plausível para estar no hospital.
— Inferno — murmurei de olhos fechados.
Por que eu tentava me enganar? Podia até gritar com ela e
exigir que ficasse longe, mas sabia que no momento que ela
passasse pela porta eu ia dobrá-la sobre a cama, tiraria sua roupa e
mostraria a ela que se procurasse problemas, ela iria encontrar.
— Entre — falei alto, esvaziando meu copo d’água antes
de levantar da poltrona e me virar. Tinha pedido a recepção para dar
um cartão a ela, e em segundos, os estalos do salto no piso soaram
e o apito da fechadura da porta me fez virar lentamente.
Minha mente começou a ficar nublada com aquela
costumeira vontade de foder, descontar minha raiva e frustrações
em sexo. Mas hoje não era apenas isso. Há muito tempo eu não
sentia um desejo tão louco por uma mulher como na noite passada
no hospital.
— Boa noite.
Foi como um balde de água fria.
Não só sua voz era diferente, mas no momento que ela
veio para à meia-luz do quarto e pude ver seu rosto, a vontade foi
embora e ficou apenas a frustração.
Ela sorriu, e fez menção de colocar a bolsa na poltrona.
— Não. Não se incomode.
A mulher travou. Seu sorriso vacilando ligeiramente.
— Boa noite, senhor, eu soube que fui especialmente
solicitada.
Não, não foi. Eu esperava uma loira alta e magra, com
cabelos curtos e olhos castanhos. Aquela morena de cabelos
compridos, lisos e um vestido comprido com fenda lateral não era
ela, embora fosse gostosa, e eu facilmente a usaria, não era ela.
Eu queria punir a loira. Queria só porque podia.
Suspirei, segurei o balcão contendo-me para não explodir
em quem não tinha culpa e peguei minha carteira no bolso, tirando o
valor combinado e lhe entreguei com uma gorjeta generosa.
— Pegue — ofereci. — Vou pedir que o hotel chame um
táxi pra você. Pode ir.
Ela abriu a mão no automático, mas o sorriso desapareceu,
dando lugar à confusão.
— Mas, senhor, nós não vamos...
— Não. — Virei as costas, sentei-me na poltrona e voltei a
encarar a vista da varanda. Ela não era quem eu estava esperando
e pelo silêncio absoluto atrás de mim, sabia que a garota ainda não
tinha se movido.
— Eu não... não entendo. A senhora Fendy me disse que...
— Saia — falei alto. Qual era a porra do problema, ela
queria foder? Estava limpa e livre para procurar o próximo cliente.
Fechei os olhos e encostei a cabeça no encosto. Tantas coisas
passavam pela minha mente naquele momento. Por que a maldita
dona da agência me mandou a garota errada? Por que aquela
putinha me dava tanta dor de cabeça? E principalmente, por que eu
insistia em vê-la de novo? Sabia que ela estava me perseguindo e
não devia encorajar tal comportamento, lhe dando corda para vir até
mim, mas eu não conseguia me impedir.
Por boa parte da minha vida fui um homem dominado pelos
meus desejos e vontades. Lilly nunca negava meu fogo, mas eu
percebia seus limites. As mulheres antes do casamento eram
dedicadas em me satisfazer, e as putas que vieram depois, nem se
fala, eram tão especialistas que sabiam identificar o que o cliente
queria. Sempre gostei disso porque diminuía o tempo que eu
precisava passar na presença de mulheres que não eram minha
esposa.
Eu não me culpava pelo sexo, isso sempre foi parte de
mim, mas me culpava por gastar meu tempo com outra mulher
quando jurei que minha eternidade seria dedicada a ela. Quando é
apenas sexo, consigo dormir, consigo não me culpar de forma tão
pesada, mas aquela garota da boate que falou daquele jeito comigo
no hospital me intrigou a ponto de querê-la aqui para o quê? Só
descobrir se aquela boca realmente daria um bom boquete?
Fechei os olhos e soltei o ar pesadamente. Me levantei da
poltrona e andei em sua direção a passos rápidos tão largos que ela
levou um susto, e recuou quase batendo na porta.
— Quer que eu pegue seu dinheiro de volta?
— Senhor, eu não entendo, não posso voltar.
— Você tem que fazer o que o cliente quer, e o cliente quer
que vá embora!
Ela continuou me fitando de olhos arregalados, e jogou um
olhar para a cama. Aí eu entendi. Caralho, ela realmente queria me
foder.
Sendo um cliente assíduo de garotas de programa por
onde eu passava no mundo, descobri que muitas delas realmente
gostavam do trabalho, e isso não era problema nenhum, melhor
para mim. E essa era uma delas, que não parecia disposta a
receber meu “não”.
Tirei meu telefone do bolso e procurei o último número para
quem tinha ligado. Tocou três vezes antes de Fendy atender.
— Doutor? — chamou ansiosamente.
— Sua garota está sendo dispensada, ela recebeu o
pagamento integral e uma gorjeta generosa. Ela voltará pra você
intocada e não é culpa dela.
Houve um momento de silêncio, e o tom dela ficou mais
sério, como se investigasse se a menina deveria ser punida quando
voltasse.
— Algum problema doutor, Sullivan? Ela foi inconveniente
de alguma forma, fez algo que o incomodou?
— Não. Se ela tivesse me incomodado pode ter certeza de
que você não veria a cor do meu dinheiro.
Desliguei e fitei a garota pela última vez.
— Eu não vou repetir.
Com um aceno trêmulo, ela enfiou o dinheiro no bolso e
saiu. O cabelo preto e longo voava conforme ela se movia. Eu
gostava de cabelos pretos, não tinha preferência. Me agradava com
mulheres bem-dispostas e bem cuidadas. Mas meu pau, com ela,
não deu nenhum sinal de vida.
Peguei a garrafa de whisky e fiquei a um passo de atirá-la
hotel abaixo, mas por quê? Por que não encontrei a boceta
premiada?
— Porra!
Pousei-a de volta no balcão antes que fizesse besteira e a
abrisse. Saí do quarto com celular e carteira. Eu tinha que ver gente,
tinha que me distrair da raiva, da dor e da minha mente conturbada
por algumas horas antes de conseguir cair no sono.
Depois da partida de Lilly, algo parecido aconteceu duas ou
três vezes, eu via mulheres de beleza extraordinária e não me
contentava até que as tivesse, como se fosse um desafio. A última,
na Índia, terminou seu jantar sozinha em um restaurante e depois
bebeu no bar, e eu observei, desejando foder com ela para
esquecer o sangue da minha esposa em minhas mãos.
Ela me negou, e eu passei a noite no bar a seduzindo, até
que a levei para o quarto de hotel. Pela manhã, depois de fazer tudo
o que queria fazer, a deixei voltar para seu noivo.
Não foi meu momento de maior orgulho, mas eu não me
tornei muito digno nos últimos anos.
Talvez ver gente e tomar uma soda italiana me ajudasse.
Talvez só me deixasse mais puto.

JENNA WALDORF

O toque em minha mão por cima da taça me fez erguer o


rosto. A mão quente e com um aperto firme, como se o dono dela
tivesse me observado antes de se aproximar e decidir que me
abordaria sem hesitação. Eu só não esperava encontrar aquele
rosto, aqueles olhos. Aquele homem.
Meu coração saltou no peito.
— Mais uma vez eu te encontro sem planejar.
Seus olhos azuis inquisidores me deixaram inquieta na
cadeira, firmei os pés no chão para me levantar, mas antes que
pudesse, ele arrastou uma cadeira para muito perto, bem do meu
lado, desabotoou o terno e se sentou. Seu joelho encostou em
minha coxa e se inclinando para mim, ele colocou uma mão em
minha perna.
— Pelos seus olhos buscando a saída, vejo que quer fugir.
Mas até quando pretende fugir de mim, minha perseguidora?
Sua voz grave me fez acordar, e eu ergui o queixo,
determinada a falar com ele como se aquele não fosse o homem
que abalava minha postura assim como tinha o poder de estremecer
minha vida inteira, mas como se ele fosse um homem comum, um
dos muitos que eu conversava como se aquele fosse um jantar não
planejado com alguém que encontrei em um bar ou restaurante, tive
um papo legal e depois me levou para a casa.
Já fiz isso tantas vezes, por que era difícil com ele?
Por que Nathaniel Sullivan conseguia despertar em mim a
garota boba que tinha fantasias de uma casa cor-de-rosa com ele?
Anos se passaram e eu não era mais a mesma, ele muito
menos, e quanto mais rápido eu aceitasse isso, minha cabeça
começasse a pensar em torno dessa informação e meu corpo
entendesse que o que aconteceu aquela noite na boate não foi nada
além de mais um encontro casual, eu deixaria de vê-lo como alguém
especial.
Ele era sim o melhor amigo do meu pai, foi meu “tio”
enquanto eu crescia.
Assim como muito mudou para ele e o fez o homem
intolerante, amargurado e grosseiro que era hoje, eu também mudei,
e não era mais a menina que corava quando ele chegava perto.
— Eu, perseguindo você? Qualquer pessoa que soubesse
da nossa situação e desses encontros diria que eu sou a única em
risco, afinal, não são clientes que costumam ficar obcecados pelas
garotas?
— Garota — disse lentamente. — Justamente. Você não é
jovem demais para essa vida?
— Você é o fiscal da prostituição?
Ele recostou na cadeira e um sorrisinho torto, sacana, mas
mínimo, surgiu em seus lábios.
— Longe de mim, na verdade, um dos meus muitos
momentos é nunca pedir o documento antes de deixar uma mulher
entrar. Ou uma menina, como o seu caso.
— Então qual o seu problema comigo?
— Você continua aparecendo nos lugares onde estou. E
agora há pouco tive uma surpresa. Liguei para a agência onde você
supostamente trabalha e pedi que me enviassem a mesma garota
da noite da boate. — Ele fez uma pausa, analisando-me. — Imagine
minha surpresa quando abri a porta e não era você.
Ergui as sobrancelhas e engoli em seco.
— Não me diga. — Merda. Eu não pensei que ia vê-lo mais
de uma vez fora da minha casa, tendo que arrastar essa mentira a
ponto de ele tentar me encontrar. — Eu estou aqui agora, o que
quer comigo?
— Não seja cínica, garota, por que está me perseguindo?
Eu dei risada.
— Acha que eu estou te perseguindo? Olha pra mim.
Seus olhos que estavam nos meus, desceram lentamente
pela minha boca, e fez uma pausa observando enquanto sua língua
arrastou devagar entre os lábios, e os olhos desceram ao meu
pescoço e meu decote antes de voltar ao rosto.
— Estou olhando. Você estava na boate.
— Você foi o primeiro a falhar na sua segurança, porque
não perguntou o nome da garota.
Ele apoiou o cotovelo no encosto da cadeira e cobriu a
boca, estreitando os olhos em mim.
— Ah, é?
— Sim — falei baixinho.
— Eu falhei? Em nenhum momento você poderia ter dito
que não era quem eu pensava?
— Você...
— Você falou o meu nome, garota. — Ah, merda. Eu tinha
esquecido desse detalhe. — Como sabia?
Eu olhei para os lados.
— Você não vai fugir.
— Não seria fuga. — O olhei direto nos olhos. — Não sou
sua prisioneira, posso levantar a caminhar para fora daqui se quiser.
Ele se inclinou um pouco mais para a frente e apoiou o
braço na mesa, fazendo com que seus dedos tocassem minha
costela. Meu corpo retesou, os pelos da nuca arrepiando.
— Então experimente — falou baixo, num tom tão grave
que eu precisei apertar as pernas juntas. — E aí quem vai te
perseguir sou eu, mas não serei bonzinho como fui da última vez. —
Ele fez uma pausa, ainda me olhando. — Agora me diga que porra
está acontecendo.
— Eu fui encontrar um cliente no hospital.
— Você sabia meu nome antes disso.
— Sim — limpei a garganta, pensando em desculpas e
explicações —, mas quando vi o quão bravo ficou me vendo de
novo, assim que Fendy falou que queria me ver eu pedi que uma
amiga viesse no meu lugar. Ela me devia um favor.
— Por que vocês costumam trocar clientes com
frequência?
Encolhi os ombros. Não queria confirmar ou negar, mentir
mais do que já estava fazendo. Qualquer mentira que não fosse
necessária, eu ia simplesmente desviar a resposta.
— Responda — exigiu.
— Isso não é da sua conta. — Me recostei na cadeira. —
Bem, você queria me ver, eu estou aqui.
— Eu queria olhar nessa sua carinha cínica e mentirosa e
questionar qual o seu interesse em mim.
— Eu não tenho nenhum.
— Não mesmo?
— Não mesmo. Posso dizer que pouco me interessa, na
verdade. Eu estou hospedada nesse hotel coincidentemente e vim
jantar. Talvez eu deva começar a te perseguir de verdade pra saber
onde está e evitar os encontros, assim não vai achar que te sigo. —
Forcei um sorriso.
Uma pequena mecha de seu cabelo escuro deslizou pela
testa, e eu senti um impulso louco, quase incontrolável de me
inclinar e tirá-la. Devolver de volta ao monte de cabelo no topo da
cabeça. Aquele rosto quadrado, livre de barba e com lábios
inchados numa proporção que combinava perfeitamente com o nariz
ligeiramente torto e as sobrancelhas grossas e franzidas. Meu Deus,
como foi que Nathaniel ficou ainda mais bonito?
Será que minha mãe tinha reparado nisso? Que ele não
ficou calvo e inconveniente? Ela era tão loucamente apaixonada
pelo meu pai, mas uma mulher podia fingir que não via Nathaniel?
— Você já jantou? — perguntou.
Eu hesitei.
— Ainda não. — Ele fez um sinal com a mão. — O que
está fazendo?
Ele cerrou a mandíbula, dando-me um olhar tão sarcástico
que eu percebi que estávamos no meio de um jogo.
— Te perseguindo — respondeu simplesmente.
O garçom se aproximou rápido.
— Senhor?
— Não pedi para ser perseguida e não te deixei sentar na
minha mesa.
— Eu não preciso de autorização e permissão pra porra
nenhuma, menina.
Não parávamos de nos olhar.
— O cordeiro já está a caminho — o garçom disse como se
percebesse que estávamos totalmente alheios à sua presença.
O momento todo era afrodisíaco.
Para mim que adorava preliminares — mesmo que aquela
não fosse uma e provavelmente fosse terminar com ele revelando
ao meu pai o que eu fiz — a conversa toda me excitou e me fez
desejar que no fim do jantar eu estivesse questionando: no seu
quarto ou no meu?
O pianista tocava ao vivo, reverberando “Maneater” numa
versão lenta e sexy pelo salão, o garçom parado ao nosso lado
como um espectador do show, o tilintar dos talheres pelas mesas,
taças brindando e o eco da voz dele contrastando com a ponta de
dois dedos dele encostando em minha coxa pelo braço caído na
mesa, tudo isso era uma junção que me fazia querer errar de novo.
Fingir que ele não era o tio Nate e que papai não ficaria destruído se
soubesse o que desejávamos fazer.
Eu saí com homens que me davam atenção, mimavam e
diziam as coisas que queriam fazer comigo o suficiente para saber
que Nathaniel não era alheio a mim da mesma forma que eu não
era a ele. Seus olhos estavam dominados de desejo.
— Mais vinho branco? — o garçom voltou a questionar
após um minuto de silêncio. Ou tinha sido dez segundos?
Eu não sabia, mas não tive tempo de responder, porque
sem desviar os olhos de mim, Nathaniel tirou uma nota do paletó e
indicou sutilmente para o funcionário.
— Envie para o meu quarto com a melhor sobremesa em
duas horas.
— Sim, senhor. — O homem pegou a gorjeta e saiu de
imediato.
— Vamos — declarou, e seguindo seu ritmo, Nathaniel me
segurou pela cintura e me colocou de pé. Ele mesmo resgatou
minha pequena bolsa da mesa e me colocou em sua frente,
fazendo-me caminhar com sua mão em minhas costas, no alto do
quadril.
A garota inocente que ele despertava em mim queria olhar
para trás e perguntar o que estava fazendo, mas a adulta que já
tinha feito muito sexo apenas acelerou o passo e se deliciou com ele
nos direcionando ao elevador.
Meu último pensamento coerente antes de entrar naquela
caixa de metal com ele foi um pedido de desculpas sincero ao meu
pai, porque eu com certeza ia errar de novo.
CAPÍTULO 10
"Minha buceta tem gosto de Pepsi Cola
Meus olhos são grandes como tortas de cerejas
Eu tenho preferência por homens mais velhos
Sempre foi assim, então não é nenhuma surpresa"

Lana Del Rey, Cola

JENNA WALDORF

Eu não podia mais esperar, assim que as portas do elevador


se encontraram eu me ajoelhei, nunca quis tanto rezar, mas dessa
vez o que eu tanto pedia em oração iria se realizar.
Seus olhos acompanharam minha descida e ele os estreitou.
— Eu não ordenei que chupasse meu pau, garota.
Ignorando-o, abri seu zíper, ele estava tão duro que no
momento em que abaixei sua cueca, seu pau pulou direto na minha
boca.
— Parece que essa pica enorme não precisa do seu
comando. — Arrastando minhas unhas um pouco abaixo da cabeça
até o saco, me aproximei e beijei sua coxa musculosa. Os pelos
claros eram macios, e arrastei meus dedos por eles até o joelho.
Eu só queria sentir suas veias pulsando em minha garganta,
então, segurei a base do seu pau e passei a língua em torno da sua
glande, comecei chupando devagar, me deliciando com o pênis
grande e grosso que me preenchia tão bem.
Ele passou a mão pelo meu rosto, observando-me com
olhos atentos.
— Lambe meu saco — disse num tom rouco, fazendo meu
corpo vibrar.
Sorrindo, o soltei fazendo um estalo.
— Com prazer.
Meus joelhos estavam plantados no chão, minha roupa
impecável no lugar, e eu ergui seu pau, encostando as costas dos
dedos em sua pélvis e comecei a lamber seu saco por inteiro. Ele
cheirava a sabonete e tinha uma leve fragrância de pele limpa.
Cheiro de homem, sexo e poder.
Eu adorei.
Sem gemer ou expressar qualquer reação com minha
chupada preliminar, ele deslizou a mão para segurar meus cabelos,
deu dois passos à frente, praticamente me afogando em seu saco e
empurrou minha cabeça para trás, controlando-a com o cabelo
preso num rabo de cavalo em suas mãos.
— Abre essa boquinha.
Eu obedeci prontamente.
Ele socou fundo de primeira, entrando e saindo de acordo
com sua vontade. Comecei a chupar com urgência e muita vontade
e ele fodia minha boca como se fosse minha boceta, e como eu
queria que fosse.
— Você é uma putinha mesmo, não é? E essa boquinha fica
muito mais gostosa em volta do meu pau.
O elevador apitou, chegando ao andar do seu apartamento e
ele me levantou, colando-me contra o seu corpo. Ao sair beijou
minha boca com força, como se quisesse fazer isso há muito tempo.
Mal reparei no quarto, eu só queria continuar explorando
aquele corpo ao máximo. O empurrei no sofá e sentei em seu colo,
beijei aquela boca como se eu dependesse disso para respirar e de
certa forma eu precisava, ele segurava minha nuca com tanta força
que meu corpo se arrepiava inteiro. Eu sentia seu pau grande e duro
na minha boceta, separados apenas pelo pano da minha calcinha.
Comecei a me esfregar em seu pênis, gemendo, me
deliciando com sua mão em meu pescoço.
De repente fui empurrada pela mesma mão para trás, de
costas no sofá. Ele caminhou até um pequeno móvel próximo à
porta e pegou um preservativo, vestindo em seu pau enquanto me
observava.
Abri as pernas, segurando-a com facilidade devido à minha
flexibilidade e coloquei minha calcinha de renda minúscula de lado.
— Não vejo a hora de te sentir dentro de mim — declarei,
levando dois dedos à boca e chupando, então desci os dedos
molhados direto em meu clitóris. Não que precisasse, eu já estava
molhada pra cacete só de chupá-lo.
— É bom que não tenha marcado nenhum cliente para
amanhã, minha putinha, porque eu vou acabar com a sua boceta. —
Aproximou-se devagar e posicionou a glande rosa e grande na
minha entrada. — Se for uma boa menina, não vou machucar seu
cu.
Arregalei meus olhos, mas no segundo seguinte ele meteu
tudo, até o saco, e minha boca se abriu num grito rouco.
— PORRA!
Eu estava preenchida em todos os sentidos, de pernas
totalmente abertas, recebia seu pênis com violência, o sentia bater
no meu útero e a posição que seu pau entrava fazia meu clitóris
vibrar.
— Você é tão gostoso, deveria me contratar todos os dias!
Ao me ouvir dizer isso, o homem rosnou, levantando comigo
encaixada em seu pau e me deitou sobre o balcão de mármore do
bar. Tirou seu pau que me preenchia lentamente e levantou minhas
pernas, as colocou em seu pescoço, ele beijou minha boceta como
se fosse minha boca, ele literalmente estava me comendo e ele
sabia o que estava fazendo, quando abocanhou minha boceta e
sugou os lábios entre a língua, meu corpo inteiro se contraiu.
Caralho! Minha boceta pulsava na mesma frequência que
meu coração.
— AI, DEUS! — Ele meteu um dedo, lambendo-me numa
velocidade alucinante — Isso, chupa e fode. Me chupa e me fode!
Ai, que delícia...

NATHANIEL SULLIVAN
Eu queria devorar aquela menina de todas as formas
possíveis. Sua boceta era diferente, o gosto dela não saiu da minha
cabeça desde a primeira vez. Eu chupava os pequenos e grandes
lábios com tanta vontade e desejo que eu sentia seu clitóris pulsar
na minha boca, eu ficava ainda mais louco quando ela se contorcia
e eu tinha que segurar suas pernas com força para continuar
fodendo, e parecia que ela gostava disso. Meti um dedo em sua
boceta, enquanto ela rebolava na minha boca, coloquei mais um e
seu gemido ficou ainda mais alto, meu rosto estava completamente
lambuzado com seu gosto e se pudesse eu me afogaria ali. Eu
sabia quando ela ia gozar, suas pernas apertavam meu pescoço,
sua respiração perdia o ritmo, e sua boceta ficava ainda mais
apertada, ela apertava meus dedos a ponto de parecer que iam
quebrar e se quebrasse eu nem me importaria.
Eu aumentava o ritmo e a força, e sabia exatamente o jeito
que ela gostava apenas pelo tom do seu gemido, eu fazia um
gancho com meus dedos enquanto sugava o seu clitóris, e tudo nela
vibrava até chegar no ápice e gozar.
Puxei-a do balcão e a virei de costas para mim apoiada no
mármore, segurei sua nuca enquanto puxava seus cabelos e com a
outra mão posicionei meu pau pulsando em sua entrada. Não fiz
cerimônias, entrei de uma só vez, queria gozar dentro daquela
menina, queria escutá-la gritando de prazer e ela gritou.
— Me machuca, isso! Pode colocar tudo dentro de mim. —
pediu, sôfrega. Seu corpo brilhava com uma fina camada de suor,
vermelho em vários lugares pelos meus tapas e apertões.
— Você quer, pau, putinha? Gosta de violência? Vai gozar
gostoso chorando pra mim.
Ela não viu, mas eu sorri maliciosamente enquanto socava
dentro daquela boceta molhada e apertada, e ela gritava, seu
interior me sugando a cada palavra.
Nossa respiração estava ofegante no mesmo ritmo, meu
coração acelerado batia em suas costas, ela podia sentir.
Beijava suas costas e seu corpo inteiro se arrepiava, eu
segurava seus seios com força, minhas mãos se encaixavam
perfeitamente neles, seu coração estava acelerado. Virei seu corpo
de frente para o meu e a beijei com o gosto da sua boceta na minha
boca, segurei seu pescoço com uma mão e aos poucos a inclinava
com a outra mão em direção ao chão de madeira da sala. Beijei seu
corpo inteiro começando pelo pescoço, cheguei bem perto do seu
ouvido e suspirei, mordi a ponta da sua orelha e beijei embaixo do
ouvido, desci a língua pela linha da sua coluna acompanhado das
pontas dos meus dedos que deslizavam a lateral do seu corpo.
Cheguei até a sua bunda, e porra! Que bunda gostosa do
caralho.
Separei as nádegas até seu cuzinho aparecer, cuspi
lentamente e senti o choque do seu corpo, fazendo o meu se
arrepiar.

JENNA WALDORF

Eu não estava mais em mim, o prazer que aquele homem


me proporcionava fazia meu corpo flutuar, me fazia querer sentir
tudo o que jamais quis fazer na vida. Ele beijou meu ânus como se
fosse minha boca, como se fosse a minha boceta. Ele se afastou, e
no segundo seguinte estava metendo aquela rola enorme dentro de
mim outra vez. Era o sexo mais sujo que já fiz na vida.
Ele metia lentamente, porém com força. E com a mão
massageava meu clitóris no ritmo exato que meu corpo precisava.
Eu gritava enquanto ele me virava de lado e levantava apenas uma
perna minha para seu pescoço e metia de novo. Ele bateu em meu
rosto até eu pegar seus dedos e enfiar na minha boca, imitando o
movimento que eu fiz quando chupei seu pau.
— Põe no meu cu — falei sem vergonha, fazendo-o parar
por um instante e me fitar sem piscar.
Ele segurou meu rosto, apertando meu queixo.
— Você é uma cachorra.
Eu sorri, lambendo seus dedos.
— Então, me come de quatro — sussurrei.
Seu pau estava dentro da minha boceta, e ele enfiou dois
dedos molhados no meu cu. Ele estocava os dois ao mesmo tempo
de uma forma tão gostosa que minhas pernas estavam bambas,
meus olhos reviravam e eu estava rouca de tanto gemer.
Eu não iria demorar muito para gozar novamente, ele
apertava meu corpo contra o dele e dentro de mim eu o apertava.
Eu puxava seu cabelo e eu arranhava suas costas. Respiramos
ofegantes e nosso ritmo era o mesmo, e no mesmo instante
gozamos juntos.
Eu não conseguia respirar, me sentia pressionada, cheia e
instável em todos os sentidos.
Ele me levantou do chão, levando-me para a cama.
— Eu preciso de água — falei meio sem ar.
Ele bateu na minha bunda, voltando a massagear meu cu
devagar.
— Não precisa de água, você tem leite.
Arrancando a camisinha, ele a virou em cima de mim,
pingando seu esperma em minha barriga, seios e pescoço.
Deitando na cama, pegou seu pulso e me puxou.
— Senta essa boceta na minha cara, eu quero te chupar de
novo.
Eu ainda tentava encontrar o ritmo certo da respiração.
— Você é uma máquina? Minha boceta ainda tá sensível! Eu
vou ter um troço.
Ele sorriu torto, irônico.
— Sou médico, minha putinha, eu te faço uma respiração
boca a boca.
CAPÍTULO 11
"Acho que preciso de alguém mais velho
Só um pouco mais frio
Pegar o peso dos ombros dele
Acho que preciso de alguém mais velho
Querido, eu sou um segredinho?
Dezoito anos, tenho idade o suficiente para guardá-lo"

Isabel Larosa, Older

JENNA WALDORF

— Hoje é o grande dia! — gritei ao entrar no quarto dos


meus pais.
Tínhamos escolhido um quarto duplo, mas Kyle se arrumou
junto com eles, infernizando, como meu pai dizia, e eu me preparei
antes de me juntar ao grupo.
— Essa é Jen? — gritou Kyle. — Não acredito que não tá
atrasada. — Ele ajeitava seu terno no espelho do banheiro, e
mamãe, que arrumava a gravata do meu pai na varanda riu.
— Há-há. Engraçadinho. — Virei-me para o doutor Charles,
e corri para abraçá-lo. — Como está se sentindo?
Ele suspirou, sorrindo.
Não conseguíamos descrever o tamanho do orgulho por
ele. Seu método de inovação em cirurgias cerebrais fora
reconhecido com honras, e o convite para dar uma palestra no
maior evento de medicina do mundo nos levou direto para Los
Angeles como a família mais importante da noite, porque ele era a
estrela.
O fundador do evento e da premiação, Robert Heimitch,
fora hospitalizado três meses antes e meu pai viajou para a
Austrália a fim de retirar o tumor “inoperável” do médico renomado.
E hoje, colhendo os frutos disso, diversos médicos o aguardavam
para agradecer por ter salvado a vida de um cirurgião considerado
um dos pioneiros em cirurgias cardiotorácicas menos invasivas.
Eu não via a hora de poder ficar de pé e aplaudi-lo por pelo
menos cinco minutos quando terminasse de falar.
— Um dia serei eu naquele palco falando sobre ossos e
nervos. — Kyle piscou, jogando um braço em meu ombro. Ele se
inclinou para dar um beijo em minha testa. — Ansiosa para não
entender nada do que essa galera vai falar, Jen?
— Acho que escutei vocês falando sobre cirurgia por tanto
tempo que de qualquer forma vou entender tudo.
Ele riu, acompanhado dos meus pais.
— Vai mesmo, está no sangue. Esse vestido não tá muito
curto? — questionou, fazendo papai olhar para a barra do meu
vestidinho preto.
— Está mesmo, filha.
— Eu vou colocar um casaco por cima.
— Um casaco que vai tirar, como sempre.
— Deixe a menina — minha mãe bateu em seu peito —,
você está linda, Jen.
— Onde você compra suas roupas estão com tecido em
falta? — meu irmão provocou, mas falava sério.
— Você não deveria cuidar das roupas da Mary?
— Minha mulher sabe as roupas que deve usar.
Dessa vez minha mãe o acertou.
— Não diga bobagem, menino, o dia que meu filho, que foi
tão bem-educado e sabe que não aceitamos machismo nessa
família começar a ditar roupas e regras nas mulheres, vou saber
que fiz algo errado.
Ele puxou minha mãe para perto, rindo ao abraçá-la.
— É o que é, mãe, eu consigo colocar ordem na Mary, só
falta essa daqui — me indicou com o queixo — já viu Jen usando
calça?
— Não — neguei alegremente. — Ninguém nunca viu
Jennie usando calça e ela nunca vai. Cuida da sua vida, ortopedista.
— O que você usaria na neve?
— Provavelmente um vestido de lã e meias finas forradas.
Ele balançou a cabeça, reconhecendo minha ironia.
— Você é um caso perdido.
— Deixa sua irmã em paz e vai tirar essa gravata
quadriculada — disse papai, fazendo-me rir. Ele apontou para mim
—, e você, pare de rir e vá colocar uma dessa meia fina, esse
vestido realmente está curto.
— Pai, é meu estilo!
Girei, saindo do quarto antes que começasse uma palestra
sobre minha vestimenta — que de tempos em tempos era uma
pauta em almoços e jantares. Eu realmente tinha o costume de usar
apenas vestido e minissaia — o que eu não via como um problema
—, mas aparentemente era um grande caso porque ninguém nunca
me viu de calça. Eu não me lembrava quando usei pela última vez.
Me sentia bem e confortável de vestido. Tinha florais comportados
até o joelho, tubinhos mais fechados, seda mais soltinhos e vários e
vários modelos apropriados para diversas ocasiões.
O de hoje, por exemplo, apertado até a cintura, e um pouco
mais solto com alguns panos soltos transparentes. Eu jogaria um
casaco creme por cima que me deixaria com um ar de médica linda
e inteligente que não se formou — ou sequer se matriculou.
Minha roupa era o de menos hoje, papai seria o centro das
atenções.
— Todos prontos? — papai gritou.
— Vamos nessa, doutor! — Kyle devolveu. — Fale bonito
hoje, pai, porque eu vou herdar seu nome no meu consultório.
Saímos do quarto dando risada. Meu irmão era um
completo idiota.

Eu pulei todas as palestras, já que a do meu pai seria a


última. Levei meu iPad para desenhar e me sentei em um dos sofás
na área social. Os sofás marrons e mesas decoradas com flores
davam um ar clean e a postura dos convidados deixava claro que
algo relacionado à saúde acontecia ali.
Encontrei poucas pessoas conhecidas, algumas já tinham
visitado minha casa. Vi médicos de celebridades e até o terapeuta
da casa branca. Meu pai estava ali e em cerca de quinze minutos
todos saberiam quem ele era. Isso daria uma virada na carreira
dele.
Dinheiro não era uma preocupação, e ele não ligava para a
fama, mas se aposentaria com a reputação de um cirurgião brilhante
e exemplar. Doutor Charles Waldorf não queria simplesmente
passar a vida costurando pessoas para aumentar o número de
pacientes e nunca mudar nada. Ele me dizia que salvava vida
porque amava isso, mas o que o fazia amar tanto era a esperança
de mudar o mundo. Se compartilhar seu conhecimento e aprender
com essas pessoas que vieram do mundo todo não significava uma
mudança, eu não sabia o que era.
Eu entrei, procurando meu lugar na segunda fileira junto
com mamãe e Kyle.
Quando papai subiu no palco, eu olhei para trás para ver
as pessoas o aplaudindo, e vi que as cadeiras não eram o suficiente
para a quantidade de médicos e médicas atentos às suas palavras.
Eu estava quase explodindo de amor e gratidão por ter nascido sua
filha. Eu o amava tanto que nada expressaria isso. Embora não
entendesse muitas coisas que dizia, eu me concentrei e peguei
pedaços de ensaios durante os meses que ele montava sua
apresentação, o peguei olhando na direção que sabia que
estávamos sentados — mesmo que a plateia estivesse escurecida
— e sabia que estava buscando força em nós.
Quando acabou, eu me levantei com a câmera fotográfica
em mãos. Tinha um fotógrafo a postos, mas eu queria o momento
registrado do meu jeito. Fui pedindo licença pela lateral para chegar
ao meio da sala, mas antes que pudesse, alguém me segurou pelo
braço.
— Com licen... — Minha voz se calou quando olhei para
cima e vi aqueles olhos azuis.
Meu coração disparou. Meu corpo estremeceu. Tudo
voltou.
O que fizemos naquele quarto de hotel, a forma como nos
usamos e o jeito que ele me tratou como se eu fosse a prostituta
mais desonrada que ele já pagou. Como se eu não fosse a filha de
alguém.
E eu adorei cada minuto.
Passamos a noite acordados, porque eu pedia mais, e ele
não negava.
Nathaniel estreitou os olhos.
Fiz menção de me afastar ao virar o rosto, mas ele me
segurou mais forte e me puxou para perto, colando a boca em meu
ouvido.
— Que porra você está fazendo aqui?
Eu me afastei o máximo que pude — que eram centímetros
— e com minha família a poucos metros de distância, não podia
mais continuar mentindo. Não havia nada para dizer que me
deixasse escapar daquela situação. Nathaniel veria meu pai na
saída e eu não tinha como evitar.
A voz do meu pai balançou meus ouvidos.
— Nada disso faria sentido ou seria possível sem minha
família. Nem os métodos, os casos impossíveis ou a força para
salvar vidas se não fossem eles. Eu sei que vocês não costumam
chamar suas famílias e nem sei se posso fazer isso, mas vou usar
meu benefício de ser o homenageado da noite. — Houve risadas.
Meus olhos ainda estavam colados com os de Nathaniel. — E quero
agradecer com muito orgulho, aqui em cima do palco, quem me deu
suporte para chegar até aqui...
— Eu sinto muito — falei pra ele. Não havia toques de
sedução em minha voz, nenhum truque, eu estava verdadeiramente
me desculpando porque sabia que o teto daquele lugar desabaria
em nossas cabeças em poucos segundos.
— O quê? — Franziu o cenho. — Você vai me dizer o que
está acontecendo!
Seu cabelo estava todo penteado para trás, o terno preto
impecável com uma gravata cinza. Ele parecia um astro de cinema.
O galã mais impossivelmente lindo. O homem mais impossível de
ser meu. Mas ele foi meu, por uma noite ou duas, por uma
madrugada inteira, mas isso acabava agora. E eu sabia que não
tinha como acabar de um jeito bonito.
— Sinto muito, Nathaniel — repeti.
Ele ainda me fitava sem entender, com a feição impaciente,
esperando uma resposta.
— Minha esposa Violet, e meus filhos, as luzes da minha
vida, doutor Kyle Sullivan e Jenna. — Enquanto os aplausos
começaram, papai chegou perto da escada para oferecer a mão
para mamãe. — Venham aproveitar e tirar uma foto em cima desse
palco com seu pai, estou ficando velho e não vou ter outra ideia que
me traga aqui outra vez.
As pessoas deram risada, aplaudindo mais forte,
assobiando como se fosse uma festa. E era. Todos celebravam com
meu pai.
Minha voz se perdeu na multidão quando me desculpei
outra vez, e ele me soltou, mesmo ainda calado, sabia que não
podia me manter ali.
Eu caminhei pela divisão das cadeiras até o palco, e Kyle
me esperava embaixo, ajudando-me a subir. Quando papai me
abraçou de lado, senti aquela velha segurança, a sensação de estar
no meu lugar no mundo.
Sempre dissemos que éramos imbatíveis.
Kyle me protegia feito um louco, papai usava humor em
todas as situações, mas quando falava sério sempre deixava claro
as expectativas que tinha sobre mim e mamãe era nossa rocha. Eu
fiquei de cabeça baixa até certo momento, mas teve uma hora que
não consegui mais evitar e erguer os olhos na direção que sabia
que ele estava. Algo me dizia que ele continuou exatamente no
mesmo lugar.
A luz estava em nós no palco, e eu esperava que ele
conseguisse ver nos meus olhos o quanto eu sentia por tudo,
mesmo que não me arrependesse.
Eu sentia muito.
Profundamente, Nathaniel.
CAPÍTULO 12
"Pegamos nossos corações partidos, colocamos eles numa gaveta
Como todo grande amor, ela mantém você na dúvida
Como todo amor verdadeiro, ela está sempre mudando
Como todo amor de verdade, ela te enlouquece
Mas você sabe que não mudaria nada, nada, nada
Bem-vinda a Nova Iorque"

Taylor Swift, Welcome To New York

NATHANIEL SULLIVAN

Eu não consegui sair do hotel e me encontrar com a família


Waldorf de imediato quando o evento acabou. Charles foi o último
palestrante da noite, e o primeiro dia de seminário foi finalizado com
sua homenagem. Depois que a família desceu do palco, o fundador
do evento — que fora operado por ele na Austrália dois meses antes
— agradeceu a presença de todos e deu abertura ao coquetel.
Eu conhecia Charles e já esperava que ele não ficaria
antes mesmo de ter me dito no dia anterior. Passar uma ou duas
horas trocando figurinhas com outros cirurgiões era algo que ele
gostava, mas ele não queria a família entediada e muito menos se
separar deles, e marcou um jantar apenas entre nós.
Sua esposa e seus filhos.
E seu melhor amigo.
Pela manhã, eu tinha um voo cedo, já que minha primeira
cirurgia seria às oito.
Eu esperava do lado de fora do restaurante que a coragem
viesse até mim para entrar. Me sentia destruído, desolado pela
mentira de Jenna. Ela nos colocou em uma situação tão fodida que
eu não tinha ideia de como encarar o meu amigo mais antigo e mais
próximo. Me sentia enganado e traído, mas acima de tudo, sujo,
aquela menina — uma menina — sempre foi a luz dos olhos de
Charles, o motivo dele ser um homem melhor. Ele dizia isso com
orgulho na voz, enchia a boca para falar que sua família era seu
tudo, acima da medicina, de prêmios e dinheiro. Tudo.
E eu peguei sua filhinha e a tratei como se ela fosse a puta
mais experiente de Seattle.
Eu não queria piscar porque cada vez que o fazia, um flash
de lembranças surgia. As posições que eu a coloquei, as coisas que
fiz com ela e o que a mandei fazer em mim.
“— Se toca assim, olhando pra mim...”
“— Pode colocar tudo dentro de mim”. — Lembrava-me
dela gemendo, os cabelos molhados de suor e o corpo vermelho em
vários lugares dos meus apertos e tapas.
“— Você é uma putinha mesmo, não é? E essa boquinha
fica muito mais gostosa em volta do meu pau.”
Esfreguei o rosto, afastando as memórias como se
doessem. Porque porra, doía mesmo.
Ela não era mais a pequena Jenna, e claro, isso ficou muito
evidente. Ela não se importava com as consequências de seus atos.
Por isso falou meu nome na boate e quando eu a arrastei para uma
das salas privadas, em nenhum momento se preocupou em
esclarecer o meu engano. Jenna estava diferente, anos se
passaram e apenas o cabelo loiro claro na altura dos ombros e os
olhos castanhos permaneceram.
Mas sua boca inchada em formato de coração, os dentes
retos livres do aparelho, os seios médios que cabiam perfeitamente
em minhas mãos, e até as roupas provaram que uma vida toda se
passou enquanto eu estava fora. A forma como ela se portava em
nada se assemelhava à adolescente que vi pela última vez, nem de
longe. Jenna tinha se tornado uma mulher linda, sedutora e muito
experiente.
— Deus do céu — murmurei.
A não ser que meu amigo estivesse me escondendo
alguma coisa, eu suspeitava que ele não tinha ideia da outra face de
sua filha. Como foi que a filha de Charles, uma menina tão doce, se
tornou uma profissional em sexo? Essas eram perguntas que
estavam fazendo meu cérebro sucumbir pela última hora.
Entrei no restaurante sabendo que eles já estavam
sentados. Mantive minha cabeça erguida e meus olhos atentos para
vê-la antes de chegar à mesa, porque assim eu não sentiria o baque
outra vez. Fui me preparando por todo o caminho.
Quando vi Jenna Waldorf sentada ao lado de Charles, meu
melhor amigo, não foi em sua coxa completamente exposta pelo
vestido muito curto que reparei, nem na sandália de salto fino que
me faria desejar colocar as pernas de qualquer mulher em meus
ombros. Não foi seu cabelo loiro preso no alto, exibindo joias nas
orelhas e o pescoço exposto que atraiu minha atenção.
Foi o rosto dela, o sorriso doce e ligeiramente atrevido, mas
sem traços da mulher sensual e sexual que me seduziu na boate, no
hospital e no restaurante.
Limpei a garganta e tirei meu terno antes de puxar a cadeira.
— Boa noite, Waldorf’s — apertei a mão de Charles —,
parabéns, meu amigo.
— Finalmente! — Ele se levantou, abraçando-me.
Cumprimentei Kyle da mesma forma, antes de dar um beijo
na bochecha de Violet e me virar para Jenna.
— Por que demorou, querido? — questionou Violet.
— Estávamos com tanta fome que já pedimos, doutor, mas
vamos te esperar pra comer — a garota provocante disse, me
olhando nos olhos.
— Eu fiquei preso, mas já estou de volta. — Cerrei a
mandíbula, sentindo-me tão traído que a vontade de esmurrar
aquela mesa quase me venceu.
— É claro que ficou, todos querem falar com meu amigo
famoso — Charles brincou, piscando. — Mas agora eu também sou
famoso, Sullivan.
Forcei um sorriso.
— E merece muito mais do que eu.
— Você ainda não conheceu Jenna, amigo. — Ele a tocou
no ombro, sorrindo orgulhosamente.
— Ele já conhece a Jenna, amor.
Definitivamente a conheço.
Eu olhei para Violet, engolindo em seco.
Eu conheci a filha deles tão bem que podia sentir seu gosto
em minha língua, os arranhões em minhas costas e o cheiro de sua
pele mesmo sem chegar mais perto.
— Sim, sim, você entendeu. — Ele riu. — Filha, se lembra
do tio Nate?
PORRA!
Tio?
Ela teve a cara de pau de sorrir para mim docemente, e
apenas ali, eu tive o perturbador vislumbre da garotinha tímida da
infância e adolescência. Desviei o olhar me sentindo tão culpado
que podia me dar um tiro.
— Oi, tio Nate.
A voz era a mesma, puta que pariu.
Como era possível que ela mudasse de um tom para o
outro? Sexy pra mim, comportada para os pais dela.
Uma puta para mim e uma pequena dama na frente da
família.
Ouvi-la me chamar de tio era fodido pra caralho. Eu estava
todo tenso, irritado e verdadeiramente abalado.
— Onde estão meus modos? — Surpreendendo-me, ela
levantou sob o olhar alheio de sua família, inclinando-se para mim.
Apoiou a mão em minha coxa rapidamente ao colocar o braço em
meu pescoço e deixar um beijo de lado em meu rosto. O perfume
familiar e doce invadiu meu olfato. Eu nem sequer consegui levantar
o braço para encenar um abraço tranquilo.
Ela se sentou outra vez, sorrindo como a boa putinha
mentirosa que estava provando ser. Seu pai jogou o braço no
encosto de sua cadeira, e os três riram de uma piada que Kyle fez.
— Nate — disse Kyle —, meu amigo te viu em Amsterdã
um ano atrás.
— Fazendo algo suspeito? — Jenna questionou, rindo. A
piadinha não tinha o tom provocante e sexy, era mais como amigos
brincando de forma inocente.
Que ela pudesse trocar de máscara tão facilmente era
surpreendente e assustador. Ou talvez ela tivesse a porra de um
distúrbio de personalidade.
— Jenna. — Violet tentou pará-la, mas sorriu, achando
graça.
Eu estava quase tendo um colapso.
— Onde? — perguntei.
— Ele estava no mercado — explicou. — Brian já viu fotos
dele em casa, o reconheceu e me mandou.
— Brian ainda está em Amsterdã? — Charles perguntou.
— Califórnia agora.
Charles balançou a cabeça.
— O que esse menino vai fazer da vida depois de conhecer
o mundo todo?
— Ele não está preocupado com isso, pai, provavelmente
vai administrar a rede de hotéis da família.
— Ele foi aceito no melhor programa de residência do país,
deveria estar fazendo isso.
— Não faça pouco caso, papai — disse Jenna. Eu ainda
não me atrevia a olhar para ela. — Tem pessoas que podem dizer a
mesma coisa de Kyle virando ortopedista.
— Ou minha irmãzinha sem propósito de vida.
Isso me fez olhá-la, e pela primeira vez ela ficou séria,
dando ao irmão um olhar de reprimenda.
— Já chega, crianças — Violet interferiu.
Talvez isso explicasse por que eu a vi no hospital.
— Jenna já decidiu em qual área vai se especializar? —
perguntei.
— Boêmia — Kyle brincou outra vez, mas ouvi a risada de
Jenna.
— Deixa de ser idiota! Você sabe que estou pensando,
mas não, tio, não será nada relacionado à medicina. Já tem
salvadores demais nessa família.
Fiquei tão surpreso com a informação que consegui ignorar
o “tio” em sua frase. Fitei Charles.
— Você aceitou?
— Foi difícil, amigo — suspirou —, mas eu tenho duas
mulheres impossíveis de serem vencidas ao meu lado. Ou eu
aceitava, ou minha filha ia sair de casa.
— Eu vou sair de qualquer forma, pai.
Violet, vendo que eu não entendia nada, me explicou.
— Jenna não vai fazer medicina, e Kyle já tinha se
rebelado o suficiente se especializando em ortopedia ao invés de
neuro. Charles concordou, contanto que nossa Jen passasse mais
um tempo em casa.
— Mas agora eu tenho vinte e vou me mudar.
— E quais são as atividades extracurriculares de Jen? —
questionei com sarcasmo disfarçado. A família toda virou para mim.
Ela, pela primeira vez, parecia insegura do que eu ia dizer.
Eles não faziam ideia de que meus pensamentos não
saíam de uma prostituta que tinha o rosto da preciosa Jenna.
— Bem, ela me ajuda no hospital com vários projetos. Se
dedica à caridade.
— Ainda estou decidindo o que quero fazer da vida, tio.
Fechei os olhos brevemente.
A forma como ela dizia “tio” parecia muito mais para me
provocar do que se referir a mim. Ela sabia que nada ali era
adequado. Eu estava errado pra caralho, igualando-me a ela. No
momento em que a vi subindo no palco deveria ter ligado para
Charles, e pedido para me encontrar antes do jantar, esclarecer o
que aconteceu e pedir perdão até que minha voz falhasse.
Depois, ir embora e nunca mais voltar a Seattle.
Se eu tivesse sido mais atento e não ficasse fugindo de ver
a felicidade do meu amigo, teria reparado se em sua mesa no
hospital tinha porta-retratos, se tinha quadros na casa, veria
qualquer indício da familiaridade dos dois. Isso evitaria metade dos
problemas, e agora eu teria a culpa para me acompanhar para
sempre.
Não tinha nada que eu odiasse mais do que mentiras e
covardia.
E naquele momento, eu estava sendo as duas coisas que
mais odiava.
— Jenna — falei, olhando para ela e assentindo...
pensando.
Eu ainda não conseguia acreditar. Parecia uma pegadinha
maldita, mas era só mais um momento da minha vida e do destino
tentando me fazer querer me afogar em álcool até que eu realmente
me afogasse.
A filha do meu melhor amigo.
O sexo mais sujo da minha vida.
Meu maior segredo.

