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Uma Introdução à
Rafael Cardoso Denis
1. rumprtuõo - 2002
fotogrofro
c . . 1utnL DO PA·r1tOCts10
Ru·1Hlo
fR[l>[RICO JI ANSfN
CDD 745.2
CDU 7+5 (091)
D 395
Vll Agradecimentos
VIII Prefácio
CAPiT"ULO l
Introdução
12 H iSlória e design
16 A natureza do design
CAPi'J'ULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 5
CAPÍTU LO 6
CAPÍTULO 1
226 Bibliografia
232 Índice
Agradecimentos
O ~TO q ~~tâ em suas mãos tem tudo para desagradar a quem chega ao a»un10
com 1d( 1a' formadas, e cabe dizer logo de cara que ele não 1:>rctende se esquivar
da tarefa de incomodai', pois q u estioni:11·, subve1·tcr e até contl'ariar as opiniões pre-
conccbada' fazem parte do trabalho do historiador. Quero rcssaluir, porém. que
o presente livro não tem a menor intenção de ser contcncio50 . Embora exista certa-
mente quem irá pensar o contrário. não se ptt1ende aqui favorecer nenhu1n grupo
de designers, defender nenhuma facção ou 1novimento. ptivilegia1· nenhu1n tipo
de ptáticn ncima de oulras. O design já é um campo prolífico c n1 rixas e sectaris1nos
e este livro tem como pt0pósito maior estimular os designers n tomar con.sciência
do riquis.s1mo legado histórico que têm cm comum. Acima de tudo, es~ro que
as ideias contidas nestas páginas silvam para agregar forças e não para di~pen.i las.
O títu lo do livro pode parecer um tanto genérico. e portanto noa·mativo. 1nas
ten1 como intenção enfntiznr uma tomada de posição a favor do pluralidade de
opiniões. Trata-se de uma introdução à hbtória do design. dentre muita.s possíveis.
Não~ nem de longe o único livro dessa natureza e o leitor curioso não terá dificul-
dades cm encontrar indicações de várias outras opções na bibliografia ao final deste
volu1ne. Não se trata sequer da única introdução ao assunto di.sponíve] no Brasil.
Exjstem pelo m en os dois o utros livros de nível introdutório c111 língua portuguesa:
DtS<nho Industrio/ de John Heskett e Piont1ros do Dmnho Modtrno de Nikolaus Pcvsncr,
mas. no caso do leitor .se ver obrigado por que:stões de: tempo ou dinheiro a optar
por apenas um dos três. terei a ousadia de sugerir que escolha este aqui. O livro de
Hcskeu. embora lançado recentemente entre nós. foi publicado originalmen te cn1
1980 e. pelas muitas pesquisas importantes 1·ealizadas no campo nos últimos vinte
anos. tenho certeza que seu autor seria o primeiro a admitir que não se trata de uma
introdução das mais a1uais. O segundo citado. e:mbora tah c1 ainda seja a referencia
mais utili1.ada nas faculdades de design brasileiras, foi =rito cm 1936 e atuali1ado
pela última vci em 1960 e - sem querei· desfazer das gi·andcs qualidades do seu
auto1· - apresentá-lo a alunos como uma introdução ao ª"unto equivale um pouco
a oferecer Os Sertõe.scomo primeiro livro de estudo em um curso de antropologia .
Por mais que seja um 'clWico', o livro de P~'Sncr apresenta uma visão da história
do design inteiramente ultrapassada .
Prtfôci <>
Pensando bem, não é justo dizer que o p resente liv1·0 não privilegia nenl1um
grupo de designers. pois, na verdade. ele lança um olhar escanca_rada_m entc brasi -
leiro sobre o tema. Pretende- se que esta seja uma introdução à história do design
a partir de un1a perspectiva brasileira, o que ta1nbén1 a separa das referências citadas
acima. Se neste livro Joaqu im Tenreiro e Aloísio Magalhães recebem mais destaque
do que Marcel Breuer e Milton Glaser, não serão oferecidas descul pas por essas
tendências a_ssumida1nente etnocêntricas. Não é que eu considere o nacionalismo
como utn valor próprio, por si só louvável, ou que, como alguns, eu tenha o hábito
de ine ufanar do meu pais. Apenas proponho como justificativa desse procedin1ento
a velha opinião de que a falta de conhecin1ento da própria cultura figura alto na lista
antológica de 'problemas do B1·asil' . Por que não escrever, então, uma história do
design brasileiro? En1 priineiro lugat', a falta de pesquisas sobre o assunto dificulta
em muito o trabalho de reconstitui1· de manei1·a isenta u1na visão da evolução do IX
campo no Brasil, até porque o corpo de sabei· como está constituído entre nós
(a partir da narrativa pevsneriana) relega o país a uma posição marginaJ e tardia por
definição. Em segundo luga_r, a pr ópria natureza do design, como fenômeno inte1·-
nacional e interdisciplinar, m ilita contra as versões exclusivamente nacionais da sua
história. Não é à toa que, até hoje, p1·aticamentc todos os livros de introdução ao
assunto têm adotado u.m a perspectiva múllipla. A meu ver, escrever uma história do
design brasileiro é tarefa para muitos. e espero que o presente livro ajude a estabe-
lecer alguns parâmetros para serem seguidos ou subvertidos por outros auto1·es.
Antes de encerra1· este prefácio, quero dedicar 1nais algumas palavras ao proble -
ma da escolha do que incluir ou excluir do presente livro. Com toda certeza, cada
um irá identificar trechos em que teria sido desejável d izer mais sobre algum
assunto. Não é possível, evidentemente, abranger em u1n único volume todas as
ra1nificações de um campo tão vasto em aplicações e variações quanto o design .
\la]e lembrar mais uma vez que se trata de w11a introdução à histó1·ia de uma ativi-
dade profISSional, no seu sentido mais amplo, e não de u1n tratado e.xaustivo sobre
quaJquel' wn dos seus aspectos; portanto, o livro toca em muitos tópicos que não
puderam ser desenvolvidos a fundo. Diversos temas e personagens de grande rele-
vância para a história do design aparecem nestas páginas de forma parcial ou passa-
geira e não hã muito como solucionar essa deficiência sem desdobra1· o presente
volume em dois ou três ou quatro. O livro tenta atingir uma visão equilibrada do
design em toda a sua multiplicidade, ressaltando os momentos de inovação e rup-
tura e1n cada u1na das especialidades que con1põen1 o campo mas sem se deter sobre
penoaos de tont1nuid ade e 111 nenh uma dc1ns. Quanto aos designer s individuais .
opc.oa-se por reduzir ao mini mo absoluto a menção de nomes que tenham se desta-
codo apo• • decada de 1970.Já é suficiente mente difícil escrever um livro deste
~t ro sem assumir o encargo adicional de julgar o mérito do trabalho de profis-
..,onais ainda ativos, correndo o 1·isco de exclui r pessoas por ignorância o u de
inclui-las por motivos puramente pessoais. Este não é um livro de crítica_, no scn -
udo de tentar faier ou desfaier reputações . e portanto peço a compreen são de todos
aqueles designers da atualidade cujo trabalho os habilita a uma vaga nos livros de
história. Esse reconheci mento virá, sern dúvida alguma, e, bem provavelin cnte,
cm livros escritos po1· mãos mais capazes do que as minhas.
Ofereço o texto que segue como um primeiro guia para quem quer se iniciar
na história do design e, mesmo para quem já conhece bem o assunto, e.reio que e1c
trará algu1nas novidades . Existem. sem dúvida. muitas fall1as e lacu nas nab pnginas
a seguir e um elos objetivos dc~te livro é de c3timular nova3 pesquisas e publicaçõe s
que venham a corrigir umas e preencher outras. Se, ao contnriar alguns dos seus
leitores e despc:nar a curiosidad e de outros. este livro conseguir instigar a feicura de
mnis lrabalhos sobre o tema, enclio terá reali1..ado a mais i1nportant e de suns funções.
Histôria e design
A natureza do design
HiSló ria e d esign
(p.ex . . jornal popular não é sério'), mas o quadro muda de figura quando os confli-
tos são de natureza ideológica co1no, por exemplo . no contraste entre a cobertura
política de um j o i·na) de situação e outro de oposição.
É sintomático que quanto mais um texto histórico se aproxima do presente,
menos convincente se tornam suas generalizações, pois a realidade atual é conhecida
demais para se encaiXar na visão estreita de uma única pessoa. Tratando-se dos acon-
tecimentos mais próxi.m os, aqueles de ontem ou de hoj e, é fácil perceber que não
se transmite fatos mas apenas relatos. Se cada testemunha já tem a sua visão do inci-
dente, matizada pelos seus conceitos e preconceitos individuais, os 1·elatos tendem
a se distorcer cada vez mais, à medida que o relator se encontra afastado do episódio
original. Ao longo de muitos anos, décadas e séculos, então, os 'fatos' pode1n ter
o seu sentido inteiramente desvirtuado de acordo com a versão contada, como en1
uma cno rrne brincadeira de telefone-sem-fio através do tempo . Com a retrospec- 1 13
ção, acontecimentos inicialmente negligenciados podem assumi!· uma importância
enor1ne; é o caso da famosa máquina de calcular de Charles Babbage, que ficou
esquecida durante quase um século pata ser 1·edescoberta recentemente como pre-
cursora do computadoJ' (sPuFFORD" uoLº'''• 1996: 266- 290). Outros acontecimentos de
grande impacto inicial têm a sua in1portância re)at.ivizada con1 o decorrer do tempo,
cotno é o caso da maioria das conquistas de títulos esportivos. as quais ganham man-
chetes de primeira página no dia seguinte mas viram apenas estatísticas vinte ou trinta
anos depois. Portanto, a ação de escrevei· a história envolve necessariamente um pro-
cesso de seleção de fatos e de avaliação da sua importância . Existe fr eqüentemente
uma superabundância d.,!! fontes e relatos sobl'e um acontecimento qualquer e cabe
ao historiador a tarefa altamente delicada de interpretá- los e construir a sua versão.
Toda vers..1o histórica é uma construção e portanto nenhuma delas é defmitiva.
A 1.1 istória não é tanto um conjunto de fatos mas um processo contínuo de inter-
pretar e repensar velhos e novos relatos, constatação esta que leva a uma indagação
de fundamental importância para a história do design: repensar o passado para quê?
Cabe questionar a velha máxima de que quem não conhece a história está condenado
a repeti-la. Se a história não é u1n conjunto de fatos mas um processo de consu-uçào,
em que sentido seria possível repeti- la? A resposta reside na conclusão inescapável de
que. en1bora lratando do passado, toda versão histórica é escrita no presente. Todo
historiador escreve em um contexto específico, para uin público atual, e. conseqüen-
ten1ente, a interpretação do passado apresentada terá in1pacto no presente. Pode ser
que o passado não n1ude, mas u ma mudança na sua interpretação pode alterar
l.i~A IST•OovçÃo" HllfÓllA ºº DCSIGN
Rtvoluçaes industriais
e lndustrialitação
Prim6rdlos da organização
industrial
Expansão da organização
Industrial
Revo lu ções i n dustriai s
e i n dustri alização
A
conteceu na Euro pa e nlrc os séculos 18 e 19 uma série
d e transformações n os 1ncios d e fabricação . tão p ro
fu ndas e tão d ecisivas q ue costu ma ser conceitua.da
como o acontcçi mcnto econômico mais importante de.sele o desenvolvimento
da agricultura. Essas mudanças acabaram ficando conhecidas como a Revolução
Industrial. justamente como forma de chamar atençlo para o impacto tremendo
q ue exerceram sobre a sociedade. o qual só encontrava eco na ruptura radical
com o passado e fetuada pela Rc,·olução Francesa. O termo se refere essenciahnenle
à criaç..1.o de unl sistema de fabricação que produz c1n quantidades tão grandes
e num custo que vai diminu indo tão rapidamente que pnssn a não depender 1nnis
dn d emanda existente tnas gera o seu pró prio m ercado ( 11oasaAWM , 1'6+: so). Hoj e
cm dia praticamente todos vivem nesse sistema. cm que quase tudo o q ue se con-
some é produ~ido por indústrias, e é justamente o longo processo de tran$ição
global do sistema anterior para o atual que s.c entende por industrialização.
A primeira Revolução l ndu~trial ocor reu na Inglaterra, com início por volta
de 1750. Por que a Inglaterra? É uma questão complexa, amplamente discut ida nos
n'leio.s históricos (ver 1...1\NOES, 1969: •2-55; a ! RO, 1936), e de dificil resposta. Tende-se
:i considcra.r que foi u1na conjunção de fatotcs, d c1nográficos e so ciais, tecnológicos
N
estes te1npos privati1.antes, nfirn'la- se coin certa frc
qüéncia que fabricar ' não ~ função do estado·. Por
trás dessa afirmação ~üi a premissa de que a produção
industrial seria uma atribuição natural do setor privado. a qual terias-ido wurpada
pelo estado moderno cm nome de um nacionalismo equivocado. Nada. poderia
ser mais distante dos fatos. Do ponto de vista histórjco. a produção industrial ''Cm
sendo exercida continuamente por estados nacionais desde o inicio da industriali -
zação. A bem da vcl'dade. pode-se dizer que a indústria, na acepção moderna da
pn1avra, é mesmo u ma invenção do selo r estatal.
Entre os séculos 16 e 17, o eixo centl'al do comércio eu ropeu transferiu-se do
~1editerrâneo para o Allf1ntico. Um dos principais rc3uhndo.s dessa transformação
foi a consolidaç.ào dos e.stados nacionais na Europa. organizados não mais de formn
feudal mas a partir de uma política centralizada e voltada para a competição com
outras nações. sobretudo no que diz respeito ã colon1uçlo do resto do mundo.
O sistema mercantihsta ora implantado. em que cada nação procurava defender os
seus interesses con1erciais pe1o don1inio de mercados estrangeiros, acabou levando
os es1ados a investirern di1-e1amen tc na produção de bens de conswno, en1 escala
i nédila até então. Q.unse todos os países ew·opeus funclara1n nos séculos 17 e l8
manufaturas reais, ou da coroa, para a fabr icação de deter m inados tipos de produ
tos, principalmente artigos considerados de luxo corno louças, têxteis e móveis.
Porém, as primeiras manufaturas a serem assim monopolizadas foram as de fabrica·
çio de armas e de cons1rução naval, indUstrias estratégicas para garantir a própria
sobrevivência do estado- nação.
O sistema mais coinpleto de manufaturas reais foi iniciado na França sob Lu_ís
XIV e seu superintenden te de construções jean-Baptiste Colbcrt. Além das fábri-
cas existentes que pa·ocluziam vidr os e tapeçarias para o rei , o siste1na desen.volveu -
sc principalmente cm torno da manufatura real de móveis da coroa - ou. fábrica
de Cobelins- fundada cm t667. A idéia de Colbert era criar um pólo que centra-
lizasse toda espêc.ic de oficinas fabricando anigos para mobiliar os edifícios reais.
a fim de racionalizar essa prodµçào e fortalecer a hegemonia francesa na área.
Sua estra1égia foi bem sucedida, pois a fáb1·ica de Cobclins atingiu um volume
de produção p1·odigioso pa1·a os pad1·õcs da época, chegando a empregar centenas
de artesãos. Especialmente interes.sanlc do ponto de vista do design foi a atuação
do pintor Charles Le Brun. nomeado diretor da fábrica por Colbert . Entre suas
tarefas Lc Brun exercia o papd de inr~nttur. ou criador das formas a serem fabri-
cadas. Ele concebia o projeto (/'idit) para um objeto e gerava um desenho, o qual
1 23
servia de base para a produção de peças c rn diversos maleriais pelos mcstrcs-
a1'lesãos em suas oÍiei r\as. Já existia pottanto c1n Cobelins u mn separação plena
entre projeto e execução (eoWMAN. t997: 131 1s1).
A idéia das manufaturas reais espalhou- se rapidamente para outros paiscs. Um
exemplo notávd é a manufatura de cerâmica de ~1ei.s.sen na Alemanha, fundada cm
1709. que foi a primeira a produzir porcelana na Europa. Criados inicialmente para
:uender à demanda da cone, os produtos de Mcissen passararn a ser consumidos cada
vez rnais pela classe média c1nergente e acabar·nm atendendo ta1nb~n1 a novos merca-
dos estrangeiros . A crescente popularidade ele bebidas como chá e café, por exemplo.
levou Meis.sen a exportar xícaras até para a Turquia. Seguindo o exemplo de CobeJins,
a fábrica de MciMCn tambem empregava artistas para projetar u peças que produzia
(ttuttrrr, ,...,, 12). O sucesso de Mcisscn foi tamanho que a França acabou fundando
a sua própria manufatura real de louças, cstn~lccida inicialmente cm 1738 e trans-
ferida após alguns anos para Sêvres, denominação sob qual alingiu u1n êx_ito co1nercia]
enorme. Também e1n Por·tugal o século 18 testemunhou a instalaçllo de manufaturas
reais, tais quais a de lanifícios da Covilhã e a de louças do Rato.
A partir do século 18 começaram a surgfr na Europa tambem importantes
indústrias de iniciativa privada. Estas tenderam a se organizar inicialmen1e em
regiões em que havia uma fone tradição ofacinal de produção com algum tipo de
matéria-prima. A cidade de lyons na Fran ça. por exemplo, tornou- se um centro
internacional de fabricação de sedas. A Catalun ha também desenvolveu uma
importan[e indúslria têxtil. chegando a contar mais de 3.000 pequenas fábricas
1 UMA I N 'r aOt>UÇÀO À lll STÓalA ºº O Z SIOt:
Fica claro. então. que tanto no setor estatal quanto na in iciativa privada ocor-
reram ao longo do século 18 pelo menos quatro transfo1·maç.ões fundamentais na
fo r ma de organização in d ustrial. Pr im eiramente, a escala da produção com eçava
a au mentar de modo sign ificativo, atendendo a mercados maior es e cada vez 1nais
distantes do centro fabril. Em segundo lugar , aumentava também o ta1nanho das
oficinas e das fábricas. as quais reuniam um número ma ior de trabaJhadores e pas-
sava m a concentrar um investimento 1naciço de capital e1n instalações e equipa-
mentos. Terceir o, a produção se tornava mais seriada através do uso de recursos
técnicos como moldes, tor nos e até uma in cipiente 1necanizaçào de alguns proces-
sos, todos contribu indo para reduzi r a variação ind ividual entre produtos. Por
últin10, crescia a divisão de tarefas com uma especiaJii.ação cada vez maior de fu n -
ções, inclusive na separação entre as fases de planejamento e execução. Cabe desta-
26 1 car que as tran sformações desse período dependera1n muito 1nenos de novas
maquinarias do que se costuma i maginar . .Deveram-se. an1es de mais nada,
a mudanças na organização do trabalho, da produÇ'io e da d istribu ição, ou seja .
mudanças de 0 1·dem mais social do que lecnológica . O declitlio do poder político
das antigas g uildas de artesãos (ou, corporações de ofícios) foi u m faLo r itnprescin -
díve1, pois a extre1na divisão de tarefas característica do trabalho industrial só foi
possi\'el devido ao desmantelamento sistemático das tr adicionais habiJitaçôes e pri-
vilégios que protegiam o artesão livre .
Expansão da
organizaç ão industria l
A partir dessas conquistas efetivas, se bem que lin1itaclas no sua aplicação. a busca
do m ecanização foi elevada a uma espécie de santo groal dn evolução industrial
e a automação tornou-se uma questão de honra para o,s idcõlogos do progrc$$0
indu.strial. Ka década de 1830, dois dos mais imponan1es desses pensadores vieram
sofisticar a análise de Adam Smith sobre divisão de trabalho. Segundo Andrew Ure
e Charles Babbage. a grande meta da produção industrial seria a de retirar todo
o processo de execução das 1nãos do trabalhador e cntregâ- Jo para as máquina6,
elim inando de vez o erro humano. Ambos acrcditava1n pi<unente que a auto1nnçiio
complela das fábricas csu1vl.l prestes a chegar e a ~ua ecrtczn acabou contagiando
outros pensadores influentes como Karl Marx (ver l'llRO, 1!136: 139- 197) .
ltustra.ç.ão de 1841
demonstn.ndo as vanbigens do
Na realidade, a mecanização dos processos de fab ricação den1o rou muito n1ais para
acontecer do que eles i maginavam , ocorrendo ein ritmo desigual nas divcr$as in dús-
trias e de forma incompleta até nas ma is avançadas tecnologicamente. De tão alar-
deada, poréin, a automação acabou se transformando em quilnera para os capita-
listas que a perseguia1n e e1n fantasma pai·a os operários que a temiam. Tanlo uns
quanto outros tinham como cerlo que a introdução de máquinas no processo pro-
dutivo acarretaria o aumento da produção e a d iminu ição da mão- de- obr a. o sonho
dos primeiros e o pesadelo dos últimos.
Q.uein lucrava de fato com a mecan ização era a catego1·ia incipienle dos
design ers. À medida que a produção se mecanizava en1 alguns setores. o valo r
mo netár io do p1·ojeto ia- se to1·nando ainda mais cxpJícito . Na indústria têxtil,
por exemplo . a impressão mecânica de tecidos significava que um pad rão decorativo
be1n sucedido podia ger ar lucros imensos para o fabri- 1 29
cante, sem nenhu1n investimento adicional de n1ão-
de- obra . O custo de gerar ou adqui 1•ir o pad rão era
Unico e as possibiJjdades de reprodução ilim itadas; não
poJ· acaso, este foi um dos primeir os setores e1n que se
fez notável o emprego de designers. Porém. a facilidade
de reprodução 1necânica logo gerou um novo pro-
blema pa.-a o fab1·ican1e , a pirata1·ia. Se o padrão/ pro -
jeto não fosse exclusivo. a prôpria falta de intervenção
do elemento artesanal possibilitava a qualquer outro
fabricante produzir i1n.itaçõcs per feitas, tirando par-
tido do design alheio. Esse problema, cedo reconhe-
cido, levou a um esforço concentrado de refor mu1ação
das leis de patentes e de copyright na Grã -Breta~ha
entre 1830 e 1860 (ver •o•TY, ,.•• , ss), esforço este que Máquina para a impressão
teria repercussões em todo o mundo e continuaria a contínua de padrões sobre
marcar a evolução industrial ao longo dos séculos 19 e papel ou tecido, de um lipo
20. Se é verdade que o design passava então a valer patent eado na dé<ada de 1830.
mu ito dinheiro, esse valor se achaya au-elado a uma Essas máquinas também
como medida anti -sindicalista, ora como questão de: segurança nacional. :\oi
Estados Unidos. por exemplo, o governo cstin1u1ou ativ;uncntc durante o sêculo 1q
o desen,·olvimento de um sistema mecanizado de fabricação de armas de fogo. nio
somcnle au·a\'és de pedidos e aquisições mas também iJ'lves-ti1'\dO diretamente na pro
dução. Seguindo nos passos ele diversas experiências e uropéias. o inventor a1ner1can•>
Eli \iVhitney p1·opô.s no final do século 18 fabricar mosquetes co1n peças inteiramente
uniformes e portanto trocáveis. A vantagem em termos de abastecimento militar cr
evidente. pois ser-ia poss1vcl utilizar as peças de uma ar1na para consertar outra. \Cm
necessidade de substituir a arma inteira a cada rC\-és. Seu sucesso foi apenas parcial
mas estimulou outros fabricantes a realizar pesquisas na mesma área (ttt:SKrrr. 1•
so- s2; HOUNSHtU..... l'JiM: 32 • 4'6). Por volta de meados do século 19, esse: üpo de fabrica
ção já havia sido apcríeiçoada e o seu maior expoente ero o a1nericano Samuel Coh.
30 1 cujos fan1osos revólveres contribuíram decisivan1ente para a ben1-sucedida expan~flo
territorial dos Estados Unidos nn guerra contl'a o México e às ex-pensas da sua própria
população indígena. Corn o crescimento d.escomunal dos exércitos nacionais no
pcrlodo napoleônico e ao longo do século 19. e a necessidade concomitante de cqu1
par esse: contingente enorrne de soldados. a indústria de armamentos evoluiu com
CX1 raordinâria rapadtt. resultando em um ritmo acelerado de dcscn,·olvimento tcc
f1brk1d1 no Arsenal de
Mlrtnha da Corte e exposla
-·
X- -
.!
-
Brasilei.
ra
1830 e 1840 uma série de técnicas 1necan izadas para 'tipo Viena'. inspiradas nos
formar cadeiras e outros móveis de construção ext1-c - dos irmãos .Thonet desde
BD\Y'AR.DS. 19,3: 19- 3i). As chamadas camas patentes também costuma1n ser citadas
como um exemplo da padronização e 1nodernizaçào do rnobiliário en1 pleno
século t9, inclusive no Brasil (verc1 2010N, 1948 : 393-394: SANTOS, 1995: 31 - 33). Trata-
se porém de um tipo de móvel de uso extre1namente restrito, o qual se constitui
em caso de exceção antes do que regra. De modo geral. a indústria mobiliária
conseguiu realizar aumentos significativos da sua produção sem recorrer a trans-
formações drásticas em termos de 1necanjzação. Mes1no no Brasil. onde a fabri-
cação de móveis era 1nais li1nitada. te1n-se nôtícia na década de 1880 de pelo
menos u1na fábrica produzindo en1 grande escala- a Moreira Carvalho e Cia . ,
no Rio de Janeiro (Put&s D.E ALMEIDA, 1339: 74) - e novas pesquisas revelarão outros
exen1plos. com toda certeza.
