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1ª EDIÇÃO - 2022
Formato Digital – Brasil
Playlist
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Epílogo
Oi, gente
Agradecimentos
Sobre a autora
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Algumas músicas estão dentro da história, e
outras me inspiraram em algumas cenas. Espero
que gostem.
Para você que ama uma comédia romântica,
mas ama ainda mais ler: “existia apenas uma cama”.
Eu sei, o impacto disso é avassalador.
Tiro o primeiro alfinete dos trezentos que deve ter nesse
maldito terno ou projeto de um.
— Ai... Porra, Violeta! — o brutamonte enorme, de 1,90m de
altura, que foi o que o estilista disse, cabelos castanhos, olhos
combinam na cor, e uma beleza capaz de foder qualquer calcinha,
reclama pela segunda vez, e olha que nem tirei o maldito alfinete
anteriormente.
— Quem mandou gostar de tudo feito sob medida? Se
alugasse um terno em qualquer loja de shopping ou bairro, não teria
essa palhaçada. Parece um boneco de vodu!
— Sabe que ainda posso te mandar embora? Está no
trabalho, infernizando o cacete do meu tempo! — chia como sempre
faz quando abro a boca. O que é sempre.
Começo a rir e, de propósito, espeto ele antes de tirar o
próximo alfinete. Mais um xingo e mais uma alegria a minha vida.
— Deveria me dar aumento! Sou paga para escrever o
maldito horóscopo da sua revista, não para tirar alfinetes de um
estilista que deu fuga, deixando você nesse estado! — Apoio as
mãos na cintura e olho o monumento, porque é isso que a peste é
quando estou admirando e não querendo sua cabeça.
Vim trabalhar na Sunshine quando estagiava no curso de
Letras. Ou seja, tem exatos dois anos. Estagiei no último ano de
faculdade inteiro, e agora sigo aqui ainda – eu contaria três anos, já
que o ano do estágio começou em janeiro daquela época e foi até
dezembro, mas ninguém valoriza o que falo!
Aos vinte e três anos, eu imaginava que estaria escrevendo
sobre algo útil, não sobre horóscopos que nem sequer acredito, e
que eu sei que muita gente passa direto por eles, pois as
visualizações têm caído drasticamente.
Eu comecei a cursar Letras porque sabia que iria querer
escrever sobre grandes coisas, e bom, sobre outra coisa, que nem
vale a pena ficar lembrando, enfim, fiz alguns cursos à parte –
gratuitos, claro –, tudo sonhando com o momento que meu nome
estaria em destaque na maior revista do país já que era a única
forma que poderia sobreviver com a escrita. E foi exatamente aí que
eu deveria prever que essa merda iria dar ruim. Quando Violeta
Matos pensa em algo grande, a merda é maior ainda. Isso não sou
eu dizendo, é a vida me fodendo desde sempre.
E como se tudo na minha vida já não fosse uma novela
mexicana suficiente, me tornei amiga do dono da revista, o homem
que tem arrancado suspiros de todas as coitadas que nem sequer
imaginam a cobra que essa peste é. Tantos dias de lutas, que penso
que todos os exaltados empacaram na fila e foram egoístas o
suficiente para não se lembrarem que atrás existiam os humilhados
esperando uma oportunidade, e eu liderava essa fila dos
esquecidos.
Como nos tornamos amigos? Não sei. Talvez no exato
momento que ele viu essa carinha linda... Quem que eu quero
enganar? Foi no exato momento que, na entrevista de estágio, meu
salto quebrou, minha bolsa espatifou no chão, e no auge do meu
desespero, suando igual a um porco, criando até manchas na
camisa social que eu usava, que ele olhou nos meus olhos e me
contratou, ali eu me conectei com ele. Porque se o dono da revista
mais foda do país não me tirou a pontapés do seu prédio, era por
ser um bom homem.
Mal sabia eu que o diabo estava mascarado, ou talvez seja a
vida me cobrando por mentir em todo meu currículo de estagiária.
Mas é sobre isso, e não, não está nada bem.
Depois disso, só éramos amigos. Não teve nada específico.
Aconteceu. Óbvio que aconteceria, porque misturaria amizade com
trabalho e eu tomaria bem no meu rabo, já que sigo na mesma
coluna desde sempre, porque ele diz que não quer me trazer
privilégios. E desde quando aguentar as merdas dele, e fazer mais
por ele do que a secretária faz, é privilégio? Eu sou escravizada!
— Vai continuar me admirando? Violeta, eu tenho uma
reunião em cinco minutos! — reclama como sempre.
— Problema seu. Agora me fale, como pode pagar uma
fortuna a um estilista que nem prestou para tirar os alfinetes da
marcação que fez nesse tecido todo? Sabe que ele estava tentando
te matar, né? E pensando bem, eu passei a gostar do cara!
O Sr. Engomadinho me olha nervoso, sem tirar o celular das
mãos.
— Se você usasse esse gás que tem de falar, para fazer
suas coisas, já teríamos nos livrado um do outro!
— Como é? — Me afasto olhando-o e ele ergue a
sobrancelha com seu ar presunçoso e arrogante. — Bom, já que
insiste, meu querido chefe! Vou para a minha mesa, terminar meus
horóscopos da maldita semana, e você que se vire com seus
alfinetes. Que o próximo lugar a ser espetado seja o seu ra...
— VIOLETA! — grita e começo a rir conforme saio da sala
dele, toda de vidro. Sabendo que todos podem ver. — ESTÁ
DEMITIDA! PASSE NO RH AGORA!
Me faz rir ainda mais, pois é para lá que vou mesmo. Mas
para me entreter com as fofoquinhas do corredor da revista. É o
melhor lugar para apurar por elas e talvez me inspirar para criar a
pura mentira que é dos horóscopos que escrevo, tudo baseado nas
merdas diárias de todos aqui.
— Tchauzinho, Natan! — Aceno sem olhá-lo, passando por
todos que me olham e controlam os risos, pois já sabem como
somos.
Caminho em direção ao elevador, e respiro calminha.
Eu amo essa revista, mas amaria ainda mais matar Natan
Valle, a praga que a vida me ofereceu como amigo também!
Eu tenho um problema que entrou na minha vida há dois
anos: Violeta Matos. Eu deveria prever que, quando a loira de olhos
verdes-escuros, mentindo em seu currículo, apareceu na minha
frente, seria problema. Mas eu não tinha escolha. Ninguém queria
trabalhar no horóscopo da revista, e estava na fase de colocar mais
coisas para complementar o foco da Sunshine, que poderia cair no
tédio, se não tivesse outras coisas além de assuntos de moda. E foi
o que fiz. Porém, todos querem cargos grandes, mas poucos
querem começar de baixo. A garota estava desesperada por um
estágio, último ano de faculdade, eu sei o que é isso, já senti na
pele esse desespero. E cedi a maluca, e vejam só, agora tenho que
lidar com suas malcriações, e pior, aguentar minha família dizendo
que ela será a única mulher a me aturar na vida.