JENNA WALDORF

O rosto dele.
Sua expressão.
A forma como ele me olhava era impagável.
Ele não tinha ideia de que a puta com quem tinha feito
tantas coisas impossíveis de verbalizar tinha nome e sobrenome, e
estava muito mais perto do que imaginou.
Depois do câncer, eu comecei a brincar com a vida. Me
divertia com tudo, zoava meus pais, fazia piadas e provocava
qualquer um. Atraía confusões só para sentir a emoção e no fim
tudo ficava bem, mas dessa vez, por mais que o rosto de Nathaniel
conseguisse disfarçar o quão puto estava comigo, eu não conseguia
pensar em uma boa forma de me justificar.
Não tinha como me redimir.
Com certeza ele estava pensando as mesmas coisas que
eu. Eu sabia errar e admitir, sabia quando eu tinha ferrado tudo.
Meu pai nunca entenderia, e eu jamais teria coragem de tentar
explicar. O que eu precisava agora era de um tempo sozinha com
Nathaniel para dizer a ele que eu não sabia quem ele era da
primeira vez e deixá-lo pensar que aquilo tinha sido um engano de
ambas as partes.
Mas até mesmo essa alternativa era falha, já que fiz a
besteira de dizer o nome dele na boate.
Ainda que ele não me desculpasse, eu precisava implorar
que não contasse nada ao meu pai, além de esclarecer que não era
garota de programa.
Charles Waldorf ficaria maluco se sequer sonhasse com
uma história dessa.
Eu sabia que não deveria provocá-lo, porque a única
culpada de tudo realmente era eu.
— Quando o senhor vai começar a operar no hospital do
meu pai?
— Você — me corrigiu. — Me chame de você. — Ele me
olhou nos olhos de forma intensa pela primeira vez, talvez eu
piorasse tudo o chamando de tio, senhor e todos os adjetivos que o
lembrava de sua idade e nossa posição.
— Quando você começa a trabalhar?
Suas narinas inflaram, e me perguntei o que podia estar
pensando enquanto me olhava.
— Amanhã. Tenho uma cirurgia às oito.
— Estamos ansiosos — papai acrescentou com
entusiasmo. — É um caso extremamente raro e difícil, Nate.
— Você conseguiu responder a todos os pedidos de
autorização de imprensa, amor? — mamãe perguntou.
— Imprensa? — Franzi o cenho.
— As pessoas não só querem ver Nate em ação, como
esperam poder registrar isso para o mundo ter acesso.
— Por quê? — questionei honestamente. Eu sabia que ele
era um bom cirurgião, papai sempre dizia, mas a imprensa tomaria
conta do hospital por uma cirurgia?
— Filha, você precisa ficar ainda a par da sua família. —
Papai riu. — Nathaniel é um cirurgião muito requisitado por aí afora.
Tenho sorte que seja meu amigo e tenha aceitado trabalhar para
mim.
— Com você — seu amigo o corrigiu, fazendo meu irmão e
mamãe caírem na risada.
Meu pai ergueu sua taça, e nós o acompanhamos.
— Pegaremos casos impressionantes daqui para a frente.
— Mas você já tem casos incríveis no hospital, pai.
— Isso é verdade, filha, mas agora seremos referência em
cirurgia geral. Ninguém vai parar o Saint Glory.
Eu assenti lentamente, virando-me para encarar o rosto
petrificado de Nathaniel.
— Nesse caso... um brinde ao doutor Sullivan — falei. —
Seja bem-vindo.
— Viva! — disse mamãe. — Bem-vindo, meu amigo
querido.
Nós brindamos, bebemos e depois que o prato dele
chegou, comemos em silêncio por dois minutos antes que ele me
surpreendesse, virando-se para mim.
— Só para confirmar, então você não trabalha no hospital,
Jenna?
— Não.
— E não tem pretensão de fazê-lo?
— Só se ela for se candidatar a chorona profissional —
disse Kyle. — Jen não aguentaria ver um óbito sem chorar como
uma menininha.
Meu irmão piscou para mim.
— Eu sou uma menininha, idiota. E você sabe que eu
aguento muito mais do que isso, idiota. — Virei-me para o motivo da
minha ansiedade e sonhos eróticos. — Mas isso não significa que
eu não tire vários dias da minha semana para aparecer e ver papai
trabalhando. Admirar a paixão dele pelo que faz é uma das coisas
que mais admiro no mundo.
Nathaniel franziu os olhos ligeiramente, como se ficasse
surpreso com minha confissão.
— Nisso nós dois estamos em comum acordo.
— Vocês terão muito em comum — disse mamãe. — Não
vamos esquecer que você a viu crescer, Nate. Se tem alguém que é
mais parecido com essa garota do que Kyle, é você.
Eu quis me enfiar debaixo da mesa e não sair mais na
menção de que ele me viu crescer.
— O que quer dizer, mãe?
— A rebeldia, a forma como vocês não abrem mão de lutar
pelo que acreditam e buscam sempre a justiça de tudo. — Ela riu, e
tocou o braço de Nathaniel. — Você tinha que ver a cara do pai dela
quando ouviu que ela não cursaria medicina.
Ele forçou um sorriso, e naquele momento, as linhas de
expressão nos olhos ficaram ainda mais evidentes. Deliciosamente
aparentes.
Desviei o olhar.
— Eu imagino que tenha sido uma batalha difícil para
Charles.
— Difícil? — Kyle bufou, rindo. — Meu pai estava à beira
de um colapso.
— Posso entender isso. Quando conversávamos antes, ele
desejava uma família inteira de médicos.
— Não é uma família inteira — argumentei, mas entendia o
que ele quis dizer. — Minha mãe faz parte da família e nunca sequer
pensou em ser cirurgiã.
— Mas eu seria obrigado a roubar a noiva do meu melhor
amigo se ele sequer tentasse fazê-la desistir da arte.
Eu me inclinei para a frente, estreitando os olhos. Papai e
mamãe davam risada.
— Por quê?
Aceitando o desafio, Nathaniel também se inclinou em
minha direção. Para mim, foi impossível não lembrar da última vez
que estivemos tão perto assim na mesa de um restaurante.
— Sua mãe não podia ser impedida de fazer o que amava.
Ela sempre deixou isso muito claro.
Eu me recostei, aliviada com a resposta. Se ele dissesse,
depois da risada dos meus pais, que já houve um triângulo amoroso
ali, eu com certeza iria pirar. Há muito pouco que a minha cabeça
não se abriu para tentar entender, mas ter transado tão loucamente
com o homem que poderia na verdade ser o meu pai em uma outra
possibilidade de vida era insano. E eu jamais aceitaria isso.
Ainda assim, soltei um riso sem graça.
— Ufa! — brinquei. — Por um momento pensei que vocês
iam dizer...
— Que fomos um triângulo amoroso? — mamãe
completou, erguendo as sobrancelhas. — Não... no momento que
eu vi Charles e ele me chamou para um encontro com as mãos
suando sem conseguir para de me olhar nos olhos com os olhos
esbugalhados, eu não consegui olhar para mais ninguém.
— Mesmo que Nate estivesse atrás de mim encorajando-
me a chegar em você?
Kyle deu risada.
— Não brinca, pai. Eu esperava mais do senhor.
— Ah, meu filho — ele ergueu os braços —, um dia já foi
um patinho.
Caímos na risada, e até mesmo Nathaniel que
demonstrava estar muito tenso — pelo menos eu via isso — abaixou
a cabeça, sorrindo fechado e provavelmente lembrando da situação.
Eu estava satisfeita e aliviada que pelo menos por essa
noite importante, conseguimos deixar a nossa confusão de lado e
comemorar com meu pai. Não havia nada mais valioso para mim do
que sua felicidade, e que soubesse do meu orgulho pelas suas
conquistas.
E meu caso de uma ou três noites com Nathaniel Sullivan
jamais mudaria isso.
Mais tarde, quando o jantar de farsas acabasse, ele tinha
que saber disso.
CAPÍTULO 13
"A raiva nunca morre
Faz parte do viver
É parte de você
O fim cessará o fogo
E nos fará aceitar que nós tendemos a perder"

Hooverphonic, Anger Never Dies

NATHANIEL SULLIVAN

— Pode levá-la para a recuperação. Eu vou falar com a


família e volto em algumas horas para ver como ela está — falei
para Elise, a residente que havia ganhado o lugar na cirurgia
comigo, e saí, deixando em suas mãos cuidar dos dois internos que
observaram todo o processo do transplante de combinado de rim e
pâncreas, e agora tinham dúvidas.
Tirei a roupa cirúrgica descartável e lavei minhas mãos
antes de deixar a sala. Precisava de um banho, dormir uma hora e
um momento sozinho — coisa que eu não conseguiria dentro do
hospital.
Minha segunda cirurgia do dia foi mais um sucesso e
embora grato, eu não estava surpreso. Depois de falar por quarenta
minutos com a imprensa, sob o olhar de Charles no fim da sala,
enquanto eu respondia às perguntas sobre o caso das gêmeas
siamesas de vinte e oito anos, eu me preparei mentalmente para a
segunda, que embora complexa, era mais simples.
Eu não era um garoto propaganda e não conseguia lidar
com as expectativas dos outros sobre mim. Charles seria avisado de
que eu nunca mais daria uma entrevista sequer.
Andei por sete minutos até o restaurante, onde meu
almoço estava marcado. A caminhada me ajudou a pensar sobre o
que confessaria de toda aquela situação fodida para Emma. Tinham
coisas que eu sabia que ia manter só para mim quando minha irmã
de coração começasse a questionar meu mau humor. Ela já estava
acostumada, é claro, mas eu me encontrava especialmente irritado,
impaciente e facilmente entraria numa briga de socos caso alguém
me provocasse minimamente.
Ela sabia disso. Quando eu dissesse — mentindo — que
era pelo motivo de sempre, Emma não cairia nessa. Sendo honesto,
eu não conseguia mentir para ela. A encontrei sentada na janela do
bistrô francês, decorado com móveis de madeira em estilo clássico,
com lustres grandes e velas nas mesas.
Emma não escolhia os lugares que frequentava pela
comida ou pela música, mas pela aparência. Ela dizia que lugares
bonitos transformaram qualquer coisa comigo insossa em algo
delicioso — com exceção de um italiano que fomos anos atrás e a
comida parecia congelada. Isso, nem mesmo um arquiteto
carimbado em revistas de decoração pôde salvar.
Ela se levantou ao me ver, sorrindo, e me abraçou.
— Irmão!
Eu deixei que seu abraço falasse comigo, e embora a
tensão em meu corpo não dissipasse, era bom ter alguém que me
amava e conhecia cada aspecto de mim tão perto.
— Emma — beijei sua testa —, pensei que íamos no
japonês.
— Decidi dar uma chance para esse. Olha os lustres no
teto e as pilastras decoradas.
Nós nos sentamos e após ela pedir uma limonada e eu
uma água com gás, ela me encarou fixamente.
— O que houve? — perguntou sem rodeios.
— Não começa com isso.
Emma inclinou a cabeça de lado.
— Vai me dizer que não tem nada errado?
— Eu não ia, mas vamos pelo menos esperar as bebidas.
— Não tenho tempo pra isso, seu telefone pode tocar a
qualquer momento e você vai me deixar aqui sem respostas e com
dois pratos cheios, doutor.
Dei risada.
— Por isso mesmo, devemos pedir um e dividir. Não estou
com muita fome.
Ela bateu na mesa e estreitou os olhos em resposta.
— Agora mesmo é que eu tenho certeza de que tem coisa
errada! Meu melhor amigo que come como um dragão não sente
fome depois de duas cirurgias e ser torturado pela imprensa?
— Não foi tortura.
— Você odeia essas coisas, Nate. — Revirou os olhos.
— Ódio é uma palavra forte, eles estavam apenas
reconhecendo meu trabalho.
Ela fechou os olhos e fingiu estar roncando,
sobressaltando-se como se acordasse quando parei de falar.
— Desculpe, fiquei com sono ouvindo você fingir que se
importa com isso.
Apertei os lábios.
— Ok, eu odeio essas coisas.
Ela deu risada e pegou minha mão.
— É sério, o que houve? Você não parecia legal no
telefone e estava mais grosso do que de costume nas mensagens.
Fiquei em silêncio por um momento, observando seu anel
de casamento cutucar minha palma. Um dos casamentos mais
felizes que já testemunhei.
— Como está o Erick?
Emma encolheu os ombros.
— Está fenomenal, considerando que é casado com uma
mulher fantástica.
O garçom chegou com nossas bebidas enquanto eu sorria
do seu traço egocêntrico e convencido — embora fosse verdade
sobre ela ser fantástica. Bebi dois copos seguidos da garrafa de
água sob seu olhar atento e paciente.
Eu suspirei.
— Fiz uma besteira. Uma das grandes.
— Quando é que não faz? — Ela sorriu de um jeito gentil,
com uma expressão de quem estava preparada para ouvir o que
quer que eu tivesse feito e se realmente fosse uma besteira, ia me
ajudar, depois me agredir.
Conheci Emma quando estava no Afeganistão e fui
enviado para a terapia para controlar meus ataques de raiva. Sendo
psiquiatra e terapeuta no exército, ela já viu muita merda, mas eu a
surpreendi. Ela disse que eu tinha uma diferença com relação aos
pacientes dela. Eles havia desistido da vida porque não queriam
mais viver, e eu desisti porque as coisas estavam difíceis demais e
eu não aguentava mais sofrer, porém, estava desesperado para
viver.
Ao invés de terminar nossa consulta na sala improvisada,
ela me chamou para comer um hambúrguer e era horrível, porque
estávamos no meio do deserto e ela dirigiu por quarenta minutos até
uma pequena cidade isolada que tinha apenas uma lanchonete que
servia de tudo mais gorduroso e sem gosto. Enquanto comíamos as
batatas murchas pelo óleo que cheirava a peixe, ela me disse que
eu precisava de um novo terapeuta, já que não podia ser minha
amiga e minha médica.
A primeira coisa idiota que eu disse a ela foi:
— Não vou transar com você, eu não misturo trabalho e
prazer.
Ela riu, óbvio, uma gargalhada tão sincera e profunda que
me fez sentir saudade de rir. Bateu na mesa e disse:
— Meu Deus! Não gargalho assim há tanto tempo! —
Cuspindo a batata num guardanapo, falou: — Que bom que não vai,
porque meu marido não gostaria nada disso.
— Charles tem uma filha — contei, voltando das
lembranças do nosso primeiro contato.
— Sei disso, você estava ansioso para vê-la de novo.
— É, mas aparentemente não ansioso o suficiente para
lembrar do rosto da garota.
— Como assim?
— Eu a encontrei sem saber que ela era Jenna. — Engoli
em seco, passando as mãos pelo cabelo. — Deus, que merda. Eu
não faço ideia de como olhar para Charles, conversar ou confessar
o que aconteceu.
— Espera! — Ergueu as mãos, me parando. — Eu tô
confusa. Começa do começo.
Conforme Emma se inclinava para a frente ouvindo minha
confissão, ela me fazia sentir mais e mais como uma mulher
fofoqueira no meio do chá da tarde, e ela não se esforçava para
esconder as reações honestas no decorrer da história.
— Mas então você... — ela fez uma pausa, limpando a
garganta — você dormiu com a filha do seu melhor amigo?
— Dormir não é a palavra, Emma.
— Sim, eu entendi, mas...
— Eu pensei que ela fosse uma prostituta — quase rosnei,
impaciente de responder a mesma coisa pela quinta vez.
— Tá, tá! Uma prostituta. Você foi na casa deles, não tinha
uma foto? É seu melhor amigo e não sentiu curiosidade em ver
como a filha dele está hoje em dia?
— Eu não pensei nisso, porra, caso não se lembre, eu
tenho dificuldade em lidar com famílias felizes e sentar pra ver um
álbum dos últimos anos com certeza não foi minha primeira ideia
quando entrei naquela casa cheia de amor.
Ela suspirou.
— Eu quero rir porque te ver numa situação dessas é
cômico.
— Não vejo desse jeito.
— É claro que não! Você gosta de estar no controle, e
agora que algo saiu fora do planejado você não sabe como lidar.
— Pare de me analisar, Emma!
— Não estou te analisando, amigo. Se eu estivesse, a
conversa seria bem diferente. Quer um conselho de amiga?
Eu assenti.
— O que eu faço?
— Volta pro exército.
— Caralho, eu tô falando sério!
Ela deu risada.
— Você vai contar para ele? Ciente de que vai perder seu
amigo, pretende contar?
— Não vou perder meu amigo — declarei, encarando a
madeira da mesa fixamente.
— Você é um quarentão e a menina tem dezoito, Nate.
— Vinte. Ela tem vinte. Seu marido é dez anos mais velho
que você, isso não quer dizer nada.
— E você é vinte mais velho que ela, homem! Já estava
fazendo todas as coisas pecaminosas desse mundo enquanto ela
ainda estava nascendo!
— O que aconteceu com “sem julgamento”?
— Longe de mim julgar, Nate, só estou deixando claro tudo
o que o pai dela vai pensar e dizer.
Merda.
Porra!
Enfiei a cabeça entre as mãos.
— Eu tô fodido!
— Basicamente, mas não pode contar para Charles. Acho
que você deve manter distância dela.
— É claro — falei de imediato.
Ela estreitou os olhos, segurando meu queixo.
— Quando eu digo pra manter distância, significa não cair
no papinho de uma jovem sedutora e esperta.
— Ela não é sedutora.
— Ah, não? Então por que nas três vezes que se
encontraram você quis transar com ela?
— Porque eu sou um burro do caralho.
— Não — apontou o dedo —, porque você desconta suas
frustrações em sexo, e na maioria das vezes não para pra pensar
que pode ter consequências! Eu já te disse várias e várias vezes o
quão perigoso é deixar seu pênis guiar sua vida, mas você não
escuta.
— Eu não escuto?
— Não, Nate! Você acha que tudo o que eu te digo é
besteira ou que estou dando uma de psicóloga pra cima de você,
mas essa é a maior prova.
— Não estamos falando sobre sexo, e sim sobre eu ter
trepado com a filha do meu amigo.
— A filha muito mais jovem do seu melhor amigo.
Ficamos em silêncio por alguns minutos. Eu, porque não
tinha como rebater. E ela, porque tinha muito o que falar, mas não
queria forçar a barra.
— Caralho. — Suspirei. — Charles vai me odiar pra
sempre.
— Não vai, porque você manterá distância dessa garota.
Algum vídeo foi feito? Tiraram alguma foto?
— Não, pelo amor de Deus.
— Ótimo, eu posso garantir que do mesmo jeito que você
não sabe o que fazer, ela deve estar igual, só que pra ela é pior,
porque você é o amigo do pai dela.
Lembrar que eu dei dinheiro para ela, ofereci gorjeta e a
acusei de estar me perseguindo, me fazia querer vomitar.
Aquela era Jenna. A pequena Jennie que servia
hambúrgueres e usava vestidos cor de rosa com o aparelho dental.
— Acha que ela se sentiu usada?
— Você não sabia quem ela era.
— Não.
— Mas ela disse seu nome na boate?
— Sim.
— Então você é o único que pode alegar ter sido usado,
Nate.
— Não diga alegar, parece que a polícia e advogados vão
se envolver e isso fode minha mente.
— Não são coisas que você pode descartar, amigo — disse
com cuidado. — Pode ter sido uma noite louca de uma aventura que
jamais vai se repetir? Sim, mas também pode ser um problema.
— Não será — garanti.
— Consegue ter certeza disso?
— Eu posso falar com ela e ter certeza.
— E se você falar com ela, garante que não vão acabar
sem roupa?
— Sim, é claro que sim.
— Demorou pra responder.
— Eu estava refletindo na pergunta, Emma. É claro que
garanto que não vamos acabar sem roupa.
— Ok, fale com ela, garanta que foi um erro e que nunca
mais vai acontecer. Que Charles nunca pode saber disso. Eu acho
que está tudo bem.
— Assim, simples?
— Não — ela riu —, nada disso é simples, mas em respeito
ao seu amigo vocês terão que simplificar, mesmo que tenham que
fingir até que vire verdade.
— Certo.
— Certo? — Ela pegou minha mão e deu um aperto.
Eu suspirei, assentindo.
— Certo.
— Prontos para pedir a sobremesa? — O garçom se
aproximou com o cardápio.
— Com certeza, eu vou precisar de uma boa quantidade de
açúcar no sangue depois do que acabei de ouvir, moço.
Ela piscou para mim, mal se contendo com suas piadinhas,
e eu recostei na cadeira, pensando em tudo o que falamos.
Talvez ficasse mesmo tudo bem, mas eu só ia descobrir
quando encontrasse Jenna a sós.
CAPÍTULO 14
"Agora você está me provocando e não consigo evitar fazer
o mesmo
Sussurrando no telefone, agora você está me deixando
louca
É como se você sentisse prazer em mexer com a minha
sanidade
Desligue o telefone, venha pra cá, vamos viver essa
fantasia"

Demi Lovato, Sexy Dirty Love

JENNA WALDORF

Rindo em meio à performance de magic mike, eu caí


no chão, sentada, quando Donna agarrou a barra e fez um
giro com uma expressão sexy que dizia só usar em ocasiões
especiais com a namorada. Ela deixou as palmas apoiarem
no chão e foi se aproximando de Brittany, esfregando os
joelhos no chão, girando o cabelo. Houve um coro de gritos
das meninas sentadas no círculo que fechava a sala.
Uma das minhas terapias era vir nesse estúdio
próximo ao hospital e assistir às pessoas dançando através
do vidro, até que um dia, Chloe — a professora de hip hop
— me abordou e disse que aquele lugar no vidro já era
reservado para mim de tanto que eu ficava ali. Quando eu
pedi desculpa, sua resposta foi que ela estava me
convidando para entrar e experimentar quando quisesse. Na
época, meu cabelo tinha dois dedos de comprimento. Eu
cruzei os braços, protegendo-me no meu moletom largo e
forcei um sorriso.
— Obrigada, mas eu não teria força para fazer todos
esses movimentos que vocês fazem.
— Dança não é só sobre força, querida, é sobre o
coração. Sobre o que você está sentindo.
Duas semanas depois eu paguei minha matrícula e
fiquei sentada observando-as. Era divertido, sem contar que
fiz amizades que me faziam sentir em casa. Eu sabia que
não conseguiria realizar passos profissionais tão calculados
e acho que todo mundo sabia disso. Foi quando eu resolvi
dar uma volta pelo estúdio e encontrei outra sala um pouco
maior, com luzes vermelhas e mulheres se alongando ao
lado de barras de ferro. A dança sensual comandada por
Cassandra e Donna me encantou de primeira, eu não
conseguia tirar os olhos dos movimentos delicados, das
mulheres dançando de olhos fechados e sentindo as batidas
como se vivessem para isso.
Parei de assistir às aulas de hip hop e comecei a
frequentar a classe de pole dance, admirando-as e
desejando que um dia eu me visse como uma mulher tão
bonita, sensual e poderosa como as outras alunas. Desejei
ter o controle do meu corpo da mesma forma que elas
tinham.
Fazer amizade com Cassandra foi algo natural,
rápido e fácil. Ela me contou que veio de Cullman, no
Alabama. e eu nunca tinha ouvido falar sobre a cidade, de
tão pequena. Sair de um lugarzinho tão pequeno para se
tornar uma das professoras de dança mais talentosas de
Seattle foi sua maior conquista. Sua cidade natal tinha
muitos preconceitos e começar uma carreira lá foi difícil. A
fama de professora de dança das prostitutas a fez precisar
abandonar sua casa.
Aqui, ela aprendeu que podia começar uma vida
fazendo o que amava sem ficar ouvindo absurdos, e em
breve começaria uma família com o marido, Bratt.
— Posso ser uma mulher que trabalha com essa
dança extremamente sexy e desejar um marido para me
amar — foi o que me disse na época. — Pole dance não tem
a ver com as regras da sociedade apenas, Jen, tem a ver
com ser mulher.
Eu comecei com passos pequenos, embora de
primeiro momento tivesse vergonha, porque as outras
alunas estavam em vários graus de experiência, e eu ainda
ficava presa a movimentos no chão, tinha pausas mais
demoradas para não cansar demais. Mas isso durou apenas
até que eu fizesse amizade com todas e descobrir que
torciam pela minha cura com a mesma força que usavam
para se manter no topo da barra.
Engatinhei até a barra, sendo seduzida pelas batidas
de “Sexy Dirty Love” da Demi Lovato, e agarrei o ferro antes
de ficar de joelhos, erguendo-me lentamente e começar a
escalá-la. Jogando toda a coluna para trás e me segurando
apenas com as coxas cruzadas, houve um coro de gritos
que me fizeram rir lá de cima, e eu desci devagar, jogando o
cabelo, exalando sensualidade, destreza e delicadeza.
Minha habilidade ainda me surpreendia, o fato de
que eu era capaz de dançar como elas e fazer movimentos
tão bonitos com um corpo que um dia já fora tão fraco e
debilitado.
Continuei girando e quando encostei no chão,
deslizei minhas pernas abertas em um espacate e teria
continuado a dança até o grand finale, se não fosse pelo fato
de que no momento que virei ligeiramente a cabeça para o
lado, vi uma figura com um terno de três peças parada na
porta observando-me.
A música parou, os gritos de empolgação das
minhas amigas foram interrompidos e de repente só havia
Nathaniel me devorando com os olhos. Dividida entre
continuar dançando e fingir que não o vi, ou me levantar e
enfrentá-lo, eu escolhi a segunda opção, sabendo que uma
semana depois de ele ter descoberto quem eu era, já estava
na hora de esclarecermos tudo.
Eu me levantei devagar em minhas botas até o
joelho com salto plataforma quatorze centímetros e caminhei
com confiança como sempre fazia até meu moletom do outro
lado da sala. Virei-me para Donna.
— Me dá dez minutos?
Ela jogou um olhar desconfiado para Cassandra,
que encolheu os ombros.
— Com essa companhia até vinte.
— Engraçadinha. — Revirei os olhos, vestindo-me e
caminhando até ele, ciente de que todos os olhares estavam
em nós dois, principalmente nele. Fiquei a um metro de
distância.
O moletom escondia o macacão super curto e
apertado. Não fazia diferença porque ele já tinha visto tudo
por baixo das roupas, mas ainda me fazia sentir um pouco
protegida.
— Então sua profissão não era tão mentira assim —
foi a primeira coisa que ele disse.
— Como é?
— É uma dança de puteiro, não é? — Balançou a
cabeça. — Você costumava ser uma boa menina quando fui
embora e agora é uma decepção atrás da outra. Espero que
seu pai nunca saiba das coisas que faz.
Eu fui obrigada a rir, mesmo começando a ficar puta.
— Com licença. — Ergui a mão direita, parando-o.
— Ainda que isso aqui fosse só uma dança de puteiro, é
preciso habilidade, muita força e beleza para conseguir fazer
um passo sequer.
— Se você nunca foi em um puteiro, é isso que elas
dançam.
— Para seu conhecimento, que aparentemente é
muito raso, todas as danças nascem em algum lugar e são
adaptadas para milhares de ocasiões. Seu preconceito me
faz sentir nojo de ter sido tocada por você. Também tem
dança do ventre em puteiros, isso significa que toda indiana
é prostituta? — cuspi. — Quer saber... você despreza tanto
uma profissão que parece gostar tanto!
Eu podia notar o esforço que ele fazia para não
desviar os olhos para minha boca. Inclinei a cabeça.
— Está difícil prestar atenção nos meus olhos,
doutor?
— Eu preciso falar com você.
Encolho os ombros.
— Já estamos falando.
— Jen? — Donna se aproximou, ficando ao meu
lado. — Algum problema aqui? O cavalheiro está
incomodando?
Dei uma breve olhada por cima do ombro,
constatando que a maioria das mulheres nos observavam.
Tocava uma música lenta e algumas ensaiavam uma dança
no meio da sala, mas não estávamos acostumadas a
receber homens ali no nosso canto de autoconhecimento e
de ficar em dia com nossos desejos mais íntimos.
Donna não o fitava com a curiosidade de quem via
um homem lindo. Ela era casada com uma das mulheres
mais lindas que já vi, Megan, e eu sabia que sua
aproximação se tratava apenas de cuidado.
Quando cheguei ao estúdio pela primeira vez, todas
elas me acolheram. Eu fui vista e abraçada como a pequena
Jen, fraca, magrinha e sem esperanças. Embora ainda hoje
minhas expectativas para a vida não fossem grandiosas e eu
não me permitisse ter sonhos, eu mudei demais e grande
parte disso foi graças a essas mulheres.
— Está tudo bem, Donna, esse é meu tio, Nathaniel.
— Tio? Nunca ouvi falar desse tio.
Elas conheciam meu pai e conheciam minha mãe
melhor ainda.
— Nas vezes que papai veio aqui ele não citou, né?
— Procurei uma resposta rápida. — Tio Nate é tipo um irmão
da vida do papai.
— Certo — falou lentamente, desconfiada. — Vou
deixar vocês, mas estarei bem ali caso você precise de
qualquer coisa.
Ela jogou um olhar sinistro para Nathaniel antes de
caminhar para longe.
Nathaniel suspirou.
— Jenna, chega de jogos. Nós temos que conversar.
— Temos? — Ergui as sobrancelhas — Não tenho
certeza se quero falar com um homem que só abre a boca
para me ofender.
— Prefere que esse homem vá até seu pai com essa
conversa?
— Me ameaçando com o papai?
— Não é uma ameaça, é uma possibilidade muito
real. Temos coisas a resolver e você está agindo como se
não fosse nada grave.
— E não é grave se nós dois prometermos manter a
boca fechada.
Eu ergui o queixo. Estava sendo covarde sabia disso
e odiava me ver nessa posição, mas a alternativa envolvia
conversar a sós com ele, e eu não sabia se podia fazer isso
com a noite que tivemos em seu quarto de hotel ainda tão
fresca em minha mente. Eu amava meu pai e não queria
magoá-lo, mas também tinha um fraco por realizar meus
desejos e dar voz às minhas vontades.
— Estou ocupada agora.
— Ocupada? Você... — Ele fechou os olhos,
respirando pesadamente, e eu aproveitei o momento para
lhe dar as costas e me afastar, mas não dei um passo
sequer antes que ele segurasse meu braço acima do
cotovelo e me virasse para si outra vez.
De imediato vi as meninas se levantando e Donna
vindo em minha direção com Cassandra atrás.
— Suas amigas não vão te livrar da confusão que
criou — ele disse em meu ouvido, causando arrepios em
minha nuca com o hálito fresco.
Fiz menção de responder, mas ele me levou para
uma das portas no corredor, um closet com sofá que não
usávamos, pois em breve começaria a ser reformado e girou
a chave, nos trancando.
— O que está fazendo?! — gritei, ofegante, quando
me encostou na porta. Seu corpo não me tocava, mas eu me
sentia tão pressionada quanto naquela noite no hospital. Tão
engolida por seu tamanho quanto naquela primeira vez na
boate. Bati em seu peito. — Estou cansada de ser
encurralada por você nos lugares que frequento!
Houve murros na porta, e vozes exaltadas.
— Pois é — ele rosnou em meu rosto —, e graças a
sua mentira eu pensei que estava me perseguindo!
Merda.
— Suas impressões equivocadas são coisas que
você precisa discutir com o espelho, doutor. Excesso de
confiança não faz bem pra ninguém.
Minha provocação pareceu deixá-lo ainda mais
irritado.
— Não brinque comigo, Jenna. Ainda não percebeu
do que eu sou capaz?
— Ah, percebi, é claro que sim. Só estou te dando a
chance de não deixar as coisas piores do que estão.
— E por pior, você quer dizer...
— JENNA! — Donna gritou, batendo na porta outra
vez e sacudindo meu corpo, fazendo-me bater levemente no
seu. — Eu vou chamar a polícia!
— Não! Não precisa disso.
— Diga a essas mulheres para cuidarem de suas
vidas!
— As coisas não funcionam assim por aqui, tio, nós
cuidamos umas das outras.
— Pare de me chamar de tio, garota. Eu não sei qual
jogo está jogando, mas não vai funcionar.
— Não quero jogar jogo nenhum com você, mas eu
tenho amigas e elas cuidam de mim.
— Jenna! Eu vou chamar os caras da construção ao
lado! — avisou Cassandra.
Nathaniel bufou.
— Eu não me importo com a polícia, o presidente ou
a porra do papa. Diga à sua amiga para ir embora ou pelo
menos calar a boca.
— Elas não aceitam ordens de ninguém.
— Mas é melhor que aceitem essa, porque você não
sai daqui até conversarmos.
Ele falava muito sério. Eu não queria ceder, mas
também nunca gostei de agir como uma criança mimada,
por isso, desviei o olhar dele e assenti.
— Ok, mas se ela não quiser me ouvir não é culpa
minha.
— Seja. Convincente — falou pausadamente.
— Está tudo bem, Donna. — Fitei os olhos azuis sem
piscar enquanto falava. — Eu confio no meu tio, ele não vai
me machucar.
Dizer isso enquanto ele me pressionava na porta
sabendo que pelo menos dez das minhas amigas e colegas
do dia a dia me ouviam do lado de fora era fodido, mas não
mais desconcertante do que lidar com o olhar em brasa que
ele me lançou quando o peso do que eu disse fez sentido
para ele.
Ele se afastou e me segurou novamente, sentando-
me no sofá.
— Porra! — vociferou, andando de um lado para o
outro no quadrado pequeno.
Sempre imaginei como seria se eu fosse tocada por
ele, e é estranho pensar que isso aconteceu. Parte de mim
sofria porque ele não sabia que era eu, e parte se regozijava
porque bastava tê-lo.
Eu queria dar sinais de quem era, mas tinha medo
que desistiria. Medo de que o desejo que eu via em seus
olhos fosse sumir de repente, como se querer a filha do seu
melhor amigo, vinte anos mais jovem, fosse um pecado
grande o suficiente para impedi-lo de tomar o que queria de
mim.
— Eu não era virgem.
Ele me fitou com uma expressão dura, me olhava
como se eu estivesse nua, mas não fez nenhum avanço
para me tocar. Claramente me desejava, mas parecia me
odiar também.
— Acha que essa é a porra do problema? —
esbravejou, fazendo-me saltar.
Eu segurei a barra do moletom, mexendo nas
costuras.
— Sei que não é, mas pensei que podia amenizar
sua culpa.
— Minha culpa não pode ser diminuída com uma
simples palavra, Jenna. Conheço o seu pai quase a minha
vida toda. Ele esteve comigo nos melhores e piores
momentos, e mesmo sabendo disso, você me colocou nessa
situação.
— Você podia não ter...
— O quê? — ele me interrompeu irritado. — Podia
não ter fodido uma mulher atraente? Vai mesmo colocar a
culpa disso em mim?
— Não — engoli em seco —, eu errei. É isso o que
quer ouvir?
— Seria um bom começo.
— Não tenho problema em admitir meus erros,
Nathaniel, já fiz muita merda na vida e sei que as
consequências sempre nos alcançam, mas eu me arrependi.
— E no hospital, se arrependeu?
— Eu fiquei sem reação naquele dia. Era um dia
importante para o meu pai e eu não podia falar com você lá.
— E no restaurante do hotel?
Eu me levantei, abrindo os braços. Estava mais
irritada por estar sendo tratada como uma criminosa.
— E você? — elevei a voz. — Em nenhum momento
desconfiou de quem eu era, ou suspeitou? Não olhou pra
mim e viu algo familiar?
— Eu passei sete anos fora, Jenna, você cresceu e
se tornou uma mulher — ele hesitou, fechando os olhos. —
Nada parecida com a adolescente de quando fui embora.
Honestamente, eu não reparava em você o suficiente para
me lembrar.
Isso me magoou. Dei um passo para trás como se
ele tivesse me atingido fisicamente.
— Uau. Então eu sou apenas a filha do seu amigo
Charles? Toda aquela história de “anjo” e eu ser a garota
mais inteligente e especial que você conhecia era mentira?
— Claro que não. E não repita essas coisas do
passado agora que eu fiz tantas coisas erradas com você.
— Você não fez nada com aquela adolescente,
Nathaniel. Fez com uma adulta.
— Uma adulta que mal saiu das fraldas — ele
resmungou consigo mesmo, balançando a cabeça e
empurrando o cabelo para trás.
— Eu tenho vinte anos! E já passei por muito mais
do que você pode imaginar.
— E nenhuma dessas experiências te mostrou que
não deveria ter feito o que fez para nos trazer aqui?
— Quer que eu me ajoelhe?! — quase gritei, mas
ele ficou quieto de imediato, ficando de costas para mim,
murmurando palavrões.
Na mesma hora, eu fechei meus olhos, lembrando-
me que falei a mesma coisa no quarto de hotel em nossa
última noite.
— Não falei de propósito — me justifiquei.
Ele girou para me encarar, ficando tão perto que seu
hálito quente, mentolado, refrescou meu rosto.
— Tem certeza? Nesse momento estou tendo muita
dificuldade em acreditar em uma palavra sequer do que você
diz.
— Não vou me humilhar pra você, Nathaniel. A única
coisa que posso fazer é garantir que nunca vou contar nada
para ele, jamais farei piadas perto dele e sequer pensar no
assunto.
— Ótimo — ele ergueu o queixo —, eu também não
vou. — Os olhos azuis pareciam marejados, mas se era de
raiva, arrependimento ou vontade de me estrangular, eu não
sabia. — Seu pai é o homem mais íntegro, leal e verdadeiro
que conheço. Ele merece tudo o que conquistou, a família, a
reputação profissional e a condição financeira. Estar perto
dele me salvou quando eu perdi tudo, Jenna. Eu não vou
deixar que sexo estrague isso ou quebre uma parte dele. —
Ele engoliu com força, cerrando os punhos ao lado do corpo.
— Eu não vou quebrar o coração de Charles.
Ouvi-lo falar do papai de forma tão aberta e sensível
me fez sentir ainda mais culpada, meus olhos lacrimejaram,
mas ao contrário dele, as lágrimas deslizaram pelo meu
rosto. Pareceu que me ver chorar o fez se sentir vingado, ele
ficou mais alto, a expressão mais imponente, o olhar mudou
de sensível para frio e distante.
— Nem eu — falei baixo, erguendo o queixo,
tentando demonstrar uma firmeza que não sentia.
— Então é isso — decretou.
Assenti.
— É isso.
Ele passou a mão pelo cabelo loiro-escuro e segurou
a maçaneta.
— Vamos nos tratar com cordialidade quando
estivermos na casa dos seus pais.
— Eu vou me mudar. — Não sei por que falei, mas
falei, e me arrependi na mesma hora. — Não vou conseguir
permanecer naquela casa mentindo pra eles.
— O que você vai fazer não é da minha conta, eu
não me importo, Jenna.
Ergui as sobrancelhas.
— Nossa, essa é sua cordialidade?
— Estou sendo sincero.
— Parece que o novo doutor Sullivan faz muito isso
e não pensa no peso das palavras.
— Honestidade é tudo pra mim, e se isso me faz
parecer grosso, que seja.
— Já que você gosta tanto de honestidade — me
aproximei a passos lentos, fitando seus olhos fixamente —
não vai perguntar por que fiz o que fiz? Por que menti pra ter
você?
Ele encostou a porta outra vez e me fitou por cima
do ombro.
— Você não me teve, garota, isso não passou de
ilusão. Quando eu fodo alguém, meu coração e minha mente
não estão lá. E se o seu estivesse, não teria feito algo tão
sujo com seu o seu pai.
Ele abriu a porta e saiu sem me dar a chance de
responder.
Donna entrou de imediato. Eu caí no sofá, sem
forças para ficar de pé. Ela se sentou ao meu lado e segurou
minha mão sem dizer nada, sem pedir explicação e sem
curiosidade que não me levaria a lugar nenhum. Pela minha
expressão ela sabia que algo grave aconteceu.
Eu não sabia se a vontade avassaladora de chorar
fora causada por Nathaniel ter me dito que o que fizemos
não significou nada, por ter me chamado de mentirosa e
criança incontáveis vezes ou por ter me dito que quebrei o
coração do meu pai mesmo sem ele saber.
CAPÍTULO 15
"Para encurtar a história, foi um momento ruim
Empurrada do precipício
Me agarrei aos lábios mais próximos
Para encurtar a história, era o cara errado
Agora eu só quero você"

Taylor Swift, Long Story Short

JENNA WALDORF

Vestindo um conjunto apertado e curto de saia e um


top azul-turquesa que me lembravam olhos intensos e muito
conhecidos, eu prendi meu cabelo no alto, deixando alguns
fios soltos na frente e calcei o salto dez centímetros branco
que Kyle me deu quando fiz dezenove anos. Os acessórios
eram básicos, mas realçavam a cor mel dos meus olhos.
Aceitei uma carona do meu pai para o restaurante onde
encontraria meu irmão para comemorar sua primeira cirurgia
solo.
Nossos pais já tinham compromisso com um casal de
amigos que só ficariam na cidade até a manhã seguinte, e
mesmo que meu irmão não fosse tão sentimental quanto eu
e não se importasse com a ausência dos dois, eu não ia
deixar de comemorar um passo tão importante em sua
carreira.
— Boa noite, lindo — abracei Kyle por trás, pelo
pescoço —, que cheiroso. — Pisquei para Mary, que
sentada na frente dele se levantou para me cumprimentar.
— Oi, cunhada!
— Uau! Vai para onde? — ela questionou.
— É o italiano mais concorrido da cidade e viemos
comemorar, eu pensei que uma superprodução fosse
obrigatório hoje.
Kyle revirou os olhos.
— Eu mal estou me aguentando de pé, irmãzinha.
Vocês podem sair para comemorar sem mim.
— Mas você é o homenageado, chato!
— Foi apenas uma cirurgia, Jen, eu ainda não sou
parte do conselho do hospital. Ainda — frisou.
— É importante mesmo assim, só você não vê isso
— disse Mary.
— Como eu disse, chato.
— Onde está o seu namorado? — Kyle perguntou.
Eu congelei a caminho de me sentar.
— Quem? — indaguei numa voz zombeteira.
Mary riu.
— Ele tá jogando verde.
— Ah, eu sei disso. Não se preocupe, quando eu
estiver namorando você será o primeiro a saber.
— Eu vou saber por que vai fazer um sol que Seattle
nunca viu.
— Ha-ha, engraçado. Agora me conte como foi seu
primeiro voo solo.
— Vamos pedir a comida primeiro. Eu não como há
onze horas, tô morto de fome.
— Vai se acostumando, amor — Mary o abraçou de
lado —, cirurgiões não têm muitas folgas.
Kyle bufou.
— Fala isso pro meu pai que fica sentado na mesa
dele o dia todo fingindo que está trabalhando pelo
computador e o telefone.
— Kyle. — Arregalei os olhos, repreendendo-o.
— Calma, calma... estou brincando. — Ele riu. —
Não pode colocar a honra do velho em pauta que Jenna vira
a defensora. Ainda dá tempo de fazer direito, maninha.
— Eu devia mesmo, pra te tirar da cadeia quando
essa língua solta e seu humor duvidoso te enfiarem em
problemas.
— Com licença. — O garçom se aproximou. —
Prontos para pedirem?
— Eu quero um nhoque de pato ao molho surpresa
do chef — pedi.
— A senhorita é alérgica a algo?
— Não, pode mandar ver.
Kyle pediu costela e batatas recheadas com
lasanha. E Mary escolheu um risoto de tomate seco.
— Pode mandar esse polpetone também, e vou
provar a sequência de mini risotos.
Quando o garçom se afastou, eu ergui as
sobrancelhas para o meu irmão.
— Vai comer tudo isso?
— Claro que sim. Se bobear ainda como a sua
parte.
Mary riu.
— E é verdade. Agora conta, amor, vamos morrer de
ansiedade.
Meu irmão suspirou, e ajeitando o guardanapo no
colo, nos fitou.
— O paciente teve três paradas na mesa. Duas
foram pelo estado grave que chegou no hospital e uma foi
porque eu não estava sendo cuidadoso o suficiente.
— Quem era seu atendente?
— Phil.
— Ai — lamentei.
— Ai mesmo! Ele ficou parado apenas olhando e
ficava me dizendo que ser filho do meu pai não ia me livrar
da culpa de matar uma pessoa que era completamente
capaz de salvar se fosse mais inteligente.
— Ele pode fazer isso? — Mary questionou,
abismada.
Para pessoas que olhavam de fora e não conheciam
a vida dentro de um hospital, o choque e a indignação eram
emoções constantes e bem frequentes. Com quinze anos eu
descobri que não passamos de corpos e possibilidades para
médicos explorarem, e havia mais médicos do que corpos.
Eles sempre queriam mais. Isso os tornava cruéis.
— Na sala de cirurgia vale tudo — falei.
— A galeria ficou aberta e basicamente todos os
residentes e internos marcaram presença. Ou seja, além da
pressão e do medo que estava me consumindo, eu ainda
tive a plateia torcendo pela minha falha.
— Isso não é verdade, Kyle.
— Jen, ninguém acha que eu sou digno de estar lá.
Só a Serena realmente acredita que nosso pai não me
beneficiou e por isso eu sou residente lá.
— Ok, mas você vai provar o seu valor diariamente.
Meu irmão tomou um gole da cerveja e apontou o
copo para mim.
— Você entende bem como as coisas funcionam
naquele hospício, maninha.
Encolhi os ombros.
— Vantagens e desvantagens de ser filha do melhor
cirurgião da costa oeste.
— Do melhor neurocirurgião. Eu serei o melhor
cirurgião.
— Quer competir com seu próprio pai?
— Quero competir com qualquer um, Jen. Os
prêmios serão poucos para mim.
Demos risada, embora eu não duvidasse que ele era
capaz. Todas as vezes que Kyle insistia em fazer algo, ele
conseguia. Sempre que papai questionava se precisava de
ajuda, ele negava, queria alcançar seus propósitos por si
mesmo. O nosso sobrenome já faziam duvidar demais dele,
e meu irmão jamais quis que as pessoas estivessem certas
nisso.
Depois do meu pai, Kyle era o homem que eu mais
admirava no mundo.
Ele tinha muita garra e vontade, e quando o câncer
quase me matou, sua força me inspirou a lutar ainda mais. A
única coisa que ele precisava mudar não era nem seu
espírito ou o ego nas alturas, mas o ciúme louco que tinha
de mim, mamãe e Mary. Ele espantou o último cara que me
levou para a casa em uma carona inocente dizendo que se
voltasse, o açougueiro de Seattle ia fazê-lo se arrepender.
Foi ridículo, mas funcionou, e o cara nunca mais me
ligou.
Crescemos assim. Por ser mais nova que ele, Kyle
pensava que tinha que me proteger de tudo e todos, e papai
encorajou essa crença. Às vezes era engraçado, mas na
maioria do tempo era apenas irritante.
Ele continuou contando da cirurgia, os altos e
baixos, os momentos mais empolgantes e tensos, e quando
finalmente salvou o paciente, e o doutor Phil assentiu e disse
apenas: não fique se achando, pode fechar.
Quando um atendente mandava um paciente ser
fechado, significava estar livre para ir para a recuperação e
se isso aconteceu foi porque a cirurgia foi um sucesso. Kyle
soltou o ar que estava segurando, os ombros estavam
tensos.
— Meu irmão precisa de uma massagem, cunhada.
— Essa é a primeira coisa que vou fazer quando
chegarmos no apartamento dele.
Eu sorri para ela. Eu não podia ter pedido uma
cunhada melhor, embora confiasse no gosto do meu irmão e
ele fosse totalmente capaz de fazer suas escolhas, eu
sempre quis amar a mulher que ele escolhesse, e isso
aconteceu tão fácil que todos pensaram que eu e mamãe já
conhecíamos Mary.
Nós comemos, rimos e conversamos até o garçom
avisar que a cozinha seria encerrada. Mary e eu pedimos
uma sobremesa para dividir só para encerrar a noite.
— Então — falei quando saímos e eles esperavam o
carro —, vão para a sessão spa, hein? — Coloquei o dedo
na boca e fiz um gesto de enjoo, fazendo-os rir.
— Agora ela vai me servir para que eu continue
servindo os necessitados. — Meu irmão a agarrou pela
cintura e passou a língua pelos lábios da namorada.
— Kyle! — Ela lhe deu um tapa. — Para de besteira.
— Você é nojento — falei, enquanto ele aceitava a
chave e o recibo do estacionamento.
— Tem certeza de que não quer uma carona para a
casa?
— Não, eu preciso de um drink.
Ele fitou o bar na frente, para onde apontei e
assentiu.
— Esteja em casa até uma hora ou eu venho te
buscar.
Bufei.
— Tadinho de você, não manda nem na sua noiva,
quanto mais em mim.
— Você que pensa, maninha, vou mandar ela fazer
as coisas mais absurdas hoje e não vou ouvir um “não”
sequer.
Revirei os olhos, mas dei risada, e comecei a me
afastar.
— Aproveitem e me poupem de todos os detalhes!
Leve meu irmão para a casa e o faça calar a boca, Mary —
falei ao abraçá-la, rindo.
— Vamos embora, mulher! — Ele lhe deu um tapa
na bunda, a fazendo gargalhar e correr para o carro.
Meu irmão podia ser um idiota, mas também tinha o
coração puro e sabia ser um homem muito gentil. Pelo
menos quando e com quem queria. Eu, mamãe, Mary e sua
sogra sabíamos bem disso. Kyle foi bem-criado, assim como
eu.
Mesmo que a vida tivesse me feito sair um pouco da
linha, nada colocava a educação e orientações que recebi
dos meus pais em xeque. Eu apenas tinha mais pressa de
viver do que o meu irmão.