36 1
Formaçl o da comunicação
vl.sual moderna
A Imagem e a fotografia
O dttlrn na intim1dade
O dttirn na multidão
Formação da
comun i cação visual
moderna
Nadonat em i863,
RIO DE JANEIRO 4
'l'Yf'OGR.~PHlA N.\ClONA!.,
Rua d:i C.uarJ" Y\·lh3,
1 8G:I.
HALL&v.'tLL, 1935: 79-9'2). Já Fleiuss iniciou e1n 1860 a publicação da Semana Ilustrada,
a mais duradoura e influente da primeira leva de revistas ilustradas brasileiras, as
quais passaram a ciJ:cuJar entre nós desde 1844 com A Lanterna Mágica,
publicação dirigida pelo poeta e pintor Manuel dc
Araújo Porto-Alegre e ilu>trada pelo também pintor
Rafael Mendes de Cnr"ralho (LIMA, 1963: n, ?2J-?30, 1•1·
como de costume.
dezessete vezes entre 1830 e 1880 (JODUNC & CROWLEY, J996: u). Surgira1n nesse
petiodo alguns dos mais importantes periódicos do século 19 conl.o Lt Charivari e
L'l//ustration na Fl'ança o u o lllustrated London News na lnglatel'ra. A pl'oliferação de jor-
nais e revistas ilustrados deu início a um rápido processo de avanços nas tecnologias
disponíveis para a ilnpressão de imagens, culminando na fotogravura na década de
1880. Cada etapa dessa evolução exigiu muita Cl'iatividade da parte de tipógrafos.
compositores. desenhistas e gravadores pa1·a gerarem uma linguagem gráfica ade-
quada às novas possibilidades de reprodução. Entre as tentativas toscas de j ustapor
textos e imagens características do início do século 19 e as sofisticadas progrruna~ões
do final do 1nesmo, existe um inundo de diferenças não somente de o rdem tecno-
lógica mas também em ter1nos de cultura visual.
\I MA I NT R Q D UÇ .Ã.Q Â. 111 $ TÓ1t1A l)Q Dt: S I QN
46 1 R6tulo litogr,fico da Imperial Uma das linguagens visuais que viria a se tornar
F•brica de Chocolate a Vapor caracteristica do século 20 teve també1n o seu início
(RJ), projetado por Rafael nesse período fértil de inovações. Algu1nas revistas ilus-
Bordalo Pinheiro e Impresso em tradas passara1n a veicular d ivers~.s tipos de h istórias em
Pari$. 0$ r6tulos dessa époc.a imagens, geralmente constituídas de uma seqüência de
faramente traziam a assinatura quadros com algum encadea1nento visual, enci1nando
do seu criador, mas o renome u1n pequeno texto narrativo. (Essas histórias geral-
de Bordalo justificava essa mente não fazen1 uso do balão para conter a fala, ape -
extravagtnda. sar desta já ser uma prática comum na caricatura desde
o século 18. pelo menos.) Um dos primeiros exemplos de que se tem notícia são
o.s trabalhos do artista, escritor e professor universitário Rodolphe Tõpffer, de
Genebra, o qual publicou entre 1846 e 1847 as aventuras de personagens como
o 'Monsieur Cryptogame'. Outros exe1nplos se seguiram no mundo inteiro ao
longo da segunda metade do século 19, incluindo "As aventuras de Nhô Q,uim'".
história em imagens criada por Ângelo Agostini em 1869 na revista Vida F1uminense
(couPERIE et alii, 1967: ll; c1RNF., 1"°: t6) . A verdadei ra história cm quad ri nhos, tal
como é conhecida hoje - com o texto inserido dentro do quad1·0 desenhado. geral-
mente por i ntermédio de balão, petsonagens 1·ecorrenles e um alto grau de figu-
ração narrativa - só iria apa1·ecer na década de 1890 nos Estados Unidos, como
parte da guerra de citculação entre os dois 1nagnatas da imprensa nova-iorquina
Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst. Na busca constante de novidades que
aumentassem as vendas, o jornal Ntw York l.\'cirld, de propriedade de Pulitzer, passou
em 1893 a publicar uma página a cores no seu suple1nento do1ninical e, nesta página,
Dt 1ig11 e tomu111carão 110 nouo ttno·rio url>ana, 1iculo 19 1
de grande quantidade ou diversidade de impre$SOS, problema este que aflige até hoje
o meio editorial brasileiro. Invertendo a equação, a explosão da cromolitog rafia nos
Estados Unidos reflet.e um processo de populariza.ç..i.o e den1ocratizaçào da cultura
tlpico das iniciativas políticas, educacionais e co1nerciais daquele país durante todo
o periodo em questão ( MARtto, 1919: -i-s) . Tratando-se. por outro lado, de impressos
voltados não pal'a uma leitu1-a verbal complexa mas para a identificação sistemática
de uma identidade visual - como é o caso dos ró1 ulos comerciais e das ma1-cas regis-
tradas - obteve ... se no Brasil un1 desenvolvimento bem mais sôlido e equilibrado.
Pode- se afirmax até que a litografia brasileira chegou a desenvolver nesse âmbito
uma linguagem pr ópria, tanto em termos de iconografia quanto de design, assunto
este que merece pesquisas mais aprofundadas.
1 49
discutido acima, se explica não somenLe pelos cust.os de imagem da locomotiva com
produção mas ta1nbém em termos do tamanho do as palavras 'progresso'
público leitor. Igualmente, o uso de impre$SOS de for- e 'exposição', com
mato muito especializado está condicionado direta- diagramação e recursos
mente a necessidades que varia1n de acordo com o lugar tipográficos típicos da época,
e a época. O cartaz pu blicitário serve co1no um bom já indica a consolidação de um
exemplo da especificidade da co1nun..icação visual a um nível de discurso visual
determinado contexto social e cultural. O ritmo de bastante sofisticado.
UMA I N T k 0 1>U Ç À0 À 111 .STÓ alA DO D ~$ 1 0 N
de um desenhista brtsileiro.
a propagação internacional de
uma linguagem grífica que lira
técnicas da litografia,
desenhadas e d$ superposição
de texto e imagem.
Mardi 4 Février 1896
1" !\ lu·urf' '' pm " l"> d11 w1r
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1 51
A imagem e a f etografia
D
atam do final do século 18 e do início do 19 as pri-
meiras experiências com o tegistro de ilnagens através
da exposição à luz de chapas preparadas qui1nica-
mcntc. Vários inventores no mundo inteiro buscavan1 independentemente um
ptocesso de fixar sobre o papel oU outra superfície as imagens obtidas pelo uso da
câmera obscura e da cân1era lúcida. aparelhos óticos então bastante populares, que
auxiliavam no desenho topográfico através da projeção de vistas por lentes. prisn1as
e cspcJhos. Esses experimentos atingiram o seu ápice durante a década de 1830,
culm inando em janeiro de i839. quando ambos Lo\1is Daguerre, na F1·ança,
e Fox Talbot, na Inglaterra. divulgaram suas des~obertas, com um intervalo de
apenas 24 dias. Daguerre ha-.•la desenvolvido um processo de exposição positiva
de u1na chapa fotosscnsivel q ue produzia u1na iinagen1 bastante detalhada. porém
única. O método de Fox Talbot, por sua vez, baseava - se no princípio do uso
do negativo, o qual poderia ser utilizado para gerar inúmeras imagens Positivas.
Embora este último processo se aproximasse mais da evolução posterio1· da foto-
grafia, foi o invento de Daguerre - denominado de daguerreôtipo - o primeiro
a ser explorado con1crcialmente. Ainda em 1839, Daguerre patenteou o seu
processo e colocou â venda aparelhos e manuais de instruções (FORD. 1989 : 10-11;
53
...
formato de carlt dt t•u,tt bem como das imagens cs1ere0Kópicas; e: somente no final
da década de 1880, com a introdução pela Kodak de c.1mcras bararas utilizando
filme cm rolo é que a fotograíia atingiria a ubiquidade (roao. ,..,, ... -.,) .A aplica
ção da fotografia aos imp1·csso.s também enfrentou urna série de obstáculos tecno -
lógicos. As primei1·as 1cntativas comerciais de jrnprcss..~o fotornecânica datam do
início da década de 1870. mas a fotogravura p1·opriruncnte dita. em clichê a meio -
tom reticulado. só passou a ~r utiliuda na imprensa na década de 1880. mesmo
assim de modo excepcional. A fotografia começou a suplantar a gravura como
método de reprodução de imagens cm jornais e revistas na década de 1890 mas só se
tornou normativa cm pleno século 20 (wrcos. 1"2: 1+1- 1•'• JOausc & cao~ruv. 1"6:
21-2e. 17'2 - 1n). Ainda ass1m, vale a pena ressaltar que se tratava geralmente da
54 1
~· ~~\\~~.!~· ~l!DoJ11i1!
PHOTOCRAPHO
A
expansão n.olável da circulação de in1agens e impressos
ao longo da segunda metade do século 19 cor responde,
conforme assinalado acima, à ampliação de um público
consumid o r m ajoritaria1nente urbano, geralmente assa1a1·iado . cada vez mais alfabe-
tizad o e crescente1nente fr agJn entado em term os de classe social 1gênero e id ad e.
Co1n o barateamento dos custos de p r oduz.ir liV'fos. revistas, j ornais, gravuras e fo to -
grafias, tornava-se possível gerar uma diversidade maior de títulos, de i111agcns e de
outras mercadorias voltadas para seg1nentos específicos d a sociedad e. Jor nais socia-
listas, revistas fem ininas, livros infantis e reprodu~õcs de obras de arte são todos pro-
d u tos que dificilmente teriam existido antes ~e 1850, mas que jã se tot navam co1nu ns
algu1nas décadas depois. O surg imento das classes médias na· Eu ropa e nos Estados
Unidos. e também de u ma cerLa elite urbana no Brasil, trouxe uina relativa d emocra-
tização da noção de individualidade, ou seja. uma nova disposição de d ife renciai·
e exp1-essar a identidade de cada uin ou do gru po através de opções de leitura, de ves-
t uário, de d ecÓração. enfim , de consumo. Segundo Richar d Sen netl, no seu já clás-
sico O Decltnio do Homem ~úblico, o século 19 foi marcado por uma t ransformação
profunda nas relações socia is em q ue as mercadorias e os hábitos de consum o pas-
saran1 a ser vistoS como verdadeir os 'h ieróglifos sociais', si 1nboli1.ando a persona-
lidad e e demarcando identidades (seNNtT'I', 197•: 1•1-1"'6, 161-168).
/
n:;i Grã-Bretanh a ao longo da segunda meLade do século 19 (ver RUi>Oll, t 990; HALÍN,
grandes fortunt'!> cm construir e 0 1·na1· seus palácios, fo~endo uso dt' a1·qu itctura e da
a1·tc como for1n:ls de ostentar o seu poder e de manifestar a sua glória. Com a contí-
nua ascensão da classe média. esse g<»to pela ostentação e pelo luxo foi aos poucos se
difundindo para esta camada social. Os grandes burgueses. enriquecido s pelo
comércio e pela indústria. construiam também os seus palacetes e suas 1nansões.
ri.f'irn1ando sua p1·ctcnsAo de igualar- se à antiga nobreza. O desejo de ostentação às
VC"lCS exagerado da nova elite e os conílitos gerados corno conseqüénci n. deram iní-
cio a um.a vigilância redobrada sobre as distinções sociais através de conceitos como
o de nouotou n(ht. termo cunhado para dcsett\·c-r o novo rico que possuia dinheiro
mas não necessariam ente bom gosto. No tempo e1n que as divisões hic1·árquicas
haviam sido cla1·as. não existia tantn necessidade de policiar os lin"lites enu·e u ma
classe e outra. 1nas a relativização dcssn separação acarretava a possibilidad e de come-
ter enganos e de deparar-se com •urp"'sas desagndá•eu . Os romances de Jane
Austen. como Orrulho t Prtcontt1to. oferecem uma finissima pcrspcc-~h-a literária sobre
a instabilidade das relações sociais de elite na passagem do século J8 para o r9:
u ..... l'TaODUÇÂO Ã "l~TÓa1 ... DO OltSICN
o jogo de gato e rato entre quem qucrin garantir a ascensão .social através do casa-
mento e quem negocil-lva o lroca do p restígio por dinhcii·o é a expressão não ele uma
sociedade rigidamente estratificada , mas de wna situação c1n que as identidades de
classe passam por um processo de redefinição. Com o 1empo. tais preocupaçõe s
fonm difundindo por outras camadas sociais, iniciando uma proporção cada vez
\C
O
novo luxo dos interiores burgueses contrastava com
o lixo, a miséria e a doença em evidência c1·escente
nas ruas das cidades. Com aglomerações urbanas de
milhões de habitantes. novas dificuldades se apresentava1n na ol'gani1.ação do
espaço público e estas foran1 se avultando con1 a intensificação do ritmo de expan -
são populacional durante a segunda 1netade do século i9. Nos cinqüenta anos
entre 1870 e 1920. a popu1açào do Rio de j aneiro aumentou cerca de quatro vezes.
atingindo mais de um milhão e desafiando a capacidade das autoridades de prover
condições mínimas de habitação. transporte e serviços pUblicos (tal fenômeno
não dernorou a se repeor <'•noutras capitais como São Paulo. Porto Alegre e Belo
Horizonte em dêcac.h1s subscc1ücntcs) . Com as primeiras grandes epidemias de
febre amarela e de cólera na Corte, respectivamente em 1850 e 1855, apressou-se
a instalação de um<1 1ede dorniciliar de esgoto e de distribuição de ãgua . lnaugurou-
se na mesma época d il uminação a gás no centro da cidadeL As primeil'as fer rovias
e linhas de bonde surgirarn na capital brasileira tarnbém na década de 1850,
expandindo-se rapHL.unente nas décadas seguintes e possibilitando inclusive
a abertura de novoi, h. itTo~ ao longo das linhas carris e de trem . Apesar de todos
esses melhoramento ... foi-se ag1·avando a crise habitacional da cidade. com n úme-
ros crescentes de pessoa., pobres obtigadas a se adensar e1n cortiços e outras habita-
ções coletivas. dando su1·gi1nento inclusive à prirneil·a favela no finalzinho do
século 19 (eENCHJMOL, 1990: 65-73, 96-108. 12•-1u). A ordenação do espaço público
tornou-se a pi·eocupaçào central das autoridades 1nunicipais CJl'l todo o inundo.
Em nome da higiene. da segur<'nça e do progresso. foram empreendidas em
Colocaçã o do primeiro roto
de cabo tetef6nlco na avenida
Rio Branco, no Rio de Janeiro,
14 de dezembro de 1925.
-
diversas capitais reformas urbanas de gz·ande porte, cujo símbolo maior ficou sendo 61
a reurbanização de Paris executada pelo Barão Hau.s.smann na época do Segundo
Impêrio francês. No Brasil. a refor1na urbana da capital federal 1·ealizada entl'e
1902 e 1906 sob o prefeito Pereira Passos alterou significativa1nente o aspecto
·e a vivência da cidade através do atetro de grandes trechos do litoral carioca. do
desmonte de morros. da de1nolição de casario antigo e Esta fotografia (tirada por
da abertura de laa·gas avenidas (ver DCL BRENNA, 1935). Morlimer), da rua da Carioca
I
1 UMA IN11t 0 1> UÇ À 0 Ã HISI Ó tllA 0 0 01$1 G N
grandes potfnclas estrangeiras. de Areia que se encontra u1n dos pri1neiros registros
brasi1ei1'os do e1nprego de 'desenhadores' ern urna
capacidade industrial: Mauá havia importado dois
pI"ofissionais, um inglês e o outro português. para
exercer essa importante função técnica. intermediando
as relações entre os engenheiros que gei·avam projetos e
os mestres que os faziain executar (DBN•S, J996: 68-69).
Alguns anos adiante, na época da primeira Exposição
Nacional em 1861 , aparece ainda a menção de Carlos
Petersen como 'artista' emptegado na Ponta de Areia.
o qual era responsável pela construção de modelos téc-
nicos de n1aquinismos (coNFRARIA DOS AMlCOS DO LIVRO.
1' 11: 112). Percebe- se que as atividades ligadas ao design
tendem a surgir como decorrência da implantação do
processo industrial.
A preocupação co1n a higiene não se limitou ao
saneamento urbano. Con1 as descobertas do biõlogo
francês Pasteu1' e do cirurgião britânico Lister sobre
bactérias e assepsia, a li1npeza parou de ser apenas uma
questão de 01-dem pessoal e virou assunto de governo.
passivei de policiamento por õrgãos competentes de
saúde pública. As últimas décadas do século 19 e as
primeiras do século 20 testemunharam uma p1-cocu-
paçào genera1i:z.ada. e às vezes histérica. com a higiene.
Foram fundados nessa época importantes centros de
pesquisa 1nédica e lançados para o primeiro plano da vida social e política 1nédicos
s.anitarista.s como Os"'·aldo Ctuz (ver STEPAN, 1976: cosTA, 197'1). AJém dos esforços
essenciais empreendidos para conter a propagação de epidemias nas gtandes cida-
des. as campanhas sanitaristas acabara1n se empenhando também no redimensiona-
rnento das condições de higiene domêstica. com conseqüências irnportantes para
a área do design. Às virtudes jã conhecidas do lar- conforto. domesticidade. bem -
estar - vieram juntar- se novos critérios de limpeza e eficiência. Foram introduz.idas
entre as décadas de 1860 e 1890 a maioria das instalações hidráulicas. de louças e de
apatelhos doinêsticos que iriam dar forma à cozinha e ao banheiro nloderno.s. Com
a introdução da eletrificação doméstica no final do século 19. surgira1n os primeiros
eletrodomésticos e iniciou - se a evolução de aparelhos que iriam se tornar focos do
1 63
Anúndo de Oynamogenol
de 1919: era grande
a preocup1:ç.io com doenças,
especialmente a tuberculose,
grande ameaça da fpoca.
DYNAMOGENOL
(l.ljO 'chi.:ulo ~ o ;iodo pl1ospl1oglyccr~o i:1titiunwnlc lipdo aot
64 Ire$ priu.:i1i0.cs Ju.:,.os diit(~i\'01 (J1f'P5i.i1a, rancrc;uina t dii§tha~c),
coutim tm 10h~ ;1 ....umib\cl O'I i;:lyttr<ipho~phato~ d'f (ai. fC'trQ,
sodio. pou ..io e u.o.aj:n<tio - tst.\ prtpar~.;.:io nio contt ni akool
e diiso!vi,!.1 cm .-.;-u.a t o m1if ~gr:1.1La\·cl dos rcírt!llCO>. ra.Uo l)(lt'qllt
ai crnnta• e ~1hora' o nlo di."141eru.anL
E' de (ff(i10 rapi<lo na' Dint'S no) t#~'"ogo, ,..alia dt apf1t1U,
.\"1n·~J;.s1110, HJJlt'riS•O, J.la9rr;a, S ro•uhius thro1t1i,tt.s, DSrtS "º
f t ilO, Ta1in.wfoit. Vff/l!Jt,.,,, Arlhritismo, DJSft fhll, Galiralgto. A11t·
•i4.
Froqa1t:ii du µTMs. 1'"1f'iJacõ,s, baso1tt1fiol. 01&-ilidcd,, 1'' 1rtWts
1t1Mt11 ,.os. D6rn JSD <t>r fo, Cv11Jh'°"útl (/lro1t1i(os Nc,t<al e oulra.J
molc~ti:H o DY.\'A.\IOGE.\'01. f de um cffrito !-Cl;\lrO e rapi.JQ
DYNA.110GE.\'OI. nlo ('Ontbn 'tnchini1~. ar~nko ou outra
qw.l•1ucr JrQp u·e~IO\a. A !Ormu1a do DYN.1UOCEN01. ai:-Qmpa·
nha o \ldro \'tn•I -k cni toJ.o o mm1do i
design no século 20 (wR.1ca1T . 1960: 187-21 6 : FOR.TV, 1986: 182-200: ruR.SELL, 1995: 1.ro- 145).
Telef&nlca Brasileira.
Consumo e espetáculo
O advento da produção
em massa
Design e
r e formismo social
Sob inspiração direta das idéias de Pugin, organizou- se em Londres por volta
do fina] da década de 1840 um outro grupo de refor1nistas. que contava entre os
seus adeptos o atquite10 Ow·enjones, o pintor Richard Redgrave e o burocrata
Henry Cole. Preocupados con1 o que consideravan1 o mau gosto vigente, o grupo
empreendeu uma série de iniciativas para educar o público consumidor. denu·e
as quais a publicação de uma das primeiras reviStas de design, o Journol of Design ond
Monuforturrs, e do livro dejoncs intitulado The GrommoroJOrnomenl. de 1856. talvez
um dos mais influentes u·a1ados sobre teotia do design de todos os tempos. O livro
estabelece 37 proposições que visam definir princípios gerais para o arranjo da
forma e da cor no design e tenta demonstrar a sua aplicação histórica através da
análise do ornan1ento de diversos povos. desde a Antigüidade até o Renascimento.
Simplificando bastante as suas idéias, Joncs sugere que as melhores manifestações
do ornamento cm todas as épocas reproduzem principios geo1nétricos básicos
Pigina do Uvro Tht Grommor ..
of Orno1M11t (•ls6), cuJ•
ma.gníftu re1U1açlo constituiu
um marco n1 evolução da
ttomoUtogr aRI. O livro de
Owtn Jones também t.xercev
enorme lnflulnda no sentido dt
e:stabtlecer um repertório
omamenul • crtfko comum
para o crescente ecletismo dl
oriundos das fo rmas da nature1.a, rnciocíni o que ele exu·ai u en'I grande porte das
consideraçõc• análoga< dt<em·olvid&> pelo pintor tscocés William Dyce, quando este
ulttmo era diretor da rede de escol-. publicas de design estabelecida pelo governo
britânico en1 1837. Apô\ u1na série de intrigas poluicas (ou1ro fenômen o constante
na his1ôria do design). Cole e Rrdgrave assumira m o conlrole dessas CM'.Olas no ano
e
de 185~ pa»aram a con-.trui r e ampliar o poderoso sistema de ensino que ficou
conhecid o pdo nome dt South lirn11n,(lon. em homenag em no bairro de Londres
onde funcionava a sede e escola principal . hoje o Vittoria and Alb<rt Mustum. As Schools
of Dtsign da decada de 18lô e seu de.dobra mento po<ierior na• escolas de South
1'-t1U1ngton con.stuue m a 1na1or e ma1) s1gnificat1\J experiên cia na arca do ensino
do design durante o stculo 19, exerctnd o uma iníluênci a inegnvel em terrnos da
Dtsit" · irt d 11strio t o to11sum 1Jor modtr110 , 1850 1930 1
72 1
um conceito eminentement e
moderno de simpUddade
elegante.
---- -------------
Em 1877, a firma abriu uma loja própria na então elegante Oxford Street de
Londres e. em 1881. estabeleceu uma pequena fábrica cm Mcrton Abbcy. para
expandi r as condições de p rodução daqueles objetos que requeriam um controle
mais direto do processo de fabrico. A Morris & Co. mantinha uma relação ílexível
entre design e produção: alguns lipos de objetos era1n fabricados artesanal n1ente
sob a supervisão direta de Morris; outros eran1 fabricados com limitada mecan iza -
ção nas oficinas de Merton Abbey: e outros ai nda eram apenas p r ojetados por
Morris e seus colaboradores e fabricados po r terceiros, incluindo ai grandes
industrias da época (HARvtv" PRtss. 1991: 130-1 15, 152-1 5&: f'ARRY. 1996: •9-s•). Essa
flexibilidade per1nitia à firrna produzir artigos con1 diversos preços e não apenas
artigos de Juxo. A unidade da produção advi nha essencial men te do design ,
e o estilo Morris foi aos poucos ficando conhecido do publico. projetando
o designer para uma posição de destaque na valorização da mercadoria.
A Morris & Co. sobreviveu em muito à morte do seu fundador en1 l896. per-
1nanecendo ativa até 1940. Foi talvez o prin1eiro exen1plo, e ainda um dos 1nais ins-
l
1 73
.
--i
1
'
O trabalho de Morris acabou por atingir u1na eno1·me repercussão 1nu ndial
entre o final do século 19 e o início do século 20. inserindo-se no contexto do que
veio a ser chamado de movimento Arts ond Crofts <Artes e Ofícios) . A partir da década
de 1880. surgiram na Grã-Bretanha d iversas organ iiações e oficinas dedicadas
a projetar e p roduzir a1·tefatos de vários tipos em escala artesanal ou semi - industrial.
Entre as mais famosas estão a Century Guild, a Art Workers Guild, a Cuild and School of
Handicroft e a Artsand Crafts Exh1b1hon Sotte!)'. todas inspiradas di1-etamente no exemplo
de Morris e dirigidas por designers como A.H. Mackmurdo. W. R. Lethaby. C. R.
