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LU L LOPES

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

Copyright© Lu L Lopes

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita


referência a eventos históricos reais ou locais existentes, os
nomes, personagens, lugares e incidentes são o produto da
imaginação da autora ou são usados de forma fictícia, e
qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos, ou localidades é mera
coincidência.
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O Cowboy, a Virgem e os Gêmeos Roubados

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SINOPSE

Essa história foi previamente publicada por mim sob o pseudônimo


“SM Lacey”, com o título de “Babá Por Acidente”. Este e-book
contém conteúdo extra, além de uma nova revisão.

Matheus Marinho era bem sucedido, rico, e um CEO de


sucesso. Mas com a morte da sua esposa, ele precisava de
ajuda para cuidar do seu mais precioso tesouro: sua bebê,
Sofia.
Alícia estava desesperada. Aquela entrevista de
emprego era sua última esperança. O último namorado havia
fugido do país após roubar suas economias, estava prestes a
ser despejada do seu apartamento, mas quando ela é
contratada como secretária apenas por ter qualificações por ter
feito trabalho voluntário, ela acredita que seu azar finalmente
está indo embora... Até descobrir que seu CEO não precisa de
uma secretária, e sim de uma babá. E ela não tem experiência
alguma com crianças. Agora, além de ter mentido na entrevista,
ela terá que lidar com uma situação totalmente nova... e com a
atração crescente que sente pelo chefe.
SUMÁRIO

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO QUATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE

CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS


CAPÍTULO UM

Se havia algo no qual eu me perdia, era em seu olhar…


Aquele olhar azul marinho me fascinava, me encantava, me

prendia. Perdi-me na imensidão daquele mar, mas não esperei


me afogar. Estava à espera de um salva-vidas… mas aquele
homem nunca poderia ser considerado um santo ou um mártir.

Não, ele era o oposto.

Minha própria perdição. Meu gosto pelo inferno.

Suas mãos grossas, quando me tocavam, traziam a


sensação quente de labaredas lânguidas, explorando cada

parte do meu corpo devagar em uma tortura mortal e


pecaminosa. Ele me conhecia. Sabia cada parte de mim que

pecava, que clamava por mais. Ele me afastava cada vez mais
do Céu e, por Deus, eu queria mais. Ele era meu Senhor. Meu

dono, meu chefe absoluto. Naquele momento, ele me tinha por


completo. Ele não precisava daquelas algemas para me ter

completamente rendida e entregue.

— Mas algemas são necessárias para uma vadia como


você. — A voz dele era áspera aos meus ouvidos, mas apenas

fez a sensação entre minhas pernas vibrar. Era um jogo, mas

era um muito perigoso. Ele segurou meus pulsos acima da


minha cabeça, onde a gravata vermelha pendia. Meu sangue

pulsava em meus ouvidos.

Eu não conseguia raciocinar. Tudo o que se passava na

minha cabeça flutuava e corria para todas as direções. Eu só

conseguia discernir a mesa atrás de mim, pressionando minha


bunda e levantando minha saia, enquanto ele estava sobre

mim, o corpo musculoso flexionando o meu, onde eu conseguia

sentir aquele volume maravilhoso…

— Está preparada, Alícia?


Eu não estava, de fato, mas eu acenei com a cabeça
afirmativamente, e ele tocou em meus lábios, manchando meu

rosto, desfazendo meu batom, e passando para meu uniforme e

desarrumando a minha gola.

— Você é minha — ele grunhiu, antes de possuir meus

lábios em um beijo avassalador. E não havia contestação

alguma. Naquele momento, eu era completamente dele.

Onde eu havia me metido? Eu era apenas uma


secretária... pior, uma babá. Ele era meu chefe… meu CEO.
CAPÍTULO DOIS

Se havia alguém com azar pior do que o meu na vida,


gostaria de ser apresentada a essa pessoa, apenas para

bebermos juntas e chorarmos as desgraças que nos


aconteceram.

Não tive uma vida fácil — meus pais faleceram quando

eu era criança, e malmente fui criada por uma tia que nunca

gostou muito de mim, tendo me culpado pela morte da irmã.


Nunca nos demos bem, por isso assim que fiz dezoito anos,

tratei de sair da sua vida. Nunca a vi mais grata quanto a isso, e

bem, eu também fiquei muito aliviada. Fiquei sabendo pouco


depois de seu falecimento. Não fui ao enterro, e acho que ela

também ficaria aliviada ao saber disso.


Quando saí de casa, fui da pior forma possível: com um

embuste de namorado. Eu sei o que irão pensar. Só que a


melhor forma de sair de casa é sempre dividindo as contas e,

incrivelmente, eu o amava. Confiava nele e achei que ia durar

para sempre. Guilherme sempre foi um bom amigo e


companheiro. Claro, ele bagunçava a casa inteira, e todo o

serviço doméstico acabava ficando por minha conta, mas

éramos bons juntos. Estávamos falando até de casamento.


Bem, eu falava. O que poderia dar errado?

Lógico, eu perder meu emprego.

Eu sempre trabalhei. Desde os meus dezesseis anos, eu

fazia uns bicos de menor aprendiz. Eu sabia que nunca ia

conseguir cursar a faculdade. Não tinha notas altas o suficiente


para entrar em uma faculdade pública e ninguém ia bancar a

particular para mim, nem eu queria me endividar para cursar

uma, então resolvi fazer o que dava. Guilherme dizia que eu era

burra, mas me esforçava. Dizia tanto que eu até comecei a

acreditar.

Eu era burra, mas me esforçava.


Trabalhava como caixa de um supermercado, que não
me pagava muito bem, verdade, mas pagava todo mês, e

contava com aquele dinheiro. Possuía até alguns benefícios, o

que me surpreendera na contratação. Eu aguentava os clientes

mais malcriados, e trabalhava bem. Havia um rumor à boca

pequena que eu era cotada à gerência, e eu estava feliz com

aquilo. Promoções significavam salários melhores, e eu gostava


de lidar com pessoas.

O meu problema começou quando compraram a rede de

supermercados. Os chefes mudam, a gerência também… A

conversa começou com “contenção de despesas”, e logo eu,

que era uma super funcionária, fui chamada aos Recursos

Humanos, sem ter qualquer aviso prévio.

No caminho para meu apartamento, passei por debaixo


da escada de uma construção. Os obreiros riram de mim,

dizendo que eu iria ter azar, mas eu apenas neguei com uma

risada fraca. Xinguei mentalmente um ou outro que tentou me

cantar. O que eles poderiam saber? Eu ainda tinha meu

namorado me esperando, ainda tinha um teto.


Quando cheguei no apartamento, encontrei-o

estranhamente vazio. Guilherme trabalhava em casa, já que ele


era um programador freelancer, e por isso passava a maior

parte do tempo na nossa sala que fazíamos de escritório.


Estava tudo muito calmo… um ar limpo, antes da tempestade.
Entrei na casa e me deparei com as cômodas reviradas. Meu

primeiro pensamento foi que um ladrão entrara em casa, mas a


porta do apartamento estivera trancada. Eu verifiquei a

fechadura de novo. Não parecia arrombada.

— Gui? — chamei, mas não obtive resposta.

Meu coração começou a acelerar. Aquele não parecia


ser o caos usual da casa. Deixei minhas coisas na entrada.
Parecia toda revirada, papéis para todos os lados… Fui em

direção ao quarto. Estava pior ainda. Meu armário estava todo


para fora, minhas roupas… Fui em direção para onde guardava

algumas poucas joias que eu tinha herdado da minha mãe, que


mal usava. Não estavam ali.

A ideia que se formava na minha cabeça era uma de


horror. Eu não sabia o que havia acontecido, mas o que quer
que fosse, eu não havia saído ilesa.

Peguei meu celular na bolsa, e tentei ligar para

Guilherme. Ele, felizmente, atendeu no segundo toque.

— Gui? Gui? Onde você tá? — perguntei, desesperada.


— Aconteceu alguma coisa? A casa tá uma bagunça...

— Oi, Lí… — A ligação parecia distante e confusa, como

se ele estivesse em um local com várias pessoas falando ao


mesmo tempo. — Não posso falar muito. Desculpa.

— O que aconteceu? Onde você está?

— Olha, eu sinto muito pelo que aconteceu. Você

merecia um cara melhor.

— Como assim? Guilherme, o que você fez?

— Lí, não posso falar, meu voo está aqui. Me perdoa, tá?
Foi muito bom o tempo que passamos juntos, mas não deu

certo. Te amo, mas…

E desligou, me deixando sem nenhuma resposta.


Olhei para o celular, a raiva e a incerteza borbulhando
dentro de mim. Fui deixada ali, sem ter noção de nada, apenas
confusa, triste por ter perdido o emprego, e agora, abandonada

pelo meu companheiro sem ter nenhuma explicação. Parei em


meu sofá, ainda com o uniforme de trabalho, afundei meu rosto

em minhas mãos, e permiti-me esbravejar minha frustração.

Quando as primeiras lágrimas começaram a rolar pelo


meu rosto, percebi que meu azar não havia acabado, pois a
campainha tocou. Não sabia quem mais iria me perturbar em

meu momento de isolação, mas recolhi minha dignidade e


atendi.

Era Solange, minha senhoria, e dois policiais. Eles

pareciam, acima de tudo, impacientes.

— Alícia… — Solange começou, parecendo alarmada.


— Eles tão procurando o Guilherme.

Ah, claro. Esse dia não poderia ficar pior.

Esfreguei as lágrimas como pude, tentando permanecer

calma.
— Desculpe, senhores… Ele não está. Eu acho que ele
me abandonou. — Minha voz fraquejou, mas eu mantive meu
olhar firme.

— A senhora sabe que temos um mandado de

apreensão para o seu marido?

Eu arregalei os olhos. Agora tudo fazia sentido.

— Eu e Guilherme não éramos casados… Vivíamos em

união estável… — tentei me explicar, inutilmente. — O que ele

fez? Meu Deus, o que ele fez?

Um policial olhou incerto para o outro, enquanto Solange


apenas encarava os dois, decerto esperando a fofoca da vez.

Eu tinha certeza de que em menos de cinco minutos o prédio

inteiro saberia do ocorrido, e eu ficaria mal falada. Nossa


senhoria não fazia caso em questões de rumores.

— Podemos entrar? Acho um assunto delicado para

tratar aqui fora.


Eu acenei que sim, e dei passagem. Solange ficou na

porta, e me chamou.

— Menina, eu sei que o assunto é sério, mas tenho algo


a tratar com você também…

— Agora não, Sô, por favor…

— É rápido. Só vou dizer que você tem até o final do

mês para pagar os meses atrasados, ok?

— Meses? Como assim? — Virei-me para ela. — Eu dei


o dinheiro para o Guilherme pagar tudo direitinho…

Ah, como fui burra.

Eu me esforçava, mas era burra.

Como confiei em um embuste?

— Prometo que vou conversar com a senhora assim que

falar com os policiais, certo? É que a situação está difícil, eu

acabei de ser demitida… O Gui vem e me apronta uma


dessas… — Tentei apelar para o bom senso da mulher. Ela
sorriu, mas este não alcançou os olhos. Exibiu os dentes de

tubarão dela, e tocou em minhas mãos.

— Claro, querida. Vamos conversar sim.

Eu sabia que estava perdida.

Entrei de novo no apartamento, e os policiais me deram

um breve resumo do caso. Aparentemente, meu namorido fora


acusado de hackear milhares de contas de bancos e deixar um

monte de pessoas na miséria, mas ele acabara pisando no pé

de muita gente importante, que não gostou muito do que ele

fez… O que o levou a deixar o país. Uma investigação estava


em curso, e eles queriam meu depoimento para provar que eu

não estava envolvida, já que ele usara o meu CPF para

algumas movimentações de conta — até isso sobrara para


mim….

Acabei descobrindo que ele roubara todo o dinheiro que

possuía das minhas contas do banco.

Como se o dia possivelmente pudesse ficar pior.


Enquanto eles me levavam para a delegacia para o

depoimento, uma fina garoa caía no vidro do carro, e eu me


apoiei nele, apenas observando as gotas de chuva cair.

Eu desejei que a chuva lavasse todas aquelas mágoas e

me desse um novo começo.


CAPÍTULO TRÊS

É cruel quando tudo o que lhe é caro é tirado de si. A


vida me ensinou a não confiar nas pessoas, e quando eu

finalmente permiti a aproximação de uma única, ela me foi


tirada cruelmente. Era como se o destino suspirasse em meu
ouvido, punindo-me por essa falha. Não mais.

E agora, sobrara a consequência destes atos.

Ainda era difícil encarar a verdade, mas a vida

continuava. Tudo seguia sem você, Evangeline.

Cheguei na Marinho Exportações LTDA no meu carro

esporte, estacionando na minha vaga presidencial. Arranquei a

pasta do banco do passageiro e subi até o último andar do


prédio comercial, sem fazer interações pelo caminho. Meu

humor era péssimo. Quando cheguei à minha sala, notei a falta


de cafeína na minha mesa e me amaldiçoei. Havia demitido a

minha última secretária na semana anterior, e nenhuma outra

havia substituído este papel. Era difícil encontrar alguém


decente, especialmente na situação na qual eu me encontrava

no momento. Eu era exigente, no final das contas.

Ouvi batidas na porta, mas aquela pessoa em especial


não precisava de permissão para entrar na minha sala. Quando

vi o que ele trazia nas mãos, quase o beijei na boca.

— Sua cara é de quem passou a noite na gandaia,

Theus. Dormiu nos braços de uma beldade? — Ele estendeu a

caneca para mim.

— Vai cuidar da sua vida, Ângelo. — Fiz um sinal nada


gentil para o meu parceiro de negócios e melhor amigo, mas

ele apenas riu. Ele sabia das dificuldades da minha vida, e do

meu estado atual.

— Sofia não te dá uma folga, né?


— Faz dias que não durmo — confessei, virando minha
caneca de café. Devia ser pelo menos a terceira do dia. Ainda

não fazia nove horas. O sono era meu estado perpétuo.

Ângelo olhou para minha caneca vazia e minha menção

de enchê-la novamente.

— Cara, maneira nisso aí. Eu não quero que você acabe

tendo um ataque cardíaco por cuidar mal da saúde. Quem vai

cuidar da Sofia nesse caso?

Eu suspirei. Não queria admitir que estava

enlouquecendo e perdendo o controle, mas eu queria manter o

mínimo de sanidade. Eu demandava controle. Não estava

acostumado com a situação saindo dos meus planos.

— Olha… — Meu amigo colocou a mão em meu ombro,

apertando-a gentilmente. Eu olhei para ele. A compleição

morena e gigante dele escondia um coração de ouro. Eu não

sabia o motivo dele não ter encontrado uma namorada ainda,


mas sabia que quando encontrasse, a garota seria mimada

incansavelmente. — Eu vou te ajudar. Sabe aquela secretária


que você precisava contratar? Considere feito. Resolverei isso

hoje mesmo. Use o tempo para adiantar o trabalho, e se


conseguir, tirar uma soneca. — E ele tirou a pilha de currículos

de cima da minha mesa, um de meus muitos compromissos de


hoje.

Eu o olhei incerto. Eu tinha entrevistas hoje para analisar


o melhor candidato, com o melhor perfil para o cargo, não

queria contratar qualquer um. Mas confiava em Ângelo,


portanto, não haveria perigo.

E como era tentadora a ideia de dormir um pouco.

Eu acenei, e ele foi para a sala dele com os currículos.

Ao contrário do que ele pensava, me afundei em


trabalho.

Havia muito a fazer.

Por causa de uma falha de segurança, que estava sendo


remediada sem cessar por parte dos funcionários da tecnologia

de informação em sigilo absoluto, apenas reportando a mim e à


Ângelo, a empresa sofrera um desfalque imenso em seu

patrimônio… Eu mesmo recebera a ligação dos hackers que


demandaram o resgate pelas informações de nossos bancos de

dados.

Eu não dormia desde então, relembrando a voz do


maldito.

A polícia já estava envolvida no caso, mas pelo que eles


nos diziam, os malfeitores já se encontravam fora do país, e a

situação se complicara muito mais. Eu estava fazendo tudo em


meu poder para investigar por meios legais, e contava com os

contatos de Ângelo para achar os malditos.

Não perdoaria nenhum daqueles homens.

Apenas mais uma coisa a tirar meu sono, além de Sofia.

Ah, Evangeline…

Olhei para minha xícara vazia. Precisava de outra.

E de uma nova secretária.


CAPÍTULO QUATRO

Foi um sufoco o que aconteceu com Guilherme. Entre


entrevistas com a polícia, conseguir convencer minha senhoria

a me deixar ficar com o apartamento mesmo com os meses


atrasados, ter meus bens congelados (apenas
temporariamente, graças!) por causa da minha união estável

com Guilherme, eu tive pouco tempo para aplicar para


entrevistas de emprego. Com a crise, não é como se houvesse
muitas por aí, mas eu me dediquei. E, milagrosamente, eu

consegui uma para de secretária em uma multinacional Marinho

Exportações.. Eu não conhecia exatamente o que eles faziam,


mas sabia que eles mexiam com exportação e cultivo de soja.

Ou algo assim.
Você é burra, mas se esforça, Alícia.

Com aquele mantra em mente, entrei no prédio


comercial, e me apresentei aos seguranças. Arrumei-me como

manda a etiqueta (ao menos, era o que todos aqueles sites de

currículo explicavam), e entrei em um elevador para o último


andar, ainda temendo que algo fosse acontecer. Na minha

bolsa, tinha uma figa e um trevo de quatro folhas, comprados

em uma feirinha de bairro… Não podia dar chance ao azar, não


era mesmo?

Eu até mesmo tinha feito alguns exercícios de

mentalização, mesmo não entendendo nada disso. Só

esperava mesmo que desse certo.

Na entrada do andar, fui recepcionada por uma

funcionária uniformizada, bem arrumada e muito loira. Ela deu


um sorriso plástico e me olhou de cima abaixo, julgando minhas

roupas silenciosamente. Sem dizer uma palavra, ela me

direcionou até uma sala de reuniões, dizendo que logo chegaria

a minha vez de ser entrevistada. Eu me sentei, mas notei que

não estava sozinha. Havia mais duas mulheres e um homem


também sentados em cadeiras, parecendo esperar por suas
vezes na entrevista. Olhei para as horas em meu celular. Eu

havia chegado com quinze minutos de antecedência para a

minha entrevista, mas os outros aplicantes deveriam estar

ainda mais cedo. Não sei se isso seria contado como falha

minha, ou bônus deles.

E eles eram absurdamente lindos. Aliás, todas as

pessoas daquela empresa pareciam ser lindas. E mais do que


isso, eles pareciam estar muito arrumados, bem mais do que

eu. Calças de linho perfeitamente passadas, que fazia minha

saia lápis comprada em liquidação parecer desajeitada cair mal

no meu corpo. Eu usava uma jaqueta apesar de não fazer frio,

e agora passava calor e suava. Pensei em tirá-la, mas ela

compunha o visual sério que eu tentava passar e eu não sabia


se era uma boa ideia. Talvez não tivesse sido uma boa ideia ter

vindo com uma camisa de manga comprida em um dia tão

quente…

Fiquei ali, com meus pensamentos a espiralar, e mal ouvi

quando meu nome de fato foi chamado. Eu corei, e ouvi

risinhos dos outros, e levantei-me de supetão, assustando o


homem. Ele era moreno, bem mais alto do que eu, e tinha um

sorriso lindo. Pelo modo de como a camisa de manga de linha


demarcava sua figura, ele deveria ser bem musculoso por

debaixo da blusa, e visitar a academia todos os dias da


semana. Estava vestido como um homem de negócios, e então
deduzi que era um dos figurões da empresa. Demorou um

pouco observando-me da cabeça aos pés. Ele ergueu a mão


para mim, e eu fiquei uns dois segundos processando até

entender que devia cumprimentá-lo.

— Olá, Alícia Franco. Eu sou Ângelo Roberto, e sou seu


entrevistador de hoje. Vamos para a minha sala?

Eu assenti, envergonhada. Recolhi as minhas coisas e o


segui, observando o layout do escritório. Era bem amplo, com

algumas unidades de computadores sendo ocupadas por


funcionários que discutiam algo, mas pararam para nos

observar quando passávamos. Paramos em frente a duas salas


com paredes de vidro; a primeira com venezianas cobertas; a

segunda, Ângelo abriu a porta.

— Aqui, por favor.


— Não sei como senhor consegue trabalhar aqui.

— Como?

— Eu me sentiria um peixinho no aquário — confessei.

— Observado por tudo e por todos.

Ele abriu um sorriso enigmático. — Mas você quer de


fato trabalhar aqui, não é mesmo?

Bola fora, Alícia.

— Sim, mas é claro… Eu só achei estranho, confesso.

— Entendo. Mas então, me conte sobre você.

Ai, como eu odiava essas perguntas em entrevistas.

— Eu sou Alícia, eu gosto de animais, gosto de longas

caminhadas pelo parque, de observar a chuva… — comecei.

Admito que minha voz saiu um tanto mecânica, mas era


porque eu estava um pouco nervosa. Eu queria muito aquele

emprego. O salário era acima da média, tinha vale refeição e


transporte, até benefícios dentários incluídos no seguro
saúde… Eu queria chorar, de tanto que eu queria a vaga. Mas
não era muito bem-visto dizer que você estava interessado na

empresa apenas pelo que ela podia lhe dar, e sim pelo que
você podia lhe acrescentar.

Na preparação para a entrevista, eu havia visto muitos

vídeos de dicas na internet. Tentei emular alguns deles, mas no


fim, eu nunca sabia se estava indo bem ou não. O fato de ele
não ter me expulsado nos primeiros dez minutos era algo bom,

ao menos.

— Alícia, sim? Devo perguntar algo curioso… você faz


algum trabalho voluntário? Vejo no seu currículo a menção a

um instituto, mas não exatamente o que você faz.

— Ah, é o Instituto Kasumi Maurine. Meu trabalho lá é


dar banho e cuidar da alimentação, nada muito glorioso. Às
vezes tenho que limpar as necessidades deles, mas é o que

acontece.
Notei que isso trouxe um interesse para ele. O trabalho
que eu fazia para o Instituto era algo que eu não costumava
divulgar muito, mas era algo que eu fazia de coração. Confesso

que eu entrara naquela para dar um “up” no currículo, mas uma


vez que entrara, eu tinha me apaixonado por todos aqueles

cães e gatos abandonados. Eu sentia que era meu dever doar


parte do meu tempo para que eles conseguissem lares. No
entanto, quando eu ia elaborar mais sobre o projeto da ONG,

ele me interrompeu, irrompendo da sua cadeira e indo em

minha direção, segurando minha mão.

— Eu sabia que era o destino quando você apareceu


aqui. Você não poderia ter vindo em melhor hora.

— Isso significa que estou contratada? — perguntei,

esperançosa.

— Alícia, você é perfeita. — Ele parou, e pigarreou. —

Eu tenho muita certeza de que ele gostará muito de você.

Eu pisquei algumas vezes, sem entender.

— Ele? Mas eu achei que seria a secretária do senhor?


— Ah não, eu estava fazendo a entrevista como um

favor. Eu sou apenas o CFO. Você será a secretária do CEO,


Matheus Marinho. Ele está na outra sala, ocupado. Vamos

resolver as legalidades, e eu a apresentarei para ele. Não se

preocupe. Tenho certeza de que ele gostará de você.

O senhor Ângelo sinalizou para a secretária, que se


aproximou e recebeu ordens para dispensar os outros

candidatos. Eu não estava acreditando. Discretamente,

belisquei o braço para saber se não estava sonhando. Eu havia


conseguido um emprego assim, com tão pouco esforço? Os

vídeos de entrevista faziam parecer tão difícil… Não que fosse

reclamar. Se ser contratada para aquela vaga estivesse

realmente acontecendo, eu faria de tudo para dar certo.

O senhor Roberto me mostrou o RH, e eu dei entrada no


meu processo de contratação. Confesso que li o contrato muito

por alto, apenas me atentando apenas aos benefícios… nunca

assinei um documento tão rápido.

Em menos de quarenta minutos, eu tinha um emprego, e


uma nova perspectiva de vida.
As coisas realmente estavam mudando para melhor!

Eu toquei a figa e o trevo de quatro folhas dentro da

minha bolsa, e fiz um pequeno agradecimento ao universo. Não

cabia em mim de tanta felicidade.

Meu novo chefe me alcançou na saída.

— Alícia, ainda bem que achei você. Venha comigo,


você quer conhecer o Matheus?

— Ah, claro… Quero muito.

Fui guiada de volta para o andar central, de volta para os

“aquários” gêmeos. Dessa vez, para a sala cujas venezianas

estavam abaixadas. Entrei, e fui agraciada com o ar-


condicionado potente, mas o calafrio que eu tive nada teve a

ver com o ar frio batendo em mim.

A visão que eu tive foi a de um homem. E eu, a essa

altura, sabia diferenciar um homem de um rapazote, como


Guilherme fora. Esse era exatamente o que todas as mulheres

procuravam, e eu tive a certeza de que ele devia arrancar


suspiros por onde passava. Mais alto do que eu, o que não era

difícil, já que eu certamente não passava da altura média para


uma mulher, mas eu teria dificuldade em olhar em seus olhos,

que eram de um azul profundo. Dono de uma cabeleira loira em

um corte moderno e asseado, seu físico me surpreendeu. Ele


era encorpado e sua camisa branca se destacava em seu peito

forte, e havia algo no modo em que se movimentou e

cumprimentou Roberto me fez ter vontade de vê-lo sem camisa.

Apenas por um breve momento. Mordisquei o lábio inferior. Seu


rosto era simétrico e agradável. A barba por fazer apenas era

um atrativo a mais. Ele era os meus sonhos adolescentes

personificados, e possivelmente se passaria por um cantor


ídolo facilmente. Era difícil pensar nele como um empreendedor

líder de uma empresa tão grande quanto aquela. O terno caía

nele muito bem, mas eu apostaria que ele ficaria muito bem

sem ele...

