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Título original: Entrelaçados pelo Acaso

Copyright © 2024 - Bianca Pohndorf


Capa: Designer Tenório
Diagramação: Grazi Fontes
Ilustrador: Carlos Miguel
Revisão: Laila Nascimento e Mariana Acquaro

Esta é uma obra de ficção.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer
forma e/ou quaisquer meios existentes sem prévia autorização
por escrito da autora.
Os direitos morais foram assegurados.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Versão Digital — 2024.
Sinopse
Nota da autora
Playlist
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Epílogo
Capítulo Bônus
Agradecimentos:
“Nessa despedida, levo um pouco de você comigo,
senhor Rossi.”

Mavie Hoffmann
Em um momento, ele era o cara com quem tive uma
conexão única em apenas uma noite inesquecível, apaixonante.
Aquele que me mandou uma mensagem logo depois, à qual eu
queria muito responder.
No outro momento, tivemos que seguir caminhos
diferentes, pois bastou uma coincidência para que nosso
romance se tornasse proibido. E, sendo filho do namorado da
minha mãe, Caetano Rossi se tornaria apenas uma boa
memória que eu carregaria comigo para sempre. Meu segredo
sujo.
Mas o destino tinha outros planos para nós dois.

Caetano Rossi
Eu sempre quis seguir o legado do meu pai, na vinícola
Rossi, e o MBA me ajudaria exatamente nisso, apesar de me
afastar da minha família por dois anos.
De um lado, seria um bom tempo para colocar a cabeça no
lugar, depois de me despedir da garota que mexeu comigo
como ninguém havia conseguido antes.
Mavie Hoffmann era proibida para mim e eu precisava
esquecê-la. Só não sabia que o destino havia reservado um
jeito de tornar isso impossível para mim.
E agora, diante de um futuro tão incerto quanto o passado,
será que o destino nos dará uma segunda chance, ou nossos
segredos nos afastarão para sempre?
Olá, leitora!

Seja bem-vinda se esse for o seu primeiro contato com o


meu trabalho e bem-vinda de volta se já me acompanha.
Nesse livro, você não vai encontrar uma reviravolta
mirabolante, mas garanto que vai suspirar e se apaixonar
durante a leitura desse clichê romântico feito para ser lido em
uma sentada.
Entre erros e acertos, os personagens tomam decisões que
qualquer pessoa na vida real poderia tomar, achando que estão
dando o seu melhor. Você pode até não concordar com os
caminhos que eles escolhem, mas isso não invalida a história
deles, pois são como todos nós, seres humanos cheios de
defeitos e falhas.
A história se passa no Rio Grande do Sul e, como gaúcha,
decidi usar gírias e jargões regionais para enriquecer a
narrativa.
Por fim, esse livro não tem a intenção de educar ninguém,
apenas entreter. Além disso, é recomendado para maiores de
18 anos, por conter cenas de sexo explícito, consumo de bebida
alcóolica e menção a abandono parental, mesmo que seja uma
história leve e romântica.
Para ficar por dentro de todos os meus lançamentos, siga o
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leitores .
Boa leitura!
Amor, complicações e um laço inesperado: minha jornada
começou ao me envolver e engravidar do filho do novo
namorado da minha mãe.
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ouvi-la, basta apontar a câmera para o código abaixo:
Meses antes

O vento soprou em meu rosto, impulsionando os meus


cabelos para trás. Abracei o meu corpo, estremecendo de leve.
O inverno da Serra Gaúcha era cruel na maioria das vezes
e, por esse motivo, eu preferia o conforto da minha casa em
vez da fila de uma balada.
Era como se eu hibernasse no inverno: da casa para o
trabalho, do trabalho para casa.
— Não acho mais que isso seja uma ideia tão boa assim…
— murmurei, cerrando os dentes.
Bárbara me lançou um olhar enviesado.
— Não seja carrancuda.
Minha prima, dois anos mais nova, gostava de curtir as
noitadas, não importava quantos graus fazia lá fora. Ela dizia
que, depois de algumas doses de bebida alcoólica, tudo ficava
melhor e o clima se tornava irrelevante.
Olhei ao redor, observando as pessoas que aguardavam na
fila. As mulheres usavam saltos altos e casacos longos, que
escondiam as roupas mais curtas por baixo. Os homens, na sua
maioria, vestidos com camisa e calça social.
Bárbara me disse que essa era a boate mais badalada da
cidade, por isso me obrigou a sair para comprar uma roupa
adequada quando percebeu que eu não havia trazido nada que
servisse para a ocasião.
— Meu humor vai melhorar assim que estivermos em um
ambiente quente — retruquei, balançando o corpo de um lado
para o outro, como se isso pudesse ajudar a apartar o frio.
Minha respiração quente exalava no ar, criando uma nuvem
em frente ao meu rosto.
Ela revirou os olhos.
— Tão idosa, no corpo de uma jovem…
Eu ri.
— E tu me ama do mesmo jeito. — Pisquei.
Bárbara era minha única prima da nossa família bem
pequena, composta por mamãe, tia Luísa, Bárbara e eu.
Minha mãe engravidou muito jovem, nunca falou sobre o
meu pai e sempre fez questão de zelar por mim sozinha, dando
tudo de si. Não fazia ideia quem era a minha família paterna e
não cheguei a conhecer os meus avós maternos. O pai de
Bárbara era vivo, mas divorciado da tia Luísa há anos. Ou seja,
éramos só nós quatro.
— Como se sente, sabendo que logo conhecerá o seu
primeiro padrasto? — perguntou, chutando uma pedra no chão
com o bico do salto, distraindo-se do frio.
Fiz um bico com a boca, ponderando.
Era a primeira vez que minha mãe apresentaria um homem
para a família. Durante toda a minha vida, eu nunca a tinha
visto se relacionar sério com alguém. Ela tinha medo por mim,
medo de escolher errado, por isso focou apenas na carreira e
na maternidade. Como médica, seu tempo era escasso.
Mas agora as coisas estavam diferentes.
Eu não era mais uma criança, sequer morávamos juntas.
Minha mãe estava aposentada e pronta para aproveitar a vida,
finalmente.
E era por isso que eu estava em Bento Gonçalves, a cidade
em que Bárbara e tia Luísa moravam, na serra, em pleno
inverno.
O novo namorado da minha mãe era residente de Bento,
mas eles se conheceram em Porto Alegre, pelo pouco que ela
contou. E depois de algumas semanas, resolveram que estava
na hora de dar um passo mais importante na relação.
Eu sabia poucas coisas sobre ele, apenas o básico. Era
alguns anos mais velho do que ela, viúvo e natural daqui.
Não fazia ideia de como reagir ao relacionamento deles. Ao
mesmo tempo que eu estava feliz por ela, tinha receio de que
pudesse se decepcionar de novo.
Porque a primeira decepção, embora ela nunca tivesse
falado, havia sido com o meu genitor.
Senti o estômago revirar.
— Nervosa, ansiosa, empolgada? — repliquei, encolhendo
os ombros.
Ela gostava do cara, podia ver isso só pela forma com a
qual falava dele. Os olhos brilhavam, um sorriso brotava nos
lábios e ela terminava a frase quase suspirando.
— Acho que ele é um homem bacana — disse, dando
alguns passos à frente, conforme o andar da fila. — Minha mãe
também tem mantido silêncio sobre ele, acho que ela também
não sabe quem ele é, mas acho difícil a tia Laís se decepcionar.
— Ela falou bem dele pra mim também — afirmei,
encarando os meus pés, conforme os arrastava pela calçada de
pedra. — De qualquer forma, amanhã é o grande dia de
conhecer o namorado misterioso. — Tentei soar convincente,
mas, pelo olhar que recebi, falhei miseravelmente.
Só queria que a minha mãe pudesse ser feliz depois de
tantos anos de vida abdicados por minha causa. Ela era médica
do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mas quando não se
dedicava exclusivamente ao emprego, sua atenção recaía sobre
mim.
Eu tinha muito orgulho dela e da mulher que se tornou.
Mesmo com uma gravidez precoce, conseguiu terminar a
faculdade de medicina em uma universidade federal e dar conta
de ser médica, mãe e pai.
— Eu só quero um banco para me sentar… — resmungou,
batendo os saltos altos, tentando aliviar a pressão que eles
faziam nas solas dos pés.
Ela usava um vestido preto rente ao corpo, que realçava as
curvas volumosas, um casaco pesado de lã, saltos e uma bolsa
transversal da mesma tonalidade. Os cabelos, que eram
naturalmente castanhos, mas que estavam tingidos de um loiro
cor de mel, caíam em pequenas ondas até o meio das costas.
Os olhos verde-azulados tinham uma camada densa de sombra
escura e rímel.
— Tão carrancuda… — zombei.
Paramos diante das portas duplas acobreadas. Ela retirou
da bolsa duas pulseiras em tom rosa néon e as mostrou para o
segurança. Ele acenou e gesticulou para o lado, nos conduzindo
até uma mulher que faria a revista.
Ao terminar, ela empurrou as portas e avançamos para
dentro da boate.
O calor do ambiente era reconfortante, elevando o meu
humor imediatamente.
— Vamos beber algo — gritou ao se inclinar em minha
direção, fazendo-se ouvir por cima da batida da música alta.
Estavam tocando músicas eletrônicas. Muitas pessoas
dançavam no centro da pista de dança, outras bebiam nos
mezaninos ou ocupavam os camarotes.
O lugar era legal, nada relativamente novo ou diferente,
mas parecia ser um bom espaço para passar um tempo.
Bárbara fechou os dedos nos meus e me puxou em direção
ao balcão de bebidas, desviando das pessoas no percurso,
enquanto cumprimentava uma dúzia delas.
Isso era algo que pertencia a toda cidade relativamente
pequena, ainda que não fosse no interior: todo mundo se
conhecia e se esbarraria em algum momento. Não sabia dizer
se eu iria gostar disso ou não. Ao mesmo tempo que parecia
ser reconfortante conhecer tantas pessoas, também me
assustava. Todo mundo sabia da vida de todo mundo.
Paramos diante de um balcão preto envernizado. Ela se
curvou sobre ele, chamando o garçom com a ponta dos dedos.
— Eu quero vinho — avisei, sussurrando em seu ouvido.
Acenou, apontando para uma das garrafas dispostas na
prateleira distante. Estendeu o cartão que servia como
comanda e então o garçom se afastou para nos servir.
Lancei outro olhar ao redor, notando o aumento da
quantidade de pessoas dentro do salão, conforme entravam
para a festa.
Bárbara estendeu a mão, me entregando uma taça com
vinho tinto. O melhor companheiro, a meu ver, das noites frias
de inverno. Era a minha bebida favorita, meu consolo após um
dia exaustivo de trabalho.
Sorvi um gole, apreciando o gosto.
— Hum... gostei desse — avisei, tentando identificar a
marca através do rótulo da garrafa sobre o balcão.
— É de uma das vinícolas daqui — respondeu, balançando
a cabeça. — É bem famosa.
— Qual o nome?
— Rossi — murmurou, recostando-se contra o balcão. —
Eles foram premiados com o melhor espumante do Brasil.
Acenei.
Bárbara agarrou a garrafa com a mão livre e bateu no meu
braço com o cotovelo.
— Vamos dar uma volta, ver se têm algumas mesas livres
lá do outro lado do salão.
Essa era uma ideia maravilhosa. Eu gostava de ficar
sentada, bebendo, observando e apreciando o momento do
meu jeito.
Segui Bárbara de perto, desviando das pessoas para chegar
ao outro lado da boate. A concentração aumentava perto da
escada que levava aos camarotes no segundo andar.
Apertei os dedos envoltos na haste da taça, mantendo-a
firme, por medo de derramar o vinho.
Mantive os passos lentos, caminhando devagar e com
cuidado.
Bárbara me puxou para o lado esquerdo, tentando nos
afastar da entrada do camarote. Girei o corpo, tentando desviar
de uma guria que vinha em nossa direção. Com o movimento
brusco, a borda do copo bateu contra um peito largo e duro,
derramando todo o vinho em mim, mas principalmente nele. O
líquido se espalhou como uma flor em aquarela pela camisa
branca impecável.
Arregalei os olhos e ofeguei, apavorada com o caos que eu
tinha acabado de causar.
Seus olhos castanhos encontraram os meus e, por um
momento, tudo ao redor desapareceu.
Ele era alto e tinha ombros largos que lhe davam uma
postura imponente. Seu rosto tinha um formato quase perfeito
de V, com uma mandíbula forte que se destacava e uma barba
por fazer que contornava seus lábios bem desenhados. Os
cabelos eram longos, na altura dos ombros, castanho-escuros e
presos para trás, expondo um rosto sério e pensativo. Seus
olhos, do mesmo tom das mechas, eram atentos e
observadores.
Ele tinha a aparência de alguém que cuidava bem de si
mesmo, com um físico tonificado que era visível, mesmo sob a
roupa que vestia.
Me senti imediatamente interessada.
Desviei o olhar, depois de encará-lo ostensivamente.
Houve uma pausa, um silêncio carregado, antes que eu
gaguejasse um pedido de desculpas, meu rosto tão vermelho
quanto o vinho que manchava a sua camisa.
— Me... me desculpe — ciciei, perdendo o fôlego em cada
palavra.
Bárbara estava a alguns metros de mim, boquiaberta.
Estendi a mão livre, esfregando-a na camisa dele, como se
pudesse fazer a mancha da bebida desaparecer de alguma
forma.
Senti sob os meus dedos a textura dos gominhos do
abdômen definido. Arqueei uma sobrancelha, desacelerando o
movimento enquanto apreciava a sensação de tocar em um
peitoral esculpido.
Ele pigarreou.
Puxei a mão, querendo morrer mais do que nunca.
— Eu... eu... — Ofeguei, forçando minha voz a sair. — Me
desculpe. — Era só o que eu conseguia dizer.
Ele olhou para Bárbara, correndo o olhar para a garrafa de
vinho antes de se voltar para mim.
— Pelo menos é de boa qualidade — disse com um sotaque
característico da serra, no qual as palavras ganham um
contorno mais cantado. Sua voz era aveludada e um tanto
grave, com o ritmo cadenciado e arrastado, típico dos gaúchos.
Ele sorriu, mostrando uma fileira de dentes brancos e
alinhados.
Meus lábios se descolaram, mas nenhum som saiu.
Não sabia se ele estava sendo irônico ou se só estava
tentando descontrair a tensão que nos rondava.
Lancei a ele um sorriso fraco e trêmulo.
— Lamento mesmo pelo ocorrido — continuei. — Posso me
redimir de alguma forma?
Colocou as mãos nos bolsos da calça escura e deu um
passo à frente, ignorando a camisa colada ao peito. A cada
movimento e contração dos músculos, o tecido se enrugava e
chamava a minha atenção, mesmo quando eu fazia todo o
esforço do mundo para não olhar.
— Sim, tem — confirmou, inclinando-se para alinhar os
nossos rostos na mesma altura.
O perfume dele flutuou até o meu nariz. Era uma
fragrância amadeirada e robusta.
Engoli, sentindo minha garganta iminentemente seca.
— Então?
— Suba comigo até o meu camarote e está perdoada por
ter estragado a minha camisa.
Fiquei em silêncio, ponderando.
— E se eu não for? — retruquei.
— Serei obrigado a ficar aqui, te fazendo companhia e
vistoriando para que não estrague a roupa de mais ninguém. —
Piscou um olho.
— Hum... não sou tão destrambelhada assim — brinquei,
abaixando a cabeça. Olhei os respingos que escorriam pelas
minhas coxas nuas e salpicavam o meu vestido cor-de-rosa. O
casaco de lã recebeu a maior parte, mas era escuro o suficiente
para não mostrar.
Ele lambeu os lábios, encarando as gotas na minha pele.
— Qual é o teu nome? — perguntou em tom esganiçado.
Meu coração entrou em um ritmo acelerado, combinando
com a batida da música eletrônica.
— Mavie. E o teu?
Estendeu a mão em cumprimento. Pousei a minha sobre a
dele, que a levou aos lábios e plantou um beijo no dorso.
— Caetano. É um prazer te conhecer.
Eu estava muito interessada nele e meu corpo refletia
todos os sintomas disso. Coração acelerado, pelos arrepiados,
respiração densa.
— Vamos? — insistiu, lançando um olhar para cima, como
se apontasse para o camarote.
Olhei para o lado, alcançando minha prima.
— Estou acompanhada — avisei.
— Eu tenho duas pulseiras, Mavie — sussurrou,
aproximando o rosto do meu ouvido. — Vamos, lá em cima é
mais tranquilo. Tem lugar para sentar e não é tão abarrotado.
O que tinha de mais em ir com ele? Não era uma promessa
de que ficaríamos juntos, embora eu soubesse qual era o
verdadeiro interesse por trás disso. E, além do mais, eu queria
mesmo um lugar para me sentar e quanto mais calmo fosse,
melhor seria.
Bárbara se aproximou e segurou a minha mão, apertando-a
de leve para me induzir a aceitar.
— Tudo bem — concordei, erguendo o maxilar
beligerantemente. — Mas isso não significa que vai rolar algo
entre nós dois.
Jogou as mãos para cima, rendido.
— É só uma festa, Mavie. Não a promessa de uma vida
toda — zombou, esfregando a língua nos lábios desenhados.
Estendeu a mão para mim. Eu a segurei, seguindo-o e
arrastando minha prima junto.
Cada lance de escada que eu subia me fazia sentir
contrações na boca do estômago. Meus dedos estavam
enrolados aos de Bárbara enquanto a puxava comigo.
Caetano nos direcionou até um dos últimos camarotes e
empurrou uma pequena porta, liberando a nossa entrada. Não
havia mais ninguém no local.
— Pega camarote para ficar sozinho? — questionei,
zombeteira.
— Meus amigos estão dando uma volta por aí.
Bárbara apertou o meu punho, chamando a minha atenção.
Inclinou-se e sussurrou no meu ouvido.
— Sabe quem é ele? — Neguei com um aceno. — Caetano
Rossi.
Associei o sobrenome ao nome da vinícola, à qual ela se
referiu momentos mais cedo. E o fato de ele ter elogiado a
qualidade do vinho passou a fazer todo o sentido para mim.
— Hum... — murmurei. — E o que já ouviu falar sobre ele?
Observei-o, analisando. Ele estava de costas para nós,
segurando o parapeito do camarote, levemente inclinado para a
frente enquanto encarava a pista de dança.
— Nada de mais... só o que costumam fofocar em cidade
pequena. Ele trabalha com o pai dele, é lindo e gostoso pra
caramba, namorava uma loira super gata que não era daqui,
mas terminaram há alguns meses. É um cafajeste de
carteirinha. — Suspirou. — E... posta poucas fotos no
Instagram.
“Só o que costumam fofocar”, apenas a vida inteira da
pessoa.
— Eu gostei dele — revelei, mordendo os lábios.
Embora o encontro tivesse sido desastroso, senti uma
estranha conexão, uma atração momentânea. Não era só o fato
de que ele era incrivelmente bonito, apesar de isso facilitar
ainda mais as coisas.
— Fica com ele. — Deu de ombros. — É só um encontro
casual mesmo.
Puxou a taça vazia da minha mão, colocou vinho e me
devolveu.
— Vamos beber, aproveitar a festa e o momento. Decido
isso depois.
Me aproximei do parapeito, parando ao lado dele. O
primeiro andar estava ainda mais cheio do que antes, com
muitos corpos se movimentando de acordo com a batida da
música.
Olhei para ele, encarando a camisa manchada.
— Sinto muito pela tua roupa — falei, pedindo desculpas
mais uma vez.
Mexeu os ombros para cima e comprimiu os lábios em uma
linha fina.
— Está tudo bem. — Me encarou, girando e ficando de
frente para mim. — Eu disse que seria perdoada se subisse
comigo. — Piscou.
Ele era muito galanteador. Este era um fato sobre ele que
eu já conseguia reconhecer.
Bufei.
— Então, mora aqui? — perguntei, embora soubesse a
verdade.
Eu sabia o que era dito através de fofocas, mas isso não
bastava para mim. Queria conhecê-lo.
— Sim, por toda a minha vida. — Passou a mão nos
cabelos presos. — Vou ficar um tempo fora para estudar, mas
retornarei em alguns meses.
— Gosta do interior?
Bento Gonçalves não era bem... interior, tinha pouco mais
de cem mil habitantes e era uma cidadezinha muito bonita, mas
para mim, que morava em Porto Alegre, era considerado
interior.
Ponderou.
— Gosto da comodidade, da vida calma, enfim… Sim, eu
gosto daqui. Não me vejo morando em outro lugar e perdendo
toda essa paz. — Deu um passo, aproximando-se de leve. — E
tu, é de onde?
— Porto Alegre.
— O que te traz aqui?
— Família — eu disse, pensando na minha mãe e no que
ela significava para mim. — Venho aqui com alguma
frequência...
Assentiu, parecendo entender.
— Família é importante.
E imaginava que seria ainda mais, agora que minha mãe
arranjou um namorado local.
Estendi a mão que segurava a taça, oferecendo a ele.
— Quer vinho?
Sorriu, franzindo os olhos castanhos.
— Não se pode negar o melhor vinho da região. —
Recolheu o copo, pousando a mão sobre a minha
propositadamente. — Ainda mais quando a oferta vem de uma
guria tão bonita.
Mordi as bochechas, suprimindo um sorriso bobo.
— Essa cantada funciona com alguém?
Levou o copo aos lábios, tomando um gole.
— Não sei, é a primeira vez que uso. Me diga você.
— Talvez nunca saiba a resposta — provoquei.
A aparência imponente dele e o perfume agradável me
atraíam de maneira quase magnética. Meu coração estava
acelerado e eu sentia uma vontade de conhecê-lo melhor, de
explorar essa conexão que parecia existir entre nós. Era uma
atração física, sim, mas também havia interesse genuíno como
pessoa.
Aproximou-se um pouco mais e sorriu, convidativo.
— Gostei de ti… — murmurou, cada palavra parecia vibrar
no ar entre nós.
Arqueei uma sobrancelha, tentando manter a compostura.
— Nós nem nos conhecemos.
Ergueu a mão, pousando as pontas nos dedos na curva do
meu rosto, deslizando-as em minha pele.
— Sou muito bom em estudar as pessoas, Mavie. E vejo a
verdade através desses lindos olhos cor de mel.
Devolvi o seu sorriso.
— E sabe o que eu acho? — Negou com um aceno de
cabeça, então continuei: — Que, na verdade, tu é um
cortejador.
Ele riu, o som fazendo meu coração pular. No entanto,
puxou a mão para longe.
— Não vou negar essa verdade — admitiu, erguendo os
lábios em um sorriso. — Mas não estava mentindo quando disse
que sou bom em estudar as pessoas. Agora, me conte: o que
faz em Porto Alegre? — Mudou de assunto tão rápido quanto
um piscar de olhos.
Eu gostava disso, da arte da conquista. Eu era um desafio
e Caetano, o desafiante. Isso era instigante, sexy e divertido.
Hesitei, meu coração ainda batendo rápido.
— Sou advogada, atuo e estou me especializando na área
trabalhista — respondi, me perguntando se eu não estava me
envolvendo rápido demais. Vim aqui para apoiar a minha mãe,
para estar com ela em um momento importante, e agora estava
me distraindo com algo totalmente inesperado.
— Sem namorado, ou filhos? — continuou a conversa, cada
olhar e cada palavra me puxando mais para ele.
Neguei.
— Só eu, meu emprego, uma boa garrafa de vinho e o
aconchego do meu apartamento.
— Hum... então não curte muito ir a festas?
— Na verdade, prefiro ficar em casa. — Olhei para ele. —
Acho que não preciso te perguntar sobre isso, a resposta é
meio óbvia.
Soltou uma risada rouca que fez os meus pelos se
eriçarem.
— Acredite, não é tão óbvia assim. Gosto de sair e me
divertir, sim, mas também gosto de ficar no aconchego do lar
ao lado de uma boa companhia. Assim como amo trabalhar na
administração da vinícola da minha família. Esta é a minha
profissão, a propósito.
— Tão conquistador... — zombei.
Roçou propositadamente o braço no meu.
— Bah, mas tu é difícil de conquistar.
Não consegui conter a gargalhada que separou os meus
lábios. Caetano me acompanhou, os ombros chacoalhando com
o riso.
— Vamos, guria, me dê só uma oportunidade — ciciou,
inclinando-se e alinhando os nossos rostos.
Fingi ponderar.
— Quais os riscos, se eu concordar?
Franziu os olhos para mim, cheios de malícia e desejo.
Ele ficava ainda mais gato, se é que isso fosse possível, tão
de perto assim.
— Nenhum risco, eu prometo. Sou um cara bonzinho.
— A frase padrão de todo o cara mau.
— Quer os meus antecedentes criminais, doutora? —
brincou.
— Eu preciso deles?
— Se eu disser que não, vai acreditar em mim?
— Talvez.
Riu alto, aproximando-se mais.
— Vamos, Mavie. Me dê uma chance... — sussurrou,
correndo os olhos para os meus lábios, então de volta para os
meus.
Espalmei a palma da mão em seu peito duro, afastando-o.
— Me conte mais sobre você. Além do vinho e das festas, o
que faz?
Ele sorriu, um brilho malicioso em seus olhos, como se
gostasse do meu jogo e notasse que eu o estava evitando.
— Musculação é o meu escape. Tem algo sobre levantar
pesos e testar os limites do meu corpo que me ajuda a limpar a
mente.
Fiquei surpresa. Imaginei que usasse a musculação para
atrair mulheres e não como um hobby.
— Musculação, sério? Nunca teria imaginado.
— Tem muitas coisas sobre mim que podem te surpreender
— disse, aproximando-se de novo. — Assim como essa noite
está sendo uma surpresa para mim.
Nossos olhares se cruzaram, e uma corrente elétrica
passou entre nós. O ar ao nosso redor parecia carregado com
uma tensão palpável, uma mistura de curiosidade e desejo.
Ele colocou a taça de vinho ao lado e diminuiu o espaço
entre nós.
— Há algo em você que me cativa. Não é apenas a tua
beleza ou inteligência, é algo mais profundo, algo que eu quero
explorar.
Minha respiração acelerou e os meus pensamentos
começaram a girar. Era um ponto crucial: seguir o meu coração
ou a minha cautela. E eu não fazia ideia de para qual lado ir.
Passei a língua nos lábios.
O perfume que vinha dele era sutil, mas intoxicante, assim
como o calor que emanava do seu corpo.
— Caetano, eu…
Colocou um dedo sobre a minha boca, me silenciando.
O mundo ao nosso redor parecia girar mais devagar.
— Não diga nada, apenas sinta.
Então se inclinou, e seus lábios encontraram os meus em
um beijo que começou suave, exploratório, mas que
rapidamente se aprofundou.
Os lábios eram firmes contra os meus. A língua deslizou
contra a minha, em um ritmo intenso. Senti o gosto do vinho
misturado com hortelã; uma combinação interessante.
Sua mão encontrou o meu rosto, os dedos acariciavam a
minha pele, enviando arrepios por todo o meu corpo. Minhas
mãos subiram instintivamente, agarrando a gola da camisa,
puxando-o para mais perto.
O beijo se intensificou e cada toque parecia acender mais
fogo dentro de mim.
Não me importava com as consequências; eu queria esse
homem, nem que fosse só por essa noite. Precisava disso,
dessa distração boa, dessa dose de ousadia na minha vida.
Segurou o meu lábio inferior por entre os dentes, soltando
um gemido baixinho. A mão se fechou em meus cabelos, me
colando em seu corpo duro e grande.
Ele era todo rígido, cheio de músculos e muito calor
humano. E eu, uma poça de tesão prestes a se desmanchar aos
seus pés.
A língua brincava com a minha em uma carícia, uma
sincronia perfeita. Os lábios deslizavam sobre os meus,
pesados, calorosos e intensos.
Sua mão agarrava a minha cintura, fechando os dedos
sobre a pele, como se quisesse ter certeza de que eu não iria
desaparecer.
Era inegável a química que eu sentia com ele. O beijo
delicioso, o toque gostoso de suas mãos.
A música ao redor pulsava em um ritmo hipnótico, mas o
som parecia diminuir pouco a pouco, até que só restasse nós
dois, isolados em nosso próprio mundinho.
Meus pulmões suplicavam por ar, enquanto eu só pensava
em ter mais e mais.
Afastou-se, nos separando. Nossos olhares se encontraram,
carregados com o mesmo desejo. As luzes da boate brilhavam
criando um halo redor dele, como estrelas distantes.
— Mavie… — sussurrou, e a voz soou como uma melodia
no silêncio que se seguiu. — Isso foi apenas o começo —
prometeu, com uma luz suave refletindo em seus olhos.
Fiquei parada, ofegante, os lábios ainda queimando do
toque dele, sem condições de verbalizar uma única palavra que
fosse.
Caetano recolheu a taça e a direcionou para mim.
— Vinho?
Sim, por favor. A garrafa inteira, de preferência.
Nenhum som saiu da minha boca, então me contive a
acenar positivamente. Ele me entregou o copo. Engoli todo o
líquido, antecedendo o que estava prestes a acontecer.
Eu, Caetano, um sexo inesquecível, e, em seguida, eu de
novo, só que dessa vez tentando superar esse homem.
Me virei para o lado, encontrando o olhar de Bárbara. Ela
sorria, animada, me induzindo a ir adiante com isso.
Que Deus me ajudasse a me recuperar depois de Caetano
Rossi, portanto.
Dias atuais

Ajeitei os cabelos lisos de Elouise, puxando-os para trás e


prendendo-os em um rabo de cavalo. Eles ainda eram meio
ralos para a idade dela, o que dificultava um pouco a
criatividade na hora de fazer um penteado diferente.
— Minha netinha está pronta? — perguntou mamãe,
entrando no quarto em que estávamos, na casa da tia Luísa.
Ao ver a avó, Elouise abriu um sorriso sincero, esboçando
todo o amor que tinha por ela. Estendeu os braços e balbuciou
palavras ininteligíveis, chamando-a para si.
— Sim, está — confirmei, dando uma última conferida no
penteado.
Ela estava prestes a ir à vinícola, seu lugar favorito da vida
e o seu estoque infinito de uvas. Ela adorava ir para lá, além de
ser o centro das atenções, ganhava tudo o que queria tanto de
mamãe quanto de Therêncio.
Pousei o pente em cima da cama e dei um passo para trás,
me afastando conforme mamãe segurava a criança.
— Therêncio está ansioso para vê-la — comentou, beijando
o topo da cabeça da neta.
— Tenho certeza de que Elouise compartilha deste mesmo
sentimento. — Abri um sorriso.
Eu amava todo esse carinho que eles nutriam por ela.
Elouise não foi uma filha planejada, mas, em momento algum,
foi rejeitada ou recebeu menos afeto do que merecia. Desde o
início, mamãe abraçou com todas as forças a ideia de que seria
avó, dando o melhor de si. E isso também incluía Bárbara, tia
Luísa, Therêncio e Lívia.
Ela suspirou. Pisquei, dissolvendo os pensamentos.
Olhei para ela com o cenho franzido e mordi os lábios.
— Qual é o problema, mãe?
Agarrou Elouise com mais afinco, como se precisasse do
contato para se estabilizar.
— Estou nervosa com o casamento.
Ah, o evento mais esperado do ano!
Therêncio havia pedido a mão dela meses atrás. Ela
aceitou na hora, claro, mas depois ficou receosa, com medo de
que estivesse velha demais para isso. Também sentiu culpa, já
que precisaria se mudar para Bento Gonçalves por causa do
casamento, enquanto eu continuaria minha vida com Elouise
em Porto Alegre, longe dela e sem rede de apoio.
Mas, depois de uma vida inteira de abdicação, não deixei
que se sacrificasse por mim mais uma vez. Removi qualquer
sentimento de culpa que ela pudesse sentir e a fiz ficar
animada com o noivado.
Therêncio me fez uma proposta de trabalhar no jurídico da
vinícola. O salário seria bom e eu ficaria perto da minha família,
mas... havia muitas coisas sobre o meu passado que me
atormentavam e me impediam de dizer o tão desejado “sim”.
— Vai dar tudo certo — afirmei, estendendo o braço e
tocando em uma de suas mãos. — E será tão perfeito quanto
sonhou.
O casamento aconteceria dentro de dois dias e mamãe
estava uma pilha de nervos. O passeio com Elouise na vinícola
era só uma forma de tentar se distrair e parar de enviar
mensagens para a cerimonialista a cada cinco minutos.
Eu também sabia que ela estava indo lá para dar uma
conferida na organização, mas... fingiria que era só por causa
da neta.
— Me sinto patética, às vezes... — confessou. — Não sou
mais uma guriazinha para me sentir assim.
Revirei os olhos.
— Mas é noiva e acho que todas sentem as mesmas
emoções nas vésperas. Algumas mais do que outras.
Anuiu, pensativa.
— Vai experimentar o seu vestido?
— Sim, com a Bárbara e a Lívia.
— Ótimo! — Suspirou. — Vai dar tudo certo, vai dar! —
repetiu, tentando convencer a si mesma do que dizia.
Meus olhos vagaram para a minha filha em seu colo, que
nos observava com os grandes olhos castanhos expressivos,
iguaizinhos aos do pai dela.
Ela foi o maior susto da minha vida, mas também o meu
maior presente. Eu não tinha noção da magnitude do que era o
amor até tê-la em meus braços.
Não importava o passado, eu não me arrependia dela por
nem um segundo que fosse.
— Comporte-se, meu amor — eu disse, segurando a
pequena mãozinha. Encarei minha mãe. — Não dê muitas uvas
para ela, senão depois ela não janta.
— Não tenho culpa se ela é apaixonada pela fruta.
— Mãe... — insisti.
Bufou.
— Tudo bem. Prometo que controlarei a quantidade de
uvas que ela for comer. — Ergueu um dedo em riste. — Mas
não posso dizer o mesmo de Therêncio. Elouise manda e ele
obedece.
Cruzei os braços e soltei uma gargalhada.
— Ela é só um bebê. Vocês não têm vergonha de dizer
isso?
— Não — confessou, apertando a neta outra vez.
Descruzei os braços e bati palmas.
— Tudo bem, vá! — afirmei. — Ainda preciso me arrumar e
encontrar com as meninas na loja de vestidos.
— E quanto ao vestido de Elouise?
— Guardado dentro do roupeiro e pronto para ser usado no
dia do casamento.
O vestido de Elouise era especial, foi minha mãe quem o
escolheu e desenhou o modelo com a designer, de acordo com
o que imaginava para a neta.
— Certo. Então está tudo ok?
Ergui os lábios em um sorriso fraco.
— Sim, mãe. Eu já disse, não há nada com o que precise
se preocupar. Concentre-se em dormir bem e ficar cada vez
mais linda para o seu grande dia.
— E me preparar para a nossa viagem — acrescentou.
— Bem... isso também. Fique melhor em bater fotos, pois
quero várias durante seu tempo fora.
Ela e Therêncio passariam um tempo pela Europa, visitando
os países que mais gostariam de conhecer. Eles ficariam pouco
mais de trinta dias nessa viagem de lua de mel.
Girou nos calcanhares, afastando-se com Elouise.
— Não irei atrasá-la para o seu compromisso. Trarei Elouise
para o jantar.
— Estarei esperando por vocês.
Quando bateu à porta, fiquei sozinha finalmente.
Deixei o meu corpo cair sobre a cama e soltei um suspiro
exasperado.
Estava feliz demais pela minha mãe e pela relação bonita
que ela conquistou com Therêncio. Ambos eram merecedores
desse amor.
Contudo, não conseguia deixar de me sentir preocupada
com o que esse evento acarretaria para mim.
As vidas de mamãe e Therêncio seriam seladas com a
oficialização da união e, com isso, as duas famílias teriam ainda
mais contato.
Engoli com dificuldade, cruzando as mãos trêmulas.
Inspirei fundo.
Sentia o passado se aproximando cada vez mais, prestes à
bater à porta, só não sabia ainda como reagir diante disso.
Como eu manteria o meu pequeno segredo?

Observei o meu reflexo no espelho, analisando o vestido no


meu corpo. Ele era de um roxo profundo, combinando com os
tons dos vinhedos, que serão o cenário principal da festa.
O corpete, com o seu decote em forma de coração,
valorizava o meu colo e ombros em sua linha off-shoulder ,
fazendo com que me sentisse simultaneamente ousada e
clássica. A saia, feita de camadas de tule, caía em cascata até
o chão, exceto pela fenda frontal audaciosa que revelaria a
minha perna a cada passo que eu desse.
Meu peito se remexeu em uma respiração profunda.
O vestido havia sido escolhido com muito cuidado por mim
e por mamãe. Não era apenas um traje, era como se fosse um
manto de confiança. Nele, eu sentia cada fibra do meu ser se
elevar, pronta para enfrentar o que quer que aquele dia
trouxesse.
— Uau — cantarolou Lívia, espiando pelo canto do
provador. — Esse vestido ficou realmente bom...
A garota de dezoito anos era uma verdadeira figura. Lívia
era animada, espontânea e muito carismática.
Observei os cabelos tingidos em um loiro perolado,
repicados na altura dos ombros. Os olhos castanhos que eu tão
bem conhecia, expressivos e sinceros, me analisavam com
afinco. Os lábios eram finos, levemente rosados. A pele
normalmente branca estava bronzeada artificialmente, um
toque final para o casamento do pai.
— Me deixa ver o seu — murmurei, me virando de frente
para ela.
Empurrou a cortina vermelha e colocou as mãos na cintura,
dando uma voltinha.
— O que achou? Fale a verdade.
O vestido dela era da mesma tonalidade que o meu, assim
como os de Bárbara e de tia Luísa também seriam. Mamãe e a
cerimonialista entraram em consenso, já que não haveria
madrinhas, então que as mulheres da família fizessem o papel
delas. E era por isso que todas nós iríamos muito parecidas.
Diferente do meu, o de Lívia possuía alças finas, decote
reto, corpete acentuado e saia de tule solta e rodada.
— Eu amei!
Encolheu os ombros, voltando-se para mim.
— Eu também — concordou. — Laís acertou em cheio na
escolha da cor. Parece que eu nasci para vestir algo assim.
Sorri para ela.
Minha mãe ainda estava se acostumando a conviver com
adolescentes outra vez. Ela fazia um excelente papel, embora
pensasse o contrário. Lívia era feliz tendo-a como madrasta,
era como se sentisse falta de uma presença feminina em sua
vida e minha mãe suprisse isso.
A mãe dela morreu por complicações durante o parto,
tornando Therêncio viúvo. Lívia nunca chegou a conhecê-la e,
por mais que sentisse sua falta, não deixava isso transparecer
pelo bem do pai, que fazia de tudo para ser suficiente para os
filhos.
Assim como mamãe, Therêncio também abdicou da vida
para cuidar da vinícola da família e dar o melhor aos filhos. Ele
não se envolveu com nenhuma mulher por longos anos, até se
apaixonar por Laís Hoffmann.
— E o meu? — perguntou Bárbara, deslizando ao lado de
Lívia.
Ofeguei.
O vestido dela era de um ombro só, decote em coração que
realçava a curva dos seios grandes e saia de tule solta. A roupa
revestia as suas curvas, deixando-a ainda mais linda.
— Espero que o fotógrafo esteja disposto a bater muitas
fotos nossas — comentei.
— Se ele não estiver, nós o obrigaremos. — Piscou Lívia.
— Não acho que seja uma boa ideia... — brinquei.
Uma jovem se aproximou, carregando uma bandeja com
uma garrafa de espumante dentro de um balde com gelo e três
taças.
— O senhor Rossi enviou para vocês — disse ela, erguendo
um bilhete diante dos olhos. — É para brindar a união das
famílias e todos os bons momentos que estão por vir.
Lívia revirou os olhos e avançou, parando diante da guria.
Ela recolheu a garrafa, retirando-a do gelo.
— É a cara do meu pai fazer isso. — Riu, mostrando para
nós o rótulo da vinícola Rossi na garrafa. — Mas... agora que
eu fiz dezoito anos e já posso beber, estou feliz que ele seja
brega.
— Não é brega, é romântico — protestou Bárbara. — Ele
está tentando nos deixar feliz e agradar à sua futura esposa. —
Suspirou.
A jovem depositou a bandeja em cima da mesa de centro,
dando-nos um sorriso acolhedor e sumindo de vista em
seguida, como se quisesse nos dar privacidade para aproveitar
o momento.
Lívia puxou, desajeitadamente, a rolha da garrafa.
— Um brinde a nós! — disse, enchendo as taças. — Que
logo seremos primas... — Olhou para mim, sem jeito. — E
irmãs, meio que de verdade agora. — Franziu as sobrancelhas
castanhas. — Bom... isso soou meio estranho.
Inclinei o corpo em uma gargalhada estrondosa.
— Também é estranho pra mim, mas logo vamos nos
acostumar.
Aceitei a taça que ela me estendeu, levando-a aos lábios e
sorvendo um pouco do líquido dourado borbulhante. Embora eu
preferisse o vinho, tinha que admitir que o espumante da
família Rossi era maravilhoso.
Bárbara se jogou em uma das poltronas e deitou a cabeça
no encosto, soprando os fios de cabelos para longe do rosto.
— Tia Laís vai me deixar louca — ciciou. — Não vejo a hora
desse casamento acontecer logo.
Eu ri.
— Ela também está me enlouquecendo. Não fique com todo
o crédito, por favor.
Lívia se sentou na poltrona ao lado, segurando a garrafa
em uma mão e a taça cheia na outra.
— Laís está muito ansiosa? — perguntou Lívia. Bárbara e
eu lançamos um olhar de esguelha a ela, dando-lhe uma
resposta certeira e silenciosa. — Papai também anda bem
nervoso. Ele acha que eu não percebo, mas mal consegue
dormir.
— Acho que isso acontece com todo mundo que vai se
casar — comentou Bárbara.
— Ele também anda um pouco entristecido — continuou,
tomando um longo gole de espumante.
— Por quê? — perguntei, incisiva.
Não era bem isso que eu esperava ouvir sobre o futuro
marido da minha mãe.
— Por causa de Caetano — respondeu, mordendo os lábios.
O nome dele fazia com que eu sentisse coisas que não
queria sentir.
Engoli com dificuldade e caminhei até a terceira poltrona,
deixando o meu corpo desmoronar sobre ela.
— O que tem Caetano? — indagou minha prima, soando
esganiçada.
— Bom... além do fato de que ele não estará presente no
casamento do próprio pai? Nada demais — retrucou, irônica. —
Sabe, entendemos que ele está dando o seu melhor nos
estudos do MBA, mas... poxa vida, ele não podia vir só para
isso? Precisava deixar o nosso pai triste no único dia feliz que
vai ter em anos?
Girei a cabeça para o lado, vagando meus olhos para longe
dela.
Para mim, nada mais era do que um alívio que Caetano não
viesse, assim como que tivesse se mantido longe da família nos
últimos meses.
Uma coisa eu precisava admitir, ele era muito determinado
e incisivo. Sabia, através de Therêncio, que ele teve
dificuldades no início dos estudos, pois era mais difícil do que
esperava. Ainda assim, conseguiu superar essa barreira e
alcançar seus objetivos, mesmo que isso o afastasse da família.
— Ele só está tentando alcançar um objetivo, Li — disse
Bárbara. — Cada pessoa age de uma maneira diferente, de
acordo com as suas metas.
— Não venha com suas explicações psicológicas, Bárbara —
retrucou a garota. — Eu acho totalmente errado da parte dele e
ponto-final. Meu irmão viu todo o sofrimento do pai com a
morte da nossa mãe. Ele sabe como isso é importante para
todos nós.
— Não é explicação psicológica, eu hein — brincou
Bárbara.
Ela estava no segundo semestre da faculdade de
Psicologia, então toda a hora tentava identificar traumas e a
personalidade das pessoas.
Totalmente normal para alguém que acabou de iniciar os
estudos. Logo que comecei a cursar direito, eu saía por aí
dizendo que processaria todo mundo. Então eu entendia a
intensidade da minha prima com o assunto.
— Não vamos deixar que a ausência do seu irmão afete o
brilho desse dia tão esperado — intervim, erguendo a taça em
um brinde. — Vamos continuar nossa comemoração e tentar
dispersar a mente de Therêncio para longe. — Ponderei. —
Enquanto, é claro, distraímos a minha mãe, antes que
enlouqueça todo mundo.
Elas riram, entrando no meu clima e saindo da nostalgia
que a falta que o primogênito Rossi faria no evento.
Era muito difícil ouvir sobre ele e fingir que eu mal o
conhecia, que não significava nada para mim quando
representava tanto, na verdade.
Engoli a montanha-russa de sentimentos que ameaçava
assolar a minha paz, até que eles não passassem de um
simples bramido.
Era o momento da minha mãe, eu estava aqui por ela e
apenas para ela. Nada mais importava. Nada, nem ninguém.
Meses antes

Acordei com os primeiros raios de sol se infiltrando pela


janela, aconchegada em um quarto que não era meu. Por um
momento, a desorientação tomou conta de mim, até que as
lembranças da noite anterior começaram a se encaixar.
Caetano. A boate. O beijo. A noite perfeita.
Me virei na cama e meu olhar caiu sobre Caetano,
dormindo ao meu lado, sua respiração tranquila e profunda. Os
cabelos estavam espalhados pelo travesseiro escuro, moldando
o rosto em uma bagunça bonita.
O cobertor havia escorregado, revelando o seu peitoral nu;
uma paisagem de músculos definidos que subiam e desciam
suavemente a cada respiração.
Me permiti por um momento, apenas um, apreciar a visão:
a forma como cada músculo se delineava, um testemunho
silencioso das horas que ele se dedicava à musculação, à
disciplina que tanto admirava.
Engoli em seco, sentindo uma mistura de desejo e um
resquício da conexão que compartilhamos.
Senti o calor da noite anterior ainda pulsando em mim,
queimando no meio das minhas pernas em uma dorzinha
gostosa que me fez abrir um sorriso.
Ele tinha sido incrível e cumpriu exatamente o que me
prometeu: uma noite inesquecível.
Por outro lado, eu sabia o que isso tinha significado. Foi só
uma noite e nada além disso. Apesar das conversas que
tivemos, dos momentos legais que compartilhamos, Caetano
não era homem de uma mulher só e eu não ficaria mendigando
afeto ou atenção. Era orgulhosa demais para isso.
Eu iria embora e levaria comigo só as lembranças.
Tateei a mão na mesa de cabeceira, em busca do meu
celular. Desbloqueei a tela e arregalei os olhos ao conferir a
hora. Eu estava quase atrasada para o almoço com a minha
mãe.
Com cuidado para não o acordar, deslizei para fora da
cama, sentindo o contraste do calor do meu corpo com o chão
frio sob os meus pés.
Ouvi o farfalhar dos lençóis assim que Caetano se remexeu
e seus olhos se abriram, encontrando os meus. Ele sorriu.
— Já está indo? — murmurou, a voz era um sussurro
grave. — Bom dia!
— Que sono leve — comentei, recolhendo as peças de
roupas espalhadas pelo chão e me vestindo desajeitadamente.
— Bom dia, e sim, tenho um compromisso importante de
família.
Ele acenou, compreensão e algo mais – parecia ser
decepção – passando por seus olhos. Era isso ou só a minha
mente tentando me iludir de que comigo foi diferente e de que
eu poderia ser importante na vida dele.
De qualquer forma, não era o meu momento. Meu foco
seria a minha mãe e eu não tinha tempo para lidar com outra
coisa agora.
— Claro, eu entendo.
Rapidamente, vesti as minhas roupas, tudo sob o escrutínio
do seu olhar e um silêncio incômodo que havia se instalado.
Mordi o lábio inferior, me sentindo mais exposta do que nunca.
Ele já tinha visto tanto de mim e apreciado cada detalhe,
demonstrando em palavras e toques. Ainda assim, estar sob
sua mira, sendo analisada pelos olhos castanhos expressivos
era como estar totalmente exposta outra vez.
Me sentei na beira da cama, o colchão afundando diante do
meu peso, e calcei os sapatos altos.
Ao terminar, recolhi minha bolsa de cima do aparador e
peguei o meu celular. Olhei para Caetano, indecisa se eu
deveria falar alguma coisa ou simplesmente ir embora sem
dizer nada.
Eu não era muito boa nisso, tampouco experiente no
assunto.
Dois lados meus estavam em conflito: o meu lado, que foi
educado por Laís Hoffmann, dizia que eu deveria ao menos me
despedir, como mandava o decoro. Já o lado orgulhoso me
mandava virar as costas e ir embora, antes que eu dissesse
alguma besteira e soasse como uma idiota que queria mais da
sua atenção.
Cocei a nuca, tentando decidir qual deles venceria.
— Bom... hum... até mais, Caetano Rossi — murmurei,
sorrindo amigavelmente.
Por um breve momento, ele não disse absolutamente nada.
Meu sorriso sumiu tão rápido quanto brotou. Dei um passo para
o lado e caminhei para longe, deixando o quarto para trás.
— Até mais, Mavie. — Suspirou.
Parei no meio do caminho e hesitei, pressionando os olhos
com força.
Se eu não fizesse, me arrependeria; se eu fizesse, também
me arrependeria. Mas já ouvi muito o conselho de que era
melhor se arrepender do que foi feito.
Voltei para o quarto, caminhando até ele em passos
decididos. Peguei seu telefone de cima da mesa de cabeceira e
digitei o meu número de telefone, sem salvar na agenda. Caso
sentisse vontade, ele mesmo o gravaria.
— Isso é para você. — Entreguei o celular a ele, que o
pegou com as sobrancelhas unidas. — Caso… hum… queira me
encontrar outra vez.
Um brilho diferente surgiu em seu olhar. Desviei os meus
olhos, com medo de me arrepender antes do tempo pelo que
eu tinha feito.
— Eu definitivamente quero — murmurou, encarando a tela
e observando os números.
Suprimi o suspiro que separou os meus lábios, tentando
soar indiferente diante da sua reação inesperada. Não queria
parecer ser uma garotinha saltitante e carente, ansiosa para ter
mais do que só uma simples noite.
E não importava que essa fosse a mais pura verdade, ele
nunca saberia disso. Se me tratasse com indiferença, assim eu
também o trataria.
Descobri por conta própria que afeto era algo a ser
conquistado e não imposto. Apesar da conexão surreal que
senti com ele, como nunca na minha vida, meu amor-próprio e
senso de preservação falavam mais alto.
Começou a digitar no celular, os dedos ágeis se
movimentando.
— Bom… então isso é um até logo?! — ciciei, encolhendo
os ombros.
Ajeitou-se na cama, sentando-se e se recostando na
cabeceira.
— Se responder à minha mensagem, sim!
— Qual mensagem? — perguntei, confusa.
Assim que fechei a boca, meu celular apitou. Meu coração
bateu em descompasso, acelerando a minha respiração.
Virei a tela para mim.

Desconhecido:
Estará livre à tarde?

Mordi as bochechas, erguendo os lábios em um sorriso


bobo.
— Desculpe, não sei se o almoço vai se estender, então
ainda não tenho uma resposta.
Passou as mãos nos cabelos, puxando-os para trás.
— Me responda assim que souber — disse, mostrando-se
incisivo. — Também tenho compromisso agora ao meio-dia,
mas ficarei livre, se você também estiver disponível.
Um sorriso bobo se espalhou pelo meu rosto.
Salvei o seu número e digitei a minha resposta:

Mavie:
Prometo te responder assim que eu estiver livre.
O celular dele vibrou e um sorriso se ergueu em seus lábios
delineados.
— Bom, então temos um acordo? — perguntou,
semicerrando os olhos. — Não é uma despedida, Mavie
Hoffmann! — disse, todo autoritário.
Eu ri.
— Sim, senhor Rossi. Nós temos! — confirmei.
Dando-lhe uma última olhada, girei nos calcanhares e saí
do quarto, atravessando a sala de estar da casa bonita, clara e
arejada em que ele vivia.
Caetano morava um pouco afastado do centro urbano de
Bento Gonçalves, no Vale dos Vinhedos, nas terras da vinícola
da família.
Ao atravessar a porta, a luz do sol me cegou
momentaneamente. Fiquei um segundo parada, esperando me
acostumar com a claridade, antes de seguir o meu caminho.
Meu telefone começou a vibrar e o nome da minha mãe
apareceu na tela.
Ela deveria estar preocupada comigo e ansiosa, ao mesmo
tempo, pois eu estava quase atrasada para o almoço.
Pressionei o botão da chave do meu carro e deslizei para o
banco do motorista.
Eu não chegaria atrasada. Tinha dado minha palavra à
minha mãe e estava aqui para apoiá-la. Por este motivo, não
marquei nada com Caetano mais tarde. Ela era a prioridade.
Liguei o carro e acelerei, os pneus esmagaram a areia da
estrada de terra batida. Observei, através do espelho retrovisor,
a casa aconchegante e luxuosa ficar para trás.
Dias atuais

Arrumei o vestido de Elouise e me ergui, ajeitando a


postura para admirar a minha filha.
Minha pequena obra de arte.
O tecido era roxo em um tom mais claro do que o meu e o
das outras madrinhas. A saia, bem rodada com alças grosas e
muito brilho. Era digno de uma princesa, assim como mamãe
gostaria que a neta estivesse vestida para o seu grande dia.
— Você está uma bonequinha, meu amor — murmurei, me
inclinando e plantando um beijo nas bochechas gordinhas.
Os cabelos castanhos e curtos estavam presos em dois
pequenos coques, com laços. Sua pele tinha um bronzeado
sútil, muito parecida com a do pai dela.
Às vezes, eu me perguntava como ninguém questionava a
paternidade de Elouise, sendo que era só olhar para a criança
que a resposta ficava um tanto óbvia.
Talvez o principal motivo fosse o fato de que não poderia
ser tão óbvia a nossa relação. Nunca esteve em discussão,
portanto era impossível de entrar em questionamento.
Ela remexeu as mãozinhas, balançando a boneca que
ganhou de Therêncio dias antes.
Me afastei dela e fui até o espelho.
Eu estava ainda mais bonita do que normalmente, no
vestido escolhido para mim. Uma maquiagem leve no rosto, os
cabelos presos em um coque solto no alto da cabeça com
algumas poucas mechas caídas.
Me sentia atraente e, principalmente, confiante.
Esse casamento me atormentou por muito tempo. Eu não
sabia como reagir ou o que fazer exatamente, para que o
grande dia da minha mãe não acabasse com uma revelação
catastrófica, causando um grande desastre.
Pensei em todas as maneiras possíveis de como eu
conseguiria contornar a situação.
Mas então veio a notícia: ele não estaria presente. E, com
ela, toda a decepção de Therêncio se transformou no meu mais
puro alívio.
Pressionei os lábios, espalhando melhor o batom rosado
que cobria a minha boca.
— Por favor, me diz que vocês estão prontas — implorou
Bárbara, entrando no meu quarto.
Anuí.
— Algum problema?
Bufou, escorando-se contra o batente da porta.
— Tirando o fato de que a tua mãe está tendo uma crise
nervosa e quase se tornando psicótica? Nada demais.
Um gargalhada sincera partiu de mim.
— Eu imaginei que algo assim aconteceria. Ela estava
muito calma ontem.
Bárbara voltou-se para Elouise, abrindo um sorriso
deslumbrante.
— Quem é a coisinha mais linda desse mundo? — Bateu
palmas, atravessando o espaço e pegando a criança no colo. —
A bebê da dinda, é claro.
— Dida — balbuciou, sorrindo para ela.
— Viu só?! — exclamou minha prima, toda orgulhosa. — Eu
sou a pessoa favorita da vida dela. Até já sabe me chamar.
Revirei os olhos.
— Óbvio, faz todas as vontades dela, até mesmo as que
proíbo.
Encolheu os ombros.
— Dinda é para essas coisas. Cabe aos pais educar e aos
dindos mimar e estragar. — Piscou.
Para a minha sorte, Elouise era muito boazinha, porque, se
dependesse da minha família, ela seria completamente mimada
e caótica.
Eu me estressava com isso? Um pouco. Mas amava toda a
atenção, carinho e amor que davam para ela. Me sentia tão
amada quanto.
— Bom, vamos levar ela para a minha mãe ver. Talvez
assim a noivinha se acalme um pouco.
— Boa ideia. — Caminhou até a porta, mas parou por um
instante, virando-se para mim. — Já sabe como vai fazer com
as fotos?
Mordi as bochechas e suspirei.
— A mesma coisa de sempre. Eles estão de acordo.
Me lançou um olhar compenetrado.
— Bem melhor assim.
— Sim — confirmei.
Meu segredo estava guardado há um tempo e eu gostaria
de mantê-lo assim o tanto quanto fosse possível, ao menos até
o retorno dele . Para isso, precisei mentir para a minha família
fatos sobre mim e o meu passado.
Por um tempo, a culpa me corroeu, me afogando todas as
vezes que eu fechava os olhos ao deitar a cabeça no
travesseiro. Eu não conseguia pensar, não conseguia encontrar
uma solução.
Mas então eu via a felicidade da minha mãe, os olhos
cheios de um brilho que nunca tinha visto nela.
Assim, eu encontrei a resposta.
Ela abdicou de tanto por mim, eu poderia fazer o mesmo
por ela, mesmo que isso estivesse errado e fosse egoísta da
minha parte.
Dedos seriam apontados de qualquer maneira, e eu seria
julgada. Então que eu fizesse valer a pena e desse à minha
mãe a oportunidade de ser feliz.
Bárbara saiu do quarto com Elouise, me deixando sozinha
com os fantasmas do passado, que adoravam vir me assombrar
todas as vezes que esses encontros em família se
aproximavam.
Natal, aniversários... sempre em datas comemorativas.
A família Rossi se tornou mais presente ao longo dos
meses. Therêncio era o bendito fruto entre as mulheres [1] . O
que antes era uma simples comemoração, se tornou algo a
mais, algo mais significativo, como se estivéssemos, enfim,
completos.
Como eu poderia acabar com isso?
Eu não me perdoaria. Jamais.
Não me orgulhava das minhas escolhas, mas também não
me arrependia de nenhuma delas.
Pisquei, balançando a cabeça para sair do meu torpor.
Meus olhos brilhavam pelas lágrimas não derramadas.
Pisquei com mais intensidade, afastando-as.
Não era a hora de ter uma crise existencial, muito menos
de trazer o que aconteceu à tona. Hoje, essas lembranças
ficariam onde deveriam estar: no passado.
Dei um passo para o lado, saindo da frente do espelho e
perambulando para fora do cômodo.
Forcei um sorriso, assumindo a máscara de mulher
determinada, feliz e bem resolvida que costumava ser.
— Vamos? — perguntou minha prima, assim que pisei na
sala.
— Vamos. O dia vai ser longo e ainda temos muito o que
fazer.
Me encarou em silêncio por alguns segundos, notando a
culpa que ameaçava a minha paz.
— Tem certeza de que está tudo bem? Sabe... podemos ir
embora mais cedo, inventar alguma desculpa.
Neguei veementemente.
— É o grande dia da minha mãe. Eu vi todo o trabalho que
ela teve ao longo dos meses só para chegar a este momento e
ser tudo perfeito. Vou até lá, fazer o meu papel de filha e
depois nós iremos embora.
— E depois? As coisas estão ficando, sabe... cada vez mais
complicadas.
Entendia o que ela queria dizer. Já eram complicadas sem
um casamento, como eu lidaria com isso agora que as famílias
estavam oficialmente ligadas?
— Penso nisso mais tarde.
Balançou a cabeça.
— Tudo bem, você tem razão. — Suspirou. — Hoje não é
dia de pensar em mais nada. Vamos nos divertir. Tua mãe
preparou muitos drinques deliciosos e uns docinhos melhores
ainda.
Recolhi as chaves do carro de cima do aparador e anuí,
rindo da animação instantânea dela.

