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PERIGOSAS NACIONAIS

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

COPYRIGHT © 2018
Todos os direitos reservados à Deisy Monteiro

ETTORE MONTEBELLO
APRISIONADO POR CONTRATO

Primeira Edição: 31 de outubro 2018

Revisão: João Garcia & Deisy Monteiro

Vetores: Pixabay

Este e-book ou qualquer parte dele não pode ser


reproduzido ou usado de forma alguma sem
autorização expressa, por escrito, do autor ou
editor, exceto pelo uso de citações breves em uma
resenha do e-book.
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Esta é uma obra de ficção. Todos os


personagens desta obra são fictícios. Qualquer
semelhança envolvendo pessoas mortas ou vivas,
lugares, nomes e acontecimentos, é mera
coincidência.

Esta obra segue as regras do novo acordo


ortográfico

Redes sociais da autora:

@AutoraDeisy

Para qualquer outra dúvida:

deisymonteiro@outlook.com

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SUMÁRIO

COPYRIGHT © 2018 DEISY MONTEIRO

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA

AGRADECIMENTOS

EPÍGRAFE

PRÓLOGO

CAPÍTULO 1 | Ettore

CAPÍTULO 2 | Lívia

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CAPÍTULO 4 | Lívia

CAPÍTULO 5 | Ettore

CAPÍTULO 6 | Ettore

CAPÍTULO 7 | Lívia

CAPÍTULO 8 | Ettore

CAPÍTULO 9 | Ettore

CAPÍTULO 10 | Lívia

CAPÍTULO 11 | Lívia

CAPÍTULO 12 | Lívia

CAPÍTULO 13 | Ettore

CAPÍTULO 14 | Ettore

CAPÍTULO 15 | Ettore

CAPÍTULO 16 | Lívia

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CAPÍTULO 17 | Ettore

CAPÍTULO 18 | Ettore

CAPÍTULO 19 | Lívia

CAPÍTULO 20 | Lívia

CAPÍTULO 21 | Ettore

CAPÍTULO 22 | Lívia

CAPÍTULO 23 | Lívia

CAPÍTULO 24 | Lívia

CAPÍTULO 25 | Ettore

CAPÍTULO 26 | Ettore

CAPÍTULO 27 | Ettore

CAPÍTULO 28 | Lívia

CAPÍTULO 29 | Lívia

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CAPÍTULO 30 | Lívia

CAPÍTULO 31 | Ettore

CAPÍTULO 32 | Lívia

CAPÍTULO 33 | Ingrid

CAPÍTULO 34 | Ettore

CAPÍTULO 35 | Ettore

CAPÍTULO 36 | Lívia

CAPÍTULO 37 | Ettore

CAPÍTULO 38 | Lívia

CAPÍTULO 39 | Lívia

CAPÍTULO 40 | Ettore

CAPÍTULO 41 | Lívia

CAPÍTULO 42 | Lívia

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CAPÍTULO 43 | Lívia

CAPÍTULO 44 | Lívia

CAPÍTULO 45 | Ettore

CAPÍTULO 46 | Ettore

CAPÍTULO 47 | Ettore

CAPÍTULO 48 | Lívia

CAPÍTULO 49 | Lívia

CAPÍTULO 50 | Lívia

CAPÍTULO 51 | Ettore

CAPÍTULO 52 | Lívia

CAPÍTULO 53 | Ettore

CAPÍTULO 54 | Lívia

CAPÍTULO 55 | Lívia

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CAPÍTULO 56 | Ettore

CAPÍTULO 57 | Lívia

CAPÍTULO 58 | Lívia

CAPÍTULO 59 | Ettore

CAPÍTULO 60 | Ettore

CAPÍTULO 61 | Ettore

CAPÍTULO 62 | Lívia

CAPÍTULO 63 | Lívia

CAPÍTULO 64 | Ettore

CAPÍTULO 65 | Ettore

CAPÍTULO 66 | Ettore

CAPÍTULO 67| Ettore

CAPÍTULO 68| Lívia

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EPÍLOGO | Amora

PRESENTE PARA VOCÊ!

SOBRE A AUTORA

COMO POSSO SER SALVO?

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DEDICATÓRIA

Deus, acima de todas as coisas,

Lívia por me deixar usá-la.

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AGRADECIMENTOS

Sempre quando escrevo, penso em você que


está lendo isso agora. Sei que há tanta gente boa
que escreve livros maravilhosos por aí e que há
tantas possibilidades do que fazer com seu tempo,
que me sinto privilegiada por tê-l@ como leitor.

Eu me importo – MUITÂO – com o que você,


do outro lado da tela, em frente ao monitor vai
sentir. Por que não somos robôs ou máquinas, mas
seres humanos que sentem tudo das mais variadas
formas.

Por isso, tenho que agradecer por me


acompanhar em mais esta jornada. Por me
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acompanhar com seu precioso tempo e sempre me


brindarem com um comentário, um voto, um e-
mail. Você não imagina o quanto de vezes que eu já
quis desistir desse mundo, até estava me afastando,
mas você e seu amor pelos meus bebês me arrastou
de volta.

Mesmo que isso aqui pareça mera formalidade,


não é, eu realmente amo e sou apaixonada por você
que está lendo. Seria um trabalho absurdo
agradecer a cada um aqui de uma forma única e,
como sou meio biruta, eu acabaria esquecendo de
alguém e não quero deixar ninguém chateado.
Então, eu agradeço a você que está comigo aqui.
Que está comigo nessa jornada e que se apaixonou
por Barone e agora vai se apaixonar por Ettore
comigo.

Meus mais sinceros agradecimentos e espero


que anseie por Paola e deixe um lugar reservado na
sua biblioteca por que vou fazer a megera padecer.

Tenho sorte em ter-te como leitor real ou


potencial.

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Se quiser, pode mandar sua crítica, sugestão,


contribuição, sempre, sua opinião é muito
importante.

Meu sincero muito obrigada,

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prólogo

Ela é o fogo que poderia derreter seu coração


gélido, mas, fazendo isso, ela poderia começar uma
guerra para a qual ninguém estava preparado.

Autor Desconhecido

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CAPÍTULO 1 | Ettore

Só tinha uma maneira de todo mundo sair vivo


do bar essa noite – se eu ganhasse meu maldito
dinheiro de volta. Os bastardos que dividiam a
mesa de apostas comigo estavam tão embriagados
que não conseguiam nem se manter de pé, mesmo
assim a sorte deles não parecia estar mudando tão
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rapidamente.

Essa era uma de minhas estratégias para minhas


apostas. Deixar que os meus oponentes tirassem
tanto dinheiro um dos outros e depois me
concentrar para derrubar aquele que tinha mais.
Afinal de contas, blefar para todos estava fora de
cogitação, era necessário concentrar-se no oponente
mais forte. Ainda mais quando entrei na rodada
apenas com minha palavra, já que não tinha
nenhum centavo.

Então perder não estava nos meus planos.

A mesa de apostas tinha sido colocada no meio


do bar e cinco caras, contando comigo, queriam o
dinheiro que estava empilhado no centro dela.

— Vamos, Ettore! Pare de atrasar todo mundo e


decida o que vai fazer! – Pietro, um dos caras que
estavam na mesa, o único que ainda parecia lúcido,
pois não estava bebendo, provocou.

Eu tinha um dois e um seis. Uma das piores


mãos no Texas Hold’em poker. Acho que a quinta
pior. Uma mão que perde nove em dez vezes.
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Estava blefando mais do que a mãe de um bastardo


pedindo pensão.

— Foda-se, Pietro. – Faz parte do blefe xingar


compulsivamente, pelo menos do meu – Preocupe-
se com teu jogo e deixa a porra do meu de mão.

Tomei um gole de cerveja quente e peguei o


charuto que tinham me dado assim que sentei à
mesa e o coloquei na boca, fingindo que estava
fumando. Odiava charutos, odiava todas as
lembranças que carregavam consigo.

— Pelo que te conheço, Ettore, – Pietro


continuou insistindo numa briga da qual eu não ia
fugir – está blefando.

— E pelo que te conheço quer ser minha


namorada. – Disse enquanto recebi outra carta da
mesa: um quatro. O que eu ia fazer com a porra de
um quatro? Mesmo que eu conseguisse as duas
outras cartas para fazer uma combinação, quais as
chances de não terem uma combinação melhor que
a minha.

— Eu cubro e aumento em cinquenta. – Leo


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disse, e mesmo que estivesse embriagado, eu sabia


que era excelente no jogo e era conhecido por
destruir mesas mesmo quando beirava o coma
alcóolico.

— Passo... – ouvi duas vozes na mesa


desistindo da rodada.

— Eu cubro e aumento em cem. – Blefei outra


vez com um sorriso no rosto e uma falsa confiança.

— Eu aumento em duzentos. – Pietro ameaçou


e eu analisei a aposta. Se eu cobrisse agora, teria
que mostrar minha mão, perderia, por que só
restamos os dois na mesa aptos a lancearem e não
ia ter como pagar.

Estudei minhas alternativas friamente até


perceber que não teria como sair disso agora.

— Quer saber, já estou cansado disso. – Pietro


disse se levantando e praticamente saltando sobre a
mesa enquanto olhava para meu rosto furioso –
Mostre a porra do dinheiro, Ettore.

— Vai querer cobrar mais cedo? – Disse


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ignorando sua ameaça. Olhei rapidamente para o


bar e contei quantos eu teria que colocar para
dormir caso viessem para cima de mim com
qualquer gracinha. O número era pequeno, todos
sabiam do que eu era capaz de fazer.

— A porra do dinheiro. – O homem disse


enquanto andou em minha direção me pegando
pelo colarinho. Ele não era mais alto que eu, nem
mais forte, mas era corajoso. Só por isso, ia lhe
respeitar bastante enquanto quebrava sua cara.

— Acho melhor não fazer isso. – Disse


enquanto vi seu punho se fechando no ar. Dois de
seus amigos se aproximaram para revirar meus
bolsos e minha carteira foi jogada no chão aberta.

— Então estava mentindo o maldito tempo


inteiro, bastardo? – Pietro esbravejou e eu não
podia achar mais risível sua ira. – Quero meu
dinheiro.

Eu tinha prometido que não entraria em brigas


por algum tempo, mas eles não estavam me
ajudando a manter minha promessa.

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— Por que não me solta e eu penso numa forma


menos dolorosa de quebrar sua cara?

A provocação surtiu efeito contrário e, em vez


de recuar, Pietro quis dar uma de corajoso e enfiou
um soco em meu rosto. O homem era fraco, seu
soco fez muito mais barulho do que causou dor. Eu
já tinha levado piores.

Empurrei-o com força e o homem cambaleou


uns passos para trás.

Eu tinha um ritual. Antes de quebrar com a cara


de qualquer um, precisava pedir desculpas para
minha mãe. A única coisa que tinha dela era o colar
que carregava nossas fotos. Era a única coisa de
valor que eu tinha e a qual ninguém, ninguém
mesmo, podia ao menos cobiçar.

— Quem não quiser acabar sem dentes essa


noite, saia do bar.

Beijei a imagem na corrente, fechei os olhos e


contei até três para deixar que a raiva tomasse conta
de mim.

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Um...

Eu já podia sentir em minhas veias, queimando


com ira, a ira que me tornou o que sou durante
anos.

Dois...

A escuridão por trás de minhas pálpebras se


tornava vermelho. A racionalidade ia embora e o
monstro em mim começava a aflorar sem
contenção.

Três...

Todas as barreiras tinham sido quebradas. Já


não era mais o Ettore frio e calculista que
executava serviços perigosos, era o cão-de-briga
treinado para foder com a cara de quem se pusesse
em meu caminho.

— O que está esperando, um convite? –


Debochei quando abri os olhos e os pus no homem
à frente de mim. – Por que eu não começo?

Cortei a distância entre nós dois, puxando-o


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pela roupa até que suas costas bateram no balcão do


bar pouco atrás de nós. Primeiro desferi socos
contra o cara que só agora tinha percebido o
negócio ruim no qual se meteu, porque eu não ia
recuar.

Então minha mente foi me levando para o


maldito lugar que sempre me levava quando eu
entrava numa briga. A merda do meu passado. A
merda do dia em que sangrei de verdade, pela
primeira e pela última vez.

Em segundos, o rosto que eu socava não era


mais o do meu oponente do pôquer. Tinha traços
mais duros, mais insensíveis. Não era mais Pietro,
era meu pai. Meu maldito pai que fez da vida da
minha família um inferno e que agora estava onde
sempre mereceu estar.

Sete palmos sob a terra.

Os socos continuaram fortes até que senti meus


nós dos dedos começarem a doer. O homem já
tinha uma aparência grotesca demais. Sua boca
cortada e seu nariz torto numa posição

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extremamente anormal.

Mesmo assim eu só conseguia continuar até


fazê-lo ficar desacordado.

Então senti mãos me tirando de cima do


homem. Várias delas me contendo para que eu não
acabasse com o homem ali mesmo.

— Merda, Ettore! Deixa o homem! – As vozes


se confundiam como se fosse apenas uma.

Respire, Ettore, respire...

— Ettore, caralho! Estou chamando a polícia!

Não tinha como parar depois que eu tinha


começado, não facilmente. Era necessário se
agarrar a realidade de alguma forma.

