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Copyright© 2023 por Luana Moriggi

Todos os direitos reservados.


Revisão: Amanda Marques Fidelis e Poliana Letícia Muffato de
Resende
Capa: Bruna Tacconi
Imagem da capa: DepositPhotos – https://br.depositphotos.com/
Diagramação: Luana Moriggi
É proibida a reprodução de parte ou totalidade da obra sem a
autorização prévia da autora.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança
com pessoas vivas ou mortas é mera casualidade.
Sumário
Notas da Autora
Playlist
Sinopse
Ilustração
Prólogo│Daniel Bianchi
Capítulo 1│Daniel Bianchi
Capítulo 2│Amélia
Capítulo 3│Amélia
Capítulo 4│Daniel Bianchi
Scelto da Dio 1 — Em um galpão
Capítulo 5│Amélia
Capítulo 6│Daniel Bianchi
Capítulo 7│Daniel Bianchi
Capítulo 8│Amélia
Capítulo 9│Amélia
Capítulo 10│Daniel Bianchi
Capítulo 11│Amélia
Capítulo 12│Amélia
Scelto da Dio 2 — Em um casebre
Capítulo 13│Amélia
Capítulo 14│Daniel Bianchi
Capítulo 15│Amélia
Scelto da Dio 3 — No alto de um prédio
Capítulo 16│Amélia
Capítulo 17│Daniel Bianchi
Capítulo 18│Amélia
Capítulo 19│Daniel Bianchi
Capítulo 20│Amélia
Capítulo 21│Daniel Bianchi
Capítulo 22│Amélia
Capítulo 23│Amélia
Capítulo 24│Daniel Bianchi
Capítulo 25│Daniel Bianchi
Capítulo 26│Amélia
Capítulo 27│Amélia
Capítulo 28│Daniel Bianchi
Capítulo 29│Daniel Bianchi
Capítulo 30│Amélia
Capítulo 31│Amélia
Capítulo 32│Daniel Bianchi
Capítulo 33│Amélia
Capítulo 34│Daniel Bianchi
Capítulo 35│Daniel Bianchi
Capítulo 36│Amélia
Capítulo 37│Daniel Bianchi
Capítulo 38│Amélia
Capítulo 39│Daniel Bianchi
Capítulo 40│Amélia
Capítulo 41│Daniel Bianchi
Capítulo 42│Amélia
Capítulo 43│Daniel Bianchi
Capítulo 44│Amélia
Epílogo│Daniel Bianchi
Ei, você que terminou o livro!
Outros livros da autora:
Curiosidades e Agradecimentos
Notas da Autora
Olá, amantes do caos!
Primeiramente, bora traduzir o título porque ninguém é obrigada,
Don’t Trust quer dizer Não Confie.
Don’t Trust é meu primeiro romance dark, espero que mesmo sem
muita experiência nesse universo, consiga agradar vocês e, apesar de não
ser um dos mais violentos/obscuros que você vai encontrar por aí, ele
possui gatilhos importantes, então, fica ligada!
Violência física e psicológica, menção a estupro e pedofilia,
tortura explícita, cárcere privado, uso de armas, tráfico humano.
Se você prosseguir, espero que se apaixone por Amélia e Daniel da
mesma forma que eu amei trazê-los à vida.
Ah, ele é recomendado para pessoas acima de 18 anos.
Não se esqueça de avaliar na Amazon o livro e se quiser me contar
pessoalmente o que achou, você me encontra no insta pelo @luamoriggi.
Playlist
Se você gosta de ler, ouvindo a trilha sonora do livro, clique aqui para
acessar a playlist no Spotify ou abra o app Spotify, vá em busca, clique na
câmera e escaneie:
Sinopse
Eles se detestavam na infância, passaram a ser amigos na
adolescência e começaram a morar juntos na faculdade.
Amélia tinha uma pequena lista de coisas que já teria aos 25 anos.
Uma casa, um emprego estável, um namorado, talvez. Todavia, aos 26, está
longe de ter qualquer uma dessas coisas, pois divide o apartamento com o
seu melhor amigo, acabou de ser demitida e só dá azar na hora encontrar
alguém.
Ela é desastrada, gosta de assistir filmes de princesas e documentários
de true crimes e seu maior hobby é perturbar Daniel, seu melhor amigo.
Daniel começa a encontrar dificuldade para equilibrar seu trabalho,
sua vida com Amélia e as pretensões de sua família, que o obriga a exercer
funções tão condenáveis quanto a de seus clientes. E, mesmo fazendo o
possível para que seu segundo trabalho não alcance Amélia, uma hora se
torna inevitável.
Para complicar, uma noite é suficiente para ruir qualquer
determinação prévia que Daniel já fizera sobre manter Amélia longe do
sangue em suas mãos.
Ele vai precisar decidir se a afasta de vez ou se arrasta consigo para a
escuridão de seu mundo.
Ilustração
Para você que adora um mocinho duvidoso,
que sabe que para ele a mocinha sempre vai
ser mais importante do que tudo e todos e
que vai valorizá-la e colocá-la como
prioridade
(o bom e velho, mataria por ti):
Separe alguns panos e umas calcinhas.
Prólogo│Daniel Bianchi
Itália — Ano 2003
Aos oito anos, eu sabia que era o menino mais corajoso que a minha
mãe conhecia. Ela dizia isso quase todo dia no café da manhã, após
mudarmos para uma das casas menores do vinhedo da família Matarazzo,
no mês passado. Ela tinha medo de que eu não me adaptasse, que ficasse
entediado, pois era longe da cidade grande, das lojas e parques que eu
costumava ir. Mas, para mim, não era um sacrifício, pois logo descobri
coisas para fazer ali, que eram mil vezes mais divertidas. Uma delas era
andar entre o labirinto de parreiras intermináveis. E fugir dos homens
armados, que insistiam que ali não era lugar de criança, mas eu não me
importava, nem os meninos que moravam nas outras casas e brincavam
comigo.
Contrariando o que pensavam de mim por ser um garoto roliço, eu era
o mais rápido de todos e, naquele dia, eu consegui correr tão rápido que
deixei os seguranças do vinhedo e os garotos para trás. O sol a pino brilhava
no céu, fazia meu corpo ficar mil vezes mais quente e o suor encharcar
minha camisa. Minhas pernas ardiam e meu peito queimava, mas eu só
parei quando cheguei no casebre supostamente abandonado e amaldiçoado,
pois sempre escutávamos uns barulhos esquisitos vindos de lá.
E aquele lugar era meu objetivo para ganhar a aposta que fizemos,
juntando as moedas que todos tinham ganhado naquela semana do dono do
vinhedo. Dava para ouvir os gritos dos adultos e as risadas dos meus
amigos ao longe no instante que toquei na maçaneta pintada de branco,
porém, descascada e já mostrando ferrugem, e abri a porta.
A escuridão lá dentro me fez piscar algumas vezes para me
acostumar. O escuro não me colocava medo, mas o cheiro podre que veio
junto foi intragável. Eu precisei cobrir o nariz e a boca com o braço e
controlei a ânsia de vômito, que veio em ondas e trouxe um gosto amargo.
Mais acostumado com a falta de claridade, vasculhei o local e vi duas
pessoas nuas penduradas pelas mãos por correntes que desciam do teto, um
homem e uma mulher, em estado deplorável, sujos de sangue e
excrementos, seus pés nem tocavam o chão. Na outra ponta, a uns seis
passos de distância, tinha um corpo de uma mulher vestida apenas com um
biquíni brilhoso.
O nervosismo quase me paralisou, mas eu precisava tomar uma
decisão nos próximos dois segundos. Eu precisava entrar e ficar lá dentro
até algum dos outros garotos chegar ou os seguranças, ou não entrava e
perdia a aposta.
Quem são aquelas pessoas? Por que estão aqui?
Em dois segundos, dei dois passos à frente e fechei a porta com um
baque oco, acordando as pessoas penduradas, que começaram a se remexer
e tentar falar, porém, as amarras em suas bocas não permitiam. O barulho
que eles faziam só não era mais alto do que as batidas do meu coração, que
abafavam o som.
Que lugar é esse?
Havia o medo de ser encontrado, mas não o medo de estar no mesmo
lugar que aquelas pessoas. Eu fiquei curioso e me aproximei mais. Foi
quando vi na parede ao lado deles uma mesa velha e grande de madeira,
com utensílios esquisitos que serviam para torturar pessoas. Eu sabia disso,
pois já tinha visto aquilo em alguns filmes.
— Vocês são pessoas más? — Apenas pessoas ruins eram torturadas.
Isso queria dizer que eles mereciam estar ali? Cutuquei a barriga do homem
com a vareta de madeira que estava comigo desde que comecei a correr. Ele
se sacudiu por inteiro, principalmente a cabeça.
Isso é um não?
Antes que pudesse cutucar a barriga dele de novo, a porta foi aberta,
causando um estrondo ao bater na parede.
— Garoto abusado! Não devia entrar aqui! — Um dos homens me
pegou pela cintura e foi me carregando de lado, como se eu fosse um saco
de batatas.
— Me larga! Eu vou contar pra minha mãe! — Eu me debati igual um
peixe fora d’água, mas ele não me soltou. Mais uma vez, eu não sentia
medo do que poderia acontecer, talvez um pouco, pois a minha mãe não
gostava que eu afrontasse os cuidadores do vinhedo ou perturbasse os
moradores.
— Você nem deve ver mais a sua mãe, garoto.
Eu não acreditava nele. Era apenas uma mentira para eu não lutar e
facilitar o serviço dele de me carregar.
Mas quando começou a subir os degraus brancos que levavam ao
casarão, meu sangue gelou, minha barriga revirou e percebi que tinha feito
uma besteira grande.
Em um mês, eu tinha conhecido todos os moradores, sabia o nome da
maioria deles, até dos seguranças. Mas nunca, nunquinha, tinha chegado
perto de subir os degraus do casarão, pois era terminantemente proibido
pela minha mãe. O contato que eu tinha com Don Salvatore era porque ele
vinha até a área que nós morávamos e juntava os garotos para dar a mesada,
perguntava das notas e se precisávamos de algo, eu e os filhos dos outros
funcionários.
Por dentro, a casa tinha cheiro de biscoito assado fresquinho e móveis
que minha mãe nunca me permitiria tocar, com medo de que eu estragasse.
Continuei sendo carregado pela sala grande, mas precisava sair dali antes
que minha mãe descobrisse tudo e me colocasse de castigo.
A melhor ideia que tive foi morder com muita força o braço
descoberto até sentir o gosto de sangue. O grito dele veio junto ao barulho
do meu corpo caindo com tudo no chão de madeira corrida. Ignorei a dor
leve na minha bunda e já levantava, pronto para correr, quando a gola da
minha camisa foi puxada, fazendo com que eu fosse enforcado pelo
pescoço.
— Quem vai me explicar que bagunça é essa?
Eu conhecia aquela voz, nem precisava olhar para quem me segurava
para saber que o dono de tudo aquilo era quem me prendia.
— O que esse garoto está fazendo aqui? — Uma voz fina se juntou a
nós. Virei a tempo de ver a esposa do Don saindo da sala de jantar, onde
almoçavam com tranquilidade.
— Ele invadiu o casebre. — O homem que veio me segurando ajeitou
a postura, mas continuou segurando o braço mordido. — Ele estava
cutucando o Horácio.
Ergui a cabeça de lado, bem devagar, para ver a expressão do Don e
tentar descobrir o que ele estava pensando. Mas o homem mantinha a
carranca séria, de cenho franzido, e passou os dedos pelo bigode, alisando-
o.
— Cutucando? — Perguntou, descrente, e recebeu um aceno,
confirmando. — Não tentou fugir?
— Se a gente não o tivesse puxado de lá, estaria mexendo no Horácio
como se fosse um brinquedo.
— E te mordeu? — Outra confirmação.
Don Salvatore gargalhou, contrariando a expectativa de todos,
inclusive da esposa, que me olhava de cara feia. Senti um alívio absurdo,
pois se ele estava rindo, queria dizer que não contaria para a minha mãe,
certo?
— E eu achei que um meio sangue não teria serventia. — Balançou a
cabeça, como se não acreditasse no que diria a seguir. E, antes que me
explicasse, foi interrompido por sua esposa.
— Você só pode ter enlouquecido! — A mulher com pulseiras de
ouro, que chacoalhavam conforme mexia o pulso, veio para cima de nós,
afoita, o rosto ficando vermelho. Mas parou assim que Don esticou a mão
com a palma virada para ela.
— Eu só não bato em você porque ficaria uma péssima primeira
impressão no bambino. — Não restava mais nenhum traço do sorriso em
seu rosto, apenas os músculos contraídos de raiva por ter sido desrespeitado
na própria casa.
Eu aprenderia rápido o quão volátil era o humor e paciência de Don
Salvatore, e não seria da melhor maneira. E, tão rápido quanto, eu também
descobriria que ele conseguia tudo aquilo que queria, independentemente
de ser dentro ou fora da lei, além de ser respeitado muito além das terras do
labirinto de uvas. Porque a Scelto da Dio, ou os Escolhidos de Deus, era
muito mais do que uma simples famiglia italiana com muitos membros para
comer, beber e conversar.
Capítulo 1│Daniel Bianchi
Brasil — Ano 2023
Se aos 8 eu tinha certeza de que minha mãe me considerava o garoto
mais corajoso, aos 28 eu tinha certeza de que era o mais covarde, de acordo
comigo mesmo. Adèle, por mais que não falasse, vivia no limiar entre se
arrepender de ter me levado para morar naquela vinícola e sentir o orgulho
inerente a qualquer pessoa que como ela crescera aprendendo a respeitar
quem pertencia à famiglia.
Pois, há 15 anos, eu me dividia entre dois mundos opostos, como se
tivesse duas vidas diferentes. Cada uma com sua personalidade e
obrigações.
Eu percebi isso com mais clareza quando minha mãe se mudou da
Itália para o Brasil, pois lá, o que prevalecia era o Daniele (isso mesmo,
minha mãe não tinha ideia de que se mudaria para um país em que meu
nome seria considerado feminino quando o escolheu), o garoto que entrou
em um casebre meio abandonado, que teve coragem de morder um
segurança armado. Aquele garoto bravo, arredio e impulsivo foi incentivado
a hábitos nada ortodoxos. Com aulas de tiro e defesa pessoal, batidas em
lugares estratégicos, tudo o que qualquer um que trabalhasse para o dono
daquele vinhedo aprendia.
Esse Daniele tinha muito vívido na mente a excursão com alguns
funcionários dois meses atrás, em que passei minutos intermináveis fitando
firme e sério os olhos pequenos castanhos com flocos de neve nos cílios.
Estavam cheios de medo. A cada rosnado da loba ao meu lado, a criatura se
encolhia e não parecia ter metade do meu tamanho. Ela parecia temer tudo e
todos, e eu entendia o motivo. Meus ouvidos ainda estavam meio abafados
por conta dos disparos. Atrás de mim, eu ouvia um dos homens mandando
eu atirar nela, pois precisávamos sair logo dali, antes que o local fosse
explodido.
Um pigarro alto me tirou das minhas divagações, antes de voltar para
o meu trabalho mais “tranquilo”. Fiz uma nota mental de mandar uma
mensagem perguntando a um dos garotos que me ajudaram no resgate da
ursa filhote para saber se já estavam comendo melhor.
Olhei o relógio em meu pulso para ter noção das horas e vi que era
uma da tarde. Na certa, Amélia, minha amiga que estava me esperando no
corredor, deveria estar esfomeada e aceitando me comer vivo. Mas eu
precisava terminar de conversar com Anabelle. Nome escolhido pela
própria, ok? Pois é… Eles deviam evitar perguntar o nome que a pessoa
gostaria de assumir ao receber a nova documentação.
Quem, em sã consciência, escolhe o nome de uma boneca
amaldiçoada?
Meneei a cabeça, de forma a incentivar que Anabelle continuasse o
depoimento. Até porque, quem era eu para falar de nomes? A pessoa que
fizera questão de “abrasileirar” o nome assim que terminou a primeira
semana de aula na escola e percebeu que Daniele, daquele lado do oceano,
era nome de mulher. Logo, passei a ser só Daniel.
Enfim, eu era metódico. Além do gravador, transcrevia os pontos
principais no tablet em minhas mãos.
— Desculpa, eu sei que isso deve ser doloroso para contar, mas
preciso saber se alguma corda foi utilizada. — Aproveitei a pausa que ela
fez para beber um pouco da água no copo de plástico. E eu para sair do
clima gélido da Rússia e focar na investigação que fazia em pleno final de
inverno carioca. — Não uma, mas duas foram encontradas. — Coloquei em
cima da mesa as fotos de ambas as cordas. Era um detalhe. Matteo, meu tio,
sempre falava que os detalhes contavam. Eu gostava de saber os mínimos
detalhes das vítimas que defendia? Não. Precisava de algumas doses de
álcool depois? Sim.
Mas fui repreendido pelo comportamento inapropriado para alguém
na minha posição. Nas duas últimas semanas, descontava minha frustração
em corridas noturnas e sexo.
— Essa. — Os olhos de Anabelle marejaram. Ela utilizou o lenço de
papel em suas mãos para secar as lágrimas que se formavam. — Se fosse a
outra, eu não conseguiria ter soltado.
As cordas eram praticamente iguais. Mudavam um pouco a grossura.
A maior realmente devia ter deixado o nó mais frouxo e, só por isso,
Anabelle estava aqui agora conversando comigo e não em algum lugar do
planeta, servindo algum cara podre de rico como concubina exótica.
Dezenove anos, corpo violão, pouquíssimo discernimento sobre aceitar
encontrar um desconhecido sozinha em uma praça.
Culpo a vítima? Lógico que não. Errados estão os que tentaram
mantê-la em cárcere privado. Porém, há de convir que ela facilitou o
trabalho deles. Eu torcia muito para não ter filhos. Principalmente filha.
Como advogado criminal, trabalhando em um escritório com filial
fora do país, já tinha visto um pouco de tudo nesses oito anos de carreira.
Primeiro como estagiário, depois como sócio advogado. Isso sem contar
minhas horas extras como faz tudo de Salvatore.
Na tela do tablet, apareceram dois emojis, um rosto enfezado e outro
doente. Amélia estava com fome. Ela ia me matar por reduzir seu horário de
almoço a 10 minutos.
Retirei da pasta de couro marrom com a logo do escritório marcada
na frente os novos documentos de identificação de Anabelle. Todos,
incluindo identidade, CPF, diploma de escolaridade, carteira de motorista
(ela dirigia? Certeza disso?), um chip novo de celular, um cartão de crédito
com um valor considerável depositado em conta e seu novo endereço. Se
estivesse cursando alguma faculdade, teríamos arrumado outra papelada
para transferência.
Nosso escritório possuía esse diferencial. Nos casos em que o
Ministério Público ficava omisso, atuávamos com excelência. Tratávamos
de todos os mínimos detalhes, cuidando para que as vítimas voltassem a
viver com o mínimo de segurança. O policial atrás dela assentia,
concordando com as explicações que eu passava.
Recolher o depoimento, passar as informações era trabalho dele. Não
meu. Eu instruía, explicava o procedimento. Porém, como Matteo dizia, eu
tinha o dom para conversar com as pessoas. Deixá-las confortáveis para
exporem as piores memórias de suas vidas. Amélia dizia que isso era só por
conta dos meus olhos castanhos amigáveis, porte alto e forte. Eu tentava
argumentar, explicar que as mulheres, crianças, estavam abaladas demais
para prestar atenção à minha suposta beleza. Ela contra-argumentava,
dizendo que obviamente não estava se referindo às crianças, mas uma ou
outra mulher que insistia em perguntar se eu ligaria para o número novo.
Nessas horas, eu me perguntava quem era o advogado dentro da nossa
amizade.
— Anabelle, você entendeu que não é para sair do apartamento sem
escolta? Que não deve entrar em contato com a sua família?
Eduardo, o policial atrás dela, tinha um jeito mais seco e impositivo
de perguntar.
— Mas, e meus pais?
— Não é seguro. Eles continuam pensando que você está
desaparecida até ser conveniente.
— Eu já estou há uma semana sumida.
— Mais um dia, e nunca teria voltado. — Ele retrucou, irritadiço.
Eu esfreguei o rosto, cansado. Era por isso que interferia.
— Anabelle — falei baixo, para chamar sua atenção de volta para
mim. Retirei da pasta do arquivo fotos de mulheres diversas. — Você está
vendo essas? Elas não tiveram tanta sorte quanto você. As famílias de
algumas ligam para Eduardo quase todo dia. E ele não tem o acalento de
saber que elas estão em segurança assim como você estará.
Ela fungou, passou aquele papel pelos olhos chorosos e concordou.
Eduardo colocou na mesa a bolsa com a qual Anabelle viera para que
guardasse tudo que lhe foi entregue. Sairiam do prédio juntos, como um
casal, e seguiriam assim até o apartamento em que ela ficaria pelos
próximos dias.
— Tudo bem. — Ela fungou de novo.
As marcas das cordas ainda eram visíveis em seus pulsos, bem mais
leves do que há quatro dias. Se Anabelle possuísse conhecimento do perigo
que ainda corria, dificilmente teria cogitado voltar à casa dos pais, que, por
sinal, estava sendo monitorada.
— Obrigada. — Ela se levantou, com a bolsa agarrada como se fosse
uma daquelas pranchas que as crianças usavam ao iniciar as aulas de
natação.
Saí da cadeira e parei na frente dela, fechando o primeiro botão do
terno azul escuro. Era evidente que estava assustadiça, que a experiência
deixara marcas irreparáveis, pois se encolheu com a minha aproximação.
Eduardo, apesar do jeito sisudo, era em quem Anabelle confiava para ter
algum contato físico.
— Lembre-se de fazer a lista com o que vai querer e precisar nos
próximos dias.
— Vou fazer. — Ela concordou enquanto seguia Eduardo para fora da
sala.
— Eu pegava. — Mal a porta fechou e Rui, o oficial de justiça que
recolhia o depoimento, comentou.
— Eu espero que você esteja falando do Eduardo e não da vítima —
comuniquei, sério, sabendo que não era. Pelo meu olhar grave, a ameaça
ficou subentendida e Rui não agregou mais nenhum comentário. Guardei as
fotos no lugar de origem e juntei as pastas. Deixaria ambas com a secretária
do lado de fora.
— Que horas?
Demorei alguns segundos para compreender ao que Rui se referia.
Fechei os olhos e inspirei fundo, empurrando para longe minha culpa.
— Meia noite e dez — respondi, soltando o ar lentamente.
Ele abaixou o rosto para fazer a anotação e eu saí da sala no instante
em que meu estômago roncou.
— Bom saber que não sou a única sofrendo de inanição.
Amélia era um doce, exceto com fome. De olhar meigo e bochechas
fofas, que ficavam vermelhas fáceis demais devido à pele clara. Minha
amiga constantemente precisava mostrar a carteira de identidade para
comprovar a maioridade, apesar de ter feito 26 anos no início do ano. Uma
senhora já tinha me parado na rua e me perguntado se eu não tinha
vergonha de namorar uma adolescente. Sou dois anos mais velho do que
ela. Deprimente, não?
Se eu reclamasse com Amélia, ela dizia que a culpa era minha, pois
eu malhava, fazia luta, deixava barba e cabelos aparados. Aí tudo isso trazia
uma imagem de cara sério e um aspecto de mais velho.
— Eu juro que um dia vou entender porque me despenco de longe
para almoçar contigo. — Ela continuou a reclamação, se levantando e
ajeitando a saia godê preta, que terminava um pouco abaixo dos joelhos.
— Eu falei que podia me esperar lá que te buscava, assim você não
perdia muito da hora do almoço, ogrinha. — Passei um braço pelos ombros
dela e a puxei para deixar um beijo no topo de sua cabeça. Um dos motivos
para o apelido ser no diminutivo era os seus 1,56,5m. Aquele meio
centímetro era acrescentado com bastante ênfase sempre que alguém
perguntava a altura de Amélia.
— Não estou perdendo minha hora de almoço. — Ergueu uma
daquelas bolsas de tecido claro, ecobag, se não me falhava a memória. —
Fui demitida.
Afastei meu corpo o suficiente para encarar seu rosto.
— Você não parece triste.
— Aliviada. Sendo sincera? Não aguentava mais.
— Meu tio vai adorar saber que você saiu daquele lugar.
Amélia podia não gostar da profissão que escolhera, mas era
competente. E Matteo, meu tio, detinha certo interesse em colocá-la em
nosso quadro de funcionários.
— Prefiro evitar. Vou pensar em algo para fazer. Não se preocupe,
tenho um dinheiro guardado, então, vou continuar pagando as contas.
Rodei os olhos e a encarei, incrédulo. Previsível. Amélia ficava
intimidada perto do meu tio e sempre fez questão em pagar sua parte nas
contas do apartamento que dividíamos.
— Você acha mesmo que estou me preocupando com isso?
Ela deu de ombros e repuxou o cantinho da boca ao sair do meu meio
abraço.
— Essas ainda estão sumidas? — Amélia pegou a pasta da minha
mão, ajeitou a ecobag no ombro oposto ao da bolsa preta e folheou as fotos.
— Tá aí uma das vantagens de ser gorda. — Entregou a pasta para mim ao
pararmos em frente à mesa da Neide, minha secretária, uma senhora com
quase 60 anos, mas que estava ali antes de eu pensar na carreira que
seguiria. — Além de não ser padrão atrativo para ninguém, sou pesada
demais para qualquer um carregar. — O comentário era desprovido de
qualquer emoção.
Enquanto Amélia tagarelava, retirei a ecobag do ombro dela e
entreguei à Neide.
— Não tem nada que vá precisar usar, certo? — Perguntei ao rosto
confuso de Amélia. — Pode deixar aqui que levo mais tarde, eu estou de
carro. — A minha desculpa servia para distraí-la da verdadeira intenção.
Antes que ela percebesse alguma movimentação diferente, peguei-a
no colo, colocando seu tronco por cima do meu ombro, segurando-a pelas
coxas grossas por cima da saia.
— Senhor Daniel! — Exclamou Neide, com olhos esbugalhados e
boca aberta.
— Daniel! Seu ogro maluco! Me coloca no chão agora! — Os gritos
indignados dela ressoaram pelo corredor do escritório, chamando mais
atenção.
Os socos fracos nas minhas costas mal faziam cócegas. Amélia, de
fato, não seguia o padrão de beleza imposto às mulheres. Possuía quadril
largo, coxas grossas, uma barriguinha que quando dava mole eu mordia ou
apertava, e seios fartos. Por respeito aos cinco anos que morávamos juntos e
a todos os outros desde que nos tornamos amigos, não acrescentaria a
quantidade de vezes que fingi não ficar excitado com algumas situações do
cotidiano.
— O que você estava falando sobre não conseguirem te carregar? —
Dei um sorriso levado para Neide. “Esse menino não tem jeito”, foi o que
ouvi conforme caminhava para o elevador.
— Urr. Você vai ver. Vou colocar chumbinho na sua comida mais
tarde. Olha o mico, Daniele. Se teu tio vê isso…
— Ele vai achar que eu finalmente fiz o que ele manda depois de
anos.
Amélia se deu por vencida, parou de me bater e passou a resmungar
coisas que eu não entendia. Estava me amaldiçoando em três línguas
diferentes e fazendo questão de usar meu nome de batismo em todas.
— Você deu sorte, o elevador está cheio — comentei ao ver outros
funcionários, tentando entender a cena. Abaixei Amélia devagar, ignorando
que o corpo dela foi roçando ao meu até seus pés alcançarem o chão. O
rosto claro estava rubro, uma pimenta furiosa, querendo meu fígado.
— Se eu descobrir que estava pagando calcinha, você vai precisar ter
cuidado quando comer em casa, porque eu posso, acidentalmente, colocar
laxante — ameaçou, franzindo o cenho. Eu gargalhei alto, assustando uma
parte das pessoas dentro do elevador. Aquela fúria para cima de mim
sempre me divertia. — Ótimo, agora você acabou com a minha
tranquilidade de não ser uma possível vítima.
— Ótimo. Assim você fica alerta — acabei falando um pouco mais
ríspido do que gostaria.
Capítulo 2│Amélia
Eu sempre fui a garota gordinha da sala, que ouvia apelidos, músicas
sobre o meu peso. Que cresceu sendo a vela, a menos bonita do grupo, a
que tinha a confiança abalada e não se achava digna de ser amiga de alguém
ou namorar quem me atraísse. Felizmente, aos poucos, eu fui me
desapegando do que as pessoas pensavam sobre mim e desconfiando menos
de quando alguém se aproximava e se mostrava amigável. Essa segunda, eu
aprimorei depois que terminei a escola. Antes disso, foi pura insistência.
Por exemplo, Carina, a que conheci no primeiro dia do jardim de
infância, insistente toda vida. Anos depois, ela se tornaria a irmã adotiva do
meu segundo amigo, Daniel, que, por alguns anos, nem entraria nessa lista,
pois a gente não se deu bem de cara. Por último, Bárbara.
Ela, eu conheci na faculdade, no dia do vestibular. Carina estava
sentada no meio fio da calçada que havia no prédio da faculdade, com a
cabeça entre as pernas e Bárbara estava inclinada sobre o seu corpo,
fazendo pressão em sua cabeça. Minha querida mãe, Lavínia, que de
conhecimentos médicos tinha somente aquilo que aprendeu ao criar dois
filhos bem tranquilos e seus quinhentos alunos, puxou-me até elas e foi
perguntar o que estava acontecendo.
Pronto. Lavínia já era considerada a melhor mãe do nosso futuro trio.
Principalmente ao retirar da bolsa um dos lanches que me fez trazer para
comer durante a prova: paninis feitos por ela. Depois de anos convivendo
com a mãe de Daniel, não tinha como não aprender uma ou duas receitas. A
mãe dele cozinhava excepcionalmente bem.
Mas, continuando as apresentações das amizades mais díspares que
eu poderia arrumar…
Carina, um ano mais nova, aparentemente sabia o que queria da vida
desde que nasceu. A mãe dela não queria filhos, fez uma cirurgia aos trinta
anos para ligar as trompas, mas… bem, minha amiga estava aí para
aporrinhar meu juízo quase que diariamente. Infelizmente, sua mãe faleceu
por um câncer no intestino, deixando-a aqui quando tinha apenas dois anos.
Bárbara, um ano mais velha do que eu, podia ser considerada a mais
imprudente e destemida. A cada greve da faculdade, arrumava um jeito de
viajar e passar algumas semanas longe. Tanto que ainda estava cursando o
último período enquanto eu já tinha terminado há dois anos. Depois, a gente
escutava por horas seus relatos, tanto das viagens quanto dos sermões que
sua mãe passava. Se fosse minha filha, eu teria enfartado.
De nós três, Carina era a mais perfeita, apesar de ter engravidado na
adolescência e casado às pressas. Ainda era a que sempre recebia elogio das
mães e servia de ponto de referência para quando queríamos sair e nossos
pais não deixavam.
— Shiii… Acho que vou querer dormir na sua casa.
Eu comentei para Carina ao ver uma das primeiras notícias que
apareceu para mim ao abrir a página do jornal no celular. Lembrava daquele
rosto assustado. Os olhos inchados de tanto chorar tinham chamado minha
atenção enquanto fiquei esperando Daniel para almoçar no dia anterior.
Eu poderia confessar que era uma pessoa contraditória e de gostos
estranhos. Gostava tanto de assistir filmes infantis, gravar umas músicas e
me apegar a personagens em 2 ou 3D, quanto de documentários sobre casos
bizarros sem resolução, ou que demoravam anos para serem solucionados.
Porém, ainda que morasse com um advogado que lidava com criminosos,
eu nunca tinha visto de perto uma vítima de algo tão vil.
Tráfico humano para mim estava no topo de crimes que me causavam
mais indignação. E nem era por quase ter sido sequestrada quando criança.
Certas memórias ficavam meio gravadas, mas sem muita coerência.
As minhas desse dia eram… eu me lembrava de estar brincando com algum
vizinho no portão de casa. Meu pai estava na porta dos pais desse vizinho,
eles conversavam, riam, bebiam a cerveja do final de semana. O céu estava
meio laranja. Foi quando um rapaz, que eu nunca tinha visto, ficou me
fazendo perguntas. Não me recordava de nenhuma delas, nem dele me
convencendo a ir com ele, mas meu pai dizia que foi assim. A minha sorte
foi que eles estavam por perto, logo vieram conferir o que estava
acontecendo. Depois disso, lembrava de ir à delegacia e de manchar meus
dedos naquelas almofadas para coletar digitais.
— Daniel avisou que vai levar alguém em casa?
A pergunta de Carina me fez piscar por alguns segundos. Eu tinha me
perdido naquelas memórias confusas.
— Ele estava trabalhando no caso dessa garota. — Virei o celular
para ela e mostrei a notícia.
Carina parou de enrolar os brigadeiros que fazíamos para a festa
surpresa de Bárbara mais tarde, limpou as mãos no papel toalha e pegou
meu celular para ler.
Falavam sobre uma nova pista no caso de desaparecimento da
estudante desaparecida há mais de uma semana, depois de aceitar encontrar
um desconhecido que conheceu em um aplicativo de namoro. A polícia fora
chamada por uma vizinha, que ouviu barulhos estranhos no andar de cima.
Se não fosse a porta aberta, os policiais teriam ido embora, porque, ao
chegarem, não havia mais barulho estranho, eles teriam encerrado o caso. A
desconfiança aumentou por conta de um documento com a foto da garota e
o nome que adquiriu para proteção à testemunha. Porque parecia somente
que o morador saiu e esqueceu de trancar a porta.
E a pista interligava o caso com outros que já haviam correlacionado
com uma máfia italiana, uma tal de Scelto da Dio, Escolhidos de Deus. Se
eu tinha ficado impactada com os casos, saber que máfias ainda eram algo
real e que podiam atuar aqui no Brasil, tinha me chocado bem mais.
— Daniel deve estar ou muito irritado ou muito desolado. — Ou os
dois.
Há meses, Daniel acompanhava aqueles desaparecimentos. No
almoço de ontem, chegou a comentar que não estava confiando que aquela
garota fosse ficar no apartamento. Mas foi só isso. Ele não costumava dar
muitos detalhes por conta do sigilo que demandavam. Em alguns
momentos, eu olhava para o meu amigo e não achava que parecia ter quase
a mesma idade que eu.
Em parte, não sabia se isso era algo destinado apenas ao sexo
masculino, em que, ao passar de certa idade, o corpo transformava
completamente, inclusive o rosto. Ou se eu que não fazia parte da
população feminina que sofria tal transformação, pois continuava com o
mesmo rosto infantil há anos. Nem comentaria do corpo, seria um sacrilégio
fazer alguma reclamação com tantos docinhos na minha frente.
— Isso quer dizer que ele não vai vir mais tarde? — Carina
perguntou, voltando a pegar um pouco da massa de brigadeiro. Eu voltei à
minha tarefa de passar as bolinhas nos confeitos coloridos e colocar nas
forminhas.
Por que fazer uma festa de aniversário com docinhos bem infantis?
Simples, Bárbara nunca teve uma festa surpresa, então a gente se empenhou
em montar o pacote completo.
— Bem provável que não. Acho que em breve eu vou morar sozinha.
Ele passa cada vez menos tempo em casa.
— Você reclama disso umas duas vezes por ano. E Daniel continua
morando com você. Eu acho que, se duvidar, ele se casa e te arrasta junto.
— Cruzes. Vira essa boca pra lá! Eu mal tenho tempo com ele e você
já está casando o meu amigo? — Eu fiz uma careta, não querendo imaginar
aquela situação. Imaginar Daniel morando longe já era ruim, casado era
bem pior. Quem ficaria implicando comigo por eu não entender os
sarcasmos diários? Ou me perturbando na cozinha quando eu tentava
preparar o almoço? Ou traria o bombom que eu gostava enquanto assistia
algum daqueles programas sobre serial killers na TPM?
— Mas, Lia… isso pode acontecer a qualquer momento. Você precisa
se acostumar com essa ideia — falou Carina, com uma seriedade que me
deixou triste, porque era verdade. — Eu lembro que quando você aceitou
morar com ele, dizia que seria temporário.
— Mas é! — Eu me defendi, indignada. Adorava o apelido curto e
delicado, que soava muito melhor do que Amélia. Quais pais em pleno
século vinte um colocavam um nome tão… nem tinha palavras para definir,
porque não era bem velho. Além de velho, com certeza não remetia à
mulher pioneira na aviação, mas sim à música sobre Amélia ser mulher de
verdade, que Daniel gostava de colocar para implicar comigo. Normalmente
quando ficávamos um tempo separados.
— Uhun — grunhiu, descrente. — Daqui a pouco faz seis anos.
— Nossa! — Nem consegui impedir o meu queixo de cair. — Tudo
isso? — Questionei, sabendo a resposta.
O que eu estava fazendo da minha vida? Onde estava a glória que, aos
16 anos, idealizei para a minha carreira? A estabilidade? O carro? Casa
própria?
O choque de realidade foi pior ao lembrar que eu tinha sido demitida
no dia anterior. A vontade de chorar veio. E se Daniel realmente arrumasse
uma namorada ou se casasse? O que eu faria? A dinâmica da nossa amizade
mudaria completamente.
— Obrigada, Carina. Agora vou ficar paranoica sobre ser sequestrada
ou sem teto! Você e ele parecem arquitetar em conjunto — praguejei,
lembrando da conversa com Daniel.
— Você já mandou algum currículo? Porque quanto mais demorar,
mais difícil fica.
— Já, mamãe. No ruim, eu posso aceitar a vaga que Matteo sempre
oferece.
— Essa eu quero ver! Você se borra de medo dele.
Eu revirei os olhos para a gargalhada de Carina. Matteo era um
senhor simpático com seus 50 ou 60 anos, que costumava estar sempre
sorrindo, falava alto e espalhafatoso. Talvez fosse algo no olhar castanho,
que não me passava tanta segurança assim. Por outro lado, a esposa dele era
uma pessoa bem legal, Donna. Ela fora a responsável por juntar os pais de
Daniel e Carina.
Minha amiga e eu fazíamos balé na época. A aula era bem legal,
porém, o melhor eram os minutos no parquinho que tinha na parte externa
do casarão de dois andares em que ocorriam as aulas. Algumas vezes, a
professora se juntava aos nossos pais e conversava despretensiosamente.
Um dia, ela comentou sobre Adèle, e marcaram um encontro só com os
adultos.
Em três meses, eles estavam casados. Eu e Carina fomos daminhas
felizes, alegres e saltitantes. Daniel? Nunca vi pajem tão enfezado quanto
ele. A gente brigou até na festa para ver quem dançava melhor na máquina
do salão. Isso condizia com o nosso padrão em que tudo virava competição
entre nós. Até um grupo de crianças rir da nossa cara por sermos acima do
peso. Foi a primeira vez que vi Daniel realmente irritado.
Ele correu atrás dos garotos com uma agilidade que eu não esperava,
quando eu os alcancei no jardim do salão, um garoto estava encolhido no
canto, porque não havia saída, o outro estava preso ao chão pelo joelho do
meu amigo e uma navalha encostada em seu pescoço.
Imediatamente, eu ouvi pedidos de desculpas dos dois garotos e uma
oferta para chutar as bolas deles, pois Daniel os seguraria. Isso podia ser
vergonhoso, e algumas pessoas podiam me julgar, mas não neguei. Chutei
com vontade. Eu sabia as piadas de mau-gosto que ouvia. Aquilo era algo
semanal, mas nunca tive como revidar de forma tão vil. Só depois parei
para pensar. Quem deixa um garoto de dez anos com uma navalha?
A partir desse dia, existiram dois momentos em que a gente se uniu
na época em que não éramos amigos: se alguma criança implicava conosco
e quando eu pedia para ele me ensinar a usar a tal navalha, herança de
algum parente sem noção dele. Com o tempo, descobri que se fosse uma
ofensa voltada apenas para ele, teria sido ignorado. Ou seja, eu já era uma
pessoa importante para Daniel, mas nunca que o garoto gorducho admitiria.
Esse era meu parâmetro de temperamento e personalidade. Esse foi o
garoto que aprendi a admirar conforme cresci. Fui morar com Daniel
sabendo que quando alguém mexia com os seus, não havia perdão, não
havia meio-termo. Sabendo que dentro do olhar carismático, sorriso quase
infantil, em seu interior, havia um lado imprevisível, implacável e
inconsequente.
Sendo assim, eu não era tão impressionável assim. Matteo tinha um
diferencial que eu não sabia explicar.
— Não me borro de medo. Ele só parece avaliar a sua alma. Se
estiver com a bengala, juro que penso que vou levar algumas bengaladas
nas pernas.
Há um ano, Matteo sofrera um acidente e passou a precisar de auxílio
para se locomover. O problema era quando se irritava com a pessoa e
chacoalhava o objeto na frente da pobre vítima. Eu não tinha muitos
pecados na vida, mas os poucos que possuía, eu temia serem enxergados
por ele e julgados, dignos de receberem uma punição, com direito a
onomatopeia e tudo para cada bengalada.
— Eu já não falei para você trazer essas puttanas para o trabalho,
Daniele?
Carina sacudiu a colher na frente do rosto, fazendo uma bela imitação
de Matteo, e nós duas gargalharmos. Minhas amigas não eram de frequentar
o escritório deles. Na que deve ter sido a primeira e última vez, depararam-
se com o senhor brigando com o sobrinho de forma exaltada no meio da
recepção do andar em que ficava as salas deles.
Capítulo 3│Amélia
Quando eu falava que Carina era a mais centrada e correta, não
mentia. Talvez a gente precisasse, assim, seguir um pouquinho o
discernimento dela. Eu um pouco menos do que Bárbara. Porém, ainda
precisava só por concordar com as ideias de Bárbara.
Quem sabe, naquela hora, eu não estaria me tremendo da cabeça aos
pés porque minha amiga tinha tido o plano mais imbecil que eu já ouvira na
minha vida inteirinha, às 6:30 da manhã?
Se Carina tivesse saído com a gente na noite anterior, a essa hora, eu
estaria confortavelmente na minha cama (ou na de Daniel, se ele não
estivesse em casa), aquecida, com as pernas descansadas, os ouvidos não
estariam zunindo por terem sido expostos a altos decibéis por mais tempo
do que o recomendado.
Não importava que era uma quinta-feira quando minha amiga também
era desempregada.
Bárbara, a melhor companhia para quando você quer uma aventura
que pode acabar com você sentada no banco de trás de uma viatura policial,
encantou-se por um ser tão alto e largo quanto Daniel. Eu, particularmente,
só identifiquei o semblante sério, pois ele estava coberto do pescoço aos pés
com um uniforme preto e um boné da mesma cor na cabeça.
— Amiga, acho que gozei só de vê-lo mexendo no fuzil daquele jeito.
Eu não podia esperar algo diferente vindo de Bárbara. Ela nunca tinha
dificuldade para falar o que quer que quisesse, principalmente se estivesse
com álcool circulando pelo seu corpo. O dito cujo que nós encarávamos há
cinco minutos, uns bons quinze passos de distância, estava em frente a um
prédio, junto a outros policiais federais. No meu caso, eu encarava a
situação para identificar se era seguro passar por ali. Quem em sã
consciência pensa em seguir pela mesma rua com três viaturas, um
camburão e sei lá quantos policiais armados?
Bárbara.
— Eu vou até lá. — Ela avisou, corajosa. — Posso não dar para ele
hoje, mas não saio daqui sem um número de telefone.
— 190, amiga.
Infelizmente, minha mente alcoolizada não serviu para bulhufas
nenhuma. Além de prender o lábio inferior, mordê-lo com bastante força
para não gargalhar enquanto eu assistia minha amiga semi bêbada, dar um
passo na frente do outro, rebolando sensualmente porque Bárbara podia,
suas curvas favoreciam, sua bunda de manequim 44/46 que o diga, até
chegar a uns dois passos do policial e torcer, de maneira bem convincente, o
tornozelo, desequilibrando-se e aproveitando o braço forte para se apoiar.
Ela não existia!
Meu telefone tocou e eu atendi sem ver quem era, porque não queria
perder um segundo da interpretação digna de cinema americano. Minha
amiga devia estar no teatro, televisão, na Globo… Hollywood,
definitivamente. Decretei isso ao ver o exato instante que ela conseguiu
arrancar um sorrisinho do senhor ranzinza.
— Alô. — Finalmente lembrei de falar.
— Onde você está, pirralha? Lucca falou que se perdeu de vocês.
Bufei. Daniel era um pentelho encravado na minha virilha em alguns
dias. Sem educação, “bom dia”, “tudo bem?”, “oi”.
Quanto ao Lucca, a princípio, bastava saber que ele era nosso vizinho
de porta e costumava sair comigo. Contudo, nunca rolava nada entre nós
dois, era apenas uma boa companhia.
— Bom dia para você também, ogro do meu coração — rebati,
irritada. — Babi deu um perdido nele porque ele espanta os boys, Dani.
— Não podia ter me mandado um aviso? Imagina a minha
preocupação ao acordar, ver mensagens dele falando que se perdeu de
você?
— Daniele, eu sou maior de idade há tempo suficiente para nem meus
pais ficarem me ligando quando eu saio de madrugada.
— Porque eles não sabem que você sai. E acham que eu cuido de
você quando isso acontece.
— Quanto drama. — Eu me escorei na árvore com frutos duvidosos.
Se aquele treco caísse na minha cabeça, traumatismo craniano na certa. —
Você não deveria estar dando assistência à namorada da vez? Aposto que
ela não deve estar gostando de você me ligando.
— Ela está dormindo, porque a assistência… — Ele frisou aquela
palavra como se colocasse entre aspas. — Eu dei de madrugada e ela ficou
cansada.
— Eu não precisava desse detalhe. Eu queria desver a cena que criei.
Poxa, Daniele! — Se eu fosse uma pessoa que conseguisse xingar, estaria
fazendo, mas minha educação nesse sentido sempre foi bem enjoada. Com
o tempo, eu me acostumei.
— Eu nem dei detalhes, sua mente está fértil, ou você está.
— Pare. Por favor. Estou ficando enjoada.
Nem era mentira. Mas a culpa era da mistura de bebidas que fiz na
festa com tudo liberado que Bárbara arrumou para irmos, em uma das
coberturas chiques de um prédio na orla de Copacabana. Carina não foi com
a gente, pois era a única dentre nós três com responsabilidades em uma
sexta-feira pela manhã, vide, emprego.
— Você não respondeu à minha primeira pergunta — relembrou
Daniel, naquele tom sóbrio que eu escutava poucas vezes.
— Perto da estação do Cantagalo. Babi está tentando arrumar o
número de celular de um policial federal, Dani. Tem noção da amiga
maluca que eu arrumei?
— Qual rua?
A pergunta seca quase fez minha sobriedade aparecer. Ele estava
chato como poucas vezes eu via.
— Não sei. Pera aí — Eu me estiquei para tentar ler uma daquelas
placas que ficavam na esquina da rua.
— Você está no celular no meio da rua?
— Você me ouviu falando sobre polícia federal? Quem vai ser o
doido que vai querer me assaltar aqui? Enfim, é algo com Leopoldo no
nome. Meus pés estão doendo demais para andar e conferir. Estou só
esperando.
— Procure o agente Paiva. Eduardo Paiva. E passe o telefone para
ele.
— Por que eu faria isso?
— Olha, eu deixo você ser impertinente aqui em casa, pode ser? Até
faço massagem nos seus pés enquanto você reclama comigo sobre como
sou mandão e antiquado. Mas pode, por favor, fazer o que estou pedindo?
Lógico que revirei os olhos, bufei e só não bati os pés no chão igual
criança porque as sandálias de salto já tinham judiado o suficiente deles.
Mas eu acabei me dirigindo ao grupo de policiais com o estômago
revirando, as pernas e as mãos tremendo. As pernas, porque eu nunca na
vida tive motivos para falar com um policial; as mãos, porque eu queria dar
três tapas na cara bonita de Daniel para ele deixar de ser autoritário e
intransigente.
— Eu consegui! — Bárbara tinha um sorriso gigante estampado no
rosto enquanto caminhava na minha direção. Só faltava pular e fazer
alguma dancinha doida. — Que cara de cu é essa? Não pode ficar feliz por
mim?
— Desculpa. Daniel sugou o meu humor. Ele quer que eu ache um
Eduardo Paiva. — Sacudi o celular em minha mão.
— Para sua sorte, é de quem eu consegui o número — O sorriso dela
aumentou.
Sinceramente? Eu não sabia até onde era uma boa ela ter o número de
algum conhecido de Daniel, tendo em vista os contatos e o tipo de trabalho
do meu amigo. Enfim…
— Vamos até ele! — Eu juro que tentei soar animada. Ao menos a
expressão de “estou aqui forçada pelo meu amigo que acha que é meu pai”,
consegui disfarçar com meu sorriso simpático, digno de recepcionista de
hotel cinco estrelas. — Oi, desculpa incomodar, mas… você conhece um
Daniel Bianchi? — O semblante, levemente descontraído de Eduardo,
transformou-se em desconfiado. Ele fez um movimento mínimo de
confirmação. Entreguei o celular para ele, sem falar mais nada. Eles que se
resolvessem. Eu só queria me sentar. Ou melhor, tomar um bom banho,
trocar de roupa e cama.
Eduardo, no meio da conversa, fitou a mim tão intensamente que eu
cheguei a me perguntar se meu amigo inventou algum crime só para eu ser
escoltada para casa. Porque não era aquele olhar fulminante, estilo 43, igual
meu pai costumava brincar com a minha mãe. Era aquele “você fez o que
não devia e eu vou precisar resolver”
O suspiro resignado ao final da conversa deles, fez eu me sentir
menor e dez anos mais nova.
— Segundo carro. Sentem-se atrás e me esperem. — Ele
simplesmente apontou para um dos carros parados.
— O meu celular? — Estendi a mão, crente que ia receber o aparelho.
— Vai ficar comigo.
Só isso. Ele guardou o celular em um dos bolsos da calça, virou de
costas para a gente e se afastou.
— Como eu vou ter certeza de que ele falou isso mesmo e você não
vai largar a gente numa sarjeta qualquer? — Indaguei alto, para ser ouvida
mesmo. Certas chamadas de atenção a gente não esquece.
Eduardo parou e tive quase certeza de que o corpo dele retesou antes
de se virar, pegando meu celular. Ele chegou perto de mim com a ligação
iniciada. Colocou o celular na minha orelha, mas não o soltou.
— Você pediu para que ele levasse a gente em casa? — Nem fiz
questão de esconder minha revolta. Eu sabia que meu amigo era paranoico
por conta de tudo o que passava no trabalho, mas estava indo longe demais.
— Sim. Ele vai trazer vocês quando acabar aí.
— Você está fazendo com que ele se desvirtue do trabalho dele,
Dani…
— Não. Não estou — respondeu seco. — Imagine que consegui um
Uber para você. De graça, com blindagem e segurança, ok? — Tentou
amenizar o tom.
Eu inspirei fundo, mal contendo o estremecimento que passou pelo
meu corpo, me afastei sem dizer mais nada e comecei a andar para o carro
apontado. Dessa vez, Eduardo não ficou de costas, pela queimação que
senti, ele contemplou a gente por todo o caminho.
— Bem, conseguimos carona para casa — comemorou Bárbara, com
um sorriso idiota. Provavelmente animada porque teria mais tempo com o
agente.
— Em uma viatura. Isso nem deve ser legal! — Eu estava possessa.
Mas o que eu podia fazer? Eu fui soltando meus impropérios que não
passavam de palavras bem comuns como “idiota mandão” até o carro
designado. Fiz questão de bater com força a porta após me acomodar.
Estava irritada demais para responder aos comentários empolgados de
Bárbara. Infelizmente, o cansaço veio com tudo e eu apaguei em dois
segundos. Não sei quanto tempo ficamos paradas ali ou quanto demoramos
para chegar em casa. Despertei mais ou menos quando o carro começou a
andar e ao ser pega no colo.
— Sou eu, ogrinha.
Nem precisava do aviso, eu reconheceria seu cheiro em qualquer
lugar. Passei os braços pelo pescoço dele e deixei que me levasse. Não
perderia a chance de ficar naqueles braços, ainda que irritada. Deixaria para
quando meus neurônios estivessem em condições de debater com o senhor
advogado.
Umas cinco horas depois com o celular do meu lado na cama de
Daniel, o cheiro de café e chocolate impregnava o quarto. Eu me
espreguicei, sentindo a maciez do tecido em que estava deitada e o cheiro
do perfume de Daniel. A gente ia fingir que eu não soltei um pequeno
gemidinho por imaginar o dono no lugar do travesseiro, mas sim pelo
relaxamento dos músculos após serem esticados, ok?

Babi: Se o agente for um psicopata, fodeu, ele já


sabe onde moro!

Claro que a mensagem era de Bárbara. Foi a primeira conversa que


abri ao pegar o celular para conferir a hora.

Lia: Ele não entrou? Vai dizer que ele foi até a porta
da sua casa e foi embora? Tu não tentou nem pular
para frente?
Babi: Acordou, Bela Adormecida? Apagou e não
viu que outro agente veio com ele, né?

Eu me sentei na cama e a colcha que me cobria foi caindo pelo chão.


Daniel só retirara minhas sandálias; a saia jeans (que por sinal ficou toda
enrolada na cintura) e a camisa de manga cigana continuaram em seus
lugares. Depois girei o pescoço, alongando o máximo que conseguia, rodei
os pulsos com os braços esticados.
É, tudo inteiro.

Lia: Esperava mais de você. Eu não tinha dormido


direito, lembra?