Meses antes

Coloquei minha bolsa sobre a mesa de madeira surrada da


vinícola em que estávamos.
Tia Luísa e Bárbara estavam ao meu lado, olhando de um
lado ao outro, ansiosas para conhecer o novo namorado da
minha mãe.
— Essa é a vinícola Rossi? — perguntei, tentando parecer
desinteressada, mas falhando miseravelmente.
Bárbara engasgou uma risada e se inclinou, sussurrando
para mim:
— Já planejando o teu casamento aqui? — brincou.
Dei um tapa no ombro dela, afastando-a, e soltei uma
gargalhada enfezada.
— A família é a mais próspera da cidade — comentou tia
Luísa, ignorando as nossas brincadeiras. — Não os conheço,
mas sei que eles são boas pessoas.
Bom... eu poderia afirmar que o filho era, pelo menos.
Meus olhos se voltaram para a bolsa, na qual o meu celular
estava e meu coração acelerou. Estava esperando uma
mensagem dele que puxasse assunto, sobre qualquer coisa que
fosse, desde o momento que fui embora de sua casa, mas ele
não me mandou mais nada.
De qualquer forma, eu responderia assim que estivesse
livre, como havia prometido que faria.
— Já sabe quem é o novo namorado da mamãe? —
indaguei, mais ansiosa do que nunca para conhecê-lo.
Tia Luísa olhou para mim e negou com um simples aceno.
— Ela está mantendo a verdadeira identidade do homem
guardada a sete chaves, até mesmo de mim — murmurou.
Isso era meio... desconcertante. Bárbara e eu tínhamos
esperança de que ela soubesse quem ele era, mas, pelo visto, a
identidade do homem era mesmo um grande segredo.
As irmãs eram tão parecidas e, ao mesmo tempo, tão
diferentes. Tia Luísa tinha os cabelos volumosos tingidos de um
loiro perolado, na altura dos ombros. Gostava de usar vestidos
longos, soltos e estampados. Ela era muito supersticiosa, vivia
tomando banho de sal grosso e espalhando cristais pela casa
para ajudar a energizar o ambiente.
Era muito divertida e parecia ter menos idade do que
realmente tinha.
Enquanto tia Luísa via a vida em tons cor-de-rosa, mamãe
era o completo oposto. Muito obstinada e cética na maior parte
do tempo, achava os cristais, bem como os banhos e os jogos
de tarô da irmã, uma perda de tempo.
Mesmo com todas as implicações que as diferenciavam, era
como se uma completasse a outra. A relação delas era tão
bonita quanto a que eu tinha com Bárbara.
— O cara é mesmo importante — comentou minha prima,
me tirando das divagações. — Tia Laís não esconde nada de ti
— disse ela, olhando diretamente para a mãe.
— Eu tenho um palpite — confessou a matriarca Hoffmann.
— Mas só vou anunciá-lo quando tiver certeza.
Bufei, encolhendo os ombros.
A paisagem dos vinhedos ao nosso redor era um retrato
muito bonito. A vinícola servia cestas para piquenique, com
petiscos e a bebida que a pessoa escolhesse.
Mamãe surgiu em nosso campo de visão, caminhando em
sincronia ao lado de um homem alto e grisalho. Ele tinha um
sorriso gentil no rosto e um brilho familiar no olhar.
Me ajeitei no banco e engoli a saliva, molhando a garganta.
Nunca tinha parado para pensar em como me sentiria
nesse momento, porque pensei que ele nunca fosse chegar, e
cá estávamos.
Eles pararam diante de nós, em silêncio.
Observei o homem. Ele era mais alto do que ela, mas tinha
uma postura altiva. Vestia roupas formais, carregando uma
elegância própria.
Ela pigarreou.
— Mavie, minha filha — disse mamãe, apontando para
mim, quebrando o silêncio. — Luísa, minha irmã. E Bárbara,
minha sobrinha. — Apresentou todas nós. — E este é
Therêncio, meu namorado. — Segurou o braço dele, esboçando
um sorriso que eu não tinha visto antes.
Ela estava tão feliz.
Era notável a satisfação em seu tom enquanto o
apresentava para nós.
Tia Luísa foi a primeira a se levantar, estendo a mão em
cumprimento. Seguida por Bárbara e, finalmente, por mim.
Therêncio segurou a minha mão por mais tempo.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Mavie. Laís fala
muito de ti — comentou.
— Digo o mesmo. — Correspondi ao seu sorriso.
— Bom, vamos nos sentar? — disse ela, apontando para os
bancos. — Os filhos de Therêncio já estão chegando.
Filhos?
Isso era uma novidade para mim.
Embora mamãe falasse muito pouco ou quase nada a
respeito do homem, pensei que ela mencionaria esse fato bem
relevante. Quem eram? Quantos filhos ele tinha? Havia tantas
perguntas sem respostas.
Eu confiava no bom-senso dela. Ela passou anos sozinha,
dedicando-se a mim e ao trabalho, sem se desviar desse
caminho, sem se deixar viver pelo menos um pouco, com medo
de que pudesse colocar para dentro de casa alguém que
pudesse me fazer algum mal. Se estava apresentando
Therêncio, era porque sabia que ele era uma boa pessoa, o
homem certo para ela.
Mas meu instinto protetor gritava, ainda assim. Eu queria
ter certeza com os meus próprios olhos.
Mamãe e Therêncio engataram uma conversa de como eles
se conheceram em um restaurante em Porto Alegre, enquanto
ele estava na capital a trabalho. Eles pareciam entrar em
sincronia juntos, como se fossem feitos um para o outro.
Enquanto ela falava, ele ouvia. E vice-versa.
Tinham uma química palpável. Eu notava o quanto ela
sorria para ele e como ele observava o sorriso dela, todo
admirado.
— Onde está Lívia? — perguntou mamãe.
Therêncio elevou o braço, conferindo a hora no relógio de
pulso.
— Já deve estar chegando. — Olhou para nós e sorriu. —
Lívia é a minha caçula, ela está animada para conhecer vocês.
Ele falava da filha como um pai orgulhoso e amoroso.
Deixei minha postura ereta ceder, dando, enfim, abertura
para Therêncio. Ele era bom para a minha mãe, isso era bem
óbvio, só pela forma com a qual ele se portava ao seu lado. E
se ela estivesse feliz, então eu também estaria.
Puxei a taça de vinho de cima da mesa e tomei um gole,
me perdendo na vista ao redor.
Meus olhos correram e pararam imediatamente nele.
Caminhando em nossa direção em passos deliberados.
Caetano vestia uma camisa escura, calças pretas, tênis e
casaco de lã batida. Os cabelos estavam presos em um coque
no meio da cabeça e ele parecia estar distraído, admirando os
vinhedos.
Meu coração idiota errou uma batida com a visão.
Mas era óbvio que eu poderia encontrá-lo aqui, afinal essa
era a vinícola da família dele. Eu só não sabia ainda se esse era
um bom momento para apresentá-lo à minha família. Era cedo
demais e estávamos em um momento importante.
De qualquer forma, seria apresentado como um amigo.
Ele parou ao lado da mesa, as sobrancelhas unindo-se ao
reparar em mim, como se estivesse confuso. Eu sorri, prestes a
cumprimentá-lo quando Therêncio se levantou.
— Bom, deixem-me apresentá-las o meu primogênito,
Caetano — disse.
Pisquei, estarrecida, absorvendo as palavras dele e
tentando criar algum sentido para elas.
Primogênito?
Não...
Não podia ser.
A vida não seria tão filha da mãe assim. Não seria!
Uma sensação de queimação que começou no meu peito,
se espalhou por todo o meu corpo, criando uma tensão
palpável em todos os meus músculos.
— Caetano, essa é Laís, a minha namorada. Mavie, sua
filha. Bárbara, sua sobrinha, e Luísa, sua irmã — continuou,
alheio ao silêncio mortal entre Caetano, Bárbara e eu.
Senti a mão de Bárbara sobre a minha embaixo da mesa,
um toque simples, mas sugestivo. Ela compreendia a
magnitude do que estava acontecendo.
Caetano me encarou, rígido, demonstrando, em silêncio,
todas as palavras que não precisariam ser ditas.
Ele sabia. Eu sabia o que isso significava.
Senti as lágrimas se acumularem por detrás dos meus
olhos, enquanto o meu coração se afundava no meu peito.
Pisquei repetidamente, afastando-as.
Olhei para mamãe, então para o sorriso em seus lábios e o
brilho de felicidade em seus olhos. Meus ombros caíram e um
suspiro exasperado me deixou.
Eu tinha acabado de transar com o filho do novo namorado
da minha mãe.
E, para piorar ainda mais a situação, gostei de cada
segundo.
Eu estava tão fodida.
Esfreguei nos cantos dos meus olhos o lencinho que
Therêncio me ofereceu mais cedo, limpando as lágrimas
acumuladas.
A cerimônia havia sido incrível, tão linda quanto mamãe
sempre sonhou. E a decoração da festa estava perfeita.
Luzes penduradas decoravam toda a área da vinícola em
que a festa acontecia. Flores roxas foram distribuídas nos
centros das mesas e centenas de pétalas estavam espalhadas
pelo chão verde. Toldos foram erguidos para caso chovesse,
mas o dia não poderia estar mais lindo. O sol pousava ao
fundo, criando um contraste laranja sobre nós.
Olhei para os noivos, sentindo meu coração se expandir, a
alegria deles infiltrando-se através de mim.
O vestido de mamãe era longo, elegante e fluido,
apresentando um toque suave de branco. O modelo era
clássico, com decote discreto e mangas longas, delicadas, que
se alargavam sutilmente nos punhos. Ela segurava um buquê
desestruturado de flores silvestres e folhagens, todas no
mesmo tom da festa.
Os cabelos castanhos foram presos em um coque solto. Ela
não usava véu e havia optado por uma maquiagem leve, em
tons dourados e amarronzados.
Estava lindíssima, carregando beleza, bom-gosto e
elegância.
Therêncio vestia um terno preto, gravata borboleta da
mesma tonalidade de roxo da festa, camisa branca e sapatos.
Os cabelos grisalhos foram repuxados para trás.
A cerimônia chegou ao fim e eles se inclinaram, roçando
rapidamente os lábios em um beijo singelo, antes de se virarem
para os poucos convidados da cerimônia privada.
Caminhei com Elouise no meu colo, indo em direção às
mesas. Ela já estava inquieta e faminta. Me sentei na cadeira
destinada a mim e solicitei um garçom, pedindo que me
trouxesse o risoto que estava no cardápio para ser servido.
— Calma, meu amor — murmurei, embalando-me com ela e
beijando sua cabeça. — Seu jantar será servido em breve.
Ela tinha tomado uma mamadeira inteira no meio da tarde,
mas já estava faminta de novo.
Mamãe estava na sessão de fotos com Therêncio, enquanto
as pessoas faziam fila, esperando a vez de fazer parte do
registro.
Avistei de longe Bárbara e Lívia com copos de espumante
nas mãos, rindo e cochichando uma para a outra. Tia Luísa
conversava com alguns parentes distantes de Therêncio.
Olhei para a minha filha e suspirei.
A maternidade era uma dádiva, mas se eu dissesse que
todas as partes dela eram bonitas, estaria mentindo. Muitas
vezes deixava de fazer coisas que queria ou de comparecer a
eventos que me interessavam, porque não tinha com quem
deixar Elouise, como agora. Eu poderia estar me distraindo com
Bárbara e Lívia, mas minha filha ainda era um bebê de um ano
e meio, que tinha uma rotina própria. Ela queria jantar, depois
dormir. E eu, como sua mãe, precisava garantir que ela teria
tudo isso. Portanto, a distração ficava sempre em segundo
plano.
Retirei a chupeta de dentro da bolsa e entreguei a ela,
embalando-a em meu colo, tentando distraí-la da fome.
O vento soprou em meu rosto, empurrando os meus
cabelos para trás. Inspirei fundo, sentindo um cheiro... familiar.
Apertei os olhos e inspirei outra vez, querendo mais dele.
Então me dei conta de que isso não podia estar
acontecendo.
Um arrepio percorreu a minha espinha, eriçando os meus
pelos. Era um tipo de tensão que se tornava permeável, me
atingindo por completo.
Ergui o rosto levemente, rangendo a mandíbula com os
dentes cerrados. Prendi a respiração, arregalando os olhos.
Bem diante de mim, a poucos metros, estava ele . Após
meses sem qualquer contato, parecia tão familiar quanto
estranho.
O homem que atormentava os meus sonhos e que fazia
parte das minhas fantasias mais insanas e sensuais. Ele, o cara
que entrou na minha vida e, em apenas uma noite, conseguiu
bagunçar tudo para mim.
Ele, o pai da minha filha.
Os olhos fixos na bebê em meu colo, o cenho franzido.
Não conseguia me mexer, não conseguia reagir. Eu não
conseguia fazer absolutamente nada. Sequer respirava.
Por um breve instante, a vinícola, com sua elegância
rústica, desapareceu. Só restávamos nós dois, presos nesse
limbo entre o passado e o presente, entre o desejo e a
realidade.
Meu peito subia e descia em rápidas sucessões, a
respiração entrecortada pelos lábios divididos.
Encarei-o, sentindo todo o sangue evaporar do meu rosto.
Os cabelos continuavam longos, delicadamente penteados
para trás e presos em um coque solto. A barba rala estava
bem-aparada, marcando o maxilar quadrado. As sobrancelhas
grossas se ergueram diante da perplexidade estampada em seu
rosto.
Ele vestia um terno cinza que se moldava aos músculos
protuberantes dos braços, assim como a camisa branca que
delineava cada gominho em seu dorso.
Meu coração batia descompassado, zunindo em meus
ouvidos pela intensidade.
Os olhos dele voltaram-se para os meus, me envolvendo e
trazendo à tona uma avalanche de emoções.
Sentia o peso daquele olhar, intenso e inquisitivo, e algo
em mim se remexeu; uma mistura de nervosismo, desejo e uma
pitada de medo.
Ele deu um passo oscilante, como se não pudesse acreditar
no que os olhos viam. Coçou o maxilar, um vinco se
aprofundando na testa.
E então, inesperadamente, Elouise pulou no meu colo,
cuspiu a chupeta e abriu os braços na direção dele, dando ao
pai seu primeiro sorriso. Era como se ela o reconhecesse, como
se sentisse sua presença. DNA chamando por DNA.
O vinco na testa de Caetano se suavizou e seu rosto se
transformou em uma careta de... tristeza, espanto e desolação.
Um soluço ficou preso na minha garganta. Apertei os olhos,
deixando que a culpa me afogasse outra vez.

Meses antes

O céu era um mosaico de cores enquanto o sol se punha


sobre os vinhedos, mas a beleza do entardecer não conseguia
tirar o peso do que eu havia acabado de descobrir.
Mesmo depois de tantas horas, pelo almoço que acabou se
estendendo, eu ainda não conseguia raciocinar direito. Mal
conseguia olhar na direção dele. Nós não trocamos mais do que
míseras palavras para disfarçar.
O choque ainda reverberava em cada célula do meu corpo.
Tentei achar algum sentido para o que estava acontecendo,
mas quanto mais eu procurava, menos parecia estar perto de
encontrar a solução.
Bárbara se mantinha quieta ao meu lado, tão silenciosa
quanto Caetano e eu. O que era um contraste engraçado com a
irmã falante dele, Lívia.
Ergui o rosto, observando-os distraídos em uma conversa
profunda. Aproveitei a oportunidade para me afastar. Precisava
de um espaço para respirar, para pensar.
Pela visão periférica, notei Caetano me seguindo. Sua
presença era como um lembrete constante de horas antes, uma
noite que agora parecia ser um erro complicado.
Caminhei até que não restasse nada ao nosso redor, até
que as conversas deles se transformassem em simples
murmúrios. Os pés dele esmagavam a areia atrás de mim, me
seguindo de perto.
— Eu não fazia ideia — disse, parando de caminhar e
abraçando o meu corpo, sem coragem de encará-lo. Minha voz
era quase um sussurro entre os vinhedos.
Ele parou ao meu lado, olhando para o horizonte, onde o
sol dava seu último adeus ao dia.
— Nem eu — respondeu, a voz firme, mas o semblante
carregava um peso de emoções. — Mavie... sobre ontem à
noite...
Balancei a cabeça, interrompendo-o.
— Nós não sabíamos. Não tinha como saber, minha mãe
contou sobre o novo namorado, mas manteve tudo sobre ele
em sigilo. Eu sequer sabia que ele tinha filhos.
Comprimiu os lábios, transformando-os em uma linha fina.
— Ele só me disse o nome da nova namorada.
Apertei os olhos e respirei fundo, lutando para encontrar as
palavras certas que poderiam, de alguma forma, desembaraçar
o nó em que nos encontrávamos. Me virei para ele, sem
descruzar os braços.
— Caetano... agora as coisas mudaram. Nossos pais estão
juntos, e isso... isso é maior do que nós — gaguejei.
Soava até mesmo idiota que eu estivesse tão sentida, com
o coração tão partido ao me despedir de um cara que eu mal
conhecia. Mas... era diferente. Gostei dele desde o primeiro
momento, senti uma conexão única, como se algo se acendesse
dentro de mim.
Não importava mais, de qualquer maneira.
Ficamos em silêncio, sendo acariciados pelo barulho do
vento nas folhas dos vinhedos.
Era um momento de escolha, de sacrifício. A felicidade dos
nossos pais estava em jogo, e nenhum de nós queria ser a
razão de um coração partido.
— Minha mãe morreu por complicações no parto da minha
irmã — sussurrou, o músculo da mandíbula saltando. — Há
cerca de quinze anos. Desde então, meu pai nunca se
relacionou com ninguém. Ele se dedicou a dar o melhor para
nós, em fazer a vinícola crescer e tentar suprir a falta dela. —
Girou a cabeça para trás, como se pudesse enxergar o pai. —
Essa é a primeira vez que eu o vejo assim, sem receio, pressão
ou ressentimentos. Ele só está sendo ele mesmo e se deixando
viver um amor.
Balancei a cabeça, compreendendo aonde ele queria
chegar.
— Minha mãe também nunca teve ninguém, até agora. —
Suspirei, balançando os ombros. — Parece que eles foram
feitos um para o outro. Se ela souber sobre nós... — gesticulei,
descruzando os braços. — Não sei se ela continuaria com ele...
— Acho o mesmo do meu pai, e não estou disposto a
acabar com a felicidade dele.
— Idem!
Minha mãe terminaria o relacionamento na mesma hora se
soubesse, mesmo que isso devastasse o seu coração. Ela
preservaria o meu bem-estar acima do dela. E jamais me
sentiria bem com isso.
Não dava para misturar as coisas, era inviável.
— Eu vou para Harvard em breve, fazer o MBA. — Seus
olhos encontraram os meus, um mar de palavras não ditas
brilhando neles. — Talvez seja melhor assim. Que cada um siga
o seu caminho.
Uma pontada de dor atravessou o meu peito, mas eu sabia
que ele estava certo. Era o caminho mais sensato, mais nobre a
seguir.
Se eu não tivesse tido um momento de hesitação mais cedo
e lhe passado o meu número de celular, talvez as coisas
pudessem ter sido mais fáceis, sem uma expectativa de futuro,
ou a ansiedade de reencontrá-lo.
Ele seria meu segredo sujo, uma boa memória que eu
carregaria comigo para sempre.
Abri um sorriso fraco.
— Nessa despedida, levo um pouco de você comigo, senhor
Rossi — murmurei, as palavras saíram como um sopro,
carregando todo o peso do que eu sentia, mas não podia
explorar.
Ele insistiu nisso hoje, mais cedo, “não é uma despedida”,
como se quisesse ter certeza de que me veria de novo. E
realmente não era. Com a relação dos nossos pais, teríamos
ainda mais convivência, mas... era uma despedida do que
poderíamos ser, do que o futuro nos reservaria, caso as
circunstâncias fossem diferentes. Era um adeus a nós dois, à
noite que compartilhamos e à química que sentíamos.
Me olhou intensamente, como se quisesse gravar cada
detalhe meu em sua memória.
— E eu de você, Mavie — ciciou. — Foi breve, mas foi
intenso. Quero que saiba que eu teria mandado outra
mensagem hoje à tarde, caso não me respondesse. E que eu
insistiria em ti.
Pisquei várias vezes, empurrando as lágrimas para longe.
— Eu teria mandado a mensagem, Caetano. — A sombra de
um sorriso se espalhou pelos meus lábios. — Estava fissurada
no celular esperando uma sua, inclusive — brinquei, fungando.
— E eu investiria nisso também, porque senti desde o começo
que valia a pena.
Pousou as mãos nos bolsos da calça e acenou, erguendo os
cantos dos lábios.
Com um aceno singelo, viramos as costas um para o outro,
cada um caminhando em uma direção diferente entre os
vinhedos, como se precisássemos desse espaço para colocar a
cabeça em ordem.
Tropecei na areia e a primeira lágrima rolou pela minha
bochecha.
A cada passo que eu dava, sentia um pedaço de mim ficar
para trás, entre as sombras e luzes da vinícola Rossi. Era o fim
de uma breve, mas intensa história.
De alguma forma, eu sabia que, embora nossos caminhos
devessem se separar, a lembrança do que compartilhamos nos
acompanharia.
Havia algo no ar daquele entardecer que parecia preencher
cada canto da vinícola. Era o casamento do meu pai e de Laís,
um evento que prometia unir duas famílias e iniciar um novo
capítulo em nossas vidas. Meses haviam se passado desde que
estive aqui pela última vez, meses de estudo intenso e foco,
mas nada poderia me preparar para o que encontrei.
Ela estava ali, Mavie, bem diante de mim, em um retrato
de elegância e beleza tranquila.
Seu vestido roxo realçava a cor dos seus olhos, e seus
cabelos repuxados em um coque solto demarcavam o pescoço
magro, em que pousei meus lábios um dia.
Linda!
Um retrato perfeito, exatamente como eu havia tatuado
com detalhes em minha mente.
A garota que, com apenas uma noite, conseguiu mexer
comigo de uma forma que ninguém antes tinha conseguido.
Havia algo em Mavie que me puxava para ela, com um ímã.
E qual foi a minha surpresa ao descobrir que eu e o meu pai
partilhávamos gostos parecidos para mulheres? Abdicar do que
poderíamos ser era o certo a se fazer. Meu pai, mais do que
ninguém merecia a felicidade plena e eu não queria ser o
causador que transformaria seu relacionamento em infelicidade.
Eu sabia, do fundo da minha alma, que ele terminaria
qualquer coisa que estivesse tendo com Laís, mesmo que isso
estraçalhasse o seu coração, se significasse me deixar feliz. Ele
não levaria o relacionamento adiante, pois seria estranho mãe e
filha namorando pai e filho, aos olhos dele.
Por isso, nos últimos meses, passado pouco mais de dois
anos da minha ausência, só o que fiz foi tentar me desintoxicar
da garota que conseguiu foder com a minha mente em apenas
uma noite.
Não era difícil me soterrar nos estudos, o curso foi bem
mais complicado do que eu imaginava, sugando todo o meu
tempo. Mal consegui manter contato com a minha família e,
nas poucas conversas que tivemos, ele quase não mencionava
Mavie. Eu sequer fazia questão de ouvir sobre ela.
Eu ficaria ainda mais tempo distante, se não tivesse sido,
enfim, aprovado no curso. Agora, era hora de assumir minhas
responsabilidades na vinícola e colocar em prática tudo o que
estudei nos últimos anos.
Ignorar Mavie e o fato de que agora ela era, perante a
sociedade, a minha meia-irmã, não era mais possível. Nossos
pais estavam casados e precisaríamos enfrentar isso de um
jeito ou de outro. Nos tornamos uma família e o contato
aumentaria ainda mais.
Diante da minha ausência e afastamento nos últimos
meses, quis fazer uma surpresa à minha família, algo que
pudesse me redimir pelo meu lapso. Menti para todos eles
sobre não retornar, dizendo que não estaria presente. Para
todos, menos para Leonardo, o meu melhor amigo e cúmplice,
responsável por me esperar no aeroporto.
Meu voo atrasou e, por isso, acabei chegando mais tarde,
perdendo a cerimônia. Eu só não imaginava que ela seria a
primeira pessoa que eu encontraria.
Dei um passo involuntário, como se estivesse sendo sugado
por sua presença.
Meus olhos desceram um pouco, a pequena criatura em seu
colo capturando a minha atenção – uma bebê com olhos
grandes e curiosos que pareciam refletir o Universo inteiro.
Senti um arrepio na coluna que se infiltrou através de mim.
Ela olhou para mim e então sorriu, cuspindo a chupeta para
longe e esticando os bracinhos, como se estivesse me
chamando.
Meu coração bateu forte, um reconhecimento instantâneo
pulsando em minhas veias.
A maneira como seus olhos se fixaram nos meus, a curva
do nariz, a linha do queixo – era como olhar no espelho, vendo
uma versão muito mais jovem de mim mesmo.
Por um momento, o mundo ao redor desapareceu, e tudo o
que restou foi a imagem delas duas.
Não havia dúvida em minha mente.
Ela era minha.
Foi como um tapa silencioso, um baque ensurdecedor.
Porra!
Apertei os dentes com força, tentando de alguma forma
conter o turbilhão de emoções que me assolava.
Com passos que pareciam carregar o peso de mil
perguntas, me aproximei delas, cada segundo estendendo-se
como uma eternidade.
Mavie se levantou, empurrando desajeitadamente a cadeira
para trás, a bebê ainda em seus braços. Nossos olhos se
encontraram, uma mistura de emoção, surpresa e anseio.
— Caetano — ela disse, trêmula, me encarando como se eu
pudesse desaparecer da sua frente em um piscar de olhos.
Apertei a ponta do nariz e fechei os olhos, respirando
demoradamente.
— Pode me explicar que porra é essa? — sibilei, baixinho.
Mavie deu um passo oscilante para trás, mantendo a
criança em seus braços, como se quisesse protegê-la.
Descolou os lábios, trêmulos.
— Esta... esta é... — Engoliu em seco, sua voz não
passando de um sussurro.
A menina brincava no colo dela, fazendo barulhos com a
boca. Os cabelos castanhos estavam presos em dois coques no
alto da cabecinha e ela usava um vestido roxo. Ela era linda,
como se fosse uma boneca.
— Ela... ela... — minha voz falhou. Respirei fundo outra
vez. — Quanto tempo essa criança tem?
Em nenhum momento meu pai mencionou que Mavie tinha
tido um filho. Eles sabiam a verdade sobre de quem ela era?
Por que diabos mantiveram isso escondido até de mim?
— Ela tem um ano e sete meses — sussurrou, embalando-
se com a menina nos braços.
Não precisava ser nenhum gênio em matemática para
descobrir que Mavie engravidou na época em que ficamos
juntos. Também não havia necessidade de um teste de DNA, a
garotinha era uma prova ao vivo e a cores.
Dei um passo em direção a ela, cerrando os dentes.
— E quando é que pensou em me contar da existência da
minha filha? — sibilei, áspero.
Raiva, emoção, tristeza e amargura me tomavam
completamente em um misto de sentimentos. Todos eles me
causando confusão.
Ela engoliu com dificuldade e olhou para os lados,
conferindo se estávamos realmente a sós.
— Eu contaria em algum momento.
— É mesmo? Quando? — insisti, cruzando os braços em
frente ao peito.
Olhou outra vez ao redor.
— Podemos, por favor, ter essa conversa em outra hora?
Agora não é o momento. Não podemos estragar o dia dos
nossos pais.
Descruzei os braços e passei a mão nos cabelos, puxando-
os para trás.
Bufei.
Sabia que ela tinha razão, mas era foda controlar o meu
temperamento quando tudo o que eu imaginava havia
desmoronado. Durante o voo inteiro, fiquei imaginando o que
eu faria quando a encontrasse. Eu agiria normalmente, como se
ela não fosse relevante, mas seria educado. E então
seguiríamos a vida, como já estávamos fazendo.
Nem nos meus sonhos pensei que voltaria para o Brasil e
descobriria que tive uma filha nesse meio-tempo.
Fodemos sem camisinha no dia, mas me lembro de que
Mavie disse que tomava anticoncepcional. Eu não costumava
ser tão desprevenido, mas, como eu disse, com ela tudo
sempre foi diferente.
— Tem razão — afirmei, encarando-a com um esgar nos
lábios. — Mas isso não vai ficar assim, Mavie. Eu quero
respostas. E logo! — Voltei-me para a criança. A similaridade
entre nós era inegável, cada traço seu refletindo uma parte de
mim que eu nunca soube que precisava conhecer. — Qual...
qual é o nome dela? — perguntei, sem conseguir controlar a
emoção.
— Elouise — respondeu, sorrindo orgulhosa.
Nunca pensei muito sobre a ideia de ser pai, embora
estivesse nos meus planos um dia me casar e ter filhos, que
seguiriam o meu legado, assim como eu faria com meu pai.
Só que, cá estava, bem diante de mim.
Uma filha desconhecida.
Uma bebê tão parecida comigo, tão perfeita, pequena e
delicada.
Me afastei, sentido a garganta embargar e dificuldade para
respirar.
— Caetano? — A voz hesitante da minha irmã soou às
minhas costas.
Lancei um último olhar a Mavie, que mal conseguia se
mexer, trêmula e nervosa, antes de usar todas as minhas forças
para me virar e agir naturalmente com a minha família, fingindo
que eu não tinha acabado de descobrir algo que mudaria a
minha vida completamente.
Lívia me encarou, perplexa, por alguns segundos, antes de
correr na minha direção e se jogar nos meus braços.
— Eu não acredito! — sibilou, escorando a cabeça no meu
peito. — Seu cretino! Nos enganou direitinho.
Soltei uma risada, saindo do meu torpor pós-notícia, e a
abracei em retribuição, alisando os cabelos sedosos.
— Também senti saudades, maninha!
Se afastou para me olhar.
— Fiquei muito puta contigo — confessou. — Pela desfeita
que faria com papai.
Me inclinei, alinhando os nossos rostos.
— Eu jamais faria isso.
Ponderou, pressionando os lábios.
— Pensei que o meu irmãozinho, que assistia aos filmes da
Barbie comigo, não seria capaz de fazer isso, mas aí me
lembrei de que, desde que foi para os Estados Unidos, mudou
completamente.
Suspirei, me sentindo culpado pelo meu afastamento.
A rotina intensa de estudos e o fato de que eu evitava
notícias sobre Laís e Mavie foram os principais culpados.
— Agora, estou em casa e prometo recompensá-la —
avisei, acariciando a bochecha com o dorso da mão. — Ergui o
rosto, procurando pelo nosso pai em meio à multidão. — Bom...
preciso encontrar o nosso pai e dar a ele o meu presente.
— E qual é? — perguntou, curiosa.
— Eu, é claro.
Revirou os olhos, bufando.
— Sempre tão convencido. — Me empurrou, soltando uma
gargalhada. — Vem comigo, vou te levar até ele. Nossa, ele vai
ficar tão feliz quando te ver... — Afastou-se, sem parar de falar.
Lívia era falante por natureza e quando ficava feliz, meu
Deus, era difícil fazê-la parar.
Segurou a minha mão, me arrastando por entre as pessoas.
Sorri e acenei para quase todos, tentando ser o mais educado
possível, enquanto minha irmã mais nova não me soltava por
nada.
Nosso pai estava com Laís, batendo algumas fotos de casal
em frente aos vinhedos que serviam como paisagem principal
para a festa. Parei e aguardei, em silêncio.
— Pai — chamou Lívia, impaciente.
Ele soltou Laís e olhou para nós, arregalando os olhos ao
reparar em mim. Piscou, como se quisesse ter certeza de que
eu era real, de que estava realmente ali. E então caminhou em
minha direção, em passos hesitantes.
— Caetano? — sussurrou, confuso.
— Oi, pai!
Me puxou para um abraço apertado, tentando matar a
saudade dos meses distantes.
— Pensei que não viesse.
— Eu jamais perderia um momento tão importante como
esse.
Suspirou, sem conseguir controlar a emoção.
— Senti tua falta... todos nós sentimos.
— E eu senti a de vocês.
Me afastou, abrindo um sorriso largo e feliz.
— Agora, o meu dia ficou completo. — Laís parou ao lado
dele, sorrindo para mim. — Não é, meu amor? — Puxou a
esposa, beijando delicadamente o lado da cabeça dela.
Uma fisgada me atingiu.
Como eu conseguiria lidar com o fato de que tinha
engravidado a filha da esposa dele? Como eu poderia acabar
com essa felicidade?
No passado, foi fácil tomar uma decisão, mas agora, com
Elouise, as coisas teriam que tomar um rumo totalmente
diferente.
— Fico feliz que tenha conseguido comparecer, Caetano —
disse Laís. — Therêncio ficou muito triste quando soube que tu
não viria.
Anuí, soltando a respiração lenta.
— Vamos fazer algumas fotos? — perguntou Laís, acenando
para o fotógrafo.
— Vou chamar Mavie — disse Lívia.
— Ah, querida, não sei se ela vai vir — comentou a mulher,
e isso acionou um alerta em mim.
— Por que ela não viria? — questionei.
Soprou a respiração.
— Ela não é muito... adepta a fotos.
Investiguei todo o Instagram da garota no passado, logo
após ela ter saído da minha casa, e Mavie postava muitas fotos,
então essa desculpa esfarrapada não fazia sentido algum.
— Tem algo acontecendo que eu precise saber? — insisti,
uma veia pulsando ao lado do meu pescoço pela irritação.
Se todos, menos eu, soubessem que tive uma filha,
aconteceria a primeira briga familiar desde que as famílias
foram unificadas.
— É uma longa história — disse meu pai.
— Tenho tempo. — Cruzei os braços e aguardei,
encarando-os por sobre os cílios.
Laís esfregou a mão no pescoço, parecendo estar
incomodada com o assunto.
— Mavie teve uma filha — começou o meu pai, quase
sussurrando ao falar. — E não sabemos quem é o pai da bebê,
mas, pela forma como ela age, achamos que é alguém
perigoso.
Abri a boca, estupefato com a cara de pau da garota em
mentir tão descaradamente para a própria família.
— Como é? — sibilei, pendendo a cabeça para o lado.
— Ela evita expor a criança. Sem fotos, sem falar sobre ela
com ninguém — continuou ele. — Laís já tentou descobrir com
Mavie sobre a paternidade, mas ela sempre se esquivou do
assunto, então deixamos de lado. Só o que sabemos é que,
para a segurança de Elouise, ela deve ficar no anonimato.
Agora estava explicado o motivo do meu pai mal mencionar
Mavie em nossas conversas e quando o fazia, ele não entrava
nesses assuntos de conflitos familiares para não me preocupar,
sempre peneirando as notícias que chegariam até mim.
Me lembro vagamente dele mencionar o nome de Elouise
algumas vezes, mas pensei que fosse alguma prima ou parente
da família de Laís. Bom... eu não estava errado, só não
imaginava que ela era a minha filha !
— Compreendo... — murmurei, pensativo.
Mavie tinha muita coisa para me explicar. Se a garota
achava que me afastaria ou que me deixaria longe da vida da
minha filha, estava muito enganada.
Eu não fazia ideia de como explicaríamos isso ao meu pai,
mas reconheceria Elouise como minha, de um jeito ou de outro.
A ideia de que a criança existia ainda parecia absurda na
minha cabeça.
Pai.
Eu tinha uma filha, porra!
— Vamos às fotos? — Laís mudou de assunto, batendo
palmas e nos conduzindo em direção à paisagem que seria
usada como plano de fundo.
Com a mente perdida e distante, os acompanhei, fazendo o
meu papel de filho e fingindo que nada me incomodava.
Não consegui pregar o olho durante a noite toda.
Levei muito tempo me preparando sobre como eu contaria
para Caetano sobre Elouise quando ele voltasse, imaginando
todas as reações possíveis que ele poderia ter diante do fato.
Mas nada foi capaz de me preparar de verdade para isso.
Por um tempo, manter o segredo foi fácil. O retorno dele
parecia tão distante, minha mãe estava feliz com o
relacionamento e realizada com a oportunidade de ser avó,
então fingi que o empecilho gritante nessa equação
simplesmente não existia.
Minha família me deu todo o apoio do mundo durante a
minha gestação, tornando as coisas mais fáceis para mim.
Além, é claro, de me dar tanto amor que parecia que iria
transbordar.
Nós quatro nos tornamos inseparáveis. Enquanto Bárbara
comprava tudo o que via pela frente, tia Luísa fazia o mapa
astrológico do bebê e preparava as melhores guloseimas.
Mamãe cuidava das coisas e de mim, se preocupando com a
minha alimentação.
Therêncio e Lívia não ficaram de fora, faziam de tudo para
estarem presentes.
Por isso, foi tão mais fácil guardar segredo sobre a
paternidade de Elouise e seguir a vida no fingimento.
Mas eu sabia que era um conflito que precisaria enfrentar
em algum momento. Eu só não queria que fosse naquele.
Não houve julgamentos por parte da minha família, pela
falta de um pai para o meu bebê. Minha mãe foi mãe solteira e
me apoiou desde sempre.
Arrastei meus pés para fora do quarto, me forçando a ir até
a cozinha. Minha cabeça latejava pela noite mal dormida e eu
me sentia emocionalmente acabada.
Um atropelamento doeria menos.
Tia Luísa e Bárbara já estavam na cozinha, tomando café
da manhã.
Fui até um armário e recolhi uma xícara, enchendo-a com o
café passado na cafeteira.
— Meu Deus — comentou tia Luísa. — Pensei que não
tivesse bebido ontem.
— E não bebi — respondi, recostando-me contra a pia e
sorvendo um gole da cafeína.
Bárbara estava em silêncio, me encarando através dos
olhos verdes, que eram capazes de ler o meu humor nas
entrelinhas. Ela viu Caetano e imaginava que o meu desgaste
era por conta do seu retorno. Mas ela não imaginava que ele
não só tinha voltado, como também sabia sobre a existência da
filha.
— Posso fazer algum chá — continuou, soando um pouco
mais carinhosa. — Está ficando doente, querida? Hum... essas
olheiras só pode ser gripe.
Neguei com um aceno, puxando a cadeira da ponta e me
sentando.
— Estou bem, tia... hum... Elouise estava um pouco
inquieta essa noite e acabei não dormindo bem — menti.
Suspirou.
— Entramos na época do seu inferno astral — comentou
ela, cortando uma fatia de pão caseiro. — Isso também ajuda.
Vai se sentir muito cansada, física e mentalmente, pelos
próximos dias.
Bárbara mastigava a comida em silêncio, observando e
acompanhando a conversa. Eu sabia que estava se preparando
para fazer uma enxurrada de perguntas, assim que ficássemos
sozinhas.
— Nossa, que incrível — ofeguei, irônica.
Ajeitei o prato na minha frente e cortei uma fatia de bolo
de cenoura com calda de chocolate. Meu estômago estava
embrulhado, mas eu precisava comer alguma coisa. Depois que
Caetano apareceu, corri para casa com Elouise e acabei não
jantando. Menti para todos que ela estava manhosa e eu
precisava trazê-la para dormir no silêncio e na paz.
— Bárbara, tu nem sabe — gritou ela, quebrando o silêncio
e me assustando. Minhas mãos começaram a tremer e meu
coração deu um solavanco no peito. Ela sabia de algo? Não era
possível... ou era? — Agora que fui cortar um pedaço de queijo,
eu me lembrei... — continuou ela, me fazendo suspirar aliviada.
Não era sobre mim, graças a Deus!
Um sorriso surgiu nos lábios de Bárbara ao notar a tensão
no meu corpo.
— Me conte, mãe. É fofoca? — indagou, falando pela
primeira vez desde que apareci na cozinha.
— Sim — confirmou, arregalando os olhos e dando ênfase
na notícia que estava por vir. — Sabe a Nelli, que faz esses
queijos aqui? — perguntou, gesticulando com a faca na mão.
Bárbara acenou. — Então se lembra da Rafaella [i] , a filha dela?
— Claro que me lembro, brincávamos juntas quando
crianças. — Cortou uma fatia de bolo, pensativa. — Depois que
ela engravidou na adolescência, nunca mais foi a mesma. Ela
se isolou de todos, inclusive de mim.
Eu tinha uma vaga lembrança dessa amiga de Bárbara, ela
costumava falar da guria vez ou outra na nossa infância.
— Então, ela ia se casar com um ricaço lá de São Paulo, já
estava de casamento marcado e tudo... — ciciou, passando
manteiga em um pedaço de cuca [ii] — mas a coitadinha acabou
descobrindo, no dia do casamento, que foi traída.
Bárbara ofegou.
— Mas que barbaridade... Rafaella não merecia isso.
Tia Luísa balançou a cabeça, concordando com a filha.
— Fiquei sabendo que ela voltou pra casa da mãe... — Fez
silêncio por um segundo. — E acredita que o ex-noivo safado
tentou sequestrar ela?
Fiquei boquiaberta com essa história, divagando por um
segundo e esquecendo dos meus próprios problemas.
— Meu Deus, mãe... — Bárbara suspirou, chocada.
— E tem mais!
— Mais? — crispei, me envolvendo no assunto.
Anuiu, dando uma mordida no pedaço de cuca, antes de
continuar:
— Parece que o ex-noivo tem um irmão gêmeo que ele não
sabia que tinha, porque foram separados quando bebês... e a
Rafaella está com o irmão agora.
Sorvi um gole do meu café, embasbacada com a fofoca de
cidade pequena.
Quem poderia julgar Rafaella por ter trocado um idiota pelo
irmão dele? Andei com o filho do meu padrasto e ainda por
cima engravidei. Bom... eu é que não a julgaria.
— Espero que consiga ser feliz, pois ela merece — finalizou
Bárbara.
— Concordo — afirmou tia Luísa.
Enfiei um pedaço de bolo na boca, tentando fazer com que
o açúcar me desse algum resquício de adrenalina para
enfrentar o dia que teria pela frente.
Caetano não tinha ainda entrado em contato comigo, mas
eu tinha certeza absoluta de que ele faria isso em algum
momento. E esse momento seria em breve.
— Tem notícias de Laís, Mavie? — perguntou ela, depois de
alguns instantes em silêncio.
Neguei.
— Acho que ela vai querer passar o dia com Elouise hoje,
pelo que me disse ontem.
Ela riu.
— Já está antecipando a saudade que vai sentir da neta.
Mamãe e Therêncio passaram a noite em uma cabana
muito sofisticada e elegante. Em dois dias, eles sairiam para a
longa viagem de lua de mel.
— Tenho certeza de que vou ter que enviar fotos de Elouise
todo o santo dia — brinquei.
— Ah, mas disso não tenho dúvida. — Levantou-se,
recolhendo sua louça suja. — Bom, meninas, tenho que
encontrar Laís na vinícola, para ver o que sobrou da festa e o
que vamos fazer com tudo. Terminem o café e recolham a mesa
— orientou, pousando a louça em cima da pia e saindo da
cozinha.
Bárbara e eu ficamos em silêncio durante todo o tempo que
ela permaneceu na casa, sem trocarmos uma palavra sequer.
Forcei a comida para dentro do meu corpo, mastigando
tudo lentamente com grandes goles de café.
Assim que tia Luísa bateu à porta da frente, Bárbara
arrastou a cadeira na minha direção, inclinando-se sobre a
mesa.
— Eu disse que isso aconteceria uma hora ou outra. E
agora? O que pensa em fazer? — indagou, cruzando as mãos
em cima do tampo de madeira.
Soltei um suspiro e fechei os olhos.
— Ele sabe sobre Elouise — confessei.
Por uns segundos, não aconteceu nada, como se ela
estivesse absorvendo a informação.
— Ele o quê? — crispou, cuspindo saliva.
Empurrei meu prato vazio para longe e deitei a testa na
mesa gelada, querendo morrer.
— Ele me viu com Elouise no colo e deduziu tudo.
— Tudo tipo, tudo mesmo?
Acenei, batendo a testa na mesa.
— Eu não neguei nada, só disse que lá não era a hora, nem
o momento. — Me levantei, sentindo os olhos marejados. —
Acho que ele vai me ligar hoje.
Levantou-se, incontida.
— Porra, Mavie. E como ele reagiu?
— Não sei dizer exatamente... ele parecia... confuso,
furioso, triste e surpreso. — Meu corpo trepidou. — E Elouise...
— Inspirei, sendo esmagada pela lembrança. — Ela também o
reconheceu, ela... ela abriu os braços e sorriu pra ele.
Agarrou os cabelos, puxando-os com força.
— Porra! Isso está pior do que eu imaginava que ficaria.
— Eu sei... não tem mais escapatória, chegou o momento
de enfrentar a verdade.
Voltou para a cadeira, arrastando-a para o meu lado.
— Como acha que ele vai lidar com toda essa situação?
Refleti por um segundo.
— Ontem, quando eu disse que não era o momento, ele
entendeu, mas também exigiu uma resposta, queria a verdade.
— Mastiguei a unha do polegar, nervosa. — No passado, ele
abdicou de tudo por causa da felicidade do pai, só que... agora
as coisas são diferentes, tem Elouise e o fato de que ela nunca
poderá ter um pai, se levarmos a mentira pra frente.
— E acha que ele não vai querer ser um?
Balancei a cabeça.
— Acho o contrário disso — confessei.
Caetano era um homem honrado, jamais abriria mão de um
filho. Ele levaria essa história adiante, eu só não sabia dizer
como tudo acabaria.
Bárbara bufou.
— Durante meses, te fiz essa pergunta e tu nunca soube
me responder, Mavie.
Engoli em seco.
— E qual é? — perguntei, embora soubesse exatamente o
que ela iria dizer.
Me encarou com seriedade.
— O que diabos vai fazer agora?
Pressionei os lábios, transformando-os em uma linha fina.
— Eu não sei... — sussurrei, sentindo a tensão se acumular
em meus ombros. — Eu simplesmente não sei.
E essa era a verdade.
Por meses, evitei a verdade, fingindo que ela não existia,
que não passava de um simples incômodo. E agora que ela
estava batendo à porta, estava bem diante de mim, eu não
sabia o que fazer.
Não dava mais para viver na mentira.

Meses antes

O teste de gravidez tremia nas minhas mãos, e as duas


linhas rosadas pareciam gritar um destino que nunca planejei.
— Não... isso não pode estar acontecendo... — sussurrei,
minha voz se perdendo entre os azulejos frios do banheiro do
meu apartamento.
Minhas pernas falharam e eu caí de bunda no chão gelado,
sem conseguir manter o meu próprio peso. Eu vomitaria a
qualquer instante, meu estômago parecia dar cambalhotas no
meu abdômen.
Bárbara estava ao meu lado, seu reflexo no espelho da pia
se mostrava tão preocupado quanto o meu. Ela colocou uma
mão em meu ombro, uma tentativa de me oferecer estabilidade
em um momento que tudo parecia desmoronar.
— Mavie, o que tu vai fazer? — Sua voz era um fio de
ansiedade.
Três meses depois da noite incrível que tive com Caetano,
não pude mais ignorar os sintomas que começaram a aparecer:
enjoos matinais, vontade inédita de comer certas comidas,
ganho de peso, uma leve mudança nos meus seios. E levei
quase duas semanas a mais, depois de desconfiada, para ter
coragem de fazer o teste. Bárbara precisou vir de Bento
Gonçalves para Porto Alegre e me acompanhar, ou eu
continuaria evitando os sinais.
Eu sabia a verdade antes mesmo de confirmá-la. Minha
injeção anticoncepcional estava vencida na época, mas eu não
tinha ideia, e não transamos com camisinha, ou seja, não seria
gravidez somente se um milagre recaísse sobre a minha vida.
Isso claramente não aconteceu.
— Eu… eu não sei. Isso nunca deveria ter acontecido —
admiti, sentindo uma lágrima escorrer pela minha bochecha.
Um bebê. Um filho meu e de Caetano. Uma criança fruto
de uma relação que nunca deveria ter acontecido.
Meu coração estava em guerra, o pânico de enfrentar esse
futuro tão improvável lutava contra a crescente conexão com a
pequena vida que começava dentro de mim.
Não planejar engravidar não significava que eu rejeitaria a
criança ou desprezaria a existência dela. Era só um bebê. Um
inocente bebê, que não tinha culpa de absolutamente nada.
A gravidez não estava nos planos, mas agora, com cada
batida do meu coração, sentia uma estranha mistura de medo e
um amor incipiente, um amor que eu não sabia se tinha o
direito de sentir.
Como eu contaria para a minha mãe que eu estava grávida
do filho do meu padrasto?
— Estou contigo, Mavie. Estou aqui para o que precisar! —
prometeu ela com a voz firme. — Vamos enfrentar isso juntas.
Me arrastei pelo banheiro, escorando as costas na parede.
Deitei a cabeça contra ela e deixei que as lágrimas escorressem
pelo meu rosto, molhando a gola da minha blusa.
O que eu faria da minha vida de agora em diante? Teria
que mudar todos os meus planos, alterar minhas metas e rever
o meu futuro.
Ergui o rosto, encarando Bárbara. Me sentia grata por sua
presença.
— Estou ferrada… — murmurei, balançando a cabeça. —
Como vou dar a notícia pra minha mãe? E Caetano? Céus, ele
está a quilômetros de distância.
Ajoelhou-se na minha frente, pousando as mãos nos meus
ombros e alinhando os nossos rostos.
— Calma, vamos lidar com uma coisa de cada vez.
Comprimi os lábios.
— Seria muito fácil se o pai do meu bebê não fosse o filho
do meu padrasto e eu estivesse prestes a acabar com a
felicidade da minha mãe.
Balançou a cabeça.
— Vocês não sabiam de nada quando se envolveram.
— Minha mãe não vai continuar o namoro mesmo assim,
Bárbara. O que a sociedade vai dizer sobre isso? Mãe e filha
namorando pai e filho. — Bufei. — Lívia já me apresenta como
sua irmã emprestada para as pessoas… o que também torna
Caetano e eu irmãos emprestados. E EU ENGRAVIDEI DO MEU
IRMÃO EMPRESTADO! — Aumentei meu tom de voz,
submetendo-me ao pânico.
— Ai, cale a boca e pare de surtar! — ralhou, se levantando
e andando em círculos. — E se o Caetano rejeitar a criança? —
Arfou, olhando para mim de olhos arregalados. — E se o bebê
for igual aos bebês rejeitados dos livros de romance que leio na
Amazon?
Cerrei os dentes com força.
— Bárbara, isso não está ajudando…
— Fariam um livro sobre essa história? — continuou,
estarrecida.
Fechei os olhos e controlei a minha respiração, vagando
minha mente para longe enquanto Bárbara não parava de falar.
Precisava encontrar uma solução. E rápido.
Não contar a Caetano a verdade estava fora de cogitação.
Ele tinha o direito de saber sobre a existência da filha. Mas… e
se eu esperasse até ele voltar? As coisas poderiam ficar mais
fáceis quando ele estivesse aqui ao meu lado para assumir essa
responsabilidade, e ainda manteria a felicidade de mamãe.
Assim, ela não iria se sentir na obrigação de acabar com o
relacionamento, que lhe fazia tão feliz.
Logo a barriga começaria a aparecer, eu não poderia
escondê-la por tanto tempo mais. Sentia a diferença nas
minhas calças e, em breve, veria isso nas blusas.
Uma solução rápida e fácil.
Era isso mesmo que eu faria.
Não seria uma mentira, só uma omissão da verdade. Me
esquivaria sobre a paternidade da criança.
— Ele não vai saber — sussurrei, abrindo os olhos para
encarar Bárbara. Ela parou de falar, virando-se para mim.
— Ficou maluca de vez? — sibilou.
Neguei.
— Não quero assumir isso sozinha. Caetano não está aqui e
não tem previsão de volta pelos próximos meses. Vou omitir a
verdade por um tempo.
Pousou as mãos na cintura e afastou as pernas.
— É mesmo? E o que acontece depois?
— Depois quando?
— Depois que a criança nascer e ele ver as fotos, e depois
que ele voltar. A criança terá quantos anos? Dois? Como é que
vai desmanchar essa bola de mentiras que vai criar?
— Não será uma mentira — insisti. — Só uma… hum…
verdade esperando o momento certo para ser revelada.
Semicerrou os olhos.
— A pergunta continua a mesma: e depois?
Encolhi os ombros, confiante na minha decisão.
— O depois… bem, o depois eu deixo pra depois.
Era o certo? Não! Mas quem poderia me condenar, além da
minha própria consciência? Caetano, quando descobrir a
ve rdade , sussurrou uma voz inconveniente na minha cabeça.
Eu teria esse bebê, continuaria a minha vida e… quando
chegasse a hora da verdade, lidaria com as consequências das
minhas escolhas.
— Não vou deixar que postem fotos, nem que comentem
sobre o bebê… — sussurrei, perdida em planos. — Não vou
falar nada sobre o pai da criança, mas vou deixar que pensem
que, para a nossa segurança, é melhor mantê-la no anonimato.
— Tu é insana, Mavie — julgou Bárbara. — Tia Laís vai ficar
magoadíssima quando souber a verdade.
— Não! — contestei, erguendo um dedo em riste. — Só sou
uma grávida que nunca planejou engravidar, encurralada e
tentando encontrar uma solução para o meu caso.
— E se o relacionamento dela e de Therêncio ficar ainda
mais sério?
— E se não der certo? — refutei. — Por que resolver as
coisas agora, quando se pode resolvê-las depois? Só estou
evitando um conflito momentâneo e desnecessário.
Minha mãe me criou sozinha, ela nunca me julgaria pela
gravidez inesperada. Sabia que poderia contar tanto com o
apoio dela quanto com o de Bárbara e tia Luísa.
Ela deu conta, então eu também daria. Minha mãe sempre
me ensinou isso: que éramos autossuficientes, que, com
determinação, não precisávamos de ninguém para contar e
ajudar a carregar nossos fardos.
Me abstive de pensar em Caetano e em como ele se
sentiria diante disso. Droga, ele estava vivendo bem pleno nos
Estados Unidos, enquanto fiquei aqui com um positivo para dar
conta.
Não era um caso comum.
Era um caso que nunca poderia ter acontecido.
Mas aconteceu, e eu precisava enfrentar isso.
Não estava me recusando a contar a verdade a ele, só
estava… postergando a notícia.
Essa era uma jornada que começava com um teste de
gravidez e duas linhas rosadas, mas onde terminaria? Eu não
tinha como saber.
Bárbara suspirou, dando-se por vencida.
— Tudo bem! Seja lá qual for a tua decisão, eu vou apoiar.
Ergui meu olhar para ela.
— Esta é a minha decisão.
— Então… vamos em frente.
Me levantei toda atrapalhada pelo corpo trêmulo, avancei
até ela e a abracei, agradecendo o seu apoio e me permitindo
ter um instante de fraqueza antes de enfrentar o que estava
por vir. Só um momento para que eu pudesse sentir o peso que
estava sobre os meus ombros.
Ainda era difícil raciocinar direito, como se o baque da
notícia ainda estivesse surtindo efeito. Soava um tanto absurdo
que uma criança sairia de mim em poucos meses, que eu
estava gerando uma vida e que logo seria chamada de “mãe”.
Mas eu não tinha tempo para isso, precisava reagir.
Uma fagulha de determinação me atingiu. Levaria o meu
tempo para entender a gravidez, mas tinha certeza de uma
coisa: não importava o que o futuro reservasse, eu enfrentaria
cada desafio como costumava fazer, sempre.
Uma batida de coração de cada vez.
Joguei a água gelada da minha garrafa no rosto, tentando
diminuir a intensidade do calor que sentia. Meu peito subia e
descia em rápidas sucessões e suor escorria pelo meu pescoço.
Pressionei os dedos na camiseta que eu carregava e me
joguei em uma das espreguiçadeiras dos fundos da minha casa.
Depois de correr mais de oito quilômetros para esvaziar a
mente, eu me sentia exausto fisicamente, mas não teve o
efeito que eu esperava no meu psicológico.
Soltei a camiseta, largando a garrafa, e levei as mãos aos
meus cabelos, ajeitando o coque torto, que se desfez depois da
corrida, os fios que saltavam dele estavam colados à minha
pele suada.
— Então quer dizer que tu tem uma filha? — perguntou
Leonardo, a voz soando através do fone em meu ouvido.
Ele estava em Porto Alegre, comprando algumas
ferramentas. Leonardo era um legítimo agroboy . A família
cultivava arroz e soja e ele era o único herdeiro do pai.
Nos conhecemos em festas durante nosso tempo de
faculdade na PUC.
Suspirei.
— Sim.
— Porra! — ofegou. — Imagino que não era isso que
esperava encontrar quando voltou para casa.
Eu ri.
— Com toda a certeza, não. — Rocei a ponta dos dedos na
tatuagem abaixo das minhas costelas e cerrei os dentes. — Eu
não sabia como seria reencontrar Mavie... pensei que ela
estivesse com alguém, que tinha me esquecido. — Agarrei a
cabeça e fechei os olhos. — Pensei em tantos cenários,
imaginei muitas coisas, menos isso.
— E quem é que imaginaria que teve uma filha com a
garota de uma única noite? — retrucou, zombeteiro.
Quando eu conheci a Mavie, eu tinha terminado há pouco
tempo um relacionamento longo com Ângela, minha ex-
namorada. Eu só queria me divertir e aproveitar a vida, sem me
apegar a ninguém.
Mas então ela apareceu e, em apenas um esbarrão, senti
que era a garota certa para mim. Não sei como eu sabia, eu
só... sabia.
E os momentos que dividimos juntos foram incríveis. Mavie
era uma garota bonita, inteligente, carismática, meiga. Ela
tinha todas as qualidades que eu procurava em uma mulher.
Pude notar isso assim que pousei os olhos sobre ela naquela
boate.
Só que... depois que descobri quem ela era, de quem era
filha... como poderia interferir na felicidade do meu pai daquele
jeito?
Mavie era uma guria bacana, eu podia ver um futuro com
ela e tudo mais, mas o amor que eu sentia pelo meu pai era
ainda mais relevante. Fiquei muito satisfeito quando soube que
ela compartilhava a mesma opinião.
De alguma forma, ela me marcou. E eu levaria o nosso
encontro para o resto dos meus dias, como a noite mais
extraordinária da minha vida.
Mas seria apenas isso, uma lembrança.
Até eu voltar e descobrir que ela engravidou naquela noite.
Isso mudava tudo, alterava o curso de todas as coisas.
Eu já era adolescente quando minha mãe engravidou de
Lívia. A morte dela me destruiu por um tempo. A falta que ela
fazia... eu não conseguia suportar a dor da sua perda. Meu pai
fez tudo o que estava ao seu alcance, muito embora estivesse
tomado pelo luto, para fazer os filhos felizes. Um adolescente
rebelde e uma recém-nascida sem mãe.
Então, em um dia qualquer, minha pequena irmã chorou de
fome e meu pai não acordou, exausto demais para ouvir.
Percebi que ela precisava de mim. Que eles precisavam de
mim .
Aprendi tudo o que era preciso sobre bebês. Troquei a
fralda dela muitas vezes, descobri a medida exata do leite que
ela tomava e a alimentei por muitas noites. E quando começou
a crescer, eu a ajudei a aprender a andar e a falar. Assisti a
tantos filmes e desenhos infantis que mal conseguia me
lembrar. Ajudei com as lições de casa e comemorei cada uma
das suas pequenas evoluções.
Minha irmã era o meu maior orgulho.
Por isso, sempre que olhava para frente e me imaginava
tendo filhos, eu sabia que queria ser um pai presente, que
queria ser um pai tão amoroso quanto o meu pai havia sido e
continuava a ser. Que daria tudo para os meus filhos, como ele
me deu.
Abrir mão de Elouise estava fora de cogitação.
— Precisava colocar a cabeça em ordem antes de entrar em
contato com ela — murmurei, piscando e afastando as
lembranças do passado para longe. — Não sei como lidaremos
com isso, mas Mavie precisa estar bem ciente de que eu não
vou abrir mão da minha filha.
Leonardo respirou fundo.
— Cara, isso vai ser foda. Seus pais acabaram de se casar,
eles nem sabem que vocês tiveram um caso no passado.
— Eu sei.
Seria um longo caminho pela frente.
— A guria esperou tempo demais para contar a verdade.
Uma risada estrangulada e sem humor separou os meus
lábios.
— Eu sequer sei se ela contaria sobre a criança. E se eu
não tivesse voltado, Leonardo, como seria? Eu jamais saberia
sobre a minha filha e ela cresceria pensando que foi
abandonada pelo pai? — Não consegui esconder a mágoa em
meu tom de voz.
De todas as coisas que eu poderia fazer na minha vida,
abandonar um filho não estava entre elas.
— Não sei, Caetano. — Ouvi o barulho de buzina ao fundo.
— Converse com a guria, veja o que ela tem pra te falar e
depois tentem encontrar uma solução. — Uma batida de porta.
— Se fosse outra pessoa qualquer, teu pai estaria em êxtase
com a notícia de um neto... — comentou.
Acenei no automático, embora ele não pudesse ver.
— Sim, mas não é o caso, e tem uma criança no meio
dessa merda toda. Uma que precisa e vai ter um pai.
— Faça o que eu disse, meu amigo. Converse com Mavie,
agora que esfriou a cabeça. Tu é o pai e ela é a mãe, vão
conviver para o resto da vida e precisam entrar em um
consenso.
Sibilei um xingamento.
— Porra... se eu soubesse dela, se eu soubesse de
Elouise... teria voltado antes.
Ele riu.
— Tudo acontece por algum motivo, então... contente-se
com o fato de que voltou a tempo de conhecer a filha e ter a
oportunidade de criá-la.
Me escorei contra o encosto e encarei o céu azul, refletindo
por um segundo sobre o que ele dizia.
— Tem razão. — Suspirei, apreciando o soprar do vento em
meu rosto. — E como está Ayla? — perguntei, mudando de
assunto.
Ayla era a ex-namorada de Leonardo, o relacionamento
chegou ao fim assim que a guria passou no concurso da Polícia
Civil e precisou se mudar, porque tinha que ir para a academia
de polícia, antes de assumir o cargo. Ele sofreu muito com o
rompimento recente.
— Espero que esteja bem — disse, um pouco ríspido. — Foi
escolha dela ir embora.
Acontece que eles tinham planos diferentes e meu amigo
não aceitava muito bem esse fato. Enquanto Ayla sonhava em
se tornar policial e combater o crime, Leonardo se formou em
agronomia para assumir os negócios da família. Os planos dele
eram morar na fazenda, trabalhar, se casar e ter filhos.
— Sim... escolhas... tudo sempre é sobre escolhas, não é
mesmo?
Foi escolha de Mavie não me contar nada sobre a minha
filha. Assim como foi uma escolha nossa passar a noite juntos e
depois ignorar o que tivemos, prezando a felicidade dos nossos
pais.
— Bom, tenho que pegar a estrada ainda. Vai resolver a
tua vida e me dê notícias. Quero ir aí conhecer a tua guria.
Um sorriso bobo se espalhou pelo meu rosto com a menção
da minha filha.
— Assim que tudo estiver resolvido, te chamo para
conhecer Elouise.
— E eu vou com o maior prazer. Até mais.
— Até mais.
Encerrou a ligação.
Fechei os olhos e respirei fundo, sentindo um pouco de
nostalgia e saudade desse lugar tão calmo e bonito. Eu gostava
de viver em Bento Gonçalves, era apreciador da vidinha pacata.
Mavie ainda morava em Porto Alegre? Como seria a criação
de Elouise? Ela ficaria trancada no apartamento da cidade
grande ou Mavie aceitaria se mudar, se fosse o caso, para dar
mais liberdade para a infância da nossa filha?
Passei a noite inteira pensando sobre isso, depois que a
surpresa da notícia de que eu tinha uma filha me deixou. Por
longas e intermináveis horas, só consegui me questionar sobre
como isso poderia ser possível. Tudo bem, eu não era ingênuo,
bebês aconteciam quando casais transavam, e Mavie e eu
fizemos exatamente isso; sem proteção alguma, ainda por
cima.
Mas a notícia levava cerca de dois a três meses para
chegar e não mais de um ano depois.
Quando me dei conta de que era real, de que tinha uma
filha, não parei de pensar em como seriam as coisas de agora
em diante. Só conseguia imaginar como nossos pais reagiriam à
notícia com a mentira que Mavie inventou e como
resolveríamos o problema.
Pensei, pensei... e, mesmo assim, fiquei sem respostas.
Eu precisaria lidar com uma coisa de cada vez.
Primeiro: uma conversa com a Mavie. Segundo: eu queria
ser devidamente apresentado a Elouise e exigiria passar um
tempo com a criança. Queria que ela se acostumasse à minha
presença, que gostasse de mim. Que me reconhecesse como
pai. E então: o que faríamos em relação à nossa família?
Me levantei em um movimento, andando em passos
acelerados para dentro de casa.
Antes de mais nada, eu precisava de um bom, longo e
relaxante banho.
Encarei a porta da casa de Caetano por vários segundos,
sem coragem de bater e anunciar a minha presença. Meu braço
estava congelado ao lado do meu corpo, completamente
imóvel, como se tivesse vida própria.
Mais cedo, depois de um tempo que pareceu ser longo
demais, recebi uma mensagem dele, logo abaixo de uma
mensagem muito antiga que eu nunca tive coragem de apagar:

(há 122sem) Mavie:


Prometo te responder assim que eu estiver livre.
(hoje) Caetano:
Minha casa, às 15h.

Bem simples e direta.


