Você está na página 1de 164

Copyright © 2024 Sarah Ferreira

Todos os direitos reservados Revisão:


Agnes Zamai
Diagramação: Renata Asche
Capa: Aledesignereditorial
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos, são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados.


É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios (tangível ou intangível) sem o consentimento escrito da autora. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.2018
Sumário
Dedicatória
Playlist
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Epílogo
Agradecimentos
Outros Livros da Autora
Dedicatória

Para todos aqueles que gostam de um bom romance com boas doses de
safadeza.
Playlist
Para ouvir a Playlist de “Uma noiva virgem para o fazendeiro” no Spotify, abra o aplicativo no seu
celular, selecione buscar, clique na câmera e posicione sobre o Spotify Code abaixo:
Prólogo
Cecília

O clima era pesado como um todo. Ao meu lado direito, minha irmã, Maria Júlia, tentava
ser forte e não chorar, ao menos estava obtendo sucesso, já que nem eu e nem nossa mãe
conseguiu manter a firmeza.
E do meu lado esquerdo, minha mãe chorava compulsivamente, inconsolável pela perda
do seu amado marido. Seus cabelos estavam sujos e oleosos pelos quatro dias que ficou sem lavá-
los, sua aparência não era uma das melhores, o rosto estava livre da maquiagem habitual que
costumava usar diariamente.
Desde que meu pai sofreu de um infarto fulminante, tudo estava uma loucura. Era só eu,
minha irmã e nossa mãe para resolver todos os pormenores do velório e do enterro. E, como
minha mãe não estava com condições para nada, sobrou para eu e Maju resolver.
A complicação maior foi a falta de dinheiro. No dia que meu pai morreu, descobrimos
que ele já não detinha posse de toda a fortuna que pensávamos, não tinha quase dinheiro no
banco e as dívidas se amontoavam cada vez mais.
Foi um desespero total para conseguir, ao menos, enterrá-lo dignamente. Só não
tínhamos ideia de como seria dali para frente, já que nem dinheiro para as despesas mais básicas
nós tínhamos.
Eu estava no último ano da faculdade, não trabalhava, e o emprego como psicóloga em
uma clínica de pequeno porte, na qual Maju trabalhava, não seria o suficiente nem para nos
sustentar.
Era meu pai que trazia a renda para casa, mas se nem ele conseguia fazer nossa fazenda
progredir, não éramos nós que conseguiríamos. Na certa, seríamos expulsas antes mesmo de o
mês terminar.
Engoli o soluço que ameaçou escapar da minha garganta e respirei fundo para engolir o
choro. Tinha que me manter forte mesmo que meu mundo estivesse à beira do caos.
— Está tudo bem? — Maju sussurrou baixinho em meu ouvido.
Desviei o olhar do belo discurso do pastor Francisco e a olhei com carinho. Seu rosto
estava tomado pela tristeza, porém, acima de tudo, por preocupação.
Maju sempre cuidou muito de mim, muito mais que minha própria mãe; me dava
conselhos sobre garotos, sempre me ligava para saber se eu comia ou se estava bem, e tinha uma
preocupação comigo que chegava a ser sufocante.
— Fica tranquila. O discurso é muito bonito, só isso. — Apontei com o queixo em direção
ao pastor de meia-idade, baixinho e com uma barriga avantajada.
— Você comeu hoje? Lembra que não pode ficar sem comer. — Assenti, revirando os
olhos.
Eu não tinha comido quase nada durante as muitas horas desde que acordei. As emoções
do dia e pensar que teria que enterrar meu pai já eram suficientes para me deixar com um bolo
na garganta, ao qual não conseguia me livrar.
Infelizmente, eu não podia me dar ao luxo de fazer jejuns, não podia ficar várias horas
sem comer, como a maioria das pessoas conseguiam, e isso por conta de uma doença autoimune
que eu tinha.
Quando eu era criança fui diagnosticada com Diabetes tipo 1 e isso alterou todo o rumo
da minha vida. Tive que passar toda minha infância e adolescência controlando o que comia e
bebia, fazendo exercícios físicos dos quais não queria fazer, e me adaptando à doença e ao
tratamento.
No início, foi bem difícil ter que ficar atenta ao consumo de açúcares e carboidratos,
principalmente quando criança. Ter que tomar doses diárias de insulina e praticar corrida todos
os dias, o único exercício que consegui manter. Tudo para manter os níveis de açúcar no sangue
estáveis no organismo e afastar o risco de aumento de peso.
Sentia raiva por vezes, não pedi para nascer assim, foi meu maldito pâncreas que
resolveu deixar de produzir a quantidade necessária de insulina e que causou todo esse
desequilíbrio em meu corpo.
— Eu estou bem — afirmei com convicção, desviando o olhar.
Maju me conhecia muito bem, portanto, sabia quando eu mentia ou não, e se ela me
analisasse por muito tempo, descobriria a verdade.
Quando o pastor finalizou o discurso sobre o descanso eterno e o amor incondicional de
Deus, limpei uma lágrima que caiu do meu olho.
Sentiria muita falta do meu pai, do seu jeito turrão, de como ele se gabava para os amigos
por ter duas filhas lindas e da forma como me protegia dos meninos, os afugentando toda vez
que apareciam lá em casa para falar com Maju ou comigo.
— Ai, droga! Não estou acreditando — Maju disse ao meu lado, me fazendo levantar a
cabeça.
— Esse homem não tem respeito nem no nosso momento de dor? — Mamãe comentou
em alto e bom tom.
Ofeguei, surpresa ao ver o senhor Maximus Rodrigues bem à frente, com seu
amigo/capanga Xavier Campos. Era mesmo muita audácia o homem que meu pai mais odiava,
aparecer em seu enterro.
Era de conhecimento geral a rixa de meu pai com Maximus, e isso era de longa data.
Aquele homem tinha sede de poder e era ganancioso. Queria todas as terras que girassem em
torno da sua gigantesca fazenda, tudo para tornar seu império em São Miguel do Araguaia ainda
maior.
Ele teve êxito em todos seus negócios, conseguindo comprar terras de pequenos
agricultores falidos, menos as terras de meu pai, que eram as que mais o interessavam.
— Eu posso saber o que faz aqui? — Maju indagou e se levantou de sua cadeira.
Estava possessa de tanta raiva. Eu já estava prevendo que fosse avançar para cima de
Maximus e arrancar cada fio de cabelo seu.
Uma coisa que Maju não tinha era paciência. Algumas pessoas viam isso como um
descontrole de sua parte, já eu, sabia que ela sofria de Transtorno Explosivo Intermitente. Isso
significa que os ataques de raiva que a maioria das pessoas tinham esporadicamente, aconteciam
com frequência com minha irmã, o que poderia gerar um comportamento muito violento e
agressivo por pouca coisa.
— Só vim para prestar condolências à família. Somos vizinhos — disse com a voz rouca,
fazendo minha pele arrepiar. Era como se sua voz fosse um veludo passando devagar sobre minha
pele, deixando cada sentido em alerta.
Balancei a cabeça para controlar meus pensamentos. Não era o momento de pensar no
tom de voz desse sujeito, eu tinha que segurar minha irmã para ela não ser presa por agressão.
— Você, prestar condolências... — Ela deu uma risada sem humor. — O que o senhor
veio fazer é tirar a prova se meu pai morreu mesmo! — Arfei com sua resposta desaforada.
— Maria Júlia, se controle, por favor — minha mãe pediu com a voz chorosa.
— Só vou me controlar quando esse homem maligno der o fora daqui. Anda, você não é
bem-vindo! — Maju gritou e bateu palmas, fazendo boa parte dos presentes se assustarem.
Muitas pessoas tinham medo de Maximus e da influência que ele exercia, ou o
admiravam pela garra que tinha nos negócios, porém, minha irmã não era uma dessas pessoas.
Me levantei e quase fui ao chão pela vertigem que senti. Merda, não podia desmaiar,
não agora, não com tanta gente aglomerada, não no enterro do meu pai. O pacote de drama já
estava fechado, não era necessário adicionar mais uma pitada ao caldo que já estava entornando.
— Calma, mana, pensa na nossa mãe — disse eu, me sentindo muito cansada.
Maldita hora que dispensei o café reforçado que Miriam, nossa empregada, fez, e só
comi uma banana.
— Pois bem, senhorita Almeida Barbosa, meu intuito era oferecer meus préstimos a
senhora sua mãe, não queria causar transtorno. Meus pêsames e passar bem.
O vi se afastando e respirei aliviada. Eu não teria forças para segurar minha irmã por
muito mais tempo, não me sentindo mal como já estava.
— Vai ficar tudo bem, Maju, só relaxa, ok? — declarei, a virando para mim.
Sua respiração estava muito acelerada. Em seu corpo, uma fina camada de suor se
acumulava enquanto tremia.
Sentia que o que vinha em seguida era o sentimento de culpa, mas não era necessário,
tinha consciência de que isso estava fora do seu controle; ela já se tratava, não havia muito o que
fazer.
Quando ela respirou fundo várias vezes para se acalmar, seu semblante foi relaxando e
a fúria se diluindo.
— Desculpe pelo show, sinto muito mesmo. Nossa, Cecília, você está branca que nem
papel. — Descartei o comentário com um aceno de mão.
— Não é nada demais. O caixão do papai vai descer, aí podemos ir embora.
— Nem pensar que você vai ficar esse tempo sem comer. Sei que quando fica assim, é
que seus níveis de açúcar estão baixos.
Maju mexeu em sua bolsa e tirou de lá um frasquinho de mel e uma colher. Sorri em
alívio, pois sabia que eu não aguentaria até o fim do enterro em sã consciência.
— Prevenida vale por mil — disse ela cheia de si, me dando a colher cheia de mel.
Pus na boca e aguardei, sentindo um pouco de alívio e aos poucos voltando a mim. Pelo
menos até o fim do enterro iria aguentar.
Capítulo 1
Max

Me servi de mais uma dose de Whisky e um pouco mais de gelo. Engoli tudo de uma vez,
sentindo o ardor passar por minha garganta e um prazer imenso pela queimação que a bebida
me proporcionava.
Xavier andava de um lado para o outro. Isso estava me incomodando, todavia, dei
preferência em tentar me manter calmo, e não ser contagiado por sua ansiedade.
— Tem certeza de que ela virá? — Xavier perguntou, impaciente.
— Absoluta. Tomei ciência de sua situação, que não é uma das melhores, ela terá que vir
— afirmei confiante.
— Eu ainda acho que o orgulho da mulher não a deixará vir — Xavier respondeu,
incrédulo.
Ele sentou-se em uma cadeira à minha frente e colocou as pernas em cima da minha
mesa. Odiava quando fazia isso.
— Se não o fizer, será despejada, os bancos irão fazer valer os seus direitos e terá que
vender até as calcinhas para não ser presa. Na minha opinião, não tem muitas opções.
— Não acho que chegará a tanto.
— Sei da dívida com os Gonçalves, um dos credores, e eles vão cobrar, pois correm o
risco de essa mulher sumir no mundo e não pagar os empréstimos que fez, não só ao banco, mas
também a outros credores.
Me levantei, fui até a janela e olhei ansioso para o céu. O clima ainda estava quente, com
o sol em plena atividade, contudo, pelo que podia ver, algumas nuvens começavam a se formar
indicando que iria cair um temporal.
Me pus a pensar na proposta que faria para a viúva de Jorge, no valor adequado que
pagaria por suas terras valiosas, ao qual pudesse quitar suas vidas e recomeçar longe de Goiânia.
Obviamente que eu não ofereceria um valor altíssimo, no qual pudesse viver uma vida
de luxo. Seria o bastante para comprar uma casa bem menor e se manter por algum tempo.
No entanto, ela e as filhas teriam que trabalhar para tirar seu sustento. A vida boa que a
viúva conhecia logo se findaria. Entretanto, isso não era um problema meu.
Fazia anos que eu queria aquelas terras, desde que meu pai era vivo, para ser mais exato.
Sabia que meu velho tentou negociar por diversas vezes, porém, sem sucesso. Segundo Jorge
Almeida Barbosa, a Fazenda Milênio não estava à venda para os Rodrigues de Albuquerque.
Em um dado momento, pensei em desistir daquele pequeno pedaço de terra miserável.
Contudo, minha esperança floresceu quando soube que o dono da Milênio abriu falência. Era
minha chance de tentar aumentar ainda mais meu patrimônio.
Xavier me perguntava o porquê de querer algo que não faria diferença para mim, que
Jorge pode ter falido pelo solo ser infértil ou por poucos rendimentos de seus grãos, mas eu sabia
que não era isso.
Jorge Correia faliu porque era um incompetente, não sabia administrar seus bens,
gastava muito mais do que ganhava e tudo para manter a vida ostensiva que sua mulher gostava.
E ainda tinha outro fator ao qual o próprio dono da fazenda não sabia: a probabilidade
de existir diamantes nas terras.
Meu pai costumava me contar isso, foi um segredo que ele me deixou a par, ao qual só
confidenciei com Xavier, e que fazia meu interesse pelas terras aumentar ainda mais.
— Você está subestimando a viúva, e ainda acreditando que tem diamantes nas terras,
Max, sabe que é um tiro no escuro — Xavier disse exasperado.
Para ele, o que eu tinha já era o suficiente. Consegui muitas terras em volta das minhas,
expandindo o império de meu pai para algo muito maior, muito mais do que meu pai sonhou.
Com uma propriedade possuindo milhares de hectares, sendo 80 mil compostos por
pastos que alimentam 100 mil cabeças de gados de Nelore puro ou cruzados com Angus, no
intuito de intensificar a produção de carne em menos tempo e com mais qualidade, e ainda com
maior aproveitamento da carcaça e peso superior.
Meu investimento se dava por criar cabeças de gado valiosas e formidáveis em larga
escala para consumo, no ramo de exportação de grãos, em propriedades espalhadas pelo Brasil,
cultivando grãos e colecionando raças de cavalos puro-sangue.
Não queria me gabar, porém, muita gente dependia de mim, vários trabalhadores
assalariados, arrendatários, famílias de colaboradores... Eu não podia falhar em nada e tinha que
redigir tudo com mãos de ferro.
A Fazenda Boa Esperança foi criada há muitos anos, tudo começou com um pequeno
pedaço de terra que meu pai comprou de um imigrante italiano. Na época, não existia maquinário
e nem toda a tecnologia disponível para um bom desempenho de trabalho.
Aos poucos, meu pai foi expandindo suas terras, investindo em grãos de qualidade e em
cabeças de gado. Passando trabalhadores temporários para fixos, construindo casas para as
famílias dessas pessoas e ganhando respeito em São Miguel do Araguaia.
Em nenhum momento meu pai foi relapso, vivíamos uma vida de luxo, mas isso só foi
possível quando seus negócios se fortaleceram. Minha mãe não gastava nem a terça parte do que
a viúva de Jorge gastava, e só ostentou joias quando eu ampliei ainda mais a Boa Esperança.
Mesmo assim, eu mantinha um controle sobre ela. Não a deixava gastar tanto e isso a
irritava, pois dona Marisa achava que tinha o direito. Porém, eu não pensava assim.
Se eu trabalhava duro para manter todos os negócios erguidos, não poderia perder o
controle com gastos excessivos mesmo que ganhasse uma fortuna por ano.
Isso provocou o afastamento entre minha mãe e eu, dentre outros fatores mais. Ideias
que não batiam e que acarretaram a raiva que sentia de mim. No entanto, eu não me importava
com o sentimento negativo dela.
— Eu gosto de ser confiante.
Me sentei mais uma vez de frente para Xavier e o vi revirando os olhos por causa da
minha frase sem um pingo de humildade.
— Você é um convencido filho da puta — murmurou sorrindo.
Xavier era como um irmão para mim e um filho para meu pai, que o encontrou na sarjeta
aos nove anos, sozinho e com fome. Sem parentes vivos, ele foi criado como se fosse da família.
Contudo, ele nunca aceitou nada de graça. Orgulhoso que só, fazia questão de ajudar em
cada canto da fazenda, olhando tudo, observando o maquinário e vendo como cada peão fazia
seu trabalho. Eu confiava muito nele e fiz questão que fosse meu administrador, além de ser meu
braço direito e amigo.
Era através de Xavier que tudo acontecia, ele me dava relatórios diários de colheita,
novas formas de organizar o estoque de grãos, contratação e demissão de funcionários, máquinas
que fossem ecologicamente sustentáveis, e me dava conselhos quando percebia que algum
negócio era uma furada.
— Você sempre me escuta quando eu acho que o negócio é um risco, menos nesse. —
Passou as mãos nos cabelos, exasperado.
— Esse é especial, Xavier. Não se trata de ignorar o que diz. — Ele suspirou derrotado.
— Se a viúva não vier, eu não vou cansar de dizer: Eu te avisei!
Antes que eu pudesse responder à altura, escutamos uma batida na porta e Tereza
entrando pedindo licença.
Sorri como uma criança ao ver nossa governanta passando com uma bandeja de café,
limonada, biscoitos e pãezinhos.
Tereza era uma senhora de quase setenta anos, que era como uma segunda mãe para
mim. Na verdade, poderia afirmar que o papel de mãe cabia mais a ela do que a mulher que me
gerou.
Fazia tempos que eu queria que ela parasse de trabalhar de vez, que fosse descansar e
passear. A alcunha de governanta já nem era válida, eu a tratava como se fosse da família.
Mas, como uma boa teimosa que era, Tereza me ignorava toda vez que eu dizia a palavra
“descanso”. Sempre me falava que precisava cuidar de mim, que eu era o filho que ela não tinha
e que se ela se aposentasse, eu viveria à míngua.
Era um pouco de exagero da sua parte. Eu já não era mais um menino, tinha muitas
posses, contudo, os mimos de Tereza me faziam perceber que minha vida seria sem graça se ela
não estivesse mais aqui.
— Olha só quem me trouxe um pouco de comida, o amor da minha vida — Xavier disse
em tom brincalhão.
— Oxi, menino, deixe de ser bobo, vocês precisam se alimentar, estão tão magrinhos.
— É por isso que te amo e vou me casar com a senhora. — Xavier começou a encher o
rosto de Tereza de beijos, enquanto ela tentava desviar rindo.
— Deixa ela em paz, Xavier — retruquei em tom sério.
— Veja, Tetê, ele está com ciúmes só porque você me ama mais.
— Eu amo os dois iguais, menino, deixe de intrigas. — Sorri com carinho para ela. —
Max, tem visita para você.
— E quem é? — perguntei, já sabendo a resposta.
— A senhora Suzana Almeida Barbosa.
— Peça a ela que entre, por favor, Tereza — pedi em tom neutro.
Me levantei de imediato e vi a surpresa nos olhos de Xavier. Ele se desvencilhou de Tereza
e a deixou voltar para seus afazeres.
— Não acredito nisso — Xavier sussurrou perplexo.
— Eu já esperava. Problemas desesperadores requerem medidas iguais.
— Ainda assim, ela pode ter vindo somente para escutar sua proposta. — O olhei pelo
canto do olho com a expressão mais debochada que consegui.
— Nem você acredita nisso.
Quando escutamos mais uma batida na porta, pus meu melhor semblante de negócios,
já sabendo que a terra dos Almeida Barbosa seria minha de qualquer maneira.
Capítulo 2
Max

Quando a viúva entrou na sala, fiz de tudo para não mostrar o quão satisfeito estava.
Jamais confessaria para ninguém, mas uma parte de mim pensou que ela não pudesse vir.
Seria uma tremenda burrice se deixar levar por um orgulho besta iniciado no idiota de
seu marido. Se afundar em dívidas e morar em um hotel de quinta categoria com as filhas, não
parecia fazer o estilo da mulher à minha frente.
Mesmo que na minha mente não fosse uma atitude inteligente, eu pensei sim na
possibilidade de ela negar o convite para uma conversa de negócios, afinal, em meus anos de
trabalho já vi pessoas falindo por não dar o braço a torcer e não admitir que fracassou.
Todo o senhor de terras não deve se acomodar nunca, deve estar sempre preparado para
qualquer adversidade, seja em pragas na lavoura ou até no mínimo que era alguma conta de valor
errado.
Meu pai sempre me ensinou que só devemos confiar de olhos fechados em nós mesmos.
O ser humano por si só é uma criatura gananciosa que quando vê algum ganho que vem
facilmente, quer sempre tirar vantagem.
Minha única exceção era Xavier, nele eu confiava, porque assim como eu, foi ensinado
pelo meu pai desde criança a amar cada pedaço de terra, além de ser muito grato ao meu coroa
que não o deixou morrer na rua.
— Boa tarde, senhora Barbosa. — Levantei e estendi a mão em um cumprimento formal.
— Muito boa tarde, senhor Rodrigues — respondeu em tom comedido, contudo, me
surpreendendo ao passar o indicador na palma da minha mão antes de nosso toque, pelo aperto
de mãos, finalizar.
Minhas sobrancelhas se uniram em confusão pelo gesto ousado e inesperado,
entretanto, tratei de esconder a surpresa com uma expressão neutra.
— Espero que a viagem tenha sido boa, sei que a distância das terras é um pouco longa.
— Suzana assentiu e deu um sorriso tímido.
— De carro não é tão cansativo, só perdi a prática de dirigir, mas me saí bem.
— Entendo. Sente-se. Quer alguma coisa? Temos café, limonada, pães, porém, se nada
lhe agradar, posso mandar Tereza fazer alguma coisa. — Ela descartou tudo com um aceno de
mão.
— Vamos direto ao assunto. — Assenti.
Pus a mão no queixo para esconder um sorriso de satisfação. Gostava de pessoas diretas
e não estava mesmo com paciência para trivialidades sociais.
— De acordo.
— Esse senhor vai ficar? — perguntou, se referindo a Xavier.
— Ele é necessário.
— Achei que o assunto fosse particular, não me sinto confortável para abrir o jogo sobre
minhas posses na frente de estranhos, se o assunto for mesmo o que estou pensando. — Suzana
parecia nervosa e isso era bom.
— Acho que a falência da sua família não é segredo para ninguém na região. Na verdade,
posso chutar e dizer que toda Goiânia sabe que vocês não têm nada e devem a todos.
Suzana se levantou e pôs as mãos na cintura. Chegava a ser engraçada a sua tentativa de
pôr medo em alguém.
Avaliando sua aparência, era difícil acreditar que uma mulher tão bonita quanto Suzana
foi um dia, se deixou acabar tanto. Nem todo o luxo conseguiu esconder a pele envelhecendo por
trás da maquiagem e nem a tonalidade do cabelo esbranquiçado.
Porém, tinha que admitir, não era possível se cuidar muito com o tanto de dívidas que o
falecido marido tinha, não iria sobrar nada para coisas banais.
— É uma audácia o senhor me chamar até aqui para me insultar, ainda mais na frente
do seu subordinado.
— Acalme-se e sente-se, por favor, senhora. Em primeiro lugar, Xavier não é meu
subordinado, meça suas palavras. E em segundo, não a ofendi em hora alguma, falar a verdade
não é sinal de insultos — disse em tom firme.
Não me importava se a mulher estava ofendida ou não, o que eu não tolerava era seu
insulto ao Xavier. Ele é muito mais que um simples administrador aqui, é o irmão que não tive.
— Peço desculpas pelo insulto, senhor Xavier.
Olhei para ele, que assentiu, descartando o pedido dela e balançando a cabeça para
prosseguir com a conversa.
— Agora que estamos acertados, seguiremos ao assunto pelo qual lhe chamei. — Cruzei
as mãos e a fitei. — Sei muito bem da dificuldade que a senhora está enfrentando. A qualquer
momento o banco pode fazer valer o seu direito e tomar posse dos seus bens como garantia de
pagamento e, se ainda assim não for o suficiente, as terras serão tomadas.
— Como sabe disso tudo? — sussurrou incrédula.
— As notícias correm, e eu sou um homem que gosta de se manter informado. — Dei de
ombros.
— Você só se informou por que, desde que seu pai estava vivo, tinha interesse em nossas
terras.
— É um detalhe também. — Um meio sorriso se formou em meu rosto e continuei: —
Sendo ainda mais direto e lhe poupando de mostrar algo de que já tenha conhecimento, eu tenho
uma proposta a fazer. Quero comprar as terras, lhe dar uma quantia que permitirá sua boa vida e
de suas filhas. Obviamente, não será um valor tão alto que poderá ficar no luxo eternamente.
— E quem disse que vou vender para você? Meu marido iria repudiar isso.
— Não permiti intimidade, me chame de senhor. Prefere morar na rua, senhora Barbosa?
Pedir esmolas, ou quem sabe, vender o corpo? Garanto que não conseguirá muito — a provoquei
abertamente.
A viúva corou, Xavier fazia sinais por trás dela dando a entender que fui longe demais.
Merda! Estava nervoso e com pouca paciência para gente estúpida que não conseguia
enxergar o óbvio. Porém, tinha que me controlar. Sendo escroto e canalha, não me faria ganhar
aquela guerra e muito menos ter o que eu tanto desejava.
Mesmo sabendo que a mulher à minha frente pouco valia, eu tinha que tentar fingir que
a respeitava.
— Peço perdão, agora eu que me excedi. Eu quero facilitar as coisas, sabe que o seu
destino e de suas filhas será a rua. Acha que vale a pena por causa de orgulho?
Os segundos que se seguiram foram o de mais absoluto silêncio. Esperei batendo a
caneta que segurava no tampo da mesa, até que ela respirou fundo e olhou nos meus olhos.
— Tenho total ciência do que me disse, sei que a condição atual da minha família não é
uma das melhores. O trabalho de minha filha mais velha em uma clínica não é o suficiente para
cobrir as despesas que temos, e minha mais nova está no último ano de faculdade.
— E o que a impede de vender? Será o melhor para ambas as partes e a senhora não
sairá perdendo. Tem consciência que se sua casa for tomada, você não levará um tostão? — Ela
assentiu.
— Sei disso. Só que sei também que todas as dívidas farão com que as terras sejam
desvalorizadas, ainda assim, sairei no prejuízo.
Me pus a pensar no que ela disse. Era uma mulher gananciosa, disse isso como uma
maneira de não diminuir o valor que suas terras valem, mesmo com dívidas. O que Suzana não
queria perder, na verdade, era seu estilo de vida.
Era uma cobra sorrateira, sabia que eu era capaz de tudo para conseguir as terras e que
não sossegaria. Estava jogando verde comigo.
— Sobre isso, não poderei fazer nada.
— Ai, meu Deus, o Senhor poderia ter me levado! — ela disse, olhando para o teto. Mais
um de seus dramas, era nítido. — Estou fadada a sair das terras que vivi por tantos anos e que
criei minhas filhas. — Pôs os braços na mesa e começou a chorar.
Xavier a olhou incrédulo e sem saber como reagir. Eu, por outro lado, revirei os olhos.
Detestava drama, e se ela achava que iria conseguir arrancar uma boa grana de mim com aquele
teatro de quinta, estava enganada.
Peguei uma folha de papel e escrevi o valor que estava disposto a dar pelas terras. Não
iria dar mais nada além disso, era o que valia. Já iria perder mais dinheiro com as dívidas que as
terras deveriam ter.
— Esse é o valor que tenho em mente. — Passei o papel pela mesa.
Ela se levantou, enxugou os olhos, que não tinham lágrima alguma, e olhou o valor. Vi
seu semblante mudar de tristeza falsa para raiva.
— Mas isso é um absurdo, é um valor extremamente baixo, em vista do quanto vale —
disse irritada, fechando os punhos sobre o papel e o amassando.
— E é somente isso que vou dar, nem um centavo a mais.
Suzana jogou o papel à minha frente e se levantou. Suas mãos fechadas como se quisesse
me bater, e deveria ter essa vontade mesmo.
— Pois não vou te vender nada!
Senti o ódio tomar conta de mim. Eu queria muito que essa dor de cabeça se resolvesse
hoje, porém, essa mulher estava disposta a carregar esse problema até o último segundo.
Respirei fundo e suprimi a vontade que eu tinha de lhe dizer umas verdades e a pôr para
fora. Contudo, me mantive calmo por fora, me encostei na cadeira confortável que mantinha no
escritório e dei um meio sorriso.
— Muito bem. Vai ser um prazer vê-la morando na rua. E mesmo que não queira vender
as terras, elas serão minhas de qualquer jeito. Quando o banco tomar tudo da senhora, será uma
questão de tempo até que tudo vá a leilão e eu comprar.
Estava extremamente puto da vida. Iria conseguir de qualquer maneira, no entanto,
sabia que seria bem mais caro. As terras eram valiosas, só que era muito mais fácil tê-las com um
custo-benefício baixo.
— Olha, Max, sei que não pediu a minha opinião, mas eu tenho uma ideia para isso tudo
— Xavier disse, levantando a mão.
— Diga.
— Sei que pode parecer loucura, mas há uma solução para que você tenha as terras sem
precisar que a Suzana saía da casa.
— Qual seria essa ideia mirabolante? — O olhei, desconfiado.
Eu confiava em Xavier, porém, aquela cartada de última hora não parecia me cheirar
bem.
— Um casamento — sugeriu triunfante.
Quase caí da cadeira. Ele estava louco? Eu jamais iria me casar com Suzana. De todas as
merdas que já disse e fez na vida, essa era a mais cabeluda e fedida.
— Enlouqueceu, Xavier? Não vou me casar com ela! — retruquei, apontando para
Suzana.
— O senhor me ofende, eu sou uma viúva de respeito — disse em tom dramático.
Xavier torceu os lábios tentando controlar uma risada. Nem ela acreditava nesse
discurso, visto que, volta e meia, me olhava disfarçadamente com interesse.
— Não com Suzana, mas, sim, com uma das filhas.
— Isso é um absurdo, minhas filhas são meninas!
— Pensa bem, Max, você pode ter as terras. Casando-se com uma das garotas, terá
direitos como marido, pode administrar tudo e pagar as dívidas. Suzana pode assinar uma
procuração te dando plenos poderes para que tome a decisão que quiser, já que você pagou por
tudo. Será seu de qualquer forma.
— É uma ideia a se considerar. — Passei a mão no queixo, cogitando a hipótese.
— Vocês estão loucos? Eu não vejo vantagem nenhuma para mim e nem para as
meninas.
Era de se esperar que ela só pensasse na vantagem, não na proposta de trocar uma das
filhas pelas dívidas das terras. O ultraje inicial foi só para enganar e ser vista como boa mãe.
— A senhora e a filha não escolhida, poderão continuar morando na casa. Terá todas
suas despesas pagas, uma mesada mensal, não será muito já que Max pagará as despesas da casa
e será colocado 5% de todo o lucro que a fazenda der em uma poupança para a senhora, caso
venha a ter problemas futuros eventuais.
A sacada de Xavier era genial. Com uma filha a menos na casa, a despesa iria diminuir,
fora que eu poderia cortar gastos extras eventuais e a mesada estipulada não seria alta demais,
já que ela teria o lucro mensal.
— Obviamente, os benefícios só lhe serão ofertados logo após o casamento e a sua
assinatura — falei.
— E quem me garante que vou ter tudo isso e não serei prejudicada com valores abaixo
do que necessito mensalmente?
— A senhora terá o necessário para cobrir suas despesas. Lembre-se que Max terá que
levantar suas terras infrutíferas — Xavier falou em um golpe de misericórdia.
Suzana mordeu o lábio, conseguia ver as engrenagens do seu cérebro trabalhando.
Eu sabia que ela iria aceitar. O valor que dei como lance seria como água nas mãos dela.
Gastaria tudo e não teria rendimento.
Já com uma mesada, despesas pessoais pagas, dinheiro rendendo em uma conta de
banco e sem dívidas em sua cabeça, era muito mais fácil viver a vida fútil que ela tinha.
— E então? — eu disse, impaciente.
— Tudo bem, eu aceito. Vou fazer um jantar simples para que possa conhecer minhas
filhas e decidir qual a que mais combina com o senhor.
Levantei e apertei sua mão rapidamente para que não houvesse contato maior do que o
estritamente necessário.
— De acordo. Espero seu convite.
Ela assentiu e saiu da sala. Sorri para Xavier. Foi mais fácil e mais lucrativo do que pensei.
Suzana achava que a mesada que iria ganhar seria uma fortuna, entretanto, iria querer
um relatório de seus gastos. Não era um trouxa para ficar bancando luxos de um inútil.
— Plano de mestre. Só não sei o que fazer com relação a me casar, não estava nos meus
planos.
— Está mais do que na hora e você pode muito bem fazer o que sempre fez. Dê tudo o
que a mimadinha quiser, elas devem ser iguais à mãe. A compre com presentes caros, joias e
viagens.
— Comprar minha liberdade — respondi.
— Exatamente — comentou, sorrindo largamente. — Bom, eu vou dar uma saída, tenho
documentos a preparar para seu fechamento de negócio com a senhora Barbosa. — Assenti, e
Xavier saiu.
Me sentei de novo na cadeira e me pus a refletir. Nunca me vi casando, gostava muito
da minha vida de solteiro. Foder mulheres por aí sem ter que dar satisfação de cada passo que
dou.
Esposas exigem cuidados e atenção, coisas que não tenho tempo e nem paciência para
dar, porém, se essa era a saída para ter as terras, que seja. Quando tivesse a procuração, tomaria
tudo como meu e seria questão de tempo para convencer a viúva a passar tudo para meu nome.
Quanto a minha querida futura esposa, Xavier já tinha me dado a solução perfeita. Daria
o que ela quisesse para compensar minha ausência como marido.
Sorri vitorioso e olhei a foto dos meus pais. Minha mãe estava em viagem pela Europa,
amava viajar e só voltaria quando o dinheiro que limitei para gastos terminasse, o que não
demoraria muito.
Já estava prevendo o show que ela daria por eu por limites e o inferno que faria quando
voltasse. Contudo, não estava com saco para pensar muito nisso... por ora.
Foquei no meu pai, tão parecido comigo, e sorri. Finalmente eu consegui pôr as mãos na
Fazenda Milênio. Peguei a fotografia e passei o dedo em seu rosto. Sabia que, onde quer que ele
estivesse, estava orgulhoso de mim.
Capítulo 3
Cecília

Mãe: Preciso falar com vc.

Após ler essa mensagem estranha, liguei para minha mãe para saber o que ela queria.
Porém, não obtive resposta. Isso só serviu pra me deixar ainda mais curiosa.
Desde a morte de meu pai, ela andava muito estranha. Saía o tempo todo, ficava se
lamentando, dizendo coisas ruins sobre meu pai ter nos deixado em uma miséria terrível e que
ele não pensou em momento algum na gente.
Eu a entendia, compreendia que estava estressada pelas dívidas e cobradores que
queriam receber o que foi combinado. Todavia, me deixava incomodada a forma como se referia
a uma pessoa que não estava ali para se defender.
— Cecília, acabou de chegar um cãozinho que foi atropelado por um carro. Você pode
verificá-lo para mim e realizar um exame de sangue, por favor? Ele já foi pesado — o doutor
Ricardo disse, me trazendo de volta para a realidade.
Estava no meio do expediente, poderia pensar nisso tudo mais tarde, quando estivesse
sozinha em meu quarto.
Eu amava estagiar na clínica do doutor Ricardo, era um ambiente tranquilo e ele me
ensinava muita coisa. Não poderia ter alguém melhor para me auxiliar naquela fase da vida.
Não tinha certeza se depois de formada ele me contrataria, entretanto, estava disposta
a implorar, se fosse necessário.
Já conhecia toda a dinâmica do dia a dia da clínica e sabia que ele precisava de toda
ajuda que fosse possível. Me contratar era benéfico para ambos.
— Claro, me desculpe, era da minha casa — argumentei, mostrando o telefone.
— Algum problema com dona Suzana?
— Não é nada demais, ela só quer falar comigo. Quando chegar, saberei o que quer —
eu disse, me preparando para o procedimento no cachorro.
— Não deve ser nada fácil passar por isso, Cecília. Uma pena o que aconteceu com seu
pai, tinha muita estima por ele. — Assenti sem olhá-lo.
Não queria ver o olhar de pena em seu rosto, já não aguentava mais, porque ele não era
o único.
Todos na cidade nos olhavam assim, como se fôssemos umas coitadas à beira da miséria.
Não deixava de ser verdade, estávamos passando por um momento complicado, porém, eu não
precisava da caridade de pessoas que só fingiam estar preocupadas conosco.
— Estamos bem, doutor, vamos superar — comentei firmemente.
Passei por ele sem dizer mais nada e cheguei na sala, onde vi um cachorrinho de pelagem
baixa da cor caramelo e porte médio, e uma senhora de mais ou menos uns sessenta anos.
Seus cabelos brancos como a neve estavam presos em um coque com nem um fio fora
do lugar e seu semblante estava marcado pela preocupação. Não era para menos, ver um filhinho
de quatro patas sentindo dor não era fácil.
Já estava acostumada com esse tipo de situação e, ao longo do estágio, fui aprendendo
com o doutor a ter sangue frio para conseguir aguentar firme, mesmo assim, era complicado.
Animais são criaturas celestiais, incapazes de fazer maldade alguma, não deveriam sofrer
com dores ou algum outro tipo de mal, nunca.
— Olá, dona...?
— Camélia — a senhora disse com a voz embargada.
— Boa tarde, dona Camélia. O que aconteceu com nosso amiguinho? — questionei,
passando a mão por sua cabecinha e fazendo um carinho para ganhar sua confiança.
Ele me olhou e vi em seus olhos que sentia dor. Não se moveu, nem mesmo o rabinho,
quando falei com ele e fiz um carinho. Peguei uma ficha e comecei a preencher com os dados
básicos do cãozinho e sua dona.
— Ele sempre costuma sair para dar uma volta e hoje não foi diferente. Depois de meia
hora que ele tinha saído, uma vizinha veio me avisar que tinha sido atropelado. Estou muito
preocupada, doutora, Patrick é muito esperto.
Assenti e larguei a prancheta com a ficha onde estava preenchendo com as informações
para que o doutor depois analisasse.
— Fica calma, está bem? Eu vou coletar um pouco de sangue dele. — Eu disse enquanto
colocava minhas luvas.
— Ai, meu Deus, então é sério mesmo? — a senhora sussurrou, chorando.
— Fica calma, é um procedimento normal para analisar a situação clínica dele após o
trauma que sofreu. Vai servir para indicar a quantidade de sangue perdida e se existe algum tipo
de hemorragia ou outras complicações. — Fiz uma pausa e acrescentei: — Logo o doutor virá
buscar o Patrick para o raio X e ultrassom.
Peguei o tubo, a seringa e a agulha necessárias para a coleta. Cheguei perto do
cachorrinho, que por ser dócil, não julguei necessário usar a focinheira.
Pedi que a dona o segurasse e não o deixasse se mover, peguei sua patinha direita e
injetei a agulha em sua veia, coletando a quantidade de sangue que o doutor utilizaria para o
exame.
— Pronto, Patrick. Bom garoto. — Escrevi o nome dele no tubo de coleta e guardei para
que fosse examinado. — O doutor já vem fazer outros procedimentos necessários nele, está bem?
Logo, logo, Patrick não sentirá mais dor — acrescentei para a senhora, que assentiu sorrindo.
— Obrigada, querida. — Devolvi o gesto e saí da sala.
Olhei no relógio que o doutor mantinha pregado na parede e vi que já estava na hora de
ir embora. Fui até sua sala, bati uma vez e a abri.
— Doutor Ricardo, já estou indo, vai precisar de mim para mais alguma coisa?
O doutor parou o que estava fazendo e levantou a cabeça.
— Não, Cecília, pode ir.
— Já deixei o exame pronto e o cachorrinho lhe aguarda. — Ele se levantou de pronto.
— Obrigado, até amanhã.
Saí de sua sala, peguei minhas coisas e fui direto para o ponto que marquei com Maju
para me buscar. Olhei em volta e nem sinal dela. Eu estava adiantada, pois faltava quinze minutos
para a hora que marcamos.
Era uma rotina minha irmã vir me buscar. Tinha medo de pegar em um volante, pois eu
sempre confundia os pedais, demorava muito para estacionar e os outros motoristas impacientes
me deixavam nervosa.
Um perfume maravilhoso preencheu meus sentidos e mãos taparam meus olhos. Sorri
ao saber que meu namorado estava ali.
— Advinha quem é? — sussurrou em meu ouvido, me fazendo arrepiar.
Virei e me joguei em seus braços, o beijando com toda a saudade que sentia. Era uma
alegria vê-lo à minha frente depois de uma semana sem poder estar perto.
Namorava Bernardo desde o ensino médio. Foi amor à primeira vista e vivíamos o clichê
de casal perfeito da escola. Como toda boa romântica que era, sonhava em casar-me com ele e
sabia que não iria demorar muito.
Me afastei um pouco, não antes de deixar dois beijos rápidos em sua boca, e passei a
mão por seus cabelos negros. Seus olhos verdes brilhavam apaixonados e deveriam refletir muito
dos meus, sendo espelhos de minha alma.
— Não acredito que está realmente aqui — murmurei empolgada, beijando todo seu
rosto, arrancando uma risada gostosa dele.
— Meu pai finalmente me deu uma folga. Desculpe mesmo por não ter conseguido ir ao
enterro de seu pai, linda. — Meu sorriso se desfez quando meu pai foi mencionado.
— Está tudo bem, Bê. Entendo que a residência também é importante.
Bernardo estava fazendo residência em obstetrícia no hospital em que seu pai é diretor.
Eu entendia que a carga horária era puxada, ainda mais que eu tinha conhecimento que o senhor
Alessandro Ribeiro era extremamente rigoroso e exigente.
Mesmo Bernardo não estando presente fisicamente na minha vida, ele se comprometia
comigo diariamente por mensagens e ligações, então me contava sobre os plantões que fazia, os
casos de emergência, ambulatórios, UTIs e os estudos teóricos que tinha que fazer.
Ele nem pôde ir ao enterro por causa de um imprevisto na UTI neonatal. Ficou arrasado,
pois amava meu pai, entretanto, me deu apoio e ficou me escutando chorar pelo telefone até que
eu caísse no sono.
— Mas agora estou aqui e pronto para ficar com minha namorada linda. — Seus braços
apertaram minha cintura e sorri contra seu pescoço, enfim, me sentindo em casa.
— Que maravilha.
— Como foi seu dia? — perguntou, se afastando para me observar.
— Bem tranquilo. Estou esperando a Maju para me levar para casa.
— Não é necessário, posso te levar. Mas antes, podemos passar naquela sorveteria que
tanto gosta. — Bernardo pegou em minha mão e já estava me arrastando para seu carro.
— Ei, ei, calma aí, Bê. Infelizmente não posso ir, minha mãe quer conversar comigo.
— Não pode adiantar o assunto pelo telefone?
— Eu tentei, mas ela não me atendeu. — Torci os lábios.
— Poxa, amor, queria tanto passar um tempo contigo. Essa folga é algo raro de acontecer,
meu pai está no meu pé — Bernardo argumentou e, para completar o pacote, fez aqueles
olhinhos de cachorro sem dono.
— Você é tão fofo — ronronei, apertando sua bochecha.
— E tão carente... — acrescentou.
— Você pode aparecer lá em casa à noite, que tal? — cedi.
— Que horas?
— Te aviso.
Escutei um barulho de buzina e vi que Maju tinha chegado. Era minha deixa para ir
embora. Foi minha rota de fuga, estava ficando difícil ter que dizer não para ele.
— Eu só vou conversar com ela, pois pode ser importante.
— Sei disso, Ceci. Compreendo que estão passando por algo complicado. Eu estou aqui
para o que precisar. Logo vamos estar casados e todos esses problemas vão acabar — ele disse,
colocando uma mecha atrás da minha orelha e passando o dedo pelo lóbulo.
Meu coração apaixonado disparou pela sua frase. Eu queria mais do que tudo ser esposa
dele, era tipo um sonho desde adolescente, ter meu final feliz de contos de fadas.
— Você me deixa toda bobinha falando assim, sabia?
— Eu quero te fazer a mulher mais feliz do mundo.
Sorri e escutei a buzina tocando com mais insistência. Revirei os olhos, me despedi de
Bernardo com um selinho e saí correndo para o carro da minha irmã irritante.
Quando entrei, bati a porta com mais força do que o necessário.
— Ei, cuidado com meu bebê — alertou.
— Sabe o quanto é difícil eu ver meu namorado? Custava esperar mais uns minutinhos?
— Eu estava protegendo meu carro, Ceci. — Minhas sobrancelhas se uniram em
confusão.
— De quê?
— Quase vomitei com tanta melação de vocês — ela disse, dando a partida e pondo o
carro em movimento.
— Eu acho que está com inveja.
— De quê? De não ter um pau para tentar mandar em mim?
— De não ter um amor.
— Eca, Deus me livre disso, Cecília. Já tenho problemas demais.
Dei uma risada com o pensamento de minha irmã. Maria Júlia era uma mulher muito
diferente daquelas que são criadas no interior. Ela não deixou que pensamentos arcaicos
tomassem conta de sua mente e isso a tornou forte.
Com um gênio difícil, ela deu muito trabalho ao meu pai e aos namoradinhos que teve
ao longo da vida.
Maju não se curvava para ninguém, muito menos para homens que tentavam a diminuir
só por ser mulher. Ela sabia seu lugar, sabia o que queria para si e era firme com suas opiniões,
assustando muitos homens.
Eu não era muito diferente dela, tinha minha própria opinião e não me curvava para
ninguém, porém, era mais branda. Queria me casar, ter filhos, formar minha família.
Já para minha irmã, esse parecia ser o último de seus desejos e metas de vida.
— Vai morrer velha e solteira se continuar assim — brinquei bem-humorada, olhando
pela janela do carro e vendo a paisagem bela de São Miguel do Araguaia.
— E tem coisa melhor? Pensa bem no quanto vou lucrar sem ter um macho para me
azucrinar.
— Você assusta os homens.
— Eles que não tem culhão para aguentar esse mulherão aqui. Mas mudando de
assunto, você comeu? — Revirei os olhos.
Começou. Toda vez que Maju me buscava, me fazia dar um relatório diário. Se me
alimentei, se injetei a insulina etc.
— Sim, e sim também para a insulina — cortei, antes que perguntasse.
— Muito bem.
— Obrigada, mãe — disse brincando, e recebi um olhar feio.
O restante do percurso foi bem tranquilo. Conversamos amenidades sobre nosso dia e
sobre o que nossa mãe queria conversar, já que descobri que a mensagem não foi enviada apenas
para mim.
— Acho que é importante — comentei, assim que Maju passou com o carro pelos
portões da Fazenda Milênio.
— Ou vai ver é alguma armação para ela fugir e nos deixar ser comidas pelos lobos.
— Maju! — exclamei surpresa. — Não seja maldosa, ela é nossa mãe, não seria capaz.
— Que ela é nossa mãe é correto, agora que não é capaz... tenho minhas dúvidas.
Ela estacionou o carro e saímos, vendo a enorme casa que moramos durante toda a
nossa vida. Tinha lembranças maravilhosas daquele lugar, seria desastroso ter que abandonar
tudo.
Iria me casar, de qualquer forma, não iria passar minha vida toda na fazenda. Porém, não
conseguia visualizar as terras que nasci nas mãos de um estranho.
— Vamos lá, Ceci, vamos descobrir o que nossa mãe quer. — Assenti desanimada,
sentindo um arrepio percorrer minha espinha.
Sabia que não era de frio, era um presságio de que um acontecimento importante
aconteceria.
Capítulo 4
Cecília

Quando entramos na casa silenciosa, de imediato vimos a mesa posta para o café da
tarde. Nossa mãe estava sentada, passando geleia em um pãozinho, enquanto Miriam, nossa
empregada, enchia sua xícara com leite.
— Uau! Saímos do perrengue? — Maju questionou, fazendo sinal para o tanto de comida
posta na mesa.
— Não, minha querida, só consegui uma forma dessa vida miserável melhorar.
— Arrumou algum velho rico para casar-se? — alfinetou, e tossi engasgando com a
saliva.
— Não seja grosseira, Maria Júlia. Tem sorte de eu estar de excelente humor. Sentemse,
queridas, tenho uma novidade para vocês.
A olhei, desconfiada. Minha mãe estava muito bem maquiada e seu cabelo pintado em
um tom de loiro vivo. Ficou óbvio que ela passou um tempo no salão da cidade, como nos velhos
tempos de vacas gordas.
Maju e eu nos sentamos lado a lado e aguardamos em silêncio que ela contasse como
conseguiu dinheiro para isso tudo, pois quando saímos mais cedo, nem comida na dispensa tinha
direito, e Miriam estava dizendo que não ficaria prestando serviços gratuitos.
— Devem estar se perguntando como consegui tudo isso, não é? — Quando assentimos,
ela continuou: — Bom, eu não contei para vocês, mas o senhor Maximus me convidou para uma
reunião em sua casa para tratar de negócios. — Meus olhos saltaram.
Antes que eu pudesse externalizar minha indignação por minha mãe ter aceitado um
convite de um sujeito que meu pai odiava, Maju tomou a dianteira:
— Como assim, você foi na casa daquele homem? E diz isso assim, na maior cara de pau!
— Maju disse, se levantando e segurando o encosto da cadeira até seus dedos ficarem brancos.
Não iria demorar muito para explodir.
— Sente-se agora mesmo, Maria.
— Pretende vender a fazenda? — perguntou exaltada.
— Ele me chamou justamente para isso, queria comprar tudo.
— E a senhora aceitou, óbvio — Maju disse em tom ácido.
Encostei nela, encontrando seu olhar furioso.
— Se acalme, deixa ela terminar.
— Obrigada, meu bem — agradeceu carinhosamente. — Bem, eu não aceitei o valor tão
baixo. Confesso que foi tentador... Temos muitas dívidas e ele comprando as terras, assumiria
tudo e nos deixaria livres, contudo, eu sei que o dinheiro não duraria muito.
— Não é necessário vender, mãe, podemos dar um jeito — argumentei, mas ganhei um
olhar enviesado.
— Não tem saída nenhuma, Cecília. Vocês, nesse mundo de fantasia, não fazem ideia do
tanto de dívidas que o inútil do seu pai nos deixou. — Arfei com o insulto.
Eu havia visto minha mãe praguejar diversas vezes sobre a situação que nos
encontrávamos, no entanto, era a primeira vez que ela insultava meu pai abertamente.
Por toda minha vida eu achei que minha mãe amasse meu pai, entretanto, a julgar pelo
seu comportamento atual, tudo não passava de interesse. Acabou o dinheiro, o amor saiu pela
porta.
— Ele não é inútil, só tomou decisões erradas. Se tem uma pessoa inútil aqui, essa é
vo...
— Se a senhora não vendeu, o que fez para nos tirar do buraco? — cortei Maju antes
que ela completasse a frase.
Só iria causar mais tumulto entre as duas, não conseguiríamos entender aonde nossa
mãe queria chegar e não traria nada de bom.
— Casamento.
Se uma foto nossa pudesse ser tirada seria na seguinte cena: Maju e eu perplexas, e
nossa mãe sorridente e triunfante.
Enquanto nossa mãe discorria o acordo que fez com Maximus em troca de casamento,
minha mente não parava quieta pensando em como ela seguiu sua vida rápido após a morte do
nosso pai.
A ver comentando que receberia uma gorda pensão, despesas da casa pagas, dívidas
externas exterminadas e uma parte do lucro da fazenda para si, deixando em troca que o senhor
Maximus tomasse plenos poderes de tudo e se tornasse o manda chuva da Fazenda Milênio, tive
vontade de vomitar.
— Deixa eu ver se entendi: a senhora se vendeu em troca disso tudo? — Maju fez a
pergunta de um milhão de dólares.
— Eu não vou me casar com ele, querida.
— Como assim, o acordo não era um casamento? — questionei confusa.
— E é, só que quem vai se casar com ele será uma de vocês.
— O quê? — dissemos em uníssono.
— A senhora vendeu uma de nós? — perguntei baixinho.
— Isso é uma pegadinha. Cadê as câmeras? — Minha irmã, à essa altura, já tinha se
levantado novamente e estava muito irritada.
Já eu, estava em estado catatônico, sem saber o que falar e como agir. Parecia que estava
fora do meu corpo observando o desenrolar da história e a discussão das duas.
Era difícil acreditar que uma mãe fosse capaz de fazer o que a nossa fez. Foi algo baixo e
a decepção deixava um gosto amargo na boca.
— Uma ova que vou me casar com ele! — Maju esbravejava. A coisa toda estava fora de
controle.
— Uma de vocês terá que fazer ou estaremos na rua. Aí vai ser adeus ao seu carro, casa...
é isso que você quer, Maria Júlia, foder todas nós?
O rosto de nossa genitora estava tão vermelho que pensei que ela fosse ter um ataque
a qualquer instante.
— A senhora pode trabalhar, ao invés de ser uma dondoca.
— Eu, uma senhora com idade, trabalhar? Você não tem pena de mim? — Vi os olhos de
minha mãe se encherem de lágrimas e senti uma pena que não queria sentir.
— Maju, por favor... — sussurrei, mas, por incrível que possa parecer, mesmo possessa,
ela me escutou.
— Você não pode estar concordando com tudo isso, não é, Ceci? Se aquele homem te
escolher, pode dar adeus ao casamento com o Bernardo.
Só de pensar no que ela disse meu coração já doía. Eu amava meu namorado, não podia
me casar com um estranho quase vinte anos mais velho que eu. Seria como me enterrar viva e
esperar pela morte.
— A solução pode ser você, querida — minha mãe sugeriu para Maju. —Pensa bem, sua
irmã se casa com o filho do diretor do hospital, que tem muitas posses, e você com Maximus, nos
garantindo as terras e dinheiro.
— Ouça o que está dizendo, está tentando vender suas duas filhas. Cecília quer se casar
com o namorado porque o ama, e eu jamais iria me casar com aquele velho escroto. Se ele pensar
nisso e tentar me obrigar, eu corto fora o pau minúsculo dele e fico viúva muito antes de formar
uma semana de casamento.
— Vocês não vão ter alternativa. Eu já marquei o jantar e ele vai acontecer — nossa mãe
disse e se virou, saindo da sala.
— Caralho! — Maju exclamou. Pegou um vaso acomodado em um aparador e jogou no
chão. Nem me espantava mais, sua fúria era disso pra pior, ela só parava por mim, mas eu não
tinha forças para isso.
Me permiti cair no choro, e Maju veio correndo para mim. Parou ao meu lado e me
abraçou apertado, passando as mãos por meus cabelos loiros.
Pensei que ela fosse atrás da minha mãe lhe dizer poucas e boas, contudo, deu
preferência para ficar comigo.
— Fica tranquila, Ceci. Ela só pode estar louca se acha que vamos aceitar isso.
— E o que vamos fazer? Se não aceitar, vamos morar onde? — Maju me virou para ela,
nossos olhos idênticos se encarando.
— Não pode estar levando em consideração essa loucura toda.
— Eu não sei mais o que pensar — disse, abraçando meu próprio corpo.
— É isso que vamos fazer: você vai se casar com Bernardo e ter a família que sempre
quis, eu vou continuar trabalhando e alugar um canto para mim.
— E nossa mãe, Maju?
Tinha raiva de mim mesma por sequer pensar no que seria de uma mulher que foi capaz
de vender uma das filhas só para não perder a boa vida.
— Ela que se foda! Agora vem, vamos ver o que ela comprou e fazer uma sessão de
filmes juntas. — Sorri com a sugestão.
Maju sempre tinha um jeito para fazer tudo ficar bem. Passamos pelos cacos do vaso no
chão e me deixei levar até a cozinha, a observando mexer nos armários.
O arrepio estranho passou por minha coluna e algo no meu íntimo sentia que nada ficaria
bem, mesmo com o plano de Maju.