Meus irmãos. Barone... Elena... Paola...

Paola foi a que mais precisei defender. E a


defenderia até o último dia, por que a garota foi
muito machucada.

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Eu o larguei somente quando fui colocado com


o rosto no chão e as mãos para trás. Minha
respiração acelerada, mas normalizando devagar.

— Ettore Montebello, você está preso.

Isso, isso sim era uma grande merda.

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CAPÍTULO 2 | Lívia

Haviam três coisas difíceis em ter assumido


toda a firma de meu pai, Danielle Davani. A
primeira delas é que é bastante difícil conseguir o
respeito de todos quando acham que o cargo
herdado se deve apenas por ser filha do chefe. A
segunda: ter que aguentar as piadinhas masculinas
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sobre fazer compras em Paris que eu odiava. Não


que eu odeie Paris, eu a amo de paixão, mas que
ninguém tente diminuir minha inteligência apenas
por que gosto de roupas elegantes e da cidade luz.
A terceira: ter que suportar os olhares indecentes
dos clientes que parece que nunca viram uma ruiva
na vida.

— Dra. Livia, - Beatriz, minha melhor amiga e


colega de trabalho, vem me receber, mal começo a
dar os primeiros passos pelo corredor – dois
problemas urgentes esperam para ser resolvidos.

Coloco meus óculos de grau e pego o papel que


Bia me entrega para que eu leia. Vou andando com
cuidado enquanto tento ler e repassar a agenda do
dia na cabeça ao mesmo tempo.

— Quando foi que Receita Federal marcou uma


reunião para as onze da manhã?

— Hoje às sete. Não sabemos do que se trata,


mas o tom da reunião foi urgente.

— Certo, quanto a este outro assunto?

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— Ettore Montebello foi preso ontem à noite.

— Eu não precisava de mais problemas com a


família Montebello agora. Por que ninguém me
disse que ele foi preso, Bia?

— O delegado só permitiu a ligação dele pela


manhã.

Chegamos à minha sala e depositei minha pasta


sobre a mesa. Primeiro eu tinha que resolver o
problema com a Receita, depois iria resolver o
problema de Ettore. Liguei o computador e enviei
um e-mail para um juiz, velho amigo da família,
cobrando apenas um dos muitos favores que ele
devia ao meu pai e ele confirmou que mandaria um
habeas corpus liberatório para meu cliente o mais
breve possível.

De tanto meu pai falar sobre Ettore, eu sentia


que o conhecia de anos. Não de uma maneira boa.
Eu sempre via meu pai, mesmo de idade, ter que
acordar em muitas madrugadas para liberar Ettore
das confusões em que se envolvia.

Ele era a ovelha negra da família desde que me


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entendo por gente.

A família Montebello era um de nossos


principais clientes, mas desde que o testamento do
falecido capeta Cesare foi lido, Barone retirou os
negócios dele das mãos da firma. Paola também
estava fazendo a mesma coisa com a vinícola.

— Bia, - chamei-a pelo ramal quando a hora da


reunião com a Receita se aproximava e em pouco
tempo ela veio até minha sala.

— Está tudo pronto para receber os auditores? –


perguntei quando ela entrou no ambiente.

— Sim, tudo preparado. Vai mesmo querer que


a reunião aconteça na sua sala?

— Com certeza. Acho que vai quebrar um


pouco o padrão de recepção deles. Tenho que
passar uma boa impressão. É minha primeira
reunião oficial com eles desde que assumi tudo
aqui.

— Ainda está precisando de mim ou posso


voltar para minha mesa?
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— Pode ir, Bia. Eu vou continuar aqui mais um


pouco.

Li todas as correspondências mais urgentes,


revisei os e-mails que tinha que responder para ter
certeza que não ia esquecer nenhum deles. Então
me preparei para saber o que a Receita queria na
firma. Geralmente, auditores não vinham numa
visita imediata como essa, demoravam mais,
primeiro tinha toda a burocracia das cartas de aviso.

Quando as onze horas chegaram, eu só


conseguia me perguntar onde todos os minutos do
dia tinham ido se esconder. Ajustei minha roupa e
verifiquei a minha maquiagem rapidamente. Então
coloquei meu melhor sorriso enquanto esperava
meus visitantes que sempre eram pontuais.

— Dra. Mayer, – Um dos homens me


cumprimentou pelo meu sobrenome de casada.
Sobrenome que recebi do maior embuste que já
conseguiu passar pela minha vida. Sobrenome que
eu apenas não mudava outra vez por que carregar o
sobrenome do meu pai sempre me fechava portas
preciosas de trabalho – É uma satisfação finalmente
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conhecê-la.

— Espero que possa dizer o mesmo quando


souber o motivo da visita dos dois. – Cumprimentei
um e outro. Tinham mandado dois auditores para
minha sala. Isso significava que o assunto era sério.
– Sentem-se, por favor.

— Infelizmente, não posso dizer que o assunto


é dos melhores.

E foi exatamente aí que meu mundo oscilou sob


meus pés. Foi exatamente aí que a vida pareceu não
ser mais a mesma e que toda a segurança que eu
tinha conquistado pareceu ir embora num piscar de
olhos.

Conforme a documentação que os auditores


apresentaram, a firma que meu pai deixou para
mim estava à beira da falência. Uma empresa de
advocacia que já beirou os quarenta milhões na
bolsa, prestes a se quebrar. Completamente
endividada com diversos fornecedores e, o pior de
todos eles, com o governo. Milhões de euros em
dívidas trabalhistas e impostos sonegados durante

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anos.

Por que meu pai nunca me falou nada sobre os


problemas fiscais da empresa?

Por que nunca me contou do problema que eu


teria nas mãos assim que morresse?

A vontade de jogar isso tudo para o alto era


maior do que tudo no mundo, mas eu não podia
desistir tão facilmente daquele que foi meu sonho
de infância. Não podia permitir que nada do que eu
sempre achei que seria o futuro que planejei, fosse
arruinado assim por mais nem menos.

— Além disso, doutora Mayer...

— Ainda tem mais más notícias depois de todas


essas?

Eu iria perder a firma. Iria deixar um monte de


gente na rua. Iria acabar com tudo o que todos os
meus antepassados construíram. Era um
pensamento bobo diante da gravidade da situação,
mas era a verdade.

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Meu tataravô construiu o primeiro escritório de


advocacia criminal da família Davani. Em seguida
o meu bisavô expandiu-o de uma maneira que só
muito talento para fazer. Ele continuou passando
pelas gerações até meu pai. Não era possível que
fosse se acabar justo nas minhas mãos.

“Você não vai conseguir fazer isso. Devia


desistir e deixar que eu cuide de tudo. Eu vou
prover para nossa família...” A voz ridiculamente
doce de Stephen ecoou em meus ouvidos. Ele não
podia estar certo depois de tudo. Não podia ter me
agourado dessa forma. Não podia ter conseguido
que suas palavras permeassem minha mente dessa
maneira e agora tivessem se projetado no mundo do
lado de fora.

— Sua melhor opção é a falência... – Um dos


auditores sugeriu, mas eu não ia lhe dar o gostinho
de me ver desistindo só por que ele não conseguia
encarar meu rosto em vez dos meus peitos – O
procedimento é demorado e desgastante, mas é um
meio honroso de encerrar uma empresa.

— Não vou pedir falência só por que vocês,


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vermes do governo, não conseguem pensar em


outra coisa que não tudo que vão ganhar com a
liquidação dos ativos e dos bens da Firma. Eu tenho
uma sugestão melhor. Totalmente legal e que vai
me dar ainda algum prazo.

Os homens prestaram bastante atenção à minha


palavra.

— Estou pedindo neste momento uma


concordata. Dois anos para pagar essa dívida.

Eu estava me saindo muito bem passando essa


confiança toda. Como eu liquidaria uma dívida de
dezenas de milhões em apenas dois anos? Como eu
conseguiria os clientes necessários para juntar esse
montão de euros se os que ainda restavam na
empresa depois da morte de meu pai mal pagavam
as dívidas mensais?

Depois de deliberarem um pouco, um dos


homens continuou:

— Dois anos é um prazo impossível, doutora


Mayer.

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— Farei a reunião com os meus fornecedores


pela manhã. Tenho certeza que não negarão minha
proposta. Quanto ao governo, qual seria a
oposição?

— Não temos todo esse tempo para dispor para


o pagamento de suas contas. Além disso, como o
principal interessado no pagamento das dívidas, já
que o montante que deve para nós é de oitenta por
cento do valor total, não podemos concordar com
esse prazo.

— E qual a contraproposta?

— Seis meses.

— Seis meses será o suficiente.

Minha voz saiu firme, mas minha alma estava


se despedindo de mim devagar e indo para o céu
dos cachorrinhos. Eu não podia permitir que minha
aparência impecável vacilasse agora, mas também
não podia esconder meus medos de mim mesma.

— Auditores serão enviados mensalmente para


conferir o pagamento do acordo. Caso haja atraso
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em uma única parcela, este será quebrado. Será


uma alegria fechar esta empresa.

— E posso saber o motivo? – Cruzei as mãos


sobre minha mesa e tentei esconder melhor meus
peitos, quem sabe não paravam de ficar olhando?

— Danielle Davani era um lobista miserável


que se apoiava em brechas do governo para
extorquir pessoas. As denúncias quase nunca eram
levadas adiante, mas sabemos bem que não teriam
sido tiradas de uma forma voluntária. Um negócio
como esse não se sustentará sozinho apenas por que
pensa que pode sustentá-lo.

— Felizmente, manter esse negócio de pé é


uma coisa que depende da minha competência, não
da sua. Temos um acordo ou não?

— Sim, temos, claro. – Os sorrisos já não eram


tão polidos – Espere nossa visita.

— Irei esperar ansiosa. Agora, se me derem


licença, tenho mais trabalho a fazer.

Sustentei o olhar nos dois até que saíram da


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sala. Beatriz entrou e me trouxe o habeas corpus


que liberaria Ettore. E eu só pensei em como minha
vida estava uma bagunça grande demais para eu
ainda ter que me preocupar com a vida dos outros.

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CAPÍTULO 3 | ettore

Não era seguro para mim ser mantido numa


cela pequena numa delegacia. Não era mesmo
quando a qualquer momento homens armados
poderiam entrar e facilmente me encher de buracos
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enquanto sorriam sadicamente.

As paredes apertadas também rasgavam minha


mente trazendo memórias ruins que não gostava de
lembrar. Nem um pouco.

A casa dos Montebello.

A maldita casa que cresci e que, por fora, podia


parecer o sonho de qualquer pessoa, mas por dentro
era uma maldição. Os retratos de família onde os
filhos sorriam eram apenas o retrato da maldita
hipocrisia que permeava todas as nossas relações.

Era meu aniversário de sete anos.

As cenas vêm como num filme antigo. Cenas


brilhando com os pequenos arranhões na tela.
Como se eu estivesse assistindo minha vida
acontecer, muito mais do que se as tivesse vivido.

Paola tinha acabado de me entregar um


presente. O único presente que recebi naquele dia.
Era uma sacola cheia de azeitonas pretas que tinha
colhido na arvore da escola e que me entregou
pelas grades do meu quarto depois de escalar até a
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janela.

— Sinto muito por não poder te tirar daí. Papai


escondeu a chave de todos nós e nem Berta sabe
onde está dessa vez.

— Está tudo bem, sou grande e vou aguentar


isso.

— Eu ainda não desisti de procurar. Vou catar


uma lixa e tentar serrar essa grade.

— Não precisa. Isso só vai durar até de manhã.


Eu estou com sede.

O quarto que eu tinha sido trancado era no


segundo andar da casa. Era um antigo escritório
sem banheiro, portanto sem nem água de torneira
para que eu bebesse.

— Vou trazer água para você, depois vou


checar Lena. Pedi que Berta se trancasse no quarto
e Lena está dormindo no quarto dela. – Lena era o
apelido da nossa irmã caçula. Além dela, ainda
tínhamos Barone, mas mal o víamos desde que
papai o proibia de ter mais contato com os irmãos.
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— Vai lá, eu estou bem.

Paola desceu da mesma forma que subiu,


equilibrando-se nas pedras da edificação. Eu
comecei a comer as azeitonas e cuspir as sementes
para fora da janela. Se Cesare soubesse que tinha
conseguido comida, Paola se meteria em encrencas.
Então fiz isso para não a colocar em ainda mais
problemas.

De acordo com Cesare, eu estava trancado


naquele escritório desde a manhã por não ter me
comportado bem na festa de aniversário de
casamento dele. De acordo com Cesare, eu não
deveria ter escondido um prato de comida sob
minha cama quando ninguém estava vendo, já que
estava de castigo e proibido de jantar por cinco
dias.

Minha punição foi ainda pior do que não poder


comer depois de chegar da escola.

Eu estava na metade do saco de azeitonas,


quando ouvi uma chave sendo girada na fechadura
e joguei rapidamente o que tinha sobrado delas pela

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janela. Ficando de boca fechada para que Cesare


não visse nem meus dentes e nem minha boca preta
por causa do fruto.