Eu esperei que o carro se afastasse antes de entrar


no bar em frente, tentando afastar as lembranças cruéis da
última vez que bebi álcool. Foi naquela noite no hotel com
Nathaniel. Escolhi um lugar no balcão e sentei em um dos
bancos, sorrindo para o barman.
— Um moscow mule. Dose dupla de vodca, por
favor.
Ele ergueu as sobrancelhas, mas assentiu.
— Saindo.
Não demorou para que alguém sentasse ao meu
lado.
— Posso te oferecer uma bebida, linda?
Virei o rosto, encarando o homem na faixa dos vinte
com a barba por fazer, que puxando assunto, atrapalhou o
som ambiente. Ele usava uma camisa social, e o celular
desbloqueado mostrava um aplicativo de namoro aberto.
Dei risada.
— Atirando para todos os lados?
— Não entendi, princesa. — Franziu o cenho.
Indiquei o aparelho com o queixo.
— Se não encontrar algo on-line, já está garantindo
uma chance pessoalmente?
Ele fitou o telefone, como se lembrasse apenas
agora o que fazia antes de puxar assunto comigo.
Parecendo sem graça, encolheu os ombros.
— É sexta-feira, todo mundo tá procurando “alguma
coisa”.
Sim, realmente estávamos. E eu podia dizer que ele
não era a minha “coisa”.
— Obrigada, mas eu já pedi.
— Então eu posso te acompanhar. — Piscou e
sorriu.
— Eu vou beber sozinha hoje.
Parecendo surpreso com meu corte seco e rápido,
ele levou alguns segundos para concordar e levantar da
banqueta.
— Valeu — murmurou.
— Aqui está. — O garçom reapareceu no mesmo
momento, entregando-me meu drink favorito.
Deslizei uma nota já com gorjeta, e ele agradeceu
com uma piscadela.
— Obrigada.
Realmente, todos estavam buscando algo especial
pelas ruas, bares e boates de Seattle. Não estava chovendo,
e o tempo amenizou o suficiente para empolgar a todos que
saíam. Dia de caçar, hora de encontrar um alvo. Meu
primeiro reflexo foi concordar com o homem desconhecido,
mas se fosse sincera comigo, não estava procurando nada.
Ainda sentia o gosto amargo da decepção que a última
pessoa que me envolvi trouxe.
Se é que dava para chamar algumas sessões de um
sexo alucinante ser chamado assim. Relação. Estava mais
para sexo inesquecível que devia ser esquecido.
Eu fitei o homem que se afastara, já o vendo
deslizando o dedo pela tela do celular outra vez, buscando a
conquista da noite.
Encarei meu copo, mexendo na espuma com o
dedo. Seria possível esquecer ou superar as coisas que vivi
com Nathaniel? Encontrar outro? Parecia que um homem
como aquele só acontecia na vida de uma mulher uma única
vez.
Quando meu moscow chegou à metade eu pedi algo
mais forte. Não tirei os olhos da minha bebida e também não
mexi os ombros no ritmo da música como a maioria das
garotas sentadas esperando um bom papo e companhia
faziam. Fiquei tentada a ligar para Serena, mas sabia que
ela estava em um encontro romântico com Ian. E embora
soubesse que ela viria ao meu encontro se soubesse que eu
precisava de companhia, eu não queria atrapalhar a
evolução dos dois. Quanto mais rápido aquele idiota criasse
juízo e começasse a valorizar minha melhor amiga, mais
rápido ela se casaria e os altos e baixos entre felicidade e
tristeza seria passado.
Suspirando pela minha solidão opcional, eu fitei o
homem novamente, repensando em tentar outra vez, mas
assim que abri a boca, uma risada no fundo do bar chamou
minha atenção. Questionando-me se estava pensando tanto
nele que minha cabeça começou a pregar peças e me fazer
ouvir coisas, eu olhei ao redor, procurando como uma
maluca perseguidora. Como ele me acusou de ser.
E eu estava certa.
Mesmo com a luz baixa do salão eu pude vê-lo
numa mesa redonda do canto perto das janelas, conversava
com uma mulher que eu nunca vi antes — o que era natural,
é claro, o melhor amigo do meu pai não tinha obrigação de
falar sobre todas as mulheres que se envolvia. Deviam ser
muitas, afinal.
Girei meu corpo para o bar, afastando-me da cena.
Contei até dez. Não consegui me conter. Virei novamente e
ele estava lá olhando para ela, focado nela. No mesmo
momento, a mulher que devia ter trinta e poucos anos pegou
sua mão, e ele deixou. Eu não pude sequer tocá-lo durante o
sexo, mas essa mulher, a desconhecida que o fazia rir —
não de forma escandalosa, mas alta o suficiente para que eu
escutasse a honestidade do riso mesmo do balcão — tinha
permissão para tocar nele.
Para fazê-lo rir.
Para ver o homem que eu só vi na infância.
Eu queria ligar para a minha mãe e pedir que ligasse
para ele a fim de conferir o que estava fazendo, se estava
com alguém importante e se sim, qual o nome dela, mas me
forcei a manter o telefone exatamente onde estava: em
minha pequena YSL pousada em meu colo. Outro copo
deslizou na minha frente.
— O que é isso?
— Algo um pouco mais amargo — debruçou-se
sobre o balcão —, você parece precisar.
— O que é? — insisti.
— Sbagliato prosecco.
Meu pai tomava isso, e era horrível. Porra. Era
exatamente o que eu precisava. A bebida tinha metade do
copo e eu o virei em três goles, colocando o copo
delicadamente sobre o balcão de mármore. O homem que
procurava encontros on-line voltou a me encarar.
— Uau! Esse é o espírito. Tem certeza de que não
quer companhia, de repente sair daqui?
A bebida ainda queimava minha garganta. Era mais
horrível do que eu me lembrava quando experimentei
clandestinamente em casa. Tornava ainda pior ouvir o riso
dele outra vez.
— Está insistindo porque acha que eu tô bêbada? —
Ergui uma sobrancelha.
— Cara, ela está falando não pela terceira vez, se
houver uma quarta você não entra mais aqui — o garçom,
ou talvez dono tenha dito ao homem de camisa social. Ele
ergueu as mãos, a tela do telefone aberta em uma conversa.
Que babaca. — Quando você quiser ir eu chamo um táxi.
— Eu não preciso de ajuda.
Levantei-me, naquele momento, não dando a
mínima se meus passos apressados chamariam a atenção
de Nathaniel para mim. E se chamasse? Ele deixaria a ruiva
de cabelos compridos, olhar marcante e esfumado e lábios
cheios?
Ele a deixaria para ajudar a filhinha do melhor amigo
ou porque ficaria tentado pela mulher que quis foder uma e
outra vez?
Duvidava muito que a deixasse, porque como ele
disse, eu não significava nada.
Serena achava que ele estava traumatizado por ter
perdido Lilly, mas isso não era verdade. Aparentemente,
Nathaniel seguiu em frente e não só com prostitutas, mas
com alguém que ele olhava da mesma forma que fitava sua
falecida esposa, que o tocava e que riam juntos.
Eu não sabia por que estava com tanta raiva, se era
algum tipo de comparação com a ruiva, ego ferido ou os
sentimentos idiotas de adolescente que guardava e viraram
rancor. Sexo não costumava importar tanto para mim, e é
claro que eu costumava criar conexões com meus parceiros
antes de fazer algo antes de ir além de beijar e trocar
carícias. Mas com ele foi diferente, não tinha como não ser.
Deixei o bar me condenando e desejando não
experimentar tal sentimento nunca mais, porque aquilo era
ciúme e eu jamais me permitiria estar sob esse tipo de
controle destinado a alguém que não era e nunca seria meu.
Encostei-me na parede fora do bar, sentindo-me
levemente tonta. Eu ainda não estava pronta para encerrar a
noite. Não por causa dele, e principalmente porque não tinha
nada além dos pensamentos irritantes para me fazer
companhia se fosse embora.
Tinha um bar a poucos metros, dois
estabelecimentos depois. Eu endireitei a postura, e sentindo-
me uma turista na minha própria cidade, deixei que o
sentimento de leveza e embriaguez tomasse conta de mim.
Só assim Nathaniel seria deixado de lado. O bar seguinte
parecia mais animado e eu certamente encontraria alguém
que me distraísse com o problema do doutor.
Senti olhares curiosos assim que entrei, mas não me
virei para eles. Entrei de queixo erguido, andando o mais
reto que podia. Acomodei-me no balcão novamente, mas no
meio do salão, ficando à vista de todos como se fosse parte
do cardápio. Diferente do jazz anterior, tocava uma música
baixinho da Dua Lipa, e várias pessoas estavam de pé
conversando, curtindo o som e bebendo. Parecia que eu
tinha encontrado o lugar certo.
Serena sempre me disse que misturar variados tipos
de álcool não era uma boa ideia, mas eu estava me sentindo
mais aventureira do que o normal, e me vi pedindo uma
cerveja ao barman.
— No copo, por favor, e muito gelada.
O barman assentiu, mas ficou surpreso.
— Você não parece o tipo de garota que bebe
cerveja num bar chique.
Inclinei-me para a frente, apertando meus seios no
decote.
— Isso é porque eu não sou uma mulher previsível.
— Justo. — Ele sorriu, assobiando. — Saindo uma
loira gelada para uma loirinha quente.
Dei risada, achei tão fofo quanto ridículo.
Quando me entregou, eu não demorei a começar a
beber. Aproveitando a leve tontura que o álcool causava em
minha mente.
— Até que é gostoso — falei comigo mesma, mas
ouvi o barman rir.
— Ei, princesa — um homem parou ao meu lado,
apoiando o cotovelo no balcão —, quer dançar?
Nem pensei.
— Por que não? — Sorri e me levantei com sua
ajuda. Seu toque não me causou nada, mas fomos para a
pista, dançando ao som da música pop. Estávamos quase
no centro do bar quando senti um braço enlaçar minha
cintura. Meu corpo travou. Naquele momento, minha cabeça
fantasiou sobre Nathaniel ter me visto saindo e me seguindo
para acabar com minha diversão. Mas então, um balde de
desgosto foi jogado em mim ao ver o Dylan. Agarrei sua
mão, tentando afastá-lo. — Não me toque! Não fui clara na
última vez que nos vimos?!
— Acha que eu vou te deixar bêbada nas mãos de
um desconhecido?
— Você também é um desconhecido!
— Cara, solta ela... — O homem que me chamou
para dançar deu um passo à frente, mas antes de me
alcançar, Dylan o interrompeu.
— Cai fora ou eu vou quebrar sua cara, filho da puta!
Quer que todos saibam que iria se aproveitar de uma mulher
bêbada?
O covarde olhou entre nós dois, e ao invés de firmar
sua posição, ergueu as mãos e se afastou, saindo do bar.
— Babaca — murmurei.
Dylan me virou, encarando-me e segurando meus
cotovelos.
— Está trançando as pernas e passando vergonha
na frente de todos, Jenna. — Ele franziu o cenho para meu
copo de cerveja e o tirou da minha mão, derramando o
líquido entre nós e em sua camisa. — Ainda por cima tá
bebendo cerveja como se fosse uma dessas garotas sem
classe!
Revirei os olhos.
— Aí está! Você não mudou nada, não é? Sempre
querendo me controlar, me solta!
— O que está fazendo aqui desse jeito? — ele
questionou num tom de exigência, seus olhos impacientes.
Falava como se eu tivesse o dever de lhe dar uma resposta.
— Tá falando comigo desse jeito? Qual a porra do
seu problema?
— Não é assim que a filha de Charles Waldorf deve
ser vista pela cidade, Jen. Olha essa roupa, eu falo para o
seu bem.
— A filha de Charles Waldorf não é tudo o que eu
sou. Sou uma pessoa além de parente dele, seu idiota, mas
sabe o que é engraçado? Você não tem nada a ver com
isso!
Tentei sair de seu aperto outra vez, mas ele me
levou discretamente para um canto. Ninguém parecia atento
a nós dois, e a menos que eu quisesse pedir ajuda, ninguém
se intrometeria de graça.
— Eu não sou da sua conta, você não tem nenhum
direito de me arrastar para um canto e fazer exigências!
Ele cerrou a mandíbula, irritado.
— Nós fomos namorados.
— Não. Nós brincamos de casinha por um tempo até
você perceber que não era a minha possível morte que te
incomodava, mas sim eu ficar careca e perder minha bunda
e meu peito!
Ele fechou os olhos, balançando a cabeça.
— Isso não é verdade.
— Não importa o que você considera verdade ou
mentira, Dylan, não vou ficar e ter essa conversa outra vez.
Me solta, porra!
— Você está bêbada, Jen, vai passar a noite no meu
apartamento e de manhã te levo pra casa dos seus pais.
Dei risada. Na verdade, joguei a cabeça para trás e
gargalhei.
— Não sei do que se trata a sua loucura atual, mas
eu não sou mais aquela garotinha, Dylan, e sei que seu
interesse real é se destacar com o meu pai, mas já vou
avisando que nem se fôssemos casados ele te favoreceria
no hospital. Meu pai é íntegro e valoriza demais a vida dos
pacientes para se deixar levar por relações pessoais.
— O seu problema sempre foi me julgar pelos
motivos errados, Jenna, já parou pra pensar que a razão pra
eu não ter ficado com você naquela época foi porque eu te
amava demais e não quis te ver partindo?
— Sim, pensei, e pedi para a minha médica te ligar e
explicar que eu não estava condenada à morte. Meu
tratamento seria difícil, sim, mas não era uma certeza. Só
que você não quis saber, não é? Pegou suas coisas e foi
embora como se eu não tivesse explicado nada. — Suspirei.
— Sério, qualquer desculpinha que quiser me dar agora não
vai funcionar. Não sou idiota. Não mais. Cresci no momento
que você saiu pela porta do meu quarto.
Puxei meu braço outra vez, e quando ele me
segurou mais perto, eu fiquei irritada pra cacete.
— Jen...
— Porra, Dylan! Quantas vezes vou ter que mandar
me deixar em paz?
Ele passou a língua pelos lábios, fitando os meus.
Nossos corpos estavam grudados agora.
— Não é isso o que você quer de verdade.
Dei risada, debochando.
— E você por acaso sabe o que eu quero de
verdade? Nesse momento é distância de você.
— Ah, é? Vamos ver.
Sem qualquer sinal do que ia fazer, ele me puxou
para perto e me beijou. Simplesmente me beijou como se
fôssemos namorados, como se houvesse qualquer chance
de retomar aquela brincadeira que nem sequer podia ser
chamada de namoro. Sua língua invadiu minha boca com
fome, e suas mãos me soltaram para segurar minha bunda,
puxando-me de encontro à sua pélvis. Eu engasguei ao
sentir seu pau rijo, e ele aproveitou para aprofundar o beijo,
virando-me e me encostando na parede, me prendendo ali.
O beijo apressado e totalmente fora de sincronia
com a minha boca era incômodo e ruim. Eu o tinha beijado
pela última vez há tanto tempo que não conseguia me
lembrar se estava incomodada porque tinha nojo dele ou se
Dylan realmente beijava mal. Ele voltou a segurar meu braço
com uma mão, e com a outra pressionou minha cintura mais
perto.
Eu tive que me esforçar para não dar uma joelhada
entre suas pernas ou vomitar em sua boca. Minhas mãos
estavam frouxas ao lado do corpo, e quando tive a chance,
mordi sua língua, fazendo-o se assustar e dar um passo
atrás.
— Porra! — gritei.
Aproveitei a chance para correr até chegar ao lado
de fora do bar. O segurança me fitou surpreso e confuso,
tentando entender minha pressa em sair. Eu pensei que
estaria segura, afinal, durante nosso curto relacionamento,
Dylan sempre se comportou bem na frente de outras
pessoas, mas quando duas mulheres se aproximaram do
segurança para perguntar algo e ele desviou a atenção de
mim, Dylan me segurou outra vez, porém sem delicadeza e
me puxou para o seu peito.
— Quando eu estiver falando com você, não saia e
me deixe falando sozinha, porra!
— Você não estava falando, estava enfiando a
língua na minha boca!
— Eu não preciso de autorização para beijar a
minha mulher. — Aproximando-me, ele falou baixinho, perto
do meu ouvido: — Já se esqueceu das coisas muito mais
íntimas que sua boca fez comigo?
Ergui a mão para lhe dar um tapa, mas ele segurou
meu punho e o abaixou com uma força que me fez abrir a
boca num grito silencioso — de choque ou de dor, eu não
sabia. Mas ele não teve tempo de fazer mais do que isso,
pois no segundo seguinte estava sendo esmurrado no rosto
e desabando no chão. Eu olhei para o lado, perplexa, e
encontrei Nathaniel respirando pesadamente, bufando feito
um touro enraivecido. Imediatamente se aproximou e
colocou os braços em volta de mim como uma muralha, mas
sem me tocar. Ele me analisou dos pés à cabeça.
— Você está bem? Esse filho da puta te machucou?
Não consegui responder rápido, surpresa demais
com sua presença. Notando minha hesitação, ele segurou
meu rosto. Me olhava fixamente.
— Me responda, Jennie, ele te machucou? — Pela
primeira vez sua voz tinha uma delicadeza que eu não via há
muito tempo.
Só então eu percebi que segurava meu pulso direito.
— Eu não sei, talvez... meu braço.
Ao me ouvir, Nathaniel encarou meu ex-namorado
de um jeito que teria me feito correr gritando se eu fosse o
homem, mas Dylan era muito idiota para isso. Levantou-se
apontado para Nathaniel.
— Seu babaca! Não faz ideia de com quem mexeu
agora, porra! — O lábio cortado com um pequeno vestígio
de sangue e o roxo inchando abaixo do olho não lhe ensinou
nada, porque ele realmente tentou avançar no amigo do meu
pai.
Nathaniel me soltou rapidamente e com um olhar de
puro ódio segurou sua cabeça em ambos os lados e o
abaixou, batendo o nariz de Dylan no joelho, empurrando-o
para trás. Ele foi se aproximar, talvez para chutá-lo, e não
parou nem quando eu gritei seu nome. O segurança,
alertado pela confusão que se desenrolava, se aproximou e
fez menção de tocar Nathaniel.
— Não me toque — rosnou. — Onde você estava
que não fez a porra do seu trabalho para evitar que homens
que abusam de mulheres na porta do estabelecimento
entrem aqui?
— Senhor, peço que...
— O caralho! Você deveria perder seu emprego por
isso.
— Quando eu olhei dois minutos atrás eles
estavam...
— Não me interessa! — vociferou, interrompendo o
homem.
— Não é culpa dele! — falei, aproximando-me.
Meu ex começava a se erguer do chão segurando o
nariz, mas fitava Nathaniel como se estivesse pronto para a
briga. Ele não cansava?
— Nathaniel... vamos, por favor. — Eu segurei o
braço do amigo do meu pai e tentei arrastá-lo para longe,
mas é claro que eu não conseguiria tirá-lo do lugar a menos
que ele andasse por conta própria.
— Conhece esse cara? Estava prestes a sair com
ele bêbada?! — Seu tom estava alterado, falava comigo da
mesma forma que falava com o segurança.
— Primeiro, que eu não estou bêbada, pare de falar
comigo como...
— Como se fosse uma criança? Você já disse isso,
mas continua se comportando como uma pirralha
irresponsável!
Ótimo. Ali estava o neandertal novamente. Toda a
delicadeza e preocupação foi embora.
— Pirralha? — Raiva me consumiu. — Eu não era
pirralha quando você tirou a calcinha da filhinha do seu
amigo, doutor.
Eu fui maldosa, sabia disso, mas ele merecia. Me
ajudou em um momento, apenas para pisar em mim no
segundo seguinte?
Ele fechou os olhos como se sentisse dor, e eu o
soltei, caminhando a passos apressados pela calçada. Não
fui longe. Mesmo realmente não estando bêbada, meu corpo
estava mole e minha cabeça girava, parei para me apoiar
numa parede, e é claro que Nathaniel não perderia a chance
de estar certo.
— Não está bêbada, não é?
Eu odiava estar errada, mas na frente dele parecia
pior ainda.
CAPÍTULO 16
"Aquela garota é viciosa, ela é viciosa
Tem veneno em seus beijos
Ela é malvada, ela é malvada
Mas de alguma forma tão deliciosa
E eu amo como ela me devora
Ela é um pouco distorcida, um pouco selvagem
Um pouco fodida, esse é o meu estilo
Um pouco implacável, um pouco cru
E eu amo como você me odeia
Você adora me deixar louco
Por que eu faço isso comigo mesmo
Isso é ruim para minha saúde"

Bohnes, Vicious

NATHANIEL SULLIVAN

Eu não planejava levá-la para a minha casa. Porra!


Quase amarrei a garota para enfiá-la no carro.
— Eu não preciso de carona! — ela continuou
dizendo, brava e impaciente, mesmo que eu já estivesse
dirigindo há cinco minutos.
Foi mais forte que eu. Quando vi Jenna sendo
puxada pelo braço por um cretino qualquer, meu sangue
ferveu como há muito tempo não fazia. Como me senti
apenas quando estava no exército e via situações absurdas.
Não consegui pensar em mais nada que não fosse tirá-la
dali, dos olhos dele, do segurança inútil e dos curiosos que a
fitavam sem parar.
Eu dirigia como um louco pelas ruas de Seattle e
não deixei que a culpa me atacasse quando passei pelo
hospital, porque afinal, estava fazendo o que prometi ao pai
da garota ao meu lado: cuidando dela.
Passei a mão pelos cabelos, empurrando-o para
trás. A linha fina de suor não me deixava mentir: eu estava
afetado. Quando coloquei o cinto nela, mesmo que tivesse
evitado tocar seu corpo, ainda senti seu perfume doce e o
hálito fresco, levemente alcoolizado, mas não voltei atrás e
continuei com o que estava determinado a fazer, deixá-la em
segurança.
Porra!
Como seria quando eu chegasse com a garota
bêbada na casa dos meus melhores amigos? Charles me
faria um milhão de perguntas e é claro que ia me agradecer,
porém eu não podia correr o risco de ela estar alterada o
suficiente para dizer algo que não devia na frente do pai.
Jenna parecia inconsequente, livre e solta demais,
não se apegava tanto a detalhes e regras como eu fazia. É
claro que daqui vinte anos ela seria diferente, mas hoje, com
vinte era apenas uma jovem vivendo sem limites e sem se
prender a coisas que podia considerar caretas.
— Por que não me deixa no hospital? — gritou,
apontando para trás, no prédio que nós dois conhecíamos
bem. — Uma das enfermeiras vai me dar soro e me dará um
quarto pra descansar até que eu possa ir para a casa.
Soltei um riso sem graça, até irritado.
— Então sempre faz isso? Fica bêbada, se esconde
debaixo do nariz do seu pai e depois vai embora?
— Não. Fico bêbada, encontro alguém pra transar e
depois vou para casa.
Pisei no acelerador tão forte que quase bati no carro
da frente que dava seta. Rapidamente desviei, jogando-nos
de um lado para o outro.
— Ficou louco, porra?! Por acaso sabe dirigir?
Melhor do que ela imaginava.
— Não me importo com seus costumes noturnos,
Jenna, mas quero ter certeza de que estará bem e não vai
dizer nada que não deve perto do seu pai.
— Essa é sua preocupação? Fica tranquilo, eu
nunca me esqueço das besteiras que faço que papai pode
ou não saber.
Ouvi-la chamar meu melhor amigo de “papai” me
fazia sentir ainda mais culpado. Sentia que eu devia ser
preso por cada olhar, cada toque, cada vez que minha língua
tocou seu corpo e suas mãos delicadas tocaram minha pele.
Caralho, eu deveria ser preso agora, porque mesmo
sabendo que ela tinha bebido, eu desejava chegar mais
perto, sentir seu cheiro e tocá-la outra vez.
— Mas bem que você gostaria que eu estivesse
super bêbada, não é? Sorridente e bem-disposta como
aquela mulher no bar. Ela ia te fazer feliz do jeitinho que
você gosta, sem dizer “não” para suas ordens e seu jeito
bruto! — Bufou. — Agora entendo por que nunca recebi
nada além de ofensas...
— Meu Deus, que porra é essa, Jenna?! —
questionei, indignado. — Onde aprendeu a falar desse jeito?
Meu amigo te deu a melhor educação e foi só isso o que
aprendeu?
Ela deu risada.
— Não se preocupe com o que eu aprendi com o
melhor homem que conheço, doutor, guardei tudo. Quanto
ao que você não aprova e faz pior, é pra ver que não sou
uma pirralha, como insiste em dizer e me tratar!
Parei o carro abruptamente e me virei para ela.
— Preferia que eu tivesse te deixado ir para a casa
com aquele idiota?
— Por que não? — Encolheu os ombros.
— Eu com certeza estaria me divertindo mais com
ele do que aqui com você e seus sermões que não pedi.
— Então não está com sorte, Jenna, eu vim para
ficar e não me importo com quantas vezes terei que cortar o
seu barato. Disse ao seu pai que cuidaria de você e é isso o
que vou fazer, você gostando ou não.
Ela franziu o cenho, seu rosto ficando mais jovem, e
como eu insistia em dizer e ela rebatia: se assemelhava a
uma adolescente fazendo birra.
— E meu pai sabe como exatamente você está
cuidando de mim? É claro que não, escondeu dele porque é
muito mais fácil ficar se fazendo de bom moço do que
admitir as coisas que você quer!
Liguei o carro e desviei o olhar, incapaz de continuar
encarando aquela mulher sem papas na língua. Eu
definitivamente não estava falando com a pequena Jenna,
mas com uma versão crescida, desbocada e sem limites.
Ela não fazia ideia de quanta merda aturei nos
últimos anos, quantas vezes tive que engolir meu orgulho e
o que queria fazer, porque era o melhor a fazer. Se pensava
que suas birras iriam me afetar estava muito enganada. No
entanto, ao mesmo tempo, cada segundo dentro do meu
carro inspirando seu perfume e pensando em tudo o que
estávamos escondendo acrescentava um pouco mais de
problemas na minha conta.
E se um dia eu tivesse que ser julgado pelos
pecados que cometi com essa menina, não haveria júri, juiz
e carrasco justo o suficiente para me inocentar.
CAPÍTULO 17

"Eu não estou te entendendo, eu já passei da idade, eu


poderia ser sua linda
Eu não quero sua empatia, querida, eu não quero o mínimo
Faça-me seu aliado, mesmo que a vida tenha estragado
você
Juntos é melhor, você e eu é fogo,
mas seguir você é perigoso
Seu coração me quer, mas você não me diz coisas"

Nej, Paro

JENNA WALDORF

Acho que todos estamos acostumados a mentir para


nós mesmos até certo ponto. Eu mentia como toda garota
jovem e inocente. Às vezes tentando me iludir com algo que
não era verdade, outras tentando fazer uma situação ruim
parecer um pouco melhor. Fiz isso até o câncer acabar com
as minhas expectativas e meus consolos ilusórios.
Mas agora, entrando no apartamento de Nathaniel
Sullivan, um homem vinte anos mais velho do que eu e o
melhor amigo do meu pai, eu não tinha como mentir para
mim mesma; algo muito ruim ia acontecer se nós
deixássemos — algo que ambos iríamos nos arrepender
pela manhã, ou até no momento que acabasse.
Ao mesmo tempo que eu estava revoltada por ele ter
sido irredutível em não me levar para outro lugar que não
sua casa, também estava ansiosa para saber como ele vivia,
como passava seus dias e noites, e o tempo livre que não
frequentava o hospital. Será que costumava levar suas
conquistas de uma noite ali?
Quando entramos na cobertura, a grande escada
que levava ao segundo andar foi a primeira coisa que
chamou minha atenção, e em seguida, quando ele fechou a
porta, encostou nela e ficou me encarando, roubou todo o
meu ar, porque percebi que não era a única pensando na
infinidade de problemas que podíamos causar aquela noite.
Não tinham grandes janelas do chão ao teto com
vista para a cidade, mas tinha uma varanda com sofás,
lareira e um cenário que mostrava até a balsa de Seattle.
Era muito diferente do que eu me lembrava da cobertura que
vivia com Lilly quando ela estava viva. Lá havia um ar de
casa, um conforto, o lugar onde realmente viviam felizes,
como um lar.
Esse era o depósito de mulheres sem rostos e noites
solitárias. Por um momento fiquei triste em ver o que ele
havia se tornado. Alguém tão distante, frio e vazio. Os
móveis eram planejados e ele deve ter comprado ou alugado
tudo pronto para não se envolver com os detalhes.
Virei-me para a frente e o fitei fixamente. Por um
momento senti dor ao lembrar-me da infância e quem ele
costumava ser.
— Seu problema não é que outras mulheres não
sejam Lilly, você não se importa de se envolver com outras
para ter o que quer. Seu problema sou eu — constatei, e
mesmo que seu peito tivesse subido e caído com força como
se minha análise estivesse cem por cento correta, ele não
negou.
— Você vai passar a noite e vai embora assim que
acordar, tomar um café e estiver recuperada para encarar
seus pais. Depois disso, vamos nos ver restritamente em
ocasiões que eu não tenha como evitar, Jenna.
Bufei.
— Acha que faço questão de ver você e ter essas
brigas? Isso me cansa, não me faz feliz, Nathaniel.
— Ótimo, então somos dois e estamos conversados.
Há um quarto seguindo pelo corredor atrás da escada. Você
vai ficar nele. Há roupas, um banheiro e tudo o que você
precisar para a noite, faça bom uso.
Dito isso, virou-se e me deixou sozinha.
Vi-me naquela sala imensa no meu vestido curto e
provocante. Sozinha, exatamente o oposto de como pensei
que a noite terminaria.
Eu não gostava de joguinhos, preferia ganhar tempo
indo direto ao ponto, mas que meu pai me perdoasse, jogar
com Nathaniel Sullivan estava se tornando a coisa mais
excitante da minha vida.
Adentrando o quarto de tons neutros que mais
parecia um hotel — sem quadros, plantas, nada que desse
uma pista de quem ele se tornou — eu me concentrei em
pegar uma roupa no armário, e quando perguntas sobre de
quem seriam as roupas começaram a surgir, eu não deixei
os pensamentos criarem raízes. Peguei a menor camisola e
fui para o banho. Na minha cabeça — ou fantasia —,
Nathaniel estava me observando, e por isso tomei um banho
lento e caprichado, passando as mãos pelo meu corpo
devagar como se ele estivesse com os olhos focados em
mim e minha missão fosse fazê-lo invadir o banheiro.
Apenas quando um fogo surreal começou a me
dominar eu deixei a fantasia de lado e desliguei o chuveiro,
voltando ao quarto. Me encarei no grande espelho do
banheiro, sequei meu cabelo com a toalha úmida e conferi
se o cheiro de álcool, nicotina e essência de cigarros
eletrônicos haviam sumido por completo. Tudo o que era
consumido nos bares dava um jeito de se impregnar nas
roupas e cabelo de quem estava perto, e eu odiava isso.
A sensação de estar sendo observada recomeçou,
mas dessa vez não dei ouvidos à minha imaginação.
Pegando uma das loções corporais na cômoda — e com
isso confirmando que ele realmente levava mulheres à
cobertura — comecei a espalhar pelo corpo, tentando livrar
minha cabeça de pensamentos que não me levariam a lugar
nenhum.

NATHANIEL SULLIVAN

Quando tive certeza que ela não estava mais ali,


voltei à sala de banho tomado e com a cabeça fria para
pegar meu telefone e encontrei seu sapato e bolsa no chão
perto da sala. Jenna não era uma garotinha inocente, mas
eu também não acreditava que havia deixado seus
pertences ali como uma armadilha para que eu fosse atrás
dela. Suspirei. A garota não estava desesperada por
atenção, só era jovem demais e um pouco sem juízo.
Pegando os dois itens, me direcionei ao quarto de
visitas que era mais de Emma do que meu, por isso estava
bem equipado e eu deixei que a filha do meu amigo ficasse.
Ergui o punho para bater À porta, mas no mesmo
momento, tive um vislumbre pela fresta da porta aberta que
ela estava em frente ao grande espelho da parede passando
creme por todo o corpo exposto. Fechei os olhos e me
afastei da porta. Deixei minha cabeça bater na parede e
encarei o teto, pensando no que fazer a seguir.
Eu podia simplesmente deixar suas coisas no chão e
ir embora, ou voltar à sala e deixar tudo onde encontrei, mas
naquele momento de teste eu me provei um homem incapaz
de ser leal com o melhor amigo.
Ignorando os conselhos que minha mente me dava,
me aproximei novamente e olhei entre a fresta. Os cabelos
loiros estavam molhados, grudando nas costas e ombros
dela, e o corpo escultural com um leve bronzeado em
completa exibição. Jenna despejou um pouco mais do
creme, que eu estava acostumado a sentir o cheiro em
minha melhor amiga — e nunca mais conseguiria deixá-la
usar aquilo — na coxa e espalhou com a palma da mão.
Aquela era a maior prova de que Jenna tinha se tornado
uma escultura em forma de mulher, o tipo que não precisa
se esforçar para deixar um homem louco.
Porque ali estava ela fazendo tudo o que uma mulher
experiente faria para me seduzir se soubesse que estava
sendo observada, e ela não fazia ideia de que eu, um
pervertido que a tinha culpada tantas vezes pelos erros e
sexo, estava olhando.
Eu disse a mim mesmo que precisava sair dali, que
ver seus seios perfeitos em movimento enquanto ela
massageava a si mesma sem tentar ser erótica era um
abuso inadmissível. Mas não foi isso o que fiz.
Segurando sua bolsa e os saltos em uma mão, com
a outra agarrei meu pau por cima da calça de flanela, dando
um aperto que me fez estremecer. Ela passou as mãos
pelos seios, fazendo os bicos rosados ficarem rijos e
imagens da minha boca colada nos pequenos mamilos
passaram pela minha mente sem que eu sequer fechasse os
olhos. Abaixei o cós da calça apenas o suficiente para
agarrar meu pênis. Me senti o homem mais sujo do mundo,
mas também mais excitado do que já estive. Contudo, foi
impossível não começar a me masturbar no mesmo ritmo
que ela acariciava o próprio corpo.
Meu pau estava duro pra caralho e latejava em
minha palma e dedos, enquanto eu o esfregava para cima e
para baixo. Ela parecia tão fodidamente inocente — e de
fato era, sem saber que eu a olhava como um maníaco
viciado em sexo —, e caralho, naquele momento eu não me
importei.
Enquanto apertava meu pau o puxando, observava
seu corpo e a imaginei olhando para a esquerda e me
vendo, então ela viria de quatro, engatinhando em minha
direção e iria me chupar como já fez antes com aquela boca
que quase me fez gozar em cinco minutos.
Tive que me controlar para não gemer, para não
entrar e colocá-la em cima da penteadeira perto da janela e
chupar sua boceta até que ela gozasse e gritasse meu nome
como já tinha feito antes. Minha mente me dizia que não
estava certo ficar ali observando a filha do meu melhor
amigo nua ao sair do banho aproveitando seu momento
íntimo sozinha, mas caralho, meu pau nunca escutaria a
sugestão.
Todas as nossas brigas viraram preliminares naquele
momento, todas as vezes que eu desejei meter naquela
pequena boceta apertada se tornaram muito mais
importantes do que minha amizade de décadas com o pai
dela.
Eu sabia que se não saísse dali agora, se esperasse
gozar como queria desesperadamente, eu invadiria aquele
quarto e trairíamos Charles mais uma vez.
Com um último resquício de consciência eu soltei
suas coisas no chão e não fiquei para ver o resto do show.
Ela provavelmente tinha escutado o barulho no corredor,
mas eu merecia o constrangimento.
Se aquela garota soubesse as coisas que estavam
passando pela minha cabeça, iria até seu pai e pediria que
nunca mais falasse comigo, porque eu era sujo pra caralho.
Subi para meu quarto e tomei um banho gelado.
— Porra! — murmurei, irritado, fodido de tesão e
arrependido do que fiz no corredor.
Eu apertava meu membro debaixo da água
congelante, tentando fazê-lo murchar. Minha cabeça viajava
pela hipótese de que não seria tão ruim assim se Charles
rompesse comigo, afinal, eu não teria peso na consciência
de foder aquela garota uma e outra vez se ela não fosse sua
filha.
CAPÍTULO 18

"Eu não consigo dormir à noite sem você por perto


E eu disse
Quem você conhece?
Quem você ama?
Sem mais surpresas, sem mais jogos"

Marc Lane, Who Do You Love

JENNA WALDORF

Quando acordei na manhã seguinte não o encontrei


na cobertura. Havia uma mesa com suco de laranja,
cápsulas de café e um bilhete.

“Espero que tenha acordado recuperada. Tem um


motorista esperando para levá-la aos seus pais quando
estiver pronta. N”

N?
Virei o papel para ver se havia algo no verso, mas
não, nada. Absurdo. Eu estava completamente no escuro
quanto ao que ele estava pensando, o que aconteceu ontem
depois que fui para o quarto, eu só sabia que meus sapatos
e bolsa estavam no corredor e havia apenas duas opções,
ou Nathaniel os deixou lá — e eu sabia o momento exato em
que foram jogados — ou ele tinha alguém que cuidava da
casa e não quis me incomodar.
Porém, eu não acreditava que alguém trabalhando
para ele teria jogado os pertences de um hóspede pela casa.
A opção mais óbvia era que enquanto eu passava creme no
corpo, Nathaniel foi ao quarto, e de repente minha sensação
de estar sendo observada deixou de ser delírio de uma
cabeça com tesão.
Fitei as cápsulas de cafeína dispostas no balcão.
— É isso que eu ganho depois de ser assistida sem
minha permissão, babaca? — murmurei.
Deixei sua casa às nove da manhã. Só tinha um
lugar que eu podia ir, o lugar onde eu fazia o que amava e
não me sentia julgada como ele me julgava por ser quem
era. Precisava me distrair e abstrair a cabeça dos
pensamentos que iam e vinham relacionados àquele
homem.
Assim que saí do elevador na recepção do prédio,
um homem mais velho se aproximou.
— Bom dia, Senhorita Waldorf, vou levá-la onde
quiser.
— Não precisa — falei sem parar.
Eu normalmente teria dito “bom dia, não precisa”,
porém, estava tão puta com Nathaniel que sobrou para
quem não merecia.
— Senhorita, eu tenho ordens para...
Virei-me para ele.
— Sei de quem são suas ordens e acredite, sei que
é uma merda, mas não se preocupe. Embora seu chefe seja
velho o suficiente para ser meu pai, ele não é. — Voltei a
caminhar, e o homem ficou estático no lugar. Olhei por cima
do ombro. — Pode dizer a ele que falei isso com essas
exatas palavras.
Peguei meu celular e enviei uma mensagem à
Cassandra perguntando se o estúdio estava aberto, e
quando recebi a confirmação peguei um táxi direto para lá.

NATHANIEL SULLIVAN
“SENHOR, ELA ME DISPENSOU, NÃO SEI PARA
ONDE FOI.”

Eu estava no meio de uma reunião com os pais de


um paciente decidindo qual o melhor método para seu
transplante, onde o irmão seria o doador quando recebi a
mensagem. Minha concentração imediatamente foi
dissipada. Embora fosse um bom profissional e estivesse
acostumado a tomar decisões sob pressão, não conseguia
pensar logicamente no que fazer. Não, Jenna não era
obrigada a aceitar minha carona, mas meus punhos estavam
cerrados debaixo da mesa ao pensar que agora eu não
sabia onde ela estava e mesmo que minha cabeça tentasse
me convencer de que eu queria ter o controle pela promessa
que fiz a Charles de cuidar dela, eu sabia que não era isso.
Meu cérebro estava tornando aquela menina mais
importante do que deveria ser.
Jenna estava virando uma obsessão, eu pensava
nela no trabalho quando algo me fazia lembrá-la, pensava
nela antes de dormir, pensava quando estava fodendo
alguém e principalmente quando estava sozinho e meu
corpo desejava extravasar a culpa, o estresse e o ódio pelo
caminho que minha vida tomou. Qualquer um podia me
chamar de tarado e eu não poderia rebater.
— O que acha, doutor Sullivan? — o pediatra do
garoto me questionou.
Caralho, eu não tinha prestado atenção em uma
palavra do que ele disse.
— Podemos nos reunir novamente em algumas
horas? — perguntei aos pais. — Preciso estudar um pouco
mais o caso.
Os dois se entreolharam.
— Mas eu pensei que fosse uma cirurgia simples —
disse a mãe. — O senhor já fez isso antes, certo?
— Incontáveis vezes — respondi tranquilamente. Eu
podia realizar um transplante de olhos fechados, com dois
dias de sono acumulado, e me senti um médico de merda
quando a olhei nos olhos. — Não gosto de dar certezas
antes das cirurgias, nunca se sabe o que vai acontecer no
centro cirúrgico, mas pela idade deles quero ter certeza de
tudo o que faremos. Vou decidir o residente e as enfermeiras
que entrarão comigo na sala e passarei o plano de ação pra
eles. — Levantei-me da mesa. — Eu os deixarei a par de
todos os passos.
— Por favor, doutor, são os meus filhos — o pai
pediu.
A verdade era que se eu entrasse na cirurgia
naquele momento, salvaria o filho doente e o outro ficaria
bem, com toda a certeza. Eu era bom pra caralho no meu
trabalho, mas não podia lhes dar aquela certeza, era uma
questão de responsabilidade.
Minha taxa de mortalidade era extremamente baixa,
tirando o exército, perdi apenas dois pacientes em anos de
carreira nos hospitais.
— Pode deixar — declarei e saí da sala.
Queria ir atrás de Jenna. Porra, se eu pudesse
rastrear seu celular apenas para saber onde ela estava,
minha cabeça voltaria ao jogo, mas eu tinha que me conter.
Me dirigi para a emergência, sabendo que os traumas
exigiriam respostas rápidas de mim, minhas mãos
funcionariam sem que eu precisasse sequer pensar, porque
estava tão acostumado a lidar com corpos quebrados que
por um momento conseguia esquecer que minha mente
estava do mesmo jeito.
Resgatar um homem quase morto após um acidente
de moto me fez relaxar um pouco. Saindo da sala de
cirurgia, ignorei as palavras de parabéns, como se eu não
tivesse apenas feito minha obrigação e descartei a roupa
cirúrgica antes de lavar as mãos. Tirei a touca a caminho do
elevador. Precisava de um banho e um expresso forte.
Assim que a porta abriu, dei de cara com três residentes
dentro.
— Ótima cirurgia, doutor! — disse a garota, mas não
foi ela ou o garoto ao seu lado que chamou minha atenção,
mas sim o terceiro jovem que eu conhecia muito bem da
noite anterior. Havia um hematoma na maçã do rosto e um
curativo pequeno no lábio inferior. Ele estava sorrindo, mas
parou ao me ver.
Segurei a porta ainda aberta e disse sem tirar os
olhos do cara:
— Saiam.
Eles se entreolharam confusos.
— Nós vamos para... — a garota começou, mas a
interrompi.
— Pegue seu colega e saia.
Ela engoliu em seco e segurando o braço dele, saiu.
Deixei as portas fecharem, mas ele não aguentou ficar
quieto.
— Olha, cara...
Segurei sua camisa e o empurrei contra a parede.
— Cara, o caralho, você vai me chamar de doutor
Sullivan! Seus colegas sabem que é um aproveitador de
mulheres?
Ele franziu o cenho.
— Eu não estava me aproveitando, ela é minha ex-
namorada!
— Foda-se, eu não me importo — falei, embora a
informação tivesse me deixado surpreso e muito mais
irritado. — Há quanto tempo trabalha aqui?
— Algumas semanas — respondeu relutante.
— E quer continuar no seu emprego?
— Sim. — Havia tanta raiva em seus olhos que eu
tinha certeza de que estava se segurando para não me
atingir de volta.
— Então faça um favor a si mesmo e desvie o
caminho quando Jenna Waldorf passar por você, nem
sequer pisque em sua direção.
— Você é o que, o novo namorado dela?
— Não interessa o que eu sou, mas tenha certeza de
que tenho mais poder nesse hospital do que você jamais
sonharia em ter e vou te chutar daqui se piscar na direção
dela.
Ele teve a coragem de rir.
— Então agora ela gosta de homens que querem
mandar nela? Bom saber.
Eu o pressionei mais forte contra a parede, mas pelo
pescoço dessa vez.
— Quer perder seus dentes? — rosnei em seu rosto.
— O que ela gosta ou deixar de gostar não é da sua conta,
porra, agora ficou claro que deve ficar longe da garota?
Ele cerrou a mandíbula, mas assentiu quase
imperceptivelmente.
— Eu quero ouvi-lo falar. Ou vou ter que arrancar
seus olhos para garantir que não vai olhar na direção dela
outra vez?
— Ficou claro!
Eu o soltei e dei três passos atrás quando o elevador
apitou no terceiro andar.
— Ótimo — falei de costas para ele. — Caso não
tenha ficado claro, é doutor Nathaniel Sullivan, tenha certeza
de não entrar em nenhuma das minhas cirurgias ou você se
tornará o paciente na mesa.
As portas se abriram, e não podia ter momento pior
para Charles aparecer ali todo sorridente.
— Meu amigo! Eu estava te procurando.
Segurei a porta e o jovem idiota entendeu o recado,
saindo.
— Alguma missão para mim?
— Você não está no exército, filho da puta. — Rindo,
deu um tapa em minhas costas. — Acabei de saber da sua
cirurgia. Todos no trauma pensavam que o rapaz não
sobreviveria.
— Isso é porque todos não são eu. Não foi difícil
salvá-lo.
— Sim, eu não estou surpreso com seu feito. Vou
tomar um drink no bar do lado, me acompanha?
Eu hesitei. Estava evitando Charles há algum tempo,
mas agora não tinha como fugir.
— Vou trocar de roupa e te encontro na saída.
Estávamos sentados em uma mesa no fundo do bar,
e eu o ouvia falar sobre um time que montaria para um
ensaio clínico.
— Vai entrar nessa comigo?
Neguei prontamente.
— Quero estar cem por cento em prática com meus
pacientes e meu departamento, mas sei que cirurgiões
interessados não vão faltar assim que a notícia se espalhar.
Eu não conseguia olhar para o meu amigo e pensar
em estar no mesmo projeto que ele, passar tanto tempo
assim com Charles. Vinha fugindo de jantares, encontros em
sua casa e até mesmo algo simples como uma cerveja no
bar tornou-se difícil de enfrentar. Talvez aos quarenta e dois
anos eu tivesse me tornado a porra de um covarde, mas
para mim, era incabível sentar com meu amigo mais antigo e
dizer: não foi por mal, mas eu tô fodendo a sua filha.
Ter que pedir para o barman não colocar álcool no
drink foi constrangedor, mas foi mais constrangedor ainda ter
que esperar Charles ir ao banheiro para fazer isso, porque
eu não podia admitir ao meu melhor amigo que estar louco
de tesão pela sua filha não era meu único problema.
— Eu esperava que você concordasse, mas entendo
sua posição, imagino que as cirurgias no deserto não foram
fáceis.
— Na maioria das vezes eu não conseguia salvar os
pacientes.
Charles me fitou com seriedade.
— Isso é o que tem te perturbado? Por isso está
distante e fugindo de nós?
Não só isso, mas bingo.
— Charles, não estou fugindo de vocês.
— O caralho que não, nós percebemos isso um
pouco depois que voltou. Violet pensou até que algo tinha te
incomodado, e você sabe que pode me dizer se foi o caso.
Se passamos do limite de algum jeito, se quer espaço pra
lidar com suas merdas...
— Não é nada disso. — Esfreguei meu rosto, dando
o meu máximo para encará-lo. — Não é nada com vocês. Só
estou me adaptando à cidade, me acostumando — menti —,
caindo na real de que não vou ser baleado ou bombardeado
a qualquer momento. — Suspirei. — Às vezes vou ao
mercado e fico olhando para os lados como se a guerra
tivesse me seguido até os Estados Unidos.
— Porra! Isso é pesado. Podemos fazer algo pra
ajudar? Eu conheço vários psiquiatras.
— Não — ergui a mão —, terapia não é a minha
solução, não vem com esse papo de psicólogo pra cima de
mim.
— Mas você sabe que se eu achar que precisa vou
obrigá-lo.
— Não pode me obrigar a fazer nada, Charles.
— Posso se fazê-lo escolher entre uma hora de divã
ou nenhuma hora no centro cirúrgico.
— Não faria isso com seu amigo.
E ele estaria errado se fizesse? Bem, se soubesse
que eu andava sonhando com o corpo gostoso de uma certa
dançarina, ele provavelmente faria. Faria até mais. Eu tinha
certeza de que Charles não se importaria de ir para a cadeia
para me fazer pagar o que fiz com Jenna.
Ele sorriu com ironia.
— Você me conhece, amigo. Eu não me importei de
levantar um dossiê de todas as merdas que Dexter Albane
fazia quando ocupava o meu cargo.
Dei risada.
— Você é um filho da puta, e tudo pra ficar com o
lugar dele.
— Não, ele estava ocupando o meu lugar.
Charles não tinha feito nada errado, na época era o
residente mais promissor do hospital e não concordava com
a forma como o chefe de cirurgia lidava com as coisas, com
o fato de assediar enfermeiras, beber no plantão e ter
engravidado uma interna e depois demiti-la do programa. O
destino e seu talento se encarregou de torná-lo o dono
daquela cadeira anos depois.
— Falando naquele idiota, isso me lembrou uma
conversa que ouvi essa semana pelos corredores de que
algumas enfermeiras têm frequentado seu consultório. Sou
seu chefe, mas sou seu amigo primeiro, e não vou te chamar
a atenção por estar fodendo metade de Seattle.
Abaixei a cabeça, pensando em como escapar do
assunto “sexo” e quem eu andava fodendo ou queria foder.
— Não estou fodendo nem meio terço da cidade.
— Eu te conheço, amigo. — Ele riu. — Antes de ficar
firme com Lilly você andava com esse pau duro só buscando
a próxima que ia comer. Quando ficaram noivos em tão
pouco tempo eu mal acreditei.
— Aqueles eram outros tempos, eu era jovem.
Ele abriu os braços.
— Ainda somos jovens, porra! Eu pelo menos não
deixo Violet em falta nem um dia sequer. — Dei risada com o
detalhe que eu não pedi e nem queria imaginar, mas fiquei
em silêncio. Ele se inclinou para a frente. — Vamos lá, Nate,
fale comigo. Confiamos um no outro a vida toda, o que tem
acontecido?
Como eu podia dizer olhando nos olhos do cara mais
decente e honesto que já conheci que quando penso em
sexo a única coisa que me vem à mente são as coisas
proibidas que fiz com sua filha?
— Descontei meus problemas em sexo durante
muito tempo depois que tudo aconteceu. Tô tentando levar
as coisas para outro lado.
Ele se inclinou um pouco mais.
— Então, tá me dizendo que Nathaniel Sullivan, o
cara mais puto que conheci, antes do casamento, é claro,
não trepa há meses... anos?
Caralho!
— É claro que transo, porra, mas não me envolvi
com ninguém, e nem pretendo. Tem uma em particular que
tem ocupado meus pensamentos.
A conversa era perigosa, mas eu precisava sondar o
terreno e ver se havia chances de um perdão ali.
— Nossa idade, mais nova, mais velha?
Puta que me pariu.
— Mais nova. Um pouquinho mais nova.
Ele assobiou, recostando no banco.
— Trinta e cinco?
— Um pouquinho menos. — Engoli alguns goles do
suco de limão, desviando o olhar.
— Trinta?
— Menos.
Charles parou de rir, estreitando os olhos.
— Pervertido do caralho, vinte e cinco?
Ele nem sequer podia imaginar.
— Sim — falei por fim. — Vinte e cinco.
Com cinco a menos.
— É bem mais nova, mas desde que ambos estejam
de acordo, que mal tem, certo?
Eu devia ficar aliviado com isso? Porque me sentia
ainda mais culpado. Finalizei a bebida.
— Enfim, olha só... Eu te diria se não estivesse
pronto para fazer meu trabalho, sabe disso.
— Será, Nate? Não sei muito de você nos últimos
tempos.
Suspirei.
— Sabe o mais importante, que eu priorizo minha
reputação acima de tudo e jamais colocaria um paciente em
risco se não estivesse apto para operar.
— Não duvido da sua capacidade, amigo, vou
confiar que está sendo honesto comigo.
Porra, se ele tivesse me afastado do hospital seria
melhor do que ouvir aquela frase. Eu merecia tudo, menos a
confiança dele quanto à minha honestidade.
CAPÍTULO 19
"Eu sei que posso ser jovem, mas também tenho
sentimentos
E eu preciso fazer o que sinto vontade"

Britney Spears, I'm A Slave 4 You

JENNA WALDORF

— Tem certeza que quer fazer isso? — Cassandra


questionou. — Não tem volta.
Danny, o body piercing riu.
— Tem volta, mas vai ficar uma marquinha.
— Alguém já se arrependeu? — perguntei.
— Não aqui, não comigo.
— Viu? — Sorri para tranquilizar minha amiga. — De
acordo com minhas pesquisas ele é o melhor de Seattle.
Ela revirou os olhos.
— Concordo — disse ele, apontando a agulha para o
meu peito.
— Espera, deixa eu registrar isso. — Abri a câmera
do meu celular e tirei uma foto do meu rosto em uma falsa
expressão de choque e ele mirando a agulha. — Vai doer?
— Você vai sentir uma picadinha e depois vai ficar
sensível, mas não é uma dor dos infernos.
— Não é a dor de um parto? — Cass perguntou.
Ele voltou a rir.
— Eu nunca dei à luz, mas ninguém nunca comparou
a isso.
— Então vamos, já enrolei demais. — Guardei o
celular e recostei a cabeça, respirando profundamente. —
Não vou voltar atrás.
Em questão de segundos senti uma picadinha que
me assustou, mas depois de ter passado por anos de
radiação, queda de cabelo e náuseas insuportáveis, aquele
não era o fim do mundo, sem contar que quando me levantei
e fitei meu mamilo no espelho, me senti dez vezes mais
sexy.
Virei-me para Cass segurando o seio furado.
— Cacete, olha isso! Você devia fazer.
Ela balançou a cabeça e cruzou os braços como se
protegesse os peitos.
— Ninguém toca nos meus limões com uma agulha.
— Gostou? — Danny perguntou.
— Amei! — gritei. — Preciso me controlar pra não
furar o outro.
Ele tirou as luvas e se aproximou para limpar o
piercing.
— Acho que pelo seu estilo um ficou perfeito.
Ele me explicou como seria o primeiro mês e os
cuidados, e eu prometi voltar para furar a orelha em alguns
lugares.
Saí do estúdio sorridente, e nem foi pelos dois drinks
que tomei com Cass antes de decidir furar quando
passamos na frente do estúdio. Peguei meu celular
enquanto caminhávamos de volta para o estúdio de dança e
Cassandra me dizia que eu era louca.
— Ficou lindo! — expliquei confiante.
A joia era pequena, prata e delicada, e como meus
seios tinham um tamanho médio ficou perfeito. De pronto
encaminhei a foto para Serena, mas sabia que seu dia seria
cheio de cirurgias e ela só responderia mais tarde. Um outro
número chamou minha atenção. Papai tinha salvado o
número de Nathaniel nos meus contatos caso eu precisasse
dele em uma emergência.
“— Eu sou o seu primeiro contato e seu irmão o
segundo, mas Nate é o terceiro. Ele é parte da família e o
cara que mais confio. Ele não vai hesitar em ir até você se
precisar.”
Eu não o via há duas semanas e tentei não pensar
nele nesse tempo, mas foi impossível em certos momentos.
O que aconteceria se eu enviasse a foto pra ele?
Essas coisas aconteciam por acidente, certo?
Parei no meio da calçada com o dedo em cima do
contato, pensando e pensando, e Cass esbarrou em mim.
— O que foi, já se arrependeu? Essa foi rápida.
— Nem um pouco — murmurei com os olhos fixos
em seu contato. Antes que mudasse de ideia selecionei e
encaminhei a foto como mensagem.
Cassandra me olhou confusa, tentando entender por
que fiquei ali parada olhando o telefone sem fazer nada.
— Tá doendo? Tá sentindo inflamar?
— Não. — Dei risada e bloqueei a tela. — Acho que
acabei de fazer uma besteira.
— Eu te disse! — gritou.
— Não sobre o piercing, iludida. Pode esquecer isso.
Fiz outra besteira mil vezes pior do que furar o mamilo. —
Guardei o telefone na bolsa e suspirei. — Vamos voltar ao
estúdio? Acho que a aula da Sammy vai começar agora.
Ela estreitou os olhos.
— Você é muito estranha, garota.
Demos risada.
— Eu sei, mas sempre fui assim, né?
Uma hora havia se passado desde que enviei a foto
para Nathaniel e não estava arrependida, mas sabia que era
porque a consequência ainda não havia chegado. Sabia que
ele ia me ligar assim que visse todo irritado. Dei risada só de
imaginar.
Vestida com um body branco confortável e uma bota
de salto até um pouco abaixo do joelho, eu acompanhava a
dança sem fazer muito esforço, como Danny mandou.
Realmente sentia uma sensibilidade forte no mamilo e não
queria arriscar inflamar.
— 5... 6... 7... 8...
A música I’m slave for you da Britney Spears tocava
e as oito mulheres presentes — contando comigo — foram
balançando os quadris até o chão antes de apoiar uma mão
jogando o cabelo para o lado e deitar quase completamente
de barriga para baixo. Nos levantamos de quatro e
engatinhamos para a frente, todas encarando seus reflexos
no espelho. Quando Britney gritava na música, nós
gritávamos juntas.
— Oh, babe! — Sorri me fitando, meus cabelos
soltos, suados e minha pele brilhando com a luz vermelha.

“Querido, você não quer dançar comigo?


