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Copyright © 2024 Priscilla Averati

Todos os direitos reservados

Capa: Thainá Brandão


Revisão: Mariana Acquaro
Diagramação: Priscilla Averati
Ícones diagramação: Canva Pro

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos
reais é mera coincidência.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer forma ou quaisquer meios
eletrônicos, mecânico e processo xerográfico, sem autorização por escrito dos editores.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
Sumário
PLAYLIST

NOTA DA AUTORA

EPÍGRAFE

DEDICATÓRIA

PRÓLOGO

CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29

CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

CAPÍTULO 34

CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 36

CAPÍTULO 37

CAPÍTULO 38

CAPÍTULO 39

CAPÍTULO 40

EPÍLOGO

AGRADECIMENTOS

ENTRE EM CONTATO

SOBRE A AUTORA

OUTRAS OBRAS
Se arriscar nunca foi um problema para Mason Porter — o herdeiro de um dos maiores
banqueiros de Wall Street e uma médica conceituada. Bem, pelo menos até que tudo desse
errado.
Em uma corrida, o promissor piloto da Nascar, acabou perdendo a direção do veículo e
sofrendo um trágico acidente que o deixou gravemente ferido e distante de tudo o que mais
amava.

Camila Torres tem uma vida normal. Sem muitos luxos, ela tenta se manter na
universidade caríssima onde conseguiu uma bolsa de estudos. Depois de passar por uma situação
difícil, a estudante esforçada tem passado por maus bocados longe da família que se mudou para
outro país.

Em um dia comum, eles jamais esbarrariam um no outro. Porém, situações adversas farão
com que seus caminhos se cruzem.

Ele, miserável e inconformado com suas novas limitações — ainda que temporárias.
Ela, ensopada pela chuva e incapaz de deixar alguém nas condições dele sozinho.

Antipatia à primeira vista, um emprego inusitado para uma jovem desesperada e uma
nova chance para alguém que estava perdido. Aos poucos, eles aprendem que as maiores
reviravoltas da vida podem levar a oportunidades inesperadas. E até mesmo a um romance pouco
provável, mas forte o bastante para suportar todos os empecilhos em seu caminho.
Para ouvir:
1 | Abra o app do Spotify;
2 | Vá na aba Pesquisar;
3 | Toque sobre o ícone da câmera;
4 | Aponte para o código abaixo:

Aproveite!
Oiiie!!!

Esse roteiro já existia há um tempinho, mas ainda não havia conseguido entender o que
Mason Porter queria dizer, então adiei até que ele conseguisse organizar as ideias (Assim como
eu). Quando a Cami surgiu — tão linda e otimista quanto se pode ser, foi o momento ideal para
que eles ganhassem vida.
Não espere um dramalhão — apesar do acidente e do luto de Mason quanto ao que ele
perdeu ou da situação perigosa da Cami — esse livro é, no fim das contas, um respiro. Um sopro
de otimismo, romance e alegria típico das comédias românticas que nos fazem suspirar.
É leve, engraçado com direito a superação e segundas chances. Ah! E só para lembrar:
Meus personagens não são perfeitos (embora a Cami se aproxime muito disso). Entre
presepadas, algum sofrimento e várias situações inesperadas e nem tão favoráveis, nem sempre
vão reagir de maneira madura ou consistente, mas eu prometo que farão com que se apaixone por
eles.
Se cuidem, respirem fundo e se divirtam,
Ah! E não se esqueça de deixar a sua avaliação na Amazon, ok?

Beijos,

Priscilla Averati

PS: Caso você tenha adquirido essa obra de forma ilegal por qualquer outro meio que não
seja a Amazon/Kindle Unlimited, saiba que esse tipo de compartilhamento não foi autorizado por
mim e é uma violação dos direitos autorais.
“O amor não a enfraquecia, a deixava mais forte
do que qualquer pessoa
que já conheci.
E percebi que o fraco era eu.”

Cassandra Clare
Tentar já é um passo a mais na caminhada.
Não desanimar é importante: as vezes, é na persistência que encontramos o caminho das
pedras
ao invés das pedras no caminho.
Tentar, tentar e tentar.
Esse é o lema.
Para você, para mim, Vanessa Pavan e
Isabella Silveira e Thainá Brandão.
Sexta-feira, 22:42.

Eu não deveria estar aqui, mas não consegui evitar. É uma despedida, de certa forma,
afinal, as competições começam em caráter oficial em menos de um mês, e eu, como um piloto
na Nascar[1], definitivamente, não deveria competir em uma corrida clandestina. Mas tenho uma
regra e ela é clara: eu nunca nego um desafio.
Uma última vez.
Apenas mais uma noite na cidade que nunca dorme. A adrenalina corre em minhas veias
e sinto o corpo inteiro se arrepiar diante da rua lotada de pessoas que esperam ansiosas pelo
início da corrida, apesar do asfalto recente, pelas obras que fecham essa via, e da chuva que não
deu trégua durante o dia inteiro.
Mesmo com todo o cenário desanimador, eu não apostaria contra mim — nos meus
piores dias, ainda sou muito melhor do que qualquer um desses idiotas e seus carros
modificados. Todos nessa merda de lugar sabem disso, e à medida que o momento da corrida se
aproxima, bebo o resto do whisky, dispensando a garrafa em um dos tambores espalhados por
aqui, e me aproximo da minha máquina.
O Ford Mustang GT preto brilha sob a luz difusa dos poucos postes de luz e atrai vários
olhares — assim como eu. Analiso a lataria brilhante, antes que a loira de cabelos curtos e lábios
pintados de vermelho, que estava ali por perto, aproxime-se, envolvendo minha cintura com as
mãos antes de beijar a minha boca com vontade.
Não me preocupo em ser discreto com a plateia ao redor quando me sento no banco do
carro com ela em meu colo, rebolando sobre o meu pau com vontade enquanto devoro seu
pescoço, antes de enfiar a cabeça no decote aprofundado e chupar os seus mamilos eriçados,
aproveitando o toque gelado dos piercings que os enfeitam. A garota loira geme mais alto
conforme se esfrega em mim, mas os gritos da galera do lado de fora avisam que a corrida está
prestes a começar.
— Preciso ir, gostosa. — Aperto forte a sua cintura, antes de beijá-la mais uma vez,
desarranjando a peruca loira que cobre os fios escuros e longos de seu cabelo natural. — Daqui a
poucos minutos, darei exatamente o que precisa.
— É bom que cumpra a sua promessa, Porter — avisa, rebolando uma última vez contra a
minha ereção prestes a explodir nas calças. — Não demore ou alguém pode assumir seu lugar.
Duvido muito.
— Estarei de volta antes que qualquer um desses idiotas consiga passar pelos seus
seguranças, Becks.
— Ótimo momento para me lembrar deles. — Revira os olhos, consertando sua blusa
minúscula e olhando para os lados pela primeira vez. — Tome cuidado, Mason.
Rebecca Anderson acaricia o meu rosto, preocupada, sua expressão assumindo o ar de
boa moça de sempre, fazendo-me beijá-la mais uma vez. Não me importo que minha namorada
curta apimentar as coisas fingindo ser uma garota qualquer em minhas corridas. São as nossas
melhores transas, para ser sincero. Transar com ela dentro do carro em uma rua deserta após
vencer é maravilhoso e poderia se repetir mais vezes, se ela não fosse a filha do próximo
governador do estado e tivesse que agir como um anjo diante de todos.
— Eu sempre tomo. — Ela revira os olhos e sai do carro.
Observo-a se afastar, requebrando o quadril gostoso enquanto segue até a multidão
alguns metros daqui, onde dois seguranças vestidos à paisana se misturam às pessoas, mantendo
o disfarce exigido pela garota que acena um beijo em minha direção.
Fecho a porta do carro e espero, enquanto Owen — uma espécie de mestre de cerimônias
da pista — apresenta os três competidores da noite, então ouço os gritos e palmas da multidão
quando meu apelido é berrado pela voz grave do cara vestindo uma jaqueta de couro. Rage.
Acaricio o volante e ligo o carro, sentindo a vibração gostosa transpassar o meu corpo, e como
sempre, nesse momento, nós nos tornamos um só.
Uma garota vestindo um conjunto de couro preto, colado às suas curvas volumosas,
coloca-se à nossa frente em um espaço pequeno entre nossos carros, enquanto sacode um
pequeno lenço vermelho em uma das mãos. Ela sorri para cada um de nós, enquanto a multidão
vibra por conta dos roncos dos motores dos carros se preparando para disparar, assim que a
gostosa sacudir o objeto vermelho, como touros bravos.
Tão logo ela ergue o braço fino e sacode o pedaço de pano, acelero. Sem pensar demais
ou considerar a presença dos outros, que, é claro, ficaram para trás. Somos um só. Ouço o ranger
dos pneus quando faço a curva fechada, sendo acompanhado de perto pelos meus oponentes, que
brigam pela segunda posição, e estou tão consumido pela adrenalina do momento que não
consigo evitar a gargalhada que irrompe da minha garganta enquanto acelero em direção à linha
de chegada.
As pessoas gritam ao nos ver, extasiadas, e meus olhos percorrem o grupo de pessoas ali,
procurando pela minha garota, que acena empolgada enquanto cruzo a linha de chegada
imaginária. Assim que desço do veículo, ignorando os outros competidores que passam por mim,
sigo para perto dela, puxando-a pela cintura e encaixando seu corpo ao meu, despejando toda a
adrenalina da corrida em um beijo quase pornográfico.
— O que está fazendo? — pergunta com um sorriso malicioso enquanto a conduzo em
direção ao meu carro, deixando seus seguranças preocupados.
— Coletando a minha recompensa. Eu venci, não foi? — Ainda estou sorrindo quando
acelero pelas ruas quase vazias até minha cobertura.
A vida é boa.
Domingo. Daytona, Flórida.

Encaro-me no espelho no quarto do hotel que reservamos para a nossa equipe enquanto
escovo os dentes, aprontando-me para ir até a pista e me preparar para o início da temporada da
NASCAR CUP, com a minha própria equipe dessa vez.
Ouço as batidas à porta e, ainda de toalha, ando até ela, sabendo bem de que se trata a
uma hora dessas, e não me desaponto ao ver o sujeito com seus óculos de grau e vestindo suas
roupas formais, como sempre. Meu melhor amigo tem um estilo bastante duvidoso.
— Achei que usaria o uniforme da equipe. — Aponto para a camisa social azul clara que
veste. — Sendo um dos sócios da RPS[2], era o mais óbvio.
— Só entrei nessa, porque me pediu como presente de aniversário. — Dá de ombros,
desinteressado como de costume.
— E uma oportunidade de ouro para implementar seus projetos tecnológicos para
veículos, admita. — Ele sorri e confirma. Filho da mãe. — Já fez sua aposta?
— Apostei mil dólares em Calvin Newman — o safado comenta. — Ele é o preferido.
Foi o que me disseram.
— Vai perder dinheiro, seu babaca. — Termino de me vestir e, ao mesmo tempo que
coloco meu relógio no pulso, ele se aproxima, sério.
— Cara, eu te conheço o bastante para não apostar contra você. — Fecha a minha bolsa
onde o macacão e o capacete estão guardados. — Não me faça perder meus dez mil.
— Prepare-se para triplicar o seu dinheiro, Chuck! — Saímos juntos do meu quarto, a
caminho do lugar que mudará nossas vidas para sempre e essa noção faz meu coração bater mais
forte.
Finalmente, é o meu momento.

A atmosfera ao meu redor faz meu corpo trepidar. Arquibancadas lotadas, a expectativa
das equipes, correndo para finalizar os últimos ajustes, e o som do ronco dos motores acelerando
são o combustível para a sensação que me domina nesse momento. Adrenalina. Termino de
fechar o macacão e pego o capacete na bolsa, antes de deixar o vestiário e encontrar com a minha
família e o restante da equipe.
Maeve, minha irmã mais velha, corre em minha direção e me abraça forte, desviando a
atenção de nosso pai, que analisa tudo com sua expressão séria, enquanto mamãe parece
preocupada e um tanto emotiva.
— Preparado? — As mãos batucando sobre o capacete. — Apostei em você e vou ficar
muito puta se deixar aquele Calvin vencer.
— Boa sorte, meu filho. — Mamãe me abraça com força e deixa um beijo em meu rosto.
— Tome cuidado.
— Sua mãe tem razão. — Meu pai aperta a minha mão antes de me puxar para um abraço
rápido. — Um pouco de cautela nunca fez mal a ninguém.
— Vai dar tudo certo — garanto. — Eu sinto em meus ossos.
— Agora confiamos em ossos? — Chuck segura firme o meu ombro direito. — Boa
corrida, irmão.
— Obrigado. — Coloco a balaclava, o protetor cervical rígido e, então, o capacete,
observando meu carro em um azul metálico devidamente adesivado e lindo. — Nos vemos no
pódio.
Cumprimento os técnicos e entro no carro — um Mustang GT totalmente adaptado para
os circuitos de corrida — e junto à equipe começo a checar os controles e o computador de
bordo, aguardando o momento de nos colocarmos em posição. Eu e Calvin Newman, o campeão
da última edição, lado a lado, como as classificatórias previram, e a minha chance de me validar
de verdade como piloto de sucesso.
Quando ligo o motor, a vibração faz o meu corpo inteiro se arrepiar e me pego fazendo
uma prece rápida por proteção, enquanto o preferido da prova de hoje passa por nós com um
risinho debochado em sua cara irritante. Ele que se acostume a perder. Não cheguei até aqui para
desistir por causa de uma cara feia.
Alguns minutos depois, já posicionados e esperando pela corrida, observo o céu limpo
após a chuva torrencial, enquanto batuco os dedos no volante distraidamente sob o som dos
espectadores que absorvem a nossa presença e a beleza imponente de nossos carros.
— Porter? — Newman chama do carro alaranjado ao meu lado direito. — Tome cuidado
com as curvas. Podem ser perigosas para um iniciante.
Seu recado soaria preocupado e gentil aos ouvidos de quem nos escuta, mas seu tom não
esconde que não passa de uma tentativa infantil de me desestabilizar. Idiota da porra.
— Agradeço o conselho. — A corrida começa em menos de dez segundos. — Nos vemos
no pódio, Newman.
O imbecil diz mais alguma coisa, porém, não vejo ou escuto nada que não seja o ronco do
meu carro e a bandeira à frente, iniciando a etapa inaugural da Nascar Cup. Acelero e, por alguns
segundos, ficamos os dois pareados na parte reta da pista, rendendo muitos gritos empolgados da
multidão que nos assiste.
Na primeira curva, tomo a dianteira, e nas próximas voltas cabe ao “conselheiro
experiente” comer a minha poeira e se desesperar enquanto me segue pelo circuito.
Estou prestes a ganhar a corrida, com minha equipe gritando em meu ouvido, já
celebrando a vitória iminente, quando sinto o impacto forte contra a traseira do meu Mustang, e o
carro, motivado pela velocidade insana em que estamos, roda na pista, antes de capotar uma,
duas... incontáveis vezes, e então, em meio ao emaranhado de pernas, metais, o cheiro forte de
combustível e sangue, pisco os olhos, tentando fazer o ruído crepitante desaparecer ao passo que
as vozes preocupadas gritam ao meu ouvido.
Gritos apavorados, uma dor intensa no corpo inteiro e o som de metal estalando são as
últimas coisas que minha mente processa antes que a escuridão engula tudo.
Dentro do carro, eu acelero. A velocidade faz meu corpo inteiro vibrar.
Uma gargalhada irrompe da minha garganta e eu grito animado. Mas então, tudo muda
e não há mais diversão. O metal range quando colide contra o asfalto um par de vezes e alguém
grita o meu nome de algum lugar próximo enquanto tudo se torna um borrão confuso de pânico,
tensão e dor.
A sirene, os bipes, as luzes cintilantes ao longe e, mais uma vez, a velocidade.
E, então, o vazio.

Abro os olhos e, com a cabeça apoiada no travesseiro, encaro o teto branco, movimento o
braço livre de gesso e com uma dificuldade vergonhosa tento erguê-lo sobre a cabeça. Tentar é
realmente a palavra aqui. Porra. Como é que algo tão idiota quanto colocar a porcaria de um
braço sobre os olhos passou a ser uma missão tão impossível?
Quando você se acidentou, seu babaca.
Ao longe, ouço as vozes sussurradas, antes que o som das rodas no piso se aproxime cada
vez mais rápido do quarto onde estou, manchando o chão impecável da cobertura que se tornou
minha prisão no último mês. Mais um sonho transformado em pesadelo em um piscar de olhos.
A porta se abre, mas sigo piscando vagarosamente, prestando atenção aos leves desníveis
da pintura, ignorando a chegada da mulher na casa dos quarenta anos que tem a péssima mania
de me tratar como uma criança. Por causa do meu estado letárgico de sempre, ela parece não ter
compreendido que sofri um acidente, mas que, apesar do meu corpo estar fodido, eu sigo
bastante consciente de tudo o que acontece.
Para o meu desespero.
Noto quando ela joga o cabelo pintado de loiro para trás e se abaixa para travar as rodas
da cadeira metálica, antes de se virar para mim com um sorriso largo nos lábios pintados de
vermelho que mancharam seus dentes, deixando-a com uma aparência ainda mais terrível, mas
não digo nada. Cada um com seus problemas. E eu já tenho uma porção deles para lidar.
— É hora do banho, May-may — cantarola e se aproxima da cama regulável, semelhante
à do hospital, que meus pais fizeram questão de enfiar no meu quarto para o que eles têm
chamado de “período de recuperação”, e aperta alguns botões para me deixar sentado. Algo que
ainda não acontece sem alguma dor, é claro. Com as unhas também vermelhas, aperta a minha
bochecha e suspira de forma maternal. — Como é que estamos hoje?
Fodidos para um caralho.
Presos na porra de um pesadelo.
Não respondo. Apenas espero que Jake, o fisioterapeuta que vem tentando trabalhar na
minha reabilitação, chegue para me colocar na porcaria da cadeira de rodas e me empurrar até o
banheiro. Ele, claro, não demora a aparecer e quando o faz, os olhos claros da mulher se
iluminam imediatamente, fazendo com que eu me sinta um intruso no meu próprio quarto.
Ela definitivamente tem interesse. Ele parece preferir a morte. Mas quem sou eu para
julgar? Soube escolher tão bem a minha garota, que a única coisa que recebi dela, após o
acidente, foram flores horrorosas e um bilhete pequeno e genérico me desejando uma boa
recuperação. Nada de choro preocupado ou de noites sem dormir ao lado da minha cama,
segurando a minha mão, enquanto estive em coma. Não. A preciosa filha do futuro governador
não se envolveria com um piloto ferrado da Nascar, não é?
— Que bom que chegou, Jake! Estamos prontos para mais um banho divertido, não é,
May-May?
É em momentos assim que eu sinto que o Universo me odeia. Como se não bastasse ter
que lidar com a dor e tudo o mais, ainda preciso escutar esse tipo de coisa. Que merda.
Ainda falando sem parar, a mulher encapa a perna totalmente enfaixada com plástico,
protegendo a área onde uma espécie de grade está encaixada para manter no lugar meus ossos e
toda a parafernália que colocaram para remendar meu corpo. Ela termina seu serviço e acaricia
de leve o peito de Jake, que parece bastante desconfortável com a cena toda.
Junte-se ao time, amigão.
— Você pode trazer as roupas dele, Sra. Ross? — o fisioterapeuta solicita, arrancando
mais suspiros apaixonados da mulher. — Eu dou conta desse aqui.
— Ah, mas é claro que dá! — Ela dá um risinho cheio de segundas intenções e percorre
os músculos do braço de Jake com as unhas. — Um sujeito forte como você dá conta de muita
coisa, eu tenho certeza...
Puta merda!
Seguro a risada e encaro a porta do banheiro com a expressão estoica de sempre, mas os
olhos atentos do homem alto e negro vestindo um conjunto de moletom azul escuro flagram o
meu divertimento com a cena, e ele bate com força a mão em meu ombro, fazendo-me arquejar
de dor. Filho da puta.
— May-May. — O filho da puta se abaixa para falar mais perto de mim, assim que
entramos no banheiro. — Vamos logo para o seu banhozinho — ele usa o mesmo tom infantil
que a mulher, apenas para me irritar. — E, se for um bom menino, vai ganhar sobremesa!
Enfia no cu! — quero dizer, mas estragaria o meu disfarce e me obrigaria a interagir com
essa tapada. Então, mantenho-me em silêncio, deixando-a pensar que sou uma ameba.
— Ah, sim! — A mulher aplaude, voltando a apertar uma das minhas bochechas. Porra,
isso dói. — Vou pegar as roupinhas do nosso garotinho e providenciar uma sobremesa deliciosa!
— E então, ela desliza o indicador pelo peito do homem com um olhar malicioso no rosto e os
dentes ainda mais cheios de batom. — Para você também, Jake. É claro.
Puta merda.
Em outros tempos, eu poderia ter rido.
Eu teria rido disso e feito o pobre idiota de piada por meses, mas esse era o outro eu. Um
cara normal, capaz de fazer tudo sozinho e que não dependia de alguém para algo tão trivial
quanto tomar a merda de um banho.
Merda.
Enquanto Jake tagarela sobre novas táticas para se ver livre das garras da mulher, que
parece estar bastante interessada nele, me pego pensando mais uma vez que, talvez, tudo fosse
menos doloroso se eu tivesse morrido. Tudo seria mais fácil e menos deprimente. Não doeria
tanto.
Com uma perna e um braço enfaixados — além da cabeça, é claro — lavo-me como
posso, enquanto o fisioterapeuta me espera do lado de fora, de costas para mim. O máximo de
privacidade que consegui até esse momento. Uso o braço livre de ataduras e, assim que termino,
enfio a cabeça debaixo do fluxo de água e tento lavar de mim toda a merda que aconteceu.
De um piloto bem-sucedido e promissor, tornei-me alguém que sequer consegue ficar de
pé sozinho. Puta que pariu. Abro e fecho os dedos fracos e trêmulos por conta da fraqueza
muscular decorrente do inchaço em meu cérebro, que me manteve em coma induzido por quase
vinte dias. Ainda de olhos fechados, tento fechar as mãos em punho, mas não há muita força
aqui.
— Sabe que as chances de se afogar no chuveiro são pequenas, não é? — a voz
debochada garante, fechando a torneira enquanto joga a toalha em meu colo. — Tenho certeza de
que consegue sozinho. — Aponta para o tecido felpudo. — Principalmente, se estiver se
dedicando aos exercícios que passei para fazer.
Do lado de fora, a mulher cantarola sobre as roupinhas que deixou para mim sobre a
cama. A toalha esconde a minha expressão de desgosto, mas não me impede de ouvir Jake se
benzer baixinho contra a mulher que parece a um triz de se jogar em seu colo.
Quando tento, pela terceira vez, enxugar os meus ombros e a toalha cai no chão, Jake
toma o tecido úmido das porcarias das mãos fracas e me ajuda com o resto.
— É só uma fase, Mason. Vai passar — garante enquanto travo o meu maxilar e encaro a
imagem deprimente diante do espelho embaçado.
Eu espero realmente que sim.
Como o meu pai costumava dizer: “Rapadura é doce, mas não é mole” — e nesse ponto,
ele tinha total razão. Mesmo que eu nunca tenha realmente comido a tal rapadura, sei que as
coisas são realmente difíceis, na maior parte do tempo, para quem não nasceu herdeiro e está
longe de estar dentro dos padrões. Exige um pouco mais de coragem frequentar um curso onde
noventa e cinco porcento dos outros alunos são homens, e não facilita sendo uma garota gorda e
totalmente desprovida de um fundo fiduciário milionário, como eu.
Honestamente, se eu tivesse herdado alguma coisa, certamente seria algo como pressão
alta ou, quem sabe, pés chatos. Puxo a coberta puída e analiso as pontas desgastadas das meias
que já devem ter uns cinco anos de uso, mas aprecio o formato bastante bonito dos meus pés.
Eu e as meias: verdadeiras guerreiras.
E é esse pensamento inspirador que me leva a inspirar profundamente o ar quente do
quarto do alojamento onde moro e me levantar. Isso e o despertador da minha colega de quarto,
que não para de tocar há pelo menos cinco minutos. Se alguém me contasse que eu estaria
vivendo sozinha, há cinco anos atrás, eu teria rido. Às vezes, a realidade nos atropela.
— Pelo amor de Deus, é mesmo hora de acordar? — Frankie, minha colega de quarto,
esconde a cabeça debaixo das cobertas coloridas.
— É hora, gatinha. — Puxo a coberta, revelando seus cachos revoltos emoldurando o
rosto bonito. — A menos que queira se atrasar para a primeira aula.
Sento-me na cama, esfregando os olhos e me preparando psicologicamente pra mais um
dia de faculdade e trabalho. A rotina de ter dois empregos não tem sido fácil, mas vai valer a
pena. Principalmente, depois que eu conseguir pagar aquela porcaria de dívida e ficar finalmente
livre. Um verdadeiro final feliz, para variar.
— Merda! Eu tenho prova daquele general — reclama, como sempre, revirando os olhos
escuros. — Cami, você tinha que ter ido à festa ontem. Foi incrível! Quase... mágico!
— Jura? — Duvido muito, mas prefiro não dizer nada. Cerveja quente e um bando de
atletas e líderes de torcida, não tem absolutamente nada de mágico. — Eu saí tarde do trabalho,
início do mês, sabe como é. — Uso minha justificativa de sempre, que, é claro, a faz bufar
enquanto se senta na cama, espreguiçando o corpo. — O que é isso no seu pescoço? Alguma
mágica?
Aponto para a marca que se destaca na pele negra e brilhante de seu pescoço, enquanto
ela pisca contínuas vezes, sonhadora. Uma maluca.
— Ah, não. — Arqueio a sobrancelha. — Jamie fez isso? — Tiro uma calça jeans clara
da gaveta da minha cômoda enquanto a safada me evita. — Amiga, achei que tivesse dito que
nunca mais aconteceria nada entre vocês.
O babaca vive iludindo Frankie, sempre a mantendo à espera de um relacionamento que
não vai acontecer, porque ele é um maldito safado.
— É, eu sei. — Faz um bico de tristeza fingida. — Mas ele estava lá e fica sempre tão
gostoso com aquela jaqueta...
Malditos jogadores de basquete e suas jaquetas idiotas.
— Só espero que não quebre a cara de novo, esperando que ele pretenda te assumir —
aviso, jogando a blusa do pijama na cama, antes de pegar o meu sutiã pendurado atrás da cadeira
que uso normalmente para estudar e vesti-lo, e então deslizar o tricô cinza de gola alta pela
minha cabeça.
Apesar de pequeno e um pouco desorganizado, principalmente por causa da incapacidade
de Frankie de conseguir deixar as coisas em seu lugar, nosso dormitório é bastante charmoso. As
duas camas ficam lado a lado, separadas apenas por uma mesinha de cabeceira estreita, onde
deixamos um abajur. Um pequeno tapete felpudo acinzentado mantém nossos pés longe do chão
frio quando acordamos e alguns poucos metros à frente, duas escrivaninhas ficam frente à frente
com nossos itens de estudo. E panfletos de festa e folhas espalhadas, noto, enquanto minha
amiga veste seu roupão estrelado antes de arrastar até o banheiro.
No início, foi difícil me adequar, mas depois de dois anos lidando com o sonambulismo
da minha colega de quarto, sei que o primeiro horário do banheiro em nosso dormitório é para
garantir que ela esteja acordada antes de deixar o quarto. O fato de eu tomar banho ao chegar do
trabalho, praticamente de madrugada, contribui para que não seja um problema para nós.
Assim que termino de me vestir, arrumo o material que preciso levar para as aulas de
hoje, e logo uma Frankie bem acordada e animada entra no quarto, já preparada para enfrentar
mais um dia. Deixo a mochila sobre a mesa mais organizada e pego minha necessaire, seguindo
para o banheiro para fazer minha higiene matinal.
A vida glamourosa de Camila Torres na Big Apple só existe na cabeça da minha mãe e do
meu irmão, já que eu sou incapaz de reclamar de qualquer coisa com eles. Foi escolha minha
ficar, afinal de contas. Eu poderia ter ido para o Brasil com a minha mãe e Lucas, mas preferi
ficar e tentar a sorte por mim, e por eles também. Só Deus sabe o que passamos nos últimos
tempos e os motivos que levaram minha mãe ao país natal do meu pai, para longe de mim.
Assim que termino de fazer a minha rotina breve de skincare — que, por conta do horário
e da falta de produtos, consiste apenas em um creme hidratante para evitar que a minha pele
rache com o frio intenso que faz lá fora, um pouco de vitamina C, um gloss rosado, um pouco de
blush para dar aquele ar saudável e máscara de cílios. Confiro minha aparência no espelho, onde
os olhos azuis e cansados me avaliam.
— Mais um dia, Camila — sorrio para o meu reflexo —, cada vez mais perto do seu
sonho.
Deixo o banheiro e, quando abro a porta, encontro minha companheira de quarto já
vestida com suas roupas descoladas, enfiando seu computador de qualquer jeito na bolsa
amarela.
— Pronta para dominar o mundo, gatinha? — Joga a alça sobre o ombro e deixa um tapa
na minha bunda. — Vamos? Precisamos passar na cafeteira e pegar alguma coisa para comer.
Nós acabamos com tudo nos últimos dias.
Deus abençoe o desconto dos funcionários. Amém.
— Vamos! — Pego minha mochila e o meu casaco, enquanto ela faz careta para a peça
escura que não tem nada de seu estilo alegre de se vestir.
— Tão bonita, mas tão sem graça... — estala a língua com tristeza. — Que tal vestir o
casaco vermelho hoje? Falta cor na sua roupa.
Frankie, ao contrário de mim, parece ter sido vítima do vômito de um unicórnio fofo.
— Esse é mais quente e ficou ótimo com a blusa preta — avalio minha roupa até chegar
aos meus pés, muito satisfeita com a minha compra da semana passada — e com os meus
coturnos.
— É, combinam sim. Tudo igualmente sem graça e deixando uma gata como você com
cara de anêmica. — A careta desagradada não sai de seu rosto. — Vamos logo, então, Srta.
Torres. — Embola a língua para falar o meu sobrenome, como sempre. — Não podemos deixar o
mundo esperando.
Não mesmo.

Assim que termino de reabastecer a estufa de donuts e bolos pela terceira vez, ouço os
sinos da porta ecoarem pela cafeteria, notificando a chegada de mais clientes. Não preciso erguer
os olhos para saber quem acaba de passar pela porta, o horário e o som das rodas deslizando
sobre o piso já dizem tudo.
— Estamos atrasados hoje? — não tiro os olhos do grande relógio parafusado na parede
alta e ouço a risada baixa de Dwayne Jones do outro lado do balcão.
O homem na casa dos quarenta anos gira as rodas na lateral de sua cadeira com as mãos
enluvadas, movendo-se com destreza até o balcão. O uniforme de basquete sob o casaco pesado
revela que ele segue firme em sua rotina de treinos. Minha mãe vivia dizendo que D. era um
exemplo de resiliência para todos nós — uma fala que se repetia sempre que nos ouvia reclamar
de qualquer coisa.
Sinto saudade até dos sermões de dona Ana.
— É assim que trata o seu patrão, menina? — Doris, a garçonete mais velha do lugar,
bate o quadril no meu e lança uma piscadinha para o homem de ombros largos e casaco marrom
na cadeira de rodas.
— Ela não tem medo do perigo, Doris. — A voz grossa do homem chama a atenção dos
poucos clientes aqui. Não me iludo com a calmaria, trabalho aqui a tempo o bastante para saber
que em vinte minutos não teremos mais mesas disponíveis.
— Hahaha! — Rio de forma exagerada, jogando a cabeça para trás. — Perigo? Eu rio na
cara do perigo!
Dwayne e sua família se tornaram nossa base de apoio em um momento bastante
doloroso e complicado para todos nós. Na época, o policial aposentado e sua esposa se tornaram
bons amigos da minha mãe e viviam juntos em um bairro tranquilo de Boston. Após o desastre
que vitimou meu pai, D e sua esposa nos ajudaram com tudo e foram maravilhosos para nós.
— Isso me lembra de que precisamos assistir “O rei Leão” mais uma vez — Dwayne diz
sorrindo enquanto se estica e pega o copo de café que Doris lhe entrega. — Nina está sempre
cobrando uma visita sua.
— Também sinto falta dela — admito, mirando o balcão ao invés de encontrar os olhos
escuros me sondando como sempre. Gostaria que ele não me conhecesse tão bem. — Quem
sabe, no fim de semana? Ando correndo contra o tempo, com os trabalhos da faculdade, o
trabalho e....
— Sábado à noite — avisa da maneira firme que nunca deixa espaço para contestações.
— Jantar às seis. Leve algumas roupas, porque vai almoçar com a gente no domingo. Maggie vai
preparar aquele frango que você adora.
— D... sabe como o curso é pesado e eu tenho muito trabalho e... — A mão grande cobre
a minha e ele pressiona levemente, silenciando-me.
— Doris e Casey vão abrir e fechar a cafeteria nesse final de semana — pontua e os dois
traidores concordam imediatamente. — Vai passar um tempo de qualidade com a sua família e
descansar um pouco.
Meu peito se aperta quando o ouço, e fecho os olhos, tentando não o magoar com a
minha tristeza ao pensar na minha mãe e em Lucas, que estão longe demais nesse momento.
— Uma família não é reconhecida apenas pelo sangue, Cami. — A mão grande afaga a
minha sobre o balcão. — Nós te amamos e estamos preocupados com você.
— Eu sei. — Sorrio, dissolvendo o clima triste e pesado de antes. — Feito. E é bom que
esteja preparado para perder — cito o jogo de corrida que sempre jogamos quando estamos
juntos. — Bem, para hoje, que tal um cookie de aveia? — Abro o meu melhor sorriso e ele faz
uma careta. — Estou apenas tentando te ajudar, D. Você não fica mais novo, sabe disso.
— É a quarta do chocolate — contesta. — Me dê dois cookies de chocolate e uma fatia
do bolo de morango.
— Nina e Maggie vão amar, tenho certeza! — Entrego a ele um prato com um dos
cookies de chocolate e embalo o resto para viagem, enquanto ele parece indignado.
— Vai ter volta, Cami. — Ele morde o biscoito, gemendo de satisfação. — Esse é o
melhor cookie do mundo!
— Receita da vovó Jones, é claro. — Doris passa pelo nosso chefe e deixa alguns
guardanapos no prato em seu colo antes de ir até a mesa próxima à porta para reabastecer as
xícaras de café dos clientes fiéis que sempre vem trabalhar por aqui. — Agora, preciso ir retirar
os cupcakes do forno. Meu chefe odiaria que eu perdesse material.
— Certamente que sim. — E então, ele baixa o tom de voz: — Dizem que ele é um
carrasco.
— Com toda a certeza! — digo enquanto caminho até a porta sanfonada que dá para a
cozinha ampla, ouvindo-o se despedir e confirmando nosso compromisso no sábado.
Um pouco de comida caseira e carinho não me farão mal algum, não é?
Enquanto confeito os bolinhos cheirosos, apreciando o aroma doce de baunilha que
exalam, encaro o céu através das grades da janela — fechado pelas nuvens acinzentadas que
anunciam a chuva que deve cair em breve — e, assim como naquele dia em que tudo aconteceu,
não consigo conter a sensação que se instaura dentro de mim, avisando que algo vai mudar em
breve.
Só espero que para melhor dessa vez.
Encaro a cidade movimentada abaixo e o som das buzinas se confunde com a voz do meu
pai, que segue discursando sobre a necessidade de que eu aproveite a sorte de estar vivo e “bem”
e reaja. É claro que não demora muito para que minha amada mãe comece o seu monólogo sobre
eu não ficar tão deprimido, já que tenho um futuro brilhante à minha frente. E, claro, os dois são
unanimes sobre o meu retorno à universidade. Nos últimos dias, é só o que tenho ouvido.
— Ter novos sonhos é sempre bom, filho — ela afirma com a voz embargada. — Às
vezes, só não era pra ser.
Bufo, incapaz de dizer qualquer coisa, porque não quero discutir. Não tenho paciência ou
vontade de fazê-los entender o luto em que vivo desde que vi o meu projeto de vida e todos os
meus sonhos irem pelo ralo.
— Mason, pense a respeito. — Meu pai, sentado ao meu lado no sofá, segura firme o
joelho da perna “boa”, forçando-me a desviar os olhos da janela para ele. — E precisamos fazer
algo a respeito da Rage Porter Sports.
Merda, ainda tem isso.
— Não temos um piloto. — Estalo a língua, engolindo a bile que sobe pela minha
garganta. — Esse é o problema.
Eu era a porra do piloto.
— Também não temos um chefe de equipe. — Coça o queixo. — Talvez esse seja um
novo...
— Ainda não — nego em um murmúrio, mesmo que tudo dentro de mim grite em revolta
e desespero —, não posso lidar com isso agora. Ligue para o Chuck e façam o que precisarem.
— Mason, você tem vinte e quatro anos e faltam apenas três períodos para se formar. —
A dra. Emily Porter não largaria o osso tão facilmente. — A formação em engenharia mecânica
seria de grande ajuda em sua equipe, não acha? E uma forma de se manter próximo à sua paixão
pela corrida, mesmo se não...
— Me recuperar? — Sorrio sem qualquer humor. — Mas que merda de substituição,
hein?
Colérico e revoltado, engulo o grito em minha garganta e puxo o ar com força, já que
ninguém tem culpa do que aconteceu. Aquela porra de acidente levou tudo o que eu acreditava
ser certo na minha vida e me deixou oco. Totalmente vazio. Mas como fazê-los entender?
Na televisão, os pilotos da Fórmula 1 dão um espetáculo neste domingo. Eles não
entendem direito tudo o que perdi. Nunca sentiram a adrenalina que invade seus sentidos e aguça
sua percepção, não compreendem o vício na sensação de frio na barriga e de se sentir invencível
quando se está a mais de trezentos quilômetros por hora atrás de um volante.
A sensação inigualável de ser o mestre do próprio destino.
— Pense sobre isso. Caso contrário, teremos que tomar atitudes drásticas. — Estala a
língua — Está avisado. — Minha mãe beija o meu rosto, como se não tivesse acabado de me
ameaçar, e se levanta. — Tenho uma cirurgia marcada para daqui a duas horas e preciso ir.
Chame Phil, se precisar de qualquer coisa, ok?
Graças a Deus, eles não se opuseram quando demiti aquela enfermeira safada, que vivia
dando em cima do fisioterapeuta e me tratando como um inválido. Além disso, Phil é um cara
legal que vive me fornecendo cigarros enquanto dizimamos o estoque de bebidas do apartamento
e conversamos todo tipo de merda em meu tempo livre.
Algo que tenho tido de sobra no último mês.
— Sua mãe tem razão — Quentin Porter, o CEO de sucesso de uma indústria
transnacional, decreta, antes de se levantar também, exalando um suspiro cansado. — Voltar à
faculdade é uma ideia excelente.
Claro que é.
Como se eu não tivesse pensado nisso inúmeras vezes ao longo dos últimos dias. Mas a
mínima possibilidade de cruzar aqueles corredores com essa merda de cadeira de rodas me
provoca náuseas. Como é que vou ter estômago para encarar todos aqueles idiotas que sequer se
incomodaram em ligar para saber se eu estava vivo ou morto? Como lidar com a presença de
Becca, agora que não temos nada? Ainda mais, parecendo ter saído de um filme de terror.
A porra de um covarde.
Um covarde exausto de se sentir perdido e na merda o tempo todo enquanto a vida de
todos segue seu curso e eu fico para trás mais uma vez. Porcaria. Deitado no sofá, perco-me no
som do torque dos motores dos carros na televisão e, entre refeições, remédios e uma sessão de
exercícios idiotas, quando dou por mim, já anoiteceu.
Menos um dia.

Após outro dia cheio de exercícios idiotas e vários cigarros fumados disfarçadamente na
varanda da sala, na parte inferior da cobertura, tento vencer a madrugada entediante enquanto
sinto a cabeça e metade do meu corpo latejar de dor. Maldita hora que apoiei Phil quando ele
disse que tinha uma festa para ir nessa noite. Com meus pais fora da cidade, estou sozinho nessa
merda de apartamento, sendo consumido aos poucos pelos ferimentos que cicatrizam a passos de
tartaruga.
Dramático para um caralho.
A cadeira, parada no canto próximo à janela, parece debochar da minha condição e talvez
seja isso que chame a minha atenção para o par de muletas encostado na parede, ao lado da cama
hospitalar que substituiu a antiga cama king size e deixou o quarto com um aspecto vazio. Sento-
me na cama e, à medida que o mundo para de rodar, eu me estico e pego o par metálico, tentando
me lembrar dos treinamentos com Jake e toda a sua balela de que nossos músculos guardam
memórias.
É agora, a minha prova de fogo.
— Você consegue, Mason — digo a mim mesmo enquanto apoio o pé menos ruim no
chão e encaixo as muletas sob as axilas. Firmando meu corpo e ensaiando alguns passos, deixo
meu quarto para trás. — Você vivia na academia.
Estou quase pegando o jeito ao chegar à cozinha, onde quase caio ao me desequilibrar por
ter pegado um copo na prateleira do armário. Respiro fundo, ainda com o coração acelerado por
causa do susto e vou até a prateleira onde os analgésicos costumam ficar. Porém, no meio do
caminho, o brilho dourado da garrafa de whisky sobre a bancada de mármore rouba a minha
atenção.
Talvez...
— Garrafa pesada da porra! — reclamo quando tento pegá-la, após saltar até aqui,
sentindo a fraqueza das minhas mãos pesar. — Inútil! — xingo a mim mesmo, batendo o fundo
da garrafa no balcão sem esperar que apenas esse toquinho mínimo a faria quebrar.
Mas é claro que, com a minha sorte dos últimos tempos, eu deveria esperar que isso
acontecesse. De repente, o mesmo líquido dourado que suja a frente do meu corpo também
escorre para o chão e, ao mesmo tempo em que posiciono uma das muletas à frente e me preparo
para me apoiar, seu pé emborrachado chia no chão molhado e espreme meu punho direito contra
o puxador reto do armário, fazendo-me gritar de dor.
Estou tentando recuperar o equilíbrio e me apoiando no braço dolorido, mas é tarde
demais. Em câmera lenta, eu me vejo caindo, antes de bater com força a cabeça na mesa,
derrubando comigo todo o conteúdo de cima dela, que, de alguma forma, parece estranhamente
confortável à medida que a dor na minha cabeça aumenta e as luzes piscam até desaparecerem
completamente.

Bip. Bip.
Bip.
Tento abrir os olhos, mas a claridade é forte demais. Perto de mim, ouço a voz
preocupada da minha mãe, discutindo algo com meu pai, e outra voz que não consigo
reconhecer. Meu nariz coça, porém, quando tento erguer a mão boa até o meu rosto, não consigo.
Além da dor, há algo que envolve o meu punho e o mantém preso à cama.
Mas que merda é essa?
— Ele acordou — minha mãe é quem avisa, o salto fino de seus sapatos se chocando
contra a pedra lisa denuncia sua aproximação. — Mason! O que pensou que estava fazendo? Se
Célia não tivesse chegado mais cedo...
— Eu só estava em busca de algo para a dor. — É o que eu queria ter dito, mas minha
voz grogue sai embolada e rouca. — O que estou fazendo aqui?
— Para aliviar a dor? — A pergunta do médico e o choro magoado da minha mãe me
fazem arregalar os olhos. — É a primeira vez que tenta algo contra sua vida?
— Onde é que estava o enfermeiro? — meu pai pergunta, enquanto segue tentando
acalmar a minha mãe.
— Eu não... — nego, sentindo o olhar dos meus pais sobre mim. Tudo por causa de uma
maldita aspirina. — Foi um acidente.
— Entendo. — O tom e o olhar condescendentes deixam muito claro que ele não entende
porra nenhuma. — Foram muitas mudanças para lidar em tão pouco tempo. Algumas sessões de
terapia e um antidepressivo ajudarão.
Meus pais concordam rapidamente, e logo o médico se despede e sai do quarto do
hospital para onde me trouxeram. Entre me sentir ridículo e um idiota pelo real motivo que me
fez estar aqui, começo a pensar se não é melhor que acreditem mesmo que eu teria a coragem
necessária de fazer algo tão drástico.
Como se eu não fosse um covarde.

Dois dias, três pontos no supercílio esquerdo e uma luxação no punho que era o bom
depois, esforço-me para não dormir enquanto me mantenho focado nas imagens abstratas da sala
de casa, ao mesmo tempo que tento ignorar o sujeito que me observa em silêncio desde que
chegou.
Assim como o idiota sentado no sofá à frente, o psicólogo não foi tão ruim quanto eu
achava e, de forma inesperada, o Dr. Jameson foi uma das únicas pessoas a acreditar que tudo
não passou de mais um acidente infeliz.
Célia — a governanta da casa dos meus pais desde sempre — ainda não me perdoou pelo
susto ao me encontrar apagado, ensanguentado e fedendo a álcool em sua cozinha, e Phil levou
uma advertência por não estar presente naquela noite, mesmo que eu tenha dito que o havia
liberado.
— Precisa tentar enxergar as coisas por outro ângulo, Mason — finalmente, Chuck
Parsons abre a boca.
— Falou pouco, mas falou merda — comento e ele bufa. — Que lado bom há nessa
situação? Olhe bem pra mim. — Aponto, em uma demonstração óbvia. — Eu tinha tudo, Chuck.
Tudo. E agora... — Rio sem humor algum. — Mal consigo parar de pé. Qual é o maldito lado
bom disso?
— Talvez, aprender com o que aconteceu. Ou ficar feliz com essa nova chance. — Ergue
os olhos azuis dos seus tênis imaculadamente brancos. — Não precisa ser o fim do seu sonho na
Nascar. Talvez você volte a pilotar, talvez não, mas ainda pode fazer parte desse universo. Você
ganhou aquela corrida, cara!
Rio sem vontade enquanto tento apertar as pontas dos dedos nas palmas das mãos sem
muito sucesso. De que adianta eu ter “ganhado”, se saí da pista no último segundo?
— É melhor aceitar a realidade, Chuck. — Engulo a bile que sobe pela minha garganta.
— Meus dias de piloto se foram.
Por um minuto, ele fica em silêncio e me pego pensando no que farei se meu melhor
amigo começar a chorar, mas logo ele respira fundo e me poupa dessa preocupação.
— Era um risco ocupacional e sabe disso — pondera com a sua racionalidade irritante de
sempre. — Mas temos uma equipe para administrarmos juntos e…
— Que porra, cara! Eu sei. São os estágios do luto. Em algum momento eu tenho que
superar, mas não será hoje — respondo algo que minha irmã vive dizendo para mim, e isso
parece convencê-lo, já que o idiota ostenta um sorrisinho presunçoso em seu rosto fino. — Sobre
a RPS[2]... Precisamos escolher um piloto, já que eu não vou correr tão cedo. — Ou
provavelmente, nunca. — Avise ao Jacobs para procurar alguém bom.
— Acho difícil ele topar. Talvez fosse mais interessante que você fizesse isso. — Meu
sócio e melhor amigo digita algo rapidamente em seu telefone, ignorando meu olhar furioso, e
tenta mudar de assunto. — Teve alguma notícia da Becca? Esbarrei com ela ontem e...
— Merda nenhuma. — Bufo. — Se, antes, eu já não era o genro dos sonhos daquele
hipócrita de merda, imagina depois disso tudo? Mas, porra, depois de tudo… Nem sequer uma
mensagem de texto?
— Credo, que coração gelado... Quando ela perguntou por você, ontem, quando nos
esbarramos meio que por acidente, eu pensei que ela se importasse. — Conserta os óculos na
ponte do nariz.
— É, eu também. — Aliso a grade metálica implantada na pele da minha perna,
esmagada no acidente. — Que se foda. Como vão as coisas no Vale do Silício?
— Nem tão ruins que me façam desistir e nem tão boas quanto eu gostaria. — Um
maldito chorão. — A Parsons Tech ainda tem muito a crescer. — Ele baixa a cabeça e avalia os
pés. Eu o conheço bem demais e sei que o que vem a seguir, não vai me agradar. — Eu
realmente gostaria de um engenheiro de pensamento arrojado para me ajudar em alguns projetos,
sabe?
— Já ouviu falar de Headhunters[3]? — É claro que minha mãe falaria com meu melhor
amigo e sócio na equipe de corrida.
— Cara, seus pais vão vender a sua parte na RPS — confidencia. — Nós tivemos uma
reunião ontem e, se você não voltar para a universidade ou esboçar uma melhora, ficará fora da
Nascar de vez. Entende isso?
— Mas que merda! E quando é que eles pretendiam me falar a respeito disso? — Embora
não seja nenhuma novidade, já que nossas últimas conversas não evoluíram em nada.
— Porra, Mason, você precisa reagir. Deu merda. É isso. E o que fará, então? — eleva a
voz e tenho certeza de que se não fosse toda a grana gasta em fonoaudiólogos, ele teria
gaguejado. — Vamos lá, cara!
— Precisamos ir, chefe. Hoje será a terceira sessão com o Dr. Jameson, não podemos nos
atrasar. — Phil escolhe esse momento para entrar na sala com suas roupas claras me salvando de
ter que elaborar mais a minha resposta ao sujeito que se levanta para se despedir. Graças a Deus.
— Senti seu alívio daqui. — Chuck sorri e joga uma pasta cheia de papeis sobre o meu
colo. — Não vamos desistir. Dê uma olhada nisso e me ligue mais tarde.
— Que merda é essa? — Olho para os horários de aula e os nomes de algumas matérias
do currículo de engenharia que chamam a minha atenção. — Eu te odeio, cara.
— Por enquanto. — Dá de ombros com seu visual antiquado e engomadinho,
combinando perfeitamente com sua cara de bom moço. — Mas logo passa. Esteja pronto às
nove, na segunda, se ainda quiser ser meu sócio naquela pista.
— CHARLES PARSONS II! — grito para as suas costas e juro que posso ouvir sua
risada baixa. Filho da puta.
E assim como chegou, com sua pose de nerd e seus óculos, ele vai embora. Sem dar
ouvidos às minhas reclamações e xingamentos. A merda da cadeira de rodas retirou toda a minha
moral — Chuck jamais me daria as costas em outros tempos — eu o teria derrubado.
Flexiono os dedos ainda fracos — uma das implicações do inchaço no meu cérebro por causa da
pancada, e estalo a língua, meio revoltado por estar na merda. É culpa minha, no fim das contas,
não é? Não sou idiota a ponto de não perceber que eles têm razão, não dá para viver chorando
sobre o leite derramado. É hora de dar a volta por cima, eu sei. Só preciso entender como.
Entediado e com uma raiva anormal de tudo. Meu apelido na pista não foi
despropositado: Rage.
O segundo elemento sendo o combustível que sempre ardeu em minhas veias, subjugado
pelo primeiro, enquanto assisto aos idiotas bebendo ao meu redor na mesa de sempre, mais ao
canto, próxima à sinuca, no bar em que sempre viemos, desde o primeiro período. A maioria dos
caras ao meu redor está no último semestre do curso e parecem sentir que são os donos do lugar,
enquanto eu observo a tudo sentado nessa cadeira idiota com um suporte para manter minha
perna esticada diante do corpo, e Chuck digita furiosamente no teclado de seu telefone com a
expressão séria.
Não é o que todos vivem dizendo? Voltar à vida normal inclui a vida social, certo? Então,
aqui estou eu: entediado, meio bêbado e me sentindo um verdadeiro bosta. Quem são essas
pessoas? Como eu não percebi antes o quanto são fúteis e idiotas?
Chuck como o bom amigo que é — ou o único, se eu for bem sincero — após ficar
sentado ao meu lado sem parecer estar muito contente com a programação dessa sexta-feira à
noite, mas me incentivando a sair de casa e enfrentar o mundo, precisou sair para resolver
algumas questões de sua empresa, mesmo reticente em me deixar aqui.
Como se eu não tivesse a porcaria de um celular e tivesse dinheiro o bastante para chamar
um motorista para vir me buscar.
Observo a garota com uma faixa de cabelo vermelha sobre os fios loiros e cortados na
altura dos ombros servir algumas bebidas no balcão, ruborizando mais a cada palavra trocada
com os velhos que sempre se sentam nas banquetas que rodeiam o móvel de madeira tentando se
dar bem. Os olhos muito azuis revelam esperteza enquanto todo o resto passa um ar doce e
inocente — uma combinação perigosa.
A comoção que acontece no caixa desvia a minha atenção e antes que, entre olhares de
curiosidade e de pena, um grupo barulhento de garotas deixe o local, eu as vejo me encarando de
modo nada discreto, agora que estão do lado de fora. Tenho quase certeza de que já transei com
pelo menos duas ali e não consigo entender o motivo de seus olhares chocados. Todo mundo
sabe da porcaria do acidente, não é como se fosse um segredo.
E como tudo que está ruim pode piorar — e muito — a mesa onde estamos volta a se
encher e logo estou cercado pelos risos escandalosos, uma confusão de vozes altas e muita
bebida. Diferente das minhas últimas vezes nesse estabelecimento, não sinto vontade alguma de
estar aqui, para falar a verdade, estou arrependido da minha decisão de vir. Ir à faculdade já é
algo, eu não precisava ter exagerado. Penso comigo mesmo, antes de pedir mais um refil de
chopp com um sinal ao garçom.
— Mason, cara! Quanto tempo! — Evan Thompson, o jogador de hóquei que
praticamente vivia em meu apartamento antes de tudo acontecer, bate o copo grande de chopp na
mesa, atraindo atenção de todos para si. Típico dele. Babaca de merda. — A última vez em que
te vi, foi naquela noite. Quando te tiraram do carro, eu...
Falta de assunto do caralho.
— Conta como foi quase morrer! — Um idiota bebum do time de hóquei cambaleia,
apoiando-se na mesa e quase acertando a maldita grade em minha perna. — Você viu a luz?
As luzes intensas e a dor daquela noite retornam à minha memória, me fazendo
estremecer enquanto navego pelos cacos de lembranças daquela noite, mas tento me manter no
presente, como o Dr. Jameson me aconselhou a fazer nas últimas consultas, controlando a minha
respiração.
Inspiro.
Expiro.
Inspiro mais uma vez.
Está tudo bem agora.
— É, então... — Tento controlar as imagens daquela noite, que bombardeiam a minha
cabeça. — Sobre isso: Eu não morri — afirmo vitorioso, com um sorriso, ou pelo menos essa é a
intenção. O bobo alegre parece satisfeito com a minha resposta. Em seguida, aponto para mim e
para a minha situação atual e decido aproveitar o momento para provocá-los. — Só fiquei todo
fodido. — Ergo o braço imobilizado e aponto para a perna. — Mas deve ter rolado um boato de
que eu tinha batido as botas, afinal, não tive muitas notícias de vocês durante esse tempo.
Observo satisfeito quando Evan e os outros que viviam comigo nas festas e eventos se
encolhem brevemente com o meu comentário, pouco antes de voltar minha atenção aos outros à
nossa volta, fingindo avaliar distraidamente as hastes de metal do fixador ortopédico externo
cravado na carne da minha perna.
— Eu não sabia que estava lá, Thompson — comento, abrindo um sorriso zombador, já
que nenhum deles esboçou qualquer reação. — Fico mais tranquilo, sabendo que Becca não
ficou lá sozinha. Ela deve ter ficado assustada, se a cena tiver sido tão ruim quanto disse.
É, eu sou um filho da mãe que faz comentários passivo-agressivos e ele devia ter pensado
nisso antes de se meter com a mulher dos outros.
— É, ela ficou aterrorizada no outro dia. — Ele parece sem graça. — Mas... E-eu não a vi
naquele dia. E como é que não sabia que eu estava lá? Por acaso perdi alguma corrida sua? —
Abre os braços fingindo indignação e tentando deixar o clima mais leve, percebo. — Que tipo de
amigo eu seria?
Do tipo que sequer se deu ao trabalho de ligar para saber se eu estava vivo após aquela
merda de noite. E ainda anda trepando com aquela vadia sem coração.
Não sei em qual momento ele nota que estou provocando-o, porque sei da merda que
andam fazendo às minhas costas, mas sei que entende bem a que estou me referindo.
— Mason, nós precisamos conversar — o idiota afirma, e basta um gesto para que o
grupo logo volte a se dispersar, dando-nos alguma privacidade. — Cara, algumas coisas
aconteceram nesse último mês, com você fora de cena, e como sempre fomos amigos... — ele
tenta prosseguir, mas o deboche em meu sorriso o paralisa.
— Amigos... — Bufo. — Imagino que a conversa tenha a ver sobre o que anda rolando
entre você e Becca, certo? — Sorrio sem humor e, dessa vez, ele realmente não consegue
esconder o seu desconforto. Ele que lide com essa porra. Enquanto eu estava apagado e todo
quebrado no hospital, o filho da puta estava pegando a minha garota. Ex-garota, no caso. Eles se
merecem.
— Merda. — Foca o chão antes de voltar a me encarar. — Não foi algo planejado,
Mason. — Ajeita a jaqueta do time no corpo. — Becca ficou desolada com o acidente e com
tudo o mais que rolou com você e o pai dela, sabe como é... Nesse meio tempo nós nos
aproximamos e...
Inacreditável.
— É, eu entendi. — Finjo que estou bem com toda essa merda, acredito que mereço a
porra do Oscar por essa atuação. — Essas coisas acontecem, não é? Um dia você tá namorando e
no outro se acidenta, e quando acorda, sua namorada está com um amigo seu. Ou com alguém
que você pensava ser amigo.
— Mason, eu só quero ficar de boa — avisa, baixando o tom de voz quando a garçonete
de pele muito pálida passa por nós, recolhendo os copos vazios nas mesas. — Com você de volta
à faculdade... — começa a dizer, mas a minha gargalhada o interrompe.
Maldita manipuladora.
— Tenho certeza de que a ideia dessa conversa foi da Becca, não foi? — Evan confirma
e reviro os olhos enquanto balanço a cabeça em negativa. — Sempre pensando em tudo, a nossa
garota, não é? — provoco, e ele estreita os olhos. Eu também não curto dividir. — Não vou
causar problemas para o casalzinho, não se preocupe. Acho até que vocês combinam.
Dois filhos da puta.
— Então... estamos numa boa? — Estende a mão em minha direção, mas eu não retribuo
o gesto, apenas encarando os dedos calejados à minha frente. Não preciso e nem quero que ele
note que, além de estar usando uma cadeira de rodas, ainda sigo com algumas sequelas do
acidente.
Porra, que situação mais idiota
— Eu não iria tão longe — afirmo, e ele murcha, puxando a mão de volta para si. É sério
mesmo que esse babaca achou que eu iria apertar a mão dele como se ele não estivesse trepando
com a minha namorada?
Quer dizer, minha presumida ex-namorada, já que nem a decência de me procurar e
terminar comigo Rebecca Anderson teve — mas isso não é culpa do jogador à minha frente. Não
era com ele que eu transava em qualquer canto e enchia de presentes, fazendo todos os caprichos.
Por isso, apenas tomo um gole generoso da minha bebida e começo a prestar atenção ao jogo de
sinuca que se torna cada vez mais competitivo enquanto a garçonete loira usando um avental
segue recolhendo os copos e talheres de cabeça baixa na mesa ao fundo, como se estivesse se
esforçando para não ser notada.
Um grupo grande de calouros entra com sua bagunça pela porta e logo todos os olhos
estão sobre mim. Puta merda!
— É, sou eu mesmo — aviso a todos, que parecem me encarar como se estivessem diante
de um fantasma. — Em carne, osso e metal. — Aponto para a grade fixada em minha perna
enfaixada. — Podem fotografar, se quiserem. É realmente bizarro. Na segunda-feira, estarei
assombrando o campus.
E como planejado, meu comentário sarcástico mantém todos longe de mim, até o
momento que vejo Evan e os outros saírem porta afora, prontos para esticarem a noite em uma
boate. Algo que não seria possível para mim agora, nem se eu quisesse, mas que já fiz muito ao
longo do meu tempo aqui. Pense só em um ambiente apertado com essa perna fodida? Receita
para o desastre.
Talvez Chuck e minha mãe tenham razão e a maturidade chegue em momentos adversos.
Porque nem fodendo eu me arriscaria de novo a fazer algo que pudesse me trazer ainda mais dor
de cabeça.
— Tem certeza de que não vem com a gente? — Chris, um dos jogadores, pergunta
enquanto os outros se aglomeram na rua à espera de seus carros. — Se quiser, posso te deixar em
casa, Mason.
— Valeu, cara, mas eu passo. Boa noite. — Aceno e ele some entre a confusão de gente
diante do balcão lotado. Já tolerei Evan e sua tropa por mais tempo do que eu pretendia.
É sexta à noite — penso comigo mesmo ao tomar mais um gole da minha cerveja e clicar
no número de Phil, que cai direto na caixa-postal. Posso beber mais um copo de chopp enquanto
espero que aquele filho da puta atenda, mal não vai fazer, não é? Aceno para a loirinha de
bochechas rosadas, agora de volta ao balcão, e sinalizo pedindo por mais um refil, antes de tentar
falar com aquele enfermeiro preguiçoso mais uma vez.
Se antes eu vinha a este bar para me divertir, apostar com alguns amigos e quebrar a
minha rotina exaustiva após os treinos, hoje, três horas depois que saíram, ao invés de uma
garota gostosa em meu colo, estou me dividindo entre meu novo e vergonhoso hábito de stalkear
as redes sociais da minha ex gostosa com um perfil fake, criado apenas com essa intenção,
enquanto sinto os olhares curiosos sobre mim e a porcaria da grade em minha perna, e tento falar
com aquele safado que não me atende. Quando meu telefone dá seu último suspiro de bateria e
desliga, deito a cabeça sobre os meus braços apoiados no tampo da mesa, furioso.
Como é que eu não aprendo? Sempre uma decisão idiota mudando os rumos da minha
vida. Quando é que eu vou aprender?
Peço a conta e, assim que pago ao homem de bigodes espessos, que fez a gentileza de vir
até a minha mesa, peço seu telefone emprestado para chamar um táxi. Começo a conduzir a
porcaria da cadeira para fora do lugar e um homem alto e meio cambaleante abre as portas duplas
para mim, fazendo uma espécie de reverência.
Ainda estou rindo do bebum quando começa a chover forte, a água batendo com força
contra o vidro das janelas e respingando de volta em mim. Sem ter o que fazer, apenas gargalho.
Erguendo o rosto para o céu escuro e deixando a chuva me lavar de toda essa má sorte que
atravessou o meu caminho.
Como se não bastasse ter saído correndo da faculdade e me apertado no metrô lotado, eu
ainda tinha que sujar a minha blusa de massa de chocolate na cafeteria, antes de chegar aqui e ter
que lidar com o bando de riquinhos que sempre finge que nós, meros mortais, não somos mais do
que sujeira em seus sapatos de marca. É para desanimar qualquer um em uma sexta-feira à noite
e mandá-lo diretamente para casa, antes que mais alguma coisa aconteça.
Menos eu, é claro.
Preciso da grana, não sou maluca a ponto de tacar o foda-se e ir para a minha cama
quentinha — algo com que venho sonhando acordada pela última hora, enquanto termino de
limpar as mesas e troco algumas palavras com um bebum safado no balcão.
Deus me livre.
A comoção ao redor do sujeito com cara de poucos amigos na cadeira de rodas foi algo
digno de nota, embora seu rosto não me seja estranho, não me lembro de ter visto esse cara em
algum momento anterior à essa noite. O que não é algo difícil de ter acontecido, já que ele está
acompanhado do suprassumo da toxicidade da NYU — se alguns integrantes do time de
basquete estivessem aqui, tenho quase certeza de que não terminaria a noite sem que uma orelha
tivesse nascido na minha testa.
A tristeza e desânimo no sujeito é quase palpável, algo que, junto à perna enfaixada e
esticada à sua frente, leva-me a crer que ele ainda não está totalmente adaptado ao aparelho. Isso,
e o modo como suas mãos hesitam sobre as rodas, sempre que precisa se mover. Provavelmente
é um dos atletas que acabou se ferindo em um jogo e decidiu não ficar em casa essa noite.
— Ele é realmente um gato. — Jane bate o corpo contra o meu antes que eu cruze o
balcão com a bandeja cheia de copos, que se balançam perigosamente enquanto os levo para a
cozinha para buscar as minhas coisas e sair logo daqui.
— Quem? — Olho ao redor tentando ver quem é o alvo de seu dedo podre dessa vez.
Minha companheira de trabalho tem uma alta tendência a esse tipo específico de homem. Algo
que seus quase quarenta anos de experiência não parecem tê-la ajudado a superar.
— O gostoso na cadeira de rodas, lá fora. — Ergue o queixo, indicando o sujeito de
cabelos escuros olhando para o céu. Totalmente sozinho, agora que seus colegas já foram e
estamos quase fechando. — Ele parece ser do tipo atormentado. Daqueles que se tornam uma
fera na cama, sabe?
Credo. Uma imagem mental que eu não precisava ter.
— Preciso levar esses copos para a cozinha — anuncio, desviando dela e de seu traseiro
empinado, que sempre rende ótimas gorjetas para ela, ao contrário dos meus quadris largos e
grandes demais para o gosto da maioria. Mas não do sujeito no balcão, que segue acreditando ter
alguma chance comigo. Deus me defenda. Sigo entrando na cozinha e falando com Jane, que
serve mais uma dose à ele. — Já estou indo pegar a minha bolsa. É você quem vai ficar no
balcão até fechar?
— Claro, querida! E quem mais ficaria? — E logo se volta para o cara de terno que
parece desesperado por mais uma dose de vodca. — Mas precisa parar de se esconder! Como é
que vai arranjar um bom partido?
Aqui? Nunca. — Penso, mas não falo. Lavar os copos e pratos é muito mais produtivo e
rende mais. Ainda mais quando é só isso que há entre mim e a minha cama quentinha. Olho para
o relógio no centro da parede da cozinha ampla e sorrio ao ver que falta apenas cinco minutos
para que eu vá para casa.
Assim que meu tempo acaba, finalizo a louça e não demoro muito para me despedir de
todos, pegar minhas coisas no armário e me recriminar mentalmente por ter esquecido a porcaria
do guarda-chuva no dormitório, antes de cruzar a porta da frente do pub e abotoar o casaco até a
gola para tentar não me resfriar por causa da chuva fria que ainda cai sobre Nova Iorque.
A risada gutural e baixa é a primeira coisa que ouço, antes de me virar e flagrar a cena
revoltante acontecendo alguns passos à frente. O “atormentado bonitão” da Jane, já todo
encharcado de chuva, tenta se esquivar dos pivetes com quem duela pelo que parece ser um
telefone.
— Voxês não xabem quem eu xou! — resmunga, tentando parecer ameaçador e não um
cadeirante bêbado, presumo.
Pondero se devo seguir o meu caminho e deixar para lá, mas fui muito bem-criada pelos
meus pais, para conseguir fazê-lo. E é por isso que me aproximo dos dois garotos de doze anos,
no máximo, que se assustam e correm para longe, enquanto o cara de cabelos escuros, que
pingam em suas costas, chama-os de covardes.
— Eles já foram — aviso à ele, antes de encarar a tela escura do telefone em seu colo. —
Está esperando alguém?
— Um anjo? Ou a mortche, quem sabe? — resmunga, no tom arrastada comum à
qualquer bêbado. — Eu moro perto. E eu xinto que não deveria ter ditcho ixo.
Suspiro, pensando em minha cama quentinha enquanto ensopo o meu casaco debaixo da
chuva pesada.
— Eu vou te levar — aviso, ajeitando as alças da mochila em meus ombros e assumindo
o controle da cadeira de rodas.
Não sem, claro, ouvir uma enxurrada de reclamações do sujeito que parece bastante
indignado por estar sendo sequestrado. Tudo bem, eu entendo sua preocupação, também estaria
gritando feito uma maluca se estivesse no lugar dele.
— Olha, eu só vou te ajudar a chegar em casa, ok? Não sou uma ladra nem estou te
levando para uma rua deserta para te assassinar e roubar seus órgãos ou essas coisas. — Pelo
modo como os olhos escuros se arregalam e ele olha ao redor, não foi um bom começo. — Olha,
meu nome é Camila, tá bom? Sou estudante de Engenharia da Computação na NYU e acabei de
te salvar de ser roubado por aqueles pivetes. — Seu olhar foca o meu rosto, desconfiado. — É
sério! Olha!
Paro junto à calçada e, soltando a alça da mochila, pego o crachá magnético que me dá
acesso aos laboratórios de informática. Essa foto realmente não foi um dos meus melhores
momentos.
— Tá vendo? Camila M. Torres — leio em voz alta, antes de guardar o documento de
volta na bolsa e assumir o controle de sua cadeira de rodas elegante. — Vou te ajudar a chegar
em casa, portanto, mostre o caminho, navegador!
Ele revira os olhos, mas não se debate mais. Nem grita. Apenas dá de ombros em um
silêncio indignado, resmungando de tempos em tempos enquanto aponta na direção que devemos
seguir. Três quarteirões depois, já não sinto mais o frio de antes e tenho certeza de que meu rosto
deve estar vermelho feito um pimentão, por causa da minha branqueleza constrangedora — uma
herança do lado irlandês de dona Anna.
— É ali. — Aponta um dedo sujo para o prédio grande no final da rua. — Graxas a Deus.
— Você é realmente tão amargo quanto parece — implico, bem ciente de que, com todo
esse barulho, ele não será capaz de me ouvir.
— E voxê, loirinha, é mais forte do que imaginei, para alguém do xeu tabanho —
resmunga entre os ruídos dos carros e dos trovões.
— Olha, eu até posso ser, mas se formos chutados de lá, vai ficar me devendo, ouviu?
Porque não posso ser presa a uma altura dessas. Tá tarde e estou sonhando com a minha cama
quentinha.
E, pela primeira vez desde que coloquei os olhos nele, ainda dentro do pub, ele ri. Uma
gargalhada sonora que não dura muito, infelizmente. Esse cara, seja lá quem for, fica bem bonito
quando não está de cara fechada.
— Já estou te devendo de qualquer modo — dá de ombros, voltando à postura tensa de
antes —, Loirinha.
Assim que cruzo as portas de vidro do lugar amplo e bem decorado, como um saguão
daqueles hotéis chiques, onde vez ou outra fui entregar alguma encomenda, e, como eu havia
previsto, tão logo nos vê, o porteiro uniformizado corre em nossa direção com um olhar
alarmado.
Droga.
Depois de um dia inteiro de trabalho, ainda ser humilhada e expulsa daqui não vai ser
nada legal.
— Sr. Porter! — o homem grita, assustando o sujeito ranzinza que cochilou alguns
metros antes de chegarmos aqui. Aparentemente, reclamar também cansa. — Sr. Porter! — E
então, seus olhos arregalados estão em mim. — O que aconteceu?
— Ele cochilou. — Aponto o óbvio. — Estava bebendo com alguns amigos no pub onde
trabalho e o encontrei sozinho na rua e...
— MEU DEUS! MASON! — A voz feminina estridente me faz pular no lugar. De
repente, a saudade da minha mãe aperta mais o meu peito. — Onde é que você se meteu?!
Usando um moletom magenta e uma blusa branca básica de mangas compridas, a mulher
de cabelos escuros corre até nós e o seu grito acorda o dorminhoco na cadeira.
— Que merda! — Para variar, ele reclama. — Voxê queria uma vida norbal, dão é?
— Olá, como vai? — Os olhos muito verdes se voltam para mim logo que terminam de
avaliar o tal Mason.
— Hum... Eu estou bem, e a senhora? — cumprimento assim que consigo encontrar a
minha língua. Deus me livre de ter problemas com alguém com um olhar desses. É como se ela
pudesse ver a minha alma.
“Camila Mackenzie Torres, você comeu dois donuts de chocolate essa tarde. Admita!
Admita!”
Merda.
— Eu o encontrei sozinho do lado de fora do pub onde trabalho. — Antes que ela comece
a contar todos os meus pecados em voz alta, decido romper o silêncio. Pelo modo como aperta os
lábios, esse tal Mason está com sérios problemas. — E decidi trazê-lo para casa. Agora eu tenho
que ir. Está tarde e...
— Você é de verdade, Loirinha? — o sujeito mal-agradecido bufa, antes de afirmar: —
Eu te devo uma. Obrigado.
Como se ele fosse se lembrar de mim amanhã, quando acordar de ressaca.
— Então... foi isso! — Torço as mãos frias diante do corpo e ajeito as alças da mochila
em meu ombro. — Até mais, pra todos vocês.
— Não, não, mocinha! — O mesmo tom estridente e impossível de se desobedecer, faz
com que meus pés estaquem no lugar. — De forma alguma vai sair daqui molhada desse jeito!
Vocês vêm comigo!