Eu tinha parado de respirar até que vi Paola


entrar no quarto com um sorriso no rosto. Minha
irmã tinha a um ano a menos que eu e tinha o
sorriso mais triste que vi na vida.

— Achei a chave. – Ela olhou para os lados do


corredor antes de acenar para que eu fosse até ela.

— Poxa, joguei as azeitonas fora pensando que


era papai.

— Amanhã pego mais para você. Aqui, toma


água. – Ela me deu uma garrafa com água e eu
quase chorei depois de tomar o liquido do qual
tinha sido privado por dezoito horas.

— Agora vai pro teu quarto, - Disse – não sai


de lá de maneira nenhuma. Eu vou ver se Elena está
bem. Mamãe e papai estão discutindo outra vez e
vou dormir no quarto de Elena para ela não ir para
lá e eles brigarem e Elena ouvir tudo.

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— Tá bom. – Eu limpei as lágrimas do meu


olho e corri para meu quarto antes que qualquer um
dos empregados pudesse me ver fugindo do meu
castigo.

Eu corri ao meu quarto, que ficava ao lado do


escritório de meu pai. O que tinha uma enorme
lareira e no qual ele fumava enquanto obrigava
minha mãe a se despir para ele. E eu tentei, tentei
muito cumprir o que tinha prometido, mas não
consegui. Não quando ouvi os gritos de mamãe
outra vez.

Ele estava batendo nela. O pior pai que podia


existir na humanidade, o qual veio cair justo para
mim, estava batendo na minha mãe com crueldade.

Mamãe já abafava os sons quando apanhava,


não querendo que ninguém mais se incomodasse
com ela, mas desta vez devia estar sendo cruel por
que ela não tinha controle sobre eles.

Levantei furioso, a barriga ainda fria, e corri ao


escritório abrindo as portas com raiva e com choro
nos olhos. A lareira estava acesa e mamãe estava

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numa pose grotesca no sofá enquanto se mostrava


para meu pai que tinha um punhado do cabelo
escuro de mamãe nas mãos.

— Larga ela! – Eu estava furioso e as lágrimas


pioravam tudo. Olhei para o lado da porta e só
achei o porta-bengalas que guardava o guarda-
chuva e a coleção de bengalas que meu pai tinha e
que usava desde que passou a mancar. – Eu mandei
largá-la, velho miserável.

Mamãe estava chorando ainda mais.

Eu peguei uma das bengalas e atirei na direção


de Cesare. Depois outra, depois outra. Me
desculpei internamente quando uma delas pegou
nas pernas de mamãe, mas eu tinha que lutar com
aquele homem. Não aguentava mais vê-lo nos
maltratando.

— Conseguiu escapar. Isso se deve à bastarda


da sua irmã. Eu vou cuidar dela depois que cuidar
de você.

Deixei uma das bengalas em minha mão e


esperei que se aproximasse, mas eu não era nada
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diante de sua altura que parecia tão imponente na


época. Ele andou até mais perto e eu lhe acertei
exatamente na perna que mancava, fazendo-o
apertar os dentes com a dor, mas ele ignorou-a em
segundos e tomou a bengala da minha mão.

Mamãe se precipitou para impedi-lo, mas não


conseguiu. Além disso, estava machucada. Eu não
queria que se machucasse mais.

— Vai aprender a respeitar o homem que te


sustenta por bem ou por mal. Por que não é meu
filho, então não tenho receio nenhum em acabar
com você.

Minha mãe mal saia de casa, os filhos sempre


nasceram dentro da casa de Cesare. Mesmo assim
ele considerava apenas Elena como sua filha, como
sua criação. Por que nenhum outro se parecia com
ele. O que era mentira. Eu tinha seus cabelos,
Barone seu porte e sua altura, e Paola tinha seus
olhos. Esse homem era um desgraçado mentiroso.

Depois disso foi muito rápido.

Senti a dor aguda em minhas costelas quando


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ele me bateu e pude jurar que ouvi uma sendo


quebrada, mas eu não tinha como saber. Nunca tive
uma costela quebrada antes. Depois bateu na minha
perna com ódio e eu dobrei o joelho com a dor.
Então se aproximou ainda mais e girando a bengala
com força, acertou meu rosto. Eu caí no chão e me
levantei arfando e chorando. Até ver que além de
minhas lágrimas molhando o chão, também tinha
sangue. Muito sangue. Passei a mão no rosto e vi
que tinha sangue escorrendo da minha testa.

Levantei outra vez, se fosse para eu morrer, eu


morreria de pé, defendendo minha mãe.

— Saia daqui antes que eu te mate, por que é


exatamente isso que farei se continuar nesta sala.

— Ettore... – Minha mãe sibilou meu nome


com o rosto banhado em lágrimas.

Eu vi que não tinha como continuar ali sem a


magoar mais. Ela poderia sofrer ainda mais por
minha teimosia, se é que já não sofria.

Eu saí correndo do escritório. Corri com


lágrimas nos olhos, com malditas lágrimas nos
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olhos por que temi que aquela fosse a última vez


que eu veria minha mãe. Corri tanto que nem
percebi o caminho para o qual estava seguindo. Eu
estava apenas com a camisa do capitão-américa
suja de sangue e com uma bermuda de dormir e a
noite estava malditamente fria.

Corri até que cheguei a uma estradinha de terra


que levava a uma pequena casa. Andei até lá e ia
lavar meu rosto no poço que ficava perto, mas vi
um homem vindo em minha direção. Eu ia correr
assustado.

— Não, espere, criança... – Ele disse se


ajoelhando.

— O que aconteceu? Quem fez isso com você?


– Reconheci então o professor de educação física
da minha escola. – Vem aqui, me deixa ver isso.

Eu me aproximei. Precisando urgentemente de


alguém em quem confiar. Era madrugada e ele
estava acordado.

— Tem uma coisa feia aqui. Vai me dizer quem


fez isso? – Não lhe respondi.
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O homem não limpou minha testa sangrando.


Colocou as mãos nos meus ombros e me levou até
dentro de casa, onde continuei pingando sangue em
seu piso. Ele me mostrou um saco de pancada de
boxe pendurado numa área onde deveria ir uma
mesa de jantar e deu um murro no saco. Então me
disse para fazer o mesmo.

Eu fiz. Eu soquei o saco de pancada de nem sei


quantos quilos enquanto a raiva parecia estar sendo
jogada fora. Eu ouvi a voz do homem dizendo para
que eu continuasse e continuasse até estar bem o
suficiente para não odiar mais.

— Isso, continue! – Ele me disse quando


minhas mãos se atrapalharam devido ao ódio.
Quando dei o último soco maldado então comecei a
chorar outra vez e ele abaixou-se em minha altura,
colocou as mãos em meus ombros e disse para mim
– Não importa quem fez isso com você, não
importa. Nunca mais vai sangrar, ouviu? Essa foi a
primeira e última vez que sangrou. Nunca mais vai
chorar e nem vai apanhar de ninguém por que eu
vou cuidar de você. E se alguém algum dia bater
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em você, vai saber como lutar.

Eu limpei as lágrimas e consegui engolir o


choro vendo-o ter um olhar tão sincero e orgulhoso
sobre mim.

— Sara! – Ele chamou e uma moça com um


sorriso calmo, mas um olhar assustado veio para
onde estávamos – Cuide do menino e lhe dê algo
que comer.

Sara veio em nossa direção e colocou uma


toalha em minha cabeça.

— Qual seu nome, criança?

— Ettore... – Ela lançou um olhar assustado


para o homem, mas respondeu:

— Sou Sara e este é meu marido, Enzo, vamos


cuidar de você agora.

E eles cuidaram, cuidaram de mim como


ninguém. Aposto que Sara brigaria para mim por
uma noite inteira se soubesse onde estou agora.

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CAPÍTULO 4 | Lívia

Além do som dos meus saltos ressoando pelo

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saguão da delegacia, o local estava muito


silencioso. Eu só consegui ir ao local depois das
quatro da tarde, ao finalizar toda a análise contábil
da empresa e contratar uma consultoria para ajudar
a entender melhor o problema. Assim que a receita
enviasse o documento comprovando meu pedido de
concordata, eu só teria seis meses para pagar aquele
montante, sem contar os juros que ainda tinham
envolvido nisso tudo.

Então eu tinha bastante coisa para me preocupar


e não estava a fim de ser a babá de um homem de
trinta anos que nunca superou a fase rebelde da
adolescência.

Entramos, o delegado e eu, no corredor de


celas, quase todas cheias de bêbados que devem ter
se metido em encrenca e ainda não tinham
acordado. O cheiro de álcool e suor de quem não
toma banho enchendo minhas narinas.

Quando chegamos à cela de Ettore, ele estava


sentado com as mãos cruzadas, apoiando a cabeça e
de olhos fechados. Como se quisesse esmagar o
próprio crânio para lidar com uma dor.
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Aposto que da ressaca.

— Ettore Montebello, - O delegado chamou-o e


ele virou para olhar na direção do homem. Sendo
impedido apenas quando olhou para mim e me
avaliou de alto a baixo – está solto. Ao que parece,
o dono do bar não quis dar nenhuma queixa contra
você e o homem em quem bateu também não.
Então, segundo o juiz, não tem por que ficar aqui.

— E quem é você? – Ettore me lançou um olhar


quando viu que eu o estava esperando.

— Livia Mayer, sua advogada.

— Meu advogado é Danielle Davani.

— Lamento que esteja atrasado para a missa,


mas meu pai faleceu há pouco mais de dois meses.
Eu agora estou representando você. Vista sua
camisa e vamos. Ainda temos um lugar para ir hoje.

Ettore fez o que pedi, mas não desgrudou o


olhar de mim antes de colocar a camisa pelo alto da
cabeça. Quando passou pelo delegado, deu uma
piscadela para ele e me seguiu enquanto saíamos da
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delegacia.

Caminhei em direção ao meu carro, mas


quando olhei para trás, Ettore estava intentando ir
por outro caminho. Andei até ele outra vez e falei
no meu melhor tom autoritário.

— Você vem comigo.

— A não ser que esteja me levando para um


momento feliz, não pretendo entrar nesse carro com
você. Sei que acha que me salvou, mas está sendo
paga para vir me tirar daqui. Pelo visto, bem paga
até demais para o serviço porco que fez.

O que esse idiota queria com esse tom e essa


provocaçãozinha toda?

— Olha aqui, Ettore Montebello, não sou


Danielle Davani. Não vou passar a mão na sua
cabeça quando errar. Então se se meter em
problemas outra vez, vai precisar esperar até que o
horário esteja suficientemente adequado para que
eu venha aqui resolver tudo.

— Pelo visto não é tão eficiente quanto seu pai.


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— Pelo visto não percebeu que sou tão eficiente


quanto, apenas não vou mais é passar a mão em sua
cabeça. Acha que alguém quis dar dinheiro para sua
fiança? Por que acha que ficou aqui até agora? Eu
precisei recorrer a um habeas corpus. Barone não
vai mais dar nenhum centavo para soltá-lo de
problemas, Paola está mais preocupada com os
problemas dela e Elena não quis nem ouvir meu
recado. Então, ou você para com isso, ou vai ser
tratado como um cliente comum. Seus dias de
estrela acabaram.

— A família Montebello te paga muito bem


para que venha me atender na hora que eu precisar.
Esse é seu papel.

— Pagava, Ettore. Pagava. Eu vim fazer um


favor para você e para mim; e o busquei justamente
por que preciso de você na minha sala de reuniões
para leitura do testamento. Já mandei mais de
cinquenta vezes oficiais de justiça te buscarem.

— Talvez não tenham me procurando direito. –


Era risível a discussão que ocorria entre uma
advogada e seu cliente diante de uma delegacia,
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mas ela estava acontecendo – Ou talvez não seja


tão boa quanto pensa que é.

— Ettore, ou entra no carro, ou acabou minha


ajuda. Não se meta mais em problemas, por que
estará sozinho agora e ninguém mais vai te ajudar
quando estiver apodrecendo na prisão.

Ettore colocou as mãos no bolso e sorriu de


canto. Sua maldita boca se curvando e seu rosto
harmonioso de barba relaxando visivelmente.

— Pelo menos poderia trazer algo para eu


comer. Estou sem comer desde ontem.

Bufei, mas o provoquei:

— Tudo bem, se quer comer alguma coisa,


entre no carro. Vou te dar um McLanche feliz se
souber se comportar. Deus do céu, parece que estou
lidando com uma criança.

Ettore andou relaxadamente até o carro. Sentou-


se no banco do passageiro e eu dei a volta, entrando
no veículo pelo outro lado. Coloquei o cinto e
liguei o carro antes pedindo que colocasse o cinto.
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Com uma careta ele colocou a porcaria do cinto e


olhou para a estrada o tempo todo enquanto
seguíamos para a Davani Advogados e Associados.

Entramos na sala e Bia ficou praticamente em


choque por eu ter conseguido voltar com o
Montebello à tiracolo. Me enviou uma mensagem
de texto perguntando se podia levar um café como
uma desculpa apenas para olhar o louro mais de
perto e eu respondi com uma carinha zangada. Um
não explícito.

Ettore sentou-se numa das cadeiras e eu chamei


as duas outras testemunhas que iriam estar
presentes durante a abertura do documento, apenas
para que o filho de Cesare pudesse ter certeza que o
documento não foi violado.