Ashbee e Walter Crane (NAYLOR.. t9!>0: 113-177). A filosofia do movimento Arts ond Crafts
girava em torno da recuperação dos valo r es produtivos tradicionais defendidos por
Ruskin. o que explica a opção de algumas das entidades citadas acima pela apelidação
u 1n tanto antiquada de 'guilda' . Os integrantes do 1novimento buscavam promover
uma maior integração entre projeto e execução. uma r elação 1nais igualitária e demo -
crática entre os trabalhadores envolvidos na pr odução, e uma m anutenção de
padr ões elevados em ter mos da q ualidade de materiais e de acabamento. ideais estes
q ue pode1n ser resu1nidos pela palavra inglesa craflsmanship, a qual expressa simultanea-
mente as idéias de um alto grau de acabamento artesanal e de um profundo conhe-
cimento do ofício . Embora não se opusesse ao uso de máq uinas, era um a visão
que tendia a restringir a escala e o ritmo de fabricação aos limites máximos do que
a mãquina podia executa1· com pe1·feiç:ão e não aos seus li m ites máxilnos em termos
de quantidade o u velocidade. Nesse sentido. seria in1possível dissociar a filosofia
industrial e empresar ial do movimento Arts ond Crafls das convicções socialistas de
m uitos dos seus integrantes. ~torris. por exemplo, dedicou gi·an dc parte da sua
atividade intelectual e p rofissional à militância po1itica, tol'nando-se u m dos fu nda- 1 75
dores e vultos p rincipa is da Liga Socialista britânica e auto1· de textos clássicos da
esquerda como o ro mance declaradamente 'utópico' NewsfromNowhere.
FrontJspfclo da ed l~ão de
duzida no debate popular por Pugin e seus sucessores, de que uma estética possa ser
moral ou itnoral. Por exe1nplo. o suposto princípio da 'honestidade' dos materiais - 77
que argu1nenta que u1n material imitando outro (p.ex., plástico tratado para patecer
madeira) constituiria uma instância de engano ou men1ira - além de representar um
caso clássico de antropomorfismo, pressupõe um grau de ingenuidade do usuário/
consumidot que beit•a a burrice. Da mesma fotma. a prescrição do ornamento
co1no. e1n priineira instância. supérfluo e. em segunda instância, imoral e criminoso
(seguindo o ditame do arquiteto austríaco Adolf Loos: "ornamento é crime'), não tem
nenl1uma base em argumentos racionais. resumindo-se no fundo à 1nesma espécie de
censura das preferência.s e opiniões alheias praticada por i-egimes totalitários. Esses
enunciados de uma moralidade estética difere1n p1·ofunda1nente da idéia de que exis-
tem limites éticos que regem a produção e o consu1no de mercadorias. Conforme
argun1entaran1 Ruskin e Morris, o grande poder do designer de altera1· a sociedade
reside muito mais na forma das suas relações de trabalho do que nas for1nas que ele
atribui a um determinado artefaLo. Existe urna tendência histórica no design a reduzir
as questões éticas a questões estéticas. o que é fruto geralmente de uma análise insufi-
ciente dos pi-oblemas a serem resolvidos. Contudo. certa ou errada. é importante
registrar a longevidade do fascínio e.xercido pela ideologia do design como panacéia
moral e social. Somente assiln é possível entender a veemência que tem marcado os
debates históricos em torno de opções de estilo e de estética. Na sociedade industrial
tardia, mais do que nunca, as pessoas pa1·ece1n creditar às fot1nas exteriores geradas
pelo design e pela moda o poder de transmitir verdades profundas sobre a identidade
e a naturtta de cada u1n. O hábito faz o monge é uma expressão com a qual teriam
concordado. n1uito provaveln1ente. tanto Henry Cole quanto Cianni Versace.
Consumo e espetá culo
O
processo de relativa democratização do consumo de
artigos de luxo pode ser entendido co1no um indica-
dor útiJ do grau de inserção de uma determinada
sociedade na modernidade industrial e urbana. Na Grã .. Bretanha e na França,
a presença de ti ma elite consumidora de razoável porte já se faz marcante a parlir de
meados do século 19, conforme evidenciado pelo predomínio desses dois países nas
grandes exposições internacionais da êpoca (ver RICllAR.DS. 1990: 11-12: WALTON, 19'92:
21-..a). E1nbora tenham realizado importantes avanços en1 termos industriais, países
como os Estados Unidos e a Alemanl1a só atingiram padrões de consumo equivalen-
tes no final do século 19 e no início do século '20, respectivamente. O crescimento
da produção industria] nem sempre 1raz. porLanlo. uma disLribuiç.ão correspon-
denLe da prosperidade e do consumo médios. De certa forma. o reconhecimento
obtido por designers ligados à produção de supérfluos e efêmeros é um indicador
mais rico, em termos qua1itativos. do real grau de desenvolvimento econômico
e humano atingido. Por exemplo, uma comparação instrutiva pode ser feita entre
o grande êxiLo comercial obtido pelo fabricante brüânico de cerâmicas Minton ao
longo da segunda metade do século 19- período em que Léon Arnoux trabalhou
como diretor artístico da fábric.'1 - e as dificuldades enfrentadas por Rafael Bordalo
Pinheiro na condução da sua Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha, em Portugal .
Mesmo investindo no que havia de mais avançado em termos de tecnologia para
a época. a fábrica de Bordalo não obteve sucesso na produção de louça uLilitâria
comum empreendida na década de 1880. e ficou reduzida posteriormente à fabrica-
ção de louça a1·listica e decorativa, pal'a a qual se1npre existira u1n 1nercado doméstico
Rafael Bordalo Pinheiro
esculpindo o busto de
Eça de Queiroz na fábrtc.a de
úi1das da Rainha. Conjugindo
ilustração e criação de
impressos com cerlmica
e escultura, e jornalismo com
gestão de fábrica. Bordalo foi
um dos grandes pioneiros das
atividades ligadas ao design
no Brasil e em Portugal.
1 79
(ASUN &. ATTtRBURY. 1976: 1 - 8: SERRA. 1996 : 12 - 23). Nas condições de consumo ainda mais
restritivas do Brasil, a iniciativa iso1ada do pintor Eliscu Visconti de criar, por voha
de 1901. cerâmicas artísticas para uma pretensa produção industrial l'edundou no
mais cornpleto fracasso. Em uma sociedade ainda amplamente dominada por uma
rígida hierarquia patriarcal, a promessa libertadora do consun10 como atividade de
lazer permanecia muito ren1ota para a imensa Jnaioria da população.
Nas grandes capitais da Europa. a segunda metade do século 19 foi marcada por
uma ve1·dadeira explosão do consumo, principalmente com o surgi1nento das pri-
meiras lojas de departamento na década de 1860. lnspi1·adas diretamente nas gran-
des exposições universais da época, corn sua abundância de mercadorias novas
e exóticas. lojas de departamentos con10 a Bon Marchi em Paris ou a Afo9 'sem Nova
York transformaram as compras em uma at ividade de laier. e não mais apenas uma
rotina a ser cumprida . Para as mulheres em especial, às quais era vedada uma maior
participação em outras atividades como o trabalho ou o estudo. o consumo acabou
se transformando em palco para a realização dos desejos e a loja de departamentos
em um mundo encantado dos sonhos, com infinitas possibilidades de interação
social e de expressão pessoal, longe tanto da solidão doméstica quanto do perigo
das ruas. Não é à toa que o escritor Emile Zola batizou de Av Bonheurdes Domes
1) \, 11' IST1100 VÇ ÀO À lllllTÓlllA 1) () DLSICS
1938; HARDMA?<.'. t988: TURAZZI. t99s). Essas exposições são de enorme interesse para
82 1 a história do design. pois os nu1nerosos relatórios, relatos e imagens gerados por
elas revelam muito sobre a percepção tanto popular quanto oficial da indústria
e dos artefatos industriais. Por exemplo. para muitos visitantes nas dêcadas de 1850
e 1860, elas franqueava1n uma primeira oporlunidade de ver de perto máquinas
e mecanismos. Diversos escritos da época retratam o fascínio das pessoas diante
desses aparelhos 1nágicos e mons1ruosos. que eram freqüenteinente colocados para
funcionar dentro da sala ou do palácio de exposições, tornando-se familiares ao
mesmo tempo que a natureza exata da sua operação permanecia acima da compre·
ensão comum. Os própt·ios edifícios construidos para as exposições- como
o Palácio de Cristal (Londres. 1851) ou a Torre Eiffel (Paris, 1889) - transmitiam
um senso da enorm idade e da escala monumental do industrialismo e acabaram
virando símbolos não somente das proc-tas de engenharia da época como também
do próprio progresso. Visto e exposto. o mecanismo virava modelo de funciona -
mento e funcionalidade. dando fo1'ma concreta a metáforas como 'as engrenagens
da sociedade' ou 'a máquina humana'.
Junto coin a conscientização da exislência de uma era industrial e moderna. as
exposições universa is também exercer am um papel importante em termos da codifi-
cação das normas e caracleristicas da nova sociedade. Pela primeira vez nas exposi -
ções nacionais e mais ainda nas intel·nacionais. os diversos fab ricantes sujeitavam
à inspeção do público e também dos concorrenles não somente os seus produtos
1nas tambéin os seus processos e técnicas de fabricação. Era comum as indústrias
produzirem peças especiais, às vezes ún icas, para as exposições. de modo a dernons-
trar os limites máximos da sua capacidade técnica. A pirataria tornou - se uma das
maiores preocupaçõe s dos expo~ito1·es e. não por acaso, suscitou discussões exten
sas duranie os preparativos para a Grande Exposição de 1851. A legislação de
patentes e de propriedade intelcc::tual foi revista, ampliada e definida cm nível
internaciona l. atra,·Cs de con,ençõcs e tratados r.u1ficados durante toda a segunda
metade do stculo 19. O confronto entre produto~ ,\1m1lares tambem .serviu de
11npcto para outra iniciativa funda1nenta l para a formação de umn economia real
mente lnternacionri1: a padroni1aç5 o de pesos. rncdidas e especificações técnicas.
Costuma-se pensar na promulgaçã o do sistema mttr1co como tendo n:~o1vido
a maioria dos problemas dessa ordem mas. na "erdadc. a introduçJo do metro foi
apenas um do.s primeiros passo~ cm um lento processo de unificaç.i.o de padrões
que permanece incomp1eto atê os dias de hoje. P:.trn citar um exemplo dos mais
básicos. as n1edidas de filete de rosca para parafusos só começaram a ~cr padroni-
udas no final do .sCculo 19 e con11nuam a exislir opções de fenda que tornam 83
incompatíve is chaves e parafuso\ de diferentes tipo~. Alem de incenuvar a unifi
cação de leis e normas. as exposições também ajudaram a suscitar u1n padrão de
comportam ento típico do consu1nídor moderno. -ralvez pela pri1ncira vez nessas
exposlções. produ1os de todas as variedades e de todas as procedência s encontravam ...
~reunidos em um só local. dispo\tO) e classificado) para serem vi51os e usufruido.s
com um máximo de facilidade. O arranjo e a configuraçã o das exposições uni"·er-
sa1~ prefiguraram as lojas de departamen to que dtili a pouco passariam a atrair
o comp1·ador para urn universo igualmente fantá~tico em que todos O.) seus desejos
\e encontravam materializad os sob forma de mc1·cadorias. Tanto a) t.xposições uni
\:Cn.ais quanto as lojas de depanamcn tos viraram cena rio e palco de uma vivência
a parte da existcncia comum. aproximand o-se a\s1m do espetáculo e do hâbito
moderno de olhar como forma de consumir (ver C&Aav. 1990: 11 , , ).
Consumir com os olhos ern Ullnbem a propo~ta do terceiro grnnde elemento
que. juntamente com as exposiçõc!I e a!t lojas de departament os. c.iu·acteriza o regiinc
do consumo como lazer e espetoiculo. OC$Cle ~queno) anúncios nos JOrnais atê
grandes roclam.s afüados ils parede>. a publicidade começa a se defln1r na passagem
do século 19 para o 20 como o veiculo principal para a expressão dos sonhos cm
co1num e co1no a arena pred1lcta para a cristali1açào dos inesmos cm uma nova lin
guagem inteligível por todos. Até meados do século 19. mal existia qualquer tipo de
divulgação sistem•ttca digna da alcunha publicidade. As primeiras agencias espttia·
hzadas nesse tipo de atividade começaram a surgir a partir da déuda de 1840. mas
~ua atuação permaneceu extremamen te restrita. envoh endo principalme nte
1
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Cenil de rui fotognb.da no Rio a \:enda de espaço para anUnc1os.. Somente na dcc~da
de Janeiro tm 1914, em frente de 1890. as agencias começaram gradativame nte a se
ao b1r e restaurante MOnc.htn. envolver na concepção e confccç•lo de campanhas publi-
Em plen1 era do automóvel, citárias e. ao longo das próxin1a.s décadas. surgir1:un os
a comunk.l~o vlsu11 itravés de primeiros departamen tos interno~ de redaçlo. de arte
artues t ~limes ainda en e de pcsqu1 .. de mercado. 1':a nrada do século. Jª ens-
bastante Incipiente no 8'a.sn. ttam dttena~ de agências cm grandes capua.1s como
Londres ou Nova York 1nas o seu i1npac10 1naior só se fez sentll' a pa1·tir da décadn
de 1920. Nota-se ao longo da segunda mrtade do século 19 uma busca de novos
espaço• e formatos para a propagação de memagens comerc1au. Ampliando o tradi-
cional recur$0 a canaz.cs afuados a paredes. as linhas de bondes e de trens e as
estradas de rodagem foram logo aproveitadas para a colocação de grandes painc1s
publicitário.s. A indústria de outdoorsjá se organizava nos Es1aclos Unidos nn
década de r890 e. eJn 1912. o tamanho do~ n'lesmosjá se encontrava devida1nentc
padron11..ado (WAl.COU ... . •••CHTA &. BR.ICHTA, lt7t~ ... 62-~; faA~La. 1981: 130-146;
1.1CHA1.0\, ,,... 10.u). Embora bem mais restrita do que nos paucs citados acima.
a propaganda brasileira também ensaiou seus primeiros passo,s no s.t:culo 19.
Com a liberação da i1nprensa e1n 1808. logo surgiram os primeiros anúncios de
jornais e.já na década de 1820, consagrava- se definitivamente o uso dos classifi-
cados. principaln1ente em função do crescimento do Jornal do Comercio. O prirneil·o
cartaz de que se tem noticia apareceu em 1860. justamente para anunciar o lança-
mento da Revisto Ilustrado de f-Ienrique Fleiuss. e, nessa rnes1na época. começam
a aparecer no Rio de janeiro painéis pintados e panfletos. além dos impo1·tantis-
simos almanaques. alguns dos quais veiculavam anúncios. A partir da década de
1870. pelo menos. já aparece1n também anúncios ilustrados cm jornais e revistas
(RA).t0S & MARCONor.s, 19'): 1)- t 9). Contudo. cabe enfatizar que tais recu1·sos possu-
iam uma importância limitada e1n u1na sociedade ainda pautada e1n bases econô-
rnicas rurais e, em muitos sentidos, pré-capitalistas. Uma g1·ande proporção dos
classificados brasileiros da época tratava de recompensas pagas pela recuperação de
escravos fugidos, ou da comp1·a e venda dos mesmos, o que revela que a mais 85
importante mercadoria ainda era o ser humano. A propaganda. no sentido
moderno da palavra. só viria a assumir uma 1naior impo1·tância no Brasil a partir
das décadas de 1920 e 1930.
O império dos estilos
U
ma das mais curiosas obsessões no meio cultur·al
e artístico do século 19 diz tespeito à busca de um
est ilo que u·aduzisse de modo adequado o senso de
fe1'Vilha1nento e modernidade da Cpoca. Diversos críticos e pensadores dedicaram
argun1entos apaixonados a esse assunto, principalmente com respeito à arquite-
tura. advogando a adoção desse ou daquele estilo como uma questão fundamental
para o bem• estar político, social e moral de suas r·cspectivas nações. Alguns
defendiam o retorno a estHos do passado. sugerindo que se tentasse recuperar
as maiores glõrias de outras épocas ou de outros povos: o equilíbrio da Grécia
antiga: a grandeza do Renascimento italiano: a espiritualidade do gótico medie-
val; o exotismo de um pagode chinês. Todas essas tendências chamadas histori-
cistas tinham cm comum uma convicção de que a ruptura com a tradição imposta
pe1a modernidade industrial havia suscitado uma crise. minando valores impor-
tantes ou. no 1nínin10. conduzindo a uma carência de propostas originais.
Outros argumentavam que era preciso saber abraçar e até rnes1no celebrar essa
carência, co1nbinando os melhores aspeclos dos diversos estilos disponivcis em
un1 Ecletismo que tirasse partido da justaposição e do equilíbrio das partes co1no
indícios da supre1na superioridade do presente. Para esses, a modernidade con-
sist iajustamenle e1n não se prender a uma Un ica visão de mundo n1as en1 se posi -
cionar como culininação de todas, tirando sãbio proveito apenas das vantagens de
cada u1na. Havia ainda outros que sofriam com a constatação de que a moderni -
dade não havia gerado um estilo próprio e que buscavam ativamente uma ruptura
com as formas do passado. Esse argu1nento, que foi ganhando força com
Construtdo no final da décade
refletindo a ametgamação de
valores tipica do século 19.
poz· volta de 1900. a forn1ação do Art JVouveau pode ser traçada a inúmeras fontes
no século 19. incluindo toda uma gama de historicismos e ecletismos, além da
influência imediata do Arts and Crafls e de movimentos artísticos como o Simbolis1no
e o Esteticismo (ver MADSYN, 1915) . Embora posicionando - se deliberadamente
como um esti1o internacional e moderno. as diversas manifestações doArtJVouvtau
possuíam diferenças fundamentais de um lugar para outro. atuando inclusive
co1no forças nacionalistas e anti-progressistas em alguns contextos. co1no na
França onde o novo estilo foi claramente invocado como reação à mecanização
(s1LVER.MAN, 198!>; T1sr, 1!)91: 51- sz). Embora imortali:1.ado pelo virtuosismo artesanal
e artístico de alguns dos seus maio1·es expoentes - tais quais Aubrey Beardsley
e Charles Rennie Mackintosh na Grã-Bretanha: Victor Horta e Henry van de
Velde na Bélgica; Eugene Grasse<. Paul Berthon. René Lalique. Emile Gallé
88 e Louis Majorelle na França; Josef Maria Olbrich. Ótto Wagner e Gustav Klimt
na Ãustria; Alphonse Maria Mucha na Tchecoeslováquia; Antoni Caudi na
Espanha; Louis Comfort Tiffany e William Bradley nos Estados Unidos -
o Art 1''ouLttau acabou por se tornar o p1·imeiro estilo divulgado em escala 1naciça.
suscitando u1na reprodução industrial intensiva das suas formas e1n artigos de
todos as espécies. Porém. a própria validade do nome para desc1·ever mani -
festações tão variadas vem sendo questionada na literatu1·a recente. em prol de
uma avaliação mais híbrida (ver HOWARD. 1991;).
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prática. Na de baixo,
caracteristicamente
p6s·moderno de citação
e montagem de
fragmentos visuais.
l/MOI. l"ITaOO'-IÇÂO 4 lllt•àalA DO DEJIO"'
An6n<lo da revish:
92
que C.'(Cl'CCU o seu oficio (11MA, 1%3: Ili, 1070- IO'Z•; COTltU.I, 1985). As década\ de 1910
a 1930 fora m um per1odo de efervescênci a da área editorial no Brasil. gerando
uma ~er1e de grande~ nome~ da ilus1nçào como K.Lix10. Guc,·ara. Raul e Frni.
Outro exemplo pouco conhecido do> no'º' padrões de apttsentaçào grafica
C a revi)ta A i\lafà. eduada por Humberto de Campos, a qual circulou enu~ 19'22
e 1929 corn uma ousada diag1·amação. que mistura texto e imagem de modo
94 1
FRANCIS QUINHO 1
-.r-
6
Pj1ln1 dt 1bertura da revl511i
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A /lfo(a, edlçio de i4 de
outubro de 1922. Editada por
PREVl~Ot..•
HumMno d• Campos. HSI
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N o s I
~'~~ GUI L I IERME :õi ALMEIDA
•
ge1-encial e n1ercadológico. Mais do que qualquer outro individuo. Ford foi respon-
sável pela propagação de um modelo socioeconômico em que a produção em massa
estimula o consumo e1n massa. o qual se torna. por sua vez, a força motriz para
a reestruturação e expansão contínua de toda a sociedade. Levando ao seu limite
a lógica produtiva e organizacional da fábrica, Ford demonstrou o potencial explo-
sivo de uma organização social inteiramente l'acionali1.ada, padronizada e homo-
geneizada, em que o aumento do poder de compra garantiria a adesão voluntária
de cada um dos seus me1nbros. A visão de mundo que ele ajudou a gerar - u1n
misto de ditadura benévola da indústria combinada com tima democratização radi-
cal do consumo - está tão próxima do ideal de boa parte do mundo no século 20
que, mesmo hoje quando o paradigma produtivo no qual se baseava está lal'ga-
mente superado, continua a ser extre1na1nente difícil in1aginar a vida após o pacto
social fordista entre governo. indústria e trabalhadores. Portanto. o termo fordismo 1O1
se 1-efere não somente a u1n sistema de fabricação mas também a todo um modelo
de gerenciamento do trabalho. da indústria e, em Ultima instância. do consumo
e da p1·ópria sociedade.
E1nbora seja e.xtrernarnente densa e cornplexa a história da Ford Motor Company
e rica e1n fontes docun1entais sobre a evolução do seu processo produtivo, existe
u1na tentação muito grande de reduzi - la a uma série de nUmeros e estatísticas.
Não é à toa, po is os números são impressionantes. Quando Henry Ford assu1niu
o controle acionário total em r907, a p1·odução da e1npresa não era muito diferente
de outros fabricantes de autornóveis de preço médio. como a Oldsmobile. O auto-
móvel ainda era um bem de consu1no fora do alcance da maio tia da população
e, por conseguinte, a sua produção era modesta. Em 1908. o ano de introdução do
famoso Modelo T. a Ford vendeu menos de seis mil veieulos desse modelo. No ano
segui me. foram produzidos 13.840 veículos Modelo Ta um preço de USS950 por
unidade. Os próximos sete anos viram um aumento vertiginoso da produção e um
declínio constante dos custos e. em 1916, foram fab1·icados 585.388 veículos
Modelo T vendidos a um preço uniLário de USS360. Em nove anos, portanto.
a produção de automóveis au1nentou 85 vezes enquanto o preço por unidade dimi-
nuiu duas vezes e meia, aproxirnadamente. É in1portante notar que essa escalada da
produção foi muito mais dramática entre 1908 e 1912 (doze vezes) do que entre
1912 e 1916 (sete vezes), sendo que a primeira linha de montagem foi implantada
just.an1entc em 1913 (ttôUNSHELL. 19'8•: '2'2•). A linha de montagern é apenas u1na parte
da escalada de produção, da 1nesma for1na que esta última é apenas u1na pa1·te da
1 U M A IN T a O O UÇÀO ~ lfl$T Ó lllA 0 0 DISI C S
história mais ampla do fordisn10. Não se deve perder de vista. contudo, o grande
feito da Ford nesse período. Pela aplicação de novas tecnologias e métodos de fab.-i -
caçào. ela de1nonstrou que era possivel produzir 1nais barato .sem sacrificar a quali-
dade do produto e. po1· conseguinte. ganhar cada vez mais cobrando cada vez
1nenos. Assim nascia a ideologia do consu1no de massa, contrariando a vivência do
consumidor industrial do século 19, o qual estava acostu1nado a pagar mais para ter
o 1nelhor. É evidente. cm retrospecto. que essa revoluç..1.o não seria permanente,
pois a oportunidade de co1nprar urn produto bom, bonito e ba1·ato permanece,
h istoricamente. mais uma exceção do que uma regra . Ainda hoje. vale o ditado :
·você tem o que você paga'.
A introdução do Modelo T representou a ctistaliz.ação do sonho de Ford
de fabricar uni automóvel simples e durável a preços acessíveis para um público
102 consum idor amp1o . A idéia de produzir um carro para as massas estava no ar nos
Estados Unidos na dêcada de 1900 e Ford resolveu investir uma grande quantidade
de ten1po. dinheiro e 1não- dc - obra para atingir este objetivo. Contratou os
melhores engenheiros 1necãni<:os que conseguiu obter. vários dos quais trouxeram
para o projeto a sua experiência com o desenvolvimento de peças padronizadas
e máquinas- ferramentas de precisão em outras indústrias. O chamado sistema
americano. discutido no capítulo dois. tinha- se desenvolvido muito desde o seu
Modelo T da Ford: mais do que início nos ar:scnais da Nova Inglaterra. lrnportantes
um simples c.arro. o símbolo avanços técnicos foram r·ealizados ao longo da segunda
deflnltlvo da chegada da metade do século 19 e1n indústrias como as de máqu inas
sociedade de massa. de costura. de máquinas de escrever. de bicicletas e de
maquinismos agrícolas - no tadamente, no caso desta últi ma, na fa1nosa fábrica
McCormick em C hicago (ver HOVNSHEl.L, 19'&-t: 1s3 216). Após mais de meio século de
00
experiências e m elho r ias continuas. a p recisão das mãquinas- fer ramcntas e a padro-
n ização de peças havial'n atingido u1n patamar de excelência bastante elevado nos
Estados Unidos. A For d foi a prin1eira empresa a reunir todos esses avanços e apHcá-
los de modo sistemâtico na sua li nha de produção, o que ocorreu ein etapas gradati-
vas sob a supervisão dos su perintendentes de fãb rica P. E. Martin e Charles Sorcnsen .