Estou sentada na cama imensa do quarto de visitas da cobertura mais luxuosa em que pus
os pés, após o banho quente que a Sra. Porter — a dona dos olhos verdes intensos — ordenou
que eu fizesse, ainda no elevador a caminho daqui. Seco meu cabelo com a tolha absurdamente
macia, enquanto me olho no espelho, um tanto chocada com a minha aparência nessas roupas
que, certamente, não pertencem a nenhuma das pessoas que conheci até agora.
A calça jeans serviu perfeitamente em mim, algo que não é comum de acontecer. É claro
que eu tive que dobrar a bainha algumas vezes para que não arrastasse no chão e fiz o mesmo
com os punhos do moletom mais macio que minha pele teve o prazer de sentir.
As batidas à porta interrompem os meus pensamentos, e logo a Dra. Porter — sim, ela é
médica — entra no quarto, avaliando-me com seus olhos sabichões.
— Ah, serviu! Que maravilha! — ela me puxa da cama e me faz girar no lugar. — Ainda
bem que Maeve deixou algumas peças de roupa por aqui. Que tal um café quente? Ou um chá?
— Sra. Porter, eu agradeço, mas preciso mesmo ir. Amanhã tenho aula cedo e as ruas
ficam perigosas durante a madrugada. — Vou enumerando todos os motivos para que ela não
tente me convencer. — Obrigada, mais uma vez, pelas roupas secas e...
— Você trouxe o meu filho para casa. — Segura firme a minha mão. — E só Deus sabe
como ele pode ser impossível quando quer. Devemos muito a você, querida. Vou pedir ao
motorista para te levar até sua casa, tudo bem?
— Não há necessidade, o dormitório... — E aqui está o olhar de novo. Calo a boca e
apenas a sigo até a sala.
Enquanto atravessamos o corredor grande e largo, ouvimos a reclamação do bebum que
parece estar tomando banho com a ajuda de alguém e, claro, não parece nada feliz com isso.
— Ele sofreu um acidente e desde então... tudo mudou. — Os olhos verdes se tornam
tristes. — Nem sempre foi assim. Por que não aguarda na sala enquanto eu chamo o motorista?
Como se eu tivesse escolha.
A sala é ampla e bem iluminada, todos os móveis são modernos e a decoração bastante
masculina. Nas paredes, várias fotos de carros e um Mason diferente — sorrindo e celebrando
diante das câmeras. Na maior delas, que ocupa um espaço nobre no local, ele ergue um troféu
com o rosto iluminado, vestindo um daqueles macacões coloridos.
Ah, os altos e baixos da vida.
O motorista não demora a avisar que está à minha espera e, após me despedir da mulher
simpática e mandona, desço de volta para o saguão enquanto meu celular velho vibra sem parar
na mochila úmida que deixei no assoalho, por medo de sujar o banco de couro.

Dwayne Wayne: Estamos à sua espera.

Droga! Eu tinha me esquecido disso!

O motorista para o carro diante do prédio simples e metade da vizinhança está na janela,
tentando entender quem é que acaba de chegar no bairro com um carrão desses. Agradeço ao
motorista antes de sair do carro, e ele me deseja um “boa noite” educado antes de retornar à
segurança do carro chique. Quase posso ouvir os sussurros desalentados quando me reconhecem
conforme caminho até o portão de entrada, já tirando a chave do bolso menor da mochila.
— Buuu! — Dave, o maluco do primeiro andar, me saúda assim que fecho a porta atrás
de mim, quase me matando de susto. — Diamante, aquele homem é velho demais para você.
Rio ao perceber do que está falando.
— Era só uma carona, Dave, fica tranquilo. — Ele não parece convencido e entra em
casa resmungando, com seus cabelos grisalhos e desgrenhados de sempre.
Alguns andares acima, uma porta se abre, e logo passos apressados atravessam o corredor
e descem as escadas com uma rapidez impressionante, então, tenho uma garota de quase dez
anos pendurada em meu pescoço, enquanto Dave xinga por causa do barulho da gargalhada da
menina, que se contorce enquanto lhe faço cócegas.
— Vocês ainda vão cair dessa escada! Sem juízo algum! — o homem reclama enquanto
subimos os degraus correndo. — Suas malucas!
É bom que Nina tenha vindo me buscar — essas paredes trazem lembranças demais à
tona. Foram anos e anos vivendo felizes aqui, antes que tudo ruísse como um maldito castelo de
cartas.
— Finalmente! — A mulher negra usando um avental colorido abre os braços diante da
porta da cozinha do apartamento modesto, mas bem arrumado, da família Jones. — Já estava me
perguntando o que você tinha contra nós, Cami!
— Ela ama a gente, mãe! — Nina protesta, agarrando o meu braço enquanto tenta puxar a
minha mochila. É certo que amanhã terei que comprar um marcador novo. Fecho a porta e tiro
meu tênis velho de guerra, deixando-o perto da entrada com os outros calçados.
— Ela tem razão, Maggie. — Um sorriso lindo estica os lábios da mulher que me abraça
forte. Seu cheiro familiar acalmando o meu coração.
— Eu prometi à sua mãe que te daria um abraço de urso — admite quando se afasta um
pouco, antes de voltar a me abraçar apertado. — O primeiro foi meu, esse é dela. Como você
está? E que roupas são essas? Eu amei o novo estilo, mas...
— Ajudei um rapaz a ir para casa depois do pub — conto a verdade enquanto o som da
cadeira se aproxima às minhas costas.
— Um rapaz, hein? — Maggie bate o quadril contra o meu. — E ele tem nome?
— E é bonito? — Nina pergunta da sala, com a voz abafada por estar com a cabeça quase
dentro da minha mochila.
— Sim e sim — respondo às curiosas. — Ele estava bêbado e sendo roubado por aqueles
pivetes que vivem rondando aquela rua.
— Camila... — A voz de Dwayne é quase uma reprimenda por si só. — Já conversamos
sobre isso e sabe muito bem o quanto é perigoso...
— Ele estava muito machucado, D. — Viro-me para vê-lo e deixo um beijo no topo de
sua cabeça. — Em uma cadeira de rodas, na chuva. Perdido e sozinho. Eu não podia dar as
costas.
— Era o pai dele? O homem do carrão? — Nina, curiosa como só ela, aparece na cozinha
com a minha bolsinha na mão. Adeus marca texto. Foi bom enquanto durou.
— Era o motorista. — Os três me encaram surpresos. — Acontece que o tal bebum que
ajudei mora em um daqueles prédios de luxo, três quarteirões depois do pub. Eles moram em
uma cobertura que parece ter saído do Pinterest. Estava muito molhada e a mãe dele me obrigou
a tomar banho e me emprestou essas roupas. Pertencem a alguém que se chama Maeve e que
provavelmente nem dará falta delas.
— Qual é mesmo o nome dele? — Maggie pergunta, já se virando para as panelas no
fogão.
— Mason Porter — falo e imediatamente noto o brilho de reconhecimento nos olhos do
homem sentado em sua cadeira. — D., você o conhece?
— Os Porter são uma família muito rica — comenta. — O filho mais novo se acidentou
em uma corrida uns dois meses atrás. Quase morreu.
Humm. Então foi assim que ele se feriu daquele jeito. Como ele seria antes?
— Esse garoto é má noticia, Cami — avisa, sério. — Um playboy mimado, acostumado a
ter tudo o quer.
— Bom pra ele, não é? — Dou de ombros, mas ele estreita os olhos. — D, eu só fiz uma
boa ação. Amanhã ele sequer vai se lembrar do que aconteceu e eu sempre fui invisível para
aquela gente rica da faculdade, então, não se preocupe.
— Impossível. — Sorri e pega a vasilha da salada na bancada, apontando para a panela
de arroz fumegante. — Pegue aquela ali, que estamos morrendo de fome e ainda preciso detonar
você naquele jogo antes de dormir.
— Vai sonhando! — Enquanto Dwayne posiciona os talheres, volto à cozinha para ajudar
Maggie a trazer o resto. O perfume da comida caseira faz a minha barriga roncar alto e arranca
uma gargalhada da família inteira.
O dia pode não ter sido tão bom, mas está terminando de forma maravilhosa. E isso é
tudo o que importa.
Afundo o pé no acelerador e faço a curva fechada sem dificuldade alguma, ouvindo os
pneus protestarem pelo comando brusco, ao mesmo tempo que meu ombro lateja de forma
incômoda.
— Não creio que ele retornará às pistas — uma voz grave diz ao fundo conforme a
torcida se agita nas arquibancadas quando me aproximo da linha de chegada.
Já consigo ver a porra da bandeira. Adrenalina pulsa em minhas veias e, quando um dos
competidores se aproxima mais, pressiono ainda mais o meu carro, fundindo-me a ele à medida
que o fim da corrida se aproxima.
— Ele era o futuro da stock-car — uma voz muito parecida com a do meu pai lamenta.
— A corrida era a vida dele.
— O importante é que sempre podemos sonhar outros sonhos — minha mãe parece
afirmar nos fones em um tom choroso. — Ele está vivo e é isso que importa.
— Não creio que ele retornará às pistas. — A declaração agourenta faz a minha
velocidade diminuir. — Inchaço cerebral afetando a força e agilidade da parte superior de seu
tronco — avisa. — Alguns meses... Anos.
“Não creio que ele retornará às pistas.”
Dor em cada parte do meu corpo.
“Não creio que ele retornará às pistas.”
Taquicardia, coração acelerado e lágrimas.
“A corrida era a vida dele.”
E, então, tudo acabou.
Passos na escuridão silenciosa, sem que o ronco dos motores me ensurdeça como sempre
fez. O som de uma risada sonora e bonita. Grandes olhos azuis que parecem ter potencial de ler a
alma de alguém. Cabelos loiros muito claros em um rosto redondo e corado, enquanto a mulher
sorri em um lugar alto — muito acima de mim.
Enquanto tudo parece sair do stand-by e volta a girar. O som dos motores retorna e logo a
torcida grita e aplaude eletrizada, mas tudo o que vejo é a garota loira com olhos bondosos e uma
faixa azul no cabelo, que sorri no meio da pista.
“Você é realmente tão amargo quanto parece.”
Mas estou vivo. E é isso que importa.

Confuso, abro os olhos e, sentindo a ardência incômoda em minha panturrilha, encaro a


porta fechada enquanto me sento na cama. Mais uma noite sonhando com corridas e com aquela
merda de noite — e, agora, com uma garota loira de sorriso bondoso que faz pouco de mim.
Bufo e, minutos depois, a porta se abre, revelando o fisioterapeuta e o maldito enfermeiro
que nunca está disponível.
— Bom dia, Mason — Jake cumprimenta ao passo que o outro apenas fica parado à
porta, encarando-nos um pouco sem graça enquanto alcanço o par de muletas ao lado da cama e
o fisioterapeuta pega alguns de seus instrumentos de tortura e os amontoa nos braços. — Está
atrasado — avisa, e quando passa pelo enfermeiro, a repreensão não sai de seu olhar. — Tem dez
minutos para se arrumar e tomar café da manhã. Temos muitos exercícios para fazer.
— Um ditador do caralho — reclamo enquanto me levanto com dificuldade. — Vai ficar
aí, parado? Espero que a noite de sábado tenha compensado muito.
O filho da mãe sequer respondeu às minhas mensagens ou retornou as ligações, e isso
pareceu inflamar ainda mais os nervos da Dra. Emily Porter sobre sua falta de profissionalismo.
— E-eu vim me despedir, cara — Phil confirma as minhas suspeitas de que meus pais o
demitiriam assim que ele tornasse a aparecer. Na segunda, é claro. — Então é isso. Até mais e...
boa recuperação.
— Boa sorte, cara — respondo e entro no banheiro, preparando-me para lidar com mais
uma das sessões de tortura de Jake antes de ir para a faculdade.
— Estou vivo — digo para o sujeito no espelho. — E é isso que importa.
Eu deveria ter respondido.

— Vamos lá, só faltam mais duas séries de quinze! — Jake, o maldito fisioterapeuta
torturador avisa com a boca cheia, já que está devorando um pedaço de bolo que Célia acaba de
trazer para ele, como a boa puxa-saco que é. — Concentração, Mason!
Merda.
— Até mais, meninos! — minha mãe e meu pai se despedem de nós antes de saírem porta
afora, cada um para o seu respectivo trabalho, enquanto eu sigo tentando apertar essa merda de
bolinha de tênis com o máximo de força possível.
Infelizmente, nem perto do que eu conseguiria antes.
— Cara, é sério que conseguiu esculpir o abdômen na academia? — o filho da puta
provoca. — Foi cirurgia plástica, admita. Você é muito molenga para ter malhado tanto tempo.
Furioso comigo mesmo e com essa merda de exercício, aperto a mão com mais força e a
merda da bolinha escapole e rola pelo chão.
— Hummm — Jake a pega enquanto coloca o prato vazio sobre a mesa de centro antes
de me entregá-la — Só te faltava a motivação certa. Mais treze e estará livre para um banho
refrescante e cinco aulas de cálculo.
Se esse fosse o meu problema...
— Sua mãe pretende contratar outra pessoa para te ajudar — comenta. — Talvez fosse
interessante que você pudesse selecionar alguém responsável dessa vez.
— Eu não preciso de enfermeiro — afirmo, antes que a bolinha salte novamente para o
chão.
— Um acompanhante, por enquanto, vai te ajudar, Mason. — Jake pega o objeto e o
dispensa na caixa de madeira ao lado do sofá. — Ainda temos um longo caminho pela frente.
— Chuck pode fazer isso — testo a ideia por alto. — Porém trabalha demais. E ainda tem
o mestrado.
— Pense a respeito. — O fisioterapeuta guarda o resto dos aparelhos de tortura e passa
por mim, entregando-me as muletas. — Não demora, princesa, tenho outro atendimento em uma
hora. Por hoje, e só por hoje — deixa claro andando à minha frente — eu serei a sua babá.
— Puta merda! — reclamo e o babaca ri.
— É, eu sei que é difícil ter que lidar com esse cara gostoso e cheio de presença roubando
os seus holofotes, mas é o que teremos. — Entro saltitando logo depois dele, que apenas deixa a
caixa sob a mesa de estudos e caminha até a porta. —Não demore, Branca de Neve.
— Porra de apelido ruim! — Ouço sua gargalhada mesmo depois que fecha a porta.
Queria vê-lo relaxado assim na presença da minha mãe. Um baba ovo do caralho.

Assim que Jake estaciona em uma das vagas diante da biblioteca do campus, parte do
time de hóquei passa por nós, olhando de forma curiosa para o carro enquanto o fisioterapeuta
tira a cadeira do porta-malas e para ao lado da porta do carona.
Eu poderia dizer que é porque sou um mimado do caralho e não quero fazer esforço
algum, mas a verdade é que ele avisou, assim que saímos de casa, que a porta do carona é aberta
apenas pelo lado de fora. Considerando que sequer existe uma manivela para descer o vidro da
janela, encaixado de forma bastante perigosa com silver tape[4], eu não deveria ter ficado
surpreso ao saber da informação.
O pior foram os quinze minutos até aqui, ouvindo-o dizer que o carro é uma relíquia.
Algumas pessoas se iludem com facilidade, é impressionante. Ele não parece notar os olhares
sobre nós enquanto monta a cadeira, travando todas as partes dobráveis antes de parecer fazer
força para abrir a porta, que cede ao seu puxão com um rangido metálico esquisito — como um
lamento.
— Não chore, meu amor. — Acaricia a porta alaranjada do Camaro antigo. — É porque
esse princeso não poderia sair de outra forma.
Estou cercado por loucos.
Por sorte, chegamos atrasados e o grupo de jogadores já seguiu seu caminho. Essa cena
enterraria totalmente a minha reputação, já abalada após a minha quase morte e o meu
reaparecimento nessa geringonça metálica.
Jake puxa a cadeira para trás enquanto seguro na porta para ficar de pé, quando escuto o
som de algo se chocando contra o carro, e um gritinho estridente seguido de um pedido de
desculpas da parte do fisioterapeuta de quase dois metros, que parece um gigante perto da
sombra minúscula da vítima do esbarrão.
— Me perdoe, eu não percebi que havia alguém... — certeza de que ele gostaria de estar
alisando a traseira do carro em busca de mais um amassado. — Dorothea também sente muito.
Meu fisioterapeuta é um lunático. Maravilha.
— Não se preocupe. Eu estou bem... — o tom doce e feminino afirma e, então, alguns
segundos depois, parece processar o que o maluco falou. — Ele tem um nome? — apoio-me na
perna, boa puxando a cadeira para que eu possa me sentar.
— Mason? — o fisioterapeuta responde, voltando a segurar a cadeira.
— Não! O carro. — A gargalhada semelhante à dos meus pesadelos me faz erguer os
olhos e eu a encontro parada ao meu lado com suas roupas escuras e um laço no alto da cabeça
loira, como uma dessas crianças no jardim de infância.
— Ela. Essa é a Dorothea. — O paspalho sorri, exibindo o carro com orgulho. — E eu
sou o Jake.
— É um prazer conhecer vocês — ela sorri mostrando as covinhas fundas no rosto
corado —, e me desculpe pelo esbarrão. Eu preciso ir agora, mas...
— Por acaso tá me seguindo? — Ergo a sobrancelha e ela me encara com um ar de
surpresa que logo se transforma em deboche.
— É incrível como algumas pessoas pensam que o mundo gira em torno delas. — Estala
a língua, fingindo estar triste enquanto acaricia o retrovisor. — Mason Porter, não é?
Jake reveza o olhar entre nós dois, enquanto a garota me encara com os dois faróis azuis
que carrega no rosto.
— Até parece que não sabe. — Reviro os olhos e me estico para pegar minha mochila no
banco de trás, mas ela é mais rápida e passa atrás de Jake, alcançando-a antes e jogando no meu
colo.
— Infelizmente, minha memória é excelente — retruca enquanto pega uma garrafa de
água mineral da mochila detonada e a joga em mim também. — Para a sua ressaca. — E então,
olha para o idiota que parece ter apreciado bastante a interação entre nós. — Jake, foi um prazer.
Ah! — Volta a olhar para mim. — Sábado você disse que me devia um favor. Já sei o que eu
quero.
— Não brinca! — reviro os olhos. Que surpresa ela já ter aparecido para me cobrar,
não é? Estou prestes a falar exatamente isso, quando ela se abaixa para ficar no mesmo nível da
cadeira, com os olhos muito azuis e irritados fixos nos meus.
— Esqueça que me conhece. Eu aprecio muito a minha invisibilidade — determina e se
levanta, acariciando o retrovisor mais uma vez antes de murmurar, não tão baixo que não
possamos ouvir, que o carro deveria escolher melhor suas companhias.
— Quem é ela? — Jake para ao meu lado, rindo da garrafa ainda jogada sobre a mochila
em meu colo. O olhar fixo no pigmeu emo que se afasta a passos largos com a porcaria de um
laço na cabeça.
— Ninguém importante — respondo de má vontade, lembrando-me de alguns momentos
da noite de sábado, na qual “ninguém” me salvou de ser roubado e empurrou essa maldita
cadeira por quase quatro quarteirões. Merda. — Ela me ajudou sábado à noite.
— Foi ela? — Claro que ele saberia. Célia e minha mãe são duas fofoqueiras. — Cara,
ela seria uma escolha incrível para ser sua acompanhante. Sua mãe está encantada com a garota,
só falou dela durante o café da manhã. Disse até que ela parece ser um anjo. — O babaca ri
enquanto coça o queixo. — Porra! Ela até se parece com um!
— Nos vemos amanhã, Jake — respondo enquanto aperto o controle para que a cadeira
ande. — Até mais e obrigado pela carona.
— Pense no que eu te disse! — insiste conforme dá a volta no carro.
Preciso ter uma conversa séria com os meus pais, urgente. Não preciso de uma babá.
Posso me enganar enquanto eu quiser.
Como é possível alguém ser tão autocentrado? É cada uma! Sabe quando dizem que
cabeça vazia é oficina do demo? Certamente aquele sujeito esteve um bom tempo sem usar o
conteúdo dentro daquele cabeção.
Pensa se eu teria tempo para cuidar da vida de alguém, se não me sobra tempo nem para
cuidar de mim mesma entre os estudos e o meu trabalho?
— Se enxerga, seu riquinho de merda! — Só percebo que penso alto quando alguém
dentro da biblioteca chama a minha atenção e o sujeito em uma das mesas mais ao canto dá uma
risada. — Me desculpe, Srta. Ygritte.
Antes que ela possa dizer alguma coisa, corro até uma das mesas disponíveis —
infelizmente, perto demais do sujeito que ainda ri — e deixo a minha mochila e o meu
computador ali antes de ir buscar os livros que preciso para terminar o trabalho para a penúltima
aula de hoje.
Foi impossível terminá-lo ontem, depois de seis dias dormindo tarde — ou cedo, depende
do ponto de vista — e acabei cochilando na mesa. O que rendeu várias fotos para aquela maluca
que divide o quarto comigo, e que prometeu um vídeo emocionante na minha formatura. Deus
me livre disso.
Do vídeo. Não da formatura, é claro.
Assim que encontro os dois volumes sobre análise de circuitos, volto à minha mesa,
ignorando tudo ao meu redor para conseguir terminar a porcaria do trabalho, antes que eu precise
ir para a aula de robótica — uma das minhas matérias preferidas.
Vai dar tudo certo. Tem que dar.
Eu sou uma pessoa racional — sempre fui. Porém, depois de uma semana em que quase
tudo que poderia dar errado, deu, começo a desconfiar de que, talvez, a possibilidade de existir
um inferno astral é real. E eu estar admitindo isso em voz alta para Frankie é o que a deixa
perplexa e me encarando como se tivesse nascido uma segunda cabeça em mim enquanto seu
café esfria.
— Você não pode fazer isso comigo — avisa quando consegue achar as palavras e os
cachos escuros sacodem com força, batendo contra o rosto maquiado. De repente, ela tira o
celular da bolsa estilosa, e verde dessa vez, e o posiciona em frente ao meu rosto. — É um
daqueles momentos incríveis. Repita, por favor.
— Tá exagerando. — Reviro os olhos, mas ela não desiste. — Frankie...
— Hoje, nesse dia maravilhoso, o mundo está diferente — ela começa a narrar,
flexionando a voz como um daqueles documentários que eu vivo assistindo. — Camila
Mackenzie Torres, a nerd mais gostosa que eu conheço, está admitindo a existência do inferno
astral. Vamos lá, repita o que acaba de me contar, Cami.
— Admitir é uma palavra forte. — Encaro a câmera, bem ciente de que ela não vai
desistir. — O que eu disse é que, se houver um inferno astral, tenho certeza de que eu estou
vivendo um.
— Por que você sempre tem que estragar a minha alegria? — Faz um biquinho triste e
deixa o telefone sobre a mesa. — Quero um daqueles cookies deliciosos de chocolate como
compensação.
Como se ela não fosse usar todo o poder de convencimento dos olhos grandes e escuros
se eu não tivesse falado nada disso. Para onde vai tanto açúcar, é impossível dizer. Frankie tem
um corpo curvilíneo e vive atraindo todos os olhares masculinos — e femininos, diga-se de
passagem — para si. Não que eu inveje a atenção que recebe. Sou muito feliz em meu reino de
invisibilidade, na maior parte do tempo, porém, penso que não deve ser tão ruim se sentir...
desejada.
— Amiga? — Noto a mão adornada com diversos anéis diante do meu rosto. — Tudo
bem?
— Só pensando no trabalho que preciso entregar hoje. — É fácil convencer qualquer um
com alguma coisa sobre estudos; afinal, esse tem sido o meu principal e único foco.
— Pensei que tivesse terminado. — Ter ficado até as três da manhã acordada não é algo
incomum para mim, mas chama a atenção.
— Ainda faltam algumas questões e conferir... — Ela faz careta. — Vou trazer seu
cookie, senhora.
— Obrigada. — Usa seu melhor tom de dondoca. — Não demore, sim?
— Esses clientes estão cada vez mais exigentes. — Dóris sorri do balcão, já colocando
dois cookies em uma das cestas.
— A madame pediu apenas um, dessa vez — aponto.
— Eu sei, assim como tenho certeza de que a única coisa que colocou para dentro desse
corpinho, hoje, foi aquela xícara de café. Vá se sentar e comer, antes de sair para a faculdade.
— Dóris... — Mas ela apenas estala a língua e empurra a xícara grande de café com leite
em minha direção, antes de atender ao próximo cliente, ignorando-me totalmente.
Eu me sento junto com Frankie e tomo meu café ouvindo-a discorrer sobre suas aventuras
amorosas durante a faculdade — e não me surpreende que tenham sido várias. Ela é uma garota
popular, daquelas que todos param para olhar.
— Eu amei essa tiara! — Aponta para o acessório que tem um laço preto no centro. —
Você parece uma princesa emo-gótica suave.
Claro que ela iria apontar para a minha blusa preta com desgosto. Ela está usando rosa e
azul essa manhã e, com seu talento único, fez a bolsa verde combinar. É quase um milagre.
— Obrigada, eu acho. — Olho para o relógio na parede e me levanto, tomando o resto do
café no meu copo. — Vou pegar a minha mochila e o casaco. Não posso me atrasar hoje.
Assim que me levanto, colido contra o corpo largo e grito ao sentir o café quente se
espalhar pela frente da minha blusa e da minha calça jeans, antes de sujar todo o chão.
Maldito inferno astral!

No banheiro dos funcionários, no fundo da cafeteria, tento limpar a minha blusa sem
muito sucesso, quando Dóris abre a porta e me encara com uma expressão curiosa.
— Só está vermelho, não me queimou. Consegui tirar a blusa antes. — Observo meu colo
avermelhado por causa do café quente, mas ela não tira os olhos do meu sutiã rosa pink salpicado
com coraçõezinhos vermelhos. — Comprei em uma promoção. A calcinha é assim também.
— Ficaria lindo em mim — comenta rindo e empinando o tronco magrelo. — Não pode
sair com essa blusa molhada. Sabe disso, não é?
Infelizmente, sim.
Olho para a camisa preta arruinada pela bebida quente, pendurada de qualquer jeito em
um dos ganchos fixados na parede branca azulejada, enquanto penso quais são as minhas
possibilidades. A sacola vermelha, na qual guardei as roupas elegantes para entregar a Dra.
Porter desde que as lavei, está no meu armário alguns metros à frente, mas descarto rapidamente
essa ideia, tentando encontrar outra solução rápida, já que não posso me atrasar.
Não seria certo usar a roupa emprestada mais de uma vez, certo?
Não. Não mesmo.

Atravesso rapidamente o jardim que leva até o bloco onde acontecem as minhas
primeiras aulas, logo após o grupo grande e barulhento de atletas e líderes de torcida decidirem ir
para suas aulas — o que acontece tarde demais, e por isso, eu preciso correr com essa calça jeans
que parece ter saído de uma daquelas telas de propaganda e com o moletom lindo e
absurdamente macio que envolve o meu corpo sob a jaqueta escura, que é a única coisa
realmente minha nesse look todo e destoa completamente, é claro.
A diferença é gritante.
— Posso saber por que está se esgueirando pelos corredores? Roubou um banco? —
Artie, meu amigo e colega de sala, me surpreende ao bater seu ombro magro contra o meu.
— Vai me denunciar? — Ergo uma sobrancelha em sua direção e ele conserta os óculos
no rosto, fingindo estar pensativo.
— De graça, jamais — afirma, antes de pararmos diante da sala em que o resto da turma
se aglomera, esperando pelo Sr. Mosby. Um dos ídolos do curso. — Mas se oferecerem uma
recompensa...
— Leiloada por um amigo. — Bato com as costas da mão direita sobre a minha testa e
finjo desmaiar. Logo sou amparada por Ryan, outro colega de turma por quem tive uma queda
fenomenal durante o primeiro ano de curso, quando ficamos juntos algumas vezes, mas nunca
consegui ultrapassar a friendzone.
— Artie! Teremos que duelar pela defesa da honra dessa bela jovem de olhos azuis! Não
se preocupe, bela dama! — declara, e logo a turma inteira está encenando a porcaria de um duelo
medieval. Um dos caras no fundo da sala entoa o que parece ser um feitiço e lança contra os dois
oponentes.
É o que dá jogar RPG durante toda uma vida. Eu acho.
— Atenção, feiticeiros e bravos guerreiros! — a voz alta e divertida do professor Mosby
interrompe o caos, e então, ele faz uma mesura exagerada e cumprimenta a mim e Glenda
Macallister, que se encolhe a cada avanço em sua direção. — Minhas belas damas, com a sua
licença. SENTEM-SE, SENHORES! — Batuca em sua mesa com as mãos, e logo todos ocupam
os seus lugares e aula finalmente começa.
Se Frankie visse o quão divertido é viver na nerdolândia, como ela gosta de chamar, não
estaria sempre quebrando a cara com aqueles atletas fúteis que não enxergam além de seus
umbigos. Estou tão imersa na matéria, que demoro a perceber que a aula está no fim.
— Meus alunos queridos, como sabem, nosso Instituto de Tecnologia é referência no país
e esse ano o tornaremos ainda mais famoso. É por isso que o trabalho final será executado em
conjunto com os demais cursos de engenharia: elétrica, mecânica, mecatrônica, e assim vai. Em
breve, informaremos mais a respeito.
— Po-Professor Mo-Mosby? — Peter, sentado na primeira carteira, como sempre, ergue
a mão, preocupado. — Nó-Nós va-vamos ter que escolher pa-parceiros em outras tu-turmas?
Pelo silêncio na sala, essa é uma preocupação geral. Prendo a respiração, aguardando pela
resposta. Minha vida já está complicada o suficiente para eu ter que correr atrás de um dos
riquinhos, implorando para que façam um trabalho comigo.
— Não se preocupe, Sr. Stenton. — O professor sorri, compreendendo. Pelo modo como
coloca sua camisa de botões muito bem passada para dentro da calça, ele também já foi um de
nós. — Será realizado um sorteio no fim da semana. Até a próxima aula!
Maravilha! Com a minha sorte, é capaz de eu ficar no grupo daquele idiota do Jamie
Nelson. Credo. Assim que o sinal toca, pego as minhas coisas e jogo dentro da mochila, pronta
para correr até a biblioteca e terminar um dos trabalhos para a próxima aula, mas logo que coloco
o pé para fora do prédio muito bonito e de linhas arrojadas, eu o vejo.
Com o risinho malvado no rosto, Juan Miguel me cumprimenta de longe, encostado no
carro escuro, como se fizesse parte daquele lugar. Merda. Mas ele não espera — quando os
outros alunos começam a sair, Juan entra no carro e acena com a cabeça, antes de desaparecer.
Apenas um lembrete de que ele sabe onde me achar e se lembra da dívida.
Que droga!
Encaro o teto da sala enquanto a garota de cabelos tão escuros quanto os meus me analisa
com atenção, à medida em que meu amigo segue falando sem parar sobre as vantagens do plano
de Jake — aquele fisioterapeuta linguarudo, que não hesitou em contar sua ideia nada brilhante
do outro dia à Chuck, e que agora a repassa à minha irmã.
Quando perdi o controle daquele carro, perdi também o controle sobre a minha vida.
— Mason, acho que Chuck e esse tal Jake têm um ponto. — Maeve, minha irmã mais
velha, bate o indicador em seu queixo, pensativa. — Essa tal...
— Camila — o intrometido completa. — E, sim, é a mesma que trouxe o seu irmão
bêbado são e salvo na outra noite.
— A mamãe ficou encantada com ela. — Claro que ficou. As duas são mandonas, já é
um ponto em comum. — Irmãozinho, que mal faria tentar? Sabe que mamãe não vai te deixar
desassistido. Até que se recupere plenamente, vai precisar de ajuda... Que mal faria escolher sua
companhia pelos próximos meses? Ela parece ser responsável e uma pessoa legal.
— E você não a conheceu. — Estalo a língua contrariado, ainda me lembrando do modo
abusado com o qual a loirinha agiu em nosso último encontro. — Além disso, naquele mesmo
dia, ela pediu que eu a deixasse em paz, então... não vai rolar.
— Tomara que a próxima enfermeira seja uma velha tarada que viva buscando motivos
para te apalpar e fazer lavagens intestinais. — Filha da mãe!
— Porra, Maeve! — xingo e ela gargalha, lançando um beijo para mim.
— Tenho medo de perguntar o que andam ensinando em Yale. — Chuck se joga no sofá
no canto do quarto enquanto o ser sádico, nascido dois anos antes de mim, sorri de forma doce,
como se pressentisse que minha mãe chegaria no mesmo momento, como acontece.
— Olá, meninos!! Como estão? Maeve, será que poderemos conversar por um instante?
— Logo as duas somem porta afora nos deixando sozinhos.
— Ela tem superpoderes, cara. — O idiota que vive babando a minha irmã caminha até a
porta e dá uma espiada no corredor.
— Ela tá totalmente fora dos seus limites — aviso e ele dá de ombros. — Tá sabendo
sobre o projeto integrado entre as engenharias? Que merda, hein?
— Mais um motivo para dar uma chance à ideia do Jake. Ela faz engenharia de
computação, sabia? Vai poder te ajudar na rotina de estudos e nesse trabalho idiota, além de ser
sua acompanhante e poupar o seu reto de ser agredido por uma sonda.
— Puta que pariu! Que merda. — Relembro da tiara e do modo como a tal garota loira
parecia querer desaparecer do bar naquela noite. — Estar comigo seria o oposto da discrição que
ela parece gostar e, depois do nosso último encontro, tenho certeza de que ela não aceitaria.
— É, ela não parecia nada feliz com você. — Franzo a sobrancelha enquanto tento me
lembrar se ele estava presente. — Eu a vi chegar à biblioteca — explica —, uma bonequinha de
porcelana como ela, xingando alto, chama a atenção.
— Por acaso está a fim dessa garota? — pergunto ao nerd safado no sofá.
— Ainda não a conheço de verdade, mas ela é bem atraente. — Maeve, claro, retorna e
eu rio da cara apaixonada que o paspalho faz. — Embora meu coração pertença a outra pessoa.
Deprimente.
— Chucky, para de sonhar acordado e vamos focar no que é mais urgente — avisa em
seu modo prático. — Mamãe e papai vão começar as entrevistas na próxima semana. — O brilho
em seu olhar me deixa preocupado. — Temos até domingo para convencer a tal Camila a aceitar
esse emprego.
— Acho que você não entendeu, Mav. — Jogo-me de costas na cama, deixando a cabeça
bater no travesseiro. — Ela me detesta. Fim.
— Deixe isso comigo, irmãozinho. — Lá está o sorriso demoníaco de novo. — Que tipo
de irmã mais velha eu seria, se voltasse para a faculdade e te deixasse sofrendo com todas
aquelas cânulas e...
— Tudo bem! Chega dessa porra! — Tento puxar o travesseiro para cima da cabeça, mas
não consigo. Pelo menos, não até que Maeve me ajude no movimento. — Isso tudo é uma grande
merda, sabia?
— Eu entendo, mas vai passar. — Acaricia minha mão. — Só precisa de ajuda até ficar
bom e isso não é vergonha alguma. Agora, que tal pizza e um filme daqueles bem sangrentos?
— Só se prometer dormir comigo mais tarde. De conchinha — o nerd safado tenta, mas é
claro que Maeve escapa mais uma vez, com uma gargalhada sonora antes de sair do quarto com a
desculpa de pedir as pizzas.
— Porra, cara, você não desiste? — questiono, me apoiando nos antebraços para levantar
o tronco.
— Eu sou um homem sensível. Além disso, a persistência é um dom, meu amigo. —
Sorri, enigmático, consertando a gravata em seu pescoço. — Deveria aprender comigo.
— Contra todas as possibilidades, eu sobrevivi, seu babaca. — Mesmo rindo e
debochando do idiota que me ajuda a sentar na cadeira sem bater a porcaria da perna ferrada em
algum obstáculo, minha persistência não é algo que pode ser negado. Principalmente depois de
tudo.
— É verdade. — Os olhos claros do meu amigo brilham por trás das lentes. — Quer uma
medalha? Vou mandar preparar. Sei que o reforço positivo é importante e…
Mas que filho da puta.
— Os molengas vêm ou não? — minha irmã chama da sala e logo nos colocamos em
movimento.
Chuck abre espaço para eu passar com a cadeira e se senta do outro lado de Maeve, que
tem as pernas cruzadas no meio do sofá. A transferência para o móvel foi uma das primeiras
coisas que aprendi a fazer, então não é um problema me sentar ao seu lado, mantendo minha
perna esticada na cadeira à frente.
— Eu senti falta de vocês, seus idiotas. — Maeve beija o meu cabelo antes de se deitar no
meu ombro e sorrir para o meu amigo babão. — Isso logo vai passar, irmãozinho.
— É o que eu espero. — Ela aperta o controle e logo vários tiros são disparados na tela e
o banho de sangue começa nos primeiros dois minutos de filme.
Talvez a ideia deles não seja tão ruim assim.

Ideia ruim do caralho.


Como é que eu me deixei convencer a tentar falar com aquela loira maluca? Ninguém
normal teria atravessado quatro quarteirões para deixar um estranho em casa. Eu já deveria
saber. Fora o deboche em seu rosto, sem sequer se dar ao trabalho de olhar para mim uma
segunda vez, depois de negar sem me deixar ao menos explicar quais eram os meus planos.
— Vai ficar rindo feito um idiota até quando? — pergunto ao meu amigo de rosto
vermelho, prestes a chorar de rir da minha cara. — Como é que eu imaginei que alguém que vive
usando tiaras enfeitadas seria minimamente sensato?
— Porra, eu sou fã dessa garota. — O filho da mãe suspira entre risos. — Acho que estou
apaixonado.
— Faça bom proveito — resmungo, acionando a minha cadeira pelo controle e me
virando no corredor para entrar na sala. — Maeve não vai poder me culpar por não ter tentado.
— E nem a pobre garota vai poder nos culpar por usar artilharia pesada. — O idiota
suspira mais uma vez, antes de tirar o telefone do bolso, andando ao meu lado. — Maeve. É, não
deu certo. Eu sei. Ele tentou e eu juro que vou contar em detalhes. — Chuck solta uma risada
roncada horrorosa ao telefone. — Certo. Está com você. Até mais.
— Do que estavam falando? — Desconfiado, viro o joystick da cadeira para encará-lo.
— Sua irmã vai ter uma conversinha com a nossa amiga loira. — Porra, de repente, estou
na pré-escola. — Vai ser um duelo de gigantes — determina e esfrega as mãos em expectativa.
— Eu gostaria muito de estar lá.
— Pela primeira vez em muito tempo, fico feliz de estar aqui. — Dou de ombros. —
Preciso entrar, nos vemos mais tarde? — Ele assente, sorrindo para o telefone. — Para de babar
na minha irmã, seu safado.
— Ainda seremos família, Mason. — Como alguém tão inteligente consegue ser cego?
Entro na sala e tento processar tudo o que o professor fala sobre Sistemas
Fluidomecânicos, já prevendo que precisarei me dedicar em dobro para recuperar o tempo que
fiquei sem estudar para ir atrás dos meus sonhos. Enquanto quebro a cabeça tentando resolver
um exercício, me pego pensando no que Maeve está aprontando com a garota que deixou muito
claro que deseja a maior distância possível de mim.
Boa sorte para ela.
Que Frankie não me ouça dizer, mas essa coisa de inferno astral me parece cada vez mais
real.
Após ser encurralada pelo sujeito mal-humorado do outro dia e seu amigo com uma
proposta nonsense sobre me tornar sua “acompanhante” por um tempo — algo que neguei
imediatamente, é claro, me deparo com a vidraça da cafeteira pichada em tinta preta em um
bilhete estranho, o que levou todos, a polícia inclusive, a acharem que foi um engano ou apenas
obra de algum desocupado.
As câmeras foram cobertas pela tinta escura e o culpado conseguiu pichar toda a rua sem
ser flagrado. Tento manter a calma enquanto as letras pretas parecem gritar o meu nome.

Merda.
— Preciso, hum, preparar uma nova massa de cookie lá dentro, antes do turno da tarde —
aviso à Dwayne, que conversa com o policial sobre o resultado de um jogo de basquete e estão
distraídos demais para notarem as minhas mãos tremendo.
Na cozinha, com os ouvidos zumbindo, agarro-me à bancada, muito certa de que, nem
que eu passe o dia trabalhando nessa cozinha vou conseguir me acalmar. Juan não está brincando
e sei bem o que acontece quando não levamos os seus avisos à sério: foi assim que perdemos o
que nos restava após a morte do meu pai.
Correr para a minha mãe não vai resolver nada, apenas vai deixá-la preocupada
desnecessariamente. O que ela poderia fazer? Preciso de dinheiro. Urgente. Ao que tudo indica,
Dwayne não faz ideia de que devemos uma grana alta a um agiota que se intitulou meu dono
enquanto não quitarmos nossa dívida, e é melhor que não desconfie de nada. Já basta eu estar na
mira desse maldito sádico, não posso colocar os Jones no meio dessa confusão.
Eu preciso dar um jeito.
Droga!
Duas fornadas depois, estou sovando a massa de um pão de leite que vi na internet,
quando a porta da cozinha se abre e Dóris passa por ela. Seus olhos claros me encaram com
preocupação moderada enquanto esbofeteio a massa macia, tentando achar uma saída para o meu
problema.
— Querida, já está aqui há um bom tempo — adverte, tocando meu ombro de forma
carinhosa. — E tem alguém querendo falar com você lá fora.
Meu coração dispara e sinto meus olhos se arregalarem ao mesmo tempo que busco uma
rota de fuga para longe daqui. Até que penso com calma, tentando me recordar de que Juan não
apareceria aqui, ainda mais quando Dwayne está no caixa, e vários policiais frequentam o lugar
durante todo o dia. Não é ele.
Faço uma bola grande com a massa e deixo-a reservada em uma das vasilhas de alumínio
enquanto sigo para fora limpando as mãos no avental estampado com vários gatinhos coloridos
que ganhei de Nina no Natal do ano passado.
— Não vai se limpar? Está cheia de farinha e... — Ela me analisa, mas não consigo me
importar muito com a minha aparência no momento. Talvez eu me arrependa depois, mas agora,
não é algo que me faça voltar atrás. Não quando preciso que um milagre aconteça.
É isso, Deus.
Eu sempre fui uma boa menina. Ajudo a todos sempre que posso — e mesmo que não
mereçam — trato bem todas as pessoas e nunca fiz mal a ninguém de forma proposital. Eu
realmente preciso de ajuda. Qualquer ajuda.
Ainda estou conversando com o Pai Celestial quando Dóris aponta para a mesa no canto
direito, onde uma garota de cabelos escuros e vestida de forma muito elegante para ser uma
amiga minha espera, enquanto toma o que parece ser uma xícara gigante de chocolate quente
cheia de marshmellows flutuando em meio ao líquido quente.
— Ela é bem bonita — a garçonete comenta antes de voltar ao balcão.
A garota ajeita o cabelo e ri para o telefone antes de erguer os olhos e me encontrar aqui,
olhando para ela feito uma pateta congelada no lugar. É como se eu a conhecesse, embora nunca
a tenha visto antes, mas há algo familiar no modo como se move e como os olhos esverdeados
me encaram.
Ainda sorrindo, ela se levanta e caminha alegremente em minha direção. Suas roupas
elegantes e caras chamando atenção de oitenta por cento do público, mas ela não parece se
importar.
— Oi! Você deve ser Camila, certo? — Um sorriso brilhante enquanto ela me avalia à
distância. Um ótimo momento para estar coberta de farinha. A garçonete mais velha me lança
um olhar de “Eu avisei” quando a garota, quase uma cabeça mais alta que eu, me abraça como se
me conhecer fosse algo incrível. — Minha mãe não mentiu, você realmente parece uma boneca!
— Sua... mãe? — Finalmente reencontro a minha boca. — Eu...
— Me desculpa! — Revira os olhos. — Eu sou um pouco... intensa, às vezes. Parece que
conheceu minha mãe e meu irmão no sábado. — O sorriso simpático não desgruda dos lábios
pintados de vermelho. — Eu sou Maeve Porter. Podemos nos sentar? Sei que está trabalhando,
mas prometo que serei rápida.
Ah.
Está explicado por que parece que já a vi antes.
Como uma idiota, apenas retribuo o sorriso e a sigo até a mesa, sentando-me na cadeira
estofada à sua frente, enquanto ela faz o mesmo e toma um gole generoso de sua caneca.
— Isso aqui é maravilhoso — afirma. — Apesar de saber que devo evitar comer esse tipo
de coisa, não consigo resistir.
— E quem é que resiste? — Dou de ombros.
— Tem razão. — Mais um gole e um gemido de apreciação pela bebida doce. — Camila,
deve estar se perguntando por que estou aqui, não é?
— É, estou tentando descobrir. — É nesse momento que uma luz se acende na minha
cabeça. Merda, eu deveria ter ido à lavanderia ontem. — Olha, sobre as roupas que peguei
emprestadas naquele sábado, assim que estiverem lavadas eu entrego no prédio e...
— Roupas... — Maeve torce o lábio em um movimento muito parecido com o do irmão
naquela noite. — Ah! Não! Fique com elas!
— De jeito nenhum! Faço questão de entregar — digo e ela inclina a cabeça, voltando a
me analisar.
— Cami, você fez por merecer. Meu irmão está insuportável desde o acidente. Além
disso, acabei comprando errado, superestimando o tamanho da minha bunda e elas não me
serviriam, de qualquer forma. — Sorri, limpando alguns farelos de cookie de sua blusa, justa nos
seios grandes e na cintura afinada. — Mas, como eu dizia, não foi isso que me trouxe até aqui.
— O que quer comigo, Maeve? — Tento não ser ríspida, mas não estou no meu melhor
momento.
—Fiquei sabendo que Mason a procurou essa manhã e sequer o deixou falar o que
pretendia. — Ah. O mimado não soube lidar com a rejeição e chamou a irmã para vir tirar
satisfação comigo? Estamos no maternal? — Ele não me mandou aqui, se é isso que está
pensando. — Será que as mulheres dessa família podem ler mentes? Credo. — E nem precisa se
armar contra mim, eu vim em paz. E o fato de ter se negado a dar ouvidos à Mason só me fez te
admirar mais. — E então ela abre um sorriso largo. — E talvez tenha criado um crush em Chuck.
Ela deve estar falando do amigo de óculos, que parecia prestes a aplaudir quando deixei o
idiota falando sozinho.
— Olha, eu realmente preciso trabalhar. — Minha massa vai ficar borrachuda se eu não
voltar a sová-la logo.
— Não vou tomar muito mais do seu tempo, prometo. — E logo assume uma postura
séria e seu olhar hipnotizante me mantém presa ao lugar. — Precisamos de você. — E antes que
eu diga alguma coisa, sua mão pousa sobre a minha e me silencia. — Olha, depois do acidente,
meus pais surtaram. Mason se tornou apático e então, transformou-se naquele sujeito chorão e
intratável por ter que se despedir de seus sonhos. Qual de nós não ficaria? — Exala um sorriso
triste. — O que vou te falar precisa ficar entre nós, por favor. — Pausa e espera que eu concorde.
— Ele ainda está sofrendo com as consequências de um inchaço no cérebro e, por isso, não tem
muita força nos membros superiores. Está frustrado e acaba de retornar para a faculdade depois
de pausar sua vida nas pistas da stock-car.
— Ele era piloto? — As fotos na parede fazem sentido agora.
— Uma promessa da Nascar. — Gira a xícara.
— Não vejo como posso ajudá-la. Não sou da área da saúde, sabe? Faço engenharia da
computação, não vejo como poderia...
— Ajude-o com os estudos e assessorando nas atividades diárias, além de fazer
companhia a ele. É só do que precisamos. — Estou pronta para negar, e Maeve, esperta como é,
parece perceber. — Estamos falando de um salário mensal considerável e todas as bonificações
possíveis, é claro. Além de um estágio remunerado na Parson Tech por um ano, com
possiblidade de se tornar um emprego. O que acha?
Eu não deveria aceitar.
E ainda poderia dar muito, muito errado.
Mas...
— Por que eu? — Não é questão de duvidar da minha capacidade, mas convenhamos, eu
não sou a pessoa mais comunicativa e simpática do mundo. Na maior parte do tempo, apenas me
ocupo em ser invisível e seguir com a minha vida independentemente do que pensem de mim.
Se não me veem, não podem me ferir.
— Por que não? — Suspira. — Olha, segundo a minha mãe e Chuck você não se deixa
intimidar pelos modos grosseiros de Mason e sabe estabelecer limites e, por um milagre, fazê-lo
obedecer. O que te torna perfeita.
— Maeve, olha, eu... — Engulo em seco. Orgulho não pagará as minhas contas ou a
maldita dívida que vai me deixar livre do traste perigoso que deixou claro que está atrás de mim.
— De quanto estamos falando? E por quanto tempo vão precisar de mim?
A satisfação no rosto da garota à minha frente deixa claro que ela notou o meu ponto
fraco e pretende atingi-lo até me fazer aceitar essa proposta um tanto indecente de emprego, que
vai me pagar mais do que eu ganharia trabalhando em três lugares por dez anos.
Quase uma hora depois, observo Maeve Porter sair pela porta da frente, que foi limpa
enquanto eu pedia a Deus por um milagre — que parece ter se materializado na forma de um
cara mimado de cabelos pretos e mal humor para dar e vender. Poderia ter facilitado um pouco?
Poderia. Mas não serei eu a questionar os Seus planos.
Recebo e agradeço.
Com uma família como essa, Mason Porter não pode ser tão ruim assim.
Acordar cedo tem se tornado algo corriqueiro para mim nessa fase da minha vida.
Quando não é a maldita dor na perna, são os pesadelos envolvendo aquele acidente infeliz, que
não me deixam em paz. Com alguma dificuldade, aperto alguns botões na cama hospitalar e
consigo erguer a cabeceira, deparando-me com o porta retrato em minha mesa de cabeceira.
Na imagem, estou erguendo o meu primeiro troféu com um sorriso largo e feliz, no que
parece ter sido séculos atrás, ao invés de poucos meses. Não vá por esse caminho, idiota.
Espreguiço-me e imediatamente me arrependo, quando sinto os espasmos musculares nos braços,
que fogem totalmente ao meu controle. Puxo o ar com força, enchendo os pulmões como Jake
ensinou e relaxo os músculos, logo retomando o controle do meu corpo.
As vozes, que antes estavam ao longe, provavelmente na cozinha, agora estão no
corredor, e consigo distinguir a risada de Maeve, que deve voltar para New Haven hoje, para
tristeza de Chuck, que fez chantagem emocional ao se despedir dela ontem. Meu amigo segue
insistindo em tentar uma chance com a minha irmã. Coitado.
— Esses músculos são mesmo de verdade? — ouço a safada em questão perguntar perto
demais do meu quarto e reviro os olhos.
— Cada um deles... — Jake responde e a imagem mental de Maeve massageando o
bíceps do sujeito invade a minha mente. Porra, que imagem do caralho.
— Se não envolvesse treinos pesados, eu até me arriscaria. — A sem-vergonha gargalha.
— Mas sou uma flácida feliz. — Não sei o que Jake murmura, mas desconfio pela resposta que
recebe. — Não sou sedentária e corro cinco vezes na semana, só não aprendi a apreciar
academias. Acho chato.
As batidas à porta anunciam sua entrada antes que a abram. A não-sedentária e o idiota
de riso frouxo flexionando os músculos do braço apenas para se exibir. É cada coisa...
— Lembrou que tem um irmão e veio se despedir? — Aparentemente, ela já está pronta
para sair.
— Olha só quem acordou dramático! — revira os olhos claros como os da nossa mãe. —
Ainda não, bebê. Mas vou daqui a pouco. — Minha irmã bate palmas me apressando e corre até
a cama, sua mão cheia de anéis brilhantes bagunçando ainda mais o meu cabelo. — Jake, me
ajuda a deixar o Mason apresentável. Rápido, ok?
Eu não deveria ficar chocado com a velocidade com a qual o sujeito corre para obedecê-
la. Ninguém nega nada à essa garota impossível, e com meu fisioterapeuta babando
desavergonhadamente em sua bunda, não seria diferente.
— E o meu café da manhã? Sabe que prefiro tomar no quarto e... — começo a questionar
enquanto sou empurrado de forma quase violenta até o banheiro. — E por que preciso me
arrumar? Não é como se eu fosse sair de casa e... Não. — Paro, com Jake ao meu lado, que me
encara com um risinho filho da puta no rosto. — Ela...
— É, eu sou a porra da sua fada madrinha, irmãozinho. — Sorri de um modo nada
angelical. — Estamos te esperando para tomar café. Seja um cara decente e se comporte, ouviu?
Ou eu vou voltar para arrancar as suas bolas — Maeve fala sério. — Não demore. Deixei uma
roupa bonita sobre a sua cama. — E então sua voz ecoa um pouco mais afastada. — E escove
bem os dentes! E penteia esse cabelo!
Porra. Chata para um caralho.
Mas realmente, ninguém diz não à Maeve. Nem mesmo eu ou ao, que tudo indica, a
intransigente Camila Torres — e, por ser irritante como é, eu já deveria esperar isso da minha
irmã. É claro que ela convenceria a loirinha insuportável com cara de boneca.
Mais uma pessoa para ficar de olho em mim. Uma que não nutre a menor simpatia pela
minha pessoa, dessa vez.
Perfeito.