Enviei e coloquei o celular no bolso da saia, que ajeitei antes de sair


do quarto.
Nosso apartamento era de um tamanho excelente para nós dois.
Quando fui morar ali, só vi vantagens. Daniel já ocupava o quarto maior
com closet, e banheira de hidromassagem no banheiro da sua suíte. Mas eu
nem reclamava, meu quarto era de um tamanho bem bom, com direito a
armário embutido na parede e um banheiro só meu (quem tem irmão mais
novo, sabe bem a aporrinhação que é dividir banheiro — o meu, por sinal,
entupia sempre o vaso). Ambos os quartos tinham portas para a varanda
com piscina em um deck de madeira e área gourmet.
O dia parecia estar lindo e ensolarado, porém, o cheiro de café me
chamava da cozinha. Por isso, apenas passei pelo meu banheiro para
escovar os dentes e aliviar o corpo de necessidades básicas antes de seguir o
aroma maravilhoso.
— Eu estava quase indo te chamar. — O tom dele era tranquilo, mas
seu olhar de superioridade constante — o mesmo que me irritou quando nos
conhecemos, pois ele combinava com a prepotência do dono — estava
sério.
Que Deus me perdoe se cobiçar o corpo alheio for um pecado, pois,
se sim, minha passagem para o andar de baixo está garantida.
Era impossível olhar para Daniel e não pensar em meia dúzia de
putarias. Até porque, para fãs de Nicolas Cage como eu, ele era o sonho de
consumo por conta do nariz maior do que o padrão, que passava meio
despercebido, pois ornava muito bem com os seus 1,91m de altura e
músculos dos ombros largos às coxas torneadas, que costumavam marcar
calças e bermudas. Meus olhos resolveram apreciar os braços fortes, um
todo coberto por tatuagens, com veias sobressalentes e mãos grandes de
dedos grossos e unhas bem aparadas. Foi então que vi os pontos vermelhos.
— O que houve com a sua mão? — Meus pensamentos impuros
evaporaram ao prestar atenção à mão, que segurava a jarra de café.
Aproximei-me dele e segurei seu pulso. Os nós dos dedos estavam
vermelhos, havia pequenos cortes com sangue seco naquelas linhas fininhas
da pele.
— Treinei sem luva.
— Não é porque você é do tamanho de uma geladeira que o saco de
pancada não vai te machucar. — Revirei os olhos.
Aquilo, infelizmente, não era incomum. Sempre que as situações no
trabalho se complicavam, um caso se mostrava sem solução, ou uma
situação que o desagradava em nível máximo, Daniel extrapolava nos
exercícios e aparecia com um ou outro machucado.
— Não se preocupe. Até amanhã vai estar melhor. — Ele colocou a
garrafa em cima da bancada que dividia a cozinha e a sala, e me puxou para
seus braços, como se fosse eu quem precisasse de conforto. — Gostei de
ver que você não confiou só no que o Eduardo disse.
— Não é porque eu gosto de um ou outro desenho e coisas fofas que
sou criança. Você não pode ficar me tratando assim. A gente já ia pedir um
carro. — Daniel permaneceu calado. — Eu sei que você anda
sobrecarregado desde que aquela garota sumiu, e sei que casos assim só
pioram suas paranoias, mas você precisa arrumar algo menos danoso para
extravasar. — Reclamei, praticamente sem fazer pausa para respirar.
Ele me soltou. A expressão dura me fez repensar se falei algo que não
devia e percebi que Daniel devia estar mesmo incomodado, pois não fez
nenhuma piada de duplo sentido.
— É a minha realidade, infelizmente. Desculpa empurrar isso para
você, mas eu me preocupo.
— Você sabe que eu não ligo quando você fica mais cuidadoso
comigo. Eu só não gosto de ser tratada como um estagiário recebendo
ordens sobre seu café, que não possui direito de falar nada. — Surrupiei um
dos chocolates de uma caixa bonita e parei com o doce perto dos lábios. —
Posso?
— Sim. Eu trouxe para você. — Ele se virou para pegar nossas
canecas no armário.
Daniel não me contava um terço do que significava o seu trabalho.
Algumas coisas eu evitava perguntar, como, por exemplo, a pilha de
dinheiro que eu estava vendo em nossa mesa de jantar. Não era a primeira e
não seria a última vez. Eu sabia que se me aproximasse, além de ver mais
marcas vermelhas do que as que podia ver da cozinha, sentiria o cheiro de
café, sangue, meio ferroso, maconha.
Um curioso detalhe sobre morar com Daniel: alguns clientes
gostavam de pagar diretamente a ele. Não aceitavam transferir para um
banco. Ele que se virasse para depositar, fazer as notas em algum nome
fictício. Sendo assim, mais de uma vez, me deparei com pilhas de dinheiro
com cheiro esquisito.
Hoje o céu estava nublado, senão aquelas notas estariam no deck da
área externa para pegarem sol e perderem o cheiro característico antes de
serem levadas ao banco. Daniel não as usava naquele estado. Era uma regra
básica, irrefutável, mesmo que estivessem em boas condições. Eu nunca
podia tocar nelas. E eu já precisara.
Foi para algo bobo e não pensei muito ao ver a bolsa com dinheiro no
sofá. Não havia odor diferente ou marcação, e eu pedi remédios para cólica
e absorventes para a farmácia. Somente quando o entregador chegou, eu
percebi que não estava com um centavo sequer e meu cartão tinha sido
bloqueado, pois o perdi. Eu devolveria no dia seguinte, porém, recebi umas
das reprimendas mais sérias que já vi.
Perguntar se podia comer o bombom não era por receio de o chatear.
Mas sim porque, no ano passado, antes de eu entrar no prédio, encontrei
uma senhora que dizia conhecer Daniel e queria agradecer por sua ajuda. Eu
não vi mal na gratidão estampada no rosto cheio de rugas nem no sorriso
simpático. Parecia ser um bolo de cenoura simples com cobertura de
chocolate, o preferido dele. Quem imaginaria que, tal qual um Kinder Ovo,
só que com giletes esmiuçadas dentro?
A situação só não foi pior porque quando eu peguei o pedaço que
colocaria no prato, achei estranho a ponta do indicador sangrar.
Capítulo 4│Daniel Bianchi
Eu ficava maluco com Amélia. E não estava falando da parte física,
que ultimamente mexia comigo também. Falava da capacidade para atrair
tudo aquilo que eu tentava evitar. Parecia um teste constante para medir a
força da nossa amizade. Muitas pessoas já teriam se afastado, só pelo risco
de conviver comigo significava.
Quando acordei na casa de Luísa, a mulher que eu transava de vez em
quando, e vi as mensagens de Lucca, considerei chamar um médico para
verificar se eu não estava sofrendo um infarto.
Enquanto tentava contato com ela, eu me arrumava e já havia pedido
para o motorista me buscar. Luísa pouco se importou quando mal me
despedi e saí de sua casa. Aquele era o diferencial dela e o motivo para
Amélia ficar falando que eu tinha namorada — não era, eu não podia ter
uma.
Quando fiz o convite para Amélia morar comigo, pensei na parte
prática que seria útil para ela. Esqueci de contabilizar prós e contras. Sendo
os itens da lista de contras bem mais graves, foi um erro de principiante. Eu
sofria, ao menos uma vez por ano, ameaça de morte nesse país. Na terra
natal da minha família, era mensal. Sem contar as tentativas.
Outro contra que eu deveria levar em consideração: Amélia tendia ao
desastre, à falta de atenção e fé nas pessoas. Os dois últimos estavam sendo
trabalhados. Eu não gostava de tratá-la como uma criança que precisava ser
protegida, mas seus pais confiavam em mim. Havia um peso sobre as
minhas costas que era sua segurança, além do bem-estar.
Em todo caso, hoje eu tinha extrapolado. A situação era comum, uma
festa, volta ao amanhecer. Mesmo para alguém que dividia o teto comigo,
era tolerável. Quando o meu celular tocou logo depois de eu falar com
Eduardo, e ouvi sua voz perguntando sobre acreditar que era para ir com o
agente, me deixou orgulhoso. Vê-la perguntando, conferindo se podia
comer um chocolate de uma caixa intocada, também surtia o mesmo efeito.
Após o incidente com o bolo de cenoura, eu conversei com ela, falei
que não ficaria chateado se quisesse ir embora, entenderia. Mas Amélia não
quis. Nas palavras dela, aquelas peculiaridades, faziam-na fantasiar que
estava em um daqueles filmes policiais e investigativos que adorava assistir
em determinada época do mês. Ela não ficava sanguinária apenas
fisicamente, adorava ver os filmes e documentários mais pesados. Eu ria,
porque normal a pessoa não era, e porque a fantasia dela beirava à
realidade.
— Você não foi trabalhar? Como você sabia que o Eduardo estaria
naquela rua?
Acompanhei com o olhar Amélia dar a volta na bancada e se sentar
em uma das banquetas, antes de dar uma mordida discreta no bombom e
depois um gole na caneca de café fumegante. A língua passou pelos lábios,
resgatando algum vestígio de chocolate perdido. De repente, precisei
desviar meus olhos para a minha própria caneca para não cobiçar demais os
lábios avermelhados.
— Hoje eu recebi uma folga. Mas fomos convidados para almoçar
com Matteo e Donna — respondi à pergunta mais fácil primeiro. Ri pela
careta e o estremecimento antes da compreensão chegar ao rosto da minha
amiga.
— Donna está no Brasil? — Ela sorriu, com a caneca nos lábios.
— Sim.
A esposa de Matteo já morou na antiga colônia portuguesa enquanto
éramos crianças. Mas depois que o pai dela faleceu, deixando tudo o que
possuíam para ela administrar, ficava mais difícil passar tempo por aqui.
— Como você me avisa isso só agora? Em cima da hora? Eu podia
não ter passado a madrugada acordada. E ter marcado um salão!
— Seu cabelo é tão liso que nem precisa daquelas escovas com
nomes estranhos e cheiro forte, relaxa. Tirando os olhos de panda, você está
linda, como sempre.
— Você sempre foi meio cego, não vale. Sem falar que preciso de um
banho de uma hora para tirar essa murrinha de maconha. Eu já disse que
passo mal só com o cheiro? Passei metade da festa ontem na varanda,
assistindo a uns casais se pegando.
Sentei-me na banqueta de frente para ela e mordi os lábios para não
gargalhar enquanto via as bochechas corarem.
— Posso continuar minha reclamação por sua falta de consideração
depois. Como você sabia do Eduardo?
— Ele trabalha direto com o escritório. Por sinal, quando você foi
demitida, ele estava lá, escoltando a vítima que sumiu.
— Eu não reparei nele. Ela parecia tão arrasada. — Abaixou os olhos
para o café, que girava conforme balançava lentamente a caneca. — Então
vocês se conhecem. Mas isso não explica saber exatamente onde ele está.
— Eu fui informado da operação dele. E só vou comentar com você
porque vai sair em breve nos jornais — falei, sério. — Descobriram um
esquema de contrabando de ouro para a Itália. Um agente estava
colaborando no aeroporto, permitindo que embarcassem com as barras de
ouro. Só nessa operação, foram quase 20kg de ouro encontrados. Imagina
quanto não foi desviado durante esses anos, que eles estimam acontecer há
uns cinco anos?!
Eu gostava de observar as expressões corporais das pessoas. Meu
trabalho dependia bastante da minha interpretação em determinadas
ocasiões. Naquele momento, Amélia demonstrava um leve cinismo, ao
pronunciar o queixo para frente e para o lado, inclinar a cabeça e franzir o
cenho. Uma descrença que eu expressaria se não tivesse visto coisas piores.
Bebi quase metade da quantidade de café que coloquei para mim nos
minutos em que a deixei pensando sobre o que falei.
— Só esse agente foi preso?
— Não. Mas os outros integrantes estavam em Minas.
— Eu sei que o caso é sério. Mas fico pensando o que faria com essa
quantidade de ouro. Quanto vale um quilo hoje?
— Quase trezentos mil reais.
— Acho que eu me refugiaria em Nova York. Ou talvez iria para a
Itália. Sabia que lançou mais um desses filmes com mafiosos duvidosos, em
que você termina desejando o bandido e precisando de um psicólogo?
— Não, pirralha, porque eu nunca desejaria um mafioso — falei
sério, sabendo que Amélia demoraria uns segundos para reagir e me
mostrar a língua. Gargalhei quando minha previsão aconteceu.
— Bem, o ator é lindo. Daqueles gostosos, que parecem ter pegada.
Mas não sei se vou assistir. — Ela continuou falando. — Ele a sequestra e
faz um “desafio”, meio que propõe de que ela terá um ano para se apaixonar
por ele, se isso não acontecer, ele a liberta.
— No final ela termina apaixonada?
— Acho que sim.
— Então, acho que estou fazendo algo errado, porque você mora
comigo há seis anos e até agora não consegui esse feito — brinquei,
sorrindo enviesado. Não desfiz o sorriso nem para pegar um daqueles
chocolates que ela tanto gostava.
— É porque você faz o serviço pela metade. Quando é para você me
deixar sem opções, ou liberdade, você fraqueja e me deixa sair. Aí encontro
coisa melhor por aí e o encanto se quebra — rebateu de forma displicente,
com o cinismo brilhando em seu olhar.
Como um predador que pretende atacar sua presa, me levantei
devagar, coloquei a caneca dentro da pia e fingi que apenas sairia da
cozinha. Mas não demorei muito ao passar para o outro lado da bancada,
aproveitei que os olhos dela estavam para o resto de café e a abracei por
cima dos braços. Dando uma mordida em seu ombro exposto e fazendo
cócegas, consegui que ela quase derrubasse a caneca, mas o líquido morno
molhou a nós dois.
— Daniele! Olha a lambança! — Amélia reclamou ao notar a
bagunça ao nosso redor.
— É para você não ter mais como sair. — Mordi de leve do outro
lado. Se eu me aproveitava? Só um pouquinho.
— Ah…, mas eu vou! — Ela se remexeu de forma desengonçada,
quase caindo da banqueta, até que parei e a soltei ao ver que a saia subia
sem controle pelas coxas grossas.
— Banho, prisioneira. Você está com um cheiro estranho. — Eu
precisava de afastamento e uma desculpa para não ceder aos desejos não tão
recentes que ela despertava em mim. Depositei um beijo em sua testa e fui
para a área pegar um rodo com esponja para sugar o café que caiu no chão.
— Eu vou, mas só porque a gente vai almoçar com a Donna.
Figura 1 Urso realista com uma coroa em preto e branco
Scelto da Dio 1 — Em um galpão
Brasil
A máscara de urso marrom era tão detalhista, que Álvaro estava certo
de que o bicho fora morto e empalhado de forma a caber uma cabeça
humana dentro. Era a única explicação para o que via.
Da sua posição no chão, o homem parecia ter bem mais do que 1,90m
de altura. Ele era largo, sem camisa, apenas a calça preta e botas, além da
cabeça de urso cobrindo seu rosto, pesando em seus ombros, faziam um
bom conjunto com os fios pretos que recobriam o tórax e braços.
— Achou-se esperto, não? Achou que nunca seria descoberto e, se
fosse, não sofreria nada além da prisão com direito de ter a pena reduzida.
A voz saía abafada, porém, fazia eco no galpão praticamente vazio,
tornando tudo mais assustador e animalesco. Álvaro se arrependia de ter
aceitado trabalhar para a máfia Scelto da Dio, rezava apenas mexendo os
lábios todas as orações que aprendera pela metade na Igreja. A corda que
prendia seus pulsos aos seus pés pelas costas, não permitia que se
movimentasse muito, mal conseguia erguer a cabeça e tentar ver melhor o
homem que se aproximava com a corrente de ferro e elos grossos,
arrastando, desencadeando arrepios congelantes na pele de Álvaro.
Remexeu o corpo, tentando se afastar, ir o mais longe que pudesse
daquele ser saído direto de filme de terror trash. Gritou, perdeu o controle
do pescoço, o lado inchado e, provavelmente quebrado do seu rosto, bateu
no chão gelado. No primeiro contato com aquele monstro, os socos
pareciam intermináveis. Desde então, foi largado naquele lugar, com a ideia
de que iria apodrecer e ser esquecido. Ou, na melhor das hipóteses, seria
jogado na frente de alguma delegacia.
A corrente foi esticada até um gancho que pendia do teto, caindo em
igual comprimento para os dois lados. O corpo de Álvaro estremeceu
quando as pontas caíram do seu lado.
Ouviu um rosnado quando o homem abaixou para pegar umas das
pontas e sentiu que mexia na corda, prendendo à corrente. Um cheiro
pungente tornou-se mais evidente.
— Não se preocupe. Você não vai morrer.
O aviso veio junto com o primeiro puxão, erguendo o corpo de
Álvaro do chão. A dor do seu peso sendo sustentado por um único eixo que
juntava seus quatro membros era suportável, por enquanto. E, por um
instante, agradeceu por sair de cima da poça da sua urina. Ele girou e pôde
acompanhar o ser se afastar, puxando o outro lado da corrente para prendê-
lo em uma base fixa no chão.
— Eu te quero vivo, para espalhar por aí que ninguém rouba da
minha família, mas vai ganhar uns lembretes.
O ouro. Só podia ser. Álvaro quase não tinha dúvidas sobre o motivo
para estar ali. Mas era boa a elucidação. Poderia ter sido apenas uma
coincidência, na qual aquele grupo aproveitou sua prisão para fazê-lo sofrer
por alguma outra de suas atividades.
Aqueles garimpos ilegais no norte do país não eram apenas
conhecidos pelas pessoas que o praticavam e contrabandeavam o ouro, mas
sim por todos que se beneficiavam de alguma forma, fosse direta ou
indiretamente. Por isso, o baixo interesse em divulgar, buscar os culpados,
ir atrás de quem realmente comandava as transações.
Álvaro desconfiou que as dores no rosto não seriam nada perto do que
sofreria quando ouviu um chicote de argolas de metal com algo afiado na
ponta ricochetear no chão e, ao sentir o ardor do primeiro talho sendo feito
em suas costas, teve a certeza de que era melhor ter sido morto pela dívida
que tinha de pagar a quem o ofereceu o serviço. Seu corpo curvou para trás
involuntariamente. O grito escapou para o nada, pois ninguém o ouviria. E
não teve tempo de se recuperar, logo outra chicotada rasgou sua pele. Não
eram chicotadas normais, a ponta afiada cravava em seu corpo, a ponto do
seu torturador precisar dar um puxãozinho para se desprender.
Travou o maxilar, não daria o gostinho de seus gritos.
No décimo quinto golpe, seu torturador percebeu o que ele fazia, o
quanto mordia os lábios para não colocar para fora seu desespero, e uma
risada rouca e estrondosa ecoou pela sala.
— Você, segurando seus gritos, só me dá mais prazer e vontade em
continuar para fazê-lo gritar.
Respirando pela boca, ainda mordendo o lábio, Álvaro acompanhou o
homem se afastar. Nessa hora viu que, juntando-se aos seus excrementos,
uma poça de sangue se formava embaixo de seus pés. Sua vontade era
chorar como um garotinho, só que… quem ouviria? Quem viria ao seu
resgate?
— Quer escolher? — O homem parou na frente de Álvaro e ergueu as
mãos. Um cilindro em uma delas e, na outra, uma navalha. Ele não sabia o
que o cilindro faria, nunca vira um, mas devia ser melhor do que ser cortado
de novo, por isso esticou o pescoço para ele.
Logo pensou que deveria ter feito uma péssima escolha, pois o
homem voltou a rir.
— Adoro porco à pururuca. — O homem guardou a navalha no bolso
da calça e começou a mexer no cilindro.
Quando a chama se acendeu mais alta do que o normal no maçarico
de cozinha, fazendo um barulho alto, rascante, Álvaro se contorceu, forçou
o corpo para longe, chorou, apelou, implorou para que nada fosse feito, que
o matasse de uma vez.
Irredutível, seu torturador ignorou os pedidos e se posicionou atrás
dele. Portanto, não soube dizer se sentiu sua pele sendo tostada ou o cheiro
de queimado. Em algum momento, seu corpo apagou, exausto, sem forças
para suportar as dores. Só acordou de novo quando sentiu uma fisgada em
sua mão e pôde vê-la sendo cortada por um facão.
Capítulo 5│Amélia
— Vou te fazer uma pergunta.
Avisei durante o trajeto que fazíamos no banco de trás do carro que
costumava levar Daniel para seus compromissos. O perfume amadeirado
meio apimentado, com toques de bergamota e orégano não deixava dúvidas
de que estava comigo. Lógico que eu não sabia desses detalhes na primeira
vez que senti, mas taquei o nome na internet e o encontrei. Era o Interlude
man da Amouage, custava uma bagatela de dois mil reais, mais ou menos, o
preferido do meu amigo.
Das duas, uma: ou Daniel tinha um salário não condizente com o
local que morávamos, ou ele recebia presentes de pessoas questionáveis —
para mim, é claro.
Descobri também que havia um tom de couro, durante semanas
depois disso, não conseguia olhar para meu amigo e não imaginar cenários
dele com algum acessório de couro, algemas, uns chicotes. Eu nem era fã
desses brinquedos sexuais. Mas quem mandava na imaginação? Porque eu,
com certeza, não controlava a minha e quando o assunto era Daniel, a dita
cuja se tornava absurdamente fértil.
— No dia do funeral de sua mãe, Fulana conheceu um homem. Ela se
apaixonou imensamente por ele — continuei lendo o texto da mensagem
que Bárbara havia mandado. — Os dois saíram para jantar. Se encontraram
algumas vezes. Um dia, ele simplesmente some e não entra mais em contato
com ela. Algumas semanas depois, a irmã da Fulana aparece morta. Quem
matou a irmã da Fulana? — Virei no banco para encarar Daniel. Dobrei a
perna para cima do banco, ajeitando a posição, sem me preocupar com
modos, a calça de linho me dava essa liberdade. Após passar a madrugada
de saia, com uma coxa roçando na outra, eu precisaria de uns dois dias para
a parte interna delas melhorarem da irritação adquirida. Há anos eu me
acostumei com meu corpo fora dos padrões ideais, mas, se pudesse escolher
uma mudança bem simples e fácil, seria de não ficar com assadura no meio
das pernas.
— Isso é meio óbvio, não? Foi a Fulana. — Ele respondeu
tranquilamente, com um leve ar zombeteiro.
Óbvio foi o meu queixo caindo e meus olhos arregalando.
— Não. Não é. Eu não soube responder.
— Mas se foi em um enterro que ela encontrou o homem, ela mata
para tentar encontrá-lo de novo. — Daniel deu uma batidinha com a ponta
do polegar no meu nariz.
Sim, eu tinha visto a explicação da resposta. Ele estava correto. O
teste era verdadeiro? Não havia fonte confiável, então talvez não fosse. Mas
serviria para o meu propósito, perturbar Daniel para compensar pelo
comportamento dominador de manhã.
— Se eu já achava que você podia ser um psicopata pela profissão,
agora tenho quase certeza. — Mantive minha convicção no tom de voz, por
mais que ainda só estivesse empenhada em implicar com ele. — Isso é um
teste para saber se a pessoa é ou não. Só quem tem essa tendência pensa
dessa forma.
— Ou alguém que defende os psicopatas, pirralha. Entender como
eles pensam faz parte do meu trabalho. — Ele continuou sereno. — Agora,
esse teste é de onde?
— Nem ideia. Bárbara mandou para mim, porque Eduardo a levou em
casa, ou seja, já sabe onde ela mora. Vai que tenta aparecer por lá do nada?
Enfim, eu conheço você e, sim, existem traços psicopatas em você, Dani —
emendei um assunto no outro tranquilamente. Implicar com personalidade
estava no topo das minhas atividades preferidas. — Olha aqui… — Eu me
aproximei dele, com a tela do celular mostrando as perguntas de outro teste.
Foquei minha atenção no aparelho, e não no volume que a calça jeans
escura marcava. — Você tem excesso de autoestima, sente certo prazer em
mentir para algumas pessoas, costuma manipular quem está ao seu redor,
nem sempre demonstra remorso. Hum… não é um parasita, porque nunca vi
alguém trabalhar tanto. Mas tem dificuldade em controlar suas atitudes, é
promíscuo, nem preciso falar do seu comportamento na infância. O garoto
com a cicatriz de navalha que o diga. Versatilidade criminal, histórico de
delinquência juvenil. Se puder jogar a culpa dos problemas em mim, você
faz…
Eu pulei alguns itens que não chegavam perto da personalidade dele.
Parecia uma brincadeira boba, mas ver o rosto do meu amigo ficando
vermelho, não tinha preço.
— Pensando bem… Eu acho que isso combina com a maioria dos
advogados — continuei apreciando o gostinho do perigo.
Pelo canto do olho, reparei o motorista olhando para a gente pelo
retrovisor. Ele trabalhava para Daniel há mais de um ano, deveria estar
acostumado com nossas provocações e minhas idiotices para tirar o patrão
do sério. Mas, pelo olhar perplexo, parecia que eu estava sendo a pessoa
mais afrontosa que já conhecera.
— Eu duvido você repetir tudo isso na frente de Matteo e Donna —
desafiou Daniel, com um olhar ferino para cima de mim.
— Claro que não. — Aprumei o corpo no banco. Balancei a cabeça
negando. Preferia qualquer coisa a causar um mal-entendido na frente de
Matteo. — Você não está informal demais? — Dirigi meu olhar novamente
até a calça jeans.
— Eu me dei essa liberdade um pouquinho.
— Acho que se você pudesse ir com aqueles shorts de jogador e
camisa de time, você iria.
No segundo seguinte, minha cabeça estava prensada contra o peito de
Daniel, porque o abusado passou o braço pelo meu pescoço e me puxou de
qualquer jeito.
— Você disse o que mesmo? — Engrossou o timbre da voz e não me
soltou.
— Daniel, eu vou chegar toda bagunçada no almoço. Da última vez,
só por eu estar corada, seu tio achou que a gente estava dando uns pegas.
— Mas ele não estava mentindo, o que eu estou fazendo agora? —
Passou o outro braço pela frente do meu corpo, aprisionando-me mais.
— Me irritando. Provocando minha dor de cabeça. Sendo infantil.
A cada frase, eu me remexia mais, sem perceber onde encostava ou
roçava. Só me dei conta quando comecei a sentir um volume diferente em
meu braço, parecia um pouco mais quente que o restante do corpo dele.
Daniel percebeu e me soltou.
— Ok. Você já abusou demais de mim. — O tom sério até enganava
os mais desatentos se não fosse o brilho divertido nos olhos.
— Eu? Você quem estava me apertando.
Empertiguei o corpo e comecei a ajeitar a camisa branca simples que
escolhi para contrastar com o tom azul petróleo da calça. Mais um pouco, e
precisaria de privacidade por ficar com o sutiã fora do lugar, não se aperta
uma mulher com peitos grandes e espera que eles fiquem comportados
dentro de um pedaço de renda.
— Não vai se ajeitar? — Lancei um olhar de esguelha para o membro
em destaque. O tempo de constrangimento por aquela situação ficou há
anos na nossa amizade. Na primeira vez, Daniel ficou muito vermelho e me
pediu desculpas por um minuto inteiro, e foi algo parecido, alguma
implicância levou à uma briguinha e lá estava o dito cujo ganhando vida.
Daniel apenas levantou um pouco o corpo e puxou a calça para baixo.
Foi a mesma coisa que nada. Não se esconde uma jeba daquele tamanho
ajeitando o tecido da calça. Até eu já havia aprendido isso.
— Não tem muito o que fazer. Daqui a pouco volta a normal.
— Acho bom. Ou Matteo vai falar mais ainda. — Peguei o espelho
dentro da minha bolsa para conferir a zona que Daniel tinha feito no meu
cabelo. Passei os dedos entre os fios para ajeitar e torci para meu rosto ficar
menos corado até entrarmos no restaurante.
Capítulo 6│Daniel Bianchi
Eu não lembrava exatamente o dia em que a visão que eu tinha da
Amélia mudou.
Eu sabia que, naqueles 17 anos, foram inúmeras as transformações
que a nossa relação sofreu. Durante muito tempo, ela e Carina foram as
garotas implicantes que eu precisava aturar. A diferença era que minha irmã
de consideração era irritadiça com todos, enquanto Amélia destinava todas
as suas habilidades de criança insuportável comigo.
A gente só não brigava todas as vezes em que ela ficava na minha
casa porque eu me mantinha afastado.
Naquela época, possuíamos uma coisa em comum: éramos crianças
de 8 e 10 anos, acima do peso. Acarretava em músicas e implicâncias entre
nós, inflamando mais nossas brigas. Por outro lado, na primeira vez que vi
um grupo de crianças zombando dela, fiquei cego de raiva. Quando reparei,
estava com um dos garotos embaixo de mim e a navalha encostada em seu
pescoço. Por um segundo, ao voltar em mim e ver o rosto em choque de
Amélia, pensei que ela sairia correndo assustada e me acharia um monstro,
porém, ela se aproximou, ficando curiosa e aceitou quando falei que podia
bater nele.
Foi a primeira mudança que ela causou em mim. Eu senti um orgulho
inexplicável do chute certeiro que fez o garoto guinchar. Até então, eu
sentia remorso e vergonha dos meus rompantes de raiva. A segunda foi
imperceptível, como uma semente crescendo primeiro internamente, no
sentido da terra e depois para fora, ficando visível para todos: quão
importante Amélia era para mim.
Em pouco tempo, eu descobri um pouquinho mais sobre o
temperamento dela. A garotinha com carinha de anjo e bochechas rosadas,
possuía um jeito peculiar de se defender quando seu limite estourava (mas
até onde eu sabia, eu era o único que infernizava tanto sua vida a ponto de
ascender esse comportamento). Ela torcia a minha orelha até eu pedir
clemência — ou qualquer outra palavra escolhida por ela —, ou me dava
chutes na canela. Nenhuma das vezes chegaram perto do vigor empregado
no chute dado nas bolas do garoto no dia do casamento da minha mãe.
O apelido de ogrinha não parece tão estranho agora, certo?
— Você está com cara de quem sofreu um curto circuito cerebral.
Pisquei os olhos ao perceber que o carro parou e tínhamos chegado ao
restaurante.
— A culpa é sua, que me fez dar uma de macho escroto às seis da
manhã.
— Dani, você não tem nem 30, meu bem. Vai acabar infartando cedo
assim. — Amélia apertou minha bochecha e desceu do carro. Ajeitou a
roupa toda de novo e conferiu o reflexo no retrovisor.
Rouxinol era um restaurante familiar, pela forma como começou e
cresceu. Matteo o comprou dos antigos donos porque estavam falindo. Ele e
Donna tiveram alguns desentendimentos sobre como seria a decoração e
público alvo. Acabou sendo dividido em dois ambientes completamente
distintos.
O mais informal e com ar familiar, decoração díspar por conta dos
seus quadros e objetos diversos (muitos eram presentes de clientes), que
Matteo adorava passar seu tempo livre, rodeando as mesas e conversando
com os clientes, e o lado mais formal, com decoração elegante, coesa com
os elementos branco e dourado que Donna tanto amava. Ambos dividiam a
mesma cozinha e, basicamente, o mesmo cardápio, havia apenas algumas
pequenas alterações. E, apesar de ambos serem italianos, os pratos eram
diversificados. Diferente do restaurante que a minha mãe possuía, Caruso’s,
que não deixava dúvidas sobre ser italiano, qualquer um sabia desde a
fachada.
Donna e Matteo se levantaram assim que nos viram entrar. Ela
possuía uma beleza muito inerente à sua nacionalidade. De aspecto delgado,
com o nariz aquilino, os olhos castanhos pareciam sempre atentos e
entusiasmados, o cabelo mantido na mesma tonalidade seguia reto e liso até
um pouco abaixo das omoplatas. Um sorriso cresceu em seus lábios ao
abraçar Amélia com o saudosismo pelo tempo longe.
— Ma mi sei mancato così tanto. Come stai, bambina?[1]
— Bene. Também senti saudades. Mas a culpa é do Daniele, que
sempre nega quando peço para acompanhá-lo nas viagens.
— Você ficaria entediada. — Arrastei a cadeira defronte à Donna, na
mesa de quatro lugares, para Amélia sentar. — Eu só vou a trabalho. Não
teria tempo de conhecer nada.
— Às vezes, eu me pergunto se nós nascemos presos um ao outro ou
se quando fui morar com você, criou-se uma corda invisível que só nos
permite conhecer um lugar juntos. — Ela virou o corpo na minha direção
quando me sentei. Sua sagacidade arrancou risadas de Matteo e Donna.
— Não leu as letras pequenas do contrato? Estava lá: ao assinar esse
contrato, comprometo-me a não ir a lugares desconhecidos sem a
companhia do meu padrinho acolhedor, Daniel Bianchi. — Sustentei sua
feição perplexa com o meu tom de seriedade e fingimento de que não
inventava uma cláusula absurda a um contrato inexistente, enquanto abria o
guardanapo de tecido e o colocava sobre o seu colo. Foi involuntário fazer
um carinho no joelho dela.
— Gestos educados não te eximem de me transformar em viciada,
Daniel. Padrinho acolhedor? — Ergueu o guardanapo só para evidenciar
sobre o que falava e fez questão de o arrumar de forma diferente.
Nosso comportamento adolescente divertia os outros dois.
— Você não devia reclamar tanto… a não ser que esteja querendo
viver um romance no estilo do filme que citou mais cedo.
— Aquilo é ficção. E eu falei justamente o contrário. — Revirou os
olhos ao pegar a carta de vinhos.
Eu tratei de me sentar direito e ajeitar a postura. Fiz o mesmo que
Amélia, mas a minha desculpa para fingir precisar ler para saber quais
vinhos eram ofertados e o que escolher, era fugir do escrutínio de Matteo e
suas insinuações sobre o que deveria fazer.
Abaixei os olhos para as descrições de cada garrafa, lembrando da
primeira vez em que trouxe Amélia ao Rouxinol. Os pais dela possuíam
uma condição financeira mediana, faziam viagens esporadicamente, viviam
bem. Mas só tiveram a experiência de frequentar um restaurante com
alguma estrela Michelin quando o da minha mãe ganhou a sua primeira
com o Caruso. Ainda assim, nele, não havia garrafas que custavam mais de
mil reais.
Amélia quis sair correndo na primeira olhada nos preços. Precisei
ligar para Donna confirmar que minha amiga não pagaria nada do que
consumisse.
— Quem sabe a gente não organiza uma semana para férias? —
Donna sugeriu, acenando um agradecimento polido com a cabeça ao
receber uma nova taça do vinho tinto.
— Gostei. Pena que só vou tirar férias no ano que vem. Daniel contou
que fui demitida?
A conversa na mesa fluiu como sempre, conforme o almoço era
servido. Apesar dos receios de Amélia com Matteo, perto de Donna ela
esquecia e se soltava. Exceto pelas três vezes em que se distraiu mexendo
no celular.
Na quarta, aproveitei que nossos acompanhantes ficaram ocupados
em uma conversa com um conhecido, arrastei minha cadeira para mais
perto de Amélia, passei o braço sobre seus ombros e não me fingi de
discreto.
— Você está marcando um encontro?
— Dio mio, Daniele. Ma tu sei um ficcanaso.[2] — Bloqueou a tela do
celular e o largou em cima da mesa.
A pronúncia não era perfeita ao me chamar de enxerido, porque a
birra em aprender italiano era maior, mas, independentemente dos erros,
cada vez que falava daquele jeito, principalmente irritadiça, incendiava meu
corpo, endurecendo lentamente meu membro e criando imagens daquela
boquinha o envolvendo, sugando-o.
— Sono il tuo migliore amico. Non merito di saperlo?[3] —
Aproximei minha cabeça da sua e adorei ver o leve estremecimento que ela
não conseguiu controlar.
Ela virou o rosto de repente, e não tive tempo de me afastar. Perto
demais e quase podia sentir seus lábios sobre os meus.
— Não é para implicar, ok? — Desceu e subiu os olhos, analisando-
me. — Eu o conheci na festa de ontem. Parece legal e quer ir a um show
hoje.
— Quer dizer que vamos sair mais tarde?
— Eu não te convidei.
— Você não o conhece. Não vou deixar ir sozinha.
— Daniel, isso é... Não tenho palavras. — Emburrada, com um bico
gigante que dava vontade de morder, voltou o corpo para frente e cruzou os
braços.
Matteo estendeu um celular para mim, interrompendo minha resposta
antes de ela começar. Li a mensagem. Assenti e mexi os lábios formando:
“Drop-off”. Ele pareceu satisfeito e voltou a se afastar. Eu podia me afastar
do escritório, mas isso não queria dizer que não trabalharia. Até porque o
trabalho para Salvatore não tinha local ou hora.
— Onde vai ser o show? — Apertei de leve a gordurinha na lateral
do quadril que costumava irritá-la apenas por existir.
— No Circo Voador. Ou na Fundição, não lembro qual dos dois.
— Não vou me intrometer, melhor assim? Só vou aceitar um convite
de uns amigos que vão para um lugar perto. Assim, caso precise, pode me
chamar que te socorro.
Ela me olhou de rabo de olho, mais enfada impossível. Eu estava
forçando, sabia disso. Aquele meu instinto protetor era incontrolável. Por
mim, eu iria junto, ficaria com eles até me convencer de que o homem
realmente era confiável.
— Essa ideia de que mulheres precisam ser salvas pelo príncipe é
tão…
— Seus filmes favoritos, não cuspa onde come — interrompi, altivo,
sustentando seu olhar quando se virou para mim. — Amigos também
servem para esse papel. Quantas vezes você já não me ligou como desculpa
para sair de um encontro ruim?
Voltei a apertá-la.
— Pare com isso, Daniel. — Encolheu o corpo, tentando se afastar de
mim. — Lembra do que aconteceu no carro?
— O que aconteceu? — Donna voltou a se sentar conosco, um sorriso
discreto alcançava seus olhos.
— Ele acha que tem dez anos e pode ficar fazendo guerra de cócegas
ou lutinhas. — Amélia se ajeitou na cadeira, alongando a coluna e
estufando o peito ao empertigar o corpo e apoiar metade dos antebraços na
mesa. Desviei o olhar antes que percebessem meu foco. — Acaba
esquecendo que estamos em um restaurante chique.
— Não posso fazer nada se é bom te apertar. Você devia se conformar
e me deixar com as minhas manias.
— Sua sorte é que Donna está aqui, ou eu diria o que deve apertar
para suprir essa carência.
Nossa pequena discussão foi interrompida pelas risadas de Donna e
Matteo, sentando-se ao lado da esposa.
— Não importa quanto tempo passo longe, parece que o tempo não
afeta as briguinhas de vocês. — Donna comentou, suave, comendo um
pedaço de queijo parmesão que gostava de deixar para beliscar além de
colocar na comida.
— Impossível, a maturidade de Daniele estagnou quando tinha 10
anos. — Amélia aproveitou que Matteo servia mais vinho para si e estendeu
a taça, agradecendo com um aceno quando ele encheu a taça um pouco
além do que as regras ditavam.
Ela possuía aqueles movimentos fluídos, delicados, dignos de quem
treinava para se comportar à mesa. Nem parecia a desastrada que esbarrava
em todos os móveis, batia nas maçanetas das portas e quebrava copos do
nada. Eu precisei trocar as maçanetas de todas as portas do apartamento
porque eram daquelas retas e Amélia sempre aparecia com um roxo no
braço por conta delas. Agora eram boleadas. Ou a da cozinha, por exemplo,
nem a porta existia mais.
Devo ter me perdido admirando a interação dela com Matteo e
Donna, a ponto de não reparar o alvoroço no restaurante até Amélia sacudir
meu ombro. Algumas pessoas saíam do local, com o guardanapo entre os
dedos, outras foram para os janelões que ficavam de frente para a orla. Algo
tinha acontecido do lado de fora.
— Será que foi um acidente? — Amélia não esperou por nenhum de
nós, já se dirigia para fora do restaurante quando minhas pernas
funcionaram e a seguiram. — Eu não ouvi barulho de batida ou algo assim.
Vocês ouviram? — Ela segurou minha mão ao me ver do seu lado na
calçada.
As duas pistas largas nos separavam da aglomeração maior. Diferente
da zona sul em que havia mais sinalização, visando os pedestres, na Barra,
os sinais ficavam tão distantes que, para atravessarmos, contávamos com a
sorte e boa vontade dos motoristas.
Na ciclovia, a gente já escutava:
— Um carro preto parou aqui e o jogou como um saco de lixo. Eu
achei que era lixo ou um idiota largando um animal.
Uma mulher alterada, com lágrimas brotando copiosamente,
desabafava com outra, igualmente abalada.
— Ele está vivo? — Um homem, de dentro do quiosque, gritou.
O que quer que fosse, estava na parte com grama, na descida do
calçadão para a areia. O nível baixo impedia que quem parasse um pouco
antes tivesse visão completa. Principalmente alguém do tamanho de
Amélia. Foi onde finquei meus pés e não deixei que continuasse.
— Fique aqui. Isso não é uma foto e deve ter alguém morto ou muito
ferido. — Apertei seus dedos ao fitá-la nos olhos, torcendo para que
obedecesse, e me afastei junto com Matteo. Donna ficou com Amélia,
passando um braço por seus ombros e segurando um com a outra mão.
— Não era melhor desová-lo no mar? — Um senhor de lábios
crispados e olhos exaltados encarou-nos quando chegamos perto o
suficiente para ver o homem largado nu e com ferimentos por todo o corpo.
Inclusive, com uma das mãos amputadas.
— Será que é alguém importante? — Outro homem perguntou.
O corpo escolheu aquele momento para assustar a maioria das
pessoas presentes, em uma pequena ondulação e um barulho de animal
ferido. Ele cuspiu sangue e sussurrou de forma quase inaudível um pedido
de ajuda.
— Meu Deus, ele está vivo.
Merda, Amélia, xinguei mentalmente antes de virar e me deparar com
seu rosto horrorizado e os olhos marejados. Na mesma hora, girei meu
corpo e fiquei entre a cena de filme policial e minha amiga, impedindo que
continuasse vendo tamanha atrocidade.
— Dani…
— Acho melhor voltarmos. Já chamaram a polícia. Ficar aqui é
contaminar o local. — Saí falando, enquanto rodava o corpo de Amélia para
fazer exatamente o que eu dissera. Não queria que a imagem ficasse
gravada em sua cabeça e depois ficasse remoendo o que vira.
Como advogado, presenciei pouquíssimas cenas daquele tipo. No
máximo, era mais comum, assistir às simulações. Corpos de verdade não
estavam inclusos.
Fiquei feliz quando pisamos no restaurante e sentamos em nossos
lugares. Mas somente as bebidas voltaram a ser tocadas.
— Não fique assim, bambina… Ele provavelmente fez algo que não
deveria. — Donna segurou a mão de Amélia em cima da mesa e a
acarinhou com o polegar.
— Você parece tranquila…
— Meu pai cobrava dívidas quando era pequena. Normalmente, ele ia
até a pessoa, mas, de vez em quando, o devedor era levado até uma casinha
que tinha em nosso terreno. Mais de uma vez, eu fugi da cama para ver o
que ele fazia.
Donna contou com tranquilidade uma realidade muito distante da que
Amélia estava habituada. Seus pais eram professores. No máximo seriam
quem precisava do dinheiro, e não quem o cobrava e punia o devedor.
— Nossa! Deve ser por isso que está tão calma. Minhas mãos estão
tremendo. — Soltou a taça do vinho e mostrou o tremor.
Entrelacei meus dedos aos seus e puxei sua mão para depositar um
beijo delicado no dorso.
— Que tal a gente pedir a sobremesa? — Matteo fez um sinal para o
garçom mais próximo. Seu tom entusiasmado era com o intuito de desfazer
o clima pesado que se instaurou sobre nossa mesa.
Capítulo 7│Daniel Bianchi
Mais cedo, eu sabia que tinha sido invasivo com Amélia, mas eu
simplesmente não conseguia me controlar. Eu me divertia perturbando-a.
Sempre. Afinal, aqueles momentos com ela eram os únicos em que eu me
permitia ser o Daniel de antes de entrar no casebre. A minha vida sem
treinos, sem mortos, sem peso na consciência.
Naqueles momentos com ela, eu era o Daniel que algum dia gostou de
correr e brincar. O que apenas se mudou com a mãe para o Brasil, fez
amigos brincando na rua e no play no prédio, e cresceu no subúrbio,
gostando de passar tempo com os amigos, sair para beber, curtir um samba
em algum lugar esquisito da Lapa, no Centro do Rio de Janeiro, e perder
horas e dinheiro jogando no Sinuca. O que, mesmo adulto, não se
incomodava de passar horas assistindo desenhos da Disney ou princesas,
sofrendo experimentos de skincare e maquiagem, pois Amélia dizia que
tínhamos o mesmo tom de pele.
Então, eu me agarraria pelo maior tempo que pudesse ao que me
mantinha são e humano, ao que me fazia rir e não me afundar no grande
monte de merda que minha vida tinha se tornado nos últimos anos.
Sem querer me gabar, mas fora ótimo eu ter sido o amigo chato, pois
o encontro de Amélia foi um fiasco de marca maior. Com direito ao cara
sendo gordofóbico e um tremendo pau no cu — Amélia não xingava, mas
eu fazia por ela.
Por isso, depois de encontrá-la perto das barraquinhas embaixo dos
Arcos e ficar vidrado nas coxas grossas que o vestido curto deixava à
mostra e nos seios expostos por conta do decote em “v”, fomos para um dos
lugares duvidosos, com samba ao vivo, fechando o beco com tanta gente
em pé e sentada nas mesas espalhadas. Ali, com ela, eu me permiti curtir a
música animada, a cachaça do galão de vidro, a tequila flamejante, os
chopps meio quentes e a energia animada das pessoas.
— Terra chamando Daniel. — Amélia sorriu para mim, alegre por
conta do álcool e com as bochechas coradas pelo calor.
Retribuí o sorriso e não me contive, passei o braço pela cintura dela,
trazendo-a para mim até nossos corpos se chocarem, rindo, sentindo o efeito
das doses de cachaça adormecerem meus músculos e liberarem um monte
de sentimentos que eu mantinha a sete chaves há anos.
— No que você estava pensando? — Amélia subiu a mão pelo meu
pescoço, acariciando-o com as pontas dos dedos.
Inclinei minha cabeça contra a mão quente e macia, e esfreguei meu
rosto um pouquinho.
— Nada? Meu reino pelos seus pensamentos. — Ela insistiu, com a
chantagem que a gente sempre fazia com o outro.
Sorri enigmático, eu me divertia quando ela fazia um biquinho,
inconformada por eu estar demorando a responder.
— Eu teria de trocar você. — Eu ouvi uma torcida imaginária
gritando “iihhh” pela minha cantada ridícula.
— Então troque. — Ela falou depois de uns cinco segundos me
encarando, sem dizer nada e já me deixando tenso.
— Ouvi toque? — Franzi o nariz e segurei os dedos que passaram a
brincar com a pontinha da minha orelha.
Ela sorriu daquele jeito que dizia “ninguém merece, Daniel”. E eu me
vi preso ali, naquela boca, naqueles lábios.
Por dois segundos, eu quis sentir o calor dos lábios vermelhos e
carnudos de novo.
Por dois segundos, eu me lembrei do nosso primeiro beijo. Tanto meu
quanto dela.
— Você só pode ter bebido antes da aula. — Amélia sussurrou diante
da ideia absurda a qual eu falei ao me sentar do seu lado, na aula de
Literatura. — Tu pegou algum uísque escondido do bar do seu padrasto?
Ou andou fumando o que essa professora fuma antes de dar aula?
— Bruno conseguiu. Não pediram nada. Nenhum documento.
— Mas isso é estapafurdisse demais, Daniel. Até pra você.
— Você falou igualzinha à minha mãe. — Permaneci inabalável. A
pergunta dela só me fez sorrir mais.
— Ela sabe dessa ideia?
— Não. Mas meu padrasto me deu até o dinheiro. Nós apostamos.
Preciso ganhar. — Tinha um leve tom de urgência em sua voz.
— Daniel, olha pra mim! — Amélia gesticulou para seu corpo. —
Tem gente que pergunta se a Nina é a mais velha! Você acha mesmo que
consigo passar por maior de idade?
— Daremos um jeito.
Eu estava confiante de que Amélia, com 16 anos, e eu, com quase 18,
conseguiríamos fazer uma tatuagem. Tudo porque Bruno, um colega de
classe, conseguiu ao acompanhar a namorada de dezenove anos. E eu
sabia que deixaria certa pessoa enfurecida. Salvatore nunca que aceitaria
algo daquele tipo em mim.
A tal ideia era fazer uma tatuagem. “Qual?” Era a pergunta que
saltava aos olhos de Amélia. Mas preferi só deixar saber do meu
entusiasmo. Nada me faria mudar de ideia.
A professora pigarreou alto, o que nos fez parar de conversar e
prestar atenção maior ao que estava sendo explicado.
Só quando tocou a sineta para o intervalo que o assunto surgiu de
novo. Quando arrastei Amélia para um canto mais tranquilo do pátio.
— Daniel…
— Eu conversei com o Bruno. Ele disse que só mostraram o desenho
e perguntaram o valor. Depois, preencheram uma ficha. É só ter cuidado
para não colocar a nossa data de nascimento.
— Eu lembro dessa explicação. E lembro também que eles disseram
que eram casados. Que trocaram de mãos as alianças de namoro que usam.
Mas, diferente de mim, a namorada dele parece ter mais de vinte anos. E
eles usam aliança. — Eu sabia que ela tentava não se exaltar com minha
insistência de fazer merda.
— Não vai ser problema.
Retirei do bolso da calça jeans uma caixa em veludo azul com duas
alianças de ouro, que brilhavam dentro dela.
— Achei que antes de mostrar as alianças era feito um pedido. — Ela
estava incrédula. Dava para ver a pergunta de onde eu tinha arrumado os
anéis em seus olhos.
— Não sabia que você era romântica. Quer eu me ajoelhe também?
— Perguntei debochado. Naquela fase, Amélia fingia ser contra romances
ao extremo.
— Por favor. — Gesticulou para o chão. — Se você quer que eu
pague um mico desses e quebre a cara, nada mais justo do que você passar
por um constrangimento antes.
— Sério, se você fosse minha namorada, teria te beijado… Como
você fala! — Revirei os olhos, reclamando da tagarela.
— Ande logo, antes que eu mude de ideia.
Pelos olhos esbugalhados quando comecei a me ajoelhar, era óbvio
que Amélia não esperava que eu fosse cometer uma loucura daquela. Por
mais que a gente estivesse em um local com poucas pessoas, era o
suficiente para sermos zoados depois.
— Lia, você me daria a honra de ser seu marido por um dia? — Com
um joelho no chão e caixinha esticada na outra, fiz o pedido com a voz
mais séria que consegui ao prender o riso.
Um nervosismo estranho nos olhos dela quando me encarou
chamaram minha atenção. O que eu estava fazendo? Em menos de cinco
segundos, o nervosismo dela passou para mim e senti uma pressão
esquisita no peito.
— Ok… — disse, fazendo-se de cansada. — Você ganhou. — Não
aguentei manter a seriedade. Comecei a rir pela felicidade ao me levantar.
— Ela aceitou! — Alguém gritou. Aparentemente, todos que estavam
próximos a nós pararam de fazer o que faziam para prestarem atenção.
A tremedeira na minha mão ao retirar um dos anéis para colocar no
dedo de Amélia aumentou gradativamente, junto com a gritaria e votos de
felicidades.
— Você está tremendo.
Respirei fundo, ordenando que meu corpo funcionasse direito, pois
aquilo era uma encenação e a gente nem se gostava.
— Não me liguei na plateia que estamos tendo. — Consegui encaixar
o anel no dedo dela, mas não esperava sentir um choque pequeno quando
nossas mãos se tocaram.
— Arrependido?
— Não mesmo! — Entreguei-lhe o outro par para que colocasse em
mim. — Você consegue. — Incentivei quando ela também começou a tremer.
— Beija! Beija! — Alguns começaram o coro.
Meu corpo tomou uma decisão antes mesmo de meu cérebro
raciocinar se aquilo era uma boa ideia.
— Tomara que isso dê certo, Daniel! Ou você vai se ver comigo! —
Ela reclamou ao perceber o que eu faria.
Capítulo 8│Amélia
Eu já tinha visto aquele olhar. Eu sabia exatamente o que estava
passando pela cabeça de Daniel, pois sentia meu rosto queimar e meu lábio
formigar com aquela intensidade toda focada em meus lábios. Foi por algo
mais sutil, porém, parecido, que eu soube que ele me beijaria no meio da
escola anos atrás.

Eu ainda tremia quando senti os lábios macios, firmes e quentes dele


sobre os seus. Não durou dois segundos, mas foi o suficiente para a
agitação dentro de mim aumentar e eu ficar mais confusa com o que
acontecia. E, claro, para quem assistia entrar em euforia.
Graças àquela demonstração excessiva de afeto, a gente estava com
tudo certo para fazermos a tal tatuagem. Sim, em algumas horas, eu teria
um desenho na pele que, pelo visto, combinaria com a do meu amigo.
Daniel era louco, eu tinha certeza de que se não estava me falando o que
seria, era para eu não desistir antes de ser tarde demais.
Primeiro passamos na casa de Daniel para trocarmos de roupa e
deixar as mochilas. Na época, Carina estava namorando e focada
“demais” no namorado, por isso, não quis ir para ver se a gente
conseguiria.
No trajeto para o estúdio, Daniel me contou sobre a brilhante ideia e
disse onde poderia ser. Como incentivo, foi o caminho todo segurando
minha mão. Devia estar com medo de eu sair correndo, provavelmente.
Contrariando meu bom senso, não saí correndo, fui até o local com
um misto de sentimentos se revirando dentro de mim, que não diminuiu até
eu estar com a lateral da minha costela esquerda dolorida e longe do
estúdio.
Não foi difícil mesmo, a gente só explicou o que seria, onde Daniel
inventou uma entrevista de emprego e, por isso, o local escondido — nem
era pelo surto que nossos pais teriam ao descobrirem, sei. E, pronto,
tínhamos um desenho combinando para o resto de nossas vidas.
Por dentro, eu estava eufórica, era até melhor do que a primeira vez
que fomos escondidos na primeira festa, com bebidas alcóolicas baratas e
duvidosas. A adrenalina circulava meu corpo de forma tão intensa que eu
ria à toa.
Mal sabia que passaria os próximos três dias reclamando que doía
ao abaixar o braço. Eu ficaria feliz, pela primeira vez, por ter peitos
pequenos e poder não usar sutiã. Até que Daniel parou e me conduziu pra
mais perto de um muro para que, assim, não ficássemos no meio da
passagem.
— O que houve? — Perguntei, estranhando a mudança de clima.
— Lembrei de algo… fui o primeiro?
Demorei a entender sobre o que ele falava.
— O beijo?
Daniel confirmou com um aceno de cabeça.
— Foi. Mas nem considero selinho beijo…
— Pra mim também. — Daniel me interrompeu. Ele parecia meio
envergonhado e lançava os olhares ansiosos para minha boca.
— Sério? Jurava que você tinha beijado a Juliana na festa, ou
Samanta…
Daniel se adiantou, de uma forma meio desajeitada, e iniciou um
novo primeiro beijo mais completo. Com direito a uma mão segurar a
minha cintura e a outra a minha nuca, mantendo-me junto do seu corpo.
Eu não tinha do que reclamar. Ele era um dos garotos mais bonitos
da escola, e claro que uma ou duas vezes, talvez mais, eu já tivesse sonhado
com algo parecido, mas nunca admitiria. Por isso, relaxei, e retribuí ao
beijo e aos toques. Com certa timidez, acariciei seu rosto, bem onde a
barba começava a crescer, espetava um pouco. Assim, tive certa certeza de
que era real e me deixei aproveitar. Fiz um leve carinho próximo à orelha
de Daniel e em seu cabelo.
Não saberia precisar o tempo, mas parecia ter sido bastante. Com
certeza, ficaria gravado como o mais intenso da minha vida. Todos os
pequenos choques que senti transformaram-se em puro fulgor. Bem como o
beijo foi se ajeitando, de bocas desajeitadas para sincronia perfeita.
Aos poucos, a gente foi se acalmando, até pararmos somente com as
pontas dos narizes encostadas.
— Achei que merecíamos um de verdade. — Daniel disse, sem se
afastar.
Eu não sabia o que responder. O pânico tomou conta de mim, o que
aconteceria agora? Éramos melhores amigos.
— Lia… tudo bem?
— Sim… hum… — Mordi o lábio inferior, que ainda estava bem
vermelho e meio inchado pelo beijo. Pelo visto, só fiz com que Daniel
sentisse mais vontade de voltar a me beijar, pois o olhar dele ficou mais
intenso. — Ainda somos amigos, certo? — Consegui perguntar, quebrando
o clima e morrendo de medo da resposta.
— Claro! — Ele me puxou para um abraço. — Desculpa. Apenas me
deixei levar… você está irritada comigo?
— Não. Só que… Fiquei preocupada. Não quero que a gente fique
estranho e pare de se falar com o tempo por causa de uma brincadeira.
— Também não quero.
— Então é como se nada tivesse acontecido?
— Se for mais confortável assim.
Com toda certeza do mundo, foi melhor daquele jeito. Eu tive tantas
fases inconstantes, em que não me conectava com ninguém, e Daniel
sempre foi tão distante naquele assunto, que a gente tomou a decisão certa e
a nossa amizade se tornou uma das coisas mais importantes para mim.
Infelizmente, meu cérebro naquela noite não estava concordando em
nada com decisões passadas, mas, sim, com as fisgadas internas que
comecei a sentir com a aproximação dele. Era culpa daquela cachaça
maldita. Só podia ser, pois eu já tinha passado daquela fase de paixonite
pelo melhor amigo há anos.
Só o álcool para me fazer puxar Daniel pela camisa, para que
abaixasse a cabeça e ficasse com os lábios parelhados aos meus. Hesitei por
um segundo interminável. Um segundo que me fez capaz de sentir o hálito
quente contra minha pele, notar a respiração ofegante, o perfume forte, o
calor se espalhando por cada lugar que nossos corpos se encostavam.
— Eu estava falando sério. Você parece estar em outro lugar. —
Soltei a camisa dele e tentei me afastar, mas Daniel não me soltou.
— Eu estava pensando em formas de torturar o babaca lá.
O “babaca lá” era o homem que me chamara para sair. Porém, um
pouco antes de entrarmos no Circo Voador, uns amigos dele chegaram e
conversaram com ele durante uns minutos. E, quando já tínhamos entrado,
o dito cujo que não merece ser nomeado, comentou que um dos amigos
falou que eu era muito fora do padrão dele, que ele já tinha ficado com
mulheres melhores. Pois é, indiretamente, ele deu um jeitinho de reclamar
do meu peso, sem ser exatamente ele.
Agora, pasmem, o dito cujo também era acima do peso!
Aparentemente, o tal “padrão” tido em alta estima era apenas para ele e
para os amigos, né? E isso pensando de um jeito bem escroto. Mas na hora
eu travei, não soube o que responder, o que falar. Só senti aquele dedo na
ferida cicatrizada, porém, com cicatriz recente, sabe? Foi como engolir uma
pedra que me deixou muda, apenas assentindo com as besteiras que ele
falava.
Quando eu já tinha analisado todas as rotas de fuga, peguei meu
celular e vi uma mensagem de Daniel, avisando que estava por perto, com
Lucca e um outro amigo deles que eu não sabia o nome. Não foi preciso eu
esperar nem dois minutos depois de pedir para ele vir me encontrar na porta
do Circo, para ter uma resposta confirmando.
Eu nem tinha mais cara para reclamar de ele ser um chato
intrometido, ele vivia me socorrendo de furada!
— Eu gostaria de ver isso.
— Eu sei que sim. — Ele raspou a ponta do nariz pela base do meu
pescoço, meu corpo inteiro arrepiou e eu me encolhi, já meio perdida no
meio dos músculos dele.
E aquele era o maior problema, Daniel era um chato intrometido que
estava me deixando ainda mais quente e melada, conforme uma de suas
mãos subia e descia pela lateral do meu corpo, ora acariciando de leve ora
apertando minhas gordurinhas, eu sentia minha boceta pulsar e um líquido
escorrer. E, a cada carícia, nossos corpos ficavam mais perto, mais
grudados, apesar de eu sempre achar que não tinha mais como.
— Acho melhor a gente ir para casa. — Não pensei direito em como
aquela frase poderia ser interpretada. Até porque, nem eu sabia se era para
tentar interromper aquilo antes que desse ruim ou porque não queria Lucca
de olho no que poderia acontecer, para depois ficar nos encarando com
aquele olhar de repreensão, como sempre.
— Não sei se é uma boa ideia, Lia.
— A gente nunca tem boas ideias. Vide nossas tatuagens.
— Ei! Eu adoro meus pedaços de pizza.
Ele tinha feito uma pizza com 5 fatias e eu os 3 pedaços que faltavam
para completar uma inteira de 8. A ideia era péssima, pois eu sempre me
enrolava para explicar que um amigo tinha o restante da tatuagem.
— E eu adorei que você foi a primeira garota que eu beijei.
Capítulo 9│Amélia
Minha cabeça latejava de dor antes mesmo de eu tomar coragem para
abrir meus olhos. Há quanto tempo eu não bebia daquele jeito? Duas
semanas. Lembrei. Tinha saído com Carina e Bárbara na última sexta-feira.
Havia um peso nas minhas costas que dava a sensação de
sufocamento. Eu precisava sair dali. Precisava respirar. Porém, qualquer
esforço era frustrado pela minha enxaqueca. Acho que estou ficando velha
para bebedeiras. Vinte e quatro anos devia ser o limite entre uma manhã
sem ressaca e as agulhas afiadas que tomavam conta do meu cérebro…
Fosse pelo braço que me apertava.
Braço?
Oh, não!
Não!
Não!
Eu não… A gente não…
O braço tatuado era o de menos, se fosse bem sincera. O quarto
organizado que, obviamente, não era o meu, não era o problema. Várias
vezes eu fugia da minha desordem para me aconchegar exatamente ali,
naqueles braços. O problema era… eu não estava usando nada. Zero,
nadinha de roupa.
Eu nunca. Veja bem, nunca tinha ficado com tão pouca roupa íntima
perto dele — na piscina eu usava maiô. Apesar do que todos achavam por
morarmos juntos, sempre mantivemos o mínimo de roupas aceitáveis na
frente um do outro. Além do que, eu morria de vergonha generalizada.
Daniel sempre saía com mulheres esculturais desde que começou a
namorar. E ele não deixava a desejar, cuidava da alimentação e fazia
exercício todos os dias. O oposto de mim, que há duas semanas não ia à
academia e comia como se o mundo fosse acabar amanhã, ou quase isso, os
chocolates remanescentes da noite em que minha TPM ficou tão atacada,
que Daniel foi dez horas da noite procurar um local aberto.
Senti um pequeno arrepio. Quase certeza de que ele tinha cheirado
meu cabelo ao esfregar o nariz perto do meu pescoço.
Será que está acordando?
Eu estava em pânico e o mais alerta que conseguia dadas às
circunstâncias.
Com muito esforço, porque meu colega de apartamento tinha uns
100kg de músculo, consegui me arrastar para fora da cama.
Não faça nenhum movimento brusco, Amélia.
Eu mentalizava antes de cada movimento do meu corpo. Ele me
chamava de ogrinha, não por nada. Eu mal passava de 1,56 m e estava
sempre esbarrando nas coisas, tropeçando, quebrando… Por aí vai…
Diria que foi milagre. Pois consegui sair da cama, pegar minha roupa
na mesa de cabeceira ao lado e sair do quarto sem trombar em nada. Nem
mesmo na guitarra perto da porta que, com frequência, ela iria parar no
chão na minha presença.
Taquei a roupa no chão do meu quarto, duas portas depois do dele, e
corri para o banheiro. Precisava de água gelada. Precisava de água gelada.
Na tentativa de escape, minha cabeça se rebelou. Retumbava mais. Eu já
estava ouvindo um zumbido quando senti o jorro de água gelada aliviando
um pouco os sintomas. Eu tinha transado com o Daniel. Isso era um fato.
Ainda não lembrava todos os detalhes, mas minhas coxas doloridas e a
ardência na minha vagina não negavam o que tínhamos feito.
Como eu podia esquecer mais da metade da transa com o meu sonho
de consumo adolescente? Eu lembrava de gozar umas três vezes.
Três? Sério?
Os beijos, os toques, algumas posições ficavam mais claras conforme
a água descia pelo meu corpo. Talvez eu devesse ter escolhido água morna
para relaxar os músculos… Lamentavelmente, nada ficou mais claro do que
as poucas imagens. Eu não conseguia lembrar nem como era o dito cujo
dele. Que vergonha. Vergonha pura era o que eu sentia, e era o sentimento
que desencadearia para quem eu contasse. Não que eu pretendesse sair
falando para minhas amigas. Com certeza, não para Carina. Não. Ela nunca.
Bárbara zombaria de mim pelo resto da vida.
Em todo caso, eu necessitava pensar claramente. Procurava ignorar a
maneira como minha cabeça se rebelou na tentativa de escape. Retumbava
mais a cada memória que eu buscava resgatar. Eu já estava começando a
ouvir um zumbido antes de sentir o jorro de água gelada, que dava uma
sensação de alívio para ela, mas retesava todos os meus pobres músculos
desacostumados com sexo naquela potência e homens no porte de Daniel. O
cara tinha o quê? 1,91 m? Sei que era grande. E forte. Muito forte. Gostoso.
Sonho de consumo de muitas mulheres, as velhinhas do prédio ficavam
doidas quando obtinham a ajuda dele com alguma coisa. Porque não
bastava ser lindo, o filho da mãe era um cavalheiro, prestativo, dotado de
um sorriso cativante, que derretia o mau-humor alheio em dois segundos.
Pronto! Já tinha divagado para longe, de novo.
Enfim, a conclusão mais óbvia que cheguei foi: eu não me lembrava
de nada depois de terminarmos a primeira garrafa de tequila.
Sim. Essa vai ser a minha versão. Ainda, eu acordei, pelo menos, com
a camiseta do pijama.
Não importava o quanto meu corpo lembrasse da sensação de ser
apertado, moído pelas mãos fortes e grandes do meu colega de apartamento
na noite passada.
Um gemido escapou dos meus lábios. Eu quase podia sentir a pressão
dos lábios exigentes dele quando nos beijamos na sua cama, sem querer.
Ok, Amélia. Pare. Simplesmente, pare. Ou não dará certo.
Daniel nunca namorara firme. Não por mais de dois meses, pelo que
eu soubesse.
Droga!
Ele possuía uma namorada agora. A Luísa. Quase vomitei só de
lembrar da figura. Eu não gostava dela e ela não gostava de mim.
Tá, a maioria dos mulheres que Daniel pegava não me adoravam. Eu
provavelmente também teria dificuldade para gostar e confiar na mulher
que dividia o teto com o meu namorado. Nem que fosse no início, eu teria
ciúmes. Eu tinha ciúmes dos meus amigos. Não teria de um namorado?
Mas Luísa era um caso a parte. Ela tinha aversão, asco mesmo, à
minha pessoa. Só faltava torcer o nariz e vomitar ao me ver. A parte do
nariz ela fazia. Era um gesto pequeno, discreto, que surgia toda vez que nos
encontrávamos. Óbvio que, na frente dele, ela era um doce comigo, exceto
pelo lance do nariz. Agora, deixe-nos sozinhas para ver como a postura dela
muda completamente.
Independentemente de ele ter ou não namorada, nutrir esperanças
sobre uma noite de sexo casual era estupidez. Já tinha me conformado com
aquela ideia bem antes de aceitar morar com ele no meio da faculdade.
— Amélia!
Um calafrio passou pelo meu corpo. Daniel batia à porta de madeira
com os nós dos dedos, educado, quase que não ouvi sua voz preocupada
diante dos pensamentos desconexos.
— Amélia, você está bem? Você está aí há trinta minutos. — Daniel
complementou, começando a ficar nervoso.
— Estou. — Lembrei de responder, ou era capaz de ele tentar abrir a
porta. Eu tinha trancado? Acho que não… — Só um pouco de dor de cabeça
— expliquei, sabendo bem o porquê de Daniel estar tão preocupado. Eu não
era de demorar nem dez minutos. — Já vou sair.
Minhas repostas pareceram tranquilizá-lo, pois soltou um resmungo e
não falou mais nada.
Eu não tinha noção de que passara tanto tempo. Minhas mãos não
negavam. Murchas tal qual maracujá passado. Com uma parte do meu
corpo querendo ficar e parte da minha consciência também, o meu lado
racional foi responsável por todo esforço para me fazer sair dali antes que
Daniel voltasse.
Peguei a toalha roxa no suporte ao lado do box e me apressei para o
meu quarto. Podia ouvi-lo mexendo nas coisas da cozinha para fazer o café.
Recolhi a saia e a blusa que tinha jogado no chão e larguei em cima da
cadeira da mesa do computador. Tinha uma pequena pilha com roupas que
eu deveria separar para lavar e estava enrolando há alguns dias.
Escolhi um vestido qualquer no armário e saí do quarto penteando
meu cabelo loiro de salão — aquele castanho que várias mechas e luzes são
feitas para adquirir um tom de loiro saudável — com os dedos, após passar
o creme de pentear. Nem sempre eu tinha paciência para cuidar dele da
maneira que deveria, felizmente ele era liso, porque eu dificilmente teria a
disciplina de Carina para ter cachos bonitos. Precisei voltar para pegar a
toalha em cima da cama.
Aja naturalmente, eu falava para mim mesma, na tentativa de
controlar minhas pernas bambas.
— Confesso que estou enjoada para comer algo agora — comentei ao
ver Daniel fritando ovos.
— Nem chocolate?
Eu esperava pela implicância. Fazer o que se meu estômago era meio
seletivo e só aceitava chocolate e café depois dos porres.
— Nem chocolate. — A gente realmente exagerara na noite anterior.
— No máximo seu café divino. — Sentei-me em um dos tamboretes da
bancada que dividia a sala e a cozinha. Minha vista era privilegiada.
Podia observar todos os movimentos metódicos de Daniel pela nossa
pequena cozinha. Pequena para ele, né?! Porque eu costumava deixar um
banquinho de madeira para alcançar as prateleiras mais altas. Ele usava uma
samba-canção de seda, de alguma marca famosa, mas que eu só via pessoas
da idade do meu pai usando, sabe, senhores de quase 60 anos.
Sinceramente! Daniel era apenas dois anos mais velho do que eu, mas tinha
uns hábitos que, nossa… A regata branca deixava bem à mostra os braços e
parte do peitoral com alguns pelos negros. E que braços… não era proibido
babar nos músculos do morador do mesmo apartamento, certo? Até porque
eu tinha a impressão de ainda sentir a pegada dele no meu quadril.
— Achei que tinha desmaiado lá dentro.
A voz zombeteira dele me fez acordar. Mal tinha percebido que
Daniel ligara a televisão. Outro hábito de velho. Ligar o aparelho só para
ficar escutando as notícias enquanto preparava o café da manhã, quase
almoço. Olhei para a tela plana só para ver que eram quase 11h. Eu poderia
olhar meu celular. Mas tinha quase certeza de que o aparelho ficara no
quarto do senhor de 80 anos mentais à minha frente.
— Quase isso… — comecei a responder. Aja naturalmente. —
Aquela mistura de ontem… depois da garrafa de tequila, não lembro nem
de como fui parar no teu quarto.
Eu estava ensaiando aquela frase para soar verdadeira. Mesmo assim,
quase errei. Eu era uma péssima mentirosa. O que me fazia manter a ideia
do esquecimento, era o fato de que não saberia lidar com as consequências
dos nossos atos em nossa amizade.
— Não lembra de nada? Nada? — Ele olhou por cima do ombro,
desconfiado. Daniel não só me conhecia, mas era advogado na área
criminal, possuía anos de base para me interpretar e uma habilidade nata
para farejar a mentira em seus clientes. Por isso, eu mantive meus olhos em
algum ponto do cotovelo dele.
— Nada. Tenho uns flashes de quando estávamos dançando e eu
batendo na mesa de centro. — Tinha um novo roxo na minha canela
esquerda, que devia ser por conta do pequeno incidente. — Mas acaba aí.
— Hum…
Daniel me pareceu um tiquinho desapontado. Ele desligou as bocas
do fogão. Primeiro tampou a Moka, deixaria parada por um minuto antes de
abrir e servir o café.
Tínhamos duas cafeteiras elétricas. Uma de colocar cápsulas e outra
normal. A primeira foi a mãe dele que achou que eu gostaria da variedade
de líquidos que podia fazer em um único aparelho, a segunda fui eu mesma
quando me mudei, era mais seguro, porque a Moka eu acabava esquecendo
de desligar no tempo certo. Mas o velho gostava de fazer à moda italiana ou
antiga, como preferir. Tinha para mim que se ele não achasse o coador de
pano anti-higiênico demais, usaria um.
Eu só não podia negar que o cheiro que impregnou a cozinha era
delicioso. Logo, minha caneca de bolinhas coloridas estava cheia na minha
frente. Possivelmente eu não eliminara completamente o álcool do meu
organismo, porque mal vi o movimento dele pegando as canecas e
colocando o café.
— Obrigada. — Enfiei o nariz no espaço redondo, quase encostando a
ponta no líquido quente. Eu amava pouco o cheiro de um bom café, como
podia-se observar. — Achei que você fosse se levantar mais tarde. —
Rotina, era um assunto seguro.
— Tenho de arrumar a mala. A Luísa marcou dez horas para eu
passar lá. Alguém não me deixou fazer ontem, sabe… — Daniel pegava o
requeijão na geladeira e o prato no armário. O pão estava em um saco
plástico na bancada.
— Ei! Foi você quem quis bancar de segurança!
Sobre a viagem, eu sabia que não era a lazer ou pela namorada.
Daniel estava sempre viajando a trabalho. Esse fora um dos motivos que
usou para me convencer a morar ali. O outro é que eu estava dormindo na
sala dele noites demais na semana.
No segundo semestre da faculdade de Contabilidade, eu consegui um
estágio remunerado que tomava minha manhã e parte da minha tarde, o
restante da tarde e à noite eu tinha aulas. O apartamento do Daniel ficava
muito mais perto da minha faculdade. De início, meu pai foi completamente
contra. Para o azar dele, minha mãe amava Daniel, a ponto de passar por
cima de suas crendices sobre amizades entre homem e mulher, sexo depois
do casamento… Enfim, esses conceitos meio ultrapassados. Eu achava que
minha mãe só visualizava os netos que minha genética e a dele poderiam
gerar. Bolofas — bolotas fofas — brancas, que nem papel, e olhos
castanhos.
— Eu só quis aproveitar meu amigo um pouco. Mas, por favor, se
você atrasar, diga que foi o cansaço da viagem a trabalho — roguei. Luísa
me dava medo.
— Não sei porque você tem medo dela. Ela te trata tão bem.
Viu? Ele me conhecia. Eu nem precisei falar do meu temor. Daniel
cortava o pão e passava o requeijão. Meu estômago fez um “blum blop” que
pensei que colocaria o lanche de ontem para fora.
Nunca mais vou beber assim!
— Ela faz kravmagá, crossfit, e aquela luta lá que eu não gravo nome.
— Eu fui levantando os dedos para enumerar meus receios. — Acho que o
mais próximo de alguma luta que cheguei foi capoeira, porque minha mãe
me obrigou, e karatê com a sua irmã, quando eu tinha uns 17 anos. Sendo
que se eu fui a três aulas, foi muito.
Ele passou o ovo para o pão. O prato com a iguaria foi colocado na
bancada, praticamente diante de mim. E começou a adoçar o café com
açúcar ao se sentar no tamborete dentro da cozinha. Pois é, de que adiantava
fazer um café maravilhoso, cheio de firulas, e colocar açúcar?
— Porque você desiste logo. — Eu só prestei atenção na colherinha
que ele enfiou na boca para lamber o líquido adoçado. Isso é horrível!
Desde meus 18 anos, eu não ficava tão obcecada por cada movimento do
gigante à minha frente. — Mas luta não quero você fazendo, não. Se sem
fazer você já me bate, imagina fazendo.
Eu gargalhei, quase derrubando a metade do café que ainda havia na
minha caneca.
— Sabe, estou preocupado com você sozinha nesse feriadão… —
comentou, após alguns minutos saboreando a comida. — O que você
pretende fazer esses dias?
— Devo visitar meus pais. — Inventei qualquer coisa. Nem lembrava
que segunda seria feriado e aí a grande massa proletariada iria emendar com
o final de semana.
— Duvido. — Ele deu uma boa mordida no pão.
Eu não estava tendo pensamentos eróticos assistindo Daniel tomar
café, certo? Ainda bem que ele ficaria longe pelos próximos três dias!
Sobre meus pais… Eu os amava, sério. Não tinha problemas nenhum
de aceitação por ser adotada ou coisa parecida. Lá no fundo, eu sempre
desconfiei, pois não parecia muito com eles, com a minha mãe, que era
negra, menos ainda. Só que eu era cagona para enfrentamentos, e tinha uma
mente criativa de milhões para criar teorias malucas. Vai que meu pai teve
caso com alguém? Como eu lidaria com aquilo? Até que, um dia, ouvi os
dois conversando sobre ser a hora de me contar, eu tinha uns 15 anos na
época e, claro, toda a positividade que existia na minha cabeça sobre o
assunto se esvaiu, e eu precisei de um tempinho para processar a verdade e
tudo mais.
E qualquer problemática sobre aquilo ficara no passado, eles me
amavam demais e isso não mudou no momento em que Lavínia engravidou.
Eu tinha 9 anos, e daquela gestação eles tiveram um menino, Olavo — a
tradição com nomes de velho sempre em dia.
A questão de hoje estar evitando-os, era que eu fingia que continuava
trabalhando enquanto conversávamos, dia sim, dia não, por telefonemas e
chamadas de vídeo. Só estava evitando as reprimendas que ouviria ou
qualquer sermão que pudessem achar útil.
Embora eu já estivesse ficando agoniada com o ócio, aquele esquema
de moradia era econômico. Daniel sempre pagou as contas mais pesadas,
condomínio era uma delas. A desculpa dele, era de que ele já pagaria tudo
sozinho. Eu fui insistindo e começando a pagar mais coisas conforme
ganhava mais. Mesmo assim, eu podia, tranquilamente, ficar de três a
quatro meses em casa sem me preocupar.
O pior não era o desemprego. Dessa vez, era minha falta de
motivação para procurar emprego no mesmo cargo.
Isso sim era razão suficiente para minha mãe dar um sermão sobre
responsabilidade e comprometimento. Ela era professora de português e
inglês. Sempre soube o que queria fazer, possuía orgulho inerente à
profissão. Conseguira a aposentadoria há dois anos, mas continuava
trabalhando com aula particular em casa, focada em preparar os alunos para
prestarem vestibular. Em sua opinião, eu enjoava muito fácil de tudo e não
me empenhava em nada.
Infelizmente, ela estava totalmente certa. Eu tinha noção disso.
Terminei a faculdade por teimosia, mas, no geral, largava a maioria dos
cursos pela metade.
— Minha mãe disse que você pode passar lá amanhã. Vai ter lasanha.
Eu chamava de jeitinho Daniel para que eu não me sentisse sozinha.
— Ela sabe me conquistar. — Eu sorri para o último gole de café em
minha caneca. — Se eu gostasse de mulheres, a seduziria só para ter alguém
fazendo essas comidas deliciosas para mim.
— Eu não sei se me sinto ofendido ou mantenho meu lado bonzinho e
te lembro de que sua comida também é deliciosa.
— Pode deixar que vou trazer e guardar um pedaço para você. Não
precisa adular. — Apoiei os cotovelos na bancada e inclinei o corpo para
pegar uma das maçãs, que já deixávamos lavadas, na fruteira instalada na
ponta da bancada. — Quanto a você, não adianta cozinhar bem e só ficar
dois dias em casa… — Mordi a maçã meio ácida demais. A gastrite
mandaria lembranças em breve.
— A gente inverte no quesito adulação e eu penso em deixar umas
marmitas preparadas.
— Vou cobrar. Mas não vou gastar agora, porque você nem vai ficar
em casa. — Dei outra mordida na maçã. — Você vai se atrasar. — Olhei a
televisão novamente. Aparentemente, estavam acontecendo alguns ataques
a lojistas depois da morte de uma garota de 16 anos na Itália. — Sua mãe
tem um irmão que mora por lá…
— Sim.
Até olhei de novo para conferir se ainda era o Daniel me
respondendo, a maneira seca e olhar duro não eram comuns dentro de casa.
Somente nos fóruns. Eu via algumas vezes e achava impressionantemente
sexy.
— Eu achava que essa área da Toscana era tranquila…
— Vou arrumar a mala. — Daniel se levantou rápido, levando o prato
e a caneca consigo. — Vê se não fica enfurnada nesse apartamento todos os
dias, ok? — Deixou a louça na pia. Eu lavaria, porque ele fizera o café. E,
claro, eu estava ficando em casa sem nada para fazer.
— Sim, senhor. — Bati continência e estufei o peito, ficando em pé e
arrancando uma gargalhada dele. Ele depositou um beijo no topo da minha
cabeça e se afastou, rindo. Será que ele lembrava de algo?
Nah. Esqueça, Amélia. Descobrir ou ficar tentando adivinhar o que
ele lembrava não mudaria sua resolução de agir como se nada houvesse
ocorrido.
Capítulo 10│Daniel Bianchi
Puta ressaca, pensei assim que abri os olhos de vez. Uns minutos
antes devia ser alucinação, pois, por um instante, achei ter visto Amélia
saindo do meu quarto com a bunda de fora. Era impossível, ela não ficaria
assim perto de mim. A não ser que…
Sentei-me rápido, com o coração acelerado enquanto sentia como se
uma faca estivesse sendo enfiada no meu crânio, tamanha a dor de cabeça
que surgiu do nada.
É, é oficial, os 30 chegaram para mim com dois anos de
antecedência.
E sim, pelo visto, eu tinha feito merda. A porra seca no meu púbis
estava ali para comprovar que, no mínimo, eu gozei.
Merda!
Voltei a me deitar, jogando o corpo para trás com força. Pela primeira
vez na vida, eu tinha transado e não conseguia me lembrar de todos os
detalhes. E, para melhorar, foi com a minha melhor amiga. A garota que
passei anos fingindo que não sentia nada, a que tinha como meta proteger e
que deveria me afastar de vez, pois meu prazo para continuar nessa bagunça
de ir e vir ao Brasil estava acabando.
— Parabéns, Daniele, fez uma ótima escolha. — Imitei Amélia,
quando ficava repreendendo a si mesma.
Na noite anterior, eu acabei me permitindo abaixar a guarda e beber
como se fosse qualquer cara de 28 anos. E não alguém que logo estaria
embarcando para a Itália, deixaria a namorada em um resort e precisaria
resolver problemas de terceiros.
Soltei mais alguns xingamentos antes de me levantar para tomar
banho e colocar pelo menos um short antes de sair do quarto e descobrir
qual era o estrago.
A caminho da cozinha e conferindo as mensagens no celular, vi que
Luísa perguntou se eu passaria para buscá-la às 10h. Apenas confirmei.
Felizmente, eu tinha encontrado uma mulher que se preocupava mais com
os lugares que eu podia levá-la e os presentes que podia comprar do que
com a minha vida. E isso, por enquanto, servia perfeitamente.
Era alguém fixo para desestressar sem que eu tivesse de ficar
checando passado, antecedentes criminais, laços familiares. Ser eu era um
porre, fato. Se eu pudesse fugir e levar Amélia comigo, eu faria.
Por sinal, vê-la se sentando na banqueta, colocando uma das mãos
entre as pernas para se ajeitar, foi um puta gatilho para me lembrar dela,
sentada em mim, indo para frente e para trás, enquanto se apoiava na minha
barriga e enfiava as unhas sob a minha pele, comprimindo meu pau a cada
ondulação.
Eu continuei preparando o café da manhã para me distrair e não ficar
lembrando do arco perfeito que o corpo dela fez ao jogar a cabeça para trás,
gozando e gemendo meu nome, ou como era bom apertar a carne macia do
quadril até sentir meus dedos dormentes.
Ainda bem que vou passar alguns dias fora.
Seria difícil não falar sobre, não tentar repetir, sendo que as partes do
que aconteceu durante à noite estavam voltando aos poucos.
Por isso, tentei me distrair ao máximo durante a conversa, mantendo o
clima leve e as brincadeiras de sempre. Até ouvir sobre os ataques às lojas.
Eu sabia o que tinha acontecido. A filha de uma pessoa importante na
região, um chefe, Don, igual a Salvatore, de 16 anos, tinha sido sequestrada
e morta, aquela confusão era só o começo de uma retaliação até
encontrarem os responsáveis de verdade.
A notícia no jornal trouxe de volta o peso que eu carregava na maior
parte dos dias. As responsabilidades e decisões que eu precisaria tomar nos
próximos dias tensionaram meus ombros no caminho para o quarto.
O celular que eu tinha deixado em cima do colchão começou a vibrar
na hora em que coloquei a mala aberta perto dele. Pelo visor, eu já sabia que
era Matteo.
— Diga.
— Preciso de você no escritório. Sei que tem viagem marcada, mas é
um caso importante.
— Deve ser. Para eu precisar ir aí num sábado de manhã. — Soltei o
ar numa baforada forte, irritado, já imaginava que devia ser um dos casos
especiais.