Ao cair da noite, espreitei a sala em busca de que alguém estivesse acordado. Duvidava muito,
pois já passava das onze da noite, porém, não queria que alguém visse Bernardo entrando na casa
e indo para meu quarto àquela hora.
Eu poderia muito bem ter marcado mais cedo ou simplesmente desmarcado, já que o
clima não era um dos melhores, mas queria muito sentir seus abraços e beijos, e pensar que tudo
iria ficar bem.
Senti o celular vibrando e vi uma mensagem dele avisando que chegou. Saí de mansinho
e corri para seus braços assim que o avistei.
A noite estava linda, com o céu repleto de estrelas e a lua cheia em toda a sua glória nos
iluminando em um ambiente tão escuro. Era como um plano de fundo perfeito.
— Minha linda, o que houve? — Bernardo perguntou quando meu corpo estremeceu
por causa do choro. — Não me diz que isso tudo é saudade...
Soltei uma risadinha em meio as lágrimas e me afastei para observá-lo melhor. Era
impressionante como ele me fazia tão bem somente de estar perto.
— Tenho que te contar uma coisa, mas não aqui. — Peguei em sua mão e o levei para
dentro da minha casa.
Subimos as escadas devagar, tomando cuidado para não fazer barulho e para não cair. A
sala estava no mais completo breu, a única iluminação era da lua que passava pela fresta da
cortina da janela, no entanto, não era suficiente para tornar o ambiente iluminado.
Atravessamos o longo corredor de mãos dadas, nossos passos sendo abafados pelos
tapetes que minha mãe insistia em manter. Eles foram os responsáveis por manter o nosso
anonimato, já que o barulho dos tênis de Bernardo poderia ser ouvido.
— Isso me faz lembrar de quando estávamos no ensino médio, quando eu vinha dormir
aqui escondido — Bernardo sussurrou e eu sorri, mesmo que ele não pudesse ver.
Era automático, ele comentando foi o suficiente para recordar de uma época em que
tudo era muito simples, onde meu pai ainda estava vivo e meus problemas se limitavam a tirar
boas notas.
— Chegamos — sussurrei, entrando no quarto e fechando a porta assim que ele passou.
Bernardo sentou-se em minha cama e trouxe meu corpo para junto do seu. Minhas
pernas automaticamente encontraram cada lado do seu corpo, deixando que minha maciez se
encaixasse perfeitamente com sua rigidez.
Senti o calor que emanava dele passar para mim e suas mãos me tocando por todas as
partes. Passando por meus cabelos longos, pelas costas em uma carícia suave como o deslizar de
uma pena, até chegar em minha bunda, a apertando.
— Que saudade disso, de você — sussurrou em meu ouvido, mordendo minha orelha.
Meu sangue bombeava muito rápido por todo meu corpo, minha intimidade pulsava de
necessidade só de pensar em transar com Bernardo, entretanto, a promessa que fiz para meu pai
me travava.
Quando eu era mais nova, meu pai sempre me alertava que os homens não valiam nada
e só pensavam naquilo. Ele era muito protetor em relação a mim e minha irmã, e, como sabia que
tentar convencer Maju a fazer o que ela não quer era impossível, ele apelou para mim.
O sonho dele era me ver casando direitinho, pura, com um homem que me merecesse,
então me fez prometer que só me entregaria a uma pessoa que fosse digna de mim.
— Você vale ouro, Ceci.
— A Maju também, papai.
— Sim, mas você é romântica, meu bem. Os homens podem se aproveitar do seu bom
coração.
Escutar aquelas palavras me fazia lembrar de tudo o que prometi a ele. Com sua morte,
tudo tomou um significado maior.
Bernardo era o homem certo, finalmente, encontrei um homem digno de mim, e tão
cedo, meu primeiro e único amor. No entanto, as coisas seriam feitas da forma como planejei e
prometi.
Me afastei do seu toque e me sentei ao seu lado. Vi frustração e desejo em seu olhar,
mesmo em meio à escuridão.
— Desculpe, Bê — disse constrangida.
— Não, linda, não fala isso. Eu sei o que combinamos, só é difícil me segurar. Eu te amo
tanto. — Beijei seus lábios de leve e senti o peso do seu braço em meus ombros.
— Estamos perto. Quando nos casarmos, teremos todo o tempo do mundo. — Seus
olhos verdes brilharam na penumbra.
— Serei o homem mais feliz e completo do mundo.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, curtindo a companhia um do outro, até que
resolvi quebrar o silêncio e contar para ele sobre a conversa que tivemos mais cedo com minha
mãe.
Ele ficou chocado conforme eu discorria sobre o ocorrido, e bem nervoso com a hipótese
de eu ser escolhida.
— Não tem chance. Minha mãe até disse que a Maju faria isso e eu me casaria com você.
— Ceci, o cara vai jantar aqui, quem garante que ele escolherá a Maju? — ele disse,
incrédulo. — Seria como escolher o espinho ao invés da rosa.
— Ei, é da minha irmã que está falando. — Soquei seu braço de brincadeira.
— Mas é a verdade — disse, esfregando o braço e fingindo sentir dor.
Beijei seu rosto e me aconcheguei em seus braços. Queria me fundir a ele, esquecer de
todos os problemas, fugir, sumir.
— Não se preocupe, não há chances de que eu me case com ele.
— Eu não vou deixar, Ceci. — Bernardo deixou um beijo no topo da minha cabeça.
Meu coração falhou uma batida, fechei os olhos, satisfeita e sendo tomada por uma paz
única. Com ele, tudo ficaria bem.
Capítulo 5
Cecília

A contragosto, Maju e eu, ficamos para o jantar. Segundo minha irmã, ela tinha um plano
para fazer o senhor Maximus desistir dessa ideia idiota. Esperava, de verdade, que funcionasse.
— Eu vi o Bernardo saindo do seu quarto — Maju sussurrou baixinho. — Não tente negar
— acrescentou, antes mesmo de eu abrir a boca.
Não sabia como ela havia visto, já que eu tinha tomado cuidado para que isso não
acontecesse.
— Pelo visto, me vigiar continua sendo seu hobby preferido — argumentei ácida.
— É divertido fofocar a vida alheia. — Revirei os olhos.
— Você deveria ter uma vida própria.
— Eu tenho, mas ela é enfadonha no quesito amoroso. Então, me contento com a sua.
— Deu de ombros como se não fosse nada demais ela espionar minha vida. — Por que você não
transa logo com ele? — Me engasguei com a saliva, e ela bateu em minhas costas para me ajudar.
— Poderia avisar antes, quando fosse dizer uma besteira dessas — sugeri, ainda me
recuperando.
— Aí perderia toda a graça de ver a cara que você faz. — Fez uma pausa e completou: —
Mas falando sério, por quê? — Bufei.
Não estava a fim de falar sobre minha falta de intimidade com Bernardo naquele
momento, no entanto, se eu não abrisse a boca, certamente não me deixaria em paz.
— Eu não sinto que é o correto. — Maju revirou os olhos.
— Ainda é por causa do que prometeu ao nosso pai? — Assenti. — Qual é, Ceci?! Vai
deixar de aproveitar e sentar um pouco, só porque nosso pai te fez prometer algo sem pé nem
cabeça?
— Não é essa a questão — rebati.
— Então Bernardo não é o certo — sugeriu.
— Como pode dizer uma coisa dessas? Estamos juntos desde sempre — comentei,
incrédula.
— Isso pode acontecer, Ceci. Estar com um cara que achamos que é para vida, quando,
na verdade, não é. Se fosse, você já teria dado — disse com bom-humor, me fazendo dar um tapa
em seu braço.
— Vontade não me falta, só não me sinto pronta — informei.
— Ah, então esse sim é um motivo sólido. — Cedeu por fim, encerrando aquele assunto
cabeludo e indigesto.
Nossa mãe andava de um lado para o outro, impaciente, dando ordens para tentar
impressionar aquele homem asqueroso.
— Ele não tem nem consideração, está atrasado — Maju comentou.
— Bernardo está com medo de que ele me escolha — admiti para ela ao tocar no assunto
“Maximus”.
— Isso não vai acontecer, Ceci. Antes eu coloco veneno no vinho dele.
— Espero que seu plano dê certo. Não quero imaginar uma de nós sendo escolhida.
— Vai dar. E se ele ainda insistir, é só nós negarmos.
— Daí vamos ter que morar na rua. Soube que mamãe fez mais uma conta para esse
jantar. Já estamos na merda.
— À essa altura, eu prefiro que ele compre as terras do que essa ideia maluca.
— Tenho medo, pois não sei se tenho coragem de recusar, caso ele me escolha, não
quero fazer isso e deixar vocês na pior. — Maju segurou minhas mãos e sorriu.
— Vai se casar com o Bernardo e ter o que sempre quis, Ceci — disse em tom
encorajador. — Não vou aceitar que abra mão de ser feliz para ser altruísta.
Uma paz tomou conta de mim e procurei confiar no que ela me dizia. Ter fé era a única
coisa que nos restou.
— Ele chegou. Droga, o desgraçado é um tremendo gostoso, tenho que admitir.
Vi quando Maximus passou pela porta de nossa casa. Alto, imponente, viril, ele
realmente era um belo espécime de homem.
Eu achava Bernardo lindo, com sua beleza jovem, cabelos escuros e olhos verdes
brincalhões. Porém, Maximus parecia estar em outro patamar de beleza.
Com os cabelos claros e olhos azuis, ele lembrava os anjos pintados em quadros. Muitas
pessoas poderiam se enganar com a aparência angelical, contudo, eu sabia que Maximus era
como lúcifer. Belo, mas não deixava de ser um demônio.
Ele estava vestindo uma blusa de linho branca, com os punhos virados até os cotovelos,
a roupa evidenciando músculos sobressalentes. Calça jeans, o que dava um ar casual ao restante
da vestimenta, e sapatos sociais. Seus cabelos claros estavam penteados para trás lhe dando um
ar sofisticado.
Sua barba por fazer era da mesma tonalidade que seus cabelos, e seu queixo era
perfeitamente assimétricos em conjunto com todo seu rosto.
Maximus cumprimentou minha mãe com um aperto de mão e sorriso contido dirigido
para ela. Um gesto que me fez sentir coisas estranhas.
— Prepara, Ceci, vamos enfrentar o leão.
Maju enganchou o braço no meu e me puxou em direção à minha mãe, Maximus e mais
um homem que nunca vi na vida.
Dona Suzana sorria, tentando nos encorajar a sermos simpáticas e comentou algo com
Maximus, o que o fez virar em nossa direção.
Quando seus olhos azuis cravaram nos meus, senti a mesma sensação de quando escutei
sua voz no enterro do meu pai. Era inquietante e, por mais que eu tentasse desviar o olhar, não
conseguia. Me sentia como uma mariposa atraída para a chama.
— Senhor Maximus, essas são minhas filhas: Maria Júlia e Cecília.
— É um imenso prazer — ele disse, pegando em minha mão e depositando um beijo.
Meu rosto estava pegando fogo e minha pele formigava no local. Retirei minha mão da
sua rapidamente, antes que ele percebesse o que causou em mim.
Quando Maximus tentou fazer o mesmo com Maju o efeito não foi igual. Minha irmã se
recusou a cumprimentar Maximus, deixando um clima desconfortável.
— Se não for ofensivo, prefiro manter um total de zero contato — Maju ronronou
docemente.
— Minha filha, por favor... — Mamãe tentou intervir.
— Tudo bem, Suzana, não vamos deixar o bom ambiente acabar com isso.
— Destruir ambientes bons é o meu departamento. — Antes que nossa mãe pudesse
dizer algo, Maju acrescentou: — Vamos comer, estou morrendo de fome.
— Ah sim, claro. Fiz porco assado, espero que goste — ela disse sem graça e tentou sorrir
para Maximus.
Minha mãe estava agindo de uma forma deplorável. Era ridículo como tentava agradar
aquele homem.
— A senhora aprendeu a cozinhar de ontem para hoje, mamãe? Porque até o dia
anterior, quem cozinhava por aqui era Miriam — Maju disse rindo.
Contive minha vontade de rir e me sentei em uma cadeira. Quase tive um ataque quando
Maximus sentou-se ao meu lado. O que ele pretendia com isso, afinal?
— Não seja grosseira, Maria. Foi modo de falar, quem fez foi Miriam.
— E então, Senhor Maximus, como anda sua fortuna, muito com o que gastar?
O homem que veio com ele, até então calado, se engasgou e quase cuspiu o gole de
vinho que tinha tomado.
— Isso não é pergunta, Maria — nossa mãe disse, encabulada.
— Só curiosidade. Já que se ele me escolher preciso saber o quanto vou ter disponível
— Maju falou, passando o dedo pela borda da taça de vinho.
Olhei de relance para Maximus e vi que sua expressão continuava imperturbável. Nada
do que minha irmã dizia surtia efeito para alguma reação.
— Tenho o suficiente para pagar as dívidas que sua família tem, investir em suas terras,
até o presente momento inférteis, e para três futuras gerações — ele rebateu calmamente.
— É isso que acha? Que precisamos de você? Que é nossa única solução? Pois escute
bem, senhor, nunca irei me casar com você e nem permitirei que minha irmã faça o mesmo. Caso
ainda insista nessa loucura, terei o prazer de cortar fora suas partes baixas.
E com esse discurso, Maju saiu, deixando todos, menos Maximus, chocados. Ele tinha
um meio sorriso em seu rosto, mas fora isso, nada. Ele nem se abalou com a ameaça de minha
irmã.
— Me desculpe, senhor. Minha filha está louca. — Revirei os olhos para minha mãe e fui
atrás de Maju.
A encontrei no quarto tendo um ataque. Ela estava no limite lá embaixo, se segurou bem
para não surtar assim na frente de Maximus.
—Ei, mana, para com isso. — A abracei por trás antes que ela quebrasse o abajur do
quarto em pedacinhos.
— Ele não vai se casar com você, eu não vou permitir isso. — A larguei e fiquei de
frente para ela.
Seus olhos estavam nublados de ódio. Minha irmã tinha um sério problema para
controlar sua raiva e podia ser agressiva com quem a deixava assim.
— Do que está falando, Maju? Ele nem disse nada sobre isso. Não escolheu.
Ela respirou fundo e fechou os olhos, quando os abriu, segurou minha mão e me levou
até sua cama. Nos sentamos e seu olhar, mais brando, se fixou em mim.
— Eu sei que ele já escolheu. Soube assim que pôs os pés dentro da casa. A forma como
te olhou não me deixou dúvidas, é você que ele quer.
Senti aquele característico arrepio na espinha, o sinal de que a merda ia feder, e logo, e
não gostei nadinha de sentir isso.
— Você pode estar errada — sussurrei, mal reconhecendo a minha voz.
— Pode parecer loucura, mas senti o que rolou na troca de olhares entre vocês.
— Não houve troca alguma. — Larguei sua mão com raiva. — Eu amo o Bernardo.
— Tudo bem, não disse que não ama, mas eu vi como olhou para ele.
— Como olharia para qualquer homem bonito, normal. — Dei de ombros.
Era um absurdo minha irmã achar que rolou algum tipo de química bizarra entre mim e
Maximus.
— Olha, Ceci, perdão, não quero te deixar irritada. O ponto aqui é que eu vi que ele vai
te escolher. Você é a mais dócil entre nós, ele vê isso como uma vantagem. É linda, muito mais do
que eu...
— Não é nada disso — falei, a interrompendo.
— Ceci, você é linda, doce, meiga, qual homem que não iria te querer?
— Você também é.
— Sou maravilhosa, mas não sou doce e meiga, muito menos romântica.
— Homens detestam mulheres românticas, menos o Bernardo, ele me ama assim. —
Sorri e Maju devolveu o sorriso.
— De qualquer forma, eu vi como ele te olhou. Estava bem interessado em você, por
isso, surtei — Maju admitiu.
A abracei e ela envolveu seus braços na minha cintura. Ficamos assim por alguns
minutos, como se uma fosse o bote salva-vidas uma da outra. Ela acariciava meus cabelos, me
fazendo sentir paz.
— Você vai se casar com quem quiser, não com ele.
— Eu não quero deixar vocês sem nada. Quero que fiquem bem.
— Eu vou fazer uma proposta para ele. Não é só minha mãe que tem poderes sobre as
terras.
Me afastei um pouco e a olhei, confusa.
— E se ele insistir com a ideia?
— Então você foge com o Bernardo, ele não vai ter alternativa a não ser comprar a
fazenda pelo preço que eu estipular, porque casar com ele eu também não vou.
— Espero que dê tudo certo — sussurrei baixinho e estremeci, não sabendo dizer se o
frio que eu sentia vinha de fora ou de dentro de mim.
Capítulo 6
Max

Amassei o papel e joguei fora com raiva. Mais um aviso e eu não fazia ideia de quem era.
No entanto, de uma coisa sabia: iria matar quem estivesse fazendo isso.
— Chame o Xavier, rápido — eu disse em tom duro.
O peão saiu correndo como se algum demônio estivesse o perseguindo, mas eu não o
culpava.
Estava com tanta raiva que seria capaz de matar essa pessoa que estivesse me
desafiando, com minhas próprias mãos.
— Já estou sabendo do ocorrido — Xavier comentou, entrando em minha sala alguns
minutos depois.
— Por que não me contou do roubo do gado, Xavier? — Fechei os punhos para me
controlar, mas estava sendo um processo cada vez mais difícil.
Já era terceira vez que meu gado era roubado bem debaixo do meu nariz. Não era uma
criança, sabia que quem estava praticando o roubo vinha de dentro.
Eu tinha muitas cabeças de gado, contudo, isso não significa deixar passar despercebido
três roubos seguidos.
— Não queria te preocupar. — Me levantei e bati o punho na mesa.
— Eu tenho que saber de tudo nessa porra, a fazenda é minha!
— Fica tranquilo. Já tomei providências para que isso acabe, ou que ao menos, possamos
pegar quem esteja praticando os roubos.
Passei a mão por meus cabelos. Odiava me sentir de mãos atadas, queria resolver pra
ontem esse problema, não ter que esperar.
— Eu não quero ter que receber outro bilhete desses me pedindo dinheiro. Sou roubado
e ainda querem me extorquir!
— Pode ser a mesma pessoa que esteja roubando, te pedindo dinheiro. Não seria válido
entregar para a polícia? — Neguei com a cabeça. — Poderíamos fazer uma armadilha juntamente
com a força policial e pegar quem quer que esteja fazendo isso.
— Tornar público pode abrir brechas. Mais pessoas como essa podem pensar que existe
uma fraqueza nas minhas terras. Por enquanto, quero isso fora dos limites da justiça.
— Compreendo. Mas não seria o caso de colocar mais segurança em torno da casa?
Me sentei de novo e pensei na proposta de Xavier.
— Ainda não, só em torno das terras. Quero todos armados e quem ousar entrar, pode
dar a ordem de atirar sem pensar duas vezes.
— Max, isso pode te trazer complicações — Xavier ponderou. Cruzei os braços e fechei
a cara.
— Só faça, Xavier. Pensarei a respeito da segurança em torno da casa quando minha
noiva chegar.
A palavra “noiva” soava estranha em meus lábios. Pela primeira vez em todos esses anos,
iria me comprometer com alguém ao ponto de casamento.
— Suzana me mandou uma mensagem perguntando a respeito da festa de casamento.
— Bufei.
— É mesmo necessário isso? Que palhaçada — afirmei, juntando os papéis das contas
mensais, coloquei em uma pasta e entreguei para Xavier.
— Você é o solteiro mais cobiçado da cidade, Max, uma festa de casamento será um
evento, tem que ter.
— Faça o que achar melhor. Não quero tomar meu tempo com essa palhaçada. Os papéis
já estão prontos para Suzana assinar?
— Quase.
— Ela já contou para a moça que a escolhi?
— Sim. Acho que fez uma escolha acertada. Além de ser uma moça muito bonita,
também é bem-educada. — Assenti. Xavier saiu, me deixando sozinho com meus pensamentos.
Desde que entrei na casa e pus os olhos em Cecília, meu sangue ferveu. Com uma
postura submissa, voz suave e olhos doces, minha escolha foi de imediato. Ela seria a esposa
perfeita para mim.
Minha mente corria acelerada com imagens de seu corpo pequeno envolto naquele
vestido verde que usava. As curvas acentuadas e voluptuosas marcadas pelo tecido da roupa.
Meu pau latejou em resposta ao pensamento de foder a garota loira e gostosa. Eu só
conseguia pensar em seu corpo embaixo do meu, seus cabelos espalhados no travesseiro e sua
boca rosada gritando meu nome e pedindo por mais.
Ajeitei meu pau na calça e bebi um gole do vinho que estava em cima da mesa. Fazia
muito tempo que não pensava em sexo dessa forma.
Eu era um homem prático. Quando queria transar ia lá e fazia, de preferência com
Helena, uma amiga de longa data.
Meu lance com Helena era algo bem simples, fodíamos quando não tínhamos mais
opções. Era algo de muito tempo, desde quando seu marido era vivo.
Após a morte dele, Helena tentou me levar ao matrimônio de todas as maneiras,
contudo, eu não conseguia a enxergar com minha esposa. Se ela traía o marido comigo, poderia
muito bem me trair com outro homem qualquer.
Meus pensamentos foram interrompidos quando meu celular vibrou em cima da mesa,
indicando a chegada de uma nova mensagem.
O peguei, abri o aplicativo e vi que era de Xavier. Bufei com o conteúdo.
Era o número de Cecília e um incentivo para que eu a convidasse para um jantar. E mais
essa agora.
Mandei um emoji com o dedo do meio para ele e fechei o aplicativo. Se bem que não
era uma má ideia a chamar para um jantar para conhecê-la melhor. Apreciar sua companhia com
um bom vinho, longe da língua afiada da irmã, era um cenário cada vez mais convidativo.
Antes que minha consciência pudesse me frear, mandei o convite para a moça, me
identificando e com um pedido imperativo a mandando salvar meu contato. Fechei o aplicativo
mais uma vez e me pus a esperar.

— Você não pode entrar assim, mocinha. — Escutei ao longe a voz de Tereza.
— Não tem necessidade de me anunciar para o troglodita do seu patrão.
Não foi preciso esperar por muito tempo. Uma massa de cabelos castanhos e olhos
claros flamejantes apareceu em minha sala de estar. A moça estava com as mãos na cintura, o
rosto vermelho e quase ao ponto de agredir alguém que ousasse chegar perto. Tereza estava logo
atrás com uma expressão zangada.
— Posso saber o que significa isso? — questionei, largando minha taça de vinho.
— Me desculpe, meu menino. Natália abriu para essa moça que disse que o senhor a
esperava.
— Tudo bem, Tetê. Só mande Natália vir aqui depois. Ela não pode deixar qualquer uma
entrar assim. — Tereza assentiu e saiu da sala. — O que disse a Natália para que te deixasse
entrar? — perguntei, me virando para Maria Júlia.
— Não interessa o que eu disse! E ser sonso não combina com o senhor. — Minha
sobrancelha se arqueou por sua ousadia.
Desde a primeira vez que Maria Júlia abriu a boca, a achei irritante e mal-educada. Nunca
que a minha escolha seria ela. Seria um trabalho totalmente desnecessário, ao qual não estava
disposto a ter.
— A mocinha entra em minha casa, sem ser convidada, engana uma funcionária, me
acusa de algo que não sei e ainda me ofende? — perguntei em tom de escárnio.
— Podemos ser diretos? Tenho um assunto para tratar com o senhor.
Respirei fundo e limpei minha testa com um lenço que Tereza sempre mantinha para
mim.
Minha vontade era chamar algum peão e a expulsar, porém, estava curioso para saber o
que queria.
— Vamos conversar para que eu possa me livrar de sua presença indesejada.
— Digo o mesmo sobre o senhor.
Fiz um sinal para que me seguisse até meu escritório, e ela me seguiu sem nem ao menos
retrucar. Um progresso.
— Vá direto ao assunto, senhorita Almeida — disse, me sentando e fazendo um sinal
para que fizesse o mesmo.
Maria Júlia dispensou a cadeira à minha frente e preferiu se manter de pé.
— Dispenso. Quero perguntar o que tinha na cabeça ao chamar Cecília para jantar? Ficou
louco?
Juntei as mãos e apoiei o queixo nelas. Essa garota irritante era uma vespa, o que ela
tinha a ver com meus assuntos com sua irmã?
— Estamos noivos, caso não saiba, acho normal convidar sua irmã para jantar e a
conhecer melhor.
— Estão noivos coisa nenhuma. Isso tudo é uma fraude vinda do senhor e de minha mãe.
Busquei toda a minha calma interior. Eu já tinha idade suficiente para controlar meu
temperamento, não podia agir como uma pessoa da idade de Maria Júlia, que se descontrolava
por nada.
Era impressionante como duas irmãs podiam ter personalidades tão diferentes.
Enquanto Cecília era doce e tranquila, Maria Júlia tinha língua afiada e era irritante.
Além do mais, as diferenças não paravam por aí, até em características físicas a duas não
podiam ser mais diferentes. Cecília tinha cabelos loiros compridos e naturais, era baixinha e cheia
de curvas. Já a irmã mais velha era alta, com cabelos curtos castanhos e estrutura óssea magra.
A única semelhança eram os olhos de um tom de azul bem clarinho, como águas
cristalinas, muito diferentes dos meus que eram de um azul mais profundo.
Uma era a cópia da mãe, a outra do pai, contudo, ambas com a cor dos olhos de Jorge.
— Você querendo ou não, eu vou me casar com sua irmã.
— Só por cima do meu cadáver — ela disse, pondo as mãos na mesa e me enfrentando.
— Seria um imenso prazer passar por cima do seu cadáver — rebati, me divertindo em
a deixar puta.
— O senhor não se enxerga? Cecília tem idade para ser sua filha, arrume uma mulher
que seja mais compatível com o senhor.
— Cecília não é uma menina e a acho a mulher perfeita para mim — falei com convicção.
Não tinha absoluta certeza de minha afirmação, mas eu queria Cecília. O desejo que
estava sentindo por ela me consumia desde que a vi pela primeira vez.
Não precisava saber se nossas personalidades eram compatíveis, já que meu intuito com
ela seria o mínimo de interação.
— Compre a fazenda, posso convencer minha mãe a vendê-la. Só não faça isso com a
Ceci. Ela namora o Bernardo desde o ensino médio, sonha em casar-se com ele, tente ser um ser
humano decente ao menos uma vez na vida e a liberte desse compromisso — implorou.
O discurso de Maria Júlia não me fez sentir pena, muito pelo contrário, só me fez sentir
raiva e o desejo de saber quem era o tal sujeito.
Tinha aprendido com meu pai que ser legal e sentir pena dos outros só nos tornava mais
fracos, pois pessoas más intencionadas poderiam usar isso a seu favor.
— Terei o benefício da fazenda, será tudo meu de qualquer forma se eu me casar com
sua irmã, por ser marido dela, e ainda terei a cama aquecida por Cecília — murmurei com um
meio sorriso.
— Olha, senhor Rodrigues, faço um último apelo. Eu proponho a troca, eu fico no lugar
da minha irmã — sugeriu como uma última carta na manga, me deixando surpreso.
A olhei com respeito, ela estava disposta a trocar com a irmã, tudo para não ver a mais
nova infeliz. Porém, mesmo sendo uma atitude louvável e bastante altruísta, eu estava decidido.
Eu não queria mais comprar a fazenda, a teria de qualquer maneira, queria me casar com
Cecília e ter os benefícios de marido e futuro dono das terras.
— Acho louvável o que tenta fazer, mas eu não sinto nada pela senhorita. Não tenho
paciência para seu temperamento e descontrole.
Os olhos de Maria Júlia chisparam de raiva e me preparei, caso ela usasse algo para me
atacar.
— Pois muito bem. O senhor quis assim, vai conhecer o meu lado venenoso.
Ela se virou e se preparou para sair, mas parou quando me ouviu chamar seu nome.
— Estou acostumado a lidar com cobras, mas sabe como tiramos o veneno delas?
Arrancando suas presas.
Maria Júlia bateu a porta com força, me deixando em um silêncio confortável. Não tinha
medo dela, era uma menina querendo bancar a durona. Eu já enfrentei coisa pior para me deixar
amedrontar por ameaças tolas.
Peguei meu celular e liguei, esperando que Xavier atendesse logo. Quando ele o fez, fui
rápido e direto.
— Descubra quem é Bernardo.
Desliguei sem mais delongas e passei para Suzana, queria jantar com Cecília hoje mesmo.
Capítulo 7
Cecília

Olhei a hora no celular pela quinta vez. Bernardo estava atrasado para o nosso encontro,
justo hoje que precisava muito falar com ele.
Desde que minha mãe anunciou que Maximus me escolheu, eu estava em parafuso.
Maju até tentou resolver indo até ele e lhe oferecendo outras propostas, mas foi em vão.
Depois da mensagem que recebi, estava na cara que ele não ia desistir. O jeito seria o
plano B, e para isso o Bernardo tinha que ficar sabendo.
— Ei, linda, desculpa o atraso, tive um imprevisto no hospital. — Descartei o pedido com
um aceno de mão.
— Precisamos conversar urgentemente.
— Esse seu tom está me assustando. O que é tão urgente que não pode me contar por
telefone?
Parei de roer a unha e comecei a falar sem parar, contando tudo o que tinha acontecido
desde o jantar até a mensagem de Maximus. Quando finalizei, me sentia vazia, no entanto,
aliviada por finalmente dividir isso com ele.
— Diga alguma coisa, Bê — falei incisiva, após alguns segundos de silêncio.
— Eu sabia, eu sabia. Era óbvio que ele não ia escolher a Maju, sem ofensas... —
Bernardo passou a mão por seus cabelos escuros, o deixando bagunçados.
— Olha, Bê, fica calmo. De surtos já basta os meus.
— Como quer que eu fique quando tem um homem que está noivo da mulher que amo?
Mordi o lábio, apreensiva. Não sabia como responder a ele de uma forma que fosse o
tranquilizar.
— Maju tem um plano, pode dar certo. — Bernardo segurou em minhas mãos com uma
expressão suplicante.
— Tem que dar, não posso imaginar minha vida sem você.
Beijei seus dedos e sorri.
— Eu também não. Não é uma solução fácil, amor, mas não temos muitas opções.
— Quais temos?
— Maju deu duas opções: a primeira é que seu pai compre nossas terras. Ela tentou
vender para Maximus, mas ele preferiu dar continuidade ao casamento.
— Essa não é uma opção válida. Meu pai teve alguns prejuízos com investimentos
errados. Depender dele para comprar as terras não é uma opção — ele disse, derrotado.
— Tá bem, então só nos restou a fuga.
Bernardo me fitava. Vi em seus olhos que analisava a opção. Não tinha muito o que
pensar, era isso ou me ver casando com aquele homem.
— Bê, não vai ser fácil, e vou entender se não quiser fugir comigo, mas é nossa única
chance.
— Me deixa assimilar, Ceci, me pegou de surpresa. Não entendo por que tem que se
casar com ele.
— Não vou deixar Maju e minha mãe morando na rua.
— Mas se fugirmos, elas vão, porque você não vai estar aqui. — Neguei com a cabeça.
— Maju deu opções para ele de se casar com ela ou comprar as terras, que era seu plano
inicial. Acredito que comigo fora da jogada, ele vai aceitar uma das opções, já que quer tanto
aquele lugar. Olha só, Bernardo, se não quer fugir comigo diga logo e volto para casa...
— Não, não, amor. Peço perdão se meu silêncio te deu a entender isso. Só estou
atordoado com tudo.
Bernardo me trouxe para junto de si, me envolvendo em seus braços, me dando o
conforto que precisava.
Por um segundo, fiquei com medo de ele não querer fugir e eu ter que me casar com
Maximus, porque estava disposta a fazer o sacrifício por quem amava.
— Não vou deixar que se case com ele. Vamos fugir. — Me afastei para olhar em seus
olhos.
— Maju disse que podemos ir para o Rio de Janeiro, depois seguir para outro lugar. —
Ele assentiu.
— Tenho umas economias no banco. Podemos procurar trabalho.
— Você é o melhor namorado do mundo. Sei que o que estou te pedindo não é fácil.
Que vou ter que trancar a faculdade e deixar para trás tudo o que conhecemos e...
— Shiii... — ele disse, pondo o indicador em meus lábios. — Não vai ser fácil, mas vamos
estar juntos e é o que importa.
Me aproximei dele ainda mais e encostei minha boca na sua em um movimento suave.
Nossos beijos sempre eram repletos de carinho, amor e um desejo velado, cheio de promessas
escondidas.
— Tenho que voltar. Preciso me arrumar e ir ao encontro de Maximus — eu disse, me
afastando dele e pondo uma mecha por trás da orelha.
— Caralho, Ceci.
— Amor, não podemos dar na pinta. Eu vou, serei simpática e nada mais. Se minha mãe
desconfiar que pretendo fugir, ela vai tentar intervir. — Bernardo suspirou.
— Eu sei, mas isso não torna tudo mais fácil.
Passei a mão em seu rosto, decorando cada linha dele. Seus olhos verdes como grama
recém-cortada, cabelos espessos e escuros, tão macios que deslizavam por meus dedos como a
mais fina seda. E uma boca maravilhosa que me diziam as coisas mais belas e fornecia beijos
enlouquecedores.
O que ele estava fazendo por nós era uma grande prova de amor. Assim que
chegássemos ao Rio, iria me entregar a ele como sua mulher. Não era necessário um pedaço de
papel para formalizar o que eu já pensava.
Na situação que me encontrava, não fazia mal quebrar a promessa que fiz ao meu pai.
Não teria como pensar em ter um casamento, se não teríamos condições para isso. Além do mais,
Bernardo já se mostrou ser digno do meu coração e do meu corpo.
Fugir para outro estado e recomeçar do zero era uma prova de que ele me queria para
uma vida toda.
— Maju me disse que uma semana é o tempo ideal para ajeitarmos tudo.
— Perfeito. Vamos mantendo contato. — Bernardo me deu mais um beijo rápido e foi
embora.
Liguei para Maju e disse para ela me buscar, pois não queria deixar o senhor Maximus
esperando.
Iria jantar com ele e seria agradável, sabendo que meu futuro não seria com esse
homem.

Remexi as mãos, nervosa, e já era a quinta vez que procurava tirar vincos inexistentes
em meu vestido roxo.
A noite estava quente, o céu repleto de estrelas e o único som que podia escutar era de
grilos cantando.
— Vai dar tudo certo, Ceci. Só finja interesse e seja simpática. — Assenti, mal assimilando
o que Maju falava.
Quando vi um carro de aparência cara e da cor preta virando a esquina, soube que minha
companhia para o jantar havia chegado. Minhas mãos suavam e tive que as enxugar no tecido do
vestido. Passei uma mecha de cabelo por trás da orelha e respirei fundo, era o momento de ter
forças.
— Fique firme, Ceci. — Maju se despediu, deixando um beijo em minha bochecha e
voltando para casa.
O carro estacionou e tive vontade de sair correndo como uma garotinha assustada para
perto de minha irmã.
Maximus saiu em toda sua imponência, trajando uma blusa de linho ensacada em uma
calça social e botinas marrons. Seu cabelo não estava penteado como da outra vez e balançava
com a brisa quente que soprava.
Ele era mesmo muito bonito e tinha um apelo sexual inegável, porém, não procurei focar
muito em sua beleza, e, sim, no fato de que estava ali como uma personagem, não para exaltar
os pontos positivos em sua aparência.
— Está mais linda do que me lembrava — Maximus disse, pegando em minha mão e
deixando um beijo demorado.
Seus lábios macios causando as mesmas sensações como da outra vez e me obrigando a
quebrar o contato rapidamente.
Seus olhos me percorriam de cima a baixo, analisando cada ponto de minha aparência,
desde meu vestido justo roxo, enaltecendo cada curva que eu tinha, até minhas sandálias de salto.
Obviamente, não fiquei de sua altura, pois ele era muito alto, contudo, os saltos me
ajudavam a não me sentir como uma criança.
Senti minhas bochechas corarem pela análise que fui submetida e agradeci por estar
escuro e ele não poder ver o que acontecia comigo.
— O-obrigada — agradeci, e um meio sorriso surgiu em sua boca, me deixando sem
graça.
Ele abriu a porta do passageiro para mim e fechou quando me instalei e prendi o cinto
em meu corpo.
— Tereza está fazendo um jantar delicioso para nós. — Minhas sobrancelhas se uniram.
— Quem é?
— É minha governanta, mas a considero como se fosse minha mãe. — Assenti,
percebendo como ele demonstrava carinho por essa mulher.
Isso dizia muito sobre ele. Então não era só um homem desprovido de sentimentos como
muitos achavam. Pelo menos, não com aquela mulher em especial.
— Pensei que fôssemos jantar em algum restaurante — comentei.
Apesar de apreciar uma boa comida caseira, não me apetecia a ideia de jantar na casa
dele, a sós, como se tivéssemos algum tipo de intimidade.
— Mudança de planos. A notícia do casamento ainda não vazou e não quero que os
abutres midiáticos fiquem em cima de mim, ou de você.
— Compreendo.
Por não ter muita intimidade com Maximus, às vezes, esquecia que ele era uma pessoa
pública. Um empresário do ramo agropecuário de muito sucesso e com muita influência por todo
Goiás.
Pelo que fiquei sabendo através de fofoca da cidade, ele ampliou o império do pai o
levando para outros estados. Pegou um negócio que se limitava a um estado e ganhou o Brasil.
— Quero que fique bem à vontade. Esse jantar é para que possamos nos conhecer
melhor e nos entendermos. Sei que deve ser difícil para você ter terminado seu namoro.
Não disse nada, apenas assenti. Não queria que ele falasse sobre Bernardo. Eu era uma
péssima mentirosa e se ele me pressionasse muito, ou prestasse atenção, na certa saberia o que
estava aprontando.
Ficamos no absoluto silêncio até chegarmos na Fazenda Boa Esperança, uma estimativa
de quase uma hora, e agradeci aos céus, pois já estava vendo a hora do meu disfarce ser
descoberto.
— Chegamos. — Ele saltou e esperei pacientemente que viesse abrir minha porta, e
assim o fez.
O lugar era enorme, superava em tudo as terras do meu pai e me fazia questionar o que
um homem como aquele queria com um pequeno grão de areia, se ele já tinha o deserto todo.
Com terras a se perder de vista, era possível ver diversas casas menores ao longe, um
estábulo e uma piscina logo à frente.
Tudo naquele lugar era de grandes proporções, e isso porque só vi uma pequena faixa
de terras. Sabia que o local que estava era somente um pedaço de um grande bolo.
Minha vontade era de perguntar o porquê de tantas casas menores. Mas perguntar
configurava interesse e isso era tudo o que eu não queria demonstrar.
Paramos em frente à uma gigantesca residência e fiquei admirada. Em questão de
tamanho, não poderia nem ser comparada com a casa em que eu morava.
Quando entramos na casa fiquei encantada pela decoração luxuosa. O salto de minhas
sandálias fazia barulho no piso feito de assoalho de madeira integrados em mosaicos de figuras
geométricas. Paredes em branco somente ornadas por pinturas e quadros.
Os móveis também eram brancos, como as paredes, e de muito bom gosto. Um sofá
enorme, almofadas fofinhas e uma televisão pregada na parede como se fosse uma obra de arte.
Somente a mesa de centro, entre os sofás, eram de madeira. Com certeza, toda a decoração foi
feita por um especialista.
A sala estava impregnada por um cheiro delicioso. Não sabia identificar o que estava
sendo feito, pois o cheiro de temperos eram diversos.
— Fique à vontade, vou ver com Tereza se o jantar está pronto. Ela está ansiosa para te
conhecer — Maximus disse, sorrindo.
Me forcei a sorrir, quando tudo o que queria era vomitar. Eu não queria ter vínculo
nenhum com ninguém da casa e, conhecer a que era considerada como segunda mãe dele, seria
exatamente isso.
Respirei fundo, disposta a aturar toda aquela tortura. Um passo em falso e colocaria tudo
a perder.
Fique firme. Disse para mim mesma, me enchendo de energia para enfrentar o que
viesse.
Quando Maximus voltou, anunciando que a refeição já estava sendo servida e me
levando para uma sala de jantar, uma força inacreditável se apossou do meu corpo.
Iria lutar, não cederia e muito menos me curvar ao bel prazer de Maximus Rodrigues de
Albuquerque.
Ele que esperasse, logo teria uma surpresa.
Capítulo 8
Max

Escutei o som dos saltos de Cecília atrás de mim enquanto a conduzia até a sala de
jantar.
Fiquei satisfeito ao vê-la impressionada pela quantidade de comida que Tereza e mais
duas moças da cozinha fizeram.
Como não sabia dizer o que Cecília gostava, pedi para Tetê fazer de tudo um pouco, o
que resultou em uma mesa farta e repleta de opções.
— Ai, caramba, tem certeza de que só nós dois vamos comer? — perguntou com a
sombra de um sorriso em seu rosto.
Assenti, a observando. Ela era mesmo impressionante.
— Como não sabia do que gostava, pedi para que fizessem de tudo um pouco.
Puxei a cadeira para ela se sentar e, quando estava confortável, fui para a cadeira ao lado
e me sentei.
Na mesa tinha Empadão Goiano, Panelinha, uma espécie de risoto rústico, Arroz com
Pequí, Galinhada e Carne com quiabo.
— Tudo parece estar delicioso — Cecília respondeu com os olhos brilhando para a
comida.
— E tem mais, Tereza me disse que de sobremesa tem doce de goiaba. Está saindo já, já.
— Cecília assentiu e começou a servir sua comida.
Fiz o mesmo e, como ela, peguei um pouco de cada prato. A comida de Tetê era
maravilhosa. A galinhada, então, um manjar dos deuses.
Servi um pouco de vinho para mim, enquanto, ela se servia de um pouco d’água. Não
iria abusar muito do álcool, pois tinha que levá-la em casa.
— Posso fazer uma pergunta ao senhor? — ela disse, tomando um gole de água.
— Claro. — Limpei a boca no guardanapo e aguardei.
— Por que a necessidade de se comprar uma noiva? O senhor é um ótimo partido, todas
as mulheres da cidade se jogam para cima do senhor e estariam dispostas a fazerem o que
quisesse.
— Em primeiro lugar, eu não comprei a senhorita, foi um acordo de negócios. E em
segundo lugar, eu não me interessei por nenhuma dessas mulheres que mencionou. — Dei de
ombros.
— Então sou só um acordo de negócios? — questionou com raiva.
Era a primeira vez que eu via algo a mais nela do que passividade. Não sabia se era assim,
como a irmã, ou se aquele lado aparecia em dados momentos.
— Pense como quiser, senhorita. Eu sempre consigo tudo o que eu quero. O meu desejo
eram as terras do seu pai e, quando pus meus olhos em você, a quis, portanto, meu desejo vai se
realizar nesses dois departamentos.
— Não se importa com o sentimento alheio, senhor? Eu tinha um namorado, ia me casar
com ele, é tão egoísta assim para olhar só para seu umbigo?
— Sentimentos são a fraqueza do ser humano. Prefiro pensar racionalmente e não
cometer erros. Antes da proposta de casamento, dei a escolha de sua mãe me vender as terras,
não tenho culpa se ela se negou — disse calmamente. — E não, não me importo se teve que
terminar com seu namorado. Espero mesmo que tenha terminado, não gosto de dividir a atenção
de ninguém com outra pessoa.
Apesar de a empurrar para que ela perdesse a linha, eu não cairia nessa, manteria a
minha calma. Só queria a entender melhor, que mostrasse um lado que, até então, não vi.
Ela respirou fundo, achei que ia falar mais alguma coisa, todavia, baixou os olhos e
ajeitou o guardanapo em seu colo.
— Não estou mais com ele.
— Assim espero.
Não acreditava muito na resposta dela e esperava que Xavier me trouxesse logo o
relatório sobre quem era o tal namorado. Se aquela brincadeira de criança deles não tinha
acabado, eu mesmo iria pôr um fim nisso.
— Pode me levar para casa, perdi a vontade de comer.
— Coma tudo, porque ainda tem a sobremesa.
— Não posso comer doces, quero ir embora — argumentou teimosa.
— Sente-se agora mesmo, senhorita — falei firme quando Cecília se levantou. — Tereza
fez a comida para você, para te agradar e fez um maldito doce para suas condições. — Seu olhar
questionador me fez concluir: — Sim, sua mãe me falou sobre sua doença.
— Eu não pedi pelo doce, não pedi por jantar nenhum. O senhor querendo me dar
ordens está indo longe demais. Estamos no século vinte e um!
— Tenho total noção disso, mas não vou permitir que faça desfeita com meus
funcionários. A senhorita terá a educação de terminar a refeição e a sobremesa, então a levarei
embora. Não estou com paciência para gracinhas, Cecília.
A encarei, desafiando a continuar com toda aquela perda de tempo. Contudo, Cecília
bufou, sentou-se e cruzou os braços como uma criança emburrada.
— É assim que vai ser? O senhor tentando me dar ordens?
— Sim, agora terminemos nossa refeição em paz.
A contragosto, ela pegou o garfo e continuou comendo a comida, mais mexendo nela do
que qualquer outra coisa.
Quando terminamos, Tereza serviu a sobremesa. O gosto não parecia o mesmo do que
quando era feito com açúcar, porém, me limitei a comer quieto sabendo que Cecília tinha suas
limitações.
Não estava disposto a integrar comidas diet nas minhas refeições, no entanto, era uma
gentileza que poderia conceder para Cecília em nosso primeiro jantar.
Morando juntos a dinâmica seria diferente. Ela teria que continuar com suas restrições,
mas eu não abriria mão dos meus doces feitos tradicionalmente por causa dela.
— Você já tem alguma ideia do que quer no casamento? — indaguei após um tempo em
silêncio.
Cecília não estava aberta ao diálogo depois da nossa pequena discussão. Porém, quando
arqueei uma de minhas sobrancelhas, ela suspirou e respondeu.
— Não ter um casamento, não seria uma opção, não é mesmo? — Dei um meio sorriso.
— Pode apostar que não.
— Uma cerimônia intimista, sem imprensa.
— Você tem ideias diferentes de Xavier.
— Quando ele se casar, ele decide — rebateu ácida.
Me encostei no assento da cadeira e a fitei, impressionado. O jantar saiu melhor do que
esperava, pois, a meu ver, seria algo muito genérico, com ela me dando respostas para me
agradar, no entanto, não foi assim.
— Me surpreendeu muito, Cecília. Achei que ia encontrar uma esposa entediante e vi
que além de bonita, é uma pequena abelha disposta a ferir. — Ela passou o dedo pela borda da
taça e me encarou.
O movimento poderia ser visto como algo simples, contudo, em minha mente
pervertida, era muito mais.
Quando ela pegou a taça, deu um longo gole na água e a pôs de volta na mesa, vi sua
boca convidativa me tentando para um beijo.
— Já terminei o jantar, o combinado era me levar embora assim que terminasse. Vamos?
— Cecília se levantou e fiz o mesmo.
A segurei pelo pulso e ela me olhou como se tivesse crescido uma segunda cabeça em
meu pescoço.
Meu intuito era prolongar um pouco mais o encontro. Não ir embora com tanta pressa,
todavia, quando meus dedos entraram em contato com a pele macia dela, algo aconteceu.
Mapeei cada detalhe de seu rosto, prestei atenção aos mínimos detalhes, desde seu
nariz afilado repleto de sardas, até seus olhos claros que tinham pequenas manchas marrons.
Sem poder me conter mais, e disposto a pegar aquilo que eu queria, enlacei sua cintura
e a trouxe para muito perto de mim.
Percebi que ela se assustou e estava pronta para me questionar o que eu estava fazendo,
porém, fui mais rápido e a beijei.
Não foi um simples beijo de namoradinhos. Era algo voraz, feroz, de puro desejo insano
e volúpia. Meus lábios tomando os dela como minha, toda minha.
Ela tentou lutar contra o beijo e se desvencilhar de mim, no entanto, cedeu, retribuindo
o beijo com vontade e sede demais quando segurei sua cabeça no lugar, meus dedos entrando
por seus fios loiros e macios.
Suguei sua língua como um homem sedento por água, gemendo e sentindo meu pau se
avolumar dentro da calça. Fazia anos que uma mulher não despertava isso em mim, me deixando
duro só com um beijo.
Em uma atitude ousada, a mão que subia pela cintura, subiu e encontrou seu seio através
do tecido do vestido. Era perfeitamente redondo e cabia perfeitamente em minha mão.
Minha vontade era de arrancar as roupas dela e enterrar meu pau bem fundo em sua
buceta, sentir sua pele macia passando em meus dedos. Contudo, antes que eu pudesse tomar
alguma atitude a mais, senti a fisgada em minha boca e me afastei dela.
— O que você fez, caralho? — Passei dois dedos em meu lábio inferior e vi que sangrava
um pouco.
A olhei, incrédulo. Mulher nenhuma foi capaz de fazer isso comigo, muito pelo contrário,
elas imploravam por mais e essa pequena abelha me deu uma ferroada.
— Nunca mais faça isso! — ela disse, ofegante.
Seu peito subia e descia irregularmente, seus lábios estavam muito vermelhos por conta
da pressão do beijo e seus cabelos estavam desalinhados.
— Puta que pariu, ainda não acredito que você teve coragem de me morder.
— Sou capaz de mais. Não toque mais em mim, senhor Maximus.
Queria sentir raiva, ódio, dizer poucas e boas para essa pequena abelha venenosa,
contudo, nada fiz, meu sangue ainda fervendo de desejo.
A mordida em minha boca só serviu para me deixar com mais tesão por ela. Tudo o que eu
pensava no momento era em fodê-la, castigá-la, a deixar amarrada no dossel da cama à mercê e
transar com aquela diabinha por vários dias seguidos.
No entanto, pela sua postura, isso não seria possível essa noite. Mas paciência era uma
das minhas virtudes. Esperei por anos para tomar posse da Fazenda Milênio, a espera para domar
a diabinha não seria nada.
Dei dois passos adiante e percebi que Cecília estava pronta para me atacar se fosse
necessário, mas, por enquanto, não queria brigar. Peguei em sua mão e a levei porta afora até o
meu carro.
— O que pensa que está fazendo? — ela resmungou, fincando os pés no chão.
O que ela achava que eu faria com ela, bater?
— Se encostar a mão em mim, vai se arrepender. — Me virei ficando de frente para ela.
— Se eu te bater, Diabinha, com certeza, vai gostar. — Ela parou de lutar e respirava
ofegante, me fitando o tempo todo.
— Aonde vamos?
— Vou te levar para sua casa, não é isso que queria? — Cecília me olhou desconfiada,
mas, por fim, assentiu.
Mantive o mesmo padrão de educação ao abrir a porta para ela, deixei que se
acomodasse no banco do passageiro e fui para o lado do motorista.
A viagem seguiu tranquila. Cecília olhava pela janela, para o tanto de mato e árvores em
um cenário sombrio e escuro, tudo para tentar me evitar.
Mas eu sabia que ela tinha gostado do beijo. Lutou comigo, no entanto, cedeu. Portanto,
mesmo que negasse, nem todas as palavras seriam capazes de esconder os seus atos.
O tempo de carro da Fazenda Boa Esperança até a Milênio era de mais ou menos uma
hora, um bom percurso. A pé era bem cansativo, muito mais de uma hora devido a extensão de
terras que a Boa Esperança tomava, contudo, o veículo facilitava tudo.
— Sabe que não pode me ignorar para sempre, não é, Cecília? — comentei tentando
quebrar o gelo. — Vamos nos casar e haverá mais encontros como esse. — Ela me olhou de
soslaio.
— Não acho necessário — ela rebateu rabugenta.
— O intuito desses encontros são para facilitar nossa convivência, para nos conhecermos
melhor.
— Está muito bom do jeito que está.
— Não estamos em um século em que se casa sem conhecer a noiva.
— Mas comprá-la é permitido. — Segurei o volante com as duas mãos, vendo meus
dedos ficarem brancos.
A Diabinha queria me provocar a todo custo. Porém, mesmo sendo irritante, estava me
divertindo. Cenário muito diferente do que pensei que seria.
— Sabe, pensei que você seria uma garota entediante e chata. As aparências enganam
— disse, passando pelos portões da Milênio e estacionando em frente à sua casa.
— Se queria alguém para te desafiar, então por que não escolheu minha irmã?
— Porque ela não é você — falei, olhando em seus olhos.
Ela abriu e fechou a boca, mas nada disse, soltou o cinto, abriu a porta e saiu correndo
do carro como se um assassino estivesse a perseguindo.
Dei a partida no carro e fiz o retorno para minha fazenda. O tédio que presumi assumir
ao me casar com Cecília, me deixando levar só pelo rostinho lindo, não iria acontecer.
Poderia me dar mais trabalho do que planejei, contudo, estava disposto a isso.
Mais uma vez, eu saí ganhando.
Capítulo 9
Cecília

Fechei a porta, com um pouco mais de força que o necessário, e a tranquei como se
algum bandido estivesse à espreita.
As batidas descontroladas de meu coração me deixavam meio zonza e meus lábios ainda
formigavam por conta do beijo.
Pensar no contato que tive com Maximus me deixava incomodada e perturbada, e um
pouco envergonhada por ter retribuído ao beijo e não o ter atacado de imediato.
Céus, que vergonha! Não sabia o que fazer a respeito disso. O que Bernardo diria se
soubesse que cedi aos encantos daquele canalha, nem que fosse por alguns segundos?
— Cecília. — Escutei a voz de Maju me chamando. — O que está fazendo aí parada igual
estátua?
Eu estava hiperventilando e não aguentava mais guardar aquilo tudo para mim. Se não
podia contar para meu namorado, ao menos, para minha irmã poderia confidenciar.
Corri para seus braços e ela me envolveu carinhosamente, me fazendo sentir protegida,
assim como me sentia com Bernardo. Não um medo profundo e desejo insano como senti
estando nos braços de Max.
— O que houve, Ceci? Aquele homem asqueroso te fez alguma coisa? — Pelas palavras
dela, diria que estava pronta para retaliações caso Maximus tivesse passado dos limites.
— Ele foi um grosso e mandão, mas isso não é novidade e não é por isso que estou assim
— sussurrei com meu rosto grudado em sua blusa de pijama.
— Então foi o quê? Não conseguiu sustentar a personagem submissa e partiu para cima
dele? — questionou de bom humor, o que me fez rir.
— Houve uma discussão e ele foi bem mandão comigo. No entanto, no final do jantar,
ele me beijou. — Maju me afastou de seus braços e vi uma expressão surpresa em seu rosto. Era
difícil que ela se surpreendesse com algo, mas justamente isso a deixou pasma.
— Eu vou matar esse desgraçado! Como ele ousa colocar as patas imundas em você.
— E isso não foi o pior, mana — comentei, sentindo meu rosto e pescoço colorindo-se
de vermelho. — Eu retribuí — acrescentei.
Os olhos de Maju saltaram e, se a situação não fosse desastrosa, seria uma situação bem
engraçada.
— Não acredito, Ceci, me conta os detalhes.
Mesmo não querendo, discorri os acontecimentos do beijo e em como ele me afetou ao
ponto de beijar Maximus de volta. Por mais constrangedor que fosse assumir que eu quis beijálo,
não deixava de ser um alívio não guardar aquilo só para mim.
— Eu sou uma vaca mesmo. Traí meu namorado com um homem desprezível. — Pus as
mãos no rosto, querendo sumir ao pensar que isso tudo machucaria Bernardo.
— Ei, não fala isso de si mesma — ela argumentou, tirando as mãos de meu rosto. —
Está certo que fazer isso não foi a melhor decisão que você já tomou, porém, é normal errarmos.
— Bernardo nunca errou comigo, não é justo — contra-argumentei.
— Olha, Ceci, não se julgue tanto. Vocês não tiveram outras experiências, além um do
outro. Bom, falo por você, já por ele, não ponho minha mão no fogo.
— Eu, sim, confio no Bernardo — rebati, irritada pela desconfiança de minha irmã.
— Ok, tudo bem. Contudo, é normal ter certas curiosidades e um pouco de fogo no rabo.
O Maximus, a gente querendo ou não admitir, é um homem extremamente bonito e um
tremendo gostoso, apesar de canalha. Não te julgo e você não deve se julgar também. Foi só um
beijo, coisa de momento, e isso não anula o que sente pelo Bernardo.
— Ainda assim, não me sinto melhor pelo que fiz, Maju. Só um beijo ou não, é traição, e
me odeio por ter permitido que isso acontecesse.
Maju se sentou no sofá e me fez deitar com a cabeça em seu colo, passou a mão por
meus cabelos como costumava fazer quando éramos mais novas.
Uma lágrima fugitiva escorreu por meu rosto e a limpei, pensando no que meu pai
acharia de mim, disso tudo, na verdade. Era uma merda ele não estar ali, era uma merda a dor da
saudade.
— Se nosso pai estivesse aqui, ele reprovaria minha atitude — comentei baixinho,
sentindo o sono começar a chegar.
— Se ele estivesse aqui, nada disso estaria acontecendo, Ceci. Ele daria um jeito e jamais
permitiria que você se casasse com Maximus.
— Eu sinto tanta falta dele — falei com a voz embargada.
Lembrar do meu pai e de sua morte tão recente era dolorido demais. E todo turbilhão
que estava em nossas vidas contribuía e muito para essa ferida estar cada vez maior.
— Escuta, você não precisa contar para Bernardo o que aconteceu. Omita e só diga o
básico. Quando estiverem longe disso tudo, aí conta. Ok? — Assenti, cansada demais para
discordar. — Amanhã vocês têm que combinar como vai ser e ir embora o mais rápido possível.
— Tenho medo por deixar que fiquem por aqui, na boca dos lobos.
— Não se preocupe, Ceci. O que planejei vai dar certo. Maximus vai ter que se casar
comigo, o que duvido muito que queira, ou comprar a fazenda pelo preço que eu colocar.
Eu torcia para que Maju estivesse certa, que tudo ocorresse como ela imaginava, do
contrário a merda ia feder e não sei como ela e nossa mãe ficariam.