E então, com o coração parecendo que sairia pela boca,
arrumei Elouise e a entreguei para a minha mãe, dando o meu
máximo para parecer estar o mais tranquila possível, temendo
que ela percebesse a tensão que se esvaía por meus poros.
Quando resolvi postergar a notícia da paternidade de
Elouise, nunca imaginei que a bomba iria estourar logo no
momento do casamento da minha mãe, no ápice da sua
felicidade.
De todos os cenários que imaginei, esse era, com toda a
certeza, o mais improvável.
Enchi os meus pulmões de ar, pressionei os lábios, ergui o
braço com a mão em punho e disparei duas batidas à porta.
Dei um passo para trás, esperando.
Mantive o corpo ereto e a respiração presa, fazendo de
tudo para não desmaiar bem diante dele.
Caetano me encontrou cerca de um piscar de olhos depois,
como se estivesse ao lado da porta me esperando. Tão tenso e
ansioso quanto eu também estava.
— Olá, Mavie — cumprimentou com um simples aceno.
Os cabelos estavam soltos e molhados, deixando um rastro
de pingos manchados na camisa branca.
Eu não sabia se me concentrava na beleza dele, ou no
corpo atlético, ou no fato de que eu teria a conversa mais difícil
da minha vida.
Bem... uma delas, porque a primeira seria contar a verdade
para a minha mãe.
— Entre, por favor — continuou, dando um passo para o
lado e abrindo a porta para mim.
Avancei para dentro da casa, me lembrando de cada
detalhe dela que reparei no dia que estive ali.
Um andar só, cozinha, sala de jantar e sala de estar
conjugadas. Muitas portas duplas e janelas de vidro. O quarto
dele ficava para a esquerda, enquanto os de hóspedes e o
banheiro social se localizavam à direita. Aos fundos, havia uma
piscina com churrasqueira, algumas espreguiçadeiras e uma
estrada direta e particular que levava à vinícola, onde ele
costumava se exercitar por quilômetros, correndo. Ele também
tinha uma academia toda montada em uma parte anexa, que
ficava logo depois da piscina.
A casa era composta por tons brancos e pastel. Não tinha
cerca, era como se Caetano apreciasse a liberdade. Também
não era necessário, pois ele vivia nas terras da família.
Caminhei até o sofá de couro bege e me sentei, não
confiando nas forças das minhas pernas para me manter firme
por muito mais tempo. Ele ocupou o lugar na poltrona à minha
frente e cruzou as mãos em frente ao corpo, pousando os olhos
castanhos e sérios em mim.
— Estou ouvindo — sibilou, como se quisesse controlar o
temperamento.
Tudo bem. Chegou o momento.
Pigarreei.
— Quero falar primeiro que nunca foi minha intenção
manter Elouise no anonimato, eu contaria pra você sobre ela...
em algum momento.
Riu com escárnio.
— Quando ela estivesse adolescente e quisesse saber sobre
o pai?
Neguei, me sentindo incomodada com a ironia em seu tom
de voz.
— Quando surgisse uma oportunidade. — Inspirei fundo. —
Olha, quando descobri que estava grávida, quase tive um
ataque do coração. Não estava nos planos, sequer imaginei que
poderia acontecer.
— Me lembro que tu me disse que tomava anticoncepcional
— cortou.
— Sim, mas a minha injeção estava vencida e eu não sabia.
Os sintomas foram aparecer três meses depois. E levei mais
algum tempo ignorando-os, até que Bárbara foi para Porto
Alegre e me forçou a fazer um teste. — Esfreguei as palmas
nas pernas, secando o suor na roupa. — Eu não sabia o que
fazer, Caetano. Entrei em pânico. Uma gravidez já era ruim,
porque eu não queria e não estava planejando, mas uma
gravidez do filho do meu padrasto... — Balancei a cabeça. —
Uma catástrofe.
— E então achou melhor esconder?
— Não bem... esconder, só não queria lidar com a verdade
naquele momento. Queria lidar com uma coisa de cada vez.
Primeiro com o fato de que eu seria mãe, teria um bebê para
cuidar, e então... lidar com o fato de que engravidei justamente
de quem eu não podia. — Ergui os olhos para ele e apertei os
lábios. — Pensei que os nossos pais poderiam se separar nesse
meio tempo, que muita coisa poderia acontecer. Tu estava
longe, em outro país. Não queria enfrentar isso tudo sozinha.
Cerrou os dentes.
— Se tivesse me informado, Mavie, eu teria voltado na
mesma hora.
— E como é que eu iria imaginar? Não que eu pensasse
que fosse rejeitar a criança, mas... droga, Caetano, eu só era
uma jovem grávida e encurralada! Lidar com a notícia da
gestação já era um baque, não queria ter que lidar com a
mágoa da minha mãe também.
Esfregou as mãos no rosto, fechando os olhos.
— Não pensou que agora vai ser tudo bem pior? Nossos
pais estão casados, porra!
Enrijeci, afundando o corpo no sofá, como se o estofado
macio pudesse me proteger de toda a raiva que ele sentia.
— Eu sei... — Minha voz não passou de um sussurro. — Eu
só... eu só não sabia o que fazer.
— Mentiu para todos eles. Mentiu para mim, para Elouise.
Neguei, piscando para afastar as lágrimas.
— Nunca foi minha intenção manter a mentira, muito
menos te afastar da filha. Era um direito da Elouise ter um pai
e eu não tiraria isso dela. Minha mãe me criou sozinha, sempre
deu conta de tudo, mas se eu dissesse que nunca na vida senti
vontade de ter um pai, estaria mentindo.
Inclinou-se para a frente, descansando os cotovelos nos
joelhos.
— Então me diga, se não era a tua intenção mentir, quando
pensou em me contar a verdade? — sibilou, entredentes.
— Assim que voltasse dos Estados Unidos e pudesse lidar
com isso ao meu lado.
Semicerrou os olhos.
— É mesmo? Então por que não permitiu que postassem
fotos dela, que até mesmo falassem sobre ela? Tudo para
mantê-la escondida de mim.
Não aguentei a pressão e me levantei, cruzando as mãos
em frente ao corpo e andando de um lado para o outro.
— Eu não sei... — confessei. — Eu só queria... viver em
paz por um tempo. Todos aceitaram a notícia da gravidez e
amaram Elouise no momento que souberam dela. Fiquei tão
aliviada, tão... em paz. Só queria isso por mais algum tempo. —
Cocei a garganta. — E queria levar adiante meus planos de não
estragar a relação da minha mãe. Entenda, Caetano. Nós nunca
deveríamos ter acontecido. Nunca.
Tive uma gestação tão tranquila que... por um tempo, não
queria acabar com isso. A família estava feliz, eu estava
também, embora soubesse que estava sendo egoísta.
Eu contaria para ele, sim, só... estava esperando a hora
certa.
Minha mãe estava no melhor momento da vida dela.
Aposentada, amando, vivendo. Ficou em êxtase com a notícia
de que seria avó. Depois de tudo o que ela abdicou por mim,
como eu acabaria com a felicidade dela sem destroçar o meu
coração no meio do caminho?
— Não tenho palavras... — suspirou. — Omitiu a existência
da minha filha, Mavie. Ainda não consigo acreditar que falaria
dela comigo. E, sim, nunca deveríamos ter acontecido. Mas
acontecemos e não podemos mudar o passado.
Minha garganta embargou e ignorei a fisgada no meu
coração. Ele se arrependia do que tivemos? Possivelmente. Ele
me odiava no momento. Mas isso não significava que doía
menos.
— E eu não o mudaria, de qualquer forma — acrescentou,
me encarando com tanto afinco que me senti ser sugada pelos
seus olhos.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, absorvendo a
presença um do outro. Depois de tanto, tanto tempo.
Ele ainda era o cara que mexeu comigo, que foi capaz de
criar uma conexão intensa comigo em apenas uma noite.
Caetano Rossi, meu segredo mais proibido.
Meus pelos se arrepiaram, minha respiração falhou e meu
coração acelerou. Um clima de tensão se estabeleceu no ar,
tornando-se cada vez mais palpável.
Caetano piscou, como se quebrasse o transe, e pigarreou.
— Ainda estou muito chateado contigo, mas precisamos
seguir em frente. — Gesticulou. — Entendo que quis proteger a
relação dos nossos pais e se proteger da verdade, mas com
essa escolha, acabou me afastando da minha filha e tirando
uma parte da vida dela que nunca poderei recuperar.
Um soluço fez meus ombros tremerem.
— Eu sinto muito — sussurrei, esfregando a ponta dos
dedos nos cantos dos olhos.
Normalmente, eu costumava ser forte e nunca demonstrar
fraqueza na frente de ninguém, nem mesmo da minha mãe. Foi
ela que me ensinou a ser assim. Sempre foi tão forte, tão
resistente a tudo.
Só que agora... agora, eu estava esgotada.
O retorno inesperado de Caetano, a verdade que omiti por
tanto tempo. Era tudo me atingindo com força, me afogando,
me sufocando.
Eu não conseguia... não aguentava ser forte. Não mais.
Deixei que as lágrimas rolassem pelas minhas bochechas,
sentindo vergonha delas, mas não me deixando atingir por isso.
Pressionou a ponta do nariz e respirou profundamente.
— Vamos nos concentrar no agora, Mavie. — Me encarou
através dos cílios pretos e longos. — Como vamos dar a notícia
aos nossos pais?
Levei a unha do polegar à boca e a mastiguei.
— Vamos esperar que retornem da lua de mel, não
podemos estragar esse momento deles. — Anuiu, concordando
comigo. — Vamos contar a verdade, apenas.
Agora que estavam casados, minha mãe não abdicaria tão
fácil de Therêncio e eu não seria responsável por acabar com a
felicidade dela. Ao menos, assim eu esperava.
— E quanto a Elouise? Quero ter contato com a minha
filha, quero ser devidamente apresentado para ela.
— Tudo bem.
— Tu ainda mora em Porto Alegre?
— Sim.
— Alguém sabe sobre a verdade?
— Bárbara.
— Só ela?
— Só ela — confirmei.
Ele estava tenso, conseguia notar pelo vinco marcado no
meio da testa, que se aprofundava sempre que entrávamos em
algum assunto específico.
— E agora que a tua mãe está se mudando para Bento, não
pretende seguir o mesmo caminho que ela?
Me joguei no sofá, suspirando fundo.
— Therêncio me ofereceu uma vaga no jurídico da
empresa, mas... ainda não aceitei.
Um esgar surgiu nos lábios bonitos.
— Por que não?
Dei de ombros.
— Eu não sabia como reagiria com a notícia da existência
de Elouise, não queria abandonar toda a minha vida em Porto
Alegre sem ter uma previsão do futuro.
A vaga que me foi ofertada era muito melhor do que a que
eu tinha atualmente. Como advogada trabalhista, ficaria
encarregada dos contratos de trabalho da vinícola. Trabalharia
bem menos e meu salário aumentaria. Além do mais, poderia
criar Elouise perto da família, em uma cidade pequena e mais
aconchegante.
— Pensou que eu rejeitaria a minha filha? — grunhiu, uma
veia pulsando ao lado do pescoço.
Gesticulei negativamente.
— É claro que não! Eu só não sabia como as coisas ficariam
entre nós dois e não quis arriscar.
Cruzou os braços, os músculos demarcando o tecido da
camisa com o movimento. Ergui meu olhar, me obrigando a me
concentrar no que realmente importava. E não era no corpo
gostoso que ele tinha.
— Vai voltar quando para Porto Alegre?
— Eu tirei férias para o casamento, posso ficar mais alguns
dias por aqui, se é isso que quer saber.
Claro que ele iria querer passar um tempo com a filha, criar
laços. Eu estava mais do que disposta a ceder isso.
— Quero que fique aqui neste meio-tempo. — Abri e fechei
a boca, sem saber o que dizer, mas pronta para contestar. —
Me deve isso, Mavie — insistiu.
Não era bem uma ideia exorbitante, eu e ele no mesmo
teto...
— Mas... mas eu posso trazê-la todo dia, sem problemas.
Enquanto as pessoas não soubessem a verdade, seria
estranho ser visto comigo e com Elouise por aí o tempo todo,
então era melhor mesmo que os encontros fossem na casa
dele. Assim, nem tia Luísa iria desconfiar.
Negou.
— Quero estar presente o máximo que eu puder, dormir ao
lado dela, chegar do trabalho e levar ela para passear pelos
vinhedos, brincar na piscina, assistir aos seus desenhos
favoritos e quero que a minha presença se torne importante
para ela, até que me identifique como pai.
Mordi o lábio inferior, respirando com dificuldade.
— Acho que ela já sente isso, Caetano. Elouise não é
bem... uma criança carismática com estranhos, mas contigo foi
diferente. Ela sorriu assim que te viu.
Um sorriso bobo surgiu no rosto dele e os olhos brilharam.
— Espero que tenha razão sobre isso, porque, mesmo que
ela desconfie de mim no início, vou fazer de tudo para ter sua
atenção. — Passou uma mão nos cabelos. — Agora, estamos de
acordo sobre vocês virem para a minha casa?
Eu teria que ficar isolada e mentir para tia Luísa que voltei
para Porto Alegre, pois de que outro jeito eu explicaria o fato
de que estava me mudando para a casa de Caetano Rossi pelos
próximos dias?
— E tem mais uma coisa — continuou.
Balancei a cabeça.
— Vou contar a verdade para Lívia — acrescentou. —
Nunca escondi nada da minha irmã e não vai ser agora que
farei isso.
Odiava essa ideia. Tinha medo de que Lívia me julgasse e
ficasse com raiva de mim pela mentira, ainda mais quando eu
tinha tanto apreço pela garota. Mas ele estava no direito dele e
não cabia a mim pedir o contrário.
— Tudo bem — concordei.
— Tudo bem para tudo?
— Sim, Caetano. — Cocei o pescoço, ficando
iminentemente nervosa com o que estava prestes a acontecer,
com o que eu estava prestes a concordar. — Vou mentir que
estou voltando para Porto Alegre e estarei aqui quando menos
esperar.
— Ótimo.
Bateu as mãos nas pernas e se levantou, como se
estivéssemos tratando de um negócio nos últimos minutos e a
reunião tivesse acabado.
— Não vamos falar agora sobre o registro de nascimento
dela, podemos resolver essa questão depois, então... acho que
temos um acordo.
Ele estava me dispensando?
Fiquei imóvel, encarando-o confusa, até me dar conta de
que era justamente isso que estava fazendo.
Me levantei de supetão.
— Uhum — murmurei, sentindo a vergonha e a... mágoa da
indiferença e rejeição me assolar, pouco a pouco.
Virou-se e se dirigiu até a porta, abrindo-a para mim.
— Até mais tarde, Mavie.
De cabeça baixa, sem condições de encará-lo outra vez,
avancei para fora da casa com um simples aceno de despedida.
Corri para o meu carro, deslizando pelo banco do motorista
e batendo a porta. Agarrei a direção e escorei a testa nela,
soltando uma respiração trêmula.
Depois de tanto tempo, minha vida tinha virado de cabeça
para baixo de novo. E o pior de tudo? Era culpa minha, das
minhas escolhas.
Caetano estava furioso, lidando comigo o mínimo possível.
Ele sequer pareceu ficar interessado na minha vida ou em como
foram as coisas na minha gestação. E ninguém poderia culpá-lo
por isso.
Me ajeitei e liguei o carro, acelerando para longe dele e de
toda a bagagem que eu estava prestes a enfrentar.
Lívia ficou em silêncio, me encarando sem piscar por tanto
tempo que comecei a me questionar se ela estava bem ou se
eu precisaria chamar algum médico.
Assim que Mavie saiu da minha casa, liguei para a minha
irmã e pedi para que viesse até mim. Ela não fazia ideia do que
eu queria, mas como a curiosa nata que era, chegou em menos
de dez minutos.
Eu teria que voltar para a vinícola, ainda mais com a
ausência do nosso pai, por causa da viagem de lua de mel,
portanto não teria tempo suficiente para assessorar Mavie
durante o dia.
Sabia que a prima dela estaria trabalhando e ela não
poderia contar com a tia. Eu confiava fielmente na minha irmã
e queria que ela ajudasse Mavie durante esse tempo, com o
que fosse preciso.
Também era um direito seu ter conhecimento da sobrinha.
Lívia e eu éramos muito próximos, eu não omitiria dela uma
verdade como essa.
Estalou a língua no céu da boca.
— Barbaridade! Então quer dizer que... tu e Mavie
transaram anos atrás, depois descobriram que seriam “irmãos”
— fez aspas com os dedos — e então resolveram fingir que
nada nunca aconteceu, mas ela engravidou de Elouise e omitiu
de todo mundo que tu era o pai? — Confirmei, balançando a
cabeça. — Porraaaa — xingou.
— Eu também não sabia de nada.
— Só se esqueceu de me falar que dormiu com a nossa
irmãzinha.
— Ela não é nossa irmã — sibilei, embora soubesse que ela
estava falando isso só para me irritar.
Bateu palmas, me assustando.
— Sabia que tinha alguma coisa com Elouise... —
murmurou, reflexiva. — Ela me lembrava alguém, só não
conseguia identificar, mas agora que sei a verdade, tá bem
óbvio.
— Não está chateada? — indaguei.
Lívia tinha um... jeito único de ser. Ela era alegre, falante e
muito astuta. Era uma garota incrível, mas também muito
sentimental, se magoava fácil.
— Chateada? Estou em êxtase! Sempre gostei da Mavie e
adoro Elouise, ela é tão fofinha e ama as balas de morango que
dou escondido pra ela.
Lancei a ela um olhar de esguelha.
— Tu faz o quê?
Deu de ombros.
— Recém-descobriu que é pai e já tá ficando chato? —
Bufou. — Enfim, não estou chateada, Caetano. Mas... não
posso dizer o mesmo de papai. Ele vai ficar muito puto.
Passei as mãos no rosto.
— Sei disso, só não queria ser o motivo da infelicidade
dele. Espero que não se separe de Laís.
— Duvido muito, ainda mais agora que estão casados e
mais apaixonados do que nunca. Ele só fará isso se pensar que
é o que tu quer, que é por ti. Sabe como ele é, faz tudo pelos
filhos.
— Com certeza não é isso que quero.
— Então acredito que não, mas não significa que ele vai
ficar menos chateado. — Soltou uma gargalhada. — Essa
família é tão caótica... eu amo isso. Desde que Laís e Mavie
entraram nas nossas vidas, tudo ficou tão melhor, tão mais
divertido.
— Por que acha isso?
Puxou uma mecha de cabelo, prendendo-a atrás da orelha.
— Antes, era só nós três, tão sem graça. Agora, tenho
Mavie e Bárbara para contar. Elas são divertidas e ótimas
amigas. Tem também tia Luísa, a Laís e, claro, a pequena
Elouise, que é muito engraçadinha e um amorzinho.
A forma como ela falava de Elouise me enchia de um
orgulho bobo e diferente, algo que eu nunca tinha sentido. Era
o instinto paterno aflorando em mim, a constatação óbvia de
que eu era pai e de que a minha filha me traria muito disso
pelos próximos anos.
Limpei a garganta.
— Ainda não sei como levar essa notícia adiante, como
contar para o nosso pai e tentar magoá-lo o menos possível —
confessei, passando a mãos nos cabelos.
— Como eu já disse, isso vai ser beeeem difícil — ciciou,
dando ênfase.
— Só queria que ele tivesse a mesma reação que tu. —
Suspirei.
Ela riu.
— Acredite, bem que o nosso pai gostaria de ser tão
divertido quanto eu, mas é meio difícil quando se é um velho
ranzinza — zombou.
Se ele só focasse no fato de que tem uma neta, podendo
se esquecer do fato ainda mais importante de que não fazia
ideia sobre as origens dela e de que não havia sido enganado,
minha vida ficaria mais fácil.
— Só diga a verdade, Caetano. Essa mentira já levou
tempo demais. Deixe que fique magoado, uma hora ou outra
ele vai precisar superar se quiser seguir em frente. — Levou o
indicador aos lábios, refletindo por um segundo. — Além do
mais, a felicidade de saber que a criança por quem ele tem
grande afeição é do mesmo sangue que ele, talvez possa deixar
tudo mais fácil. Acredite se quiser, mas nunca vi Therêncio
Rossi tão bobo por uma criança.
— Mesmo? — crispei, semicerrando os olhos.
Acenou.
— Ele até mesmo deixou Elouise mexer nos cristais.
Meu queixo caiu.
— Não posso acreditar.
— Eu juro! E quando ela quebrou um, ele disse: “ah, foi a
Elouise, então não tem problema. Ela pode”. — Engrossou a
voz, imitando-o.
Fiquei sem palavras.
Os cristais eram nada mais do que as taças que os pais
dele ganharam de casamento. Ele não deixava ninguém chegar
perto. Elas ficavam dentro de um armário de vidro em seu
escritório na vinícola e nunca foram utilizadas para nada. Eram
enfeites e recordações.
— Ficou mudo. — Ela riu. — Pois bem, só uma criança com
menos de um metro de altura, olhos castanhos expressivos e
sorriso bonito para fazer Therêncio Rossi pagar a língua.
Isso era porque ele dizia que arrancaria a cabeça de quem
quebrasse algum dos cristais.
— Muitas coisas mudaram desde que fui embora, pelo
visto.
Concordou.
— Sim! A família aumentou e uma criança muito fofa, capaz
de mandar em todo mundo, nasceu. — Esfregou a unha na
textura do sofá. — Por isso, só conte a verdade. Nosso pai
mudou muito desde a Laís, talvez nem seja tão ruim quanto
está imaginando.
Esperava, do fundo do coração, que ela estivesse certa,
porque não importava o que acontecesse, Elouise era a minha
filha e eu a assumiria sem pensar duas vezes. O apoio do meu
pai seria importante, mas não fundamental. Se ele recusasse a
ideia de alguma forma, eu só poderia lamentar.

— Eu disse que isso aconteceria anos atrás, mas tu não


quis me ouvir — murmurou Bárbara, sentada na ponta da
cama, me observando arrumar as malas.
— Eu sei — murmurei, baixinho, jogando uma blusa dentro
da mala. — Eu queria o afastamento dele, sabe? Sei lá,
qualquer coisa, menos a indiferença com a qual ele me tratou.
— Dê um tempo a ele, Mavie. O cara ficou anos fora,
acabou de voltar de viagem e ainda por cima descobriu que
tem uma filha, caindo de paraquedas no meio dessa confusão
toda. Se fosse ao contrário, também não reagiria assim?
Obviamente, mas isso não significava que me incomodava
menos.
Terminei de colocar as roupas da mala e me sentei sobre
ela, forçando o zíper a fechar. Eu era uma exagerada quando o
assunto era viagem e mala de roupas. Nunca achava que
estava com o suficiente, sempre pensando que poderia passar
frio ou calor, então exagerava, não usava metade das coisas e
era sempre um parto para fazer com que tudo coubesse. E isso
não era só com as minhas coisas, mas com as de Elouise
também.
Bufei, ao ter sucesso com o zíper.
— Não queria ficar na casa dele, mas não estava no meu
direito de negar o pedido. Ele já perdeu uma parte da vida de
Elouise, então…
Eu me culpei por essa escolha desde o momento que a fiz,
no banheiro do meu apartamento, anos atrás. Mas o ser
humano tinha um incrível hábito de sempre escolher ir pelo
caminho mais fácil. E eu não era diferente da maioria.
Evitei falar, pensar ou até mesmo tocar no nome de
Caetano. Ele se transformou no meu “assunto proibido”.
Sempre que via Therêncio ou Lívia falando sobre ele, deixava
minha mente ir para longe e me perdia em pensamentos. Como
eu disse, sempre optando pelo caminho mais fácil.
— Acho que vai ser bom pra vocês dois, assim podem
colocar o assunto em dia e começarem a decidir sobre como
vão dar a notícia pra tia Laís e Therêncio, quando eles voltarem
de viagem — analisou ela.
Dei de ombros.
— Pelo menos a casa dele é agradável, já que vou precisar
ficar enfurnada.
Deus me livre de alguém me ver e sair por aí comentando
que estou hospedada na casa de Caetano. Mais cedo, tia Luísa
estava fofocando sobre a vida da Rafaella, tudo história que ela
ouviu por aí. As fofocas corriam mais rápido do que vento em
dia de tempestade. Eu seria vista por alguém e, poucas horas
depois, seria o principal assunto.
Caetano tinha piscina, um pátio enorme, uma boa
televisão. Eu acharia algo para me entreter e chamaria Bárbara
para me fazer companhia, quando ela não estivesse no
trabalho.
Mordi os lábios, sentindo uma fisgada no coração ao pensar
em outro assunto.
— Como acha que Lívia vai reagir?
Empurrou-se para trás, estendendo as pernas na cama e se
escorando na parede de fundo.
— Acho que ela vai levar na esportiva. Lívia é muito de boa
com a vida, não vai querer levar uma mágoa dessas pro
coração. Talvez deboche da situação, no máximo.
Descansei os cotovelos nos joelhos e escondi o rosto nas
mãos.
— Espero que tenha razão! Eu adoro a guria, ficaria muito
triste se ela me odiasse.
Por várias vezes ao longo dos últimos meses, cogitei a
possibilidade de contar a verdade para ela, mas fiquei com
medo de que falasse para Caetano ou de como poderia reagir.
— Acho que a palavra certa não seria bem “ódio”, mas uma
mágoa profunda e pregressa.
— Nossa, muito obrigada. Isso só me conforta ainda mais
— zombei, a voz saindo abafada pelas minhas mãos, que
tapavam meu rosto.
Bárbara riu.
— Escolhas e… escolhas , minha querida prima.
Ajeitei a postura, removendo as mãos do rosto e me
levantando. Conferi a hora na tela do meu celular, tentando
postergar ao máximo o momento de ir para a casa de Caetano.
— Minha mãe deve estar chegando a qualquer momento
para me entregar Elouise — comentei, sentindo a primeira
fisgada de aflição e ansiedade me atingir.
— Quero ser atualizada de tudo o que acontecer.
Lancei um olhar a ela.
— Só se me prometer de que irá para lá no teu tempo livre
— objetei, chantageando-a.
Meus ombros estavam duros de tensão, a antecipação do
que estava prestes a acontecer exalando através do meu corpo
em pequenos sintomas: músculos rígidos, palmas suadas,
coração acelerado, boca ressecada.
Respirei fundo, tentando me acalmar, enquanto Bárbara
franzia os olhos.
— Isso não vale, doutora Mavie Hoffmann.
— Vale, sim, senhora futura psicóloga.
Ficamos em silêncio, até cairmos na gargalhada.
— É óbvio que vou! Quero conhecer de perto a casa do tão
cafajeste Caetano Rossi.
Levantei a mala, ajeitando-a, e recolhi a de Elouise de cima
da outra cama de solteiro, posicionando as duas juntas.
— Não vai mexer em nada, Bárbara.
— Se for pra isso, então nem vou — zombou.
— Deus me livre Caetano nos pegar bisbilhotando as coisas
dele.
— Vai ser só eu. Só quero ver… a gaveta de cuecas, nada
demais. — Piscou um olho, zombeteira.
Revirei os olhos e ajeitei uma mecha de cabelo atrás da
orelha.
— Inacreditável! Eu aqui, quase tendo um enfarto, e tu aí,
pensando na gaveta de cuecas do Caetano.
Jogou os braços para cima.
— Cada um com seus problemas. Só estou tentando tirar
alguma vantagem dessa situação toda.
— Sem comentários… — murmurei, em tom sério. Virei o
rosto para esconder a sombra de um sorriso.
Bufei, puxando as malas para fora do quarto, deixando-a
para trás. Sua gargalhada alta me acompanhou pelo corredor.
Eu sabia o que ela estava tentando fazer: me distrair e
diminuir a tensão que eu sentia. E o melhor de tudo? Tinha
dado super certo.
Encarei a porta de Caetano com Elouise segura em meus
braços. A bebê estava incrivelmente quieta, como se pudesse
sentir o peso do que estava prestes a acontecer.
O corpo dela agarrado ao meu era reconfortante, uma
âncora em meio à tempestade de emoções, que se agitavam
dentro do meu peito.
Respirei fundo, tentando reunir a coragem que parecia ter
se esvaído de mim.
Era o momento de Caetano finalmente conhecer a nossa
filha, de enfrentarmos juntos a nova realidade que nos foi
traçada.
Com um gesto hesitante, bati à porta.
O eco do meu coração acelerado entoava nos meus ouvidos
em um estampido baixo.
Mais cedo, quando minha mãe me entregou Elouise,
precisei de todas as minhas forças para fingir que estava bem,
que não tinha nada me incomodando. Óbvio que não deu certo
e que Laís Hoffmann percebeu que tinha algo de errado
comigo, então menti, colocando a culpa na sinusite. Como mãe
e médica, ela já foi me receitando remédios para aliviar os
sintomas.
Nunca pensei que ficaria feliz com o afastamento da minha
mãe, mas essa viagem que ela e Therêncio fariam era um
salvamento. Se ficasse um pouco mais, notaria que o meu
problema não tinha nada a ver com sinusite.
Minha mãe tinha um faro incrível para a mentira. Ela
descobriu minha gravidez dois dias depois de mim, porque eu
simplesmente não conseguia esconder nada dela. A
paternidade, no entanto, foi um pouco mais fácil, porque lidei
com ela como se fosse uma... omissão e não uma mentira.
A porta se abriu, me tirando das divagações, e lá estava
ele, carregando uma mistura de ansiedade e expectativa. Havia
uma vulnerabilidade nele que eu não estava acostumada a ver,
e isso fez meu coração bater um pouco mais rápido.
Caetano não disse uma palavra, seus olhos foram direto
para Elouise, que, alheia à magnitude do momento, brincava
com um pequeno laço em seu vestido.
Limpou a garganta e deu um passo para o lado, liberando a
passagem.
— Entrem, por favor.
Com as pernas bambas, avancei para dentro da casa,
agarrando Elouise com todas as minhas forças, usando-a como
âncora para me manter forte.
Bateu à porta e veio até mim, parando na minha frente.
Notei a oscilação em seus movimentos, como se não soubesse
o que fazer.
— Quer... quer pegá-la? — questionei, mordendo as
bochechas com força.
Acenou, sem condições de verbalizar as palavras.
Havia uma delicadeza em seus movimentos quando
estendeu os braços para segurar a filha. Eu a entreguei,
observando atentamente enquanto um pai segurava a filha em
seus braços pela primeira vez.
Parecia que o tempo havia sido suspenso pelo momento.
Elouise olhou para Caetano, uma expressão curiosa em seu
pequeno rosto. Pensei que ela poderia chorar, assim como fazia
sempre que ficava no colo de desconhecidos, mas
surpreendentemente ela não o fez.
Os olhos de Caetano estavam úmidos, um brilho que falava
mais do que mil palavras. Ele acariciou delicadamente a
bochecha dela, um gesto tão cheio de admiração, de amor, que
senti um nó se formar em minha garganta.
— Oi, princesa — sussurrou, a voz uma mistura de alegria
e um toque de tristeza, por tudo o que ele tinha perdido até o
momento.
Eu os observava com o coração transbordando de emoções
conflitantes. A dor de ver o que poderia ter sido, a alegria de
testemunhar o que estava se tornando.
— Ela é muito curiosa e adora brincar — murmurei,
pigarreando para limpar a garganta embargada. — E seu
desenho favorito é Masha e o Urso.
Elouise estendeu a mãozinha para tocar na barba dele,
expressando sua curiosidade.
O pomo de adão dele subiu e desceu ao engolir em seco.
— Eu sou o teu papai — ciciou, a voz falhando. — Tu é
ainda mais linda do que imaginei.
Engoli com dificuldade e abracei meu corpo, sentindo a
conexão instantânea entre eles.
— Ela... ela é muito esperta, balbucia algumas palavras e
adora mexer nas coisas, principalmente, o que inclui quebrar
enfeites.
Caetano riu quando Elouise puxou levemente sua camisa.
— Parece que ela já está tentando me dizer o que fazer.
Isso é bom, sinal de personalidade forte.
Uma risada enfezada separou os meus lábios.
— Ah, com toda a certeza ela tem uma personalidade forte!
— zombei. — Tente negar algo que ela quer muito e verá isso.
Seus dedos vagavam por ela, tocando no rostinho
arredondando, nos cabelinhos lisos, como se quisesse sentir
cada textura dela, como se quisesse decorar suas feições.
— Ela parece ser saudável e feliz. — Olhou para mim. — Tu
fez um ótimo trabalho — elogiou, sem conseguir desgrudar da
filha.
— Ela é — confirmei, sorrindo toda orgulhosa. — Juntos,
Caetano. Vamos acompanhar todas as descobertas dela, toda a
evolução. Ela é nossa responsabilidade agora.
Ao mesmo tempo que me sentia emocionada e aliviada, o
peso de meses de mentiras sendo removido das minhas costas,
não conseguia deixar de me sentir aflita por causa da minha
mãe, de como ela reagiria.
Ele assentiu, segurando Elouise com cuidado, como se ela
fosse o bem mais precioso do mundo.
— Quero fazer parte da vida dela. Ser o pai que ela
merece.
— E vai — afirmei, resoluta.
Se tinha algo sobre esse homem que eu conseguia
identificar, era o instinto paterno e todo o cuidado que ele
expressava com quem ele amava. Caetano era carinhoso,
zeloso e muito amoroso. Apesar das circunstâncias, eu não
poderia ter escolhido um pai melhor para a minha filha.
Elouise colocou a cabeça no ombro dele e fechou os olhos,
brincando com um dos botões da camisa. Os olhos dele se
iluminaram.
— Ela gosta de mim? — indagou, sorrindo todo bobo.
Me aproximei um passo e estendi a mão, tocando na
cabecinha dela.
— Parece que sim. — Suspirei. — Ontem, quando nós
conversamos, eu disse que Elouise não é uma criança muito
extrovertida, Caetano. E, desde o primeiro momento, ela se
mostrou muito receptiva contigo, como se te reconhecesse de
alguma forma.
E era a mais pura verdade. Assim que colocou os olhos
nele, no casamento, Elouise agiu de uma forma estranha, bem
diferente de como ela era.
Seu sorriso aumentou ainda mais.
— Ela está com sono?
— Ela costuma dormir à tarde, mas como estava com a
minha mãe, não sei se tirou o cochilo dela.
— Posso tentar colocá-la para dormir?
Acenei com um gesto de mão, me afastando deles.
— É claro. Se ela estiver com sono, vai dormir. Se não
quiser, vai resmungar e tentar descer do colo.
Ponderou, como se quisesse decorar cada palavra do que
eu dizia e saber tudo sobre a filha.
— Arrumei o quarto ao lado do meu para vocês duas.
Também comprei um berço, que já foi instalado.
Meu coração idiota deu um solavanco.
— Não precisava de tudo isso, eu poderia arrastar a cama
até a parede. Isso já resolveria o problema.
Negou.
— Era o mínimo, Mavie. Logo, iniciarei uma reforma em um
dos quartos; quero que Elouise tenha o quarto dela para
quando vier ficar comigo.
Prendi a respiração, sentindo cada vez mais o baque da
realidade me atingir.
— Eu... eu vou pegar as malas no carro — gaguejei.
— Não se preocupe com isso, deixe que eu pego depois
que fizer Elouise dormir.
Comecei a caminhar para longe deles, praticamente
correndo para fora.
— Não precisa se incomodar, posso fazer — neguei, virando
as costas e acelerando os passos.
Precisava de um momento para respirar depois desse
encontro e da realidade que estava acontecendo diante dos
meus olhos, e de tudo o que o futuro reservava.
Caetano ainda mexia comigo, então como eu conseguiria
ignorar o meu coração idiota quando ele agia assim? Sendo um
homem maravilhoso e um pai mais incrível ainda?
E a forma como Elouise reagiu a ele, como ela foi receptiva
e tão boazinha... minha filha não gostava de ficar nem no colo
do pediatra dela, quem ela conhecia desde que nasceu, mas de
Caetano... do pai dela...
A culpa, o peso das minhas escolhas... sentia que morreria
sufocada se ficasse com eles por mais um segundo que fosse.
Precisava desesperadamente de ar, precisava de espaço.
— Mavie... — chamou, mas eu o ignorei, batendo a porta
às minhas costas.
Me inclinei para a frente e pousei as mãos nos joelhos,
respirando com dificuldade.
Pressionei os olhos e inspirei fundo, tentando acalmar os
meus nervos.
Era demais para mim.
A importância desse momento e tudo o que ele significava;
a reação de Elouise e a de Caetano.
Uma lágrima escorreu pela minha bochecha, enquanto eu
agradecia pela desculpa das malas, por ter conseguido fugir a
tempo de desmoronar na frente dele.
Desde que Caetano cruzou o meu caminho, a minha vida
tinha um jeito bem único de mudar da noite para o dia e me
deixar completamente abalada, sem chão.
Cerrei os dentes, decidida a ser forte, embora isso tudo
mexesse comigo de maneira profunda.
Elouise precisava da mãe. A história não era sobre mim,
era sobre ela e a ligação com o pai.
Por ela, e sempre para ela, seguiria firme e forte.

Balancei suavemente Elouise, sentindo o calor do seu


pequeno corpo contra o meu. A luz suave do dia se infiltrava
pelas cortinas do quarto de hóspedes, agora improvisado com
um berço, lançando um brilho sereno sobre nós.
— Está na hora de descansar, princesinha — sussurrei,
minha voz tentando transmitir para ela a calma que eu
desejava passar.
Ela levantou a cabeça e fixou os olhos em mim, sem soltar
a chupeta rosa. Ela me estudava com uma expressão de
confiança e curiosidade, como se estivesse tentando entender a
ligação que nos unia.
Eu só conseguia me maravilhar com ela, com tudo o que
ela fazia, não importava quão mínimo fosse o movimento, e
com a responsabilidade de ser pai.
O ato de fazer minha filha adormecer era mais do que um
gesto de cuidado, era uma promessa silenciosa de estar sempre
presente, de ser um refúgio seguro sempre que ela precisasse.
Deitou a cabecinha no meu peito de novo, as mãozinhas
fechadas no tecido da minha camisa.
Continuei o balançar, observando à medida que ela cedia
ao sono, a respiração suave entrando em um ritmo próprio. Me
aproximei do berço cor-de-rosa decorado, me inclinei e a deitei
delicadamente dentro dele.
Ela não se mexeu, absorta em seu sono.
Me sentei na beira da cama ao lado e a observei dormir,
cada traço do rostinho pequeno, os cílios escuros e longos, as
bochechas macias, os lábios delicados e bem-desenhados, cada
suspiro... sabia que a minha vida tinha ganhado um novo
propósito, uma nova direção.
Permaneci no lugar, imóvel, absorvendo cada detalhe do
momento que ainda parecia ser um sonho.
Pouco mais de vinte e quatro horas se passaram desde que
que a verdade me atingiu como um raio, revelando que eu
tinha uma filha. Cada segundo, desde então, foi um turbilhão
de emoções, uma mistura de incredulidade, alegria e uma
sensação avassaladora de responsabilidade.
Elouise. Minha filha.
A realidade dessas palavras ainda ecoava na minha mente,
cada sílaba carregando o peso do amor e do comprometimento
que eu já sentia por ela.
Observando-a ali, tão serena e pequena, era difícil de
acreditar que ela era parte de mim.
Elouise se mexeu, e meu coração se apertou em uma onda
de carinho. Era tão frágil, tão dependente, que fazia cada
célula do meu corpo vibrar em um instinto protetor.
Não deixaria que nada acontecesse com ela, que ninguém
a machucasse.
— Estou aqui, minha filha — sussurrei, minha promessa
preenchendo o silêncio do quarto. — E sempre estarei.
Tinha certeza de que a minha vida havia se transformado.
Eu era pai, um papel que eu abraçaria com todo o meu ser. E
embora o caminho à nossa frente estivesse repleto de
incertezas, eu sabia que faria de tudo por ela, não importava o
que fosse.
Um sorriso curvou os meus lábios.
Linda. Perfeita.
Minha filha.
Me levantei, com o coração transbordando, cheio de um
sentimento novo e desconhecido.
Ao sair do quarto, avancei para a sala e procurei por Mavie,
mas ela ainda não tinha retornado para casa. Notei como ficou
abalada enquanto me observava com Elouise, ainda que tenha
usado todas as forças para tentar disfarçar.
E eu, por mais magoado que estivesse com a guria, não
conseguia evitar as reações do meu corpo sempre que estava
perto dela.
Era um fato inegável: Mavie mexia comigo. Agora, só
restava saber o que eu faria com essa constatação bem óbvia,
porque eu não fazia ideia. Pelo menos não ainda.
Me levantei, meio perdida, levando um tempo para
reconhecer o quarto em que eu estava.
Eu. Elouise. Caetano. Casa dele.
Bom... era real, eu estava mesmo usando o quarto de
hóspedes de sua residência, ele sabia sobre a filha e... enfim,
muitas coisas.
Caminhei cambaleante até o banheiro. Pelo menos, o
quarto em que ele nos colocou era uma suíte. Eu não precisaria
sair por aí descabelada e com o rosto amassado de quem
acabou de acordar. Isso ajudava a evitar encontros trágicos e
momentos constrangedores.
Elouise ainda descansava no seu novo berço, dormindo tão
profundamente que parecia estar feliz e confortável na casa.
Ontem, as coisas foram um pouco... estranhas. Já cheguei
no final da tarde na casa dele, então Elouise embalou no sono.
Eu e Caetano jantamos juntos, mas ele não parecia estar muito
disposto a puxar algum assunto comigo, então foi tudo tão...
esquisito.
Depois do jantar, corri para o quarto e não saí mais.
No entanto, não poderia evitar Caetano para sempre e
precisaríamos encontrar um jeito de deixar as coisas menos
inconvenientes entre nós dois, pelo bem de Elouise, ao menos.
Ele poderia me odiar, mas teríamos que conviver, de uma
forma ou outra. E isso não era uma escolha.
Terminei de lavar o rosto e escovar os dentes, puxei meus
cabelos em um rabo de cavalo no alto da cabeça. Retornei para
o quarto, notando a inquietação de Elouise no berço. Já estava
prestes a acordar. Troquei de roupa, vestindo um shorts de
tecido e uma regata, uma roupa leve para passar o dia.
Assim que terminei, Elouise abriu os olhos e se sentou no
berço, cuspindo a chupeta para longe.
— Bom dia, meu amorzinho — murmurei, caminhando até
ela e a puxando para fora. — Vamos preparar o teu café da
manhã? — Ela sorriu, escorando a cabecinha no meu peito.
Com ela nos braços, me dirigi até a porta, parando por um
momento antes de sair do quarto. Respirei fundo e avancei.
A casa estava silenciosa. Caetano estava na cozinha,
ajeitando algumas coisas quando nos viu. Ele olhou para a filha
e sorriu.
— Ela deve estar com fome — comentou. — E, a propósito,
bom dia.
— Bom dia, Caetano — cumprimentei, soando o mais
formal possível. — Sim, deve estar. Ela tomou uma mamadeira
inteira durante a madrugada.
Se tinha uma coisa que Elouise não suportava, era ser
acordada. Quando ela engatava no sono, eu precisava deixá-la
dormindo ou enfrentaria uma guerra caótica. E ela sequer
aceitava comer alguma coisa, toda manhosa por ter sido tirada
do sono.
— O que ela costuma comer de manhã? — perguntou,
recostando-se contra o balcão de mármore branco. Cruzou os
braços torneados, evidenciando os músculos. — Fui ao mercado
e fiz compras mais cedo, mas como não sabia seus gostos,
peguei de tudo um pouco.
Isso era muito útil. Eu encomendaria de algum aplicativo
de delivery, caso contrário.
— Ela come torradinhas, frutas, cereal... Elouise não é
chata para comer, ela só detesta abacate.
Afastou-se do balcão e apontou para uma infinidade de
sacolas.
— Hum... abacate, tudo bem. Comprei leite, cereal, pão,
frios, frutas. Também aproveitei para comprar alguns produtos
de higiene, tanto para ti quanto para ela.
Senti o meu rosto esquentar. Pigarreei.
— Obrigada, mas não precisava se incomodar com isso. Já
trouxe tudo o que preciso.
— É minha hóspede, Mavie. Quero que se sinta confortável.
Nada sobre ficar no mesmo cômodo que você e sentir essa
indiferença toda me deixará confortável, ponderei, guardando
para mim mesma a opinião.
Anuí, em silêncio.
Elouise se remexeu em meu colo, pedindo para descer.
Larguei ela no chão, sob o olhar compenetrado de Caetano. Ela
observou a casa ao nosso redor, antes de sair correndo em
busca da primeira coisa em que iria mexer.
— Ela vai destruir a tua casa — avisei, imaginando a
infinidade de enfeites caros que ela estragaria. — Posso...
hum... retirar os objetos que quebram?
— Claro, sinta-se à vontade. Vou preparar o nosso café da
manhã. Ela prefere uva ou morango?
— Uva.
Sorriu.
— Herdeira de uma vinícola, não esperava menos —
brincou.
Corri pela casa, removendo todos os objetos que poderiam
machucar Elouise. Ele queria ter um bebê em casa, então
precisaria se acostumar com um fato bem claro sobre tê-los:
sem enfeites por longos anos.
Terminei de recolher tudo o que achei necessário, enquanto
Elouise corria de um lado para o outro, curiosa e mexendo em
tudo. Retornei, carregando-a comigo. Caetano colocou um bule
de café sobre a mesa e se virou para mim.
— Pronto.
Ele simplesmente montou um café da manhã digno de
cinema. Frutas, pães, frios, cereais. Tinha até mesmo bolos,
um de chocolate e um de cenoura.
— Meu Deus, Caetano. — Eu ri. — Não precisava de tudo
isso.
Olhou para filha.
— Eu posso dar comida pra ela? — perguntou, um pouco
hesitante.
Sorri com sinceridade.
— É claro, dependendo do que preparou.
— Tem cereal, frutas e torradas, o que acha que ela
prefere? — Apontou com o queixo em direção à mesa.
— Acho que cereal. — Puxei-a comigo, entregando-a para
ele. — Não sirva muito, ela costuma comer pouco de manhã.
Me sentei em uma cadeira, enquanto Caetano ocupou o
assento da ponta e colocou Elouise ao seu lado. Ele encheu
uma vasilha com cereal e leite, com a mão um pouco trêmula,
levou a colher até o rosto da criança, como se estivesse
testando sua recepção.
Sorrindo, Elouise abriu a boca, aceitando a comida.
Caetano ofegou, como se tivesse acabado de fazer a coisa mais
emocionante da vida. Então continuou a alimentá-la enquanto
ela brincava com uma colher limpa, batendo-a na mesa.
Servi o meu próprio café, observando a interação fofa entre
eles, com o coração transbordando e a garganta embargada de
emoção.
A relação deles pareceu surgir tão fácil, nada forçada. Os
dois tinham uma ligação única, se davam super bem, mesmo
com pouca convivência.
Caetano brincava com a filha enquanto a alimentava.
Elouise dava gargalhadas, soltando gritinhos das peripécias do
pai. Comeu toda a vasilha de cereal com leite e metade da
torrada que ele tinha feito para ela, antes de se dar por
satisfeita, rejeitar as uvas e pular da cadeira.
Ele se inclinou, observando a filha, zelando por ela.
— Elouise comeu muito bem — comentei, terminando o
meu café. — Mais do que costuma comer de manhã.
Ela estava abrindo todas as gavetas do aparador que ficava
na sala, tirando tudo que tinha dentro e jogando no chão.
— Tem certeza de que retirou tudo que era perigoso para
ela? — perguntou ele, sem desviar os olhos da criança.
— Sim.
Suspirou, voltando-se, enfim, para mim.
— Preciso ir para a vinícola. Com a viagem do meu pai, não
posso deixar a empresa sem alguém para administrar —
informou. — Mas Lívia provavelmente vai vir pra cá, ela não
suporta ficar sozinha e hoje está um bom dia para passar na
piscina.
— Ela... ela... — Respirei fundo. — Como ela reagiu com a
notícia?
Pousou a xícara na mesa e limpou os cantos dos lábios com
um guardanapo.
— Como eu imaginei que faria: muito bem. Lívia é uma
jovem divertida, leva tudo na esportiva e, é claro, se animou
com a notícia de que tem uma sobrinha, também com a
confusão que isso vai causar.
A comida se tornou um peso no meu estômago.
— Fico feliz que ela tenha apreciado a ideia e que não me
odeie por isso — confessei, em um sussurro, pousando as mãos
sobre a mesa. — E essa confusão que tu diz...
Estendeu o braço, colocando a palma sobre a minha.
— Vamos enfrentar isso juntos, Mavie. Sei que foi uma
escolha tua, mas estou disposto a arcar com as consequências
perante a nossa família também.
Mordi as bochechas.
— Por quê?
— Elouise é nossa responsabilidade, não quero que a carga
disso tudo recaia só sobre você. Ela é uma menina esperta, vai
sentir se a mãe ficar muito triste. Vamos lidar com isso juntos.
— Não precisa fazer isso, Caetano. Posso lidar com as
consequências das minhas escolhas.
Inclinou-se sobre a mesa, semicerrando os olhos.
— Desde quando está acostumada a lidar com tudo
sozinha?
Desviei o olhar, mas contive a vontade de puxar a mão
para longe.
— Aprendi isso com a minha mãe.
Laís sempre foi uma mulher independente, em todos os
âmbitos da vida. Ela foi incrível, mas me ensinou que eu
deveria aprender a lidar com as coisas, sempre de queixo
erguido, seguindo em frente com orgulho. Por ter engravidado
jovem, ela precisou lidar sozinha com uma gestação e com os
estudos de medicina, isso a moldou para se tornar quem ela é
hoje: uma mulher independente que nunca precisa contar com
a ajuda de ninguém. Mesmo que tia Luísa tenha se
disponibilizado para tudo, minha mãe sempre gostou de dar
conta sozinha.
Por isso, eu evitava chorar na frente dos outros, pois
significava fraqueza, assim como lidaria com as consequências
das minhas escolhas, sem envolver Caetano.
— Estou aqui, Mavie.
— Não me odeia mais? — retruquei, zombeteiramente.
— Odiar é uma palavra muito... forte. Só estou magoado
contigo, chateado com o fato de que me tirou meses de vida da
minha filha, me tirou momentos importantes. Eu não sei
quando ela deu os primeiros passos, quando o primeiro dente
nasceu, qual foi a primeira coisa que comeu. Pode parecer
bobo, mas seria importante para mim estar presente em cada
passo da evolução dela. — Um brilho surgiu nos olhos dele,
expressando tudo o que ele verdadeiramente sentia.
Soltei uma respiração entrecortada.
— Nada do que eu disser será o suficiente para me redimir
por isso, Caetano. — Apertei os olhos. — Não esperava um
positivo depois... depois daquela noite incrível que nós tivemos.
Pensei que nós seriamos só uma lembrança que eu carregaria
comigo, não que haveria consequências. Quando decidi omitir a
verdade, não estava raciocinando sobre tudo o que eu tiraria de
ti, que tiraria de Elouise. E sinto muito por isso.
De todos os arrependimentos que eu tinha na vida, esse
era o maior deles, e o único capaz de me atormentar. Tentei
preservar a felicidade da minha mãe, mas acabei tirando a de
Caetano com essa escolha.
Puxou a mão e apertou a ponta do nariz, fechando os
olhos.
— Vamos só tentar... seguir em frente. Elouise está aqui,
eu sei da existência dela e quero aproveitar cada segundo,
tentando recuperar o tempo que foi perdido. Se não entrarmos
em um consenso, ou não tivermos uma boa relação, as coisas
não vão dar certo.
Alheia a nós dois, ela continuava retirando tudo que tinha
dentro das gavetas, fazendo a maior bagunça.
— Foi maçã — murmurei, a voz não passando de um
sussurro baixo.
Franziu as sobrancelhas e olhou para mim.
— O quê?
Dei de ombros.
— A primeira coisa que ela comeu foi maçã. Ela fez cara
feia e pensei que cuspiria, que odiaria, mas, no fim, comeu
quase a fruta toda.
A sombra de um sorriso triste surgiu em seu rosto.
— Sempre tão decidida...
— O primeiro dente nasceu quando ela tinha seis meses.
Teve febre e queria esfregar a gengiva em tudo o que via. Eu
comprei um mordedor que imitava um controle. Por um longo
tempo, se tornou o brinquedo favorito dela.
Riu, como se pudesse imaginar a cena.
— Parece fofo.
— Isso porque não sabe das crises intermináveis de choro,
por qualquer coisa. Ela ficou bem chatinha, tudo era motivo
para chorar. — Passei uma mão nos cabelos. — E o primeiro
passo foi quando faltava uma semana para completar onze
meses. Foi rápido; depois disso, ela caminhava se segurando
nas coisas, até que um dia simplesmente se soltou e não parou
mais.
Fixou os olhos castanhos na filha, que brincava com a
bagunça que tinha feito na sala.
— Ela é muito esperta.
— Estou no desfralde. Tiro a fralda algumas vezes ao longo
do dia. Às vezes, acontecem alguns... desastres, mas ela
costuma entender e está aprendendo a pedir para ir ao
banheiro.
Arregalou os olhos, virando-se para mim.
— Eu posso tentar ensinar isso para ela?
O jeito como ele se importava com a filha, como queria a
todo custo fazer parte da vida dela, estar presente nos mínimos
detalhes, em cada pequena evolução, nunca deixaria de me
emocionar.
— É claro. O dia que não for para a vinícola, ensino como é
que faz. Ela balbucia um “xixi” meio enrolado quando quer ir ao
banheiro.
— Obrigado — agradeceu, sorrindo todo bobo.
Me levantei da cadeira e comecei a recolher a mesa do
café, levando a louça suja até a pia.
— Vou pedir para a senhora Domênica vir para cá alguns
dias da semana para fazer a limpeza — informou, levantando-
se também. — Ela é a empregada mais antiga da casa do meu
pai, ajudou a criar Lívia. É confiável. Depois que... o segredo
for relevado, encontrarei alguém fixo.
— Não se preocupe comigo, consigo dar conta de tudo.
Coloquei os pratos sujos na pia. Caetano parou ao meu
lado, soltando as xícaras. Ele segurou o meu punho, me
forçando a olhar para ele.
— Eu já disse, Mavie. Não precisa lidar com tudo sozinha.
— O toque dele sobre a minha pele parecia queimar. — Sabe o
que eu acho? Que esse teu jeito de pensar que deve aguentar
todos os fardos sem reclamar e carregá-los sem contar com
ninguém é o verdadeiro motivo pelo qual resolveu esconder
Elouise de mim.
Neguei, embora meus olhos dissessem o contrário.
— Por favor... tu disse que seguiríamos em frente —
supliquei.
Ele me soltou e deu um passo para longe de mim.
— E nós vamos seguir, assim como também vou te ensinar
que contar com os outros não é sinônimo de fraqueza, que
pedir ajuda não é vergonhoso.
Eu não tinha vergonha de pedir ajuda, sempre fiz isso com
Bárbara.
— Não penso assim.
— É claro que pensa. — Pousou as mãos nos bolsos. — Vai
me ensinar a ser um bom pai, e vou te ensinar que receber
apoio não significa que falhou em algo.
Caminhei até a mesa, desviando dele, ignorando-o, e
recolhi o restante das coisas.
— Estou indo para a vinícola, talvez hoje eu demore um
pouco mais. Preciso me alinhar com tudo o que está
acontecendo depois do meu tempo longe. Mas, amanhã e nos
outros dias da semana, voltarei mais cedo. Quero aproveitar
Elouise o máximo possível.
— Estaremos bem aqui — respondi, ainda sem olhar para
ele.
Guardei o que sobrou na geladeira, antes de me dirigir até
a pia e começar a lavar a louça suja. Caetano caminhou até
Elouise, pegou ela no ar encheu a barriga e o rosto de beijos.
Ela gargalhou, batendo as pernas no ar e puxando os cabelos
dele. Ele a soltou no chão, todo descabelado.
— Acho que ela gosta dos meus cabelos.
Eu ri.
— Ela brinca com os meus, vai querer brincar com os teus
também.
Pensei que ele iria embora, mas ele se voltou para a
criança, como se não pudesse passar mais tempo longe dela.
Sentou-se no chão e começou a brincar com os papéis que ela
retirou da gaveta.
Observei a cena, admirada e emocionada.
Cheguei à empresa totalmente atrasado. Não que eu
tivesse algum horário para cumprir. Mas eu tinha marcado
algumas reuniões com os nossos colaboradores, a fim de
entender como as coisas estavam fluindo.
Depois de mais de dois anos fora, seria essencial entender
a empresa, as mudanças que foram feitas, assim como analisar
as colheitas dos últimos anos, o histórico de produção e o
número de vendas.
A Rossi ainda era a número um do Brasil em vendas. O
espumante, eleito um dos melhores do mundo, tinha uma
procura gigantesca, tanto para a venda em mercados quanto
para a cobertura de festas e eventos. Os vinhos não ficavam
para trás. O Cabernet Sauvignon era o líder entre eles.
Me orgulhava muito da vinícola, de tudo o que ela
representava e de como cresceu ao longo dos anos. Começou
com os meus avós, Carlos e Norma. Eles que iniciaram a
produção das bebidas, depois de se dedicarem por anos à
plantação das videiras para a venda. Norma sempre sonhou em
ser mãe, mas, depois de anos tentando engravidar e de várias
tentativas sem sucesso, ela e Carlos adotaram o meu pai.
Ela sempre contou que ele não nasceu dela, mas que tinha
nascido para ela. Minha avó se apaixonou por ele assim que o
viu, como um encontro de almas.
Por isso, meu pai levava o legado que deixaram para ele
muito a sério, assim como eu fazia e esperava que a minha
filha também fizesse no futuro.
Ajeitei os papéis em cima da mesa do escritório do meu pai
e suspirei. Meus olhos voaram imediatamente para a prateleira
de madeira antiga no outro lado, na qual os cristais estavam
guardados. Me lembrei do que Lívia me contou e dei falta de
um deles, abrindo um sorriso bobo.
Por mais chateado que Therêncio ficasse com essa história,
ele aceitaria Elouise com todo o amor do mundo. Já amava a
criança, tendo-a como uma neta emprestada. Quando soubesse
que o laço entre eles ia muito além disso, ficaria feliz. Eu tinha
certeza.
Uma batida soou à porta. Em seguida, Sandra, a
funcionária mais antiga e leal da empresa, entrou. Ela era
encarregada de cuidar da agenda de Therêncio. E, com a
ausência dele, da minha.
— Senhor Caetano, aqui estão os relatórios de comparação
das vendas dos últimos anos que me pediu. — Colocou uma
pasta vermelha sobre a mesa.
— Obrigado. — Acenou e girou nos calcanhares, pronta
para sair da sala. — Sandra — chamei. Ela parou, voltando-se
para mim. — Tem netas, não tem?
— Sim — respondeu, franzindo os olhos, confusa.
— Quantos anos elas têm?
Abriu um sorriso brilhante, sentindo um orgulho bobo ao
pensar nas netas.
— Camila tem dois anos, Davina tem cinco, Vitor tem sete
e Laura tem nove. Mas por que está perguntando sobre os
meus netos?
Cocei a nuca, me remexendo na cadeira
desconfortavelmente.
— Estou... a fim de uma guria que tem uma filha de um
ano e pouco. Queria saber o que eu posso fazer para agradar a
criança — menti.
— Hum... — Recostou-se contra o batente da porta,
pensando. — Depende muito, Camila é fissurada por
maquiagem, mesmo com a pouca idade dela. Enquanto Davina
sempre preferiu brincar com peças coloridas e chamativas.
Descubra do que a menina mais gosta.
Ela gostava de fazer bagunça e mexer em todas as gavetas
da casa. Eu me importava? Nem um pouco. Amava o caos que
era ter uma criança por perto.
— Ainda não sei, mas vou descobrir. Obrigado pela ajuda.
Sorriu.
— Boa sorte com a guria. Fico feliz que tenha voltado e
que já esteja ajeitando a vida na cidade de novo. Teu pai ficará
muito feliz quando souber.
Balancei a cabeça, como se concordasse com ela.
— Só... não conte nada a ninguém por enquanto, tudo
bem? Nós estamos... hum... nos conhecendo, vendo se vai ou
não dar certo.
Colocou os dedos em frente aos lábios.
— Minha boca é um túmulo, senhor Caetano. E se precisar
de mais dicas com crianças, é só perguntar para mim. Além de
ter criado três filhos, sou avó de quatro netos, portanto criança
é um assunto que domino.
— Pode deixar — afirmei, pensando no que mais eu
poderia perguntar que não a fizesse suspeitar de nada.
Antes que eu pudesse abrir a boca de novo, ela saiu da
sala, fechando a porta.
Recolhi o meu celular e entrei no Instagram de uma loja de
brinquedos. Já que eu não sabia do que Elouise gostava, usaria
as dicas de Sandra a meu favor, ou seja, compraria todos os
brinquedos disponíveis para crianças com a faixa etária dela.
Alguma coisa teria que servir.
E, com isso, também aprenderia um pouco mais sobre a
minha filha.
Teria alguma cor que ela gostava mais? Ou alguma forma?
Além de bagunça, o que mais gostava de fazer?
Também iria até os vinhedos e colheria algumas uvas
frescas para ela. Nada melhor do que consumir algo que foi
produzido pela própria família.
Exasperei e esfreguei o rosto, soltando o celular.
— Droga, estou surtando... — sussurrei, conversando
sozinho.
A ideia de ser um pai presente, de ser aprovado por ela,
estava mexendo com a minha cabeça, tirando o meu sono e...
me fazendo temer não ser o suficiente.
Meu celular vibrou, notificando uma mensagem da loja de
brinquedos infantis. Eles confirmaram o envio de todos os
brinquedos que tivessem disponíveis dentro da faixa etária da
idade dela, assim como algumas paletas de maquiagem.
Não estava tentando comprá-la, só queria que ela fosse
feliz, que tivesse coisas dela na minha casa, para que, assim,
sentisse vontade de voltar.
Ela.
E a mãe dela também.
Eu disse a verdade quando afirmei que a faria ver que
pedir ajuda não era sinônimo de fraqueza. Mavie tinha o hábito
de tomar todas as responsabilidades para si, sem aceitar a
ajuda dos outros.
Laís era uma mulher forte, criou a filha sozinha, pelo que
eu sabia. Mas Mavie precisava aprender que não tinha que
seguir os passos da mãe. Não fazia ideia de quem era o pai
dela ou do porquê de ele ser ausente, mas ela compreenderia,
com o tempo, que eu não era ele e que jamais abriria mão da
minha paternidade.
Ela não era Laís. Eu não era como o pai dela. E faríamos
uma história diferente para a nossa filha.