*
Eu olhei para o garoto de 16 anos à minha frente, magrelo, com
roupas largas demais e alguns tiques. Assim como a maioria dos
adolescentes, pensava que as respostas que possuía eram as corretas para
tudo na vida. O homem, na faixa dos cinquenta anos, em seu terno risca giz
feito por algum alfaiate particular, ao seu lado não colaborava.
Dezesseis anos… Foi quando tomei meu primeiro porre da vida. E
descobri o quão intolerante a família da minha mãe era com desvio de
comportamento e falta de responsabilidade. Para eles, ou você sabe beber,
ou não bebe nada. Era inaceitável perder o controle de suas ações.
“Senti primeiro o chão duro e frio embaixo de mim. A água
congelante molhando meu rosto veio em seguida. Ouvi o retumbar do balde
que foi jogado no chão. As botinas pretas apareceram no meu campo de
visão segundos antes de um jato forte de água ser direcionado na minha
barriga. Eu gritei. Implorei que parassem. O que segurava a mangueira,
Giovanni, possuía um sorriso sarcástico. O outro, Carlo, estava sério, de
braços cruzados com as mãos abertas abaixo das axilas. Ambos naquela
época já possuíam os braços tatuados até as mãos.
Eu me encolhi, só o que eu conseguia era colocar outro membro
como alvo.
Quando Carlo disse “chega”, o jato parou. Ainda levantava no
momento que comecei a vomitar em cima de mim, no chão…”
O filho do meu tio tinha um jeitinho peculiar para passar seus
ensinamentos. Uma coisa eu tinha certeza, os dois nunca teriam aceitado
que eu atropelasse um senhor, com idade para ser meu avô, uma família
para sustentar e amar, por estar embriagado. Senti um calafrio só de
imaginar o que poderiam fazer. Eles também não teriam aprovado minha
última bebedeira com consequências ainda indefinidas…
Mévio (eu gravava seus nomes, mas, ao pensar neles, sempre usava
aqueles nomes ridículos que a faculdade deixara gravado em meu cérebro)
olhava com soberba para a esposa/viúva do falecido sentada ao meu lado.
Ela relia o acordo. Se o assinasse, estaria aceitando não entrar com
nenhuma ação futura, não mencionar o ocorrido a outras pessoas e, o
principal, com o valor.
Um ótimo valor. Um dos mais altos que já vi pagarem em acordos
daquela espécie. Seria mais do que suficiente para arcar com seus gastos
mensais pelos próximos cinco anos, pagar o que faltava da escola dos filhos
e, se quisesse, pagar a faculdade para os dois.
Valor irrisório perto do que o pai de Mévio perderia se expusessem
seu bebê (continha ironia). Sua carreira política ganharia mais uma
rachadura.
— Rosa — chamei a senhora, tocando seu ombro. — Eu sei que nada
vai suprir seu marido e que o valor talvez não seja o que você estava
esperando. Você quer um tempo para pensar?
Ela negou. Eu podia ver o asco no franzir de nariz do garoto quando
ela assoou o nariz no lenço de papel. Com as mãos cerradas para controlar
minha vontade de puxar Mévio pela gola da camisa e deixá-lo desfigurado,
vi Rosa assinar todas as folhas à sua frente. O pai soltou um suspiro
bastante ruidoso, aliviado, e deu um sorrisinho satisfeito ao dar tapinhas nas
costas do filho, como se ele merecesse congratulações pela merda que
fizera.
Acompanhei Rosa até a porta. Ela se despediu de mim com um
abraço atrapalhado.
— Você é um bom menino. Obrigada por tudo. — Ela apertou minha
mão entre as suas e saiu.
— Perfeito! Você foi perfeito, Bianchi!
Foi a minha vez de receber uma batida forte nas costas como
parabenização. Sorri com um canto da boca, sem a menor disposição. O pai
de Mévio era cliente antigo do escritório.
Eu já avisei que nem sempre gosto do meu trabalho como advogado?
Um escritório daquele porte não ganhava força pelos clientes que eu
gostava tanto de defender. Mas sim com clientes do mesmo nível ou piores
que o pai de Mévio. Podíamos chamá-lo de Tibúrcio.
Tibúrcio nos pagava para evitar escândalos que sua imagem não
suportaria.
— Seu tio deve estar orgulhoso de você.
Infelizmente, sim. Ajeitei o botão do paletó. Para minha felicidade,
Neide surgiu, colocando a cabeça para dentro da sala. A senhora de meia
idade me conhecia a ponto de saber o momento exato de me salvar.
— Seu compromisso das 10h está aqui.
Até eu caía no tom sério dela.
— Estou indo. Senhores, bom dia.
O garoto mal levantou o rosto do celular. O pai ainda me deu mais um
daqueles sorrisos de deputado e um aperto de mão.
— Luísa está aqui e parece mais impaciente do que das outras vezes.
— Ela avisou enquanto caminhávamos até minha sala. Pelos seus lábios
franzidos, eu sabia quem era minha visita. — Eu preciso da sua assinatura
nesses documentos. — Ergueu a pasta preta fina de couro.
Minha cabeça doeu só de olhar para ela.
— Você sabe que hoje não é meu dia de trabalho, não sabe? — Ela
lançou um olhar sério que eu nunca teria coragem de discordar. — Posso
assinar depois?
— O que você acha?
— Uma hora e te libero mais cedo. — Tentei negociar, fazendo minha
melhor cara de menino pidão.
Ela sacudiu a pasta e praguejou:
— Você não vale nada, senhor Daniel.
Eu ri, pisquei o olho e entrei na sala. Luísa estava sentada na minha
cadeira, e se levantou assim que me viu. Caminhou na minha direção e eu
não demorei a puxar sua cabeça de encontro à minha, embrenhando meus
dedos no cabelo castanho, com a brutalidade e urgência que meu nível de
estresse demandava.
O bom de Luísa, era que ela já havia se acostumado à minha falta de
delicadeza na maioria dos nossos encontros. Fiz um caminho de beijos e
mordidas até o seio arrebitado pelo silicone colocado no ano passado, raspei
os dentes pelo bico endurecido que estava visível mesmo sob o tecido da
blusa social preta e do sutiã. Ela gemeu alto. Havia um prazer na morena
em causar uma pequena comoção quando começávamos algo na minha sala.
Ela se excitava ao deixar claro que eu estava acompanhado.
Para mim, não fazia a menor diferença. Dos homens da minha
família, eu era o discreto. Na última visita, meu primo se aproveitou da
saleta de café, deixando seu segurança na porta aberta só para que ninguém
atrapalhasse enquanto fodia uma das estagiárias. Virei Luísa para a mesa e
levantei a saia lápis cinza chumbo de uma vez. O tapa certeiro deixou uma
marca vermelha na nádega branca. Seu gemido foi ainda mais alto. Encapei
meu pau com uma camisinha que retirei da carteira, rasguei a calcinha
minúscula, esfreguei os dedos nos líquidos que molhavam a boceta depilada
e estoquei com força, arrancando mais um gemido potente.
Agarrei os cabelos com uma mão, retorcendo-o, puxando o tronco
dela contra o meu. Com a outra, aproveitava para apertar seus seios, sua
cintura e dar tapas na bunda que não era tão volumosa ou convidativa
quanto de Amélia. Péssima hora para pensar na ogrinha. Péssimas
lembranças para me dominarem. Mas era tarde demais. Quando percebi,
estava fodendo Luísa em um ritmo frenético, tentando afastar as memórias
que a cada vez ficavam mais vívidas. Os gemidos passaram a me
incomodar, porque não eram do mesmo timbre. Podia não ser o mais
correto, mas soltei o cabelo dela e abafei os sons com a mão. Luísa
empinou mais o quadril contra o meu corpo. Escorreguei a mão em sua
cintura pela lateral do seu corpo, voltando pela parte interna de sua coxa até
encontrar o clitóris inchado. Dedilhei, sentindo o corpo à minha frente
amolecer enquanto o meu continuava duro e continuaria, pois não era
dentro dela que eu queria estar.
Puto e frustrado, saí de Luísa e inventei uma desculpa qualquer para
tirar a camisinha e me arrumar sem ter gozado. Devia me considerar
incapaz de transar com outra mulher sem ser Amélia, ou estava muito cedo?
Capítulo 11│Amélia
Eu nunca liguei muito para a Itália ou o idioma italiano. Achava que
viajar para a Itália seria bom, mas não era meu primeiro destino quando me
perguntavam sobre qual lugar gostaria de conhecer. Normalmente respondia
Nova York. Os prédios enormes, os outdoors surreais, chamavam a minha
atenção. Eu precisava usar meu inglês além do trabalho, certo?
Então, passei a conviver mais com a mãe de Daniel, meio italiana,
meio importada da Suíça, com nome francês Adèle. A cultura que Adèle
trazia era forte. Ela viera sozinha para o Brasil, começou a vender a comida
que sabia fazer para poder se sustentar, até conseguir abrir o próprio
restaurante. Conheceu o marido, João, que pôde ajudá-la a concluir o sonho.
Hoje, possuía três restaurantes pela cidade que morávamos, cada um com
uma abordagem diferente. Mas seu xodó seria sempre o primeiro, Caruso,
voltado totalmente para suas origens da decoração ao cardápio.
Além da família dos meus amigos, praticamente todos os nossos
vizinhos eram ligados à terrinha em formato de bota. Daniel disse que
gostava da localização do apartamento, que adorava o clima um tanto
quanto nostálgico. Logo, não era estranho que eu começasse a aprender
palavras, reconhecer músicas e me ver sonhando em visitar o tal país, que
ele desconversava todas as vezes que eu comentava sobre poder ser um
destino de viagem.
A música que tocava em meu carro, Datemi um martello, não poderia
combinar melhor com a situação. Eu queria muito um martelo para bater em
Luísa. Ter transado com Daniel não me fizera bem. Meu lado racional
insistia que fingir ter esquecido tudo era o melhor, mas o emotivo queria
muito que ele mencionasse algo ao voltar para casa.
Parecia que Daniel sentia que eu estava pensando nele, pois a tela do
meu celular acendeu mostrando seu nome e o sorriso lindo da foto. Mas não
atendi. Ainda faltava dez minutos para chegar à casa da mãe dele e ele sabia
que eu não atendia dirigindo, já era desastrada por natureza a pé.
Assim que acabei de estacionar na garagem da casa dos pais dele,
retornei à ligação. Carina havia aberto o portão para que eu entrasse. Não
duvidava nada de que logo viria ao meu encontro.
— Tá onde? — Foi a pergunta direta dele ao me atender.
— Bom dia para você também, Daniele, querido. — Ele odiava as
duas coisas, o nome e o jeito carinhoso falso. Isso era para aprender a ser
educado. — Acabei de chegar à casa dos seus pais.
— Desculpa, Lia. — A maneira cadenciada, com um leve sotaque da
região onde estava, tinha a capacidade de amolecer meu coração. — Liguei
para saber se você ia mesmo.
— Vou desligar. Sua irmã está vindo falar comigo. — Eu retirei a
chave da ignição e abri a porta. Carina estava me aguardando na porta.
— Liga quando você for para casa.
Rodei os olhos.
Ele não está com a gostosona? Por que não vai aproveitar o dia com
ela?
— Onde você estava ontem que não falou comigo depois que saiu? —
Tentei soar descontraída. Juro que tentei. Estava difícil aceitar Daniel
naquele momento, querendo me cercar de todos os lados, sendo que ontem
não se deu ao trabalho de avisar de que chegara bem ao destino da viagem
dele.
— Babi me falou que vai passar o feriadão com o Eduardo.
Eu travei ao sair do carro com as sacolas que trouxera ao perceber o
motivo de ele estar ligando para mim. Bati a porta do carro com mais força
do que o recomendado e respirei fundo. Não estava incomodada por ele ter
coletado informações com a minha amiga antes de falar comigo, pois
Bárbara e ele conversavam mesmo, o que me incomodava, era concluir algo
sobre mim sem me perguntar diretamente.
— Eu não estou nem perto de ficar depressiva, Daniel — rugi, irritada
e baixo para que Carina não ouvisse. — Pare de me tratar como se eu fosse
ter outra crise do nada. Tem anos que eu não tenho. — Internamente, eu só
xingava Daniel. Em alguns momentos, eu odiava aquele zelo exacerbado
dele. Principalmente quando era desnecessário.
Sim, eu já tinha tido uma crise depressiva, mas fora no início da
faculdade e desencadeada pela ansiedade das novas responsabilidades, o
medo de não dar conta e o término com o meu primeiro namorado.
— Desculpa. Só fico preocupado. E não seria do nada… você ainda
não se animou a procurar um emprego e não vejo você saindo com outras
pessoas.
— Obrigada pela sua preocupação, mas nunca estive melhor. —
Mentalmente, complementei com um xingamento. Isso era por lembrar e se
sentir culpado? Ou ele achava que eu não suportaria a demissão? — Vá
aproveitar sua viagem com a sua namorada. — Separei por sílabas a última
palavra. — E só para refrescar sua memória de ameba, eu saí duas vezes só
essa semana!
Desliguei, irritada e um tanto esbaforida. Carina me olhava com um
ponto de interrogação estampado na testa. Respirei fundo, de novo, e fui
abraçada pela minha amiga dez centímetros mais alta.
— Seu irmão me tira do sério! — Esbravejei no ombro dela. — Quem
ele pensa que é para num dia sumir e no outro ficar me controlando? Isso,
claro, depois de agir como se a gente não tivesse fodido.
Eu não pretendia contar. Carina me segurou pelos ombros e me
afastou de seu corpo. A expressão dela era bizarra. Eu acharia engraçado
senão estivesse me martirizando por ter falado demais.
— Vocês o quê?
Suspirei ruidosamente, encolhendo os ombros.
— Acho que dei pra ele noite retrasada… — murmurei.
— Como assim você acha?
Mais um suspiro dramático da minha parte. Eu não deveria ter
contado.
— A gente bebeu muito e tenho uns flashes do que fizemos. Isso sem
falar que acordei pelada na cama dele, com ele. — Eu precisava esclarecer,
pois eu ocupava com frequência a cama de Daniel.
Carina me soltou e deu um berro. “Eu sabia!” “Não acredito!” Foram
as frases que ela mais repetiu nos próximos minutos.
— Que merda… — Ela cobriu a boca, finalmente se dando conta do
impacto que poderia ter na minha vida.
— Concordo. Sabe o que é pior? — Mudei as sacolas de mão e enfiei
o celular na bolsa a tiracolo. — Eu nem lembro de como é o pau dele, tem
noção? Eu realizei a porcaria de um sonho de adolescente e não lembro!
Meu desespero serviu para minha amiga gargalhar, a ponto de seus
olhos lacrimejarem.
— Ah… como eu queria poder zoar ele! Por que como ele diz que
tem mais 20cm e a pessoa não lembra?
Eu nem precisei perguntar, meus olhos arregalados já transpareciam
todas as minhas dúvidas. Como assim mais? Quanto mais? Isso era normal?
Porque se o pau do meu ex chegava a 13cm, era muito.
— Como você sabe disso?
— Primos… Eu tinha uns 15 anos quando escutei o dia em que
ficaram nessa de quem tem o pau maior. Depois do seu relato, acho que
meu irmão mentiu.
— Eu disse que não me lembrava de ver, não de não ficar dolorida.
Alguém podia tampar minha boca para eu interromper a enxurrada de
detalhes desnecessários?
— Agora sinto menos culpa de te informar de que não será lasanha.
Ou deveria me preocupar pelo meu sobrinho nascer com cara de molho
bolognesa?
Por essa, Carina recebeu um peteleco no meio da testa.
— Não poderia ficar melhor. — Eu passei por ela, resmungando.
— Vittorio estava eufórico por saber que você vinha.
Falar do meu afilhado era muito mais seguro e me desarmava. Carina
tivera Vittorio no último ano da escola. Eu nunca ia esquecer do dia em que
minha amiga começou a vomitar do nada, um pouco antes da aula de
educação física começar, e de nós duas escapando da escola para comprar
um teste, sem Daniel saber, porque, de acordo com Carina, ele ia matar
Felipe, o namorado dela.
Meu amigo não foi tão radical, mas na mesma semana o casamento
foi marcado, e combinaram de que eles morariam com Adèle até Carina
completar 18 anos. Quando soube da notícia, agradeci por não ter irmãos
mais velhos e que ainda era virgem.
— Ele deve estar querendo saber se eu consegui o jogo novo. —
Relaxei ao passar pelo batente da porta. Adorava a energia daquela casa,
sempre cheirava à comida boa e era bem comum estar tocando alguma
música. Naquele dia era samba, um dos estilos preferidos do padrasto de
Daniel.
Com Vittorio, eu tinha feito um trato. Ele ganharia um novo jogo para
o videogame dele caso terminasse o primeiro bimestre com todas as notas
acima de 8. Eu sabia que iria perder, o garoto era um gênio mirim, não tirou
nenhuma abaixo de 9. De bônus, preparei brownie com doce de leite, seu
favorito.
— Você não tem jeito — falou Carina, para a sacola que balancei na
sua frente.
— E aí, baixinha? Já arrumou emprego ou ainda tá deixando meu
cunhado te bancar?
O sem noção era o marido da minha amiga. Felipe não era bom com
piadas, mas gostava de fazer esse papel. Só podia mudar o repertório, não?
Ele me conhecia há anos e eu não havia crescido um centímetro desde
então. Minha nova condição de desempregada também não cooperava
muito.
— Ele sempre me bancou, só não sabia disso. — Sorri, sem graça, e
continuei o trajeto pela casa até a cozinha.
Ah, a cozinha! Ela era o coração daquela casa. Quase tão grande
quanto a sala, tinha uma mistura de todos os aparatos modernos quanto
mais antigos, pois Adèle era apegada aos seus utensílios que considerava
um xodó. Sempre com um aroma reconfortante e acolhedor. Eu adorava
passar horas aqui, olhando Adèle cozinhar ou a ajudando com algum
preparo. As conversas eram sempre as melhores, rolava de tudo, desde
conselhos a puxões de orelha.
Hoje, Vittorio e João jogavam xadrez em uma mesa de canto, uma
que não atrapalhava a dinâmica entre Adèle e Antonela, uma de suas
sobrinhas.
Antonela decorava mini tortinhas com morangos picados. Fazia com
tanta perfeição que ninguém diria que só tinha 14 anos. Puxara o dom de
culinária da tia. De todos os outros, era a única que se arriscava nessa área.
— Dinda! — Vittorio largou o jogo e se agarrou em mim,
transbordando felicidade. Fingi que não sabia o motivo e não reparar que
ele já estava quase do meu tamanho.
— Sua recompensa. — Entreguei as sacolas tão desejadas. — Tem
um brinde aí.
— Brownie? Com doce de leite? Yes! — Fez um gesto de um
soquinho no ar, e até esqueceu do jogo com o avô para ir testar o presente
no videogame.
— Brownie? Pegou pesado. Tem pra mais alguém aí? — Adèle veio
me cumprimentar, com seu abraço apertado e dois beijos no rosto. Cheirava
a comida. E seus braços gordinhos eram sempre tão acolhedores que eu
poderia passar o dia neles. Ela não era muito mais alta do que eu, pele clara,
cabelo castanho farto preso em um coque por um lenço colorido e usava um
vestido combinando por baixo do avental branco.
— Trouxe. Mas com creme de avelã e morangos. Não sabia que
Antonela faria a sobremesa.
— Ah…, mas nunca é demais.
João passou o braço pelo meu pescoço, puxando-me para um abraço e
um beijo no topo da minha cabeça. Ele era a outra formiguinha da família e
era por conta dele que Adèle perguntara sobre ter para mais alguém.
— Mais linda a cada dia. — Ele me soltou com um sorriso orgulhoso
no rosto, tomando a bolsa que restara em minha mão.
— Oi. — Aproximei-me da garota que lembrava um pouco Adèle,
com o cabelo castanho, os olhos grandes amendoados e o porte esguio.
Hoje parecia haver uma sombra nos olhos sempre animados. — Está tudo
bem? — Perguntei, passando a mão pelo topo de sua cabeça, fazendo o
caminho dos fios compridos do cabelo até o meio de suas costas.
Ela balançou a cabeça afirmando, mas comprimiu os lábios e pude
ver uma lágrima escapando.
— Desculpa. — Antonela pediu, secando o olho com o dorso da mão.
Eu a considerava tão educada para a idade. Se fosse eu, estaria me
debulhando em lágrimas. Não havia choro discreto na minha família.
Mas aquela menina maior do que eu sempre se comportava com
elegância e uma postura muito mais madura do que o esperado para a idade.
Daniel adorava implicar comigo quando eu ficava brincando com Vittorio,
dizendo que eu parecia mais nova do que sua prima.
— Ah, Tonton, não fique assim, princesa. — Adèle passou o braço
pelos ombros da sobrinha e deu um aperto reconfortante.
— Mas a Grazie era tão nova. Nós brincávamos juntas. — O
descompasso na respiração foi discreto, mas percebi o subir rápido do peito
e o barulho diferenciado que saiu de sua garganta.
Eu não sabia de quem ela falava, mas devia ter acontecido algo grave
e pareciam ser amigas.
— Foi um infortúnio que já foi resolvido — atalhou Adèle, enérgica.
— Fico pensando se não vai acontecer comigo…
— Claro que não, bambina. De onde tirou essa ideia?
— Mamma ha detto che prendo il suo posto.
Eu não sabia muito a língua materna dela, mas aprendera algumas
palavras e não foi tão difícil identificar que, seja lá quem Grazie fosse,
Antonela pensava que ficaria em seu lugar.
— Sua mãe não sabe o que diz! — Adèle pareceu revoltadíssima,
sacudindo as mãos e voltando para sua parte na ilha no meio da cozinha,
onde dava formato à pasta que comeríamos. — Venha, Amélia. Ajude-me a
terminar o almoço. Depois você joga com o Felipe.
Eu não me atrevi a discordar. Pelo canto do olho, vi minha amiga sair
da cozinha, rindo. Prendi o cabelo em um coque frouxo, lavei as mãos na
pia e me aproximei de Adèle.
— Ali. Já estão higienizados. — Apontou para os pimentões e a
cebola na segunda pia, que ficava grudada na principal, só era um pouco
menor. Os itens estavam em um escorredor de plástico.
Na primeira vez em que a mãe de Carina me chamou para ajudá-la, eu
tremi. Sem brincadeira, minhas pernas ficaram bambas e meus dedos sem
controle, quase me cortei diversas vezes. Eu estava cozinhando com uma
chef renomada, uma das poucas que possuíam um restaurante com duas
estrelas Michelin. Minha amiga não ajudou em nada, mas Daniel se
compadeceu e ficou do meu lado, mostrando como sovava a massa para o
macarrão.
Nem preciso dizer que minhas pernas passaram a ficar bambas pela
proximidade com ele, né?
Naquela época, eu ainda o conhecia pouco. A gente mais se implicava
e brigava do que qualquer outra coisa. Mas algo, naquele dia, virou a minha
chave do rótulo de garoto chato e detestável para “aqui tá quente” e
“desaprendi a falar”. Podia ser porque foi a primeira vez em que ele foi
gentil comigo, assim, de verdade, sem estar segurando alguém para eu
bater, ou brigando com alguma pessoa que zombasse dos meus quilos a
mais. Percebi que ele possuía um jeito tranquilo de falar e um sorriso. Eu
devia ter suspirado a cada um minuto enquanto esbarrávamos braços e
pernas por estarmos lado a lado.
Participar do preparo da comida tornou-se comum, mesmo sem
Daniel para me distrair e perturbar, porque logo que ele viu como relaxei,
passou a sujar meu rosto de farinha ou com molho. Enfim, ele não deixou
de ser um pé no saco.
Uma música me tirou das lembranças de anos atrás. João conhecia a
esposa que tinha como a palma de sua mão, e sabia que o clima triste
precisava de um incentivo para melhorar. Por isso, a voz de Elis Regina
ocupou todo o ambiente. Ela foi a escolhida, pois sempre acalmava Adèle.
— Cante para nós, meu amor. — Ele falou com um sorriso leve e
apaixonado.
Propositalmente, João ia diminuindo o som conforme a voz doce de
Adèle ia ganhando vigor. Os olhos dele ganhavam um novo brilho e um
sorriso se formava nos lábios dela em meio das frases cantadas. Até
Antonela se arriscava por já conhecer algumas, de tanto que a tia colocava.
Mal percebi, e já as acompanhava enquanto cortava sobre a tábua os
pimentões amarelos e vermelhos.
— Bravo! — João bateu palmas quando nem mais Elis cantava para
nós. Ele sempre aplaudia.
Ou seja, solteira não tinha um dia de paz, mesmo. Porque não tinha
como não ficar querendo algo parecido, alguém para as trocas de olhares
apaixonados. E, lá no fundo, eu me perguntava se Daniel seria assim
quando estivesse apaixonado.
Capítulo 12│Amélia
Ao voltar para casa, eu estava em choque.
O almoço fora ótimo, mas não esperava a proposta que recebi. Adèle
aproveitou um momento entre a sobremesa e o cafezinho para conversar
comigo, falar que sabia da minha falta de interesse em continuar na minha
profissão. Então, como quem não queria nada, jogou a ideia de eu ir
trabalhar com ela, no restaurante. Assim. Do nada! Claro que me dera um
tempo para pensar, mas… quando na vida eu pensaria ser chamada para
trabalhar em uma cozinha?
Algo borbulhava em mim. Uma mistura de felicidade, minha criança
interior pulava e dançava, uma dança de passos sem nexo, com um medo
avassalador diante de um novo desafio.
Eu sabia a resposta. Eu precisava daquilo. Era uma experiência, claro.
Talvez eu nem me adaptasse, mas… como mexera comigo.
Tentei ligar para Daniel assim que cheguei para ver o que ele pensava,
todavia, sua doce namorada atendeu e disse que ele estava muito ocupado.
Sim, com ênfase no “u”. Nunca a comparei tanto com uma vaca quanto
naquele momento.
Umas duas horas depois, Bárbara chegou para se arrumar aqui antes
de saírmos. Era normal fazermos algo antes, uma espécie de “esquenta”.
Todavia, hoje ela ia para outro lugar, então eu desconfiava (quase certeza)
de que tinha dedo de Daniel nisso.
Enquanto ela trocava de roupa e se maquiava, eu fui tomar banho. Do
meu banheiro, conseguia ouvir todas as músicas que colocava. Quando
fechei o chuveiro, a música Na Raba Toma Tapão ressoava por todo o
apartamento, em alto e bom som. Que os vizinhos não reclamassem com o
síndico, amém. Saí enrolada na toalha felpuda e fui bisbilhotar. Bárbara
estava prontíssima para sair, segurando uma garrafa pequena de cerveja e
rebolava no meio da sala.
— Você ainda está de toalha?! Vá se arrumar, Lia!! Bora, bora. —
Bárbara foi me enxotando da sala, empurrando-me sem muita força.
O problema era que eu estava repensando seriamente se não
inventava uma dor de barriga, uma dor de cabeça para escapulir do
programa e ficar em casa, curtindo algum filme ao invés de sair com
Carina.
Nem era por mal, eu adorava sair para dançar com elas, contudo,
ultimamente… eu andava cansada demais para lugares fechados,
barulhentos, cheios de gente. Preferia bares. A última saída com elas foi em
um bar simples a dois quarteirões dali. Perfeito!
Nossa, eu tô pegando a velhice do Daniel.
Pensar nele trouxe uma cascata de lembranças e uma faísca para
incendiar meu lado birrento autossuficiente, teimoso, que não daria o braço
a torcer primeiro. Se ele ia ficar fingindo que nada tinha acontecido, eu faria
o mesmo e precisava aproveitar qualquer oportunidade para esquecê-lo. Por
isso, deixei o clima festivo me contagiar, e mandei mensagem para Carina,
avisando que estava quase pronta. Ela pediu para ver se Lucca gostaria de
ir.
Aquele horário?, pensei desconfiada. Lucca provavelmente já estaria
no meio das pernas de alguma iludida. Mas liguei para ele sem grandes
esperanças. Porém, no segundo toque, fui atendida. O silêncio no outro lado
da linha me deixou na dúvida se o acordei ou se o atrapalhava.
— Meia-noite… O que você está fazendo em casa? — Perguntei
assim que ele me atendeu.
— Arrumando algumas coisas. A festa acabou por aí?
Eu ri do desdém na voz do meu vizinho.
— Vou à boate com a Carina. Quer ir?
Pensei ouvir sua respiração sair mais pesada e notei como demorou a
responder. Eu não sabia quantos anos Lucca tinha. Quase certeza de que era
bem mais velho do que Daniel, mas nunca o vi negar ir para lugar nenhum.
Quem reclamaria, né? As mulheres grudavam nele como se tivesse mel.
— Estarei pronto em dez minutos. — Avisou e desligou.
Eu escolhi um macaquinho preto, com alça para amarrar em um
ombro e o short ficava folgado nas minhas coxas grossas e passei um creme
específico para não ficarem assadas. Não me dei ao trabalho de pegar bolsa,
se Lucca estava aceitando ir com a gente, ele enfiaria meu celular,
documento e chave em seus bolsos, simples assim.
Lucca, até onde eu sabia, foi um dos primeiros amigos que Daniel fez
pelo prédio. Um pouco mais sério do que meu colega de apartamento, que
por diversas vezes me fez pagar uns vexames, mesmo mais velho, o homem
era lindo! E eu não era assexuada. Ele sempre estava por perto quando eu
visitava Daniel, quando os encontrava na rua, quando saíamos… então,
logicamente, pensei que os dois tinham um caso ou que Lucca gostasse do
amigo. Eu perguntei aquilo em uma das vezes que saímos juntos. O italiano
mais velho ficou tão alterado, todo seu rosto se contraiu e eu gargalhei sem
parar, até porque eu já tinha bebido minha quarta dose de tequila.
Um bom tempo depois, pensei que era algo comigo. Era muita
coincidência Lucca aparecer no mesmo lugar para o qual eu ia, mesmo sem
avisá-lo. Mais uma vez, a contrariedade no rosto dele foi grande e cômica.
Com pontualidade britânica, Lucca tocou a campainha do
apartamento. Ele estava impecável, do alto dos seus 1,90 m e ocupando o
espaço todo do portal quando abri a porta, com uma calça jeans e camisa
simples preta, sem marcas ou estampas, barba aparada e o perfume gostoso
indo longe. Ele e Daniel eram os dois homens mais fortes que conhecia na
vida real e não do feed do Instagram.
Entreguei minhas coisas para ele e saímos. Não iria mentir, tinha
muitas vantagens em tê-lo como companhia. Ele estava sempre alguns
passos à frente no quesito necessidades. Um exemplo era que o carro
pedido por aplicativo já nos esperava na portaria do prédio.
*

— Não é que a baixinha veio. E o fiel cão de guarda!


Felipe levantou os braços ao lado do corpo, segurando uma bebida na
mão direita. O escárnio na voz dele não me agradava. Sempre que Lucca
saía com a gente, era o mesmo comportamento. Uma vez eu cheguei a
perguntar à Carina sobre o casamento dela ter sido algo forçado, mas ela
ficou uns dois minutos muda e depois mudou de assunto. Para mim, foi o
suficiente. E, pelo visto, o marido dela tinha certo ressentimento da família
que o obrigou, isso sem falar na maneira infantil que tratava meu vizinho.
— Já mandou seu relatório de hoje?
Sua pergunta fez Carina se meter na nossa frente, segurar os braços
dele e tomar a bebida da sua mão.
— Que tal você ir pegar outra? O Lucca vai contigo.
Eu só ouvi porque já estava perto deles. A música Ocean, de Alok e
Zeeba, quase estourava meus tímpanos e os feixes de luz poderiam causar
ataque epiléptico em alguém. Felipe saiu resmungando e Lucca foi com ele.
— Achei que ele não fosse vir — comentei. Felipe não era muito de
sair com a gente. Os lugares escolhidos sempre possuíam muitos defeitos.
Felizmente, Carina não se prendia a isso e continuou indo para onde
gostava.
Carina balançou os ombros com um certo exagero e me puxou para o
meio da pista.
Um gesto bem parecido com a maneira que nos conhecemos. Eu era
uma garota assustada com o primeiro dia de aula quando a garotinha com
arco da Minnie estendeu a mão para mim e disse que seríamos amigas. Não
nos separamos desde então. Ficávamos algum tempo sem nos ver por conta
das nossas rotinas, ela com família e faculdade de odontologia, eu com
faculdade e trabalho, mas nos falávamos todos os dias.
Demorei a conhecer Daniel porque minha mãe não deixava eu ir para
a casa de ninguém. Sabe aqueles dias em que você marca com os
coleguinhas de passarem a tarde juntos? Eu só podia se fosse na minha
casa. Carina fazia aniversário no meio de janeiro, período que eu descobri
que Daniel nunca ficava com a família. Natal, Ano Novo, aniversários…
Nada. Era algum acordo com a família do pai dele, em que sempre
precisaria estar na Itália naquele período. Família que, por sinal, ele não
falava muito sobre.
Quando Felipe voltou com Lucca, parecia mais calmo, ou seria
resignado? Sei que os dois ficaram responsáveis pelas bebidas durante o
restante da noite. O ruim de sair com meu vizinho, era que ele espantava
qualquer pessoa com a qual pudesse pensar em ter algo. Não por fazer algo
ou ser mal-educado, era seu porte intimidador e o fato de parecer que
estávamos juntos. Daniel dizia que era melhor assim porque eu tinha dedo
podre para homens.
Fato confirmado, né? Vide o próprio, que também fez questão de
fingir que nada tinha acontecido.
Eu até poderia discordar se tivesse conseguido namorar por mais de
três meses. Mateus, foi com quem eu perdi a virgindade aos 20 anos. E Yan,
o que durou dois meses e depois só me procurava para nos momentos de
carência. Os outros não passaram de uma semana.
Dá para entender minha frustração por só lembrar de fragmentos da
minha noite com Daniel, né?
Minha dignidade foi indo embora, junto com as rodadas de bebida.
Nem lembraria como comecei a contar dos detalhes os quais me recordava
da noite que deveria ter sido memorável para Carina e, consequentemente,
Lucca.
— Você não vai se atrever a falar com ele! — Eu apontei o dedo no
meio dele. Sim, eu já tinha pensado em tirar uma casquinha do vizinho mais
velho e gato, porém, até nos foras que me dava, ele era educado. — Estou
muito bem fingindo que nada aconteceu!
— Percebe-se… — Ele debochou, segurando meu braço quando
bambeei na sua frente. — Acho que está na hora de irmos.
— Não! Eu não quero voltar pra lá e ficar sozinha.
— Vou contigo e a gente termina com os vinhos caros do meu irmão!
Carina não estava melhor do que eu. Eu nem sei como estava
entendendo minha amiga com voz embolada. Contudo, com toda certeza do
mundo, agradeceria às emoções amortizadas pelo álcool durante o trajeto
para casa, pois, graças a isso, eu não surtaria com um dos momentos mais
tensos da minha vida.
Figura 2 Urso realista com uma coroa em preto e branco
Scelto da Dio 2 — Em um casebre
Itália
A máscara de urso parecia que sempre conservaria o cheiro dos
produtos usados para torná-la imortal, mas era o cheiro de morte
impregnado que ativava a fera que ficava escondida 90% do dia.
Morte do animal que me servia, das pessoas que eu torturava até
algum deus ter piedade de suas almas e levá-las para longe. “Algum deus”
porque todos os credos passaram por minhas mãos, dos pagãos aos budistas,
católicos, judeus, islâmicos. Naquele galpão, a fera era o único deus que
importava, que definia o quanto uma pessoa sofreria. Os outros vinham
quando a pessoa já havia implorado o perdão por horas, dias…
Dentro daquelas paredes, aquela junção de homem com urso não
sentia. Os cheiros eram ignorados. Os gritos, os choros, as palavras de
desespero. Não me importava nem mesmo com o sangue se acumulando
com urina, fezes, vômito, tripas. Se era informação ou castigo, aquele seria
meu foco, nada mais.
A pessoa de cabeça para baixo não veria, mas meus dentes estavam
arreganhados, iguais aos de um lobo prestes a atacar. Mas ela ouviria os
rosnados em três níveis diferentes antes de saber o motivo para estar ali.
Tremeria de pavor com o primeiro passo em sua direção, com a voz gutural
abafada pelo urso.
— Eu já disse que não fiz nada.
Ursos não riam com escárnio, mas o homem dentro dele, sim.
Gargalhei, zombando do idiota pendurado como uma coxa de boi.
— Não fazer o que deveria é fazer.
— A culpa não é minha se a garota conseguiu fugir.
— Quem a amarrou? Quem fechou a porta? Quem deveria estar de
prontidão em frente à porta e foi trepar com uma puta qualquer? — A voz
não aumentava. Não havia necessidade com a proximidade, um sussurro
seria perfeitamente ouvido sob o som da limeira afiando o facão de
açougueiro.
— Eu verifiquei! — O pedaço de carne se debateu em um desespero
comum, aquele que sabia que morreria sob dor e sofrimento, mas seus
movimentos só me fizeram sorrir. — Ela estava presa!
— Tão presa que depois outro teve de terminar sua tarefa. Poupe
fôlego, stronzo. Você ainda gritará muito.
Ao primeiro contato do facão com a pele mole, para fatiá-la só um
pedaço da coxa, como alguém conferindo a qualidade do produto, foi
quando aquela minha versão, meio urso meio homem, sentiu o prazer se
espalhar.
E meu prazer seria prolongado, porque fui eu quem precisou lidar
com as consequências da falha dele, que precisou limpar os rastros e criar
outros. Toda uma ilusão para o esquema de Giovanni e seu tráfico humano
não ser descoberto.
Capítulo 13│Amélia
Definitivamente, eu precisava fazer aquilo mais vezes. Minhas pernas
doíam de tanto que eu dancei, meu corpo estava exausto, mas uma leveza
tomava conta do resto, que me fez sorrir quando acordei às 10h no domingo
e encontrei Carina dormindo na cama de Daniel.
Preferi deixá-la dormindo. Fui para a cozinha, me espreguiçando.
Coloquei água na cafeteira elétrica, peguei um remédio para dor na caixinha
de remédio que ficava em um dos armários, e esquentei o que sobrou da
pizza preguiçosa que eu tinha feito ontem — nada mais era do que pão
francês cortado em rodelas, azeite com orégano, molho de tomate, muçarela
e calabresa picadinha, que depois de montada, era só colocar no forno e
estava pronta.
Agora, o término da saída foi… estranho.
Muitas perguntas surgiam na minha cabeça ao me recordar do que
passamos.
Desde quando Lucca andava armado? Como ele entrou com uma
arma na boate?
Porque, pela minha memória parca de bêbada, no início da confusão
que aconteceu quando retornávamos para casa, ele a retirou das costas ao
sair do carro. Eu não sabia com o que ele trabalhava. Ele sempre
desconversava quando eu perguntava e aquilo até gerava piadinhas da
minha parte por ser similar a um personagem de seriado.
Naquela madrugada, eu e Carina estávamos no banco de trás com
Felipe, Lucca foi na frente, ao lado do motorista. A primeira coisa que me
recordava, era o barulho alto e fino da freada, junto ao meu corpo indo para
frente e quase batendo no encosto do carona, pois tinha esquecido de
colocar o cinto. Nessa hora, meu cérebro começou a despertar, porém, não
totalmente.
Foi como ver através de uma nuvem Lucca saindo do carro, pedindo
para a gente se abaixar, puxando a arma por baixo da blusa, e atirando em
outros homens armados.
Quando o primeiro tiro quebrou o retrovisor esquerdo, meu coração
disparou e eu realmente acordei. Meu sangue bombeava loucamente
adrenalina para meu corpo e eu não sabia o que fazer, em parte queria sair
do carro e seguir correndo, porém, Carina me segurou e disse um “não” alto
e claro.
Depois, começou a repetir que tudo ficaria bem, que Lucca sabia o
que estava fazendo. Devia saber mesmo, pois quando o barulho de tiro
terminou, ele simplesmente deu uma olhada rápida para o banco de trás,
conferindo se a gente estava bem, fechou a porta do carro e mandou o
motorista seguir para casa.
Assim que chegamos no apartamento, Carina catou um vinho,
daqueles que Daniel ganhara de presente de um cliente, e o abriu, com a
desculpa de que precisávamos nos acalmar. Seria ótimo entender melhor o
que tinha acontecido, porém, não negaria a bebida cara. Minhas mãos
tremiam quando peguei a taça que ela me estendeu, nada muito diferente
dos tremores que perpassavam todo o meu corpo.
Todavia, só consegui dormir uma hora depois porque Lucca mandou
uma mensagem, dizendo que estava tudo bem e que conversaríamos depois.
Loucura.
Quando na vida pensei estar tão perto de alguém armado?
Algo me dizia que eu já sabia a resposta, apenas a ignorava.
Enchi minha caneca com o café fresco assim que ficou pronto e
peguei um pedaço de pizza. Mal me sentei no sofá e a porta da sala se abriu.
Dei um sorriso com os lábios, pois a boca estava cheia com um pedaço de
pizza, Daniel meneou a cabeça e entrou, trazendo a mala de rodinha que
tinha levado.
— Olha, não é que o filho da mãe tem até a cama cheirosa? — Carina
veio se alongando pelo corredor. — Bom dia, irmão lindo do meu coração.
— Ela abriu um sorriso enorme para meu amigo, que deixou a mala ao lado
da porta.
— Já estou sabendo que vocês passaram por altas aventuras. — Ele
depositou um beijo no topo da minha cabeça. — Vocês estão bem? —
Abraçou Carina pelo pescoço e deixou um beijo em sua têmpora.
— Nada como um bom vinho para esquecer e relaxar — respondeu
Carina, sentando-se ao meu lado. Ela não parecia nem um pouco abalada.
Não que eu estivesse muito, assaltos aconteciam, o espantoso era um dos
homens que estava com a gente sair do carro e enfrentar quem nos fez parar.
— Já te disseram que você fala dormindo? — Ela pegou meu pulso da mão
que segurava o pedaço de pizza e deu uma mordida.
Olhei confusa para minha amiga.
— Não falo, não. — Minha mãe teria comentado algo, dormi anos no
quarto dela no colchão no chão.
— Ah… fala! — Foi Daniel quem concordou, rindo.
— Amiga, não você não só fala, como geme. Andou transando
recentemente?
— Os gemidos são quando ela bebe demais. — Eu nem tinha
reparado que Daniel fora para a cozinha pegar uma xícara de café, só
estranhei a voz vir mais distante. — E também quando transa. Diga,
ogrinha, andou transando ultimamente?
Eu espichei o corpo e me deparei com o sorriso sacana de Daniel,
aquele em que ele mordia um pedacinho do lábio inferior. Minhas paredes
vaginais trepidaram. Literalmente. Como nunca acontecera perto dele. Tá,
nunca, não. Já tinha ficado excitada perto de Daniel, mas desde que vim
morar com ele, evitava que pensamentos naquela linha de raciocínio o
envolvessem.
— Aaah… Eu nunca mais bebo perto de vocês. — Larguei o pedaço
de pizza com Carina e me levantei do sofá.
— Amélia, para de bobeira! Foi só uma brincadeira do idiota do meu
irmão! — Apelou Carina, ajoelhando-se no sofá. Eu quis rir, porque ela
fuzilou com o olhar o irmão, mas enfiou um bom pedaço de pizza na boca.
— Lia, o Lucca estava no corredor querendo falar com você… —
Daniel circundou minha cintura, impedindo-me de continuar o caminho até
meu quarto. — Eu só pedi um tempo para ver como vocês estavam. — Ele
deu uma olhada rápida, mas tão intensa no meu corpo, que me senti
imediatamente despida do meu short curto de dormir e a camiseta. —
Talvez seja melhor mudar a roupa. Vocês duas. — Sem me soltar, pousou os
olhos em Carina, que já voltara a se sentar direito no sofá. Ele devia me
soltar, porque era tortura demais para meu autocontrole, que tinha a fugaz
lembrança daquele mesmo braço me prendendo em seu colo enquanto
estocava vigorosamente contra meu útero. Eu precisava mesmo trocar de
roupa, ainda que fosse despachada e não sentisse vergonha, o short estava
molhado por conta das sensações que eu recordava.
— Até parece que o Lucca nunca viu uma mulher de roupa de dormir.
Aquele ali comeu mais bocetas do que eu tenho de sapatos. — Carina
aproveitava aqueles momentos de liberdade, longe do papel de esposa, mãe
e boa filha para se soltar. Isso incluía o linguajar chulo de homem das
cavernas. — Falei besteira. Ele não deve ver nenhuma assim, porque elas
costumam estar peladas e ele vai embora antes delas se vestirem.
— Carina, por favor — pediu Daniel. Pela maneira que ele apertou
minhas gordurinhas na cintura e pela mandíbula enrijecida, minha amiga
estava testando seus limites. Eu, como boa amiga, querendo fugir da linha
de fogo, fui soltando um por um dos dedos que me mantinham cativa.
— Vou trocar de roupa — avisei, saindo rápido, sem derramar o
líquido morno em minha caneca.
Capítulo 14│Daniel Bianchi
Perdi alguns segundos admirando a bunda avantajada da minha
ogrinha, que com aquele short atochado entre as nádegas, dava para ver que
estava sem calcinha. Meu pau deu sinais de vida só de lembrar dela de
quatro enquanto eu metia até o talo em sua boceta com força. Eu podia não
recordar de todos os detalhes, mas os vizinhos escutaram, com certeza.
Porque me lembrava dos gemidos altos e dos gritos. E, porra, como eram
excitantes. Eu nem gostava tanto de mulheres escandalosas, mas Amélia…
Queria que sua boceta me envolvesse de novo só de pensar nos sons que ela
fazia.
— Merda, Carina! — Só saí do transe porque uma almofada me
atingiu, fazendo derrubar café na mão.
— Para de secar a minha amiga. Não tente negar, dá pra ver a baba
escorrendo e seu pau querendo brincar.
Minha irmã não tinha pudores. Nenhum. Eu não sei com quem ela
aprendera ser assim. Se era dela ou de família. Porque eu nunca fui muito
recatado longe de nossos pais. E sua única amiga era Amélia, que era tímida
e não falava palavrões. Mas ela, às vezes, me superava. Ajeitei a calça jeans
que estava marcada pelo meu membro. Não resolveria completamente, mas
disfarçava.
— Vai colocar uma roupa, Carina. — Ordenei, de novo. Minha irmã
revirou os olhos e abocanhou mais um pedaço de pizza, ignorando-me. Eu
não gostava de fazer o controlador com ela. Confiava em Lucca, porém, ele
era homem, como qualquer outro, eu não queria que ficasse vendo minha
irmã de calcinha e blusa curta. Tanto pelo meu lado protetor quanto pela
minha posição. E pouco me importava que não compartilhássemos o
mesmo sangue, a partir do momento em que nossos pais se casaram, eles
passaram a fazer parte da minha família e pronto, e, em algum momento, eu
me tornaria responsável por suas vidas.
— Você não está em seu reinado, Don. — Ela escarneceu.
— Sua frase está completamente errada. Sim, estou no meu reinado,
afinal, essa é a minha casa. Mas não sou Don. — Eu corrigi, baixo, não
queria que Amélia ouvisse nada daquela conversa.
— Já encontrou uma noivinha substituta? Antonela estava com um
puta medo de a colocarem no lugar da Grazie.
Eu sacudi a cabeça, incomodado. Da mesma forma que fiquei quando
soube que precisaria me casar por conveniência com uma garota 12 anos
mais nova quando ela completasse a maioridade. Sentia ânsia de vômito só
de me lembrar.
Na época, aquele foi um dos raros momentos em que eu me
arrependia de ter concordado em segurar um papel com uma santa na mão
enquanto ela queimava e todos me olhavam com uma expectativa elevada,
torcendo para que eu aguentasse o máximo de tempo possível. Eu tinha
marcas nos dedos por conta das queimaduras que aquele ritual padrão fez.
Graziela Cancellieri, a garota que saiu em todos os jornais nos
últimos dias, pois fora sequestrada e teve uma morte brutal. Ela era minha
noiva, nada além do que um acordo para estreitar laços políticos usando
pessoas que tinham se visto uma vez na vida.
Agora, a culpa de Antonela ficar achando que ocuparia o lugar da
amiga era da minha tia, Andrea, irmã de minha mãe. Ela tinha esperanças
de que sua filha poderia ser minha esposa, consequentemente, teria um
lugar de destaque. Para ela, minha mãe foi burra e não soube aproveitar a
oportunidade que a vida lhe deu, pois meu pai teria se casado com ela.
— Isso não é assunto para conversarmos aqui, mana. — Eu tomei um
gole do café que eu sabia que tinha sido Amélia quem fizera. Estava um
pouco mais fraco do que o que eu fazia, e o gosto era diferente por conta da
cafeteira elétrica. — Mas adianto que Antonela não precisa se preocupar.
Salvatore quer que eu resolva esse assunto para ontem.
— Você tem uma mulher morando com você que, não só te atrai,
como faz você mudar sua vida do avesso só para mantê-la por perto.
— Não quero envolver Amélia nesse mundo.
— Você está sendo um babaca. — Ela terminou com a pizza e se
levantou do sofá. — Contando ou não a verdade, você vai partir o coração
da minha amiga. Torça para eu não ter uma marreta na minha mão.
Carina não era tão baixa quanto Amélia, mas ainda era bem mais do
que eu. Mesmo assim, não se intimidava. Ela parou na minha frente e inflou
o peito.
— Quando você vai perceber que ela já está envolvida? — Deu um
cutucão forte no meio do meu peito e saiu atrás da nossa amiga.
Ser protegida por um segurança não era o mesmo que saber todas as
atrocidades que eu fazia, ou, fantasiando com a ideia absurda de minha
irmã, torná-la minha esposa em menos de seis meses. Três para o final do
luto, um de noivado, dois até o casamento. Era o cronograma de Salvatore.
Luísa, apesar de não fazer perguntas, não agradou meu pai. Não reclamei,
eu já sabia que ela não serviria para os padrões dele.
Deixei a caneca na bancada e fui abrir a porta para que Lucca
entrasse. Eu recebi de madrugada a ligação dele, avisando que foram
abordados por dois assaltantes em motos distintas. Ele precisou despachar o
carro que dividia com elas, tanto para segurança delas quanto para que
Amélia não descobrisse sobre o outro carro com dois seguranças. Esses dois
faziam parte da equipe designada para a minha família. Eles estavam
sempre por perto, mesmo que não visíveis. Não que minha mãe ou irmã ou
até mesmo João se incomodassem, eles compreendiam a necessidade de
proteção. Era só para Amélia não estranhar.
Sim… eu tenho noção do quanto a iludo e protejo ao mesmo tempo.
Mas fazer o que se não conseguia contar a verdade?
Seria como destruir nossa vida juntos e perder a oportunidade que eu
tinha de ter momentos normais dentro daquela confusão.
— Achou algo? — Perguntei assim que ele entrou. Eu havia pedido
para que investigasse um pouco além para ter certeza de que fora apenas
uma tentativa de assalto. Meu instinto alertava que podia haver outra
motivação. Só não sabia qual.
— Nada além de bandidos despreparados. — Ele passou por mim e
fechei a porta. — Acha que ela vai acreditar?
— Por que não acreditaria?
Os bandidos realmente não me preocupavam. Lucca os encurralara e
mandara o aviso. Eu tinha contato com os traficantes locais, e parte do meu
papel era participar de alguns esquemas. Nisso, eu não possuía escolha.
Salvatore controlava. Se ele queria apoiar o tráfico de drogas, eu precisava
obedecer. Isso só mudaria quando ele morresse e eu ficasse livre para tomar
minhas próprias decisões.
A proteção seria um pouco mais fácil se eu pudesse colocar Amélia
sempre no mesmo carro e com o mesmo motorista quando saía à noite.
Passaria a placa, avisando que o veículo não deveria ser abordado,
inclusive, pela polícia. Infelizmente, a cada chamada pelo aplicativo para
um destino, era um carro e motorista diferentes. Às vezes, eu concordava
com Salvatore, em pensamento, é claro, eu estava perdendo o controle do
que fazia por ela.
— Sendo sincero? — O tom era solene, mas a opinião seria
impertinente para um funcionário. — Eu torço para que ela descubra. Não
me sinto bem mentindo para ela.
— Você se apegou a ela.
— Como amiga, sim — respondeu sincero, com respeito e um certo
temor pela minha reação. — Sei que não deveria, não faz parte do meu
serviço, mas…
— Não precisa explicar. — Apoiei a mão no ombro dele,
demonstrando que o compreendia e não o julgava. Quando pedi para que
Lucca cuidasse dela, sabia que o único jeito seria que se infiltrasse como
amigo. Já imaginava que o laço deles não seria fajuto ou que ele manteria a
emoção longe.
— O que ele não precisa explicar? — Virei para encarar Amélia. Ela
colocara um vestido de alças finas, florido, que ia até o joelho, com um
sutiã da mesma cor por baixo.
— Na verdade… — Lucca coçou o pescoço e se aproximou dela. —
É o que eu preciso explicar.
Amélia empertigou o corpo e cruzou os braços abaixo dos seios,
deixando-os mais evidentes por conta do decote em “v” do vestido. Ideias
sobre descer aquelas alças pelos ombros, espalmar minhas mãos nos seios
fartos e abocanhá-los dominaram minha mente. Eu mal deixara Luísa em
casa, chamá-la para me encontrar desagradaria minha amiga e daria ideias
erradas à minha namorada.
— Por favor — Ele pediu, apontando para o sofá.
Amélia olhou para mim, como se pedisse minha opinião. Meneei
positivamente e a vi aceitar, indo se sentar no sofá. Ela pegou uma almofada
e colocou sobre as pernas que dobrou quando se acomodou. Lucca ocupou
um lugar ao lado dela, virando-se para mantê-la em sua visão. Eu me sentei
em uma das banquetas, atento e com receio do que ele falaria.
— Eu trabalho como segurança. Às vezes, uma pessoa específica, às
vezes, de algum lugar. Inclusive, já trabalhei naquela boate…
Foi uma opção minha contar a verdade parcial.
— Por isso, nem me revistaram ao entrar. Eles sabem que preciso
andar armado por conta dos inimigos que já arranjei cumprindo meu
serviço. — Ele se remexeu no sofá e retirou a arma que escondia na parte
de trás da calça. Uma Heckler e Koch 9mm. — Está descarregada. — Isso
era coisa de Lucca. Eu nunca que colocaria uma arma nas mãos delicadas
de Amélia. Ela pegou o objeto com curiosidade e receio estampados em
seus olhos.
— Está mesmo descarregada?
Lucca tomou a arma de sua mão e mostrou o carregador vazio.
Amélia voltou a pegar a arma de suas mãos, com mais confiança do que eu
esperava. Apontou para a televisão, tentou rodar em um dedo só, mas claro
que minha desastrada teria problemas em coordenar aquele movimento. A
arma caiu no espaço do sofá entre eles e quase foi ao chão, se Lucca não a
amparasse.
— Você sabia que Lucca trabalha como segurança? — Amélia olhou
para minha irmã, que voltava para sala com um vestido vermelho, curto e
colado ao corpo. Os olhos de Carina estavam arregalados para o objeto que
Amélia tinha em mãos.
Os dedos dela passeavam lentamente pelo tambor, como se fizessem
uma leve carícia. Quase podia sentir aquele toque no meu pau. Que
maravilha, agora eu estava erotizando a forma como Amélia mexia em uma
arma. E delirando sobre o momento real.
— Acho que meu irmão comentou uma vez… — respondeu Carina,
de uma forma vaga. Ela parou ao meu lado e me fitou com seus olhos
inquisidores.
— Lucca, acho que você já pode guardar essa arma, não? — Ele me
encarou como se pedisse desculpa pela atitude e obedeceu.
— Quando estávamos voltando… Era por você ou só demos sorte de
ter alguém preparado na hora do assalto? — Amélia devolveu a arma ao
dono. Deixei um pequeno suspiro sair, aliviado. Era a terceira vez em
menos de uma hora que começava a ficar duro por conta dela. Eu precisava
me controlar ou precisaria me mudar antes do tempo.
Lucca ponderou antes da resposta. Talvez por não querer mais mentir.
Porém, não era mentira aquilo que não sabíamos.
— Vocês deram sorte — acabou respondendo.
Amélia surpreendeu a todos nós quando lançou o corpo para frente e
abraçou Lucca pelo pescoço.
— Obrigada por vir me dar uma explicação. Imagino que não é algo
que saia falando por aí, com receio do que possa acontecer. — Ela deu um
beijo na bochecha dele. Meus punhos cerraram involuntariamente, um deles
encontrando a resistência da caneca em minhas mãos. Minha respiração
falhou quando ele retribuiu o abraço.
Será que se Lucca seguisse a sua ideia de confessar que fazia a
segurança dela por conta do meu trabalho, ela estaria sendo tão amorosa e
compreensível? Por instantes, eu quis contar aquela outra versão. Só para
descobrir a reação dela, torcendo para que não fosse tão efusiva e carinhosa.
— Não infarta, não. — Carina deu dois tapinhas no peito com as
costas da mão.
Eu pisquei. Precisava parar com aquela obsessão. Antes, eu não era
tão descontrolado. Não gostava de ver os namorados merdas que ela
arrumava, mas não ficava tendo mini infartos diários, lembrando de alguns
momentos que passamos juntos nem rezando para que Lucca a soltasse
logo, ou ele mudaria de cargo logo, logo.
Se eu fosse sincero, eu quase não precisaria lidar com Amélia
encostando em outro homem. Ela não se envolvia nem para amizade com
muitos homens. Lembro de alguns poucos da época em que fez faculdade,
mas é claro que todos queriam algo mais e desistiam ao ver que não tinham
chances. Justamente por fazer péssimas escolhas, minha amiga evitava
relacionamentos superficiais demais.
Soltei a respiração ruidosamente quando os dois se soltaram.
— Já tomou café, Lucca? — Ela se levantou do sofá e veio em minha
direção. Porra, aqueles peitos estavam me chamando. Eu queria me lembrar
de mais detalhes deles, além de que cabiam na minha mão e sobravam um
pouco. Fartura.
Tudo no corpo de Amélia era abundante. Abundantemente gostoso.
Eram as coxas roliças, a bunda que trepidava com meus tapas, os seios que
batiam na minha cara quando ela ficava por cima e inclinava o corpo para
frente. Eu podia me curvar e tomar um deles entre meus lábios enquanto
apertava o outro e arremetia vigorosamente, controlando a posição, mesmo
estando por baixo. Acabei me pegando sorrindo. Aquela era uma memória
nova.
— Daniel, você está bem? — Ela parou na minha frente. — Está
sorrindo igual um psicopata.
Minha irmã gargalhou, passou por nós e foi pegar os sapatos perto da
porta.
O que eu responderia sem me tornar um tarado? Porque eu estava
ótimo, só queria ela nua e nós dois sóbrios. Eu poderia colocá-la em cima
da bancada, abrir bem suas pernas…
— Daniel! — Amélia estalou os dedos na minha frente. — Acho que
essa viagem com a Luísa te deixou estranho…
Esfreguei o rosto, espantando todos os pensamentos que envolviam a
mulher à minha frente.
— Estou cansado. Desculpa… — Peguei a mão pequena entre as
minhas e beijei seu dorso. Amélia fez uma careta e um som estranho saiu de
sua boca enquanto saía das minhas mãos. — O que eu fiz?
— Só consigo pensar em um motivo para você estar cansado depois
de voltar de uma viagem com a namorada.
Carina gargalhou e Lucca se levantou, ajeitando a camisa.
— Que tal você me dar uma carona até em casa e deixar meu irmão se
virar para responder essa?
Lucca me encarou, pedindo minha permissão. Eu precisei apenas
fechar os olhos e inclinar um pouco a cabeça para ele compreender que
poderia ir. Normalmente, eu pedia a outro dos que moravam pelo prédio
para acompanhar meus parentes. Ou chamaria um dos dois que cuidavam
da segurança dela.
— Tchau, amores da minha vida. — Carina deu um abraço em mim e
em Amélia.
Levantei-me para abrir a porta para eles e aproveitei para pegar a
mala. Os dois saíram, minha irmã tagarelando e Lucca ouvindo. Fechei a
porta com a chave. Não era necessário, ninguém subia sem ser reconhecido
e liberado. Mas Amélia me chamava de displicente e crente demais por
acreditar na bondade das pessoas. Não era crença. Eram dois seguranças
armados por andar. O prédio tinha seis andares e quatro apartamentos por
andar. Eu não precisava de uma equipe muito maior.
Carina dizia que o dia em que Amélia descobrisse a verdade, acabaria
me matando. Eu torcia para que se isso acontecesse, fosse depois de algum
ato bem altruísta meu, que a faria me idolatrar mais do que odiar.
Pude ouvir os passos dela me acompanhando enquanto ia para o
quarto desfazer a mala.
— Você também tem uma arma?
Ainda bem que eu estava de costas para Amélia, porque meus olhos
arregalaram tanto que ela saberia na hora a resposta. Estaquei na passagem
da porta. Ela me desestabilizava de uma forma que ninguém conseguia.
Podia me aproveitar da maneira como ela especificou a quantidade. “Uma”.
E dizer não. Porque eu não tinha uma arma. Eu tinha várias. Todas muito
bem escondidas no fundo falso do meu armário.
Eu sei, eu parecia um bandido de quinta categoria ao tentar manter
uma vida normal perto de Amélia.
Capítulo 15│Amélia
Eu não sabia porque tinha feito aquela pergunta. Mentira. Eu sabia.
No fundo, uma vozinha dentro de mim já desconfiava de muita coisa, eu só
fingia não ver.
Porém, quando Lucca me contou com o que trabalhava, lembrei na
hora que Daniel tinha seus seguranças ao sair pela rua. Não conversávamos
sobre, mas ele me avisara no primeiro dia que dormi aqui e depois foi me
levar em casa. Isso porque ele defendia criminosos. Ah… ele já me
explicara que muitos não eram… talvez os que eram acusados de algo
pequeno, mas os de colarinho branco? Duvido!
Se meu amigo precisava de segurança, talvez também precisasse de
uma arma. Minha curiosidade só cresceu. Não que eu fosse a favor de
pessoas sem preparo ou sem necessidade andarem por aí armadas, mas eu
tinha um certo fascínio por elas.
— De onde você tirou isso? — Daniel finalmente saiu da inércia e
entrou no quarto. Eu fui atrás dele e sentei-me em sua cama, com uma
perna dobrada em cima do colchão.
— Você tem lá seus seguranças. Achei que talvez pudesse precisar de
uma para quando estivesse sozinho. — Fiquei de olho nas narinas dele
dilatando enquanto colocava a mala na minha frente e a abria. Por um
segundo, uma excitação subiu pelas minhas pernas até meu pescoço,
achando que veria as mais modernas armas ali, mas o desapontamento
chegou logo. Eram só roupas. — Daniel! — Chamei sua atenção, ficando
de joelhos na cama e sacudindo a mão à frente do seu rosto. Eu não era nem
um pouco paciente quando se tratava de sanar uma curiosidade. Até porque
eu o conhecia. Aquela demora em responder era porque a resposta devia ser
positiva e estava com medo da minha reação.
Voltei a me sentar, agora com as duas pernas dobradas, mas satisfeita
por Daniel ter saído do modo disperso e estar me encarando.
— Vou me arrepender disso… — Ele resmungou enquanto se
inclinou para a mala e retirou todas as roupas de uma das metades. Havia
um bolso com um zíper escondido.
Meus olhos cresceram ao ver o objeto completamente preto em suas
mãos.
— Qual a utilidade de ter uma arma tão escondida? — Estendi a mão
para que ele deixasse eu ver de perto, mas ele a afastou de mim.
— Não. Está carregada. — Ele retirou o carregador antes de me
entregar a arma. — Eu costumo guardar na mala antes de entrar em casa —
explicou enquanto eu manuseava a arma como se tivesse alguma
experiência com armas, sendo que nunca nem tinha visto uma de tão perto.
— E se você entrasse e precisasse dela?
— Desde quando você se tornou tão íntima de armas?
Daniel deixou o carregador sobre as roupas na mala e a empurrou
para se sentar de frente para mim.
— Não me tornei íntima — Tentei apertar o gatilho, mas estava
travado. — Não sei nem qual é o modelo.
— É uma Glock.
Eu assenti, minha cabeça fervilhava com perguntas.
— Hum… Eu preciso de uma? — Mais uma vez tentei rodar a arma
no meu indicador, igual a maioria dos homens fazia nos filmes. Outra vez
perdi o controle dos movimentos e a arma escapuliu da minha mão, indo
parar no colo de Daniel.
— Nem preciso responder, né? — Ele me encarou com a sobrancelha
arqueada e um brilho de divertimento nos olhos.
— Não perguntei se posso ter uma. Perguntei se preciso, é diferente.
— Não. Você mora aqui há quase cinco anos, nunca precisou de uma,
por que precisaria agora?
— Sei lá. — Dei de ombros. Acompanhei Daniel reposicionar o
carregador na armação e deixar a arma atrás da mala ao lado dele. — Você
já precisou usar? — Apontei para o objeto que ele praticamente escondeu
de mim.
— É apenas para minha defesa, caso aconteça algo. — Ele se
levantou e bagunçou meu cabelo. — Quer pedir algo para comermos?
Eu reconhecia que aquela era a maneira de ele desconversar. Preferi
deixar, por hora. Aquele lado da vida de Daniel era meio escuso e
desconhecido para mim. Parecia que ele ficava com vergonha pelos casos
que precisava defender algumas vezes. Tanto que ele falava pouquíssimo
sobre trabalho dentro de casa.
Concordei sobre a comida e o deixei arrumando as roupas que
retirava da mala, não sem antes esbarrar na maldita guitarra.
Eu não disse que foi um milagre não ter esbarrado em nada quando
saí do quarto dele naquele dia?
— Meu Deus, Amélia. Ela não muda de lugar e para na sua frente
todas as vezes em que você vai sair do meu quarto.
Daniel era um implicante. Olhei para ele, e o filho da mãe estava
rindo da minha dificuldade em recolocar a guitarra no lugar. Mostrei o dedo
do meio para ele ao conseguir e saí do quarto. Nada como a normalidade
voltando.

— Onde você vai arrumada assim, tão cedo? Fazer exame?