Comecei a leitura do documento e quando


cheguei ao final dele, pude ver que o sangue do
rosto de Ettore tinha praticamente se escoado.
Toma essa, trouxa, achou que iam trocar suas
fraldas para sempre? Veremos quem é o eficiente
agora.

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Quando chegamos à parte do valor que Ettore


receberia caso cumprisse as ordens do pai, eu
precisei respirar fundo para não gaguejar. O
maldito Cesare tinha muito dinheiro se ia dar cento
e cinquenta milhões para seu filho mais pródigo
desperdiçar tão gratuitamente.

Eu tinha achado a solução para meus


problemas, eu acho. Que droga, esse dinheiro
resolveria meus problemas muito facilmente.

— Eu vou ter que casar para conseguir botar a


mão na grana, é isso?

— Exatamente, Ettore.

— Aquele velho desgraçado não pode ter feito


isso comigo, não mesmo.

Eu olhei para Ettore, ele parecia a ponto de


virar um lobisomem de tanto que se inchava de
raiva. Sua postura era intimidante, séria. Quem o
visse, não diria que o homem de trinta anos estava
envolvido com as porcarias mais sujas que se pode
imaginar.

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Então a brilhante ideia me veio à mente. Pedi


um minuto para as testemunhas, já que não
precisava mais de suas presenças na sala e vi seu
progresso. Esperei dois minutinhos para garantir
que estariam longe e desliguei o gravador utilizado
durante a leitura.

— Eu tenho uma sugestão para você.

— Que seria? – Olhou-me com um ar intrigado.


Muito mais curioso, do que disposto a aceitar
qualquer que fosse minha ideia.

Olhei outra vez para seu rosto. Era fácil se


atrair por ele, mas era difícil deixar que isso
acontecesse quando sabia bem quanto trabalho era
capaz de dar. Coloquei o documento sobre a mesa e
olhei para ele com uma firmeza que só a rainha dos
blefes poderia.

Era muito dinheiro e eu poderia ajudar a


empresa. Era tanto dinheiro, que eu poderia me
aposentar e cuidar apenas dos casos mais
importantes. Tendo mais tempo para todas as outras
coisas da minha vida que eu estava negligenciando.

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— Case comigo, Ettore. Case comigo e poderá


se ver livre dessa exigência, mas, vou logo
avisando, eu quero metade de tudo que for receber.

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CAPÍTULO 5 | Ettore

Essa mulher estava mesmo me dizendo o que


eu ouvi? Estava mesmo sugerindo que eu casasse
com quem acabei de conhecer há menos de duas
horas? E ainda tinha a audácia de propor um acordo
absurdo desse?

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Será que a tal doutora Mayer conhecia de


verdade o homem que tinha proposto uma ideia tão
absurda quanto essa? Será que ela pensava que eu
iria mesmo aceitar qualquer coisa que viesse de
Cesare?

Eu não vivia como um ermitão à toa. Eu


perambulava de pensão e pensão, ganhando
dinheiro do meu jeito, por que não queria ter que
usar um centavo daquilo que Cesare tinha juntado
durante a vida. Eu não iria me vender pela quantia
que fosse.

— Acho que não entendi direito. – Perguntei


apenas para testar sua ousadia, se iria repetir ou
não. Levantei-me para andar para perto dela e ver
mais de perto se as suas palavras ou algum de seus
gestos negavam sua firmeza.

— Não é difícil de entender, Ettore. Minha


proposta é irrecusável. Vai ficar com metade do
dinheiro e vai ter uma esposa para cumprir a
exigência legal.

Não tinha outra reação que não fosse a que tive

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naquele momento.

Eu sorri, gargalhei na verdade.

Gargalhei bastante de sua oferta.

Lívia continuou olhando para mim como se não


estivesse ciente de que sua proposta era
completamente recusável.

— Você não me conhece, doutora. Não sabe do


que um homem, como eu, gosta. Muito menos sabe
o que me agrada. Posso notar isso por suas
roupinhas certinhas e comportadas – pegou minha
blusa e soltou-a com desdém – Então não pode
achar que sua proposta seria pelo menos levada em
consideração.

— Está pensando com a cabeça errada, Ettore.


Eu não posso ser o tipo de mulher com o qual está
acostumado, já que sou muito mais refinada, - ela
disse se afastando da proximidade que causei – mas
posso ser exatamente o tipo que precisa. Se aceitar
casar comigo, posso multiplicar seu dinheiro.

— Além de advogada também é investidora


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agora?

— Não sou investidora, mas sei quem contatar


para conseguir isso. Além disso, se não casar
comigo, não vai receber um centavo.

— Sabe que posso contratar qualquer uma por


alguns míseros trocados e fazê-la casar comigo
apenas para receber os meus milhões.

— Sim, eu sei. E sei que do jeito que tem


vivido, esse dinheiro não vai durar muito em sua
mão. Não pense que saberá administrar tudo. Sei
que irá viver uma vida regalada onde pensa que o
dinheiro dá em árvores e dispender cada centavo
com todo tipo de mulher e de jogatina até que não
sobre nada. Sabe que não estou errada.

Sua confiança era algo de se admirar, ainda


mais agora que falava num tom tão segura de si.

— Além disso, sou o tipo de mulher que vai


fazer seu dinheiro render. Se setenta e cinco
milhões é muito, imagine o que poderá fazer
quando eu praticamente dobrar esse dinheiro? –
Colocou a mão sob o rosto enquanto se sentava à
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mesa e observava meu cérebro calculando uma


rápida decisão.

— É perigosa, doutora Mayer, ainda não sei se


gosto disso. No entanto, - coloquei as mãos sobre a
mesa e olhei-a diretamente aos olhos. Eles eram
marrons como café e leite misturados – tire o
cavalinho da chuva. Essa sua ideia não vai dar
certo. Procure outra maneira de dar um golpe, por
que não sou burro. Esse dinheiro vem parar na
minha mão, mas será do meu jeito.

Dei-lhe as costas e saí de sua sala, depois do


edifício e continuei andando até estar longe de
qualquer lugar onde o cheiro inconfundível da
mulher ainda pudesse me atingir.

Coloquei as mãos no bolso, a noite estava


chegando. Andei por algum tempo pelas ruas até
me deparar com o velho caminho que levava a casa
de meu pai. Meu pai de verdade, Enzo, o único que
me tratou alguma vez com a dignidade que se deve
a um filho.

A casa ainda era praticamente igual. Uma

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construção de pedras, de um andar, em estilo chalé.


Suas paredes rústicas imitando o estilo de tantas
casas mais prósperas da região. Não era mais
pequena, era bem espaçosa agora, e ainda tinha
uma garagem com quatro carros. Apenas o estilo de
construção é que era.

Mal dei alguns passos nas pedras que levavam à


porta, quando vi que as luzes de dentro da casa
ligaram. Um Enzo ainda sonolento veio ver quem
estava à porta e deu um sorriso brilhante e gigante
quando me reconheceu.

— Ettore, meu filho! – O abraço que me deu


era o de alguém que não me via há dois anos.
Desde a morte de Sara. O abraço de quem
realmente me considerava um filho, alguém que
importava para a porra do mundo. – Ande, entre.
Tem um pedaço gordo de bife assado na geladeira e
um pouco de arroz.

Esses eram os únicos pratos que Enzo sabia


fazer. Creio que desde que Sara morreu, deve ser a
única coisa que anda comendo além de amendoins
torrados, vinho e cerveja.
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— Vou querer, estou a ponto de morder uma


vaca se aparecer no meu caminho.

— Então sente. Por onde esteve?

— Por aí. – Eu disse dando de ombros


observando-o colocar uma porção enorme de jantar
para esquentar no micro-ondas.

— Sei que essa é sua forma de dizer que andou


aprontando.

— Bem pouco dessa vez.

Enzo entregou o prato para mim e me deu um


garfo e faca para eu comer. Recebi-o com vontade
e comi alguns pedaços. Olhei para meu pai antes de
elogiar.

— Sabe, isso está muito melhor do que da


última vez que provei.

— Deve estar, é uma receita nova.

— Continue com essa, porque a última era


terrível.
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— Ei, me respeite, que sou seu pai. – Disse se


sentando à mesa também, de frente para mim –
Agora me diz, o que o trouxe aqui? Sei que não foi
o bife duro que te servi.

— Estou com alguns problemas, preciso de um


lugar para ficar por um tempo e de alguma
conversa.

— Seu quarto está aqui, exatamente do jeito


que deixou. Isso significa que está empoeirado, mas
que uma boa limpeza pode torná-lo um lugar
habitável outra vez. Estou precisando de alguma
ajuda na academia e você vai fazer isso.

— Eu sabia que poderia contar com o senhor.

— Isso não era nenhuma surpresa.

— Quanto à conversa. – Falei enquanto engolia


o pedaço de carne que não estava mesmo ruim – O
testamento do maledetto saiu.

— E não foi incluído?

— Fui sim, mas tem uma condição para receber


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a minha parte da herança. Que, na verdade, é a


menor de todas.

— E de quanto estamos falando?

— Setenta e cinco milhões de euros, isto é, se


eu me casar com a oferecida que sugeriu o acordo
para mim.

— Cesare deixou setenta e cinco milhões de


euros para você? – Disse surpreso – Aquele câncer
deve ter estragado mesmo com a cabeça dele.

— Deixou sim, e deveria ter deixado muito


mais. Por tudo que me fez. Agora, para receber o
valor, preciso de um casamento. Pode uma merda
dessa?

— E quem foi que lhe ofereceu o acordo?

— Minha advogada. Sugeriu que eu casasse


com ela. Assim eu poderia receber minha metade.

Enzo ficou em silêncio por um momento. Então


continuou depois de ter pensado bastante.

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— O que acontece se não cumprir o que ele


exige?

— Não me importei em ouvir.

— E por que não?

— Por que não vou casar. Vou viver como


tenho vivido minha vida inteira.

— Pense bem, Ettore. Além disso, é uma boa


grana. Não está falando de um valor qualquer. –
Acrescentou em seguida – A sua advogada, não
seria a filha do Davani, seria?

— É ela exatamente.

— Ela não é uma mulher feia, filho. É até muito


bonita. Se te conheço, você é esperto. Não o criei à
toa. Pode dar um jeito de conseguir a metade dela e
ficar com o dinheiro todo para você. Mulheres são
facilmente seduzidas. Basta algumas palavras.

— Aquela mulher não faz meu tipo.

— E filho meu lá tem tipo? – Brincou – Já te vi


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com todo tipo de mulher que posso imaginar


debaixo do braço.

— Se Sara estivesse aqui não teria dito uma


coisa dessas.

— Se Sara estivesse aqui, eu teria apanhado


quando disse que a tal filha do Davani é uma
mulher bonita. Que ela descanse em paz... –
Brincou beijando a aliança.

— Acha mesmo que isso pode ser uma boa


ideia?

— Sabe que todo homem que já pôs os olhos


nela foi dispensado sem segunda tentativa.

— Ela é irritante.

— É fácil aceitar uma irritação dessas com


algum dinheiro no bolso. Se te conheço bem, não
teria me contado se já não tivesse uma resposta em
mente.

— Eu tenho uma, mas não sei se Val vai gostar.

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— Val está na cidade?

— Está sim. Sabe que gosto dela.

— Sei sim. E sei que minha mulher te ensinou


direito os valores. E que se for casar, não vai
brincar com nenhuma das duas.

— Não farei isso.

— Então sei que não preciso insistir nesse


assunto. Acho que já se decidiu.

— Assim que conversar com Val terei uma


resposta.

— Isso é bom, está crescendo. Assumindo


responsabilidades. Quer terminar esse jantar
enquanto assiste televisão?

— Claro, depois vou deitar.

Segui meu pai até a sala de TV onde assistimos


um pouco de jogo e recebi uma cerveja para
acompanhar meu bife com arroz. Eu precisava de
alguns dias para tomar uma decisão certa sobre
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meu futuro, se é que essa decisão não já estava


tomada. Bem como meu pai disse.

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CAPÍTULO 6 | Ettore

A casa de meu pai, Enzo, era o único lugar


onde eu não era afetado por todos os malditos
pesadelos que sempre me cercavam. Eu era uma
criança, mas eu tinha certeza que se pudesse, teria
arrancado meus olhos e silenciado todos os meus
sentidos apenas para não precisar viver tudo que
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vivi.

Eu tinha dormido bem pela primeira vez em


alguns bons meses.

Era como estar livre. Como ser eu mesmo outra


vez.

Mesmo que as ordens do maledetto Cesare


estivessem ainda pairando por sobre minha cabeça,
eu tinha conseguido aproveitar segundos de paz.

Meu pai sempre acordava tarde, então quando


as dez horas da manhã chegaram, eu era o único de
pé em toda casa. Fiz café de coador e tomei a
xícara fumegante enquanto fui para o quintal.

O sol da Toscana tão quente quanto o café


nesse horário.

A área que dava vista para o quintal do meu pai


estava um lixo. Ele tinha mania de juntar tudo
quanto era peça de carro que achava na rua e trazer
para lá achando que um dia poderia consertar as
porcarias dele, mas nunca conseguia ter tempo de
restaurar nenhuma delas.
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A bagunça estava terrível e eu não podia deixar


que meu velho se machucasse em qualquer
daquelas coisas. Eu tinha que colocar uma ordem
naquilo.