— Teu irmão perdeu a cabeça completamente — murmurei,


sem conseguir tirar os olhos da pilha de brinquedos que
dominava todo o espaço da sala de Caetano.
Lívia chegou algumas horas mais cedo para me fazer
companhia. Quando a campainha tocou, eu corri para me
esconder, morrendo de medo de ter sido descoberta, mas fui
surpreendida pelo entregador da loja, que encheu o carro com
os presentes e os trouxe para mim, a mando de Caetano.
Eu esperava muitas coisas dele, mas essa, com certeza,
não era uma. Ele demonstrava ser um pai amoroso, acolhedor e
muito prestativo... mas um pai consumista? Essa era nova.
— Acho que ele não sabia o que comprar — comentou ela,
pegando um urso de pelúcia cor-de-rosa.
— Então comprou a loja toda? — refutei, perplexa.
Elouise rasgava os embrulhos de presente, fazendo festa
com as caixas grandes. Se ele queria deixar a criança feliz, a
ideia tinha dado mais do que certo. Ela não sabia para onde
corria, em qual caixa se jogava primeiro.
— Caetano sendo Caetano. — Bufou, revirando os olhos. —
Ele é um gentleman , sempre foi assim. — Elouise correu até a
tia e abriu os bracinhos, pedindo pelo urso que estava nas
mãos dela. Lívia se ajoelhou, entregando-o e sorrindo. — Oh,
eu tinha um parecido quando tinha a tua idade, o nome dele
era Miu. Podemos colocar um nome no teu, o que acha? — Ela
balbuciou algo que soava como “Bu” e puxou as orelhas do
coelho. Lívia sorriu. — Eu amei esse nome, achei tendência.
Me aproximei delas, me sentando por perto.
— Obrigada, Lívia — agradeci, sentindo a garganta se
fechar.
Franziu a testa.
— Pelo quê?
— Por não me odiar, por amar Elouise… por tudo.
Eu estava tão patética ultimamente, parecia uma manteiga
derretida. Tudo me emocionava, sentia vontade de chorar por
qualquer coisa. O retorno de Caetano mexeu com os meus
nervos de um jeito que eu não conseguia controlar.
Mas ter a aprovação da garota, receber só amor dela e
nenhum julgamento… bem, isso foi importante para mim. Muito
importante.
Ela não perguntou nada, sequer tocou no assunto. Lívia
apenas chegou e me tratou com normalidade, esperando que
eu puxasse conversa sobre isso. Acho que ela estava tentando
me deixar confortável para abordar o tema.
Revirou os olhos.
— Não seja besta. Sempre amei Elouise, saber que ela é
minha sobrinha de verdade só me deixa mais feliz. E quanto à
mentira, entendo os teus motivos. Não cabe a mim te julgar
por nada.
— Eu quis te contar — confessei. — Várias vezes, mas
tinha medo da tua reação. Não sabia o que faria, se me odiaria,
se rejeitaria minha filha.
Me olhou de esguelha, parecendo ficar ofendida.
— Primeiro: — ergueu um dedo em riste — eu jamais te
odiaria. Segundo: — ergueu outro dedo — quando foi que dei a
entender que poderia rejeitar Elouise, pelo que quer que fosse?
Assim tu me ofende, Mavie. Eu amo essa garotinha do fundo do
meu coração, sempre amei.
Me recostei no sofá, amassando alguns recortes dos
embrulhos de presente.
— Eu sei, fui uma tola.
— Pare de se culpar, garota! — ralhou, me dando um
sermão. — Viva o agora, o presente. Aceite que a minha reação
foi boa, que Caetano está se esforçando. Aproveite isso,
porque, sinceramente, não sei qual reação esperar do meu pai.
— E nem eu da minha mãe — revelei, sentindo a angústia
me atingir.
— Por isso, aproveite esses bons momentos, antes do
retorno deles em pouco mais de um mês. E, quer saber? Se
eles não gostarem, foda-se a opinião deles. Nós ficamos felizes,
o que importa é a minha opinião e de Caetano. — Ergueu o
queixo, toda orgulhosa e decidida.
Soprei uma risada sincera.
— Cuidado com a boca, Lívia! Logo Elouise vai estar
falando e decorando tudo.
— Ela tem muito a aprender com a tia divertida. — Piscou
um olho.
— E isso inclui os doces que dá escondida para ela? —
retruquei, encarando-a com os olhos semicerrados.
Uma coloração surgiu em suas bochechas. Desviou o olhar,
como se prestar atenção em Elouise fosse a melhor coisa do
mundo. Minha filha rasgava outro embrulho, revelando uma
caixa de boneca.
— Seja lá quem te contou isso, mas saiba que é mentira.
Estou sendo acusada injustamente — respondeu, pousando a
mão sobre o coração. — Querem me difamar.
Tentei, com todas as minhas forças, me conter. Mas a
gargalhada explodiu do meu peito, fazendo Elouise rir também,
e Lívia nos acompanhar.
— Está tudo bem, Lívia. Me perdoou por omitir a verdade,
eu te perdoo por dar doces escondido para a minha filha.
Nada mais do que justo.
— E isso significa que eu posso continuar dando? — Fez um
bico perfeito com a boca.
— É claro que não.
Puxou a caixa que Elouise tentava abrir, sem sucesso, e
retirou a boneca de dentro, entregando-a para ela.
— Hum... entendi.
Eu sabia muito bem o que isso significava: entendi que
não, mas vou continuar dando mesmo assim. E quer saber?
Não via problema. Enquanto ela amasse, mimasse e fizesse
minha filha feliz, estava tudo bem pra mim.
Nós ajudamos Elouise a rasgar o embrulho da maioria dos
presentes, até ela se sentir entediada e escolher outra coisa
para brincar.
Lívia estava enchendo uma boia em formato de unicórnio,
que facilitaria a nossa vida na piscina.
Olhei ao redor, analisando os brinquedos. Ele foi muito
metódico com as escolhas, pegando um pouco de cada para
tentar agradar Elouise. Isso encheu meu coração de orgulho e
ainda mais admiração por ele.
— Vamos voltar para a piscina? — chamou Lívia, levando a
boia. Elouise a seguiu, gritando e batendo palminhas. Sorri,
admirada com a cena. — Bárbara vem hoje? — gritou,
atravessando a porta que dava para a piscina, sumindo da
minha frente.
— Não sei.
— Ainda temos que fazer o nosso dia das garotas, então
ela que trate de vir.
Me levantei e chutei algumas caixas vazias para longe,
tirando-as do meu caminho, e as segui.
De todos as qualidades de Caetano, ser um ótimo pai era
uma das maiores.
Como imaginei que aconteceria, acabei me atrasando
demais na vinícola. Eram muitas coisas para serem analisadas,
antes de dar continuidade ao trabalho do meu pai.
Queria estar por dentro de cada assunto, ciente de cada
detalhe. Assim, evitaria erros e poderia colocar em prática tudo
o que aprendi. Quando meu pai retornasse, devolveria o seu
escritório e iria para o meu, assumir, enfim, meu lugar na
empresa.
Entrei em casa, estranhando o silêncio que se estendia
sobre ela. Não havia movimento algum, ou qualquer barulho
que fosse. A sala estava abarrotada dos brinquedos que enviei
para Elouise e o chão coberto de pedaços dos embrulhos.
Uma risada fraca soou da área da piscina. Atravessei a casa
e espiei através da porta janela. Mavie estava com Elouise na
piscina, puxando a menina de um lado para o outro. Ela ria, e
Mavie a acompanhava.
A lua já subia no horizonte, conforme a noite ia chegando.
Apesar disso, ainda estava quente e abafado, bom para o
banho de piscina. As luzes do jardim estavam acesas,
iluminando tudo ao redor.
A cena das duas fez meu coração errar uma batida.
Era linda!
Elas brincavam com a água, alheias à minha presença.
Elouise deu um tapa, fazendo respingos saltarem no rosto de
Mavie. Ela deu um pulo, como se isso a assustasse. Elouise
soltou uma gargalhada gostosa.
— Sua traiçoeira — murmurou ela, beijando o pescoço da
filha. — Eu vou fazer cócegas nesse pescoço, só pra ver se
aprende — brincou.
Queria continuar ali, observando-as, enquanto meu coração
batia descompassado e um orgulho puramente masculino
inflava em meu peito. Mas queria ainda mais me juntar a elas e
fazer parte do momento.
Corri para o meu quarto, evitando fazer barulho. Toquei de
roupa rapidamente, tirando as roupas sociais e substituindo-as
por uma bermuda de tecido leve. De pés descalços, voltei até
elas, avançando para o quintal.
Mavie arregalou os olhos ao me ver, correndo-os pelo meu
peito nu, antes de voltá-los ao meu rosto. Engoliu em seco e
um rubor surgiu nas bochechas.
Um meio-sorriso se espalhou pelo meu rosto, a satisfação
de tê-la olhando para mim com certo... desejo, inflava o meu
ego.
Porque esse desejo era mútuo.
— Caetano, não te ouvimos chegar — comentou, erguendo
o corpo de Elouise para fora da água e descendo-a em seguida.
A menina sorriu, divertindo-se.
Desci pelas escadas, sentindo a água gelada me arrepiar ao
entrar em contato com o meu corpo quente. A água batia no
meu peito, ficando um pouco mais funda conforme me
aproximava da outra borda.
— Ela gosta da água? — perguntei, apontando com o
queixo para a criança.
Mavie riu.
— Acho que ela se vê como um peixinho — brincou,
apertando a bochecha da filha em um beijo. — Sempre amou o
banho, abria um berreiro quando eu a tirava. E agora tem os
banhos de piscina, que ela ama ainda mais. — Encolheu os
ombros. — Nós moramos em Porto Alegre, mas minha mãe a
traz todo o verão para tomar banho de piscina na casa de
Therêncio.
Acenei, estendendo o braço e tocando na cabecinha
molhada da minha filha. Me inclinei, pousando um beijo nela.
— Posso pegá-la? — perguntei, desejando, com todas as
minhas forças, que ela gargalhasse para mim, assim como fazia
com Mavie quando cheguei.
Sorrindo, me estendeu a pequena. Recolhi-a em meus
braços.
— Por favor, estamos aqui há horas. Já estou bem cansada
— confessou.
— Deixa comigo, então. — Pisquei um olho.
Mordeu o lábio inferior, hesitando.
— Se não for um incômo... — Calou-se, ao notar meu olhar
escurecido. — Quer dizer, tudo bem.
Soltei a respiração com força e me aproximei dela,
pousando a mão em seu ombro. Apesar da água fria, a pele era
quente sob o meu toque.
— Eu já disse, Mavie, e vou repetir quantas vezes for
preciso: estou aqui para ajudá-la. Sem discussão.
— Tudo bem — cedeu, por fim. — Só... vou me acostumar
com isso, em algum momento.
Puxei a mão para longe, sentindo um pouco de dificuldade
para pensar com coerência estando perto demais dela.
Me voltei para Elouise, repetindo os mesmo movimentos
que Mavie fazia com ela, dentro da água. A garotinha sorriu,
gargalhando alto quando foi atirada para o alto e recebida em
meus braços. Ela chutava e socava a água, fazendo-a respingar
em mim e em todos os lados.
— Gosta mesmo de brincar com a água, não é, pequena?
— Beijei a testa molhada, inspirando fundo. — Vamos, já sabe
falar “papai”? — perguntei. Ela fez uns barulhos com a boca,
mas não emitiu som algum. — Vamos, Elouise. Diga: pa-pa-i —
repeti, silabando a palavra.
— Daqui a pouco, ela fala algo parecido com isso —
comentou Mavie. — Ela me chama de “mamã”; a avó, de “bó”;
tia Luísa, de “Du”; Bárbara, de “Ba”; Therêncio, de “bô”; e
Lívia, de “Vi”.
A constatação óbvia de que ela sabia identificar cada um
deles, menos a mim, me causou uma dor alucinante no peito.
Respirei fundo, me acalmando. Precisava dar tempo ao tempo.
Uma hora, ela saberia me identificar, tinha certeza.
— Acha que ela gosta de mim? — perguntei, em um tom
baixo demais.
A água se mexeu e Mavie parou ao meu lado, puxando os
cabelos da filha para trás, tirando-os do rosto.
— Claro que gosta. Ela não se importa de ficar sozinha
contigo, e sempre se joga no teu colo quando chama ela.
— E isso é bom?
Me olhou torto, como se fosse óbvio.
— Estamos falando de Elouise, Caetano. A bebê mais
antissocial que eu conheço. Então, sim. Isso é ótimo.
Minha sobrancelhas se uniram.
— Ei, ela não é antissocial, só é... hum... precavida.
— Precavida? — Colocou as mãos na cintura, me encarando
com um esgar nos lábios.
— Vai que alguém tente sequestrá-la. — Me inclinei para
sussurrar alto no ouvido de Elouise. — E continue assim, minha
filha, principalmente quando algum marmanjo chegar perto de
ti.
Mavie cruzou os braços.
— Do que está falando, Caetano?
Encarei a minha filha, analisando cada feição do rostinho
perfeito.
— Namorado só depois dos trinta anos, sem nenhum
marmanjo perto dela antes disso.
Ela bufou e revirou os olhos.
— Isso é inacreditável até mesmo pra ti.
Franzi os lábios em um esgar.
— Não sei por qual motivo seria. Só estou falando a
verdade.
Pela graça de Deus, eu ainda teria muitos anos pela frente,
antes de me preocupar com os namoradinhos de Elouise. Se
fosse preciso, eu a colocaria em um colégio interno.
— Aham... — murmurou zombeteiramente.
Elouise batia as mãozinha na água, alheia à conversa séria
que eu estava tendo com sua mãe.
Meu coração se contraía no meu peito só de imaginar um
futuro em que ela me apresentaria algum imbecil. Deus, eu
seria capaz de esganar o idiota, que ainda era inexistente, mas
eu já odiava, se ele machucasse o coração da minha filha.
— Diga: pa-pai — falei, movimentando a boca com
lentidão.
Enquanto ela não criasse um apelido para mim, assim como
tinha com os outros, eu não sossegaria.
Pesquisei no Google algumas dicas de como se ensinar uma
criança a aprender a falar. Não tinha segredo, era só repetir a
palavra, por milhares de vezes, e movimentar a boca
lentamente enquanto falasse. Assim, a criança observava e
aprendia.
Mavie riu.
— Uma hora ou outra, ela vai falar, Caetano. Tu é muito
impaciente — debochou.
— É claro que vai, não é mesmo, meu amor? — Beijei a
testa molhada. — Pa-pai — continuei, seguindo as instruções
do senhor Google .
A água se movimentou conforme Mavie se afastava,
encaminhando-se para a beira da piscina.
— Já vai sair? — perguntei, estranhando o tom da minha
voz.
Eu estava chateado com o fim do momento em família. Os
últimos minutos ao lado delas foram... incríveis.
— Vou fazer a janta — respondeu, subindo os degraus. — A
água dá fome, preciso alimentar Elouise. — Me lançou um olhar
por sobre o ombro. — Também deve estar faminto depois de
um longo dia de trabalho.
Meu estômago roncou, confirmando o que ela dizia. Estava
tão absorto no momento com elas, que nem tinha percebido
essa necessidade básica do corpo humano.
Observei Mavie sair da água, as gotas escorriam pela pele
lisinha. O biquíni que ela usava era curto demais, ajustando-se
às nádegas redondas e empinadas.
Os cabelos pingavam, colados à pele, cobrindo metade das
costas.
Sem conseguir desviar o olhar, acompanhei seus
movimentos, sem piscar, sem nem mesmo respirar.
Caminhou até uma das espreguiçadeiras, virando-se para
mim. A parte da frente era ainda menor, o tecido mal cobria os
seios pequenos, redondos e perfeitos.
Encarei as gotas que deslizavam pelo abdômen liso,
admirando a cintura fina e a forma como as gotas se perdiam
no cós da parte debaixo da peça. Não pude deixar de
acompanhar o caminho.
Mavie era toda magrinha, mas com as curvas proporcionais
para o formato do corpo.
Ela era perfeita. Toda e completamente.
Engoli com dificuldade.
Ela recolheu uma toalha e se cobriu.
Pisquei, saindo do torpor.
Não importava quanto tempo passasse, a atração que eu
sentia por ela era sempre a mesma. E começava a cogitar a
possibilidade de que sempre seria assim.
— Não se demore muito. Já está começando a ficar
friozinho e não quero que Elouise adoeça — orientou,
apontando com o queixo para a criança nos meus braços.
Acenei, ainda sem voz.
Como eu conseguiria lidar com ela, sendo que mal podia
ficar no mesmo ambiente que ela de biquíni, sem me deixar ser
afetado, completamente atraído?
Talvez, a ideia de mantê-la na minha casa não fosse tão
boa assim, no final das contas.
Elouise fez um barulho com a boca, captando minha
atenção. Olhei para a bebê nos meus braços e abri um sorriso,
amando cada segundo ao lado dela, mesmo que estar perto da
mãe fosse uma tormenta.
Os dias na casa de Caetano estavam sendo melhores do
que eu havia imaginado. Ele era um ótimo pai e um homem
muito fácil de conviver.
Caetano queria participar de cada momento no dia de
Elouise, desde alimentar a criança, a fazê-la dormir e até
ajudar com o desfralde.
Era uma rotina fácil, tranquila e... gostosa. Eu me
acostumaria com ela, se não soubesse que isso terminaria no
momento que nossos pais retornassem de viagem.
Ignorava os sintomas do meu corpo sempre que Caetano
fazia algo que me agradava, ou quando chegava de manhã,
depois da musculação, sem camisa, todo suado e com os
músculos rígidos.
Culpava a falta de sexo.
Ele foi o último homem com quem eu estive. Já fazia tanto
tempo que eu até me considerava virgem de novo. E... ele era
o maior gostoso, impossível não sentir essa atração.
Também tinha outro fator muito relevante: Lívia tinha
razão, o irmão era um gentleman . Caetano estava sempre
disposto a me ajudar em tudo, sendo agradável, carinhoso,
zeloso e prestativo. Qual era o homem que agia assim hoje em
dia? Nenhum!
Foi por isso que, embora o convívio tenha sido fácil nos
últimos dias, nunca estive mais tensa. Meus hormônios
pareciam estar em crise e eu não sabia decidir se queria
transar loucamente com ele ou ponderar sobre como isso era
uma ideia terrível.
Terminei de escorrer a massa na pia, jogando-a em um
prato de vidro, antes de despejar uma panela de molho ao sugo
por cima.
— O cheiro está ótimo — comentou Caetano, parando ao
meu lado. — Elouise já está dormindo?
Os cabelos dele estavam molhados e o cheiro que ele
exalava era... intoxicante. Vestia calça de moletom e regata,
totalmente confortável.
Ele chegou tarde do trabalho, hoje em específico. Na
maioria dos dias, Caetano voltava no meio da tarde, ansioso
para passar mais momentos com a filha, mas quando tinha
algum problema para resolver, só chegava a tempo do jantar.
— Não se anime muito, é um prato bem simples —
respondi, segurando a vasilha e caminhando até a mesa. —
Elouise tomou todo o meu tempo e mais um pouco. Passamos o
dia todo na piscina. Dei banho, comida e ela dormiu.
A menina estava em êxtase na casa do pai. Além dos
brinquedos novos, dos quais ela não dava conta de brincar,
tinha a piscina à vontade e muito espaço para correr.
Ele riu e cruzou os braços em frente ao corpo.
— O que ela aprontou hoje?
Depositei o prato em cima da pia e me virei para ele.
— Ela não queria sair da piscina, mas isso não é novidade
— zombei. — E agora que descobriu que a paleta de
maquiagem deixa as coisas... ou pessoas coloridas, ela quer
sair por aí maquiando tudo.
Uma gargalhada sincera soou do peito dele.
— O que exatamente ela tentou maquiar?
Dei de ombros.
— Qualquer coisa que seja tingível, como a parede, por
exemplo.
Descruzou os braços e passou a mão no cabelo,
balançando a cabeça, incrédulo.
— Deixe que ela suje o que quiser, é só mandar limpar
depois.
Me aproximei dele, parando ao seu lado no balcão. Soltei
um suspiro profundo.
— Eu sei que quer agradá-la, Caetano. Mas nós precisamos
impor limites a Elouise. Ela é só uma criança e não pode fazer
tudo o que quiser, ou não sobreviveremos à crise dos três anos.
— Crise dos três anos? — perguntou, confuso.
Acenei.
— Com três anos, a criança quer ser independente, é tipo
uma adolescência infantil. Muito choro, revolta e estresse. Vi
relatos de algumas mães dizendo que é uma fase bem
complicada.
— Como acha que vamos nos sair? — indagou, parecendo
ficar um pouco preocupado.
Me virei para abrir a gaveta e recolher os talheres.
— É só uma criança e uma fase, Caetano. Vamos nos sair
muito bem, não se preocupe.
Voltei-me para a mesa, sentindo-o me seguir de perto.
Ajeitei tudo e me sentei, pronta para jantar e, finalmente, cair
na cama. Eu estava exausta.
Ser mãe era uma dádiva, mas cansava pra caramba. Sem
mamãe para ficar com Elouise, ou tia Luísa, era exaustivo não
ter um momento sozinha que fosse, para descansar.
Ele ocupou o lugar da ponta da mesa e serviu-se de massa,
em silêncio.
— Minha mãe enviou muitas fotos hoje — comentei,
pegando um pouco da massa com o garfo. — Eles estão em
Roma. Ela disse que vai ter que comprar uma mala nova de
tantos presentes que está trazendo.
Caetano engoliu a comida e limpou a boca com o
guardanapo, antes de murmurar:
— Eu só imagino a principal beneficiária desses presentes.
Concordei, expressando um sorriso.
— Eu amo isso na nossa família — confessei. — Tenho
certeza de que Elouise, quando crescer, vai ter ótimas
lembranças afetivas quanto a isso.
— Ah, a vida difícil de ser a única criança da família —
ironizou, brincando.
A massa estava muito gostosa, o gosto do manjericão se
sobressaía no molho. Recolhi a taça de vinho tinto, sorvendo
um gole, antes de continuar a conversa.
— Não sei como vamos fazer quando minhas férias
acabarem — confessei enquanto remexia na comida, perdendo
um pouco da fome.
— Vai aceitar a proposta de trabalhar no jurídico da
vinícola — respondeu, como se fosse óbvio.
Suspirei fundo e ergui o olhar para ele, encarando-o,
resoluta.
— Não é tão simples assim, Caetano. Meu emprego não é o
melhor do mundo, mas o salário é bom e tenho estabilidade.
Além do mais, o apartamento em que eu vivo é meu, não
alugado. Se eu vier embora, tenho que pensar nisso tudo. Se
vou ou não alugar o meu apartamento, onde vou morar...
— Fique comigo — cortou.
Franzi a testa.
— Não é possível.
Soltou os talheres, cortando o silêncio com o barulho deles
ao atingirem o prato.
— E por que não?
Cocei o pescoço, ficando nervosa com o andamento da
conversa.
— Porque eu tenho a minha vida, e tu tem a tua. — Engoli,
molhando a garganta iminentemente seca. — Um dia, vai
encontrar uma mulher, se casar, ter uma nova família. Assim
como eu. Não podemos morar juntos para sempre.
Semicerrou os olhos, cruzando as mãos em frente ao rosto
e descansou o queixo sobre elas. Uma veia pulsou ao lado do
pescoço e a mandíbula parecia rígida demais.
— Está... se relacionando com alguém? — perguntou, em
um sussurro.
Se eu tivesse bebido um pouquinho a mais de vinho,
estaria vendo coisas, pois diria que ele parecia estar com
ciúmes e odiando essa possibilidade. Mas eu não era uma
criança e não me iludiria por nada. Era só preocupação de pai.
— Não, mas isso não significa que nunca vá acontecer —
respondi, me levantando em um movimento e recolhendo os
pratos sujos. — Só estou dizendo que cada um precisa ter a
sua vida, separados. Como é que vai explicar para uma
eventual futura namorada que mora com a mãe da tua filha? —
zombei, virando de costas e me dirigindo à pia. — Uma garota
de uma única noite.
Ignorei qualquer resquício de fisgada que sentia no peito,
como se não passasse de um leve e irrelevante incômodo ao
imaginar Caetano com outra mulher.
Coloquei a louça na pia, no mesmo momento que senti a
presença dele atrás de mim. Caetano segurou minha cintura,
enterrando as mãos na minha pele e girou o meu corpo, me
colocando de frente para ele.
Arfei, impactada com a proximidade e com o movimento
brusco.
Inclinou-se, alinhando os nossos rostos na mesma altura.
Os olhos castanhos faiscavam, cheios de um brilho que eu não
conseguia identificar, conforme vagavam entre os meus olhos e
minha boca.
— Sabe que foi muito mais que isso, Mavie — soprou, o
hálito quente batendo no meu rosto.
Meu coração socava o peito com tanta força que comecei a
ficar zonza.
— Eu só disse a verdade — murmurei, a voz não passando
de um sussurro.
O cheiro dele era inebriante, atingindo meu olfato, me
deixando ainda mais tonta do que eu já estava. E o calor que
ele emanava... sentia que poderia derreter, me desmanchar em
uma poça no meio da cozinha.
Roçou a ponta do nariz na minha bochecha.
— Não... — ofegou. — Não passa de uma mentirosa, se é
isso que pensa, se é isso que está tentando afirmar para si
mesma.
Os cabelos da minha nuca se arrepiaram e eu precisei
morder os dentes com força, suprimindo um gemido baixo.
— Essa é a nossa realidade — continuei, tentando manter a
coerência nos meus pensamentos. — O destino tem um jeito
bem estranho de nos unir, ao mesmo tempo que nos afasta.
Temos uma família, um vínculo inquebrável e eterno, mas
precisamos seguir nossas vidas, Caetano.
Os polegares deslizavam pela minha pele, uma carícia lenta
e gostosa. O tecido da blusa estava embolada onde suas mãos
seguravam, subindo um pouco e deixando um trecho de pele
exposto.
— E, com isso, acha que vou aceitar que coloque outro
homem no meu lugar? — grunhiu, respirando contra a minha
orelha.
— No... no teu lugar? — gaguejei.
— Sim, ao teu lado.
Precisei de alguns segundos, a mente girando, como se o
ar tivesse se tornado rarefeito.
— Como é?
Uma risada áspera soou dele. Ele se afastou, somente o
suficiente para me encarar, sem me soltar.
— Acha mesmo que foi o destino que fez com que aquele
esbarrão acontecesse na boate, Mavie?
— E não foi? — objetei, de olhos arregalados.
Seu sorriso aumentou.
— Se me jogar em cima de você se chama “esbarrão do
destino”, sinta-se à vontade de pensar assim. — Pisquei, sem
reação alguma. Então ele continuou: — Eu te vi com Bárbara
no bar e me senti atraído imediatamente. Queria chamar a tua
atenção. Precisava da tua atenção . Então eu vi a taça, o
tumulto... enfim, era a oportunidade certa.
Abri e fechei a boca, ainda sem voz, estática.
— Caetano... — ofeguei, incrédula.
— Então, Mavie. Saiba que eu sou um homem muito...
determinado. Nunca mais fale sobre colocar outro no meu
lugar, estando dentro da minha casa e na minha frente. Se tem
alguém que ficará ao teu e ao lado da minha filha, esse alguém
sou eu.
Roçou os lábios nos meus. Foi rápido, não mais que um
piscar de olhos, e tão de leve que eu mal senti. Ele se afastou,
ao dar um passo para trás, me soltando.
Ele estava simplesmente fodendo a minha mente.
Pigarreei, abraçando o meu corpo. Me remexi, inquieta.
— Eu... hum... estou surpresa com essa confissão.
— E eu, surpreso que nunca tenha cogitado a possibilidade.
Por que, quem sabe, pensar em você doía? Que saber que
não teríamos um futuro era devastador? Muito mais fácil não
pensar do que colocar qualquer possibilidade em pauta.
Respirei fundo, exalando forte.
— Enfim, não podemos morar juntos — continuei,
ignorando o lapso que tivemos.
Um sorriso incisivo surgiu no rosto dele.
— Quem disse?
— Eu disse.
Gesticulou, desdenhoso.
— Acha mesmo que vou deixar que more com outro
homem, Mavie? — Cruzou os braços.
Olhei para todos os lados, menos para os músculos em
evidência.
— Não estou pedindo autorização — retruquei.
Era só o que me faltava, ele pensar que tinha alguma
espécie de poder sobre mim, só porque tínhamos uma filha
juntos. A calcinha molhada no meio das minhas pernas era só
um efeito contraditório de estar perto demais dele. Não
significava nada.
Bufou.
— Veremos.
— Não vamos começar a discutir sobre algo que nem
deveria estar em pauta — sibilei, perdendo a paciência. —
Enfim, vou decidir sobre o emprego e pensar em um lugar para
morar, caso eu queira vir para Bento. — Ergui um dedo em
riste. — E quanto às nossas vidas privadas, tem o direito de se
envolver com quem quiser, assim como eu. Ter uma filha juntos
não nos dá o direito de intervir na vida um do outro.
— Acha que tem outra mulher na minha vida? — atirou.
Eu suplicava com todas as minhas forças para que ele não
tivesse, mas não poderia fazer nada, caso a resposta fosse
positiva, embora doesse como o inferno pensar nisso.
— Sinceramente? Não sei, nem quero saber. Cada um com
sua privacidade, desde que isso não interfira na criação de
Elouise.
Cuspiu uma risada enfastiante.
— Estou indo dormir. Boa noite, Mavie.
Girou nos calcanhares e sumiu em direção ao quarto dele.
Me virei para a pia e escorei as mãos na lateral do mármore,
me inclinando e fechando os olhos.
Minha respiração estava pesada, o coração acelerado e a
comida parecia pesar toneladas no meu estômago.
Depois da conversa sobre Elouise, essa foi a pior de todas
que tivemos até agora.
A atração que eu sentia por Caetano ainda estava forte em
mim, vivendo exilada desde que ele foi embora, mas voltando
com tudo para a superfície desde que voltou.
Descobrir que o esbarrão foi proposital, que ele se
interessou por mim assim que me viu, não ajudava em nada.
Toda a fic que eu criei na minha cabeça, sobre o nosso
encontro sexual não ter sido nada além de algo casual, sem
sentimentos, sem um futuro, só algo irrelevante, estava caindo
por terra depois dessa verdade.
Como superar o insuperável?
Céus, os próximos dias seriam ainda mais difíceis do que
eu pensava. Os dias de paz chegaram ao fim, depois de hoje.
E o pior de tudo? Caetano compartilhava da mesma
atração.
— Eu trouxe só algumas garrafas — comentou Lívia,
soltando uma caixa de vinho em cima da mesa de centro da
sala.
Bárbara e eu olhamos para ela de queixo aberto.
— É uma tarde das garotas ou o futuro encontro das
garotas no hospital depois de um coma alcoólico? — questionei,
rindo.
Era sábado, Caetano levou Elouise para passear na vinícola,
conhecer o melhor amigo dele e tomar sorvete, então nós
aproveitamos essa oportunidade para fazer alguma coisa
juntas. Lívia estava sozinha; Bárbara, descornada e eu,
perturbada. Nada melhor do que se unir e tentar encontrar uma
solução, fosse ela boa ou ruim, com os conselhos das amigas.
Me ignorando, ela correu até o armário da cozinha e pegou
três taças, voltando saltitante até nós. Desde que completou
dezoito anos e ganhou autorização legal para beber, era só o
que a garota queria fazer.
— Não seja estraga prazeres, vamos nos divertir —
retrucou, depositando as taças sobre a mesa e puxando uma
das garrafas da caixa. — Precisamos do nosso momento de
pura reflexão. Sei que as duas tem algo para falar, dá pra ver
só pela cara de vocês.
Com um abridor elétrico, removeu a rolha do vinho e serviu
as nossas taças, estendendo uma para cada, antes de se jogar
na poltrona à minha frente.
— Vamos, meninas. O que incomoda vocês?
Bárbara soltou um suspiro e deitou a cabeça no encosto do
sofá. Não precisava ser nenhum gênio para perceber que ela
estava mal por alguma coisa. As olheiras marcadas abaixo dos
olhos e a postura abatida, já diziam isso por si só.
— A mim, e ao quão trouxa consigo ser — disse Bárbara,
elevando a taça de vinho em um brinde.
— Qual é o problema? — questionei, me inclinando
levemente para o lado dela.
Suspirou, levando a taça aos lábios e tomando todo o
vinho.
— Se lembra do cara que eu estava ficando? — indagou,
erguendo o braço e pedindo mais vinho para Lívia.
— Aquele que conheceu há um mês? — rebateu Lívia,
servindo mais vinho para ela.
Bárbara tinha a estranha mania de conhecer uma pessoa
em um dia e, no mesmo dia, levantar a possibilidade de serem
almas gêmeas. Então ela quebrava a cara e seguia em frente,
até encontrar o próximo candidato ao cargo. Ela se apaixonava
tão rápido quanto se desapaixonava.
— Sim, o Thiago.
— Deixa eu adivinhar: descobriu que, infelizmente, não são
almas gêmeas? — zombei.
Negou.
— Muito pior do que isso.
— Pior? — Lívia e eu perguntamos em uníssono.
Balançou a cabeça, tomando mais vinho.
— Descobri que ele é casado.
Me engasguei, tendo uma crise de tosse. Bati no peito,
tentando me controlar. De olhos arregalados, encarei Bárbara,
o queixo caído.
— Como é?
Jogou-se contra o sofá e fechou os olhos, parecendo ficar
envergonhada.
— Ele mora em Caxias do Sul, então não era como se eu
fosse obrigada a saber. Achei estranho ele não ter redes sociais
e me ignorar nos finais de semana, nem mesmo recebia minhas
mensagens. Comecei a investigar, encontrei um perfil dele no
Instagram e descobri que ele é casado e tem uma filha.
— Porra! — xingou Lívia, tão chocada quanto eu.
— E ele ainda tinha me pedido em namoro, conseguem
acreditar nisso? — Esvaziou o vinho da taça outra vez.
Agora, entendi por que ela estava mais chateada do que
normalmente ficava quando descobria que o novo crush não
era sua alma gêmea. Bárbara levava a fidelidade muito a sério,
desde que seu pai traiu tia Luísa e isso acabou com o
casamento deles. Para ela, traição era a pior coisa do mundo.
— Que filho da puta! — sibilou Lívia, bebendo o vinho. —
Deveríamos mandar uma mensagem pra esposa dele e acabar
de uma vez por todas com essa palhaçada.
Bárbara negou.
— Não posso fazer isso. Sei como o divórcio dos meus pais
me afetou quando eu era criança, não quero que a filhinha
deles sofra o mesmo que eu. E, além do mais, corremos o risco
da esposa não acreditar e me ver como um monstro.
— Monstro é o desgraçado do marido dela! — cuspiu Lívia.
— Eu não quero! — contestou minha prima. — Já mandei
uma mensagem, terminando tudo e mandando ele criar
vergonha na cara. Agora, só quero seguir em frente e me
esquecer de que esse imbecil existe.
— Tudo bem, não está mais aqui quem falou — murmurou
a garota, levantando os braços em rendição. — Só dei minha
opinião, porque eu faria diferente, nem que fosse pela
vingança.
Bárbara riu sem humor.
— E de que adiantaria me vingar dele? Como eu disse, a
esposa pode nem acreditar. Talvez ela só fique contra mim.
Também tem a filha deles, como ela vai ficar nessa situação?
Divórcio é uma situação bem pesada na vida de uma criança.
— Poxa, Bárbara. Eu sinto muito — comentei, estendendo o
braço e apertando a perna dela. — Sei que estava gostando
desse idiota.
Encolheu os ombros.
— Está tudo bem. Pelo menos descobri a tempo. As
atitudes dele fizeram um alerta vermelho piscar na minha
mente. Me lembrei do meu pai e de como ele sumia quando
estava com a outra família, ignorando as mensagens e ligações
da minha mãe.
Tio Davi era caminhoneiro, passava muito tempo na
estrada e dias longe de casa. Não era estranho quando ele
sumia, ficava sem sinal, dependendo da rota em que estava.
Mas, depois de um tempo, tia Luísa começou a desconfiar,
principalmente depois que viu a marca de um batom vermelho
em uma das camisas de viagem dele.
Ela e minha mãe saíram para investigar, pensando ser um
caso isolado, mas acabaram descobrindo uma segunda família.
O homem simplesmente tinha outra casa com uma esposa e
uma filha de dois anos.
Depois disso, eles se divorciaram. Não foi amigável, foi
muito litigioso. Bárbara sofreu com a ausência do pai, até
crescer e entender o que ele tinha feito. Ela conhecia a irmã,
mas tinha pouco contato com eles, porque não teve interesse,
assim como o pai, a irmã e a madrasta também não fizeram
muita questão de inseri-la em suas vidas.
Eu tinha um pressentimento de que era por isso que ela
procurava a alma gêmea em todos os homens que encontrava.
Ela queria um amor verdadeiro, assim evitaria sofrer como a
mãe.
— Ei, agora já posso ir para as festas contigo! Que tal
aproveitar a vida de solteira e curtir comigo? — murmurou
Lívia, tentando levantar o ânimo dela.
Um sorriso apareceu no rosto de Bárbara, e quase suspirei
aliviada.
— Sim, isso vai ser ótimo — confirmou.
Detestava ver a minha prima sofrendo. Como eu era mais
velha, tinha um instinto protetor com ela. Deus o livre se
alguém a machucasse.
— E agora vamos ouvir os problemas de Mavie — comentou
Lívia, virando-se para mim.
Coloquei a taça nos lábios, sorvendo um gole de vinho com
a maior calma do mundo, tentando ganhar tempo.
— Além do problema óbvio que vou enfrentar quando a
minha mãe voltar? Não tenho problema algum — menti.
Eu tinha um problema bem grande. Com pouco mais de um
metro e noventa, músculos definidos, cabelos longos, sorriso
sexy e muita... testosterona.
— Vamos, nos conte como está a convivência com Caetano
— insistiu ela. — Vocês já andaram juntos no passado, não
acendeu nada? Nem uma fagulha?
Balancei a cabeça, comprimindo os lábios.
— Está mentindo! — cortou Bárbara.
Arregalei os olhos.
— Não estou.
— Sim, está. — Caiu na gargalhada. — Não sabe mentir,
então fica em silêncio quando quer esconder alguma coisa. Faz
isso com a tia Laís, porque ela é muito boa em descobrir as
tuas merdas.
— Oh, meu Deus! — Lívia pulou no sofá, dobrando uma
perna e se sentando sobre ela. — Vamos, conte logo!
Elas eram impossíveis mesmo.
— Tudo bem! Não dá nem pra viver em paz e ter segredos
nessa família.
— Não dá mesmo — retrucou Bárbara.
— Caetano e eu tivemos uma conversa meio... hum...
estranha, e quase nos beijamos.
— Que tipo de conversa estranha? — perguntou Lívia.
— Ele quer que a gente more junto. Eu disse que não
poderia, pelos motivos óbvios, já que tanto ele quanto eu
vamos ter uma família um dia, então surtou e disse que jamais
me deixaria colocar outro cara no lugar dele.
— No lugar dele? — repetiu Bárbara, confusa.
— Ao meu lado — respondi, tomando mais vinho.
Me sentia quente de vergonha. Falar com Bárbara sobre
Caetano era uma coisa, agora falar com Lívia, a irmã caçula
dele, era outra bem diferente.
— Rá! — gritou Lívia. — Eu sabia!
— Sabia o quê? — perguntei, confusa.
— Que ele não superou vocês dois.
Meu coração disparou, acelerando minha respiração.
— Não existe “nós dois”. — Fiz aspas com os dedos. — Já
temos um problema enorme pra enfrentar, não precisamos
acrescentar mais peso a ele.
Revirou os olhos.
— Deixa de ser boba! Que diferença vai fazer vocês
estarem transando ou não? De qualquer forma, nossos pais vão
descobrir isso... porque, sabe... tem a prova viva de menos de
um metro.
Passei a mão nos cabelos, ajeitando uma mecha atrás da
orelha.
— Ainda assim, vai ser bem mais fácil se for um caso
isolado. Uma única vez, consequências e... fim.
— Tenho que concordar com a Lívia — cortou Bárbara,
olhando para mim. — Não faz mais diferença, Mavie. As
pessoas vão comentar do mesmo jeito, tia Laís e Therêncio vão
descobrir de qualquer forma. Por que não aproveitar Caetano e
tudo o que ele pode oferecer?
Mordi as bochechas, verdadeiramente ponderando.
Só podia ser culpa do vinho e toda essa pressão delas.
Caso contrário, eu nem estaria cogitando esse absurdo.
— Eca! — Lívia jogou uma almofada em Bárbara. — Parem
de falar do meu irmão com essa... conotação sexual, por favor.
— Virou-se para mim, respirando fundo. — A verdade é que eu
te quero como cunhada, Mavie. E quero mais sobrinhos. Por
favor, seja uma boa menina e aceite as investidas do meu
irmão. — Piscou.
Revirei os olhos.
— Vocês são impossíveis!
Eu queria Caetano? Sim! Mas... não era tão fácil assim,
muitas coisas nos separavam. Além dos nossos pais, da ligação
das famílias e do bem-estar de Elouise, tinha todos os meses
que passamos separados. A minha mentira, a mágoa dele.
Enfim, inúmeras coisas. Não cederia só por causa do tesão,
sem pensar nas consequências, mais uma vez.
— Só sei que apoio — continuou Lívia. — E só falta tu pra
vir morar aqui. Até Laís está se mudando, vai ficar em Porto
Alegre sozinha?
E esse era um dos motivos da minha perda de sono
durante à noite.
— Vamos beber — induziu Bárbara, inclinando-se e
recolhendo a garrafa para encher as nossas taças. — Estou com
o coração partido, Mavie precisa tomar uma decisão e Lívia... —
olhou para ela. — Bem, tu não está sofrendo por nada, mas é
uma ótima conselheira. Vamos beber e afogar nossos
problemas.
— Sim, por favor — murmurei, estendo minha taça.
Não queria pensar em Caetano, em um possível futuro ou
no conflito que enfrentaríamos com os nossos pais. Eu só
queria mais vinho.

— Como pode uma coisinha tão minúscula ser tão parecida


contigo? — refletiu Leonardo, analisando Elouise.
Minha filha corria por entre os vinhedos, rindo e chutando
a terra, enquanto a seguíamos de perto.
Meu amigo cumpriu a promessa de vir conhecer minha filha
e eu, a de apresentá-la a ele. Leonardo estava em fase de
plantação na lavoura e, mesmo assim, encontrou um tempo
para vir me visitar.
Eu ri, pousando as mãos nos bolsos da calça e guardando a
chupeta de Elouise.
— Não sei como meu pai não percebeu, ou Lívia —
confessei, observando a menina.
— Acho que é difícil levantar uma possibilidade quando ela
é tão absurda — comentou. — Pensa bem, como é que passaria
pela cabeça deles que Elouise pudesse ser tua filha, quando
eles sequer sabiam que tu conhecia Mavie?
— Sim, é verdade.
— E como estão as coisas com ela, inclusive?
Tensas, estranhas, impossíveis...
— Não sei, cara — decidi falar a verdade. — Fiquei muito
puto com ela quando eu soube da Elouise, mas nunca deixei de
me sentir atraído. Queria que o nosso contato fosse por causa
da nossa filha, mas... com a proximidade, com ela todo dia na
minha casa, as coisas meio que mudaram. Esses dias ela deu a
entender que queria encontrar alguém e eu surtei. Sei lá. A
hipótese dela ter outra pessoa que não seja eu, de colocar um
homem ao seu lado, ao lado da minha filha, é absurda pra mim.
— Óbvio, sempre gostou dela. Ficou obcecado depois da
primeira noite. Nunca tirou a garota da cabeça, ainda mais
agora com Elouise e a possibilidade de formar uma família com
a garota que sempre desejou.
Elouise parou de frente para um cacho de uva, puxou uma
e colocou na boca, antes de pegar outra e começar a comer as
uvas sem parar.
— Não sei como os nossos pais iriam lidar com um possível
envolvimento, não que eu não queira... eu só não sei como
tratar essa situação.
— Mais envolvimento do que isso? — Apontou com o
queixo para a criança.
— Descobrir a verdade sobre Elouise é uma coisa, chegar
aqui e descobrir não só isso, mas um relacionamento meu e de
Mavie, é outra.
Encarei o horizonte, me perdendo em pensamentos por
alguns segundos. O vento batia nas videiras, balançando os
cachos de uva e as folhas. Era uma visão linda e costumava me
acalmar; onde eu me perdia quando criança, quando precisava
me afastar de tudo e todos para espairecer.
— Quer sinceridade? — refutou. Pisquei, voltando-me para
ele e acenei. — Vai dar merda de qualquer jeito. Therêncio não
vai se sentir menos enganado, ou Laís. Mavie escondeu a
verdade por tempo demais. Um relacionamento entre vocês
dois vai ser o menor dos seus problemas.
Por isso, eu não deixaria tudo recair sobre a guria. Se Laís
não tivesse criado a filha para pensar que ela deveria ser
autossuficiente em tudo e em qualquer coisa, nada disso teria
acontecido. Mavie perceberia que poderia contar comigo, que
não precisaria assumir todas as responsabilidades sozinha, que
pedir ajuda não significava fracasso. Mas isso era algo que
estava infiltrado nela e que, aos poucos, eu iria mudar.
Não era errado ela ser como era, mas também não
precisava ver tudo de forma tão sistemática.
Ele pousou uma mão no meu ombro e deu um aperto de
leve.
— Quer saber? Deixa as coisas fluírem. Se acontecer,
aconteceu. Vocês já tentaram se boicotar no passado e, mesmo
assim, a vida deu um jeito de uni-los de novo, então... só deixa
acontecer.
Ah, se fosse tão fácil.
Se eu não me sentisse duro feito uma pedra todas as vezes
que via Mavie desfilando de biquíni pela minha casa; se eu não
precisasse bater punheta como um moleque todos os dias no
banho, pensando nela; se eu não me sentisse tão atraído.
— E Ayla? — perguntei, mudando de assunto.
— Ela está muito bem — retrucou, rápido demais. — Eu
acho —acrescentou, puxando os cabelos castanhos para trás.
Leonardo estava sofrendo pela garota, era perceptível. Não
pude deixar de notar as mudanças nele.
Ele sempre foi do tipo robusto, mas agora havia uma
magreza em seu rosto que não estava lá antes. Os olhos azuis
penetrantes estavam turvos. A barba, sempre tão bem aparada,
agora lhe dava um ar mais selvagem, mais rústico, como se ele
não se preocupasse tanto com a aparência, como antes.
— Está diferente, Léo... — comentei. — Essa história com a
Ayla está te consumindo, não está?
Suspirou.
— Planejava me casar com ela, ter filhos, construir uma
família. — Passou a mão nos cabelos outra vez, em um gesto
exasperado. — Não consigo aceitar o fato de que ela ignorou
tudo isso, tudo o que vivemos, só por causa de um concurso.
— Se era o sonho dela... — comentei.
— Sonho? A guria não sabe os riscos que vai correr?
Droga, ela vai entrar na mira de bandido, colocar a vida em
jogo.
Pousei a mão no ombro dele, forçando-o a se virar para
mim.
— Tchê, para com isso — murmurei, comprimindo os lábios,
antes de continuar: — Ter filhos, se casar e tudo mais pode ser
o teu plano, mas não era o plano dela. Não pode julgá-la por
isso. Se Ayla quer ser policial, se sempre sonhou, deixe ela
seguir esse caminho. Sei que ela estudou pra caramba, se
esforçou muito pra passar no concurso. Os caminhos de vocês
são diferentes, encontre uma mulher que tenha os mesmos
desejos que os teus.
Estava na hora de ele seguir adiante. Foram anos de
relacionamento, a separação deve ter sido sofrida para Ayla
também, mas como ela poderia ficar com alguém que não
conseguia aceitar as escolhas dela? Se era a polícia que ela
queria, era o que deveria seguir.
Ele esboçou um sorriso triste.
— Eu sei — concordou comigo. — Vou superar, acredite. Só
preciso de um tempinho. Foram muitos anos de
relacionamento, muitos planos que não vão se concretizar...
uma hora, sei que vou ficar bem.
Se eu, que nunca tive mais do que uma simples noite com
Mavie, sofri quando descobri que ela era filha da namorada do
meu pai, porque não poderíamos continuar juntos, imagina
Leonardo, que teve todo um relacionamento com a guria?! O
amor era difícil pra caramba e só era bonito quando
correspondido. Do contrário, era uma bela bosta.
— Não perca a oportunidade, Caetano — ciciou depois de
algum tempo. — Se eu pudesse ter Ayla de volta, se tivesse
mais uma oportunidade com ela, eu abraçaria essa segunda
chance — aconselhou enquanto voltava a caminhar, afastando-
se de mim.
Fiquei imóvel por alguns segundos, absorvendo as
palavras.
Se fosse tão fácil assim, eu com toda a certeza seguiria
esse conselho.
Cheguei em casa carregando uma Elouise muito sonolenta
nos braços. Avancei para dentro, estranhando o silêncio que
perpetuava pelo local.
Lívia e Bárbara viriam fazer companhia para Mavie, pensei
que quando eu chegasse, elas estariam em festa, bebendo
todas e... seja lá o que mais elas faziam nesses encontros.
Caminhei até o quarto e coloquei Elouise no berço,
depositando-a com cuidado para não acordá-la.
Mavie também não estava no quarto.
Vaguei pela casa, procurando-a em todos os cômodos, até
mesmo no meu quarto, mas não a encontrei em lugar algum.
Comecei a questionar a possibilidade dela ter saído com Lívia e
Bárbara para algum lugar. A boate em que nos conhecemos
estava a todo o vapor, oferecendo outra noitada para a cidade.
Puxei a gola da minha camiseta de linho, como se ela
estivesse me sufocando.
Imaginar Mavie na boate, com outro homem tocando nela,
me deixava sem ar. Respirei fundo, com calma, tentando
controlar meus batimentos erráticos.
Ela não faria isso... ou faria?
Parei no meio da cozinha, o peito subindo e descendo em
rápidas sucessões. Eu costumava ser um homem calmo,
reflexivo, que agia na base da razão e não da emoção. Mas isso
nunca dava certo quando se tratava de Mavie Hoffmann, a
garota que sabia como foder com a minha mente.
Ouvi um barulho na piscina. Em alerta, acelerei os passos
até lá, encontrando Mavie nadando sozinha, apreciando a lua e
a paisagem.
— Mavie — chamei, como se ela fosse uma miragem e
fosse desaparecer a qualquer segundo.
Ela se virou para mim e mordeu os lábios, nadando para
perto da borda em que eu estava.
— Pensei que tivesse saído — comentei, sem conseguir
desviar os olhos dela.
Balançou a cabeça em uma negativa, aproximando-se cada
vez mais.
— Bárbara e Lívia foram para uma festa, mas resolvi ficar
— disse, segurando-se na escada e saindo da água.
Ela usava o mesmo maldito biquíni preto do outro dia. Ele
era tão minúsculo. Quem vendeu para ela deveria ser preso,
por atentado ao pudor.
Pigarreei, desviando o olhar.
— Por quê? — perguntei, embora estivesse aliviado com a
sua desfeita.
— Porque sou mãe.
Ela parou ao meu lado e colocou as mãos na cintura,
erguendo o rosto para me encarar.
— Mas eu estava com Elouise. Não precisava se preocupar
com isso.
Balançou a cabeça.
— E porque não gosto de festas e queria estar aqui
contigo.
Jogou-se sobre mim, o corpo molhado encharcou a minha
roupa, mas eu não poderia me preocupar menos com isso.
Segurei a cintura fina, sem saber como agir.
Os seios estavam pressionados contra o meu peitoral,
ganhando uma visibilidade que... me deixava sem ar. Ela
agarrou o meu pescoço e me puxou para baixo, forçando meu
rosto contra o dela.
Meu pau ganhou vida, endurecendo e marcando minha
calça.
Segurou o meu lábio inferior por entre os dentes, sugando-
o. Um gemido escapou de mim, e eu a puxei para mais perto,
pousando uma mão na bunda arrebitada, agarrando-a.
Abri a boca, empurrando minha língua para dentro dos
lábios dela, desesperado para senti-la de novo, para relembrar
do beijo que me atormentava desde então.
Ela sorriu e se esfregou contra mim, sentindo meu pau
duro bater na barriga lisa. O sorriso aumentou.
— Não é imune a mim — comentou.
— E quem, algum dia, disse que eu era? — Nossas testas
se tocaram e dividimos o mesmo ar.
Ela cheirava a álcool e vinho.
— Pensei que me odiasse pelo que fiz.
— Fiquei muito puto, sim. Mas odiar? Nunca — sussurrei,
plantando um beijo na testa molhada. — Evitei sonhar com
isso, evitei pensar em ti, te joguei para o canto mais remoto da
minha mente, marcando-a como assunto proibido.
Deslizou as mãos pelo meu peito, dedilhando os músculos
por cima do tecido da camisa.
— E já me perdoou?
Agarrei os cabelos molhados com a mão em punho e puxei
o pescoço para trás, olhando-a no fundo dos olhos.
— Meu pai sempre foi maravilhoso para os filhos, Mavie.
Depois que a minha mãe morreu, ele deu tudo de si para a
nossa criação. Antes de acabar com a felicidade dele, eu
destroçaria o meu coração. Então entendo todo o receio que
sentiu, todo o medo que passou pela tua cabeça quando
decidiu manter Elouise para si. — Deslizei o polegar na pele
molhada e arrepiada. — Estava grávida, assustada e sozinha.
Eu jamais rejeitaria a minha filha, mas como é que tu saberia
disso, se mal nos conhecíamos?
— Parece que pensou bastante no assunto — comentou.
— Sim, pensei — confirmei. — Tentei colocar minhas
emoções de lado para o bem de Elouise. E, com isso, consegui
pensar com coerência sobre as tuas decisões.
Eu a soltei, dando um passo para longe.
— Nenhum remorso, nada de rancor?
Neguei.
— Nada.
Ela fez um bom trabalho com Elouise, e isso por si só já me
deixava grato. Era uma mãe exemplar, e eu estava aprendendo
a amar mais essa qualidade nela.
Era melhor deixar o passado no lugar dele, ou seja: no
passado. Mavie e eu ainda tínhamos um longo caminho a trilhar
pela frente, muita coisa para enfrentar e para decidir.
Aprendi bem cedo que a gente nunca sabia como seria o
dia de amanhã. Minha mãe foi ao hospital toda feliz, para ter a
minha irmã. Ela nunca voltou, nunca conheceu a filha. Por isso,
jamais deixaria com que minhas emoções me dominassem, que
a mágoa me tirasse a oportunidade de viver coisas novas.
Cambaleou para perto de mim, jogando-se em meus braços
outra vez.
— Será que nós podemos? — Fez um gesto com a mão,
apontando entre nós dois.
Um sorriso surgiu nos meus lábios.
— Ah, com toda a certeza nós podemos, mas não hoje.
— E por que não? — Fez um bico perfeito com a boca.
Agarrei o rosto dela com delicadeza e me inclinei, roçando
os nossos lábios.
— Porque quando eu te foder de novo, não quero que
esteja bêbada. Quero que esteja bem ciente de tudo que vou
fazer contigo — sussurrei, meu pau pulsando na calça.
Fez um barulho com a garganta, choramingando.
— Estou bem ciente agora.
Soltei uma gargalhada e a puxei para dentro de casa.
— Não o suficiente para mim.
Óbvio que tinha algo errado com ela. Mavie, em sã
consciência, jamais teria se jogado nos meus braços e
suplicado para ser fodida. Ela era envergonhada demais para
isso.
— Consegue tomar banho sozinha? — questionei,
arqueando uma sobrancelha.
Se desfez do meu toque, afastando-se.
— É claro que consigo. — Bufou. — Estou bem sóbria para
isso, só não estou para transar, pelo visto.
Uma veia pulsou ao lado do meu pescoço, conforme eu
fazia todo o esforço do mundo para não a agarrar, fazendo
exatamente o que ela queria e o que eu precisava.
— Sabe que... se isso acontecer, algumas coisas vão mudar.
Não quero que tome essa decisão induzida pelo álcool, Mavie.
Quero que esteja totalmente ciente do que acontecerá e do que
significará.
Ah, se ela soubesse o quanto eu queria. E como eu entraria
correndo no meu box, agarraria o meu pau e me masturbaria,
imaginando a boceta dela, a boca ao redor dele...
— Tudo bem — cedeu, empurrando os cabelos molhados
para trás dos ombros. — Só quero que saiba que está perdendo
uma grande oportunidade, talvez amanhã eu mude de ideia e...
vá atrás de outro — provocou, deslizando a língua pelos lábios.
Avancei até ela em poucos passos, em um movimento
brusco. Puxei-a pela nuca, fechando a mão ao redor do pescoço
fino e delicado. Meus olhos brilhavam, cheios de malícia e
raiva.
— Nunca mais ouse falar em tocar outro homem na minha
frente — sibilei, entredentes. — Já disse isso uma vez, não vou
avisar de novo.
Piscou, os olhos anuviados pelo tesão.
— É mesmo? E vai fazer o quê?
Toquei seus lábios com os meus, colocando a língua para
fora, lambendo-os, antes de me afastar.
— Não vou cair na tua — sussurrei, mordiscando de leve a
pele do queixo e curva do pescoço enquanto falava. — Não
hoje, pelo menos. Mas não acione de novo esse gatilho em
mim, Mavie. Ou eu vou me esquecer completamente dos bons
modos com os quais o meu pai me criou.
— Hum... — gemeu, exasperada. — Isso não seria uma má
ideia.
Prendi o lábio inferior por entre os meus dentes, tendo só
mais um gostinho dela. Me afastei, usando todas as minhas
forças para fazer isso.
— Vá para o quarto, tome um banho e durma. Vou ficar
com a porta aberta, caso Elouise chore.
Eram muito raras as vezes em que ela acordava durante a
noite, mas não impossíveis, e Mavie não parecia ter condição
alguma de cuidar da filha assim.
Levantou um dedo em riste.
— Só pra deixar bem claro, só bebi porque sabia que teria
tu para cuidar dela. Não costumo fazer isso quando estou
sozinha.
— Nunca pensei o contrário.
Deu de ombros.
— Só imaginei que seria bom... reiterar.
— Já disse, Mavie. Estou aqui agora e não vou a lugar
algum. Pode contar comigo com o que quiser, com o que
precisar. Elouise é minha responsabilidade também.
— Eu sei, eu sei — repetiu, virando-se e caminhando em
passos cambaleantes para o quarto.
Esperei mais um momento. Ela escorou a porta, não
fechou. Me aproximei do corredor e aguardei, cedendo só no
momento que ouvi a água do chuveiro caindo. Ela ficaria
melhor depois do banho.
Rindo e de pau duro, caminhei para o meu quarto.
Estávamos atravessando uma linha que não teria volta,
ultrapassando um limite que foi imposto por nós mesmos anos
atrás. De alguma forma, isso não me incomodava no momento,
não parecia mais ser uma ideia terrível.
É, as coisas estavam mesmo mudando.
Acordei no outro dia sentindo uma iminente vontade de
morrer.
Elouise não estava no berço. Havia sido recolhida em
algum momento por Caetano, que eu não vi ou simplesmente
ignorei.
Eu só queria... ficar na cama pelo resto da minha vida,
nunca mais olhar na cara do Caetano ou... voltar no tempo e
agir diferente, não como uma doida, tarada e desesperada por
sexo.
Meu Deus, que vergonha!
A cada vez que eu me lembrava da cena, pior parecia ficar
e mais vergonha eu sentia. Era uma desgraça, simples assim.
Não seria eu quem tocaria no assunto com ele, seguiria
bem plena. E, se ele perguntasse, colocaria a culpa na amnésia
alcoólica.
Todo mundo já fez isso um dia.
Empurrei o lençol para o lado e me levantei da cama, me
arrependendo quase imediatamente. Minha cabeça girou e
pequenas fisgadas atingiram minhas têmporas.
— Inferno de álcool — gemi, pressionando os dedos na
testa, como se fosse ajudar a amenizar a dor. — Lívia que não
me venha mais com suas ideias mirabolantes.
Me arrastei até o banheiro e me enfiei debaixo do chuveiro,
deixando a água cair pelo meu rosto, em uma tentativa de
amenizar os estragos de ontem à noite.
Terminei de me arrumar, colocando um vestido soltinho e
curto. Escovei os cabelos molhados que pingavam em meus
ombros e saí do quarto. Meus pés tocavam o chão causando o
menor impacto possível, sem emitir som algum.
Eu não estava tentando me esconder, mas também não
queria ser... encontrada. Não sabia bem como lidar com
Caetano depois do que aconteceu.
Sair do quarto tinha sido uma péssima ideia, eu deveria
ficar na cama.
Entrei na área da cozinha e sala, prendendo a respiração.
Avistei Caetano na sala com Elouise. Cruzei os braços em
frente ao corpo e me aproximei, a vergonha da noite passada,
que me consumia, se esvaía com a imagem deles.
Caetano estava sentado no sofá, de olhos fechados,
enquanto Elouise passava maquiagem em seu rosto. Havia uma
mistura de tonalidades: rosa, verde, roxo e azul. A boca dele
estava toda rabiscada de vermelho. E ele tinha... rabicós
coloridos nos cabelos bagunçados.
Mordi as bochechas, segurando a risada.
— Bom dia — pronunciei.
Ele abriu um olho e virou o rosto para mim. Um sorriso se
espalhou pelo rosto pintado.
— Bom dia — respondeu, virando-se para Elouise, que
esfregava um pincel na bochecha dele. — Veio participar do
salão de beleza da Elouise? — indagou, fazendo cócegas na
menina, que começou a rir e se esquivar.
Senti um orgulho bobo dele, de como era um bom pai. A
menina que habitava em mim, que sempre sonhou em ter isso
na infância, gritava e saltitava.
Era ele!
O cara certo para mim, para a minha filha.
— Acho que ela é uma maquiadora muito... requisitada,
não sei se consigo vaga assim, tão em cima da hora. — Me
ajoelhei na frente dela, sem conseguir parar de sorrir. — Me
diga, Elouise, tem horário para atender a mamãe?
Virou-se para mim, sem soltar o pincel rosa.
— Mamãe — pronunciou, certinho, voltando-se para o pai.
Anuí e me levantei, cruzando os braços em frente ao corpo.
— Acho que preciso de mais brilho, não é, filha? — disse
ele, pegando um pouco de purpurina e espalhando na própria
testa.
Elouise gargalhou, e Caetano sorriu.
Não era a maquiagem toda borrada que capturava o meu
coração; era a ternura infinita nos olhos de Caetano, a maneira
como ele olhava para Elouise com um amor tão palpável, tão
profundo, que me fazia questionar como alguma vez duvidei de
que ele seria um bom pai.
Limpei a garganta embargada.
— Ela já tomou café da manhã? — perguntei.
— Sim — confirmou ele, imóvel, deixando Elouise terminar
a obra de arte que estava fazendo em seu rosto. — Ela estava
choramingando mais cedo e tu... não parecia que iria acordar,
então eu a peguei.
Pigarreei.
— Hum... tudo bem. — Apontei para a cozinha. — Vou
tomar um café. Quer alguma coisa?
Aceno.
— Pode colocar água para esquentar pra mim? Vou fazer
um chimarrão [iii] .
— É claro.
— Também tem carne em cima da pia, vou fazer um
churrasco agora, ao meio-dia. Lívia vai vir... — ficou em silêncio
— bom, se ela sobreviveu à noite de farra de ontem. Tem
notícias dela ou de Bárbara?
— Para falar a verdade? Nenhuma. Vou enviar uma
mensagem pra elas agora.
Comecei a respirar aliviada, agradecendo aos céus que ele
não tenha tocado no assunto de ontem à noite. Caetano estava
tentando ser... educado. Ao menos, era isso que eu imaginava.
Corri para a cozinha e preparei um café para mim. Bem
cafeinado e muito forte. Era disso que eu precisava.
Traria de volta a dignidade que perdi? Não! Mas pelo
menos ajudaria a aliviar os sintomas da ressaca.
Coloquei a água de Caetano para esquentar e me recostei
no balcão, observando-os de longe.
Caetano estava sem camiseta, vestindo somente uma
bermuda solta. Admirei os músculos definidos do abdômen e a
tatuagem nova que marcava a pele abaixo da costela. Era uma
frase que eu ainda não tinha conseguido parar pra ler. Não me
lembrava dela no passado.
Ele estava tão gostoso, parecia que o tempo só vinha
fazendo bem para ele, como se ficasse mais gato com o passar
dos anos.
Elouise parecia estar tão feliz, se divertindo com o pai. A
única figura masculina que ela tinha era Therêncio, e ele nunca
foi tão... ativo nas brincadeiras com ela. Em compensação, eu,
Bárbara, tia Luísa, mamãe e Lívia fazíamos de tudo para suprir
qualquer necessidade que ela sentisse. Mas, vendo-os agora,
percebo o quão importante é esse momento dos dois, a
conexão que estão estabelecendo, o vínculo de pai e filha.
Um suspiro entrecortado separou os meus lábios.
Assim, de frente um para o outro, a semelhança era
assustadora. O mesmo formato de nariz, o mesmo tom de pele,
a mesma coloração dos cabelos. Elouise era uma miniatura de
Caetano.
Meu coração transbordava de amor com a cena.
Não era só o orgulho do pai que Caetano estava se
tornando, mas também algo a mais... algo que batia bem no
fundo do meu ser, um sentimento novo, que aflorava a cada
dia, a cada momento como esse. Algo que deveria ficar
adormecido, mas que eu não conseguia controlar.
Elouise esfregava o pincel na paleta de maquiagem infantil,
antes de salpicar no rosto de Caetano. As cores se misturavam,
e ela parecia adorar justamente isso.
— Pa... pai — murmurou, a palavra soando entrecortada,
conforme testava essa nova pronúncia.
Fiquei rígida, mantendo a xícara quente entre as minhas
mãos.
Caetano ficou imóvel, de olhos arregalados. Uma exalação
saiu dele, como se não pudesse acreditar no que tinha acabado
de ouvir.
Ele virou a cabeça para mim, tão lento. Tinha vontade de
rir toda vez que olhava para o rosto pintado, um homem de um
metro e noventa, todo musculoso e rabiscado, mas o momento
era impactante demais para isso.
— Ouviu isso? — sibilou, em tom esganiçado.
Sorri para ele e acenei.
— Acho que ela finalmente aprendeu.
Ele se voltou para a filha, espalmando as mãos na cintura
dela. Inclinou-se, alinhando os rostos.
— Repete, filha. Papai — pediu, os olhos brilhavam com
lágrimas não derramadas, de pura emoção. — Diga, meu amor:
pa-pa-i.
Elouise sorriu, mostrando a fileira de dentinhos brancos e
alinhados.
— Pa... pai — repetiu, achando a maior graça na nova
pronúncia que aprendeu.
Caetano gorgolejou e se jogou para trás no sofá, como se
não pudesse controlar o misto de emoções que sentia.
Impactado demais, totalmente perturbado.
— Ela... ela aprendeu a me chamar — ciciou, encarando o
teto. — Nunca pensei em como me sentiria quando isso
acontecesse. É... é demais pra mim.
Sorrindo, me aproximei deles, sentando na borda do sofá.
Pousei a mão livre sobre a coxa torneada, dando um pequeno
aperto reconfortante.
— Sei como é, fiquei bem assim quando ela me chamou da
primeira vez. — Respirei fundo. — Ela te ama, Caetano. Ela te
reconhece como pai.
Ajeitou-se, balançando a cabeça. Os lábios comprimidos,
como se não conseguisse falar.
— Porra, estou emocionado — crispou, passando a mão nos
cabelos bagunçados, esquecendo-se por um momento da
quantidade de rabicós coloridos que prendiam as mechas.
— Ela aprende tudo. Pare de falar palavrão na frente dela
— grunhi, revirando os olhos. — Isso é mal de família —
comentei, me lembrando de todos os puxões de orelha que já
dei na Lívia por ter essa mesma atitude.
— Tem razão. Me desculpe. Preciso lembrar que sou pai e
que tenho que dar um bom exemplo pra minha filha.
Em um movimento, ele se levantou do sofá, erguendo
Elouise pela cintura, girando-a no ar. Ela gritou e gargalhou,
amando a festa que ele fazia com ela.
— Elouise Hoffmann Rossi — murmurou. — Os sobrenomes
combinam contigo, minha filha. Um nome forte.
Eu já tinha feito essa comparação várias e várias vezes,
mas gostava de ver como a pronúncia saía dele, como emitia
cada palavra com emoção, amor e orgulho.
Ele a soltou no chão e ficou em pé, observando-a.
— Às vezes, não consigo acreditar que tenho uma filha.
Eu ri.
— Acredite, isso é bem normal. Às vezes, nem eu acredito.
E ela nasceu de mim.
Sentou-se ao meu lado no sofá e me encarou.
— Me conte: como foi a gestação? Como foi o parto?
Sorvi um gole de café, refletindo sobre o passado.
— A gravidez foi tranquila, parece que passou rápido
demais, porque descobri meio tarde. — Dei de ombros. — Quer
dizer... estava desconfiada, mas só aceitei o fato quando os
dois tracinhos rosas no exame confirmaram. Tive apoio de todo
mundo, minha mãe se tornou superprotetora, ficava em cima
de mim o tempo todo, cuidando da minha alimentação,
perguntando se eu estava me sentindo bem. Enfim, tudo
tranquilo, nada para reclamar.
— Fico feliz que tenha sido assim — comentou, observando
a filha. — Já ouvi falar que uma gestação tranquila é muito
importante para a saúde do bebê. Não sei se é verdade.
— O parto foi... terrível — confessei, soltando uma risada
esganiçada. — Juro. Tive parto normal por opção minha e,
como eu tinha dilatação, deu tudo certo. Mas... foram horas
intermináveis de uma dor excruciante. Me arrepio só de
lembrar.
Ele arregalou os olhos.
— Quem estava contigo?
— Minha mãe não saiu do meu lado em momento algum.
Mas... é bem estranho, a dor passa assim que a criança nasce.
— E depois?
— Depois, fica tudo bem. Acho que é essa a vantagem, dor
antes e paz depois do nascimento, enquanto com a cesárea é o
contrário.
— Por que quis o parto normal?
— Sinceramente? Não sei. Elouise teria que sair de um jeito
ou de outro. E isso me assustava pra caramba, então escolhi o
que achei ser a solução mais fácil.
Ele riu, balançando a cabeça.
— Queria ter estado presente para te ajudar.
Arrastei a mão até a dele, cobrindo-a com a minha.
— Mas agora tu está, e é isso que importa.
Um brilho diferente piscou em seus olhos enquanto ele me
encarava. Parecia ser uma promessa, algo que remetia ao
nosso futuro. Ele abriu a boca, mas a fechou bem rápido,
desistindo do que quer que iria falar.
— Sim — disse somente, voltando-se para Elouise.
Mas só isso foi o suficiente para disparar o meu coração.
O que ele quis dizer? Quais eram as promessas?
Eu não insistiria, assim como ele não insistiu comigo sobre
o vexame de ontem. Um passo de cada vez.
Terminei de dobrar as roupas que recolhi da lava e seca,
separando-as em pilhas entre as minhas, de Caetano e de
Elouise.
Entrei no meu quarto sem fazer barulho algum, temendo
acordá-la de seu sono profundo no berço. Ao terminar, corri
furtivamente para fora.
Recolhi a pilha de Caetano e me direcionei para o quarto
dele. A porta estava escorada.
— Caetano? — chamei. Ele não respondeu.
Empurrei a porta levemente, aumentando a fresta.
— Caetano? — chamei de novo, e nada.
Respirando fundo, avancei para o quarto, encontrando-o
vazio. O barulho do chuveiro ligado, assim como vapor,
exalavam pela porta aberta do banheiro anexo.
Com cuidado, depositei as roupas dobradas em cima da
cama e me virei, me preparando para sair, mas não consegui
dar mais do que dois passos. A curiosidade, a vontade de
espiar, embora fosse completamente errado, parecia corroer
dentro de mim.
Bom... não era tão errado assim. Não seria nada que eu já
não tivesse visto antes.
Mordi os lábios enquanto, dentro da minha cabeça, uma
voz me condenava e a outra me induzia a seguir em frente.
Ah, dane-se! Eu já tinha feito coisa bem pior, como, por
exemplo, quase suplicar bêbada para ele me foder.
Com o coração acelerado, me virei de costas e deslizei sem
fazer barulho algum em direção ao banheiro. Me segurei na
parede, sentindo que eu poderia desmaiar a qualquer segundo
de tanto medo.
Respirei fundo, apertei os olhos e me preparei.
Inclinando-me, coloquei a cabeça na direção da porta
aberta.
Meus lábios se descolaram com a visão. Pressionei as coxas
uma contra a outra, com força. Um suspiro entrecortado exalou
de mim.
Caetano estava de lado, a água escorria sobre o corpo. A
cabeça erguida, os olhos fechados.
Observei os músculos definidos dos braços, descendo o
olhar mais e mais. Uma mão estava escorada contra a parede
da frente e o corpo levemente curvado, enquanto a outra
segurava o pau duro, movimentando-se para frente e para trás.
Um gemido escapou dele.
Calor trepidou pelo meu corpo com a visão dele se
tocando, se masturbando.
O homem não tinha uma célula de gordura no corpo, ele
era todo duro, todo definido, todo forte. O resultado de anos de
trabalho duro, de dedicação à musculação.
O braço se movimentava em vaivém, acelerando os
movimentos a cada segundo. Os dedos estavam fechados ao
redor do pau duro, bem pressionados.
Encarei os músculos das pernas enrijecidos, conforme ele
se dava prazer.
Passei a língua nos lábios, admirando a cena, morrendo de
vontade de entrar no box e lamber cada gota que escorria pelo
corpo esculpido.
Mas eu não podia fazer algo tão idiota assim e ser
descoberta.
Tapei minha boca com uma mão, suprimindo um suspiro
que exalou do meu corpo.
A cena era tão quente, tão sexy.
Minha calcinha molhada roçava contra a minha pele, me
causando desconforto.
Caetano continuou se masturbando, alheio a mim.
Mordendo as bochechas, deslizei uma mão pelo meu corpo,
pousando no meio das minhas pernas.
Fechei os olhos, me lembrando dele. De como me tocou,
me reverenciou na noite que passamos juntos. Porque, se tinha
algo sobre Caetano, era que, quando fodia uma mulher, ele não
se limitava a somente isso. Ele a adorava, reverenciava-a, e se
tornava inesquecível.
Durante todos os meses, sempre que me toquei, foi nele
que pensei. Ninguém mais dominou os meus pensamentos. Era
como se ele tivesse me estragado para o mundo.
Subi o meu vestido e empurrei a calcinha para o lado,
deslizando os dedos pelo meu clitóris, de um lado para o outro,
me estimulando.
Uma onda de prazer me atingiu, aumentando conforme o
ritmo que eu me acariciava.
Me lembrei de como ele me tocou naquela noite, de como
os dedos dele me invadiram, me preparando para ele.
Apertei os dentes com força, rangendo a mandíbula.
Um arrepio atravessou minha coluna, eriçando os meus
pelos.
Abri os olhos e encarei Caetano, observando a forma como
sua mão se movia pelo pau grande e duro, a cabeça rosada que
parecia pulsar, as veias que saltavam ao redor, desenhando-o.
Era sexy pra caralho e perturbador, ao mesmo tempo. Eu
parecia uma stalker , observando-o se tocar, assim como eu
também fazia em mim.
Mas eu não conseguia controlar o tesão, o desejo profundo
e absoluto. E bem ali, a alguns metros, estava o alvo de todo o
meu desejo.
— Mavie... — ele suspirou, entoando o meu nome como se
rogasse por mim.
Era demais.
Assim como eu estava pensando nele, era em mim que ele
pensava enquanto se tocava.
Meu coração trovejou, como um idiota esperançoso,
ignorando todas as nuances do que isso significava, do que
representava, fossem elas boas ou ruins.
Mordi o dorso da mão quando o primeiro espasmo do
orgasmo me atingiu. Aumentei meus movimentos, pressionando
o clitóris com mais força e acelerando o ritmo.
Me desmanchei em um orgasmo tão forte que precisei me
escorar contra a parede, com medo de que as pernas
falhassem.
Caetano urrou, veias saltaram aos lados do pescoço, a
mandíbula enrijeceu e os músculos das pernas se contraíram,
quando o seu gozo atingiu a parede do box.
Soltou o pau, pousando as duas mãos na parede, sem abrir
os olhos. Os ombros sacolejavam com o ritmo apressado da
respiração, enquanto tentava se acalmar.
Removi a mão do meio das pernas, lancei a ele um último
olhar e corri para fora do quarto, me segurando na parede para
manter o equilíbrio afetado.
Precisava de um banho e de cama. Se eu encontrasse
Caetano agora, ele veria na minha cara que tinha algo de
errado. Eu não conseguiria esconder, mesmo se tentasse.
Ao entrar no meu quarto, fechei a porta com delicadeza
para não acordar Elouise e avancei para o banheiro, me
trancando ali dentro. Me escorei contra a porta e soltei uma
gargalhada.
Que porra eu tinha acabado de fazer?
Balancei a cabeça, sem conseguir parar de rir.
Mordi o lábio inferior, mostrando um sorriso ao me lembrar
de como ele citou o meu nome e de como gozou em seguida.
Me empurrei para longe da porta, removendo minhas
roupas, sem conseguir parar de sorrir.