Caralho, o que sou? Um ogro?!
Viro o restante de café da caneca em minha boca, e olho
através das paredes de vidro do meu escritório, enquanto vejo o
movimento do andar todo. Aquela desaforada ainda não retornou.
Já fiz o que eu tinha para fazer, e Violeta sumiu. Com toda certeza
está no RH fofocando, porque ao passar pelo andar da moda, onde
recebemos amostras de tudo desse meio para testarmos e falarmos
na revista, eu vi que Nina, sua amiguinha, não estava lá também. E
quando ambas somem, o RH fervilha, com elas e Olívia fofocando
sem parar.
Deus, que cruz a se carregar no auge da minha vida!
— Natan Valle, você está me ouvindo?! — minha mãe berra
em meu ouvido e esfrego a têmpora.
O dia só piora. Violeta me deixou na mão com o cacete do
terno cheio de alfinetes, a reunião foi uma merda, não consegui
negociar a distribuição da revista de modo internacional,
provavelmente terei que ir pessoalmente conversar com a empresa
nos Estados Unidos, e minha mãe está no meu ouvido fazendo o
que faz de melhor: me deixar maluco!
São trinta e nove anos desviando da morte precoce que me
persegue ao ser da família Valle, que ainda vai me causar infarto e
me tirar desse mundo, e agora tendo que lidar com o motivo dos
meus calmantes, a maluca que preciso aceitar que virou uma amiga,
ou o caralho de um castigo que for.
— Estou, dona Marietta! Estou...
— Pois não parece. Filho, sua irmã vai se casar, e é sua
obrigação estar aqui para os preparativos. Ela quer toda a família
perto. O casamento é daqui algumas semanas, mas custa ser
presente nos preparativos? Natan, faça isso por nós. Mal vem nos
ver, pode lembrar que tem família por um instante?
Dramatiza e reviro os olhos, cansado, quero ir para casa
apenas, tomar um banho, comer algo e descansar do dia desastroso
que está sendo.
— Mãe, o que eu faria? Primeiro, que nem a favor dessa
palhaçada sou. Michael é um energúmeno interesseiro, e Naomi
uma ingênua que confia que esse advogado meia boca a ama. Ele
ama o dinheiro da família apenas! Deus, a única coisa boa que ele
deu a nós foi a Melinda e nada mais!
As palpitações se fazem presentes. Eu vou enfartar, caralho.
— Natan, não seja assim. Eles estão juntos há anos, ainda
não superou? Querido, a única coisa que precisa é vir, e apoiar! Sei
que tem aversão a casamentos, o que é uma lástima, já que sua
família inteira é do ramo casamenteiro...
— Mãe, eu nunca disse que tinha aversão! — informo-a e ela
ri.
— E está solteiro durante trinta e nove anos por que mesmo?
Quase quarenta, preciso lembrá-lo.
Ah, não! Esse assunto não... Caralho, esse dia não tem
melhorias?
— Por escolha. Tenho uma vida que não me permite ao luxo
de amar, e ser todo cheio de frescuras românticas.
— Que vida cruel então! A vida sem amor é uma vida vazia,
querido. Natan, olha tudo que construiu. Dono da maior revista de
modo do país, um dos homens mais ricos do Brasil, estudado,
inteligente, bonitão... Filho, para quem deixará tudo isso quando não
estiver mais aqui? Quem vai cuidar? Construiu tanto para nada... No
final tudo acabará.
Respiro fundo, e vejo a diabólica loira sair sorridente do
elevador com um copo da Starbucks em mãos, e ir para a sua
mesa. Onde parece tomar o restante e deixá-lo de lado.
— Mãe, não adianta dramatizar. Não irei lhe dar neto, e
muito menos me casar! Essa conversa não está sendo razoável,
facilita meu dia de merda, dona Marietta!
— Tudo bem... Só não reclame se vir ao casamento e todos
perguntarem a você sobre sua vida, e não ter nada a dizer, porque
se tornou um velhote careta, que não sai, não tem mulheres, não
quer romance, não deseja filhos... Querido, mora logo em um
pântano!
É, pelo visto minha família realmente me acha um ogro.
— Eu...
— Quer saber? Eu cansei — me interrompe. — Se quiser vir
para participar do casamento da sua irmã, tudo bem. Do contrário,
se resolva com ela, e com seu pai, que está bem chateado, pois faz
meses que não nos visita. Filho, família é única, e dinheiro nenhum
no mundo deveria ficar em primeiro lugar. E é exatamente isso que
está fazendo desde sempre.
Esfrego meu rosto, porque em partes ela tem razão. Eu
tenho focado tanto no trabalho, que há muito tempo não sei o que é
viver. Minhas saídas são para eventos ou compromissos. Ao longo
dos anos nunca firmei amizades, além do desastre chamado
Violeta. Relacionamentos nunca nem me preocupei em ter. Eu vivo
para o trabalho, literalmente.
Violeta abre a minha porta, passando direto pela minha
secretária, que a fuzila com o olhar. Se senta na cadeira à minha
frente, me olhando de modo debochado. Ainda irei enforcar essa
garota!
— Mãe, podemos conversar depois? — Respiro com calma.
— Não. Porque nunca tem um depois. Natan, você vem ou
não?! Filho, só responde de uma vez, tão prático.
Dona Marietta sabe ser insistente.
— Eu vou! Eu vou... Mas não garanto que ficarei todos os
dias. Precisarei vir a revista. E não me peça para ser delicado com
Michael, e, por favor, controle os amigos de vocês, porque qualquer
pergunta sobre minha vida íntima, eu mato um! Irei passar esse
tempo dos preparativos ao lado de vocês.
Ela grita animada. Claro que faz, ela ama quando consegue
o que deseja.
— Que alegria! Seu pai e sua irmã vão endoidar, mas
Melinda ainda mais. E sobre controlar a todos, querido, eles não
mentem, você é um solteirão que ficou para titio tem muito tempo.
Daqui uns dias me fala que tem três gatinhos, e tricota. Nada contra
quem decide ficar solteiro, mas quem eu quero enganar? Sou
romântica, trabalho construindo sonhos amorosos, óbvio que queria
meu filho se casando também, para esse coração fraquinho aqui
saber que quando eu morrer, que não há de ser tarde, terei
catarrentinhos seus me chamando de vovó, e uma nora linda te
acertando a fuça para deixar de ser besta e mandão!
— A senhora conhece limites? A minha vida pessoal cuido
eu. E além do mais... — Olho para a loira, e ela me encara
desconfiada. E de repente uma merda, eu sei que é, uma enorme
merda me faz abrir a porra da boca novamente: — Não irei sozinho.
Está feliz?
