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Cherry tossiu.
Abbi assentiu, concordando comigo.
Enfiei um pedaço da almondega na boca e a mastiguei,
tomando o cuidado de dizer à minha esposa, com um olhar,
exatamente o que eu pensava disto.
O assunto rapidamente se voltou para nabos, abóboras e
cenouras. Abbi detalhava os processos de plantação – pela visão de
uma criança de seis anos – enquanto devorava a comida.
A sobremesa veio em forma de uma torta de peras (“lá da
fazenda”, contou minha filha), servida na sala.
Me abstive da torta, aceitei o café, sentado no sofá macio e
desgastado, enfeitado com almofadas floridas.
Cherry se sentou ao meu lado, mas o mais distante que o móvel
de três lugares permitia.
Abbi se revezava em comer pedaços da torta e mostrar o jogo
de montar, espalhado pela mesa de centro de madeira rústica.
— Falta pouco para o horário de subir, querida — falou minha
silenciosa e tensa esposa, quando a pequena tomou um fôlego.
— Mãe, mas a gente tem visita!
— Amanhã tem escola.
— Mas é dia de reunião de pais.
— Não significa que pode faltar aula.
— Diacho!
— A boca, Abbi — desta vez, a mãe repreendeu com mais
seriedade.
Compreendendo meu papel nisto tudo, estiquei as pernas,
simulando um movimento de encerrar a noite.
— Já é tarde. Eu estava mesmo de saída, Abbi.
— Ah — lamentou a garotinha.
— Podemos nos ver amanhã outra vez.
— É sério? — minha filha me lançou um olhar desconfiado.
Vi muito de mim em seu semblante, reconheci.
— É sim — não olhei para a mulher em busca de autorização.
Era um aviso de que eu não perderia mais tempo.
— Então tá combinado! — a expressão magoada deu lugar a
uma risonha, apressando-se em guardar as peças do jogo.
Precisava que Cherry realmente colocasse a filha para dormir,
ainda havia muito a conversar com minha esposa, e eu não adiaria.
No dia do incidente em seu carro, quando subimos à sua
cobertura, Derek Reynolds me manteve o mais emocionalmente
distante possível. Não chegou a ser frio. Não me tratou mal nem
nada. Foi gentil, deu-me gelo para pôr contra a boca inchada,
chamou um táxi e me deu o resto do dia de folga. Exigiu, na
verdade, que eu fosse para casa descansar.
E vinha sendo essa parede fria desde então. Mal me olhava
quando passava por mim.
Errei ao admitir que era virgem, mas em minha defesa, ele havia
mencionado a questão em primeiro lugar. Agora, tinha quase
certeza de que seria demitida.
Começou com uma suspeita. Depois, um burburinho de que
uma nova vaga de estágio havia sido aberta no gabinete. Então, um
rodízio de pessoas com mais ou menos a minha idade aparecendo
para se reunir com Mônica – para entrevistas, eu supunha – e
ninguém me dizia nada. Até que aconteceu, quase que sem querer.
Eu estava descendo para pegar uma encomenda na portaria
quando um garoto bonito começou a descer as escadas ao meu
lado.
— Você trabalha no gabinete do Senador Reynolds, não é? Vi
você lá.
— Trabalho — falei, observando os degraus que eu pisava, sem
ânimo para levantar a cabeça.
— Consegui a vaga de estágio! — disse ele, como se mal
pudesse se segurar, extasiado.
Eu sabia bem como era esse sentimento. Foi o que senti
quando tive a confirmação de que estava sendo contratada também.
Agora, no entanto, perto de ser demitida, só conseguia sentir
náusea.
— Parabéns — tentei sorrir.
— Ah, desculpe, nem me apresentei. Carter Williams, sou do
Michigan — Carter, que parecia uma boa pessoa, estendeu a mão.
— Cherry. Cherry Contreras — a garota que será demitida.
— É verdade que o homem é duro na queda? Quero dizer, que
ele é rigoroso?
— Uhum... — e quer um conselho? Jamais admita que é virgem
perto dele.
— Legal. Vou começar amanhã — na recepção, ele se
despediu. — Vejo você no trabalho, Cherry!
— Vejo você no trabalho, Carter.
Peguei a caixa na portaria e subi em modo automático. Uma
sensação de tristeza imensa. Gostava de trabalhar aqui. Do
ambiente, principalmente do salário. Só de pensar em me lançar na
grande maratona de procurar emprego outra vez, quis chorar. Teria
que entregar o apartamento. Que encontrar outro em um lugar longe
que eu pudesse pagar.
Sentei diante do meu computador, mas o texto da nova proposta
de emenda era um borrão. Não importava quanto tentasse, não
conseguia me concentrar nele.
Lamento, mas acho que você terá que fazer este sozinho,
Carter.
Meus colegas, quase ex-colegas, iam passando por minha
mesa e se despedindo conforme acabavam seus expedientes. Eram
“Até amanhã” “Tchau, Cherry”, tão amigáveis. Engraçado como hoje
todos fizeram isso. Será que sabiam da minha demissão?
Esperei que Mônica me chamasse em sua sala para dar a
notícia. Em vez disso, ela passou por mim e acenou um: “Estou
esperando aquele relatório para amanhã de manhã no meu e-mail,
Contreras”.
— Pode deixar, entregarei antes de você me chutar, chefe —
falei baixinho, quando ela se foi.
Tudo porque aquele homem de gelo não gostou de ouvir a
minha verdade. Uma que ele praticamente pediu.
Desliguei meu computador, organizei a mesa e fui fazer minha
última tarefa do dia, provavelmente pela última vez. Sabia que ele
estava atrás daquela porta. Infelizmente, teria que entrar e pegar a
louça suja do café, moer mais grãos fresquinhos para o homem que
estava me dando um pé na bunda sem o menor problema.
Dei duas batidas.
— Entre.
Empurrei a porta.
Imerso no que fazia, parecendo mais cansado do que o normal,
ele subiu a cabeça e me viu.
— Ah, você.
Ah, a estagiária insignificante que decidi demitir depois de uma
interação pra lá de inconveniente em meu carro de senador
poderoso.
Muda, mas começando a ferver por dentro, caminhei para o
aparador próxima à sua grande mesa, onde ele tomava decisões
que poderiam afetar a vida de uma nação. Coloquei uma xícara
sobre a bandeja. A força foi tamanha que fez barulho. Coloquei mais
uma. O pote de grãos. Minhas mãos tremiam pela indignação.
— Algum problema, Srta. Contreras? — perguntou em voz baixa
e grave. Como ele poderia ser tão indiferente ao fato de que me
faria desempregada no dia seguinte?
Não pensei ao agir. Se tivesse pensado, não teria feito isso
jamais. Mas quando dei por mim, eu já havia passado a mão no
copo com água e girado em sua direção. Acertei seu rosto em cheio.
— Mas que p...?!
— Se não queria uma virgem trabalhando para você, deveria ter
deixado claro na entrevista, Senador! E se está lembrado, foi você
que me colocou em seu colo! E que veio me provocar sussurrando
no meu ouvido sobre eu parecer uma virgem!
— De que merda está falando, Contreras? — levantando-se, e
com isto parecendo ganhar o dobro de tamanho, ele grunhiu com a
mandíbula apertada. A voz assustadoramente calma.
— De você me mandando embora por uma coisa como aquela!
De você me dando um chute por algo que eu nem tive controle!
— Não teve controle? — arqueou a sobrancelha, letal, enquanto
passava a mão pelo pescoço, onde a água escorria.
— Sentir tesão é humano sabia? Não, é claro que não sabe.
Você é um robô!
Ele quase riu, se não estivesse com aquela expressão tão
friamente ameaçadora.
— Estou te mandando embora porque senti tesão por você, é
isso?
— Não, claro que não ― não era tola de pensar que provocava
qualquer efeito em um homem como ele — Porque eu senti! E quer
saber?, não vou pedir desculpas. Você que começou errando
quando me manteve sentada em você!
— Pegue a caixa de lenços dentro de minha gaveta — ordenou.
— Quê?
— Eu disse para pegar a caixa de lenços na gaveta, Contreras.
Engoli em seco, confusa, meio desnorteada outra vez, sentindo
que perdi uma parte da conversa.
— Por quê?
— Pegue.
Era um comando tão firme que me vi obedecendo. Abri a gaveta
de sua mesa e retirei a caixa. Com a mão trêmula, começando a me
dar conta da grande burrice que fiz, estendi para ele. Derek
Reynolds não me daria uma carta de recomendação. Acho até que
me impediria de encontrar emprego outra vez nesta cidade. Não
haveria mais trabalho para mim em Washington, D.C. Não depois
desse lapso de raiva inútil.
— Venha até aqui.
Ele parecia tão furioso e tão sob controle ao mesmo tempo. Dei
um passo incerto em sua direção, e mais um. Com um metro e
setenta, me senti pequena perto de seu tamanho e força.
— Quem lhe falou sobre sua demissão?
Lambi os lábios secos para separá-los.
— Encontrei Carter nas escadas.
— Carter — ponderou o nome, medindo-o — É assim que
chama o novo estagiário, com intimidade?
— É o nome dele. E ele não sabia que ocuparia meu lugar —
não queira prejudicar o cara.
Derek apertou os olhos, então tornou-se mais frio.
— Comece.
— Começar?
— Quero que seque a minha mesa.
— Se... secar a sua mesa? Mas... — olhei para a poça de água
na madeira escura que eu havia feito. Era humilhante demais.
Contudo, eu já havia feito tanta coisa errada naqueles minutos que
me pareceu certo obedecer.
Puxei um lenço da caixa, sem coragem de encará-lo, e passei
sobre a superfície. E mais um.
Podia sentir a energia tensa emanando de seu corpo.
— Eu deveria exigir que me seque também, Contreras.
E, por alguma razão perturbada, eu adoraria. Mesmo ciente do
que ele havia feito.
— Se quiser, farei isso, senhor.
Derek riu, um sorriso bonito, porém furioso, não alcançou os
olhos.
— Quer me fazer acreditar que é uma garota obediente depois
desse showzinho com a água?
Como era possível de repente me sentir ligada em todos os
lugares, apenas com a provocação que saía de sua boca? Minha
calcinha ficar úmida no dia em que eu deveria apenas estar
chorando de desespero pela incerteza do futuro?
Não estava certo. Nada daquilo.
Baixei os olhos, fugindo do olhar duro, e ao fazer isso, percebi
que não era a única coisa dura nele.
Arregalei meus olhos pela surpresa.
Derek grunhiu.
— Satisfeita? — soava como uma acusação.
Arfei.
— Pelo menos não sou a única — murmurei quase inaudível.
— Fale mais alto, Contreras. Seja corajosa — exigiu.
Subi o rosto e o enfrentei.
— Pelo menos não sou a única, Senador.
Já estava tudo perdido mesmo, de que adiantava negar?
Foi a coisa errada a dizer. Um músculo em sua face perfeita
contraiu com força.
Me enchi de mais coragem:
— Mas não é justo, é? Você também está com tesão e não será
demitido por isso.
— Menininha tola.
— Não sou menininha.
Depois de me percorrer com um olhar intenso, ele meneou a
cabeça.
— É, você é sim.
Apertei minhas mãos nervosamente.
A tensão entre nós quase podia ser cortada, ficou sufocante.
Queria poder voltar cinco minutos no tempo e não ter agido tão
impulsivamente.
— Isso tudo foi um erro — recuei, envergonhada demais por
minha atitude — Me desculpe. Se quiser, não é necessário esperar
até amanhã para o aviso formal. Desocuparei minha mesa e
entregarei a vaga hoje mesmo.
— Faço questão que venha amanhã e desocupe sim sua mesa.
Claro que ele desejaria me submeter a esta humilhação. Era
como me ensinar uma lição. Exatamente como no meu primeiro dia.
— Tudo bem. Farei isso, Senador — só quis correr dali o mais
depressa possível.
— Sua nova mesa ficará no escritório contíguo ao meu. Será
minha assistente direta.
— O quê?! — olhei para cima, para o prazer debochado e irado
em seu rosto de mármore. Derek Reynolds estava furioso e ao
mesmo tempo extraindo toda graça da minha cara.
— Espera eu... eu não vou ser demitida?
— É o que merece.
Santo Deus, eu não podia acreditar.
Promovida.
Em vez de demitida, promovida!
E quase arruinei tudo!
— Nossa, me desculpe, Sr. Reynolds. Desculpe de verdade.
Eu... nossa, que vergonha — tapei meu rosto, mortificada,
desejando ser tragada por um buraco — Acha que há algo que eu...
que eu possa fazer para me desculpar... estou tão... nossa, que
vergonha.
— Vá para casa, Contreras — ordenou.
Assenti freneticamente. Não testaria ainda mais a minha sorte
ficando.
— E Cherry.
Meu nome. Algo que jamais pensei ouvir de sua boca. Subi os
olhos devagar, atenta.
— Sim, senhor.
— Da próxima vez, não terei a mesma tolerância — tão perto
como estávamos, li cada palavra em sua boca perfeita e firme.
— Sim, me demitirá e tem toda razão em avisar, Senador.
Derek fingiu ponderar minhas palavras por meio segundo, então
sacudiu a cabeça, quase cruel.
— Possivelmente, sim. Mas antes, esteja certa que eu a
ensinarei, da minha própria maneira, que não gosto de ser
desrespeitado.
Sua própria maneira. Estava quase claro que envolvia algo
físico, talvez até... sexual.
Uma conferida e notei que ele ainda estava duro. Bastou descer
o olhar para o volume mal contido em sua calça.
— Recado entendido, senhor — baixei a cabeça em reverência.
Como a boa garota que eu era, porque além de precisar muito do
emprego, meus ossos sentiam que eu deveria, que queria, ser
submissa a esse homem — Da próxima vez, me puna como achar
melhor.
Corri dali, porque não queria saber se minha provocação sutil foi
entendida como tal.
Fiquei do lado de fora do quarto enquanto a mãe colocava a
filha para dormir. Havia um ritual na casa: banho, pijama, escovar os
dentes, contar uma história. Uma dinâmica natural para elas.
Ouvi a fábula contada por Cherry, sobre uma princesa pobre
que conheceu um príncipe e recebeu uma proposta de casamento
sem sequer se conhecerem direito (esta parte, enfatizada pela
mãe). Eu não entendia muito bem de histórias infantis, mas podia
jurar que não acabava com a princesa se recusando a casar, ou
mesmo conseguindo um trabalho vendendo maçãs e se tornando
bem-sucedida com o próprio esforço... mas compreendi o ponto.
Cherry estava criando a filha para ser independente, ter o
próprio ganho sem depender de ninguém.
Eu me recusei a comparar essa história com a nossa. A
reconhecer a semelhança. Cherry ter fugido com uma filha minha na
barriga anulava todo o resto.
Não há erro que eu pudesse ter cometido que superasse omitir
um filho.
Quando saiu silenciosa do pequeno quarto enfeitado, deixou
apenas uma fresta da porta aberta. Deparar-se comigo a
aguardando foi uma surpresa para minha mulher. Levantei a
sobrancelha. Se ela esperava que eu desse o fora sem
conversarmos, me conhecia pouco demais.