Quinze minutos depois, conduzo a minha cadeira até a sala de jantar, onde está rolando
uma conversa animada entre minha mãe e irmã com a garota de moletom da faculdade, que
devora um pão como se já conhecessem há anos.
— Mason! — Minha irmã faz o favor de chamar a atenção que eu não queria sobre mim.
Logo os olhos azuis focam o meu rosto e o rosto sorridente se transforma em uma expressão
irritada. É, você também não é a minha pessoa preferida. — Estávamos te esperando!
— Estou vendo... — aponto para o pão e a xícara de café na mão de Maeve — como
estavam ansiosas pela minha chegada. Como vai, Camila Torres? O pão parece delicioso.
— Para de reclamar e vem logo tomar o café. — Minha irmã ponta para o espaço vazio
entre minha mãe e Camila, que já não parece mais tão relaxada quanto antes. — Cami, esses
biscoitinhos estão uma delícia! Devia experimentar!
— Olá, Mason! — cumprimenta com uma simpatia fingida que faz minha mãe rir.
Traidora. — Sim, tá incrível! Experimenta também aqueles biscoitinhos de nata — aponta para o
pote nas mãos da minha irmã —, são maravilhosos!
— Sempre tem uma resposta para tudo, não é? — digo com um sorriso fraco, sentindo
imediatamente a mão de Emily Porter em meu ombro, em um aviso silencioso.
Será que elas ainda não notaram o brilho afiado nos olhos azuis? Que por trás daquele
rostinho angelical, Camila não é nenhuma donzela em perigo?
—É maravilhoso que Camila tenha aceitado vir te ajudar nessa retomada dos estudos e
nas demais atividades até que se recupere. Sabe como a minha agenda e a do seu pai ficam uma
loucura nessa época do ano. — E estende um braço para tocar a mão da garota, que parece
reluzir só por causa dessa conversinha mole. — Sinta-se em casa, querida.
— Mas não muito — aviso enquanto Célia me serve uma xícara de café sem açúcar.
— Está explicado, tanto amargor! — a loira, que hoje está usando um vestido preto e uma
tiara vermelha, bate de leve na mesa, atraindo toda atenção para si, o que faz suas bochechas
ficarem cor-de-rosa. — Falta doce na sua vida, Mason. — Minha irmã gargalha e minha mãe
disfarça o riso por trás do guardanapo. Uma merda de complô. — Senhora Célia? Talvez
devêssemos acrescentar mais açúcar nas refeições dele, o que acha?
— Gostei de você, menina. — A governanta pisca um olho para a garota que sorri junto
com as outras, toda cheia de si.
— Ah, eu também, Célia! — Minha mãe se levanta ainda rindo. — Vejo vocês mais
tarde. Camila, é um prazer tê-la conosco. E você — olha para mim —, comporte-se. Vamos,
querida? Não queremos chegar atrasadas ao aeroporto.
Maeve, a última comparsa da garota ao meu lado, levanta-se e, após minha mãe se
despedir de mim, deixa um beijo no topo da minha cabeça e deseja “boa sorte” no meu ouvido,
antes de se despedir de Camila.
— Não se matem, ouviram? — avisa antes de ir até suas malas no corredor.
— Estou todo quebrado — resmungo. — Que estrago eu poderia fazer?
— É melhor não mexer comigo então, Mason Porter — a voz doce avisa. — Tenho uma
arma e medo nenhum de usá-la. — Arremessa um mirtilo em mim antes de se levantar,
recolhendo alguns pratos e xícaras e levá-los até a cozinha.
Quando a manifestação de Célia começa lá, sorrio satisfeito. Eu poderia ter avisado que a
governanta detesta que se metam em seu trabalho, mas não pude evitar.
Um idiota, eu sei.

Mais uma aula enfadonha de cálculo, que preferia não ter que estudar, mas que serei
obrigado se quiser me formar e, como não me restam muitas alternativas, preciso engolir o meu
orgulho e tentar entender essa merda de qualquer jeito. Estou terminando de, finalmente, acertar
o exercício, quando a vejo entrar na sala com um de seus moletons cinza da universidade sobre o
vestido preto e a tiara de antes no alto da cabeça loira.
— Puta que pariu! — Será que minha mãe combinou com ela de vir me pentelhar aqui
também? Não é possível!
A comoção na sala aumenta quando outros nerds entram pela porta, antes que o professor
passe por ela, fechando-a assim que passa e caminha tranquilamente até a sua mesa.
— Por que parecem surpresos? — Sr. Mosby cruza os braços magrelos diante do suéter
de lã que parece estar em moda entre os alunos recém-chegados. — Eu já havia falado a respeito
do trabalho multidisciplinar, certo? Esses alunos que acabam de chegar foram sorteados para
essa classe. Vou dar alguns minutos para que se conheçam e formem duplas, por enquanto.
Que merda.
— Então, vai ser a minha dupla — afirmo, ainda sentindo os olhares sobre nós.
É claro que nos viram chegando juntos e estão se coçando para saber o motivo. Se esse
plano não der certo, vou colar um chiclete no cabelo daquela filha da mãe lá em New Haven.
— É o mais óbvio a ser feito. — Dá de ombros, abrindo seu computador como se não
fosse nada demais. — Afinal, vamos passar algum tempo juntos, não é? Deveria abrir o seu
computador e se preparar para algumas anotações. Sr. Mosby vai falar sobre o trabalho.
— Uma nerd, que maravilha. — Reviro os olhos.
— Sim, ótimo para você e para quem for sorteado para estar na nossa equipe — declara,
como se fosse uma constatação óbvia.
— Nossa... — repito e é a vez de ela ficar impaciente.
— Expliquei ao professor sobre a nossa situação, e uma ligação da sua mãe pareceu
resolver tudo. — Claro que meus pais iriam se meter. — Não pense que eu farei o trabalho
sozinha. Não tenho tempo, ok? Então, é melhor prestar atenção.
— Sim, senhora Loirinha. — Seguimos assim, sentados lado a lado e prestando atenção
na aula, até sermos dispensados e nos prepararmos para ir embora.
Nos corredores, a fofoca corre solta e, como se não bastasse todos os olhares sobre mim
nessa cadeira, ainda tem a presença loira pairando ao meu redor, segurando uma pilha de livros
contra o peito e fingindo não ouvir os comentários maldosos sobre si mesma e sobre nós.
— Me dá esses livros, Loirinha. — Ergo a mão, quando ela nega uma vez. — Olha, eu só
estou tentando ser gentil, ok? Não há a menor necessidade de carregar a biblioteca inteira quando
estou andando em uma cadeira e...
Sem dizer uma só palavra, Camila coloca os livros no meu colo e segue andando em
silêncio e sem olhar mais de uma vez para as garotas maldosas que falam sobre suas roupas. E,
de repente, pego-me admirando o fato de que nada parece conseguir atingi-la.
É uma ilusão, eu sei. Todos temos nossos pontos fracos e Camila Torres não é uma
exceção.

Respiro fundo e tento não perder o controle durante o jantar. O motivo do meu
destempero são as malditas mãos trêmulas que não me permitem fazer algo simples como tomar
a porcaria da sopa à minha frente sem entornar metade do conteúdo da colher na minha camisa.
Puta que pariu. A que ponto cheguei.
— Porra! — resmungo, deixando a colher cair no prato com um ruído que soa alto
demais até para os meus ouvidos. Abaixo a cabeça e aperto os olhos fechados, respirando e
tentando me acalmar.
— Se fizesse os exercícios que passo para fazer fora das nossas sessões, isso não teria
acontecido. É o que tenho falado desde que começamos, mas... — Jake joga mais uma pá de terra
no meu orgulho, enterrando-me ainda mais fundo em minha miséria.
— Não é hora para isso, Jake. — A garota sentada a duas cadeiras de mim se levanta e
caminha até a caixa da tortura onde o fisioterapeuta guarda suas ferramentas, antes de voltar para
a mesa, parando ao meu lado. — A hora de refeição é uma hora sagrada. Me deixe te ajudar a
colocar isso aqui. — Pega uma das minhas mãos, que sofre um espasmo idiota quando a
pressiona e coloca a merda de um suporte de tecido no qual ela encaixa o cabo da colher e, com
um garfo limpo, começa a partir os pedaços de carne em meu prato.
— Maravilha! Nem comer eu consigo! — Bufo, encarando o prato de sopa. — Será que
poderia ser mais rápido? Que lentidão da porra! Estamos pagando por hora?
— Pode continuar com dó de si mesmo ou pode comer antes que a sua comida esfrie
ainda mais, Mason. A escolha é sua. Assim como era quando entrou naquele carro, então... O
que vai ser?
Empurra o prato em minha direção sem tirá-lo da mesa, voltando a comer com sua
tranquilidade inabalável, mesmo diante do meu comportamento desprezível. Porra.
— Como é que consegue? — pergunto após alguns minutos.
— O que? — Os olhos azuis me encarando com atenção.
— Nada parece te afetar. — Dou de ombros. — Eu fui um babaca com você agora e peço
desculpas por isso... — Bufo quando ela espalma a mão pequena sobre o peito. — Mais cedo, as
garotas no corredor estavam falando de você, não é? Como consegue?
— Você está amargurado e ferido, eu entendo e respeito isso. É normal descontar sua
frustração em todo mundo que se aproxima. Ainda mais quando se está com dor. — Sorri
daquele modo convencido para Jake, antes de emendar: — Além disso, nada do que você ou uma
daquelas garotas disser vai me atingir. Eu não conheço nenhuma delas, assim como não conheço
você, por isso, sua opinião sobre mim não me interessa. Não vai conseguir me magoar tão fácil,
Mason, eu sinto muito.
— Caralho! Você podia ter dormido sem essa, cara — é Chuck quem diz, assim que
passa pela porta da cozinha. — Olá, moça bonita! Como vai?
Um flash de reconhecimento brilha nas írises azuis da garota que voltou a se sentar em
seu lugar e ela trava o maxilar delicado quando o folgado se senta entre nós.
— Como estão as coisas por aqui? — Sem noção, como sempre, ele se vira para ela e
estende a mão no espaço entre eles. — Jake. Eu sou o Chuck. Poderia ter me apresentado
naquele dia na biblioteca, mas notei que estava nervosa e não quis que me associasse
imediatamente a esse cara aqui.
— Foi um gesto sábio da sua parte — afirma sorrindo. — Aceita jantar conosco?
— Com toda certeza! Eu jamais negaria uma comida caseira — o idiota folgado responde
e já começa a se servir, conversando com a garota como se fossem velhos amigos.
A culpa é da minha mãe, que disse a ela que se sentisse em casa. E minha, por não
conseguir parar de ser um idiota. Eu mereço.
Tudo bem, eu subestimei o quanto Mason Porter pode ser um cara difícil. Ou talvez eu
tenha superestimado a minha capacidade de lidar com três empregos mais a faculdade. De toda
forma, tenho quase certeza de que é a soma dos três fatores que está me provocando essa dor de
cabeça que não parece passar nunca.
Dwayne foi mais do que compreensivo ao manter meu salário, mesmo reduzindo várias
horas de serviço, desde que eu mantenha a estufa abastecida — isso explica o fato de eu ter
passado as primeiras horas dessa tarde sovando massas e assando cupcakes antes de vir para a
cobertura de luxo lidar com o serzinho reclamão que agora termina seus exercícios com o
fisioterapeuta na sala, enquanto separo algumas roupas para quando ele sair do banho.
É uma das minhas obrigações? Não. Mas ficar parada não é algo interessante para alguém
prestes a cair no sono sobre o teclado do computador, como parece ser o caso. E ainda tenho
mais um turno a cumprir essa noite, antes de encontrar a minha cama macia.
Não é fácil ser um pobre endividado.
Estou parada no meio do quarto grande, observando distraidamente os quadros de fotos
na parede. Assim como na sala, há várias fotos de carros e Mason sempre cercado de pessoas,
entre muitos sorrisos e comemorações em pistas de corrida e festas — o sujeito das fotos não se
parece muito com o ranzinza implicante que conheci recentemente. Em uma delas, está com o
macacão azul-marinho e branco caído embolado em sua cintura, diante de um desses carros
esportivos com uma postura feroz e perigosa que parece recém-saída de um desses filmes de
ação.
Como alguém pode ser tão lindo e gostoso desse jeito?
— O que tá olhando aí? — A voz interrompe meus pensamentos e faz o meu rosto se
esquentar imediatamente, pelos rumos dos meus pensamentos descabidos.
— O que é “Rage”? — devolvo a pergunta e ele abre um sorriso de lado, irônico, antes de
tirar uma mecha escura de cabelo da testa.
— Era o meu codinome nas corridas clandestinas — conta orgulhoso. — Foi com ele que
me tornei conhecido.
— Ah... Seus amigos? — Um grupo de homens sorri para a câmera no que parece ser
uma praia.
— Costumavam ser. — Mason engole em seco, mas segue acompanhando o meu dedo,
que desliza pelo quadro de fotos. — Ou, pelo menos, eu achava que eram.
O amargor em sua voz não me passa despercebido e imediatamente entendo melhor seu
isolamento e sua revolta com tudo que o cerca, mas decido não inflamar ainda mais a ferida já
aberta.
— Sua namorada é bem bonita. — Aponto para a garota de longos cabelos escuros que
aparece em mais de uma foto beijando-o ou sentada em seu colo. — E você não é tão mal assim,
quando está sorrindo.
— Ela não é minha namorada — diz, aproximando-se mais de mim. Os olhos escuros
fixos na foto maior, onde ele, vestindo o tal macacão desconcertante, agarra a cintura fina da
modelo e eles sorriem para a câmera com a pista ao fundo. É tudo tão lindo e perfeito que parece
um ensaio de revista ou a capa de um dos romances que Frankie vive lendo. — É só alguém que
eu pensei que conhecia. Poderia tirar essas fotos daí, tinha me esquecido disso.
— Mason, isso aqui, todos eles… Faziam parte da sua vida, talvez não seja o momento...
— começo a dizer, mas sou interrompida pelo toque da mão quente e trêmula em meu punho.
— Por favor, Camila, tire essas fotos daí. — Os olhos escuros revelando uma mágoa
dolorida que me faz atender ao seu pedido imediatamente.
Uma a uma, vou retirando as fotos e colocando-as sobre a mesa, enquanto Mason observa
a tudo em um silêncio raivoso nada incomum para ele, mas, ainda assim, impactante. Essa garota
deve mesmo tê-lo magoado muito. Assim que tiro a maior, ele toma da minha mão e a rasga
antes de jogar no lixo, cortando a palma da mão no processo.
— Mason... — Toco o seu ombro e ele desvia do meu toque, afastando-se.
— Jake está esperando lá fora e temos aquela merda de trabalho para fazer. O Sr. Mosby
ficou de colocar o resultado do sorteio dos grupos essa tarde e aí poderemos ver em que merda
fomos metidos.
Não posso dizer que essa não é uma preocupação válida, já que a possibilidade de ficar
no mesmo grupo que aquele jogador exibido tem me dado dor de estômago nos últimos dias,
como se já não bastasse ter que tolerar suas conversinhas mentirosas para iludir a minha amiga,
que acaba chorando no meu colo sempre que ele faz merda.
— Camila? — Mason chama da porta, e só então noto que estou congelada no lugar. —
Você vem?
— Claro. — Balanço a cabeça e jogo todo o pensamento positivo possível para o
Universo. Sem jogadores de basquete ridículos no nosso grupo. Assim seja. Me coloco em
movimento e vou até a caixa de primeiros socorros, pouco me importando com a impaciência do
sujeito à porta. — Assim que eu terminar de limpar esse corte na sua mão.
Mason, é claro, começa a protestar imediatamente, mas para quando vê que não fará a
menor diferença.
— Obrigado — a voz baixa diz assim que termino minha obra de arte. Talvez devesse ter
investido em enfermagem, no fim das contas, eu me daria bem nisso.
— Sempre que precisar — respondo, mas seu maxilar trava.
— Não faça promessas que não pretende cumprir, Camila Torres — avisa, antes de virar
a cadeira e sair corredor afora, visivelmente decepcionado. — Como vê, já tive o bastante delas.
Eu não faria isso. Eu poderia ter dito, mas que diferença faria, depois do que ele viveu?

Estou tão focada nos exercícios de linguagem de programação em meu computador que
perdi a noção do tempo, sentada no sofá da sala enquanto ouvia Mason reclamar sobre a dor em
seus ombros nos últimos dias. Fruto de seus treinos em casa para se adaptar ás muletas, segundo
o fisioterapeuta.
— Tão séria! — Sinto o toque do dedo em meu nariz e ergo os olhos em direção ao
sujeito vestindo um conjunto esportivo de moletom. — Você fica muito bonita concentrada,
Cami.
— Tomara que isso não esteja atrapalhando o resto da minha turma durante as aulas —
brinco com ele, fazendo o idiota às suas costas revirar os olhos. — Qual é o problema, Sr.
Porter? Suas axilas já estão doendo?
— Você sempre foi CDF assim? — Pega um dos meus marca textos e rabisca a folha de
rascunhos ao meu lado.
— Conhecimento é a única coisa que ninguém pode me tirar — cito meu pai com
orgulho. — Você deveria pensar assim também. A sua experiência nas pistas de corrida te deu
uma ótima noção do que funciona ou não dentro da sua área de estudo, não é? Mesmo que não
volte a correr, o que aprendeu e viveu dentro daquele carro será seu para sempre.
— Tem certeza de que não tem noventa anos? — o imbecil pergunta, apenas para
provocar, mas ninguém poderá me culpar por nunca ter tentado fazê-lo abrir os olhos. — Vou
tomar um banho e volto para a gente começar o trabalho. Será que poderia ver se o sorteio dos
grupos já rolou enquanto isso?
Estava tão imersa na matéria que havia me esquecido dessa porcaria de sorteio.
— Jake, por que você é sempre tão mandão? — pergunto ao fisioterapeuta que guarda
tudo dentro da caixa enquanto rimos do nosso “protegido”, que resmunga lá de dentro. — Por
falar nisso, como está Dorothea?
E só a presença do homem simpático, contando tudo sobre as novas peças compradas
para o carro antigo, para que eu não entre em pânico ao abrir o aplicativo da universidade.
A lei de Murphy me persegue desde sempre.
— Cami? Você não me parece bem, está um pouco pálida — ele diz após falar sobre
alternadores e pastilhas de freio, vindo em minha direção. — Aconteceu alguma coisa? É sobre o
tal sorteio?
Merda de sorteio dos infernos.
Após me recuperar do susto no início da tarde e ter a prestativa Célia me entupindo de
chá para acalmar meus nervos, enquanto eu e o cristalzinho da casa tentamos montar uma
estratégia para fazer o tal trabalho de forma a não precisar de muitos encontros com os outros
três membros da equipe mais tóxica que já se viu, decido que precisamos de terapia intensiva.
Eu, por nutrir uma antipatia profunda pelo idiota que ilude a minha amiga, e Mason por
ter que tolerar o ex-amigo e novo namorado de sua ex. Ou algo assim. Não entendi muito bem
enquanto ele xingava todos os palavrões possíveis e impossíveis, até perceber que seria obrigado
a tomar o tal chá. Só assim para ele parar. Esperto.
E é por isso que, alguns minutos depois que ele me deixou na sala, com a desculpa de
estar com dor de cabeça, decidi me conformar com a dura realidade e fazer uma ligação rápida
para tentar salvar o resto do dia. Depois de tudo esquematizado, respiro fundo e entro no quarto
escuro, abrindo as janelas sob os protestos do sujeito jogado na cama de forma dramática com a
camiseta preta enrolada em seu tronco, revelando grande parte de seu corpo e algumas tatuagens.
Nota mental: perguntar ao Jake como é que, mesmo sem fazer exercícios, Mason ainda
consegue manter o abdômen definido desse jeito. Não é natural. Lindo, mas improvável.
— Que merda pensa que tá fazendo? — reclama, como eu já esperava, enquanto pego
algumas roupas limpas nas gavetas e jogo sobre ele. — Camila…
— Já chega de sofrimento e autopiedade! Hoje começa de verdade o nosso projeto “volta
por cima”. Anda logo! Estamos de saída!
— Não estamos não. — Tenta se esquivar, mas como está sentado na cama, não consegue
e é obrigado a abrir os olhos e lidar comigo.
— Estamos, sim, senhor! — retruco, apenas para vê-lo fazer pirraça, sentando-se e
cruzando os braços diante do peito. — O motorista já deve estar nos esperando. Vamos logo,
porque não quero me atrasar!
— Mas que merda... — começa a reclamar, mas para quando seguro seus lábios entre o
meu indicador e o polegar.
A surpresa em sua expressão quase me faz rir.
— Bico de pato para você que não para de reclamar nunca! Vista essa camisa. — Liberto
sua boca, rindo quando ele massageia o lábio inferior. — Agora, Mason.
— Chata para um caralho! Que mulher insuportável! — reclama, mas tira a camisa de
antes e a joga para trás, revelando o corpo bonito. — Satisfeita, agora?
— Quase. — Pego a escova de cabelo e me aproximo dele. E isso é algo que nunca vou
admitir, mas os cabelos macios e escuros são tão brilhantes que sempre preciso conter as mãos
para mantê-las afastadas dos fios que parecem tão sedosos. Mas para azar dele, hoje tenho a
desculpa perfeita. Ele que lute.
Mason arregala os olhos assim que sente a escova correr pelos fios escuros e, com calma
e cuidado, penteio seu cabelo de lado, deixando o rosto bonito em evidência, sentindo-me muito
satisfeita com o meu trabalho. E por ter sentido a maciez surpreendente.
Eu deveria investir em xampus melhores.
— Agora, estamos prontos. — Belisco sua bochecha e, como previsto, ele resmunga,
mal-humorado como sempre. — Vamos?
—Tenho escolha? — Os olhos escuros me encaram com expectativa.
— Não. Você vai gostar, prometo. — Embora ele não pareça nada convencido, segue
meus passos corredor afora com sua cadeira motorizada, enquanto entro na cozinha para pegar o
meu casaco e a minha bolsa.
— Tem certeza disso, Cami? — Célia me encurrala quando passo por ela, preocupada. —
Ele é um bom menino, mas, nos últimos tempos...
— Posso lidar com ele, Sra. Célia, pode ficar tranquila — garanto a ela enquanto o Sr.
Porter sai de seu escritório, curioso.
— Onde estão indo? — Os olhos, tão escuros quanto os do filho, focados no sujeito na
cadeira de rodas.
— Ao parque — revelo animada. — Nos acompanha?
— Dessa vez, não. Mas farei questão de ir na próxima, Camila. Obrigado. — Mason
segue reclamando, é claro. — Aproveite, filho. Será bom pra você. Obrigado.
— Não por isso! É um lugar especial pra mim! — Sorrio e me posiciono atrás da cadeira,
evitando me contaminar com o desânimo do sujeito. — E você também vai gostar, Rage. Muito.
Nunca fui uma pessoa supersticiosa, mas quando ouvi o apelido deixar a boca
avermelhada de Camila Torres, eu soube que a merda ia ser grande. Nada de bom sairia daquela
porcaria de passeio no parque. Porra!
— Abra sua mente, Rage! — a loira com os cabelos presos no alto da cabeça exige. —
Vai ser legal.
O discurso otimista contrastando com as roupas escuras e sem graça de sempre — essa
garota é uma contradição ambulante.
— Não vejo como. E pare de me chamar assim — resmungo, observando enervado o
trânsito caótico da cidade.
— Por quê? Você mesmo disse que é o seu apelido. — Dá de ombros. — Além disso,
combina — os olhos muito azuis me observam por entre os cílios claros e me pego pensando em
como explicar que parece fora do lugar ouvi-la usando esse apelido, agora que tudo aquilo parece
tão distante —, você vive sempre tão furioso com tudo.
Ignoro-a enquanto o carro estaciona em uma das vagas ao redor do parque e logo Jim, o
motorista da família, descarrega a cadeira de rodas e a monta sob o olhar atento da garota que
hoje veste uma calça jeans, bata de tecido grosso cinza e um casaco quase da mesma cor,
combinando com o céu nublado sobre as nossas cabeças.
— Nem adianta insistir em ficar no carro ou voltar. Nós já estamos aqui. — Camila abre
a porta ao meu lado enquanto o motorista se aproxima com a cadeira, ela confere as horas no
aparelho antigo antes de voltar a guardá-lo na bolsa. — Já deve ter começado.
Ignoro os olhares de pena das poucas pessoas que passam por nós e sigo o duende loiro,
que parece mais feliz do que o normal, para dentro do parque, ouvindo o som das buzinas
estridentes e dos voos dos pássaros que vivem em meio à cidade movimentada.
— O que estamos fazendo aqui? — pergunto entredentes conforme corro os olhos pelo
resto do time, que segue jogando, mesmo desfalcado, um pouco mais à frente.
— Já estamos chegando e você verá. — Aponta para a quadra.
— Olha, se essa for uma tentativa sua de... — começo a dizer, mas sou interrompido por
um grito estridente que faz um bando de pássaros perto dali voarem.
— Cami! Você veio! — Uma garotinha de tranças vem correndo e agarra a cintura da
loira ao meu lado, que logo é contagiada com a empolgação da criança que agora tem os olhos
escuros e curiosos focados em mim.
— É claro que eu vim! Fez o meu sanduíche com molho extra? — A menina finge pensar
e logo se abaixa, gargalhando por causa das cócegas que Camila faz em sua barriga.
Aos poucos, vamos chegando a um espaço amplo e uma rampa nos leva a uma quadra de
basquete onde os jogadores não correm nem saltam como nos jogos da NBA, mas têm uma
destreza incrível sobre duas rodas. O sorriso da garota ao meu lado se alarga e logo um dos
jogadores desliza até nós, parecendo feliz em vê-la, mas não surpreso, enquanto a cumprimenta
através da grade.
— E quem é ele? — A garotinha aponta o dedo em minha direção e o homem na cadeira
de rodas parece esperar pela resposta.
— Dwayne e Nina, eu apresento a vocês esse poço radiante de alegria que é o Mason. —
Reviro os olhos para seu tom irônico, e ela para ao meu lado, arrastando a garotinha que segue
grudada em seu quadril largo. — Um... amigo da faculdade. — Quando nenhum de nós diz nada,
ela me encara. — Seja um bom menino e diga “oi”, Mason.
— Oi, Mason. — Ergo a minha sobrancelha em desafio, enquanto o homem segue me
analisando e a criança ri.
— Seja bem-vindo. — A voz profunda do homem exala autoridade. — Cami me falou
sobre o que aconteceu com você e espero que tudo se ajeite — ele diz, mas é chamado por outro
jogador para o centro do campo. — Bem, vamos começar logo esse jogo. Divirtam-se. —
Aponta na direção de um pequeno grupo de torcedores empolgados demais para uma partida no
parque. — Maggie está na arquibancada com os outros.
— Já vamos até lá. — Olha para a quadra e um dos caras que está se aquecendo acena,
fazendo com que ela abra um sorriso tímido. — Adversário difícil?
— Um pouco, mas estamos preparados. — Estica as mãos protegidas por luvas diante do
corpo largo.
— Boa sorte! E não aceito menos do que dez cestas em minha homenagem — exige com
um sorriso enquanto a menina pula para o colo do homem e pede “uma carona” até o outro lado,
exigindo mais um número exorbitante de jogadas para si.
— Então, anda fofocando sobre mim por aí — comento enquanto sou empurrado pelo
caminho. — Deveria ter incluído um contrato de confidencialidade, Torres?
— Ele é um amigo da família e entende pelo que você está passando — justifica. —
Além disso, eu jantei com eles naquela noite em que te resgatei, então...
Assim que nos aproximamos mais do grupo, ela para de falar. E, como se fosse uma
celebridade, começa a ser ovacionada. Os abraços e risadas só param quando o primeiro apito na
quadra avisa que o jogo vai começar. A garotinha se senta ao meu lado e uma senhora mais velha
acena freneticamente em nossa direção.
— Olá, querida! — Dá um abraço forte em Camila, e então, volta os olhos escuros como
os da menininha para mim. — E quem seria esse gato?
Até parece. Frankenstein perderia para mim nesse momento.
— Um amigo, vovó Jones. — Camila descansa a mão em meu ombro. — Viemos assistir
ao D. jogar
— Sente-se! Venha aqui, Nina, e deixe que Camila se sente ao lado do rapaz. — Ela
aponta para o lugar ao seu lado. — Maggie foi buscar algo para beber e já volta. — Os olhos se
voltam para mim, que não faço a menor ideia de quem seja a tal mulher. — Ah, sim, eu sei quem
você é. O garoto da Nascar. Foi um acidente feio, filho. Tem sorte de estar vivo.
Totalmente inesperado.
— Sabe quem eu sou? — Meio chocado, observo-a tagarelar sobre o quanto o marido era
fã das corridas e a obrigava a vê-las todos os domingos. Um hábito que manteve, mesmo após
seu falecimento.
— Eu sinto muito. — Minha fala parece deixar a minha babá chocada. Porra, sou um
cara educado.
De vez em quando.
— Obrigada, querido. Você é um doce. — Volta sua atenção para os atletas na quadra, e
só por isso não vê a careta que Camila faz. — Meu Jerome não perdia uma corrida, ele ficaria
extasiado de te conhecer. — Sorri e aperta a minha mão. — Um piloto da Nascar sentado ao meu
lado, vejam só!
— Um ex-piloto, senhora — corrijo-a, sentindo o gosto amargo em cada palavra.
— Sabe quantas pessoas ficariam felizes em estar no seu lugar, realizando um sonho,
ainda que por um milésimo de segundo? — Estala a língua. — Veja o meu caso, ainda assistindo
às corridas, apenas para me sentir próxima a alguém que partiu. Não que seja algo ruim de se
fazer — ela baixa a voz —, ainda mais quando usam aqueles macacões. — Pisca os olhos,
sonhadora. — Já reparou nisso, Cami?
— Realmente, há um certo charme naquela roupa, vovó Jones — Camila concorda, e
logo que percebe o que acaba de dizer, seu rosto inteiro assume uma tonalidade cor-de-rosa.
Ora, ora...
— Experimente ter que ir ao banheiro com aquilo — comento, e a gargalhada da Sra.
Jones nos contagia. Só isso explica eu estar batendo papo com a velha senhorinha, que tem muito
a dizer e a perguntar sobre as corridas, enquanto o jogo corre e as pessoas gritam e vaiam
contínuas vezes para a quadra.
Inclusive a maluca ao meu lado.
— Logo vai estar bem de novo! — Sra. Jones dá alguns tapinhas em minha mão tentando
me tranquilizar. — Graças a Deus, Maggie chegou. Essa garota não para de reclamar de fome —
comenta apontando para a garotinha de tranças que corre até a mulher que se aproxima com uma
garrafa gigante de suco de uva nas mãos. Enquanto isso, a idosa me olha com atenção por um
tempo.
— Ficar bem talvez seja uma expressão muito forte — confesso, observando as mãos em
meu colo.
— Basta querer muito e não duvidar de si mesmo. — Seus olhos vagam até a quadra. —
Veja o meu filho Dwayne, por exemplo. Mesmo sabendo que nunca mais ia andar, ele não
desistiu. Pelo contrário, se adaptou. Às vezes, a diferença entre o possível e o impossível é
apenas a força de vontade.
Na quadra, os paratletas dão o melhor de si e captam minha atenção pela primeira vez
desde que cheguei aqui.
— Perdeu alguma coisa aqui, Camila Torres? — questiono à garota, que me olha com
uma expressão convencida no rosto.
— Eu? Não! Já você... — debocha. — Quer ajuda para procurar seu bom humor, Rage?
Será que ele existe?

Exausto, observo a loirinha ao meu lado, que exibe suas covinhas — uma em cada lado
do rosto — em um sorriso gigante enquanto aplaude o time que deixa a quadra vencedor.
Quando ela se vira para mim, a mancha de maionese em seu rosto me faz rir.
— O que foi? — Aponto para o seu rosto e ela inclina a cabeça, confusa e frustrada. — O
jogo acabou, Mason. Já estamos indo, ok?
— Graças a Deus! Mas eu estava tentando te mostrar isso. — Estico-me no assento e
limpo o molho em sua boca com o indicador, mostrando a ela e sendo surpreendido quando
lambe meu dedo sujo sem a menor vergonha.
— O que? — pergunta quando me vê totalmente paralisado, sem acreditar no que acaba
de acontecer. — É contra a minha moral desperdiçar esse néctar dos deuses. Você deveria ter
provado!
— Uma dieta balanceada... — volto a dizer, mas ela revira os olhos, impaciente.
— Quem perdeu foi você! — Mostra a língua e se levanta, cruzando a alça de sua bolsa
no peito. — Vamos nos despedir? Parece que vai chover.
— É só o que falta para encerrar esse dia de merda — resmungo e ela puxa os fios curtos
em minha nuca, como fez outras vezes durante a partida, após uma das crianças começar a falar
“porra” sem parar após me ouvir xingar.
Aos poucos nos despedimos de todos e estamos à caminho do carro, quando resolvo
romper o silêncio, já que a minha cabeça fervilha depois da conversa com a Sra. Jones e do jogo.
— Por que me trouxe até aqui? — Assim que o motorista abre a porta, transfiro-me, com
a ajuda de Camila, para o banco do carro sem encostar a porcaria da grade da minha perna em
nada. Um milagre.
— Se ainda não entendeu, não vou contar. — Dá de ombros. — Quem sabe, no próximo
jogo? — Cruza os braços curtos diante do peito, encolhendo-se um pouco quando uma rajada de
vento frio passa por nós.
— É por causa do sanduíche, não é? — acuso e ela nega, mas noto quando sorri antes de
entrar no carro para irmos de volta para casa. — É exatamente por isso! Mas que filha da mãe!
De anjo somente a cara e os modos delicados, não é?
— Não faço ideia do que tá falando. — Puxa os fios curtos do cabelo em minha nuca,
assim como fez todas as vezes que um palavrão escapou da minha boca na frente das crianças ao
nosso redor. — Jim, será que poderia me dar uma carona até a cafeteria?
Camila Torres, você é um gênio do mal.
Às vezes, eu sonho que estou correndo, principalmente nos últimos dias, em que minha
recuperação se torna cada vez mais real. Ou agora, enquanto tomamos nosso café da manhã
juntos e meus pais conversam sobre o que parece ser o assunto do momento: Camila Torres.
— Ela é realmente um amor de pessoa! — minha mãe repete pelo que parece ter sido a
centésima vez apenas hoje, e meu pai concorda, como fez em todas as outras vezes. — Mas, às
vezes, me preocupo com ela. Parece tão… cansada.
É, um amorzinho que usa um idiota ferido como desculpa para comer sanduíches
gordurosos. Mas eles ainda não estão preparados para essa conversa — sorrio antes de enfiar um
pedaço de mamão na boca, tentando me manter fora dessa conversa.
— Sim, Cami é uma garota especial. E linda — a voz no aparelho afirma. Um bando de
puxa-sacos. — E como estão as coisas por aí, irmãozinho? — Maeve pergunta através da tela do
celular da minha mãe, que o vira em minha direção. — Viu a campanha publicitária da sua ex?
— Tudo o que ouvi ou vi sobre ela, até agora, foi contra a minha vontade — afirmo para
a tela do celular onde a minha irmã ainda de pijama revira os olhos e ri.
— Sempre um raiozinho de sol! — critica, sarcástica. — Cami tem razão! — Maeve
gargalha, mas então, seu olhar sério me avalia. — Ainda gosta da Becca?
E lá vamos nós! Quem não gostaria de quebrar o jejum ouvindo falar sobre a fadinha
radiante que deve vomitar arco-íris, e então, toda essa baboseira sobre uma pessoa que me
descartou como se eu não valesse nada?
Diante da minha falta de resposta, eles ignoram a minha presença por um tempo — uma
tática que aprendi a usar há alguns anos, e que funciona bem até hoje, graças a Deus. E logo
minha irmã se despede, preparando-se para ir à aula.
— Mason, como combinamos antes, vamos resolver tudo o que precisamos na cidade nos
próximos dois dias, porque viajamos logo depois da sua consulta. Vamos ao hospital e ao
escritório agora cedo, precisaremos te deixar na faculdade, ok? É bom que esteja pronto para sair
em dez minutos. — Sem pausa nenhuma para respirar. Quase um recorde da Dra. Porter, e tudo
isso com uma xícara de café na mão.
— Ou eu poderia simplesmente não ir. — Apenas aponto a possibilidade, que é negada
de pronto pelos meus dois genitores, que deixaram sua casa nos Hamptons para virem morar
comigo depois do acidente. — É só escovar os dentes e estou pronto. — Aponto para mim e
meus moletons inseparáveis, desde que a grade dos infernos passou a fazer parte do meu dia a
dia, pretos no dia de hoje, e a camisa básica que irá por baixo do casaco jogado sobre o encosto
do sofá desde a última vez que tive que sair de casa.
— Tenho certeza de que é tempo o suficiente para pentear o cabelo, filho — minha mãe
comenta, atrapalhando ainda mais meus fios desalinhados. — Quem sabe, até fazer a barba?
— Ou, quem sabe, raspar a cabeça? — comento para ninguém em especial, mas noto
quando Célia fecha a cara e faz um sinal negativo com a cabeça em sua crítica silenciosa.
Eu poderia fazer isso em dez minutos. Ou menos.
Caberia uma vida nesse tempo.

Quatro minutos e meio.


Esse é o tempo exato que levo para conseguir me esconder em uma sala vazia enquanto
espero para que as últimas pessoas deixem o prédio. Doze minutos é o tempo que a nerd loira
furiosa e assustada leva para me encontrar no fundo da sala, cochilando sobre meus braços.
— Mason Porter! — Levanto minha cabeça assustado. Um dos braços bastante dormente,
diga-se de passagem. — O que tá fazendo aqui?
Seu celular toca e ela atende na primeira chamada, mantendo os olhos fixos em mim.
— Eu o encontrei, Charles — ela diz, ainda me encarando com raiva, como minha mãe
fazia quando eu tinha cinco anos. Talvez eu mereça. — Eu agradeço muito. Não sei se posso
ficar sozinha com ele agora.
Ergo uma sobrancelha e ela cruza os braços, a fúria de volta aos seus traços delicados —
algo que parece perigoso e fofo ao mesmo tempo. É como ver um filhote raivoso.
E exausto.
Meus pais têm razão: Camila parece realmente cansada.
— O que estava pensando? Que merda tá fazendo sozinho nessa sala? — Olha ao redor e
pega uma folha de exercícios esquecida por algum descuidado e revira os olhos — Cálculo Um?
Sério? Sentiu saudades?
— Merda. — Fecho os olhos e volto a me deitar sobre a mesa. — Eu só…
— Mason, eu juro que vou te fazer passar vergonha diante daquele grupinho de
patricinhas lá fora, se não vier comigo agora — avisa, e só então percebo que os últimos vinte
minutos foram puro desperdício de tempo: Becca e sua trupe ainda estão lá.
— Fala mais baixo, porra! — rosno entredentes em um murmúrio ameaçador. — O que
tanto elas fazem nessa merda de corredor?
É bem óbvio que estou sendo punido por algum deus vingativo: depois de um acidente
horrível, uma suposta tentativa de acabar com a minha vida e de ter que andar nessa geringonça
pelos corredores da universidade, só me restava ter que confrontar a minha ex-namorada desse
jeito.
Caralho de vida dos infernos.
— Ah, entendi. — Camila se curva sobre a carteira, tirando-me a visão da porta. — É a
sua ex lá fora, né?
— Eu... — Sou um idiota, penso, mas não admito em voz alta. A humilhação já veio, não
preciso me afundar ainda mais. — Só não queria revê-la dessa forma. — Aponto para mim.
Camila ergue a sobrancelha e então seus olhos azuis esquadrinham o meu corpo inteiro,
desde o pé erguido pelo suporte da cadeira até o meu rosto, sem demonstrar absolutamente nada.
As olheiras por baixo dos olhos captam minha atenção mais uma vez.
— A ideia era que ela te visse lindo pelo corredor com novas cicatrizes em um visual
bem badboy? — Ela tenta segurar o riso, mas não consegue.
Porra, é realmente ridículo para um caralho!
E logo estamos os dois rindo da situação estúpida em que me meti.
— É a falta de alguns miolos que perdi naquele acidente. Só pode ser — comento entre
risos.
— Provavelmente! — ela gargalha e se desequilibra para o lado, em uma tentativa de
estabilizar seu corpo, acabo puxando-a para mim e, de alguma forma, Camila termina sentada em
meu colo.
Seu grito e o som estranho que deixa a minha garganta quando a dor sobe pela minha
perna esticada no suporte atraem a atenção de alguns alunos que passavam por ali e, claro, do
grupo de líderes de torcida que nos encara da porta, todos com uma expressão de surpresa e
choque no rosto.
— Sua perna! — Camila se levanta preocupada e as mãos pequenas tocam a minha coxa
de leve. — Me desculpe, eu acabei...
— Tá tudo bem. — Afasto uma mecha de cabelo loiro que cobre seu rosto, revelando os
olhos muito azuis focados nos meus, tensos. — Pelo menos, só eu sigo todo fodido, certo?
— É verdade. Então… — Quando percebe nossa pequena, mas interessada plateia, ela
desvia o olhar e se afasta rapidamente, ajeitando a mochila azul nos ombros. — Vamos sair
daqui? Ainda temos muito o que fazer.
Lado a lado, caminhamos até o carro tentando ignorar os olhares curiosos que nos
acompanham. Quando nota que meus ombros se encolhem ao passar pelo grupinho de garotas
que me cumprimenta rapidamente, puxa os fios da minha nuca, fazendo-me erguer o rosto.
— Que se danem, Rage. Você é um sobrevivente — afirma apenas para mim, com um
sorriso brilhante que combina bem com o sol que nos recebe assim que deixamos o prédio para
trás.
Que se danem.

Quase sete da noite e estou sentado diante do IPad discutindo com meu pai, Chuck e
Nolan Jacobs sobre os rumos da RP Sports — e a sensação que eu tenho é de que esse dia é
eterno. Quando Jacobs, em um dos quadros na tela do meu aparelho, repete toda a ladainha sobre
a admissão de um novo piloto, começo a me perguntar se realmente sobrevivi ou se estou no
purgatório, pagando pelos meus pecados.
A segunda alternativa cada vez mais me parece a certa.
Uma mensagem pisca no canto da tela e a visualizo pela barra de notificações, sendo
obrigado a abrir o aplicativo para ver o que é que meu melhor amigo tem a dizer.

*Porter, não Potter*


C. Parsons: Não é hora de dormir.

Rage_Porter: Avise isso ao Jacobs.


Rage_Porter: Chato pra caralho. Pq ele não acha outro piloto logo?

C. Parsons: Cara, eu te falei.


C. Parsons: Ele não aceitou essa tarefa e eu não faço ideia de como fazer.
C. Parsons: É você quem entende dessas merdas. Se vira.

Rage_Porter: Merda.

C. Parsons: A vida não é um morango.

Como se eu não soubesse disso.

Encaro a tela, onde meu pai e Jacobs discutem sobre as outras decisões, e respiro fundo
quando o assunto sobre a nova temporada retorna. Por mais que eu deteste a ideia e me sinta
deprimido por ter que escolher alguém para assumir o meu lugar, não posso adiar. A vida adulta
é uma merda.
— Sobre o piloto — falo finalmente —, mande um vídeo do desempenho dos candidatos
na pista e suas fichas para mim. Vou trabalhar nisso.
— Mandarei amanhã, logo cedo — Jacobs avisa, exibindo uma expressão aliviada,
enquanto meu pai apenas sorri satisfeito.
Cinco minutos de ajustes depois e desligamos a ligação — no meu caso, apenas uma
formalidade, já que um dos sócios mora comigo desde que tudo aconteceu. E é ele quem bate à
porta do meu quarto nesse momento, antes de entrar.
— Fico feliz que esteja seguindo em frente, filho — meu pai diz ao se sentar na beirada
da cama. — Eu imagino o quanto é difícil para você, Mason. Mas sei o quanto é forte e
determinado e que vai vencer tudo isso.
— Espero que sim. — Exalo. — Estou cansado de perder, pai.
— Amanhã temos a consulta com o ortopedista, e sua mãe acredita que logo você vai
estar andando sem ajuda. Isso é bom, não é? — Assinto e encaro o teto, buscando por todo esse
otimismo.
— Mas não muda o fato de que eu não vou mais poder competir. Ou dirigir. — Engulo a
bile que sobe amarga pela minha garganta. — Mas vocês têm razão. Novos sonhos e planos,
certo? E eu ainda posso estar na Nascar.
— É assim que se fala! — Ele se levanta. — Que tal, sorvete?
— Caramelo salgado e amendoim? — sugiro e ele assente.
— O que aconteceu com o bom e velho chocolate? — reclama enquanto espera eu me
transferir para o meu novo veículo, que, se tudo der certo, logo estará apenas em minhas
memórias sobre essa fase difícil.

A sensação de ter o coração batendo dentro da sua cabeça é algo que eu deveria relatar ao
médico que segue observando os resultados das tomografias e diversos outros exames que fiz
desde que chegamos ao hospital, algumas horas atrás; ao invés disso, apenas engulo em seco e
tento manter minha ansiedade sob controle.
Sentados nas cadeiras ao lado da minha, meus pais esperam tão ansiosos e tensos quanto
eu, e quando a mão da minha mãe segura meu antebraço, percebo que estou tremendo,
aguardando pelo que vai sair da boca do médico que, finalmente, olha para mim com uma
expressão neutra. Porra, custava ter alguma emoção?
— Bem — o filho da puta faz uma pausa dramática. Por acaso ele pensa que está em um
desses programas em que mostram resultados de exames controversos de DNA? —, tenho boas
notícias, Mason.
Porra, sim!
Suspiro aliviado e minha mãe pressiona o meu braço em comemoração.
— O inchaço no cérebro diminuiu bastante e, a partir da agora, com os exercícios de
reabilitação, a força muscular e a coordenação em seus membros superiores deve retornar. —
Sorrio e flexiono os dedos em reflexo. — Algum formigamento ou pequenos choques e
espasmos estarão presentes nesse momento. — Confirmo e ele sorri. — São bons sinais. A outra
boa notícia é que faremos a remoção dos fixadores externos da sua perna, mantendo apenas os
internos. Podemos marcar a cirurgia para a próxima semana, caso queira.
— Para amanhã? — pergunto, fazendo todos rirem.
— Vou agendar tudo e peço à minha secretária para entrar em contato. — Ele organiza os
papeis espalhados sobre a mesa em uma pilha desorganizada. — Já que parece bastante ansioso
para se livrar delas.
— E dessa cadeira de rodas — acrescento. — Ficar de pé é um luxo, doutor.
— Gostaria que todos percebessem isso, Mason. — O médico sorri triste. — Vou pedir à
minha equipe que retire a tala do seu braço e nos vemos em breve, então.
Com toda a certeza.

No fim do dia, após jantar com os meus pais e já deitado em minha cama, pouco antes de
dormir, encaro o teto e as paredes, agora mais vazias — ou abertas a novas experiências e
oportunidades — quando o telefone sobre a mesa de cabeceira vibra, avisando da chegada de
uma mensagem.

*Porter, não Potter*


C. Parsons: Você é um péssimo amigo.
C. Parsons: Soube das boas notícias através de Maeve.

Rage_Porter: A palavra que está buscando é: “Obrigado”.


Rage_Porter: Disponha, Chuck.

C. Parsons: Feliz por vc, cara.


C. Parsons: E por ter salvado o contato da minha deusa.

Rage_Porter: Tá falando da minha irmã, caralho.

C. Parsons: Até mais, irmão. Feliz pelas notícias!


C. Parsons: Você merece.

Fecho a tela da conversa idiota e meus olhos focam no número desconhecido que me
enviou duas mensagens algumas horas atrás.

~Cami.Torres: Estava passeando perto do hospital hoje e tropecei em uma criatura feia e
malvada.
~Cami.Torres: Acho que perdeu parte do seu mau-humor, Mason Porter.
~Cami.Torres: Sua irmã me contou a novidade. Parabéns!
~Cami.Torres: Estou usando essa conversa como desculpa para me livrar de um bebum
que parece prestes a vomitar. Boa noite.

Essa garota é maluca. — E me fez gargalhar sozinho no escuro.

Rage_Porter: Um gênio do mal, eu disse.


E pela primeira vez em muito tempo, quando meus olhos pesam, minutos depois, sinto-
me esperançoso de que as coisas finalmente comecem a entrar nos eixos depois de tudo.
Ainda sonolenta, ergo a cabeça sem conseguir abrir os olhos e tento me localizar. Aos
poucos, os passarinhos cantando — ou gritando, como é o caso — na árvore ao lado da nossa
janela comprovam que estou no alojamento.
E atrasada.
— Merda! — Levanto-me correndo, de olhos abertos dessa vez, e começo a me vestir
com uma rapidez invejável.
Estou calçando os tênis quando a porta do dormitório se abre e Frankie passa por ela com
os olhos vermelhos, típicos de quem estava chorando. Maldito seja, Jamie Nelson.
— Chegou tarde ontem e pensei que talvez devesse dormir um pouco mais — comenta,
mas se assusta quando pulo, já quase pronta, até a minha mesa de estudos, separando os cadernos
com rapidez enquanto enfio um pedaço de biscoito murcho na boca. — Cami?
— Estou mega atrasada, amiga — respondo, pegando o primeiro casaco que vejo e
enfiando minhas mãos nele antes de agarrar a mochila. — Preciso conversar com um dos
professores sobre o trabalho do final do semestre antes de ir até a casa dos Porter. Te vejo no
almoço?
— Com certeza! — Ela joga uma maçã para mim. — Para escovar os dentes.
— Credo! Tô levando a minha frasqueira e vou passar no banheiro antes. Eu, hein?
Tenho cara de quem sai de casa com a boca suja? — Porém, não espero pela resposta, apenas
saio devorando a fruta vermelha e sem gosto a caminho dos banheiros lotados nesse horário,
como de costume.
Agradeço à única vantagem de chegar de madrugada e tomar um banho quente e
relaxante sozinha, nesse lugar que se transforma sempre em um inferno todas as manhãs. A
disputa por um lugar diante do espelho é quase uma versão de Jogos Vorazes — principalmente
se considerarmos as maquiagens extravagantes que saem daqui.
Jogo fora o miolo da maçã e, ainda mastigando, aperto-me entre as garotas que
conversam próximas à saída enquanto tento chegar à pia que, graças aos céus, está livre. A sorte
sorriu para Camila Torres essa manhã.
Assim que, com uma manobra rápida e bastante coordenada, arranco minha frasqueira da
mochila e coloco a pasta de dentes na escova, noto o silêncio estranho que recai sobre o lugar e
ergo os olhos para o espelho, tentando enxergar o que aconteceu.
Porém, tudo o que vejo, é a versão morena da Regina George e suas fiéis escudeiras.
Como elas não dizem nada, eu também me mantenho em silêncio e escovo os dentes sob seu
olhar julgador, que não parece ter gostado muito da minha escolha de roupas para o dia de hoje:
calça jeans e uma blusa rosa com um decote redondo que mostra mais da minha pele branca do
que eu normalmente faço, e o casaco vermelho de Frankie, que devo ter pegado ao sair correndo
do quarto.
Aquela filha da mãe poderia ter me avisado.
Mas ela nunca perderia a oportunidade de me ver desfilando toda colorida por aí. Frankie
me paga.
Termino minha higiene bucal e lavo o rosto antes de passar meu hidratante facial e o
filtro solar, complementando tudo com rímel e um gloss rosado. Nada demais, porém, a plateia
não parece disposta a ir embora ainda.
Poxa, nem uma rodada de aplausos?
Quando a mais alta delas coça a garganta pela terceira vez e eu termino de guardar
minhas coisas na mochila, viro-me para sair, mas me vejo cercada pelo trio de meninas
malvadas.
— Com licença, meninas, eu preciso sair — aviso, mas elas não se movem.
— O que estava fazendo com Mason Porter naquela sala? — a modelo das fotos que
foram parar no lixo pergunta, finalmente.
— Não que eu deva alguma satisfação, mas estamos fazendo um trabalho juntos. Todas
as engenharias, aliás. E caí no mesmo grupo que ele. — Por algum motivo, decido deixar de fora
que estou trabalhando para Mason. Elas trocam um olhar entre si e só então abrem caminho para
que eu passe.
— Não se iluda, querida. — A morena alta das fotos me segura pelo braço enquanto seus
olhos percorrem o meu corpo. — Você não faz o estilo dele. E deveria pensar em fazer uma
dieta. Questão de saúde, sabe como é.
Ah, eu sei sim. Como se eu nunca tivesse ouvido comentários assim.
Sem me abalar, corro pelas escadas e atravesso o campus com minhas pernas curtas e
prestes a ter um infarto, até chegar à sala dos professores e encontrar o Sr. Mosby, para tentar
entender mais sobre esse maldito projeto integrado.
É o melhor a se fazer. Não posso deixar esses comentários estúpidos estragarem o meu
foco — ou o meu dia.

Assim que entro na cozinha da cobertura, o cheiro de café e de bolo fresco me envolvem
totalmente, o que melhora o meu dia de forma instantânea, assim como a presença amigável da
mulher que prepara o que acredito ser uma calda de açúcar no fogão.
— Se o paraíso tivesse um cheiro, seria esse — comento, já tirando o casaco vermelho e
o pendurando no gancho atrás da porta.
— Olá, Cami! Venha tomar um café. — Ela estica o corpo e pega uma xícara, apontando
para a garrafa. — Acabei de passar!
Estou à caminho da garrafa térmica sofisticada quando sou impedida pelos olhos verdes
da dona da casa, que cruza os braços e inclina a cabeça sem dizer nada.
— Sra. Porter, bom dia! — Sorrio, colocando a xícara sobre a mesa à minha frente.
— Célia, por acaso eu sou desagradável? — pergunta à mulher que agora despeja a calda
grossa e branca sobre o bolo. Hummm.
— Claro que não, Emília! O que deu em vocês hoje? — Aparentemente, perdi muita
coisa chegando apenas vinte minutos atrasada.
— Camila não quer tomar café conosco. — Aponta ofendida para mim.
— E tenho certeza de que iria comer a primeira fatia do bolo de limão da Célia. — A voz
vem de trás da mulher, e não preciso vê-lo para saber que é Mason quem está acrescentando mais
lenha à fogueira.
— Ela não faria isso. — Emília Porter, a cirurgiã renomada, espalma a mão sobre o peito.
— Ah, ela faria sim — o filho da mãe me entrega. — Mas vocês não estão preparados
para essa conversa.
— Acho que temos alguém com ciúmes aqui. — A mãe encara o filho já sentado à mesa
e volta a olhar para mim. — Venha tomar o café conosco e eu te deixo comer a primeira fatia do
bolo. — Ela estende a mão e o acolhimento provoca algo intenso e meio doido dentro de mim.
E nesse momento, talvez seja a TPM falando, somada a tudo o que tem acontecido nos
últimos tempos e, claro, ao comentário maldoso daquelas idiotas, mas meus olhos se enchem de
água, e como a boa chorona que sou, corro até o banheiro na área de serviço, escondendo-me
enquanto me acalmo.
— Cami, querida? — O tom preocupado da voz da médica me faz chorar mais. — Abra a
porta, por favor. — O segundo chamado já não é tão doce, o que me leva a abrir uma fresta da
porta enquanto lavo o meu rosto. — O que aconteceu?
— Eu... sinto falta da minha família e, mais cedo... — Aqui está o poder desses olhos
verdes e, como da outra vez, vejo-me contando quase tudo. Deixando de fora, é claro, a parte do
agiota a quem devemos muito dinheiro e que, agora que ele me encontrou, cabe a mim pagar, se
não quiser abrir mão do meu sonho de concluir meus estudos.
Claro que a lembrança desse fato é o que me leva a uma nova rodada de choro, muito
mais do que o fato de aquelas garotas terem tentado ser más me chamando de gorda e indesejável
— isso nunca foi um problema para mim, nem mesmo antes dos tempos difíceis começarem.
Mas a Sra. Porter não sabe disso.
— Eu sinto muito pela sua família, mas essa situação de mais cedo é um absurdo! — As
mãos na cintura a deixam parecida com uma super-heroína, mas não digo nada. — Que
comentário mais desnecessário! Infelizmente, eu não esperava nada diferente de alguém que foi
criado nos melhores colégios e que frequenta, desde sempre, os lugares mais requintados da
cidade.
Minha expressão deve denunciar a confusão que sinto, e logo ela sorri, sentando-se em
um banquinho de madeira.
— Não fique tão confusa. — Sorri. — Mason não deve ter falado nada a respeito, mas eu
fui criada em Boston e era bolsista quando conheci o jogador rico e bonitão. E insuportável.
Naquela época, eu era Emília Rivera e, se me dissesse que me tornaria a Sra. Porter, eu teria dito
poucas e boas a você.
— Sério? Você era bolsista? — Confirma com um gesto de cabeça.
— E de origem latina, não se esqueça. Essas garotas cruéis também existiam naquela
época, infelizmente. — Suas mãos apertam as minhas. — Camila, não deixe que elas te
diminuam ou façam pensar que é menos capaz ou linda do que é. Rebecca Anderson deve ter
percebido a besteira que fez, e agora, vendo meu filho sempre acompanhado, está querendo
marcar território. — Estala a língua. — Mas nós duas sabemos que ela não tem chance alguma
com o sujeito irritadiço que está nos esperando para tomar café. E um bolo de limão que ele não
vai comer, mas pelo qual estou ansiosa. — Ela sorri e se levanta, estendendo uma mão em minha
direção. — Pronta para vencer o mundo?
— É, eu acho que sim. — Ela me abraça assim que me ergo e me espera enquanto lavo o
meu rosto e respiro fundo, absorvendo suas palavras. — Obrigada, Sra. Porter. — Estreita os
olhos verdes, afrontada. — Emília — corrijo minha fala e ela sorri satisfeita. — Eu vou
conseguir.
Digo mais para mim mesma do que para ela e a sigo até a sala de jantar, disposta a me
concentrar no que realmente importa: meu futuro e minha família.
Vai dar certo.

O dia segue seu curso e Mason parece sentir a tensão no ar, mantendo-se mais quieto e
colaborativo do que jamais foi desde que nos conhecemos — e o bolo de limão estava mesmo
uma delícia. De volta à cobertura, estou fazendo alguns deveres de casa no computador quando o
sujeito em questão deixa o escritório junto ao pai, e seu ar exausto é totalmente perceptível.
— Tem certeza de que não virá conosco? É um evento importante para a empresa — o
Sr. Porter diz, mas o filho apenas nega, irredutível.
— Pai, não. Quando eu estiver de pé, quem sabe? — Termino de salvar os dados em meu
computador, tentando não prestar atenção à conversa que acontece a poucos metros de mim. —
Além disso, temos um trabalho para fazer.
— Tudo bem, certo. Vou terminar de me arrumar. — Acena para mim. — Não fiquem
até tarde nisso.
— Talvez a gente devesse deixar isso para outro dia — digo quando seu pai se afasta, já
de pé, guardando as minhas coisas, e logo a cadeira mecanizada para ao meu lado.
Usando um moletom claro, ele encara as anotações espalhadas sobre a mesa enquanto
tento organizar em duas pilhas os livros que pegamos mais cedo na biblioteca, tentando não
perder as marcações que fizemos antes que a sua reunião começasse.
— Camila, precisamos seguir a merda do cronograma ou teremos que nos reunir mais
vezes com aqueles babacas — avisa. — Eu não quero e nem você. Então, mais uma hora e o
motorista te leva em casa.
— Você está um caco, Rage. — Ele ergue a cabeça, prestando atenção em mim.
— Olha quem fala — debocha, revirando os olhos. — Talvez uma reunião de duas horas
na biblioteca, amanhã, com Jamie Nelson não...
— Estou convencida, Porter — imito o sotaque de Draco Malfoy e o idiota não esboça
qualquer reconhecimento.
Pelo menos, não até se afastar.
— Vou pegar as minhas coisas, Srta. Granger. — Não vejo, mas ouço o sorrir em sua
voz. — Achou mesmo que eu nunca tinha ouvido essa antes? Tsc. Tsc. Tsc.
Não demora muito e seus pais chegam à sala, totalmente arrumados para a noite de gala,
e se despedem de nós — o perfume elegante da médica pairando no ar e em mim, após o abraço,
antes de saírem porta afora para o tal evento chique da empresa.
— Eles pareciam querer muito a sua presença lá — comento quando ele se aproxima com
o computador e alguns livros em seu colo.
— Não queria ter que lidar com os olhares de pena. — Mason não olha para mim quando
diz isso. — Não se puder evitar. Agora, vamos lidar com essa merda de trabalho.
Uma hora de pesquisa depois, terminamos a primeira fase da nossa parte — decidimos
nos dividir em duplas e, embora eu desconfie que terei que revisar tudo o que aqueles dois
idiotas fizerem, qualquer coisa é melhor do que ter que lidar com Jamie e sua conversinha mole.
— Que dia! — Mason recosta a cabeça no encosto da cadeira e fecha os olhos.
— Nem me fale — concordo enquanto guardo tudo dentro da mochila. — Será que pode
chamar o motorista? Ou um Uber. Está tarde e eu...
— Vou ter que escolher o novo piloto da minha equipe da NASCAR. — Os olhos escuros
perdidos nas luzes do lado de fora. É como se ele não conseguisse se conter. Eu entendo. Às
vezes, é demais. — É como decretar o fim.
Noto quando limpa uma lágrima com as costas da mão e, percebendo que estamos
sozinhos em casa, vou até o bar e pego uma garrafa de whisky, dois copos e volto a me sentar à
mesa.
Mason encara a garrafa com surpresa, mas nada diz quando sirvo os dois copos de shot
até a borda, apenas pega um deles e brinda rapidamente antes de beber em um gole só.
— Fui hostilizada, hoje, por um bando de patricinhas que saíram de algum catálogo de
moda, por andar com você, Mason Porter — comento, antes de imitar o seu gesto.
— Eu sinto muito por isso, Cami. — Se ele percebe que usa meu apelido pela primeira
vez, não demonstra. Mas, por algum motivo, eu noto.
Encho os copos mais uma vez e repetimos todo o processo — em silêncio dessa vez.
Quando chegamos à quinta dose, já um pouco bêbada, ergo o indicador antes de voltar a servi-los
mais uma vez.
— Hoje, nós vamos beber e sofrer por todas essas merdas — aviso, e ele concorda com
um gesto de cabeça e diz um Amém baixo ao bater o copo no meu. — Depois, paramos de
chorar, ouviu? Amanhã é um novo dia.
— Feito, Loirinha. — Brindamos mais uma vez.
E de novo.
Até o mundo girar e a sensação pesada em meus ombros quase desaparecer. A ressaca
moral e física, assim como todos os outros problemas, podem esperar até amanhã.
Todos merecemos uma folguinha de vez em quando.
A garota loira para à minha frente, uma expressão maldosa em seu rosto de porcelana
enquanto ela cruza os braços, evidenciando os seios grandes no decote baixo da blusa cor-de-
rosa, apenas um tom mais claro que a cor de suas bochechas.
Uma visão deliciosa.
O cabelo sempre bem penteado e preso por tiaras infantis ou rabos de cavalo está preso
por um lápis em um coque desarrumado, à medida que sua imitação da minha ex-namorada
chega ao fim. Impossível não gargalhar quando ela estreita os olhos exatamente como Becca
costuma fazer quando quer ser intimidante.
Claro que a loirinha nerd briga comigo conforme se desequilibra e cai no sofá, ao invés
do meu colo, dessa vez. Por algum motivo, lamento o fato de o estofado ter tomado o meu lugar.
Por que é que sempre tem alguém fazendo isso? Porra.
— Ei! Ei! — Claramente bêbada, Camila engatinha pelo sofá até parar à minha frente,
proporcionando-me uma visão e tanto de seu sutiã de renda. — Volte para cá.
— Por acaso você é mística? Uma duende loira? — Minha voz sai mais grogue do que
imaginava.
— Cala a boca, Mason. — Revira os olhos azuis meio sonolentos agora. — Eu merecia
aplausos! Escovei os dentes direitinho, sabe? Foi um show e tanto! — lamenta, e me faz rir
ainda mais.
Sem que eu espere, ela avança sobre mim para estapear o meu ombro, mas algo
acontece e, de repente, nossos rostos ficam frente a frente. Quando ela exala uma reclamação, a
graça do momento se esvai totalmente e deixo minha mão traçar o pontinho fundo em seu rosto
enquanto a dela penteia meu cabelo para trás.
— Tão macio... — ronrona como a porcaria de um gato. — Seus olhos são tão escuros…
— comenta, focando toda a imensidão azul em mim. — É como o céu antes de amanhecer. Meu
pai costumava dizer que essa era a hora mais escura.
Faz sentido.
— E os seus são… — ela se aproxima mais — lindos...