Caralho.
— Quê? Como assim?! — berra e por pouco não fico surdo.
— É isso mesmo. Se não fosse tão intrometida, já saberia.
Estou indo com... — Natan, se dê por vencido, sua mãe tem razão...
É solteiro, todos fofocam a verdade, por mais que seja sua vida, e
passar dias com um bando de gente te infernizando sobre isso vai
ser fácil... só que não — Minha noiva!
Sempre existe um precipício, e sei que me joguei dele.
— É O QUÊ? QUE NOIVA? NATAN, NÃO BRINQUE ASSIM.
UM PEIDO SEU E A MÍDIA SABE. COMO ESTÁ NOIVO, NÃO
CONTOU A NÓS E NÃO VAZOU? QUEM É A GAROTA?! — grita
tanto, que preciso afastar o celular do ouvido um pouco.
— Isso vai descobrir quando eu chegar. Mãe, tenho uma
demissão a tratar, nos falamos depois. Te amo! — Desligo antes que
ela insista.
Que porra eu fiz?!
Violeta se levanta me olhando assustada.
— Noiva? Natan, usa drogas? Eu sabia que cheirava algo!
Que noiva? Homem, você escraviza a gente, não deve nem ter
tempo para beijar, quem dirá conhecer alguém. Que feio, mentindo
para a dona Marietta, uma mulher tão boa... E depois a mentirosa
sou eu! — Ela gargalha, enquanto pego uma caneta e brinco com
ela em meus dedos, tentando controlar a merda que eu fiz. — Vai,
quem é a Alice do seu País das Maravilhas, senhor Chapeleiro
Maluco?! — Ela continua rindo.
Eu fiz uma enorme merda, e tudo pela falta de paciência e
orgulho.
Estou perdendo cada vez mais os batimentos cardíacos.
— Você!
Ela ri ainda mais, mas continuo sério. Até ela entender que
não brinco, e isso leva alguns minutos. Eu queria estar brincando,
mas como ligar para a minha mãe e desmentir esse cacete?
Violeta cai sentada na cadeira e me olha pálida.
— Está brincando? — Nego lentamente. Eu preciso de ar. —
Natan, eu não sou sua noiva coisa alguma. Eu sou sua amiga, o que
já considero um grande castigo, preciso confessar! Homem, o
alfinete espetou seu cérebro?! — Sua voz está nervosa.
— Eu preciso controlar esse inferno semanal dos dramas da
minha família. E com o casamento da minha irmã, está se tornando
pior. É algo rápido, depois do casamento eu digo que não deu certo,
mas pelo menos vão ver que tentei alguma relação. Você os
conhece, te adoram. Será algo fácil — resumo, tentando não
demonstrar o pânico que estou da merda que armei em segundos.
Natan, aceita, você fez uma catástrofe.
Ela se levanta e balança a cabeça em choque.
— Isso que me pede é loucura! Se isso vazar a imprensa,
vira uma bola de neve! — grita, e respira fundo. — Quer fazer algo
assim ao invés de aceitar que, quando eles jogam na sua cara que é
solitário, fechado demais, e que quando morrer vai levar tudo que
construiu porque não terá a quem herdar, é pura verdade? Natan,
você tem uma ideia maluca dessas, apenas por não aceitar afirmar
que sua família está certa, quando dizem que não vive? Fale algo,
caramba!
Deixo a caneta sobre a mesa e caminho em direção à
máquina de café, preparando mais uma caneca. E dessa vez sem
açúcar para ver se acordo do pesadelo.
— Não — minto. — Faço isso porque se eu não for a esses
preparativos, terei que aguentar o inferno que se formará. Mas se eu
for, e conhecendo aquela cidade toda romântica assim como minha
família, e os amigos deles, eu sei que irei me suicidar com cada
pergunta sobre minha vida pessoal, íntima, e amorosa ou a porra
que for!
Para a minha frente e me analisa como se eu fosse louco. O
que começo acreditar que sou após essa ideia de merda. Devo
estar com algum problema sério.
— Me diz que está brincando! Natan, eu nunca aceitaria isso!
Sou louca, mas não ao ponto...
Engulo em seco, porque nem eu acredito que não estou
brincando.
— Aceite isso, e te dou uma chance em alguma outra coluna
da revista — finalizo a merda, aumentando o esgoto que me joguei
de cabeça. — Não posso voltar atrás. Sabe como essa família é
louca. Já viu de perto.
Ela cai sentada na minha cadeira, enquanto bebo o café que
fica pronto. Amargo, assim como o gosto da minha vida neste
momento.
— Golpe baixo. Mas... — fica pensativa. — Não! Eu não irei
compactuar com essa mentira. Tem trinta e nove anos, encare essa
merda sozinho!
— Mas mentir no currículo dizendo que falava outros
idiomas, que tinha ótimas recomendações dos professores, notas
excelentes... Isso podia fazer? — Ergo a sobrancelha.
— Me contratou porque quis. — Cruza os braços e ergue o
queixo. Puxo-a da minha cadeira. — Ai, seu monstro! Olha, umas
aulas de cavalheirismos não fazem mal!
Sento-me e a encaro. Respiro fundo e busco o ar que está
começando a faltar.
— Tem essa semana para pensar, Violeta. Pense com calma.
É solteira também, e espanta qualquer humano com suas
maluquices… Tão sozinha quanto eu — jogo a merda.
— Respeita a minha personalidade peculiar, seu grosso… —
Faz uma careta de desgosto. — Isso é uma merda, Natan! E não é
justo colocar algo que quero em jogo. Além disso, por uma mentira
desse porte, apenas um espaço em uma coluna é pouco! — Ergue a
sobrancelha.
Só pode ser castigo por mentir a quem deveria honrar.
— Tudo bem... — Esfrego o rosto em desgosto, e sentindo
as mãos formigarem. — Escolhe a coluna, e terá uma bonificação
alta também. E prometo que não vazará nada à imprensa. Só
precisa ser mentirosa como sempre foi, e seguir com o planejado
até o final do casamento. Nesse período teremos que ficar na
cidade deles, e fingir ao máximo, pois são espertos. Eu fiz uma
merda, e você me deve uma ajuda, já que fodeu minha manhã, e
encare como se estivesse retribuindo-me em lhe contratar depois
das mentiras e tolerar todas as suas merdas pela revista.
Balança a cabeça em discordância. Claro que discorda, ela
nunca me ouve!
— Trinta e nove anos, e consegue armar uma merda que
talvez nem um adolescente pensaria tão rápido para fugir dos pais.
Homens não amadurecem, bem que mamãe diz! — Ri com
sarcasmo. — Eu vou pensar, mas não era sobre isso que vim aqui.
E também não garanto que a resposta será positiva. Tenho meus
princípios, e mentir para uma família tão bonita e divertida quanto a
sua não faz parte do meu estilo. Sabe, eu sou uma pessoa boa!