Segui seus passos escada a baixo. Entrei na cozinha atrás dela
e me recostei ao balcão enquanto Cherry enchia a máquina de lavar
com a louça suja.
— Me fale sobre essa reunião.
— O quê? — subiu a cabeça para mim, confusa.
— A reunião que Abbi mencionou, na escola.
— Ah.
Cherry suspirou pesadamente. Fechou a máquina e olhou em
volta. A garrafa de vinho branco descansava sobre a ilha de
madeira.
Despejou uma taça cheia, e somente então se lembrou de
oferecer.
— Quer?
— Tem algo mais forte?
Fazendo um muxoxo com a boca, pensou. Foi até um armário
alto e retirou uma garrafa de conhaque.
— Willie me deu de presente em meu último aniversário.
Willie, Eva, Charles, pessoas de seu convívio, desconhecidos
completos para mim. Uma parte de sua vida que não me inclua.
Aquele lado possessivo rugiu em meu peito. Fiz o que pude para
ignorar. Esperei que me servisse um copo.
— É amanhã, às dez da manhã — explicou — Em um mês
acaba o ano letivo, então os professores gostam de fazer esse
encontro para reportar o desempenho.
— Como ela é na escola?
Um assunto fácil, seguro, deu para ver em seu rosto.
— Surpreendente. Boas notas, boas relações com colegas,
professores, funcionários. Participativa. E será a atriz principal do
espetáculo de encerramento.
Minha filha. Orgulho inflou dentro de mim.
— Ela gosta daqui — disse minha esposa, significativamente —
Conhece todo mundo desde pequena, se sente bem em Marble
Falls.
— Quero ir à reunião com você — avisei, irredutível.
Cherry suspirou e apertou os olhos.
— Ouça, Derek. Sei o que está sentindo e...
— Sabe mesmo? — cortei-a, encarando por trás do meu copo
— Diga-me, Cherry, como estou me sentindo? Traído? Enganado?
Furioso por ter sido privado de conviver com uma filha que eu
desconhecia a existência até ver um vídeo na internet? Passado
para trás por uma esposa mentirosa?
— Não menti para você — defendeu-se com bravura, apesar do
semblante cansado — Nunca menti para você.
— Omitir não é uma mentira, por semântica?
— Não sabia que estava grávida quando deixei Washington
D.C.
— Quando me abandonou, você quer dizer.
— Você me mandou ir.
— Não. Não mandei — a fera rugiu baixinho em meu peito —
Se se lembra bem daquela noite, não deveria repetir isso.
Se ela se sentia irritada, ultrajada, eu me sentia mais. Muito
mais. Porra, eu me sentia doente pela fúria!
Cherry encarou o chão, sacudindo a cabeça.
— Falar do passado não vai mudar nada, agora — a mágoa em
sua voz quase me fez sacudi-la. Que direito ela tinha de estar
magoada, porra?!
Observei-a inspirar fundo e virar todo o vinho em uma golada.
— Não quero que a leve daqui.
Direto ao ponto, ótimo.
— Ela precisa estar onde eu estou — fui enfático.
— A vida dela está nessa cidade, Derek.
— Uma muito melhor a aguarda em Washington. Escolas
melhores. Oportunidades.
Um sorriso descrente surgiu em seu rosto, enquanto voltava a
negar com a cabeça.
— Uma menina de seis anos não precisa de oportunidades!
Precisa de estabilidade, um lar, amigos, pessoas que ela conhece e
ama.
Entornei o maldito conhaque de uma vez também.
— Só não há pessoas que ela conhece e ama lá porque você a
privou disto! — acusei — Minha mãe e irmã sequer sabem da
existência de uma filha minha. Acha isso certo, Cherry?
— Elas também não me conhecem — falou tão baixo que
pensei não ter entendido direito.
— O quê?
Seu olhar magoado mergulhou no meu:
— Sua mãe e irmã, elas também não me conhecem.
Não permiti que a dor em sua afirmação se transformasse em
culpa dentro de mim, portanto ataquei:
— Acha que é uma atitude boa para a menina, continuar
escondendo o que ela pode ter lá?
— E o que ela pode ter? Seu dinheiro? — atacou também.
— Eu! — vociferei em voz baixa — Eu, porra. O pai dela!
Nem me dei conta de que cortei a distância entre nós. De que a
estava pressionando com meu corpo junto ao balcão.
Quando percebemos, juntos, a proximidade, foi uma merda de
um choque, uma maldita descarga elétrica.
Meu pau, se fosse possível, a farejou. Fosse pela raiva ou pelo
motivo que quisesse, ficou duro na calça. As bolas pesaram.
Grunhi.
Cherry arfou baixinho.
Por um instante me vi sendo transportado ao passado. Quando
seus gemidos eram o único som no ambiente. Quando eu me
afundava nela com fome, violência, com um querer insaciável.
Fiz para atingi-la. Para tirar sua audácia. Para colocá-la no lugar
a que pertencia: uma egoísta, imatura, que na primeira briga deu o
fora como uma covarde.
Obtive sucesso em meu objetivo.
Mágoa, vergonha, culpa atravessaram seus olhos cinzas. A
boca se abriu, mas eu a cortei antes que pronunciasse as palavras:
— Não se atreva — grunhi baixinho por entre os dentes
apertados — Não se atreva a pedir desculpas.
Caralho, como eu queria puni-la. Como queria fazer com que se
sentisse metade de como me senti naquela época.
— Eu não ia — mas o tom de sua voz dizia o contrário.
— Ótimo. Quando eu levar minha filha comigo, quero ter certeza
de que enfrentará o resultado de suas ações com a mesma maldita
coragem que teve para fugir de minha vida daquele jeito.
Não consegui ficar nem mais um minuto perto dela.
Olhar para essa mulher, porra, olhar para Cherry estava me
fazendo mal.
Descobrir que eu ainda me sentia do mesmo jeito, que ainda a
desejava, que ainda a am... não. Porra, não! Eu não sentia mais
nada por ela.
Estava aqui, nessa cidade, somente por minha filha.
— Irei à reunião amanhã — avisei.
Antes de dar o fora, deixando a mulher de cabeça baixa na
cozinha da pequena casa de bonecas que criou para si, cobrei:
— Quero aquela autorização para o exame assinada, amanhã.
O ar quente da noite foi bem-vindo.
Enchi o peito, esperando meu coração estúpido voltar à
normalidade.
Maldita fosse!
Cherry não iria me cegar novamente.
Não iria atrapalhar meu juízo, como no passado.
Eu não era o mesmo.
Se antes me sentia endurecido, agora estava pior. Agora meu
peito estava protegido pelo caralho de uma parede de aço.
Ela não encontraria o caminho para dentro outra vez.
Eu amava meu emprego. De verdade. Estudar a necessidade
de determinado projeto de lei e o impacto na vida de setores, de
pessoas. Desde sempre, quando ainda dependia do sistema, já
compreendia que tudo girava em torno da política e de quem a fazia.
E não podia estar em um lugar melhor do que trabalhando para
Derek Reynolds. Ele, mais do que qualquer outro senador,
conseguia movimentar o jogo. Ter influência sobre as decisões de
seus pares. Era feroz no que queria. Eu o admirava por isso.
A única coisa que eu não gostava era de sua frieza comigo. Das
respostas curtas. De como evitava me olhar durante as reuniões,
apesar de elogiar minhas ideias e iniciativas, e evitava ficar sozinho
comigo. Usava Mônica como um tipo discreto de amortecedor entre
nós.
O Senador estava fugindo de mim.
Em contrapartida, encontrei em meu substituto um amigo. Carter
era um garoto engraçado, inteligente, observador. Vínhamos
passando tempo juntos, já que ele me ajudava com levantamentos
importantes, e descíamos para almoçar aos arredores do Russell
Senate Building algumas vezes.
— O Reynolds é um cara fechadão, não acha? — comentou ele,
certo dia.
Carter também tinha vinte anos, assim como eu.
— Acho que é o jeito dele. Além de quê, ele meio que tem uma
reputação a zelar. O mundo está sempre atento ao que faz, então...
— Aquela jornalista no New York Times tem uma queda pelo
cara, só pode. Toda semana ela consegue meter o nome do
Reynolds em alguma matéria.
E quem não tem?, pensei. Eu tinha mais do que uma queda, era
uma paixãozinha mesmo. Absorvia seu cheiro profundamente,
quando ninguém estava olhando. Ainda gostava de organizar o
cantinho do café dele. E ainda fantasia com o Senador, à noite,
sozinha na intimidade do meu pequeno apartamento.
— Por falar nisso... eu estava pensando — disse ele, quando
subíamos de volta ao andar — Será que você, sei lá, um dia destes
não estava a fim de, tipo, sair comigo?
Olhei para o garoto bonito. Ar descontraído. Olhos verdes e
sinceros. Jovem demais. Tão diferente do homem que estava se
tornando uma obsessão para mim.
— Eu... — mas fui salva de responder com a entrada de
algumas pessoas no elevador.
Eu deveria aceitar. Deveria sair um pouco. Perder de uma vez
aquilo que já estava se tornando um problema. Se eu transasse com
alguém, quem sabe não apagaria Derek da cabeça? Era do que
precisava, com urgência.
Entrei em minha nova sala, contígua à do Senador e abri meu
computador. Passei as próximas horas imersas em um relatório
quando alguém bateu e entrou. Era Carter. Trazia a pasta com os
levantamentos que solicitei.
Havia um sorriso charmoso em seu rosto, ao sair.
Quando abri o relatório, um post-it grande estava colado à
primeira página.
“Cherry quer sair com Carter ( ) sim | ( ) não.”
A criatividade me fez rir.
Colei o post-it na mesa e continuei a trabalhar. Meu cabelo,
como sempre, estava preso em um coque baixo, mas devo ter
apertado demais naquela manhã porque senti o puxão nos fios o dia
todo. Como a maioria dos funcionários do gabinete já havia partido,
decidi que não havia nada de mais em soltá-lo. Foi um alívio quando
tirei o último grampo. Cheguei a gemer baixinho.
E foi assim que meu chefe me encontrou, quando passou pela
porta que unia nossas salas – a primeira vez que a usava.
Derek, como sempre, estava lindo. Não tão impecável, porque
seu cabelo, grosso e ondulado, sempre penteado para trás, estava
ligeiramente mais bagunçado. Dava a sensação de que ele havia
passado os dedos por ali. E, cacete, só o tornava ainda mais
atraente.
— Contreras.
— Senhor.
Devagar, ele se aproximou da mesa, uma das mãos dentro do
bolso do terno claro. Examinou meu cabelo, pela primeira vez solto.
Notei a maneira como suas narinas se dilataram. Será que ele
sentia essa coisa queimando a pele sempre que estávamos no
mesmo ambiente? Nenhum romance de banca fazia jus a esse
sentimento. Nem o mais picante, jamais me deixara tão inquieta
quanto eu ficava em sua presença.
Pigarreei.
— Acho que temos que pensar em medidas para incluir
empresas em estágios iniciais de desenvolvimento que, apesar de
terem um grande potencial de crescimento, ainda não alcançaram
uma receita significativa ou uma situação lucrativa, Senador...
Vi quando sua atenção se deteve sobre minha mesa. Uma ruga
se formou no meio da testa, quase imperceptível. A mão, imensa e
bronzeada, apanhou algo sobre a superfície. O post-it. Conforme lia
e entendia, sua mandíbula apertou. Só que eu não esperava pelo
que fez a seguir. Foi total e completamente surpreendente vê-lo
apanhar uma caneta do meu pote e traçar um x no papel, antes de
devolvê-lo ao mesmo lugar.
Acompanhei onde assinalou. “Não”. Um risco forte e
determinado respondendo por mim.
— Não permito esse tipo de coisa em meu gabinete, Contreras
— apesar de calmo, havia uma ondulação diferente em sua voz.
Quase feroz.
Será que estava com ciúmes? Um lado doentio de mim amou a
ideia. O lado mais racional, no entanto, foi responsável por
avermelhar minha face, porque realmente não era nada profissional
aquele tipo de bilhete. Mas o lado doentio foi mais rápido em mover
minha boca:
— Apenas me sentar em seu colo e falar sobre a minha
virgindade, senhor? — perguntei quase desafiadora, apesar da voz
baixa e obediente. Derek Reynolds não esperava. Ou esperava,
talvez, porque me encarou com tamanha intensidade que quase
derreti.
— O que falei sobre comportamentos impertinentes, Srta.
Contreras?
Engoli em seco. Excitada rápido demais. Eu era tão idiota.
— Que me ensinaria uma lição.
Encarei-o sob meus cílios, cabeça inclinada para baixo, quase
em submissão. Meu instinto me dizia que era disto que gostava. A
submissão era o que o tirava do controle rígido. Derek era o tipo de
homem poderoso, que fazia o mundo se dobrar às suas vontades.
Não aceitava não como resposta. Era implacável com seus
adversários políticos. Deveria ser assim na intimidade também.
Ele espalmou a mesa e se inclinou devagar para mim. A
mandíbula apertada. Seu cheiro, cheiro de homem de verdade, me
inundou, era meu oxigênio no momento.
— É o que quer? Minha atenção. Por isso está dando liberdades
ao garoto?
— Não dei nenhuma liberdade, Sr. Reynolds.
— Este pedido mostra o contrário.
— Carter é um amigo — atrevi-me a dizer.
— Gosto que minha equipe trabalhe em harmonia, mas não se
deixe enganar, senhorita Contreras — antes de voltar à posição fria
de antes e sair da sala, ainda disse — Você não está aqui para fazer
amizades.
Tive vontade de arremessar o pote de canetas contra a porta
fechada entre nós. Como ele podia ser tão arrogante?
Um tempo depois, de queixo erguido, fui fazer minha última
obrigação do dia. Ajeitar o aparador de café de sua sala, substituir a
louça suja.
Encontrei-o somente de camisa, a gravata e o blazer já não
estavam em seu corpo. O cabelo estava mais agitado, como se
nosso encontro anterior o tivesse incomodado a ponto de tornar
suas mãos inquietas.
Eu me sentia inquieta também. Irritada até.
Derek não se dignou a me dar um olhar sequer enquanto eu
atravessava sua sala. Coloquei a xícara suja sobre a bandeja de
forma brusca e saí a passos duros da sala. Quando voltei, meu
humor não estava melhor. Organizei as coisas ruidosamente. E
talvez meu comportamento tenha atingido um limite, porque a
caneta em sua mão foi solta de qualquer jeito sobre a mesa, e
Derek Reynolds inspirou com força.
— Qual é o problema, Srta. Contreras?
— Nenhum — organizei o aparador sem olhar para ele.
— Então, por que está se comportando desta maneira infantil?
— Não há nada de infantil em fazer o meu trabalho, senhor —
resmunguei em voz baixa.
— Devo presumir que não gosta desta tarefa, então? Pelo que
sei, você se ofereceu para continuar vindo aqui. Seu namoradinho
pode muito bem fazer isto.