— Mason! — Alguém parece ter engolido a porcaria de um microfone. Merda. —


Mason! Acorda!
— Não. — Tento me esquivar da pessoa que puxa as minhas cobertas. — Porra, me deixa
dormir!
— Mason Porter! — É esse tom que me faz abrir os olhos e me arrepender
imediatamente. — Está atrasado!
Merda.
O que esperar, depois de ter bebido uma garrafa de whisky inteira na noite passada, além
de uma ressaca horrível? Nada como a garota loira sentada ao meu lado na biblioteca, ignorando
os outros dois idiotas da nossa equipe enquanto dá uma palestra sobre a nossa parte do trabalho.
Os dois idiotas — assim como eu — apenas movem a cabeça para cima e para baixo a
cada pausa e entregam envergonhados um maço de folhas impressas, para o qual ela faz uma
careta antes de entregar à Anne, a outra nerd em nosso grupo, que parecia compenetrada demais
em seu notebook, mas que aparentemente estava prestando atenção a tudo.
— Bem, acho que é isso por hoje. — Junta suas coisas na mesa, evitando olhar na direção
de Jamie Nelson, que está com aquela expressão de “foda-se” sempre presente em sua cara feia.
— Alguma dúvida?
— Quem é que instituiu que você seria a líder desse grupo? — o idiota do Evan pergunta.
Não sei qual é a relação entre Jamie e Camila, mas percebo que ele a conhece o bastante
para saber que o jogador de hóquei está ferrado para um caralho.
— Quer assumir? — Ergue as sobrancelhas apenas um tom mais escuras do que os
cabelos muito loiros realçados pela tiara vermelha. — Anne, poderia mandar os arquivos para o
e-mail do sr. Thompson?
E, sem esperar, ela começa a empilhar as folhas diante do idiota que parece prestes a se
cagar.
— Cami, Evan sente muito, ele só está de mau humor — Jamie diz a ela e quase se
encolhe quando os olhos azuis focam nele.
— Camila — corrige de forma impaciente, arrancando uma risada minha, o que me custa
um olhar maléfico. — Eu imaginei que fossem desistir. — Dá de ombros, puxando as folhas de
volta para si.
— Eu também — Anne, que até então não havia falado nada, conclui. — Até a próxima
semana, eu tenho uma invasão em meia hora.
A garota de cabelos escuros, e quase nenhuma habilidade social, se levanta da ponta da
mesa, onde se sentou quando chegou, e guarda o computador na mochila colorida, afastando-se
rapidamente a caminho da saída.
— Ela não estava falando de... — Evan começa a dizer, mas a loirinha ao meu lado é
mais rápida.
— RPG — Camila afirma, e então, mais baixo, ela murmura. — Eu acho.
Ela acha. Maravilha!
— Mason, você quer ajuda para ir até a próxima aula? — meu ex-amigo oferece, mas eu
nego com a cabeça. — Tudo bem. Até mais.
— Cami, olha, eu sei que Frankie e eu... — Jamie começa a dizer, mas ela pega o livro na
mesa e o coloca diante do rosto, deixando claro que não quer ouvi-lo. — Foda-se. Até, cara.
—Você pode ir, se quiser — diz, ainda detrás do livro. — Não quero que pare de ser
convidado para festas por ser visto andando comigo.
— Eles não fariam isso. — Dou de ombros. — Recebi o convite para a festa da Delta há
uma semana.
— Ah. Eu esqueço de como você é popular — debocha, finalmente abaixando o livro.
Seus olhos, ainda mais claros por conta do cinza de seu suéter, observam a entrada mais uma
vez.
— E que bem isso me fez. — Encaro a prateleira de livros às suas costas e ela bufa,
guardando seus materiais. — Está esperando por alguém?
Pela primeira vez nessa manhã, Camila finalmente olha diretamente para mim e sua
expressão assustada acende um alerta em minha cabeça. O que está escondendo, Camila Torres?
— Ninguém. Eu só tenho que ir — responde se levantando assim que Chuck, vestindo
um de seus ternos berrantes de três peças entra pela porta. — Seu amigo acaba de chegar e tenho
certeza de que têm muito a conversar. Nos vemos ao fim da aula.
— Você é muito mais divertida bêbada, Cami — provoco enquanto ela ajeita as alças da
mochila nos ombros.
— Posso dizer o mesmo de você, Rage. — Ela se abaixa para falar, o ar quente de sua
respiração e o cheiro adocicado da bala vermelha que abriu minutos antes causando um estranho
impacto em mim.
Totalmente inesperado.
— Por que está indo embora? — o idiota choraminga, agarrando os ombros da loirinha
com quem eu me recordo de ter tido momentos divertidos na noite passada. — Ele foi cruel com
você?
— E quando não é? — A safada dramatiza e meu amigo ri de sua atuação fajuta. — Até
mais, meninos.
Tento não acompanhar a figura acinzentada que deixa a biblioteca, mas acabo me
perdendo nos quadris largos e nas mechas loiras que escapam da caneta com que os prendeu
enquanto discutia os termos do trabalho com o resto da equipe.
— Eu amo essa garota — o babaca do meu melhor amigo diz, antes de se sentar na
cadeira à minha frente. — Que cara é essa?
— A mesma de sempre. — Esfrego o rosto, tentando não pensar naquela merda de sonho
estranho.
— Não. — Chuck nega com a cabeça, recostando-se na cadeira. — Aconteceu alguma
coisa.
— Tive um sonho... Ou uma lembrança, não sei. Porra. Ontem, eu e a Camila bebemos
juntos e... — O idiota chia, penteando o cabelo para o lado, como se não estivesse lambido o
bastante.
— Uma regra, Mason. — Ergue o indicador. — Não se envolva com Cami. É uma boa
garota, tem uma vida difícil e não precisa lidar com as merdas que envolvem quem nós somos.
— Nós? — Fecho o livro à minha frente.
— É. Ouvi algumas garotas comentando sobre a Cami e você outro dia. — Estala a
língua. — Elas podem ser cruéis quando querem.
— E não pensou em me avisar? — Tamborilo os dedos no tampo da mesa. E de repente,
a imitação de Cami ontem à noite já não me parece tão engraçada.
— Preocupado com ela? — E aqui está o sorriso sabichão que aprendi a odiar na terceira
série, quando o babaca em questão me salvou de ficar com a cabeça presa em uma cerca
metálica, usando apenas as leis da física para isso.
— Maeve ameaçou arrancar as minhas bolas se algo acontecer à ela. — Dou de ombros e
ele se encolhe, conhecendo bem a minha irmã e suas promessas. — Então é melhor mantê-la
segura.
Pelo menos é algo fácil de se fazer.
Em que tipo de situação perigosa alguém como ela poderia se envolver?

Inesperadamente, com a convivência forçada ao longo dos dias, as conversas com Camila
fluem de uma maneira tranquila e natural. Até mesmo os meus rompantes de raiva se tornam
motivos de riso para a garota loira que agora janta junto comigo na cozinha enquanto discutimos
sobre a série que me obrigou a começar a assistir com ela depois que terminamos nossos
respectivos trabalhos.
— Aquele bando de riquinhos filhos da puta não tem nada a ver comigo — defendo-me
mais uma vez, enquanto ela aponta todo tipo de semelhança entre os personagens da tal série e
eu.
— Mas o Chuck... — volta a dizer, e quanto a isso, não tenho argumentos. O mal
elemento da série tem o mesmo gosto duvidoso para roupas que o meu amigo. Mas as
semelhanças acabam aí. Graças a Deus. — Esse silêncio é você admitindo que eu estou certa?
Temos um milagre aqui?
— Se Célia não tivesse que cuidar das netas à noite, certamente eu não seria obrigado a
assistir uma série adolescente — lamento enquanto a observo cortar o bife de filé mignon em seu
prato. No meu, apenas os filetes já cortados para facilitar a minha vida.
Encaro as cicatrizes feias e rosadas em meu braço, tentando me lembrar de que eu
poderia estar morto — o psicólogo sugeriu que essa seria uma boa saída para não me sentir
inútil. Mas não sei dizer se tem funcionado.
— Não se cobre tanto. — O tom baixo de sua voz ecoa como um grito dentro da minha
cabeça tumultuada. — É só uma fase. Está melhorando mais a cada dia.
— É o que venho repetindo a mim mesmo — resmungo, observando-a terminar de servir
meu prato e colocá-lo à minha frente.
— E repita quantas vezes precisar. — Serve um pouco em seu prato e comemos em
silêncio, enquanto a moça loira da série faz uma burrada atrás da outra e tenta se justificar com
os amigos. — E, na verdade, só está assistindo à minha série de conforto porque perdeu a aposta
que fizemos no jogo de basquete no sábado.
— Você apostou contra o time do seu amigo/chefe e ainda ficou de papinho com aquele
idiota cheio de risinhos e tatuagens. — Relembro da cena lamentável, após ser arrastado mais
uma vez até o parque. Sendo o único a resistir ao tal sanduíche pela segunda vez.
— O time do D. estava desfalcado, eu te avisei — fala como se fosse óbvio. — Além
disso, Ian é um cara bem legal — é o que a loirinha safada diz. — Mas somos apenas amigos,
pelo menos, por enquanto.
Assim que terminamos de jantar, ela junta os pratos e os coloca na lava-louças à medida
que os entrego para ela — o que Camila chama de exercícios obrigatórios complementares.
— Antes... — ela começa a dizer, mas para.
— Antes... — repito, incentivando-a a continuar.
— De tudo acontecer… não se incomodava em morar com seus pais? — Abaixa-se para
pegar o sabão e acaba me deixando de frente para a sua bunda grande e gostosa.
De brocha a tarado em menos de vinte dias. Um recorde, pessoal.
— Quer saber? Não precisa responder, não é da minha conta.
— Essa cobertura é minha — respondo quando consigo achar a minha voz. — Dividia
meu tempo entre as corridas e as aulas, mas tranquei quando montamos a equipe. Quando tudo
aconteceu, meus pais vieram dos Hamptons para cá e têm se revezado entre as casas desde então.
Assim como Célia. Você mora nos dormitórios, não é?
— Divido meu espaço com Frankie Duquetti — sorri ao falar. — A pessoa mais maluca
que já conheci na vida.
— E ela é a razão pela qual você odeia tanto o Nelson — constato ao me lembrar do
diálogo de hoje cedo na faculdade.
— É uma longa história. — Sorri, e então boceja, espreguiçando-se e revelando uma tira
de pele macia da barriga.
— É melhor eu ir dormir, vou chamar o Jim para que ele possa te levar. — Com os olhos
ainda lacrimejando, ela assente e caminha comigo até o meu quarto.
Enquanto ela vaga entre o closet grande e as gavetas, com uma familiaridade
impressionante, eu me sento na cama e fico encarando as muletas encostadas na parede ao
mesmo tempo que aviso ao motorista sobre levar Camila.
— Aqui está o seu pijama. — Deixa uma camisa de algodão ao meu lado. — Precisa de
mais alguma coisa? — Olha preocupada para os fios metálicos em minha perna, que aparecem
através da fenda que fizemos nas calças.
— Sabe que não precisa fazer isso, não é? — Aponto para a camisa. — Não sei o que a
minha irmã comentou a respeito do trabalho, mas foi apenas para manter enfermeiras taradas e
seus tubos de lavagem intestinal longe de mim.
— Eu vou querer saber sobre isso? — Uma careta de nojo retorce seu rosto e os lábios
grossos se franzem.
— Prefiro não te traumatizar com os argumentos da minha irmã. Ela não é alguém
normal. — O som roncado entre as suas gargalhadas me faz rir também e ela me encara
chocada.
— Falta pouco para que isso suma daí. — Aponto para a grade feiosa fixada em meus
ossos, antes de esticar o corpo e puxar a camisa pela cabeça, deixando-a embolada em meu colo.
— Que meleca! Vai chover? — grita e corre até a janela, olhando para o céu. — Poxa,
Mason, eu preciso chegar em casa antes que o dilúvio comece! — reclama enquanto caminha até
mim e toma a camisa da minha mão, jogando-a no cesto.
— Chuva? — Olho para o céu e não há nenhum indício de que esteja prestes a chover.
Pelo sorriso satisfeito em seu rosto, acabo de cair mais uma vez em um de seus joguinhos,
percebo tarde demais.
— O que esperava que eu pensasse, depois de te ver sorrir? E o que veio depois? Mason
Porter sendo otimista? — Olha novamente através da janela. — Olha, tenho até medo do que
pode acontecer daqui para a frente.
— Muito engraçadinha… — resmungo e logo sinto quando aperta a minha bochecha,
como minha avó faria se ainda estivesse aqui. — E insuportável.
— Não vai vestir a camisa? — Aponta para a peça limpa, enquanto me deito sobre a pilha
de travesseiros.
— Não. — Camila apenas dá de ombros e, sem reclamar, me ajuda a apoiar a perna com
os pinos externos na almofada. Nem mesmo um olhar curioso em minha direção. Algo que
atinge a minha autoestima já enfraquecida com mais força do que eu gostaria de admitir.
Mason Porter já teve dias melhores.
O que queria? Você parece a porra do Frankenstein. Quem é que teria segundas
intenções?
A menos que…
— Você e a tal Frankie... — passo a mão pelo cabelo, cogitando a possibilidade, e não
posso deixar de perguntar — por acaso...
— Está me perguntando se eu sou lésbica? — Os olhos muito claros se apertam quando
ela gargalha, dobrando-se em si mesma. — Não, Mason, eu não sou. De onde surgiu isso? —
Senta-se na beirada da cama e arruma a posição de alguns travesseiros, deixando seu cabelo
macio e cheiroso resvalar em meu rosto algumas vezes. — É por que está nervoso com a
cirurgia? — insiste.
— Ansioso — Não é uma mentira, mas não é exatamente nisso que eu estava pensando.
— Mal posso esperar para que isso tudo fique no passado. E aí, loirinha, vai ter que olhar para
cima sempre que for falar comigo.
— Um gigante, vejam só! — Sorri cansada e boceja mais uma vez. — Preciso ir.
Amanhã eu trabalho no bar, então…
Por que é que trabalha tanto?
— Vai pra casa. Eu consigo me virar sozinho — aviso e ela se levanta, seu rosto, de
repente, pairando sobre o meu.
— Vai dar tudo certo, Mason. — E então, de forma surpreendente, deixa um beijo no
topo da minha cabeça. — Boa noite.
— Obrigado, Cami. — Assim que ouve o apelido, seu rosto inteiro se pinta de rosa. —
Bom descanso.
Logo que a sua sombra desaparece no corredor, fecho meus olhos e tento não pensar em
mais nada.
Em breve, isso tudo vai passar.
No que eu estava pensando?
Desnorteada e um tanto incrédula, caminho pelo corredor do prédio elegante até o
elevador, ainda tentando entender que merda estava pensando quando decidi que era boa ideia
deixar um beijo nos cabelos cheirosos de Mason Porter.
Eu tive sucesso em não babar no abdômen marcado e nas entradas evidentes nas laterais
de seu tronco magro, porém muito bem delineado, mas falhei totalmente na missão quando não
resisti ao apelo dos fios macios e brilhantes. Estou desenvolvendo um fraco por cabelos? Que
maluquice é essa?
Aperto o botão que leva à garagem, onde Jim me aguarda, e só então me pego rindo da
pergunta de Mason sobre mim e Frankie.
De onde é que saiu aquilo?
E o pior: o que ele deve estar pensando sobre o beijo?
Entretanto, toda a preocupação leve cede lugar para algo mais urgente e grave quando
meu telefone toca e o número desconhecido pisca na tela. De novo. Como das outras vezes,
cancelo a ligação, pensando em quanto tempo eu tenho antes que Juan Miguel perca a paciência
e venha atrás de mim.
Droga.

Seis horas da manhã e finalizo meus trabalhos na cozinha da Coffee´n´cookies,


cumprindo meu acordo com Dwayne, que me observa atentamente do balcão ainda vazio, já que
abriremos apenas daqui a uma hora, e isso explica as cadeiras sobre as mesas e o fato de
estarmos sozinhos aqui.
Tiro meu avental — enfeitado por todo o tipo de cupcake colorido — e o penduro no
gancho atrás da porta, antes de enfrentar o interrogatório que sei que virá, assim que chegar lá
fora.
Pego a minha mochila e inspiro o ar quente e saboroso da última fornada de muffins antes
de ir enfrentar a fera e mais um dia de correria.
— Então... — ele diz no momento que cruzo a porta de vidro que nos separava. — Antes
das seis?
— Cinco e quarenta, D. — Dou de ombros, como se não fosse nada demais. Espero que o
corretivo dê conta de mascarar as olheiras que parecem cada vez mais escuras.
— A que horas chegou do bar ontem? — Estreita os olhos escuros, virando a cadeira em
minha direção.
— Uma da manhã, eu acho. — Ajeito a alça da mochila.
— E ainda está acompanhando aquele piloto — pondera. — O que está acontecendo,
Cami? — Merda. — Essa rotina não é saudável. — Aponta para o meu rosto. — É evidente que
está exausta.
— É só por um tempo. — Espero que ele aceite essa explicação, porque é a única que
estou disposta a dar. — Logo vou iniciar um estágio em uma das maiores empresas de tecnologia
do país e vou precisar largar tudo. E eu preciso me manter durante esse tempo, sabe disso.
— Você é uma garota de ouro, sabia? — Sorri aliviado. — Estou orgulhoso do seu foco e
empenho. Tenho certeza de que seu pai, de onde ele estiver, também está.
Duvido muito.
Engulo o pensamento amargo e sorrio para D. antes de apoiar a mochila no balcão e ir
descer as cadeiras, preparando o lugar para o turno agitado da manhã, antes de ir para a aula,
enquanto Dwayne abastece a estufa com o que já deixei pronto e confeitado na cozinha.
Quinze minutos depois, termino de tomar o café com muffins de chocolate que sou
forçada a aceitar quando Frankie aparece, já totalmente pronta para dominar o mundo, com seus
cabelos cacheados e roupas extravagantes, e me despeço de Dwayne e Dóris, que atende a fila
relativamente grande no balcão da cafeteria que fica há pouco mais de quinhentos metros da
universidade.
— Cami? — a voz profunda e séria de D. me chama assim que abro a porta do lugar. —
Sabe que pode contar comigo para tudo, não é?
— E agradeço todos os dias por isso. — Sorrio antes de ser recebida pelo ar gélido dessa
manhã.
— Está tudo bem? — minha amiga pergunta ao sairmos para a rua. — D. parecia
preocupado.
— E quando é que ele não está? — Sorrio e ela logo aceita o meu argumento. Dwayne
Jones é famoso por sua preocupação excessiva desde sempre.
Não faz muito tempo, nós tivemos que nos sentar em sua sala — um cômodo apertado
nos fundos da cafeteria e convencê-lo de que não estávamos envolvidas com membros de uma
gangue de baderneiros que havia ganhado fama na faculdade. Bem, eu não estava. Já Frankie...
Eu poderia pedir ajuda. Talvez devesse contar a verdade, mas não posso me arriscar e
colocar uma família que eu amo tanto na mira daquele filho da mãe. Não posso e não vou. É um
problema meu e preciso lidar com ele.
E esse é todo o incentivo que preciso para continuar.
Talvez eu precise investir em corretivos melhores enquanto isso.

Depois de me estressar tentando colocar em ordem as ideias dos outros dois integrantes
do grupo, o cansaço ameaça me vencer enquanto espero por Mason, que ainda não saiu da sua
última aula.
Parada no corredor, em plena sexta-feira, pego-me cochilando em pé, após ter dormido
apenas três horas essa noite, esperando para entregar a porcaria do trabalho que o resto da equipe
fez o desfavor de estragar completamente.
— Por que não o espera no carro, Camila? Eu te deixo na cafeteria. — Pega em flagrante
após fechar os olhos por mais tempo do que o aceitável, sorrio sem graça para o motorista e logo
estou seguindo-o até o carro, instintivamente. — Noite difícil?
— Mais para uma vida. — O homem na faixa dos cinquenta anos sorri.
— Quer falar sobre isso? — Apenas nego em um gesto rápido de cabeça. — Entre no
carro e descanse um pouco, então. Eu ajudo Mason, se ele precisar.
— Obrigada. — Não estou em posição de negar esse tipo de ajuda hoje. Ou amanhã. Ou
nos próximos sessenta e cinco anos.
Não que a minha presença na vida de Mason Porter vá durar tanto. Ele tem melhorado
mais a cada dia e tenho certeza de que logo estará plenamente recuperado. Quem sabe, até
mesmo correndo de novo. E esse é o meu último pensamento antes que eu finalmente seja
vencida pelo sono esmagador.
— Camila? — a voz rouca chama de algum lugar próximo e algo pesado roça em minha
mão. — Nós chegamos.
— Não — reclamo, e uma risada baixa me deixa em alerta.
Abro os olhos devagar, deparando-me com o sujeito normalmente carrancudo, mas que
agora parece apenas curioso, antes de voltar a assumir seu ar melancólico.
— Em outros tempos, eu poderia ter te carregado até lá. — Desvia os olhos para a rua
muito movimentada nesse horário.
— Em outros tempos, nós não estaríamos tendo essa conversa. — Espreguiço-me,
esticando o pescoço logo em seguida e sentindo uma pontada de dor por conta da posição em que
fiquei.
— Como pode ter tanta certeza? — a voz baixa soa intensa, ou talvez seja apenas o
cansaço falando.
— Não é óbvio? — Coloco a mão na maçaneta antes de voltar a olhar para o sujeito no
banco da frente. — Em condições normais, não teria sequer notado a minha presença. Bom, eu
fico aqui. Obrigada pela carona, Jim. Até mais tarde, Mason. Se quiser, pode começar a rever a
parte dos esquemas de circuitos, Jamie fez uma bagunça nisso.
Dou a volta no carro, colocando a segunda alça da mochila em minhas costas enquanto
caminho até a cafeteria para mais um turno de trabalho.
Estou vestindo minha touca quando o sino que fica na porta toca, anunciando a chegada
de um novo cliente. Como Dóris saiu do balcão para o seu intervalo, assim que cruzei a porta,
saio ainda ajeitando o avental colorido quando vejo Mason se sentar em uma das mesas vagas
próximas ao balcão.
— Mason, o que faz aqui? — Olho para fora e noto o carro estacionado do outro lado da
rua.
— Pensei em começar pela sobremesa hoje. — Dá de ombros. — Que tal um muffin de
aveia e mirtilo?
— Ok. — Anoto o pedido um tanto contrariada, enquanto mordo o lábio inferior com
força para não fazer algum comentário ácido sobre a presença inesperada ou sobre sua escolha de
sobremesa. — E para beber?
— Um expresso — responde sem pensar —, sem açúcar, por favor.
— Novidade... — comento, fazendo-o rir.
— E um milkshake de morango e um pedaço daquela torta de frango também. — Aponta
para a mulher que acaba de pegar uma fatia de torta para viagem.
Volto para trás do balcão e sirvo tudo em uma bandeja antes de preparar o seu café e o
milkshake e deixar tudo em sua mesa. Fora as outras duas pessoas ali, já comendo
tranquilamente, estamos sozinhos.
— Vai mesmo sair da sua preciosa dieta? — Ergo a sobrancelha, meio chocada enquanto
ele pega o prato com um pedaço generoso de torta salgada e o empurra em direção ao espaço
vazio à sua frente.
— Não é para mim, Camila. — Aponta para o sofá estofado. — Coma.
— Estou em horário de trabalho, Mason — respondo, enfiando o bloquinho no bolso do
avental.
— Se passar mal de fome, não vai trabalhar — retruca. — Senta e come logo. O lugar tá
vazio.
— Mason... — aviso.
— Camila — ele teima. Os olhos escuros queimando em seu rosto bonito, em um aviso
silencioso de que ele não vai desistir.
— Merda — resmungo, e ele ri daquele jeito enervante quando me vê sentar e começar a
comer a maldita torta.
Deliciosa, como sempre.
Assim como o milkshake de morango que, apesar de não ser o meu preferido, está
incrível. Ou talvez eu só esteja com mais forme do que imaginei.
— Por que morango? — pergunto, depois de praticamente devorar tudo em poucos
minutos, sob a vigilância do sujeito à minha frente.
— Por que não? — Dá de ombros. — Você pareceu gostar das coisas enjoativas e doces,
fazia sentido. E...
— Preciso ir. — O sino da porta toca, logo dois clientes entram no lugar e eu limpo a
boca rapidamente, voltando ao balcão para atendê-los.
Estou preparando o mocaccino quando ouço o motor da cadeira soar próximo ao balcão e
Mason aguarda pacientemente enquanto a cliente reclama sem parar de sua manhã estressante ao
telefone. Aparentemente, seu chefe é alguém terrível e mal-amado, que quer drenar toda a
felicidade do mundo só porque é um miserável infeliz.
— Manhã ruim? — pergunto despretensiosamente quando ela desliga o telefone.
— Já teve que trabalhar com alguém terrível? — choraminga, enquanto pega alguns
guardanapos e um canudo.
— Aceitei um trabalho nos últimos tempos, que consiste em ajudar um paciente em
recuperação, mas ele é extremamente chato e negativo o tempo todo. Isso conta? — Os olhos
escuros me encaram, revoltados.
— Conta. Parece que drenam a vida da gente, né? — comenta e deixa um tapinha no
balcão. — Boa sorte!
— Para você também. — Trocamos um sorriso cúmplice antes de ela caminhar até a
porta e desaparecer.
— Esse cara… o tal paciente. Parece ser um pé no saco — Mason comenta de cara
fechada. — Ou talvez, você é que seja otimista demais.
— Não existe isso. — Sorrio para ele, tomando o resto do meu milkshake, antes de
morder o morango que usei para enfeitar o copo.
O ex-piloto da Nascar coça a garganta e me entrega o cartão de crédito, depois me obriga
— após uma discussão que dura mais do que deveria, apenas por causa do meu orgulho, mas que
ele vence por conta da minha condição financeira complicada — a aceitar que pague pelo meu
almoço.
— Você deveria provar — digo enquanto ele se afasta. A perna estendida à sua frente
conforme a confusão se infiltra em seu rosto sério. — O milkshake de morango.
— Quem sabe, um dia? — E me sinto um pouco estranha quando tenho a impressão de
que seu olhar cai para a minha boca. Estou viajando na maionese. — Até mais tarde, Camila.
Talvez eu devesse pular o turno no bar essa noite. Já estou começando a alucinar de tanto
cansaço.

Nada como dormir por sete horas ininterruptas para acabar com possíveis ideias
descabidas que surgem do cansaço: dois dias depois daquele episódio na cafeteria, Mason voltou
a ser o reclamão de sempre e a resmungar sempre que me aproximo.
Tudo normal.
Quando chego à cobertura do prédio elegante, perto das cinco da tarde — horário em que
Jake costuma encerrar a sessão de fisioterapia — ouço as reclamações e xingamentos do sujeito
que, para variar, hoje está de pé.
E ele não brincou quando disse que era um cara alto. Mason, apoiado pelas muletas,
parece ter o dobro da minha altura e duela de forma concentrada com um elástico vermelho preso
às duas mãos.
Deixo minha bolsa sobre a mesa e dou a volta em seu corpo pela esquerda, para chegar
até Jake, quando ele dá um passo para o lado e acerta em cheio o meu dedão com a parte
emborrachada da muleta, arrancando um grito estridente da minha garganta.
— AIMEUDEUSDOCÉU! — choramingo, sentindo meu dedo latejar enquanto Mason se
vira com dificuldade e me encara, furioso.
— Porra! — Ele se desequilibra momentaneamente e Jake o ajuda a se sentar, antes de
vir em meu socorro. — Camila, que merda! Caralho! O seu pé..., me desculpa! Eu não vi. Porra,
eu não vi você!
— Está tudo bem — respondo a todos. — Eu estou de tênis. Deve ter amortecido o
impacto.
Dói como o inferno!
Perdi a porcaria da unha. Certeza que vai cair.
— Me deixa ver. — Jake se aproxima de mim e me pega no colo ao mesmo tempo que o
celular no meu bolso decide que seus dias na Terra acabaram e acerta o chão, partindo-se em
dezenas de peças.
Talvez tenha doído mais do que a unha ferrada pela muleta.
Poxa, o pobre endividado não tem um segundo de paz nessa vida.
Enquanto Emília, que chegou em meio ao momento de dor e comoção — limpa e avalia
os estragos do meu dedão, que segue sangrando e latejando de dor, Jake tenta convencer Mason
de que ele não teve culpa no que aconteceu. Mas o piloto teimoso segue de cara fechada e me
olhando do sofá à frente, prestando atenção em tudo o que a mãe faz.
— Bom, não parece ter quebrado, mas eu me sentiria mais tranquila se fossemos ao
hospital fazer um raio-X.
— Não há a menor necessidade disso, Sra.... Emília — corrijo-me.
— Vá com a minha mãe, Camila, por favor — Mason, que foi convencido, ou melhor
dizendo, ameaçado nesse meio tempo, a ir tomar um banho e se acalmar, pede depois de
resmungar um “teimosa para caralho”. — Mãe.
— Vamos logo, Cami. — A médica havia acabado de chegar em casa, mas se levanta e já
pega a bolsa que deixou jogada no sofá.
E quando ergo os olhos para ela, sei que é uma batalha perdida. Sem espaço para
negativas ou argumentação. Por isso, apenas pego a minha mochila e saio mancando do
apartamento, com ela em meu encalço.
— Como anda o nosso Zangado? — pergunta enquanto digita rapidamente em seu
telefone.
O apelido me faz rir, é claro.
— Ele vai ficar bem. Só precisa de tempo. — Considero por um momento. — Até está
sorrindo. — Emília me encara meio chocada. — Muito de vez em quando. E de forma
disfarçada, mas, sim. Ele tem sorrido.
— É o que Maeve tem chamado de Vitamina C. — Sorri da piada interna, sem me
explicar do que se trata. — Fico feliz em vê-lo evoluir e espero que esse incidente não o paralise.
— Foi só um acidente. — Pela superfície espelhada do elevador que se abre, vejo a
tristeza em seus olhos.
— Depois do acidente, Mason ficou em coma induzido enquanto seu corpo se recuperava
— ela segue dizendo, enquanto destranca um carro azul que parece ter saído da concessionária
essa tarde. Emília espera que eu entre e coloque o meu cinto antes de ligar o carro e manobrar
para sair da garagem. — Não sabíamos o que esperar. Por conta do inchaço cerebral, algumas
sequelas eram esperadas. A falta de força nas mãos é passageira, e logo ele estará bem, porém...
o que tirou o chão dele, Cami, foi a perda da visão periférica. Foi por causa disso que ele não a
viu parar ao lado dele, e é por isso que ele, provavelmente, nunca mais vai voltar às pistas de
corrida.
Mason.
— Meu Deus! — Tapo a boca, entendendo ainda mais a ira e a desilusão do meu novo
amigo.
Quando me movo no assento, travo os dentes com força por causa da dor que o
movimento me causa, então a médica estreita os olhos e estala a língua.
— De zero a dez, em quanto classificaria a dor que está sentindo? — O tom emocionado
de antes cedendo ao profissional e prático.
— Seis. — Avalia meu rosto com desconfiança e meu dedo parece sentir que está sendo
o assunto da conversa, porque lateja com mais força. — Oito.
— Você é uma garota forte, Cami — declara, já estacionando no hospital. Eu nem havia
percebido que estávamos tão perto.
— Preciso ser. — Não é como se eu tivesse escolha. — E Mason também é. Ele só não
percebeu ainda.
— Eu sei. — Sorri. — E cada vez fico mais feliz de termos nos encontrado.
É um ótimo momento para deixar uma lágrima cair e colocar toda a culpa na porcaria do
dedo, certo? Porque é exatamente o que faço.

Dois raios-X, um medicamento para dor e uma tala depois, deixamos o hospital. Emília
Porter abre a porta do apartamento e nos deparamos com o executivo, ainda com suas roupas
sociais, que se levanta assim que a esposa passa pela porta. Mason ainda está sentado no sofá
com o controle remoto na mão e se vira imediatamente para a mãe, com a expressão preocupada.
— E então? — ele pergunta, ainda sem me ver parada ali.
— Por que não pergunta a Cami? — Abre espaço para que eu apareça, e logo dois pares
de olhos estão fixos em mim.
— Camila, querida, espero que esteja melhor — o Sr. Porter diz enquanto abraça a esposa
e eles conversam baixinho.
— Foi apenas uma fissura no osso e acharam melhor colocar uma tala — respondo. — E
minha unha deve cair em breve.
— Porra! Eu sinto muito — Mason diz, abaixando a cabeça.
— Estou exausta! — Emília diz, descalçando os sapatos de salto altíssimo. — Jake já foi?
— Ele precisava atender a outro paciente — o filho responde de forma rápida.
— Mas disse pra mandar uma mensagem com notícias, Camila — o sr. Porter completa.
— Ele saiu preocupado.
— Farei isso — digo ao homem bonito de cabelos quase grisalhos, ao passo que ele
oferece uma massagem nos pés à esposa, que aceita a oferta imediatamente. Quem poderia julgá-
la?
— Bem, boa noite, meninos — a mãe dele se despede. — Cami, Jim está a sua
disposição. Quando quiser ir para casa, basta avisá-lo, ok?
— Obrigada, mais uma vez, por tudo — digo a ela, que deixa um beijo em meu rosto
antes de se afastar junto com o marido, enquanto ele me deseja boa noite e segue a esposa com
os sapatos na mão até a cozinha. — Boa noite.
De forma automática, abro a mochila e então procuro nos bolsos, apenas para me lembrar
do episódio triste de mais cedo. Merda.
— Bem, é isso então. — Enfio as mãos nos bolsos de trás da calça jeans sob o olhar
atento do piloto. — Se puder, teria como avisar ao Jake que tá tudo bem comigo? Meu celular
morreu.
— Quanto a isso… — Mason parece… sem graça? Aponta para a caixa na mesa de
centro. — É seu.
— O que? — Meus olhos estão prestes a saltarem das órbitas, devido choque.
— Seu telefone. — Aponta para a caixa em meu colo.
— Mason, isso é ridículo! Meu telefone era o tataravô desse modelo. Não posso aceitar.
— Estendo a caixinha para ele.
— É seu. — Inclina-se para longe do aparelho.
— Mason... — O tom de advertência o faz aprumar a postura no sofá e ele faz aquela
coisa intimidante com os olhos escuros, exatamente como a mãe dele.
Estou tão hipnotizada pelo movimento, que não vejo em que momento seu pai se
aproxima, mas ele aparece e consegue me tirar do transe induzido pelos olhos escuros que me
encaram indignados.
— Eu vim apenas buscar a minha pasta no escritório, mas não pude deixar de ouvir a
discussão — ele diz, aproximando-se de mim. — É claro que vai aceitar. Até porque, eu e Mason
fomos à loja comprá-lo assim que cheguei do trabalho, e tenho certeza de que não me faria uma
desfeita dessas.
— Você saiu? — Mason, como o insuportável que é, revira os olhos para a minha
pergunta, enquanto seu pai apenas sorri, despedindo-se de nós. — De muletas. Talvez eu só
precise perder mais algumas unhas e fissurar alguns ossos, e logo estará novinho em folha, hein?
— Não brinque com isso — resmunga, voltando a assistir ao jogo de hóquei na televisão.
Abro a caixinha chique e tiro o telefone lá de dentro, admirando a superfície espelhada
antes que Mason me entregue o chip, que é o que deve ter sobrado do telefone antigo. Encaixo-o
no local indicado e ligo o aparelho, ainda sem acreditar no que está acontecendo. Assim que a
tela se acende, abro a câmera e foco o perfil bonito do sujeito teimoso que finge estar prestando
atenção ao jogo, mas que vira a cabeça toda hora, me vigiando.
— O que pensa que tá fazendo, Camila? — pergunta, virando de frente para mim e me
permitindo o ângulo certo para tirar uma foto sua.
Na tela, os cabelos bagunçados emolduram o rosto bonito com sua expressão contrariada
de sempre, e eu logo salvo a foto em seu contato.
— Salvando o seu contato, ué! — Mostro a ele, que move a cabeça em negação ao ler
“Rage”.
— Por que está rindo desse jeito? É só a porra de um telefone. Não é nada demais!
— É sim! Para mim, é. — Dou de ombros. — Estou orgulhosa de você. Foi um grande
passo. Fora o gesto gentil. Obrigada.
— Porra. Eu só queria... — Umedece os lábios secos com a ponta da língua e eu não
deveria estar prestando atenção nisso. — Me desculpa por hoje. E por ser um idiota intratável às
vezes. — Ergo a sobrancelha e ele ri. — Ou quase sempre, que seja. Mas eu nunca quis
machucar você.
— Eu sei — garanto a ele. — Não foi nada grave. Mas, agora, eu preciso ir.
— Vou avisar ao Jake sobre o seu dedo — ele diz, voltando a olhar para a televisão.
— Não precisa, eu mando mensagem para ele no caminho até o dormitório. Bom jogo,
Mason. Até amanhã e... obrigada mais uma vez.
— Por ter quebrado a porra do seu dedo? — resmunga antes que eu me afaste. — Esse
telefone não chega a ser uma compensação pela dor que causei. O que seria?
— Se concentrar em melhorar. — Mason se assusta. Provavelmente pensando que eu já
havia saído. — É uma boa forma de me compensar. E talvez, um pouco de chocolate.
Ele bufa uma risada sem graça enquanto saio mancando da sala à caminho de casa.

Estou deitada em minha cama, em plena sexta à tarde — algo que sequer me lembro de
ter feito depois que topei trabalhar com Mason, enquanto Frankie faz as unhas dos pés em sua
cama e fala sem parar sobre como as coisas estão dando certo para nós, e repetindo o tempo todo
que encontrei um “novinho da lancha” para mim, e como Jamie parece diferente.
Honestamente, essa garota não bate bem da cabeça.
Tento falar mais uma vez com minha mãe e, dessa vez, ela finalmente atende. E apenas o
som de sua voz é o suficiente para que eu respire com mais facilidade, apesar do peito apertado
pela saudade que sinto dela e de Luke.
— Filha? Aconteceu alguma coisa? — É claro que a dona Anna iria pensar algo assim ao
receber uma ligação minha a essa hora. — Não era para estar no trabalho?
— Mason tinha consulta hoje e eles me deram folga — explico para ela, que sorri
satisfeita. — Só terei o turno à noite, no bar, já que Dwayne não me aceitou na cafeteria. Então,
estou de pernas para cima, curtindo a tarde livre. Como estão as coisas por aí?
— Tudo bem, querida! — Seus olhos, tão claros quanto os meus, enchem-se de lágrimas.
— Mas estou com saudades. Luke também sente muito a sua falta.
— Ele está na escola? — Ela confirma com um gesto e se aproxima da senhorinha que
acena para a câmera. — Oi, vovó!
— Oi, minha filha! Como estão os estudos? — Como sempre, ela está mexendo em algo
no fogão enquanto falo um pouco sobre a faculdade e tudo o mais, e logo minha mãe vai até a
varanda para podermos conversar.
— O que é que esse menino teve? — minha mãe pergunta, e logo Frankie salta sobre
mim.
— Menino não, tia! Um homem gostoso, mas todo arrebentado — comenta sem qualquer
filtro. Completamente sem noção, eu disse.
— Ele tem vinte e quatro anos, mãe. Era piloto da Nascar e acabou se ferindo gravemente
em uma corrida. — Minha mãe me avalia através da tela. — Ainda está se acostumando às
mudanças.
— Coitado! — ela diz, e logo me sinto incomodada. Apenas porque sei que ele detestaria
ouvi-la dizendo isso. — E ele é realmente bonito?
— Tia Anna, procura ele no Google! — minha amiga grita. — Mason Porter. Aí me fala
o que acha!
Curiosa como só ela, minha mãe digita rapidamente na tela e seus olhos não focam mais
em mim, mas sim nas imagens que a busca apresenta. Sei disso por causa do olhar admirado que
ela tem no rosto bonito.
— Minha filha! — Espalma a mão no peito antes de se abanar. — Ele é realmente muito
bonito.
— É, ele é sim. — Dou de ombros e logo tenho dois pares de olhos sobre mim. — Gente,
eu não sou cega! Ele é realmente bonito! Mas é, no máximo, um amigo. E nada mais.
— E é assim que toda mocinha de romance fala antes de cair de amores pelo protagonista
gato. — Frankie precisa ser estudada. — E ele tem aquela vibe de conde atormentado, sabe?
— Conde. Atormentado — incrédula, repito tentando encontrar algum sentido nas coisas
que minha amiga fala.
— Como nos romances de época. Ele está isolado, e aí, a mocinha fura a bolha do sujeito
ranzinza e ele...
— Não tinha banheiro em casa, veste sempre a mesma calça e tem o cabelo ensebado —
respondo. — Mãe, Frankie está viajando. É um bom dinheiro e gosto de poder ajudá-lo.
— D. me falou a respeito disso — confessa. — Você merece tudo de melhor nessa vida,
filhota. Sempre pensa nos outros... — O sorriso é triste dessa vez. — Estamos com saudades.
— Eu também, mãe. — Sorrio entre as lágrimas, tentando não chorar. — Mande um
beijo para o Luke, ok? E para a vovó.
— Cuida direito do seu dedo ou ele vai ficar torto para sempre! — Minha mãe gargalha
quando minha avó grita ao fundo. — Avise a ela, Anna!
— Pode deixar! — Aceno e desligo o telefone. Voltando minha atenção para Frankie, que
sopra as pontas vermelhas de seus dedos. — Que ideia foi essa? Falar algo assim para a minha
mãe!
— Amiga, eu não falei nada demais! Eu nem cheguei a comentar sobre todas as minhas
suspeitas! — Defende-se quando jogo uma almofada sobre seu rosto.
— Porque não fazem sentido! — argumento mais uma vez.
— Amiga, aquele cara te quer! — Lá vem ela com essa maluquice de novo. — E você tá
caidinha por ele!
— Não estou, não! E ele mal consegue trocar mais que três palavras comigo sem
resmungar, é bem claro que ele não me quer! — Não estou mentindo.
— Ele te comprou um celular top de linha, manda o motorista te trazer e levar para onde
quiser e vive te olhando como se você fosse algo extraordinário! — enumera usando os dedos.
— Isso, sem contar...
A campainha toca, interrompendo-a.
Quando abro a porta, percebo que acabo de aumentar mais um dedo nas teorias de
Frankie Duquetti. Depois de assinar, confirmando o recebimento da cesta absurdamente grande,
arrematada por um laço vermelho, que chamou ainda mais atenção de todas as meninas no
corredor, fecho a porta já me preparando psicologicamente para lidar com a garota que me
encara com sua expressão de “sabe tudo”.
— Uma cesta de chocolates... — Ela se levanta, espiando por entre o celofane enquanto
pesco o cartão com os dedos trêmulos. — Está emocionada, não é?
— Eu só não sei como agir! Nunca recebi nada disso. — Pego o quadradinho de papel e
leio a mensagem. — Deve ser costume de gente rica!
— E esse sorriso é de desconforto, então? Afinal, é apenas uma relação de trabalho —
recita as palavras que eu vivo repetindo. — Ou talvez, minha amiga esteja caidinha pelo badboy
atormentado.
— Me erra, Frankie! Se continuar com isso, não vou dividir o chocolate! — aviso.
— Não está mais aqui quem falou! — Ergue as palmas diante do corpo enquanto abro o
celofane, libertando a quantidade absurda de chocolates de todos os mais variados sabores. —
Isso é chocolate belga? Cami, até eu estou caidinha por Mason Porter. Juro! Tem morangos!
O que é que está acontecendo?
Volto a olhar para o cartão, antes de, sutilmente, escondê-lo dos olhos curiosos da minha
companheira de quarto que agora suspira pela presença do chocolate branco. Não quero dar mais
ideias erradas à minha amiga — e nem ao meu coração.

Assim que viro a esquina, quase às seis da manhã, eu o vejo. Encostado no carro
vermelho lustrado, ele fuma um cigarro e abre um sorriso maldoso e enfumaçado quando me vê
chegando à cafeteria. Infelizmente, o movimento na rua ainda é pequeno e Juan Miguel sabe
disso, porque quando me vê hesitar e parar no lugar, faz uma negação com a cabeça e perde parte
da atitude tranquila de antes.
Merda.
Com o coração batendo nos ouvidos, aproximo-me de onde está e ele enfia as mãos nos
bolsos, inclinando a cabeça enquanto me analisa com atenção. Dois homens passam por mim,
mas estão imersos em seu próprio mundo e não estranham a presença do marginal ali. Nem
mesmo a dona da agência de viagens, que varre o chão do outro lado da rua, parece ter noção de
quem seja o maldito parado à minha frente.
— É bom te ver, Srta. Torres. — Sua língua cobrindo os dentes amarelados pela nicotina.
— Juan... — começo a dizer, mas ele estala a língua, me silenciando.
— Por mais que eu goste de brincar de gato e rato, temos um assunto pendente. — Ele
tira um canivete do bolso quando tira a mão de lá. — E da última vez em que chequei, você e sua
mãe me deviam trezentos mil dólares.
— Duzentos e quarenta — respondo, mesmo que seus olhos brilhem em alerta. — Minha
mãe te pagou uma parte, Juan.
Ele nega, mordendo o lábio inferior.
— Considerei juros pelo tempo de inadimplência. — Aproxima-se mais de mim,
enrolando o canivete em uma mecha do meu cabelo. Os olhos castanhos e pequenos, estreitos
quando volta a falar. — Tem sorte que simpatizo com você. Mas minha paciência não durará
muito. Quero meu dinheiro, Camila Torres, e até entregá-lo a mim, ratinha, você será minha.
— Eu vou pagar — replico em uma súplica. — Só preciso de um pouco mais de tempo.
— Tem até a sexta-feira para demonstrar sua boa vontade. — Desliza a lâmina sobre a
maçã do meu rosto, antes de pressioná-la ali com mais força, fazendo minha pele arder. — Ou
precisará me conceder outros benefícios... — Ele se afasta brevemente, os olhos correndo pelo
meu corpo. Nojento. — Eu sempre gostei de mulheres curvilíneas. — Gargalha quando me
encolho. — Está avisada, Srta. Torres. Sexta-feira.
E como se não tivesse me ameaçado e me ferido — o corte ardido em meu rosto sangra,
como percebo assim que toco a pele dolorida — ele se afasta e entra no carro. Como se não fosse
nada demais.
Assim que abro a porta, para meu desespero, Dwayne está atrás do balcão, no caixa,
trabalhando no livro-caixa e ergue o rosto logo que me vê entrar. O sorriso em seus lábios
desaparecendo assim que vê a minha mão no rosto.
— Cami? Está tudo bem? — Vira-se no lugar, atento.
— Eu só me machuquei. — Faço uma careta revoltada. — Preciso avisar a Nina sobre a
importância de manter as unhas curtas.
— É o que venho dizendo a vocês. — Aponta, voltando ao trabalho enquanto corro até a
cozinha. Meu lugar seguro no mundo.
Ou o mais próximo disso.

Depois de passar a manhã inteira sobressaltada. A tarde não foi muito melhor. Mal
consegui me concentrar durante as aulas e nem mesmo todo o trabalho na cafeteria me fez
esquecer a ameaça daquele maldito agiota. Depois de sair da cafeteria, andar olhando para os
lados e me assustando a cada pessoa que cruza meu caminho, entro no edifício de luxo,
respirando aliviada.
O corte, apesar de superficial, funciona bem para o objetivo daquele bandido filho da mãe
— o lembrete constante de que não está brincando e não vou conseguir fugir dessa vez.
Droga.
Que merda de situação sem jeito.
— É a terceira vez que olha para trás, Camila. — Pega no flagra pelo porteiro, salto no
lugar, assustada, e me pego olhando através do vidro da fachada, instintivamente. — Está com
problemas? Tem alguém te seguindo?
— Preciso parar de assistir documentários sobre crimes reais, sabe? — Ajeito a tiara
azul-escura em meu cabelo. — É horrível andar sozinha.
— Deus me livre! — Ele faz o sinal da cruz. — Nunca assisto. Nem de coisas do além.
Quem me dera meu problema fosse uma assombração.
Cuidado com o que pede, Camila — advirto a mim mesma antes de caminhar até o
elevador. — Já basta todos os problemas com os quais tenho que lidar.
Eles já têm feito um bom trabalho tirando o meu sono.
O tempo é relativo. Um minuto pode parecer pouco, mas é o suficiente para mudar uma
vida inteira.
Acredite, eu sei disso.
Se a minha vida não tivesse mudado completamente em menos de um minuto, eu não
estaria, agora, sentado no sofá da minha cobertura, ouvindo Chuck falar sem parar sobre seu
novo investimento, enquanto observo a garota loira que hoje está atipicamente quieta. A linha
fina e vermelha em seu rosto gritando que há algo de errado aqui, mas ela não parece muito
disposta a compartilhar. Ainda mais com esse idiota falando cinco mil caralhos de palavra por
segundo.
Se tudo não tivesse mudado, não teria conhecido a tal garota em questão. E o fato de eu
sequer pensar em lamentar conhecê-la é assustador para cacete.
Quando seu celular toca e ele muda o tom, incorporando o empresário sério do ramo de
tecnologia, respiro aliviado. Voltando minha atenção para a garota que digita rapidamente em
seu computador, perdida entre alguns livros espalhados à sua frente sobre a mesa de jantar, que
temos utilizado como espaço de estudos.
— Preciso ir — o nerd vestindo um terno verde musgo avisa. — Mas volto para
conversar sobre a escolha do novo piloto.
De novo essa merda.
— Me mande os vídeos. É impossível escolher alguém através da porcaria de um
currículo. — Ele assente enquanto abraça os ombros estreitos da garota e beija o topo de sua
cabeça. Exatamente como ela fez comigo no outro dia. Algo totalmente comum, ao que tudo
indica, e não alguma espécie de tratamento especial.
Nada demais.
Assim que a porta da sala se fecha, deixando-nos sozinhos, olho para a garota enquanto
ela fecha um dos livros e prende os fios loiros com o lápis ao mesmo tempo que encara a tela do
notebook como se tentasse solucionar algo impossível.
Pego as muletas, tomando cuidado para não esbarrar na grade presa em minha perna, e
salto até a mesa, mantendo uma distância maior para evitar acidentes.
— O que aqueles dois idiotas fizeram dessa vez? — pergunto e, assustada, ela estremece.
— Aconteceu alguma coisa?
— Fora todas as abobrinhas que eles apenas “jogaram” aqui? — Aponta para o arquivo.
— Olha, eu acho que conseguimos dar conta desse trabalho sozinhos. Me pouparia de ver a cara
daqueles dois.
— É uma proposta interessante. — Eu me sento na cadeira à sua frente e logo meus olhos
recaem sobre a linha vermelha em sua bochecha. — O que é isso no seu rosto?
— Uma bobagem. — Dá de ombros, mas o modo cuidadoso com que toca o local me
deixa em alerta. — Minha unha estava grande e...
— Suas unhas nunca estão grandes. — Camila me encara, chocada. — Eu reparo nas
coisas. Quer tentar de novo?
— Eu não sei. — O nervosismo em sua voz acende todos os alertas possíveis dentro de
mim. — Provavelmente, foi na hora que eu estava vestindo essa blusa idiota. — Aponta para a
blusa de tricô azul-clara que deixa seus olhos muito mais claros. — Satisfeito?
— Talvez. — Ela faz uma careta, franzindo a testa e os lábios grossos e rosados.
Deixando-os ainda mais em evidência. — O que precisamos refazer dessa vez?
— Pensei que nunca iria perguntar! — Ela me lança um olhar sabichão, e é assim que eu
sei que vou me arrepender de ter perguntado.
Duas horas depois, encerramos o dia e, quando meu pai chega, Camila guarda suas coisas
na mochila puída e suspira, olhando para o telefone.
— Nossa, eu não tinha percebido que estava tão tarde — comenta quando nota que já
passa das oito horas. — Preciso ir. Mas, você, se prepare, porque temos um jogo para assistir
amanhã cedo.
— Por que não desiste dessa merda? — reclamo, apenas pelo costume. Os caras
realmente mandam muito bem e, agora que estou praticamente livre da cadeira, um passeio não
me parece tão ruim.
— Primeiro, porque eu meio que gosto de te irritar — admite sorrindo. — Segundo,
porque meu coração é bom e me dói ver alguém desperdiçar tantas oportunidades e desistir. E
terceiro... — Suas palavras se cravam em mim com a força de garras e meu primeiro reflexo,
como sempre, é revidar.
— Não estou desistindo. Não de verdade. Mas perdi tudo o que pensava ter na vida.
Nesse momento, eu mal consigo me barbear sozinho. Acha que é fácil? Eu tinha uma vida,
expectativas altas e todas morreram naquela corrida. Consegue entender isso?
Camila se aproxima, a blusa de tricô justa nos seios grandes, revelando uma porção de
pele clara e macia na qual eu não deveria estar prestando tanta atenção depois de um desabafo,
mas estou. Ainda mais quando ela se inclina, mantendo nossos olhos no mesmo nível.
— Eu entendo e respeito o seu luto. — Como é que ela consegue tirar um peso grande
das minhas costas apenas com algumas palavras? — Mas você está aqui; vivo e se recuperando.
Há vida e sonhos além daqueles. — E quando ela sorri, não consigo impedir meu indicador de
traçar a covinha em sua bochecha. — Não desista.
— Você mesma disse que, em circunstâncias diferentes, nós não iriamos nos conhecer.
— Relembro nossa conversa de dias atrás. — Por que se importa? — Meus olhos se fixam no
modo como seus dentes massacram o lábio inferior, enquanto ela parece pensar por um instante.
— Eu... — Engole em seco. — Não sei. Mas, de alguma forma, me importo.
Caralho.
Quando encaixo minha mão em seu rosto, Camila não se afasta. O calor que se espalha
em minhas veias não me permitiria voltar atrás agora. Roço meus lábios nos seus de forma leve e
ela permite, suspirando de forma pesada em minha boca. Mas antes que eu possa prová-la, ela se
afasta — como se acordasse de um transe, voltando a mexer na mochila enquanto coça a
garganta, incapaz de olhar para mim.
— Jogo. Amanhã. Boa noite. — Com um sorriso tímido e o rosto totalmente tingido de
vermelho, ela se despede de mim com um beijo no topo da cabeça e desaparece cozinha adentro,
enquanto ainda tento processar o que acaba de acontecer.
Eu estava prestes a beijar Camila Torres?
Porra, sim.
Mas ela fugiu, Frankenstein.
Pelo menos um de nós ainda tem algum juízo.

Após uma noite agitada e confusa entre os pesadelos envolvendo o acidente, corridas,
torcida animada, asfalto, o som ensurdecedor dos motores e os olhos muito azuis e cansados
focados em mim enquanto Camila sorria antes de me beijar, acordo perdido.
Dor, beijos, amassos e uma ereção filha da puta erguendo o lençol claro.
Será esse o meu fim?
De um futuro brilhante no mundo das corridas, a um sujeito meio louco que sonha com
seu passado de glória, todas as merdas e, para completar, sente tesão na garota loira que
contratou para impedir que uma enfermeira tarada desvirginasse o seu cu.
Me superei.

~Cami.Torres: Pronto?
Sete horas da manhã. Porra.
Rage_Porter: Tenho escolha?

~Cami.Torres: Não.

Que alegria!

~Cami.Torres: Anexo

Rage_Porter: Estamos trocando nudes agora?

~Cami.Torres: Vai ter que abrir pra ver.


Maldita curiosidade.
É tudo culpa dela. Que me faz sentar na cama com algum esforço e abrir a maldita foto
com visualização única, apenas para encontrar Jake abraçado à uma loirinha sorridente com um
rabo de cavalo alto na cabeça e parte da barriga de fora em um cropped verde escuro.
Porra, linda demais.

Rage_Porter: Não sabia que Jake iria.

~Cami.Torres: Tem quarenta minutos até o jogo começar.

Rage_Porter: E o que eu ganho indo até aí?

Digitando...
Digitando...

~Cami.Torres: Fora a minha companhia?


~Cami.Torres: E sanduíches deliciosos?

Rage_Porter: Que tal uma aposta?

~Cami.Torres: Só se você vier.