Em outra hora e lugar
Oh, querido, você não quer dançar comigo?
Deixando para trás meu nome e idade”

Encontrávamos o equilíbrio entre sensualidade,


fluidez e a habilidade nos passos e movimentos. Diferente
de muitas delas, eu não estava nisso por querer me tornar
uma dançarina profissional, mas porque amava dançar.
— Sensualidade, garotas! — Sammy gritou. —
Queremos seduzir a plateia, algumas querem seduzir a
amizade colorida e estão conseguindo! Vão para o chão
novamente... seduzam a si mesmas — falou, arrastado em
meio a uma batida da música, e nós obedecemos.
No momento que eu estava de quatro no chão,
houve um estrondo da porta fechando e quando olhamos
para trás, todas estavam assustadas, mas eu já esperava.
Tive um déjà-vu ao ver Nathaniel entrando a passos
apressados e pesados, o rosto carregado em fúria e não
recuei, porque sabia que ele estava vindo para mim.
Não era ingênua, tampouco inocente.
E quando ele com aquele rosto dos deuses franzido
em raiva deixou que os olhos deslizassem pelo meu corpo,
eu sabia que a foto tinha causado isso.
Virei-me para Cassandra ao meu lado.
— Não se preocupe, está tudo bem...
Seu ombro bateu nas minhas pernas e eu estava de
cabeça para baixo sendo levada ao camarim da última vez.
Meu coração batia forte nem tanto pelo esforço da
dança, mas por ver aquele homem invadindo o salão com
uma missão clara nos olhos.
Ele fechou a porta, colocou-me no chão e me
empurrou contra a parede.
— Olha... — comecei, mas fui interrompida por sua
boca colando na minha com agressividade.
Ele segurou meu rosto e meu pescoço com as mãos
enormes e sua língua invadiu minha boca buscando a minha
como se estivesse faminto. Nossos corpos estavam
completamente grudados e eu não demorei a agarrar seus
ombros, cravando minhas unhas em sua camisa branca
clara, puxando-o para ainda mais perto.
Sua perna estava entre as minhas, pressionando
minha boceta, e ele mordeu meu lábio inferior, rosnando
antes de chupar minha língua e voltar a me beijar com fome.
Quando se afastou, colocando o espaço inteiro do
pequeno camarim entre nós, ele se encostou na outra
parede e respirou pesado.
— Você tem que parar com isso, eu não aguento.
— Vai me culpar por ter me beijado?
— Não, porra! É culpa minha te olhar e te querer, é
culpa minha ficar com tesão pra caralho no meio de uma
cirurgia a ponto do meu pau doer lembrando de como é te
comer. Eu estou tentando me controlar por respeito ao meu
melhor amigo, e você não facilita pra mim. Essa foto — ele
fechou os olhos como se lembrasse do momento que viu —,
por que me mandou isso, Jenna?
— Pensei que ia gritar comigo...
— Por quê? — exigiu, elevando a voz.
Porra, ele era gostoso pra caralho.
— Você não gostou?
— Se eu não gostei? — Ele fechou os olhos,
esfregando o rosto. — Minha vontade é te jogar nesse sofá,
abrir suas pernas e chupar sua boceta enquanto assisto a
joia brilhar no seu peito.
Eu olhei para o sofá, respirando pesado.
— Nada te impede de fazer isso — sussurrei alto,
fitando-o sobre os cílios.
— Isso não te assusta? Saber que vamos magoar
Charles?
— Meu pai não tem que saber. — Revirei os olhos.
— Acha que vou contar pra ele sobre o piercing? Que eu
dou detalhes dos homens que trepo?
Ele fechou os olhos com força.
— Apague meu número, Jenna, e fique longe de
mim, assim como eu vou fazer o impossível para ficar longe
de você.
— Como está fazendo agora com sua boca brilhando
do meu gloss? — Ergui a sobrancelha.
Ele me fitou em silêncio por um momento, então
abriu a porta e saiu.
Eu fiquei confusa.
Pensei que fosse gritar comigo, ele parecia mais
ferido e arrependido pra cacete do que com raiva.
Eu o segui, agarrando meu casaco na recepção
antes de sair. Ele destravou seu carro e eu entrei na frente
da porta, impedindo-o.
— Você estava me olhando, não é? — Estreitei os
olhos. — Na sua casa.
Ele desviou o olhar.
— Não sei do que está falando.
Que cínico!
— Sabe, sim! Deixou meus sapatos e minha bolsa no
corredor no exato momento em que eu passava creme
depois do banho.
Ele estreitou os olhos azuis, exibindo marcas de
expressões lindas e sexys demais para serem ignoradas.
— E você não fez de propósito?
— Não!
— É por isso que isso tem que parar, estamos
jogando um jogo perigoso.
— Não acho perigoso, nós somos jovens, doutor!
— Você é jovem pra caralho, tem idade pra ser
minha filha.
— Mas não sou — dei risada —, estou bem longe de
ser sua filha.
— Não é o que seu pai pensa. Ele me pediu pra
cuidar de você.
— Eu já disse que ele não precisa saber todos os
passos que eu dou.
— Mas eu não sei encarar meu melhor amigo e ter
uma conversa franca com ele, rir com ele, porque tudo o que
ele diz me faz lembrar... — ele fez uma pausa — nossos
momentos.
— Nosso sexo. Diga a palavra. — Suspirei. — Não tô
brava porque ficou me olhando, honestamente fiquei mais
chateada porque não entrou e fez alguma coisa sobre nosso
tesão.
Ele me fitou como se eu segurasse algemas de uma
pena de prisão perpétua.
— Pelo amor de Deus, Jenna!
— Não sou mais uma menininha, não percebeu isso?
Me querer não é errado.
— Eu te vi nascer — rosnou. — Julguei homens no
exército por muito menos que isso.
— Tenho certeza de que tudo o que fez quando
estava lá foi para proteger mulheres indefesas, mas eu não
sou uma delas. Eu quero o que quero e ponto! A vida é curta
demais pra resistir, doutor. — Toquei seu peito, arrastando
minha mão até o V da camisa onde os pelos claros se
revelavam. — Acha que se fosse pra resistir às tentações
Deus as colocaria em nosso caminho?
Ele bufou.
— Agora vamos enfiar Deus na roda, como se eu já
não me sentisse culpado o suficiente.
— Não tem que se sentir culpado, eu já me perdoei
por ter mentido, e pelo jeito que me agarrou lá dentro você
também já se perdoou. Mal está conseguindo lidar consigo
mesmo — deslizei os olhos para baixo em sua calça —,
honestamente, consigo ver o contorno do seu pau duro
mesmo com a calça. Como quer que eu acredite nessa de
“vamos parar com isso”?
— Você é proibida para mim, intocável. Entre todas
as mulheres é a única que não posso desejar.
— O proibido é mais gostoso. Nunca ouviu falar
nisso?
Ele balançou a cabeça.
— Mulheres são complicadas pra caralho, mulheres
com a metade da minha idade pelo jeito são piores ainda.
Tudo pra você é diversão, mas um dia vai entender que tudo
o que fazemos tem consequência. — Ele pegou meu braço e
me levou até a calçada. — Isso acaba agora.
Eu abri meu casaco exibindo meu corpo quase
seminu apenas para ele e fiz beicinho.
— Tem certeza? Porque dá pra ficar muito mais
divertido e ninguém precisa saber.
Ele rosnou e se aproximou outra vez, segurando as
abas do casaco para fechá-lo.
— Pare com isso! — Eu comecei a rir. — Pare com
isso, porra, onde está a graça?
— Sua cara de bravo! Aproveita a vida, Nathaniel,
quantos anos tem? Quarenta e cinco?
— A única coisa que importa é que eu estou muito
mais perto do seu pai em idade do que de você.
— Então que bom que não estou tendo essa
conversa com o meu pai e sim com você.
— Chega, Jenna! — Seu olhar desviou para meu
decote, onde claramente conseguia ver o desenho do
piercing. — Porra! — murmurou e virou as costas. Ele entrou
no carro, resistindo a mim e o ligou, no mesmo momento eu
vi uma sombra tentando escorregar debaixo do automóvel.
— ESPERA! — gritei, pulando na frente do carro.
Ele buzinou alto, colocando a cabeça para fora,
gritando de volta:
— CARALHO, JENNA, FICOU LOUCA?!
Abaixei-me, aproximando-me do cachorrinho ferido
que tentava sair antes que fosse atropelado. Ouvi a porta
abrir e fechar antes que ele fizesse uma sombra sobre mim.
— Olha isso — falei chorosa, passando a mão na
cabecinha do animal. — Ele está machucado. Você o
atropelou?!
— É claro que não, porra, ele deve ter se escondido
aí.
O pequeno vira-latinha chorava. Tinha uma patinha
dobrada e tinha o rabinho sangrando, cortado. Seus olhinhos
brilhavam tanto que eu tinha certeza de que eram lágrimas.
— Meu Deus! — Comecei a chorar, desesperada
com seus resmungos baixos. — O peito dele está movendo
devagar, acho que não consegue respirar. Será que foi
atropelado agora?
Ele passou a mão pelo cabelo.
— Eu não sei, Jenna, vou colocá-lo na calçada, eu
preciso voltar pro hospital.
— O quê?! Quer deixá-lo aqui? Não, não podemos
fazer isso.
— Está chorando? — Ele abaixou devagar na minha
frente, parecendo incrédulo. — Jenna. — Colocou a mão no
meu rosto e fitou seus dedos molhados de lágrimas — Não
precisa chorar, alguém vai resgatá-lo.
— Alguém não, nós vamos! Você é cirurgião, tem
que fazer algo!
— Eu sou cirurgião de pessoas, opero gente, não
animais. Não sou veterinário, porra!
— São ossos... carne e... e... anatomia! É a mesma
coisa. Meu pai salvou um passarinho machucado que caiu
na piscina quando eu era pequena e ele é neurologista.
Esse cachorro precisa que você veja a pata e o rabinho,
você cuida de corpos! — A essa altura eu estava berrando
na rua, e algumas pessoas que passavam olhavam a cena.
Uma mulher parou e nos encarou com cara de julgamento.
— Ele não atropelou, nós estamos tentando salvá-lo! —
Virei-me de volta para ele. — Por favor, não estou te pedindo
pra me comer no meio da rua, só que salve um bichinho
indefeso que alguém machucou e abandonou aqui.
— Caralho! — Ele bateu no capô e se levantou,
tirando a camiseta antes de enrolá-la no corpinho do
cachorro e colocá-lo no banco de trás. — Entre logo no
carro.
Eu obedeci, me acomodando para acariciar sua
cabecinha enquanto Nathaniel entrava e acelerava pela
avenida.
— Para onde vamos?
— Conhece algum veterinário bom?
— Não posso confiar que um veterinário vai salvar
ele, se ninguém parou em uma das avenidas mais
movimentadas da cidade para ajudar. Temos que ir ao
hospital!
Ele me encarou pelo retrovisor, ainda incrédulo e
indignado.
— Só pode ser brincadeira — murmurou. — Agora
sei que você é insana.

NATHANIEL SULLIVAN

Entrei na emergência do hospital com o cachorro em


meus braços e Jenna com o rosto banhado em lágrimas ao
meu lado. Tinha sangue na minha camisa e eu estava
acostumado a isso, foi inevitável não me lembrar de quando
essa mesma cena aconteceu anos atrás, mas ao invés de
um cachorro que não era meu, eu segurava meu mundo:
minha esposa grávida.
Não era culpa de Jenna e muito menos do animal
ferido, mas tudo o que eu queria era deixá-la na porta de
algum veterinário para que ele fosse tratado e seguir meu
caminho. Eu já tinha visto animais feridos no trânsito, e
principalmente no meu tempo no exército, mas nunca parei
para lidar com isso e resolver uma situação que não era
minha.
Aquela garota me fazia fazer coisas que eu nunca
pensei em fazer, que em dias comuns eu teria simplesmente
virado a cara porque não estava dentro do meu controle. E
isso era muito mais perigoso do que desejar fazer sexo com
ela.
Pacientes, médicos e enfermeiras nos olharam
estranho, confusos, mas Debby, uma das enfermeiras mais
antigas foi a única que teve coragem de se aproximar.
— Doutor? — Ela olhou entre mim e Jenna. — O que
houve?
— Me dê uma sala livre, a menor que tiver e que não
vá atrapalhar.
— E bem equipada, Debby, por favor. Ele precisa de
cuidados urgentes, por favor.
A enfermeira voltou a me encarar.
— Doutor Sullivan — hesitou —, o paciente é um
cachorro?
— Chame um veterinário depois de encontrar a sala,
Debby.
Eu estava ficando impaciente com a porra da
hesitação.
— A trauma dois está em manutenção, não será
usada pelos próximos dois ou três dias... por pacientes
humanos.
— Vai servir — falei.
Jenna se encaminhou na minha frente.
— Doutor, não seria melhor levar o paciente a um
veterinário?
— Seria, mas quer entrar ali e dizer isso a filha do
dono do hospital?
Ela virou o rosto, observando enquanto Jenna
forrava a maca e mexia nas gavetas procurando algo que
nem eu sabia o quê. Ela podia ter nascido em uma família
de médicos, mas não sabia nem fazer um curativo em gente,
quem dirá preparar um cachorro para ser tratado.
Quando entrei na sala e deitei o animal, fiquei
observando a garota abalada que não parava de fuçar nos
armários e gavetas.
— Jenna, não há nada aqui que eu possa usar para
ajudá-lo. Debby foi chamar um veterinário que saberá o que
fazer.
— Enquanto isso, vamos esperar de braços
cruzados? Ele pode ter uma parada ou perder o movimento
da perna.
— Ele não tem perna, tem patas.
Ela fechou uma gaveta com força e me encarou com
irritação. O rosto todo franzido parecia ainda mais jovem,
uma jovem birrenta e chorona. Deus. Eu estava velho pra
caralho.
— Pode ser insensível e insuportavelmente lógico
longe de mim?
— Não quer que eu o salve?
— Quero que qualquer um o salve! Porque ele foi
abandonado como se não valesse nada só porque vive nas
ruas. — As lágrimas não paravam de deslizar pela
bochecha.
Intrigava-me o porquê de ela estar tão assustada e
incomodada, a ponto de chorar sem parar. Eu não conseguia
me sentir assim facilmente, nunca convivi com alguém desse
jeito. É claro que meus pacientes despertavam minha
empatia, mas ela não parava de implorar que alguém
ajudasse o cachorro como se fosse seu.
Jenna voltou a mexer nos armários superiores.
Fui até ela e segurei suas mãos, virando-a para mim.
— Pare com isso!
— Me solta, Sullivan!
Encostei-a na parede outra vez, parecia que tocá-la
começou a se tornar algo fácil para mim, quando eu nunca
quis chegar perto de outras mulheres, a não ser quando era
pra fazer um sexo rápido e ir embora.
— Vou fazer o máximo que puder, ok? Mas você
precisa se acalmar.
Os olhos cor de mel chorosos me fitaram com
agonia.
— Você jura? Vai cuidar dele mesmo?
De repente eu me senti estranhamente envolvido
com a pergunta, minha mente impulsionada a prometer que
sim, eu ia cuidar da porra do cachorro porque vê-la chorar
mais não era uma opção.

JENNA WALDORF

— Eu prometo.
Assenti devagar, confiando em sua palavra. Livrei-me
de seu aperto e fui para o lado do cachorro, passando as
mãos devagar pelo corpinho.
— Vai ficar tudo bem, lindinho, mesmo que ele seja
um resmungão vou obrigá-lo a te ajudar.
— Agora eu sou resmungão? — Ele cruzou os
braços fortes sobre o peito.
— Sempre foi, e convenhamos que nunca tentou
negar ou esconder isso.
Ele me observou em silêncio por um momento.
— É por isso que as pessoas sofrem — falou
devagar. — Se envolvem em algo que às vezes nem é da
conta delas. Escolhem sofrer.
Eu sabia que era o trauma dele falando, mas a
verdade era que eu sabia o que significava ser abandonada
à própria sorte como um cão atropelado na avenida. E por
sorte, tive pessoas para cuidar de mim e lutar por mim
quando quis desistir.
— Você não é o único que conhece a dor de
verdade, doutor.
— Depois de anos no exército aprendi a não
comparar dores, sei que é inútil. Se fosse assim, passaria a
vida questionando a Deus porque me matou sete anos atrás.
Virei-me assustada.
— Não diga isso, Nathaniel, você não está morto.
— Para todos os efeitos eu estou. O amor da minha
vida e o fruto de nós dois foi perdido, mas nem por isso eu
vou comparar dores e vivências, as coisas não funcionam
assim para mim.
Eu queria me aproximar e abraçá-lo, e quase fiz isso,
mas no momento que soltei o cachorro a porta abriu e meu
pai entrou com um homem mais jovem, cujo jaleco tinha
patinhas cinza bem clarinho.
— Boa tarde.
— Ah, graças a Deus. — Suspirei de alívio.
— Vou dar uma olhada nesse garotão — disse ele,
tomando o meu lugar.
Meu pai me abraçou.
— Sinto muito, meu amor, você viu acontecendo?
— Não, ainda bem. Eu teria desmaiado. — Revirei os
olhos.
— Ainda bem que Nate estava lá, viu só, quando eu
disse que ele não hesitaria quando você pedisse socorro,
falei sério. Escolhi muito bem o meu melhor amigo.
Abraçada ao meu pai, fitei Nathaniel, que desviou o
olhar de papai para mim.
— É — falei baixinho. — Você estava certo.
Meu pai me apertou.
— É impossível negar algo a essa garota, Nate,
agora que voltou assim como eu você está fodido.
Nathaniel engoliu em seco, assentindo e forçando
um sorriso fechado.
— Parece que sim.
Ai, pai, você nem tinha ideia de quão certo estava
nisso.
E principalmente, eu também não tinha ideia do
porquê meu coração estava batendo tão forte se ele só
aceitou me ajudar com o cachorro para que eu não ficasse
enchendo o saco e saísse logo do seu caminho. Ele não me
suportava.
Fechei os olhos abraçada ao meu pai, e foquei meus
ouvidos nas palavras do médico. Apenas quando ouvi que
os machucados foram superficiais e ele levaria o cachorrinho
para sua clínica fiquei aliviada. Meu pai garantiu que iríamos
visitar para acompanhar sua recuperação.
Talvez Nathaniel realmente estivesse morto de
coração, porque mesmo tendo me ajudado, ele não ficou
tempo o suficiente para ouvir as boas notícias.
CAPÍTULO 20

"Então conte-me porque conversamos quando dançamos


tão bem
E você sabe que não pode ficar, mas eu gostaria que ficasse
Sim, eu gostaria que ficasse"

Wakey!Wakey!, Dance So Good

JENNA WALDORF

Quando entrei no consultório do meu pai às nove da


manhã de uma segunda-feira, o encontrei em volta de
pastas e papéis em sua mesa, com os óculos na ponta do
nariz e a cabeça apoiada na mão. Ele já estava exausto e o
dia só tinha começado.
— Bom dia, papai, queria me ver? — Me aproximei e
beijei sua bochecha.
Seu escritório era bem decorado — graças à mamãe
— com quadros que ela pintou, fotos da família em sua
mesa e flores que ela mesma trocava semanalmente.
Eu conseguia ver o desastre acontecer se ele tivesse
descoberto meu rolo com Nathaniel. Ele nunca me chamava
no hospital, e pela seriedade em sua feição eu realmente
não queria enfrentá-lo.
— Sente-se, Jen, preciso conversar com você. — Eu
me sentei na cadeira pisando em ovos, preocupada e
paranoica. Ele franziu o cenho. — O que há de errado?
Ao ouvir a simples pergunta meu corpo desabou em
alívio, meu pai estaria muito mais puto se soubesse que eu
tinha transado com seu melhor amigo, obviamente queria
falar de outra coisa, mas era assim que a consciência
pesada funcionava, certo? Nos fazia imaginar cenários onde
tudo dá errado.
— Sim, só preocupada com você e esse monte de
papéis. Eu que te pergunto se está tudo bem.
— Sim, só trabalho — ele jogou uma pasta de lado
— mais trabalho — empilhou outra por cima — e mais
trabalho — mais uma. — Preciso da sua ajuda, na verdade,
é mais uma tarefa.
— Tarefa pra mim? — Franzi o cenho. — Por essa eu
não esperava. O que aconteceu?
— Tive uma reunião com o departamento de a
pediatria semana passada e eles se mostraram
descontentes com minha falta de atenção.
— Sua falta de atenção? Pai, você vive para o
hospital, se tem alguém aqui que está atento a tudo é o
senhor.
Ele jogou a mão em desdém.
— Não é sobre cirurgias, estão me cobrando coisas
que o andar deveria ter, afinal, é um dos departamentos que
mais lucram no hospital, mas as crianças passaram um
Natal pobre de doações e os médicos estão cada vez menos
empenhados em ajudar com pro-bono, ações de caridade e
brechas nas agendas.
— Quer que eu organize eventos de caridade para
arrecadar fundos?
— Não, quero que caminhe pela área, anote as
carências, quero que organize as crianças e faça festas
temáticas. Veja o que falta para eu colocar em ação.
— Mas não existe uma assistente social pra isso? Eu
me dou bem em muitas coisas que não são da minha conta,
mas não sei se serei boa aqui.
— Jen — ele arrastou a cadeira até ficar na minha
frente —, eu nunca confiei algo a você que não soubesse
que ia fazer com excelência. Vá ao departamento, passe um
tempo e cuide do que eles precisam. Eu vou assinar os
orçamentos, basta me trazer.
Eu ainda estava confusa, mas jamais negaria um
pedido do meu pai.
— Quer que eu seja vigia dos médicos ou sei lá,
organize uma festa de Halloween?
— Isso! — Ele bateu palmas. — Organize uma festa
onde todos os médicos vão passar pelo departamento, os
pais vão se sentir mais propensos a doar ao ver que seus
filhos estão recebendo atenção não só na cura, mas em
carências sociais. Conquiste médicos para realizar cirurgias
que seguros não cobrem e pais não possam pagar, eu não
posso obrigar todos a passar mais tempo do que já passam
no hospital com suas responsabilidades.
— Então o poderoso Charles Waldorf está admitindo
que precisa da minha ajuda? — Dei um sorrisinho.
Ele revirou os olhos.
— Nunca foi problema para mim admitir que preciso
de você e da sua mãe, principalmente quando você tem
essas ideias malucas.
Dei risada.
— Tenho passe livre pra fazer o que eu quiser
contando que seus médicos não encham mais o saco com
relação à ala infantil?
— Exatamente. — Ele voltou ao seu lugar, já
encarando os papéis.
— Por que não disse logo? O que eu mais amo fazer
é perturbar médicos rabugentos com complexo de
superioridade.
Ele riu enquanto eu levantava e caminhava até a
porta.
— Só não faça com que eles se reúnam para ir à
diretoria contra mim.
Eu o fitei antes de fechar a porta.
— Papai, os diretores precisam de você até pra
decidir qual papel higiênico comprar para limpar suas
bundas. Nunca vão te tirar do cargo.
Fui direto para o refeitório, pois tinha trocado
mensagens com Serena e sabia que ela estava indo tomar
seu café da manhã. A encontrei em uma mesa nos fundos,
com o notebook aberto na mesa e um lanche do lado.
Abracei-a por trás, beijando seu rosto.
— É isso o que você come para aguentar ficar aqui o
dia inteiro, doutora? Vou chamar a nutricionista.
Ela arregalou os olhos ao me ver, levantando para
me abraçar.
— Sua vaca! O que está fazendo aqui? Pensei que
estava perguntando o que eu faria agora só pra saber!
— Você nem imagina. — Sorri ao me sentar. — Meu
pai me chamou.
Ela voltou a sentar devagar, com a feição assustada.
— Ai, cacete, pra falar daquilo? — Ela olhou ao
redor. — Ainda não ouvi nada sobre a morte do Sullivan.
Dei risada.
— Não, também pensei isso e estava com o cu na
mão, mas ele não faz ideia das coisas que aconteceram e foi
por isso que me ofereceu um trabalho na ala infantil.
— O quê? — Ela riu, surpresa. — Fazendo o quê?
— Pois é. Ele disse que os médicos do departamento
o procuraram com algumas questões que estão
descontentes, e ele acha que eu sou perfeita para dar um
jeito.
— Ele não está errado, você já consertou muitas
coisas impossíveis. Inclusive o celibatário do doutor
polêmico. — Serena gargalhou.
Vadia.
— Ele não era celibatário, só viciado em comer puta.
— Encolhi os ombros.
— E qual sua função, funcionária nova?
— Em resumo acho que vou parecer mais uma
animadora de festas do que qualquer outra coisa. Organizar
dias temáticos para as crianças, chamar atenção para a ala
infantil até que todos queiram ajudar nas carências.
Doações, cirurgias, pro-bono e tudo mais.
— Seu pai é um gênio.
— Eu sei, a primeira coisa será uma festa de
Halloween.
Serena prendeu os cabelos pretos no alto, tirando o
jaleco e o pendurando em outra cadeira vazia.
— Me empresta isso — pedi.
Ela riu, franzindo o cenho.
— Pelo amor de Deus não vai surtar e tentar operar
alguém achando que sabe o que está fazendo.
Gargalhei, acompanhando-a.
— Isso nem passa pela minha cabeça, se eu não
quis ser médica de verdade, imagina de mentirinha.
— Ei, vai devagar, essa é a minha paixão.
— E por isso você é uma médica excelente, mas eu
não presto nem pra dar vacina em alguém.
— É, você está certa, mas pra que quer o meu
jaleco?
— Tenho que dar a notícia a alguém de que vou
passar mais tempo aqui — frisei o alguém, piscando.
— Ah, sua safada. Já vai perturbar o doutor.
— Tá tão na cara assim? — Roubei seu suco,
tomando alguns goles.
— É muito óbvio, mas pra mim, porque eu sei da
história toda.
— Acho que a gente meio que tá se acertando,
sabe? Entramos em um acordo silencioso.
Ela arregalou os olhos.
— E como é que eu não sei disso?
— Porque você tem trabalhado tanto que nem
atende minhas ligações.
— Se eu fosse te ligar seria para gritar no seu
ouvido sobre esse piercing, que loucura foi essa?
— Fala sério, ficou perfeito. — Dei risada, e ela me
acompanhou.
— Meu Deus, Jen, sinto tanta falta dessa sua
impulsividade.
— Não podemos ficar tanto tempo longe.
— E nem vamos mais. Agora que vai trabalhar aqui,
vai poder me ouvir falar todos os dias malditos sobre meu
noivo, às vezes ex, às vezes atual.
— E você vai me ouvir sobre o cirurgião mais
gostoso e proibido desse hospital. Será perfeito.
— E como está o progresso com o viuvão?
Alguns médicos passavam por nós e
cumprimentavam, mas eram educados de não se sentar
sem convite, sabendo que estávamos em uma conversa
privada.
Inclinei-me para a frente, falando baixinho.
— Aquela foto que te mandei... enviei pra ele
também.
Seu queixo caiu. Ela empurrou o notebook e se
aproximou mais.
— Mentira!
— Muito verdade. — Dei risada.
— Safada! — sussurrou. — E ele? Não consigo
imaginar aquele homem ficando numa boa com isso.
— Ficou puto, foi ao estúdio, me beijou e disse que
eu tenho que parar porque o que estamos fazendo com meu
pai não é certo, e se continuarmos não vamos conseguir
parar.
— Cacete, ele praticamente disse que quer te comer,
mas não faz por peso na consciência.
Meu Deus, seria incrível ver minha melhor amiga
todos os dias. Iríamos aproveitar brechas de dez minutos
como se fossem duas horas.
— Exatamente — assenti. — Por isso que agora vou
investir pesado. Nem pensei quando papai me pediu ajuda,
é claro que eu quero ajudar essas crianças, quero que
tenham as melhores chances de cura ou pelo menos bons
tratamentos, mas perder a chance de passar todos os dias
provocando ele? — Dei risada. — Não vou perder.
Ela olhou para os lados, inclinando-se mais ainda e
falou baixinho:
— Amiga, você não tem ideia de quantas salas
secretas existem nesse hospital. Acho que nem seu pai sabe
quanto potencial pra sexo proibido tem aqui.
— E você vai me dar um mapa muito bem
desenhado de todos esses lugares.
Ela jogou a cabeça para trás, rindo.
— Porra, não acredito que vamos nos ver todos os
dias. É difícil, tenho passado mais tempo no centro cirúrgico
do que fora, mas cinco minutos com você será revigorante.
Vai sair uma matéria sobre mim, tiramos as fotos ontem.
— Mentira? Eu quero ver tudo!
— Juro, me chamaram de “o talento mais promissor
do hospital”. Seu pai me mandou um e-mail agradecendo a
visibilidade que uma matéria na Vanity Fair vai dar. Eles
raramente falam sobre assuntos mais técnicos, e quando
falam sobre medicina, me escolheram. É muito louco.
— É muito talento! — rebati, segurando sua mão. —
Tô feliz por você, Serena. Eu te disse que você ainda vai ser
chefe desse hospital e não vai demorar.
Ela riu.
— Desbancar seu pai?
— Até lá ele já vai querer se aposentar. Agora me
conta alguma novidade, o que eu preciso saber antes que
me enfie nesse universo.
Ela fitou o relógio.
— Merda, vou me atrasar.
— Come enquanto fala — exigi.
Ela pensou um pouco.
— Ok, tenho que dizer algo que talvez não te
surpreenda, mas Nathaniel não tem uma boa fama no
hospital.
— Eu imagino, ele é grosso feito uma porta.
— Exato, e embora isso seja engraçado às vezes,
muitas pessoas ficam receosas com as atitudes e
posicionamentos dele. Essa coisa de dar respostas grossas
e agir como se só ele soubesse de tudo, e principalmente
não levar em consideração nada que os outros dizem.
— Como assim?
— Ontem mesmo ele fez uma enfermeira sair
chorando da sala dele.
Eu podia imaginar isso.
— Por quê? — questionei. Eu achava sexy que ele
fosse todo sério e meio inalcançável, se tornava um desafio
para mim, mas eu também não queria dar corda para um
cara escroto que fazia mulheres chorarem no trabalho.
— Parece que ela escutou tantas coisas sobre ele
aqui fora, que quando entrou no centro cirúrgico com ele
ficou nervosa e fez muita merda. O medo de errar a fez
errar.
— Porra, então ele não fez nada?
— Não, ela se queimou sozinha.
Isso era ainda pior.
— Espero que ela fique bem.
— Vai ficar — ela deu mais uma mordida no lanche
—, foi banida das cirurgias dele permanentemente.
— E como ele te trata?
Ela assentiu, refletindo.
— Ele me trata bem, na verdade, quando precisa
falar sobre casos respeita minha opinião e escuta com
atenção quando estou dizendo algo. Ele não faz isso com os
homens. Um cara que tem a fama de ser um puta escroto
também seria machista, mas ele não tem isso. Uns idiotas
que trabalham aqui faz tempo começaram a me ouvir depois
que ele me ouviu, e só deram credibilidade ao ver que o
Sullivan fodão me ouvia. Você sabe que é difícil conquistar
espaço em qualquer área sendo mulher.
— Sei — refleti em voz baixa, triste por ela.
— Também não estou dando créditos a ele por nada
na minha carreira, sempre soube me impor e cheguei aonde
estou por mim. Já presenciei seu comportamento ríspido,
mas nunca fui alvo dele. Inclusive, é difícil encontrar alguém
aqui que não puxa o saco do seu doutor.
— Ele não é meu — revirei os olhos, bebendo mais
do seu suco —, mas fico feliz de saber que ele te respeita.
— Por quê? Está pensando que é bom que ele
ganhe pontos positivos com sua melhor amiga pra quando
vocês se assumirem?
Dei risada.
— Isso nunca vai acontecer, minha amiga.
— Você acha que não, mas às vezes as coisas
acontecem de um jeito que nem imaginamos.
— Não, sério... nunca vai acontecer.
— Só por causa do seu pai?
Bufei.
— Você fala “só” como se essa não fosse a razão
mais grave, mas é porque ele já perdeu alguém importante
duas vezes no mesmo dia. Me tornar alguém pra ele mesmo
sabendo que posso partir a qualquer momento não é certo
— suspirei — e ele também nunca se apaixonaria por mim.
— Ai, Jenna, cala a porra da boca! Não começa com
esse papo de novo.
Ela odiava quando eu citava minha doença, e
mesmo que o câncer tivesse ido embora, podia voltar a
qualquer momento. Serena, assim como minha família,
gostava de fingir que nada aconteceu. Que aquela época
não existiu.
— Meu ponto final é que... embora ele seja gostoso,
tomar água é bom, e comer batata frita também, mas
amassar os dois juntos e comer não presta.
Ela franziu o cenho.
— Que porra é essa?
Eu caí na risada.
— Não sei, mas você entendeu. Agora me dá o seu
jaleco, mesmo que eu não tenha planos de casar com ele,
quero perturbar o doutor até que ele me implore para deixá-
lo me examinar.
Quando levantei da mesa e saí, quem estava
chorando de rir era ela.

Quando bati à porta do consultório de Nathaniel, não


esperei que ele me autorizasse a entrar.
Ele estava sentado em sua cadeira atrás da mesa, a
janela enorme com vista para o céu nublado atrás. Ergueu
os olhos ao ouvir a porta bater e sua feição mudou para
mais sério.
— Geralmente as pessoas esperam autorização para
entrar.
— Desculpe, doutor, não estou acostumada a
cumprir regras. — Eu sorri para ele.
— Pois deveria, isso aqui é um hospital e não aquele
lugarzinho que você entra e sai fazendo Deus sabe o quê.
— Dançando, e dançando muito bem por sinal.
Ele fitou meu jaleco, fitando-me dos pés à cabeça.
— O que você quer agora, garota?
— Nada. — Encolhi os ombros. — Só vim dar oi.
— E aonde vai com esse jaleco? Quem foi o louco
que acreditou que você é médica com essa carinha? —
Pendurou a caneta entre os dentes.
— Que carinha? De perversa?
Ele suspirou, e eu dei risada. Ele voltou a digitar em
seu computador.
— Eu preciso trabalhar, Jenna, você pode sair.
— Vou, mas antes tenho que te dar uma notícia e sei
que vai gostar.
Ele espalmou a mesa e lentamente ergueu o olhar
novamente, recostou-se na cadeira.
— Mal posso esperar para saber.
— Eu sou sua mais nova colega de trabalho — falei
numa voz empolgada, abrindo os braços.
Um sorriso zombeteiro surgiu em seu rosto.
— Resolveu fazer medicina? Bom pra você, mas até
que esteja atendendo eu já estarei aposentado. Não vamos
trabalhar juntos nunca.
Aproximei-me de sua mesa devagar, fazendo seus
olhos deslizarem pelas minhas coxas descobertas.
— Na verdade, não. Não sou tão louca assim para
cursar medicina agora. Mas não é engraçado que papai
tenha me procurado para pedir que eu tome as rédeas da
situação na ala pediátrica?
Ele estreitou os olhos.
— Seu pai pode mandar e desmandar que façam o
que quiser, ele não precisa que você convença ninguém.
— Ele precisa de alguém agora que vai se ausentar
por conta das pesquisas do novo ensaio clínico.
Nathaniel abriu o primeiro botão da camisa,
esfregando o queixo. Seus olhos não desgrudavam do meu
rosto.
— E você obviamente negou, porque não faz ideia
de como um hospital funciona — afirmou.
— Eu aceitei imediatamente, doutor Sullivan, como
poderia negar um pedido direto do meu pai? Principalmente
se tratando do hospital, que é o terceiro bebê dele — inclinei
a cabeça de lado —, mas por que essa cara de desespero,
doutor? — Suas narinas inflaram. — Está parecendo que eu
acabei de dizer que sua maior tentação vai persegui-lo
diariamente a partir de agora.
Eu estava me segurando demais para não rir.
Ele se empurrou para trás na cadeira de rodinhas,
afastando-se da mesa.
— Tudo é um jogo pra você.
— Ei, não fui eu quem pediu um emprego, o chefe de
cirurgia me procurou.
— Você pode dedicar seus dias a me perturbar,
menina, mas eu sou um homem adulto e muito consciente
das minhas escolhas, não vou me deixar cair em tentação
por você.
— Tem certeza? — perguntei baixinho, lentamente,
andando a passos lentos até dar a volta na mesa e ficar
onde ele estava antes. Sentei-me na beiradinha da madeira,
fazendo um pouco do tecido da saia subir e seus olhos não
demoraram a encontrar a pele recém-exposta. — E se eu te
disser que há muito tempo não sei o que é usar calça, que
eu só tenho vestidos e saias, e que adoro usar roupas
curtas, porque sei que o que é bonito é para se mostrar.
Ele levantou de súbito, assustando-me.
— Reparou como se sobressaltou? — A um passo
de suas pernas largas ele estava colado em mim, e colocou
a mão em cima do meu coração, seu dedinho roçando o alto
do meu decote. — Viu como se assusta como eu chego
perto, como seu coração acelera? — Abaixou a cabeça,
falando baixo em meu ouvido: — Isso é o que acontece
quando garotinhas pensam que sabem brincar com homens
de verdade. Você não aguentaria uma semana no meu
parquinho de diversões, Jennie.
— Ah, é? Por quê? Vai me fazer chorar como faz
com as enfermeiras do hospital? — Empurrei seu pulso e
virei de costas, fazendo minha bunda roçar seu pau quando
saí de perto.
Ele rosnou.
— Sua pequena...
— Cretina? Safada? — Eu sorri orgulhosa. — Se
quer apostar comigo, doutor, não se esqueça que enquanto
você passa vontade lutando com a ética e honra, eu jogo
sujo pra conseguir o que quero. — Segurei sua gravata no
alto, até que escorregou dos meus dedos. — E eu quero
você.
Saí do consultório dele, mas tinha certeza de que
meu perfume e minhas palavras o perseguiriam pelo resto
do dia.
Afinal, seu cheiro de sálvia e carvalho estava
impregnado em meu nariz, e a forma como me disse que
garotinhas como eu não aguentariam uma semana em seu
parquinho fixaram em minha mente.
Porra, Deus, eu adoraria testar a teoria.
CAPÍTULO 21
“Isso é a vida real?
Isso é apenas fantasia?
Preso em um deslizamento
Não há como escapar da realidade”

Queen, Bohemian Rhapsody

JENNA WALDORF

Sentadas em um dos nossos bistrôs favoritos, minha mãe


me mostrava o portfólio de duas artistas que ela queria expor em
sua galeria. Eu adorava ouvi-la falar sobre arte e sabia que muito da
minha paixão pela dança veio de vê-la dançar com seus quadros,
enquanto meu pai preenchia suas taças de vinho e ficava de longe
observando-a pintar. Eles viviam um amor calmo, mesmo que nos
olhos de mamãe houvesse um furacão de ideias.
Empurrei sua franja para trás da orelha, e ela sorriu,
pegando minha mão e beijando a palma.
— Sinto que essa garota tem um potencial gigante. — Ela
colocou o segundo portfólio na frente, folheando outra vez.
— Será a primeira exposição dela?
— Sim, ela tem tentado contato com galerias em Nova York
e Los Angeles, e quase fechou um contrato em Paris, mas a mãe
está doente e ficar fora do país não é uma opção agora. Eu ofereci
hospedagem para as duas aqui e seu pai está analisando o caso
para ver se há algo que possamos fazer. É isso que me faz pensar
que eu realmente devo contratá-la, ela é uma artista novata que já
recebeu muitas negativas, mas ainda tem aquele brilho no olhar. Ela
é apaixonada por arte e acredita no que pinta. Olha esses quadros,
filha. — Minha mãe sorriu, passando os dedos sobre a folha. — Ela
só precisa de muito incentivo, paciência e principalmente alguém
que confie nela e acredite nesse talento — ela bateu com as unhas
no caderno —, e eu acredito cem por cento.
— Ela já sabe disso?
— Fizemos uma chamada de vídeo na semana passada e
sinto que ela já esperou pelo meu suspense por tempo demais,
quero dar a boa notícia logo.
Eu sorri.
— Você é tão linda, mãe. Amo te ouvir falar sobre seu
trabalho.
Seus olhos brilharam.
— E eu amo falar com você, meu amor. Por mais que eu
tenha amigos no mundo da arte, não há nada como desabafar e
ouvir os conselhos da minha dançarina sensível. É o mesmo que
seu pai tem com Kyle e Nate.
Eu forcei um sorriso.
— Quero ir à exposição dela.
— Eu não esperava menos, toda a família está convidada.
Seu pai amou os quadros dela e quer ser avisado com antecedência
para não perder por algum compromisso do hospital.
— Será bom viajar em família — falei. — Faz tempo desde a
última vez.
— Sim, e eu quero levar seu tio Nate.
— Mãe — suspirei —, ele não é meu tio, pare de chamá-lo
assim.
— Por que isso te incomoda tanto? — Ela bebeu seu café,
encolhendo os ombros como se eu fosse boba.
— Porque — hesitei, pensando em uma boa desculpa —,
porque não o vejo como uma figura tão familiar, como um... tio. Ele é
muito importante pra você e papai, mas a verdade é que eu não o
via há anos, e agora que voltou não temos essa relação.
— Mas vão ter, você vai passar mais tempo no hospital
agora.
— É, mas... — eu oficialmente não tinha nada plausível para
dizer. Que merda. — Eu gosto de pessoas que queiram estar na
minha vida, quem gosta de mim e se preocupa comigo e ele não é
assim. Nathaniel não liga se eu passo por ele e dou bom dia ou não.
E também porque eu quero transar com ele, e te ouvir
chamando-o de “meu tio” era meio bizarro.
Minha mãe suspirou.
— Ele precisa de apoio, filha, assim como essa artista
novata, Nate precisa de pessoas que acreditem nele. Principalmente
hoje.
— Por que principalmente hoje? — Franzi o cenho.
— Seu pai praticamente o expulsou do hospital ontem à
noite, ele estava incapaz de trabalhar. É o aniversário de morte de
Lilly e Rebeca. Charles tentou falar com ele hoje e não conseguiu,
até tentou falar com ele, mas ele não está no hotel que ficou
hospedado quando chegou na cidade. Nem sequer sabemos onde
está. Nate é importante para nós, filha, fez parte de momentos em
família que não dá pra esquecer. Sei que ele é difícil, mas também é
um bom homem e sempre se mostrou ótimo amigo.
— Papai não conseguiu falar com ele hoje?
Ela balançou a cabeça.
— Ligamos várias vezes, mas nada. Nenhum retorno. Só
espero que ele esteja bem, sabe? Antes, quando estava no exército,
nós nos preocupávamos, mas não havia o que fazer. Ele entrava em
contato quando conseguia, mandava e-mails e cartas, mas agora
ele está na cidade e não conseguir falar com ele nos preocupa.
Eu não sabia o que dizer sobre tudo o que minha mãe
confessou, e quando meu almoço chegou — mesmo sendo a
melhor da cidade — eu nem consegui aproveitar minha lasanha.
Queria dizer à minha mãe que sabia onde ele morava, mas como
faria isso depois de dizer que não tinha uma relação com ele? Nate
não contou nem aos meus pais? Isso era estranho, já que até me
levou lá.
Quando terminamos de comer e eu deixei metade do almoço
no prato, minha mãe me chamou para passarmos a tarde juntas,
contudo, eu tinha outros planos e disse que precisava voltar ao
estúdio. Não demorei a pegar um táxi e ir ao apartamento dele,
mesmo sem saber como conseguiria subir, mas tinha que tentar.
Realmente era preocupante que hoje fosse o aniversário da
morte de sua esposa e filha, e ele não atendeu meus pais. Eu só
precisava confirmar que estava tudo bem e iria embora, afinal, se
algo acontecesse enquanto sabia onde ele estava eu jamais me
perdoaria. Sentiria que estava traindo o papai duas vezes mais.
Quando cheguei ao seu prédio, o porteiro assistia a um jogo
de basquete na recepção e eu sabia que precisaria dar tudo de mim
para convencê-lo a me deixar subir.
— Boa tarde, senhorita — cumprimentou ao me ver.
— Olá, eu vim ver Nathaniel Sullivan, estive aqui alguns dias
atrás.
Ele me ofereceu um sorrisinho complacente.
— É, e a senhora saiu brava.
Hm... ok. Eu podia aproveitar a deixa.
Apoiando meus cotovelos no balcão, dei um suspiro.
— Estamos em crise, sabe? Nunca é fácil descobrir uma
traição. — O homem arregalou os olhos e eu tive certeza de que
aquilo se tornaria uma fofoca que rodaria o prédio afora. Mal podia
esperar para ver a cara de Nathaniel se escutasse. — Pode me
deixar subir, por favor?
— Só um minuto. — Ele pegou o telefone.
— Não! Eu quero fazer uma surpresa — forcei um sorriso
gentil —, só quero conversar com ele e dizer que o perdoo. Pode
até revistar minha bolsa se quiser. — A coloquei em cima do balcão.
Ele coçou a cabeça.
— Olha, senhorita... eu não posso deixar ninguém passar
sem autorização dos moradores.
— Eu sei, mas faça uma exceção! Eu sou inofensiva.
— Uma mulher traída nunca é inofensiva — murmurou,
analisando-me.
Inclinei-me para a frente.
— Ele vai ficar feliz em me ver e pode ter certeza de que ele
vai te recompensar por ter nos ajudado.
Ele pensou por um momento que pareceu interminável,
antes de assentir.
— Tá bom, mas só porque me lembro da senhora. Espero
que fique tudo bem.
— Obrigada. — Sorri, e se pudesse, o teria abraçado.
Meu próximo desafio seria entrar no apartamento sem a
senha, mas eu precisava tentar, mesmo que tivesse que bater à
porta até que ele fosse convencido por dó.
Eu ainda me lembrava qual era o andar e qual das duas
portas tinha que bater, mas não foi necessário, já que a dele estava
aberta. Era uma pequena fresta que talvez o morador do lado nem
teria percebido se estivesse em casa — com o som alto eu duvidava
que tivesse alguém aqui e ainda não tenha feito uma reclamação.
Meus ouvidos vibravam com o som pesado, e eu empurrei a
porta sem nem ouvir a trava pelo barulho. Deixei minha bolsa no
aparador do hall e desci os dois degraus que levavam ao espaço
aberto da sala e aquela escada que fazia uma curva para o segundo
andar.
Bohemian Rhapsody fazia o chão vibrar, e embora amasse a
canção, conforme fui me aproximando da varanda que estava
completamente aberta fazendo as cortinas esvoaçarem para dentro,
foi ficando mais e mais difícil aguentar o som nos meus tímpanos. Vi
a sombra de Nathaniel lá fora de braços abertos, usando apenas
uma cueca boxer branca e tinha uma garrafa quase vazia na mão.
Sua voz cantando se tornou mais alta, e jogando a cabeça
para trás ele cantou o refrão a plenos pulmões.
"Eu não preciso de compaixão
Porque eu venho fácil, vou fácil
Um pouco alto, pouco baixo
Qualquer caminho que o vento sopre
Não importa de verdade para mim"
Eu deveria virar as costas e sair, aliviada que estava bem.
Mas ele realmente estava? Não parecia.
Fiquei ali por um momento observando, até que ele começou
a bater com força no peito e cantava, virando a garrafa na boca e
esvaziando em uma série de goles, em seguida, jogou o vidro no
chão, sem se importar que quebrasse.
É, ele não estava bem.
E como poderia? Provavelmente revivia o pior dia de sua
vida e não conseguia esquecer os detalhes daquela noite. Voltei
para dentro e procurei o som, encontrei o controle no sofá e o
apertei em várias direções até que o comando funcionou.
Ao notar que o som abaixou, Nathaniel virou de imediato e
estreitou os olhos ao me ver, se aproximando devagar. O peito forte
e definido exposto teria me deixado de boca aberta em qualquer
outro momento, mas não agora, não com ele abrindo um sorriso
meio que sádico, surpreso ao me ver.
— Ora, ora... minha perseguidora agora invade casas?
Engoli em seco.
— Eu precisava ver como você está.
Ele pegou o controle da minha mão sem me tocar.
— Estou bem, pode ir embora.
Ele aumentou o volume e recuou andando de costas, ainda
me olhando. Quando jogou o controle no sofá outra vez, eu o peguei
e pausei a música.
— Ei, não me ouviu? Vim ver como você está!
— Pra quê? Seu papai pediu que viesse? — Seu tom era
ácido, impaciente e maldoso. Ele estava bêbado pra cacete. —
Contou que sabe onde eu moro e ele está a caminho daqui?
— É claro que não! — respondi com mágoa. — Isso não
seria nada suspeito, não é?
Ele me analisou dos pés à cabeça.
— Não é uma boa hora, Jenna, vá embora. — Ele sorria,
mas não era um sorriso de felicidade, tinha a fala arrastada e o
corpo visivelmente pesado, quase cambaleando.
Estreitei os olhos.
— Está bebendo desde que horas?
— Vá embora de uma vez! — esbravejou.
— Eu não vou! Você precisa de...
— A única coisa que pode fazer — ele se aproximou e me
prendeu entre seu corpo e o sofá — é tirar a roupa e me deixar te
foder. Quer fazer isso? Quer dar para um bêbado de luto? Porque
se não quer, saia, porra!
Engoli em seco, erguendo o rosto para encarar seus olhos.
O perfume de sálvia e canela estava presente, mas o cheiro de
álcool em seu hálito era ainda maior.
Virei o rosto.
— Você fede a álcool, e deixou a porta aberta. E se não sou
eu que entro aqui?
— O que é que tem? — Encolheu os ombros, rindo. — Já
parou pra pensar que podia ser um convite?
Revirei os olhos, incomodada.
— Está esperando alguém?
— E se eu estiver, Jenna? Vai enfiar o rabinho entre as
pernas para eu receber minha convidada ou vai continuar gritando
que é uma mulher crescida e se juntará a nós?
— A porta está trancada e ninguém vai entrar, seu grosso
babaca! — Empurrei seu peito, e ele cambaleou. — Ai, merda! —
Rapidamente segurei seu braço para segurá-lo, e é claro que se ele
fosse cair eu não teria força para impedir, mas ele mesmo se apoiou
no sofá.
— Não preciso de ajuda e nem de terapia. Preciso de sexo,
se não for me dar, sabe onde está a porta.
Bufei, e coloquei as mãos na cintura.
— Você está se comportando como um idiota!
— Eu sou um idiota, anjinho, tenho certeza de que seu pai já
te disse isso.
— Não costumo julgar as pessoas pelo que escuto, mas sim
pelo que vejo delas. Se quer me assustar vai ter que tentar mais,
porque até agora não funcionou comigo.
Ele deslizou a mão do meu ombro até a minha cintura e me
puxou para perto. Abaixando a cabeça, colou o nariz em meu
pescoço.
— Hmm... você cheira bem, Jenna. Cheira a doce, juventude
e felicidade. E tudo isso é algo que eu não toco há muito tempo. É
tentador não te jogar nesse sofá e fazer tudo o que quero com você.
Faça um favor a si mesma e vá embora — ele sussurrou em meu
ouvido. — Antes que eu canse de me segurar e te mostre o monstro
escondido dentro do médico.
Embora houvesse um sorriso sarcástico em seu rosto
quando me afastei, havia dor em seus olhos.
— Você está sofrendo — falei devagar. — Está bêbado, e as
coisas que está dizendo... vai se arrepender amanhã.
— Não era o que você queria? Foder comigo? Por que agora
que está tão perto age como se eu estivesse enlouquecendo?
— Porque eu não vou te deixar usar meu corpo pra fingir que
sou sua esposa morta! — Elevei a voz.
Ele me encarou em silêncio por um momento antes de dar a
volta na ilha da cozinha, e fuçar em um armário, tirando mais uma
garrafa cheia. Fitando-me, Nathaniel abriu e tomou alguns goles
profundos, sua garganta fazendo um barulho alto conforme engolia.
— Você não é Lilly, eu nunca usaria alguém pra substituir a
falta da única mulher que amei na vida.
— Não é o que parece, já que está me pedindo sexo como
um cachorro no cio! — Respirei fundo, reconhecendo como estava
patética dando sermão em um bêbado. — Olha só — me aproximei
—, eu vim até aqui porque assim como meus pais estava realmente
preocupada com você. Não quer subir e sei lá... tomar um banho?
— Não, quero subir e comer você na minha cama. Não quer
honestidade? Por que está me olhando com esses olhinhos
arregalados como se estivesse surpresa com as coisas que falo?
— Porque estou surpresa!
— Não deveria, eu não sou decente e você já sabia disso.
Fui até ele e arranquei a garrafa de vodka de sua mão.
— Não vai se punir desse jeito na minha frente, Lilly se foi,
mas você ainda está aqui e eu não vou deixar que...
Ao invés de pegar a garrafa de volta, ele segurou meu pulso
e me puxou para perto, segurando meu pescoço e me beijando. Eu
quis resistir, o gosto de álcool em sua boca era forte, mas me
inebriou. E quando nossos corpos ficaram colados, eu senti seu
pênis rijo em minha barriga. Não consegui afastá-lo, mesmo
querendo. Se tivéssemos continuado falando eu nunca teria sido
convencida, mas de repente eu estava de costas no sofá e ele
erguia minha saia, deslizando os dedos da minha barriga direto para
dentro da minha calcinha.
Sua língua contornava minha boca e me beijava ferozmente,
e eu agarrei seus cabelos aprofundando o beijo. Gemi em seus
lábios e ele rosnou em resposta, penetrando um dedo em mim
enquanto seu polegar massageava lentamente meu clitóris. Meu
corpo arqueou, e ele abaixou a cabeça para segurar a barra do meu
top com os dentes e a puxou, erguendo o tecido. Abocanhou meu
seio sem o piercing e chupou com força, deslizando um segundo
dedo para dentro. Gritei, e sua coxa grossa pressionou minha perna
contra o encosto, fazendo-me abrir mais as pernas.
— Nathaniel — sussurrei ofegante. — Não podemos fazer
isso.
Ele ergueu o rosto a centímetros do meu e apenas me
encarou, enquanto deslizava o terceiro dedo e começava a meter
forte, fazendo-me gemer.
— Nathaniel! Cara-lho...
— Você me quer, e eu preciso de você, Jennie — murmurou
com os olhos profundamente escurecidos, se era de mágoa, desejo
ou raiva eu não sabia. — Podemos fazer o que quisermos.
— Você está pensando nela — disse num sopro de voz,
revirando os olhos no momento que ele atingiu meu ponto G.
Ele franziu o cenho, e segurando minha nuca, aproximou a
boca da minha.
— Estou machucado — admitiu ainda me fodendo. — Mas
pode ter certeza de que quando eu estou dentro de você, só estou
pensando em você.
Eu me desmanchei, gozando e apertando seus dedos com
força, os sugando e expulsando do meu interior. Eu sabia que não
deveria, mas quando ele se levantou e foi pegar a garrafa, eu o
impedi, colocando minha mão na sua.
A oferta era clara: se você precisa, troque a bebida por mim.
Por sexo. Por um momento de distração.
E ele nem sequer pestanejou antes de aceitar a oferta.