Com certeza o velho ralharia comigo mais


tarde, mas pelo menos não ia pegar um tétano
tentando mexer em tanta carcaça enferrujada.

Calcei um dos meus coturnos, dos poucos que


sobraram da época em que servi voluntariamente
nas forças armadas e que ficaram guardados no
sótão de meu pai. Peguei umas luvas e fui limpar o
maldito quintal.

Eu sabia que Enzo ia deixar esse trabalho para


mim quando eu voltasse à cidade. O velho é muito
bom, mas é um preguiçoso quando se trata de
organizar a bagunça que ele mesmo cria.

Comecei a organizar as carcaças velhas.


Pedaços de portas de carro, calotas, outras peças
velhas que estavam se acumulando. Colocando-as
em pilhas pelo quintal. Tirando a maior parte e
levando até a lixeira que ficava no final da rua que

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levava à propriedade.

O sol já estava chegando no ponto mais alto do


céu, quando meu pai decidiu aparecer no quintal.
Estava trazendo biscoitos e outra xícara de café,
dessa vez com leite.

Meu pai gostava de ir a um bar para tomar seu


café enquanto lia jornal, então sei que essa foi sua
forma de demonstrar que gostava de eu estar em
casa. Ele colocou a bandeja numa mesinha que
ficava ao lado da cadeira de balanço que pertencia à
Sara e me assoviou para que eu fosse comer logo.

— Já vou, me deixa só levar essas correias


puídas para a lixeira lá fora.

Enzo acenou positivamente e comeu alguns dos


biscoitos doces e tomava o café que tinha
aprontado para si mesmo. Rindo de meu esforço
num evidente ar de quem sabe que deixou o
trabalho acumulado cair em minhas costas.

Eu mal tinha alcançado o lado de fora e


colocado o lixo no devido lugar, quando vi um táxi
parando diante da casa. A ocupante que desceu,
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com seu sempre ar irritado de quem odeia vir para


tão longe para me ver, veio correndo em minha
direção. Cabelos escuros, pele bronzeada.

Abri os braços para receber Val e ela saltou


enlaçando as pernas ao redor de minha cintura. Um
sorriso enorme em meu rosto ao ter minha anã,
apelido que dei e que a irritava, perto de mim outra
vez. Segurei-a e aproveitei para apertá-la bem
contra o lugar que mais tinha sentido sua falta
depois que saí da sua casa. Há um mês, mais ou
menos.

— Odeio que tenha que viajar para tão longe só


para dar para você! – Sua boca colou à minha e eu
admirei seus cabelos brilhando com reflexos preto-
azulados contra o sol quente – Deus do céu,
Ettore... Você está muito gostoso suado desse jeito.
Sem camisa... Só de bermuda moletom... Eu estou
excitada só de te olhar...

— E olha como eu estou só de te olhar... –


Minhas mãos apertaram suas coxas enquanto deixei
que deslizasse um pouco mais para baixo e visse
meu estado – Quero descarregar tudo em você...
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Por que não me avisou que vinha?

— Gosto de entradas triunfais... – Sua boca


colou ainda mais à minha e sua língua provocou a
minha até que terminou o beijo numa mordida em
meu lábio inferior.

Deslizei-a até o chão e coloquei-a de pé do meu


lado. Agarrei sua mochila e admirei sua bunda
enquanto ia, na minha frente, em direção ao quintal.

Já tive uma multidão de mulheres, mas Valéria


é a única com quem dei um passo a mais. A única
que tem conseguido algum espaço em minha vida
até agora. Ela se intitula minha namorada, apesar
de nunca termos oficializado isso.

— Seu pai está em casa?

— Sim, está. Está no quintal. – Eu digo e ela


sabe que estou admirando seu andar, sua bunda
redonda, pois começa a se insinuar ainda mais.

— Que pena... – Seu sorriso malvado é tudo


que preciso para a vontade de foder sua boca
aumentar mais.
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A única mulher que foi capaz de me manter


interessado por mais de um ano. Na verdade,
estamos aproximando os dois anos. Valéria esteve
ao meu lado quando minha mãe, Sara, morreu. E
acho que foi isso que nos ligou depois de então.

— Seu Enzo! – Val cumprimenta meu pai que


gosta dela, diz que ela me faz feliz e que é só disso
que precisa saber dela – Como que tá? Trouxe
umas brejas para o senhor!

— Senhor tá no céu, Val.

— Desculpa, é costume de boa moça.

Coloquei as coisas dela sobre o deque no


quintal e virei para meu pai.

— Tem algum problema da Val passar uns dias


aqui? Eu planejava ficar com ela num hotel, mas a
maré de azar ainda não passou.

— Pode ficar, desde que não façam tanto


barulho quanto da última vez. Vou colocar a bebida
para gelar. Grato, Val.

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— Nem precisa agradecer. – Disse com seu tom


sempre afetado demais pela sensualidade que lhe
era inerente.

Quando meu pai entrou na casa, Valéria veio


em minha direção e segurou seu brinquedo favorito
com a mão, colocando a pressão certa.

— Vai conseguir não fazer barulho quando


estiver dentro de mim?

— Me diz você, - Cobri a mão dela e a fiz


apertar o que queria ainda mais forte – Vai
conseguir não fazer barulho quando estiver dentro
de você?

Seu sorriso malvado foi tudo que precisei para


saber que obedeceríamos muito precariamente ao
meu pai.

Terminei de arrumar tudo no quintal e entrei em


casa. Meu pai tinha pedido que entregassem pizzas,
já que não tinha provisionado nada para duas
visitas. E ficamos conversando por algum tempo,
Valéria sentada no meu colo, enquanto contava
sobre o contrato que tinha acabado de assinar para
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ser a garota do ring num pequeno campeonato do


qual eu ainda não sabia se iria participar.

Depois do almoço, meu pai foi descansar. E


aproveitei para fazer Valéria calar a boca da
maneira que eu sabia melhor.

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CAPÍTULO 7 | Lívia

A melhor coisa de ter amigas é que elas


conseguem te fazer enxergar verdades muitas vezes
duras demais para se admitir. Além disso, colocam
isso tudo com palavras carinhosas e de uma forma
que não machuque o seu ego.

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Era exatamente isso que Ingrid estava fazendo


agora.

Colocando as verdades duras sobre a mesa com


palavras carinhosas.

— Acho que você está louca e quer


enlouquecer a gente também.

Ingrid foi o único apoio que consegui encontrar


quando a minha vida pareceu desmoronar por um
tempo. Além de Beatriz, foi a única com quem
pude contar quando meu ex-marido saiu de minha
vida com a potência de um terremoto.

— Além disso, - Ingrid continuou – não quero


te ver de novo sofrendo por causa de homem. Já
basta o que meu irmão causou, não quero que isso
tudo aconteça outra vez. Eu me lembro de como
você ficou quando tudo aconteceu, não quero
mesmo ter que recolher seus caquinhos de novo.
Ter que te consolar quando estiver choramingando
neste colinho tonificado que Deus me deu.

— Tem muita coisa a ser perdida se ela não for


corajosa agora. – Bia interviu – E se isso significa
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dar uma de doida, então é necessário que ela dê


uma de doida por um tempo.

Bia era a única que concordava comigo que a


ideia não era tão ruim quanto parecia. Primeiro, por
que ela sabia tudo que estava em jogo, segundo por
que conhecia mais a fundo minha vida que Ingrid.

Minha ex-cunhada, Ingrid, só mudou para a


Toscana recentemente, então não conhecia todos os
meus problemas. Não conhece ainda tudo pelo que
tive de passar para me reerguer durante esses
longos anos.

— Acho que ela poderia tentar, Ingrid. Seis


meses não é um prazo difícil. Não com um
Montebello. Os problemas da empresa se
resolveriam facilmente. Ela teria dinheiro para
tocar os negócios, manter a casa e tudo o mais.

— Meu pau, que tipo de amiga é você?

— Vocês estão discutindo como se eu fosse


mesmo casar. – Me intrometi na conversa - Ettore
ainda nem me deu uma resposta. Como ele disse,
pode mesmo encontrar qualquer uma para fazer
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isso.

— Se ele for um homem inteligente, vai saber


que sua proposta é irrecusável. – Bia disse num tom
pacificador. Não era apenas minha vida que
dependia disso, a dela também. – Era você quem
cuidava da parte burocrática da Montebello
investimentos, conhece os lugares em que o Midas
do Barone andou investindo, então sabe o que vai
ter um retorno certo. Se ele gosta de dinheiro, e
tenho certeza que gosta, vai pensar e voltar com
uma resposta positiva.

Belisquei mais um pouco minha salada caesar e


deixei que os conselhos de Ingrid tentassem pôr
algum juízo na minha cabeça. Ao mesmo tempo,
ouvindo os de Beatriz e sabendo que eu tinha muito
a perder se não insistisse com a ideia.

Talvez Ingrid me entendesse melhor se eu


contasse tudo, mas Stephen ainda era algo dolorido
demais para que eu pudesse me abrir assim sobre
meu passado. Ela era irmã do homem que destruiu
com minha autoestima de mulher e amante, como
eu podia contar isso para ela sem que afetasse nossa
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amizade? Eu não queria, de maneira nenhuma,


colocar Ingrid contra o irmão.

Então, para ela, foi como se tivéssemos


terminado pacificamente.

Só eu sabia dos fantasmas sempre gritando ao


redor de minha cabeça, querendo me puxar para
baixo. Só eu conhecia todas as suas frases sempre
sussurradas com maldade. Só eu sabia o que tive de
aguentar, em forma de desprezo, vindo daquele
homem.

Eu não podia deixar que a empresa


simplesmente falisse.

Não...

Não podia.

Não quando Stephen sempre disse o quanto era


mais capaz do que eu, não quando seus comentários
venenosos ainda queimavam sobre minha pele. Não
quando ria de meus esforços na cama e fora dela.

Além disso, eu tinha herdado a direção da


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empresa.

Eu era sócia da Davani agora.

Se ela falisse, sem dinheiro como estava, tudo o


que construí seria liquidado junto com a empresa.
A casa onde minha família morava, os carros, até
mesmo minha conta bancária. Não sobraria nada e
eu ainda ficaria mais endividada do que poderia
sonhar em pagar em duas vidas.

Como eu ia sustentar minha mãe e minha filha


sem conseguir fazer aquilo que era a única coisa
que eu sabia? Mesmo que minha mãe não
merecesse, eu não podia deixá-la desamparada
agora que estávamos sem meu pai. Minha filha não
entenderia uma mudança tão brusca em nossos
hábitos e não posso deixar que veja a mãe sendo
presa por não cumprir com suas obrigações.

Ainda mais na Toscana, onde os credores


tinham maneiras muito diferentes de cobrar suas
dívidas.

Eu não podia deixar minha família em risco.

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Saber que nem arranjar outro emprego


facilmente eu não iria, era o que me tirava a paz, já
que o nome sujo da empresa iria afetar a minha
reputação como advogada. Manchando minha
competência ganhada com tantos anos de esforço.

Então eu estava nas mãos de Ettore.

Estava nas mãos daquele rebelde sem causa que


podia ferrar com meus planos em dois segundos.

Era óbvio que não aceitaria minha oferta, mas


eu sempre soube que ele gostava de dinheiro. Eu
realmente poderia investir o que Ettore ganhasse e
multiplicá-lo facilmente. Então estava esperando
sua contraproposta. Quando dissesse que não
aceitaria os setenta e cinco milhões, então ele iria
lançar algum valor. Então eu poderia dizer o que
estava querendo.

Pelo menos doze milhões de euros.

Malditos doze milhões de euros.

Já que a dívida tinha se alastrado por tanto


tempo, que os juros estavam, absurdamente,
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crescendo.

Eu não queria nada além disso, nem um


centavo. Sabia exatamente como soei para Ettore,
como uma gananciosa, que tenta escalar degraus
sociais, que só queria colocar as mãos em sua
fortuna nem ainda herdada, mas eu esperava que
minha isca funcionasse.

Eu esperava que sua contraproposta fosse de


pelo menos quinze milhões, assim eu pagaria as
dívidas e conseguiria um lugar para morar longe do
ambiente tóxico que minha mãe sempre criava.
Viveria com minha filha num lugar onde não
precisaria me preocupar com as maldades de minha
mãe contra nós duas.

— Ah, lá, já está pensando em trabalho de


novo... – Ingrid falou no seu tom de provocação. –
Está franzindo a testa, vai criar rugas, sabia?

— Estava pensando em algumas coisas.

— E pode falar que coisas seriam essas? –


Beatriz disse me olhando com cautela, sabia que eu
estava com algum problema. Estávamos tão
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sintonizadas no trabalho, que era como se ela visse


quando uma nuvem cinzenta surgia sobre minha
cabeça.

A mesa à céu aberto do restaurante ficava num


ponto onde a sombra nos protegia. Uma construção
pequena de pedras lavradas e com um nome
bastante peculiar - La Putana – era o melhor
restaurante da região.

— Prefiro deixar isso para outro momento.