O modo dele falar parecia até que eu tinha voltado com uma de
minhas roupas de trabalho. Terninhos, roupa social… Um arrepio passou
pelo meu corpo só de lembrar. Eu estava muito mais confortável na minha
calça jeans, no tênis All Star, preto e branco, que ganhei de Natal de Daniel.
O espanto dele era por eu não estar de pijama àquela hora. Mesmo durante
o jantar, eu não comentei nada sobre a oferta de emprego que a mãe dele
tinha oferecido.
Daniel fazia omelete para o café da manhã, já montado. Eu costumava
dizer que ele se montava ao se arrumar para o trabalho. Antes, eu também
precisava estar bem-vestida, mas eu não levava mais de vinte minutos
arrumando-me para o trabalho. Já meu amigo… possuía aquela maneira
perfeita e combinada, bem metódica de se vestir daquele jeito, todos os
dias. O terno alinhado, a gravata na altura certa e combinando com a blusa
sem um vinco. Se usasse abotoaduras, elas combinariam com o desenho do
prendedor de gravata. Impecável, sempre. Naquela manhã, o terno estava
sobre o encosto do sofá e um avental com estampa de uma mulher de
biquíni minúsculo protegia sua roupa. Ele devia ter perdido a hora para
inverter a ordem do café com o se vestir.
— Achei que sua mãe tivesse falado. — Coloquei minha bolsa na
banqueta e apoiei meus cotovelos na bancada.
— Sério? Você aceitou? — Ele até parou com a frigideira a meio
caminho da bancada na qual seu prato estava, para me encarar surpreso.
— Por que o espanto? — Dei a volta, passando por ele para pegar
minha caneca e colocar o café que ele preparou na Moka.
— Nunca vi você falando sobre querer cozinhar profissionalmente. —
Ele voltou a se movimentar, colocando a omelete no prato e deixando a
frigideira na pia. Eu voltei para o outro lado e me sentei na banqueta, após
deixar minha bolsa no chão. Se minha mãe visse, ia falar que espantava
dinheiro.
— Já tinha cogitado fazer uns cursos, mas… sei lá… — Dei de
ombros e me estiquei para cortar um pedaço do queijo minas na vasilha. —
Era só uma ideia dentre muitas.
— E você realmente está gostando ou não soube dizer não?
— Pode parecer inesperado, mas eu gostei do pedido e estou
empolgada — respondi, mais entusiasmada do que deveria.
Contudo, a frase dele merecia. Podia ser interpretação minha, mas não
gostava quando Daniel aparentava tentar supor algo daquele gênero,
falando em tom condescendente como se eu fosse sua filha adolescente.
Infelizmente, eu não gostava de saber que, em momentos passados, ele
estaria certo. Eu tinha o péssimo hábito de aceitar por não saber dizer não.
Perdi a conta de quantas vezes o procurei para desabafar minhas
frustrações.
Era apenas sua preocupação externada de forma sincera, um exemplo
de como eu deveria levar a vida. Mas as coisas entre nós dois mudaram,
não? Por mais que eu não quisesse, que eu quisesse ignorar o acontecido,
cada vez que ele falava comigo, eu lembrava. Lembrava com imagens bem
vívidas dos beijos abrasadores pelo meu corpo, das mordidas leves em meu
mamilo, do jeito que ele sussurrava umas coisas que eu não sabia se algum
dia teria coragem de repetir.
Será que Daniel tinha esquecido mesmo ou abstraía que nem eu, para,
assim, continuarmos nossas vidas sem grandes alterações?
— Não é uma surpresa total. Você cozinha tão bem quanto ela. — Ele
deu um sorriso que, por pouco, não encharquei a calcinha. Era uma mistura
de fofo com sacana, que ele deve ter dado outras trocentas vezes, só que
dessa vez, eu não estava sabendo mais lidar.
Parei de encarar o sorriso de dentes perfeitos e fixei nos olhos claros.
Havia sinceridade e algo mais que eu não sabia nomear. Eu precisava
urgentemente enterrar todos os meus pensamentos diante das lembranças
daquele dia, ou ia ficar maluca, pressupondo coisas que não tinham
mudado. Era apenas o meu modo de vê-las que tinha.
— Quando você quer me agradar não há nada que o segure, né?
— Eu preciso agradar quem guarda brownie pra mim. — Deu uma
piscadela, que refletiu direto no meu clitóris.
Eu estou ferrada. Até me acostumar, seria um eterno tormento.
— Ou seja, interesseiro.
— Oportunista. — Ergueu o garfo que utilizava para comer a
omelete. — Você aprendendo a cozinhar igual a minha mãe, vai parar de
dizer que se casaria com ela. Sem falar nos testes de receitas que vou poder
ir provando.
— Tu não tem um pingo de óleo nessa cara de pau, né, Daniel? Tá
achando que vou queimar meus dedos para ficar dando uma de mãezona pra
macho com quase trinta anos?
— Dependendo do macho, até que ele ia gostar da mulher dando uma
de mãezona. Eu já prefiro que me deem outras coisas. — Ele
complementou com um sorriso safado, de trambiqueiro. E eu nem podia
reclamar porque aquele tipo de piada era a cara dele desde sempre. Por isso,
eu ri meio nervosa, tentando não levar como indireta, apesar do meu corpo
não concordar e estar pegando fogo por dentro da roupa.
Droga… seria muito ruim falar que me lembro? Perguntar se é válido
repetirmos sóbrios? Só para os detalhes ficarem mais nítidos.
— Eu não vou nem perguntar porque meus ouvidos são puros! —
Levantei-me do banco antes que a conversa saísse de controle. Era um
misto de querer ver até onde iria com o medo de não saber o que
aconteceria. Na dúvida, era melhor sair de perto e focar no trabalho. —
Coloca na pia pra mim? Obrigada. — Nem dei tempo de ele negar.
Coloquei a bolsa no ombro, mandei uns beijos de longe mesmo e acenei. —
Tchau, te amo. Pensa com carinho no meu pedido de ontem! — Lógico que
eu acrescentei qualquer coisa para não ficar aquele “te amo” solto no ar. Por
mais que fosse algo normal, parecia ter outro sentido agora. E eu estava
evitando dizer nos últimos dias por motivos óbvios.
Ao menos o jeito infame de Daniel me distraía do nervosismo com o
novo emprego.
Figura 3 Urso realista com uma coroa em preto e branco
Scelto da Dio 3 — No alto de um prédio
10 meses antes
Acendi o cigarro barato, ignorando completamente os gritos
suplicantes e o cheiro de combustível que era trazido até mim pelo vento
morno daquela noite quente. Dei duas tragadas com vontade, fechando os
olhos. Um dos poucos momentos em que me permitia aquele prazer. O
trabalho não havia terminado, apenas hoje.
Encostei na corda que prendia o corpo se debatendo com as últimas
chamas flamejando na ponta do fósforo. Os gritos aumentaram
consideravelmente, junto ao choro desesperado.
Mais um trabalho no estilo se quer bem feito, faça você mesmo. Com
o cigarro preso em meus lábios, acompanhei o caminho ligeiro do fogo até
dominar o homem preso de ponta cabeça. O cheiro de carne queimada
começou a tomar conta do terraço no prédio de 33 andares. Ninguém nos
escutava ou prestaria atenção na movimentação diferenciada. Em plena
noite de Ano Novo, faltando pouco para meia-noite, alguns ansiosos já
soltavam fogos e a contagem regressiva começava ao longe, o coro de
vozes se espalhava pela cidade, na mesma proporção que os lamentos do
homem pendurado diminuíam.
Taquei a guimba do cigarro no chão sem me preocupar em deixar
vestígios. A equipe da limpeza que retiraria o corpo assim que eu saísse não
deixaria nada para trás. Estiquei a mão e um celular foi colocado nela por
um dos homens que me acompanhavam. Grande, irrastreável, um dos
poucos que conseguiriam completar uma ligação àquela hora.
— Eu já estava achando que você não ia conseguir! — A voz alta de
Amélia ao atender provavelmente tentava compensar o barulho do local
onde estava.
Tudo meu doía, a lateral direita principalmente. Tinha quase certeza
de que o filho da puta traidor quebrara uma ou duas costelas minhas. Mas
forcei o sorriso no rosto. Minha amiga perceberia, conhecia-me bem
demais. Exceto pelo outro lado da minha vida. Aquele em que eu poderia
ser enquadrado por diversos crimes em qualquer país do mundo. Esse lado,
ela não tinha o menor conhecimento.
— Eu nunca deixo de conseguir. Prometi, não foi?
Um dos meus seguranças levantou três dedos. O tempo que tínhamos
antes do helicóptero pousar 15 passos de onde estávamos. Eu não podia
deixar de falar com ela. Em todos os anos de amizade, eu cumpria a
promessa de nos falarmos na virada. O mesmo acontecia no Natal.
— Você fumou. — O tom era de afirmação, com uma leve
reprimenda. Como ela sabia, eu não tinha a menor ideia, mas era algo que
sempre descobria. Até hoje não sei como consegui mantê-la apartada das
minhas atividades escusas.
— Acho que hoje eu posso. — Um meio sorriso brotou em meus
lábios para a sagacidade dela. — Não posso demorar, pirralha. Como está
sendo sua virada?
— Uma bosta, já liguei duas vezes para o Yan, mas ele não atendeu…
— choramingou Amélia.
Ainda bem. Torcia para que o tal do Yan fizesse algo um pouco mais
grave para que eu tivesse a desculpa de dar um destino para ele semelhante
ao do corpo carbonizado perto de mim. Infelizmente, ele era só um garoto
idiota. Apesar dos quase trinta anos, agia como um moleque de dezessete,
procurando minha amiga apenas quando estava carente.
— Você sabe que eu não sou pirralha, né? Nem sou mais virgem,
Daniele.
Preferia não saber, com certeza. Na verdade, gostaria que ainda fosse.
Por outro lado, não era um detalhe que me competia. Não me importava se
ela faria 26 anos em alguns meses, eu ainda era mais velho. E a maneira
como cuspia meu nome na forma que eu pouco utilizava, era sua maneira
de demonstrar como se incomodava com o “pirralha”.
— Não graças a você, claro. — Continuou Amélia, com um leve
desprezo.
Juntar Amélia com bebida alcóolica era o combo perfeito para minha
amiga falar livremente, sem pensar mil vezes como costumava fazer.
— Era para você estar aqui… — A voz ainda estava chorosa. Eu
queria muito estar perto dela naqueles momentos. Em parte, por sentir falta
da minha ogrinha desastrada, quase um mês afastado já… E por saber que
ela estava junto com o restante da minha família. — Por que nunca
passamos essa época juntos?
Porque sou um assassino, coração. A resposta veio automática em
minha cabeça. Claro que não falei.
— Prometo tentar no próximo, ok?
Não passaríamos juntos. Eu nunca passei aquela época do ano perto
da minha família materna. Quando eu era um fedelho, fazia a viagem até
onde meu pai morava, onde eu recebia todos os ensinamentos necessários
para o meu futuro. Conforme eu envelhecia, mais daquela vida tomava
conta da minha rotina. Meu trato com ele era de que, pelo menos, até ser
estritamente necessário, eu poderia manter minha vida normal. Hoje,
reduzida a quatro dos sete dias da semana.
Tanto pela ligação quanto pelos gritos ao meu redor, eu soube que
tinha começado o primeiro minuto do novo ano.
— Feliz Ano Novo, ogrinha.
— Feliz Ano Novo, pentelho. Não sei qual apelido odeio mais. — Eu
podia visualizar o bico infantil que Amélia costumava fazer naquelas horas.
— Preciso desligar. — Avistei o helicóptero se aproximando e a
movimentação dos dois seguranças recolhendo o armamento. — Nada de
ligar para o Yan de novo, ok? Amo você.
— Também te amo.
Capítulo 16│Amélia
Eu estou um bagaço. O pó da rabiola.
Um mês como assistente da assistente de cozinha apenas, e a cada dia
eu achava que o nível não podia superar o do anterior. Adivinha? Superava.
O de hoje, por acaso, tinha superado qualquer outro dia agitado que eu tive.
E eu ainda nem ficava o turno completo.
Eu chegava perto das 9 horas para Adèle adiantar o funcionamento e
me ensinar o básico para começar de forma profissional, e saía antes de
começarem a servir o jantar. Eu não tinha percebido, mas naqueles anos
convivendo com ela, aprendi muito mais do que poderia imaginar. Um dia
ela até chegou a confessar que todos os livros de comida que me dava, eram
na esperança de algum dia eu estar justamente ali. Sem pressão. Alguma.
Imagina. Eu ria de nervoso, claro. Ficava feliz pela credibilidade, mas
óbvio que senti um peso enorme para fazer tudo certo.
Não foi tão difícil me adaptar aos funcionários, pois a maioria eu
conhecia de tantas vezes vindo aqui surrupiar comida na cozinha quando
estava lotado demais. Ademais, Adèle não me colocou acima de ninguém
— eu servia para cortar coisas, provar e lavar louça —, e também
abominava qualquer comportamento competitivo prejudicial que iniciasse
na equipe. Ali, todos formavam uma família, portanto, só eram bem-vistas
as competições amistosas, que acabavam rolando para ver quem pagaria a
rodada de sexta à noite pós fechamento.
— Seu cliente tá aí. — Jenifer, uma auxiliar igual a mim, me deu uma
cotovelada nas costelas quando parou ao meu lado, empolgada e risonha.
Tudo porque, nas duas últimas semanas, fiz amizade com Bernardo, um
cliente que caiu ali por acaso, e passou a frequentar toda quinta e sexta
depois que passamos a conversar.
— Eu só quero a minha cama…
— Será que posso ir lá agora e falar que hoje vou ficar até mais tarde?
Já sei! Você pode fazer isso por mim!
— Eu? Eu até hoje não entendo porque você não já caiu de boca nele!
O cara é lindo! — Jenifer falou alto, não teve um que não ouviu, justamente
por isso, a gente logo teve uma resposta que eu preferiria ter ficado sem
ouvir.
— É porque ela é doida para cair de boca no filho da patroa! — Juan,
o sous chefe, gritou de sua place, sem nem levantar os olhos.
Eu revirei os meus. Minha língua coçou para dizer: já caí e não
lembro, logo deve ser fraco, mas fiquei quieta, cortando um pimentão em
tamanhos iguais.
— Eu bem que queria, mas estão sempre arrumando uma desculpa.
Sim, foi Adèle quem falou da porta do escritório dela. Ela viera
apenas para receber os relatórios finais e o balancete, porque, às sextas, sua
tarefa era passar nos três restaurantes e verificar todos por alto. Caso algum
precisasse de mais atenção, organizava para na semana seguinte ficar mais
dias nele.
— Amélia, você já acabou sua parte?
Olhei para os pimentões vermelhos e amarelos na vasilha, em
tamanhos perfeitos e depois para meus dedos com curativo — pois eu
estava aprendendo uma nova profissão, e não em como ser menos
desastrada, todo dia era um machucado novo. Conferi se faltava mais algum
e acenei para que Adèle soubesse que eu tinha terminado. Ela fez um sinal
com a mão, chamando-me.
Secando a mão em um pano que eu guardava na dolmã, fui até ela,
com receio da bomba que poderia explodir.
— Lucca está esperando você na saída aqui de trás. Daniel pediu para
que você fosse com ele. — Ao menos ela parecia contrariada em me dar
aquela notícia de como o filho dela era um controlador, mandão, que nem se
dignava mais a falar comigo direito.
Eu bufei, comprimindo os lábios, com uma boa resposta na ponta da
língua. Todavia, eu convivia há tempo demais com eles, sabia que algumas
vezes não havia a opção de negar. E estar entre eles era aquilo. No máximo
depois eu poderia soltar os cachorros em cima de Daniel, e exigir uma
explicação razoável.
Assenti, inconformada, e fui pegar minhas coisas no vestiário para dar
uma ajeitada no banheiro, sabendo que o cheiro de molho à bolonhesa e
temperos não sairiam de mim até eu tomar banho.
— Se divertiu hoje? — Lucca perguntou ao me ver. Segurava a porta
atrás do motorista para que eu entrasse.
— Esse carro é blindado, né? — Ele afirmou enquanto fechava a
porta depois que entrei e sentei-me no banco de couro. O cheiro era de carro
novo. — Você sabe que eu tenho trabalhado, né? Que não venho aqui para
brincar. — Esperei Lucca ocupar seu lugar como motorista para despejar
um pouquinho da frustração.
— Sei. Isso não quer dizer que você não pode se divertir. — Ele ligou
o carro e sorriu, olhando para mim pelo retrovisor, como um pai tentando
apaziguar a filha revoltada.
E como a boa filha revoltada que eu vinha me transformando
naquelas semanas, tentei pensar em algo para argumentar, infelizmente meu
corpo relaxou no conforto do banco, do ar-condicionado e do silêncio, e
entrou no modo que passei a apelidar de “meu sistema caiu”. Igual quando
era necessário resolver algum problema, contudo, a pessoa responsável
avisava que o sistema operacional tinha caído e não estava funcionando, e
aí nada era resolvido. Bem, passei a adaptar esse esquema para quando meu
corpo chegava ao limite máximo de cansaço físico e mental. Tanto que
relaxei a ponto de só reparar quando Lucca começou a me chamar, já com o
carro desligado na garagem do prédio. Eu tinha apagado e, se duvidar, até
ronquei, porque pela baba que senti escorrendo no canto direito da boca, o
cochilo foi profundo.
— Por que você foi me buscar?
Ele arqueou a sobrancelha e balançou a cabeça, deixando-me mais
confusa.
— Não entendi. O que foi isso?
— Daniel vai te responder, Amélia. Eu só fui fazer meu trabalho.
— Agora então é oficial, você trabalha pra ele?
Lucca assentiu.
— Pronto! Agora sim tô me sentindo a própria Mia Termopolis. A
gente já combinava no nome. Aí incluí que estou sem saber direito das
coisas e com o segurança velho de tiracolo.
Apesar de uma caralhada de estereótipos sobre o que era beleza, ainda
assim, eu curtia o filme da princesa que não sabia que era uma. E, com
certeza, todo dia eu torcia para um parente desconhecido bater à minha
porta e dizer que eu era podre de rica. Será que ia aguentar a burocracia,
regras de etiquetas? Hum…
— Velho? — Ele virou ofendido para mim, depois de apertar o botão
para chamar o elevador.
— Vai dizer que você é novo? — Eu com sono era pior do que
bêbada, meu tico e teco não funcionavam. Era para ter ficado de boca
fechada até meu apartamento.
— Eu tenho menos de 40 anos, Amélia. E não sou eu quem fica
roncando em viagens de 10 minutos no carro. — Segurou a porta metálica
do elevador para eu entrar.
Fiz careta quando passei por ele, repetindo a sua resposta e parei.
Porque o bom senso resolveu dar as caras junto com o sono que me fez
bocejar e me espreguiçar.
— Ele vai embora, não vai? — Eu me escorei em uma das paredes
frias e fiquei balançando a bolsa pela alça. — Não digo hoje, mas é algo
que realmente vai acontecer, né?
Nem coragem nem vontade eu tinha de olhar para Lucca. Naquele um
mês, as coisas entre mim e Daniel não melhoraram nem pioraram, na
verdade. Só ficaram… distantes. Cada um seguia fazendo o que a vida
pedia e era isso. Eu tentava cuidar um tico melhor da minha saúde, saindo
para caminhar de manhã e depois ia para o trabalho. Chegava o bagaço,
dormia cedo e raramente saía com as minhas amigas. Ele viajava ou ia para
sei lá onde uns cinco dias da semana, não dava muitas satisfações, não fazia
questão de me chamar para fazermos algo juntos.
Por outro lado, quando me via, o tratamento era o de sempre. Sendo
“o de sempre”, aquele em que a gente não tinha transado, claro. Ter
decidido que esquecer aquele acontecimento era a melhor coisa, foi
realmente o melhor que eu poderia ter feito, pois, com a vida que ele
levava, a rotina doida que se mostrava cada vez mais frequente, eu acabaria
surtando.
— Depois daquele quase assalto as coisas mudaram, não foi?
Eu olhei para Lucca, sem entender se ele falava somente do assalto ou
da minha intimidade com o chefe dele.
— Ele falou que me mostrou a arma? — Lucca assentiu. — Sim. Mas
eu não tinha ligado a esse acontecimento… — A minha mente romântica
tinha focado na transa quase apagada e não no fato de que Daniel contou
que andava armado, que Lucca era um segurança. — Parece que…
— Está deixando você ver coisas que antes não deixava.
Eu assenti. Pasma. Não imaginava que Lucca tinha uma visão tão
completa do que acontecia comigo e Daniel.
Acabei me mantendo quieta o restante do caminho e pensativa. Desde
aquele dia, eu passei a ver os machucados de Daniel com outros olhos. Uma
vez perguntei se era realmente por conta de um saco de box que as mãos
dele ficavam machucadas ou se ele batera em alguém. Ele apenas
respondeu: a segunda opção. E ficou me encarando para ver o que eu ia
falar. Não tive nada para dizer, minha boca abriu e fechou sem um som sair.
Muitas perguntas enchiam minha cabeça, mas, na real, eu tinha medo
das respostas.
Como agora, minha língua coçava para perguntar a Lucca o que
Daniel era além de advogado. Se ele era um agiota, traficante, ou sei lá o
quê. Mas minha barriga revirava só de imaginar o que faria se ouvisse um
“sim”.
Quando estava com coragem suficiente, o elevador parou e a porta
abriu. Mais uma vez, Lucca segurou para eu passar. E eu tive um pequeno
dejà vú, ele sempre tivera a mesma postura, agira igual vinha fazendo nos
últimos dias. Ou seja, ele sempre foi oficial e nunca um simples “amigo”
que gostava de sair conosco.
Assim que passei por ele, pude ouvir as vozes grossas e altas que
ecoavam pelo corredor. A porta do meu apartamento estava entreaberta, o
que permitia o som se propagar pelo andar inteiro.
Dei uma última olhada para Lucca quando paramos em frente a ela,
só que ele apenas deu de ombros. Ótimo encorajamento para entrar.
Revirei os olhos de novo e abri a porta de uma vez.
Três pares de olhos focaram em mim. Nunca minha sala pareceu tão
pequena e intimidadora quanto naquele momento.
Tinha duas visitas naquela noite. Dois homens. Primos de Daniel,
filhos de Donna e Matteo.
O mais velho, Carlo, de riso amistoso igual ao pai, estava sentado no
sofá, com o corpo meio inclinado para frente, próximo à mesa de centro,
onde um narguilé com detalhes dourados descansava. Ele deu uma aspirada
na fumaça adocicada e fez um gesto com a mangueira, acenando para mim.
Atrás do “passa-pratos”, nossa bancada que dividia a cozinha da sala,
estava Giovanni, o irmão mais novo, devia ter a minha idade. Ele abria uma
garrafa de vinho e colocava o conteúdo nas três taças à sua frente.
Ambos eram altos e com traços bonitos. O mais velho era a calmaria,
o segundo, com mais tatuagens do que eu poderia contar, costumava ser
mais bocudo e nervosinho.
Eu tinha medo dos dois. Ambos possuíam aquela energia de Matteo,
que apesar da simpatia, sorriso fácil e amigável, algo macabro se escondia
atrás dos olhos.
Um detalhe pequeno, porém, que eu sempre notava, era que a
presença deles mudava o comportamento de Daniel. Em todas as vezes.
E foi por isso que entendi o motivo de Lucca ter ido me buscar. Em
parte, pelo menos. Daniel ficava bem mais protetor e ciumento, chegando a
admitir isso em voz alta quantas vezes fossem necessárias para eu não
questionar demais quando fazia algum pedido doido. Tipo não ficar saindo
sozinha à noite.
— Amélia! — Carlo se levantou assim que me viu e veio me abraçar.
— Vamos pedir comida, quer alguma em específico?
Simpático, solícito e educado, igual ao pai. Ainda assim, um arrepio
subia pela minha coluna e gelava meu corpo todas as vezes que o
encontrava.
— Na verdade, estou com sono. Vou tomar banho e me deitar um
pouco.
Aproveitei quando ele me soltou para ir em direção ao corredor sem
precisar chegar muito perto de Giovanni. Eles nunca ficavam aqui. Nunca
tinham subido. No máximo vinham buscar Daniel. Ou seja, ficavam no
carro, esperando que meu amigo descesse.
É mais uma das mudanças?
Eu fiquei na dúvida, mas continuei meu caminho para o corredor
onde tinha os quartos, onde Daniel ocupava uma parte, esperando eu me
aproximar. E não, ele não dava para ser ignorado. Porque ele estava sem
camisa e com um curativo acima do ombro esquerdo. Meu cérebro estava
dividido entre babar pelos músculos que eu não via há semanas e ficar
preocupada com o machucado novo.
Eu quero saber o que aconteceu?
— Eu não sabia que eles vinham, desculpa não avisar a tempo. — Ele
sussurrou, pegando minha mão livre e brincando com meus dedos.
— Tudo bem. — Não pense nos arrepios que o toque dele causa. Não
pense… Eu repetia aquele mantra inutilmente. Meu corpo inteiro já estava
mais relaxado e ansioso por mais carinhos. Era foda ser solteira, ter um
crush no amigo duvidoso, ter vagas lembranças de como era a pegada dele e
não estar pegando nem gripe.
— Se quiser, eu levo comida para você.
— Não precisa. Eu tenho pernas, posso vir aqui e fazer meu prato. —
Eu me arrependi da resposta atravessada assim que ela saiu, mas não voltei
atrás. Ele sabia que eu não gostava de ser tratada daquele jeito.
Daniel aquiesceu e me deixou passar. Resisti à vontade segurar a mão
dele mais forte, ou de virar para trás, perguntar sobre o machucado e dizer
que sim, podia levar a comida. Ao invés disso, segui para o quarto, tranquei
com a chave e me joguei na cama. As malditas estrelas que brilhavam
ficaram me encarando. O idiota do meu amigo tinha colocado um monte
delas depois de saber que eu sempre quis o teto cheio de estrelas e meus
pais acabavam deixando para depois.
Quando percebi que queria gritar, peguei um travesseiro e o apertei
contra meu rosto. Antes de tudo, eu já estava sufocada. Sufocada com um
monte de sentimentos, dúvidas, palavras não expressadas.
Capítulo 17│Daniel Bianchi
A merda daquele furo no meu ombro ardia todas as vezes que eu
tentava levantar o braço ou esticá-lo para frente.
Ainda é mais suportável do que não poder estar com ela.
Soltei o ar em uma lufada forte pelo nariz enquanto não disfarçava
que observava Amélia se afastar de mim e entrar no seu quarto. Tinha quase
um mês que eu fazia o que podia para evitá-la e que mostrava mais da
minha realidade para ver se ela se assustava e decidia ir embora. Em outra
época, eu teria colocado uma camisa e fingido que não levei um tiro só para
não precisar explicar ou mentir.
— Você devia ter se casado com ela quando teve chance. — Carlo
deu uma tragada no narguilé que empesteava minha sala.
— Deu tempo demais para teu pai ver utilidade em casar você com
alguém. Bem, melhor pra gente. — Giovanni juntou os dedos da mão
direita na frente da boca e fez como se jogasse um beijo na minha direção.
— Melhor pra vocês? — Eu repeti, não querendo acreditar, mas os
conhecendo há tanto tempo e tendo noção de que sempre dividiam a
mulher, eu sabia do que falavam. Até porque, há anos davam a entender que
se Amélia topasse, eles nem se incomodariam de passar mais tempo no
Brasil.
— Nossos pais adoram ela. Acho que nem se importariam de nós dois
assumirmos algo com a Lia. — Giovanni brincava com a morte e era tão
audacioso, que parou na minha frente com aquele sorriso prepotente e as
taças de vinho nas mãos.
Não pensei duas vezes, fui para cima dele e usei o braço bom para
prendê-lo pelo pescoço contra a parede. Amélia era minha. Por mais que eu
não pudesse ficar com ela, não aceitaria vê-la com outro, muito menos com
aqueles dois que, com certeza, eram piores do que eu.
— Eles vão se importar sim, porque aí os dois filhos deles estariam
mortos. — Apertei mais o meu braço contra o pescoço de Giovanni. Não
me importava que ele estivesse ficando roxo por falta de ar ou que depois
ficaria com dor, porque aquela era uma brincadeira que eu não tolerava. Se
eu passei anos evitando que Amélia se envolvesse ou percebesse qualquer
coisa da merda da minha vida, pois tinha noção de que aquele não podia ser
o mundo dela, não seria um idiota psicopata que faria isso.
Porra! O foda era que eu nem via mais Giovanni, só imagens que
começaram a passar na minha cabeça, ora era Amélia com eles, ou com o
babaca que a stalkeva no trabalho. Tudo porque eu prezava pela sua
segurança, pela sua inocência, por uma vida tranquila, normal.
— Ah! — Gemi de dor quando senti uma pontada forte onde tinha
levado o tiro. Automaticamente soltei Giovanni e já virava para atacar
quem apertara meu ombro, quando me deparei com Amélia furiosa de sutiã
e calça jeans na minha frente.
Como assim? O que ela estava…
— Eu sei que costumo falar que ajudo a esconder o corpo, mas eu não
sei fazer isso, Daniel. — Demorei a perceber que ela não só falava comigo,
como estava me dando uma bronca. Amélia era sempre tão tranquila, que
eu esquecia dos momentos em que estourava e parecia furacão. — E seu
primo não fez nada que merecesse ir pra cova. Sou solteira, se eu quisesse
sair com ele e o outro ali, não teria problema nenhum nisso. — Ela tomou
uma das taças que Giovanni não soltou e deu um gole que acabou com
quase metade do conteúdo. — Eu só queria tomar banho em paz, mas não!
Alguém precisava querer derrubar a minha parede!
— Daniboy anda estressado, você podia ajudá-lo com isso.
Não vi quando Carlo se levantou, deve ter sido um pouco antes de
Amélia entrar na sala e controlar a situação, pois nunca que ele deixaria eu
machucar o irmão dele. Contudo, vendo que eu o tinha largado, ele se
sentou e voltou para seu narguilé após provocar Amélia.
Eu não sabia se encarava os olhos irritados dela ou os seios que
balançavam a cada respiração, dentro do bojo rendado em azul petróleo.
Eles pareciam maiores ou era a saudade que eu sentia de enfiar meu rosto
no meio deles? Não importava, eu precisava ignorá-los e fingir que não os
tinha visto de novo, para a excitação que começou a crescer quando vi
Amélia diminuísse, e não me deixasse de pau duro no meio da sala.
— Ele tem namorada pra isso. — Entregou a taça vazia para
Giovanni. — Vou pra sua banheira, porque assim não escuto mais essas
brigas idiotas. — Ela me encarou firme, pegou a outra taça e já saía quando
se virou e encarou meu primo, que estava acendendo mais uma daquelas
pastilhas. — Carlo, se a minha sala ficar fedendo a morango artificial, eu
vou acender um de menta e colocar no seu carro.
Na mesma hora, Carlo parou com o isqueiro. Ninguém ameaçava o
carro dele. Mas era Amélia. Por mais que ele e Giovanni implicassem,
falassem umas merdas, ambos a respeitavam. Fosse por mim ou por Donna
e Matteo que a adoravam. Então, ele apenas apagou e desistiu de fumar
dentro da minha casa.
— Acho melhor vocês irem. — Tudo o que a gente tinha para
conversar, poderia ser conversado em outro momento. Eles ficariam pela
cidade por alguns dias mesmo e só tinham vindo me ver porque ficaram
sabendo que me feri na última batida a mando de Salvatore — ao menos foi
isso que pedi para Lucca espalhar quando a verdade poderia ser um
pouquinho mais complicada, só que não pensaria nisso agora.
— Luísa nunca vai ser respeitada da mesma forma que Amélia. Se vai
se rebelar, escolha direito. — Giovanni piscou para mim, antes de pegar
carteira e celular na bancada entre a cozinha e a sala.
— Qualquer uma das duas correria risco de Salvatore ir atrás para se
vingar. — A questão era que eu não me importaria muito se algo de ruim
acontecesse a Luísa. Agora, nunca que queria ser responsável por colocar
Amélia em perigo. Se ela sofresse um arranhão, eu não me perdoaria.
— Matteo é doido por uma desculpa para iniciar uma guerra, com
certeza garantir a segurança da sua ragazza seria um bom motivo. — Carlo
deu uma batida forte em cima do curativo. Uma pequena retaliação por ter
machucado o irmão dele.
Sacudi a cabeça, espantando aquela ideia. Não podia me levar pelo
lado insano deles, rebelde e anarquista. Cresci respeitando o que me era
imposto, a hierarquia, o que cobravam de mim por tudo o que fizeram pela
minha família. Criar uma rebelião não entraria nos meus planos enquanto
não fosse necessário.
Os dois saíram do apartamento depois de acenarem para mim da porta
e a fecharem. Eu fiquei tentado a entrar no meu quarto, ir até o banheiro e
assistir Amélia dentro da minha banheira. Sem refletir se era uma boa ideia,
peguei a taça largada na bancada e deixei minhas pernas me guiarem até a
porta do banheiro, ao menos teria desculpa de estar levando algo para ela
como símbolo de paz.
Só não esperava que, ao me aproximar, ouviria um gemido que
lembrava bem e que causava um efeito imediato no meu pau.
Devagar, abri um pouco mais a porta e pude ver Amélia com água até
quase os ombros. Pelo movimento da água, ela se tocava, completamente
desligada de onde estava. A cabeça encostada na borda e os olhos fechados,
por isso, não viu minha intromissão.
— Ah… Daniel…
Merda. Ou eu saía ou dava um basta.
Pigarrei alto. É, pelo visto, hoje não é um dia de raciocinar muito
antes de agir. Isso nunca dá certo. Na última vez, terminou comigo
acordando nu, com Amélia fugindo do meu quarto sem querer falar sobre o
que acontecera.
— Acho que você devia aprender a trancar a porta quando for fazer
essas coisas.
— Daniel! — Com aquele jeitinho todo destrambelhado, ela se
sobressaltou na banheira, espalhando água e espuma para tudo que era lado.
— Só vim trazer o vinho. — Tentei fazer uma cara de inocente, mas
com certeza, estava fracassando.
— Há quanto tempo você está aqui?
— O suficiente. — Abri um sorriso devagar, desdenhoso.
— Hum… Parece que você gostou do viu… — Ela deu uma olhada
bem direta para o volume que se formava na frente da minha calça.
— Depois dessa homenagem, não tinha como não ficar excitado. —
Eu me aproximei sem desviar o olhar do rosto dela, atento às bochechas
vermelhas e os olhos confusos. Infelizmente, não dava para ver nada sob a
água, pois a espuma era densa e a cobria por inteiro. — Vim em paz. —
Deixei a taça de vinho no chão, onde ela poderia alcançar e peguei a vazia.
Por mais que minha vontade fosse de me juntar a ela ali, eu tinha tomado
uma decisão. Não dar razão para colocar a vida dela ficar em risco. —
Mandei meus primos embora. Mas não tem comida, então, continuo com a
ideia de pedir algo.
— Ok. Pode ser.
Coloquei a mão vazia no bolso da calça e tive o prazer de ouvir a voz
dela sumindo conforme seus olhos desciam pelo meu corpo e percebia que
estava próxima demais da ereção que me causara.
— Japonesa?
Concordei e me afastei antes que desistisse da ideia de me manter
longe. Eu precisava de ar puro. Isso! Melhor do que ficar na sala e lembrar
de Amélia aparecendo ali sem blusa e mandando em mim como se não
tivesse menos de 1,60 m. Saí para a varanda depois de deixar a taça na
cozinha, pegar os utensílios que usaríamos para jantar e os colocar na mesa
redonda do lado de fora, e, por fim, deitei-me em uma das espreguiçadeiras
que tínhamos perto da piscina no deck elevado enquanto fazia o pedido.
Com tudo escolhido, tirei a arma do coldre perto da minha coxa,
larguei-a na mesa ao lado do celular, que tocava a playlist de Imagine
Dragons, e fechei os olhos. Não tinha reparado como estavam pesados por
conta do analgésico que tomei pelo ferimento até relaxar ali, tendo apenas o
céu escuro com algumas estrelas à minha frente.
— Será que vou precisar fazer algum teste para ver se você está vivo?
Quando abri os olhos de novo, Amélia estava do meu lado, segurando
a embalagem de papel em que vinha a nossa comida e um olhar zombeteiro
para cima de mim. Eu devia ter apagado sem perceber.
— Posso fingir que não consigo respirar, e aí você faz um boca a
boca.
Ela bufou e balançou a cabeça.
— Não creio! — Amélia se afastou para colocar a comida em cima da
mesa e eu tive a visão perfeita da bunda volumosa apertada num short
minúsculo de dormir. A mão chegou a coçar para dar um tapa estalado. —
A propósito, trouxe gaze e esparadrapo. — Ela voltou com os itens e uma
garrafinha pequena de álcool 70%. — Tá manchado de sangue, acho que
apertei forte demais naquela hora. Desculpa.
— Aceito beijinhos para sarar.
— A máquina de cantadas baratas foi ligada quando me viu gemendo
seu nome? — Largou os itens no meu colo e começou a puxar a pontinha
do esparadrapo.
— Pelo que me lembro, foi ligada quando te beijei pela primeira vez.
— Pior que é verdade. Mas nem sei se é uma boa lembrança… — Ela
fez uma careta, mas não sei se foi pela lembrança ou por ter soltado o
esparadrapo do meu ombro. — Onde… O que…
— Você quer a resposta mesmo? — Ela respirou tão fundo que eu
ouvi, e a sua hesitação era quase palpável. Ergui o rosto e esperei até vê-la
assentir. — Foi um tiro que, felizmente, entrou onde só tinha músculo.
— Eu apertei um buraco de bala? — Amélia, de espantada, passou
para apreensiva em questão de segundos.
— Os pontos que fecharam o buraco.
— Meu Deus! O que você é, afinal? Porque advogado nenhum fica
chegando em casa todo machucado. — Podia estar em choque, mas não
tinha piedade nenhuma quando molhou a gaze com álcool e tacou em cima
do conjunto de pontos e pele apertados, arrancando de mim um resmungo
por arder tanto.
— Vamos dizer que sou um cobrador, coletor de informações… —
Encarei os olhos castanhos em busca de alguma reação controversa. Amélia
parecia estar desconfiada e ficou pensativa enquanto terminava de refazer e
fechar meu curativo.
— Parece coisa de agiota — comentou após deixar as coisas de
machucado em uma das quatro cadeiras vazias, que compunham o jogo
com a mesa redonda.
Pare, Daniel. Agora.
Não parei. Em um gesto automático, peguei a mão pequena e delicada
dela e a puxei para mim, até que Amélia estivesse sentada em meu colo, de
lado, com as pernas para fora da espreguiçadeira e um dos meus braços bem
firme, rodeando sua cintura.
— Isso não te incomoda?
— Não sei… — Meneou a cabeça, indecisa, e me encarou com um
sorrisinho tímido. — Acho que não bato bem.
Pare, Daniel. Ainda dá tempo.
— Ah… bate. — Eu estava perdendo uma batalha própria. Aquela em
que não aceitava ficar com Amélia apenas por ser um covarde e não ter
coragem de expor meu mundo, e permitir que ela o aceitasse ou não.
— Estamos falando… — Amélia arregalou os olhos quando notou de
que finalmente eu não estava fingindo que não me lembrava de ter transado
com ela.
— Sim.
— Você não comentou nada.
— Olha direito pra minha vida, Lia. — Com o indicador, do mesmo
braço com o machucado, apontei para o ombro. — Eu sempre fiz de tudo
para não arrastar você comigo. Para esse lado do meu mundo em que o
certo é definido por quem trabalho. — Apoiei a mão na coxa grossa, de pele
macia e cheirosa, e a apertei de leve. Segurando-me para não subir até a
virilha, escorregar meus dedos para o meio até encontrar a quentura de sua
boceta. — Ao mesmo tempo em que não quero acabar com seu mundo
colorido e cheio de vida, não consigo me afastar de você.
— Acho que isso eu quem deveria decidir, não?
— Talvez. Mas, caso não tenha percebido, gosto de controlar muito
bem as coisas. — Subi meus dedos dobrados pela barriga dela até chegar a
um dos seios que a camiseta fina deixava marcado.
— Percebi. E acho que, lá no fundo, eu gosto. Em alguns momentos,
claro. — Amélia segurou a mão que eu usava para acariciá-la e,
contrariando meus pensamentos, fez com que eu abrisse a mão e a
espalmasse, cobrindo todo o seu seio. — Hoje, depois que você saiu do
banheiro, eu me lembrei da promessa que você fez. E estou sóbria.
Já estava quase perguntando qual promessa quando ouvi a última
frase e me recordei.
Capítulo 18│Amélia
Eu queria um esconderijo depois que Daniel saiu do banheiro, nem
demorei muito mais porque tinha acabado o clima. Deixei a banheira
esvaziando e fui para o meu quarto passar um creme hidratante no corpo e
colocar um pijama. Coisas simples, só não esperava lembrar de outro
momento em que quis me esconder tanto quanto aquele.

Era a primeira festa da faculdade que nós dois estávamos curtindo.


“Chopada” de algum curso, que eu não lembrava qual. Pelo que diziam, a
maior de todas.
Eu não era conhecedora de chopadas, mas aquela realmente era uma
festa movimentada. Ocorria no pátio aberto da faculdade, que era o maior.
Possuía DJ, bebidas e drogas, repassadas sem receios de serem pegos, e
muita gente desinibida.
Desinibida demais, pensei, após encontrar o segundo casal transando
num dos muros mais distantes. “Ainda estamos na metade da festa”.
Eu já tinha bebido mais do que estava acostumada e do que deveria.
Meus amigos de turma tinham trazido algumas cervejas e drinks com
vodka.
Cadê você, Daniel?
Aquela pergunta ressoava na minha mente enquanto eu andava no
meio da muvuca, procurando o idiota do meu amigo. Podia ligar para ele,
mas, das últimas vezes, ou eu não entendia nada do que ele falava, ou ele
não compreendia o que eu dizia, tudo por conta do barulho. Por fim, resolvi
procurar por ele, depois de uma amiga dizer que o tinha visto perto da
quadra.
— Hey, caloura! — Alguém tentou segurar seu braço, mas eu me
soltei com um movimento brusco.
Continuei andando até reconhecer quem procurava. Com Daniel,
estava uma garota, já a tinha visto quando fora assistir uma aula com ele,
mas não lembrava seu nome. Pensei, sinceramente, em dar meia volta, mas
o álcool já surtia efeito e eu queria falar com Daniel, não me importava se
ele estava flertando com outra.
Se eu achava que atrapalharia algo, repensei na hora em que Daniel
me viu e abriu um sorriso enorme e feliz, era um daqueles que me faziam
sentir algo se aquecer dentro de mim.
— Achei você! — Terminei a distância entre nós e o segurei pela mão
sem perceber. — Oi. — Não fiquei sem cumprimentar a companhia dele,
mas Daniel começou a falar antes que a garota retribuísse.
— Te procurei por todo canto! Onde você tava?
— Perto da cantina. Juliana que falou que você estava pra cá.
— Oi, sou a Marcela. — A garota se apresentou, claramente
incomodada com a nossa proximidade.
— Foi mal. — Daniel se desculpou. — Essa é a Amélia.
— Oi. Se importa se eu roubá-lo um pouquinho? — Não esperei por
resposta, apenas o arrastei para longe do barulho. Precisava falar o que
queria antes que perdesse a coragem.
— O que deu em você? — Daniel perguntou, desconfiado.
— Bem, ela é, sei lá… a quinta da semana? Não é como se fosse
importante — respondi, com a naturalidade que as biritas me permitiam. —
E tenho algo a propor.
— Propor?
— Sim. — Eu parei próximo à entrada da biblioteca, onde havia
alguns bancos de cimento sem encosto. Por sorte, um estava vago, os
outros deveriam ser ignorados completamente. A gente se sentou com uma
perna de cada lado, um de frente para o outro.
— Diga.
— Quero que transe comigo. — Aquela era uma ideia perfeita.
— Você está bêbada. — Ele deu uma leve risada.
— Não. — Sacudi a cabeça com veemência.
— Não foi uma pergunta. Você mal consegue falar do nosso beijo,
que dirá me pedir isso. Só com muito álcool rolando aí. — Girou um dedo,
apontando na minha direção.
— Eu juntei toda minha coragem.
— Mais a cerveja.
— E algumas doses de tequila… e vodka com refrigerante…
— Vai dizer que não está bêbada? — Ele cruzou os braços na frente
do peito. Daniel já tinha os braços fortes e malhados naquela época, e por
alguns segundos, eu me perdi em algumas das veias sobressalentes.
— Alta, talvez. Mas venho pensando nisso há um tempo. Todas as
garotas que andam comigo já entraram aqui sem virgindade ou perderam
durante esses três meses de aula. Sério, eu sou a piada. Fora que caras são
idiotas nesse ponto. Parece que ganharam um prêmio quando falo que sou
virgem. — Quase o convenci de que estava sóbria com a minha indignação
legítima. — Você é meu melhor amigo, sei que seria legal comigo e não ia
querer nada em troca, muito menos ficar se gabando por aí.
— Por mais que eu queira dizer sim, não posso.
— Não quer?
— Ah… se você soubesse. — Ele riu e balançou a cabeça, tentando
espantar os pensamentos que já tivera. Meus olhos só faltaram sair das
órbitas. Porque, depois do primeiro beijo, Daniel agiu normalmente e
nunca mostrou interesse em algo mais. Aquilo realmente me deixou
espantada e esperançosa de que ele toparia. — Falei isso alto?
— Sim.
— Vamos fazer assim: se, amanhã ou depois, você tiver coragem de
me fazer essa mesma pergunta sóbria, eu aceito. Mas não dá com você
assim. — Tocou de leve na lateral do meu rosto, por instinto, fechei os
olhos para aproveitar a carícia. Porém, teve um efeito contrário.

Não… Aquilo era novo. Ele não tinha… Larguei o creme em cima da
cama, sem terminar de levá-lo para o armário e guardá-lo. Todas as vezes
que contara aquela vergonha para alguém, nunca lembrava daquela parte.
Era conhecida como a noite em que dormimos juntos pela primeira vez, não
por termos transado, mas, sim, por tudo o que ocorreu depois…

— Acho que não tô bem. — O aviso só deu tempo de não mirar na


perna dele antes de vomitar.
Depois disso, foi só para trás. A gente acabou indo para a casa da
mãe de Daniel e ele me emprestou uma blusa e um short para que eu
trocasse. Ele ainda teve de me ajudar, porque eu mal conseguia ficar em pé.
Quando acordei, não o vi na cama, mas sabia que tínhamos dormido
junto, pois, no meio da noite, o abracei.
— Bom dia. — Daniel estava de samba-canção e segurava uma
garrafa de água e um copo.
— O que a gente fez? — Lembrava vagamente da proposta e só
queria esconder meu rosto embaixo do travesseiro. Daquela vez, eu tinha
extrapolado!
— Você não lembra? — Ele se sentou do meu lado e encheu o copo e
me entregou.
— Ah... — Aos poucos, me lembrei da negação e do vômito. — Você
me rechaçou educadamente. Obrigada por me trazer pra cá. Minha mãe ia
me matar.
— Provável. Do seu celular mandei uma mensagem, avisando que
você ia dormir aqui. Mas ela já tinha ligado algumas vezes. Não acho que
vá fugir da briga, de qualquer forma.
— Preciso de um banho… — Levantei-me da cama, meio tonta.
— Pode ir. Minha mãe e meu pai já saíram. Não vai ter ninguém
fazendo perguntas.

A minha vontade era de correr até Daniel e procurar saber se aquela


parte era real ou se a minha cabeça não estava inventando tudo. Todavia,
algum bom senso apareceu enquanto eu andava até a sala e vi Lucca
entrando com a comida.
De vez em quando, quem ia entregar a comida tocava no apartamento
dele por engano.
— Nunca foi engano, né? — Foi um pequeno detalhe, um durex por
cima do adesivo do restaurante. O suficiente para uma centelha de outros
momentos como aquele virem à tona.
Lucca deu uma risadinha, negou, balançando a cabeça, e fechou a
porta ao sair.
Não sabia o que pensar direito. Não sabia nem o que Daniel era quem
necessitava de um segurança 24 horas. Também não sabia se queria
conhecer a verdade e lidar com ela.
Pela porta de vidro que separava a sala da varanda, eu vi Daniel
dormindo na espreguiçadeira, dali consegui ver o curativo manchado de
sangue e ouvir a música Demons, do Imagine Dragons, tocando baixinha.
Dei meia volta, colocando a sacola de comida na bancada da cozinha e fui
pegar o que seria necessário para trocar o curativo.
Aproveitei aquele tempo para pensar e tomar coragem de questionar
meu amigo sobre quem ele era. Principalmente porque, na segunda vez que
me aproximei da varanda, reparei na arma que estava na mesa menor, que
Daniel deve ter retirado ao se sentar ali.
Não me surpreendi tanto com o que ele falou, porém, não acreditei
100%, alguma coisa ainda estava faltando. Alguma coisa que, pelo visto,
Daniel não contaria, a menos que fosse obrigado. Eu que precisaria aceitar
as migalhas de informações.
— Então você finalmente lembrou. — Ele sorriu, sem deixar de
apertar meu seio inchado com vontade, de atiçar meu desejo e me deixar
molhada com apenas aquele estímulo. — Agora, você lembrou só da minha
promessa ou de você perguntando se meu pau tinha tantas veias quanto meu
braço?
Virei-me para ele com os olhos arregalados. Ele mantinha aquele
sorriso de garoto levado e safado. Nem parecia que tinha começado a
apertar torcer o bico do meu seio.
— Nunca perguntei isso!
Daniel gargalhou, fazendo-me sacudir em seu colo e notar que o pau
dele ganhava vida e crescia embaixo da minha coxa.
— Só errei o dia. Isso foi quando a gente transou.
— Eu não lembro do seu… — Olhei para baixo, onde o dito cujo
estava cada vez mais duro.
— Diga pau, Lia. Lembro que gostei de ouvir você falando putaria
naquele dia.
Aquilo era ridículo. Eu era ridícula com minhas bochechas
queimando, que deviam estar vermelhas e mostrando o quão travada eu era
para aqueles assuntos.
— Pau — falei, baixo, arrancando um sorriso satisfeito dele. Vinte e
seis anos, Amélia, não dá para ficar envergonhada com essas besteiras.
— Peça o que você quer.
Juntei toda a coragem que tinha e disse:
— Quero transar com você.
Ele suspirou satisfeito e logo o semblante daquele Daniel sério, que
eu quase não via, retornou.
— Levante-se e tire a roupa.
Oi? Ele não está falando sério, está? Ali, na varanda?
— Não tem vizinhos perto, Lia. — Daniel me conhecia tão bem que
nem precisei perguntar, ele adivinhou todas as dúvidas que passavam na
minha cabeça. — Você vai deixar eu te foder sob o céu estrelado, é quase
tão romântico quanto as histórias que você gosta. — Se não fossem o olhar
safado e o sorriso enviesado, eu poderia pensar que era um pedido fofo ou
romântico, mas os dois o entregavam.
Capítulo 19│Daniel Bianchi
Eu nunca esqueci o dia que Amélia pediu para eu tirar sua virgindade.
Foi quase uma proposta irrecusável. Se ela não estivesse tão bêbada, eu
teria aceitado, sem pensar em consequências ou como nossa amizade
ficaria, pois, naquela época, eu era mais inocente, interpretaria como sinal
divino ou alguma baboseira assim. Como eu torci para que na manhã
seguinte ela se lembrasse e refizesse o pedido. Porém, Amélia não se
lembrou, muito menos nos anos seguintes.
Junto à falta de memória dela, meu senso de responsabilidade e
minhas obrigações aumentaram em 1.000%. O amigo que saía para
chopadas, Lapa, virava noites com ela, foi tendo cada dia menos tempo,
menos chances. O amigo que escondia uma fera dentro de si, aquele sim
estava ganhando mais espaço, palco e chances de se mostrar. E foi
justamente ele quem desistiu da decisão inicial de não cair em tentação e
iniciou as provocações.
Eu a queria nua sob a luz da varanda e da lua. Queria ver de novo,
dessa vez sóbrio e, com certeza, decorando cada detalhe. Porque a espera
fora longa.
— Se você não tirar, eu vou. — Primeiro ela me encarou irritada,
inconformada e provavelmente me achando louco. Mas eu precisava
descobrir se Amélia aguentaria o homem sem pudores, que ligava o foda-se
com o mundo pegando fogo, desde que meus desejos estivessem sendo
atendidos.
— Você não vai rir de mim, vai?
— De onde tirou isso?
Ela me deu olhada engraçada, meio enfadada, como se eu tivesse
perguntado algo estúpido.
— Uma coisa é você bêbado, outra é sóbrio. Não sou nenhuma Luísa.
Porra, eu tinha me esquecido das inseguranças que Amélia tinha com
o corpo. Mas isso acabaria ali. Como ela podia ter dúvidas se meu pau
estava duro só de estar em contato com a coxa dela?
Fiz Amélia se levantar do meu colo, mas logo a puxei para sentar-se
de frente para mim, comigo entre suas pernas. Assim, eu teria a
oportunidade de deixar que ela ficasse frente a frente comigo, e seria mais
fácil de executar a outra ideia que tive.
— Olhe para baixo. — Acompanhando o olhar dela sobre meu tórax,
vi quando focou no tecido esticado da minha calça. Ela não teria como ver,
porém, meu pau era exibido, e só de saber que estava sendo o foco, pulsou
mais forte. — Tem alguma outra mulher aqui?
Amélia negou.
— Então estamos de acordo que, se estou excitado, é por sua causa,
certo? — Dessa vez ela concordou. — Ótimo. Agora tire a blusa para
ficarmos quites.
— Você não é muito paciente, né?
— Quando eu estiver dentro de você, posso ser, se quiser.
Ela ficou ainda mais irritada com a minha resposta. Todavia,
funcionou, mesmo com muita reticência e bochechas vermelhas, Amélia
puxou a camiseta por cima da cabeça, deixando livres os seios que eu tanto
ansiava por ver de novo. Não resisti e espalmei os dois com minhas mãos
grandes, praticamente os cobrindo por inteiro. Aquela satisfação ninguém
tiraria. Ela gemeu baixinho e suas coxas me apertaram conforme ondulou o
quadril sobre a minha ereção.
— Isso daqui é perfeição, Lia. — Puxei os mamilos arrebitados para
testar seu nível de dor, quando inclinou o corpo para frente, eu parei,
abaixei a cabeça e tomei um deles entre meus lábios. Aquilo era o meu
paraíso. Um paraíso estritamente proibido para mim e por mim. Ainda
assim, chupei, suguei, mordisquei, ficando mais duro e excitado, grunhindo
como um ser faminto.
Subi os beijos por seu pescoço, deixando a pele clara avermelhada
pela falta de cuidado, enquanto minhas mãos apertavam Amélia onde desse,
nos seios, barriga. Até que meus dedos embrenharam em seu cabelo,
puxando-o e permitindo que eu tivesse mais espaço em seu pescoço para
beijar.
— Agora, tire o short e a calcinha, Lia. Deixe-me ver essa boceta que
deve estar brilhando de tão melada. — Pelo calor e maneira como ela se
esfregava, não tinha dúvidas de que sua calcinha estava ensopada.
Ainda relutante, Amélia se levantou e finalmente me obedeceu,
tirando as peças que faltavam.
— Sua vez. — Cruzou os braços na frente da barriga, como se fosse
conseguir esconder alguma coisa de mim.
Virei-me para ela, ficando na altura da boceta polpuda. Se eu a
encarasse, ela veria minha cara de tarado. Porque esse era o efeito dela
sobre mim. Parecia que eu nunca tinha transado na vida. Sentia mil coisas
ao mesmo tempo. A ansiedade por tê-la, a insegurança do que poderia
acontecer, o êxtase absurdo por finalmente estar vivenciando aquilo e a
vontade de dominá-la e subjugá-la, vê-la implorar para ser fodida, para ter
meu pau estocando fundo e rude.
Enfiei meus dedos entre os lábios melados, acariciei o clitóris. Por
fim, dois dedos meus escorregaram para seu interior quente e úmido sem
muita dificuldade. Os gemidos baixinhos foram aumentando ao que eu
intensificava as estocadas. Ela segurou com força em meus ombros,
esquecendo-se do machucado.
— Desculpa. — Pediu, ofegante, quando encolhi o lado ferido. Nem
respondi, estava mais ocupado tirando os dedos de dentro dela e lambendo
o líquido que os ensopava. — Ah… — Ela choramingou quando percebeu
que eu não voltaria a fodê-la com meus dedos.
— Calma.… Primeiro a gente precisa ficar quites, não? —
Desamarrei os cadarços do coturno preto, tipo um buti, e os afastei,
mantendo o canivete dentro dele sem que Amélia visse. Um susto por vez.
Ela já estava lidando com o tiro, a arma no chão e parte da verdade. Depois
me levantei, já abrindo o botão e o zíper da calça. Deixei que caísse sozinha
após empurrar até os joelhos.
— Uou. Que caralho! — Ela cobriu a boca com as mãos. — Só você
para me fazer xingar, Daniele. O que é isso brilhando? Como que eu não
lembro que você tem piercing no pau?
Eu ri. Não tinha como me manter controlador ou dominador perto de
Amélia e seu jeito desinibido para sair perguntando o que viesse à sua
mente.
— Estou me fazendo a mesma pergunta. — Só não implicaria mais,
pois também não lembrava muito do que vi, muito menos se ela reparou ou
perguntou sobre os dois piercings, um no modelo apadravya que perfurava
a glande de cima para baixo, e um frenum, apenas na parte de baixo, perto
do freio.
— Não dói?
— Só quando furei. — Segurei meu pau e me masturbei, passando o
dedão pelas bolas de metal para mostrar que não me incomodava. De
brinde, senti o desejo em Amélia aumentar. Eu me aproximei devagar e me
abaixei o suficiente para encaixar a cabeça do meu pau entre os lábios
melados dela, e fiz um vai e vem instigando seu clitóris. Mantive a mão
direita coordenando o movimento e, com a esquerda, agarrei a bunda dela
com força, grudando nossos corpos até seus seios ficarem esmagados em
meu tórax.
Amélia automaticamente se segurou em meus braços, em busca de
equilíbrio conforme eu a trouxe para perto e o contato com a superfície
gelada do metal fez seu corpo quente estremecer e arrepiar.
— Tá geladinho. Hum… Isso é bom… — Ela ergueu a cabeça e não
perdi a oportunidade em morder seu lábio inferior e invadir sua boca com a
minha língua exigente. — Daniel… — Gemeu quando desci meus lábios
para seu pescoço, lambendo e sugando a pele sensível. Não parei. Da
mesma forma que não deixei de estocar por fora em sua boceta encharcada
com a lubrificação que escorria.
Eu não era de perder o controle com tanta facilidade, contudo, por
muito pouco, não desisti de pegar a camisinha para me enterrar de uma vez
nela, podendo sentir a quentura pele a pele. Ela me enlouquecia, acabava
com meu raciocínio e barreiras que criei ao longo do tempo.
— Preservativo, coração.
Meio perdida nas sensações, Amélia concordou e se afastou para eu
pegar a carteira na minha calça. Acariciei meu mastro, curtindo a atenção,
antes de encapá-lo com a camisinha.
— Venha. Quero ver você cavalgando meu pau. — Sentei-me na
espreguiçadeira, recostado no encosto e estiquei a mão para auxiliar Amélia
quando sentasse, mas ela mordia o lábio inferior e olhava curiosa para onde
as joias estavam. — O que foi?
— Quero tentar diferente. Ver se esses negócios aí fazem efeito
mesmo.
Se fosse qualquer outra, teria me irritado, mas, sendo ela, apenas
assenti e permiti que sentasse no meu colo de costas para mim. Minha
colaboração foi unicamente segurar meu pau enquanto Amélia, com as
mãos apoiadas em minhas coxas e as pernas dobradas ao lado do meu
corpo, descia e o encaixava lentamente dentro de si, uma puta tortura de
prazer em que seus gemidos e xingamentos à minha pessoa só me
estimulavam mais.
Aquele segundo em que ela conseguiu me ter por completo dentro de
si e parou, acostumando-se com a penetração, eu fiquei admirando
desacreditado que estávamos ali, juntos, realizando um desejo meu de anos.
Eu estava fodido, porque passei um mês merda, mantendo-me
afastado dela, evitando ficar muito perto para não perder o controle e a
atacar no meio de casa. Um mês que passei espumando raiva por ver que o
stalker dela do emprego ficava cada vez mais perto de marcar um encontro
com ela. Um mês que passei ouvindo as reclamações de Luísa por eu a estar
trocando por trabalho. Mal sabia ela que não aguentava mais a sua voz, seu
cheiro, porque, uma vez dentro de Amélia, mesmo que sem me lembrar
direito, foi o suficiente para me tornar viciado nela, o suficiente para me
estragar para qualquer outra.
Amélia começou a se mexer conforme se sentia mais confortável e
menos dolorida. Eu deixei minhas mãos explorarem seu corpo, apertando
com gosto cada pedaço das pernas, bunda, culote até chegarem aos seios,
que massageei, absorto na névoa de prazer que só aumentava entre a gente.
Enrolei seu cabelo em uma das minhas mãos e puxei sua cabeça para trás,
expondo seu pescoço e colo, permitindo que eu o atacasse ensandecido, e
por último, sua boca, com um beijo fugaz, roubando todos os gemidos para
mim.
Enquanto ela rebolava gostoso no meu pau, e por dentro as contrações
das suas paredes me moíam, desci a outra mão até seu clitóris e o dedilhei.
O efeito foi imediato, Amélia soltou meus lábios para passar a gemer mais
alto e de forma sôfrega conforme o orgasmo se aproximava.
— Ainda não, coração. — Primeiro que eu não tinha esquecido que
ela mudou as posições, meu lado controlador tinha ficado contrariado.
Segundo que eu não queria que acabasse tão rápido, a espera fora longa
demais. E eu adorava implicar com ela, não perderia aquela oportunidade.
Antes que Amélia gozasse, saí de dentro dela e a coloquei no meu lugar
para assim eu poder deitar entre as pernas arreganhadas dela e provar o que
eu estava doido desde que ela ficou completamente nua. — Quero lembrar
seu gosto — falei, ainda sentado sobre minhas pernas dobradas.
— Vou poder gozar agora? Ou vai me sacanear de novo?
Gostei de ver aquele lado mais irritado dela. Com certeza provocaria
mais vezes.
— Se você for uma boa menina, vou deixar sim. — Sorri malicioso,
ignorando que só pela visão de Amélia completamente entregue, com os
lábios inchados de tanto que os mordisquei, o cabelo caindo pelos ombros,
as marcas das minhas mãos em várias partes do seu corpo, a boceta
escorrendo líquido para o banco de tão lubrificada, eu permitiria que ela
tivesse tudo o que desejasse. Minha vida, meu mundo, meu coração. —
Você vai ser?
Meio inconformada, ela balançou a cabeça, concordando.
— Abra essa boceta para mim. — Esperei até Amélia escorregar os
dedos pelos grandes lábios, apartando-os e causando pequenos tremores no
próprio corpo de tão excitada que estava. — Toque-se, coração. Sinta como
você é gostosa. Como é quente por dentro. Como é viciante.
Meu papel por alguns instantes foi o de admirador. Fiquei vidrado nos
dedos de Amélia entrando e saindo da boceta rosada e depilada, na forma
como os retirava para apertar os grandes lábios e dedilhar o clitóris,
intercalando os movimentos. Minha boca salivava, meu corpo esquentava e
meu pau pulsava, querendo estar de volta ali.
Não agora.
Finalmente me deitei e encaixei meus ombros largos entre suas
pernas. Pouco me importando com a dor em meu ombro. Beberia do gozo
dela a qualquer custo. Não me fiz de rogado ao afundar meu rosto em suas
dobras, ao espalhar sua lubrificação com meu nariz e queixo. Apreendi o
clitóris, dando uma sugada mais forte para a dor cortar um pouco do quase
orgasmo dela e depois o tratei como merecia. Passei a língua ao seu redor,
dei sugadas mais fracas nele e nos grandes lábios. Enfiei meus dedos em
seu interior, sem deixar de chupar o ponto mais inchado.
— Não para, Dani. Por favor. — Amélia se contorcia, apertava as
pernas ao meu redor e puxava meu cabelo. Ergui o rosto poucas vezes para
ver sua expressão de delírio, em que as pálpebras dos olhos tremiam, a boca
ficava entreaberta e o corpo não conseguia ficar parado, a cada nova onda
de prazer, ela o arqueava para trás.
Não vou parar, coração, respondi mentalmente. Agora estava ansioso
para vê-la gozando, sentir seu gosto e ter de lidar com o seu corpo tremendo
pelo orgasmo. Para meu deleite, não demorou muito. Logo Amélia estava
gritando e vivendo um misto de querer me afastar por conta do nervoso pós
gozo e me puxar para continuar ali.
Não deixei que me afastasse, segurei firme sua anca e grudei meus
lábios em sua boceta para beber todo o seu gozo. Só levantei quando os
espasmos dela começaram a diminuir e meu pau implorava para participar.
Nem dei tempo de Amélia falar algo, estoquei de uma vez, arrancando um
gemido de dor e prazer.
— Porra, você é gostosa pra caralho, Lia. Tem noção de que eu
poderia gozar só de ver você se tocando, que nem fez antes? — Procurei
seus lábios para um beijo bruto, rápido, igual minhas arremetidas. — Nunca
mais duvide disso, ouviu?
— Sim…
Capítulo 20│Amélia
Meu corpo arqueou. Nem parecia que eu tinha gozado há dois
segundos. Aqueles piercings já tinham feito um belo estrago quando montei
em Daniel. Foi enlouquecedor as bolinhas em meu ponto G. Como eu tinha
esquecido aquele detalhe, eu não sabia, mas foi uma grata surpresa.
A verdade era que tudo estava sendo, pois concluí que não conhecia
Daniel. Não sabia quem ele era por trás do amigo implicante, com família
grande e barulhenta. Ou com o que ele trabalhava. Não sabia nem mesmo se
ele era bom ou mau. Um vilão ou herói.
A única coisa que eu sabia, era o que estava enxergando em suas
írises quando fixou o olhar em mim no exato momento em que me fazia
gozar pela segunda vez. Dentro delas, eu via o infinito. Tudo o que ele
tentava disfarçar com brincadeiras, estava brilhando para mim. Desde o
sofrimento às mentiras, como um pedido de socorro e um ultimato. Da
mesma forma que tentara me controlar no sexo, algo dentro dele queria me
puxar para segui-lo por um caminho torto, obscuro, convidava-me para
conhecer a escuridão com ele. Pois, com toda certeza, ele não contaria o
que estava por trás da máscara de bom amigo.
A pergunta que eu não sabia responder era: eu o seguiria cegamente?
Estranhamente, quando meus sentidos explodiram com o novo
orgasmo, eu não senti medo de me sentir vulnerável, de me entregar e
aceitá-lo, independentemente do que viria junto.
Os tremores se espalhavam pelo meu corpo, um gemido alto escapava
da minha garganta sem que eu me reconhecesse quando ele saiu de dentro
de mim, tirou a camisinha e começou a bater uma punheta. Eu decorei sua
expressão de prazer, a boca abrindo e fechando, os dentes travando quando
um gemido meio grunhido soava alto, os olhos fixos no meu corpo como se
eu fosse a mulher mais maravilhosa que existia. Em poucos segundos,
Daniel despejou os jatos de gozo sobre meus seios e barriga, fazendo uma
senhora lambança, que apenas me deixou mais excitada.
Quando pensei que ele sairia atrás de algo para me limpar, ele voltou
a deitar sobre o meu corpo, colado a mim, encaixado entre minhas pernas,
deixando seu pau ainda meio duro sobre a minha vulva. Ofegante, risonho,
com uma expressão de menino incrédulo e feliz que eu não via há muito
tempo. Aquele era o Daniel que me fazia companhia vendo filmes bobos. A
minha ficha de que tinha transado com o meu melhor amigo ainda não
caíra.
— Foda, Amélia. Você tem noção de onde você se meteu?
Encarei-o, confusa.
— Há anos eu evito ceder aos meus desejos por você, porque o meu
mundo é cruel. Meu mundo é o que há de pior no ser humano. — Ele me
olhava sério. Como que para me mostrar sua dor ou que poderia ser
doloroso, Daniel capturou meu ombro em uma mordida longe de ser
erótica. E, mesmo assim, minha buceta pulsou na hora em que gritei de dor.
— Ei, isso dói!
O infeliz sorriu sacana, fazendo um barulhinho de escárnio.
— Você gostou. Sabe por quê? — Neguei. — Porque você é minha.
Evitei essa merda por anos, pois sabia que, quando cedesse, não saberia
viver sem você de novo.
Aquele “minha” teve o mesmo efeito da mordida junto com um
quentinho no meu coração que eu não esperava. Daniel estava reacendendo
algo que eu tinha deixado de lado pelo bem da minha sanidade.
— Sua? — Minha pergunta quase não saiu por dois motivos. Um, eu
não sabia se estava entendendo muito bem aquela postura possessiva. Dois,
em momento nenhum deixei de ser ciente de que o membro dele estava bem
ali, na minha entrada, provocando-me, mesmo que sem intenção. Só que
agora, ele estava despertando e me dando ideias erradas sobre o que fazer.
— Sim. Não existe opção. Provavelmente terei de iniciar uma guerra
por isso. — A seriedade em sua voz não combinava com seu sorriso
debochado, muito menos com o olhar risonho.
— Isso envolve sua namorada quase noiva? — A expressão dele
mudou rapidinho para espantado. Pelo visto, não esperava que eu soubesse
que pretendia pedir Luísa em casamento. — Carina me contou sobre seus
planos.
Daniel afundou o rosto no meu cabelo e sacudiu a cabeça.
— Foi uma ideia idiota que não levei para frente — falou ao voltar a
me encarar. — Não vejo Luísa desde aquela viagem. Porém, ela seria uma
solução para uma das coisas que preciso fazer. Porque eu não vou me
perdoar se alguma coisa acontecer com você, Lia. Se tem alguém que amo e
quero proteger, é você.
Eu tossi por me engasgar com a minha própria saliva. Era muita
informação para poucas horas.
— Você sabe que te amo, vai… — Daniel esfregou o nariz no meu,
como se fosse normal se declarar assim, do nada.
— Como amigo.
— Acabei de dizer que tô há anos esperando e evitando você, Lia.
Nunca pensei que meu sistema entraria em pânico quando ouvisse um
eu te amo do homem que sempre tive uma queda, que eu ficava babando na
sua beleza na minha adolescência, que precisei fingir que não sentia nada
quando começamos a morar juntos.
— A gente pode voltar pra parte do sexo e esperar meu cérebro
processar essas informações?
Ele gargalhou e eu gemi, aquela posição acabava comigo aos
pouquinhos. O que eu mais queria naquele momento era que ele me
penetrasse e me comesse com aquele pau maravilhoso, grande e que sabia
exatamente o que fazer.
Daniel, notando minha necessidade, posicionou o pau dele de um
jeito que a parte com mais bolinhas da sua glande ficasse bem em cima do
meu clitóris.
— Eu tô viciada nisso. — Mordi o lábio inferior dele. — Quero mais.
Quero sentir assim, lá dentro. — Eu não ia sossegar enquanto não
experimentasse sentir as joias dele sem nada. E não tinha ideia se realmente
haveria uma segunda oportunidade. Tendo em vista o quão imprevisível ele
vinha se mostrando.
— Tem certeza?
— Você está me provocando com ele esse tempo todo, e falando
coisas românticas e meio psicopatas ao mesmo tempo. Sobre iniciar
guerras… — Não terminei a frase. Daniel não permitiu. Enfiou-se em mim
em uma arremetida tão dolorosa quanto prazerosa. — Isso… Bem aí.
— Porra, eu já achava antes, mas agora acho mais ainda. Sua boceta é
perfeita, puta que pariu. — Ele entrou e saiu devagar, degustando de cada
centímetro conquistado. Eu o apertava e tentava sugá-lo sempre que
estocava mais fundo. — A minha vontade é gozar aqui. Ver meu gozo
escorrendo dessa boceta gulosa. Você acabou de desbloquear um novo
fetiche em mim, coração. — Daniel desceu o rosto, espalhando beijos pelo
meu colo e seios até capturar um mamilo túrgido entre seus dentes e o
morder. Foi uma fisgada de dor e prazer que percorreu meu corpo todo, que
foram abrandadas com muitos beijos e lambidas que vieram em seguida.
— Vai ficar para outra hora. — Arquejei ao que segurava em seu
pescoço com a mão direita e apertava seu braço com a esquerda, cravando
minhas unhas curtas em sua pele. Eu sentia vontade também, contudo, não
tomava remédio nem fazia uso de outro método para prevenir gravidez. Não
ia dar aquele mole logo na “primeira” vez com Daniel.
— Quem está no controle?
Fiquei muda por dois segundos, assimilando o que ele insinuou.
— Eu. Você não falou que era para eu pedir o que quisesse? — Ele
assentiu. — Vai gozar de novo nos meus seios. — Algo naquela conversa,
naquela noite, estava mexendo com meu lado desinibido, que pouquíssimas
vezes aflorava. Agora, era tão satisfatório ver o choque em Daniel e sua
reação em buscar meus lábios para um beijo voluptuoso, que dava vontade
de ser assim mais vezes.
Ele manteve o ritmo lento, porém, intenso e bruto, e não deixou de
me beijar. De vez em quando murmurava alguns elogios, enaltecendo meu
ego. E facilitando que atingisse o ápice pela terceira vez naquela noite. Eu
ficaria dolorida no dia seguinte, com certeza, porque, por mais lubrificada
que estivesse, Daniel era grande e largo num todo, inclusive no pau. Minhas
coxas ficariam doloridas, minha boceta mais ainda. Mas passaria por aquilo
mais mil vezes se fosse com ele.
Como eu pedi, Daniel saiu e começou a se masturbar. Dessa vez eu
me sentei e o ajudei, segurando aquela carne macia e rígida ao mesmo
tempo, até ele gozar forte nos lábios da minha boca e seios. O corpo dele
estremeceu e apoiou uma das mãos em meu ombro.
— Deita comigo um pouco antes de irmos tomar banho? — Ele
pediu, já se deitando na espreguiçadeira e me puxando para deitar-me em
seu peitoral, do lado sem ferimento, com seus braços me envolvendo.
Eu acabei me soltando um pouco para pegar minha camiseta, usaria
para limpar minha boca, pois ninguém merecia ficar com porra escorrendo
ali por mais tempo do que o necessário. Foi quando vi a arma de novo.
— O papo de risco de vida é real, não é?
— Sim.
— Eu vou querer saber a verdade? — Deixei que me puxasse de volta
para deitar sobre si. — Você pretende me contar?
— Não, não vai. Quanto menos você souber, melhor. — Ele
depositou um beijo no meu cabelo. — Mas se for necessário, sim.
Fiquei em silêncio, acariciando os pelos negros e meio aparados no
peito dele, rodeei seus mamilos diminutos e rosados com as pontas dos
meus dedos antes de fazer a descida da vitória, porque até ali eu conhecia.
Quantas vezes não fui procurar abrigo nos braços dele por algo que pensei
ser um desastre na minha vida? Ou simplesmente porque precisava de
carinho e ele estava por perto disponível?
Descer até aquela tromba de elefante nunca foi uma opção, nem
mesmo imaginava que era tão grande. Fantasiava por conta do tamanho de
Daniel ou pelas vezes em que ele acabou ficando ereto perto de mim, mas
sempre foi vestido, portanto, não dava para ter uma ideia completa do pau
branquinho de cabeça rosada e cheio de veias salientes, que, mesmo mole,
parecia grande.
Dias de glória!, comemorei mentalmente quando o circundei com
meus dedos, subi até a glande brilhante e melada do gozo, dedilhei as
quatro bolinhas. Ele era louco. De onde teve a ideia de furar ali? Continuei
minha exploração, descendo até as bolas pesadas e lisas. Que conjunto!
Se eu ignorar todas as partes criminosas da noite, claro.
— Preciso tomar banho, Dani… Sua porra tá começando a secar. —
A sensação era esquisita, quase igual à argila secando no rosto.
— Por mim, você ficava assim. — Senti um arrepio quando os dedos
dele tocaram minha barriga bem em cima de um dos lugares com líquido
endurecido e, às vezes, dava um apertão na minha barriga. Eu precisava me
acostumar. Daniel sempre teve a mania de apertar minhas gordurinhas, a do
culote era quase aquelas bolinhas anti-estresse, era ficarmos juntos,
abraçados, que ele me apertava. Mas agora, eu necessitava não ficar com
vergonha ou pensando que ele avaliava meu corpo e que desistiria, por se
dar conta de que não gostava tanto assim de uma mulher gorda.
— Gozada? Ia trabalhar como? Fedendo a sexo?
— Com meu cheiro, pra ver se espanta aquele babaca que te
persegue.
— Senhor! Não imaginava que você era tão ciumento! — Olhei para
o céu, mas um sorriso bobo escapava dos meus lábios.
— Eu sempre fui. Só não podia te marcar com nada, agora, se der
mole, coloco uma coleira no seu pescoço com a minha inicial e o meu
símbolo.
Virei-me na mesma hora, impactada com tudo que saiu da boca dele.
Minha perna ficou entre as suas e apoiei meus braços em seu tórax para
poder fitar seus olhos.
— Você tem um símbolo?
— Pugno d’orso.
Punho de urso…
— Um urso. — Engoli seco, lembrando de todas as vezes em que vi
os nós dos seus dedos machucados.
Foi inevitável não descer os olhos pelo corpo dele e o comparar ao
animal. Grande, forte e que se irritava quando seu espaço ou os seus eram
ameaçados. Uma gratificante diferença, era que Daniel tinha os pelos
escuros nas partes certas. Só criando alguma piada idiota para não ficar
tensa.
Onde estou me metendo?
— Prefiro a coleira do que ficar com gozo seco e sem tomar banho,
senhor urso. — Lógico que eu debochei. Saí dos braços dele e me levantei,
e ao me abaixar para pegar minha roupa, fui à lua e voltei com um tapa
certeiro na minha bunda. Só não me desequilibrei porque Daniel me
segurou pela cintura e me puxou para seu corpo.
— Você está brincando com o perigo, Lia.
— Eu rio na cara dele, aparentemente. — Sorri, mas minha vontade
era acariciar o lado ardido da minha bunda. — Lucca está aqui.
Minha cara queimou de vergonha ao ver o segurança parado de lado,
perto da porta de vidro, claramente dando uma mínima privacidade.
Que horas ele apareceu ali? O que viu? Por que estava ali àquela
hora?
Não era comum ele aparecer do nada no apartamento.
Quando Daniel o encarou, Lucca parecia ter sentido, pois virou o
rosto em nossa direção. Houve uma troca de olhares curta e significativa,
pois logo Daniel se abaixou, pegou minhas roupas e as colocou em meus
braços.
— Vou tentar não demorar, ok?
— Ele não vem aqui do nada. Será que aconteceu alguma coisa?
— Não sei. Não se preocupe. — Ele ficou de frente para mim,
cobrindo a visão que Lucca teria de mim se ainda estivesse por ali. Pegou a
blusa das minhas mãos e me fez levantar os braços para me vestir, coloquei
o short entre as pernas e permiti. Fiquei mexida pelo cuidado. Mais uma
coisa que eu não esperava naquela noite. — Vá tomar seu banho, descansar
essa boceta, pois ainda quero comer você essa noite.
— Pode deixar que coloco — falei quando ele fez menção de pegar o
short das minhas mãos. Só não o impedi que roubasse minha calcinha que,
depois de ter se vestido, o vi colocando no bolso de sua calça. Com o
equilíbrio meio capenga por causa das pernas amolecidas e doloridas,
terminei de me vestir e agradeci por não ter me enrolado ou caído. Daniel
deve ter pensado o mesmo, pois deu um sorriso orgulhoso e depositou um
beijo rápido nos meus lábios enquanto guardava a arma num coldre dentro
da calça. Não sei se ele fez para me distrair do revólver ou foi porque
realmente quis ser carinhoso.
— Volto logo. — Deu mais um beijo antes de sair pela porta vidro,
carregando os sapatos na mão esquerda e o celular na direita.
Capítulo 21│Daniel Bianchi
— Vocês estão sóbrios? — Lucca me encarava desconfiado e tentava
esconder o desdém quando cheguei à sala.
— Sim. — Deixei o coturno perto do sofá e coloquei o celular no
bolso.
— Contou a verdade?
Balancei a cabeça, negando. Eu ainda me perguntava o que tinha
feito. Lucca me julgava com o olhar. De nada adiantaria, não tinha volta.
Meu mundo sombrio estava há muito tempo se aproximando de Amélia e
eu não me afastei a tempo. Pior, eu a seduzi para que me acompanhasse.
— Seus primos encontraram o Eduardo. Querem saber o que é para
fazer com ele.
Isso significava que tinham descoberto que eu não tinha ido em batida
nenhuma a mando de Salvatore.
— Ele está vivo?
— Sim, D’Angelo conseguiu deixá-lo em um hospital e o socorreram
a tempo.
Sem falar mais nada, fui para o meu quarto e me arrumei com uma
calça de alfaiataria, cinza, com um padrão quadriculado formado por linhas
brancas, uma camisa preta e tênis preto. Meu cheiro e o de Amélia estavam
entranhados em mim, iriam comigo e pouco me importava que sentissem
algo.
— Você fede a sexo. — Lucca falou quando ocupei o banco atrás
dele, que ia lado do meu motorista oficial, Júlio, um senhor de barriga
grande que usava um fio de nylon como ninguém.
Eu o ignorei. Mandei uma mensagem para Amélia, avisando que
demoraria mais do que o previsto e fiquei em silêncio durante o trajeto até o
hospital público, o qual Eduardo tinha sido atendido.
A culpa do meu ombro ter sido remendado era dele.
Eduardo nos ajudava por necessidade, pois um dia precisou de
emprego para sustentar sua mãe e irmãos mais novos. Nós — quando dizia
nós, era a extensão dos negócios de Salvatore aqui no Brasil — o
colocamos dentro do sistema.
Era o tipo de contrato vitalício, em que a pessoa ficava marcada e
corria risco de vida para sempre.
Ao chegarmos no hospital, não tivemos problema para entrar ou subir
até o quarto.
Se eu tinha sido atingido apenas por um tiro, fora por conta daquele
homem, lembrei enquanto encarava Eduardo, entubado e com fios que o
ligavam às máquinas.
Carlo e Giovanni estavam perto da janela, conversando em voz baixa.
— Eles já iam acionar a família quando chegamos. — Carlo deu um
trago no charuto e o passou para Giovanni. — Mas pedimos para esperarem
você chegar.
— Ele tem alguma chance? — Mesmo que estivesse usando um
colete à prova de balas, não foi suficiente.
— Está lutando.
Assim como tentou fazer com o sistema por acreditar que as coisas
tinham conserto.
Eduardo tinha uma mania ingênua, eu diria, de achar que havia um
caminho para compensar o que a gente fazia de ruim: ir atrás dos outros que
faziam o mesmo ou pior. Eu o apoiava porque ganhava dos dois jeitos,
eliminava a concorrência e queria que desse certo. Afinal, detestava as
merdas que fazia e, se algum dia vivesse para realmente assumir o que era
meu de direito, pretendia mudar algumas coisas.
Só tinha um puto problema, chamava atenção demais. Uma atenção
que cobrou seu preço no dia anterior.
Ele entregou a rota todinha de um dos maiores exploradores do
mercado de tráfico infantil. Ao menos aquilo Salvatore respeitava. Ele não
ligava se já tinham mais de 17/18 anos, porém, crianças e adolescentes,
preferia não chegar perto e eu agradecia muito, pois era um dos negócios da
famiglia que eu mais abominava.
Dava muito bem para manter o nosso padrão de vida e até aumentá-lo
com trabalhos mais limpos, como o piso — dinheiro pago pela proteção da
área —, investimentos em ramos diversos, do turismo ao imobiliário. Sem
falar nas fontes de energias.
Infelizmente, meu pai era preso ao passado, uma época em que os
Scelto da Dio, Escolhidos de Deus, faziam o que as pessoas ao redor
necessitavam, do lazer à carne para comer no jantar.
Foi assim que cresceram, ganharam território, e hoje era uma das
maiores máfias da Itália, com expansão no Brasil e Estados Unidos, com
Giovanni e Carlo, que passavam mais tempo por lá.
Eu já tinha inimigos demais, não precisava de mais. Por outro lado,
não conseguia evitar derrubar um esquema como aquele. A gente só
precisaria lidar com as consequências, independentemente de quais seriam,
e o que fosse necessário fazer para reestabelecer à ordem.
— Alguém explicou algo?
— Perguntaram muito. Ninguém entendeu o tamanho dessa mordida.
— Carlo apontou com o queixo para o abdômen enfaixado.
Ri pelo nariz, com escárnio, o mal de certas pessoas era subestimar os
loucos que comandavam o crime debaixo de seus narizes.
— Vou precisar voltar lá. Não conseguimos tirar todos. E hoje tem
baile.
— Enlouqueceu? Está querendo deixar Lia viúva antes mesmo de
vocês se casarem?
— Se eu não voltar, ele vai vir atrás de mim.
— Vou com você. — Giovanni se animou. O sorriso era de psicopata,
exatamente o que eu precisava. — Fiquei curioso com esse bicho.
— Que mamma não descubra essa merda. — Carlo segurou a
correntinha ao redor de seu pescoço e deu três beijos na santa que havia ali.
Cheguei mais perto da cama e me despedi de Eduardo. Ele fora bravo
e leal até o fim. Rezaria pela sua alma, se tivesse algum crédito com Deus.
Ainda assim, eu acreditava na santidade, minha mãe era devota de meia
dúzia de santos, não me restava nada além de segui-la. Então, não custava
apelar para algum deles salvar alguém que merecia ser salvo, mesmo que
horas antes eu tivesse visto o osso de seu ombro exposto e o buraco
profundo no local.
Com Lucca, éramos quatro. E só precisávamos entrar e sair. Foi o que
fizemos depois de Júlio nos deixar a uns dez metros da entrada da
comunidade.
A gente não era do BOPE, mas tínhamos recebido treinamento de
excelência. Para colaborar, estávamos armados até os dentes. E parte da
população local estava distraída com a música de estourar os tímpanos e a
bagunça da festa.
Por já ter estudado o mapa do local com Eduardo e ter subido antes,
sabia qual a melhor rota para passarmos despercebidos.
Indiquei o caminho por entre as vielas até a única casa daquela rua,
que possuía uns moleques armados na frente. Na certa, foram deixados ali
porque os mais velhos queriam curtir a noite de outra forma.
Entretanto, se foi uma tentativa de me coibir, não teria efeito. Os dois
garotos, de uns 13 a 15 anos, só nos viram quando Giovanni já estava perto
demais. Ele derrubou os dois em segundos e os deixou na sarjeta logo ao
lado.
— Fique e qualquer coisa nos chame. — Ordenei a Lucca. Era melhor
ao menos um ficar na frente do portão.
Dei uma olhada para meus primos e nem precisei fazer sinal para
empunharem suas armas. Giovanni já usava em uma das mãos o soco inglês
com espinhos na frente, e na outra a carabina. Enquanto que Carlo já
levantava o rifle. Eu me garantiria com a besta com capacidade para 6
virotes e outro rifle.
Ali, eu tinha um objetivo muito específico e nada tiraria meu foco. Se
o dono do morro tinha apreço pelos seus bichos, era por eles que eu
começaria. Um homem meu morreria por conta daquela merda, então, que
ele chegasse perto de sentir algo.
O local estava silencioso e escuro, porém, o cheiro de fezes entregava
que não estávamos sozinhos no primeiro andar. Se ninguém tivesse mudado
as crianças de lugar, elas estariam em um dos quartos do segundo andar.
Só havia um problema. Um problema enorme, de 1,70 m, uns 165kg,
pelos negros, presas, e acostumado a comer carne humana. O animal veio
em nossa direção, urrando e batendo no peito, furioso por ter seu espaço
invadido.
Daquela vez eu estava preparado para ele, estiquei um braço para o
lado, impedindo que Carlo desse mais um passo. Aquele fora meu erro mais
cedo. Nem eu nem Eduardo sabíamos do bicho enorme que guardava o
lugar. A diferença era que agora eu sabia o limite de passos que podíamos
dar, pois a corrente ao redor do pescoço dele lhe causou um solavanco tão
forte que caiu sentado.
— Puta merda, Daniel! Por que você não falou que tinha um gorila?
— Giovanni deu dois passos à frente, incitando o bicho a se jogar para cima
de nós de novo, e saiu do seu alcance bem a tempo.
O gorila chacoalhava a corrente, puxando-a até o limite diversas
vezes. O barulho dos seus urros e do metal dominavam o local. Se fossem
quaisquer outras pessoas ali, sairiam gritando, apavoradas.
Nós três?
Carlo nem mesmo olhava para o animal, mirava a lanterna que tirou
do bolso para os cantos da sala. Afinal, tinha outro bicho solto por ali e
aquele o dono não se preocupou em conter de alguma forma.
Os olhos de Giovanni brilhavam, fascinados, e eu já podia ver meu
primo decidindo levar o gorila para ser seu pet.
Não tínhamos tempo a perder, por isso, sem me demorar mais, puxei
o gatilho do rifle, mirei e atirei certeiro no braço do animal. Tinha
tranquilizante para derrubar dois dele.
— Desculpa, garoto. — Eu me aproximei quando o gorila já estava
caído. Eu era adepto a não matar animais desnecessariamente. Abaixei-me e
acariciei o pelo grosso dele no momento em que Carlo atingia uma jiboia
mediana com o dardo tranquilizante. A gente preferia só assustar o dono e
depois iríamos levá-los para um lugar melhor.
O bandido demorou mais umas duas horas para aparecer. Foi tempo
suficiente para tirarmos as cinco crianças que ainda estavam por ali e
posicionarmos os bichos como se tivessem sido abatidos. Ele gritou e
despejou lágrimas falsas. Antes que pudesse retirar a arma de trás do cós da
calça, eu o atingi no pulso direito com o virote da besta. Foi um disparo
para cada membro e o último entre seus olhos.
Horas depois de tudo resolvido, o que eu mais queria era voltar para
Amélia e me afundar em suas curvas. Por isso, só tomei banho e me deitei
ao lado dela, já com segundas intenções.
Capítulo 22│Amélia
Na noite anterior, depois que Daniel se despediu de mim, algo me
dizia que ele não voltaria tão rápido, por isso, fui tomar meu banho bem
tranquila e tentei jantar, porém, só de olhar para a comida, que da varanda
levei para a cozinha, perdi a vontade e fui dormir na minha própria cama,
pois o cansaço chegou com tudo.
Acordei com sono, dolorida, querendo voltar para a minha cama sem
nem ter saído dela, pois estava tendo um sonho muito bom em que Daniel
distribuía beijos pelo meu pescoço, ia para minha bochecha, esfregava a
ponta do nariz. Aquilo bastava para meus pelos ficarem eriçados e eu me
contorcesse de luxúria. Um choque atravessou meu corpo quando senti uma
de suas mãos se enfiar pela minha calcinha e acariciar minha boceta. Gemi
alto e acordei com a sensação de que o gemido tinha sido real.
Demorei um minuto para perceber que Daniel realmente estava ali,
deitado ao meu lado, seus lábios descendo pelo meu colo, encontrando
meus seios e um de cada vez recebeu atenção suficiente até os mamilos
despontarem de tão duros. Seu corpo nu subiu sobre o meu e seus dedos
foram substituídos por seu pau gigante e aquelas joias malditas que
atentavam contra minha sanidade.
— Bom dia, gostosa. — Ele mordeu a pontinha da minha orelha e se
insinuou sobre meu centro.
— Bom dia… — Mordi o lábio para conter um gemido. Daniel tinha
segurado seu pau e o friccionava contra o tecido fino da minha calcinha,
macetou com tanta intensidade que o tecido quase entrava, e eu sentia a
pele quente da sua glande contra meus lábios internos. Também não era tão
difícil, pois a calcinha era pequena, vergonhosa, pois tinha várias carinhas
de Pug nela.
— Que tal você sentar no meu rosto para eu te chupar até você gozar
na minha boca?
Ele pirou? Tinha noção do meu tamanho?
Não me atrevi a fazer aquelas perguntas, mas minha cara não
escondia minha estranheza.
— Não aceito um não hoje, coração. — Enérgico, ele deitou ao meu
lado e me puxou para cima si.
— Eu ainda não acordei direito — falei qualquer coisa para tentar
escapar. Nunca tinha feito aquela posição. Antes dele, eu tinha transado
com outros, não era do tipo que precisava de relacionamento sério para
transar. Mas nenhum dos meus parceiros anteriores propuseram que eu
sentasse literalmente em seu rosto.
— Sua boceta me diz que sim. — Escorregou a mão entre nossos
corpos e, ao alcançar seu objetivo, chegou o tecido da calcinha para o lado e
arrastou lenta e deliciosamente os dedos pela minha fenda. Comprimi
minhas coxas, impedindo que avançasse mais.
— Vou acabar esbarrando no seu ombro…
— Amélia, você tem três segundos pra sentar na minha cara. —
Direto e ameaçador. — Um… — Quando percebi que ele estava falando
sério, sentei-me e, de joelhos, me posicionei em cima do seu rosto. Um frio
na barriga subiu ao mesmo tempo em que minha boceta piscou.
— Você não deu tempo nem de eu tirar a… ah! — Ele agarrou
minhas coxas por baixo e me puxou até sua língua e dentes encontrarem
meu clitóris. Uma de suas mãos puxava minha calcinha para o lado e a
outra apertava minha bunda.
Eu fui ao delírio no momento em que ele esfregou o nariz no meu
clitóris e o queixo com a barba por fazer no meu períneo. Para me
equilibrar, agarrei a cabeceira de madeira clara e o cabelo dele. Nossa,
aquilo era muito bom! Arranhava, porém, era uma dor prazerosa. Como eu
não tinha proposto antes?
Não só pela forma esfomeada e sedenta com a qual ele me sugava,
mas porque dava uma sensação de empoderamento, de que eu era a rainha
sentada no trono que merecia.
Daniel só parava de me lamber para enfiar seus dedos dentro de mim
e instigar meu ponto G enquanto focava em sugar o clitóris intumescido.
Nessas horas, eu o apertava com contrações enlouquecidas, imaginando que
era seu pau ali.
E foi por isso que ergui um pouco o corpo. Aquela posição era ótima,
mas toda vez que eu achava que ia gozar, a vontade passava e não era por
algo que ele estava fazendo. Era porque eu necessitava de mais.
— Eu preciso de você. Agora, Dani — choraminguei para convencê-
lo. Fiz biquinho e tudo para ver se ele amolecia mais fácil.
Se era para comparar o homem a um animal, então, sim, ele era um
urso. Ou ao menos com a força de um. Porque, em segundos, me tirou de
cima de si e me colocou de quatro na cama com a brutalidade de um
também.
Senti todo seu corpo sobre o meu quando se curvou com uma das
mãos apoiadas ao meu lado e a outra percorrendo o meu corpo, queimando-
me por onde passava.
— Desse jeito? — Perguntou bem próximo do meu ouvido enquanto
pincelava a glande perfurada na minha entrada. — Diga, o que precisa de
mim.
Aquilo era tortura, meu corpo estremecia e arrepiava por todos os
estímulos, a voz grossa perto do meu ouvido, a respiração ofegante, o calor
dele sobre mim, o peso do seu corpo, aquela maldita brincadeira de ficar
quase enfiando e tirando o pau da minha boceta encharcada… Eu só queria
uma coisa.
— Preciso que você me coma.
— Boa garota. — Virei um pouco a cabeça quando o senti levantar o
tronco e vi o sorrisinho sacana. Não esperava o tapa forte na lateral do meu
quadril, muito menos que ele estocaria de uma vez. Vi estrelas e as minhas
paredes internas o apertaram de imediato, contraindo até não poder mais.
Aquela sensação de ser completamente preenchida por ele era inigualável.
Conforme relaxei, Daniel começou a se mexer, lentamente, como em
tortura para me fazer sentir todo o seu comprimento mais as bolinhas
entrando e saindo. Elas ainda estavam geladinhas quando entraram, isso
significava que ele estava sem proteção. Por que fui inventar aquela moda?
Porque é uma delícia, a resposta veio assim que as senti passando
mais uma vez pela área enervada, fazendo meu corpo estremecer. Só era
arriscado. Parei de pensar em qualquer coisa quando Daniel começou a
aumentar o ritmo, catou meu cabelo e me puxou até inclinar minha cabeça
para trás. Eu me entreguei de vez à luxúria e ao prazer do momento.
Perdi mais pudores e pedia para que fosse mais forte e fundo.
— Mais, Dani… Isso. — Meus braços, esticados, cederam. Daniel
afrouxou um pouco o agarre em meus fios, até que trocou o aperto para o
meu pescoço quando minha cabeça tocou o colchão.
Outra coisa que nunca tinha experimentado. A pressão certa que
estrangulava meus gemidos e ainda me permitia respirar. Minha boceta
parecia ter adorado, pois senti que contraiu mais vezes, sugando Daniel,
como se quisesse engoli-lo. A cada estocada dava para ouvir nossos corpos
se chocando.
— Cacete, Lia. É isso que você quer? Que eu te foda como um
animal? Que coma tua boceta sem dó? — Ele não diminuiu, muito menos
suavizou, continuou macetando bruto, sem soltar meu pescoço e eu sentia
sua outra mão por todo o meu corpo, apertando ora meu quadril, ora meu
seio, pinçando meu mamilo, alisando minhas costas, pernas.
Tomei um senhor tapa na bunda, daqueles que meu corpo perdia o
equilíbrio, pela demora em responder.
— Sim. — Mas é que estava tão desligada dentro da névoa de pré
orgasmo que, por um instante, perdi a capacidade da fala. — Quero seu pau
bem aí, desse jeito.
Ele encontrou meu clitóris e o dedilhou, espalhando ondas e ondas de
prazer que me fizeram gozar na hora, tão intensamente que meu corpo
inteiro tremia.
Quase chorei quando ele saiu rápido de mim, mas ao sentir o líquido
em minhas costas, entendi o motivo. Apoiado no meu quadril, eu sentia
Daniel tremer tanto quanto eu.
Após a respiração normalizar, com o coração ainda meio acelerado,
ele soltou meu pescoço e me puxou para si, colando minhas costas em seu
peitoral trincado.
— Eu ainda vou ver meu gozo escorrendo aqui. — Desceu uma das
mãos até minha boceta inchada e a espalmou.
— Desbloqueei mesmo um fetiche?
— Acho que vou te chocar ainda mais ao explicar… — Podia me
chocar, desde que não parasse com os carinhos e massagens pelo meu corpo
dolorido. Resmunguei para que continuasse. — Sempre tive muito cuidado
onde enfio meu pau, por doença e por não querer filho meu com qualquer
uma. Porém, com você é o oposto, sinto vontade porque sei que pode
acabar engravidando.
Sim, ele conseguiu me desestabilizar. Mas me fingi de plena. Pelo
menos por alguns minutos.
— Breeding kink. — Lembrei de ter visto em algum livro que li por
aí, mas não me recordava o nome. — É esse desejo aí de engravidar a
mulher no sexo. — Expliquei quando Daniel chegou meu corpo para o lado
e me encarou, cheio de dúvidas nos olhos.
Eu me soltei dele. Precisava verificar a hora e tomar banho, pois
ainda iria trabalhar meio período naquele sábado.
— Com tanto fetiche por aí, tinha de ser logo esse? — Perguntei para
o nada, descendo da cama. Não ia ficar ali ou dar a chance de ele me puxar
para deitar e sujar meu lençol limpinho que tinha trocado no dia anterior
com a porra que melava minhas costas. — Tenho dez minutos para me
arrumar! — Arregalei os olhos ao ver a hora.
Não consegui nem dar dois passos, pois Daniel me pegou pela cintura
e me virou para si.
— Onde você vai?
— Tomar um banho e trabalhar. — Vi as rugas se formando entre
seus olhos. — Não vou parar de trabalhar, Daniel. E é no restaurante da sua
mãe. Eu aposto que tem segurança suficiente lá. E, pra você já ficar
sabendo, mais tarde vou encontrar minhas amigas para beber um pouco. Há
dias que a gente está tentando marcar e não consegue.
Foi uma mistura de raiva e preocupação que vi se formar em seus
olhos, mas eu não podia fazer nada. Não mudaria minha rotina por sexo.
Sim, ele falara que me amava e um monte de coisas que eu não entendia a
dimensão completamente. Por isso, mesmo que precisava manter minha
rotina e o momento para espairecer, necessitava pensar longe dali e
conversar com pessoas que não andavam armadas e envolvidas com coisas
ilegais.
Daniel ficou mudo, parecia em alguma batalha interna sobre me
repreender e aceitar. Inspirou fundo, comprimindo os lábios e soltou de uma
vez, em uma lufada de ar raivosa.
— Ok. Eu te levo. — Deu um beijo rápido nos meus lábios. — Vem,
vou te ajudar a limpar aqui. — Seus dedos encontraram o rastro de sêmen
em minhas costas e desceram até o meio da minha bunda, provocando outro
local, enquanto o responsável sorria enviesado.