Por que ele estava sendo tão irritante? E por que eu estava me
sentindo tão furiosa? Virei o rosto para ele; Derek estava me
encarando, olhar afiado, me desafiando em silêncio. Fiz o que
obviamente desejava, caí na armadilha de rebater:
— Meu namoradinho? — inclinei o rosto de lado, fingindo
pensar a respeito — Significa que repensou sua regra de não-
confraternização entre funcionários?
Um brilho escuro cintilou em seu olhar.
— Saia com ele e o garoto estará na rua.
— E não eu? Não me parece justo, senador.
Pronto, eu finalmente, com esse atrevimento, havia ido longe
demais. Soube assim que as palavras deixaram minha boca. Derek
Reynolds, imponente, poderoso, seguro de si, relaxou na cadeira,
estudando meu rosto. Se eu fosse tola, podia pensar que estava
indiferente. Mas eu não era. Sentia sua fúria irradiando em ondas.
— Aproxime-se, Contreras.
— Não — neguei, só que desta vez sem nenhuma audácia.
Apenas instinto.
— Não me faça repetir.
Minhas pernas moveram por conta própria. Quase sem ar, fui
me aproximando.
— Contorne a mesa.
Engoli em seco, enquanto fazia o que exigiu.
— Olhe para mim — ordenou, quando eu já estava próxima o
bastante para quase tocá-lo.
Fiz, subi meus olhos devagar, quase que magneticamente.
Santo Deus, ele era tão lindo, tão... perfeitamente lindo. O ar ficou
rarefeito. Meu coração, com a proximidade, descompassou.
— Uma boca-dura, Contreras?
— Desculpe — murmurei.
— Incline-se.
— O... o quê? — sibilei sem fôlego.
— Cotovelos na mesa, Contreras. Não me faça repetir.
— Senhor...?
Seu peito forte se encheu devagar. O olhar mais escuro e feral
do que nunca. Irreconhecível. Seu semblante ficou irreconhecível
para mim, como se o animal selvagem sob sua pele finalmente
viesse à superfície dar um vislumbre de si.
Senti medo.
E tesão. Muito tesão.
Tudo ao mesmo tempo.
Meu corpo simplesmente obedeceu ao seu comando. Apoiei
meus cotovelos em sua mesa. Ao fazer isso, fiquei praticamente
curvada sobre ela. Um prazer furioso perpassou seus olhos. Dava
para ver um tipo de luta sendo travada ali, quando percorreu o olhar
para como eu estava. Eu, ofegante. Ele, mandíbula travada, narinas
infladas.
— Pretende sair com o garoto? — grunhiu baixo.
— Talvez — murmurei, ciente de que era a coisa errada a dizer.
Ou a certa, se meu desejo era tirá-lo do controle sempre tão rígido.
O primeiro tapa em minha bunda veio sem aviso. Uma mão
poderosa que me acertou em cheio. Subi no lugar, dando um
gritinho pelo susto. Mas não tirei meus cotovelos da mesa.
— Por quê?
— Porque sim! — desafiei, rouca, excitada em um ponto que
pensei que fosse passar mal. Outro tapa. Fechei os olhos quase
alucinada. Aquilo não era real. Eu deveria estar sonhando. Ou
fantasiando em mais uma masturbação solitária em meu quarto. Só
podia ser isso.
— Por quê? Quer me provocar?
— Não!
Tapa.
— Também! — admiti. Minhas pernas estavam quase cedendo.
— Qual outra razão? — o som gutural nem parecia sair dele.
— Nenhuma — recusei confessar. O tapa seguinte me fez
encostar a barriga na mesa. Minha vagina latejava com força. A
bunda, formigava pela ardência.
— Sinceridade, Contreras. Exijo sinceridade daqueles que me
cercam — avisou.
Por cima do ombro, olhei para seu rosto, sombrio pela tensão.
Mais lindo do que nunca. Mais potente. Meu coração galopou com
força. Engoli em seco.
— Quero perder minha virgindade de uma vez, senhor — admiti
quase sem voz, impactada pela figura do homem tão poderoso, tão
furiosamente dominante, me olhando de olhos semicerrados,
analítico.
Ousei pousar o olhar em sua virilha. O volume ali. Monumental.
— Acha que aquele bostinha pode dar o que precisa? — mas
em vez de me golpear outra vez, sua mão alisou o interior de
minhas coxas. Foi instintivo separar um pouco mais as minhas
pernas. Ele riu, sem humor.
Dedos longos provocaram um pouco acima, quase na linha da
polpa de minha bunda, que graças às caminhadas diárias no
caminho para o trabalho e casa, era até bem firme para o tamanho.
Tardiamente, me lembrei de responder:
— Acho que preciso disto para parar de... — mas foi aqui que
não tive coragem de ir em frente.
— Parar do quê? — ordenou saber.
Inspirei entrecortado, mordendo a língua. Não diria. Não falaria
em voz alta jamais.
Desprevenidamente, outro tapa me atingiu. Eu enlouqueceria.
Nem no meu sonho mais molhado, imaginei essa cena aqui
acontecendo. Eu simplesmente enlouqueceria. Apoiei a testa sobre
a mesa fria.
— De me masturbar pensando em você, senhor — sussurrei, os
pulmões queimando. A pele ardendo. Minha vagina pulsando a
ponto de eu querer colocar minha mão entre as dobras e me
acariciar para aliviar. Foi o que tentei fazer.
— Cotovelos na mesa! — a voz gutural me impediu.
— Preciso... — murmurei sem som.
Dedos longos voltaram o caminho para baixo da saia. Desta
vez, ultrapassando a linha da polpa do bumbum.
— Sinto o seu cheiro, Contreras. Sinto o tempo todo o seu
maldito cheiro — o toque alcançou o tecido de minha calcinha — Sei
quando está excitada. Reconheço desde que se sentou em mim
naquele carro. É o que está sentindo agora, não é? — roçou
suavemente minha vagina — Olhe só para você, enxarcada.
Meu rosto corou com força. Tentei fechar as pernas. Um dedo
me invadiu por baixo da calcinha quase que como punição. Separei-
as mais. Derek rosnou.
— Tão molhada. Tão fácil de entrar em você.
Conforme o dedo ia abrindo caminho, eu perdia as forças nas
pernas. Tentava me mexer, me aproveitar dele. Era um sonho. E se
era, então eu faria todas as loucuras que tinha vontade.
Rebolei gostoso naquele dedo.
Mas de um minuto para o outro, ele saiu de mim.
Choraminguei.
Senti a pressão de suas mãos rasgando a lateral de minha
calcinha pequena. Uma, depois a outra. O tecido caiu como um
trapo no chão. Surpreendendo até a minha alma, meu quadril foi
agarrado e girado com facilidade, de forma que me vi sentada em
sua mesa, aberta para ele.
O Senador agora tinha uma visão completa de mim. Suas
pupilas dilataram. O rosto ficou mais duro. Tenso. Queixo erguido.
Furioso, mas não indiferente. Jamais indiferente agora.
— Apoie seus pés — foi uma ordem. Apoiei as pontas de meus
sapatos de saltos novos, uma em cada lado de sua cadeira, nos
descansos para os braços.
Derek me puxou pela bunda de modo que fui mais para frente,
para ele.
Encarando-me como se dissesse: “Você ainda me pagará por
isso, Contreras”, ele aproximou o rosto de minha intimidade exposta
e... e desceu a boca sobre ela. Fechei os olhos, mãos espalmadas
sobre a mesa, corpo arqueado para trás no primeiro contato de seus
lábios quentes contra minha boceta.
Gemi quando lambeu meu clitóris, quando o sugou.
Eu me sentia em um sonho.
Derek me invadiu com a língua. Agarrei seu cabelo. Ele
mordiscou meus lábios externos. Lambeu com tanta devoção.
Chupou tão gostoso. Que sonho maravilhoso! Que delícia! Esse
homem implacável se banqueteando comigo como se eu fosse a
coisa mais saborosa que já provou.
Meus gemidos ecoavam pela sala. Foi assustador. Quando
aquela eletricidade, antes familiar, começou a aquecer e se mover
em meu ventre de uma maneira diferente do que havia sido até
então com as masturbações, mais potente do que nunca, me senti
completamente assustada.
Mas não dava mais tempo de raciocinar sobre a diferença.
Sobre nada.
Quando o orgasmo alcançou seu pico máximo, quase
convulsionei, aterrada pela violência dos tremores, pela destruição e
reconstrução acontecendo ao mesmo tempo. Cedi para trás, caída
sobre a mesa, sem ar, exaurida pelo prazer. Assustada que meu
corpo fosse capaz de tanto.
Era um sonho. Só poderia ser.
Depois de minutos, que poderiam muito bem ser horas porque
realmente perdi a noção de tempo, quando meu coração já voltava a
bater num compasso normal, abri meus olhos. Encarar o lustre de
cristais no teto fez a realidade me atingir com força.
Provoquei meu chefe, falei coisas, permiti coisas. Coisas que
não deveriam de forma alguma acontecer entre nós.
Eu sabia disso.
Ele sabia disso. Estava em pé, de costas, sua silhueta
encarando a avenida silenciosa lá embaixo. Ombros rígidos,
músculos tensos na penumbra. As mãos enfiadas nos bolsos. Derek
era um homem correto. Todos o respeitavam por uma razão.
Provavelmente estava arrependido. Com a maior discrição que
consegui, em silêncio desci da mesa, atravessei a porta entre
nossas salas, recolhi minhas coisas, tirei os saltos, calcei o tênis e
desci para partir.
Na portaria, encontrei Iron, motorista e segurança particular de
meu chefe. Não tive coragem de cumprimentá-lo do jeito certo,
apenas movi a cabeça, logo antes de baixá-la. Mas Iron não estava
parado ali sem razão.
— O Senador pediu que a leve para a casa, senhorita.
— Não precisa, mas... obrigada — eu mal consegui encará-lo.
— Devo me corrigir: Não foi um pedido — foi uma ordem. Claro
que sim.
Tudo bem que estava um pouco mais tarde do que o habitual,
mas eu caminhava para casa todos os dias. Não havia nada de
errado nisto. Bastou um passo mais, no entanto, para eu me tocar
do óbvio: estava sem calcinha. Meu gozo melado entre as pernas.
Aceitei, sem criar caso. Minha cabeça começava a doer pela
irresponsabilidade, também. Seria bom chegar rápido em casa.
Não foi propriamente uma surpresa encontrar Derek na escola
antes de mim. Mãos nos bolsos da calça jeans, observava
atentamente o mural dos alunos na sala de aula, ouvindo o que a
Sra. Wren, a professora de Abbi, dizia.
Parei por um segundo para observá-lo, sem poder evitar.
Camiseta preta, jeans desbotado, tênis. Derek estava com
quarenta e quatro anos agora. E a única coisa que revelava
minimamente sua idade, talvez, era a pequena mecha de cabelo
grisalho em sua têmpora. Ainda tinha o corpo forte, mais do que
antes. Ombros largos. Peito definido. Coxas grossas dentro da
calça.
Seu rosto ainda conseguia arrancar o fôlego, mesmo de uma
mulher discreta como a Sra. Wren, que olhava para Derek enquanto
falava, como se visse um grande pedaço de presunto.
E ele ainda conseguia mexer com meu coração. Disparar. Como
se eu fosse a jovem deslumbrada de antes.
Da mesma forma que senti sua presença, antes de vê-lo, notei
que ele também sentiu a minha. Devagar, girou a cabeça para a
porta.
Seus olhos, quando me encontraram parada, pega no flagra,
estreitaram discretamente. Ele sabia o poder que exercia. Claro que
sim, afinal era um dos políticos mais influentes do mundo, não à toa.
Pigarreei, levantei a cabeça e entrei na sala.
— Boa tarde, Sra. Wren.
— Cherry, querida, como vai? — mas no rosto da mulher dava
para notar o espanto e a sutil acusação por eu ter omitido a
identidade do pai de Abbi — O Sr. Reynolds veio... uhum... para a
reunião da... uhum... filha.
Mas que droga, ele não tinha o direito! Assenti, me forçando a
sorrir. Só que o sorriso não saiu do jeito certo. A expressão
desafiadora de Derek me disse isso.
— Vejo que já se conheceram.
— A Sra. Wren estava me contando sobre o desempenho da
Abbi.
— Entendo... — falei, quando o que eu queria mesmo dizer era:
“Você não tinha o direito de sair revelando isto por aí!”.
— Querida, você nunca me disse que... — a professora do
jardim de infância, sem notar a tensão, se colocou ao meu lado —
Que o pai da Abbi era o Senador.
— Não temos certeza ainda — falei sem pensar.
Derek rosnou, ou pensei que fosse essa a justificativa para o
som que saiu de seu peito. Mas quando olhei, o encontrei sorrindo.
Era uma risada.
— Minha esposa tem um senso de humor tão... único.
Semicerrei os olhos para ele, fulminando-o.
— Esposa? — as sobrancelhas da Sra. Wren quase alcançaram
a raiz dos cabelos ruivos.
— Nós nos casamos em uma linda cerimônia, antes de Abbi
nascer — Derek explicou, gostando de me constranger — É uma
surpresa que ela não tenha mencionado à professora de nossa filha.
— Estamos nos divorciando — contei, acima de sua alfinetada,
para a estarrecida senhora entre nós.
— Mas ainda somos casados — esclareceu ele, impositivo, sem
perder o charme político.
— Entendo, entendo — a professora, coitada, olhava de um
para o outro como se não entendesse absolutamente nada.
— E então? — segurei minha bolsa bem apertada, ansiosa com
essa situação — Como Abbi tem se saído, Sra. Wren?
— Ah, nossa garotinha é uma joia! Claro, isto você já sabe, não
é Cherry? Falante, curiosa, cheia de personalidade — a mão
enrugada apontou para o mural — Criativa.
Em geral, o que ela queria mesmo dizer com isso? “Abbi é
terrivelmente inteligente, me faz perguntas de cair o queixo, tais
como ‘professora por que os homens não se sentam para fazer
xixi?’ ou ‘por que a senhora nunca casou?’; constantemente tenho
de pedir que fique em silêncio durante as aulas, mas as notas dela
são ótimas, porque vocês têm uma filha muito competitiva, e agora
sei por quem ela puxou”
— Vou sentir falta dela no próximo ano — suspirando, a mulher
uniu as mãos junto ao peito. Não tinha bem certeza se ela realmente
sentiria, e isso deve ter ficado estampado no meu rosto.
Derek sorriu. Me peguei mordendo um sorriso também. Alguns
minutos depois, quando outro casal de pais entrou na sala, exigindo
a atenção da professora, Derek provocou em voz baixa:
— Aposto como metade dos cabelos brancos dela não estavam
ali antes de nossa filha.
Cada palavra penetrou meu coração, elevando o calor de um
jeito novo. O orgulho desse homem, ainda que mal conhecesse Abbi
direito, era tocante demais.