O momento que eu parei para observá-lo certamente foi


notado por ele, que deu um sorrisinho em minha direção.

Roberto tomou a frente, me introduzindo.

— Matheus, esta é Alícia Franco, sua nova secretária.


Ele me olhou de cima a baixo, me avaliando. Senti-me

corar por seu olhar penetrante. Aqueles olhos azuis, tão

profundos quanto um lago…

Eles eram uma perdição.

Tinha de me controlar. Eu seria sua secretária, e nada

mais. Deveria zelar pelo meu trabalho, e não pô-lo em risco.


Precisava ficar empregada para ter um teto sobre minha

cabeça. Não podia ter desejos absurdos por meu chefe, apesar

de ele ser um sedutor molha-calcinhas.

Teria apenas que abaixar a cabeça e não encarar


aqueles olhos.

— Prazer — disse, estendendo a mão para ele, tentando

não ser pega por aquele olhar. Quando ele me tocou, jurei

haver algo entre nós, mas assim que ele largou minha mão, o
momento passou tão rápido quanto veio. Uma esperança vã.

Eu estava tendo pensamentos além da minha conta. —

Prometo trabalhar com afinco.


— Espero que seja tão boa assim, para Ângelo contratá-

la no ato. — Essas foram as suas primeiras palavras para mim,


e eu não sabia dizer se era um comentário mordaz, ou uma

crítica. Fiquei sem saber o que responder, mas seu sócio,

felizmente, veio em meu socorro.

— Não se preocupe, Theus. Ela será a resposta para


todos os seus problemas. Acredite em mim. Ela tem

experiência naquele seu assunto particular.

Ergui a sobrancelha. Assunto… particular? Eu não

conseguia entender o que estava se tratando. Tentei elaborar o

que no meu currículo ele poderia estar se referindo, ou na


breve conversa que tivemos, mas nada me veio à mente. Decidi

me calar, porque poderia pegar mal para mim.

(E eu queria muito aquele emprego!)

— Que bom, porque eu preciso muito de ajuda. Rita


ligou, ela teve uma emergência e eu preciso voltar para casa

agora.
— Ah, é a oportunidade de ouro. — Roberto se virou
para mim. Ele colocou as duas mãos em meu ombro, me

surpreendendo. — Dê seu melhor, ok? Estou contando com

você.

Eu fiquei sem saber o que dizer, e ele me deixou ali, com


aquele pedaço de problema, sem me explicar o que estava

acontecendo. Apenas me disse uma breve despedida, antes de

se retirar para a sua sala. Eu olhei para aquele que seria meu
chefe, em busca de orientação, mas ele estava mais

interessado em colocar papéis e mais papéis em sua maleta,

quase cartunesco. Ele parecia extremamente atribulado.

Aqueles olhos azuis me encararam.

— Não fique aí, parada. Vamos! — ele esbravejou, e

passou por mim de supetão. Minha primeira impressão do meu


novo chefe foi, além de gostoso, de uma pessoa rude e mal-
educada, porém ele era meu chefe. Eu tinha de obedecer.

Segui-o.

Ele olhou para mim.


— Pegue os documentos!

Como eu ia saber que era para pegar os documentos?


Ele não me dera informação alguma! Alô, Matheus, eu ainda
não adivinhava pensamentos! Mas sem reclamar, eu recolhi os

papéis e rezei a Deus e todas as entidades superiores que eles


estivessem corretos, e corri, no alto dos meus salto agulhas,
atrás dele. Claro que meus pés doeram muito, mas eu não

podia reclamar.

Fomos até o estacionamento, e eu encarei o carro dele.


Nossa, que carrão! Era uma Ferrari 812 Superfast, que eu
sabia custar os olhos da cara, claro que ele era rico demais

para um carro popular. Matheus me deu um olhar

E eu me perderia naquela imensidão azul

Pigarrei. Apenas entrei no banco da frente, sem saber o


que dizer.

O silêncio era preenchido pelo som do ar-condicionado,

que, francamente, era uma benção naquele dia tão quente.


— Bem, parabéns pela contratação — ele começou,
após alguns minutos no trânsito. Lógico que pegamos um
engarrafamento logo na saída da empresa. — Qual seu nome

mesmo?

Ele sequer se lembrava do meu nome!

Uma raiva subiu até meu esôfago, mas me contive. Ele


era meu chefe. Aquele seria meu novo mantra, pelo visto. Ele

era meu chefe, intocável.

— Alícia Franco, senhor Marinho. — Quis provar que, ao


contrário dele, eu não esquecera.

— Ah, claro. Alícia. — O modo como ele disse meu

nome no entanto… havia algo no timbre da voz dele que era


agradável aos meus ouvidos, e eu me detestava por isso.
Esqueça disso, Alícia. Ele era meu chefe. — Ângelo comentou

que você tem experiência com… o meu problema. Você está


ciente do que é?

Não quis parecer ignorante diante dele. Revirei os


papéis, incerta.
— Acho que faço uma ideia.

— Ótimo. Sofia é ótima… Mas ela tem quase dois anos.


Ainda não sabe muitas coisas, sabe? Chora muito ainda.

Ah, claro. Entendi a situação. Ele devia ter uma filhote

que precisava de adestramento, e com minha experiência no


Instituto, eu havia sido contratada para isso. Esse fora o meu
diferencial. Agora eu entendia. Bem, não que eu concordasse

com esse desvio de função, mas eu adorava cães e gatos


igualmente, e se eu estivesse sendo paga para, além de ser

secretária, cuidar de um belo cãozinho…

Acho que não poderia ser tão ruim assim, não é mesmo?

— Entendo sim. Não se preocupe, eu cuidarei da


situação — prometi.

O sorriso aliviado que ele me deu foi fascinante. Como o

peso de mil anos estivesse saindo de seus ombros.

— Não me faça me arrepender desta contratação. Estou


confiando em você.
Admito que aquilo me fez dar um pequeno sorriso, no

final das contas. Tentei escondê-lo entre os diversos papéis de


documentos, mas acho que ele o viu.

Oh, bem. Que assim o fosse.

Conforme fomos atravessando a cidade, era visível que


meu chefe ficara cada vez mais agoniado, querendo chegar

logo a seu objetivo. Chegamos em um condomínio de luxo e,


francamente, eu não esperava por menos. Levaram pelo menos
seis minutos desde o guarda do portão nos deixar entrar após

verificada nossa identidade e até a casa do senhor Matheus


Marinho e a vista até o trajeto era maravilhosa. Dava para ver o
rochedo e o mar brilharem naquela tarde maravilhosa. A casa

dele… Não tinha outra maneira de descrever a não ser como


um aquário. Se eu achava a empresa exposta, os vidros altos

que mostravam toda a sala e alguns outros cômodos… Não sei


como ele não se achava exposto demais. “Arquitetura
moderna”, alguns diriam, mas eu era cafona demais. Talvez um

pouco privativa com o que era meu. Bem, aquele era um


condomínio de luxo, e algumas das outras casas também eram
naquele estilo.

Fiquei pensando se ele quisesse um dia dar uma na


sala, se os vizinhos veriam?

Afastei os pensamentos pecaminosos da mente, e

organizei os documentos mais uma vez. Segui-o do carro para


a entrada da casa, que era uma porta pesada de madeira. Era
tudo de muito bom gosto. Apesar das paredes de vidro

reforçado, tudo na casa parecia um tanto… sorumbático. Era


como se algo faltasse para que aquilo se tornasse um lar. Uma
peça faltante naquele quebra cabeça.

Era apenas muito triste.

Uma das primeiras coisas que notei, além da leve


penumbra, foi que os porta-retratos estavam virados para baixo.
Se fosse apenas um, seria curioso, mas assim que meus olhos

passaram pela sala, percebi que eram todos. Não havia um


sequer que estivesse de pé. Da lareira à cômoda junto à porta,

todos virados para a parede ou deitados.


Curioso.

— Senhor Marinho — comecei, mas ele me interrompeu.


Ele jogou a pasta em cima do sofá branco, e se apressou para

as escadas. Do andar de cima, eu conseguia ouvir alguns sons,


mas não conseguia distinguir o que era. Certamente, devia ser
a cadelinha.

— Venha comigo!

— Certo!

Larguei os papéis lá também, e o segui. Meus pés doíam


bastante, mas mesmo assim perseverei. Não podia demonstrar
fraqueza logo no primeiro dia do emprego. Eu tinha que mostrar

o meu valor.

Passamos por um quarto trancado. O corredor também


estava escuro, e paramos em frente a uma porta entreaberta.

— Este aqui — ele afirmou, e o barulho estava mais alto.


Mas era algo errado. Aquilo não era um ganido de cachorro.

Era mais como…


Entrei no quarto.

Era todo cor de rosa. Babados para todos os lados. Um


cercado em um canto. Um berço em outro, devidamente

decorado. Brinquedos para todos os lados, uma televisão em


um canto ligada em um canal infantil. E nele…

— Esta é Sofia — Matheus disse, pegando no colo a

criança que chorava no berço, e tentando a consolar. — Minha


filha.

Mas o quê?!
CAPÍTULO CINCO

O deus do azar devia ter gostado muito de mim, porque


se havia algo com o qual eu não sabia lidar eram crianças.

Especialmente crianças chorando e berrando muito. Matheus


olhava para mim como uma expectativa, e eu, sinceramente,
não sabia o que fazer. Ele ninava a menina no ombro, enquanto

com uma das mãos tentava alcançar o bolso.

— Alícia, por favor, pegue Sofia — disse, quando enfim


desistiu da manobra. Eu gelei na hora. Eu nunca tinha

segurado uma criança antes, quanto mais uma tão pequena.

Como se segurava? Pela cabeça, pelas pernas? Como se


apoiava o corpo? Eles não eram frágeis, com o quanto de força

se aplicava…? Eu não era apta para aquilo.


Meu chefe notou meu nervosismo, mas o interpretou

como preguiça. Ele ergueu uma sobrancelha, e eu percebi que


ele se irritou.

— Vamos Alícia, é só uma criança. Você não cuidou de

várias no Instituto?

— Como?

— Não é muito diferente, se nunca trabalhou com bebês

de dois anos. Vamos, por favor, eu preciso pegar meu celular.

— Olha, eu devo admitir que meu trabalho no Instituto

era… diferente.

Ele segurou sua filha contra si, um pouco receoso. Não

sei se era uma boa hora para admitir que o motivo para o qual

eu fora contratada, o meu “diferencial”, era uma mentira

completa, mas desde Guilherme… eu não suportava mentiras.

Eu não podia mentir para conseguir esse emprego.

Podia?

Eu lembrei do salário absurdo, dos benefícios.


Dos meses atrasados do aluguel.

Eu tinha que ficar com aquele emprego.

— Devo admitir que minha função era mais burocrática

no Instituto… Mas claro, não é tão difícil cuidar de uma criança.

Claro que sei o que estou fazendo. — Era uma meia-mentira,

que era ruim por si só, mas fez meu coração pesar. Eu de fato

ajudara com alguns documentos da fundação, mas foram as

poucas vezes. Eu era apenas uma voluntária, no final das


contas, nada tinha a ver com a organização do local. — Eu

ajudei com alguns eventos. Por isso sei lidar tão bem com

números e planilhas.

— Ah, ótimo. — Ele pareceu visivelmente desapontado.

— Vamos, segure-a.

E, ajeitando-a em meus braços, segurei-a. Meu coração

pesou e era como se tivesse o peso do mundo em minhas

mãos. Tentei não pensar muito, mas apenas a carreguei contra


meu peito. Ainda chorava muito.
— Merda — Matheus xingou. Partilhava do sentimento.

Ele vasculhava entre as mensagens do celular, o rosto dele se


tornando mais vermelho conforme lia. — Como aquela

irresponsável larga a Sofia dessa forma?

— Quem?

— Rita. A babá de Sofia. Aparentemente teve uma


emergência com a mãe dela, e ela não pode me esperar para
chegar, e deixou Sofia aqui, sozinha. Aparentemente não tem

muito tempo que ela saiu, mas mesmo assim… Com certeza,
ela não voltará para este emprego.

Engoli em seco. O tom dele era definitivo. Matheus

Marinho não era um homem de fazer ameaças. Ele


simplesmente fazia avisos, e os cumpria. Ele não era homem
de ser contrariado. Eu soube que por causa da minha mentira

estava completamente ferrada.

Eu tinha de me comprometer, então.

— Ela não está com fome? Quando foi a última vez que

comeu? — Pelo que eu entendia de filhotes, bebês choravam


por causa de fome, não é mesmo? Era sempre o mesmo

triângulo: fome, frio, fezes. Seria uma daquelas três coisas. E


como não tinha nenhum odor estranho vindo das fraldas dela….

— Pode ser isso. Vamos para a cozinha.

Ainda xingando e mexendo no celular, comigo segurando

a criança berrante no colo, com meus salto agulha e descendo


as escadas com todo o cuidado. Sentia-me tão frágil quanto
ela, e com tanta vontade chorar quanto. O desespero era

palpável.

Como se desligava uma bebê? Como a fazer parar de


chorar? Deus, eu estava preparada para aquela

responsabilidade?

Olhei para Sofia, assim que chegamos na cozinha. Ela,

apesar de tudo, parecia adorável. Usava um vestidinho azul


cheio de babados, que estava bem amassadinho. Sofia tinha os
cabelos loiros que caiam em cachinhos pequenos e delicados,

e os olhos ela herdara do pai, obviamente. Eram grandes e


azuis, mas derramavam lágrimas grandes e estavam vermelhos
de tanto chorar. Ela esfregava as mãozinhas nele, e eu me
apiedei dela. Eu não gostava de crianças, mas eu tentei
empatizar com ela. Céus, ela estava assustada. Sozinha por

tanto tempo… Onde estava sua mãe? O pai dela estava ali,
mas parecia fazer tanta ideia do que fazer quanto eu, que mal

tinha experiências com crianças. Matheus se pôs a procurar por


comida na geladeira, enquanto eu, ignóbil, ficava ali.

Eu tinha que fazer algo.

Tentei a coisa mais absurda possível.

Comecei a cantar uma cantiga baixa, enquanto a


balançava sem jeito. Sofia, aos poucos, foi parando de chorar.

Não dormiu, é verdade, eu não tinha aquele poder todo, mas ao


menos, se acalmou. O peso no meu coração se aliviou. Ela

manteve sua atenção em mim, como se notasse pela primeira


vez a minha presença, me avaliando. Era verdadeiramente
curiosidade o sentimento que nos unia.

E, claro, seus dedos pequenos pegaram uma mecha do


meu cabelo e o puxaram com força.
— Ai! — exclamei, sentindo tanto dor quanto vergonha.
Não tinha mãos livres para me livrar da daquela grande
ameaça, portanto tive que me submeter. Meu coque arrumado

conforme todos aqueles vídeos de entrevista foi decididamente


desarrumado e meus cabelos castanhos caíram em cascata

nas minhas costas e ombros. Lógico, uma bagunça imensa.

Uma risada límpida ecoou no cozinha. Enquanto

esquentava o leite, aparentemente, Matheus não tirava os olhos


de mim. Aqueles olhos azuis…

Eu corei de imediato. A cena realmente devia ser hilária.

Uma secretária desalinhada, uma bebê exploradora, uma

situação descabida. Meu chefe realmente devia estar se


aproveitando às minhas custas.

— Acalme-se, ela fazia isso com…

E a expressão dele se tornou sombria. Ele se aproximou

de mim e com uma gentileza que não parecia condizente com

sua pessoa, ele tocou na mão de Sofia e a tirou da minha


mecha de cabelo. A dor se aliviou no mesmo momento.
— Pronto. Alícia, termine de aquecer a fórmula, que eu

seguro Sofia.

E sem me dar chance de responder, ele tirou a bebê de


meus braços, que imediatamente pareceu mais feliz de estar

nos braços do pai. Eu encarei a panelinha com a mamadeira,

pensando imediatamente em dois problemas: como saber se


estava quente o suficiente; e se a bebê beberia aquilo tudo.

Parecia demais para uma criança só. Mas Matheus era o pai,

ele deveria saber o quanto a filha deveria ou não consumir. Eu


só alimentava cães e gatos, afinal das contas…

— Como eu…

Matheus deu um suspiro, como se tivesse previsto

aquela pergunta.

— É só ver se o leite está morno, prove ele nas costas

da mão.

Eu testei, e realmente, estava pronto. Sequei a


mamadeira, e dei para a pequena. Ela, no entanto, falou

baixinho para o pai.


— Não.

Eu, que esperava uma explosão vinda do meu chefe, me

surpreendi quando o tom mais doce saiu dele. Um brutamontes

desses não condizia com aquele tom gentil. Percebi que era a
primeira vez que eu ouvia a voz da criança. Eu achava que

bebês naquela idade já falavam, mas pelo jeito, Sofia era uma

criança bastante tímida. Ela ainda lançava olhares para mim,

mas escondia o rosto com as mãozinhas, falando ao pé do


ouvido do pai.

— Vamos, Sofia, não estava com fome? Não era por isso

que chorava?

— Não — repetiu. O não parecia definitivo, mas o pai

não se deu por vencido. Sentando-se no balcão, trouxe Sofia


mais pro colo.

— Vamos, Sofi. Pelo papai, por favor.

(Acho que aquela era a primeira vez que ouvia o grande

CEO falar “por favor”).


A menina ainda ficou olhando com algum interesse para

a garrafa, mas apenas balançou a cabeça negativamente e


fechou a boca quando o pai aproximou o bico da mamadeira

contra seus lábios. Estávamos em um impasse. Lágrimas

voltaram a surgir em seus olhos. Eu olhei em volta. Em um dos


armários, havia alguns potes de papinha de vários sabores.

Tentei consertar aquela situação um tanto lamentável, e peguei

uma colher de plástico de criança e um potinho.

— Sofia, prefere isso? — perguntei à criança. A mistura

parecia horrorosa, mas na mesma hora, os olhos azuis


faiscaram. Ainda temerosa de mim, no entanto, a criança deu

um último olhar ao pai, mas logo ergueu as mãos em minha

direção, e abriu a boquinha. — Olha o aviãozinho… — senti-me


um pouco ridícula ao dizer aquilo, mas foi como magia. Sofia no

mesmo instante mudou o semblante. Ela virou-se para mim no

colo do pai.

— Mais! — pediu.

Parecia que eu estava fazendo algo certo, afinal.


Dei mais da comida de bebê, e a menina pareceu adorar.

Um sorriso aliviado surgiu em meus lábios. Matheus se virou

para mim.

— Ainda bem que você estava aqui, Alícia. Você teve

uma boa ideia.

Um elogio? Logo no primeiro dia de trabalho?

Pareciam que as coisas estavam se ajeitando. Poderia

contar que minha sorte estava mudando? Talvez minha

perspectiva sobre as coisas não fossem tão ruins assim.

Foi quando a menina regurgitou a comida um pouco,


derramando nas calças dele e no meu sapato.

Meu sentimento de imediato foi um pouco de nojo, mas o

que me tomou mais foi a preocupação. Quais as chances de

ela engasgar? Eu peguei o primeiro pano por perto para limpá-


la enquanto Matheus verificava se estava tudo bem com ela. A

menina, no entanto, apenas riu.

Crianças.
— Acho que já está bom de comida, Alícia — meu chefe

anunciou, e eu concordava.

— Papa! — a menininha chamou, e o abraçou. Ela era


mesmo uma fofa, apesar de tudo. Eu sorri com o gesto, e não

pude deixar de notar que mesmo o semblante estressado de

Matheus se afrouxava diante dela. Talvez a minha primeira


impressão dele estivesse errada. Ele talvez tivesse um coração

debaixo disso tudo.

— Bem, Alícia, vou trocar Sofia. Sinta-se à vontade para

se alinhar nesse meio tempo.

Ah, claro. Eu ainda estava uma bagunça completa. Ele

estava sendo gentil por me lembrar de que eu ainda estava


trabalhando, que ele era meu chefe e que eu precisava manter

algum decoro. Corei de imediato e olhei meus sapatos. Era

realmente um ótimo dia para ter usado um scarpin de tom


claro… tomara que aquela papinha não tivesse um corante que

manchasse o tecido.
Matheus me apontou um lavabo e desapareceu com a
filha no andar de cima, e eu me pus a alinhar minha aparência.

Primeiro ajeitei meus cabelos novamente como pude, tentando

refazer o coque com o qual vim, mesmo sem escova ou


quaisquer produtos para cabelo. Isso se provou uma tarefa

mais difícil do que parecia, mas obtive algum êxito. Depois

tentei ajeitar meus sapatos…

Sentei-me na banheira, e que senhora banheira! Parecia


um ofurô, era toda decorada em madeira. Aliás, toda a

decoração do lavabo era de muito bom gosto.

— Realmente, quando se tem dinheiro… — suspirei.

Sentei-me na beirada e tirei meus sapatos. Além da grande

mancha que aparentemente não tinha conserto, tinha a questão


que meus pés estavam em chamas. Eu os ferira de tanto correr
para lá e para cá. Eu não estava acostumada a usar aqueles

saltos, e os havia tirado do armário justamente para aquela


entrevista, na esperança de conseguir aquele emprego.

Bem, eu conseguira, mas a que custo?


Como eu iria voltar para casa naquele estado? Não
conseguia andar neles. Suspirei de novo. Teria que suportar a
dor. No momento em que tentei colocar os sapatos de volta,

ouvi batidas na porta.

— Pode entrar.

— Está tudo bem? — Matheus perguntou, abrindo a


porta apenas um esgar. — Você está demorando muito para se
arrumar.

Ótimo, outra bola fora. Eu tentei me levantar, sem muito

jeito.

— Ah, não, apenas… tive alguns contratempos...

— Entendo. Bem, de qualquer forma, espero que esteja


pronta para trabalhar. Vamos começar logo.

— Aqui?

Ele me deu um olhar inquisitivo.


— Não, no meu escritório. Não é como se pudéssemos
fazer muitos avanços em um banheiro.

— Ah, não… eu me referia a sua casa. Não iremos


retornar à empresa?

— Infelizmente, não por hoje. Não achei substituta para

a babá de Sofia a tempo. Teremos que cuidar dela nós mesmo.


Felizmente, ela se distrai com pouco. Ela gosta muito de

desenhos animados. Deixei-a no quarto assistindo a um canal


infantil, e tenho um dispositivo a monitorando. — Ele ergue o
celular. — Se algo acontecer, serei avisado e irei até ela.

Vamos, temos algumas horas de trabalho pela frente. É melhor


mostrar pelo que foi contratada.

Engoli em seco, mas me senti motivada.

O primeiro passo doeu, mas foi decidido.

O segundo passo doeu mais ainda, mas segui-o em

direção ao escritório mesmo assim.


Era um espaço igualmente aconchegante. As paredes
eram cobertas por estantes de uma madeira escura e repletas

por livros de todas as cores e tamanhos, chegando até o teto.


Havia armários com fechaduras acobreadas e uma mesa de
madeira de lei, antiga, que ocupava boa parte do cômodo. Ela

parecia ser bem utilizada, porque em cima dela estavam um


notebook, impressora e papéis variados, em um verdadeiro

caos. Havia mais canetas e outros acessórios de escritórios em


desalinho. Não era algo que eu esperava de alguém como
Matheus Marinho.

— Vamos, eu preciso que você me acompanhe no

raciocínio. Espero que você pegue as coisas rápido.

Eu dei um pequeno sorriso. Aquele era um desafio que


eu estava disposta a encarar.

Matheus se abaixou, e tirou uma montanha de papéis de


dentro de uma gaveta.

Oh não.

Ainda tínhamos muito trabalho pela frente.


CAPÍTULO SEIS

Foi o apito do celular que me fez perceber o quão tarde


estava começando a ficar. Eu flagrei o celular, e percebi que

tinha me afundado no trabalho mais uma vez. Aquele era o meu


método de escapismo, de fugir do mundo.

Era uma maneira de fugir dos meus próprios


sentimentos.

Alícia não estava ali no escritório comigo. Cerca de meia

hora atrás, a babá eletrônica havia apitado, alertando que Sofia


precisava de ajuda. Eu a mandei para lá, confiando que ela

saberia o que fazer. Mulheres se davam bem com bebês, não


era mesmo? Era apenas uma fralda... É uma situação que

qualquer adulto que se prezasse já tinha passado. E acredite,


eu já tivera minha quota por aquela vida. Eu gostaria da minha

paz por alguns minutos.

Eu era um péssimo pai? Evangeline dizia que sim…

Dizia que eu não tinha tempo para elas. Bem, ela não estava ali

para dizer o contrário, estava? Eu era tudo o que restava a


Sofia, e não podia dizer que fizera muito para mudar a opinião

da minha ex-esposa. Não que ela pudesse fazer algo, também.

Aqueles pensamentos me anuviavam a mente, então

escolhi me servir de uma dose de um uísque forte, para


queimar a garganta e me fazer recordar que eu tinha que ser

uma pessoa melhor. Havia muitas pessoas que dependiam de

mim. Tinha que fazer a minha parte.

Afrouxei a gravata e me permiti relaxar um pouco. Saí do

escritório, deixando o copo em cima da mesa, e fui em direção


ao quarto da minha filha. Queria saber como a nova secretária

estava se saindo. Ela se provara uma boa aquisição. Sagaz,

dona de boas ideias. Quem sabe a longo prazo não se tornaria

uma peça essencial a produção da empresa. Ela conseguiu me

acompanhar bem para um primeiro dia.