Consegui ignorar Caetano pelo dia todo depois do que


aconteceu no quarto dele. Precisava dessas horas para
espairecer, ou não conseguiria fingir.
Graças ao bom Deus, ele teve uma reunião bem cedo na
segunda de manhã e, quando me levantei, ele já tinha saído.
Mas não sem antes deixar a mesa pronta para mim e Elouise,
com algumas flores frescas que ele colheu de algum jardim da
vinícola e um bilhete:
Mavie, preparei um café da manhã para vocês duas. Espero
que gostem. Comecem o dia sabendo que vocês são o
primeiro pensamento da minha manhã e meu maior
presente.

Com amor,
Caetano.

E eu fazia, todo santo dia, a mesma pergunta: como não se


apaixonar por esse homem? Era algo meio que impossível.
Ele era um pai incrível, um homem carinhoso, amoroso.
Droga, ele era o maior cavalheiro que eu conhecia. Em todos os
meus anos de vida, nunca encontrei alguém como ele. Um
gentleman puro.
Suspirei, parecendo toda boba e apaixonada ao me
lembrar.
Sequei meus cabelos com uma toalha, enxugando a água e
avancei em direção à cozinha.
Era final de tarde e eu precisava fazer o jantar. A casa
estava organizada depois da visita de dona Domênica. Ela era
maravilhosa e discreta. Não fez pergunta alguma sobre o
motivo de eu estar na casa de Caetano, mesmo sabendo quem
eu era e o quão estranho isso poderia parecer.
Entrei na cozinha e encontrei Caetano deitado no sofá com
Elouise. Ela estava escorada contra o peito dele, os dois
estavam estirados, assistindo TV.
Ele levantou a cabeça e olhou para mim.
— Essa guria é insuportável. Como alguém teve coragem
de criar um desenho desses? — perguntou, apontando para a
televisão.
Pousei a toalha no encosto da cadeira e me virei para eles.
— Acho que a moral é ela fazer um inferno da vida do urso.
Isso gera história e, consequentemente, agrada os
telespectadores, como Elouise.
Puxou os cabelos para trás.
— Ela fica o tempo todo: “vamos brincar?” — Afinou a voz,
tentando imitar a garotinha do desenho.
Soltei uma gargalhada extravagante.
— Por Deus, Caetano. Deixe a pobre da Masha em paz —
zombei.
Elouise nem se mexia, os olhos vidrados na televisão. A
cabecinha deitada no peito do pai. Ela segurava a naninha nas
mãos, com a chupeta na boca.
— Não tenho culpa se ela é muito chata.
Apontei para Elouise com o queixo.
— Mas ela adora.
— Eu poderia tentar mostrar outros desenhos melhores pra
ela, como Pica-pau, Tom & Jerry...
— Pode tentar, mas duvido que dê certo — avisei, retirando
uma panela de dentro do balcão e depositando-a no fogão. —
Já tentei de tudo, mas ela gosta mesmo é de ver a Masha
infernizar a vida do pobre urso.
— Só sei sentir pena dos animais da floresta — comentou,
voltando-se para a televisão. — Se eu fosse algum deles, já
teria me mudado.
— E aí não teria desenho — zombei.
— Muito melhor do que aguentar essa criança chata.
Soltei uma gargalhada.
— Isso porque ainda não viu o episódio do aniversário dela
— murmurei, balançando a cabeça. — Depois que eu assisti,
nunca mais questionei Bárbara por ser apegada aos
aniversários.
Ele ajeitou Elouise no sofá e se levantou, caminhando na
minha direção. Parou ao meu lado, me encarando.
— Falando em aniversário, tem um se aproximando, não?
— murmurou, sorrindo.
Bufei, concentrada em cortar o tomate que usaria para
fazer o molho do jantar.
— Nada que seja importante.
— E como não é importante, se é o teu aniversário? —
retrucou.
— Capaz! — zombei, revirando os olhos.
Eu ainda não tinha coragem de olhar muito tempo para ele,
as imagens de um Caetano muito pelado, com o pau na mão,
invadiam a minha mente, me deixando envergonhada e
vermelha feito um pimentão.
— Vamos fazer algo, tu querendo ou não. — Cutucou o
meu braço, me fazendo olhar para ele.
Balancei a faca, brincando.
— Está mesmo me ameaçando, quando quem segura uma
faca sou eu? — questionei, arqueando uma sobrancelha.
— Ah, mas não seria capaz de fazer nada comigo.
— É mesmo? E quem te disse isso?
Inclinou-se, aproximando o rosto do meu. A sombra de um
sorriso surgiu em seu rosto e os olhos brilharam em diversão.
— Como viveria sem essa pessoa incrível na tua vida? —
debochou, recolhendo um pedaço de tomate da tábua e o
jogando na boca. — Além do mais, não é só o meu rostinho
atraente que te agrada.
Por um momento, eu não fiz exatamente nada. Fiquei sem
reação, imóvel, sem nem mesmo conseguir respirar.
Ele sabia de algo? Ele me viu?
Meu Deus, eu me jogaria na piscina.
Pigarreei. Me inclinei para trás, verificando se Elouise
estava concentrada no desenho, antes de murmurar:
— Do que é que tu está falando?
Soltou uma risada cheia de escárnio.
— Esqueceu que, na outra noite, estava por aí bêbada e
querendo o meu pau? — sussurrou, baixinho, para que só eu
pudesse ouvir.
Fechei os olhos e respirei fundo.
Pensei que ele tivesse se esquecido dessa vergonha alheia,
que ele seria educado demais para tocar nesse tipo de assunto.
Mas não.
— Eu juro, Caetano, que se ficar zombando de mim por
isso, vou te gravar na próxima vez que ficar bêbado e espalhar
pra família toda — ameacei.
Ele teve a cara de pau de dar de ombros.
— Não estou zombando de ti, só me oferecendo para
cumprir com esse teu desejo tão... fervoroso.
Fiz um barulho com a garganta.
— Argh , só cale a boca.
Gargalhou alto e forte.
— Tudo bem, vamos esquecer isso, se fica mais
confortável. Mas minha oferta está de pé. Estou bem aqui,
totalmente disponível.
— Uhum... — Bati a faca na tábua ao cortar o tomate com
força exagerada, tentando me dispersar dele.
Ah, se ele soubesse o que fiz, o que vi... Não! Pare de
pensar nisso, pelo amor de Deus.
— Está... ficando vermelha, Mavie? — perguntou,
estreitando o olhar sobre mim. — Qual é o problema?
Para a minha sorte, ele pensava que a vergonha era pela
bebedeira, e não pelo momento em seu quarto, que ele nem
sabia que tinha acontecido.
— Afinal de contas, como é que sabe a data do meu
aniversário? — Mudei de assunto, antes que eu não
conseguisse segurar minha língua.
— Meu pai costumava falar muito sobre a família... —
murmurou, pensativo. Recostou-se no balcão ao meu lado e
cruzou os braços em frente ao corpo. — Eu ignorava a maioria
das coisas, não queria saber nada sobre ti. Mas... algumas
informações, acabava guardando. E isso inclui tua data de
aniversário. Todo ano, na mesma época, ele falava sobre o
jantar que tinha para comemorar o teu aniversário.
Senti um baque na boca do estômago com a informação.
— Por quê? — perguntei, encarando-o. — Por que decorou
essa informação?
Deu de ombros, descruzou os braços e pegou outro pedaço
de tomate, jogando-o na boca.
— Minha mãe tem muito orgulho da data, todo ano ela
monta uma mesa de café da manhã personalizada pra mim.
Isso, sem contar nos jantares em família — emendei o assunto,
tentando parecer descontraída com a informação que obtive.
Ele não disse mais nada.
— Quer ajuda com alguma coisa? — Também mudou de
assunto, usando da mesma tática que eu.
Soltei uma exalação, voltando para a minha tarefa.
— Não. Está tudo bem.
Me concentrei no que estava fazendo, tentando me desligar
dele e da pouca informação obtida. Não queria de forma
alguma que isso acendesse alguma esperança idiota em mim.
Não era nada demais.
Caetano era bom de memória, decorava informações
irrelevantes. E isso incluía a data do meu aniversário. Simples
assim.
Entoei isso mentalmente, até que fizesse sentido e que eu
começasse, de fato, a acreditar.
O retorno dos nossos pais se aproximava, minhas férias
estavam chegando ao fim e, com isso, o fim da minha estadia
na casa de Caetano.
Se eu tivesse pensado sobre isso semanas atrás, quando
ele me fez a proposta de ficar em sua casa, eu estaria aliviada.
Seria pelo fato de que, com o meu retorno para Porto Alegre,
eu não precisaria mais viver em tentação ao lado do único
homem que dominava os meus pensamentos.
Mas agora...
Eu só conseguia me sentir triste. Lidar com Caetano não
tinha sido tão difícil quanto eu esperava, bem pelo contrário;
era maravilhoso. Criamos uma rotina tão gostosa, tão leve e
tão... nossa, que eu só não queria que ela acabasse.
Sem contar que Elouise também sentiria falta. Sentiria falta
dele todos os dias chegando em casa do trabalho e brincando
com ela; dele assistindo à Masha e o Urso, mesmo que
reclamando a cada segundo do quão chata a Masha era; dos
banhos noturnos de piscina; da maquiagem que sujava a casa
toda. Lá, seriamos só eu e ela, a mesma rotina de sempre. Só
nós duas, sem... ele.
Soltei um suspiro exasperado, me sentindo chateada com
isso.
Também tinha a opção de ficar em Bento Gonçalves, só não
sabia onde iria morar. Com certeza, além da oferta de Caetano,
minha mãe e tia Luísa me convidariam, mas eu não poderia
aceitar nenhum dos convites.
Do Caetano por motivos óbvios; da minha mãe, porque ela
precisava ter sua vida com o marido; e da tia Luísa, porque eu
não queria incomodar. Ela e Bárbara estavam acostumadas uma
com a outra. Me mudar para uma casa significava levar uma
bebê pequena e alterar toda uma rotina. Enfim, não me sentiria
confortável.
Me levantei sobre os cotovelos e verifiquei Elouise,
percebendo que ela dormia um sono profundo. Depois de mais
um dia inteiro na piscina, ela comeu algumas torradas e
começou a choramingar, pedindo para dormir. Então, enquanto
Caetano preparava o jantar, eu vim colocá-la para dormir.
Me levantei, cuidando para não fazer barulho. Pé ante pé,
saí do quarto, fechando a porta com delicadeza.
Quando entrei na cozinha, Caetano estava de costas para
mim, mexendo na pia. Estava vestindo uma calça de moletom,
sem camiseta, e deslizava pela cozinha com maestria.
Observei a forma como os músculos das costas se
contraíam toda vez que ele se inclinava para pegar alguma
coisa. Conseguia ver o final da frase que ele tatuou nos últimos
meses. Queria muito saber qual era o significado, o que ela
dizia, mas eu não conseguia ler, não sem ficar encarando-o
descaradamente. Se eu quisesse mesmo saber, teria que
perguntar.
Soltei uma exalação, sem conseguir me controlar.
Virou o rosto, me encarando por sobre o ombro.
— Ela dormiu? — indagou.
Parei ao lado dele e encarei as panelas, sentindo o cheiro
do molho do estrogonofe de carne.
— Sim — confirmei. — Até que foi bem rápido, ela estava
cansada.
— Que bom — comentou, ajeitando a batata palha em um
pote de vidro.
— Onde aprendeu a cozinhar? — perguntei, admirando a
desenvoltura que ele tinha com as panelas.
— Nos Estados Unidos. A cultura alimentar deles é muito
diferente da nossa. Se eu não cozinhasse minha própria
comida, morreria de fome. Eles são muito do industrializado e,
quando estou em ganho de massa muscular, tenho que fugir
disso — contou, mexendo o molho de estrogonofe, que tinha
um cheiro dos deuses. — Eu também cozinhava para Lívia
quando ela era criança. Ela gostava muito da minha comida e
ficava pedindo.
Sorri, imaginando uma Lívia muito insistente pedindo para
Caetano cozinhar.
— Vocês nunca brigaram? — indaguei, me lembrando de
como alguns dos meus amigos que tinham irmãos falavam
sobre as brigas durante a infância.
Negou.
— Ela era muito apegada a mim. Nosso pai não sabia se
lidava com uma bebê, com o filho adolescente ou com a
vinícola, então meio que assumi a criação dela.
— Sinto muito pela tua mãe, Caetano. Deve ter sido difícil.
Um sorriso triste curvou os lábios dele.
— Eu queria muito um irmão. Ficava pedindo pra ela todos
os anos, até que ela engravidou. A gestação foi tranquila, sem
nenhuma complicação.
— Então o que aconteceu exatamente?
— Embolia amniótica. É uma condição rara, mas muito
grave, que ocorre quando o líquido amniótico ou partes do
material fetal, entram na corrente sanguínea da mãe. Isso
geralmente acontece durante ou depois do parto. No caso dela,
aconteceu logo após. Ela teve um colapso cardiovascular e veio
a óbito.
— Nossa... — murmurei, com os lábios comprimidos,
balançando a cabeça. — Não sei nem o que falar. Isso deve ter
sido difícil.
Assentiu.
— Fiquei revoltado por um tempo, me culpei por ter pedido
um irmão para a minha mãe, odiei tudo e a todos, mas... —
Ergueu os olhos, encontrando os meus. — Quando encontrei
Lívia chorando, tão pequena, tão bebezinha, percebi que não
fui só eu que perdi naquele dia. Tive a chance de conhecer a
nossa mãe, de viver com ela, de compreender a magnitude do
amor que ela tinha pelos filhos, mas a minha irmã caçula...
não. Com isso, me senti no dever de tentar amenizar para Lívia
a falta que ela faria.
A cada segundo a mais ao lado de Caetano, conhecendo-o
melhor, descobrindo sua história, mais eu me sentia...
apaixonada por ele.
— Por isso Lívia é tão grata, por isso ela te ama com todo
o coração dela.
Concordou, sorrindo meio bobo ao pensar na irmã.
— Ela é uma guria maravilhosa, sempre foi.
— Sim, ela é — concordei, sendo mais do que sincera.
Desde que conheci a família Rossi, Lívia só soube ser
incrível comigo, me receber bem, me aceitar e nunca me julgar,
apesar dos meus erros e minhas mentiras.
O clima pesou na cozinha, uma sensação de nostalgia se
espalhou. Caetano voltou para a comida e fiquei em silêncio,
sem saber se deveria falar alguma coisa.
— Vou mandar construir outra piscina, já conversei com um
engenheiro. Uma piscina infantil, só pra ela — disse, momentos
depois, quebrando o silêncio ensurdecedor.
Soltei uma risada.
— Não vejo necessidade.
— Claro que tem. Talvez os futuros filhos também gostem
de água e todas as crianças vão ficar brincando no mesmo
lugar.
Cocei a nuca, sentindo um leve incomodo no meu peito.
— Hum... — murmurei, tentando evitar expor os meus
sentimentos.
Então ele pensava em ter filhos? Pensava em encontrar
uma mulher, se casar, construir uma família. Droga, só o
pensamento doía como o próprio inferno. Como eu conseguiria
lidar quando esse momento chegasse?
Claro que ele teria essa vontade, ainda mais depois de vê-
lo se tornar pai.
Enrolei uma mecha de cabelo no dedo, ignorando o nó que
se formava na minha garganta.
Tola, apaixonada e idiota . Isso me descrevia muito bem.
— Está incomodada com alguma coisa, Mavie? — ele
perguntou, dando a volta e parando na minha frente.
— Não — menti, mas minha voz enrouquecida me
entregou.
Um meio-sorriso surgiu nos lábios dele.
— Está incomodada, porque eu planejo ter mais filhos?
Bufei, aumentando o ritmo do dedo que enrolava a mecha,
nervosa.
— É claro que não! Pode ter quantos filhos quiser.
Inclinou-se, pendendo a cabeça para o lado.
— É mesmo? Então por que demonstra o contrário?
Meu coração batia com tanta força que eu estava ficando
zonza.
— Como eu já disse antes, pode ter a família que quiser, o
relacionamento que quiser, assim como eu. — Apontei entre
nós dois. — Só temos uma filha, não é nada demais. Não é
como se fosse uma intimação para nos casarmos ou algo assim.
Pousou uma mão em cada lado de mim no balcão. Ergui o
rosto, encarando-o tão de perto que conseguia discernir os tons
dourados, misturados com o castanho, dos seus olhos. Ele tinha
um cheiro tão bom. Inspirei fundo, absorvendo-o.
— Não sei como explicar isso, mesmo que eu tenha tentado
ser tão óbvio desde o começo — soprou, rindo, parecendo estar
incrédulo.
— O-o quê? — gaguejei.
— Vou ter que ser mais óbvio ainda e mostrar. — Ele se
afastou, ajeitando a postura. — Percebeu que fiz uma tatuagem
nova? — Acenei, em silêncio. — Já parou para ler o que está
escrito nela? — Neguei. Ele levantou o braço e se virou de lado,
me colocando de frente para a escrita. — Então leia.
Meus olhos vagaram através das letras cursivas. Era uma
frase pequena, letra fina. Não era nada exagerado, mas
combinava muito com ele.

Nessa despedida, levo um pouco de você comigo.

Era isso o que estava escrito.