O banho não foi demorado, por mais que eu quisesse passar horas
com Daniel embaixo da água morna, eu ainda precisava encontrar uma
roupa e me ajeitar. Tanto que, assim que terminei, deixei o moreno gigante
no meu box e corri antes que ele me puxasse e voltasse a me seduzir com
aquelas mãos e lábios que sabiam muito bem o que faziam.
Enquanto me arrumava, procurei por marcas visíveis pelo corpo e só
encontrei perto do meu quadril, coisa que a calça jeans cobriu
perfeitamente. Sentei-me na cama para colocar as minhas meias trocadas,
pois eu acabava pegando pés diferentes e não ligava muito para ficar
procurando até achar o certo. Daniel saiu do banheiro, enxugando-se com a
toalha enquanto eu terminava de amarrar o cadarço do tênis.
Que corpo perfeito, benza Deus! Perdi uns segundinhos, admirando
as coxas torneadas, o pau maravilhoso… Levantei-me, de olho no abdômen
definido por onde ele passava a toalha e secava os pelinhos dali. No mesmo
minuto que fiquei em pé, minha visão ficou escura e tive de me sentar, sem
forças nas pernas.
Daniel se aproximou de apreensivo.
— O que houve? — Perguntou, segurando meu braço quando fiz
nova tentativa de ficar de pé.
— Fiquei tonta. — Sem apagão na segunda tentativa! — Acho que
pode ser porque ontem não jantei.
— Desde que horas você está sem comer, Lia? — Daniel enrolou a
toalha na cintura, deixando bem justa por cima da bunda redondinha.
— Não lembro. Deve ter sido o almoço.
— Almoço? Amélia! — Ele me repreendeu, inconformado, mas eu já
me soltava e procurava minhas coisas pelo quarto para colocar na bolsa.
— Foi um dia cheio. — Nem olhei para Daniel, pois eu sabia que
qualquer contato visual seria motivo para ver seus lábios crispados e o olhar
reprovador como se eu fosse criança. Eu tinha noção de que deveria ter
comido algo, mas foi um dia agitado. Em. Todos. Os. Sentidos!
Acabei olhando para ele e vi meu velho rabugento sacudindo a
cabeça.
— Vou comer, ok? Não foi por mal. Minha rotina está doida e eu
passo o dia vendo comida, às vezes, perco a fome. — Deixei um beijo
estalado em seus lábios e saí do quarto, percebendo que já tinha pegado
tudo que precisava.
Na cozinha, tomei suco de laranja que comprava no hortifrúti perto de
casa e preparei dois sanduíches, um no pão de forma e o outro no francês,
os dois com pasta de atum, que tinha feito no café da manhã do dia anterior
para comer no caminho.
— Montei um pra você também — avisei quando Daniel apareceu na
sala, de calça social preta, camisa de botão, branca, por fora da calça, com
os dois primeiros abertos. O cabelo úmido penteado para trás e o olhar sério
me escaneava. — O meu tá aqui. — Ergui o sanduíche no pão francês
enrolado no papel toalha. Ele soltou “hunpf” debochado.
— Obrigado — resmungou, ainda meio ranzinza. Eu só precisava
ignorar, pois conhecia a peça que tinha em casa. E foi o que fiz.
No carro, coloquei uma música no rádio e, durante o caminho, Daniel
foi aceitando melhor que eu não ficaria em casa, fazendo apenas o que ele
permitisse.
— Carlo e Giovanni ainda estão por aqui, quando você sair, seja para
encontrar suas amigas ou ir para casa, ligue para mim, ok? — Ele parou o
carro na porta do restaurante, que ainda não estava aberto ao público.
Assenti. Teria carona de graça, de novo, estava ótimo. Daniel me
segurou pela nuca e me puxou até nossos narizes encostarem.
— Não são só ciúmes, como você pensa, Lia. — Parecia querer dizer
mais, contudo, ficou quieto por um segundo, antes de terminar a distância
entre nós e iniciar um beijo lento e exigente.
— Tudo bem. — Fiz um carinho na barba aparada, retribuindo o que
ele fazia em mim. Todas as sensações que eu sentia quando comecei a nutrir
algo por ele, anos atrás, estavam retornando, inclusive as borboletas no meu
estômago. — Cuide-se, ok? Seja lá o que você vai fazer agora.
— Dormir. — Ele deu aquele sorriso bonito, que mexia ainda mais
comigo. E o puxei para um último beijo, concordando com sua escolha.
Realmente, pelas olheiras, ele precisava descansar.
Capítulo 23│Amélia
— Lia, sua mãe está aqui! — Jenifer berrou da porta de serviço,
conseguindo se sobrepor à bronca que um ajudante novato recebia do sous
chef.
— Minha mãe? — Parei com a escumadeira cheia de macarrão, que
tirava da panela a meio caminho do prato.
— Ela disse que veio almoçar com você.
Eu não lembrava de ter combinado com ela… Droga!
Sim, eu tinha combinado há duas semanas. Ela vivia reclamando que
eu não tinha tempo para a família depois que mudei de emprego. Lavínia
não era das mais sentimentais, mas era mãe. E até eu sabia, toda mãe
adorava fazer um draminha quando não via os filhos há muito tempo.
Terminei de montar o prato e agradeci à Jenifer ao passar por ela na
sua praça.
— Você esqueceu.
Eu ajeitava meu cabelo no rabo de cavalo quando Lavínia me recebeu
com seu olhar repreensivo. Voltei a ter dez anos sendo pega comendo mais
doces do que deveria.
— Mãe… claro que não esqueci!
— Não sou trouxa, Amélia! Daniel me contou que vocês ficaram
bebendo ontem.
Acabei rindo pelo jeito exaltado dela e as mãos que colocou na
cintura.
Daniel… Como?
— Amélia, por favor, você não é mais adolescente. Não posso falar a
palavra trouxa que logo você ri. — Ela rolou os olhos e acabei rindo de
novo. — Liguei para você, mas foi Daniel quem atendeu. Parecia tão
confuso quanto você agora.
A manhã fora tão corrida desde que cheguei, que nem reparei que
estava sem celular.
— É a velhice chegando. Oi, mãe. — Sorrindo, puxei minha
resmungona preferida para um abraço.
Lavínia nem parecia que faria 57 anos em breve. Minha mãe tinha a
pele marrom, da cor dos meus olhos castanhos, o sorriso largo, olhos
bondosos e quase sempre estava com roupas de academia, porque
aproveitava para ir sempre que não tinha mais nada para fazer ou porque era
onde relaxava. Queria ter puxado aquele gosto por ficar de plateia para
gemedores desconhecidos, mas não rolava, mesmo que fosse por afinidade,
convivência, pois nós duas não compartilhávamos o mesmo sangue. Ela e
Lúcio me adotaram quando ainda era um bebê.
— Venha. — Com jeito, guiei Lavínia para uma mesa no canto, perto
do bar. A gente costumava deixar uma mesa livre, ou para nosso pessoal
comer ou em caso de encaixar alguém. “Quem” Adèle nunca me explicou,
mas, de vez em quando, eu via algumas pessoas que chegavam do nada e a
cumprimentavam como se fossem conhecidos de longa data.
— Sua cara não está das melhores.
— Acho que estou ficando velha igual o Daniel. — Sorri enquanto
puxava uma cadeira para ela se sentar. — Aqui. Escolha algo que vou lá
pedir. — Entreguei o cardápio que peguei em cima do aparador com outra
dezena de menus iguais.
— Você sabe melhor do que eu o que é bom aqui.
— Ok. Só não vale reclamar depois. — Peguei o cardápio e fui à
cozinha, pensando em pedir recomendação ao chefe. Minha mãe era
daquele tipo que parecia ficar satisfeita com tudo, mas, dois minutos depois,
reclamava de tudo. Virginiana. Pelo o que eu via de signos por aí, Lavínia
representava bem os estereótipos dos virginianos quando o assunto era ter
as coisas do seu jeito.
Não poderia ficar com ela, pois eu não teria horário de almoço por
escolha própria. Queria sair mais cedo para encontrar as meninas. Então, já
tinha combinado de pular a refeição. De qualquer forma, enchi um copo
com Coca-Cola para mim e adicionei bastante gelo, e pedi uma caipirinha
de kiwi para Lavínia, que adorava caipirinha de quase todos os sabores.
— Você chamou o Daniel para almoçar com a gente ou esqueceu dele
também? — Ela perguntou risonha, antes de bebericar o drink e apontar
para o moreno que vinha em nossa direção, em calça de alfaiataria e camisa
preta, ambas ajustadas ao seu corpo, marcando a maioria dos seus
músculos.
— Não. Disso eu tenho certeza. — Não baba, Amélia. Eu precisava
ficar atenta. Qualquer deslize, minha mãe perceberia e ia fazer festa com
algo que nem eu tinha certeza do que era.
Só por precaução, adiantei-me para encontrar Daniel e dei dois beijos
em seu rosto. Sem situações conflituosas. Exceto pela minha boceta, que
pareceu lembrar das habilidades dele e resolveu pulsar quando senti sua
mão direita tocar a base da minha coluna.
— O que você está fazendo aqui? — Procurei também manter uma
distância entre nós dois e minha mãe, pois não sabia o que ele falaria.
Ou eu fiz a pergunta errada ou o ofendi de alguma forma sem saber,
porque Daniel me olhou mais sério do que o normal e sua voz saiu bem
contrariada:
— Toma. — Colocou meu celular na minha mão. — Bernardo ligou
algumas vezes.
— E… você atendeu. — Estava nítido que um dos motivos para seu
semblante era o telefonema do carinha que vinha tentando sair comigo.
Ele me soltou e cruzou os braços. Impossível não reparar nas veias
altas até no braço tatuado.
— Você está irritado porque o cara respira e demonstrou interesse em
mim? — Daniel bufou igual criança birrenta. O que me fez rir, mais
relaxada. Como não percebi que os ciúmes dele era além do normal para
um amigo? — Eu só não vou te beijar até você desfazer esse bico, porque
minha mãe está de olho em nós.
— Qual o problema de ela ver isso?
— Você sabe como ela é louca por você. O genro dos sonhos dela. —
Revirei os olhos. Duvido que minha mãe imaginava quem era Daniel por
trás do advogado educado e prestativo. — Não quero que ela planeje nosso
futuro por ver um beijo, sendo que nem eu sei o que somos direito.
Daniel fixou o olhar no meu intensamente. A ponto de minhas pernas
bambearem com tudo o que não estava sendo dito por ele em voz alta, mas
que reforçava o que já confessara.
— Vou lá falar com ela. Depois a gente termina essa conversa. — Era
uma promessa feita em um tom de voz aveludado, carregado de segundas
intenções e que fez minha pele arrepiar todinha.
Lógico que fui atrás dele, torcendo para que não desse com a língua
dos dentes. E conferi por alto as notificações do meu celular. Tinha algumas
mensagens de Bernardo, perguntando como eu estava e com quem ele tinha
falado. Algo no “tom” dele me incomodou, por isso, preferi deixar para
responder depois. Enquanto isso, Daniel dava dois beijinhos no rosto de
Lavínia e ela o abraçava de forma afetuosa.
— Pelo visto, sua amiga anda esquecida. Ela realmente esqueceu que
almoçaria comigo. — Mamãe fez questão de relembrar, puxando pro lado
ofendido.
— Percebi isso. — Daniel sorriu, meio travado, provavelmente
lembrando, de novo, que precisou falar com Bernardo. — Vou lá dentro
falar com a minha mãe, senão ela reclama que só venho aqui por sua causa.
— Ele piscou na minha direção e sorriu. Foi o suficiente para as borboletas
no meu estômago ganharem vida e espalharem um rubor e quentura pela
minha face.
Eu estava ferrada.
— Amélia… Amélia! — Minha mãe aumentou o tom de voz,
conseguindo me despertar do transe e chamar a atenção dos outros clientes.
— Desculpa. — Sentei-me de frente para ela e peguei meu copo de
refrigerante, que encarei consideravelmente só para evitar olhar para a porta
que Daniel entrara.
— Ele e Luísa terminaram? — Lavínia deu um gole longo na
caipirinha, fez uma careta e acabou pegando o saquinho de açúcar em cima
da mesa para adoçar mais.
— Não sei… Por quê?
— Porque está bem evidente que aconteceu algo entre vocês.
— Não aconteceu nada! — Ajeitei meu corpo na cadeira e sacudi a
cabeça.
— Amélia, por favor… — Ela me olhou com uma cara de “tenha dó”,
que quase me fez confessar. — Vejo esse menino apaixonado por você há
anos. Só nunca entendi por que vocês nunca tentaram. Agora, pelo visto,
não sabem escolher o momento.
— Isso sabemos. Ele não sai com Luísa há semanas. — Mexi o copo
para ver os gelos rodando dentro dele, e não acabar falando mais do que
deveria.
— Não sai… Sério? — Ela inclinou o corpo para frente, atenta e
curiosa. Eu ri para aquela versão fofoqueira da minha mãe que pouco via.
— Mas isso quer dizer que ele já terminou com ela? Porque eu juro que não
entendo como esse namoro durou tanto. Ô garota sem sal.
Minha mãe conhecia Luísa de um almoço na casa dos meus pais, que
Daniel fez questão de levar. Foi um dia como nenhum outro, pois eu nunca
vi Lavínia tecendo tantos elogios sobre mim em menos de três horas.
— Também não. — Adèle apareceu do meu lado, surpreendendo a
mim, que estava de costas para a porta do escritório dela. — Eu sei, é meu
filho. Mas tem horas que parece uma mula. Enfim, vim cumprimentar você.
— Minha mãe se levantou, e elas se abraçaram como amigas de longa data.
— Nem pra você falar que sua mãe estava aqui. — Ela me deu um safanão
de leve no pescoço.
— Você estava conferindo as imagens que o marketing preparou. —
Tentei me defender.
— Vou fingir que você não queria que eu e sua mãe ficássemos
confabulando sobre o que você e Daniel estão aprontando.
Olhei espantada para ela, mas não consegui formular nenhuma frase.
Todas que eu começava, se perdiam no meio do caminho. Não era possível
que Daniel tivesse contado algo, sendo que não ficaram juntos nem cinco
minutos.
— Vocês dois acham mesmo que somos tapadas, né? Não sei o que
foi, mas com certeza não é algo desse final de semana, pois Daniel anda
mais impaciente e distante há semanas. Espero que estejam se protegendo.
— Vou ver se seu almoço está pronto. — Já estava me levantando
quando Adèle segurou meu braço, num pedido mudo para ficar.
— Espere, Lia. Tenho uma coisa para conversar com você. E é bom
sua mãe estar aqui para dar apoio. — Ela sorriu amigável, porém, senti um
frio na barriga. Depois das coisas que descobri sobre Daniel, era como se
nenhuma notícia pudesse ser simples. Ainda mais vindo da mãe dele. — Sei
que te ensinava algumas coisas, mas, de qualquer jeito, estou muito
surpresa com o seu desenvolvimento aqui, sua competência. E, por isso,
quero propor algo. — Adèle abriu um sorriso, empolgada. — Eu tenho um
amigo na Itália que, de vez em quando, abre uns cursos e eu sempre mando
um funcionário pra lá, porque acredito que faz com que vocês tenham uma
visão mais completa dos pratos que servimos. Dessa vez, pensei em mandar
você.
— Que ótimo! — Minha mãe vibrou.
— Casseta. — Eu estava meio anestesiada. Nem em sonhos
imaginaria que pudesse estar indo para Itália ainda esse ano. Com o bônus
de ser a trabalho!
— São só duas semanas. E eu que banco passagem, hospedagem.
— Sério? — Eu queria rir e sentia mil coisas ao mesmo tempo.
Afinal, eu tinha começado há pouco tempo no restaurante. Será que não
tinha funcionários que mereciam mais do que eu? Eu era mesmo apta a
ocupar aquela vaga?
— Sim, querida. É o que falei, você leva jeito. Vai ser uma
experiência incrível. Só tem um detalhe. Ele me avisou isso em cima da
hora, então você tem menos de uma semana para arrumar tudo e ir.
Um dos meus primeiros pensamentos foi Daniel. O que ele acharia
daquilo, se concordaria, porque se aqui eu precisava chamar Lucca ao sair,
avisar sempre para onde estava indo… como seria em outro país?
Então me lembrei de Donna, dos seus elogios à terra natal, das
imagens e vídeos que via de lá. Fora os lugares que andei pesquisando
depois que comecei a trabalhar no restaurante.
*

Oito horas depois, eu já estava bem certa do que faria. Só não sabia
como contaria a Daniel que ficaria duas semanas fora, longe do controle
dele. A saída depois do trabalho com as meninas tinha sido ótima para me
fazer relaxar e me incentivar a aceitar o convite de Adèle.
— Já estava pensando que você só ia voltar de manhã.
Ouvi a repreensão de Daniel quando entrei em casa e ri.
Meu velho rabugento estava sentado no sofá da sala, apenas de calça
jeans clara, deixando à mostra todo o peitoral definido que eu adoraria
lamber. Uma verdadeira delícia.
— Até pensei, mas… — Assim que fechei a porta, comecei a tirar o
tênis e calça jeans enquanto caminhava até Daniel. Se tinha algo que
ativava minha libido era beber vinho. E eu tinha bebido quase uma garrafa
sozinha, tudo porque as outras duas ficaram só na cerveja. — Fui expulsa
quando descobriram que a gente finalmente tinha transado. — Parei no
meio das pernas dele e tirei a camisa por cima da cabeça e joguei no chão.
Sim, eu estava sedenta por uma coisa. O pau dele.
Se minha boceta falasse ou tivesse alguma expressão, ela estaria
chorando, implorando por ele.
Culpa do vinho e daquelas doidas.
Tanto Bárbara quanto Carina ficaram perguntando os detalhes da
noite com Daniel. Claro que precisei omitir os detalhes como, a arma, a fala
sobre guerra; diminuir o nível de possessividade…, mas ambas estavam
eufóricas com a novidade, principalmente porque contei até do dia que
lembrava bem pouco.
Recordar de tudo aquilo fez meu interior começar a vibrar com
saudades daquelas bolinhas malditas.
— O que você está fazendo? Não bebeu demais, Lia? — Ele arqueou
uma das sobrancelhas, desconfiado, quando comecei a me ajoelhar.
— Nem tanto… — Dei de ombros, posicionando-me melhor entre
suas coxas grossas. — Não a ponto de não saber que estou cheia de tesão e
que quero chupar seu pau e descobrir como é ter essas bolinhas na minha
garganta. — Acariciei o volume meia bomba por cima da calça,
pressionando a glande com os piercings.
— O bastante para falar putaria sem ficar com vergonha. — Tocou
meu rosto com a mão direita e acariciou minha bochecha com os nós dos
dedos, fazendo-me inclinar a cabeça em direção a ela.
Seu carinho não me impediu de abrir o cinto preto, em seguida o
botão e o zíper, e puxar o quanto dava a calça e a cueca dele para baixo, e,
assim, liberar o pau que eu tanto estava desejando. Daniel soltou um
gemido parecido com um sibilo, ao que meus dedos rodearam sua
circunferência e o bombearam até endurecer e crescer, a ponto de minha
mão parecer pequena.
— O suficiente para falar o que você gosta, fazer o que desejo.
Considere como um pedido de desculpas. — Sorri, falsamente inocente. Eu
sabia que ele estava puto por eu ter ignorado suas duas ligações e algumas
de suas mensagens. E por eu ter evitado contar o que a mãe dele conversou
comigo no almoço. Quanto mais eu adiasse aquela notícia, mais adiaria uma
briga besta.
Afastei todas as possíveis brigas que nem tinham começado e atendi
ao meu desejo de tê-lo em minha boca. Com certo receio, por não estar
acostumada com um cara usando piercings no pau, testei o terreno primeiro
com a ponta da língua, rodeando toda a glande inchada.
Daniel gemeu e impulsionou o quadril em minha direção. Considerei
que o caminho era aquele e continuei. Ao ganhar mais coragem, minha
língua subiu e desceu pela glande, sendo que, ao chegar no freio, instigava
dando batidinhas em cima do piercing.
Quando Daniel apertou meu braço, que estava apoiado em sua perna,
eu o abocanhei de uma vez, por pura ansiedade em descobrir quanto do seu
pau eu engolia. O que foi uma tremenda decepção, ao perceber que foi
apenas a metade. Ou eu estava sem prática ou ele era enorme. Sem me
abalar, até porque os piercings acabavam atrapalhando um pouco, suguei
forte conforme subia a boca, mantendo minha mão direita na base e a
esquerda acariciando as bolas grandes e pesadas.
— Caralho, Lia. — Daniel jogou a cabeça para trás, e meu ego foi nas
alturas.
Eu podia não estar atingindo às minhas expectativas, porém, e mais
importante, ele gemia todas as vezes que eu descia minha boca por seu
comprimento e subia, fazendo vácuo ao sugá-lo. Minha boceta também
estava adorando, chegava a contrair em sincronia e eu sentia o líquido
escorrer por entre minhas dobras. Junto a tudo isso, meu corpo queimava
por ele.
Antes que Daniel gozasse, fiquei de pé, tirei a calcinha e rapidamente
sentei em seu colo, de frente para si. Eu necessitava dele e não queria
esperar mais, nem que arrumasse alguma desculpa para me afastar. Afinal,
eu estava bem ciente de todas as decisões que estava tomando.
— Lia… — Ele tentou me repreender, mas não teve potência
nenhuma. Daniel já estava meio entregue depois de quase atingir o orgasmo
em minha boca.
— Daniel, estou ciente do que estou pedindo. Por favor, me fode. —
Erguendo um pouco quadril e o posicionando na minha entrada, sentei,
aproveitando cada dorzinha por conta do tamanho dele.
O meu pedido libertou algo que Daniel controlava até ali, o desejo
irrefreável que tinha passado a demonstrar perto de mim. Aquele que
escurecia seus olhos, que o fazia soltar uns grunhidos, meio rosnados, que
esquecia a delicadeza e cuidado presentes em todos os outros momentos.
E aquele que agarrou firme meu quadril e enfiou os dedos no cabelo
perto da minha nuca, apertando e puxando até eu gemer de dor. Avançou,
lambendo do vão entre meus seios até minha mandíbula. Mordeu meu lábio
inferior e iniciou um beijo ávido, que demandava tudo de mim.
— Conte o que você conversou com a minha mãe. — Ele soltou meu
lábio e voltou a me lamber, fazendo o caminho inverso. — Não pode ser
boa coisa, ou você já teria me falado.
Como que ele ainda raciocinava para começar uma conversa?
— Sabe como são, estavam planejando nosso casamento… — Eu
brinquei e vi estrelas conforme, por retaliação, Daniel mordeu o bico do
meu seio por cima do sutiã. — Ah!
— A verdade, coração. — Esfregou a ponta do nariz onde tinha
mordido.
— Vou fazer um curso com um amigo da sua mãe na Itália.
O clima na sala esfriou para menos 10 graus. Daniel empertigou o
corpo e me segurou pelo quadril, sem nenhum cunho sexual enquanto
olhava fixo para minhas írises.
— Não.
— Sua mãe me convidou. — Cruzei os braços embaixo dos meus
seios, pronta para qualquer batalha. — Não vou falar não. E eu quero ir.
Tem anos que peço pra você me levar.
— Eu falo com ela. — A convicção dele me fez rir. Eu já esperava
que seria uma conversa problemática. Só não imaginei que seria com o pau
duro dele bem dentro de mim, causando um efeito totalmente contrário ao
que suas palavras causavam.
— Pirou? — Tentei tirar as mãos dele de mim, contudo, Daniel
agarrou mais firme. Eu não ia conseguir me soltar dele, a menos que ele
concordasse. — Quem é você para me impedir de viajar por conta de
trabalho?
— Sou seu, Lia! A porra do seu homem!
Aquilo me deixou mais confusa. E estranhamente excitada. Tanto que
contraí, não só por dentro, mas minhas pernas apertaram o corpo de Daniel.
— É pouco tempo. Duas semanas. — Consegui não ficar sem reação
pelo impacto de suas palavras e perguntei: — O que pode acontecer de mais
lá?
— Muita coisa! — Sua voz saiu estridente, como um rosnado.
Eu inspirei fundo. Não o venceria rebatendo tudo o que falava. E,
depois da outra declaração, eu não tinha muitos argumentos para contestá-
lo. Soltei o ar devagar, pensando na melhor forma de amansar a fera
irredutível.
Toquei seu rosto com as duas mãos e fiz um carinho concomitante
nos dois lados, da têmpora ao maxilar, passando por onde teria um bigode
caso ele não tivesse feito a barba em algum momento daquele dia. Desenhei
seus lábios com meus dedos e depois com a pontinha da minha língua,
iniciando um beijo lento, como se eu quisesse gravar todas as texturas,
gostos, para nunca esquecer.
Passei o carinho para seus ombros e braços, e senti que, aos poucos,
seus músculos relaxavam.
— É perigoso, Lia. — Ele não desgrudou seus lábios dos meus.
— Lucca pode ir comigo. O que acha?
Aquilo pareceu desarmá-lo por completo. Daniel aprofundou o beijo
por alguns segundos e o interrompeu bruscamente.
— Você quer que eu te foda, Lia? — Assenti, desesperada para que
deixasse eu me mover, que começasse a cavalgá-lo, sentisse mais do atrito
que suas joias causavam em mim. — Então eu vou. Mas saiba que vou
gozar em você, que vou deixar você cheia da minha porra. E sabe por quê?
A cada tentativa que eu fazia de mexer para conseguir algum alívio,
Daniel cravava mais forte seus dedos em minha carne, impedindo-me e me
irritando.
Sacudi a cabeça negando, ansiosa para que me mexesse. Estava zero
paciência para joguinhos.
— Porque você é minha. Minha para fazer o que eu quiser. Quer
continuar, Lia?
— Daniel, por favor — implorei. Eu estava tão excitada que, se
duvidasse, poderia gozar sem que ele fizesse muito. Porém, meu pedido não
surtiu efeito. O idiota do meu amigo continuou lá, parado. — Eu sou sua.
Sua para fazer o que você quiser.
Ele sorriu de um jeito macabro que, estranhamente, fez minha boceta
pulsar e sugar seu pau.
— Era o que eu queria ouvir, coração.
Para minha surpresa, Daniel levantou do sofá comigo em seu colo.
Com medo, cruzei meus pés ao redor da sua cintura e dei um gritinho.
— Dan, o que…
— Vamos pro meu quarto. Sabe o quanto fiquei preocupado por você
demorar e não responder minhas mensagens? Sabe o quão puto eu tô pela
sua impertinência?
Eu tô fodida.
Algo me dizia que hoje ele não aceitaria quando eu tentasse jogar
com o seu controle e lado dominador.
Capítulo 24│Daniel Bianchi
Carreguei Amélia da sala até o meu quarto sem falar nada. Eu estava
puto. Pela teimosia. Por não querer me contar nada, pois sabia que eu ia
reclamar. Por me enfrentar. Por eu ter medo do que poderia acontecer com
ela caso realmente fosse. A sensação de impotência em protegê-la queria
me dominar, e ela nem tinha viajado ainda.
Por tudo aquilo, eu mostraria à Amélia um pouco mais do meu
mundo.
Mesmo irritado, ainda estava duro dentro dela e foi uma pena quando
tive de colocá-la na cama e desfazer o contato. Ouvi Amélia resmungar
também, mas não comentei nada. Liguei a luz de led amarela no painel
acima da cama, que iluminava o necessário e tornava o ambiente agradável.
Depois, fui direto para o closet, onde uma das gavetas tinha alguns
acessórios que eu gostava de usar.
Não lembrava de Amélia comentar sobre algum dia já ter usado
acessórios com seus parceiros, por isso, escolhi um chicote indicado para
iniciantes, de cabo rígido e várias cerdas. Ele distribuiria melhor os pontos
de dor do que se eu usasse um com cauda única.
Saí do closet ansioso para ver a pele clara dela ficar vermelha. Amélia
me aguardava no mesmo lugar em que a deixara. Os bicos dos seios
volumosos me encaravam igualzinho a dona deles, que se mantinha atenta a
todos os meus gestos. Com um puxão vigoroso, tirei o cinto preso em
minha calça e o enrolei em minha mão.
— Levante o cabelo, Amélia.
Mesmo com a iluminação baixa, vi que meu tom causou um arrepio
no corpo dela, pois pude vê-lo estremecer. Todavia, pelo fogo que brilhou
em seus olhos, eu não duvidava de que estava molhando o lençol da minha
cama. Seu queixo pendeu, e eu diria que sua garganta secou.
Um segundo arrepio perpassou seu corpo quando se deu conta do que
eu faria e joguei o chicote ao seu lado na cama.
As reações que eu queria e temia não obter. Porque antes de ela me
irritar com a tal viagem, eu pretendia conversar sobre limites, o que
gostava. Porém, aquela conversa me deixou enxergando vermelho.
— Por essa eu não esperava. — Amélia comentou baixo, ofegante
enquanto reunia o cabelo em um coque preso somente por sua mão.
— Com medo? — Comecei a passar o cinto ao redor do pescoço dela.
Eu tinha gravatas, cordas. Poderia usar qualquer uma, mas nenhuma delas
teria o mesmo impacto do que o cinto quando o tirei na sua frente.
Era escroto e eu não me importava. Gostava de ver o medo, mesmo
que fosse por segundos, e ali tivesse um intuito completamente diferente de
quando eu estava trabalhando, fazia parte de mim. Além do que, naquele
quarto, por maior que fosse a minha raiva, a minha forma de punir seria
através do prazer junto à punição.
— Um pouco, talvez.
Ao finalizar, enrolei a ponta do cinto na minha mão e dei um puxão
que fez seu corpo bambear até mim. Aproveitei a proximidade para segurá-
la também com minha outra mão. Sim, aquela submissão me agradava.
— Por um instante, achei que você apareceria com uma coleira. —
Sorriu de um jeito sacana, com o olhar fixado no meu.
— Não tive tempo hoje, mas, em breve, vou arrumar uma. — Apertei
seu pescoço, sentindo um prazer absurdo quando Amélia soltou um gemido
estrangulado. Não afrouxei o agarre até forçá-la a ficar de joelhos no chão.
Muito menos dei tempo para que pensasse demais, logo, grunhindo como o
animal que ela liberara, enfiei meu pau em sua boca para ter um pouco mais
daquela sensação deliciosa que era Amélia me engolindo quase todo.
Com meus dedos em seu cabelo, e estocando num ritmo ditado por
mim, controlei o boquete de um jeito acelerado e insano. De um jeito que
nunca pensei que a trataria, sem cuidado, sem carinho, apenas querendo
descontar a raiva que me fez passar. Por cada motivo daqueles que me
tiraram do sério, eu me forcei para dentro dela até ver seus olhos encherem
de lágrimas.
A fera dentro de mim ronronou.
— Que puta boca gostosa.
Meu coração acelerou e minhas pernas bambearam. Facilmente eu
chegaria ao ápice daquela forma. Mordi o lábio com força, tirando um
pouco da sensação de prazer. Só parei porque sentia Amélia tentando
afastar a cabeça e, principalmente, porque eu tinha outro propósito.
— Eu só não vou fazer você engolir minha porra, porque eu quero vê-
la escorrendo da sua boceta. — Puxei Amélia para cima e já fui
empurrando-a para a cama. E que visão enlouquecedora! Todo o seu rosto
estava vermelho, os olhos e nariz pelas lágrimas, a boca pelo esforço em
fazer caber meu pau, suas bochechas pelo fogo que ardia nossas peles.
Fogo que não a abandonou em nenhum momento, que a deixou
preparada, pingando lubrificação, piscando para mim quando abri suas
pernas e me insinuei entre elas tão necessitado quanto.
Se por anos tive medo de assustá-la por conta daquele meu lado
incontrolável, sádico e louco, não tinha mais, porque a prova que eu
precisava estava me chamando pelo nome, choramingando para que a
fodesse de uma vez.
Em uma arremetida, entrei em Amélia. Um choque perpassou meu
corpo, arrepiando meus pelos, tirando o pouco de raciocínio que ainda
havia.
— Assim, Dan… — Ela arfou, rouca, tanto por ter me chupado
quanto pelo cinto que ainda mantinha apertado em sua garganta. Suas
pernas se enroscaram acima da minha bunda. Suas unhas arranhavam
minhas costas, nuca e braços. Onde Amélia tocava, buscava extravasar um
pouco das sensações estarrecedoras que sentia.
Abaixei a cabeça e abocanhei um de seus seios, mamei sedento, sem
parar de estocar profunda e intensamente, arrancando mais sons desconexos
de nós dois. Embaixo de mim, Amélia arqueou o corpo. Afrouxei o agarre
no cinto, pois aquele era o único cuidado que eu mantinha, o de não a
machucar demais com o acessório.
Ela gritou quando mordi o bico rígido e depois o lambi, como
compensação distribuí beijos por seu colo e rosto, sentindo o gosto salgado
da pele suada por causa do esforço e pelo ar-condicionado, que eu já tinha
deixado ligado, não dar vazão para o que fazíamos.
Acariciei com a palma da mão livre a face lisa, macia e quente. Dei
batidinhas de leve, encarando bem seus olhos para que entendesse o que eu
faria. Meu coração pareceu parar por segundos enquanto esperava alguma
reação dela. Nada. Sem reclamações, então, deferi um tapa estalado e
ardido de cada lado do seu rosto.
Ver o rosto dela virando de um lado para o outro e o ouvir o
gemidinho de dor, não havia nada melhor. Eu tinha acabado de unir a minha
loucura com a pessoa que tinha meu coração na palma da mão.
O prazer se espalhou, transbordou entre nós. O orgasmo veio para nós
dois, juntos. Amélia se contorcia, gritava e me apertava, e eu gemia sem
controle e me derramava até a última gota dentro dela, sem enxergar e
respirar direito.
Tombei por cima dela, enfiando meu rosto entre seu ombro e pescoço,
aproveitando os espasmos da vagina dela ao redor de mim, como em uma
conversa somente de gestos, em que cada pulsar dela, meu pau ainda duro
respondia pulsando também.
Ficando apoiado em um cotovelo, afrouxei o cinto e o deixei cair na
cama. A pele estava bem vermelha e com a marca das bordas dele.
Querendo me redimir, beijei a região quase como se a venerasse. Depois
subi para seu rosto, transmitindo todo o carinho que não houvera até ali.
— Você tá vendo por que me mantive longe de você? Olha como te
deixei. — Não permitiria a culpa me dominar, mas a sentia rondar meus
sentimentos, tentando arrumar algum espaço.
— Eu não reclamei. Agora… Você realmente fez isso. — Ela olhou
para a boceta cheia da minha porra e depois para a minha cara de inocente
no momento em que saí de dentro dela, justamente para apreciar o caminho
que minha porra fazia ao escorrer.
— Avisei que faria. — Dei um meio sorriso. Por dentro, eu estava em
êxtase, flutuando em um prazer besta. E, lá no fundo, eu imaginava Amélia
com um barrigão, gerando nosso filho. Que ela não descobrisse aquilo.
Antes de a ajudar a se deitar direito na minha cama, beijei seus lábios
delicadamente.
— Você nem sabe se eu quero filhos.
Eu me joguei de cabeça nos travesseiros e a puxei para deitar no meu
peito.
— Sim, você quer. Você diz isso desde que era adolescente. Não estou
dizendo que quer agora, mas que você falava sobre saber que seria mãe,
mesmo que não fosse casada.
— Inacreditável. — Sacudiu a cabeça, inconformada.
— Daqui a pouco a gente pede um remédio pra você tomar. — Dei
um beijo no topo de sua cabeça. Ela estava certa, com tanto fetiche pelo
mundo, eu tinha logo de ter criado aquele? — Não vou fazer isso de novo
até você estar usando algum método, ok?
Senti sua cabeça concordar em meu peito.
— Falando em bebês… Hoje a Babi fez alguns testes de farmácia,
disse que estava atrasada. Foram os cincos minutos mais longos de nossas
vidas, e que, no final, ela já estava falando sobre aceitar um mini Eduardo.
Tem noção? A Babi falando isso? Nunca vi minha amiga apaixonada de
verdade por ninguém.
Não respondi sobre Babi ou Eduardo. Porque ninguém além da
família dele sabia do seu estado grave de saúde e eu não queria ser o
portador daquela notícia. Principalmente quando pensei que Amélia sairia
da cama, contudo, sorrateiramente, ela começou a levantar, sentou-se no
meu colo e começou a roçar a boceta gozada no meu pau túrgido.
— Lia… — Gemi, sentindo que despertava para uma nova rodada de
sexo, dessa vez sem necessidade de descontar mil emoções nela.
— Se vou tomar remédio depois, quero aproveitar mais de você
gozando na minha boceta.
Não perdi por um segundo sequer a chance de ver sua boceta me
engolindo. Observei atento e com a respiração suspensa. Então, meu pau
pulsou quando ficou totalmente coberto pela quentura e umidade dela.
Capítulo 25│Daniel Bianchi
A gente teve aquela noite toda e quase que a semana inteira para
explorarmos ao máximo nossos desejos e compensar os anos que fingimos
não sentir nada. Apesar de que, em momento algum, Amélia retribuiu as
palavras que falei. E eu a entendia.
Ela não estava lidando apenas com o amigo que se declarou, ou com
o cara que era apaixonada desde a adolescência. Eu era algo além,
carregava um mundo obscuro comigo e não havia como aceitar apenas parte
disso.
Ela viajaria em menos de 4 horas e, nas últimas 24 horas, a gente
vivia numa bolha só nossa, ignorando o mundo. Nos intervalos, a gente via
algo para comer e arrumava as malas que ela levaria — por sorte, ela havia
tirado o passaporte ano passado. Há quase uma hora, deixei que ela ficasse
relaxando na minha banheira e fui preparar alguma coisa para que
comêssemos antes de irmos para o aeroporto. Eu tinha acabado de colocar o
escondidinho no forno quando ouvi a porta da sala abrir.
Automaticamente, procurei a arma que costumava ficar comigo. Mas
não a encontrei. Devia ter deixado no quarto, até porque eu mal usava uma
bermuda desde que começamos aquela maratona de sexo de despedida.
Eu já me esticava para pegar a caixa que deixava sobre o armário
acima da pia, com uma arma extra. Era um esconderijo seguro, tendo em
vista que Amélia era baixinha e raramente subia em escadas, pois tinha
medo de altura.
— Você estaria morto. — Lucca sorria, debochado.
Desisti da arma e relaxei.
— E você pegou a mania de entrar aqui sem avisar.
— Você não tem ficado com o celular — reclamou.
Bufei, cruzei os braços e fiz um gesto com a cabeça para que
continuasse.
— Don Cancellieri quer ver você.
— Me ver? — Por chamada de vídeo ou o quê? — Agora?
Eu não poderia acompanhar Amélia ao aeroporto assim.
— Sim. Está te esperando no restaurante do hotel em que se
hospedou. Matteo ligou para mim quando você não atendeu suas ligações.
Avisei que viria te chamar.
Nem precisava tirar o celular do bolso para conferir se haveria
chamadas, Lucca não inventaria aquilo.
Merda!
Dei as costas para Lucca e me encaminhei para o meu quarto, mais
uma vez que estaria saindo de supetão para resolver algum problema
inadiável e deixaria Amélia sozinha. Pra que eu fui pensar nela? Em
poucas horas, ela estaria entrando em um avião e pousaria na minha terra
natal. Sendo que eu não podia ir com ela e protegê-la.
Fora isso, minha cabeça estava ocupada raciocinando o que
Alessandro Cancellieri queria comigo aqui, no Brasil, enquanto escolhia
vestia a calça preta do terno.
— Vai sair? — Amélia saiu do banheiro, usando o meu roupão e
secando o cabelo com uma toalha.
— Vou. — Na hora, me senti um merda por ver o desapontamento
nos olhos dela e não poder fazer nada. — Mas estou deixando um
escondidinho no forno pra você. Vê se come, ok? — Antes de fechar a
calça, vesti a camisa tão preta quanto, e virei para Amélia enquanto
colocava a gravata ao redor do meu pescoço e fazia o nó.
— Pode ser bom, meu estômago tá doendo. Acho que tô ansiosa com
a viagem.
Soltei um resmungo, fazendo bico. Não ia falar mais nada. Lucca iria
com ela. Pelo menos o curso era na nossa região, então eu tentava me
conformar e ficar mais tranquilo.
— Vou me arrumar. — Amélia me beijou rapidamente e já se afastava
quando a envolvi pela cintura e a puxei para mim de novo, tomando sua
boca em um beijo que só serviu para me deixar duro e sem vontade de
deixá-la sozinha.
— Tente dormir no voo. Ligue para mim assim que chegar lá e, se
precisar de qualquer coisa, fale com Donna ou me chame. — A cada
orientação, eu depositava um beijo estalado em seus lábios. Eu não sabia se
era melhor ou pior aquela despedida não programada. — Te amo.
Soltei-a antes que desistisse e perdi alguns segundos, observando-a se
afastar.
Já pronto e no caminho para o local de encontro, tentava focar em
quem encontraria. Don Alessandro tinha graves problemas com bebidas e
apostas, além de um apoio questionável de quem fazia parte de sua
famiglia. Algo que cresci ouvindo, era que meu exemplo valia mais do que
qualquer coisa, se eu quisesse que seguissem a mim e à minha ideologia, eu
precisava mostrar que era digno de tal.
O contrário do homem que me esperava, com olhos arregalados e
desorientados quando chegamos ao restaurante do hotel quatro estrelas, em
uma mesa mais reservada, na área em que as mesas eram separadas por
cabines, dando mais privacidade aos seus clientes. O vício o dominara nos
últimos anos e aquilo refletira diretamente no poder que detinha sobre os
seus.
Suas dívidas foram o principal motivo para que um casamento entre
mim e sua filha fosse arranjado.
— Matarazzo! — Ele abriu os braços e se levantou ao me ver se
aproximar. D’Angelo, um segurança que passou a fazer minha proteção
depois que designei Lucca para Amélia, entrou à sua frente e ergueu uma
sobrancelha ao olhar para mim primeiro e depois para Alessandro. — Não
me importo que me reviste.
Esperei paciente enquanto D’Angelo fazia seu papel. Antigamente,
ficava incomodado por me chamarem pelo sobrenome do meu pai. Seus
atos, que para mim e quase todo mundo, criminosos, me davam nojo. Por
anos, torci para que a esposa dele concebesse o tal herdeiro legítimo e eu
me livrasse daquela merda. Não aconteceu. E me conformei justamente
quando vi Salvatore firmando o contrato do meu casamento, como garantia
de que seu império cresceria mais.
— Não se importou também com o risco de ser pego. — Pontuei ao
cumprimentá-lo com um abraço automático.
O nome dele era tão conhecido e procurado quanto o do meu pai.
Outro motivo, inclusive, para eu não usar o Matarazzo. Não queria que
fosse possível me conectarem tão fácil com Salvatore.
— Seu pai apoiou minha vinda.
— Apoiou? — Sei… Alessandro aquiesceu e sentou-se em uma das
cadeiras.
Salvatore só visava expansão do seu terreno, qualquer oportunidade
era aproveitada. Porém, com Cancellieri, ele nem precisou se esforçar, por
conta da sua decadência, ele aceitou praticamente tudo o que meu pai
propôs. Cederia o controle total, desde que mantivesse seu padrão de vida.
O velho nem mesmo estava muito preocupado com o destino da filha, se eu
seria um bom marido ou não.
Antes mesmo que o casamento fosse realizado, até pela idade da
garota, Salvatore exigiu o controle antecipado, entrou com o investimento e
alguém que saberia administrar crises, que possuía respeito dos seus — no
caso, eu.
Lógico que chamaria atenção das outras famiglias. Por mais que os
Cancellieri não fossem tão influentes, Don Salvatore era. Toda a Toscana
era dele, nada por lá acontecia sem sua permissão. E eu vinha sendo
preparado para um dia tomar seu lugar.
Em algum momento eu seria um Don, sempre soube que meu destino
era me casar com uma mulher que, ao menos, tivesse conhecimento daquele
meio e que poderia ser em prol de algo maior.
Até agora nunca tinha sido um grande problema. Eu já me
conformara. Afinal, Amélia era um ser inocente que nunca deveria se
envolver comigo. Infelizmente, tudo isso mudou no dia que desisti de
resistir.
Só não esperava que Salvatore fosse agir tão rápido.
— A gente precisa conversar sobre como Sanremo vai ficar. —
Alessandro gaguejou no final. Patético.
Sanremo, na Ligúria, era a área da famiglia Cancellieri. Eles
controlavam o local desde que um bisavô de Alessandro fugiu da Sicilia,
por não querer mais ser apenas um subordinado e arrumou apoio para si.
Porém, desde que eu completara 23 anos, passei a ser o responsável pelo
local. Nada por lá acontecia sem que passasse por mim ou que eu fosse
avisado.
Abri um botão do terno e sentei-me na cadeira de frente para
Alessandro, atento aos seus tiques adquiridos por conta dos vícios, como
mexer no nariz e balançar o corpo na cadeira.
— Acredito que da mesma forma que tem sido desde que assumi o
controle. — Recostei no encosto da cadeira, tranquilo, e fiz sinal para o
sommelier trazer o vinho que eu costumava tomar ali. — Mas se você se
acha capaz de voltar a ser o responsável, não vejo problemas em me retirar.
Até porque não houve casamento.
Pelo suor que descia pela lapela de Alessandro, eu diria que ele não
melhorara. A morte da filha fora um baque profundo. Trouxera de volta e
de maneira mais potente todos os problemas que ele tinha e estava
conseguindo se manter afastado.
— Tenho uma sobrinha que…
Eu o interrompi ao levantar a mão. Não queria ouvir nenhuma
baboseira daquele tipo. Não faria mais diferença.
— Esse assunto está encerrado. Quem vai definir minha noiva, serei
eu.
Ele sacudiu o corpo de maneira rápida e piscou algumas vezes.
— Então o boato é correto. Don Matarazzo, seu pai, comentou que
você estava saindo com outra mulher.
Tomei um gole do vinho, acalmando minha mente para não ser
grosseiro só pelo desdém na voz.
— Ele está certo. E, por enquanto, prefiro mantê-la afastada do nosso
meio.
— Faz bem, esse meio levou minha Gazie embora da pior maneira
possível. — Pela primeira vez, vi a tristeza que Alessandro tentava
mascarar.
— Infelizmente, sim. Mas foi vingada.
Um soldato e um consigliere da famiglia Denaro foram mortos pelas
minhas mãos na minha última visita a Itália. Foi quase um mês de busca
para encontrá-los em Roma. Os imbecis devem ter pensado que o Papa os
protegeria, só pode!
Alessandro se balançou e depois mexeu na gravata, afrouxando-a do
pescoço. O nervosismo bem mais aparente para mim. Foi como um sinal.
Um sinal tardio que ligou meu alerta e me fez olhar ao redor, procurando
algo. Mal ele parou com os tremeliques, a porta principal foi invadida pela
polícia.
Aquele filho da puta tinha armado uma emboscada para mim!
Tive dois segundos para decidir se levantaria disparando com a arma
em minha cintura ou se os obedeceria e ergueria os braços. Escolhi a
segunda opção, deixando a arma em cima da mesa.
— Daniel Bianchi Matarazzo? — Um policial, com a arma apontada
para minha cabeça, questionou. Eu apenas assenti.
Só podia ser armação de Alessandro com alguma outra pessoa.
Quem?
Eu me perguntava enquanto era revistado e algemado. Conforme era
levado para a viatura, eu só pensava em matar o filho da puta que tivesse
armado tudo aquilo e na segurança de Amélia.
Capítulo 26│Amélia
Lá no fundo, eu tinha esperanças de que Daniel apareceria antes do
embarque. Nem precisava ser igual nos filmes, em que o cara surgia
correndo e gritando pela mocinha, podia ter sido antes, na hora que desci do
carro na frente do aeroporto. Porém, nada.
O voo foi mais tranquilo do que eu imaginava, dormi mais da metade
e no restante do tempo fiquei assistindo uns vinte minutos de cada filme,
pois nenhum prendia minha atenção. Os últimos dias tinham sido
cansativos. Tivera um evento no meu trabalho em que todo dia pratos mais
específicos de cada área da Itália eram colocados no cardápio. Aquilo
chamava atenção e atraía um número bem maior de clientes para o
restaurante. O ritmo foi frenético e eu ainda precisei arrumar tempo para
comprar os itens essenciais para a viagem. Além de precisar lidar com
Daniel e sua neurose.
Toda vez que eu pensava na última semana, dava vontade de me
beliscar, pois não conseguia acreditar no que a gente estava vivendo, ou nas
declarações diárias.
— Chegamos. — Lucca pegou nossas bagagens de mão e foi na
minha frente, tanto na saída do avião quanto no percurso do checkout. Ele
estava mais sério e atento do que o normal. Algo sobre odiar aviões e estar
com um pressentimento esquisito.
— Que tal um gelato? — Logo, assim que passamos por toda a
imigração e fui liberada, perguntei, animada, andando de costas para ver as
feições dele, carrancudas, como desde que entramos no avião. — Você
precisa relaxar, nós já pousamos.
— Vou relaxar quando chegarmos à casa de Donna. — Ele acabou
falando em italiano, mas entendi. — Sabe que seu namorado não gostou de
você trocar o hotel pela casa dela, não sabe?
Eu nem ia contar para Daniel aquela troca. Todavia, Lucca abriu o
bico, pois não podia esconder nada do chefe. Minha intenção era meu
“namorado” descobrir somente quando eu já estivesse instalada. E a culpa
não era minha se a esposa de Matteo me oferecera um teto tão perto quanto
o hotel era.
Lógico que aceitei. Mesmo que fosse para ficar apenas alguns dias,
para não abusar muito da vontade alheia, eu teria aceitado. Mas ela fez
questão de que fossem as duas semanas.
Ou seja, eu já me imaginava pagando uns micos com ela por ser a
única que não falava italiano de forma fluente, ou os passeios que faríamos.
Se desse sorte, veria algum daqueles campos cheios de girassóis.
— A gente precisa comprar um chip para o meu celular, estou
totalmente sem sinal. — Eu até cheguei a ligar o aparelho depois que saí do
avião, mas ele estava sem um pontinho de vida.
— Donna já deve ter providenciado isso.
— Isso quer dizer que não vou ver sorvete nenhum. Meu estômago
está doendo, você devia ter mais consideração. — Eu olhava para tudo e me
encantava com os mínimos detalhes. Nunca viajara para outro estado, que
dirá para fora do Brasil. Tudo no aeroporto me chamava a atenção, das
malas com capas divertidas às tecnologias.
— Vai ter comida lá.
Eu olhava para tudo e todos e, ainda assim, não vi quem colocou um
pano sobre a minha boca quando estávamos a poucos passos dos carros
estacionados na área de desembarque.
Meio zonza, vi alguém atirando em Lucca e o segurança caindo no
chão.
*

Primeiro eu comecei a sentir muito frio, depois percebi que algo


molhava meu rosto e meu braço. Tudo isso antes mesmo de conseguir abrir
os olhos e despertar. Parecia que eu vivenciava um episódio de paralisia do
sono, em que algo apertava meu peito e impedia que eu acordasse e me
movesse.
Ouvia um choro fraco e umas vozes, porém, não entendia nada do que
falavam. Conforme os barulhos começaram a ficar mais nítidos, minhas
lembranças voltaram: o pano em minha boca, alguém me segurando, o tiro
em Lucca.
O tiro!
Lembrar da confusão na saída do aeroporto foi um tremendo choque
que eu precisava para conseguir me movimentar. Sentei-me rápido demais.
Minha cabeça girou, meu coração bateu descompassado e minha boca
estava seca. Tudo o que notei antes de precisar me apoiar com as mãos no
chão e voltei a tocar na parte molhada.
— Me desculpa. Me desculpa.
Virei a cabeça lentamente. A claridade do quarto, se é que eu poderia
chamar assim, fazia doer minha vista, então pisquei algumas vezes,
tentando me acostumar, até que consegui focar em uma menina de uns 10
anos encostada na parede atrás de mim, abraçando os próprios joelhos. Uma
mulher de uns 20 anos abraçava os ombros dela, tentando passar algum
conforto.
De início, não entendi pelo que a garota pedia desculpa, mas fui
juntando as coisas. O short que ela usava estava molhado e o líquido perto
de mim era amarelado. Finalmente senti o cheiro de urina, que escorria pelo
meu rosto, pescoço e blusa.
Não sei se foi pela situação ou pelo meu estômago que doía como se
tivesse uma úlcera, eu procurei algum lugar, qualquer lugar, que pudesse
vomitar sem sujar mais o local, porque, pelo visto, não limpavam com
frequência. Contudo, não deu. Não tinha nada que servisse de balde e me vi
vomitando mais bile do que comida no chão ao meu lado.
Uma segunda mulher veio segurar meu cabelo e uma terceira passou
um pano no meu rosto com algum produto, em que o cheiro lembrava
álcool com cravo. Ambas falavam em um inglês rápido demais, para minha
tontura e meus anos com somente níveis básicos do cursinho de inglês,
entender.
O pano foi deixado na minha mão para que passasse no braço
molhado depois que parei de vomitar. O gosto amargo continuou na minha
garganta e meu estômago parecia doer ainda mais.
— Que lugar é esse? — Perguntei para ninguém em específico. Só
tinha a gente no quartinho que devia caber umas três camas de solteiro. Mas
não tinha camas, apenas uns colchonetes embolados em um canto. Deviam
ter empurrado quando o xixi da garota começou a se espalhar pelo chão.
Duas portas e a pintura bege por todo lado. Nada de janelas, bancos
ou qualquer coisa que ajudasse a identificar onde eu estava. O frio era por
conta do ar condicionado central, com saída bem em cima de onde eu
estava. Meu macacão jeans não estava dando conta. Felizmente, não me
molhei tanto ou seria mais difícil suportar a baixa temperatura.
As mulheres que me ajudavam perguntaram se eu me sentia melhor,
acenei que sim. O medo e desespero que eu sentia, elas não poderiam fazer
sumir. Porque nada ali parecia ser bom.
— É onde a gente espera antes de sermos levadas. — A garota falou
com a voz trêmula. — Algumas voltam, outras não. Minha amiga só voltou
uma vez e disse que foi horrível. Eles disseram que eu era a próxima, por
isso… — Apontou para o líquido amarelo.
Eu balancei a cabeça, mostrando que tinha entendido. Uma parte, ao
menos. Ela não chegou a mencionar o que foi horrível, porém, podia
imaginar ao dar uma segunda olhada para os vestidos colados e curtos que
as mulheres usavam.
A que estava consolando a menina começou a falar em italiano e
consegui entender um pouco. Pelo visto, ela e as outras já tinham destino
certo, um leilão para ganharem seus “donos” ou algo assim. E pediu para
que eu cuidasse da garota, pois nós duas ficaríamos sozinhas.
Eu quis chorar. As lágrimas chegaram a encher meus olhos, mas não
caíram. Daniel falou tanto, mas tanto… por que não ouvi? Por que não
mudei de ideia? Eu estaria sendo muito bem tratada àquela hora se tivesse
aceitado ficar em casa e não morrendo de medo de ser violentada por algum
cara estranho, ou colocada em algum puteiro.
Se as outras mulheres não estivessem com tão pouca roupa, eu
poderia pensar que quem quer que tivesse me sequestrado ia me torturar
para falar alguma coisa sobre Daniel.
Pensar nele me deu vontade de chorar de novo e chamar pelo seu
nome, para ver se não aparecia ali do lado. Passei meus braços ao redor do
meu corpo para me esquentar e tentar me confortar, de alguma forma.
Capítulo 27│Amélia
Dois dias tinham se passado desde que acordei naquele quarto, mas
eu não sabia se acordei no mesmo dia do meu sequestro. E eu só tinha
noção de que os dias estavam passando, porque, à noite, um homem com
roupas que pareciam de segurança de shopping vinha e trazia uma sopa com
pão e um copo de suco, e as luzes eram apagadas. Um pouco depois, eram
acesas e traziam um “café da manhã” simples e algumas horas mais tarde
era uma mistura de almoço com lanche. À noite, ficava um breu logo após
recolherem o prato da janta.
Descobri que a segunda porta era um banheiro, com vaso e pia, que
Renata, a menina do grupo, não conseguira alcançar na hora do nervosismo
e eu não fui por nem ter reparado que existia.
Na noite do primeiro dia, eles levaram as três mulheres, nenhuma
delas voltou. Nos dois dias, eu tentei fazer o melhor que podia para acalmar
Renata, que tremia todas as vezes em que a porta era aberta. Contudo, era
difícil, pois eu mesma pulava de susto e demorava meia hora para parar de
tremer. Além do que, a dor no meu estômago continuava irritante e eu tinha
começado a vomitar quase tudo que comia.
Estava me sentindo fraca, sonolenta, indisposta e emotiva. Se
pudesse, passaria o dia todo encolhida em cima do colchonete, embaixo da
coberta fina, abraçada às minhas pernas, quase que em posição fetal. Mas
quando ouvia Renata chorando, eu respirava fundo, dava uns tapinhas no
meu rosto e ia conversar com ela.
Acabei aprendendo sobre algumas novelas novas e encontramos uma
que assistimos versões diferentes, Chiquititas. Até algumas músicas a gente
chegou a cantar. Infelizmente, o clima leve só durava até a porta ser aberta
de novo.
Eu estava jogando água no rosto e fazendo bochechos com o suco do
café da manhã, para tentar tirar um pouco do gosto ruim da boca, quando a
porta do banheiro foi aberta num tranco violento. Acabei me engasgando
com o líquido e irritei o segurança, que falava impaciente comigo para que
saísse do banheiro.
Sem demonstrar que o entendi direito, obedeci. Algo me dizia para
fingir que não compreendia o idioma. Talvez assim se sentissem mais à
vontade para falarem qualquer coisa na minha frente.
Murmurei um “já volto” para Renata e segui o segurança para fora do
quarto, com o coração disparado e as pernas querendo falhar.
Você consegue, Amélia!, tentava me motivar, porque não havia
ninguém mais para fazer isso.
Pela falta de janelas, ar pesado e um ambiente mais escurecido,
imaginei que estivéssemos no subsolo de algum lugar. Algum lugar velho,
pois onde não havia portas, tinha paredes de pedra, como se a casa
crescesse dali. Praticamente confirmei minha suspeita quando entramos em
um elevador no estilo daquele do navio Titanic, mas esse rangia, estalava e
tinha grades enferrujadas, e subimos. Minha barriga parecia estar revirando
na velocidade com que subíamos e um andar foi mais do que suficiente para
eu querer colocar para fora o pão que tinha comido. Não aguentei segurar,
virei para o lado e vomitei nos sapatos brilhosos do segurança — chegou a
dar até uma certa satisfação.
O homem ficou irritado e me puxou pelo braço para sairmos logo dali
direto para um corredor de casa antiga, com muitas portas elaboradas de
madeira, quadros com molduras douradas e envelhecidas, e decoração em
porcelana e ouro em cada aparador. Ótimo para um filme de terror a lá
Winchester.
Conte.
Olhei por cima do ombro ao pensar que ouvi a voz de Daniel no meu
ouvido. Mas não tinha ninguém além de mim e do segurança que falava em
um ponto na lapela do paletó. Mesmo sem entender, comecei a andar mais
devagar e fui contando e decorando cada porta e janela. O homem se irritou
mais e me deu um puxão forte para ir mais rápido.
Depois de três portas e uma janela, ele deu um solavanco no meu
corpo para que entrasse na quarta porta, a única entreaberta.
Era uma enfermaria pequena, mas parecia ser muito bem equipada
com tudo que havia de última linha, bem diferente do corredor com cheiro
esquisito. Olhando para o lado esquerdo, havia uma maca encostada na
parede, com um aparelho de ultrassom ao seu lado, à frente tinha uma mesa
de computador.
Diante de mim, tinha uma janela mediana, com os vidros fechados,
mas era por onde entrava grande parte da iluminação. Na mesma parede,
havia uns armários e uma cômoda que supus conter remédios e
equipamentos. Do lado direito uma porta meio aberta, que permitia que eu
visse um vaso sanitário.
Um médico baixinho e careca ocupava a cadeira do computador
enquanto uma senhora, talvez da idade da minha mãe, mexia em um
aparador de metal com agulhas e frascos para colher sangue. Engoli seco,
pois não iam me trazer ali para nada. E não sabiam que eu estava passando
mal.
O médico sorriu para mim, deu bom dia em italiano. A assistente agiu
igualmente simpática e como se aquilo fosse algo completamente normal.
Parecia um universo paralelo em que pessoas raptadas eram tratadas
como se estivessem fazendo uma visita de rotina à clínica.
A senhora me puxou para me sentar na maca e colocou um apoiador
para coletar meu sangue. Depois de vários frascos cheios daquele líquido
vermelho, ela verificou minha pressão e o médico veio ouvir meu pulmão,
verificar minha garganta, ouvidos, nariz, olhos. Um checkup completo.
Fiquei tentada a pedir algo para o estômago, mas será que dariam ou só
tentavam descobrir quantos problemas eu tinha para ver qual preço
colocariam sobre a minha cabeça?
Meu cérebro estava no automático e toda vez que me sentia sufocada
e engolfada pelo desespero, olhava para a janela e me permitia admirar o
céu azul claro e o campo com gramado verdinho. Quando vinha a vontade
de chorar, eu olhava para cima e respirava fundo.
Após todos os exames feitos, a assistente me deu uma sacola com
alguns itens para eu tomar banho no banheiro e uma calcinha descartável.
Será que vou ser vendida logo? Ou levada para outro lugar?
Aquelas perguntas ficaram rondando minha cabeça junto com planos
mirabolantes de fuga enquanto eu me aventurava embaixo da água fria,
funcionava para me distrair dos meus braços e queixo tremendo de frio.
Mas nunca que ia reclamar. Era a primeira vez em dias que eu sentia água
corrente sobre o meu corpo, que podia tirar de verdade toda a sujeira que se
acumulou na minha pele, que pude limpar meu cabelo e esfregar a pele
suada.
Só saí quando meus dedos estavam extremamente enrugados e não
havia mais o que lavar pela terceira vez.
Um homem com mais de 50 anos estava em pé, junto ao médico, que
lia e apontava para algo no tablet em sua mão. O senhor que chegou
enquanto eu estava no banho, estava bem-vestido, de terno feito sob medida
para seu corpo um pouco acima da média, cabelo penteado com gel para
trás, um perfume amadeirado, doce e forte.
Aparentemente, fingir que não entendia o que eles falavam, realmente
os deixava mais descontraídos e falantes perto de mim. Deviam pensar que
podiam conversar sobre qualquer coisa, seja o que fossem fazer ou o que
estava acontecendo, pois os dois interagiam como se eu não estivesse ali.
— Isso é certo? É o que estou pensando? — O senhor arrumado
apontou para algo na tela.
— Deve estar no início, poucas semanas. Posso fazer um exame de
imagem em alguns dias, se você quiser.
— Faça isso. Don Matarazzo vai pagar mais, com certeza.
— Ou vai querer matá-la. — O médico me fitou com um olhar de
piedade, que até parecia que sentia pena de mim realmente.
Ahan, claro. Ajudando meu sequestrador.
Só rindo para não chorar!
— Aí eu fico com ela. Ou vendo para quem pagar mais! — Ele deu
uma risada que me lembrou um porco, o que só me deixou mais enojada
com toda a situação. Em seguida, encaminhou-se para a porta, deu três
batidas e aguardou o segurança do lado de fora abrir para sair. — Pode levá-
la.
Refiz o caminho com o mesmo segurança que me trouxera. Para
minha surpresa, o quarto estava vazio e limpo. Nenhum sinal de Renata ou
de outros colchonetes e colchas, além do conjunto único no meio do quarto.
Aquilo me deixou nervosa, a ponto de me fazer virar para o segurança e
ficar perguntando onde estava a criança.
Aquilo estava errado! Não podiam levá-la. Ela era tão nova! Mas o
silêncio dele era esclarecedor. Ela não voltaria.
Destruída, deitei no colchonete e me cobri na colcha. O choro veio
forte, desolado. Gritei com todo ar nos meus pulmões. Xinguei como nunca.
Debati pernas e braços, tentando descontar a frustração, o medo e a raiva
que estava sentindo.
Eu só queria minha casa. Eu só queria ser encontrada. Mas já estava
perdendo as esperanças de que Daniel pudesse me rastrear de alguma forma
e me encontrar. Afinal, nada me garantia que ele tivesse essa capacidade.
Sem forças, com os olhos ardendo, e os membros dormentes e
doloridos por conta do chão duro, fiquei encolhida sob a colcha, abraçando
meu corpo, permitindo-me sofrer a solidão que me aguardava no futuro.
Capítulo 28│Daniel Bianchi
Não lutei contra. Sabia que não adiantaria. Eu só precisava entender o
que tinha acontecido. Uma coisa era certa: Alessandro estava envolvido.
Deu para ver a culpa nos olhos do traidor segundos antes de eu ser levado
para a viatura.
Agora, o que teria feito aquele viciado de merda quebrar um dos
maiores códigos morais que possuíamos? A Omertà. Se havia um
problema, devia ser resolvido entre nós, nunca envolver a polícia naquilo.
Do meu ponto de vista, não tinha vantagem para ele. Ele nem deveria
estar aqui, pois seu nome era mais conhecido do que o meu. Qual vantagem
teria em fazer algum acordo com a polícia local?
Nenhuma.
Nada além da minha pessoa fora do seu território. Ou alguém
pretendia arrumar uma guerra grande com meu pai e começaria pelos
territórios pequenos, ou Don Salvatore estava envolvido de alguma forma e
manipulou Alessandro a me visitar só para que eu fosse preso.
Eu não era ingênuo a ponto de não cogitar que meu pai estivesse
envolvido. Fosse para me convencer de algo ou mostrar que tinha um
ponto, ele faria o que estivesse ao seu alcance. Foram anos vivendo sob
suas manipulações e controle. Sendo obrigado a fazer o que ele queria. Eu
só não entendia o porquê de me expor tanto e o que ganharia com aquilo.
Amélia.
A pessoa que o incomodava, a que sempre fazia algum atrito surgir
entre nós, era Amélia. Era o mesmo motivo pelo qual eu o ignorava na
última semana, pois sabia que mexeria com seu ego.
Antes que eu percebesse, minha respiração começou a desregular,
meus punhos fechavam com força e algo irracional me dominava. Porque se
eu estava preso, Amélia corria perigo.
— Não adianta forçar, essas algemas aguentam o Hulk. — O policial
no banco do carona soltou uma risada, carregada no escárnio.
Por mim, poderia aguentar o Godzilla, não faria diferença, não
quando eu tinha aprendido abrir algemas aos 11 anos. Porém, eu esperei
para ver qual caminho seguiria, pois algo me dizia que eu nunca veria a
delegacia por fora e muito menos por dentro, pois estavam fazendo um
percurso totalmente diferente do que deveriam.
Com as algemas soltas, agi rápido e sem pensar duas vezes. Retirei a
arma pequena da meia na perna direita e atirei no policial engraçadinho,
acertando-o em cheio na nuca. Seu corpo foi direto para frente, a cabeça
bateu no painel no instante em que o motorista freou, assustado e
despreparado.
— Ou você abre a porta agora, ou será o próximo. — Minha arma não
tinha mais bala, porém, eu sempre carregava algo afiado. Daquela vez, por
dentro do sapato esquerdo, havia a schf50, uma navalha menor do que um
dedo, extremamente afiada.
Com o carro parado, e sem paciência para pessoas indecisas, usei a
navalha, cravando-a na jugular do policial. O sangue quente esguichou para
todos os lados, mas pouco me importei. Já vira porcos sangrarem mais. Em
outro momento, talvez, eu me sentiria um pouquinho culpado ao ver o
policial tentar cobrir com a mão o local atingido para se salvar. Daquela
vez, apenas uma coisa passava pela minha cabeça: encontrar Amélia. O
restante do mundo poderia se foder.
Ignorando os policiais mortos, estiquei o corpo para frente e abri a
minha porta. Se duvidasse, eu teria tempo de encontrá-la antes do
embarque. Se fosse rápido. Se no plano de quem veio atrás de mim não
estivesse incluso espalhar meu rosto pelo mundo…
Eram muitos “se” que passavam pela minha cabeça quando saí do
carro, que não vi a tempo que uma picape tinha parado bem atrás de nós, e
um homem armado mirava em mim. Somente ouvi os disparos e, antes
mesmo de sentir, alguma dor, meu consciente apagou.