Através da elabo1·açào de máq uinas-ferra mentas extremamente precisas e de função
única - as q uais minimizavam a necessidade de mão-de-obra qualificada - a equipe
de Ma1·ti n e Sorcnsen consegu iu levar aos seus limites máximos os princípios de divi-
são e de mecan ização de tarefas preconizados desde mu ito por fíguras como Smith ,
Ure. Babbage e Taylo1· mas nunca dantes concretizados de forma tão completa . Antes
mesmo de 1913. as funções de cada operário na Ford foram sendo subdivididas 1 103
e reduzidas aos seus eleinentos essenciais. permitindo a extreina especializaç.1o de
tarefas simples e mo n ótonas q ue podiam ser repetidas incessantemente e com grande
rapidez. Nesse contexto, cons1ituiu - sc quase cm uma evolução lógica a introdução do
conceito do fluxo continuo na produção e, e1n seguida, ele uma lin ha de mon1agem
que levasse a peça ao operário, que per1nanecia fLxo no seu Juga1·. Tais linhas já
haviam sido aplicadas com sucesso parcial em algun1as indústrias desde a década de
1870. pelo menos (HOVNSHEl.L, 19'84: 2Ul-233, '240- '244 : 8ATCHELOR, 1994: 39-•s).
Por mover-se a uma velocidade constante. a linha de montagem impunha u1na
seqüência e um 1·itmo fixos de produção. eliminando a possibilidade do operário
individual atrasar qualquer etapa do trabalho e trazendo um aumento nítido de
produt ividade. No entanto. a Jinha de n1ontagen1 trouxe problemas ta1nbém.
O ritmo e a intensidade eram exaustivos. exigindo do trabalhador um nível de
esfo rço massacrante. Muitos não se adaptaram e a rotat ividade de operários na Ford
chegou a atingi r uma taxa de 380% em 1913 . ano da introdução da li nha môvcl.
Ford resolveu contra-atacar fixando ajotnada de trabalho em oito horas e aumen-
tando os salários. os quais foram elevados e1n outubro de 1913 pa1·a u1n 1ninimo de
US$2.34 por dia e depois para US$5 por dia em janeiro de 1914. Para a Ford, esse
au mento sala rial dramático ti nha uma vantagem tripla: prin1eira1nente, segurava
os melhores operários e minava a i nfluência crescente dos sindicatos; cm segundo
lugar. atraia a atenção da imprensa e do publico. divulgando o podei· e a prosperi-
dade da e1npresa; e. por último, colocava dinheiro adicional no bolso de opetârios
que se tornariam. por sua vez. consu1nidores dos auto1nôveis da própria ernpresa.
1 U1dA IN Taoouç.to;. Hl$TÓllJA ºº OtSION
104 ~.....----~------- ,~
HENRY FORD l
1
1
·MINHA ·
PHILOSOPHIA
DA INDUSTRIA
Design e nadonalismo
O vanguardismo europeu e
a Bauhaus
A prática do deslg-n
entre as guerras
A
Eutopa de 1900 a 1914 era farla ein contradições.
Por um lado. estava no seu auge a vivência burguesa do
luxo, da cultura de elite, das boas maneiras e dos nem
sempre tão bons costumes que estão subentendidos no termo Belle Epoque. Por outro
lado, a rique-ta e a propriedade não eram usufruidas por todos. Mais que nunca.
persistiam os antagonismos de classe, com os 1novimentos socialistas. comunistas
e anarquistas experi1nentando u1na ascendência crescente atê 1nes1no e1n ter1nos de
política institucional. como no caso do Partido Trabalhista britânico. o qual se
consolidava na época como expressão partidária do poder sindical. Para alé1n das
questões de classe, as mulheres também exigiam emancip~çào poHtica: o movimento
sufragista britânico ganhou destaque internacional entre 1910 e 1914. apesar do
direito ao voto sô ter sido conquistado em 1918. A Grã-Bretanha e a França conti-
nuavain prósperas e poderosas. aproveitando o monopólio sobre a exploração de
in1ensos impérios ult1·ama1·i1U1os: porén1. não havia mais como disfarçar a sua estag-
nação frente a novas potências co1110 a AJemanha e os Estados Unidos, cujos poderio
industrial e dinamismo tecnolôgico impunham um novo ritmo de competição eco ·
nôrnica internacional. Nas margens da esfera de influência européia - na Rússia.
na América Latina, no Japão ou nas colônias da Ásia e da África - era i1nenso o con-
traste entre o modelo parisiense ou londrino de modernidade e as estruturas tradi-
cionais de organiuçào social e econômica, muitas vezes quase feudais ou escravistas.
As contradições eram tantas que acabaram não encontrando solução por partes ou
pelas bordas, como de cos1ume. O próprio centro do sistema descambou para uma
grande guer·ra que, a parti1· de sua ótica. pelo menos. se configurava como mundial.
Dt,rgn t tto ri o no p r 1mt1ro tro modtrn1J l 1J. 1900- 1 9 4 5 1
Em 1845 foi criada na Suecia a Sv<nsko Slójdforeningen. um fórum para a proteção das
artes e dos oficios que serviu de modelo para organi:iações si1nilares em outros países
durante toda a segunda 1netade do século 19. Diferentemente desta última. vohada
mais para questões artesanais do que industriais. a Union Centra/e des Arts Dicoratifs foi
organizada na França em 1864 co1110 un1a associação de fabricantes interessados cm
aperfeiçoar a aplicação da arte à indústria. Com o tempo. a UCAD acabou tomando
um ru1no similar ao sistema de SQuth KensingtQn na Crà ... Bretanha, dedicando-se inais
à pro1noção de 1nuseus. de escolas e de exposições do que à indústria propriamente
dita (ver srLVERMAN. 1989: iog-111; rrsE. 1991). De modo geJ'al. essas organizações rccc ...
bcram pouco ou nenhum subsidio direto dos governos nacionais. O Estado do
século 19 ainda entendia o sucesso ou o fracasso das indústrias como u1n problema
dos industt·iais e não como uma questão de subvenção pública. Os industriais. po1·
l lO sua vez. costumavam confiar mais na sua própria capacidade de conquistar 1nercados
do que em políticas setoriais ou nacionais. co1n o resultado que a direção das orga·
nizações promoto1·as da indústria ficava freqüentemente nas mãos de pessoas envol-
vidas apenas indiretamente com o assunto.
Com a consolidação dos estados nacionais e do imperialismo europeu nas últimas
décadas do século 19. a econo1nia mundial começou a adquirir suas feições n1oder-
nas, demonstrando u111a globalização incipiente do comércio internacional e dos
ciclos financeiros. O intercâmbio econôn1ico - antes organizado de forma quase que
exclusivamente bilateral entre uma potência européia e suas colônias e. em segunda
instância. enu·e as grandes potências européias - passou a assumir u1na dimensão
inuhilateral. Assim. os blocos regionais e imperiais foram aos poucos sendo integra-
dos em u1na economia verdadeira1nente mundial (KE!>.' wooo r. LOUOHEtD, 1933: 103-104,
1G1 - 1G2). sendo a abertura dos portos brasileiros em 1808 um exemplo pioneiro dessa
1
e a educar o consumidor para exigir o cumprimento desses padrões. O nú1nero de
associados cresceu rapida1nente e a organização logo se tornou conhecida. se bem
que per1naneceu bastante limitada a sua capacidade de efetuar mudanças concretas,
em pa1·te por causa de divisões profundas entre os associados. fv{esmo assim,
o modelo foi rapidamente copiado etn outros países, dando origem a uma versão
austríaca em 1912. a uma \#rkbund suíça em 1913 e à Design and Industries Assoôation na
Grã-Bretanha em 1915. Apesar do êxito aparente do empreendimento, os primei -
ros anos de existência da i\~rkbund alemã foram marcados por e1nbates constantes
e uma série de dissensões. O mais sério desses confli1os ocorreu entre r..ifu1hesius
e o designer belga Hen1)' van de Velde. então diretor da escola de artes e oficios
de \Veilnar. por ocasião de un1a exposição da \.\~rkbund em Colônia em 1914.
Inconformado com as posições de Muthesius a favor da padronização estilística e da
112 1 subordinação da arte aos interesses industriais, van de Velde advogava a importância
da Hberdade criativa e da autonomia da arte como guardiã de valores humanos.
independenternente de questões comerciais. O debate possuía ra1nificações con1-
plexas e profundas em uma associação composta de elementos tão heterogêneos,
com representantes do meio artístico e do meio a1·tesanal, da pequena e da grande
indústria, da esquerda e da direita politicas. A eclosão da Pl'imei1·a Guerra Mundial
naquele mesmo ano aci1·1·ou os ânimos nacionalistas e postergou esse debate. até
\
mesmo porque van de Velde foi destituído do seu cargo por ser cidadão de um país
inimigo. A questão seria retomada após a guerra em outras instâncias. tornando - se
um tema central das discussões sobre design no século '20. A primeira versão da
\\hkbund alemã acabou sendo extinta em 1934, em decorrência da chegada ao poder
do Partido Nacional Socialista. mas a organização foi ressuscitada em 1947 e existe
até hoje (auRCKHARDT. 1977: 1-16; NAYLOR. 1985: •0-•6: lll:SKETT. 1986: 122-12•).
Para alguns. a verdadeira história do design se inicia com a ~\~rkbund. pois foi
a partir de suas atividades que ganhariam destaque vuhos como Peter Behrens.
o arquiteto alemão que se celcbriiou através dos seus projetos para a empresa de
eletricidade Allg.mtint Eltktr[<itlit' Gtstll«hafl. ou simplesmente AEG como é mais
conhecida, realizados a partir da sua contratação e1n 1907 (ver 1-11:sKrrr. 1986: 131-1•1).
190-221). Para quem entendia a tecnologia e a indústria coJno forças com o potencial
de gerar uma organização social mais peJ·feita, nada 1nais lúcido do que a opção por
formas e construções identificadas corno progresso industrial. Após décadas. e até
séculos. de resistência ao avanço do industrialismo por questões de sensibilidade
artística - ou seja. por achar feia e repugnante a sociedade industrial - surgia um
ideário que apresentava a máquina e as suas decottências na vida não como coisas
que precisavam ser escondidas ou suavizadas. mas como o próprio fundamento de
uma nova estética. Ao abraçarem aberta1nente as for1nas n1ecânicas. os movimentos
U M/l ll"TRODOÇÀO Ã lll STÓ tl/l DO or s 1 ç s
KL 101
ao Modernismo paull5ta de
1922. As cores empregadas -
vermelho, preto e branco -
eram comumente utilizadas por
mo
der 1 117
z 10
cla1·as, simples e despojadas: tais quais figuras geométricas eucl idianas; uma gama
reduzida de co1·es (geralmente, aiuJ. ver1nelho e amarelo): planos de cor e configu-
ração homogêneas; fontes tipográficas sem serifa, con1 um n1inimo de variação
entre caixa alta e cai.xa baixa e a quase abolição do uso de elementos de pontuação.
Pretendia-se que os significados visuais derivassem principalmente do contraste e do
equilíbrio entre massas e vultos forrnais, uma proposta relacionada intimamente
com as Lco1·ias do gestaltismo. então 1nuito ern voga. Ta1ve-L em função da tradicional
proximidade entre o meio de artes plásticas e o de artes gráficas. tais proposições
fora1n assimiladas rapidamente a partir da década de 1930. dando orige1n a lodo
um paradigma de design grãfico d ivulgado mundialmente através do Jivro influente
de Tschichold intitulado Di•N•u• !jpogrophi< ('A Nova Tipografia'). de 1928.
Curiosamente, considerando-se a rapidez com que foram assimiladas as tendências
vangual'dista.s europ~iíl\ <'ITI outras área.), e)s.tt visão do design gráfico teve urna influ-
ência 1nuito pequena no Brasil antes do final da Segunda Cucrra Mundial e :,6
foi trabalhada sistemat1ca1nente a partir da dcc.ada de 1950 na~ obras de artista~
e dc,igners ligados aos mo,'1mentos Concttto e ""eoconcrt"to.
'-=ão por acaso. ,arios dos nomes mencionado s acima ttaparccem no contexto
do en\1no do design. e principalme nte c1n conexão à Bnuhaus e/ou à escola de arte
técnica de Moscou que ílcou conhecido pela sigla Vkhutemos. a qual funcionou na
década de 1920. Pode- se argumentar que o ponto de maior influência dos movi
mento~ '~nguardis1as em matéria de dtsagn tenha sido justamente na âtta dt
ensino. o que não deixa de s.cr um ran10 1rôn1co em se con\1derand o que a maioria
dos stus integrantes procla1nava aberta1nente o horror õ ín~tnuclonalização acadê-
1nica. (Diga-se de pa\\l'lgern. aliás, que unlO certa indefinição com relação à questão
118 de e\tar dentro ou fora da academia acabou por se tornar característica do ensino
do design cm muitos pa1scs. pcrsisundo aanda hoje no Bra'\11.) Irônico ou nJo.
d1,er\3) e.$colas de arte e de~1gn surgida~ durante o período 1nodernista dt"\-em
a sua existência às atividndcs de indivíduos mais ou menos hostis à ordem h1crar-
quica comum nas in~tituições de ensino. Unl bom exemplo dessa tensão cntl'e
ímpeto' revolucionár1os e estruturas rcpre~soras pode ser encontrado nas atiVJdades
da Stootl1<hn Bouha<ü Oueralment c. ·casa
de Construção EStatar) ou. simplesmen te.
a Bauhau>. escola esiabclcc1da na cidade alemã de Weimar cm t9t9. A contradição
maniíe)ta entl'e a sua condição de instituiçüo estatal e a.s ideias libertárias da maioria
dos seu\ 1nembrosjá surte uma idéia da natu1-eza dos conílitos que marcaram e55a
escol.i durante a sua curta existência. Não resta dUvida. porem. que. em mcno~ de
quinze anos de funcioname nto. a Bauhaus cons.eguiu se transformar em principal
paradigma do ensino do design no século 20. A mitologia e o folclore gerados a par-
tir dos suas atividades são cão e..~tensos que já foram publicados algumas dla1ia'> de
livros sob1·e a institui~3o (ver. entre outros. WINGLEk, 1969: NAVLOR. 1985: Dltô)l l, 1990).
A Bauhaus foi formada atra,·és da unificação e reorganiiaçà o de duas escolas já
existentes em \V'eimar. a academia de bel.as- artes e a escola de artes e ofic1os. e sua
direção foi entregue ao JOvem arqunc10 Walter Gropius, figura ligada à ala moder-
nista dn a ..quitetu1·a olemü e ias tendências coletivistas do organização Ar~itsratftr Kunst
('Conselho dos Trabalhador es para a Arte). a qual exerceu alguma influência no
meio an1st1co aJemio logo após a Primeira Guerra ~iundial. ~iuito prova\'elinen te
a criaçlo da Bauhaus não teria sido possi,·el fora do clima extremamen te conturbado
da Alemanha no período 19t8-19t9. A derrota na guerra havia deixado um saldo de
dois rnilhões de mortos do lado alemão e ocasionado, além de rnolins e greves em
todo o pais, a renúncia do KaiseJ· e a formação de um partido comunista que pre-
gava abertamente a revolução nos inoldes soviéticos. A situação acabou levando. no
início de 1919, ã criação de uma nova república federa) com sua capital na pequena
cidade de Weimar. famosa por sua tradição literária e distante dos tumultos de
Berlim. Foi precisamente no auge dessa confusão que o governo estadual provisõrio
resolveu aceitar a proposta de Cropius para a reformulação do ensino artístico
público. proposta que havia recusado apenas 1rês anos antes (DROSTE, 191)(): 16-J9).
No 1nornento da sua formação, portanto, a Bauhaus se encontrava no centro dos
aconteci1nentos polüicos e não é surpreendente que a sua existência tenha perma -
necido corno motivo de polarização ideológica até o 1no1nento do seu fechamento
em 1933. com a chegada ao poder do pa1'lido nazista.
Do ponto de vista institucional. a Bauhaus passou por fases bastante distintas, 1 119
sob tl'ês diretores (Gropius. Hannes Meyer e Mies van der Rohe) e em três diferen-
tes cidades (\Veimar. Dcssau, Bcrlin1). A escola sempr·e foi dominada em maior ou
menor grau por um ideário socialista; inclusive. as sucessivas rnudanças de locali -
dade devem- se em grande parte a conflitos políticos nos momentos em que a auto-
1·idadc regional que financiava a escola passava às mãos de um partido antipático às
suas inclinações ideológicas. A escola buscou e1n diversas ocasiões estabelecer parce-
rias com a indústria que diminuissern a sua dependência dos cofres estatais. mas
estas foran1 ma) sucedidas de modo geraJ. Forarn ernpreendidas ao longo dos anos
várias atividades de extensão que levassem as suas iniciativas para alé1n da escola,
incluindo a publicação de livros e revistas e, ainda, um grupo de teatro. No final
de 1925, foi até formada uma pequena empl'esa, a Bauhaus CmbH. para distribui!'
os produ1os projetados na instituição. No período inicial sob a direção de Cropius
(!919-1928). a Bauhaus esteve sempre pl'eocupada em agrega,. pessoas e p,.opostas
das mais diversas tendências. Suas portas estava1n abertas para praticamente qual -
quer novidade e essa receptividade acabou atraindo de toda a Europa figuras e idéias
inovadoras relacionadas ao fazer artistico e arquitetônico. Passaram pelo corpo
docente da Bauhaus pelo rnenos dois dos principais pintores da época. o russo
Wassily Kandinsky e o alemão Paul Klee, além de outros nomes mais ou menos
conhecidos - Cunta Stolzl, He,.bert Bayer. Joost Schmidt. Johannes luen, Josef
Albers. László Moholy- Nagy, Lothar Schreyer. Lyonel Feininger, Marcel Breuer,
Marianne Brandt, Oskar Schlemmcr - das áreas de pintura. design, arquitetura,
fotografia, escultura, literatura e todas as combinações intermediárias dessas
1 U M"° l l'>' T ll O D UÇ ÀO Ã Hl$ TÓ RI"° 00 0 ( $1 0 1'1"
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Dts1g11 ~ ttorio no />" "' ' ' 'º tro fll OÔtrnu to. 1900 - J94 5
26.
ARCHITEKTUR FEBRUA R
~8~ 8H 1'4 Oí~ AUL> OES
LICHTB1 LDER
K.AFH(N \fORvE.PMUf" Bt :
Alll\ER • OLBE~:'.i e RA,JCH
VORTRAG
PROFESSOR HANS
PO.ELZIG
Cartaz de Herbert Bayer de o chamado 'alto' Modernismo que teve como preceito
1926, anunciando palestra n1áxi1no o Funcionalismo, ou seja. a idéia de que a
sobre arquitetura. for1na ideal de qualquer objeto deve ser determinada
pela sua função, atcndo · sc sempre a um vocabulário fol'1nal rigoros.a1nente deliini-
tado por uma série de convenções estéticas bastante rígidas. Boa parte dos adrnira-
dorcs da Bauhaus acabou aplicando fórrnulas prontas- como o uso normativo de
determinadas fontes tipográficas ou das cores vermelho. amarelo e azul - sem se
pl'eocupar em entender ou questionar as razões que deram Ol'igem a tais soluções.
Também contnirlando as suas raizes nos movitnentos de artes e ofícios e a sua
prática de produção 1nanual e ar1csanal. a experiência da Bauhaus acabou contri-
buindo para a eonsolldaç.ão de uma atitude de antagonisn10 dos designers com rela-
ção â arte e ao artesanato. Apesa1· de ser u1na escola cheia de artistas e artesãos - ou
talve-1: por causa disto- acabaran1 prevalecendo aquelas opiniões que buscavam legi -
tirnar o design ao afastá- lo da criatividade individual e aproximá-lo de u1na pretensa
A prática do design
entre as guerras
L
onge, muito longe. dos debates vanguardeiros, a indús-
tria passava por un1 período de rápidas e importantes
transforn1ações entre as d écadas de 1920 e 1940, q ue
exigiram uma intensificação notável do trabalho de design. Surgiam novas tecno-
logias e materiais que antes haviam sido de aplicação bastante restrita, como os plás-
ticos e o aluminio por exemplo. que tiveram seu uso generalizado em diversos 1cunos
industriais. Também se populariz.a.vam o automóvel, o avião. o cinema. o râdio
e outros eletrodomésticos. levando para a 1nassa da população hábitos que antes
haviain ficado restritos às camadas de elite ou a usuários especializados . Se é verdade
que o primeiro impacto histórico da indust ria li1..ação se fez senti r no século 19.
é igualmente j usto afirmar que os benefícios da sociedade industrial sõ se espa1ha ta1n
cm nive1 m undial e popular apõs a PJ·itneira Guerra Mundial. No Brasil. este foi u1n
pea-iodo de notável expansão do parque industrial. o que se reflete tanto nos dados
econô1nicos quanto na produção cultura]. A era do rádio. como ficou conhecida
entre nós. foi marcada pe1a ascensão de valores cuhurais que sõ puderam ser difundi -
dos e1n fu n ção de avanços tccno1ôgicos bastante especificos: po1' exemplo. a transfor-
mação da música popular em símbolo da naciona1idade só foi possível e1n u1n país do
porte e da diversidade do BrasiJ co1n a chegada do sistema eletl'omagnético de grava-
ção en1 r9'27. A existência de rádios. vitrolas e discos gerou toda uma nova cultura.
novas indústrias e abriu u1na imensa área de atuação para o design (ver l.AVS. 199s).
Aco1npanhando as capas de d iscos. o cinema não somente consti tuiu um foco
importante para a produção de peças de design gráfico. como cartazes. mas também
ajudou a divulgar hâbitos e 1nodas que. por sua vez. gerara1n novas oportunidades
,. 1900-1945
A ~-cndJ.
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boa' c:as.-.&
e também de design.
126
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MARY MAC AVOY
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BENJAMIM SILVA
BENJAMIM SILVA
ESCADA DA VIDA
PREFACIO
ATTI LIO VI VACQUA
DE
'
RIO DE JANEIRO
1 1938
PAU DAGUA
- 57-
UJ.I A 1 s1aoouçlo ~ HISTÔkl/\ DO 01!$101'1
130 Cartazes de Ary Fagundes Paralela mente a esses esforços na área ed itorial. o
datando do fin al da década de design de cartazes também experimentou um novo
1930 e do inkio da de 1940. florescin1ento entre as décadas de r930 e 1940 at ravés
Essa geração de profissionais dos esforços d e cartazistas como Geraldo O rth of e Ary
do design gr,fko foi Fagundes, este último formado arq uiteto pela Escola
praticamente relegada ao Nacio nal de Belas Ar tes mas ativo pt·incipalmente na
esquecJmento com a imporlaçlo produção de cartazes. As obras de Fagundes refletem
dos modelos con.slrutivista bem as tendências modernas da época. sem se encai..
e ulmiano em décadas xarem abertamente no par adigm a modernista. Nesse
seguintes. sentido. o seu tr abalho remete aos esforços de alguns
dos grandes nomes contemporâneos do design de cartazes inler nacio nal co1no A.M.
Cassandre, E. McKnight Kauffcr e j ean Carlu (ver M<CCS, •••• , 262-269).
1 13 1
arredondadas e a falta de
arestas remetem ao
streomlfnlng do ponto de vista
plástico.
do strtoml1n1ng foi o seu poder de evocar noções de velocidade. dinamismo. eficiência
e modernidade e. ponamo. essa objeção não delX.l de ter alguma razão. Trata-
.se. porêm. de uma moda gerada a panir de criterio.s produU\'OS concretos (na área
do design de na,·es e veículos) e existem. além do mais. pelo menos duas questões
imponantes que os críticos funcionalistas ignoraram. Primeiramente. é preciso
lembrar que a capacidade de evocar idéias também faz pare< de qualquer proposta
de design: ou •cja. as funções de um objeto não podem .er 1~du1idas apenas ao seu
funcionamcnlo. Em segundo lugar. a aplicação a objcto5 estáticos das for1nas associ-
adas ao strf!a111l1n1ng possui ta1nbén1justificativas de ordem técnica. A eliminação de
arestas e for1na.s angulares é extremamente adequada. por exemplo, à 1noldagem
de plásticos característicos da época como a baquclita e a mclamina que. por serem
1 .......... raOOl'ÇA t.0" "'"''º.'" DO DtlolO ..
tcrmorr1 gidos. são qurbradi ços e de delicada rxtração do n"lolde. De rnodo aná-
logo. as formas arrt"dond adas uulazadas em 1935 pelo de>igner Raymond lo<""y
m
no célebre projeto dtl geladeira Colrhpot redu1ara m o gasto de materia1') e barateara
con sidcraveh nente o custo de produ\·à o do ílporclho . f.11.endo o uso 1nrt i~ eficiente
possivt!I da' tecnologia~ então disponn· cis para a ptcnsage m de chapas metãlicas .