Meu coração palpitou e, por um momento, me esqueci de
como respirar. Era como se o tempo tivesse parado, cada batida
do meu coração ecoando as palavras marcadas em sua pele.
— Caetano... — ofeguei, minha voz um sussurro trêmulo.
Ele me encarou, os olhos revelando uma profundidade de
emoções que eu nunca tinha visto.
— Lembra? — perguntou.
Acenei.
O impacto daquelas palavras, aquelas mesmas palavras que
eu havia dito naquele dia, me atingiu com a força de uma
tempestade.
Ele se lembrava. Ele se recordou.
Assim como se lembrava do meu aniversário, como tinha
feito questão de decorar a data, mesmo que não soubesse nada
sobre o nosso futuro tão incerto.
— Por-por quê?
— Porque — ele disse, a voz baixa e firme — aquele
momento, aquela despedida mudou tudo pra mim. E eu queria,
eu precisava manter um pedaço disso comigo, sempre.
Lágrimas brotaram nos meus olhos, um misto de surpresa,
gratidão e... uma paixão tão profunda que me fazia tremer.
Ele encontrou um jeito de me guardar com ele, me
tatuando na pele, enquanto fiquei com o fruto do significado
daquela noite.
Estendi o braço, roçando as pontas dos dedos na frase.
Segurou o meu punho, me puxando contra ele e me forçando a
encará-lo.
— Agora, será que consegue entender, Mavie, que quando
eu falo em ter mais filhos, em construir uma família, é contigo
que vejo esse futuro? — questionou, resoluto. — Foi a única
garota que mexeu comigo o suficiente, a ponto de me fazer
abrir uma garrafa que eu estava guardando desde os meus
dezoito anos, só porque queria te surpreender.
Não conseguia fazer nada além de tremer e chorar.
— Céus... — Pousei as mãos na boca. — Aquele vinho
antigo da primeira vez?
— Sim, ele mesmo — confirmou. — Sei dos nossos pais, do
que significa esse relacionamento, mas eu já abri mão de nós
anos atrás, e Elouise é a prova viva de que os planos do
destino são diferentes dos nossos. — Suspirou. — Também
tenho medo do futuro, do que nós vamos significar para a
nossa família, mas não podemos conter isso. Não mais.
Segurou o meu rosto em suas mãos e colou a testa na
minha, respirando fundo.
— Sei que precisa de tempo. Podemos ir com calma, se é
isso o que quer — continuou.
Sim, eu precisava de um tempo para pensar, precisava
espairecer, ter com quem conversar sobre o assunto.
Mas esperar? Não mais. Eu não aguentaria.
Espalmei uma mão no peito dele, empurrando-o para
longe, antes de deslizar a palma pela sua nuca e puxar seu
rosto de encontro ao meu, colando os nossos lábios.
Caetano deslizou a língua para dentro da minha boca,
afastando os lábios para aprofundar o beijo. Minhas mãos
deslizaram pelos músculos das suas costas e ombros,
dedilhando cada gominho, apreciando a pele quente e dura.
A mão dele escorregou pelas laterais do meu corpo.
Segurou a minha cintura e me impulsionou para cima, me
sentando na beirada do balcão de mármore da pia.
Meu corpo suplicava por ar, mas eu só queria mantê-lo em
mim, sentir seu gosto, me deleitar no momento.
Nossos dentes colidiram com o impacto do beijo, minhas
mãos continuando a explorar o corpo.
Ele se afastou, deslizou os beijos pela curva do meu
pescoço, me arrepiando ao roçar a barba na pele.
— Porra, esperei tanto para te foder de novo — sibilou,
levando as mãos aos meus seios e apertando-os.
— Sim, eu também — concordei, quando o polegar deslizou
pelo mamilo.
Me levantei do balcão, só o suficiente para puxar o vestido
e o remover por sobre a cabeça, ficando somente de calcinha.
Caetano se afastou e me encarou, correndo o olhar por todo o
meu corpo.
Um brilho surgiu em seus olhos, e ele sorriu.
— Tão gostosa, tão linda... — sussurrou, erguendo o braço
e tocando outra vez em meus mamilos.
Suas mãos eram ásperas por conta dos treinos. Os dedos
em minha pele me causaram arrepios involuntários.
— Caetano... — gemi.
— Hoje, vou te foder com os meus dedos e com o meu
pau, Mavie. Mas logo quero te comer com a minha língua
também. Faz tempo que sonho com o teu gosto — murmurou,
inclinando-se sobre mim e segurando um mamilo na boca.
Arqueei as costas, gemendo alto.
Porra, ele era muito bom.
Deslizou a língua em vaivém na aréola, enquanto sugava o
seio com força. Finquei as unhas na pele do ombro, tentando
me controlar e me manter no lugar.
Passei a mão pelos gominhos do abdômen trincado,
resvalei as pontas dos dedos no cós da calça de moletom,
antes de enfiar minha mão por dentro dela e tocar no pau duro,
fechando os dedos sobre ele.
Ele gemeu, puxando a boca para longe do meu seio.
— Isso é jogo sujo. — Bufou, puxando minha calcinha para
o lado, deslizando dois dedos na minha boceta. — Encharcada.
— Riu. — Há quanto tempo quer me dar, Mavie?
— Acho que a mesma quantidade de tempo que tu quer me
comer, já que está bem duro na minha mão — retruquei,
piscando um olho.
Afastei as minhas pernas, me abrindo toda para ele.
Caetano, circundou meu clitóris com os dedos endurecidos,
brincando com o nervo sensível. Me vinguei, subindo e
descendo a minha mão, masturbando-o com a mesma calma
que ele usava em mim. Deslizei o polegar pela cabeça inchada,
lubrificando meu dedo.
Abri a boca em um suspiro exasperado, apreciando o
prazer que ele me oferecia.
Os dedos eram ágeis, em vaivém, massageando o nervo,
me provocando, me induzindo a um orgasmo.
Joguei a cabeça para trás e fechei os olhos.
— Eu quero te chupar — afirmei, dedilhando as veias que
rodeavam o membro duro.
— Não vou me opor a isso, mas hoje eu só preciso de
foder.
Era tempo demais, meses de saudade, incertezas, desejo
obscuro e profundo, tesão acumulado.
Ele puxou os dedos, deu passo para trás, retirando a minha
mão, e deslizou a calça para baixo, junto da boxer azul-
marinho.
Observei o pau duro e grande. Ele era desenhado por veias
que pulsavam ao redor, a cabeça rosada e inchada, com uma
gota lubrificando a pequena fenda no meio dela. Caetano não
tinha pelos, a pele era lisinha e macia.
Lambi os lábios, ansiosa para tê-lo em minha boca.
Ele se aproximou e agarrou os meus cabelos em punho,
forçando o meu pescoço para trás. Beijou a pele, salpicando
pequenas mordidas.
— Não adianta me olhar assim, hoje só vou te foder.
Preciso me enterrar nessa boceta, matar a saudade dela.
Amanhã, eu deixo tu me chupar.
— E quem disse que vai ter de novo amanhã? — provoquei.
A risada rouca dele contra a minha pele me arrepiou.
— Se acha que é tão resistente, eu pago pra ver.
Não entraria na aposta, porque eu sabia que era um caso
perdido.
Levei a mão ao pau outra vez, brincando com o membro.
Esfreguei a cabeça, espalhando a lubrificação por ela, antes de
segurá-lo com os dedos firmes e iniciar os movimentos de
vaivém, assim como eu o vi fazendo dias atrás.
Ele colou os nossos lábios, me beijando com fome e
desespero. Manteve a mão ao redor dos meus cabelos,
puxando-os com força. Meu couro cabeludo ardeu, e isso só me
deixou mais excitada.
Com a mão livre, ele arrancou minha calcinha com força,
arrebentando-a e então esfregou dois dedos em mim,
encontrando minha entrada e inserindo-os nela com
brusquidão.
Soltei um gritinho, gemendo alto.
Caetano me fodia com os dedos, empurrando-os até o
fundo, sem parar, com pressa. O barulho da sucção, da minha
lubrificação, dos dedos me invadindo, reverberou, misturando-
se com o dos meus gemidos e da respiração ofegante dele.
— Que boceta gostosa do caralho — sibilou, entredentes.
— Já está tão molhadinha, tão preparada pra mim. Se eu
quisesse te comer agora, Mavie, sem preliminares, eu poderia.
Sim, ele poderia. E eu queria muito.
— Então me fode, por favor... — choraminguei, forçando as
unhas contra a pele do ombro.
Aumentei o ritmo do meu braço, apertando os dedos ao
redor do pau. Queria que ele sentisse o que eu estava
sentindo, o mesmo tesão alucinante, o desejo profundo de ter
o pau no lugar que seus dedos estavam.
Ele gemeu alto.
E então, em um movimento brusco, arrancou os dedos da
minha boceta e os levou a boca, chupando-os. Sorriu,
arqueando uma sobrancelha.
— Perfeita — sussurrou.
Me segurou pela cintura, me tirando de cima do balcão.
Fechei as pernas ao redor do quadril dele, enquanto caminhava
comigo para longe da cozinha, em direção ao quarto.
Eu o beijei, querendo aproveitar cada segundo ao lado
dele, tocando-o.
Entrou no quarto e empurrou a porta com o pé, batendo-a.
Ele me jogou na cama, cobrindo meu corpo com o dele. O pau
pincelou a minha entrada, me provocando um pouco mais.
— Posso te foder sem camisinha? — perguntou. —
Corremos o risco de uma segunda gravidez?
— Não pode, porque, sim, corremos — confirmei, em um
suspiro. — Não estou fazendo uso de nenhum método
contraceptivo.
Com um aceno, se levantou e caminhou até a mesa de
cabeceira, retirando um punhado de camisinhas de dentro dela.
Abriu uma com os dedos e deslizou o plástico pelo membro,
cobrindo-o.
Voltou-se para mim, levantou os meus joelhos e se
acomodou no meio das minhas pernas.
— Agora, finalmente, vou te foder.
Antes que eu pudesse suplicar qualquer coisa, ele
impulsionou o quadril para frente, deslizando o pau pela minha
boceta lubrificada.
Quando os nossos corpos, enfim, se encontraram, foi como
se uma corrente elétrica nos conectasse, intensificando cada
sensação, cada respiração.
Fechei os olhos e apreciei o momento, sentindo-o me abrir
pouco a pouco, até atingir o fundo.
Ele era grande demais, por isso levava muito a sério as
preliminares, a preparação do meu corpo para recebê-lo.
Pousou uma mão em cada lado meu na cama e começou a
rebolar, mexendo os quadris para frente e para trás. A cada
estocada, me atingia bem no fundo e acertava um ponto que
me arrepiava, me fazia piscar e ver estrelas.
Segurei os lençóis com as mãos em punho e abri a boca em
um gemido.
— Caetano... hum... isso é bom.
Ele não era rápido, mas mantinha movimentos rítmicos,
curtindo o sexo, aproveitando o momento.
O colchão sob as minhas costas era macio. Virei o rosto e
inspirei fundo, absorvendo o cheiro que exalava dele. O cheiro
de Caetano, me inundando com as lembranças da nossa
primeira vez, nesse mesmo quarto.
Foi cheia de tesão, de paixão. Dois desconhecidos com uma
química enorme, prontos para avaliar o que ela significava, até
sermos separados, horas depois, sem a promessa de um futuro.
Mas o destino tinha um jeito único de ser travesso e fazer
das nossas vidas um festival.
Aumentou o ritmo, empurrando o corpo contra o meu. O
barulho do pau dele me abrindo, deslizando para dentro de
mim, enchia o ar, viscoso e cadenciado.
— Caetano... — gorgolejei, engolindo com dificuldade.
De repente, ele se lançou para fora de mim e se ajoelhou
na cama, agarrando os meus tornozelos e me virando de
barriga para baixo. Puxou minha bunda para cima, me
colocando ajoelhada e apoiada nas mãos sobre a cama.
Segurou as minhas nádegas e se afundou em mim de novo,
gemendo alto ao atingir o fundo.
Assim, nessa posição, eu conseguia senti-lo ainda melhor,
ainda mais fundo.
Ele socava com força, bruto, rápido.
Agarrei firme os lençóis, solavancando para frente a cada
investida do quadril. A mão dele deslizou para o meio das
minhas pernas, encontrando o meu clitóris, estimulando-o,
enquanto me penetrava.
Fechei os olhos, a respiração acelerando, minha pele se
arrepiando.
O orgasmo estava próximo, quase na beira.
— Goza no meu pau, Mavie — rosnou, indo cada vez mais
rápido.
Mesmo se eu quisesse, não conseguiria controlar, não
conseguiria conter a onda de prazer que me atingia em picos,
intensificando mais e mais a cada segundo. Era como se cada
célula do meu corpo estivesse à espera, sussurrando
antecipação.
Gritei o nome dele.
Uma onda de prazer me atingiu com força avassaladora,
inundando cada canto do meu ser, quebrando todas as
barreiras e liberando uma maré de sensações que eu mal
conseguia compreender, muito menos controlar.
Era como se eu estivesse voando e caindo ao mesmo
tempo, presa na agonia do êxtase, conforme o orgasmo levava
tudo de mim.
Meu corpo despencou para a frente sobre a cama, meus
músculos pareciam ter se transformado em gelatina.
Caetano continuou me penetrando, estocando fundo e
rápido, até que soltou um grunhido áspero, misturando o meu
nome com palavras ininteligíveis, alcançando o próprio prazer.
Pisquei, aproveitando o torpor, a névoa do orgasmo se
esvaindo aos poucos.
Meu coração estava acelerado, assim como a minha
respiração. Suor colava os cabelos da minha nuca na pele e
gotas salpicavam na minha testa.
Ele saiu de dentro de mim, jogando-se ao meu lado e me
puxando contra o peito quente. Beijou o topo da minha cabeça,
a respiração pesada balançando os meus cabelos.
— Isso foi ótimo — comentou, me abraçando com tanta
força que era como se quisesse ter certeza de que eu não sairia
de perto dele.
— Estou com fome — revelei, e meu estômago achou uma
excelente ideia roncar bem na hora, fazendo um barulho
constrangedor.
Ele riu, me apertando um pouco mais.
— Eu sei, consegui sugar todas as tuas forças — zombou.
— Não seja tão convencido, senhor Rossi.
Bufou.
— Quer que eu descreva exatamente como gritou o meu
nome, suplicando, enquanto gozava no meu pau, enchendo-o
de gozo?
O calor da vergonha esquentou as minhas bochechas.
Escondi o rosto no travesseiro e gemi baixinho, arrancando
uma gargalhada dele.
Ergueu-se sobre o cotovelo, pairando sobre mim. Retirou
uma mecha de cabelo presa ao meu rosto e tocou a minha
bochecha com o dorso da mão.
— Tão linda... — sussurrou, sorrindo com os olhos
brilhando. — Não vou ser ruim, vou alimentá-la, antes de fodê-
la de novo.
— Posso estar dolorida — retruquei.
— Pode, mas aí vou te chupar.
Estalei um tapa no peitoral duro.
— Tão faminto — zombei.
— De você? Sempre.
Inclinou-se, roçando os lábios nos meus. Fechei a mão ao
redor dos seus cabelos, puxando-o ainda mais para mim.
O mundo lá fora podia esperar. A minha fome podia
esperar.
No momento, eu só queria mais um pouco dele.
Tomei um gole de chimarrão, olhando para Bárbara e Lívia
sem saber como, exatamente, iniciar o assunto: Caetano e
sexo.
Eu não me arrependia do que tínhamos feito. Bem pelo
contrário, há muito tempo eu não me sentia tão... plena,
radiante e feliz.
Ele era tudo o que eu queria, tudo o que eu mais desejava.
Quando pensava no meu futuro, planejava a família perfeita
que eu iria querer formar um dia, só ele me vinha à cabeça.
Engoli o líquido quente e amargo, tentando criar coragem
para entrar no assunto constrangedor. Seria mais fácil sem Lívia
por perto, mas a guria fazia parte da minha vida, tinha se
tornado uma melhor amiga, assim como a minha prima, e era
injusto mantê-la de fora, de novo.
Bárbara e ela conversavam animadamente sobre a festa à
qual foram no sábado passado. Juntas, elas descobriram uma
nova meta de vida: aproveitar todas as festas possíveis e tentar
encontrar suas almas gêmeas. Ah, sim, Lívia entrou nessa onda
de Bárbara de tentar encontrar o par perfeito. Mas ela não
procurava com tanto fervor quanto a minha prima.
Elas interromperam a conversa, virando-se em minha
direção para me analisarem em silêncio.
— Qual é o problema? — perguntei, olhando para as
minhas roupas, procurando o que quer que estivesse errado.
Bárbara semicerrou os olhos.
— Está quieta demais — comentou, pensativa.
— Só estou preocupada. Sabe como é, está mais perto do
que nunca do retorno da minha mãe.
— Vai contar antes ou depois do teu aniversário? —
perguntou Lívia.
— Espero que Caetano concorde em contar depois. Não
quero estragar o clima desse reencontro da família.
— É... ia ser um aniversário e tanto — zombou.
Bárbara continuou em silêncio, me analisando. Suguei
outro gole de chimarrão, tentando parecer o mais descontraída
possível.
— Tu transou! — acusou ela, levantando-se da poltrona e
colocando as mãos na cintura.
O movimento foi tão iminente que até mesmo Elouise, que
brincava a alguns metros com uma cozinha infantil, olhou para
a dinda.
Lívia abriu a boca e arregalou os olhos.
— Puta merda — murmurou, cada palavra soando mais
trincada do que a anterior.
Olhei de uma para a outra, tentando encontrar um jeito de
me defender dessa acusação totalmente certeira.
— Ei, quem foi que disse isso? Ficou maluca? — ofeguei,
tomando mais chimarrão.
Só esperava que a camomila que tinha na erva me
ajudasse a acalmar.
Bárbara cruzou os braços em frente ao corpo e bateu o pé
no chão.
— Claro que transou. É só olhar pra tua cara, está tão
escancarado, Mavie. — Os olhos estreitos não passavam de
fendas finas. — Que feio mentir para as tuas melhores amigas.
Olhei para o lado, verificando Elouise. Ela brincava, alheia à
nossa conversa, pela graça de Deus.
— Fale baixo, por favor. Temos uma criança presente.
Fez um bico com a boca.
— Então nos fale a verdade.
Exalei fundo e me inclinei, entregando a cuia vazia para
Lívia.
— Tá, tudo bem — concordei, soando desesperada. — Meio
que aconteceu...
— E como meio que acontece? — debochou Bárbara. —
Transou com o Caetano ou não?
Revirei os olhos.
Ela não me deixaria em paz enquanto eu não contasse
algum detalhe, fosse ele o mínimo possível, que seria o que eu
faria, em respeito a Lívia.
— Sim — confirmei, a voz não passando de um sussurro.
— Acho que vou ali rapidinho me afogar na piscina e já
volto — disse Lívia, franzindo os lábios em nojo. — Assim, fico
muito feliz que esteja se acertando com o meu irmão, mas, por
favor, me poupe dos detalhes.
Lancei um olhar feio para Bárbara.
— Não se preocupe, Lívia. Ninguém vai entrar em detalhes
aqui.
— Ah, poxa! Isso é tão injusto — choramingou minha
prima.
Gesticulei para que ela se sentasse e me acomodei melhor
no sofá, dobrando as pernas e me sentando sobre elas. Passei
uma mão nos cabelos, ajeitando-os atrás dos ombros.
— Bom, enfim, aconteceu, como eu disse pra vocês.
— Quantas vezes? — perguntou Bárbara. Encarei o teto,
tentando me lembrar. Ela soltou uma risada estrangulada. —
Bom, várias, pelo visto.
— Deus — urrou Lívia, escondendo o rosto nas mãos.
— Tá, sem detalhes. Eu só... — suspirei — não sei o que
fazer agora.
— Como assim? — Bárbara encheu a cuia e tomou um gole,
tudo desviando os olhos de mim o mínimo possível, atenta ao
assunto.
— Com os nossos pais, entende? Como mamãe vai reagir?
Como Therêncio vai reagir? Como a sociedade vai reagir?
Eram tantas perguntas sem resposta. A família Rossi era
muito conhecida na cidade, consequentemente, tinha muita
influência. Será que Therêncio aceitaria de bom grado esse
relacionamento, sendo que muitas pessoas veriam como algo
absurdo e nos julgariam? Porque era óbvio que isso acabaria
acontecendo.
Lívia comprimiu os lábios.
— Não posso falar exatamente o que meu pai vai pensar,
porque, sinceramente? Não faço ideia do que se passa na
cabeça dele, mas de uma coisa tenho certeza: ele sempre fez e
sempre fará de tudo por mim e por Caetano. Portanto, se o
relacionamento de vocês faz o meu irmão feliz, ele vai aceitar.
Um vinco de preocupação surgiu na minha testa.
— Ele vai aceitar ou ele vai terminar com a minha mãe?
Ela refletiu, ponderando o mesmo que eu.
— Aí, eu já não sei — confessou.
Nunca me perdoaria se estragasse a felicidade da minha
mãe. Nunca.
Bárbara bufou.
— Tu e Caetano se preocupam demais. De qualquer forma,
eles vão saber do envolvimento de vocês por causa da
revelação da paternidade de Elouise. Dê tempo ao tempo. Se
eles não apoiarem e ameaçarem o divórcio, façam o que os
corações de vocês mandarem. Mesmo se forem seguir vidas
separadas, prezando a felicidade dos pais, ou se vão enfrentar
isso juntos, não importando as consequências.
Assenti, deitando a cabeça no encosto do sofá.
Essa situação era tão difícil. Nunca imaginei que me
encontraria em algo assim um dia. Ainda mais agora que
Caetano e eu começamos a nos envolver de novo. Seria tão
mais difícil deixá-lo para trás dessa vez, após toda a
convivência, depois que me apaixonei de verdade.
De qualquer forma, eu manteria os meus sentimentos
guardados a sete chaves. Quanto menos ele ou minha mãe
soubessem como eu me sentia, mais fácil seria a decisão.
— Vou dar o meu veredicto — disse Lívia, erguendo o
braço. — Eu super aprovo essa relação. — Sorriu. — Como eu
já disse, quero te ter como cunhada, oficializar ainda mais as
coisas entre nós duas, sabe... como irmãs.
Meu coração se encheu de amor, orgulho e admiração por
ela. Sorri, tentando expressar tudo o que eu sentia.
— Obrigada — sussurrei. — Mas seja o que for, nossa
relação nunca vai mudar. Sempre serei tua irmã emprestada,
Lívia. Estando com Caetano, ou não.
Acenou, sorrindo amplamente.
Me lembrei de tudo o que Caetano contou sobre ela, sobre
a adolescência dele, sobre a morte precoce da mãe. Lívia foi
criada por ele e pelo pai, nunca teve uma figura materna, uma
figura feminina para compartilhar os amores, as dores e os
desejos. Mas agora ela tinha a mim e a Bárbara, não importava
o futuro.
— Eu que agradeço a entrada de vocês na minha vida. É
sério. As coisas só ficaram melhores depois de vocês. Até já
comentei sobre isso com Caetano. Antes, era tão sem graça.
Bárbara estendeu o braço e apertou a mão da garota.
— Compartilhamos do mesmo sentimento.
— Então está decidido! Vínculo inquebrável e tudo mais. —
Riu, batendo palmas.
— Eu também apoio — cortou Bárbara, retornando ao
assunto: minha relação com Caetano. — Principalmente a tua
mudança para cá. Está na hora de criar Elouise perto da
família.
Lívia concordou.
— Sim, gostaria de ver minha sobrinha todos os dias.
Dobrei o joelho e descansei o queixo sobre ele. Esse era
outro problema, outra questão que latejava nos meus
pensamentos, me fazendo perder o sono algumas vezes.
— Eu sei — sussurrei, tentando não me abalar com todas
essas preocupações.
Era o nosso momento de descontração, de falar besteira,
de jogar conversa fora. Não deixaria a tristeza abalar a minha
paz, estragar esse momento só nosso. Não mesmo.
Então lancei a elas o meu melhor sorriso, afastando esses
pensamentos para longe, e mudei de assunto.
Entrei em casa, reparando no silêncio absoluto que se
estendia. Quando isso acontecia, Elouise costumava estar
dormindo e Mavie fazendo alguma coisa, sozinha.
Avancei pela casa, conferindo a piscina e confirmando
minhas suspeitas: sim, minha filha estava dormindo.
Ela me lembrava muito de Lívia, quando tinha a mesma
idade. Assim como Elouise, minha irmã caçula adorava a água,
o verão sempre foi sua estação do ano favorita justamente por
este motivo.
Ergui o braço e conferi a hora no meu relógio de pulso.
Ainda era cedo, bem mais do que o horário que eu costumava
chegar em casa.
Tinha dias que o trabalho na vinícola era exaustivo, mas eu
amava cada segundo dele. Continuar o legado do meu pai e
dos meus avós era motivo de muito orgulho para mim.
Puxei a camisa que estava presa dentro da calça e comecei
a me desfazer dos botões, um por um. Entrei no meu quarto,
mas estranhei ao encontrar a luz ligada e o barulho do meu
chuveiro.
Terminei de remover a camisa e levei os dedos aos botões
da calça, chutando-a para longe do meu corpo. Me aproximei
da porta e espiei, ficando surpreso ao encontrar Mavie no meu
chuveiro.
Ela estava com o rosto erguido, deixando a água escorrer
sobre ele, enquanto lavava o shampoo dos cabelos.
Desci o olhar pelo corpo magro, para as pequenas curvas,
admirando as gotas de água que deslizavam por sua pele. Meu
pau endureceu imediatamente.
Removi a boxer e avancei para dentro do banheiro,
tomando o cuidado para não fazer barulho. Mavie não percebeu
minha proximidade, distraída demais com o banho.
Fechei os dedos ao redor do meu pau e movimentei minha
mão para frente e para trás, me masturbando, tendo ela como
a visão para aumentar o meu tesão. Esfreguei o polegar na
ponta, espalhando a lubrificação. Mordi o lábio inferior,
aumentando o ritmo, sem desviar os olhos dela.
Ter Mavie toda nua na minha frente era como um sonho.
Por anos, pensei que jamais teria isso, pois ela era só uma
lembrança do meu passado. Que era proibida, e que eu
precisaria conter meus sentimentos por ela.
Caminhei até ela e abri a porta de vidro, sem parar de me
tocar. Com o barulho, Mavie abriu os olhos, arregalando-os ao
me ver.
— Caetano — suspirou, encarando o meu corpo. Um brilho
surgiu em seu olhar ao ver o movimento do meu braço e como
meus dedos seguravam o meu pau. Ergueu o rosto para o meu.
— Sinto muito, não queria invadir assim. Pensei que chegaria
mais tarde.
Parei bem diante dela. Me inclinei, roçando um beijo nos
lábios molhados. A água estava bem quente, a temperatura
muito acima da que eu costumava me banhar.
— Pode invadir quantas vezes quiser — sussurrei,
gemendo.
— Meu chuveiro estava meio estranho, a temperatura não
regulava. Ou era quente demais, ou frio demais.
Ela se recostou contra a parede, me inclinei sobre ela,
pousando uma mão ao lado do rosto, enquanto continuava me
masturbando com a outra.
— Deve ter dado problema no termostato, vou mandar
arrumar amanhã. Mas se isso significa que vai parar de tomar
banho no meu chuveiro, vou deixar o do quarto de hóspedes
estragado. — Pisquei um olho.
— Não quero invadir tua privacidade.
Abaixei a cabeça, disparando pequenos beijos molhados na
pele do pescoço. Coloquei a língua para fora, lambendo a
pequena veia pulsante.
— Já disse pra se mudar para o meu quarto, não existe
mais isso de privacidade entre nós dois — sussurrei, soprando o
hálito na pele molhada, sentindo-a se arrepiar.
— E eu já disse que isso é... um passo grande demais. —
Escorou a mão no meu peito, deslizando as unhas na pele.
— Um dia, vai chegar em casa e perceber que todas as
tuas coisas estão no meu closet — afirmei, rindo da cara feia
que ela fez.
— Não ousaria.
— Ah, eu ousaria, sim!
Me empurrou para longe, um sorriso zombeteiro surgiu nos
lábios delineados.
— Se me irritar muito, Caetano — disse, ajoelhando-se à
minha frente. — Não vai mais ganhar isso.
Arregalei os olhos, observando-a. Ela me lançou um último
olhar, antes de abaixar a cabeça, puxar minha mão para longe
e tomar meu pau na boca.
Arfei, espalmando as mãos na parede.
Mavie fechou uma mão ao meu redor, enquanto levou a
outra até minhas bolas, massageando-as por entre os dedos.
Colocou a língua endurecida para fora da boca e a esfregou na
cabeça, passando-a pela pequena fissura, lambendo a gota de
lubrificação que a salpicava.
A visão era avassaladora. A água caía sobre nós, tão
quente que deixava a pele avermelhada, mas ela não era
comparada a nada em relação ao calor que eu sentia em vê-la
me chupando.
Afastou os lábios, tomando a cabeça entre eles, sugando
com força, antes de enfiar tudo o que conseguia na boca,
batendo no fundo da garganta.
Cerrei os dentes com tanta força que o músculo da
mandíbula estalou.
Mavie movimentou a cabeça, para frente e para trás,
deslizando meu pau pelos lábios. Ela fazia isso enquanto
sugava forte.
— Porra, Mavie — exasperei.
Ao chegar na ponta, esfregava-a com a língua antes de me
tomar de novo, assim como desenhava as veias pulsantes
quando me tirava da boca. A mão nas minhas bolas não parava
de se mexer, e a que estava ao meu redor me masturbava,
enquanto ela me chupava.
Me engoliu de novo. Dessa vez, acelerando o ritmo das
investidas do rosto contra a minha pélvis. Saliva pingava,
misturando-se com a água.
Observei meu pau sumir dentro da boca dela e como ela
ficava perfeita me tomando, parecendo adorar cada segundo
disso.
— Tão perfeita... tão linda... — sussurrei, sem conseguir
desviar os olhos dela. — Foder essa boca delicada tem
sinônimo de paraíso pra mim.
Empurrei o meu quadril, investindo contra ela. Lágrimas
salpicaram aos lados dos olhos, mas Mavie não cedeu,
continuou me tomando até onde conseguia. A cada investida,
ela gorgolejava, engasgando-se, e tentando tomar ainda mais
de mim.
Comecei a foder a boca dela com força, deslizando em
vaivém através dos lábios quentes e molhados. Senti o calor se
concentrar no meu abdômen, pouco a pouco. Era como uma
onda crescente, que se infiltrava e se espalhava.
Meus músculos das pernas falharam, mas não cedi.
Também não gozaria na boca dela. Eu precisava fodê-la,
sentir a boceta apertada me esmagar enquanto ela gozava.
Removi a mão da parede, levando-a até os cabelos
molhados. Fechei os dedos ao redor deles e a puxei para cima,
trazendo-a para mim.
— Pode gozar na minha boca — disse, parecendo confusa.
— Tem outro lugar que eu quero gozar.
Toquei com a ponta dos dedos a boceta lisinha. Sentindo a
lubrificação. Ela estava encharcada, morrendo de tesão em me
chupar.
Esfreguei o clitóris inchado. Afastei os lábios, penetrando-a
com dois dedos. Estava tão molhada que eles entraram com
facilidade.
— Caetano — arfou, segurando-se nos meus ombros.
— Agora, vai se virar e me deixar foder essa boceta.
Prontamente, ela fez o que mandei. Ficando de costas para
mim, Mavie espalmou as mãos na parede, se inclinou para a
frente, ergueu-se na ponta dos pés, e arrebitou a bunda.
Sorri, segurando o meu pau e o direcionando para a
entrada apertada. Esfreguei a ponta para cima e para baixo,
provando-a, antes de penetrá-la com um único impulso.
Agarrei a cintura e joguei a cabeça para trás, soltando um
gemido áspero ao estocar fundo.
— Porra, porra — grunhi.
As mãos de Mavie deslizavam pela parede molhada
enquanto ela solavancava suavemente para a frente a cada
batida do meu corpo contra o seu. Mantive-a, segurando firme
a cintura fina.
— Quero que se toque pra mim — sibilei, inclinando o meu
corpo e plantando um beijo nas costas. — Do jeito que fazia,
sempre que pensava em mim, Mavie. Se toca, se masturba bem
gostosinho, enquanto te fodo e te observo.
Retirou uma mão da parede e a levou até o meio das
pernas, afastando-as um pouco mais. Assim que os dedos
atingiram o clitóris, ela gemeu alto, amando cada estímulo que
o corpo recebia.
Mavie se masturbava devagar, de um lado ao outro.
Dobrei um pouco os joelhos, acertando um ponto que eu
sabia que ela amava, que gozava rapidinho quando eu fazia.
Ela gemeu e o corpo cedeu um pouco, enquanto eu segurava o
seu peso.
— Vamos, amor. Goza pra mim, lambuza todo o meu pau.
— Caetano — ofegou.
Deslizei com força, metendo fundo, forte e bruto.
Mavie aumentou o ritmo da mão, tocando-se com força.
Senti os músculos dela se contraírem ao meu redor, me
apertando e limitando a passagem. Fechei os olhos,
pressionando os dentes.
A corrente do orgasmo crescia, ganhando força e
intensidade. Prometia uma liberação que era tanto uma
necessidade quanto um desejo.
— Mavie — roguei o nome dela, quase suplicando para que
me acompanhasse.
E assim ela o fez, me apertando tanto que foi difícil me
segurar por mais tempo.
O ápice chegou e uma onda avassaladora de prazer foi
liberada, percorrendo meu corpo com intensidade. O mundo se
reduziu a puro sentimento, a uma explosão de sensações que
me deixava sem fôlego, sem palavras, completamente
submerso naquela onda de êxtase.
Mavie tremia nos meus braços, apreciando, sôfrega, o
próprio prazer.
Ficamos imóveis por alguns segundos, conectados,
contemplando o torpor absoluto do prazer que compartilhamos.
Me afastei um pouco e puxei-a contra o meu peito. Estava
fraca, as pernas bambas.
Beijei a cabeça molhada. Segurei o rosto com uma mão e
beijei os lábios inchados, deslizando minha língua por eles,
gemendo ao sentir ainda um pouco do meu gosto nela.
— Vamos terminar o banho, jantar e assistir a alguma coisa
na televisão, o que acha? — perguntei, roçando a ponta do
nariz em seu rosto.
— Eu acho ótimo — concordou, sorrindo, sem me soltar.
Eu estava mais do que acostumado à nossa rotina; amava
esses momentos com ela, com Elouise. Não havia possibilidade
alguma de deixá-la partir, ela só precisava perceber isso e
facilitar a minha vida.
Estava decidido a ficar com elas, a tê-las em minha vida.
Se meu pai não concordasse, abdicaria da vinícola e me
mudaria para Porto Alegre com Mavie.
Essa era a minha escolha. E eu não estava aberto para
discussão.
Queria, acima de qualquer coisa, a felicidade do meu pai.
Mas também prezava pela minha própria, pela convivência com
a minha filha e... por estar ao lado pela mulher por quem eu
era apaixonado, por quem eu estava apaixonado desde o
primeiro dia que estive com ela.
Empurrei o triciclo de Elouise pelo piso ladrilhado da
entrada da vinícola. Ela gargalhou forte, divertindo-se.
Depois de semanas sem sair da casa de Caetano para
nada, precisava de um momento para espairecer, assim como
Elouise. Percebi que ela já estava ficando entediada, nem a
presença de Lívia, por quem ela era apaixonada, parecia
amenizar as coisas.
Então, tentando encontrar uma solução, combinei com Lívia
de passar o dia na vinícola, bebendo um pouco, distraindo
Elouise e me dispersando de casa.
As coisas com Caetano estavam ótimas. Ele tinha decidido
que dormiríamos juntos, pois fazer isso separados não servia
mais para nós dois. E ele tinha um pouco de razão. Eu não
sabia bem que tipo de relacionamento era o nosso, ou sequer
se era um relacionamento, mas... transávamos com frequência,
ele vivia me beijando, me acariciando, fazendo questão de me
tocar, ou seja, dividir uma cama com ele era o menor dos meus
problemas.
Ele ficava na minha volta até mesmo na frente de Lívia e
de Bárbara. Pouco se importava em manter algum tipo de
disfarce na frente delas.
As duas, claro, estavam em êxtase com isso tudo.
Enquanto eu, ainda não sabia como avaliar. Não tinha ideia se
ficava feliz, por estar sendo correspondida no amor, ou
preocupada com a reação dos nossos pais.
Por isso, decidi seguir o conselho de Bárbara e dar tempo
ao tempo. Nem sempre as coisas saíam como a gente
imaginava ou esperava. Ficar me remoendo com isso não
adiantaria de nada.
Entrei na vinícola, avançando em direção à indústria, onde
Caetano passava o dia trabalhando. Ele não fazia ideia de que
decidi fazer uma visitinha de última hora.
Lívia estava me esperando no hall de entrada. Usando um
chapéu dourado, óculos escuros e roupas leves, estava
escorada contra o balcão, bebendo espumante.
— Começou sem mim? — brinquei, parando ao lado dela.
Encolheu os ombros.
— Foi só pra refrescar. — Esvaziou o líquido da taça,
pousou-a sobre o balcão e se inclinou, retirando Elouise do
triciclo. — Quem é a coisinha mais lindinha desse mundo? A
bebê da tia? — perguntou, salpicando beijinhos pelo rosto da
criança.
— Acho que ela só está feliz, porque sabe a infinidade de
uvas disponíveis aqui — zombei.
— Ela tem bom gosto. Sabe... isso é de família — retrucou,
ajeitando a criança no colo. — Vá encontrar Caetano no
escritório do papai. Vou levar Elouise para comer algumas uvas
— inclinou-se para sussurrar. — De uma safra especial. São as
minhas favoritas, quero ver se são as dela também.
— Caetano não vai ficar bravo?
Riu, cheia de escárnio.
— Minha querida, Elouise pode colocar fogo nessa vinícola
que Caetano é capaz de aplaudir. — Bufou. — Já viu como ele é
todo bobo com essa menina?
Não pude negar, porque era a mais pura verdade. Um
homem que deixava a filha maquiá-lo todinho e sujar todos os
móveis caros com a maquiagem infantil, deixaria a filha fazer o
que quisesse. Isso era fofo, mas também um problema. Criança
precisava de limite e, com Elouise, não seria diferente. Por isso,
eu tinha que estabelecer regras para os dois.
— Tudo bem. — Suspirei, me virando e caminhando em
direção ao escritório dele. — Nos encontramos nas mesas dos
piqueniques?
— Sim. Já pedi para levarem alguns petiscos até lá para
nós.
Pude ouvir os gritinhos de Elouise, conforme se afastava
com a tia, toda feliz com as peripécias que as duas
aprontariam.
A porta de Caetano ficava em um corredor à direita. Não
era longe da recepção, pois Therêncio achava mais fácil assim.
Além de receber as pessoas, elas viam um pouco da vinícola,
recebendo uma experiência completa quando tudo fosse
apresentado por ele.
Cumprimentei alguns funcionários que caminhavam pelo
local e me reconheceram.
Parei diante da porta de madeira, ergui o punho e bati.
— Entre. — A voz soou do outro lado, toda séria e
autoritária.
Um sorriso esticou os meus lábios.
Girei a maçaneta e entrei.
Ele estava sentado atrás da mesa grande de madeira pura.
A superfície lisa e robusta contava a história de muitas safras
passadas, cada marca e grão narrando uma parte da jornada
da vinícola.
Papéis estavam organizados em pilhas meticulosas sobre a
mesa. Caetano já tinha me explicado que cada um deles
detalhava aspectos da produção dos vinhos, desde as notas de
degustação até os planos de distribuição.
A luz se infiltrava pelas janelas amplas, iluminando o
ambiente e destacando o pó dançante no ar.
Caetano ergueu os olhos, um vinco se aprofundando no
meio da testa ao me ver.
— Mavie? — exalou, confuso.
Mordi os lábios e entrelacei os dedos em frente ao corpo.
— Oi.
Empurrou a cadeira para trás e se levantou, pousando as
pontas dos dedos sobre a mesa.
— Não sabia que viria.
— Combinei com Lívia de fazer um piquenique. Elouise já
estava surtando dentro de casa, entediada. E... eu também
precisava de um pouco de ar.
Fez a volta na mesa e caminhou até mim, parando à minha
frente. Segurou meu rosto por entre as mãos e me deu um
beijo longo e apaixonado.
— Fico feliz que tenha vindo. Foi uma boa surpresa.
— Não estou atrapalhando em nada?
— Tu nunca atrapalha.
Revirei os olhos, me desfazendo do toque dele.
— Quer se juntar a nós no piquenique?
Riu, pousando as mãos nos bolsos da calça.
— Eu adoraria.
— Elouise e Lívia vão nos encontrar lá.
— Onde elas foram? — perguntou, confuso.
— Lívia achou uma ótima ideia levar a sobrinha para comer
algumas uvas de uma safra... hum... exclusiva, algo assim.
Caetano revirou os olhos, exatamente como a irmã fez mais
cedo.
— Não é nada mais do que as uvas merlot .
— E tem algo de muito especial nelas?
— Sim, elas são conhecidas por sua qualidade excepcional
e sabor inigualável. Por isso, prometem vinhos de caráter
robusto e aromas sedutores.
Eu já tinha provado vinho merlot , embora o cabernet
suavignon fosse o meu favorito. Só não sabia que a safra era
tão diferente assim de um para o outro.
— Por que ela é tão exclusiva?
— Por várias razões, todas ligadas à combinação única de
condições climáticas, cuidado meticuloso e técnicas de
vinicultura especializadas — explicou, voltando-se para a mesa
para pegar o celular. — Vamos?
Deixamos a sala dele em passos sincronizados, lado a lado,
mas sem nos tocar. Assim, não importava o que as pessoas
pensariam. Nossos pais estavam casados, portanto sermos
vistos juntos não levantaria suspeita alguma sobre nossas
verdadeiras intenções.
Caetano cumprimentou alguns funcionários com um aceno
de cabeça.
Uma mulher parou na nossa frente, interrompendo o nosso
caminho. Ela era mais velha, e eu tinha uma pequena
lembrança de já ter sido apresentada a ela.
— Senhor Caetano, já está indo? — perguntou, segurando
uma pasta rente ao corpo. Ela olhou para mim e sorriu com
sinceridade. — Como vai, senhorita Mavie?
Vasculhei no fundo da minha mente, tentando me lembrar
de qual era o nome dela, mas não consegui encontrar. Eu era
péssima em decorar nomes, embora fosse muito boa com
datas.
Caetano soltou um risinho, percebendo minha situação
embaraçosa.
— Sandra — cantarolou o nome. E percebi que só estava
fazendo isso para que eu decorasse o nome dela. — Só vou
fazer um piquenique com Lívia e Mavie, mas já estou voltando.
Ela afirmou.
— Oh, sim! Tenho mais alguns relatórios para o senhor
analisar.
— Perfeito! Deixe-os em cima da minha mesa.
Passei uma mão nos cabelos, me sentindo envergonhada.
— Estou muito bem, Sandra. Obrigada por perguntar. E
contigo? — cortei o assunto deles, tentando ser o mais educada
possível.
Ela sorriu, ignorando o meu lapso.
— Estou bem, também. — Deu um passo para o lado,
liberando a nossa passagem. — Bom, não vou atrapalhar o
piquenique de vocês. — Franziu as sobrancelhas, lembrando-se
de algo. — E, senhor Caetano, já deixei tudo organizado para o
jantar que me pediu. Os dois jantares.
— Obrigado.
Seguimos em frente. Meu coração estava batendo
descompassado diante da informação. Caetano estava
planejando dois jantares? Com quem? Óbvio que eu não
perguntaria para ele, não tinha esse direito, mas que me
incomodava… isso, eu não poderia negar.
— Esquecendo o nome das pessoas, senhorita Hoffmann?
— zombou baixinho, assim que pisamos na rua.
Revirei os olhos.
— Sou péssima em decorar nomes. Juro. Não faço de
propósito, é bem involuntário. — Algumas pessoas passaram
por nós, turistas passeando pela vinícola. — Uma vez, uma
guria me encontrou no shopping e ficou falando comigo. Eu
sabia que conhecia ela, só não me lembrava de onde. Então ela
teve a brilhante ideia de me pedir pra anotar o número dela.
Ele riu.
— E tu anotou?
Concordei.
— Com o nome: “desconhecida, mas conhecida do
shopping”.
Uma gargalhada sincera separou os lábios dele. Balançou a
cabeça, incrédulo.
— Sorte a minha que nunca se esqueceu do meu —
brincou, tocando rapidamente a minha mão. Foi um gesto
simples e singelo, mas só o toque bobo já foi capaz de disparar
o meu coração.
Não é como se eu pudesse.
— Sim, muita sorte — murmurei, zombeteiramente.
Entramos na área do piquenique. Muitas mesas estavam
ocupadas, os visitantes aproveitando o melhor da vinícola,
comendo queijos artesanais, bebendo vinho e espumante, tudo
acompanhado da melhor vista de todas: a dos vinhedos.
Caminhamos por entre as mesas, distraídos, procurando
por Lívia e Elouise.
— Mavie? — chamou a voz feminina, soando ao meu lado
direito.
Fechei os olhos, me condenando mentalmente por ser tão
desatenta. Criando coragem e respirando fundo, me virei,
abrindo o maior sorriso de todos.
— Tia Luísa — cumprimentei, me aproximando dela e lhe
dando um abraço apertado. — Como vai?
Ela estava sentada em uma das mesas de piquenique.
Estava sozinha, mas, pela quantidade de taças vazias, diria que
esteve acompanhada.
— O que faz aqui? — perguntou, franzindo o rosto. — Por
que não me disse nada?
Minha mente girou e girou, buscando uma resposta bem
convincente e plausível. Eu falava com ela pelo WhatsApp ,
sempre fingindo estar em Porto Alegre.
— Vim ficar com Lívia uns dias — menti, embaralhando as
palavras ao cuspi-las com rapidez. — Ela estava se sentindo um
pouco sozinha na mansão dos Rossi. — Olhei ao redor. —
Inclusive, ela está por aí com Elouise. Não viu elas, por acaso?
Os olhos de tia Luísa foram parar atrás do meu ombro,
onde Caetano estava plantado.
— Olá, Caetano. Tudo bem? — perguntou, arqueando uma
sobrancelha, como se desconfiasse de algo.
Comecei a entoar um mantra mentalmente, torcendo para
que tudo desse certo. Eu não fazia ideia de como explicaria
para a minha tia o meu relacionamento com Caetano. Se ela
soubesse antes da minha mãe, ela se sentiria ainda mais traída
quando descobrisse, por ter sido a última.
— Tudo bem, Luísa. E contigo? — respondeu ele, a voz
soando perto demais.
— Vai se juntar às meninas? — ela perguntou.
Droga, eu a conhecia bem o suficiente para saber que ela
estava desconfiada.
— Sim. Lívia me mandou uma mensagem, me chamando.
Acabei encontrando Mavie, que procurava pelas duas, mas ela
jamais encontraria minha irmã.
— E por que não?
— Porque ela foi na safra das uvas Merlot , fica um pouco
mais afastado e...
— Eu sei — cortou ela, meio ríspida. — Teu pai já me
mostrou onde elas ficam em uma das minhas visitas com a
minha irmã.
Estava imóvel, mal conseguia respirar. Tia Luísa com toda a
certeza, desconfiava de algo. Ela não costumava tratar as
pessoas assim; era incrível com todo mundo.
Ou ela achava que eu estava mentindo, ou pensava que
Caetano era tão safado que estava dando em cima até mesmo
de mim, a filha da esposa do pai.
— O que faz aqui, tia? — objetei, tentando encontrar um
assunto que quebrasse o clima que se instalava.
Ela fez um gesto com a mão.
— Tenho um encontro mensal com as minhas amigas —
disse, puxando uma caixinha de dentro da bolsa ao lado no
banco. — Viemos para a vinícola, tomamos vinho e jogamos
tarô.
— Hum... parece ser divertido.
Caetano nos encarava, com uma sobrancelha arqueada. Tia
Luísa apontou para o banco vazio na frente dela.
— Inclusive, sente-se, Mavie. Vou colocar um jogo pra ti.
Balancei a cabeça, negando.
— Não precisa, não quero atrapalhar.
Bufou.
— Não atrapalha nada. E estou entediada, minhas amigas
já foram e fiquei aqui para terminar a garrafa de vinho. Vamos,
sente-se logo.
Ela não me deixaria em paz, ainda mais com a
desconfiança que brilhava em seu olhar. Não parecia estar feliz
com a proximidade de Caetano, em estarmos perambulando por
aí, sozinhos.
Para as nossas famílias, nós nunca tivemos contato além do
primeiro e único encontro na vinícola quando nossos pais
formalizaram as coisas. Caetano foi embora e eu só ouvia falar
sobre ele, então por que agora estávamos caminhando por aí,
parecendo tão íntimos?
Me sentei no banco em frente a ela e cruzei as mãos em
cima da mesa. Meus músculos estavam rígidos pela tensão.
Tentei disfarçar e parecer relaxada, mas era muito difícil
quando cada célula do meu corpo gritava em desespero.
— Isso vai ser interessante — disse Caetano, parecendo
intrigado.
Tia Luísa lançou um olhar sério e resoluto a ele, antes de
se voltar para as cartas. Com mãos experientes, embaralhou o
deck .
— Corte o baralho — ordenou, apontando para a pilha.
Suspirei, obedecendo.
As cartas foram dispostas uma a uma. Ela virou uma delas,
revelando a primeira. Mostrava a imagem de um casal unido,
mas separado por uma montanha.
— Os Enamorados — disse, erguendo os olhos para mim. —
Esta carta fala de conexões, escolhas do coração. Indica o
início de um relacionamento — explicou, enquanto eu tentava
manter meu olhar neutro, mas meu coração batia acelerado.
— Interessante... — murmurou Caetano.
Eu mataria Caetano na primeira oportunidade se ele não
calasse a boca. Ela olhou para ele, franzindo os lábios em um
esgar. Segurou outra carta, virando-a.
— A Rainha de Copas. — Sorriu. — É uma carta muito
especial. Ela representa a fertilidade, a maternidade. Em uma
leitura como essa, pode sugerir a chegada de uma nova
gravidez.
Eu mal conseguia respirar, as palavras dela ecoavam na
minha mente, cada sílaba pesando como chumbo.
Olhei para Caetano, buscando algum conforto, mas ele
parecia... extasiante, enquanto eu nem conseguia engolir
direito, de tanta tensão.
Estava trêmula da cabeça aos pés e agradecida por estar
sentada, ou teria desmoronado no chão.
Tia Luísa percebeu a tensão que se formou, pois o silêncio
se estendeu. Dessa vez, até mesmo Caetano ficou calado.
— O tarô fala em possibilidades, caminhos que podem se
abrir — disse, recolhendo as cartas com cuidado,
interrompendo o jogo. — Mas, lembre-se, Mavie. É tu quem
escolhe o teu destino, as cartas são apenas sussurros do
destino.
Uma possibilidade? A última vez que ela jogou cartas para
mim, foi antes de engravidar de Elouise. E ELA DISSE QUE
TINHA A POSSIBILIDADE DE UM BEBÊ NO MEU CAMINHO.
Na época, não acreditei. Fiz pouco caso. Até que, meses
depois, os dois traços positivos me mostraram o contrário. Seja
lá qual era a bruxaria que ela usava nas cartas, dava certo.
Deus, eu teria um colapso.
Guardou as cartas na bolsa.
— Parece preocupada, Mavie.
— E tem como não ficar? — retruquei. — A última vez que
fez essa leitura, deu certo.
Gesticulou em desdém.
— Está preocupada com a gravidez? — Acenei. Um sorriso
irônico surgiu no rosto dela. — Se não estiver tendo relações
com ninguém, não tem com o que se preocupar. — Piscou um
olho.
Meu Deus, ela sabia. De algum jeito, ela sabia.
Me levantei em um só movimento, zonza, trêmula, trôpega.
Balancei a cabeça, me afastando da mesa o máximo possível.
Tropecei em Caetano, que me segurou pela cintura.
— Precisamos encontrar Lívia e Elouise — eu disse, me
afastando dele com um pouco de rispidez. Passei a mão no
cabelo e ajeitei a postura. — Obrigada, Tia Luísa. Prometo que
vou visitá-la essa semana.
— Vai ficar aqui até quando? — perguntou, olhando
fixamente para Caetano.
— Não sei ainda.
Assentiu.
— Estarei esperando, querida. Até mais, Caetano.
— Até mais, Luísa.
Girei nos calcanhares e caminhei para longe, controlando
os passos, porque a minha vontade era de sair correndo.
— Então teremos outro bebê? — sussurrou Caetano,
quando nos distanciamos o suficiente para que ela não pudesse
ouvir.
Balancei a cabeça negativamente.
— Não brinque com isso.
— Não estou brincando.
— Acho que ela desconfiou, ou ela sabe de alguma coisa.
— Suor empapava as minhas mãos. — Céus, eu deveria ter
ficado em casa.
Ele suspirou e fez menção de tocar em mim, mas puxou o
braço no último instante, como se repensasse nisso.
— Não surta, Mavie. Faltam poucos dias para a volta dos
nossos pais. Ela vai saber a verdade, de um jeito ou outro.
— Eu sei, só não queria que soubesse antes da minha mãe.
Já vai ser uma droga contar a verdade e minha mãe vai ficar
magoada. Se ela souber que todo mundo sabia, até mesmo a
irmã, a reação dela vai ser bem pior.
Avistamos Lívia caminhando com Elouise no colo, ela
apontava para o vinhedo e falava algo para a sobrinha,
divertindo-se com ela.
— Só... mantenha a calma. Não confirmou nada para Luísa,
então Laís não pode te acusar de contar para todos, menos pra
ela.
Meu estômago estava embrulhado e meu corpo ainda
tremia, mas Caetano tinha razão, de nada adiantaria ter um
surto agora. Estava mais perto do que nunca da verdade ser
revelada, e nada que eu fizesse mudaria isso.
— Tudo bem. Só preciso de um pouco de vinho, nada mais.
— Se é disso que precisa, está no lugar certo.
Nos aproximamos da mesa que Lívia mandou preparar para
nós. Absorvi tudo o que tinha acontecido, desde a desconfiança
da minha tia até o significado das cartas de tarô. Esse não era
pra ser um momento de tensão, mas sim um passeio legal e
descontraído. E seria justamente o roteiro que eu seguiria. Ou
tentaria, pelo menos.
Dei alguns passos oscilantes, com os olhos vendados pelas
mãos de Caetano. Tateei o caminho à minha frente, mas não
havia nada para tocar.
— Não me deixe cair — pedi, com medo de tropeçar ou
bater em algo.
— Nunca — afirmou ele.
Não fazia ideia do que me esperava, só sabia que
estávamos na vinícola, porque ele me deixou ver todo o
caminho percorrido.
Mais cedo, ele chegou em casa, ordenando que eu
colocasse um vestido bonito e me arrumasse. Disse que iríamos
sair e que Lívia estava indo para lá, ficar com Elouise.
Desde meu encontro com tia Luísa, eu vivia preocupada,
cabisbaixa e até mesmo triste. Ela não agiu muito bem sobre
um possível relacionamento meu com Caetano, então imaginava
que com mamãe seria muito pior.
Tudo bem, eu sabia que não era socialmente aceito, mas,
poxa, a família poderia entender, não? Nós nos conhecemos e
nos envolvemos antes de sabermos a verdade, quando nem
levantávamos a possibilidade de um parentesco, que não era
bem um parentesco.
Bárbara também me disse, em uma das nossas conversas,
que a mãe chegou a fazer perguntas para ela, sobre como eu
conhecia Caetano e qual era a nossa proximidade. Minha prima
se esquivou de todas, mas disse que deveria falar com minha
mãe logo após o aniversário, antes que mais gente levantasse a
suspeita e as coisas se embolassem mais.
Eu sabia que ela tinha razão, mas depois de como tia Luísa
agiu...
Soltei um suspiro, pensando no assunto.
— Pare com isso, Mavie — sussurrou Caetano no meu
ouvido. — Hoje à noite é pra gente se distrair, não para se
preocupar.
— Tudo bem — concordei, respirando fundo. — Tem razão.
Eu sabia o que ele estava tentando fazer quando me
chamou para sair. Caetano percebeu nos meus olhos a
preocupação escancarada em mim, a dor da antecipação do
que estava por vir.
Esse era só o jeitinho dele de tentar me distrair, de
melhorar as coisas.
Paramos de andar, e ele tirou a mão da frente dos meus
olhos, liberando a minha visão. Pisquei, me acostumando com a
claridade.
Pousei as mãos na boca, lágrimas brilharam em meus
olhos.
O espaço, normalmente dominado por barris enfileirados,
havia sido transformado em um cenário de conto de fadas por
Caetano. A iluminação suave, projetada cuidadosamente sobre
os barris, criava um jogo de luz e sombra, que destacava a
textura da madeira e riqueza histórica do lugar.
No centro do galpão, havia uma pequena mesa redonda
elegantemente arrumada, coberta com uma toalha, taças e
uma garrafa de vinho. Ao lado, outra mesa, só que essa com o
que eu imaginava que seria o jantar.
Me aproximei da mesa ao centro, sentindo meu coração
bater em um ritmo acelerado. Não era só pelo fato de ser a
decoração e o ambiente mais lindo em que eu jantaria na vida,
mas pela presença de Caetano, o quão incrível ele foi ao criar
uma memória que seria só nossa.
— Gostou? — perguntou, parecendo ansioso.
Me virei para ele, ainda sem palavras. Avancei, me jogando
em seus braços. Colei nossos lábios, beijando-o com toda a
intensidade que eu sentia, com todo o amor que crescia, a cada
dia mais, no meu coração.
— Eu amei, Caetano. Ficou tudo tão lindo, tão perfeito —
ofeguei.
Ele sorriu, todo orgulhoso, e me puxou até a mesa,
apontando para a cadeira e me ajudando a sentar.
— Quando foi que planejou tudo isso?
Recolheu a garrafa de vinho e começou a remover a rolha
com o abridor elétrico.
— Pouco antes do encontro com a tua tia.
Arregalei os olhos, me lembrando de algo.
— Ei, foram os jantares que Sandra comentou? —
perguntei, mordendo os lábios.
Ele afirmou, terminando de abrir o vinho. Recolheu a minha
taça e a encheu, antes de fazer o mesmo com a dele.
Senti o calor da vergonha nas minhas bochechas. Eu era
tão tola, pensei muitas coisas quando Sandra falou dos
jantares, menos em algo assim.
Ele percebeu o meu silêncio e me lançou um olhar
semicerrado.
— O que foi, Mavie?
— Nada — menti, puxando a taça e tomando um gole.
— Vai me contar ou vou precisar arrancar de ti?
Suspirei, deslizando a ponta no dedo no bordado suave da
toalha vermelha da mesa.
— Sou uma idiota, apenas.
— E por que acha isso?
Puxou a cadeira da frente e se sentou, levando a taça aos
lábios.
— Quando Sandra falou dos jantares, eu pensei... pensei
que levaria alguém para jantar, não sei… qualquer outra
pessoa.
Suspirou e puxou a gola da camisa para baixo, abrindo um
botão. Inclinou-se sobre a mesa, estendendo o braço e tocando
a minha mão.
— E quantas vezes será preciso para que eu consiga te
provar que só tem uma única mulher na minha vida? — Pendeu
a cabeça para o lado, ponderando. — Bom... agora, duas.
— Sou uma tola, eu sei.
Bufou.
— Não foi isso que eu quis dizer, Mavie.
— Sei que não.
— Só... por favor, pare de achar que tem outra mulher na
minha vida, pare de sequer pensar que eu me interesso por
outra pessoa que não seja tu. — Apertou a minha mão. — Se
continuar assim, juro que vou me sentir ofendido. Nunca dei a
entender o contrário disso.
Balancei a cabeça, com os lábios comprimidos.
— Nunca deu — confirmei. — É só que... nosso futuro é tão
incerto que, às vezes, penso que pode ir atrás de alguém. É um
pai incrível, Caetano. Imagino que queira ter mais filhos,
formar uma família.
Confirmou.
— E quero, mas quero tudo isso contigo e apenas contigo.
Quero dar um ou dois, até mesmo três, irmãos para Elouise.
Quero me casar e passar o resto dos meus dias ao teu lado.
Senti uma fisgada no peito e uma vontade absurda de
chorar, mas consegui me controlar.
— Mas... e se Therêncio não aceitar? No passado, nós
decidimos o que era melhor para os nossos pais. E isso ainda
não mudou, prezamos pela felicidade deles.
Acenou.
— Eu ainda amo o meu pai e a felicidade dele também é a
minha, mas... as coisas não são mais como no passado. Nós já
tentamos fazer o que seria melhor pra eles e não deu certo,
Mavie. Se eles pensarem o contrário, estarão enganados. Eu te
deixei ir, abri mão da única garota que mexeu comigo de um
jeito que nenhuma outra fez. — Respirou fundo. — Quando nos
conhecemos, fazia pouco tempo que eu tinha saído de um
relacionamento duradouro, então não procurava um novo
relacionamento, queria curtir a vida, aproveitar, mas tu
apareceu naquela festa. Assim que te vi no bar, soube que
precisava me aproximar, que precisava me apresentar, não
importava quais fossem as circunstâncias. E... bom, minha
camisa perdida foi a prova disso.
Um sorriso surgiu no meu rosto com a lembrança.
— E fiquei a noite toda me culpando pela tua roupa.
Deu de ombros.
— Era a camisa ou a guria. — Piscou. — Eu senti uma
necessidade absurda de te conhecer no momento que te vi, só
segui a minha intuição. — Puxou a mão, passando-a nos
cabelos, e se ajeitou na cadeira. — Não pense que foi fácil pra
mim te deixar ir naquele dia. Achei que, com o afastamento,
seria mais fácil, mas depois de alguns meses e a ânsia no meu
peito não sumir, fiz a tatuagem. Já que eu não poderia te ter,
que tivesse pelo menos uma lembrança para me acompanhar
para sempre.
— Enquanto fiquei com Elouise, uma parte tua... —
sussurrei.
— Acho que tu saiu no lucro — brincou, antes do sorriso
sumir do rosto e o clima voltar a pesar. — Enfim, só quero que
decida se vai mesmo ficar comigo, não importa a reação dos
nossos pais, porque estou decidido a ficar contigo. Tentamos
nos afastar, tentamos agir do jeito que julgamos ser o certo,
mas o destino sempre teve planos diferentes para nós.
Engoli para molhar a garganta embargada.
— Nunca vou me perdoar por ter tomado a decisão de
esconder Elouise. — Balancei a cabeça. — Eu só queria fazer a
coisa certa, queria que minha mãe fosse feliz, que...
Ele se levantou, me calando.
— Não vamos falar sobre isso de novo, já disse que já te
perdoei. Nós caímos em uma armadilha do destino e acabamos
sendo entrelaçados pelo acaso, Mavie. Todos nós tomamos
decisões impulsivas que julgamos ser certas, mesmo que
acabem não sendo. Só era uma jovem, sozinha, grávida do filho
do padrasto. Fiquei muito puto contigo no início, mas, no fim,
eu só... te perdoei e me coloquei no teu lugar. Não fui eu que
fiquei aqui, arcando com as consequências da nossa noite.
Enquanto eu estava nos Estados Unidos, vivendo a minha vida,
seguindo os meus planos, tu estava grávida e sozinha, tendo
que rever todo o teu futuro por causa de uma gravidez não
planejada. Não sou ninguém pra te julgar. Ninguém.
— Mas te tirei tempo da vida de Elouise.
Aproximou-se de mim e se ajoelhou ao meu lado na
cadeira.
— E vai me dar a oportunidade de viver cada segundo da
paternidade com os nossos futuros filhos. — Arqueou uma
sobrancelha.
— Futuros filhos? — objetei, não conseguindo parar de
sorrir.
— É claro, se aceitar ficar comigo, não importa o futuro. —
Pousou a mão sobre a minha coxa, apertando-a de leve. — Sei
também que acha que precisa ser autossuficiente com tudo,
que precisa lidar com tudo sozinha, mas as coisas não são
assim, e estou feliz que esteja percebendo isso aos poucos.
Sempre estarei aqui para te apoiar, para ser o pai que Elouise
precisa, mesmo que não queira ficar comigo e que me destrua
te ver compartilhando a vida com outro homem.
Me virei para ele e segurei seu rosto em minhas mãos,
forçando-o a me olhar.
— Assim como não há nenhuma outra mulher na tua vida,
Caetano, não há nenhum outro homem na minha — confessei,
colando as nossas testas. — A única coisa que ainda me
segura, que me impede de viver esse amor, é toda a gratidão e
orgulho que tenho pela minha mãe. Entenda, nunca tive um
pai, não faço nem ideia de qual é o nome dele, de como ele é.
As coisas nem sempre foram fáceis, minha mãe mal tinha
dinheiro para nos sustentar e, mesmo assim, deu conta de
tudo. Ela precisou se virar entre estudar, criar uma filha sozinha
e não deixar com que faltasse comida pra nós. Nunca
abandonou os estudos, porque sabia que seria através da sua
carreira que poderia me dar uma vida melhor, a vida que ela
achava que eu merecia. E foi realmente o que aconteceu. Por
isso, Caetano, e só por isso, que eu não posso te dar uma
resposta agora, pois não consigo imaginar um mundo em que
eu pudesse fazer minha mãe infeliz.
Balançou a cabeça, concordando, os olhos castanhos
brilharam.
— Entendo — sussurrou. — Estarei aqui, de qualquer
maneira, te esperando. — Me beijou, e então se levantou,
retornando para o seu lugar.
— Não vamos nos precipitar. Quando os nossos pais
retornarem, vamos descobrir tudo o que vai acontecer.
— Sim.
Ele puxou uma conversa sobre Elouise, mudando de
assunto e aliviando um pouco o clima que havia pesado. Nós
bebemos metade da garrafa e rimos muito das peripécias da
nossa filha, principalmente as com Lívia, a tia doida e cabeça
oca.
Caetano colocou na nossa frente, depois de um tempo,
uma tábua de frios com queijo, salamito, azeitona, pepino, ovo
de codorna e torradinhas.
Não sabia que precisava de um momento assim com ele,
até o compartilharmos.
— Por que, do nada, decidiu me trazer para jantar? —
perguntei, sentindo a embriaguez do vinho se espalhar pelo
meu corpo.
— Porque casais normais dividem momentos assim —
respondeu, dando de ombros. — Como nós nunca fomos
normais e meio que pulamos todos os passos de um
relacionamento, pensei que poderíamos voltar ao começo.
Sorri, sentindo um palpitar suave no meu coração.
— E quais precisam ser os próximos?
Refletiu por um instante.
— Nós já dormimos juntos e, se tudo der certo, vamos
morar juntos.
— Vamos? — questionei, arqueando uma sobrancelha.
— Isso não está em discussão. — Gesticulou em desdém.
— Para resumir, nós já iniciamos com sexo e um bebê, pulando
muitas fases. Agora, podemos acrescentar um jantar na conta.
— Arqueou um dedo em riste. — Nunca vai poder me cobrar de
nunca ter te pagado um jantar. — Piscou. — O próximo plano é
uma viagem em família, depois casamento, também pode
reformar a casa como bem entender, quando aceitar ser
finalmente minha, e... mais bebês.
Meu queixo caiu.
— Já planejou a nossa vida toda?
— E mais um pouco.
— O que está incluso nesse “mais um pouco”? — Fiz aspas
com os dedos.
— O colégio interno em que nossas filhas vão estudar,
assim como a ficha técnica que vou criar para uma possível
aprovação de um futuro marido.
Soprei uma gargalhada sincera.
— Tu é inacreditável, Caetano. — Não conseguia parar de
rir dos planos mirabolantes que ele havia criado. — Então... se
já cumpriu a parte do jantar, qual é o outro que Sandra disse
que estava marcado?
Me lançou um sorriso incisivo.
— O do teu aniversário.
Bufei.
— Não acredito que fez isso.
— Se bem me lembro, tua mãe faz todo o ano e tu não
reclama.
— Quem disse que não reclamo?
Ponderou, jogando-se para trás na cadeira.
— Tanto faz. Só sei que vamos ter um jantar na vinícola
para comemorar os teus trinta anos.
Tapei o rosto com as mãos.
— Estou ficando tão velha — choraminguei.
— Pra mim, está cada vez mais perfeita.
— E educada — acrescentei. — Vou fazer trinta anos e
nunca cometi nenhuma loucura na vida, além, é claro, de
transar e engravidar do filho do meu padrasto.
Ele riu.
— Acho que isso já é suficiente.
Olhei ao redor, notando que havia um único barril no meio
do galpão, distante dos outros que foram precisamente
organizados.
— Mandou que fizessem tudo isso daqui?
Anuiu.
— Qual seria a graça de ser herdeiro de uma vinícola, se eu
não posso aproveitar tudo o que ela tem a oferecer?
— E isso inclui trazer garotas para jantar?
Pousou uma mão no coração.
— Não qualquer garota, mas a mulher da minha vida.
Quando ele falava assim de mim, sentia vontade de sair
saltitando por aí, sem conseguir conter toda a felicidade que
me atingia.
Apontei para o barril que ficou no meio.
— Acho que eles esqueceram esse.
— Não esqueceram, eu que pedi pra deixarem.
Me virei lentamente para ele, um vinco surgindo na minha
testa.
— Por quê?
Inclinou-se sobre a mesa, semicerrando o olhar em mim.
Um brilho puramente masculino refletiu neles, enquanto os
lábios se ergueram em um sorriso fugaz.
— Disse que nunca fez nenhuma loucura e já está entrando
na casa dos trinta — murmurou, acenei. — Tire a roupa, Mavie.
Pressionei as laterais da mesa com força, as pontas dos
dedos esbranquiçando.
— Por... por quê? — gaguejei.
— Porque vou te foder bem aqui, no meio desse galpão,
dentro da vinícola.
Pressionei as coxas uma contra a outra, o calor se
concentrando no meio das minhas pernas.
— Mas... não tem ninguém aqui?
O sorriso dele aumentou.
— Tem os guardas noturnos, mas se ficar quietinha, não
gemer muito alto e não chamar a atenção deles, ninguém vai
entrar aqui.
Tensão se acumulou nos meus músculos, o tesão me
atingindo e crescendo com o risco que correríamos, com o quão
proibido isso deveria ser.
— E se eu gritar? — provoquei.
— Eles vão ter uma visão bem... perturbadora para os
restos das vidas deles, do meu pau. Nenhum outro homem vai
ver o que me pertence. Eu te esconderia com o meu corpo,
obviamente.
Ergui o rosto, me sentindo desafiada por ele.
— E se eu quiser que outro me veja?
Sorriu.
— Está me provocando, Mavie Hoffmann?
Empurrei a cadeira com o tornozelo e me levantei. Virei
todo o vinho restante da minha taça, antes de pousa-lá sobre a
mesa. Levei as mãos ao zíper lateral do vestido tubinho que eu
vestia, abrindo-o, e então o empurrei para longe, deixando-o
cair aos meus pés. Fiz o mesmo com o sutiã, liberando os meus
seios pesados e inchados pelo tesão que eu sentia.
O olhar de Caetano estava em mim, sem piscar, sem nem
mesmo respirar.
Dei um passo para o lado e puxei a calcinha, deslizando-a
pelas minhas pernas. Por fim, chutei os sapatos para longe,
ficando totalmente nua bem diante dele.
Sabia que ele estava me provocando, mas eu me sentia
levemente embriagada com o vinho e morrendo de vontade de
foder. Também sabia que ninguém entraria no galpão; ele
deveria ter dado ordens expressas aos funcionários. E, safado
como era, já tinha tudo planejado. Isso incluía o barril no meio.
— Pronto — murmurei, pousando as mãos na cintura.
O piso de chão batido arranhava a sola dos meus pés
descalços e eu sentia um pouco de frio, nua demais em um
espaço tão amplo.
Caetano gargalhou e então se levantou. Notei a
protuberância no meio das pernas, que distendia o tecido da
calça jeans.
Lentamente, abriu botão por botão da camisa branca, se
desfazendo dela. Observei o peito esculpido, sentindo orgulho
dos pequenos arranhões que marcavam a pele. Todos eles
feitos por mim, no dia anterior.
As mãos foram para o botão do jeans, removendo-o com
facilidade. Deslizou-o pelas pernas e o chutou para longe,
fazendo o mesmo com os tênis e as meias.
Encarei a boxer e subi o olhar, arqueando uma sobrancelha.
— Ainda falta uma peça.
Segurou as laterais, puxando-a.
O pau duro e grosso saltou, totalmente pronto para me
foder.
— Melhor assim? — perguntou, parado à minha frente.
— Bem melhor. — Lambi os lábios, provocante.
Ele segurou a ponta da garrafa de vinho e caminhou até
mim, segurando minha nuca com a mão livre.
— Agora vai ser uma boa garota e vai se deitar naquele
barril.
— E se eu não fizer?
Sorriu, incisivo.
— Vai perder a melhor chupada da tua vida.
Arfei, sentindo o líquido escorrer pelas minhas coxas. Eu
estava tão excitada que, se ele quisesse me foder sem
preliminares, não encontraria problema algum.
— Tão convencido... vou fazer isso só para ter a prova de
que diz a verdade.
Gargalhou.
— É claro que sim, né, Mavie? Só quer comprovar que falo
a verdade e não porque essa bocetinha gostosa está suplicando
para ser fodida, seja pela minha língua ou pelo meu pau.
— A arrogância precede a queda, senhor Rossi.
— A queda do meu rosto no meio das tuas pernas, te
fazendo gozar na minha boca?
Não respondi, caminhei até o barril e me sentei na ponta
dele. Caetano se ajoelhou à minha frente, ignorando o asfalto
áspero contra a pele. Ele ainda mantinha a garrafa de vinho em
uma mão.
— Deite-se — rosnou, encarando o meu corpo com tanto
desejo, que parecia ser a primeira vez que me via nua.
Fiz como ele ordenou, estremecendo ao sentir o barril
gelado na pele nua das minhas costas. Encarei o teto do galpão
e esperei.
Caetano afastou os meus joelhos e se inclinou sobre mim,
plantando um beijo na minha barriga.
— Sabe o que eu vou fazer? — perguntou. Neguei com um
aceno. — Vou juntar as duas melhores coisas do mundo.
— E o que é? — indaguei, mordendo o lábio.
— Vinho e você — disse, e então derramou vinho na minha
barriga.
O líquido em contato com a minha pele, me deixou
arrepiada. Ele escorreu pelo meu abdômen, pingando pelo meio
das minhas pernas.
A língua de Caetano roçou, lambendo cada mísera gota. Ele
começou pela minha barriga, um rastro quente. Foi descendo,
deslizando-a por uma coxa e então para a outra.
Agarrei as laterais do barril com força, antecipando o que
estava prestes a acontecer.
Beijou minha púbis, descendo a língua.
Fechei os olhos quando senti o contato da boca quente
contra o meu clitóris. Arfei, arqueando levemente as costas.
Sugou o nervo sensível, prendendo-o por entre os dentes.
Arrastou a ponta do nariz e inspirou fundo, sorvendo o meu
cheiro.
— Perfeita! — sussurrou.
Afastou-se, levando o bico da garrafa aos lábios. Com a
boca cheia de vinho, voltou-se para mim, cuspindo o líquido na
minha boceta, antes de me penetrar com a língua. Deixou a
garrafa no chão e levou a mão livre ao meu clitóris,
circundando-o.
Pressionei os olhos e me agarrei com ainda mais força ao
barril, me contorcendo sob os lábios dele, sem conseguir me
controlar.
Os meus gemidos exalavam pelo galpão.
Caetano mudou as posições, erguendo o rosto até o meu
clitóris e me penetrando com dois dedos. Eles deslizaram fácil
pelo canal lubrificado.
A língua dele era dura e precisa, circundando-o,
movimentando-se em vaivém. Ele intercalava entre chupar, me
masturbar com a língua e dar mordidinhas delicadas.
Dobrou os dedos dentro de mim, acertando com precisão
um ponto que me fazia ofegar a cada estocada.
O barulho molhado da sucção dos seus dedos me invadindo
aumentou, unindo-se aos meus gemidos. O vinho se misturava
com a minha lubrificação.
Caetano me chupava com muita vontade e dedicação, me
amando, me reverenciando.
Um calor insidioso cresceu no meu abdômen, se
espalhando por minha veias como pequenos fragmentos.
Crescendo e crescendo, com uma intensidade expressiva.
Seus dedos entravam em mim com força, a língua dele
masturbava o meu clitóris com rapidez.
O primeiro espasmo me atingiu, me fazendo tremer sobre o
barril de vinho.
— Caetano — sussurrei o nome dele, ofegando.
Meu peito se movia em uma respiração acelerada, meu
coração batia descompassado e meus pelos estavam
arrepiados.
— Caetano — repeti, dessa vez o nome dele saiu como um
sibilo, uma súplica.
Acelerou os movimentos, tanto dos dedos quanto da
língua.
Fechei os olhos e não consegui segurar mais. Explodi em
um orgasmo que me fez ver estrelas através das minhas
pálpebras fechadas.
Meu corpo trepidou sobre o barril, os músculos amolecidos.
Caetano colocou as mãos na minha cintura, me segurando e
impedindo que eu girasse para o lado e caísse de cara no chão,
enquanto eu apreciava o torpor de um dos melhores orgasmos
que tive.
Aguardei, deitada, sem me mexer, esperando meu corpo
reagir.
Um sorriso bobo curvou os meus lábios. Suspirei fundo e
lancei um olhar a ele, que me encarava sorrindo todo
convencido.
— Isso foi incrível — comentei.
Arqueou uma sobrancelha e estufou o peito.
— A partir de agora, vou estocar garrafas de vinho em
casa. Nunca pensei que a combinação Mavie e vinho Rossi
ficaria tão perfeita.
Revirei os olhos e me sentei, com certa dificuldade. Passei
uma mão nos cabelos, puxando-os para trás.
— Isso é tu quem está dizendo.
— Exatamente. Já provei mais vinhos do que pode
imaginar, sei como são produzidos, assim como sei quais
combinações deram certo e quais, não. Tenho autoridade para
falar sobre o assunto, teu gosto com vinho é perfeito.
— Vai me engarrafar também? — zombei.
Negou, me puxando para fora do barril e me colocando de
pé.
— Essa edição é totalmente exclusiva para mim. — Me
beijou e eu senti meu gosto na boca dele, soltando um
pequeno gemido de satisfação. — Agora, meu amor, vou te
foder com força. — Agarrou meus cabelos da nuca, puxando
meu pescoço para trás. — Preciso me enterrar em ti, antes que
eu enlouqueça de vez.
— Não vou me opor, senhor Rossi.
Me soltou, me virando de costas para ele. Corri
rapidamente o olhar pelo meu corpo, reparando que ele fez o
que prometeu: ele lambeu cada maldita gota de vinho, porque
eu não estava manchada.
Empurrou minhas costas para a frente. Pousei as mãos no
barril, fiquei na ponta dos pés e empinei a bunda.
Caetano se afastou, correndo até as roupas e pegando um
pacote de camisinha. Rompeu o lacre com os dedos, removeu a
camisinha da embalagem e deslizou pelo pau duro, tudo rápido
e calculado, como se estivesse em desespero para me foder
logo.
Voltou-se para mim, acomodando-se às minhas costas.
Senti o pau dele deslizar pela minha entrada, para cima e para
baixo. E então, em um movimento, me penetrou, me abrindo
com facilidade. Ele se enterrou por inteiro, soltando um gemido
alto.
Agarrou a minha cintura, me mantendo no lugar, enquanto
batia o quadril contra o meu, me penetrando com força e
rapidez, assim como tinha prometido.
Eu ainda estava sensível e excitada por causa do orgasmo,
pronta para gozar de novo a qualquer segundo.
O barulho molhado da fricção dos nossos corpos se
espalhou pelo ar. Gemi o nome dele, sempre me controlando,
cuidando para a voz não ficar alta demais. Embora soubesse
que ninguém entraria no galpão, não queria que estranhos me
ouvissem e lembrassem depois do quão escandalosa eu poderia
ser enquanto era fodida. Morreria de vergonha se isso
acontecesse.
Os dedos de Caetano deslizavam pela minha pele, uma
carícia silenciosa e delicada.
Eu sabia o que ele sentia, o que estava passando por sua
cabeça. A mesma coisa que passava pela minha: seria esse o
nosso fim? O nosso primeiro e único jantar romântico? Como
seria o nosso futuro? Se houvesse um…
Fechei os olhos, tentando afastas as lágrimas que
surgiram, molhando os meus cílios e ameaçando borrar a minha
maquiagem.
Não me preocuparia com o futuro, não deixaria que a
incerteza tomasse conta de um momento só nosso, tão único.
Caetano pareceu sentir a tensão nos meus músculos,
compreendendo que a tristeza estava surgindo, me tomando
pouco a pouco. Ele deslizou a mão para o meio das minhas
pernas e tocou no meu clitóris inchado.
Apertei a madeira com tanta força que os nós dos dedos se
esbranquiçaram.
Era o estímulo que eu precisava para gozar pela segunda
vez.
— Caetano — roguei o nome dele, afastando mais as
pernas e me remexendo incontida.
— Goza, Mavie. Estou aqui para te oferecer isso, para te
levar ao céu, te fazer desmanchar de tanto prazer, para te a...
— interrompeu-se, enrouquecido, desistindo de continuar a
frase.
Seus dedos dispararam contra o nervo sensível,
pressionando-o com força. O pau deslizava para dentro de mim,
bruto e forte.
Não aguentei nem um segundo a mais.
Explodi em um orgasmo.
Caetano me acompanhou, urrando atrás de mim,
murmurando o meu nome em meio a alguns palavrões. Passou
o braço ao redor da minha cintura, me mantendo no lugar,
antes que eu cedesse ao meu peso e caísse no chão.
Meus músculos relaxaram a ponto de ficarem amolecidos e
eu me senti tão exausta e satisfeita.
Me puxou para ele, colocando meus cabelos para frente,
por cima do ombro, e beijando a minha nuca suada.
— Agora, sim. Jantar romântico concluído com sucesso.
— Hum... — murmurei, ainda letárgica.
— Acho que eu me saí bem, te deixei até sem fala.
Um sorriso involuntário surgiu nos meus lábios.
— Sim, Caetano. Se saiu incrivelmente bem — confirmei.
E a risada rouca dele contra a pele da minha nuca foi
resposta o suficiente. Ele sentia orgulho do que tinha feito e,
principalmente, estava satisfeito consigo mesmo.
E, ah, se ele soubesse como tinha sido importante para
mim, como meu coração era irremediavelmente todo dele…
Caminhei com Caetano através dos vinhedos. Elouise
estava em nosso meio, uma mão agarrada na minha e a outra,
na do pai. Eu segurava um copo de suco na mão livre, feito
diretamente com as uvas da vinícola.
Amava esses momentos que compartilhávamos em família,
e percebia a felicidade de Elouise em todos eles.
Eles sempre me faziam pensar sobre como seria quando eu
voltasse para Porto Alegre. Não teríamos essa disponibilidade
toda, nem mesmo a liberdade. A vida na cidade grande era
corrida. Por um lado, era muito bom, pois era impossível ficar
entediada, mas por outro... Elouise era tão feliz aqui, perto da
família, ao lado do pai.
Mas... como eu daria uma resposta, decidiria largar de mão
toda a vida que eu tinha lá, se minha mãe não apoiasse o
relacionamento? Seria difícil me separar de Caetano, e mais
complicado ainda ter convivência com ele e fingir que não me
importava. Por isso, eu ainda não tinha decidido sobre vir
morar aqui definitivamente.
Pisquei, me dispersando e voltando para o momento legal
que estávamos vivendo.
Suspirei, sorrindo.
— Isso está muito bom — comentei, sorvendo mais um
gole.
Ele se virou para mim, sorrindo. Os lábios estavam
manchados de roxo por causa da bebida. Ele estava tão
agradável assim, tão descontraído e jovial.
— Sempre foi o meu favorito e o de Lívia. Nosso pai levava
uma jarra para casa todos os dias, era o complemento do café
da manhã — contou, agachando-se e dando mais um pouco
para Elouise, que parecia gostar tanto quanto nós. — Está
disponível para venda em alguns mercados.
Ele não era docinho como a maioria dos sucos
industrializados de uva, mas o gosto era incrivelmente bom.
— Hum... — ciciei, tomando outro gole.
Ajeitou-se e voltamos a caminhar por entre os vinhedos,
analisando a paisagem bonita.
Era fim de tarde, o sol estava baixo no céu. Os últimos
raios refletiam através dos vinhedos, nos cedendo uma vista
perfeita para uma caminhada.
— Prove essa uva — disse Caetano, apontando para um
dos cachos.
Era uma uva diferente, escura e encorpada. Estendendo o
braço, puxei uma e a joguei na boca. O sabor rico e complexo
despertou várias sensações no meu paladar.
Arqueei as sobrancelhas, surpresa.
Caetano me observava com um sorriso, claramente
satisfeito com a minha reação.
— É maravilhosa, não é?
Puxei outra do cacho e me agachei, entregando para
Elouise que a recebeu de bom grado.
— Gostou? — insistiu.
Assenti.
— Nunca provei uma uva com tanto sabor.
— Essas são as uvas Syrah — ele disse, pegando
delicadamente um cacho na mão. — São bastante especiais e
versáteis. Originárias da França, se adaptaram incrivelmente
bem ao solo e ao clima aqui de Bento Gonçalves.
— Que incrível — comentei, realmente encantada.
— A Syrah é conhecida por produzir vinhos robustos e
aromáticos. Eles têm uma complexidade de sabores que pode
variar bastante, mas geralmente tu vai encontrar notas de
frutas escuras como ameixa e cassis. Às vezes, uma pitada de
especiarias ou até mesmo um toque defumado, dependendo do
processo de vinificação — explicou, e notei em seu tom de voz
toda admiração e amor que ele tinha pelo processo. — Mas o
que é realmente fascinante sobre a Syrah é a forma como ela
reflete o terroir [2] . Mesma uva, mas plantada em diferentes
partes da nossa vinícola, pode resultar em vinhos com perfis
distintos. Isso é, em parte, o que torna o vinho tão mágico. É
uma combinação da natureza, ciência e, claro, a arte do
vinicultor.
Peguei outra uva, mastigando-a.
— A uva em si já é deliciosa, mal posso esperar para provar
o vinho que ela produz.
Notei o brilho no olhar dele, como uma ideia não dita.
— Claro — disse, apenas. E agora, conhecendo-o bem,
sabia que ele planejava algo.
Não me aprofundei no que quer que fosse que ele estivesse
imaginando. Continuamos o nosso tour pela vinícola,
apreciando o final de tarde.
Elouise pediu mais algumas uvas, comendo todas que
Caetano lhe ofereceu. A criança não negou uma única que
fosse. Depois de um tempo, tive que pedir para Caetano parar,
com medo de que ela pudesse passar mal.
Ele nos conduziu pela vinícola, me apresentando cada uma
das uvas e quais vinhos elas produziam. As minhas favoritas
foram: Syrah , Merlot e Cabernet Sauvignon .
— E qual é a tua favorita? — perguntei para Caetano,
enquanto voltávamos para o centro da vinícola, onde o carro
estava estacionado.
Elouise estava no colo do pai, com a cabecinha escorada no
peito, cochilando.
— A Cabernet Sauvignon .
— De todas?
— De todas — assentiu.
Voltamos para o carro. Caetano colocou Elouise na
cadeirinha com delicadeza; ela estava em um sono tão
profundo que nem mesmo acordou.
— Podemos pegar alguma coisa para comer, em vez de
cozinhar, o que acha? — perguntou, ligando o carro e
acelerando para fora da vinícola.
— Hum... parece bom — confessei. — Não estou com
vontade de cozinhar.
— O que quer comer?
Ponderei por um segundo.
Antes de Elouise, eu não era uma pessoa muito saudável.
Comia o que dava tempo de fazer, vivia de fast-food e comida
industrializada. Mas depois que me tornei mãe, precisei
encontrar tempo para cozinhar em casa, não podia alimentar a
minha filha com aquilo.
— Pode ser um xis salada [iv] ? — perguntei, mal lembrando
da última vez que comi um.
Caetano franziu as sobrancelhas e dobrou à direita, em
direção à cidade.
— Não é muito saudável, mas pode ser.
Eu ri.
— Não vai prejudicar os teus músculos comer xis uma vez
na vida, Caetano. — Bufei.
Ele dirigia tão devagar, quando Elouise estava no carro,
que eu ficava um pouco irritada com toda a lentidão. Mas se eu
questionasse ou brigasse, rebatia dizendo que só estava sendo
cuidadoso, porque tinha um bebê no carro.
— Eu sei — retrucou, revirando os olhos.
Estendeu o braço, depositando a mão sobre a minha coxa,
enquanto mantinha a outra na direção.
Escorei a cabeça no banco e admirei a paisagem que
passava através do vidro, sorrindo escondida, percebendo que
até mesmo nossas pequenas discussões eram sobre coisas
triviais.
Sim, eu tinha me acostumado muito rápido a viver com ele,
a partilhar a vida ao seu lado. E adorava cada segundo.
Entrei na indústria de produção, caminhando
deliberadamente, com as mãos nos bolsos. Os colaboradores
estavam a todo o vapor, produzindo os vinhos e os espumantes
que logo seriam exportados para todo o Brasil.
As vendas eram boas durante todo o ano, mas havia meses
que eram mais benéficos, como por exemplo nos meses do
verão, quando o espumante vendia mais, enquanto no inverno,
era a vez dos vinhos.
Bati na porta de Jeferson, o chefe do setor, e avancei. Ele
estava sentado à sua mesa, analisando alguns relatórios.
— Caetano. — Ergueu-se, empurrando os óculos de grau
com a ponta do dedo. — Algum problema?
Neguei.
— Quero criar um vinho novo — avisei. — Uma edição
exclusiva e limitada.
Franziu as sobrancelhas grisalhas, me analisando com os
olhos azuis através das lentes.
— Algum motivo especial?
— Não um motivo, mas uma pessoa.
Sorriu, acenando.
— Bom... podemos fazer. Já escolheu quais as uvas?
— Quero um blend , uma mistura das uvas Syrah , Merlot e
Cabernet Sauvignon .
— Hum... interessante, e por que essas escolhas?
— Porque foram as favoritas dela.
— Qual o nome da edição?
— Mavie.
Um vinco surgiu na testa dele, um reconhecimento, mas ele
era discreto demais para perguntar alguma coisa.
— Precisa pra quando?
— Vamos comemorar o aniversário dela no sábado, quero
servir o vinho e presenteá-la com ele.
— Sabe que não será um vinho tradicional, não é?
Precisaríamos de meses para preparar...
— Por isso, quero algo exclusivamente nosso — cortei.
Suspirou, mas não disse nada, concordando.
— Vou enviar para a nossa equipe de designer as
informações para a criação do rótulo. E vamos começar a
produção — disse, levantando-se e me acompanhando para
fora da sala.
— Ótimo.
Eu acompanharia a produção de perto, queria algo único e
exclusivo para ela.
Mavie não sabia, mas ela tinha um gosto incrível para as
uvas e uma certa intuição. Além da Syrah , que foi a uva
favorita dela, misturar a Merlot adicionaria suavidade e notas
de ameixa, enquanto a Cabernet Sauvignon contribuiria com
sua estrutura e nuances de cassis.
Normalmente, as uvas eram colhidas, então esmagadas e o
mosto era transferido para tanques de fermentação, nos quais
a magia da transformação começava.
Logo, o mosto fermentaria, as leveduras consumiriam o
açúcar das uvas e o converteriam em álcool. Durante esse
processo, o cuidado e a paciência eram fundamentais para
garantir a qualidade e a expressão autêntica do terroir de cada
gota.
Após a fermentação, o vinho era cuidadosamente
transferido para barris de carvalho, onde envelheceria e
ganharia complexidade. O carvalho adicionaria camadas de
sabor, trazendo notas sutis de baunilha, especiarias e um toque
amadeirado.
Mas, neste caso, ele não teria todo o tempo necessário de
preparação.
— Vamos monitorar a fermentação acelerada de perto —
disse Jeferson. — Ela não estará totalmente concluída nesses
poucos dias, mas acredito que, mesmo assim, o vinho vai
adquirir algumas características únicas e promissores durante o
processo.
— Obrigado.
— E vamos escolher um barril especial, assim o carvalho
vai interagir com o vinho, mesmo em um curto período. Vamos
colocá-lo em um lugar especial da vinícola, onde as condições
serão perfeitas para essa interação rápida.
— Certo. O vinho é para representar um momento
simbólico, a representação de um vínculo, do que uma prática
de vinificação comum. Por isso, não importa que não seja
concluído no tempo padrão.
— Farei de tudo para que fique bom, mesmo assim. Pode
contar comigo, Caetano. Não vou te decepcionar. — Sorriu,
estendendo a mão em uma promessa de acordo.
Apertei a mão dele, sorrindo agradecido.
— Significa muito para mim.
— A guria ficará feliz, Caetano. Foi uma ideia incrível e é
realmente algo bem simbólico.
A ideia surgiu quando Mavie falou sobre provar o vinho da
uva Syrah . Eu não fazia ideia do que lhe dar de presente de
aniversário, mas queria algo simbólico, que a fizesse suspirar.
Algo que marcasse esse momento, mesmo que fosse o nosso
único e último.
Eu entendia o seu lado em não querer magoar a mãe.
Mavie era grata a ela e a amava acima de tudo.
Mas esperava, do fundo do meu coração, que ela
conseguisse encontrar uma solução e que eu fizesse parte dela.
Estava disposto a amá-la como ela merecia, agora isso só
dependia dela.
Se ela não me quisesse, mesmo que destruído, faria como
prometi: estaria sempre presente para o que ela precisasse e
continuaria tentando ser o melhor pai para Elouise. A ideia de
estar perto dela, mas, ao mesmo tempo tão distante, era uma
tortura que eu escolheria suportar, pelo bem da nossa filha.
Se eu não pudesse ser seu amor, então que eu fosse um
amigo.
Eu tremia da cabeça aos pés, enquanto esperava pela
chegada de mamãe. Não sabia se eu me sentia nervosa, com
medo de que ela percebesse algo de cara, ou ansiosa, de tanta
saudade que eu estava sentindo.
Ela não ficava tanto tempo longe. Nunca. Nem antes, nem
muito menos depois que Elouise nasceu. Antes, ela queria estar
presente, para caso eu precisasse dela. E, depois, não queria
perder um único segundo que fosse do crescimento da neta.
Mordisquei a unha do polegar e comecei a bater o pé no
chão, em movimentos cadenciados.
— Está tão óbvio que tu tá morrendo do coração —
comentou Bárbara ao meu lado, esvaziando a segunda taça de
espumante.
Ela estava um pouco... sofrida, já que supostamente
encontrou a alma gêmea, mas ele não estava correspondendo
com toda a intensidade que ela queria.
Lívia bufou.
— Beba, Mavie. Ajuda a diminuir a ansiedade. — Deu de
ombros. — Pelo menos pra mim. Quando eu fico muito bêbada,
não sinto mais nada.
Recolhi a taça de vinho de cima da mesa e tomei um gole
grande, apreciando o gosto diferente. Não me lembrava de já
ter tomado o vinho antes, mas eu tinha aprovado.
— Ela vai perceber assim que me ver — sussurrei, baixinho,
olhando para o outro lado do salão, em que tia Luísa bebia
sozinha, observando Caetano brincar com Elouise.
Era véspera do meu aniversário e estávamos na vinícola,
para compartilhar o jantar que Caetano preparou, mas mentiu
para todo mundo que foi Lívia quem quis preparar.
Mamãe e Therêncio estavam chegando da viagem de lua de
mel.
— Se continuar agindo toda estranha, com certeza —
retrucou Bárbara.
— Ela sabe — ofeguei, tentando não desmaiar. — Ela com
certeza sabe — acrescentei, sem desviar meus olhos de tia
Luísa.
Ela olhava para Caetano e Elouise com muita curiosidade.
Não era como alguém que admirava um cara brincando com
uma criança desconhecida, era como alguém que tentava
encontrar algum sinal, alguma semelhança entre eles. E, para
ser bem sincera, não tinha como esconder quando estavam
lado a lado.
— Também acho — concordou Bárbara.
Passei a mão na garganta, como se o ar tivesse se tornado
rarefeito e eu precisasse de mais espaço para respirar, mas
nada parecia ser o suficiente.
— Meu Deus — murmurei, a voz saindo entrecortada. —
Não vou aguentar, vou desmaiar a qualquer segundo.
Pontos pretos brilhavam diante dos meus olhos e o mundo
já tinha começado a girar.
— Jesus Cristo. — Bufou Bárbara, enfiando a mão dentro
do balde de gelo dos espumantes e passando o cubo na minha
nuca. — Mavie, pare com isso. É teu aniversário, minha mãe
não vai falar nada. Se ela quisesse, já teria dito alguma coisa.
Agora, se continuar prestes a desmaiar como uma doida, óbvio
que tia Laís vai notar de cara que tem algo errado.
Respirei com calma.
— Não sei o que aconteceu, acho que a minha pressão
baixou — confessei. — Estou muito nervosa.
Lívia tocou no meu braço, deslizando a mão para cima e
para baixo.
— Apenas mantenha a calma. A conversa é só amanhã, por
isso aproveite os teus últimos momentos de relaxamento.
Por mais que eu quisesse esperar passar o dia do meu
aniversário para contar, teria que voltar para Porto Alegre no
dia seguinte, pois voltaria a trabalhar. E esperava que minha
mãe fosse mais... suave, por causa da data.
— Como se isso fosse possível — sibilei.
Uma música tocava baixinho, nada que perturbasse o
jantar ou que nos fizesse aumentar o tom de voz; era só para
relaxar. A mesa longa de madeira foi decorada com violetas e
um aparelho de jantar muito elegante estava sobre ela.
Caetano contratou uma equipe de buffet, que nos serviria à
mesa para facilitar as coisas. Além das bebidas e do jantar,
também tinha bolo e doces.
— Bó — gritou Elouise, com força, e então saiu correndo.
Fechei os olhos e respirei fundo, enchendo os meus
pulmões de ar. Com as pernas trêmulas, me levantei da mesa,
pousando a mão sobre ela para me manter.
Elouise atravessou o salão e se jogou nos braços da minha
mãe, que chorava compulsivamente, agarrando-se à neta.
Ela não chorava na frente dos outros. Nunca. Mas notei
que algumas coisas, alguns aspectos da personalidade dela,
estavam mudando com o passar dos anos, ainda mais depois
do nascimento de Elouise.
— Oh, meu Deus. Como tu cresceu, minha borboletinha. —
Soluçou, beijando Elouise sem parar.
Therêncio sorria ao lado dela, parecendo estar emocionado
com a cena. Ele se agachou. Quando Elouise soltou a minha
mãe, pulou no colo dele.
— Bô — disse ela, abraçando-o com a mesma intensidade
com a qual abraçou a minha mãe.
Ela sempre foi muito ligada a Therêncio, eu não fazia ideia
se era pelo fato de que ele sempre foi incrível com ela,
amando-a desde o primeiro momento, ou se ela conseguia
sentir a conexão sanguínea que eles dividiam. Porque ela era
igualmente apaixonada por Lívia.
Caminhei, em passos oscilantes, até eles.
Minha mãe parecia estar radiante. Havia um brilho em seus
olhos que eu não reconhecia, e ela sorria com tanta intensidade
que eu fiquei estagnada por um momento.
Eu me sentia um lixo, porque sabia que o sorriso dela não
duraria muito tempo. Também por eu saber que seria a
destruidora dele. E não tinha nada que eu pudesse fazer para
mudar isso. Nada.
— Ah, Mavie! — Jogou-se nos meus braços, o cheiro de
flores exalou até mim e senti todo o baque da saudade. Um
soluço escapou pelos meus lábios. — Senti tanta saudade,
minha menina.
— Eu também, mãe. Eu também.
A realidade estava me deixando completamente louca. Eu
parecia uma manteiga derretida, uma idiota que não conseguia
fazer nada além de chorar.
Me soltou para cumprimentar os outros. Lívia se agarrou a
Therêncio, sem querer soltá-lo, mas deu lugar a Caetano. Em
fila, cada um de nós cumprimentou os pombinhos, antes de
caminharmos para a mesa.
Caetano se sentou à minha frente, deixando os lugares
vagos aos meus lados para Lívia e Bárbara. Seria muito
estranho se parecêssemos mais próximos do que deveríamos,
por isso eu evitava até mesmo de olhar para ele.
— Então, como foi a viagem? — perguntou Lívia,
animadíssima. — Quero todos os detalhes.
— Muita neve, frio e paisagens lindas — disse mamãe,
colocando a mão sobre a de Therêncio em cima da mesa. —
Mas foi tudo incrível, nós conseguimos aproveitar bastante. —
Sorriu. — E já estamos planejando a outra.
— Hum... e pra onde? — indagou Lívia.
— Caribe. Dessa vez, queremos sol, calor e mar.
— E por aqui, como foram as coisas? — perguntou
Therêncio, olhando para Caetano. — A vinícola?
— Tudo indo perfeitamente bem — respondeu ele.
Entramos em assuntos triviais, conforme o jantar era
servido. Ninguém tocou em algum assunto que me deixasse
nervosa, ou que fizesse com que eu me entregasse, mesmo
sem querer.
Percebi os toques sutis de mamãe e Therêncio, parecendo
estar mais apaixonados do que nunca, sempre procurando um
pelo outro, fosse em um toque ou um olhar.
Recolhi a taça de vinho da mesa e tomei outro longo gole,
tentando seguir o conselho de Lívia e usar o álcool para
amortecer meus sentimentos.
— Esse vinho não é da vinícola — disse Therêncio,
cheirando o líquido da taça, com o cenho franzido.
— É um teste que estou fazendo.
Ele olhou estranho para o filho.
— E está nos servindo um vinho teste no jantar por quê?
Caetano deu de ombros e tomou um gole.
— Quero a opinião sincera de todo mundo.
Therêncio voltou a cheirar a taça, antes de balançá-la e
observar o líquido.
— Acho que precisa ficar mais tempo na fermentação —
disse ele. — Também nos barris. Mas sinceramente? Eu gostei.
Depois de alguns ajustes, ficará perfeito para o mercado. É um
blend , não é? Sinto o sabor de mais de uma uva.
Fiquei chocada em como ele conseguia dar uma ficha
inteira da bebida, só através do cheiro e do sabor. Mas, se
Caetano entendia bem sobre o assunto, Therêncio entendia
ainda mais.
— Sim — concordou Caetano, um pouco enigmático.
— Gostei do vinho — comentou tia Luísa.
— Eu também — acrescentei.
Caetano lançou um olhar para mim e um meio-sorriso
curvou os lábios dele. Engoli em seco, pressionando os lábios
para suprimir um suspiro. Desviei o olhar, antes que alguém
percebesse.
— Aproveitou bem as férias, Mavie? O que fez com Elouise
nesse meio-tempo? Ela cresceu tanto e parece bronzeada.
— Mavie ficou quase o tempo todo em Porto Alegre — disse
tia Luísa. — Ela só voltou agora nos últimos dias para fazer
companhia pra Lívia.
Mamãe arregalou os olhos.
— Oh, está lá no casarão, então?
Eles se referiam à casa de Therêncio assim, porque era
uma casa muito antiga que ficava dentro da vinícola, assim
como a de Caetano, mas do outro lado das terras. Embora
tenha sido reformada, a arquitetura era no estilo colonial.
Therêncio nunca quis mudar, pois tinha sido escolha da mãe
dele.
Fiquei em completo silêncio.
Caetano e eu não pensamos nisso, então minhas coisas
ainda estavam na casa dele e eu planejava voltar para lá ao fim
do jantar.
Fiquei em pânico. Minhas mãos começaram a suar frio,
meu coração disparou, parecendo estar na garganta e eu não
conseguia mexer um músculo sequer.
Todos estavam quietos, esperando pela minha resposta.
Senti as lágrimas nos meus olhos.
Deus, o que estava acontecendo comigo?
— Sim, ela está comigo — confirmou Lívia, quebrando o
silêncio constrangedor e me puxando para um abraço. — Mavie
veio me fazer companhia. Ela não tinha o que fazer em Porto
Alegre, eu estava sozinha e Elouise queria a piscina.
Caetano estava com o cotovelo sobre a mesa, a cabeça
descansando no punho fechado. Ele me analisava com as
sobrancelhas franzidas.
— Fico muito feliz. Que bom que vocês duas fizeram
companhia uma para a outra — disse Caetano.
— Eu disse pra ti relaxar, pai. Fiquei muito bem sozinha.
Revirou os olhos.
— Não importa a tua idade, Lívia. Sempre será o meu
bebezinho, não tem como eu ficar tranquilo sabendo que estava
sozinha.
Ela bufou.
— Bárbara, Mavie e Caetano não me deixaram em paz.
— Que bom — respondeu ele, sorrindo debochado para a
cara feia que a filha fez.
Respirei fundo, pronta para me acalmar e ver o jantar
como um grande sucesso. Só queria ter a oportunidade de ter
alguns momentos de paz com a minha mãe antes da verdade,
de aproveitar e matar a saudade que senti dela.
— Pa-pai — disse Elouise, abrindo os braços na direção de
Caetano.
Silêncio recaiu pelo lugar, ninguém se mexeu, ninguém
falou uma palavra.
Meu estômago embrulhou, tudo o que eu tinha comido e
bebido ameaçando retornar. Meu deus, além de tudo, eu
vomitaria na frente de todos, completando meu vexame.
Caetano ficou imóvel, o olhar fixo em algum ponto atrás de
mim. O maxilar estava rígido e veias pulsavam no pescoço. Ele
fazia todo o esforço do mundo para não ceder, para não ir até a
filha, porque era exatamente isso que ele queria.
— Pa-pai — disse ela de novo, começando a chorar.
Mamãe colocou a mão na neta, olhando-a compadecida.
— Ah, minha querida. Vem na vovó. — Levantou-se,
recolhendo-a no colo.
Caetano também se levantou, sem conseguir aguentar
mais. Ele foi até elas e pegou Elouise do colo da minha mãe.
— Deixa comigo. Aproveita a tua filha — mentiu, sorrindo
fraco.
Elouise deitou a cabecinha no peito dele, pedindo para
dormir, assim como ele fazia com ela quase todas as noites,
acostumando-a dessa forma nesses últimos dias.
Mantive os olhos nas minhas mãos sobre a mesa, mas
sentia o peso do olhar da tia Luísa em mim.
Minha mãe franziu as sobrancelhas, estranhando a
proximidade de Caetano com Elouise. Assim como eu, ela sabia
melhor do que ninguém como a neta era reticente ao se
aproximar de estranhos.
Minha visão ficou meio turva, os prontos pretos surgindo
outra vez em frente aos meus olhos.
Me levantei em um movimento brusco, chamando a
atenção de todos, principalmente a dela, que desviou o olhar
para mim.
Sorri um pouco sem jeito.
— Eu... hã... vou ali na rua bater algumas fotos — menti e
puxei meu celular de cima da mesa.
— Isso é uma ótima ideia — disse ela, o semblante
voltando ao normal ao se esquecer momentaneamente da
proximidade deles. — Depois, vamos fazer algumas fotos em
família.
Ela era apaixonada por fotografia, dizia que era a melhor
lembrança que poderíamos ter, só não sabia, ainda , bater as
fotos direito. Na maioria das vezes, cortava a cabeça das
pessoas.
— Claro — concordei, abrindo um sorriso que não chegou
aos olhos.
Girei nos calcanhares e caminhei, em passos lentos, para a
rua. Não queria e não podia parecer desesperada. Tia Luísa
estava atenta demais e, depois do que Elouise fez, não queria
levantar mais suspeitas.
Assim que atravessei as portas duplas de madeira, o vento
ricocheteou o meu rosto, me fazendo estremecer. Abracei o
meu corpo com os braços nus e avancei. Meus saltos
esmagavam a areia, sendo o único barulho que eu ouvia.
Fechei os olhos e ergui o rosto para o céu.
Não queria que as coisas fossem assim, mas eu não tinha
controle sobre o destino. Nem sobre o meu coração.
Como eu conseguiria contar a verdade para ela, sendo que
nem chegou a desconfiar de nada ainda e eu quase enfartei?
Tapei o rosto com as mãos e balancei a cabeça, soltando
um suspiro profundo.
Caminhei um pouco mais, parando perto do início dos
vinhedos, até o limite em que a iluminação se arrastava.
— Mavie? — A voz de Caetano surgiu logo atrás de mim.
Me virei, encontrando-o com um olhar preocupado. Passou
uma mão nos cabelos e se aproximou.
— Está tudo bem?
Assenti.
— Eu só precisava de espaço, me senti sufocada lá dentro.
— Comprimi os lábios, mordiscando as bochechas. — Não sei se
consigo falar com ela, Caetano — confessei.
Aproximou-se de mim, estendendo o braço e pousando a
mão na curva do meu rosto.
— Não precisa pensar nisso agora — disse, o polegar
acariciando a minha pele. — Combinamos que esperaríamos o
teu aniversário passar, e é isso que vamos fazer.
— Eu sei, mas logo vamos ter que falar a verdade e eu...
Balançou a cabeça, me calando.
— Trouxe algo pra você — mudou de assunto, dando um
passo para trás e levando a mão ao bolso dianteiro da calça.
Retirou um pequeno colar de dentro dele, entregando-o para
mim. — É um dos teus presentes de aniversário.
Ofeguei.
— Eu disse que não precisava me dar nada.
— E eu disse que não me importava com a tua opinião
sobre isso — retrucou, piscando um olho.
O colar era de ouro, com a corrente fina e delicada. Havia
um único pingente, em formato de coração. Era lindo e
combinava muito comigo.
— É perfeito... — sussurrei.
— Leia o que está escrito atrás do coração, Mavie.
Girei em meus dedos e aproximei do meu rosto, tentando
ver através da pouca iluminação.