— Imaginava que não era sobre isso, afinal, não teria como
saber! — ironizo e ela me fuzila com o olhar. — Fale logo, e se bem
me lembro, deveria estar demitida depois de mais cedo. E sobre ser
boa, não é o que parece sempre que coloca o caos nesse prédio!
Ela semicerra o olhar e me encara com ironia.
— E se eu estivesse demitida, não teria alguém para te
ajudar nessa porcaria de ideia. E não, eu não aceitei! — Bebo meu
café. — Eu preciso entrar mais tarde amanhã. Minha mãe tem
consulta médica e não quero que ela vá sozinha.
— Devo acreditar nisso, ou está aprontando?
— Eu nunca mentiria sobre algo assim e envolvendo minha
mãe! — responde irritada.
— Eu sei... Desculpe. — Assente. — Tudo bem. Mas
precisará entregar o horóscopo de amanhã.
— Deixei pronto aquela merda. — Encaro-a firme. — Quero
dizer, está pronto o horóscopo de amanhã, senhor Natan! Como
amo essa coluna, tão espiritualista, enérgica. — Gesticula com as
mãos.
— Some daqui, Violeta! Minha cota com você já deu. Eu
preciso de paz no restante do dia!
Ela sai, e parece que dei tudo que ela queria: ficar longe de
mim.
Que merda eu me meti? Esse é o preço a se pagar por ser
solitário em uma família totalmente romântica.
Porra!
Junto minhas coisas o mais depressa, e saio da minha sala.
— Já vai, senhor? — Olga, minha secretária, questiona.
— Sim. E, por favor, busque um cardiologista e uma clínica
psiquiátrica. Eu preciso com urgência dos dois!
Me olha assustada, mas não me leva a sério, porque
ninguém nessa porra me leva. Tenho uma secretária que vive
fugindo de mim quando pode, uma funcionária que se diz amiga,
mas toca o terror na revista e me denomina o próprio demônio a
todos, pensando que não sei, mas tenho uma secretária fofoqueira.
A minha família é totalmente o oposto de mim e me deixa a beira de
um caixão. E o mundo parece sempre ir contra tudo que desejo:
paz.
É, se eu chegar aos quarenta anos irei merecer um prêmio!
Entro em casa jogando meus sapatos ao lado. Tudo que
desejo é banho e comer alguma coisa, após o dia pra lá de maluco.
O bom de se trabalhar na Sunshine é que nunca as coisas são
monótonas. Todo dia é uma loucura nova, e a da vez ainda estou
sem acreditar. E minha mãe acredita que o azar de filha louca veio
para ela.
Eu caio esparramada no sofá, sem me importar com nada. A
bolsa despenca do meu ombro e fico olhando para o ambiente todo
decorado de acordo como minha mãe gosta. Móveis antigos, dois
sofás floridos que odeio de todas as formas, pois me rende muitas
dores nas costas quando caio no sono por aqui. Um aparador
abaixo da TV com diversas fotos – para quê? Parece até um altar ou
algo assim –, e um vaso com uma planta muito mais bem cuidada
que eu.
Bom, plantas, está aí o que essa casa mais tem. Todo canto
que se olha tem plantas espalhadas. Mamãe ama, cuida como
filhas. Conversa e ainda diz que elas a escutam mais que eu. Acho
isso um absurdo de tantas formas.
O cheiro de doces predomina o ambiente e meu estômago
ronca. Dona Zulmira tem mãos de fadas para seus doces, no
pequeno negócio que montou para ela desde que papai morreu, e
perdemos a padaria que tínhamos. Ela se desdobra de muitas
maneiras para sempre termos um pouquinho de conforto que seja.
Ela é o meu exemplo de força, e se hoje trabalho duro mesmo em
uma coluna que odeio, é para tentar ao menos deixá-la dormir um
pouco em paz, sem pensar tanto nas contas que precisamos arcar,
o que a cada dia se torna mais difícil, mas não quero que seja isso o
foco dela, eu darei um jeito de livrar a gente desse problemão.
— Vilu? — A voz da senhora me faz sorrir, e não demora
para a sua imagem surgir vindo da cozinha, com um avental, touca
e um sorriso lindo. — Como foi seu dia, querida? — Se senta no
sofá, e é nítido o cansaço e o quanto tenta disfarçar suas dores no
corpo.
— Uma loucura, mas todo dia é... Mamãe, não sentou desde
que levantou, né? — Ela me olha de lado e respiro com calma. —
Dona Zulmira, precisa evitar de abaixar e levantar, ou carregando
coisas para lá e para cá. Tem que aprender a descansar.
— Descansar é para os fracos! Tenho cinco encomendas
para entregar amanhã.
— MÃE! — grito e me sento direito. — A senhora não precisa
disso. O médico foi claro que precisa pegar leve, até começar a
fisioterapia. Deixe de ser teimosa!
Minha mãe desenvolveu alguns problemas, como artrose,
escoliose, bico de papagaio e hérnia de disco lombar e cervical, com
a artrose e escoliose trazendo um problema a sua coluna, onde é
um pouco torta, e isso traz a ela muitos desconfortos, dores fortes
as vezes, não pode pegar muito peso, e necessita de fisioterapia
frequente como parte do tratamento, mas infelizmente meu convênio
não quer aceitá-la, e não podemos nos dar ao luxo de pagar um no
momento, dependemos dos hospitais públicos, e não conseguimos
fisioterapia, tem muitas pessoas na lista de espera. Tentei ver
algumas clínicas para isso, mas são caras, pois o médico deixou
claro: ela precisa fazer toda semana, ao menos duas vezes por
semana, durante um longo tempo.
— Violeta, temos que colocar dinheiro em casa, e não sou
inválida!
— Mamãe, não estou dizendo isso. Mas o tio e eu nos
desdobramos em mil, para que não tenha que se esforçar tanto
assim. Semana passada pegou várias encomendas e hoje de novo!
E olhe só, é nítido que está com dores hoje.
Ela sorri toda meiga, com a carinha que acha que me
convence.
— Mas temos contas, perdemos a padaria, mas as dívidas
ficaram, e vocês dois mal vivem para poder trabalhar e tentar ajudar,
e ainda assim as coisas estão bem apertadas... Desde que seu pai
se foi, prometemos nos ajudar, e isso me inclui. Infelizmente, não
sabemos quando conseguirei fazer todos os tratamentos, e até lá
não posso ficar parada, vendo ambos se matarem de trabalhar.