Eu nunca nego um desafio — é um estilo de vida. Isso explica eu ter me vestido e estar
desviando de um bando de moleques no parque, até chegar à quadra aonde viemos da última vez.
O som das rodas das cadeiras, enquanto os times se aquecem na quadra, me alcança antes que eu
veja as arquibancadas.
E, então, Jake e Camila conversando tão perto um do outro que parecem estar se
beijando. O frio em minha barriga nesse momento é absurdamente real. Que merda é essa?
Com o apoio das muletas e de Jim, que me acompanha de perto, acesso a passarela e salto
até eles. Assim que me vê, ela abre um sorriso largo e se levanta sorridente, vindo em minha
direção. A calça jeans abraçando os quadris largos exatamente como imaginei ao ver aquela
maldita foto.
— Você veio! — As covinhas marcando as suas bochechas rosadas enquanto ela para à
minha frente.
— Eu nunca nego um desafio — aviso, deixando um beijo no topo da sua cabeça
cheirosa. Porcaria de shampoo de morangos. — Jake. — Cumprimento quando ele se aproxima
de nós, vestindo suas tradicionais roupas de corrida. — Não sabia que viria.
— Encontrei Cami na cafeteria, hoje cedo, então eu e Dorothea oferecemos uma carona a
ela e aqui estamos nós!
— Está usando o molho como atrativo para os jogos, Camila Torres? — implico e ela
gargalha, revirando os olhos.
— Melhor. Molho. Do. Mundo — enuncia cada palavra com ênfase antes de se virar. —
Só você que segue resistindo.
Eu poderia dizer a mesma coisa.
Dwayne, o amigo de Camila, nos observa de longe, assim como o jogador tatuado que
parece olhar demais na direção dela, cumprimento-os e eles acenam em reconhecimento. Mas
seu foco está no fisioterapeuta safado que não tira as mãos da garota.
Totalmente desnecessário.
Logo adiante, antes que eu consiga achar um lugar para assistir ao jogo, a esposa de
Dwayne vem com a baixinha saltitante — Nina — trazendo o que imagino ser um carregamento
de sanduíches dentro de uma bolsa térmica.
— Jake, pode encontrar um lugar para a gente se sentar? Eu vou ajudar Maggie. —
Aponta para a mulher. — São os melhores sanduíches do mundo todo! Você vai ver!
— Mal posso esperar! — o idiota responde secando a bunda da garota. — Cara, você
surpreendeu. Eu achei que não viesse.
— Estou surpreendendo até a mim mesmo. — Sento-me no banco de madeira e descanso
as muletas ao meu lado, mantendo a perna esticada.
— Mason! Como vai, querido? — Sra. Jones me cumprimenta, alguns degraus acima,
acenando freneticamente. — Vejo que já está melhor! Fico muito feliz! Espero que experimente
a especialidade da minha nora hoje!
— Obrigado, Sra. Jones! — Sorrio ao mesmo tempo que Camila retorna, usando uma
calça preta, tênis e o maldito cropped verde escuro que mostra uma tira de pele de sua barriga por
baixo do casaco de lã escura e um lenço evitando que os fios mais curtos de seu cabelo caiam no
rosto.
— Essa garota não está fácil! Todo dia é um gato diferente! — A idosa pisca para Jake,
que faz um gracejo. — Acho que vou voltar para a faculdade!
— Vovó! — Camila esconde o rosto vermelho nas mãos. — Você veio! — repete ao
parar ao meu lado, de repente tensa com a nossa proximidade.
— Jake também. — Aponto para o fisioterapeuta que agora brinca com a garotinha. — O
que vamos apostar, Cami?
— Eu aposto que o time de Dwayne vai ganhar hoje. — A sua convicção me faz rir.
— Tenho certeza de que ele vai ficar feliz em saber disso. — Sorrio. — E o que vai
querer, se ganhar?
— Vai experimentar um dos sanduíches da Maggie — diz sem pensar muito.
— Feito. Mas se eu ganhar, vai ter que experimentar algo novo também. — Ela estende
uma mão em minha direção para selar o acordo. Talvez eu tenha ficado tempo demais perdido no
azul claro de seus olhos, mas desvio minha atenção para a quadra assim que o apito determina o
início da partida de basquete. — Boa sorte.
— Porra, Cami! — Jake a chama e logo abraça seus ombros, empolgado. Antes que eles
se sentem para acompanhar a partida. — Esse sanduíche é maravilhoso!
Assim que o time de Dwayne faz a primeira cesta, sua risada faz seu corpo todo sacudir
ao meu lado, enquanto geme baixo por causa do maldito molho que parece uma unanimidade
com o público.
Talvez eu só esteja sendo idiota ou tenha perdido minhas habilidades sociais dentro desse
período de isolamento após o acidente, mas o fato é que, quando a pequena Nina me oferece o tal
sanduíche, não hesito em aceitar. Algo que chama a atenção de Camila, que mantém os olhos em
mim, mesmo que Jake tagarele sem parar em seu ouvido. O que é que esse sujeito tem tanto a
dizer?
— Vai ter que escolher outra coisa, Cami. — Uso o apelido que o idiota usa sem parar.
— Embora eu ainda possa ganhar essa aposta.
Com os dedos um pouco dormentes, seguro o sanduíche bem embalado em papel
alumínio na mão e me preparo para morder.
— Mesmo se eu ganhar, acho que sairei perdendo — murmura, antes que Jake comece a
falar qualquer coisa sobre a força nos braços exigida de um atleta desses.
Porra.
Existem verdades inegáveis nessa vida.
E uma delas é que esse sanduíche é uma das coisas mais gostosas que eu já comi e eu fui
um idiota por não ter experimentado antes. Outra é que Jake Wilson definitivamente está a fim
da loirinha — sua postura simpática e prestativa não me engana.
E algo me diz que ele tem um concorrente mais do que disposto a quebrar uma regra
importante se isso significar provar os lábios grossos e rosados de certa loirinha.
Talvez eu realmente esteja enlouquecendo.
A minha vida sempre foi tranquila. Uma aluna inteligente, esperta e dedicada, com um
futuro brilhante se estivesse disposta a batalhar por isso. Uma carreira sólida e promissora dentro
de uma grande empresa e, quem sabe, em algum momento, conhecer um cara legal e carinhoso
para namorar, casar e, talvez, ter filhos. — Esse sempre foi o plano de Camila Mackenzie Torres.
Um sonho que de forma alguma envolvia um piloto de stock car ferido e mal-humorado
que eu quase beijei no outro dia. É claro que fiquei nervosa e até temi o momento em que nos
víssemos, mas quando Mason apareceu na faculdade com as suas muletas e cabelos escuros
úmidos, agindo de forma totalmente normal, consegui relaxar.
Frankie tinha razão, no fim das contas: eu estava superestimando algo que não é tão
importante. Por isso, apenas segui em frente. Ainda nos encontramos todos os dias, estudamos
juntos e adiantamos o trabalho para ter que lidar o mínimo possível com os outros três
integrantes da equipe.
Nessa terça-feira, estamos saindo da universidade quando peço à Jim que nos leve até a
cafeteria. É claro que meu companheiro de viagem tenta nos convencer do contrário várias vezes,
mas desiste quando nota que eu não abriria mão do que eu havia programado.
Foi durante uma conversa com D. sobre os meus horários malucos que eu tive essa ideia
para conciliar todos os meus compromissos e Jake me ajudou a escolher os exercícios corretos e
mais indicados para melhorar os movimentos e a força nas mãos de Mason — que é uma das
coisas que mais parece incomodá-lo no momento. Assim que Jim para o carro na frente da
cafeteria, observo o sujeito de cabelos muito escuros em uma jaqueta preta, de olhos fechados,
cabeça recostada no banco e uma expressão de poucos amigos.
— Pronto para mais uma aventura? — Sorrio ao sacudi-lo com força. — Vamos?
— Camila — a voz séria exige. — Que porra estamos fazendo aqui?
— Vamos tomar café fora hoje e você vai pagar a sua dívida comigo. — Mason abre os
olhos escuros, focando-os em mim e me deixando tonta por um instante. — Eu ganhei a aposta,
lembra?
— Como eu poderia esquecer? — Penteia o cabelo para trás enquanto saio do carro.
Em silêncio, Mason, que é muito mais alto do que eu — como havia garantido antes —
me segue até a cozinha, passando por Dóris, que parece estar cara a cara com um astro de
cinema. Dwayne, no caixa hoje, cumprimenta-nos e diz que vai nos trazer um café daqui a
alguns minutos.
Assim que entramos no cômodo branco e azulejado — com duas bancadas principais, ele
observa a tudo, antes que seus olhos parem em mim. Pego meu avental de cupcakes e o visto,
então pego um azul liso e vou até ele.
— Vai ter que se abaixar. — Fico nas pontas dos pés enquanto Mason baixa a cabeça,
vestindo o seu avental de trabalho. A respiração entrecortada que seus lábios exalam sacode os
fios do meu cabelo e arrepia o meu corpo inteiro. Que merda está acontecendo? — Você é
realmente alto.
— Eu avisei. — Sorri convencido enquanto coloco a touquinha em mim e se abaixa mais
uma vez para que eu faça o mesmo com ele. — Ou você é que não tem tamanho.
— Os melhores perfumes estão nos menores frascos — recito, afastando-me.
— E os piores venenos — completamos juntos.
Perto demais.
— Cami... — a voz enrouquecida chama, mas me viro de costas, reassumindo o controle.
— Antes de tudo, vamos lavar as mãos. — Ele me acompanha até a pia funda e eu
higienizo as minhas, consciente demais de sua presença imponente às minhas costas.
Vou matar a Frankie por ficar alimentando as caraminholas da minha cabeça.
Ainda é só o Mason, Camila — relembro a mim mesma enquanto esfrego uma mão na
outra — o sujeito mal-humorado e cheio de respostas irônicas. O mesmo daquelas fotos na
parede, agarrado à cintura fina das garotas que parecem modelos. Rico, inalcançável e ansioso
para se esquecer dessa fase terrível e seguir em frente. Em pouco tempo, nem se lembrará de
você.
E isso não deveria me deixar triste.
— Agora, é a sua vez — aviso, antes de derramar o detergente líquido em suas mãos e
observar enquanto ele as esfrega por um tempo antes de enxaguar.
— Assim? — Sacode os dedos longos, jogando água para todo lado. E no meu rosto.
— Precisa escovar as unhas. — Entrego a escovinha que havia deixado na lateral da
bancada.
Sua falta de jeito me faz rir.
— Eu me sairia melhor se me mostrasse como fazer — reclama e eu me aproximo,
tomando o objeto de suas mãos e esfregando as pontas de seus dedos debaixo da água.
— Sempre tão reclamão... — provoco, antes de sentir sua risada no topo da minha
cabeça. — O que está fazendo? — Por que é que tenho a sensação de senti-lo cheirar o meu
cabelo?
— Não estou fazendo nada. — O sorriso em sua voz entrega a mentira.
Tento olhar para ele, mas não consigo, já que, de algum modo, vejo-me presa entre seus
braços. Quando uma de suas mãos envolve a minha cintura, colando meu corpo ao dele, alguém
coça a garganta atrás de nós e assim que ele se afasta, encontro Dwayne nos observando com
uma bandeja nas mãos.
— Trouxe muffins e café para vocês. — Os olhos escuros sempre atentos e preocupados
se revezando entre nós.
— Você é o melhor, D! — Pego a bandeja e a coloco sobre a bancada diante de nós. —
Mason vai se sentar aqui. — Ajusto a banqueta e seguro firme para que ele se acomode, antes de
deixar as muletas escoradas na bancada ao seu lado, enquanto meu chefe nos deixa a sós mais
uma vez e eu esfarinho a superfície limpa. — Ele sabe ser obediente, vejam só...
Tenho quase certeza de que algo bastante grosseiro ia sair de sua boca, mas quando me
viro, paralisamos. Assim como naquela noite, estamos perto demais um do outro.
— Verde. — Engole em seco, tocando a gola da minha blusa sobre o avental colorido. —
Fica bem em você.
— Obrigada. — Sorrio feito uma boba, sentindo a revoada insana de borboletas dentro de
mim. — Mas chega de conversinha mole! Hoje é dia de fortalecer as mãos.
Ele ergue a sobrancelha escura, curioso, antes de focar na parte da frente do meu avental.
Mason Porter está encarando os meus peitos?
— Sovando massas — aponto para a bancada enfarinhada —, mas antes, um lanchinho.
Assim que terminamos o nosso café, lavamos as mãos novamente e, parada na lateral
contrária à sua na bancada, estendo as duas mãos sobre a superfície enfarinhada com as palmas
para cima.
— Aperte as minhas mãos — peço, e quando ele estreita o olhar, mas faz o que eu peço,
tento não reagir quando sinto o calor de suas mãos nas minhas. — Com o máximo de força que
conseguir.
Mason baixa a cabeça e logo sinto a pressão considerável em meus dedos.
— O que foi isso? — Afasta as mãos, apoiando-as na bancada.
— Um teste. — Coloco uma bola de massa à sua frente. — Agora, ao trabalho.

— Afunda e espalha — repito. — Isso... Aperta. Assim! — comemoro enquanto a massa


branca escapa por entre os dedos longos de Mason, que bufa uma risada enquanto aplaudo ao seu
lado.
— Você sabe que isso foi sugestivo, certo? — afunda a mão, desgrudando a massa lisa e
fofa da superfície lisa.
— Tudo tranquilo por aqui? — D. retorna à cozinha antes que eu possa responder,
observando o desempenho do meu aluno, que parece bastante empenhado com a massa de pão.
— Está indo bem, cara. Vejo que já se livrou da cadeira.
— Estar de pé é incrível — Mason comenta. — E quando eu me livrar dessas merdas de
metal... A cirurgia seria na semana passada, mas o médico achou melhor adiar mais quinze dias.
— Não falta muito então. — Meu amigo sorri. — Fico feliz. Cami, tem falado com a sua
mãe?
— Quase todos os dias. — Sorrio enquanto encho um dos sacos de confeitar com
chantilly lilás. — Ela mandou um abraço e disse que sente saudade de vocês.
— Vou ligar para eles essa semana — avisa. — Maggie e Nina estão ansiosas para ver o
novo corte de cabelo de Luke.
— Ele tingiu de loiro platinado — aviso para que Dwayne se prepare. E, quando ele faz
careta, sei que fiz bem. — É moda no Brasil e os garotos de doze anos são difíceis de serem
convencidos. Foi o que minha mãe falou, mas tenho certeza de que meu irmão ter dito que queria
ter o cabelo da cor do meu ajudou o engraçadinho.
— Todo mundo já viveu essa fase — o ex-piloto comenta, enrolando a massa em uma
bola gigante, antes de pegar uma nova porção para sovar.
— Eu não. — Quando olhamos para o homem sério de pouco mais de cinquenta anos ao
mesmo tempo, é impossível conter a gargalhada. — Muito engraçado — resmunga. — Eu já fui
jovem um dia.
— D., talvez você devesse tentar — provoco, tentando segurar o riso.
— É uma ideia. — Mason dá de ombros, apertando a massa macia com a mão. — A sua
mãe parece uma pessoa bastante moderna e apoiaria o filho nisso.
Vovó Jones faria isso com toda certeza do mundo.
Dessa vez, nem mesmo Dwayne consegue conter a gargalhada e nos dá um banho de
farinha em represália, antes de voltar ao balcão.
— É bom te ver rindo assim. — Mason ergue os olhos úmidos da massa. O rosto coberto
de farinha.
— Deve ser mesmo efeito da vitamina C — ele sorri para a bancada enfarinhada — mais
quanto tempo amassando essas porras aqui?
— Só mais um pouco e já vamos colocar no forno, ok? — Caminho até os armários no
fundo do lugar e pego os tabuleiros, lavando-os e untando-os com manteiga e farinha enquanto o
ex-piloto segue trabalhando na massa.
Talvez eu devesse investir mais em limonadas. Vitamina C parece ser algo milagroso.

Jesus disse para amarmos o próximo — era o que o padre da igreja que frequentávamos
quando eu ainda era criança costumava dizer. Certamente Ele não conheceu esses dois idiotas à
minha frente.
Depois de perdermos quase vinte minutos em uma discussão infrutífera e totalmente fora
do tema do trabalho que estamos fazendo “juntos” — alguma coisa sobre uma festa que ainda
vai acontecer. Anne fez o favor de bater a mão cheia de anéis na mesa e avisar que tinha apenas
uma hora reservada em sua agenda para esse trabalho antes de ir trabalhar em outra invasão.
Algo que começa a soar suspeito até mesmo para mim e começo a repensar a ideia de ter
marcado essa reunião no apartamento de Mason. Sabe-se Deus, de que tipo de invasão ela está
falando.
Embora os outros dois troquem um olhar preocupado, o dono da casa, com seu cabelo
escuro e despenteado, não parece ligar muito para as atividades extraclasse da nossa colega e
segue trabalhando em um bloco de folhas, totalmente alheio a tudo que acontece à sua volta.
Pouco disposta a começar outra discussão, apenas me junto à garota no computador e
esquematizamos mais uma parte do trabalho, repetindo as instruções aos dois atletas que fingem
nos escutar enquanto mantém seu foco nas fotografias e troféus dispostos na parede.
— Camila, será que pode entregar isso para Frankie? — Jamie estende um embrulho
sobre a mesa. — Vou precisar treinar hoje, e ela me disse que precisava para essa noite.
— Tudo bem. — Sem muita vontade, pego a caixa e a enfio na mochila. — Espero a
parte de vocês até a sexta-feira.
— Sim, senhora. — O tal Evan faz uma mesura antes de se levantar. — Chata para um
caralho!
— Cuidado com o que fala — a voz rouca de Mason, que não havia aberto a boca até
agora, adverte. — A sua contribuição nessa merda de trabalho é mínima, eu pensaria duas vezes
antes de irritar quem está fazendo tudo em dobro, Evan.
— Amém a isso — Anne concorda enquanto guarda seu computador na bolsa. — Vocês
fazem um par estranho e improvável. Mas combinam de certa forma.
Ainda estou processando o que a futura engenheira eletricista quis dizer quando,
contrariado, o jogador de hóquei pega suas coisas e sai do apartamento, batendo a porta apenas
para demonstrar sua revolta. Mimado e mal-educado.
— Qualquer criança de cinco anos faria o mesmo — comento e Jamie ri antes de se
despedir e seguir pelo mesmo caminho, enquanto a garota que hoje usa um moletom largo e
escuro sobre um vestido longo de renda branca passa por mim. — Nós somos amigos...
Anne não diz nada, apenas abre um sorriso amarelo e estala a língua, reprovando a minha
explicação enquanto me deixa para trás ao lado do sujeito ainda mergulhado no que parecem ser
cálculos matemáticos quando finalmente voltamos à nossa rotina a sós.
Assim que termino os exercícios que preciso entregar durante a semana, eu me pego
observando feliz o modo firme com que Mason segura a lapiseira enquanto desenvolve uma
expressão complicada na folha de papel.
— Está me encarando, Camila — Mason diz após quase uma hora que nossos colegas
foram embora e eu terminei tudo o que precisava fazer.
— Suas mãos estão melhorando. — Aponto para a mão apoiada sobre a folha.
— Já era hora. — Dá de ombros. — Merda de expressão difícil! O que foi? Se
machucou? — Encara preocupado a minha mão estendida entre nós.
— Aperta. — Balanço os dedos em um convite silencioso.
— Tudo bem — fala com uma bufada irônica, sem desconfiar que o calor da mão grande
que envolve a minha transforma todas as minhas terminações nervosas em fios desencapados.
— O mais forte que conseguir — desafio-o. — Vamos!
Quando uma das minhas articulações estala com a força que Mason impõe e um gemido
baixo escapa da minha boca, Mason entrelaça os nossos dedos e leva minha mão aos seus lábios,
deixando um beijo ali, antes de afundar o nariz em meu pulso.
— Cami... — chama. — Sente isso?
Estou prestes a admitir que sinto tudo, até mesmo coisas que não deveria, quando os
passos pesados do Sr. Porter se aproximam pelo corredor, salvando-me de uma situação
terrivelmente vergonhosa, e Mason se afasta, soltando a minha mão sem desviar a sua atenção de
mim, no entanto.
— É claro que senti! — Abro e fecho a mão em uma demonstração boba. — O que é isso
no seu rosto, Mason Porter? — implico quando um sorriso de lado curva seus lábios finos. —
Bem, minha missão de hoje foi cumprida. Preciso ir antes que chova.
— Vai trabalhar no bar? — Mason me ajuda a colocar toda a minha bagunça dentro da
mochila escura.
— Não, hoje vou descansar. — Não conto que o Sr. Nigel não achou necessário que eu
fosse hoje, mas que já estou convocada para sexta e sábado com certeza. Graças a Deus.
— Jim teve que levar a minha mãe a New Jersey hoje. — Digita algo em seu celular. —
Estou pedindo um carro para te levar até o dormitório.
— Não precisa, ainda mais com esse tempo, vai levar horas até que alguém aceite essa
corrida.
— Já pedi. Vou te mandar as informações no seu telefone, ok? — Então ele me ignora
completamente, mas logo fecha a cara. — Porra! O filho da puta cancelou.
— Eu avisei. — Revira os olhos para o meu comentário. — Não é tão longe. E se eu sair
agora não vou me molhar. Boa noite, Mason.
Não sei qual era a sua intenção ao se aproximar de mim, porque quando para à minha
frente a porta do escritório do seu pai se abre e ele para no lugar, reticente.
— Boa noite, Camila.
Não confunda as coisas — repito a mim mesma durante todo o caminho até a portaria,
onde encaro a tempestade que os trovões anunciam. A rua deserta e o vento gélido varrem a
lembrança do toque quente em minha pele assim que ultrapasso a segurança das portas de vidro.
Estou no meio de uma corrida importante quando afundo meu pé no freio — uma
manobra ousada que pode me tirar da pista, mas não são os pneus que cantam quando o carro
derrapa rumo à volta final. É um grito horrorizado, seguido de um choro sofrido que continuo
ouvindo, mesmo depois de ter aberto os olhos em minha cama.
Quando é que isso vai acabar?
Entre buscar no google sobre alucinações devido ao inchaço no cérebro e me levantar e ir
em direção à sala — de onde parece vir o som angustiante — escolho a segunda opção e,
utilizando a força que começa a retornar nas mãos e nos braços, graças às horas e horas de
exercícios (além de sovar massas enfarinhadas) e à adrenalina do momento, sento-me no colchão
antes de pegar as muletas e ir até a sala, onde alguém chora desconsoladamente.
Mas não é isso que mais me choca no momento. Não quando, no sofá da sala, se
debatendo entre as almofadas, Camila implora por socorro. Seu rosto bonito está molhado pelas
lágrimas enquanto suas mãos buscam o nada, chamando por alguém que eu não posso ver.
Caralho.
Para o meu azar, minha mãe ficou presa em outra cidade e meu pai dorme feito uma
pedra no andar de cima, ou talvez seja sorte, já que estaríamos os dois aqui, observando-a sem
saber como agir.
— Papai! Não! — ela continua chamando. — Não!
Mas que merda?
Dou a volta no sofá e, meio sem jeito, tentando administrar as muletas e o caralho dessa
grade na minha perna, puxo uma das cadeiras, sentando-me ali antes de me inclinar e tocar a sua
mão, agarrando-a com força enquanto faço alguns desses sons calmantes que usamos com bebês.
Pelo menos, é o que já vi algumas pessoas fazendo. Aos poucos, ela se acalma e seu corpo relaxa
no sofá, apesar das lágrimas que ainda escorrem pelos seus olhos.
— Está tudo bem. Shhhh — garanto a ela, acariciando seu rosto com a mão livre,
tomando cuidado para não dobrar a minha perna. Um malabarismo do cacete. — Estou aqui,
Cami. Acabou. Shhhh.
Quando entrelaço nossos dedos, ela suspira e aperta forte a minha mão.
— Mason — exala baixinho.
Por um segundo, penso que ela acordou, mas logo noto seus olhos ainda fechados quando
ela repete o meu nome.
Porra.
— Estou aqui. — Apesar de não saber se ela me ouve, respondo acariciando os nós de
seus dedos ainda entre os meus.
Após algum tempo, e não sem esforço, puxo a manta do sofá sobre o seu corpo e,
confirmando que ela continua em um sono tranquilo e sem os pesadelos de antes, volto para o
meu quarto, perturbado por vê-la daquele jeito.
Em outro tempo, eu a carregaria até a minha cama — apenas para não a deixar sozinha.
Em outro tempo, você nunca a teria conhecido — meu subconsciente adverte. Quando volto a
me deitar entre os travesseiros, encaro o teto e me pego pensando nos motivos que a fizeram
voltar para cá e porque não me avisou. O que ela esconde?
O mundo está perdido se alguém sempre tão repleto de luz também vive na escuridão.
O que aconteceu com você, Camila?

Ainda estou decidindo se me levanto ou não, quando a porta do meu quarto se abre,
revelando a silhueta da pessoa que entra feito um gatuno pelo meu quarto, caminhando pé ante
pé até o closet. Pelo menos, acho que esse era o plano da garota envolta em uma toalha felpuda
branca.
Espero que eu não esteja sonhando.
— Se quiser me ver pelado é só pedir, Srta. Torres — provoco antes de acender a luz.
E, como de costume, o feitiço se vira contra mim, já que após se recuperar da surpresa,
ela se aproxima do colchão com os cabelos loiros presos em um coque no alto da cabeça,
deixando o pescoço e o colo totalmente expostos.
— Acredite, se eu quisesse ver alguma coisa aí, eu não precisaria pedir. — Sorri e se vira,
caminhando de volta ao meu closet.
— Posso te ajudar em alguma coisa? — Sento-me na cama e seus olhos, circundados
pelas olheiras, encaram-me maravilhados.
— Você... Mason, as suas mãos! — comemora.
— Sovar massas tem dado resultado. — Dou de ombros. — O que faz dentro do meu
armário, Camila?
— Preciso de uma camisa. — Aponta para si mesma e só então reparo que veste uma
calça jeans sob a toalha. — Me sujei no caminho e...
Não minta para mim.
— Temos quartos de hóspedes — aviso, antes que ela continue com a merda de desculpa
esfarrapada. — Na verdade, um andar inteiro lá em cima. Não precisava ter dormido no sofá.
— Como... — Abaixa seus olhos azuis, envergonhada.
— Você apagou no sofá e teve pesadelos. Acabei acordando. — Puxo um dos
instrumentos metálicos e me apoio, levantando-me. — O que aconteceu?
— Estava chovendo muito e... a rua deserta. — Merda. — Fiquei com medo.
— Pode ficar aqui sempre que quiser — garanto a ela —, tem um quarto de hóspedes
neste corredor.
— Graças a Deus! — exala aliviada, o brilho retornando ao seu rosto bonito, assim como
o rubor delicioso que sempre precede algo que vai me trazer problemas. — Achei que fosse
oferecer a sua cama.
— Camila... — Dou um salto em sua direção. — Eu posso estar quebrado e todo fodido,
mas não tô morto. Não me provoque.
— Então, me empresta a camisa? — Aponta na direção do armário.
— Sabe onde achar. — Salto até a porta que me leva ao outro lado do quarto. — Fique à
vontade. — E, pouco antes de entrar no banheiro para um banho rápido antes do café da manhã,
eu me viro à tempo de ver através do espelho a porcaria da toalha caída no chão.
É nesse momento que tenho certeza de que não poderia estar sonhando com isso. Nunca
fui tão criativo ou masoquista em toda a minha vida.

Eu me tornei um tarado.
Não há outra justificativa para o que está acontecendo nos últimos dias. Ou semanas. Ou
nesse exato momento, quando vejo a garota nerd caminhando em direção à mesa onde tento
engolir a porcaria de mingau que a nutricionista garantiu ser mais rico e saudável do que o
hambúrguer e fritas que Chuck devora ao meu lado.
O safado usa a porcaria do mestrado dele como desculpa para continuar por aqui,
tentando a sorte com alguma novata que não se assuste com seu modo bizarro de ser. Deve ser
difícil esperar por um milagre. Embora, seja extremamente irritante que Camila tenha dito com
todas as letras que o ache estiloso e o modo como os dois parecem combinar um com o outro.
Um casal de nerds que poderia ter saído daquela merda de seriado.
Será que é por causa disso que ela vive usando essas merdas coloridas no cabelo?
Maldita série ruim.
O fato é: se o vislumbre da toalha jogada no chão já me deixou de pau duro, ver a loirinha
desfilando pelo corredor usando a minha camisa social azul-escura sobre a camiseta branca justa
nos seios grandes foi covardia. Uma tortura que eu não previa.
— Cami Torres! — o idiota ao meu lado cumprimenta assim que ela para em nossa mesa.
— Como estamos hoje?
— Exaustos — responde, bocejando. — Mason, eu vim avisar que talvez me atrase essa
tarde. Preciso cobrir o turno de uma funcionária da cafeteria e já mandei mensagem para o Jake,
ok?
— Eu posso me virar. — A porra do mingau gosmento me parece ainda pior.
— Estou livre essa tarde, não se preocupe, vou cuidar bem dele. — Chuck, como o
grande filho da puta que é, cospe na mão e tenta passar no meu cabelo.
— Viu? Já fui substituída! — Finge estar mortificada.
— Porra nenhuma — resmungo. — Temos um trabalho para fazer, Cami.
— Nem me lembre disso! — As manchas sob os olhos atestam seu cansaço.
— Visual novo? — Meu amigo aponta para a camisa visivelmente grande demais para a
garota à nossa frente. — Gostei.
Olho para ele sem acreditar na falta de filtro do filho da puta.
— Obrigada! Pelo menos alguém gostou. — Mais do que imagina. — O comentário de
mais cedo, no banheiro, é de que sou uma espécie de promessa que o bonitão raivoso, aí, fez para
melhorar.
— Puta que pariu! — Chuck bate na mesa. — As pessoas são horríveis.
— É meio engraçado — pondera. — Uma das líderes de torcida cogitou a possibilidade
de eu ser uma espécie de escrava sexual.
Puta merda.
Nesse momento, uma das amigas de Becca passa por nós e comenta alto o bastante, para
que possamos ouvir:
— É um novo estilo? Ou as roupas estão parando de servir? — A risada maléfica
combina com todo o conjunto.
— Para de rosnar, Rage. — Camila bate na mesa, chamando minha atenção.
— Por que não responde? — indignado, apoio-me na mesa enquanto me levanto. — Não
posso deixar que façam isso.
— Por acaso sou sua escrava sexual? — pergunta, cruzando os braços enquanto eu nego.
— Estamos transando porque fez uma promessa para melhorar? — Dessa vez, não consegue
conter o deboche e ri da ideia ridícula. — Então, foda-se o que pensam. Eu já te disse, Mason. Se
não me importo, não podem me ferir.
— Porra! Eu tô apaixonado. — Chuck, que saiu de perto de mim sem que eu visse,
abraça os ombros da minha... amiga e beija a lateral de sua cabeça. — Mal posso esperar para
começar o seu estágio e dominarmos o mundo juntos. O que acha?
— É um bom plano — a loirinha responde com o rosto rosado pela atenção que o safado
dá.
— Cuidado com ele, loirinha — aviso me colocando ao seu lado. — Há bem pouco
tempo ele se dizia apaixonado pela minha irmã.
— Você está sentindo, Cami? Esse cheiro? — Ela o encara confusa, antes de olhar para
mim por entre os cílios claros. — O fedor do ciúme? — o imbecil explica enquanto conduz a
garota para fora do refeitório.
— Filho da puta. — É o que sai da minha boca enquanto o descarado oferece uma carona
para ela até a cafeteria.
— Chuck, eu já te disse, hoje, o quanto você é incrível? Porque você é — declara
abraçando a cintura do meu melhor, e único, amigo.
Eles combinam.
E eu deveria ficar calado porque é o certo a se fazer.
— Você até pode ser incrível — é o que sai da minha boca ao invés disso —, mas não é a
sua camisa que ela está vestindo, parceiro.
Foda-se se Camila está vermelha feito um pimentão enquanto Chuck gargalha, satisfeito
por me irritar mais uma vez. Foda-se se Rebecca Anderson e seu grupinho de meninas más estão
aqui, encarando-nos enquanto atravessamos a porcaria da entrada do prédio feito tartarugas. —
Eu disse apenas a verdade.
Um novo dia e os mesmos problemas.
Finjo que a mensagem que acabo de receber não me fez tremer dos pés à cabeça enquanto
assisto ao time, no qual apostei, perder vergonhosamente, ao passo que Mason celebra a vitória
do time de Dwayne como se fosse a porcaria de uma final da NBA.
Aparentemente, ter entregado à Juan Miguel quase todo o meu dinheiro — quase dez mil
dólares — não foi nem de perto o suficiente e ele segue me ameaçando e aterrorizando, apenas
pelo prazer de fazê-lo.
Quando é que a minha vida simples e entediante se tornou tão agitada e perigosa?
— Não seja uma má perdedora fazendo cara feia para a minha vitória. — O gigante
estranhamente feliz ao meu lado bate o ombro no meu enquanto devora um dos sanduíches de
Maggie.
É claro que ele se renderia — bastava dar uma chance. Eu disse.
Inacreditavelmente, minhas horas com o sujeito mal-humorado têm sido o ponto alto dos
meus dias. A parte leve da vida.
— Falei alguma coisa? — Ergo os ombros, fazendo cara feia quando D. marca mais um
ponto. — Eu escolho primeiro da próxima vez.
— O vencedor escolhe. Essa é a regra — o idiota recita o que eu disse quando ele sugeriu
que deveria haver uma rotação de quem escolhe primeiro. Droga. — Isso significa que tem uma
dívida comigo, Srta. Torres, e que ela cresce mais a cada aposta.
Junte-se ao time, Mason Porter! — xingo mentalmente. No fundo, sentindo-me feliz por
vê-lo tão confortável e à vontade perto das pessoas com quem convivi por um bom tempo da
minha vida.
Quando o juiz apita, correndo até o alambrado para pegar o seu sanduíche com Nina,
Mason gargalha e me segura pelos ombros, fazendo meu corpo sacolejar ao cumprimentar os
jogadores que deixam a quadra.
— Porra, valeu! — exclama, cumprimentando Dwayne, que bate a palma contra a sua,
enquanto belisco sua costela. — Você é do car... valho! Ai!
— Vamos? — Em pouco tempo, nos despedimos de todos e caminhamos lado a lado até
o local onde Jim nos espera.
Por um tempo, andamos em silêncio. Apenas desfrutando dos sonhos da cidade agitada,
mesmo em um sábado de manhã.
— Eu devo ser realmente um gato — Mason comenta após um grupo barulhento de
adolescentes passar por nós. — Você não consegue tirar os olhos de mim.
— Estou meio preocupada — invento e tento ao máximo me manter séria quando entro
em sua frente e tento tocar a sua testa. — O jogo acabou e você ainda não reclamou nenhuma
vez.
— Olha, eu admito — sorri, encarando os próprios pés —, os últimos jogos realmente
valeram a pena. Comida maravilhosa e ainda ganhar de você...
Fecho a cara.
— É só uma maré de sorte. — Cruzo os braços diante do corpo, fazendo a minha blusa
vermelha se abrir, um movimento que não escapa aos olhos do sujeito de muletas ao meu lado.
— Aproveite, porque logo passa.
— Eu precisava disso… Dessa leveza! — Mason abre um sorriso largo e bonito antes de
me agradecer. — Obrigado.
— Mason! Eu trabalho até tarde hoje! — reclamo, apressando o passo até o carro,
olhando para cima e segurando a tiara preta com um laço na cabeça. — É agora que começa a
chover canivetes e gafanhotos?
Jim, que está nos esperando no carro, ergue os olhos e tenta ver, através do para-brisa, o
que estou procurando no céu que, nessa manhã, está atipicamente ensolarado em Nova Iorque.
— Para com isso, loirinha. — Bate seu braço contra mim. — Eu posso ser um cara legal
quando eu quero, não sabia?
— Eu sei. Mas estou feliz! Me deixa comemorar, eu preciso disso. — Sorrio e abro a
porta da frente, esperando que ele entre para que eu guarde suas muletas e fique com as mãos
livres para jogar na boca uma das balinhas de morango que sempre carrego comigo.
Mason para no lugar, a mão ainda apoiada na barra de ferro e seus olhos escuros
totalmente focados em mim, fazendo minhas pernas grossas assumirem a consistência de
gelatina.
— O que foi? — Procuro por algo ou alguém ao redor, mas não vejo nada. — Mason?
— Foi uma manhã interessante — ele diz. — Leve. — Concordo com um sorriso
convencido. Se as pessoas me ouvissem… — Camila? Eu quero tentar uma coisa.
— Desde que não envolva nada ilícito... — começo a dizer, mas não consigo terminar,
porque o ex-piloto da Nascar, que fica altamente gostoso naqueles macacões como eu vi nas
fotos espalhadas em seu apartamento, cola sua boca na minha sem nenhum aviso prévio.
No início, ele não se move, esperando por algo que não faço ideia o que seja, mas não me
afasto. Como poderia? Aos poucos, sua língua traça os contornos do meu lábio inferior, para
então invadir a minha boca de forma lenta, mas decidida, até alcançar a bala de morango e roubá-
la de mim.
— Tão deliciosa quanto eu imaginava — comenta com a voz rouca, enquanto eu o
encaro, congelada no lugar, totalmente sem ação. Com um sorriso convencido, ele beija o topo
da minha cabeça e pressiona os lábios nos meus mais uma vez, antes de apoiar as mãos na porta
e se jogar no banco do carona. — Vamos?
O roteirista da minha vida só pode estar de brincadeira.

Termino de limpar a última mesa quando um sujeito alto, usando um terno três tamanhos
maior passa por mim e quase me faz derrubar o conteúdo da bandeja que carrego nas mãos. Não
que isso seja algo incomum de acontecer em um sábado à noite com a casa lotada, mas o motivo
da minha surpresa está no jogador que me ajudou a não cair estatelada no chão.
— Jamie? Oi! — cumprimento um pouco chocada e ele sorri. — Obrigada.
— Eu vou te ajudar a passar. — E me escolta por entre o grupo de pé em volta da mesa
de sinuca, de volta ao balcão. — Eu não sou tão ruim, não é? — Ri sem humor.
— É, não muito. — Sorrio da careta que ele faz. — Quer alguma coisa?
— Uma cerveja e, quem sabe, que você convença Frankie a atender as minhas ligações?
— pede, hesitante. — Eu juro que não fiz nada dessa vez.
Vou até o freezer e abro a long neck antes de entregar a ele.
— Obrigada por antes. — Abre um sorriso triste e conformado antes de tomar um longo
gole.
— Não custava tentar. Até mais, Camila. — O jogador se despede e some em meio à
multidão aglomerada pelo lugar.
E, por incrível que pareça, é esse evento que me salva de passar horas narrando o beijo,
que ainda não acredito que aconteceu, para a minha colega de quarto, que segue revoltada e
bêbada quando chego, quase às duas horas da manhã.
— Aquele safado! — Frankie bebe mais um gole do conteúdo sem cor da garrafa. — A
Meg disse que viu aquele filho da mãe com duas na festa. DUAS! Acredita?
— Amiga, eu... — Mas ela me interrompe e segue repetindo tudo o que já falamos na
última meia hora.
Graças a Deus.
Quando ela dorme, finalmente me deito na cama e logo a sensação da boca de Mason na
minha retorna. “Quero tentar uma coisa.” Ele disse como se tivesse pensado a respeito disso em
algum momento. Embora, após ter me deixado na cafeteria com uma despedida normal, eu não
tenha tido mais nenhuma notícia a seu respeito.
Até agora.

Rage_Porter: Boa noite, Camila Torres.


Rage_Porter: Já está em casa?
Rage_Porter: Anexo

Minhanossasenhora.
Assim que abro a imagem, arrependo-me instantaneamente. Sem camisa, com algumas
tatuagens do seu tronco à mostra, no sofá, Mason “Rage” Porter morde um morango, deixando
cair uma linha vermelha que desce pelo seu queixo quadrado.
Cami_Torres: Debaixo das cobertas.
Cami_Torres: Estamos trocando nudes agora?

Rage_Porter: Se me mostrar o seu, te mostro o meu

Cami_Torres: Vai sonhando...

Rage_Porter: HAHAHAHAHA
Rage_Porter: Com certeza.
Rage_Porter: Boa noite, Camila

Se eu não estivesse tão cansada, certamente ficaria acordada tentando decifrar esse
sujeito. Mas, exausta como estou, e ainda sorrindo para a tela apagada do meu telefone, apenas
enfio o aparelho debaixo do travesseiro e fecho os olhos, deixando tudo o mais para depois.

No fim das contas, foi melhor ter dormido mesmo. De nada adiantaria eu ficar pensando
sem parar sobre o que aconteceria na segunda-feira quando encontrasse Mason na faculdade —
porque não houve diferença alguma. Apenas o terrível mal humor de sempre, agravado ainda
mais pela ansiedade por causa da consulta marcada para essa tarde.
Não é um bom dia para a tal Rebecca decidir vir conversar com ele, e ela descobre isso
da pior maneira possível, já que é ignorada como se não houvesse ninguém à sua frente, antes de
ele desviar dela e ir direto para o carro, sem trocar qualquer palavra com ninguém. Nem mesmo
comigo.
— Rage? — chamo quando, após um trajeto silencioso e tenso, Jim para o carro diante da
cafeteria e o cara bonito, porém absurdamente sério ao seu lado, no banco do carona, vira-se para
me olhar. — Para adoçar o seu dia.
Entrego a ele um punhado das minhas balas de morango e, feliz, noto quando uma
sombra de sorriso cruza o seu rosto, antes que ele as guarde no bolso da jaqueta.
Usando o casaco cor-de-rosa de Frankie mais uma vez, atravesso a rua em direção ao
meu segundo turno do dia, quando ele me chama.
— Camila? — Encontro-o inclinado sobre a janela. — Obrigado, mas eu prefiro daquele
outro sabor.
— Nem tudo é como você quer, Rage. Me dê notícias. — Aceno um tchau e entro no
aconchego do local conhecido e seguro.
Sem ex-pilotos gostosos ladrões de balas e sem agiotas ameaçadores — apenas a minha
cozinha e meus bolinhos confeitados. E pela próxima hora, é somente nisso que pretendo focar a
minha atenção.
Uma coisa de cada vez.
O modo como eu consigo me iludir é diferenciado, confesso.
Enquanto espero pelos resultados dos últimos exames, sentado ao lado da minha mãe na
sala totalmente decorada em tons claros do médico, distraio-me enquanto sinto o gosto da boca
de Camila Torres na bala de morango que ela me deu algumas horas atrás.
Somente algo assim conseguiria me distrair nesse momento.
Quando o homem — que combina com o seu escritório — entra na sala, meu coração se
acelera a ponto de começar a bater na minha garganta e engulo em seco enquanto ele, mais uma
vez, faz a porra de um suspense idiota, correndo os olhos pelas folhas de papel. Qual é o
problema desse cara?
— Então, sr. Porter... — começa a dizer enquanto mordo a bala vermelha, esperando que
a explosão de sabor mantenha meu coração dentro do corpo. — Podemos marcar a cirurgia para
retirada dos fixadores externos na segunda-feira de manhã?
Porra, sim.

Estou terminando os alongamentos dos braços na sala enquanto Jake parece procurar por
algo mais uma vez. O movimento chama a minha atenção e começa a me deixar preocupado,
quando ele se abaixa e discretamente cheira as almofadas do sofá, decido deixar a discrição de
lado e perguntar que merda está acontecendo.
— O que tá rolando? — Aponto para as almofadas e o fisioterapeuta dá de ombros, meio
sem graça ao ser pego em flagrante.
— É engraçado. — Coça a nuca. — Estou tão acostumado com a presença da Cami ao
redor, que posso jurar estar sentindo o perfume dela aqui.
Mordo a bala de morango — a última — e a prendo entre os molares para evitar falar
alguma coisa. Estou feliz demais para me estressar com esse filho da mãe interessado na minha
loirinha.
Minha porra nenhuma!
— São as balas de morango — esclareço, mostrando o fragmento vermelho preso agora
entre os meus dentes da frente. — Camila é viciada nelas.
— É verdade. — Bufa. — Até o cabelo dela tem esse cheiro.
Mas que merda... Como é que ele sabe disso?
A comoção na cozinha chama a nossa atenção e logo o assunto em pauta chega, usando a
mesma tiara de hoje cedo e a blusa branca onde uma gatinha branca com um laçarote cor-de-rosa
lambe uma das patas.
— Oi, gente! — Ela vai até a mesa e deixa a mochila e seu casaco ali, antes de olhar para
nós dois com o centro franzido em expectativa. — E então?
Talvez o médico esteja certo — é divertido fazer suspense.
— Oi, gatinha — Jake, como o safado que é, aproxima-se dela que lhe dá um meio
abraço, mantendo os olhos azuis atentos a mim.
Será que esse elástico faria muito estrago se acertasse a cara de pau desse sujeito?
— E aí? — insiste. — Rage, eu tolerei seu mau humor essa manhã e esperei por uma
notícia a tarde inteira! — apela, ansiosa e em um tom meio furioso enquanto me levanto, apoiado
nas muletas. — O que o médico disse?
— Está marcado! Segunda-feira é o dia, loirinha. Finalmente vou ficar livre dessas
grades! — digo, enfim, abrindo os braços enquanto a porcaria do elástico voa pela sala. Jake
acompanha a trajetória da borracha alaranjada conforme Camila se joga no sofá com os braços
em meus ombros, encaixando-se no meu colo e comemorando.
— Isso é incrível! — Bate palmas quando se afasta, revelando seu rosto avermelhado
pela empolgação. — Por que tá me olhando assim?
Como não olhar?
— Mais uma semana e ele estará livre das muletas, mas não de nós. — Jake ressurge e se
senta ao meu lado, roubando a atenção da garota para si. — E nem dos exercícios. Embora suas
mãos pareçam melhores.
— Não é? E o que foi aquilo com o elástico? — Claro que ela repararia. — Com essa
notícia, será que teremos Mason de volta?
— E ele existe? — O babaca bufa, levantando-se e pegando outro de seus instrumentos
de tortura.
— É claro que sim! — O sorriso que estica meus lábios enquanto eu abaixo a cabeça em
uma negativa se reflete no rosto bonito, formando as duas covinhas fofas nas laterais.
— Talvez seja só para você, Cami — Jake comenta, montando o aparelho de costas para
nós, enquanto mantenho seu olhar preso ao meu. — Para mim e para o resto das pessoas é só
uma lenda urbana.
— Até parece! — ela responde de forma bem-humorada, rompendo o nosso contato
visual. — Eu não sou esse tipo de garota.
— Do que tá falando? — pergunto enquanto Jake me entrega a porcaria metálica em que
esteve trabalhando, com uma expressão quase tão confusa quanto a minha.
— Ah, para! — Ela revira os olhos. — Gente, por favor! Qual é! Eu sou a amiga. —
Então se joga na cadeira e começa a tirar o seu computador da mochila. — É como nos filmes,
eu sou a garota legal. Aquela que ajuda caras como vocês a se darem bem com a mocinha. Não a
garota por quem o cara vai cair de amores e viver aquele clichê todo. E tá tudo bem! — Seu
telefone toca e ela ergue o indicador, afastando-se de nós à caminho da varanda.
A luz do fim de tarde faz seu cabelo dourado brilhar enquanto ela conversa com alguém
antes de sorrir — uma gargalhada sonora e linda. Amiga porra nenhuma.
Quase duas horas depois, após pedirmos uma pizza para celebrar as boas notícias — por
insistência do duende loiro — Jake, finalmente, decide ir embora. Apesar de gostar muito do
fisioterapeuta, não via a hora de vê-lo fora daqui para provar o sabor daquela boca sorridente
mais uma vez.
Eu só não contava que o maldito espertão iria oferecer a merda de uma carona para
Camila e que ela acharia uma ótima ideia. Será que eu perdi o meu Mojo[5] nessa merda de
acidente? Depois do beijo, ela meio que fugiu de mim, e então, agiu como se nada tivesse
acontecido e eu apenas segui seu ritmo, esperando pela oportunidade perfeita para repetir a dose.
Porém, agora, enquanto ela sorri e distribui tapinhas leves no ombro descoberto do
sujeito ao seu lado, começo a pensar que ela pode não ter curtido tanto o momento.
Até quando essa merda de acidente vai foder com a minha vida?
— Ainda temos um pouco de trabalho para fazer. — Aponto para o computador que ela
ligou, mas que não usamos, e quando Jake diz algo perto demais de seu ouvido, não consigo me
segurar. — E você sempre pode ficar. — Camila ruboriza enquanto o folgado me encara,
surpreso. — Tenho um closet cheio de camisas à sua disposição — brinco com um sorriso
cafajeste.
— Foi apenas uma vez — ela se apressa em dizer. Por que está dando explicações a esse
idiota? Será que tem algo mais rolando aqui? E eu é que estou sobrando? — E eu realmente acho
que as garotas da universidade não conseguiriam lidar comigo chegando com outra camisa sua.
Além disso, nós estamos adiantados no trabalho e eu poderia chegar mais cedo ao bar.
— Elas não têm nada a ver com a minha vida. — É bom deixar claro.
— Mas farão da minha um inferno. — Dá de ombros. Malditos boatos.
— Isso não vai acontecer. — Eu jamais permitiria.
O sorriso triste que estica os lábios rosados e muito beijáveis não me agrada.
— Tem razão. — Bufa, guardando o computador na mochila, indicando que está decidida
a ir com Jake. — Elas não me veem como “concorrência”, eu sou a amiga acima do peso que
sempre anda com o bonitão popular, como eu disse antes.
— Camila... — Aproveito o momento que o celular do fisioterapeuta toca e ele se afasta
para atender para dizer: — Que merda é essa? Não fui eu quem te beijou? Porra, eu realmente
queria...
— Cami, eu preciso ir. — Jake, é claro, logo retorna e nos encontra perto demais um do
outro. Eu nem havia reparado que tinha me inclinado para ela até ele chegar.
— Claro! Só vou ao banheiro antes, ok? — Ela se afasta apressada, destruindo meus
planos de voltar a sentir o gosto da sua boca macia. Merda.
O idiota segue olhando para onde a loirinha sumiu. Assim como eu.
— Está interessado nela — afirmo, e logo ele me encara com a porra de um sorrisinho
debochado no rosto.
— Não, mas gosto de te deixar nervoso. — Filho da puta. — Nem sempre você é tão
esperto quanto parece.
— É tão evidente assim? — Seguimos os dois encarando o corredor vazio feito idiotas.
— Para quem te conhece, sim. Ela é uma garota especial, cuide dela — avisa em um tom
quase professoral. — Camila parece já ter passado por muita coisa.
— Podemos ir? — Ela retorna poucos minutos depois e, quando Jake se despede e me
deseja boa sorte com a cirurgia, tento mais uma vez convencê-la a ficar.
— Que tal um filme antes de ir? — peço. A mão firme em seu pulso em um pedido
silencioso.
Fica.
— Jake, eu... — ela começa a dizer, mas a porta da sala se abre e logo as vozes dos meus
pais chegam até nós.
Puta que pariu! Será que não dá pra ter um caralho de sorte nessa vida? Porra!
Quando eles surgem em nosso campo de visão, Camila solta a mão da minha e se
antecipa em cumprimentar a minha mãe, que parece muito feliz em ver sua nova amiga.
— Já soube da novidade? — dispara enquanto abraça Camila.
— Fiquei muito feliz! — Abre um de seus sorrisos largos que deixa seus olhos menores.
— Até comemoramos com uma pizza!
E como uma metralhadora de informações, ela faz meus pais e Jake rirem de toda a sua
dramatização de como foi receber a notícia sobre a cirurgia.
— Esse é o meu filho! — Minha mãe aponta para mim. — Um homem de poucas
palavras.
— Ou são vocês que falam demais? — brinco e logo sinto o tapa leve em meu ombro,
quando Jake se levanta, sinalizando para Cami que está de saída e ela faz o mesmo.
— Nos vemos amanhã, Rage.
— Querida, nós ficaremos em casa! Tire o dia de folga! Você trabalha tanto... Será bom
descansar.
Encaro a minha mãe, contrariado.
— Bem... nesse caso, boa noite. E já deu tudo certo, Mason, tenho certeza. — Sorri,
abraçando-me brevemente diante da porcaria da plateia.
— Não pode garantir nada disso — digo à ela, e então, murmuro em seu ouvido, baixo o
suficiente para que nenhum dos outros no escute: — E não terei nem um beijo de boa sorte?
Ela deixa um beijo demorado em meu rosto, o que parece atrair a atenção dos fofoqueiros
ao nosso redor e a deixa um pouco mais corada, e a mim, totalmente insatisfeito. E duro. E puto
para um caralho.
— Boa sorte, Mason. — Sorri antes de se afastar e se despedir do resto de nós.
Que merda de despedida.

Sábado à tarde e sigo jogado no sofá, revezando-me entre os documentários do meu pai,
os romances água com açúcar da minha mãe — que, vez ou outra, gostam de esfregar na minha
cara que me despedi de Camila sem sequer um beijo. Merda. — E nem pude ir ao jogo para
apostar com ela e fazer a sua dívida comigo crescer cada vez mais, até ela não poder se livrar de
mim.
Doentio.
E quando minha mãe coloca em meu colo uma vasilha cheia de morangos é a desculpa
que eu precisava para mandar uma mensagem para Camila.

Rage_Porter: Anexo
Rage_Porter: Impossível não lembrar de você.

Perdi totalmente a cabeça.


— Posso saber qual é o motivo de tantos suspiros? — minha mãe pergunta enquanto o
protagonista enche a cara em um bar.
— Só estou cansado. — E quando ela ergue a sobrancelha, completo: — Ansioso.
Amanhã eu volto ao hospital e... — Meu celular vibra no meu colo. — É isso.
— Vai dar tudo certo, Mason — garante. — E logo vai estar novinho em folha, como a
Cami gosta de dizer.
— E seguir em frente. — Esse é o plano.
— É assim que se diz. — Sorri, satisfeita, antes de voltar ao galã que chora as pitangas
com a outra protagonista.
Abro o aplicativo de mensagens e não consigo evitar quando meu coração acelera.

~Cami_Torres: Delícia

Rage_Porter: Obrigado. Eu sei.

~Cami_Torres: Nem um pouco convencido.

Rage_Porter: Totalmente consciente.

~Cami_Torres: Isso tudo é saudade?

Rage_Porter: Abstinência.
Rage_Porter: Os sanduíches são realmente muito bons.
Rage_Porter: Se o time de D. perder, eu ganho.

~Cami_Torres: Não pode apostar!

Rage_Porter: Medo?

~Cami_Torres: Eles ganharam.

Confiro as horas no visor do telefone e bufo uma risada.

Rage_Porter: Ainda estão jogando, espertinha.


~Cami_Torres: Droga.

Espero mais alguns minutos e, só então, mando uma nova mensagem. Carl, o juiz das
partidas, não costuma se atrasar muito, logo os horários não variam.
Rage_Porter: E então?

~Cami_Torres: Sua sorte continua intacta.


~Cami_Torres: É a terceira vitória consecutiva.
~Cami_Torres: O que vai querer?

Rage_Porter: No momento certo, vai saber.

~Cami_Torres: Devo ter medo?


~Cami_Torres: Anexo
~Cami_Torres: Anexo
Assim que abro o arquivo a foto do rosto sorridente e rosado pelo sol preenche a minha
tela. Ao lado da garota de enlouquecedores seios fartos em sua blusa azul clara, uma garotinha
sorri enquanto a senhora de idade encara a câmera com a sua cara de sabichona.
Na outra imagem, dois sanduíches — um sobre o outro — estão apoiados nas coxas
pálidas.

~Cami_Torres: O jantar de hoje está garantido. Obrigada.

Rage_Porter: Servimos bem para servirmos sempre.

Só percebo que estou rindo feito um idiota para a tela do celular quando sinto o olhar
atento e desconfiado da minha mãe sobre mim. Rapidamente, fecho a cara e travo o telefone,
voltando a prestar atenção no filme em que tudo acontece exatamente como se espera. Quem
dera a vida real fosse assim.
Termino de comer o sanduíche enquanto assisto às reviravoltas no último caso amoroso
de um dos clientes de Jane, que gesticula sem parar na cozinha do bar durante o nosso intervalo,
e continuo trocando mensagens com o cara alto e gostoso que me beijou alguns dias atrás. Um
beijo intenso e diferente de todos os que já experimentei. Havia alguma coisa no encaixe ou no
modo como sua língua invadiu a minha boca... Eu não saberia dizer.
Droga, eu não deveria estar pensando nisso enquanto troco mensagens com ele ou quando
Jane parece prestes a chorar se lembrando da avó do sujeito que, supostamente, deixou uma
bolada de herança se ele conseguisse se casar. No balcão desse lugar, já ouvimos todo o tipo de
coisa.

~Cami_Torres: Preciso voltar ao trabalho.

Despeço-me enquanto jogo o papel alumínio que embrulhava meu sanduíche no lixo e o
celular apita mais uma vez.

Rage_Porter: Um arrependimento.
Rage_Porter: Para o caso de as coisas darem errado.

~Cami_Torres: Para com isso. Vai dar tudo certo.

Rage_Porter: O meu: não ter te beijado ontem.

Seria possível o coração sair pela boca?

Rage_Porter: Um arrependimento, Camila.


Insiste.

~Cami_Torres: Segunda-feira à tarde, eu te conto.

Rage_Porter: Tão confiante e cruel.


Rage_Porter: E se eu não estiver mais aqui?

~Cami_Torres: Tão pessimista...

Que assunto pesado, Mason. Sinto meu coração afundar no peito, totalmente curado da
reação anterior.

Rage_Porter: Vai se lembrar de mim?

~Cami_Torres: Impossível me esquecer de quando te conheci, Mason Porter. (Com


sotaque britânico, claro)
~Cami_Torres: eu nunca tinha conhecido tanto mau humor na minha vida.

Rage_Porter: Não estava em meu melhor momento. Peço desculpas.


Rage_Porter: Foi naquela noite que tudo mudou.

Encaro a tela do meu telefone, sem entender bem o que ele quer dizer com isso.

Rage_Porter: Boa noite, Camila.

~Cami_Torres: Boa noite, Rage.


~Cami_Torres: Vai dar tudo certo.

Digito rapidamente, ainda pensando no que ele quis dizer com isso, mas o balcão chama
e o meu intervalo acabou. A vida do trabalhador não é fácil. E é claro que esse pensamento vai
ocupar um maldito triplex dentro da minha cabeça a noite toda. Dividindo minha atenção com as
cobranças de Juan Miguel, a quem entreguei cinco mil dólares ontem e que não pareceu nada
feliz com a quantia.
Pouco para ele, muito para mim.

Se não posso fazer muito mais do que já tenho feito com relação à minha dívida com o
agiota, posso minimizar minha preocupação com relação ao outro assunto pendente e que me
manteve preocupada durante toda a madrugada e parte da manhã. O que me tornou uma péssima
companhia para Frankie, que, após tentar me contar pela terceira vez sobre a nova fofoca no
campus envolvendo uma líder de torcida e um professor, desistiu.
— Vai logo procurar o bonitão — disse, encarando as unhas pintadas de verde
fluorescente, quando prometi pela quarta vez prestar atenção. — Você sabe que precisa.
E é por esse motivo que estou parada diante da porta da cozinha da cobertura de luxo de
onde tenho a chave — durante a minha folga — ponderando se devia ou não estar aqui.
Droga.
Abro a porta e dou de cara com Célia parada diante da imagem da sua santinha com os
olhos fechados em uma oração silenciosa. Assim que ela me vê, abre um sorriso feliz e aponta na
direção da sala, antes de voltar a rezar concentrada. Se está surpresa com a minha presença, não
esboça.
Ainda hesitante, vestindo meu jeans, uma camisa estampada com um alienígena de
óculos escuros em cima de uma prancha, sob o casaco escuro de sempre, sigo até a sala, ainda
considerando se tomei a decisão certa vindo até aqui.
— Célia? Será que poderia trazer um pouco daquele moran... — Ele para, os olhos
escuros encontram os meus e então, não consigo pensar em mais nada.
Apoiado nas muletas, Mason me encara com surpresa até que um sorriso largo surja em
seus lábios, contrastando com as olheiras evidentes sob seus olhos.
— Você parece cansado — comento, tentando me livrar do silêncio esquisito que se
instala entre nós.
— Obrigado. — Bufa, um sorriso de lado dessa vez. — Você não parece muito melhor.
Trabalhou até tarde ontem?
— Normal. — Dou de ombros e enfio as mãos nos bolsos de trás da calça, notando o
exato momento em que seus olhos se abaixam para os meus peitos. Não pode ser coincidência.
— Meus olhos estão aqui em cima, Rage.
— Eu sei. — O safado sorri antes de erguer o olhar, fazendo meu rosto arder. As
desvantagens de ser quase tão pálida quanto um vampiro. — Camila, está de folga hoje, o que
veio fazer aqui?
É uma boa pergunta. Para a qual eu não tenho uma boa resposta, não uma na qual eu não
pareça uma boba iludida, pelo menos.
— Estava a caminho da cafeteria e decidi vir desejar boa sorte pessoalmente... — É uma
boa desculpa e eu estava indo bem, até o meu cérebro discordar do meu plano original. — E....
— E... — Ele não pretende facilitar a minha vida. É claro que não. Na verdade, Mason
parece querer dificultar ainda mais as coisas, já que ele se aproxima mais de mim.
Com Mason parado à minha frente e seu perfume intoxicante agindo em todas as minhas
terminações nervosas, não consigo mais pensar. Então, para variar, a verdade é tudo o que me
resta.
— Não queria te deixar entrar naquele hospital com arrependimentos — murmuro
encarando as pontas dos meus tênis encardidos, tentando não sair correndo após essa confissão.
— Estou aqui, Cami. — Estamos tão perto um do outro que seu hálito sopra em meu
rosto. Café, Mason e morangos. Quando abre os braços em um convite silencioso e desajeitado.
— Então?
Mason resvala os lábios nos meus, provocando... instigando. Inclino a cabeça, inspirando
seu cheiro enquanto minhas mãos tocam seu rosto bonito de leve. Ele fecha os olhos, apreciando
o carinho e entreabrindo a boca quando deixo um beijo em seu pescoço, sentindo-o engolir em
seco.
Quando os olhos escuros se abrem, sérios e intensos, não resisto e colo nossos lábios. E
então, estamos nos beijando. Sua língua explora a minha boca em uma mistura insana de prazer e
medo, e quando mordo seu lábio inferior, libertando-o devagar, arranco um gemido rouco de sua
garganta, elevando nosso beijo a algo ainda mais intenso e desesperado.
Algo que nos tira de órbita de forma que sequer nos importamos de estar em um lugar no
qual qualquer um poderia nos encontrar, e só quando uma das muletas cai no chão, enquanto
uma de suas mãos aperta a minha cintura, despejando um pouco do peso do seu corpo quente no
meu, é que nos separamos. Sua testa colada à minha e sua boca inchada esticada em um sorriso.
Lindo.
— Boa sorte, Mason. E sem arrependimentos. — Sorrio, afastando-me o suficiente para
pegar a muleta caída, sob o seu olhar.
— Tem certeza de que foi o bastante? — O cretino sorri, sua voz ainda rouca e a
respiração pesada. — Eu posso morrer.
— Que pensamento horrível! — Arfo. — Não ficaria livre de mim tão fácil, Rage.
— Que bom. — Inclina-se e me rouba um beijo. E então, outro. E mais um. Só parando
quando passos apressados denunciam a aproximação de alguém. — Essa é a última coisa que eu
quero.
— Ah, Mason! Pensei ter ouvido... — Uma Emília assustada nos encontra. — Cami!
Você está aqui!
— Vim desejar boa sorte ao Zangado. — Ela gargalha e me abraça.
— Fico feliz que tenha vindo! — Sorri, afastando-se. — Ouvimos um barulho e pensei
que talvez ele tivesse caído ou algo assim.
— Camila chutou uma das muletas — o idiota acusa. — É um rito de passagem.
— Eu não fiz nada disso! — A mulher sorri enquanto seus olhos se intercalam entre nós
dois. — Ele está ansioso para se ver livre delas.
— Logo, logo. — Emília acaricia o rosto do filho, antes de beijá-lo. — Isso tudo vai ficar
para trás. Inclusive as cirurgias.
— É uma pena — Mason diz quando a mãe se afasta, indo buscar algo que parece ter
esquecido de colocar na mala preparada para a internação.
— Do que está falando? — A curiosidade ainda vai me causar problemas.
— Eu meio que gosto de despedidas agora. — Ele sorri e se inclina para me beijar mais
uma vez. — Porra, eu gosto muito.
— Não brinque com isso. — Cruzo os braços, afastando-me.
— Então pare de fugir de mim — pede em um murmúrio rouco. — Não finja que nada
aconteceu e me deixe te beijar mais uma vez.
Não faria sentido negar isso agora, não é?