“Em cada reencontro, tenho mais de você comigo.”

A frase, a mesma que foi dita por mim, anos atrás; a


mesma que ele tinha tatuado no corpo, para relembrar o
encontro de almas que tivemos naquela noite.
— A letra é minha — continuou ele. — Escrevi em uma
máquina e eles repassaram para o colar. — Ergui o rosto,
encarando-o, sem conseguir proferir uma única palavra. —
Pensei em reescrever a nossa frase... algo que marcasse um
futuro e não um passado, ou uma despedida.
Passei a ponta do polegar nas letras, a visão estava
embaçada pelas lágrimas acumuladas. Caetano gesticulou para
que eu me virasse de costas. Entreguei o colar a ele e fiz o que
me pediu.
Ainda não conseguia murmurar uma única palavra, me
sentia emocionada demais.
Ele empurrou meus cabelos por cima do ombro e ajeitou o
colar no meu pescoço, fechando-o. Inclinou-se e plantou um
beijo na minha nuca. Toquei no pingente em meu peito com as
pontas dos dedos.
Me virei de novo para ele e me joguei em seus braços,
sendo atingida por um sentimento tão profundo, tão extremo.
Eu me apaixonava a cada dia mais por ele; pelo homem incrível
que era, pelo pai dedicado, pelo companheiro amoroso.
— Não tenho nem palavras para agradecer — solucei,
molhando a camisa dele com as minhas lágrimas. — É lindo,
Caetano. O presente mais simbólico que eu já ganhei.
Beijou o topo da minha cabeça.
— E ainda não acabou.
Me afastei um pouco para encará-lo.
— Não?
Negou.
— Mas só vai saber depois.
Segurou meu rosto em suas mãos e se inclinou, roçando os
lábios nos meus.
— Eu te amo, Mavie — confessou. Segurei a respiração,
sentindo que desmaiaria. — Soube que arrancaria o meu
coração desde o momento que te vi, mas eu também sabia que
valia a pena arriscar.
— Caetano... — sussurrei, a voz não passou de um sopro
fraco.
Pousou um dedo sobre os meus lábios.
— Não precisa falar nada, não estou me declarando porque
espero um declaração de volta. Só preciso que saiba disso,
precisava te dizer, antes que não tivesse mais chances. —
Respirou fundo. — Vamos contar a verdade sobre Elouise aos
nossos pais e explicar a situação. Eles precisam saber que ela é
minha filha, Mavie. Apenas isso. Se depois da verdade, tu
quiser ir embora, como eu já disse, vou respeitar essa decisão.
Ele era bom demais para ser real.
Abri a boca para responder, mas um suspiro profundo
exalou de algum lugar próximo de nós. Caetano também ouviu,
virando-se em um movimento brusco.
Dei um passo para o lado, encontrando mamãe e Therêncio
próximos o suficiente de nós para que pudessem ter ouvido
toda a conversa.
Caetano se colocou na minha frente, como se tentasse me
defender do que estava por vir.
— Que barbaridade é essa? — indagou Therêncio, uma
coloração rosada subindo pelo rosto. Ele respirava com
dificuldade, o peito subindo e descendo em rápidas sucessões.
Mamãe me encarou e eu vi nos olhos dela, além das
lágrimas, a decepção.
Fechei os olhos, sentindo o chão se abrir sob os meus pés,
a realidade desmoronando ao meu redor enquanto a verdade
pesava sobre mim. Era como um dilúvio inescapável das
consequências das minhas escolhas.
Não era para ser assim. Não era para ela descobrir tudo
dessa forma. Embora eu não tivesse um plano concreto para
revelar a verdade, nunca imaginei que seria assim, um
turbilhão de surpresa e desalento.
Caetano estava rígido.
— Precisamos conversar — disse, estendendo a mão como
se quisesse acalmar o pai.
— Claro que sim — respondeu ele, soando ríspido.
Therêncio não estava nada feliz. Parecia furioso e prestes a
socar Caetano, enquanto minha mãe se mantinha em silêncio,
as lágrimas escuras escorrendo pelas bochechas, carregando
com elas um pouco de rímel e borrando o rosto.
— É uma longa história — continuou Caetano.
Therêncio bufou e passou uma das mãos nos cabelos,
nervoso e incontido.
— Que história é essa da Elouise ser tua filha?
Dei um passo para o lado, saindo de trás dele. Era injusto
que fosse alvo do ódio e rancor do pai, quando a culpada de
tudo era eu. Caetano não sabia da filha até poucas semanas
atrás; sequer imaginava.
— Ele não sabia de nada — murmurei, tremendo tanto que
parecia que eu iria ser partida ao meio. — Escondi Elouise dele,
por isso nunca deixei que tirassem fotos dela, que postassem
algo sobre ela ou que falassem a respeito dela com alguém.
— Mavie... — soprou mamãe, balançando a cabeça, um
soluço profundo cortando a respiração.
— Como foi que isso aconteceu? — exasperou Therêncio.
Eu nunca o tinha visto assim, tão furioso, magoado e...
desolado. Era sempre um homem bom, educado, carinhoso e
carismático.
Caetano se virou para mim e segurou as minhas mãos, me
forçando a olhar para ele.
— Não precisa assumir isso sozinha, eu já disse.
Toquei no rosto dele com o dorso da minha mão.
— Sei o que está tentando fazer e sou grata por isso. Eu já
aprendi muita coisa contigo, mas essa batalha pertence a mim.
Isso não significa que eu não precise de ti ou que eu esteja
tentando ser autossuficiente, só quero ser justa.
— Mas posso dividir contigo.
— Não, dessa vez, não pode — neguei, voltando-me para
eles. — Caetano e eu nos conhecemos um dia antes do jantar
em que fomos apresentados a vocês. Nós... nós meio que nos
apaixonamos naquele dia. Foi algo rápido, à primeira vista, eu
diria.
Minha mãe colocou a mão sobre a boca e fechou os olhos,
contendo um soluço. Therêncio foi até ela, puxando-a para si.
— Por que nunca falaram nada? — resmungou ele.
— Só descobrimos a verdade quando o almoço aconteceu.
Naquele dia, decidimos que não ficaríamos juntos, que não
sabíamos como vocês reagiriam sobre isso e que a felicidade de
vocês era prioridade para nós. Também tinha o fato de que
Caetano estava indo estudar, ficar um tempo fora. Pensamos
que seria melhor fingir que nada aconteceu.
— Mentira nunca é a melhor saída — rosnou Therêncio, as
feições distorcidas pela raiva.
— Não era pra ser uma mentira. Na época, não parecia
relevante contar a verdade, porque pensamos que seria só
aquela vez, que não teria futuro, que tinha sido algo casual...
— Minha voz morreu. Caetano deu um passo para o lado e
tocou na minha mão com a dele. Era sútil, mas me passava
conforto. — Mas então, meses depois, descobri que estava
grávida. Fiquei em desespero, sem saber o que fazer. Caetano
estava longe, vocês não sabiam o que tinha acontecido e
estavam tão felizes no relacionamento. Pensei que seria
melhor... omitir a verdade por um tempo, pelo menos até eu
descobrir o que faria.
Therêncio soltou uma risada áspera.
— Omitir a verdade? Elouise era a minha neta este tempo
todo, Mavie. E eu sequer sabia disso! Eu amei e amo essa
menina, me apeguei a ela desde que nasceu, a criei como uma
neta emprestada.
— E ela é tua. Isso não muda nada.
— Muda tudo! — retrucou ele, aumentando o tom de voz.
— Muda tudo porque tu mentiu não só pra mim, mentiu pra
família toda. — Olhou para o filho. — E tu, quando soube a
verdade?
A mandíbula dele rangeu, conforme mantinha o olhar do
pai.
— No dia do casamento. Assim que coloquei os olhos nela,
eu soube a verdade.
— Eu não queria acabar com a felicidade de vocês. — Olhei
para a minha mãe, em desespero. — Nunca tinha te visto tão
feliz, tão leve. Não sabia o que faria se soubesse que me
envolvi com o filho do teu namorado. Não queria que abdicasse
da tua felicidade por mim, que abrisse mão da tua vida mais
uma vez.
Ela só me encarou, sem dizer uma palavra.
E eu senti, naquele instante, que a estava perdendo. Tinha
a sensação de que perdia a sua confiança, a amizade que
construímos, e que ela nunca mais seria a mesma comigo.
Um soluço entrecortado separou os meus lábios. Foi como
levar um soco bem no meio do rosto.
— Mãe, por favor — supliquei. — Sempre me culpei por
esconder isso, mas não queria ser a vilã na tua história.
— Então foi a vilã na vida do meu filho? — retrucou
Therêncio.
— Ela nunca foi vilã na minha vida — objetou Caetano,
meio ríspido. — Mavie errou, sim, escondendo a verdade. Mas
isso é sobre nós dois, entre nós dois, e já resolvemos isso.
— Não consigo acreditar em todo esse teatro que armaram
— exasperou, puxando minha mãe para longe.
— E tem mais, estou apaixonado pela Mavie — continuou
Caetano. — Se ela me quiser e vocês não aceitarem, nós vamos
embora daqui, ficar bem longe. Sei que a sociedade vai nos
julgar, que vai ser estranho. Mas já temos uma filha juntos, vou
registrar a Elouise e não me importo com o que as pessoas vão
falar. Nós prezamos muito pela felicidade de vocês, por isso
talvez seja melhor que a gente se afaste, se este for o caso.
— Como tem coragem, Caetano? — Therêncio balançou a
cabeça. — Onde foi que errei na tua criação, meu filho? Onde?
— Eu te amo, pai. E quero te ver feliz, sempre. Mas não
posso e não consigo fazer isso. Eu amo Mavie e amo a minha
filha.
Therêncio olhou para o filho com tanto... desapontamento,
o olhar dele chegou a brilhar e refletir um sentimento muito
profundo. Precisei prender a respiração.
Eu só queria ouvir a voz da minha mãe, descobrir o que ela
sentia em relação a isso, em relação a mim, mas ela não fazia
nada além de chorar e me encarar com o olhar nublado, sem
nenhuma emoção.
— Mãe, por favor... — sussurrei de novo, estendendo o
braço.
Ele negou. Ela me rejeitou .
Deu um passo para trás, então outro e outro, como se
quisesse se afastar de mim, como se precisasse se afastar de
mim.
— Preciso de um tempo. Preciso de espaço, Mavie — disse,
dando as costas e caminhando para longe.
Therêncio lançou um último olhar para Caetano, antes de
segui-la.
Então era isso.
Eles sabiam a verdade. E eles a tinham rejeitado. Estavam
magoados pela mentira e nos odiavam acima de tudo.
Meu estômago se revirou no meu abdômen. Consegui virar
a tempo de desviar de Caetano e vomitei todo o meu jantar nos
vinhedos, o corpo colapsando a cada onda de ânsia de vômito.
— Está tudo bem — murmurou Caetano, segurando os
meus cabelos. — Vai ficar tudo bem. — Tentava me consolar.
Mas não havia consolo para um coração tão partido quanto
o meu estava.
Eles sabiam a verdade. Ela não pesava mais sobre mim.
Mas, em seu lugar, carregava o fardo de um coração
despedaçado.

Era meu aniversário.


O primeiro aniversário que eu não era acordada pela minha
mãe me chamando para tomar café, em uma mesa com as
minhas comidas favoritas, balões personalizados e muita
alegria.
Ela costumava dizer que nasci dela e que ela renasceu de
mim. Por isso, amava comemorar os meus aniversários, porque
significavam um momento muito importante de sua vida,
quando ela se ressignificou.
Encarei a parede lisa do quarto de hóspedes. Meus joelhos
estavam dobrados, enquanto eu abraçava as minhas pernas e
descansava o queixo sobre eles.
Elouise estava em algum lugar com Caetano, que a pegou
logo cedo para me dar um momento sozinha. Assim como ele
me respeitou ontem à noite, quando eu pedi para dormir no
quarto ao lado, sem ele.
Não tive tempo o suficiente para explicar tudo aos nossos
pais; não quiseram me ouvir, apenas saíram correndo, fugindo
para longe de nós. Para eles, não era verdade, era só uma
desculpa que não valia o tempo deles. Eles estavam magoados
e machucados.
Pisquei, uma lágrima escorrendo pela bochecha.
Meu estômago roncou de fome e suspirei, odiando que
estivesse faminta quando só queria ficar no quarto o dia todo,
chorando e me lamentando.
Não fazia ideia do que eu faria. Tinha que voltar para Porto
Alegre, para a minha vida, mas... eu sequer sentia vontade de
existir, quem dirá de trabalhar e voltar à rotina como se
estivesse tudo normal.
Minhas roupas estavam atiradas em uma mala pronta para
quando eu fosse embora.
Magoei minha mãe, uma das pessoas mais importantes da
minha vida. Tia Luísa também deveria me odiar.
Meu queixo tremeu em um soluço e meus olhos encheram-
se de água.
Nem sabia como eu não tinha desidratado ainda de tanto
chorar. Foi o que fiz a noite toda e uma parte da manhã.
Para alguém que não chorava na frente de ninguém, eu
tinha me tornado uma pessoa patética.
Uma batida soou à porta. Ergui o rosto, observando
Caetano. Ele tinha manchas escuras debaixo dos olhos,
mostrando que dormiu tão mal quanto eu. E, embora estivesse
desolado, parecia tentar manter a cabeça erguida, se mostrar
forte para me apoiar.
— Eu tenho uma surpresa — disse, erguendo os lábios em
um sorriso fraco.
Quis negar, dizer que não estava no clima. Mas como
poderia decepcioná-lo dessa forma? Eu já tinha decepcionado a
família toda, não precisava acrescentar nessa lista o único que
estava ao meu lado. E ele parecia estar bem convencido e
ansioso para a tal surpresa.
Acenei e me levantei da cama, me arrastando para fora do
quarto. Meus cabelos estavam presos em um coque bagunçado
no alto da cabeça e eu vestia uma camisa dele, longa e grande
demais em mim, mas era confortável o suficiente. Meu rosto
estava inchado e eu não deveria estar nem um pouco
agradável. Mesmo assim, Caetano me olhava cheio de
admiração e amor.
Ele seguiu ao meu lado, sem me tocar, respeitando os
meus limites.
Assim que pisei na cozinha, parei abruptamente.
A mesa de jantar havia sido decorada, contendo balões nas
cores douradas e vinho, e todas as comidas possíveis ocupavam
o espaço. Elouise estava sentada em uma das cadeiras,
brincando com os balões.
— Mamã! — Ela sorriu e bateu palminhas, olhando para
mim.
Céus, eu não aguentava mais chorar.
— Elouise e eu resolvemos preparar essa surpresa para
comemorar o teu aniversário — disse ele. — Me lembrei de que
disse que é isso que faz todos os anos.
Me joguei nos braços dele e o beijei com firmeza,
acariciando sua nuca.
— Feliz aniversário, Mavie — murmurou, roçando a ponta
do nariz com o meu.
— Obrigada — sussurrei, a voz rouca. — Significa muito pra
mim. Obrigada por tudo, por ficar ao meu lado, por me apoiar,
por tomar as minhas dores e por me defender. — Meus ombros
sacolejaram em um soluço. — Eu também te amo, Caetano.
Amo desde o primeiro momento, desde sempre. Só não sabia o
que toda aquela química, todo aquele sentimento significava. E
acredito muito que seja um encontro de almas, que seja além
do carnal. Nos reconhecemos imediatamente. Lamento muito
pelo tempo que te afastei da nossa filha, mas... são escolhas
da vida. Decidimos nos sacrificar pelos nossos pais, sacrificar o
que sentimos desde o princípio. Mas, apesar de tudo, não me
arrependo disso, porque só mostra o quanto amamos eles. —
Comprimi os lábios, mais lágrimas rolando pelo meu rosto. —
São divergências da vida, um acaso. Em outra vida, teria sido
tudo mais fácil, tudo tão... nosso.
Assentiu, beijando minha testa.
— Não chore, meu amor, não hoje.
Bem que eu queria, mas seria impossível.
Me afastei dele e limpei o rosto com o dorso da mão,
tentando me acalmar.
Caetano puxou uma cadeira para mim, e me sentei. Sorri
para Elouise, lançando um beijo no ar.
Me sentia devastada, mas só de olhar para ela... tudo
ficava melhor. Minha filha, meu maior amor.
— Lembra que eu disse que tinha outra surpresa? —
perguntou ele. Confirmei com um aceno. Pegou uma garrafa e
a colocou na minha frente na mesa, com o rótulo virado para
mim. — Aqui está.
Era uma das garrafas da vinícola Rossi, mas essa era
diferente. Uma edição especial. Uma edição com o meu nome
no rótulo. Um vinho composto pelas três uvas que mais gostei.
Coloquei as mãos na boca e balancei o rosto.
— Não fez isso — sussurrei.
— Sim, eu fiz.
— Céus — ofeguei, chorando de novo.
Não chorar estava se tornando, para mim, uma atitude
cada vez mais difícil de seguir.
— Meu Deus, Caetano. Tu é... indescritível.
Deu de ombros, sorrindo convencido.
— Qual é a vantagem de ser o dono se eu não posso pedir
uma edição especial de vinho? — zombou e apontou para a
garrafa. — Ele não está bem apurado, precisava de mais
tempo. Um tempo que eu não tinha. Mas vamos fazer alguns
testes, porque, apesar disso, ficou realmente bom. Se for
aprovado, será lançado no mercado.
Arregalei os olhos.
— Mesmo?
— Sim. E, inclusive, tomou ele ontem à noite.
— Meu Deus, o vinho teste... — refleti.
— Esse mesmo. Queria servir algo único e especial no teu
dia, mas ainda não podia falar a verdade, porque eles não... —
Deixou o assunto morrer. Pigarreou. — Comprei algumas coisas
que notei nos últimos dias que são as tuas favoritas, mas
também fiz pesquisa de campo.
Ignorei a dorzinha aguda no meu peito.
— Pesquisa de campo?
— Bárbara. Ela me disse tudo o que eu poderia acrescentar
no teu café da manhã de aniversário. Inclusive, o sonho de
doce de leite.
Bati palmas, deixando a tristeza um pouco de lado e
tentando me concentrar no momento, no que ele teve todo um
trabalho para fazer para mim, buscando me deixar feliz.
— Sim, eu quero muito. — Estendi o braço e segurei a mão
dele. — Obrigada pelo vinho, nunca pensei que, um dia, eu
teria algo tão especial e tão meu. Significou muito pra mim.
O vinho não carregava apenas o meu nome, também
continha a essência de um gesto que só alguém como ele
poderia ter. Era esse tipo de atenção aos detalhes, esse carinho
em cada pequena ação, que fazia com que eu me apaixonasse
cada vez mais por ele.
A cada sorriso, cada olhar, cada toque de amor.
— A ideia foi tua. — Me estendeu a bandeja com os
pequenos sonhos de doce de leite. — A propósito, tem um bom
gosto, por isso o vinho blend tem tudo pra dar certo.
Sorri, recolhendo um sonho da bandeja.
O cheiro da comida estava me deixando ainda mais
faminta. Sentia uma dorzinha no peito, que não me
abandonaria tão cedo. Também uma angústia de matar, dor de
cabeça e vontade de chorar a cada segundo, ainda assim a
fome não me abandonava.
Não era como nos outros aniversários. Eu me sentia
desolada pelo que tinha acontecido, sem saber qual seria a
escolha dos nossos pais e o qual seria o nosso futuro, mas isso
não significava que ele fosse menos especial.
Pelo contrário.
Caetano conseguiu transformar o que jurei que seria o pior
dia da minha vida em algo verdadeiramente significativo. Ele se
fez presente, me surpreendeu e, acima de tudo, me mostrou
em gestos a magnitude do amor por mim.
Por mais destruída que eu estivesse, ele conseguiu me
fazer sorrir.
Já era fim de tarde. E eu me sentia feliz por ter sobrevivido
ao meu primeiro aniversário caótico.
Não fiquei sozinha por nem um segundo ao longo do dia.
Foi bem diferente dos outros anos, mas não menos importante.
Caetano fez de tudo para mim, tudo para me deixar feliz e me
agradar.
Nós tomamos banho de piscina, comemos, assistimos à
Masha e brincamos de salão de beleza com a Elouise. Saí com
um olho de cada cor, enquanto Caetano teve batom até no
pescoço.
Foi um dia tranquilo, em família, leve e... feliz.
No fundo, eu sentia que tinha algo faltando. Sentia falta
dela . Queria ligar, enviar uma mensagem, qualquer coisa, mas
respeitei seu pedido de espaço.
Respirei fundo e observei o sol se pôr, sentada na borda da
piscina, balançando os pés dentro da água gelada. Minhas
pernas estavam arrepiadas pelo vento gelado, mas eu não
sentia frio, porque usava um casaco que Caetano me fez vestir
mais cedo, com medo de que eu adoecesse.
Uma lágrima solitária rolou pela minha bochecha direita.
Limpei com a manga do casaco e funguei, tentando afastar a
tristeza e não chorar mais, assim como eu havia prometido que
faria. Pelo menos, não hoje. Não no meu aniversário.
Lancei um olhar ao meu celular, que repousava ao meu
lado, sentindo o coração acelerar. Nenhuma notificação. Nada.
— Ela dormiu — disse ele, avançando pela porta.
Olhei para ele e sorri de boca fechada, assentindo.
— O dia foi divertido pra ela.
— E pra ti? — perguntou, sentando-se ao meu lado.
Deitei a cabeça no ombro dele e suspirei.
— Foi maravilhoso — revelei. — Não imaginei que, em
decorrência de tudo o que aconteceu, poderia ser bom.
Sentia falta da minha mãe, da minha tia e de Therêncio.
Recebi mensagens das meninas, mas deles... só o silêncio.
Beijou meus cabelos.
— Sempre estarei aqui, pronto para te ver feliz, não
importa sob quais circunstâncias.
Ergui a cabeça e absorvi um pouco mais da paisagem. O
céu era uma pintura de tons de laranja, rosa e roxo,
misturando-se em uma dança delicada de luz e sombra,
enquanto o sol descia lentamente no horizonte.
Me voltei para ele, mastigando as bochechas, nervosa.
— Eu me demiti — confessei. Ele arregalou os olhos,
parecendo surpreso. — Não vou voltar para Porto Alegre
amanhã. Não tinha condições psicológicas, nem vontade. Vou
ter que pagar o aviso prévio e não vou poder contar com o
FGTS, mas... está tudo bem. Mês passado entraram valores
altíssimos para o escritório, de uma ação trabalhista
procedente, da qual tenho direito a 60% do valor da causa,
conforme o acordo que fiz com a sócia proprietária — comecei
a falar, emendando um assunto no outro, nervosa. — Ninguém
mais acreditou na causa dos operários da mineração, o que fez
com que eu tocasse o processo sozinha, e eram cinquenta e
quatro reclamantes. Consigo me manter e manter Elouise assim
por um tempo, até conseguir outra coisa.
Ele me calou, me puxando pela nuca e me silenciando com
um beijo casto nos lábios. Fechei os olhos e inspirei fundo,
sentindo o cheiro dele. Afastou-se para me encarar.
— Não tem com o que se preocupar, Mavie. Quantas vezes
vou precisar repetir que estou aqui pra vocês? Elouise também
é minha filha, não precisa assumir todas as responsabilidades
sozinha e nem vai, porque não vou deixar.
— Sei que não. — Sorri, um pouco sem jeito. — Só achei
que precisava me explicar.
— Achou errado — contestou. — Esse era o meu desejo
desde o início e nunca disfarcei. Fico feliz que tenha decidido
ficar.
Não tinha ideia ainda do que faria da minha vida. O
emprego na vinícola não era mais uma opção, não depois da
forma como Therêncio agiu noite passada. Enfim, não pensaria
nisso agora, de qualquer forma.
— Já sabe como vai ser amanhã, na vinícola? — perguntei,
mudando de assunto.
— Eu disse pra ele que tinha duas opções: aceitar, ou irmos
embora.
— Não acha que estamos sendo egoístas demais com eles?
Eles acabaram de se casar, estão felizes e...
— Nós não escolhemos isso, Mavie. Não escolhemos nos
apaixonar um pelo outro, não escolhemos ter um bebê na
nossa primeira vez.
— Ainda assim, não consigo evitar.
A culpa era toda minha, que demorei tempo demais para
assumir a verdade. Se eu tivesse feito isso quando descobri a
gravidez, teria evitado todo esse conflito. Mas como eu poderia
imaginar, na época, que eles acabariam se casando? Minha mãe
nunca tinha namorado ninguém antes. Ela estava feliz, então
estava tudo bem para mim.
Claro que cheguei a cogitar essa possibilidade, mas logo
descartei. Laís Hoffmann não era uma mulher do tipo
romântica, pensei que um casamento estava fora dos padrões
dela.
Mas quando chegou em casa com a aliança de noivado e
um sorriso de orelha a orelha no rosto, eu soube ali, naquele
momento, que estava ferrada e que tinha perdido o controle de
tudo.
E eu tinha razão.
Caetano se levantou, batendo palmas.
— Vou pegar a garrafa de vinho Mavie para
comemorarmos.
— Comemorarmos o quê? — indaguei, arqueando a
sobrancelha.
— Tua escolha — respondeu, girando nos calcanhares e
correndo para dentro de casa, exalando satisfação por cada
poro do corpo.
Um sorriso bobo e involuntário surgiu no meu rosto.
Encarei o céu, que agora se atingia de um azul profundo,
as primeiras estrelas começavam a piscar no firmamento.
Me sentia tão perdida. Fiquei dias enrolando Caetano,
porque queria saber como minha mãe iria reagir e se isso
comprometeria a felicidade dela. Elaborei quinhentas vezes
como abordaria o assunto, como contaria a verdade. Todas
elas, com finais felizes.
Nunca imaginei que ela descobriria daquela forma, sem
estar preparada, muito menos que me... dispensaria.
Nada saiu como eu planejei. Nada.
— Mavie — chamou Caetano, da porta. Olhei para o lado e
o sangue se esvaiu do meu rosto ao ver tia Luísa ao lado dele.
— Tem visita.
Ele acenou para ela e voltou para dentro de casa, enquanto
minha tia avançou na minha direção. Tia Luísa soltou a bolsa
em uma das cadeiras e se sentou ao meu lado, puxando o
vestido floral longo para molhar os pés na água.
— Feliz aniversário, querida — disse ela, me puxando para
um abraço. — Trouxe alguns cristais de presente, sei que
precisa renovar essas energias.
Eu ri.
— Eles serão muito úteis.
Respirou fundo.
— Precisamos conversar — murmurou. — Mas saiba que eu
te amo acima de tudo. É minha única sobrinha, a extensão da
minha irmã. A pequena guriazinha que me fazia companhia,
dividindo o chimarrão do fim de tarde, sempre que estava
presente.
— Sinto muito, tia — sussurrei, desviando o olhar para as
estrelas que brilhavam no céu.
— Oh, querida. Não é a mim que precisa se desculpar.
Entendo a mágoa da tua mãe, assim como compreendo a
mágoa de Therêncio, mas a única pessoa desta família que foi
privada da vida de Elouise foi Caetano. Se ele está bem
contigo, é isso que importa.
— Ele é muito melhor do que eu imaginava — confessei,
erguendo o olhar por cima do ombro, observando-o dentro de
casa, movimentando-se na cozinha.
Ela riu.
— Eu sabia que tinha alguma coisa errada, comecei a
desconfiar no dia que vi vocês dois na vinícola. Claro, não
imaginava a dimensão. Pensei que Caetano fosse só um safado
que estivesse dando em cima de ti, ignorando o fato de que
agora eram meio-irmãos.
Isso explicava o porquê de ela ter destratado Caetano
naquele dia.
Balancei a cabeça.
— Nunca foi assim. Nós nos conhecemos antes de sermos
devidamente apresentados.
— Isso ficou bem óbvio pra mim quando eu o vi ontem com
Elouise no colo. Quando ela o chamou de ‘ papai’ , confirmou
minhas suspeitas.
Dobrei os joelhos, puxando os pés para fora da água e
descansei a cabeça sobre eles.
— Não sabia o que fazer quando descobri a gravidez, e
achei que a solução mais fácil seria mantê-la em segredo, pelo
menos por um tempo, até descobrir como eu contaria a
verdade.
Tocou no meu ombro, apertando-o de leve.
— Se tem uma coisa que eu posso dizer sobre a minha
irmã, é do amor imensurável que ela tem pela filha. Não
importa o quanto esteja magoada, ela vai te perdoar.
— Não viu o jeito como ela me olhou.
Só de lembrar, meu coração se comprimia no meu peito.
— Não vi, mas continuo convencida do que acabei de falar.
— Suspirou. — Laís sempre foi ambiciosa, sempre desejou a
medicina. Ela amava brincar de médica quando criança, sempre
curiosa com tudo que remetia à saúde. Ela estudou muito pra
isso, se esforçou tanto. Quando descobriu que estava grávida,
perdeu o chão, não sabia o que fazer. Sentiu que todos os
planos dela estavam frustrados, mas, ainda assim, ela te amou
desde o primeiro momento, acima de tudo e qualquer coisa. Foi
ali que eu percebi a garra que Laís tinha, o foco para o que
queria. Parece que tu deu ainda mais força pra ela. Mesmo com
as dificuldades, ela conseguiu vencer. E não foi mais só pelo
amor que tinha pela medicina, mas porque ela queria dar uma
vida melhor para a filha, para o verdadeiro e grande amor da
vida dela.
— Não sei... dessa vez, acho que ela nunca vai me perdoar.
Ela riu alto.
— Tu e a tua mãe são mais parecidas do que pode
imaginar.
Franzi o cenho, encarando-a.
— Como assim?
— Bom... quem disse que Laís contou sobre a gravidez logo
que descobriu? Ela escondeu a tua existência até de mim, a
melhor amiga dela. Só fiquei sabendo quando já estava com
uns cinco meses.
Arregalei os olhos, chocada com essa informação.
— Como descobriu?
— Ela escondia a barriga com roupas largas. O inverno
ajudou também, já que ela vivia cheia de casacos. Notei a
mudança no rosto dela, mas pensei que estivesse engordando,
ela vivia ansiosa por causa dos estudos. Um dia, entrei no
quarto dela e encontrei alguns exames pré-natais. — Um
sorriso surgiu no rosto dela, perdida com a lembrança. — Ela
ainda tentou mentir, disse que era para a faculdade, mas tinha
o nome dela nos exames. Depois disso, nós conversamos e ela
percebeu que nunca precisaria ter mentido, nem pra mim, nem
para o nosso pai, porque sempre apoiaríamos ela.
Esfreguei o pescoço, tentando encontrar um pouquinho de
esperança nas palavras dela.
— Espero que tenha razão.
— Ah, querida, vai ver que a tua mãe é mais coração mole
do que aparenta ser.
— Eu sei.
— Acha que a vida é um mar de rosas sempre? Quando
descobri que meu marido tinha outra esposa com filho, fiquei
desolada, mas tinha certeza de uma coisa: eu não aceitaria isso
e seguiria firme e forte pela minha filha. Depois dessa
decepção, procurei algo que eu amasse, algo para me
encontrar. Foi aí que descobri o misticismo. Também foi aí que
aprendi que tudo acontece por um motivo, que nada é por
acaso. — Sorriu para mim. — O destino pode ser muito mais
surpreendente do que esperamos. — Levantou-se. — Preciso ir
ver a tua mãe, ela deve estar... arrasada, ainda mais
considerando o dia de hoje.
Desviei o olhar para a água, tentando conter as novas
lágrimas que embaçaram a minha visão.
— Tudo bem.
Ela não disse nada, ficou perceptível pelo meu rosto a
mágoa que eu sentia.
— E... Mavie, não foi só pelo jogo de tarô na vinícola que
eu desconfiei de um envolvimento teu com o Caetano.
Ergui o rosto, confusa.
— Como assim?
— O jeito com que vocês se moviam, como se estivessem
conectados um ao outro... a forma como ele te olhava... —
Balançou a cabeça. — Por isso, cogitei que ele estivesse à tua
volta e pensei no pior. — Olhou para dentro de casa, na direção
que Caetano estava, distraído na cozinha. — Mas só ontem fui
perceber que não era apenas desejo, mas sim amor.
Funguei, limpando o rosto com a manga do casaco.
— É diferente, tia. Desde o início, diferente de tudo o que
já senti, de tudo o que já vivi. Tentei me livrar disso, me
esquivar, fingir que não importava, mas foi irrelevante. Não foi
só pela nossa ligação com Elouise, foi porque...
— Era pra ser — completou a frase por mim, sorrindo. —
Por mais que seja difícil de entender algumas coisas, tudo na
vida tem uma razão. — Girou nos calcanhares e caminhou para
longe de mim, mas parou no meio da caminho e me lançou um
olhar por cima do ombro. — Ah, e não se esqueça do que as
cartas falaram, querida. — Piscou um olho, voltando a seguir o
seu caminho.
A tristeza foi substituída por um nervosismo tão potente
que mal consegui controlar. Pisquei, tentando não sair do foco
do meu problema e me esquecer desse jogo idiota.
Pisei na vinícola me sentindo meio nostálgico, o medo e o
sentimento perturbador de que poderia ser meu último dia no
lugar que eu tanto gostava.
Durante todo o tempo que fiquei fora para estudar, nunca
deixei de pensar em como seria o meu retorno, não só pela
minha família, mas também pela Rossi.
Olhei ao redor, admirando a paisagem, me perdendo em
inúmeras lembranças da minha infância. Sempre amei correr no
meio das vinhas, pegar uvas direto do cacho, provar o sabor de
cada uma delas.
Parei em frente à porta do escritório e dei uma última
olhada ao redor, antes de avançar para dentro e me preparar
para o que me esperava.
Sandra já estava presente, analisando alguns papéis,
enquanto caminhava, distraída. Ela era sempre uma das
primeiras a chegar, incrivelmente dedicada e pontual.
— Bom dia, Sandra — cumprimentei, tentando não parecer
tenso.
Ela deu um pulo ao ouvir minha voz e se virou para mim.
— Bom dia, senhor Caetano. — Segurou os papéis rente ao
corpo e me olhou de soslaio. — Eu... hum...
Pressionei os olhos, imaginando que ela segurava nas mãos
o meu desligamento da vinícola, uma demissão formal.
Ergui o queixo, sentindo que eu perdia algo importante,
mas ganhava algo que valia ainda mais. Viver ao lado da minha
filha e da mulher que eu amava.
— O que é isso? — perguntei, apontando com o rosto para
os documentos.
Comprimiu os lábios e soltou a respiração pelo nariz,
tentando encontrar algum jeito de me falar.
— Está tudo bem — acrescentei. — Já estou indo embora.
Retesou-se, confusa.
— O quê?
— Não é isso que está tentando me falar?
Negou.
— Só estou confusa e tentando entender o que está
acontecendo. Faz anos que trabalho para a família, entende?
Então... enfim, só queria saber o que aconteceu.
Passei uma mão nos cabelos e dei um passo.
— Se essa não é a minha demissão, então o que é, Sandra?
Meu coração aumentou o ritmo e minha respiração se
tornou densa.
Ela me lançou um olhar condescendente.
— É a aposentadoria do teu pai.
Meu queixo caiu e dei um passo oscilante para trás, como
se tivesse tomado um soco bem no meio da cara. Fiquei
desnorteado.
— Como é? — perguntei e a minha voz soou tão distante.
— Ele me ligou ontem à noite para me informar. Disse que,
de agora em diante, a administração da vinícola ficará sob tua
responsabilidade.
Puxei a gola da camisa, abrindo o primeiro botão, como se
não conseguisse respirar.
Ele preferiu sair da vinícola a ter que lidar comigo e com
Mavie? Inacreditável! Eu esperaria isso de qualquer pessoa no
mundo, exceto dele.
Foi como levar um tiro bem no meio do peito, a decepção e
a mágoa me corroendo aos poucos.
Mas, se era assim que ele queria, se escolheria o orgulho
em detrimento da neta e do filho, era uma decisão dele.
— Tudo bem — afirmei, pigarreando para manter a voz
firme. — Siga as instruções dele.
Me sentia consternado, embora tentasse parecer forte com
todas as minhas forças.
— Mas... senhor Caetano... — insistiu, parecendo
inconformada com a situação familiar.
Mantive meu olhar firme sobre ela.
— Meu pai é um homem maduro e experiente, Sandra. Se
quer se aposentar, que seja feita a vontade dele. Não cabe a
nós discutirmos sobre isso.
Abaixou a cabeça, confirmando.
— Como o senhor desejar — falou e continuou o caminho
que seguia antes da minha chegada.
O que ela queria que eu fizesse? Era uma decisão do meu
pai. Eu estava pronto para dar adeus à Vinícola, se esse fosse o
seu desejo, mas ele agiu primeiro. Foi ele quem quis sair, sem
conversar comigo, sem tentar entender a situação.
Isso estava previsto para acontecer um dia. Seria em um
futuro distante, depois de uma conversa entre nós dois, então
ele se aposentaria para aproveitar a vida enquanto eu
assumiria a vinícola. Afinal de contas, foi para isso que estudei
esse tempo todo.
Seria uma decisão que tomaríamos juntos, não unilateral.
Avancei para o meu escritório em passos duros, sem saber
o que eu sentia mais, se era raiva ou mágoa.