— É sobre o Montebello? – Ingrid insistiu,


pude notar que estava mais aberta a ouvir depois de
sua crítica ter me deixado um tanto retraída – Olha,
não vou cortar seus sonhos de contrato de
casamento, só não quero que se machuque outra
vez. Esse homem pode ser perigoso. Não sabe nada
sobre ele, além do nome.

— Eu verifiquei a ficha criminal dele pouco


depois de propor isso.

— E então?

— Roubos, furtos, brigas, ameaça, danos ao


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patrimônio.

— Se isso é o que está disponível, não quero


saber o que foi escondido pela polícia corrupta da
Toscana. – Ingrid deu de ombros como se tivesse
desistido de me convencer a fazer o contrário.

— Você é adulta, pode tomar as próprias


decisões. – Beatriz me defendeu.

— Sei que ela é adulta, só não quero que se


arrependa delas. Minha sobrinha vai estar
envolvida nisso, não quero que nada aconteça com
ela. Não quero mesmo. – Ingrid retrucou com seu
típico ar de quem está se irritando com o assunto.

— Não vou, tenho certeza. – Disse, mas não


estava totalmente certa.

— Oh, meu Deus! – Beatriz falou baixinho –


Homão às três horas.

Utilizávamos código em hora para indicar a


direção por onde alguma beldade se aproximava.
Discretamente, olhamos para onde Bia tinha
indicado.
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— Eu saia com esse homem sem pensar duas


vezes... – Bia falou num tom baixo e o sorriso era
tímido. Só agora, por que quando queria, era
totalmente desinibida.

— E por que não convida ele para sair? – Eu


disse incentivando-a.

— Tá louca? Nada disso. Morro de vergonha de


me atirar assim.

— Não seja por isso. – Ingrid intrometeu-se –


Ei, cara louro bonito! – O homem virou-se para ver
quem lhe chamava e encarou nossa mesa – Minha
amiga aqui quer te dar uns beijos. O que acha da
ideia?

Ingrid acenou com a cabeça para a direção de


Beatriz e o homem sorriu para minha amiga
enquanto falava divertido:

— Não seria uma má ideia.

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CAPÍTULO 8 | Ettore

Meu pai incentivava enquanto eu tinha que


acertar os socos no aparador que protegia seus
braços — Agora um cruzado de direita! Continue,
Ettore. Ainda não paramos.

Estávamos treinando desde as quatro da tarde.


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Enzo não queria que eu perdesse a forma, não


queria que eu estivesse fraco para quando
precisássemos realizar alguns serviços. Então o
treino estava se alastrando por horas já que a
temporada de cobranças estava chegando.

— Chute, Ettore! – Ele ajustou a posição das


mãos e fiz o que pediu. Comecei a acertar o
aparador, primeiro com o peito do pé, depois com
os joelhos.

— Puta que o pariu, você está muito gostoso! –


Ouvi a voz de Val invadindo o ambiente e virei-me
em sua direção com um sorriso.

— Veio me ver? – Deixei o treino por um


segundo e perguntei aproximando-me da proteção
do tablado e deixando um beijo em sua boca. Val
correspondeu ao beijo com um sorriso enquanto eu
perguntei – Não tinha um pedaço de pano maior
para cobrir mais que a metade da sua bunda?

— Você gosta de me ver assim que eu sei, é um


safado. – Ela sussurrou contra meu ouvido pouco
antes de se afastar.

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— Ettore, ainda não terminamos para começar


com malandragem para cima de Val. Vem terminar
primeiro sua sessão de chutes, depois eu te libero. –
Enzo, meu pai, ralhou enquanto eu me afastava de
Valéria sorrindo.

A garota estava com uma roupa tão minúscula,


que seu corpo mal era coberto. Eu estava
acostumado com esse tipo de exibição, afinal, foi
numa luta onde ela estava com muito menos roupa
que essa que eu a conheci. Só não tinha, nem iria,
me acostumar com a cena que viria a seguir.

Eu mal tinha me distraído, retornando ao treino


de pernas, quando vi Val sorrindo e indo em
direção a um dos pontos da academia. Val se
aproximou da mesa onde os outros alunos de meu
pai, homens da minha idade, estava. Pegou a
garrafa de água de um deles e começou uma
conversa animada enquanto eles a devoravam viva.
A garota não tinha jeito, sabia que eu tinha
malditos ciúmes e o fazia apenas para provocar.

Felizmente, eu sabia controlá-los bem, pelo


menos até a página dois.
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Por que as provocações aumentaram e perdi o


controle de mim quando um deles engatou o
indicador numa das alças nos shorts de Val,
exatamente por onde deveria passar um cinto, e a
puxou para perto. A maldita garota se deixando
aproximar lentamente.

Olhando em minha direção e sorrindo.

Como se eu fosse sorrir de volta para sua


brincadeira.

— Ettore, filho! – Enzo ainda tentou chamar


minha atenção quando desci por entre as cordas da
proteção do tablado e fui em direção ao local onde
Valéria estava. – Deixa isso para outra hora.

“Nem fodendo”.

Andei em direção à mesa onde Valeria se


oferecia descaradamente e peguei-a pelo braço,
arrastando-a para fora, apesar de seus protestos. Os
passos dela eram apressados, para acompanhar os
meus irritados.

A academia ficava numa beira de estrada. Tinha


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pouquíssimos vizinhos, exceto por um hotelzinho a


algumas centenas de metros, estávamos
praticamente sozinhos. Isso, sem contar com os
veículos que passavam esporadicamente.

Parei e virei-a de frente para mim quando


estávamos um pouco afastados da academia, mas
ainda não tanto para que as luzes da fachada nos
privassem de qualquer claridade.

— Você vai me respeitar! Não vai brincar com


a porra da minha cara! – Disse enquanto apontava
seu rosto. – Não vai aprontar comigo, não vai
mesmo aprontar comigo.

— Ou o que? Ettore? Vai me bater?

— Sabe que não bato em mulher. – Disse e meu


tom era irado – Mas não vai vir ao meu local de
treino e se oferecer como uma mulherzinha vulgar.

— Me respeita, Ettore!

— Quer respeito? Acha que poderia te dar


respeito assim? Então por que parecia estar no cio
se roçando em macho lá dentro?
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A mão de Valéria acertou meu rosto uma vez.


Eu nem virei com o impacto. A garota não tinha
força nenhuma e eu era acostumado a apanhar bem
mais forte nas brigas em que entrava.

— Você não é meu pai, Ettore! Não pode falar


assim comigo!

— Isso é bom, ou as coisas ficariam estranhas


entre nós dois. – Ri de sua raiva contida com muita
dificuldade.

Sua mão me acertou outra vez e eu dei um


passo para mais perto dela enquanto ela se afastava.
Sua mão pequena não causando o mínimo estrago.
O brilho selvagem em seus olhos mostrando
exatamente como aquilo ia acabar.

— Você bate como uma garotinha... – Minha


voz já estava menos irada e mais quente.

— Ah! Eu te odeio! – Val disse enquanto me


sentiu pegando seu corpo pela cintura e
esmagando-a contra o meu. Suado e cansado de
treinar, mas nunca cansado para entrar nela.

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— Não, não me odeia... – Meu sorriso a


provocava ainda mais, por que eu debochava de
seus esforços para tentar escapar.

— Como sabe?

— Por que adora nosso sexo de reconciliação...

— Idiota... Eu adoro sexo e ponto. – Sua


palavra foi baixa, mostrando que eu tinha acertado
exatamente o ponto a que a briga iria nos levar –
Nunca fiz ao ar livre, mas quero.

— Então não vamos frustrar suas fantasias por


mais tempo.

Eu disse enquanto a puxei para que enlaçasse as


pernas ao redor de minha cintura outra vez. Nossas
bocas brigando num beijo furioso repleto de muita
raiva pela adrenalina da discussão. Suas unhas
afundando em meu pescoço enquanto nos
protegíamos da rua apenas por um pedaço de muro
que deveria proteger a estrada.

Seu short foi apenas chegado para o lado até


que eu estivesse dentro dela. Não foi gentil, não foi
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carinhoso. Foi rápido, agoniante, viciante. Como


sempre foi o sexo entre nós dois. Talvez o único
motivo para eu nunca a ter deixado. Talvez o único
motivo que nos ligasse.

Eu precisava de mais.

Precisava de mais do que isso.

Deixei que seus gemidos se misturassem com


meus rosnados.

Deixei que alcançasse o próprio prazer


primeiro.

Então me derramei nela como sempre fazia.

Quando terminamos e eu ainda a esmagava


contra o muro, recebi outro de seus beijos e fiquei
esperando que tivesse força nas pernas novamente
para que eu pudesse lhe propor o que tinha
planejado há algum tempo.

— Casa comigo, Val?

Seus olhos se estreitaram e ela analisou meu


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rosto seriamente. Cada centímetro dele, procurando


por um sinal de brincadeira. Eu não estava
brincando.

— Não pode estar falando sério... – Valéria


disse e insinuou que queria ir ao chão. Coloquei-a
no chão e recoloquei a roupa no lugar enquanto ela
fazia o mesmo.

— Sim, estou falando sério.

— Ettore... – Val estava ajustando os seios no


sutiã enquanto olhava para meu rosto sem saber ao
certo o que falar – Eu não posso... Eu...

— Val, não gosta de mim? Não gosta quando


estamos juntos? Não gosta que eu foda você?

— Claro que gosto disso tudo, mas não posso


casar, Ettore. Por que foi me perguntar isso? Por
que tinha que estragar o momento?

— Da maneira que fala parece que estou te


convidado para matar alguém. É de ficarmos juntos
que estou falando. Porra, Val, pensa.

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— Ettore, eu gosto de você. – Disse num tom


de desculpas, eu odiava esse tom – Eu realmente
gosto de você. Acho que somos bons na cama,
somos bons na vida, mas não me imagino casada
com você. Acha que quero ter uma vida de merda
perambulando de pensão em pensão com você para
sempre? Que quero foder com você no seu quarto
de adolescente na casa do teu pai?

Coloquei minhas mãos no bolso da bermuda e


olhei-a com real curiosidade. Num momento de
desespero, o corpo fala sempre mais do que deve.
Não queria que eu esboçasse alguma reação que
mostrasse como eu estava por dentro.

Meu coração não estava doendo, estava


sangrando.

— Eu não posso ficar com você por que não


pode me dar a vida que eu quero. Não pode me dar
uma vida como mereço. Eu gosto de dinheiro e isso
você não tem para me dar. É um Montebello, mas
já sei que não tem nada com eles. Só o que tem dos
Montebello é o sobrenome...

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— Não me chame por esse nome que odeio. Por


favor.

— Que seja... – Deu de ombros – Ettore, não


tem com o que me manter. E não quero ter que
esperar que cresça e apareça para me dar coisas
boas. Até achei que conseguiria alguma coisa
enquanto fiquei com você, mas não aconteceu.
Podemos continuar transando como coelhos, isso
eu aceito, mas casar está fora de cogitação. Como
uma ideia idiota dessas foi passar por sua cabeça?

Olhei para o chão e tornei a olhar para seu


rosto. Depois para a pista, enquanto um veículo
veio e lançou iluminação perto de onde estávamos.
Quando tornei a olhar para Val, pude perceber por
que nunca antes tinha me aberto a alguém por tanto
tempo.

Ela estava fodendo com meu psicológico nesse


exato momento.

— Você tem razão. Eu sou um idiota mesmo.

Dei-lhe as costas e ainda a ouvi chamando meu


nome, mas meus passos eram velozes. Ela correu e
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parou na minha frente, me fazendo refrear meu


progresso.

— Ettore... Não me dê as costas.

— Prefere brigar? Não quero fazer isso.

— Apenas quero que me entenda.

— Eu entendi, juro que entendi. Agora, só


preciso voltar para o meu treino. Senão Enzo vai
me fazer ficar aqui até meia-noite.

— Eu te espero em casa?

— Espera. E vai arrumando suas coisas. Te


levo para a rodoviária amanhã bem cedo.

Deixei-a e continuei até chegar na academia.


Agora eu tinha muita raiva para descontar nos
golpes e era disso que eu estava precisando.

Como fui idiota. Um verdadeiro idiota.

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CAPÍTULO 9 | Ettore

— Talvez se conversarem e contar para Val o


que está acontecendo, ela entenda a razão do
pedido. Acho que vocês se gostam. Acho que
poderia tentar dar uma chance para a garota.

— Eu dei uma chance, pai. Infelizmente, ela


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não aceitou. Não costumo dar uma segunda chance


nesses casos. E se contasse sobre o testamento, não
aceitaria casar comigo pelos motivos certos. Não
seria por quem eu sou, mas pelo que eu ainda nem
tenho nas mãos.

Meu pai balançou a cabeça enquanto começou a


preparar o almoço. O bife outra vez.

— Devia ter esperado que a poeira baixasse um


pouco. Está pensando de cabeça-quente.

— Não posso deixar que esse dinheiro escape


de minhas mãos. Não estou falando de uma briga,
de míseros milhares que ganho num campeonato,
nem dos pequenos serviços, estou falando de
milhões.