Isso me corta o coração, pois eu queria poder dar o mundo a
essa mulher. Desde que papai se foi, nossa vida apertou demais,
parece que com ele nossa sorte também se foi. Perdemos coisas,
entramos em dívidas, mamãe descobriu os problemas... Tudo deu
errado. Tem meses que o senhor Reginaldo se foi, que a saudade
bate, mas que não tivemos como viver o luto direito, não existiu
tempo para isso. Nossa vida mudou totalmente, mamãe não
conseguiu dar conta sozinha da padaria, meu tio tentou ajudar, mas
o que não sabíamos, é que o papai escondia que tinha dívidas com
fornecedores, o aluguel do espaço completamente atrasado. E
quando encontramos o caderninho de contas dele, tomamos um
susto, os boletos não paravam de cair de dentro, e o que mais me
destruiu, e me deixou sentindo culpada, foi que muitas dívidas eram
porque ele escolhia pagar minha faculdade, do que seu próprio
negócio.
Chacoalho a cabeça e me levanto.
— Eu vou tomar um banho, comer alguma coisa e te ajudar.
O tio chega que horas hoje?
— Omar fará extra no restaurante, disse que vem bem tarde.
Concordo e pego minhas coisas. Beijo sua testa.
— Vou preparar algo para você comer...
— Não. Relaxa, mãe. Eu faço um lanche. Não se preocupe.
— Sorrio.
Sigo para o quarto que divido com meu tio, uma pessoa
muito especial para nós. Essa casa é bem simples, dois quartos, um
banheiro, e uma cozinha pequena. Não existe um quintal, pois a
frente da casa, mora a dona, uma senhorinha muito boa, a dona
Palmira. Um tempo após a morte do meu pai, logo quando
descobrimos tudo da padaria, sabíamos que não poderíamos ficar
na casa própria que tínhamos, porque ou era o conforto dela, ou
pagar ao menos a metade da dívida, porque não queríamos que
papai tivesse lutado tanto em vão e isso se tornasse um inferno
maior. E foi assim que tomamos a decisão mais difícil. Nossa casa
não valia muito, mas bancou parte das dívidas que os juros não
paravam de aumentar. Alugamos essa casinha que não é
independente, e viemos com nossas coisas. O lugar fica um pouco
longe do trabalho, na zona Leste, região da Mooca, um lugar
considerado de classe média-alta, mas digamos que gostamos de
fazer jus ao contraditório, porque estou mais para classe baixa perto
de arrastar no chão.
Não conto a ninguém sobre nossa vida, não gosto de ficar
falando das dificuldades diárias que passamos, porque parece que
quanto mais se fala dos problemas, maiores eles se tornam.
Todos os dias enfrento metrô para o trabalho, por morar mais
afastada agora, o que já se torna mais cansativo a rotina, pois só
quem pega metrô em São Paulo na hora de maior fluxo de pessoas,
sabe o caos que é. Mas, às vezes, dou sorte de pegar carona com a
Nina que mora aqui perto, uma amiga da revista. Hoje não foi o caso
de ter sorte. Carro não é parte da nossa possibilidade, ou seja,
sempre um cansaço maior, e hoje estou nesses dias de esgotada.
Pego minhas coisas para tomar um banho e ajudar a
senhora teimosa. Sabe, pensei que essa fase nunca chegaria para
mim, mas me vejo tendo que ser a mãe da minha mãe.
“Little darling
It's been a long cold lonely winter
Little darling
It feels like years since it's been here.”
O TERROR DO CHEFINHO
VOCÊ, OLI, NINA
O TERROR DO CHEFINHO
VOCÊ, OLI, NINA
Reviro os olhos.
Uau!
É o que preciso dizer e o que consigo falar. Naomi caprichou
nas escolhas e sua família fez acontecer. O casamento está puro
luxo. Flores que devem valer um carro ou mais, todas naturais. O
gazebo onde está o juiz de paz está lindo, com flores rosa-claro,
branco e detalhes em verde das folhagens. Dois ambientes, o da
cerimônia e o da festa, e ambos bem estruturados. Telão, fotógrafos
para todos os lados, e muita gente. As madrinhas e amigas gritam
dinheiro só pelo olhar, e eu grito terror só de ver o babaca do noivo
no gazebo, todo cheio de sorrisos, fingindo que é santo.
O cretino é cara de pau.
A nossa entrada e do traste já foi feita, e estamos à espera
da noiva com seu pai, e da Melinda que entrará junto dela. Coitada,
tão nova e participando de uma palhaçada dessa. Mas quem sou eu
para julgar? Olha a merda que me meti.
Natan e eu estamos de pé ao lado do gazebo, junto dos
demais. Sua mãe olha tudo atenta, em modo de deixar cada coisa
ainda mais perfeita. O pôr do sol se inicia e isso significa que a hora
mais esperada está chegando. Vejo dona Clotilde na primeira fileira
das cadeiras, e ela sorri para mim. Pobre mulher, passou um
perrengue mais cedo em seu estabelecimento e agora em um
casamento dado ao fracasso.
— Ela não deveria ter convidado esse tanto de gente! —
Natan diz baixinho.
— Ela não deveria nem ter feito esse dia chegar, mas não
vamos julgar. Estamos aqui pelo apoio moral. Você é irmão dela, faz
seu papel.
— Se eu fizer meu papel, eu estouro a cara desse filho da
puta na porrada, e acabo com esse circo!
— Natan! — chamo sua atenção e ele olha para o futuro
capeta, conhecido por cunhado, que nos lança um olhar do tipo “não
tem mais volta, é oficial”.
A marcha nupcial inicia, sendo tocada pelos músicos, e todos
se viram para olhar Naomi, que, puta que pariu, está linda. Uma
verdadeira princesa. Pobrezinha, não merecia isso. Seu pai e sua
filha um de cada lado dela. A pequeninha está perfeita, e toda
sorridente, diferente da mãe que parece sentir uma dor de barriga, e
não é para menos.
Aperto o braço do Natan, nervosa, como se eu estivesse
fazendo essa merda. Ele acaricia minha mão, mas não tira o olhar
da irmã. O idiota do noivo força tanto um choro, que logo se cagará
todo.
— Ai... Ela não pode fazer isso...
— Já fez, Violeta... Já fez! — Natan fala totalmente nervoso.
Suas outras madrinhas sorriem, e talvez sejam iludidas
nesse babaca como ela era. Os padrinhos todos em pose, bem-
vestidos, e alguns devem ser amigos do Michael, pois sorriem
vitoriosos para ele. Olha, se eu me irritar, para acertar a cabeça
deles nesse gazebo é três segundos.
Seu pai a entrega ao Michael, e Melinda corre para ficar com
a avó. Não existe um olhar caloroso do pai a ela, nem um “lindinha
do papai”, ou beijinho. Babaca! Ele segura o seu troféu, quero dizer,
a mão de sua futura esposa, e eu poderia vomitar agorinha.
— Vamos dar início a esse dia especial — o juiz de paz fala,
e mal sabe ele a merda que é esse dia, isso sim.
Ainda bem que não é um padre, seria um pecado enorme
isso.