Teria que testar seus limites com calma, mas eu gostava
daquilo. Testar os limites das pessoas. Ângelo diria para ter

paciência, que fora por isso que eu afastara todas as outras

secretárias e acabara as demitindo, que ninguém conseguira

dar conta das minhas demandas, mas eu era exigente. Eu

demandava, e não admitia nada menos que a perfeição. Alícia,

no entanto, provara que conseguia aguentar o ritmo.

Iriamos ver até quando…

Tinha que admitir, no entanto, que quando Ângelo me

mostrara a contratação, temi que ele a contratara mais pela

aparência do que pelo currículo. Ainda não tivera a

oportunidade de olhar o lattes da moça, mas o corpo… não

deixei de reparar nele o dia todo. Cintura fina e apertada por

aquela saia, que deixava à mostra as coxas grossas e bem


trabalhadas… Imaginei o dia todo como seriam tê-las sobre

meus ombros, ou arregaçadas na cama, pronta para ser fodida

e completamente à minha mercê. Confesso que esse

pensamento me passou pela mente, mas foi apenas isso, um

pensamento. Tinha de manter uma secretária, não é?


Cheguei até o quarto de minha filha, olhando uma cena

peculiar. Sofia dormia no colo de Alícia, o pôr do sol caindo nas


duas como gotas de tinta em um canvas. Era uma verdadeira

pintura, como se o tempo tivesse parado especialmente ali para


nós três, em um momento especial. Eu perdi o fôlego. Alícia
tinha os cabelos soltos e ninava minha filha em uma canção

baixa enquanto a acariciava seu rosto em um carinho terno.


Dava pra ver que, apesar de a ter conhecido naquele dia, elas

haviam se conectado.

Eu me surpreendi com aquilo. Sofia não era de confiar


em estranhos. Eu achava que minha filha havia sido vencida

pelo cansaço. Mas era uma bela cena, apesar de tudo.

Me desejei querendo uma fotografia daquele momento.

Mas sabia eu que mesmo fotografias não capturavam a

beleza efêmera dos momentos. Nem mesmo a memória fazia


jus a eles. Cabia a nós viver a vida intensamente.

— Ah, — ela me notou, mexendo nos cabelos. Havia um


ar diferente nela, eu não sabia o quê. Era como se tivesse um
perfume diferente. Ou algo no olhar. Algo que me atraía nela,

que me fazia querer penetrar naquela profundidade do seu ser.


— Senhor Marinho, me perdoe. Mas ela dormiu tão bem que eu

não queria perturbar.

— Tudo bem. Eu cuido disso.

E com delicadeza, tirei minha filha do colo e a coloquei


de volta no berço. Cobri-a com o lençol e a observei por um
momento. Ah, como a cada dia ela ficava cada vez mais

parecida com você, Evangeline. Eu realmente esperava que ela


deixasse os cabelos crescerem, ao mesmo tempo que me doía

o coração.

O luto era algo estranho.

— Bem, está na hora de você ir, Alícia. Vou chamar um

motorista para você. Eu mesmo te levaria se não fosse… —


apontei para o serzinho que ressonava tranquila.

Alícia mostrou um sorriso, mas eu sabia que estava


cansada.
— Tudo bem, eu sei me virar.

— Eu pago, claro. Também pagarei pelas horas extras.

— Horas extras? Ah… Já é tão tarde assim?

— As horas passaram e nem vimos.

— Confesso que nem percebi. Realmente foi um ótimo


primeiro dia. — Ela parou e pousou aqueles olhos castanhos

enormes e pidões em mim. — Muito obrigado pela


oportunidade, senhor Marinho.

— Eu que agradeço. Espero termos uma ótima relação

daqui para frente. Você trabalhou muito bem. Tanto como


secretária… quanto como babá — brinquei.

Ela mexeu em uma mecha de cabelo, colocando-a atrás


da orelha. Parecia um tanto envergonhada. Eu achei um

charme. A pele dela estava corada, e eu queria saber onde


mais a faria vermelha e arrepiada...

Matheus, contenha seus pensamentos.


Abaixei os olhos, e notei que ela estava descalça. Mais
ainda, notei os ferimentos em seus pés.

— Saltos novos? — perguntei. Evangeline


frequentemente tinha esse problema, e acabava tendo

ferimentos e bolhas devido à sapatos apertados.

— Ah, você notou… Eu os tirei do armário, não costumo

os usar com frequência… São os meus sapatos “da sorte” —

brincou.

— Não são tão da sorte assim se deixam seus pés neste


estado. — Eu já estava no celular, procurando um motorista de

aplicativo para Alícia. Tive sorte, e um se encontrava próximo.

Por puro instinto, eu fui até a bancada de remédios, e peguei

uma pomada. — Tome, isso ajudará e muito. O motorista já


está vindo.

Alícia pareceu visivelmente embaraçada com aquela

fraqueza.

— Mas como…?
— Digamos que eu tenha experiência com sapatos

apertados.

— Muito obrigada, nesse caso.

Mas ela não se moveu um centímetro.

Olhei de novo o celular. Sete minutos de distância. Acho

que daria tempo.

— Vamos, Alícia. Sente-se no sofá.

— Ah, não precisa, eu passo quando for pra casa.

— Não é trabalho algum. Vamos ou vou ter que forçá-la,

e acredite, você não quer testar a minha paciência.

Ela tremeu. Veio em passos lentos, e sentou-se no meu


sofá branco, carregando os scarpins nude. A maldita saia

empertigou-se e mostrou mais daquelas coxas poderosas que

eu tinhas ganas de tocar, mas eu me contive em abaixar-me e


tocar em seus pés. Alícia se surpreendeu e soltou uma

expressão de surpresa, mas eu apenas pedi a ela a pomada, e

ela compreendeu. Abri-a, e pus-me a fazer uma massagem em


seus pés calejados. A pele dela era macia e delicada, e por

isso, havia se rompido em alguns pontos, e com gentileza,

apliquei o produto. Os pés dela eram bonitos e por alguma


razão eu me fixei em seus tornozelos. Pareciam um ponto de

perdição.

Como eu gostaria de vê-los atados e vermelhos de

sofreguidão.

Perdi-me naquela tarefa por alguns minutos, e pude ver

como a pele dela se eriçava com meu contato. Ela não era
indiferente a mim. Suas pernas se separavam

inconscientemente, sua respiração ficou afetada… Eu conhecia

aqueles sinais tão bem quanto qualquer outro homem.

Alícia ficara excitada.

Bom.

Levantei-me, um sorriso sacana em meu rosto.

— Sente-se melhor, Alícia?


Ela arfou, mas logo se recompôs. Para a minha

surpresa, a expressão dela não era de vergonha, mas uma de


malícia. Minha secretária parecia esconder algumas surpresas

em sua própria cabecinha, pelo visto… Ela se levantou, mas

parecia estar em um dilema.

— O que foi? — perguntei, intrigado onde até onde ela


levaria o jogo.

Jogo esse que eu nem sabia que estávamos jogando.

— Sabe, eu não posso caminhar agora, desse jeito com

a pomada. Nem posso colocar de volta os meus sapatos.

— E o que você quer que eu faça? Te carregue até o

carro?

— Sabe que não é uma má ideia…

Ah, a safada.

Eu olhei para ela, um tanto incrédulo. Ela ainda manteve

a expressão séria por alguns momentos, mas logo a fachada


caiu, e uma risada límpida ecoou pelas minhas paredes de

vidro. Era algo que há muito minha casa não via. Vida.

Era como se nós tivéssemos morrido com Evangeline.

Eu me peguei sorrindo também.

— Não precisa — ela disse. — Pode me emprestar uma

sandália? Prometo trazer amanhã, no escritório. Eu só não


gostaria de voltar para casa nestes sapatos.

Olhei para o celular, que agora me alertava que o

motorista tinha sido aceito para dentro do condomínio pelo

aplicativo de segurança. Dei o meu melhor sorriso sacana para


ela. Ela havia começado aquele jogo perigoso, e eu não

entrava em competições se não fosse para ganhar.

— Claro, Alícia.

Porém, ao invés de ir na direção dos quartos, eu, como

um lobo, me movi em direção a ela. Quando cheguei perto dela,


nossos corpos ficaram tão próximos que eu conseguia sentir

seu peito subir e descer em uma respiração rápida, mas eu agi


rápido. Peguei-a pela cintura e pelas pernas e a carreguei. Em

meus braços, ela era tão menor e tão frágil quanto minha filha.
Talvez pesasse alguns quilos a mais, era verdade. Mas os

berros eram iguais.

— Matheus! — gritou. — Senhor Marinho! Coloque-me

no chão!

— Ora, não foi você que pediu por isso?

— Era uma brincadeira! Por favor, me coloque no chão!

— Vamos, Alícia, o motorista está chegando. Seja


coerente.

— Coerente seja o senhor!

Apesar de espernear, consegui me mover em direção a

saída. Eu estava rindo muito do desespero dela, que tentava se

agarrar com todas as forças à minha camisa, com medo de que


eu a derrubasse. Ela não tinha o que temer, no entanto, eu era

forte o suficiente para carregar pelo menos umas cinco dela

pelo que ela pesava.


O que me fez notar que ela era, de fato, muito mais leve
do que uma pessoa comum. Questionei-me se passava por

dificuldades antes de conseguir esse emprego.

O motorista de aplicativo chegou em um carro de luxo, e

eu carreguei Alícia porta a fora. Se ele estranhou a comoção,


não fez acaso. Apenas abriu a porta do carro para que eu

colocasse Alícia no banco de trás, e ela ficou muda. Eu

estranharia isso se não fosse o adorável tom de vermelho que


cobria o rosto dela completamente.

— Eu te mataria se você não fosse o meu chefe.

— Ainda bem que eu sou seu chefe, então. Vou viver

para ver mais um dia.

— Bobo — ela murmurou, sorrindo. Fechei a porta, mas

eu pude ver que seus olhos castanhos não me deixavam. Ela


abaixou o vidro, e quis dizer algo.

— Sabe, os sapatos me deram sorte. Eu consegui o


emprego e conheci o senhor.
Eu não soube o que responder. Alícia sorriu.

— Nos vemos amanhã? — tentei.

— Nos vemos amanhã — ela respondeu. Dei sinal para

o motorista partir, e em segundos, ela tinha saído do


condomínio, e eu voltei para dentro de casa, trancando a porta.

Assim, findava-se o primeiro dia de trabalho. Pensei em

Alícia, e em seu corpo exultante. Era uma tentação que eu não


deixaria passar. Talvez eu precisasse de outra secretária…

Mas a babá eletrônica apitou, e eu tinha outras

obrigações em mente.

Talvez outra hora.


CAPÍTULO SETE

Apesar de o primeiro dia ter sido bastante atribulado, o


segundo fora bem tranquilo. Eu consegui finalmente conhecer

meus colegas de empresa, Jack e Isaac, que eram da


contabilidade e os quais eu teria mais contato, além de Ângelo
e Matheus. No primeiro dia eu descobrira que a empresa

estava em crise por causa de um crime de fraude que havia


sido cometido contra ela, e que ninguém sabia ao fundo o
tamanho do rombo.

O que era bastante problemático, já que isso afetava o

pagamento de todos os funcionários daquela multinacional.

Ainda era um assunto secreto, então apenas o alto

escalão (e, aparentemente, eu) sabia disso. Ângelo falou que


estavam trabalhando inclusive com a polícia para trazer esse

assunto à tona, porque aparentemente hackers haviam


invadido o sistema e pedido resgate do banco de dados...

Sinceramente, parecia complicado demais para mim,

mas eu ficara encarregada de documentar e organizar uma


série de pastas, o que era ao mesmo tempo uma parte fácil e

difícil. Eu me pus a trabalhar, como sempre. Eu nem reparei,

mas quase duas semanas se passaram desde que eu fora


contratada.

Eu ainda me sentia como um peixinho dentro de um

aquário toda vez que eu entrava no escritório do Matheus, mas

quando comentei isso com ele em dado momento, ele fazia

questão de abaixar as cortinas para que eu me sentisse mais


confortável.

(A desculpa que ele dava, porém, era de queria dar um

cochilo, mas eu duvidava. O homem tinha café nas veias. Ele

nunca dormia).
Aliás, falando em café, eu aprendi que meu café era
fraco demais para o senhor Matheus Marinho. Ele sempre

reclamava dele. Todas as vezes que eu fazia o café para o

escritório, os meninos elogiavam, mas o CEO Matheus nunca

estava satisfeito com o meu café. Sempre alegava que estava

fraco, que parecia um chafé. Sempre trazia a caneca pro

escritório, e ficava marinando-a lá.

Mas eu descobri um segredo.

Ele tomava meu café escondido.

Foi de Ângelo que descobri. Eu estava perguntando se

precisava fazer mais café, e quem havia tomado a última

xícara, quando Ângelo me puxou pela cintura.

— Faça sim, Lí. Sabe por quê? Eu queria café, mas

alguém tomou a garrafa de mim em uma posse de ciúmes…

Parecia um monstro, acredita? Eu só queria um gole desse

precioso líquido...

Eu ri. Às vezes, Ângelo não fazia sentido, e eu apenas


ria junto das suas brincadeiras.
— Quem?

— Seu querido chefinho. Ele roubou o meu café, Lí, faz


maaaaais.

— Faço sim, não se preocupe.

Do canto do olho, pude ver o “meu querido chefinho”


tomando a xícara de café, parecendo emburrado com a
brincadeira de Ângelo. Não pude deixar de sorrir. Então quer

dizer que o maldito reclamava do meu café, mas tomava-o


mesmo assim? Não ia deixar barato.

Fiz mais uma leva, e dessa vez, levei uma xícara para
ele.

— Oras, a que devo essas honras? — ele perguntou,

levantando os olhos do documento. Aqueles olhos azuis da


perdição. Eles tiravam meu ar.

— Quero saber se já aprendi a fazer um café do seu


gosto — era um desafio, mas mantive o olhar. Matheus levou

os olhos de mim para a xícara, e a pegou. Ele notou o tom de


desafio, portanto parou e cheirou o aroma do café, depois

degustou o líquido, como um verdadeiro sommelier. Eu tive que


manter as feições sérias, por causa da aposta implícita, mas eu

tinha vontade de rir dos gestos dele. Depois ele depositou a


xícara na mesa e me encarou, uma expressão séria no rosto.

— Está decente.

— “Decente”?

— Tem muito a melhorar. Contudo, está melhor do que


antes. Parabéns.

Eu olhei para ele, incrédula. Ele continuou impassível, e


eu não pude expressar a minha indignação de outra forma que

não sair dali. Com um canto do olho, olhei para trás, e o vi


erguer a xícara mais uma vez, como se brindasse, e bebendo

do café mais uma vez.

O debochado!

Ele iria ver só!


Voltei aos meus afazeres, tentando ocupar a mente. Fui
atraída pelo som do celular, que piscou uma, duas vezes. Não
era meu costume ficar verificando redes sociais durante o

expediente, mas eu jurara que tinha colocado o aparelho no


modo silencioso. Peguei-o, e percebi que era uma ligação

perdida. Não apenas uma, mas algumas. Três, para ser exata.
Um número desconhecido.

Meu coração afundou. Meu pensamento foi logo para


Guilherme.

Eu não queria nada com ele, a essa altura da minha

vida. Eu tinha um emprego bom. Eu tinha consertado minha


vida, minhas dívidas. Ele voltar à minha vida a essa altura só

iria me trazer problemas.

Eu bloqueei o número.

Esperava que ele entendesse o recado e me deixasse

em paz.
CAPÍTULO OITO

Eu prometera a mim mesmo não permitir ninguém mais


na minha vida, mas fazer aquela promessa e contratar Alícia

fora o mesmo que deixar uma pedra ser corroída pelo rio.
Pouco a pouco, as defesas que ergui com todo cuidado eram
derrubadas com a cada xícara que ela me oferecia. Os desafios

continuavam, e ela melhorava exponencialmente. Tanto no


trabalho, quanto em seu café. Ela estava muito perto da
perfeição, para ser sincero.

E de me conquistar completamente.

Eu já não via aquele escritório sem ela.


E porra, como era tentadora. O jeito que rebolava os

quadris naquela saia, o modo como a meia-calça mostrava e


escondia ao mesmo tempo as pernas poderosas… Eu estava

fascinado por seu corpo. Queria, mais do que tudo, colocá-la

sob meu corpo e ensiná-la como dizer “por favor, Senhor


Marinho”, em um tom suplicante e desejoso. Seria maravilhoso

tê-la ali, em cima da minha mesa, os seios expostos e os

mamilos rosados com marcas de dentes…

— Senhor Marinho?

Afastei-me de meus pensamentos pecaminosos

justamente para olhar para meu objeto de desejo. Alícia usava

um conjuntinho preto, com a gola aberta, com o decote que eu

conseguia ver seu sutiã. Mulher abominável. Queria-a para


mim.

— Trouxe seu café. — Seu sorriso era de triunfo. Era um

jogo entre nós. Ela me trazia o café, e eu o avaliava. Eu era

sempre muito exigente, e apesar dos pesares, Alícia ainda não

estava pronta para passar no teste.


— Sabe, quando você conseguir passar um café
perfeito, terei que lhe dar um prêmio — falei, aceitando a

xícara.

O sorriso dela aumentou.

— Por que tanto sorri?

— O senhor disse “quando”, e não “se”. Isso me deixa

feliz.

Merda. Deveria controlar meus sentimentos quanto a ela.

Tomei o café, e me surpreendi. A qualidade do grão havia

mudado, e o aroma não tinha o característico tom de queimado.

— Ângelo tem te ajudado com o café, pelo visto. Você

mudou a marca do grão.

— Eu sempre fico surpresa com seu nariz — ela disse.

— Ângelo pediu pra comprar uma marca diferente. Achei que

não fosse notar.

— Eu tenho o faro muito aguçado. Por exemplo… —

Levantei-me da minha cadeira, e me aproximei dela. Alícia não


se moveu, confortável na minha presença. O que era

lamentável. Era um cordeiro na presença do lobo. — Seu


perfume de hoje tem toques de lavanda. É muito agradável. Eu

diria que vem do seu sabonete.

Ela corou um pouco.

Eu me aproximei um pouco mais, chegando a milímetros


do ouvido.

— Já seus cabelos… eles tem um perfume floral, que eu


não consigo identificar muito bem o que são. Mas adoraria

descobrir…

Atrevi-me um pouco e toquei em seus cabelos,

arrancando um suspiro dela. Estava tão próxima, eu poderia


trazê-la contra meu corpo e tomá-la para mim.

Ela entreabriu os lábios carnudos, soltando uma doce


respiração, e meus olhos se prenderam neles. Ela usava um

batom claro, muito respeitoso e próprio para uma secretária,


mas minha vontade era de borrá-lo completamente e
enlouquecê-la. Ficamos ali, naquele impasse, mas sem

coragem o suficiente para darmos o xeque-mate.

— Alícia… — comecei, inalando seu perfume. Era


embriagante, mais tóxico que qualquer veneno. Toda ela era

intoxicante, seu ser penetrava no meu. Eu já não


responsabilizava pelos meus atos. — Você ficaria muito bonita
em um batom vermelho.

— Eu… eu preciso ir. — Ela se virou, as faces rubras e

incertas, para longe de mim. Alícia ainda deixou seus olhos


castanhos pairarem sobre meus lábios antes de ir até a porta.

Ela a abriu um pouco, com a intenção de dizer algo, mas fugiu


no alto de seus sapatos, fechando a porta do meu escritório

com força. Eu ri, enquanto voltava a tomar da xícara de café.


Corra mesmo, pequeno cordeiro.

O lobo estava à caça.

Eu já não tinha capacidade de deixá-la em paz. Somente

o perfume dela tinha deixado em mim uma ereção grande e


dolorosa contra as minhas calças. Apertei-a e imaginei suas
mãos delicadas no lugar. Um grunhido surgiu na minha
garganta.

Seria delicioso devorá-la.

Ouvi uma batida na porta e voltei a me sentar na cadeira,


para esconder minha situação.

Ângelo abriu a porta.

— Está tudo bem? Alícia saiu daqui correndo…

O olhar dele foi de mim para Alícia além do portal e


adentrou a minha sala.

— Não vá demitir essa também, está bem? Foi uma


contratação dos Deuses. Não acharemos outra igual.

— Eu que o diga — respondi, meus olhos escuros de

desejo.

— Falo sério, Theus. Não vá comer a menina e


abandoná-la. Alícia é uma menina direita.
— Diga o que veio fazer aqui, Ângelo. Certamente não
foi para me dar conselhos na minha vida amorosa.

— Sua falta de vida amorosa, na verdade. Lembre-se de


que você tem uma filha pequena. Se bem que as garotas

costumam gostar disso, não é mesmo?

— Ângelo, foco.

— Claro, claro… — Meu amigo sentou-se na minha

mesa, afastando alguns documentos, e tirou um papel da

camisa. Era um número de telefone, anotado em letras


rabiscadas, que eu identifiquei ser a caligrafia dele. — O

detetive ligou. Ele tem novas pistas do caso. Aparentemente,

este número tem ligações com o nosso caso. Ele pediu para

perguntar se você o reconhece.

Tentei puxar pela memória o número, mas infelizmente,

nada me veio à mente. Balancei a cabeça, mas fiquei com o

papel. Talvez viesse a ser útil.

— Ele falou, claro, que não era para ligarmos para o


número. Ele me fez prometer, Theus.
— Mesmo sabendo que eu sou a única pessoa que falou

com o bastardo e consegue reconhecer sua voz? Podemos


tentar atraí-los para uma emboscada.

— É um plano muito arriscado, quais as garantias que

dariam certo? Precisamos confiar na polícia dessa vez. É muito

dinheiro em jogo.

Eu olhei para Ângelo, sabendo que minha intuição dizia


algo totalmente diferente de minha razão. Não concordava com

meu amigo, mas confiava nele. Uma das poucas pessoas que

tinham minha confiança ainda. E ele tinha tanto a perder quanto


a mim. Havia muito a perder com se a fraude não fosse

resolvida e o dinheiro não fosse recuperado. O seguro havia

sido ativado, é claro, mas havia todos aqueles pormenores

legais. Queríamos as cabeças dos responsáveis.

Especialmente daquele maldito GX.

Meus sonhos eram pervasivos com tentativas de

assassinato e vingança. Eu mal podia esperar a chance de tê-lo

ao meu alcance e botar minhas mãos nele. No entanto, pelo


que a polícia havia me dito, ele havia saído do país na primeira

chance que conseguira. Mas eu sentia que ele iria voltar. Eu

conseguia sentir o faro daquele covarde naquela ligação que


ele fizera quando tentaram revender nosso banco de dados. Eu

reconhecia um covarde quando via um.

Ele voltaria.

E eu estaria pronto quando ele viesse.

O lobo ficaria atento.

O toque característico do meu celular preencheu a sala,

e eu atendi-o. O rosto rechonchudo da minha filha e sua voz


baixa apareceu na minha tela, e seus dedos gordinhos

apareceram cobrindo a câmera. Estranhei. Sofia não possuía

um telefone. Aquele número de celular ainda era da nova babá


dela.

— Casa, papa — a voz dela veio, eletrônica.

— Estou no trabalho, Sofi. Como você conseguiu me

ligar?
— Casa — ela repetiu.

— Onde está a Maia, Sofi?

— Papa trabalho. — E ela derrubou o celular, sumindo

das vistas. Eu me levantei imediatamente, a preocupação


surgindo. Ângelo acompanhou tudo por cima dos meus ombros

e apenas me deu um leve aceno com a cabeça. Ele me

entendia apenas com um olhar.

— Vá para casa, agora, Theus.

Fiz um aceno enquanto arrumava minha maleta com

alguns documentos essenciais para o trabalho. Sabia que

aquele seria mais um dia de trabalho em casa, para ficar de

olho em Sofia e despedir mais uma babá. Nenhuma delas


durava, estava difícil achar alguém que prestasse.

Naquele momento, Alícia entrou na sala, trazendo alguns

papéis em mãos. Notou no mesmo instante que eu estava de

saída.
— Sofia, não é mesmo? Me dê um minuto para eu

arrumar minhas coisas.

— Você irá comigo? — eu perguntei, um tanto sacana.

— Tenho alguns números a passar com o senhor.

Preciso que assine alguns papéis, e Sofia é mais importante.

Por favor, me espere na garagem.

E, como um raio, partiu para seu cubículo. Eu e Ângelo

nos entreolhamos.

Aquela mulher era sensacional.

Ângelo deu um soco no meu braço.

— Não faça nada que eu não faria — alertou, e voltou

para a própria sala.

— Não posso prometer nada.

O lobo em mim sorria.


CAPÍTULO NOVE

Chegamos à casa de Matheus relativamente rápido, e


encontramos um cenário catastrófico. A babá de Sofia, Maia,

adormecida no sofá branco, enquanto a pequena perdera o


interesse nos desenhos animados de seu tablet e no celular da
babá e passara a pegar seus gizes de cera e a desenhar nos

vidros que compunham as paredes de sua casa. Como eram


vidros, seriam mais fáceis de limpar, pensei.

— Temos uma artista na família, pelo que parece —

Matheus falou quando encontrou os desenhos e a filha

completamente coberta da fuligem de cera. Ela parecia estar


envergonhada de ter sido pega, mas Matheus apenas a pegou

no colo.
— Sofi, não pode rabiscar as paredes, sabe disso. — Ele

a carregou no colo, enquanto a babá o seguia, decerto


temerosa de perder o emprego. Ele a ignorava, então eu tinha

certeza de que ela não iria durar muito mais, mesmo que este

incidente não a demitisse. Eu peguei os documentos e a maleta


dele, anunciando que o esperaria no escritório.

— Só irei trocar Sofi e a deixarei segura. Fique à

vontade, Alícia. Você já conhece a casa.

Eu parei um pouco na sala, ainda a admirando. Pouco


havia mudado desde a vez que eu havia estado ali. Continuava

com o mesmo ar asseado, e agora eu sabia que uma diarista

vinha ali todas as semanas arrumar o local, além do séquito de

babás que Sofia possuía. Mas algo faltava.