Despertei ao seu lado na cama. Ele dormia de bruços com


o rosto virado para mim. Estava clareando o dia lá fora, e eu podia
ver seus traços perfeitos perfeitamente. A expressão tensa, as
sobrancelhas franzidas, a testa enrugada e a boca apertada
formavam linhas de expressão por toda a face. Ele tinha a barba
rala que naquela madrugada, esfregara sem incomodar pelo meu
corpo. E os cabelos estavam ainda mais bagunçados graças aos
meus dedos.
Ele continuava lindo, tão gostoso e tentador, mas assim
que a realidade de que ele passou o aniversário da morte de sua
esposa e sua bebê transando comigo me bateram eu me senti uma
verdadeira prostituta. A mais suja e aproveitadora. Ele estava
bêbado, e mesmo dizendo que estava ciente do que fazia, eu não
podia acreditar completamente.
Levantei-me da cama, observando suas costas musculosas
e a bunda firme que tinha marcas das minhas unhas, assim como as
costas, de quando o segurava e ele metia em mim sem parar.
Pelo menos ele não me chamou de Lilly.
Balancei a cabeça com o pensamento, se queria me
consolar só piorei as coisas.
Saí do quarto devagar, enrolada em uma coberta. A falta
de decoração na casa me incomodava ainda mais agora, porque
parecia que eu realmente tinha ido servir de depósito de esperma
para ele. Nem sequer me sentia bem por tê-lo distraído de seu
sofrimento, me sentia pior.
Ao mesmo tempo, meu coração queria levar as coisas para
um lado mais sentimental dizendo que se ele quis ficar comigo em
um momento difícil, eu não era irrelevante como dizia. Eu tinha
alguma importância para ele, mesmo que não admitisse.
Desci as escadas, abri a geladeira e peguei um suco de
laranja ainda fechado. Observei a geladeira como se tivesse esse
direito, afinal, em que outro momento poderia explorar, se não com
ele dormindo?
Todas as comidas estavam perfeitamente embaladas e
fechadas. Alguém fez compras, mas ninguém mexeu em nada. Eu
sabia que ele passava muito tempo no hospital, mas quando estava
em casa vivia de álcool? Fucei nos armários até encontrar o estoque
de bebidas onde ele mexia mais cedo, e encontrei garrafas e mais
garrafas de whisky, vodka e conhaque ao lado do lava-louças. Santo
Deus. Eu duvidava que até meu pai soubesse desse vício.
Eu queria enfiar todas em um saco e deixar na rua, mas
não era porque transamos que eu tinha o direito de me meter
daquela forma. Fechei o armário e continuei explorando. Havia dois
cômodos completamente vazios, e na terceira porta um banheiro
com apenas papel higiênico e duas toalhas guardadas. Tudo branco
e preto.
Na quarta porta finalmente encontrei algo. No escritório
improvisado tinha uma mesa com cadeira, duas poltronas e uma
estante com livros de medicina, mas foi a mesa que me
surpreendeu. Além dos prontuários, tinha diversos porta-retratos.
Sentei-me na sua cadeira e observei. Havia uma foto de Lilly
grávida, uma dos dois bem jovens e em um quadrinho um pouco
menor, me surpreendi ao ver uma foto onde estava minha mãe, meu
pai, Kyle e uma bebê de cabelos loiros no colo de Nathaniel. Um
arrepio percorreu minha espinha ao me reconhecer.
A bebê em seu colo era eu.
Eu esperei que a culpa esmagadora me dominasse, mas
não aconteceu. Ele não estava fazendo nada de errado comigo
agora, eu era adulta, completamente consciente das minhas
escolhas e escolhi estar ali com Nathaniel. Fazia parte da vida que
ele fosse tão próximo do meu pai e tivesse fotos comigo na infância.
Um porta-retrato um pouco maior tinha uma foto dos dois
abraçados, sorrindo um para o outro. Não foi uma foto pousada, a
mão do meu pai estava até um pouco tremida. Eu tinha certeza de
que minha mãe registrou o momento quando riam de algo. Ficou
perfeita. Ambos eram homens bonitos. Meu pai mais novo e com
aqueles mesmos olhos contentes e realizados de hoje, e Nathaniel
— antes de morrer, como havia dito — sorria como se tivesse o
mundo aos seus pés e felicidade garantida pelo resto da vida.
Suspirei, e emotiva demais para ir embora tão cedo, eu
também não tinha coragem de voltar e deitar na cama com ele. Me
aconcheguei nas almofadas do sofá na sala. Eram apenas cinco da
manhã, eu queria dormir um pouco mais, o olharia de vez em
quando e iria embora de manhã.
Talvez ele nem se lembrasse da minha visita, quando
aquele turbilhão passasse e ele voltasse a ser o médico ao invés do
monstro.
CAPÍTULO 22
"Não diga que você precisa de mim quando
Você vai embora e vai embora outra vez
Sou mais forte do que todos os meus homens
Exceto você
Porque eu sou bonita quando choro"

Lana Del Rey, Pretty When You Cry

JENNA WALDORF

Despertei ao som de vozes e fui abrindo os olhos devagar.


— Ela está acordando.
Eu não reconheci a voz, mas quando a claridade invadiu
minha visão fiquei paralisada ao reconhecer o rosto. Era a mulher
que estava no bar com ele semanas atrás.
Apertei a coberta em meu peito e me sentei devagar,
empurrando o cabelo para trás.
— Bom dia — ela disse sorrindo. As sobrancelhas erguidas
mostravam a surpresa.
— O quê — murmurei. — Quem é você?
Ela olhou para trás e riu, só então tomei conhecimento do
homem atrás dela, que encolheu os ombros e sorriu para ela de
volta.
— Eu teria feito a mesma pergunta.
— Estranho. — Ela inclinou a cabeça de lado. — Elas nunca
passam a noite.
Minhas sobrancelhas saltaram.
— Como entraram aqui? — Comecei a ficar assustada,
embora fosse óbvio que conhecessem Nathaniel. E quem era o
moreno atrás dela?
— Eu sou Emma, irmã do Nate, e esse é meu marido, Liam.
Nós temos a senha do apartamento.
Balancei a cabeça, desconfiada.
— Nathaniel não tem irmã.
— Hmm, então você o conhece?
— A vida toda — engoli em seco —, literalmente.
— Estou confusa. — Na verdade, ela parecia mais curiosa e
se divertindo do que confusa.
— Por que não deixamos a garota acordar e se vestir?
— Querido, porque não vai ver como Nate está e se precisa
de algo? — Foi mais uma ordem. Ele sorriu para ela.
— Me chame se precisar de algo.
Ele não tinha irmã, não era possível.
— Isso é impossível, a não ser que ele tenha te descoberto
no exército.
— Nos encontramos lá. — Ela riu. — Caramba, seus
olhinhos estão cheios de perguntas.
— Isso é porque meu cérebro está cheio de perguntas.
— Resumindo, sou a melhor amiga dele. Ontem foi um dia
marcante, por assim dizer, mas você diz que o conhece a vida toda
então deve saber.
— Lilly e Rebeca — falei lentamente. — Meus pais estavam
preocupados com ele, e eu vim conferir se estava tudo bem.
— Seus pais?
— Charles Waldorf.
— Charles, certo. Você é — ela fez uma pausa,
arregalando os olhos — ai, merda!
Ela empurrou os cabelos ruivos para trás. Parecia ter trinta e
cinco anos ou um pouquinho mais, era muito bonita.
— Eu te vi no bar com ele, pensei que estavam transando.
Ela jogou a cabeça para trás, rindo.
— Vou ter que contar isso para Liam depois, transando com
Nate? Nunca aconteceu. Quando eu o conheci já era muito bem
casada. Somos muito amigos, só isso.
— Quão amigos?
— O suficiente para ele ser padrinho do meu filho mais novo.
Franzi o cenho.
— Acho que nem meus pais sabem disso.
Ela suspirou.
— São vidas diferentes. Ele tinha seus pais antes quando
tudo era perfeito, e quando virou uma bagunça precisou de alguém
novo, para não manchar o que tinha em Seattle.
Isso era besteira.
— Independentemente do que aconteceu meus pais nunca
considerariam a dor dele uma mancha.
— Eu sei disso e tentei dizer a ele mil vezes, mas tente
argumentar com um homem rabugento e teimoso.
— Você o descreveu perfeitamente. — Foi inevitável não rir,
e ela me acompanhou. Estendi a mão. — Jenna Waldorf.
Ela aceitou o aperto.
— Emma, como eu já disse. — Ela me analisou com
cuidado. — Você é muito bonita.
— Obrigada, você também é. — E por isso eu fiquei com
tanta raiva de você.
— Então, passou o dia ontem com ele?
— Nós — hesitei — hm... — eu geralmente não era tímida,
mas a curiosidade dela que parecia ser cautela com Nathaniel me
fazia sentir estranhamente acuada. O que não era ruim. Parte de
mim ficava aliviada em saber que ele não viveu sozinho em seu
tempo longe de nós.
— Não — sorriu —, ele não ficou sozinho. Eu garanti que
tivesse uma ceia no Natal, que tivesse um bolo em seus
aniversários e que tomasse banho quando só queria beber até
morrer.
Beber... refleti. Ela também sabia disso.
— Eu não tinha ideia dessa última parte, mas a forma como
o encontrei ontem e o armário cheio de whisky esclareceu as coisas.
Ela suspirou.
— Não sou eu que tenho que dizer certas coisas, só ele,
mas estou aliviada que veio vê-lo. Essa é a única data que eu aceito
respeitar seu desejo de ficar sozinho. Você é muito bonita, Jenna.
— Obrigada — repeti.
— E muito jovem.
Bufei.
— Escuto isso bastante do doutor rabugento lá em cima.
Ela sorriu.
— Vou fazer café, aceita?
Meu primeiro impulso foi dizer sim, eu queria ficar ali,
conhecer um pouco mais daquela vida dele e entender quem era
aquela mulher que conquistou um espaço que apenas meus pais
tinham antes. Eu não estava mais com ciúme, e ela ter me recebido
de forma tão cordial era parte do motivo pra isso.
— Tenho que ir embora, na verdade, sou muito jovem, mas
sou maior de idade e meus pais devem estar loucos atrás de mim.
Tenho que ir — reforcei mais pra mim do que para ela.
— E eles estão certos, os meus ainda são pequenos, mas
não consigo nem pensar em como será quando acharem que
podem sair de casa sem me dar satisfação. Acho que vou pirar um
pouquinho.
— E é aí que eu vou entrar e te distrair com muito carinho —
disse o marido dela enquanto descia a escada.
Ela sorriu e esticou a mão para ele alcançá-la.
— Eu sou Liam. — Acenou para mim.
— Jenna.
— Então você é a filha do amigo?
Bufei.
— Como é que vocês dois sabem disso?
— Ele contou. — Ela revirou os olhos. — Existe uma coisa
sobre homens teimosos. Quando eles se convencem que estão
fazendo algo errado, eles desabafam com alguém que vai mandá-
los fazer o contrário.
— E você mandou?
— Não. Um cara maravilhoso que passou por tanta dor não
deve ficar se privando quando quer algo ou alguém?
— Mesmo que esse alguém seja proibida? — Revirei os
olhos, fazendo-a rir.
— Ele que disse isso? Falou que você é intocável?
— Sim.
— Imaginei. — Ela fitou o marido. — Era a primeira vez de
Liam na linha de frente inimiga, mal sabia segurar uma arma, e
depois que eu meti porrada nele, o deixei por dias preso para trazê-
lo à justiça dos Estados Unidos, mas simplesmente não consegui.
Traí meu país pra ficar com ele e as mentiras que contamos para
ficar juntos até Deus duvida. Meu pai, superpatriota levou cinco
anos para aceitar conhecê-lo. — Ela se inclinou em minha direção.
— Nada que é verdadeiro é proibido ou intocável, a menos que seja
crime. E vocês dois estão longe de ser criminosos.
Ela era tão inteligente, sábia, falava com tanto cuidado e
dava para ver que cada palavra vibrava de carinho por Nathaniel.
— Ele tem sorte de ter você.
— Eu é que tenho sorte de tê-lo encontrado.
— Eu agradeço por tudo, mas não estamos vivendo um
amor impossível. Eu gosto da companhia dele e ele gosta de algo
em mim, só estamos aproveitando isso até que acabe.
— É claro — ela disse, mas o sorrisinho de canto mostrava
que não acreditava em mim.
— Bem, tenho que ir. Obrigada pelo papo.
— Foi bom te conhecer, Jenna. — Ela se levantou. — Agora
vou preparar um café reforçado para o senhor que vai passar meses
se arrependendo de ter bebido feito um porco largado na estrada.
Mas sim, estou feliz que nos conhecemos.
Seu marido me deu um último sorriso antes de segui-la para
a cozinha. Meus pés queriam me levar para o andar de cima, para
me despedir dele, mesmo que ainda estivesse dormindo, mas a
coisa entre nós dois não se tratava disso.
Como todo jogo havia fases que não podiam ser
trapaceadas. De cabeça erguida, segui para o quarto de hóspedes e
me vesti. Ao passar pela sala a caminho da saída, ouvi a risada de
Emma e quis ir até eles, sentar em um banquinho na ilha e
conversar um pouco mais, ouvir histórias, esperar Nathaniel descer,
tomar café juntos e perguntar se lembrava de algo, porque eu me
lembrava de tudo e jamais conseguiria esquecer.
No entanto, eles não eram meus amigos, eram amigos de
Nathaniel e aquela era a vida dele. Não tinha lugar para mim.
E eu já tinha me despedido.
CAPÍTULO 23
"Beijando, e eu espero que eles nos flagrem
Quer eles gostem ou não
Eu quero te exibir
Segure a minha mão
Eu quero me gabar sobre isso
Eu quero casar
Eu quero te exibir
Porque o amor é dor, mas eu preciso dessa porra"

Doja Cat, Agora Hills

JENNA WALDORF

Uma coisa que meu pai disse era verdade, nunca houve
uma tarefa que ele me deu que eu não tenha concentrado tudo de
mim para realizar. Se ele queria que a pediatria chamasse atenção,
iria conseguir.
A primeira coisa que fiz naquela manhã de sábado foi reunir
todas as enfermeiras disponíveis não apenas da ala infantil, mas de
todo hospital e mostrei as caixas cheias de acessórios, roupas e
havia até uma maquiadora para desenhar nos rostos. Eu não queria
nada que fosse assustar os pequenos — não era um Halloween
adulto —, porém, sempre fui contra a ideia de que um hospital
precisava ser triste.
Havia crianças ali se curando, recebendo cirurgias e
tratamento e quando os adultos chegassem para visitar outros
pacientes, veriam nos corredores, elevadores e até ao falar com o
pessoal do hospital que algo estava acontecendo.
Não era nem meio-dia quando eu caminhava pelos
corredores e fui abordada por uma residente da ortopedia,
informando que sua atendente estava livre em alguns horários para
atender crianças que precisavam de atenção.
Eu queria correr para o escritório do meu pai e comemorar
que já estava colhendo os frutos de sua ideia, mas preferi aparecer
com um relatório caprichado e completo segunda de manhã.
— Tia, posso vestir esse? — Voltei minha atenção para a
garotinha com leucemia, que segurava um chapéu de bruxa e asas
de fada.
Sorri para ela e me aproximei.
— É claro que pode. Deixa eu te ajudar.
Sua mãe ficou no canto observando com um sorriso cansado
no rosto. Enfrentava dois turnos de trabalho e vendia doces caseiros
na porta do hospital buscando uma renda extra para arcar com os
custos do tratamento que não tinha seguro para cobrir.
Coloquei o chapéu de bruxinha nela e a levei para o
corredor, onde havia um espelho.
— Olha só como ficou linda! Parece uma princesa bruxinha.
Ela riu encantada ao se ver.
— Pode ir ao quarto da Tiff e do Theo? Ele gosta do Batman,
e Tiff vai querer ser a joaninha.
— Sério? — Fingi surpresa. — Eu tenho uma capa preta e
vou guardar especialmente para o Theo.
Seus olhos brilharam.
— Tá bem.
— Vamos voltar para o quarto, sua mamãe vai querer te ver.
Assim que entramos, a mãe a abraçou e começou a elogiá-
la. A garotinha tinha um sorriso no rosto tão grande que marejou
meus olhos.
— Não se esqueça que vamos fazer um desfile de fantasias
no salão às sete da noite.
— Mas às sete já tenho que estar na cama dormindo.
— A sua mamãe me contou que você vai poder dormir um
pouco mais tarde. E a doutora Sidney concordou!
Ela bateu palmas, dando pulinhos.
— Que legal! Aposto que todos vão acreditar que sou uma
bruxa de verdade.
— E uma fada também — afirmei, abraçando-a uma última
vez antes de parar no próximo quarto.
Quando as duas caixas esvaziaram, eu chamei o elevador
para voltar à sala dos residentes onde as outras estavam, e dei de
cara com Nathaniel.
Ele ergueu a cabeça, e ao me ver com o rosto pintado e uma
roupa colorida, abriu um sorriso torto.
— Você realmente tem muito tempo livre.
Ele puxou o carrinho para dentro, e eu entrei em seguida,
acionando meu andar.
— Na verdade, não me lembro de ter feito algo melhor na
vida.
Eu gostava de festas, de beber e me divertir, mas isso era
diferente, e nunca imaginei que voltar a passar meus dias no andar
que costumava ver como uma prisão na adolescência, onde sofri e
chorei até estar curada, me sentiria tão aliviada e feliz. Era como se
uma parte minha que ainda guardava traumas daquele tempo
estivesse se curando cada vez que eu via os sorrisos daquelas
crianças.
— E essa é a sua fantasia? Eu esperava algo um pouco
mais — ele deslizou os olhos pelo meu corpo — um pouco mais
exposto vindo de você.
— Quer me ver vestida de coelhinha sexy, doutor? Posso
arranjar isso.
Ele abaixou a cabeça para esconder o sorriso e me fitou
novamente quando estava sério.
— Temos que falar sobre aquele dia.
— Tudo o que precisava ser dito já foi, doutor, você
precisava de ajuda e olha só pra mim... adoro ajudar os
necessitados.
Ele estreitou os olhos.
— O que você e Emma conversaram?
Deixei o queixo cair em falso choque.
— Sua melhor amiga não te contou?
— Não seja engraçadinha. Ela me disse que vocês tiveram
uma conversa de mulheres, mas isso não me dá nenhuma porra de
pista.
Aproximei-me o máximo que dava com o carrinho entre nós.
— E vai continuar sem pistas, porque não é da sua conta.
— É da minha conta quando me envolve. — Seus olhos
caíram para o meu decote por um instante, eu sorri e fechei o botão
da camisa.
— E quem disse que te envolve? — Ele estava tão
divinamente lindo aquele dia com o cabelo penteado para trás e
uma gravata azul, além do jaleco que não escondia os músculos
dos braços fortes. — O mundo não gira ao seu redor, doutor, nem
tudo o que converso tem a ver com você.
Ele olhou para cima quando o elevador apitou que estava
prestes a parar em outro andar.
— Continue dizendo isso a si mesma, pequena Jennie.
— Não sou pequena.
Ele bufou.
— Você cresceu em idade, mas continua pequena pra
caralho, e se não tomar cuidado com as coisas que me diz eu posso
parar de me controlar e te quebrar no meio.
Eu me arrepiei e fiquei muda por um momento. Ele riu com
sarcasmo.
— Viu só? Não consegue sequer ouvir palavras sujas vindas
de mim.
Ele desceu quando as portas se abriram, e eu continuei lá
dentro.
— Boa tarde. — A doutora Sidney entrou, ele apenas
acenou e não respondeu, se afastando com aquela expressão
fechada.
— Boa tarde, doutora. — Forcei um sorriso.
Ela apontou para meu carrinho.
— Todos estão falando sobre isso, Jenna, alguns ricaços
com família internada no andar da neuro perguntaram com quem
eles falam pra fazer doações. Isso é realmente mágico, você está
fazendo algo muito bom aqui — seus olhos marejaram —, e eu
agradeço que seja pelas nossas crianças.
— Só estou fazendo por elas o que eu e meus pais
gostariam que tivessem feito por mim naquela época se fôssemos
uma dessas famílias sem condições.
— Sabe que anos atrás quando você ainda era uma
adolescente rebelde já carregava essa doçura no olhar? Eu sempre
soube que você ia muito longe.
Suas palavras quase me fizeram debulhar em lágrimas. Eu
limpei a garganta e agradeci.
— Nos vemos às sete, doutora, vou te esperar.
Ela sorriu.
— Eu não perderia por nada.

Quando meu celular despertou às cinco horas, eu terminei


de tomar um café com Serena e outros atendentes e resolvi passar
no consultório de Nathaniel para chamá-lo para o desfile. Duvidava
que ele fosse, mas não custava tentar.
Até onde eu sabia, ele era rico pra caramba e caso
recusasse, eu ia infernizá-lo até que fizesse uma doação.
Deixei o carrinho com duas caixas cheias em um cantinho do
corredor que não fosse atrapalhar ninguém e segui para sua sala.
Quando estava chegando perto, a porta abriu, e uma
enfermeira um pouco mais velha que eu, jovem, de cabelos escuros
e olhos verdes saiu. Com o rosto corado, ela prendeu o cabelo no
alto e ajeitou os últimos 3 botões da camisa do uniforme.
Eu travei no lugar.
Estava irritada, incomodada e incrédula que aquele idiota
estava fodendo com alguém durante o plantão. Isso não devia me
surpreender, eu não era ingênua para não saber como médicos e
enfermeiras passavam o tempo livre — e que sexo sem
compromisso era uma fiel válvula de escape. Minha cabeça não
deixava de questionar que se ele sabia que eu estava ali, por que
não me procurou?
Esperei que ela se afastasse para segurar a maçaneta e
entrar sem bater.
Ele estava arrumando o cabelo e recolocando o jaleco.
— Você me dá nojo! — disse quase como um rosnado.
Ele ergueu as sobrancelhas, encarando-me com uma
expressão vazia.
— É por isso que me manda foto pelada?
Que babaca!
— Sabe que agora até me arrependi?
Ele suspirou.
— Esse é o problema da sua idade, você leva tudo para
lugares que não tem a ver. Não é porque fodemos que estamos
namorando, Jenna, sabe bem disso. Eu sou homem, o que
esperava? Depois de um dia cheio de cirurgias eu só quero foder e
gozar.
— Seu escroto! — Me aproximei irritada e ergui a mão para
lhe dar um tapa. Ele segurou meu pulso.
— Nem pense nisso, pequena Jennie. Eu abaixo sua bola
em dois segundos.
— É, estou vendo que se acostumou a ser um imbecil.
Quando não está fazendo enfermeiras chorarem está transando
com elas. Isso nem é permitido no hospital!
Ele me soltou e deu dois passos atrás, sem preocupação.
— Então corra para o seu papai e diga a ele o que estou
fazendo. Garanto que Charles não ficará surpreso.
— Eu estava aqui, por que não me ligou? Por que não
mandou mensagem? — exigi saber.
O cretino riu com ironia.
— Ah, então não está irritadinha porque estou fazendo sexo
no hospital, mas porque não fiz com você. É isso o que quer? Ser
usada como válvula de escape?
— Quero que você me respeite!
— Para isso, você precisa se respeitar primeiro.
Qual era a porra do problema dele? Estava mais idiota e
babaca do que o normal.
— Quem vai abaixar sua bola sou eu! — Me aproximei e
erguei o joelho para atingi-lo no saco, mas ele foi mais rápido, e me
virou contra si, batendo-me em seu peito, nos empurrando em
direção à porta, segurou meu queixo e colou meu rosto na madeira,
dizendo em meu ouvido:
— Qualquer pessoa ameaçando meu pau estaria em
problemas agora, mas você ainda não percebeu que seu
comportamento rebelde me deixa excitado? Se veio buscar pau, eu
vou te dar.
Ele segurou a barra do meu vestido, e deslizando minha
calcinha de lado, deslizou um dedo dentro.
Eu gemi, e ele subiu a mão do meu queixo para tampar
minha boca.
— Fica quietinha, assim como a enfermeira que acabou de
sair daqui ficou.
Filho da puta! Gritei em pensamento, mas só conseguia
revirar os olhos, porque ele estava me penetrando rápido e
atingindo pontos dentro da minha boceta que eu nem sabia que
podiam ser tão prazerosos.
Empurrei a bunda para trás, buscando mais, e deslizei a
mão entre nós para alcançar seu membro por cima do tecido. Ele
gemeu em meu ouvido.
— Uma rapidinha não me satisfaz, se é o que quer, eu tenho
pra você também.
Ele batia os dedos dentro de mim com tanta força e
habilidade que foi impossível não gozar em dois minutos. Enfiei a
mão dentro de sua cueca, sentindo o pênis ereto e comecei a
punhetar.
— Eu não te quero dentro de mim depois de ter estado
dentro de outra.
Ele soltou um riso grave, baixinho em meu ouvido.
— Meu pau nem sequer subiu com a garota. Eu a fiz gozar e
mandei embora. Mas já lavei minha mão.
Eu gozei outra vez quando girou os dedos dentro de mim.
Ainda que eu estivesse louca de raiva por me sentir trocada,
iria lutar contra aquele ciúme idiota até o fim e mostrar a ele que não
era uma garotinha que ficava vendo flores e corações a cada
contato nosso. Meu ciúme era apenas da minha conta.
— Ajoelha e me chupa, putinha, vamos fazer sua visita
valer a pena.
No mesmo momento, houve uma batida na porta.
— O que?! — Meio gritou, meio rosnou.
— Doutor, preciso que veja os exames de um paciente em
recuperação.
Não reconheci a voz e não parei de bater uma pra ele.
Nathaniel suspirou. Pegando minha mão, ele murmurou
palavrões e respirou fundo.
— Vá para debaixo da mesa.
Bufei uma risada.
— O que?
— Se tiver coragem, é claro.
O desafio em seus olhos me irritou, e eu me abaixei de
joelhos no chão, engatinhando para dar a volta em sua mesa e
entrar. O material era de madeira, totalmente fechado em todos os
lados, deixando apenas a abertura para suas pernas, e quando ele
se acomodou em sua cadeira com o zíper já aberto, eu segurei seu
pênis pela base e passei a língua por toda a extensão, fazendo-o
tremer e contrair os músculos das coxas.
— Nós vamos direto para o inferno, Jenna. Porra. —
Murmurou. — Entre!
Ao ouvir a porta abrir, adrenalina bombeou em minhas
veias, eu podia ouvir meu coração no ouvido e apertei as coxas
juntas, ficando mais molhada.
— Doutor Sullivan, pode dar uma olhada nesses exames e
verificar os medicamentos? Parece que os anticoagulantes estão
causando algum tipo de reação...
Eu parei de ouvir sua voz, concentrando-me em chupá-lo
sem fazer barulho. O pau era enorme, e era difícil controlar o som
dos engasgos. A cabeça roxeada babava, e eu chupava bem na
pontinha, passando a língua devagar.
— Suspenda as medicações e eu quero alguém no quarto o
tempo todo observando o paciente. Quero ser avisado
imediatamente sobre qualquer alteração.
— Sim, doutor.
Apertei suas coxas em ambos os lados, abaixando e subindo
a cabeça e o levando até a garganta. Minha boca estava
completamente aberta, e minha mandíbula doía pelo esforço. Sua
grossura era impressionante. O melhor pau que já chupei e fodi, e é
claro que eu nunca diria isso a ele.
— Ah, você está aí!
Eu me sobressaltei, batendo a cabeça na mesa ao ouvir a
voz do meu pai, e Nathaniel bateu com a mão na mesa,
provavelmente tentando disfarçar o barulho que fiz. Cacete, ele deu
sorte que não mordi seu pau.
— Charles. — Falou com meu pai como se não estivesse
com o pau atolado na minha garganta. Fiz menção de me afastar,
sentindo-me mal, mas sua mão viajou para debaixo da mesa e me
manteve no lugar.
— Jenna falou com você sobre a coisa das fantasias mais
tarde?
Ah, papai... Sinto muito.
— Não. O que tem as fantasias?
Como sua mão não dava uma pista do que estávamos
fazendo? Ele não estava nervoso?
Tentando ignorar a voz do meu pai, continuei chupando-o,
lambendo o membro de cima abaixo e masturbando a extensão
devagar.
— Um desfile para chamar atenção para a ala infantil.
Apareça pra dar apoio.
— Eu vou pensar.
O filho da puta empurrou minha cabeça e tampou meu
nariz. Eu cravei as unhas em suas coxas.
— Você está estranho, Nate. Passando mal?
Meu pai não merecia isso.
Desci a mão direita entre minhas pernas e enquanto lambia
seu pau, massageei minha boceta.
— Não. — Nathaniel disse com a voz apertada.
— Cansado, né? Você tem que descansar um pouco.
Ninguém vive só de sexo e cirurgia.
Eu me engasguei alto, e Nathaniel começou a tossir,
batendo na mesa.
— Obrigado pelo conselho, amigo. Vou pensar nisso.
Minha boceta começou a contrair, e eu sabia que ia gozar
de novo em segundos. Seu pênis pulsava em minha língua. Apertei
a cabeça contra minha bochecha, o esfregando em meu rosto,
mordi de leve a glande cheia de veias salientes e belisquei meu
clitóris. Eu queria ficar de quatro, ser comida por ele e receber seus
tapas na bunda.
Queria que meu pai jamais tivesse entrado na sala.
— Bom, te vejo mais tarde. E Nate... Tenho escutado as
conversas pelos corredores. Faça o favor de parar de tratar as
enfermeiras igual a garotas de programa disponíveis como se isso
aqui fosse um bordel.
A porta fechou. Nathaniel se empurrou para trás, segurou
meus cabelos dos dois lados e meteu incansavelmente, jogando a
cabeça para trás e gemendo. As veias do pescoço tão aparentes o
deixavam ainda mais delicioso. Ele de repente me segurou e eu
estava de cabeça para baixo, em um 69 de pé. Ele começou a
chupar minha boceta com fervor, metendo três dedos de uma vez,
sem parar de balançar o pau na minha boca. Quando virou os dedos
e chupou meu clitóris com força, eu gozei de novo e no mesmo
momento ele gozou em minha boca.
Ele me virou e sentou-me em seu colo. Eu o engoli, arfando,
sentindo uma leve tontura.
— Porra! — Arfou.
Eu respirei profundamente algumas vezes antes de me
levantar, abaixar meu vestido e fitá-lo por cima do ombro.
— Não acredito que fizemos isso com ele.
Ele apontou para seu colo. O pau pendurado em cima da
calça, ainda meio duro, e as gotas de sêmen branco sobre o tecido
azul.
— Você me fez gozar na calça, sua pequena filha da puta.
Nem sequer estou pensando sobre seu pai ter entrado aqui.
— Dito isso, doutor, já que está em um hospital, aproveita e
consulta um urologista. Não deve ser normal gozar tão rápido assim.
Sua expressão se tornou furiosa.
— Jenna — rosnou.
— Não sou mais a pequena Jennie?
Algo no chão, ao lado de sua mesa me chamou atenção, e
eu fui até a garrafa de vinho aberta, tirei a rolha que tampava a boca
e o encarei.
— Meu pai pode até saber que você transa no hospital
correndo o risco de um processo por assédio sexual, mas ele sabe
que você bebe aqui também?
Ele estreitou os olhos.
— Não sou a porra de um adolescente irresponsável, eu
bebo às vezes e jamais quando vou trabalhar.
— Você fica puto tão fácil. — Dei risada ao ver que atingi
meu objetivo.
— Saia da minha sala, garota.
— Eu vou mesmo, não tenho nada pra fazer aqui. A
propósito, odeio seu whisky e sua vodka, e acho deplorável que se
afogue em álcool pra calar sua dor, mas vou levar a rolha comigo
pra lembrar desse momento e nunca mais esquecer que você é um
porco sujo que fode qualquer coisa que vê pela frente.
Ele sorriu maldosamente.
— Inclusive você.
Abri a porta, mas antes de sair, o fitei por cima do ombro.
— Me foder é uma honra, doutor Sullivan, e pode ter certeza
de que eu não entrego essa honra facilmente. Não foi você quem
venceu aqui, quem está te usando sou eu.
Deixei seu consultório sem me sentir vitoriosa, porque sabia
que mesmo dizendo isso, não era exatamente a verdade.
CAPÍTULO 24
"Impossível, é tarde demais
Tudo é um desastre
Isso é uma obsessão
Seus poucos sinais, não bastam
A verdade é que já são mil noites malditas sem o seu abraço
É estranho, estou viciado no seu amor"

Iñigo Quintero, Si No Estas

NATHANIEL SULLIVAN

Quando entrei na sala cheia de internos e residentes, havia


apenas Serena cuidando dos imbecis. Ela se tornou uma das únicas
pessoas no hospital que pareciam realmente saber o que estava
fazendo ali. Fitei os idiotas que acabaram de entrar no programa.
— Em qual momento vocês, idiotas, decidiram que era uma
boa ideia escolher quais pacientes tratar e sentar com a família na
porra da sala de espera para dar notícias sem nem ter certeza do
que estavam falando?
O idiota de óculos usando uma touca cirúrgica como se
fosse um atendente experiente levantou a mão.
— Isso não é uma aula com direito a pergunta e resposta,
sente e cale a boca.
Ele rapidamente se encolheu, obedecendo.
— Doutor — uma interna se levantou —, sei que não é pra
gente dar opinião, mas eu preciso nos defender e dizer que
achamos que o estado da paciente era grave. Eu peguei os
resultados no laboratório e quando estava analisando...
— Vocês não deveriam analisar nada — disse Serena, num
tom mais calmo que o meu. — Quando dizemos que vocês devem ir
buscar resultados, é porque nós, que sabemos o que fazer, vamos
analisar, e falar com a família no momento certo.
— Mas... — ela tentou rebater.
— Vocês são bebês — a interrompi —, são burros pra
caralho, não têm nem ideia do que estão fazendo aqui. Disseram
para os pais de Rachel McDonals que ela tem diabetes e vai
precisar amputar o pé.
— Nós analisamos o ferimento na perna e consiste em...
— Consiste em alucinações da sua cabeça. Vá para o andar
da psiquiatria porque vocês só podem estar loucos pra caralho!
Rachel estava acampando na neve e seu pé está roxo porque ela
pisou falso em um lago congelado e ficou presa. Ela não tem
diabetes e não vai perder o membro! — terminei elevando a voz, e
cada vez que meu tom aumentava, a expressão dos idiotinhas
ficava mais e mais confusa.
— Eu tinha certeza do diagnóstico — ela choramingou,
gaguejando seus arrependimentos.
— Você tinha certeza porque se pegar um bisturi e uma faca
não sabe qual dos dois fará um estrago maior. Saia da sala, você
está fora das minhas cirurgias.
Ela fitou o homem que participou da burrice.
— Mas e ele? Nós fizemos isso juntos.
— Você tem que se preocupar com a sua carreira, não com
a de alguém tão inexperiente quanto você — disse Serena.
— Até a metade do programa, mais da metade de vocês terá
desistido e estarão condenados a necrotérios pelo resto da vida.
— Vocês estão liberados — Serena decretou. — Vão para a
emergência e esperem instruções do atendente de plantão.
Quando todos saíram e ficamos sozinhos, ela suspirou.
— Olha só...
— Se vai me dizer que preciso pegar leve, poupe suas
palavras, é só assim que esses imbecis aprendem, ou vão sair
matando gente à toa por aí.
Ela balançou a cabeça.
— Acho que cada médico age da forma que acha certo, e
eles realmente fizeram merda. Eu só ia dizer que depois disso todos
nós precisamos de uma bebida. Sei que é contra suas regras se
misturar, mas não quer ir com a gente?
— Não — respondi de imediato, quase ríspido, mas ela nem
sequer pestanejou com meu tom.
— Ok, se mudar de ideia o convite está de pé.
Ela saiu da sala, deixando-me sozinho, e meu celular apitou
com uma mensagem.
ESTAMOS TE ESPERANDO.
Charles.

Porra! Eu tinha me esquecido da festa em sua casa.


Respondi um OK de volta e guardei o telefone. Eu já tinha fugido
mais do que podia do meu amigo e não tinha mais desculpas para
dar. Não queria ser idiota com ele do mesmo jeito que aqueles
internos eram com pacientes.
Recolhi minhas coisas, tirei o jaleco e saí do hospital.
Quando cheguei à casa de Charles, havia uma vaga
reservada para mim e eu estacionei rapidamente. Encontrei um
mundo de gente em seu quintal e jardim, a piscina estava sendo
usada por pessoas de dentro e fora do hospital. Charles adorava
fazer festas sem motivo, e essa noite não estava assando seus
hambúrgueres, mas contratou um buffet para servir petiscos e drinks
para os convidados a noite toda.
As pessoas iam abrindo espaço para eu passar, e quem me
conhecia apenas acenava, receosos de me cumprimentar.
Aquilo não era um problema para mim, afinal, eu me sentia
mais à vontade distante de todos. Eu nunca conseguiria entender
como Charles conseguia separar sua vida pessoal da profissional.
Ele não era um chefe fácil, mas todos o adoravam.
Violet me viu assim que atravessei as pessoas, e veio em
minha direção de braços abertos, com uma taça de vinho na mão.
— Querido! Você veio. — Me abraçou forte.
— Eu não podia perder.
Ela riu.
— Algo me diz que esse “podia” não é porque estava louco
pra vir, mas porque Charles ia te buscar no hospital se não viesse.
Confirmei com um sorriso.
— Você conhece seu marido muito bem.
— E conheço você também! Venha pegar uma bebida.
— Tenho uma cirurgia amanhã cedo, vou ficar na água com
gás.
Não era necessariamente mentira. Se eu tomasse algo hoje,
em nada atrapalharia meu desempenho no trabalho, mas eu preferia
não beber a menos que fosse algo muito forte, porque sabia que
não iria parar.
— Cadê ele? Milagre que não está cozinhando pra todos.
— Eu o proibi. — Ela piscou. — Se ele quer dar uma festa
tem que recepcionar os convidados, deixei isso muito claro. Quer
comer? Tem petiscos lá dentro e tem garçons passando com
canapés e finger food.
— Não se preocupe, Violet. Vou ficar bem.
— Sei que vai — ela me abraçou de lado —, mas quero que
se divirta, além disso, precisa comer. Você emagreceu no exército.
Tive que rir.
Eu não tinha emagrecido coisa nenhuma, na verdade,
ganhei músculos por todo o corpo e nunca me senti tão bem-
disposto fisicamente, contudo, apreciava sua preocupação.
— Você conhece o pessoal, né? Então fique à vontade. Eu
chamei uma artista que vou expor pela primeira vez em Nova York e
estou falando com ela e sua mãe sobre o trabalho. Quer vir
participar?
— Não, tudo bem. Vá fazer suas coisas, eu vou encontrar
Charles.
A casa deles tinha dois andares e um terraço totalmente
adaptado para festas, mas eles não usavam, gostavam de se reunir
no jardim e quintal, que era um enorme espaço que ligava à
cozinha.
Encontrei Charles esperando seu drink lá, e apertei seu
ombro.
— Se um dia cansar de ser médico pode se tornar
planejador de eventos, amigo.
Ele sorriu ao me ver, e me abraçou de lado.
— Olha só, ele veio! Eu não estava brincando quando disse
que ia te buscar.
— Eu queria vir.
E era verdade. Não estava louco para participar de uma
daquelas enormes festas com tantas pessoas, mas queria passar
um tempo com meus amigos.
Antes que eu fizesse a besteira de perguntar onde Jenna
estava ele me ofereceu uma cerveja. Balancei a cabeça.
— Vou ficar na água com gás, amigo. Tenho uma cirurgia
amanhã cedo.
Ele me observou por um momento antes de pegar seu drink
e agradecer.
— Venha comigo, Nate.
Acompanhando-o para um dos cantos perto da piscina, eu
observei as pessoas se divertindo e bebendo, e encarei meu amigo.
— Não é de hoje que percebo que você não bebe mais.
Antigamente não descartava uma cerveja mesmo se tivesse uma
cirurgia no dia seguinte. — Ele suspirou. — Você simplesmente não
engole uma gota de álcool desde que voltou.
Desviei o olhar.
— Charles... não é nada. Eu só perdi o gosto.
— Não é verdade. À medida que vamos passando um tempo
juntos desde que voltou reparei algumas questões, e até mesmo me
preocupando com algumas outras. Essa coisa da bebida tem me
cutucado por um tempo para perguntar.
Eu tinha esquecido que não só Violet era muito observadora,
mas Charles também. Ambos não deixavam nada passar.
— Ou você tem um problema com bebida ou não quer de
verdade, e por favor, não minta para mim. Nos conhecemos quase a
vida toda e nunca precisamos enganar um ao outro. Não quero
acreditar que quase batendo na porta dos cinquenta vamos começar
com isso.
Lancei-lhe um olhar irritado.
— Você está batendo na porta dos cinquenta, eu acabei de
pisar nos quarenta.
Ele riu.
— Quarenta e dois é meio caminho andado, amigo.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que falei:
— Não tenho problema com bebida, só prefiro evitar.
— Então você tem um problema.
— Porra — murmurei. — Nunca fui diagnosticado, é só que...
Deixa pra lá, Charles.
— De jeito nenhum. Estou preocupado com meu melhor
amigo, e quantas vezes você me forçou a falar sobre assuntos que
eu não queria porque queria cuidar de mim? E eu sempre encontrei
em você um lugar seguro para me abrir. Confie que não vou te
julgar, não está falando com seu chefe, e sim com seu amigo de
longa data.
Quando ele falava assim ficava difícil fugir, e ele só estava
perguntando para ouvir de mim, porque já sabia a verdade.
— Não sou alcoólatra. Não preciso beber, mas quando Lilly e
Rebeca se foram eu passei muito tempo descontando minha dor na
bebida. Isso acabou se tornando uma válvula de escape que eu não
quero voltar a enfrentar. Se sinto o gosto do álcool imediatamente
relembro tudo, me sinto depressivo e começo a me entregar para
afogar a mágoa das coisas que perdi.
Meu estômago embrulhou, porque eu só tinha dito aquilo
uma vez na vida, e foi para Emma.
Eu não pretendia contaminar a vida perfeita de Charles com
algo tão pesado, mas como poderia olhar para ele e mentir sobre
mais uma coisa quando já estava omitindo o que aconteceu entre
mim e Jenna?
Ele suspirou, e sem que eu esperasse me puxou para um
abraço rápido, mas havia mais do que palavras poderiam dizer.
— Não há julgamentos aqui, irmão. Não vou mais te
oferecer, e não vou dizer a Violet, porque ela vai se preocupar e te
infernizar para ir à reabilitação ou algo assim.
— Pelo amor de Deus — soltei o ar com força —, não fico
me debatendo de vontade, não desejo beber. São só nos dias
estressantes que a coisa pega e eu quero fugir. Apenas momentos
fodidos, mas eu conheço meu corpo e minha mente melhor do que
ninguém, preciso de Violet pegando no meu pé, mesmo que aprecie
o cuidado dela.
— Eu sei. — A compreensão em seus olhos me fez sentir
ainda mais culpado com relação à minha omissão. — Se precisar de
algo eu estarei sempre a um pulo de distância. Não tem que passar
por nada sozinho, lembre-se que tem um casal chato pra cacete do
seu lado prontos para intervir se precisar.
Dei risada.
— Você precisa conhecer Emma. — Ele estreitou os olhos
enquanto um sorriso sarcástico surgia nos lábios. — Não comece a
pensar besteira, Charles, ela é uma amiga muito próxima que me
ajudou quando eu entrei para o exército. Sou padrinho do filho mais
novo dela.
Charles ficou surpreso.
— Porra, muita coisa mudou mesmo!
— Não entre nós, essa conversa me provou caso eu ainda
não soubesse. Eu vou ao banheiro antes que a gente comece a
chorar e sente pra fazer a porra de uma pulseira da amizade.
Ele riu.
— Use o banheiro lá em cima, o lavabo do primeiro andar
deve estar com fila.
Eu assenti, e ele se enfiou em uma roda que o recebeu para
conversar. Virei a taça de água com gás e a deixei na pia da
cozinha, direcionando-me para a escada do segundo andar.
Eu nem acreditava que tinha acabado de contar para
Charles algo que eu considerava vergonhoso e ridículo, e não menti
em nenhum momento. Eu não era dependente, apenas preferia ficar
longe para não me tornar. Ainda não conseguia esquecer as coisas
que aconteceram quando Jenna apareceu em meu apartamento e
me viu bêbado pra cacete, como transamos e eu esqueci
completamente minha falecida esposa enquanto tocava o fruto
proibido.
Não consegui esquecer como a dor física que sentia
lembrando-me de oito anos atrás — quando perdi tudo — se tornou
tesão e desejo por uma garota rebelde e provocadora.
Ao pisar no segundo andar, fui direto à primeira porta, que
era o banheiro, mas ouvi a risada de Jenna e meu corpo travou.
Segurei a maçaneta com força e fechei os olhos, dizendo a
mim mesmo que devia usar a porra do banheiro e voltar para a festa
onde os adultos estavam. Onde eu precisava ter conversas
maduras, ficar meia hora e ir embora, mas então, uma risada
masculina seguiu a dela.
— Eu não era ciumento e nem tinha motivos para ter dela.
Nunca fui ciumento com Lilly, nem me senti inseguro em um
relacionamento.
Sabia muito bem que as mulheres que me envolvia
sexualmente significavam nada além de uma noite de distração,
mas meus pés retornaram os passos inconscientemente e quando
vi, estava parado na porta do quarto dela.
Havia um homem que eu já tinha visto nos corredores do
hospital sentado em sua cama, e ela estava de pé na frente dele
segurando um álbum de fotos. Ela ria com a cabeça jogada para
trás enquanto ele a observava atentamente.
Eu conhecia o olhar nos olhos do cara, quase podia ler seus
pensamentos só pela expressão, porque lembrava o meu próprio
reflexo quando estava olhando para ela.
— Eu não era engraçada?
— Você era uma gracinha, e hoje se tornou uma mulher
linda. Deslumbrante, na verdade.
Ela jogou a mão em desdém.
— São seus olhos.
— Os meus e de todos os homens do planeta.
Eu dei dois passos à frente, chamando a atenção do cara
que se levantou em um pulo.
— A festa está acontecendo lá embaixo. — Meu tom de voz
soou insanamente territorial, assustando-o.
— Doutor Sullivan, boa noite.
Fitei Jenna, o ignorando.
— Seu pai sabe que está com um homem dentro do seu
quarto?
Ela ergueu o queixo, deixando o álbum de lado e segurou a
cintura.
— Esse não é mais o meu quarto, não moro aqui.
— Continua sendo a casa dos seus pais — fitei o idiotinha
—, se quiser conversar com a filha do seu chefe sugiro que faça lá
embaixo, na frente de todos.
— Nós estávamos apenas...
— Faça melhor — o interrompi —, vá para o hospital e peça
para Debby o prontuário dos meus pacientes pós-cirúrgicos. Eles
precisam de atenção durante toda a madrugada. Vá fazer isso.
— Doutor, não estou de plantão.
— É isso ou passar o final de semana limpando pacientes
com mais de oitenta.
Ele fitou Jenna rapidamente antes de balançar a cabeça e
sair do quarto, passando longe de mim.
— Você é inacreditável, sério. Essa foi a maior idiotice que já
te vi fazendo, e olha que você sempre se esforça!
— Agora você deu pra ficar de gracinha com homens
aleatórios dentro da casa dos seus pais?
Ela revirou os olhos.
— Ele não é qualquer um, já saímos duas vezes!
— Quantos anos esse cara tem, Jenna? — Ele parecia
claramente mais velho que ela.
— Ele tem trinta e dois e meu pai sabe disso. Não que seja
da sua conta.
— Ele é velho pra caralho pra você, Charles não apoiaria
isso.
— Você é um hipócrita e não conhece seu melhor amigo tão
bem assim, meu pai não é um bárbaro como você que se importa
com coisas fúteis como idade. Ele disse até que era bom que os
homens que eu me interesso fossem um pouco mais velhos que eu,
assim teria certeza de que eu sempre estaria cuidada. Aliás, você
diz que é muito velho para mim e julgou meu ex-namorado por ser
novo demais, mas agora um enfermeiro que tem quase a sua idade
não serve? O problema não é eu namorar, o problema é que não é
com você!
Meu sangue ferveu, e eu bati a porta fechando-a e a
trancando. Ela arregalou os olhos e correu de mim para a sacada,
tentou trancar a porta deslizante, mas eu a segurei a tempo.
— Você é uma menina muito mimada, Jenna.
— E também muito gostosa — falou convencida. — É por
isso que homens mais novos e mais velhos brigam para ficar
comigo. Percebeu que até você está entre eles?
— Não fique de gracinha com aquele projeto de homem na
minha frente ou eu vou chutá-lo para fora do hospital.
— O hospital não é seu, é do meu pai.
— E seu pai me deu carta branca pra fazer o que eu quiser,
principalmente se isso incluir sua segurança.
— Eu estou segura. Transar na casa dos meus pais é melhor
do que transar por aí em lugares desconhecidos. Ambos sabem
exatamente onde estou e com quem eu estava.
Meus olhos faiscaram quando agarrei seu cabelo na nuca, e
puxei sua cabeça para perto.
O corpo delicado grudou no meu, e suas mãos pequenas
agarraram meus braços. Ela engoliu em seco, um sorriso sacana se
abriu naquele rosto provocador.
— Sua carta branca envolve foder a filhinha dele?
— Oficialmente tem um homem no meu quarto agora, eu
deveria gritar para o meu pai vir me buscar? Deveria dizer a ele que
um homem me perseguiu e me trancou aqui sem a minha
permissão? Sem problemas, vamos testar a sua hipocrisia. — De
pendurou na sacada e abriu a boca para gritar.
Eu corri e a tampei, puxando-a e a encostando na parede
oposta.
— Isso te excita, não é? Foi por isso que o trouxe aqui em
cima, por que sabia que eu ia vir?
Ela gargalhou de franzir os olhos e nenhuma linha de
expressão apareceu denunciando mais uma vez o quão jovem ela
era e que eu estava lidando com alguém que tinha muita energia
para fazer joguinhos.
— Qualquer coisa que te envolve me excita, pode me
condenar por gostar do proibido? — Ela me empurrou para trás, me
fazendo bater os joelhos, meu corpo desabou numa poltrona azul
grande e aconchegante. — Eu amava sentar nessa cadeira e me
masturbar olhando as estrelas. Você deveria experimentar.
Segurei sua cintura, prendendo-a no lugar entre minhas
pernas, segurando sua saia, a puxei de lados opostos estourando o
zíper. Ela gritou e me observou de queixo caído.
— Nathaniel!
Jogando o pedaço de pano inútil no chão, eu a virei de
barriga para baixo em minhas pernas e acariciei a bunda redonda,
sentindo a pele cremosa e macia entre os calos dos meus dedos.
Ela jogou o cabelo para trás para me fitar sobre o ombro.
— Esse pedaço de pano inútil. Você deveria processar quem
te vendeu roupas pela metade. — Jenna meio gemeu e meio riu,
cravando as unhas no braço da poltrona.
— Vai me punir pelas minhas roupas? Agora sim você
parece um velho controlador.
Estreitei os olhos e deixei minha mão cair com um tapa
pesado em sua bunda, seu corpo pulou e ela tremeu. Pude ver os
arrepios nas costas expostas pelo pequeno top e observei a marca
dos meus dedos formando-se no rosado majestoso naquela bunda
deliciosa. Segurei seu pescoço e a puxei ligeiramente para cima
fazendo-a me olhar nos olhos com os lábios entreabertos e as
pupilas dilatadas. Ela respirava ofegante.
— Lembra quando eu comi seu cu, Jenna? Lembra quando
me pediu pra meter devagar no seu cuzinho e pulou no meu pau
como se estivesse brincando em um pula-pula pela primeira vez na
vida? — Ela fechou os olhos e gemeu outra vez, empinando a
bunda.
Eu dei outro tapa e a safada abaixou a cabeça e mordeu
minha coxa por cima da calça. Rosnei com o ardor e lhe bati outra
vez, deslizei meus dedos por cima do tecido da calcinha sentindo
pouco a pouco sua boceta molhar e a umidade atingir meus dedos.
O mel transparente que me mostrava que ela estava pronta
para o que eu quisesse dar deixou meu pau dolorosamente duro e
eu bati outra vez e mais uma antes de rasgar sua calcinha e jogá-la
junto à saia.
— Não grite muito alto, ou quer que os convidados do seu
pai escutem a putinha safada que você é quando está me dando?
— Levantando-a do meu colo, a segurei de pé quando ela
cambaleou. — Segure-se, eu vou te comer tão forte que você vai
sentir o meu pau arrombando a sua boceta. — Puxei as alças do top
maldito que mais parecia um sutiã e levei um momento abrindo meu
zíper e colocando meu pau para fora enquanto abaixava a calça até
meus tornozelos e observava sua bunda toda vermelha marcada por
mim. A estapeei mais duas vezes de cada lado antes de separar as
bandas e enfiar minha língua em sua boceta.
Ela tinha um gosto delicioso de excitação e o cheiro do
creme corporal de morango inebriou meus sentidos.
Sua boceta era apertada e o clitóris inchado saltou e pulsava
em minha língua. Envolvi meu braço em volta de sua coxa,
alcançando-o pela frente e massageando enquanto penetrava sua
abertura com minha boca. Esbaldava-me naquela boceta cremosa
como se estivesse beijando sua boca.
Ela soltou uma mão da vidraça que não nos protegia dos
convidados lá embaixo e agarrou meus cabelos jogando a bunda
em minha cara e fazendo sua boceta se abrir um pouco mais para
receber minha língua. Belisquei seu clitóris e o massageei
lambendo-a até que ela começou a se contorcer e gozou gemendo
alto.
A música não era estrondosa, mas ninguém conseguiria
ouvir seus gemidos de satisfação.
— Agora vem aqui, senta na porra do meu pau.
Ela se inclinou um pouco mais, até que a cabeça do meu
membro encostou em sua abertura. Eu olhei entre nós, pele com
pele e lembrei que não tinha a porra de um preservativo, ela olhou
para trás.
— O que está esperando, precisa de um tempo pra ficar
duro, velhinho?
Suas palavras me irritaram, provocaram e fizeram meu pau
contrair batendo em sua coxa e como um adolescente perturbado
pelo tesão. Eu a puxei para baixo deslizando todo meu membro
para dentro daquela provocadora filha da puta. Agarrei seus seios e
a puxei contra meu peito dizendo em seu ouvido:
— Eu não tenho preservativo. — Ela gemeu sem parar, a
boceta sugando meu pau impossivelmente e suspirou as palavras.
— Eu tomo remédio e nunca fiz sem camisinha com
ninguém.
Ela rebolou fazendo com que todo meu membro
experimentasse sua boceta nua, acertei mais um tapa em sua
bunda.
— Eu também estou limpo.
Ela gritou.
— Ai, caralho! Nunca duvidei disso. — Inclinando todo o
corpo para frente, Jenna fez o que eu mandei e começou a rebolar e
subir e descer com impulsos profundos no meu membro.
Eu joguei a cabeça para trás segurando sua cintura com
força, admirando as marcas que ficavam onde eu tocava, subi
minhas mãos agarrando os seios e belisquei o mamilo com o
piercing.
Porra. Se eu pensava que ela não tinha como ficar mais
gostosa, aquela pequena joia a deixou ainda mais irresistível. Eu
gemi alto assim como ela e a música combinada com as vozes dos
convidados fazia meu tesão ir às alturas. Seus cabelos loiros tão
brilhantes que pareciam a porra de um raio de sol escorregando
pelos seus ombros e costas me fizeram levantar e comecei a
arremeter sem dó até o útero.
— Isso, doutor, isso me fode! — A respiração era
entrecortada e sua voz ficava mais e mais rouca.
— Olhe para aquelas pessoas lá embaixo e lembre que não
pode gritar quando eu te fizer gozar forte. Lembre-se que sou eu te
fodendo na sacada dos seus pais com todas essas pessoas tão
perto, e não aquele enfermeiro idiota!
Segurei seu pescoço virando o rosto e trazendo sua boca
para a minha. A beijei combinando suas reboladas com minhas
arremetidas. Ela gozou outra vez, puxando meus cabelos com as
duas mãos e eu apertava seus seios, massageando os mamilos.
Senti sua boceta começar a contrair outra vez.
O gozo atingiu meu cérebro primeiro, depois bambeou todo
meu corpo e eu caí para trás com ela em meu colo, derramando
meu gozo no fundo da boceta, senti em minhas coxas o líquido
vazar mesmo com meu pau profundamente enterrado dentro dela e
beijei suas costas enquanto ela respirava pesado, totalmente
apoiada em meu peito. Suas mãos estavam em minhas coxas
apertando enquanto ela ainda sentia os espasmos do orgasmo.
Nenhuma alma viva presente naquela festa tinha noção do
que acabamos de fazer. Embora não disséssemos em voz alta a
coisa toda nos excitou muito mais.
— É, doutor... você ficou bom assim com o tempo e a idade
ou sempre fodeu como um Deus desse jeito?
Meu peito vibrou com o riso e ela se virou para me beijar. No
mesmo momento, houve uma batida à porta.
Ela pulou do meu colo arregalando os olhos.
— Caralho!
Olhando em todas as direções, ela encarou sua roupa no
chão enquanto eu subia tranquilamente minha calça e cueca e me
vestia.
— Calma, respira. O primeiro sinal de suspeita é a afobação.
Vá ver quem está te chamando com calma, eu vou ficar aqui.
Escondido como um adolescente.
Ela assentiu.
— Jenna! — Violet chamou.
— Ai, porra. Caralho, caralho, Nathaniel, e agora?
— Vá ver o que sua mãe quer, só não deixe que ela entre
aqui.
Ela me olhava apavorada, abriu a porta, mas antes de entrar
no quarto outra vez me fitou e fez um sinal de silêncio com o dedo
na boca.
Como se eu fosse ser idiota suficiente de dar um pio. Me
levantei e cheguei ao limiar da porta de correr que dava acesso ao
quarto.
— Oi, mamãe — ela disse ao abrir a porta.
Houve uma pausa.
— O que aconteceu?
— Minha saia estava muito curta, parece que todo mundo
olhava minha bunda toda vez que eu abaixava.
Ouvi a risada de Violet.
— Olha só! Parece até que você teve uma grande revelação
de algo que seu pai te fala há anos.
Jenna riu.
— Eu vou me trocar e já desço.
— Não demore, queremos fazer um brinde.
— Brinde do quê?
— Só Deus sabe, mas seu pai começou a abrir as garrafas
de champanhe e os garçons estão distribuindo taças.
— Tá, dois minutos e vou descer.
— Se demorar mais de dois minutos eu venho te buscar,
mocinha.
Ouvi o som da porta fechar e saí para olhá-la. Me encostei
no batente cruzando os braços. Ela tirou a toalha exibindo a bunda
toda vermelha e os lábios da boceta inchados.
— Sabe que mesmo se não tivéssemos terminado ainda
você ia continuar me comendo, não é?
— Com sua mãe batendo na porta? — perguntei.
— Proibido, doutor... o poder do proibido não deve ser
subestimado. — Rindo como se tudo fosse parte de uma piada do
seu show particular, ela levou sua beleza e sensualidade
extravagantes para o closet e antes que eu me descontrolasse e
fizesse a besteira de jogá-la naquela cama, saí do quarto.
O cheiro de morangos estava grudado em meu queixo e eu
precisava lembrar de não cumprimentar ninguém, principalmente
Charles e Violet ou eles sentiriam o cheiro da boceta de sua filha em
todo o meu rosto.
CAPÍTULO 25
"Eu não quero esse sentimento, não consigo lidar com o amor
Tento encontrar um motivo para nos separar
Não está funcionando porque você é perfeita
E sei que você vale a pena
Não posso ir embora"