Fazia uma semana que a minha mãe não falava comigo,


sequer deu as caras. Therêncio também vinha evitando
Caetano, até mesmo se aposentou da vinícola, sem se despedir,
sem avisar nada para o filho.
Durante todo esse tempo, pensei em inúmeros cenários de
como eles poderiam reagir com a notícia, mas nenhum chegou
a ser meramente parecido com o que, de fato, aconteceu.
Já chorei, solucei, me questionei várias vezes e me debati.
Mas Bárbara tinha razão, não adiantaria de nada. Eu procurava
o perdão deles, mas isso só dependia dos dois. Nada do que eu
fizesse ou dissesse poderia mudar o que estavam sentindo.
Então só me restava esperar. O tempo tinha o costume de curar
algumas feridas, e eu esperava que essa fosse uma delas.
O curso da vida precisava seguir, com ou sem mágoas.
Caminhei de um lado para o outro dentro de casa, andando
sem parar. Mastiguei toda a unha do meu polegar, nervosa.
Elouise tinha saído com Bárbara e Lívia há algumas horas,
para passear na cidade, tomar sorvete e se divertir com elas.
Seria bom para a minha filha se distrair. Nos últimos dias,
Caetano e eu estivemos emocionalmente acabados, e,
querendo ou não, Elouise conseguia perceber isso.
Ele não precisava se envolver, me proteger, tomar as dores
por mim. Ainda assim, ele prometeu e cumpriu. Não era justo,
eu sabia, mas... como poderia controlar um homem que era
movido por impulsos protetores? Impossível.
Ouvi o barulho do carro dele, as rodas esmagando a areia.
Meu coração trovejava no meu peito, colapsando dentro de
mim. Minha mãos estavam trêmulas e suadas, eu não sabia se
sentia frio, calor ou ambos.
Bem provável que eu tivesse um ataque cardíaco no meio-
tempo que ele levaria para descer do carro e entrar em casa.
Esperei, tentando não ter um enfarto.
Respirei fundo, enchendo e expulsando o ar dos meus
pulmões.
Ele abriu a porta e entrou, cabisbaixo e despreocupado,
mas parou no meio do caminho ao me ver plantada na sala,
encarando-o.
Uniu as sobrancelhas escuras.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, preocupação
tomando conta do semblante sereno.
Por que eu sempre imaginava um cenário, ficava o dia todo
pensando nele, mas quando chegava na hora de colocar em
prática, não saía como o planejado?
— Sim — confirmei, mastigando as bochechas.
Entrou em casa, batendo a porta com o pé, e caminhou em
passos acelerados na minha direção, parando bem diante de
mim.
— O que foi, Mavie? Está me deixando preocupado —
disse, em tom esganiçado.
— Olha, prometi que não esconderia mais nada — comecei
a falar e ele assentiu com a cabeça, sem desviar os olhos dos
meus. — Se lembra do jogo de cartas da tia Luísa?
— Claro que me lembro.
— Então… não dei muita moral, por mais que eu tenha
ficado preocupada. Enfim, me esqueci dele por um tempo, mas
tia Luísa voltou com o assunto e tudo o mais...
Segurou os meus punhos, me fazendo parar de gesticular e
se inclinou, alinhando os nossos rostos.
— Fale logo, Mavie. Pelo amor de Deus!
— Comecei a me achar... hum... estranha. Chorona,
faminta, enjoada.
A cor se esvaiu do rosto dele.
— Está doente?
Mordi o lábio.
— Hã... não exatamente.
— Então o que é?
— Acho que estou grávida — confessei, tão baixinho que se
ele não estivesse perto de mim, não poderia ouvir. — Não fiz o
teste ainda, então não tenho certeza, mas é uma possibilidade.
Comecei a repassar mentalmente todas as vezes que a gente
transou e nós... não usamos camisinha no chuveiro, em uma
das vezes.
Ficou imóvel por um momento, em completo silêncio, como
se estivesse absorvendo a informação.
— Como é?
Sim, ele estava absorvendo a notícia.
— Ninguém sabe, nem mesmo Bárbara. Achei que fosse
mais justo ser o primeiro a saber, se for o caso. Também ainda
não fiz o teste, mas comprei. Queria que estivesse junto.
Pisquei. Ele piscou de volta. E ficamos assim por um
tempo, sem falar nada, só nos encarando. Eu esperava uma
reação dele, enquanto ele parecia ter nenhuma.
Depois de todo o susto, de quase morrer do coração, fiquei
calma. Caetano queria mais filhos, estávamos meio que juntos
e... era a minha oportunidade de fazer a coisa certa dessa vez.
Além do mais, também queria dar um irmãozinho para Elouise.
Se estivesse mesmo grávida, ficaria feliz. Caso contrário,
esperaria a hora certa.
— Caetano, diga alguma coisa... — sussurrei, depois de um
tempo.
Um sorriso se estendeu nos lábios dele, tão grande e
satisfeito, que franziu os olhos, transformando-os em finas
fendas.
— Porra, isso é perfeito! — gritou, me pegando no colo e
enchendo o meu rosto de beijos. — O que precisamos pra fazer
esse teste?
— Do meu xixi e do teste, mas já temos os dois.
Me soltou e segurou o meu punho, me arrastando em
direção ao banheiro. Me levou para dentro do cômodo e
apontou para o vaso sanitário.
— Bom, então vamos lá.
— Não é tão fácil assim. Com pressão, não vou conseguir
fazer nada.
Cruzou os braços e se escorou contra a parede.
— Onde está o teste?
Suspirei e puxei a gaveta da pia, retirando a caixinha de
dentro dela. Abri a embalagem, recolhendo o teste e lendo as
instruções.
— É só fazer xixi nesse potinho e mergulhar a ponta do
teste, então esperar — eu disse.
Ele era igual ao que eu tinha feito quando descobri a
gravidez de Elouise.
— Vamos, Mavie. Quer que eu traga uma garrafa de água?
Revirei os olhos e bufei.
Retirei a roupa e me sentei no vaso. Caetano me encarava,
sem nem mesmo picar. Olhei para o outro lado, evitando-o, e
tentei me concentrar. Seria fácil, se ele não estivesse tão...
ansioso.
Deus, isso era até mesmo constrangedor.
Depois de alguns minutos, finalmente consegui fazer xixi.
Coloquei o potinho sobre a pia e deixei que ele mergulhasse o
palito.
— Coloque a ponta que está indicada. Eles falam que leva
até cinco minutos pro resultado, mas ele aparece em alguns
segundos.
Mergulhou o teste e notei o tremor em suas mãos. Era a
primeira vez que eu o via tão nervoso e abalado com algo.
— E agora? — sibilou.
— Agora, é só esperar.
— Quanto tempo?
O líquido começou a subir. Tranquei a respiração. O silêncio
recaiu sobre nós. Meu coração batia tão forte que pensei que
Caetano pudesse escutar ao meu lado.
Um risquinho.
Ele continuou subindo.
Agarrei as laterais da pia, sentindo minhas pernas
falharem.
Dois risquinhos.
Uma onda de emoções me inundou.
Abri a boca e olhei para ele, que ainda encarava o teste
como se esperasse um resultado óbvio do tipo a palavra
“ grávida ” surgindo no palito. Senti vontade de rir, mas a
emoção que eu sentia era ainda maior.
— Caetano... — chamei o nome dele.
— O que foi?
— Deu positivo.
Pendeu a cabeça para o lado, franzindo as sobrancelhas.
Recolheu a caixa e leu as instruções. Os olhos corriam dela
para o resultado do teste, como se não pudesse acreditar no
que via e lia.
— Puta merda — sibilou.
Dei um passo para trás, ficando de frente para ele.
— Eu... hum... estou grávida de novo — disse o óbvio. —
Está... feliz?
Jogou a caixa do outro lado do banheiro e abriu os braços,
erguendo os lábios em um sorriso deslumbrante.
— Feliz? Porra, estou radiante!
Me abraçou, todo delicado.
— Não vou quebrar.
— Não quero machucar o bebê.
— Um abraço com certeza não vai machucá-lo.
Me segurou no colo, os braços fortes me envolvendo. Me
agarrei à nuca dele e passei as pernas na sua cintura. Abaixei a
cabeça, beijando-o com tanto amor, tanta paixão.
— Eu te amo, Mavie — sussurrou contra os meus lábios. —
Obrigado por isso, obrigado por me fazer o homem mais feliz
do mundo todo.
— Eu também te amo, desde o princípio.
— Vamos ter um bebê! Outro bebê! — disse, a voz
tremendo com a emoção.
Senti a felicidade dele, pura e sem reservas, vibrar através
de cada palavra.
— Sim — confirmei, ainda um pouco atordoada pela
notícia. — E, dessa vez, vamos fazer tudo diferente.
Ele me soltou no chão e se afastou um pouco, apenas para
me olhar nos olhos, os dele brilhando com uma mistura de
amor e lágrimas não derramadas. Colocou a mão sobre a minha
barriga, ainda plana, mas que logo daria sinais do nosso bebê.
— Vou estar aqui para tudo — prometeu, e sabia que falava
sério. — Para cada consulta, cada ultrassom, cada momento...
estarei ao teu lado.
Sorri, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
— Eu sei. — Funguei. — E eu não poderia estar mais feliz.
Ele pegou o teste e o encarou de perto, como se ainda não
pudesse acreditar. Observei de longe, admirando-o.
Era um novo capítulo que se abria em nossas vidas. Um
capítulo no qual faríamos tudo juntos dessa vez.
O bebê não foi planejado, mas... também não o evitamos
com tudo o que era possível. E... eu estava feliz com a notícia,
de qualquer forma.
Por um tempo, tentei ignorar o que eu sentia por ele,
pensando na minha mãe, me culpando e me cobrando pela
felicidade dela. Isso ainda não tinha mudado completamente,
mas... o que eu poderia fazer? Eu o amava, ele era o pai dos
meus filhos.
Só rezava para que um dia ela pudesse me perdoar, voltar
para a minha vida.
Caetano voltou-se para mim, tocando na minha barriga
sem parar.
— Precisamos fazer uma reforma na casa. Reformar um dos
quartos para Elouise e o outro para o novo bebê — disse. —
Também precisamos ir a Porto Alegre buscar o resto das tuas
coisas e ver o que vai querer fazer com o apartamento. —
Arregalou os olhos. — Precisamos de um médico também, de
um... — continuou falando, sem calar a boca por nem um
segundo, planejando toda a nossa vida pelos próximos meses.
Sorri, me perdendo nele, no sorriso bonito, na felicidade
contagiante, no toque da mão na minha barriga.
Ele era o amor da minha vida, não tinha dúvidas disso.
Essa gravidez era a minha chance de redenção, de perdoar
a mim mesma e de dar a Caetano o presente que ele tanto
desejava.
Eu não tinha contado para ninguém ainda sobre a minha
gravidez.
Queria fazer tudo diferente nessa segunda chance, por isso
estava mantendo sigilo. Mas logo, começaríamos a anunciar
para as nossas famílias.
Caetano estava impossível. Ele leu um artigo inteiro na
internet para descobrir o que eu poderia ou não comer. Passou
a acompanhar a gravidez por um aplicativo, porque queria
saber o tamanho exato que o bebê tinha e estudar a evolução
dele.
Saí do quarto em passos silenciosos, para não acordar
Elouise. Fechei a porta e caminhei até a cozinha. Comeria
alguma coisa e iria para a piscina, mexer no meu notebook e
tentar descobrir alguma ideia do que eu poderia fazer para
começar a trabalhar.
Por mais que Caetano fosse enfático ao dizer que eu não
precisava me preocupar com nada, não queria passar o resto
da vida sendo sustentada por ele. Assim como a minha mãe, eu
valorizava muito a minha independência financeira.
Peguei uma maçã do cesto e avancei para a rua, dando
uma mordida nela, no momento que a campainha tocou. Dei
meia-volta e fui até à porta, abrindo-a e sentindo o pedaço que
engoli da fruta pesar como pedra no meu estômago.
— Mãe? — sussurrei, piscando.
Ela não parecia ser a mesma mulher que eu conhecia,
sempre tão plena e bem arrumada. Os cabelos estavam presos
e bagunçados, o rosto com o semblante cansado e olheiras
marcadas. Vestia roupas simples e leves, as mesmas que
costumava usar apenas em casa.
— Precisamos conversar — disse, apertando a bolsa de
ombro ao lado do corpo.
Assenti, dando um passo ao lado para que ela pudesse
entrar.
Fazia pouco mais de duas semanas que eu não a via, que
não tinha notícia alguma sobre ela ou Therêncio. Tia Luísa se
esquivava todas as vezes que eu perguntava sobre mamãe,
porque ela não queria se meter nesse assunto.
Ela foi até um dos sofás e se sentou na ponta dele com as
costas eretas. Passou um olhar pela casa, analisando-a, antes
de se voltar para mim.
Franziu o cenho.
— Está diferente — comentou, me olhando de cima a
baixo.
É, eu com certeza perdi a fome.
Engoli com dificuldade e coloquei a maçã de lado.
— Quer alguma coisa? Uma água, um café, algo para
comer?
Gesticulou, negando.
— Só conversar.
Me sentei no sofá de frente para ela, tentando parecer o
mais calma possível e ignorar essa conversa estranha, esse
jeito tão formal com o qual estávamos conversando. Nunca
havia sido assim antes.
— Tudo bem — murmurei, descansando as mãos em cima
das minhas pernas, rente ao colo, para disfarçar a minha
tremedeira.
— Quero te contar uma história.
Isso me pegou de surpresa, pensei que ela tivesse vindo
para tirar satisfação.
— Ok?!
— Sabe, sempre me questionei por qual motivo nunca
perguntou pelo teu pai.
Dei de ombros.
— Não parecia relevante.
— Mas sentiu falta dele em algum momento? — Estreitou o
olhar.
— Não dele, não dá pra sentir falta de alguém que eu
nunca conheci, mas de uma presença paterna, sim.
— Teu pai era meu colega de aula — confessou. Arquejei,
surpresa. — Entramos na mesma turma de medicina. Eu o
conheci no primeiro semestre. Não foi amor, mas foi... intenso.
— Jogou os cabelos para trás e fixou o olhar no sofá, se
perdendo nas lembranças do passado. — Ficamos juntos por
uns três meses, e cheguei a levantar a possibilidade de que ele
seria meu futuro marido. Era bom, gentil, amoroso e carinhoso.
— E o que mudou? — perguntei, ansiosa por mais.
— Você — respondeu, direta. Pisquei, confusa, então ela
continuou: — Quando descobri que estava grávida, fui até ele
para conversar. Na mesma hora, ele me rejeitou e me
desprezou. Disse que não era o momento, que tinha um futuro
pela frente, que precisava focar nos estudos e não trocar
fraldas. Então me deu dinheiro para abortar e ainda me
mandou ir em uma boa clínica clandestina, porque, se eu
morresse, ele sabia que se incomodaria com a minha família e
não queria essa dor de cabeça.
Senti a raiva crescer pelas minhas veias e um calor tomar o
meu peito. Eu o odiava, mesmo sem conhecê-lo. Eu o odiava
por ter desprezado minha mãe, ter me rejeitado, por ser um
imbecil.
— Ainda bem que nunca me interessei por ele — grunhi,
cheia de raiva.
— Naquele dia, joguei todo o dinheiro que ele me deu na
cara dele. Prometi que eu teria o bebê e, mesmo assim, me
formaria, porque eu era capaz. Que não precisaria dele para
nada e que nunca, jamais viesse me procurar ou procurar ao
meu bebê no futuro, ou eu acabaria com a vida dele, contando
para todos quem ele realmente era.
— E isso importava? Quer dizer, o status.
— Quando se é filho de político? Sim.
Me escorei no sofá, sem reação. Era muita informação
sobre a minha família paterna, que eu nem esperava.
— Ele ficou com medo e se afastou de mim. Por meses, me
viu na faculdade, acompanhou todo o desenvolvimento da
barriga. Uma barriga que nunca fiz questão de esconder dele.
Não tinha coragem de contar em casa, de assumir como fui
tola, como fui rejeitada, mas na faculdade? Eu só queria que
ele soubesse, que ele visse.
— Teve vergonha da tia Luísa?
— Na época, nosso pai ainda era vivo, mas já estava
sofrendo de câncer. Luísa já estava preocupada, cuidando dele.
Não quis me tornar mais um problema pra ela. — Soltou uma
risada áspera. — A irmã tola que foi rejeitada grávida por um
idiota.
— Ela jamais faria isso, nunca te julgaria assim.
— Ela nunca o fez, nem o meu pai. Eles me apoiaram
desde o momento que descobriram. — Suspirou. — Quando tu
nasceu, teu avô estava muito mal e Luísa precisava ficar o
tempo todo com ele no hospital, então precisei dar conta
sozinha. Te levava para a faculdade comigo, enquanto os
professores te embalavam, eu fazia as atividades. Tive muitos
professores incríveis, que me apoiaram e me ajudaram, assim
como tive outros que não viam futuro em mim porque eu era
uma jovem solteira, com filho. Teu pai também te viu, mas
nunca chegou perto, nunca pareceu se importar. Ele agia como
se você não representasse nada pra ele. Até que entendi que
não representava mesmo, que ele nunca seria um bom pai.
Dobrei as pernas sobre o sofá, me sentindo cada vez mais
abalada com a história. Cheguei a cogitar a possibilidade do
meu pai ser um criminoso uma época, porque minha mãe
nunca falava dele.
— Ele é irrelevante — repeti.
— Então o teu avô morreu. Fiquei tão abalada com a morte
dele, tão triste. Foi aí que percebi o quão incrível ele foi. Ele te
amou assim que te viu, ficou todo bobo e orgulhoso por ter se
tornado avô. Ele teria sido um bom substituto de figura
paterna, teria te dado o mundo, se não fosse a doença. —
Piscou, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas. — Foi
assim que prometi a mim mesma que te daria o mundo, seria o
suficiente, nunca deixaria que faltasse nada pra ti e cumpriria
um papel de ser pai e mãe tão bem que nunca se importaria
em saber sobre o teu pai.
— E foi incrível, mãe. Foi perfeita. Conseguiu cumprir a tua
promessa.
Me olhou, uma lágrima rolando pelo canto direito do olho.
— Consegui me formar, ingressei no hospital e melhorei
nossa qualidade de vida. Mas prometi, desde o princípio, a mim
mesma, que só teria alguém, e se aparecesse alguém legal,
quando tu fosse adulta e dona de si.
— Por quê?
— Porque eu não queria que se sentisse abandonada, não
queria que se apegasse a um suposto namorado meu e ele
fosse embora. Já tinha sido rejeitada pelo teu pai quando ainda
estava no útero, não permitiria que fosse outra vez, que
sentisse essa dor.
— Pensei que fosse para me proteger, porque não confiava
nos homens.
— Também — confirmou. — Mas foi, acima de tudo, para
evitar com que se apegasse a alguém. E eu nunca me importei
com isso também. Minhas paixões eram você e a medicina, eu
já me sentia completa.
— Até Therêncio... — sussurrei.
— Até Therêncio — confirmou. — Ele é diferente da maioria
dos homens que eu conhecia. Percebi assim que nos
conhecemos que ele é um homem de caráter ímpar. Me
apaixonei pelo jeito dele, pelo caráter e pela pessoa. Mesmo
assim, esperei alguns meses até ter certeza, antes de
apresentá-lo para a família.
Comprimi os lábios e esfreguei o rosto, secando algumas
lágrimas que escaparam.
— Eu sinto muito, mãe. Sinto tanto. Não queria estragar a
tua felicidade, não queria arruinar as coisas pra você depois de
tudo o que sacrificou por mim.
— Por que escondeu a verdade, Mavie?
— Porque fiquei com medo que terminasse com Therêncio
por causa de mim. As pessoas nos olham como se fôssemos
meio-irmãos, o que eles fariam se soubessem da Elouise? Todos
os julgamentos... achei que arruinaria a tua felicidade, mais
uma vez, por causa de mim.
Balançou a cabeça.
— O que te faz pensar isso, minha filha? — Respirou fundo.
— Um pouco disso é culpa minha. Fui muito dura contigo
algumas vezes, te cobrando pra ser autossuficiente, pra nunca
depender de ninguém. Não queria que passasse pelo mesmo
que eu, mas eu jamais rejeitaria uma neta.
— Mas terminaria com Therêncio.
— E é isso que tu quer? — indagou, me olhando com
afinco.
— É claro que não! Menti todo esse tempo justamente para
evitar isso.
Ela riu, embora o sorriso não chegasse aos olhos.
— Oh, minha querida, e desde quando nós fomos uma
família politicamente correta? Fui uma mãe jovem e solteira.
Luísa se divorciou quando Bárbara ainda era uma criança.
Formamos a casa das quatro mulheres. [v] Acha que nunca
fomos condenadas pelas velhas fofoqueiras da cidade?
— Eu... eu não sei — ofeguei.
— É claro que sim! — Gesticulou. — Não me importo com
nada do que vão falar, a opinião deles é irrelevante pra mim,
desde que tu esteja feliz. Se mentiu porque se acha
autossuficiente, como eu a criei para ser, porque se espelhou
em mim como mãe solteira ou porque não viu em Caetano um
bom pai, tudo bem. Mas agora, se mentiu porque tinha medo
da minha opinião, cometeu um grave erro.
— Oh, mãe! — Solucei. — Eu só não queria estragar a tua
felicidade. Caetano é um pai incrível, o melhor que eu poderia
escolher. E nós dissemos a verdade naquele dia, nos
conhecemos um dia antes do almoço.
— Então, minha filha, isso tudo não foi nada além de falta
de comunicação. — Coçou a testa, pensativa. — Fiquei muito,
muito magoada quando descobri a verdade. Me questionei
várias vezes aonde foi que eu errei contigo, do porquê de não
ter confiado em mim.
— Mas eu confio! Muito — cortei, aumentando o tom de
voz.
— Fiquei esses dias refletindo sobre tudo isso, tentando
compreender as coisas, até que percebi que talvez o erro
pudesse ter sido meu, em relação ao teu pai, em relação à tua
criação.
— Não, mãe, a senhora foi perfeita.
— E cheguei à conclusão de que não importava mais, nós
precisaríamos conversar e ajeitar as coisas — continuou ela, me
ignorando. — Eu te amo acima de tudo e qualquer coisa, Mavie.
Assim como amo Elouise com todo o meu coração, e ficar longe
de vocês me deixará doente. Se quiser que eu me afaste, sabe,
com medo do que vão falar da nossa família incomum, tudo
bem, mas... por favor, não me cortem da vida de vocês.
Me levantei em um movimento brusco e caminhei até ela,
me jogando ao seu lado no sofá e a puxando para um abraço.
Deitei a cabeça no ombro e chorei forte, de soluçar, colocando
para fora toda a dor, saudade e tristeza que senti nos últimos
dias.
— Jamais! Se está bem pra vocês, está ótimo pra mim.
Também não me importo com o que vão pensar ou falar. Eu te
amo, mãe. Tudo o que fiz foi pensando no que seria melhor pra
ti, por mais que tenha sido um pensamento equivocado. —
Soltei um suspiro entrecortado. — Me perdoa, por favor?
Riu, afagando os meus cabelos.
— Nem se eu quisesse, conseguiria ficar um dia a mais
longe. Esses últimos foram um tormento, mas eu precisava
pensar, colocar a cabeça em ordem e tentar encontrar uma
solução. Eu iria para Porto Alegre te encontrar, mas liguei pro
teu trabalho e me informaram que se demitiu.
— Não tinha cabeça pra voltar, também não queria ficar lá
sozinha.
— Sabe que aqui as pessoas vão comentar mais sobre isso,
não é?
— Não me importo.
— E... como estão as coisas com Caetano, o que
decidiram?
Mordi as bochechas.
Era estranho falar sobre ele com ela, falar do homem com
quem me envolvi e mantive o segredo guardado a sete chaves.
— Nós estamos juntos — revelei. — Não no início, porque
eu queria esperar, saber como seria a tua reação, mas... foi
meio que inevitável.
— Se te faz feliz, também estou feliz. Deveria saber disso,
minha filha. Jamais impediria que se separasse do homem por
quem está apaixonada. — Revirou os olhos. — Eu também
jamais me divorciaria de Therêncio só porque as pessoas vão
comentar. Só o faria, se esse fosse o teu desejo.
— Mas não é.
— Então acho que está tudo resolvido.
— Tem mais uma coisa — acrescentei.
Ela me olhou toda estranha, semicerrando os olhos, me
averiguando, tentando farejar a verdade.
— E o que é?
— Dessa vez, quero fazer tudo diferente. Quero mudar a
história. Então... é a segunda a saber: estou grávida.
Aguardei, em silêncio e nervosa, sem saber qual reação
esperar. Mas então ela abriu um sorriso reluzente e se lançou
sobre mim, me abraçando com força.
— Oh, isso é perfeito! Eu estava ansiosa por mais netinhos.
— É sério, mãe?
Concordou, beijando a minha testa.
— Para de esperar o pior das pessoas, Mavie. Sou tua mãe,
estou feliz pela tua felicidade. Caetano é um bom homem e nós
vamos continuar a nossa família... incomum, como sempre
fomos, ignorando a sociedade e seus benditos padrões.
— Eu te amo! — murmurei, abraçando-a. — Senti tua falta,
pensei que tinha te perdido pra sempre. — Soltei um suspiro
entrecortado. — Eu não ficaria com Caetano, mamãe. Não
ficaria, se tu não quisesse, se fosse uma escolha entre a tua
felicidade ou a minha.
Me encarou com profundidade.
— Nunca vai me perder. Nunca. Também te amo, minha
filha. Mas, entenda, a tua felicidade é a minha felicidade. Se
estivesse feliz, eu ficaria feliz.
Assenti, soltando um suspiro entrecortado pelo choro.
— E sobre o que me contou, tu conseguiu, mãe. Foi
suficiente pra mim, foi maravilhosa. Sou muito grata a ti, por
tudo.
— Só realizei o meu papel. Agora que é mãe, entende o
que é esse amor.
Sim, eu entendia.
Era como se um peso tivesse sido removido das minhas
costas. Percebi que fui uma tola o tempo todo, que por
achismo, quase dividi a minha família. Mas é como dizem: errar
é humano . E, assim como todos, também estava suscetível a
erros. O importante era que agora eu estava tentando me
redimir por cada um deles.
Avancei pela vinícola sem olhar para os lados, os olhos
fixos no celular que eu mantinha na mão. Procurava pelo nome
de um médico requisitado em Porto Alegre, para que Mavie
iniciasse o pré-natal. Depois de pesquisar um pouco, descobri
que ele era muito importante, assim como alguns cuidados
básicos nos primeiros meses. E seguiríamos o protocolo à risca.
Entrei no escritório, distraído, concentrado na tarefa que eu
exercia.
— Como vai, Caetano? — A voz do me pai reverberou, me
fazendo dar um pulo. Abaixei o celular e olhei para ele, que
estava sentado em uma das cadeiras de frente para a mesa.
— Mas... o quê? — murmurei, confuso.
— Precisamos conversar — disse, gesticulando.
Ele não estava sentado na cadeira principal, atrás da mesa.
Agia como se fosse algum convidado. Era estranho vê-lo em
outro lugar que não o de costume.
Fiz a volta na mesa e me sentei na cadeira que pertencia a
ele, fazendo-a oscilar diante do meu peso.
— Estou ouvindo — respondi, cruzando os braços e
aguardando.
Meu pai era um homem incrível, mas também muito
teimoso.
— Estou aqui, Caetano, para dizer que me sinto muito
desapontado contigo.
— Comigo? — indaguei, apontando para o meu peito.
Se ele dissesse que isso era sobre eu ter me relacionado
com Mavie, aconteceria uma das piores brigas em família.
— Sim. Com o fato de que duvidou de mim, pensou que eu
faria com que escolhesse Mavie ou a mim, por colocar isso em
pauta.
Pisquei, confuso, e me remexi na cadeira, meio atordoado.
— Como é?
— Como teu pai, pensei que tivesse deixado bem claro
desde o início que minha maior prioridade é a felicidade dos
meus filhos. — Exasperou. — Desde que a tua mãe morreu, me
dediquei totalmente a vocês dois, sempre tentando oferecer o
melhor e suprir a falta que ela fazia. Nem sempre fui bom o
suficiente, às vezes eu não conseguia seguir adiante, acabava
cedendo e deixava as responsabilidade de Lívia nas tuas costas.
— Nunca me importei com isso, sempre gostei de cuidar de
Lívia.
— Eu sei, mas era só um garoto adolescente recém-
descobrindo o mundo. Precisou amadurecer cedo demais.
— Isso também não me incomoda — eu disse, cruzando os
braços em frente ao corpo.
Foi nessa época que aprendi a gostar da musculação, era
através dos treinos na academia que eu deixava a mente
flutuar para longe, que eu podia me desligar de tudo. Era como
uma terapia, tirava o meu estresse, e eu voltava para casa,
pronto e renovado para trocar mais fraldas.
— Enfim, conversei muito com Laís nesses últimos dias e,
assim como ela decidiu ir conversar com Mavie, decidi fazer o
mesmo contigo. É uma situação... diferente, mas precisamos
encontrar uma solução.
— Acho que já encontrou a solução, já que se aposentou
da empresa sem mais nem menos. — Arqueei uma sobrancelha.
— Já sei a tua resposta, pai. Não aprova o relacionamento. E
eu entendo que possa parecer estranho, mas Mavie e eu não
pedimos por isso. Aconteceu, nos apaixonamos, tentamos nos
afastar, não deu certo e... enfim, é isso.
E agora teríamos outro bebê.
Queria gritar essa notícia aos quatro cantos, anunciar nos
alto-falantes da vinícola, mas ainda era segredo.
Não sabia o que esperar dele. Como filho, queria que ele
me apoiasse, ficasse do meu lado, mandasse a sociedade se
foder e não se importasse com o que iriam falar. Porque eu o
queria na minha vida e na vida dos meus filhos.
— Já era uma decisão tomada, o que aconteceu só
antecipou as coisas — afirmou, coçando a nuca. — Decidi isso
na viagem com Laís. Ela está aposentada, disponível pra viajar
e aproveitar a vida. E, como marido dela, decidi que era meu
dever acompanhá-la. Estou velho, me dediquei muito à vinícola,
mas agora chegou a hora de deixar isso contigo. Estudou e se
dedicou pra isso, nada mais do que merecido.
— Então... não saiu porque não apoia meu relacionamento
com Mavie?
Negou.
— Já tinha decidido, só antecipei as coisas. Precisava dos
meus dias para pensar, para colocar a cabeça em ordem. — Me
encarou, os olhos castanhos refletiam mágoa. — E quando
disse que iria embora se eu não apoiasse, quando chegou a
pensar que eu seria um pai nesse nível, isso me machucou
muito, Caetano. Por isso, decidi deixar o cargo, deixar que
ficasse aqui e tomasse seu lugar por direito, enquanto eu
esfriava a cabeça.
— E sobre meu relacionamento com Mavie? — insisti,
porque era isso que importava para continuarmos a conversa.
— Assim como Laís, minha mágoa não foi porque estão
juntos, embora a notícia tenha me pegado de surpresa, mas
sim porque levantaram a possibilidade de sermos contra um
relacionamento que faz ambos felizes. — Bufou. — Sei que vão
falar, sei que vão questionar e sei que vão julgar. Mas... quer
saber? Estou velho demais para me importar com a opinião dos
outros. Acha que eu não sei como eles são? Falaram da minha
criação, opinaram sobre como eu precisava de uma mulher para
substituir a mãe de vocês, pra conseguir dar conta. Também
falaram que eu era louco de me casar, estando tão velho. Eles
falam de qualquer maneira, não importam as circunstâncias.
Pousei os cotovelos sobre a mesa e descansei o rosto nas
mãos.
— Me lembro de que sempre disse que deveríamos ser um
exemplo, que eu não poderia me envolver em confusão ou meu
nome estaria na boca do povo no outro dia.
— Isso quando você era um adolescente e eu tinha medo
que fosse inconsequente. Um dia, seria o administrador da
vinícola. Não queria que te vissem com maus olhos. — Isso
fazia algum sentido . — Agora que é tu quem comanda a
vinícola, sei que precisa ter uma boa reputação. Isso é
exemplar para fechar negócios futuros, para ganhar
confiabilidade no mercado. Laís e eu estamos dispostos a nos
mudar para Porto Alegre, assim as pessoas não vão comentar
tanto.
Balancei a cabeça.
— Sabe por que terminei com a Mavie, logo após a nossa
primeira noite, quando tudo o que eu mais queria era tê-la pra
mim de novo? — Ele negou. — Por causa disso, por causa de ti.
Eu sabia que se assumisse alguma coisa com ela na época, tu
teria terminado com a Laís, se sacrificaria por mim. Assim,
ninguém falaria da família. Eu viveria feliz e tu... voltaria a ser
sozinho, como sempre foi depois da mãe. Me diga se estou
errado.
Comprimiu os lábios e olhou para o lado, soltando um
suspiro pesado.
— Não está — confessou.
Me recostei na cadeira, satisfeito com a afirmação que eu
já desconfiava.
— Por que ficou tanto tempo sozinho, pai? Por quê?
— Porque a tua mãe foi o grande amor da minha vida.
Ninguém parecia ser bom o suficiente para ocupar o lugar dela,
ninguém conseguia tapar o buraco que ela deixou no meu
coração. — Encarou a janela, observando as vinhas ao fundo.
— Me dedicar a vocês e à vinícola foi o que me salvou de uma
depressão depois da morte dela. E foi assim por um longo,
longo tempo.
— Até Laís aparecer... — ponderei.
— Quando eu menos esperava, quando nem mesmo
procurava. Ela surgiu naquele restaurante e fez um velho
coração voltar a pulsar. — Voltou os olhos para mim. — Foi ali
que entendi que existem amores da vida e amores para a vida.
Tua mãe foi o amor da minha vida, enquanto Laís é o amor
para a minha vida. Elas foram as duas únicas mulheres que
amei.
— E, ainda assim, a deixaria de lado por mim?
— E... no meio desses amores, existem os filhos. Muito
mais intenso, muito mais profundo. Então, sim, Caetano. Eu
faria qualquer coisa para te ver feliz.
— Mas o que mudou agora?
Esfregou os olhos vermelhos, afastando algumas lágrimas
para longe.
— Agora, descobri que sou avô. Que a pequena garotinha
por quem criei tanto afeto, a quem vi nascer, que passei os
últimos anos mimando, amando e sendo o melhor avô
emprestado, compartilha do meu sangue. — Sorriu, lembrando-
se de Elouise. — E sabe o que é o mais louco de tudo? Ela
também tem o sangue das duas únicas mulheres que eu já
amei. Tu construiu uma família, meu filho. Não pode deixar isso
partir, não pode abrir mão disso.
— Não vou — afirmei, resoluto. — Não vai terminar teu
relacionamento com Laís?
— É isso que tu quer?
— Não, pai! — sibilei, me levantando e indo até a janela, a
luz do sol na minha pele era um conforto aconchegante. — Não
é isso que quero. Eu acabei de dizer que me afastei de Mavie,
porque sabia que meu relacionamento com ela significaria o fim
do teu. Só que agora... agora nós temos uma filha, nós
estamos apaixonados e... nós vamos ficar juntos. — Me virei
para ele. — Mas te quero por perto, Laís e a família toda
também. Meus filhos merecem conviver com os avós
maravilhosos que vocês são.
Ele também se levantou, franzindo o cenho.
— Filhos? — indagou, confuso.
Respirei fundo.
— Mavie está grávida.
Um brilho diferente de tudo o que eu já tinha visto surgiu
nos olhos dele.
— Grávida? — perguntou, como se quisesse confirmar.
Acenei.
— E, dessa vez, nós vamos fazer diferente. Queremos
todos juntos. Sei que acompanhou tudo da última vez, mas
agora tem a certeza de que é um neto teu que cresce no ventre
dela.
Colocou as mãos na boca, surpreso. E, pela primeira vez
em anos, eu vi uma lágrima escorrer dos olhos dele, desde a
morte da minha mãe.
— Estou tão feliz — disse e se aproximou de mim em
passos deliberados, como se não tivesse certeza se deveria ou
não se aproximar.
Estendi os braços e o puxei para um abraço, me sentindo
imediatamente mais leve, mais feliz, notando só agora como
estive tenso nos últimos dias, sofrido por ter brigado com ele.
Já tínhamos nos afastado algumas vezes. Na adolescência,
quando ele precisava de um momento de luto e quando fui para
os Estados Unidos. Mas, naquelas vezes, foram por motivos
diferentes.
— Obrigado por tudo, pai. Por ter sido o melhor, mesmo
quando estava sofrendo tanto.
Me lembrava do olhar perdido dele nos nossos aniversários,
como se estivesse procurando a esposa, sentindo a falta dela,
enquanto ele assistia ao crescimento dos filhos. De como ele
ficava abatido em datas específicas, como no Dia das Mães, ou
no dia do aniversário dela. E, mesmo com tudo isso, ele deu o
melhor que tinha.
Me empurrou, mantendo as mãos em meus ombros para
me olhar.
— Acho que tudo na vida tem um propósito, Caetano. Não
concordo com as mentiras da Mavie, mas, se ela tivesse
contado a verdade na época, eu teria te chamado de volta na
mesma hora e teria... e teria...
— Terminado com Laís, porque era o politicamente correto
a ser feito — terminei a frase em seu lugar, vendo que agora
ele sequer conseguia cogitar a possibilidade de não ter a
médica ao seu lado.
— Exatamente.
Dei um tapa em suas costas.
— Chega de focar nos filhos, pai. Chegou o teu momento
de aproveitar a vida, de curtir os netos, de amar. Deixa que da
vinícola, cuido eu. E se alguém questionar o meu caráter, não
merece trabalhar comigo.
Eu sabia que isso aconteceria, que sempre teria alguém
para falar, fosse por fofoca ou por pura maldade. Mas eu não
me importava, desde que não desrespeitassem minha família na
minha frente.
Segurou meu rosto em suas mãos.
— Tua mãe estaria tão orgulhosa de ti... — murmurou. — E
de Lívia também.
— Tudo graças ao teu bom trabalho.
Respirou fundo, reflexivo.
— Bom... acho que tenho que conversar com Mavie —
disse ele. — Mas não vai ser hoje. Laís foi conversar com ela.
— Queremos fazer alguma coisa, jantar ou almoço, para
anunciar a gravidez.
— Laís deve estar radiante com a chegada de mais um
neto.
— Todos estamos. — Me afastei, voltando para a mesa. —
Descobri que amo isso, amo a paternidade.
— E vai descobrir, cada vez mais, o quanto o amor é
imensurável — afirmou, esfregando as mãos uma na outra. —
Enfim, já resolvemos nossas pendências. Vamos fazer um
almoço na minha casa no sábado, pode ser? Laís deve estar em
êxtase com o novo neto e... considerando que não
comemoramos o aniversário da Mavie, ela vai querer fazer
alguma coisa.
— Tudo bem, por mim. Sem problemas. Tenho certeza de
que Mavie também vai adorar.
Acenou e deu as costas, voltando-se para a porta.
— E, pai — chamei, interrompendo-o. Me olhou por cima
do ombro. — O que te fez pensar que eu queria que se
afastasse?
— O jeito com o qual defendeu Mavie, resoluto e
apaixonado. Vi que estava decidido a ficar com ela, eu só não
sabia qual era a tua prioridade.
— Como assim?
— Eu terminaria com Laís, porque iria priorizar a tua
felicidade. Isso acabaria comigo, mas seria o certo a se fazer.
Também não iria querer que falassem de mim, assim como vão
falar de ti. Por isso, eu não sabia se seria mais parecido comigo
ou com a tua mãe.
— O quê?
Ele riu.
— Laura nunca aceitaria viver infeliz só por causa do que
as pessoas iriam falar. Ela diria a mesma coisa que tu disse: se
questionarem o meu caráter, não merecem trabalhar comigo. A
vinícola é forte no mercado, então...
— Agora já tem a minha resposta.
Confirmou.
— E me orgulho dela — disse, saindo da sala.
Entendi o seu lado. Ele tinha sessenta e cinco anos, foi
criado em outra época, com conceitos diferentes. Também
esteve presente na evolução da vinícola, sabe como o nome da
família foi importante para os negócios chegarem ao patamar
atual. Por isso, jamais o julgaria.
Mas não era o meu caso.
E eu esmagaria qualquer um que falasse da minha família,
que questionasse o nosso caráter.
Segurei Elouise no colo e encarei a casa de Therêncio,
aquela que era a nova moradia da minha mãe.
Era uma construção elegante, com paredes de pedra
rústica e janelas grandes que capturavam a luz do sol. Ao
redor, os vinhedos se destacavam.
Caetano fez a volta no carro e parou ao meu lado,
segurando a minha mão. Ele olhou para mim, um sorriso terno
nos lábios, e então olhou para Elouise, que se agitava com
entusiasmo. Ela amava esta casa, sempre teve efeito sobre ela.
Eu não sabia se era pelo tamanho, um lugar cheio de
alegria e descobertas; pelas piscinas com vista para os
vinhedos ou pelo jardim, com tantas flores para explorar.
— Parece que ela gosta daqui — comentou Caetano,
puxando-a do meu colo.
— Sempre foi assim — respondi, arrumando os cabelinhos
dela. — É como um parque de diversão.
Ele riu e pousou a mão na minha barriga.
— O outro ou a outra também vai gostar?
— Acredito que sim.
Caetano levava as coisas muito a sério. Nós mal
descobrimos que eu estava grávida e ele já havia contratado
uma arquiteta para reformar a casa. Fez questão de aumentar
o quarto dele, porque agora seria de nós dois. Também pediu
um quarto a mais, para caso tivéssemos outro filho, já que os
dois de hóspedes seriam reformados para Elouise e o novo
bebê.
— E vai gostar da nossa também — retrucou.
Revirei os olhos.
— Não precisava de todas as mudanças.
— Óbvio que precisava — cortou. — Aquela casa foi
construída para um homem solteiro. Agora, estou adaptando
para um pai de família. Meus filhos precisam de todo o conforto
possível, assim como tu.
— Já sabe onde vamos morar enquanto essa reforma
estiver em andamento?
Deu de ombros.
— Se não quiser ficar aqui, podemos alugar algum
apartamento na cidade. Pedi urgência na obra, pois não
podemos ter o novo bebê fora de casa. Quero tudo pronto para
a chegada dele ou dela.
Em duas semanas, teríamos que nos mudar. Seria
impossível ficar na casa com Elouise, sendo que derrubariam e
levantariam paredes, mexendo em toda a estrutura da casa.
— Também vamos trocar o teu carro.
Lancei um olhar enviesado para ele, abrindo a boca.
— Não tem problema algum com o meu carro!
— É claro que tem.
— É mesmo? Então qual é?
— Ele não está na lista dos carros mais seguros para se
andar com criança.
Apertei a ponta do nariz e fechei os olhos, respirando
fundo. A gravidez me deixava mais irritada do que o normal, e
o motivo de todo o meu ranço tinha nome e sobrenome:
Caetano Rossi.
— Para de surtar, pelo amor de Deus!
— Não é surto, é preocupação.
Não adiantaria nada iniciar uma discussão, ele era teimoso
demais e muito cabeça dura.
Avancei pelo caminho de pedras que levava até a porta da
frente, passando por canteiros de flores cuidadosamente
arranjados e arbustos verdes.
— Vamos comprar uma Land Rover Discovery, Mavie. É um
bom carro e está no ranking que avaliei — continuou ele,
tentando me convencer.
Eu não entendia droga nenhuma de carro, meu
conhecimento se limitava ao nome de algumas marcas. Ele
poderia falar o que quisesse, que eu não entenderia mesmo
assim.
Continuei ignorando-o e afundei o dedo na campainha.
— É maior, mais moderno, mais potente e mais bonito do
que o teu — insistiu, tentando a todo o custo me convencer a
trocar de carro.
A porta foi aberta por Lívia. Ela correu os olhos por mim,
então para o irmão, e de volta para mim.
— Qual é o problema?
— Sabe, disse muitas coisas boas sobre o teu irmão, só se
esqueceu de falar o quão irritante ele é.
Ela soltou uma gargalhada.
— Desculpe, pensei que já soubesse disso.
Caetano revirou os olhos e passou por nós, avançando para
dentro da casa com Elouise no colo.
— O que ele quer que tu faça? — perguntou Lívia, nos
seguindo para a parte de trás da casa, em direção à piscina.
— Que eu troque de carro.
— Por quê?
— Já vai entender.
A piscina era cercada por um deck de madeira, com uma
grande mesa elegante arrumada para o almoço em família. Ela
refletia o azul claro do céu, com espreguiçadeiras e guarda-sóis
ao redor.
Notei as louças coloridas sobre a mesa, uma mistura de
azul e rosa, assim como os arranjos de flores. Mamãe tinha
sido estratégica, preparando um almoço para revelar a vinda do
nosso bebê, sem deixar escancarado sobre o que se tratava,
antes de anunciarmos a novidade.
O cheiro da churrasqueira já permeava ao redor, me
deixando faminta.
— Chegaram bem na hora — disse Therêncio, segurando
um pegador de frente para a churrasqueira, enquanto virava a
carne na grelha.
Tia Luísa, mamãe, Bárbara e Lívia estavam tomando sol
nas espreguiçadeiras e bebendo espumante Rossi.
Fiquei um pouco nervosa, sem saber como cumprimentá-lo.
Não tinha falado com ele desde o meu aniversário, quando
descobriu a verdade. Mas, assim como minha mãe, ele ficou
bem com o meu relacionamento com Caetano. Eles aceitaram a
realidade, sem se importar com mais nada.
Mas isso acontecia apenas agora, depois de anos e após o
nascimento de Elouise. Se eles soubessem a verdade lá no
passado, talvez não estivéssemos hoje todos aqui, juntos e
prontos para um almoço em família.
— Elouise — chamou mamãe. — Vem na vovó!
Minha filha olhou Therêncio, então para a minha mãe,
como se estivesse decidindo para quem correria.
— Bô! — exclamou, enfim, decidida e correndo até ele.
Ele gargalhou alto, todo orgulhoso.
— Acho que nós temos um favorito.
Ela gesticulou, como se estivesse ofendida, mas os
contornos de diversão ao redor dos olhos mostravam o
contrário disso. Ela estava feliz, parecia satisfeita.
Caminhei até Therêncio, seguindo Elouise. Meu coração
batia descompassado e comecei a me sentir enjoada pelo
nervosismo. Ele segurou a neta nos braços, dando um beijo na
bochecha dela.
— Como vai a guriazinha do vovô? — perguntou. Elouise
apontou para a carne, pedindo. — Meu amor, já tenho o teu
pedaço separado.
— Therêncio... — chamei, sem saber ao certo como iniciar
a conversa. — Eu... eu sinto muito. Sinto muito por ter
escondido a verdade esse tempo todo.
Ele deixou Elouise no chão e pousou a mão no meu ombro,
fixando os olhos em mim.
— Mavie, não há nada pelo que se desculpar. A vida é feita
de escolhas. Algumas são fáceis, outras... nem tanto. Mas cada
uma delas nos leva a um caminho, e a sua escolha nos trouxe
até aqui. — Ficou em silêncio, os olhos brilhando com uma
mistura de sabedoria e carinho. — Sempre amei Elouise como
se fosse minha neta, mesmo sem saber que realmente era. O
amor que sinto por ela... por esta família... não mudou. Ele só
se fortaleceu.
Senti as lágrimas se formarem nos meus olhos.
— Obrigada — respondi, a voz embargada pela emoção. —
Obrigada por entender, por aceitar... por tudo.
Ele me puxou para um abraço caloroso.
— Somos uma família. E família é onde o amor prevalece,
independentemente de qualquer coisa.
Me soltou, acariciando rapidamente o meu rosto com a
ponta dos dedos, antes de se voltar para a churrasqueira para
pegar a carne de Elouise.
O último peso sobre os meus ombros se foi. Suspirei forte,
finalmente livre.
Caetano beijou a lateral do meu pescoço e sussurrou no
meu ouvido.
— Eu disse que estava tudo bem. Pare de se preocupar
tanto.
Assenti, esfregando as pontas dos olhos para limpar as
lágrimas acumuladas, e me virei, voltando-me para as
espreguiçadeiras em que mamãe, tia Luísa, Lívia e Bárbara
estavam. Me sentei em uma das cadeiras, na sombra.
— Quer espumante? — perguntou Lívia.
Neguei com um aceno.
— Estou um pouco enjoada, talvez mais tarde — menti.
Tia Luísa semicerrou o olhar sobre mim, desconfiada.
Por Deus, eu nunca conseguiria esconder mais nada dessa
família?
Bárbara e Lívia vieram para a sombra, ficar ao meu lado.
— E então? Tudo certo? — perguntou minha prima.
Assenti, observando a nossa família.
— Agora, sim — revelei, em um sussurro. — Mas percebi
que não foi um erro tão grande a mentira.
— Como assim? — perguntou Lívia.
Apontei com o queixo.
— Olhe pra eles, olhe o que nossa família se tornou. —
Mamãe e tia Luísa bebiam e riam de alguma coisa, enquanto
Caetano e Therêncio estavam na frente da churrasqueira,
dando pedaços de carne para Elouise e brincando com a
criança. — Não teríamos isso aqui, se a verdade tivesse sido
revelada no passado.
— Meu pai não teria aceitado — murmurou Lívia,
compreendendo. — Não por maldade, mas porque entre ele e
Caetano, a escolha seria o meu irmão.
— Continuaria sendo duas famílias. Duas pequenas
famílias. Com muito amor, carinho e respeito, é claro, mas...
mas sem isso aqui.
Minha mãe jamais conviveria com Therêncio, não com o
coração partido. Teríamos Elouise como ligação, mas só isso.
Não teriam almoços em família, jantares especiais e toda essa
harmonia.
Era uma família, agora expandida e unida, compartilhando
risadas e momentos de alegria.
— E agora estamos entrelaçados — comentou Bárbara,
absorvendo a cena.
Senti uma onda de emoções me inundar. Tinha algo de
especial em tudo o que eu via, que me fazia refletir sobre as
escolhas que fiz. Durante muito tempo, carreguei o peso da
culpa por ter mantido a paternidade de Elouise em segredo,
acreditando que a minha mentira era um erro imperdoável. Mas
agora, vendo a alegria genuína e o amor que nos envolvia,
comecei a ver as coisas sob uma luz diferente.
Percebi que, às vezes, a vida nos leva por caminhos
tortuosos, nos quais as escolhas não são claras e os erros
parecem inevitáveis. Mas esses mesmos erros podem abrir
portas para futuros inimagináveis, para momentos de alegria e
união que, de outra forma, poderiam nunca ter acontecido.
O almoço foi servido e nós nos juntamos à mesa para
comer. Após a refeição, Caetano se levantou, pigarreando.
— Tenho um comunicado a fazer — disse ele, captando a
atenção de todos.
Mamãe me lançou um sorriso cúmplice, tentando parecer
surpresa.
Mais cedo, conversamos sobre como seria a revelação da
gravidez e eu decidi que, dessa vez, cabia a ele revelar.
Ele olhou para mim e sorriu, cheio de amor. Bárbara ofegou
e Lívia, que levava o copo de espumante à boca, pausou o
movimento no meio do caminho. Tia Luísa estava quieta,
observando tudo atentamente.
— Mavie está grávida — anunciou, sem conseguir conter a
alegria contagiante.
Se tinha um homem que amava a paternidade, esse
homem era Caetano Rossi.
Tia Luísa abriu um sorriso e ergueu a taça para mim, me
oferecendo um brinde. Captei nas entrelinhas o que ela quis
dizer: “as cartas não mentem”. Pisquei para ela, agradecida.
Lívia deu um pulo e começou a soltar gritinhos, batendo
palmas, enquanto Bárbara sorria, toda feliz.
— Dessa vez, vou ser a dinda! — exclamou Lívia,
apontando um dedo em riste para mim.
— Já que se antecipou e não esperou o convite, posso
dizer que estava nos planos — respondi.
Ela olhou para Therêncio e Laís, na ponta da mesa.
— Vocês não parecem... surpresos — comentou, colocando
as mãos na cintura e arqueando uma sobrancelha.
— A surpresa era pra vocês, não pra nós — respondeu ele,
gargalhando da carranca que a filha fez.
Minha mãe se levantou, erguendo a taça.
— Vamos fazer um brinde ao novo bebê que está a
caminho, à família que está aumentando e à nossa felicidade.
Todos nos levantamos. Ergui um copo com água e Elouise a
mamadeira com suco. Caetano passou uma mão na minha
cintura, me abraçando, todo bobo e orgulhoso.
— Aos Hoffmann Rossi — disse Therêncio.
As taças tilintaram, e eles começaram a rir, fazendo muitos
planos para o bebê. Desde o chá de fraldas, chá revelação,
nomes e compras.
Me sentei, enquanto os observava comemorar a minha
nova gravidez, brindando alegres pela chegada do novo bebê.
Entendi que cada escolha que fiz, cada passo que dei, por mais
difícil que fosse, contribuiu para a construção desse presente
maravilhoso. Um presente no qual a mentira deu lugar à
verdade, o amor superou as barreiras e, finalmente, todos
encontramos nosso lugar, juntos.
Com um sorriso através das lágrimas, sabia que, apesar de
tudo, fiz o melhor que pude. E agora podíamos olhar para a
frente, abraçando o futuro como uma família, unidos pelo amor,
pela compreensão e pela aceitação.
Quatro meses depois

Caminhei por entre os vinhedos. A brisa suave do início do


outono balançava meu vestido leve. A paisagem ao meu redor
estava em transição, os vinhedos despidos de uvas, mas, ainda
assim, repletos de uma beleza única. Minha mão descansava
sobre a barriga, agora notavelmente arredondada, marcando
minha segunda gravidez.
Caetano me convidou para um piquenique surpresa.
Conforme eu me aproximava do local combinado, a expectativa
crescia dentro de mim.
Ainda estávamos morando na casa de Therêncio, enquanto
a nossa continuava em reforma.
Nos últimos meses, precisei lidar com um Caetano em
modo “pai protetor” ativado. Ele esteve comigo em todas as
consultas e começou a controlar a minha alimentação, me
forçando a comer a toda hora. Sim, ele trocou o meu carro,
mesmo sob os meus protestos. Também descobri que ele era
muito consumista com coisinhas de bebê, comprava
absolutamente tudo o que via pela frente. Era o cliente favorito
das vendedoras, que mal explicavam para o que servia e ele já
comprava.
Eu, agora, fazia parte do time do jurídico da vinícola.
Surpreendentemente, amava trabalhar na empresa. Amava a
rotina que criei com Caetano. Saíamos para o trabalho e
voltávamos para casa juntos. Era tão tranquilo, sem toda a
correria de Porto Alegre, a preocupação em chegar a tempo de
pegar Elouise na escolinha. Notei que até mesmo ela estava
mais feliz aqui.
Ao chegar no lugar combinado, vi a toalha estendida no
chão, cercada por uma cesta de piquenique, pratos com
comidas apetitosas e garrafas do novo vinho da Rossi.
Ah, sim, ele criou outra edição para mim, uma que não era
alcoólica.
Ele não tinha chegado ainda. Me sentei na toalha, cruzando
as pernas e admirei a disposição cuidadosa dos alimentos e
bebidas. Ele pensava em tudo, em cada detalhe para tornar as
coisas sempre especiais.
Ouvi um farfalhar atrás de mim e me virei.
Ofeguei.
Caetano caminhava na minha direção com um sorriso
quente no rosto, um olhar determinado e... usando a mesma
camisa que ele vestia na primeira vez que nos encontramos, a
camisa manchada de vinho.
Espalmei as mãos na boca.
— Surpresa — disse, aproximando-se.
— Guardou a camisa? — perguntei, um sorriso se formando
nos meus lábios.
— Sim, é um lembrete — respondeu, sentando-se ao meu
lado. — Um lembrete de como tudo começou, de uma noite que
mudou as nossas vidas.
— Ah, Caetano... — Funguei, sem conseguir controlar as
lágrimas.
Eram esses pequenos detalhes, cheios de significados e
dedicação, dos quais ele fazia questão, que me deixavam cada
vez mais apaixonada, se fosse possível.
Ele segurou a minha mão, entrelaçando os nossos dedos.
— Mavie, esses meses ao teu lado, vendo nossa família
crescer, foram os mais felizes da minha vida. Tu me mostrou o
que é amor verdadeiro, paciência e força.
Meu coração batia rápido, cada palavra dele ecoando
profundamente dentro de mim.
— E agora, com Lorena a caminho, quero mais —
continuou, a voz firme e cheia de certeza. — Quero todos os
dias contigo, quero todas as manhãs acordando contigo e todas
as noites adormecendo ao teu lado.
Então ele se ajoelhou diante de mim, tirado uma pequena
caixa do bolso.
— Mavie, me torna o homem mais feliz do mundo,
aceitando se casar comigo?
Lágrimas correram livremente pelo meu rosto, o amor e a
alegria transbordando.
— Sim, Caetano, aceito — consegui responder, mesmo com
a garganta embargada.
Segurou a minha mão e deslizou o anel no meu dedo, os
olhos brilhando com lágrimas de alegria. Me joguei nos braços
dele, disparando beijos por seu rosto e boca.
— Eu te amo tanto — eu disse, soluçando de alegria. —
Obrigada pelas nossas filhas, por ser um homem perfeito.
— Eu te amo, meu amor. Obrigado por realizar meu sonho
de ter uma família linda.
Segurou a minha nuca com a mão, enrolando os meus
cabelos, e colou os nossos rostos, aprofundando o beijo.
Deslizou a língua, separando os meus lábios em um beijo com
muito amor e devoção.
Afastou-se só um pouco para sussurrar.
— Vou te foder no meio desses vinhedos — grunhiu,
ofegante. — Precisamos comemorar o nosso noivado em um
lugar especial.
Balancei a cabeça, concordando, e levei as mãos à sua
camisa, abrindo os botões. Deslizei os dedos pelos músculos do
abdômen, apreciando a sensação de tocar na pele dura e
definida. Empurrei a camisa pelos braços, removendo-a do
corpo dele.
Me deitou delicadamente sobre a toalha, puxando meu
vestido pela cabeça, até me deixar apenas de roupa íntima.
Coloquei a mão atrás das minhas costas, abrindo o sutiã e
liberando os meus seios fartos e pesados pela gravidez.
Ele se ajoelhou em cima de mim e admirou o meu corpo,
me olhando com tanto amor e desejo. Inclinou-se, beijando a
ponta da minha barriga arredondada.
— Nunca vou me cansar de falar como tu fica linda e
gostosa pra caralho estando grávida.
Bufei.
— Impossível! Meu rosto virou uma bola, meus seios
parecem que vão explodir e eu me sinto gorda.
— Essa é a tua opinião, mas que bom que só a minha
importa nesse caso, porque sou eu quem fode essa mulher
gostosa.
Eu ri.
Ele puxou a minha calcinha, jogando-a ao lado, junto do
vestido, e se acomodou no meio das minhas pernas, pronto
para me chupar. Passou o indicador no clitóris, para cima e
para baixo, brincando comigo. Começou a me masturbar, me
provocando e me deixando lubrificada, cheia de tesão.
— Hum... — murmurei, mordendo o lábio inferior.
— Agora, fica aí quietinha admirando a paisagem, enquanto
eu me divirto. — Piscou um olho, removendo a mão.
Passou a língua pelo meu clitóris, deslizando-a com
delicadeza. Arfei, me arrepiando completamente, por antecipar
todo o prazer que estava prestes a sentir.
Sugou o nervo, segurando-o com os lábios. Soltou uma das
minhas pernas, levando os dedos à minha entrada, me
penetrando com dois deles, enquanto a língua acariciava o
nervo sensível, para cima e para baixo, acelerada.
Me agarrei à toalha, arqueando as costas para longe dela,
enquanto os meus gemidos reverberavam pelo campo
silencioso.
Com a gravidez, eu sentia tudo com mais intensidade. Cada
toque dele, cada pequena carícia.
— Caetano... — gemi, apertando os olhos com força.
A língua dele continuava balançando, acariciando. Os dedos
curvados me penetravam com rapidez, entrando e saindo, sem
parar.
Virei a cabeça para o lado, cerrando o maxilar com força.
O primeiro espasmo do orgasmo me atingiu. Não consegui
controlar mais, gozando com intensidade.
Através da névoa em que eu me encontrava, notei que ele
inverteu as posições. Começou a me masturbar com os dedos e
me penetrar com a língua, bebendo minha lubrificação,
enquanto eu ainda gozava.
Fiquei mole, piscando devagar e lentamente.
Ele se levantou e puxou as calças para baixo, liberando o
pau duro e grosso, sem desviar os olhos de mim. De pé, sobre
o meu corpo, me encarava. Fechou a mão ao redor do membro,
se masturbando enquanto me admirava.
Observei a gota surgir na pontinha, as veias do pescoço se
retesarem e um rubor subir pelo rosto. Os músculos do
abdômen definido se contraíram, enquanto se dava prazer.
Passei a língua pelos lábios, consternada com a cena.
Caetano, totalmente nu, se masturbando em meio aos
vinhedos, mas olhando diretamente para mim.
Arqueei uma sobrancelha, afastei as pernas, dobrando
levemente os joelhos, e deslizei uma mão entre elas, tocando
no meu clitóris sensível.
Semicerrou os olhos para mim.
— Não acabei de te dar um orgasmo, Mavie? Ainda não
está satisfeita.
— Pareço satisfeita? — provoquei, soltando um gemido.
Ergueu os lábios em um sorriso incisivo.
Ajoelhou-se na minha frente e se acomodou no meio das
minhas pernas. Empurrou minha mão para longe e pincelou o
pau na minha entrada lambuzada, antes de inclinar os quadris,
me penetrando até o fundo.
Abri a boca em um gemido.
— Que boceta gostosa do caralho — urrou, espalmando
uma mão de cada lado meu, antes de se puxar para fora de
mim, apenas para me penetrar de novo.
Finquei as unhas nos ombros dele, me agarrando a ele
enquanto me fodia, devagar, com calma, apreciando o
momento. Ele foi acelerando com força, levando o quadril de
encontro ao meu, aumentando o ritmo aos poucos.
Segurou-se sobre os cotovelos e me beijou, sem parar os
movimentos de vaivém. Sentia o pau me abrir a cada estocada,
deslizando pela boceta lubrificada.
Segurou minha nuca com uma das mãos, puxando o meu
rosto para o dele, separando os meus lábios com a língua, me
beijando com fome e força.
Um arrepio percorreu a minha espinha, o calor se
concentrando bem no meio do meu abdômen.
— Caetano — ofeguei contra os seus lábios.
Grunhiu baixinho.
— Está me apertando tanto... não vou aguentar muito
tempo — disse, aumentando o ritmo, tocando em um ponto que
me fazia arfar a cada estocada.
Explodi em outro orgasmo, gritando o nome dele,
arranhando a pele dos ombros com as unhas. Caetano
continuou me penetrando, sem parar, sem pausar.
Fiquei de olhos abertos, observando-o chegar ao ápice.
Adorava ver como ele contraía a mandíbula, as veias saltavam
no pescoço, os olhos castanhos ficavam anuviados e suor
brotava na testa.
Lindo!
Gozou, grunhindo o meu nome e uma mistura de palavras
que não consegui identificar.
Rolou para o lado, deitando-se na toalha comigo, e me
puxou contra o peitoral quente, em um abraço aconchegante.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, observando a
paisagem. A luz do sol esquentava a nossa pele, em um
contraste gostoso com a brisa gelada.
— Elouise Hoffmann Rossi, o nome dela ficou realmente
lindo — comentou, como se testasse o nome completo da filha
na ponta da língua.
Ela tinha sido devidamente registrada algumas semanas
atrás, depois de enfrentarmos toda a parte burocrática do
cartório. Desde então, Caetano não se cansava de pronunciar o
nome dela.
Eu ri.
— Sim, combina muito.
— E, em breve, Mavie Hoffmann Rossi.
Suspirei, toda apaixonada.
— Também combina muito.
— Claro que combina. — Beijou minha testa, inspirando o
meu cheiro.
As pontas dos dedos dele deslizavam pelo meu braço nu,
em círculos ociosos, uma carícia gostosinha.
— Já sabe como vai ser o nosso casamento? — perguntou,
depois de um momento em silêncio.
— Vai ser muito estranho se casarmos na vinícola, como os
nossos pais? — indaguei, mordendo as bochechas.
— Se tu não se importar, não.
Ponderei por um segundo.
— Não quero um casamento grande, quero algo mais
pessoal, íntimo. Só amigos próximos e familiares.
Segurou minha mão, o anel reluzia no meu dedo, e a levou
até a boca, beijando-a.
— Desde que me diga “sim” no altar, pode escolher a festa
de casamento que bem entender.
Eu ri e me aconcheguei um pouco mais a ele.
Observei minha palma contra a sua, como nossos dedos se
conectavam, os meus bem menores que os seus.
Meu estômago roncou de fome, quebrando o clima.
Caetano se levantou sobre o cotovelo e me lançou um
olhar.
— Está na hora de alimentar as minhas meninas —
comentou, colocando a palma sobre a minha barriga. — Vamos
comer?
— Por favor — brinquei, me sentando.
Minha pele nua estava arrepiada pelo vento gelado.
Estremeci, de leve, e ergui o braço para puxar um bolinho, no
momento que ouvimos passos pela vinícola.
Arregalei os olhos, a constatação de que eu estava
completamente nua, me deixando apavorada.
— Deve ser algum funcionário, mandei reservar o espaço
só pra nós — comentou ele, passando uma mão nos cabelos,
preocupado.
— E agora? — perguntei, em um sibilo baixo.
Comecei a entrar em pânico e fiquei paralisada. Ele olhou
para todos os lados, tentando descobrir o que fazer.
— Levante-se — ordenou. — Só um pouco.
Levei mais alguns segundos, absorvendo o que acontecia,
antes de conseguir me movimentar. Saí de cima da toalha, no
mesmo instante que Caetano a puxou com força, derrubando
tudo no chão.
— Vem aqui — orientou, segurando a minha mão e me
puxando de volta. — Vai ser um pouco estranho, mas deite-se.
Sem reação, fiz como ele disse, sentindo a areia roçar na
minha pele. Ele se deitou ao meu lado e então nos cobriu por
inteiro com a toalha vermelha.
A situação era tão cômica que me deu vontade de rir. Os
dois pelados, no meio da vinícola, deitados na terra pura,
cobertos com uma toalha de piquenique.
— Senhor Caetano? — chamou uma voz masculina,
pigarreando. O constrangimento que o homem sentia era
notável. — Chegou uma remessa de... hum... — Ouvi barulho
de papel. — Móveis para quarto infantil, mas eles não
encontraram a casa do senhor.
Caetano praguejou baixinho.
— Conduza-os até lá, Darci — gritou Caetano. — Por favor.
— É... hã... tudo bem.
Me virei de lado, a areia arranhando a pele do meu braço e
observei Caetano, admirando o rosto bonito.
Ouvi os passos do homem, conforme ele se afastava.
Caetano se deitou de lado, ficando de frente para mim e
estendeu o braço, acariciando a minha bochecha.
— Não era bem assim que eu imaginava te pedir em
casamento — confessou e, pela primeira vez, notei um rubor
em suas bochechas.
Ele era metódico, pensava em cada detalhe, todo atencioso
com as surpresas.
Toquei em seu rosto, as pontas dos meus dedos brincando
com os pelos crescidos de sua barba, e suspirei.
— Eu amei, Caetano. Foi único, divertido, icônico e... só
nosso. — Sorri, sentindo o cheiro forte da terra abaixo de nós.
— Duvido que mais alguém no mundo tenha se deitado na terra
pura e usado uma toalha de piquenique como cobertor, logo
depois de ser pedida em casamento — brinquei.
Meus cabelos estavam sujos, eu também estava suja, a
areia arranhava a pele nua. O chão era duro demais e
totalmente desconfortável, mas... eu me sentia plena, feliz e
realizada.
— Eu te amo, Mavie.
— Também te amo, Caetano. — Inclinou-se, roçando os
lábios nos meus. — Mas pode apostar que vou contar para as
nossas filhas sobre o pedido de casamento constrangedor do
pai delas.
Semicerrei os olhos.
— Não ousaria!
— Claro que sim!
Sorriu.
— Anos atrás, nesses mesmos vinhedos, nós nos
despedimos, pensando que, o que tivemos, tinha sido apenas
uma noite. — Puxou os cabelos, rindo, achando graça das
peças do destino. — Anos depois, cá estamos nós de novo. —
Me encarou. — Mas agora, te tenho como a mãe dos meus
filhos e minha futura esposa.
Respirei fundo.
— A verdade é que tu frisou tanto que não seria uma
despedida que, de fato, acabou não sendo.
— Que bom que fiz isso, então.
Agarrou o meu rosto e voltou a me beijar, rindo da
situação.
Com ele, aprendi que amor era o nosso dia a dia, repleto
de risadas, olhares cúmplices e a certeza de que, juntos,
estamos completos.
10 anos depois

Elouise e Lorena corriam em volta da piscina, antes de se


jogarem dentro da água, uma atrás da outra, brincando.
Elouise era um pirata e Lorena uma sereia, e essa era
basicamente a brincadeira delas.
Observei minhas filhas, sentada em uma das cadeiras na
sombra, com uma taça de vinho na mão.
Elas eram tão diferentes.
Elouise era arteira, adorava correr, se sujar. O passeio
favorito era na vinícola, ela sabia o nome de todas as uvas. Não
tinha nojo de terra e... era responsável pelos primeiros cabelos
brancos que tinham aparecido na minha cabeça.
Enquanto Lorena era o contrário da irmã mais velha. Toda
delicada, odiava ficar suja, morria de medo de inseto. E só ia
para a vinícola para passar conosco, não era como a irmã, que
viveria lá se pudesse.
Minha mãe surgiu, parando à beira da piscina com as mãos
na cintura.
— Os cookies estão prontos, mas só vão entrar em casa se
não estiverem molhadas. Não quero ninguém sujando o piso.
Estávamos na casa dela, aproveitando o dia quente de
verão. Nos tornamos visitas frequentes, desde que Therêncio
morreu, há cerca de três anos, enquanto caminhava com a
minha mãe pelas terras da vinícola, no fim de tarde, tomando
chimarrão.
Ele teve um enfarto. Foi algo que ninguém esperava,
porque sequer sabíamos que estava com problema no coração.
Foi triste, traumático e abalou toda a família.
Nunca vi minha mãe tão abatida, precisei ficar semanas ao
lado dela, levando as meninas todos os dias para fazer
companhia, com a esperança de que as netas a deixassem mais
feliz.
Caetano focou na vinícola, não saía de lá, só voltava para
casa quando já era tarde da noite, porque não queria que as
filhas o vissem no estado que ficou. Enquanto Lívia nos fazia
companhia, mas sem o brilho que ela costumava ter.
Isso durou três meses, até eu descobrir a minha terceira
gravidez.
A chegada de Therêncio Rossi Neto trouxe um alívio para a
nossa família enlutada, uma esperança que estava perdida.
Com a preparação para a chegada do novo bebê, todos nós nos
ocupamos com alguma coisa, permitindo que a dor ficasse de
lado.
A saudade não havia ido embora. E eu sabia que nunca
iria, mas aprendemos a viver com ela. Therêncio era lembrado
em cada ocasião, cada detalhe do nosso dia a dia.
— Ah, vó, mas estamos brincando de sereia — protestou
Lorena. — Não é justo. Sereias precisam comer.
Minha mãe arqueou uma sobrancelha para a neta.
— Sereias comem peixes.
— Sou uma sereia diferenciada.
Minha mãe tentou, mas não aguentou e caiu na
gargalhada, balançando a cabeça.
— Tá, tudo bem, mas quero que peguem uma toalha. Não
vão entrar assim em casa.
Elas começaram a nadar até a escada, correndo, uma
tentando chegar primeiro que a outra.
Minha mãe olhou para mim, lançando um olhar para o
menino que dormia ao meu lado.
— Ele não está com fome?
Neguei.
— Vai comer na hora que acordar, acabou de dormir.
Assentiu, virando-se de costas e voltando-se para dentro
de casa.
Essa era a vida dela. Viver para os netos, fazer tudo por
eles, amá-los incondicionalmente. Quando não estava à nossa
volta, viajava com tia Luísa. E... apesar do luto pelo marido, ela
parecia gostar da vida que tinha.
— Tia Lívia vai demorar? — perguntou Elouise, recolhendo
uma toalha da espreguiçadeira ao meu lado.
— Só retorna no mês que vem, meu amor. Mas ela
prometeu muitos presentes pra vocês.
Lívia estava na Europa, em um intercâmbio. Depois que se
formou em Administração, resolveu aproveitar um pouco a vida,
antes de assumir suas responsabilidade na vinícola.
— E a tia Bárbara? — perguntou Lorena. — Ela disse que ia
trazer o Davi pra brincar com a gente.
— O primo de vocês tem meses de vida, ele não pode
brincar na piscina.
Bárbara finalmente encontrou a alma gêmea dela, nos
corredores da vinícola. Ele era um dos técnicos de T.I. Eles se
esbarraram, trocaram nomes, informações... e logo rolou. Ela
se casou meses depois, com a certeza de que Thiago era o
homem da vida dela. Em seguida, engravidou do Davi, meu
afilhado, que estava com seis meses de vida.
— Mas sereias têm bebês — insistiu ela.
Ah, minha adorável filha do meio sempre tinha uma
resposta na ponta da língua para tudo.
— E é pra isso que servem as tuas bonecas.
Já bastava não ter mais espaço suficiente para guardar
todos os brinquedos que o pai delas comprava.
— Posso pegar o Thê? — perguntou, apontando para o
irmão.
Soltei a taça de vinho na mesa ao lado e lancei um olhar
feio pra ela.
— Claro que não, Lorena. E deixa de ser insistente,
menina. Pegue algumas das milhares das bonecas que tem.
Criança não é brinquedo.
Se eu tinha certeza de uma coisa era que, se dependesse
de Lorena, eu teria muitos netos. Nunca vi criança mais
apaixonada por bebês do que ela.
Fez um bico com a boca, ficando emburrada, cruzou os
braços e começou a caminhar para dentro de casa. Caetano
avançou pela porta e, no mesmo instante, ela se esqueceu da
birra, correndo até ele. Elouise fez o mesmo.
— Papai — gritaram, jogando-se sobre ele.
Ele segurou uma em cada braço, erguendo-as no ar e
girando com elas.
— Como estão as minhas meninas? — Beijou a cabeça
molhada de cada uma.
Elas eram simplesmente fissuradas pelo pai. Caetano era
tudo o que eu esperava e um pouco mais. Um pai amoroso,
dedicado e compreensivo. Mesmo cansado, chegava do trabalho
corria para brincar com elas, porque queria se fazer presente
em todos os momentos.
E como marido? Eu não tinha nem o que falar.
Era o amor da minha vida, o homem dos meus sonhos.
Amava a minha família, amava o que criamos, o que nos
tornamos. Nossos filhos, nossa vida juntos, nossa parceria,
nosso amor incondicional. Tudo.
Soltou as duas, que correram para dentro de casa,
famintas. Ele caminhou na minha direção, dando uma breve
conferida no caçula, antes de se sentar na borda da minha
espreguiçadeira e me dar um beijo nos lábios.
Ele se parecia com os produtos que fabricava. O vinho
ficava melhor a cada ano que passava. E Caetano estava
igualzinho, cada dia mais gostoso. A idade, com toda a certeza,
não era um problema para ele.
— Tudo certo por aqui? — perguntou, estendendo o braço
e acariciando o rosto do filho com as pontas dos dedos.
— Muita bagunça, zoeira e... diversão. — Tomei outro gole
do vinho Mavie, presente na minha taça.
— O que é muito normal, considerando toda a... energia
das nossas filhas — zombou.
Respirei fundo, me aconchegando melhor na cadeira.
— Mas eu amo isso, toda essa bagunça, o estresse...
Bárbara e eu fomos tão sozinhas, é bom ter uma casa cheia de
criança.
— A tendência é ter cada vez mais. Bárbara já teve o dela,
só falta Lívia agora.
— Uma grande família feliz.
Inclinou-se, me dando outro beijo nos lábios.
— Eu te amo, amor — disse, repetindo as mesmas palavras
que fazia questão de me dizer todos os dias. — Vou trocar de
roupa pra entrar na água com as meninas.
— Também te amo, senhor Rossi.
Me movimentei com a taça na mão, pronta para me
levantar, no momento que meu cotovelo colidiu com o de
Caetano e derramei todo o vinho na roupa dele, manchando a
camisa azul que vestia.
Suspirei pesadamente.
— Droga! — xinguei, procurando alguma toalha ao redor.
Ele riu, olhando para a bagunça que fiz. Voltou-se para
mim, arqueando uma sobrancelha.
— Pelo menos é de boa qualidade — zombou, repetindo
exatamente as mesmas primeiras palavras que me disse na
primeira vez que nos encontramos.
— Essa cantada funciona? — brinquei, me relembrando
daquela conversa de tantos anos atrás.
Deu de ombros.
— Ela já funcionou... consegui conquistar a guria mais
bonita da festa. — Piscou um olho.
Puxou a minha nuca e me beijou, cheio de amor e
dedicação.

FIM.
Anos antes

A música baixinha entoava pela minha casa, mas minha


atenção estava toda voltada para Mavie, a mulher incrível que
conheci na balada mais cedo. Estava sentada à minha frente,
no sofá da minha sala, os pés descalços. O vestido cor-de-rosa
estava manchado com o vinho da boate – o vinho que fiz
questão que derramasse em mim, mas ela ainda não sabia
dessa informação.
— Eu normalmente não faço isso — disse, olhando para
mim com aqueles olhos cor de mel, que capturaram minha
atenção desde o início.
— Vir para a casa de um estranho depois da balada? —
perguntei, arqueando uma sobrancelha e entregando uma taça
de vinho a ela.
— Exato — respondeu, aceitando o vinho e dando um
pequeno sorriso. — Mas há algo em ti... não sei explicar.
Pendeu a cabeça para o lado, me analisando com as
sobrancelhas franzidas.
Eu ri, encantado com a honestidade dela.
— Prometo que sou um cara decente.... — murmurei,
estreitando o olhar para ela. — Fora da cama.
Um rubor bonito coloriu as bochechas, me fazendo
admirará-la ainda mais.
Riu.
— Acredito em ti — respondeu, e algo na maneira como
falou fez com que eu sentisse que essa noite seria diferente de
todas as outras.
Ela começou a me contar um pouco sobre o seu trabalho e
como estava lidando com a pressão de ter que se dividir entre
se destacar no emprego e concluir a pós-graduação. Cada
palavra era uma revelação, e eu me encontrava cada vez mais
fascinado. Ela tinha opiniões fortes e não tinha medo de
expressá-las, o que a tornava ainda mais atraente diante dos
meus olhos.
— Gosta de vinhos? — perguntei, curioso.
— Sim — confirmou. — Mas confesso que não sou uma
especialista.
Me lembrei da garrafa que ganhei do meu pai, logo que fiz
dezoito anos, um presente especial para a minha maioridade
civil.
— Vou te mostrar algo especial — eu disse, me levantando
para pegar a bebida.
Caminhei até os armários da cozinha e puxei a garrafa,
encarando-a. Vinha guardando para uma ocasião especial. Não
era uma safra exclusiva, foi só um presente do meu pai, uma
autorização para beber.
Pelos últimos doze anos, ela esteve guardada em diversos
armários, mantida em segurança, porque eu não tinha coragem
de abrir.
Olhei para Mavie, que me encarava com expectativa.
Mas, hoje, era uma ocasião diferente. Eu queria
surpreender a guria, queria que ela... gostasse de mim, tanto
quanto eu estava gostando dela.
Segurando a garrafa, voltei à sala, decidido.
— É da vinícola da minha família — comentei, sem olhar
uma segunda vez para o vinho que tinha um significado muito
grande para mim, enquanto eu o abria. — Está aqui há doze
anos, então o gosto vai estar mais fortificado — eu disse,
servindo o vinho em nossas taças.
— Tem certeza disso? Parece especial... — comentou.
Estendi a taça para ela e sorri.
— Uma bebida especial, para uma guria especial.
Sorrindo, segurou o copo e provou, fechando os olhos para
saborear cada nota. Observei de perto cada reação fugaz do
rosto bonito, sentindo meu coração errar uma batida com a
imagem.
— É incrível! — exclamou, parecendo realmente gostar. —
É como se eu pudesse sentir... uma paixão por trás dele.
Nossos olhares se encontraram e algo faiscou, uma
conexão inegável.
— É isso que amo sobre vinhos. Nos contam uma história.
Não é apenas sobre sabor, é sobre a tradição, a terra, a família.
Tomei um gole, sentindo orgulho da bebida e de tudo o que
ela significava. Esperar todo esse tempo para abrir a garrafa
tinha valido a pena, no fim das contas.
Me sentei no sofá e, enquanto bebíamos, compartilhei com
ela minhas experiências de crescer em meio aos vinhedos, de
aprender sobre os vinhos e de sonhar em fazer com que a
vinícola crescesse cada vez mais.
Conversamos tanto sobre os nossos gostos, nossos desejos
e nossos sonhos, que nem vimos o tempo passar.
Compartilhamos tudo sobre nós dois até altas horas, perdidos
na facilidade e conforto da nossa própria companhia. Estar ao
lado dela era leve, tranquilo.
Ela colocou a taça de lado e olhou seriamente para mim.
— Ainda acho estranho isso que sinto.
— Tipo o quê?
— Não sei... tu é diferente, sinto um tipo de... conexão
contigo.
As palavras dela me atingiram profundamente. Sorri de
canto.
— Também sinto isso. É como se nos conhecêssemos há
anos.
Movido por um impulso que parecia ter vontade própria,
depositei a taça sobre a mesa de centro e me levantei, me
sentando no sofá ao lado dela.
Agarrei sua nuca, enrolando minha mão nos cabelos, e a
puxei para mim. Nossos lábios se encontraram em um beijo que
selava todas as palavras não ditas, todas as promessas ainda
por fazer.
Seus lábios eram macios, e a maneira como ela reagiu ao
meu toque, se aproximando ainda mais, me querendo tanto
quanto eu a queria, intensificou a eletricidade que percorreu
meu corpo. Minha língua explorou, sorvendo o gosto do vinho,
misturado com o dela. Mavie gemeu baixinho.
Me afastei, ofegante, duro e pronto para fodê-la.
Olhei para o seu rosto, iluminado pela luz suave da sala, os
lábios inchados e rosados, a respiração densa. Linda!
— Podemos levar isso adiante? — perguntei. — Se não
quiser, podemos continuar bebendo e conversando. Só a tua
companhia já é o suficiente pra mim.
Mastigou o lábio inferior, parecendo nervosa.
— Podemos levar adiante — sussurrou, largando a taça em
cima da mesa.
Porra, graças a Deus!
Puxei-a de volta, beijando-a com mais intensidade. Minhas
mãos voaram para os seios pequenos, fechando-se sobre eles
por cima da roupa que vestia.
Ela gemeu baixinho, arrastando as unhas pelos meus
ombros.
A conduzi para o sofá, deitando-a de costas, enquanto
cobria o corpo dela com o meu. Levantei o vestido pelas
pernas, prendendo-o na cintura, sem parar o nosso beijo.
Arrastei as pontas dos dedos por sua pele lisinha,
empurrando a calcinha para o lado. Toquei na boceta lisa, livre
de pelos, sentindo meus dedos molhados com a lubrificação
dela. Esfreguei-os por toda a extensão, molhando-os ainda
mais, antes de brincar com o clitóris.
— Caetano — sussurrou, jogando a cabeça para cima, de
olhos fechados.
Masturbei o nervo sensível em movimentos circulares,
enquanto a encarava, admirando o rosto bonito e relaxado,
recebendo prazer.
Ela afastou um pouco mais as pernas, se abrindo para mim
aos poucos, ainda um pouco envergonhada.
Me inclinei sobre ela e sussurrei no seu ouvido.
— Vou te foder a noite inteira, Mavie. Primeiro, preciso
provar essa boceta deliciosa. Depois, vou te chupar, para então
te foder de novo. Vamos nos divertir a noite inteira, entendeu?
Assentiu, balançando a cabeça sem parar.
Com a mão livre, puxei o vestido para baixo, liberando um
seio. Chupei o mamilo, sugando-o com força. Ela se agarrou
aos meus braços, fincando as unhas nos meus músculos. Desci
os dedos, que estavam no clitóris, vagando-os pela boceta e
notando que ela estava cada vez mais encharcada.
Um sorriso delineou os meus lábios.
Sabia quando uma mulher estava pronta, e ela com certeza
estava.
Puxei os dedos para longe. Ela abriu os olhos, me
implorando por mais. Levei eles à boca, chupando-os, e
provando o gosto dela. Notei o brilho no olhar, a satisfação que
sentiu ao me ver fazendo isso.
Me levantei e arranquei a camisa manchada de vinho do
meu corpo. Mavie acompanhou cada movimento com o olhar.
Segurei o cós das minhas calças, abrindo o botão e descendo o
zíper. Meu pau duro já marcava o tecido.
— Não tenho esse costume — revelei, passando a língua
nos lábios. — Não na primeira vez, só com duas namoradas que
tive ao longo da vida, mas... — Corri os olhos pelo corpo dela,
pela boceta exposta, rosadinha e molhada. Ela ainda estava
meio vestida, com um mamilo para fora, a roupa embolada, um
pouco descabelada. Gostosa e linda pra caralho. — Queria te
comer sem camisinha, se não se importar e se tu fizer uso de
anticoncepcional, é claro. Estou livre de doenças.
Queria sentir cada centímetro de sua pele, enquanto fosse
engolido pela boceta. Não queria nada no caminho, me
impedindo de tê-la por inteiro.
Puxei as calças para baixo, meu pau duro saltou. Mavie o
encarou com tanta fome, com tanto... desejo que eu gozaria só
com o seu olhar.
Mordeu as bochechas.
— Tomo anticoncepcional. Também não tenho doenças.
Como eu disse, não tenho o costume de fazer isso, mas... sim,
Caetano. Sem risco de engravidar, sem risco de doenças,
podemos transar sem camisinha.
— Maravilha! — Sorri, chutando a calça para longe.
Eu a segurei no colo, assustando-a por um segundo. Ela se
agarrou em mim e começou a gargalhar.
— O que vai fazer? — perguntou, escondendo o rosto no
meu pescoço
— Preciso te foder decentemente, e não vai ser no sofá
que isso vai acontecer.
Chutei a porta do meu quarto e avancei, colocando-a
delicadamente sobre a minha cama. Cobri o corpo dela com o
meu, me acomodando no meio das pernas bonitas.
Ela levantou o tronco, abriu um zíper que tinha na lateral
do vestido e o puxou pela cabeça, retirando-o do corpo.
— Que eu me lembre, as pessoas fazem sexo sem roupa —
zombou.
— Não pessoas desesperadas... como eu — retruquei,
rindo.
Em um impulso, estoquei fundo, deslizando com facilidade
pela boceta apertada. Ela arfou. Eu ofeguei.
A conexão dos nossos corpos era única. Ela era perfeita,
como se fosse feita para ser minha.
Me levantei sobre o cotovelo para encará-la, me perdendo
na visão do rosto bonito mais uma vez. Ela estava de olhos
fechados, os lábios entreabertos, em uma respiração ofegante.
Não conseguia descrever o que eu sentia, o quão estranho
parecia ser. A guria que fiz esbarrar em mim, propositalmente,
porque queria me aproximar dela, como se fosse uma
necessidade; aquela que me fez abrir a garrafa de vinho mais
importante da minha vida, porque queria surpreender a guria
que fez meu coração bater mais rápido, só de olhar para mim.
Arregalei os olhos.
Era ela!
Mavie Hoffmann.
Soube ali, com toda a certeza, que tinha encontrado a
mulher da minha vida. Não era apenas sua beleza ou seu
espírito independente que me atraíam; era sua alma, sua
essência, a maneira como ela via o mundo e como se encaixava
tão perfeitamente ao meu.
Aqui estou eu, com uma mistura de alegria e gratidão, para
compartilhar com vocês o meu primeiro lançamento de 2024. E
que jornada incrível foi esta!
Quero agradecer a cada uma de vocês, minhas leitoras
maravilhosas. Sim, a vocês que estão lendo estas palavras
agora. Sem o seu apoio, seu entusiasmo e sua paixão pela
leitura, este livro não teria a mesma magia. Vocês são a
verdadeira razão por trás de cada página escrita, cada história
contada.
Obrigada por embarcarem nessa aventura comigo. Vocês
são incríveis e sou eternamente grata por cada uma.

Um beijo cheio de carinho, amor e gratidão,


[1]
A frase costuma ser utilizada para se referir a um homem, quando ele é o
único entre várias mulheres.
[2]
Terroir é uma palavra francesa, que designa “uma extensão de terra cultivada” ou
o conjunto das terras exploradas por uma comunidade rural. Todos os aspectos do vinho,
somados e engarrafados, definem seu terroir. Algo como um DNA daquela bebida, ou até
mesmo a preservação de uma biodiversidade sociocultural.

[i]
Personagem do livro “O Noivo Errado”, da Ivy Matarazzo, disponível na Amazon.
[ii]
Tradicional na região Sul do país, a cuca gaúcha é um bolo de tabuleiro feito com
ovos, farinha de trigo, manteiga e coberto com açúcar.
[iii]
Bebida símbolo do Rio Grande do Sul, o chimarrão é um legado dos índios
Guaranis. Sempre presente no dia a dia, constitui-se de uma das tradições mais
representativas deste povo.
[iv]
Xis ou xis gaúcho é um sanduíche popular no estado brasileiro do Rio Grande do
Sul. Costuma levar carne, queijo, alface, tomate, milho, ervilha e maionese, prensado na
chapa em um pão maior que o de um hambúrguer convencional (diâmetro de 18 cm).
[v]
Referência à “A Casa das Sete Mulheres”, uma minissérie que retrata a Guerra dos
Farrapos (foi como ficou conhecida a revolução ou guerra regional, de caráter republicano,
dos farrapos – gaúchos –, contra o governo imperial do Brasil), sob a visão das mulheres da
família do líder farroupilha Bento Gonçalves. Elas passaram os 10 anos da guerra reclusas
em uma das estâncias da família.

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