Eu já tinha tido aquela sensação antes. Que aqui não era


um lar, era apenas um local que pessoas viviam. Os retratos

abaixados, a falta de decorações familiares. Que tipo de

infância Sofia levaria, eternamente distraída por aparelhos e

distante do pai? Matheus não poderia tratar a filha assim.

Mesmo eu, que mal tinha experiência com crianças, sabia que
essa não era uma receita de uma família saudável. Eu não
queria que Matheus repetisse os erros da minha família. Eu não

tivera uma infância feliz, e eu desejava que Sofia tivesse um pai

presente.

Mas ainda restava um mistério. O que acontecera com a

mãe de Sofia?

Eu me aproximei de um dos porta-retratos, erguendo-o.

A foto era um reflexo de uma família que um dia fora feliz. Uma
mulher de belos cabelos castanhos claros, olhos extremamente

azuis, sorridente, carregando uma Sofia bebê enquanto era

abraçada por um Matheus protetor. Era um retrato do que já

fora.

Eu havia considerado um divórcio não amigável, mas

Matheus ainda usava um anel em seus dedos. A alternativa era


muito triste. Não conseguia passar pela minha mente essa

possibilidade, mas era a única restante. A possibilidade de

Matheus ser viúvo tão jovem era horrível.


Guardei o retrato no lugar, e fui para o escritório. Senti-

me horrível por ter bisbilhotado na vida dele daquela maneira.


Era algo que eu esperava que ele me contasse com o tempo,

conforme fossemos ficando íntimos.

Íntimos.

Que besteira eu estava pensando. Eu não poderia ficar


íntima do meu chefe. Apesar de ele já ter tentado dar em cima
de mim, eu não era boba. Meu emprego valia mais que uma

transa de uma noite só, por mais espetacular que ela pudesse
ser.

Embora minha calcinha ficasse molhada toda vez que

ele chegasse perto de mim…

Eu tinha que me conter. Estava na casa dele, o que era

um perigo. Era como uma presa indo diretamente para a boca


do leão, por vontade própria. Eu estava me oferecendo a ele.
Fui ao escritório e deixei os papéis, e depois ao lavabo, levando

minha bolsa. Eu estava ciente dos riscos, mas eu queria me


entregar de mão beijada assim?
Se não queria, por que encarava aquele maldito batom

vermelho? Eu nem sabia por que tinha ele na bolsa, para


começo de conversa. Mas eu não podia deixar aquele desafio

barato. Era nosso jogo.

E eu não estava ganhando.

Desisti momentaneamente daquilo. Eu não poderia


seduzir meu próprio chefe. Claro, aquilo poderia vir com
benefícios melhores do que o que o próprio cargo já possuía,

mas eu era decente. Tinha morais. Eu vinha de uma família


com bons costumes (tá, até parece, eu não tinha família

alguma), mas tinha bons valores. Eu não era qualquer uma


para me deitar com o meu superior.

Saí do banheiro, me sentindo derrotada. Subi as


escadas em direção ao quarto de Sofia, já que Matheus estava

demorando bastante. Sofia estava distraída com algum


desenho animado, que me pareceu uma situação deplorável.

Ela precisava de companhia real. A babá parecia distraída


demais no próprio celular, e me informou que o senhor Marinho

se encontrava no seu quarto.


Eu ainda não fora no quarto do senhor Matheus, então
minha curiosidade estava a mil. O mais silenciosa que consegui
ser, me esgueirei no corredor escuro e empurrei a porta

entreaberta.

A situação que encontrei foi o bastante para mim. Eu


havia dito que sabia a diferença entre um homem e um

rapazote. E naquele momento, eu conseguia ver plenamente a


diferença pois Matheus exibia seu peitoral nu para mim. Lógico,
ele não reparara na minha presença e vestia-se com outras

roupas, mas eu pude ficar ali, como uma voyeur, vendo seus
músculos subirem e se flexionarem. Deus, como aquele homem

era perfeito. Eu tinha ganas de tocar-lhe, de sentir seu corpo


contra o meu, especialmente aquele volume delicioso em mim,
dentro de mim, arrancando suspiros de prazer de mim.

Eu queria deitar naquela cama de casal e que Matheus

me fizesse dele.

Era algo impossível.


Ele me notou, obviamente, e me deu um sorriso sacana.
Deixou a camisa em cima da cama, e ainda seminu, veio em
minha direção.

— Gosta do que vê? — perguntou. Eu não pude perdoar

o disparate. Entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim.

— Sua filha está no quarto ao lado!

— E você está aqui, na jaula do lobo. De vontade

própria, devo acrescentar.

E eu estava, de fato. Enrubesci. Dei um passo para trás,

encostando na porta, e ele avançou para cima de mim,


colocando seus braços imensos sobre minha cabeça, o corpo a

centímetros do meu. Meu coração batia descompassado e eu

conseguia vê-lo por inteiro, aqueles olhos que me fascinavam e


me prendiam no local. Ele não precisava de força ou de

algemas para me ter. Somente o magnetismo de seu olhar era

o necessário para me ter entregado ali mesmo.

— Não vai correr, cordeirinho?


— Que dentes grandes você tem, lobo.

— São para te comer melhor…

Eu tive que rir ante aquilo. Dei um tapa no ombro dele.

— Matheus, isso é assédio!

Ele riu junto, embora isso apenas me fizesse recordar


que ele estava seminu diante de mim. O que era uma bela

visão, não me leve a mal. Todos os seus músculos se

contraíam e a risada dele ecoava no quarto. Era algo precioso.

Aproveitei a deixa para abrir a porta.

— Bem, encontro o senhor no escritório. Desculpe ter


invadido a sua privacidade dessa maneira.

— Isso que seria assédio, não é mesmo?

Corei novamente. Esperava que ele tivesse deixado

passar o meu pequeno momento voyeur, mas Matheus era

muito observador. Mas não era como se ele não tivesse


aproveitado…
— Acho que o senhor irá concordar que tenho os olhos

grandes para observar melhor, senhor Matheus.

E com aquelas palavras crípticas, deixei seu quarto. O

meu sorriso estampava o rosto.

Talvez aquele batom vermelho fosse utilizado…


CAPÍTULO DEZ

Vesti-me sem dificuldades, apesar da ereção pungente


que me acometeu, então demorei alguns minutos a mais para

descer e encontrar Alícia. Por Deus, ela era o meu inferno. A


maldita me atraía como um demônio, como uma súcubos de
pernas grossas e um rabo… Eu não conseguia simplesmente

vê-la de costas sem admirar aquele pedaço de mau caminho.

Estava considerando mandar o bom senso às favas.

Coloquei uma camisa apertada, mas minha vontade era de ir


seminu até o escritório e convencer Alícia de que o lobo não

tinha apenas os dentes grandes… Mas o bom senso me atingiu


com seu porrete. Era o que ela dissera. Aquilo poderia ser

considerado como assédio. Talvez ela não estivesse tão


interessada assim em mim, apesar dos óbvios sinais, dos

flertes.

Estava enlouquecendo. Eu era Matheus Marinho. Eram

as noites privadas de sono. Tinha que me controlar.

Parei um momento em frente ao quarto de Sofia,


observando-a. Às vezes, me preocupava muito sua falta de

interesse no mundo real e apenas nos desenhos animados. A

babá tentava entretê-la e estimulá-la, mas a fala de Sofia

estava extremamente prejudicada. A pediatra me dizia que


aquilo era normal, que ela se desenvolveria com a idade, que

ela era um prodígio por começar a andar com tão poucos

meses. Mas Sofia já andava fazia quase um ano, e a fala

continuava quase primitiva. Eu, como pai, me preocupava.


Estava na minha grande lista de afazeres mentais contratar um

fonoaudiólogo para ela. Olhei para minha filha, e a imagem de

Evangeline me fez sentir-me culpado.

Eu não poderia foder minha secretária na cama que ela

ocupara.
Mas talvez no escritório…

Um sorriso safado escapou dos meus lábios. Eu

aparentemente não tinha escrúpulos algum. Não fazia quatro

meses que Evangeline partira, e eu sentia verdadeiramente a

sua falta, mas meu corpo pedia por outro para aquecer-lhe. Eu,

como homem, tinha necessidades, tanto sexuais como afetivas.

Eu queria ter alguém ao meu lado, uma companheira como

Evangeline fora para mim.

Sem falar em todas as peripécias que nós

aprontávamos. Minha finada esposa e eu não éramos

exatamente quietos na cama. Evangeline era perfeita para mim.

Quando descobrimos que ela estava grávida de Sofia, eu

descobri o verdadeiro significado da palavra felicidade.

A vida quis que eu perdesse tudo.

Não tudo. Sofia ainda estava comigo, mas tão distante…

Não tínhamos a conexão real. Eu me afastara da minha filha,


me afogara em trabalho. Não sabia me conectar com aquela
bebê tão linda. E a culpa me cercava, tanto em pensamentos

durante o dia, quanto em pesadelos.

Eu só queria um pouco de paz.

Se foder Alícia me trouxesse um pouco de calma e


quietude, que assim o fizesse. Eu só queria aliviar um pouco do

estresse. Queria tê-la, porque ela me tentava, e porque ela


parecia ser um prêmio a ser conquistado. Claro, ela era
inteligente, engraçada, divertida. Sua companhia era ótima.

Mas ela não era uma Evangeline.

Caminhei a passos lentos até o escritório, e me deparei


com uma cena curiosa. Alícia saía do lavabo, parecendo

decidida. Ela mesma seguiu até o escritório, e eu pude notar


um esgar de vermelho.

Parece que o cordeirinho tinha mostrado as garras de


lobo, afinal.

Eu abri a porta, e a própria loba má estava a me encarar.


A saia levantada, a gola da blusa desfeita e alguns de seus

botões abertos, mostrando o sutiã preto e decotado…


E o maldito batom vermelho.

Ela me puxou para dentro, e eu fiquei muito feliz de

liberar o eu interior que queria devorá-la, mas iria com calma,


com o vagar que ela merecia. Fiquei a milímetros diante dela,

encarando seu rosto arfante. Seus olhos estavam escuros de


desejo. Com a mão, passei delicadamente pelo seu braço,
arrepiando cada pelo de seu braço, e fui em direção ao seu

pescoço, passando para seu queixo. Ergui-o em minha direção.


Alícia tinha os olhos semicerrados, e estava completamente

entregue.

Mas eu tinha de ter certeza.

— Está preparada, Alícia? Você quer mesmo isso?

— Juro por Deus se não me beijar agora, eu…

— Tão abusada… — Usei a minha outra mão para

espalmar suas costas e bunda e trazê-la contra mim. Ela arfou


ao sentir todo o meu volume. Mas meu cordeirinho não se
apreendeu ou se envergonhou. Ao invés disso, um sorriso
diabólico surgiu em seus lábios. — Acho que vou ter de puni-
la…

— E como você faria isso?

— Existem várias formas de fazer isso, minha querida.


Mas agora, eu preciso ter você. Aqui, agora.

O sorriso dela pareceu aumentar, então segurei-a pela

nuca, sentindo-os fios castanhos macios. Desfiz o penteado


dela, os cabelos caindo em cascata, tornando-a ainda mais
bonita e desejável. Eu a queria desfeita, completamente a

minha mercê. Eu a desejava tanto que podia a tê-la ali mesmo,


em cima da mesa… era um pensamento muito tentador. Mas

iria com calma, queria testar seus limites, vê-la se desfazer aos
poucos.

O beijo veio, e eu explorei a sua boca de forma suave.


Queria sentir seu gosto, experimentar seu ser, provocar seus

sentidos… Ela se abriu para mim como uma flor, e eu sentia


que estava gostando, porque um murmúrio baixo escapou de
sua garganta, mas eu queria mais. Minhas mãos foram parar na
tentação que era o seu traseiro, e ela gemeu. Finalmente
aquela peça de desejo estava ao meu alcance, e eu iria
aproveitá-la ao máximo.

— Você é minha, Alícia — urrei, apartando o beijo. —

Para fazer de você o que eu quiser.

Os olhos dela faiscaram de desejo. Eu a agarrei pelas

ancas e a ergui, para a surpresa dela. Ela se agarrou como

pode a mim, e eu a coloquei em cima da mesa, em cima dos


processos e documentos que trabalhávamos anteriormente.

Espalhamos a bagunça e ela abriu as pernas poderosas para

que eu pudesse me encaixar entre elas.

Voltamos a nos beijar com mais urgência dessa vez. Não

havia paredes entre nós, apenas o desejo pungente que


lançava pulsos elétricos da minha boca até a minha ereção que

crescia e clamava por libertação nas minhas calças. Eu a

queria. Naquele momento, eu a queria mais do que qualquer


outra coisa na vida. Todo o sofrimento que eu tinha estava

esquecido. Na minha mente, havia apenas os lábios vermelhos

de Alícia, seus cabelos castanhos, sua pele corada.


Eu queria mais.

Passei a distribuir beijos pelo seu pescoço, desfazendo

os primeiros botões da sua blusa, intencionando ver o seu


sutiã, como um adolescente de primeira viagem. Sentia-me

como um, apesar de ser um homem feito, de já ter tido várias

mulheres e já ter sido inclusive casado. Mas com Alícia era


diferente. Ela me fazia um outro homem, ela me trazia um lado

sombrio da minha personalidade.

Eu abri à força os botões da sua blusa, e recebi um grito

de volta. Eu apenas ri da sua reação, mas minha funcionária


ficara bastante chateada com aquilo.

— Eu compro outra para você — retruquei, ainda com

um sorriso nos lábios.

— Matheus, você não pode fazer isso todas as vezes

que quiser ver meus peitos — ela reclamou.

— Eu tenho dinheiro o suficiente para comprar-lhe mil


blusas, Alícia. — Eu fiz pouco trabalho do sutiã dela, e logo

tinha a visão do que queria para mim. Os seios dela eram


redondos, sustentados pelo aro do sutiã e os mamilos estavam

empertigados e prontos para serem tocados. Com minha mão

esquerda eu comprimi a pele rosada e ela se empertigou com o


toque. Ela curvou-se para trás, para me dar mais acesso, e

suas mãos se agarraram à borda da mesa com força.

— Acalme-se, temos o dia todo.

— Temos? Achei que estávamos em horário de trabalho

— ela brincou.

— Não haverá horário de trabalho quando eu acabar

com você, Alícia.

— Vejo promessas demais, e ações de menos...

Essa mulher brincava com fogo. Apaguei o sorriso de

sua boca com outro beijo de tirar-lhe o fôlego, enquanto minhas

mãos buscavam terrenos ainda não explorados. Ergui sua saia,


expondo sua lingerie, e percebi que a safada estava tão

preparada para aquele encontro quanto eu. De que outro modo

ela usaria uma calcinha preta tão erótica como aquela debaixo

do uniforme de trabalho?
Alícia não era uma santa.

Abaixei-me e passei a mordiscar a pele interna de suas

coxas, arrancando suspiros altos de sua boca. Aquilo alimentou


meu instinto selvagem, mas Alícia não estava preparada para o

que eu tinha em mente para ela. Fui aos poucos chegando

perto do seu ponto mais íntimo e eu tinha certeza de que ela


observava tudo muito atentamente, porque sua respiração

estava pesada. Aspirei o cheiro de mulher que ela tinha e pelos

deuses, eu me sentia pronto para devorá-la.

— É aqui que você me quer?

— Pelo amor de Deus, Matheus…

— Quero ouvir da sua boca o que você tanto deseja… —


Eu abaixei sua calcinha que já gotejava com tanto tesão.

Passei o indicador e o médio por sua entrada apenas para

provocá-la. — Seu corpo parece mais honesto do que você. Eu


quero ouvi-la suplicar, Alícia.

— Eu quero você… — ela suplicou.


— Resposta errada, Alícia.

E com um gesto, eu comecei a devorá-la. Passei a

língua pela extensão de seus lábios e os abri com meus dedos

e ela desabrochou como uma flor, os suspiros se tornando

pequenas lamentações de meu nome em meus ouvidos. Eu fiz


bem serviço de seu clitóris, enquanto meu indicador circulava

sua entrada. Continuei naquela doce tortura, passando a

penetrá-la com mais dedos, enquanto Alícia se desfazia em


doces suspiros. Ela não parecia se conter.

Meu lobo interno estava amando aquilo. Meu cordeirinho

estava perdido e próximo ao clímax. Mas ela não teria aquilo

tão facilmente.

Parei com os movimentos bruscamente, o que a


assustou. Não dei chances a ela de pensar, no entanto, e a

manipulei para que ficasse em meus braços novamente. Alícia

se agarrou ao meu pescoço e novamente foi beijada, mais

intensamente, mais profundamente. Minhas mãos se ocupavam


de liberar minha ereção e a penetrei sem dó, sem rodeios. Eu
capturei seu gemido dentro da minha boca para o meu bel-

prazer.

Ela era minha.

A sensação de ser envolvido por sua carne quente era


deliciosa. Alícia era apertada, tenra, calorosa… Suas mãos

cravaram-se como garras em minha camisa e eu ia puni-la mais

tarde por estragá-la, mas como eu dissera… aquilo não era


importante no momento. Apenas a união de nossos corpos, o

frenesi de nossos avanços, a forma como ela me recebia dentro

de si.

Não demorou muito para alcançarmos o clímax, juntos, e

ela se derreteu em meus braços. Observei seu rosto, corado e


sem fôlego, e não pude deixar de admirá-lo. Alícia era linda.

Retirei uma mecha de cabelo que caía sobre seus lábios

apenas para tê-los de novo, para sua surpresa.

Este beijo foi mais dócil, porém com a mesma paixão de

antes. Findado o beijo, ela sorriu para mim.

— Seu rosto está manchado com meu batom, Matheus.


— E a culpa é de quem?

— Se esta for a punição, eu gostaria de recebê-la várias

vezes…

Ajeitei-a em meus braços, a trazendo mais perto de mim.

Alícia pesava quase nada comparada ao que estava

acostumado a carregar. Ela, ainda com as roupas de trabalho, o


sutiã pendendo de seu corpo, o penteado desfeito e os cabelos

caindo pelos ombros… Era uma visão e tanto.

E era só minha para aproveitar.

Ela me deu um olhar… E eu soube, que naquela tarde,


nenhum trabalho mais seria feito por nenhum de nós.
CAPÍTULO ONZE

Minha decisão de usar aquele batom vermelho fora


completamente imprudente e impensada, mas completamente

compensadora. Eu não trabalhei naquela tarde, na verdade, e


nem me senti culpada por não fazê-lo. Passar a tarde inteira
sendo de Matheus Marinho foi uma experiência… inacreditável.

Beirava o divino.

Não que ele não fosse o próprio Diabo encarnado. Meu


lobo em pele de cordeiro.

Eu sabia que não devia ter cedido ao desejo, mas era

impossível. E fora bom. Ensandecidamente bom. Rendera-me à


química intensa, e me perdera.
Foi somente quando ouvimos a babá pelo celular de

Matheus que nós lembramo-nos que existia um mundo fora


daquele escritório. Eu estava muito envolvida, mas a vergonha

me encheu os pulmões quando ele me entregou a minha blusa

— arruinada por ele — e eu me dei conta do que tínhamos


feito.

Era um pecado na minha pele, eu tinha dormido com

meu chefe.

— Fique aqui, Alícia. Eu trarei uma nova blusa para


você.

— Certo… — O que mais eu poderia dizer? Eu não tinha

com o que me vestir. Apenas ajeitei o resto das minhas roupas

e fiquei ali, ouvindo apenas o vento pela janela, arrumando o

escritório, a loucura que cometemos viva em minha mente. Eu


tinha que me conter para não me autodepreciar, não me

considerar uma vagabunda qualquer que dormia com seu chefe

na primeira oportunidade… mas Matheus era impossível. Ele

me conquistara completamente.
Mas e agora? O que seria de nós?

Como trabalharíamos juntos? Ou eu perderia aquele

emprego, sendo chutada de lado após ser usada?

A frase de sempre passou na minha cabeça, ácida e

dolorosa.

Você se esforça, mas é burra, Alícia.

Eu tinha cedido aos desejos, e agora, eu não tinha

futuro. Esperava que Matheus ao menos tivesse a decência de

me escrever uma carta de recomendação, mas eu conhecia

aquele tipo de ricaço. Eles usavam as pessoas a seu bel-


prazer, e não se importavam com seus destinos. Eu ficaria na

miséria novamente, sem emprego, sem Matheus e sem

perspectivas.

Tudo porque você tinha cedido a um desejo insano.

— Como você é burra, Alícia — eu me recriminei em voz

baixa.
— O que disse? — Naquele momento, Matheus abriu a

porta e meu coração pulou uma batida. Ele era mesmo lindo,
mas eu não sabia o que fazer.

Mas ele, aparentemente, sabia. Ele se aproximou de

mim e colocou sua camisa em meus ombros, me puxando para


mais um beijo de tirar o fôlego. Suas mãos tocaram minha
cintura desnuda e acenderam todo o fogo de mais cedo que

compartilhamos.

Eu olhei corada para ele, meus lábios entreabertos e


levemente vermelhos.

— Não sei largar de você, Alícia — ele confessou,

aqueles olhos azuis concentrados nos meus. Eu poderia


desmaiar com a intensidade daquele olhar. Nunca me sentira
tão desejada daquela forma. Matheus não tinha somente a

pegada, ele tinha uma forma de me fazer sentir envolvida e


excitada como Guilherme jamais fizera antes. Era mais do que

um sexo qualquer… Era uma foda completa.

— Não me largue então — eu suspirei de volta.


— Não tenho planos de fazer isso tão cedo. — Ele deu

um animado tapa na minha bunda, me surpreendendo e me


tirando daquele estupor. Eu corei, e ele se afastou de mim. —

Vamos, eu te levo para a sua casa.

— Mesmo?

— Oras, é o mínimo que posso fazer. Além do mais,


ainda quero estar em sua companhia… perto de você.

— E quanto à Sofia?

— A babá ficará aqui até eu retornar. Não podemos


demorar muito…

— E se levarmos-na conosco?

Ele me olhou estranho, mas por fim, sorriu.

— É uma ótima ideia. Acho que Sofi gostará de um


passeio de carro.

— Eu moro perto de um parque, eu acho que Sofia

gostaria de um pequeno passeio com o pai.


— Não acha que está tarde para passeios?

— Eu acho que você precisa passar mais tempo com

sua filha e menos tempo no trabalho.

— Contudo Alícia… Mais tempo no trabalho significa


mais tempo perto de você. Não posso evitar.

Eu ri enquanto me vestia. Não pude deixar de reparar

que meu chefe não tirava os olhos dos meus seios. Dei um tapa
em seu braço, para distraí-lo.

— Não posso evitar — ele repetiu. — Você é uma


distração.

E ele me colocou em seus braços de novo. Era como se


eu me encaixasse ali perfeitamente, sem rodeios, sem

preocupações. Como se fosse o molde perfeito para a minha


pessoa. O enlace correto. Levantei o rosto para encará-lo, já

que ele era vários centímetros maior do que eu, e o peguei


sorrindo.

— O que houve?
— Segredo — ele respondeu, e me beijou de novo.

Mas era mesmo um homem cheio deles. De beijos, e


segredos. Eu ainda queria descobrir o motivo de ele manter os
porta-retratos da casa virados, mas não era o momento. Por

hora, eu queria aproveitar sua companhia e estar em seus


braços. Se aquela relação não tinha futuro, ao menos, tinha um

presente. E por agora… Eu iria desfrutar dele.

Matheus trouxe uma blusa dele para com que eu me


vestisse, e antes de sairmos, ele disse:

— É melhor que vá ao lavabo, Alícia.

Eu, que não tinha vontade nenhuma de utilizar o

banheiro, mas eu tinha noção do meu desalinho, segui as

ordens dele. Quando me deparei com minha aparência, tomei


um susto. Meu cabelo estava um caos completo, lógico, mas o

que me entregava era o borrão do que um dia fora meu batom.

Minha pele se tornou o mesmo tom dele. Comecei a procurar

um lencinho demaquilante na bolsa enquanto ouvia a risada


sonora do meu patrão.
— Não ria! — implorei. — Você deve ter também

manchas de batom!

— Não me importo de ser marcado por você, Alícia —


ele declarou, chegando por trás de mim.

Virei-me em sua direção e eu pude ver, enfim, as

marcas. Elas iam de sua boca ao seu pescoço. Como pude

deixar aquilo passar, eu não fazia a menor ideia. Havia outras


marcas surgindo também…

— Oh, céus… — Eu coloquei uma mão em meu rosto,

envergonhada.

— Eu adorei. Contudo, acredito que deveríamos ser


mais discretos em nossa relação daqui para frente.

Eu não sabia para onde olhar. — Você quer continuar

com isso? Não acha que vai atrapalhar no trabalho?

Matheus se aproximou de mim, colocando-se entre

minhas pernas, e tocando meus lábios borrados de batom.


— Não consigo me afastar de você, Alícia. Nem se

quisesse, conseguiria. Vamos tentar manejar. Claro, precisamos

nos manter profissionais. Nada de flertes no trabalho. Não


podemos deixar que os outros descubram. Para o seu bem, é

claro. E se você quiser… eu lhe mostrarei um mundo novo de

prazer, e você terá orgasmos como nunca teve antes.

Minha boca se abriu inconscientemente, enquanto ele

alisava bem lábio inferior. Eu não conseguia acreditar. Aquele


Deus do Prazer estava mais para um demônio… que queria me

levar para o nono círculo do inferno. E eu estava pronta para

segui-lo.

Eu assenti, e ele me beijou.

— Mantenha o batom vermelho. — Ele sorriu. — E se


apresse, ainda temos que sair com Sofia.