— Você ganhará um bom dinheiro. Precisa ver os recados na
agenda — sorri com cumplicidade. E cometi o erro de encarar seus
olhos escuros. De mergulhar neles.
Derek seria um bom pai para Abbi desde o início. Foi essa a
verdade que enxerguei ali dentro.
— Nossa filha ama a escola — falei sem pensar.
— Então é estudiosa como a mãe — falou ele, mais rouco.
— E o pai também.
Ficamos nos encarando ali, parados, por um momento como se
não houvesse mais ninguém em volta. Fui eu a quebrar o contato,
me lembrando que havia sim. Pigarreei.
— Preciso voltar ao trabalho.
— Quer uma carona? — perguntou, enfiando as mãos nos
bolsos outra vez. Tão focado em mim, tão intenso como sempre.
— Vim dirigindo — encolhi o ombro.
Assentiu. Mas nenhum de nós se mexeu.
— Quer jantar em casa esta noite... quero dizer, se não tiver
nenhum compromisso?
Porcaria, por que eu estava fazendo isso?
Derek ficou um pouco mais sério.
— Quero.
Foi minha vez de sacudir a cabeça.
— Certo.
Baixei os olhos para minhas sandálias, que em breve seriam
substituídas por tênis no trabalho.
— Não tenho compromissos, Cherry — acrescentou ele — Meu
único objetivo nesta cidade é conhecer minha filha.
Engoli em seco.
— Supostamente.
Ele arqueou a sobrancelha. Esclareci:
— Ainda não fizemos o exame.
— Basta que assine aquela autorização — havia um quê de
acusação, que quebrou qualquer cumplicidade que poderia ter
existido minutos antes — Você a trouxe?
Contra minha vontade, abri a bolsa e entreguei o documento
para ele. Minhas mãos tremiam. Não havia outra escolha. Se eu não
fizesse de bom grado, poderia se voltar contra mim. Derek não
admitiria ser enrolado. Ele teria esse exame de um jeito ou de outro.
— Ótimo.
— Quero estar junto, no dia — exigi, em voz baixa. Mas meu
ainda marido fez questão de me mostrar que eu não estava em
posição de exigir nada:
— Ela também é minha, Cherry — sentiu-se impelido a me
lembrar — Não importa quanto tempo isso leve, eu e você
conhecemos o final dessa história.
Tensa em cada músculo, eu o encarei:
— Não vou abrir mãe dela, Derek.
— Em tampouco, Cherry — avisou, perigosamente sério. Seu
rosto era duro. O meu, deveria ser um reflexo.
Mas ficar ali, fazendo o jogo de encarar, não nos levaria a lugar
algum, então, apertando minha bolsa contra mim, falei:
— Vejo você mais tarde.
Saí da escola o mais depressa que pude. Em minha
caminhonete, derrubei a testa contra o volante, olhos marejados.
Abbi era tudo para mim. Jamais permitiria que ele a levasse... e não
sabia como conseguiria evitar.
Era o mesmo que assistir a um desastre prestes a acontecer.
Um trem de carga fora dos trilhos vindo em minha direção.
Minha filha ficaria magoada quando descobrisse o que fiz. Ele
usaria minha omissão em seu benefício.
Eu tinha de entrar em um acordo com Derek antes disso. Antes
de perder totalmente o controle. Mas não tinha ideia de como fazer
isso. Ele me odiava. Não havia espaço para diálogo quando um
abismo de ressentimento se estendia entre nós.
Ressentimentos do passado. Ressentimentos do presente.
Talvez se eu realmente mostrasse a ele como era a vida de
nossa filha aqui. Como Abbi tinha pessoas que a amavam, e era
feliz de verdade.
Um plano se formou em minha cabeça. Antes de voltar ao
trabalho na lanchonete, liguei para Eva. Já era hora de eles se
conhecerem. Derek veria com seus próprios olhos que Marble Falls
era onde Abbi deveria ficar.
Derek Reynolds embarcou em uma viagem para Chicago na
manhã seguinte. Mônica me informou assim que entrou em minha
sala ― quando a vi, na verdade, pensei que estava vindo me
demitir. Não era um compromisso secreto; eu estava ciente da
agenda dele, evidentemente. Mas, até onde eu sabia, a viagem
aconteceria somente no dia seguinte. O Senador antecipou para
ficar longe de mim.
Evitei qualquer intimidade com Carter naqueles dias. Parecia
errado continuar uma amizade quando ele queria, talvez, mais do
que isso.
Mergulhei fundo no trabalho. E os dias seguintes se passavam
lentos e sem maiores novidades. Na quinta-feira, no final do
expediente, fui surpreendida no meu e-mail de alerta por uma
notícia que caiu mal em meu estômago. Uma matéria de capa do
NYT mostrando a imagem de Derek saindo de um restaurante
movimentado em Chicago, acompanhado de Florença Firenze, a
megamodelo que também era filantropa.
Um casal belíssimo, segundo o jornalista que assinava a
matéria. Florença tinha uma ótima reputação por ser
ecologicamente consciente e preocupar-se com o meio ambiente. E
ele, bem, Derek era amado pelo eleitorado. “O Superman da
política”, como costumavam dizer, não só pela aparência, como
pelos projetos pró-povo.
Odiei o casal e fechei a tela imediatamente. Nem a caminhada
ajudou a tirar aquela sensação de ciúmes do meu peito. Entrei no
gabinete no dia seguinte determinada a não me deixar mais atingir
por sentimentos pessoais em relação ao meu chefe. Era errado. Eu
deveria ser mais profissional do que isso.
Encontrei Carter no caminho para minha sala.
— Advinha só, Cherry — brincou ele, apontando para si —
Finalmente terminei a pós, e não aceito não como resposta.
Ri do seu jeito engraçado. Ele era tão leve. Era tão fácil
conversar com Carter.
— Não aceita não para quê?
— Um happy hour depois do expediente, lá no Thunder — o pub
que ficava no quarteirão — Todo mundo vai, então...
— Também vou — sorri. Estava precisando mesmo disso. De
começar a ter uma vida social, confraternizar mais com meus
colegas.
Passei o dia concentrada no trabalho, sem nenhuma informação
sobre meu chefe. Em sua agenda constava um compromisso para
sábado à noite no Partido, então sabia que voltaria de Chicago em
breve.
Só não esperava dar de cara com ele quando Carter e eu
saíamos para a rua. Carter com a mão apoiada em minha coluna,
enquanto passávamos pela porta de vidro. Derek escolhendo esse
momento para sair do banco de trás do carro preto, com Iron no
volante.
O olhar de meu chefe foi rápido e preciso, como o de uma
águia, para a mão que meu colega mantinha em mim. Vi sua
mandíbula apertar. De queixo erguido, com uma calma que
impressionou, ele caminhou em nossa direção, fechando o botão do
blazer.
Aparência impecável. Lindo como sempre. Meu peito doeu.
— Williams — cumprimentou com a cabeça. E então me olhou
— Contreras.
Quase desintegrei com a frieza em sua voz. Em seu rosto.
— Ah, olá, Senador — alheio, Carter o saudou, animado —
Cherry e eu estamos indo esticar um pouco a noite.
Até eu sabia que aquilo soou de um jeito errado.
Derek levantou as sobrancelhas e meneou a cabeça, como se
indagasse “é mesmo?”, sem o menor humor.
— Lamento estragar a noite de vocês, Williams, mas preciso
que a senhorita Contreras me acompanhe.
Meu coração deu aquela guinada rápida e violenta.
Ele soava tão calmo. Tão impassível. Então por que seus olhos
faiscavam com algo que parecia capaz de me partir ao meio?
Não criei caso ao acompanhá-lo para cima. No elevador, o
silêncio entre nós estava quase cortante, de tão tenso.
Até que foi ele a quebrar isso:
— Esticar a noite — falou em voz alta como se testasse o som.
— Ele está comemorando o fim da especialização — me atrevi a
justificar, baixo.
— Por isso aceitou esticar a noite.
O que ele pretendia, afinal? Me provocar, me confrontar, me
punir? Depois de dias longe, de ficar se exibindo com aquela
modelo por aí.
— Aceitei — ergui a cabeça, sustentando seu olhar intenso —
Espero que isso não me renda outra surra, Senador.
Sobrancelhas poderosas se uniram.
— Está irritada porque interrompi sua noite, Srta. Contreras? —
apesar da provocação, pude enxergar todos os sinais de sua
tensão. Ombros largos rígidos, narinas dilatas, punhos cerrados.
— Não estou irritada.
Cortando o espaço entre nós com um passo, Derek aproximou
sua boca de minha orelha com discrição:
— Não é o que está parecendo, Cherry — falou “Cherry” como
uma imitação de Carter. Ele não gostou que meu colega usasse
meu primeiro nome daquele jeito.
E ele tinha razão, eu estava mesmo irritada. Mas não pelo
motivo que dizia. Estava irritada porque ficar esses dias longe me
fez sentir todo tipo de sentimento: culpa, ansiedade, saudade,
frustração, arrependimento. Já Derek parecia apenas... ele mesmo.
Indiferente ao que fizemos.
Somente para que também sentisse um pouco do que eu sentia,
resolvi rebater:
— E você, Senador, me parece estar com ciúmes.
Não fiquei para ver a reação que a acusação provocou. O
elevador chegou ao andar e desci. Não gostava de elevadores, por
isso só usava as escadas. Mas pegar elevador com Derek, seu
cheiro, sua presença, era ainda pior.
Atravessei o gabinete em direção à sua sala, ouvindo os passos
de meu chefe atrás de mim.
Diante da porta do escritório dele, parei.
— Entre — exigiu, sério.
Entrei. Ele veio atrás.
Ao fechar a porta, Derek me encurralou contra a parede.
— Não quero que dê intimidade ao garoto.
Meu coração disparou mais forte. Respirando por entre os
lábios semiabertos, desafiei:
— Todos daqui já estão no pub da rua para comemorar. Não o vi
proibindo qualquer outro funcionário.
— Não me importo com o que fazem fora do horário de trabalho,
Contreras — ele estava tão em mim, que sua perna praticamente se
colocou entre as minhas. Será que sentia a pulsação louca lá
embaixo.
— Mas importa-se com o que eu faço? — levantei o queixo.
Frente e frente com a intensidade de seu olhar escuro.
Depois de um momento inteiro sustentando seus olhos furiosos,
li a resposta em sua boca firme.
— Importo.
Engoli em seco.
Coração a mil dentro do peito.
— Para alguém que andou ocupado em Chicago, me parece
meio injusto.
Foi a sua vez de acusar com acidez.
— Com ciúmes, Contreras?
Sim.
— Não. Só não gosto de disparidades.
— Disparidades — repetiu, me provocando.
— Não deveria se importar com o que faço com meu tempo
livre, quando claramente eu não o incomodo por sair com suas
amigas por aí.
— Não tenho amigas — corrigiu, perto demais.
— Amantes, então.
Ele não rebateu. E foi isso, a confirmação, o que me fez querer
atacá-lo, para que, nem que fosse minimamente, também sentisse
essa coisa feia apertando a garganta com a ideia de ele na cama
com alguém.
— Quem você leva para a cama não é da minha conta, assim
como quem eu levo para a minha — minha declaração o enfureceu
de verdade. Vi o exato momento em que suas pupilas dilataram. Os
dentes se fecharam em um aperto duro.
— Você se deitou com ele?
Não respondi. E evitei seu olhar mudando a direção dos meus
para o teto.
Derek segurou meu queixo com força, embora sem me
machucar.
— Responda, Contreras. Você se deitou com ele?
— Não... — orgulhosa, e para não prejudicar Carter com uma
mentira, acrescentei: — Não com ele.
— Com quem?
— Não é da sua conta.
— Com quem, Cherry? — roçou a boca em meu pescoço me
arrepiando inteira — Quem a comeu depois que devorei essa sua
bocetinha provocadora?
Senti o cheiro do uísque. Quase sutil demais, mas estava lá.
Derek havia bebido. E estava furioso. Furioso comigo e consigo
próprio por perder o controle. De sua boca, de sua mente. De seu
corpo.
Seu pênis estava duro, imenso dentro da calça costurada sob
medida. Foi impossível não mover meu quadril um pouco para frente
e me roçar nele. De leve. Querendo matar aquela coceira, aquela
ardência, que estava começando a consumir meu corpo. Tesão era
algo doloroso demais.
— Putinha — segurando meu queixo, acusou, rouco, grave,
consternado.
Meu chefe estava atraído por mim, e isso o contrariava.
Empurrei mais. Queria sentir, mesmo sob as roupas, o calor, a
dureza. Derek baixou o olhar entre nós, para onde eu me roçava
nele como a putinha que me acusava de ser. Subiu então para a
marca que meus mamilos entumecidos faziam dentro do sutiã de
renda, sob a camisa de cetim.
— Você não passa de uma putinha, não é, Contreras? Uma
coisinha que veio para me tentar, para me deixar maluco.
— Se sou uma putinha, você é um puto também, Senador —
acusei, queimando com essa coisa visceral entre nós. Ciúmes e
desejo.
Encarando-me, me desafiando a pará-lo, Derek fez o
impensável. Retirou devagar minha camisa de dentro da saia e a
subiu. Na altura do peito, agarrou meu sutiã creme e também o
suspendeu, libertando meu seio por baixo dele.
Levou todo o esforço para manter meus olhos abertos enquanto
ele descia a boca até o mamilo, sem deixar de me encarar. Foi
surreal ser chupada por ele. Surreal. Poderia muito bem gozar só
com isso.
Com aquela mão grande e forte, Derek amassou meu outro
seio. Judiando. Sugava, chupava, apertava. Uma tortura. Arqueei a
coluna para trás. Para meu terror. E meu completo prazer, ele caiu
de joelhos aos meus pés.
— O quê?
— Quero provar sua bocetinha, Contreras — minha saia foi
levantada para o quadril. Eu o ajudei, tremendo, ansiosa.
Derek agarrou minha coxa e a montou sobre seu ombro. Temi
cair. Mas ele me manteve segura no lugar.
Roçou o nariz por minha calcinha, fungou.
— Estou passando de todos os limites com você, garota — e
para alguém tão ético, sempre com a reputação impecável, eu sabia
que aquilo era o fim — Mas só penso no seu maldito cheiro.
Derek era mestre naquela arte. Em encontrar o ponto extremo
de prazer de uma mulher. De lamber com vontade, sugar, friccionar.
Eu me contorcia alucinada. Agarrada a uma mecha de seus
cabelos, gemia incoerente.
— Tão sensível — debochou, torturando meu clitóris.
Enlouqueci quando um dedo me invadiu.
Entrava e saía.
Lambia.
Chupava.
Entrava. Saía.
Mordi a boca para não urrar de prazer. Só conseguia ser
consumida por aquilo, aquela onda elétrica de alta potência vindo de
todos os lugares.
Eu morreria de prazer.
Gozei forte, gritando baixinho.
Não me dei muito conta de como Derek se levantou ainda me
sustentando no lugar. Não vi o momento em que abriu o zíper, mas,
fascinada e enevoada, assisti os movimentos de seu punho em
torno do pau grande e grosso, lindo demais. Ele estava se
masturbando motivado pelo prazer indescritível que ainda percorria
meu corpo.