Esfreguei os olhos e bocejei pela terceira vez em um curto espaço de tempo. Dei tapinhas
leves em meu rosto e tentei manter minha concentração em meu TCC.
Olhei para minhas anotações, o notebook aberto e o monte de livros espalhados pela
mesa da biblioteca da faculdade, e suspirei.
Não estava avançando em nada. Minha mente estava dispersa e a noite maldormida
cobrava seu preço. Revirei os olhos para mim mesma, juntei meus papéis e minhas coisas, os
guardando na bolsa, e decidi dar por encerrado aquele dia.
Não estava chegando a lugar algum e não queria perder mais tempo do que estava
perdendo. Nem tinha ideia do porquê continuava fazendo um trabalho para não entregar.
Eu iria fugir com meu namorado, não voltaria para Goiás por muito tempo e sabe-se lá
quando eu poderia voltar para a faculdade para concluir o curso de medicina veterinária.
Pensar no tanto que estudei e batalhei para manter minhas boas notas, para no fim ter
que largar o curso quase o findando, me fazia querer deitar em posição fetal e chorar por dias a
fio.
No entanto, não podia ser fraca. Eu não fui quando perdi meu pai. Não fui por me
recusar a chorar na frente de outras pessoas, que não fosse Maju, pela dor que sentia de saudade.
Não seria agora que demonstraria fraqueza.
O que estava fazendo era pela minha felicidade. Apesar de sentir um medo absurdo por
tudo dar errado conosco ou para minha irmã, a sensação de ter um vislumbre de felicidade era
muito maior que qualquer sentimento negativo.
Era isso ou ficar, baixar a cabeça e aceitar o casamento com Maximus. Eu tinha total
noção de que acabaria aceitando se ficasse. Então decidi ser egoísta e lutar, não ceder. Começar
em outro lugar e fingir que essa loucura toda nunca existiu.
Saí da biblioteca checando meu celular mais uma vez e percebi que Bernardo ainda não
tinha me respondido desde a noite anterior.
A ansiedade para saber sua resposta me deixou tensa e minha mente me pregava
peças do tipo, pensar nele desistindo de fugir comigo e me deixando para ser engolida pelos
leões.
Sem que eu pudesse frear, minha mente traidora jogou imagens do que aconteceu entre
Maximus e eu. A forma como me beijou, como me tocou, foram responsáveis pela noite insone.
Após Maju me deixar na cama, eu perdi completamente o sono. O quarto escuro sendo
providencial para encobrir meus pensamentos mais sórdidos a respeito daquele homem.
O sabor dos seus lábios, a forma quase indecente que me beijava, o cheiro delicioso de
seu perfume caro. Tudo potencializado pelo escuro de meu quarto, sozinha.
Claro que a culpa por pensar nisso me batia com força, contudo, parecia ser mais forte
do que eu. Não conseguia parar de imaginar o que teria acontecido se eu não tivesse o mordido.
Quando saí da faculdade, uma brisa fresca me atingiu o rosto e escutei meu nome sendo
chamado por uma voz que conhecia muito bem.
Bernardo andava apressado com sua chave do carro nas mãos e o jaleco esvoaçando
como uma capa. Pelo visto, ele tinha acabado de sair do trabalho.
Seu sorriso e olhos brilhantes me desmontaram inteira e a culpa veio com força total.
Primeiramente, por ter retribuído o beijo de outro homem. E segundo, por ter pensado por um
segundo sequer que ele me abandonaria em nosso plano.
Ele me abraçou apertado, beijou o topo da minha cabeça e se afastou segurando em
minhas mãos.
— Desculpa não ter respondido. Ontem foi uma loucura. Teve um parto e como o bebê
era prematuro, necessitava de muitos cuidados. Meu pai disse que essa experiência era
importante para mim e me fez ficar lá até agora — disse afobado.
— Não precisa explicar, Bê, está tudo bem — sussurrei e me pus na ponta dos pés para
deixar um beijo no canto dos seus lábios. — Deve estar cansado.
Seus olhos possuíam olheiras pelas noites maldormidas e seu cabelo estava revolto como
se não tivesse sido penteado hoje.
— Um pouco, mas não podia deixar de aproveitar esse tempinho e vir aqui te ver. Preciso
saber como foi ontem com o Senhor Todo Poderoso — ele disse em tom divertido.
Queria rir e poder falar mal de Maximus junto com ele, no entanto, eu mal conseguia
juntar em minha cabeça palavras que fizessem sentido em uma frase, quem dirá fazer chacota de
alguém.
Após alguns segundos de silêncio, pensando no que responder, finalmente, consegui
formar uma frase que fizesse sentido.
— Foi normal, ele é tudo o que diziam, mandão, metido e arrogante. Foi um sacrifício
passar algum tempo com ele — falei com muito esforço.
Não tinha ideia de como a mentira pulou da minha boca com tanta facilidade, e tive que
desviar o olhar para que Bernardo não percebesse.
Era muito egoísmo da minha parte não contar a verdade para meu namorado, ele tinha
o direito de saber e decidir se queria dar prosseguimento ao plano.
— Não o conheço muito bem, mas já estive presente em jantares de negócios de meu
pai em que ele foi. O sujeito se acha um deus, acima de tudo, um rei. É nojento de ver. — Assenti.
— Eu não consegui manter-me calma por muito tempo. Fiquei revoltada quando lhe
perguntei o porquê de fazer o que ele está fazendo.
— Ceci, tem que ter calma. Logo vamos estar longe disso tudo, mas, por enquanto, você
tem que deixar sua mãe e ele pensarem que está de acordo.
— Ou serei trancada em uma torre por minha mãe — falei e vi a sombra de um sorriso
em seus lábios.
Ele me trouxe de volta para junto de si e beijou meu rosto inteiro. Minha testa, olhos, a
ponta do meu nariz e, por fim, a minha boca.
Muito diferente de Maximus, aquilo sim parecia certo. Bernardo tinha um quê de calma
e leveza como uma brisa quente de verão. Já Maximus era como um tornado destruindo tudo ao
redor.
Me afastei de Bernardo pela culpa de estar pensando no beijo de Maximus e fazendo
comparações, o que era pior.
Talvez Maju tivesse razão. Por eu ter zero experiência, fora o Bernardo, era normal que
estivesse sendo tomada por esse fogo, e Maximus era um homem de uma beleza fora do comum.
No entanto, isso não tornava tudo mais fácil ou amenizava minha culpa por ser uma
traidora.
Senti o celular vibrando e essa pareceu ser a desculpa perfeita para meu afastamento
sem criar ideias na cabeça dele.
Mordi os lábios e fiquei irritada por ver quem me mandava a mensagem e o conteúdo
dela. Mostrei para Bernardo e vi seu semblante, sempre calmo, tornar-se enfurecido.
— Eles vão adiantar o casamento para daqui a duas semanas e ele quer outro encontro
no sábado para ajustar detalhes? — Bernardo disse exaltado, passando a mão em seus cabelos.
— Pelo visto, sim.
O que me deixava mais incomodada era a forma fria e calculista como tudo era tratado.
Até a mensagem era totalmente cordial, como se o casamento fosse um acordo de negócios, não
algo sagrado.
Bom, mas o que esperar de um homem como esses? Era bem a cara de Maximus tratar
tudo da forma mais fria possível.
— Que merda. Esse cara tem problemas. Quer fazer a cerimônia às pressas.
— O problema dele é querer pôr as mãos na fazenda o quanto antes.
— Mas por quê? As terras nem estão tão produtivas.
Isso que era curioso. A fazenda nem estava gerando tantos lucros e isso já tinha deixado meu
pai várias noites sem dormir. O que Maximus queria com uma terra, aparentemente, infértil?
— Vai ver, ele tem esperanças de recuperar, já que ela foi frutífera antes. — Dei de
ombros.
— Pouco provável, no entanto, não tem outra explicação. Ele deve se achar o próprio
Deus para fazer algo que nem seu pai foi capaz de fazer, que é recuperar os lucros da Milênio.
Peguei em suas mãos e entrelacei nossos dedos, vendo com prazer o quão bem se
encaixavam.
— Nós vamos embora antes, então, está tudo bem.
— Sim. Estava pensando nisso e podemos deixar tudo para o domingo. Meu pai sairá
com minha mãe e não vai ficar pegando no meu pé. Será o dia perfeito.
Com tudo combinado, selamos o acordo com um beijo. Meu coração batia leve e
tranquilo por saber que dali a alguns dias eu estaria livre para viver novos dias com meu
namorado.
Capítulo 10
Max

Passei mais uma vez a escova pela pelagem de Sansão, meu cavalo, e sorri em satisfação
ao vê-lo muito bem-cuidado. Com o pelo escovado e os cascos limpos, iniciei o processo de limpar
os olhos e as orelhas.
Era uma terapia cuidar da maioria dos cavalos que residiam em meu haras. O que
poderia ser terceirizado para outros funcionários, eu tinha prazer em fazer.
Obviamente, havia pessoas que me auxiliavam, todavia, eu não deixava o serviço todo
para eles, pois aquele lugar era mais um sonho sendo realizado.
Desde muito pequeno, eu sempre fui apaixonado por cavalos. Aprendendo a montar
com pouca idade, meu sonho era montar um grande espaço onde poderia os criar para a minha
diversão e, por que não, para a produção de um negócio secundário.
Conforme o espaço nas terras do meu pai foi crescendo, e me vi cada vez mais envolvido
pelos negócios, senti a necessidade de construir um haras em uma longa faixa de terra.
Com a ajuda de outras pessoas, vi que ali seria um lugar ideal. O espaço era perfeito,
onde seria construído instalações confortáveis e em contato com a natureza para que pudessem
respirar ar puro.
O negócio foi tão rentável que atualmente, uma vez ao mês, eu costumava abrir o haras
para visitação, onde os residentes da cidade pagavam para passar um dia se divertindo com os
cavalos.
E estava pensando em contratar um professor de equitação para oferecer aulas às
pessoas que estivessem interessadas, como as crianças, que eram as que mais gostavam.
Fora que com a reprodução de certas raças, eles poderiam ser vendidos em leilões para
esportistas e colecionadores, assim como eu.
Foi como matar dois coelhos com uma cajadada só. Eu tinha um sonho realizado e mais
um meio de ganhar mais dinheiro, e ele cobria todos os gastos com vacinações, a manutenção
diária e alimentação.
Atualmente, eu tinha um haras de médio porte contando com vinte cavalos, sendo dois
deles reprodutores.
Com raças distintas, eu tinha duas delas em meu haras. O Quarto de Milha, uma raça
dócil e fácil de domar. Veloz, que era apreciado por velocistas para participações em provas que
exigiam agilidade.
E o Mangalarga Marchador, a raça de Sansão, meu cavalo preferido. Minha preferência
por essa raça era pela inclinação para equitação, transporte e excelente para o lazer por ser
extremamente dóceis e ativos.
Sansão era um cavalo muito bonito, com a pelagem marrom e crina escura, olhos escuros
e grandes.
Quando o montava, esquecia de todos os problemas e me sentia mais leve. Era como
estar voando com o vento batendo em meu rosto e derrubando meu chapéu.
Concluindo a tarefa de limpeza de Sansão, guardei os materiais necessários e
supervisionei se cada baía estava com a manutenção em dia.
Rubens terminava de limpar o local e ao me ver, parou seu serviço e me cumprimentou.
Ele trabalhava comigo há anos e era um dos mais fiéis peões. Tinha uma excelente mão
de obra e nunca faltou um dia de trabalho, por nunca ficar doente.
— Tarde, patrão.
— Boa, Rubens. Vejo que está tudo certo por aqui — afirmei, olhando em volta.
— Tudo certinho. Vou chamar alguns peões para levá-los para dar uma volta pelo pasto.
— Como vai a gestação da Bola de Neve? — questionei, me referindo a uma fêmea
Mangalarga de pelagem marrom com manchas brancas.
— O doutor Ricardo saiu mais cedo daqui e averiguou a situação dela. Está indo tudo
muito bem, tanto em relação com a saúde quanto à dieta dela.
— Tudo certo com o controle parasitário? — Rubens assentiu.
— Ela vai dar uma voltinha junto com os outros — informou.
— Peça ao peão responsável por ela, tomar cuidado — declarei firme.
— Sim, senhor — ele disse e saiu em busca dos peões designados.
Limpei minhas mãos e joguei uma água em meu rosto. A temperatura estava quente e
tudo o que eu queria era tomar um pouco de água gelada.
— Aí está você. Estava te procurando há um tempão, Max. — Me virei e vi Xavier com
uma expressão preocupada.
— Sabe que costumo ficar aqui — retruquei, impaciente.
Pela sua cara fechada e vincos de preocupação em sua testa, as notícias não seriam boas.
— Houve um ataque no milharal e... — Xavier disse com dificuldade e engoliu em seco
antes de concluir. — Um dos peões tentou parar os responsáveis, mas acabou levando um tiro e
morreu.
— Porra. Como assim, Xavier? — proferi puto da vida. — Ao menos alguém conseguiu
pegar os arrombados?
— Não, eles fugiram. O peão estava cuidando do milharal sozinho naquele momento. —
Passei a mão no rosto, evidentemente nervoso.
A situação toda estava saindo do meu controle e eu odiava não ter o controle. Um
trabalhador morreu e isso não poderia ficar assim.
— Pensei que a segurança tinha aumentado, Xavier, que caralho.
— E foi, Max. Eles aproveitaram de uma pausa. Creio que esses bandidos estão agindo
com a ajuda de alguém de dentro. Meio que ficamos de mãos atadas até saber quem foi.
— Puta que pariu! — Soquei a parede sentindo a dor física se sobrepor a impotência. —
Avise a polícia, aumente ainda mais a segurança e os quero armados até os dentes em cada ponto
de minhas terras. Se algum deles precisar de uma pausa, que deixe outro no lugar. Era para isso
ser feito antes. E quero também o relatório do peão para que possa auxiliar a família no que for
necessário. — Xavier assentiu.
— Pelo que sei, eles moravam em uma das casas que você construiu para os
funcionários.
— Quero o nome, Xavier. Irei visitar a família assim que falar com a polícia. Quero garantir
que eles não serão prejudicados de nenhuma forma e não serão expulsos de onde moram —
declarei sucinto.
— Tudo bem. Pensei em duas opções de ser alguém que você deixou insatisfeito por
compras de terras, ou algum funcionário antigo que demitiu e está tendo ajuda de alguém daqui
tanto para se vingar quanto para tentar ganhar dinheiro às suas custas.
— O caralho que vão me arrancar dinheiro através de chantagem.
— Já contratei mais seguranças e você, querendo ou não, vai andar com eles. É questão
de tempo até que comecem a tentar contra sua vida, Max, todo cuidado é pouco — Xavier alertou.
Por mais que a situação fosse temerosa, eu não conseguia sentir medo, tudo o que eu
queria era pegar os responsáveis por todo o prejuízo que estavam tentando me dar e estrangular
com minhas próprias mãos.
— Que seja. Não posso dar bobeira. Além do mais, Cecília logo irá morar aqui, tenho que
lhe proporcionar um ambiente seguro — reconheci, pois o perigo poderia se estender a ela.
A notícia do casamento, por enquanto, estava em sigilo absoluto, todavia, isso logo
mudaria. Ainda mais que Xavier estava resolvendo todos os trâmites.
— Por falar em casamento, os papéis que lhe dão plenos poderes já estão prontos. Duas
testemunhas irão conosco e o tabelião. Como você irá resolver pendências na polícia a respeito
da morte do peão, eu levo os papéis para Suzana. Assim que a polícia chegar aqui, virão retirar o
corpo. A cena do crime nem foi mexida.
— Perfeito.
— Já vi os gastos para o casamento. Deixei todo o relatório em sua mesa. — Assenti,
tirando o chapéu e passando a mão em meu cabelo molhado pelo suor. — O relatório que pediu
sobre o garoto está lá também — acrescentou.
Com isso, saí do haras com Xavier, ele indo para uma direção diferente da minha.
Respirei cansado, era difícil cuidar de todo um império sozinho e isso cobrava o preço
mentalmente.
Eu poderia muito bem curtir cada centavo que ganhei durante todos esses anos, como
minha mãe tentava fazer com o dinheiro do meu pai, contudo, eu preferia estar ali, na fazenda,
onde era a origem de toda minha fortuna. Vigiar de frente o que entrava e saía.
Após uma caminhada de quinze minutos, do haras até a casa, fui recebido por uma
bandeja com uma jarra de suco de laranja bem gelado e biscoitos amanteigados.
Tereza apareceu sorridente e lhe devolvi o gesto pelo seu cuidado comigo. Me conhecia
tão bem a ponto de adivinhar o que eu queria.
— Meu menino, pensei de você precisar disso em um dia tão quente. — Assenti,
concordando, tentado a pegar um biscoito.
— Preciso de um banho primeiro, acabei de vir do haras.
— Eu sei, meu menino. E tem visitas para você — Tereza informou com uma careta de
desgosto em seu rosto.
— Quem é? — perguntei. Não estava com saco para visitas.
Helena entrou na sala antes que Tereza pudesse me informar. Revirei os olhos, sem saco
para sua intromissão de chegar em minha casa sem ser convidada. Típico dela.
— Querido, quanto tempo — ronronou, chegando perto de mim e me cumprimentando
com um abraço e um beijo demorado no rosto.
O gloss pegajoso ficou entranhado em minha pele e limpei quando Helena se afastou.
— Que surpresa a ver aqui — falei, nada satisfeito.
— Já que Maomé não vai a montanha, eis que estou aqui — respondeu sorridente.
— Não tenho tempo — falei impaciente, tirando meu chapéu e o colocando na mesa de
centro.
Tereza saiu discretamente, como costumava fazer toda vez que Helena aparecia, com o
intuito de nos dar uma privacidade desnecessária. Eu queria que ela fosse embora, pois estava
atolado de coisas para fazer.
— Estou aqui para te resgatar e te proporcionar uma noite divertida.
— Ainda tenho coisas para fazer, Helena.
— Está me dispensando? — ela disse com um beicinho.
Helena era uma mulher muito bonita, com cabelos escuros, olhos redondos da mesma
tonalidade de seus cabelos, e um corpo esguio e esbelto, que era de parar o trânsito.
Os homens costumavam se jogar a seus pés e toda São Miguel do Araguaia conhecia a
fama de viúva quente. Desde que o marido dela, um microempresário do ramo logístico faleceu
dois anos antes, a cama dela não ficava por muito tempo fria.
Helena gostava de ostentar roupas caras, finas joias e de comer bem. Odiava cozinhar
e fazer serviços domésticos. Nunca trabalhou na vida e não deu continuidade nos estudos, não
achando necessário, já que, como ela mesma dizia, a beleza dela lhe abriria portas, o que de fato
abriu.
No entanto, como não gostava de trabalhar, ou de mover um dedo para manter os
negócios, eu deduzia que dali há um tempo, sem uma mão firme, ela iria à falência, e Helena
também sabia disso. Por isso, ela queria muito se casar comigo e sempre deixou esse desejo
expresso.
Helena tinha um jeito de prender os homens com sexo que chegava a ser viciante, sendo
capaz de realizar fantasias que muitas mulheres torciam o nariz para fazer.
Todavia, uma coisa era eu ter sexo fácil com ela, outra coisa era me casar com Helena.
Eu não confiava na mulher com relação à fidelidade e não era louco de juntar as escovas de dentes
com uma pessoa que só visava o lucro.
— Estou. Surgiram imprevistos que exigem minha presença.
— Não posso te convencer a ficar? — sugeriu passando a mão por cima da minha calça.
Meu pau começou a dar sinais de vida e antes que eu sentisse alguma pontada de desejo,
me controlei, segurando sua mão e a impedindo de avançar.
— Você sabe muito bem que não. Trabalho para mim é sagrado e vem antes de qualquer
tipo de diversão. — Helena bufou, frustrada.
— Do que adianta ter dinheiro e não se divertir um pouco?
— Não, Helena, já disse, porra. Além do mais, eu vou me casar. — Tentei não sorrir, mas
foi impossível com a expressão em seu rosto.
De todas as notícias que eu poderia lhe dar, essa era a última que ela esperava, já que
era avesso a ideia do casamento tanto proposto por ela.
— É alguma piada de mau gosto, Max?
— Jamais iria brincar com um assunto tão sério.
— Você só pode estar de sacanagem comigo. Depois da história que construímos juntos,
depois de dizer que nunca se casaria? — Dei de ombros. — Disse que já era casado com seu
trabalho e agora vem com essa? — completou furiosa.
— Que história, Helena, pirou? E, de certa forma, é pelo trabalho. Há muito interesse
envolvido nessa união e é óbvio que irei aproveitar muito os benefícios conjugais.
— Quem é a vagabunda? — Uma sobrancelha minha subiu.
A vagabunda ali era ela, entretanto, não estava disposto a discutir adjetivos com Helena,
o que eu queria era me livrar dela e rápido.
— Não te interessa, mas logo você irá saber. — Um dos cantos de minha boca se elevou
em um meio sorriso.
Os punhos de Helena se fecharam e vi que demandava muito esforço para que não me
agredisse.
Chegava a ser engraçado que ela pensasse que tínhamos uma história. Éramos amigos
de foda, nada mais. E se ela queria algo mais que isso, era por puro interesse financeiro.
Não existia nem um sentimento amoroso por trás de toda essa raiva, tudo se resumia a
ela não saber perder uma possível fonte de renda para manter sua boa vida.
— Você é um desgraçado filho da puta! — gritou.
— Eu já sei disso. Não é nenhuma novidade. Agora, se me der licença, eu tenho coisas
mais importantes para serem feitas. — Saí em direção às escadas que davam para meu quarto,
no entanto, me virei no último segundo. — Vou tomar um banho, quando voltar, não quero mais
te ver aqui. Já sabe o local de saída, Helena, fora — concluí em tom imperativo.
Não me importei com seus gritos e ofensas, tudo o que queria era tirar o suor do meu
corpo, ir até a polícia dar meu depoimento sobre a morte do peão e depois visitar a família do
falecido.
Já tinha preocupações demais para me importar com ofensas a honras que não existiam.
Capítulo 11
Cecília

Pus minha última peça de roupa em uma mala pequena e a fechei com muito esforço.
Não tinha tudo o que iria precisar, no entanto, não poderia me arriscar levando uma grande
quantidade de roupas.
Meu coração batia acelerado pela adrenalina e minhas mãos suavam. Prendi os cabelos
para os afastar do suor em meu pescoço e peguei o celular para ver se Bernardo me respondeu.
Não havia nenhuma resposta, contudo, sabia que ele estaria a minha espera. Tínhamos
combinado na noite anterior, estava tudo certo.
Respirei fundo e pensei na cara que Maximus faria quando se desse conta que eu não
iria ao encontro de hoje. Ou melhor ainda, quando soubesse que não teria mais casamento.
Ele ficaria furioso, e eu estaria bem longe com Bernardo. Isso seria um tapa em sua cara
e o mostraria que não era o Todo Poderoso como se achava.
Só pedia a Deus que tudo desse certo e Maju não se prejudicasse. Se Maximus não
aceitasse a proposta dela, agora que eu não estou na jogada, as coisas ficariam feias.
— Ceci, está no mundo da lua? — Maju perguntou, me olhando fixamente.
— Nossa, você daria uma boa gatuna, nem te vi entrando — murmurei de bom humor.
Maju sentou-se em minha cama e tirou um envelope das calças jeans. A fitei, confusa e
peguei de sua mão.
— Abra — incentivou.
Quando o fiz, mal pude acreditar. Dentro do envelope continha duas passagens aéreas
para o Rio de Janeiro. As joguei de lado e abracei Maju, nos jogando deitadas na cama com a força
do impacto.
— Você não existe. O que seria de mim sem minha irmã querida? — eu disse, a enchendo
de beijos. — Como conseguiu isso? — perguntei ao me afastar.
— Tinha umas economias.
— Eram suas, Maju, você pode precisar.
— Besteira, você precisa mais do que eu — disse ela, o que me fez a abraçar novamente.
A soltei do abraço, mas ainda permanecemos deitadas, uma de frente para a outra. Não
sei o que faria sem ela tão perto de mim.
Maju e eu tínhamos uma conexão surreal uma com a outra. Nunca ficamos separadas
por muito tempo e me acostumei com ela cuidando de mim o tempo todo, mesmo que isso me
deixasse irritada por vezes.
— Eu vou sentir sua falta — sussurrei com a voz embargada.
As lágrimas queimavam meus olhos, mas as contive com muito esforço. Se eu chorasse
tinha medo de não conseguir mais parar.
— Eu sei, Ceci. Eu também. Mas assim que der, irei te visitar — prometeu com a voz
suave.
— Tenho medo de que algo possa dar errado. Iria me sentir culpada se você e nossa mãe
fossem morar em outro lugar que não fosse aqui.
— Shi! — comentou, colocando o indicador em meus lábios. — Vai dar tudo certo. A sua
única preocupação é ser feliz. Vamos ficar bem, já disse o que vou fazer e sei que Maximus não
vai ter outra saída se não quiser comprar a casa de um leilão e competir com outros possíveis
compradores. — Suspirei.
— Espero mesmo que isso aconteça.
— E vai. Sua única preocupação é a de ser feliz e me dar sobrinhos lindos.
Àquela altura as lágrimas escorriam livremente e dei uma risada em meio a elas.
— Vou sentir tanta falta de suas mensagens me perguntando se tomei a insulina.
— E já tomou hoje, não é?! — proferiu com um sorriso. Assenti e ela me abraçou de
novo.
— Quando tudo acalmar lhe direi e você poderá voltar. Agora se apresse, a hora que
marcou com o Bernardo já está próxima. — Maju se levantou e me ajudou a fazer o mesmo.
Peguei mais uma vez o celular e nada de mensagens dele. Mostrei para Maju e ela torceu
os lábios.
— Você vai até o local de encontro, ele vai estar lá. Bernardo te ama, Ceci. Agora ande.
Peguei em minha mala e chequei a hora. Já passava da meia-noite, faltava meia hora
para qual eu marquei com ele, contudo, até chegar lá, já daria o tempo certo.
— Nossa mãe já foi dormir, a casa está completamente silenciosa e o lado de fora
também — Maju informou.
A segui para fora do quarto no mais completo silêncio, na ponta dos pés e tomando
cuidado para não tropeçar nos degraus da escada ou cair.
Quando chegamos na porta, Maju a abriu e olhou para checar se a barra estava limpa.
Ela fez sinal de positivo para mim e passei por seu corpo, sentindo a brisa fria da noite me
encontrando.
Antes de seguir meu rumo, a envolvi em meus braços, sentindo as lágrimas teimosas
descerem sem minha autorização.
— Obrigada, Maju. Vê se me dá notícias — pedi. Dei um beijo em sua bochecha e saí de
seu abraço.
Em meio à escuridão, corri, no entanto, parei e me virei vendo minha irmã ainda parada,
me observando.
Era doloroso ter que a deixar, na verdade, era doloroso deixar toda a minha vida para
trás; mas pensar em ser infeliz foi tudo o que precisei para continuar correndo de encontro a
Bernardo.
Sentiria falta de estar todos os dias com Maju, até mesmo com minha mãe, e em toda a
minha vida dentro da fazenda.

Quando cheguei no ponto de encontro, faltava cinco minutos para o nosso horário
marcado.
O céu estava repleto de nuvens carregadas evidenciando que logo chegaria uma
tempestade. Seria bom se ele chegasse logo, não queria molhar todas as minhas roupas que
estavam na mala.
Peguei o celular e o chequei em busca de mensagens. Nenhuma resposta de Bernardo.
Um frio percorreu minha espinha, já era ele para estar ali.
Me sentei no chão e senti a grama úmida molhar meu jeans. Não me importava, o que
eu queria era esticar as pernas, pois o percurso da fazenda até aqui tinha me deixado cansada.
Culpava o nervosismo. Já estava acostumada a correr e o caminho que fiz não era nada
em vista do quanto me exercitava todos os dias pelas manhãs.
Quando senti a primeira gota de chuva caindo, procurei me esconder embaixo de uma
árvore. Não era uma cobertura das boas e eu já estava toda molhada.
— Cadê você, Bernardo? — sussurrei para mim mesma.
A chuva estava aumentando e uma brisa fria fazia os pelos do meu braço arrepiarem. Ele
já estava atrasado, mas uma parte de mim me dizia para continuar ali. Bernardo iria aparecer,
combinamos isso.
Como uma deixa, meu celular vibrou e vi que era uma mensagem dele. Sorri em alívio,
deveria estar chegando.
Só não esperava que quando abrisse a mensagem, meu mundo iria desabar daquela
forma. Meu celular caiu da minha mão, sendo amortecido pela grama, mas ainda conseguia ver
bem o que estava escrito ali.

Bernardo: Ceci,me desculpa. Pensei muito e não


consigo fazer isso, não depois de tudo o que
trabalhei para conquistar. Pensar em recomeçar
longe de casa me dá medo. Aposto que sente o
mesmo, mas não tem coragem de dizer. Eu te amo.
Sinto muito mesmo.

Fiquei estática olhando para o celular caído na grama, com a mensagem nítida. Fiquei
assim até que a tela se apagasse e junto com ela tudo o que planejei com um cara que dizia me
amar, mas que não era capaz de abrir mão de tudo por mim.
Meu cérebro custou a crer e processar tudo o que meus olhos viram, e a meu ver, acho
que nunca seria capaz de compreender.
Peguei as passagens que Maju comprou com tanto carinho e as fitei por um longo tempo,
até que a água da chuva fosse a responsável por torná-las inúteis.
As amassei em minhas mãos e joguei o mais longe que pude. Peguei meu celular do chão
e me levantei, o que não estava molhado em mim, agora estava.
Levantei meu rosto e deixei que minhas lágrimas se misturassem com a chuva. Nem todo
choro seria capaz de levar toda a dor que estava sentindo embora.
Sem ter muito o que fazer, peguei minha mala e voltei para casa. Toda esperança que
tomou conta de mim indo embora junto com o temporal.

Após um banho quente, e a retirada de roupas molhadas, Maju me cobriu e me ofereceu


uma xícara de chá de camomila.
Não tinha vontade de tomar nada e, na verdade, nem sabia se seria capaz de fazê-lo
graças ao nó que se formou em minha garganta e da vontade de chorar que vinha como uma
onda.
— Beba um pouco, Ceci, vai te ajudar a dormir — Maju sugeriu em voz doce.
— Não sei se consigo, Maju — murmurei, percebendo que minha voz embargou.
Engoli com dificuldade para não chorar de novo. Minha cabeça parecia que ia explodir.
Eu não era capaz de suportar mais nada.
— Isso vai te ajudar a dormir, beba logo — ordenou.
— Acho que preciso mais do que isso para conseguir dormir — falei, pegando a xícara
dela e sorvendo um gole.
Tinha certeza de que só o chá não seria capaz de me auxiliar em uma boa noite de sono.
Tudo o que eu queria era algo mais forte, como os tranquilizantes que nossa mãe usava.
— Vai te ajudar sim. Eu vou ficar aqui juntinho de você, como fazia quando éramos
crianças e você tinha medo do escuro. — Me forcei a dar um sorriso e continuei bebericando o
chá.
Não sabia se era a companhia da minha irmã ou o efeito do chá, mas meu corpo já estava
começando a relaxar.
— Não entendo por que ele fez isso. Se tinha medo, por que topou? — questionei após
algum tempo.
Maju suspirou e passou o braço pelos meus ombros. Desde que cheguei arrasada, ela
não tocou no assunto. Talvez por receio de me deixar aborrecida.
— Ele é um covarde que não te merece, Ceci. Minha vontade é ir até a sua casa e quebrar
seus dentes perfeitos. Mas o compreendo em partes. Não é fácil pensar em largar tudo para viver
de amor, isso só existe nos filmes.
— De que lado você está, Maju? — indaguei irritada. — Pensei que estava me apoiando.
— Eu estou te apoiando, Ceci. Só estou do lado prático. Você com seu romantismo não
consegue enxergar que o mundo não é um conto de fadas. — Revirei os olhos.
— Então devo perdoar o Bernardo por ser um filho da puta e me abandonar? — sugeri
debochadamente.
— Óbvio que não. O desgraçado merece seu desprezo, mas tente entender, ele teve
dificuldades em pensar em uma vida onde não tivesse o luxo de sempre.
— Como se isso justificasse.
— Não justifica o que ele fez. Compreendo, porém, não concordo, se não se sentia
pronto para enfrentar desafios que não alimentasse sua esperança. O que pretende fazer em
relação a ele?
Refleti por alguns segundos e a única resposta que encontrei é que ele não era o cara
para mim. Depois de tudo o que conversamos e planejamos juntos desde o ensino médio, era de
se esperar que fosse levar aquele plano até o fim, dada as circunstâncias.
— Eu não quero mais saber dele. Que fique com a boa vida que o papaizinho dá e me
esqueça — murmurei, sentindo uma dor horrível no coração.
— Eu vou te apoiar em tudo o que decidir, menos se resolver levar a ideia de antes
adiante e se casar com Maximus. Não há necessidade.
— Não quero discutir isso por agora.
— Não tem o que discutir, Ceci. Não vai se casar com ele só por causa de mim e de nossa
mãe. Assunto encerrado — Maju disse autoritária.
Apagou a luz e veio se deitar comigo, nos cobrindo e sussurrando boa-noite para mim.
Fiz o mesmo e fechei os olhos.
Por ora, não queria pensar na outra decisão que teria que tomar, só tinha certeza de que
isso não seria baseado no que minha irmã queria, e sim, no que seria melhor para nós.
Foi o último pensamento que tive antes de cair em um sono exaustivo.
Capítulo 12
Cecília

No dia seguinte, acordei com um clarão entrando no quarto. Vi que Maju estava
animada, abrindo as cortinas e com uma alegria contagiante.
— Espero que esteja melhor. Hoje você tem aula e ainda tem que fazer seus exercícios
antes de sair. Vamos tomar café para não se atrasar — ela disse, puxando as cobertas de mim.
— Não é muito cedo para você estar tão animada assim? — questionei, colocando o
travesseiro em meu rosto.
— Não vou te deixar mofar nessa cama, sofrendo. A vida é curta demais para sofrer por
quem não presta.
Foi então que tudo veio como um rompante. As lembranças da noite anterior,
lembranças essas que desejei que fossem um pesadelo.
Me sentei na cama e senti meus olhos arderem. Era muito fácil falar para esquecer de
algo que vivi durante muito tempo, dizer que era complicado, pois a dor era semelhante a de uma
facada no peito.
Não conseguia parar de me questionar onde foi meu erro para que Bernardo fizesse o
que fez, quando eu mesma sabia que não tinha culpa de nada e ele que era um covarde.
Contudo, faz parte do ser humano assumir toda a responsabilidade por culpa alheia
mesmo sabendo que ela não lhe cabe.
— É tão difícil pensar em seguir em frente sentindo o que estou sentindo, mana —
sussurrei, e Maju veio me abraçar.
— É difícil, mas não é impossível. A vida é feita de ciclos e o seu com o Bernardo se
encerrou. Infelizmente, de maneira muito brusca e dolorosa. — Assenti.
— Eu pensei que viveria ao lado dele para sempre — confessei.
— Não existe isso, Maju. O que fazemos é trabalhar para fazer dar certo e ser duradouro.
O para sempre é interrompido por algo, seja por uma separação ou pela morte. Viver pensando
em ter o outro para sempre é frustrante.
— Você deve ter razão. Eu coloquei expectativas demais na relação, julgando conhecer
bem o Bernardo, porém, vi que não o conheço.
— Na minha opinião, nunca vamos conhecer bem uma pessoa. Ela sempre vai ser uma
caixinha de surpresa. Agora vamos, você não pode perder sua aula, já que vai ficar por aqui
mesmo.
— Não posso faltar hoje? — sugeri e me joguei de costas na cama, colocando um braço
sobre meus olhos.
— Nem pensar. Você já está findando o semestre. Precisa comer. Vamos, Ceci, aplique
sua insulina e desça, vou te aguardar para o café.
Maju saiu do quarto e fiz o que pediu. Medi meus níveis de açúcar e apliquei a insulina.
Não era a melhor parte do meu dia ter que fazer a aplicação, no entanto, já estava
acostumada com a doença sendo parte integral da minha vida.
Saí do quarto e decidi tomar banho depois que comesse alguma coisa. Não podia ficar
muito tempo em jejum devido ao diabetes.
Quando cheguei à mesa, mamãe estava sentada em seu lugar costumeiro e Maju ao seu
lado.
— Bom dia, meu bem — minha mãe me saudou e murmurei um bom-dia seco, me
sentando na cadeira do lado de Maju.
— Estamos na vida boa novamente, Ceci — Maju disse, mas me mantive calada.
Ela estava provocando nossa mãe de novo e, mesmo que fosse divertido e ela merecesse,
meu emocional não estava com saco para fazer parte das provocações.
— Maximus me ligou dizendo que você não foi ao encontro marcado ontem — comentou
cortando o pão calmamente.
— Tive um contratempo.
— Ele é seu noivo, Ceci. Não pode priorizar outras coisas. — Revirei os olhos.
Peguei uma boa colherada de mamão e a comi.
Na noite anterior, eu vi que tinha uma mensagem de Maximus me perguntando o porquê
do meu sumiço, a li quando Maju estava dormindo. O deixei sem resposta, preferindo não tocar
naquele assunto espinhoso por ora.
Maju insistia em dar a última palavra de que eu não me casaria forçada com o senhor
Maximus, e eu compartilhava da mesma ideia até ontem.
Depois da decepção que tive com Bernardo, nada mais me impedia de fazer o que era
certo para minha família. Minha única esperança era meu ex, mas ele me deixou quando mais
precisei dele.
Permanecer em São Miguel do Araguaia significava bater de frente com todos os
problemas que tínhamos, ao qual não podiam ser ignorados para que eu pudesse continuar
vivendo em um mundo de fantasia.
O amor machucava e eu não queria mais pensar por esse lado. Resolver as coisas na
prática era a solução, e era exatamente o que eu faria.
Ter um teto sobre nossas cabeças e comida em nossas barrigas era o primordial, e a única
saída era me casar com Maximus. Do contrário, afundaríamos em dívidas.
— Ela não vai se casar com ele, dona Suzana — Maju afirmou.
— Como assim, ainda com essa história? — Nossa mãe estava histérica e isso iniciou uma
discussão entre as duas.
Terminei de tomar café e me levantei, batendo palmas para dispersar a discussão e ter a
atenção de ambas.
Era providencial interromper isso antes que Maju começasse a gritar ou quebrar alguma
coisa em um dos seus acessos de raiva.
— Apesar de as duas quererem me dar ordens, por achar o que é melhor para mim, sou
capaz de tomar minhas próprias decisões e já me decidi.
— Ceci... — Levantei a mão e interrompi minha irmã.
Me conhecendo bem, ela já sabia qual decisão seria e que nem todos os seus
argumentos seriam capazes de me fazer voltar atrás.
— Eu vou me casar com ele. É a solução para que tudo fique bem.
— Ah, meu bem...
— Não estou fazendo isso porque a senhora quer, mãe, e sim porque não suportaria ver
o lugar que cresci nas mãos de outra pessoa.
— Querendo ou não, vai ficar nas mãos dele, caralho, Ceci! — Maju disse, se levantando
e passando a mão no rosto.
— Mas ainda vamos ser donas. Melhor do que ir à leilão e vocês serem obrigadas a deixar
a casa — declarei.
— Ótima decisão, minha filha. — A animação dela era visível. — Vou falar com
Maximus para te encontrar e planejarem sobre a cerimônia. Xavier deixou muita coisa
adiantada, mas você pode fazer do seu jeitinho.
— Que seja — proferi desanimada e voltei para o quarto.
Subi as escadas e escutei passos atrás de mim. Não precisava ser um gênio para saber
que Maju tinha me seguido.
— Cecília, o que foi tudo isso? Achei que tínhamos combinado. — Suspirei e me virei a
fitando.
Não tinha como fugir desse embate. Ela tinha que aceitar minha decisão, mesmo que
não concordasse.
— Eu fiz o óbvio. Não vou deixar que nossas terras vão a leilão.
— Pode ter outra saída — Maju disse, mas nem ela acreditava em tais palavras.
— Você sabe que não tem. Meu destino foi traçado quando Bernardo desistiu de fugir
comigo.
— Pode tentar fugir sozinha, ou podemos fazer isso juntas — sugeriu.
Tinha total noção de que se eu aceitasse, Maju faria tudo sem questionar, porém, jamais
faria isso com ela. A tirar de perto de seu trabalho, que tanto amava, de seus amigos... Seria
egoísmo da minha parte.
Fugir sozinha também não me parecia uma boa opção. Eu não saberia como virar em um
estado que nem conheço, fora que poderia ser muito perigoso.
— Jamais te pediria que largasse tudo. — Segurei em suas mãos, engolindo o choro.
— E você pode abrir mão de ser feliz para se sacrificar por nós? Isso que não é justo,
Ceci.
— Por favor, Maju, não vamos mais falar sobre isso. Eu não quero ver o lugar que nasci
fora de nossas mãos. Gostaria muito que ficasse ao meu lado, mesmo não aceitando.
— Tudo bem, não concordo, no entanto, vou respeitar. Mas saiba que vou ficar de olho
naquele sem-vergonha. — Maju apertou minha mão e me puxou para um abraço. — Se ele te
fizer sofrer, vai pagar. — Dei uma risada e me afastei.
— Tenho que ir. Vou correr e ainda tenho que ir para a faculdade. Quando sair de lá,
tenho que encontrá-lo.
— E eu vou trabalhar. Até mais.
— Até logo. — Voltamos para nossos respectivos quartos e peguei meu celular, vendo
que tinha uma mensagem de Maximus.
Mesmo que eu quisesse o deixar mofando à espera de uma resposta, não fazia sentido
e
seria infantil.

Maximus: Te aguardo na saída de sua faculdade Para acertarmos sobre a festa e


cerimônia. Cecília: Ok
Respondi e enviei. Salvei seu número que, até então, não estava salvo e me joguei na
cama, completamente desanimada.
Após um dia fatídico, em que foi preciso muita força de vontade para manter minha
concentração, saí de lá já me preparando para o encontro com Maximus.
Mesmo querendo voltar para casa, deitar em minha cama e chorar sobre a noite de
ontem, não o fiz. Afinal, não era mais uma criança pensando que tudo se resolveria abrindo o
berreiro.
Vi um carro prata parando a minha frente e o vidro da janela do motorista descendo, era
Maximus sorrindo para mim.
— Boa tarde, Cecília. — Forcei um sorriso que mais saiu como uma careta e fui para o
lado do passageiro, esperando que ele destravasse as portas.
Quando o fez, me sentei, passei o cinto por meu corpo e cruzei os braços. Mesmo
aceitando que iria me casar com ele, não significava que estava pulando de alegria e que aceitaria
suas ordens numa boa.
— Eu esperava que não viesse para que eu pudesse ir para casa — confessei.
— Que tipo de homem eu seria se não cumprisse com minha palavra?
— Do tipo que desiste dessa loucura.
— Do tipo do seu ex-namorado? — alfinetou e o fitei boquiaberta.
— Não sei do que está falando — argumentei nervosa.
— Sabe sim — Maximus afirmou, dando a partida no carro.
— Está me espionando?
Essa era a única explicação para ele saber o que aconteceu ontem. Nem minha mãe tinha
conhecimento.
— Espionagem é uma palavra muito feia. Digamos que tenho meus meios. — Piscou para
mim e tive vontade de bater nele, só não o fiz porque estava dirigindo e tinha amor à minha vida.
— Que abuso o seu! Ridículo um homem da sua idade se passando por isso.
— Gosto de proteger o que é meu. Aliás, muito feio o que iria fazer ontem.
— Em primeiro lugar, eu não sou nada sua, estamos entendidos, senhor?
— Por enquanto — comentou, ignorando completamente o que eu disse. O olhei de cara
feia e continuei:
— Em segundo lugar, é uma falta de privacidade me vigiar nessa cara dura.
— Pretendia fugir com aquele moleque? Acha mesmo que permitiria que me fizesse de
palhaço?
O meu sangue subiu e não aguentei ficar calada. Ser evoluída e evitar discussões, ainda
não fazia parte da minha fase de amadurecimento.
— Me obrigaria a casar com o senhor de qualquer maneira?
— Não sei por que esse questionamento. O moleque te deixou plantada na chuva, não
é necessário que eu lhe responda o que me perguntou.
— Você não presta.
— Nunca disse que prestava — ele disse, estacionando o carro no meio-fio.
— Por que parou aqui?
— Temos algumas questões a discutir, senhorita. — Revirei os olhos.
— Podemos nos abster a só falar sobre o casamento e nos evitar o máximo possível
quando oficializar tudo — sugeri, mas seu sorriso de canto me incomodou. Parece que ele gostava
de me provocar, o que eu não duvidava nada.
— Não tem por que nosso casamento ser um inferno. Aceitou de bom grado depois que
o moleque te deu um pé na bunda. A fase de rejeição já passou. — Foi direto.
Me remexi no lugar, incomodada. Falar sobre o que aconteceu com Bernardo era como
mexer em uma ferida aberta. E estar tão próxima de Maximus, sendo analisada por ele,
completava o pacote para me deixar aflita.
— Eu não vou facilitar para você. Não pretendo ser sua submissa e muito menos uma
esposa troféu.
— Sei que não, e isso tudo torna as coisas mais interessantes.
— Isso aqui não é um jogo, Maximus. O que quer de mim?
— Por enquanto, que pare de reclamar como uma criança. Depois discutiremos mais
sobre as outras coisas.
Não falei mais nada, preferindo o ignorar pelo resto do caminho. Fomos a uma
cerimonialista renomada de Goiás e ela nos apresentou tudo o que Xavier havia contratado para
os serviços de buffet, flores, salão e tudo mais que seria necessário.
Por mim, tudo seria muito intimista, como um casamento simples dentro da fazenda,
mas os planos do amiguinho de Maximus eram outros. Ele queria que fosse um casamento que
São Miguel do Araguaia jamais esquecesse.
Maximus observava tudo sem nem ao menos perguntar o valor. Pelo visto, a ideia de um
casamento inesquecível também fazia parte dos planos dele.
A ideia de o atormentar por um casamento menor e mais simplista me parecia cada vez
mais atrativa. Se eu iria me casar obrigada, ao menos poderia escolher como seria o dia da minha
tortura.
— Xavier acertou tudo comigo. Ficará tudo lindo, pode apostar, senhor — a mulher
refinada disse em tom gentil. — Minha intenção é deixar os noivos felizes e sem preocupações —
acrescentou sorridente.
Minha vontade era de gritar com ela e dizer que eu não estava nem um pouco feliz.
Porém, do que adiantaria? A mulher não tinha nada a ver com isso e só me faria passar vergonha.
— Trouxe umas amostras de doces que o senhor Xavier mandou. Podem experimentar
— ela convidou.
— Cecília — Maximus me chamou e saí de meus devaneios, espiando uma paleta de
cores de um livro propositalmente deixado em cima da mesa.
— Ah sim, podemos — confirmei.
Levantei já me sentindo cansada. Era só o início, ainda tinha que ver vestidos e
experimentá-los. Só de pensar já me batia um desânimo.
Capítulo 13
Cecília

Cheguei em casa após um dia extremamente cansativo, onde consistia em estagiar na


clínica do doutor Ricardo e trabalhar no meu TCC. Com o fim do semestre, me via cada vez mais
pressionada a terminar logo e não deixar nada para os quarenta e cinco do segundo tempo.
Além de ter essas preocupações, ainda tinha um casamento para me dar dor de cabeça
e as ligações e mensagens de Bernardo tentando falar comigo, as quais ignorei todas.
Não tinha mais nada para falar com ele. O que fez deixou tudo bem claro, pelo menos
para mim. Nem tinha sentido continuar alguma forma de comunicação depois do que fez.
— Até que enfim que chegou. Olha o que fiz para você — Maju disse com uma bandeja
de doces nas mãos.
Me joguei no sofá e desconfiei de sua repentina vontade de cozinhar doces para mim.
Ainda mais pegando no meu ponto fraco. Brigadeiro.
— Sabe que não posso comer isso — falei debochada, mas ela revirou os olhos.
— Não venha me passar sermão do que não pode, pois eu já sei. Foi feito com tudo o
que pode, adoçante, leite desnatado, chocolate diet e até granulado. Tive que ir ao mercado
comprar, olha o trabalho que tive. De nada — comentou, colocando a bandeja na mesinha de
centro e se sentando ao meu lado.
— Eu não pedi nada disso — murmurei, pegando um doce e comendo de uma vez, estava
uma delícia. — O que você quer em troca? — questionei, a fitando pelo canto do olho.
— Assim me ofende. Como supõe que quero algo em troca? Não posso só querer te
agradar?
— Porque eu te conheço, Maju. — Ela se virou ficando de frente para mim.
— Ok. Não é nada demais, e você vai aproveitar também. Ou seja, vamos sair ganhando
as duas.
— Sem rodeios — falei, pegando outro brigadeiro.
— Eu vou te levar para a festa da cidade.
A festa que teria era em comemoração ao aniversário da cidade. Um evento onde
colocavam um palanque no meio da praça da rua principal e tinha shows e outras atrações.
Era um evento bem legal, eu mesma já fui diversas vezes com Bernardo e com meus pais
quando era mais nova. Havia diversas barracas de lanches, balões e muita gente.
No entanto, com meu estado atual de humor, uma ideia que poderia me deixar animada,
me pareceu a mais idiota.
Estava tão imersa no que aconteceu esses dias, que acabei nem me dando conta do
evento.
— Ah, não, nem pensar — respondi de boca cheia.
— E por que não?
— Com minha vida tumultuada desse jeito, não estou com cabeça para entrar em
festividades.
— Ah, vai ser bem legal, Ceci, vamos!
— Tenho trabalho para fazer.
— Um dia não vai te matar.
— Prefiro ficar em casa — proferi, me levantando.
— Eu não vou deixar que fique em casa se afundando nas suas tristezas. Já não basta
que aceitou a ideia idiota do casamento e agora isso? Vai viver trancada e amargurada até o dia
em que vai se amarrar com aquele troglodita?
— Golpe baixo. — Maju suspirou e se levantou também.
— Eu sei que anda bem triste, apesar de não demonstrar tanto. Se faz de forte, mas
observo que a qualquer mínimo sopro, pode cair. — Ela pegou em minhas mãos e acrescentou:
— Não posso mudar sua ideia de casar-se com Maximus, mas não negue quando tento te tirar
dessa bolha que se meteu.
— Não sei — falei, duvidosa.
— Pense nisso como uma despedida de solteira. — Ela fez o olhar de cachorro pidão e
concluiu: — Anda, Ceci, vamos curtir um pouco. Me deixa te levar para o mau caminho nem que
seja uma vez. — Não resisti e soltei uma risada.
— Tudo bem — cedi —, mas não reclame quando eu for uma péssima companhia e
começar a me lamentar pelas minhas escolhas.
— Não vou. — Ela pegou em minha mão e me levou para o andar de cima. — Vamos
escolher uma roupa bem safada para você.
— Está exagerando. Eu acabei de sair de um namoro e já entrei em um casamento, não
acho que seja necessário me vestir assim.
— Minha querida irmã, você precisa arrasar caso encontre um deles. — Meus olhos
saltaram. — E isso não vai te fazer desistir — concluiu.
Merda. Maju me conhecia muito bem, tanto que antecipou meus movimentos.
Pensar em encontrar Bernardo ou Maximus, me causava um embrulho no estômago.
Seria pedir demais, para Deus, que eu não encontrasse nenhum deles e pudesse curtir minha
noite em paz?
Aonde fui me meter aceitando sair do conforto da minha casa para ir à festa da cidade?