— Tem sua razão. Vai lá encima ver se a


menina precisa de alguma coisa,

Meu pai tentava pôr juízo na minha cabeça, mas


eu sabia que não era uma boa ideia ouvir conselhos
de um homem que só teve uma mulher na vida.
Especialmente, quando ele estava sendo parcial. Já
que Valéria fora a única mulher que eu trouxe para
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que conhecesse.

Era quase como se ele estivesse terminando


com ela também.

Valéria tinha organizado suas coisas desde cedo


e ainda estava cuidando do cabelo, mesmo que
faltasse apenas cinco minutos para sairmos. Andei
até o quarto, onde a vi colocando o celular no bolso
e vindo em minha direção ainda torcendo o cabelo
que prendeu no alto da cabeça.

— Estou pronta para ir.

— Tudo bem, - dei de ombros e dei espaço para


que passasse por mim – acho melhor nos
apressarmos por que não tenho como repor agora a
passagem se perder a viagem.

— Ettore, ainda está magoado comigo?

— Estou puto com você, na verdade, mas é


melhor deixarmos essa história para lá.

— Sabe que sempre vou gostar de você.

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— Eu sei, mas não posso ficar preso a isso. Sou


bom para passarmos um tempo juntos, mas não sou
para construir uma vida ao meu lado. – Falei e Val
sorriu para mim de leve, como se visse que era
parte de minha birra – Não posso obrigá-la a casar
comigo, e se não vou ter isso, prefiro não perder
tempo me deixando ser iludido. Nem posso iludi-la
e fingir que isso que temos será o bastante.

— Está soando como um cara brega de


cinquenta anos.

— É bem por aí mesmo.

— Pegue minha mochila, não quer que eu a


carregue eu mesma, né?

Sorri-lhe de leve. Era difícil para mim me


afastar de alguém que esteve presente em minha
vida por mais de dois anos. Porém, era hora de eu
ter algum juízo. Era hora de colocar uma porra de
uma aliança no dedo e alguns milhões de euros no
bolso.

Peguei a caminhonete de meu pai emprestada e


dirigi com Val até a rodoviária. Ela escolheu uma
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música aleatória na rádio e colocou num volume


baixo. Estávamos quietos no carro e eu sabia que ia
ser difícil depois que ela partisse.

Sua cena para me provocar ciúmes tinha dado


resultado.

Infelizmente, ela acabou de um jeito que eu não


esperava.

Quando chegamos à rodoviária, levei-a até o


ponto de onde seu ônibus ia partir. Ela se
aproximou e eu a abracei. Aspirando fundo o cheiro
de chocolate que seu perfume de cabelos sempre
tinha. E sorri quando ela apertou minha bunda.

— Vou ter saudades desse traseiro. Desculpe,


Ettore. Desculpe por não ser quem você quer no
momento. Quem você precisa.

Seus olhos estavam cheios de lágrimas. E eu me


senti um canalha por um segundo por ser o
responsável por isso. Deixei um beijo no alto de
sua cabeça enquanto disfarçava minhas próprias
emoções.

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Por que eu nunca tinha sentido nada por


ninguém que pelo menos se assemelhasse ao que eu
sentia por essa garota. E agora ela estava me
deixando e sapateando na merda do meu coração.

Eu que achei que não tinha nenhum órgão mais


batendo no peito.

— Até depois, Ettore. Sabe que vou voltar para


te ver algum dia.

— Não acho que seja uma boa ideia.

— Tudo bem, então... – Val disse e o motorista


do ônibus soou o último sinal de embarque – É
melhor eu ir agora.

Vi que deu um passo para se aproximar e


esperava que eu lhe desse um beijo, mas eu ficaria
ferrado demais se fizesse isso. Não valia a pena
fazer isso com ela, tampouco comigo mesmo.

Valéria já estava arrumando amigas quando


entrou no ônibus e sentou-se na direção da janela e
acenou para mim. Esperei que o ônibus partisse e
correspondi ao seu sorriso com certa tristeza até
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que foi embora.

Eu só tinha um lugar para ir depois disso.

Entrei na caminhonete estacionada do lado de


fora, e joguei na calçada a multa que tinha sido
colocada no para-brisas por eu ter estacionado
numa vaga para táxis.

Dirigi até o escritório da Davani Advogados e


Associados.

Quando entrei no prédio, andei em direção à


mesma sala que a doutora Mayer tinha me levado
quando estive no prédio alguns dias atrás. De lá, vi
a porta que continha seu nome brilhante em letras
prateadas numa plaquinha colada à porta.

— Ei, senhor Montebello, - a moça que ficava


na mesa à entrada da sala da doutora Mayer tentou
me impedir de entrar – não pode entrar assim,
precisa ser anunciado.

— Então fique olhando.

Ignorei sua tentativa e entrei na sala.


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Interrompendo a mulher que falava ao telefone e


não o deixou de lado quando olhou para mim, pelo
menos por uns vinte segundos.

— Desculpe, doutora Mayer, eu tentei impedi-


lo, mas não pude. Quer que chame a segurança?

— Não precisa, Bia. Por favor, traga aquele


café para nós.

A garota, que agora sabia que se chamava Bia,


saiu e eu me aproximei da mesa, colocando minhas
mãos sobre o notebook aberto, fechando-o e
fazendo a doutora Mayer não ter nenhuma distração
para quando eu falasse tudo que ela precisava
ouvir.

— Por que está entrando nisso? – Perguntei


sincero, a voz firme, nem um pouco ameaçado pela
sua tentativa de imponência.

Queria sua reposta verdadeira. E esperava


obter.

— Preciso salvar esta empresa. Uma questão de


orgulho.
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— De quanto precisa para salvar esta merda?

— Primeiro, odeio palavrões. Então, vamos


controlar um pouquinho a língua. Segundo, por que
não me diz você quanto está disposto a aceitar?

— Metade está fora de cogitação. Então nem


pense que vou aceitar isso.

— E quanto está disposto a pagar? Por que,


pelo que posso ver, não conseguiu as coisas do seu
jeito.

— Vinte. Vinte e é pegar ou largar.

— Vinte é um valor suficiente. – A doutora


Mayer disse sem mais nem menos. Seu rosto não
mostrando uma única emoção.

— Mas vou logo avisando, doutora Mayer. Se


formos casar, não vai ter qualquer outra pessoa de
fora nesse relacionamento. Não vou aceitar
traições, não vou aceitar nada que envolva uma
terceira pessoa. Sou homem de uma única mulher.
Vou ser respeitoso com você perto e longe de mim,
mas não sou um ser iluminado.
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— O que quer dizer com isso? – Foi a primeira


vez que vi uma certa fragilidade na sua postura.

— O que quero dizer é que não me alimento de


luz. Sou a porra de um homem. Não sou a porra de
um monge, nem sou a porra de um adolescente para
me acabar na minha própria mão. Não vou buscar
outra mulher por que abomino a ideia de traição.
Então, se vamos casar, vamos viver como a merda
de um casal.

Admirei seu rosto, o momento em que o


contraste foi mudando e uma palidez foi surgindo.
Em seguida, um rubor. Era bom ver que essa ideia
lhe afetava.

— Está querendo dizer que vou ter que dormir


com você?

— Vinte milhões é um bom preço para ter esse


direito, não acha? – Respondi imediatamente em
um tom rude – Então, aceita minha condição, ou
não?

Doutora Mayer pareceu titubear por alguns


instantes e sua voz readquiriu novamente firmeza
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apenas quando respirou devagar reassumindo a


postura.

— Aceito sua condição. Sente-se e vamos


discutir os termos do contrato.

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CAPÍTULO 10 | Lívia

Fiquei trabalhando até a tarde no contrato que


Ettore assinaria assim que estivéssemos diante do
juiz. Além de mim, apenas Beatriz, que era de
minha total confiança, poderia saber deste enlace.

Sua presença naquele local parecia deixar tudo


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mais sufocante. Agradeci a Deus quando ele saiu


dali e eu pude respirar tranquila outra vez.

“Eu não sou a porra de um garoto...”

Ettore saiu com passos irritados de meu


escritório logo depois que viu que eu não ia dar
para trás na decisão que tinha tomado. O valor de
vinte milhões estaria disponível para mim assim
que as assinaturas no certificado de casamento
fossem depositadas.

Felizmente, o dinheiro conseguia muitas coisas


numa terra corrupta como a Toscana. E qualquer
juiz, sorriria para a propina de bom valor apenas
para ignorar os trâmites devidos a qualquer
casamento.

Eu tinha que me casar com Ettore o mais rápido


possível, assim não me preocuparia com sua cabeça
rebelde mudando de ideia.

Ettore. Ettore. Ettore.

O nome mais irritantemente bonito que já ouvi.

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O homem mais irritantemente bonito também.

Não sou cega, nem mentirosa, para não admitir


isso.

— E foi somente isso que ele pediu? – Beatriz


me arranca de meus pensamentos e eu a encaro
rapidamente depois de olhar para a tela do
computador onde relia o contrato.

— Sim. Apenas uma casa e um carro que


vamos escolher. Isso tudo imediatamente. Não quis
nada além disso. Fiquei surpreendida também.

Era muito estranho. Suas prioridades pareciam


estar alinhadas. Ele teria dinheiro suficiente para
viver bem até depois da morte, mesmo assim ainda
queria mais. Devia ter um bom motivo para isso.

— Ele não sabe o quanto herdou, é isso? Como


alguém que recebe isso tudo vai querer ficar apenas
com uma parte tão minúscula? Tão irrisória? Não
vai usufruir?

— Ele quer que o dinheiro renda. – Ecoei as


palavras que ele me lançou mais cedo, afinal, do
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que tinha ouvido falar de Ettore, ele podia muito


bem querer desperdiçar essa herança num piscar de
olhos – Eu prometi que faria isso em seis meses.

— Cada um com suas loucuras. – Beatriz deu


de ombros.

Estávamos exaustas e nem tínhamos saído para


almoçar. As embalagens dos pastéis que tínhamos
pedido mais cedo ainda estavam amassadas sobre a
mesa, ajudando a bagunçar minha sala quase
sempre impecável.

Olho em direção à porta e revejo a maneira


intempestiva com que entrou no meu local de
trabalho. Não esqueço do jeito furioso que me
lançou um olhar que me comeria viva se eu não
fosse muito boa em mostrar autoconfiança.

Com ar irritado e passos pesados ele tentou me


derrubar.

Infelizmente, para ele, eu era dura demais na


queda.

Aprendi a ser dura com a vida, e não


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desaprendo as coisas de um dia para o outro.

Sua voz inundou o local de uma maneira que


nunca tinha acontecido antes. Sua presença
intimidante, seus músculos, tudo combinou para
trazer a dramaticidade necessária à sua aparição.

Mas não foi só esse ar de quem está sempre


procurando brigas que me irritava. Foi sua
insinuação de que poderia me ter na hora que
quisesse. Que estava me pagando bem, que me
ofendia.

Era ridículo, por que eu sabia exatamente como


tinha soado para ele.

Eu tinha medo apesar de tudo.

Por que eu não sabia como seria quando tivesse


que cumprir essa exigência. Por que as pessoas do
lado de fora, as que não conhecem meus próprios
fantasmas, veem a mulher decidida que consegue
realizar seu trabalho de forma segura, mas não
veem a mulher que foi destruída nesse quesito,
lentamente, ao longo de apenas um maldito ano.

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Um maldito ano do qual eu ainda não conseguia


me recuperar.

Um maldito ano em que tive que engolir doses


amargas de desprezo.

Então, depois disso, tive o mundo


completamente abalado numa guinada sem
precedentes.

Fechei a caixa de e-mails assim que recebi uma


confirmação de que no dia seguinte, até as quatro
da tarde, eu seria uma mulher casada. Bastava
confirmar com Ettore e iriamos ao fórum assinar
toda a papelada.

— Bia, tenho que pegar Amora na aula de


hipismo.

— Posso ir com você? Não quero ir para casa


ainda. Minha mãe vai querer que eu pinte o cabelo
dela outra vez e não quero deixá-la com cabelo
laranja só por que ela não sabe aguardar alguns
meses antes de mudar de cor.

— Claro que pode. Mas, me conta, e o cara do


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restaurante? Como foi com ele?

— Uma droga. – Disse enquanto guardávamos


nossas coisas no armário da sala e encaminhávamo-
nos para a saída – Ele me pagou um café, mas o
assunto não fluiu, foi pior que conversar com meu
irmão. Não tinha química. Além disso, ele estava
mais interessado em perguntar sobre Ingrid do que
perguntar qualquer coisa sobre mim.

— Lamento por isso. Pelo menos, se ela


arrumar algum namorado, vai ter mais motivos para
ficar aqui por mais algum tempo. Vai conseguir um
novo interesse logo, logo.

Saímos da empresa e entramos no carro. Nas


terças e quintas-feiras, eu precisava cuidar
pessoalmente do traslado de Amora, pois ao final
das aulas de hipismo, tínhamos um compromisso
que não podíamos faltar de maneira nenhuma.

A aula de reabilitação motora.

Amora precisava delas desde os quatro anos.

Desde o acidente que lhe roubou os


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movimentos das pernas.

Movimento que ela recuperava aos poucos


numa luta árdua que travava contra o próprio corpo
nos três anos. A garota tinha apenas sete anos, mas
já era muito mais forte do que um dia eu sonhei que
poderia ser.