Além do mais. tanto para plástico\ quanto para chapas de metal. a aplicação de
nervura\ laterais func.·1ona va ainda como um ele1nento de rt'Íorço t"!ltrutural
(11rs1oa r r. 1980: 1•s-1•': oisoTO. 1'"•: 12-33) . Portanto . o drroml1n1~cra uM,do
na
199s: 13-1•). Nesse contexto. os designers se viarn encarregados cada vez 1nais de
introduzir mudanças de natureza principaln1ente cosmética. prát ica que atingiu
o seu ápice na indústria autornobilística a1nericana entre as décadas de 1930 e 1960.
Nesse periodo. o autornóvel passou a ser visto nos Estados Unidos como u1n aces-
Sól'iO de rnocla. e un1a parcela significativa da população passou a trocar de carro
anuahnenle para acon1panha1· as tendências da nova temporada.
A questão da estil i7..a~:ão possui ramificações bastante coJnplexas (ver ooR.MtR,
1993: ss·&9) . Fcl izmen1e. é defendida por poucos a idéia de nortear o design exclusi-
vamente pelo mercado mas. do ponto de vista atual. fica igualmente difícil pregai·
a suposta pureza de un1 design que se 1nantenha alheio às exigências mercado-
lógicas. Bem ou n1al. o n1ercado prepondera na consciência dos designers de hoje
como um fator a ser levado sempre cm consideração. Alérn do inais. os rnesmos
críticos que eJnücn1 juízos condenando o s91ing de produtos como u1na prá1ica
1
Sino~Azul
1
{
1 139
A revista Sino !\{ui, uma das p1·i1neiras revistas institu- Capas da revista s;no Azul,
cionais do País. começou a circular ainda em 1927 com publicada pela Companhia
o titulo O Telephone e a partir de 1928 com o seu nome Tetef6nica Brasileira. O padrão
definitivo. Outras empresas de serviço público logo gráfico da revista supera em
seguiram o exe1nplo. como no caso da revista light que multo a média das publicações
B1·asi1 e até mes1no nos Estados Unidos, onde o modelo consumista parecia ter fi·a-
cassado. Como resposta aos probleinas do dese1nprego e da ausência generalizada de
poder de compra, os governos de vários países foram assumi ndo polít icas de empre-
endimento de obras públicas e de auxi1io popu1ar direto através de programas traba ...
lhisrns e de seguridade social. A pa1«i1· do modelo dos planos qüinqüenais na União
Soviética. em que toda a população se arregin1entava em grandes esforços para pro-
mover a prosperidade coletiva. foi ganhando força a idéia de combater as dificulda-
des econômicas através da intervenção d i reta do Estado como empregador e tendo
a infraestrutu1-a nacional como objeto de trabalho. Esse modelo foi copiado em boa
pa1·te do mundo. quase que independentemente de inclinações ideológicas. Da
Alemanha hiLlerista aos Estados Unidos sob Roosevelt. e passando evidentemente
pelo Brasil da era Vargas. o panorama político era dominado na década de 1930 por
140 1 grandes líderes populistas, que não hesitaram cm elevar o Estado ao papel de prin -
cipal agente econômico. social e cultural. No limiar da Segunda Cuel'l'a Mundial,
os grandes e1nbates ideológicos da época haviam sido essencialmente encampados
pelo Estado, assurnindo por conseguinte un1a feição nacionalista que colocava pl'o-
jeto estatal contra projeto estatal e que condicionava a continuada recuperação
econômica de cada um à destruição do modelo político alheio.
Tal conjuntura apresentou uma série de oportunidades. e também desafios.
para o campo do design. Em um clima de conílitos ideológicos intensos. de grandes
obras públicas e de culto à personalidade de líderes fortes. a propaganda politica se
configurou como uma das áreas n1ais in1portantes para a atuação do designer
(ver CLARK, l'J'J?). O período que compreende as duas guerras mundiais foi prolífico
na produção de cartazes políticos e propagandisticos, gerando projetos verdadeira-
mente antológicos do gênero como. por exemplo. aS diversas obras dos construtivis·
tas russos para o estado soviético ou. então, o Tio Sam de dedo em riste rcc1·utando
soldados arnericanos para a Primeit·a Cuerr·a, que se baseava e1n um simila1· britâ-
nico de 1914 (HOLLIS, 199• : 33, ++-s1). Nem toda peça de propaganda precisava ser
tão explícita assim; o desdobramento do aparato estatal em obras e se1viços públicos
e em órgãos de informação (como o Departamento de Imprensa e Propaganda. ou
D. l. P.. sob Getúlio Vargas) abriu toda uma frente de trabalho inédita não somente
paa·a designel's co1no tambérn para jornalistas. educadores. assistentes sociais
e outros profissionais envolvidos na trans1nissão para o grande público dessas ini-
ciativas oficiais. E1n alguns países do mundo. o design co1neçou a se transfo1·ma1·
nessa época cm um instrumento de planeja1nento estatal proprian1ente dito.
Em 1942 foi con1ratado p elo governo dos Es<ados
Un idos o designer e inventor american o Richard
Buckm inste t Fu1ler. co m o p1·opósito de colocar em
produção o seu protó tipo de casa experimental pré-
fa bricada batizada de Qymaxion (ver MtLLtR, 19?2: 33:
a reprl's.tntaçio d1
n1<1on11Jdad1. Hofe, com
a prtstnç.a de grandes
patrocinadores do setor
privado, a Unha dlvis6ria entre
proparanda polftl<a
e propa1anda comercial Rc.a
triunfante das duas guerras mundiais. Se antes de 1945jã era d ificil separar o que
era bom para os Estados Unidos do que era bom para a C~i. então essa comunhão
de interesses estratégicos só fez aumentar de gJ·au com a Segunda Guerra Mund ial,
atingindo nas décadas subseqüentes a promiscuidade total. A identi fica~:ão sempre
crescente entre governos nacionais e grandes empresas acabou por gerar um clima
em que os limites en tre a p r opaganda política e a propaganda comercial ficaram
extremamente tênues. conforme será visto no próximo capítulo. No entanto,
a expansão dessas mesmas grandes e1npresas no período pós-Cuerra para uma esfera
de atuaç..1.o mul tinacional acabou gerando um contraponto deter mi nante ao velho
nacionalismo econômico, nos moldes de uma nova vis.ão g lobal das grandes questões
comerciais e indust riais.
Os paises vencedores de modo geral. e os Estados Unidos em particular. conse-
guiram tirar das duas guerras enormes proveitos econômicos, inclui ndo um 1 143
aumento fantástico de produtividade para as indústrias envolvidas d iretamente no
fornecimento de materiais bélicos e o aniqüilamento parcial ou total dos seus prin-
cipais concorrentes estrangeiros. Entre 1945 e 1947. o grande projeto industrial do
Terceiro Reich - ofusca de Ferdinand Porsche e a fábrica Volkswagen que o p rodu ·
zia - foi oferecido em pelo 1nenos duas ocasiões para o governo b r itân ico e depois
para o governo australiano. Nas três vezes, foi recusado por não possuir potencial
comercial, o que dá uma idéia da devastação em que se encontrava a Alemanha.
e também da falta de visão de alguns especialistas (veJ· N ELSON, 1%s: 101-1os). Além
do crescimento industtia1. as guerras tan1bém propiciaram avanços espetaculares
em termos de pesquisa e desenvolvhnento tecnológico, o que i r ia gerar benefícios
concretos para o período subseqüente de relativa paz.. O final da Segunda Guerra
também marca o começo do fim dos grandes impérios europeus e a 1·eol'ganizaçào
política, econômica e i ndustria] do mundo em novas bases Jnuhinacionais. O design
teria um papel cada vez mais influente a exercer nesse admirável mundo novo mas
enfrentaria também novos dilemas êticos e ideológicos, ainda mais complexos.
C 1-\ PÍ'l'ULO 6
O design em um
mundo multinacional,
1945-1989
O deslrner e
o mundo das empreus
1 147
Swift
Companhia Sw1ft do 8ros1I S. A.
e desenvolvimentista promovida pelo governo Vargas. Após a decJ·etação do Estado
Novo e a eclosão da guerra na Europa. Getúlio anunciou em 1940 um plano qüin-
qüenal para a expansão dos sistemas ferroviário, hidroelétrico e industrial.
A Companhia do Vale do Rio Doce foi criada em 1942 para explorar as riquezas
nl.inerais do País. resultando em um aumento considerável da extração de minério
de ferro nos anos seguintes. A criação da Companhia Sidcrú1-gica Nacional foi
dcc1·ctada cm 1941 e a usina de Volta Redonda começou de fato a pl'Oduzir aço cinco
anos depois. A terceira grande iniciativa estatal - a organização da indústria petrolí-
fer·a nacional - só veio a ser realizada no segundo governo Vargas. através da campa-
nha 'o petróleo é nosso· do início da década de 1950 e a criação da Petrobrás em
1953. A mesma necessidade de suprir a falta de produtos europeus foi enfrentada
por países do mundo inteiro, enfraquecendo ainda 1nais a tradicional hegemonia
14-8 dos impérios europeus. cujo desmantelamento se daria ao longo das décadas
seguintes. O hnpeto inuhinacional dessa expansão foi tão intenso no período do
pós- Guerra que conseguiu abranger até os países derrotados em 1945. A ascensão
do Japão como uma das maiores potências económicas do mundo figura como um
dos fenômenos de maior impacto global dos últimos qua1·enta anos. trazendo no
seu bojo a afirmação de uma fortíssirna cultura de design que atingiu projeção
internacional a partir da década de 1960. através do trabalho de designers como
Yusaku Kamekura ou Kenji Ekuan e sua firma CK Design (woOOHA.M, 1991: 11+- 115;
- . --··-
-·--
receitas publicado pela Arno
Design For Business (w1-11Tf:Lt:Y, 1993: 1&). O consumis1no conseguiu gerar nos Estados
Unidos e na Europa ocidental uma espécie de democratização ampla da proprie-
dade privada e do luxo, tradicionalmente restritos a poucos cm economias basca~as
na escassez e na subsistência. Sob o regime da obsolescência. pa.ssa a existir urna
escala decrescente de posse em que o artigo ainda funcional descartado pelo pri-
meiro usuário é reaproveitado por um segundo. como no comércio de carros usa -
dos. Ao longo do tempo. isso acaba gerando u1na situação em que a maioria da
população consegue (ou pretende) ter algumas posses e, portanto, passa a se sentir
'\
incluída no projeto social coletivo .
Quando se pensa em produtos descartãveis. as primeii·as imagens que costumam
vir à cabeça são copos de plástico ou lenços de papel: 1nas a economia da obsoles-
cência atingiu ditnensões bem mais preocupantes. Com o aprofundan1ento da
152 1 Guerra Fria nos anos i950. essa lógica ultrapassou o ãmbito do consumismo indivi-
dual e passou a ditar po1íticas nacionais em escala global. Quando os futuros hislo-
riadorcs forem ana1isar a segunda metade do século '20, ce1·tamente irão destacar
o papel preponderante do armamentis1no como fator de sustentação econômica.
A fabricação de arma1nentos continua hoje a ser uma das n1aiores indústrias do
mundo e a n1aior parte dessa produção vem sendo consumida há décadas por gover-
nos nacionais. bastando olhar o orçamento anual do Pentágono para se entender
o peso da indústria militar na economia americana em particular. A corrida ar1na-
mentista e espacial entre Estados Unidos e União Soviética doininou o cenário
politico internacional entre as décadas de 1950 e i970. suscitando o setor público
a investir u·ilhões em equipamentos descartáveis por definição. pois mesmo que não
seja destruído em uso, o avanço tecnológico constante garante que nenhum arma-
mento moderno é feito para durar mu ito. É dificil imaginar um simbolo mais
poderoso do desperdício de recursos naturais do que o lançamento sem volta de u1n
foguete espacial . Considel'ando-se a importância desse setor para a manutenção da
capacidade produtiva sob o siste1na fordi.sta. caberá àqueles futuros historiadores
determinar se foram os motivos políticos que geraram as decisões econômicas. ou se
foi o contrário. Seja isso co1no for, não resta dúvida de que essa produção descartá-
vel em intensa escala conseguiu realizar durante muitas décadas a tarefa aparente-
n1ente impossível de sustentar um crescimento quase sem limites.
O d esigner e
o mundo das e mp resas
A idéia de u1n Estilo Internacional foi ganhando força aos poucos durante
a conturbada década de 1930, mas só conseguiu repercutir de maneira real mente
decisiva após a Seg<inda Guerra~ O Museu de Arte Moderna (~•o MA) de Nova Yo1·k
foi un1 veículo importante para a divulgação dessa vertente do Modernismo,
O Jt"& " t m um m11nd-0 m u lt 1not1 o nol . ' 9 4 5• 19 8 9 l)
ó - ~
principahnente através de uma série de exposições entre 193'2 e 1939. pron1ovendo < ç:
a existência de um 'Estilo Internacional" (o termo foi usado pela prilneira vez com ~ .í.Fl
\~
relação a uma exposição de arquitetura 1noderna no ~toMA) e de outra série entre
1950 e 1955 promovendo uma visão modernista do que seria Good Design ('bom
<:>
~
design'), sendo estas últimas organi:iada:> por Edgar Kaufmannj r .. então curador
~
.:..ç:
do ~to~tA para a área de design. A partir dessas exposições. os padrões do suposto .j\
woot>HAM, 1991: 1ss- 1s9; HAYWARO. 199&: 223). E1n terrnos de design gráfico. o Estilo
Internacional se manifestou principa1n1ente através da austeridade. do rigor e da
precisão associadas à chamada "escola suíça·. termo um tanto genérico uliliz.ado para
se referir aos trabalhos 1·ea1izados entre as décadas de 1920 e 1960 por designers
comoJan Tschichold, Ernst Keller, Max Bill. Adrian Frütiger, Emil Ruder. Annin
Hofmann e Josef ~1ül1er-Brockmann. que i1npusera1n definitivan1ente agrid como
parâmetro construtivo (ver Mtccs, 199-2: 334-344), En1 nível mais popular, o Estilo
Internacional tarnbém encontrou expressão 1nundial durante a década de 1950 nos
modis1nos de decoração descritos fa1nlliarmcnte no B1·asil como 'estilo pê de pa1ito'
e 'estilo Jetsons'. 1·eíletindo já uma apropriação be1n 1nenos austera dos valores for-
mais do movimento. senão de suas propostas teóricas.
De modo muito geral. a ideologia do Estilo Internacional se baseava na idéia de
que a criação de formas universa.is reduziria as desigualdades e promoveria uma
sociedade mais justa. Simplificando um pouco, alguns funcionalistas raciocinaram
que se a 1nelhor e 1nais bonita cadeira fosse também a mais eficiente e mais barata de
se fabricar. não haveria mais sentido cm produzir cadeiJ"as Jnelho1·es e outras piores.
Evidentemente. ess.a proposta tinha muito em comu1n co1n as tendências coletivistas
e comunistas então em voga. de gerar u1na sociedade igualitária pela soluç.ão
1 U MA IN T a o o u ç ;. o à Hl $ T Ó lllA O C) 01' $ 1 0 N
Não seria justo restringir aos adeptos do Estilo Internacional esse conflito entre
visões de mundo discrepan tes da pa1·te do designet e do cliente. Na verdade, u 1na
certa tensão entre valores individuais e corporativos aparece com o um tema cons-
tan te na evolução histórica do design no século 20, e principalmente n o pós-
Guel'l'a. Quando um designer se dedica ao trabalho de pr oj etar uma identidade
eJnpresarial. ele ou ela assume a tarefa de encontrar a melho r fo rma de veicular
a i1nage1n que aquela em presa pretende transmilir pa1·a o seu público interno
e externo . m as nem sempre a imagem pretendida é condiz.ente co1n os valores
reais da empl'esa. Ninguém d uvida q ue u1n bom projeto 'agrega valor' ao produto
(n o jargão dos manuais de design), e com isto pretende- se diier que o design tem
o podei' de investir os seus objetos de significados adicionais, extrínsecos e. às vezes.
até inteiramente fanlasiosos. Nesse sentido, um sim-
ples projeto de identidade corporativa não é tão dife-
rente qualitativamente de um a peça de propaganda
partidária ou ideológica. Todo projeto traduz relações
sociais e econômicas. dentre as quais estã inserida a
posição ambígua do designer como. ao 1nesmo le1npo. Uma identidade corporativa
prestador de serviços e consumidor ou usuário em pode se transformar muito ao
potencial. O p róprio papel do designer dentro da hie- longo dos anos. Aqui, um dos
rarquia empresarial também entra cm questão . Q.ue1n primeiros rótulos da tervej&
dá legitimidade a q uem? Vale a pena atentar pa ra AntarcUca, de 1889, e um
alguns exemp1os históricos específicos que ajudem a pequeno rótulo comemorativo,
elucidar melhor essas questões. ostentado pela cerveja Bohemia
Existem alguns casos de empresas que têm pautado a em i997, Este último mistura
sua identidade sobre o design cm g rau extremo ou fora e lementos políticos aos
do comum. A multinacional italiana de máquinas e comerciais, exemplifitando
equipamentos de escritório Oliveu i ê citada frcqüentc- o quão tênue é a linha que
n1ente nesse sentido, principalmente pela forma estra- divide os dois tipos de
tégica com que tem usado o design ao longo de 1nuitas propaganda.
décadas para promover uma imagem de modernidade, eficiência e esclarecimento.
Fundada em 1908, a empresa passou na década de 1930 a investir coin maior inten-
sidade em uma poHtica de design ligada especificamente aos padrões estéticos do
Modernismo e. em especial, da Bauhaus. Foram contratados nessa êpoca d iversos
designers que reformularam as peças publicitárias, o design gi·ãfico e a identidade
visual da empresa. colocando-os em conformidade com as tendências funcionalistas
que então con1eçavain a ser divu1gadas ein toda a Eui·opa pai·a u1n público inais
amplo. A preocupação da Oliveui naquele momento era de se posicionar como uma
empresa moderna e avançada - qua1idadcs percebidas como valiosas no seu segmento
UMA INYltôf>UÇ~O À HI STÓll lA 1)0 l)IE$10~
Ouu·a e1npresa que ficou notória pela atenção atribuída ao design dos seus pro•
-
dutos é a Braun, rnuhinacionaJ alemã de equipamentos eletrônicos e eletrodomésti-
cos. Entre 1960 e 1997, a identidade da empresa e de seus produtos esteve sob
responsabilidade do designer D ieter Ra1ns. Enlbora Ranl.s tenha gerado uma certa
variedade de projetos nessas quatro décadas. o design da Braun sob seu comando
está irremediavelinente associado a u1na proposta de formas despojadas, sóbrias
e pouco variadas que ficaram conhecidas pelos epítetos um tanto maldosos de 'caixa
branca' e 'caixa preta'. em ft1nçào do predomínio de cores e de invôlucros mais ou
menos homogêneos para uma série de aparelhos diferentes. O caso de Rams na
Braun é interessante, porquanto revela algumas 1nudanças hnportantes ocorridas na
percepção social do design ao longo dos úhinl.os vinte anos. Durante as décadas de
1960 e 1970. os produtos projetados por Rams eram apontados como modelos de
um design funcional. pois suas linhas austeras e tota1 ausência de detalhes ornamen -
tais pareciam iJustrar com perfeição a idéia de que a forma do objeto deve apenas
traduzir a sua função. Nessa capacidade. seus produ1os eram freqüentemente contra-
postos aos projetos de designers como Raymond Loewy para ilustrar a diferença
entre um 'bom design'. no qual a for1na surgia organicanl.ente da estrutura do apa-
relho. e uma estilização artificiosa. na qual erarn aplicadas ao objeto formas estra-
nhas ao seu funcionamento. Com a decadência do paradigma modcrn ista do final
SIEMENS
OROUESTROIAS
A S1emens, grande empresa
multinacional de equipamentos
etetrõnicos, apostava
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flO"odol 6t IOftljodoóo na estf,tica do 'móvel moderno'
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no lar brasileiro da década
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de 1950. Os conceitos de
modernidade e importação
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das elites brasileiras.
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160
Co1no se vê, a indústria de aparelhos elétricos e eletrônicos tern sido uma área
de proj:ção para o design. propiciando u1na certa celebridade a designers indivi-
duais. ~4ais um setor elnpresarial e 1n que os designer s têm conquistado u1na posi -
ção de destaque é a fabricação de mobiliário) A empresa americana Herman ~r
cons1itui - se em um dos exemplos mais conhecidos ern nível internacional. A par·tir
da década de 1930. a etnpresa passou a fabricar 1nóveis de acordo co1n os padrões
de gosto rnodernistas então en1 ascendência. iniciahnente sob a direção do
designer Cilbert Rohde e. a partir de 1944, sob George Nelson como diretor de
design. Nessa época. a Herman Miller se voltou prioritariamente pa ra o mercado
empresarial, projetando e vendendo móveis pa1·a ambientes de trabalho. No ano
de 1946. Nelson introduziu na empresa o designer Charles Eames. criador de
alguns dos ptojetos de 1nobiliário - e. en1 especial, de cadeiras - mais produzidos
e rep,.oduzidos do século ~o (ver"'ª""•"· ,,.•)lAs peças projetadas por Nelson.
Eames. sua 1nulher Ray Ea1nes. Eero Saarinen. Har1)' BetLoia e diversos ou1ros
designers para empresas con10 a Her1nan Miller e a KnolJ Associates durante
a década de 1950 contribuiran1 de n1odo poderoso para o estabelecimento de
padrões de confo,.10 e de beleza ainda hoje vigcntcs}(Chadcs Eamcs, Saarincn
e Bertoia haviam sido professo1·es da Cranbtook Academy of Art, a qual vinha se
fir1nando desde a década de 1920 corno u1n dos 1naiores centros de e-..:cclência no
ensino de design dos Estados Unidos.) E1n conjunção corn a forte influência do
design de rnôveis escandinavo, o trabalho desse grupo de designers gerou 1..una
versão nova e bastante diferenciada do Modernismo, 1nais condizente com o espí ...
rito dos Estados Unidos corno uma cultur·a dedicada à liberdade individual
e empresarial. O design americano dessa época, e1nbora clara1nente filiado ao
Modernismo europeu. evidencia un1a nítida rejeição dos ideais coletivistas sub- l61
jacentes
_., ao Funcionalismo (PvLos. 1988: 13 ..93, 1G!>; wooottA\t, 1!)!)1: 151 - 154) .
\9s padrões estéticos e empresariais alheios tiveram també1n que se1· adaptados
para a realidack. brasileira do pós-Cuetra. Distantes ainda de u1n metcado consu-
midor con1 o dina1nisn10 dos Estados Unidos en1 plena era fordista, poré1n próxi-
mos do ideário modernista que então se difundia inundo afora. uma série de
arquitetos e designers brasileiros empreenderam entre meados da década de 1940
e o início da década de 1960 importantes iniciativas voltadas para a área de desigrt
de 1nobiliário. Dentre os nomes que mais se destacaram nessa época. cabe cita1·
todo u1n grupo de profissionais ativos ern São Paulo que incluiu Ce1·aldo de
Barros. Henrique Mind1in. João Batista Vila nova Artigas. José Zanine Caldas.
Júlio Roberto Katinsky, Lina Bo Ba,.di. Michel Arnoult. Oswaldo Arthur Bratke,
Paulo Mendes da Rocha e Rino Lcvi, vários dos quais possuíam ligações com
a Faculdade de A,.qui1etu1-a e Urbanismo da Univc1·sidadc de São Paulo (FAU/USP)
ou com a Escola de Engenharia Mackenzie. No Rio de janeiro tatnbêm surgira1n
nomes fundan1entais do design de 1nobiliário brasileiro. incluindo Aida Boa1.
Bernardo Figueiredo. Joaquim Teni·eiro. Sérgio Bernardes e Sérgio Rodrigues.
' .Esses profissionais foran1 responsáveis pela abertura de diversas en1presas, lojas
e pequenas fábricas. principal1nente no Rio dejaneiro e cm São Pau lo, que busca-
vam atender a um tipo de consumidor preocupado em acompanha1· as grandes
tendências estilisticas internacionars, Dentre muitas experiências dessas. cabe des-
tacar organizações corno a Langenbach & Tenreito ~1óveis e Decorações,
a Fábrica de Móveis Z. a ~1óveis Branco e Pl·eto, a Unilabor, a tvfóveis Hobjeto
e a Oca Arqun•1ura de lnienorcs S.A. (s,"Tº" ,,.. , ., .,,.).A fecundidade de pro
po4itas de trabalho nt.)Se periodo em tomo do design de anteriores reflete um
momento de grande importância na formação do Bra.sil contemporâneo. Sob
o segundo governo Val'gas e sobjuscelino Kubitschek. o País experimentava uma
verdadeira febre de modcl'nização. de rejeição ílnunciada das tradições pa1riarcai~
e d• renovação de valores e de cosi um§ Nada mais adequado para uma naç~o que
buscava se livrar de velhos trastes da cultura e da po1ttica que trocar também
os 'elhos trastes que mobiha,õ\m as salas e os quartos de dormir das suas elites.