Jatos atingiram minha coxa quando gozou gemendo um som
gutural.
Quando seu gozo estava chegando ao fim, Derek encostou a
testa sobre a minha, ofegante.
— Você me tenta, Contreras. Não sai dos meus pensamentos.
Isso precisa parar.
— É verdade o que estão dizendo? — espantada, Jessy deixou
a bandeja com xícaras vazias no balcão ao meu lado, os cachos de
sua cabeleira loira caindo ao redor do rosto jovem e
extravagantemente maquiado. Minha colega de trabalho tinha
inclinação para a cor rosa em tudo, incluindo roupas, sapatos,
batons, sombras, carro...
— Eu poderia responder se tivesse trazido minha bola de cristal
— fingi me concentrar em fechar a conta do Sr. Hopper da loja de
ferragens, rabiscando a comanda em minhas mãos. Claro que sabia
do que ela estava falando. Do que a cidade inteira estava falando.
— Duas palavras — Jessy levantou dois dedos de unhas
compridas pintadas do rosa mais chamativo que havia à venda na
loja de cosméticos da rua — Senador. Bonitão.
Respirei fundo e finalmente a encarei.
— É possível.
— Nãooooo.
Dei de ombros e tentei me afastar para voltar à mesa do Sr.
Hopper.
— Você está brincando! — ela entrou na minha frente,
impedindo que eu continuasse, e sussurrou do modo “Jessy de
sussurrar”. Escandalosa e admirada. — Tá dizendo que a Abbi é
mesmo filha daquele gostoso, como estão falando pela cidade?!
Cherry! Por que bulhufas você nunca me contou!
— Você nunca perguntou — tentei contorná-la.
— Não, não, não, senhora. Não me venha com evasivas.
Como uma boa texana do interior, ela mantinha o típico sotaque
carregado do Sul.
— Não estou com evasivas. Agora, preciso mesmo levar a conta
ao Sr. Hopper, Jess — apontei por cima de seu ombro, onde o
homem sisudo segurava o chapéu no peito, impaciente — Ele já
está me olhando de cara feia.
Virando-se brevemente para conferir, Jessy descartou:
— Aquela é a cara normal dele — voltou-se para mim — Não
tente fugir de me contar todos os detalhes! Até os mais sórdidos:
como, por que, quando, de que jeito, quem estava por cima e tudo o
mais.
Não conseguindo evitar um suspiro, admiti a derrota:
— Contarei depois de levar isso — acenei a comanda diante de
seu rosto.
— Sério, não acredito que nunca me disse uma coisa destas.
Mas finalmente me liberou.
Desejei ter contado antes, para ela, para Eva, Willie, Charles.
No entanto, era complicado. Quanto mais tempo você guarda um
segredo, mais difícil fica contar, principalmente envolvendo o nome
de um homem tão poderoso.
Desejei também que Jessy fosse a única a ouvir sobre essa
história, mas depois que Derek foi à reunião e se apresentou como
pai de Abbi, Marble Falls inteira parecia ter conhecimento do fato.
Notei isso tão logo coloquei meus pés no trabalho. Coincidência ou
não, a lanchonete estava mais cheia do que o comum para um dia
de semana.
As notícias corriam rápido por aqui, eram como fogo em um
pavio encharcado de gasolina.
E essa rapidez me fez ter consciência de que o tempo não
estava a meu favor, se eu não tomasse cuidado, se não fizesse
nada, logo chegaria aos ouvidos de Abbi. Nem podia suportar o
pensamento de ela descobrir daquela maneira.
— Meu bem, posso fazer meu pedido? — enquanto eu
guardava a nota de dez dólares do Sr. Hopper no bolso frontal do
avental, uma voz amável chamou atrás de mim.
Não foi bem uma surpresa encontrar Rita Johnson em uma das
mesas da Popeye Pot Pie, embora, como consumidora, sua
presença fosse rara na lanchonete.
— Como vai, Sra. Johnson?
— Ah, Cherry, é você!
Desconsiderando que a única outra funcionária era a Jessy, e
essa era absolutamente loira, sua surpresa foi quase convincente.
Ajudou o fato de tirar os óculos do rosto e limpá-los.
— O que vai ser hoje? — devolvendo o sorriso amigável, puxei
a comanda.
— Hm, acho que uma torta de carne cairia bem — bateu o dedo
enrugado no queixo — Se bem que uma torta doce cairia melhor. O
que sugere, meu bem?
— Temos uma torta de maçã recém-saída do forno.
— Ah, Charles tem mãos de anjo para tortas de maçã. Adorei a
sugestão! E café, por favor... Cherry, meu bem...? — antes que eu
me virasse, ela me deteve, melodiosa — Estão comentando que
temos um visitante ilustre em Marble Falls; você sabe alguma coisa
sobre isso?
Que mulher terrível. Mais de sessenta anos e os olhos ainda
brilhavam com uma boa fofoca.
— Ainda não, Sra. Johnson, mas aposto que daqui a pouco a
notícia chega por aqui. Com licença, por favor. Volto com seu café
em dois minutos.
Cada passo para longe dela, eu me tornava mais consciente
dos olhares em mim. De todos os lados. O que fez meu rosto
aquecer com força. Atenção nunca foi o meu forte. E tinha Jessy,
que me esperava com um sorriso de Gato Risonho, enorme.
— E então?
Inspirei.
— Ele é o pai da Abbi.
— Como?!
Tirei a jarra de café da cafeteira.
— Da maneira convencional, eu suponho.
— Engraçadinha. Quando?
— Há quase sete anos, se minhas contas estão certas.
Desviei dela para pegar uma xícara limpa.
— Entendi, então quer dizer que você: 1) Conhece aquele
gostoso e 2) já teve um caso com ele. Inacreditável — essa última
parte, ela disse mais para si mesma.
Pela primeira vez, sentindo vontade de sorrir, deixei uma
informação para ela:
— Sou casada com ele, Jess.
Enquanto voltava para a Sra. Johnson levando o café, o som de
choque de minha colega me acompanhou.
Somente meia hora depois, consegui me livrar de todas as
solicitações de xícaras vazias erguidas no ar para me chamar.
Nunca a Popeye Pot Pie serviu tanto café, podia apostar meu
salário nisto.
Tão logo foi possível, fugi para os fundos da lanchonete em
busca de um minuto de paz.
Meus nervos estavam tão tensos que, se esticados,
arrebentariam. Peguei o celular do bolso da calça jeans,
aterrorizada com um pensamento inquietante:
Levou dois toques:
— Eva — a urgência em minha voz fez uma risada rouca, pelos
anos de consumo de tabaco, ressoar baixinho.
— Meu telefone não parou de tocar nas últimas duas horas,
querida, desde que peguei Abbi na escola. Suponho que tenha a ver
com certo político de passagem pela cidade.
Apoiei-me na parede.
— Ela ouviu?
— Não. Mas se não se apressar, algum linguarudo vai acabar
contando em seu lugar.
Fechei os olhos.
Minha amiga mais antiga em Marble Falls indagou cuidadosa.
— Então é verdade?
— É — murmurei — Derek Reynolds, o Senador, é o pai da
minha filha.
Sua pergunta seguinte foi inesperada, e ao mesmo tempo tão
condizente com o que essa mulher significava para mim:
— Vocês estão em perigo? — a seriedade em sua voz reafirmou
que se eu precisasse, Eva e Willie me ajudariam. Que estavam lá
por Abbi, por mim. Eram a família que eu nunca tive.
Ponderei a pergunta. A presença de meu marido significava sim
um perigo, mas não no sentido que Eva se referia. Eu poderia
perder minha filha... ver Abbi ser levada para outro estado.
— Só não suporto a ideia de que ele pode tirar ela de mim, Eva.
— Ele pode?
— Escondi uma filha. Fugi grávida.
— E deve ter tido um bom motivo para isso, querida.
Olhando em retrocesso, eu tinha? Tudo aquilo agora parecia tão
nebuloso, pequeno, perto da grandiosidade de uma vida. Perto de
ter impedido que um elo tão forte quanto o de pai e filha se
formasse. De ter privado Abbi de conviver com Derek. Dos Dias dos
Pais que não tiveram, os Natais, aniversários, férias de verão. Os
primeiros passos. O primeiro dia no Jardim de Infância. O primeiro
joelho ralado.
Arrependimento. Era a primeira vez que eu conseguia nomear
aquele aperto no centro do meu peito desde que vi os dois juntos
naquele restaurante. Santo Deus... o que foi que eu tinha feito?
— Ainda está aí, querida?
— Acho que cometi um grande erro, Eva...
Ela estalou a língua suavemente.
— Não há erro que não possa ser consertado, Cherry. Acredite
quando uma velha lhe diz isto.
Como queria poder me acalentar com isso.
— Nenhum juiz me dará razão — dor cortava minha garganta
em pronunciar as palavras que eu sabia serem verdadeiras. Que
Derek também sabia — Vou perder minha filha.
Eva bufou como uma avó.
— Só se esses juízes forem loucos. Você é a melhor mãe que
conheço, querida. Nunca vi uma tão boa. Testemunhas não faltam
para isso. Você tem uma cidade inteira a seu favor.
E ele tinha um país. O Senador mais amado dos Estados
Unidos. A principal aposta para a presidência, pelo que os jornais
diziam.
— Não demore a contar para nossa garotinha, Cherry. Abbi é
esperta, vai saber entender — Eva aconselhou antes de
desligarmos.
— Contarei... farei isso ainda hoje.
E não tinha o direito de fazer sozinha. Por isso, com as mãos
trêmulas, disquei para o número que eu sabia de cor. Mesmo que
quase sete anos tivessem se passado.
Meu marido atendeu como se esperasse a chamada. As
palavras baixas e suaves em meu ouvido:
— Olá, Cherry.
Resisti à vontade de desligar. Engoli em seco. Não poderia ser
normal ainda me sentir daquele jeito por ele.
— Vou contar a ela esta noite — empurrei para fora do meu
peito, antes que eu me acovardasse.
Silêncio. Meu peito galopou como louco.
— Quero estar lá — exigiu, a voz rouca.
— Foi o que imaginei... por isso estou ligando — confessei.
Silêncio.
— Mas quero que seja do meu jeito.
— Mentindo? — alfinetou com uma acidez quase cálida.
— Não quero falar do passado... de como... tudo aconteceu —
era a minha condição.
Sua risada cínica me deu uma imagem exata de como seu rosto
estava no momento. O músculo que certamente saltava em sua
mandíbula, por isso me preparei para o que vinha:
— Não quer contar à nossa filha como você fugiu no meio da
noite como uma covarde, Cherry? De como não ficou para lidar com
a bagunça e optou pelo caminho mais fácil?
— Não foi o mais fácil!
— Foi, e sabe disso. Apenas admita para si mesma.
Encarei meus tênis, lágrimas nos olhos que eu não queria ter.
— É passado.
— Nunca será passado, Cherry — a dureza em seu timbre
arrastou um calafrio de medo ao meu corpo. Derek não me
perdoaria, jamais perdoaria, é o que suas palavras significavam.
Inspirei devagar.
— Não vou deixar que a tire de mim, Derek.
— Não está em seu poder decidir isso, esposa.
Foi ele a desligar, deixando a certeza de sua decisão fixada no
vazio. Ele não mediria esforços para levar minha menina.
Limpei uma lágrima que insistiu em cair. A seguinte também. Eu
ainda tinha uma opção. Poderia fazer exatamente aquilo que fui
acusada por ele. Fugir. Novas identidades. Talvez outro país. Outra
vida.
— Imagino que você escondida aqui, confirma o burburinho lá
dentro... — alguém disse com suavidade.
Virei na direção da porta dos fundos aberta. Charles,
proprietário da Popeye Pot Pie, e meu chefe. O olhar inteligente e
sereno buscando meu rosto.
— Desculpe, precisei vir respirar um pouco — disfarcei as
lágrimas, limpando-as com o punho, enquanto sorri de volta, me
preparando para entrar outra vez.
— Fique — ele se juntou a mim na parede, calmo, observando o
céu azul — Acho que o Popeye nunca viu tanta gente junta —
brincou.
— Isso quer dizer que aumentará meu salário, por atrair o
público para cá com uma fofoca escandalosa? — brinquei de volta,
fungando.
Charles sorriu. Ou melhor, seus olhos castanhos sorriram. Era
um cara reservado, mas com senso de humor leve do tipo que era
fácil conviver. Apesar das reclamações de Jessy quanto a ele se
recusar a mudar o cardápio, que vinha sendo o mesmo há mais de
três décadas, quando a lanchonete ainda pertencia aos seus pais,
mesmo ela concordava que ele era o melhor chefe que poderíamos
querer. E, principalmente, Charles era um homem bom. Honesto,
decente. Atencioso com minha filha, quando eu precisava trazer ela
ao trabalho. Foi quem ensinou Abbi a andar de bicicleta.
Curioso que em uma cidade tão pequena, e com uma
população de mulheres solteiras tão grande, ele ainda estivesse
solteiro aos trinta anos.
Ele gosta de você, querida, a afirmação recorrente de Eva
ecoou em minha mente.
Olhando para ele, aqui fora comigo, eu poderia ter me
apaixonado por Charles. Poderia ter vivido uma nova história de
amor. Ter sido feliz com outra pessoa... se meu coração já não
estivesse ocupado, mesmo que eu não desejasse aquele
sentimento.
Afastei depressa o pensamento. Não precisava de mais essa
culpa, a de ter negligenciado meu coração, nesse momento.
— Boa tentativa — brincou.
Sorri.
Charles observou o movimento de uma revoada de pássaros no
céu.
— Um senador republicano. Devo dizer que estou
decepcionado.
Estreitei os olhos.
— Nunca a imaginei republicana — esclareceu, zombeteiro,
apesar de reservado.
Bati de leve em seu braço, Charles era alto, não tanto quanto
Derek, mas era. Nosso olhar se encontrou.
Inspirei profundamente e me vi desabafando:
— Ele não sabia que eu estava grávida quando terminamos. Eu
também não, na verdade. Descobri aqui, em Marble Falls. Já estava
com quase sete meses. Minha barriga quase não cresceu e eu...
bem, também não ajudou o fato de eu estar meio deprimida e me
alimentar mal naquela época.
— Sinto muito.
— Não tive coragem de procurar Derek, quando eu soube. E
sabe o que é o pior? — desviei o olhar para meus tênis — Hoje não
consigo compreender por que a escondi.
Ouvir saindo de minha boca uma verdade tão cristalina quanto
aquela foi tanto um choque quanto uma decepção. Porque, quando
eu olhava para trás, agora, não conseguia encontrar mais os
motivos que sustentaram minha decisão esses anos todos. Parecia
pouco, eu parecia errada de um jeito grave, de um jeito que não
dava para corrigir.
A garota jovem e inexperiente de vinte e um anos, desnorteada,
sozinha no mundo, fez mesmo a escolha certa?