Domingo à noite, e exausta, como sempre, tento falar com minha mãe e Luke para abafar
toda a confusão dentro da minha cabeça. Mantendo minha rotina de skincare, com uma máscara
verde semelhante à da garota sentada ao meu lado, mexendo distraidamente no celular,
esperamos que dona Anna atenda à ligação.
— Oi, filhota! — ela cumprimenta, andando pela casa da vovó, provavelmente em busca
do pré-adolescente que agora está de cabelos loiros. — Luke! Lucas! — Comprovando minhas
suspeitas, ela chama antes de abrir uma porta de madeira branca e encontrar o sujeito em questão
jogando videogame. — Diz oi para a sua irmã.
— Cami! — ele grita e toma o celular da mão dela. — Que saudade! Quando você vem
visitar a gente?
— Depois que as aulas acabarem. — Eu me sinto mal ao imaginar que eu não conseguirei
cumprir a promessa que fiz de visitá-los. — E como estão as coisas por aí?
— Normais. — Dá de ombros. — Por que a sua cara tá verde?
— Skincare em dia, queridinho. — Frankie diz ao se ajoelhar às minhas costas. —
Amiga, seu irmão é um gato. Me liga daqui a uns dez anos, gatinho!
— Frankie! — Encaro a minha amiga, chocada.
— O que? — diz como se não houvesse falado nada demais. — Eu vou ser uma coroa
gostosa, cunhada.
— Definitivamente, não — respondo enquanto meu irmão faz cara feia e a minha mãe
gargalha, tomando o celular de volta. — Eu te amo, Luke! Boa noite e foca nos estudos, hein?
— Tá bom, Cami! Também te amo! — E, claro, ele volta imediatamente para o
videogame, enquanto minha mãe deixa o quarto.
— Tudo bem, agora me conta. — Estreita os olhos tão claros quanto os meus. — O que
está te preocupando?
São tantas coisas, mãe.
E a pior delas eu não posso te contar.
— Camila? — insiste. — Frankie? O que está acontecendo?
Droga.
Minha amiga é uma pessoa incrível, porém tem a inabilidade de guardar um segredo.
— É sobre o bonitão, tia Anna — a boca de sacola não precisa nem de incentivo para
contar. — Ele vai operar a perna amanhã e já está internado. Sua filha e ele ficaram bem
amiguinhos nos últimos tempos.
— Ele estava preocupado, e é claro que gosto dele, nós passamos muito tempo juntos. —
Finjo indiferença. — Imagina se eu o detestasse?
— Ela não desmentiu quando eu disse que ele é um bonitão, percebeu? — A criatura de
cara verde parece determinada a me deixar em maus lençóis aqui.
— É um fato inegável! — Mason Porter é realmente um cara bonito. Não há como negar.
— Faça uma oração para ele — minha mãe sugere. — Eu farei aqui também, e logo o seu
amigo estará bem e recuperado. Você sabe bem como é.
— É, eu sei. — Aliso o ombro de forma distraída. — E como estão as coisas no Brasil? E
vovó?
Depois de quase uma hora ao telefone, desligamos e Frankie sugere assistirmos a um
romance bem água com açúcar para encerrar o nosso domingo, e quando suspiro ao ver o casal
se beijando, a maluca pausa o filme e me encara desconfiada.
— O que anda rolando de verdade com Mason Porter? Pode ir falando, srta. Guardo tudo
para mim mesma.
E porque não aguento mais guardar tudo para mim mesma, deixo de lado o segredo
perigoso e conto tudo a Frankie.
Eu não devia ter contado nada a Frankie.
Se eu não tivesse dito nada, não estaria sofrendo agora uma espécie de intervenção de
moda, onde todas as minhas peças de roupa escuras aparecem terrivelmente combinadas com
outras coloridas. É por causa disso que estou cruzando os corredores com um casaco verde
escuro que, segundo ela, fez milagres no meu look.
— Vai visitar o seu boy gato hoje à tarde e tem que ir linda — avisa quando posiciono a
tiara verde em meu cabelo.
— Você sabe que ele já me conhece, certo? — E já me viu usando coisas muito piores do
que a minha camisa de The Walking Dead.
— Nada de zumbis — comunica encarando com desgosto a minha gaveta de t-shirts
geek. — Ou aliens.
Após as aulas, estou cogitando caminhar até o metrô e dar uma passada no hospital para
ver Mason — Maeve enviou uma mensagem quase duas horas mais cedo, avisando que a
cirurgia havia sido um sucesso, o que me fez tirar um peso enorme das costas. Eu não deveria ter
me apegado tanto. Não deveria — porém, ao deixar o prédio, encontro Chuck Parsons, meu
futuro chefe — ou chefe do chefe do meu chefe — à minha espera.
— Fiquei encarregado de levar a princesa ao hospital. — Ele faz uma firula com a mão,
arrancando uma gargalhada minha e de mais algumas pessoas que viram o gesto. O terno
quadriculado em vários tons de roxo não contribui muito também. — Pronta?
— Vamos, sr. Parsons. — Faço uma mesura segurando as pontas do sobretudo e ele me
oferece seu braço, conduzindo-nos ao seu carro no estacionamento.
— Você é tão esquisita quanto eu, Srta. Torres — diz ao abrir a porta para mim. —
Madame.
— Eu nunca disse o contrário, Sr. Parsons — respondo enquanto ele fecha a porta e
atravessa diante do carro, sorrindo satisfeito.
Chuck Parsons é um cara legal — eu responderia isso a qualquer um que me perguntasse.
Porém, sei que ele é muito mais do que apenas isso. Durante esse tempo com Mason e, por
consequência, sempre encontrando com seu melhor amigo, consegui perceber que é um amigo
leal, um sujeito decente e totalmente original e criativo.
E agora, no seu carro, conheço uma nova faceta de sua personalidade. A de profissional
preocupado. Assim que ele dá partida no carro, seu telefone toca e ele me pede desculpas antes
de estacionar e discutir por alguns minutos com alguém que não me pareceu muito feliz. Chuck
esfrega os olhos ao desligar e abraça o volante com os olhos claros perdidos na rua à nossa
frente.
— Chuck? Está tudo bem? Se precisar resolver alguma coisa, eu posso... — começo a
dizer, mas me calo quando ele joga a cabeça para trás e respira fundo.
— Preciso da sua ajuda — diz, antes de me encarar em expectativa. — Não sei como não
pensei nisso antes! — Estapeia o próprio rosto antes que eu segure o seu braço, contendo-o. —
Me desculpa. Mas preciso de você, Cami. E, talvez, Mason não goste muito disso, mas será
necessário.
— Estou ouvindo — respondo.
E à medida que Chuck fala sem parar sobre seu plano maluco, consigo entender mais
sobre o homem por trás do gênio da tecnologia e o seu melhor amigo, e me preparo para aceitar a
minha participação, que pode, ou não, deixar Rage ainda mais furioso do que costuma ser. Mas é
tudo para um bem maior e tenho quase certeza de que ele vai entender.
Assim espero.
Assim que as portas duplas se abrem, revelando a recepção bem mobiliada e as paredes
brancas e impessoais do hospital, sinto meu corpo inteiro se arrepiar de repulsa. Por Mason. Ele
está bem, Camila — repito à mim mesma enquanto sigo Chuck até a área reservada à visitação.
Em poucos minutos, ele me entrega um adesivo — uma identificação, percebo — que
colo em minha blusa enquanto caminhamos pelos corredores estéreis, sentindo meu estômago
revirar.
— Cami? Você está bem? — Chuck, como a pessoa perceptiva que é, nota o meu
desconforto. — Olha, se é sobre a minha ideia, posso tentar fazer sozinho e...
— Eu odeio hospitais — confesso. — Me trazem más lembranças.
— Eu sinto muito. — Abraça meus ombros e ainda estamos assim quando vejo Emília e
Quentin Porter sentados em um sofá de tecido marrom junto à Maeve, que fala sem parar. —
Olá, pessoal! Eu trouxe companhia.
— Cami! — Maeve se levanta e praticamente se joga contra mim. — Você tá linda!
— Oi, pessoal! — cumprimento o trio, um pouco sem graça. — Como ele está?
— Totalmente livre de grades — Maeve afirma. — E o inchaço no cérebro é quase
imperceptível. Ele está praticamente novo — garante feliz, para então, fazer uma careta
preocupada. — Embora ele ainda precise de ajuda, é claro.
— É verdade, querida. — Emília se aproxima e me abraça. — fico feliz que tenha vindo.
Nós temos um compromisso inadiável essa semana e precisaremos viajar por alguns dias —
afirma, desolada. — Sei que é de última hora, mas poderia ficar com ele no apartamento por esse
tempo? Embora esteja bem e tenha garantido que vai se virar, não quero deixá-lo sozinho.
— É ca-claro que fico, mas talvez, Maeve... — começo a dizer, mas a garota salta na
minha frente e dá a desculpa de quem tem provas e toda a sorte de compromissos e, claro, Chuck
faz o mesmo, deixando-me totalmente sem escolha, a não ser dizer sim.
O que estão aprontando?
Quando olho para a dupla que troca um olhar bastante significativo, eles desviam os
olhos, fingindo não ter notado a minha indignação em desavergonhadamente armarem para me
deixar sozinha com Mason.
— Que bom, Cami! — Quentin Porter se aproxima quando aceito. — Você tem sido
muito importante na recuperação dele. Nunca a agradecerei o bastante.
— Um anjo. — Sua esposa toca a minha tiara. — Que tal ver o Zangado? Tenho certeza
de que não veio até aqui para ser agarrada por essa família grudenta.
Talvez apenas pelo Zangado. — Mas não digo nada disso, é claro.
— É claro! Pode entrar, querida. — O Sr. Porter indica a porta branca fechada. — Ele
estava dormindo quando saímos. Que tal um café? — pergunta para os outros, que logo se
afastam e me deixam a sós diante da porta.
É o Mason e ele está bem.
Reafirmo para mim mesma ao entrar no quarto, assustando-me quando ouço a porta bater
atrás de mim, isolando a nós dois do resto do mundo. Na cama, entre os aparelhos que apitam de
tempos em tempos, Mason dorme. Os cabelos escuros ressaltando no ambiente claro demais e
seu peito sobe e desce em um ritmo tranquilo e estável.
— Gosta de me encarar, Camila? — a voz rouca e meio grogue pergunta, embora ele
ainda esteja de olhos fechados.
— Quem é Camila? — finjo um sotaque estranho com a voz nasalada.
— Senti o seu cheiro. — E quando os olhos escuros se abrem e me encaram, respiro
aliviada de verdade. — Vem aqui.
— Dois dias no hospital e já está mimado desse jeito? — brinco, mas me aproximo dele,
sentindo meu mundo girar mais devagar quando entrelaça seus dedos aos meus. — E a sua
perna?
— Bem — responde acariciando a minha mão antes de levá-la ao seu rosto. — Você é
tão linda... — Deixa um beijo em minha palma. — Seus olhos — sorri, piscando lentamente —
me trazem paz.
— Não sou nada disso. — Gargalho. — É a anestesia falando.
— É, para mim. — Mais um beijo em minha mão antes de abrir um sorriso meio
embriagado pela medicação forte e fechar os olhos. — O meu doce preferido.
Não faça isso comigo, Mason.
E logo ele volta a dormir, ainda segurando minha mão. Eu me solto, ajeitando-a no
colchão e então me inclino sobre ele, deixando um beijo em sua boca bonita antes de avisar em
voz alta, bem ciente de que ele está apagado, é claro.
— Não faça eu me apaixonar por você — peço baixinho e deixo um beijo em sua testa
dessa vez.
Graças a Deus — penso assim que ouço as batidinhas na porta, e logo Maeve entra,
mantendo seus olhos no irmão apagado na cama.
— Dormindo, ele até parece alguém legal — comenta, batendo o indicador no nariz dele,
que se franze minimamente.
— Bem, agora que eu já vi que ele está bem — pego a minha mochila, jogada na cadeira
ao lado da cama —, eu preciso ir. Ainda tenho um turno na cafeteria.
— Você trabalha demais — Maeve comenta, mexendo no tubo do soro.
E logo seus pais e Chuck entram e me despeço de todos eles, que insistem para que Jim
me leve até a cafeteria.
Não que eu fosse negar.

Depois de uma reunião infernal na biblioteca, com o trio mais estranho e improvável do
mundo, passo no alojamento para buscar minhas coisas — que deixei arrumadas assim que
cheguei do bar ontem à noite, e ir me encontrar com os Porter, quando o vejo parado entre as
árvores diante da casa de uma das fraternidades.
Com o coração acelerado e a boca seca, olho novamente e não vejo mais ninguém parado
próximo ao carro escuro, mas pressiono minha digital na fechadura e entro correndo mesmo
assim.
Estou ficando maluca.
Assim que abro a porta do quarto, encontro minha colega de quarto debruçada sobre a
minha mala, e isso me preocuparia muito antes, mas agora não consigo fazer mais do que me
escorar na porta e fechar os olhos, tentando não cair no choro.
— Amiga, o que foi? — Frankie se aproxima. — Eu juro que só estava acrescentando
alguns itens. Só isso.
— Não é nada disso, Fran. — Acolhida em seu abraço, deixo o cheiro familiar dos seus
cabelos cacheados me acalmar. Estou segura.
— Sabe que pode me contar qualquer coisa, não é? — Mais uma vez, ela toca no assunto.
Que bem faria envolver Frankie nisso?
— Saudade de casa. — Soluço, permitindo-me chorar. — E ter que ir ao hospital...
— Mason está bem, assim como a sua família — garante e me conduz até a sua cama. —
Você está bem, Cami.
— É, eu estou. — Abraço forte a minha amiga, desejando que isso seja verdade.
Vai dar tudo certo.
Não há outra opção.

Assim que chego ao último andar do prédio de luxo, deixo minha mala na cozinha e,
depois de dar um beijo em Célia, encontro-os na sala, fazendo alguns exercícios de fisioterapia.
Estou massageando os ombros distraidamente quando sinto uma dor imensa no ombro,
chamando os olhos experientes de Jake para mim.
Já faz tempo que as dores me incomodam, mas minha rotina insana e as bandejas pesadas
no bar têm cobrado seu preço, e hoje, ao pegar a mala de mal jeito, acabei sentindo a
musculatura.
Merda.
Isso explica eu estar sendo obrigada a vestir um top sem alças para que Jake possa fazer
uma massagem na musculatura rígida e aliviar a dor. Mason Porter sabe ser teimoso quando quer
e a sua mãe é ainda pior, então não tenho alternativa, a não ser ceder.
Antes que os Porter venham se despedir, agradecem mais uma vez por eu ter aceitado vir
e Emília faz questão de me garantir que conversaremos depois sobre a questão da remuneração.
Não que eu vá ceder dessa vez. Não vou aceitar dinheiro algum para fazer companhia a
um amigo. Se é que podemos chamá-lo assim. E é por isso que acabo pegando alguns trabalhos
de outros alunos para fazer, fora tentar um empréstimo no banco onde meu saldo mais alto
jamais foi superior a cem dólares.
Não custa nada tentar.
Se alguém, fora Jake, nota a cicatriz disforme em meu ombro, não diz nada.
Agora, sentada em um banquinho baixo, alinho a coluna e prendo o ar quando as mãos do
fisioterapeuta chegam à parte dolorida, fazendo-me grunhir de dor e Mason se mexer
incomodado no sofá à frente. Sem camisa, exibindo as tatuagens espalhadas em seu torso, ele
deveria estar fazendo exercícios para os braços, mas ao invés disso, mantém seu olhar fixo onde
estamos.
— Ai, Jake! — reclamo quando afunda os dedos em minha escápula e logo o sujeito à
minha frente me imita em um tom que não se parece em nada com o meu.
— Melhorou? — pergunta quando jogo meu pescoço para a frente enquanto ele puxa
meus braços para trás, alongando-os.
— Muito! Obrigada! — respondo, então me viro e abraço-o. — Suas mãos são mágicas!
— Sempre que precisar. — Jake dá uma piscadinha e não consigo deixar de ver Mason
atrás dele, ainda fazendo os exercícios, revirar os olhos. — Estou indo daqui a pouco, quer uma
carona?
— Ela vai ficar. — Mason não me deixa responder, aproximando-se de nós com as
muletas, que só devem ser banidas daqui a vinte dias. O que parece ter instalado um adicional de
ansiedade ao mau humor já existente. — Não é?
Sinto sua mão envolver a minha cintura e, claro, meu rosto ficar quente diante do olhar de
Jake fixo no movimento.
— Então... eu vou indo. — O fisioterapeuta troca um olhar com Mason antes de ir juntar
as suas coisas para ir embora.
— O que pensa que está fazendo? — Dou um passo para o lado, afastando-me do ex-
piloto, que franze a sobrancelha, confuso e irritado com a minha reação.
— Você vai ficar — uma afirmação simples, quase um decreto.
— Mas eu poderia ter dito não aos seus pais. — Dou de ombros e me arrependo
imediatamente, quando sinto a dor irradiar pelo braço inteiro.
— Mas não para mim. — Sorri, convencido.
— Sabe que estou aqui como sua... amiga, certo? — O sorriso em seu rosto se amplia.
— Isso ainda está em discussão. — Claro que ele saberia. — Por que está fazendo isso?
Nós tínhamos um acordo, Camila. — Sem a visão periférica, ele inclina a cabeça para checar se
Jake nos ouve e abaixa ainda mais a voz. — O que mudou?
— Você me beijou — minha voz treme quando seus olhos escuros focam a minha boca.
— Então é isso, pessoal! — Jake ajeita uma bolsa grande de lona no ombro. — Coloque
um pouco de gelo no ombro, Cami, isso deve ajudar. Mason, também seria interessante usar uma
compressa gelada no joelho. Até amanhã, crianças e se comportem.
— Eu sou um anjo! — Eu o encaro indignada. — E não faria nada que você não fizesse
— o idiota à minha frente diz ao fisioterapeuta, que gargalha.
— E isso deveria me tranquilizar? — Jake diz, parando no caminho da cozinha. — Até
mais.
Assim que ele some do nosso campo de visão, Mason se vira para a sala de televisão
espaçosa, antes de voltar a me olhar.
— O que me diz de assistirmos a um filme enquanto comemos uma pizza? — convida,
saltando de volta até o sofá.
— Primeiro, nós nos dedicamos ao trabalho interdisciplinar. — A careta em seu rosto não
o torna feio. Nem perto disso. É ultrajante. — Depois filme, e então, vou explorar o segundo
andar.
Há meses estou aqui e nunca fui até lá. Estou curiosa. Antes, eu estava trabalhando, mas
agora, como “amiga” de Mason, nada me impede de saciar a minha curiosidade. Ainda mais,
depois de Frankie comentar que já ouviu falar das festas que o dono do lugar costumava dar por
aqui.
— Estraga prazeres — ele tem coragem de dizer, antes de se levantar e ir até a mesa,
abrindo o computador que parece ter fixado moradia ali. — E, só pra constar: você me beijou. —
Ergue os olhos escuros e brilhantes para mim, deixando-me bamba instantaneamente. — E eu
espero que faça de novo.
— Você precisa parar com isso — aviso, sentando-me na cadeira diante da sua e, como a
mulher madura que sou, escondendo-me atrás da minha mochila, de onde tiro o meu notebook.
— Parar com o quê, exatamente? — Seu tom, de repente, sério demais. — Camila, por
acaso eu entendi errado? Você e Jake...
Ah.
Impossível não cair na gargalhada. Quais seriam as chances? De melhor amiga em
potencial para uma garota que atrai apenas caras com grandes chances de estamparem
campanhas de cueca? Inclusive, Frankie fez questão de me mostrar uma campanha onde o sujeito
à minha frente estava bastante interessante usando nada mais que uma boxer preta. Uma visão e
tanto.
— Fiz alguma piada? — E lá está ele: Rage. Furioso como de costume.
— Eu e Jake? Sério mesmo? — Bufo. — Ainda estou tentando entender o que está
rolando entre nós dois, Mason. E sei que tem muito a ver com o fato de estar preso aqui e com a
decepção que teve com os seus amigos, mas eu não sou esse tipo de pessoa que sai conquistando
corações por aí.
O modo como suas mãos sobre a mesa se fecham em punhos revelaria sua indignação, se
o suspiro pesado não o tivesse feito com maestria.
— Estou decepcionado — fala em um tom de confissão. — Para alguém tão inteligente...
— Arfa. — Só para deixar claro, você não sabe de nada.
— Sei que precisamos de, no mínimo, mais cinco referências bibliográficas para esse
trabalho, e acho melhor parar de perder tempo. — É um terreno muito mais seguro.

— É bom que esteja preparada para limpar a sujeira que meus miolos vão fazer quando
minha cabeça explodir. — O sujeito de cabelos escuros e totalmente bagunçados fecha o livro e
o deixa cair sobre a mesa.
— Não vou limpar nada — aviso e fecho o computador, decretando o fim do trabalho por
hoje. Bem, pelo menos até as nove, que é quando preciso ir para o meu turno no bar. — Agora eu
aceito aquela pizza. Não quero ter que lidar com os sanduíches de procedência duvidosa que Jane
sempre deixa estocado na geladeira do bar.
— Sim, senhora. — Mason pega o telefone sobre a mesa e digita rapidamente. — Temos
quase uma hora. Que tal um filme?
— Que tal um episódio lindo de quarenta minutos da minha série preferida? — Abro um
sorriso que o deixa ver todos os meus dentes. — Heeeein?
Quando ele abre um sorriso sacana, sei que me arrependerei de ter sugerido isso.
— Sua série favorita, mas você se senta no meu colo. — Não preciso olhar para saber que
está batendo em sua coxa.
— Você acabou de passar por uma cirurgia na perna, não seria sensato — enumero. —
Além disso, não sou uma das garotas leves com quem costuma sair, então...
— Para com essa merda — avisa, então se levanta e saltita até o sofá, sentando-se ali,
sem perna esticada ou grade dessa vez. — Vem aqui.
— Eu não sou um cachorro. Sabe disso, não é? — Reviro os olhos e sigo guardando as
coisas espalhadas sobre a mesa, fingindo que não estou totalmente afetada por esse convite.
— Camila — chama mais uma vez. — Vem aqui.
Droga.
Suspiro, deixando os livros empilhados ao lado dos computadores fechados, e caminho
devagar até onde Mason está. Paro à sua frente e observo seus olhos castanhos escurecerem
ainda mais, antes que suas mãos segurem firmes na minha cintura.
— Vem — ele me puxa para frente, impulsionando meu corpo para o seu. — Aqui.
— Que droga, Mason — reclamo, mas faço o que ele pede. Sentando-me de lado em seu
colo.
— Sem dor e sem prejuízo algum — considera após um momento, fechando os braços ao
meu redor. — Na verdade, só vejo vantagens. — Desce uma trilha de beijos pelo meu pescoço e
colo, sua boca resvalando de leve no decote da minha blusa. — Porra, Cami, o que eu preciso
fazer para que entenda?
Sinto-o endurecer sob mim e gemo quando morde o lóbulo da minha orelha ao mesmo
tempo que suas mãos deslizam pelas minhas coxas.
— En-Entender o que? — Suspiro quando roça seu nariz no meu.
— Não é sobre falta de opção — morde o meu queixo —, nem sobre ninguém mais, a
não ser nós dois. — Morde meu lábio inferior. — É sobre o quanto eu venho querendo te sentir
de novo.
E quando ele me beija, não reluto em lhe ceder todo o controle. Me permitindo acreditar
que é de verdade e que pelo menos uma coisa está certa e funcionando bem em minha vida.
E é esse pensamento que me faz virar em seu colo, encaixando meus joelhos um de cada
lado do seu corpo, sem interromper o beijo, brincando com os fios macios do seu cabelo
enquanto nossas línguas se devoram com desespero e algo que se parece muito com saudade.
— Porra, Camila, olha o que faz comigo. — Impulsiona o quadril contra o meu, me
fazendo arfar ao senti-lo. — Me diz que não tô sozinho nisso.
Mason “Rage” Porter sendo inseguro? Impossível.
— Não está. — Rebolo sobre o volume muito evidente na calça de moletom e dessa vez é
ele quem geme. — Mason...
Chamo quando seus lábios deixam os meus e trilham mordidas e beijos pelo meu
pescoço, enquanto suas mãos se enfiam dentro da minha blusa preta e tão básica quanto o top
que vesti quando Jake massageou o meu ombro. Seus dedos beliscam meu mamilo sob a malha
da peça e eu puxo os fios de sua nuca, rebolando mais forte sobre ele. Quando ele tira a minha
blusa, passando-a pela minha cabeça, seus olhos e mãos estão concentrados em meus seios,
como se fossem algo delicioso e extraordinário.
— Quando você apareceu com esse top eu quase joguei o Jake pela janela — ele diz,
admirando a visão antes que uma de suas mãos exponha um dos seios. — Linda demais, Cami —
diz, antes de morder o mamilo eriçado e então, chupá-lo como se sua vida dependesse disso.
Fazendo o mesmo com o outro.
Incapaz de me segurar, rebolo forte contra ele, buscando aplacar o calor úmido na região
entre as minhas pernas, enquanto Mason ataca meus seios sem descanso, parecendo adorar cada
gemido que escapa pelos meus lábios à medida que inclino meu corpo, oferecendo mais de mim
e da sensação que se avoluma de forma exigente e ansiosa em meu ventre.
— Rage — chamo quando seus dentes castigam meu mamilo, enviando uma descarga por
todo o meu corpo e me deixando no limite.
— Para você, eu posso ser — rosna, segurando firme o meu cabelo e puxando minha
boca para a sua enquanto ondulo meu corpo sobre o seu, consumida pelo fogo que se espalha
dentro de mim, prestes a me estilhaçar em mil pedaços.
Quando ele começa a impulsionar o quadril contra o meu, jogo a cabeça para trás,
sentindo o corpo todo tremer sobre o seu, travando os dentes com força para não gritar no mesmo
momento que ele apoia a cabeça em meu peito com um chiado escapando por entre seus dentes e
a respiração tão pesada quanto a minha.
Lentamente, sua língua percorre o meu pescoço até alcançar a minha boca em um beijo
lento e entregue, antes de me olhar com desejo e satisfação mal disfarçada.
— Estou viciado no seu cheiro de morango — admite com a voz ainda mais rouca — e
nós acabamos de piorar tudo, Camila. Porque não vou conseguir tirar as mãos de você.
O que acabamos de fazer?
Deslizo os dedos pela minha boca e sinto o pau pulsar mais uma vez — porra de mulher
gostosa do caralho. Camila saiu há quase uma hora, mas seu cheiro, impregnado em tudo à
minha volta e em mim, não me deixa em paz. Aquele beijo não foi o suficiente. Nem de perto.
Sempre há uma primeira vez para tudo.
E eu pensando que gozar nas calças era algo que havia ficado na adolescência. Até hoje,
tinha sido. Mas como resistir ao vê-la tão entregue e gostosa, gemendo enquanto esfregava
aquele corpo gostoso em mim? Totalmente impossível.
Se não tivéssemos sido interrompidos pela fisgada de dor em seu ombro direito, não
conseguiríamos nos segurar muito mais tempo e ela não teria colocado a compressa fria antes de
ir trabalhar no bar. Porra, essa garota desperta em mim alguma coisa que não consigo explicar,
mas que preciso ter para continuar me sentindo vivo.
Encaro a bolsa de gel congelada, agora em minha perna, e rio de mim mesmo: Eu deveria
colocar essa merda no saco.

Rage_Porter: Falta muito ainda?

~Cami.Torres: Sete minutos a menos do que na última vez que perguntou.


~Cami.Torres: Ansioso?

Rage_Porter: Muito.
Rage_Porter: Como está seu ombro?

~Cami.Torres: Um pouco melhor.


~Cami.Torres: Mason, nós precisamos conversar sobre o que aconteceu.
Rage_Porter: Não desista ainda.
Rage_Porter: Nós podemos ir devagar.

~Cami.Torres: Talvez seja melhor.

Rage_Porter: Só volte logo.


Rage_Porter: Estou te esperando, Cami.

Estou na quinta partida online de videogame com Chuck — que está aos berros enquanto
freia seu carro em plena curva e gira na pista de corrida virtual, quando ouço o som de passos
vindos da cozinha.
— Preciso ir, cara — aviso a ele. — E agora sabemos por que você não pode ser o piloto
da RPS.
— Eu achei que mandei bem — o idiota de pijama argumenta. — Mas por que estou
sendo dispensado tão de repente? — Seus olhos claros focam alguém às minhas costas. — Ah...
Oi, Cami!
— Oi, Chuck! — E logo seu perfume chega a mim, forte dessa vez. — Mason.
— Oi. — Sorrio enquanto ela se aproxima do sofá. Do celular, meu amigo segue nos
olhando com interesse. — Cansada? — confirma. — E o ombro?
— Melhor. — Acaricia o local. — Vou tomar um banho. Até mais, Chuck!
Ele acena para ela e noto quando seus olhos a seguem até que desapareça de seu campo
de visão, e só então, retornam a mim.
— Vocês parecem... diferentes — comenta, estreitando os olhos. — Há algo que queira
comentar?
— Boa noite — respondo, e ele não desiste.
Com a tela do jogo travada na televisão grande, encaro a tela do celular, onde o idiota do
meu melhor amigo sorri como o bom imbecil que é, usando um roupão que o deixa parecido com
o vovô Duke quando vinha nos visitar.
— Fico feliz que tenha deixado ela entrar, irmão. — De forma surpreendente, não é uma
bobagem que sai de sua boca, como eu esperava. — Cami é uma boa pessoa. E linda.
— É, ela é sim. — Como poderia não concordar?
— E você gosta dela — sonda quando desvio o olhar.
— Porra, sim — admito. — Preciso ir agora, até mais, cara.
Desligo o telefone e espero. Para quem vivia correndo, ir devagar tem sido algo
recorrente para mim nos últimos tempos, mas, dessa vez, não vou reclamar.
Não muito.
Estou terminando de responder a uma mensagem quando ouço a porta do quarto de
hóspedes se abrir e logo o perfume adocicado, frutado e atraente domina tudo, antes da garota de
pijama aparecer. Uma blusa fina e vermelha esconde os seios deliciosos e a calça xadrez de
vermelho e branco envolvem os quadris largos, deixando-os ainda mais suculentos.
— Algum problema? — pergunta enquanto penteia os fios loiros ainda úmidos.
— Nenhum — nego e estendo a mão, chamando-a. Respiro fundo e fecho a cara quando
ela se encolhe, hesitando. — Tudo bem. Estamos indo devagar.
— Melhor assim. — Senta-se ao meu lado, encarando o filme pausado na tela. — Você
me esperou?
— Começamos a ver juntos — dou de ombros —, antes de eu te atacar. — Decido
provocá-la. — É disso que tem medo, não é? — Sorrio. — De não conseguir tirar as mãos de
mim.
O modo como seus olhos brilham, mesmo na sala escura, envia um sinal direto para o
meu pau, que pulsa, desejoso. Merda. Cami coça a garganta e apoia a cabeça no encosto do sofá
antes de olhar para a escada.
— O que tem lá em cima? — Rio da sua escolha de assunto.
— Minha antiga suíte. A área de festa com uma jacuzzi... — Tento me lembrar de mais
alguma coisa. — Nada demais.
— Hummm... — Bate o indicador pequeno e delicado no queixo. — Se eu for lá, vou
conhecer os segredos da mente de um piloto profissional? — E então, se vira para mim, olhos
arregalados e o rosto vermelho. — Será que encontrarei pôsteres de mulheres nuas cobrindo as
paredes?
Porra.
Minha risada estrondosa toma conta da sala.
— Não é uma borracharia na beira da estrada — me defendo —, e eu tenho vinte e quatro
anos. Se eu tivesse doze, talvez...
— Apenas errei a idade, então — responde convencida.
— E trouxeram todas as minhas coisas aqui para baixo. Eu acho. Essa semana, minha
cama foi a última a vir.
— E como é que eu não soube disso? — Assim que percebe o que falou, abaixa a cabeça,
possivelmente tentando pensar em uma saída.
— Era uma surpresa. — Sorrio, puxando-a mais para perto. — Agora, só preciso pensar
em alguma maneira de te atrair até lá.
— Você é impossível! — reclama, mas logo descansa a cabeça em meu ombro.
— Mas gostoso. — Cami estala a língua em descrédito, mas descansa a mão em minha
barriga. — Sem discussão?
— Eu sou uma pessoa sensata, Mason, não há como lutar contra os fatos — responde,
bocejando — e estou cansada demais.
Não demora mais que dez minutos para que ela esteja deitada no meu peito, dormindo
tranquila com os lábios carnudos e convidativos levemente abertos. Tão linda. Acaricio a pele
macia do seu pescoço e beijo a sua testa enquanto meus olhos pesam cada vez mais, antes que
eu, finalmente, pegue no sono.

Muito mais livre do que antes, sem aquela porcaria metálica e conseguindo dobrar a
perna, termino de vestir a calça de moletom cinza antes de colocar a bota ortopédica e pegar as
minhas muletas para encontrar a garota nerd que está me enlouquecendo aos poucos com seu
perfume e os olhos muito azuis.
Quando chego à sala, Jake está mais uma vez com as mãos grandes no corpo de Cami,
que tem os olhos fechados e tenta se esquivar quando ele move os dedos pelo seu ombro,
massageando a área onde uma cicatriz pequena está.
— Fez a compressa ontem? — O fisioterapeuta encara o local com preocupação.
— Fiz, mas isso foi antes de dormir no sofá — comenta, ainda de olhos fechados.
— Sofá? Mas... eu achei que fosse ficar em um dos quartos. — O que esse cara pensa que
eu sou? Estou quase interferindo quando a ouço dizer em voz baixa.
— Eu acabei pegando no sono aqui. — Seus lábios bonitos formando um meio sorriso.
— Foi uma noite ótima, sabia? Mas tudo tem seu preço.
— E o da senhorita serão compressas geladas e algum medicamento para a dor. — Ele
termina com sua massagem e Cami abre os olhos, me encontrando recostado na parede. Incapaz
de tirar os olhos dela e de esquecer da cena hilária de quando acordamos essa manhã.

Sinto o peso sobre mim — sem pesadelos dessa vez — apenas a pressão de algo em meu
peito. Puxo o ar e tento me espreguiçar, mas uma reclamação meio grogue, seguida do perfume
delicioso e doce me despertam e eu abro os olhos encontrando a claridade que vem do lado de
fora e o corpo pequeno em cima do meu no sofá.
Para a minha infelicidade, a ereção matinal está a todo vapor e cada vez que Camila se
move sobre mim, buscando uma posição mais confortável, a situação piora mais. Estamos indo
devagar, seu filho da puta. Se acalma! Camila gira o quadril e quase me leva à loucura.
— Cami? Camila? — chamo, tentando me livrar de uma situação que pode afastá-la de
mim. — Hum... Cami?
— Você é gato, Mason, mas me deixa dormir — reclama, mal-humorada.
A gargalhada faz seu corpo inteiro sacudir contra o meu enquanto rio alto e tiro os fios
macios e loiros do seu rosto bonito.
— Eu realmente preciso me levantar. — Ergo o quadril e ela arfa, erguendo-se nos
cotovelos. — Bom dia.
— Bom dia. — Coça os olhos. — Nós dormimos no sofá? Eu... — Meu pau pulsa em seu
quadril e, quando percebe do que se trata, rola para o lado e acaba caindo no tapete. Seu foco,
agora, totalmente no volume obsceno à sua frente. — Precisa de ajuda? — Ergo a sobrancelha,
ajeitando a ereção sob a calça. — Para se levantar.
— Acho que não. — Olho para o volume no moletom. — Não para isso.
— Muito engraçadinho — reclama enquanto pego as muletas e salto até o meu quarto.
Eu sou mais forte do que imaginava.

Mais cinco dias e estarei livre dessas muletas. Porra, minhas axilas estão doloridas
demais por causa dessas coisas, porém, preferia tolerar mais trinta dias dessa merda se não
precisasse ver a cara desses dois paspalhos que estão acabando com a minha paciência, enquanto
Camila tenta — sem muito sucesso — convencê-los de que sua parte no trabalho está
incompleta.
Dr. Jameson, meu psicólogo, está orgulhoso de mim e dos meus avanços —
principalmente, nos meus não-avanços com a loirinha séria sentada ao meu lado conforme os
dois imbecis comem com os olhos uma das garotas que acaba de entrar.
— Ela é gostosa para um caralho — o jogador de hóquei, que foi expulso do último jogo
por má conduta, comenta. — Uma pena que pareça virgem.
— Porra, Evan, já chega! Vamos focar nessa merda para acabar logo com isso,
entendido?
— Rage, fica na sua — avisa. — Não foi você quem saiu com ela, Nelson? — O jogador
de basquete, que parece mais quieto do que o normal, levanta o rosto e olha para a morena de
olhos verdes que se sentou na mesa ao lado.
— Não — afirma. — Eu estou focando nos estudos e no basquete.
— E em Frankie Duquetti — Evan zomba. — Aquela garota é insana.
— Aquela garota é a minha melhor amiga — Camila, que parecia concentrada demais no
que digitava, responde. — Será que podemos...
— Cuidado com o que vai dizer — aviso, antes que Evan Thompson abra a porcaria da
boca. — Se mexer com ela, vai lidar comigo.
— Já está em condições de fazer ameaças, Porter? — Seu tom me irrita e tenho que puxar
o ar para conter a minha raiva, como fui ensinado na terapia. No entanto, é a mão delicada e
pequena sobre a minha coxa que me acalma.
— Já me viu blefar alguma vez? — E isso é o que o faz calar a boca e se concentrar na
merda do trabalho.

— “Se mexer com ela, vai mexer comigo”. — Cami segue me imitando durante todo o
trajeto até a cafeteria.
Ao meu lado, Jim tenta não rir da garota que reclama sem parar por causa do que poderia
ter acontecido se ele me enfrentasse.
— As suas mãos ainda não estão cem porcento — pondera. — Você deveria ficar e me
ajudar com as massas.
Encaro seu reflexo pelo espelho retrovisor e a sua expressão indignada me faz rir,
principalmente quando ela está usando uma t-shirt com aquelas estampas geek que ela tanto ama
sob o casaco preto e uma tiara verde combinando com os detalhes da blusa.
— É só falar que não consegue mais ficar longe de mim — declaro, e quando ela revira
os olhos, Jim não consegue segurar o riso. — Porra, J, você precisa me ajudar aqui! Essa mulher
é muito difícil!
— Mas vai valer a pena — o homem mais velho aconselha.
— E é por isso que eu vou ficar. — Cami parece surpresa, mas me ajuda a sair do carro.
Aceite, Camila, eu não vou a lugar nenhum.
— Acho que não sou eu a mais relutante em me afastar — comenta enquanto
atravessamos a rua. Mas seu sorriso congela no rosto e seus ombros ficam tensos enquanto ela
abaixa a cabeça e coloca uma distância maior entre nós.
Antes de abrir a porta da cafeteria, bem movimentada para o horário, noto o homem
baixo, de cabelos escuros que parece sorrir para Cami, cumprimentando-a antes de entrar no
carro e sair sem olhar para trás.
Mas que merda...?
Droga. Droga. Droga.
Seria pedir demais por alguns minutos de paz?
Provavelmente.
Entro correndo na cafeteria, sentindo o olhar de Mason pesar às minhas costas enquanto
sigo até a cozinha tentando não pensar muito a respeito da presença de Juan Miguel aqui e
desejando de todo o coração que ele não tenha reconhecido o ex-piloto rico comigo naquela hora.
Merda!
— Cami? — a voz macia de Mason chama às minhas costas assim que a porta vai-e-vem
se fecha e nos separa do salão. — Aconteceu alguma coisa?
Seria mais fácil responder sobre o que não aconteceu.
— Não sei o que fazer. — Ofereço uma meia verdade.
— Que tal, algo com morangos? — Meu corpo subitamente consciente de sua presença
às minhas costas. Quando sua mão grande circula a minha cintura, sinto meu corpo inteiro se
arrepiar em expectativa. — Tem sido o meu sabor preferido nos últimos tempos.
Mason se abaixa e lambe o meu pescoço, fazendo minhas pernas se transformarem em
gelatina.
— É mesmo? — murmuro.
— É ofensivo o modo como finge não perceber. — Roça sua ereção em minha bunda —
Moranguinho.
É engraçado como, de repente, tudo o mais parece desaparecer e só em que consigo
pensar é no sujeito alto e gostoso à minha frente, e Deus sabe o quanto preciso disso.
Dwayne vai me perdoar por dar alguns amassos durante meu horário de trabalho, certo?
— Você é uma safada! — Frankie dispara da tela do telefone, quando me vê deitada nos
lençóis macios do quarto de hóspedes onde venho dormindo nas últimas noites.
Ir devagar me pareceu uma boa ideia. Na verdade, uma tentativa idiota de fazer meu
coração entender que nem tudo é o que parece. A convivência forçada com Mason Porter pode
ter nos unido por um momento — um que ele sempre fez questão de deixar claro que preferiria
esquecer — e como faço parte dele, faz sentido que eu acabe me tornando uma memória
descartável, assim como o resto.
— Não sou não — respondo à garota de pijama amarelo e coque no alto da cabeça — O
que tá rolando com Jamie Nelson? Ele foi legal comigo outro dia. O que anda aprontando?
— Abri a concorrência. — Encara as unhas pintadas de azul. — Um novo P.A. pode
fazer milagres.
— P.A.? — Revira os olhos para a minha expressão confusa.
— Pau amigo, Cami — responde. — Se tirasse essa carinha linda da tela daquele
computador, saberia disso. — Impossível não revirar os olhos diante disso. — Aliás, o que achou
das camisolas?
— Frankie, vai ter troco. — É claro que ela ri.
Quando passei no dormitório essa tarde, para pegar mais algumas peças de roupas e uns
livros, minha adorável colega de quarto achou que seria interessante tirar meus pijamas
confortáveis e quentinhos da gaveta e substituir pelas únicas duas camisolas sexys que comprei
por pura pressão sua em uma liquidação alguns meses atrás.
— Eu te amo, você sabe. — Manda um beijo. — É tudo para o seu bem. Como estão as
coisas por aí? Por favor, diz para mim que já lavou umas calcinhas naquele tanquinho. Ele já se
adaptou ao brinquedo novo?
Para a felicidade de Mason, faz dois dias que as muletas foram substituídas por uma
discreta bengala metálica, que Chuck sugeriu adesivar com chamas ou algo assim, antes de ter
sua integridade física ameaçada de diversas formas diferentes.
— Você fala cada coisa! — Gargalho — Frankie, estamos indo devagar. Foram alguns
beijos e é isso. — Minha amiga se ajoelha na cama, preparando-se para começar um de seus
discursos, quando ouço algumas batidas à porta do meu quarto. — Preciso ir. Nos falamos mais
tarde, ok?
— Só uma coisinha, antes de ir — ela diz, e como a boba que sou, espero parada diante
da porta. — Para com essa merda de ir devagar. Mais lento que isso, vão andar para trás. Se joga
nesse gato, amiga!
Claro que o dono da casa é quem está parado do outro lado da porta e é bem óbvio, pela
diversão nos olhos escuros, que ele ouviu o discurso apaixonado de Frankie. O pior de tudo? O
modo como seus olhos descem pelo meu corpo — caindo para os meus seios quase totalmente
expostos pelo decote de renda da camisola dourada que mal cobre as minhas coxas.
— Oi, Mason — cumprimento, sentindo meu rosto arder e recuo em busca do roupão
felpudo que me emprestou noite passada.
Porém, não consigo concluir o movimento, já que sinto sua mão envolver o meu pulso e,
com uma leve pressão, fazer com que eu pare no lugar.
— Nem pense nisso. — Desliza os olhos pelo meu corpo mais uma vez. — Quantos
segredos você esconde, Camila Torres? — Nem queira saber. — Quem era no telefone? —
pergunta, cercando-me com seu corpo e me encurralando na parede. Hipnotizada pelo calor nos
olhos castanhos escuros, murmuro o nome de Frankie e seus lábios sorriem antes que ele se
incline sobre mim, a ponta de seu nariz inspirando ruidosamente em meu pescoço. — Eu acho
que ela tem razão. — E logo se afasta com um risinho irônico, enquanto tento relembrar como
respirar. — Eu sou mesmo um gato. Você deveria se jogar.
— E se eu tiver medo de cair? — Não brinque comigo, Mason.
— Eu não deixaria que isso acontecesse. — Mas então, desvia o olhar e se afasta,
correndo a mão sobre os fios sempre bagunçados. — Pronta para jantar?
— Só vou pegar o meu roupão. — Aponto para a peça atoalhada na beira da cama.
— Totalmente desnecessário. — Deixa um beijo em minha boca antes de voltar a olhar
para o meu corpo e sair do quarto com as mãos enfiadas no bolso da calça jeans apertada em
todos os lugares certos.
Me jogar não seria uma ideia tão ruim assim.

Termino de comer a minha massa deliciosa ainda rindo do momento em que parte do bife
escapou do prato de Mason e atravessou a mesa, caindo diretamente na vasilha de molho.
— Eu adoro essas covinhas. — Seu indicador traça o meu rosto. — Que tal uma
brincadeira?
— De onde veio isso? Do mais absoluto nada! — comento pegando um dos morangos da
sobremesa.
— As melhores coisas são assim. — Mason se inclina e, com o dedo, limpa a minha
boca, antes de levá-lo à sua. — Um segredo por outro. — Inclina a cabeça em desafio. — Você
começa.
Penso e, como ainda não tive tempo para explorar a parte de cima do apartamento, decido
aproveitar a oportunidade.
— Quero ver o seu quarto. — Franze a sobrancelha antes de entender do que estou
falando.
— De todas as coisas, é isso o que quer? — Sorri. — Feito. Vamos?
— Vamos! Quero conhecer os segredos de Rage Porter — comento enquanto passo por
ele.
Cruzo a sala correndo, mas o espero no primeiro degrau, para ajudar caso ele precise.
— Cuidado com o deseja, Moranguinho. — Seus olhos ainda mais escuros focados em
minha boca. — Rage Porter te comeria antes que conseguisse chegar ao topo dessa escada. Ele
nunca foi muito paciente. — Arregalo os olhos, engolindo em seco, sentindo meu peito subir e
descer com força por causa da respiração pesada. — É isso o que quer? — O tom de voz baixo e
quase perigoso me faz apertar as coxas uma na outra. Esse cara é um perigo.
— Quem é você, quando está comigo? — pergunto subindo mais um par de degraus para
conseguir pensar de maneira clara.
— Pode subir, Cami. — Sua expressão ainda faminta e a voz mais rouca. — Estou logo
atrás de você.
Mason Porter mal-humorado era intragável e difícil de lidar, mas Mason sendo sexy,
gentil e sedutor é impossível. E um risco à minha sanidade.
Quando chegamos ao topo da escada, solto o ar que nem notei que estava prendendo, ao
ver o lugar bem decorado e limpo como se não estivesse vazio nos últimos tempos. À minha
frente, o que parece ser uma sala e uma biblioteca com largas prateleiras lotadas de livros atrai o
meu olhar, ao mesmo tempo que portas de vidro douradas refletem as luzes e o brilho da água na
piscina.
— Você tinha dito jacuzzi! — Aponto para uma estrutura que parece ser uma sauna, aos
fundos da piscina.
— Na minha suíte — Mason responde, um pouco cansado pelo esforço da subida. Antes
que eu pergunte como está a sua perna, ele se adianta: — Estou bem. Sem dor.
Bom.
Dou um passo para o lado e espero que ele passe, apresentando-me o lugar. Escritório,
salão de festas, piscina aquecida, sauna, algumas suítes para hóspedes, um salão de jogos e uma
sala de televisão que mais parece um cinema, antes de chegarmos à suíte master.
— É como uma mansão dentro de outra mansão — digo me referindo ao andar de baixo,
que também é enorme e segue a mesma arquitetura moderna e masculina.
— Eu costumava ficar mais aqui em cima, quando estava em casa — diz pensativo ao
olhar através da parede de vidro para a cidade iluminada que se estende ao longe. — Depois do
acidente, meus pais acharam melhor que eu ficasse lá embaixo. Mas não foi por isso que viemos
até aqui, não é?
— Leve-me aos seus aposentos, majestade. — Faço uma reverência enquanto ele passa
por mim e eu o sigo para a área privativa, até o último quarto do corredor iluminado.
Os músculos de suas costas e o brilho dos cabelos escuros tiram a minha atenção das
pinturas nas paredes e tudo o que eu vejo é o cara que abre a porta e, uma vez dentro do cômodo,
espera que eu passe.
— É isso. — Aponta para o lugar enorme com um espaço vazio ao centro, de onde
devem ter tirado a cama.
Enquanto analiso tudo, Mason se senta no sofá mais ao canto e me observa em silêncio.
As paredes pintadas de azul escuro e os detalhes em tons de cinza e chumbo evidenciam a aura
de quarto masculino, enquanto fotos enfeitam as paredes e os porta-retratos presentes nas
prateleiras.
Uma imagem, semelhante àquela na sala, prende a minha atenção e me pego admirando o
amor evidente pelo mundo das corridas estampado em cada detalhe ali. Em uma das fotos,
Mason veste um macacão azul escuro e ergue o troféu acima da cabeça com um sorriso largo e
os olhos muito brilhantes.
Lindo.
Quando me viro para olhar em sua direção, estende a palma para cima — o braço
estendido em um convite que não pretendo negar.
— Sem pôsteres de mulheres nuas na parede — comenta, puxando-me para o seu colo,
mas me encosto na mesa à sua frente. — Decepcionada?
— É meio chocante, mas eu acho que vou superar. Embora eu ainda não tenha procurado
nos armários e nessa cômoda. — Ele abaixa a cabeça rindo e depois segura a minha mão,
entrelaçando nossos dedos. Encaro nossos dedos unidos por um tempo, antes de perguntar: — O
que estamos fazendo?
— Estamos conversando. E é a minha vez agora... Fica à vontade para não responder se
eu tiver ido longe demais. — Só espero que não seja nada constrangedor. — O seu ombro... —
Seus dedos longos acariciam meu rosto, descendo para o meu pescoço e então alcançam a
cicatriz escondida sob o roupão. Sorrio triste. É claro que ele não deixaria passar. — O que
aconteceu? — murmura. — A dor... está melhor?
— Está tudo bem. Eu operei esse ombro há alguns anos e, às vezes, ele ainda dói. —
Abaixo a manga do roupão, revelando a pele marcada. — Mason Porter está curioso sobre mim?
— Esse cara sente muitas coisas por você, Camila Torres. — Deixa um beijo no meu
ombro, erguendo a manga do robe felpudo. — O que aconteceu?
— Uma história triste e longa. — Aquiesce e deixa um beijo em meu ombro mais uma
vez, antes de encostar os lábios nos meus. — Que eu prometo contar em outro momento.
— Vou cobrar — garante. — Sua vez.
— Esse jogo é mais interessante quando envolve bebida e situações vergonhosas —
comento enquanto tento pensar com sua mão acariciando as minhas coxas por baixo do roupão.
— E amigos que se apaixonam um pelo outro depois de um beijo.
Uma risada escapa da sua garganta, mas ele para quando cruzo os braços, séria.
— É totalmente possível de acontecer — argumento.
— Eu sei e foi por isso que eu ri. — E, por essa, eu não esperava. — Talvez eu devesse
buscar uma bebida para nós.
— E agora, eu entendo o motivo da sua mãe não querer te deixar desacompanhado. Zero
juízo. Não está tomando remédios? — Ele revira os olhos e deixa um beijo na ponta do meu
nariz.
— Eu estava brincando. E é a sua vez, Cami — relembra e eu sigo pensando. E a cena na
escada volta com tudo à minha memória.
— Quem você é quando está comigo? — repito a pergunta e espero.
O silêncio se estende por tempo suficiente para que as batidas do meu coração se
acelerem até chegar ao nível quase perigoso de eu conseguir ouvi-las em meus ouvidos. Estou
pensando em dizer a ele para esquecer a pergunta idiota, quando seus olhos focam os meus.
Sérios, intensos e determinados.
— Eu poderia dizer que sou eu mesmo — começa a dizer —, mas não seria verdade. —
nega. — Não. Você conheceu o pior de mim, e ainda assim, não saiu correndo ou me odiou. —
Ergo uma sobrancelha e ele ri. — Você não me odeia, sinto dizer — zomba. — Com você, eu
sou alguém melhor. — Instantaneamente meus olhos se enchem de lágrimas. — Mas eu ainda te
comeria naquela escada. E na sua cama, e na minha, e até mesmo nesse sofá duro dos infernos.
Porque eu não tenho pensado em outra coisa. Então, não sou tão melhor assim.
Não seguro a gargalhada após o fim de seu discurso emocionante, e logo estou chorando
em meio ao riso. Estou no meu limite. Sob seu olhar atento, eu me levanto e paro à sua frente.
Coloco um dos joelhos ao lado do seu quadril e as mãos em seus cabelos sedosos.
— Estar com você é uma montanha-russa de emoções, Mason — admito. — Com direito
a frio na barriga, aquela sensação gostosa de estar flutuando ao mesmo tempo que caímos em um
abismo.
— Bem-vinda ao clube. É assim que têm sido os meus dias — ele diz, agarrando a minha
cintura. — Precisa parar de olhar para mim assim, Cami.
— Assim como? — Não faço ideia do que está falando e nem consigo pensar nisso
enquanto suas mãos acariciam a minha bunda e deslizam para as minhas coxas. — É você quem
está me olhando como se quisesse me comer!
Gemo baixinho ao sentir o aperto de seus dedos em minha bunda. As mãos dele
melhoraram muito. Muito.
— Porque eu quero. — Sua voz sai baixa e quase gutural. — Porra, eu quero muito te
comer.
Seus dedos roçam a parte interna das minhas coxas, antes de voltarem a subir para a
minha bunda e então, brincar com o elástico da minha calcinha por debaixo da camisola curta.
Eu vou te matar, Frankie Duquetti.
Quando resvala a mão sobre a frente da peça — já vergonhosamente úmida à essa altura
— gemo baixinho e mordo meu lábio inferior com força, segurando firme em seu braço e
abrindo mais a perna quando seus dentes arranham o meu pescoço e seu dedo encontra o meu
clitóris.
— Mason! — chamo, afundando as mãos no seu braço e em seus cabelos.
— Me deixa provar seu gosto, Moranguinho — implora, torturado. — Aqui. — Lambuza
os dedos em meu calor úmido antes de levá-los à boca. — Doce para um caralho!
Abro a tira já frouxa do roupão e o jogo no chão sem me preocupar com mais nada que
não sejam os olhos hipnotizantes, concedendo a permissão que ele exigiu desesperado. Sem dizer
uma só palavra, Mason desliza as alças da camisola em meus ombros e logo ela cai no chão junto
ao roupão, em breve a calcinha segue o mesmo destino, deixando-me completamente nua diante
dele.
Embora não tenha o corpo das modelos que estampam as campanhas de moda, nunca tive
vergonha do meu corpo, mas também não costumo sair com caras como o que está à minha
frente agora, devorando-me com os olhos escuros.
Sinto minha pele se arrepiar diante de sua atenção.
— Não se encolha — pede. — Se eu pudesse, estaria de joelhos agora — a voz rouca
avisa, antes que sua língua circule o meu mamilo e que os dentes o arranhem enviando choques
por todo o meu corpo.
Enquanto se reveza entre os meus seios pesados, seus dedos estimulam meu clitóris sem
descanso, até que, ainda de pé, eu me desmanche em um orgasmo intenso que me faz estremecer,
tombando contra o seu corpo no sofá.
— Tão sensível... — sorri satisfeito. — Mas eu ainda nem provei, minha gostosa. Venha
aqui e se abra para mim. — Aponta para a mesa de estudos e, mais uma vez, faço o que ele pede,
usando a cadeira para subir no tampo. — Uma boa menina.
Seus olhos escurecem ainda mais quando ele se inclina para o lado, sua língua lambendo
a boca em antecipação enquanto sinto meu corpo inteiro formigar em expectativa. Quando
coloca a língua para fora e lambe toda a minha extensão encharcada, arqueio o corpo, pedindo
por mais.
— Calma, minha delícia. — Move apenas a ponta da língua sobre o ponto inchado e
pulsante, me fazendo rebolar em sua boca. — Tão perfeita.
Ele segue investindo contra mim enquanto se acaricia sobre a calça, e a cena sensual me
leva ao limite mais uma vez
— E-eu preciso de você, Mason! — Sua língua ainda brincando comigo, sem descanso.
— Rage!
— Tem certeza? — O tom gutural somado à sua língua quase me fazem gozar mais uma
vez.
Sinto a mordida em minha coxa antes que ele saia do vale entre as minhas pernas com os
cabelos bagunçados, o rosto coberto com a minha excitação, enquanto se levanta, apoiando uma
das mãos no tampo da mesa ao lado do meu corpo. De forma rápida, ele desce a calça jeans e a
cueca, que caem aos seus pés enquanto se aproxima, encaixando-se entre as minhas pernas e
roçando sua glande em meu clitóris.
— Porra, não consigo mais esperar. — Ele abre uma gaveta no móvel ao lado e tira um
preservativo de lá, deslizando-o em sua extensão antes de atacar a minha boca com desespero. —
Por que você tem que ser tão gostosa? — Encaixa-se em minha entrada e investe aos poucos,
centímetro por centímetro, até me preencher por completo, arrancando gemidos de nós dois.
— Desculpa? — Ele estoca mais forte, arrancando um gemido meu antes de estabelecer
um ritmo lento e cadenciado.
Sem pausa, ele entra e sai do meu corpo me levando à loucura a cada toque seu em meu
ponto pulsante, acompanhando as estocadas firmes que vão se tornando cada vez mais intensas, à
medida que nossos corpos assumem o controle e a urgência cresça em nós.
Não demora para que a sensação quente se espalhe em meu interior e os gemidos de
Mason se tornem frequentes, assim como o ritmo insano dos nossos quadris, que se encontram
buscando por mais. Sinto o arrepio percorrer meu corpo inteiro e jogo a cabeça para trás, então
me entrego ao orgasmo que varre todos os meus pensamentos e eletrifica o meu corpo,
acendendo cada uma das minhas terminações nervosas enquanto Mason apoia a testa na minha e
me aperta firme em seus braços.
Por um instante, eu me esqueço de tudo. São problemas para a Camila do futuro resolver,
a do presente está ocupada demais aninhada nesse homem lindo que a abraça como se ela fosse o
seu mundo.
Obrigada, Frankie.
A vida é engraçada. Em um momento, tenho tudo o que acredito que precisava para ser
feliz — tudo o que eu queria. Uma carreira promissora, uma conta bancária gorda, a garota
gostosa e sempre disposta a participar de todas as minhas loucuras, e vivia sempre cercado de
amigos e festas.
A vida dos sonhos, certo?
Mas faltava alguma coisa. Não saberia dizer o que era, mas havia algo fora do lugar e não
eram os meus ossos.
Não ainda.
Sentindo a perna latejar enquanto envolvo a garota loira com cheiro de morangos,
percebo que não me falta nada — e isso é tão assustador quanto maravilhoso.
— Está suspirando de novo — a voz doce de Cami rompe o silêncio. — Arrependido?
— Nunca — respondo, afastando-me apenas para olhar seu rosto lindo, corado pelo que
acabamos de fazer. — Você está?
— Pareço arrependida, Mason? — Ergue a sobrancelha clara e abre um sorriso largo que
eu beijo sem conseguir me conter.
— Então... Quando quer ser fodida, eu sou o Rage, mas quando estamos de chamego,
Mason. É isso?
— Rage quando está irritado e Mason quando... — seu rosto fica ainda mais rosado.
Deliciosa — é bonzinho. Chamego, vovô Porter?
— Eu nunca sou bonzinho, Moranguinho. — Beijo a ponta do seu nariz.
Ela belisca minha costela e, sem querer, acabo apoiando minha perna operada no chão,
emitindo um ruído feio de dor.
— Puta merda! Mason, cuidado! — Desce da mesa e, ainda nua, me empurra para o sofá,
avaliando minha perna enquanto só consigo olhar para os seios gostosos à minha frente. — Não
me olhe assim, precisamos voltar lá para baixo e colocar um gelo na sua perna.
— Cami, eu tô bem — aviso, mas ela segue se vestindo com rapidez. — Sua camisola
está do lado avesso, gostosa. — Seguro sua mão, puxando-a de volta para mim. — Minha perna
está bem, enfermeira. E nós vamos descer e colocar gelo na porra dessa cirurgia, mas, antes, eu
te quero gemendo no meu colo enquanto senta em mim.
Meu pau pulsa sob seu corpo e ela sorri, beijando minha boca.
E eu achava que tinha sido feliz.

— Acho que vou ficar por aqui. — Ela se espreguiça, estendendo os braços acima da
cabeça enquanto os olhos muito azuis focam a jacuzzi alguns metros à frente.
— Mas e o gelo? — Aponto para a porcaria da bota ortopédica. — Vai me deixar sozinho
lá?
— Você já é bem grandinho. — Fecho a cara e ela sorri. — E vá direto para a cama, ok?
Se ouvir algum barulho aqui em cima, não se assuste. É o pessoal que vou convidar para a festa
mais tarde.
Safada.
— Festa? E não vai me convidar? Tsc. Tsc. — Até onde isso vai?
— Já usufruiu bastante da área. — Olha ao redor antes de focar na gaveta onde os
preservativos estavam guardados. — E desse quarto. Além disso, nunca é bom levar bolo para a
festa.
— Eu nunca trouxe ninguém para esse quarto. — É claro que ela não acreditaria. — Esse
sempre foi um lugar só meu. São sete suítes aqui em cima, Cami.
— Nem mesmo a sua namorada? — E é claro que ela iria falar sobre Rebecca. — Não
acredito.
— Nem mesmo ela — confirmo, lembrando-me daquela época. Cercado por mentiras.
— Ela vivia monitorada por seguranças e quase nunca podia ficar muito. As poucas vezes em
que transamos nessa casa foi em um dos quartos ou na piscina.
— Acaba de arruinar a piscina para mim. — Faz uma careta desanimada. — Tudo bem, a
festa foi cancelada. Satisfeito?
— Muito. — Sorrio, beijando o seu pescoço cheiroso. — Mas não pelo cancelamento e
sim por descobrir que a minha garota é ciumenta.
— Sua garota? — Estreita os olhos cor-de-céu.
— Linda e gostosa. — Beijo sua boca mais um par de vezes, apertando a sua bunda. —
Assim como eu.
— Meu Deus, Mason! — Gargalha, fazendo nossos corpos sacudirem juntos e um
grunhido de dor escapar da minha boca. Maldita perna. — Vamos logo colocar gelo nisso. E
você deveria estar de repouso.
Roubo um beijo lento e bastante sensual quando ela se levanta, tentando prolongar o
momento.
— Não vai me ouvir lamentar por nada do que acaba de acontecer, loirinha — afirmo
enquanto seu rosto assume o tom rosado que passei a amar. — Eu faria tudo outra vez. Talvez
mais.
— Nisso, nós concordamos. — A loira gostosa sorri ao me entregar a bengala.
Existe, sim, vida após a morte, e Mason Porter acaba de comprovar.

Tudo o que é bom dura pouco — Célia vivia dizendo e eu comprovei na prática, em
vários momentos da vida. Tipo agora, quando a loira teimosa, dona das coxas mais deliciosas do
mundo, nega-se a dormir comigo e corre de volta para o seu quarto sem me deixar tentar fazê-la
reconsiderar a decisão.
Depois do que rolou há dois dias, não consigo manter minhas mãos longe dela, mas
Camila segue se esquivando sempre que não estamos a sós ou quando aquela porcaria barulhenta
apita e ela muda totalmente o seu comportamento.
É bem óbvio que há alguma coisa acontecendo e que a garota teimosa se recusa a me
contar, enquanto fica de segredinho com aquele filho da mãe do meu melhor amigo, que acaba
de contratá-la para o estágio e agora fica se gabando de ter acesso vinte e quatro horas à minha
garota.

*Porter, não Potter*


C. Parsons: Cami está com você?

Rage_Porter: Na cafeteria.
Rage_Porter: O que quer com ela?

C. Parsons: Assunto nosso.

Rage_Porter: Vá se foder.

C. Parsons: Mason Porter é ciumento. Quem diria?

Rage_Porter: Acho que ela acaba de chegar.


Rage_Porter: Ela vai estar ocupada agora.

C. Parsons: Tem dez minutos, parceiro.

Rage_Porter: Vá se foder.

— Cami? — chamo da sala, onde tento fazer a porcaria da matéria entrar na minha
cabeça. — Moranguinho?
— Mason! Ficou louco? — É claro que a garota de tiara azul vem correndo em minha
direção, indignada. — Poderia ser outra pessoa! A Célia ou Jake!
— E...? — Dou de ombros. — Tem vergonha de andar por aí com o cara de bengala?
Sinto meu peito apertar. Seria isso? Seus ombros relaxam e ela se senta no meu colo,
lançando os braços curtos em meu pescoço de uma forma tão natural que parece ter nascido para
isso. Afundo o rosto em seus cabelos loiros, antes que ela se afaste.
Estou viciado nessa garota.
— Não tenho vergonha de você — afirma, séria. — Nunca repita isso.
— É o que parece. — Claro que ela fica indignada. — Qual é o problema de saberem que
estamos juntos, Cami?
— É isso que estamos fazendo? — Ela se levanta, afastando-se de mim.
— Sua dúvida me ofende — retruco em um tom raivoso ao me levantar também, indo até
ela. — Qual foi a parte de ser a minha garota, que não entendeu ainda, Camila Torres?
Agarro seu pescoço, trazendo-a para mim e devoro sua boca, transmitindo todo o meu
descontentamento e posse. Minha. Se minhas mãos estivessem totalmente recuperadas, eu
marcaria o seu traseiro gostoso, para que nunca se esquecesse disso. Ao invés disso, apenas
pressiono o seu pescoço para provar a ela o quanto é minha.
— Me dê um motivo, só um, para eu não te trancar no meu quarto nesse momento e te
foder até que perca a voz. — Os olhos nublados de desejo me encaram enquanto seu corpo se
arrepia ao meu toque.
Para a minha infelicidade, a porcaria do seu telefone toca e Camila recupera o foco.
— É uma promessa? — provoca, roçando o corpo no meu ao desligar o telefone. — Mas,
agora, é hora de pagar uma de suas dívidas comigo. Talvez deva calçar um tênis, nós estamos
saindo — avisa, beijando minha boca mais uma vez antes de se afastar. — Agora. Chuck está
nos esperando lá embaixo.
Malditas apostas.
Sentada no banco de trás do carro de Chuck Parsons, agora, meu chefe. Ou chefe do
chefe do chefe do meu chefe, já que sou apenas uma estagiária em sua empresa de tecnologia,
continuo roendo a unha do mindinho e tentando imaginar cenários otimistas nos quais Mason
não me odeie por ter participado dessa “emboscada”.
Quando Chuck me procurou, entre as aulas, não imaginei que seria para me cobrar pela
ajuda em seu plano de fazer o amigo dar mais um passo em sua recuperação. É algo que ele
deveria fazer? Sim. Eu deveria ter parte nisso? Talvez não, agora que nós estamos cada vez mais
íntimos e ele pode se sentir traído de alguma forma.
Droga!
Eu deveria ter pensado melhor sobre isso.
Trêmula e a um passo de ter um infarto, de tão rápido que meu coração bate no peito,
assisto em silêncio enquanto Chuck dirige ignorando os protestos do amigo que reclama sem
parar por não saber para onde estamos indo.
Não me odeie, Mason.