Dias atrás, Matteo estava me ganhando no xadrez quando um senhor


com olhar meio confuso entrou na sala em que eu aprendia sobre os valores
da famiglia e, nos intervalos, jogava algo.
Meu tio se levantou e estendeu a mão para o homem apertá-la. Como
sempre, simpático, sorridente e com voz amigável. O senhor ficou bem mais
aliviado quando pareceu reconhecer Matteo. Durante algum tempo, eles
conversaram sobre uma tentativa de sequestro. Alguém quase tinha levado
a filha daquele senhor. Amélia.
Foi a primeira vez que ouvi o nome dela. O milagre. Aquela que foi
entregue para aquele senhor e sua esposa cuidarem como seu bem mais
precioso. Os olhos do homem brilhavam de emoção ao falar dela, do medo
de perdê-la. Já tinha perdido uma filha. Eles aceitaram a troca na
maternidade, mencionou algo sobre Matteo lembrar daquilo. Algo que meu
tio confirmou com um aceno.
Matteo deu tapinhas em suas costas e o tranquilizou, pediu
desculpas, pois conhecia quem tinha feito e a pessoa em questão já estava
sendo controlada; ainda ensinou o homem a como se defender com uma
faca, alguns pontos melhores para atingir alguém e me apresentou a ele
com orgulho dos meus feitos.
Depois, o homem foi embora, mais relaxado e com a promessa de que
almoçariam juntos em breve.
Naquele dia, Matteo não quis me explicar muita coisa. Porém, hoje,
enquanto nós dois esperávamos Donna sair das aulas de balé, sentados no
carro em frente ao prédio, ele me explicou que a garota estava na porta de
casa, e Carlo, meu primo mais velho, quis levá-la embora.
— Por quê? — Questionei intrigado. Carlo era mais velho do que eu
uns seis anos. Bem alto para a idade, mas não tão mais forte do que
qualquer garoto naquela idade.
— Lia é especial, bambino. — Foi tudo o que ele disse e apontou
para uma das meninas brincando no parquinho.
Um milésimo de segundo foi o tempo que demorou para eu tomar
uma das decisões mais importantes da minha vida. O exato momento em
que ela olhou para mim e riu, eu soube: eu a protegeria para sempre e não
deixaria nunca mais alguém a assustar daquele jeito. De quebra, iria torcer
o joelho de Carlo quando visse.
Acabei falando aquilo em voz alta e Matteo gargalhou.
— Donna marcou um encontro entre sua mãe e o pai da Carina. —
Matteo apontou para a que fazia estrelinhas no chão. — Sua missão de
protegê-la não vai ser tão difícil. — Ele ainda sorria, como se achasse que
eu tinha falado brincando. Aquilo me irritou, porém, me contive. Matteo
não gostava das minhas explosões de humor. Ao contrário do meu pai, que
as incentivava e colocava alguém para treinar comigo naqueles momentos.

Eu dei um suspiro profundo, desesperado, barulhento. Meu corpo


arqueou e voltou a bater onde eu estava deitado. O cheiro de queimado
invadia minhas narinas. Todavia, tudo estava preto. A minha visão não
voltava. Minha audição estava abafada. Eu não conseguia respirar, por mais
que abrisse a boca.
— Ele acordou. Controle melhor o sedativo! — Alguém parecia
muito irritado e agitado.
Quis perguntar onde estava e o que acontecia, só que, em segundos,
eu estava sedado de novo. As lembranças rodavam minha cabeça. Confusas.

— O que você está fazendo? — Salvatore tinha um semblante


desapontado e irritado quando me viu manchando o plástico em cima do
seu sofá de sangue. Nem era muito. O amigo de Carlo sabia o que estava
fazendo. Era ele quem tatuava e colocava os piercings nas pessoas da
famiglia. — Isso é coisa de vagabundo! Já não falei para não se tatuar?
Eu não sabia o que meu pai tinha contra os desenhos na pele. Não
que me importasse muito. Até ali, só tivera vontade de fazer aquela da pizza
com Amélia.
— Não é tatuagem. São piercings. — Eu ignorava a dor na hora em
que Leon fez o segundo furo. Ignorava do mesmo jeito que fingia não ter
matado duas pessoas horas antes. Nunca esqueceria seus rostos, os pedidos
por perdão, pois foram os primeiros.
As primeiras pessoas que eu matei. Aos 20 anos, eu já tinha torturado
muitas, tinha visto execuções, participado de batidas. Contudo, nunca fui
eu quem puxava o gatilho. Em todas as outras eu escapava, arrumava uma
desculpa. Não queria me transformar na fera que diziam que eu era. Que
só faltava incentivo.
Daquela vez, eu estava descontrolado. Não pensei. Agi pelo impulso
que Salvatore tanto me incentivava. Consumido pela raiva. Pelo ciúme.
Porque eu sabia o que estava acontecendo com a pessoa que mais
importava para mim. Há alguns meses, Amélia namorava um babaca, e ela
ligou minutos antes de eu sair com meus primos para uma checagem de
informação.
Era ciúme. Idiota. Desnecessário. E a culpa era minha, pois não
queria me aproximar e ser quem ela precisava. Foi o suficiente para me
cegar.
Eu e os outros dois precisaríamos ver se uma das prostitutas que
controlava uma casa noturna da nossa área e vendia droga para os clientes
estava desviando produto. Não só ela, como um funcionário dela, estavam
nos roubando. A confirmação foi tudo o que precisei para disparar na
cabeça deles, sem pensar duas vezes.
O prazer que subiu e se espalhou pelo meu corpo foi indescritível.
Uma sensação de poder que eu só sentia ao ouvir os gritos para ter
piedade.
O problema foi quando a adrenalina baixou, pois o arrependimento
veio imediatamente. Com força total. Devastador. Por que eu fiz aquilo? No
que estava me transformando? Era sendo aquele tipo de pessoa que eu
queria ficar perto de Amélia?
A dor purificava, eu tinha ouvido aquilo em algum lugar. E foi com
esse pensamento que tomei a decisão de furar o lugar mais sensível que
tinha. Carlo e Giovanni que escolheram o que eu colocaria. Claro que não
falei para eles o motivo. Para eles, eu parecia estar querendo fazer algo
para comemorar, para deixar marcado aquele como um dia especial. Mal
sabiam que, o que eu mais desejava, era voltar no tempo. Voltar horas
antes, anos. Voltar ao casebre quando tinha oito anos e não abrir a maldita
porta.
Porque foi naquele dia que eu tracei meu destino.

Inclusive o de estar quase morrendo em uma mesa de cirurgia em


algum espaço cirúrgico montado nos fundos de uma loja maçônica, pelas
roupas nos quadros nas paredes. Meu corpo suava e queimava ao mesmo
tempo. As pessoas ao meu redor corriam e falavam nervosas umas com as
outras. Colocavam alguma coisa em cima de mim, compressas para baixar a
temperatura talvez.
— Alguém o responda, por favor! — Uma mulher falou mais alto do
que os outros. Ela parecia abalada, mais nervosa e estremecida.
— Mas…, mas… — Alguém que eu não conseguia ver, gaguejava.
A mulher bufou e se aproximou do meu rosto. Não dava para ver
nada além dos olhos castanhos e a pele negra clara, por conta da máscara
cobrindo do nariz para baixo e a touca cirúrgica.
— Amélia está bem, ok? Ela não pode vir te encontrar enquanto você
não melhorar. Então, dê o seu melhor para encontrá-la daqui a pouco.
Não sabia se podia acreditar nela. Nem sabia que estava perguntando
alguma coisa naquele tempo. Para mim, eu nem conseguia falar.
— Cadê o sangue? — Ela berrou para ninguém. — Fique comigo,
moço.
— Lia… — Falar doía, mas, ao menos dessa vez, eu escutei o que
falava.
— Ela está vindo. Aguente mais um pouco.
Tentei mexer a cabeça concordando, porém, já não enxergava nem
ouvia mais.
Capítulo 29│Daniel Bianchi
— Ele precisa de tempo para se recuperar. O ideal seria tirá-lo do
coma aos poucos…
O homem de jaleco branco foi interrompido por um “shi” curto e
grosso vindo de outro, que vestia uma calça de linho, na cor bege com
marrom e camisa de botões, de manga curta, quase no mesmo tom da parte
de baixo. Num primeiro momento, eu não estava conseguindo reconhecer
nenhum dos dois, se é que os conhecia realmente.
— Chega de coma. Quero saber se ele ainda presta ou se aqueles
idiotas o invalidaram para sempre. — O de roupas simples foi ríspido e
aproximou tanto o rosto de mim, que se eu estivesse sentindo meus braços,
poderia tê-lo enforcado.
A segunda coisa que meu cérebro processou, foi que ambos falavam
italiano como nativos. Então existia uma grande chance de eu ter sido
trazido para a Itália. Saber disso, somente me deixou com outras dúvidas,
pois, no início daquilo tudo, pensei que meu pai estava envolvido, porém,
ele não estava ali.
Consegui abrir os olhos aos poucos. Não parecia com nenhum lugar
que eu conhecia.
Estava mais para um cômodo que foi adaptado para a cama de
hospital em que eu me encontrava deitado e as máquinas que apitavam ao
meu redor, que provavelmente mediam meus sinais vitais.
— A… Lia. — Desisti de falar o nome completo depois de algumas
tentativas.
— Sua amiga está inteira. Como que pode só pensar nisso? — O
segundo homem mexeu os braços, inconformado. — Viu, doutor?! Ele está
acordado. Faça os testes.
Foram alguns minutos ouvindo aquele homem bufar, exasperado e
tenso. Mas tudo parecia normal. Eu conseguia me mexer, com certa
dificuldade, pois sentia dores nas costas e fraqueza nos músculos.
Acompanhei a lanterna do médico, falei o ano, onde imaginava estar.
— Bom. Muito bom. — Era tudo o que eu ouvia do médico. A cada
um de seus resmungos, uma ruga se desfazia da testa do homem nervoso.
Em outro momento, eu estaria rindo, mas naquele eu só queria respostas.
— Você vale ouro, garoto. — Aquele rosto não me era estranho,
porém, meio dopado do jeito que eu estava, não reconheci. Sem falar mais
nada, ele fez sinal para o médico sair do quarto. — Quando eu fechar a
porta, coloque as mãos para fora que eu te solto. — Não conseguia ver com
quem ele falava, daquela posição. Mal o acompanhei sair de perto de mim.
Todavia, fiquei atento a todos os sons. Da porta fechando a algo metálico
sendo mexido.
Tentei me levantar, imaginando que doeria ainda mais do que quando
o médico me auxiliou a fazer os movimentos.
— Não se mexa muito.
Aquela voz eu conhecia. Lucca. Senti a mão dele segurar meu ombro,
mantendo-me deitado. Só aquele esforço fez meu corpo inteiro doer. Meus
músculos pareciam repletos de agulhas. Meu pulmão ardeu, o ar faltou. E
minha cabeça queria explodir.
— Teimoso. — Lucca me largou e, piscando os olhos para me adaptar
à claridade, vi meu segurança sentar-se em uma cadeira próxima à cama
que eu estava.
— Onde estamos? Cadê Amélia? — Devagar, com falta de ar,
sentindo cada fisgada, consegui me erguer um pouco nos travesseiros. A
dor não importava, eu precisava saber onde Amélia estava, ou como faria
para encontrá-la.
— Num bunker, ou algo parecido. — Olhou para as portas no quarto
de paredes brancas, sem detalhes, sem janelas. Havia apenas mais uma
cama que deveria ser de Lucca. — Não sei onde Amélia está. Eles a
sequestraram assim que chegamos.
— Então, estamos na Itália. — Estiquei um braço, depois o outro,
tomando cuidado para não retirar o acesso. Sentia a necessidade de refazer a
verificação que o médico fizera. Sem sequelas por ali, passei para as pernas,
suspendendo um pouco o lençol e conferi que tudo estava funcionando
como deveria. Doendo, porém, funcionando.
— Sim. Acho que esperaram ser seguro te transportar, pois chegou
tem uns dois dias. E o médico começou a reduzir sua sedação.
— Cheguei há dois dias? Quanto tempo dormi?
Não… O pesar nos olhos sérios de Lucca me deram a reposta bem
antes de ele falar. Tempo demais.
— Estou aqui há duas semanas. Não nos querem mortos, ou eu teria
morrido no primeiro dia. E você nem viria pra cá.
Ou… tempo suficiente para terem mandado Amélia para qualquer
lugar, tê-la vendido, estarem abusando dela. Uma raiva se precipitou por
todo o meu corpo inútil. Do jeito que eu estava, sem conseguir me mexer
direito, não conseguiria sair dali.
— No início pensei que era coisa do meu pai, mas ele não teria
motivos para… — Rodei o dedo, apontando para o quarto num todo.
— Não. Para pegar Amélia, sim. Mas nos manter em cárcere, não.
— Então Alessandro se associou a outro… — Eu ainda devia estar
sob efeito de remédios fortes, pois meus olhos começaram a pesar e minha
língua parecia inchada, dormente.
Mergulhei em mais sonhos. Mais lembranças desconexas.
Capítulo 30│Amélia
— Essa pode ser sua vida, bambina.
Eu tremia igual boneco de posto. A mão que ele pegou para depositar
um beijo cálido estava gelada e suando, mas não pareceu importar. Nada
importava, na verdade. Meus olhos cheios de lágrimas, a minha vontade de
gritar, meus pensamentos homicidas e fugitivos. Os últimos eram minados
ao me lembrar dos três seguranças dentro da cabine vip e os outros tantos
espalhados pelo lugar. Todos prestavam reverência ao meu sequestrador. E
tudo o que consegui entender sobre ele naquelas semanas de cativeiro, era
não só que o chamavam de Don, como ele era um de verdade.
Don.
Com tantos seguranças e a maneira formal, eu me sentia em um filme
chique hollywoodiano sobre a máfia italiana. E se algum dia já tive alguma
fantasia sobre aquele mundo que envolvia poder, homens imponentes,
estratégias e violência, todas foram abandonadas ao perceber que me via
presa em uma situação real e que ninguém poderia me tirar dali. Ninguém.
Afinal, quem sou eu na fila do pão? Aspirante a cozinheira, filha de
professores aposentados?
Eles sabiam que eu estava viajando. No máximo estranhariam minha
falta de comunicação, mas não teriam como ir atrás de mim, bater à minha
porta para saber se eu estava bem.
— Você gosta de ópera, bambina?
A voz melodiosa, atrativa… Ele se esforçava para que eu entendesse
o que ele falava no idioma local, mas eu continuava fingindo não entender
mesmo assim.
A ópera era realmente linda. “Nessum dorma”, uma das favoritas de
Daniel.
Ah… Daniel.
Se tinha alguém que poderia fazer algo, provavelmente era ele. Eu
não sabia em qual região estava. Se era a mesma do aeroporto, se tinham
me levado para outro lugar.
O homem ao meu lado se importava tão pouco com minha postura,
que eu não precisei responder. Ele continuou falando sozinho sobre a beleza
das óperas, do teatro que estávamos. E eu só queria chorar.
O vestido comprido, preto, de mangas longas, perfeitas para cobrir as
marcas em meus pulsos — consequência de ter tentado fugir há dois dias
—, ficou bem ajustado em meu corpo, os brilhos por todo o tecido suave ao
toque traziam beleza e mostravam que, seja lá quem fosse aquele homem,
possuía dinheiro. Eu adoraria usar aquele modelo pela elegância, se não
fosse a mão que ele pousou em meu joelho e foi subindo junto ao tecido, até
minha virilha. Comprimi as pernas, tentando evitar um contato maior, mas
meu ato só arrancou uma risada seca, alta e debochada.
— Eu ia adorar essa raiva toda na minha cama. — Ele sorriu
malicioso.
Meu estômago vazio embrulhou e quis vomitar. A mão dele
continuava me acariciando, aumentando minha ânsia.
Aquela era a oferta. Eu poderia ter as melhores roupas, as joias, os
cuidados… Desde que aceitasse ser a puta de alguém. Lindo. Sonho de
muitas, não? Não era por isso que existiam tantas mulheres querendo um
senhor milionário ou achando normal a ideia de um sequestro e se
apaixonar pelo cara?
Como minha mãe dizia, eu não era todo mundo. Eu não conseguia
conceber a ideia de ir para cama com alguém que não possuísse o mínimo
de interesse. Também não era insensível a ponto de fingir tudo pela minha
própria sobrevivência. O quarto frio que me aguardava, ainda seria meu
destino no final daquela noite, com direito a uma corrente que prenderia
meus pulso e tornozelos, pois, na última vez que dormi livre, ataquei o
guarda que trazia o jantar e consegui chegar ao jardim, mas me alcançaram.
A mão abusada parou quando um dos seguranças se aproximou e
falou algo no ouvido. Don aquiesceu e retirou a mão de mim, o segurança
se afastou. Eu soltei o ar em uma lufada profunda.
— Ponha um sorriso no rosto, ragazza. — Ao se levantar, ele ergueu
os polegares contra os cantos dos meus lábios. — Levante-se. — Cuspiu,
rude.
Eu obedeci. Tanto o sorriso, sem vontade, quanto a ficar em pé ao seu
lado. Não sabia quem havia chegado, mas deixara meu acompanhante
ouriçado, tenso.
— Don Matarazzo. — Ele abriu os braços. Eu o conhecia pouco, mas
podia jurar que o sorriso em seu rosto era falso para o homem de porte
atlético que entrou.
Eu precisei me apoiar no encosto da cadeira que estava sentada até
segundos atrás. Não era pela minha falta de alimentação. Aquele
sobrenome, eu o tinha ouvido algumas vezes desde que chegara, junto com
os olhos castanhos, austeros, os traços no rosto sisudo.
É só coincidência, não? Muitos homens têm um nariz assim.
Se fosse só isso…, mas havia muitas outras características físicas que
lembravam demais meu companheiro de apartamento. Eu passei horas
demais admirando cada detalhe, sinal de expressão, para não reconhecer. O
homem à minha frente só era mais velho, algo entre 50 e 60 anos.
Os dois deram um abraço firme, trocaram beijos nas faces.
— Amélia, é um prazer finalmente conhecê-la.
Don Matarazzo não só se voltou para mim com um sorriso, tomou
minha mão e depositou um beijo no dorso, que eu mal senti, como falou em
português perfeito. Meu nome. Ele sabia meu nome. Meu sequestrador
havia falado? Não havia alguma política sobre mudar a identidade da
pessoa sequestrada? Ele pareceu não gostar de ver a marca em meu pulso
pelo olhar contrariado, mas não comentou nada.
— Meu filho até tenta evitar falar de você, mas é mais forte do que
ele. — Ele pegou meu outro pulso e subiu o tecido da manga com
delicadeza. — Ela tem relutado nesse nível ou é seu lado sádico, Leopoldo?
— Matarazzo mudou para idioma local.
— A menina é mais agitada do que parece.
— Remédios são mais eficazes.
— Não na condição dela. A não ser que você queria que…
Matarazzo fez um gesto erguendo a mão, interrompendo as palavras
de Leopoldo.
— Ela está nos entendendo, Leopoldo. Diga que não falou nada de
importante na frente dela.
— Eu só o vi junto de outros ontem. — Eu me adiantei. Aquele
homem parecia saber muito mais sobre mim do que eu imaginava.
Continuar fingindo poderia custar mais do que alguns machucados ou o
tapa que levei de Leopoldo. Forte, estalado, que me fez cambalear.
As lágrimas que eu segurei durante toda à noite começaram a rolar
pela minha face, discretas. O lado atingido ardia e doía.
— Não precisa chorar. — Matarazzo passou o polegar, limpando o
rastro singelo que minhas lágrimas faziam. — Nenhum homem gosta de ser
enganado, criança. Principalmente em nossa posição. Leopoldo, Daniele
não vai demorar a vir. Você não deve fazer passeios com ela.
— Daniele? — Antes que eu pudesse frear minha língua, o nome saiu
baixo.
— Ah… acho que ninguém fez as devidas apresentações. Sou Don
Salvatore Matarazzo, pai verdadeiro de Daniele, seu amigo. O que divide a
moradia com você.
Ele fez um gesto para que eu voltasse a me sentar. Não me neguei.
Minhas pernas bambeavam.
— Eu tive um caso rápido com Adèle um pouco antes de me casar. —
Até o jeito de ele passar os dedos entre os fios de cabelo foi igual ao que
Daniel fazia. — Alguns anos depois, ela precisou da minha ajuda, pois não
tinha onde ficar com o menino, porém, não aguentou ficar por perto. De
início, não me importei. Ainda poderia ter um herdeiro legítimo. Mas um
acidente acabou com as minhas chances. O garoto já estava acostumado
com a mãe, não dava para pegá-lo sem que eu criasse um inimigo. Então,
desde os 9, Daniele começou a passar as férias comigo.
Ele alisou a barba e retirou uma poeira invisível da manga do terno.
Meus olhos correram dele para Leopoldo, absorvendo onde eu fui parar, não
havia mais dúvidas, por mais surreal que fosse. Pelo jeito que eles se
tratavam, pelas posturas…
— Confesso que meu filho é muito melhor do que imaginei que seria.
Só tem um problema… Você. — Ele apontou o dedo direto na minha
direção. Engolir a saliva foi uma tarefa que desisti, não descia. — Antes,
isso não me incomodava, o casamento dele estava garantido. Demoraria
ainda dois anos para poder acontecer, mas era certo. Agora, ele está
querendo mudar nossos planos para manter o mundinho perfeito que
construiu ao seu redor. Eu precisei fazer algo.
Meu mundinho perfeito, como aquele homem colocou, estava ruindo
há semanas, eu não sabia quantas, mas, com suas palavras, praticamente se
desfizera. Parte da minha vida era uma mentira, sim, isso eu já meio que
tinha me conformado antes de viajar, pois tudo no convívio com Daniel
estava ganhando um novo significado. E eu estava conhecendo uma outra
persona que, até então, sempre fora desconhecida para mim. Contudo,
conversando ali com Salvatore, minha desconfiança subiu a ponto de
suspeitar se Adèle me enviou para o curso em algum complô com o pai de
Daniel.
— Eu precisava, ao menos, conhecer a mulher que tanto encanta meu
filho — continuou Salvatore, aproximando o rosto do meu, analisando meu
perfil, virando meu rosto de um lado para o outro ao segurá-lo pelo queixo.
— Por mim, você já estaria fora do radar, talvez a sete palmos. Era meu
plano para depois do nosso encontro. — Senti um tremor interno absurdo,
minha pressão baixou, senti a tontura aumentar. — Então Leopoldo me
mandou os resultados dos seus exames… — Como eu quis saber o que
tinha naqueles exames, mas ninguém me falava muito. — E só por isso
você continuará viva, por tempo indeterminado.
A minha ficha estava caindo. Eu morreria naquela noite. Algo me
salvou. O quê?
— Por quê? — Minha voz saiu fraca. Estava com muito medo de
qualquer coisa mudar a ideia dele em me manter viva.
— Leopoldo, não… — Seu olhar encontrou Leopoldo, que meneou a
cabeça negativamente. — Você carrega meu neto. — Dessa vez, ele fixou o
olhar em minha barriga.
Como assim? Eu estou grávida? Grávida? Não… não tinha como. Eu
tomei o remédio. Não estava sentindo nada. Além do cansaço, um pouco de
enjoo e a dor no estômago. Mas deviam estar interligados, não? Só veio à
minha mente todas as visitas à enfermaria, os exames coletados
semanalmente, até ultra eu vinha fazendo, mas eles não permitiam que eu
visse. Achei que era para saber se eu estava saudável, nunca pensei que
podia ser para acompanhar uma gestação. Meu corpo inteiro gelou, o bolo
no meu estômago aumentou e me senti tonta, mesmo sentada.
— Pela minha experiência, mais vale deixar um bastardo crescer do
que cortar o mal pela raiz. Não me olhe assim, criança. — Ele passou as
pontas dos dedos dobrados pela lateral do meu rosto, fazendo uma ânsia de
vômito crescer em meu estômago. Eu podia estar extremamente irritada
com Daniel, mas o escárnio em sua voz para com o tema, demonstrava o
descontentamento nas origens do meu amigo. — Tenho orgulho de Daniele.
Já disse o quanto ele me surpreendeu? Acho que um filho legítimo não
superaria minhas expectativas tanto quanto ele. Mas disso, você não possui
conhecimento… — Como nada naquele mundo, pelo visto. — Temos
tradições, acordos são feitos quando crianças nascem em famílias
importantes.
Não tinham nem cinco minutos que eu descobrira, se é que era
verdade, sobre a gravidez, mas meu instinto foi maior, quando percebi, já
havia colocado um braço à frente da barriga, protegendo, e me lembrei de
Daniel sobre iniciar uma guerra por ficarmos juntos.
— O seu filho ou filha pode nunca precisar se inteirar desse mundo,
nem Daniele vai precisar saber que ele existe.
Eu não seria morta, ficaria em cárcere, em algum canto, podendo ser
pela Itália ou não.
— Acredito que o Leopoldo tenha apresentado uma opção mais
vantajosa para você.
Sim, puta de luxo. As imagens do que Leopoldo me fizera assistir
ainda estavam frescas na minha memória.

Eu estranhei o guarda me buscando um pouco antes do jantar. Mais


estranho ainda foi ele tirar a corrente dos meus pulsos e pés, e me entregar
itens para tomar banho, com uma muda de roupa — aquilo acontecia, mas
apenas nos dias que eu ia à enfermaria. As dúvidas só aumentaram quando
passamos direto pela porta da sala que eu tanto conhecia no primeiro
andar e fui levada para o segundo andar, onde possuía o mesmo padrão de
decoração, porém, as portas eram mais largas, algumas, duplas. E foi para
uma dessas que o guarda me empurrou. Ele apontou para outra porta e
saiu.
Não explicou nada, não disse quanto tempo eu teria ou se era para
esperar alguém.
Com receio de tudo não passar de um erro ou um sonho, eu ignorei a
cama queen super atrativa e dei uma corridinha para o banheiro, já
imaginando e torcendo para que tivesse água morna.
O quarto que eu estava no subsolo cabia naquele banheiro. Todo de
mármore com banheira separada do chuveiro, uma bancada que caberia
todos os meus produtos de cabelo, corpo e os de mais duas pessoas. O
choque veio quando parei de observar os detalhes e foquei no meu reflexo
no espelho.
Devia ter perdido uns dez quilos, meu rosto estava pálido, os olhos
com olheiras profundas, e meu cabelo só não estava pior porque eu tinha
tomado banho na enfermaria há dois dias. Eu mal me reconhecia, parecia
doente e me sentia assim.
— Pelo menos, esquisita desse jeito, ninguém vai querer pagar por
você. — Naquele um mês, eu tinha aprendido a debochar ainda mais de
tudo ou teria enlouquecido com o tanto de preocupações que tentavam me
dominar todos os dias.
Antes que alguém pudesse vir me buscar, eu tratei de parar de ficar
sentindo pena de mim e entrei no chuveiro. Um banho completo, com
direito à massagem nos locais doloridos por não ter onde deitar direito à
noite.
Só saí porque uma mulher apareceu na porta, segurando um secador,
e me chamou. De roupão no corpo, segui a mulher para fora do quarto e
ouvi sua explicação sobre quem era e o que faria, apenas assentindo. Ela
seria minha cabelereira e maquiadora da noite. Era falante, como se eu
estivesse respondendo. Ao menos serviu para me distrair de que talvez eu
fosse se vendida àquela noite.
O tal Don veio pessoalmente me buscar. Em inglês, falou um pouco
sobre a casa, a família e como foi crescer ali. Em outros tempos, eu poderia
me considerar a Bela, da Bela e a Fera, quando fomos jantar. Isso se, junto
à fartura de comida, que não aguentei comer 1/3 por conta do enjoo, um
casal não nos fizesse companhia.
Demorei, mas reconheci a morena com o senhor tão falante quanto
Don. Era uma das mulheres americanas que estava comigo no quarto. Tão
bem vestida quanto eu, e igualmente miserável. Dava para ver pelos
olhares tristes que me lançava.
Nós só saímos da mesa quando os homens já tinham bebido e comido
o máximo que aguentavam. E mal pude acreditar quando Don pegou minha
mão e me fez caminhar pelo mesmo percurso que os outros faziam.
Entrei em pânico quando entramos os quatro no mesmo quarto que
me arrumei horas antes. Tentei me soltar, porém, ele segurou bem forte no
meu pulso já dolorido.
— Vai deixá-la participar? — O outro homem perguntou em italiano.
— Não. Ela vai só assistir.
E foi isso que fiz. Fui colocada numa poltrona no canto do quarto e
Don segurava meu rosto para não desviar do “casal”. Tive de assistir tudo,
do início ao fim, como se não sentisse asco, como se não quisesse sair
correndo e gritando, como se não tivesse medo de que poderia ser a
próxima.
Felizmente, Don se cansou quando eles recomeçaram e avisou que
tínhamos um show de ópera para irmos ainda.
Capítulo 31│Amélia
— Chegamos no momento certo, Gio!
Aquela voz eu conhecia. A risada meio desdenhosa também. Meu
coração deu um salto de felicidade ao reconhecer Carlo e Giovanni, os dois
estavam elegantes em ternos cinza chumbo e azul escuro respectivamente.
Minha alegria durou só até concluir que se estavam ali, era porque
compactuavam com o pai de Daniel.
A decepção pesou em meus ombros e me encolhi, querendo
desaparecer.
Carlo foi o primeiro a vir até mim. Estendeu a mão esquerda,
colocando a direita atrás das costas, bem cavalheiro. Sem outra opção,
aceitei. Na mesma hora, fui puxada para um abraço rápido e um beijo
estalado em minha bochecha.
— Confie em mim, ogrinha. — Ele sussurrou no meu ouvido.
Imediatamente virei o rosto em sua direção e sabia que meus olhos estavam
completamente arregalados.
Antes de viajar, Daniel cismou que a gente precisava de códigos. Um
deles era para eu saber em quem podia confiar. Achei idiota e fiquei
irritada, pois ele cismou com aquele apelido infantil. Eu o beijaria mil vezes
para demonstrar o alívio que senti ao ouvi-lo.
— Bela, como sempre! — Giovanni me tirou dos braços do irmão
dele e me rodopiou lentamente.
— Não a rode demais, ou vai vomitar em vocês. — Leopoldo mudou
ainda mais a postura. Seu semblante fechou completamente e não fazia
questão em esconder que não gostava dos irmãos Rosso por ali.
— Acho que sei cuidar da minha noiva. — Como um cão ao rosnar,
Giovanni virou-se para Leopoldo, tão agressivo quanto.
— Ela ainda não aceitou.
— Bem lembrado! — Giovanni era louco. Não havia palavra melhor
para descrevê-lo quando se voltou para mim com um sorriso enorme, que
mais parecia assustador do que cativante. — Lia, acho que essa ópera já
cansou. Eu e Carlo estávamos pensando em levar você para dar uma volta e
conversar sobre seu futuro de um jeito mais informal. O que acha?
Sacudi a cabeça, concordando. Eu toparia qualquer coisa que fosse
para me levar para bem longe dos outros dois. Ele soltou um som,
comemorando, e dispôs o braço para eu segurar. Carlo avisou que
voltaríamos em breve e também me apoiou do outro lado.
Eles não trocaram nenhuma palavra comigo da cabine à entrada do
teatro, apenas retribuíam algum cumprimento ou conversa de outras pessoas
que passavam por nós.
— Só mais um pouco, ok?
Eu estava tensa demais para aproveitar o vento frio da noite, muito
menos ligar para o que falavam. Eles estavam me raptando de Leopoldo?
Pensavam em me ajudar mesmo? Ou era só conversa fiada?
Giovanni me soltou e abriu a porta de uma limusine preta,
estacionada no final da escadaria do teatro. Carlo me ajudou a entrar.
Antes mesmo de os dois entrarem, eu já estava chorando e me joguei
nos braços da pessoa no banco da lateral, bem na minha frente. Donna
retribuiu o abraço, acariciou meu cabelo e beijou o topo da minha cabeça
incontáveis vezes enquanto fiquei ali. Eu tinha ficado aliviada ao saber que
podia confiar em Carlo e Giovanni, porém, era bem diferente reconhecer
um rosto pelo qual eu tinha afinidade desde pequena.
— Estamos com você, bambina. Finalmente estamos com você. — A
voz de Donna era contida, parecia estar segurando mil emoções. — Matteo,
ela não vai voltar pra lá. Olha como está magra e abatida.
— Ela está grávida, mãe. Vem vomitando direto, pelo que Salvatore
falou quando nos encontrou. — Pela voz próxima, eu sabia que Carlo tinha
se sentado do meu lado. Levantei um pouco o pescoço e vi Matteo no banco
atrás do motorista, encarando a mim com certa seriedade e pena.
— Daniel sabia o que estava fazendo. — Ele fez um tsc e balançou a
cabeça, sorrindo. — Ele sabia que Salvatore não faria algo com o próprio
sangue.
Sabia o que estava fazendo? A gravidez?
— Como… — Eu finalmente comecei a me recompor. Aceitei o
lenço que Giovanni estendeu para mim e sequei olhos e bochechas, sem me
importar com a maquiagem. — O que aconteceu? Como assim ele sabia?
Cadê ele?
— Calma, bambina. — Donna continuou acariciando meu cabelo. —
A gente não sabe onde Daniel está. Sei que isso deve ser o que mais está te
incomodando.
— Daniel foi preso no dia que você viajou. Desde então, sumiu do
sistema. — Matteo me ofereceu uma garrafinha de água com gás que
peguei, meneando a cabeça para agradecer. — A gente acha que Matarazzo
está escondendo o filho em algum lugar, igual fez com você. Mas, há duas
semanas, ele avisou para mim que você estava com um conhecido dele, que
pretendia arrumar alguém de confiança para ficar com você e manter longe
de Daniel.
— Qual o problema de ficarmos juntos?
— Ele é um controlador de merda. — Giovanni fez um gesto de
xingamento. — Sempre comandou o que Daniel fazia.
— Isso ele faz com todos, maninho. Ele é o nosso Don. — Carlo deu
uns tapinhas no joelho do irmão. — Mas eu te entendo, nosso primo é
prejudicado nisso.
— Don? Don de vocês? — Eu precisei perguntar. Aquilo não era
normal. Não era como se eu tivesse acordado um dia e descoberto que meu
colega de apartamento vendia drogas como segundo emprego.
— Fazemos parte de uma máfia, Lia. — Carlo usou um tom doce que
cheguei a olhar, desconfiada. — Daniel deveria ter contado para você há
anos. Mas antes de vocês se envolverem, dizia ser desnecessário. Depois…
Pretendia ir contando aos poucos.
Eu só lembrei de todas as festas, eventos, conversas, encontros tanto
com aqueles quatro quanto com o restante da família de Daniel. Eu estava
morando com um Michael Corleone da vida e nem sabia! Puta que pariu!
Ninguém esperava que eu começasse a rir histericamente, nem eu.
Mas foi incontrolável. A risada saiu e se espalhou, junto às lágrimas
igualmente descontroladas que escapavam dos meus olhos.
— Isso é… loucura. — Consegui falar ao me acalmar e beber alguns
goles da água.
— Pra gente é normal. — Giovanni deu de ombros. — Mas imagino
que, pra você, seja… chocante. — Ele se esforçou em achar alguma gíria
que eu entendesse.
— Lia, sei que é muita coisa, porém, você vai precisar voltar e fingir
que não viu meus pais. — Carlo pegou minha mão entre as duas suas,
tentando passar algum conforto. — Daniel ainda está desaparecido. E o
Lucca também.
— Meu Deus! O Lucca! — Eu tinha esquecido de perguntar por ele
quando entrei. Toda noite eu me lembrava de todos, dos meus pais,
amigos…, mas, ali, não perguntei de ninguém.
— A gente sabe que ele está vivo, não se preocupe. E há uma grande
chance de estar com Daniel. O principal agora é que você aceite se casar
com meu irmão. — Carlo deu uma olhada para Giovanni, que
correspondeu, dando um meio sorriso. — Por mais que a gente tivesse um
carinho enorme por Daniel, tivemos o cuidado de nunca demonstrar demais,
pois a confiança que Matarazzo tem na nossa família é essencial e foi o que
ajudou a te achar.
Minha cabeça começou a doer e eu já não queria ouvir mais nada.
Foram muitos dias me alimentando mal, dormindo pior. E, ao que tudo
indicava, foi tudo isso com um neném dentro de mim.
— Vocês podem falar o que for, mas ela não vai voltar. — Donna
pegou minha outra mão e a apertou entre as suas. — Olha os pulsos!
— Mamma… — Carlo tentou argumentar, porém, bastou um olhar
fuzilante de Donna, que ele parou no mesmo segundo.
— Invente que se ele não quer que Daniel desconfie de quem é a
criança, ela precisa conviver o quanto antes com Gio. — Até eu percebi que
foi um ultimato. Um que ninguém ali contestou.

— E meus pais?
Eu demorei a criar coragem para fazer aquela pergunta. Na realidade,
eu demorei a relaxar e perceber que estava em segurança, com pessoas que
se preocupavam comigo e não me fariam mal. Giovanni e Carlo não
contestaram a mãe, muito menos me levaram de volta para o teatro. O mais
novo foi sozinho falar com o chefe deles, enquanto fiquei fora do carro,
esperando ao lado do mais velho, caso Matarazzo resolvesse verificar se eu
não tinha fugido.
Pelo que Giovanni contou depois, no trajeto para a casa deles em
carros mais apropriados para horas de viagem, fora necessária uma
confusão, uma ameaça e exposição dos motivos para eles estarem me
levando, como os pulsos machucados, o rosto vermelho e a perda de peso.
O caminho foi silencioso, pois eu não tinha coragem de falar nada,
com medo de que não passasse de um sonho, e longo, quase 3 horas, em
que acabei cochilando no ombro de Carlo. Ao chegarmos, Donna me levou
para um dos quartos no segundo andar, falou que eu podia tomar banho e
avisou que traria roupas.
Não foquei em nada da casa ou do quarto, só fiz o que precisava e me
enrolei em uma toalha para esperar a roupa. Uma exaustão física e mental
tomou conta de mim, que tudo o que eu queria fazer, era me deitar e dormir
por dias. Porém, fiquei perto da janela, olhando para o gramado bem
cuidado, aguardando a roupa. Foi quando ouvi as batidinhas à porta e o
barulho dela sendo aberta.
— Aqui, Lia. — Donna veio até mim, com a roupa e uma caneca. —
Fiz um chocolate quente.
Peguei a roupa da mão dela e ela deixou o chocolate na mesinha ao
lado da cama. Era um pijama flanelado no tom azul escuro, com botões na
camisa de manga curta e um cadarço interno na calça comprida.
— Seus pais queriam vir aqui te procurar. Mas conseguimos
convencê-los de que poderia ser pior. Adèle ficou de conversar com eles
sobre o que somos e porque precisavam ter cuidado.
No meio do pijama, conforme o deixei sobre a cama, encontrei uma
calcinha. Foi por ela que comecei a me vestir sem tirar a toalha. Fiz o
mesmo com a calça e depois com a camisa, dessa vez tirando a peça úmida
e a entregando para Donna que estava com a mão estendida.
— Estranhamente, seu pai já sabia. — Eu a encarei de olhos
arregalados, surpresa com aquilo. — Ele conheceu Matteo e Daniel quando
você quase foi sequestrada, quando criança. E meu marido naquela época
falou mais do que devia. O bom disso é que facilitou acreditarem em nós e
nos nossos esforços para encontrarmos vocês.
— Mas Daniel ainda não foi encontrado… — Adorei sentir o calor da
caneca contra a minha mão. O tempo não estava frio, ainda era verão lá fora
e, aqui dentro, o ar-condicionado deixava a temperatura agradável. Meu
corpo parecia ainda não ter se acostumado com a temperatura normal, e eu
continuava tremendo de frio de tempos em tempos.
— A gente sabe que ele está por perto. Salvatore não mandaria o filho
para longe e não ficaria tão tranquilo se ele não estivesse vivo. Só deve
estar mantendo-o escondido até resolver a situação com você. Agora,
Lucca… — Ela deu um suspiro profundo, definitivamente preocupado,
enquanto foi se sentar no parapeito da janela. — Foi levado ainda ferido,
mas apagaram as imagens de perto do aeroporto, igual fizeram com o seu
rastro.
— Isso… Você fala com tanta tranquilidade.
— Nasci e cresci naquela casa ali. — Ela apontou para algum lugar
que eu não consegui ver direito, mesmo indo para a janela. Só entendi a
qual casa ela estava se referindo porque, quando chegamos, reparei em uma
maior a meio campo de futebol de distância. — Meu pai, Enrico, apesar de
ser o filho do meio, meu avô o escolheu para ficar no seu lugar, caso algo
acontecesse com ele. Então, depois que meu avô não aguentava mais, meu
pai assumiu. Infelizmente, meu pai não teve nenhum filho homem. Hoje eu
exerço um papel importante, conquistei isso, porém, nunca que me
permitiriam acima de todos. Nesse caso, Salvatore, o irmão mais novo dele,
ocupou seu lugar quando morreu e é quem controla o que somos, como
agimos.
Eu me sentei na cama, desnorteada. Aquilo era real.
— Acho que foi muita coisa…
— Imagino que sim. A gente continua a conversa quando você
acordar, ok? — Ela saiu da janela e veio até mim. — Boa noite, querida.
Donna depositou um beijo na minha cabeça e saiu do quarto.
Terminei o chocolate quente e me permiti ocupar o lugar debaixo da
colcha quentinha. Percebi que seria mais difícil dormir do que imaginei
quando mudei de posição pela quinta vez em menos de dez minutos.
Comecei a sentir calor e fiquei remexendo as pernas até a colcha sair
completamente de cima de mim. Então, eu me lembrei da novidade.
— Um filho! — Murmurei em choque para o teto, já com as mãos no
ventre. — Aquele desgraçado conseguiu! — E não está aqui. Não sabia se
sentia raiva de Daniel ou o agradecia por, caso acontecesse o pior, ter algo
dele comigo.
Capítulo 32│Daniel Bianchi
Meus músculos relaxavam sob a água morna da piscina aquecida no
meio das montanhas com neve. Sentia Amélia atrás de mim, com os braços
em minha cintura e a cabeça apoiada em minhas costas. Era o momento
perfeito.
Ela começou a rir e a tentar fazer cócegas em mim, quando me virei,
não tinha mais Amélia, montanhas ou piscina.
Eu estava submerso em uma banheira com muita água e gelo
cobrindo meu corpo até o pescoço, e usava a mesma calça com a qual
chegara aqui. Não era igual às usadas para pessoas que tinham a prática de
afundar no gelo como terapia. A quantidade de pedras de gelo era além do
aconselhável, muitas das vezes, em contato direto, começava a queimar
minha pele antes de iniciar o processo de derretimento.
Era a segunda vez naquela noite que eu acordava na cuba de metal.
Na primeira, foi com eles me jogando. Depois de algum tempo imerso, meu
corpo apagou para se preservar. Acordei com o puxão no meu cabelo que
quase arrancou meu couro e fez minha cabeça ir para trás.
Comecei a me debater, querendo sair dali. Logo, pares de mãos
vieram me segurar para que não pudesse sair.
— Bem-vindo, Pugno d’orso. — O mesmo babaca de sempre sorria
como um lunático para mim, ao falar meu apelido com desdém.
Eu tive tratamento vip só nos primeiros dias. Dias em que o médico
passava sempre no nosso quarto, no mesmo horário, para verificar os pontos
em meu tórax, que foi onde teve o pior ferimento, uma das balas atravessou
minha caixa torácica e perfurou meu pulmão. Após ele confirmar minha
recuperação, as sessões de tortura começaram, para divertimento do homem
na minha frente.
— Oi, Leopoldo. — Eu sabia que o conhecia quando o vi da primeira
vez, só que, por conta da medicação, não consegui me lembrar direito.
Leopoldo Barsi, desde que comecei a entender mais sobre aquele
mundo, acionava meu sinal de desconfiança. Como muitos, perto do meu
pai, ele demonstrava um tipo de respeito por medo. Dificilmente
contrariava ou competia conosco por territórios. Até naquela merda de
tráfico humano, ele e meu pai se complementavam. Enquanto um ia em
busca das mulheres, o outro ia atrás das crianças. Quem desconfiava muito
de um casal com uma criança indo tirar férias na Europa? Pois aquele era
um dos jeitos preferidos para passarem na Alfândega.
Meu pai fingia que não contribuía para um dos maiores mercados de
Leopoldo — a exploração infantil —, e Leopoldo não competia pelo nosso
território. Afinal, era mais difícil transportar crianças sem causar suspeitas
do que convencer adultos a viajarem por dinheiro fácil.
Quando Eduardo insistira que o ajudasse, eu imaginei que poderia
estar interferindo em um esquema de alguém conhecido. Apenas não quis
cavucar e acabar encontrando quem estava por trás. Falha minha. Eu andava
disperso e irritado por não poder ficar com Amélia. Então, realmente aceitei
para extravasar minha raiva em qualquer coisa, sem pensar demais.
Claro que deu merda. Deu merda pra caralho. Ou eu não estaria
congelando naquela banheira.
Durante a minha estadia ali, Leopoldo fez questão de contar que
apenas aproveitara uma excelente oportunidade que meu pai e Alessandro
abriram. Ele só ainda não sabia até quando ficaria comigo. Provavelmente
estava esperando meu pai ficar mais disposto a aceitar qualquer tipo de
acordo.
— Eu tenho uma novidade para te contar. Estava ansioso por isso,
mas precisava do momento certo.
Eu só queria que o imbecil parasse de falar e eu pudesse sair dali
logo. Apesar das dores e sensação de queimação que a água extremamente
gelada causava, não considerava bem uma tortura. De tempos em tempos,
eu mesmo me imergia em uma banheira daquelas. Ajudava a controlar a
fera dentro de mim e a me preparar para alguma missão futura, sendo em
países mais gelados ou não.
— Sabe com quem eu passeei hoje? Com quem jantei e fui à ópera?
— Ele parecia feliz, um babaca feliz, andando de um lado para o outro, com
as mãos atrás das costas. — Uma ragazza, com belas curvas, e seu nome
começa com A.
Amélia!
Em um impulso, consegui me soltar das mãos que já tinham
afrouxado em meus braços e levantei-me com a fera rugindo dentro de
mim. Leopoldo deu vários passos para trás, pois seus homens demoraram a
conseguir me segurar e me jogar para a banheira, fazendo-me cair de lado
dentro dela.
— Sabe o que é melhor? — Leopoldo deu uma risadinha escrota, que
só me deu mais vontade de socar sua cara. — Você e ela sempre estiveram a
duas portas de distância. Mas hoje ela foi vendida. Vendida para o futuro
marido dela.
Eu podia lutar contra os dois homens e Leopoldo em um dia normal,
sem remédios me dopando ou aparelhos me dando choque. Aquelas foram
as únicas coisas que me impediram de não revidar ou matar alguns dos
soldatos de Leopoldo naquela semana de sessões de tortura sem propósito
nenhum.
Havia um mal-entendido clássico, comum para aqueles que
conviviam pouco comigo, eles me subestimavam. Achavam que os rumores
eram falsos. Espalhados para contribuir com ego, fama do meu pai. E para
que a família não fosse mal vista. A verdade era que muitos possuíam
preconceito por eu ter passado mais tempo da minha vida com a minha mãe
do que com o meu pai, vivenciando o que a máfia realmente era, precisava.
Eles ignoravam e sabiam bem pouco que meu apelido não era pelo
meu tamanho e potência do meu soco. Poucos tinham o conhecimento de
que era eu quem acompanhava os homens de meu pai com uma máscara
mais simples, em que uma caveira fora pintada de branco, para missões
mais arriscadas. Menos pessoas ainda sabiam que eu era o homem dentro da
cabeça de urso, que torturava como se sentisse prazer em ouvir os gritos.
Aquele era um segredo que meu pai adorava guardar, pois o espanto quando
descobriam era saboroso, ele dizia. E realmente era. Até eu sentia prazer ao
ver o exato momento em que descobriam que eu tinha sido criado como
uma fera que estivesse sempre pronta para caçar e matar.
Foi justamente essa falta de conhecimento e falta de credibilidade que
faziam Leopoldo tão confiante, mesmo quando errava. Naquele momento,
os erros principais de Leopoldo foram: diminuir a dose da droga que me
dopava e não ter me prendido à banheira.
Fiz menção de me levantar, quando o primeiro idiota se aproximou,
eu o segurei pelo pescoço e puxei até enfiar sua cabeça embaixo d’água. O
segundo soldato tentou me enforcar com um mata-leão. Eu apenas enrijeci
a musculatura do pescoço e ignorei quando comecei a sentir falta de ar. Não
soltaria ninguém até que seu corpo parasse de se debater e as bolhas de
subir.
— Atire nele! — Leopoldo gritou, esquecendo de sua própria regra.
Eu ouvira mais de uma vez o babaca alertando aos seus funcionários para
não entrarem com armas, pois eu poderia roubar. Mal sabia ele que não
precisava de uma, mas, com certeza, deveria ter algumas fora dali e eu já
pensava nelas.
Quem me enforcava ficou confuso por uns segundos e me soltou. Eu
soltei uma risada baixa. Ele não teria tempo de chegar à porta. Não com o
parceiro dele já morto. Eu soltei o que estava sem vida e logo me levantei,
já segurando o enrolado pelo colarinho da camisa. Meu pai teria matado os
próprios homens se fossem tão inexperientes. Quebrei o pescoço dele antes
que começasse a gritar.
Como um porco tentando fugir do abate, Leopoldo olhava para os
lados desesperado, procurando uma saída que não existia. Para o azar dele,
a única que tinha ficava atrás de mim.
— Em qual porta Lucca está?
Quando eu acordei pela segunda vez após o coma, Lucca não estava
mais no mesmo quarto que o meu e não voltou. Um dos seguranças deixou
escapar que ele estava sendo muito “bem tratado” em outra sala, pois ele
tinha participado junto comigo do resgate das crianças.
— Em frente. — Leopoldo apontou para a porta, com o dedo
tremendo e a voz trêmula. Ele podia conduzir um dos mercados que mais
pagavam e mais obscuro, porém, não fazia jus nenhum a alguém na sua
posição.
Era fácil colocar medo em mulheres e crianças assustadas.
Principalmente com seguranças armados andando para cima e para baixo.
Difícil era manter o controle sozinho.
— E Amélia?
— Rosso. Giovanni.
Eu sorri, ao menos sabia que ela estava segura, por mais que o babaca
à minha frente me encarasse como se tivesse comprado seu direito de viver,
só com aquela informação.
Em poucos passos, fiquei perto o suficiente dele para, com um soco
certeiro, o fazer desmaiar. Pela gola da blusa, puxei o corpo desacordado e
fui atrás de Lucca, um pouco depois de vasculhar seu corpo e encontrar
uma Glock bem similar à que eu usava. Coloquei-a no cós da calça e
arrastei o desacordado pela sala.
Pelo meu conhecimento das práticas de Leopoldo, ele mantinha um
pequeno cativeiro no subsolo de sua casa. Costumava levar as mulheres e
crianças que considerava mais valiosas para lá e as oferecia para quem
precisava agradar ou trocar favores. As outras iam direto para as casas de
prostituição.
Com tão pouca rotatividade no local, não devia ter muitos seguranças
fazendo a ronda, além dos que estavam na sala comigo. Eu contava com
isso quando meti a cabeça para fora da porta. Não havia ninguém.
Na porta em frente à minha, para abri-la, precisava da digital, por
isso, ergui a mão de Leopoldo e liberei a entrada. Assim que passamos para
dentro, fechei-a.
Lucca estava desacordado, jogado no chão, usando apenas o mesmo
tipo de calça que eu. Um emplastro branco cobria o lado direito de seu
corpo, pegava todo o seu braço, ombro e o início do tórax. Pela
vermelhidão, visível em alguns pontos, ele tinha sido queimado com algo.
Só não sabia dizer se com fogo direto ou algo químico.
— Lucca. — Eu me abaixei e sacudi o ombro saudável dele, até que
seus olhos se abrissem. Aquela merda devia estar doendo pra caralho,
porém, meu amigo não esboçou nada. Seus olhos turvos mostravam que
tinha sido drogado tanto quanto eu vinha sendo mantido. — Preciso que
você ande. Consegue andar?
Ele sacudiu a cabeça, concordando. Sem perder mais tempo, eu o
ajudei a ficar de pé e passei seu braço bom por cima do meu ombro. Por
sorte, tínhamos quase o mesmo porte e, com a adrenalina correndo minhas
veias, eu não estava sentindo nenhuma das dores dos ferimentos
recentemente cicatrizados.
— Vai levá-lo?
— Sim. — Voltei a pegar Leopoldo pelo colarinho. Não precisava
acrescentar explicações. Lucca já devia imaginar o que eu faria com o
desgraçado.
Por mais que não devesse ter mais nenhum segurança na parte interna
da casa, sempre ficavam alguns circulando o perímetro externo, e se fosse
igual a casa do meu pai, teria câmeras de segurança por todo lado. Então,
mesmo a gente conseguindo subir pelo elevador e sair pela porta traseira
sem causar grandes alardes, logo alguém veria e apareceria para tentar nos
impedir.
A gente só precisava chegar até um dos carros estacionados. O
primeiro que abrisse com a chave que peguei no aparador da sala, serviria.
Ali em cima, a claridade reinava. Lá embaixo, meu relógio biológico
funcionava de acordo com o controle de luz deles, o que, pelo visto, não era
tão fidedigno, ou a sessão de tortura não começara tão no início da noite.
— Tá aguentando? — Perguntei a Lucca, que tinha os lábios pálidos e
parecia estar perdendo os sentidos. — Só mais um pouco. — Eu já podia
ver os carros mais à frente.
Lucca praticamente se arrastava e Leopoldo começava a despertar
conforme seu corpo batia nos degraus da casa para o pátio. E nosso tempo
estava acabando. Alguns seguranças corriam até nós com armas em seus
punhos.
Eu não tinha sobrevivido a 4 tiros, cirurgias e tortura para morrer
alvejado no meio do gramado, a poucos passos da minha única chance de
fuga. Deixei Lucca com a chave para que continuasse o caminho sozinho e
tirei a Glock da cintura, pronto para retribuir os tiros.
Capítulo 33│Amélia
Depois de meia hora tentando dormir e não conseguir, desisti de ficar
na cama e me aventurei a sair do quarto. Era loucura. Estava numa casa
desconhecida, com pessoas que conviviam pouco comigo e sabiam que, na
casa vizinha, havia alguém que preferia me ver morta. Eu corria perigo ali?
Tentei fazer o mínimo de barulho possível de quando abri a porta de
madeira pesada aos passos que dei até descer a escada. Só fui andando e
aproveitando a decoração mais moderna do que na casa de Leopoldo. Com
certeza, o gosto de Donna imperava por ali e era mil vezes melhor do que o
do meu sequestrador.
No meio da escada, comecei a ouvir vozes em tons diferentes. Parei
com o intuito de entender o que falavam.
— Sem sono?
Dei um pulinho e quase virei o pé no degrau quando ouvi a voz de
Donna. Eu me segurei firme no corrimão e olhei para baixo. A mulher
estava bem no meio do corredor, que separava a escada da sala, com uma
taça de vinho em uma das mãos.
— Sim. Tem problema andar pela casa? — Terminei de descer os
degraus, com atenção redobrada. Agora, mais do que nunca, eu precisaria
me cuidar.
— Claro que não. Sinta-se em casa. Só não saia sem um de nós.
Assenti. Por mais tentador que fosse o verde do jardim e o labirinto
de parreiras, eu sentia falta de ar e palpitações só de pensar em ficar sozinha
do lado de fora.
— Também tive insônia quando engravidei.
— Nas duas vezes? — Mas aí lembrei. — Desculpa, por um
instante…
— Tudo bem, Lia. Fico feliz de você pensar dessa forma.
Donna não era a mãe de Carlo e Giovanni. Ela já havia me contado
aquela história, sobre seu casamento com Matteo ter sido arranjado depois
que ela engravidou de um homem que seu irmão, Salvatore, não aprovava.
A criança nascera morta e ela nunca nem viu como era, pois não deixaram.
Enquanto que os filhos do Matteo eram do primeiro casamento, no qual a
mulher morreu de câncer, que não quis tratar.
— Meu estômago tem doído bastante também, isso atrapalha a
dormir.
— Amanhã vou te levar ao médico, assim poderemos saber como que
está essa gravidez. E você vai poder pedir algo para essa dor.
Será que eu poderia ver a criança?
— Eu estava tomando alguns remédios lá… — Remédios que nunca
fizeram questão de me dizer para que serviam. — Acho que por isso que
voltou. Donna, sabe dizer quando vou poder falar com os meus pais?
— Eles devem estar dormindo, mas se quiser tentar agora. — Ela fez
um sinal com a cabeça para que a seguisse. Fomos até um escritório com
um laptop fechado sobre a mesa. — Uma videochamada deve ser melhor…
— Donna ligou o computador e o desbloqueou para que eu pudesse usar. —
Só cuidado com o que você vai falar, ok? Quanto menos detalhes eles
souberem, melhor.
Sentei-me na cadeira que ela puxou e minhas pernas tremiam de
nervoso. Foram necessárias duas tentativas antes da minha mãe atender com
cara de sono. Mas chorei junto quando ela me reconheceu e perdeu a fala,
tão emocionada quanto. Em pensar que, de vez em quando, eu fugia de
conversar com eles, por achar chato e cansativa aquela interação. Uma das
coisas que mais quis naqueles dias, foi poder perder horas conversando com
ela e meu pai sobre banalidades.
Eu apenas deixei a conversa seguir o fluxo dos assuntos que minha
mãe puxava. Até que uma hora ela ficou séria, e fiquei nervosa só de pensar
qual mentira precisaria inventar.
— Quando puder, ligue para a Babi. A bichinha tá muito triste desde
que tudo aconteceu.
— Tudo o quê?
— Não soube? O Eduardo morreu no dia que você viajou. Parece que
ele mentiu pra ela, dizendo que ficaria em uma missão, mas, na verdade,
estava internado em estado grave.
A notícia acionou o meu maior medo. Foi como um gatilho para a
situação de Daniel e, sem querer, comecei a chorar de soluçar. Donna
encerrou a ligação, despedindo-se de Lavínia da melhor forma possível e
garantindo que ligaria de novo. Logo depois, puxou-me para seus braços e
me confortou.
Eu já estava ficando irritada com tanto choro. Nunca fui muito disso e
imaginava que a gravidez era a maior responsável por aquela mudança. Em
segundo lugar, claro, estava o fato de ter sido sequestrada e mantida em
cárcere privado por um mês. Tendo isso em mente, saí do abraço e sequei
meu rosto na força do ódio.
— Quer que eu fique com você no quarto? — Donna ofereceu e eu
não neguei. Era uma segurança que nunca teria coragem de pedir. E foi a
solução para a minha insônia quando ela deixou que eu me deitasse em seu
colo e ficou afagando meu cabelo.

— Boa tarde, noivinha. Mamma pediu para te acordar, pois vocês vão
ao médico.
Demorei a entender o que estava acontecendo. Eu estava tendo um
sonho bom depois de dias tendo pesadelos. Meu cérebro não queria
despertar, queria continuar aproveitando a sensação gostosa do relaxamento
e do sono.
Com muita luta, fui despertando aos poucos, espreguiçando cada
músculo devagar.
— A propósito, você estava gemendo. Devia ser por isso que Daniel
curtia dormir com você antes de namorarem. — O safado estava com um
sorriso faceiro no rosto.
Nem pensei direito, taquei o travesseiro nele antes que visse que tinha
me deixado com lágrimas nos olhos.
Ótimo! Agora ninguém pode mencionar Daniel ou algo que lembre
ele que quero chorar!
— Ele está bem. Não precisa chorar.
Mas que… Eu achei que Giovanni já tinha saído do quarto. Não só
não tinha, como entrou e parou perto da minha cama, com os braços
cruzados e um olhar compreensivo.
— Não tô chorando.
Não queria compreensão ou lágrimas. Queria Daniel ali para eu gritar
com ele por ter mentido e feito toda sua família mentir para mim. E mais, a
verdade que me fez ser sequestrada!
Saí da cama sem calcular muito bem minha capacidade de não ficar
tonta e o espaço da mesinha. Esbarrei nela e voltei a me sentar na beirada
do colchão por ter perdido a visão por alguns segundos.
Respirei fundo, dei um tapa na mão que Giovanni pretendia usar para
me ajudar a me levantar e refiz tudo sozinha. No banheiro, me dei tempo de
sobra para repassar tudo, das conversas, detalhes, coisas que ninguém
falava, mas eu percebia nos gestos trocados.
— Acha que a mamma vai contar?
Antes de abrir a porta completamente do banheiro, escutei o sussurro
de Giovanni. O que mais tinha para contar?
— Não tão cedo.
— Você poderia falar algo. — Giovanni insistiu.
Quando percebi que Carlo não acrescentaria mais nada, saí do
banheiro pronta para perguntar o que estava faltando ser dito, porém, travei
ao ver a bandeja em cima da cama, farta de comida e, ao lado dela, uma
roupa nova.
— Eu podia descer e comer na sala de jantar ou… — Virei-me para
Carlo que estava sentado na cama, roubando um tomatinho cereja do meu
prato. Aqueles dois formavam uma bela dupla de implicantes. Combinavam
bem com Daniel. Olhei para cima e controlei a respiração ao menor sinal
dos meus olhos encherem de lágrimas.
— São duas da tarde, a gente já almoçou. — Carlo se levantou da
cama e sorriu para mim. E a troca de olhares entre ele e Giovanni não
passou despercebida por mim. Eles conversavam muito mais daquela forma
do que falando como pessoas normais. — Mamma preferiu deixar você
dormir o máximo que podia. Quando você voltar, a gente termina a
conversa de ontem e explicamos o que pretendemos fazer para encontrar
Daniel. Isso é, se você quiser participar de algo. Se preferir ficar aqui e não
se envolver, a gente vai entender.
— Eu só não vou pedir mais explicações, inclusive, sobre o que sua
mãe ainda tem para contar, porque eu preciso saber como está a criança na
minha barriga.
— Foi o que imaginamos. Boa consulta. — Carlo deu um sorriso
satisfeito e puxou o irmão para fora do quarto.
Sem eles me analisando de cima a baixo, coloquei o vestido
vermelho, de tecido fresco, que fica soltinho da cintura para baixo, ia até
meus joelhos, possuía um decote em v e mangas longas que cobriam meus
pulsos. E comi um pouco da bruschetta com brie e tomatinhos, tentei
experimentar a pasta, porém, meu estômago revirou só de olhar, o que
consegui comer melhor foram os morangos frescos. Por sinal, saí do quarto
com o potinho cheio deles em mãos.
Donna me esperava no escritório, conversando com Matteo, sentados
ao redor de uma mesinha na varanda da frente da casa. Eu os encontrei
pelos murmúrios que se espalhavam na casa silenciosa quando desci.
— Não acho seguro. Devia ter chamado o médico aqui. — Matteo
reclamava enquanto dava batidinhas com a ponta da bengala no chão.
Dessa vez não me mantive escondida atrás da porta só para não me
verem, saí e sorri para o senhor preocupado. Eu estava quase perdendo o
medo dele.
— Ela precisa de roupas, amore mio. — Donna sorriu para mim e
voltou-se para o marido.
— Os garotos vão com vocês além dos soldatos.
Ela respirou fundo e soltou o ar devagar.
— Nem parece que sou eu quem manda aqui. — Donna levantou.
Apesar da reclamação, havia um sorriso em seus lábios ao ir até Matteo e
deixar um beijo em sua testa. — Voltamos logo. Carlito, Gio! — Gritou da
porta e depois falou em italiano que era para irem conosco. Os dois
apareceram como se já esperassem serem chamados e com suas armas em
mãos, que logo guardaram dentro do coldre no paletó e por dentro da calça.
Eu precisaria me acostumar àquilo e que eles não esconderiam mais de mim
quem eram e o que faziam. — Vocês vão com os rapazes. — Ela apontou
para homens que eu não conhecia, mas que estavam próximos a uma SUV
preta.
Eu estava quase perguntando porque não poderíamos ir no mesmo
carro quando reparei Donna se dirigindo para uma Lamborghini Asterion
azul. Linda. Apenas aceitei entrar quando ela abriu as portas e sentei minha
bunda no estofado de couro marrom meio caramelo, com detalhes em bege
claro, tentando não destruir nada.
— Não se preocupe, não vou rápido demais para não atacar seus
enjoos.
Assenti e tentei relaxar, pelo visto, minha cara não escondia a tensão
que estava sentindo tanto para não fazer algo estragasse o carro quanto a
velocidade que ela iria com um carro que ia de 0 a 100 km/h em 3
segundos.
Ela colocou uma música, o que acabou me ajudando a aproveitar a
vista. Da estrada de terra do vinhedo para a civilização, tudo era muito
bonito, verde, florido, não parecia esconder o caos que aquela família
representava.
Não demoramos a chegar ao médico. Um prédio modesto na área
mais moderna da cidade. O carro com Carlo e Giovanni estacionou logo
atrás do nosso, mas eles não subiram. No consultório só tinha nós duas, a
recepcionista e a médica.
— Nunca que estaria assim na médica que costumo ir — falei apenas
para Donnna ouvir. Ela deu uma risadinha.
— Eu pedi essa cortesia à Acácia. A gente não pode demorar e nem
correr riscos. Normalmente, ela vem à nossa casa, mas como vamos ver
algumas coisas que você possa precisar…
Acácia nos cumprimentou animada, parecia feliz em atender Donna e
me tratou com muita paciência, falando devagar para que eu
compreendesse. Minha anfitriã avisou que, com um pouco de persuasão,
conseguiu meus exames de sangue com o outro médico. Aquilo ajudou para
sabermos que não tinha nada alterado, exceto por uma leve anemia.
O que mais me surpreendeu e me fez chorar de novo, foi descobrir na
ultra que estava com quase 10 semanas, um pouco mais de dois meses, pelo
que foi explicado. Isso queria dizer que engravidei no dia da bebedeira sem
fim. Eu estava em choque e feliz ao mesmo tempo, pois ouvir o
coraçãozinho bater forte não tinha preço. Até Donna se emocionou e falou
algo sobre coisas boas atraírem outras melhores, que aquilo era um bom
sinal.
E eu concordaria com ela se, quando a gente desceu, o pai de Daniel
não estivesse encostado no carro azul, esperando por nós.
— Não acredito que vieram ver meu neto sem mim!
Eu gelei quando ele abriu os braços, claramente esperando que eu
fosse cumprimentá-lo. Donna deu um pequeno empurrão na minha lombar,
incentivando minhas pernas travadas, e eu não fui. Minhas pernas pareciam
presas ao chão.
— Pensei que Leopoldo tivesse mostrado tudo o que gravou.
Nem eu entendia porque estava resistindo e agindo daquela forma.
Podia sentir os olhares tensos de Donna e seus filhos sobre mim. O
problema era que eu sentia uma raiva tão grande daquele homem que eu
mal me reconhecia. Por mim, a cabeça dele podia explodir.
— Nada como o ao vivo.
— Ou você achou que estava procurando pelo seu filho?
Matarazzo gargalhou, porém, todos permaneceram sérios, no aguardo
do que ele faria. Para a surpresa de todos, ele esticou o braço na direção da
padaria ao lado do prédio, em um convite mudo para irmos com ele.
— Se você souber onde ele está, me diga. — Ele puxou uma das
cadeiras de ferro bem trabalhado para eu sentar. — Daniel está vivo, sim.
Porém, não está comigo.
Eu o encarei desconfiada enquanto que Donna e os outros dois tinham
semblantes preocupados. Matarazzo suspirou ruidosamente ao sentar-se,
após fazer a mesma gentileza por Donna.
— Ele e Eduardo resolveram dar uma de bons samaritanos.
Infelizmente, sem saber o que ele tinha feito, o deixei vulnerável.
Matarazzo confessou ter sido responsável por subornar um tal de
Alessandro a armar um esquema para Daniel ser preso e levado até um local
seguro. Porém, Daniel fugiu, foi atingido, tratado e transportado quando
pareceu seguro. Tudo isso fazia parte do plano absurdo do homem perto de
mim. O problema foi quando Daniel iria aterrissar no aeroporto. O jatinho
que o buscou estava vazio.
Prendi a respiração e senti meus olhos encherem de lágrimas, ao
mesmo tempo em que Donna pegou minha mão com delicadeza e a apertou.
A única segurança que eu tinha sobre o estado de Daniel, acabara de acenar
ao longe.
Capítulo 34│Daniel Bianchi
Com Leopoldo se debatendo, precisei dar um tiro na perna dele para
que parasse e o ergui do chão, colocando-o na minha frente. Aquilo poderia
estragar meus planos, se ele morresse antes de chegarmos em casa. De toda
forma, meu tiro serviu de alerta para mostrar que, se começassem a atirar
em mim, eu revidaria no chefe deles.
Até chegar ao carro, ninguém se atreveu. Bem diferente do que
aconteceu depois que joguei Leopoldo no banco traseiro e ocupei o lugar do
motorista. Lucca, ao meu lado, pediu a arma. Enquanto eu dirigia, ele se
esforçava para colocar o braço para fora e tentava acertar qualquer coisa ou
pessoa que nos ajudasse a escapar dali com vida, sob a chuva de tiros que
começamos a receber.
Leopoldo abaixou quando o primeiro tiro atravessou o vidro de trás.
— Seu carro não tem proteção? Como que você está vivo até hoje? —
Eu estava incrédulo com a falta de blindagem e torcendo para a cancela na
entrada da propriedade seguir o mesmo padrão de baixo investimento que o
carro, pois passaria por ela com tudo.
— Esse é novo. — Leopoldo cobriu a cabeça com os braços.
— O pai dele morreu tem dois anos. Esse daí vivia em festinha. —
Lucca murmurou, a voz bem falha enquanto descansava no banco, com a
mão sobre a barriga, sacudindo a arma.
— Então seu pai vai me agradecer, pois o meu certamente o faria. —
A cancela estava na nossa frente, juntamente com um segurança apontando
uma metralhadora na nossa direção.
Pisei no acelerador e fui com tudo. Não havia a opção de se render.
Ainda que a gente precisasse se abaixar para escapar dos tiros agora pela
frente também.
O carro só não bateu no segurança, pois, no último segundo, ele saiu
da frente.
A gente teve alguns minutos de vantagem enquanto os seguranças
ficaram para trás, possivelmente se arrumando em carros para nos
perseguir. O que deu tempo suficiente para não pegar as estradas mais
usadas e conseguir despistá-los com facilidade.
— Seu celular! — Demandei, esticando o braço para trás. Leopoldo
demorou, mas passou o aparelho.
Eu apenas precisava sair da Lombardia, região de Leopoldo. Ligúria
estava perto. E, apesar de Alessandro estar envolvido no plano do meu pai
para me tirar do Brasil, com certeza ele não ia me querer morto no seu
território. Liguei para o número do consigliere dele e expliquei tudo.