— Abbi vai me odiar quanto tiver entendimento — e essa era a
parte que mais doía. Fiz o que fiz achando que estava protegendo
minha filha, quando na verdade, só estava tirando dela um direito
natural.
Lágrimas grossas, que eu ainda não havia derrubado, verteram
com força.
— Ela vai me odiar, Charles.
Charles passou o braço por cima de meu ombro e me puxou
para seu peito.
— Aquela garotinha não é capaz de odiar nem os corvos que
ameaçam as abóboras dela, Cherry.
Ri e funguei, tudo ao mesmo tempo.
— Minha garotinha é incrível, não é.
— É, e nisto puxou totalmente a você — afirmou, apoiando o
queixo no alto de minha cabeça.
Somente alguns minutos depois, recostada em seu peito, me
permiti perceber que era bom estar naquele abraço. Me permiti
refletir sobre há quanto tempo eu não era abraçada por alguém.
Eu me sentia sozinha, a verdade era essa.
Apesar de Eva e Willie, a quem considerava família, eu me
sentia extremamente sozinha.
Não que fosse um sentimento novo. Crianças órfãs são
apresentadas à solidão desde sempre. Mas o problema é que, por
algum tempo, no passado, esse lugar começou a ser preenchido. E
foi bom. Foi muito bom ter um vislumbre de como era não se sentir
tão só.
Só que então tudo ruiu. E quando ruiu, ficou esse... esse vazio.
Como uma ferida aberta.
Uma que eu permiti estar ali.
Permiti por tempo demais.
Mas que tinha de mudar.
Derek nunca mais preencheria esse espaço novamente, ele
vinha deixando isso claro. E não era justo comigo mesma, essa
solidão, essa sensação de um buraco no peito.
Era hora de parar de ignorar minhas necessidades, de parar de
fugir e começar a viver de verdade.
Eu sabia qual era o primeiro passo: depois de contar a verdade
para minha filha, tentar entrar em um acordo com o pai dela.
Naquela noite, sem mais adiamento.
E o segundo, admitir que eu era uma mulher, além de mãe.
Que eu queria ser amada.
Merecia ser.
— Charles eu...
Observei o movimento de sua garganta, o pomo-de-Adão subir
e descer. Os olhos ganharem mais foco pela proximidade tão inédita
entre nós.
— Sim?
Também engoli com dificuldade.
Eu podia fazer isto.
O amor que eu sentia por Derek Reynolds desde quando eu
ainda era uma estagiária em seu gabinete, torcendo por um
encontro furtivo, um olhar mais demorado, um vislumbre dele,
precisava morrer.
Era hora de parar de achar que eu só merecia as migalhas
deixadas no caminho.
— Se aquele convite para o cinema ainda estiver de pé, eu
aceito. Um dia. Quando você puder.
Quando me disse que aquilo, entre nós, precisava parar, Derek
não estava brincando. Ele não dava abertura para estarmos
sozinhos. Costumava sair do escritório antes de mim e continuar o
trabalho de casa. Passou a ter o dobro de compromissos no
Congresso e em reuniões. Quando minha presença era solicitada,
nunca era sozinha. Mônica, chefe de gabinete, sempre estava com
a gente, embora não parecesse saber o que havia acontecido entre
o Senador e eu.
Nas reuniões, me ouvia com seriedade e profissionalismo.
Respeitava minhas sugestões, mas se mantinha emocionalmente
distante. Nem de longe era o mesmo homem passional que me deu
prazer contra a parede, e sobre sua mesa. E foi assim até uma
terça-feira à noite, quando Mônica me ligou no que cheguei em meu
apartamento, depois do trabalho.
Derek e ela tinham um jantar com integrantes do setor que
representava os interesses das empresas de tecnologia do Vale do
Silício, no projeto que entraria em votação na próxima semana, o
qual eu também vinha trabalhando.
Naquela noite, o filho de minha chefe não estava bem. Ela
precisava de alguém que a substituísse no compromisso com
Derek.
Eu estava totalmente por dentro do projeto. Ajudei em cada
linha redigida. Sabia tudo o que era preciso saber.
— Ah, claro, tudo bem... mas... o Senador sabe que vou em seu
lugar?
— Avisarei a ele, Cherry, não se preocupe. Agora realmente
preciso desligar.
— Tudo bem, melhoras para o Chris.
— E ah, antes que eu me esqueça, vou mandar um carro aí
apanhar você às nove, tudo bem? Obrigada, novamente!
Uma hora, eu tinha pouco mais de meia hora para me arrumar.
Corri para o banho. De toalha, sequei e escovei o melhor que
pude meu cabelo, e dei uma enganada com um babyliss de
segunda mão. Não tinha o hábito de me maquiar, além de batom e
rímel, mas tentei fazer algo mais caprichado, apesar de ainda
discreto. Na boca, escolhi meu Cereja Matte. Vesti a calcinha de
renda preta. O vestido tubinho preto abaixo dos joelhos, que ainda
estava com a etiqueta de quando comprei em uma ótima promoção
na Zara, com meu último pagamento, e meus novos saltos
Louboutin preto verniz, um presente que dei a mim mesma.
Esborrifei meu perfume no colo e nuca para finalizar.
Elegante e bonita, foi exatamente como me senti ao conferir o
resultado no espelho. Não estava nada vulgar, mas ao mesmo
tempo era uma versão minha mais feminina e jovem do que as saias
lápis e camisas que eu usava no dia a dia.
A verdade é que, apesar de ser um evento com muitas figuras
importantes, havia apenas uma que eu queria impressionar.
O interfone tocou às 21h em ponto.
Ao descer, para minha surpresa, foi Iron que encontrei parado
na frente de meu prédio.
— Srta. Contreras.
— Olá, Iron — passei pela porta aberta que me ofereceu.
Foi um choque e tanto perceber que o interior não estava vazio.
— Senhor — cumprimentei despreparada, quase congelada na
porta.
— Srta. Contreras — Derek retribuiu a cordialidade, só que foi o
olhar que me percorreu inteira, que me fez ver que aquela
indiferença era uma fraude.
Ele também não estava preparado para me ver, pelo menos não
sozinhos desse jeito.
— Com licença — me sentei do outro lado, de frente para ele.
As pernas unidas voltadas ligeiramente para o lado. Era a maior
distância física que eu conseguia ter em relação ao pouco espaço.
— Sinto muito pela Mônica não poder ir essa noite — falei
apenas para ter o que dizer, depois do longo silêncio quase
incômodo demais. E não me contive: — Há imprevistos que não
podem ser evitados.
Era uma alfinetada para nosso primeiro contato, quando me
rechaçou com seu olhar superior, por eu ter me atrasado para o meu
primeiro dia no trabalho.
A verdade é que eu queria mesmo era mexer com ele,
desestabilizá-lo. Odiava esse seu autocontrole, a impassibilidade
com que vinha me tratando.
— Estou bem com a mudança, Contreras — foi cordial, porém
não me olhou. Encarou a paisagem começando a se mover lá fora.
— Há alguma instrução que queira me passar, senhor? Algo
que eu deva fazer neste jantar?
Inspirando profundamente, a ponto de as narinas dilatarem
levemente, seu olhar escuro capturou o meu.
— Você é, provavelmente, quem mais conhece do projeto,
Cherry. As pessoas vão querer falar sobre ele, debater. Mas acredite
em mim quando digo que jantares assim nunca são exclusivamente
para falar sobre política — Derek massageou a testa, como se
doesse — Principalmente quando a virem.
Essa última parte foi um grunhido baixo demais.
Apertei os lábios com discrição, para não sorrir. Ele ainda sentia
alguma coisa, mesmo que fosse somente possessividade.
— Está certo — fingi uma seriedade que eu não sentia. Pelo
contrário, meu coração batia feito louco por absorver seu cheiro, por
estar tão perto outra vez — Farei o meu melhor, senhor.
Se notou a proposital submissão em minha voz, não fez
qualquer comentário. Sua mandíbula, no entanto, estava travada.
O jantar acontecia no salão do hotel Waldorf Astoria. O lugar
estava decorado com elegância para receber figuras importantes da
tecnologia e política. Conversas e música clássica de fundo podiam
ser ouvidas da recepção, conforme adentrávamos.
Senti, de repente, uma mão apoiada na base de minha coluna,
alguns passos antes de alcançar a porta do salão. Olhei para cima,
para o rosto impassível de Derek. Não fazia ideia do que estava
pensando, mas podia sentir a tensão entre nós quase cortante.
Representantes da Apple, Google, Microsoft, Dell, Meta, entre
outras big techs, além de grandes especialistas da tecnologia e
política estavam presentes. Derek Reynolds, no entanto, era a
principal figura da noite.
Duas propostas de nosso gabinete prometiam uma mudança
considerável no setor: a regulamentação de geração de
investimentos pela Lei das Startups e outra, mais espinhosa: a
criação de uma agência de privacidade, para dar ao cidadão
americano mais controle e consentimento sobre os dados coletados.
Derek tinha a maioria para aprovar a lei em seu partido. No
Congresso, mesmo opositores concordavam que uma
regulamentadora para as duas pautas era necessária e urgente. O
problema é que ainda havia divergências. Era imperativo que se
chegasse a um consenso.
Na teoria, esse era o objetivo da noite... embora o clima de festa
se sobressaísse.
Caminhamos para onde um grupo de políticos estavam
reunidos. Logo chamamos a atenção:
— Vejam, se não é o Homem do Ano! — Donald McCarthy,
Senador republicano pela Carolina do Norte, abriu os braços
exageradamente, saudando Derek.
— Senhores — discreto, meu chefe acenou com a cabeça para
cada membro ali.
— E quem é essa preciosidade? — McCarthy indagou em tom
lisonjeiro apontando para mim com olhos gananciosos.
— Srta. Contreras, Assessora Legislativa do meu gabinete.
— Hm, um tanto jovem para tal cargo, não? — havia algo de
malicioso na questão.
Imperturbável, Derek pôs a mão livre dentro do bolso da calça
do terno perfeito em seu corpo. Ele estava lindo essa noite, apesar
de não ser novidade.
— A Srta. Contreras foi a primeira de sua turma na NYU,
McCarthy. Formou-se com honras e levou uma bolsa para
especialização em Ciência Política. É a responsável pela maior
parte da pesquisa que embasou o projeto que o senhor está
apoiando.
Evitei transparecer o choque e prazer por saber que meu chefe
tinha esse tipo de conhecimento sobre minha formação. E,
principalmente, que estava me defendendo com tanta propriedade.
— Claro, claro. Os jovens tendem a surpreender, Reynolds —
voltando-se para mim, o homem detestável inclinou-se num
galanteio — Acompanha-me em uma bebida, Srta. Contreras. Quero
dizer, tem idade legal para beber, não é?
A mão forte e possessiva que ainda estava em minha coluna,
colocou um pouco mais de pressão. Talvez me exigindo que
negasse.
— Tenho sim, Senador.
Vinte e um anos completos há menos de uma semana, em um
aniversário solitário em meu apartamento, como ocorria todos os
anos.
— Então venha comigo, minha cara — McCarthy me ofereceu
seu braço de maneira que não pude recusar — Será um prazer ser
visto com uma joia tão linda quanto a senhorita.
O Senador McCarthy não foi o único a requisitar minha atenção.
A cada passo, uma nova figura se aproximava com o objetivo,
inicialmente, de falar sobre a proposta de lei de meu chefe. Em
seguida, o assunto se direcionava para a minha idade, e então
tomava um rumo pessoal, de um flerte indesejável.
Estava ficando exaustivo sorrir e ser educada com todo homem
que se sentia no direito de me oferecer o braço ou uma bebida.
Meus pés estavam doendo dentro dos sapatos novos. A
cabeça, começando a latejar pelo barulho.
Derek não parecia menos desconfortável. Volta e meia pegava
seu olhar de águia em mim, embora ele nunca estivesse sozinho.
Certamente era o homem mais disputado da noite.
Mal trocamos uma palavra desde que chegamos, mas sentia
sua atenção como um toque físico em minha pele, mesmo à
distância. Quando finalmente nos sentamos em torno da imensa
mesa oval para o jantar, obtive sua primeira frase inteira:
— Gostando da atenção?
Olhei bem para ele. Para o rosto calmo. Apesar dos ombros
rígidos e maxilar tenso.
Era uma pergunta bem capciosa.
— Devo gostar? — devolvi baixo e discreta.
Olhos flamejantes se semicerraram, fitando os meus
intensamente pela provocação.
Fui incapaz de sustentar por muito tempo.
Se eu continuasse olhando para ele, exigiria saber por que
vinha me evitando tanto. Se não sentia essa coisa pulsando entre
nós o tempo todo.
Foquei na taça em minha frente, sendo preenchida de
espumante pelo garçom.
— Com apenas uma foto é possível saber quem é cada uma
destas pessoas — disse alguém ao meu lado — Mas não você.
— Desculpe...? — girei o rosto para o homem sentado ao meu
lado esquerdo. Jovem, por volta dos vinte e oito, no máximo, olhos
cinzas, cabelos no mesmo tom claro de castanho do meu. E uma
gravata borboleta de bolinhas, o que me dizia logo que não era
ninguém da política.
— Você não tem uma rede social — afirmou ele, no que talvez
fosse um flerte.
Impressionada por sua ousadia, indaguei:
— Devo perguntar como sabe?
— Se perguntar, terei de admitir que a pesquisei, e talvez não
goste de saber que precisei mirar a câmera do meu celular em seu
rosto, enquanto você tentava se livrar da atenção daquele senador
babão.
— Fez mesmo isso? Tirou uma foto minha sem autorização —
apesar de invasivo, havia um quê de interessante na coragem da
confissão.
O desconhecido sorriu.
— Em minha defesa, nada de fotos. Apenas tentei localizar suas
redes a partir de um enquadramento de seu belo rosto, muito
fotogênico a propósito. Ah, acho que não me apresentei: Sou John
Matt, da Meta.
— Cherry Contreras, Assessora do Senador Reynolds — me
apresentei também, embora não tenhamos dados as mãos, já que
estávamos sentados lado a lado.
— Sei seu nome. Ouvi pelo menos três pessoas perguntando
sobre a senhorita — brincou ele.
Tive de rir.
— Então você é um stalker credenciado pela Meta? —
provoquei.
John levou a mão ao peito.
— Uau, um golpe certeiro. Gostei.
Sacudi a cabeça, sorrindo. Voltei meu rosto para Derek. Sua
atenção agora estava na assessora de um parlamentar, sentada ao
seu lado, que gesticulava com a taça enquanto falava sobre algo
acontecendo na Califórnia. Queimadas, acho que ouvi a palavra.
— Apesar de você não ter rede social, o que deveria ser um
crime... — John voltou a puxar assunto — Pelo que descobri, tem
idade para beber.
— Ouviu aquilo, não é?
— Ouvi. Diria que aquele sujeito não tem meu voto de forma
alguma, embora eu não faça a menor ideia de que estado ele
represente.
— Carolina do Norte — respondi solícita.