Pegando alguns lenços demaquilantes, ele saiu do

banheiro, me deixando sozinha.

Eu encarei meu reflexo no espelho, e pensei que a

minha situação não estava tão ruim assim, afinal.


CAPÍTULO DOZE

Meu apartamento ficava a pelo menos uma hora do

condomínio de Matheus, mas ele cumpriu sua promessa de me


levar para casa. No caminho, paramos em uma pracinha que

eu costumava visitar com Guilherme no começo do namoro,

antes das coisas ficarem apertadas.

— Eu gosto muito de vir aqui ver o pôr-do-sol — eu

disse, apontando para a beirada do passeio que dava em


direção à praia, que não era própria para banho, mas muitas

pessoas, especialmente no verão, faziam passeios e

caminhadas. — É meio que o “meu lugar especial”.

— Uma pena termos saído tão tarde. É muito bonita.


Prometo que voltaremos aqui para ver seu pôr-do-sol. Não é,
Sofia?

A menina não respondeu, encostando a cara nas pernas

do pai. Ele apenas suspirou, e a carregou de novo.

— Você quer ir à praia, Sofi? — perguntei, tentando a


minha sorte.

— Paia? Não.

— Tem um parquinho aqui também, costuma ser

bastante iluminado…

— Acho que ela gostará bastante.

Fomos em direção ao parquinho, e eu queria adivinhar


os pensamentos de Matheus. Ele não parecera querer me

dispensar no primeiro momento, mas homens. Tentei inventar

um novo mantra: “vamos viver o momento, Alícia”. Seria isso.

Carpe diem, não era?

Ou eu seria apenas enganada novamente?

— Alícia?
Eu olhei na direção dele, que deixara Sofia em um dos
lados da gangorra, e parecia esperar algo de mim. Eu só não

sabia o quê.

— Está tudo bem?

Tentei inventar uma desculpa.

— Está sim, eu só estou ficando com frio.

— Ah, é verdade, está com uma brisa fria vindo do mar,


não é mesmo? Espere aqui.

E da mochila que ele trouxera para Sofia, ele tirou dois

casacos, um para Sofia (que reclamou um pouco para colocar)


e outro, maior, ele entregou para mim.

— Desculpe ele ser tão grande. É modelo masculino.

Novamente, me surpreendi com a gentileza dele.

Completamente diferente da primeira impressão que eu tive


quando o conheci. Havia um Matheus CEO, e havia um
Matheus pai e talvez… amante seria uma boa palavra? Ele

reservava essa gentileza e carinho para alguns momentos


íntimos, e essa era uma faceta que eu estava amando
descobrir.

— É perfeito. Obrigada.

Coloquei, e logo fui preenchida pelo cheiro único e


almíscar dele.

E, para completar a surpresa, ele procurou a minha mão,

e me guiou até a gangorra.

— Vamos, temos que brincar com Sofi.

Ele me colocou no outro lado do brinquedo, o qual eu


obviamente não cabia, minhas pernas ultrapassando o

brinquedo por vários centímetros. Mas eu entendi a estratégia


dele, enquanto Matheus segurava Sofia, e aos poucos, fomos a
entretendo.

— Está pronta para ver o céu? — Ele perguntou para a

filha.

— Céu? — Ela repetiu, não entendendo.


Eu apenas ri, e com um sinal dado a ele, eu movi a
gangorra. Ela logo foi para o alto, com um gritinho bem dado.
Eu e Matheus rimos, enquanto a criança se deleitava com o

fato de suas perninhas se dependurarem no ar.

— Agora, Sofi, faça força para voltar para a terra —


Matheus disse.

— Não! — Ela riu e gritou ao mesmo tempo, fascinada

com a altura.

— Vamos, vai deixar Alícia no chão? Ela tem que ver o


céu também!

Eu fiz uma cara contrariada para convencê-la, e Sofia

pareceu pensar por um momento. Colocando força em suas


mãozinhas, ela se forçou para baixo, mas obviamente, não
moveu a gangorra para baixo. Piscando para Matheus, eu movi

minhas pernas sem que ela percebesse, e o brinquedo se


mexeu. A menina pareceu acreditar e um novo gritinho nasceu
em sua garganta, e novos risos em nossos corações. Eu não
estava pronta para entrar no time “yay, crianças!”, mas Sofia
estava aos poucos me conquistando. Ela era realmente fofa.

Com seus olhos azuis gigantes, ela me encarou e pediu:

— De novo!

Eu ri, e ficamos ali por vários minutos, distraindo a

menina e refrescando a mente. Nem parecia que Matheus era


um CEO ocupado, e eu, sua secretária. Parecíamos… normais.
Um casal normal com sua filha.

As outras pessoas passavam, e aos poucos, o local foi


rareando.

O celular de Matheus tocou e aquele encanto se

quebrou.

— Alícia, por favor, segure Sofi.

Eu peguei a menina, que ainda ria e se divertia, e ele se

afastou um pouco de nós enquanto atendia a ligação. Sofia me


encarou com os olhos grandes e incertos, não muito feliz de

estar ali e não nos braços do pai. Ainda não estava muito
acostumada comigo, apesar de já ter dormido no meu colo.

Apesar disso, ela estava cansada da brincadeira, dava para


perceber. Longos bocejos escapavam da sua boca, e ela puxou
uma madeixa de meus cabelos.

— Fome — foi tudo o que disse.

— Você não conversa muito, não é, Sofi? Por que será

isso?

— Conversa… — ela repetiu, puxando novamente a


mecha de cabelo. — Mamãe.

— Eu não sou sua mãe, Sofi. — Eu sorri, mas me peguei

me perguntando onde estaria a mãe dela, na verdade. Matheus


nunca a mencionara, e eu era discreta o suficiente para não

sair perguntando, apesar da vontade me corroer. Ela não


parecia fazer parte da vida nem da filha, quanto do ex-marido.
— O que aconteceu com ela?

— Mamãe foi embora — Sofi disse, simplesmente. E seu

olhar baixou, um pouco triste. — Papai disse que ela não volta.
E lágrimas surgiram de seus olhos azuis e sua boca se
abriu em um berreiro.

Ok, talvez a mãe fosse um assunto delicado. Mencioná-


la fora um erro.

Eu tentei a embalar, balançando-a sem jeito para cima e

para baixo, mas não havia consolo. A tristeza da menina não


parecia ter fim. Ela soluçava e chorava, e eu temia que ela
fosse ter um ataque bem ali.

O choro atraiu a atenção de Matheus, que logo retornou

para nosso lado.

— O que aconteceu?

Eu tinha poucas opções, dadas as circunstâncias, mas a


menina logo sanou suas dúvidas:

— Mamãe… mamãe…

— Ah, Sofi... — E ele a tomou de minhas mãos, a

colocando no colo. Aquilo pareceu um remédio calmante tanto


para mim quanto para ela, que relaxou nos braços do pai. Ela
falou baixinho nos braços do pai.

— Você… embora... papai?

— Não, querida. Não vou.

E ela se segurou nas roupas dele, com toda a força

possível que tinha em suas mãozinhas. Confesso, aquilo me


deu vontade de chorar. Eu sabia como era ser abandonada.
Sofia mal tinha idade para se sentir tão sozinha.

Matheus pegou na minha mão e apenas com aquele


gesto, eu entendi que era a hora de irmos embora. Peguei o
resto das coisas e seguimos até o carro, em silêncio.

Colocamos Sofia na cadeira de trás e colocamos o cinto,


enquanto Matheus dirigia até a minha casa.

No caminho, meu celular tocou. Eu já conhecia aquele


toque perturbador. Eu havia ignorado mais seis ligações como

aquela somente naquela manhã, mas eu esperava que


Guilherme tivesse me deixado em paz. Eu chequei o celular
brevemente, confirmando minhas suspeitas. Apenas terminei a
ligação, deixando o som morrer. Matheus, obviamente, não
deixou aquilo passar despercebido.

— Quem era?

— Telemarketing — respondi, no automático. Não podia

deixar Matheus descobrir que meu ex estava me perturbando.


Homens não gostavam daquilo, não é mesmo? Sem falar que

eu poderia cuidar daquilo mim mesma. Apenas bloqueei o novo


número, como havia feito com os outros. Esperava que aquilo
resolvesse o problema. — Acho que caí em alguma lista,

porque as operadoras têm me ligado com frequência. Só tenho


ignorado esse problema.

— Você pode ligar para alguém resolver esse


problema… o PROCON, por exemplo.

— Muito trabalho por pouca coisa. Não se preocupe, ele


irá cansar disso.

— Assim espero.
Caímos em um silêncio confortável pelas ruazinhas

daquele lado da cidade até meu prédio, e eu me peguei


admirando seu perfil. Nossa, como meu chefe era bonito. Os
cabelos dele caíam sobre os olhos azuis e ele tinha um olhar

sério enquanto se concentrava na direção. Seus lábios eram


tentadores e senti vontade de tocá-los, deixá-los rubros de

paixão...

— Muito obrigada pelo passeio — eu disse. Muitas


coisas passavam pela minha cabeça. Teríamos mais algum
outro? Seria um evento de um dia só? Haveria outra foda? O

que acontecera com a ex-esposa dele, se eu ainda tinha meu


emprego… Abaixei o olhar, sem saber mais o que dizer.

Mas Matheus sabia exatamente o que fazer.

Ele me puxou pelo rosto, e me deu um beijo de tirar o


fôlego. Explorou o interior da minha boca, procurando todos os

cantos sensíveis e arrancou um suspiro meu.

— Matheus…

— Até amanhã, Alícia.


— Na frente da sua filha?

— Ela está dormindo. Viagens de carro são ótimas para


isso.— E de fato, olhando para trás, ela havia cochilado. —
Sem falar que não consigo me afastar de você. Agora vá, antes

que continuemos isso.

Dei um sorriso maroto.

— Talvez algum dia você queira conhecer meu


apartamento.

— Não me tente, diaba. Vá logo.

Eu ri.

Talvez, outro dia.


CAPÍTULO TREZE

Eu tinha o diabo em forma de bunda e coxas na minha


frente, e eu não poderia cair em tentação, por assim dizer.

Havia o olhar atento de meus funcionários que não poderiam


notar que a situação entre mim e Alícia estava diferente, e nem
mesmo meu amigo Ângelo poderia saber. Ele não aprovaria, e

entre gozações e olhares soturnos, ele falaria para eu demiti-la.


E eu não conseguiria. Eu precisava mantê-la perto de mim.

Ainda havia muitas fantasias que eu gostaria de


realizar….

Uma delas envolvia a mesa à minha frente, mas devo


confessar que muito menos papéis.
O trabalho urgia, especialmente em uma empresa de

porte como Marinho Exportações. Eu a herdara do meu pai e a


expandira exponencialmente para o tamanho que ela era agora

com meu próprio esforço, e isso consumira boa parte do meu

tempo e trabalho. Desgastara boa parte do meu casamento


com Evangeline, e um tópico frequente das nossas discussões

era minha falta de tempo para cuidar dela e de Sofia… e olha o

que ocorrera. O Destino realmente dava as cartas.

Talvez a chegada de Alícia na minha vida fosse a

maneira da Vida me dizer que eu tinha o direito de aproveitar

mais dela. Ao menos, aproveitar mais da deliciosa presença de


Alícia… E suas coxas maravilhosas.

Estávamos mais uma vez perdidos em milhares de


documentos, e Alícia se aproximou de mim, com o olhar sério,

os cabelos presos em um coque. No mesmo momento eu a

imaginei caída sobre a minha cama, perdida entre lençóis de

prata, presa entre cordas, ofegante e corada… Demorei um

minuto para sair dessa visão.


— Senhor Marinho? — ela me chamou novamente. Seu
olhar acompanhou o meu, e recaiu sobre os seus seios. Um

sorriso maroto surgiu em seus lábios. — Espero que esteja

focado em seu trabalho, senhor.

— Plenamente, senhorita.

— Agora sou “senhorita”? O que aconteceu com “Alícia”?

— Estamos sendo profissionais, não estamos?

— Se é o que você acha, senhor Marinho. Só que eu

tenho a impressão de que você está mais animado do que o

costume.

— Animado?

Ela se colocou ao meu lado, como se checasse algo em

uma das gavetas, e deslizou a mão para uma de minhas coxas,

para então tocar o meu então “animado” estado.

— Acho que você está muito focado no trabalho.


— Alícia… — suspirei. Minha mão encontrou a dela, e eu

me senti pulsar contra ela. — Não brinque com fogo.

— Acha que estou brincando? — Ela estava sim. E

aquilo lhe ia custar caro. Eu não ia perdoar uma provocação

daquelas. Minha mão passeou de seu pulso até sua coxa,


dedilhando devagar. Seu olhar estava atento, e sua respiração
pausou quando meus dedos encontraram o caminho escondido

por sua saia. — Matheus… estamos trabalhando — ela me


alertou, mas não libertou minha animação de seu aperto. Meu

sorriso apenas cresceu quando a encontrei molhada. —


Matheus!

Não tive piedade. Comecei a penetrá-la com o indicador


e o médio, afastando sua calcinha apenas o suficiente para que

meu polegar tivesse espaço de perturbar seu clitóris. Alícia


gemeu, mantendo-se curvada e tremendo sobre mim, e me

senti vitorioso.

— Não pode gritar, Alícia, ou vai atrair a atenção dos


outros…
— Seu malvado… — ela gemeu, entre lábios.

— Se continuar assim, não vou deixá-la gozar…

— E espera que eu te chame de bonzinho assim? — ela

riu. Agarrou-se a mim mais, e eu sinceramente poderia chegar


ao clímax apenas por vê-la, assim, tão entregue, mas teria

minha vez. Aquela era apenas uma pequena amostra do que


eu poderia dar a ela. Continuei a fazer movimentos circulares
com os dedos, e não demorou para ela se derramar contra

mim.

— Agora vá cuidar destas planilhas — eu zombei,


tirando meus dedos de dentro dela, e provando de seu mel.

Seu rosto ficou rubro, combinando ainda mais com seu


batom.

— Matheus…!

— Matheus, você está disponível? — Ângelo abriu a

porta, interrompendo aquele momento íntimo. Graças, ele


apenas viu Alícia corada, e não parece ter visto muito da nossa
interação. Alícia, em um momento de vergonha, apenas alisou
sua saia e saiu com as vistas baixas de lá, murmurando algo
que não entendi. Eu apenas a observei sair, a acompanhando a

todo momento. — Juro que você vai perder mais uma


secretária desse jeito.

— Como assim? — Voltei minha atenção para meu

parceiro de negócios, voltando a focar no trabalho.

— Não gostaria que você fosse ser preso por assédio

dessa forma. Não para de olhar para a bunda da moça. Achei


que não fosse se interessar por outra mulher desde Evangeline.

Fico feliz, mas preocupado ao mesmo tempo.

— Não há nada entre mim e Alícia. — Não gosto de


mentir para Ângelo, mas é necessário. Não gostaria de que

Alícia ficasse mal falada na empresa, e que ela estivesse


dormindo com o “chefe” apenas para garantir o ganha pão.
Alícia não era assim. Ela era...

— Ainda, né? Está na cara que vocês dois tem química.


Não quero que você caísse em uma armadilha, ou algo do tipo.
Eu posso investigar…

— Não. Temos problemas maiores para cuidar do que


apenas uma secretária, Ângelo. Eu sei me cuidar.

— Eu sei que, quando se trata de rabos de saia, você


acaba caindo pelo mais curto…

Ele colocou a pasta de documentos sobre a minha mesa,


e ficou sério.

— Mas não vim falar disso. Eu queria discutir sobre o

hacker. Eu descobri mais informações sobre ele com meus

investigadores.

Eu assenti. Pedi a ele que fechasse a porta, já que era


um assunto delicado, e que se sentasse ao meu lado. Ele

trouxe seu iPad e mostrou alguns dados em um arquivo de

Keynote. Era assustador a organização dele.

— Esses foram os dados que ele roubou de nós e dos


nossos clientes? — perguntei.
— Sim, finalmente conseguimos apurar os danos.

Podemos alertar nossos clientes sobre isso, e tomar as devidas


providências para protegê-los. Quanto ao maldito…

— Já descobrimos quem é?

— Parece que é um conterrâneo. — Ângelo deu uma

risada seca, sem emoção. — Guilherme de Alcântara. É um zé-

ninguém que mexe com computadores, mas não foi somente


nossa empresa afetada. Até o Banco Simonar foi afetado,

parece. Ele está se escondendo das autoridades, saiu do país.

Mas não se preocupe. Meus homens irão achá-lo, e ele sofrerá


as consequências de ter se metido com a Marinho Exportações.

Eu sorri. Sabia que Ângelo conseguiria lidar com essa

tarefa com êxito. Se havia alguém vingativo e destruidor, esse

alguém era meu amigo. Alguém que não perdoava traições e

mentiras…

Escondi minha mão dele. Ele certamente me perdoaria

por estar tendo um caso com a secretária, não perdoaria? Alícia

era diferente de tudo… Eu não conseguia ficar longe dela.


Olhei para fora do meu aquário, e a vi. Ela estava

deslumbrante, como sempre.

E tinha colocado um batom vermelho.

Merda.

— Matheus? Está me ouvindo? — Ângelo tinha jogado

outro número para cima de mim, mas eu estava preocupado em


esconder minha ereção crescente dele. Pedi desculpas ao meu

amigo mentalmente. Estava me comportando como um

adolescente mimado. Mas aquela mulher era outra coisa…

Ela brincava com fogo, e não saberia a hora antes de se


queimar.
CAPÍTULO QUATORZE

O dia do expediente se findava, e eu não podia esperar


para ficar à sós com meu chefe novamente. Estava me

tornando uma secretária safada, isso sim. Podia ser o título de


um filme pornô, mas eu só queria estar nos braços de Matheus
novamente.

O que fazer quando ele me deixava assim, tão entregue?

Eu queria ser dele... Ser possuída novamente por ele. Não


havíamos feito promessas, mas ainda havia no ar uma tensão.

Esperava apenas que ninguém mais houvesse notado nossos

flertes. Aquilo seria, além de embaraçoso, preocupante. Eu não


queria ser a “vadia que dava pro chefe”. Eu apenas queria ser

Alícia, e que ele fosse Matheus.


Era pedir demais?

Arrumei minhas coisas, mesmo ainda tendo muito


serviço ainda para fazer. Eram sete da noite, e eu estava

acostumada à longos períodos de trabalho. Não era a primeira

vez que eu ficava além do horário, mas era a primeira vez


desde que transamos que eu e Matheus ficávamos sozinhos no

escritório. Não era uma fantasia minha, mas...

Não quer dizer que não podíamos realizá-la, não é

mesmo?

Esperei todos saírem e dei tchau para o último, Isaac,

que fez muxoxo ao me ver ficar. Eu apenas dei um sorriso

constrangido, e parti para meu plano. Não havia nada

combinado com Matheus, aliás, eu esperava que fosse uma

surpresa. Mas tinha que ser uma surpresa consentida, afinal


das contas, portanto bati na porta dele. O “aquário” dele estava

com as cortinas abaixadas.

— Matheus? — bati levemente na porta, e o encontrei

com a cara enfiada no computador, digitando furiosamente no


teclado.

— Sim, Alícia? — ele me respondeu, mas ainda não

olhou diretamente para mim.

— Você vai ficar aqui por muito tempo?

Um suspiro longo.

— Infelizmente, sim.

— Posso fazer sua estadia mais… animada?

Um sorriso surgiu em seus lábios, e ele olhou para mim,

enfim.

— E como, posso perguntar, você faria isso, minha cara?

Sem muito jeito, mostrei para ele o que eu trazia em


mãos, e o que não sabia como tivera a coragem de esconder

esse tempo todo na bolsa. As algemas fizeram um som agudo

ao tocarem uma na outra, e meu rosto ficou rubro.

— Eu achei que podíamos… incrementar algo.


O queixo dele, se possível, caiu.

Eu entrei na sala e depositei o vil metal em sua mesa.

— Me dê meia hora para eu me arrumar — e pisquei

para ele, saindo imediatamente. Sabia que estava o


provocando, mas queria saber até onde poderia levar aquele

jogo. Fui até minha mesa me preparar para o que estava por
vir, mas uma coisa gelou meu coração.

Meu celular estava vibrando de novo.

Àquela altura, não era novidade. Eu simplesmente

bloqueava o número e deixava escapar, mas sempre aparecia


um novo. Eu não sabia o que fazer. Poderia trocar o meu

número, mas sabia que ele descobriria o novo, de qualquer


forma. E como explicar para as pessoas a razão de trocar o

número tantas vezes?

Eu só queria que ele me deixasse em paz.

Atendi a ligação.

— Alícia, me escute… — ele começou.


— Me esquece, idiota! — gritei, frustrada. Desliguei a

ligação, sentindo a raiva me preencher. Eu não queria me sentir


daquela forma. Minha vida estava bem. Eu estava bem. Por

que ele tinha que reaparecer e estragar tudo?

— Alícia? Está tudo bem?

Matheus apareceu atrás de mim, parecendo bastante


preocupado, e eu apenas larguei o celular em cima da mesa.
Não queria tocá-lo mais, parecia que era feito de fogo e iria me

queimar se eu continuasse a segurá-lo. Meu CEO olhou para o


objeto e para mim.

— Aconteceu algo?

— Ah, você sabe, telemarketing… — tentei a mesma


desculpa de antes.

— Isso está ficando sério. Você está sendo muito alvo

dessas operadoras. Tem certeza de que é só isso? Posso falar


com alguém para que não incomodem mais você.

Se fosse apenas isso, pensei.


— Não precisa, mesmo. — Suspirei. Peguei o celular e
bloqueei o número, guardando o aparelho na bolsa. — Agora,
precisamos voltar ao nosso compromisso.

Dei dois tapinhas em seu rosto, pegando minha bolsa, e

fui em direção ao banheiro para me arrumar. Matheus ainda


tinha um olhar estranho no rosto, mas eu esperava que ele não

desconfiasse de nada. Não é como se eu quisesse guardar


segredo dele, era apenas… não era problema dele. Eu que
tinha que lidar com isso. E só.

E, francamente, uma hora Guilherme iria se cansar. O

que mais ele poderia fazer? Ele estava foragido. Não é como se
ele pudesse pôr os pés de volta no Brasil. Eu estava protegida

pela polícia brasileira, que o prenderia o minuto que ele


atravessasse a fronteira.

Eu tinha mais mesmo era que viver a minha vida, e


esquecer do meu ex embuste.

No banheiro, fiz a festa. Como estava sozinha, pude


aproveitar o fato e me arrumar conforme mandava o figurino.
Retoquei o meu batom — vermelho escarlate, assim como as
unhas — e escovei os cabelos. Ajeitei os outros preparativos, e
voltei para sala do meu chefe.

Meu CEO.

Minha perdição.

As cortinas estavam abaixadas, e eu entrei sem bater.


Minha saia estava elevada alguns centímetros, justa por causa

da meia calça que eu usava. Os sapatos de bico fino

terminavam o look de secretária safada, junto com minha


camisa de botão desabotoada nos lugares certos.

O batom, vermelho, estava presente.

Eu sorri.

— Matheus?

Ele estava de costas para mim. Havia um ar diferente na

sala. Dava para perceber que ele a havia arrumado para aquela

“brincadeira” — nenhum documento ou pasta estava sobre a


mesa, até mesmo o notebook dele estava desligado e
guardado. Eu conhecia meu chefe, daqueles meses que

convivemos. Matheus Marinho estava em alguma zona


perigosa. Geralmente ele entrava naquele humor para se focar

no trabalho, mas agora…

— Eu quero que você me chame de Senhor, Alícia.

— Senhor? Isso é novidade.

Ele se virou para mim, se aproximando. Havia tirado o

paletó, e estava apenas com a camisa social.

— Eu acho que você irá gostar da minha proposta,

Alícia. Mas eu preciso que você concorde com isso.

— E se eu não concordar?

Matheus sorriu. A gravata dele pendia sobre o pescoço,

e ele foi tirando-a lentamente. Eu havia, literalmente, caído na


toca do lobo, e por vontade própria.

— Eu acho que podemos fazer da maneira tradicional.

Mas já que foi você que trouxe essas algemas, eu acho que

você busca algo diferente… ou estou errado?


Eu assenti. Era a verdade. Eu o queria, de forma

diferente ou não, de forma errada ou certa…

— Eu quero você — murmurei. — Mas não sei se estou

pronta para algo mais…

Ele tocou em meu rosto, acariciando minha pele, para


tocar meus lábios lentamente em um beijo. Foi casto, me

tranquilizando. Talvez eu estivesse dando um passo maior do

que o necessário, mas Matheus sabia como me guiar. Ele tinha

experiência, de onde, eu não sabia. Mas ele sabia exatamente


o que fazer.

— Vamos guardar isso aqui por enquanto — ele disse,

colocando as algemas no bolso. — O que acha disso? — E

colocou o tecido fino em minhas mãos. A malha fria contrastava


com meus dedos quentes, e eu olhei para ele, incerta. Não

havia perigo naquilo, certo? Não era como se fosse explodir…

Eu assenti, e ele me guiou para dentro da sala. Fez-me

sentar na mesa, abrindo minhas pernas para que ele se


posicionasse entre elas. Segurou meus pulsos com delicadeza,

enquanto eu ainda segurava a gravata.

— Alícia, você confia em mim?

— Claro… que pergunta é essa?

— Quero que saiba que eu jamais a machucaria. Quero


que se sinta confortável, quero explorar seu corpo e seu

prazer… com seu consentimento. Quero que saiba que sempre

pode parar nosso… “jogo”, por assim dizer, no momento que for
demais para você. Entende isso?

Assenti de novo.

— Confio em você, Matheus.

Ganhei um novo beijo como resposta.

— Vou amarrar seus pulsos com minha gravata, e terá

que mantê-los sobre sua cabeça. Não poderá me tocar.