Maju segurava minha mão bem firme para não nos perdemos. Não seria uma boa ideia
nos afastarmos no meio de tanta gente.
Estava tão calor que me amaldiçoei por ter seguido a ideia de Maju em manter os cabelos
soltos e nem trazer nada que pudesse os prender.
A praça estava muito cheia, não dava nem para andar sem esbarrar em alguém, e o som
era bastante alto. Tudo o que desejava era ir embora para casa, aquele calor todo não me faria
bem.
Já passava da meia-noite e poderia dar a festa por encerrada. Tinha dançado com minha
irmã, chorado quando uma cantora cantou uma música que me lembrava Bernardo, e não tinha
encontrado ele e nem Maximus.
Também pudera, no meio de tanta gente, encontrar com os dois seria como procurar
uma agulha no palheiro. Ou seja, encontrar com um dos dois, ou ambos, seria muito azar.
— Maju, podemos comprar uma água? Preciso molhar meu pescoço. — Ela virou a
cabeça e me olhou preocupada.
— Está se sentindo mal?
— Ainda não, mas preciso me refrescar desse calor. Maldita hora que te escutei e não
prendi os cabelos.
— Isso iria estragar todo o seu visual. — Revirei os olhos.
Não podia negar que estava me sentindo, particularmente, muito bonita. Meu visual
compunha um short jeans de lavagem clara, botas estilo cowgirl e uma blusa curta vermelha para
combinar com meu batom.
A cor em meus lábios me deixava com um visual marcante. Como não costumava usar
muito aquela cor de batom, ficava muito chamativo.
— Você mirou no visual piriguete e acertou em cheio — comentei enquanto
caminhávamos pela multidão em busca de um vendedor ambulante.
— Besteira, mana. Está gostosa e quente — ela disse com um sorriso.
Não seria eu a contestar. Apesar do visual ser mesmo demais, eu me sentia uma
tremenda gostosa e isso fazia maravilhas com minha autoestima em frangalhos.
Conseguimos comprar a água com um senhor muito simpático e nossa intenção era ficar
mais um pouco e depois ir para casa, entretanto, justo naquele momento, uma das atrações
principais do evento estava prestes a entrar no palco.
Foi uma polvorosa e as pessoas ao nosso redor começaram a pular e gritar. E um
empurra-empurra generalizado iniciou para ver quem conseguia chegar mais perto do palco e ter
uma melhor experiência do show.
Tentei me manter no lugar e empurrar as pessoas ao meu redor, com o intuito de não
ser esmagada ou ser levada ao chão. Contudo, quando dei por mim, Maju não estava ao meu
lado.
Na certa, no meio da confusão, fomos separadas pelo tanto de pessoas que nos
rodeavam. Mas que inferno, era só o que faltava.
Olhei em volta, a buscando em desespero, mas sem sinal dela. Seria muito difícil
encontrá-la. O jeito seria tentar encontrar um local afastado do palco e ligar para ela.
Com muito custo, consegui encontrar um ponto com menos barulho e com menos
pessoas. Agora teria que torcer para que minha irmã escutasse o telefone.
— Merda. Por que não fiquei em casa? Se ela não me atender, como vou embora? Ela é
a minha única carona — murmurei para mim mesma.
Estava tão distraída, mexendo no celular e andando que nem me dei conta do caminho
à minha frente e bati de frente em alguém.
Antes que minha bunda pudesse encontrar o chão maciço, mãos fortes envolveram
meus pulsos e evitaram a queda. Murmurei um obrigada, contudo, quando vi de quem se tratava,
me arrependi de imediato.
— Ceci! Ai, meu Deus, nem acredito que vou poder falar contigo — Bernardo disse
atropelando as palavras.
— Eu não tenho nada para falar com você. Acho que deixei isso bem claro quando não
te atendi ou respondi — afirmei ácida.
O ódio e raiva que sentia era tão grande que seria capaz de bater nele, no entanto, nem
valia a pena o esforço. Ele não merecia nenhum tipo de reação.
Os olhos dele pareciam tristes e seu semblante cansado, contudo, me recusei a sentir
pena. O que fez comigo foi uma puta de uma sacanagem, não tinha perdão.
— Sabe que precisamos conversar.
— Foi bem claro quando me deixou sozinha para lidar com tudo quando mais precisei.
Poderia ter aberto o jogo comigo antes — retruquei, nervosa.
— Eu não consegui ir — disse, remexendo as mãos.
— Isso eu já sei e não me importa. — Desviei o olhar e mexi no celular, achando o
número da minha irmã.
— Importa, sim. Eu te amo, Ceci. Só não consegui suportar arcar com uma
responsabilidade tão grande — ele disse, pegando em minhas mãos.
— Você é um idiota egocêntrico. Quero que fique longe de mim! — declarei em tom
altivo.
— Eu não vou. Irei fazer de tudo para recuperar seu amor.
— Vou me casar. Quero que fique longe de mim! — repeti, tentando me afastar dele e
de suas investidas.
Era muito perigoso estar tão perto de Bernardo e tão vulnerável como eu estava. Poderia
ceder e me arrepender depois.
Bernardo era um covarde por ter feito o que fez. Jogou fora tudo o que sentíamos um
pelo outro e agora vinha com essa de reconquistar? Eu não era um brinquedo para ele usar e ter
quando queria.
Quando se deu conta do que disse, deu um passo para trás, seus olhos verdes, chocados,
me fitavam de volta. Era como se não acreditasse de que fui capaz de aceitar a proposta de
Maximus.
— Tá brincando comigo, né?
— Não. Eu não poderia te esperar para sempre. Minha família depende de mim e tomei
a decisão mais acertada. — Bernardo estava em choque, assim como no dia em que lhe contei
sobre essa ideia de minha mãe.
— Você se vendeu. Não perdeu tempo, hein? — disse.
— Não me vendi porra nenhuma! Jamais irei deixar minha família na mão. Onde eu
moraria, te esperando? Na rua, talvez? — alfinetei.
— Se vendeu mesmo, que caralho, Ceci. — Não aguentei mais e enfiei um tapa bem dado
em seu rosto.
Minhas pernas tremiam com o confronto. Era a segunda vez que eu calava a boca de um
imbecil escroto por achar que poderia faltar o respeito comigo.
Primeiro, o Maximus, e agora, Bernardo. Maju ficaria orgulhosa, e ele mereceu.
— Nunca mais fale comigo e nem chegue perto de mim — eu disse, trêmula.
Bernardo segurava o rosto, que começava a ficar vermelho, em choque. Eu nunca fui
agressiva com ele e com ninguém, devia ser uma grande surpresa revelar esse meu lado, até
então, inexistente.
— Ceci, eu, me per...
— Esse moleque tá te incomodando, Cecília? — Escutei a voz grave de Maximus,
interrompendo Bernardo, atrás de mim e fechei os olhos.
Era só o que me faltava, a presença de Maximus para fechar o pacote.
— Vai embora daqui, seu filho da puta. Você roubou a minha namorada!
— Você a abandonou. Que tipo de homem acha que é? Para ser homem lhe falta muito
— Maximus respondeu calmamente.
O rosto de Bernardo ficou enfurecido, pensei dele falar alguma coisa, mas ele não disse
mais nada. Viu que Maximus não estava para brincadeiras e bateu em retirada, me fitando pela
última vez.
— Eu não precisava que aparecesse como um herói de capa vermelha — o informei e
ele sorriu.
— Eu sei disso, mas gosto de ser um herói da capa vermelha — respondeu sorridente,
revelando dentes perfeitos e muito brancos.
Revirei os olhos e decidi o ignorar. Liguei para Maju e ela não me atendia. Inferno!
— Merda! — falei com raiva. — O que faz aqui ainda? Vá embora. Sua boa ação do dia
já está feita — concluí com raiva.
— Estou esperando para ver o que está fazendo aqui sozinha. E para quem tanto liga?
— Pensei que, como todo bom espião, você saberia. — Seu sorriso se ampliou.
— A parte de espionar seu celular fica para quando nos casarmos. — Seu tom era
brincalhão.
O sorriso dele era enorme e tive vontade de sorrir também, no entanto, não iria ceder
para ele. Além do mais, tinha que encontrar minha irmã ou então morreria andando até a fazenda.
— Minha irmã sumiu, e ela é minha única carona — cedi a informação de boa vontade. Até que
uma ideia surgiu. — Ei, senhor herói da capa vermelha, você vai me levar para casa — declarei, e
Maximus cruzou os braços.
— Me dando ordens, senhorita?
— Sim. Agora seja útil e me leve para casa — proferi, me virando e escutei satisfeita que
ele me seguia.
Peguei meu celular e enviei uma mensagem para Maju, avisando para onde iria e com
quem. Só esperava não me arrepender, pois Maximus cedeu fácil demais.
Capítulo 14
Max

A música no carro tocava baixinho e preenchia o silêncio que tomava o interior do


veículo. Os acordes de “Pais e filhos” me fazendo cantarolar para mim mesmo.
Desde que encontrei, por acaso, Cecília na festa da cidade e recebi sua ordem de a levar
para casa, não tínhamos dito mais nada.
A cada vez que eu me encontrava com ela, fosse por acaso ou não, ficava mais surpreso
com sua personalidade. O que pensava que poderia me irritar, me deixava cada vez mais
interessado.
Hoje não foi diferente. De início, ela queria me afastar, no entanto, viu que não teve
alternativa e me deu a ordem de a trazer em casa, o que o fiz com todo o prazer.
Quando passamos pelos portões da Milênio, já passava de uma da madrugada e a casa
inteira estava no mais completo breu.
Percebi que Cecília estava doida para que eu estacionasse o carro para que ela pudesse
correr para dentro de casa como um coelho assustado.
Se remexia inquieta no banco e não parava de olhar para o celular como se ele tivesse
todas as respostas para seus problemas.
— Curtiu sua noite? — perguntei, estacionando em frente à casa e desligando o carro.
— Pensei que soubesse todos os meus passos — falou, mexendo na ponta dos cabelos
e bebendo o gole d’água da garrafa que mantinha em mãos desde que saímos do evento.
Cecília era linda e gostosa. A roupa que usava era diferente das habituais, e somado ao
batom chamativo em seus lábios eram um convite para minha mente pervertida pintar diversos
cenários eróticos. Não conseguia parar de pensar em sua boca voluptuosa pintada de vermelho
envolvendo meu pau. Subindo, descendo, lambendo, sugando cada gota de porra que escorresse.
— Obrigada pela carona. Já está tarde e tenho que entrar — murmurou, soltando o cinto
e saindo do carro.
Suas ações me fizeram despertar de meus devaneios e saí também, indo atrás dela.
— Achei que não tinha opções a não ser te dar a carona — a provoquei.
Ela virou-se para mim, me fitando com curiosidade e uma pitadinha de bom humor
cintilando em seu olhar.
— Mesmo sendo ordens, sou educada de agradecer.
— Poderia agradecer de outra forma — sugeri, e uma ruga surgiu em sua testa.
— Você não presta mesmo, senhor Maximus — afirmou.
— Ou então, poderia ter me dito que ia sair — falei como quem não quer nada.
Cecília pôs as mãos na cintura. Era engraçado e divertido a deixar irritada, era tão fácil.
— Eu mereço mesmo. Uma hora dessas escutar essas idiotices… — disse, olhando para
o céu.
— Serei seu marido logo, logo, é o mínimo — a informei, dando de ombros.
— Não será meu dono. E não pense que pode me ver como propriedade, Maximus, ou
farei de sua vida um inferno — retrucou se virando.
Mal deu dois passos e a segurei pelo pulso. Sua pulsação acelerou de imediato e a minha
também como resposta, como em sincronia.
A fitei longamente. Ela foi a primeira a desviar o olhar, seu rosto colorido de carmesim,
e seus olhos pousaram na minha mão a tocando.
— Te vejo como minha e também não vou admitir que fique de conversa com o banana
do seu ex. — Ela deu um puxão e se desvencilhou do meu toque.
— Que ousadia a sua. Eu converso com quem eu quiser — respondeu. — Tem medo de
ser corno, senhor Maximus? — ronronou, me provocando.
A olhei com raiva e cheguei muito perto dela, que deu passos para trás até não poder
mais, suas costas batendo na parede de sua casa.
— Quando provar o que tenho para te oferecer, nem vai pensar em trepar com outros
homens, Diabinha, serei suficiente para você.
— O senhor é muito convencido — ela disse, tentando me enfrentar.
Diferente de antes, Cecília sustentou meu olhar, me manteve cativo e suas provocações
que não ajudavam em nada a abrandar o fogo que me consumia só por estar perto dela.
— Eu sei que sou foda. Quer pagar para ver? — a provoquei.
— Não se atreva a encostar em mim. Eu não quero nenhum tipo de contato com o senhor
— respondeu, porém, era visível a inverdade de suas palavras.
Pequenos e sutis sinais que Cecília demonstrava, me dava noção de que o mesmo fogo
que me consumia, ardia também nela. Porém, a Diabinha era orgulhosa, jamais admitiria.
Me aproximei ainda mais, a deixando encurralada contra a parede e pus uma mão muito
perto de sua cabeça me abaixando para falar bem perto dela. Minha respiração soprando seus
cabelos e tocando-lhe a face.
— Vai adorar ser fodida por um homem de verdade e não por um que se diz ser. Tenho
tantas ideias para te dar prazer, que tenho certeza de que arrepiaria até seu último fio de cabelo
se escutasse — sussurrei em seu ouvido, observando com prazer sua pele se arrepiando.
Seu peito subia e descia rapidamente e sua boca estava entreaberta, sugando o ar para
os pulmões.
— Você quer, minha doce Diabinha? — murmurei lhe tocando a face, sendo mais ousado
e descendo minha mão para seu pescoço.
— Eu... — Antes que ela pudesse concluir a frase, me afastei e me despedi dela, subindo
no carro e dando a partida.
Por muito pouco que não a beijei novamente, contudo, não queria correr o risco de
acontecer a mesma coisa do dia do jantar.
Cecília não iria admitir que também me desejava. Ela teria que se dar conta e ter seu
desejo construído até o limite para então implorar pelo que tanto queria. E confesso que esse
jogo eu sei jogar bem.

Me olhei no espelho analisando minha imagem refletida, trajado em um terno sob


medida.
Ele se ajustava perfeitamente as minhas formas e, como disse a estilista, a cor era
perfeita para um casamento diurno.
Por mim, usaria qualquer um que estivesse disponível no meu guarda-roupa, a qual
utilizei em outros eventos, mas Xavier insistiu que tudo tinha que ser feito dentro dos conformes.
Ajeitei minha gravata, de um tom bem clarinho, e percebi o quão bem o terno se
ajustava ao meu corpo, as mangas dele e as calças também se aderiram como uma segunda pele,
dando um toque mais moderno.
— Olha só. Lá vem o noivo — Xavier comentou ao entrar no quarto, em que me
arrumava, gozando da minha cara.
— Mesmo arrumado, ainda posso te dar uma surra.
— Até com esse cabelo lapado no gel? — questionou, tirando onda comigo.
— Vai se foder — eu disse, mostrando o dedo do meio para ele.
— Caralho, você se casando. Vivi para ver isso.
— Você já iniciou os trabalhos na Milênio? Não quero esperar mais.
Com a chegada do casamento, o combinado era que as terras seriam estudadas para nos
dar uma resposta do porquê o solo infértil e, quem sabe, mudar aquele cenário.
Suzana nem ligou quando viu o dinheiro em sua conta, despesas da fazenda pagas e o
nome do seu marido livre de dívidas era o que importava.
Na certa, ela devia pensar que tirou a sorte grande com o casamento de Cecília e que o
poder estava em suas mãos, todavia, teria uma surpresa.
Cada centavo gasto com despesas da casa era monitorado por mim. Despesas extras não
eram inclusas. A mesada que Suzana receberia não era lá grande coisa e não aceitaria que viesse
me pedir mais. E para concluir, nem tão cedo as terras teriam renda, portanto, demoraria um
tempo para que recebesse a porcentagem.
E ainda tinha um adendo sobre as terras. Se eu conseguisse comprovar que existiam
diamantes lá, não iria incluir isso no trato que fiz com Suzana.
— Sim. A partir de segunda os especialistas chegam.
— E o geólogo?
— Também — assegurou.
— Isso tem que ser no mais absoluto sigilo. Não quero ninguém sabendo dessa
informação.
— Nem mesmo sua esposa? — Xavier indagou, arqueando uma sobrancelha.
— Nem ela. Pode contar para a língua grande da irmã e pôr tudo a perder.
— Já começa o casório com um segredo — debochou, batendo palmas.
— Ela vai ser minha mulher, não minha confidente. — Xavier revirou os olhos.
— Agora entendo por que você nunca foi bom com relacionamentos, não sabe de nada.
— Cala a boca — falei de saco cheio.
— Bom, mudando de assunto, os seguranças já estão em todos os lugares do salão,
incluindo, onde sua noiva está. — Assenti para o assegurar que o escutei e peguei do meu guarda-
roupa o presente que comprei para Cecília.
Guardei a caixa retangular em meu paletó e me virei para Xavier.
— Ela não perguntou o porquê?
— Por enquanto, não. Digamos que sua noiva não é a das mais felizes. — Me deu um
sorriso irritante.
— Ela vai se acostumar tanto com a segurança quanto com o casamento.
— Bom, isso porque você não contou a ela que terá que andar com seguranças como se
fosse sua sombra. — Dei de ombros.
— Prefiro não arriscar a vida dela — declarei.
Desde a morte do peão em minha fazenda, não tinha um lugar em que um dos armários
não estivessem, e eu preferia assim até que esse bandido fosse pego pela polícia, ou por mim, o
que viesse primeiro.
— Vou entregar o presente para ela — falei com o intuito de dissipar o assunto. Não
quero algo tão pesado pairando sobre a minha cabeça.
— Ai, que fofo, comprando presentes para a noivinha feliz. Olha quem está apaixonado.
— Fuzilei Xavier com os olhos.
Era uma merda que ele bancasse o engraçadinho justo nesse dia. Típico dele.
— Vai se foder — proferi e marchei até a porta, a abrindo e saindo.
— Ei, mano, não pode ver a noiva antes do casamento, dá azar! — gritou, mal escutei,
eu já estava um pouco longe para que falasse em um tom normal.
Ainda de costas, mostrei o dedo do meio para ele e segui meu caminho.
Capítulo 15
Cecília

Os dias passaram voando e logo o dia do meu casamento chegou. Não era um dia tão
esperado por mim, porém, mesmo assim, era inevitável não estar nervosa.
Ao contrário do que Maximus e Xavier planejavam, a cerimônia e a festa iriam acontecer
na fazenda dele, em um espaço reservado para eventuais festas, e não em um salão na cidade.
Após perturbar Maximus, o enchendo com mensagens com a ideia de algo simplista, tive
a opção de escolher. O casamento não seria visto como um circo para a mídia e me recusava a
colaborar com essa palhaçada.
Quando a notícia do casamento relâmpago vazou, me vi em uma situação ao qual não
gostei nenhum pouco de passar.
Fotógrafos me seguindo, enfiando celulares em frente ao meu rosto em busca de
qualquer resposta as suas perguntas curiosas e, muitas das vezes, maliciosas.
Fiquei aterrorizada pela falta de noção daquelas pessoas, e Xavier trouxe a solução de
manter a mídia afastada do casamento. Isso piorou muito, pois as notícias que saíam, por conta
dessa decisão, não foram das melhores.
Contudo, eu preferia passar por essa situação sem ser capa de uma revista, do que já
estar nervosa e ter mais essa pressão adicionada ao pacote.
A porta se abriu e vi minha irmã entrando. Percebi que estava sorridente, no entanto,
parecia ser algo forçado. Não tinha nada de feliz nesse dia.
— Como você está linda, Ceci — ela disse, tocando em meu vestido.
Assenti, enquanto ela me ajudava com o véu. A mulher refletida no espelho não parecia
comigo, era como se eu estivesse fora do meu corpo observando todos os acontecimentos.
Impotente e de mãos atadas.
Minha maquiagem era em tons claros e o batom de um rosa bem clarinho. Desde minha
maquiagem até meu vestido tinha que estar de acordo com a proposta do casamento.
Por ser na fazenda em uma cerimônia diurna, não poderia carregar nos tons da
maquiagem e não poderia ter muito brilho no vestido. Meus trajes eram ideais para um
casamento romântico no campo. O vestido tinha um profundo decote nas costas, todo forrado
em Jersey e bordado com renda. Era todo moderno e detalhado com contas e cristais Swarovksi
que valsavam sobre ele.
Me virei e tive uma visão plena das costas do vestido, que foram a parte que me fizeram
cair de amores por ele. Tinha um fio com pequenas contas bordadas que deslizava por toda a
região da minha coluna, que criavam um visual deslumbrante.
Meus cabelos estavam soltos com pequenos cachos nas pontas, livre de qualquer
penteado, e uma tiara adornava o topo de minha cabeça.
Apesar de estar muito bonita, eu não me sentia feliz. Não estava me casando por amor
e o homem que seria meu marido era um grosseirão que se achava dono de tudo e todos.
Confesso que sentia algum tipo de atração bizarra por Maximus e a prova disso foi a
nossa despedida pós festa da cidade. Toda a tensão entre nós era palpável e, por mais que eu
quisesse fingir que não tinha nada, seria muita cara de pau da minha parte negar.
Porém, sentir atração não era algo forte o suficiente para tentar iniciar uma relação. E eu
nem queria ter relação alguma com ele, não facilitaria em nada sua aproximação.
— Ei, não chora, meu amor — Maju disse, limpando uma lágrima que escorreu por meu
rosto sem que me desse conta.
— Eu não vou ser feliz com ele, Maju —reclamei.
— Então não se case. Já te disse que podemos fugir, nós duas — sugeriu, mas neguei
com a cabeça.
Mesmo não querendo aquele casamento, sabia que era o certo a se fazer. Durante os
dias anteriores, vi toda a mudança de dinâmica em nossa casa.
Contas em dia, e não só as despesas mensais, mas também as que meu pai deixou
quando se foi. Não poderia voltar atrás e pôr tudo a perder. Maju não merecia isso.
— Eu não posso desistir.
— Não me importo que ele pagou tudo, Ceci. Não vou conseguir te deixar casada com
um homem detestável como Maximus.
— É assim que tem que ser. Por vocês. — Maju suspirou e mordeu o lábio.
— Eu vou respeitar isso. Mas quero que saiba que a primeira reclamação sua, eu vou te
tirar daqui em um piscar de olhos. — Forcei um sorriso e a abracei.
Engoli o choro para não estragar de vez a maquiagem e tentei ver o lado bom disso.
Maximus se enjoaria de mim facilmente, ainda mais que eu não estava disposta a ceder em seu
joguinho.
Estava até planejando em lhe fazer uma proposta, a de que me deixasse em paz e ele
poderia continuar sua vida de solteiro, fodendo a mulher que quisesse. Eu não me importaria, só
queria ser deixada em paz.
— Combinado — sussurrei baixinho.
— Bom, vou deixar você terminar de se ajeitar e chamarei a maquiadora para retocar
sua maquiagem, chorona — ela disse, forçando um sorriso.
Tão rápido quanto chegou, Maju saiu do cômodo, me deixando sozinha. Voltei a olhar
para o espelho, ajeitando minha tiara e analisando novamente minha imagem.
Eu estava muito linda, vestida ricamente com o vestido dos sonhos de qualquer noiva.
Entretanto, o peso em meu peito era o responsável pelo meu brilho se apagar.
Respirei fundo e decidi não pensar mais em associações de casamento com algo
romântico. Não me levaria a lugar algum. Já tinha feito a minha escolha, o que me restava era
aceitar de uma vez.
Escutei o barulho da porta, mais uma vez sendo aberta, e se fechando. Pensei que fosse
a simpática mulher que me maquiou, ou até mesmo, Maju que esqueceu de alguma coisa.
Fiquei surpresa ao ver que era Maximus que estava atrás de mim. Nossos olhares se
encontraram através do espelho. Os seus em brasa, desejosos e encantados. Os meus
amedrontados e com uma centelha de tristeza.
— O que faz aqui? Não sabe que dá azar ver a noiva antes do casamento? — questionei,
me virando e ficando frente a frente com ele.
Mesmo não querendo admitir, Maximus estava muito bonito com seu terno em tons
claros feitos sob medida, sapatos sociais da cor preta e cabelos bem penteados para trás.
— Está mais bela do que nunca. Parece um anjo. — Revirei os olhos com seu elogio,
apesar de uma pequena parte de mim ter ficado satisfeita por ter escutado.
— Escutou o que eu disse? Não pode estar aqui.
— Fica uma gracinha acreditando nessas superstições. Xavier me disse a mesma
baboseira — comentou com um meio sorriso.
— Ótimo. Já que se recusa a sair, que seja. É bom mesmo que esse casamento seja
fadado ao fracasso. — Virei para o espelho decidida a ignorá-lo.
— Vim lhe trazer um presente, Diabinha — ele disse, e lhe lancei um olhar enviesado.
— Pensei que eu era um anjo.
— Quando abre a boca parece mais um diabo mesmo.
Maximus chegou bem perto de mim, mexendo em seu paletó. Tirou uma caixa retangular
de lá e a abriu. Vislumbrei uma linda gargantilha de diamantes com safiras em meio ao veludo
negro da caixa.
Fiquei de frente para Maximus para analisar melhor o presente tão bonito. Deveria ter
custado uma fortuna. Ele tinha um bom gosto.
— Em outras culturas, dizem que para se dar sorte no casamento é necessário que a
noiva tenha algo azul com ela. Apesar de já ter o colorido dos seus olhos, achei que precisasse de
algo material — concluiu com as írises brilhando.
Minha boca se abriu por tamanha surpresa quando fui atingida por suas palavras. Jamais
imaginei que ele fosse capaz de tamanha delicadeza.
Tratei de esconder qualquer emoção que pudesse ficar visível e montei a melhor
expressão de desdém.
— Tentando me comprar com presentes caros? — indaguei, colocando a mão na cintura.
— Eu prefiro dizer que é um mimo pela alegria que está me proporcionando.
Quis continuar rebatendo seu discurso e dizer que ele não me enganava ao mencionar
que sentia algo por mim. Se alguma emoção passava em seu coração, era a respeito somente a si
mesmo.
No entanto, quando abri a boca para responder ele, fez sinal com o indicador para que
eu me virasse. Bufei frustrada e fiz o que pediu.
Pus o véu de lado, peguei meus cabelos com uma mão e Maximus prendeu a gargantilha
em meu pescoço com habilidade. Mesmo eu não querendo admitir, ficou perfeito em mim.
— Lindo e delicado como você — proferiu, com as duas mãos em meus ombros.
Mesmo com o tecido do vestido impedindo o toque de pele contra pele, ainda assim,
senti o pequeno e breve contato, queimando cada fibra do meu ser.
Nossos olhos se encontraram mais uma vez pelo reflexo do espelho e neles estavam
refletidas diversas emoções: desejo ardente, curiosidade e mais do que tudo o receio da entrega.
— Confesso que gostei dessa parte do vestido. A Diabinha é ousada — ronronou
enquanto uma de suas mãos se esgueirava para baixo, onde uma faixa de minha pele estava
exposta.
Senti um arrepio percorrer minha coluna e fechei os olhos, incapaz de ver o que ele fazia
com um simples toque e eu me rendendo que nem uma idiota, incapaz de fazê-lo parar.
— Te vejo daqui a pouco, Diabinha, não se atrase — sussurrou baixinho em meu ouvido,
sua respiração quente batendo em meu rosto.
Maximus saiu do quarto da mesma forma que entrou, como um furacão destruindo
tudo, incluindo a mim mesma que não sabia explicar como foi que o deixei chegar tão perto de
mim mais uma vez.
Ao som de “When you say nothing at all” fiz minha marcha pelo tapete colocado na
grama da fazenda, com minha mãe ao meu lado.
Como meu pai estava morto e não tínhamos um homem que pudesse representar meu
pai, a escolha mais sensata foi ela.
Dona Suzana caminhava altivamente com meu braço preso ao seu. Estava orgulhosa por
eu ter fisgado um belo partido. Bom, minha opinião era bem diferente quanto a isso.
A nossa frente, duas crianças, um menino e uma menina, filhos de trabalhadores da Boa
Esperança, caminhavam tranquilamente como nossa daminha e pajem. Eram tão fofos que dava
vontade de apertar suas bochechas.
A decoração para a cerimônia foi tudo o que disse que queria, usando elementos
naturais do ambiente, sem carregar muito, os usando respeitosamente. A grama, flores e as folhas
no chão sendo responsáveis por criar um cenário bucólico e charmoso.
A cerimonialista optou por usar arcos de madeira sobre os quais pendiam ramos e flores.
Pequenas pétalas de rosa espalhadas pelo tapete que se movimentavam sobre meus pés quando
eu andava. O altar era composto por uma mesa vintage repleta de flores vermelhas e pequenos
jarrinhos com plantas.
Para que os convidados ficassem acomodados, cadeiras em madeira rústica com
pequenos buquês de flores vermelhas presas nas cadeiras das pontas, foram colocadas em frente
ao altar.
Maximus me esperava adiante com Xavier de um lado, pastor Francisco no outro, e
minha irmã com uma careta de quem comeu algo estragado. Volta e meia, lançava olhares
fulminantes para Maximus. Se olhares pudessem matar, digamos que ele estaria morto no dia do
casamento.
Não tínhamos padrinhos, me recusei a isso e Maximus aceitou numa boa. Aquilo tudo
era uma farsa e não um casamento de verdade para mim. Xavier e minha irmã serviriam como as
duas testemunhas que precisávamos.
A cinco passos de distância, meu nervosismo só aumentava. Minhas mãos suavam tanto
que tive que segurar o lindo buquê de rosas vermelhas com muito mais força. Meu estômago
estava embrulhado.
Minha mãe pegou meu buquê e me entregou para Maximus, que pegou em minha mão
me colocando ao seu lado. Ainda bem que tive o apoio, não estava muito certa sobre a força de
minhas pernas.
Maximus beijou minhas mãos unidas e sorriu amplamente para mim. Seu olhar dizendo
muito mais do que mil palavras. Ficamos de frente para o pastor e a cerimônia se iniciou.
Tudo transcorreu bem com o senhor Francisco discorrendo os benefícios que um bom
casamento trazia para a vida de duas pessoas. Falando sobre amor, união e fidelidade. Coisas que
eu duvidava seriamente que haveria em nosso casamento, sabia que Maximus seria incapaz de
sentir e, muito menos, ser fiel.
Repetimos as palavras ditadas por ele na troca de aliança, Maximus deixando um beijo
ao colocar o anel em mim, o que me recusei a fazer.
Quando o pastor findou a cerimônia, Maximus me pegou de surpresa, tascando um beijo
digno de filmes em mim.
Seus lábios indecentes moldando os meus, sua língua entrando em minha boca
encontrando a minha, fazendo um fogo subir por meu corpo e esquecer que não estávamos
sozinhos.
O beijo em si remetia a posse e com um gosto de promessas do que viriam dali por
diante. Pela primeira vez em muitos dias, senti receio de não conseguir ser forte e dar segmento
ao meu plano de me recusar a transar com ele.
Quando nos afastamos, ouvia bem ao longe as palmas dos convidados e incentivos a
felicidade dos noivos. Corei de vergonha e senti meus lábios formigarem, os toquei e os senti
inchados por conta do beijo exigente de Maximus.
Ele ainda estava muito perto de mim e sorria, se divertindo por me ver tão afetada por
causa de um beijo.
— Toda minha — disse, por fim.
Me abraçou e saímos do altar. Ele visivelmente satisfeito e eu irritada por não ter sido
mais forte.
Capítulo 16
Max

A festa estava maravilhosa. Muita comida e bebidas liberadas e decoração impecável. Os


convidados pareciam muito satisfeitos e o espaço que utilizamos acomodou todos perfeitamente.
Estava conversando com Xavier e mais um amigo de negócios que morava no Rio de
Janeiro sobre um jantar que aconteceria depois das festas de fim de ano, e que era necessário
que grandes empresários do ramo agropecuário comparecessem, incluindo eu.
Cecília estava ao meu lado, sua expressão não era uma das melhores, estava entediada
e encobria tudo com um sorriso falso.
Quem via de fora, parecia estar realmente interessada no assunto, no entanto, como eu
a observava, volta e meia como um falcão, percebi que tudo era fachada e só estava ao meu lado
como mera formalidade.
— O que há com esse rostinho lindo e essa pequena ruga aqui? —perguntei, apontando
para o meio de sua testa.
Cecília colocou uma expressão carinhosa em seu rosto e, discretamente, bateu em meu
dedo.
— Não te importa, querido marido — sussurrou baixinho, sorrindo demais.
— Ora, mas vai entender essas mulheres que não ficam satisfeitas com uma
demonstração de carinho. — Aproveitei a oportunidade e a puxei para meus braços lhe dando
um beijo rápido na boca.
Com o canto do olho, vi Xavier e o outro cara indo embora discretamente. Mal ouvi o
que disseram, muito concentrado nos olhos azuis profundos a minha frente.
— Não quero que me beije assim o tempo todo — disse entredentes.
— Somos recém-casados, nunca ouvi falar do tanto de fogo no rabo que temos que ter?
É quase como uma obrigação — falei, a provocando.
— Patife. Se continuar tocando em mim assim, vai se arrepender — respondeu, os olhos
virando duas fendas, me fuzilando com o olhar.
— Hum. Eu amo uma mulher feita na pimenta. E tenho que lembrar que não se opôs
quando te beijei no altar, muito pelo contrário, que retribuiu e queria mais?
— Você é um imbecil. Eu só fiz isso por mera formalidade.
— Ser sonsa não combina com você — falei, tocando o seu nariz. Ela revirou os olhos e
se desvencilhou dos meus braços.
— Para mim já deu. Eu vou para o quarto e tirar esses saltos que estão me matando.
— Ansiosa para a lua de mel, Diabinha? — murmurei, não perdendo a chance de
continuar a provocando.
— Só nos seus sonhos. Não se atreva a pensar em sexo e fique longe do quarto —
retrucou e saiu sem me dar o direito de uma resposta.
Cecília saiu batendo os pés para bem longe de mim, indo direto para dentro da casa.
Por sorte, já tínhamos feito nossa valsa como noivos, do contrário, a pequena diaba iria me
deixar em maus lençóis perante a todos.
Não me importava muito com opinião alheia e justamente por isso iria ficar mais um pouco na
festa, confraternizando e fazendo um pouco de social para os convidados, depois iria atrás de
Cecília.
Se ela pensava que me evitaria pelo resto de nosso casamento, estava enganada. Eu era
muito melhor nesse jogo de vontades do que ela.
Não a obrigaria fazer nada que não quisesse, Deus me livre ter que forçar uma mulher a
transar comigo. O que eu faria era deixá-la louca de desejo por mim, tanto que ela mesma iria
implorar.

Entrei em casa e encontrei Tereza com uma bandeja de petiscos em mãos. Fiquei
confuso, contratei pessoas próprias para isso, não tinha necessidade de ela fazer nada.
— Posso saber o que a senhora está fazendo com isso ao invés de estar curtindo a festa?
— Os garçons são uns incompetentes. Servem algumas pessoas e esquecem de outras.
Uns pomposos que fazem pouco dos peões e suas famílias. — Torci os lábios.
Não gostava que tratassem mal quem prestava serviços para mim, por isso fiz questão
de convidar cada pessoa que trabalhasse comigo na fazenda e fora dela, além de amigos de
negócios e pessoas influentes.
Indo contra Xavier, que disse para não chamar os peões, senão a festa iria se tornar um
caos, fiz questão de todos eles presentes. Reconhecia que sem eles não teria tudo o que tinha, e
não gostava de fazer distinção entre pessoas de classe alta e trabalhadora.
Eu não era do tipo de pessoa que deixava a riqueza subir à cabeça. Apesar de ter bastante
dinheiro, não deixava de ser um homem humilde, do tipo que apreciava morar em uma fazenda
quando podia morar na cidade. Do tipo que pegava no pesado sem necessidade.
— Diga a Xavier que eu ordenei que essas pessoas façam o trabalho direito e que quero
o telefone da empresa contratada. Quero falar com eles sobre o péssimo serviço.
— Farei isso, meu menino. Tenho que te dizer uma coisa não tão boa, desculpe, meu
filho. — Cruzei os braços, preocupado.
— Logo no dia do meu casamento, Tetê — falei aborrecido.
— É importante, é sobre sua mãe. — Meu corpo enrijeceu.
Fazia alguns meses que ela não ligava para saber de mim, só o que interessava era
mandar alguém ligar a mando dela para pedir mais dinheiro. E, para meu desagrado, sempre era
um dos seus jovens amantes.
— O que ela quer agora? Ligou pessoalmente ou mandou alguém?
— Ela mesma. Como você não atendia, ligou para mim, pois sabia que o recado chegaria
rápido.
— Não estive com o celular o dia inteiro — respondi.
Ainda bem por eu não estar com o aparelho, seria uma grande merda falar com ela
justamente nesse dia.
— Ela soube do casamento, meu filho. Se fez de ofendida e disse que está voltando, já
que não manda mais dinheiro — Tereza disse calmamente, com receio da minha reação. Em seus
olhos vi solidariedade e carinho refletidos.
Tereza sabia dos conflitos entre minha mãe e eu, sabia como era a tratativa e a mágoa
que tinha dela.
Desde que meu pai começou a ganhar muito dinheiro, minha mãe mudou muito. A
mulher, antes simples e humilde, se tornou alguém que já não reconhecia como minha genitora.
Era questionável se ela sempre foi assim, mas disfarçava.
Ambiciosa, dona Marisa começou não só a negligenciar seus deveres como esposa, mas
também como mãe. Começou a trair meu pai com homens que tinham idade para serem seus
filhos nas viagens que fazia, e pouco se importava se o fazia sofrer ou não.
Meu pai ficou muito triste por conta disso, afinal, ele a amava, se casou com ela quando
tinha apenas dezoito anos, construíram tudo juntos, foi um golpe muito grande para ele, que não
aguentou saber de mais uma traição dela bem debaixo de seus olhos com um peão qualquer.
Quando meu pai morreu, fiquei devastado e toda a guerra com minha mãe começou. Eu
era muito jovem, entretanto, em seu testamento, meu pai deixou o controle de tudo para mim.
Me ensinando desde cedo como cuidar de cada negócio.
Por isso, eu tinha pavor de perder o controle de qualquer situação, por isso demorei
muito para me casar e só o fiz porque se tratava de algo que me beneficiaria e era o sonho do
meu pai. Porque eu me recusava a colocar minha vida nas mãos de uma mulher.
Vi meu pai sofrendo e jamais aceitaria passar pela mesma coisa que ele passou. Ser
assim, tão vulnerável. Por isso, eu sempre pensava que a pior fraqueza de um homem era ser
tomado por sentimentos fúteis.
Tudo para mim se resumia a um jogo de negócios. Foi assim e sempre será. A
racionalidade já me salvou diversas vezes e assim seria para o resto da minha vida.
— Que filha da puta! — exclamei revoltado.
Queria impedir sua entrada na fazenda, mas sabia que fazendo isso lhe daria o que
queria, que era o posto de vítima. Na certa, Marisa faria um escândalo exigindo entrar.
— Calma, meu menino. — Em um segundo, Tereza estava ao meu lado. Largou a bandeja
na mesa de centro e me abraçou. — Não siga pelo caminho que ela quer. Você é melhor que isso.
Respirei fundo, sabendo que Tereza estava certa, me deixar levar pela raiva só me
atrasaria e me faria tomar decisões ruins.
— Aproveite seu casamento com sua esposa. Ela é tão linda e doce, meu menino,
excelente escolha. — Consegui sorrir em meio à turbulência. Pelo visto, Tereza gostou de Cecília.
— Não tem como saber se tomei a decisão certa, Tetê.
— Eu sei que sim. Sinto que essa menina vai trazer muita coisa boa para você. — Revirei
os olhos.
Tereza e seu romantismo incurável.
— Ela me disse que não queria saber mais da festa. Você a viu por aqui?
— Passei por ela mais cedo, me perguntou onde seria o quarto que ficaria e quando a
mostrei, foi para lá. Deve estar descansando.
—Vou até lá. Obrigado, Tereza — falei, me afastando dela.
Quando comecei a subir as escadas, Tereza falou algo que me fez parar no meio do
caminho.
— Menino, por que tive a impressão dela achar que vai dormir longe de você?
— Porque ela acha isso, Tetê, mas não se preocupe, Cecília vai saber que não será assim
— informei e me virei para continuar a subida.
Não demorou muito para eu chegar na suíte principal e encontrar Cecília abrindo sua
mala em cima da cama. Somente de ter sua imagem preenchendo meu campo de visão, era o
suficiente para dispersar qualquer aborrecimento que tive quando soube de minha mãe.
— Vejo que minha querida esposa já está ficando à vontade — comentei quando a vi
tirando um baby doll preto da mala.
— O que faz aqui? — perguntou, segurando as peças finas em frente ao corpo como se
fosse uma armadura.
— Lá embaixo estava chato sem você. Pensei de estar se sentindo solitária e vim lhe fazer
companhia — declarei sorrindo enquanto tirava minha gravata.
— Eu não pedi sua companhia, quero ficar sozinha — retrucou, dando passos para trás
em direção ao banheiro.
— Impossível. Ou pretende me evitar pelo resto de nossas vidas? — perguntei
calmamente. Tirei os sapatos sem nem ao menos me abaixar e coloquei o paletó em cima de uma
cadeira.
Cecília observava cada movimento meu com uma precisa atenção. Queria muito saber o
que se passava em sua cabeça naquele momento. Podia ver as engrenagens girando em sua
mente, trabalhando em uma forma de me evitar.
— Sim. Eu não quero você em meu quarto, ainda mais quando vou tomar banho. —
Minhas sobrancelhas se ergueram em surpresa.
— Somos casados, Diabinha. Querendo ou não, vamos dormir juntos — a informei e
continuei. — Não vou me deslocar para outro quarto por causa de sua infantilidade — concluí.
— Pretende forçar sua companhia? Até, quem sabe, forçar sexo comigo? — Em duas
passadas a alcancei, ficando muito perto dela, sentindo o cheiro do seu perfume doce e
inebriante.
— Em primeiro lugar — comecei, levantado o indicador —, me recuso a dormir longe de
você. Faço questão, na verdade. Não faz sentido um de nós nos deslocarmos para outro quarto.
Não vou sair daqui porque você não sabe lidar com a porra dos seus sentimentos.
— É muito mal-educado mesmo...
— Em segundo lugar — continuei, levantando mais um dedo e a interrompendo —,
jamais forcei mulher alguma para minha cama. Olha para mim, eu não tenho necessidade disso,
tenho a mulher que eu quiser.
— Então que vá procurá-las e me deixa em paz, caralho — ela disse e tentou se afastar
de mim.
A segurei pelo pulso e a trouxe para perto do meu corpo. Cecília arfou em resposta e sua
pulsação acelerou de imediato pela minha proximidade. Conseguia sentir a sutil mudança através
de meus dedos.
— Acontece, Diabinha, que eu quero você como nunca quis alguém em toda a porra da
minha vida. — Passei o dedo pela pele fina que pulsava embaixo dele e vi as bochechas dela
tingidas de vermelho. — Eu terei você, sei que sim, mas não te forçando a nada — concluí.
— Você se acha muito se pensa que vou ceder aos seus encantos — ela disse, rindo
debochadamente.
— Quer pagar para ver, Diabinha? Não me desafie.
— Pois eu pago para ver, senhor Maximus. — Seus lábios tão próximos dos meus eram
uma tentação e me dei conta de que isso seria difícil, não só para ela, como também para mim.
Quando se deu conta de que minha atenção estava em sua boca, ela lambeu os lábios e
os mordeu logo em seguida. Não era somente eu que estava ansiando por ela.
Larguei seu pulso e meu braço envolveu sua cintura. Não houve objeção nem nada, ela
estava tão refém daquele desejo como eu, contudo, tentava negar para mim e para si mesma.
— Quer ajuda para tirar o vestido? — perguntei com meus dedos tocando o primeiro
botão em suas costas, onde a abertura se findava.
— Posso fazer sozinha — Cecília respondeu se afastando de mim, dissipando qualquer
clima construído.
Não fazia ideia de como a teimosa conseguiria abrir cada botão sozinha, porém, do jeito
que era obstinada, o faria só para não dar o braço a torcer e pedir minha ajuda.
Quando ela correu para o banheiro, abri cada botão de minha roupa e fui tomar banho
em outro banheiro para não a incomodar e lhe dar toda a privacidade possível.
Foi inevitável não me tocar pensando em seu corpo perfeito em meus braços, a maciez
de sua pele em meus dedos e sua boca deliciosa muito perto da minha.
Me masturbava mais rápido cada vez que pensava naquela boca me chupando
calmamente, que aquela mesma boca carnuda seria fodida com força, enquanto minhas mãos
seguravam a cascata de fios dourados, a guiando no ponto certo até que meu pau estivesse
batendo em sua garganta, fodendo sua boca no ritmo que eu impusesse. Ela iria engolir cada gota
de porra que eu eliminasse.
Pensando nisso, gozei brutalmente. Jatos fortes batendo contra o piso do box, enquanto
eu urrava, não totalmente satisfeito.
Coloquei a mão na parede para me dar apoio, sentindo a água caindo por meus cabelos
em uma tentativa de abrandar todo o tesão que estava.
Não era o que imaginei para minha lua de mel, no entanto, era o que eu teria no
momento. A hora de ter a Diabinha me querendo a ponto de não se controlar, assim como eu a
queria, logo chegaria.
Capítulo 17
Cecília

Fazia quase uma semana que estava casada com Maximus. Uma semana que evitava a
todo custo ter qualquer tipo de interação com ele, seja carnal ou até comer juntos à mesa.
Dormir ao seu lado foi uma provação nos primeiros dias. Maximus não tocou em mim,
como tinha dito que não iria fazer, no entanto, estava empenhado a me provocar de diversas
formas.
Ele sabia que sua presença me afetava. Sabia que me sentia atraída por sua pessoa e me
tentava de todas as formas para que eu assumisse a maldita vontade de ter algo a mais.
Insistia em dividir o lençol comigo, o que eu achava uma audácia. Toques sutis, mas eu
sabia que eram propositais, e sua súbita constância de tirar a camisa perto de mim.
— Bom dia, querida esposa — murmurou com voz de sono ao meu lado, se virou na
cama ficando de frente para mim.
Revirei os olhos para o cumprimento. Mesmo que eu não o respondesse, ele sempre
falava a mesma coisa todas as manhãs.
— Ainda sendo uma mal-educada e não respondendo — ele disse com um sorriso.
Seus cabelos desalinhados e rosto amassado pelo travesseiro lhe davam um ar muito
sensual.
— Por que não desiste? Eu insisto que procure uma mulher e que me deixe em paz —
falei, me levantando e indo até o banheiro para lavar as mãos e me preparar para fazer a aplicação
de minha dose de insulina.
Aproveitei para escovar os dentes e lavar o rosto, e passei a escova em meus cabelos me
tornando mais apresentável.
Seria um longo dia para mim. Estava disposta a terminar meu TCC hoje mesmo e enviar
para saber se seria aprovado.
— O que lhe aflige, minha querida? — Maximus perguntou atrás de mim, me fazendo
pular de susto.
Estava tão distraída sobre o peso que tinha que tirar dos meus ombros hoje, que nem
me dei conta de sua aparição dentro do banheiro.
— Ai que susto, Maximus, poderia bater ao menos? Abusado — falei e coloquei a escova
de cabelos sobre a pia com minha calma usual.
— Estava aberta, meu bem. Achei que fosse um convite — ele disse e dei uma risada
forçada.
— Só nos seus sonhos, meu querido — declarei.
Maximus colocou as mãos na pia, fazendo de seus dois braços uma prisão particular para
mim. Ele me fitou longamente e a sombra de um sorriso apareceu em seu rosto com barba por
fazer.
Céus, a imagem do seu aparente desleixo pós casamento, me fazia querer sentir a
aspereza em minha pele. Confesso que em certos lugares inapropriados. Merda de fogo que não
apaga.
— Estamos evoluindo. Até me chama de querido.
— Foi sarcasmo, querido — falei, dando ênfase na palavra.
— Gosto de você sarcástica, isso me excita. — Bufei.
— Você parece um cachorro no cio. Vive excitado, não é novidade. — Ele balançou a
cabeça negando.
— Ultimamente, só você me excita, Diabinha. — Engoli em seco com suas palavras.
Eu tinha que sair dali o mais rápido possível. Do jeito que as coisas estavam fluindo, não
demoraria para eu fazer algo que iria me arrepender depois.
Sua proximidade, cheiro gostoso invadindo meus sentidos e toda aquela áurea de: quero
te foder em cima da pia. Estava me causando sensações que não seria capaz de frear.
Como se tivesse o direito, e aproveitando minha distração, Maximus se aproximou de
mim e passou o nariz pelo meu pescoço. Um arrepio percorreu toda a base de minha coluna e
pus minhas mãos para trás, segurando na pia para evitar que o tocasse.
— Hoje você vai conhecer a fazenda e alguns pontos das terras. É muito grande para
conhecer tudo por ora, mas acredito que até o fim da próxima semana, consiga — sussurrou perto
do meu ouvido enquanto deixava beijos suaves em minha clavícula.
— Eu... — Tentei iniciar algo, porém, sua língua passando por uma veia pulsante em meu
pescoço me fez perder toda a linha de raciocínio.
— Iria dizer alguma coisa, Cecília?
Fechei os olhos com força tentando focar. Não podia ceder, já estava indo longe demais.
E foi só por esse segundo de clareza que tive forças para o empurrar para longe de mim e pôr a
mão em meu peito para tentar aliviar os batimentos acelerados.
Vi surpresa na expressão de Maximus pela minha força de vontade. Até eu mesma estava
surpresa. Se não tivesse um pouco de consciência, iria ceder aos seus avanços.
— Eu preciso terminar meu trabalho de conclusão. Não estou disponível para conhecer
suas terras — cuspi com raiva, não sabendo se o sentimento era dirigido somente para ele ou se
estava com raiva de mim mesma.
— Entendo que tenha trabalho a fazer, porém... — Maximus tirou a calça do pijama e
jogou de lado. — Vai conhecer onde é sua residência, saber como as coisas funcionam —
continuou, se despindo à minha frente tirando a regata. — E vai tomar café da manhã comigo.
— O que pensa que está fazendo, seu pervertido? — falei, quase tendo um ataque
quando ele pôs os dedos no cós da cueca box preta. — Não se atreva. — Tentei o impedir com
palavras, contudo, era tarde demais.
Maximus estava nu em pelo, como veio ao mundo. Pau enorme para fora e com uma
ereção que chegava a ser crime.
— Acho que você gostou do meu amigo e, pelo que pode ver, ele também gostou de
você.
Tardiamente, tapei meus olhos com as mãos, mas, ainda assim, era inevitável não ser
tentada a observar pelas frestas dos meus dedos.
— Você é um tarado pervertido. — Escutei sua risada e vi pelas frestinhas que ele fazia
o caminho até o box.
Sua bunda era a mais pura perfeição. Deveria ser proibido um homem ter uma bunda
tão durinha, tonificada e que dava vontade de morder.
— A menos que esteja disposta a tomar banho comigo, sugiro que faça sua aplicação de
insulina. Depois que eu sair daqui, pode tomar seu banho e vamos tomar café juntos.
Escutei o barulho da água caindo e julguei ser seguro tirar as mãos dos olhos. Como se
fosse mesmo necessário. Eu também era uma pervertida, fingi que não estava olhando para ele,
mas estava, sim. Vi tudo.
E o que não se pode desver, não pode ser esquecido. Mais um tormento no pacote,
agora eu tinha o pau gigante de Maximus para fazer parte de minhas fantasias.
— Que ódio desse sem-vergonha — comentei comigo mesma, saindo do banheiro e
voltando para o quarto.
Enquanto amaldiçoava Maximus, e desejava que seu pau nunca mais fosse capaz de ter
uma ereção, peguei o álcool 70 que mantinha em minha penteadeira, passei em minhas mãos
para higienizar e peguei o estojo de insulina.
Antigamente, eu costumava usar as injeções mesmo, no entanto, Maximus me fez
experimentar o novo método mais caro, as canetas de insulina.
Juntei a agulha, a compressa e a caneta, preparei a quantidade de insulina que deveria
aplicar e rodei o seletor de doses, sempre observando os números no visor.
Quando vi a numeração necessária, fiz uma prega subcutânea com o polegar e o
indicador em meu braço, inseri a agulha em um movimento rápido e pressionei o botão injetor.
Maximus saiu do cômodo, graças a Deus, enrolado em uma toalha. Aproveitando a deixa,
corri para o banheiro antes que a mesma cena se repetisse.
Ao fundo escutei sua gargalhada em deboche. Eu era uma covarde confesso, no entanto,
era muito melhor do que ceder à tentação.