— Anotado. Se um dia eu me mudar para lá, lembrarei disto.
Bebi um pouco do espumante.
A vontade de tirar o sapato debaixo da mesa era irresistível
demais. Discretamente, me desfiz de um pé, e depois o outro. Este
último foi mais difícil de tirar e, sem querer, acabou saltando do meu
pé pelo esforço.
— Acho que fui atingido — John arregalou os olhos de maneira
exagerada — Sim, acabo de ser atacado por algo pontudo.
— Schhh — rindo, pedi baixinho que não chamasse a atenção
para o fato — Provavelmente foi meu sapato. Meus pés estão me
matando.
A expressão travessa que surgiu em seu rosto me fez morder o
lábio.
— Seu segredo está a salvo comigo, senhorita Contreras.
— Pode me chamar de Cherry, agora que temos isso em
comum — zombei em voz baixa — E então, costuma fazer isso
sempre? Perseguir as pessoas?
— Na verdade, só aquelas que me interessam, o que é uma
média de uma a cada cinco anos.
— A cada cinco anos, hein — falei cética.
— Temos um código de ética na Meta que proíbe usar o sistema
a nosso favor. Sou, infelizmente, o cara que estabeleceu esse
código.
— E quem foi a sortuda de cinco anos atrás?
— O programa foi criado há quatro anos.
Meu rosto deve ter corado. Gostei do galanteio bobo, de como
estava me sentindo à vontade pela primeira vez na noite.
— Como é? — perguntou.
— Como é o que?
— Trabalhar no meio político. Estar cercada desses caras que,
honestamente, não são meu tipo preferido de gente.
Me afastei ligeiramente para o lado, para que o prato de entrada
fosse servido. Um prato imenso com uma porção ultra pequena de
algo amarelo foi colocado diante de cada um de nós. Então me
voltei para John, para respondê-lo com sinceridade:
— Gosto do que faço. Trabalhar com o Senador Reynolds é
empolgante e desafiador de um jeito bom. Ele é ético, humano,
pensa nas pessoas, preocupa-se com elas.
John assoviou baixinho.
— É a descrição mais curiosa que já vi fazerem sobre um chefe.
Normalmente as pessoas os odeiam.
— Eu o admiro. Quis trabalhar para ele desde quando ainda
estava na universidade.
— Isso é algo legal de se dizer de alguém. Pensa em entrar
para a política, digo concorrer diretamente em algum momento?
Sacudi a cabeça.
— Não tenho essa pretensão. Nem acho que isso seja possível
algum dia. Mas os bastidores me satisfazem.
John me encarou.
— Posso fazer uma pergunta pessoal?
Meu rosto esquentou. Será que ele sacou o que eu sentia pelo
meu chefe? Era o que perguntaria? Estava tão na cara assim?
— Você tem namorado, Cherry?
Inspirei devagar, aliviada por não ser o caso.
— Não. Não tenho.
— Seria muito atrevimento convidá-la para sair?
Não sabia o que dizer. Apesar de estar gostando da conversa,
não tinha qualquer interesse em passar disso com John. Era burrice
minha, eu sei. John era atraente, sabia conversar, não estava
diretamente relacionado com o meu trabalho, e as coisas pareciam
fluir com facilidade entre nós.
Mais importante, eu precisava tirar meu chefe da cabeça, e sair
com alguém poderia ajudar. Mas não conseguia. Minha pequena
obsessão por Derek não permitiria.
— Está pensando em um jeito de me dispensar, não é —
brincou, me ajudando a sair dessa situação — Vamos fazer o
seguinte, continuamos a conversar enquanto comemos esse
delicioso não sei o quê, e no final do jantar você me dá sua
resposta. Aposto que ficará tão louca por mim que decidirá abrir
uma conta no Instagram hoje mesmo.
— Sua autoconfiança é admirável — brinquei de volta, grata
pela fuga.
Comi uma garfada do que logo descobri ser um tipo de purê
salgado de maracujá, bem delicioso por sinal, e, discretamente,
voltei meu olhar para meu chefe, o homem com quem eu deveria
estar conversando desde o início.
Derek continuava dando atenção à mulher ao seu lado, mas
parou por um momento, parecendo sentir que eu o observava.
Devagar girou a cabeça para mim.
Quase perdi o fôlego enfrentando a intensidade em seus olhos.
Era como se, mesmo tendo a própria conversa com a
assessora, tivesse escutado cada palavra entre John e eu. E
desaprovasse.
Pois eu também não estava feliz em estar sendo ignorada por
ele.
Principalmente quando parecia ter tanto assunto com ela. Tanto
em comum com a mulher elegante, provavelmente uns 10 anos
mais velha que eu, e talvez mais interessante também.
Derek era um chamariz para mulheres atraentes e
interessantes, percebi durante toda a noite. Ele combinava com
elas. Mulheres decididas, financeiramente independentes,
sexualmente ativas, que sabiam exatamente como conquistar um
homem. O completo oposto de mim, o que me fazia sentir uma tola
por ousar ter esperança de que aqueles momentos entre meu chefe
e eu pudessem ter qualquer valor para ele. Significassem alguma
coisa.
Magoada com esses pensamentos, me voltei para John, e falei
em voz baixa:
— Eu aceito.
— O quê? — ele pareceu confuso e surpreso.
— Sair com você.
O rosto de John se iluminou. Um sorriso bobo e bonito
atravessou seus lábios.
— É sério? Puxa. Aconteceu rápido. O que foi, meu jeito de
mastigar esse creme amarelo esquisito a conquistou? — deu uma
piscadela insinuante — Espere só até me ver devorando um filé,
Cherry.
Rindo, baixei os cílios, escondendo que visse o real motivo.
— Imagino que seja uma visão encantadora.
— Como faremos? Eu me levanto primeiro, fingindo desconforto
alimentar, e você me segue oferecendo ajuda? — zombeteiro,
apontou com o queixo para o outro lado da mesa — Exceto pelo Sr.
Carolina do Norte cheio de hormônios ali, não acho que qualquer
um notará nossa estratégia.
Quase soltei pelo nariz o espumante que levei à boca. John era
engraçado de verdade. Era um tipo de charme próprio.
— É um bom plano, mas infelizmente sinto que devo ficar até o
final do jantar, pelo menos — cochichei em tom conspiratório,
gostando de brincar com ele — Não cairia bem me levantar agora e
sair. Prezo pelo meu emprego, sabe. Foi bem difícil conseguir a
vaga.
John aproximou-se para sussurrar no meu ouvido.
— Acho que tem razão. Se você visse a cara que o Senador
Reynolds está olhando para a gente agora...
Não me atrevi a conferir.
Nos momentos seguintes, conforme o jantar transcorria, evitei
focar muito na tensão que havia entre Derek e eu, e no fato de ele
dedicar toda a sua atenção à mulher sentada ao seu lado. Procurei
levar a conversa de forma amena com John, trazer o projeto de lei
em questão para o foco, e manter as coisas mais neutras, apesar
das risadas escandalosas e da conversa estridente que acontecia
ao redor de toda a enorme mesa oval. Ninguém parecia se importar
com projetos de lei, Congresso, eleição, nada de assunto sério a
essa altura da noite.
John era espirituoso, tinha um humor fácil e era muito
inteligente. Sabia muito sobre tecnologia, inovação, as demandas
das startups, as tendências da geração atual. Eu poderia ficar horas
conversando com ele. Estava começando a acreditar que havia sido
uma boa ideia aceitar sairmos daqui juntos.
Quando o jantar deu sinais de chegar ao fim, com algumas
pessoas se levantando prontas para voltar ao salão principal e
recomeçar a festa, John me convidou a fazer o mesmo.
De canto de olho, vi que Derek já estava se colocando em pé.
Só que havia um problema.
Tateando com o pé descalço debaixo da mesa, não encontrava
meus sapatos em lugar algum.
— O que foi? — perguntou John, estranhando a concentração
em meu rosto na tarefa de ser discreta em minha busca.
— Meus sapatos. Não consigo encontrar — sussurrei.
— Srta. Contreras? — Derek me surpreendeu, a voz de um
trovão, baixa, rouca, grave bem atrás de mim, obrigando-me a virar
imediatamente para ele. A mulher ao lado já estava com o braço
enroscado no seu.
Odiei a intimidade, a forma como me sentia à vontade com ele.
— Senhor? — falei, esperando uma ordem.
As sobrancelhas grossas do homem poderoso se uniram,
indagador.
— O que há de errado?
Engoli em seco. Cogitei mentir. Só que ele não daria trégua.
Não arredaria o pé sem uma resposta. Já o conhecia bem para
saber. Desviando meus olhos para sua boca, porque não tive
coragem de encará-lo, confessei baixinho:
— Tirei meus sapatos durante o jantar. Estou tentando encontrá-
los debaixo da mesa, é só isso.
De todas as coisas que eu esperava dele, ajoelhar-se ao lado
de minha cadeira não era uma delas.
Sem hesitar, sem pensar duas vezes, o poderoso Senador
Derek Reynolds ajoelhou-se e esticou o braço grande e forte por
debaixo da toalha branca, saindo de lá segundos depois, trazendo o
par de sapatos de verniz consigo. E não parou de surpreender:
segurou um dos pares para que eu o calçasse e depois o outro.
Olhares à nossa volta sondavam a situação com certa
curiosidade. A mulher que o aguardava observava intrigada. John
ficou em silêncio.
Derek então se levantou, com a mesma imponência, como se
calçar sua funcionária não fosse nada de mais. Se ainda fosse
possível, eu me sentia um pouco mais afetada por meu chefe.
— Bem, isso foi legal — falou John, amigável, sem saber o que
dizer — Agora, se não se importar, vou roubar sua assistente,
Senador.
— Eu me importo — o par de olhos escuros não deixou os meus
enquanto declarava — Preciso falar com a Srta. Contreras.
— Certo... — pigarreei, apertando minha clutch de mão —
Claro.
John nos estudou por um instante.
— Vejo você mais tarde, Cherry?
— Hm, sim, claro — virei a pessoa que só sabia responder isso?
— Senhores — com a mão outra vez em minha lombar, Derek
foi sucinto ao passar pela mulher e por John, me guiando para fora
do salão de jantar.
Não perguntei para onde estávamos indo quando ele me levou
para longe do salão onde o clima de festa retornava com ainda mais
animação. Paramos diante dos elevadores.
Tentei questionar Derek quando o encarei por cima do ombro.
Impassível, seu rosto fitava o mostrador de andares sem me dar
qualquer vislumbre do que acontecia em sua mente. Quando o
elevador chegou, me conduziu para dentro sem nunca desconectar
seu toque. Sentia o calor de sua mão mesmo sob o tecido do
vestido. Vi quando apertou o andar da cobertura.
*
Naquela noite, Derek apareceu à minha porta. Gravata
afrouxada, cabelo bagunçado, expressão séria. Parecia ter lutado
contra a própria força de vontade, e perdido. Quando me afastei
para que entrasse, ele segurou meu rosto entre as mãos grandes,
mergulhou os dedos entre os fios dos meus cabelos agora soltos e
me beijou. Profundamente, punitivamente.
— Eu não deveria estar aqui.
Não respondi, porque temia que qualquer coisa que eu falasse o
fizesse desistir.
Ceder ao desejo que sentia por mim era uma tortura para ele, e
acabava sendo para mim também. Ao mesmo tempo que me sentia
em uma felicidade absurda, também me sentia errada,
envergonhada por algo que eu nem sabia o que era.
Eu não queria ser o segredo sujo de ninguém. Só queria
construir uma vida para mim, uma história de coisas boas.
— O que há de errado comigo quando o assunto é você,
garota? Por que não consigo ficar longe? — mordeu meu lábio.
E por mais que eu tentasse evitar, era quase uma doença
aquele sentimento de gostar tanto de alguém.
Dando as costas para ele, fui para o quarto. Sabia que me
seguiria. Diante de minha cama, o olhei por cima do ombro. Estava
em pé na porta, mandíbula travada. Tirei a camiseta de dormir, e
depois a calcinha.
— Cherry — advertiu.
— É o que veio buscar, não é? — me girei, totalmente nua para
sua contemplação.
Minha atitude o deixou furioso.
Melhor assim. Preferia isso à culpa. Sua culpa fazia eu me sentir
suja.
Deitei em minha cama, afastando de lado o livro que eu lia, um
erótico de banca.
Separei as pernas e comecei a me tocar. Olhos fechados.
Fantasiando também.
Só antecipei o que eu já faria em breve, me tocar pensando
nele. Meu desejo o atraiu para minha casa esta noite.
Ouvi o rugido baixo. O baque de seus joelhos no chão. A fome
como caiu de boca em minha boceta e me devorou. Puxei seus
cabelos, gemi gostoso, sensível, delirante. Espasmos começavam a
tremer meu ventre. Derek se afastou. Ficou de pé e abriu o zíper da
calça.
Gloriosamente duro.
O pau das minhas fantasias, carne e veias, grosso, ponta
brilhando.
Ele me arrancou da cama com um puxão em meu braço. Parei
abraçada ao seu peito, envolvendo seus ombros com meus braços
e enlaçando minhas pernas ao redor dele. Meu chefe me empurrou
contra a parede, a mão apertando meu pescoço. Num movimento
bruto, invadiu minha boceta. Saiu. Entrou. Macetou com raiva.
Gritei em seus braços, ou pelo menos tentei. Minha garganta
estava sob seu domínio.
O gozo veio rápido. Devastador.
Derek deu uma última estocada, grunhiu feroz e arrancou de
dentro de mim para gozar fora. Jatos quentes e intermináveis foram
jorrados contra meu estômago, respingando em minhas coxas.
Não quis encará-lo quando saltei no chão.
— Vou tomar banho — falei em voz baixa — Boa noite,
Senador.
Demorei no banheiro, encarando os ladrilhos sem realmente vê-
los.
Quando saí, sabia que ele não estava mais em minha casa. Um
sexo rápido, silencioso, sujo. Gostoso demais. Triste também. De
alguma forma, sentia que era assim que as coisas seriam entre nós.
Nossa configuração. Um desejo proibido e interminável, seguido por
uma encenação no trabalho.
Olhei para o livro aberto em minha mesa de cabeceira e
suspirei. Um sorriso sem vontade moveu meu lábio enquanto
evocava a garota do livro, cujo enredo se assemelhava ao meu,
consumida por um homem mais velho e poderoso. O melhor sexo.
Fechei o livro sem saber como a história dela terminava. Nem a
minha.
— Abbi! — corri para fora, saltando os degraus para pegar
minha filha assim que ela saiu do carro.
Minhas pernas falharam, moles demais para me sustentar em
pé.
Caí de joelhos e a puxei para junto do meu peito antes mesmo
que Abbi pudesse pôr os pés no chão.
As últimas horas foram a pior da minha vida. A mais
aterrorizante, angustiante. Santo Deus, nunca senti tanto medo. O
sumiço de Abbi me fez reafirmar a máxima de que filhos são o
nosso coração fora do peito, porque o meu simplesmente se
recusava a bater enquanto eu não a tivesse comigo.