The Weeknd Ft. Arriana Grande, Die For You

JENNA WALDORF

Quando cheguei com Henry ao restaurante, meus pais já


estavam sentados à mesa e vi uma mulher com eles. A reconheci
da festa que eles deram no final de semana. Pensei que ela ia
embora, mas minha mãe claramente tinha outros planos.
— Boa noite.
— Filha. — Minha mãe se levantou para me abraçar.
— Oi, mamãe.
Meu pai esticou a mão para Henry.
— Como vai? — Ele não estava exatamente sorrindo, era
mais como se estivesse analisando-o.
— Doutor, muito boa noite.
— Olá, Tara — cumprimentei.
— Oi, Jenna, que vestido lindo — elogiou.
— Obrigada.
Henry foi um cavalheiro, puxou a cadeira para mim e me
ofereceu o cardápio, pedindo uma taça de vinho para nós dois.
Meu pai me fitou.
— Eu não esperava que você fosse trazer alguém, Jen.
Minha mãe colocou a mão por cima da sua.
— Que bom que trouxe um amigo, filha, é um prazer revê-lo,
Henry.
— Obrigado, senhora Waldorf.
Sua insegurança ao encarar meu pai era nítida, e eu lancei
uma olhada irritada para papai, que apenas encolheu os ombros e
tomou um gole de seu vinho.
— Serena virá com Ian — avisei.
— Eles voltaram? — mamãe questionou.
— Mais ou menos.
Ela riu.
— Esses dois não tem jeito, espero que seja pra valer agora.
— Então — virei-me para a convidada de mamãe —, já
decidiram tudo sobre a exposição? — perguntei.
— Decidimos na festa — minha mãe respondeu. — Hoje não
viemos falar de trabalho.
— Ficará na cidade até quando, Tara?
— Vou embora hoje depois do jantar, mas sua mãe insistiu
em me apresentar alguém antes que eu fosse.
Dei risada, nada surpresa.
— Bom, minha mãe tem essa mania de querer ser
casamenteira, mas ela nunca apresentou ninguém que não valesse
a pena.
— Vamos ver — meu pai riu. — Esse amigo é meio
complicado.
— Ele sabe que está vindo para um encontro — minha mãe
argumentou. — Isso por si só já é bom sinal.
— Ele ia me buscar, mas ficou preso no hospital e avisou
que chegará atrasado.
— É alguém do Saint Glory? — perguntei.
— Você vai ter uma surpresa — disse mamãe —, mas é boa.
Dei risada.
Inclinei-me para Tara.
— No fim da noite eu te aconselho sobre ele, namorar
médicos não deve ser fácil.
— Ei — disse papai.
— Ainda bem que eu sou enfermeiro — Henry brincou,
fazendo todos rirem.
Serena chegou um pouco depois com Ian atrás dela,
cumprimentou todos na mesa e se sentaram perto da minha mãe.
— Obrigada pelo convite — agradeceu ela.
— Espero que não tenhamos atrapalhado nenhum plano —
mamãe se antecipou.
— Imagina, não estou de plantão.
— E eu não aguentava mais comer comida japonesa — Ian
brincou. — Comer um italiano hoje será um alívio, e a companhia
também é ótima.
Serena sorriu para ele, acariciando seus cabelos.
— Faz tempo que não saímos para jantar, amor.
— É verdade. — Eles deram um selinho, e eu não podia
mentir, quando os via em suas boas fases eles eram fofos, sem
contar que formavam um lindo casal.
Contudo, sabendo de todos os detalhes do vai e vem da
relação, eu ainda tinha aquele pezinho atrás. Nos últimos tempos
ele vinha fazendo Serena mais feliz do que triste ou insegura, e isso
me fazia ficar um pouco mais maleável.
— Estamos esperando mais alguém? — Serena perguntou,
apontando para a cadeira vazia ao lado de Tara.
— Meu encontro — ela assumiu. — Violet disse que se eu
começar a namorar alguém de Seattle não vou ter como fugir dela.
— Você quer se mudar de New York? — papai perguntou.
— Acho que não seria uma má ideia, estou aberta a opções
porque somos só eu e minha mãe, não temos família grande, então
meio que tudo casaria agora que eu tenho um contrato para receber
pelas minhas obras.
— E já tem três quadros vendidos — mamãe acrescentou.
— Uau! — exclamei. — Parabéns, eu vi sua arte, você é
muito talentosa e tenho certeza de que vai arrasar.
— Só não deixe que os urubus te roubem da minha esposa
quando ficar famosa.
Mamãe arregalou os olhos, dando um tapinha no ombro de
papai.
— Amor!
Tara negou prontamente:
— Não vou abandonar a Violet de jeito nenhum, ela foi a
primeira a me dar uma chance de viver do que eu amo, além de ser
uma amiga incrível. Eu valorizo demais pessoas que dão
oportunidades a outras. — Mamãe esticou a mão para dar um
aperto na sua.
— Eu te disse, com certeza você receberá outras
oportunidades e desde que elas sejam benéficas pra você, não me
importo que as aceite. É claro, sempre frisando que não aceita
exclusividade de ninguém.
— Com certeza.
Minha mãe era uma alma tão boa, tão iluminada, ela podia
facilmente pegar alguém talentosa como Tara e que seria uma
novidade no mercado artístico e convencê-la a assinar um contrato
de exclusividade durante anos, tirando da garota várias outras
chances de expor seu trabalho em outras cidades e países, mas
não. Ela teve conversas francas colocando na mesa todas as
chances que Tara poderia ter.
Não era a primeira vez que eu convivia com artistas que
mamãe meio que adotava, ela entregava seu coração nos negócios
e nós ganhávamos amigos e pessoas novas todas as vezes que
isso acontecia. Devido ao seu olhar cauteloso e boa análise de
perfil, elas sempre valiam a pena.
— Olha só — disse papai —, ele acabou de chegar, já
podemos pedir. Eu estou morrendo de fome.
Eu me virei sorrindo para Henry e olhei para o convidado
surpresa. Na mesma hora meu estômago caiu. Fiquei tensa e tenho
certeza de que minha expressão fechou ao ver Nathaniel entrando
com o terno completo, o cabelo loiro-escuro penteado para trás e
aqueles olhos azuis sérios, se aproximando da nossa mesa.
— Ele é o encontro? — perguntei para Tara, que sorriu,
convencida.
— Olha só — disse Serena arregalando os olhos para mim e
forçando um sorriso. — Que ótimo.
Minha melhor amiga estava me dando um sinal de que eu
deveria reagir de outra forma, mas como eu poderia? Parecia que
minha mãe tinha me traído e eu nem podia culpá-la, ela não sabia
que eu tinha algo acontecendo com Nathaniel.
Henry também não sabia, para falar a verdade, nossos
encontros não iriam longe. A gente nem tinha transado ainda, nos
beijamos três vezes e eu não sentia nenhum calor, nenhum desejo,
nenhum arrepio sequer. Mesmo que ele me tocasse nos lugares
certos, que beijasse bem e que tivesse pegada, minha cabeça só
conseguia lembrar das mãos de Nathaniel em mim.
Do seu toque, da sua respiração em minha pele e da forma
como eu me sentia quando aquelas mãos fortes e grandes estavam
pegando em todos os lugares proibidos do meu corpo sem
permissão.
A primeira pessoa para quem Nathaniel olhou foi para Henry,
e depois de cumprimentar os homens deixando-o por último, ele
abraçou minha mãe, foi até Serena com um beijo na bochecha,
assim como fez com Tara e por fim chegou perto de mim,
abraçando-me. O cheiro de sálvia e carvalho inundou minha mente.
Ele sussurrou em meu ouvido:
— Você vai pagar por isso.
Meu corpo reagiu à sua ameaça. Mesmo quando ele se
sentou, eu ainda continuei de pé olhando para o centro da mesa. De
repente ouvi a voz de Serena.
— Quando ela fica com fome, é assim mesmo.
Eles deram risada, Henry segurou minha mão.
— Se quiser posso escolher um prato para você.
Eu limpei a garganta e me sentei.
— Não, tudo bem. Não estou com tanta fome assim.
Serena me deu um olhar que podia ser interpretado de duas
formas:
Pare de agir como louca.
Ou: você está agindo como louca.
— Henry é italiano, eu aceitaria a dica do que pedir — disse
meu pai. — Pode escolher meu prato inclusive.
Henry riu.
— Não vou decepcionar, doutor.
— É claro que eu quero a dica — falei, sabendo que
Natanael estava prestando atenção. — É muito gentil da sua parte,
o que recomenda?
Ele sorriu para mim como se eu tivesse dito que iríamos para
um motel depois dali transar a noite toda. Sério, eu não conhecia
muito esse cara, mas ele parecia tão fofo e tão dedicado em me
deixar confortável que eu me senti uma idiota por estar usando-o
para fazer ciúmes em um homem que provavelmente não estava
nem aí para mim e para o que eu sentia.
Ele tinha concordado em um encontro duplo com meu pai,
pelo amor de Deus. Nathaniel não parecia o tipo que fazia isso, e
desde quando ele queria se envolver com alguém?
Minha mãe era uma casamenteira, ela não ia apresentar
alguém que só quisesse fazer sexo e Nathaniel sabia disso. A ideia
era encontrar alguém para Tara que a fizesse querer se mudar para
Seattle. A conversa voltou a girar em torno da mesa, é claro que os
quatro envolvidos no hospital conversaram sobre o Saint Glory, e
quando nossos pratos chegaram, Nathaniel virou-se para Tara.
— Está ansiosa para sua exposição?
Serena imediatamente olhou para mim.
Tara abriu um enorme sorriso.
— Com certeza, é a primeira vez que tantas pessoas vão ver
o meu trabalho. Minha mãe falou para todas as amigas comprarem
passagens, ela realmente está tão empolgada quanto eu.
— Mas isso é algo para se empolgar — disse ele, como se
fosse um cara gentil.
Ele realmente achava certo iludir a menina daquele jeito? Só
para depois mostrar a ela sua verdadeira face? O comportamento
grosseiro e a atitude arrogante?
— Eu adoraria ver sua arte.
— Não seja por isso, está mais do que convidado para a
exposição.
Minha mãe sorriu como se tivesse acertado na loteria ao ter
a ideia de unir os dois.
— Ele já estava convidado, mas receber um convite VIP da
própria artista é muito legal.
Ele olhou para mim. Para nós dois podia ter durado cinco
minutos, podíamos ter nos encarado por uma hora, mas eu sabia
que tinham sido apenas dois segundos quando ele respondeu
olhando para mim.
— Não é sempre que mulheres bonitas me fazem convites
tão especiais. — Ele olhou para Tara. — Eu não perderia por nada.
Foi o suficiente para mim, eu estava me sentindo
estranhamente ferida, não só irritada. E me levantei.
— Com licença, tenho que ir ao toalete. — Serena fez
menção de se levantar, mas eu balancei a cabeça. Precisava de um
momento sozinha.
Fui ao banheiro e molhei minhas mãos para refrescar meu
pescoço que estava vermelho de raiva, ciúme ou o que quer que
fosse aquele sentimento irritante. Mas quando saí, ajeitando meu
vestido curtinho preto, não fui longe.
Nathaniel apareceu, empurrando-me de volta para dentro e
nos enfiou em uma das cabines.
Eu queria bater nele, xingá-lo e gritar, mas ao mesmo tempo
queria beijá-lo também.
— Parece que ambos estamos ficando irritados por coisas
que não são da nossa conta, não é, doutor?
— Acha que aquele enfermeiro vai te dar a vida que você
merece?
— Não, mas e daí, você por um acaso pretende levar isso
adiante e dar uma vida incrível para a artista de New York?
— Eu não podia negar o convite da sua mãe.
— E eu não podia negar a Henry a chance de mostrar se ele
merece meu tempo ou não.
— Então decida que ele não merece ou eu vou transformar a
vida desse cara em um inferno dentro do hospital. Não viu o que eu
fiz com a cara do seu ex-namoradinho?
— Eu estou ficando cansada das suas crises, doutor, o que
quer, afinal? Algum tipo de romance comigo? Porque se for, vamos
voltar para aquela mesa, você dispensa a sua artista, eu dispenso o
Henry e você me beija na frente do meu pai. Quer exclusividade? Só
se for assim, caso contrário, não fique exigindo de mim coisas que
você mesmo não vai me dar. — Ele me soltou, encostando na
parede oposta. — Viu, é só falar de qualquer tipo de compromisso,
sentimento ou envolvimento com você que tudo muda. Para de se
esconder, pense sobre o que essa possessividade sobre mim
significa e quando decidir honrar seus quarenta e cinco anos...
— Quarenta e dois — rosnou.
— Não me importo, poderia ter cinquenta! Eu não me
escondo das coisas que sinto, então por que você está se
escondendo?
Eu o empurrei de lado e segurei o trinco da porta para abrir,
e seu celular começou a tocar no mesmo momento.
— Nós não acabamos — rosnou baixinho. Ele segurou meu
braço e fitou a tela do telefone. De repente sua expressão mudou e
o afrouxou aperto em meu braço. — Eu tenho que ir.
Eu não queria dar o braço a torcer, mas não conseguia me
conter de perguntar.
— O que aconteceu?
— Emergência no hospital.
Engoli em seco.
— Está tudo bem?
— Não, mas vou fazer todo o possível para ficar.
Ele saiu primeiro, e eu esperei cinco minutos antes de voltar
à mesa. Quando apareci, Nathaniel não estava lá. Me sentei outra
vez, sorrindo para Henry quando ele puxou minha cadeira.
— Então, sobremesa? — propus.
— Vamos — Serena concordou —, acho que precisamos.
— Eu aceito — disse Tara.
— Onde está Nathaniel? — questionei.
— Ele foi chamado no hospital, algo importante pela cara
dele, mas não vamos deixar que isso tire o brilho da noite — meu
pai falou.
— Tara, vocês terão outra chance de se conhecer. —
Mamãe sorriu para ela.
— É claro, espero que independentemente do motivo de ter
sido chamado, fique tudo bem.
— Vai ficar — disse mamãe. — Ele é um médico brilhante.
Serena me questionou com o olhar e eu balancei a cabeça,
dizendo “depois” sem som. Eu não sentia por Tara não ter tido
chance de conversar com Nathaniel e conhecê-lo, essa era a última
coisa que eu queria, e quando Henry colocou a mão em minha
perna por debaixo da mesa, eu desejei nada mais do que sair dali e
correr para o Saint Glory.
Ele não conseguia admitir seus sentimentos, e eu estava
começando a perceber que para mim era fácil demais admitir os
meus e os dele por nós dois.
CAPÍTULO 26
"Amor, você não é bom para mim, querido
Porque se você vai me amar
E me deixar esperando aqui
Então eu prefiro que você me deixe sozinha
Mesmo que isso doa
Você é um amor perigoso"

Ariana Grande, Leave Me Lonely

NATHANIEL SULLIVAN

Minha semana tinha sido uma merda. Depois de ser


chamado na emergência interrompendo o jantar que eu não estava
nem um pouco a fim de participar — não só porque não estava
interessado na amiga de Violet, mas também porque não queria ver
Jenna pagando de casalzinho na minha frente com o enfermeiro.
Eu me tornei quem mais temia, um homem vingativo que por
uma boceta estava fazendo da vida de um funcionário um inferno.
Dei as tarefas mais nojentas para Henry nos últimos dois dias e
garanti que ele ficasse exausto a ponto de não ter um momento livre
para subir na ala infantil e continuar desenvolvendo seu casinho
com a garota.
Depois de enfrentar três cirurgias, eu saí do hospital quase
duas da madrugada e estava pegando um engarrafamento no
centro da cidade, de repente como se fosse uma miragem reconheci
um cabelo loiro, liso e um vestido curtíssimo dourado todo apertado
no corpo da garota que havia se tornado um pesadelo para mim. Ela
estava na porta de uma balada conversando com duas mulheres e
três homens, reconheci duas delas do estúdio onde ela dançava,
mas não me lembrava dos dois garotos, também eram jovens,
provavelmente a mesma faixa de idade dela.
Usei o engarrafamento como desculpa para mudar o carro
de faixa e parar ao lado dela.
Fiquei observando-a por um momento. Curtia sua juventude,
fumava a merda de um cigarro eletrônico e tinha uma long neck na
mão dando pequenos goles enquanto ria da conversa.
Provavelmente estavam trocando ideias que faziam sentido para
jovens.
Debati comigo mesmo entre buzinar ou descer e falar com
ela, mas falar o quê? Exigir algo que eu estava dizendo a mim
mesmo que não era da minha conta? Mandá-la ir para casa? Ela era
maior de idade, seu pai sabia os lugares que frequentava, então, por
que eu estava tão incomodado com a vida social daquela menina?
Ela vivia como qualquer jovem adulta normal. Festas, gandaia,
farras que viravam a noite, provavelmente tinha saído daquela
balada estava a caminho da próxima.
Quando o carro atrás de mim buzinou, eu acordei para a
vida balançando a cabeça e desviando o olhar dela. Mas tive tempo
de vê-la olhando para trás e então, em câmera lenta, seus olhos
deslizaram para o meu carro e na minha janela aberta. Ela tinha um
grande sorriso no rosto, um sorriso de quem estava gargalhando e
imediatamente a risada se tornou um sorriso provocante — algo que
ela estava acostumada a fazer comigo, mudar suas facetas para me
provocar e mexer com a minha cabeça. Ela instigava a porra do
instinto selvagem que nenhuma outra mulher despertou em mim, eu
me sentia a porra de um traidor falando assim, porque Lilly sempre
foi uma mulher desejável, mas sendo honesto comigo mesmo nunca
houve jogo entre nós. Ela sabia que era minha e eu sabia que ela
era minha da mesma forma que eu era dela, juramos eternidade um
ao outro no altar no dia que nos casamos.
Jenna e eu jogávamos desde o primeiro dia, e eu estava
louco de desejo por ela. Bloqueava no fundo da mente os
pensamentos que começavam a suspeitar que não se tratava só de
desejo, mas admitir isso por uma garota que tinha literalmente
metade da minha idade e que minha falecida esposa viu crescer era
demais.
Ela caminhou devagar, aproximando-se de mim como uma
onça que caça sua presa, e o que eu podia fazer além de encostar o
carro e deixá-la chegar perto?
Minha resistência não era grande, tratando-se dela eu
descobri que era quase zero. Não consegui dizer não a nenhuma de
suas investidas desde que voltei e não consegui me controlar para
ficar longe desde que percebi que aquela menina tinha se tornado
uma mulher. Na minha cabeça já não importava mais de quem ela
era filha, não importava mais que eu podia perder o meu melhor
amigo, um cara foda que conheci a vida inteira, tudo o que
importava era ela.
Ela na minha cama, no meu consultório com suas mãos
tocando em mim e minhas mãos explorando exatamente onde eu
queria, fazendo com ela tudo o que desejasse. A sandália preta de
salto altíssimo enrolada na panturrilha chamou minha atenção, ela
caminhava como a porra de uma modelo em minha direção, e eu
não pude fazer nada além de observar.
— Doutor — sorriu —, procurando alguma balada boa para
espairecer?
— Procurando meu caminho para casa — respondi.
— E como sempre, esbarrou em mim. Às vezes eu fico
pensando o quanto disso é acidente, acho que vou levar meu celular
para verificar se não tem rastreador ou algo do tipo nele.
— Por que eu colocaria um rastreador no seu celular,
garota? Não é da minha conta o que você faz e por onde anda.
Ela jogou o cabelo loiro para trás, expondo ainda mais o
rosto corado e camadas de brilho nos olhos e maçãs do rosto.
— É mesmo? Foi por isso que minha amiga disse que tinha
um cara me secando dentro de um Porsche?
— Não posso olhar? Acredito que vindo em um lugar como
esse com essas roupas o objetivo é ser vista.
Ela riu, apoiando as mãos na janela do carro. Inclinou-se
para frente, me mostrando o decote, o vestido mal cobria a parte de
cima e a única coisa que eu não podia ver eram os mamilos,
embora, caralho, eu desejasse. Queria muito ver de novo.
— O objetivo é mostrar que eu me exercito muito pra ficar
exatamente assim, linda e gostosa a ponto de fazer alguém que
jurou nunca cair em tentação precisar ser chamado atenção no
trânsito porque não consegue parar de me olhar.
Foi inevitável não rir, e o sarcasmo do seu sorriso foi
embora, deixando apenas verdade.
— Esse é o primeiro sorriso verdadeiro que me dá desde
que começamos a nos falar, demorou mas valeu a pena. Devia
sorrir mais, doutor, ficou cem vezes mais sexy.
Fiquei observando-a por um momento.
Tudo me dizia para ir embora, desejar boa noite a ela e
como bom amigo de seu pai, pedir que se cuidasse, que ficasse
segura, acelerar meu carro e voltar para o apartamento vazio que
usava para dormir e levar mulheres desconhecidas algumas noites.
Mas eu não consegui, simplesmente não consegui me despedir dela
e nem pedir que se cuidasse. Eu queria ficar para garantir que
ficaria segura, queria ela me provocando e mexendo com a minha
cabeça, tornando aquele apartamento um pouco menos silencioso.
E quando ela deu um passo atrás, afastando-se do carro eu
abri a boca, mas não consegui dizer uma palavra. Jenna sorriu.
— Se quer que eu fique tudo que tem que fazer é pedir,
doutor.
Apertei o volante em minhas mãos.
— Não brinca comigo, Jenna.
— Não estou brincando. — Suspirou. — Acho que nós dois
sabemos que isso aqui já passou de brincadeira há muito tempo.
Engoli em seco.
— Entra no carro. Venha comigo.
Ela sorriu ao me ouvir.
Voltando para seus amigos disse algo para as duas
mulheres que olharam para mim e deixou a cerveja com elas.
Eu devia me arrepender imediatamente, mas não pude, não
havia nenhuma resistência em mim, eu a queria como um louco e
quando ela deu a volta e entrou no carro, virando-se completamente
para mim, ela colocou a mão na minha perna.
— Eu estou pronta.
Bufei.
— Não acredito nisso nem por um minuto.
— Você é mais velho — com cara de safada, deslizou as
unhas pela minha coxa —, tenho certeza de que sabe como me
preparar.

JENNA WALDORF

No momento que ele acelerou, eu pulei em seu colo.


— Jenna — rugiu.
— Calma, doutor, vamos aprender algumas coisas novas
hoje, você não é o único que tem a ensinar. — O carro deslizou para
a esquerda quando ele fixou os olhos em mim. — Atenção na
estrada — falei, rindo. Já alcançando o zíper de sua calça e o
deslizando para baixo.
— Porra, Jenna — rosnou.
Dei risada.
— Foco, foco. — Levantei meu vestido, puxei minha calcinha
de lado e antes de deslizar em seu membro, ele falou:
— Tem camisinha no porta-luvas.
Obedecendo ao seu comando e admirando que ele
conseguisse pensar nisso, mesmo que seu pau tivesse duro como
pedra, eu me inclinei para alcançar um pacotinho e rapidamente
deslizei em seu eixo, em seguida, posicionei-me e sentei em seu
pau.
Gritei ao senti-lo profundamente dentro de mim, eu estava
completamente sentada em seu colo, escarranchada com os joelhos
em sua cintura e ele dirigia rápido, soltando o volante com uma mão
para segurar minha cintura e me apertar em seu colo.
— Caralho que boceta gostosa — rugiu.
Eu chupei seu pescoço, lambi sua clavícula, mordi seu
ombro apreciando cada parte dele que podia ter e que me deliciava
em ter.
— Porra! Que pau gostoso!
— Você ama falar uma putaria, não é? — Eu sorri em seu
pescoço.
— Só com você, imaginou que esse trânsito te levaria a um
sexo tão gostoso?
— Como sempre, tudo com você é uma surpresa. Rebola no
meu caralho. — Eu deslizei para cima e sentei de novo rebolando
em círculos.
Ele bateu a cabeça no encosto do banco gemendo com
aquela voz grossa, as veias do pescoço pulsando e o pau
parecendo crescer dentro de mim. O movimento do carro nas ruas
me ajudava a me mexer. Do lado de fora as luzes passavam como
um borrão, ele dirigia rápido, meus joelhos doíam, meus seios
estavam duros e apertados contra o seu peito e tudo o que eu
queria era que ele pudesse chupá-los, mas como? Arriscando um
acidente quando o homem estava dando tudo de si para se
concentrar e não bater o carro?
Eu gozei gritando em seu ouvido, apertando meus braços
em torno do seu pescoço e cheirando seu perfume delicioso.
Ele se derramou em seguida, deu um tapa forte na minha
bunda e a agarrou — literalmente cravando seus dedos em minha
carne — empurrando-me para baixo enquanto impulsionava a pélvis
para cima, dando mais três poderosas estocadas. Quando acabou,
ele desacelerou o carro e ficamos em completo silêncio.
Eu tinha a boca grudada em seu pescoço respirando fundo,
e fiz menção de sair e ir para o banco do carona, mas Nathaniel
apertou o braço em volta da minha cintura e como se eu estivesse
delirando, ouvi sua voz grossa sibilando uma única palavra:
— Fique.
E eu fiquei.

— Nunca pensou em colocar um vaso de flores aqui ou pelo


menos dar uma cor na casa? — perguntei assim que entramos em
seu apartamento.
— Eu gosto de preto e não sei cuidar de plantas.
Aquele lugar já era friamente familiar para mim e talvez por
reflexo ou instinto, a primeira coisa que fiz quando entramos foi tirar
meu sapato e deixá-lo no hall. Ele fitou a cena e apontou para meu
salto.
— Por que tem mania de fazer isso? Deixar as coisas
jogadas por onde anda.
— Pra não trazer germes da rua para sua casa — hesitei na
resposta e terminei de falar rindo.
Ele sorriu de canto.
— Você pensou nessa, mas foi rápida, tenho que admitir.
Continuei rindo.
— Não vamos fingir que você liga para bagunça, nem decora
a sua casa.
— Eu já disse que não gosto de plantas.
— É só comprar uma artificial, vai durar para sempre e não
precisa nem mexer nela. Alguém vem aqui fazer faxina de vez em
quando, não? Peça para a pessoa tirar o pó, mudar o vaso.
— Sua mãe é uma mulher de classe. Ela nunca te ensinou
que não se entra na casa dos outros dando palpite? — Caminhei
pela sala e fui direto para a cozinha.
— Você tem vinho? — Ele fez uma cara de "tá brincando,
né?". — Ok, pergunta besta, claro que tem.
Fui até o armário onde ele guardava um monte de garrafas
de álcool e peguei um vinho suave.
— Vai tomar essa porcaria doce?
— Se não gosta, por que tem?
Ele encolheu os ombros.
— Para visitas, eu acho.
Bufei.
— Para suas prostitutas, você quer dizer. Antes que venha
me falar sobre classe, minha mãe me ensinou muitas coisas, mas
eu ainda não estou velha o suficiente para querer colocar todas elas
em prática. Não que minha mãe seja velha, pelo que eu sei ela é
assim desde jovem, mas ainda tenho vinte, então posso me dar o
direito de ser rebelde.
— Não me lembre da sua idade.
— Por quê? Não posso nem te chamar de tio? — Bufei uma
risada.
— Pelo amor de Deus, garota.
— Minha mãe diz que você é meu tio, ela insiste nisso.
Ele suspirou, jogou a chave do carro em cima da ilha e
pendurou o paletó em uma das banquetas.
— Você está aqui, eu gosto da sua companhia, mas não me
force falando sobre nossas idades.
— Consegue esquecer que eu sou tão nova? Vive me
chamando de pirralha.
— Às vezes você se comporta como uma adulta.
— Quando estou transando?
— Jenna — rosnou.
— Jennie — falei. — Gosto quando me chama de Jennie.
Ele tirou a garrafa de vinho da minha mão ficando muito,
muito perto e foi até a gaveta pegar o abridor.
— É assim que seus namorados te chamam?
— Eu não namoro há anos.
— É mesmo? Por que será que não consigo acreditar?
Encolhi os ombros.
— Eu tenho casos e transas sem compromisso.
Ele tirou a rolha e a bateu no balcão.
— Não. Me. Force — falou pausadamente.
Eu dei risada.
— Não pode me julgar, você faz a mesma coisa. Vai me
acompanhar? — Apontei para a garrafa.
— Não, é melhor para nós dois se eu ficar na água.
— Não quer liberar o monstro? Eu gosto do médico, mas
gostei do monstro também. — A sombra de um sorriso discreto
cruzou seu rosto e ele foi até a geladeira pegar uma garrafa de água
com gás.
Então tirou uma taça do armário e me serviu, entregando-
me.
— Vamos deixar o monstro adormecido essa noite, o médico
já está fazendo besteira o suficiente por nós dois.
— Por mim tanto faz. — Peguei a taça colocando minha mão
por cima da sua, mas ele não soltou.
Eu fiquei nas pontas dos pés, segurei seu pescoço e selei
nossos lábios ficando por três segundo antes de me afastar e olhá-
lo nos olhos.
— Então, o que vamos fazer? — Dei a volta na ilha como se
não fosse nada e caminhei até o sofá, onde me sentei com as
pernas cruzadas.
Ele caminhou devagar ocupando o espaço ao meu lado,
coloquei as pernas em cima do seu colo e ele imediatamente
segurou a minha panturrilha, deslizando a mão para cima e para
baixo.
— Um amigo muito importante morreu naquele dia do jantar
no restaurante.
Fiquei surpresa com suas palavras e não soube o que dizer
por um momento.
— Eu sinto muito, percebi que saiu às pressas, mas papai
não comentou nada.
— Seu pai não sabia. — Ele olhou para baixo, para suas
mãos que acariciavam minhas pernas. — Sua pele é tão lisa, tudo
em você me lembra a sua idade.
Tomei um gole do vinho, encarando-o sobre a taça.
— Por isso me trouxe aqui? Acho que você me encontrou
hoje por uma razão, Nathaniel. Eu consigo ver que pra você é difícil
admitir fraqueza, não esperava menos de alguém que passou por
algo tão fodido, depois viveu anos no exército, mas você me
encontrou essa noite porque precisava disso, acho que nós dois
precisávamos.
— Eu não acredito nessa coisa de destino.
— Então, talvez devesse repensar, talvez repensar tudo ao
meu respeito. — Ele encarou meu rosto.
— E o que quer dizer com isso?
— Não está claro que ficar lutando contra isso — movi a taça
entre nós dois — contra nós, é perda de tempo?
— Nunca será perda de tempo quando eu estiver lutando
contra algo que acho errado, Jennie. — Ouvi-lo acatar meu pedido e
me chamar de Jennie, algo que só ele fazia, aqueceu algum lugar
no meu coração, e eu suspirei, me controlei para não me inclinar e o
beijar outra vez.
— Por que acha que somos tão errados?
— Porque tudo isso começou com uma mentira.
— E não há nada que você odeie mais do que mentiras —
completei. — Já me disse isso. Mas é algo simples de resolver, a
sua idade não vai ser problema para o meu pai.
— Jenna, por favor.
— Vamos dar uma chance! Você poderia ter contratado
qualquer mulher, literalmente qualquer mulher de Seattle pra te fazer
companhia, pra superar a dor de perder seu amigo, mas quem você
quis? Eu. Talvez não acredite que eu seja tão proibida assim.
— Mentiras têm consequências, é isso que você não
entende.
— Que consequência? A gente fala com meu pai, diz que
nada aconteceu antes de falarmos com ele.
— Isso seria outra mentira.
Revirei os olhos.
— Uma mentirinha inofensiva, algo para poupá-lo de ficar
ferido, algo que vai proteger todos nós. Há coisas que são melhores
quando ficam escondidas, já ouviu falar nisso?
— Esse amigo operou um tumor quase impossível um ano
atrás. Eu pedi uma licença no exército e passei três semanas
acompanhando a recuperação dele em Los Angeles, onde fiquei
hospedado. Ele perdeu a esposa, a mãe e a irmã na véspera do
casamento deles quando elas foram fazer uma viagem. Nós nos
entendemos, ficamos íntimos, me apeguei a ele. — Ele suspirou. —
Quando me permito me apegar às pessoas, faço amizades que
duram a vida toda e ele se tornou alguém importante para mim, eu
pedi a ele que fizesse exames, pedi que não deixasse que o câncer
voltasse e outro tumor crescesse no lugar. E ele me garantiu que
faria isso.
— Mas não fez — adivinhei o resto da história.
— Não, na verdade, seis meses depois que operamos outro
tumor cresceu e continuou crescendo e crescendo, ele não tinha
forças para continuar lutando contra e também não via propósito
para viver, então deixou que crescesse. Ele não sabia que eu tinha
voltado a Seattle e quando ficou ruim seu assistente o levou até o
Saint Glory. Eu me paramentei, eu disse a ele que tudo ficaria bem
assim como foi da última vez, mas ele não acreditava nisso. Ele
disse que sabia que estava muito pior do que um ano atrás e morreu
antes que o anestesista entrasse na sala. Morreu olhando nos meus
olhos e me pedindo desculpa por não ter cumprido o nosso
combinado. Então, sim, mentiras têm consequências e elas não
poupam o sofrimento de ninguém, não me deixou livre de sofrer por
tê-lo perdido e não vai poupar o seu pai.
Droga, a situação foi muito pior do que eu podia ter
imaginado, me vi mais uma vez sem palavras, sem saber o que
responder.
Eu não sabia como consolá-lo e nem sabia se ele queria ser.
Encontrei seus olhos azuis em silêncio, querendo dizer que ele era
maravilhoso, mesmo com aquela máscara que insistia em usar.
Queria agradecer por me deixar ver que o homem gentil, o príncipe
com quem sonhava na adolescência ainda estava lá. Mas não fiz
nada disso.
Nathaniel parecia irredutível quanto a nós dois, a dar uma
chance ao que ambos claramente começávamos a sentir.
Eu deixei a taça no chão e me sentei em seu colo. Quando
ele deslizou as alças do meu vestido para baixo, encarando meus
olhos fixamente, eu sabia que a conversa tinha acabado.
Não diríamos mais nada pelo resto da noite.
E eu estava bem com isso.
CAPÍTULO 27
"Enquanto o Sol brilhava em você
Eu preciso que o amor chova em mim
Ainda estou sentada, sozinha
Desejando que meus sentimentos desaparecessem
Tenho que superar
Não há nada o que fazer
A não ser chorar uma última vez
Uma última lágrima"

Marina Elali, One Last Cry

JENNA WALDORF

Em uma coisa Nathaniel não estava errado, ainda que nosso


caso proibido me fizesse bem, mentir para o meu pai estava me
consumindo. Há um mês eu estava inventando desculpas para não
jantar com eles, fugindo de encontrá-los e quando nos víamos no
hospital eu rapidamente arranjava desculpas para me afastar e
voltar à ala infantil. Me provei uma boa mentirosa, me provei alguém
capaz de fingir para uma das três pessoas que eu mais amava na
vida. Eu me sentia suja. Me sentia e sabia que eu era o segredo
sujo de Nathaniel tanto quanto ele era o meu e cada dia que
passávamos juntos, cada noite escondida em seu apartamento,
cada conversa que me revelava mais e mais dele, cada piada que
eu fazia e ele se deixava sorrir sinceramente revelava que minha
paixão adormecida estava acordando e aquele sentimento
dominava meu coração.
Como Nate disse, para tudo havia uma consequência, e
talvez quando eu acordei naquela manhã vomitando e sentindo
dores insuportáveis no estômago fosse a minha. Talvez fosse Deus
falando comigo, talvez a vida estivesse prestes a me dar uma lição.
Eu não achava que Deus era vingativo.
Não, ele não tinha motivos para isso, mas acreditava que às
vezes a vida encontrava formas de fazer alguém pagar por algo que
fazia de errado e por que não eu? Por que não comigo? Quando a
doutora Sidney me olhou nos olhos com o resultado de uma série de
exames que eu fiz naquela manhã e pediu uma biopsia, disse que
era melhor eu chamar meu pai.
— Pode não contar a ninguém que eu estou aqui?
— Jenna, eu preciso falar para o seu pai, sei que você é
maior de idade, mas realmente quer fazer isso? Se for o que
estamos pensando, quer enfrentar tudo sozinha?
— Não, eu vou chamar minha família, me dê dez minutos e
vou ligar para o meu pai, mas fora eles, Serena ou qualquer pessoa
que perguntar de mim ou perguntar quem está nesse quarto de
portas fechadas, pode dizer que não sabe quem é? — Ela suspirou
e passou a mão na minha cabeça.
— Sim, o que você quiser.
Segura no quarto do hospital, sabendo das chances contra
mim de que minha vida estava prestes a mudar. Eu peguei meu
telefone e fiz uma lista mental das pessoas para quem precisava
ligar, respectivamente meu pai, minha mãe, Kyle e Serena. Todos
estavam vivendo sua melhor fase e pelo olhar da doutora Sidney eu
tinha certeza de que tudo estava prestes a mudar.