Ele começa a falar, e Naomi está séria. Não fui em muitos
casamentos em minha vida, mas acompanhei de muitos famosos, e
até aos que duraram menos de um ano, a noiva sorria mais. Ela
está esquisita, mas como não estaria se casando com um merda?
O homem fala sem parar, e eu já me sinto cansada e pronta
para fugir. Só não começo a roer as unhas, pois, antes de vir para
cá, até fiz elas, estão fofinhas.
Finalmente chega nas palavras mais traumatizantes, e claro
que Michael diz o “sim” mais forte de sua vida. Chega a falar rindo.
Natan fecha a expressão e afago seu braço, não tem jeito, toda
merda aconteceu, fazer o quê?
A pergunta é feita a Naomi, as pessoas choram e mal sabem
que ela está se casando com o sapo que nunca seria um príncipe.
Iludidos.
Um minuto se passa.
Silêncio.
Três minutos se passam.
Silêncio.
— Talvez não tenha compreendido pelo nervosismo... — O
homem sorri. — Naomi Valle, aceita casar-se com Michael... — ele é
interrompido pelo movimento que ela faz, largando o buquê, que
rola a escada do gazebo e para próximo ao tapete de entrada.
Solto o braço do Natan, meus olhos arregalam. As pessoas
ao redor começam a cochichar.
— Não... Eu não vou me casar com ele!
As palavras dela saem e um coro de “Meu Deus!” sai em
perfeita sintonia da boca de todos. Olho para o Natan, que está sem
cor, mas não mais que o Michael.
— Amor, que brincadeira é essa? — Ele ri de nervoso. —
Para com isso, não seja tola. — Sua voz é tomada pelo nervosismo.
— Isso não é brincadeira que se faça. — Continua rindo, pálido.
Ela se vira para ele enquanto seus pais estão prestes a
enfartarem. Até eu estou, após esse choque.
— EU. NUNCA. IRIA. ME. CASAR. COM. QUEM. ME. TRAI!
— fala pausadamente, diante do microfone.
Olho para as pessoas, meu coração em pura adrenalina, e
vejo dona Clotilde quase verde. Todos estão de pé agora, sem
entender nada. O falatório bem alto.
— Natan, corre, a velha vai desmaiar!
— Hã? — O coitado me olha confuso, perdido.
Eu o empurro, e talvez empurrar quem está em choque, não
seja a melhor solução. Ele tropeça, indo em direção à dona da
cafeteria, que perde a força nas pernas, e no tropeço dele, a cadeira
vai para o lado, onde ele cai sentado, e ela cai de joelhos,
diretamente com a cara no meio de suas pernas. Meus olhos
arregalam, levo uma mão à boca. A gargalhada da Melinda se
mistura à loucura.
Dona Clotilde escorrega com a cara do meio das pernas dele
ao chão, mas deixando algo em cima do seu pau bastante
prejudicado hoje: a dentadura dela. Uma gargalhada escapa da
minha garganta, e preciso emendar a tosse que invento, eu sinto
que vou ter um treco se não parar.
Pessoas correm para socorrê-la, e me aproximo do Natan.
Os convidados não sabem para onde olhar.
— Não é um bom dia para o Natanzinho... — falo e ele me
fuzila com o olhar.
— TIRA ESSA PORRA DAQUI! — Aponta e nego.
— Nunca... Olha, sua irmã deu... — Ele usa a barra do meu
vestido para pegar o dente da velha e joga sobre o corpo dela
estirado nos braços das pessoas. — Seu nojento!
Naomi desce as escadas erguendo a frente do vestido,
Melinda gritando dizendo que a mamãe está fugindo.
— MINHA FESTINHA... TÃO LINDA... — Marietta lamenta a
dor de tudo indo por água abaixo.
— Traindo minha filha? Seu carrapato! — Ruben pula para
dentro do gazebo, e empurra o Michael.
O juiz de paz tenta fugir, mas rola a escadaria, e espero que
sobreviva, será péssimo ter que depor sobre isso na delegacia.
Natan se levanta tentando ir até o pai, mas fica indeciso entre ele e
a mãe, que está gritando que vai desmaiar.
O pai da noiva e o “não mais noivo” se atracam feio, e
Michael leva um microfone na testa e eu começo a rir em
desespero.
— Tira a Melinda agora daqui! — Natan diz, mas a garota já
está correndo atrás da mãe.
O que eu faço? O que eu faço? Fico olhando de um lado
para o outro, e Monte Amor está em choque, pois a cidade dos
casamentos está tendo um casamento arruinado, ao vivo e a cores.
O juiz de paz é erguido, e sai todo torto, desgovernado. Eu
ergo meu vestidinho, arranco os saltos, e agarro-me a minha bolsa,
para correr desse caos.
— VIOLETA! SEGURA MINHA CAUDA! — Naomi grita na
entrada do tapete de gramas.
— Eu vou ajudar uma noiva em fuga. Meu Deus, que
maravilhoso! — grito animadinha, e Natan me empurra para sair do
meio da baderna, mas nesse movimento eu tropeço na dona
Clotilde, e o dente da velha voa para baixo das cadeiras, e, por
Deus, que não tenha quebrado!
No mesmo instante, Natan é acertado pelo Michael, que
escapa dos braços do Ruben, e isso ganha grandes proporções,
porque os padrinhos se metem na briga.
Pego minha sandália linda e acerto a cabeça do Michael.
— NÃO TOCA NELE, SEU BOSTA!
Ele grita de dor, e Natan me pega no colo, me tirando dali.
— PARA, SUA LOUCA! — Natan grita, me tirando da
bagunça.
Bato as pernas, e ele me joga por cima do ombro.
— Ele te acertou. — Pego o outro par, e atiro na direção do
babaca, mas minha mira é uma merda, e acerto a cabeça de um
dos músicos, que cai do banco, levando o violino junto. — MOÇO,
PERDÃO! Natan... Eu matei alguém, Natan! — berro.
Ele me coloca no chão perto da sua irmã e sobrinha.
Que o moço e o dente da dona Clotilde sobrevivam.
— Somem daqui agora, deixa que eu resolvo isso. Vai! — ele
grita bem sério, e corre na direção da bagunça.
A pobre da dona Clotilde se levanta desnorteada e banguela.
Marietta desmaia em cima dos arranjos, caindo entre as flores, que
ao menos amorteceram a sua queda. Ruben pula nas costas do
Michael, que cai de quatro no chão com o ex-sogro montado em
suas costas e tentando o enforcar.
— O que eu fiz? — Naomi indaga apavorada, aflita.
— Se livrou de um bosta. Sebo nas canelas, lindona! — grito.
— Eu não sou uma égua, Violeta! — rebate.