Quando Chuck estaciona, vinte minutos depois, em um circuito de corrida para carros, o
silêncio dentro do veículo parece pesar toneladas. É o ex-piloto quem o rompe com um estalar de
língua seguido de um silvo baixo e revoltado.
— É sério isso? — pergunta ao amigo, que assente. — Uma armadilha. Até mesmo você!
— Mesmo de cabeça baixa e sem vê-lo, sei que está falando comigo. — Porra! Acharam mesmo
que isso daria certo? Que me trazendo até aqui...
— Mason, cara, precisamos selecionar um novo piloto — Chuck responde. — Eu e Cami,
e todos os outros, só queremos o que é melhor para você e eu sei que vender a equipe partiria o
seu coração mais uma vez — afirma enquanto o sujeito bufa impacientemente, feito um touro
bravo. — Vou dar um tempo para que se acostume com a ideia, mas se não entrar e não escolher
a merda do piloto, a RPSports acaba hoje. A decisão é sua, cara.
Trocamos um olhar antes que ele saia do carro e, ainda de cabeça baixa, eu espero que o
sujeito sentado no assento à minha frente diga alguma coisa. Qualquer coisa. Mas ele segue em
silêncio. Por fim, sem aguentar mais, saio do carro, sentando-me atrás do volante do veículo de
luxo e encarando-o.
— Não posso ir. — A voz quase tão baixa que não conseguiria entender se não estivesse
perto. — É por isso que se afasta de mim? Por que esteve conspirando com Chuck para me trazer
aqui?
— Mason, eu só quero ajudar. — Inclino-me, segurando sua mão. Ele não me afasta, mas
não retribui, ficando apenas parado.
— Me leve embora daqui — ordena com a voz trêmula. — Se quer mesmo me ajudar,
precisa entender que não estou pronto para estar aqui.
— Você é capaz de qualquer coisa — digo a ele, que bufa uma risada desanimada.
— Menos de te ver agora. — Encara o paredão de concreto que cerca o lugar. Ao longe,
o ronco dos motores me faz saltar no lugar e arfar. — Por isso não vou poder voltar a pilotar.
Nunca mais, entende isso?
— Sabemos que estamos pedindo muito — pressiono sua mão —, mas te conhecemos o
bastante para saber que vai se arrepender se vender a equipe.
— Naquela tarde, eu enterrei os meus sonhos, Camila. — Ainda sem olhar para mim, ele
respira fundo, abaixando o rosto e afastando sua mão da minha, ele traça a cicatriz funda em seu
braço, antes de deslizar os dedos sobre a perna ferida.
— Há um tempo atrás eu me senti assim. — Sinto os olhos escuros sobre mim, mas foco
em minhas mãos sobre o colo. — Perdida e desesperançosa. Eu entendo você e a dor que sente,
mas não pode se esconder para sempre. Acredite, eu sei. — Sorrio de forma triste para ele, que
presta atenção em silêncio, mas respiro fundo quando sinto sua mão grande envolver a minha,
incentivando-me a continuar. — Nem todas as cicatrizes podem ser vistas — confidencio. —
Apesar de eu ter um lembrete de tudo o que aconteceu marcado em meu ombro, depois daquela
noite, nós enterramos muito mais do que alguns sonhos. — Encaro o rosto disforme através das
lágrimas não derramadas. — Eu enterrei meu pai.
— Cami, não precisa... — Limpa uma lágrima que escorre pela minha bochecha, mas eu
nego.
— Eu prometi que contaria, não foi? — assente. — Não vai haver momento melhor que
esse. Antes, preciso contar algo, para que possa entender — digo após pensar um pouco. — Anos
atrás, meu pai se acidentou na obra em que trabalhava e mesmo tendo sido levado imediatamente
ao hospital, teve complicações severas e perdeu muito de sua mobilidade, mas ainda estava vivo
e consciente, e isso significou o mundo para nós. — Pauso, sentindo o nó em minha garganta
crescer cada vez mais quando me lembro dele sorrindo apesar de tudo. — Precisamos nos mudar,
hipotecar a casa onde morávamos e fazer alguns empréstimos, já que o trabalho da minha mãe
como professora não cobriria todas as despesas médicas e hospitalares. — Engulo em seco mais
uma vez. — Dois anos depois, estávamos aqui em Nova Iorque, reconstruindo nossas vidas,
quando um incêndio em nosso apartamento mudou tudo. Todo o esforço de carregá-lo para longe
do fogo rompeu meu tendão e os ligamentos do ombro.
Acaricio o local, relembrando.
— Sua mãe e seu irmão...
— Eles estavam na escola e minha mãe só foi avisada quando os bombeiros chegaram e
nos levaram ao hospital.
— O seu pai? — Nego e ele se cala.
— A fumaça foi demais para os pulmões já debilitados. — Enxugo as lágrimas que
escorrem pelo meu rosto sem que eu consiga impedir.
— Eu sinto muito. — Mason beija a minha testa antes de apoiar a sua ali, respirando de
forma pesada.
— Mason, eu só te contei isso para que entenda que é possível. Não enterrei meus
sonhos, mas perdi algo precioso e sei como é ter a vida transformada para sempre, assim como
sei que me lamentar não vai trazer de volta o que se foi.
— Obrigado por dividir isso comigo, mas não sei se posso... — Esfrega a mão no rosto.
— Pode fazer o que quiser. — Acaricio a lateral do seu rosto antes de pressionar meus
lábios nos seus em um beijo casto. — E eu vou estar bem ao seu lado, prometo.
— Eu vou te beijar agora — avisa antes que sua língua percorra meus lábios e sua boca
avance sobre a minha em um beijo lento que traz lágrimas aos meus olhos pelo alívio que invade
o meu peito, enquanto nossos lábios se movem e se perdem no momento. — É uma promessa,
Cami? Vai estar comigo?
— Bem ao seu lado — garanto e ele abre um meio sorriso. — Vamos?
— Agora fica muito feio se eu não sair desse carro, não é? Minha garota pode pensar que
eu sou um covarde — brinca, mas sei que está nervoso e tentando ao máximo seguir em frente.
— Ela nunca pensaria isso — murmuro e logo seus olhos encontram os meus, brilhantes
e intensos.
— Então, está assumindo que é minha garota, Cami? — Sorri. — Eu vou mesmo ter que
entrar nessa porra de lugar. Merda.
Mason sai do carro amparado pela bengala e noto quando Chuck arregala os olhos no que
parece ser a entrada do lugar. Pego a minha mochila e dou a volta no veículo, encontrando-o
ainda parado, observando o lugar. Seguro firme em sua mão e ele entrelaça os dedos aos meus,
pressionando-os levemente.
— Foi assim que conheceu o pessoal do basquete? — Como se só agora ele tivesse
pensado a respeito.
— Nos mudamos para o mesmo prédio que Dwayne e Maggie, após o incêndio. Ele é um
policial aposentado e nos ajudou com tudo o que podia naquela época, e quando precisei de
fisioterapia, conheci o resto deles.
— Até mesmo aquele babaca tatuado e cheio de dentes?
— Não, Andy eu conheci depois que comecei a ir aos jogos. — O modo como fecha a
cara me faz rir. — Preparado? Você consegue, Mason. Um passo de cada vez — murmuro
baixinho e ele abaixa a cabeça e deixa um beijo na minha boca, como se buscasse forças.
Alguém assobia perto dali ou talvez seja só uma impressão minha.
— Eu consigo. — Ainda de mãos dadas, caminhamos até a entrada e nos encontramos
com seu amigo, que, graças aos céus, não comenta nada sobre a cena do beijo. Apenas ergue os
polegares para cima e sorri, orgulhoso do amigo.
Sabe quando assistimos aqueles documentários em que vemos os animais em seu habitat
natural? Descreve exatamente como me sinto ao ver o brilho dos olhos de Rage Porter assim que
cruzamos os bastidores da pista de corrida. É como ver uma criança em seu lugar preferido,
regado com açúcar ilimitado e várias atividades de recreação — lindo, emocionante e muito
perigoso.
Para ele e para mim, que estou cada vez mais envolvida com o cara bonito que agora usa
um boné virado para trás e discute alguma coisa sobre a suspensão do carro, conforme alguns
candidatos à vaga de piloto se alongam por ali.
— É uma pena o que aconteceu com ele. — Um dos pilotos para ao meu lado. O macacão
amarrado na cintura, como eu vi nas fotos da cobertura. Apenas uma camisa fina e branca cobre
o peitoral esculpido do sujeito moreno. — Dá para sentir o quanto ele ama isso aqui.
— É verdade — comento —, é lindo de se ver.
— Zach Ochoa. — Aperto a mão que ele estende em minha direção. Os cabelos escuros
revoltos no alto da cabeça combinam com os olhos cor de avelã.
— Camila Torres. — Sorrio quando ele pede licença e limpa uma suposta mancha no
meu rosto. Não duvido, já que na última hora, vi mais graxa do que em toda a minha vida.
— É bom que se garanta na pista, garoto. — Um dos homens mais velhos, a quem fui
apresentada mais cedo, para ao nosso lado. Jacobs, eu acho. — Rage não parece nada feliz.
Olhamos juntos para o ex-piloto, que encara o rapaz ao meu lado com uma expressão que
grita: “Vou arrancar a sua cabeça”, enquanto caminha determinado em nossa direção. Os olhos
escuros ameaçadores se atenuam quando para ao meu lado e passa o braço sobre os meus
ombros, puxando-me para o seu peito antes de cumprimentar Zach.
— Está tudo bem? Quer uma água ou café? — pergunta para mim enquanto seus olhos
seguem atentos ao sujeito.
— Obrigada, mas estou bem. É grande aqui, não é? — Olho ao redor, onde uma confusão
de pessoas, máquinas e peças de carros estão espalhadas por todo o lugar. — Você? — pergunto
para que apenas ele ouça e ganho um beijo no topo da cabeça.
— Só vamos ver os últimos três candidatos correrem e vamos para casa — avisa e me
abraça mais forte. — Ochoa, não é?
Zach faz uma cara muito semelhante à que Frankie fez quando cismou que Kylie Jenner[6]
estava em uma loja no shopping, e em sua defesa, ele conseguiu não gritar feito uma maluca
desesperada, coisa que não posso dizer a respeito da minha melhor amiga.
— Si-sim, Rage. — Estende a mão para o ídolo. — Eu assisti a todas as suas corridas.
Inclusive uma das clandestinas, uma vez.
Clandestinas.
— Se quiser essa vaga, vai ter que ficar fora delas — avisa em um tom que não permite
negativas. — Você é o próximo?
— Não será um problema — garante e confirma.
— Me mostre o que sabe fazer. — Ainda abraçado à mim, Mason o desafia.
— Rage, será que poderia vir aqui um instantinho? — o tal Jacobs chama, e após trocar
um olhar rápido comigo, vai atender ao homem cercado por vários mecânicos.
— Boa sorte, Zach — digo ao piloto que salta no lugar, tentando conter a ansiedade,
percebo.
— Seu namorado é casca grossa. — O tom solene usado com o ídolo fica no passado.
— Ele não é — respondo, mas logo somos interrompidos por uma parte da equipe que o
ajuda a colocar o capacete e todos os outros apetrechos de segurança. — Dê o seu melhor.
— Essa vaga é minha, gatinha! — Sorri antes de desaparecer em meio à pequena
multidão que veio buscá-lo.
Ainda estou rindo quando encontro o “casca grossa que não é meu namorado” em
questão, que parece sério demais, de repente.
— Aconteceu alguma coisa? — Olho ao redor, procurando por algo errado.
— Fora um folgado dando em cima da minha garota? — resmunga. — Não. Esse filho da
mãe tem que se garantir muito, Gatinha. — Bufa.
— Rage? — chamo e ele para no lugar, me esperando. Não. Não pode ser. — Está com
ciúmes?
Indiferente ao fluxo de gente que passa por nós, segura firme em minha cintura, colando
nossos corpos enquanto se abaixa para falar em meu ouvido.
— Me chame assim mais uma vez e vou ter que te foder no banheiro desse lugar,
Moranguinho — ameaça, enviando uma mensagem direto para o meio das minhas pernas, que
reage imediatamente. Adeus, calcinha. — E eu espero que esse babaca esteja por perto para te
ouvir gritar o meu nome.
Ainda estou parada no lugar quando os roncos dos motores acelerando me tiram do torpor
iniciado pela voz enrouquecida do sujeito que parece um mafioso usando esse sobretudo e a
bengala.
— Você vem? — pergunta convencido.
O banheiro não seria tão má ideia assim, agora.
Espero do lado de fora da universidade pela garota que insistiu ter que pegar mais alguns
livros na biblioteca, quando eu as vejo se aproximando do banco em que estou sentado,
aguardando pela loirinha exigente que tem mudado a minha vida. Porém, dessa vez, elas não
seguem seu caminho, como fizeram em todos os nossos últimos encontros, ao invés disso,
Rebecca se senta ao meu lado, tensa e sem saber como agir.
— Vejo que está melhor — comenta, colocando uma mecha de cabelo escuro atrás da
orelha.
Um gesto que já cheguei a achar fofo. Eu realmente era um idiota.
— É, eu não morri — debocho e então olho ao redor, notando que a dupla de sempre
ficou para trás, conversando entre si. — Suas amigas não vão se sentar?
— Elas quiseram nos dar privacidade. — Seu tom de voz baixo e doce não me engana.
Ainda mais quando sei que falou merda com Cami.
— O que quer comigo, Becca? — Brinco com uma folha na base da árvore com a
bengala.
— Eu sei que acha que eu não me importava, mas tem que entender que o meu pai... —
começa a choramingar enquanto Camila deixa o prédio da biblioteca, caminhando distraída com
mais uma pilha de livros nos braços.
— Não vamos fazer isso — aviso, levantando-me. — O problema nunca foi o seu pai,
sejamos honestos aqui. Chuck viu você e Evan Thompson jantando com a sua família enquanto
eu estava no hospital, então poupe o meu tempo e o seu. Não te desejo mal, mas não quero ter
nada a ver com você.
— Vai me dizer que agora está saindo com aquela... garota — diz com desgosto. — Ela
não é para você!
Eu poderia gargalhar se não estivesse prestando atenção à Camila, que parece nervosa
demais enquanto conversa com um sujeito tatuado que já vi algumas vezes rondando o campus.
Ela parece se encolher enquanto ele fala, visivelmente coagida pelo filho da puta que caminha
até sua moto e logo acelera pela avenida.
Mas que merda está rolando aqui?
— Até mais, Rebecca. E pense duas vezes antes de falar sobre a minha garota — ameaço,
já caminhando até a loirinha que entrega os livros nas mãos de Jim, antes de se virar em direção
à árvore, provavelmente à minha procura.
Seus olhos azuis são sérios e desconfiados enquanto ela cruza os braços ao me ver
chegar.
— Pensei que fosse demorar mais — comenta olhando ao redor, como se esperasse um
ataque a qualquer momento.
— Não sei por quê. Não tenho nada para conversar com ela. — Eu nunca fui um cara de
fazer joguinhos, não iria começar agora. — Quem era aquele cara com você?
— Não sei. — O modo como desvia o olhar me diz que está mentindo. Quem é ele,
Camila? Mas não insisto. Assim que entramos no carro, tiro meu celular do bolso e digito uma
mensagem rápida para alguém que eu sei que pode me ajudar a descobrir ou pelo menos entender
o que é que está acontecendo com a garota olhando perdida para o lado de fora.

*Porter, não Potter*


Rage_Porter: Preciso de um favor.

C. Parsons: E quando é que não precisa?


C. Parsons: Ser seu amigo dá um trabalho do cacete.

Rage_Porter: Preciso que descubra tudo sobre Camila Torres.

C. Parsons: Cara, isso não vai dar certo.


C. Parsons: O que aconteceu com a coisa toda da conversa sincera entre os casais?

Rage_Porter: Ela está com problemas, Chuck.

C. Parsons: E talvez não queira a nossa ajuda, já pensou nisso?

Rage_Porter: Pode ou não, fazer?

C. Parsons: Só espero que eu não me arrependa disso.

Nem eu.

Após terminar meus exercícios com Jake, fico esperando Cami chegar, mas ela demora
mais do que o normal. O homem de gorro preto e jaqueta de couro, de ontem, vem à minha
memória e começo a ficar cada vez mais agitado e preocupado com ela.
Droga.
Quando meu telefone toca, atendo rápido demais, pensando que pode ser ela, mas ao
invés disso é apenas Maeve querendo me impor uma de suas conversas em formato de
interrogatório.
— Irmãozinho! O que é que andam fazendo nesse apartamento enorme só para vocês? —
O sorriso malicioso em seu rosto indica que meu melhor amigo já andou fofocando.
— Quer mesmo saber? — Ela também me conhece bem.
— Fiquei sabendo que foi até a pista de corrida e escolheu um piloto para a RPS! E que
ficou de casal... — Estende a última vogal.
— É, eu meio que posso estar namorando — confesso e, ao contrário do que eu tinha
imaginado, não me senti estranho ou exagerado. Só me parece certo.
Caralho, a loirinha me pegou de jeito.
Enquanto fico imerso em meus pensamentos, minha irmã grita sem pausa ao telefone.
— E onde está a minha cunhadinha? — Empolgada como sempre, Mav bate palmas e
dança em frente à câmera. — Mamãe vai amar essa novidade!
— Ainda não chegou da cafeteria. — Coço a nuca, soltando o ar. — E ela não sabe que
estamos namorando. Ainda.
— Eu sabia que não ia resistir! Cami é um mulherão e... — Para de falar, estreitando os
olhos para mim. — Do que está falando?
— Ela não quer contar para ninguém que estamos juntos e vive fugindo de mim —
reclamo. — Porra, ela trabalha demais, Maeve, e nunca parece ter grana. A mãe e o irmão foram
embora e, às vezes, ela parece tão perdida... — Engulo em seco. — Às vezes, eu me pego
pensando que Cami está metida em problemas, mas em alguns momentos acho apenas que ela
não sente o mesmo que eu, ou talvez tudo isso — aponto para a bota ortopédica — seja demais
para lidar.
— Mason, é bem claro para qualquer um que vê vocês juntos que se gostam. — Revira os
olhos dramaticamente. — É sério. Chuck filmou vocês no autódromo e, é claro que fiquei
sabendo da ceninha de ciúmes no paddock[7]. Olha, eu concordo. Há algo de errado, mas ela não
parece disposta a dividir nada sobre isso. Você é o mais próximo dela, talvez devesse tentar.
— Já estou trabalhando nisso — garanto à Maeve, que parece gostar da resposta, já que
assume o controle da conversa e fala sem parar sobre suas provas e testes durante a semana.
— Preciso ir, Mason. — Manda beijos do outro lado da tela. — Diga a Cami que deixei
um beijo para ela.
— Até mais, Mav. Se cuida.
— O mesmo para você! Não vá se meter em confusão! — avisa, e logo estou encarando
ao meu reflexo na tela.
Meia hora se passa e Camila ainda não chegou em casa.
Merda.
Sem querer bancar o controlador, clico em seu número e espero enquanto chama sem
parar. O som das chaves na cozinha me alerta de que ela acaba de chegar, mas não me prepara
para encontrá-la chorando na cozinha.
Meus olhos percorrem o seu corpo dos pés à cabeça, procurando por algum ferimento, e
quando não encontram, diminuo a distância entre nós, trazendo-a para os meus braços. O modo
como se agarra a mim, buscando por segurança enquanto chora, parte o meu coração ao mesmo
tempo que me deixa furioso.
— Shhh — murmuro em seu ouvido. — Estou aqui, Cami.
Você está segura agora.

Depois de assisti-la desabar por quase uma hora, encho a banheira da minha suíte de água
quente e roubo alguns sais de banho que a minha mãe trouxe quando veio para cá. Despejo tudo
na água enquanto Camila segue deitada em minha cama num sono leve e agitado. Pelo menos,
consegui confirmar que sua mãe e irmão estão bem no Brasil.
Sigo até o quarto, sento-me na cama e acaricio os cabelos dourados até que os olhos azuis
se abrem — inchados e vermelhos — antes de se fecharem de novo.
— Vem comigo, Moranguinho — chamo enquanto a puxo pela mão. — Eu preparei um
banho para nós.
Em silêncio, ela me segue e não protesta quando seguro a base de sua blusa e a retiro de
seu corpo, jogando-a no canto. Em seguida, sua calça, a calcinha e o sutiã preto de renda têm o
mesmo destino quando, segurando em meus ombros, ela entra na banheira, sentando-se e
abraçando suas pernas enquanto eu tiro a minha roupa e a maldita bota.
— Você não deveria fazer isso — murmura. — Pode se machucar.
— Não me importo. — De forma desajeitada, eu me sento às suas costas e, assim que me
acomodo, trago-a para mim. — O que aconteceu?
— Não se importe comigo — lamuria. — Mason, não... eu estou e-exausta! Cansada de
tudo isso! Que droga!
Mais uma crise de choro.
— É tarde demais para isso, Cami. — Beijo o topo de sua cabeça e aninho o rosto em seu
pescoço. — Eu me importo para caralho e está partindo o meu coração te ver assim.
— Me... Me desculpe. — Soluça — E-eu... ta-também me importo. Mason, eu...
Beijo sua boca. Apenas um toque de lábios, silenciando-a. Sim, eu quero ouvir tudo o que
tenha a me dizer, mas não assim. Não agora, destruída desse jeito. Então me afasto e pego o
shampoo, lutando contra a porcaria da tampinha por um tempo — maldita coordenação motora
que ainda não retornou como deveria — antes de pedir que ela se sente conforme esfrego o seu
cabelo, massageando o couro cabeludo com carinho e observando-a fechar os olhos e relaxar.
Enxáguo seu cabelo e repito o processo com o condicionador, antes que pegue um
sabonete e limpe cada pedaço de sua pele macia, para que possamos apenas relaxar juntos por
um longo tempo.
— É melhor sair e vestir uma roupa seca — aviso quando a água começa a ficar morna.
— Mas aqui está tão bom... — reclama.
— Tem uma cama grande e quentinha nos esperando aqui do lado, minha linda. Vamos?
Tento não salivar com a visão do seu corpo à minha frente, mas é impossível. Tudo em
Camila me atrai, desde os quadris largos, sua bunda deliciosa, até os seios fartos que me
enlouquecem — mas o que causa mais efeito em mim são seus olhos e as malditas covinhas em
seu rosto, sempre que sorri. Mesmo que seja um sorriso tímido e sem graça, como agora.
Assim que me levanto, com um pouco de ajuda, confesso, seguimos para o closet, onde a
ajudo a se enxugar e a observo vestir uma camiseta minha e nada mais, antes de ir para o quarto.
Visto apenas uma cueca e, forçando minha perna operada o mínimo possível, caminho até a
cama em que a minha garota já está deitada, esperando.
Eu poderia fazer isso pela vida toda.
— E-eu só estava te esperando. — Ela se senta entre os lençóis. — Me desculpa pela
cena. É só que, às vezes, parece pesado demais.
— Então divida comigo — peço, mas ela nega devagar, os olhos cheios de água.
— Estou cansada, Mason — repete. — É melhor eu ir...
— É melhor você não continuar com essa frase, Moranguinho — aviso, deitando-me ao
seu lado e jogando as cobertas sobre nós dois. — O melhor é você ficar aqui, no seu lugar —
digo quando ela deita a cabeça em meu peito.
Enquanto Cami pega no sono, sinto seu cheiro misturado ao meu e acaricio sua pele
macia, sentindo também o modo como seu corpo pequeno parece se encaixar perfeitamente ao
meu. Afago o seu rosto, afastando uma mecha de cabelo que cai sobre ele e me pego pensando
no quanto amo suas curvas e os seus sorrisos.
Caralho, não existe uma parte sua que eu não ame.

Acordo com o som do meu celular tocando, e ao ver a hora e o nome de Chuck no visor,
desperto imediatamente. Em algum momento da noite, Camila rolou pela cama e agora dorme
tranquilamente sobre alguns travesseiros, exibindo sua bunda gostosa para mim.
Linda demais para o seu próprio bem.
O celular toca de novo e o atendo a caminho da porta. Três e vinte e sete da manhã, porra.
— Chuck, são três e....
— Me escuta, eu consegui as informações que me pediu. — A voz do meu amigo é grave
e preocupada. — Porra, cara, você estava certo. Cami está em apuros e a merda é das grandes.
— Porra! Eu sabia! — Encosto minha cabeça na parede, tentando pensar. — Me mande
tudo o que puder e amanhã nos reunimos na empresa.
— Feito. E, Mason? — adverte. — Não faça nada antes de criarmos um plano, ouviu?
Chuck e seus planos.
— Feito, C. Obrigado. — Desligo o telefone, indo em direção ao escritório.
Seja lá o que for, vamos dar um jeito.
Algodão... E uma bigorna — é tudo o que parece ter dentro da minha cabeça quando abro
os olhos e encaro a parede acinzentada do quarto de Mason.
Nós dormimos juntos.
As lembranças da noite passada retornam em pequenos flashes: a sensação de segurança
enquanto ouvia os batimentos ritmados do coração de Mason; a intimidade e o cuidado durante o
banho e o desespero que me tomou quando abri aquele maldito envelope.
Eu já deveria ter desconfiado quando o encontrei endereçado a mim no balcão da cozinha
da cafeteria — Doris disse ter encontrado logo cedo, quando chegou. Ansiosa, esperei que
deixasse a cozinha e o abri, rasgando o papel pardo, apenas para que a minha tortura começasse.
Dezenas de fotos da minha família no Brasil e de Frankie dentro do nosso quarto no alojamento.
Ainda me lembro da sensação angustiante durante toda a tarde e que pareceu transbordar
no momento que entrei no apartamento de Mason, sentindo-me segura pela primeira vez no dia.
Não posso mais continuar assim.
Culpada por esconder algo grave e que pode colocar pessoas que amo em risco. E, agora,
com o recado daquele maldito, ficou muito claro que fugir não é mais uma opção. Merda! A
menos que eu tire a sorte grande e ganhe um prêmio na loteria sem sequer ter jogado, não vejo
como conseguir toda essa quantia.
E quando eu penso que já não tenho mais lágrimas para chorar, percebo que me enganei
até mesmo nisso.
Chego à faculdade atrasada e com os olhos inchados de tanto chorar. Nos intervalos entre
as aulas, tento falar com Mason, mas não consigo nada além da mensagem que encontrei logo
que decidi parar de chorar e reagir.

Rage_Porter: Precisei sair cedo para resolver um problema da empresa. Jim está à sua
espera. Nos vemos mais tarde.
Nada mais.
No carro, a caminho da faculdade, Jim disse ter deixado Mason no escritório da empresa
e que ele avisou que viria mais tarde, porém, perto da hora do almoço, ele ainda não havia
aparecido. Pelo menos, a reunião do trabalho de grupo foi cancelada por Anne, que precisava
fazer algo que ela chamou de “Excursão de reconhecimento”, o que só serviu para deixar a mim
e ao resto dos integrantes do grupo ainda mais curiosos com relação ao que isso realmente
significaria.
Mas como a cavalo dado não se olha os dentes, apenas aceitei feliz e aliviada o simples
fato de que não precisaria lidar com o Tico e Teco mutantes de Chernobyl sem a presença do
meu mal-humorado preferido, que está agindo de forma estranha após o meu rompante de ontem
à noite. Ou talvez ele só esteja sendo ele mesmo e eu estou viajando na maionese.

~Cami.Torres: Preciso falar com você. É urgente.


~Cami.Torres: Poderia me encontrar na cafeteria?

Quando o celular apita, menos de um minuto depois, com a resposta positiva, apenas
respiro fundo e me preparo para uma última tentativa, antes que eu tenha que tomar atitudes mais
drásticas, como desaparecer.

No final da aula, enfrento a chuva fina que começou há alguns minutos e saio pelas
portas de vidro um tanto preocupada com o sumiço de Mason, quando o vejo à distância,
recostado no carro com roupas sociais ao invés dos moletons e jeans com os quais me acostumei
a vê-lo, e ainda mais bonito com os cabelos escuros penteados para trás.
Assim que me vê, seu rosto sério se abre em um meio sorriso e ele abre os braços, como
costuma fazer quando estamos sozinhos, e não consigo me impedir de correr até ele, só parando
para pensar nas consequências disso quando estou envolvida na segurança de seu corpo quente e
absurdamente cheiroso.
Sinto o toque de seus lábios em meu cabelo e desvio o olhar de Jim, que assiste a tudo,
subitamente envergonhada, enquanto recuo — contra a minha vontade — me afastando.
— Fiquei preocupada — reclamo. — E nem acredito que me deixou sozinha com Tico e
Teco de Chernobyl!
— Sentiu minha falta? — Envolve a minha cintura e logo me vejo olhando para os lados
antes de colar meu corpo ao seu. — E parece estar esperando por um namorado ciumento que
pode nos pegar em flagrante. Devo me preocupar, Moranguinho?
Nunca.
— Ele não está por perto. — Acaricio sua nuca. — Eu acho melhor entrarmos no carro.
Nós precisamos conversar, Mason.
— Nós iremos — ele promete, olhando ao redor com uma postura imponente, quase
perigosa. — Mas antes, precisamos passar no autódromo, tudo bem?
— Vou avisar ao D. que talvez eu me atrase um pouco. — Pego meu telefone na mochila
enquanto Mason entra no carro.
Respiro fundo ao encarar as ruas cheias de pessoas que seguem com suas vidas sem
imaginar que talvez eu termine o dia com o coração partido e fugindo mais uma vez de um
bandido que tenta arruinar minha vida de novo.
Coragem, Camila — a voz do meu pai ecoa em meus ouvidos.

Eu não vou fugir, mas tenho certeza de que ficarei muito mais segura para lidar com o
meu coração partido em uma penitenciária, depois de assassinar um dos donos da equipe
automobilística diante de uma centena de jornalistas. O que é que Mason tinha na cabeça
quando me trouxe até aqui?
— Consigo ver a fumaça. — Chuck, como sempre, vestindo seus ternos de três peças não
convencionais, verde e preto dessa vez, aponta para mim, enquanto ando de um lado ao outro no
escritório apertado do paddock da RPSports como o animal acuado que eu sou.
— Cami, está tudo bem. — Mason desencosta da mesa e, com a bengala batendo no
chão, aproxima-se de mim. — Sou eu quem vai subir e fazer um discurso, não você.
— Já viu quantos fotógrafos e câmeras tem lá fora? — Recuo até a janela, olhando a
multidão montando seus equipamentos mais uma vez.
— Por acaso está foragida da justiça? — Chuck, sentado no sofá, pondera.
— Não teve graça nenhuma. — Reviro os olhos. — Eles não podem... Eu não posso. Não
quero aparecer! Olha para mim! “A namorada feiosa do ex-piloto gostosão” não é uma manchete
interessante e...
— Não mesmo — o melhor amigo de Mason e meu chefe comenta, rindo. E logo seu
nome é chamado do lado de fora por Jacobs. — Essa é a minha deixa. Não se matem nem
transem nessa mesa. Eu uso para trabalhar, às vezes. Até daqui a pouco e boa sorte!
A troca de olhares entre eles chama a minha atenção por um instante, antes que a mão do
homem alto, sério e lindo erga o meu rosto para ele.
— Mason, nós realmente precisamos conversar — tento argumentar, presa nas íris
escuras que parecem enxergar dentro de mim. E, nesse momento, desejo muito que consigam. —
Eu... Eu não posso explicar agora, mas ser visto comigo pode te colocar em perigo e eu não
posso...
Não há surpresa ou desconfiança em seu olhar, o que é estranho. Mas há algo mais que
brilha e desperta uma sensação profunda e significativa.
— Preciso de você comigo, agora. Pode fazer isso? Por mim? — Golpe baixo.
— Nos bastidores. — Os lábios inclinados para cima são uma celebração de sua vitória.
— Está vendo o que eu faço por você?
— Pode apostar que sim. — Cola a testa à minha. — E fico feliz, porque não vai poder
me julgar quando chegar o meu momento.
Do lado de fora, o locutor do evento convoca Rage Porter, que agora esmaga meus lábios
com os seus em um beijo afoito e rápido demais.
— Pronta? — Puxo o ar, inflando os pulmões e tentando conter a ansiedade que grita
dentro de mim, prospectando todo tipo de cenário terrível. — Eu saio na frente, mas preciso de
você lá fora e quero que escute tudo com muita atenção, pode fazer isso por mim?
Assim que confirmo com um aceno de cabeça, ele abre a porta do escritório e logo é
aplaudido pela pequena multidão de funcionários e jornalistas enquanto os flashes disparam
sobre ele. Espero um momento antes de sair da sala de cabeça baixa, recriminando-me
mentalmente por não estar usando a porcaria de um moletom de capuz ao invés do sobretudo
preto de sempre.
Para o meu alívio, ninguém parece notar a minha presença.
Pelos próximos quinze minutos, conheço outra parte da personalidade de Mason Porter
— no palco improvisado, ele domina a atenção dos repórteres como um mágico faria, e logo os
envolve em uma expectativa crescente enquanto fala dos planos para a empresa, até apresentar o
novo piloto, que sobe ao palco com ele e responde algumas perguntas com o rosto corado pela
emoção do momento.
Algo em que não consigo me concentrar, já que seus olhos escuros me buscam a todo
momento, confirmando que sigo aqui, no mesmo lugar, ainda tentando entender o que quis dizer
quando me pediu para ouvir a tudo com atenção. Estou pensando que terei que fazer uma busca
sobre potência de motores e velocidades máximas alcançadas por carros de corrida, quando o
microfone volta para Mason e ele começa a responder sua sabatina.
— Rage, a contratação de Ochoa indica que não voltará às pistas? — um jornalista mais
velho faz a pergunta contundente.
— Não, só quer dizer que estou me recuperando e que a equipe não vai deixar de
competir. Ochoa é um piloto promissor e, talvez, em um futuro próximo, possamos concorrer
juntos pela RPSports.
Um rebuliço imediato começa e várias perguntas disparam a todo momento, envolvendo
uma suposta tentativa de contratação de Zach Ochoa pela equipe concorrente e a resposta do
novo piloto, dizendo que jamais recusaria trabalhar com um ídolo. E assim passam mais vinte
minutos, antes de tudo mudar e eu ter todos os olhos — e lentes — do lugar focados em mim.
— Meu coração vai bem, Srta. Carlson — responde a uma jornalista bonitona com um
decote bastante impressionante — e eu devo tudo a ela. — O sorriso lindo em seu rosto quase
atenua o que parece ser o início de um infarto, levando em consideração o modo errático e
acelerado com que meu coração bate agora. — Camila Torres, que mudou minha vida no
segundo em que a conheci.
Quando tudo começa a ficar embaçado e meu corpo está prestes a ceder sob o meu peso,
sinto as mãos em minha cintura e o corpo quente próximo ao meu, antes que seu perfume
masculino e delicioso me alcance e seus lábios busquem os meus — exigentes e possessivos —
em um beijo digno de novela.
Mason, não!
Algumas horas antes...

Assim que termino de ler o dossiê de informações que Chuck conseguiu apurar, troco de
roupa e a observo dormir tranquilamente na minha cama.
Eu gostaria muito que tivesse falado comigo, Cami.
Calço os sapatos e entro no armário para pegar o terno azul marinho que decidi vestir
hoje — a roupa apropriada para o evento do dia.
Dou mais uma olhada na direção de Camila que finalmente parece ter relaxado e faço
uma promessa silenciosa a mim mesmo e ao filho da puta que a está ameaçando: Essa merda
acaba agora.
Quando cruzo os corredores do escritório da Parsons Tech alguns minutos depois, não
vejo quase ninguém por ali, mas o escritório no fim do corredor iluminado tem a porta aberta, e
lá dentro, Chuck que parece tão exausto quanto eu, fala ao telefone com uma expressão raivosa
enquanto me espera chegar.
— Estou aguardando a sua visita — avisa a seja lá quem for e desliga o telefone
apoiando-o na mesa — Finalmente! — Aponta para a cadeira à sua frente. — A sujeira desse
cara é ainda maior do que imaginamos.
Maior do que toda a rede de corrupção envolvendo agiotagem, lavagem de dinheiro,
jogos e todo o tipo de negócios escusos? Porra.
— Diz logo o que temos contra esse cara e o que precisamos fazer para que ele nunca
mais chegue perto da Cami de novo — esfrego o rosto, cansado.
— Mason, ele é o verdadeiro dono da Kostaravac Sports. — Chuck desliza um
documento pela mesa com a razão social da nossa maior concorrente desde que entramos na liga
profissional— e um doador bastante frequente da campanha do governador Anderson.
— Porra! — olho para a página impressa sem realmente ver o que está escrito ali. —
Filho da puta! Eu ainda me lembro da conversinha mole daquele piloto sobre a curva antes da
corrida.
Fora o fato de que o político apoiado por esse merda nunca foi com a minha cara.
— E da hora em que ele “acidentalmente” bateu na traseira do seu carro e te tirou da
pista, você lembra? — Meu amigo pergunta, virando a tela do computador e me mostrando uma
gravação do exato momento do acidente. Merda.
— Fica pior... Há uma transferência milionária para a conta do maldito dono daquele
bigode ridículo no dia seguinte à corrida.
— Acha que ele foi pago para me matar? — Mas que merda é essa?
— Talvez não. Para te tirar da competição? Com certeza. — Ele parece ponderar por um
momento—Você acha que Cami... — Chuck começa a conjecturar, mas dispenso a suspeita no
mesmo ato.
A garota que me ajudou a comer e esteve comigo nos momentos ruins e que dormiu
tremendo e soluçando em meus braços não faria isso. Não mesmo.
— Porra de mundo pequeno do caralho — resmungo, jogando a folha na mesa. —
Sabemos o que ele quer com ela?
— Então, eu posso ter haqueado o celular da sua garota para conseguir obter algumas
informações — ele tenta parecer tímido, mas sei bem que teria feito ainda que não fosse o último
recurso. — O imbecil não é burro. Ele usa um pré-pago não rastreável para ameaçá-la e pelas
mensagens pouco criativas e dignas de um vilão de desenho animado, ela parece dever cerca de
trezentos mil dólares a ele.
— Por que ela não falou comigo? Porra! Já teríamos resolvido essa merda toda há
tempos! — Se fosse antes do acidente eu teria chutado alguma coisa, agora, me contento em
apertar a porcaria do cabo da bengala.
— Esse olhar assassino junto à bengala te deixa parecido com um mafioso — Chuck
comenta, replicando um comentário de Cami enquanto assistíamos aquela série ruim no sofá
algumas noites atrás. — Não consegui rastrear para onde foi o dinheiro, mas sei que ela e a
família se mudaram três vezes desde então: Detroit, Chicago e Nova York antes da mãe e do
irmão embarcarem para o Brasil onde vivem com a avó paterna.
— E ele veio atrás dela? —filho da puta.
— Esse cara tem negócios no país inteiro— Chuck avisa enquanto seus dedos voam pelas
teclas do computador — E ele parece nutrir uma veia sádica quando se trata da nossa loirinha.
Nas mensagens, ele a chama de Ratinha e diz que pertence a ele.
— O caralho que pertence! — Esfrego o rosto, contendo a raiva dentro de mim,
respirando fundo e tento manter a cabeça no lugar — Agora, vamos ao que interessa — me
inclino na cadeira, encarando-o — O que faremos com tudo isso? — Aponto para a papelada
sobre a mesa. — Precisamos de um plano. Ele não vai encostar um só dedo na minha garota.
— Para a sua sorte, seu melhor amigo é um gênio e já esteve trabalhando nisso. — e pelo
modo com que olha para mim, sei que não vou demorar a conhecer os planos mirabolantes e
geniais de Chuck Parsons. — O que acha de assumir todo esse amor para o mundo?
— Acho que já passou da hora de eu poder exibir a minha garota por aí. — Sorrio —
Além de deixar o safado ainda mais ganancioso — coço o queixo, entendendo o seu ponto — E,
se tiver a ver com o meu acidente, não vai querer perder a chance de me ver fora das pistas para
sempre. — Sem contar que ainda farei tudo isso em um grande gesto para pedir Camila em
namoro.
— Estou preocupado com o que aconteceu com o seu cérebro, cara — Chuck gargalha —
Mas gosto de ver Mason Porter na versão apaixonada.
— Eu também, Chuck. — Sorrio.
— Pronto para a primeira etapa? — Vira o computador para si e digita ainda mais rápido.
— Eu nunca nego um desafio.
Ainda mais quando há tanto em jogo.
Ainda tonta pelo beijo e pelo medo que me domina — não por mim, mas pelo sujeito
teimoso e absurdamente lindo que me abraça a caminho do elevador, depois de escaparmos da
confusão de flashes e pessoas, escoltados por alguns seguranças que eu não havia notado antes
do autódromo e do clima tenso dentro do carro, e que dura até agora.
Assim que chegamos à sua casa, Mason avisa à Celia que jantaremos fora e a dispensa
pelo resto do dia enquanto segue de mãos dadas comigo até o seu quarto, fechando a porta assim
que eu passo por ela.
— Sou todo ouvidos, namorada — avisa, tirando o terno e o jogando sobre a escrivaninha
de qualquer jeito, antes de se sentar na beirada da cama, esperando. — Do que tem tanto medo?
— Não sei se ainda vai querer esse título depois dessa conversa. — Encaro as pontas das
minhas sapatilhas vermelhas, enquanto ele se move, impaciente. — Eu não contei tudo a você...
antes. — Engulo em seco, tentando achar as palavras. — Quando meu pai se acidentou, nós
vivemos uma situação financeira complicada e mal tínhamos o necessário para sobreviver,
quanto mais para pagar as despesas hospitalares. A hipoteca da casa mal cobriu metade dos
custos e, na época, minha mãe acabou pegando um empréstimo com um sujeito que o marido de
uma das amigas conhecia.
Ao me ver chorar, ele tenta me puxar para o seu colo, mas eu nego. Preciso me manter
focada para não desistir de contar.
— Juan Miguel Abrantes — recito, encolhendo-me como se ele pudesse aparecer aqui a
qualquer momento —, um agiota que pagamos enquanto pudemos, mas quando mamãe perdeu o
emprego... O inferno começou. As ameaças, as cartas e recados. Ele ameaçava e dizia que viria
me buscar e foi por isso que minha mãe fugiu da primeira vez. Ela tinha expectativa de conseguir
uma vida nova e pagá-lo quando pudesse, mas nem tudo saiu como planejado e, em determinado
dia, eu o vi na saída da escola. — Relembro do exato momento em que um sorriso maldoso
esticou seus lábios finos. — Foi na mesma noite em que nosso apartamento pegou fogo.
— E então, fugiram mais uma vez — completa, estendendo a mão para mim. — De
quanto estamos falando, Cami?
— Mason, eu nunca aceitaria... — começo a dizer. — Eu não estou interessada no seu
dinheiro. Tenho trabalhado dia e noite para pagá-lo, mas ontem eu recebi um envelope cheio de
fotos da minha família e de Frankie, e eu não posso... — Choro ainda mais. — Eu fui uma idiota
em achar que iria dar certo!
— Quanto, Camila? — Seu tom não deixa margem para negativa. — Me deixa cuidar de
você. Quanto?
— Trezentos mil dólares — respondo envergonhada.
— Não sei se reparou, mas o seu namorado é um cara rico. — Abre os braços e me força
a olhar à nossa volta. — Esse dinheiro não é absurdo para mim. — Estala a língua. — Não
entendo como não me pediu ajuda antes! Não confia em mim?
— Não é isso! — Enxugo o rosto com os dedos antes de olhar para ele, sério e um tanto
decepcionado. — Não queria te meter nisso. Não contei nem para a minha mãe. Que bem faria
isso? Preocupá-la quando não pode fazer nada.
— Mas eu posso! — fala mais alto. — Eu posso, Cami! Porra! Será que não entende? Eu
vou pagar esse filho da puta e tirá-lo do caminho. Problema resolvido!
— Quem não entende é você! Juan é perigoso e quando ele souber que tem dinheiro, não
vai se contentar com a minha dívida… Droga, Mason — aviso desanimada e ele exibe aquele
sorriso de lado, típico de quem venceu. — Gostaria de não precisar aceitar, mas não tenho saída.
Prometo pagar centavo por centavo.
— Não preciso disso, não tanto quanto preciso de você aqui comigo — nega, apoiando-se
na perna boa para se esticar e me puxar pela cintura. — Você prometeu não sair do meu lado,
lembra?
— Mason... — Roça a boca na minha. — Eu vou te pagar e vai me prometer não se meter
nisso. Eu não quero aquele homem perto de você. — Estreita os olhos escuros, mas afunda o
rosto no vão entre os meus seios sobre a blusa preta fina. — É um problema meu. Prometa.
— Está me pedindo algo impossível. — Sobe as mãos por dentro da minha camiseta,
antes de tocar minhas costas nuas, lentamente. — Sabe disso. Mas vou tentar.
— Mason, estou falando sério! Por favor... — imploro, sentindo que falhei em cada
tentativa minha de não envolver mais ninguém nisso tudo. — Não quero que se arrisque por
minha causa! Eu não queria nada disso!
— Mas quer a mim? — E me perco na intensidade do seu olhar. — Com tudo o que eu
sou e o que eu não sou mais, Camila?
Seguro seu rosto entre as mãos, erguendo-o para mim e enfrentando toda a potência de
seus olhos e de tudo o que há ali, cansada demais para negar o que eu sinto e de que eu preciso
nesse momento.
— Como nunca quis ninguém antes. Eu te amo, Mason — murmuro, sentindo suas mãos
se entranharem em meu cabelo e puxá-lo, trazendo-me até a sua boca.
— Eu te amo, Moranguinho. — Mason me beija de forma lenta e apaixonada, agarrando
a minha cintura. — Eu te amo pra caralho.
De forma suave e lenta — ao contrário da última vez — sua boca beija o meu pescoço,
deixando os dentes roçarem de leve na pele, fazendo meu corpo inteiro arrepiar. Suas mãos
deslizam pelos meus seios e então provocam os limites da calça jeans que estou usando e que o
ajudo a tirar do meu corpo, chutando-a para o lado.
Se eu já não estivesse completamente entregue, o modo como olha para a minha calcinha
branca de renda o faria — quando sua língua toca o lábio inferior, umedecendo-o, roço uma coxa
na outra, incapaz de me manter parada.
— Eu prefiro as camisolas — reclama quando tiro a minha blusa pela cabeça, expondo o
conjunto de lingerie branco para os seus olhos famintos. — Não, mentira. Eu prefiro totalmente
nua.
Mason tira o meu sutiã com destreza, expondo meus seios antes de cobrir um com a boca,
mandando um calafrio intenso por todo o meu corpo ansioso enquanto ele morde e puxa
levemente, me fazendo gemer alto.
— Eu amo os sons que você faz — murmura contra a minha pele, antes de voltar a me
lamber sem parar. Estou quase atingindo o ápice quando ele para, desliza a mão pela minha
barriga e sua boca segue o mesmo caminho, em uma trilha molhada e sensual. — Eu amo o seu
corpo. — Quando prende os dedos na lateral da calcinha e a escorrega pelas minhas pernas,
movo o quadril, ansiosa pelo seu toque, fazendo-o rir. — Eu amo o seu cheiro. — Inspira diante
do caminho de pelos loiros, quase me levando à loucura. — Mas o seu gosto... é viciante.
Enlouquecedor.
Um ruído gutural escapa de sua boca quando sua língua desliza pela minha extensão
úmida até alcançar o ponto inchado no alto das minhas coxas e o suga com vontade.
Meu corpo inteiro se acende, quente e desejoso enquanto meu namorado e sua língua me
devoram sem limite algum, e quando um de seus dedos me penetra, perco totalmente o chão,
rendendo-me a um orgasmo intenso que percorre todo o meu corpo em ondas de energia.
Eu me agarro aos seus ombros para não cair e logo sua boca me encontra, imperiosa,
dividindo comigo o meu gosto conforme seu corpo me domina mais uma vez.
— Monta em mim, namorada — pede quando eu solto o botão de sua calça e ele se ergue
um pouco, apenas para que ela saia do caminho, assim como a cueca. — Eu quero estar dentro
de você enquanto chupo esses seios gostosos.
Entre nós, seu pau pulsa ansioso enquanto uma de suas mãos sobe e desce sobre ele —
extremamente sensual. Eu me ajoelho à sua frente, ignorando a calça presa na bota ortopédica e a
bengala caída no chão, e foco apenas em seu abdômen marcado, deslizando as mãos ali até
alcançá-lo, imitando os seus movimentos cadenciados antes de deslizar a minha língua por todo
o seu comprimento, abocanhando-o em seguida, sugando sua glande e ouvindo-o gemer meu
nome.
— Cami! Porra! — Mason com a cabeça jogada para trás é uma imagem que jamais sairá
da minha cabeça. — Eu amo a sua boca. Mas eu quero você! — Estremece quando o chupo com
mais força e me levanto, colocando uma perna de cada lado de seu quadril antes de encaixá-lo
em minha entrada e deslizá-lo devagar até o fundo.
Suas mãos seguram firme no meu quadril enquanto respira de forma pesada e tensa até
que eu comece a me mover, rebolando sobre ele em um ritmo perfeito, que rapidamente nos leva
ao limite. Quando sua boca prende um mamilo e o suga, jogo a cabeça para trás e me entrego à
sensação enlouquecedora que varreu meu corpo inteiro e me faz tremer sobre Mason, que
impulsiona o quadril contra o meu com vontade, estocando sem parar até que se libera com um
gemido rouco e gutural, agarrando-se mais a mim enquanto tentamos recuperar o fôlego.
— Eu te amo, Camila Torres — declara, beijando a minha testa, deixando suas mãos
deslizam pelas minhas costas.
— Eu também te amo, Mason Porter — confirmo. — Meu Rage.
Não estou mais sozinha.

Estou andando de um lado ao outro da cozinha enquanto Mason distraidamente sova a


massa para o pão de leite.
— Vai furar o chão, Moranguinho — avisa, virando-se para apoiar o quadril na bancada.
Eu só posso mesmo estar apaixonada, já que mesmo sujo de farinha e usando um avental de
cupcakes coloridos, ele ainda é o cara mais lindo que já vi na vida. — E agora está me despindo
com os olhos.
— Não estou não — argumento, mas ele apenas abre um sorriso convencido e me ignora.
— Ele deve aparecer a qualquer minuto.
— E você vai fazer exatamente como combinamos: vai até a mesa dele, atendê-lo como
qualquer cliente, e marcar de acertar a dívida na sexta-feira, às oito horas, na rua aos fundos do
bar.
— Eu posso fazer isso — repito a mim mesma.
— Vou estar de olho em tudo e interferir, se precisar — garante tocando o meu cabelo
com as mãos cheias de farinha branca. — Não está mais sozinha, Cami.
Eu só não quero que se envolva mais do que o necessário.
— Eu sei, amor — respondo, e seu rosto inteiro se ilumina.
Exatamente da mesma maneira que aconteceu quando o beijei na frente de Jake ao chegar
da cafeteria na tarde de ontem, Mason parecia prestes a explodir de satisfação.
— Será que vou me acostumar com isso em algum momento? — Esfrega o peito.
Eu espero que não.
O sino da porta toca e Juan passa por ela. Vestindo sua jaqueta de couro, como sempre,
ele se senta em uma mesa mais reservada e, antes que Dóris deixe o balcão, aviso a ela que estou
à caminho, sentindo a caneta tremer em minha mão.
Mais uma vez, o barulho enjoativo soa e Chuck entra, com um terno risca de giz dessa
vez — algo incomum para ele — que me cumprimenta e abraça meus ombros, indicando que vai
se sentar na mesa da frente.
— Eu já vou atender você — digo à ele com a voz firme. Ou o mais próximo disso que
consigo. — Boa tarde, em que posso ajudá-lo? — O som de seu riso me faz arrepiar de nojo,
assim como o cheiro de cigarro que emana dele.
— Suas companhias são interessantes, Ratinha. — Batuca com as pontas dos dedos na
mesa, ao lado de seu telefone, onde uma foto minha e de Mason está em destaque. — Às vezes, o
destino tem reviravoltas inesperadas, não é?
— Às vezes — concordo. — Quero tratar do pagamento da minha dívida.
— Não teremos mais adiamentos, Ratinha. De quanto será dessa vez? Dez, vinte? —
Estala a língua com descaso. — Está me fazendo perder o meu tempo...
— Tudo — aviso. — Eu vou pagar tudo na sexta-feira. Na rua atrás do bar onde eu
trabalho. É mais seguro.
— Não sei se fico feliz com isso — pondera — Eu gostaria muito de tê-la para mim. Ah,
as coisas que eu poderia fazer...
Um nojento de merda.
— Tudo certo por aqui? — Dwayne, que acaba de chegar, para perto de nós, correndo os
olhos desconfiados pelo sujeito.
— Tudo na mais perfeita ordem — responde, devolvendo a encarada. — Sua garçonete é
algo a mais, Sr. Jones. Nos vemos por aí, Ratinha.
Ele diz e sai porta afora, deixando-me de pernas bambas para trás.
Isso vai acabar logo.
— Eu estou surpreso — Chuck declara encarando o prato cheio de comida à sua frente,
na sala de jantar na minha casa. — É quase milagroso que aquele cara tenha saído de lá sem,
pelo menos, um olho roxo. Rage já não é tão furioso assim. Você é realmente um milagre, Cami.
— Vai se foder! — Ergo o dedo do meio e o idiota gargalha antes de encher a boca de
comida. — Me custou cada grama de paciência que existia dentro de mim. Mas eu prometi que
não faria nada, então não fiz.
— Um namorado exemplar! — Caralho de cara chato dos infernos.
— É isso que dá, alimentar os cães de rua — acuso Célia, que acabou de jantar e está
recolhendo alguns pratos para levar até a cozinha. — A culpa é toda sua!
— Foi você quem quis adotar! — argumenta e Chuck late, mostrando a língua para ela,
que sai gargalhando para a cozinha.
Nem preciso dizer que Célia pareceu flutuar quando soube de nós, assim como os meus
pais e, claro, o ser sem noção alguma que agora conversa em uma chamada de vídeo com a
minha namorada, que já terminou de jantar a um tempo e está rindo com aquela maluca da minha
irmã.
— Tudo certo para amanhã? — murmuro para que somente o idiota de terno azul-escuro
me ouça.
— Você fez a sua parte? — Sem desviar os olhos da garota que gargalha com as
bobagens da minha irmã, confirmo.
— Ela vai ajudar. — Frankie é realmente diferente das garotas que vemos por aí. Por
mais que eu tivesse sido avisado a respeito disso, lidar com ela em uma conversa séria, com
todas aquelas caras e bocas e gritinhos, me deixou em dúvida se eu deveria confiar nela, mas
assim que toquei na questão da segurança de Cami, a garota se transformou.
— Só preciso confirmar um último detalhe e estaremos prontos — afirma. — Vai dar
tudo certo, Mason.
Não há alternativa aceitável.

Estamos deitados no sofá — Camila com a cabeça apoiada em meu peito enquanto
acaricio suas costas, agradecendo a Deus que meus pais adiaram seu retorno por mais alguns
dias, para buscar as suas coisas e levar de volta aos Hamptons ou para seu apartamento em
Tribeca, deixando-me a sós com a minha garota.
— Tem certeza de que quer fazer isso? — Camila pergunta mais uma vez. — Nós
podemos esperar.
— Minha família te conhece, Cami. É justo que eu conheça a sua. — Cruzo os braços, na
defensiva. — Por acaso, acha que sua mãe não vai gostar de mim? É isso?
— Ela te achou um gato — murmura.
— Então, já falaram sobre mim... — especulo e ela fica vermelha feito um pimentão. —
Você está mesmo muito apaixonada por mim!
— Eu nunca neguei! Pronto? — Aperta a tecla e o telefone comece a chamar, e quando
uma mulher bonita de cabelos loiros acobreados e olhos tão azuis quanto os da filha aparece na
tela, sinto-me imediatamente nervoso. — Oi, mãe! — ela diz em inglês, graças a Deus. Se ela
começasse a falar em português, eu estaria ferrado. — Quero te apresentar uma pessoa especial.
— Estica mais o braço para que nós dois apareçamos. — Esse é o Mason. Nós… — faz um
pequeno suspense — estamos namorando.
— Oh, querida! — a mãe exclama e uma senhora mais velha acena para nós através da
tela do telefone. — Fico feliz por vocês! Como vai, Mason?
— Olá, Sra. Torres! — cumprimento um pouco sem graça. De repente, pensando que foi
uma má ideia usar camisa preta e moletom para conhecer a mãe da minha namorada. — É um
prazer conhecê-la.
A mulher sorri para a câmera e me pede para que tome conta da sua filha, enquanto um
garoto de quase doze anos ameaça arrancar meus rins e vender na deep web se eu fizer a irmã
chorar.
— É melhor que eu só a faça rir, então. — Aceno para o garoto de cabelos platinados,
que parece satisfeito com a minha resposta e me convida para jogar um jogo de guerra com ele.
Algo que prometi fazer em um outro momento. Essa noite, tudo o que eu quero e preciso é curtir
um tempo com a minha garota.
— Foi um prazer conhecer vocês! —despeço-me e logo Camila faz o mesmo, exibindo as
suas covinhas lindas quando acena para a família.
Houve um tempo em que eu acreditava que precisava de adrenalina para viver — um
viciado em velocidade e perigo. Não mais. Tudo de que preciso está ao alcance das minhas mãos
e é calmo, leve e cheira a morangos.
É engraçado como as coisas são. Tudo dá muito errado, para então, dar certo. Quando as
coisas dão certo para caralho, aí vem um filho da puta querendo estragar a minha vida mais uma
vez. Chega disso.
— Você está resmungando... — Apoia o queixo nas mãos e os olhos azuis límpidos me
observam, curiosos. Linda para caralho. Beijo sua boca e ela ri. — Está tudo bem?
— Por que não estaria? — uma resposta esperta, para que eu não precise mentir.
— Não faço ideia do que se passa na sua cabeça, Mason — brinca. — Mas seja lá o que
for, estava te fazendo resmungar.
— Não acredito em você. — Claro que ela se levanta, sentando-se no sofá para me
encarar de frente. Tão nervosinha. — Na maior parte do tempo você está nela e na outra parte,
parece ler meus pensamentos.
— É sério isso? — Camila fica séria de repente, sentando-se na beirada do sofá com uma
expressão ansiosa.
— Cami? Qual é o problema? — Pauso a série chata, em que a loira está sofrendo de
novo por causa de alguma merda que ela mesma fez e acaricio as suas costas.
— Isso não pode estar certo. — Mas que merda está rolando aqui? — Eu estou mesmo
vivendo um romance clichê? Desses que a gente lê ou assiste na televisão e fica suspirando o dia
todo?
— Se o clichê envolve um cara idiota e todo fodido que mal conseguia tolerar a si mesmo
e se apaixona pela garota gostosa que vê o mundo com lentes coloridas, então, sim. Eu acho que
sim.
Ela volta a me olhar, desacreditada.
— É exatamente o que um personagem de livros diria — reclama. — Droga!
Mas isso não deveria ser bom?
— Não estamos vivendo essa merda de clichê, então. — Volto a me acomodar no encosto
do sofá, trazendo-a para mim enquanto aliso minha ereção sob o moletom. — Nesses livros, eu
duvido que o cara esteja de pau duro apenas por pensar na possibilidade em se enfiar nesse corpo
quente e gostoso para aliviar a tensão dos últimos dias.
Quando os olhos espertos miram o volume evidente na calça de moletom cinza, enfio a
mão dentro da calça, colocando-o para fora. O modo como a ponta de sua língua molha os lábios
rosados faz meu pau pulsar em minha mão — levando a minha provocação a outro patamar.
Como a merda de um ator, continuo com o meu espetáculo e deslizo a palma pela glande
já sensível, espalhando a gota de lubrificação que já se formou ali, pelo resto do meu
comprimento, descendo e subindo a mão enquanto Camila se levanta, deixando o roupão cair no
chão e revelando a camisolinha preta que me deixa ver os mamilos rosados através da renda, ela
apoia um joelho no sofá, trazendo sua boca até a minha.
Tão perfeita.
— Se inclina para mim, linda — peço em meio ao gemido que escapa da minha boca
quando sua mão se une à minha, acompanhando o meu ritmo na masturbação, conforme Cami
desce as alças finas e oferece os seios maravilhosos para mim. — Porra, Moranguinho! Você é
gostosa demais!
Chupo, lambo, mordo seus mamilos até que ela esteja gemendo alto e prestes a gozar, e
então, busco seu olhar nublado pelo tesão e meio revoltado por eu ter parado, apenas para
provocá-la.
— Os seus personagens fariam isso? — A safada sorri, confirmando. Porra.
Abandono o meu pau, deixando-o por sua conta e deslizo a mão por suas pernas,
passando as pontas dos dedos levemente pela parte interna de suas coxas, até encontrá-la
totalmente nua e molhada à minha espera.
— Mason... — Ondula o corpo quando sente meus dedos percorrerem a boceta
encharcada e solta um gritinho quando eu a penetro com eles sem aviso. — Rage!
— Segura no encosto do sofá — ordeno e, obediente, ela atende, empinando a bunda
gostosa para mim ao mesmo tempo que me levanto para ficar às suas costas. — Tira essa
camisola da minha frente.
Logo, a peça minúscula está no chão. Inclino a cabeça e apoio meu joelho bom no
estofado, bombeando meu pau que parece prestes a rachar de tão duro.
— Se empina mais para mim, amor — peço e ela se abaixa, exibindo-se.
Deslizo a mão pela fenda molhada e ela rebola em meus dedos, gemendo baixinho e
perdendo o controle dos quadris à medida que acelero os movimentos, e quando belisco seu
clitóris entre o dedo médio e o indicador, ela grita meu nome e estremece, gozando em minha
mão.
— Eu poderia gozar só de te assistir gozando para mim — confesso, bombeando meu
pau, incapaz de não o tocar.
Acaricio as suas costas, forçando-a a se abaixar um pouco mais e me enfio entre as suas
dobras, melando o pau com seu gozo, até que ela volte a rebolar pedindo por mais, e só então,
meto fundo, sentindo suas paredes me esmagarem e um choque de prazer percorrer o meu corpo
inteiro. Me retiro todo e me afundo novamente. Repito o movimento de novo e de novo. Aos
poucos, aumento o ritmo das estocadas, segurando-a firme pelos quadris enquanto entro e saio de
seu corpo, desesperado por mais dela. Mais de nós.
— Mason, eu vou... Mason! — Alcanço um ponto dentro dela que a faz revirar os olhos e
gozar com força, estrangulando o meu pau enquanto continuo penetrando-a com força, até o meu
limite.
Me retiro rapidamente, derramando-me em sua bunda gostosa quando o orgasmo me
toma completamente.
— Nem tão mocinho de livros assim, não é? — provoco-a ofegante, antes de deixar um
tapa em sua bunda gostosa.
— Você é melhor do que qualquer fantasia minha — confessa quando se vira e me beija.
Totalmente viciado e apaixonado por essa garota.
— Eu faria qualquer coisa por você. — Colo a minha testa à sua antes de beijá-la mais
uma vez.
Espero que entenda isso, principalmente se as coisas não saírem como planejado.
Eu detesto mentira.
Mas, de vez em quando, certas situações nos exigem faltar com a verdade. E hoje, é
exatamente isso que terei que fazer para um bem maior.
Para salvar alguém.
Putz! Eu sou uma heroína!
Quando Rage Porter me procurou durante as aulas, eu mal pude acreditar — na verdade,
achei que era trote e fingi ser a Kylie Jenner antes de desligar. Só na quarta ligação me ocorreu
que poderia ter acontecido alguma coisa com a minha melhor amiga e decidi atender.
Bem, mentir para a melhor amiga é considerado crime nas regras do livro da amizade,
mas Cami precisa de ajuda e não posso falhar com ela, não é? Ainda mais quando um marginal
está ameaçando a pobrezinha!
Então, é claro que me joguei na ideia do bonitão e cumpri com a minha parte no acordo,
culpando Jamie Nelson mais uma vez por ter feito alguma merda.
Fez a fama, deita na cama. Não foi assim que a vovó Torres disse uma vez?
E vou ganhar um Oscar, porque a minha atuação fez a minha amiga largar o pau doce
daquele gostosão e voltar correndo para o nosso quartinho sem graça nos dormitórios. Para sua
própria segurança, é claro.
Tudo para o bem dela.
Será que eu deveria enfiar o dedo no olho mais uma vez?
Já não está tão vermelho quanto antes.
Ainda tem lágrimas escorrendo pelo meu rosto quando a porta se abre e Camila Torres
passa por ela, sentando-se ao meu lado e puxando a caixinha de lenços para perto.
— O que foi que o Nelson fez dessa vez? — pergunta, minutos depois.
— Ai, amiga, dessa vez eu realmente pensei que ia dar certo! — choramingo e me jogo
na cama.
Tomara que Rage Porter saiba o que está fazendo.
Eu sempre fui famoso por não ter medo de me arriscar. Daí a fama de nunca negar um
desafio e por fazer merda pelos mais variados motivos — sempre egoístas e questionáveis.
Entretanto, dessa vez, estou me arriscando por uma causa nobre.
É o que venho explicando ao meu amigo, enquanto um agente do FBI passa um
emaranhado confuso de fios pelo meu corpo. No fim das contas, a influência de Chuck Parsons
vai bem além dos muros da faculdade e dos nerds do Vale do Silício.
Isso explica a operação de guerra — do estilo que eu só havia visto em filmes, antes de
hoje — no escritório da Parsons Tech, no coração de Nova Iorque.
— As escutas estão ok. Pronto para a checagem. — O homem de cabelos brancos
cortados rente ao couro cabeludo se afasta, enquanto outro, mais jovem e usando óculos amarelo
ovo, digita sem parar no computador.
— Liberado aqui! — Visto a camisa escura e de tecido grosso e me preparo para o que
vem a seguir.
— O filho da mãe já confirmou o encontro — Chuck avisa, e logo, todo mundo está
falando ao mesmo tempo.
Maravilha.
— Cami? — pergunto ao meu amigo, que sorri e vira a tela de seu computador para que
eu veja o pontinho vermelho piscando na tela, indicando que está em seu dormitório na NYU,
como esperado. — Você grampeou a minha namorada?
— Apenas por questões de segurança, filho — o homem mais velho explica, antes do
idiota com cara de bobo. — Não queremos correr risco de casualidades.
— Que é um nome bonito para mortes desnecessárias de civis — é a vez do meu amigo
explicar, sob o olhar tenso do homem. — Por favor, não morra. Seus pais vão me matar e a Cami
me ressuscitaria, só para poder me matar de novo. E você é o meu melhor amigo.
— O único que te tolera. — Bufo antes de passar o braço pelos seus ombros. — Vou
tentar, prometo.
Um outro agente — o que apelidamos de Statham como o ator, entra na sala olhando para
o relógio e então para nós, e declara para a equipe disposta pelo local:
— Tudo pronto. Temos vinte minutos para chegar ao local. Você — aponta para mim —,
sem gracinhas. Faça apenas o que foi instruído e tudo vai sair bem.
Quando a mão de Chuck pesa em meu ombro, eu paro e olho para ele.
— Não faça nenhuma burrice — traduz mais uma vez. — É sério, Mason.
— Vou tentar, eu disse. — Meneia a cabeça, nada convencido com a minha afirmativa.
— Se algo acontecer, diga à minha família que eu sabia de todos os riscos e estou em paz com
isso. E diga à Cami que... — puxo o ar, soltando-o devagar. — Diga a ela que, por ela, eu faria
tudo de novo.
— E que você a ama — completa e eu confirmo. — E que era seu desejo que ela se
casasse comigo, já que você acabou morrendo.
— Não se atreva. — Seguro-o pelo colarinho. — Volto do inferno para te atormentar.
— Não ligo de ser assombrado, se puder ter acesso àquela bunda. — O safado dá de
ombros. — Prioridades, Mason. Por isso, é melhor você dar um jeito de não foder com tudo
bancando o valentão.
— Todos prontos? — Statham interrompe o momento após checar algo no monitor. — É
agora.
— Vamos pegar esse filho da puta! — Estalo o pescoço e sigo o agente até o meu carro,
estacionado na garagem do prédio entre dois sedans pretos.
— Monitoraremos o tempo todo, Sr. Porter. Lembre-se, quanto mais ele falar, melhor
será. E não se arrisque mais do que o necessário, ouviu? Na central multimidia do carro,
instalamos um programa de comunicação e vamos te guiando até o local. — Confirmo com um
gesto de cabeça e entro no meu carro.
Apoio a bengala no banco do carona e prometo a mim mesmo que preciso levar minha
garota para passear quando tudo isso acabar.
Nada como o ronco do motor do meu Mustang GT Dark Horse para me fazer sentir
poderoso — talvez eu devesse dar um nome a ele.