Meu irmão foi o último a entrar no quarto com a expressão


assustada e perguntas silenciosas no olhar. Ele veio ao meu lado e
segurou minha mão, meu pai estava na nossa frente, olhando os
exames e minha mãe se sentou na beirada da cama, ficando
abraçada comigo.
Em muitos momentos eu me dava conta da minha sorte. Fui
abençoada com uma família unida e mesmo tendo ficado doente
muito cedo, ainda me curei e permaneci com eles durante vinte
anos tendo células traiçoeiras como as do câncer em meu corpo. A
terapia durante o tratamento era aceitar que qualquer quantidade de
tempo era uma benção, e eu sabia disso, estava convencida disso.
E quando meu pai olhou para a minha mãe e ela começou a
chorar, eu sabia que todos aqueles anos de terapia foram em vão.
— Voltou, não é? — questionei.
Meu pai limpou a garganta.
— Vamos fazer mais exames, eu vou pedir tudo o que puder
para garantir que esses exames estão errados. Quero ter certeza
antes de pensar em qualquer outra coisa.
Balancei a cabeça.
— Pai.
— Kyle, vá à oncologia e peça ao doutor Reynolds que suba
aqui.
— Pai — repeti.
— Charles — minha mãe sussurrou entre o choro.
— Vou dizer à diretoria que preciso me ausentar durante um
tempo e ligarei para Stuart em Nova York, ele deve chegar aqui em
poucas horas.
— Pai — gritei, finalmente conseguindo sua atenção. —
Pare.
— Eu preciso de mais exames — ele bateu a prancheta no
pé da cama —, eu preciso confirmar porque não vou aceitar que a
minha menininha esteja doente de novo, não posso admitir nem por
um segundo que vamos passar por aquele inferno outra vez, Jenna,
que você pode...
Ele se interrompeu, calando-se.
— Morrer. — Minha voz falhou, e eu senti Kyle apertar a
minha mão enquanto o choro da minha mãe virava pequenos
resmungos e ela me abraçava forte com a cabeça deitada na minha.
— Acha que eu estou lidando bem com isso? Acha que quero
passar por toda aquela tortura outra vez? Pai, eu tenho vinte anos e
nunca me senti com tanto medo, então por favor, pode não ser um
médico agora, pode por favor colocar essa prancheta de lado, tirar
esse jaleco e só me abraçar?
— Jenna — ele balançou a cabeça —, não me peça pra
desistir de você.
— Eu não peço para desistir, eu só peço que entenda por
que eu não posso sentir aquilo de novo. Sentir e ver o meu corpo
enfraquecer diariamente, passar horas recebendo veneno nas veias.
Eu não vou fazer isso.
— Jenna, não está falando sério. — Kyle recuou, fitando-me
com os olhos vermelhos e abalados. — Não pode nos dizer isso.
— Não posso fazer vocês sofrerem, mas posso sofrer me
torturando outra vez, sabendo que é apenas temporário? Que vou
viver mais alguns anos e ficarei doente de novo?
— Nós ainda não sabemos o que é — minha mãe gritou. —
Parem! Ainda estamos longe disso — disse a minha mãe. — Faça
os exames, filha, por favor, faça pelo menos os exames e quando
tivermos os resultados a gente decide o que fazer.
Minha mãe mal acabou de falar e eu vomitei em mim
mesma. Os três correram para perto, meu pai saindo da sala para
buscar ajuda, minha mãe segurando meu cabelo para trás e meu
irmão dizendo que tudo ia ficar bem.
Mas realmente ia?
Eu não tinha ideia, porém, pela forma como todo meu corpo
parecia doer e eu não conseguia respirar direito, eu duvidava um
pouco disso.
No terceiro dia da minha internação, tínhamos as imagens
de um tumor crescendo no meu estômago e um segundo que
cresceu silenciosamente pressionando meu coração e causando
taquicardias, eu tinha certeza de que nenhum plano de ação que
meu pai inventasse com os médicos que estava chamando para me
operar, resolveria.
Eu estava voltando do banheiro depois de um banho, com
um roupão enrolado no corpo, me segurando e apoiando-me na
intravenosa, quando a porta abriu e fechou rapidamente e Natanael
correu para mim segurando meu corpo e tirando meus pés do chão.
— Você não tem ideia de com quantas pessoas eu já gritei
nessa porra de hospital até me dizerem onde você estava!
Merda. Merda, merda, merda!
Eu tinha pensado muito nele nos últimos dois dias. Pensei
em como fazer a omissão sobre a minha doença não parecer mais
uma mentira que ele teria que enfrentar de pessoas com quem se
relacionou na vida. Mas nada parecia bom o bastante, agora eu
estava de novo na posição de menina frágil que mal conseguia ficar
de pé sozinha com dores insuportáveis e médicos trancados na sala
pensando em como me manter viva.
— Caralho, você está quente. — Ele me sentou na cama e
segurou o meu rosto, analisando-me. — Está com febre, está se
sentindo mal, com dor?
— Não, Nathaniel, para. — Segurei seus pulsos, afastando-
o. — Quem te disse que eu estava aqui?
— Debby.
— Aquela fofoqueira.
— Ela foi obrigada, era isso ou eu ia denunciá-la por roubar
medicamentos para uma família que vem tratar o filho com diabetes.
— Nathaniel. — O repreendi com o olhar.
— Eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para
proteger o que é meu.
Eu ergui as sobrancelhas, mesmo fraca me senti aquecida
com a declaração. Lhe dei um sorrisinho.
— Então... eu sou sua?
— Você está grávida?
Fui obrigada a rir.
— De onde tirou isso?
— Qual outra razão para estar aqui?
Limpei a garganta.
— Anemia.
Ele estreitou os olhos.
— Anemia — repetiu. — Quero ver seu prontuário.
— Não.
— Para de ser tão controlador, eu não quero que veja. — Ele
suspirou e se sentou ao meu lado.
— Você está bem? Estão te tratando como uma princesa?
— Sim, e é claro que sim, meu pai não quer deixar ninguém
quieto. Sério, eu já tô me sentindo sufocada, só fica aqui e me faz
companhia.
Ele sorriu torto.
— De que tipo de companhia estamos falando?
Eu me inclinei em sua direção, segurando as abas do jaleco.
— Já transamos no seu carro, em todos os cantos do seu
apartamento, na minha casa e no seu consultório.
— Entre muitos outros lugares — ele murmurou, fitando
meus lábios.
Ele conseguia me desejar? Mesmo fraca, pálida e fazendo
um esforço para ser atraente?
— Pois é, por que não aqui? Seria divertido.
O que eu realmente queria dizer era que na verdade eu não
desejava ter lembranças tão traumáticas daquele quarto, porque eu
não sabia quando depois de começar o tratamento conseguiria
sentir prazer outra vez e queria que o homem que eu amava me
tocasse uma última vez antes que fosse tarde demais.
Ele segurou minha cintura e me empurrou delicadamente
para trás ficando por cima de mim.
— Ah é? — Beijou meu pescoço, meu queixo, meus lábios.
— Esse fogo não tem fim mesmo quando está doente?
Dei risada.
E tudo aconteceu rápido demais, em um segundo ele estava
em cima de mim e no próximo Kyle estava derrubando-o no chão,
atingindo-o com socos fortes no rosto. Eu gritei para que meu irmão
parasse.
E ele olhou por cima do ombro, segurando a camisa de
Nathaniel manchada de sangue.
— Fique fora disso, Jenna, esse filho da puta se aproveitou
de você e não disse nada para o papai. Por que não me disse que
ele estava te assediando?
— Kyle. — Pulei da cama, minhas pernas fraquejaram e eu
escorreguei para o chão batendo os joelhos com força contra o piso.
— Ai, merda — gritei.
Os dois correram para me segurar, meu irmão o empurrou.
— Fique longe dela, não toque na minha irmã! — Seu rosto
estava vermelho, cuspia ao falar.
— Kyle, pare com isso! — Ele me colocou na cama.
— Você está bem, está com dor?
A porta estava aberta e eu podia ver lá fora nossa gritaria
chamando atenção.
— Nathaniel. — Olhei para a porta.
— Não fale o nome dele, e você, seu fodido! Saia daqui, eu
vou me resolver com você depois que cuidar da minha irmã.
— Não, você — empurrei sua mão para longe de mim —,
você não vai cuidar de ninguém e nem resolver nada, ele não está
me assediando! Se tem alguém aqui que se aproveitou fui eu. — Ele
franziu o cenho, afastando-se como se eu tivesse lhe dado um tiro.
— O quê?
— Pelo amor de Deus, Kyle, não sou mais criança. Acha que
um homem só vai me tocar se quiser se aproveitar de mim?
— Se esse homem tiver a idade do nosso pai e foi alguém
que te viu nascer, então sim, é óbvio que ele se aproveitou de você.
Que porra está acontecendo, Jenna?
— Eu estou apaixonada por ele. — Ele arregalou os olhos e
Nathaniel paralisou no lugar depois de fechar a porta com a mão
ainda na maçaneta.
— Como é que é? — Meu irmão estreitou os olhos.
Suspirei.
— Kyle, por favor, não encoste nele de novo.
— Como tem coragem de me pedir isso depois de eu entrar
aqui e presenciar essa cena nojenta?
— Não é nojento! Ele não está se aproveitando de mim, eu
já disse.
— Então o quê? Vocês dois têm se encontrado escondido
nas minhas costas, nas costas dos nossos pais? Do papai, Jenna?
Fechei os olhos.
Quando nem eu nem Nathaniel respondemos sua pergunta,
ele avançou novamente para cima dele, e Nate não o parou,
recebeu outro soco sendo empurrado para a porta e meu irmão
segurou em seu pescoço. Embora Kyle fosse mais magro e um
pouco mais baixo, ou ele ficou mais forte devido ao excesso de fúria
ou Nate o estava deixando bater nele.
— Responda. — Meu irmão me encarou. E quando eu não
fiz nada além de ficar em silêncio, ele balançou a cabeça, dando um
último murro no queixo de Nathaniel. — Você está brincando, não
teria coragem de fazer isso com o papai debaixo do nosso nariz.
— Eu não planejei — chorei, empurrando seu peito pra longe
—, eu juro que não planejei.
Só então eu vi flores aos pés do meu irmão. Flores que ele
havia trazido para mim. Ele era tão cuidadoso, tão gentil comigo,
reservava para mim todas as palavras doces, todo afeto, me tratava
como uma princesa e eu via não só a dor de ter que enfrentar o meu
sofrimento mais uma vez, mas também a dor de se sentir traído pelo
que eu e Nathaniel fizemos.
— Você — ele se afastou —, vocês dois me dão nojo. Foi
pra isso que nosso pai te criou? Para abrir as pernas pra qualquer
velho que te dê atenção? Está tão disposta a morrer que decidiu
mentir pra nós, fazer o que bem entendesse, trair nosso pai desse
jeito.
Foi a vez de Nathaniel dar um soco nele.
— Não fale assim com a sua irmã! Ela não merece.
— Não me toque. Vamos ver o que você vai dizer ao papai, o
que você vai dizer ao seu melhor amigo — disse com sarcasmo —
quando ele souber disso.
Arregalei os olhos.
— Kyle, por favor, não conte ao papai!
— Quê? Além de mentir pra ele, também quer que eu minta?
— Ele empurrou os cabelos loiros para trás e balançou a cabeça. —
Pelo amor de Deus Jenna, o que foi que deu em você?
— Eu sou adulta, sei das coisas que faço e sei o peso das
minhas responsabilidades, não é da sua conta e eu preciso ser a
única que vai contar pra ele!
— Nós estamos prestes a passar por um inferno e essa é a
única razão pela qual eu vou te dar tempo para contar. Se eu souber
que isso continua acontecendo — ele cerrou os olhos fechados,
apertando os punhos — que essa nojeira continua acontecendo, eu
vou dizer ao meu pai. Você terá sorte se ele só te expulsar da vida
dele, e você, Jenna, não sei como vai fazer para conseguir que o
papai te perdoe. — Dito isso ele chutou as flores e saiu batendo a
porta.
Nathaniel me encarou em silêncio, olhando-me nos olhos.
Eu realmente pensei que ele iria sair da sala culpando-me pelo que
acabou de acontecer, mas ele trancou a porta e se aproximou
afagando-me em seus braços no momento em que comecei a
chorar.
— Porra — murmurou.
Eu me apertei em seus braços e me permiti sentir a dor das
coisas que meu irmão disse. Eu sabia que merecia cada palavra.
CAPÍTULO 28

"Nas palavras de um coração partido


Isto são apenas emoções tomando conta de mim
Presa à tristeza, perdida nesta canção
Mas se você não voltar, vir pra casa, pra mim, querido
Você não sabe que não haverá mais ninguém nesse mundo pra me
abraçar apertado?
Você não sabe que não haverá mais ninguém nesse mundo pra me
dar um beijo de boa noite?"

Destiny's Child, Emotion

JENNA WALDORF

Assinei minha alta depois de cinco dias no hospital.


Honestamente eu não aguentava mais ver a cara de
ninguém, não podia mais ficar enfurnada naquela sala vendo
enfermeiras entrando e saindo, médicos me fazendo perguntas com
testes e exames que não levariam a lugar algum, receber
medicações que não iriam adiantar nada correndo pelas minhas
veias. Não avisei meu pai e nem minha mãe. Não via meu irmão
desde o desastre com Nathaniel.
Ele não tinha contado nada ao meu pai, mas isso não
diminuía minha mágoa e nem por isso eu anulava a sua.
Vesti um conjunto rosa, dei um jeito no meu rosto da melhor
forma que pude e penteei meu cabelo. Ignorei os fios que
deslizaram pelos meus dedos, caindo facilmente quando penteei.
Respirei fundo e saí da sala, meu corpo estava fraco, eu
sentia dores e precisava andar devagar para não descontrolar
minha respiração e nem sentir aquelas pontadas fortes no coração.
Fui direto para o consultório de Nate, ansiosa para vê-lo outra vez.
Nossos encontros não tinham hora certa para acontecer e
também não fizemos mais sexo, ele entrava e saía escondido,
fechando a cortina da janela e trancando a porta. Me beijava, me
levava doces escondido e disse que não aguentaria muito mais
tempo obedecendo minha ordem de não fuçar no meu prontuário.
Meu pai também não contou a ele o que eu tinha de verdade e por
isso estava grata.
No entanto, hoje, tudo o que eu queria era viver como se
fosse meu último dia.
Estava determinada a passar por todos os dias dali em
diante como se não fosse acordar na manhã seguinte ou como se
aquela dor constante fosse finalmente parar meu coração. Eu
estava apaixonada, estava sendo cuidada e justo quando ele se
permitiu sorrir de verdade para mim, aquela doença maldita queria
ameaçar apagar o meu sorriso, mas eu não podia deixar. Quando
disse a Kyle que amava Nate, não estava mentindo, nem perto
disso. Mas esse também foi um tópico que nós conversamos. Sabia
que ele estava sendo cuidadoso comigo além do normal, porque eu
estava internada e conversar sobre amor, coração e sentimentos
que não estávamos prontos para admitir, seria uma conversa para
depois, quando eu estivesse bem.
O que Nate não sabia, era que eu nunca ficaria bem
novamente.
Procurei-o em seu consultório e não encontrei, assim como
ele não estava em nenhuma das sala dos atendentes, eu não queria
sair pelo hospital perguntando por ele e sabia que só tinha um outro
lugar que poderia estar. Descendo para o centro cirúrgico e
ignorando os olhares estranhos sobre mim — porque eu tinha
privilégios ali dentro, é claro, meu pai era dono do hospital mas
aquela era uma área que ninguém além do pessoal autorizado podia
entrar.
Não vi seu nome no quadro e comecei a pensar onde mais
procurá-lo, mas Debby me salvou, parando ao meu lado e variando
a atenção entre a prancheta em sua mão e o quadro.
— Se está procurando o doutor Sullivan, a sala quatro está
sendo reformada, ele está lá. Eu não te disse nada. — Ela se
aproximou para preencher o quadro com cirurgias.
Toquei seu ombro.
— Obrigada, Debby, é o nosso segredo.
Segredos, segredos e mais segredos.
Parecia que eu estava me enterrando em um buraco cheio
deles e sabia que era egoísta da minha parte deixar que quando eu
fosse embora as pessoas que eu amava ficassem para cavá-lo.
Fui para a sala de cabeça baixa, tentando parecer o mais
invisível que conseguisse e entrei vendo-o pelo vidro que separava
a área de antissepsia. Não havia tranca e a conversa teria que ser
rápida. Ele me ouviu assim que pressionei a abertura da porta
automática. Abri um sorriso.
— Ama tanto esse lugar que quer ficar até onde não vai
acontecer nada? Sabe que nenhum paciente vai entrar aqui, né?
Ele olhou ao redor, tinha as mãos espalmadas sobre a mesa
cirúrgica e eu fui para o outro lado, deixando que apenas o objeto
separasse nossos corpos. Enquanto estávamos à vista de qualquer
pessoa que pudesse entrar de surpresa era bom que tivesse alguma
coisa entre nós. O susto que levei com meu irmão ainda estava
fresco na minha mente e eu não podia deixar que isso acontecesse
mais uma vez e quem nos pegasse fosse meu pai.
Ele estreitou os olhos.
— Eu não sabia que ia ter alta hoje.
— Você não é meu médico, doutor, esqueceu disso?
— Não, e nem poderia, não é? — Dei risada.
— É verdade, imagina só se alguém descobrisse que está
transando com a sua paciente.
— Ah, pequena Jenna, se essa mesa não estivesse entre
nós.
— Tem certeza de que o hospital ainda é área proibida para
nós?
Ele deixou claro no momento em que Kyle nos pegou que
não faríamos mais nada dentro do hospital.
Nem mesmo um toque, nem mesmo olhares demorados.
Ele respeitava meu pai acima de todos. Era como se o
venerasse e eu entendia, porque me sentia da mesma forma.
— Cansei de ficar aqui dentro e dei minha própria alta, mas
não se preocupe, volto de noite.
Ele balançou a cabeça.
— Jenna, ninguém melhora negando o tratamento.
— Eu não estou negando o tratamento. — Não há
tratamento para mim, pensei. — Por que não vamos almoçar no seu
apartamento? — Lhe dei um sorriso provocante.
Ele tirou a touca e colocou a mão por cima da minha na
mesa.
— Quer um dia de folga?
— Por favor. — Apertei sua mão antes de afastar a minha e
unir como se estivesse implorando. — Só um pouquinho, juro que
volto ao anoitecer.
— Quando é que você vai parar de me fazer quebrar regras,
garota?
Muito em breve quando eu não estiver mais aqui.
— Nunca, e é por isso que você gosta tanto de mim.
— Ok — ele cedeu por fim —, mas não vai ser um passeio
comum, vou te levar pra um lugar que me faz esquecer os
problemas quando preciso. — Antecipando minha piada, ele
estreitou os olhos. — E não, não é um bar.
— Topo qualquer coisa com você, doutor.
Ele me fitou intensamente.
— Eu sei. É por isso que estou fodido.

O movimento do carro me enjoou, mas me esforcei para


esconder e quando chegamos a uma fazenda, me perguntei se tinha
errado o caminho. O fitei de canto.
— O que é isso, doutor, vai me falar que durante seu tempo
fora também virou cowboy?
— Quase isso. — Sorriu. — Espere por mim. — Ele desceu
do carro e deu uma corridinha para abrir minha porta.
Deus, ele não sabia que eu esperaria por ele para sempre,
se pudesse?
Parece que tinha esperado, na verdade. Esperei me tornar
maior de idade, esperei que ele voltasse, esperei que ele se curasse
e mesmo que o processo de cura não tenha acontecido
completamente, esperei que estivesse pronto para me aceitar e
finalmente aconteceu. Engoli em seco, ele segurou minha mão e
fechou a porta.
— Devia ter me avisado para colocar uma bota. — Olhei
para a minha sandália e a imensidão de mato à nossa frente.
Ele se inclinou, passou o braço pelo meu joelho e me
ergueu, fazendo-me agarrar ao seu pescoço.
— Ei — gritei, rindo.
Ele com aquela mesma expressão séria ergueu o queixo.
— Você não pesa nada, eu poderia te carregar pra todo
lugar e não cansaria.
— Sim, doutor, eu sei da sua resistência.
Ele caminhou comigo até vermos um arco escrito Heaven
Horse e diversos cavalos começaram a aparecer na vista.
— Ai, meu Deus, você realmente virou um cowboy.
Ele sorriu.
— Não, mas isso me acalma.
Fiquei olhando-o por um momento, aproveitando a
proximidade dos nossos rostos. O céu azul limpinho que era tão raro
em Seattle, se estendia atrás dele e pude contemplar a vista
maravilhosa. Eu sabia que essa seria uma foto que eu me lembraria
nos momentos de dor, buscando consolo. Ele me sentou quando
adentramos no celeiro e cumprimentou um homem que se
apresentou para mim como Jack.
— Traga um par de botas trinta e cinco — mandou, o homem
assentiu e saiu correndo.
— Uau, como você é preparado.
— Não faço nada sem estar cem por cento pronto.
— Como sabe quanto eu calço?
— Não é difícil, tenho que recolher seus sapatos pela minha
casa.
Dei risada.
— E você adora isso.
— Você vai ver o quanto eu adoro quando estiver totalmente
recuperada. Eu vou te comer usando as sandálias.
— E eu posso cravar os saltos com toda força nessa sua
bundinha gostosa?
Ele me lançou um olhar descontente.
— Não chame a minha bunda de bundinha gostosa.
— Por quê? Você é másculo demais pra isso?
Ele riu, mas estreitou os olhos e abriu a boca.
— Garota — falei primeiro, tentando imitar sua voz —, não
brinque comigo. — Caí na gargalhada, sem esconder meu
divertimento enquanto ele me observava sem dizer nada, com
apenas aquele sorrisinho torto no rosto. As linhas de expressão nos
olhos, mostrando que ele realmente estava vivendo o momento
comigo. Eu não era mais um motivo de culpa ou um fardo para
carregar, ele estava tão feliz comigo quanto eu estava com ele.
Eu vi Jack voltando e rapidamente segurei o rosto de
Nathaniel, aproximando-me para beijá-lo. Minha língua invadiu sua
boca com calma, e ele correspondeu ao beijo apertando minhas
coxas e rosnando.
— Jenna.
— Você pode me comer em cima do cavalo, sabe disso, não
é?
Ele suspirou.
— Eu vou me lembrar de todas essas promessas quando
estiver recuperada.
— Aqui, patrão. — Jack entregou o par de botas.
— Obrigada. — Fiz menção de pegá-las, mas Nathaniel foi
mais rápido e tirou meu salto. analisando-os com um olhar que fazia
mil promessas sexuais, antes de colocá-los no banco ao meu lado e
vestir o par de botas nos meus pés. — Eu sei que você é todo
rústico e não gosta de elogios, mas eu realmente gosto da versão
cuidadosa e delicada do médico.
Ele não me olhou quando respondeu.
— Não se iluda, as ações são do médico, mas os
pensamentos são do monstro.
Ele me jogou por cima do ombro e eu fui rindo e batendo em
suas costas. Ele só me colocou no chão quando paramos em um
corredor de estábulos, especificamente, na frente de um cavalo. Ele
acariciou a crina branca e marrom e eu fiquei encantada com a
beleza do animal, ele bufou em minha direção e se aproximou do
meu rosto.
— Ai, meu Deus. — Vacilei para trás.
— Ele é manso, o cavalo mais comportado daqui.
— E você o conquistou com esse jeitinho?
— Ele é meu — explicou. — O resgatei de um dono que
claramente não foi feito pra cuidar de uma criatura tão perfeita.
Também tenho outro, mas ele não é sociável.
— Eu quero conhecê-lo mesmo assim.
— Você gosta das coisas mais complicadas.
Muito do que conversávamos tinha duplo e triplo sentido,
mas eu gostava disso, fazia parte de um jogo que qualquer um diria
que nós dois perdemos, porém, eu só conseguia ver vitória.
— Sabe cavalgar?
Ergui as sobrancelhas quando ele segurou minha cintura
para me levantar.
— Não sei, me diz você, ninguém nunca reclamou.
— Pelo amor de Deus, Jenna.
Dei risada e bati em seu peito.
— É claro que sei, meu pai me levava quando eu era
pequena.
— Você ainda é pequena, Jenna.
— Só fisicamente.
— Graças a Deus — murmurou e me levantou. Sem esforço,
praticamente me montou no cavalo. — Vamos, Mercury, vamos —
disse baixinho, acariciando a cara do animal.
O cavalo começou a caminhar. O vento que batia em meu
rosto trazia uma brisa gostosa e um cheiro de mato que eu não
estava acostumada a sentir na cidade, mas gostava estando ali com
ele.
— Eu gostei dessa sua versão de distração muito mais do
que a outra.
— É — refletiu —, eu também prefiro essa. — Ele caminhava
ao meu lado no chão, mas era tão alto que não estava muito longe
de mim e eu podia ouvir sua voz perfeitamente. — Tem falado com
seu irmão?
Suspirei.
— Não vamos falar de Kyle agora, daqui a pouco você vai
começar suas crises de culpa e vai estragar minha folga.
— Sério, Jenna, precisamos resolver isso.
— Eu sei, mas tem que ser agora?
— Tem, tem que ser agora.
— Ele não falou nada para o meu pai e não apareceu mais,
eu o vejo no corredor de vez em quando. Ele pega meu prontuário
quando pensa que não estou vendo, dá uma olhada em mim e vai
embora. Mas não entrou mais no quarto.
— Odeio isso, se seu irmão reagiu assim imagina seu pai.
— Meu irmão nos pegou de surpresa, viu você enfiando a
língua dentro da minha garganta. O que esperava? Acho que ele
reagiu até bem.
— Bem? Porra, ele tem um bom gancho de direita.
— E de esquerda também pelo que eu vi — o provoquei. —
E você podia ter revidado, mas não fez isso, obrigada.
— Eu jamais bateria no seu irmão, principalmente porque ele
estava certo. Deus sabe que se fosse eu no lugar dele teria matado
o cara.
— Ele não ia fazer isso porque no fundo sabe que o cara é
gente boa.
— É mesmo? Não é o que dizem pelos corredores do
hospital.
— Isso é porque ninguém do hospital te conhece de
verdade.
Ele me observou, fechando um pouquinho os olhos por olhar
para cima.
— E você conhece?
— Sim — devolvi sem hesitar. — Agora eu conheço.
Ele balançou a cabeça.
— Há muito sobre mim que você não sabe, Jenna, coisas
feias. Coisas que fariam você repensar estar arriscando sua família
desse jeito.
— Eu não estou arriscando minha família. Deus sabe que os
amo mais do que tudo, Kyle sabe que eles são tudo para mim, ele
vai falar comigo eventualmente. Não posso culpá-lo por estar em
choque, tá com raiva, mas vai passar. Já ficamos sem nos falar
outras vezes, é coisa de irmão, ele sempre foi muito ciumento. Teria
dado um gelo em qualquer namorado meu. — Ele abriu a boca, mas
eu fui rápida em dizer: — E eu sei que você não é meu namorado
tá, tá, tá.
— Eu não ia te corrigir. — Sorri com sua resposta. — Eu ia
dizer que assim como te avisei, mentiras não trazem nada de bom.
— Ele não me pegou na mentira, Kyle nunca me perguntou
se eu tinha algo com você. Não era nem omissão e o que é que
você tem com mentiras? Eu também não gosto de pessoas
mentirosas, mas por que isso é tão forte pra você?
Ele suspirou e caminhou em silêncio por um momento,
olhava para a paisagem assim como eu e parecia estar pensando
em outras coisas, com a mente longe dali.
— Eu ia me separar da Lilly.
— O quê? — quase gritei. — Quando?
Ah, merda! Se eu estivesse controlando o cavalo ele teria
ficado tão estático quanto eu.

— Um pouco antes da gravidez, estávamos frustrados no


relacionamento, ela tinha problemas pra engravidar e despejava em
mim sua raiva, sua frustração e a mágoa de um aborto, a situação
estava insustentável. O ciúme absurdo só piorava tudo.
— Ela começou a ter ciúme?
— De tudo e todos, até mesmo da sua mãe.
Eu não conseguia ver Lilly daquele jeito, mas não ia
interrompê-lo. Apenas ele sabia o que viveu em seu casamento.
— Certo dia, depois de uma semana sem nos falar e
dormindo separados, ela me disse que estava grávida. Seu humor
mudou e consequentemente nossa relação mudou, voltamos a
transar, voltamos a conversar, voltamos a rir juntos — ele fez uma
pausa —, então eu descobri que ela não estava grávida.
Lilly mentiu sobre uma gravidez? Eu não conseguia vê-la
fazendo isso, ela sempre pareceu extremamente gentil, controlada e
tão amorosa, não parecia ser uma mulher manipuladora.
— Acionei meu advogado e pedi o divórcio, morei em um
hotel por três semanas, então, ela apareceu para mim com um
exame de gravidez e dessa vez era verdade, ela realmente estava
grávida de Rebecca. Nós voltamos e tudo ficou bem de novo.
— Até que não estava mais — completei, ele assentiu com
um sorriso triste.
— Até que tudo desabou na minha cabeça. Eu não estava
mais apaixonado por ela, mas a amava, tinha carinho por ela e por
todos os anos que passamos juntos, estava louco para ser pai
daquela criança. Embora ela também amasse o bebê, me amava
muito mais e ela sabia que a gravidez era o único motivo para ainda
estarmos juntos. Pouco tempo depois as crises de ciúmes
recomeçaram, ela se estressava, e eu fazia o meu máximo para não
revidar, não queria que ela tivesse picos de emoção de novo, que
perdesse outro bebê. — Ele continuava andando devagar, seu rosto
inalterado. Era como se contasse a história de outras pessoas, e
eles realmente eram outros naquela época. — Veio a eclâmpsia e o
resto você sabe.
Ficamos em silêncio por um momento, meus braços estavam
arrepiados por ouvi-lo.
— Sinto muito, Nate, de verdade.
— A questão é que eu tenho muita bagagem, muita coisa já
aconteceu na minha vida e existem coisas que nunca vão passar,
sabe? Que nunca vão embora. Esse trauma... sei que no fundo eu
ainda consigo ser aquele homem, cuidadoso e gentil que você
conheceu na infância, mas há muitas marcas e eu escutei o que
você falou para o seu irmão, eu sei o peso disso. Só não quero que
pense que sente algo sem me conhecer de verdade, não quero nem
por um minuto que arrisque sua família por alguém que tem
segredos como esse.
Balancei a cabeça.
— Nate, todo mundo tem segredos, julgar você por isso seria
hipocrisia da minha parte e você foi homem e foi honesto em todos
os aspectos com ela. Eu não vou julgar ou opinar sobre a sua
relação com alguém que não está mais aqui pra se defender. Além
do mais, o que eu disse para o meu irmão é verdade. Me ajude a
descer — pedi e me apoiei em seus ombros. Ele me segurou e
colocou-me lentamente no chão. — Me apaixonei por você
conhecendo o Nathaniel que você é hoje, não pela imagem que eu
tinha de anos atrás de quem você era com ela, na verdade, até os
últimos dias eu não sabia que aquele homem ainda estava aí. Eu sei
onde me meti, e não me arrependo de nada.

Ele segurou minha cintura puxando-me para perto.


— O que é que nós vamos fazer, pequena Jennie?
— Amor em cima do cavalo?
Ele riu.
— Mais uma promessa que você vai cumprir quando estiver
forte o suficiente.
— Meu corpo pode não estar forte, mas a minha boceta
ainda aguenta tudo desde que o meu corpo esteja apoiado em
algum lugar. — Ele apertou minha cintura. — Ai! Tenho marcas dos
seus dedos por todos os cantos da minha pele. — Ele apertou mais
forte como se gostasse de ouvir aquilo. Suspirei. — Honestamente,
não sei o que vamos fazer, eu só quero viver como se esse fosse
meu último dia.
Ele franziu o cenho.
— Mas não é, você ainda tem uma vida toda pela frente
quando eu já vivi tudo o que tinha pra viver.
— E o que isso importa? — Eu nem sabia quanto tempo
ainda tinha nesse mundo. Enlacei seu pescoço e o puxei para baixo,
falando bem colada aos seus lábios: — Então respondendo à sua
pergunta... Me beije. Não estou fraca para ser beijada.
Seus olhos azuis intensos dilataram e ele fez exatamente o
que eu pedi.

Era engraçado, por um lado. No meu coração, era como se


Nathaniel estivesse riscando itens de uma lista imaginária que eu ia
fazendo a cada pedido que ele realizava.
CAPÍTULO 29
"Eu tentei te assustar, te assustar pra longe
Te mostrei a porta, mas você me amou de qualquer maneira
Quando eu estava em pedaços, você era minha paz de espírito
É, você me amou quando eu estava instável
Nunca me julgou quando fui incapaz de me amar,
nem de confiar em mim
É, você amou

Justin Bieber Ft. Kid Laroi, Unstable

NATHANIEL SULLIVAN

Nem todas as tragédias da minha vida chegaram com hora


marcada. Nenhuma delas me preparou. Mas não era assim que
tragédias aconteciam?
Foi numa manhã de sábado quando eu pensava em formas
de falar com meu melhor amigo, que eu fui bipado ao mesmo tempo
que Serena entrou no meu consultório. Sua expressão apavorada
fisgou minha atenção, mas foi o jeito como ela tremia e como se
apoiou na porta enquanto lágrimas começavam a cair pelas
bochechas que me fez levantar da cadeira e ir até ela. Segurei seus
cotovelos, mantendo-a de pé.
— Serena, o que houve? Você está bem? Precisa de alguma
coisa?
— Você tem que ir para o centro cirúrgico, precisa ir agora,
Nate, e por favor, perdoe ela.
— Perdoar quem?
Ela balançou a cabeça, segurando minha mão.
— Você vai entender quando chegar lá, mas tudo o que eu
posso pedir é que perdoe minha amiga, ela não fez por mal. Ela não
queria enganar você, só está apaixonada e não se permitiria ser a
pessoa que ia te fazer sofrer outra vez.
Meus batimentos cardíacos aceleraram e gotículas de suor
brotaram em minhas costas.
— Serena — falei baixo, num tom grave, segurando-me para
não a chacoalhar. — Fale de uma vez o que está acontecendo.
Fui bipado novamente. O telefone na minha mesa começou
a tocar e meu celular vibrou no bolso.
— Pelo amor de Deus! O que é que está acontecendo? —
Serena abaixou a cabeça chorando.
Eu saí do consultório deixando uma videoconferência no ar e
fui até o balcão da enfermagem no mesmo andar.
— A doutora Serena está passando mal na minha sala,
preciso de... — comecei, mas quando a enfermeira de plantão virou
para mim com olhos chorosos eu bati no balcão. — Mas que porra?
O presidente deu entrada no hospital.
Ela soluçou, cobrindo o rosto.
Meu celular voltou a tocar no bolso, eu retirei o aparelho e
atendi ao ver o nome de Charles na tela.
— Sim.
— Nate, me diga que está no hospital.
— Sim, é claro que sim. Inclusive, se você não está deveria
vir. Parece que todo mundo perdeu a porra da cabeça por aqui.
— Preciso que venha ao centro cirúrgico, não faça
perguntas, só venha para a sala dois e se prepare para operar, eu
vou te dar todos os detalhes.
Assim que ele desligou, eu sabia. Eu simplesmente sabia
que algo muito ruim tinha acontecido. Era Emma ou alguém da sua
família, Violet ou Jenna no centro cirúrgico precisando de mim,
imediatamente me lembrei da internação dela, de como aquele
tratamento intensivo para anemia me deixou desconfiado, mas eu
não me intrometi, porque ainda estava fingindo que não me
importava. Ainda estava agindo como se não fosse da minha conta,
e por isso deixei passar alguma merda grande.
Corri pelo corredor, chamando o elevador e quando demorou
segundos a mais do que eu estava disposto a esperar, desci pela
escada de emergência. Foram dois andares até alcançar o andar do
centro cirúrgico e assim que entrei havia uma nuvem de lamentação
no ar.
Enfermeiras se abraçavam pelos cantos dos corredores,
médicos se reuniam em silêncio. Algo muito fodido estava
acontecendo, e eu parecia ser o único a não saber do que se
tratava. Fui direto para a sala dois, encontrando Charles andando de
um lado para o outro na antissepsia.
Comecei a me preparar e paramentar.
— O que aconteceu? Fale rápido — perguntei, enquanto
lavava as minhas mãos e meu interno trazia a minha touca. No
interior da sala por trás do vidro, havia um paciente na mesa e uma
equipe se preparando.
— É alguém do hospital, não podemos perdê-la.
— Perdê-la? Mas quem é? Pelo amor de Deus, você me
assustou, eu pensei que se tratava de Violet ou Jenna!
Ele engoliu em seco, fitando-me em silêncio por um
momento.
— Desculpe te chamar desse jeito. Aqui está o prontuário da
paciente, eu sei que você deveria ter sido avisado antes, mas todos
nós fomos pegos de surpresa.
Comecei a folhear e quando olhei para dentro da sala, um
cardiologista estava lá dentro fitando o monitor e preparando o
choque.
— Tão ruim assim? — perguntei. Não tinha nome nas folhas
e imagens. — Idade?
— Vinte.
A paciente tinha um histórico de câncer de anos atrás, e
havia um tumor crescendo no estômago, juntamente com outro um
pouco menor próximo ao pericárdio.
— Não vejo metástase no pericárdio, esse seria perigoso,
mas há manchas no estômago — falei em voz alta.
— Descobrimos há pouco tempo e ainda estávamos
pensando no tratamento, mas você precisa retirar esse tumor do
estômago enquanto o doutor Johnson cuida do tumor pequeno que
está pressionando o coração e causando paradas cardíacas.
— Caralho, Charles, sabe que eu odeio lidar com essas
coisas assim em cima da hora.
— Eu sei, a paciente tinha uma médica no caso, mas ela
precisou viajar de última hora e não conseguimos contato, de
acordo com a agenda que sua secretária nos passou, ela deve estar
no voo agora.
— Certo, preciso de cinco minutos.
Dei uma olhada nos exames e nas imagens, percebendo
que o tumor tentou crescer de forma complexa, mas seria fácil de
tirar, o que me preocupava eram as manchas que podiam ser uma
infecção ou apenas inflamação, mas também podia ser algo a mais.
— Biópsia? — questionei.
Charles me entregou mais algumas folhas.
A minha parte ali parecia tranquila, sem contar que a
paciente em questão era jovem e mesmo com o histórico
cancerígeno não queria dizer que estava condenada. Era o tumor
próximo do coração que me preocupava.
— Vou ter que abrir para ver — fitei meu amigo —, vou fazer
meu melhor.
Ele apenas assentiu, sem tirar os olhos da sala cheia. Eu
entrei, recebendo as luvas e esperando que a máscara fosse
colocada em meu rosto.
— Bypass? — questionei ao doutor Johnson.
— Provavelmente. Consegue lidar com isso? — ele indagou.
Ergui a sobrancelha.
— Nunca ouviu meu nome?
Ele sorriu.
— Será uma honra operar ao seu lado, doutor.
— Sim, sim. Vamos salvar a paciente.
As próximas quatro horas dentro da sala se revelaram um
desafio.
A paciente tinha paradas cardíacas frequentes e embora a
equipe estivesse concentrada, todos pareciam muito emotivos. Em
determinado momento eu precisei parar e chamar a atenção de
todos, dizendo que eu entendia que por se tratar de alguém do
quadro de funcionários as coisas pareciam diferentes, mas aquela
ainda era uma mulher que estava entre a vida e a morte e ela não
precisava dos amigos no momento e sim de toda a capacidade e
habilidade dos profissionais que trabalhavam com ela.
Quando terminei minha parte, fiquei até o máximo para
garantir que o doutor Johnson não precisaria de ajuda, mas não
durou muito tempo, pois fui bipado na emergência.

Os jornais noticiaram uma série de rixas acontecendo em


áreas isoladas da cidade e todos os idiotas que se acidentaram
estavam sendo mandados para o hospital mais próximo que calhou
de ser o nosso. Eu saí da sala e encontrei Charles no corredor.

Ele encarava o quadro sem piscar.


— Amigo — me aproximei —, está tudo bem.
Ele arregalou os olhos.
— Está tudo bem? Já acabou?
— Não, o doutor Johnson ainda está com ela, mas o tumor
no estômago já foi embora. Paredes limpas, tudo limpo, tudo
perfeito como se o filho da puta nunca tivesse morado lá. Mas se ela
já teve o histórico anos atrás e o tumor voltou, eu aconselho que
quando se recuperar da cirurgia continue fazendo exames. Se ela
fizesse isso para acompanhar, sabendo do seu histórico teria
pegado os dois tumores antes que crescesse e esse do coração não
estaria dando trabalho agora.
Charles de repente cambaleou e apoiou-se no quadro,
levando a tinta preta nos dedos, abaixou a cabeça e começou a
xingar.
— Porra! Caralho, eu devia ter olhado de perto, eu devia ter
garantido que ela ia se cuidar, que realmente faria seu
acompanhamento. Eu não devia ter acreditado nessa de que uma
vez curada sempre curada. — Ele chutou um lixo próximo a nós,
chamando a atenção de todos por perto.
— Charles, o que é isso?
Ele me empurrou.
— Me deixa... me deixa. Eu preciso... — Parecendo com
dificuldade para respirar, ele saiu em disparada, batendo na porta
para escapar do centro cirúrgico como se estivesse puto da vida e
puto com a vida.

Eu o segui e segurei seu cotovelo.


— Caralho, que porra está acontecendo?
— Querido... — Violet se aproximou e assim como todos, ela
também tinha lágrimas nos olhos, uma expressão cansada de quem
não dormia há dias. — Como foi, ela está bem?
Franzi o cenho.
— Alguém pode me dizer o que está acontecendo? E por
que a paciente está abalando todo mundo assim?
Ela me fitou com lágrimas desabando pelas bochechas.
— Jenna — disse num sopro de voz —, ela entrou na
cirurgia com fortes dores e em código azul. Conseguiram ressuscitá-
la depois de pouco mais de um minuto, mas faz horas que eu não
vejo e não sei da minha filha. Charles — ela bateu em seu peito —,
alguém deveria ter me avisado de como ela está!
De repente, como se uma bomba tivesse explodido em
minha frente, as coisas fizeram sentido. Dando dois passos atrás e
fitando meu amigo como se ele tivesse me traído, eu balancei a
cabeça.
— Espera, a paciente por quem todos estão chorando é
Jenna?
Violet fungou e franziu o cenho.
— Você não sabia?
— Charles — virei-me para ele, obrigando-o a encarar meu
olhar —,, não me diga que me fez operar sua filha sem me contar o
que estava acontecendo. Não me diga que me deu um tumor nas
mãos e não me falou que se tratava da sua menina. — Da minha
menina. Segurei seu colarinho e o puxei para perto, ele franziu todo
o rosto e Violet se colocou entre nós.
— Parem com isso, Charles, não contou a Nate o histórico
de Jenna?
— Não, querida, eu não contei. Nossa filha não quer que
ninguém olhe para ela com dó, como se ela fosse frágil ou doente.
Não.
Não!
Aquela bagunça que eu vi no prontuário e no histórico do
paciente... as folhas que desvendei em cinco minutos e o corpo que
eu passei horas mexendo era a jovem garota que semanas atrás
estava na minha cama, montando em mim no meu carro com aquela
expressão provocante, o sorriso de uma vida feliz e realizada e o
brilho nos olhos de quem ia viver para sempre?
Eu me afastei de Charles, sabendo no fundo, que eu não
podia cobrar dele uma honestidade que eu não lhe dei de volta, mas
ainda assim me sentia no direito de cobrar.
E Jenna... porra.
— Nate! — Violet gritou, mas eu não me virei. Eu continuei
caminhando.
E dessa vez não voltei ao meu escritório, fui direto para fora
do Hospital Saint Glory. Ao chegar à saída, não aguentei mais
segurar e vomitei. Tinha tomado apenas um café e meu corpo
parecia ter produzido em questão de cinco minutos conteúdo
suficiente para que eu colocasse muito mais para fora. Minhas mãos
tremiam e minha cabeça estava girando.
Tudo o que eu queria fazer era voltar para dentro e abraçá-
la.
Era olhar nos olhos de Johnson e dizer a ele que se não
fizesse o melhor para ela, eu iria garantir que ele não só desse
adeus a sua carreira, mas nunca mais respirasse outra vez.
Mas como? Como eu poderia fazer isso se aparentemente
eu era ninguém ali? Nem mesmo Jenna que dizia me amar e sabia
o quanto eu odiava mentiras e omissões se incomodou em me dizer
que estava doente.
Eu não conseguia acreditar que aquela garota realmente já
sofreu tanto na juventude. Que enquanto eu estive fora, lutando com
a minha dor, ela não ficou aqui vivendo a vida de uma adolescente
cheia de privilégios, e sim lutava para continuar respirando.
Senti algo em minha bochecha e quando toquei meu rosto
encarei meus dedos incrédulo, vendo lágrimas derramadas.
Eu não chorava desde a noite que perdi Lilly e Rebeca e
aquele momento me lembrava tanto com a noite que eu pensei que
tivesse me matado oito anos atrás que fazia tudo em mim doer.
Jenna ainda estava viva por pouco, e o trabalho de Johnson
ia decretar seu destino.
Logo eu que pensei ter morrido, porque acreditava ter
perdido tudo, ao lembrar da garota frágil e corajosa no centro
cirúrgico lutando por sua vida naquele momento, percebi que eu não
tinha perdido tudo anos atrás, mas estava muito perto de perder a
mulher que amava agora.
O meu problema era me apaixonar outra vez e correr o risco
de perder, porque sabia que jamais me recuperaria se passasse
pelo mesmo trauma fodido outra vez.
Apoiando-me nas paredes do imenso hospital para ficar de
pé, percebi que toda a precaução foi em vão.
Meu medo mais sombrio e feroz se tornou realidade.
CAPÍTULO 30
"Meu amor aqui na Terra
Me mostrou o valor do meu coração
Nada no mundo pertence a mim
Além do meu amor, meu, todo meu"

Mitski, My Love Mine All Mine


JENNA WALDORF

Eu passei pelos testes que já estava acostumada e fiz


exames para acompanhar o progresso do meu corpo e deixar os
médicos a par da minha recuperação.
Foi no terceiro dia acordada que eu não aguentava mais me
segurar e perguntei para Kyle — que permanecia em meu quarto
como uma presença silenciosa e perpétua — onde estava
Nathaniel. Era um dos muitos momentos em que ficávamos
sozinhos, porque mesmo sem falar comigo, ele se manteve ao meu
lado.
Meu irmão ergueu a cabeça devagar, desviando a atenção
de seu notebook para me encarar com uma expressão triste e
desapontada.
— Eu achei que você tinha sido cruel em não contar para o
papai e permitir que tudo isso acontecesse, mas pior ainda foi ver
que nem pensou em dizer pra Nathaniel que estava doente e já
esteve anos atrás.
Fechei os olhos e deixei minha cabeça cair contra o
travesseiro.
— Ele sabe?
— Ele te operou, Jenna. Nosso pai não contou que a
paciente na mesa era você e ele não desconfiou, porque não sabia
do seu estado. — Suspirou. — O cara enfiou a mão nas suas
entranhas e arrancou um tumor de você sem saber seu nome.
Meu Deus.
— Eu não fazia ideia de que papai ia envolvê-lo nisso —
sussurrei.
— E o que esperava? Havia um tumor no estômago e ele é o
cirurgião geral que nosso pai mais confia.
— Mas eu tinha uma médica!
— Sua médica não estava disponível. Honestamente, estou
com dó dele, desapontado com você e triste pelos nossos pais.
Principalmente pelo papai.
Fiquei em silêncio, e ele voltou a fitar a tela do computador.
— Se está desapontado comigo, o que faz aqui?
Ele suspirou, fechou o note e se aproximou devagar da
cama.
— Você é minha irmã. É a garotinha que eu cuidei e protegi
por toda a vida, não importa o quanto esteja bravo ou decepcionado,
eu nunca te deixaria sozinha num momento como esse e nunca vou
parar de te dizer a verdade quando precisar.

Eu estiquei a mão o máximo que conseguia e ele a pegou.


Minha garganta estava fechada pela vontade descontrolada de
chorar.
— Vou contar para o papai, prometo.
Ele assentiu devagar.
— Sobre Nathaniel, eu não quero ver a cara do filho da puta
tão cedo, mas no lugar dele estaria me sentindo a porra de um
idiota.
— Sinto muito pela bagunça que causei.
Kyle me puxou de lado para seu peito.
— Não se esqueça que seu irmão brutamontes está aqui
para literalmente tudo que for demais pra você.
A porta se abriu de repente, e ao mesmo tempo que eu
esperava vê-lo, também fiquei contente em ver Serena.
— SURPRESA! — gritou, invadindo o quarto com várias
crianças da ala infantil.
Se eu pensei que não ia chorar porque não estava mais
sozinha com Kyle estava enganada, minha amiga conseguiu deixar
meu choro ainda mais intenso e era de alegria. As crianças tinham
cartazes me desejando melhoras, seguravam flores e bexigas.
— Ai, meu Deus! — gritei rouca e emocionada, e cobri o
rosto para que os pequenos não me vissem soluçando.

Maggie, uma garotinha que conseguiu sua cirurgia por meio


de uma doação na festa de Halloween — que foi uma das primeiras
ações que organizei no hospital —, parou na frente de Kyle.
— Me sobe na cama, tio?
Depois de dias recebendo um gelo, eu vi um sorriso no rosto
do meu irmão e não me importava nem um pouco que fosse
direcionado àquele anjinho e não a mim. Antes da cirurgia sua mãe
estava sendo bombardeada por médicos dizendo que sua menina
não completaria o próximo aniversário, e ali estava ela, contrariando
as expectativas e próxima do novo ciclo.
Ela se sentou ao meu lado na cama e colocou as mãos
sobre as minhas.
— Por que tá chorando, tia? — perguntou com inocência.
Eu tirei a mão do rosto e sorri para ela.
— Porque estou feliz. Vocês são especiais para mim. E
você... — Fitei Serena, que se aproximou, abraçando-me.
— Eles não paravam de perguntar onde estava a tia. Achei
que estava na hora de trazê-los aqui e tranquilizar todo mundo.
Acredite... eles não iam me deixar quieta.
Dei risada.
— Obrigada, amiga. — A abracei forte. — Já disse que vou
votar em você quando meu pai se aposentar, né?

Ela bufou e falou baixinho:


— Algo me diz que você ficaria dividida.
Ela sabia que Kyle havia descoberto sobre mim e Nathaniel
da forma mais chocante possível, e graças a Deus, minha amiga
não era alguém que ficava se lamentando e rapidamente fazia piada
com nossas desgraças.
— Acha que mesmo apaixonada eu deixaria de apoiar você?
— Para votar no homem que ama? — Ergueu as
sobrancelhas. — Talvez.
— Ah, pelo amor de Deus. — Revirei os olhos. — Você me
conhece! — Soltei um “vadia” sem som, e ela me mandou um beijo,
rindo.
— Temos muito pra conversar.
Suspirei.
— Você soube dele?
Ela assentiu, e acariciou meus cabelos.
— Sim.
— Eu nem sei quando vou falar com ele para poder me
explicar.
— Não é porque estou aqui que aceitei o fato, então se
puderem não falar sobre o maldito na minha frente, agradeço. Não
serei cúmplice da traição com meu pai.
Serena me deu um sorriso gentil e cúmplice, apertando
minha mão e inclinando-se para beijar minha testa.

— Certo, crianças! — Bateu palmas, chamando a atenção


de todos. — Deixem suas cartinhas, flores e desenhos para ajudar
na recuperação da tia Jenna e vamos sair pra ela descansar. Antes,
nosso grito de guerra! — ela girou para fitar todas as crianças —
um... dois... três... — Eu comecei a rir antes mesmo que gritassem,
porque mesmo que fosse fofo, Serena não era uma grande fã de
crianças, e ver o quanto se esforçou para me dedicar esse momento
foi uma das coisas mais lindas que minha melhor amiga já fez por
mim.
— VOLTA LOGO, TIA JENNA!
Gritaram juntos, alguns um pouco mais alto que os outros e
alguns mais baixo. A mistura perfeita das crianças que tive o prazer
e a honra de passar meu tempo. Kyle sorria as observando sair da
sala.
— Vou dar uma pausa no meu gelo só pra fazer um
comentário — disse meu irmão, eu o fitei, limpando meus olhos. —
Quanto tempo acha que ela levou pra conseguir enfiar esse grito de
guerra na cabeça deles? Imagino Serena se descabelando.
A pausa no gelo foi bem-vinda, porque só de imaginar, eu
gargalhei de doer a barriga.
E só por aquela pausa no gelo, eu soube e ficou claro que
Kyle já havia me perdoado.
CAPÍTULO 31
"Querido John
Eu vejo claramente agora que você se foi
Você não acha que eu era jovem demais para você ter mexido
comigo?
A garota no vestido chorou o caminho de casa inteiro
Eu deveria saber
Bem, talvez os culpados sejam eu e meu otimismo cego
Ou talvez seja você e sua necessidade doentia
De dar amor e depois tomá-lo"

Taylor Swift, Dear John

JENNA WALDORF

Ainda que depois de um mês os médicos me confirmassem


que não havia mais tumores no meu corpo, a partir daqui, em seis
meses eu teria que repetir todos os intermináveis exames para
decretar a ausência de células cancerígenas. Eu nunca cansaria de
viver como se fosse meu último dia, como se cada minuto valesse a
pena. Eu não tinha tempo para dramas, esperar e esperar. Deus
sabia que paciência nunca foi meu forte e foi por isso que depois de
ter dado um mês inteiro da minha recuperação para o silêncio e a
ausência de Nathaniel, eu não esperei mais.
Fui para o seu apartamento e o porteiro apenas acenou para
mim, já sabendo que eu iria entrar.
Eu toquei a campainha uma vez e quando não fui atendida
em trinta segundos toquei novamente. Fiz uma pausa de dez
segundos e toquei outra vez, quando estava prestes a segurar o
botão para tocar incessantemente, ele surgiu abrindo a porta.
Ficamos nos olhando em silêncio por um momento, ele
estava sem camisa e suado com uma bermuda e tênis e Queen
tocava baixo no alto-falante.
Eu não lhe dei tempo para pensar demais ou dizer nada.
Pulei em seu pescoço, traduzindo no beijo a saudade que senti nas
semanas em que não tinha notícias dele e nem sequer tive
respostas para minhas mensagens. O empurrei contra a porta
fechada assim que entramos e eu mesma arranquei meu vestido.
Ele firmou as mãos em minha cintura, beijando meu pescoço,
lambendo minha bochecha e segurando minha cabeça contra a
porta para me olhar fixamente por alguns segundos.
Abaixei sua bermuda de moletom e não foi surpresa
encontrar seu pau livre e duro. Ele segurou minha perna em sua
cintura e sem demora me penetrou.
Era incrível que durante o caminho eu fiquei molhada
apenas pensando nele. Sabendo que embora fôssemos brigar —
porque ele provavelmente estava morrendo de ódio de mim — ele
não ia me negar.
Como poderia?
Embora não tenha dito, Nathaniel estava apaixonado por
mim. Assim como eu estava loucamente apaixonada por ele.
Seu pau me penetrou tão deliciosamente que eu gemi
mordendo seu ombro, inclinando-me para morder seu peito e ele
segurou meu seio girando o mamilo com o piercing e causando uma
fricção incrível que eu nunca senti antes. As estocadas eram fortes
e brutas, e nenhum de nós disse nada.
Ele urrava seus gemidos e eu gritava meu prazer.
Saudade, paixão, fúria, arrependimentos... tudo misturado. E
nos beijamos não como se fosse a primeira vez, mas como se fosse
a última. Coisa que eu não admitiria e não aceitaria ser.
Ele gozou dentro de mim sem a camisinha, e eu não estava
preocupada, levaria um bom tempo até que meu corpo se
recuperasse o suficiente para engravidar. Ele segurou minha outra
perna para o alto em sua cintura e me levou escada acima beijando-
me por todo o caminho.
Agarrei seus cabelos, seu pescoço, arrastei minhas unhas
por suas costas, sentindo falta daquela pele bronzeada, da força
que aquele homem tinha quando me segurava perto. Não havia
nada melhor do que sentir seu coração batendo contra o meu.