Maximus insistiu que eu fosse tomar café com ele. Mesmo que tenha tentado evitar,
ameaçou me carregar no colo caso eu continuasse me negando a fazer as refeições à mesa..
Após um banquete bem saboroso feito por Tereza, ele me levou para conhecer cada
ponto das terras.
O dia estava lindo, o céu limpo com nuvens branquinhas e fofas dançando na imensidão
azul; os pássaros cantando e a vista linda de terras a se perder de vista. Ao longe, pequenas casas
e muitos funcionários passando de um lado para o outro, em um dia comum de trabalho.
Apesar de ter me negado a conhecer o local, não poderia mentir e dizer que tudo ali não
era lindo e me deixava curiosa a respeito do funcionamento de cada setor.
Maximus me levou para conhecer o trabalho com os grãos e na fabricação de queijos. E
por último, com os cavalos. O que achei a melhor parte do pequeno tour.
Obviamente, não conheci o lugar todo, pois já estava cansada demais. Mas tinha certeza
de que em uma semana já estaria familiarizada com todos ao redor.
— São quantos funcionários ao todo? — questionei enquanto passava a mão na crina de
um cavalo marrom.
— Mais de cento e cinquenta. Somente aqui — respondeu e tirou o chapéu para enxugar
o suor.
— Uau, sabia que era um grande negócio, mas mesmo assim não deixo de ficar
impressionada.
— É tudo feito com muita responsabilidade, Cecília. Por isso, exijo tanto de todos, não
posso permitir falhas. Muita gente depende de mim. Funcionários e suas famílias. — Assenti, o
olhar perdido.
Refleti um pouco sobre suas palavras e percebi o tanto de responsabilidade que ele tinha
sobre seus ombros. Afinal, não era fácil manter uma fazenda do porte da Boa Esperança e tantos
outros negócios espalhados pelo país.
— Posso te fazer uma pergunta? — Maximus voltou sua atenção para mim e quando ele
afirmou em um aceno, fui adiante. — Não conheço muito sobre você, mas sei que tem uma mãe.
Cadê ela?
Vi sua postura relaxada mudar bruscamente e uma tensão tomou conta de seu corpo.
Uma veia pulsava em sua têmpora e uma ruga apareceu no meio de sua testa.
— Mesmo que isso não seja da sua conta, acho que tem que saber, afinal, vai ser
inevitável. — Maximus suspirou.
Percebi que o assunto era realmente espinhoso para ele. O que fosse me contar não o
deixava contente.
— Não me dou muito bem com minha mãe. — Ele deu uma risada sem humor e
continuou: — Dizer isso é uma piada. Eu mal falo com ela. Marisa só entra em contato comigo
quando precisa de grana. Vive viajando e não se importa com nada a não ser com o próprio
umbigo.
Os traços de Maximus eram enrijecidos, no entanto, o tom de voz era triste. Foi por
segundos que vi um traço de descontentamento e fragilidade em seus olhos. Foi tudo muito
rápido e, como uma sombra, se dissipou.
Foi com muita força de vontade que me mantive no lugar e não fui até ele para o
abraçar. Era estranho ser tomada por aquele misto de sensações; ter empatia por um
homem que deveria odiar. Admiração por alguém que modificou minha vida de várias formas.
Eu deveria ser louca mesmo por ter um mínimo do que sentia por ele. Tentar interpretar
o que eu sentia era assustador.
— Não precisa me contar mais nada se não quiser — murmurei.
— Tudo bem. — Maximus passou a mão no rosto. — Ela traía meu pai. Era uma mentirosa
fingida, sempre foi. Enganou todo mundo dizendo que o amava, que me amava, quando tudo o
que ela sentia era amor pelo dinheiro.
— Sinto muito, Maximus — falei.
— Não sinta. Não quero sua compaixão e sua pena, eu não preciso disso, Cecília. Aprendi
desde cedo a me virar sozinho e não precisar de ninguém. Foi com racionalidade que construí
quem sou.
— Nem tudo tem que ser resolvido racionalmente — eu disse em um rompante.
— Para mim funciona bem. Sentimentos são para pessoas fracas, Cecília. Já te disse isso
e repito. — Revirei os olhos. — Bom, não foi para falar sobre assuntos desagradáveis que te
chamei para dar essa volta. Queria te fazer uma proposta.
A mudança brusca de assunto foi como um giro de 360° e não fazia ideia do que esperar
sobre essa proposta.
— Se for para sexo, pode tirando seu cavalinho da chuva. — Maximus sorriu e tive
vontade de bater nele.
— Sua sugestão é bem interessante, no entanto, já disse que você virá atrás disso.
— E eu já disse que jamais vou te procurar para isso, pervertido.
— Concentre-se, Cecília. A proposta é que você comande o trato dos animais. Sei que vai
se formar em medicina veterinária e não tem um emprego em vista para quando terminar o curso.
— Minhas sobrancelhas subiram.
— Uau. — Me segurei na porta do estábulo e respirei fundo. — Por essa eu não esperava
— confessei.
— Quem cuida de tudo é o doutor Ricardo e mais algumas pessoas, contudo, ele já tem
um consultório próprio. Pode trabalhar aqui, mas será sob seu comando.
— Nossa, tem certeza disso? Acho que o doutor não vai gostar muito de perder o posto
— falei.
— Ele que se foda. A fazenda é minha e eu faço o que eu quiser. — O tom dele era forte
e a postura firme.
E tinha que confessar que essa postura e voz grave me deixava fraca e uma vontade
insana de me jogar em cima dele.
— Eu… Posso pensar?
— Claro. Ainda não se formou, então, tire seu tempo. — Assenti.
— Obrigada.
— Agora vamos voltar, estou morrendo de fome e você não pode se dar ao luxo de ficar
sem comer.
Maximus passou por mim e segurou minha mão, sem nem me dar a chance de protestar.
E, pela primeira vez, não senti raiva em ter um contato com ele.
Capítulo 18
Cecília

Alguns dias depois da proposta feita por Maximus, consegui concluir meu TCC e recebi a
visita da minha irmã.
Desde o casamento que não a via e sabia que ela estava ocupada trabalhando muito. A
falta que sentia de Maju era diária, no entanto, não podia exigir que viesse me ver e também
estava evitando ir até minha antiga casa.
Não estava com muita vontade de dar de cara com minha mãe, que também não via
desde que me casei. Ela não procurava saber de mim nem por telefone e Maju tinha me contado
o motivo.
Dona Suzana estava muito ocupada fazendo de tudo para recuperar sua vida social.
Perante a cidade, a fama de falida caiu sobre a cabeça de nossa mãe e ela estava empenhada em
puxar o saco de pessoas influentes de São Miguel do Araguaia para voltar à ativa.
Na minha opinião, ser parte de um clube seleto e cheio de pompa não era muito atrativo,
achava até fútil, mas para minha mãe, não fazer parte, era como ser um zero à esquerda.
— Você deveria ignorar nossa mãe, como eu faço — Maju comentou, mordendo um
biscoito.
Tereza tinha sido um amor e providenciado um belo lanche para a visita da minha irmã,
com direito a biscoitos diet, sucos de frutas, café, leite e pães para Maju, já que eu não poderia
consumi-los em grande quantidade.
— Tento não pensar nisso, porém, depois de tudo o que aconteceu, esperava que ela
fosse ficar mais próxima — confessei. Maju descartou meu argumento com um gesto.
— É muito melhor que isso. Nossa mãe não merece a filha que tem. — Forcei um
sorriso.
— Pelo menos, eu tenho você. Está sendo difícil não ter sua companhia todos os dias —
reclamei.
Já estava cansada de reclamar, parece que ultimamente eu só fazia isso. Resmungar
como se a minha vida fosse a pior de todas.
— Desculpe por não estar aqui com mais frequência, Ceci. Quero montar meu próprio
consultório. — Peguei em sua mão, tentando a tranquilizar.
— Não peça desculpas. Ultimamente só sei reclamar, encare isso como uma besteira.
— Você sabe que não é. Mas fica tranquila, eu vou te visitar mais vezes. Só preciso de
um tempo para resolver meus problemas.
— Dividir o consultório com seu amigo não está dando certo?
— Não quando eu decidi parar com o que estávamos tendo e seguir só como amigos e
companheiros de trabalho, dividindo um consultório — Maju disse e não consegui esconder a
surpresa.
— Quando foi que isso aconteceu? — perguntei espantada.
— Mais ou menos dois meses.
— E resolveu não me contar? — falei fazendo um drama.
— Porque não era um acontecimento grandioso. Era só sexo, que nem era tão bom
assim, eu só estava carente.
— Nossa, queria ter essa praticidade toda. Consegue continuar vendo uma pessoa com
quem transou como se nada tivesse acontecido?
— Óbvio, Ceci. Não é nada demais. No entanto, ele pensa igual a você — murmurou
ácida.
— Acho que não conseguiria lidar com isso — falei, olhando para o nada.
Era bem óbvio que eu não conseguiria. Quando Bernardo e eu terminamos
bruscamente, eu fiquei com tanto ódio que nem conseguia ouvir sua voz. Só isso já me deixava
irritada e olha que nem sexo com ele, eu tive.
Tenho certeza de que se ainda o visse por aí, o que ainda não aconteceu desde a festa
da cidade, graças a Deus, eu não agiria tranquilamente, a raiva ainda fervia dentro de mim.
Outro fator também era a atração por Maximus. Não estava lidando muito bem e até
estar em sua presença me deixava incomodada. Só não sabia explicar se o incômodo era derivado
do tesão que sinto ou por querer o estrangular por me afetar tanto.
— Assim como não está conseguindo lidar com sua atração pelo senhor mandachuva —
Maju deduziu sabiamente.
Mesmo não vendo minha irmã, sempre a deixei informada de tudo pelo celular, como
por exemplo, lhe confessar que meu fogo e excitação por Maximus tem atingido níveis
preocupantes.
— Ele poderia me deixar em paz. É tão difícil? — falei, passando a mão nos cabelos.
— Deve ser porque ele sente o mesmo fogo no rabo que você — Maju comentou,
sorrindo.
— Você poderia ficar ao meu lado e não tentando encontrar motivos para a perseguição
dele.
— Eu estou do seu lado. Olha, não estou defendendo-o nem nada, muito pelo contrário,
odeio seu marido. No entanto, sua periquita merece um trato e se você quer isso, faça, Cecília.
Não pensa demais. Ainda vai ser sexo e só isso, deixe o coração de lado.
— Que absurdo, Maju.
— Que seja. Ou então, você pode dar para outro homem. Seria uma ótima forma de
baixar a crista do Todo Poderoso. — Fechei a cara pelo tanto de merda que ela falava.
— Tudo o que você propõe só fica pior. Não quero dar pra ele nem nada, quero distância.
Também não quero me envolver com outro homem, seria muito errado.
— Então seja mais firme, porque o jeito que fica quando diz que não quer dar para ele,
não me convence, quem dirá ao Maximus que já é bem-vivido.
— Ele me ofereceu um emprego aqui. Na verdade, comandar toda a equipe de
veterinários — confessei, mudando de assunto bruscamente.
— Tipo, uma chefe?
— Tipo isso — afirmei.
— Caramba, o Poderoso Chefão não tá para brincadeira no quesito conquista.
— Acha que isso tudo é só para ter sexo comigo? — perguntei incrédula.
Nem tinha passado essa hipótese por minha cabeça e eu tinha realmente achado que
Maximus queria me ver ocupada com algo, não só trancada no quarto sem interagir com
ninguém.
No entanto, fazia sentido. Era bem a cara dele jogar baixo assim. De certa forma, não me
surpreendia, era o que eu precisava para cair na realidade.
— Não estou dizendo isso, mas pode ser. — Maju deu de ombros. — Porém, isso não
muda nada, Cecília. Você pode muito bem se aproveitar disso e trabalhar com o que sempre
sonhou. — Me levantei e caminhei de um lado para o outro.
— Seu raciocínio me assusta. Não consigo ser tão fria assim. Ele quer um modo de ter
sexo comigo facilmente, o canalha.
— Deixa de ser boba, Ceci. Você quer motivos para continuar se agarrando a negação.
Mas se é assim que quer se manter longe de Maximus, que seja. Tem meu apoio. Não gosto do
filho da puta mesmo.
Enquanto Maju tagarelava, eu sentia a raiva cada vez mais crescente. Minha vontade era
de procurar aquele imbecil, atrapalhar seu dia no trabalho e lhe dizer umas poucas e boas.
— Com licença, dona Cecília. — Escutei Tereza batendo na porta e colocando a cabeça
para dentro do quarto.
— Já te disse para não me chamar de dona — falei com um sorriso.
Minha raiva contra Maximus não significava tratar mal uma senhora que nada tinha a
ver e que costumava fazer doces diet para mim.
— Ah, sim, Cecília. Trouxe seu vestido para guardar. — Só então notei algo coberto com
uma capa preta.
— Vestido?
— Do jantar dos Gouvêa de Matos. Ai, me desculpe, acho que o menino não lhe disse
sobre isso. — Tereza parecia realmente encabulada.
A raiva que sentia por Maximus só aumentou ainda mais. Como ele ousava comprar um
vestido para mim e sem me falar nada? Na certa, iria me avisar desse jantar só no último minuto.
— Que lindo. É o seu tamanho, Ceci — Maju disse quando abriu a capa e revelou um
vestido em cetim vermelho.
Ele tinha um decote em V profundo, com alças bem fininhas. Drapeado na cintura e uma
fenda lateral que deixava toda a perna exposta. Muito bonito, no entanto, sensual demais para
mim.
— Onde Maximus está, Tereza? — perguntei, sentindo a textura do tecido.
— Trabalhando no escritório, tem uma remessa de… — Não esperei que continuasse me
detalhando sobre o trabalho da peste.
Saí do quarto como um furacão, com Maju e Tereza logo atrás. Quando estava no meio
do caminho, escutamos gritos vindo do andar de baixo.
Olhei para trás, duvidosa. A voz era de Maximus e de uma mulher que claramente eu
não conhecia. Era só o que me faltava, será que era alguma amante dele?
— Droga, é dona Marisa — Tereza disse e saiu andando mais rápido do que sua idade
permitia.
— Quem é essa, Cecília? — questionou Maju atrás de mim.
Ainda chocada, a fitei longamente, sem acreditar que conheceria minha sogra dessa
forma.
— É a mãe dele — falei, pegando na mão de minha irmã e correndo para a confusão no
andar de baixo.
Capítulo 19
Max
O dia estava tranquilo e tudo corria muito bem. Xavier trouxe relatórios com ótimas
notícias. Já sabia as causas da infertilidade das terras e ele começaria a orientar os trabalhadores
com relação a isso. Logo, a Fazenda Milênio traria bons lucros novamente.
Segundo o especialista, o uso excessivo de fertilizantes químicos e pesticidas foram as
principais causas para a perda de fertilidade. Na certa, Jorge os usava como se não houvesse
amanhã, sem nem ao menos fazer o uso correto. Ele era do tipo que via o solo como mera
ferramenta, fazendo mau uso dele e, por fim, chegando ao ponto que chegou.
O geólogo me entregaria seu relatório pelo final da semana a respeito se existia ou não
diamantes por lá. Era o que estava mais ansioso para saber. Esperei muito tempo por isso.
E sentia que começava a me entender com Cecília. Não era um grande passo, pelo
contrário, era algo bem pequeno.
No entanto, desde que ofereci o emprego na fazenda em sua área de trabalho, sinto que
ela conversava mais comigo e não precisava mais eu a ameaçar para a tirar daquele quarto para
que fizesse as refeições comigo.
Contudo, no mesmo dia que pensava que terminaria de um jeito diferente, comigo
conversando com Cecília a respeito do jantar que teríamos que comparecer na noite seguinte,
chegou uma visita indigesta em minha casa.
Não era uma visita, mas bem que eu queria que fosse, pois eu poderia a expulsar se
assim sentisse vontade. A pessoa que chegou foi minha mãe.
Assim como prometido, chegou e sem nem me avisar. Óbvio que no dia do meu
casamento, Teresa me avisou que Marisa ligou dizendo que voltaria para casa.
Mas lá no fundo do meu coração, pedi tanto que não cumprisse com o que falou, que
ficasse por onde estava, sabe-se lá Deus onde.
Vê-la ali, bem a minha frente, me trazia sentimentos muito ruins. Uma vontade de a
arrancar de dentro daquela casa e a deixar na rua da amargura. A deixar na miséria, sem nada,
pagando por tudo o que fez meu pai passar e a mim também. Seria pouco pelo tanto de
sofrimento vivido.
Quando eu era mais novo, eu não compreendia o porquê de ela ter feito tudo o que fez
e o motivo de ser assim. Mas, conforme o tempo foi passando, entendi que não se pode esperar
a melhoria de ninguém, que não podemos pôr expectativas nas pessoas e muito menos esperar
que de uma hora para outra ela irá mudar.
Foi libertador quando me dei conta disso, pois parei de mendigar afeto dela, de esperar
que se arrependesse de seus atos e que tentasse ser uma pessoa melhor para sua família.
— Posso saber por que está gritando com Natália? — perguntei de novo para aquela
mulher folgada.
— Essa menina é uma incompetente. Uma péssima serviçal, deveria ser punida — ela
disse, olhando a pobre garota do alto, como se fosse melhor que a jovem.
Natália era filha de um dos peões da fazenda. Desde muito nova começou a trabalhar
com a mãe na casa para pagar seus estudos. A jovem garota de apenas vinte anos tinha muito
mais valor do que a mulher que um dia considerei minha mãe, que nunca tinha trabalhado por
nada na vida.
— Desculpa, senhor Maximus. Eu não conseguia carregar todas as malas sozinha, por
isso estava chamando um peão para me ajudar.
— Mentirosa, estava se recusando a acatar minhas ordens! — Marisa gritou, fazendo a
pobre garota se encolher no lugar. Isso foi o suficiente para me fazer agir.
— Em primeiro lugar, Natália, não precisa se desculpar por nada. Compreendo que não
dê conta de carregar esse tanto de tralhas até o andar de cima — iniciei, apontando com o queixo
a numerosa bagagem daquela mulher. — E em segundo lugar, quem você pensa que é para chegar
aqui dando ordens e humilhando as pessoas dessa forma? — acrescentei, desviando o olhar para
Marisa.
A fitei longamente, vendo toda a mudança que fez em seu corpo durante os meses fora.
Seus cabelos estavam em um tom mais claro, com alguns fios loiros permeando cabelos escuros.
Seu rosto estava bem esticado. O que era para lhe dar um ar mais jovem, concedia uma imagem
caricata. E seus lábios pareciam maiores.
— Eu mando aqui também, caso não se lembre, Maximus — ela disse com as mãos na
cintura.
— Sério? Você não faz porra nenhuma nessa casa e muito menos para ganhar dinheiro.
É uma inútil, depende de mim para continuar gastando e não trabalha nem para pagar um
funcionário sequer. Portanto, não tem caralho de direito nenhum de humilhar ninguém — falei
calmamente, apesar de sentir meu sangue fervendo por dentro.
Aprendi bem rápido que demonstrar qualquer tipo de emoção para Marisa seria como
demonstrar uma fraqueza e lhe dar o poder de manipular.
Por isso que, mesmo sentindo um ódio tão grande por ela, preferia demonstrar uma
expressão neutra, livre de sentimentos.
— Tudo o que você tem é graças ao meu marido!
— Marido esse que você traiu. — Em duas passadas, me aproximei e fiquei bem próximo
de Marisa. — Escuta bem, Marisa, e ouça com atenção. Não vai chegar aqui na minha casa como
se fosse dona de tudo. Se não fosse pelo meu trabalho, tudo o que meu pai construiu estaria
destruído graças a você. Eu que mando nessa porra e você só está aqui por caridade.
Como sempre, Marisa não se abalou por nada do que eu disse, muito pelo contrário. Do
alto de sua pose, ela não esmoreceu e abriu um sorriso de desdém.
— Está se achando o rei de tudo? Vai ter que me engolir nessa casa e sendo tão dona
quanto você.
— Isso é o que vamos ver — falei.
Ficamos por alguns segundos nos encarando em uma batalha de vontades, até que
escutamos passos descendo pela escada. Me virei e vi Tereza e, logo atrás, Cecília junto com sua
irmã.
Cecília nos encarava com cautela, até nossos olhares se encontrarem. Não sabia explicar,
mas do nada me veio uma força que sentia que estava desviando de meu corpo pelo embate com
Marisa.
Tereza pediu licença e saiu da sala, não sem antes me lançar um olhar preocupado. Ela
sabia que estava passando um nervoso danado com essa mulher.
— Oi, a senhora deve ser a mãe do Maximus. — Cecília nos alcançou e estendeu a mão
para Marisa.
A mulher olhou para a mão estendida com curiosidade e um desprezo velado. Até que,
por fim, cumprimentou Cecília com um aperto rápido.
— E você é? — perguntou.
— Me chamo Cecília, sou esposa do Maximus.
— Esposa, é?! Achei que fosse mais uma de suas putas — Marisa disse sem pudor algum.
Abri a boca para falar, porém, Maria Júlia foi mais rápida, saindo em defesa da irmã.
Em menos de segundos, Maria Júlia segurava o braço de Marisa com força.
— Peça desculpas para minha irmã agora mesmo.
— E você é quem mesmo? — Marisa a olhou de cima a baixo.
— Alguém que vai esquecer que você tem quase noventa anos e enfiar a mão na sua
cara por não se desculpar.
Pelo tom dela, sabia que não estava blefando. Já tive minha experiência com a boca solta
da irmã de Cecília, porém, não a vi sendo agressiva.
No entanto, dado os seus problemas para controlar a raiva, não duvidava nem por um
segundo de que fosse capaz de bater em Marisa.
— Você está me machucando.
— Peça desculpas logo, porra — falei impaciente.
Apesar de querer ver Marisa apanhar, Cecília merecia respeito e eu, como marido, tinha
que ser o primeiro a exigir de qualquer um.
— Me desculpe, Cecília. Eu não tinha ideia que o desnaturado do meu filho tinha
realmente casado. Achei que fosse uma brincadeira, visto que só anda com putas — Marisa
comentou cheia de dedos. Maria Júlia a soltou a contragosto, mas era possível ver que o instinto
violento ainda pulsava em seus olhos.
O intuito dela era atingir Cecília, e pelo olhar em seu rosto, tinha conseguido. Ver Cecília
afetada pelo comentário maldoso de Marisa mexia comigo de uma forma estranha.
— Ela não é nenhuma puta. É minha esposa e exijo respeito com ela.
— Ah, sim. O mesmo respeito que não exigiu com a serviçal — Marisa alfinetou.
— Eu não vou discutir. Cecília, preciso falar com você — falei sem rodeios.
— Não temos nada para falar, por enquanto.
— Temos, sim. E vamos falar agora. — Cecília revirou os olhos e voltou sua atenção para
Maju.
— Não precisa falar com esse traste se não quiser — Maju disse e quase a xinguei.
— Não, mana, tudo bem. Por mais que eu não queria falar com ele por agora, uma hora
vou ter que tirar satisfações sobre o jantar. — Suspirou e abraçou a irmã, se despedindo.
— Qualquer coisa, já sabe. Venho te buscar — Maju disse.
Deu um beijo na cabeça de Cecília e me fuzilou com o olhar. Saiu da casa sem dizer mais
nada e me deixou frente a frente com Cecília.
— Claramente os pombinhos querem conversar. Pelo visto, a lua de mel não durou muito
— Marisa disse com escárnio.
Era uma merda que ela visse a cena e, na certa, usaria isso a seu favor. Porém, não podia
fazer nada quanto aquilo, pois presenciaria mais vezes, visto que Cecília e eu ainda não estávamos
agindo como um casal.
— Vou para meu quarto — Marisa disse, como se alguém se interessasse.
— Vamos para meu escritório — falei, pegando na mão de Cecília e a puxando para o fim
do corredor.
Sua pele macia em contato com a minha me causava certo frisson, me fazia lembrar de
nossos beijos e interações. O fato de estar um bom tempo sem sexo também era crucial para todo
o tesão.
— Você não tem jeito mesmo. Por que insiste em me dar ordens e não respeitar meu
desejo de não conversar? — Cecília cruzou os braços assim que a soltei quando chegamos ao
escritório.
Não querendo que ninguém escutasse nossa conversa, fechei a porta, me sentei em
minha cadeira habitual e indiquei uma à minha frente para que se acomodasse. Quando se
recusou, preferindo ficar de pé, engoli a seco uma ordem para que se sentasse.
— Pelo que vi, você tinha algo para falar comigo.
— Sim, mas depois que vi a interação com sua mãe, desisti. Queria deixar o assunto para
outra hora, só não o fiz porque sabia que não me deixaria em paz.
— Olha, Cecília, você não tem que se preocupar com minha interação com Marisa. E me
desculpe por insistir — disse, por fim.
— Tá, esquece isso. Vim falar com você sobre o jantar que apareceu do nada e nem se
deu o trabalho de me falar.
— Ia te comunicar assim que terminasse o trabalho, no entanto, como pode ver, tive um
grande empecilho. — Cecília suspirou e se jogou na cadeira.
— Me comunicar? E se eu não quisesse ir?
— Não iria te obrigar, mas seria uma vergonha eu aparecer sem minha esposa. — Ela
revirou os olhos e tive vontade de lhe dar umas palmadas naquela bunda deliciosa.
— Sabe que não te devo nada e se eu não quiser ir, eu não vou. — Assenti. — Sua mãe
é bem detestável, isso porque estou sendo boazinha em dizer só isso. Acho que ela te supera no
quesito de ser uma peste — comentou em tom leve, me fazendo abrir um sorriso.
— Quer dizer que sou uma peste? — falei, me levantando.
Cecília fez o mesmo, na certa, tem receio do que vou fazer. Ela já sabe que vou me
aproximar e quer evitar isso.
— Sim. Prova disso foi comprar um vestido sem saber se eu iria gostar ou não. É um
imbecil mesmo! — declarou, dando passos para trás enquanto eu me aproximava cada vez mais.
Quando suas costas bateram na porta e suas mãos tentavam encontrar a maçaneta, a
impedi, segurando seus dedos delicados. Peguei seus pulsos com uma mão e segurei a minha
frente, a trazendo para bem perto de mim, nossos corpos colados um no outro.
Com a mão livre, passei uma mecha de cabelo que se soltou de seu coque frouxo e passei
por trás de sua orelha, fazendo um carinho de leve no lóbulo.
Cecília arfou em resposta e fechou os olhos. Seu peito subia e descia rapidamente, e ver
seus lábios entreabertos só me dava ainda mais vontade de beijá-la.
— Eu pensei nas suas pernas maravilhosas expostas naquele vestido. Na cor que
realçaria o tom de sua pele e no quão gostosa você ficaria nele — sussurrei em seu ouvido e passei
o nariz nele.
— Mas eu… — Cecília começou e não conseguiu concluir, pois minha boca beijava seu
pescoço e sugava um pouquinho de pele.
— O que, Diabinha? — perguntei, descendo minha mão por seu ombro exposto em uma
blusa regata e por suas costas.
Minha mão soltou seus pulsos a fim de descer por sua cintura, subindo e subindo, até
chegar bem perto de seus seios.
Pela postura de Cecília, vi que ansiava pelo toque, por algo mais. No entanto, eu era um
homem de palavra. E, por mais que quisesse arrancar suas roupas e a foder bem em cima da
minha mesa, não iria fazer nada enquanto ela não pedisse.
Me afastei bruscamente dela, que ficou sem entender nada. Seu rosto confuso era
adorável e me deixava com um puta tesão. Porém, sabia que insistir só a faria se afastar e
continuar com o discurso tolo de que estava se deixando levar, que não sentia nada por mim.
— Acho que terminamos, já que não consegue dizer mais nada — falei, indo para minha
mesa e me sentando novamente em minha cadeira. — O quê? Como assim, Maximus? Eu, nós…
— Nós o que, Cecília? — perguntei a provocando.
— Desgraçado. Eu entendi o que queria fazer. Saiba que não vou cair nessa, seu
pervertido — ela disse, apontando o dedo para mim.
Abriu a porta e a bateu com força. Eu sabia que estava assim porque se sentia frustrada,
e entender o motivo disso me divertia ainda mais.
Até o final da semana, Cecília estaria fazendo tudo o que eu tinha vontade e satisfazendo
seus maiores desejos que eu sabia que ela tinha.
Capítulo 20
Cecília

Passei algumas horas evitando a companhia de Maximus, até que ele entrou no quarto
me avisando o horário do jantar no dia seguinte.
Minha vontade era de não ir, no entanto, essa decisão acarretaria consequências.
Mesmo não sendo da minha vontade estar com Maximus, não queria abrir margens para sua mãe
o alfinetar.
Marisa elevava o status de ser uma pé no saco inconveniente. Apareceu para jantar
conosco mesmo sabendo que o clima não estava bom por sua causa e ainda fez comentários
sobre o nosso casamento ser de verdade, e sobre as mulheres com quem Maximus costumava se
relacionar.
Não admitiria nem sob tortura o incômodo que senti com suas falas. Afinal, não tinha a
mínima vontade de saber com quantas mulheres Maximus tinha feito sexo e o ciúmes apertava
meu coração como uma jiboia atacando sua presa.
A todo momento, fitava Maximus em busca de alguma reação e, a não ser por uma veia
que pulsava em sua têmpora, sua expressão continuava em branco.
Isso me causava um pouco de empatia, pois eu mesma sabia que não era fácil lidar com
esse tipo de mãe. A minha não era flor que se cheirasse, contudo, Marisa parecia ser mil vezes
pior.
No dia seguinte, foi o mesmo clima de merda durante o café da manhã. Marisa tecendo
comentários sobre Maximus e falando que acionaria um advogado, argumentando que ele não
podia prender o dinheiro dessa forma.
Isso só serviu para alimentar as chamas de uma fogueira de brigas. Maximus não
explodiu como eu esperava. Só disse que ela poderia fazer o que quisesse em uma calma que me
assustava.
Fiquei agradecida quando Xavier me chamou, dizendo que me levaria até o salão de
cabeleireiro para fazer o que fosse necessário para o jantar de mais tarde. Foi como uma fuga do
inferno.
O clima naquela casa estava insuportável, e olha que Marisa estava lá a pouco menos de
vinte e quatro horas.
Passei um dia tranquilo recebendo uma massagem, pintando as unhas, até que uma
moça simpática veio fazer minha maquiagem, enquanto a outra penteava meus cabelos. Confesso
que estava bem mais relaxada do que quando entrei e deixei Maximus um pouco mais pobre com
o tanto de dinheiro que foi embora só nessa brincadeira.
Bom, ele merecia e aquele dinheiro não era nada em vista do que tinha em sua
gordíssima conta bancária. Me permitir alguns luxos de vez em quando não faria mal. O que não
me permitira era ser igual a Marisa, isso não.
Me olhei no espelho quando Sandra, a cabeleireira, terminou meu penteado que
consistia em um rabo de cavalo lateral com uma trança embutida, dando um ar romântico para
meu visual.
A maquiagem era o ponto alto, o que se destacava como um todo. A pele estava bemfeita
com sombra, iluminador, um blush levinho para não pesar, e um delineado perfeito. E, para
finalizar a produção, um batom vinho poderoso.
Desde a festa que teve na cidade que eu não usava uma cor forte. Contudo, as
maquiadoras insistiam em colocá-lo para completar meu visual. Eu me sentia muito bonita com
ele e só por isso não me oporia.
— Vai ao jantar do casal Gouvêa de Matos? — Uma mulher, aparentando uns trinta e
poucos anos, me perguntou, se sentando em uma cadeira vaga ao meu lado.
Ela era muito bonita. Olhos e cabelos escuros, alta e com um corpo esguio. Sua pose era
pomposa e o nariz empinado lhe davam um ar de ser uma pessoa esnobe.
— Desculpe, conheço você? — devolvi a pergunta para a mulher que nunca tinha visto
na vida.
— Você não, mas seu marido me conhece e muito bem — disse cheia de pose.
Meu estômago embrulhou quando me dei conta de que ela já teria conhecido Maximus
intimamente. Nem precisava eu lhe perguntar, sua expressão já me dizia o que eu precisava saber.
Ela nem fazia questão de disfarçar, como se dormir com Maximus a pusesse em um pódio
elevado.
— Amiga dele? — Me fiz de tonta e lhe mostrei um sorriso cínico.
— Pode-se dizer que sim. — Piscou um olho e tive vontade de bater na cara dessa mulher.
Não era segredo para ninguém que eu tinha me casado com Maximus, essa mulher
deveria saber e, por isso, estava aqui tentando me humilhar esfregando as safadezas que deve ter
feito com meu, não tão adorado, marido.
— Não sei mesmo quem você é. Maximus nunca te mencionou, portanto, significa que
não deve ter sido algo tão importante, dona...
— Helena. Não me chame de dona, me faz sentir com mais idade do que tenho — ela
disse com um sorriso fingido.
Gostaria de enumerar os defeitos que essa mulher tem, porém, aparentemente, a safada
não tem nenhum defeito físico aparente. Sua pele era lisa e perfeita, zero rugas. Cabelos pretos e
brilhantes. Corpo em forma, um pouco magra demais se comparada a mim, no entanto, eu daria
de tudo para chegar na sua idade com tudo no lugar, assim como ela.
— Me chamo Cecília, mas isso você já deve saber. A notícia do casamento saiu por toda
a parte.
— Ah, sim, a menina metida que não quis deixar a impressa entrar no casamento. —
Assenti, ignorando o insulto.
— Eu mesma. Prefiro ser vista como discreta. Era meu casamento, não um dia no circo
— falei, me levantando. — Bom, tenho que ir. Meu marido me espera — acrescentei e vi seu rosto
se contorcendo de ódio.
Endireitei minha postura e saí. Não me orgulhava de pisar em outra mulher por causa de
macho, entretanto, foi ela que começou a destilar veneno para cima de mim.
Não que me importasse com quantas mulheres Maximus teve um caso. Por mim, ele
poderia enfiar aquele pau monstruoso em cada puta acessível que quisesse. Contudo, a cobra do
ciúme se enrolava em meu coração, o apertando até o ponto de sufocar, e nem eu mesma
acreditava em tamanha mentira.

A caminho do maldito jantar, me sentia inquieta e com um calor terrível dentro do carro
de Maximus. Mesmo que o clima estivesse agradável, não me sentia muito bem.
Isso era derivado de ter que ir a um lugar que não queria estar e ter que fingir uma
relação inexistente com meu marido, que a propósito, não parava de me lançar olhares furtivos a
cada cinco minutos.
Desde que me viu descendo as escadas de casa no meu belo vestido vermelho, em cima
de saltos que me deixavam quase na sua altura, Maximus não desgrudou seu olhar um segundo
sequer de mim.
Me elogiou muito e enganchou o braço no meu em um sentimento de posse evidente.
Isso me incomodava e muito, e não por motivos louváveis, mas sim por gostar disso.
Seu olhar lascivo me deixava fraca, trêmula, molhada entre as pernas. O incômodo em
minhas partes íntimas era tanto que por vezes tive que cruzar e descruzar as pernas diversas vezes
dentro do carro. Esse desejo por Maximus já estava ficando ridículo.
— A casa dos Gouvêa está ainda mais simplória do que me lembrava. Olha só que
decoração horrorosa e o jardim continua brega — Marisa disse no banco de trás.
Ela esteve tão quieta por tanto tempo que tinha até me esquecido de sua presença.
Obviamente, houve uma pequena discussão quando ela insistiu em vir, e mais uma grandiosa
quando insistiu em ir ao mesmo carro que nós.
Marisa se recusou terminantemente que Xavier a levasse em outro carro, argumentando
que não cairia bem para a reputação da família que pessoas de fora achassem que tinha um
conflito interno.
A cara de pau dela ainda me deixava surpresa. Havia um conflito interno, porém, Marisa
gostava de manter as aparências de família feliz sem se dar conta do quanto estava incomodando
a todos. Em meu íntimo, eu sabia que ela fazia isso por puro prazer.
Por isso, estávamos sendo obrigados a dividir o mesmo carro que ela, enquanto os
seguranças vinham logo atrás, em outro carro.
— Vê se nos poupe de escutar sua voz e não faça esse tipo de comentários na frente de
ninguém. O senhor Antônio é um dos nossos principais sócios da região — Maximus ordenou.
— Ele precisa de nós tanto quanto precisamos deles. Talvez eles precisem mais.
O jeito arrogante dela me deixava de cabelo em pé, e a vontade de lhe dar uma resposta
à altura queimava a ponta da minha língua. Contudo, sabia que nem valia a pena.
Vi o maxilar de Maximus rígido, percebia que também era difícil para ele e isso só
aumentava minha admiração por sua força.
Em um movimento impensado, segurei em sua mão livre e apertei para demonstrar que
estava ali, o apoiando. Maximus me olhou de lado, surpreso, e isso me fez soltar sua mão
rapidamente, me fazendo questionar o que deu em mim.
Mais cedo, bati de frente com uma de suas muitas mulheres. Não fazia ideia se ele ainda
mantinha um caso com Helena e, ao invés de sentir raiva dele, estava demonstrando apoio? Eu
não deveria estar bem mesmo.
Vi a sombra de um sorriso em seus lábios e sua postura relaxar diante de meus olhos.
Perceber isso me deu uma pequena satisfação.
Quando o carro estacionou na frente de uma ampla casa, saltamos do veículo e um
homem nos cumprimentou, pegou as chaves da mão de Maximus e saiu com o carro para
estacionar num lugar mais apropriado.
— Esse jogo de luzes está lindo — falei, me referindo a fachada iluminada.
A casa era localizada em um condomínio residencial chamado Parque Mendanha. Era
uma fachada em branco com janelas que iam do chão ao teto toda em vidro. Uma garagem aberta
e o que parecia ser uma piscina em cima. Diversas árvores salpicadas aqui e ali. E uma porta de
madeira gigantesca.
Obviamente, a casa da Boa Esperança era mil vezes maior e muito mais bonita, mas
aquela ali tinha seu charme.
— Continua brega — Marisa murmurou, indo na frente, graças a Deus.
— Ainda bem que está aqui, torna tudo mais suportável — Maximus disse, pegando em
minha mão e me levando até a porta.
Ela se abriu revelando um casal bem simpático nos dando as boas-vindas. Uma mulher
baixa com cabelos escuros, pele cor de café e lábios grossos, trajava um vestido branco longo de
um ombro só muito bonito. Seus cabelos volumosos estavam presos somente de um lado,
enquanto cachos abundantes estavam soltos do outro.
— Seja muito bem-vinda, querida. Me chamo Vitória Gouvêa. É um prazer finalmente
conhecer a esposa de Maximus. É muito bonita mesmo, parece um anjo — acrescentou, me
fazendo corar.
— A senhora está exagerando — falei comedida.
— Ainda por cima é modesta. Sabe, sempre pensei que quando Maximus se casasse,
fosse com uma mulher fútil e melindrosa. Ainda bem que teve juízo — brincou, dirigindo seu olhar
a Maximus, que sorriu amplamente.
— Escolheu muito bem, Max. — O homem com quem ele falava entrou na conversa. —
Me chamo Antônio. — Estendeu a mão e o cumprimentei.
Era um senhor de idade com cabelos brancos como a neve, olhos de um verde profundo
e estatura mediana. Sua expressão era de simpatia pura, me fazendo gostar instantaneamente
dele. Na verdade, de ambos. Talvez o jantar não fosse tão ruim assim.
— Como se sente com a volta de sua mãe? — o senhor perguntou para Maximus.
— Nada. Ela é como uma pedra no meu sapato.
— Ela mal falou conosco. Sinto muito que sua sogra é uma peste, querida — Vitória disse
para mim e assenti, concordando.
Marisa era mesmo uma cobra, contudo, não queria falar mal dela assim, de cara, e abrir
margens para fofocas. Preferia testar o terreno que pisava antes de compartilhar qualquer coisa
com alguém.
Comprar briga com a megera falando mal dela para terceiros, não me apetecia nenhum
pouco.
— Mas vamos entrar. Vocês foram os últimos a chegar e estávamos esperando para servir
— Vitória disse docemente.
Acompanhamos o casal para dentro da casa luxuosa e comecei a absorver cada móvel
do cômodo e sua decoração. Porém, antes que pudesse analisar minuciosamente todos os
convidados, vi de relance cabelos e olhos que conhecia muito bem.
Caralho, era Bernardo e sua família. E não era só isso, o pai dele conversava com Helena,
a amante abominável de Maximus.
Retiro o que disse sobre o jantar não ser ruim, iria ser um desastre em proporções épicas
e tudo o que eu queria era fugir, como a covarde que era.
Capítulo 21
Max
Segurei mais forte a mão que Cecília quando a senti mais rígida. Passei o polegar por sua
pele para que relaxasse, no entanto, sabia que não seria fácil para ela e, pensando bem, nem para
mim.
Já era ruim ter que ser obrigado a carregar Marisa para o jantar de dois grandes amigos
e parceiros de negócios, ainda tinha que aturar no mesmo ambiente a presença da família do
exnamorado de Cecília e Helena.
Minha vontade era dar meia-volta e ir para casa com a Diabinha, porém, Vitória e
Antônio não mereciam essa desfeita. Além do mais, com a festa do gado para daqui a dois meses,
tínhamos muito o que discutir.
— Eu só queria ir embora — Cecília sussurrou tão baixo que mal ouvi em meio ao
burburinho.
Ela estava intimidada, e não a culpo, desde que chegamos todos não tiravam os olhos de
nós.
— Podemos ficar uma horinha e depois voltamos, que tal? — sugeri.
— Não sei o que estou fazendo aqui.
— Me ajudando? — Ela bufou.
— Você nem merece, para falar a verdade. Não preciso tolerar pessoas intragáveis por
sua causa. — Soltei sua mão discretamente.
Já estava cansado dessa reclamação toda. Mesmo que ela não admita, e surpreendendo
a mim mesmo, estava fazendo de tudo para tornar a vida dela um pouco mais confortável.
Iria tirar o cargo de chefe do doutor Ricardo só para que quando se formasse não tivesse
que procurar trabalho, e tudo para quê? Para receber reclamações.
Tinha consciência de que também fui um dos responsáveis pelo casamento forçado, mas
já estávamos casados, poderíamos tentar conviver de maneira pacífica.
— É livre para voltar. Os seguranças podem ir com você, se assim desejar. Para ficar aqui
reclamando, por não saber lidar com a situação com maturidade, é bem melhor que volte mesmo
— respondi.
Tomei à frente, indo até um grupo de amigos e a deixei para trás, para que tomasse a
decisão que julgasse mais conveniente para si mesma.
Me ofereceram um copo de bebida que aceitei com gratidão. Para passar por essa noite,
eu precisaria de todo o álcool possível, ainda mais se Cecília resolvesse ir embora.
O comentário negativo que isso iria gerar era mais do que certo, no entanto, nunca fui
muito de ligar para isso. A trouxe com a desculpa de que iria pegar mal se não aparecesse comigo,
mas não era só por causa disso.
A cada dia que passava, sentia mais necessidade de estar perto dela, de conhecê-la
melhor, de aproveitar sua companhia. Contudo, ela tornava essa aproximação cada vez mais
difícil.
Fiquei conversando com esse grupo de amigos a respeito da festa de gado que teria e,
pelo canto do olho, continuei observando qual seria a atitude dela que não foi embora, preferindo
estar em um canto sozinha.
Após alguns minutos de papo chato e enfadonho, decidi ir atrás dela e a trazer para
junto de mim. Estava preparado para ir embora com ela se fosse necessário, mas quando pensei
em me mover, Helena apareceu bem na minha frente, impedindo minha fuga.
Seu sorriso mordaz e olhos maliciosos me cumprimentaram inicialmente, para depois
me abraçar em um impulso e beijar meu pescoço.
— Ficou louca, Helena, o que pensa que está fazendo? — questionei baixinho, tirando
sua mão do meu braço.
Minha vontade era de a empurrar, porém, fazer isso resultaria em chamar ainda mais
atenção. A que tinha já era o suficiente, visto que algumas pessoas, incluindo o grupo que estava,
nos observava curiosos.
— Percebi que você e a ninfa estavam se desentendendo. Vim te salvar de uma noite
chata e, quem sabe, te carregar até o andar de cima para te distrair.
— Você só pode estar perdendo o juízo. Uma discussão com minha esposa não significa
que tenha o direito de vir até aqui e fazer o que está fazendo — afirmei, puto da vida.
— Ainda não se cansou da fedelha, Max? Qual é? Um homem como você jamais iria se
satisfazer com uma menina — respondeu Helena, cheia de si.
— O que ela e eu fazemos não te diz respeito, caralho. Vai continuar perto de mim ou
prefere passar vergonha? Porque estou a ponto de provocar um escândalo com você. Eu quero
que suma da minha vida — retruquei.
Por segundos, a pose de Helena vacilou e vi uma pontada de receio em seus olhos,
porém, foi tudo muito rápido e ela voltou a sorrir.
— Está disposto a continuar defendendo uma garotinha que nem se importa com você,
Maximus? Olha ali, ela conversando com aquele garoto tão bonito e tão mais jovem que você.
Desviei o olhar para onde Helena, cruelmente, apontava, e vi Cecília de costas para mim,
conversando com o moleque do Bernardo.
Minha vontade era de pagar na mesma moeda, de agir como um ser racional e não como
um homem das cavernas, indo até ela e a arrancando da companhia do moleque.
No entanto, não agi como alguém racional. Pedi licença para todos a minha volta e, a
passos decididos, caminhei para junto de Cecília.
Era assustador estar agindo assim, não era o meu normal e isso me mostrava o poder
que a garota tinha sobre mim. Essa transferência de poderes, estar tão vulnerável e tomado pelo
ciúme, não era uma posição muito confortável.
Me julgava internamente e a voz da razão gritava para que eu desse meia-volta e não
fizesse o que estava prestes a fazer, contudo, ignorei cada palavra do meu subconsciente.
Vi Cecília saindo de perto de Bernardo e indo em direção a um dos corredores que levava
ao banheiro. Na certa, alguém que estava com eles avisou que eu estava bem perto, e a
conhecendo, fugiu. Típico da Diabinha.
Fora do salão de jantar, que estava bem cheio, o restante encontrava-se vazio. E antes
que ela entrasse no banheiro, a puxei pelo pulso.
O singelo toque foi capaz de trazer vida a cada parte do meu corpo traidor, já a
reconhecendo de imediato. O contato de pele com pele era tão único que seria capaz de saber
que era Cecília em meio a uma multidão, em meio a um mundo escuro.
A virei de frente para mim e vi raiva faiscando de suas írises. O azul nebuloso e mais
profundo como uma noite sem estrelas e luar.
— Não acredito que vai ficar me seguindo — retrucou com raiva, se soltando do meu
toque.
— Por que está com tanta raiva? Eu que deveria estar, depois da pouca vergonha com
seu ex. Batendo papo com o engomadinho — a respondi acidamente.
— Você não é meu dono! Posso conversar com quem eu quiser. Me deixou sozinha no
meio de estranhos.
— Isso porque você quis ir embora, Cecília. — Suspirei frustrado.
Passei a mão no rosto, sabendo que a discussão não ia nos levar a nada e só nos
desgastava ainda mais, indo contra a minha ideia de aproximação.
— Você deixou aquela mulher beijar seu pescoço e ainda vem falar de pouca vergonha,
Maximus? É mesmo um hipócrita — ela disse, cruzando os braços.
Esse gesto foi feito sem maldade alguma, no entanto, serviu para deixar seus belos seios
em evidência e foi quase impossível não olhar para eles. Cecília percebeu e me fuzilou com o
olhar.
— Ela era uma amiga — respondi com dificuldade.
— Ah, sim, sei. Não sou criança, sei muito bem que tipo de amizade tinham.
— Está com ciúmes? — perguntei, dando dois passos à frente para ficar mais próximo
dela.
— Só nos seus sonhos. Admita que vocês treparam! — sussurrou quando se viu contra a
parede e meu corpo, sem a mínima chance de escapar.
— Boca suja — murmurei baixinho, passando uma mecha de cabelo para trás de sua
orelha.
Ela fechou os olhos, apreciando meu toque por alguns segundos de paz. Que foi
quebrada quando se deu conta da posição que estávamos.
Cecília me empurrou com uma força que nem sabia que existia e apontou o dedo para
mim com raiva.
— Acha que pode ficar brincando assim comigo? Transando com outras mulheres e ao
mesmo tempo querendo me foder?
— Mas que ideia mais sem cabimento, Cecília — falei, frustrado.
— Aquela puta veio me interceptar no salão de beleza e deu a entender muita coisa,
Maximus. Para de fingir. — Peguei em suas mãos e as uni, entrelaçando nossos dedos.
— Deixa de ser boba, mulher. Desde que nos casamos, não toquei em mulher nenhuma.
Você já me dá um trabalho danado, não preciso de mais — murmurei a centímetros do seu rosto.
Foi algo muito imperceptível e, se não estivesse com ela em meus braços, não iria
perceber, mas senti seu corpo relaxando com minhas palavras.
Cecília estava com ciúmes, mas era orgulhosa demais para admitir. Caralho, eu não sabia
o que fazer com o que estava sentindo, quem dirá ela. Era muito confuso.
No entanto, isso iria acabar hoje. Já estava cansado de saber que ela me queria e eu
também, e nada era feito.
— Venha. — A puxei para longe dos banheiros, indo para uma porta que dava para o
jardim dos fundos.
— O que pensa que está fazendo, Maximus?
— Resolvendo nossos problemas.
Pensei que ela iria protestar e começar outra discussão, contudo, se manteve calada e
continuou se deixando levar por mim.
O que iríamos começar era um caminho sem volta. No entanto, eu já estava no inferno,
tendo em vista o que sentia por ela.
Capítulo 22
Cecília
Era como se eu estivesse sendo movida por uma força maior do que a mim mesma. Um
desejo insano que nublava qualquer sentido e pensamento coerente que pudesse frear toda a
loucura que estava prestes a acontecer.
Após a nossa discussão. Maximus me arrastava pelo braço até um canto afastado da casa
enorme do casal Gouvêa. Um lugar com um jardim lindo, com cercas vivas, roseiras maravilhosas
e diversas árvores.
Era como estar em um jardim encantado. As pequenas luzes que piscavam nas árvores
davam a ilusão de serem pequenos vagalumes e não algo artificial. Havia pequenos bancos de
madeira localizados perto das roseiras, a grama era natural e o que me chamava a atenção era a
fonte localizada bem no meio de tudo. Luzes coloridas também saiam dela e por um segundo,
parei admirada para observar a magia que estava envolta.
Maximus parou em frente a uma árvore, um pouco distante da porta dos fundos da casa,
e me posicionou encostada nela. Seus olhos estavam enevoados com um brilho de desejo, assim
como os meus deveriam estar.
Meus dedos coçavam para o tocar e assim eu fiz. Me permitindo e me deixando levar
pela primeira vez na vida. Fazendo o que eu tinha vontade desde a primeira vez que nos beijamos.
Peguei nas lapelas do terno e o puxei para mim, colando sua boca na minha em um beijo
selvagem e delicioso.
Maximus era exigente e logo estava dominado o beijo, me segurando no lugar com uma
mão na cintura e outra emaranhada no meio dos meus fios dourados.
Impaciente, tirei a peça de roupa de seu corpo em um leve movimento. Queria o tocar,
sentir cada músculo saltado em meus dedos. Sentir sua pulsação e saber se tocava no mesmo
ritmo acelerado da minha.
Maximus se afastou um pouco e me ajudou a desabotoar a camisa. Meus dedos trêmulos
não tendo a coordenação motora necessária para uma simples tarefa. O nervosismo e a excitação
de sermos pegos sendo demais para mim.
— Acho que estamos sendo meio precipitados. Qualquer um que vier para cá pode nos
ver — sussurrei baixinho.
Olhei para os lados e não via uma viva alma. Somente escutava nossa respiração
acelerada e o canto dos grilos.
— Relaxe, Diabinha. Ninguém vem para cá, a não ser Vitória Gouvêa, que ama esse
jardim. No entanto, ela está muito ocupada com seus convidados — Maximus murmurou em meu
ouvido, chegando mais perto até que seu corpo estivesse bem próximo do meu.
Não tinha mais espaço entre nós. Não era possível saber onde um começava e o outro
terminava, e quando ele abaixou as alças do meu vestido, deixando meus seios nus contra o ar
úmido da noite, gemi sentindo o contato de nossas peles aquecidas.
— Puta que pariu, gostosa do caralho — Maximus disse, me fazendo sentir uma
satisfação enorme, a pulsação em meu ventre me deixando sem pensar direito.
Ele me olhava como se eu fosse uma deusa perfeita. Mesmo sabendo que eu não era,
confesso que gostava de ser apreciada dessa forma, isso deixava meu ego lá nas alturas.
Parei para o observar analiticamente e explicitamente, me dando conta de que o corpo
de Maximus era perfeito, muito mais do que me lembrava. A pele dourada pelo sol era esticada
com músculos sobressalentes. Braços fortes com uma rala penugem clara no antebraço. O tórax
também tinha essa rala penugem, na qual passei os dedos para sentir os poucos fios.
Maximus gemeu em resposta, enquanto eu descia cada vez mais, sentindo cada gominho
perfeito de seu tanquinho. Como diria Maju: eu passaria horas esfregando cada peça de roupa
nele.

Olhei em seus olhos e me senti poderosa. Ver um homem experiente sendo dominado
pelos seus desejos era maravilhoso.
Maximus segurou minha mão e beijou meus dedos um a um, então sugou o mindinho.
O contato teve conexão direta com minha boceta, que ficou molhada instantaneamente.
— A Diabinha tem pressa, já eu, quero apreciar você e te deixar tão excitada que não
pense em mais nada além de mim. — O olhei, confusa. Queria gritar que já estava muito excitada,
que ele não podia me deixar ainda mais e que se apressasse logo. — Perfeitos — disse, segurando
meus seios com as duas mãos e passando o polegar nos mamilos rosados, os deixando
enrijecidos.