A dh-ersidade de projeto> cnados por essa geração dc designers brasilciros compõc
um cenãrio histórico 1mpar e. pelo seu impacto. dagno de maior in\·c-stigaçlo. No
campo gráfico. igualmente. a década dc 1950 fo1 um pcnodo de imponantn ino-
vações ligadas aos are~ 1nodernizantes que transformavam economia e sociedade.
162 1 Acompanhando n rápida evolução da indústl·in {Qnog1·üfica, por exemplo, surgiu
nessa época a atividade de design de capas de disco~. lunçando talentos exempla1·cs
como a duplaJosclito e Mafra (fotógrafo) ou o argentino Paéz Torres, praticamente
rcsponsã,eis por inaugurar este ramo no Brasil, e abrindo caminho para os grande~
nomes da década ~ante. como César G. \'illcla. autor de projeios an1ológiCOs na
Cpoca da bossa no'-a (LAv~. 1"'9: '"-126). Na indústria edttorial. a adaptação a no, os
padrões tecnológicos - cnt~ os quais. o ingresso dcfinuivo da impressão ofT~t no
cenário brasileiro - propiciou um momento de grande renovação no design de
livros e 1-evistas. A edil01'n Civil i7.açào Brasileira se afirmou nessa época como um
novo parâ1netro para a área, au·avés do trabalho de Eugênio 1lirsch . no desenho de
capas. e de Roberto Pontual. na diagramação. De modo análogo. o projeto arrojodo
da revista &nhor se con.s.tlluiu cm experiência ímpar e fcrt11. colocando cm evidência
o trabalho grãfic.:> de Carlos Scliar. Glauco Rodnguc>. ~11chd Bunon. Rcynaldo
Jardim e Bca Feuler (e"ª· na qualidade de assistente dos dou úllirnos. antes de par-
tir para Nn,41 York, onde desenvolveria carreara propr1a na revista HorJ>frS ~r).
No co1npasso dns polaucas nacionalistas e clcsenvolvimcntis1as dos governo$
acima citados - embalados por slogans como 'cinqüenta anos ern cinco' -
o design brasileiro se viu levado a gerar soluções à oltura dos grandes desafios
~oc1aise culturais da ~poca. Os designers da segunda fase 1nodernista se viram
d!"ldidos entre nacionahsmo e internacionalismo. entre tradição ancsanal e pro-
... ~-"' industriai, e os resultados foram tão diversos quanto as personalidade~
envohidas nos debate~. O exemplo de Joaquim Tenrc-1ro. talvez o mais impor-
tante designer de mó,c1s da Cpoca. pode ajudar a elucidar melhor esse ponto.
1 VM'I. l'liTaODIJÇiO .\ Hl•TÓal.\ DO O I $1GW
a presença de empresas
multinacionais no Brasil
do p6s·Guerra.
165
A025BO
060~61
A02580
080961
1 U MA I NT lt OD O ÇÀO À Hl $TÓ a l A 0 0 O t$ 1 0N
Quem ta mbém se notabilizou. poucos anos após. pelo seu trabalho na área de
identidade cor porativa foi Aloisio Magalhães. m uito provavelmen te o mais in fl u-
en te designer brasileiro do século 20. Embora tenha in iciado a sua carreira de
design 1nuito longe das preocupações e1npresariais sob consideração - no seio
do movimento O Gráfico Ainador, e n1 Recife (ver CUNHA LIMA. 1997 : 35-a1) -
1
Aloisio atingiu o ápice dos seus esforços como designer durante as décadas de 1960
e r970. gerando, entre tantas outras reallz.ações, projetos de identidade visual para
a Fundação Bienal de São Paulo, a Universidade de Brasília. Unibanco, Light.
Petrobrás, Souia Cruz e Banco Boavista, inuitos dos quais continuam en1 uso até
hoje. Além de deixar sua marca na iniciativa privada. Aloísio ajudou a moldar
a própria face pUbHca do estado através de projetos marcantes para a Casa da
Moeda (séries de cédulas de dinheiro de 1968 e 1978), para o Sesquicentenário
da Independência (!972) e para o 4 ° Centenário da Fundação da Cidade do Rio
de janeiro (1965). Através da enorme repercussão atingida pela obra deAloisio
Magalhães, o designer brasileiro flnalmentc ingressava cm um período de pleno
potencial para tealizações - e também contradições - característico do exercício
da profissão no mundo multinacional.
1 167
A tradição modernista e
o ensino do design
a relação entre visão e design . A escola logo enfrentou criado em s963 por
dificuldades e chegou a fechar em 1938. 1·eab1·indo em Alexandre Wollner.
seguida sob o uu·os nomes atê se fir1nar con10 o lnstituteofDesign em 1944 e sendo
finalmente absorvida pelo Illinois lnstítute oJTechnology em 1949 (sPARKt. ••••' 16;- m) . 1 169
Também inspirada no legado da Bauhaus e como parte dos esforços de reconstru-
ção nacional, surgiu u ma nova escola de design na cidade ale1nã de Uhn, na
Baviera. a qual se chamou Hochschultfor Gestaltung. re1netendo até no nome à última
configuração bauhausiana. Após alguns anos de preparativos. a Escola de Ulm -
co1no ficou conhecida entre nós - entrou em funciona1nento em 1953 e perma ..
neceu ativa até 1968. reun indo entre seus professores Abraham Moles, Claude
Schnaidt. Cui Bonsicpc. Hans Cugelot. Herbert Ohl. Horst Rittel. Max Bill.
Otl Aicher e Tomás Maldonado. além de receber a colaboração de visitantes ilus-
tres como Albers, Buckminster Fuller. Ea1nes. Gropius. ltlen. Mies van der Rohe
e Müller-Brock1nann. (L1ND1NCEJt. 1988: +-8).
Na sua pri1neira fase. a Escola de Ulm esteve sob a direção de Max Bill. escullor
e ex-aluno da Bauhaus. o qual buscou estabelecer uma continuidade explicita entre
a velha escola e a nova. Mesmo assi m, 8111 e seus colegas recusata1n a oferta de
C r opius de chamar a nova escola de "Bauhaus Ulm" e rejeitaram também a inclu -
são no curriculo da pintura e da escultura. distanciando-se assim das tendências
exp1·essionistas do primeiro rnolnento bauhausiano. Na verdade. embora desejasse
retomar un1a série de preocupações da sua famosa antecessora. a Escola de Uhn
pretendeu d esde o início fazê- lo de modo o riginal e inteiramente independente.
Precisamente por ainda estar muito próximo ao legado bauhausiano. o próprio
Bill acabou se chocando com as propostas de seus colegas 1naisjovens e. en1 i957.
teve que entregar a direção da escola em função de desentendimentos sobre os rumos
do ensino. Os outros mestres - sob a liderança de Aicher. Cugelot e Maldonado -
1 u .. ,. ll'lTROOUÇÀO Ã 111 $TÓ•t• 1>(> 1>rs1cs
na década de 1950.
__....~ ............. 1 17 1
ulmianas ainda detém o podei' de sutpreender pelo seu t igor metodoJõgico e tam-
bê1n por um certo a1· de atualidade, que deve 1nuito à aposta no atetn poral e no
universal como conceitos possíveis.
~1esmo após o seu fechamento, Ulin seguiu os padrões bauhausian os. pois
contin uo u a exer cer o seu fascínio em outras pa ragens. Pelo menos d uas gr an des
experiências de implanta1· o ensino fo rmal do design em pa iscs pe ri fé r icos se
inspirara1n d iretamente no modelo ulmiano : a ESDI, no Btasil. e o JVational lnstttutt
ofDesign em Ah medabad. Índia. No caso b1·asileiro, a ligação se deu através do
intercâmbio direto co1n os docentes uhnianos e do envolvimento de ex-alunos da
Escola de Ulm (Wollner. Edga1-d Decurtins e Karl Heinz Bergmiller) na criação
e co ndução da nova escola. Na verdade, n a época da fu n dação da ESDr . já se buscava
implantar o ensino sistemático do design no Brasil hã mais de uma década .
1 U.MA IN'fJIOD UÇÀO Â HISTÓlllA 1)0 DE$10S
e fec hado três anos depois. o qual contou inclusive com u1na breve colaboração de
~1ax Bill quando da sua vinda pa1·a a II Bienal de São Paulo. Durante essa proveitosa
visita. Bill tarnbêm teve ocasião de passar pelo Rio dej an ciro, onde deu o seu aval
para outro projeto importante de ensino de design, a Escola Técnica de Criação do
MAM (Museu de Arte Moderna). O plano geral para essa escola foi encomendado
subseqüentemente a Maldonado. o qual chegou a vir ao Brasil co1n Aicher para
min istrar alguns cursos breves entre 1959-1960. A escola do ~1A~t nunca vingou de
fato mas a sua experiência e os contatos lá firmados servira1n de base para a organ i-
zação da ESD I pouco te1npo depois. 1\ terceira tentativa de implantação de um cu rso
de design n o Brasil , e a primeira a se consolidar, ocorreu na Faculdade de
172 Arquitetu ra e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo). na qual foi criada em
1962 uma seqüência de Desenho Industrial co1no parte da graduação em Arquitetura.
Sob inspiração das idéias de Vilanova Artigas. o qual vinha exercendo atividades
ligadas ao design de mobiliário desde a década de r940. a FAU deu então i nicio ao
primeiro curso regular e estável de design em nível superior no Brasil (souzA, 1996:
'2-n: :o;rtt.ttvi;;R, 1'9'7: 6'2•1:;) . Todavia, oscoruatos intensos com Ulm e o longo pJ·o-
ccsso de incubação da idéia pelo grupo ligado ao ~IA~i do Rio de Janeiro acabaran1
desaguando. pouco te1npo depois. em uma oportunidade í1npar de fundar uma
faculdade dedicada excl usivan1ente ao design.
Da n1esma forma que a criação da Bauhaus teria sido quase i mpensável fo ra do
clima conturbado da República de Weimar, e em que a Escola de Vim se insere em
todo u m contexto de l'Ctonstruç.ão alemã no pós-Guerra, a fundação da ESDC tam-
bém deve m uito a circunstâncias políticas bastante peculiares. O Brasil de 1962
a 1963 encontrava-se - conforme atestaran1 eloqüentemente os aconteciJnentos
posterio1·es - e1n un1 momento crítico da sua h istória moderna. Com a renúncia
dejânio Quadros e as d ifículdades enfrentadas por joão Coulart pa1·a ser empos-
sado na pr esidCncia, o quadr o político nacional havia - se tornado altamente instá-
vel. De modo geral, continuava a vigorar o ideário desenvolvi rnentista promovido
por JK mas, diante das repetidas manifestações de vigor de un1a esquerda traba-
lh ista coJnprotnetida ideologicamente com o progresso como bandeira de Juta.
tornava-se delicada a posição das elites dirigentes. principal mente aquelas ligadas
à VON, partido hostil ao legado getulista e de o ricn t.açã.o conscr,•adora . Ao mesmo
tempo que a grande fo rça eleitoral dos udenistas residia na sua defesa de valores
Datando da fpoca da
diferente, em função de
preocupações •mblentals com
~
C NAM P ION Clll LULO$C $ . . .. ~
o qual gravi tava enl torno do casal composto do célebre arquiteto modernista
1 IJMA INTllOOUÇ-'O À 111 $TÓ • I " ºº o r $ 1(;1'o'
dejaneiro) e1n 1975. a ESDJ pel'manece hoje uma referência de inegável importân-
cia para o design brasileiro. embora ra1·amente tenha atingido uma produção con-
dizente com a expectativa que cercou sua criação.
Faz- se importante lembrar, contudo. que a linhage1n alernã do ensino do
design. tão preponderante nos relatos históricos. não foi a única. Contrastando
com o inconfundível to1n nostálgico de quem ttaça as suas origens à Bauhaus. outras
instituições e tradições rnenos notórias chegarn J"C\•igoradas ao final do século 20,
ostentando avanços notáveis e um olhar voltado firn1e1nente para o futuro. Dentre
essas. cabe dar destaque a outra escola cujas origens estão firmemente situadas no
Modernismo internacional, a já referida Cronbr()(!k Acodt"!)' ofArt. em Bloomfíeld
Hills. Michigan. Estados Unidos. Fundada no final da década de 1920 pelo
arquiteto finJandês Eliel Saarinen e tornada famosa graças à colaboração de
designers como seu filho Eero Saarinen e Charles Eames. a Cranbrook assumiu u1na 1 175
posição de liderança no ensino do design gráfico nos últimos vinte anos. principal-
mente através dos esforços da designer Katherine McCoy. Igualmente influente,
senão mais. no cenário norte-arnericano tem sido a atuação da Camegte-A1ellon
Uni•.,rsi!f (antigo Carnegie lnstitutt oJTechnolagy). Sob a direção de Donald R. Dohner
e Alexander Kostellow, a Carnegie abriu em 1935 o primeiro curso de graduação
e1n design dos Estados Unidos. O currículo desenvolvido na Carnegie sob
Kostellow e Peter Müller-Monk (Dohner saiu em 1936 para o rganiiar o curso do
Pratt fnstitut1, em Nova York) lançou as bases pa1·a o ensino do design nos Estados
Un idos e ajudou a determinar um padrão que foi disseminado e1n nível nacional
at1·avés dos esforços de um pequeno núcleo de docentes que carregara1n as suas
propostas para uma série de outras instituições. De 1nodo geral. os cursos de
design nos Estados Unidos têm insistido em uma maior autonomia com relaç..ão
à arquitetura do que na Europa. apostando desde cedo na aproximação com o tra -
balho prático da indústria e demonstrando u1n 1naiol' dinamismo em assimiJar
novas possibilidades tecnológicas. Apesar de seren1 europeus 1nuitos dos nomes
fundadores do ensino americano . é relevante notar que figuras como Kostellow,
Müller-Monk e '\Valte1· Baermann emigraram para os Estados Unidos antes da
Segunda Cuel'l'a MunQial e que era limitado o seu compromisso com as ideologias
de vanguarda que caracte1·izaram a evolução postetior do Estilo Tnternacional
(PuLOs. 1990: 16•-111). A Carnegie ainda hoje se configu1·a como um importante
pólo para o ensino do design nos Estados Unidos, co1n uma abe1·lura notável pa1·a
a interação entre design e pesquisa.
1 U M/o INTa.QOUÇÂQ i-. fll$T Ó Rl/o OC) OISl(;S
Não seria justo encerrar esta seção sem dedicar ao menos algu1nas palavras a um
outro pais que tem-se destacado historica1nente co1no uma terceira vertente para
o ensino do design. Pioneira da industrialização, do design e do seu ensino. a Crã-
Bretanha tein conseguido extrair. de um passado rico em experiências heterogêneas.
tendências bastante pecu1iarcs com relação aos outros 1nodelos citados. A velha escola
central de South Kensington, refetida no capitulo quatro . acabou por se transmutar em
R'!Yal College ofArt (RCA) em 1896. o que apenas confirmou em nome o abandono da
sua missão original de treinar designers para a indústria . 1ronicamcnte. porém. foi
a partir dessa nova configuração como escola de arte que a RCA deu inicio de fato
à. sua transformação em u1na das mais importantes escolas de design do século 20.
A partir da nomea~o de Robin Dan.,.in co1no diretor da instituição em 1948. a RCA
assumiu uma nova orientação mais voltada para as exigências industriais mas, com
176 habitual pluralis1no britânico. sen1 abrir nlào do forte perfil de educação artistica que
havia sido a sua razão de ser até então. Persistindo na proposta de educar docentes.
artistas plásticos e designers cm um mesmo contexto. a RCA foi aos poucos dando
ênfase crescente ao terceiro grupo e pautando cada vez mais a sua identidade na
relação do design com novas inídias e tecnologias. Em 1959. a escola abriu uma divi -
são dedicada ao desenho industrial. propria1nente dito. e o designer Misha B1ack
assumiu a responsabilidade por essa cátedra. Sob a liderança de Black e seu colega
Bruce Archcr. a escola passou a in,·esti1· em pesquisa avançada en1 design e engenha-
ria, o que acabou conduzindo ã formação de u1n departamento autônomo de pes-
quisa no final da década de 1960 (FRAYLINC. 1987: 128-147: FRAYLINC & CArT"ERAU.. 1996:
29-32, ss-G2) . Desde lá. a RCA tem nlantido uma postura de grande abertura para
novas frentes de pesquisa. sendo inclusive uma das primeiras faculdades de design
do mundo a oferecer programas de pós-graduação em história e teoi·ia do design.
O modelo plural da RCA tem exetcido um pequeno 1nas perceptível impacto nos
rumos do ensino do design no Brasil. Darv..in e Black atuara1n como consultores
na estruturação da ESDJ. n1as a sua influência nesse processo foi limitada.
Posteriormente. quando a Escola de Belas Artes da VFl\J (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) conseguiu após longos anos consolidai· o seu curso de desenho
industrial. no inicio da década de 1970. a RCA foi citada como exemplo a seguir, n1as
con1 poucos resultados concretos (souu, 1996: 32; TtLt:s. 1996: 16) .
E
in paralelo às transformações no ensino do design.
os meios emp1·esarial e industria] ta1nbém expcrimcn •
iaram grandes mudanças. Embora tenha-se falado
muito no presente capitulo e1n capacidade industrial e design de produto, o periodo
do pós-Guerra tambén1 foi marcado pela expansão continua e pela consolidação de
1nidias relativamente novas. con10 o cinema e o rádio. ou inteitamente novas. como
a televisão~ Com o enorme potencial econômico e cultura] que o entretenünento
passou a reprcsenta1· nas décadas de 1940 e 1950. a própria noção da naturc~a do
pl'oduto industrial foi-se alte1·anclo. Afinal. no caso de uma música ou de um filrne,
qual seria o produto da indústria? No plano mais imed iato - de fabricação, distri-
buição e vendas- pode-se dizer que o produto da indústria fonográfica dessa época
fosse o registro e1etromagnêtico mas. em outro nive], é evidente que o disco de vinil
era apenas um veículo para o verdadeiro produto: a inforn1açào. o entretenimento.
a experiência do desempenho al'tistico alheio. De forina idêntica para o cinema :
seria de um literalismo quase ilnbecil considerai' que o produto da época áurea de
Hollywood fossem as películas de filme fotográfico . É evidente que o produto que se
vendia era eminentemente imaterial: cm se pagando u1n bilhete de cinema, o que se
compl'a não é nem um pedacinho de papel e ne1n apenas o aluguel de uma poltrona
1nas. antes. o sonho, a aventura. o riso. o ro1nancejunto com esses bens imateriais,
a indústria do entretenimento passou a gerar também uma série de artigos materiais
como cartazes promocionais e capas de discos. os quais acabaram por se constituir en1
foco importantíssimo pa1·a o trabalho dos designefs·. Enessa á1·ea que se revelaram
alguns dos grandes nomes do design do pós- Guerra, como o americano Saul Bass,
1 UMA IN1a OOUÇÀO À HISTÓJllA DO Ol!SICN
Na melhor lógica pop, cada ato de contestação c rebeldia era apropriado pela mídia.
transfor1nado en1 ícone e revendido como mercadoria. tal co1no o lider guerrilheiro
Che Guevara. cuja morte deslanchou não a revolução esperada mas uma verdadeira
indústria de camis.ecas e cartazes.
Como explicar a contradição aparente da convivência harmoniosa entre contra-
cuhura e consumismo? Na verdade. o que ocorreu de modo amplo nos anos 1960
e 1970 foi não um confronto generalizado com a ptoposta do consumo em si. mas
uma mudança qualitativa no tipo de produção e de consu1no. A primeira freada do
processo de recuperação econômica do pós-Guerra veio por volta de 1957- 1958,
quando os Estados Unidos e a Europa enfrentaram um momento francamente
recessivo, com quedas nas taxas de lucro e acumulação de capital. O sí1nbolo 1nais
famoso dessa crise ficou sendo o fracasso do automóvel Edsel da Ford. o qual foi
182 lançado em n1eados de 1957 em meio a um aparato publicitário estrondoso.
Projetado para atingir o consumidor de poder aquisitivo médio. o Edsel era o maior
e mais possante C31'1'0 de produção da época e foi dotado de toda espécie de novida-
des e exageros em matéria de ornan1entaçào. Com o agravamento da ctise econô-
mica. as vendas forarn péssimas e diversos criticos aproveitaram o 1nomento para
acusar a Ford de querer vender apenas a mes1nice co1n un1a roupagem nova.
o que colocava em questão toda a cultu1·a do auton1óvel-fantasia então no seu auge
(c;ARTI>tAN, 1~: 111 - 11~) . As perdas imensas contabilizadas pela Ford nesse episõdio
representavam u1na verdade econô1nica ainda mais grave pois. com a recessão. o con-
sumo doméstico dos Estados Unidos parecia finalmen1e ter atingido o seu ponto de
saturação. Para piorar a situação, os soviéticos lançaram alguns 1neses depois o satélite
Sputn1k. assumindo a liderança na corrida espacial. o que. con1binado con1
a Revolt1ção Cubana dois anos depois. deu um ar nítido de final de festa ao boom
consumista dos anos anteriores. A partir do final da década de 1950 foi desferido
um golpe definitivo contra o paradigina industrial fordista com o surgimento dos
primeiros 1novi1nentos de defesa do consumidor nos Estados Unidos. A publicação
em 1965 do livro Unsofe ai A'!J Speed, de autoria de Ralph Nader, dent1nciando as
falhas de design e falta de segurança dos auto1nóveis americanos. deslanchou um
processo continuo de investigação e regula1nentaçào que alteraria permanentemente
a relação da indústria com o público consumidor. Diante da exigência jurídica de
que as indústrias assu1nissem a responsabilidade civil pelos danos causados por seus
produtos. tornou-se i1npraticável uma politica puramente cos1nética de design como
aquela conduzida pela CM no auge da estilização automobilística da década de 1950.
O dt11gn ""'um m~ndo m11(l1no c1on o l . 194' 5• J989
As teses de Lcvitt demoraram mais de vinte anos para ser inteiramente assimi-
ladas. mas hoje figuram como o senso comun1 do mercado. Existem. inclusive. bons
exemplos nos últünos anos de produtos que devem a sua própria existência ao reco-
nhecimento do 1narketing co1no fator determinante da produção e não apenas
co1no co1nplemento para ajudar a vender um produto já existente. Os relógios
Swatch. tão populares na década de 1980. oferecem um bom exemplo. Após sofrer
sérios baques na década de 1970 diante da popula1·ização de relógios digitais baratos
fabricados na Ásia. a indústria suíça de relógios reagiu com o lançamento em r983
do primeiro Swatch. fabricado pela empresa Eta. O Swatch é um produto que deve
o seu enor1ne sucesso a uma estratégia extremamente bem coordenada de p1·odução.
design e marketing. Do ponto de vista da sua engenharia, trata-se de um r·elógio de
quartzo simples, padronizado. fabricado com alto grau de autoJnação industrial
e tecnologia avançada que reduzem ao mínimo o nún1ero de peças e o custo de
produção. O mecanismo produzido era relativa1nente barato e de boa qualidade
mas não detinha. poz· estas razões. nenhum potencial de revolucionar o mercado de
relógios de pulso. Acrescentando a esse elemento uniforme de base uma sél'ie infin-
dável de pulseiras de plástico com cores e desenhos diferentes. vendidas a preços
acessíveis mas não ba1·atos. e posicionando o produto final con10 um acessório
185
de vida (a pos.sibilidade de usar o relógio como acessô- Com e$sa mudança do design,
rio para passa1· uma imagem temporária. combinando- combinada com uma forte
º con1 a rou pa) e de marketing (sua inserção eln un1 campanha de marketing, as
vista financeiro troe.ar de relógio coin maior freqüência ou. até mesn10, possuir
um grande número de relógios. se bem que a falta relativa de diferenciação entre
eles não estimulava esta opção. Com o S\"atch. o consumidor foi levado pela
primeira vez a encarar o objeto relógio como algo a ser consumido em quantidade
e a ser possuído simuhanean1ente em várias versões, o que acabou por afetar essa
indústria de modo decisivo.