— Ara, mãe, me larga!
Não consigo, filha.
Não conseguia nem falar. Só afundar o rosto em seu pescoço e
soluçar, me afogando naquele espiral de choro de alívio e gratidão.
Tanta coisa passou pela minha cabeça. Se algo tivesse
acontecido com ela, eu morreria. Simplesmente morreria.
— Abbi está bem, Cherry — uma voz rouca e
surpreendentemente suave falou sobre minha cabeça.
Derek.
Assenti.
Eu estava fazendo papel de boba, para eles. Claro.
E não me importava.
— Te amo, carinho — peguei o rostinho inocente em minhas
mãos — Te amo tanto, tanto.
— Também te amo, mãe — minha adolescente de seis anos
bufou.
Ri, em meio às lágrimas, e fui me levantando do chão.
Meus vizinhos da casa em frente, o Sr. e a Sra. Butler, estavam
do lado de fora, na calçada, comovidos.
Olhei em volta, a maior parte da vizinhança estava.
Pessoas boas, preocupadas com minha filha.
Uma cidade que ajudou nas buscas.
— Obrigada — olhei em volta — Ela está bem, gente, muito
obrigada.
Essa era a minha comunidade, o lugar ao qual me encontrei, me
sentia pertencente.
— Você assustou a gente, Abbi! — a Sra. Murphy gritou da
terceira casa, limpando as lágrimas também.
— Não faça mais isso, mocinha, ficamos preocupados com
você! — disse o Sr. Bennet, da casa ao lado, com ar de avô.
— Ara, pessoal, eu tô bem — envergonhada, Abbi chutou uma
pedrinha no chão.
Alguns riram, outros bateram palmas.
Derek, mãos nos bolsos, fez um movimento de cabeça para os
vizinhos, em saudação.
— Senador — o Sr. Bennet também cumprimentou, com
respeito.
— Obrigada, novamente pessoal — falei, limpando a bagunça
em meu rosto.
Peguei minha filha pela mão e segui para a entrada, com o pai
dela ao meu lado. Ele fechou a porta atrás de nós.
— Vamos para a cozinha — sugeri, ainda zonza daquela
bagunça.
Peguei três copos e coloquei sobre a bancada, me virando para
a geladeira, para apanhar a jarra de água.
— Aquele conhaque cairia bem agora — pediu Derek com
suavidade. Uma discreta demonstração de como isso também havia
mexido com ele.
Assenti e apanhei a garrafa do armário de cima.
— Boa ideia — Abbi concordou, assentindo vigorosamente —
Também vou querer.
— Engraçadinha. Suba na banqueta — falei para ela. E então
para ele: — Sente-se um pouco, também.
Entreguei o copo de água para Abbi, e um menor vazio para o
pai, junto da garrafa.
Abbi tomou a água quietinha. Eu queria abraçá-la e nunca mais
soltar.
Mas também queria torcer o pequeno pescoço.
Enquanto eles bebiam, espalmei a bancada e deixei minha
cabeça pender por um instante, respirando fundo, tentando gerir as
emoções.
Ainda tremia demais.
— Cê tá chorando? — especulou Abbi.
Reconhecia aquele tom mansinho dela. Um que vinha logo
depois de ela aprontar.
Subi a cabeça devagar, embora ela tivesse razão sobre os olhos
marejados.
— Nunca mais faça isso, carinho — e foi talvez o pedido mais
honesto que já fiz na vida — Nunca mais fuja ou se coloque em
perigo outra vez. Por favor, prometa para mim.
— Tá brava comigo?
Rindo, limpando a última lágrima remanescente, assenti.
— Furiosa. Mas também muito aliviada que você está bem. Só...
nunca mais faça isso outra vez, filha.
Senti a intensidade do olhar de Derek em mim, e mudei a
direção do meu olhar para ele. Para o homem que estava aqui com
a gente, que veio ao Texas pela filha. Que deixou uma cidade louca
com sua grosseria e desespero para que a encontrassem... e que
amava Abbi tanto quanto eu.
— Obrigada.
A sobrancelha escura arqueada com simplicidade me devolveu
em silêncio “ela é minha também”.
Concordei, ele tinha razão.
E não havia mais como adiar aquela conversa.
Respirei fundo.
— Acho que precisamos conversar.
Naquela noite, foi difícil fazer Abbi realmente pegar no sono. Ela
quis contar tudo ao pai, sua vida toda em quatro horas tagarelando
sem parar, mostrando fotos, brinquedos, cicatrizes.
E ele ouvia e respondia com carinho, atenção, amor, que jamais
vi em Derek.
Era como se um lado do homem público, do político respeitado,
imponente, impiedoso, existisse secretamente com o único objetivo
de ser destinado para a filha.
Quando finalmente descemos para a sala, depois de ter certeza
que Abbi mergulhara em um sono profundo (porque a cada vez que
quase cedia ao sono, ela acordava para conversar um pouco mais
com ele), nós nos servimos do conhaque e nos sentamos lado a
lado no sofá.
Ele, pensativo.
Eu, em uma bagunça emocional imensa.
Meu lado mãe, rugindo com força, agora que oficialmente Abbi
não era mais somente minha. Morrendo de medo do que viria
depois.
E meu lado mulher... meu lado mulher estava lutando
desesperadamente contra aquele velho e conhecido sentimento de
estar em sua presença. Hoje mais do que nunca.
Pensei que tivesse matado meu amor por esse homem. Queria
poder ter varrido de mim... mas não era o que estava acontecendo.
— E agora? — murmurei para o ar, sem coragem de enfrentar
seu rosto, sua presença massiva.
Demorou alguns segundos para ele responder.
Só o fez quando tomei coragem de encarar seus olhos,
profundos, cor de carvão e brasa. Intensos como somente Derek
Reynolds conseguia ser.
— Agora quero recuperar o tempo perdido com minha filha,
Cherry.
— O que isso quer dizer? — indaguei baixinho, engolindo a
ansiedade que tentava me engolir.
— Significa que não quero impedimentos para ter acesso a ela.
Quero conhecê-la de verdade, passar mais tempo com minha filha.
— Aqui?
Ponderou, meneando o queixo.
— Aqui, enquanto eu estiver nessa cidade, sim.
— E depois?
Lentamente, Derek pôs o copo sobre a mesa de centro e se
levantou. Somente então pude permitir meus olhos passearem por
seu corpo.
A calça jeans preta, camiseta, os óculos de grau que o faziam
parecer o Clark Kent da América.
— Depois, quero minha filha comigo em Washington. Vou levá-
la, e você Cherry, terá de decidir se vem com a gente ou fica.
Me levantei também.
— A vida dela é aqui, Derek.
Ele não se deteve de chegar o mais perto que pôde, até eu ter
que olhar para cima para fitar seu rosto.
— A vida dela é onde os pais estão.
— Eu estou aqui, em Marble Falls — afirmei, um pouco ofegante
demais, prevendo o caminho desta discussão.
Sua mandíbula forte, apertou.
— É, está. Só porque fugiu de mim — acusou baixo, a tensão
presente na rouquidão de sua voz.
— Não fug...
Ele me interrompeu, avançando mais perto.
— Decida, Cherry. Aqui ou lá. Não me importo. Mas Abbi vem
comigo.
— Não...
— Sinto dizer, mas será exatamente que acontecerá, esposa —
provocou, grunhindo, o olhar baixando para minha boca — Exceto
pela parte de que não a quero mais em minha cama.
Engoli em seco.
Foi um golpe baixo.
— Também não quero estar nela, Derek.
Em um acordo tácito, Derek e eu estabelecemos uma rotina. Era
como se vivêssemos em dois mundos paralelos. Em minha casa, eu
lhe dava total acesso, permitindo que invadisse meu espaço no
meio da noite com a chave que lhe entreguei, tomando-me com
voracidade. No entanto, no ambiente do gabinete, mal ficávamos
próximos. Nossas interações eram limitadas a reuniões sucintas,
nunca a sós, sempre marcadas pela formalidade.
Sem um compromisso, uma promessa, ou uma declaração do
que éramos verdadeiramente um para o outro.
Dei uma pequena entrevista ao NYT para a famosa jornalista
política Barbara Walters, uma mulher séria e comprometida com a
verdade, representando o gabinete em relação ao projeto de lei das
Startups. Era a minha primeira entrevista. Apesar do nervosismo,
acredito que me saí bem, explicando todos os pontos e
esclarecendo dúvidas.
Naquela semana, a lei foi aprovada com a maioria absoluta dos
votos, tornando-se um sucesso popular tanto entre o público quanto
na mídia.
Era setembro, e Derek começava a se preparar para a disputa
por um novo mandato, que ocorreria na primeira semana de
novembro, então as coisas no escritório estavam mais agitadas.
Mais assessores se juntavam à equipe. Mais compromissos oficiais
e viagens para a Califórnia. Menos encontros entre nós, e mais
intensidade quando aconteciam.
Derek venceria. Ninguém da equipe duvidada. As pesquisas
mostravam uma vitória com folga.
Mas então, uma bomba caiu no escritório naquela manhã.
Quando passei pela porta do prédio para iniciar o dia, sabia que
havia algo errado. Recebi olhares e notei cochichos enquanto subia
ao andar. Olhares de meus colegas de gabinete também. Mônica já
estava à minha espera, o que era incomum.
— Cherry — seu semblante fechado não me deu uma boa
sensação.
— Aconteceu alguma coisa?
— Venha à minha sala, por favor.
Enquanto andávamos, vi nas expressões de meus colegas certo
desagrado.
Sentei diante da mesa dela e quase tive um choque quando
colocou a tela de seu iPad na minha frente.
Na matéria de capa do The Wall Street Journal.
“A vida secreta de Derek Reynolds”.
Uma publicação sensacionalista e escandalosa sobre “o caso
amoroso do Senador Reynolds com uma assessora muito jovem,
recém-promovida a um dos cargos de confiança do gabinete.” “(...)
A amante é Cherry Contreras, uma novaiorquina ambiciosa, que
recebe o chefe todas as noites em seu apartamento em Near
Northeast”.
Imagens, muitas, de Derek saindo do meu apartamento com o
dia amanhecendo. Em uma delas, no dia em que o levei até a porta,
meu chefe me beijava o pescoço enquanto apertava meu seio.
“Amantes libidinosos”, de acordo com os vizinhos do edifício.
— Ele já viu? — murmurei, estarrecida, tremendo inteira.
— Já. Vou me reunir com Derek na cobertura em alguns
minutos.
— Mas... mas e eu? O que faço?
Mônica me desprezava naquele momento. Ela não disse nada,
mas seu olhar falava por si só.
— Volte para o seu apartamento e não saia de lá ou fale com
alguém — ordenou com frieza. — Vamos decidir como resolver essa
bagunça.
Ele era bonito. Mais do que bonito, era o tipo de cara por quem
era fácil demais se apaixonar.
Então apaixone-se por ele! Esqueça quem não a quer, e seja
feliz com esse homem diante de você!
Quase bufei com o pensamento. Como se tudo não fosse muito
mais complicado do que isso. Não envolvesse uma criança, dois
estados, ressentimentos.
— E quanto a você? — falei, um pouco para afugentar o barulho
em minha cabeça — Esperava por aquele fim?
Charles encolheu o ombro.
— Não foi tão óbvio, mas ela ter sido a responsável pela morte
do marido, e perdido a memória? Não convenceu muito, eu acho.
— Acho que ela não perdeu. Fingiu para todo mundo. Isso faz
mais sentido.
— Isso faz — paramos diante de um bar familiar a dois
quarteirões, Charles apontou com o queixo — Quer entrar?
Olhei lá para dentro, a alegria, as risadas.
— Um drink seria perfeito — suspirei, olhando para o relógio em
meu pulso — Mas ainda tenho que colocar a Abbi na cama. Se eu
bem conheço aquela garotinha, deve ter enrolado para ficar
acordada até esse horário.
A verdade é que a ideia de Derek fazendo em meu lugar algo
que fiz todos os dias da vida de minha filha, me deixava enciumada.
A hora de dormir era o nosso momento do dia. Quando eu me
deitava com ela em sua cama, deixava Abbi falar sobre seu dia,
contava uma história de ninar e a via adormecer, a mãozinha
segurando a minha.
O ritual de dormir de Abbi e Cherry.
Ainda não me sentia pronta para abrir mão disto.
Por outro lado, ele também precisava construir seu próprio ritual
com a filha. Derek merecia isso.
— Pensando bem, acho que o pai dela já deve estar fazendo
isso. Uma bebida não faria mal, vamos lá?
— Tem certeza?
Assenti.
— Tenho sim.
Eu não sabia bem como tinha dado tanta sorte. Na verdade, mal
acreditava que estava mesmo acontecendo. Por uma coincidência
enorme do destino, a Oxfam estava buscando alguém exatamente
com o meu perfil, jovem, recém-formada, foi o que a recrutadora da
empresa contou quando entrou em contato, ainda que eu não
fizesse ideia de como tiveram acesso ao meu currículo.
Feliz demais, não resisti a ligar para a primeira pessoa – e única
que eu tinha no mundo – para contar a novidade. Mordi o lábio,
ansiosa e hesitante, enquanto completava a chamada. Derek
atendeu no terceiro toque.
— Oi... — falei baixinho.
— Oi — respondeu no mesmo tom. O timbre rouco. Sentia tanta
saudade dele, de nós naquelas primeiras semanas de casados.
— Fui chamada para trabalhar na Oxfam... — ouvi sua
inspiração profunda — Especialista em Comunicação Política. Dá
para acreditar? — brinquei, encarando meus sapatos, alguns metros
longe do prédio em que minutos antes tive uma conversa com a
gestora.
Silêncio.
— Dá, dá sim. Você é competente no que faz. Um elogio
sincero. Suspirei.
— Sinto sua falta... — murmurei, não suportava mais aquela
pontada de dor por nós.
Silêncio. Respiração forte. Quase podia imaginar Derek
massageando a têmpora.
— Estou aqui — a voz mais grave e profunda — Sempre vou
estar.
— Eu sei... Vejo você em casa?
Silêncio. Um minuto depois, ele me surpreendeu:
— Quer sair para jantar?
Bobamente, apaixonada, sorri para o telefone.
— Quero.
— Oito?
— Oito — confirmei.
Nenhum de nós disse nada. Respirei fundo. Fez o mesmo.
— Te amo — sussurrei.
Grunhiu. Inspirou fundo.
— Sou maluco por você, menina — respondeu de volta,
baixinho, quase que se fosse uma maldição gostar tanto de mim.
— Não sou uma menina — e não gostava quando ele
evidenciava nossa diferença de idade.
— É, cereja. Você é uma menina.
— Cereja? — provoquei, escolhendo evitar esse caminho.
— A tradução do seu nome. A cor da sua boca... o sabor da sua
boceta. Arfei.
— Te vejo depois, então?
— Sempre.
Antes que eu desligasse, ainda me chamou:
— Cherry? Parabéns, estou orgulhoso de você — pareceu
honesto, apesar de tudo.
*