— Ai, meu Deus... — falei alto demais quando se abaixou e capturou um mamilo em sua
boca quente.
O contato escaldante de sua língua contra minha pele fria me deixava alucinada. Era algo
que nunca tinha experimentado na vida e era tão bom que não queria que ele parasse.
Segurei sua cabeça no lugar, sentindo os fios claros e macios contra a ponta de meus
dedos. Gemi algo incoerente, e isso só serviu para aumentar a intensidade do que Maximus fazia
comigo.
Ele sugava meu mamilo, o mordia e lambia. Enquanto meu outro mamilo também
recebia atenção sendo torturado entre seus dedos em um ritmo perfeito. Apertando e girando,
apertando e girando.
Algo estava sendo construído dentro de mim aos poucos. Minha pele ficava mais quente
e eu já nem sentia a brisa fria que soprava. Tudo o que eu sentia era algo insano, algo como um
ponto distante que eu desejava alcançar. Minha mente virou geleia e meu corpo massa moldável
em suas mãos.
— Maximus. — Suspirei seu nome e isso foi o suficiente para ele agir.
— Não aguento mais. Preciso sentir seu gosto, saber se já está pronta para mim.
— O quê? Como assim, Maximus? — perguntei confusa, sentindo sua mão descendo por
meu corpo e indo em direção a minha calcinha.
Seus dedos fizeram o trabalho de subir meu vestido e abaixar minha calcinha. Foi tudo
tão rápido que fiquei tonta e fascinada, observando o que ele fazia.
Maximus sorriu diabolicamente ao ver o fio dental rendado vermelho em suas mãos.
Meus olhos saltaram ao vê-lo fechar os olhos e cheirar minha calcinha, para depois guardá-la em
seu bolso. Ele ficou de joelhos, eu sabia o que iria fazer. Mesmo querendo isso, ainda assim, era
perigoso demais estarmos tão expostos assim. Não teríamos explicação para a cena.

— Maximus, não… Ai, meu Deus — falei tarde demais.


A boca ávida de Maximus atacava minha boceta com uma fome desesperadora. Era
como se ele estivesse provando algo suculento, sua sobremesa favorita.
Sua língua fazia movimentos circulares no ponto delicado e seus dedos tocando bem
fundo dentro de mim, curvados, encontrando um local que me fazia gemer a cada toque.
Maximus enfiava os dedos em mim em uma lentidão gostosa, enquanto sua boca dava uma
atenção apropriada ao meu clitóris.
Aquela sensação de que algo está sendo construído aumentava a cada segundo. Arrepios
percorrendo minha pele quente coberta por uma fina camada de suor, e todo o desejo do meu
corpo concentrado onde Maximus estava.
Revirei os olhos quando ele mordeu meu clitóris bem de leve. A pontada de dor e prazer
sendo o suficiente para que eu me desmontasse e mergulhasse em uma sensação maravilhosa.
Meu corpo tremendo e minhas pernas parecendo gelatina.
Gritei, já não me importando com quem fosse escutar, e segurei a cabeça dele no lugar
para que não saísse dali por nada, para prolongar todo o resquício do orgasmo avassalador que
me tomava.
Eu era toda sensações, cativa dele e do que me fazia sentir. Uma massa disforme que
tomou forma em suas mãos. Rendida por tudo aquilo que me fazia sentir e confessava a mim
mesma que não era só pelo desejo.
Maximus não parou por um segundo. Sua boca sugando cada fluído que saía do meu
corpo, sentindo meu gosto, me saboreando, me tomando como sua como um dia disse que faria.
Quando se levantou, vi o brilho insano de seus olhos. Me segurou pelos braços e me
trouxe de novo para junto de si. Me beijou violentamente e sugou meu lábio inferior para dentro
de sua boca.
Senti o gosto salgado da minha excitação em seus lábios e o tesão de ser tomada
totalmente como sua, voltou como um furacão.
— Preciso te foder — disse rudemente. Àquela altura, eu não me importava mais com
seu palavreado chulo e pouco romântico. O que eu queria era realmente ser fodida por ele.
Maximus abriu o botão de sua calça com uma certa impaciência e arriou com a cueca
em um só movimento. Sua ereção saltou, livre e pulsante.
Era maior do que me lembrava e me deixava salivando para o provar. Não tinha ideia se
seria tão boa quanto via as personagens nos livros fazendo, porém, eu queria me esbaldar em
toda aquela fartura.
— Me olha como se quisesse me devorar, Diabinha — Maximus afirmou e balançou o
pau para me provocar.
— E quero — assumi. Onde estava a vergonha nesse momento? Nunca nem vi.
Ele negou com a cabeça e segurou meus pulsos com uma mão acima da minha cabeça.
O tronco da árvore fazia a pele das minhas costas pinicar, contudo, isso não diminuía em nada
meu tesão por Maximus.
Nossos olhares se encontram e o clima mudou drasticamente. Segundos antes, tudo era
questão de excitação, no entanto, aqueles segundos preciosos foram capazes de alterar a rota e
se transformar em algo muito maior.
Maximus levantou minha perna, se posicionando, e a enrolei em sua cintura sentindo
seu pau cutucando minha entrada apertada. Gemi ao sentir a cabeça de seu pau roçando minha
abertura úmida, me fazendo gemer.
Ele me provocava com mínimos movimentos circulares, empurrando bem devagar,
enquanto eu, na minha impaciência, tentava pressionar meu corpo contra o seu.
Prendi a respiração ao senti-lo me penetrando, meus músculos internos se contraindo
em protesto por conta de invasão nem um pouco familiar.
— Puta que pariu, como você é apertada — ele disse entre os gemidos. — Não consigo
mais me controlar — acrescentou.
Largou minhas mãos e segurou em minha cintura. Seus quadris se elevaram, e em uma
estocada precisa, eu gritei ao senti-lo me alargando, a ardência trazendo lágrimas aos meus olhos.
Maximus parou e olhou dentro dos meus olhos.
Um sentimento estranho brilhava em suas orbes azuladas, algo que eu não conseguia
interpretar, então ele passou o indicador pelos meus lábios inchados por seus beijos.
— Minha doce Diabinha, é uma virgenzinha. Que surpresa deliciosa — sussurrou.
Me pegando de surpresa, ele não foi gentil como esperava. Em um movimento hábil,
Maximus me penetrou de vez e abafou meus gritos com sua mão direita.
Sem misericórdia, ele me fodia ferozmente, enquanto eu me segurava em seu pescoço
para não perder o equilíbrio. A dor inicial, já esquecida, e tudo o que conseguia sentir era a
sensação do orgasmo chegando mais uma vez.
Passei a mão pela sua para que tirasse de minha boca, mas ele me olhou, duvidoso.
— Vai se comportar? Não queremos que ninguém se pergunte de onde vem tantos
gritos, não é? — Assenti e ele tirou a mão.
Gemi baixinho e mordi o lábio para controlar sons mais altos que ameaçavam escapar
de minha boca. Encostei a cabeça no tronco da árvore e me deixei ser possuída por ele. Me deixei
ser levada por todo o sentimento que tomou conta de mim, indo mais a fundo e me perguntando
o quão profundo era.
Maximus estava por todos os lugares, chupando meus seios, metendo na minha buceta,
que o sugava para dentro o apertando, e seus dedos tocando meu clitóris, me fazendo sentir tão
bem
— Diabinha gostosa do caralho. Apertada, minha putinha.
— Maximus, eu vou…
— Goza para mim, gostosa — sussurrou em meu ouvido ao mesmo tempo que apertava
meu clitóris entre os dedos.
Sem me controlar, gemi alto e fechei os olhos com força. Maximus me segurou no lugar
enquanto me fodia. Agradeci, pois isso impediu que eu fosse ao chão.
Maximus lambeu meu pescoço e sugou um pedaço de pele para dentro de sua boca
faminta. Escondeu o rosto na curvatura enquanto emitia sons de prazer.
Não demorou muito e seu corpo se contraiu quando ele gozou dentro de mim. Seu pau
pulsava em minha boceta, que o apertava em resposta.
Maximus me beijou e me aconchegou em seus braços. Fui tomada pela sensação de
estar segura, algo que não sentia há tempos e por segundos, tive medo.
Medo de novamente confiar em um homem e acontecer o mesmo que aconteceu com
Bernardo. Minha mente traiçoeira sendo autora de pensamentos ruins em um momento que era
de pura satisfação.
Porém, tudo se dispersou quando senti o toque dos lábios de Maximus nos meus. Era
delicados como nuvens flutuando no céu. Um toque íntimo demais. Abri os olhos e o fitei
longamente. O mesmo brilho ainda continuava e, por mais que eu tentasse interpretar o que
aquilo significava, não conseguia.
Maximus ainda me segurava em seus braços e eu o abracei de volta, querendo que
ficássemos conectados assim um longo tempo.
— Caralho, Cecília, que foda — ele disse em tom brincalhão que arrancou um meio
sorriso de mim.
— O poderoso Maximus tomado por uma boceta?
— Uma deliciosa e apertada boceta.
— Maximus! — exclamei corando.
Ele sorriu amplamente e saiu de dentro de mim, me fazendo contrair o rosto, estava
realmente dolorida. Maximus subiu sua cueca e calça, pescou de dentro dela um lenço
branquinho e levantou minha perna de novo.
— Não, não precisa fazer isso — falei quando me dei conta de sua intenção.
— Quieta — ordenou enquanto me limpava delicadamente.
Quando concluiu o trabalho, guardou o lenço sujo de volta no bolso.
— Tereza nos salvou com seus lenços limpos. Agora vamos para casa.
— Mas e o jantar? E sua mãe? — questionei, enquanto ele me arrastava, dessa vez, para
onde os carros estavam estacionados.
— Pouco me importa. Depois peço desculpas ao Antônio e Vitória. O que me interessa é
passar a noite toda dentro de você — ele disse, me olhando de lado e pegando seu terno do chão.
Sorri em meio a escuridão, meu corpo arrepiado pela expectativa. Pouco me importava
o jantar, eu nem queria mesmo estar ali.
Capítulo 23
Cecília

Passei todo o caminho de volta para a fazenda em uma expectativa enorme. Me remexia
inquieta no banco do carona, sentindo o meio de minhas pernas deliciosamente dolorido e muito
bem usado.
Quando escutava minha irmã comentando sobre sua vida sexual, eu sempre tinha a ideia
fixa de que o sexo era algo muito valorizado, que o que realmente importava era a conexão do
casal.
Pois bem, estava enganada, sexo era maravilhoso e que se foda se minha versão
romântica de antes gostava da conexão. A explicação era que a antiga versão não teve uma foda
sequer.
Obviamente, eu também sabia que um sexo bom e gostoso não era privilégio de todos.
Muitos homens mal sabiam o que era um clitóris, o que em contrapartida deixava suas parceiras
insatisfeitas.
Prova disso foi Maju comentando comigo sobre o caso que teve com o amigo que dividia
o consultório. Segundo ela, o cara raramente a fazia chegar lá e tinha certas reservas, o que lhe
tirava o direito de ser safada.
Ao me contar isso, confesso que julguei minha irmã. Era fofo um cara não querer só sexo,
que era o que minha irmã queria, contudo, a compreendo agora. Sexo e amor podem ser
separados.
Como era meu caso. Ainda não estava pronta para interpretar o que senti nos segundos
que nossos olhos se encontraram na casa do casal Gouvêa, e não sabia quando estaria. No
entanto, nada me impedia de me redescobrir, de deixar meu lado putiane livre e o lado romântico
guardado no armário.
Maximus estacionou o carro de qualquer maneira na entrada da casa e saiu. Fiz o mesmo.
Ele pegou em minha mão e saiu correndo pela escadaria. Ao chegarmos no quarto, Maximus
puxou meu corpo pela cintura, sua mão livre entrando em meus cabelos.
Trocamos um beijo suave e contido, se comparado aos outros que demos. Seus lábios
moldando os meus em uma carícia íntima. Sua língua provocando a minha em uma dança lenta.
Minhas mãos tirando peças de roupas com seu auxílio, jogando a camisa no chão e
explorando seu peito nu. Toda a rigidez contundente na ponta de meus dedos. Alisando,
apertando, mapeando e gravando cada parte de pele exposta.
Quando ele se afastou minimamente de mim, vi seus olhos azuis brilhantes, como a mais
bela água cristalina.
Ele tirou o cinto com destreza e abriu lentamente o botão da calça. Meu coração
disparava em expectativa de vê-lo completamente nu mais uma vez, me dando conta de que
aquela não seria a última, pois levaria um bom tempo para aplacar toda a necessidade que meu
corpo sentia dele.
Logo sua calça e cueca fizeram companhia a blusa e aos sapatos, que só por agora, me
dei conta de que tinham sido removidos.
Seu pau estava em plena glória a minha frente, rígido, grande, robusto, perfeito. Aquilo
sim era uma obra de arte, onde deveriam ser escritos odes para a oitava maravilha do mundo.
Mordi o lábio e a expressão de Maximus se alterou. Observei que ele estava se segurando muito
para não pular em cima de mim, mas eu torcia para que o fizesse.
— Tire o vestido, Cecília — ele ordenou. — Bem devagar — concluiu quando percebeu
minha impaciência.
Pensei em tirar primeiro os saltos, no entanto, travei quando ele balançou a cabeça de
um lado para o outro.
— Mantenha-os. — Com um meneio de cabeça, continuei minha tarefa.
Calmamente, encontrei uma das alças do meu vestido e a desci revelando meu seio
esquerdo, já com o bico enrijecido devido a excitação que sentia por ver Maximus nu.
Continuei a tarefa de me despir e enganchei meus dedos na outra alça, descobrindo meu
seio direito. Delicadamente, desci o vestido, dando uma rebolada para que ele passasse
tranquilamente pelo quadril e para o provocar.
Era surpreendente para mim mesma como o pudor não me travava, como o olhar dele
direcionado para mim me fazia sentir tão segura, tão em dia com minha autoestima, que não
tinha espaços para inseguranças ou receios.
Nunca tive neura nenhuma com relação ao meu corpo, sabia que era muito bonita sem
precisar fazer esforço. No entanto, fiquei, por alguns dias, um pouco abalada por causa da rejeição
de Bernardo, o que sumiu na frente de Maximus.
Seus olhos acesos mostravam que estava obtendo sucesso em minha empreitada de
provocação, e fiquei muito satisfeita de ver que o afetava na mesma medida que ele me afetava.
O vestido caiu aos meus pés como um mar vermelho e dei um passo para o lado, ficando
nua. Maximus lambeu os lábios e olhou para minha boceta depilada como um homem faminto.
Segurou o pau com força e começou a se masturbar. Caralho, eu nunca tinha visto aquilo
na minha vida! A forma como ele se dava prazer, acariciando o membro grosso para cima e para
baixo, ora devagar, ora rápido. O desejo queimando em sua face.
Maximus passou a mão na cabeça do pau e retirou o líquido pré-ejaculatório que saía de
lá. Apontou o polegar para mim como quem oferece um doce.
Não estava certa sobre engolir aquilo, ou que gosto tinha, contudo, a expressão safada
em seu rosto foi o suficiente para não me fazer pensar muito e chupar seu polegar de gosto
salgado. O gosto não era às mil maravilhas, porém, não era ruim.
— Puta que pariu, Diabinha. Já está na hora de retribuir.
— Como assim? — perguntei em um fiapo de voz.
— Ajoelha — ordenou.
O fitei por segundos até que, por fim, o obedeci. Meio trêmula, me pus em meus joelhos
e o encarei através de meus cílios. Ele me encarava de volta, suas írises permeadas entre o fogo
e o azul do mar.
— Te ver nessa posição é excitante pra caralho, Diabinha. Chupa.
— Eu nunca fiz isso, e se não gostar? — questionei temerosa.
— Proteja os dentes e pense nele como um sorvete. Use a língua — explicou, e eu
assenti.
Peguei em seu pau, minha mão não conseguindo fechar em sua largura, e lambi a cabeça
de onde mais uma gota do líquido escapava. Suguei, sentindo o gosto em minha língua e, logo em
seguida, chupei a cabeça, ouvindo com prazer Maximus uivar, seus dedos entrando em meus
cabelos para auxiliar nos movimentos.
Me sentindo mais poderosa e corajosa, permiti que minha boca engolisse mais do seu
comprimento, tirando antes que chegasse em minha garganta. No final, lambendo a cabeça.
— Use a mão, faça o mesmo movimento que me viu fazendo — Maximus disse,
explicando a ação com a mão em movimentos rotativos, como se estivesse torcendo. — Faça isso
e chupe ao mesmo tempo. Sincronia.
Fiz o que ele disse usando mãos, língua e boca. Chupando, lambendo, sugando, me
deliciando com o gosto de sua pele. Maximus auxiliava meus movimentos com uma mão, guiando
minha cabeça diretamente para seu pau, enquanto a outra fazia um carinho por meu rosto.
Por vezes, nossos olhares se encontraram e vi a faísca do tesão puro e selvagem
refletido ali.
A cada movimento feito, mais a confiança e ousadia aumentavam. No entanto, Maximus
se afastou de mim, rígido e de olhos fechados, parecia tentar se controlar, e eu me perguntava o
que fiz de errado.
— Não estava bom?
Puta que pariu. Achei que estava arrasando quando, na verdade, meu oral era uma
merda.
— Nada disso, Diabinha. Perfeito.
— Então...
— Quero gozar com você sentando em mim, e se eu continuar sentindo sua boquinha
linda fazendo miséria comigo, não vou ser capaz de me segurar mais. Mas pode deixar, você vai
engolir a minha porra — completou.
Maximus me levantou pelos braços e me arrastou para a cama. Sentou-se na beirada e
segurou o pau com força. A cabeça do membro estava bem vermelha e parecia ainda maior.
— Senta, gostosa. Mantenha os saltos.
Nem era preciso que ele falasse duas vezes, coloquei uma perna de cada lado e senti a
ponta da rola na minha abertura molhada. A pequena pressão fazia meus músculos internos se
contraírem, protestando doloridos por conta dos esforços menos de uma hora antes.
Porém, estava com tanta vontade de senti-lo de novo me esticando e me rasgando, que
ignorei a pequena pontada de dor que senti quando me sentei em seu pau.
Gritei sem pudor algum, escutando o gemido rouco de Maximus em meu ouvido. Um
arrepio gostoso percorreu minha coluna quando ele preencheu as mãos com meus seios, os
juntando para lamber os mamilos enrijecidos.
Aquele contato tinha uma conexão direta com minha boceta e em resposta, meus
músculos se contraíram apertando seu pau, o engolindo e apertando.
— Caralho — Maximus disse, largando meus seios e segurando meus quadris. — Mexa-
se, porra! — ordenou, dando um tapa estalado na minha bunda.
Arfei com o golpe inesperado e comecei a subir e descer lentamente. Uma fina camada
de suor brilhava em minha pele e meu corpo já dava os primeiros sinais de ebulição, iguais aos
que senti quando gozei pela primeira vez no jardim.
Maximus alisava minhas curvas e, por vezes, até auxiliava em meus movimentos, me
incentivando a ir mais rápido, até que os únicos barulhos do quarto eram de nossas respirações
ofegantes e nossos corpos se chocando um contra o outro.
Senti o toque suave de seus dedos passando pela minha bunda e apertando, explorando,
mapeando até a zona proibida. Maximus dedilhou meu cu com carinho e destreza. Chegou perto
do meu ouvido e sussurrou:
— Eu vou querer isso. — Quando comecei a negar com a cabeça, ele deu outro tapa forte
em minha bunda. — Vai fazer e vai gostar, te garanto.
Não disse mais nada, pois não duvidava muito. Apesar de sentir receio sobre aquela
parte em especial, estava bem curiosa para saber se era prazeroso ou não. E caso não gostasse,
diria a ele.
O desejo percorria meu corpo como que em ondas destrutivas, eu estava quase lá. Sabia
que seria forte e intenso. Continuava sentando no pau grosso e duro de Maximus, eu, que nunca
havia feito isso na vida, me sentia como uma profissional, pois arrancava gemidos guturais dele,
sentia-o pulsando dentro de mim, enquanto minha boceta o apertava cada vez mais. Entre
lambidas em meu pescoço, seus dedos alcançaram o meu clitóris, e quando ele o pressionou e
beliscou, foi o fim que eu precisava para atingir o êxtase máximo de prazer.
Meu corpo virando gelatina em suas mãos, que me seguraram e viraram meu corpo,
trocando de posição, o fazendo ficar por cima. Eu ainda tremia por conta do orgasmo, mas ele
não parava.
Maximus arremeteu mais algumas vezes dentro de mim, o que só prolongava meu
orgasmo em espasmos violentos, e, por fim, tirou o pau de dentro da minha buceta e gozou bem
perto da minha boca tingida de vermelho.
Quase o xinguei pela ousadia, no entanto, me mantive calada, apreciando sua boca
aberta em um O perfeito e seus dedos desenhando meus lábios, esfregando seu sémen ali.
Abriu caminho na minha boca com o dedo, me fazendo lamber o líquido salgado. Puta
que pariu, nem nos meus sonhos eróticos mais loucos me imaginei fazendo algo desse tipo.
— Pegue cada gota de seu rosto e engula.
Absorvi a ordem e fiz o que ele pediu. Onde sentia que estava úmido em meu rosto,
peguei com os dedos e lambi. Após ter concluído essa tarefa, Maximus me beijou ferozmente,
sua língua degustando da minha como uma iguaria.
Quando se afastou, lambeu os lábios e sorriu diabolicamente para mim.
— Minha Diabinha virgem me deu um chá gostoso. Perfeita.
Quis falar alguma coisa, tinha uma resposta na ponta da língua, porém, não conseguia
nem me mover de tão cansada que estava.
Escutei Maximus se afastando e indo para o banheiro. O barulho da água enchendo a
banheira preencheu meus ouvidos e alguns minutos depois, meu corpo estava em seus braços,
sendo carregados até o cômodo.
A água quentinha fez cada músculo dolorido relaxar e a dor ir embora em questão de
segundos. Suspirei satisfeita. O sexo tinha sido melhor do que imaginava, mas nem tudo era às
mil maravilhas.
Era questão de tempo até que o sexo ficasse sem graça e algo de segundo plano, e os
problemas retornassem. Não sabia o que fazer e nem o que pensar, mas deixaria para depois, iria
aproveitar de tudo enquanto pudesse.
Capítulo 24
Cecília

Parecia que estava vivendo em algum tipo de realidade paralela, um universo estranho
que só existia na minha cabeça. Era a única explicação que encontrava para a completa mudança
de rotina que tive nos últimos dias.
Maximus estava agindo como se existisse dois dele, ou algum irmão gêmeo perdido,
muito diferente do homem que conheci antes do casamento.
Sentia que, às vezes, ele ficava mais na dele, disperso, pensando em algo que não queria
partilhar de jeito algum. E era nesses momentos que se distanciava de mim para, logo depois,
voltar como se nada tivesse acontecido.
Era como se ele estivesse vivendo um conflito interno, uma batalha entre se relacionar
comigo de forma rasa e superficial, ou se jogar de vez. Não o cobrava, pois sabia que não era fácil,
já que eu passava pelo mesmo conflito.
Desde o encontro tórrido no jardim, e depois da noite intensa que passamos em nosso
quarto, Maximus estava agindo diferente. Transávamos mais que o normal, até que ficássemos
exaustos, conversávamos um pouco e depois disso... nada.
A situação era complicada como um todo, especialmente para mim. Desde que me abri
daquela maneira para ele, algo dentro de mim mudou. Já não me sentia mais incomodada de
dividir a cama com ele, e a essa altura, seria um tanto ridículo fazer caso por causa disso.
Fazer as refeições com ele não era mais visto como um fardo, muito pelo contrário, uma
voz fraca dentro de minha cabeça ficava martelando que seria um tempo apreciando sua
companhia, conhecendo mais dele até onde ele me permitia ir.
Eu me recusava a acreditar que era tão trouxa a ponto de estar me envolvendo para algo
além de sexo com ele. Não era possível que depois do que passei na mão do Bernardo, iria me
permitir a essa coisa sem pé nem cabeça.
Não, meu coração estava seguro. Não se pode confundir desejo e tara com outro nível
de sentimento. Por vezes, é confundido por muitas pessoas, porém, eu saberia. Afinal, já me
apaixonei antes.
— Chegamos, dona Cecília — um dos homens de preto disse, me tirando dos meus
devaneios.
Homens de preto era o codinome que chamava os seguranças que nos seguiam para
cima e para baixo. Ainda não compreendia o porquê de ter que andar com eles.
Antes, não me incomodava em nada, mas agora era quase como uma perda de
privacidade. Ter que andar com esses armários a tiracolo em tudo que é lugar, até mesmo dentro
da fazenda, já estava se tornando um estorvo.
Quando chegasse em casa, iria perguntar para Maximus o porquê daquele circo todo.
Era para ter feito isso há tempos, só não o fiz por acabar esquecendo.
— Obrigada... — Parei, tentando lembrar o nome do homem de preto.
— Sandro, senhora. — Crispei os lábios ao ouvir a menção do senhora.
Eles insistiam em me chamar assim, mesmo eu dizendo que não era necessário, já que
eles aparentavam ter mais idade que eu. Mesmo sendo um sinal de respeito exigido por Maximus,
ainda assim, me chamar somente pelo nome não iria fazer mal.
— Obrigada. Não precisa vir me buscar, vou pedir para minha irmã fazer isso — falei,
desafivelando o cinto e saindo do carro.
Desde o confronto de Maximus com Marisa que não via minha irmã. Sua falta de visitas
era por causa da procura de consultórios e um curso de especialização que estava fazendo.
— Senhora, tenho ordens para vir buscá-la. — Um dos homens de preto, com os cabelos
lotados de gel, murmurou, saindo do carro também.
— Ah, imagino que quem tenha dado as ordens foi o senhor Maximus — sugeri,
cruzando os braços.
— Isso mesmo.
— Pois que ele vá para o raio que o parta — retruquei e o deixei boquiaberto.
Uma coisa era termos nos aproximado, outra coisa é aceitar as ordens daquele cretino
abusado.
Entrei na clínica veterinária que, durante meses, foi a responsável por ter aprendido
tanta coisa, e sorri ao ver tantas pessoas e seus bichinhos. Alguns vinham para cuidados de rotina,
porém, outros vinham com algo mais grave.
Naquele meio tempo de estágio, presenciei tanta coisa. Vi bichinhos voltando a vida,
outros morrendo e deixando seus donos tristes. Infelizmente, nem sempre o final era feliz, mas
aprendi que, mesmo triste, era parte do ciclo da vida que se encerrava.
— Olá, Cecília — Morgana, a secretária, me cumprimentou com um sorriso enorme.
Durante minha estadia ali, nos tornamos muito próximas. Não éramos amigas, no
entanto, o bom humor dela era contagiante. Não tinha uma pessoa que estivesse em sua
companhia e não risse de suas graças.
— Vim falar com o doutor — a informei, sentindo a tristeza e choque de realidade
tomando conta de mim.
— Ah, não, Cecília. Seu estágio já acabou? — Acenei com a cabeça.
— Infelizmente, mas isso não significa que não vou vir para uma visita.
— Nosso rolê de senhoras na cafeteria, com direito a bolo e café — afirmou, e eu sorri.
— Com toda certeza.
— Cecília, já veio falar comigo — o doutor Ricardo disse, saindo de sua sala.
— Sim, doutor, ela vai nos abandonar — Morgana disse fazendo drama.
— Ela vai estar bem, vai comandar a fazenda — ele comentou, sorrindo.
— Não exagere, doutor — falei sem graça.
— Ai, caramba. Agora que está casada com o Todo Poderoso, tem um emprego de
respeito.
— Gente, não é para tanto — comentei corando.
Eu não queria dar a impressão de que só porque eu era esposa de Maximus, teria
privilégios, apesar de parecer exatamente isso.
— Eu só vim agradecer por tudo e dar um abraço em vocês. Venho visitá-los — prometi.
— Nos vemos em breve na fazenda, Cecília — o doutor disse, me dando um abraço
rápido.
Me desvencilhei dele e me despedi de Morgana. Engoli um soluço e saí do consultório
antes que começasse a chorar. Conferi a mensagem de minha irmã no celular e aproveitei para
ver meu rosto. Ainda bem que não chorei.
Segundo sua mensagem, Maju estava chegando e me pediu para esperar em frente ao
consultório.
— Cecília, é você mesma? Caramba, queria tanto falar com você, desde aquele dia que
não conseguimos conversar direito. — Arfei ao escutar a voz de Bernardo.
Me virei e nossos olhares se encontraram. Ele estava com uma aparência péssima, mas
eu já tinha notado desde o jantar do casal Gouvêa.
As olheiras embaixo de seus olhos indicavam noites maldormidas, seu cabelo estava sem
brilho e desalinhado, suas roupas amassadas e seus olhos sem o brilho de antes.
O analisei analiticamente e procurei investigar como me sentia a respeito dele. Tudo o
que consegui encontrar foi o mais absoluto vazio, como um balão de fim de festa. Meu coração
não acelerava mais quando escutava sua voz. A única coisa que senti foi pena, pois ele estava um
trapo.
— Está tudo bem com você? — perguntei por educação. Nem olhar em seus olhos, eu
olhava.
— Mais ou menos. Não sou mais o mesmo desde tudo aquilo, Ceci.
— Cecília, prefiro que me chame assim — respondi seca.
— Qual é? Já fomos namorados, ainda somos! — ele disse, chegando perto de mim.
Senti o odor de álcool quando ele falou e dei um passo para trás. Bernardo nunca foi de
beber, e agora isso? A vida não parava de me surpreender.
— Ficou louco? Caso esteja em órbita ou em outro planeta, eu estou casada. E desde
quando você bebe?
— Ah, sim, já seguiu em frente com o coroa. Nunca pensei que fosse ver o dia em que
você se venderia assim. — Fechei a cara, qualquer traço de pena e empatia sumiu como num
passe de mágica.
Me perguntava se Bernardo sempre foi ordinário assim e eu que não enxergava seus
defeitos por estar apaixonada demais. Ele estava sendo ofensivo e não estava respeitando meu
espaço pessoal.
— Você sempre foi assim ou eu que estou enxergando agora?
— Merece, eu aqui sofrendo por você, enquanto trepa com outro cara. Por trás da
fachada de santinha, existe uma vagabunda.
Ele me segurou pelo braço o apertando forte, aproximou o rosto do meu, me fazendo
sentir o bafo de álcool.
Antes que eu pudesse reagir as suas ofensas e seu aperto que me machucava, Bernardo
continuou:
— Sabia que seu marido estava me ameaçando? Que apontou uma arma para mim? —
Arfei e meu coração acelerou tanto que parecia querer sair pela boca.
Eu tinha consciência dos defeitos de Maximus, mas ele não podia fazer tudo isso que
Bernardo estava acusando.
— Não tem o porquê de eu acreditar em você — falei.
— Acorda, porra! Seu marido é um criminoso, ladrão. Para ter aquilo que quer, faz de
tudo. Prova são as terras que sua mãe te vendeu. — A cada palavra era como uma faca me
perfurando.
O fantasma da dúvida pairando e me assombrando. Me machucava escutar isso, porque
sabia da probabilidade de ser verdade, visto que, era a cara de Maximus fazer isso.
Sem poder me conter mais, agi por impulso e enfiei a mão em sua cara. Bernardo vacilou
e me soltou, seus olhos mudaram drasticamente. Era como se existisse uma cortina tapando sua
verdadeira face.
— Já é a segunda vez que me bate. Definitivamente, não é mais a minha Cecília —
Bernardo afirmou em tom ácido enquanto segurava seu rosto vermelho.
— Realmente, eu não sou mais a mesma. Não estou mais disposta a aceitar ordens e
insultos de macho escroto. Se chegamos a esse nível, saiba que a culpa é totalmente sua. O
sentimento bonito que existia foi morto por você.
— Então a culpa é minha?
— Ainda tem dúvidas? Cai fora, Bernardo! — retruquei.
Vi o carro de Maju ao longe, como um bote salva-vidas em meio a um oceano, e saí
correndo. Já não aguentava mais ter que escutar as besteiras de Bernardo e meu coração estava
pesado pela dúvida.
Entrei no carro de minha irmã, que me abraçou calorosamente, sendo um bálsamo para
minha ferida.
Ela deu a partida e um alívio tomou conta de mim.

— Como vai o TCC? Obteve alguma resposta? — Maju perguntou, já no meio do


caminho.
Durante o percurso, escutei seus comentários animados sobre o novo consultório, sobre
o curso que fazia e sobre as baladas que frequentava. Ela até chegou a me chamar, no entanto,
não curtia muito esses lugares.
Música alta, bebidas que eu não podia beber rodando aos montes, e um monte de gente
estranha te espremendo e esbarrando em você. Não, esses lugares não eram atrativos.
— Recebi uma resposta mais cedo. Vou poder defendê-lo antes das festas de fim de ano,
ele foi aceito. — Maju largou o volante por segundos, e bateu palmas animada.
Segurei o volante por ela. A louca iria provocar um acidente desse jeito. Quando ela
voltou a segurar, que me permiti soltar.
— Pretende nos matar tão jovens?
— Essa notícia merece uma comemoração — ela disse, me ignorando.
— Iupii, pronto, comemorei — respondi desanimada.
— Credo, se eu não te conhecesse, diria que tem uns noventa anos. Já vi senhoras mais
velhas serem mais animadas que você. O que está pegando, Ceci? Aquele brutamontes te fez
algo?
— Não é nada.
— Tenho que te lembrar que te conheço e sei que mente mal? — Suspirei.
Eu não queria falar com minha irmã sobre o que Bernardo me contou e, depois de saber
disso, revelar o que venho sentindo por Maximus. Confessar em voz alta, daria vida a tudo e
contar sobre minha tristeza seria como jogar um balde de água fria em sua animação.
— Fala logo, mulher — Maju disse, quando percebeu meu silêncio se estendendo.
— Bernardo me interceptou antes de você chegar — soltei de uma vez, antes que
perdesse a coragem.
— Puta merda! — exclamou.
Contei resumidamente a história e ela se manteve calada a todo momento, um milagre.
Ao final, Maju estava possessa.
— Que vontade de quebrar a cara desse garoto! — retrucou, batendo no volante.
— Ei, ei. Para com isso — falei, tentando manter suas mãos no lugar.
Era difícil acalmar Maju quando ela tinha seus acessos de raiva repentinos. Já estava
cuidando disso em terapia, pois era perigoso para si mesma e para aqueles que a rodeavam.
— Ei, se acalma. Você acha que pode ser verdade? — perguntei.
— Tem que conversar com Maximus. Apesar de querer dar uma surra nele, seu marido
não pode sair por aí ameaçando ninguém. Bernardo também não é flor que se cheire, não é
confiável. Na dúvida, fale com seu marido.
— Eu não sei nem o que dizer. Seria muito ruim escutar que tudo é verdade. — Maju me
olhou pelo canto do olho.
— Você odeia o Maximus, não faria diferença o odiar mais um pouco.
— Eu não o odeio. A gente transou — falei de uma vez. Já que estava na merda, bora
terminar de se afundar.
— Eu sabia, eu sabia! Sabia que ia resultar nisso. A safada deu e nem me contou! — Maju
disse esbaforida.
— Pelo amor de Deus, se controle.
— Detalhes. Foi uma trepada na raiva? — Suspirei e afundei no assento do carro.
— Para com isso ou não te conto nada. — Ela assentiu e não disse mais nada.
Quando julguei seguro iniciar, contei para ela até mesmo a confusão que minha cabeça
estava.
— Sabe que isso pode ser só fogo no rabo. Como ele foi seu primeiro homem, faz sentido
confundir. Só toma cuidado. — Mordi o lábio e olhei para o nada.
Maju continuou me alertando pelo restante do caminho até chegarmos na fazenda. Se
despediu de mim e prometeu me visitar mais, já que eu me recusava em ir para a Milênio e fazer
parte do mundinho socialite da minha mãe.
Cumprimentei os seguranças e um deles me disse que Maximus me esperava, pois queria
falar comigo. O que ele queria agora?
Capítulo 25
Max

Após a saída de Xavier do meu escritório, onde ele me apresentou os novos contratados
para a exploração de terras da Milênio, aproveitei um momento de tranquilidade.
Chamei Tereza e pedi que ela falasse com os seguranças que iríamos precisar deles para
quando Cecília chegasse, queria dar um passeio com ela.
Seria uma forma melhor de conversar com ela sobre sua atitude de dispensar os
seguranças do que ficar em casa fomentando a raiva. Isso só nos levaria a uma discussão e, na
real, estava com saudade dela e sem saco para brigar.
Era preciso muita coragem da minha parte para admitir isso, mas, de fato, ela ter estado
longe quase o dia inteiro me fez sentir sua falta. Sua presença constante era algo com que já
estava me acostumando.
Escutei duas batidinhas na porta e pedi que a pessoa do outro lado entrasse. Eu já sabia
que era Cecília, pedi que ninguém mais me incomodasse pelo resto do dia.
Sua forma curvilínea preencheu todo o batente da porta. Ela não sorria e sua postura
não era relaxada como eu queria.
Me incomodava saber que Cecília não relaxava com frequência na minha presença, mas
era algo que eu pretendia mudar e rápido.
— Me disseram que você queria falar comigo.
— Sim. Feche a porta.
— Poderia pedir com mais educação — sugeriu. Em seus olhos, conseguia enxergar o
brilho do desafio. A pequena diaba amava me provocar.
— Só entre e feche a porta — falei, impaciente. Quando vejo que ela não se moveu um
centímetro, acrescentei a contragosto: — Por favor.
Cecília desmanchou a careta e a satisfação tomou conta de seus traços. Ela entrou,
fechou a porta e se sentou na cadeira à minha frente.
— O que quer falar?
— Sobre sua fuga de mais cedo. — Ela revirou os olhos.
— Não teve fuga, só não aceitei ficar sendo vigiada pelos Homens de Preto.
— Homens de Preto? — perguntei, achando graça. Cecília assentiu.
— É assim que eu chamo os armários que você contratou. E olha que estou sendo
boazinha, ter minha privacidade quebrada me faz querer chamá-los de coisa pior. — Suspirei
cansado. Não era uma conversa que eu quisesse ter àquela hora, mas era necessário.
— É para o nosso bem.
— Isso já vem acontecendo desde que nos casamos e você nunca abriu o jogo comigo.
O que está pegando, Maximus?
— Não acho necessário você saber, Cecília. — A Diabinha cruzou os braços. Merda.
— Pois então, isso me dá o direito de não aceitar andar com esses caras atrás de mim.
— Será que não pode me obedecer, uma vez sequer, nem mesmo comigo dizendo que é
para seu bem?
— Você não é meu pai para te obedecer. Somos casados, não vou aceitar que me trate
como uma criança, ou como uma esposinha fútil que só serve para agradar o marido, sem opinião
própria. — Torci os lábios.
Fui para um canto, onde eu costumava guardar minhas bebidas, e me servi de uma dose
dupla de Whisky.
— Nunca disse que você era isso — falei antes de engolir a bebida de uma vez.
Obviamente, o álcool não iria fazer a discussão sumir, porém, a queimação provocada
por ele me acalmava um pouco.
— Não precisa ser dito, me trata dessa forma. Só que não estou disposta a aceitar suas
ordens.
A ver tão brava assim, me excitava. A quem eu estava enganado? Tudo nela me deixava
com tesão. Até se estivesse enrolada em farrapos, ela me provocaria a mesma sensação.
Em duas passadas cheguei perto dela, coloquei as mãos nos braços da cadeira de
maneira que não tinha como ela sair e aproximei meu rosto do seu.
— Nem na cama? — sussurrei, meu hálito batendo em seu rosto.
Cecília engoliu em seco e percebi seu peito subindo e descendo mais rápido. Era foda a
maneira como ela também ficava afetada por mim. Ainda bem, seria uma merda sentir isso
sozinho.
— Não muda de assunto — murmurou baixinho, a voz rouca.
— Nessa hora, você não se incomoda de obedecer, não é mesmo? — disse com a boca
colada em seu pescoço. Vi sua pele se arrepiando e sorri em resposta.
— Ainda temos que conversar — ela disse.
Me afastei, suspirando frustrado.
— Estraga prazeres.
— Nem tudo se resume a sexo. Me conta o que aconteceu, ou vou para o quarto.
Sem ter saída, fiz um resumo do que estava acontecendo em minhas terras,
acontecimentos que vinham antes de a conhecer e discorri sobre a necessidade de se manter os
seguranças por perto.
— Entendeu? Não quero arriscar — respondi. Por dentro, queria dizer que não queria
arriscar perdê-la, isso seria inaceitável.
Ela ponderou tudo o que contei e vi aceitação em seu rosto. Cecília se levantou e me
abraçou, atitude essa que me surpreendeu.
— Entendo. Vou continuar andando com esses caras. No entanto, isso não significa que
estou te obedecendo, isso significa que estou abrindo uma exceção — declarou baixinho em meu
ouvido enquanto mexia em meus cabelos.
— Posso conviver com isso. — Me afastei, encontrando a imensidão azul de seu olhar.
— Sua definição de esposa perfeita foi para o brejo — ela disse de bom humor.
— É mais divertido assim — confessei. — Venha. — Peguei em sua mão e a puxei para
fora do escritório.
— Aonde vamos, Maximus?
— Passar um tempo juntos. — Foi a única pista que dei.

Já era final do dia e o calor estava sufocante. Mas, pelo visto, isso não iria durar muito.
O vapor que saía do chão seria evaporado pela chuva que estava prestes a cair.
O céu, antes repleto de nuvens branquinhas e com o sol a pino, estava coberto de cinza.
A estrela brilhante deu lugar a uma imagem bem diferente do que vi pela manhã.
Cecília e eu estávamos no local onde os cavalos ficavam acomodados. Passei a maior
parte do tempo conversando com ela, a deixando a par de como cada animal foi comprado e seus
cuidados. Era um passeio comum, mas ela parecia estar gostando bastante.
— Então pretende contratar professores de equitação para dar aula para as crianças? —
Assenti. — Poderia fazer algo mais aberto a quem não tem condições de pagar, sabe — sugeriu
como quem não quer nada, passando a mão na cria de Bola de Neve.
— Não há vantagens. Eu teria mais gastos e nada de lucro.
— Uma boa causa já não é o suficiente? Acho que você tem dinheiro o suficiente para
não precisar lucrar com isso. — Deu de ombros.
Me calei. Nunca pensei em fazer algo desse tipo. Óbvio que fazia doações para
instituições de caridade anualmente. Xavier ficava a par de tudo, jamais me envolvia diretamente
com isso, e agora, Cecília dizia para eu fazer isso.
— Não sei se daria certo. — Ela se aproximou de mim e pegou em minhas mãos.
— Pensa bem no tanto de crianças que você vai fazer sorrir com isso. Muitas que vivem
aqui, não podem pagar, Maximus.
A forma que ela falava era tão apaixonante que não prestei atenção em mais nada a não
ser em cada linha de expressão que marcava seu rosto. A firmeza na forma como segurava minhas
mãos, seu cabelo preso em um coque com alguns fios soltos emoldurando seu rosto.
— Para de me olhar assim — ela disse após se dar conta de que a estava encarando por
mais tempo do que o necessário.
Seu rosto determinado mudou para um mais contido, colorido de vermelho. Cecília
desviou o olhar e soltou minha mão. Meu corpo, automaticamente, sentindo falta de seu toque
suave.
— Não consigo parar de te olhar — falei.
— Só diz que vai pensar, ao menos — pediu, mudando de assunto. Suspirei, ela tinha um
ponto.
— Tudo bem. Acho que precisamos voltar, logo vai chover. — Cecília assentiu
silenciosamente.
Saímos do estábulo e caminhamos lentamente. Volta e meia, olhava para o céu nublado
como se estivesse esperando que a qualquer momento ele desmoronasse junto com a chuva que
estava prestes a cair.
— Ocorreu tudo bem com o doutor Ricardo. Me despedi dele hoje e ele pareceu aceitar
bem o fato de trabalhar comigo aqui — soltou.
— E tinha. O pago muito bem, não tem que questionar nada. — Ela pôs uma mecha por
trás da orelha, parecia incomodada. — Aconteceu alguma coisa? Ele disse alguma coisa?
— Não é isso. Não quero que as pessoas pensem que consegui o trabalho só porque sou
casada com você.
— Besteira, tem que parar de se incomodar e dar importância ao que os outros dizem e
pensam.
— Não sei o que pensar. Me incomoda o fato de você ter feito esse convite com o intuito
de dormir comigo. — A olhei, incrédulo.
— É isso que pensa? Que fiz isso só para transar com você? — Cecília mordeu o lábio
inferior e assentiu. — Que coisa mais sem sentido. De onde tirou isso?
— Sei lá, me pareceu possível fazer isso.
Parei bruscamente e ela fez o mesmo. Ficamos nos olhando por segundos, mas pareceu
que se passaram dias.
— Te disse várias vezes que não preciso disso para ter uma mulher — respondi.
Ela fechou os punhos, seus olhos emitiam um brilho raivoso.
— Ah, é? Deve se achar muito ao ponto de pensar assim.
— Trabalho com fatos. Mas não pense que isso abre brechas para você deduzir que estou
tentando seduzir outras mulheres.
— Isso é você quem diz.
— Puta que pariu, Cecília. O que tenho que fazer para acreditar em mim? — perguntei,
passando a mão pelo cabelo.
— Para começar, contar a verdade e não ficar me escondendo coisas.
— Que coisas?
— De você estar ameaçando o Bernardo! — soltou em um rompante.
Percebi que ela não queria ter falado isso, contudo, em um momento de raiva, a
informação escapou.
— Do que está falando? — Meus olhos viraram duas fendas.
— Nada, deixa para lá. Não era para ter falado isso agora — murmurou, tentando sair de
cena e me deixar sozinho.
Agarrei seu pulso, a impedindo. Não sabia o que me deixava mais puto, ela estar tendo
contato com o ex ou me acusar de algo que não fiz. Bom, não vou mentir, eu pensei mesmo em
dar uma surra no moleque após o jantar dos Gouvêa, porém, me contive.
— Vai me falar agora! — retruquei.
— Não vai me obrigar. Me solta! — gritou, puxando o pulso.
— Quer agir assim, igual a uma criança?
— Vai se foder, Maximus — ela disse e correu.
Um raio cortou o céu e a chuva começou a cair em proporções épicas. Em questão de
segundos, já estava molhado. A grama escorregadia poderia a fazer cair e se machucar.
Revirei os olhos. Não acredito que ia me prestar a esse papel, mas quando dei por mim,
já estava correndo atrás dela, a alcançando facilmente.
Agarrei sua cintura, a virando para mim e a colocando em meu ombro. Cecília gritou para
que a soltasse e dei um tapa estalado em sua bunda.
— Já que prefere agir como uma criança, eu vou te tratar como uma — falei.
— Você é um desgraçado! — Dei outro tapa em sua bunda.
— Continue.
— Filho da puta! — Tapa. — Miserável! — Tapa. — Vai arder no inferno! — Tapa.
Não demorou muito para que chegássemos em casa e a carreguei escada acima. O
corredor me pareceu ainda mais longo do que de costume.
Quando chegamos no quarto, a soltei na cama. Cecília se recuperou e ia me chutar,
agarrei seu pé e tirei o tênis. Depois foi a vez do outro.
— Não se atreva a me tocar — disse entredentes quando a peguei no colo de novo e a
carreguei para o banheiro, com ela se debatendo em meus braços.
Tirei meus sapatos e abri o chuveiro, a água quente caiu por cima de nós dois. Cecília
gritou, mas logo tratou de se acalmar.
— Você é um filho da puta!
— Te coloquei aqui porque não quero que fique doente por ter pegado chuva — eu disse,
pegando na barra do seu vestido e tirando.
Esperei objeções, gritos e ofensas, contudo, o que recebi foi seu olhar confuso. Seu
lábio inferior tremia de frio e a abracei, sentindo o primeiro soluço escapar de seus lábios.
— Acho que agi exageradamente — sussurrou baixinho, depois de chorar em meu ombro
e se acalmar.
— Um pouquinho — eu disse e escutei sua risada. — Não fiz nada contra aquele garoto
— garanti. Ela assentiu e me fitou.
— Acho que acredito em você.
Ficamos um tempo em silêncio, até que ela pegou na barra de minha camisa e tirou. Seu
olhar encontrando o meu, desejo pintado neles.
Pela primeira vez, ela estava tomando a iniciativa e eu iria aproveitar.
Capítulo 26
Cecília

Meus dedos trêmulos se atrapalharam um pouco ao desafivelar o cinto e o tirar. Em


seguida, foi a vez da calça, nessa tive um pouco mais de facilidade ao contar com sua ajuda.
As roupas estavam ensopadas e batiam no chão do box com um baque. Pesadas, assim
como o desejo latente que se acumulava e meu ventre por querer Maximus dentro de mim.
Jamais pensei que me encontraria nessa situação de desespero por querer tanto uma
pessoa, e essa pessoa ser justamente o cara por quem eu deveria sentir ódio e nada mais.
Ele me agarrou pela cintura e me encostou na parede, sua boca exigente possuindo a
minha em um beijo voraz.
Ele tomava de mim e eu fazia o mesmo. Sugando sua língua com uma fome insaciável, o
devorando por inteiro, não dando espaços para nada além de tudo o que estávamos vivendo
naqueles dias.
Finquei as unhas em seus braços com força, o movimento deixando marcas meias-luas
nos músculos rígidos. Era muito mais que uma externalização de desejo; era posse. Eu queria
deixar um rastro nele, assim como ele deixava em mim.
— Pode arranhar, eu gosto, Diabinha safada — ele disse, se afastando, mas, ainda, muito
próximo de meus lábios.
Gemi quando senti suas mãos puxando minha bunda de encontro a sua ereção. Ele
massageava a carne macia, suas mãos calejadas e ásperas arranhando a textura delicada de minha
pele.
Sua boca beijava uma parte sensível do meu pescoço e depois mergulhou o rosto em
meus cabelos, sentindo o aroma deles.
Em um ato de coragem, uma de minhas mãos desceram até seu pau e o toquei, sentindo
pulsar em meus dedos. Minha mão mal se fechou sobre a ereção e comecei a masturbá-lo
delicadamente, como ele tinha me ensinado.
Isso foi como um combustível para ele. Bruscamente, virou meu corpo e ajeitou meus
quadris, os deixando elevados. Colocou meus cabelos para meu ombro esquerdo e, com o
indicador, traçou a linha da coluna, até chegar em meu bumbum e o apertar.
Meu corpo se arrepiou por inteiro com aquele efêmero toque e me sentia ainda mais
excitada. Prova disso foi o acúmulo entre minhas pernas.
Seus dedos mágicos passaram por meu buraquinho proibido e se arrastaram pela minha
intimidade molhada. Quando senti o toque leve em meu clítoris, arfei e meus quadris se
movimentaram por conta própria em um pedido silencioso para que se apressasse.
— A Diabinha está impaciente — Maximus murmurou com a voz rouca, carregada de
tesão.
Esfregou a ponta do órgão em minha entrada úmida, esfregando sem pressa para o
deixar mais escorregadio, me fazendo arfar.
— Por favor, Maximus — implorei. — Preciso... — Não consegui finalizar a frase.
Deplorável, no entanto, não estava pensando direito. Minha cabeça estava nebulosa,
nenhum pensamento coerente era formado e tudo o que eu queria era chegar ao ápice do prazer,
senti-lo rígido dentro de mim, me esticando e preenchendo o vazio.
— Gosto quando implora. Do que você precisa, minha querida Diabinha? — perguntou,
a boca bem próxima do meu ouvido.
— Você sabe, seu cretino — falei contrariada.
—Eu sei, mas preciso que diga.
Nesse momento, eu queria bater nele com algo bem pesado. Entretanto, o queria mais
do que qualquer coisa.
— Quero você — respondi, me arrependendo no ato, pois essas duas palavras
significavam mais do que sexo.
— Não sabe o prazer que me dá ouvir isso. Eu também te quero, Diabinha, mais do que
qualquer coisa no mundo — finalizou e, em uma estocada, estava dentro de mim.
Gritei de prazer e comecei a movimentar os quadris contra os seus como uma mulher
ensandecida.
Caralho, alguns meses antes eu era virgem! Sabia do que se tratava o sexo e todo o
furdunço sobre gozar e chegar lá, contudo, nada nos prepara para o ato em si.
A forma como eu estava me comportando não parecia ser algo que faria, porém, era
difícil frear.
Maximus me fodia com força, sem dó, volta e meia desferia tapas em minha bunda e
segurava meus cabelos com força, os enrolando em seu punho. Murmurava palavras indecentes
em meu ouvido e gemia como um louco.
Senti o primeiro espasmo, estava quase lá, e quando ele pegou meus seios enchendo
suas mãos, foi o suficiente para meu orgasmo me atingir com força, me jogando de um penhasco.
Maximus gozou logo em seguida, ainda estocando dentro de mim, prolongando meu
orgasmo. Seu pau pulsando dentro de mim.
— Puta que pariu — sussurrou baixinho. Saiu de dentro de mim e beijou meus cabelos.
A água ainda caía por cima de nós, ele aproveitou para pegar a esponja e o sabão líquido
para me lavar. Não me opus, era muito gostoso vê-lo cuidando de mim.
Meu coração aquecia ao ver sua expressão concentrada no ato de me limpar, suas mãos
grandes agindo com tanto cuidado.
Após mais alguns minutos relaxando debaixo da água quentinha, limpinhos e saciados,
Maximus desligou o chuveiro e pegou uma toalha fofinha e cheirosa para nos secar.
Ele era metódico ao enxugar meu corpo, dando atenção especial para meus cabelos.
Pegou outra toalha e enrolou os fios nela.
— Espere, Cecília — ordenou.
Minha reação natural era de retrucar e de não acatar pedido algum, a não ser no sexo,
mas estava tão cansada que só queria me deitar e dormir um pouco.
Enquanto Maximus terminava de se enxugar, fiz menção de pegar nossas roupas
ensopadas do chão e colocar em um local acessível para quem viesse buscar e lavar.
— Deixe isso aí. Vou mandar alguém pegar.
— Mas eu posso pegar — argumentei.
— Pode, mas não vai — contra-argumentou, pendurando a toalha e me pegando no colo.
Soltei um gritinho ridículo, enquanto ele me levava para a cama. Senti minhas costas
batendo no colchão e as cortinas sendo fechadas, impedindo que a claridade do fim da tarde
entrasse.
Ainda chovia lá fora e isso tudo criava um clima tão gostoso para dormir. Amava cair no
sono com o barulho da chuva como fundo.
— Não precisava me carregar até aqui, eu posso andar, sabia? — resmunguei, fechando
os olhos, enquanto Maximus tirava a toalha da minha cabeça e colocava a coberta sobre mim.
— Pode, no entanto, gosto de cuidar de você — sussurrou, se deitando ao meu lado e
me abraçando.
Meu instinto era o afastar. Dormir assim era íntimo demais e intimidade com ele era tudo
o que eu queria evitar. No entanto, seu abraço quente e convidativo foram providenciais para
meus protestos morrerem antes mesmo de saírem de meus lábios.