O caso do Swatch pode ser visto por alguns como um modismo ou uma exceção
mas grandes empl'esas em diversos segmentos vêm assumindo cada vez mais a posi-
ção de que o estilo de vida do usuário e a política institucional de design deva1n
evoluir juntas. A multinacional de aparelhos eletrônicos Sony é outra empresa
citada freqüentemente para cxemp1ificar a inversão do paradigma produtivo
fordist.a . Ao invés de oferecer ao público consumidor aquilo que ele espera- ou
1és6 seja, versões formalmente diferenciadas de produtos que já existem - a Sony vem
apostando desde a década de 1960 em uma po1ítica de criação de novas funções.
e novos produtos para estas funções. através de uma colaboração estreita entre
pesquisa e111 engenharia, design e marketing. A televisão portátil, o rádio · relógio.
o Betomox (o primeiro aparelho de videocasseue a ser comercializado) e o Wolkmon
são exemplos de produtos criados não para atender a u1na de1nanda existente, já que
ninguêm concebia as suas funções antes que fossen1 criados. mas que passaran1
a gerar a sua própria demanda pela introdução de novas funções ou pelo seu redi -
mensionamento. No caso do l-\filkmon, o produto não representava nenhuma grande
novidade tccnolõgica (a não ser a redução de tamanho e peso que foi necessária para
tol'nar o gravador mais portátil). mas antes u1na opção de uso diferente para um
produto conhecido. Através de inovações essencialmente de design e marketing.
o i\&lkman inseriu o toca-fitas em um estiJo de vida bastante diverso do seu domínio
habitual até então e se transformou em sucesso absoluto de vendas. A idéia de pauta1·
o design do produto no compo1·tamento do consumidor e em outras tendências
sociais tem gerado conseqüências importantes em várias empresas. Nesse sentido.
é válido contrapor a política de design tipicamente fordista-modernista da Braun.
sob Dieter Ra1ns. à da sua concorrente Philips sob a gestão do de.signer a1nericano
Robert Blaich, o qual trabalhou como diretor de design da empresa na década de
1980. Defendendo o conceito de um 'design global', Blaich p1·omovcu ativamente
uma dcsccnti·ali>.ação do projeto de produto na Philips. Sua meta era de oferecer ao
consumidor uma maior variedade de modelos de acordo com o segmento de 1ner-
cado visado e a região de venda do produto. Para tanto, Blaich reuniu urna grande
equipe internacional de designers e deu ênfase a questões de variação na chamada
'semântica' do produto (a petcepção clara do seu uso pelo público alvo) e não a uma
padronização for1nal que desse unidade a toda a produção, como foi durante tantos
anos a política da Braun (ooRMtR, 1993: n, .u- •s. 82- 83: wtt1nt..t:v. 1993: 21 - 23) .
188
Design na periferia
que chegam ao campo com pel'spectivas ext1-emamente incel'tas. parece existit cada
vez menos pessoas co1n disposição e fôlego pa1·a tratar dessas questões de fundainen-
taJ importância. Não cabe ao p1-esente livro aprofundá-las. 1nas apenas oferecer
alguns subsídios históricos a fim de contextualizar a discussão.
Na época em que o ensino formal do design foi i1np1antado no Brasil, no inicio
da década de 1960. já datava de quase um século e meio o conílito sobre o papel
da arte aplicada à industria co1no agente de desenvolvimento econô1nico. pois
o decreto assinado por D.João V1em1816 fundando a Escola Real de Ciências,
Artes e Ofícios previa que a nova instituição foni.entasse o "progresso da agricultul'a.
minel'alogia, indústria e comércio através do estudo das Belas Artes co1n aplicação
e referência aos ofícios mecânicos" (DENIS. 1997: 1s•). A tarefa desenvolvimentista tem
continuado a ser um desafio constante para o campo do design ao longo da história
UMA lS Ta()ouÇÃO A lll liTÓ•lA DO OC$1(1S
recente brasileira, com surtos cíclicos de renovação de inte1·esse pelo 1ema a cada
geração. A criação em 1996 do Programa Brasileiro de Design (PBD) - filiado ao
Ministério da Industria, Comércio e Turismo - e de programas estaduais con-
gêneres de prornoção do design. se insel'e como a mais recente etapa dessa longa
trajetória. afirmando a continuada crença no podei· do design como elemento
estratégico capaz de agregar va.lor à produção industrial nacional. Entretanto.
ao longo dessa cvoluç.ào histórica. tem permanecido pouco claro de que maneii·a
o design iria servir de alavanca para as transformações almejadas. Tem-se falado. de
1nodo un1 tanto genêrico. em design como um instrumento para aumentar a com-
petitividade da produção nacional. principahnente ern ter1nos de expo1·tação.
Segundo os defensorC$ dessa tese. o produto brasileiro tera melhores condições de
competi1· dentro e fora do Pais se possuir uma identidade m~is marcante e1n n1atéria
192 de design. Traia-se de uma proposição bastante antiga - o mesmo argumento foi
empregado na década de 1830 pelos fabricantes de seda da odade britãnica de
Coventry para exigir o ensino público do design naquele pais e te iterado posterior·
inentc pela ~\iorkbund ale1nã e pela quase totalidade dos ouu·os órgãos nacionais
de promoção do design - mas cuja validade permanece difícil de averiguar.
O outro extre1no desse argu1nen10 1·eside na hipótese de que não adianta
o Brasil investir en1 design. por ser urn pais periférico no sis1ema econômico
mundial e cuja função dentro de uma divisão de trabalho internacional seria,
portanto. de servir con10 exportador de matérias-primas e. no lirnite. de produtos
industriais de baixa tecnologia. Trata- se tan1bém de un1a tese antiga. datando pelo
1nenos do século 19. quando muitos argumentavam que o Brasil nem deveria
tentar se industrializai· por ser um pais de vocação eminenLemente agrícola. Con1
a industrialização maciça dos úhi1nos cinqüenta anos, a tese da 'vocação agricola'
teve que ser alterada significativainente para dar conta da nova realidade. De tanta
alteração, aliás, ela acabou sofrendo uma inversão e. en1 vez de ser utilizada para
combater a industrialização, suas premissas funda1nentais foram aproveitadas por
outros seg1nentos ideológicos para promover uma intensificação da evolução
industrial. A partir da voga por teorias de sistemas 1nundiais nos estudos socio-
lógicos das décadas de 1960 e 1970. surgiu uma série de críticos propondo que
países como o Brasil não conseguiria1n passar para o chamado estãgio desenvol-
vido. porque eram mantidos propositaln1ente em uma situação de atraso industrial
e dependência tecnológica. Pai·a esses c1·iticos. a grande questão política n1undial
seria a transfe1·ência de tecnologia dos paises mais avançados para os países n1ais
atrasados. o que resultaria e 1n u1na explosão de crescin1ento destes últltnos e u1na
maior igualdade e11tre todos. A idéia da transferência de tecnologia exerceu uma
influência bastante iinportante sobre o ca1npo do design. No Brasil. onde boa
parte da produção industrial fica a cargo de empresas multinacionais. tem existido
desde muito u n1a nítida insat isfação da parte da comunidade dos designers com
a politica da maioria dessas empresas de irnportar projetos diretamente da matriz
estrangeira, o que seria uma de1nonstraçào clara da relação de dependência e 1n
ação. Se1n dúvida. essa crítica ten1 u1na validade considc1·ávcl. Porérn , confor1ne
argun1entou recentemente Cu i Bonsiepe - um dos nomes fundadores da idéia da
transferência tec no lógica no Brasil - a teoria da dependência não expl ica o fato das
empresas locais não aproveitarern 111ais intensa1nente as possibilidades de um
design nacional ou regional. Segundo ele. o problema n1ais profundo reside na
falta cultural de un1 discurso projetual adequado que fundamente a ação do design ) 93
nos países latino-americanos (eoss1fPf-. 1997: 98- 103: ver tb. ttONSJEPE. 1983).
De que modo os designers têm lidado. historicarnente. con1 essa contrad ição
entre a posição do Brasil como país periférico e o perfil cultural do design como
uma atividade 'de ponta' en1 lermos tecnológicos ou 'de vanguarda' e1n ter1nos
esLilisticos? A resposta de cada designe1· ten1 sido diferente e seria inconseqüen1e
querer reduzir a 1nultiplicidade de soluções criativas encontradas a un1a generaliza-
ção qualquer. Existem casos individuais de designers no BrasiJ <1ue tê1n conseguido
realizar os seus projetos dentro de padrões tecnológicos co1·respondentes ao exterior
e to1almente inseridos em urna linguage1n internacional ele design como. por exem-
plo. Karl lieínz Bergmiller (nas décadas de 1960 e 1970) ou josé Cados Bornancini
alusão for1nal à 1·ede de dor1nit• 1nas através de todo utn discurso se1nâl'Hico e ges-
tual sobre o jeito despojado. inforrnal e bonachão de se sentar e de se con1portar.
que se tornou \Un dos valores mais fortes da cultura brasileira no pós- Guerra.
Todavia. se a pohrona mole se anuncia brasileirissima nesse bom sentido de ser
gostosa e acolhedora. ela 1ambé1n não desrnerne a sua identidade cultural ao se
configurar corno u1n objeto de luxo. acessível apenas a uma elite econô1nica
restrita. Preocupado con1 esse problema do custo. o próprio Sérgio Rodrigues se
encarregou de projetar outros móveis mais acessíveis como a poltrona leve Kllin.
de 1973. a qual oferece n1uitos dos •Unuivos da poltrona 1nolc mas empregando
materiais 1nais baratos. co1no lona e rnadeiras rnenos nobres. Outros designers de
1nóveis. con10 Geraldo de Barros e Michel Arnoult. tarnbém exploraran1 a partir
da década de 1960 as possibilidades de se fabricar peças co1npro1netidas corn \Una
196 identidade brasilcil·a. em tern1os formais e ~c1nãnticos. 1nas passíveis de repro -
dução indu:;,trial e1n gi·ande escala. a custos menores. e essa tradição encontra a sua
continuidad~ hoje no t1·abalho de uma série de designers brasilei1·os notáveis de
urna nova geração (SANTOS. 1"s: 12s-1•s). Poré1n. n1es1no nos objetos 1nais be1n
sucedidos desse gênero. tanto do ponto ele vista projetual quanto con1ercia1. pe1·-
1nanccc no Brasil uma cnor1nc discrepância entre o custo aparente do design
e o poder de compra da gi·ande maiol'ia da população. Evideniemente. nenhum
designer individual - e nern 1nes1no o ca1npo corno urn todo -detétn o poder de
reverter ou n1es1no aherar de 1nodo fundan1ental un1 processo cultural tão a1nplo
quanto a desigualdade social. a qual exerce u1na influência negativa sobre a atuação
profissional por restringir a abertura de 1ncrcado.
No final da década de 1960 e inicio da dccada de 1970. as preocupações pre-
mentes co1n a contracultu1·a. o meio a1nbiente e a autonomia politica de paises do
charnado Ter·ceiro Mundo - muitos recérn saídos de séculos de colonialis1no -
contribuirarn para a forn1ação ele urna nova consciência ern nível n1undial do papel
do design e da tecnologia. Idéias até então pouco discutidas. como ecologia hutnana.
estratégias tecnológicas alternativas e responsabilidade social do designer. ganharan1
ampla divulgação através de bcst-scllcrs como Design For the Reol \l~rlà (1971). de Victor
Papanek. e Small Is Beautiful (t973). de E.F. Schumache1-. (este ultimo traduzido em
português como O JVtgõc10 ÉSt r Ptqut t10). O livro de Papanek marcou época no
can1po. lançando urna crítica feroz ao que o autor considerava a irrelevância cres-
cente da vis..1.o tradicional do design face aos grandes desafios hun1anos e a1nbientais
do inundo 1nodcrno. Com uma con1binaçào de e.\:Cmplos interessantes de projetos
de design ·par a o mundo 1-e.ar e argurnentos persuasivos contra o consu ln isn10
desenfreado. a espoliação ecológica e o elitismo profissional. Papanek arreba n hou
seguidores em todo o rnundo e se tornou uma ~spécic de g uru do design alternativo.
Entre o utras coisas, ele propunha que os designers voltassem a sua a1enção priori1aria-
n1ente para a solução de p roblc1nas ~ociais e q ue abrissern mão do seu narcisis1no
autoral e1n prol do bern comu1n. abrindo 1não também de seus dir eitos intelectuais
sobre projetos. O livro de Schun1acher exerceu l lln fascínio semelhante. só que em
escala ainda 1nais ampla. pois se vohava não especificamente para o design mas pa1·a
toda a questão da organ ização econõmica e 1ecnológica no m undo moderno. Uma
das suas teses mais im po1·tantes propunha o abandono da busca f1·enética pelo avanço
tecno lógico - caracteristica. segundo ele. da visão de n1undo ocidental - e a adoção
197
DESIGN FOR
THE REAL WORLD
VICTOR
PAPANEK
-
O d ttig11 ""'um mundo m ull enacional, 1945- 1989
pais.agc1n material que nos ce1·ca. nos deparamos com já foi à praia no Rio de Janeiro,
problemas de design crónicos cm áreas como trans- a embalagem dos biscoitos
20 f
fi losónco\, pode - se d i7cr portanto quC' a \Oluçào pa1·a o design na pc1·iferia reside 205
nüo c1n busca1· se aproximar elo qut e percebido como ctntro mas. antes. ern se
entr<'gJr ele \tZ para o que ele tt1n dt mai\ periférico. Colocado dr maneira mais
conC'ttll. '''ºnão está tão dis1an1c ela J>ô'içào preconizada pelo, dtftn\.Otts do
de.\1gn \OCial e da lecnologla in1er1nt"d1ario1 . pois~ nas periferia.\ da periferia que
rc.\1dem O\ 1na1orc$, de!Mlfio.s para o de,1gn.
CAPÍTULO 7
Os desafios do design
no mundo pós-moderno
P6S·modernidade e
a perda das certezas
Dc><le a d<cada de 1980. com a no1oríedade a1mgid• por deS1gncrs como o frane<'
Philippe Srnrck ou o grupo uai.ano ~femphi> (fund,do por Euore Sousa<>. <nll-c
outros). o design vern se labcl'tando da rigidc1 nor1n;u1vo' que rlominou o canlpo
durante mai~ de 1ne10 ,e,•culo.
A 1narca regisu·ada cln pó\- 1nodernidade e o plur;.11i c.rno. ou seja. a abc1·turn pan'
poMurai, "º"ª' r a to1rr.anc1a para pof>ições d1 1tergentt\. Na epoca pós- mode1-na ..J''
nJo existe 1nais a prC'ttn\ào de encontrar uma unic,1 íor1na correta de ÍaLer a\ COl\a\,
uma única so1u~3o que rt'Ol\a todos os problema\, uma unica narrat1\'a que amarrt"
todas as ponta). Tal,e.r pela primeira vez desde o in1c10 do processo de industriah1.a ·
ção. a sociedade oc1dcnt.1l C\leJa se dispondo a con\1\('T com a co1nplexidadC' C'1n \C'l
Os dtsofir>i do dts11n 110 Mll11do p6J.- m oJ~r110
de combatê - la, o que não deixa de ser (quase que por ironia) un1 progresso.
O pl'ogresso - esse valor supremo que uniu o llumin i.s1no. o Positivisnlo
e o Modernisn10. que atravessou ideologias de d ireita e de esquerda. e que se
ap1·esenta ainda como principal justificati\ra da evolução tecnológica e industrial -
hoje se encontra en1 uma posição filosófica bastante a1nbigua. O mes1no progresso
mate rial que permite que usufruamos de benefícios inegáveis co n10 a anestesia ou
a telefonia. tatnbém nos empurra cada vez mais cm direção à insuficiência do meio
ambiente para sustentar o nosso estilo de vida . O mesmo progr esso social que per-
mite finalmente que pessoas de outras co1·es. classes e gêneros usufruam dos bene-
ficios restritos há séculos a homens brancos ricos. é percebido por muilos como
um ptocesso de confusão e desagregação. suscitando toda espécie de reações de
1nedo. intolerância. fundamentalismo e ód io. J á não é mais tão fácil acreditar no
progresso e. mesmo para quem acredita ainda, f'ica claro que é preciso rcava11ar 209
qualitativamente o teor e o riuno das 1nudanças. para que não progridamos pa1·a
o an iquilamento daquilo que construin1os.
Pa1·a o design mais especificamente. a condição pós-1noderna exacerba uma série
de quesliona1nentos e conLradições que sempre estiveram latenlcs, mas cuja resolu -
ção antes era 1nenos pre1nenle. Diante das profundas Lransformações ocasionadas
pela adoção das tecno1ogias co1nputacionais, por exemplo. a distinção tradicional
ent re design g1·áfico e design de produto tende a se tornar cada vez menos relevanle.
Quando um designer é contratado para criar un1a homepageou u1n site na internet.
ele gera um objeto que não ê nem gráfico, no sentido de ser fruto de u1n processo
de impressão. e nem pr-oduto, no sentido de ser um a1·tefato tangivcl. Porém. é evi -
dente que esse objelo é tanto produto. no sentido de ser uma mercadoria, q uanto
gr áfico. no sentido de ser e1ninentemente vo1tado para a transmissão de info1·1nação
visua1; e é igualmente evidente que não deixa de ser un1 objeto de design. na acepção
mais pu1·a da palavra. Aliás, curiosan1ente, o o bjeto virtual acaba sendo gerado por
um processo muito mais a1·tcsanal que propriamente indust rial . Mesmo sendo dis-
tribuido em escala quase ilimitada e consumido por um público de massa, ele pode
ser produzido por uma única pessoa de começo a fim, o q ue subverte a divisão his-
tórica entre projeto e fabricação. Apesar disso. seria no mini1no i1npreciso. ou até
mesmo u1n pouco perverso, descrever a criação de objetos virtuais como uma espé-
cie de artesanato. Está claro que esse tipo de produção se encaixa nitidamente em
uma evolução de ordem industria) mas - e aí reside u1na enorme diferença - na
evolução de uma ordem industria) tardia .
1 \,;MA , ... TaODUÇÀO A u1,1óa1A DO Dk~tcii.
A
ininiaturiza.çào dos co1nponentes eletrônicos ao longo
da.s últimas décadas é un1 capítu]o de fundan1ental
impo1·tãncia na história da tecnologia no século 20.
Com a introdução de transistores. sem iconduton:s. circuitos integ1·ados e chips.
a relação entre forma e função. técnica e matetiais. se alterou de modo definitivo
e se tornou muito mais casual do que causal. Na era eletl'Ônica. o objeto já não
pode mais ser considerado uma unidade integral. nern do ponto de vista técnico
e muito menos do estético. mas. antes. deve se1· entendido co1no uma compilação
de códigos especializados superpostos de maneira mais ou menos livre. A partir de
u1n microprocessadol'. cuja forma aparente é tão negligivel que é praticamente
uma não forrna e cujo funcionarnento per1nanece n\isterioso para a quase totali-
dade de seus usuários. faz-se possível gerar virtualmente qualquer forma ou função
(rttACKAllA , 1988: 1s3- 1a.6). E a partir de uma linguagem binária que. de tão elemen-
tar. quase desmerece a noção de linguagem. fai- sc possível abranger todas as Hn -
guagens, todas as formas de expressão, veiculá- las e traduzi - las de um meio de
tegisu·o pata outro. com uma facilidade nunca antes imaginada. O tempo da
inco1npatibilidade de qualquer coisa com qualquer outra coisa talvez esteja prestes
a passar. conforn\e atesta urn universo sen\pre e1n expansão de filn\es e video-
games, e1n que todos os temas e tratamentos se 1nisturan1 sem nenhum co1npro-
m isso com a chamada realidade m as apenas uma preocupação crescente com
o realismo da experiência representada. Talvc-t reste apenas ao velho mundo
material deixai' de lado a sua incompatibilidade atávica e acompanhar essas u·ans-
formações no mundo da imaginação. o que não deve demorar pois. dada a opção.
1 U MA l~T•ODOÇÀO A ~11 $TÓtllt. 00 01:$10~·
ceituais se deu no campo do design gráfico. no qual por David Carso n, a revista Trlp
vem se sucedendo ao longo dos úhi1nos quinze a vinte se tornou referência no Brasil
,
anos uma série de iniciativas dedicadas explicitamente à do design gráfico pôs· moderno.
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1 U MA IN1a 0 0 UÇÂ0 ~ HI STÓ klJI. DO 0 ' $10 N
substituição dos preceitos funcionalistas do passado por uma visão eclêcica e hibrida.
sem medo de empregar e1n seus projetos a desordem, o ruido e a poluição visuais.
Sob diversos nomes. geralmenle derivados de estilos 1nusicais (p.ex .. new wave. punk,
grunge. techno). e a cargo de um grande contingente de jovens designers no mundo
inteiro. esses movimentos pós- modernos 1-eton1am as experiências iniciadas
durante a década de 1970 por alguns esplritos irrequietos como os designel'S
Wolfgang Weingart. Willi Kunz e Katherine McCoy. A partir do enorme sucesso
de nomes como Neville Brody. April C rciman e David Carson nas décadas de 1980
e c990 e da e1ninência precoce de o utros designers ainda 1nais recentes. co1neça a se
definir um n ovo paradigma estilístico no design gráfico. o qual parece ainda estar
longe de alcançar qualquer obstáculo para a sua continuada expansão. ~tais que
um mero modisrno. essa vi.são de design tem suas bases conceituais profundamente
214 ancoradas na evolução das tecnologias d igitais e nas possibilidades que estas trou.xe-
ra1n de superar li1nites tradicionais con1 J-elação à diagramação e à tipografia. Co1n
o aparecim ento de plataformas operacionais con10 os sistemas Macintosh (intro-
duzido pela Apple em 1984) e Windows (introduzido pela Microsof1 pa1·a concorrer
com o primeiro). tornou-se não so1nente possivel como simples e barato 1nanipular
fontes, espacejamento, entreli nhamento e uma sêt•ie de ouu·os elen1entos gráficos
que antes eram domínio quase exclusivo do tipógrafo profissional. Como conse•
qüência, o exercicio do design gráfico - ou pelo n1enos do seu aspecto instrumental
- foi democratizado de 1nodo radical e decisivo. processo que aparenta estai' apenas
no inicio (eu:R.tn" et ai .. 19'9ot. & 1997; F'JUEDMA.N' J'Rt'.SHMAS. 1989: 62-G5; MfCCS, 1992: •*6-41'2;
CAUDURO, 1998: 19-30; FARIAS, 1998).
Ao 1nesmo te1npo em que a popularização das tecnologias digitais injetou, sem
sombra de dúvida. uma grande dose de libei-dacle no exe,.cício do design. pode- se
argumentar que elas tambêm trouxeram no seu bojo novos 1imites para a imagina-
ção humana. Po1· mais opções que se tenha em um determinado progi·ama de CAD
(computer aided design). por exemplo. o fato de que a maioria desses programas
opera a partir de menus de comandos. significa que fica cada vez 1nais difícil pensar
em possibilidades que não constam do cardãpio oferecido. Por definição, a possibi -
lidade de prever o novo não pode e.xistir e1n un1a seqüência programada; portanto,
o risco de bitolar a excent 1·icidade criativa é constante e1n qualquer sistema opera-
cional que retira o controle instrumental do usuário, mesmo que seja para poten-
cializar de fotma exponencial a eficiência da execução. Algumas pesquisas (bastante
incipientes, deve-se dizer) sugerem até que o uso do co1nputador no processo
projetivo, apesar de aumentar o número de decisões a serem to1nadas pelo proje-
tista. pode acabar reduzindo em última análise a sua capacidade de gerar novas solu -
ções e podern resultar portanto em uma maior ho1nogeneidade em alguns aspectos
fundamentais (TttACKAR.A, 1988: 197- 207) . Não seria justo. evidentemente. culpar
à ferra menta pela falta de criat ividade do projetista; porém, a difusão quase univer-
sal e ãs vezes exclusiva de alguns poucos programas. plataformas e provedores gera
u1na situação e1n que todo cuidado é pouco para evitar um novo dogmatismo nas
formas de proceder. O velho senso de mistério e de magia d iante da folha em
branco, experiência fundadora nos relatos de tantos mestres do passado. deflnitiva-
mente não parece se t1·aduzir com a mesn1a intensidade para o espaço da tela api-
nhada de ícones e barras de ferramentas.
U1na crítica si1nilar pode ser feita com relação à internet. outra grande área de
crescimento para o design nos últi mos an os. Ao mesmo tem po que os desafios do 1 215
hipe1·texto, da navegação. da in1e1-a1ividade e da conjugação de linguagens gráficas
com o som e a imagem em movimento representa1n uma frente de trabalho de
dimensões fantásticas para o designer. boa parte da produção na área de u.vb dtsign
já começa a empregar estratégias projetivas repetitivas o u previsíveis. introduzindo
a mesmice precoce em uma prática que está longe de atingi r a sua maturidade cm
qualquer sentido. A própria metãfo1·a de 'navegar' na rede (em inglês. emprega-se
o verbo 'surfar ') remete a uma noção de desliz.al' pela superfície sem nunca se
aprofundar. o que trai a horizontalidade que tende a caracterizar a experiência
internáutica. Talvez o maior desafio para o designer envolvido com a rede seja de
encontrar soluções que resistam. por sua qualidade e densidade. a essa pr oliferação
tumorosa de informações parciais. ou seja, de conciliar um senso de disciplina
pr ojetual com a falta de projeto in trinseca à p1'ópria internet. Em 1neio à frag-
mentação tão característica e potencialmente tão enriquecedora da experiência
pós-1noderna, é ilnportante não perder de vista a busca por narrativas mais amplas
e uniflcadas. Mesmo que a universalidade seja um sonho quixotesco, os lim ites
orgânicos da vida humana sempre exigem u m retorno à essência experiencial da
n ossa hu man idade e, no dilema entre sabei· e conhecer, a própl'ia fragilidade da
natureza serve como a única e última ped ra de toque.