— Vai parecer uma quando eu segurar essa cauda para
corrermos. Me ajuda, Aqui Melinda. Finja que a mamãe é uma égua
e vamos fugir, porque isso vai dar tão ruim. Oh, céus... — lamento
olhando o céu e tropeçando. — Opa! Cair agora não. — Rio de
nervoso.
— O que estamos fazendo e por que todo mundo está
brigando? Olha, papai está vesgo, vovô puxou a gravata dele! — Ela
ri achando graça.
Olho rapidinho, e começo a rir, mesmo sabendo que é
errado. Parece cena de filme o negócio.
— Vamos. Agora. Quem sabe dirigir aqui? Temos uma fuga!
— Eu não sei... — Melinda diz enquanto corremos
segurando a cauda da sua mãe. — E não saio com você dirigindo!
— Arregala os olhos.
Rio mais um pouco, porque ela se lembrou de que não sei
dirigir. Corremos para o carro da Naomi.
— Precisamos tirar isso, como vou dirigir? Deus...
Impossível!
— Arranca o vestido, se a cauda não sair, arranca ele!
— Eu não posso dirigir pelada! — me fala como se eu fosse
doida, sendo que ela que está fugindo e causando o caos.
— Pode. Não tem tempo. Se entrar vai desistir de tudo,
certeza. Vai logo, Naomi. Arranca isso, mulher! — Ajudo-a abrir o
negócio, que parece de outro mundo.
Para que tantos botões? Deus!
Ela arranca o vestido quando terminamos, e Melinda acha no
carro uma blusa de frio da mãe. Dou para ela vestir ao menos a
parte de cima. Está em uma lingerie sexy, eu diria, ao menos não é
uma calcinha rasgada, já me ocorreu em uma ida ao hospital,
traumático eu diria.
— Só torcer para o carro não quebrar — brinco e ela me olha
apavorada. — Gata, você nua, uma criança, e eu descalça. No
mínimo dirão que rapitamos ela. Não queremos isso, certo?
— Estou com os documentos na bolsa. Vamos, está tudo
aqui no carro. Natan levará minha mala depois, já mandei
mensagem.
— Já sabia que fugiria? — Arregalo os olhos.
Entramos no carro, e colocamos o cinto. Melinda consegue
se ajeitar bonitinho e com segurança.
— Sim! Só não sabia que teria coragem suficiente, por isso
não peguei a mala, e só deixei a bolsa aqui. — Ela dá ré no carro.
— Segurem-se! Meu Deus... O que eu estou fazendo?
— Se você não sabe, não questiona a Ele, que vai que nos
castiga para mostrar? Às vezes, é melhor nem saber. Vamos,
Naomi!
E, quando vemos Michael ou os resíduos dele correndo na
nossa direção, eu deixo a bolsa cair aos meus pés, e me agarro a
porta.
— Sou tão novinha para morrer — choramingo.
Mas a última coisa que vemos, é uma cadeira o acertando,
que cai em câmera lenta, e uma multidão correndo, porque fugimos
da chácara e saímos às pressas de Monte Amor. O destino? Não
sei, só estou embarcando nessa porque é grátis, e sempre quis
participar de uma história marcante.
— Queria uns docinhos! — Melinda reclama.
— Filha, isso não é hora.
— Mamãe, eu amo a senhora, não sei nada do que está
acontecendo, mas o papai apanhou do vovô, então é coisa séria. E
é a segunda vez que ele apanha, outra vez foi o tio Natan que bateu
nele. Ele vai ficar de castigo?
Começo a rir sem poder evitar.
— Ah, princesa, ele vai sim, mas um dia entenderá tudo!
Também amo você — Naomi fala — Alguém tem dinheiro para o
pedágio?
— Trocadinhos? Falou minha língua. Quem diria, eu
salvando a bunda gostosa de uma ricaça! — Pego minha bolsa, e
dentro do meu documento tem uma graninha. Eu sabia que seria
útil. — Para onde vamos, que seu irmão disse estar liberado para
entrarmos? — Olho a mensagem na tela do celular.
— Litoral!
— Puta que pariu! — Olho e ela dá de ombros. — A próxima
vez que for me colocar na sua fuga, ao menos me prepara. Eu teria
trazido um biquíni, poxa. Estou pálida, preciso de um bronzeado.
— Está preocupada com isso, Vilu? Sério?
— Amor, prioridades!
Ela gargalha, e eu estou falando sério.
— Achei salgadinho na sacola aqui! Quem quer? — Melinda
grita.
— Eu! — respondo. — Espero que não esteja vencido. —
Pego o pacote que ela me estende.
— Eu não quero nada. Irei vomitar se comer qualquer coisa.
— Quer saber? Vamos nos divertir, pensar nisso como uma
linda aventura.
Ligo o som, e Arranhão, do Henrique e Juliano, toca na rádio,
e eu começo a rir ainda mais. Naomi ri, e talvez de nervoso, pelo
choque de sua decisão, mas cantamos conforme pegamos a
rodovia rumo a fuga do ano, com uma noiva quase nua, a madrinha
descalça e, pelo que vejo no espelho do carro, descabelada, e uma
criança vestida de rosa-claro como uma princesa da Disney.
Olha, eu amo essa família, puta merda.
No meio de toda essa loucura, a única coisa que
verdadeiramente me surpreende, é meu pau terminar inteiro. Puta
que pariu!
A briga no casamento terminou quando liguei para a polícia,
que teve que comparecer ao lugar e acalmar a porcaria da
algazarra. Todos foram colocados para fora, inclusive Michael, que
teve suas coisas atiradas pela janela por meus pais, que confesso
não ter me movido para evitar isso. Ele retirou tudo que estava no
chão com a ajuda de seus amigos, e saiu todo quebrado de Monte
Amor. A sorte é que a imprensa não foi chamada, mas não duvido
que alguém tenha gravado e vaze isso na internet.
A festa estava sendo desmontada, o que sobrou da parte da
cerimônia, e as comidas sendo doadas pelos meus pais. Em todos
esses anos, a Amores do Valle nunca passaram por isso, e olha que
já fizeram casamentos em que madrinhas se pegaram, e noiva foi
para cima da sogra.
Passa das 22h quando chego no litoral para levar a mala que
a Naomi pediu, comida do supermercado porque sei que não tem
nada lá, e coisas da Violeta. Parece que ter adquirido esse
apartamento foi útil de verdade.
Subo no elevador com as coisas dentro do carrinho do
próprio condomínio, e entro no apartamento, um por andar, enorme.
Para quê escolhi mais um lugar grande? Por ser idiota ou por
realmente gostar de espaço, não entendi ainda. Violeta pode ter
razão: eu busco o luxo que o meu dinheiro proporciona.
Entro no apartamento com poucos móveis, saindo pela sala,
são duas entradas, a outra na cozinha.