No meio de um sonho, escutei vozes altas e irritadas. Me mexi e troquei de posição,


ainda achando que se tratava de um cenário criado por minha mente.
Quando escutei mais um grito, vi que não era sonho. Abri os olhos e me dei conta de que
estava no quarto, sozinha. Pensei de Maximus estar comigo, mas o lado de sua cama estava frio.
O que estivesse fazendo, não se encontrava mais no quarto há tempos.
Esfreguei os olhos e um vinco surgiu em minha testa quando escutei a voz irritada de
Maximus ao longe. Me levantei rapidamente e saí do quarto.
A porta estava aberta, o que facilitava muito escutar os ruídos. O barulho de discussão
era tão alto que, mesmo a casa sendo enorme, eu conseguia escutar o escândalo no andar de
baixo.
Ao chegar na escada, desci devagar e não tinha escutado mal, era mesmo Maximus
gritando. Era de arrepiar vê-lo tão nervoso e preocupante também.
— Já estou cansado de você e de achar que pode tratar meus funcionários assim!
— Pouco me importa. Não estou aqui para agradar a ninguém, muito pelo contrário,
esses serviçais inúteis que tinham que se desdobrar para me agradar. — A voz de Marisa se fez
presente.
Era de se esperar que o motivo do nervoso de Maximus fosse sua mãe. Somente ela era
capaz de o deixar exaltado.
Mesmo que ele não procurasse demonstrar, eu tinha certas dúvidas se ela não sabia
quais botões apertar para acionar os gatilhos dele.
— Quem manda aqui sou eu, e não vou admitir que os trate assim.
Desci mais alguns degraus e fiquei de frente para Maximus. Mesmo ele não me vendo,
pude observar que seu semblante calmo era marcado por alguns pontos de preocupação.
Seus olhos estavam nebulosos, sua boca tensa e maxilar rígido. A calma que ele tentava
demonstrar era visível, mas se prestasse atenção, seria possível perceber a tempestade dentro de
si mesmo.
— Continua sendo fraco, como seu pai. Nunca soube tratar a criadagem como se deve,
sempre com os mesmos pensamentos de que todos merecem o respeito e serem tratados como
nossos semelhantes — Marisa disse com um meio sorriso.
O gesto me lembrava muito o das bruxas de filmes que eu via quando era criança e me
causavam arrepios.
Tive vontade de abraçar Maximus quando vi a fragilidade passando rápido por seu rosto.
— Eu não vou permitir que fale mal do meu pai, sua vagabunda. Quero você fora daqui
agora mesmo!
A explosão que eu esperava, não veio. Sua voz estava calma e o parabenizava por
conseguir manter o controle.
Marisa soltou uma gargalhada em deboche. Não disse? Uma bruxa.
— Quem você pensa que é para tentar me expulsar daqui? Sou tão, ou mais, dona que
você. — Maximus cruzou os braços e sorriu.
— Procure seus direitos na justiça, porque eu vou te tirar daqui. Existem outras
propriedades, vá morar em uma delas. — Em duas passadas, Maximus segurou Marisa pelo braço
e a arrastou pela sala até a porta de entrada.
A velha mulher gritava e batia nele, e eu não conseguia sair do lugar de tão chocada que
estava .
— Xavier! — Maximus gritou.
Não sei de onde ele saiu, mas Xavier chegou na sala rápido como um raio. Maximus
largou Marisa no chão e limpou a mão na calça como se ela sofresse de alguma doença
contagiosa.
— Maldito! — Marisa gritou e se levantou para bater nele de novo.
— Xavier. Leve essa senhora para fora da propriedade. Se ela tentar invadir, mande um
dos seguranças atirar nela.
Um calafrio tomou conta de mim. Não podia deixá-lo fazer isso, poderia se encrencar
dando essa ordem.
— Maximus, não. Por favor, não faça isso.
— Cecília, por favor, não se meta nisso — Maximus pediu e seu olhar me implorava para
obedecer, ao menos uma vez.
Mordi o lábio inferior. Mesmo ele pedindo com delicadeza, não podia permitir que ele
fizesse isso. Colocaria tudo a perder.
— A coloque para fora, Xavier. A leve para um hotel, até que as coisas se acalmem — o
informei, não sabendo de onde tinha saído tamanha força para falar isso sem gaguejar.
— Ora, pirralha, eu não vou sair da minha casa! — Marisa disse.
Tive vontade de dar em sua cara para calar sua boca, no entanto, optei por ficar frente a
frente com ela.
— Vai, sim. Estou sendo melhor do que meu marido em lhe dar essa opção. — A olhei
firmemente sem desviar o olhar.
— Isso não vai ficar assim. Essa casa é minha e você vai se arrepender, Maximus. Essa
casa vai ser só minha e você vai estar debaixo da terra! — Marisa berrava, enquanto Xavier a
carregava pelo braço para fora da casa.
Ainda se era possível ouvir os berros da cascavel, mas não durou muito e logo a sala ficou
no mais absoluto silêncio.
Confessei para mim mesma que a ameaça aberta de Marisa me causou medo. Ela não
tinha um pingo de amor pelo filho e eu não duvidava que fosse capaz de tudo para conseguir o
que queria.
— Não conseguiria obedecer nem que sua vida dependesse disso, não é mesmo? —
Maximus afirmou com um meio sorriso.
Sua frase me tirou da névoa de medo que ameaçava me cobrir por inteira. Focar no seu
rosto me deixava um pouco mais calma.
Ufa, esperava que ele ficasse irritado e uma nova discussão se iniciasse. Não iria ter
cabeça para aguentar. Tinha acabado de acordar e tudo o que eu queria e precisava, era comer.
— Um muito obrigada seria bom — sugeri.
— Não pedi que me ajudasse, estava tudo sobre controle — murmurou, cruzando os
braços.
O movimento fez com que os músculos dos seus braços ficassem saltados, e minha
atenção se desviou momentaneamente. Balancei a cabeça. Foco, Cecília!
— Isso porque é um mal-agradecido — respondi.
Em algumas passadas, ele me alcançou e passou os dedos pelo meu rosto. Me curvei um
pouco para prolongar o contato.
Maximus iria dizer alguma coisa quando Xavier interrompeu, entrando na casa e
quebrando o que quer que aconteceria.
— Precisamos conversar, Maximus — ele disse e Maximus fechou os olhos, xingando.
— Já volto. Quero falar com você depois. — Assenti. — Vê se não se mete em confusão.
— Sim, senhor.
— Engraçadinha. — Ele se curvou, beijou minha testa e saiu bruscamente com Xavier em
seu encalço.
O simples beijo me fez sorrir, pois, para mim, era muito mais íntimo do que tudo que já
fizemos.
O pequeno toque ficou queimando por horas a fio e me fazendo ansiar por mais de
Maximus por muito tempo.
Capítulo 27
Max

— O que foi tudo aquilo, Maximus? Você vai se encrencar em colocar Marisa para fora
de casa — Xavier disse, visivelmente nervoso quando entramos em meu escritório.
— Eu tinha que ficar aturando essa mulher aqui dentro, maltratando os funcionários e
infernizando a todos?
— Não, mas tinha que ter outra solução. Ela pode te acusar de apropriação indevida de
bens.
— Então vamos para a justiça. Só não sou obrigado a conviver com ela. Além do mais,
Natália vai denunciar Marisa. — Dei de ombros e me sentei.
— Imprudência, Maximus. E se a menina não denunciar?
— Ah, ela vai. Vou garantir isso. Marisa não tem o direito de tratar os funcionários como
lixo.
— Poderíamos ter feito de outra forma, tudo dentro da lei — Xavier murmurou, andando
de um lado para o outro.
— Enquanto isso, eu tinha que presenciar o abuso de Marisa e suas ameaças contra
mim? Contate Diego e explique a situação.
— Caralho!
— Qual é, Xavier? Parece que não gostou do que fiz. Tá do lado dela?
— Não é isso, Maximus. Marisa pode entrar com uma ação judicial e te dar problemas.
— Ela que vá morar em outra propriedade. Existem outras casas em nossas posses. Ela
quer residir nessa justamente para me atazanar o juízo. — Xavier suspirou, cansado.
— Pelo visto, você vai querer levar isso adiante. Saiba que pode se prejudicar. Ela pode
querer contestar na justiça o que seu pai deixou para você e daí é só ladeira abaixo.
— Contate o Diego imediatamente. Com o recesso de fim de ano, Marisa não poderá
fazer muita coisa, mas sei que chegará uma intimação para mim em breve.
— Vou fazer isso. Não concordo com seus métodos impulsivos de resolver, mas agora
já é tarde.
— Vou continuar dando dinheiro para a inútil, e existem outras propriedades que possa
morar. Só não quero ter que dividir o mesmo teto que aquela puta. Isso a lei não pode me obrigar.
Por mim, não dava mais um centavo para aquela mulher, no entanto, a herança também
era dela. Por mais que eu tenha levantado mais de 80% dos negócios que existiam, e criado novos,
ela tinha direito a uma parte do que meu pai construiu.
Não fazia nem cosquinha no que eu levantei, mas o que meu pai deixou era suficiente
para a inútil viver muito bem e sem trabalhar. Isso me deixava puto, ter que continuar sustentando
a boa vida de Marisa.
— Tudo bem. Só aguente as consequências. — Assenti e ele continuou: — Já está tudo
certo para sua viagem no próximo mês.
— Queria tanto poder levar a Cecília — soltei.
Xavier me olhava, boquiaberto, era como se um terceiro olho tivesse nascido no meio
da minha testa.
— Peraí, não escutei direito. Desde quando você e Cecília estão íntimos assim?
Sem titubear, contei tudo para Xavier, não em detalhes, mas, sim, a forma como
estávamos evoluindo. Que falei com ela sobre os seguranças e sua função, algo que nem fazia
questão de a manter informada, e o desejo repentino de deixar Cecília a par de tudo o que
acontecia nas terras que foram de seu pai.
— Uau, então está gostando da garota.
— Eu não disse isso, não seja idiota.
— Pelo brilho em seus olhos ao falar dela, e o tom carinhoso que me conta, tudo me leva
a crer que o seu sentimento por ela também mudou. — Revirei os olhos.
— Não seja ridículo — respondi depressa.
Xavier respirou fundo e se sentou à minha frente com a expressão “sabe tudo” que tanto
me irritava.
— Você pode até ter essa pose de durão e viver gritando aos quatro ventos que emoções
são coisas de gente fraca. Mas a mim você não me engana, Maximus, e sei que é capaz de sentir
alguma coisa. — Cruzei os braços e fechei a cara.
— Sou adulto o suficiente para admitir se fosse algo a mais. Está superestimando o que
eu te disse.
— Se prefere continuar se iludindo, dizendo que não sente nada por Cecília além de
desejo, é sua escolha, mas não significa que o que diz condiz com o que sente — Xavier afirmou.
— Eu saberia se fosse algo mais — retruquei.
— Será mesmo? Quantas vezes na vida você já se apaixonou? Caralho, você quer contar
sobre os diamantes para ela, a levar em uma viagem, coisa que nunca vi fazendo com mulher
nenhuma. Acorda, Maximus — Xavier disse e acrescentou: — Assumir que gosta de alguém não
vai te fazer fraco, vai te fazer mais humano. Se abra e se permita — concluiu e saiu do meu
escritório, me deixando sozinho com meus pensamentos.
Fiquei um bom tempo fermentando as palavras de Xavier. Nem poderia contradizê-lo
sobre me conhecer bem, porque ele me conhecia.
Ele enxergou o que eu estava ignorando, o que não queria assumir por medo. Afinal, dar
voz a sentimentos os faziam ainda mais reais e palpáveis.
Meu medo de acontecer comigo o que aconteceu com meu pai, me impedia de ter uma
relação saudável. Nunca fui de namorar, muito menos me permitir gostar de alguém. Meu
casamento foi por interesse e, mesmo casado, eu queria manter Cecília longe de mim, a usar
somente para meu benefício.
Sempre agindo por egoísmo e pensando somente em mim mesmo. Só que o feitiço virou
contra o feiticeiro, pois me encontrava em uma sinuca de bico. Estava apaixonado por Cecília,
sozinho, eu poderia admitir para mim mesmo, e não tinha ideia se o sentimento era
correspondido.
Eu poderia facilmente perguntar a ela sobre isso, no entanto, a pequena discussão sobre
seu ex, me travava. Era nítido que o que Cecília sentia por mim era tesão. Inconcebível a garota
poder amar um homem que só se casou com ela por interesse nas terras e depois por tesão.
Aos olhos dela, eu era somente um cara para satisfazer os desejos do seu corpo. Um cara
que não podia amar ninguém e que não merecia ser amado por ser cruel. Afinal, eu estraguei a
vida dela a obrigando se casar comigo.
Balancei a cabeça para dispersar os pensamentos. Não era de ficar sentindo pena de si
mesmo, nunca fui disso e não era agora que seria.
Sempre lutei para ter tudo o que eu queria e assim seria até o fim. Nunca acreditei em
sorte, e, sim, no trabalho árduo que fazemos para ganhar.
Não seria diferente agora, iria lutar para conquistar o amor dela. Meu pai costumava
dizer que o amor não é algo imediato, e, sim, algo que se constrói ao longo de uma vida, pois o
imediatismo é algo que você quer naquele momento. Algo que é construído se torna sólido e
duradouro.
Era o que eu queria e iria focar nisso.

Encontrei Cecília arrumando sua beca de formatura em um cabide. Ela guardava a peça
com todo o cuidado e dedicação. Na mesa tinha um prato com diversas frutas e, ao lado dele, um
copo de água gelada.
— Quanto carinho com isso — eu disse, a fazendo pular de susto.
— Ai, Maximus, me assustou — ela murmurou, colocando a mão no peito.
— Não era a minha intenção — falei, levantando as mãos em sinal de rendição. —
Animada para a formatura?
— É algo normal na vida de quem se forma. — Deu de ombros como se fosse nada.
Mesmo ela agindo como se fosse algo normal, eu sabia que estava animada. Desde que
pegou a peça de roupa, na semana anterior, não parava de mexer nela e vivia comentando com
Tereza sobre estar contando os dias para a formatura, que seria dali a dois dias.
— Que seja.
— Conversou com Xavier?
— Sim. — Suspirei. Me sentei na cama e dei dois tapinhas do meu lado para que se
sentasse também.
— Sobre o que falaram? — perguntou, sentando-se.
— Sobre Marisa, minha viagem em janeiro e sobre suas terras. — Suas sobrancelhas
subiram.
— Por isso demoraram tanto, foi uma conversa bem longa. — Assenti.
Fiz um resumo da minha viagem, iniciando por algo mais fácil. Tocar no assunto sobre
as terras era difícil, não sabia como ela iria reagir.
— Volta quando? — perguntou com a expressão amuada.
— O mais rápido que conseguir — respondi, passando o indicador por seus lábios. —
Queria te levar junto, mas não posso — confessei.
— Por quê?
— Como assim? — perguntei, confuso.
— Por que queria me levar junto? — questionou como quem não quer nada.
Engoli em seco sem saber como responder. Admitir que era porque não queria ficar
longe dela implicava externalizar a paixão que sentia. Por enquanto, queria ter certeza dos
sentimentos dela antes de abrir a boca sobre os meus.
Não estava preparado para dizer para Cecília o que se passava em meu coração e receber
uma resposta de que ela não sentia o mesmo.
— Bom, esses eventos são um tédio total. Seria legal ter uma companhia. — Cecília
torceu os lábios.
Sua atitude me confundia, pois parecia que não era isso que queria ouvir.
— Ah, sim, já deve ter levado outras mulheres nesses lugares — ela disse, se levantando.
— Ei, pare com isso — sussurrei e a puxei para meu colo.
Mergulhei meu rosto na curva do seu pescoço e inalei o aroma de seus cabelos e de sua
pele. O seu sabor, seu cheiro estavam se tornando meu vício. A cada momento que eu tinha um
pedacinho dela, a desvendava como pessoa, como mulher, e eu queria cada vez mais.
— Para de pensar besteira. Meu passado é meu passado. Não precisa sentir ciúmes —
murmurei.
— Quem disse que estou com ciúmes, seu convencido?
— Hum... Devo pensar que isso é o quê? — perguntei, beijando um cantinho atrás de
sua orelha.
— Curiosidade. — Apressou-se em dizer.
— Que mais? — continuei, afastando seus cabelos e sorrindo contra sua pele ao escutála
gemer.
— Raiva.
— Essa é nova. Por que raiva, Diabinha?
Desci a alça de sua blusa e fiquei encantado com o sutiã de renda cor-de-rosa. A cor era
uma mistura de inocência com a sensualidade das rendas, e meu pau já estava com uma maldita
ereção.
Estar com Cecília era maravilhoso, pois tudo com ela era muito novo. Experimentava a
sensação de estar apaixonado, meu corpo reagindo como eu nunca permiti que reagisse, sem
controle algum.
Estar com ela era como ser um adolescente de novo, porém, com ressalvas. Algo muito
melhor, porque na minha adolescência eu mantinha o controle de tudo, inclusive de minhas
emoções.
— Conta para mim, vai — pedi, abaixando a alça do sutiã, desnudando seu seio.
— Não tínhamos que estar conversando? Acho que tinha mais coisas para me contar —
respondeu, jogando um balde de água fria em mim.
Era fato, eu tinha que falar com elas sobre suas terras ainda, não podia perder tempo
com distrações sexuais, apesar de serem razões bastante tentadoras.
Suspirei, ajeitei seu sutiã e blusa e, quando estava composta, a tirei do meu colo
delicadamente. Cecília me olhou, confusa, entretanto, era melhor assim. Minha linha de
raciocínio funcionaria perfeitamente bem com ela sentada perto de mim, e não no colo.
— Suas terras têm tudo para serem produtivas de novo — a informei de uma vez.
Ela ficou alguns segundos em silêncio e sorriu. Era como ver o sol nascer de novo após
uma noite escura. Os sorrisos de Cecília sempre tinham o poder de me encantar.
Engraçado que só nos damos conta de pequenos detalhes quando assumimos que
estamos mesmo apaixonados. Enquanto o sentimento é negado, tudo parece tão pequeno.
— Xavier me deu a notícia há algum tempo. Esperei o momento certo para lhe contar.
— Que incrível, Maximus. Meu pai iria ficar tão contente. O que foi feito e como
chegaram nessa conclusão?
Contei sobre os estudos feitos no solo e a razão pela qual a terra se tornou infrutífera.
Discorri sobre as soluções e que era questão de tempo para ver os resultados.
— Uau! Maju e eu achávamos que era um caso perdido. — Neguei com a cabeça.
— Seu pai poderia continuar lucrando se tivesse sido mais cuidadoso com o solo.
Somente isso. — Dei de ombros.
— Você tem razão. Acho que faltou um pouco mais de interesse por parte da família
também. Ele já estava ficando velho.
— Bom, se você quiser, pode ser mais participativa com relação a isso — sugeri.
— É sério isso? O Poderoso Chefão está pedindo a minha ajuda?
— Poderoso Chefão, hein? — Sorri de canto ao escutar o apelido. — E sim, quero que
aprenda. Pode ser benéfico no futuro.
— Vou pensar. Já tenho que me preocupar em cuidar da equipe de veterinários.
— A escolha é sua. Quero te dar opções e te incluir em decisões.
— Caramba, é um passo grande. — Segurei em suas mãos enquanto nossos olhos se
encontraram.
— Quero que se sinta parte de tudo. — Cecília mordeu o lábio e assentiu.
— Você está se mostrando muito diferente do que eu pensava. — Suspirei.
Eu não era tão diferente e essa opinião mudaria rapidinho quando contasse sobre os
diamantes.
— Tenho mais uma coisa para te dizer. Me falou que não queria segredos, mas nunca te
contei o porquê do interesse que tive pelas terras.
— Era algo que seu pai queria. Eu já sei disso, Maximus. Não tenha uma pessoa em São
Miguel do Araguaia que não saiba.
— Sim, isso todo mundo sabe, só que tem algo que era um segredo entre meu pai e eu.
Xavier soube quando achamos que ele era digno de confiança, e agora quero contar para você.
— Fala logo, Maximus, está me deixando nervosa.
— Meu pai me contava histórias sobre as terras da Milênio, algo que somente ele sabia.
Bom, mais algumas pessoas tinham conhecimento, mas já estavam mortas e carregaram o
segredo com elas. — Tomei fôlego e continuei: — Não era nada confirmado, mas mantive o
interesse nas terras pelo meu pai e pela esperança de que era um local precioso.
— Não era de muita valia. Eram terras inférteis, Maximus. Não sei onde quer chegar.
— Sim, tinha isso, entretanto, eu sabia que era um mero detalhe fácil de ser resolvido.
Mas não era isso que a tornava preciosa, e, sim, o fato de perto da cachoeira haver diamantes
escondidos nas terras.
Cecília não conseguiu esconder a surpresa em seu rosto. Ela ficou lívida e tive receio de
a informação ser demais. Agora tinha provas concretas da minha falta de caráter, e eu não tinha
ideia no resultado dessa conversa.
Capítulo 28
Cecília

A informação caiu como um monte de concreto em cima de mim. Me encontrava presa,


soterrada e sem saber o que fazer.
Maximus estava à minha frente e esperava algum tipo de reação da minha parte. Tinha
que confessar que eu nem sabia direito o que pensar.
— Então seu interesse sempre foi esse? — Ele anuiu.
— Eu não queria mais manter isso em segredo e estava até pensando em beneficiar você
e sua irmã por isso. Afinal, as terras são de vocês.
— Pensei que fossem suas, já que o intuito do casamento era esse, você sendo o dono
de tudo — comentei em tom ácido.
— Me desculpe, Cecília. Eu nem sei o que te dizer.
— Poderia ter me contado antes, para começar.
— Poderia, mas eu não quis — admitiu.
Bom, de uma coisa eu tinha certeza: Maximus não era do tipo que se fazia de vítima.
Esse papel não lhe cabia.
— Por que agora, então? — Recebi seu silêncio. Ele parecia pensar no que dizer ou
buscar uma resposta para a questão.
— Não quero manter segredos — declarou.
Não estava muito convencida desse argumento, algo em seu olhar me dizia que o motivo
era outro e isso me deixava bem chateada, pois ele continuava escondendo.
Eu estava começando a criar expectativas nele, a pensar em nós como uma relação que
pudesse funcionar. Ter ele escondendo coisas na minha cara, quando dizia que não queria
segredos, era como a dor de uma bofetada.
— Diz que não quer segredos, mas continua escondendo coisas de mim.
— Não estou.
— Mentiroso. Eu vejo no seu olhar. Como posso acreditar em uma só palavra que diz,
quando em sua expressão vejo a verdade escondida?
— Eu... é complicado, Cecília.
— Isso só me leva a crer que mente. Escondeu sobre as pedras preciosas na terra de meu
pai, fora outras coisas que deve manter escondido. Me leva a duvidar se Bernardo disse a verdade
— cutuquei, no entanto, me arrependi no ato.
Ele já tinha me dito que não fez isso e, na hora da raiva, me deixei levar por um assunto
que estava esclarecido e mais do que enterrado.
Maximus se levantou, visivelmente machucado, entretanto, colocando uma máscara de
indiferença em seu rosto, mudando sua postura radicalmente.
— Se é isso que você acha, acredite no moleque que te largou — alfinetou.
— Pelo menos ele não comprou uma noiva — respondi e tapei a boca com as mãos. Mais
uma vez, eu era levada pela minha impulsividade. — Maximus, eu... — Ele levantou a mão e me
interrompeu:
— Eu vou dormir em outro lugar. Não tenho cabeça para ficar discutindo idiotices.
Antes que digamos mais alguma coisa que machuque um ao outro, é melhor parar por aqui.
— Eu não queria te machucar — eu disse, o vendo pegar seu pijama.
Doía vê-lo sair do quarto ao qual fez tanta questão de estar. Machucava vê-lo tratar nossa
discussão com indiferença ao invés de explanar o que realmente sentia.
— Não me machucou. Estou pouco me fodendo para isso tudo. Quis ser sincero e te
contar, não manter segredos, pois começamos o casamento de forma errada por minha culpa,
mas não estou aqui para ser acusado de algo que não fiz. — Maximus ia sair do quarto, mas antes,
parou e virou-se para olhar nos meus olhos. — Eu não vou deixar vocês de fora da exploração de
diamantes. Terão o que é de direito de vocês, entretanto, vou pegar minha parte também — ele
disse sucinto.
Era visível ver sua fachada de negociador, a mesma que presenciava assim que
começamos a nos conhecer. O homem frio que eu tanto abominava, muito diferente do Maximus
de dias atrás.
— Que porra, Maximus! Isso aqui não é um acordo de negócios! — gritei com a voz
embargada.
— Boa noite, Cecília. — E assim, saiu, me deixando com vontade de segui-lo e não o
deixar em paz até que conversasse comigo, todavia, não fiz nada disso.
Só tinha uma pessoa que eu queria conversar no momento e essa pessoa era Maju.
Precisava dela, por isso, não hesitei em chamá-la para me buscar, ao qual ela aceitou sem
questionar.
Enquanto a esperava chegar, me enrolei em posição fetal na cama e deixei as lágrimas
caírem livremente.

Após contar tudo o que aconteceu para Maju, senti um peso enorme saindo de meus
ombros me deixando tão vazia quanto um balão murcho no fim de uma festa.
Maju escutou tudo sem emitir uma palavra, analisando e refletindo cada coisa que eu
dizia.
— Nunca imaginei que pudesse existir tamanha preciosidade nas terras, Ceci. Tô
chocada. Seu marido é um filho da puta é, mas, só o fato de ter contado já mostra que algo
mudou.
— Como assim?
— Acorda, Ceci. Ele poderia manter essa informação escondida, jamais iríamos saber. Eu
quase não fico em casa, não fico tomando conta das coisas que acontecem na Milênio. E nossa
mãe está mais preocupada em se manter linda e bela para impressionar as pomposas de São
Miguel do Araguaia. Para Maximus te contar isso por livre e espontânea vontade, me leva a crer
que sente algo por você.
— Sexo — murmurei sem ânimo algum. Maju negou.
— Estão transando como coelhos há algum tempo, mas ele só resolveu te contar agora.
— Eu não acredito que ele possa sentir nada.
— Isso porque você prefere a negação. — Maju deu de ombros.
Ajeitei a coberta até que só deixasse meu rosto descoberto, no entanto, isso não
diminuía o frio que eu sentia.
Quando Maju me buscou, jamais pensei que ela fosse me levar para a Milênio, mas cá
estava eu, deitada em minha antiga cama ao qual foi palco para minha queda em relação ao
Bernardo, e agora presenciava minha dúvida com relação a Maximus.
Não pensei muito em aceitar a oferta, afinal, não tinha muitas opções. Peguei meu
medicamento, uma muda de roupas e segui Maju para fora da Boa Esperança.
Tudo o que eu queria era pensar um pouco e maturar o que sentia em relação ao
Maximus.
— Me sinto um pouco culpada. Eu sei que ele não ameaçou Bernardo, sinto isso, mas
mesmo assim, o culpei.
— Só assuma essa culpa, de resto ele é muito culpado. Poderia ter aberto o jogo dos
diamantes antes e ter conversado com você, ao invés de fugir.
— Pareceu mesmo que ele fugiu, não é?! O pior foi a indiferença, doeu tanto — falei,
querendo chorar mais uma vez.
— Ei, não chora, não vou permitir que fique se lamuriando por uma culpa que não é só
sua. Eu interpreto essa covardia dele como medo do que pode estar sentindo. Medo de você, ao
defender Bernardo, o machucar.
— Eu jamais voltaria para o Bernardo — apressei-me em dizer.
— Então por que o defendeu? — Mexi na ponta dos meus cabelos, nem eu mesma
entendia o motivo.
— Não sei, me pareceu o caminho mais fácil. Acusar Maximus e me agarrar a raiva era o
caminho que podia seguir sem medo.
— Raiva essa que não existe mais — deduziu acertadamente.
— Acho que gosto dele, Maju. Sou uma idiota por estar gostando de um homem que me
obrigou a casar com ele. Burra.
— Você não é nada disso. Pode parar. — Maju me envolveu em seus braços e encostei a
cabeça em seu peito. — Não mandamos no coração e por quem ele vai se apaixonar. Só temos
que ter o cuidado de enxergar se é a coisa certa.
— Sabe que tenho o dedo podre. Pensei que Bernardo era o homem certo e quebrei a
cara.
— Sim, teu dedo é podre mesmo. Entretanto, é inteligente para saber se Maximus é ou
não o certo. E em algum momento, vai se dar conta disso.
— E o que eu faço se ele não for.
— Aproveita para sentar bastante, mas sem se envolver emocionalmente. Depois,
continua seguindo sua vida. Se Maximus não sente nada por você, o que duvido muito, uma hora
chegarão em um acordo para separar.
— Você fala como se tudo fosse tão simples.
— Geralmente, a vida é simples, o ser humano que complica. Comigo é assim: gosta da
pessoa, continua. Não gosta? Acabou e pronto. Fim.
— E se eu gostar dele e ele não?
— Descubra, Ceci. Pelo que você disse, sobre ele ficar magoado com suas palavras,
existe algo ali.
— Tenho medo de ambas as possibilidades — confessei.
— Você vai saber o que fazer, querida irmã. Agora quero que você durma e amanhã volte
e siga sua vida. Sua formatura está chegando, não quero tirar uma foto sua com olheiras de panda.
— Uma risadinha escapou por meus lábios.
Me deitei de lado e Maju fez o mesmo, me abraçando como costumava fazer quando
éramos crianças.
— Maju — chamei após alguns minutos de silêncio.
— Sim — ela disse com a voz pastosa de sono.
— Vamos passar um dia lá na fazenda, juntas? Assim você pode conhecer as terras.
— Óbvio, mas por que isso do nada?
— Sinto muito a sua falta — confessei.
Ficamos caladas, ambas refletindo sobre o que eu disse até que, por fim, caí em um sono
exausto. A última imagem em minha mente sendo a de Maximus e seu semblante angustiado.
Capítulo 29
Cecília

O clima era tenso no dia da minha formatura. Ao contrário do que pensei em fazer na
noite em que dormi na Milênio, me mantive longe dele.
Era bobo da minha parte esperar que Maximus tomasse uma atitude, entretanto, eu
fiquei esperando que ele fizesse justamente isso. O que, obviamente, não aconteceu.
Ele continuava calado, muito mais distante do que já fomos um dia. Fazíamos as refeições
sem trocar uma palavra e, francamente, eu não aguentava mais todo esse clima ruim.
Logo Maximus iria viajar e eu queria muito conversar com ele sobre o que aconteceu
naquele dia fatídico, no entanto, me faltava coragem.
Maximus continuava a dormir longe de mim e nunca pensei que diria isso, mas sentia
falta de seu corpo quente aconchegado a mim.
Em algumas noites, escutei seus passos no corredor, a luz sendo tomada pela sombra de
seus pés na fresta da porta. Foi em momentos como esse que desejei que o nosso orgulho sumisse
e um dos dois tomasse uma atitude. Porém, isso não aconteceu.
Maximus desistia e, tampouco eu, tomava uma atitude. Ele voltava para o quarto que
estava ocupando no fim do corredor, enquanto eu chorava até dormir.
Foi em uma dessas noites que confirmei a hipótese, levantada na noite que dormi ao
lado de Maju, de que estava apaixonada. No entanto, restava saber se Maximus sentia o mesmo
por mim.
Quando escutei meu nome sendo chamado, segui o caminho e peguei meu diploma das
mãos da reitora. Era mais um fechamento de ciclo, contudo, em relação ao encerramento de
outros, esse era feliz.
Um sonho que tinha desde a infância, tinha se tornado realidade e eu não poderia estar
mais plena, na verdade, poderia, sim, se Maximus e eu estivéssemos bem.
Saí do palco e fui de encontro a Maju e minha mãe, que se dignou a aparecer. Abracei
uma de cada vez e recebi os parabéns das duas.
Meu sorriso morreu ao ver Maximus parado na porta, ao longe, me observando como
um falcão. Não sabia o que sentir, visto que, eu nem sabia que iria aparecer, pois não me deu
pistas.
Pela manhã, ele nem trocou uma palavra sequer comigo, mas deixou a maioria dos
seguranças ao meu dispor para que pudessem me acompanhar. Mal sabe ele que eu trocaria a
companhia dos Homens de Preto para que ele estivesse comigo.
Pedi licença para minha irmã e minha mãe, e fui falar com ele. Estava curiosa pelos
motivos que o fizeram aparecer, visto que não estávamos nos falando.
Mordi o lábio inferior ao analisar sua aparência dentro do terno feito sob medida. Era
difícil vê-lo nessas vestimentas, sempre usando roupas confortáveis e facilitadoras para o trabalho
braçal, se assim fosse necessário.
No entanto, não reclamaria se ele se vestisse assim de vez em quando, estava delicioso.
Pensamentos pecaminosos tomaram conta de minha mente e o desejo fazia meu ventre se
contrair.
Eu já não fazia questão de me recriminar por sentir isso, como fazia antes, não adiantava
muito me crucificar. Estava apaixonada e continuar negando seria mentir para mim mesma.
— Oi — o cumprimentei quando ficamos frente a frente.
— Olá, Cecília — ele disse em tom frio e isso foi como um balde de água gelada no meu
fogo.
Ele ainda insistia em me dar aquela tratativa e, francamente, sua atitude já estava me
cansando. Éramos adultos, se tínhamos um problema poderíamos sentar e conversar para saber
se tinha solução.
— Vejo que não mudou muito sua forma de pensar.
— Não sei o que quer. — Bufei e cruzei os braços.
— Conversar talvez. Te ver aqui me deu uma certa esperança — admiti.
— Conversamos outra vez e mesmo assim continuou afirmando que ameacei seu
namoradinho quando, na verdade, não o fiz.
— Ele não é meu namoradinho e eu sei que errei nisso, mas, quer mesmo jogar erros na
minha cara quando você também tem os seus? Como por exemplo, esconder de mim sobre os
diamantes — sussurrei.
Tinha muita gente em volta. Eu não queria dar escândalo e muito menos que ninguém
soubesse sobre as pedras preciosas.
— Ok, você tem um ponto. Eu sou errado para um caralho, começamos o casamento
errado, mas estou disposto a querer que dê certo, não quero mais errar contigo e quero jogar
limpo — Maximus disse, me deixando de queixo caído.
Ele já tinha me dito que queria deixar tudo às claras comigo, mas não dessa forma. E aí
que vinha a minha curiosidade. Tomei fôlego e coragem para fazer a pergunta de um milhão de
dólares.
— O que você sente de verdade por mim, Maximus? — perguntei antes que me
acovardasse.
Não era o local ideal, no entanto, eu precisava saber. Precisa ter o entendimento e,
dependendo de sua resposta, dizer a mim mesma se deveria acabar com esse casamento ou
continuar.
— Podemos conversar em outro lugar? — pediu.
— Por mais que eu não queira deixar essa pergunta em suspenso, não quero largar a
festa da minha formatura pela metade. Foi algo que sempre sonhei e quero aproveitar até o fim.
Tivemos longos dias para conversar e não fizemos por infantilidade. A gente vai conversar depois.
— Maximus fez um meneio, concordando comigo.
— Justo — ele disse. Senti que queria dizer mais alguma coisa, entretanto demandava
esforço de sua parte. Esperei em silêncio, até que, por fim, murmurou: — Posso aproveitar o resto
da festa com você? — Um sorriso lento se formou em meus lábios.
— É sério isso? — Ele assentiu. — Claro. — Peguei em sua mão, o deixando surpreso, e
o carreguei para perto de Maju e minha mãe.
Nesse momento, compreendi o porquê dele se esforçar para fazer esse pedido. Abaixar
a guarda e pedir um tempo comigo, abrindo mão de conversar na hora que ele queria, era como
dar um passo à frente para evoluir como ser humano.
Era como ter o entendimento que nem todo mundo é obrigado a satisfazer suas
vontades na hora que ele bem entender. E isso para mim significava muito. Significava que eu
poderia ser o seu mais.
Mesmo com pouca pretensão de ser uma festa ruim, superou e muito as minhas
expectativas.
Depois que conversei com Maximus, nos sentamos para escutar o discurso da melhor
aluna do curso. Algo sobre o que vinha depois de toda a trajetória universitária.
Se me perguntassem o que ela disse em detalhes, eu não saberia dizer. Estava com a
mente dispersa com Maximus ao meu lado, de mãos dadas comigo, passando o polegar em um
movimento de vaivém na palma de minha mão.
Após uma onda de aplausos, os alunos se dispersaram para a festa que iria acontecer e
foi o máximo.
Convenci meu marido carrancudo a dançar comigo, tirei muitas fotos com minha família,
Maximus e meus colegas de curso. Foi algo memorável.
E no fim de tudo, ele me puxou de canto para que fossemos embora. Como a festa já
estava no fim, achei justo. Estava ansiosa para conversar com ele e não dava para adiar mais.

Maximus fez questão de levar minha família em casa, o carro dos seguranças logo atrás.
Durante o caminho de volta para a Boa Esperança, conversávamos sobre amenidades.
Eu interpretei aquele assunto como se estivéssemos nos entendendo melhor.
Ele me perguntou por que eu não dirigia e expliquei que confundia os pedais e ficava
nervosa com os outros motoristas impacientes.
Perguntei sobre seus filmes preferidos e ele me disse que era apaixonado por aqueles
que eram baseados em histórias reais, e até brinquei se não gostava de O Poderoso Chefão.
Já era um pouco mais das onze da noite e eu estava cansada pelo dia cheio antes e pós
formatura. Tapei a boca para esconder um bocejo. Não podia pensar em dormir agora.
Quando chegamos em casa, saltamos do carro e andamos de mãos dadas para dentro,
sendo recebidos por uma Tereza aflita. Ai, droga, na certa, era más notícias. Isso tomaria o tempo
do Maximus e retardaria a conversa.
— Meu menino, que bom que chegou. Sua mãe esteve aqui agora há pouco exigindo
falar com você, dizendo que acionou a justiça e se arrependeria de mexer com ela.
— Calma, Tetê, fica tranquila. — Maximus a convidou a se sentar no sofá e ela o fez de
bom grado.
Tereza estava trêmula e um pressentimento ruim tomou conta de mim. O arrepio
característico de medo passou por minha coluna, o mesmo quando algo ruim iria acontecer.
— Ela não entrou aqui, não é?
— Não por falta de tentativa. Os poucos seguranças que deixou fizeram o trabalho de a
conter. Só estou preocupada que essa justiça aí te tire daqui.
— Isso não vai acontecer, Tereza.
— Aquela mulher é um demônio, meu filho. Tive um pressentimento tão ruim com ela
aparecendo aqui de novo. Ela quer o seu mal. — Mordi o lábio para conter qualquer palavra que
ameaçasse escapar.
Todo o sentimento de Tereza era igual ao meu. Eu sentia que Marisa não ia sossegar
enquanto não fizesse alguma coisa para tirar Maximus do seu caminho. Ela queria o dinheiro
acima de tudo e não mediria esforços para tê-lo.
Maximus abraçou Tereza e a levou para a cozinha. Passaram um tempinho lá, e eu
sozinha com meus pensamentos. Só me dei conta de que ele voltou para a sala quando senti o
toque suave em meu rosto.
— Estava te chamando. Tá no mundo da lua? — perguntou.
— Só estava pensando no que Tereza disse, Maximus. — Ele pegou em minha mão e
entrelaçou os dedos nos meus.
— Não pense nisso. Eu não vou deixar Marisa te fazer nenhum mal. — Minhas
sobrancelhas se uniram.
— Acha mesmo que estou preocupada comigo? Ela quer o seu mal, Maximus, não o
meu. Eu não represento perigo nenhum a ela.
— Está preocupada comigo — afirmou, testando as palavras em sua boca.
— Claro que sim, seu grande idiota.
Me pegando desprevenida, Maximus me abraçou. Era um gesto comum, porém, com
grande significado.
Já tínhamos nos abraçado diversas vezes, entretanto, esse era diferente. Algo como
saudade misturado com algo mais.
— Fora o meu pai e Tereza, ninguém se preocupou comigo assim — sussurrou com o
rosto mergulhado em meus cabelos.
— Mentiroso. Xavier se preocupa com você.
— Deixa eu reformular, ninguém, fora a minha família, se preocupou comigo dessa
forma. — Sorri contra seu pescoço, querendo esconder o quão satisfeita estava pela sua frase.
Me recuperei e, quando senti meu coração menos acelerado, me afastei, encontrando o
azul profundo de suas írises.
— Qual a sua resposta para a minha pergunta?
Maximus respirou fundo e sua expressão se tornou crua e frágil. Era a mesma história de
baixar a guarda, como aconteceu na formatura. Demandava esforço falar de sentimentos,
entretanto, ele parecia disposto a isso.
— Eu sempre tive muito medo de falar ou sentir alguma coisa por alguém, Cecília. Nunca
me abri para mulher alguma. As usava e elas faziam o mesmo comigo. Tudo por receio de entregar
meu coração nas mãos de uma mulher que pudesse o esmagar. Assim como Marisa fez com meu
pai.
— Mas você sabe que nem todas as mulheres são assim, não é? — Ele assentiu.
— O resto eu não sei, mas você não é. E isso que a torna tão especial. Lutei contra o
sentimento e sempre quis manter tudo sob o meu controle. Porém, você roubou isso quando
apareceu na minha vida. Me roubou tudo, a ordem das coisas, o controle e o meu coração.
— Maximus.
— Me deixe terminar, por favor. — Fechei a boca e me calei. Àquela altura, meus olhos
estavam marejados.
— Eu não te garanto que vou mudar meu jeito, eu não te garanto que serei um príncipe
dos contos de fada. Mas prometo te proteger quando se sentir insegura, prometo te dar o mundo
se assim desejar, ao menos o meu mundo. A enxugar suas lágrimas e fazer de tudo para não ser
o
motivo delas, a não ser que seja de alegria. — Ele fez uma pausa e continuou: — E,
mesmo que não sinta o mesmo por mim, vou passar cada dia da minha vida tentando te
conquistar, se assim permitir. Te fazendo sentir cada nuance do meu sentimento por você.
— Quem disse que não sinto nada por você, seu grande idiota? — confessei.
Era gratificante saber daquilo tudo. De ver que estávamos mesmo dispostos a esquecer
tudo e recomeçar do zero.
— Caralho, Cecília. — Ele me puxou para perto dele, sua boca muito próxima da minha
me beijou, o gesto dizendo muito mais do que mil palavras.
Não existia mais nada entre nós. Todas as desavenças ficando para trás. Agora era
somente ele e eu.
Capítulo 30
Cecília

O mês passou correndo juntamente com as festas de fim de ano. Essas foram melhores
do que eu esperava, com minha mãe sendo participativa e me criando esperanças de que, apesar
de tudo, podíamos conviver.
Não ia ser tão ingênua a ponto de achar que dona Suzana mudou, pois, segundo Maju,
ela continuava a mesma. No entanto, meus pensamentos mudaram. Eu queria deixar tudo para
trás e iniciar um novo ano sem mágoas.
Acreditava que Maximus não fez o que Bernardo acusava e desde então estávamos
convivendo muito bem. Passávamos dias preguiçosos na cama e quando ele tinha que trabalhar,
eu procurava o que fazer, me inteirando de tudo o que acontecia na fazenda e aprendendo com
alguns peões sobre o cuidado com os animais.
Muita coisa aprendemos com os estudos, mas a aprendizagem real vem com a prática
no trabalho, e eu não poderia estar mais feliz.
O que me preocupava era tudo estar bem demais. Aquele ditado que a calmaria
antecede a tempestade acendendo um sinal vermelho bem a minha frente.
Me preocupava com a ameaça de Marisa contra Maximus e ficava frustrada em como
ele não se importava. O que o deixava preocupado era a minha segurança, fazendo pouco da sua.
— Se cuida, por favor — sussurrei para que somente ele escutasse.
Maju e minha mãe, sabendo da viagem de Maximus, resolveram passar esses dias
comigo para que eu não ficasse sozinha. O correto seria eu ir para a Milênio, no entanto, Maximus
achava que estaria mais segura ali, com os seguranças e em sua casa.
Além do mais, ele queria que eu estivesse em casa para o receber quando chegasse. Por
mais que detestasse acatar alguma ordem, fazia sentido. Queria estar ali, o esperando.
— Você também. Não saia sem nenhum segurança, por favor — acrescentou.
— Vou sentir sua falta. — Envolvi meus braços em seu pescoço e beijei seus lábios.
Quando nos afastamos, Maximus me abraçou apertado, mergulhou o rosto em meus
cabelos e suspirou.
— Eu também. Algo me diz para não ir.
— Então não vai — falei, sendo tomada pelo pânico e o arrepio característico.
— Não posso, Diabinha, é um compromisso que não posso adiar. — Mordi o lábio e
assenti. — Xavier estará aqui com vocês e saberá o que fazer. — Ele encostou sua testa na minha
e nossos olhares se encontraram. — Eu te amo.
Senti meu corpo fraquejar com suas palavras. Maximus disse muito mais, palavras que
me dessem a entender que o sentimento era forte, no entanto, era a primeira vez que ele dizia
que me amava tão abertamente.
Uma sensação de estar completa tomou conta do meu corpo e o agarrei, não querendo
soltar.
— Eu te amo — murmurei.
— Maximus, está na hora de ir. — Xavier entrou na sala, interrompendo o momento.
Ele assentiu e o soltei, relutante. Acompanhei sua saída da casa e entrada nos carros. O
veículo se movia ao longe até sumir pelos portões da fazenda.
Pela minha visão periférica, vi minha irmã chegando de mansinho e me abraçando.
Deixou um beijo em minha bochecha e limpou uma lágrima que nem tinha me dado conta de que
tinha escapado.
— Jamais pensei que veria esse dia — falou quando entramos na casa.
— Que dia?
— De ver você dizendo “eu te amo” para o Poderoso Chefão.
Maju não era a maior fã de Maximus, porém, aprendeu o tolerar por minha causa. Era
um progresso para ela, pois não iria aguentar ver duas pessoas que amava brigando o tempo
todo. Bom, uma briga unilateral. Maju mais brigava sozinha do que qualquer outra coisa.
Maximus fingia que nem era com ele e nem correspondia suas provocações.
— Uma certa pessoa me disse para dar uma chance se eu sentisse que era o correto.
— E dessa vez, tem certeza de que é o correto? — perguntou em dúvida.
Nem a culpava, eu disse a mesma coisa em relação a Bernardo e olha no que deu.
Entretanto, minha relação com Maximus era diferente.
Eu não colocava todas as expectativas nele, muito menos agia como se fosse um príncipe
isento de defeitos. E uma relação é assim, você se dá conta de que pode dar certo apesar das
adversidades.
— Tenho certeza.
— Então, posso dizer com propriedade que a pessoa que te deu esse conselho é sábia.
— Não contive minha risada.
— Vamos comer alguma coisa, quero mostrar os cavalos para vocês.
— Faz anos que não cavalgo em algo que não seja um homem.
— Maju! — exclamei. — Não tem vergonha?
Ao invés de me responder, enganchou o braço no meu e chamamos nossa mãe para
comer as delícias que só Tereza sabia fazer.

Minha mãe reclamava o tempo todo. Fosse pelos pés doendo da caminhada ou de estar
sentindo cheiro de fezes de cavalo.
Ela e Maju brigavam sem parar e, por vezes, recriminei a mim mesma por ter deixado
que viesse. Era muito mais fácil ter ficado na casa enquanto eu e minha irmã passávamos um
tempo juntas.
— Não sei por que se presta a isso, Cecília. Seu marido tem muito dinheiro. Pra quê
trabalhar cuidando desses animais fedorentos? — minha mãe disse, torcendo o nariz.
— Talvez, por que ela não quer ser uma dondoca imprestável? — Maju alfinetou
enquanto penteava a crina de um cavalo.
— O que isso quer dizer? — dona Suzana perguntou.
Revirei os olhos ao escutar o início de mais uma discussão. Ao invés de tentar interceder,
peguei meu celular e vi se Maximus me respondeu.
Nada, sua visualização era de mais cedo. Balancei a cabeça para afastar os pensamentos
ruins e guardei o celular.
Eu estava paranoica, tomada pelo medo de que algo pudesse aparecer. Maximus iria
pegar um voo até o Rio de Janeiro, assim que pousasse, se comunicaria comigo. Não tinha motivos
para criar cenários inexistentes em minha cabeça.
— Eu acho melhor voltarmos para a casa. Estou com sede e esse cheiro não me faz bem.
— A senhora é uma fresca — Maju disse, eu concordei.
Por mais que eu quisesse ficar aqui, perto dos cavalos que Maximus tanto gostava, seria
sacrificante estar aqui com dona Suzana reclamando o tempo inteiro.
— Vamos voltar — comuniquei e Maju torceu os lábios.
— Tá vendo aí.
— Ceci é sensata — Nossa mãe disse.
Quando saímos do estábulo, escutei ao longe um barulho como um estampido.
— Ouviu isso? — perguntei para Maju e ela assentiu.
— Deve ser fogos.
— Em comemoração ao quê? — perguntei, sabendo que a explicação não fazia sentido.
O barulho ficou mais forte e parecia estar mais perto. O mesmo arrepio ruim percorreu
minha coluna, no entanto, não dei muita bola, dando vazão a algo que dizia que estava ficando
paranoica.
Porém, tudo mudou quando vi Xavier correndo em minha direção. Seus cabelos estavam
desalinhados e sua expressão marcada pelo desespero.
— O que houve, Xavier? — perguntei assim que estávamos muito perto. Um aperto no
coração e minha mente indo para Maximus.
— Invadiram a fazenda.
— Como assim? Aqueles seguranças não servem para nada? — Maju perguntou.
Era para eu ter feito a pergunta, mas estava tão em choque que não conseguia ter forças.
— São mais de vinte pessoas. Chegaram em um ponto fraco e, na certa, com ajuda de
alguém.
— O barulho que ouvimos são tiros? — Me ouvi perguntando. Xavier assentiu.
— Tenho que tirar vocês e levá-las para dentro da casa, imediatamente. — Xavier
apressou-se em dizer.
— Ai, meu Deus. — Minha mãe soou desesperada, mas eu nem podia culpá-la. A
situação não era das melhores.
Xavier nos guiou pelo longo caminho, os tiros ficando cada vez mais perto e, não só isso,
gritos também, e meu desespero aumentava a cada minuto em que não chegávamos na casa,
pois sabia que estávamos desprotegidos.
Xavier comentou que chamou a polícia e logo estariam ali. Todos os seguranças estavam
a postos tentando conter o grupo e tinha grandes chances de serem contidos.
Contudo, nada me preparou para um forte barulho, seguido de minha mãe caindo no
chão e choramingando de dor.
Maju e eu gritamos em desespero, e Xavier agiu a pegando no colo. Não tinha ideia de
como iríamos continuar assim e minha vontade era de deitar no chão e esperar que tudo
acabasse.
— Vamos, Ceci. Temos que sair daqui. Já estamos chegando! — Maju disse.
Apesar de sua voz estar embargada e seus olhos marejados pelo choro contido, havia
determinação em cada traço de sua expressão. Vi a mesma força no velório de nosso pai e agora
ali, mediante a dificuldade de procurar abrigo e com nossa mãe ferida.
— Falta pouco — Xavier comentou.
Vi a casa cada vez mais perto. Minhas pernas se movendo por conta própria, pois eu já
duvidava que meu cérebro estivesse dando os comandos para elas.
Minha mente estava tomada pela preocupação da minha mãe, saber a extensão do
ferido, se tinha atingido alguma parte de suma importância. E, acima de tudo, não parava de
pensar que esse ataque foi obra de Marisa.
Tereza nos recebeu na porta da casa, com os tiros soando a poucos metros. Olhei para
trás e vi alguns homens escondidos por detrás das árvores e com armas em punho, enquanto os
Homens de Preto tentavam conter uma possível ultrapassagem.
— Ai, meu senhor Jesus, a senhora está ferida — Tereza disse quando Xavier pôs minha
mãe deitada de bruços no sofá.
A blusa, antes branca, estava com uma enorme mancha e tive que engolir em seco, pois
o que comi mais cedo, ameaçava voltar.
— Ligue para a ambulância! — Maju gritou.
Xavier assentiu e ia saindo para fora da casa. Tomei a atitude e não permiti que o
fizesse.
— Não pretende sair, não é? — perguntei com medo.
Já bastava minha mãe estar ferida e gemendo de dor, não era necessário que Xavier se
arriscasse.
— Não, mas pretendo ficar na linha de frente. Temos que capturar ao menos um dos
bandidos vivo para interrogatório policial. — Assenti e o vi saindo como um vingador.
Voltei para minha mãe no sofá. Meus olhos ardiam por tentar conter as lágrimas. Me
ajoelhei e passei a mão em seus cabelos.
Maju andava impaciente de um lado para o outro, impotente, assim como eu. Não
podíamos fazer muito enquanto não estivesse seguro lá fora. Estávamos presas com nossa mãe
precisando de atendimento.
— Eu vou pegar um pouco de água para as duas — Tereza anunciou e saiu rapidamente.
— Ela vai ficar bem, não é? —perguntei para Maju, suplicante.
Precisava de uma afirmação, de uma resposta positiva, já que os cenários que passavam
por minha cabeça não era um dos melhores.
— Vamos crer que sim. E espero que esse atendimento chegue logo. Ela tomou um tiro
nas costas — Maju disse, desolada, me fazendo engolir um bolo enorme em minha garganta.
Dona Suzana estava desacordada, na certa, desmaiou pela dor enorme que sentia. Ela
nunca foi muito tolerante para dores, quem dirá essa.
Ela tinha suas cotas de erros, fez muita merda na vida e não era vista como um exemplo
de mãe. Entretanto, não significava que merecia isso.
Já tinha perdido meu pai e não suportaria perdê-la também.
Só desejei em silêncio que Maximus estivesse ali comigo. Ao menos eu tiraria forças dele,
já que me encontrava fraca.
Capítulo 31
Max

Não consegui me conter de nervoso ao chegar em São Miguel do Araguaia. Sabia que a
mãe de Cecília ficou ferida por conta de uma invasão em minhas terras.
Mal o avião tinha pousado no Rio de Janeiro, e Xavier me ligou desesperado para contar
a notícia, o que me fez adiar meu compromisso e voltar. Sem chances de eu permanecer em outro
estado enquanto uma bomba enorme estourava.
Segundo ele, tudo estava calmo até que um dos peões veio avisar que um grupo de
bandidos derrubou os cinco seguranças que ficavam de guarda. A localidade era perto dos
estábulos, que coincidiu de Cecília, sua irmã e mãe estarem perto.
Xavier conseguiu colocá-las para dentro antes que algo pior acontecesse, entretanto,
Suzana não escapou de tomar um tiro e estar em uma cama de hospital.
A todo momento, durante o voo de volta, eu não parava de pensar em Cecília e no que
teria acontecido caso esse tiro pegasse nela.
Não parava de pensar em como deveria estar seus pensamentos ao ver a mãe ferida.
Mesmo que Suzana não fosse lá grandes coisas, ainda assim, era a única referência materna que
tinha.
Ela perdeu o pai não tinha nem muito tempo e sua cabeça deveria estar dando voltas
com isso.
Contrariando Xavier, não fui para a delegacia saber como andava o caso. Em outra época,
iria direto para lá. Porém, eu não estava funcionando com o mesmo modus operandi de antes.
Ao chegar no hospital, vi Xavier sentado ao lado de Maju. Ele conversava algo com ela
enquanto apertava sua mão em um claro sinal de conforto. Quando me viu, soltou de imediato e
se levantou consternado.
— Não deveria estar na delegacia, Maximus?
— Isso não é a prioridade — falei, procurando Cecília, era para ela estar ali.
— Eles conseguiram pegar um dos bandidos e, a essa altura, já deve ter confessado o
mandante.
— É mais do que obrigação deles. Um dos meus peões foi morto e eles não resolveram
nada. Agora, a mãe de Cecília se feriu também. O que falta acontecer mais para tudo isso acabar?
— Passei a mão nos cabelos, nervoso.
— Relaxa, vai acabar logo.
— Cadê a Cecília? — perguntei.
— Foi ao banheiro — Maju respondeu quebrando o próprio silêncio.
Sua voz estava rouca e o nariz vermelho, indícios de que estava chorando. Com certeza,
Cecília deveria estar assim também e nem as culpo, afinal, deve ter sido muito ruim ter passado
pelo que passaram.
Não demorou muito para avistar Cecília no corredor. Ela me fitou e correu para meus
braços. A agarrei lhe dando o conforto que precisava, escutando um soluço escapando de seus
lábios.
Minha Cecília, sempre se mostrando forte, naquele momento, se quebrou. A segurei
bem perto para lhe assegurar de que estava ali e não a deixaria sozinha.
— Nem acredito que está mesmo aqui — ela murmurou fracamente.
— Me desculpe por tudo o que aconteceu.
— Não foi sua culpa, Maximus. Eu só quero que minha mãe saia logo daqui — ela disse,
se afastando um pouco para me olhar.
— Já tem notícias dela? — Cecília negou com a cabeça.
—Vou procurar saber. —Fiz menção de me afastar, no entanto, Cecília me segurou.
— Não vá. O médico vai vir e nos dar alguma informação em breve. No momento, só
quero ficar com você.
— Então é isso que vou fazer.
Me sentei e pus Cecília em meu colo como se fosse uma criança. Passando a mão em
seus cabelos até escutá-la pegando no sono. Deixei, ela estava mais tranquila no mundo dos
sonhos do que no real.