Aliso a perna na altura da coxa, sentindo a dor irritante e a queimação na panturrilha


incomodar — foi ideia minha e de Chuck que eu viesse dirigindo. Se o tal Juan Miguel estava
envolvido com o mundo das corridas e, de certa forma, no meu acidente, ele não deixaria escapar
o fato de que eu pareço quase totalmente recuperado e que posso voltar ás pistas a qualquer
momento.
Esse também foi um dos motivos para a coletiva de imprensa e para eu ter escolhido
aquele folgado que flerta com a mulher dos outros. Fora o fato de que o moleque é bom na pista.
Muito bom. E de que estava prestes a fechar o contrato com a Kostaravac Sports.
Um sedan preto com os vidros muito escuros passa devagar por mim na rua pouco
movimentada — um aviso de que há agentes por perto, monitorando tudo, e de que o filho da
puta está chegando. Ainda nem acredito que estou vivendo algo semelhante aos filmes de ação
que costumava ver quando não era obrigado a assistir a série dos riquinhos aloprados da minha
namorada.
Não que eu esteja reclamando.
No fim das contas, Chuck escavou tão fundo a vida do maldito agiota, que atraiu a
atenção dos federais, que estão investigando o sujeito há alguns meses e precisam apenas de
evidências factuais — como Statham, que na verdade se chama Kevin Durand, falou dezenas de
vezes durante as nossas conversas.
E, melhor ainda, um flagrante. Mas eles ainda não tinham encontrado a “isca” correta.
Bem, até eu aparecer. Quando faróis iluminam a rua paralela à que estou, encaro a mala de
dinheiro ao lado da perna boa e me preparo. Não demora muito para que o som de uma porta
batendo e os passos — altos demais no lugar que parece abandonado — anunciem que o
momento chegou.
Escondido pela sombra de um dos prédios antigos da área, eu o vejo parar diante da
lixeira grande do bar, as roupas escuras e uma jaqueta de couro combinando bem com o
estereótipo perigoso que ele gosta de alimentar. Entretanto, a hesitação diante da porta de metal
do bar indica nervosismo ou, talvez, ansiedade por encontrar a garota loira de jeito doce e
grandes olhos azuis.
Mas não hoje.
Dou um passo à frente, saindo do meu esconderijo com a bolsa pesada devido ao dinheiro
ao lado do meu corpo. O susto passa pelo rosto nojento, mas logo ele se recupera, voltando ao
modo ameaçador de sempre. Imbecil.
— Você — afirma com um risinho debochado e meio indignado. — A Ratinha mandou
um mensageiro. — Estala a língua. — Eu já devia prever. Uma pena... realmente, uma pena. Eu
tinha planos para essa noite. — O filho da puta mexe no gancho da calça que veste e,
instintivamente, dou mais um passo para frente, desejando acertar a cara lisa do maldito.
Não foi por isso que viemos aqui.
— Eu poderia fingir que lamento — provoco —, mas posso garantir que deixei a
Loirinha bastante satisfeita na minha cama, antes de sair de casa. — Suas narinas se dilatam
quando ele puxa o ar. — Vamos cortar a conversa fiada. — Jogo a bolsa aos seus pés, mantendo
a distância. — Aí está o seu dinheiro. — Só então, dou outro passo à frente, notando um
movimento às minhas costas.
— Sabe, Rage, poucas coisas me surpreendem hoje em dia. — Olha para a mala de lona
com pouco interesse. — Mas você conseguiu. — Um sorriso cruel brota em seu rosto. — Vir até
aqui, sozinho, talvez não tenha sido a melhor das suas ideias.
Levanta a camisa escura, mostrando o cabo da arma em sua cintura, mas quando leva a
mão até ela, um ponto vermelho aparece em sua testa. Rapidamente, ele ergue as palmas para
cima, rindo.
— Sabe o que dizem: — bufo um risinho irônico — o dinheiro compra quase tudo. Até
mesmo atiradores de elite.
— Precavido… subestimei você, Rage. — Estala a língua, decepcionado mais uma vez.
— Então, vamos aos negócios.
Ele se abaixa e abre a bolsa, mexendo no dinheiro dividido em blocos lá dentro, antes de
erguer a mala e inspirar ruidosamente de olhos fechados, apreciando o cheiro.
— Uma boceta cara essa... — diz inspirando mais uma vez dentro da mala, antes de abrir
os olhos. — Deve ser deliciosa. Eu sempre suspeitei. — Cerro as mãos, furioso. — E ainda
dizem que o famoso Rage estava acabado. — Fecha a bolsa e a mantém ao lado do corpo quando
ri. — Eu quase posso sentir o gosto da sua ira. Vou confiar que está tudo aqui, somos homens de
negócios, afinal. Mas... — o maldito me encara por entre os cílios escuros. — Precisamos
discutir os juros.
Totalmente previsível para alguém, supostamente, tão poderoso.
— Quanto quer? — Morda a isca, filho da puta ganancioso do caralho.
E pelo modo como encara as pontas dos pés com a expressão debochada e convencida de
quem realmente acredita que está prestes a se dar bem, ele oscila entre as pontas e os
calcanhares, antes de voltar a olhar para mim.
— Veja bem, você e eu somos homens ricos, Sr. Porter. — Desliza a mão pelo
cavanhaque brega — Eu tinha planos para a Ratinha, mas como ela não veio... — um chiado
escapa entre os meus dentes e ele para, me encarando por entre os cílios espessos — Você é um
piloto ou costumava ser — aponta para a minha bengala — E eu sou um grande apreciador das
corridas, inclusive incentivo os jovens atletas que não tem meios de se destacar no cenário
oficial.
— Onde quer chegar com isso, Sr. Abrantes? — deixo claro que sei quem ele é,
surpreendendo-o mais uma vez essa noite.
— Quero te ver correr contra um... desafeto meu na corrida desta noite. — Isca mordida,
seu babaca. Espero que estejam filmando essa merda toda. — Ele e você me custaram muito
dinheiro... — Sorri em desafio. — Você já foi o melhor, Rage Porter, será que ainda consegue
ser bom o bastante?
Uma risadinha debochada curva a minha boca enquanto ele levanta mais o queixo,
desafiando-me em silêncio. O que é seu está guardado e será entregue mais tarde, otário.
— Essa corrida, e você desaparece da vida dela e da minha de vez — proponho,
estendendo a mão em um gesto apaziguador, mas quando ele retribui o gesto, agradeço
silenciosamente aos céus que a força das minhas mãos tenha melhorado bem e eu consiga apertar
seus dedos de forma desconfortável ao puxá-lo em minha direção. — Ou todos saberão da sua
participação no incêndio que vitimou o pai de Camila Torres e vários outros assassinatos mal
resolvidos por todo o país. E acredite em mim quando eu digo que não blefo.
— Temos um acordo e somos cavalheiros, Sr. Porter. — Afasta-se, pegando a mala que
havia deixado no chão ao seu lado. — Além disso, tenho as costas quentes, uma ligação para
certos políticos e nada acontecerá comigo. Devo dizer ao governador Anderson que mandou um
abraço?
— Diga a ele que vá para o inferno. — Gargalhamos juntos, como se fossemos velhos
amigos.
— Vou avisar a Owen Fletcher sobre o retorno de Rage Porter às pistas — anuncia, já
andando na direção que chegou, enquanto sigo até o meu carro, no mesmo caminho. — Ele te
enviará o endereço e o horário em que deve estar lá. É com essa belezura que pretende ganhar
essa noite?
— Nós estaremos lá. — Ele desliza a mão pela lataria escura e impecável do meu carro.
Assim que segue seu percurso, jogando a bolsa no banco de trás e acelerando o carro à
caminho dos quintos dos infernos, relaxo imediatamente, entrando no meu carro e falando para
quem quer que esteja na escuta:
— Espero que tenham gravado essa porra toda. — Meu celular toca no mesmo instante e
eu o pego no console do carro, onde o havia esquecido.
— Foi perfeito. — Provavelmente, Statham.
— Ele mordeu a isca — aviso ao agente federal e a quem mais estiver ouvindo. — Rage
Porter terá a sua despedida das pistas essa noite.
Sabe o mal desse tipo de cara? Acreditar que só os seus pais tiveram filhos espertos. Juan
Miguel está prestes a descobrir que não é tão blindado quanto pensa.
Assim que o veículo preto se posiciona em frente ao meu, ligo o carro e o sigo de volta
até minha cobertura. Entre as minhas pernas, meu celular apita e o nome de Owen, me recebendo
de volta ao circuito e me saudando através das mensagens com o endereço e horário da corrida.
Em minhas veias, a adrenalina já corre solta, exatamente como nos velhos tempos.
Uma última vez.
Central de Inteligência do FBI. Registro: 2254236

Celular de Juan Miguel Abrantes.

GRAVAÇÃO 01:52.

JMA: Uma oportunidade maravilhosa caiu no meu colo e vou tirar essa pedra do meu
sapato de uma vez por todas.

Suspeito 2: E o que isso teria a ver comigo?


Suspeito 2: Eu cumpri a minha parte no acordo, Juan.

JMA: É a sua chance. Sem falhas dessa vez.


JMA: Eu o quero fora das pistas. E com sorte, desse mundo.
JMA: E que aquela merda de equipe vá com ele para o inferno.

Suspeito 2: E se eu não quiser participar disso?

JMA: Será o fim de alguém essa noite.


JMA: Se não for o dele, será o seu.

*Fim da gravação*
Há algo errado.
Enquanto abraço minha amiga e ela fala sem parar sobre todas as merdas que Jamie
Nelson vive fazendo, minha intuição segue me avisando de que há algo estranho. Fora do lugar.
Empurro a sensação ansiosa para um canto da mente enquanto tento consolar Frankie
mais uma vez. É bem óbvio que eu estaria me sentindo assim: nos últimos meses fui
chantageada, ameaçada e agora, estou sendo salva pelo cara por quem estou irremediavelmente
apaixonada.
É como viver presa em um desses filmes de ação que te deixam presa no sofá porque
sempre tem algo acontecendo o tempo inteiro e, se piscar, pode perder uma cena importante e
insubstituível.
— Amiga, você ainda está me ouvindo? — Frankie questiona por entre as lágrimas. Seus
olhos muito vermelhos indicam que ela já vem chorando há algum tempo.
Maldito seja, Jamie Nelson e suas jaquetas do time de basquete.
— Se eu não tivesse prometido a Mason que largaria o bar após começar o estágio na
Parsons Tech, eu faria questão de estragar aquela porcaria de jaqueta! — penso em voz alta,
arrancando uma gargalhada estrondosa de Frankie.
— Mas aquela jaqueta é tão bonita... — suspira. — Que tal, acertar na cabeça dele?
— Faria isso também — concordo, e logo estamos conversando sobre os últimos dias e
como estão as coisas entre Mason e eu depois de termos assumido o namoro.
Entre falar sobre os olhares tortos por parte de Rebecca e seu esquadrão de patricinhas, as
bolas fora de Jamie e o lado romântico e delicado de Rage Porter, percebo quanta falta eu senti
de dividir o espaço com essa garota, e logo me pego planejando o meu retorno para cá, já que os
Porter devem retornar em breve.
— Senti sua falta, Fran. — Afago seu cabelo enquanto ela está deitada no meu colo.
Mas o bipe de seu telefone sobre a mesinha de centro interrompe a resposta dela, que se
levanta e corre até o aparelho, retirando-o da tomada enquanto olha assustada para a tela e digita
de forma rápida ao mesmo tempo que morde o canto da boca — um gesto que costuma fazer
quando está nervosa ou preocupada.
— Frankie? É o Jamie? — Eu me levanto e caminho em sua direção. — Que coragem!
Deveria bloquear esse babaca para sempre! O que tanto digita aí? — Paro à sua frente com a
palma para cima, pedindo o celular.
Minha amiga me encara preocupada, antes de pegar a primeira bolsa — uma nude
pequena que não combina muito com as roupas escuras que está usando, mas não parece se
importar com isso no momento.
— Pega a sua bolsa e o casaco. — O tom de voz é seco e urgente, e logo me vejo
obedecendo, enquanto me atrapalho para vestir o casaco rosa pink, já quase do lado de fora da
porta. — Cami. — No corredor, antes de descer as escadas, Frankie para à minha frente, as duas
mãos em meus ombros, encarando-me de forma séria e ansiosa. — Eu preciso que confie em
mim — diz. — Nós vamos sair daqui agora, ok?
— Ok, mas o que está acontecendo? — Sua agitação me deixa assustada e preocupada.
Minha boca seca e meu coração bate acelerado no peito. — Para onde estamos indo?
— Conversamos sobre isso no caminho. — Aproxima-se da janela com receio e logo que
a luz dos faróis iluminam o início da rua, ela assente para si mesma e me puxa pela mão
enquanto descemos todos os lances de escada até o térreo. — Eu explico tudo no carro —
implora com as palmas juntas. — Por favor, Cami, confie em mim. Por exemplo: Eu sempre
disse que essa cor fica linda em você. Nunca errei.
Corro atrás da minha amiga até o veículo que acaba de parar de qualquer jeito em frente
ao nosso prédio e, de forma automática, entro pela porta que ela abre para mim no banco de trás,
antes de batê-la e se sentar ao lado do motorista, que eu não cheguei a ver antes de entrar.
— Coloquem os cintos, moças, porque vamos precisar correr se queremos chegar a
tempo — Jamie Nelson avisa, antes de cumprir a ameaça, acelerando pelas vias da cidade rumo a
algum lugar que não faço ideia de onde seja.
— Frankie? Frankie! — grito e minha amiga me encara, envergonhada. — Que merda
está acontecendo? Para onde estamos indo?
— Antes de tudo, eu preciso pedir desculpas. — Ela abaixa os olhos, culpada. — Mas eu
meio que... menti para você.
Droga.
As luzes dos refletores e lanternas, as pessoas ao redor dos carros, a música alta, as
bebidas, as apostas e o asfalto escuro — tudo continua exatamente como antes. Todos aqui em
busca de algo que lhes falta ou sobra.
Em algum lugar, um carro acelera, rosnando como uma fera enjaulada enquanto todos
aguardam o momento da glória e da adrenalina que somente a vitória pode causar. Era o que eu
pensava antes.
Andando por entre a multidão, sentir seus olhares recaírem sobre mim não faz um terço
do efeito que o olhar daquela loirinha tem. Que é parte do motivo que me trouxe aqui essa noite.
Devagar, caminho até o meu carro, admirando a sua lataria totalmente preta, combinando com as
minhas roupas, hoje, em nossa despedida.
— Mason, está me ouvindo? — a voz berra dentro do ouvido. Maldito ponto eletrônico.
— Coça o nariz se estiver me ouvindo.
Faço o que Chuck pede e o ouço rir dentro da minha cabeça. Achamos melhor que a parte
técnica se mantivesse no escritório de Chuck e, na corrida, estão apenas os agentes à paisana,
que, exceto pelo sujeito de cabelo platinado e coberto de tatuagens, não faço ideia de quem são.
O primeiro a chegar foi Viper, um garoto novo de quem já ouvi falar a respeito. Segundo
Owen contou quando cheguei, ele promete ser um piloto acima da média e, quem sabe, alguém
interessante para a RPSports. Quando ouço os roncos altos do motor, ergo os olhos e vejo o carro
branco acelerar em nossa direção e parar a meros centímetros do meu, causando uma impressão e
tanto na multidão à nossa volta.
— Calvin Newman acaba de chegar — a voz fantasma de Chuck avisa. — O filho da
puta não teve coragem de mostrar a porra do rosto.
— Um covarde incompetente — resmungo comigo mesmo, enquanto sou observado pelo
idiota de capacete. Seu visor espelhado não permite que ninguém veja o seu rosto, mas, para sua
infelicidade, está sendo vigiado desde o momento daquela troca de mensagens, e até muito antes
disso.
Entro no carro, apoio a bengala no banco do passageiro e fecho os vidros enquanto me
concentro para a próxima parte do plano, então massageio minha perna, preparando-a para o que
faremos a seguir.
— É a última vez. — Retiro a bota ortopédica e a coloco no espaço atrás do meu banco,
respirando fundo, tentando isolar todo o ruído externo e me concentrar apenas na corrida.
Ninguém aqui é melhor do que eu — relembro a mim mesmo enquanto corro as mãos
pelo couro do volante e alongo o pescoço.
— Não precisa ganhar, Rage. — Statham invade a minha mente. — Siga com o plano.
E então, um ruído chiado e, em seguida, uma nova voz avisa.
— O tubarão acaba de chegar — apelido idiota do caralho. Juan Miguel terá muito mais
surpresas do que imagina essa noite.
Porra. E tudo o que eu queria era só mais um beijo. Sentir seu gosto doce e ouvir sua voz
me desejando boa sorte.
Um arrependimento? Não ter me despedido.
— Isso é fácil de resolver — meu melhor amigo responde. Porra, agora eu sou o idiota
que pensa alto. — Mason, eu juro que fiz o que achei ser melhor.
— De que merda... — mas um chiado interrompe o que Chuck diz. — Chuck? Tem algo
interferindo na comunicação.
— Seus olhos... — chiado — ... mais fortes juntos... — chiado — ... perigo. — Olho ao
redor e percebo que as pessoas se afastam rapidamente, assumindo o seu lugar para assistir à
corrida. Falta pouco agora.
— Chuck? Porra! Essa merda não está funcionando! — Engulo em seco. — Eu vou ter
que ir sem isso, então. — O fone silencia totalmente e eu o tiro do ouvido, deixando-o no
console. — É para a frente que se anda, não é?
Uma confusão acontece no meio da multidão e, de repente, alguém bate no vidro do meu
carro, enquanto outra pessoa parece gritar o meu nome. Mas que porra...
— O que tá fazendo aqui? — Desço o vidro, encarando Evan Thompson.
— Eu disse que nunca perdia uma corrida sua. — Abre um meio sorriso, mas logo minha
atenção desvia para a garota de roupa amarelo berrante que deveria estar com a minha namorada
nesse momento.
Pego a merda do fone no console e o encaixo de volta ao ouvido.
— Chuck! Onde está Camila? A maluca da Frankie tá parada no meio do caralho da
pista! Onde está a minha namorada?
A porta do passageiro se abre e eu pego a bengala, preparando-me para acertar a perna do
maluco sem noção de capacete, quando noto o cabelo loiro escapar da balaclava e o perfume
inconfundível invade os meus sentidos.
Caralho três vezes.
— Camila? — Chocado, eu assisto quando ela tira a merda da máscara e ajeita o capacete
no colo. — Que merda está fazendo aqui? E por que está usando a porra de um capacete?
— Boa sorte, irmão! — a voz de Chuck reverbera dentro da minha cabeça. — Não acho
que exista, no mundo, alguém melhor para te guiar.
À minha frente, Owen assiste a tudo com um risinho debochado no rosto, enquanto recita
as regras que conhecemos de cor. Newman acelera ao meu lado e, em seguida, Viper faz o
mesmo, sendo aplaudidos pela multidão viciada em velocidade e perigo. Quando ouço o meu
nome, acelero também, sentindo o corpo inteiro vibrar de expectativa.
— Precisa sair do carro agora, Camila. — Não deixo margem para discussão. — É
perigoso demais e eu não posso arriscar. Saia do carro.
Ainda em silêncio, a garota pequena — um metro e cinquenta e quatro de altura,
aproximadamente — se inclina para mim com uma expressão insondável e dá um murro forte no
meu braço.
— Isso é por ter me deixado de fora e por querer fazer isso sozinho! — Estapeia meu
ombro algumas vezes, antes de enfiar a mão no meu cabelo, puxando-o com força, girando o
meu corpo para ela antes de colar as nossas bocas em um beijo selvagem e inédito. Raiva, medo,
mágoa, saudade, paixão e amor, tudo despejado e ás claras enquanto nos devoramos sem nos
importar com a plateia que nos assiste. — E isso, é porque eu te amo e vou ficar com você até o
fim.
— Porra, Moranguinho, tudo o que eu fiz foi para te proteger — justifico, segurando seu
rosto precioso nas mãos, colando nossas testas. — Eu também te amo. E se vai ficar, coloque a
merda do capacete de volta e aperta o cinto.
— Assim que você também fizer isso — responde, afrontosa. Gostosa para um caralho.
Mas noto quando suspira meio decepcionada. — Eu pensei que estaria usando um daqueles
macacões.
— Gosta deles? — pergunto com a voz abafada pelo capacete que acabei de colocar. —
É sério?
— Gosto deles em você — revela e tenho certeza de que seu rosto está vermelho, embora
eu não possa vê-la. Droga!
— Era só ter falado. Tenho vários em casa. — Pisco para ela ao apertar a sua coxa com
um pouco mais de força e sorrio ao ouvi-la se engasgar. — Tudo para satisfazer a minha gostosa.
— Hum, crianças? Ainda estamos aqui — a voz de Chuck, distorcida por um monte de
conversas abafadas ao fundo, ecoa através do maldito ponto em minha orelha.
À nossa frente, uma garota vestindo apenas retalhos de tecido desfila de um lado ao outro
sob aplausos da plateia e para no meio da pista, erguendo o braço antes de deixar o lenço
vermelho cair. Antes que ele possa atingir o chão, já estou acelerando, as mãos firmes no volante
enquanto voamos pela pista renovada.
Ao meu lado, Cami grita, eufórica com velocidade que estamos atingindo, tomando a
dianteira dos outros competidores, mas sem tirar os olhos dos espelhos retrovisores, cumprindo o
papel de me guiar pelas curvas que virão a seguir.
— Eles estão disputando o segundo lugar — grita por cima do ronco do motor. —
Merda!
Ergo os olhos rapidamente e não vejo mais Viper em lugar algum lá atrás, mas o fedor
dos fluidos de embreagem rescende em toda parte.
— Eu acho que o carro branco o tirou na pista — Cami revela, assustada. Antes de se
recuperar. — Estamos chegando a uma curva fechada. O QUE ELE PENSA QUE ESTÁ
FAZENDO? — Sinto o baque logo em seguida; o maldito não tem um pingo de criatividade
naquele maldito corpo. — Ele está tentando nos tirar da pista! — Cami denuncia, antes de outra
batida em nossa traseira. Droga!
Tento segurar o volante, mas a velocidade, somada à força da curva, nos faz rodar na
pista e, enquanto o cheiro de borracha queimada dos pneus domina o ar, o som da aceleração de
um motor nos mantém alertas e, encaixando a marcha mais forte, acelero mais uma vez,
colocando-nos de volta na corrida antes que o maluco nos acerte com o próprio carro.
Mas que porra!
Enquanto Camila me guia, ajudando-nos a sair da mira do desgraçado — correndo em
zigue-zague pela pista — eu me preparo para a próxima curva, fechada demais para caber os dois
carros. Espero até o último segundo e aciono os freios com precisão milimétrica antes de
atingirmos um prédio comercial.
— Uhaaaaaaaaaaaaaaaaa! — minha copiloto grita, aplaudindo enquanto acelero para
reverter a vantagem de Newman sobre nós. — Está acabando!
Comemora quando chegamos à reta final e eu acelero ainda mais, gritando de dor quando
levo minha perna operada ao limite, pareando o meu carro com o do maldito idiota que estava
tentando nos matar. Graças a Deus por ele ser um péssimo piloto. — Penso, enquanto aceno
para ele em uma provocação clara, com os olhos preocupados de Cami sobre mim.
— Vai passar. Pronta? — pergunto à minha garota, que assente, séria, focada nas pessoas
aglomeradas que já gritam nossos nomes enquanto aceleramos em direção à pista duplicada que
se torna apenas uma em poucos quilômetros. — Vamos fazer esse babaca comer poeira,
Moranguinho!
Acelero mais e, com um movimento decisivo e ousado, jogo meu carro contra o seu,
fazendo-o recuar e bloqueando sua passagem, forçando o carro branco a sair da pista e atingir
uma das muretas de contenção, para então ouvir os gritos da torcida eufórica e da garota ao meu
lado. Cruzamos a linha de chegada.
Uma última vez e tanto.
O carro para alguns metros à frente da linha de chegada, onde as pessoas se aglomeram e
se empurram para chegar até nós, enquanto Mason está parado atrás do volante me encarando
com os olhos pretos brilhando perigosamente no escuro do carro e não consigo me conter quando
abre os braços para que eu me encaixe ali. Eu agarro seus ombros e, quando suas mãos seguram
o meu rosto, beijo sua boca como se precisássemos disso para viver.
— Mason, o que foi aquilo? Parece que estou sentindo o mundo girar! — Ofegante,
aponto para trás, incapaz de descrever exatamente o que aconteceu nos últimos minutos e como
subi no colo do meu namorado.
Perigo, velocidade, adrenalina e superação.
— É a adrenalina — resume, acariciando o ponto atrás da minha orelha enquanto sua
boca morde e chupa a carne do meu pescoço. — Eu preciso de você. Agora. — Desce a mão pela
lateral do meu corpo, pressionando meu seio de leve, enquanto rebolo sobre o volume rígido em
seu colo. — Vem aqui, amor, coloca esse peito gostoso na minha boca enquanto rasgo essa meia.
Estou prestes a atender ao seu pedido — tão necessitada quanto ele — quando alguém
bate no vidro, me obrigando a me afastar enquanto Mason fecha os olhos e bate no volante um
par de vezes reclamando, revoltado, antes que eu me estique e pegue a bota que estava no banco
de trás. Com um suspiro triste, faço menção de descer do seu colo, mas ele me impede com um
beijo.
— Mais tarde, minha linda — promete, beijando-me mais uma vez, antes que eu volte
para o meu lugar. Só então abre o vidro de sua janela, ainda ajustando a bota ortopédica na
perna. Pelo grunhido de dor, essa corrida não contribuiu muito para a sua recuperação.
— Conseguimos! Está tudo bem com vocês, filho? — O homem alto de cabelos ralos e
com um fone no ouvido troca um olhar rápido com o meu namorado, que segura a minha mão,
antes de beijá-la.
— Mais que bem. — Sorri — Conseguiram pegá-los?
— Calvin Newman está recebendo atendimento dos paramédicos, mas está bem, apenas
ferimentos leves. Assim como Mark Carell, que foi resgatado há alguns minutos — o homem
relata. — Os dois serão encaminhados ao hospital sob escolta policial. Aquele piloto vai pagar
pelo que fez, Sr. Porter, naquela corrida e essa noite.
O homem aponta na direção das muretas de contenção onde estão piscando as luzes do
carro de resgate. Enquanto isso, mais perto de nós, os inúmeros carros de polícia, que não
percebi chegando, espantam a multidão com uma eficiência inacreditável, sobrando apenas nós
dois, os policiais e alguns poucos carros.
— E quanto ao Juan Miguel? — minha voz estremece ao dizer seu nome. E eu o odeio
ainda mais por isso.
— Está sendo levado para interrogatório nesse exato momento. — Só quando sigo a
direção de seu olhar, eu o vejo. Reclamando e ameaçando, como sempre, o homem algemado
tenta argumentar alguma coisa com o sujeito muito loiro e armado que o empurra para frente sem
nenhum cuidado. — Ele é um criminoso procurado pela Interpol e por outros países. Não vai
voltar tão cedo às ruas, fique tranquila, Srta. Torres. O pior já passou.
Nesse momento, o olhar de Juan encontra o meu e ele mostra os dentes, furioso, tentando
parecer ameaçador. Ergo o dedo médio para ele, antes que o policial o obrigue a entrar na viatura
grande e escura do FBI, encerrando uma etapa horrível da minha vida com chaves de ouro: sã e
salva nos braços do homem gostoso que me abraça forte e beija o topo da minha cabeça.
— Mal posso esperar para chegar em casa, Moranguinho — Mason sussurra em meu
ouvido enquanto finjo prestar atenção ao que o oficial fala.

Depois de ficarmos presos por quase duas horas entre depoimentos, agradecimentos e um
café tão ruim quanto um dos chás de Frankie em sua fase esotérica, que graças a Deus não durou
mais que um mês, finalmente fomos dispensados para irmos para casa.
Como se não conseguíssemos ficar longe um do outro, Mason me abraça no curto trajeto
até o carro, onde Chuck nos espera com uma expressão sonolenta no rosto, além do olho inchado
que já começa a arroxear.
— Graças aos céus! — Ergue os braços para cima. — Vocês estão aqui! Estou exausto!
Como você está, loirinha?
— Cansada, mas feliz. — Sorrio. — Obrigada por tudo, Chuck.
— Sabe que sempre pode contar comigo. — Sério, de repente. — Nós dividimos um
fardo pesado. — Aponta para o amigo voltando ao seu modo normal. — E que tal a experiência?
— Eu meio que gostei da adrenalina — confesso. — Depois que tudo passou, é claro.
— É mesmo? — Nosso amigo sorri, divertindo-se e logo coloca a mão sobre o olho
inchado. — Porra, cara, custava tentar não estragar o meu rosto?
— Você mandou a minha garota para o olho do furacão! Que ideia foi aquela? — Mason
responde, abrindo a porta de trás e, assim que passo por ele, seguro seu queixo com firmeza.
— Então, quer dizer que só você pode se arriscar? Não mesmo! — Eu me sento no banco
de trás, sendo surpreendida quando ele se senta ao meu lado com a bengala entre nós.
— É o que as pessoas apaixonadas fazem. — Dá de ombros. — Eu só queria te proteger.
— E é por isso que eu precisava estar lá — afirmo, trazendo sua mão até a minha boca e
beijando os nós dos seus dedos ainda entrelaçados aos meus.
— Ownnn! — Chuck exclama. — Vocês são lindos demais!
Durante o trajeto de quase meia hora, Chuck segue se defendendo, explicando mais uma
vez que nos tirou do dormitório porque Juan tinha mandado alguns capangas para me pegar, mas
que conseguiu nos avisar antes.
Frankie, aquela maluca, fez um ótimo trabalho ao meu atrair para lá e, então, para escapar
rapidamente do dormitório e, considerando a mensagem que recebi quase uma hora atrás, ela e
Jamie Nelson parecem enfim ter superado as idas e vindas de seu relacionamento conturbado.
Graças a Deus. Eu só preciso de um pouco de paz.
Enquanto a paisagem passa por nós, eu me pego pensando que nunca estive sozinha de
fato: Dwayne, Maggie, Nina, Frankie, Chuck, Maeve, os Porter e até mesmo Jane, sempre
estiveram comigo. E, claro, Mason, o sujeito intragável e sempre furioso que me conquistou de
uma maneira que jamais pensei ser possível.
— Tudo bem? — murmura enquanto Chuck canta a música tema de Friends junto com o
som do carro.
— Tão perfeito que eu não consigo acreditar. — Suspiro entre as lágrimas. — Eu amo
você, Mason Porter.
— Acredite, eu sou cem por cento real. — Reviro os olhos. — E te amo tanto quanto se
pode amar alguém. Talvez mais.
E ele ainda acha que não parece ter saído de um livro?
Eu me perco em seus olhos escuros quando Mason segura o meu rosto e me beija,
interrompendo minha fala, meu raciocínio e me enlouquecendo completamente.
Tomara que isso não mude nunca.

— Mason! Para com isso! Tem câmeras aqui! — Luto contra o meu namorado, que
insiste em subir a minha blusa enquanto me agarra no elevador do prédio.
— Não tenho culpa se essa porra está demorando demais. — Não tem nem um minuto
que entramos. Tenho quase certeza de que o porteiro está nos achando dois bêbados tarados e
está nos vigiando através das câmeras nesse exato momento. — Tempo demais, Moranguinho.
Eu realmente preciso de você agora.
Quando o elevador apita e as portas se abrem, Mason me encurrala entre ele e a porta do
apartamento, antes de voltar a me beijar. Uma de suas mãos em minha bunda enquanto a outra
toca meu peito sobre a malha da blusa e ele pressiona o corpo contra o meu, fazendo a madeira
ranger de forma perigosa.
Não estranho quando ela cede e eu caio no chão brilhoso da sala de visitas do lugar com o
meu namorado tarado sobre mim; mas o que faz o meu coração se acelerar e o meu rosto se
colorir de vermelho são os quatro pares de olhos preocupados/ chocados que nos encaram.
Mason aceita ajuda da mão estendida em sua direção para se levantar e sorri para a família à
nossa volta.
— E aí, pessoal? — Coça a nuca de um jeito fofo, que me faria suspirar se eu não
estivesse morta de vergonha. — Vocês chegaram!
— E queremos saber exatamente em que merda se meteram — é Maeve quem fala, mas
são os olhos de Emília que brilham perigosamente enquanto ela me ajuda a levantar.
Meu Deus!
— Nós vamos contar tudo a vocês — meu namorado promete, olhando para cada um
deles, antes de parar às minhas costas e agarrar a minha cintura. — Mas, antes, eu e a minha
namorada precisamos ter uma conversa em particular.
— É assim que chamamos agora? Meu irmão é um safado! — Maeve dispara enquanto
Mason me puxa pelo corredor. — E, você, cunhada, não fica muito atrás!
— Irmãzinha, já olhou bem para ela? Gostosa para um caralho! — ele diz sem sequer
olhar para trás enquanto continuamos indo a caminho do seu quarto no primeiro andar. Eu vou
matar esse garoto. — Outra coisa: — dessa vez, ele encara os pais que, claro, estão rindo de nós.
— Eu amo a presença e todo o apoio de vocês, mas agora que estou melhor — move a bengala
que já parece fazer parte dele —, talvez seja hora de voltarem à sua rotina normal. Até daqui a
algumas horas — despede-se e eu apenas aceno um adeus, resignada. — Amo vocês!
— Mason, você ficou louco? — Bato em seus ombros repetidas vezes assim que passo
pela porta e ele a tranca, tentando se esquivar do meu ataque. — O que os seus pais estão
pensando de mim agora?
— Que é a minha namorada gostosa e irresistível e que eu não posso aguentar um minuto
mais sem sentir o seu gosto — murmura já em minha boca. — Que eu te amo para caralho e não
consigo ficar longe de você. — Morde meu lábio inferior enquanto me encurrala até a cama. —
Que eu sempre cumpro as minhas promessas? — Deixa o corpo pesar sobre o meu, enquanto
desliza os dentes pelo meu pescoço. — Já é mais tarde, amor, e eu ainda preciso muito de você.
— Droga! — Amoleço sob o seu corpo, envolvendo sua cintura com as minhas pernas,
abrindo caminho para que sua ereção encontre meu centro coberto apenas pela meia-calça e a
calcinha fina. — Eu também preciso... — um gritinho escapa da minha boca quando o sinto
morder um dos meus mamilos sob o tecido fino do sutiã. — Mason — ele ergue os olhos, o
desejo presente ali faz meu interior inteiro se contrair em expectativa —, antes, você poderia...
— hesito, mordendo o lábio inferior já inchado pelos últimos beijos — vestir um daqueles
macacões?
Ele gargalha em meu pescoço, pressionando seu quadril contra o meu mais uma vez antes
de se levantar, estalando o pescoço.
— É do Rage que gosta na cama? — Ele se abaixa para me beijar.
— Você! — respondo, puxando-o pela lapela do casaco que nem nos lembramos de tirar.
— Eu amo você todo. — Aprofundo o beijo, tentando demonstrar a intensidade do que sinto
enquanto exploramos nossas bocas. — Cada parte sua.
Quando se levanta, me encara, sério.
— É bom que esteja totalmente nua para mim quando eu voltar, Cami. — O modo como
seus olhos percorrem o meu corpo me faz queimar por dentro. Quase consigo senti-lo em mim,
mesmo quando já desapareceu no closet. — Porque, essa noite, eu vou fazer questão de te
mostrar o quanto eu te amo.
Como se não o tivesse feito em cada gesto ou ação desde sempre.
Dizer que eu estava preparada para vê-lo aparecer usando o macacão preto fechado até o
pescoço seria uma grande mentira. Nem mesmo eu consigo entender a reação do meu corpo ao
vê-lo parado à minha frente, vestido assim. — As imagens dele sério e compenetrado pilotando o
carro mais cedo invadem a minha mente e fazem meu ventre se contrair.
Aninhada entre os travesseiros que agora tem a mistura dos nossos cheiros, estendo
minha mão para ele, chamando-o. Não me encolho quando puxa o lençol que usei para me
cobrir, nem mesmo quando inclina a cabeça, correndo os olhos por cada milímetro de pele
exposta. Quando leva uma das mãos até a frente do corpo, noto o quanto está afetado pelo
momento e, em um gesto totalmente instintivo, abro minhas pernas, expondo-me para os seus
olhos ainda mais escurecidos pelo tesão.
— É um convite? — murmura enrouquecido, com a mão no zíper, pronto para tirar a
única peça que veste.
Mas eu nego, descendo a mão até o alto das minhas coxas, tocando o ponto inchado
alguma vezes, espalhando minha umidade ali, antes de me levantar e engatinhar até ele. Fico de
joelhos sobre a cama e colo nossos corpos enquanto sua boca busca a minha com necessidade e
seu corpo se esfrega no meu, desejando por mais.
Sempre por mais.
Deslizo as mãos pelos seus ombros enquanto nos perdemos no beijo sensual, devagar,
desço o zíper, expondo o corpo bronzeado para a minha boca e a minha língua, que morde seu
pescoço, lambe o seu peito torneado e o abdômen marcado até chegar ao seu membro. Lambo
sua extensão, abocanhando-o em seguida e focando em sua glande, enquanto Mason geme com
as mãos em meu cabelo, guiando a intensidade de cada movimento meu. Quando puxa a minha
cabeça para trás, fazendo um som estalado ecoar pelo ambiente, sorrio ao vê-lo perder a cabeça.
— Não importa se vai correr ou não — digo, porque entendo um pouco do que se passa
em sua cabeça, enquanto termino de tirar o macacão que cai aos seus pés. Corro a mão pela bota
ortopédica e então pela sua coxa e sigo traçando seu corpo até o rosto lindo, que tem o queixo
travado nesse momento. — Sempre vai ser o meu piloto.
— Caralho, Moranguinho — nega, afundando a boca na minha em um beijo desesperado.
— Agora, é a minha vez.
Mason se senta ao meu lado e, assim que recuo, ele se deita, apoiando a cabeça em uma
pilha de travesseiros, antes de olhar para mim e estender o indicador para me chamar.
— Senta na minha cara, amor — ordena, puxando-me pela mão enquanto me posiciono
sobre ele. Mason lambe e morde a lateral de uma das minhas coxas, para então, repetir o mesmo
movimento do outro lado, a sua risada me atiçando ainda mais. — Porque quem vai comandar
essa noite é você. Sou seu, Camila Torres, para o que quiser. Rage ou Mason, que seja.
Droga.
Assim que ele suga meu clitóris, sinto a primeira lágrima escorrer pelo meu rosto, e
quando começo a me mover em sua língua, que passa a me lamber com vontade enquanto rebolo
sobre o seu rosto, sem conseguir me conter. Minhas mãos firmes no cabelo escuro, puxando-os
enquanto a sensação cada vez mais urgente e avassaladora se forma dentro de mim — forte,
incontrolável — conforme abro mais as pernas e chamo por ele, implorando por algo que nem
sei o que é, quando o clímax me rouba o ar e eu me arrepio e tremo inteira, sem conseguir me
controlar.
— Mason — minha boca seca implora quando caio ao seu lado, sentindo seu corpo sobre
o meu e o hálito quente soprar em meu rosto —, faz amor comigo?
— E não foi assim em todas as vezes? — murmura, abocanhando meu lábio inferior com
força. — Vem aqui, amor.
Eu me sinto a mulher mais incrível do mundo quando, após deslizar o preservativo sobre
seu comprimento, Mason se deita ao meu lado e me abraça, um de seus braços sobre o meu
corpo, concedendo acesso aos meus seios, enquanto a outra abre mais a minha perna, liberando
caminho para que deslize o membro em meu calor, provocando o meu clitóris algumas vezes
antes de me penetrar lentamente.
— Eu te amo, Cami — murmura em meu ouvido, espalhando uma trilha de beijos ali
enquanto se move, atingindo fundo dentro de mim, em um ponto sensível que, somado à mão
que estimula o meu ponto sensível sem descanso.
À medida que a velocidade das estocadas aumenta, fazendo-me fechar os olhos com força
e gemer cada vez mais alto, com uma mão agarrada em seu cabelo enquanto imploro mais e
mais, eu me movo sem controle contra ele.
— Sou todo seu, Moranguinho! — Quando suas mãos seguem o mesmo ritmo forte das
estocadas e eu abro os olhos, desesperada pela sensação enlouquecedora, grito no travesseiro à
minha frente, enquanto o mundo explode em mil pedaços.
A respiração alta em meu ouvido denuncia que Mason não está muito longe de gozar, e
sentindo-o cada vez mais duro dentro de mim, entre os espasmos do meu próprio orgasmo, ouço-
o gemer baixo, um som gutural e sôfrego no meu ouvido, enquanto declara que me ama sem
parar.
— Eu amo você — repete uma vez mais, em um beijo forte e exigente.
Feliz. Absurdamente feliz.
E livre.
Alguns meses depois...

Diante da sala inteira, seguro firme a mão da minha namorada, que está prestes a ter uma
síncope nervosa, enquanto a dupla de Chernobyl, como ela costuma chamar, apresenta sua parte
do trabalho brilhante que fizemos, e a misteriosa Anne comanda as projeções holográficas que
fez para a apresentação.
Toda a aparelhagem de última geração é uma cortesia da Parsons Tech, onde Camila
trabalha desde que foi efetivada pelo dono da empresa por conta de um projeto que ela conseguiu
tirar do papel após uma aposta com Chuck Parsons, que, é claro, perdeu ao assistir o primeiro
jogo dos paratletas.
Nós já apresentamos nossa parte de forma brilhante e digna de aplausos, sei disso porque
Mosby, o professor que hoje veste um pulôver amarelo diarreia, literalmente fez isso ao se
colocar de pé, empolgado pelo tema: motores elétricos.
Fico pensando o que ele fará quando descobrir a surpresa que preparei para o fim da
apresentação, isso se, é claro, os nossos colegas de grupo não matarem a todos na sala de tédio.
Assim que Evan Thompson diz a palavra final, respiro aliviado, tomando um cutucão na costela,
enquanto Anne projeta a seta e a instrução para que todos saiam da sala rumo ao estacionamento,
para uma exibição prática do projeto.
Rio da confusão em seu rosto quando jogo meu braço sobre os ombros dela e manco
levemente por causa da bota ortopédica, mas já sem a bengala, da qual fiquei livre algum tempo
atrás.
— Eu não acredito que fizeram isso! — Cami segue repetindo enquanto cruzamos as
portas de vidro até a área já cheia de curiosos sobre o veículo elétrico vermelho, silkado com a
logomarca da RPSports, estacionado ali.
Espero até estarmos diante do carro para tirar o chaveiro do bolso e o balançar diante dos
olhos da minha garota que, recém-habilitada, continua insistindo em juntar dinheiro para
comprar seu próprio carro, assim que trouxer a família de volta ao país.
— Camila Torres? Poderia fazer as honras? — Os olhos azuis confusos se revezam entre
mim e o carro vermelho, antes de soltar uma gargalhada nervosa.
— Um morango? Sério? — Sorri, mas seus olhos estão cheios de lágrima de emoção. —
Mason, talvez seja melhor você ir. Estou tremendo e...
— Mostre a eles a potência do nosso motor, Moranguinho. — Pisco para ela antes de
levá-la até a porta do motorista. — Você consegue.
A garota, usando uma calça justa e preta, blusa branca e casaco xadrez, fora a tiara
vermelha cravejada de bolinhas brancas, respira fundo e abre a porta do carro, pronta para entrar,
mas a fecha em seguida. Deixando toda a plateia sem entender bem o que está acontecendo.
— Mason! — Esconde o rosto em meu peito enquanto as portas traseiras se abrem,
revelando a grande surpresa do dia. — Amor, não acredito! — Um tapa de leve em meu ombro
enquanto ela chora aninhada em meu peito.
— Você me salvou de mim mesmo, Cami — digo à ela. — Quando eu não enxergava
nada além das minhas perdas, você aconteceu. E eu vi tudo. — Ergo seu rosto para que olhe para
mim. — Meu mundo mudou quando eu te conheci, e qualquer coisa que eu faça ainda é pouco,
diante do que fez, faz e, eu espero, ainda fará por mim. Eu amo você. — Tomo a sua boca na
minha sob os aplausos das pessoas ao nosso redor e logo sinto o cutucão quase familiar nas
costelas. Após alguns meses namorando com essa garota mandona, já me acostumei com alguns
de seus hábitos mais violentos. Eu separo nossas bocas, ainda segurando seu rosto entre as mãos.
— É melhor ir cumprimentar a sua família, amor.
Sorrio quando ela arregala os olhos e mira o carro já vazio, antes de vê-los enfileirados
um pouco mais à frente, exceto pela sua mãe que, baseado no beliscão, está à minha esquerda.
Vê-la sorrir, livre de preocupações, não tem preço e eu faria tudo de novo. Desde a
bebedeira no bar até o último sorriso direcionado a mim. Até mesmo o acidente que me tirou
tudo o que eu pensei que tinha, mas me trouxe algo inestimável e único. Que agora abraça o
irmão e a mãe enquanto sorri para mim por entre as lágrimas e move os lábios silenciosamente,
mas eu entendo.
— Amo você — respondo a ela, que tem os braços da avó em sua cintura.
No fim das contas, tudo deu certo. Aquele filho da puta segue preso enquanto aguarda
julgamento, longe de todas as pessoas que prejudicou, Calvin Newton foi banido do mundo das
corridas e, pela falta de antecedentes criminais e as ameaças de Juan Miguel, vai poder responder
em liberdade. Frankie e seu jogador de basquete se agarram atrás de uma árvore e parecem
bastante felizes com a escalação de Jamie Nelson para um time grande.
— Ela é realmente linda, não é? — Chuck, o mesmo sem noção de sempre, que ainda
vive atrás de Maeve tentando uma chance, comenta. — E ainda é inteligente! Sem contar essa
bunda...
Aproveitando que é alguns centímetros mais baixo do que eu, dou um mata-leão em seu
pescoço e sorrio quando sua advogada de defesa vem em seu socorro, como sempre, e só por
causa da promessa maldosa nos olhos azuis, eu o deixo ir, mas não sem avisar:
— Tira os olhos da minha namorada! — O idiota com o rosto todo manchado de
vermelho ri, movendo o pescoço para checar a traseira da minha garota. Melhor amigo de merda.
— Ainda é namorada? — contesta. — Achei que dentro do carro teria aquele anel lindo
de diamantes que compramos semana passada!
E é assim que o filho da mãe fofoqueiro estraga a surpresa dessa noite. Camila me encara
em um misto de choque e alegria, mas parece incapaz de dizer qualquer coisa no momento.
— Amor da minha vida soa melhor? — pergunto ao meu amigo, que ergue os dois
polegares antes de se afastar. Finalmente.
— Mason...
— O anel não está comigo agora, mas aprendi que nem tudo acontece de acordo com o
planejado, então...
Me ajoelho — com a perna boa, é claro, sempre ela — e, segurando sua mão, envolvo o
chaveiro de morango com a minha, antes de olhar em seus olhos azuis, contemplando meu futuro
feliz.
— Promete ficar comigo para sempre?
— Sempre ao seu lado, Mason. Sempre.
E quando eu a beijo, tenho certeza de que tudo vai dar certo. Se me dissessem, quase um
ano atrás, quando eu perdi o chão, que eu viveria algo assim, teria cuspido na pessoa e a
amaldiçoado de todas as formas possíveis. Não estava em meu melhor momento.
Mas agora tudo está completo e, finalmente, não estou pensando em últimas vezes ou em
fechar ciclos.
Apenas amor e o frio na barriga indicando o começo de algo novo e incrível.
Alguns anos depois...

É claro que tudo deu errado.


Eu já devia saber que as coisas não seriam tão fáceis para mim. Nos últimos anos, o que é
que saiu exatamente como planejado?
É. Absolutamente nada.
E eu poderia ficar reclamando por horas enquanto listo todas as minhas últimas aventuras
e presepadas — que não foram poucas — se não tivesse algo mais importante e inadiável para
fazer. Pouco me importa se minhas pernas tremem pela ansiedade e desespero ou se minhas
mãos não estão tão firmes quanto voltaram a ser. E essa é uma novidade. Uma das muitas
mudanças provocadas pelas voltas que a minha vida deu.
Impossível conter o sorriso que estende meus lábios um pouco queimados pelo frio ao me
lembrar das inúmeras situações que me trouxeram até aqui, e logo me pego pensando em seu tom
de voz doce em algum comentário ácido e no ardor do provável beliscão nas costelas, seguido de
algum discurso sobre a importância dos hidratantes labiais. Acredite, a essa altura, sei mais sobre
cosméticos femininos do que jamais imaginei que saberia um dia.
Observo o último casal que deixa o observatório no topo do Empire State Building,
cenário daquela série ruim que ela me fez assistir por intero e que motivou a minha ideia idiota
dessa tarde. Encaro a cidade ao longe, as nuvens acinzentadas e pesadas anunciando a chuva que
deve chegar em breve e sinto meus ombros doloridos devido à tensão crescente enquanto espero
ansioso.
E eu sequer posso culpá-la, afinal, quem, em sã consciência, se arriscaria nesse tempo
ruim? Ainda mais, depois de um dia de trabalho? Reflito enquanto o vento gélido e forte sacode
o clichê ambulante que é o buquê de flores que eu trago nas mãos e move o casaco preto que
vesti, apenas porque sei que ela gosta e acha que fico estiloso, estilo mafioso, como confessou
tempos atrás, enquanto penteava o meu cabelo com os dedos e com o corpo encaixado no meu.
Porra, Cami... cadê você?
Assim que a última pessoa deixa o lugar, respiro profundamente o ar poluído da cidade
de Nova Iorque, que zomba de mim com todo o barulho nesse início de noite, e me viro, prestes
a sair, quando eu a vejo, parada a alguns passos de mim. Aproveitando-se do ponto cego em
minha visão; a mulher mais linda do mundo, com os cabelos longos voando contra o vento
úmido e sorrindo para mim, exibindo suas covinhas no rosto levemente maquiado.
— Pensei que não viria mais — reclamo enquanto me viro para ela. — Há quanto tempo
está aqui?
— Alguns minutos — confessa, com o rosto avermelhado. — Sabe que tudo dá errado
nessa cena, não é? Ele se atrasa.
— Meu amor, seu marido ama a velocidade, como me atrasaria? — provoco, abrindo o
casaco e revelando o macacão preto sob a peça pesada; então observo seus olhos azuis brilharem
de desejo antes que suas mãos me puxem para si. — O que está me escondendo? — Noto o papel
em sua mão trêmula. — Cami? — Seguro seu rosto, levantando-o para mim.
— Tem razão quanto à velocidade. — Abre um sorriso tímido. — Vou adiar o meu
mestrado. — Estou prestes a argumentar quando ela tapa a minha boca. — Parece que o CEO da
RPSports e sua esposa estarão muito ocupados após esse primeiro ano de casamento e terão que
rever alguns planos. Talvez, até comprar um kart? É bem provável que, seja ele quem for —
afaga a frente do vestido cor-de-rosa sob o casaco claro —, considerando os pais, vai amar uma
boa corrida.
Meu coração acelera perigosamente enquanto a descarga de adrenalina percorre o meu
corpo. — Sempre há uma surpresa no caminho.
— Eu já te disse hoje que te amo? — digo após beijá-la, celebrando a novidade
maravilhosa.
Descanso minha mão sobre a dela antes de beijá-la mais uma vez. E outra. E mais uma.
Quem é que precisa de planos?

FIM!
Killian
De todas as loucuras que já cometi ao longo da minha vida, essa, com certeza, vai entrar
para a história. E o pior de tudo é que não estou brincando; basta olhar para o camarote repleto
de figurões do esporte e da realeza. Agora mesmo, penso ter visto o príncipe acenar em minha
direção em um apoio silencioso.
À frente de uma multidão que espera ansiosamente pela entrada dos times no rinque,
puxo o ar gelado para dentro dos pulmões e torço as mãos, tentando me convencer de que essa é
a única forma de fazê-la me ouvir.
No gelo, eu sei quem sou. Repito mentalmente sem parar.
Observo quando o homem mais velho com seus olhos duros se aproxima e toca meu
ombro em um gesto de incentivo, antes de sinalizar que o momento chegou. Um pequeno grupo
se forma ao meu redor no gelo, seus olhos intrigados me observam e duas mãozinhas se
estendem em minha direção com expectativa — me chamando. É agora.
Sem saída, alongo o pescoço e aceito toda a ajuda que puder. Assim que a lâmina desliza
pela superfície gelada, uma sucessão de imagens flutua diante de mim: passado, presente e ela. A
razão de eu estar aqui, diante de todos de uma forma um tanto diferente. E, por ela, vai valer a
pena. Eu sei.
No gelo, eu sei quem sou.
Com ela, eu sou melhor.
E por ela eu faria qualquer coisa.

Conheça mais sobre essa história aqui: https://www.amazon.com.br/dp/B0B5G5DQ7N


Oiiie!!!! Você chegou até aqui e eu só posso agradecer!! Espero que tenha se divertido, se
emocionado e se apaixonado por essa história. Se não foi dessa vez, tenho certeza de que teremos
uma nova oportunidade! Não se esqueça de avaliar o livro!
À Deus, agradeço por me guiar e proteger sempre.
Ao Filipe, meu parceiro de vida: Te amo mais do que eu posso explicar! Obrigada por
todo o apoio e incentivo. Aos meus filhos João Gabriel e Maria Clara que são o meu mundo:
mamãe ama vocês!
Isabella Silveira, amo você! Obrigada por todos os trechos lidos sem nenhum contexto,
por me deixar divagar sobre mil cenários diferentes e me incentivar e apoiar em todas as minhas
maluquices. #Prisa4life
Para a Soberana (mãe do Bóris) Vanessa Pavan: Obrigada por tudo! Por me ajudar a
escolher entre os 271148526 roteiros e pela paciência e zelo comigo. Amo você!
Minhas betas superpoderosas: Mariza, Amarilis e Mayra: obrigada por tudooooo!!!
Todos os surtos serão sempre bem-vindos. SEMPRE. Um agradecimento especial à Mayra que
me ajudou com todos os assuntos relacionados à saúde do Mason: Obrigada!!!
Ao meu time de parceiras e influencers que se empenhou e tem me ajudado a espalhar o
Averativerso por aí: Obrigada por tudo!!!
E, como sempre, um agradecimento mais que especial às minhas amoras queridas: Vocês
são as melhores do mundoo!!!!
Até a próxima,
Pri Averati
Oiiiie!!!!! Eu vou adorar te conhecer melhor!!

Parece inalcançável a relação autor/leitor, mas eu estou sempre à disposição, tanto nas minhas
redes sociais quanto no meu grupo de leitoras.
Se você curtiu o meu trabalho, vem conversar comigo!

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Priscilla Averati é uma autora de romances mineira. Nascida no dia 29 de fevereiro em
algum momento nos anos 80, adora o cheiro que os livros possuem e passou a amar também o
Kindim (que é como chama seu Kindle de estimação). Tem certa predileção pelo romance e por
finais felizes.
Quando não está grudada nos livros ou no Kindim, está se divertindo com a família
vendo séries e filmes e traçando os mais variados roteiros para novas aventuras.
Você encontra todos os meus livros aqui:
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LUNY
Leo: Ainda Estou Aqui
A Conquista do Chef
Na Armadilha do CEO
A Obsessão do Juiz
Nas Garras do Milionário
Um Amor de Natal
Um Acordo com o CEO
Box Série CAFAJESTES
Bad Reputation: Coração de Gelo
Na pegada do Agroboy
Chamas do Passado
Perdição: Um contrato com o CEO
A ruína do Cafajeste
Redenção: Uma segunda chance para o viúvo
Atração: Armadilhas do Destino
Rendição: A Queda do Último Cretino
Minha Descoberta [Im]Perfeita
Minha Escolha [Im]Perfeita
Um Romance Quase de Mentira
[1]
Nascar é a sigla para National Association for Stock Car Auto Racing. Essa associação controla e organiza várias competições
de automobilismo nos Estados Unidos. Atualmente, as três principais categorias são: Nascar Cup Series, Xfinity Series e Truck
Series.

[2]
Equipe de corrida do protagonista. Rage Porter Sports.

[3]
É um profissional de RH que busca por talentos do mercado para dentro da sua empresa.

[4]
o Silver Tape é uma fita adesiva de alta adesão vendida tradicionalmente em rolos na cor cinza.

[5]
Apelo sexual, algo de bom na pessoa, charme, sensualidade.

[6]
Empresária, influenciadora e socialite norte-americana, que se destacou ao aparecer no reality show Keeping Up with
Kardashians.

[7]
é a área onde os pilotos e equipes ficam durante a corrida;

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