Consegue fazer isso?

— Por quê?
— Se conseguir, será recompensada.

— E se não conseguir?

— Oras, terei de puni-la. Apenas se consentir, é claro.

Eu ri.

— Estamos em um romance de banca, Matheus?

— É sério. — Ele segurou minhas mãos, depositando um

beijo no dorso delas, e aí mordiscando o interior da minha

palma. Corei com o gesto, e ele seguiu, traçando as veias do


meu braço como linhas demarcadas e conhecidas. Ele desfazia

os botões da minha camisa e abria minhas mangas com

expertise, enlouquecendo-me. Meus olhos estavam enevoados,


e eu não conseguia me concentrar. Tudo meu era focado nele,

era dele.

— Diga que me quer, Alícia — sua respiração se

confundia com a minha. — E me terá.

Minha respiração parou por um momento. Eu o queria


como jamais desejei outro homem. E ele estava ali, na minha
frente, desejando-me tanto quanto a mim...

Meus olhos faiscaram, e encontraram os dele. Mar

ardente encontrara o terremoto em meu interior, que derrubava


todas as paredes que eu erguera em mim.

— Me faça sua, Matheus.

E não foi preciso dizer duas vezes. Ele avançou sobre

mim, devorando minha boca, e eu permiti sua entrada com

avidez. Sua língua dançava com a minha, em uma brincadeira


mútua de prazer, mas mantinha uma autoridade que eu não

conhecia… Dominava-me em todas as maneiras. Mantinha

suas mãos sobre as minhas, como um leão faminto sobre a

presa. Minha pele se eriçava, se inquietava…

Seus olhos azuis me penetravam e desnudavam. Com a

ajuda de suas mãos grossas, eu me vi com a camisa

desabotoada, meu sutiã previamente calculado e com renda o


suficiente para parecer sexy sem ser vulgar. Pela sua

expressão, ele pareceu aprovar a surpresa, depositando beijos

pela pele exposta. Arfei ao sentir mordidas leves.


— Não deixe marcas…

Ele mordeu mais forte meu seio direito, e eu gemi. Dei

um tapão em sua cabeça, um pouco irritada. Matheus me

encarou com um olhar divertido.

— Como posso provar que você é minha, então? Aliás,

temos que dar um jeito nessas mãos…

— Matheus…

— Confie em mim, por favor.

— Eu confio, mas...

Ele roubou outro beijo de mim, me calando. Não houve

outros “mas” ou outras contradições. Eu estava entregue.


Segurando minhas mãos acima da minha cabeça com apenas

uma das mãos, ele tirou a gravata com a outra, e as amarrou.


Eu arfava. Nunca havia feito algo do tipo, e a situação me
deixava completamente excitada.

— Então não posso te tocar?


— Deixe que eu faço todo o trabalho…

E se ajoelhou à minha frente, enquanto me sentava na


mesa. Ele prestou atenção aos meus pés, tirando meus
sapatos de salto e me deixando apenas com minhas meias sete

oitavos, e ele se aproveitou desse fato, explorando minha pele


coberta. Ele deixava pequenos beijos em meu calcanhar e ia
subindo os toques, mas não ia explorando onde eu mais queria

ser tocada.

— Por favor… — implorei.

— Tenha paciência. — A voz dele tinha notas de


dominância, portanto, me calei. Eu não conhecia esse outro
lado de Matheus. A primeira vez que transamos, ele foi muito

mais gentil. Esse “eu” de agora era um outro homem, muito


mais…

Sexy.

Deixei um gemido rouco escapar de mim quando ele

deixou uma mordida profunda em minha coxa, puxando minha


meia calça para baixo e expondo a pele alva. Não foi o
suficiente para tirar sangue, mas a pele começou a se
avermelhar e exibir a marca de seus dentes. Abaixei as mãos
para tocá-lo, mas fui logo punida com um tapa em minha coxa.

— Se me tocar de novo, terei que fazer algo sobre essas

mãos, Alícia…

Devo dizer que o pensamento de ele “fazer algo” sobre


mim me assombrava. Não por temer que ele me machucasse,

nada disso, mas apenas porque me deixava mais molhada


entre minhas pernas, e ele mal havia me tocado.

— Estou sendo uma vadia? — as palavras escaparam


de mim. Isso pareceu atiçá-lo.

— Você acha isso de você mesma? — sua voz rasgou o


meu interior. Ele voltou a me olhar, intensamente. — Mas você
é a minha vadia. E somente minha.

Um som tilintou pela sala. Minha respiração parou.

— Acho que sei o que uma vadia como você merece.


CAPÍTULO QUINZE

Eu não estava preparada, e nem poderia. O fôlego me


faltou, e eu falhei em me mover quando ele agilmente se

ergueu, dominante em todas suas ações. Sua pele queimava


na minha, cada toque uma tentação, e eu mal vi quando as
algemas surgiram de novo. Ele desfez o nó da gravata, que

pendeu em um de meus pulsos, e me vi verdadeiramente


presa. Não era mais apenas um jogo.

Era O jogo.

— Matheus…

— Agora você ficará quietinha. — O sorriso dele me


assustava. Não por si só, mas pelo que ele me fazia sentir.
Todo meu ser pulsava, especialmente entre minhas pernas. E

ele nem havia me tocado lá ainda.

E ele resolveu fazer isso, abaixando-se novamente e se

colocando entre minhas pernas, as separando, e levantando

minha saia até a cintura. A visão da minha calcinha escura e


molhada o agradou, pois seus olhos se afinaram e a curva de

seu sorriso aumentou, e ele respirou contra a minha fenda

coberta, me torturando.

— Matheus… — gemi.

— Disse para ficar quieta, não é? Ou não ganhará o

prêmio.

Como queria ganhar esta tal premiação, ou qualquer

coisa vinda deste meu chefe, calei-me, mordendo o lábio

inferior. Segurei minhas mãos no peito, e veio a calhar, porque

nessa hora ele me devorou.

Tive que reunir toda a minha força de vontade para não


gritar ali mesmo, em cima de sua mesa de trabalho. Não havia

mais ninguém ali no andar da empresa, mas certamente ainda


havia seguranças no prédio… Quem sabe mais poderia nos
pegar ali, no flagra? Estávamos nos arriscando, mas como era

bom… Ele deu passagem com os dedos para afastar minha

calcinha encharcada, e com a língua, me penetrou, dando

atenção à parte que eu queria do meu corpo, a parte tão

necessitada dele. O choque inicial daquela parte tão quente

dele me fez gemer baixinho, escapando dos meus lábios


presos. Ele passou a se mover por aquela parte, explorando,

até chegar no meu clitóris…

E como ele sabia me manipular. Em menos de segundos

eu me desfiz diante dele. Infelizmente, deixei um grito escapar

da minha garganta, de tão necessitada que estava daquilo. Ele

olhou para cima, curioso e divertido.

Eu estava acabada.

— Ora, ora... — Ele se levantou, limpando a boca com

as costas da mão. — Acho que alguém está apressadinha?

— Desculpa… — eu gemi, envergonhada. — Eu…


Não tive tempo para pedir desculpas, porque ele me

envolveu com um dos braços, enquanto a outra mão fazia


pouco de mim, me penetrando, dando-me novamente prazer.

Eu me arrepiei toda, sentindo sua respiração em meu ouvido.

— Não precisa se desculpar, Alícia. Eu vou te destruir


completamente.

Gemidos escaparam de mim, e tentei me segurar nele o


melhor que pude, mesmo presa com as correntes. Gozei

novamente em seus dedos, e olhei para ele. Seus olhos azuis


faiscavam de fascínio e poder. Nunca o vi tão sedutor, tão

poderoso.

Ele gostava de ter uma mulher em seu poder, submissa.

— Espero que esteja se divertindo, Alícia — sua voz era

morna aos meus ouvidos, e eu respirei fundo algumas vezes


antes de responder. Olhei para cima para encará-lo.

— Acho que você está se divertindo de menos… — E


movi as mãos para a parte que me interessava de sua

anatomia. Seus olhos azuis brilharam.


— Diga o que quer de mim, Alícia.

— Quero você. Dentro de mim, agora.

— E terá.

Ele desabotoou a calça sem pressa, como se fosse uma

atividade corriqueira, e não como se precisássemos daquilo


para viver. Logo vi seu membro rígido e ativo em sua totalidade,

e quis tomar parte daquilo, mas de novo, ele quis guiar todo o
encontro, me barrando.

— As mãos, Alícia. Para cima.

Coloquei as mãos para cima, mas ele, agilmente, libertou

meus seios de sua prisão, e eles pularam para fora, os mamilos


enrijecidos de desejo. Ele demorou um momento beijando-os,

mas não era isso que nós queríamos.

Demorou um momento colocando a camisinha, e se


preparando.

E quando ele me deu o que queríamos… nossa.


Não fizemos amor naquela noite. Naquela noite, em seu
escritório, eu fui a fantasia de secretária safada que foi comida
por seu chefe.

E como ele me comeu.

Ele me penetrou com toda a força, duro, e intensamente.

Ficamos um momento, eu de olhos fechados, e ele então


continuou. Perdi o fôlego pela intensidade, todo o prazer se
concentrando em meu ventre e espalhando para meus

membros. Quase perdi a cabeça, era tudo demais… Apenas


queria mais, queria gritar de prazer, queria gemer como a vadia

que era, e então, tudo culminou.

E ao mesmo tempo, veio o vazio. Encostei a cabeça


contra o peito dele, arfando, sentindo o cansaço chegar aos

meus ombros e braço pela posição que minhas mãos ficaram


por tanto tempo. Ele me abraçou e pude jurar que depositou um
pequeno beijo na minha cabeça, mas estava tão afã do calor do

momento, que não pude distinguir.


— Obrigado, Alícia — murmurou. Mas também,
imediatamente se afastou, tirando a camisinha e se livrando
dela, como se fosse um agente contaminante. Eu olhei com

vagar para ele, as algemas ainda em minhas mãos, minhas


pernas ainda trêmulas. Havia um sentimento estranho em meu

peito. Havia sido uma foda incrível, mas… faltava algo. Como
se não tivesse sido perfeito.

Como se tivesse um vazio crescente.

Como se eu esperasse mais.

Ele se virou para mim, e eu o olhei, esperando que

dissesse algo. Como se esperasse que respondesse à essa

questão minha interior. Mas o que disse, foi.

— Onde estão as chaves destas algemas? Precisamos


tirá-las de você.

E me vi, estranhamente, desapontada.

Direcionei-o até minha bolsa, e ele saiu da sala, em

busca delas. Fiquei ali, em cima da mesa, ainda seminua, com


minhas mãos no colo, com aquele bolo de sentimentos na

garganta. Eu queria dizer algo, mas o que dizer? Havia sido


incrível. Todas as vezes que transamos haviam sido

maravilhosas. Mas o que eu poderia esperar? Eu era a

secretária. Pior, havia sido contratada para ser babá da filha


dele. Não estava no nível dele, nem de longe. Eu tinha dívidas.

Dependia daquele emprego como dependia de água para viver.

Enquanto ele era um CEO de uma empresa de exportações

famosa, bem-sucedido e que já passara por um


relacionamento, que resultara em uma filha. Ele tinha outras

prioridades, que não consistiam em cuidar dos sentimentos da

ralé de sua secretária. Ele estava muito fora da minha alçada.

E então, por que eu desejava tocar o sol?

Ele retornou à sala, e eu fiz o meu melhor para tentar


esconder as lágrimas que nasciam do nos cantos do meu

olhos. Se havia algo que era boa, era fingir. E fingiria, para

continuar naquele relacionamento. Ele era muito mais do que


eu merecia. Estar com ele era bom demais.

E estava perdida demais para parar.


CAPÍTULO DEZESSEIS

Estar com Alícia era o paraíso que eu não merecia. Os

dias seguiam calmos e tranquilos, mas intensos. Eu nunca

tivera isso com ninguém, nem mesmo com Evangeline. Ela era
intensa como um furacão, mas constante como uma brisa

marítima. Estava sempre presente, como o ar que me rodeava.

E eu não estava pronto para me ver livre dela.

Continuamos nos encontrando, mas as escapadas no


escritório começaram a ficar cada vez mais perigosas.

Prometemos a nós mesmo que íamos parar, mas quando me

encontrei a penetrando com os dedos no meio de uma reunião,


por debaixo da mesa, foi que vimos que as coisas estavam

sérias.
O clima, é claro, era insuportável.

— Por favor, não coma a secretária — Ângelo implorava,

não ciente de que, bem, eu estava fazendo justamente aquilo.

Eu me angustiava com o segredo. Queria revelar ao meu amigo

do relacionamento que estava crescendo entre mim e Alícia,


mas…

O que contar?

Eu não conseguia me conter. Queria estar ao lado dela.

Também queria estar dentro dela, frequentemente. Ela possuía

um fascínio sobre a minha pessoa, que me dominava, me fazia


perder a razão. Eu iria contra qualquer pessoa que a

magoasse.

Mas eu me casaria com ela?

Teria um relacionamento longo? Exibi-la-ia para os


amigos?

Ela era fantástica, uma mulher incrível, e se dava muito

bem com minha filha…


— Escuta, Theus — Ângelo se aproximou da minha

mesa, sem saber que eu tinha, de fato, comido a secretária


bem ali na noite passada. — Eu sei que você tem trabalhado

demais, feito longas noites. Mas isso não é desculpa para olhar

com desejo a funcionária. Isso é assédio. Eu tenho de passar a

apresentação sobre assédio moral e sexual no trabalho para


você de novo?

Uma risada nasceu na minha garganta.

— Não, não precisa. Vou me controlar.

— Que bom, porque a coisa toda tem três horas e não

quero perder meu tempo. Eu acho que você é precisa sair um

pouco, conhecer alguém… Quanto tempo faz desde a Eva?

Meu olhar se torna um pouco sombrio.

— Eu sou pai solteiro, Rob. Não acho que faria sucesso

no Tinder, exatamente.

— Pais solteiros estão na moda atualmente. Toda essa

coisa de lidar com a paternidade sozinho. Vai por mim, é só


colocar uma foto de você e Sofia, bum. Milhares de match.

Eu ri, seco. Não estava muito a fim de lidar com aquilo

agora, mas decidi ao menos, diverti-lo. Meu amigo ainda

continuou falando sobre Tinder e seus benefícios, mas Alícia

passou pela janela, e eu parei para observá-la. Droga, como ela


era linda. Suas curvas escondidas pelo terninho que usava, os

cabelos castanhos compridos, hoje presos em um rabo de

cavalo. A cada dia, parecia que ela florescia. Ela olhou em


minha direção, notando-se observada, e deu um sorriso para

mim.

Como ela era perfeita.

Não deixei de reparar que estava usando um batom


vermelho, também.

Talvez eu a deixasse em casa hoje…

— Desisto de você — Ângelo anunciou, finalmente, e


voltei minha atenção para ele. — Babe em cima da secretária, e
não venha chorando para mim quando ela te processar.
— Já prometi que não irei tocar nela, não prometi? —
Não me fazia bem mentir para ele, mas eram os ossos do
ofício. Eu não queria comprometer a posição de Alícia no

escritório, e o emprego dela. Eu sabia que ela precisava


daquilo, e não queria que ela ficasse mal falada.

— Que seja. — Ângelo fez um gesto com a mão, e fez


menção de sair. Ao chegar na porta, no entanto, acrescentou.

— Dá para ver que ela está caidinha por você, também. Espero
que saiba o que está fazendo, Theus.

Olhei para ele saindo, e então para ela. Estava mexendo


em alguns papéis em sua mesa, parecendo completamente

absorvida, mas meu coração falhou uma batida ao observá-la.

Rezei para que soubesse mesmo o que estivesse


fazendo.

Essa garota mexia demais comigo, e eu estava entrando

em um mundo desconhecido.
CAPÍTULO DEZESSETE

A angústia e a felicidade eram contradições inatas no


meu coração. Eu estava completamente feliz, mas o sorriso não

atingia meus lábios. Pelo contrário, apenas suspiros saíam


deles. Sentia-me a melhor da mulheres ao estar com Matheus,
mas toda a culpa e devastação vinha depois. Era como uma

montanha-russa de emoções, a qual eu nunca sentira tão


intensamente. E o pior: eu não sabia onde pararia.

Peguei-me dando mais um suspiro enquanto escaneava

um documento para a empresa.

— Sabia que nossa felicidade escapa do corpo através


de suspiros? — Ângelo se aproximou de mim, na surdina,

quase me causando um ataque cardíaco. Eu mal repara na sua


presença. Na verdade, andara tão distraída que mal reparava

na presença das pessoas.

Só havia uma pessoa cuja presença eu era

pesarosamente atenta.

— Aí, que susto, Sr. Roberto…

— Por que você anda tão triste, Alícia? — perguntou,


olhando para mim, e então para a pilha de papéis nos quais eu

trabalhava.

— Não estou triste, Sr. Roberto. Só estou cansada. É

normal. — Sorri para ele, tentando tranquilizá-lo.

— Não acho. Tenho tem observado, quando acha que

ninguém está olhando. Para onde seus olhos vagam…

Meu rosto ruborizou imediatamente, e me senti uma

garota pega no meio de uma travessura. Teria ele descoberto

algo? Tomamos tanto cuidado para que ninguém tivesse, mas

confesso que nossas brincadeiras foram perigosas demais.


Alguém descobriria mais cedo ou mais tarde.
— Não vou dizer que aprovo de seus sentimentos — ele
continuou, um tom severo na voz. — Como seu chefe, eu

deveria demiti-la por sua paixonite.

Meu coração se afundou.

— Por favor não, eu preciso muito deste emprego. Estou

colocando minha vida em ordem…

— Eu sei. Sei bem. Deixe-me terminar.

— Como seu chefe, eu não posso aprovar. Mas como

amigo de Matheus… eu sei que ele precisa de uma mulher

como você na vida dele. Você é gentil, dócil. Prestativa. Sabe


lidar com crianças. Você gosta da filha dele, não é?

Assenti. — Sofia é uma garota única. Muito especial.

— Viu? Meu amigo seria um idiota se ele não se

apaixonasse por você.

Apaixonasse…

Matheus estaria apaixonado por mim?


Um sorriso nasceu em meu rosto, involuntário. Ângelo

tocou em minha bochecha, gentilmente, e esfregou um cílio


para fora. Depois, piscou um olho para mim, com um ar

divertido no rosto.

— Acho que ficarei bem no seu casamento.

Casamento?

— Não acho que estamos tão longe assim para falar

disso, Sr. Roberto…

— Ângelo, por favor. Acho que já chegamos nesse nível.

E com um galanteio, ele ergueu minha mão do scanner e

a levou aos lábios, dando-lhe um beijo. Isso acabou atraindo a


atenção do resto dos funcionários, especialmente de Isaac, que

deu um assobio que ecoou pelo ar. Eu corei imediatamente,


sentindo-me acuada. Eu era uma das poucas mulheres ali, e
mesmo assim, já fora alertada pela fama de mulherengo de

Ângelo Roberto.
Eu também não era imune ao seus charmes. Ele era um

moreno muito bem apessoado, elegante e bem, rico. Isso


sempre ganhava muitos pontos com as mulheres. Mas meus

olhos vagavam para uma sala em particular…

E seu ocupante não parecia muito feliz com nossa


interação.

Interessante.

Talvez houvesse outra punição em mente.

— Sr. Roberto, estamos em ambiente de trabalho —


comentei, tentando disfarçar meu embaraço.

— Já disse que é Ângelo… mas bem, pense no que eu


lhe disse, Alícia. Continue com o bom trabalho.

E ele se afastou, voltando para seu escritório, onde

abaixou as cortinas. Eu conhecia-o bem para saber que


naquele horário ele costumava descansar das reuniões

extensivas que tanto ele quanto Matheus tinham com os


investidores, mas meu querido CEO não parava um minuto…
Decidi terminar com aquilo e, com as esperanças renovadas,
levar um novo café para ele. Um passo de cada vez, Alícia.
Você sempre levou a vida assim.

Preparei a xícara, e a levei com o passar mais alegre até

a sala dele. Abri a porta, anunciando-me.

O gelo com o qual fui recebida me atingiu bem no peito.


Olhos azuis frios intensamente me encararam com uma raiva
que jamais vi. Quase vacilei, mas eu não era mulher de desistir.

Avancei até a mesa, mesmo, e falei, com a voz traindo a


confiança que tentava expressar.

— Trouxe um café…

— Café! Como se eu precisasse disso.

— Estava tentando ser gentil. Achei que quisesse…

— Você dá sua gentileza para todo mundo?

Ergui uma sobrancelha, não entendendo o que ele


queria dizer. — Oras, é meu trabalho como secretária ser gentil,

e oferecer bebidas para todos no escritório, sr. Marinho.


— Abaixe as cortinas.

Assustei-me com seu tom dominante. Eu deixei a xícara


e o pires sobre sua mesa, e corri para abaixar as cortinas de
sua sala. Sabia que não estávamos protegidos do som, e que

teríamos que falar em tom baixo para não sermos escutados


verdadeiramente, mas Matheus nunca havia gritado comigo

antes. Enquanto os sons eletrônicos das cortinas descendo

preenchiam o ambiente, fui me enchendo de agonia. O que eu


havia feito de errado? Onde havia falhado com ele? Eu apenas

queria apaziguar nossa relação, mas não sabia o que se

passava em sua mente…

Quando finalmente a escuridão tomou o escritório, e me


virei para acender as luzes, já que a única luz que vinha era a

da janela e a da mesa dele, me vi presa em seus braços. Ele

veio como uma besta e eu, a presa, havia caído em sua


armadilha. Atacou meu pescoço e boca, não me dando chance

de me desvencilhar, e fiquei perdida.

O beijo foi avassalador. Jamais fui beijada com tamanha

intensidade, com tanto fulgor, tamanha… posse. Não sei o que


lhe possui para ter tamanho fogo, mas não era do feitio dele

agir daquela maneira. As mãos dele passeavam por meu corpo


por cima da roupa, apertando e apalpando minhas partes, e eu

logo me vi excitada.

— Matheus… — murmurei, desconcertada. — O quê…

— Tenho que deixar algo bem claro para você, Alícia. —

Com as mãos, ele rasgou — rasgou! — a minha meia calça, e


me penetrou com os dedos, sem qualquer preparação. Eu não

estava pronta para aquilo, mas estava molhada para ele, como

sempre estivera naqueles encontros. Gemi baixo, mordendo


meus lábios. — Você é minha. Somente minha. E não permito

que outro homem toque na minha propriedade. Entendeu?

Eu estava um mar de confusão e prazer; Matheus

continuou a me envolver enquanto me penetrava com os

dedos, pressionando um ponto específico que me levava à


loucura. Eu ofegava, mas não poderia gritar como desejava,

porque estava ciente que a qualquer minuto alguém poderia

notar a nossa falta e entrar na sala e nos ver ali, no meio do


ato.
Era loucura!

— Matheus…

— Goze para mim, Alícia. Goze, porque você é minha.

E eu me desfiz em seus braços. Senti minhas pernas

amolecerem, mas ele me segurou, abraçando-me, e eu pude

voltar a respirar com tranquilidade. Ele fazia um afago no meu


cabelo e murmurava algumas palavras que eu não

compreendia, mas eram calmantes.

Eu estava acabada.

— Matheus…

— Nunca mais deixe Ângelo tocar em seu rosto daquela

maneira — ele decretou, com um tom final. Eu ergui os olhos


para encará-lo. Aquilo em seu rosto era…

— Você está com ciúmes de Ângelo?

— Agora é Ângelo? — bufou, contrariado, e me soltou.

Eu tive de rir da situação. Aquele era um homem poderoso,


rico, lindo… e estava com ciúmes do melhor amigo, pior… de

mim! Eu, que jamais lhe dera motivos para desconfiar da minha
fidelidade. Não tive como conter meu sorriso.

— Não tem com o que se preocupar, Sr. Marinho. Como

bem disse, eu sou somente sua. Somente o senhor pode vir

aqui — e eu me encostei na sua mesa, local onde havíamos


transado tantas vezes, e abri as pernas sem pudor, mostrando

minha meia calça rasgada e minha calcinha úmida. Por ele. —

E fazer o que bem entender. Somente… o senhor.

Isso fez o brilho em seus olhos se aquecer. Ele se

moveu em minha direção, agarrando minha vagina, e dando um


aperto. Eu gemi, e foi o som que ele quis ouvir.

— Que bom que sabe disso, Alícia. Recompensá-la-ei

depois.

E ele se foi, na mesma intensidade que veio. Começou a


se refazer, ajeitando a gravata, os punhos da camisa. Eu

mesma comecei a alisar a barra da minha saia, lamentando o

fim daquela meia calça, pensando como iria esconder o rasgo e


com esperanças de que ele não aumentasse. Meu guarda-

roupas não iria sobreviver aos arroubos de ciúmes do meu

chefe, daquele jeito.

Com um gesto, acendi as luzes, e me virei para sair.

Esperava que minha aparência não denunciasse o que tinha


acabado de acontecer ali. Com o canto do olho, vi ele tomar do

café que estava em cima da mesa.

Meu sorriso aumentou.

Havia um calor em meu peito.


CAPÍTULO DEZOITO

Do que mulheres gostavam; flores, chocolate, perfumes


caros? Alícia não parecia gostar de nada daquilo. Era uma

mulher de gostos simples, que gostava de ler, de longas


caminhadas ao ar livre, e de algodão doce. Em nossas
escapadas noturnas, acabei conhecendo muito sobre ela. E

cada aspecto que ela me trazia era como um brisa fresca aos
meus pulmões. Algo de que não sabia precisar até possuir.

Como se não estivesse vivendo até então.