A sala tem uma parede inteira de vidro com vista de frente
para o mar. Nunca decorei, nem nada. Não tive tempo para isso
ainda. A verdade que foi uma compra no impulso, era um valor bom,
e seria um canto para eu espairecer longe de toda São Paulo. O que
tem aqui é o que já veio nela, o básico, algumas coisas de cozinha,
quartos, e os poucos móveis. Seria de um casal pelo que a corretora
informou, que acabou desistindo do lugar, pois iriam morar em outro
estado, e venderam com o pouco que já haviam comprado.
Deixo as coisas de comer na cozinha, e as coisas delas no
corredor, então desço para colocar o carrinho novamente na
garagem e subir.
Não demoro nessa tarefa, e, quando retorno, sigo pelo
apartamento, procurando as foragidas, que devem estar exaustas e
não me admira que durmam. A luz a iluminar a sala é da noite
praiana, já o corredor segue bem escuro. São quatro quartos, todos
suítes, dois banheiros à parte, o de visitas, e o da lavanderia, e é em
cada quarto que terei que saber onde se colocaram.
Encontro minha irmã e Melinda dormindo agarradas em um
dos quartos de hóspedes, embaixo das cobertas. Entro com cuidado
e fecho a janela, e paro perto delas, deixando um beijo no rosto de
cada.
Resta mais três quartos, sendo um que é meu. Abro a porta
ao lado, mas não tem ninguém, e faço isso com outro, então Violeta
só pode estar no que é meu.
Abro a porta tendo a visão dela sentada na poltrona perto da
parede toda de vidro, o único quarto com a mesma estrutura da
vista que a sala. Ela me olha e sorri.
— Deixa eu adivinhar, esse seria seu quarto?
— Esse é o meu quarto. — Fecho a porta atrás de mim e me
aproximo dela, olhando a vista e em seguida observando o quarto.
Apenas uma cama, duas poltronas, mesa de cabeceira embutida. O
closet com a porta aberta, está vazio, e o banheiro sem espelho,
toalhas, nada. — Eu preciso arrumar tempo para decorar esse lugar.
Sento-me na cama, e ela me olha.
— Achei lindo. Depois de uma fuga daquelas, a falta de
móveis não é um problema.
Sorrio.
Agora está com os cabelos soltos, ainda com o vestido, mas
a maquiagem já quase não existe mais em seu rosto.
— Trouxe as coisas que pediram. Eu demorei porque estava
complicado em Monte Amor.
— Como seus pais estão? — Me olha preocupada.
— Bem. Minha mãe tomou calmante, e meu pai garantiu que
vai mantê-la calma. Estão muito preocupados com a Naomi. —
Suspiro. — Como ela está? Melinda?
— Até o momento só surtos além do que já deu. Já chorou,
já se culpou, está envergonhada, mas firme na decisão de que não
tem volta, e precisa respirar esses dias longe. Já Melinda está
achando um máximo estar na praia, e tem certeza de que o pai está
encrencado. — Sorri. — Naomi vai falar com você, mas quer que
levemos Melinda devido as aulas, e porque ela precisa ficar sozinha,
para se situar e voltar à vida de cabeça erguida. Ela ama o traste,
vai sofrer um pouquinho.
— Se Michael surgir na minha frente, eu mato aquele
imbecil. Mas depois de toda humilhação, não pisará tão cedo em
Monte Amor. E espero que Naomi consiga lidar da melhor forma
com essa situação, para não sofrer além do necessário. Porém,
minha irmã é adulta, forte, vai conseguir se reerguer. O que me
preocupa é a Melinda. Ela cresceu colada ao pai, que, por pior que
fosse, na mente dela estava ali por amor a ela. Será difícil quando
cair a ficha que não vão morar juntos mais, e que só vai vê-lo em
finais de semana ou da forma que for acordado.
Ela concorda.
— Acha que ele pode tentar tirar a menina dela?
— Não. Michael não sabe cuidar nem de si mesmo. E agora
sem onde cair morto, não tem nem como recorrer a essa merda.
Além disso, se ele pensar em fazer, entrego minha fortuna nas mãos
dos melhores advogados do país se for necessário, mas eu acabo
com a vida dele. Se eu não o matei na porrada quando falou
aquelas merdas sobre você, foi porque Melinda impediu, e no
casamento para evitar ainda mais escândalo. Mas agora nada me
impede.
— E no fim, ele nem precisou vazar nada. Só se ele vazar
que é tudo mentira... — Ri baixinho e a observo.
— Só se ele for bem idiota, você quis dizer, porque todos nós
saberíamos agora que foi ele, ainda mais após a ameaça dele e
tudo que aconteceu, e logo esse escândalo vai vazar na imprensa,
certeza que alguém filmou, e vai ficar bem feio a ele, a credibilidade
bem baixa — tranquilizo-a.
— Bom, eu sei que elas estão dormindo, mas precisam
comer. Principalmente sua irmã. Melinda foi a única a ir comigo na
padaria aqui perto. Eu trouxe comida a Naomi, mas não quis nada.
Deus me livre sofrer por escroto e morrer de fome. Ela vai comer, ou
não me chamo Violeta! — Se levanta determinada. — Minhas
coisas? Preciso de um banho, não aguento mais essa roupa.
— Vou buscar. Mas hoje, deixa elas dormirem. Amanhã
prometo que farei Naomi comer e se cuidar caso não faça. Elas
precisam descansar e está tarde.
— Ao menos um banhozinho na Melinda, então? A coitada
está ainda com a roupinha do casamento.
Sorrio com sua preocupação e assinto.
Levanto-me para pegar suas coisas e ela me segue, mas
indo para onde minha irmã dorme.
GRÁVIDA
6-7 semanas
Horas depois...
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[1]
Easter eggs com referência ao livro “Improvável amor”, da autora Deby Incour.
[2]
Em tradução livre: Eu sinto muito. Ela tem problemas. O cérebro não funciona
muito bem.
[3]
Mas minha equipe achou que seria legal e aqui estamos
[4]
Vejo você amanhã. Aproveite a noite com a jovem. Leve-a com você, ela será
uma ótima companhia para nós
[5]
Obrigado. Me desculpe mais uma vez por tudo.
[6]
Luna Publicidade, Tomás e Isadora fazem parte do livro “Improvável amor”, da
mesma autora, que está à venda na Amazon e pelo Kindle Unlimited. Aqui eles
aparecem como um crossover apenas, sem qualquer ligação importante.
[7]
Milena e Breno são protagonistas do livro “Rendidos ao amor”, da mesma
autora. Um spin-off sequencial de “Improvável amor”. Comédias e eróticos
disponíveis na Amazon e pelo Kindle Unlimited.
[8]
Stars On The Racetrack faz referência aos livros “Fast Love” e “Slow Down”, da
mesma autora. Inspirados em corrida automobilística. Livros com dramas,
eróticos, gatilhos e pitadas de comédias disponíveis na Amazon e pelo Kindle
Unlimited.