Quando acordei de um cochilo já tinha anoitecido e sabendo


que minhas roupas ainda estavam largadas no hall do apartamento,
peguei uma camisa sua do closet e a vesti, abotoando dois botões
no meio.
Desci as escadas devagar sem anunciar minha presença,
ele estava preparando algo na cozinha, o cheiro de carne o
denunciou. Eu me aproximei devagar mas sabia que já tinha
reconhecido minha presença, nem sequer pestanejou quando eu o
abracei por trás.
Ele era tão grande e largo que eu quase sumia quando
encostava nele e a sensação de estar protegida perto daquele
homem era a mesma todas as vezes.
— Você ama Queen — constatei, enquanto Love of my life
tocava baixinho.
Ele assentiu devagar, mexendo o molho na frigideira.
— Eu amo Queen.
— E eu amo você — respondi em uma batida de coração.
Nathaniel paralisou, e apagando o fogo, colocou a panela
com dois bifes na ilha, tampou o molho após apagar e virou para
mim, segurando minha cintura e me sentando no balcão.
— Você sabe o que é amor, Jennie?
Eu soltei o ar que segurava, desejando tanto ser abraçada
forte por ele.
— Sei que nunca senti o que sinto por você, sei que as
últimas semanas sem ouvir sua voz foram uma tortura, sei que eu
sinto sua falta como nunca senti a de ninguém antes. Se isso não é
amar...
— Eu vou te dizer o que é amar. — Ele suspirou e deixando-
me sentada no balcão, encostou na lava-louças, estabelecendo um
metro de distância entre nós. — Amar é olhar para alguém e segurar
seu corpo fraco nos braços e perceber que você daria literalmente a
sua vida para que a outra pessoa não estivesse naquela posição.
Amar loucamente alguém é perceber que se apaixonou sem
planejar e sem querer. É ouvir alguém te dizendo que você acabou
de operar a mulher da sua vida, a garota mais rebelde, mais
impulsiva e mais mentirosa e te dizerem que você estava
responsável por salvar a vida dela sem saber disso.
— Nate — balancei a cabeça —, você me salvou.
Seus olhos faiscaram.
— Eu não sabia que era você, se eu tivesse me descuidado
por apenas um momento, se eu não tivesse prestado atenção o
suficiente poderia não ter te salvado. Já pensou nisso, Jenna? Você,
seu pai ou sua mãe, algum de vocês pensou? Você principalmente,
que estava na minha cama por meses, todas as vezes que me olhou
nos olhos não pensou em me dizer que já esteve tão doente e que
sabia que a doença tinha voltado?
— Por que eu faria isso? Pra você se arrepender de estar
comigo?
— Não — ele cerrou a mandíbula, cruzando os braços no
peito —, pra que eu me preparasse pra uma dor descomunal outra
vez. Eu pensei que perder Lilly tinha doído, e pelo amor de Deus,
não estou dizendo que não doeu. Perder Rebeca me devastou, eu
levei anos pra entender que a minha vida precisava continuar e aí
você chegou. Você veio sem planejar, Jennie, e porra, eu não
consigo dizer que gostaria que não tivesse aparecido. Você nunca
será um arrependimento para mim, mas eu quase te perdi sabendo
o que é amar. Você mentiu para mim mesmo quando eu te disse
repetidas vezes que não aceitaria isso, que era a única coisa que eu
não podia lidar.
Eu entendia, realmente entendia seu lado.
— E agora vai me punir por isso, vai dizer que não quer ficar
comigo? Não vai usar só meu irmão e o meu pai como desculpa.
— Ninguém mais é uma desculpa, eu enfrentaria seu pai se
fosse preciso. Agora que eu enfrentei o inferno outra vez me
perguntando se você sobreviveria, se eu não fui responsável pela
sua morte, sim eu enfrentaria tudo.
— Então, você me ama?
Ele me fitou fixamente, devastadoramente lindo, sério e
magoado.
— Eu não devia, mas amo. Eu amo como não me lembro de
já ter amado algum dia. Caralho, Jenna. — Ele fechou o espaço
entre nós e segurou no meu rosto em uma concha. — Sim, eu amo
você e te perder teria me matado, então, você nunca mais vai fazer
isso, nunca mais vai mentir pra mim. Só assim vamos ter uma
chance.
Segurei seus pulsos, virando um pouco o rosto para beijar
sua mão.
— Nós temos uma chance.
— Não. Falo sério pra caralho. Pra nós termos uma chance
você vai fazer seus exames a cada três meses, eu vou te
acompanhar e em qualquer mínimo sinal de problema vamos
resolver isso, não tem mais essa de viver cada dia como se fosse o
último porque você tem medo de morrer.
Franzi o cenho.
— Eu nunca tive medo de morrer.
— Não minta para si mesma, você já mentiu para mim o
suficiente, qualquer pessoa viva tem medo de morrer. E eu não vou
permitir que isso aconteça com você, se eu tiver que te proteger de
si mesma vou fazer isso, porque agora você é minha e eu não vou
pedir permissão. Porra, eu não tô pedindo a aceitação de ninguém,
eu tô decretando que você é minha. Disse que se apaixonou pelo
homem que me tornei. Ótimo, aqui está ele. Esse sou eu inteiro.
Não peço permissão, raramente sei dizer coisas gentis, gosto mais
de sexo do que de me alimentar — isso me arranca um sorriso — e
gosto de você mais do que gosto de respirar.
Não deixei que dissesse mais nada, envolvi meus braços em
seu pescoço e segurando os cabelos em sua nuca o beijei. Beijei-o
profunda e apaixonadamente.
— Eu concordo com tudo, eu sou sua por inteira. Não tem
um defeito ou uma qualidade minha que você não conheça.
— Tem mais uma coisa.
— O que é? Pelo amor de Deus, não me venha com
condições, eu sei que você é velho, mas relacionamentos não
funcionam mais assim.
— Cale a boca, porra. — Eu segurei a risada. — Vou fechar
aquele estúdio pra você dançar exclusivamente para mim quantas
vezes eu quiser.
Joguei a cabeça para trás, rindo.
— Gosto dessa regra. Combinado.
Ele deslizou os olhos pelo meu corpo.
— Você fica gostosa pra cacete na minha camisa.
No momento em que ele começou a abrir os botões, a
campainha tocou. Olhei na direção da porta, mas ele puxou meu
rosto.
— Olha pra mim. Somos só eu e você aqui, eu te dei tempo
pra se recuperar, te dei tempo com a sua família, te dei tempo
demais longe de mim. Eu não tenho mais tempo para perder, você é
minha.
— Eu sou — concordei sorrindo. A campainha tocou outra
vez —, mas alguém quer muito te ver.
Ele revirou os olhos, impaciente.
— Deve ser Emma, ela disse que ia passar aqui pra ver se
eu estava bem.
Estreitei os olhos.
— Não me diga que ficou bêbado e infernizou seus vizinhos
com esse rock and roll no último volume.
Ele exibiu um sorriso fechado.
— Não bebo desde que operei você. — Ele me puxou pelo
pescoço selando nossos lábios com força antes de dar a volta na
ilha e caminhar em direção à porta.
A notícia me abalou de um jeito bom, me senti feliz como se
tivesse feito parte daquela “recuperação”.
Eu sabia que não podia ter feito nada diferente e com
certeza não teria mudado nenhum aspecto do nosso relacionamento
conturbado. Nathaniel se tornou minha força quando eu me sentia
fraca e eu faria tudo por nós dois. Mas no momento em que me
virei, como se as coisas estivessem acontecendo em câmera lenta,
o ouvi gritar.
— Espere!
E então passos pesados invadiram o apartamento. Eu pulei
da ilha confusa, e então meus olhos bateram no meu pai.
— Nate, preciso falar com... — ele começou, mas se
interrompeu de imediato ao me ver.
— Pai — sussurrei.
Ele olhou para mim, olhou para o meu vestido jogado no
chão e deslizou os olhos pela camisa entreaberta de seu amigo no
meu corpo, então sua expressão se transformou em algo que eu
nunca vi antes.
Algo feroz, algo longe de ser humano tomou conta dele
quando se virou e atacou Nathaniel.
Num segundo ele estava de pé e no outro foi derrubado no
chão, sendo atingido por socos fortes que manchavam o piso
branco de sangue.
Eu comecei a gritar, aproximando-me e ajoelhando perto
deles.
— Papai! Pare com isso, por favor!
— Seu bêbado filho da puta, eu esperava tudo de você,
sabia dos seus traumas e sabia que não prestava, mas a minha
menina? Mexer com a minha Jenna não! Porra, Nathaniel, eu confiei
em você — gritou e o atingiu com um murro. — Eu disse a você que
ela era tudo pra mim, eu te falei que qualquer um que mexesse com
a minha família pagaria e você traiu minha confiança. — Outro soco.
O rosto do homem que eu amava havia virado uma bagunça
de cortes e sangue escorrendo de seu nariz, dos lábios e do olho.
— Pai, você vai matá-lo!
Quando as mãos de Nate caíram para os lados sem força eu
sabia que precisava intervir.
Pensando apenas com meu coração dolorosamente partido,
eu voei em cima do meu pai, empurrando-o para longe e quando
papai caiu no chão de costas levou dois segundos para se levantar
e foi suficiente para que eu ficasse na frente de Nate de pé, pronta
para defendê-lo.
— Pai, você não vai tocar nele, olha o que fez, você vai
matá-lo!
— É bom que eu mate! — gritou enfurecido, seus olhos
possuídos de ódio. — Acha que alguém me culparia por matar esse
filho da puta depois do que acabei de ver aqui?
— Eu o amo! — gritei.
— Você não sabe o que é amor, Jenna! — gritou ainda mais
alto. — Está confusa, está machucada e esse filho da puta te
manipulou, ele tem idade pra ser seu pai!
— Mas ele não é. Você é! E eu nunca esperava ver o meu
pai desse jeito! Eu não estou te reconhecendo, papai, por favor...
— Saia de perto dele. — Ele segurou meu braço, puxando-
me em direção à porta. — Você vai sair e eu vou terminar o que
comecei com esse desgraçado.
Eu tropecei no primeiro degrau do hall, caindo de joelhos no
chão. Os olhos do meu pai arregalaram e ele abaixou do meu lado
de imediato.
— Jenna — sussurrou, sua expressão mudando de raivoso
para apavorado em um segundo, assustado por pensar que podia
ter me machucado.
Contudo, ele não teve tempo de me tocar, Nathaniel fraco e
cambaleando ficou na minha frente.
— Faça o que quiser comigo, mas se você tocar nela, vou
perder todo o respeito que tenho por você e vou te meter a porrada
em você, Charles, eu juro pela minha vida.
— Sua vida e sua palavra não valem nada pra mim, seu filho
da puta, bêbado desgraçado. Eu te acolhi na minha família no seu
pior momento, fiquei ao seu lado quando você não tinha ninguém e
é assim que me paga?
— Eu a amo caralho — gritou. — Eu sei que não é certo, nós
deveríamos ter te contado...
— Contado pra mim? Isso nunca deveria ter acontecido. Ela
é um bebê! Você a viu nascer, sequer pensar nessa merda perversa
não só faz de você um criminoso, mas o cara mais nojento e sem
escrúpulos que eu já conheci na vida!
Eu me levantei e ficando ao lado de Nathaniel com o rosto
banhado por lágrimas, tentei alcançar o melhor lado do meu pai.
— Papai, por favor, por favor, pare com isso. — Soluços
enchiam minha garganta. — Você não está entendendo. As coisas
não são desse jeito, nada aconteceu como está pensando...
— Esse desgraçado não forçou você a ficar com ele? Ele
sabia que você estava em um momento delicado, que estava frágil e
se aproveitou. Se aproveitou do meu bebê!
— Não sou mais um bebê desde que tinha quinze anos! Pai,
se teve alguém que correu atrás dele fui eu, eu o persegui, eu o
provoquei e ele se manteve fiel a você em todos os momentos. Ele
não está brincando comigo, eu juro.
— Jenna. — Nate passou o braço em volta de mim.
E no momento em que meu pai viu isso, aquela expressão
de fúria voltou ao seu rosto.
— Não toque na minha filha, seu desgraçado. — Ele
avançou, e eu avancei junto.
— Se você encostar nele será como se estivesse me
atingindo. — Meu pai vacilou para trás, ferido com minhas palavras.
— Vai escolher esse abusador de merda ao invés do seu
pai?
— Ele não é um abusador, pai, é o seu melhor amigo, você o
conhece quase a vida inteira.
— E você o conhece a vida inteira. Isso é repugnante.
— Você me conhece, eu não sou uma garotinha que pode
ser manipulada e enganada, tudo o que já passei me fez forte e eu
não vou deixar que fique aqui e me ofenda desse jeito. Não me
alegro de fazer isso, mas se você vai bater nele me obrigará a fazer
uma escolha e eu não vou te escolher.
— Jenna. — Meu nome escapou como uma súplica e uma
lágrima deslizou por sua bochecha, eu odiava vê-lo daquele jeito.
Momentos atrás eu estava tão feliz, sentindo-me completa e
agora uma parte minha estava sendo arrancada porque eu não
podia abrir mão do homem que amava nem mesmo pelo homem
que me deu a vida.
— Você escolheria minha mãe acima de tudo e todos porque
a ama e isso é o que estou fazendo agora, pai. Saia daqui, você já
fez um estrago grande hoje.
— Pense bem no que está fazendo, Jenna, fui eu quem
cuidou de você, é pra mim que você deve respeito.
— E você não está me respeitando agora e nem está
respeitando a minha escolha de ficar com ele.
— Ficar com ele? Ficar com esse maldito viciado que vai
destruir a sua vida, você ainda tem tudo pela frente, o que é que ele
pode te oferecer?
— Amor! Ele me oferece amor em tudo o que faz por mim, e
eu entendo que você não consegue ver isso nesse momento e é por
isso que precisa ir embora antes que faça ou diga algo que vá se
arrepender! Sei que você o odeia agora, mas ele ainda é o seu
melhor amigo.
Meu pai balançou a cabeça com convicção.
— Não, ele é a porra de um traidor e se você ficar aqui com
ele me trairá também.
Então, era isso. Mesmo que ele estivesse dizendo as coisas
por impulso, as palavras dolorosas ainda estavam sendo jogadas ao
vento.
— Então, eu vou te trair pai — falei baixo, chorosa. — Eu
vou te trair com o meu coração despedaçado, mas não posso virar
as costas para ele, eu amo Nathaniel e se você não consegue
entender isso, precisa ir embora.
Meu pai balançou a cabeça para mim, decepcionado e
provavelmente mais machucado do que já esteve em toda a sua
vida, mas eu não podia voltar atrás. Ele apontou para Nate.
— Você vai pagar por isso — ameaçou.
E virando as costas, nos deixou sozinhos. Nathaniel caiu
com todo seu peso no chão, e eu imediatamente me ajoelhei ao seu
lado, segurando seu rosto ferido em minhas mãos.
— Amor, eu sinto muito.
— Eu mereci. — Ele tossiu e gotas de sangue voaram de
seus lábios. — Eu mereci cada soco e você não deveria tê-lo
parado, porque eu merecia muito mais.
— Não, Nate — falei com firmeza. — Chega de pensar que
merece ser punido. Se estivesse se aproveitando de mim meu pai
teria toda a razão e eu iria embora com ele, mas você não está, nós
nos apaixonamos e se ele me obrigou a fazer uma escolha, então
eu fiz, e é você. Sempre seria você, doutor.
Ele balançou a cabeça e fechou os olhos com força.
— Jenna...
— Eu sei que tenho metade da sua idade e que parece que
você viveu muito mais do que eu, mas também já sofri e também
lutei muito por mim. Se não deixei o câncer me vencer, não vou
deixar que ninguém dite como eu devo viver e quem eu devo amar,
ficou claro? Agora vou te dar um banho e vamos cuidar desses
ferimentos. Acho que ambos estamos banidos do Saint Glory, então,
terá que se contentar com uma enfermeira que não faz ideia do que
está fazendo.
Forcei um sorriso, embora lágrimas corressem sem parar
pela minha bochecha.
Nós nos olhamos fixamente e havia tanto amor exalando de
nós dois na mesma proporção que eu não conseguia sequer me
arrepender de mandar meu pai embora.
E conforme eu subia as escadas com ele bem devagar,
degrau por degrau, me dei conta que a cada passo eu cortava laços
com quem eu mais amava na vida, por alguém que tomou conta do
meu coração e se tornou tudo para mim.
Nosso segredo já não era mais segredo. E eu não estava
nem um pouco aliviada.
CAPÍTULO 32
"Más, más notícias
Um de nós dois vai perder
Eu sou a pólvora, você é o pavio
Apenas adicione alguma fricção
Você é meu vício estranho"

Billie Eilish, My Strange Addiction

JENNA WALDORF

Minha mãe estava sentada no fundo do restaurante com


óculos escuros e roupas pretas. Tão diferente dela que sempre se
vestia com cores vibrantes, sempre perfeitamente arrumada e com
um sorriso iluminando o rosto.
Eu andei devagar quase que tentando adiar o momento e
me sentei na frente dela.
— Oi, mãe. — Levou um momento para que tirasse os
óculos e me deixasse encarar seu rosto com olheiras profundas, os
olhos vermelhos e inchados e a ausência do sorriso que eu tanto
amava.
— Isso é tudo que tem pra me dizer? “Oi, mãe”? Como se
esse fosse um dos nossos almoços comuns.
— Pode ser um almoço comum, se você for diferente do
papai e me deixar falar alguma coisa.
Ela esfregou o rosto, visivelmente cansada e abalada.
— O seu pai está em Nova York agora, Jenna. Foi operar um
tumor que ele não queria tratar e recusou nos últimos dois anos,
porque estava convencido de que era inoperável. Mas agora que ele
está se sentindo uma merda de pai, precisa provar a si mesmo que
é um bom médico e vai tentar salvar esse paciente. Provavelmente
vai matá-lo.
Abaixei a cabeça, sentindo meus olhos queimarem.
— E a culpa é minha? — questionei.
— Sim, é cem por cento culpa sua, filha, e eu odeio dizer
isso porque não tem nada que eu abomine mais como mãe do que
precisar encarar meus filhos e dizer que eles estão fazendo uma
burrada imensa.
— Mamãe...
— Você mentiu para nós.
— Eu omiti.
— E isso diminui o peso dos danos?
Abri os braços, encarando-a, com toda a verdade do meu
coração.
— Eu me apaixonei. Você deveria me entender, você vive
por amor. Você é apaixonada por mim, você é apaixonada por Kyle
e pelo papai. É apaixonada pela sua arte. Você se apaixona a cada
galeria nova que abre, se encanta com cada quadro que pinta.
Mamãe, você ama a cada esquina coisas novas e diferentes.
— Nada que traía a confiança dos meus pais, nunca me
apaixonei por nada que fosse contra os princípios da minha família.
— Você ficou ao meu lado e viu que papai estava sendo
injusto comigo quando eu não quis fazer medicina...
— Jenna. — Ela bateu a mão na mesa e no segundo que fez
isso, fechou os olhos, arrependendo-se. Ela respirou por um
momento, antes de me fitar mais calma. — Não queira comparar
sua escolha de profissão com o fato de que se relacionou com um
homem que te conhece desde que nasceu. Há quanto tempo isso
vem acontecendo, filha? É por isso que não queria que eu
chamasse ele de seu tio, não é? Você sabia que estava fazendo
algo errado, eu deveria ter desconfiado. Seu pai acha que é uma
merda, que se saiu um lixo na paternidade, mas talvez eu devesse
sentir a mesma coisa como mãe.
— Então, eu devo me sentir uma merda de ser humano
porque fiquei doente e quase morri duas vezes? — Ela fechou os
olhos e balançou a cabeça.
— O câncer não foi culpa sua.
— Me apaixonar também não foi!
— Jenna, você buscou isso. Eu nunca te vi conversar com
Nathaniel. — Ela fez uma pausa, como se dizer o nome dele fosse a
pior das coisas. — Nunca te vi falar com ele em público, como algo
assim acontece por acidente? Como você se relaciona com alguém
a ponto de dizer que o ama acima do seu próprio pai sem que tenha
sido premeditado, sem que saiba que está escondendo algo em que
não vamos concordar?
— Eu não vou pedir desculpas pelos meus sentimentos —
falei após um momento.
— E não deve, mas deve encará-los e encarar as
consequências desses sentimentos e dessas escolhas. Seu pai já
sabia que algo estava acontecendo, por isso ele foi até o
apartamento daquele homem, para confrontá-lo e ter certeza de que
isso era uma mentira absurda que aquele doente inventou.
Franzi o cenho.
— O quê? Que doente?
— Um residente, Dylan McRey.
— O quê? Mãe, eu não estou entendendo, meu pai falou
com esse cara?
— Ele trabalha no hospital, disse que viu algumas coisas
suspeitas, viu vocês dois juntos e que não se sentiria bem se
alguém machucasse a filha do chefe, ele soubesse e tivesse ficado
em silêncio.
Eu precisei de um momento bem curto para raciocinar em
volta dessa informação, para entender que aquele filho da puta tinha
sido responsável por fazer meu pai descobrir as coisas daquela
forma.
Não, não era culpa do Dylan que tudo tivesse acontecido,
mas se eu tivesse tempo para sentar com meu pai e conversar com
ele, havia um por cento de chance das coisas terem acontecido de
forma menos violenta.
— Mãe, assim como meu pai me deu uma escolha, eu vou te
dar uma. Entendo que você está magoada, entendo que acha que
eu sou uma burra manipulável e...
— Não coloque palavras na minha boca, Jenna Waldorf! Não
acho que você seja burra e nem manipulável. Conheço a filha que
criei e nunca vou fazê-la escolher entre o meu amor ou alguém que
você acredita estar apaixonada. Eu não quero ver aquele...
desgraçado na minha frente durante um bom tempo e torço pra que
ele não te machuque, mas você é minha filha e eu vou ficar ao seu
lado independentemente do que acontecer, mesmo não apoiando,
eu estarei lá pra te ajudar a curar seu coração partido quando tudo
isso acabar.
— Então, você não acredita nem por um momento que
vamos dar certo? — Engoli a mágoa em seco.
— Não, não acredito. Eu o conheço, ele é um homem que
está sofrendo, está traumatizado e quando voltou para Seattle
colocou os olhos em você, uma garota jovem e linda que ofereceu
algo que ele perdeu há muito tempo, leveza, diversão, riso fácil e
paixão. Qualquer homem se apaixonaria por você, Jenna.
— Mas eu não me apaixonaria por qualquer um, esse é o
ponto, é isso que você e o papai não entendem.
— Será que não, filha?
— Não, mãe. Porque esse homem que imbecil que distorceu
completamente os fatos para o meu pai, é o exemplo disso!
Ela franziu o cenho.
— O que quer dizer?
Eu respirei fundo, sabendo que depois de anos escondendo
aquela história, teria que contá-la.
— Ele é um residente do hospital e também é o garoto que
me fez ter crises de pânico e ansiedade que me deixaram tão
estressada que minha imunidade ficou uma merda e eu fiquei
semanas a mais internada, lembra disso? Lembra que eu chorava
sem parar, que ninguém conseguia entender o que estava
acontecendo? Foi a época que Serena apareceu em minha vida. —
Minha mãe ficava cada vez mais confusa e sua expressão mostrava
isso. — Eu namorei esse cara por alguns meses. No começo ele me
fez juras de amor e naquela época sim eu era uma adolescente
boba, iludida com qualquer coisa que me dissessem, acreditava até
mesmo no Papai Noel se alguém aparecesse fantasiado na minha
frente. Ele foi o cara que me mostrou que ninguém valia um coração
partido. Jurou que me amava até me fazer mudar minhas roupas,
excluir todos os garotos de quem sentia ciúmes das minhas redes
sociais, foi ele quem me fez me afastar dos meus amigos, porque só
ele me amava e só ele me dava valor de verdade. — Os olhos da
minha mãe iam se arregalando conforme eu falava. — Mamãe, foi
ele que terminou comigo quando o meu cabelo começou a cair,
disse que eu não estava mais bonita e que ele não podia namorar
alguém que pesava menos do que um saco de arroz, essas foram
as palavras. Então, se eu perdi meu pai por conta da fofoca desse
filho da puta, sou forçada a acreditar que meu pai não valoriza tanto
assim a relação que construímos durante anos. Ele preferiu dar
ouvidos a alguém que me queria de volta e eu não aceitei
justamente porque sei o meu valor, e viu toda situação como algo
sujo e errado. Ele chamou Nathaniel de bêbado e criminoso quando
todo mundo sabe que ele mal esteve presente na minha infância e
na minha adolescência.
Meu desabafo minou minhas energias. De repente, senti
meu corpo pesado pra caramba. Mas sabia que era apenas o
começo daquela luta.
— Jenna — ela sussurrou e colocou a mão por cima da
minha. Foi um alívio sentir seu toque. — Eu não fazia ideia de que
isso tinha acontecido. Por que não me contou naquela época?
— Porque você já estava sofrendo com a doença, por que
eu ia piorar te contando que tinha algum idiota mexendo com a
minha cabeça?
— Porque eu sou sua mãe e se não sou eu que vai ficar ao
seu lado quando os momentos ruins vierem, quem vai? — Ela
suspirou. — E eu não concordo sobre o seu pai tê-lo chamado de
bêbado, muito menos de criminoso. Sei que ele não te olhava dessa
forma quando você era pequena. Mas ele está com raiva, seu pai
realmente o odeia agora.
— E jogar um problema com a bebida que ele usava
exclusivamente pra esquecer que perdeu a mulher grávida, é
justificativa?
— Não, minha filha, não é. Mas pra ele qualquer coisa é
válida agora. Ele quer machucar Nathaniel da mesma forma que se
sente machucado e traído. Seu pai sente que vocês o apunhalaram
pelas costas.
Eu sabia disso, e doía não poder ter tido a chance de
explicar.
— E você, mamãe, o que você sente?
— Eu ainda estou confusa, não vou te dizer que apoio isso,
mas reforço que estou do seu lado, que eu sempre vou ser a sua
melhor amiga, ainda que você tenha a Serena, que tenha a
Cassandra e quantas amigas tiver por aí, fui eu que te trouxe ao
mundo e fui eu que te amei em todas as fases da sua vida, eu
estarei sempre aqui apoiando ou não apoiando as suas decisões.

Quando entrei no apartamento de Nathaniel me senti um


pouco mais tranquila sabendo que ainda que sentisse que tinha
perdido o meu pai, o mesmo sentimento não se direcionava a minha
mãe, que deixou claro que estaria do meu lado para tudo.
Ele levantou da mesa, deixando seu computador de lado e
me encontrou de braços abertos, pegando-me no colo e me levando
para o sofá. Fiquei abraçada nele como uma garota carente e triste,
porque naquele momento eu me sentia carente e triste.
E o homem que eu amava entendeu isso e acariciou meus
cabelos até que eu suspirei e me afastei um pouco para olhá-lo.
— Vou te contar tudo que aconteceu, mas antes... — Abri
minha bolsa e tirei o pedaço de maconha que havia comprado
depois do encontro com a minha mãe.
Ele estreitou os olhos.
— O que está fazendo com isso, Jenna?
Refleti um pouco, pensando nas minhas escolhas e
decisões.
— Quando eu estava doente, vários médicos foram me
visitar e uma delas, que era mais adepta a medicinas naturais, me
disse que chá de maconha seria bom para acalmar algumas dores.
Ele recostou no sofá, segurando a minha mão.
— E você acha que fumar maconha agora vai acalmar a dor
do que aconteceu com seu pai?
Encolhi os ombros.
— Eu não sei, talvez. Não sei quanto tempo ele vai ficar sem
falar comigo, eu parti o coração dele.
— E vai partir ainda mais se começar a usar isso como
escape, acredita em mim, sei do que estou falando.
Eu não disse nada, apenas encarei a planta verde em minha
mão, até que Nate a pegou e se levantou, indo até a ilha e voltando
com um guardanapo de papel.
— O que está fazendo? — Ele não respondeu, e eu o
observei enquanto ele esfregava a planta na palma da mão e ela ia
se dissolvendo até virar um tipo de farelo. Ele formou uma linha no
guardanapo antes de girá-lo repetidas vezes e me oferecer no
formato de um cigarro.
— Aqui está.
Minha sobrancelhas saltaram em surpresa.
— Fácil assim?
— O que quer que eu diga? Você mesma já disse que não é
uma criança, que é adulta, que já passou por tanta coisa quanto eu.
Sei que muitas pessoas têm te pedido pra fazer escolhas
ultimamente, mas aqui vai mais uma. Você pode cometer o mesmo
erro que eu e encontrar saídas pra se distrair da dor que está
sentindo ou pode desabafar comigo da forma que quiser. Fazendo
sexo, conversando, dançando, chorando, até que isso passe...
porque vai passar. Seu pai não vai tirar você da vida dele, Jenna, eu
conheço Charles. Posso ter me tornado um estranho que ele odeia,
mas você ainda é a filha dele e aquele homem te adora. Então vá
em frente e fume maconha, dê risada à toa, esqueça por meia hora
os problemas que estão acontecendo. Eu vou ficar aqui e vou cuidar
de você, mas quando a brisa passar, tudo volta e você vai querer o
próximo pra esquecer de novo.
Eu mal notei que estava chorando até que ele me envolveu
em seus braços, eu tirei o cigarro de sua mão e o joguei no chão,
agarrando-me com força ao seu pescoço.
— Vai ser... vai sê-ser choro... en-então — eu soluçava as
palavras, gaguejando. Meu corpo todo balançava em seu colo. Meu
peito doía. — Onde aprendeu a fazer isso?
Ele acariciava minhas costas. Tinha os lábios em minha
testa.
— Você não tem ideia do que vemos no exército e os
caminhos que são oferecidos.
Apertei meus braços em torno do pescoço.
— Você não tem ideia do quanto eu te amo e estou grata por
estar ao meu lado passando por isso.
Ele passava os dedos pelos fios dos meus cabelos devagar.
— Não tem nenhum outro lugar que eu preferiria estar agora,
pequena Jennie. Sabíamos que seria difícil e mesmo que seja
impossível eu vou continuar aqui.
Encarei seus olhos azuis perguntando-me se ele conseguia
ver no fundo dos meus o quanto eu o adorava e era encantada por
ele. O quanto eu desejava que tudo isso passasse e pudéssemos
construir um futuro livre de dores com apenas amor e a felicidade
como nós dois realmente merecíamos ter.
— Eu te amo — disse naquele tom grave e rouco. E com
essa frase eu pude ver que sim, não havia mistério nos meus olhos
para ele. Ele conseguia me ler perfeitamente e isso não era à toa,
era porque sentia exatamente o mesmo por mim.
CAPÍTULO 33
"Que vontade maldita tenho de te beijar
Te vi numa foto e te imaginei sem roupa
Mentiria se dissesse que não tô louco pra te ver"

Karol G Ft. Peso Pluma, Qlona

NATHANIEL SULLIVAN

Eu observei meu apartamento cheio como nunca esteve


antes.
Na verdade, além de Charles naquele dia fatídico e Emma e
Liam com suas visitas regulares, ninguém nunca me visitou. Eu
nunca abri as portas daquela casa que nem sequer planejava tornar
minha de verdade porque nunca mais pensei que teria um lugar pra
chamar de lar.
Mas Jenna mudou tudo, eu via isso em cada detalhe.
Nas tintas que ela aplicou em algumas parede, nos vasos de
flores espalhados pelos cômodos, nas fotos e até na porra do meu
diploma pendurado em um tamanho óbvio para que ninguém o
perdesse de vista em uma parede da sala. Ela estava em tudo, nos
tapetes, nas almofadas novas, na porra da cortina que não era mais
branca, mas sim de uma cor diferente cada vez que eu reparava.
Ela mudou tudo, ela trouxe cor de volta, ela trouxe alegria
quando eu pensei que nunca mais fosse sorrir outra vez e ela fez
tudo sem se esforçar, sem fingir que era algo que não era de
verdade.
Embora isso tenha nos custado o último mês sem falar com
Charles, ainda parecia valer a pena.
Ela estava no meio da sala, enquanto uma música pop que
eu nunca ouvi na vida da Dua Lipa tocava e seguia passos
ensaiados com um monte de amigas do estúdio de dança e Serena.
Todas estavam a caminho de ficar bêbadas e não houve um
momento que eu olhei pra Jenna e não havia um sorriso em seu
rosto, automaticamente refletindo um de volta no meu.
— Caralho, você tá muito idiota de amor — Lian falou ao se
aproximar, oferecendo-me uma garrafa de água com gás.
Bufei e a peguei.
— Tô parecendo um tonto no auge dos quarenta anos.
— Quarenta e três em breve, meu amigo, e sua namorada
tem vinte. — Deu risada. Na verdade, caiu na gargalhada e quando
me encarou fuzilando-o com o olhar, riu mais ainda. — Eu paguei
tanto pra ver esse dia, devia ter apostado com Emma.
— Não pode falar muito de mim, sua esposa está no meio da
bagunça e é a grande responsável por isso.
Violet estava sentada longe de mim, conversando com
Emma na varanda, cada uma com uma taça de vinho branco em
mãos.
E naquela noite eu pude ver um pouco da minha velha
amiga — que estava puta e magoada comigo — enquanto conhecia
e se encantava pela amiga que me salvou quando entrei para o
exército.
Liam encolheu os ombros.
— Acha que eu ligo? Quem ganha sou eu, ela é a mulher
mais linda da festa e quando chegar em casa serei o homem mais
feliz do mundo.
Não era exatamente verdade, eu já era o homem mais feliz
do mundo e Jenna com certeza, era a mulher mais linda que eu já
tinha posto meus olhos. Com o vestido cheio de lantejoulas
prateadas, muito mais curto do que queria deixá-la usar e com um
decote que mostrava o alto dos seios perfeitos, ela se acabava de
dançar.
Ian se juntou a nós com uma cerveja na mão.
— Então, parece que vai ser assim daqui em diante. — Ele
não desgrudava os olhos de Serena e essa mostrava para quem
quisesse ver o novo anel de noivado.
De acordo com Jenna, e a história confusa que ela me
contou do casal, eles iam e vinham, terminavam e voltavam. Ela
acreditava nessa merda de estarem destinados e terem enfrentado
muitas barreiras para ficar juntos.
— E o que é que a gente faz, fica aqui igual três bananas
olhando pra elas? — perguntei, rezando silenciosamente para que
eles dissessem que sim, que essa era nossa única função.
Porque eu não estava nem um pouco tentado a sair dali e
perdê-la de vista.
Me descobri um homem ciumento como nunca tinha sido
antes, ainda mais viciado em sexo do que já fui um dia e a
juventude de Jenna, essa energia fazia dela o par perfeito para mim.
Onde eu era rabugento e acordava de mau humor, ela
acordava brilhando como o sol, colocando música e comendo o café
da manhã dizendo que era a melhor refeição que já teve na vida —
e repetia isso todo santo dia. No café da manhã, no almoço, no
jantar, ao acordar de madrugada e voltar para a cama assistindo às
suas youtubers favoritas com uma barra de chocolate que comia
inteira e não aceitava dividir ou um pote de sorvete que comia até
enjoar e colocava o resto do meu lado na cama. Porque depois que
ela fazia seu lanche da madrugada, ficava com preguiça de descer e
levar sua bagunça para a cozinha e eu não só entendi que era meu
papel fazer isso, mas também gostei de cada uma das coisas que
eram acrescentadas no nosso dia a dia juntos. Ela não morava
comigo, disse que não conseguiria dar esse passo até que seu pai
nos aceitasse, então, eu sabia que iria levar um bom tempo e não a
pressionava.
— Sim — disse Ian. — Se nós sairmos daqui elas vão atrás
e nos trazem de volta.
Liam riu. Ergui minha garrafa em um brinde.
Jenna dizia que éramos tão perfeitos um para o outro que
até mesmo nossos amigos se encaixaram bem.
De acordo com ela, ainda estava analisando Ian pra ver se
realmente era digno de Serena e iria fazê-la feliz, mas eu podia ver
que ela tinha um carinho pelo cara, assim como aprendeu a gostar
de Liam e se apaixonou por Emma.
Nós ainda ríamos toda vez que ela contava a história de
quando me viu no bar com Emma e ficou louca de ciúme. De acordo
com a minha melhor amiga, foi ali que ela se apaixonou por mim e
de acordo com ela, eu me apaixonei por Jenna no momento em que
contei pra ela que não podia tocar na filha do meu melhor amigo.
Violet não falava comigo, e eu respeitava seu espaço.
Embora estivesse louco para falar com ela, ainda não era o
momento.
Distraindo-me da conversa dos dois, senti alguém me
observando e ao erguer a cabeça a vi me lançar um olhar, e então,
olhar com preocupação para a porta. Ela começou a se aproximar
cheia de preocupação no rosto e eu olhei na mesma direção,
Charles estava entrando.
Ele usava um terno, estava com a barba grande e o cabelo
maior do que eu já tinha visto. Os olhos sérios com olheiras
profundas. Sua atenção imediata foi para Jenna.
Eu não estava surpreso com sua presença, enviei uma
mensagem a ele dizendo que ia fazer uma festa surpresa de
aniversário para sua filha no meu apartamento e ele não precisava
me aceitar, mas que poderia se arrepender se não estivesse lá para
comemorar mais um ano de vida com ela. Aniversários, Natal,
virada de ano. Tudo isso sempre foi tradição para eles. Passavam
juntos e comemoravam como se no ano seguinte não fossem viver
tudo de novo.
Eu sabia que ele ia aparecer mesmo que tivesse atrasado e
nos momentos que duvidei, vi Jenna olhar com esperança para a
porta — provavelmente perguntando-se se eu havia convidado seu
pai, e para não me magoar, ela não me perguntou nem uma vez.
Mas eu sabia que ela o queria ali e eu também queria, estava
desesperado para que meu amigo — ou ex-amigo — deixasse o
orgulho de lado por uma noite e suportasse minha presença para
estar com sua filha.
Eu precisava falar com ele antes que Violet o levasse para a
varanda.
— Distraiam Jenna — falei para os dois, e eles me
encararam com confusão até ver aonde eu estava indo e ficarem
tensos.
Mas imediatamente focaram os olhos em Jenna, ela
continuava dançando e quando me aproximei do pai dela, a fitei
uma última vez pra ter certeza de que ainda estava distraída.
— Charles — cumprimentei.
Ele cerrou a mandíbula ao me ver e engoliu em seco.
— Nathaniel.
— Não vamos estragar a noite dela, por favor.
— Você não tem o direito de me pedir nada.
— Sei disso, mas ainda assim vou pedir. Por pouco ela não
estaria aqui para celebrar mais um ano de vida. Se quiser ir lá fora,
nós podemos conversar e resolver nossas contas, mas não vamos
fazer isso aqui dentro.
— Você me convidou, esperava que eu viesse e fizesse o
que, sentasse com você e tomasse uma cerveja?
— Não, esperava apenas que suportasse minha presença o
suficiente para abraçar sua filha, comesse um bolo com ela e
desejasse feliz aniversário. Eu vou te respeitar por agora e nem
sequer chegarei perto dela se você não quiser, se for se sentir
melhor assim. Mas não vou esconder de você que a amo, que estou
apaixonado por ela, que vou cuidar da Jenna e vou protegê-la
mesmo se tiver que protegê-la de você.
Ele me encarou por um momento e eu podia estar iludido,
mas eu achei que vi um brilho de respeito em seus olhos antes de
ele dar um aceno.
— Nunca vou aceitar isso, e nunca volte a me chamar de
amigo outra vez. Mas eu não vou perder minha filha por um
momento passageiro.
Eu quis socar a porra da cara dele por duvidar de nós, mas
entendia seu lado, e como eu disse desde o começo, pela Jenna ia
respeitá-lo.
— Eu te convidei, mas a festa é dela, fique à vontade.
— Pra eu ficar à vontade só se você saísse.
Ele passou por mim trombando em meu ombro e
imediatamente encontrou sua esposa que só estava nos esperando
falar, aguardando bem de perto para ver se algo ruim iria acontecer.
Eu pude ver o alívio em seus olhos quando ele avançou para a sala
e a abraçou.
Os dois conversaram baixo por um momento e ela o abraçou
outra vez, fitando-me por cima do ombro dele.
Em seguida ele caminhou em direção a Jenna que gritava a
plenos pulmões uma parte da letra da música, a tal da Dua Lipa
contava sobre dançar a noite toda. Eu sorri com a cena. Jenna nem
fazia ideia que amanhã voaríamos para Londres para ver um show
dela com Ian e Serena, Emma e Liam. Meus amigos não entendiam
seu gosto e Liam fazia questão de soltar piadinhas sobre a sua
juventude em qualquer chance que tivesse. Eu já estava me
acostumando, mesmo que ficasse puto.
Ao sentir alguém tocando seu ombro, ela se virou e o sorriso
vacilou ao ver seu pai.
Ela me procurou pela casa e quando me encontrou deu um
passo em minha direção, eu balancei a cabeça e acenei em direção
a ele.
Confusa, ela aceitou a mão que ele estendeu e os dois
foram para um canto. Ainda que os convidados tentassem disfarçar,
todos os olhos estavam sobre eles.
As garotas do estúdio continuavam dançando, Emma gritou
que estava na hora do bolo, mas eu não desviei meu olhar,
precisava ver pelas expressões dela se Charles iria estragar sua
noite. Falaram por menos de cinco minutos, mas meu corpo quase
desabou em alívio quando ele a abraçou. Ela fechou os olhos ao
encostar a cabeça em seu peito, dali e de onde estavam eu pude
ver que ambos estavam se apertando, abraçando com força,
matando a saudade e ela assentia para algo que ele dizia.
Quando ela se afastou estava sorrindo, tinha os olhos
brilhando e encarava meu amigo como sempre fez: como se ele
fosse o homem mais incrível que já pisou na terra. Eu não tinha
ciúme. Ela me olhava do mesmo jeito, e Charles teria que se
acostumar com isso, que eu não era uma brisa passageira, que o
que tínhamos não iria acabar, que a cada aniversário eu estaria ali,
a cada Natal ela teria um presente meu e no futuro, eu daria a ela a
família que ela queria ter mesmo que não dissesse em voz alta.
Voltei para o lado de Ian e Liam.
— Porra, essa foi por pouco — Ian murmurou. Soltando o ar.
Lian segurou meu ombro.
— Cara, eu não sabia que ele tinha essa estrutura física, sou
um cara confiante, mas se vocês começassem a sair no soco eu
não ia me envolver pra te defender.
— Nem eu, se fosse a minha filha eu ia quebrar a sua cara
toda vez que nos víssemos.
Charles observou enquanto ela se afastava e pela primeira
vez eu não quis que ela viesse até mim, mas ela veio.
Jenna não seguia roteiros e nem aceitava que ninguém
escrevesse um script de como deveria se comportar. Quando seus
braços envolveram minha cintura em um abraço, eu a abracei de
volta, beijando sua cabeça.
Ela me olhou no fundo dos olhos.
— Você não tem ideia de como eu te amo. — Ela beijou meu
peito e se afastou voltando para a pista de dança ainda olhando
para mim.
Os olhos cor de mel brilhantes pareciam chocolate derretido,
o sorriso era o mais feliz e ela por inteira, parecia a porra de um
sonho.
Sim, eu tinha ideia porque eu a amava da mesma forma, até
mais, e iria passar o resto da vida provando isso.
Com quarenta e dois anos eu não sentia que precisava
provar nada a ninguém, mas eu iria mostrar a Charles, a Violet, Kyle
e qualquer um que duvidasse de nós que eu não estava brincando,
que ela não era uma menina e eu não estava me aproveitando dela,
que ninguém nunca tinha vivido um amor tão puro e verdadeiro
quanto nós dois estávamos vivendo.
E pelo sorriso daquela garota que dançaria a noite toda, eu
passaria o resto da vida me dedicando a isso.
EPÍLOGO
"Amor, você pode me sentir?
Imaginando que estou olhando em seus olhos
Eu posso lhe ver claramente, vividamente
Aceso em minha mente"

Mariah Carey, My All

JENNA WALDORF
2 ANOS E ALGUNS MESES DEPOIS

Levou um tempo até que meu pai e Nathaniel voltassem a


ficar bem.
Foram cinco meses para retornar ao hospital, e mesmo
assim papai não se dirigia diretamente a ele. E depois disso, um ano
até que o chamasse para um avanço no desenvolvimento do
tratamento de gêmeos siameses ainda no útero, para evitar os
riscos de fazer a separação após o nascimento.
Papai podia estar com muita raiva dele, mas sabia que Nate
era o melhor cirurgião geral da cidade, e fazia parte da lista dos
melhores médicos especialistas na área dos Estados Unidos.

Com o tempo de pesquisas, viagem para ouvir palestras e


aulas experimentais com internos, eles precisaram voltar a
conversar, e passo a passo as coisas aconteceram. Os dois se
encontraram novamente falando em uma língua pela qual eram
apaixonados: a medicina.
O amor por mim os separou, mas a paixão pela profissão e a
sede de se tornarem pioneiros em uma das questões genéticas que
prejudicava e até ceifava tantas vidas os fez encontrar uma forma
de fazer a parceria funcionar.
Eu ainda me lembrava de um dia em particular, às onze da
noite, já de banho tomado e deitada no sofá em meio às cobertas,
liguei para Nate questionando que horas voltaria para casa.
— Não sei, amor, estou comendo um yakisoba com seu pai
na sala de pesquisa. Ele me perguntou se eu tinha assistido ao jogo
há dez minutos e eu ainda tô meio em choque.
— Ah, doutor — me emocionei junto com ele —, mas vocês
voltaram a se falar há meses.
Ele suspirou.
— Mas foi a primeira vez que ele puxou algum assunto que
não envolvia o trabalho.
Aquela foi a forma silenciosa do meu pai perdoar o amor da
minha vida, e no domingo seguinte, ele aceitou um convite para
jantar conosco — como um casal — pela primeira vez.
Minha mãe e Kyle já tinham dado o braço a torcer há muito
tempo. Eles conheciam Nathaniel e sabiam o quão difícil podia ser
resistir ao charme do meu doutor. Certa tarde, eu estava ocupada
no estúdio, aceitando minha nova missão: dançar para refletir sobre
o que eu queria fazer da vida agora que não vivia mais em função
de temer o câncer, e recebi uma mensagem da minha mãe:
“Vou dar o benefício da dúvida. Que ele não me
decepcione. Te amo, filha.”
Quando Nate passou para me buscar, explicou que a
abordou em sua galeria com um buquê de flores e um convite para
o almoço. Talvez ver que minha mãe reconsiderou, fez meu pai ficar
um pouco mais tranquilo com relação a nós dois. Eu não sabia
exatamente qual motivo o fez perguntar sobre o bendito jogo, mas
chorei quando finalizei a ligação com Nate. De amor, gratidão e
felicidade.
Dois anos atrás, ao ver papai esmurrando seu melhor amigo
no chão do apartamento dele, eu jamais pensei que estaria de pé
em um dos teatros mais ilustres de Washington, aplaudindo
enquanto os dois, e minha melhor amiga — que participou do
estudo como cardiologista — subiam no palco lado a lado para
receber o prêmio por inovação em pesquisa médica e cirúrgica.
Eu e mamãe gritamos lado a lado, e Emma, sentada no
banco de trás, apertou meus ombros com o rosto radiante de
felicidade.
Saindo dali, iríamos para a casa que Ian havia comprado na
cidade há pouco tempo, e passaríamos o final de semana
aproveitando as merecidas férias.
Eu, particularmente, ia roubá-lo para desfrutar de uma noite
no hotel Hamilton, onde deixaria muito claro o quão orgulhosa
estava de seu prêmio, de sua inteligência vibrante e minha vontade
de passar o resto da vida celebrando suas conquistas, que se
tornavam minhas também, juntos.
Depois de fazer um rápido discurso no palco, Nathaniel
virou-se para meu pai e disse algo, e papai virou o olhar me
buscando na plateia. Enquanto ainda aplaudíamos e os dois
permaneciam imóveis lá em cima, ele me observou por um instante,
até que um pequeno sorriso curvou seus lábios, e ele estendeu a
mão para Nate, assentindo e dando tapas em seu ombro.
— O que foi isso? — perguntei à minha mãe, mas ela
apenas encolheu os ombros. Virei para Emma. — Sabe o que foi
isso?
Ela sorriu misteriosa, e ergueu as mãos.
— Eu sou apenas um pontinho na plateia, assim como você.
Curiosa, percebi que teria que esperar até mais tarde para
confrontar meu namorado.

Quando chegamos à casa de Ian, todos os nossos amigos e


família ainda riam do fato que uma limusine foi nos buscar.
— De quem foi essa ideia brilhante? — perguntei sorrindo,
embora tivesse uma suspeita.
Apenas Nathaniel não nos acompanhou, e quando mandei
mensagem perguntando onde estava, ele disse que me encontraria
na casa de Ian.
— Eu quero mais daquele champanhe — Serena cantarolou.
— Eu roubei uma garrafa. — Mamãe gargalhou, e meu pai a
fitou de um jeito que me fez virar o rosto.
— Pelo amor de Deus, eu estou aqui!
— Somos jovens loucos de amor, filha — disse ela —, e
nosso quarto tem piscina privativa. Ian, se queria nos conquistar,
saiba que foi aceito na família faz tempo, mas te amo ainda mais
agora!
Ele riu, abraçando Serena de lado.
— Bom saber, mas vou continuar me esforçando pra
merecer vocês.
Ele não tinha família, e saber da minha mãe que foi aceito
entre nós provavelmente fez a sua noite.
Quando vi todos parando na porta, estreitei os olhos.
— Não vão entrar? Eu preciso de um banho!
— Vá entrando — disse papai com um sorriso pequeno no
rosto.
Fiquei imediatamente desconfiada, encarando um por um,
caindo na real de que algo estava acontecendo e só eu não sabia.
Foi o sorriso de Serena, abraçada ao noivo que me fez ver que eu
não tinha que ficar procurando respostas sendo que a conclusão
estava lá dentro.
“My all” de Mariah Carey tocava baixinho, e a escuridão me
recebeu antes que eu abrisse a porta completamente e visse luzes
baixas de velas espalhadas no chão, e em candelabros altos. Cobri
a boca ao ver rolhas de vinhos marcadas com datas acompanhando
as velas. Todas elas pertenciam aos quadros e jarros do
apartamento dele, onde eu praticamente morava e preenchemos
juntos.
Datas de todas as vezes que sorrimos juntos, que bebemos
gole por gole, até que ele entendesse que o álcool não era uma
arma e ele podia escolher não o tornar uma.
Nós nos apaixonamos a cada rolha, fizemos amor
derrubando garrafas vazias e servimos um ao outro com amor e
devoção.
“Se é errado amar você
Então meu coração não quer me deixar estar certa
Porque me afoguei em você
E não sobreviverei sem você do meu lado”
E no fim do caminho, ele estava de pé.
Impecavelmente lindo, desafiando abalar minha sanidade,
me fazendo perguntar como foi possível que se tornasse meu
depois de ter sofrido tanto e jurado nunca mais acreditar no amor.
Ao caminhar até ele, cantarolei junto à música:
“Eu daria tudo de mim para ter só mais uma noite com você
Eu arriscaria minha vida para sentir seu corpo junto ao meu
Porque eu não consigo continuar
Vivendo na lembrança de nossa canção
Eu daria tudo de mim pelo seu amor hoje à noite”

Ele sorriu como se estivesse me vendo pela primeira vez,


mesmo que diariamente sentisse minha presença, me tocasse
incessantemente e me observasse como um protetor apaixonado e
obcecado.
Ele fechou o espaço entre nós, segurou minha mão sem tirar
os olhos dos meus e beijou as costas dos dedos, mais
precisamente, meu dedo anelar.
— Sim — falei com o mesmo sorriso provocante que o
encantou anos atrás. — Vou dizer sim, mas pergunte mesmo assim,
quero ter essa imagem na minha mente para sempre.
Ele sorriu e segurou meu queixo, beijando-me com uma
delicadeza bruta que apenas ele poderia. Lentamente, ajoelhou-se
na minha frente, sem soltar minha mão, e recolheu um anel do
bolso.
— Minha pequena Jennie. — Suspirou, balançando a
cabeça com os olhos azuis brilhando. — Você me consome. Você
me devora. Você me faz sufocar de amor e devoção por você, pela
sua beleza, pelo seu espírito jovem, pelo brilho que devolveu aos
meus dias. Eu vivo por você, Jenna, e não quero passar mais um
dia sem que você não seja Jenna Sullivan. Vai casar comigo,
Jenna? — Ele se ergueu, impondo-se sobre mim com sua altura e
os ombros largos. — Vai me dar o resto da sua vida mesmo que eu
seja um velho mal-humorado e irritadiço? — Ele cheirou meu
pescoço, enrolando um braço em minha cintura, beijando minha
bochecha. — Quer me dominar pra sempre, garota?
Eu sorri. Se havia outra palavra para descrever uma
sensação de amor e euforia misturada, era ela que eu queria usar.
— Coloque esse anel no meu dedo, doutor, e eu prometo,
não vou tirar nunca mais.
Ele me tornou sua com um enorme diamante envolto de
pérolas brancas pequenas.
Decretou sua posse com um beijo profundo em meus lábios.
E tirou meus pés do chão como se eu não fosse precisar
enfrentar mais um segundo de infelicidade e falta de amor pelo resto
da vida. Eu acreditava em cada uma de suas promessas.
Como poderia ser errado amar aquele homem?
Quem ousaria jogar anos de diferença como empecilho para
que eu não lutasse por um amor épico, apenas por que não
nascemos em sincronia de datas?
Eu dei tudo de mim pelo amor dele e estava sendo
recompensada.
Meu lindo segredo revelado.

FIM.

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