Não deu outra, assim que passamos para as terras de Alessandro, dois
carros passaram a fazer nossa escolta até Toscana. Isso não tornou a viagem
menos tensa, Lucca começou a ter febre e pequena convulsões ao meu lado.
Se pudesse, ao perceber que estávamos próximos de casa, teria ligado
para Amélia. Poderia tentar Donna ou Giovanni, mas não me lembrava do
número dele. Por isso, avisei o médico que costumava atender emergências
da família sobre o estado de Lucca, e pedi para que nos encontrasse na casa
do meu pai.
O tempo inteiro eu fui falando com ele, para que não apagasse. Eu
não tinha amigos. Não de verdade. Lucca era o mais próximo a isso. E, lá
no fundo, eu sabia que se ele morresse, a culpa seria minha, pois fui eu
quem o colocou naquela situação toda.
O local estava tranquilo. Logo no portão de ferro da entrada, os dois
seguranças, ao me reconhecerem, levaram um susto. Eles me avisaram que
meu pai tinha saído e a família de Donna também. Don Salvatore estava
colocando todos eles para trabalharem em dobro por conta do meu sumiço.
Alguém está falhando no serviço, pensei, porém não falei. Ligar meu
desaparecimento a Leopoldo não era tão difícil assim. Ou meu pai pretendia
ganhar algo mais, deixando que Leopoldo pensasse que conseguira me
sequestrar, ou alguém não estava passando as informações corretas, pois o
que mais tínhamos eram informantes infiltrados.
Deixei que falassem o básico antes de pedir para que levassem
Leopoldo para o casebre enquanto o retiravam à força de dentro do carro.
— O médico já chegou. Quer que informe seu pai que você está aqui?
— Stefano, o consigliere do meu pai, aguardava-nos na porta quando
estacionei o carro. Um homem tão sem escrúpulos quanto seu Don, e que eu
não fazia muita questão em manter por perto.
— Não. Só me ajude com Lucca. — Saí do veículo e dei a volta,
abrindo logo a porta do carona. Lucca nem mais respondia. — Acho que
desmaiou.
— Quem fez isso com vocês? — Stefano veio me ajudar e, juntos,
puxamos Lucca para fora do carro e colocamos um braço dele por cima do
ombro.
— Prefiro esperar meu pai chegar. — No momento, eu não estava
confiando em ninguém. Tinha certas suspeitas e preferia mantê-las para
mim até poder fazer algo. — Vou tomar banho enquanto o médico o
examina.
Antônio, o médico, já tinha arrumado seus utensílios todos numa
saleta perto do escritório do meu pai, pois era o local que costumávamos
usar em momentos como aquele. Calmo e determinado, ele nos orientou
como colocar Lucca na cama. Depois nos expulsou, como sempre. O
senhorzinho de quase 70 anos preferia a paz da solidão na hora de
diagnosticar seus pacientes.
Por mais que eu quisesse me demorar no banho e aproveitar que
finalmente tinha água morna caindo sobre mim, subi para o meu quarto e
fiz tudo de forma automática e rápida para que tivesse tempo de receber
Don Salvatore.
Ao descer, passei na saleta em que o médico tratava Lucca. Ele
iniciou antibióticos na veia e já fizera um pedido meio diferente para
colocar por cima da região queimada, pele de peixe. Eu que não ia
questionar seus métodos, ele nunca falhara com ninguém da nossa família.
Depois, fui me encontrar com Stefano na sala principal. O consigliere
me esperava sentado em uma das duas poltronas de madeira com estofado
amarelo claro, e duas taças de vinho na mesinha entre elas. Aquela casa era
a mesma para a qual fui carregado por um segurança. Quase nada tinha
mudado, pois meu pai não se importava muito com aquilo e depois que sua
mulher morreu, não quis mexer em mais nada.
Aceitei a taça que Stefano estendeu para mim e me sentei na cadeira
ao seu lado. Precisava entender aquela história do meu pai querer me
sequestrar e o que deu errado. Isso sem contar a quantidade de tiros que
levei de uma vez.
Antes de ele conseguir falar qualquer coisa, pude ouvir o barulho dos
carros chegando e estacionando na frente da casa. Meu coração acelerou só
com a ideia de que talvez Amélia estivesse tão perto. Deixei a taça intocada
na mesa e me adiantei para a porta, sem pensar demais se ela estaria muito
irritada comigo ou se nem ia querer me ver. Eu só precisava vê-la, saber que
estava bem.
Não parecia que eu tinha matado várias pessoas só para me libertar e
chegar até ela, pois eu me sentia o cara mais inseguro na hora em que abri a
porta e desci os degraus, focado nos carros atrás do que meu pai saía,
ignorando o espanto em seus olhos. Eu duvidava muito que Amélia
estivesse com ele.
Para minha decepção, só seguranças saíram das SUVs e Carlo e
Giovanni do carro do meu pai, meio incrédulos ao me verem.
— Ela e Donna ficaram para ver algumas lojas. — Girei a cabeça ao
ouvir a voz do meu pai.
— Pelo visto, Stefano abriu a boca. — Meu pai não esboçava
surpresa nenhuma ao me ver. Por mais frio que ele fosse, não ficaria sem
expressar nada, além de fazer uma pequena análise, olhando para mim de
baixo para cima.
— Alessandro também. — Ergueu o celular em sua mão. — Meio
atrasado, mas falou que você passou pela área dele como se fugisse do
diabo. Ele precisa parar de beber. Isso não são horas de alguém como ele
acordar.
— Você sabe que ele não tem salvação. — Carlo comentou. — E que
o ideal é firmarmos o quanto antes nosso domínio por lá. E você, inteiro?
— Apertou meu ombro, forte como quem conferia que eu estava ali de
verdade.
— Inteiro. — Ainda estava apreensivo. Não dava para esquecer que
eu quase morri por um capricho do meu pai. Por outro lado, ele não era um
exemplo de amor e comportamento paternal. E seus métodos nunca seriam
aprovados por psicólogo nenhum. O que eu estava pouco me fodendo,
porque eu tomara minha decisão naquela noite na varanda. Não haveria
volta para mim e Amélia. Se ele não quisesse, precisaria lidar com sua
frustração de outra forma.
— Sabia que estou noivo? — Giovanni arqueou uma sobrancelha e
deu um meio sorriso prepotente, pedindo para que eu o socasse.
— Quer que eu arranque suas bolas agora ou mais tarde? — Eu dei
um sorriso falso e apertei o saco dele para demonstrar que não falava
brincando.
Giovanni na mesma hora segurou meu braço e pulou para trás.
— Só estou cumprindo ordens! Melhor eu do que o Stefano.
Eu bufei e dei as costas para os sociopatas. Não tinha um ali que não
fosse. Eu estava decepcionado e puto por Amélia não estar com eles.
— Isso não é comportamento de um Don. Pare com essas coisas,
Daniele. — Salvatore deu as costas para a gente enquanto atendia o
telefone. Aquela devia ser a frase favorita do meu pai. Principalmente
quando sabia de algo que eu fazia pelo Brasil, antes de levar mais a sério a
famiglia e a máfia.
Giovanni cruzou os braços e ficou subindo e descendo as
sobrancelhas. Aquele babaca estava brincando com perigo.
— Daniele, o que você fez? — Meu pai virou, com um semblante
bem mais fechado, eu diria até furioso.
Sacudi os ombros, sem entender ao que ele se referia.
— Por que os homens do Leopoldo estão causando confusão no
centro da cidade?
Merda.
— Você devia imaginar que eu não ia deixar um dos sequestradores
de Lia vivo como se nada tivesse feito. — Esperava que ele compreendesse
o restante da frase. Não exporia a verdade na frente de seguranças, era uma
regra inquebrável não falar tudo o que tinha a ser dito na frente de qualquer
um. Mas ele sabia que se não fosse meu pai, veria a morte muito em breve.
— Sua vingança não vai adiantar de nada se eles pegarem Amélia de
novo.
Demorei apenas alguns segundos para ligar os pontos. Ignorando que
Carlo avisava que elas estavam com seguranças, xingando e me
perguntando quando que a calmaria viria para nós, saí correndo para a
garagem onde o La voiture noire me esperava, um Bugatti negro como a
noite, tão especial que não devia ter mais do que dois rodando pelo mundo,
um registrado e o meu.
— Você pretende achá-la como, idiota? — Carlo segurou a porta
antes que eu a fechasse. — Toma, já está chamando a minha mãe. — Ele
me entregou o próprio celular, com uma chamada em andamento. — Não
seja o Daniel que ela conhece. Agora ela precisa do que cresceu para nos
comandar. Entende? Porque, senão, ninguém sobrevive.
Nem tinha pensado em nada daquilo. Amélia me deixava cego e sem
pensar de forma racional. Eu estava sem celular e ela provavelmente
também. Ou seja, ele tinha razão. Eu precisava ser o Daniel crescido e
criado no meio da máfia italiana. O mesmo que escapou de onde estava
preso e matou mais gente em meia hora do que um militar em guerra.
Acenei para que ele compreendesse que eu o tinha entendido, fechei a
porta e acelerei.
Existia uma possibilidade de nem estarem por perto da confusão, mas
algo me dizia que se tinha alguém para estar na hora e local errados, era
Amélia. E, por isso, fui o mais rápido que pude, respirando fundo e
pensando de forma pragmática.
— Carlito, não é uma boa hora. — O barulho de tiros ao fundo da
ligação deixaram-me em alerta.
— Não é ele, Donna.
— Daniel? Não acredito! Como…
— Onde vocês estão?
Ela me falou e eu desliguei. Conhecia o caminho como a palma da
minha mão e não tive dificuldade para encontrá-los, tanto pelo barulho das
sirenes quanto pela muvuca de pessoas reunidas pós tiroteio controlado.
Saltei do carro, colocando a Glock reserva no cós da calça, depois de
estacioná-lo de qualquer jeito na esquina da rua e me aproximei, torcendo
para que não visse Amélia entre os corpos estirados no chão.
Foi um reflexo de algo brilhando que me fez virar o rosto e ver a
mulher que eu amava sendo puxada pelo braço, com uma arma apontada
para sua cintura, para dentro de uma das ruelas duvidosas que só quem
morava por ali se arriscava a entrar. Não que normalmente houvesse algum
risco, porém, turistas tendiam a ficar nas ruas principais.
Retirei a arma do cós, engatilhei e os segui sem ser notado. Minha
respiração era tranquila, meus pensamentos eram claros sobre o que deveria
fazer, tudo bem diferente do meu coração, que batia tão rápido quanto um
lobo correndo.
Se o homem que a arrastava me visse, seria mil vezes mais arriscado
para ela. Então, todas as vezes que ele olhava para trás para conferir se
alguém os seguia, eu me escondia.
Por favor, Lia. Não o enfrente.
Rezei ao ver que Amélia se virava para ele em um misto de raiva e
medo, que poderia ser um perigo se ela abrisse a boca e o provocasse,
achando que o faria mudar de ideia. Eu conhecia a minha mulher. Ela já
fizera algo parecido com um bandido ao perceber que estava desarmado e
saiu correndo para onde havia movimento. Existia a possibilidade de
encontrar algo que pensasse ser favorável e tentar escapar.
Respirei bem mais aliviado ao ver que ela pareceu desistir da ideia de
falar com ele ou com o grupo de pessoas que passou por eles.
Eles viraram em mais uma ruela, diminuindo o ritmo. Aguardei
apenas o momento certo em que ele afastou a arma de Amélia e não
houvesse risco de acertá-la por reflexo, para mirar em sua cabeça e atirar.
O homem caiu, dando um tranco no corpo de Amélia por ainda o
segurar. Ela soltou um grito curto e assustado, e se afastou com olhos
arregalados ao ver que ele estava morto. Respirando ofegante, virou em
minha direção e seus olhos aumentaram mais ainda, indo de mim para a
arma, o que me fez perceber que nem tinha abaixado a Glock.
Querendo amenizar a situação, tratei de guardar a arma atrás da calça
e me aproximei dela.
— Você está bem? Ele te machucou? — Ela parecia que levou um
choque quando toquei seus cotovelos, conferindo se estava tudo ok.
Perceber o quanto estava pálida, com olheiras profundas e bem mais magra,
partiu meu coração. Todo meu esforço para mantê-la longe daquele tipo de
situação foi em vão. E, de cara, ela teve as piores experiências ao conhecer
a verdade parcial.
— É você mesmo? Você está aqui?
— Sim, Lia. — Mantive o agarre em um de seus cotovelos e subi a
outra mão para seu rosto, acariciando a bochecha macia com os nós dos
dedos.
Capítulo 35│Daniel Bianchi
Assim que entramos no carro, liguei para Donna e deixei a chamada
no viva-voz para que, depois de passar o celular para Amélia, eu também
ouvisse.
— Onde você está? — Ela atendeu, preocupada.
— Com Amélia. Ela já estava sendo levada por um dos homens de
Leopoldo.
Ouvimos Donna soltar meia dúzia de xingamentos em italiano antes
de informar que, tirando um dos nossos, todos estavam bem e ela ia voltar
para casa, tendo em vista que Amélia se encontrava fora de perigo.
— O que aconteceu lá? — Perguntei à Amélia, para ver se fora algo
voltado a ela ou se fora a consequência dos meus atos.
— A gente tinha acabado de sair de uma da loja de roupa quando um
carro parou no meio fio, perto da gente. Então, começaram a atirar. Donna
comentou algo sobre terem nos reconhecido.
— Então eles apenas deram sorte de encontrar vocês, próximo de
onde atacariam.
Ela assentiu, cruzou os braços e passou a olhar a janela ao seu lado
para o retrovisor, um sinal claro de que não falaria mais comigo.
Como não pretendia levá-la para casa direto, pois tínhamos muito a
conversar, optei pela forma que sabia que mais chamaria sua atenção e
poderia quebrar o clima distante entre nós.
Foi assim que cheguei à conclusão de que ela estava irritada comigo.
Não era pouco. Era muito. A ponto de eu estar acima do limite de
velocidade e não estar ouvindo uma reclamação de sua parte. Desde que
entrara naquele carro, Amélia cruzou os braços e manteve o olhar fixo à sua
frente. Só teve um segundo que resvalou o olhar para conferir os números
no painel. Se estivéssemos em nossa rotina comum, ela já estaria gritando
pela minha irresponsabilidade.
— Amélia, você aceitou vir comigo. — Eu me pronunciei, torcendo
para ouvir sua voz.
— A outra opção era ficar na rua para ser sequestrada de novo. — Ela
retrucou, entredentes. — Só não sabia que você iria tentar cometer um
homicídio em alta velocidade. Ah, é. Esqueci. Você já cometeu vários. —
Soltou o ar numa lufada, subindo e descendo os braços. Foi inevitável não
acompanhar os seios dela seguindo o mesmo movimento dentro daquele
decote generoso que o vestido vermelho proporcionava.
Reduzi até ver alívio perpassar em seus olhos. Meu objetivo não era
piorar nossa situação.
— Eu queria conversar com você, de verdade.
Só obtive silêncio.
— Pare o carro.
— Estamos no meio da estrada…
— Só pare o carro, Daniele.
O desespero na voz dela era tão grande que eu quase bati no único
outro veículo que chegou perto do meu conforme reduzi a velocidade.
Assim que parei na beira da estrada, com o campo de girassóis de um lado e
algumas árvores do outro, ela tateou a porta, tentando abrir, sem sucesso.
Eu acabei fazendo por ela.
Em dois segundos, Amélia saiu correndo e se apoiou nas coxas para
vomitar. Eu demorei um pouco mais a compreender que ela estava passando
mal.
A doida estava ficando enjoada e não falou nada? Não teria sido
mais fácil avisar antes?
Peguei uns lenços de papel e uma garrafa d’água no compartimento
entre os bancos.
— Você podia ter falado comigo, pirralha. — Estendi a embalagem
para que ela pegasse um papel e limpasse a boca, guardei os que sobraram
no bolso da calça. Depois entreguei a garrafa já aberta. Amélia bochechou e
cuspiu, deixando um pouco de baba respingar no vestido que usava.
— Você sabe que odeio quando vai rápido demais. Eu já entendi que
você tem toda uma vida paralela à minha realidade. Mas não sabia que
ignorar o que conhece de mim estava incluso!
Fiquei me sentindo péssimo. Culpado por ter forçado uma situação
por um motivo idiota. A sensação piorou ao ver os olhos marejados.
— Desculpa. Não foi minha intenção. Eu quis provocar. Ver se você
brigava comigo como costuma fazer.
— Conseguiu! Porque é justamente o que estou fazendo! — Ela
gritou, brandindo a garrafa no meu rosto, molhando seu braço e minha
roupa. — Mas que merda, Daniel! Eu queria ser forte o bastante para
quebrar a sua cara. — Amélia impulsionou a mão com garrafa contra meu
peito, esmagando e praticamente esvaziando tudo em mim.
— Posso arrumar um bastão, quer? — Segurei o braço dela e retirei a
garrafa de sua mão. Meu tom era leve, mas eu compreendia toda sua fúria.
Na verdade, eu já esperava por ela. Desejava até, pois era melhor tê-la
berrando que eu não prestava do que sua indiferença.
Amélia bateu com o outro punho em meu peito. A ogrinha era
pequena, mas era forte. Achei que fosse dar socos até cansar, mas não. Os
braços deslizaram pelo tórax e depois os deixou pendentes ao lado do corpo
enquanto apoiava a testa em meu peito. O barulho estrangulado e o
movimento de seu corpo como se tivesse soluçado, fizeram-me perceber
que ela estava chorando. Merda. Joguei a garrafa no chão, deixando para
pegá-la depois, e abracei Amélia forte.
Os braços dela envolveram minha cintura timidamente. Meu coração
se partiu ao notar seu desalento. Não tinha nada que eu pudesse fazer. Nada
a faria esquecer o que vivenciara nos últimos dias. Nada apagaria o pavor
do abandono, de ser sequestrada, abusada e quase vendida. Tudo o que
sempre quis evitar, aconteceu. Eu me sentia um merda por não a proteger
como sempre quis. Ficamos uns cinco minutos naquela posição.
— Eu tive tanto medo… — Choramingou contra meu corpo. Abracei-
a mais forte, deixando minhas lágrimas caírem também. Porque eu também
senti medo. Um medo absurdo de nunca mais encontrá-la. Ou chegar ainda
mais tarde.
— Eu sei, coração. Acho que nunca vou conseguir me desculpar por
tudo o que passou por minha culpa. — Procurei acariciar suas costas, beijar
o topo de sua cabeça. Era o que precisava para me tranquilizar.
— Sempre serei grata por ter me salvado, Daniel. Mas… — Ela saiu
dos meus braços, afastando-se alguns passos e secando o rosto com as
mãos. — Eu acho que nunca mais conseguirei olhar direito pra você.
Amélia passou a abraçar o próprio corpo. Suas palavras foram o
mesmo que atirar no meu peito.
— Amélia…
— Eu quero ir pra casa. No Brasil. Quero férias… Não sei mais nem
se quero continuar trabalhando com a sua mãe.
— Amélia, minha mãe não tem culpa de nada. Acredite em mim. —
Implorei, tentando me aproximar, mas a cada passo em sua direção, ela se
afastava.
— Estranhamente, eu acredito nisso. O problema é que trabalhar com
ela, é ter um vínculo com você.
— Você mora comigo.
— Acha mesmo que vou continuar depois de tudo isso? — Ela abriu
os braços, gesticulando de forma espalhafatosa. — Você vive uma vida
medíocre diante de tudo o que pode ter. Olha o seu carro! — Fez um gesto
para o meu Bugatti. — Parece que eu poderia ir à lua e voltar com ele. Sem
mencionar a mansão, os empregados, as roupas caríssimas! Sabe quanto
custou esse vestido? — Eu neguei. — Mais de mil euros! E o que eu fiz?
Vomitei nele.
— A gente pode comprar outro quando chegarmos na cidade. — Eu
sabia que estava provocando, mas era mais forte do que meu senso de
perigo. Gostava de deixar Amélia pilhada. Ela soltou uma risada
debochada.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
— Eu não ligo para nada disso que você citou. Tá, a gente poderia
morar em uma casa melhor…
— Daniel!
— Ok. Parei. Prometo que parei. — Ergui as mãos, em rendição. —
Vamos fazer o seguinte? — Pedi, usando meu tom sério. — A gente volta,
você tira uns dias para pensar, e depois decide onde irá morar. Pode ser
assim?
— Daniel, você mentiu todos esses anos.
— Mas foi por um bom motivo, Amélia. Eu não a queria envolvida
com nada disso.
— E tirou meu poder de escolha sobre aceitar esse seu lado. — Ela
fez uma careta. Era pior ver que não conseguia pronunciar do que se me
chamasse por qualquer classificação que estivesse pensando.
— Mas não era você que adorava um filme com um mafioso? — Ela
veio com tudo. Punhos cerrados, mandíbula travada e olhar assassino. —
Desculpa. — Pedi inutilmente, tentando me desviar dos socos em meus
braços e peito. Ainda bem que ela era péssima naquilo. — Foi mais forte do
que eu!
— Sério, por quê? — Ela apoiou as mãos na cintura e inflou o peito.
— Eu, literalmente, acabei de passar um dos maiores traumas da minha
vida e você está fazendo piadas sobre mafiosos. Eu devia pregar teu cu,
Daniel.
A situação não pedia, mas eu gargalhei. Amélia estava vermelhinha,
toda ouriçada.
— Desculpa, coração. Mesmo. Mas… implicar com você faz parte de
mim. Você está sã e salva, praticamente sem um arranhão. Eu estou vendo o
lado bom de tudo, só isso. Fora que você fica linda irritada.
Ops… Acho que falei demais. Amélia lançou um olhar fulminante
para mim.
— Sabe, você podia, pelo menos, ter me contado esse monte de
merda antes de fodermos que nem coelhos.
— Uau! Eu realmente depravei você. — Sorri, encostando a ponta da
língua no canino.
Capítulo 36│Amélia
Eu quis pular e esganar Daniel. Para ser bem sincera, eu quis fazer
isso inúmeras vezes desde que descobri a verdade verdadeira sobre quem
ele era e sua família. Porque, né, não era uma família que eu poderia
facilmente ignorar. E eu apostaria que ele estava falando sobre morarmos
juntos no Brasil só para não me assustar tanto, pois, se ele pretendia assumir
o lugar do pai dele algum dia, não poderia ser morando oficialmente em
outro país. Então, a gente até…
Pare, Amélia. Não tem “a gente”. O pai dele, inclusive, te proibiu de
falar sobre a criança, lembra?
Minha memória logo me repreendeu por estar viajando em um futuro
impossível, afinal, eu só estava ali, livre, porque concordei com o
casamento com o Giovanni.
— Se eu ficar, se aceitar, sei lá o que que você está propondo, você
conseguiria não esconder mais nada de mim? Tem mais alguma coisa que
eu preciso saber? — Fiz questão de erguer a cabeça e encarar firme os olhos
pequenos e sisudos de Daniel.
Ele desviou o olhar e, naquele momento, eu sabia que tinha muito por
trás do Daniel, meu amigo. Fiquei quieta, vendo se tentaria defender tudo o
que me pedia ou se desistiria.
— Tem uma coisa… — Respirou fundo, comprimiu os lábios e,
finalmente, voltou a me olhar daquele jeito sério e doce, que pegara a mania
de usar nos últimos dias que passamos juntos e precisava me explicar algo
da sua vida. —Tem algo que eu faço que nunca teria coragem de te mostrar
e também não quero que veja.
— Isso só me deixou mais curiosa.
— Vai muito além da visão que você tem de mim, Lia. — Daniel
escondeu as mãos nos bolsos e encolheu os ombros, parecia enfrentar o
constrangimento por seus atos e o não arrependimento pelos mesmos.
— Que tal experimentar me contar e deixar eu decidir o que acho?
— Não. — Seco e curto. Conseguiu me irritar. — É algo inegociável.
Eu podia não estar sendo honesta com ele, sabia que deveria contar
sobre a gravidez. E, com certeza, iria, assim que me sentisse segura. Pois,
até ali, eu tinha uma ameaça velada pairando acima da minha cabeça. Logo,
não sentia segurança alguma sobre o serzinho que crescia dentro de mim.
— Ótimo. Vamos voltar e ver se consigo ir pra casa. — Soltei o ar em
lufada irritada e girei nos calcanhares. Na mesma hora, quis retornar e me
esconder atrás de Daniel.
Parada ao lado do carro, havia um bicho que eu duvidava que era um
cachorro simples. Algo me dizia que era um lobo. Com três tons, marrom,
marrom claro e branco no peitoral e embaixo do focinho. Minhas pernas
bambearam. Meu sangue gelou.
Não tá bom de desgraça, não?
O rosnado começou e eu dei um passo para atrás.
— Luna… — A voz de Daniel veio firme e prolongada. Um pai
chamando a atenção do filho antes de ele fazer merda.
O que, pelo visto, era uma loba, aproximou-se de nós a passadas
lentas. Eu só não saí correndo porque Daniel continuou parado, olhando
fixo para o animal. Quando ela começou a cheirar minhas pernas e a
encostar o focinho gelado em mim, eu fechei os olhos e comecei a torcer
para que Luna não decidisse que eu era uma excelente refeição. Percebi que
se demorou um pouco mais minha barriga, mas só abri um olho e vi que
Daniel acompanhava o escrutínio, pronto para interferir.
Felizmente, não foi preciso, assim que ela se satisfez, esfregou a
cabeça na minha mão direita, como se pedisse carinho.
Não… Eu não ia começar a fazer carinho num lobo, né? Eu queria
um pug. Algo pequeno, que coubesse no meu colo.
Pois bem, Luna me venceu e comecei a acariciar seu pelo grosso.
— Você deu nome para uma loba? Isso é um costume?
— Não. Adotei Luna quando era filhote e a mãe morreu numa caçada.
Normal. Super normal.
Assenti, tentando fingir que não achava tudo muito diferente e
continuei fazendo carinho até que Luna se cansou e deitou aos meus pés.
— Mas a gente está no meio do nada…
— Não. Eu só fiz um caminho diferente e mais longo para casa. —
Apontou para um morro mais à frente, bem além dos girassóis, que só dava
para ver árvores, supus ser onde era a casa principal. — Luna é acostumada
a andar por aqui e não atacar as pessoas. Diferente da Balu, que tem um
espaço próprio.
— Outra loba?
— Não. Uma ursa.
Eu quase engasguei com a minha própria saliva depois daquela.
Pigarreei e inclinei a cabeça na direção de Daniel.
— Foi outro resgate…
— Você, além de herdeiro da máfia, é herdeiro de algum zoológico?
Ele gargalhou. E que saudade eu estava daquele som que fazia meu
coração vibrar.
— A gente pode voltar? — Perguntei, antes que cedesse àquele
sentimento e fizesse alguma burrada. — O dia foi de altas emoções, quero
descansar, pensar…
— Claro. Tchau, princesa. — Ele se abaixou e fez carinho na loba
antes de me conduzir para o carro. Acabei fazendo a mesma coisa enquanto
admirava o campo repleto de girassóis à minha frente. Em pensar que tirar
fotos em um daqueles estava na minha lista. Agora eu estava ali, de frente
para as flores amarelas e só pensava em querer voltar para minha casa.

Para minha felicidade, Daniel respeitou meu silêncio no restante do


caminho. Não cobrou que eu falasse muito, porém, foi contando algumas
coisas sobre aquelas terras, o vinhedo, as casas do lado oposto ao que
Donna morava, contou por alto sobre o casebre misterioso no final de um
dos labirintos de parreiras.
Finalmente eu compreendi porque um dia Donna falou sobre o pai ter
um local em que batia nas pessoas. Era ali. Naquele casebre. O mesmo que
Daniel invadiu e teve sua vida transformada.
Lá no fundo, eu soube o que ele queria esconder. Era o que acontecia
naquela casa abandonada. Era no que ele se transformava quando precisava
obter respostas das pessoas ou puni-las. Era o tal do mundo caótico e
obscuro que ele tanto deixava subentendido.
Junto a tudo isso, eu percebi que, por mais que Daniel reclamasse,
falasse que nada daquilo era para ele, aquele era o lugar dele, o qual ele
pertencia, pois estava conectado com cada mínimo detalhe.
Ele me deixou na porta de Donna. Saí do carro antes que mudasse de
ideia ao olhar para o rostinho lindo dele, os olhos pidões e os lábios
tentadores.
Era uma senhora casa, agora que podia observar com calma. Com
fachada de pedra e flores nas janelas, devia ter uns 10 quartos, dois andares,
e transmitia uma energia tão agradável que nem parecia que assassinos
moravam ali. Estava silenciosa, exceto pela conversa em tom baixo que
vinha da cozinha e parou ao me ouvirem fechar a porta. Donna veio pelo
corredor com um olhar analítico.
— Você não contou.
— Não — Neguei, meio triste, com a cabeça baixa e pude ver a arma
em sua cintura, a mesma que ela tirou do nada quando o tiroteio começou
na cidade.
Eu preciso me acostumar com isso.
— Arrumei isso para você. — Ela puxou um celular do bolso do lado
oposto ao da arma. — Já ajeitei para deixar funcional e…
— O que você é? Eu sei que tem uma ordem, uma hierarquia. De
início, podia jurar que Matteo era algo, só que…
— Sou a subchefe.
Não consegui esconder meu espanto. Nem sabia que era possível ela
ter um título de verdade, só… arrisquei.
— Foi um acordo. — Ela soltou um suspiro curto. — Matteo quem
levaria o título, só que Salvatore queria alguém perto de Daniel. Ao mesmo
tempo, ele precisava de alguém aqui, que tomasse conta das outras famílias.
Então Matteo insistiu para que fosse eu. — Donna tinha um olhar firme,
como se avaliasse minha reação a cada nova informação. — Nós não somos
obrigados só por termos nascido na família. Escolhemos se queremos
participar ou não. Salvatore nunca foi de confiar em muita gente, Matteo é
um dos poucos, por isso, o queria perto de Daniel. Então, para meu marido
ir e aceitar tudo isso, eu ocuparia o cargo dele aqui enquanto ele assumiu o
de Capo.
Ela tinha um brilho nos olhos. A máfia era machista, preconceituosa,
essas coisas. Sempre soube. Quem nunca leu ou viu algo sobre? Por isso, o
que Matteo fez tinha um impacto gigantesco, mostrava muito mais sobre ele
do que qualquer outro gesto.
Eu sempre temi a pessoa errada.
Ou quase isso. Donna não era apenas uma mulher de fibra e
professora de balé, empreendedora… Ela controlava os chefes, capos, como
já tinha me explicado antes, de outras famílias. E era muito respeitada. Deu
para perceber isso na interação dela com os seguranças.
Se eu ficasse, o que faria o dia todo? Seria a esposa que passaria o dia
em casa ou teria permissão para…
Não consegui concluir o pensamento. A única coisa que eu sabia, era
que eles arrumavam briga com outras pessoas, cobrar dívidas e mais umas
tantas atividades ilegais.
É disso que quero fazer parte?
— Deve ser difícil para alguém que não cresceu no meio similar. Dê
um tempo para sua cabeça se acostumar e, qualquer dúvida, pode perguntar
a mim, aos meninos e ao Matteo.
— Obrigada. Por tudo. Sei que se não tivesse cruzado o caminho de
Daniel, nada disso estaria acontecendo…, mas fico feliz de, pelo menos, ter
vocês para me amparar, já que não tem outro jeito.
Donna me olhou de uma forma diferente, com um sorriso escondido
entre os lábios, que me deixou curiosa. Não era a primeira vez que via algo
parecido. Só não sabia definir.
— De nada, bambina. Não vou te prender mais, pode subir e
descansar. Daqui a pouco Ruth levará algo para você comer.
Pensei em avisar que eu tinha pernas e podia descer, mas deixei para
lá, não adiantaria.
Já no quarto, resolvi fazer algo que sentia vontade desde que minha
mente começou a se habituar com o local novo. Liguei para Bárbara, não
sabia bem o que falar para a minha amiga. Eu era péssima naquele setor,
mas tinha boa vontade — se é que isso serviria de algo.
— Olha, não vou mentir, ok? Ainda estou processando e tenho ficado
mais na minha. Foi pouco tempo, mas foi algo bem mais intenso do que
jamais tive. Não sei explicar… Só que, Lia, não precisa se preocupar, eu
vou ficar bem. — Bárbara soltou uma risada pelo nariz. — Sabia que eu e
Nina criamos mil teorias para o seu sumiço?
— Diga uma.
Eu tinha me sentado no batente largo da janela e ligado para ela,
porém, não sabia o que falaria sobre aquelas semanas. Se contaria a verdade
ou se deixaria essa parte para falar pessoalmente. Algo que me
tranquilizava era olhar para fora e admirar o quão verde boa parte do
terreno era. Era um campo extenso, com relevos em alturas diferentes, mas
de onde eu estava, dava para ver um pouco do caminho das parreiras, das
áreas só com árvores. Tudo parecia brilhar e não esconder que, em algum
lugar dali alguém poderia estar sendo torturado.
Como que eu poderia falar coisas daquele tipo para a minha amiga?
— Você descobriu que o Daniel é um vampiro, tá grávida dele e pra
não assustar ninguém, se escondeu.
Eu gargalhei da teoria baseada na saga Crepúsculo. Só minha amiga
para cogitar aquilo.
— Você quase acertou. — Pousei a mão sobre a barriga. Não dava
para dizer que tinha crescido. Eu sempre tive uma barriga e mesmo tendo
emagrecido naquele cativeiro, ainda estava longe do peso padrão para
alguém do meu tamanho.
— Como assim? — Ela berrou e tive de afastar o celular do meu
ouvido.
— Eu estou grávida. — Precisei afastar o celular de novo quando
Babi soltou um gritinho. — Mas ainda nem contei pro Daniel. As coisas
aqui são bem mais complicadas, Babi. Daniel vivia em um outro mundo,
sabe.
— Parabéns, amiga. Já quero mimar muito essa criança. — Ela ria
do outro lado. — Mas eu te entendo. Percebi isso com Eduardo. Tem algo
mais, não é? Ele, às vezes, fazia uns comentários que davam a entender que
não seguiam as leis, realmente.
Eu suspirei alto, reflexiva com o que o futuro guardava para mim.
— Sim.
— Qualquer coisa, você vem pra cá e a gente cria juntas esse
italianinho.
O bom de conversar com ela, era justamente que nada abalava sua
força e sua energia. Fiquei um pouco mais tranquila depois de ouvir suas
palavras e que se eu não voltasse, ela já tinha combinado com Carina de vir
me visitar.
Tinha planos de ligar para meus pais, só não contava que o sono ia me
dominar e me fazer deixar para depois.
Capítulo 37│Daniel Bianchi
Muitos achavam que, por existirem máfias mais comuns e de nomes
mais conhecidos por outras regiões da Itália, na Toscana não havia
nenhuma. O que a grande maioria não sabia, e outra parte ignorava, era que
nem todas queriam seus nomes tão rodados assim. Os homens que
começaram a nossa família preferiam agir como tentáculos de um polvo,
embrenhando-se por todos os lugares, rastejando silenciosamente até
alcançar seu objetivo. A famiglia cresceu assim, sem feitos que chamassem
muita atenção. Alguns diziam que era mais vantajoso.
Eu não saberia dizer, cresci sob o comando de meu pai. Ele e
discrição não combinavam. Isso era bem visível ao analisar que já
estávamos sendo amplamente reconhecidos em outros países como a máfia
sorrateira e mais perigosa, pois ninguém sabia até onde ia nosso alcance.
Eles estavam certos em ter medo. Por conta do hábito original,
precisávamos de união, lealdade e códigos intransferíveis. Nesses três
pilares, ninguém tocava, incluindo nossos associados, aqueles que
trabalhavam para a máfia, porém, não eram membros. Eduardo era um. Tal
qual ele, havia milhares em esferas diferentes.
Então, sim, quando mexiam com a gente ou resolviam nos caçar por
algum crime, precisavam vir muito bem preparados.
Coisa que eu duvidava muito que os homens de Leopoldo soubessem
fazer. Contudo, eu não tinha ideia se ele estava envolvido com mais alguém.
E era aquilo que precisava debater com alguns membros.
Uma reunião com os capôs seria essencial.
— Por que você não avisou a Stefano que trouxe Leopoldo com
você?
Não me surpreendi ao ser abordado por meu pai quando subi os
degraus de casa, depois de deixar Amélia na casa de Donna. Salvatore
estava sentado no banco de madeira da varanda, com seu charuto e olhar
crítico.
— Não tive tempo.
— Ele saberia lidar melhor com a situação.
— Mandando soltarem-no ou matá-lo de uma vez? — Cruzei os
braços, controlando-me para extravasar em cima dele tudo o que estava
entalado na minha garganta. — Quando comecei a sair com Amélia, eu
sabia que você tentaria fazer algo. Só que você é meu pai, quem eu aturo e
respeito por necessidade. Isso não se estende a mais ninguém que mexe
com o que é meu. A única coisa que não entendi, foi porque você pediu
para atirarem em mim.
— Era para ser algo de raspão. Nada de complicações. Só para você
não ir longe demais ou reagir. — Ele batucou o charuto para as cinzas
caírem no chão. — Não o colocaria em risco assim. Aqueles idiotas estão
mortos. E, por mim, você poderia já ter matado o Leopoldo. É bom para os
outros não tentarem fazer o mesmo.
— Seu problema com a Amélia é só porque eu não o obedeci,
incrível! — Levantei e abaixei os braços, batendo as mãos nas pernas.
Inacreditável! — Que seja. — Bufei pelo nariz. — Leopoldo merece mais
do que uma morte rápida. Principalmente por Amélia. Mas também por
mim e Lucca.
Estalei a língua e o deixei sozinho, precisava me preparar para
Leopoldo.

*
Orso bruno marsicano
Urso-marsicano
Uma subespécie do urso pardo, sem muitas diferenças físicas. Seu
tipo, e com quem parecia eu só fui descobrir depois, pois, a primeira vez
que vi um, foi um pouco antes da iniciação oficial — aquela em que a
maioria dos membros da máfia escolhiam participar, firmando seu
compromisso de forma voluntária, o que não foi meu caso.
Meu pai queria provas de que não estava criando um herdeiro
indigno, já bastava eu ser bastardo, passar mais tempo com a minha mãe do
que com ele, e viver como se um dia não fosse me tornar o homem a
comandar milhares de outros, ter a influência para mudar o rumo de
acontecimentos importantes.
O herdeiro sentado num trono sobre ossos e sangue.
Um herdeiro que não valeria de nada se não fosse testado ao limite.
Isso incluía testar meu raciocínio, agilidade, força na toca de um urso do
meu tamanho com o dobro do meu peso.
Até hoje eu não sabia como não morri naquele dia. Eu acreditava que
era por rezar todas as orações que minha mãe me ensinara e para todos os
santos possíveis. E a minha vontade absurda de viver e matar o babaca do
meu pai que tivera aquela ideia.
Contudo, essa vontade sumiu junto ao medo e qualquer outro
sentimento que me tornasse um ser humano racional e não instintivo. Era
minha vida contra a do urso e apenas eu para me defender, ninguém mais.
Eu conhecia meu pai bem demais para saber que ninguém viria me resgatar.
Não adiantava ter pena do animal, pensar que a culpa era de outra pessoa.
Nada daquilo me salvaria.
Foi então que a fera dentro de mim despertou em fúria, mostrou-se
inabalável e implacável, com ódio das pessoas que já tivera de assistir os
outros matarem, da obediência cega, do estilo de vida que seria minha sina
para o resto da vida. Naquele dia, uma parte minha morreu. A inocência, a
ingenuidade. Não haveria uma saída para uma vida normal. Era enfrentar o
que colocavam na minha frente ou morrer. E isso nunca aconteceria.
Aquele garoto explosivo e violento cresceu, mostrou-se um excelente
lutador e saiu da caverna carregando a cabeça do urso.
A mesma que fiz questão de tratar de forma que eu pudesse usá-la
para as minhas tarefas futuras.
Eu não enxergava direito, respirava pior ainda. E o cheiro fazia
algumas pessoas vomitarem. Porém, aquela era minha penitência, ao
mesmo tempo que despertava a fera que eu procurava manter adormecida.
Quando cheguei ao casebre para o qual tinham levado Leopoldo,
entrei calmo, sabendo o que me aguardava. Nos últimos anos, eu fiz
transformações no lugar, coloquei algumas câmeras, deixei a primeira sala
para uma mesa com vários tipos de armas e utensílios, outra para
interrogatório mais “leve”, com cadeira e luminária, por fim, tinha um
armário com outras coisas que poderiam servir ao meu propósito.
Tinha também um lavabo com pia do lado direito e uma segunda sala
onde ficava quem fosse preso. Nela, eu deixava uma mesa que pudesse
prender os pulsos e tornozelos da pessoa, e ganchos no teto e chão. Tudo
dependeria do que eu escolhesse fazer.
As luzes costumavam ficar acesas e as janelas tapadas não permitiam
que a pessoa soubesse se era noite ou dia.
Retirei minha camisa e a deixei em cima da cadeira, com o mínimo de
cuidado para não amassar. Deixei chaves e carteira na gaveta com trava da
mesa menor. Do armário, retirei a máscara com cheiro pungente e a vesti.
Logo o ambiente ficou abafado. De resto, levaria apenas o meu celular no
bolso da calça, e carregaria um facão e um canivete bem afiado.
Aquele filho da puta explorador e pedófilo morreria hoje, sim.
Todavia, de maneira lenta e dolorosa.
Assim que me viu, Leopoldo berrou. Ele sabia o que estava por vir. A
fera dentro de mim ronronou satisfeita. Uma pena que ele não poderia ver
meu sorriso enviesado.
— Você me subestimou, Leopoldo. — Deixei o facão pendurado em
um suporte perto da porta e o canivete foi para o meu bolso traseiro. —
Pensou que eu era o garoto idiota, que muitos falam por aí.
O que eu gostava naquela mesa, era que havia uma roldana que
conforme fosse girada a manivela, os membros presos da pessoa eram
esticados até eu parar. Os gritos eram sempre música para meus ouvidos.
Com Leopoldo não foi diferente. Só parei quando ele começou a guinchar
como um rato, pois a força de sua voz foi se perdendo na garganta.
Deixei que respirasse e seu corpo se acostumasse com a dor enquanto
rasgava sua roupa com o canivete. Àquela hora, ele já havia se mijado todo.
Pelo corpo havia algumas marcas roxas dos socos que deve ter levado dos
meus homens.
— Preciso entender, Leopoldo, o que você queria me sequestrando e
quem teve essa brilhante ideia por você?
— Estou falido, ok? Só queria… AHHH
Não deixei que terminasse aquela bosta, cravei a ponta do canivete na
diagonal em seu joelho. Eu sabia quanto lucrava. Ainda que não tivesse
homens que repassassem para mim aquela informação, eu sabia fazer conta
e quanto cobrava por suas garotas.
— Mentir para mim não é bom. Vamos tentar de novo?
Leopoldo resistiu mais do que imaginei. Uma hora, e os talhos por
seu corpo o fazia parecer um animal listrado de branco e vermelho. Os
filetes de sangue escorriam por seu corpo e mesa, e formavam pequenas
poças no chão.
Precisei sair da sala para pegar algo especial, um item que arrumei no
Brasil e pedi para manterem vivos ali no casebre. Queria testar se teriam o
efeito que eu imaginei. Peguei o aquário pequeno com vários dos peixes
pequenos, parecendo enguias, e o deixei no suporte metálico que costumava
usar para apoiar o que não estivesse usando na hora da tortura.
— O que é isso? Que merda é essa? — Leopoldo se remexeu, como
se fosse conseguir se soltar.
Um a um, fui colocando os peixes nos pontos por onde saía sangue. O
Candiru era o peixe que costumava entrar pela uretra, ânus ou vagina dos
desavisados que faziam xixi nos rios, por conta do formato do seu corpo, e
por sugar o sangue do local em que se alojava, causava dor. Eu só queria
saber se era uma dor eficiente ou se seria suportável. De qualquer forma,
ainda que não fosse forte demais, deveria ter algum efeito psicológico. Por
enquanto, era justamente isso que causava, Leopoldo gritava toda vez que
eu largava um daqueles peixes em si.
Deixei por último o seu pênis, sendo que primeiro usei o canivete
para talhar a ponta e o sangue escorresse. Em seguida, levei o peixe para o
orifício de entrada.
O desespero de Leopoldo estava valendo, os gritos nervosos e
gemidos agoniados tinham um sabor valioso.
— Nomes, Leopoldo. Nomes, e eu os tiro de você. — Eu estava
ficando sem tempo. A máscara que usava não permitia muitas horas, pois se
tornava quase impossível de respirar. Só que eu não queria deixar Leopoldo
vivo, aguardando seu destino ali enquanto eu me recuperava. Ele estava
mais para frouxo, que entregaria a mãe, se pudesse, do que leal, que preferia
a morte a entregar o plano.
Se ele não começasse a falar, eu precisaria ser mais extremista ou
acabar de uma vez com aquilo.
Mais uma hora se passou até ele começar a cantar a verdade como um
passarinho, não foi muito, mas eu duvidava que estivesse escondendo algo
mais. E, só por isso, eu atirei nele para terminar com seu sofrimento de uma
vez, ao invés de o deixar morrer por falta de sangue, devido à perda das
mãos e pés.
Eu ainda estava sob o frenesi, sob o pico de endorfina que ficava
naqueles momentos quando olhei para a tela ao lado da porta, e vi Amélia
abrindo a porta principal do casebre.
O que ela está fazendo aqui?
Quando eu colocava aquela máscara, o Daniel amigo, brincalhão,
adormecia, como se tivesse sido drogado para não ver as barbaridades que
minhas mãos eram capazes de fazer. Por isso, eu não queria Amélia por
perto. Por isso insisti que ficasse longe de tudo aquilo.
Mas ela ouvia? Obedecia? Não!
— Saia! — Minha voz saiu em um rugido pela fera que ainda
controlava minhas ações.
Não. Ela não está aqui. Ela não pode ter essa visão de mim.
— Saia, garotinha. Corra. — Os olhos dela transmitiam o medo, o
pavor, sentimentos que eu adorava ver naquele estado. Eles não me fariam
parar. A única coisa que ainda me deixava estático, era um parco controle.
Eu me aproximei lentamente, dando tempo para que ela saísse,
corresse ou pegasse uma marreta na mesa e me batesse. Contudo, Amélia,
mesmo tremendo da cabeça aos pés, negou.
— Você não é assim. Tira essa máscara. Essa… cabeça. — Dava para
notar o asco no jeito com que falava.
— Aí é que está, eu sou assim. Um lado meu, o que fiz questão de
manter longe de você, é assim. Ainda vai ficar?
Amélia cravou os olhos em mim, como se lesse a minha alma. Deu
para notar que ela ponderava, analisava alguma coisa. Mas eu não a queria
ali, não queria que pensasse demais e acabasse concordando com aquela
merda. Eu a queria longe.
Ou achava que queria.
Quanto mais tempo ela perdia me encarando, minhas pernas me
levavam para mais perto. Quando toquei em sua cintura, os olhos dela
fecharam por alguns segundos e me fizeram acreditar de que logo eu
ouviria um não, e seria afastado. Porém, Amélia os abriu em seguida,
carregados de fogo e uma determinação que me incendiou por dentro.
— Vou. Eu sempre fico.
Capítulo 38│Amélia
Aquilo só podia ser um sonho. Um que eu não tinha há anos, porque
não era recomendado ficar sonhando com seu melhor amigo,
principalmente depois de começar a dividir o mesmo apartamento.
Mas as sensações eram tão reais, que eu quase acreditava que
estávamos mesmo ali. Juntos. Embolados. Suados. Na cama dele. Entre
gemidos e palavras que eu duvidei ser capaz de pronunciar algum dia.
Meus dedos apertaram a cabeceira de madeira por puro reflexo
quando a língua dele encontrou algum ponto que fez um arrepio se
espalhar pela minha coluna, da base à nuca. O estremecimento interno foi
imediato, o gemido que escapuliu dos meus lábios saiu mais alto e lascivo
do que eu sequer sonhei algum dia ser possível.
Tudo estava sendo bem diferente do que os outros sonhos daquele
tipo. Muito mais intenso. Íntimo. Enlouquecedor. Eu só não saberia dizer se
a mudança era por voltar a sonhar com ele ou se porque era de verdade e,
para mim, até aquele momento, tudo isso não passava de suposições.
Minha cabeça pendeu para trás quando senti os dedos dele
explorando minha vulva, entrando pela fenda úmida e me enlouquecendo
de vez. A timidez e a trava que eu tive quando ele ordenou que eu sentasse
em seu rosto e o deixasse me chupar até gozar, gemendo bem alto,
acordando nossos vizinhos, foi-se embora no instante em que perdi o
controle dos meus movimentos e esqueci todo o resto.
Sentia a outra mão dele apertando minha coxa, bunda, subindo pelo
meu tronco até encontrar um dos meus seios fartos, apertá-lo com gana e
girar o mamilo rígido. Os arrepios aumentaram, minha boca secou
segundos antes de um lamento escapar.
Aquilo não podia ser um sonho. Era bom demais para eu descobrir
depois que não tinha acontecido. Mas quantas cachaças tínhamos bebido
antes de sairmos do bar e irmos para o quarto dele?
Os tremores vieram incontroláveis, fortes iguais ao gozo que me
dominou, arrancando o nome dele dos meus lábios.
Achei que ele pararia com tudo, mas não. Continuou sugando meu
clitóris enquanto espalhava meu gozo com os dedos.
— Pare. — Embrenhei os dedos no cabelo castanho escuro, puxando
a cabeça dele para trás e me levantando. Ele tinha um sorriso safado de
quem sabia o estrago que causava e um brilho perigoso nos olhos.
Podia ser a bebida, ou a moleza pós orgasmo que ajudaram, porque,
com facilidade, ele me jogou de costas no colchão e montou entre minhas
pernas, insinuando a ereção inchada, coberta pela calça jeans, contra
minha vagina sensível.
Apenas a luz de uma luminária presa na cabeceira permitia que eu o
enxergasse e não tivesse dúvidas de que era ele ali, com os lábios a
milímetros dos meus, prestes a me beijar.
— Isso é real? — Eu devia ficar quieta e aproveitar seja lá o que
aquilo fosse.
— Você ainda tem dúvidas? — Roçou de leve os lábios nos meus e fez
um caminho pela mandíbula até chegar à minha orelha, depositando um
beijo bem na pontinha.
Era mais um medo por não saber com que cara olharia para ele no
café da manhã.

Acordei no susto. Respirando forte e rápido. Aquilo foi o início. Não


um sonho, mas, sim, uma memória que achei estar perdida no meio de todas
as outras daquela noite.
Droga…
Agora eu queria o idiota ali. Bati a cabeça no travesseiro, descontando
minha raiva. Peguei o celular, pensando em mandar uma mensagem para
ele, e dei de cara com um recado de voz dele. Nada romântico ou parecido
com a forma que ele falava quando queria me convencer de algo. Era
aquela versão mandona e ríspida.

Daniele: Lia, vou ficar ocupado o restante do dia,


sem comunicação. Quando eu acabar, aviso. E evite
sair sozinha da casa de Donna, ok?

— Ainda quer que eu fique por aqui… — Saí da cama, resmungando.


Já estava escurecendo, o que no verão significava que devia ser umas 20
horas. — Muito bom, Amélia, vai dormir direitinho mais tarde… — Aquele
quarto era quase igual ao de um hotel 5 estrelas. Até tinha uma mesa
redonda de vidro com duas cadeiras, que era onde estava o lanche que
Donna comentara que mandaria. Peguei só os morangos, pois foi a única
coisa que não me causou enjoo mental, e resolvi andar após calçar minhas
sapatilhas pretas.
A casa não estava mais tão silenciosa. Havia berros indignados.
Reconheci a voz de Giovanni acusando o irmão de ter roubado em algo.
— Sabe, eu sempre desconfiei de que havia algo diferente com você
que fazia minha família toda ficar ao seu redor, mas hoje à tarde eu tive
certeza…
Meu coração disparou quando ouvi a voz de Salvatore bem atrás de
mim. Cheguei a sobressaltar e levar a mão ao peito. O homem estava com
as mãos para trás das costas e encarava meu rosto com um olhar curioso.
Pelo visto, ele e Donna tinham mania de abordar pessoas no corredor,
descendo as escadas.
— Eles foram espertos em te esconder, mas se eu tivesse realmente o
interesse em te encontrar, estava fácil.
— Do que você está falando? — Virei para ele e perguntei, perdida
naquela conversa.
— Pergunte à Donna se a filha que ela teve realmente morreu ao
nascer.
— Mas ela… — Fui interrompida pela voz de Carlo, vindo da sala,
como se quisesse apaziguar algo.
— Ok, ok! Na próxima, eu os deixo para você!
— Eles sempre disputam quem matará mais. — Salvatore tinha um
sorriso sádico no rosto. — Tinha alguns homens de Leopoldo pelo terreno,
mas Carlo já acabou com eles. Diferente deles, Daniel prefere degustar o
sofrimento.
Para minha surpresa, Salvatore retirou o celular do bolso e me
mostrou a tela. Toda vez que eu ficava perto dele, sentia que me perdia nas
conversas. Não saberia dizer se ele que puxava muitos assuntos, se falava
em enigmas ou que tinha o raciocínio defeituoso. Nessa de agora, não
consegui entender o que ele estava insinuando ao falar de Donna e…
— Você acha que conhece seu amigo, mas você não o conhece. Você
nunca viu do que ele é capaz de fazer. O que ele já fez. Olhe.
Eu me arrependeria, sabia disso, mas, ainda assim, aceitei pegar o
aparelho em minhas mãos e olhar para a tela.
Por alguns minutos, eu duvidei do que estava vendo. Dos gritos de
quem estava preso à mesa, dos urros do homem com a máscara. Quando ele
levantou o braço para dar um golpe com um facão na mão intacta, meus
receios foram confirmados. Além das tatuagens no braço, deu para ver os
pedaços de pizza na costela.
Pulei com o barulho do berro e cerrei os punhos, controlando a
vontade de cobrir os olhos e não ver mais nada.
— O que você está mostrando pra ela? — Não tinha reparado que
Donna estava perto de nós.
Antes que me desse conta, já tinha devolvido o celular para Salvatore
e comecei a correr pelo caminho que decorara conforme Daniel explicou
sobre aquelas terras. Eu sabia onde ele estava, não era muito distante. A
cada passo, um turbilhão de emoções tomava conta de mim e eu não
conseguia distinguir nenhum desses sentimentos.
A menos de um metro de distância, ouvi o estampido do tiro. Foi
único.
O que estou fazendo aqui? Isso é loucura.
Abri a porta do casebre de supetão, sem bater, procurando saber se
podia ou refletir melhor sobre minhas escolhas. Eu sabia que não. Ele já
tinha avisado que não me queria perto naqueles momentos, muito menos
que soubesse o que fazia.
Eu só não esperava dar de cara com o homem vestindo a cabeça de
urso. Pela gravação, eram duas salas, sendo que a entrada ficava apenas
uma mesa com diversos utensílios e, na segunda, era onde acontecia tudo.
Se pelo celular a imagem dele já era impactante, ao vivo era ainda
mais, os cheiros de sangue, calor, e algo que eu não sabia identificar se
misturavam na saleta, porém, não superavam a visão da máscara manchada
de sangue e o torso com alguns respingos.
Eu me iludi, achei que quando ele abrisse a boca, reconheceria sua
voz e ouviria alguma implicância por eu ter sido teimosa.
Porém, nem o timbre nem o jeito de falar pareciam do Daniel que eu
conhecia há anos.
Quando concordei em ficar, eu me tremia por dentro, só não sabia
dizer porquê. Se era medo dele, daquele Daniel que eu não conhecia, mas
que a essência não era muito diferente do garoto que me defendeu e eu
gostei.
— Eu estou sujo de sangue, garotinha.
— Meu nome é Amélia. — Eu ainda não sabia se o conjunto me dava
náuseas ou se aquela tensão era atração.
Ele riu com escárnio.
— Abra o vestido, garotinha. Para mim, você é uma, assustada,
teimosa e excitada, que só por isso não saiu correndo e chorando. — A mão
que até então estava na minha cintura, subiu devagar, encontrou o laço na
frente do vestido e o soltou, o tecido se espalhou e meus seios ficaram
praticamente expostos. Minha respiração ficou suspensa, aguardando
ansiosa o que Daniel faria.
Ele esfregou o dedão por cima do tecido onde meu mamilo rígido se
mostrava, roçou e apertou meu seio com a palma da mão, até ele sair e o
contato ser direto com o dedo áspero, enquanto eu gemi, sentindo meu
desejo aumentar com o estímulo. Ao mesmo tempo, ignorava que tudo
estava ficando manchado de vermelho por conta do sangue.
Definitivamente, eu não estava habituada àquele Daniel. Mas a
memória dele me defendendo veio com força. Era ele ali, o que perdia o
controle, o que descontava a raiva e frustrações de forma física. Eu sabia
lidar com aquele. Ele era o que implicava comigo sempre que nos víamos.
— E você um garoto que se esconde atrás de uma máscara para fingir
que não matou aquele homem. — Contive um gemido quando os dedos dele
pinçaram meu mamilo e o puxaram, todavia, meu corpo foi para frente,
atraído pela energia arrebatadora dele.
— Aquele homem foi quem sequestrou você. Foi ele que quase
abusou de você quando eu não estava aqui. Não estou me escondendo. Eu
mostrei a ele o que acontece com quem mexe com o que é meu. E eu vou
foder você assim, Amélia. Agora tire o vestido, antes que eu o rasgue.
Eu fiquei tão compenetrada na cabeça de urso, no sangue espalhado
por seu corpo, que eu esqueci que ainda poderia estar carregando o facão,
só me lembrei porque ele o ergueu e balançou perto de mim.
O vestido tinha um zíper do lado para ficar mais folgado e sair mais
fácil, o laço na frente só servia para ajeitar o decote. Com os dedos
trêmulos, abri e abaixei as alças, deixando a gravidade fazer o resto, apenas
saí do meio quando chegou ao chão, estava pronta para abaixar, mas Daniel
levantou o facão, e eu parei na mesma hora.
— Quero você de joelhos, quero que me chupe e me deixe pronto
para comer você.
Devagar, eu me abaixei, respirando do mesmo jeito para me acalmar,
ao mesmo tempo em que tentava não pensar demais naquela loucura ou em
dúvidas idiotas, do tipo: se eu errasse, ele usaria o facão de alguma forma?
Abri o fecho da calça, deixando de vez o medo de lado. Porque assim
que vi o volume esticando o tecido, meu foco mudou por completo. A
Amélia do futuro lidaria com a bizarrice do momento. Não ia ficar
procurando o motivo de estar excitada antes mesmo de tocá-lo. Acariciei-o
por cima da cueca algumas vezes antes de libertá-lo, inchado, duro,
pingando o líquido transparente, que eu fiz questão de lamber com a ponta
da língua antes de o rodear e engolir de uma só vez, matando a saudade e a
vontade. Deixei a baba escorrer e facilitar meu trabalho enquanto ia e vinha,
e minhas mãos, uma massageava suas bolas pesadas e a outra segurava a
base quando meu pescoço foi rodeado e apertado pelos dedos dele, o dedão
subia e acariciava bem o meio da minha garganta, onde aumentava por
conta do volume do seu pau.
Eu o sentia no limite quando o aperto ficou mais forte e fui puxada
para cima. Com o outro braço, ele empurrou todos os utensílios da mesa
para o chão, e antes de largar o facão, o usou para rasgar minha calcinha
ensopada após me deitar na pedra gelada.
Deu um tapa forte na minha coxa e me fez virar.
— É essa versão minha que você quer, então vamos fazer isso igual
animais fazem. — Ele esfregou o pau na minha entrada, espalhando nossos
líquidos, e me penetrou em uma estocada firme, arrancando um gemido
longo meu.
É loucura.
Mas é tão bom.
Eu gemia alto enquanto apertava o pau que entrava e saía de mim,
sem piedade da minha boceta, e que parecia se empolgar ao ouvir o som
que nossos líquidos juntos faziam a cada vez que nossos corpos se
chocavam. Minhas costas curvaram quando Daniel segurou meu pescoço e
o puxou para trás, obrigando-me a apoiar meu peso nos braços esticados
sobre a mesa.
Quando eu estava quase gozando, ele me virou, colocando-me de
novo deitada em cima da mesa antes de arremeter fundo e duro, iniciando
meu orgasmo mais do que ansiado. Eu só não esperava ver o seu rosto ao
invés do urso pavoroso. E, por isso, algumas lágrimas começaram a descer,
discretas, pelo meu rosto. Estiquei meus braços para puxá-lo até mim,
queria beijá-lo, queria provar que éramos nós ainda. Não houve resistência,
apenas entrega e um ritmo mais acelerado que nos fez atingir o ápice juntos.
— Estou grávida — falei, depois de o sentir estremecer de um jeito
descompassado e gemer mais alto. Não pretendia contar bem quando ele
terminava de gozar, mas saiu. Um receio do que ele pensaria revirou minha
barriga.
Daniel ergueu a cabeça, seus olhos estavam arregalados, e desceu o
olhar até minha barriga.
— Acho que seria um milagre você não estar… — Acariciou meu
ventre e um sorrisinho se formava em seus lábios, e eu sabia que ele tinha
voltado. — Que pai você arrumou, hein?
— Um que vai matar por ele ou ela.
Capítulo 39│Daniel Bianchi
Grávida.
Eu vou ser pai, porra.
Era um desejo meu. Só não imaginei que aconteceria tão rápido. A
minha felicidade durou apenas até Amélia falar que eu mataria pela criança,
porque aquele lugar representava a minha pior versão e a que sempre tive
vergonha de existir, além de querer que não houvesse necessidade em ser
daquela forma.
Eu me afastei dela. Que merda de pai eu seria, atacando e matando
pessoas igual a um açougueiro? Ajeitei a calça, peguei e entreguei o vestido
para ela, sem tirar meus olhos da cabeça de urso jogada ali quando vi a
tatuagem em Amélia, e aquilo serviu de gatilho para voltar à sanidade.
As armas jogadas pelo chão. Os braços sujos de sangue seco. Por fim,
foquei na sujeira que deixara em Amélia, nas manchas de sangue em seu
tronco, seios e pescoço.[CdM1]
— Eu te machuquei? — Dava para ver em seus olhos que estava
desapontada com o meu afastamento. O problema era que eu me sentia um
monstro perto dela e da criança. Duas vidas inocentes.
— Não. — Passou o vestido por cima da cabeça e o fechou no zíper.
— O bebê? — Desviei o olhar do laço que fazia na frente dos seios,
pois minha vontade era chupá-los de novo.

— Não dá pra machucá-lo assim.


— Você devia ter me contado antes. E se eu faço algo…
— Você não me machucaria, certo? — Amélia foi firme ao segurar
meu rosto com as duas mãos e o puxar em sua direção. — Então, não tem
como.
— Nunca. Disso, eu seria incapaz. — Neguei e fechei os olhos.
— Daniel…
— Por que não fugiu? Você disse que queria ir pra casa. — Encostei
minha testa na dela, pensando se eu conseguiria mudar, não ser tão
temperamental com aqueles que feriam pessoas importantes para mim, ou
se Amélia, mesmo vendo o pior em mim, tinha realmente decidido ficar.
— Porque meus neurônios têm defeitos, eles são apaixonados por
você. Não quer dizer que eu aprove, mas sim que aceito.
— Também te amo. — Segurei seu rosto da mesma forma que ela
fazia comigo e iniciei um beijo lento, delicado, completamente diferente do
jeito que a tratei minutos antes.
— Acho bom, porque a outra opção é eu ir criar nosso filho com a
Babi. — Ela sorriu, relaxada, apesar de todo o caos ao seu redor, e a puxei
para mais um beijo, um pouco mais intenso e exigente do que o anterior.
Soltei Amélia antes que recomeçássemos ali, sendo que a queria em minha
cama, disponível para degustar cada pedaço.
Aos poucos, me afastei para pegar minha blusa na cadeira,
aproveitando para mandar uma mensagem para os soldatos que trouxeram
Leopoldo fazerem a limpa e conferir onde estava um dos homens que eu
suspeitava ser o traidor. Em seguida, enquanto ligava para avisar Matteo das
descobertas, estendi minha mão para Amélia pegar e aceitar sair dali
comigo. Entrelacei nossos dedos e dei um beijo no dorso de sua mão após
fechar a porta do casebre. Alguém viria arrumar a bagunça que deixamos
para trás, inclusive se desfazer do corpo de forma apropriada.
— Acho que Donna é minha mãe. — Assim que guardei o celular no
bolso, Amélia falou de forma tão natural que demorei a perceber todos os
significados naquela frase. Só não foi tão impactante, pois eu tinha lá
minhas teorias.
— Por quê?
— Seu pai falou umas coisas… Na hora não consegui pensar muito,
pois ele logo mostrou o que você estava fazendo aqui, mas, no caminho pra
cá, e só de pensar que vamos encontrá-los agora, as palavras dele voltaram.
Até porque não foi só isso. Donna sempre esteve por perto, né? Desde a
minha primeira memória.
E, desde os 15 anos, Amélia sabia que era adotada. Eu me lembrava
do dia que ela chegou na minha casa, procurando a Carina, com cara de
choro e voz embargada. Nem minha irmã nem minha mãe estavam em casa,
mas deixei que entrasse, preparei um lanche e aguardei do seu lado no sofá
até que começasse a falar sobre ter ouvido os pais conversando que deviam
contar a ela, que já estava grande e com maturidade para entender.
Naquela época, a gente ainda não se falava direito, só implicava um
com o outro. Poderia dizer que foi a primeira vez tivemos uma conversa de
verdade.
— Você sabia?
— Não. — Encarei seus olhos meio turvos, para mostrar que estava
sendo sincero. — Eu sabia que você era especial. Foi isso que Matteo falou
um dia para mim. Mas agora faz sentido. Carlo foi quem tentou te
sequestrar quando você era criança. — Ela arregalou os olhos de uma forma
engraçada, que me fez sorrir. Expliquei o que lembrava daquela época, de
ter visto seu pai, de Matteo a ter me mostrado dias antes de nos
conhecermos.
Com aquela lembrança fresca, parei e puxei Amélia para mim.
Continuei com nossas mãos conectadas de um lado e a minha outra subiu
para seu rosto, toquei a bochecha manchada de sangue, que pouco dava
para ver ali no meio das parreiras, sob, somente, a luz da lua.
— Eu jurei que te protegeria nesse dia, Lia — confessei, sentindo
meu peito trepidar. Aquela mulher causava um efeito em mim que mais
ninguém conseguia. — Matteo chegou a rir de mim, e toda vez que via nós
dois brigando, ele fazia questão de me lembrar que, sem ninguém pedir, eu
jurei te proteger. — Escorreguei o dedão perto do seu pulso, por baixo da
manga do vestido dela. — E eu mantive. Mesmo não gostando muito de
você no início, algo me dizia que era minha tarefa manter você segura. Só
que não consegui, não foi?
Por mais que não desse para ver, eu sabia que estava tocando a marca
avermelhada em seu pulso. Marca que só vi quando ela ficou nua no
casebre. Foi mais uma das coisas que me fez retornar ao cara que ela
precisava, que cuidaria dela.
— Quero aprender a atirar.
Quebrando todas as minhas expectativas do momento, ela fez aquele
pedido com o rosto mais sério que já vi. Foi impossível não gargalhar.
— Estou falando sério, Daniel.
— Eu sei, coração. Só foi… — Juntei nossos lábios em um beijo
fugaz, rápido, para amenizar a irritação dela. — Eu estava me declarando,
falando de algo bonitinho… Aí você me pede para atirar. Desculpa, foi
engraçado.
— Achei que estava implícito que eu queria proteger você também e
nosso filho ou filha.
Levei nossas mãos para as costas dela e embrenhei meus dedos em
seu cabelo, bagunçado pelo sexo de antes, puxando-a para um beijo
profundo. Eu amava aquela mulher e iria ao inferno por ela, mesmo com
suas declarações pouco convencionais.
Um grito estridente e fino interrompeu nosso beijo e cortou o silêncio
da noite. Eu e Amélia nos separamos e ficamos atentos. Pela proximidade,
só podia ser na minha casa ou de Donna, ou perto delas, não dava para ser
na área com as casas das outras famílias.
— Alguém o socorre! — Eu reconheci aquela voz. Era da mulher que
organizava as coisas na casa do meu pai.
— Merda! Consegue correr? — Encarei Amélia, ansioso por sua
resposta. Ela estava grávida, ficara semanas em cativeiro e passara por
emoções demais em um único dia.
Ela me olhou perplexa.
— Não vou deixar você sozinha, mas preciso ver o que está
acontecendo.
Minha garota revirou os olhos e soltou uma risada debochada antes de
começar a correr devagar para mostrar seu ponto. Eu a segui.
— Acha que alguém invadiu? — Ela aumentou a velocidade quando a
alcancei.
— Se for quem Leopoldo deu a entender, não precisaria invadir.
Merda.
A tensão tomou conta de mim, junto com um medo o qual não pensei
existir. O de perder meu pai por um deslize bobo. Ou perder uma das
poucas pessoas que podia chamar de amigo. Pois, na minha casa, só tinha
meu pai e Lucca que poderiam ser alvos de algum ataque.
Quando saímos do meio das parreiras e subimos a rampa que levaria
até as casas, já fiquei mais aliviado, pois no meio das plantações éramos
alvos fáceis.
Do pé da escada eu soube a resposta, era meu pai. Donna estava na
porta, cobria a boca com a mão fechada, um braço apoiado no outro e seus
olhos brilhavam com as lágrimas.
Um bloco de cimento parecia ser mais fácil de engolir do que aquela
verdade. Eu poderia estar odiando o velho, ser contra metade das coisas que
ele fazia, mas não podia negar que ele sempre estivera comigo, fazendo o
seu melhor para me tornar o que ele considerava melhor para o nosso tipo
de mundo.
Se ele tivesse morrido, tudo ia mudar.
Entrei, sendo seguido por Amélia. Nós dois com as respirações
ofegantes e semblantes preocupados. Vasculhei a entrada, alguns dos
homens que faziam a ronda naquele horário já estavam ali, sérios,
ligeiramente abalados, pois eram acostumados a demonstrar pouco.
Na mesma sala que estive mais cedo, o corpo do meu pai jazia
estirado no chão perto das poltronas com a mesinha no meio. O médico que
ficara alojado num dos quartos, para observar e cuidar de Lucca nas horas
mais críticas, estava ajoelhado ao lado de Salvatore, auscultando-o com seu
estetoscópio. Enquanto que Matteo, bem próximo a eles, erguia uma taça de
vinha contra a luz e depois a abaixou, cheirando seu conteúdo.
— Se foi veneno, só estava na que ele bebeu. — Nem precisei
perguntar coisa alguma, pois ele apontou para os cacos de vidro ao lado do
corpo.
— Certamente foi. — O médico olhou com pesar para Matteo e
depois para mim. — Os batimentos cardíacos dele estão fracos. Não foi
uma parada cardíaca.
— Onde estava essa? — Perguntei, mesmo que já soubesse a
resposta. Seria coincidência demais que meu pai parasse ali com outra
pessoa, servissem vinho e só um tomasse de sua taça.
Matteo apontou, perto da mesma garrafa que Stefano abrira e servira
para mim. Eu só não bebi, pois eles chegaram bem na hora.
— É estranho, porque Yolanda tinha acabado de servir.
— Eu? — A senhora de cabelo preto, recheado de fios brancos, preso
em um coque, apontou para o próprio corpo. A mulher que até agora só
tinha tristeza nos olhos, encarou Matteo confusa. — Não servi nada. O
senhor Salvatore me ligou quando estava saindo da sua casa, pediu que eu
deixasse um vinho pronto para vocês, mas eu já tinha me recolhido, então
demorei um pouco para descer. — Ela puxou as bordas do robe de cetim
que combinavam com a camisola azul embaixo, cobrindo-se melhor. —
Quando cheguei aqui ele já estava caído e você no corredor, no telefone.
Yolanda trabalhava para o meu pai desde antes de eu morar ali perto
quando criança. Se tinha alguém que sentia algum carinho pelo meu e
nunca o trairia, era ela.
— Era pra mim. Se você não serviu nada, esse é o mesmo vinho que
Stefano colocou para mim mais cedo. — Amélia suspirou, espantada. — Se
vocês não tivessem chegado, eu teria bebido. — Abaixei-me ao lado do
corpo quando o médico parou de examiná-lo.
— Já chamamos uma ambulância. Eu não tenho aqui o que é
necessário para limpar o sistema dele.
Isso se ainda fosse possível fazer algo por ele, estava claro no
semblante do médico que as esperanças deviam ser baixas. Aquilo me
colocava em uma posição que não pensei que precisaria assumir pelos
próximos anos. Assenti, dando um olhar de agradecimento para o médico e
me levantei, pensando de forma objetiva em todos os passos que
precisaríamos dar.
— Matteo, peça para Francesco e Astor irem e ficarem com ele no
hospital. A gente ainda não sabe quem realmente está por trás desse ataque
à nossa famiglia, então, é melhor manter por perto os mais confiáveis —
falei baixo, pois ele ainda estava perto de mim. Os dois homens, os
seguranças mais antigos e confiáveis de meu pai, ambos já deviam estar a
caminho do casarão àquela hora. — E, Donna, acho que uma reunião com
os outros capos, seria bom, não? — Ela aquiesceu, estava parada perto de
Amélia, segurando a mão da minha mulher. Eu não saberia dizer se era para
ter algum consolo ou para passar alguma mensagem para Amélia não ficar
tão assustada.
— Vou pedir para Ruth trazer uma roupa para você, bambina. — Ela
deixou um beijo na testa de Amélia, que arregalou os olhos, percebendo
naquele momento o caos em que se encontrava.
Capítulo 40│Amélia
Eu não sabia o que pensar ou quais seriam os reflexos do
envenenamento de Salvatore. Apenas conseguia perceber as alterações mais
próximas, como a mudança de postura de Daniel. Assim que a ambulância
saiu, ele me chamou e me levou para um quarto amplo, com varandinha na
janela, banheiro e uma decoração bem mais conservadora do que tinha pela
casa de Donna.
Nós tomamos um banho rápido. Ele me encarava preocupado a cada
dois minutos, porém, não verbalizava nada, soltava suspiros profundos ou
balançava a cabeça.
Por isso, antes de sairmos do quarto, segurei sua mão e o fiz encarar
meus olhos.
— Eu escolhi ficar, lembra? — Levei a mão livre ao seu rosto,
acariciando as pontinhas da barba crescendo. — Escolhi aceitar seu mundo
e sua pior versão. Pare de me olhar como se tudo fosse acabar em dois
segundos.
— Você não tem ideia do que tem no meu mundo.
— Meu bem, se tem uma coisa que consigo saber sem ninguém me
explicar, é o que tem no seu mundo, Daniel. A partir do momento que as
palavras Don e máfia foram citadas, eu entendi. Parece até que se esqueceu
de que eu sou consumidora fiel de notícias sobre esse universo. Eu só não
sei onde vou me encaixar, porque não sirvo pra ser a esposa que só cuida
dos filhos e planeja eventos. Não que você tenha me pedido em casamento,
mas…
No segundo seguinte, eu estava sendo prensada contra a porta, tendo
meus lábios tomados com voracidade, a língua dele invadindo minha boca,
arrancando gemidos de mim, que se perdiam naquele beijo desesperado,
urgente, em que um calor se espalhou e nos deixou ofegantes, excitados,
sedentos por algo mais.
— Merda. — Daniel escondeu o rosto em meu pescoço. Eu senti o
pau duro dele contra minha barriga. — Vai ser foda me reunir com os outros
chefes pensando na sua boceta apertada. — Ele fez um caminho de beijos
até meus lábios, onde apreendeu o inferior entre seus dentes, numa
mordidinha dolorida e depois o soltou. — E, claro que você vai ser minha
esposa, Lia. Assim que as coisas se acalmarem um pouco, nós vamos cuidar
dessa parte.
— Bom que você vai ter tempo de pensar em um pedido melhor do
que esse — impliquei e o empurrei de leve, ou não desceríamos tão cedo.
O barulho de pratos e talheres repercutiam pela casa, junto com o som
alto das vozes quando descemos. Pelo que reparei, vinha da sala de jantar,
que ficava de frente para a que encontramos Salvatore.
— Não me importa o que vocês vão fazer, eu vou pedir desculpas. É
óbvio que mesmo sem lembrar de mim direito, Lia tem medo de mim. — A
voz de Carlo se sobrepôs à de todos os outros. — Se ela vai ficar por aqui,
isso precisa ser resolvido.
— E qual foi a motivação? Novo negócio? — Giovanni debochou.
— Me espanta é ele se preocupar com isso. — Matteo riu e andou até
o aparador de bebidas para se servir de mais vinho. Aproveitou e levou para
a esposa, que ocupava o lugar na cabeceira, e se sentou na cadeira à
esquerda dela.
Nenhum dos quatro percebeu quando entramos na sala. Carlo e
Giovanni estavam em pé, de costas para a porta, pegando comida e
colocando em seus pratos. Eu poderia ficar apenas observando para ver
onde aquela discussão levaria, pois nem Donna nem Matteo pareciam
interessados em interferir na discussão.
— O Carlo não precisa se desculpar. — Impostei a voz para chamar a
atenção de todos. Não era algo que eu gostava de fazer, só que estava
cansada de todos aqueles assuntos mal resolvidos. — Daniel explicou essa
parte. E juntando tudo que ouvi por aqui, acho que também sei o motivo,
mas prefiro ouvir a explicação de um de vocês.
Eu estava pronta para aquilo? Não. Definitivamente, não.
E se eu estivesse errada?
Ao meu lado, Daniel soltou uma risadinha pelo nariz, puxou-me até a
outra cadeira vazia perto de Donna, e foi pegar um prato para colocar
alguns dos aperitivos que alguém se deu ao trabalho de arrumar para a
reunião que ocorreria em breve. Sentei-me ao lado da mulher que poderia
ser minha mãe biológica, fazendo um pequeno escrutínio entre eles para ver
quem se dispunha a falar primeiro. Minhas mãos começaram a suar de
nervoso e meu coração apertou até que Donna pigarreou, chamando minha
atenção.
— Provavelmente você está certa. Um pouco antes de eu engravidar,
Salvatore pretendia ampliar nosso domínio e, por isso, tinha rixa com uma
das famílias que não cediam sua lealdade a ele por nada. Eu acabei me
envolvendo com o filho do homem que irritava Salvatore. Quando ele
descobriu, foi atrás de barganha, não deu certo. Então, o matou, e quando
soube da gravidez, arrumou um casamento para mim. — Indicou Matteo
que, a essa hora, já havia buscado a mão da esposa sobre a mesa e a
acariciava, dando o suporte que ela precisava para contar a verdade. — Ele
foi responsável por levar a criança para uma família que eu não conhecesse
e não soubesse de onde vinha. Acho que você foi a única criança que
deixou Salvatore com medo, pois, se fosse um menino, poderia se voltar
contra ele e tentaria ocupar seu lugar.
— Sendo menina, não posso ocupar lugar nenhum. — Daniel parou
ao meu lado com um pratinho cheio de coisas que não me despertavam o
mínimo interesse, o enjoo estava sendo a pior parte daquela gravidez. —
Somos primos de segundo grau, tem noção disso?
Ele me encarou descrente. E eu sabia que viria alguma explicação
pontual e dentro da lei. O advogado não abandonava o mafioso, isso estava
claro.
— Tecnicamente, isso não existe, coração. O grau se conta em linha
reta, subindo e descendo. Você precisaria ir até o seu bisavô e…
— Ok. Ok, Daniele, ninguém normal se importa com isso. — Abanei
com a mão para que parasse com a explicação. — Você me entendeu.
Apesar de ter dado continuidade ao assunto e incentivado que
revelassem a verdade, eu não sabia como reagir, o que falar ou fazer com a
mulher à minha frente. Desde que descobri sobre ser adotada e me
conformei que tinha sido abandonada pela minha família biológica, apaguei
a necessidade de pensar neles, pensar no que faria caso os encontrasse.
Apaguei também a obrigação de sentir algo por pessoas que não me
acompanharam ao longo da vida. Era óbvio que eu tinha um carinho e
admiração por Donna. Aquilo, junto à explicação do porquê fui deixada
com outras pessoas, seriam suficientes para quebrarem aquela barreira que
criei por anos como defesa?
— Lia… — Donna tocou minha mão, retirando-me dos meus
devaneios. — Desculpa não falar antes. Eu não sabia se seria seguro para
você e não achava justo contar e não poder conviver com você como
gostaria.
— Olha, felizmente, meus pais são ótimos. Tanto que não senti
necessidade em procurar pelos biológicos. — Eu inspirei fundo e soltei o ar
aos poucos. — Vou ver Lucca. — Definitivamente, não estava sabendo lidar
com tudo o que surgia por conta da verdade. Levantei-me e saí da sala de
jantar antes que me chamassem. Respirando de forma lenta, segui pelo
corredor, pelo caminho que Daniel indicou quando subimos.
Ao mesmo tempo em que eu queria abraçar Donna, fazer mil
perguntas sobre sua vida, seus gostos, além do que me deixava saber de vez
em quando, eu queria respirar sem toda tensão que cada olhar sobre mim
carregava naquela sala. Por isso precisava de espaço, para meus
sentimentos se equilibrarem.
Entrei no quarto e não precisei acender a luz, pois tinha uma menos
intensa perto da cabeceira de Lucca.
— Em pensar que vocês estavam algumas portas de distância… —
pensei alto, ao me aproximar da cama em que ele estava. Se entendi direito,
o médico o colocou em um coma induzido para ajudar na recuperação e
para não sentir a dor da cicatrização. Segurei a mão boa e dei um aperto
leve. — Saiba que não culpo você pelo sequestro. — Nem sabia se ele
escutaria, mas precisava falar e repetiria quando ele estivesse acordado. —
Fico imaginando se eu tivesse gritado enquanto me levavam para as
consultas… Será que vocês teriam ouvido? Adiantaria de alguma coisa? —
Uma lágrima começou a escorrer pelo meu rosto. Logo, outras se juntaram
a ela em um choro silencioso, necessário, que limpava e tirava do meu peito
um peso que eu nem sabia existir.
Ele podia estar machucado, Daniel tinha várias marcas pelo corpo e
eu guardaria sequelas e teria pesadelos por muito tempo, mas estávamos
vivos. Meus pais estavam bem, alheios aos perigos que eu corria, mas bem.
E tudo parecia que viraria uma zona antes de se ajeitar.
Senti a mão em meu ombro e soube quem era apenas pelo toque
delicado. Virei depois de soltar Lucca e fui recebida pelo abraço que eu
precisava e o cheiro doce e floral do perfume de Donna. Não houve
palavras, nem precisava. Pelo menos, eu não precisava de mais explicações
ou algo do tipo. O tempo que mostraria como a gente ficaria.
— Os outros afiliados estão chegando. — Ela afastou meu rosto de
seu ombro, e começou a ajeitar meu cabelo para atrás das orelhas. — Daniel
pediu para você participar.
Aquiesci e me soltei de vez dela.
Eu não sabia como me portar, então, durante o caminho, pedi que
Donna explicasse o que deveria fazer. De acordo com ela, como eu não
conhecia ninguém e não sabia como funcionava, deveria escutar tudo com
muita atenção, observar as reações e concordar com Daniel. Com o tempo,
eles me preparariam para não parecer uma completa leiga sobre tudo que
envolvia a famiglia.
O clima mudara completamente do que estava quando saí da sala de
jantar. A energia mais familiar e acolhedora tinha sido trocada por uma
intimidadora, formal e obscura. Senti um calafrio percorrer minha espinha.
Deve ser por isso que os mocinhos dos filmes evitam que as suas
mulheres participem disso.
Não teve um rosto que não me encarou e analisou todos os meus
gestos e passos até chegar perto de Daniel, que estava em pé atrás da
cadeira na ponta da mesa. Até a postura dele mudara, estava mais na
defensiva.
— Para quem não conhece, essa é Amélia, minha noiva e filha de
Donna. — Até o tom da voz dele saiu um timbre mais grosso.
Estranhamente, minha boceta pulsou com aquela mudança. Daniel segurou
minha mão, deu um beijo no dorso e me fez sentar na cadeira que eu supus
que seria para ele.
Assim que me sentei, uma onda de vozes irrompeu pela sala,
vigorosas, dando boas-vindas, felicidades e fazendo elogios, que até eu
percebia que alguns eram falsos. Tinha uns 15 homens ao redor da mesa,
alguns sentados, outros encostados na janela, mas todos estavam vestidos
como se fossem para um evento social, de terno, gravata, bem alinhados.
— Acho que podemos começar. — Daniel pigarreou. Ele continuara
em pé, atrás de onde eu estava sentada, e apoiou a mão esquerda sobre o
meu ombro. — Como podem perceber, meu pai não está aqui. — Uns
burburinhos começaram. — Senhores, por favor. — O silêncio retornou. —
Acreditamos que ele foi envenenado aqui em casa. Não sabemos por quem,
mas temos alguns nomes em mente.
— Isso é um absurdo! Como ousam fazer isso com Don Matarazzo?
— Um homem esguiou com bigode comprido se levantou e bateu na mesa.
— Ele está vivo?
— Sim. Por enquanto, sim. Foi levado para o hospital e estamos
rezando para que consigam eliminar o veneno de seu corpo.
— Falarei para Apolonia iniciar uma corrente de oração.
O assunto era extremamente sério, mas eu comprimi os lábios e me
forcei a não rir, pois aquele comentário foi bem estilo tiazona do Whatsapp.
Daniel apertou de leve meu ombro, mostrando que sabia o que eu estava
pensando.
Ao menos aquilo serviu para minhas entranhas pararem de revirar e
meu coração voltasse a bater mais tranquilamente. Eu poderia imaginar que
todos eram parentes, uns sonsos, outros leais, ao invés de ficar lembrando
que a maioria ali já tinha matado, pelo menos, uma pessoa.