D esign e meio ambiente
A
crise de petróleo de 1973 - em que os países exporta-
dores desse rccu1·so impuseram um boicote aos
importadores- é apontada freqüentemente como um
nl.arco na transição do 1nodelo fordista-n1odernista para a ílexibilidade do mundo
pós-1noderno (ver HARVEY. 19a9). Trata-se, se1n dúvida. de urn conflito antológico
entre uma civilização moderna até então triunfante. que se pretendia universaliza-
do1·a no ritmo inexorável de seu avanço tccno1ógico. e outras culturas m ais ou
menos esquecidas. agrupadas e 1n locais à 1na1·gem do poderio estabelecido e arrai-
gadas e1n tradições suposta1nente ultrapassadas. Q uem observa com u1n minimo de
isenção histórica o confronto que então se processou enu·e países árabes exporta-
dores de petróleo e as grandes potências ocidentais. não pode deixar de J•econhecer
um certo gostinho de Davi e Colias na vitória dos primeiros. ainda mais coinci-
dindo eSla com a capitulação dos Es1ados Un idos no Vietnã . Todavia. a longo
prazo. o sentido político da cr·ise de petróleo teve menos a ver com uma trans-
ferência de poder do centro para a periferia do sisterna global do que com o reco-
nhecin1ento dos liJnites econôinicos da expans..1.o industrial. Pela priineii·a vez.
por volta de 1973, o meio c1npresaria) foi obrigado a reconhecer que as inatérias-
primas natu1·a is não eram inesgotáveis e q ue o seu custo estava fadado a se tornar
cada vez mais uma conside1·ação proibitiva. O pânico engend rado por essa co ns-
ciência abi·iu u1na br·echa sem precedentes para q ue a mensagem do movi mento
ambientalista se difundisse por toda a sociedade.
Apesar de datarein pelo menos do século 19 as preocupações co1n o impacto
ecológico negativo do industrialismo. foi no final da década de 1960 que
o movimento ambientalista começou a tomar as feições que hoje conhecemos.
Apar'Cceram nessa época vários livros e escritos denunciando a iminência da crise
provocada pela poluição decorrente da ace1eraçào industrial descontrolada e. como
conseqüência. fora1n criadas algumas das mais importanles enlidades voltadas pa1·a
a preservação do meio ambicn1e. como a Friends ofthe Eorth em 1969 e a Creenpeace
cm 1971. No ano de 1972. a consciência política do problema já era suficiente para
motivar a prirneira conferência mundial sobre o meio ambiente, realizada e1n
Estocoltno sob patrocínio da ONU. Curiosamente. no mo1nenlo e1n que o 1novi -
1nento ambientalista parecia estar conquistando espaço con10 força política. o inte-
resse da mídia pelo tema começou a decrescer. As graves dificuldades econômicas
do final da década de 1970. em vez de sustentare1n o interesse público pela questão
ambientalista. acabara1n empurrando a ecologia para o segundo plano das notícias.
tendência que só foi revertida e1n meados da década de 1980 quando retornou com 217
força total. A partir da segunda conferência da ONU em 1992. no Rio dcJanciro,
o movimento ambientalista tem se consolidado definitivamente do ponto de vista
instituciona1. tornando-se parte pern1anente do cenário politico mundial. O design
vem e.xer·cendo um papel discreto n1as ativo ao longo desse processo de surgi1nento
e ressurgi1nento do a1nbientalismo. O assunto entrou cedo para a pauta de discus-
sões das organizações profissionais de designer·s: já en1 1969. o ICSLD aconselhou os
designers a darem prioridade à qualidade de vida sobre a quantidade de produção.
Pelo seu envolvimento estreito co1n o processo produtivo industrial, os designers
têm demonstrado u1n nível e1evado de consciCncia com relação a questões ecológicas.
e as soluções adotadas pela categoria refletem uma boa disposição para acon1panhar
as 1•ápidas 1nudanças de pensamento cm uma área que exige un1a constante abertura
para o novo e 1nuita flexibilidade em termos de metodologia de projeto.
O ambientalismo tem passado por diversas fases na sua evolução histórica e cada
u1na destas correspondeu a u1na visão diferente de como seria um design a1nbiental,
ou eco- design como querem a1guns. A pri1neira fase do movimento esteve ligada de
forma estl'eila à contracultura da década de 1960 e advogava portanto uma rejeição
a1npla do consumisn10 moderno. O ambientalis1no da época se estrutu1·ava em
tor·no de propostas de estilos de vida alternalivos e da opção por não participar do
sistema econômico e politico vigente. O design correspondeu a essa ideologia con1
projetos que visavam subverlcr o poderio das grandes indústrias, incluindo toda
uma série de propostas do gênero 'faça-você- mesmo' . Victor Papanek. o grande
gul·u do design alternativo da década de 1970. tomou a dianteira nesse sentido ao
criar projetos de baixo custo para a fabricação caseira de uma série de produtos.
desde mesas t cadeiras até rádios. Ao publicar o~ 5tus projetos com instruções deta -
lhadas. dt busu"a impedir que qualqutr empresa pude>Se patentear e explorar as
suas idéias. o que nem sempre da..-a certo. po1.s alguns foram comcrcialiudos mesmo
a.u1m. Papanck e seus colaboradort:s conseguiram gerar ..'ârias propostas intert:ssan ...
tes. 1nclu1ndo projetos de televisores custando menos de USS10 por unidade na
época. cujo propósito era a distribuição gratuHa com fins educacionais em pai.ses
do leste da África (PAPANEK, 19s+: x1-x11. 80- 83. 22+ - 215). Na sua visão, a solução de
problc1nos ecológicos passava nccessaria1ncnte pelo l'Cdilnensionamcnto das relações
de consumo, especialmente no sentido de uma opçi.\o individual por consumit·
menos e de modo mais consciente.
Essa posição de antagonismo com rclaç.ilo ~s grandes indústrias não suscitou
218 resultados na cse<1la desejada. Embora houvc>Se casos isolados ou esporádicos cm
que um projeto de design altcrnati..·o altcrus.e padrões de consumo, C$$3.$ cxpcriCn-
c1as uvcram pouco ou nenhum impacto sobtt a grande maioria do público con.su-
mtdor. Passado o choque inicial da crise de pc1róleo, os consumidores voltaram
a 5t entttgar ao consumismo habitual. apenai com a diferença de uma prt:ocupaçlo
maior com o custo de cenas matérias- primas. cm especial o petróleo. A industr1a
auto1nobilistica, por exemplo. sentiu fortemente o aumcn10 dos preços de combus-
uveis após meados da década de 1970. o qual marcou o fim dos carros americanos
tl'adicionais e o início de uma nova el'a de cal'1°os 1nnis compactos e econômicos.
Ei,.s.a situação chegou a gerar no Brasi l u1na da~ poucas iniciativas em lal'ga escala de
rcd in1cnsionsn· o consumo para atender à.s condições vigentes de crise: o Prograrna
Pr6 -Â1cool se constitui cm interessantlssima tentativa de resolver através da tecno-
logia o grande problema da dcpendéncia sobre fon1cs de energia não rcnová»cis.
Porem, essa ação só foi possível atra..·és de um apoio es1a1al maciço. Nos países cm
qu• o Estado não pôde ou não quis exercer tal papel. foi ficando claro que os apelos
~ra n3o consumir por raz.ões de con.sc1Cnc1a teriam semptt um alcance muito
limuado. A segunda onda de prt:0cupaçõc.s com o meio ambiente. durante a década
de 1980. trouxe uma nova estrategia na forma do consumo de produtos ecológicos
ou verdes. Principalmente na Europa e na America do Norte, surgiu nessa época
um novo tipo de consumidor disposto a pagar mai$ caro para comprar produtos
menos poluentes ou fabricados de acordo co rn padrões ambientais avançados. Esse
segmento de n1ercado se demonslrou suficicn1cn1cn1e i1nportan1e pa1·a gerar um
verdadeil'O boom de produtos. embalagens. propagandas e estratégias de marke1ing
' #~·
pnra <:u1npril' funções posteriorc.'i ao seu uso inicial, alérn das já tradicionais tecno-
logias de reciclagem de ma1érias-prima.s como plásticos. 1netnis. vidro c papel.
Outra vertente importante na 1ndu~tria atualmente e a idéia do desmonte (dtsign
ford1iaucmb!J). ou seja. proJe•ar um anigo já prevendo o seu deS<:arte e facilitando
a reu11l11.açào das peças. tendência que ,·cm sunindo bons ttsuhados na indústria
automobilisuca. entre outras. Ca~ ao designer pensar cada \CL mais cm termos
do ciclo de vida do objeto projetado. gerando soluções que oumiz.e1n três fatotts:
1 1,i\IA 1s1anov1,:.\o A Ul\ló•IA DO D1:$1G"'
1mpl1mentt Implantado no
Brasil. lnfetl:zmente, de alsuns
1nos p1r1 d, 1 Indústria vem
subslltulndo o case.o
padronizado de 600 mi por
garrafinhas on,..woy e latas de
alumínio, ambos dos quais
ac1rret1m um 1umento
220 c.onsldtr6vtl no desperdício de
m1tfrl1s·prim1s e energia.
L
1·ápido e o 1nais avançado por definição. sem pel'guntar se existe necessidade real de
se manter na crista do progresso tecnológico. Em nenh uma área isso é mais evidente
que na infor mática : embo1·a a 1naioria dos proprietár ios de m icrocomputador faça
um uso mínimo dos 1·ecursos disponíveis en1 seus aparelhos. dada a oportunidade.
poucos hesitan1 e1n fazer um upgrade para um processador ainda 1nais avançado.
Independentemente da influência nefasta de ca1npanhas de 1narketi ng, não resta
dúvida de que sub · utilizamos de modo sisten1ático quase todos os apa relhos e ferra-
men tas dos quais d ispomos. o que revela u rn pouco da psicologia de desperdício que
dom ina a cultura industria) contemporânea. Eevidente que o designer não detém
o poder de reverter tendências tão profundas e tão complexas nas suas ran1ificações;
contudo . vale a pena questionar as próprias atitudes co1n relação à fo r ma de p roce-
der no trabalho e ao tipo de trabalho que se faz. Un1a das lições mais importan tes
que ficou da fase heróica do 1novbnento ambientalista é q ue as g randes soluções 1 22 1
começam em casa, o u seja. na relação cotid iana q ue cada um te1n com a sociedade
e com o ambiente que o cerca diretamente.
O designer
no mercado global
A
frase "lhink globalJy. act locolJy" ('pense em escala global.
atue em escala local') virou um dos lemas do movi -
mento ambientalista na década de 1990. Algo bem
próxilno poderia ser dito con1 relação às perspectivas profissionais do designer no
admirável mundo novo do século '21. No clima econôn1ico neo-liberal de privatiza-
ções. fusões em nome da competitividade. demissões em 1nassa e terceiriz.açào de
funções especializadas. poucos designers podem sonhar com um emprego estável
em uma grande empresa ou coin a segurança de um contl'acheque ao final do mês
e benefícios trabalhistas con10 férias e décimo-terceiro. O jovem designer jã
ingressa hoje no 1nercado de trabalho cercado por todos os lados de ameaças sobre
o futuro sombrio que o aguarda. Em mu itas faculdades. o fantasn1a do desemprego
é utilizado como uma espécie de bicho - papão, para atcrro riiar o aluno que não
quer se conforJnar às exigências dúbias de um cu 1'riculo antiqüado . Por isso,
ê importan te enfatizar q ue essas visões pessimistas se baseiam em dados parciais
e em suposições gerahnente subjetivas. sen1 rnaioJ·es funda m en tos. pelo 1nenos do
ponto de vista histórico . O design é Ul'na profissão ainda incipiente e o seu destino.
bastante imprevisível.
No Brasil. pelo menos. não há base em pirica para se falar cm recuo ou encolhi-
1nento do campo. Ao contrário, os últ imos dez anos tem testemunhado um a nítida
diversificação das possibiJidades de trabalho pal"a o designer e uma multiplicação
correspondente de instâncias de atuação profissional. O design brasi1eiro passou .
na década de 1990. de u ma atividade restrita tradicionalmente a meia dúzia de pra-
ticantes bem sucedidos. par a u m patam ar inédito de produção sobre um leque
amplo de frenles de u·abalho. Diferenlernenle de loda a longa u·ajelória histórica
tratada neste volu1ne, seria muito difícil resumir o design brasileiro da última
década a dois ou três nomes de destaque. O forte crescimento do campo desde
o final da década de 1980 trouxe a tão espe1·ada pulverização, muitos profissionais
aluando de forma discreta. e até mesmo anônima, em ál'eas tão diversas quanto
o design de produlos de ca1na. mesa e banho ou o design de fonles digitais.
Isso não quer dizer que estejamos vivendo no Jnelhor dos mundos possíveis para
o designer e muito menos que o design brasileiro não tenha mais para onde crescer.
O mercado de trabalho flexível e fragmentado que se ap1·esen1a ao profissional ini-
ciante é sern dúvida um lugar assustador. com muitas dificuldades e p1-alicamente
nenhuma garantia. mesmo para os mais talentosos. Deve-se dizer. todavia. que
também se trata de um n1ercado cheio de possibilidades, aberto por definição para
o novo e o dife.,ente. Ao contrário da situação relativamente estável de trinta anos 223
alrás, quando os Unicos clientes em potencial pa1·a o designet erarn grandes
e1npresas estatais ou multinacionais. existe hoje u1n mosaico de pequenas e micro -
empresas, associações e sociedades con1unitárias. organizações não governamen -
tais, fundações e outras entidades que nunca estivera1n tão ativas no cenário
económico nacional. Alguns designers também começam a optar por se envolver
diretamente com o comêl'cio ou outras atividades empresariais e. sem dúvida, há
muito espaço pa1·a a ampliação de nichos mercadológicos existentes e/ou para
a abertura de novos. A lição que se depreende das trajetórias dos designers brasi-
leiros que n1ais se destacaram nos últin1os anos é que não existe uma única fórmula
válida para todos: cada designer tem que enconu·a1· o seu caminho e conslruir a sua
própria identidade profissional.
Campo é o que não falta. Se existe um pais c.arenle de sistemas de organização
coletiva. de c1at·eu na difusão de informações. de planejamento estratégico da
produção. de soluções criativas para problemas aparentemente insuperáveis -
enfin1, de projeto- este pais é o Brasil. Como atividade posicionada historicamente
nas fronteiras entre a idéia e o objeto, o geral e o cspceífico, a inluição e a razão.
a arte e a ciência, a cu1lura e a tecnologia. o ambiente e o usuário. o design tem
tudo para realizai' uma contribuição importante para a construção de u1n pais
e um mundo melhores.
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,
ln dice
Aaho. Ah,~r 116 au101nó~·eis 115. 124. 132. Blake. \Villiam 68
Acadernia linperial de Belas 134 - 135 Bo Bardi. Lana 161
i-\rtes 76 design de 84. 105-106 Boal. Aida 161
acumulaç~o ílex1vcl (~gimc aviào 124. 132. 134 Bocing 146
de) 180- 181. 216 Azevedo. Francisco joão de Bons1cpe. Cui 169. 193
AEC (AJlgemt"inC's Elcktrizitau 31-32 Bordalo Pinheiro. Rafael
Ce>ellschafc) 112 44.46. 78- 79
1\goslini. Ângelo 44~46 Bornancini.José Carlos, 193
Akhcc. Ocl 169-170. 172 Babbage. Cha,.les 13. 28 Bradley. \Villian1 88
Albers.josef 119. 121. 169 Baernlann. \\'alter 175 Branco e Preto. Mõveis 161
alfabetitação (ver leuura) Banco Boavista 166-167 Br<'lndt. Marianne 119
Alves de Souia. \'1adi1nir Banco ~1u1ldial (tHRD) 153. B1'1'ltke. Oswaldo Arthur 161
174 190 B•·aun 158 - 160. 179. 187
a1nbi<":ntalismo I problemas Barros. Geraldo de 161. Bretton \Voods 153
:nnbientais (,•cr rncio- 165-166. 196 B1•eue1·. ~1arcel 9. 116.119.
antbiiente) Bass. Saul l 79 156
americann:açii.o 104 Baudelaire. Charles ·~ l 6rody. Neville 214
J-\n1a~1ica (cerveja) 157 Bauhaus 113. 118 · 123. 155. Buarque de Holanda. Sérgio
J\ntiguidade 17. 25. 69 15i. 168. 170. 172. 174- 177
Applegarth & Cowper ·~2 175 Bvcluninster f\lller. Richard
Arbciurat fur KunSl 118 Ba)'er. Herberi 116. 119. 141. 169
Archer. Bruce 176 122 Buffo•d.J.H. 51
Arch1penko. Alexandcr 169 Beocd•ley. Aubcey 88 B1.1r1on, ~iichcl 162
Archizoon\ 181 Behrens. Peter 112- 113
annamentos. fabricação de Bel Ceddes. Norman 134
(ver indústria) Belle Epoque 82. 92. 108. CAD 214
Arno 149 114 Caldas da Rainha (fãbr-ica de)
Arnouh. ~1ichcl 161. 196 Bellini. ~1ario 158 78-79
Arno\.lx, L~on 78 Belmon1e 12? Campos. li\11nberto de 9•L
arsc1iais 30 Bergnliller. Karl Heint 171. 98
Ar1 Oéco 88-92. 136 193 capas
Art Novveau 87-98. l I ·~ Bernardes. Sérgio 161 de discos 12-1. 162-163.
Aru and Crafts (Artes e Berthon. Paul 88 li9
Of;dos) 74- 76. 88. 121. Bertoia, Harry 161 de hvros 95-98. 127-
166 Bethencourt da Silva, 129. 162. 178
Ashbcc. Charles Robert 74. Franciscojoaquin1 76 Cortto 93
76 Bienal de São Paulo 167. Carlu.je<'ln 130
:issociaçôcs profissionais de 172 Carl)'lc. Thomas 68
designers. 199-200 Bm. Max 155. 169- 170. 172 Carncgie·~1~llon Univ~rsity
Austen.Jane 57 Black. ~tísha 176 175
automa~ào 28. 184 Blaich. Robert 186 Carson. David 213·214
cort•m 49-50. 84-85. 124. corportltivismo I valores design social 197-198. 205
130. 179 coq >orati,·os 18. 113. designer
Carvalho. Flávio de 11 6 156 como categoria
Ca$..'l. d:. ti.ioeda 167 Correia Oia.s. Fernando 95- profissio1lal 8-9.
Cassandre. A. t\1. ) 30 98 14- 15. 18. 25. 29.
Casulho (hvraria e cdilora) corrida espacial I 66. 222-223
98 arrnamentista 152, l82 como profissio11al liberal
Chancl. Coco 13 1 Costa. LUcio l66 18 . 57. 73. 157. 177
Chaplin. Charlc.!> 100 Covôlhã (fnbrk• de) 23 mercado de trabalho 1>ani
Chorivori. Lt 45 Cra11hrook Aeade1ny of Art o 212. 222-223
Chér<':t.julcs 51 161. 175 organizações de classe
Chcrrn;aycff & Ceismar 156 Crane. \Vaher 74 199 -200
Chwast. Sey1n our 181 Cruikshank. George 42 origens operárias do
dnema 90. 124- 126. 130. Cruz. Oswaldo 63 25. 29. 62. 177
136. 148. 179 Cubis1no 11 4 regul.-menu1çllio da
Civilização Brasileira cultura 1naterial 15 pl'ofissào 177- 178 1 233
(cdhoo·. ) 162 desigualdade .social como
Coca-cola 134. 150. 189 fator li1nitador do design
Colbert.jcan- Baptist<': 23 Oaguerrc. Louis I 48-49. 196
Coldspot 133 daguerreótipo 5 1-52 desmonte (ver reciclagem)
Cole. Hem)· 69-70. 77 Daliiel (ir1nãos) 42 Deutscher \Verkbund (,·er
Colcndgc. Samuel Ta>•lor 68 Darci {Valença Lins) 178 \\ferkbund)
Colt. Samuel 30. 33 Oarw-i n, Robin 176 O i Ca,·alcanti, Emilia110 9 1
Con1panhia Editora Oaun1ier. Honoré 42 digital 210-215
Nacional 104. 127 Oay. Uwis F. 56 distinção social. design como
Con1panhia Side1·úrg-i<:.a DeStijl 115-116 fotor de 12, 56-58. 203
Nacional 148 decalque 24 d i\'isão de tattfas / de
Companhia TC"leíônica definições de design 16 - 17, trnb•lho 17- 18. 27-28
Brasileira 138- 139 19 1 Oohner. 001\ald R. l 75
Companhia do Vale do Rio Departamento de l mprens.a Ores.ser. Christoph~r 56
Doce 148. 166 e Propagand~ - 01P Oreyfu». Hcn1)' 134
Conran Desig-1'1 Croup 156 140-141 Dyce. \\lillia1n 70
construção naval 22. 34 descartc I dcscaná,·eis 151 •
Constru1ivismo l 15- 117 152
cons1,1 1no / consu1nis1no 21, dese11volvi 1ne1H is1no I Eames. Charles 156. 160-
33. 40. 79 -83. 90. 102. desen,•olvin1ento 161. 16•. 169. 175
136-137. 1-10. 148-152. económico 78. 147- E.ames. Ray 161
181-187. 189- 190. 194. 148. 162. 166. 173. 191 - Earl. Harley 135
210. 2 18-221 192 E-detis1no 70. 86- 37
contracuhur<l 181-182. 217 Design and lndust ries ecolog-i• I eco-design (ver
copyright (~·er pate1'ltes) Assoeialion (Crã - n1eio- ambiente)
Coqueiro / Quakcr 166 Srctanha) 112 efêmeros (ver imprcnos)
corporações de ofícios (ver Dwp> fodht Rtol\l&rld 196- Ek~1an, Kcnji 148
guildas) 197 EI Lissitzk)' 116
1 U.MA ISTJtOO U ÇÀO" HISTÓ R I A ºº o r SIGN
T<'agu<'. \Va.h<'r Oor''"in 134 Unilabor 16l. 165 \Vcisst":nhof (ex-posição de)
tecnologia Union Centrale des Aru 154
e:'•oluçàoda 24-25. 31- Décor:uifs 77. 110 Werkbund 111-114. 192
33. 124. 132. 146 . univers1dadt":s 16l. 167. 172. Werkstlitten 76
174. 184. 197. 209 174. 176 \Vheeler a1\d \Vilso1\ 32-34
intt":rmediâria 198. 205 urbanismo I espaço urbano \Vhitncy. Eli 30
t1'11nsferência de 192-193 40. 58. 60-61. 93 \Vi ndows 214
tecnicismo 123. 170 Urc. Andrcw 28 \Vollner. Alexandre 166.
Trlrphont. O 139 utilidades do1nés1icas 63. 168. 171
tclev;slo 148. 179. 183-184. 149. 158- 160. 170 \Vright. Frank LIO}'d 76
186
Tenreiro.Joaquim 9. 161 -
162. 164-165. 177. 194 ,·ande Velde. Henry 88. 112
Teosofia 115 van Ooesburg. Thco 116
terceirii.açào 180. 222 Van Doren. Harold 134
1l\01\et, Michael 34-35 ,·anguardas / ,.3n~ar<lismo Z. Fábrica de ~16veis 161 239
T1co· Tlco. O 93 114- 123. 134. 194 Zanine Caldas.José 161.
Tiff.-ny, Louis Comfort 88 v.,ga.s. Getúlio 140-141. 162 194
Trntt (revista) 135 Vaz.Júlio 98 Zola. E1nile 79
T1mu. Tht' (dt": Londrt":s) 42 Vt":rsact":, Cianni 77
Tio Sam 140 \'Crnactalar 181. 200-204
tipos I tipografia 42 -43. Victoria a1\d Albert Mu.seum
154. 214 70
Tipografia Nacional 43 \'ida il1,unmtt1H 45-46
Tbppfer. Rodolphe 46 Vilano''ª Artigas. João Batista
Torre Eifft":l (\'er ex-posições 161. 172
universais) Villda.Cés>'C. 162-163
Torres. Paé2 162 Vio1let-le-Duc. Eugene 87
Total Design 156 Visconti. Eli.scu 79
trabalho I trabalhador, \'l.hule1nas 118
desqualificação e \'Ocaçào agricola (tese da)
<'Xploração do 25- 26. 32. 192
28-29. 42. 68. 71. 103. Volkswagen 1·~3
106. 177
transport<'s 40. 60. 84. 203
r,,p 213 \Vagenreld. \\filhel1n l 16
Tschichold.Jan 116 -117. \Vagner. Otto 88
155 \Valita 149
\Varcha,•chill., Crego1·i 1 l6
\Va.sth Rodrigues. J. 98
ºº" 172- 174 \Vatergate 151
Ulm / ulmiano (ver Escola de web design 215
Ulm) Wedgwood . josiah 24-25. 80
Unibanco 167 \Veingart, \Volfgang '214
ReproJuçtX1
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e no l'ontificio Uffi~ldodt Cot6tko
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