Como se o mundo tivesse parado depois de Evangeline,

e agora, tivesse voltado ao seu eixo. Ela trazia essa força de


vontade para mim. Eu trabalhava melhor, dormia melhor, fodia
melhor. Queria estar com ela o tempo todo… Mas claro, o

trabalho existia.

Eu não era um CEO à toa.

E ainda por cima, pai solteiro. E às vezes, situações

como aquela surgiam. Eu tinha uma reunião muito importante


com investidores árabes para a empresa, que ocorreria

remotamente, e precisava, ao mesmo tempo, cuidar da minha

filha.

Não era um fardo cuidar de Sofia, mas era uma


obrigação com a qual, apesar de ela ter quase dois anos, ainda

não estava acostumado. Sofia não fora planejada, e isso era

visível. Ela se tornara apenas um item na minha agenda, uma

tarefa a ser realizada, e me ressentia disso. Queria ter mais

tempo para ser pai dela, vê-la crescer.

Seu aniversário estava chegando, também, e gostaria de

que tivesse um aniversário memorável. Mesmo que ela não se


lembrasse mais para a frente, seria uma memória que eu

gostaria de ter.
Especialmente porque este aniversário, sua mãe não
estaria presente.

Sofia era muito pequena e mal se recordava de

Evangeline, mas sua falta era notável. Eu conseguia perceber a

lacuna de uma presença materna em sua vida, especialmente

em seu desenvolvimento. Aos vinte e três meses, a fala de

minha filha era risível. Como se para compensar isso, ela

andara aos seis meses, e agia de forma bastante


independente. Mas era triste ver como parecia bastante

solitária.

— Sua reunião é às seis? — Alícia perguntou, enquanto

eu me preparava para mais um dia longo de trabalho. Por

causa do fuso horário, eu iria trabalhar ainda mais tarde, mas

iria para minha casa para a reunião remota. Ao menos, poderia


ter algum conforto. — Tenho más notícias…

Olhei para ela, admirando-a como sempre. Alícia se

transformara naqueles meses. Como se possível, parecia mais

bonita. Parecera florescer, desabrochar.


Ou eu estava me sentindo romântico?

— Pode falar no caminho para o carro? Não quero me


atrasar.

— Então… Helga, sua babá da noite, me ligou. Ela não


vai poder vir para aliviar Elena. Eu perguntei à Elena se poderia

ficar esta noite, mas aparentemente, ela também tem um


compromisso.

Eu realmente não tinha nenhuma sorte com babá


alguma. Desde que contratara Alícia, um sem-número de babás

cuidaram de minha filha, mas nenhuma ficou no emprego por


muito tempo. E agora, nem mesmo essas ficariam. No pior dia

possível. Eu não poderia cuidar de Sofia ao mesmo tempo que


tinha a reunião, e não poderia cancelar, ao mesmo tempo.

Bufei, irritado. Esse tipo de situação só ocorria no pior


tempo possível.

Alícia, no entanto, continuou.

— Senhor, se quiser… eu poderia cuidar de Sofia.


— Mesmo? — Meus olhos se iluminaram. Eu confiava

em Alícia, e ela já havia cuidado de Sofia antes. Realmente, era


a solução perfeita. — Não há problema com você? Não gostaria

de voltar para casa depois de um dia cansativo de trabalho?

— Gostaria, mas… eu sei como Sofia é importante para


o senhor. E eu realmente gosto dela. Não me importo de bancar
a babá por uma noite.

— Muito obrigado, Alícia. — Minha vontade era de

rodopiá-la e dar-lhe um beijo de tirar o fôlego. — Vamos, pegue


as suas coisas. Precisamos ir o quanto antes. Não se

preocupe, você poderá passar a noite na minha casa.

Vi o rosto dela ruborizar quanto aquela parte, e então ela


acenou e partiu. Observei uma parte da anatomia dela que
muito me agradava, e sabia que, apesar de ser ela que

colocaria minha filha para dormir, eu não daria sossego para


aquela mulher a noite toda.
CAPÍTULO DEZENOVE

Chegar à casa de Matheus, naquela noite, era um clima


completamente diferente. Estávamos em plena sintonia, e um

silêncio confortável nos acompanhava. Eu sentia sua tensão,


afinal, ele estava prestes a ter uma reunião com investidores
importantes, mas a mão em minha coxa fazia promessas para a

noite que ambos prometíamos cumprir.

A casa morria em silêncio, como sempre. Era quase


tenebroso. As paredes brancas escondiam segredos que

pareciam gritar, mas eu estava decidida a desvendá-los. Nem

parecia que uma garotinha ali habitava, junto a seu pai.

Matheus ligou as luzes, e a sala se encheu com um ar

soprano e frio. As decorações continuavam pristinas e sóbrias.


O sofá branco se destacava no ambiente e fazia minha

imaginação voar. Várias ideias se formavam… mas eu tinha


que cumprir meus deveres primeiro. Servir de babá.

Sofia estava em seu quarto com a babá da tarde, Elena,

que parecia, dentre muitas coisas, agoniada por estar ali. Aliviei
seus serviços, e ela se foi, parecendo muito contente por ir. Eu

não compreendia. Sofia era um amor de criança. Eu não

compreendia como Matheus não conseguia manter uma babá


fixa por tempo suficiente para criar laços com a filha.

Era quase como… azar.

Talvez Sofia e Matheus fossem tão azarados quanto eu.

— Está tudo bem? — Matheus me perguntou enquanto

me encarava da porta do quarto principal. Eu me sentia

temerosa, mas quando encontrei seu olhar, senti forças. Era um

passo decisivo, mas era um que eu estava disposta a dar.

Daria tudo para Matheus.

Inclusive, meu coração.


— Está sim — sorri fracamente. Tirei os pensamentos
que me afligiam e adentrei o quarto de sua filha.

Sofia estava ali, sentada em frente à televisão, assistindo

a um cartoon infantil que cantava e dançava com suas cores

hipnotizantes, mas a menina não parecia reagir muito a ele,

apenas balbuciando algumas poucas coisas desconexas.

Admito, senti pena. Minha vontade foi de descer à porta

do pai dela, fazê-lo cancelar a reunião, e convencê-lo a sair


com a filha para que tivessem um momento juntos. Aquela não

era uma maneira de criar uma criança. Babás e distrações

momentâneas não substituíam uma verdadeira família. Sofia

carecia de afeto, e isso era notável.

A menininha precisava de ajuda.

E eu não sabia se poderia dar conta de tudo o que ela

necessitava.

— Sofi? — chamei, baixinho, não querendo assustá-la.


A menina não me deu resposta, continuando em seu

transe da televisão.

Tirei os sapatos e os depositei na porta, sabendo que

eles causariam um barulho incômodo sobre o piso. Minhas

pernas estavam cobertas de uma meia-calça, portanto


praticamente deslizei até o seu lado, sentando-me com minhas
pernas dobradas para tentar melhor emular a posição dela.

Mesmo assim, ela não pareceu me notar.

— Sofi…

A criança me olhou com seus enormes olhos azuis e


piscou longamente, e então deu um “shhhhh” em minha direção

que me fez querer rir.

Oras, não é que a garotinha tinha personalidade?

Fiquei em silêncio, mesmo, até que o show que ela


gostava acabar. Nesse meio tempo, fiquei atenta aos sons que

Matheus fazia. Ouvi-o se arrumar para a reunião, e dar uma


verificada breve no quarto da filha. Apenas dei um aceno
positivo para ele, e ele pareceu se acalmar, mas nossa breve

interação rendeu a nós dois um novo chiado de sua filha.

Aparentemente, aquele desenho era muito importante.

Findado o seriado, Sofia se levantou, novamente sem


som, e começou a caminhar sozinha pelo seu quarto. Eu havia

reparado que ela era bastante independente, e Matheus me


confidenciara que ela havia começado a caminhar aos seis
meses de idade, mas eu achava aquilo muito solitário. Era uma

criança que sabia que tinha de obter suas necessidades


sozinha, que chorar não resolvia nada.

Às vezes, você só precisa ser mimada um pouco.

— O que você quer, Sofia? — perguntei quando a vi ir


em direção à um grande baú de brinquedos, para ajudá-la a

procurar. Mesmo que ela fosse tão independente assim, não


conseguiria dar conta de achar o que quer que fosse que
estivesse à procura.

Acho que ela tinha brinquedos demais… talvez alguém

estivesse compensando por algo.


A menina olhou para mim com dúvida no olhar.

— Li… Li… Ma….

Por um momento, não pude deixar de me emocionar por

achar que aquela garotinha tão forte estivesse tentando


pronunciar o meu nome. Mas logo me contive. Era óbvio que

era um brinquedo que ela estava procurando, mas dada as


circunstâncias, eu não conseguia descobrir qual era com
apenas sílabas. Talvez se eu pressionasse mais um pouco…

— Li? Libélula…? Maracas…?

Olhei para a pilha de brinquedos. A resposta era clara.

— Ah, livros. Você quer um livro, Sofi?

A menina fez um sinal positivo com a cabeça, e me


puxou pela saia. Eu não sabia o que ela queria de fato (a

menina possuía uma verdadeira biblioteca de livros infantis) e


eu me virei para a prateleira para procurar qual deles era o que

Sofia queria.
— Você não parece uma garota que gosta de Alice… —
Olhei para ela, avaliando sua reação. Ela, de fato, negou com a
cabeça. — Nem Pequeno Príncipe. Não. Você não gosta

desses clichês, Sofia. Estou errada?

A menina pareceu sorrir, então eu estava certa. Minha


aposta estava em…

Meus olhos encararam com nostalgia a prateleira. Com

certeza, aquele era o livro. Eu sentia a conexão com ele, e com


Sofia.

— Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau… quão

apropriado isso é?

— Mamãe — ela falou e atraiu a minha atenção.

Peguei o livro em mãos e me movi até ela. Pesar me

consumia.

— Sua mãe costumava contar esta história para você?

— Mamãe — ela repetia e acenava.


— Sabe, essa também era minha história preferida

quando eu era criança. Minha mãe também a contava para


mim. Ela me alertava para eu fugir de lobos, e olha onde eu

caí… bem na boca de um.

— Lobo? — Sofia me imitou.

— Não siga seu coração, Sofi — eu dei um pequeno

toque em seu nariz. — Mas me diga, você quer que eu leia esta
história para você?

Ela acenou vigorosamente, estendendo os bracinhos

para que eu lhe entregasse o livro. Quando o fiz, a cena

seguinte me cortou o coração. Ela o abraçou ternamente, e


soltou um suspiro.

— Mamãe…

— Onde está sua mãe, Sofi? — acabei disparando antes

de poder me conter. Sabia que era indelicado, especialmente

porque a menina não parecia ter uma noção real do que estava
acontecendo. Mas ela me respondeu.
— Mamãe… estrelinha no céu. Papai contou.

Arrependi-me no mesmo momento de ter perguntado.

Apenas me abaixei e abracei a criança, que não parecia nem

ter noção de que sua mãe tivesse morrido. Somente sentia a


falta dela, na forma de livro. Com o passar do tempo, talvez

nem se recordasse dela. Mas no aqui e agora, o luto pesava.

Escondendo as lágrimas que derramava por ela, falei.

— Quer que eu leia o livro de sua mãe, Sofi?

Ela acenou, e a fiz sentar no meu colo, simulando meu

melhor para dar um abraço de mãe.

Tão pequena, e passou por tanta coisa.

Eu queria dar meu melhor para ela. Queria que ela


sentisse mais coisas, que experimentasse tanta coisa… Queria

vê-la crescer, e experimentar o amor pela primeira vez. Que

quebrasse a cara, que se levantasse.

Quando fora que eu começara a amá-la desse jeito


assim, tão especial? Tão único e necessário? Abracei-a
apertado, aquela menina que um dia soube o que era uma

família, mas a perdeu.

Eu gostaria de ar a ela uma nova chance…

— Nome…

Mal ouvi seu murmurar, de tão emocionada que estava.

— O seu nome?

— Alícia — disse com a voz embargada.

— Mamãe Líxia...

A surpresa foi tão grande que quase caí para trás. —

Não é para tanto, Sofi. Eu estou mais para “Tia Alícia”...

— Mamãe beija Papai. Não é?

Meu rosto se enrubesceu. Não acredito que a filha de

Matheus tenha nos visto beijar. Espera que só isso que ela
tenha visto!
— Tudo bem, Sofi… mas isso é segredo. Sabe o que é

segredo?

— Sei. Não contar.

— Isso mesmo. Não pode contar. — E levei o dedo aos

lábios, sendo imitada. — Agora, vamos ler o livro, está bem?

E, mudando meu tom de voz, comecei.

Há muitos e muitos anos, em uma terra distante, havia


uma garotinha que ganhou um capuz vermelho da avó…
CAPÍTULO VINTE

A reunião, embora tensa, foi incrível. E consegui vários


investidores novos para a Marinho Exportações LTDA, mesmo

com todo o problema de débito faltante que tínhamos causado


pelo hacker. Na verdade, aqueles investidores iriam resolver
todos os nossos problemas.

Vitória para moi.

E havia maneira melhor de comemorar que uma noite

regada a sexo selvagem com uma beldade?

Terminei a reunião por Skype quase esbaforido. Fechei o

notebook e afrouxei a gravata, liberando o estresse. Por mais

que estivesse no conforto da minha casa, estava conforme o


figurino pedia. Não entendia esses outros CEOs que apenas se

vestiam pela metade quando trabalham home office. Se eu me


arrumava, me arrumava por inteiro. Afinal, devia estar

preparado para tudo.

E eu estava preparado para outras transações


também…

Alícia estava programada para colocar minha filha para

dormir às 9 da noite, e já passava das onze. Eu esperava que

ela estivesse no meu quarto, matando o tempo, mas não a


encontrei lá. Estranhei essa mudança de planos, mas não

muito. Provavelmente, Sofia dera mais trabalho para a “babá”

para dormir do que o costume. O que, infelizmente, era normal.

Minha filha estava se mostrando mais indisciplinada do que a


norma. Eu ainda a achava muito nova para aplicar castigos (ela

só tinha 2 anos, como esperar que se comportasse como uma

dama? Ela mal fazia xixi fora das fraldas), mas já me

aconselhavam a ser mais duro na minha criação… Era uma

linha tênue.
Eu devia ser mais presente na vida da minha filha, mas a
empresa também precisava de mim. Era como ter dois bebês

recém-nascidos. Talvez o que eu precisasse era uma esposa…

(Ah, Evangeline. Eu realmente sentia a sua falta).

Peguei-me perguntando quando fora a última vez que

pensara em Evangeline e me senti culpado. Fazia alguns dias

que meus pensamentos eram ocupados por outra mulher, e me

sentia bem quanto aquilo. Estava seguindo em frente. Algumas


pessoas diriam que era cedo demais, mas, por Deus, Alícia me

conquistara com seu rebolar, seu corpo quente, e seu café.

Não conseguia manter minhas mãos fora dela, ou longe

dela.

A encontrei no quarto de minha filha, inesperadamente.

Ela estava ninando Sofia, cantando uma canção. Já as havia

encontrado em uma posição semelhante, mas aquela cena

aqueceu meu coração. Pareceu… certo.

Como um quadro sendo terminado, como uma fotografia


sendo tirada no momento certo.
Pareceu perfeito.

— Ah, Matheus. Como foi a reunião? — ela murmurou,


se aproximando de mim, quebrando o encanto. Por Deus, tudo

o que eu queria era beijar sua boca, e esquecer do trabalho. A

vontade em mim de tê-la era mais forte que tudo.

— Vamos — ordenei, e a peguei pela mão. Ela pareceu


surpresa, mas me seguiu. Levei-a até meu quarto, onde
apossei-me de sua boca em um beijo voraz, onde enfiei a

língua por caminhos já conhecidos. Apreendi-me de seu fôlego,


de sua voz, de seus gemidos. Ela derreteu-se contra mim,

como se já esperasse por isso, agarrando-se no meu terno.

— Eu quero você, Alícia. — Comecei a devorar seu


pescoço, sentindo-o vibrar contra mim. Bom. Adorava como o
corpo dela era honesto.

— Espera — ela disse, e estranhei a pausa súbita.


Quando ela veio para cá, ela estava disposta a isso, não? — Eu

queria falar com você sobre algo… — Mordeu o lábio inferior


para não gemer quando eu avancei sobre sua calcinha

molhada.

— Podemos conversar depois…

— Agora, por favor.

Suspirei, cedendo. Afastei-me dela, e terminei de tirar


minha gravata e paletó, jogando-os sem jeito na cama.

— O que foi, Alícia?

— Eu queria saber… você nunca me contou. O que


aconteceu com sua esposa.

Meus olhos ficam cheios de pesar. Não é um assunto


que goste de discutir, muito menos de falar...

— Evangeline… faleceu. Não é necessário saber mais

sobre isso. Foi um infeliz acidente de trânsito.

— Mas… obviamente afetou você.


— Claro. Ela morreu. No entanto, já superei o luto, não
é? Estou com você.

Alícia me dá um olhar que não sei se é de compreensão,


ou é de pena. Decido que não gosto de qualquer forma, e me

viro para não encará-la. Não sei quem essa mulher pensa que
é, para ter pena de mim. Eu sou um CEO bem resolvido, com

um ótimo emprego, uma filha, uma ótima mulher. Não tenho


tempo para pensar em ex-mulheres…

Os braços quentes de Alícia me envolvem, e não


consigo sentir mais nada no mundo além deles. É como se meu

coração estivesse quebrado, e ela, aos poucos, estivesse


remendado os pedaços. Conto o único segredo que jamais

contei a ninguém.

— Naquele dia, ela ia me deixar. Ia pedir o divórcio, e me


deixar com Sofia. Disse que não aguentava um casamento sem
amor, que eu trabalhava demais. Pedi a ela que repensasse a

decisão, e ela prometeu considerar. Disse que ia para a casa


dos pais. Ela nunca chegou lá.
O abraço de Alícia se apertou ainda mais, e senti as
lágrimas quentes dela molharem minha camisa. Fiquei surpreso
ao perceber que eram as minhas lágrimas que molhavam a

minha camisa.

— Alícia…

— É por isso que você virou todos os retratos dela, não

é? Porque não suportava a ideia de ver uma família que não

existia mais.

Apenas acenei.

— Desculpe, você veio aqui se divertir, e eu… estou aqui


sendo uma bagunça — disse a ela. — Você merece muito mais

do que eu, Alícia.

— Claro que não. Você é…

— Um merda, eu sei.

— Não é. Você é lindo, maravilhoso, um homem gentil e

um pai que tenta ser melhor a cada dia… Eu que não mereço
você. Você… me conquistou de maneiras que eu não sabia que
podia ser conquistada. Eu me transformei em uma mulher ao

seu lado. E você me mostrou, realmente, o que era amar.

As palavras dela me pegaram de surpresa. Eu não sabia


que nossa relação estava naquele ponto — achava que, assim

como eu, Alícia encarava nosso relacionamento apenas como

diversão, um passatempo, um jogo de bem-me-quer-que-eu-te-


como… mas vasculhei meu coração em busca da verdade. Eu

a considerava bem mais do que achava de início.

— Alícia, eu não sei se o que sinto por você é amor… —

e pude notar sua decepção ao ouvir minhas palavras. — Mas


nunca desejei uma mulher como te desejo. Há um espaço vazio

no meu coração desde a morte de Evangeline, e você o

preencheu por completo. Mais ainda, até. Eu não consigo mais

ver minha vida sem você ao meu lado. Para o que der e vier, eu
te quero. E muito. Não sei o nome deste sentimento… Mas…

Alícia colocou o dedo em meus lábios, e apenas

encostou a cabeça em meu queixo. Eu sabia. Nós sabíamos.


Havia um laço inquebrável entre nós. Uma confiança

terna.

Pertencíamos um ao outro.

— Eu quero algo sério com você. Mesmo — digo em voz

alta, para a surpresa dela e a minha. — Não quero mais


esconder o nosso relacionamento de ninguém. Nem para

Ângelo, para a empresa, nem para a Sofia… quero admitir para

todos que você é minha.

O sorriso que ela abriu foi o suficiente para que se

concretizasse o meu maior desejo.

— Você é minha, Alícia. Saiba disso.

— Eu sou sua, Matheus, assim como você é meu — ela

disse com a voz embargada. Sem muita demora, peguei-a

pelas ancas e a ergui, a jogando na cama.

— Vou mostrar o quanto te desejo. — E arranquei o


resto das minhas roupas, exibindo a minha nudez. Manejei o

meu membro, liberando algum líquido, e me sentindo viril e


forte. Ela começou a desabotoar a própria camisa, exibindo o

sutiã preto e sexy que comportava o tesouro de seus seios. Eu


estava pronto para lhe mostrar o quanto eu precisava dela, o

quanto eu me importava. Esta mulher sobre mim mexia com o

meu brio, com todo o meu ser. E eu queria fazê-la desfazer-se


sobre mim, vê-la gozar meu nome.

E eu era bom naquilo, diga-se de passagem.

Desci sobre ela e passei a provar aquela pele tão

conhecida, com o gosto que era tão doce e saboroso. Alícia

deu um risinho quando fiz o caminho proibido, descendo de

seus seios cobertos por sua barriga, chegando ao cós de sua


saia. Ela colocou as mãos nos meus cabelos e desfez o meu

penteado tão alinhado enquanto eu subia sua saia e me livrava

do fino tecido que cobria sua intimidade. Ela já estava úmida


para mim, e aquilo atiçava uma parte ferina de mim.

Inverti nossas posições, e a fiz deitar-se sobre a minha

cabeça.
— Rebole para mim, Alícia… Deixe que eu te coma por

inteiro.

Ela gemeu quando minha língua invadiu sua fenda, e eu

a fiz inteira, enquanto Alícia se mexia contra mim. Meus dedos

a agarravam e minha mulher gozou rapidamente naquela


posição, mas eu sorri internamente.

Ainda tínhamos a noite toda pela frente.

— Matheus… — arfou meu nome ao sair de cima de

mim, e se jogar ao meu lado da cama.

— Você ainda tem roupas demais. Ou acha que


acabamos por aqui?

— Você tem um fôlego… — Um sorriso sacana nasceu

em seus lábios.

— Acredite, quando eu tenho algo que eu quero, faço de

tudo para consegui-lo. — Meus dedos se moveram para o zíper


de sua saia, e eu a tirei, tendo-a somente de camisa e sutiã. —
Confesso que você é muito atraente seminua, mas você é mais

linda sem roupa alguma.

— Matheus… — Os olhos dela tinham uma emoção que


eu nunca tinha visto ainda. Eu movi meus dedos para penetrá-

la novamente, e ela gemeu alto quando atingi aquele ponto

sagrado que sempre fazia ela gozar. Movi os dedos lentamente


porque queria que ela aproveitasse as sensações, que se

derretesse contra mim. Ela me abraçou no pescoço, se

mantendo próxima a mim, nossas respirações se misturando.

Em nossos olhos uma miríade de confiança e… um sentimento


sem nome.

Ela gozou novamente, mas dessa vez, colocou uma mão

sobre a minha.

— Eu quero você, Matheus. Agora. Eu estou pronta.

Meu coração e meu pau já latejavam por ela.

— Não precisa pedir duas vezes, querida. Porque não


pretendo te dar sossego a noite inteira.
Coloquei com maestria a camisinha, meio afobado pelo
meu desejo por ela, e me posicionei sobre ela. Ela deu um

pequeno aceno positivo e eu a penetrei fundo, rápido e

intensamente. Ela gemeu longamente e alto, e eu agradeci por


ter colocado um isolamento acústico no meu quarto, para não

interromper o sono de Sofia. Assim, não precisaríamos

traumatizar minha filha. E eu poderia enlouquecer essa mulher


na cama… da melhor maneira que eu conhecia. Eu fui fundo,

forte, em um ritmo intenso, e ela correspondeu. Agarrou-se a

mim, arranhando minhas costas, gemendo meu nome,

tornando-se minha.

E ela era.

Completamente, e inteiramente, minha.

Mordi seu ombro, por cima da camisa mesmo, e ela


gritou. Deu-me um tapa divertido, e eu pude ver que estava
próxima do clímax. Eu já conhecia seus trejeitos, seus

maneirices, seu corpo. Aquela mulher me enlouquecia, mas ela


também era afetada.
— Matheus… — suspirou ao som do meu ouvido. — Eu
te amo.

Quase travei na mesma hora. Tínhamos decidido ficar


juntos, mas eu não estava preparado para aquela reação. Eu a

amava? Não sabia. Não sabia se era esse o sentimento que


tinha no meu peito, o motivo para a querer por perto, o mesmo
que tivera por Evangeline, o mesmo que devotava por minha

filha. Mas não era o que queria pensar agora. Agora, eu só


queria fazê-la gozar. Uma coisa de cada vez. Por hora, apenas
a beijei vorazmente, em resposta, e iria lidar com isso mais

tarde.

— Eu sei — disse, sem saber que aquilo iria virar uma


bola de neve.

Iria compensar por aquilo mais tarde.

Tínhamos a noite toda pela frente, pensei.

E eu não a deixaria dormir.


CAPÍTULO VINTE E UM

Acordei me sentindo plenamente no céu. Meu diabo e


Salvador estava na cama comigo, sorrindo com aqueles olhos

azuis me encarando assim que acordei, mas não me senti


acanhada ou envergonhada por estar com os cabelos
amassados, ou com o bafo da noite de ontem. Não.

Me senti completa.

— Bom dia — meu chefe me disse, enquanto acariciava

minhas bochechas e tirava meu ar por aquela intensa


demonstração de carinho matutina. — Espero que tenha

dormido bem.

— Melhor impossível — me aconcheguei em seus

braços, sentindo o calor que emanava dele, e também sentindo


outra coisa…. — Matheus!

— Não posso evitar. Estou com uma beldade na cama.


Tive que me segurar para não atacá-la enquanto dormia.

— Ora… Por que não me acordou então?