Pelo que pareceu horas, ficamos na sala de espera aguardando notícias do estado de
Suzana.
Já estava exausto de estar sentado em uma cadeira de hospital esperando a boa vontade
desse povo, e só quando ameacei dar um escândalo, um médico apareceu e nos disse que Suzana
estava fora de perigo.
Seu estado ainda era delicado e necessitava de cuidados, além de mais alguns dias em
observação. A bala foi retirada na cirurgia e não perfurou nenhum órgão.
Era visível que as irmãs receberam a notícia e ficaram aliviadas. Agora só o que faltava
era saber quem tinha feito isso e esse ser tinha que pagar.
Não aguentava mais viver sob ameaça e ter que andar com um bando de segurança para
proteger a mim e a minha esposa. Queria que isso acabasse logo.
— Vou à delegacia e logo estarei em casa — eu disse para Cecília.
— Não posso ir com você? — perguntou, fazendo um beicinho. Sorri e lhe dei um beijo
rápido.
— Não. Tem que comer alguma coisa, sabe muito bem que não pode ficar em jejum.
— Eu não quero estar lá sozinha — confessou, o medo brilhando em seus olhos.
— Ei, sua irmã vai estar com você. Não vou demorar, prometo — falei, passando os dedos
pela sua bochecha. — Me espere acordada.
— Vou esperar — respondeu, se esforçando para colocar um sorriso em seus lábios.
Lhe dei mais um abraço e me despedi. Vi Xavier levando as duas no carro de volta para
a Boa Esperança, enquanto eu ia para meu carro com destino a delegacia.
Como o local era bem perto do hospital, não demorei quase nada para chegar naquele
lugar incômodo.
Estava relativamente vazio, apenas pessoas trabalhando e uns dois elementos suspeitos.
O delegado me recebeu, se solidarizando com o ocorrido com minha sogra. Cortei o papo
furado e fui para sua sala, interessado somente no que interessava.
— Minha esposa está bastante assustada pelo que aconteceu, por isso, estou com um
pouco de pressa para não a deixar sozinha — o informei.
O delegado era muito amigo meu. Havíamos participado de muitos jantares juntos e eu
conhecia sua família muito bem.
— Compreendo. Pode ser muito traumatizante certos eventos. Ainda mais uma invasão
na própria propriedade.
— Sim. Suzana foi ferida, meu peão morto, não quero que ocorra mais incidentes. Então,
quem foi?
— O bandido que conseguiram pegar confessou que ele foi contratado pelo chefe de
seus peões — o delegado disse, juntando seus papéis do meu caso.
Fiquei em choque por segundos, lembrando de Rubens. Não era possível, ele não seria
capaz. Trabalhava para mim há anos, era um dos funcionários mais antigos. Como ele pôde agir
assim?
— Tem certeza de que ele citou Rubens? — perguntei por perguntar.
A expressão dele era autoexplicativa. Rubens fez isso pelo dinheiro. Mas mesmo assim,
isso não tornava tudo mais fácil.
— Trouxemos Rubens para interrogatório e ele confessou tudo. Facilitava a entrada na
sua fazenda e, por consequência, os prejuízos com roubos que você tomava. A morte do peão
não foi planejada, no entanto, ele teve que fazer ou o falecido iria lhe contar tudo. Entretanto, o
mais chocante disso tudo vem agora. — Aguardei em silêncio que ele tomasse um gole de água.
Me ofereceu e neguei com um gesto de cabeça. — Rubens era apenas mais uma peça de xadrez
nesse enorme tabuleiro. Fez por dinheiro, como já deve imaginar, a mando de sua mãe, Marisa.
— O quê? — gritei.
— Ele a acusa de querer matar você, Maximus, e ficar com tudo. O intuito da invasão era
matar Cecília, afinal, se caso você viesse a morrer, ela ainda teria que dividir os bens com sua
esposa, já que imagino que tenha se casado com comunhão total de bens.
— Sim, casamos — falei, ainda desnorteado.
Sabia que Marisa não prestava, que era gananciosa, egoísta e tudo mais de ruim que eu
pudesse enumerar. Porém, não imaginava que chegaria a tanto.
Matar Cecília para, logo depois, me matar, era cruel. Pelo visto, suas ameaças não eram
vazias. Ela era mesmo capaz de tudo.
— Estamos à procura dela. Não vai demorar muito para achá-la. De São Miguel do
Araguaia, ela não sai. O seu pesadelo vai acabar.
— O meu pesadelo só vai acabar quando ela estiver presa. — O delegado assentiu.
Fiquei mais um tempo conversando com ele e resolvendo os trâmites legais. Duas horas
depois, saí daquele local que ameaçava me sufocar, e entrei no carro.
Só queria chegar logo em casa e abraçar Cecília, dizer que tudo ficaria bem e que as
coisas se resolveriam rapidamente.
Capítulo 32
Cecília

Despertei de um sonho ruim, as imagens do dia sendo claras na minha mente. Minha
mãe tomando um tiro e desmaiando.
Respirei fundo, absorvendo longas tragadas de ar para meus pulmões. Meu coração
ainda batia acelerado, mas aos poucos voltava ao seu ritmo normal.
— Sonho ruim? — Escutei a voz de Maximus e olhei para a poltrona em que estava
sentado. A meia luz do abajur não era suficiente para discernir seus traços, mas era o bastante
para visualizar suas formas.
— Você chegou e está aí, sentado no escuro como uma gárgula, me observando —
acusei.
— Não quis te acordar, Cecília — ele disse sério demais, o que ocasionava em arrepios
por minha espinha.
Não parecia o mesmo Maximus de mais cedo, o que me abraçou e disse que ficaria
comigo, o que me deu colo quando eu estava fragilizada, o que disse que chegaria em casa o mais
rápido possível para ficar comigo.
— Há quanto tempo está aí? — perguntei, me levantando para acender a luz.
Estar no escuro dormindo era uma coisa, conversar com Maximus agindo estranho, era
outra. Eu já estava assustada demais com os acontecimentos.
— Não muito. Meia hora, talvez. — Deu de ombros.
Ver sua expressão triste me causava um mal-estar. Não aguentei mais e fui para perto de
Maximus, me sentando em seu colo, como mais cedo.
Pensei que iria me rechaçar, visto que estava estranho, entretanto, senti seus braços
envolvendo minha cintura e seu queixo apoiado em minha cabeça.
— O que aconteceu na delegacia, descobriu quem foi?
— Melhor não falarmos sobre isso hoje — ele disse, me afastei para olhar dentro dos
seus olhos.
Meu coração bateu desenfreado no peito e borboletas alçaram voo em meu estômago.
Era sempre assim, desde que descobri que estava apaixonada por ele. Era como estar se
apaixonando novamente a cada vez que nos olhávamos.
Será que isso era possível? Se apaixonar pela mesma pessoa diversas vezes? Se não,
nosso caso era um em especial.
— Algo está te incomodando, por favor, me fale — pedi.
Maximus sabia que quando eu estava obstinada, não costumava ceder facilmente. Por
isso, suspirou e se deu por vencido.
— Pensamos que estamos cercados por pessoas de confiança quando, na verdade, os
que mais consideramos nos trai.
— O culpado era alguém conhecido? — perguntei, ele assentiu.
— Rubens, a mando de Marisa — ele disse calmamente, mas vi seus olhos ficarem
nebulosos.
— Meu Deus! Marisa teve coragem de fazer isso?
— Ela queria matar você. Se caso alguma coisa viesse acontecer comigo, teria que dividir
tudo o que tenho com você. Marisa queria todo o dinheiro para si, assim te mataria e depois a
mim.
— Maximus... Eu, nem sei o que dizer.
— Não tem o que dizer. Ela é mau-caráter. Assim como eu. — Deu de ombros.
— Você não tem nada a ver com isso. Não se compare a ela.
— Em que eu sou diferente, Cecília? Nunca medi esforços para conseguir o que eu
queria, a prova disso tudo foi que comprei você de sua mãe.
— Não diga isso, por favor — falei com a voz embargada, sentindo meus olhos arderem
pelas lágrimas que queriam escapar.
— Meu amor, por mais que eu queira dizer que não, foi exatamente isso que fiz. Eu
poderia ter aceitado a oferta de sua irmã, mas quis tanto você quando te vi. Agi completamente
errado. Como pode gostar de mim?
— Eu te amo. Você não é igual a Marisa, nunca diga isso. Não seria capaz de matar
alguém por causa de dinheiro — falei determinada.
Não sabia muita coisa sobre Maximus, no entanto, algo me dizia que ele não era capaz
de tamanha atrocidade.
— Matar, não chegaria a tanto, mas sempre achei que os fins justificam os meios. O tanto
de pessoas que já fiz mal por causa de dinheiro. Sua família é um exemplo — argumentou, me
fazendo morder o lábio inferior.
— O que pretende com isso, me fazer te odiar de novo?
— Antes era mais fácil para você. Me odiava justamente por isso. Por que mudou? — Me
levantei de seu colo e pus as mãos na cintura.
— Depois de tudo que dissemos um ao outro e fizemos juntos, é sério que quer ditar o
que devo sentir ou não?
— Vai amar um homem que foi o culpado por sua mãe estar em um hospital? — Ele se
levantou também, cabisbaixo.
— Ouça o que está dizendo. Está se culpando por algo que não fez. Marisa é a culpada,
não você, seu cabeça-dura.
— Isso não diminui minha culpa. Se eu não tivesse me casado com você, não estaria
passando por isso. Talvez estivesse vivendo sua vida com o seu ex lá. — Dei um passo para trás
com suas palavras.
— O que pretende com isso tudo? Esqueceu do que me disse no dia da minha formatura?
— Começamos errado, não tem como dar certo — proferiu. Não era a primeira vez que
ele dizia isso e me incomodava.
— Consegue mesmo me enxergar com isso? Acredito que há males que vem para o bem.
Se eu estivesse casada com Bernardo, iria descobrir um lado ruim dele após o casamento, pois só
vi quando nos separamos.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. O tempo em suspenso. Nossos olhares
grudados um no outro. Eu não sabia mais o que dizer e aguardei que dissesse algo.
Maximus quebrou a distância, me abraçou e beijou meu pescoço. O toque me deixava
arrepiada e me fez fechar os olhos para prolongar a sensação.
— Não. Eu não consigo te enxergar com ele. No entanto, preciso fazer o certo.
— E o que seria?
— Agora não. No momento, quero me deitar, te abraçar e afastar todos os medos que
possa estar sentindo. Preciso te proteger — ele disse, desesperado.
Minha vontade era de continuar o questionando, entretanto, o nosso cansaço era
palpável. O dia tinha sido longo e tudo o que precisávamos era de uma noite de sono.
Não protestei e nem questionei mais nada quando Maximus me carregou para cama. Me
deitou de lado e fez o mesmo, seu braço repousado em minha cintura, sua respiração quente e
tranquila soprando alguns fios de cabelo.
Senti seus lábios na curva de meu pescoço e fechei os olhos mais uma vez. Escutei ao
longe um “quero fazer tudo certo porque te amo”. No entanto, não pude responder, pois caí em
um sono exausto, porém, tranquilo, sabendo que ele estava ali e nada de mau iria acontecer.

Acordei sozinha na cama e a sensação de vazio me bateu com força ao procurar Maximus
e não encontrar.
Fiz minha aplicação de insulina, tomei um banho e me arrumei um pouco, me permitindo
passar um pouco da maquiagem para esconder os resquícios de uma noite turbulenta.
Esperava encontrar Maximus no andar de baixo, mas só vi Tereza terminando de arrumar
a mesa do café da manhã. Quando me viu, sorriu.
— Bom dia, Cecília. Espero que esteja com fome.
— Bom dia, Tetê. Sim, estou. Onde está Maximus?
— Ele saiu logo cedo. Disse que vai te encontrar no hospital. Sua irmã já foi para lá. —
Assenti.
— Acho que dormi demais — comentei, me sentando e pegando um pouco da salada de
frutas.
— Você precisava — ela disse solidária.
— Sabe onde Maximus foi? — perguntei, afinal, não custava.
— Não sei, minha menina. Ele saiu com Xavier e não disse para onde iria. Só me disse
para lhe dar esse recado. — Ela fez uma pausa e acrescentou: — Quando estiver pronta, procure
um dos seguranças e ele te levará para o hospital. — Assenti.
— Obrigada.
— Se precisar de qualquer coisa é só chamar, meu bem. — Forcei um sorriso e continuei
comendo, mal sentindo o gosto.
Um bolo havia se formado em minha garganta e tornava difícil de engolir. Eu só queria
saber para onde Maximus foi e o porquê de tanto mistério.
Terminando de comer, corri para o andar de cima, peguei minha bolsa e meu celular e
liguei para ele. Não tinha necessidade de estar em dúvidas quando tudo poderia ser resolvido
perguntando.
Contudo, Maximus não me atendeu. Era estranho, pois ele não costumava fazer isso,
ainda mais sabendo como eu me encontrava após os acontecimentos.
Respirei fundo e guardei o celular. Estava curiosa com tanto mistério, no entanto, não
iria adiantar de nada ficar me remoendo. O jeito era eu ir para o hospital, ver como estava minha
mãe e perguntar para ele assim que chegasse.

Quando cheguei ao hospital, Maju me deu ótimas notícias. Minha mãe seria liberada
naquela semana. Ficaria de observação por alguns dias e teria alta.
Ainda precisaria de cuidados especiais e eu estava disposta a ficar alguns dias na Milênio,
ajudando minha irmã, que tinha que trabalhar.
Com Maximus tão estranho, era até melhor colocar um pouco de distância e não ficar
forçando a barra com ele.
Estava sentada em uma poltrona ao lado da cama da minha mãe, que dormia
profundamente, quando Maximus chegou de mansinho.
Maju tinha acabado de sair. Seu novo consultório estava quase pronto e fiquei muito feliz
por essa realização dela.
Não era fácil uma mulher meter peito e lutar para realizar seus sonhos. Se desvincular
de uma sociedade e montar algo sem ajuda de ninguém. Era mérito dela tudo o que conseguisse
dali por diante.
— Como ela está? — ele perguntou, se sentando ao meu lado.
— Melhor. Terá alta essa semana, mas ainda precisará de cuidados extras em casa. Estava
pensando em ficar na Milênio por esses dias para ajudar Maju. — Ele fez um meneio
concordando.
— Será até melhor. — Minhas sobrancelhas se uniram em confusão. Não esperava por
essa resposta.
— Nossa, falando assim, parece que quer se livrar de mim. — Maximus suspirou.
— Não é nada disso, Cecília.
— O que é então, Maximus? — perguntei em tom alto.
Me arrependi no ato. Minha mãe estava logo ali, tinha que moderar no tom de voz e não
a acordar por causa de um bate-boca com Maximus.
— Precisamos conversar. — Engoli em seco com aquela frase.
Ah, droga, quando essas palavras surgiam dentro de uma relação, geralmente, coisa boa
não é.
E com Maximus estranho desde ontem, não duvidava de que vinha uma bomba das
grandes.
Só esperava que essa conversa não fosse para me destruir.
Capítulo 33
Max

Saímos do quarto de sua mãe no mais completo silêncio. Cecília foi na frente e, quando
passou por mim, pude sentir o seu maravilhoso perfume. Era tão delicioso que me pegava sentido
o cheiro mesmo quando estava sozinho.
— O que quer conversar? — perguntou, cruzando os braços em postura defensiva.
— Vamos nos sentar. — Apontei para duas poltronas confortáveis da sala de espera.
— Prefiro ficar de pé — murmurou.
Respirei fundo. A conversa não seria nada fácil para, muito menos para ela. No entanto
era a atitude correta a ser tomada.
— O que foi fazer tão cedo na rua? Pensei que iria te encontrar ao meu lado e nada. —
iniciou quando viu o silêncio tenso se prolongando.
— Marisa foi encontrada e presa quando tentava fugir da cidade. O delegado me ligou e
pediu que eu fosse até lá.
— Espero que fique presa.
— E vai. Sob pressão, ela confessou o que fez.
Eu subestimei demais Marisa, mal sabendo que ela estava por trás desde o primeiro
roubo de gado quando havia cortado sua verba após gastar mais do que devia.
— Antes de nos casarmos, Xavier sugeriu que uma armadilha fosse feita. Eu não quis.
Para mim era perda de tempo, estava focado em pegar a pessoa e fazê-la pagar com minhas
próprias mãos.
— Isso não funciona — argumentou, e assenti concordando.
— Eu estava cego de raiva. — Dei de ombros.
— Que bom que tudo foi resolvido, mas não foi para isso que me chamou para conversar.
— De fato, não.
— Então me diga logo, Maximus — pediu, impaciente.
— Quando Xavier me deu a sugestão de me casar com você ou com sua irmã, na época
eu não me dava conta do quão errado estava sendo, o que me interessava eram as terras, que
viriam como um benefício.
— Já disse isso outras vezes. Ontem mesmo, inclusive. Aonde quer chegar, Maximus?
— Quando te vi, jamais pensei que pudesse encontrar uma mulher tão linda e adorável
quanto você. À primeira vista te vi como uma mulher frágil, doce e submissa, tudo o que um
homem pode querer. Iria ser perfeito para mim, poderia continuar vivendo minha vida
normalmente, sem ter que tirar um segundo do meu precioso tempo para manutenção de
relacionamento. — Continuei ignorando seu olhar enviesado. — Só que, no jantar que tivemos,
percebi que você não era nada disso, Cecília. É uma mulher que sabe o que quer, com opinião
própria e que não abaixaria a cabeça para minhas vontades.
Passei os dedos por seu rosto, um carinho que tinha costume de fazer e que ela adorava.
— Eu ainda não entendo aonde quer chegar com tudo isso — sussurrou.
— Vou chegar lá, só me deixe falar, preciso disso. — Ela assentiu e continuei: — Quando
nos beijamos, e senti que a atração era mútua, percebi que o desejo não era somente pelas terras,
havia um novo: você. Por isso que quando sua irmã me fez a proposta, eu neguei. Eu queria muito
você e a cada desafio que você me impunha, mais te desejava. Mediante a tudo isso, estava
disposto a te conquistar, mantendo meu coração longe da jogada, contudo, não mandamos e a
emoção ganhou da razão. Logo eu, um homem que nunca se deixou levar por sentimentos estava
sendo tomado por eles. — A trouxe para junto de mim e a abracei, inalando o cheiro de seus
cabelos.
O que eu iria propor poderia ser visto como algo simples, no entanto, para mim, seria
complicado. Me manter distante dela, ficar sem dormir ao seu lado e ver seu rosto pela manhã
todos os dias, seria como uma tortura.
— Me desculpe, Cecília. Eu te fiz muito mal, te fiz sofrer por não te dar opções, pois você
tinha. Te fiz enxergar que não tinha saída. Fui egoísta e não desejo mais isso. Eu preciso que, nesse
momento, vá para a casa de sua mãe, cuide dela e tire um tempo para você. — Ela se afastou e
me olhou confusa.
— Mas eu já iria fazer isso.
— Sim. Só que você vai não por alguns dias, mas, sim, por algum tempo. Quando saí da
delegacia, fui até o meu advogado e pedi para ele dar entrada no divórcio — falei tudo de uma
vez, antes que perdesse a coragem.
Cecília se afastou de mim e me olhou como se não me conhecesse. O brilho em suas
írises, tão vivaz, estava se apagando e era visível o seu controle para não chorar.
— É algum tipo de piada? Não estou gostando dessa brincadeira, Maximus.
— Me deixa explicar, meu bem.
— Não me chame assim! — gritou. Olhou em volta, se dando conta de que estava em
um lugar que exigia silêncio, e se conteve. — Depois das coisas que fizemos juntos, de tudo que
falamos um para o outro, me vem com essa, seu maldito.
— Meu amor, você não está me deixando concluir.
— Seu maldito cretino, minha mãe está em um leito de hospital e me fala isso assim, na
cara dura. — Ela pontuou, batendo em meu peito com os punhos fechados. Segurei seus pulsos
para a conter a trouxe para perto de mim. — Me solta, imbecil, ou eu vou gritar.
— Calma, Diabinha. Eu quero te explicar o porquê disso tudo.
— Você me dar um pé na bunda tem explicação? — perguntou sarcástica.
— Tem, porque não estou te dando um pé na bunda.
— Ah, não? É o que então?
— Quero fazer o que é correto para nós dois. Não quero pairando sobre nossas cabeças
como nosso relacionamento se iniciou. Desejo que você sinta orgulho quando contar nossa
história. Eu quero me separar para poder namorar, noivar e casar corretamente, Cecília. Quero te
levar para jantar, fazer piqueniques, viagens. Pedir que seja minha noiva em alguma praia do Rio
de Janeiro. Te pedir em casamento debaixo da Torre Eiffel.
Cecília chorava livremente. Soltei seus pulsos, sabendo que minha integridade física não
corria perigo, e a abracei. Ela não protestou quando o fiz, muito pelo contrário, devolveu o gesto
e depositou um beijo em meu pescoço.
— Entendo seus motivos, mas não quero ficar longe de você — proferiu, limpando as
lágrimas.
— Não vamos. Ficaremos muito tempo juntos, entretanto, preciso te dar tudo isso.
— Já está decidido — falou, torcendo os lábios.
— Não vai ser fácil para mim também. — Ela assentiu.
— Vou pegar minhas coisas e voltar para a Milênio.
— Eu vou te levar — eu disse e beijei seus lábios para demonstrar tudo o que sentia
pelo gesto, pois ele falava mais do que mil palavras.

A casa parecia tão vazia sem ela. O que antes me agradava, se tornou um incômodo total.
Cecília, sem ao menos se dar conta, preencheu um vazio que tinha em meu coração que jamais
imaginei que existisse.
Já fazia uma semana que a ajudei a fazer a mudança de volta para a Milênio. Fazia uma
semana que dormia e acordava sozinho, sentindo sua falta e ansiando por ela.
Sempre gostei e apreciei a minha própria companhia, ainda acho saudável um casal
curtir seu próprio tempo de qualidade fazendo o que gosta, entretanto, passei muito tempo
fazendo exatamente isso e, agora, não estava muito feliz por estar nessa situação.
E nesse meio tempo, Suzana saiu do hospital. Seu estado ainda expirava cuidados, mas
ela estava livre de acontecer algo pior.
Por isso, ficava difícil marcar de ver Cecília fora da fazenda. A não ser que eu fosse até lá,
não tinha como ela sair.
Ainda mais com sua irmã trabalhando em seu novo consultório, contratando
funcionários para a ajudar com a demanda, já que, pelo que fiquei sabendo, os pacientes que
eram atendidos pelo seu amigo, se debandaram preferindo a ela.
E nesse pouco tempo que passávamos juntos, ia descobrindo um lado dela que estava
guardado, retirando camadas e a conhecendo por inteiro. Ela era uma mulher incrível e isso só
fazia minha decisão ser a mais acertada.
Cecília merecia muito mais do que um casamento forçado, do que uma união baseada
em venda e compra. Ela merecia o meu mundo e assim, eu o daria.
Meu plano era esperar sua mãe melhorar e viajar com ela. Levá-la para lugares que
jamais esteve e lhe proporcionar momentos em que ela se lembrasse de tudo até o dia em que
estivesse velhinha.
Alonguei meus braços e estiquei minha coluna. Já estava a bastante tempo sentado
analisando os currículos dos professores de equitação que iria contratar.
Seguindo o conselho de Cecília, iria montar um centro para as crianças que não podiam
pagar. Mesmo que isso não me gerasse lucro nenhum, era fato que ela estava certa. O bem-estar
pessoal estava em dia.
— Acho que precisa de um pouco disso. — Escutei a voz de Tereza passando pela porta
do meu escritório.
Em suas mãos, havia uma bandeja de prata com uma jarra de limonada, dois copos, pães,
biscoitos amanteigados, e frios. Me levantei depressa para a ajudar. Era impressionante como
uma mulher da idade dela fosse tão ativa como Tereza era.
— Já te disse para colocar Natália para carregar a bandeja — briguei com ela.
— E eu já te disse que não sou uma inválida, se aquiete, menino. — Sorri, colocando a
bandeja em minha mesa.
— Por que tem dois copos?
— Xavier está vindo para te tirar desse escritório em que vive enfurnado. — Revirei os
olhos.
— Está exagerando, para variar. — Me servi de um copo de suco e apreciei o sabor
único do limão.
— Desde que a menina voltou para a Milênio, vive aqui, e nem tente negar — ela disse
apontando o dedo em riste para mim.
— Não vou negar. Sinto falta dela — confessei.
Tereza fechou a distância entre nossos corpos e me envolveu em seus braços
aconchegantes. Seus abraços sempre eram reconfortantes desde quando eu era um menino.
— Você fez o certo, meu menino. Não vai demorar muito para estarem juntos
novamente.
— Não sabia que era hora do abraço. — Me afastei um pouco e vi Xavier parado, nos
observando na soleira da porta.
— Está com ciúmes porque ela gosta mais de mim — brinquei, me afastando de Tereza.
— Ela me ama mais — disse cheio de si, e bufei.
— Deixem disso, meninos. Amo os dois — Tereza informou, passando por Xavier, antes
de sair, e apertando suas bochechas.
Xavier se serviu de um copo de limonada e se jogou na cadeira vaga à minha frente.
Sorveu o líquido em vários goles e pôs o copo na mesa.
— Pretende ficar nesse velório até quando?
— Não sei o que quer dizer — argumentei. Eu sabia do que se tratava.
— Você nem vai mais cuidar dos cavalos e vive enfurnado dentro desse escritório, desde
que Cecília voltou para a Milênio. Desconfio que sua pele está com falta de vitamina D devido à
falta de sol.
— Eu tenho muito o que resolver aqui — expliquei.
— Corta essa. Sei que não tem nada para resolver, está fugindo do assunto.
— O que quer que eu faça, Xavier? — explodi.
— O divórcio será assinado pelo juiz daqui a três meses. Não fique esperando por isso
para aproveitar seu tempo com Cecília.
— Eu sempre estou indo na casa dela, Xavier, não sei o que quer que eu faça.
— Você está respeitando demais essa história de namoro. A convide para viajar, peça
para dormir aqui. Ela não fez nenhum voto de castidade que os impeça de ficarem juntos —
comentou, puxando um fio de sua blusa xadrez puída.
— Pretendo fazer isso.
— Que tal na próxima semana? — sugeriu.
— Tenho muito o que resolver.
— Nada que eu não possa segurar. Além do mais, liguei para aquele hotel à beira mar do
Rio de Janeiro, que é sócio, e informei que iria passar um tempo por lá — ele disse, colocando os
pés em cima do tampo da mesa e sorrindo.
— Ficou louco, Xavier? Mesmo que você possa segurar as pontas para mim, Cecília não
iria aceitar deixar a mãe sozinha.
— Já resolvi isso, contratei enfermeiras para cuidar dela.
— Santo Xavier — falei em escárnio.
Eu estava usando de deboche para esconder o quão grato era. Xavier tomou uma atitude
que deveria ser minha.
E até que não seria má ideia passar um tempo longe de Goiás, ir para outros ares e ter
algum tempo de qualidade com Cecília.
— E eu já falei da minha ideia com Cecília antes de te comunicar. Aquela mulher sente
sua falta e está te esperando para conversar.
Sentia vontade de dar um murro em sua cara e, ao mesmo tempo, o abraçar. Como sua
ideia era genial, e ele me fez um grande favor, optei pela segunda opção.
— Obrigado — murmurei e saí do escritório rumo a fazenda Milênio, atrás da mulher
que amava.
Capítulo 34
Cecília

Coloquei a bandeja na cama de minha mãe e esbocei um sorriso para ela. O café da tarde
tinha tudo o que ela gostava.
Dona Suzana estava particularmente resmungona e poucas pessoas a aturavam. Maju
pouco passava no quarto, mas quando o fazia era coisa rápida. Ela não tinha muita paciência com
nossa mãe, e eu nem poderia a culpar.
Mesmo passando por momentos difíceis, como a recuperação e a provação de ter
passado por algo daquela magnitude, minha mãe não tinha mudado em nada. O que poderia ser
uma virada de chave, não aconteceu.
Ela tinha se tornado cada vez mais difícil de lidar, reclamava de tudo, se vitimizava e fazia
pouco caso da companhia das pessoas. Dizia que esperava ficar boa logo para poder retomar sua
vida social.
Era frustrante ver que aquela lição não serviu para nada e eu estava cada vez mais
disposta a deixá-la de lado assim que estivesse 100% boa, o que não demoraria muito.
— Ah, não, vai ser esse mingau de novo? Já disse que posso voltar a comer normal. Você
insiste nisso, Cecília. — Revirei os olhos para sua reclamação.
— Quero que fique boa logo.
— E mingau insosso vai me fazer melhorar? Me poupe.
— Bom, se não quiser comer, não coma. Eu vou deixá-la para decidir. — Me virei, mas
ela iniciou o drama de sempre.
— Não acredito que vai me deixar sozinha. Está ficando igual a desnaturada da Maju.
Quando eu morrer, não me venha com lágrimas falsas. Aposto que as duas desnaturadas só
choraram no dia que tomei o tiro para não dizerem que são filhas ruins. Mas eu sei bem como
são, e todos irão descobrir...
— Já chega, não aguento mais, para com isso! — gritei, perdendo a linha.
Era isso todo dia, tudo tinha um limite e eu acabei de atingir o meu. Não suportava mais
que ela ficasse falando mal de mim e de Maju, não depois de cuidarmos tanto dela.
— Está gritando comigo, enquanto estou em cima de uma cama?
— Sim. Fiz de tudo pela senhora esses dias, sou a única a lhe aturar por conta de seus
chiliques e mau humor, e olha o que recebo! Sou chamada de desnaturada.
— Vocês têm obrigação de cuidar de mim, sou sua mãe — ela disse de forma venenosa.
— Não, nem eu e nem Maju temos. Depois de tudo o que fez conosco, ainda tem a cara
de pau de dizer isso?
— E o que eu fiz? Te fiz casar com um homem cheio de dinheiro e posses, que poderia
te dar uma boa vida? Uma pena que não deu muito certo. Nem capaz de segurar um homem você
foi, visto que ele pediu o divórcio — declarou, sorrindo.
Engoli o soluço e dei um passo para trás. Não queria demonstrar o quanto suas palavras
me feriram. E foi nesse momento que me dei conta que, essa pessoa que se dizia minha mãe, era
a minha maior inimiga.
Mesmo com Maju tentando me fazer ver quem ela era de verdade, eu sempre fui para o
lado emocional, a considerando pelo laço de mãe e filha. No entanto, eu não podia mais fechar
meus olhos, a venda caiu e a verdade era feia.
Suzana era incapaz de enxergar seus erros, se vitimizava e fazia o papel de mãe boazinha
para conseguir aquilo que queria. Eu já não podia mais suportar estar em sua presença tóxica.
— Você é uma pessoa ruim, incapaz de enxergar algo além do próprio umbigo. Quero
que fique longe de mim — falei.
Tinha muitas coisas mais para lhe dizer, entretanto, estava cansada. O melhor argumento
para esse tipo de pessoa era o desprezo, e isso eu lhe daria.
Desci as escadas, limpando o rastro de lágrimas que percorreu meu rosto e vi Miriam
saindo esbaforida da cozinha.
— O que houve, Miriam?
— Acabei de autorizar a entrada do senhor Maximus na fazenda. Só vim para abrir a
porta — explicou.
Senti minhas pernas bambas e as conhecidas borboletas voando no meu estômago. Fazia
dias que não nos víamos, e era inevitável não me sentir nervosa.
Quando Xavier me contou do seu plano, topei na hora, achando genial. Já que Maximus
não tomava atitude, seu amigo o fez.
Pensei que Maximus não iria aparecer, pois para mim parecia estar fugindo. O ver
entrando pela porta era uma adorável surpresa.
Quando nossos olhares se encontraram, senti toda a potência do amor tomando conta
de mim. Meu coração parecia que ia saltar pela boca. Tive vontade de correr para ele e assim o
fiz.
Fechei a distância e saltei em seus braços, entrelaçando minhas pernas em sua cintura.
Suas mãos fortes seguraram minhas coxas, me mantendo perto de seu corpo, e seus lábios
encontraram os meus.
O fogo que subiu pelo meu corpo por aquele toque mágico era insano. O gosto da
saudade se mesclando com todo desejo acumulado. Sua língua enroscando na minha,
alimentando o monstro que existia dentro de mim.
Quando nos afastamos em busca de ar, ainda era possível sentir o clima palpável
estalando entre nós. Seus olhos ardiam pelo tesão acumulado, refletindo muito de como me
sentia.
Maximus me manteve em seu colo e me carregou até o sofá, onde se sentou. Olhei em
volta e vi que Miriam tinha saído. Graças a Deus, seria muito constrangedor que ela nos visse em
um momento tão íntimo.
— Tá tudo bem com você? — perguntou, mexendo nos meus cabelos, os afastando do
rosto.
— Por que não estaria?
— Vi que limpava seu rosto quando apareci na porta, estava chorando — afirmou.
— Não é nada demais. Minha mãe está impossível. Maju largou de mão e sobrou para
mim.
— Largue de mão também. Não precisa se estressar com isso. — Assenti concordando.
— Mal vejo a hora de começar a trabalhar na sua fazenda.
— Nossa fazenda. E o trabalho te espera.
— Sua, não somos mais casados, lembra? Não fui antes por causa dela. — falei, me
referindo a dona Suzana.
— Não somos mais casados, por enquanto. Deixe que ela seja cuidada por enfermeiras
e vá viver sua vida — ele disse, simplificando meu problema com poucas palavras e, de fato, não
estava errado.
Me aconcheguei em seu peito e desfrutei da paz que tomava meu coração. Mesmo que
a relação com minha mãe tivesse ido por água abaixo, ainda tinha muito pelo que agradecer.
Afinal, não podíamos deixar que uma coisa ruim fosse maior do que as coisas boas.
— Espero que suas malas estejam prontas — Maximus murmurou após um tempo.
Me ajeitei para olhar seu rosto e me deparei com seus olhos azuis analisando cada
reação minha.
— Ainda não. Pensei de não vir — confessei.
— Me desculpe pelo distanciamento. Queria te dar tempo para fazer suas coisas. —
Revirei os olhos.
— A única coisa que fiz, foi fazer as vontades de minha mãe. — Voltei a deitar o rosto em
seu peito e respirei fundo. — Aonde vamos?
— Segundo Xavier, para o Rio de Janeiro. Tenho alguns negócios por lá. Pensei em tirar
um tempo para descansar e aproveitar para resolver as pendências que deixei por causa do
atentado. Isso se não te incomodar — acrescentou.
— De forma alguma, desde que não fique obcecado para trabalhar o tempo todo por lá
— brinquei.
— Não vou. Meu tempo será com você — ele disse e beijou o topo da minha cabeça.
Ficamos alguns minutos naquela posição, desfrutando a companhia um do outro, até
que Maximus foi embora, me dizendo que tinha que adiantar algumas coisas antes de viajarmos.
Estava bem empolgada. Seria uma mudança radical na dinâmica da nossa relação. Na
certa, a sua proposta de curtir como namorados envolvia isso e eu não poderia pedir algo melhor.

Abri as janelas e apreciei a vista para a praia de Copacabana. O céu estava incrivelmente
azul, o que me lembrava as írises de Maximus; o mar era um contraponto perfeito com suas águas
esverdeadas, e a areia branquinha e extensa estava lotada de pessoas andando, mergulhando na
água ou tomando sol.
Ao longo da praia havia vários quiosques, muitas pessoas praticando esportes e
vendedores ambulantes. A orla era convidativa para passeios de bicicleta, passeios à noite, fora
sua beleza arquitetônica que me deixava sem palavras para descrever.
— Quer dar uma volta? — Escutei Maximus sussurrando em meu ouvido enquanto seus
braços envolviam meu corpo. Era como sumir e me sentir pequena em meio ao monte de
músculos.
— Sim. Só quero descansar um pouco e podemos ir. — Me virei e beijei seus lábios.
— Podemos dormir um pouco, se preferir — sugeriu, passando a mão em minha bunda.
Um sorrisinho travesso surgiu em meus lábios. Sua expressão devassa e mãos bobas me
davam a dica de que se deitássemos na cama, não iríamos dormir de forma alguma.
Sentir o toque de seus dedos resvalando por minha pele, entrando por baixo do meu
vestido e encontrando minha calcinha, faziam todo o meu corpo despertar como se estivesse
preso em uma longa noite de sono.
— Por que tenho a impressão de que não vamos dormir? — perguntei, facilitando acesso
de seus lábios em meu pescoço.
— Talvez eu tenha dado algumas dicas — ele disse, sugando um pedaço de pele com
sua boca.
Sorri e meus dedos ousados encontraram a bainha de sua blusa preta. Ele estava
particularmente gostoso com essa camisa que moldava sua forma física e uma calça jeans que
deixava seu bumbum em evidência.
— Ainda bem que veio de vestido, isso só facilita as coisas — murmurou contra a minha
pele.
— Você não tinha que falar com seus sócios do hotel sobre a sua chegada? — perguntei,
desejando que ele esquecesse de seus compromissos e me fodesse.
— Sim, no entanto, isso aqui é muito mais importante. Sempre será. — Dei um gritinho
quando ele me pegou nos braços e me jogou na cama.
O colchão era tão macio que me senti sendo jogada em uma nuvem fofinha e abraçada
por asas de anjos.
— Desde quando? — questionei.
Me sentei em meus calcanhares para apreciar a beleza divina que se desnudava diante
de meus olhos.
Maximus tirou a blusa, deixando seus músculos rígidos e dourados em plena exibição, e
tudo o que eu queria tocar, morder, apertar, sentir...
Tirou os sapatos sem nem se dar ao trabalho de se abaixar. O tempo todo, manteve
contato visual comigo, seus olhos me dizendo mais do que mil palavras.
Maximus desafivelou o cinto, o jogando longe, e logo foi a vez da calça que fez
companhia ao restante. Seu corpo era como uma obra de arte, digna de estar em algum museu
para estudo, tamanha a perfeição.
O que era Davi de Michelangelo perto daquele homem à minha frente?
Ele engatinhou pela cama até encontrar meu pé descalço e me puxar para si. Uma risada
gostosa escapou por meus lábios.
Não demorou muito para meu corpo estar debaixo do seu, olhos nos olhos, respiração
se fundindo a cada expirar, desejo latente percorrendo pelas veias. Denso e vivo.
— Desde que entrou na minha vida. É onde meu mundo começa e finda — Maximus
sussurrou em resposta ao que perguntei anteriormente.
E ali, com o cenário de Copacabana ao fundo, as ondas do mar quebrando na areia, o
canto dos pássaros ressoando por toda a parte e a vida urbana à pleno vigor, iniciei meu novo
ciclo com Maximus.
Minha irmã costuma dizer que ciclos antigos se findam para que novos se iniciem. No
meu caso era exatamente isso. O casamento que começou errado e foi dado como certo pela
trajetória, se acabou e agora uma nova fase começava.
Aquele homem, que julguei ser o errado para mim, o que jamais imaginei que pudesse
me fazer feliz, me proporcionava o começo de uma nova era, onde o amor era o ato principal.
Epílogo
Cecília

Um ano depois
Caminhávamos de mãos dadas pelas ruas lotadas de Paris. De mãos dadas com Maximus,
aproveitei para apreciar os transeuntes parisienses e diversos turistas passeando pelas calçadas
iluminadas da conhecida cidade-luz.
Enquanto observava as atividades das pessoas ao meu redor, parava para analisar a vida
corrida que tive ao lado de Maximus nesse ano.
O divórcio tinha saído alguns meses depois que voltamos do Rio de Janeiro. Era
engraçado estar namorando um homem que já foi meu marido. Engraçado e complicado de
explicar para quem perguntasse.
Como prometido, Maximus e eu estávamos nos curtindo, nos conhecendo cada vez mais
e viajando muito. Nunca conheci tantas partes do mundo como foi nesse ano.
Ele estava menos obcecado por trabalhar o tempo todo e decidido a aproveitar mais o
que os frutos dele poderiam o beneficiar. Com isso, tinha muito mais tempo de qualidade para
passarmos juntos e namorar mais.
Maximus estava mostrando um lado romântico que, até então, não pensei que pudesse
existir. Planejava passeios à luz do luar, piqueniques perto da cachoeira que tinha na Boa
Esperança e jantares à luz de velas.
Eu achava maravilhoso, porém, segundo ele, era o mínimo, pois eu era merecedora de
tudo de bom que essa vida tinha para oferecer e ele tinha que se esforçar ao máximo para me
dar.
Observei com um sorriso apatetado em meu rosto, ele comprar uma rosa de uma moça
que estava mais vermelha que seu batom, por causa do sorriso deslumbrante do meu namorado.
— Você deixou a moça constrangida — comentei, fingindo estar emburrada, e ele
sorriu.
— Eu não fiz nada — falou de bom humor.
— Cretino — murmurei.
Maximus me puxou para seus braços e beijou a ponta do nariz. Depois, distribuiu
diversos selinhos por todo o meu rosto, até que não consegui manter a expressão de falsa raiva.
— Com ciúmes, Diabinha?
— Não, sei que é meu — falei confiante.
Maximus encostou os lábios nos meus e quando ia aprofundar o beijo, meu celular
tocou, interrompendo o momento.
Pensei em não atender, no entanto, quando vi que era Maju, mostrei o visor e deslizei o
ícone verde. Poderia ser importante.
— Oi, mana — a saudei.
— Como está Paris? — perguntou direta. — É tudo o que dizem?
— Sim, tudo é maravilhoso. Como estão as coisas por aí? E o namorico com o dentista?
— a provoquei.
Foi com surpresa que soube que, naquele ano, ela e um dentista, amigo dela, estavam
tendo um rolo. Minha irmã, que não gostava muito de se envolver, tentando algo sério,
finalmente!
— Não existe mais nada entre nós — ela disse emburrada. Imaginei sua expressão
carrancuda.
— Até onde sei, estavam ficando. O que deu errado?
— Ele quer algo que não posso dar. Quer algo sério e ficou puto quando dei um chute
em sua bunda.
— Não acredito nisso, Maju — falei, colocando dois dedos na ponte do
nariz. — Ele que se foda. Não me importo .— Por que não dá uma chance,
Maju?
— Não sirvo para me envolver seriamente com alguém, Ceci. Quero focar em minha
carreira e ponto. Acho que vou ser como aquelas mulheres cercadas por gatos — declarou, e tive
que rir.
— Se for ser feliz assim, então tá tudo bem.
— Óbvio. Por mais que não goste de magoar ninguém, é inevitável. Mas é melhor fazer
isso do que iludir alguém.
— Concordo — comentei, assentindo mesmo que ela não pudesse ver.
— Como vai dona Suzana? — Fiz a pergunta que não queria fazer.
Desde aquele dia, não falava com minha mãe e era melhor assim. Convivíamos debaixo
do mesmo teto, porém, me recusava a interagir com ela.
Era algo que me fazia mal, mas pior ainda era continuar no ciclo sem fim de abusos com
ela.
Minha mãe continuava a receber uma pensão de Maximus pelo acordo feito, mesmo
que não tivesse obrigação alguma, por consideração a mim, já que o casamento não existia mais
e ele sabia que eu não era capaz de deixar minha mãe sem nada.
— Continua na mesma. Eu a ignoro e em breve vou sair daqui. Quem sabe ela não mude
ficando sozinha.
— Pouco provável.
— Tenho notícias sobre os diamantes — Maju disse como quem não quer nada.
Desde que Maximus me contou sobre esse assunto, Xavier e ele vem trabalhando duro
para achar as joias.
Quando resolvemos viajar, Maju tomou a frente junto com Xavier, no intuito de nos
representar e se interessar por algo que também era nosso.
— Pelas estimativas, tudo leva a crer que naquela área existem, sim, diamantes. Após
diversas etapas, chegaram à essa conclusão — ela disse finalizando.
— Meu Deus, Maju. Então era real mesmo? — perguntei assombrada.
— Não tenho mais detalhes para fofocar. Só sei que eles estão fazendo uma estimativa
das reservas e fazendo os estudos finais da pesquisa mineral para saber se há viabilidade.
— Maximus já sabe?
— Ainda não. Xavier deve ligar para ele para contar. — Maju fez uma pausa e acrescentou
rapidamente: — Não fala que eu te contei.
Soltei uma risada. Maju e sua boca grande não tinha limites.
— Pode deixar que não vou falar nada.
— Bom, Ceci, não quero mais te importunar com assuntos do Brasil. Te liguei para saber
como estava, te contar a novidade e desejar que “sente” muito em Paris — ela disse para me
provocar, mas quando iria responder, desligou. Cretina.
— O que sua irmã queria? — Maximus perguntou, se aproximando.
— Notícias do Brasil.
— A única coisa que sinto muita falta que está lá, são os cavalos. — Sorriu.
Naquele ano, Maximus conseguiu colocar em prática o projeto de equitação para
crianças. Era algo social, assim como propus, e algo muito bonito, pois permitia que os mais
carentes tivessem oportunidades de diversão.
— Quer voltar logo? — perguntei, colocando meus braços em torno de seu pescoço.
— Por enquanto, prefiro ficar na nossa bolha. Vamos aproveitar o tempo que nos resta
aqui. Tenho algo que prometi fazer bem aqui.
— E o que seria?
Paramos diante da Torre Eiffel, às margens do Rio Sena, e Maximus segurou minha mão.
— Lembra-se do que eu disse um ano antes, quando propus o divórcio para fazer o que
era certo? — Assenti sem dizer nada. — Pois então. Durante esse tempo, me esforcei para te
mostrar o quanto você era especial e única para mim. Me esforcei para te dar tudo o que merece
e não queria te dar menos do que um pedido digno.
Foi então que, ao finalizar o discurso, Maximus se pôs em um joelho e tirou do bolso da
calça uma pequena caixinha aveludada, abriu revelando uma joia de valor inestimável e muito
bonita. Ai, meu Deus, eu sabia o que isso significava.
— Durante muito tempo, jamais imaginei me ver casado com alguma mulher. Achava a
ideia do matrimônio uma coisa abominável e também pudera, não tive um exemplo de casamento
muito bom. Entretanto, quando te conheci tudo mudou e, por mais que eu não admitisse na
época, minha vida se modificou naquele instante, naquele jantar. Casei-me com você e me vejo
fazendo isso por várias vezes, se for necessário. — Fez uma pausa e segurou minha mão. — Cecília,
aceita se casar comigo?
Tapei a boca com as mãos e senti uma lágrima gorda escapando do meu olho. Os
pedestres que passavam, ficavam nos observando e alguns até paravam para ver a cena,
fascinados.
— Sim, sim. Mil vezes, sim! — gritei, não me importando o que os outros pensariam.
Maximus deslizou o anel por meu dedo e fiquei deslumbrada observando a beleza. Era
algo muito chique e caro, apresentando uma gema central com diamante e duas pedras laterais.
Queria protestar e dizer que isso era muito mais do que precisava. Se ele me pedisse em
casamento com um anel de plástico, eu aceitaria, no entanto, sabia que seria perda de tempo
dizer algo.
— Gostou?
— Eu amei, Maximus.
O abracei e beijei seus lábios, saboreando o gosto do sorvete que tomamos mais cedo e
dizendo com aquele gesto o quanto estava realizada com esse pedido.
E assim, sem muita pretensão, Maximus tomou cada pedacinho do meu coração.
Habitando como ser único e dominante. Me conquistando todos os dias, como deveria ser em
todos os relacionamentos.
Pois, como uma pequena plantinha, assim é uma relação, se não tiver os devidos
cuidados diários, ela morre.
E eu tinha isso. Eu tinha Maximus .

FIM.
Agradecimentos
Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus, pelo dom da escrita. Não tem como não
agradecer a Ele primeiramente, pois sem Ele, nada é possível.
Ao meu namorado, por me apoiar sempre e me escutar mesmo não entendendo nada
disso.
Aqueles que me apoiaram com dicas e afins.
A Agnes, por revisar e betar. Me dando dicas do que tá bom ou não. Pelo carinho de
sempre.
A Mauri, por me perturbar com mensagens e cobrar livros. Seu apoio e suas palavras
fazem um efeito extraordinário quando estou na bad e pensando em desistir de tudo.
A Renata, por ser uma amiga incrível e sempre me ajudar. Tanto na diagramação quanto
em me validar. Você vê coisas que não consigo enxergar. Ainda.
A Vivian e Mari, pela paciência e toda ajuda que preciso. Pela betagem incrível e, mais
uma vez, pela paciência. Lidar comigo não é fácil. Eu sei.
E você, caro leitor, que chegou até aqui e deu uma chance para meu livro. Sem você,
nada é possível.
Espero de verdade que tenham gostado da leitura e que tenham abraçado esse meu
mundo louco.
Fica o meu muito obrigada e um até logo.
O próximo vem aí está se tornando o maior xodó desse caminhar como autora.
Um certo Quarterback gostoso...
Aguardem!!!
XOXO.
Outros Livros da Autora
Namorados por contrato

Desde muito pequena Liz Kang sempre teve duas certezas distintas que levaria para
sempre em sua vida.
A primeira era que livros eram como portas para outras vidas e não havia homens iguais
aos que ela encontrava dentro deles.
E a segunda era que odiava Alec Durand.
Aquele ódio existia desde que podia se lembrar e ela nem mesmo sabia dizer o porquê.
Só sabia que era algo que nunca iria mudar.
Mas quando ela presencia uma mudança radical na vida de Alec, na qual se resume ao
pai dele querer que ele assuma os negócios e assuma compromisso com a filha de um de seus
sócios. Em meio a todo esse pandemônio, Alec a surpreende, e no desespero lhe faz uma proposta
que a pega de surpresa. E a tal proposta é: fingir ser namorada dele por um mês.
Essa proposta tem tudo para dar errado, mas Liz aceita e determina um contrato entre
os dois.
Dentre algumas regras e momentos juntos a atração se torna algo impossível de se
ignorar.
Mas até onde o contrato consegue ir para impor limites entre e os dois?
E será que é possível que eles o respeitem até o fim?
Sobre não se apaixonar

Imersa em dias corridos e estressantes, planos para o futuro e se vendo cada vez mais
pressionada a estudar, Lorena acaba esquecendo -se do dia dos namorados. Logo no dia onde
todas as declarações de amor são válidas, desde as mais grandiosas até as menores. Onde seu,
não tão romântico, namorado Pedro ativa o modo conquistador e a leva para um passeio surpresa
ativando lembranças antigas e agridoces.
O amor que existe em nós

Com sérios problemas com seus pais e vivenciando dilemas que a vida adulta nos trás,
fugir se torna uma boa opção e com Manuela não é diferente. Com o simples sonho de estudar e
ser independente, ela não contava que em seu caminho fosse surgir um garoto misterioso de
cabelos negros e olhar triste, que lhe mostra como percorrer caminhos tortuosos e as mais
diversas formas de fugir da dor ou conviver com ela. Onde a lei da atração está sempre ativa.
Mostrando como uma paixão avassaladora pode doer. Em que o destino prova para ambos que,
mesmo com pesares, é possível descobrir o amor que cada ser humano tem dentro de si.
Sinta a dor e absorva cada Nuance dela.

Você também pode gostar