Três semanas depois, eu já estava acostumada com todos que


entravam e saíam da nossa casa. Tinha algumas crianças das casas menores
que passavam correndo pela escadaria da frente e me pediam desculpas se
eu estivesse na porta. Os seguranças, ou soldatos, homens que faziam um
pouco de tudo por ali, desde rondas pela propriedade, compras, serviam de
motorista, eram educados, uns simpáticos, outros nem tanto, mas todos
falavam comigo com respeito. Ainda existia Yolanda e sua equipe de duas
mulheres, que cuidavam da limpeza e comida da casa — aos poucos, eu a
convencia de me deixar participar e aprender o que faziam —, elas me
perguntavam sobre o bebê, abençoavam minha barriga e sempre traziam
coisas para eu comer, mesmo que os enjoos não me permitissem comer
muito.
Nem sempre Daniel passava o dia todo em casa, mas eu sempre teria
companhia, funcionários ou família, e todos se reuniam à mesa para
almoçarem ou jantarem se estivessem por ali. A única regra de Yolanda, era
sem armas em cima da mesa. Aquele era outro detalhe que demorei uns dias
para me habituar, pois nem todos usavam armas pequenas, presas na cintura
ou guardadas por dentro da roupa, alguns levavam metralhadoras
penduradas no ombro, como se estivessem carregando um bule de café.
Hoje estava mais movimentado do que o costume, pois Salvatore
voltaria para casa. Nos exames detectaram arsênico, enquanto tentavam
retirar o veneno do seu organismo, ele teve algumas paradas cardíacas,
baixa oxigenação do cérebro, o que acarretou em um lado paralisado do
corpo. Por isso, estavam ajeitando um dos quartos no primeiro andar,
rearrumando móveis para que ele tivesse mais mobilidade em casa com a
cadeira de rodas elétrica.
— Você está distraída, coração. — Daniel roçou os lábios em meu
ouvido ao sussurrar. — Precisa focar mais. — Para me ajudar, ele deslizou
as mãos lentamente pelos meus braços até cobrirem minha mão.
Espalhando um arrepio gostoso por minha coluna. — Isso. — Seus dedos
grandes envolveram os meus e pressionaram de leve. — Agora mire e atire.
— Ele me soltou, mas não se afastou, continuou atrás de mim, servindo de
suporte para quando eu ia para trás por conta do coice da arma. Não era
necessário, porém, se algum dia ele já fora cuidadoso comigo, agora era mil
vezes mais.
Ia completar minha terceira semana de aula de tiro em breve e eu já
tinha uma conclusão triste para fazer: minha mira era mediana. A minha
sorte era que Daniel e Donna eram pacientes. Carlo, Giovanni e Matteo
tinham viajado, os dois primeiros para os Estados Unidos e o último para o
Brasil.
Carlo era quem controlava boa parte da famiglia em Nova York, então
não tinha como ficar muito mais tempo afastado, principalmente quando o
filho do Don foi ameaçado de morte.
Matteo ficara responsável por organizar o funcionamento da máfia no
Brasil, tendo em vista que Daniel não poderia voltar tão cedo. Eles tinham
um homem de confiança para deixarem, só precisavam alinhar os planos.
— Abra os olhos, coração. — Daniel só abaixou o rosto perto do
meu. O cheiro, o tom da voz, o calor que a presença dele emanava,
deixavam-me molhada sem que ele precisasse fazer grande esforço. Nos
últimos dias, eu me sentia uma tarada sem controle e não ajudava que, um
pouco antes de sairmos do quarto para o treino, Daniel tinha me convencido
a colocar um plug anal, só para ir preparando o terreno. Era esquisito e não
muito confortável para ficar caminhando demais, a sorte foi que o local de
treino não era muito distante. Por outro lado, o estímulo que o objeto
causava e emoção de estar usando algo diferente, meio que um segredo,
atiçava ainda mais o calor que me dominava nos últimos dias.
Respirando fundo e abstraindo minha excitação, abri os olhos e vi no
furinho o boneco de papelão preso ao chão. Aquela área era só para treinos,
alguns soldatos gostavam de apostar que ganhariam outro numa luta
corporal ou na mira. Eu fiquei satisfeita de ter acertado o olho do boneco,
sendo que tinha mirado no meio da testa. Sorri e me virei, já abraçando
Daniel para comemorar.
Luna, que tinha passado a ser minha sombra naquele lugar, fosse
dentro ou fora de casa, veio para perto de nós e ficou bufando. Ela era a
pior julgadora, todas as vezes que eu errava, quase podia vê-la revirando os
olhos, cansada de me ver errar, depois ela deitava a cabeça sobre as patas
dianteiras e quase dormia.
Capítulo 41│Daniel Bianchi
Era bom ver Amélia se adaptando ao local e à nova realidade. Em
alguns dias, ela ainda acordava assustada, pensando que estava presa, mas,
fora isso, parecia feliz. Conversava com a família, Carina e Bárbara por
videochamada quase todo dia. Infelizmente, eu não queria arriscar que ela
fizesse passeios enquanto não encontrávamos Stefano e não descobríamos
se havia alguém mais por trás da tentativa de me matar. Dentro das minhas
terras, eu tinha mais certeza de que sua segurança seria mantida.
Retribuí o abraço apertado, enlaçando minha mulher pela cintura e
roubei um beijo rápido de seus lábios.
— De novo, coração. — Girei Amélia antes que a gente evoluísse o
beijo. Eu só conseguia imaginar a hora que a arrastaria de volta para o
quarto e aproveitaria os efeitos do plug que coloquei mais cedo. Qualquer
imagem mental do meu pau fodendo a bunda da minha noiva sumiu quando
vi Astor se aproximando. — Meu pai chegou. — O segurança fora até o
hospital para trazer Salvatore para casa e buscar umas coisas que tinha
encomendado.
Amélia resmungou e seus ombros murcharam. Aquele era um tópico
sensível, pois ela sabia que teria de conviver com alguém que quase a
matou. Ela até implicou comigo, falou que inventei fetiche para arrumar
uma desculpa para ela engravidar. Mas nem foi tão intencional assim. Eu
sabia que um filho seria crucial, porém, não esperava que viesse tão rápido.
— Sabe que não me importo com a casa, a gente pode ficar em uma
das casas vazias menores. — Aquela era uma opção, sairmos do casarão e
irmos para a área em que parte dos funcionários moravam.
— Não precisa. Até porque seu pai vai precisar de ajuda. Eu só me
lembrei que nunca passei tanto tempo longe dos meus pais… — Ela me
entregou a arma para que guardasse no cós da calça, depois busquei sua
mão e entrelacei nossos dedos para fazermos o caminho de volta até em
casa.
— Prometo que assim que for mais seguro, levo você. — Passei o
braço por seus ombros e puxei sua cabeça para poder dar um beijo no topo.
Incrível como o homem, mesmo com um lado paralisado do rosto,
podia demonstrar descontentamento tão fácil, foi só eu e Amélia entrarmos
abraçados, que crispou do jeito que deu o lado com movimento.
— E o bebê? — Salvatore perguntou embolado, sem conseguir
vocalizar todas as letras, mas, passando algum tempo com ele desde que
acordara, eu já tinha me acostumado.
— Está bem. — Aquela pergunta era a primeira que fazia quando me
via. — Ontem fizemos um exame importante e está tudo bem com ele.
Salvatore balançou a cabeça, aprovando a notícia.
— Marquei um almoço para a sua volta. Logo eles devem chegar. Já
viu seu quarto? — Meu receio e motivo para o encher de informações era
que Salvatore começasse a falar coisas para reclamar de Amélia ou da nossa
decisão de nos casarmos. Então soltei minha noiva e me encaminhei até ele
para que pudesse levá-lo até seu novo quarto. O antigo nem eu me sentia
bem em ocupar, por mais que fosse tradição o chefe da família mudar de
dormitório ao assumir o comando. Isso era outro ponto que, aos poucos, eu
me dava conta da mudança.
— Quem fez isso? — Era outra pergunta que ele também fazia muito,
porém, no hospital, eu fugia sempre, só por garantia.
— Stefano. Ele foi encontrado no aeroporto de Lisboa. Até à tarde,
devem trazê-lo para cá. — Abri a porta de correr, instalada para facilitar a
entrada e saída dele do quarto e o empurrei. — Ele tinha passagens
compradas para destinos diferentes. Provavelmente pretendia tentar nos
despistar.
Meu pai se remexeu na cadeira assim que viu dentro do quarto a
cadeira especial para ele tomar banho, com um furo no meio, e começou a
bufar e virar a cabeça até que eu o tirasse dali.
— Amanhã virá uma fisioterapeuta para começar seus exercícios.
Nem adianta reclamar, são recomendações médicas — briguei quando ele
começou a resmungar, irritado.
Desde que Salvatore acordou, ele vivia entre se irritar por não poder
fazer as coisas como antigamente e porque via que não estava mais tanto
assim no controle. Nem voltaria. O médico avisou sobre risco de um novo
AVC e a necessidade de se fortalecer para, talvez, algum dia, os
movimentos retornarem — isso não era garantia.
— Você chegou a algum palpite sobre quem convenceu Stefano e
Leopoldo? — Aquele era um assunto que o fazia fechar os olhos e fingir
que estava dormindo quando estávamos no hospital. Mas hoje, ele reagiu
diferente.
Soltou o ar numa lufada barulhenta e mexeu os lábios, como se
quisesse fazer um bico, enquanto jogava a cabeça na direção de Amélia,
que conversava com Yolanda sobre os pratos que serviriam.
Os Rizzo.
A família que desde sempre ia contra a nossa e não queria ceder seu
domínio, até ser obrigada a isso. Puta fórmula para ganhar um traidor
disfarçado de aliado, mas não comentaria isso.
— Eles vão estar aqui hoje.
Salvatore balançou a cabeça.
— Vou precisar confirmar isso. — Porque podia ser implicância, rixa
antiga entre Tarso Rizzo e Salvatore. E eu criaria mais uma guerra ao atacar
as pessoas erradas.
Meu pai ficou quieto e o deixei perto da janela para que tivesse algo
além da sala sem televisão e pessoas para olhar. Eu precisava organizar a
recepção de Stefano, porém, antes, tinha um presente para dar à Amélia.
— Os convidados já vão chegar. — Yolanda me repreendeu, mal eu
abracei Amélia por trás. Aquela ali reconhecia de longe minhas intenções,
mas sempre sorria e já tinha falado que estava feliz por mim.
— Não vamos demorar. — Pisquei o olho para ela e peguei Amélia
no colo para levá-la para o segundo andar.
— Você enlouqueceu?
— É ansiedade.
— Pra quê? — Ela me encarou, desconfiada.
— Você já vai ver. — Entrei no quarto de olho na embalagem em
cima da cama.
— Por que eu acho que você aprontou alguma coisa e não são só
nossas alianças aí? — Amélia cruzou os braços ao ser deixada no chão e me
seguiu até a cama.
— Sou um anjo, só comprei algo especial para a minha noiva. —
Dentro da sacola preta, havia duas caixas no mesmo tom e de veludo e
quadradas, só que uma era num todo, tipo um cubo, com nossas alianças, e
a outra era bem mais fina e larga. Conferi o conteúdo da menor, abrindo só
um pouquinho, evitando que Amélia olhasse, pois aquelas alianças seriam
trocadas no almoço.
— Lembra que um dia falei que, se desse mole, colocaria uma coleira
no seu pescoço? — Sorri enviesado, sacana, já imaginando o cordão no
pescoço claro de Amélia. Não tinha mais do que a espessura de um dedo,
feito em couro preto, com uma cabeça de urso como pingente de ouro e rubi
nos olhos, e minha inicial gravada atrás.
— Eu sabia que um dia você compraria isso… — Amélia veio para o
meu lado, mas seus olhos estavam na joia que eu retirava do estojo. —
Achei que seria só sua inicial. Mas gostei do urso. — Ela me encarou com
os olhos brilhando, em um desejo que eu não esperava. — Que foi?
— Você realmente gostou. Achei que ia brigar comigo.
— Pertencer a você me excita. — Ela sussurrou, rouca, desviando os
olhos dos meus conforme seu rosto corava.
— Vire-se e levante o cabelo. — Minha fera quase ronronou quando a
viu obedecer de imediato. Retirei o cordão do estojo e o prendi ao redor do
pescoço de Amélia. Seus pelos arrepiaram e seu corpo estremeceu somente
com o contato dos meus dedos no fecho. O plug parecia estar causando o
efeito que eu desejava e mais, pois Amélia estava ainda mais sensível a
qualquer toque. — Agora, tire a roupa, coração, quero ver você só com a
coleira.
Amélia prontamente puxou o vestido para cima, permitindo que eu
acompanhasse o tecido saindo de sua pele, exibindo a calcinha branca de
seda e renda que colocara, achando que disfarçaria o volume da joia
vermelha que estava bem ajustada no meio de sua bunda. Ela jogou a roupa
no chão e eu segurei sua mão, rodando-a de frente para mim.
Porra, minha mulher era a mais maravilhosa que eu já vira nua.
Contemplei o corpo perfeito, sentindo meu pau endurecer e ficar
apertado dentro da calça. Os mamilos dela começavam a escurecer, os seios
estavam mais cheios e mais empinados, e eu não via a hora das outras
mudanças começarem.
Subi o olhar para o novo acessório e senti meu ego inflar. Ela era
minha. Foda-se o mundo. Amélia era minha. Eu mataria quem fosse
necessário para que ela nunca mais sofresse uma insegurança sequer. Sem
aguentar mais tempo longe, puxei-a para mim, caindo de boca em um dos
mamilos túrgidos, chupei com força, gemendo com ela. Meus dedos se
ocupavam de chegar a calcinha para baixo até esbarrar na joia e depois
procurar os lábios melados da boceta pronta para me receber.
— Quero que você me chupe primeiro. — Soltou num muxoxo
sôfrego, enquanto eu a arrastava para a cama.
— Você usa a coleira, mas eu sou seu escravo. — Enquanto ela
retirava a calcinha, eu me desfiz da minha blusa e deitei na cama. Em
momento algum tirei meus olhos de Amélia, acompanhei minha mulher ir
pela lateral subir na cama, perder alguns segundos indecisa sobre o que
faria, mas quando decidiu, até eu engoli seco, pois havia um brilho em seus
olhos que poderia incendiar toda aquela fazenda.
Era ela quem usava uma coleira, mas fui eu quem foi dominado
quando Amélia sentou em meu rosto ao contrário e segurou em meu
pescoço para se apoiar. Eu tinha encontrado uma doida que queria me
enforcar e nem pedia ou avisava sobre essa merda. Ainda bem que eu era
insano igual, e a deixaria fazer o que quisesse comigo. Cravei meus dedos
em sua bunda e a puxei até minha língua encostar em sua fenda. Ouvi o
gemido surpreso e a pressão em meu pescoço aumentou, mas eu não parei,
continuei lambendo até a joia vermelha e voltando, fazendo círculos com a
ponta da língua em seu clitóris, sugando seus lábios, exprimindo a vontade
que eu estava de foder aquela boceta com meu pau, com a língua enrijecida
que enfiava em seu interior.
Em cima de mim, Amélia gemia mais e rebolava. Lá no fundo, eu
ficava mais excitado ao saber que se alguém estivesse chegando, ouviria
minha mulher tendo um dos orgasmos mais intensos que eu já vira. E não
estava ligando um puto se sairia dali com o pescoço roxo, pois ela colocou
mais pressão na hora em que enfiei dois dedos dentro dela e comecei a
fodê-la mais intensamente, e os tremores começaram a perpassar pelo seu
corpo e senti seu gozo escorrer junto ao gemido lascivo que escapou de seus
lábios.
Continuei segurando Amélia, sugando todo o líquido que ela liberava,
ainda que não conseguisse tudo, pelo tanto que meu pescoço estava
molhado ela tivera um squirt pela primeira vez.
— Preciso deitar, Daniel. — Ela estava ofegante e dengosa.
Dei uma mordida na polpa de sua bunda e a soltei para que se deitasse
do meu lado. Ela estava vermelha, esbaforida e com um olhar de
incredulidade. Nem parecia que já tinha escolhido transar comigo usando a
cabeça de urso e coberto de sangue.
Deixei que descansasse enquanto terminava de ficar nu. Retirei os
sapatos pretos lustrados, a calça de alfaiataria preta e a cueca sem cuidado
nenhum, deixando tudo pelo chão mesmo. Mantive em minhas mãos apenas
o cinto de couro, pois tinha outra ideia para usá-lo.
Primeiro me deitei sobre Amélia, beijei sua boca, mordi seu lábio até
sentir o sangue sair, insinuei-me entre suas pernas, fazendo questão de
provocar sua boceta com meu pau duro, melado de pré gozo e esfregar as
bolinhas dos piercings em seu clitóris.
— Você está molhado… — Suas mãos tocavam meus ombros e
pescoço de um jeito muito mais delicado do que segundos antes.
— Você teve um squirt. — Mordi sua orelha. Quando ela começou a
arquear o corpo para que a penetrasse, me levantei da cama. — Quero suas
mãos, Lia.
Um susto passou pelos olhos dela ao ver o cinto, mas logo ela se
sentou e estendeu os braços. Confiando no que eu faria, da mesma forma
que eu confiei nela. Com o cinto, prendi suas mãos e depois a fiz ir
ajoelhada até a cabeceira com arabescos de madeira, escolhi um deles e dei
um nó com o cinto ao seu redor, de forma que Amélia ficasse de quatro para
mim na cama e totalmente submissa.
Alisei seu corpo ao me abaixar perto de seu ouvido.
— Gostou de enforcar seu homem, Lia? — Ela me olhou
envergonhada, mas assentiu e abriu um sorriso satisfeito consigo mesma. —
Gostou de gozar na minha boca?
— Sim.
— Ótimo, porque agora vou foder sua boceta e seu cu. E gozar nele.
Acariciando meu pau, espalhando o líquido por ele, fui pegar o
lubrificante. Eu podia, às vezes, foder igual um bicho, mas não faria aquilo
na primeira vez que comeria o cu da minha mulher. Lambuzei-me bastante
com o líquido transparente após retirar os piercings, pois ficaria mais fácil
de entrar. Antes de passar nela, posicionei-me ajoelhado entre suas pernas
na cama e estoquei de uma vez em sua boceta, pois estava louco para isso.
Puta merda. Ficava muito mais apertado. E pelo gemidinho de dor, ela
sentira a dificuldade de me comportar igual. Entrei e saí algumas vezes,
instigando, deixando Amélia com mais vontade de foder, para que estivesse
com o tesão nas alturas quando metesse em sua bunda. Quando ela
começou a contrair sem controle ao meu redor, saí do seu interior.
Retirei o plug de uma vez, causando um gemido curto, surpreso na
dona da bunda pela qual eu era apaixonado. Abaixei-me e minha língua
ocupou o lugar dele. Minhas mãos apertavam as coxas e bunda de Amélia
com a mesma intensidade que esfregava meu rosto ali.
— Porra, Daniel, me come, eu quero sentir seu pau. — Ela falou de
um jeito urgente, sacudindo o corpo para que eu saísse. Só para mostrar que
eu quem estava comandando naquela hora, enfiei meus dedos em sua
boceta e a provoquei mais um pouco, antes de erguer o corpo.
— Calma, coração. Ou você não vai andar para o almoço. — Amélia
tentava virar o rosto para me ver, porém, não dava muito por conta dos
braços presos.
— Fala que torci o pé e você me carrega.
Eu ri.
Sem a enrolar mais, joguei lubrificante em seu ânus e o espalhei com
meus dedos, aproveitando para penetrá-la com eles. A resistência estava ali,
eu sabia que Amélia não era mais virgem em lugar nenhum, mas também
sabia que nunca transara com alguém tão grande, então, preferia perder
alguns minutos alargando-a. Quando consegui enfiar três dedos com mais
facilidade, coloquei mais lubrificante em nós dois, segurei meu pau e enfiei
a glande no orifício apertado. Soltei um gemido entrecortado, pois a minha
vontade era arremeter de uma vez e sentir a mesma contração em todo meu
comprimento.
Inclinei meu corpo e distribui beijos pelas costas de Amélia, fazendo
o caminho de sua coluna.
— Tenta relaxar, coração. Fica mais fácil.
— Eu queria poder beber uma garrafa de vinho antes de você fazer
isso.
— Quer parar?
Ela sacudiu a cabeça, negando.
— Não se faça de sonso, eu sei que meu sofrimento também te dá
prazer.
Eu não ia negar, ela estava certa. Nos momentos em que estava no
comando, adorava ver a carinha de dor que Amélia fazia, e os gemidos
lamuriosos misturados com seu próprio prazer. Pois, uma das coisas que nos
tornava uma excelente dupla, era aquele detalhe. Ela gostava de sentir dor
tanto quanto eu de provocar.
Como que para concordar, enfiei mais da metade do meu pau de uma
vez, arrancando um gemido mais alto e pude ver Amélia travar o maxilar,
além de me xingar entredentes. Dei tempo para que relaxasse, acariciando
seu corpo com uma das mãos e, com a outra, busquei sua boceta,
encontrando o clitóris inchado.
Amélia jogou a cabeça para trás, inclinando o corpo em minha
direção. Dei um tapa forte em sua bunda que a fez balançar, e logo busquei
espalmar minha mão em seu pescoço. Havia um prazer maior em saber que
ela usava algo que a marcava como minha. Apertei meus dedos ao seu redor
e a penetrei até minhas bolas baterem em sua boceta. Senti o gemido
reverberar em sua garganta junto ao soluço pela dor.
— Agora vou foder você, coração. Duro, forte, para que não esqueça
de como é ter meu pau dentro da sua bunda.
Colocando um pé sobre a cama para ter mais equilíbrio, saí e entrei de
Amélia, uma, duas, três vezes, de um jeito mais lento, acostumando-a. Ela
começou a rebolar e eu intensifiquei as estocadas, indo mais bruto, mais
fundo, causando um som estalado todas as vezes que nossos corpos se
chocavam. Larguei seu pescoço e busquei seu cabelo, enrolando-o em
minha mão, forçava sua cabeça para trás todas as vezes que arremetia para
frente.
— A casa já deve estar ficando cheia, vai ficar gritando para que
saibam que está sendo fodida, coração? — Murmurei, parando de me
movimentar e trazendo o máximo que a coluna de Amélia permitia.
Ela me olhou afiada, mortal. Trazê-la para o meu mundo tivera um
efeito que eu nunca imaginaria. Amélia não se dobrava de verdade, não
ficava com medo do que estava por vir. Pelo contrário, ela se jogava de
cabeça em cada ideia minha, abraçava minha escuridão e se mostrava cada
vez mais perfeita para conviver naquele meio, que em seu sangue estava a
ferocidade e insanidade da nossa família.
— Se o senhor permitir — debochou.
— Hoje. — Dei um meio sorriso e mordi seu ombro.
Meu controle já estava por um fio, meu pau pulsava, lutando contra a
compressão, doido para explodir. Ao primeiro gemido mais alto e
provocativo de Amélia, ele se perdeu. Deixei os receios, os cuidados para
depois. Meti dominado pela luxúria, pelo desejo de ver minha porra
escorrendo e ainda queria Amélia gozando mais uma vez, comigo. Acelerei
os movimentos que fazia em seu clitóris e, de vez em quando, enfiava
alguns dedos em sua boceta.
Capítulo 42│Amélia
Eu não sabia de onde viera aquela ideia. Mas eu sabia o que sentia
vontade de fazer enquanto a língua de Daniel me chupava, foi aquela
vontade insana de o dominar pela primeira vez que me fez sentar na posição
invertida, de um jeito que eu teria acesso ao que mais queria fazer. Não
imaginava que gostaria tanto a ponto de gozar tão rápido e forte.
E aquilo, com certeza, facilitara para que eu estivesse tão ansiosa para
ter meu cu fodido por Daniel, sabendo que doeria, que seria incômodo. Eu
só estive um pouco errada, não estava sendo tão doloroso. Não andaria
direito, talvez. Mas eu sentia os choques e ondas de prazer se espalhando
pelo meu corpo, anunciando um novo orgasmo, bem diferente do primeiro.
Mais primitivo, mais profundo. Minhas mãos estavam vermelhas de tanto
que eu as puxava para me manter no lugar, meus pulsos deveriam estar do
mesmo jeito ou mais.
Nada disso importava quando senti o orgasmo explodir dentro de
mim, ao mesmo tempo em que Daniel estremecia num ritmo mais acelerado
e sem compasso, e se despejava dentro de mim. Por alguns segundos, ele
ficou imóvel, ofegante, com o peito subindo e descendo muito rápido. O
suor escorrendo de nossos corpos, até que deu um tapa seco e fraco e saiu
de dentro de mim. Um arrepio diferente atravessou minha coluna. Era como
se eu ainda o sentisse, porém, também percebesse o vazio que ficara.
— Acabei de lembrar que minha mãe pode estar lá embaixo —
sussurrei enquanto Daniel soltava minhas mãos do cinto e massageava
meus pulsos. Agora a vergonha de agir despudoradamente me atingia.
— Ela é nossa vizinha. E já nos interrompeu algumas vezes. Acho
que ela já percebeu que a filha é escandalosa. — Ele deu um beijo em cada
pulso marcado. Aquilo era o que me fazia me apaixonar um pouco mais
todos os dias. O cuidado, a preocupação que tinha comigo. A forma como
se eu fosse a pessoa mais importante, seu bem mais precioso.
As últimas semanas estavam me transformando ou eu sentiria muito
mais vergonha do que estava sentindo. Daniel me puxou e me guiou para o
banheiro. Sentia um leve incômodo ao andar, mas nada insuportável. No
banho de chuveiro para não demorarmos muito, ele continuou cuidando de
mim, quase uma compensação por ter sido mais bruto.
— Espero que corra tudo bem — Falei enquanto me enrolava na
toalha e Daniel terminava de retirar o sabonete do corpo.
— Vai sim, não se preocupe.
Assenti e saí do banheiro. Eu já havia escolhido a roupa que usaria e
deixado separada na poltrona que tinha no canto do quarto. Um vestido
preto, decote quadrado, mangas longas, perfeitas para cobrirem a
vermelhidão dos meus pulsos, ia até meus joelhos e era todo justo no corpo,
não marcava cada linha da roupa de baixo, contudo, não escondia minhas
curvas ou barriga. Eu realmente passara a me sentir mais confiante nas
últimas semanas, pois estava me achando maravilhosa.
Podem ser as horas de sexo diário, pensei ao me sentar na poltrona
para calçar as sandálias de salto mediano e tiras grossas da cor do vestido.
Meus pensamentos nublaram quando vi Daniel saindo do banheiro, usando
a toalha para secar o cabelo e o tórax ao mesmo tempo. Como podia ser tão
lindo? Tinha quase certeza de que não me cansaria nunca de admirar o
abdômen trincado, os braços grandes com as veias salientes. Ele não era
muito bem provido de bunda, mas o pau compensava, e muito. Não dava
para ignorar, mesmo amolecido.
— Se ficar me olhando assim, a gente não sai desse quarto hoje.
Eu sorri e sacudi a cabeça, espantando qualquer ideia sobre sexo
naquele momento.
— Vou ver como o Lucca está. — Levantei-me da poltrona, deixei
um beijo rápido nos lábios de Daniel e saí do quarto, antes que ficasse mais
tentada.
Nosso segurança e amigo tinha sido retirado do coma há duas
semanas e o transferimos para um quarto no segundo andar, mais afastado
da bagunça e barulhos do dia a dia, pois ele ficava agitado, irritado por não
participar e não poder sair da cama para fazer as coisas normalmente.
Bati duas vezes à porta entreaberta antes de abri-la completamente e
entrar. A cama de solteiro daquele quarto fora empurrada até uma das
paredes para dar lugar à cama hospitalar. Ainda eram necessários cuidados
tanto com a higiene do local em que ele ficava quanto com quem entrava no
quarto e com a região queimada. O médico passava por aqui todo dia,
verificava-o, e se fosse dia de trocar o curativo, ele quem trocava,
normalmente a cada 5 ou 7 dias.
— O almoço ainda não começou? — Lucca estava meio sentado, de
olho na televisão, instalada na parede oposta a cama.
— Não. Mas acho que já chegaram algumas pessoas. — Aproximei-
me da cama, ficando aos pés dela. — Você está precisando de alguma
coisa?
— Um braço novo.
Eu ri. Lucca não fora a pessoa mais descontraída, porém, não era
rabugento. Só que, desde que acordara, ele vivia resmungando, reclamando
do braço, até porque, depois do tratamento, provavelmente ele precisaria
fazer fisioterapia para retornar os movimentos dos dedos.
— Como está o herdeirinho? — Gesticulou com a cabeça para a
minha barriga.
— Está bem. Mas ainda falta para sabermos se é um menino ou
menina.
— Se for uma menina, já sabe como Daniel vai ser cheio de frescuras,
né?
Balancei a cabeça, confirmando e sorrindo.
— Vai ser insuportável. — Coloquei uma mecha da franja comprida
para trás da orelha. — Vou descer pra cumprimentar as pessoas e checar as
coisas. Qualquer coisa, já sabe, né?! É só chamar.
Lucca assentiu e eu me afastei. Sentia pena em deixá-lo sozinho.
Imaginava o quão chato, além de doloroso, devia ser ficar o tempo isolado
de tudo e todos. Infelizmente, não havia outra opção. Na verdade, a opção
era o hospital, o que seria ainda mais entediante e talvez menos seguro.
Pensando em sua segurança mesmo, tranquei o quarto ao sair.
Eu sempre ficava apreensiva quando algum encontro era marcado
aqui em casa. Desde aquela primeira reunião, Daniel evitara chamar para
virem aqui, ele preferia que fossem ao escritório, situado no centro da
cidade. Claro que não me opunha, mesmo que eu não o acompanhasse, ele
me contava tudo.
Donna foi a primeira pessoa que vi ao descer as escadas. Ela estava
linda, como sempre. Usava uma calça de linho bege e uma camisa de alças
finas em um tom de azul escuro acinzentado, que destacava o brilho em seu
rosto. Daniel dizia que aquela felicidade dela era por minha causa, apesar
de não falar nada. Naquele ponto, eu combinava com ela, pois nós duas não
éramos muito de declarar sentimentos óbvios, aqueles que a rotina do dia-a-
dia dizia muito mais.
Naquelas três semanas, eu já me apegara a ela de uma maneira muito
mais profunda do que a relação que tínhamos antes, só não havia tido a
coragem de dizer nem de chamá-la de mãe em voz alta para ela.
— Lia! — Ela me abraçou e beijou meu rosto. Por dias, eu demorei a
acostumar com a ideia de que quase todos ao meu redor eram tão afetuosos
quanto mortais. Um detalhe que era melhor evitar pensar. Principalmente
quando haviam outros por ali. — Daniel está ali na varanda.
Pelo clima animado das conversas, os tapinhas nas costas e apertos de
mão, a música baixinha que colocaram para tocar, combinando com a
energia que fluía pela casa, as flores que algum dos funcionários tinha
colhido pela manhã, espalhadas pelos cômodos… Ninguém diria que existia
alguma tensão por trás dos sorrisos, que podia haver um traidor, que eu só
podia beber água ou suco das garrafinhas que pegasse na geladeira, que
meu noivo precisava ter a mesma ressalva.
— Mas antes… — Donna passou o braço pelas minhas costas e me
virou para um grupo de dois homens. — Esse é Tarso Rizzo. — O do meio
deu um passo à frente. Eu o reconheci. Pelo nome, era meu avô. O que
negou que o filho se casasse com minha mãe, e foi forçado a aceitar
Salvatore como chefe para não perder sua filha mais nova da mesma forma.
— E esse, Alessandro Cancelieri.
O viciado altamente influenciável, que aceitava planos em que
colocava a vida de Daniel em risco. Não gostava dele e tinha minhas
ressalvas com Tarso. Independentemente do que eu pensava, cumprimentei
os dois com a educação que minha mãe me deu, sorriso no rosto, uma
mexida sutil de cabeça e apertei suas mãos.
— É um prazer conhecê-los. Ouvi muito sobre os dois. Na verdade,
Donna e Daniel têm tentado me explicar sobre esse universo paralelo.
Eles fizeram rostos de compreensão e emendaram em assuntos mais
superficiais, a colheita daquele ano, a safra do vinho que estavam tomando,
se eu já tivera a experiência de pisar em uvas… Donna trocou um olhar
condescendente comigo, como se evidenciasse a dificuldade que eles
tinham em manter assuntos mais sérios perto de nós.
Capítulo 43│Daniel Bianchi
Eu não imaginei que fosse ficar nervoso com o que precisava fazer. Já
sabia a resposta. As pessoas já enxergavam Amélia como minha, não tinha
motivo algum para eu estar com o coração tão disparado quando bati de
leve na taça vazia, chamando a atenção de todos e cessando o burburinho
das conversas enquanto comiam a sobremesa.
— Muito obrigado por virem comemorar o retorno do meu pai. É
bom ver o carinho e prestígio que têm por ele… — Sorri, passando o olho
por todos ao redor da mesa. — Gostaria de usar esse momento para fazer
um pedido mais do que especial para a pessoa mais importante da minha
vida.
Estendi a mão para Amélia, quando ela aceitou, fiz com que se
levantasse. Em seguida, afastei a cadeira e me ajoelhei apenas com um
joelho no chão, retirando a caixinha com as alianças de cima da mesa.
— Acho que você já viu uma cena parecida com essa. Um garoto sem
tantos músculos quis fazer graça no meio da escola para te convencer em
um plano doido. — Alguns riram. Yolanda falou algo sobre eu nunca ter
parafusos suficientes. — Dez anos depois, aquele garoto está aqui, de novo,
ajoelhado, torcendo para que você diga sim novamente para um plano mais
maluco ainda.
Respirei fundo antes de continuar. Um frio na barriga dava a sensação
de dor na barriga e meu coração batia forte, a ponto de dar a sensação de
que todo o meu corpo tremia quando voltei a pegar a mão de Amélia.
— Lia, quando eu te vi pela primeira vez, eu não entendi o que foi
aquilo que senti. Sabia que a protegeria para sempre. Quando te conheci,
me arrependi da promessa, você era mandona, adorava torcer orelhas, tinha
um péssimo gosto para filmes e música. — Ela riu. E, não sei por que,
senti-me um pouco mais seguro do que estava fazendo. — Mesmo assim,
eu não conseguia ficar longe, não conseguia me esquecer de você. Sem
querer admitir, eu passei a adorar todos os dias que você ia lá em casa,
gostava de te ensinar a cozinhar, ficar perto só para sentir seu perfume e
depois ficava me lembrando dele, puto por ser bobo daquele jeito.
Diferente da maioria, as mulheres que ajudavam Yolanda na cozinha
não estavam paradas. Elas carregavam uma bandeja cada, com taças de
champanhe e as colocavam na frente dos convidados ou entregava em suas
mãos.
— Nossa amizade foi uma das melhores e mais difíceis coisas que já
enfrentei. Afinal, eu tinha prometido te proteger. E isso significava proteger
de mim mesmo, do meu mundo, das coisas ruins que poderiam te acontecer,
caso você convivesse de outra forma comigo. — Ela deu um leve aperto em
meus dedos. Todos os meus medos eram reais. E mal a gente aceitou nossos
sentimentos, tudo o que eu temia, aconteceu da pior maneira.
Óbvio que ela devia estar lembrando do que sofrera tanto quanto eu.
Ainda assim, estava ali, passando um sinal de que estava tudo bem, de que a
pior parte já tinha acabado.
— Como eu gosto de um desafio, não pensei duas vezes em fazer o
convite para você morar comigo. E, isso nunca te contei, mas precisei
comprar o prédio só para garantir que nenhum dos moradores apresentasse
alguma ameaça para você. — O queixo de Amélia pendeu, pude ver que sua
respiração parou por alguns segundos. E, quando voltou, ela murmurou um
“você é louco”, sem som. — Sim, meu coração, sou louco por você. Você é
e detém todo o meu coração desde a primeira vez que te vi, Amélia. Agora
só falta aceitar de forma oficial que é você quem rege minha vida. Então,
aceita se casar comigo e viver mais uma loucura?
Amélia, com seus olhos cheios de lágrimas, acenou com a cabeça
várias vezes antes de murmurar “sim” repetidamente, e estender a mão para
que eu colocasse a aliança de ouro em seu dedo anelar. Daquela vez uma de
verdade, que representava nosso amor e companheirismo.
Beijei sobre a aliança e me levantei, puxando a minha mulher para
mim, para capturar seus lábios em um beijo apaixonado, em que apertei seu
corpo contra o meu com uma das mãos espalmadas em suas costas, e a
outra subi por seu braço, pescoço, escorreguei por sua nuca até meus dedos
embrenharem em seu cabelo, onde puxei os fios, fazendo-a abrir a boca
para que minha língua a explorasse, degustasse seu sabor. Senti as unhas
dela arranharem meus braços e costas por cima da camisa.
Ao nosso redor, as pessoas comemoravam, brindavam e bebiam.
Claro, os que foram avisados antes, apenas fingiram que engoliram algo do
champanhe envenenado.
Aprofundei o beijo em Amélia, arrancando um gemido baixinho. Ela
sabia o que aconteceria. Tudo foi conversado e planejado com muito
cuidado nas últimas semanas. Ainda assim, eu quis a distrair o máximo
possível, quando percebi o primeiro homem caindo com a cabeça em cima
do prato de sobremesa inacabado. Era Alessandro. Ao lado dele, Tarso
Rizzo se sentou com um semblante de paz e voltou a comer a sobremesa,
como se nada estivesse acontecendo.
Àquela hora, meus homens, os que eu confiava, já haviam fechado as
portas e se postaram tanto dentro quanto fora de casa, caso alguém
conseguisse sair.
— Mas que merda é essa, Daniel? — Meu pai tentou rugir do meu
lado esquerdo. Seu rosto estava vermelho, as narinas dilatadas, os olhos
projetados. Todavia, saía mais bufos e barulhos desconexos de sua boca.
Interrompi o beijo e me virei para a mesa, apenas dois, dos que
deviam ter bebido o líquido, não o tinham feito. Os outros quatro já havia
caído na mesa ou no chão. Atrás de cada um dos vivos, um dos meus
soldatos já estava parado, apontando uma arma para suas cabeças, somente
aguardando minha ordem. Prontamente, acenei positivamente e ambos
foram executados.
— Você não pode pensar que eu aceitaria tranquilamente o fato de
que não só me sequestrou, como fez isso com Amélia. — Com uma pontada
de orgulho ao sentir o anel de noivado, entrelacei meus dedos ao de Amélia
e apertei sua mão, retribuindo o gesto de que tudo ficaria bem. Cada um dos
filhos da puta que concordaram com o plano de Salvatore estava tendo o
mesmo destino de Alessandro. — Não só isso. Você a mataria se não fosse
pelo bebê.
— Como… como ousa…?
— Aprendi com você. — Não sorri ou demonstrei orgulho com o que
estava fazendo. Pelo contrário, eu estava puto. Não me sentia feliz ou
satisfeito por estar agindo daquela forma. Só que era necessário tanto para
firmar meu poder e o respeito que teriam por mim dentro da famiglia
quanto para eu dormir seguro de que nenhum deles atentaria contra minha
mulher futuramente.
— Não te criei para me trair. — Ele tentou me xingar em sua língua
natal. Remexeu-se na cadeira e a última coisa que eu queria, era seguir em
frente com o que deveria fazer.
Como ele ousava mencionar que não me criara para o trair? Sendo
que o que mais fez foi dar motivos para que eu me rebelasse e revidasse
todas as merdas que fizera comigo? Meu sangue ferveu, a racionalidade
estava a um fio de desvanecer. O que me prendia ali era Amélia,
acariciando minha mão.
— Você me criou para ser um monstro sem escrúpulos. — Minha voz
saiu estrondosa. Bem diferente do que a forma comedida que eu pretendia
abordar. — Você me criou como um cão de briga! Me tratou como um! Não
se importou de me colocar em situações que eu poderia ter morrido.
— Devia. Ia ser menos vergonhoso.
Soltei a mão de Amélia e apontei o dedo para o homem que devia
chamar de pai.
Tudo se transformou em caos em menos de dois segundos.
Eu mal senti o que Amélia fez, foi de uma agilidade e reflexo que não
esperava que ela já tivesse adquirido naquelas semanas. Talvez, a adrenalina
e o desespero tenham guiado seus atos, pois tudo que vi foram borrões do
seu braço esticando com a arma antes de ouvir os disparos e sentir a
pontada de dor em minha perna, que me fez cair, segurando o local que
transbordava sangue.
Estava pouco me fodendo para o tiro em minha perna, minha
preocupação era que foram dois barulhos. Mas nada me garantia que
Amélia tivesse conseguido atirar antes que ele disparasse uma segunda vez.
Meu nervosismo só diminuiu quando levantei o rosto e vi, à minha
frente, a cabeça de Salvatore pendendo para o lado, com um buraco onde
deveria ser seu olho. Sangue também escorria dali, manchando sua blusa e
colete de linho marrom. A arma que devia estar tentando levantar para atirar
em mim ou em Amélia, escorregou de seus dedos frouxos, caindo em um
baque seco no chão.
Amélia se ajoelhou ao meu lado, nervosa, mas não parecia ter um
arranhão. Olhava preocupada para onde minhas mãos apertavam. Eu devia
estar perdendo mais sangue do que imaginava, ou foi meu corpo relaxando
após perceber que minha mulher não estava ferida, que suas mãos se
juntavam às minhas e ficavam igualmente manchadas de sangue.
A aliança tinha ficado tão bonita, a pedra solitária de rubi no meio
praticamente sumia no fluxo de sangue.
Capítulo 44│Amélia
De olho na vista que o meu quarto no hotel The Rosso proporcionava,
eu nem conseguia acreditar em tudo o que aconteceu na minha vida nos
últimos meses. Sem brincadeira, de ficar com meu melhor amigo, o
sequestro, descobrir a gravidez, conhecer uma versão diferente de Daniel,
participar de um plano para matar pessoas, matar, de fato, uma pessoa.
Foram muitas coisas. Coisas que nunca sonhei ver ou fazer, justamente
porque sempre fui a garota normal, que nada acontecia, que via tudo
acontecendo com os outros. Agora, eu tinha lá minhas dúvidas se não ficar
de plateia na vida de alguém era tão vantajoso assim. A quantidade de vezes
que achei que ia morrer ou precisaria lidar com a perda de alguém que eu
amava.
Felizmente, a última vez que levei um susto daqueles, foi no dia do
almoço em que precisei atirar em alguém pela primeira vez na vida. Fizera
aquilo por impulso, ao perceber as intenções de Salvatore. Nem tinha
certeza se ia conseguir, só precisava tentar. E foi o que impediu Daniel de
morrer. Apesar do tiro na perna ter atingido pontos importantes, ele
conseguiu ser atendido a tempo de nada pior acontecer.
Depois daquele dia, Daniel precisou de tempo para reformular
algumas das atividades da famiglia e firmar-se como novo Don. Se não
fosse por isso, a gente teria planejado bem antes uma pausa para nós dois
curtirmos um pouco o nosso relacionamento como ele merecia.
E era isso que fazíamos nos últimos dias aqui no hotel, que era uma
das propriedades de Carlo e Giovanni. Ficava bem na Upper East Side, pelo
pouco que eu conhecia, era um dos lugares mais luxuosos de Nova York.
Era um edifício histórico, todo de tijolos, que não refletia nem metade do
luxo que havia dentro dele, com direito a porteiro para receber quem
entraria pelas portas duplas e tapete vermelho na calçada. Sim, eu me senti
uma atriz famosa quando saí do carro e fui recebida ali.
— Estou indo, coração. — Daniel parou atrás de mim, circundou
minha cintura com seus braços e pousou uma das mãos em minha barriga,
que começava a crescer e ganhar um formato que lembrava uma gravidez.
Não diria que era uma mania nova, pois ele sempre gostou de fazer carinho
na minha barriga ou a apertar, mas ultimamente estava bem mais frequente.
E passara a conversar com a criança todos os dias, do beijo de bom dia ao
de boa noite.
— Comprei algo… — Soltei-me dele e fui até a mesinha para pegar
uma sacola de presente de uma loja infantil, que logo entreguei para Daniel.
Ansiosa e rindo de nervoso para ver sua reação.
Ele nem esperou eu falar nada, saiu abrindo e largando a sacola em
cima da cama. Era um conjunto uma bermuda jeans azul e uma camisa
preta com os dizeres O novo homem do papai. Já meio que estava
programado que eu faria um exame antes de viajar para conferir se estava
tudo ok. Acabou que teve de ser bem no dia que viajaríamos e Daniel não
conseguiu estar presente por conta do trabalho. Então, decidi que faria uma
surpresa assim que encontrasse ou pensasse em algo legal. No dia anterior,
andando pelas ruas com Donna, vi o body e não tive dúvidas, mesmo sendo
simples.
— Vai ser o nosso Vicente? — Os olhos dele brilhavam. A gente não
tinha preferência e desde que as coisas tranquilizaram um pouquinho, eu
sentia que era um menininho. Tanto que o primeiro nome escolhido foi
pensando no nosso garotinho.
— Sim. — Assenti. Daniel roubou um beijo meu e depois se abaixou
para beijar minha barriga.
— Oi, meu príncipe. Quer dizer que sua mãe ganhou mais um
segurança?
— Não inventa. Já basta você.
— Coração, não tem jeito, vou incentivá-lo a afastar qualquer um que
se aproximar de você. — Daniel me envolveu com seus braços e beijou
minha cabeça.
Eu revirei os olhos, mas passei meus braços por sua cintura,
encostando minha cabeça em seu peito. Aquele era o melhor lugar que eu
poderia estar, com certeza.
— Preciso ir. Não demore a terminar de se arrumar.
Dentro do combo hotel de luxo, havia um barco de dois andares
igualmente luxuoso, que os irmãos Rosso usavam para seus hóspedes terem
a experiência à altura dos seus padrões exigentes e, algumas vezes, eles
aceitavam alugar de forma exclusiva para alguém. No nosso caso, de início,
eles estavam apenas unindo o útil à vontade de me agradar, pois Daniel
comentara sobre minha vontade de fazer um daqueles tour ao redor da
Estátua da Liberdade. Foi enquanto pensávamos nas comidas que seriam
oferecidas que veio a ideia maluca de transformarmos o jantar em família,
tendo em vista que meus pais tinham chegado no dia anterior, junto à
família de Daniel, em algo um pouco mais significativo.
Era uma ideia maluca, improvisada e que, na minha mente, ficaria
perfeita. O ideal e programado era sairmos antes do pôr do sol para
aproveitar a vista que teríamos. Eu estava ansiosa para passar mais tempo
com os meus pais, eles souberam a verdade sobre Donna desde quando eu
descobri. Não tinha motivos para esconder, portanto, contei logo e fiquei
feliz que nada entre nós mudou. Exceto pelo meu relacionamento com a
minha mãe biológica, que ficou mil vezes mais próximo, afinal, éramos
vizinhas e ela fazia questão que eu aprendesse tudo que fosse útil para
sobreviver naquela famiglia.
Mal Daniel saiu e Carina entrou, reclamando sobre o irmão estar
atrasando tudo. Ela ficara responsável por trazer minha roupa que eu tinha
escolhido há uns três dias e estava recebendo uns ajustes.
— Como eu esperei por esse dia! — Ela levantou os braços para o
céu, um pouco atrapalhada por conta do vestido dentro da capa. —
Nervosa?
Balancei a cabeça, negando.
— Ansiosa. — Sem demora, tirei a calça e a blusa que estava usando
e peguei o vestido off-white com mangas compridas feitas de renda, com
flores espaçadas, para proteger um pouquinho do frio que poderia fazer por
ser final do dia. A parte de cima seguia o mesmo padrão de renda com
algumas pérolas no centro das flores, possuía um decote acentuado que
terminava no vão dos meus seios, e uma faixa antes de começar a saia de
tule que ia até meus pés.
Em menos de duas horas, eu ia me casar com o meu melhor amigo! A
surpresa seria para a família inteira. Carina era a única que estava sabendo,
pois eu precisava que alguém me ajudasse ao me arrumar e para me
acompanhar no carro.
Apenas torcia para não houvesse grandes imprevistos. Pois, eu já
havia aceitado Daniel e seu mundo no dia que decidi ficar na Itália. De lá
pra cá, nossa relação apenas se fortaleceu. Não havia segredos, ele
conversava abertamente sobre qualquer coisa que eu perguntasse e me
deixava participar ativamente das reuniões.
De carro, fomos até a zona portuária onde La Sirena nos aguardava,
toda de madeira escura, com seus dois andares, velas, e decorada com flores
brancas e vermelhas. Alguns pontos de luz em tom amarelado e lâmpadas
arredondadas penduradas por cordas que iam e vinham na parte descoberta
do segundo andar, dando um clima mais romântico para o local em que
seria a cerimônia.
Àquela hora, todos os convidados já sabiam que não era somente um
jantar com o céu alaranjado. Meu pai me esperava para me ajudar a entrar
no convés e para fazer o caminho até onde Daniel estava.
Lúcio me recebeu com um sorriso frouxo e olhos marejados. Nós
nunca tínhamos ficado tanto tempo longe. Principalmente de forma
inesperada igual àquela, em que o programado eram duas semanas e se
transformou em três meses.
Carina correu para ocupar seu lugar na fileira de cadeiras e avisar que
eu já estava subindo.

— Quer dizer que vocês dois ficavam falando que iam tentar algo
com ela de sacanagem? — Daniel, com um dos braços por cima dos meus
ombros, implicou com Carlo e Giovanni quando vieram nos cumprimentar
depois que a cerimônia acabou, tendo Matteo como celebrante.
— A graça sempre foi implicar com você, cunhado. Mas, veja bem, a
gente é menos família dela do que você, se for pensar direito.
Daniel estreitou os olhos para Giovanni, fazendo nós três rir. Uma
pena Lucca não ter liberação médica ainda para viajar, mas ainda
precisaríamos fazer alguma cerimônia na igreja só para a felicidade dos
nossos pais, então, nosso vizinho/segurança/amigo poderia estar presente.
Assim como Bárbara, que tinha colocado na cabeça que precisava entregar
o TCC finalmente, e agora não tinha tempo para mais nada.
— Fico feliz que tenha cumprido sua promessa, Matarazzo.
O sorriso sumiu quando Tarso Rizzo se aproximou. A relação mais
estreita entre nossas famílias começou um dia depois que Salvatore foi
internado. Durante a tortura, Leopoldo contou que quem estava por trás do
sequestro de Daniel era meu avô paterno.
Aparentemente, há anos ele vinha procurando uma oportunidade e
buscando reunir forças com outros aliados para vingar a morte do filho.
Nada mais justo do que matar o filho do seu rival também. Um aliado que
conseguiu foi Leopoldo, influenciável, fácil de subornar e de mente fraca —
na visão de Daniel. E, de fato, foi. Tarso o convenceu com facilidade a trair
os acordos que tinha com Salvatore e a sequestrar Daniel. Ao mesmo
tempo, ganhava mais respeito e facilidade para dominar as ações da
famligia de Leopoldo.
O que mudou aquele pensamento fui eu. Quando Donna revelou
quem era meu pai, Daniel marcou um encontro com Tarso e nós duas para
contar a verdade e propor um acordo. Reclamando por não querer
envolvimento com os Matarazzo, ele não teve outra opção a não ser aceitar
nossos termos depois que fiz um teste de DNA e confirmei que era sua neta.
— Tem coisas que o destino ri na nossa cara. Mas fico feliz que
nossas famílias se acertaram. — Tarso apertou a mão de Daniel e depois me
abraçou.
Devia ficar, ele subira para o cargo de Capo, ficaria responsável pela
região de Leopoldo e teria um neto que herdaria tudo o que Scelto da Dio
possuía. Por mais que não gostasse dos Matarazzo, ver que ainda existia
uma parte do filho dele naquele mundo — no caso, eu —, permitiu que
aceitasse melhor as propostas de Daniel.
Até porque, perto do poder da Scelto da Dio, Tarso não era nada e ele
sabia disso, sabia que por ter sido descoberto antes de efetuar seu plano, era
morte certa. O que o salvou, foi que Daniel precisava de apoiadores que
concordassem com as mudanças que faria, como a extinção do tráfico
humano, por exemplo.
Todos que foram mortos no almoço em que atirei em Salvatore, não
aceitaram a mudança ou não estavam tão firmes em aceitar Daniel como
Don.
— Não sabia que ele ia vir — comentei, após Tarso se afastar.
— Eu o informei do que faria, só para mostrar que estava cumprindo
minha promessa. Na mesma hora, ele falou que viria. — Daniel deu de
ombros e me puxou para si, rodeando minha cintura com seus braços. — Já
falei que não vejo a hora tirar você dessa roupa? — Meu corpo arrepiou
conforme ele subiu a mão pela frente do meu vestido, roçando de leve os
dedos pelos meus seios, colo, até chegar na gargantilha com o mesmo
pingente que tinha me dado, eu só mudara a corrente por um tom igual ao
do vestido. — Adorei isso. — Esfregou minha pele sensível e logo
substituiu os dedos por seus lábios, arranhando minha pele com seus dentes.
— Sua mãe está vindo. — Precisei avisar antes que ele se empolgasse
um pouco mais. Daniel me soltou e se virou para a mãe, com um sorriso
faceiro, como se não estivesse me seduzindo segundos antes.
Eu sabia que a gente não teria paz tão cedo. Que nossa vida agora era
aquilo, momentos que deviam ser aproveitados até o último instante, pois
nosso futuro era incerto diante do mundo paralelo que vivíamos.
Epílogo│Daniel Bianchi
6 anos depois
— Devagar, ok?
Pela primeira vez eu vi medo e apreensão nos olhos de Amélia em um
momento como aquele. O brilho em seu rosto, pós orgasmo com o sexo
oral, segundos antes, tinha desaparecido.
— Se você quiser, a gente pode deixar pra outro momento.
— Não. — Ela sacudiu a cabeça. — Já enrolamos dois meses. Eu
quero tentar, pelo menos.
Assenti. Só Amélia para me fazer ter medo de machucá-la com algo
tão básico. Tudo o que a médica indicou no pós-parto, nós fizemos, do
resguardo às preliminares, mas, ainda assim, a minha mulher parecia frágil
e temerosa, apesar de decidida. Eu já havia retirado os piercings e passado
bastante lubrificante, mesmo que sua boceta estivesse encharcada, quis me
precaver, então, com cuidado, distribuindo beijos por seu rosto, pescoço e
lábios, comecei a penetrá-la lentamente.
Dava para sentir a resistência que suas paredes internas tinham
adquirido. Era normal, a médica tinha repetido algumas vezes que podia
acontecer e já era o nosso segundo filho — no caso, filha. Porém, era o que
parecia estar sendo mais difícil para Amélia conseguir relaxar.
— Coração, tudo bem?
— Dói. — Ela choramingou e recuei, querendo parar, mas Amélia me
puxou pelos braços e não me deixou sair do lugar. — Parece que fiquei
virgem e olha que nem pra perder a virgindade senti tanta dor. — Riu de
nervoso.
— Tenta relaxar e, se não conseguir, vamos deixar pra outro dia. —
Beijei seus lábios com carinho. Amava aquela mulher. Enfrentaria tudo de
novo para ficar com ela. Conforme senti Amélia relaxar no beijo, tentei
entrar mais um pouco. Novamente, ouvi seus gemidos e seu corpo voltou a
retesar.
— Espera um pouquinho. — Ela apertou meus braços e me mantive
parado da cintura para baixo, pois continuei distribuindo beijos e lambendo
seu pescoço, sugando um pouco da pele. Desci pelo colo até seus seios
entumecidos, tanto pelo tesão quanto pelo leite. Dei batidinhas com a ponta
da língua no bico rígido, antes de sugar de leve.
Escutei o gemido de prazer e me arrisquei a ir mais fundo na boceta
apertada e encharcada. Alguns centímetros conquistados, e ela se retesou de
novo. Tentando passar o amor que eu sentia e a tranquilidade que ela
precisava, continuei na tarefa de distraí-la com a minha boca enquanto meu
pau entrava mais em sua boceta. Repeti o processo todas as vezes em que
Amélia resmungou de dor, até que fosse mais confortável entrar e sair. Não
era uma daquelas ocasiões em que eu curtia ouvi-la gemer de dor, pois
aquela não era a intenção. Pelo contrário, queria que fosse prazeroso para os
dois.
— Amo você — sussurrei, mordendo a pontinha do seu ouvido,
mantendo o ritmo lento. — Olha pra mim, Lia. — Demorou alguns
segundos, mas os olhos marejados me encararam.
— E se ficar assim sempre?
Eu ri baixinho. Ansiosa, como sempre.
— Não vai. Vou comer bastante essa boceta pra ela voltar a acostumar
com o dono verdadeiro dela. — Queria me movimentar de forma mais
vigorosa, rápida e profunda. Só que não arriscaria. A gente já tinha
progredido tanto que eu não arriscaria.
Amélia riu comigo daquela vez e respirei mais aliviado. Deixei que
meus instintos, muito bem conectados com ela, guiassem meu ritmo, quão
fundo eu ia, onde a tocava e beijava. Seus gemidos aumentaram, ela arfava
e o corpo arqueava sob o meu. Foi tanto tempo querendo estar dentro dela
de novo, mas sem poder e sem que ela sentisse vontade, que eu estava
muito mais perto de gozar do que gostaria. Eu estava tentando ser calmo,
paciente, só meu pau que doía pra cacete, doido para jorrar dentro dela. A
cada estocada, eu torcia para durar um pouco mais, pois queria que ela
gozasse de novo.
Antes que o orgasmo me atingisse, sem sair de dentro dela, fiquei de
joelhos entre suas pernas, dando estocadas mais curtas, rápidas enquanto
passei a dedilhar seu clitóris, seguindo os sons que saíam de sua garganta.
Finalmente eu acertei o que deveria fazer, pois até o espaço dentro dela
ficou menos resistente e mais molhado. Seus dedos cravaram em meus
braços, apertaram meu pulso, suas unhas arranharam onde podiam.
Só ouvia seus gemidos desconexos, os pedidos para continuar e meu
nome quando fazia algo muito certo. Eu admirava o conjunto, as curvas, os
seios com os mamilos ainda meio escurecidos, sua boca abrindo e fechando,
os olhos piscando. Porra! Tudo aquilo só servia para me deixar mais perto
do ápice.
— Goza pra mim, coração. — Ela sacudiu a cabeça, já perdida na
névoa de prazer que nos envolvia e na proximidade com o orgasmo mais
difícil que já tivera.
Quando as pernas dela começaram a me apertar, eu acelerei um pouco
e me deixei cair sobre seu corpo, afundando meu rosto na curva do seu
pescoço, gemendo que nem um louco. Puta que pariu, que saudades que eu
estava de ter meu pau apertado daquele jeito, de nós dois fodendo o tanto
quanto podíamos.
Como eu amava aquela mulher, a minha mulher, mãe dos meus filhos,
Vicente e Paola, amiga e companheira de loucuras. Por quem eu não
cansaria de repetir que daria o mundo, faria o possível e impossível sempre.
Ei, você que terminou o livro!
Obrigada por dar uma chance a Daniel e Amélia, espero que tenha
gostado; Mas se não gostou, tudo bem, nem sempre a gente consegue
agradar a todos, pode ser que algum dos meus outros livros te agrade mais.
A você que curtiu e quer que eles alcancem mais pessoas, avalie o
livro na Amazon e no Skoob, pois isso ajuda bastante.
Se você comprou o livro na primeira semana de lançamento, manda
print da compra para brindesluaautora@gmail.com que tem outra versão da
ilustração (sensual) e brindes digitais.
Caso tenha achado algum erro, ou queira falar/surtar sobre, você me
encontra no Instagram, Twitter, Threads, Tiktok com o @luamoriggi.
Outros livros da autora:

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Para quem ficou com curiosidade sobre a história das gêmeas... Tem
os livros, que foram divididos em três partes, ou o box, com todos eles, na
Amazon. O estilo da escrita lá é um pouco diferente, mas acho que vão
adorar conhecê-las mais de perto.
Sinopse:
Mariana e Gabriela são irmãs gêmeas, e como tal, têm uma conexão
inexplicável. Apesar disso, Mariana tem conseguido esconder de Gabriela
há anos um amor proibido por Gabriel, seu irmão de criação, e isso tem a
angustiado muito. Quanto tempo mais Mariana conseguirá esconder esse
amor? E como sua gêmea reagirá quando descobrir?
Gabriel é apaixonado por velocidade e um campeão prodígio de stock
car, mas não por vontade de seu pai. Aliás, seu pai Danilo é totalmente
contra sua profissão e coloca pressão o tempo todo para que o filho seja
perfeito e siga a carreira que ele mesmo deseja. O embate entre os dois é
sempre evidente, mas no fundo, Gabriel sofre com essas pressões. Ainda
mais pela responsabilidade de que Gabriel cuide de suas irmãs gêmeas de
criação, Mariana e Gabriela, mesmo quando ele mesmo sente um amor
inexplicável por Mariana.
Para melhorar ainda mais, Thiago, irmão de Gabriel, afastou-se da
família enquanto ainda era criança e foi morar com uma mãe adotiva.
Agora, dezesseis anos depois, ele está de volta e a faísca é evidente entre
ele e Gabriela. Mas Thiago não tem nenhuma obrigação de tratar Gabriela
como irmã, certo?
A história entre os quatro vai ferver, mas nada que não possa
melhorar se todos ainda morarem embaixo do mesmo teto.
Imperfeitos Amores é sobre pessoas que amam apesar de suas falhas
e de seus sentimentos de inadequações. É sobre família, sobre brigas e
perdão, sobre ressentimentos e tentativas de superar os maiores traumas da
vida de cada um.
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Tem também a história do Baiacu e da Gatinha:
Camila tem 21 anos, ela é azarada, mas também é forte e
determinada, daquele tipo que luta pelo que quer até conseguir. Porém faz
isso tudo, praticamente, sozinha, pois perdeu a mãe quando ainda nem tinha
terminado seu curso de faculdade. Um pouco depois, engravidou de um
desconhecido e precisou aprender a lidar com um mundo completamente
novo. Costuma fugir de encontros românticos até sua amiga implorar para
que trocasse de lugar com ela em encontro marcado por aplicativo.
Júnior é um playboy, com quase trinta anos, que depois de um
acidente que quase matou seu irmão mais velho, precisou lidar com a culpa
por se sentir responsável e assumir seu lugar como CEO da empresa da sua
família. Não conseguindo lidar muito bem com as responsabilidades,
comete um erro e recebe um castigo incomum de seu pai que vai
transformar sua vida e de Camila.
Completamente Seu é uma comédia romântica, para maiores de 18
anos, com um encontro inesperado, um milagre natalino, e uma mentira que
pode acabar com tudo.
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Tales perdeu a memória em um acidente de carro há 12 anos. Assim


que acordou só teve o apoio de um homem que cuidava dele como pai. O
vazio que a falta de lembranças causava era a motivação para pegar sua
moto e rodar por horas em alta velocidade, pois só assim sua perturbação
diminuía.
Em uma dessas viagens, encontrou Melissa. A primeira coisa que
pensou foi que a garota traria problemas. Ele só não imaginou que Melissa
o ajudaria com o que mais precisava: recobrar sua memória.
Melissa foi criada para ter muito mais responsabilidade do que
gostaria. Encontrou na música a fuga e a solução para a maioria dos seus
problemas. Com uma mãe narcisista, que mais se preocupava com
aparência do que construir um bom relacionamento com ela e por conta do
TDAH, durante um tempo perdeu a confiança nas pessoas, demorou anos
para se encontrar e tomar coragem para fazer o que realmente gostava.
Exatamente por isso que, depois de conhecer Tales, prefere a insistir do que
desistir.
Ela só não imaginava quem realmente era Tales e que talvez não era
só a idade que seria um problema para eles.
Curiosidades e Agradecimentos
A construção desse livro foi um pouco diferente para mim, pois
normalmente eu insiro no texto as músicas da playlist com naturalidade. Só
que, dessa vez, não fluiu da mesma forma, algumas foram, outras nem
tanto. O que é irônico, pois o que inspirou a primeira versão desse livro foi
justamente um trecho da música o Descobrimento do Brasil, “Será que você
vai saber o quanto penso em você com o meu coração?”, ou seja, de acordo
com as vozes na minha cabeça, era para ter mais músicas sendo citadas..rss
Enfim, obrigada a você que leu a história de Daniel e Amélia, que se
apaixonou ou não por eles, que surtou, que se irritou com os
acontecimentos... Sem minhas leitoras, eu nada seria.
Obrigada às minhas amigas que não largaram a minha mão e não me
deixaram desistir, apesar de ter sentido vontade inúmeras vezes (não vou
citar nomes, elas sabem quem são e eu sou ciumenta com amizades).
Obrigada às minhas betas, Nara, Bru (pela capa foda também) e
Thaís, que colaboraram com trilha sonora, efeitos gráficos e menos mortes.
À Gaby, assessora mara que embarcou nessa jornada, e às meninas da
parceria, todas se esforçando para o livro alcançar mais pessoas.
Não podia deixar de fora minha revisora Amanda, que não permitiu
que o livro chegasse a vocês com mil erros e furos!
Por último, e não menos importante, à minha família (Ro e mãe), que
sem eles eu não teria tempo de escrever uma frase (por sinal, estou
aceitando dicas de como fazer um bebê de 10 meses não só dormir no colo
durante o dia).

Beijos
Lua
[1]
Em português: Mas eu senti tanto a sua falta. Como está, criança?
[2]
Em português; Meu Deus, Daniele. Você é um idiota
[3]
Em português: Sou seu melhor amigo, não mereço saber?

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