— Porque você parecia um anjo dormindo, e eu não

queria perder essa visão de forma alguma.

Corei mais ainda com essa cantada barata, e o beijei.

Éramos dois bobos apaixonados, mas… Era tudo o que eu


mais queria. Era como se todas as peças do universo tivessem

finalmente se encaixado. Mesmo se ele não tivesse dito “Eu te


amo” de volta, ainda havia tempo para nós. Tínhamos todo o

tempo do mundo para criar um lar, uma família, uma relação.

Ao menos, era o que eu acreditava.

— Fique aqui — disse a ele, levantando e vestindo a

camisa dele. Apenas senti o olhar dele seguindo as partes do

corpo que lhe interessavam, e não me importei em lhe dar um


showzinho. — Vou preparar o café da manhã para você e Sofia.
— Eu tenho empregadas, sabe disso?

— Vou dispensá-las. Aposto que nunca comeu comida

preparada com amor.

Ele riu, levantando-se e dando um beijo na minha nuca.

— Vá, antes que eu coma a cozinheira.

Foi a minha vez de dar uma risada, e seguir para o

quarto de Sofia, para ver se ela estava acordada. Queria dar

comida a ela também.

O momento não poderia estar mais perfeito.

Essa morena sabia como me pegar de jeito… Eu estava

todo quebrado da noite passada, e ainda tinha planos para

continuar com aquela relação para mais pra frente. Olhei no


espelho e peguei um sorriso bobo no meu rosto. Não sabia o

que era a felicidade fazia algum tempo. Talvez Alícia a tivesse

trazido de volta para o meu coração.


Fiquei na cama, olhando o celular, quando ouço um

toque familiar chamar. Reconheci como o de Alícia, já tinha


ouvido-o tocar algumas vezes na empresa. Temendo que

alguma coisa tivesse acontecido, resolvi atender. O número era


estranho na tela, mas poderia ser algo (ou nada, ela tinha
mencionado que telemarketing ligava para ela com

frequência…), mas a voz que atendeu, chamando o nome da


minha namorada, gelou os meus ossos.

— Alícia? Finalmente atendeu?

Eu reconheceria aquela voz em qualquer lugar,

principalmente em uma ligação. Aquele era o hacker que


roubou os dados da Marinho Exportações LTDA, sem sombra
de dúvidas. Por que ele tinha o número de Alícia, e por que

estava fazendo ligações constantes para ela?

— Quem é? — exigi saber. — Por que está ligando para


Alícia?

— Um macho, é? Sabia que a putinha não ia demorar


para me trocar por outro...
— “Trocar”? Como assim?

— Eu sou o marido de Alícia.

Meu sangue começou a ferver no mesmo minuto.

Milhares de suposições passaram pela minha cabeça, mas a


mais óbvia foi a de traição. Como Alícia escondera isso de mim

por tanto tempo? Como ela tivera essa coragem de deitar na


minha cama e falar palavras de amor?

— Como assim Alícia é casada?

— Estou reconhecendo sua voz… Você é Matheus


Marinho, não é? A Alícia está trabalhando na sua empresa a
meu comando… Acho que, pela sua irritação, você ficou

danadinho dela ter dono já? Pois é, essa cadela não tem
pedigree… Ela veio das ruas, e sabe usar seu charme muito

bem… Veja, suas contas estão em dia? Sua conta no banco


está inteira? Eu tomaria cuidado com ela se fosse você, ela
sabe sugar tudo de você… foi por isso que eu tive que sair do

país, ela é mais perigosa do que aparenta…

— Você está querendo dizer que Alícia é sua cúmplice?


— Pode verificar com a polícia… Hehehe….

— Por que eu acreditaria em você?

— Bem, eu roubei de você, não foi? Ao menos sou

honesto com isso… Ladrão que rouba, tudo bem, mas ladrão
que seduz… Vou desligar antes que rastreie essa ligação. Fica

firme aí, bro. Acaba com essa puta.

E ele desligou, me deixando sem eira, e nem beira.

Em quem eu poderia acreditar?

Em quem eu deveria confiar? Em um ladrão, que me

roubou, ou na minha funcionária, que sempre foi honesta


comigo, ao menos até então?

Liguei para a única pessoa que podia me salvar.

— Ângelo, atenda.

— Você tem que ter uma boa razão para me tirar da


cama a essa hora, Theus. Ainda não está no horário de

pessoas sãs e boas irem para o trabalho. — Consigo ouvir seu


bocejo do outro lado da linha, mas meu desespero é crescente.
Ele consegue notar isso. — O que houve?

— Me diga que fez o dossiê sobre Alícia, no final das


contas — há um tom de imploração na minha voz. Eu nunca

peço por algo.

— Há algo errado? Você parece…

— É urgente. Não me faça pedir de novo.

— Certo. Eu fiz sim. Deixa eu pegar meu tablet. — Ouço

o rufar de lençóis. — O que quer saber?

— Pode me mandar por e-mail?

— Claro, o arquivo não é tão grande. Mas olha… o que


quer que for decidir… Mantenha a cabeça livre de dúvidas. Não

a despeça por uma indecisão.

— Acredite — digo olhando para meu e-mail. — Irei

sanar todas as dúvidas.


CAPÍTULO VINTE E DOIS

Trouxe Sofia para o andar de baixo e a tablet dela, cujo


sons preenchem a cozinha com risadas alegres e infantis. Para

mim, era o Céu. Eu fazia as panquecas e separava algumas


para Matheus, e amassava algumas enquanto as dava para
Sofia, misturada com xarope de bordo. A menina ria a cada

“aviãozinho”, maravilhada com aquela dinâmica.

Quando vi Matheus descendo as escadas, sem camisa,


musculoso… me faltou o ar. Queria tê-lo ali mesmo, mas seria

indecoroso, com a filha dele na nossa frente. Me aproximei

dele, com o prato de panquecas fumegante, e sorri.

— Panquecas? Acabei de fazer, ia levar para você na

cama…
— Acho que você sabe fazer muitas coisas na cama,

incluindo me enganar.

As palavras chiaram como um chicote, e eu fiquei sem

saber como agir. Olhei para Sofia, que apenas ria e olhava para

nós, como se nada tivesse acontecido. Tentei confirmar com


Matheus.

— Matheus? O que houve?

— Largue esse prato e venha para o quarto, porque não

quero fazer uma cena em frente à minha filha.

Fiquei sem reação. De fato, coloquei o prato de volta no


balcão, e peguei Sofia no colo.

— Solte minha filha, que você não tem o direito de tocar

nela.

— Por que está agindo assim comigo? O que eu fiz?

— O que você não fez, sua vadiazinha?


O palavrão forte, dito fora do contexto do sexo, me
chocou mais do que tudo. Lágrimas surgiram nos meus olhos,

fortes e intensas, e eu tentei mais do que tudo me conter. Como

uma situação que estava tão perfeita poderia dar uma

reviravolta tão grande? Como Matheus poderia me odiar

daquela maneira?

— Matheus, por favor, me faça entender…

— Você é casada!

— Não sou! De onde tirou isso?!

A risada que saiu dele foi fria e cruel, cortando meu


coração.

— Vai me dizer que não conhece Guilherme de

Alcantara?

Meu estômago afundou. A verdade se mostrou em meus

olhos. Como Matheus sabia de Guilherme?

— Eu pedi que fizessem um dossiê de você, mas não

achamos nada agravante… mas agora as mentiras vieram à


tona. Você nunca trabalhou em um orfanato. Você trabalhava

em uma organização beneficente para animais de rua. Nega


isso?

— Foi um engano… Ângelo se confundiu… — abracei

Sofia, como se ela pudesse me proteger.

— Mas uma mentira que conseguiu este emprego para


você. Era o seu plano o tempo inteiro, não é mesmo? Junto de
Guilherme? Vocês pretendiam roubar informações confidenciais

da Marinho Exportações, não é mesmo?

— Não, jamais…

— SOLTE A MINHA FILHA AGORA MESMO!

Matheus praticamente arrancou Sofia de minhas mãos, e

eu fui ao chão. Lágrimas escorriam de meus olhos, e eu me


abracei, tentando me esconder. Nunca havia visto esse lado de
Matheus. Estava assustada e não sabia que palavras dizer para

fazer com que ele me entendesse.

— Por favor… eu não menti…


— Não, com certeza não. Seu corpo sempre foi muito

honesto. Você sempre gostou das nossas fodas, não é mesmo?


— Matheus me ergueu com o braço, os olhos azuis em

chamas. — Foi com essa tentação de corpo seu plano maior?


Me seduzir para conseguir seu intento, se aproximar de mim e

conseguir informações e senhas para conseguir informações


confidenciais? Me diga a verdade, Alícia… se esse sequer for
seu nome de verdade.

— Claro que é… — A essa altura, eu estava às lágrimas.

— Eu te amo, Matheus, eu nunca menti para você…

— Como ousa falar de amor com a mesma boca que


chupou meu pau?

— Por favor, não fale assim na frente de Sofia…

Ele pareceu olhar para a filha, ainda desgostoso.

— Realmente, ela não merece isso. Venha. — E me


puxou pelo braço, o agarro criando marcas vermelhas em
minha pele.
Ele deixou a filha no quarto, que a essa altura chorava.

— Papai… não machuque Mamãe Líxia…

— Não vou machucar, Sofi… — E me deu um olhar

gélido. — Só vou dar o que ela merece.

Aquilo me rendeu calafrios até a espinha. Continuei a


implorar. — Por favor, Matheus, me escute… Não importa como

soube, mas eu não sou casada...

Ele fechou a porta do quarto atrás de nós e a trancou. —

Vai negar que conhece Guilherme?

— Não, mas…

— Você foi casada com ele?

— Sim, mas...

— É o suficiente para mim.

E me empurrou contra a cama, me fazendo cair nela.

— Matheus…
— Nada me daria mais prazer… — disse colocando-se
sobre mim, segurando meus punhos sobre a minha cabeça. —
Do que foder a mulher que pertencia a ele. Foder a pessoa que

me fodeu.

E ele moveu a mão para a minha calcinha, retirando-a,


para o meu desespero. Era diferente de todas as outras nossas

transas, e eu travei. Não queria aquilo, ao menos, não naquele

momento. Não estava no clima. Portanto, usei de todas as


minhas forças para empurrá-lo, e dar um sonoro “Não!”.

Matheus parou no meio do ato.

— Você… Como você…

As lágrimas que derramavam dos meus olhos tinham

início do meu coração. Eu não tinha palavras mais para dar


para ele.

Matheus se ergueu da cama, sem dizer mais nada.

Eu me virei para o lado, e me deixei chorar.

Estava tudo acabado entre nós.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Não sei como cheguei à empresa, e na realidade não


deveria ter ido mais. Porém, uma força primordial se apossou

de mim. Era quase uma certeza de que se eu fosse, tudo iria se


resolver.

Como eu estava enganada.

Eu faltei dois dias seguidos, e francamente, não sabia se

estava empregada ainda. Ninguém havia me ligado ou dado por

minha falta. O medo me consumia. O que eu poderia fazer? Eu


dependia daquele emprego. Ao menos, das referências. Eu não

iria desistir tão fácil, apenas porque meu relacionamento


morreu daquela forma tão esdrúxula.

Matheus ainda me devia explicações.


Eu não queria desistir dele, apesar de tudo.

Deveria denunciá-lo por assédio, e se tivesse uma amiga


mais próxima, talvez ela me convencesse disso. Mas ainda era

uma tola apaixonada, e eu não largaria do osso. Queria

descobrir o porquê de ele ter mudado de ideia tão rápido sobre


o nosso relacionamento, estávamos tão bem naquela manhã…

Subi até a empresa, ficando feliz por não ter sido

considerada persona non grata. Havia uma chance, afinal.

Cheguei na porta da Marinho Exportações LTDA, e respirei


fundo antes de entrar. Era agora, ou nunca.

Se tivesse escolhido nunca…

Meu olhar encontrou o de todos assim que entrei na

empresa. Murmurinhos se elevaram assim que entrei, e meu

passar vacilou.

— Bom dia — anunciei.

Do “aquário”, pude ver as expressões preocupadas de


Ângelo… e a irritada de Matheus.
Eles se moveram imediatamente em minha direção
quando entrei.

Pois que venham. Eu estava preparada.

— O que você está fazendo aqui, Alícia? — Aquela

voz… A voz que eu aprendi a amar, que arrepiava minha pele

quando falava ao pé do meu ouvido… agora dizia meu nome

com tanta raiva e rancor. Eu imediatamente senti vontade de

chorar, mas me contive. Eu estava preparada para tudo,


inclusive a rejeição.

— Eu vim trabalhar.

— Com que cara de pau…

— Alícia! Que bom que finalmente apareceu! Sua

doença se foi? — Ângelo interceptou, sendo prontamente

alfinetado pelo olhar penetrante de Matheus.

— Você sabe que não foi uma doença que a impediu de

trabalhar, Ângelo. Ela estava dando por aí.


O silêncio que se seguiu foi extremamente incômodo. Eu

segurei em minha bolsa, sabendo que receberia aquelas


palavras fortes, mas elas doíam do mesmo modo.

— Sr. Marinho… devo lembrar de que ainda é meu

empregador? Posso processá-lo por assédio.

— E eu posso demiti-la por justa causa, por ter dormido


com o chefe.

— Você não sente nada? — esbravejei, as lágrimas


caindo. — Não sentiu nada por mim?

— Como eu poderia sentir por uma ladrazinha que


planejava roubar a empresa com o marido hacker?

— Marido? — Ângelo se empertigou com essa palavra.

— Alícia não é casada.

— Oras, só porque não usa uma aliança… — Matheus


fez um gesto não muito delicado com a mão.

— Mas ela não é. Eu não te mandei o dossiê dela,


Theus? Ela teve uma união estável, que se desfez
recentemente, porque o homem em questão saiu do país

roubando tudo o que era dela.

Matheus olhou para mim, surpreso. Minha expressão era


uma de raiva e crescente despeito.

— Como vocês ousam revirar minha vida, criar um

dossiê, e achar que sabem mais sobre mim do que eu mesma?


Eu poderia processar vocês! Eu devia processar vocês! — digo
com o dedo em riste.

Ângelo dá de ombros. — É de praxe, fazemos com todos

os funcionários daqui. Principalmente com alguém que iria


trabalhar com o CEO…

Meu olhar se desvia para Matheus. Ele era um misto de


vergonha, raiva, e despeito… Como nunca o vi antes.

E, francamente? Bem-feito para ele.

— Espero que aprenda, da próxima vez, a ouvir as

pessoas. — Havia lágrimas em meus olhos. — Não precisa me


demitir por dormir com o chefe, porque eu mesma me demito.
Eu não quero trabalhar no mesmo ambiente que você. Eu não
quero mais ver você na vida. Passar bem, Matheus Marinho.
Adeus.

E dei meia volta, em direção ao elevador.

Que eu nunca, nunca mais, visse aquele maldito

Matheus Marinho.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Dessa vez, não passei por debaixo da escada na


construção, resolvi que já tinha de azar demais por uma vida.

Decidi ir caminhando da Marinho Exportações LTDA até meu


apartamento, porque, bem, eu não tinha coisa melhor para
fazer do que admirar a vista, não é mesmo?

Meus pés doíam, mas a dor que realmente fazia meus

neurônios lancinarem era a do meu coração. Era como se um


buraco estivesse latejando nele, imenso e perdido, e eu tivesse

perdido os pedaços faltantes. Como lidar com a rejeição? Com

a perda do meu emprego? Eu tinha muitos problemas, e tudo


que eu queria mais era me jogar em uma cama, me enrolar nos

lençóis, e comer tipo uns quatro litros de sorvete de creme

enquanto assistia a Netflix roubada do vizinho.


Eu havia atingido o fundo do poço. Não era a primeira

vez, e talvez não fosse a última. Porém, aquela era a


seriamente vez que eu queria desistir de tudo.

Nunca havia encontrado um homem como Matheus. Eu

nunca havia me apaixonado daquela forma. E, mais do que


tudo, nunca havia encontrado em Sofia uma figura filial. Eu

nunca havia me sentido “mãe” de alguém. E saber que eu

nunca mais a veria… Doía mais do que saber que nunca mais
iria sentar no pau dele.

(É sério).

Eu sentia que tinha formado uma família com ele.

Desajeitada, sem forma, curiosa… Mas eu queria algo a mais.

Algo sério. E tinha acabado de uma forma tão triste, tão

traumática… Eu só queria voltar aos dias felizes.

Mas não é assim que funciona, não é mesmo? A

secretária nunca fica com o chefe. Eu nunca li um romance em


que a secretária safada ficava com o CEO dominador. Eu

estava vivendo um clichê, e deveria saber como isso acabava.


Apenas em lágrimas. As minhas.

Caminhei por um parque, e decidi me sentar. Por quê?

Porque não tinha coisa melhor para fazer. Não queria sair por aí

gastando meu dinheiro indo em cinema ou lojas, porque, afinal,

ainda tinha contas a pagar, aluguel etc., e isso custava muito.

Principalmente agora que estava desempregada de novo. Não

sabia como conseguiria outro emprego, mas isso era um

pensamento para outra hora.

Fiquei algumas horas observando o ir e voltar das

pessoas, imaginando as vidas delas. Dei nomes aleatórios e

ocupações mais ainda. Também dei uma quota de azar para

cada pessoa… Apenas queria sair de mim mesma. Sair da

desgraça da minha vida.

Falando em desgraça… meu celular tocando sem parar.

O que Guilherme queria a essa hora? Estava cansada

de suas perturbações. Contudo, o que tinha a perder agora?

— O que você quer, idiota?


— Alícia? — a voz profunda de Matheus preencheu

meus ouvidos, e eu corei imediatamente. Devia ter verificado o


identificador de chamada. E ter bloqueado o número dele assim

que saí da empresa.

— O que você quer? — repeti a pergunta, de novo, mas


sem o xingamento.

— Por favor… não desligue. Eu realmente fui um idiota…

— Não diga.

— Eu estraguei uma das poucas coisas boas que eu

tinha na vida, tudo porque eu decidi escolher confiar nas


pessoas erradas. Eu deveria ter tem ouvido, Alícia.

Suspirei.

— Não tem volta, Matheus. Como posso te perdoar?

— Por favor, Alícia. Me dá mais uma chance. Tem

alguém aqui que quer falar com você…


O grande CEO da Marinho Exportações LTDA, pedindo e

implorando? Houve alguma estática na linha, e então…

— Mamãe Líxia? Volta, por favor. Não vira estrelinha no


céu.

Meus olhos começaram a se encher de lágrimas. Aquilo

era jogo baixo. Muito, muito baixo.

— Não pode usar sua filha toda as vezes que for me


convencer, sr. Marinho.

— Não posso, mas… posso tentar algo melhor. Olhe


para frente.

E, como se planejado, eu o vejo. Ainda de terno,


esbaforido, nada parecido com o grande CEO de uma grande

empresa, segurando a filha no colo e correndo na minha


direção no meio do parque, ele estava ali. À minha procura.

Nunca soube como me achou… Acho que esteve à minha


procura o dia inteiro. O suor em sua testa mostrava aquilo. O
desespero em seu olhar.
O que importava, é que ele estava ali.

Ele se ajoelhou na minha frente, segurando sua filha.

— Por favor, Alícia, me dê mais mais uma chance. Eu te

amo.

Sofia ria, mais da humilhação do pai do que de tudo, e


seus olhos azuis brilhavam, enquanto suas mãozinhas

clamavam por mim.

Eu não tinha chance alguma de negar.

— Nunca mais faça isso, ok? — e me joguei no chão

com eles, os abraçando.

Abraçando a minha verdadeira família.


CAPÍTULO VINTE E CINCO

O café tinha piorado de qualidade, MAS EU não iria


reclamar. Meu humor estava nas nuvens. A secretária nova,

Marília, não sabia ainda como preparar o melhor café, mas ela
aprenderia… especialmente quando a nova sócia entrasse de
vez na empresa.

Alícia reluzia a cada dia. Desde que anunciamos o nosso

noivado, ela parecia estar mais brilhante. Eu a incentivara a

tentar uma faculdade, e ela decidira por Administração de


Empresas, para ser mais útil nos negócios… e ela era

admirável. Tinha uma mente sagaz e afiada, e já aumentara o


lucro da empresa em 10%. O que era formidável. Eu me via

cada vez mais apaixonado por aquela mulher, e conseguir

admitir isso era, também, um passo intenso.


Ela havia se mudado fazia dois meses para minha casa,

e logo a decoração se transformara. Os quadros que eu tinha


dificuldade de ver estavam novamente decorando a sala, e

algumas novas fotografias enfeitavam as prateleiras. Fizemos

nossa primeira viagem como família há alguns meses, para a


praia. Sofia adorou. Fazia quase um ano que ela não via o mar.

Falando em Sofia, ela e Alícia estavam trabalhando

bastante a relação mãe e filha. Sofia ainda tinha bastante


dificuldade em falar, mas aos poucos, ela foi quebrando a casca

que tinha em relação a Alícia. Minha filha costumava dormir

conosco, para meu terror, que queria aproveitar cada segundo


do corpo da minha noiva. Bem, fazíamos acontecer sempre que

possível. Eu cumpria meus deveres de marido.

Eu também tirava mais tempo livre, agora com Alícia

ajudando na empresa. Era o que precisávamos. Nem sabia o

que era folga em anos. Pude passar um tempo de qualidade

com minha filha… que mal me conhecia. Éramos estranhos.

Ela, agora com quatro anos, estava uma fofa.


Não podia estar mais feliz.

— Boa noite — disse à minha noiva, que chegava em

casa, enquanto eu colocava comida para Sofia. Alícia havia me

sugerido para que eu alimentasse Sofia às noites, e assim

jantasse com ela, para que formássemos um laço daquela

forma. Eu aprovava, e assim, eu passava a conhecer minha

filha melhor. Estávamos naquela rotina há alguns meses. Notei

um ar estranho com Alícia. — Algum problema?

— Theus… — Ela olhou para mim, e tirou um papel do

bolso. — Lembra que eu fiquei doente há alguns dias, e eu

disse que ia no médico?

— Sim… Deus, é algo grave?

— Bem, sim e não… — E ela deu um meio-sorriso. —

Acho que Sofia vai ganhar um irmãozinho.

— Como assim? Você está…

Alícia assentiu, e eu fui jogado para a mesma situação,

mas cinco anos atrás. Estávamos sentados no mesmo sofá


branco que habitava a sala, mas Evangeline chorava, triste,

porque nosso casamento estava às favas, mas Sofia iria salvá-


lo. Agora, não.

Fui em direção à Alícia, e a rodopiei. Seu riso ecoou pela

sala, e eu tive a certeza de que aquela criança, não importando


o gênero, seria bem-vinda.

— Que felicidade, Alícia! Você é genial, uma benção!

— Não pode ficar me balançando desse jeito, Matheus!

— Não posso me conter, não posso tirar as mãos de

você…

E dei-lhe um beijo, tamanha a felicidade que sentia.

— Está contente com a notícia?

— Mais do que fiquei quando soube que Ângelo estava


perto de pegar Guilherme...

Alícia me deu um tapa no braço, mas sabia que estava


igualmente feliz. Ela encostou o queixo em meu peito, e
ficamos ali, abraçados, até que…

— Também quero abraço, mamãe, papai!

Nós rimos, e fomos abraçar nossa pequena.

Nossa pequena família.


CAPÍTULO VINTE E SEIS

A vida tinha dessas de nos mostrar como as coisas


poderiam mudar. Minha vida foi de um absoluto terror, um azar

supremo, mas até eu conseguia sorrir diante da fortuna que foi


me dada. Eu estava feliz.

Estava.

— Matheus, eu acho perigoso...

Ele estava usando escadas para pintar o novo quarto da


bebê. Claro, que poderíamos ter contratado alguém, mas

decidimos que nós dois, como pais, deveríamos decorar o

quarto da nossa filha. Sofia também ganhou uma nova


redecoração, e ela estava exultante com seus unicórnios e as

árvores que eu consegui pintar.


Mas no quarto de Milena, Matheus quis fazer diferente.

Ele quis pintar uma nuvem até o teto, para colocarmos um arco-
íris pastel. A decoração da casa inteira era branca, mas agora

os tons pastéis predominavam. E ele agora estava pendurado

em uma escada de pintor, e eu a segurava, mas estando com


oito meses de gravidez, aquilo era perigoso para nós dois.

Na verdade, nós três.

— Só mais um pouco, Alícia.

— Tudo bem — eu falei preocupada, mas andei em


direção à lata de tinta, tendo dificuldade para me abaixar e ver

se ainda tínhamos o suficiente. Foi quando percebi que...

Ah não.

Eu tinha atravessado debaixo da escada.

— Alícia?

O sentimento de algo estar errado bateu diretamente no

meu estômago. E alcancei os olhos azuis de Matheus, e ele


desceu preocupado das escadas, e me segurou.
— Alícia, você está pálida. Está tudo bem?

Mas eu sabia o que tinha acontecido.

— Minha bolsa estourou — eu sorri. — Acho que

precisamos abandonar um pouco nossa pintura.

Os olhos de Matheus se alargaram. Ele olhou para os

lados, e pela primeira vez, eu o vi desarmado. Era como se não

soubesse o que fazer. Eu quis rir, mas simplesmente beijei-o

nos lábios para que ele saísse do choque.

— Vamos, amor. Leve-me para o hospital, sua segunda

filha vai nascer.

Aquilo pareceu tirá-lo do estupor, e enquanto ele reunia

nossos objetos pessoais para irmos para o hospital, e eu estava

encarregada de pegar Sofia, eu olhei para atrás, para a escada.

Mesmo o azar podia trazer coisas boas. E agora, em

situações como aquela, eu podia sorrir.

Porque nada poderia parar a minha felicidade.


FIM.

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