Até aquele momento, o momento do acidente,


Stephen e eu ainda tínhamos a guarda
compartilhada. Depois dele, usei tudo o que tinha
adquirido em forma de conhecimento, para mantê-
lo afastado. Por que eu não queria que minha
menina se machucasse nunca mais.

O Ford Braunability preto era completamente


adaptado para cadeirantes. O espaço interno
também era bom, então Bia não precisaria ficar
apertada no banco de trás, e a rampa automática era
uma mão-na-roda para qualquer relevo.

Andamos até a entrada principal quando vi


minha menina me procurando dentre os colegas de
turma. Seu sorriso se iluminou quando me viu e
tenho certeza que aconteceu o mesmo comigo. Suas

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mãozinhas moveram a cadeira-de-rodas cor-de-rosa


até que nos alcançou.

— Mãe! – A sua voz era animada enquanto eu


abaixei para lhe dar o beijo e abraço mais apertado
que tinha lhe guardado – Tia Bia! – Beatriz recebeu
o mesmo cumprimento entusiasmado.

— Como foi a aula, amora? Como estava a


Matrona? – A jovem égua era o animal favorito de
todas as crianças e, apesar do nome indelicado, era
o animal mais dócil que eu já tinha visto.

— Tranquila e bonita como sempre.

Ouvi os relatos de Amora sobre seu dia e Bia


me ajudou a colocá-la no veículo. Era muito fácil,
para mim, cuidar desse traslado com pouca ajuda,
já que tinha conseguido comprar um carro
adaptado, que tinha como fornecer para minha filha
um tipo de vida na qual ela não precisava se
preocupar tanto com a acessibilidade, difícil era
para quem não tinha as mesmas condições.

Por isso não podia imaginar uma vida em que a


Davani fechasse. Porque se isso acontecesse, eu
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teria que diminuir, e muito, o nível de cuidados que


Amora vinha recebendo.

E seus progressos estavam tão maravilhosos.


Tanto que eu faria o que fosse preciso, para
continuar pagando o hospital de ponta onde estava
sendo tratada. Mesmo que isso significasse que
teria que dormir com um homem que devia me
achar uma gananciosa repugnante.

Eu o faria de olhos fechados, por minha filha.

Mesmo que corresse o risco dele me achar tão


repugnante quanto Stephen achou um dia.

Antes de irmos ao hospital, paramos para


almoçar no restaurante favorito de Amora. Seu
sorriso era tudo que eu precisava receber para saber
que estava indo pelo caminho certo.

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CAPÍTULO 11 | Lívia

O quarto de Amora era frio demais para uma


criança. A parede de pedras tinha levado uma mão
de tinta branca, os móveis também tinham sido
pintados para esconder um pouco o tom escuro da
madeira de ébano, mesmo assim ainda não parecia
em nada com um quarto infantil.
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Felizmente, tinha bastante espaço para que a


cadeira-de-rodas pudesse circular. Infelizmente, era
o único quarto no andar de baixo, já que a casa
tinha dois andares e, sem uma rampa, era
impossível que Amora pudesse desbravar os outros
cômodos que não ficassem no térreo.

Eu estava lavando a cabeça de minha pequena


com o seu xampu favorito enquanto ouvia-a contar
sobre o dia com as coleguinhas. Minha decisão a
afetaria mais do que eu podia imaginar, já que não
pretendia obrigá-la a conviver com um homem
estranho por seis meses.

— Filha, preciso contar uma coisa.

Amora apenas olhou para mim para ouvir


minha confissão. Seus olhos marrons, uma cópia
exata dos meus, felizes em poder partilhar um
segredo com a mãe.

— Prometo guardar segredo. – Disse fazendo o


sinal de fechar com chave os lábios.

— Mamãe conheceu uma pessoa. Alguém


importante para mamãe. Ele vai ser nosso amigo.
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Vamos nos casar e vamos ser uma família.

Eu nunca mentiria para minha filha. Entre nós,


só haveria a verdade, mesmo que ela parecesse
difícil demais para uma bambina. Amora olhou
para os próprios dedinhos enrugados, em seguida
tornou a olhar para mim.

— Me escute, amor... – Continuei a explicar –


Vai ser um pouco difícil no começo, vamos ter que
nos acostumar com umas pequenas mudanças, mas
nunca esqueça que amo você mais que tudo no
mundo e sou capaz de comer formigas por você.

Por mais incrível que possa parecer, formigas


são os únicos bichinhos da natureza que conseguem
colocar algum receio em amora. Como ela diz, é
difícil para ela sentir quando a estão mordendo e
não gosta disso.

— Me conta uma coisa. – Ergueu o dedinho


enrugado no ar – Duas coisas.

— Quantas quiser, princesa.

— Está feliz?
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— Sim, ele tirou alguns problemas grandes da


cabeça da mamãe.

Acrescentou outros, mas isso não era assunto


para uma criança de sete anos. Muito menos,
quando a novidade tinha que ser lhe contada assim
às pressas.

— Como quando a gente come marshmallow na


lareira da nona?

— Isso vou ter que descobrir. Não tem nada


que me faça mais feliz do que comer marshmallow
ao teu lado. Então, vai ser difícil superar.

Amora sorriu e olhou para mim outra vez.

— Ele parece o Sullivan?

O ideal de beleza de Amora, sempre foi o


protagonista de Monstros S. A. Tudo por que ela
diz que adoraria viajar no tempo através das portas
como ele faz com a Boo. Aos quatro anos, antes de
sua vida virar de cabeça para baixo, ela fingia que
estava em outro mundo sempre que eu a encontrava
escondida no armário.
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— Sabe, ele é igualzinho.

Disse depois de erguê-la da banheira e colocá-la


sentada na cadeira onde eu a enxugaria. Coloquei
sua fralda descartável, já que o acidente tinha
afetado o trato urinário e só agora ela estava
retomando o controle. Um passo de cada vez.

Vesti sua camisola favorita, uma cheia de


desenhos do Mike Wasowski. Eu tinha
praticamente todas as falas do filme decorada
devido às mais de duzentas vezes que o assisti, e
coloquei-a para dormir. Não precisei fazer muito
cafuné para vê-la pegando no sono depois de um
dia tão cansativo. A fisioterapia sempre lhe deixava
exausta.

Fui à cozinha, preparar alguma coisa rápida


para eu comer e repor as energias, já que o tempo
parecia sumir nas terças e quintas. E acabei
tropeçando com minha mãe no meio do caminho.

Minha mãe, Teresa Bataglia Davani, era a


mulher mais absolutamente linda que se possa
existir. Sempre a tive como um ideal de beleza

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quando era criança, na adolescência e até mesmo na


vida adulta, pouco antes de ver que nem a maior
beleza do mundo consegue amenizar uma alma
amarga.

Seu ruivo era muito mais apagado que o meu,


devido aos fios brancos que já enchiam sua cabeça,
e seu rosto severo de quem viveu uma vida de
amarguras era tão belo quanto quando era mais
nova. Infelizmente, como disse antes, era bonita,
mas era só isso.

— Mamma, que bom que está aqui. Preciso


falar com você.

— Estou aqui. – Disse enquanto se servia de


um chá gelado de hortelã que a diarista sempre
deixava pronto antes de sair. – Fale.

— Vou conseguir recuperar a empresa. Achei


uma solução para nosso problema.

— Conseguiu? Qual foi ela? – Falou com seu


tom impessoal e distante que percebi que reservava
apenas para mim.

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— Vou me casar com alguém que pode pagar


nossa dívida.

— Quem seria tolo a esse ponto?

Ignorei seu insulto. Sabia que não se dirigia a


quem quer que fosse a pessoa que fosse casar
comigo, mas a mim. Mamãe nunca me perdoou por
meu casamento com Stephen não ter dado certo.

— Ettore Montebello.

Da maneira que me olhou, deixando o chá de


lado. Da maneira que suas mãos começaram a
tremer, foi como se eu tivesse invocado o próprio
coisa ruim no centro da copa.

— Desista dessa ideia.

— Tem alguma ideia melhor? – Desafiei.

Mamãe levantou-se e vi o esforço absurdo que


fazia para não derrubar as louças que estavam sobre
uma das bancadas da cozinha. Andou de um lado
para outro então tornou a falar comigo. Eu estava
preparada para ouvir seus desaforos, por que sabia
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que eles viriam de um modo ou de outro.

— Realmente cogitou a possibilidade de casar


com o filho do homem mais vil que já pisou nesta
terra?

— Sim. A não ser que tenha outra ideia para eu


conseguir mais duas dezenas de milhões de euros,
eu a cogitei lindamente.

— Os Montebello são a causa da minha


infelicidade. Aquele maldito Cesare, que queime no
inferno, é a causa do seu pai ter se corrompido
como se corrompeu. É a causa das noites em claro
em que ficamos esperando seu pai e ele não
chegava por que estava ocupado demais com as
prostitutas que o maldito pagava.

— Eu conheço essa história, Mamma, eu estava


vivendo-a com você. Apenas não passo a mão na
cabeça do meu pai. Ele era um adulto e tinha todas
as capacidades intactas. Se quisesse, poderia negar
qualquer uma das ofertas de Cesare, mas preferiu
aceitá-las.

Eu conhecia o sofrimento por que os


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Montebello tinham feito minha mãe passar. Era eu


quem estava ao lado dela todos os dias, mas eu não
pretendia sair machucada disso, nem envolvida.

Eram apenas seis meses, o que poderia dar


errado?

— Mamma, olhe para mim. – Pedi levantando-


me e andando até ela, eu precisava de seu apoio. Se
eu não o conseguisse pelo menos dessa vez, eu não
sei como seria. Não sei como poderia passar por
isso tudo. Eu já estava carregando o peso do mundo
nas costas, não precisava que alguém viesse
depositar mais cargas sobre mim – Estou fazendo
isso pela senhora também. Não quero deixá-la
desamparada caso a empresa feche. Não quero que
fique sem nada, que perca a casa. Porque isso vai
acontecer se eu não casar com esse homem.

Seu silêncio doía bem mais que suas acusações.

— Mamma, eu preciso de sua ajuda. Preciso


que esteja comigo.

— Se quer se vender ao filho daquele demônio,


faça isso, mas não conte comigo. Se parece muito
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com seu pai, pelo que vejo. Só você é que não está
notando.

— Não diga uma coisa dessas... – Falei me


afastando apenas um passo – Eu não sou como ele.
Nunca serei como ele.

— Está se vendendo para um Montebello,


exatamente como ele fez.

Respirei fundo, não queria discutir. Não queria


mesmo abalar ainda mais a relação que tinha com
minha mãe. Então, se eu quisesse mostrar que a
decisão estava tomada, teria que ser com o mesmo
tom firme que era necessário usar sempre que
rebatia a qualquer uma de suas críticas.

— A decisão está tomada, mãe. Não vejo outra


alternativa. Casar com Ettore é a única saída que
vejo.

— Stephen pode ajudar. Conversei com ele.

— A senhora fez o que?! – Minha voz subiu


algumas notas.

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— Fiz o que tinha que ser feito. Ele está


disposto a ajudar. Pode sempre reatar com seu
marido. Como qualquer mulher decente, pode
ignorar o passado e dar uma nova chance ao seu
marido.

— Olha, mamma. Em primeiro lugar, não se


meta outra vez nos assuntos da Davani. Aquilo diz
respeito a mim. Em segundo lugar, não fale de nada
sobre a Davani ou sobre mim para o maldito do
Stephen. E em terceiro lugar, a decisão está
tomada. Não vou voltar atrás. Prefiro padecer nas
mãos de Ettore do que voltar para meu ex-marido.
Então, minha única questão é. Vou poder contar
com sua ajuda quanto a Amora, ou não? Por que se
não contar, vou dar o meu jeito.

— Não preciso repetir. Também conhece minha


resposta.

Disse me deixando sozinha na cozinha. Sem


nenhum apoio, sem nenhuma palavra de consolo,
quando tudo que queria era me jogar em seus
braços como quando eu era pequena. Como quando
ainda sentia que eu lhe agradava de alguma forma.
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CAPÍTULO 12 | Lívia

Os olhos de Ettore permaneciam em mim.


Fixos, quentes, selvagens. Como se eu realmente
fosse sua noiva e aquele fosse um casamento
perfeito. Minha mão parecia pequena na sua
enquanto ele deslizava a aliança em meu dedo.

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— Prometo ser fiel, Lívia. Te respeitarei em


todos os momentos. Por todos os dias que este
casamento durar. – As sílabas deslizaram pela sua
língua devagar. Sua voz rouca de cantor de rock
fazia que parecessem mais intensas do que
realmente deveriam.

Sua mudança proposital nas últimas linhas do


tradicional voto de casamento não passou
despercebido. Para mim, bem como para Ettore,
esses votos eram sagrados demais para serem
violados numa mentira perfeita. Então os tínhamos
adaptado à nossa necessidade.

— Te prometo ser fiel, Ettore, e te respeitarei


enquanto este casamento durar, em todos os
momentos.

Foi minha vez de repetir suas palavras de uma


maneira diferente. Não podíamos jurar amor, nem
poderíamos. Cada um sabia por que estava
entrando nesse esquema.

Dinheiro.

Apenas dinheiro.
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Eu nem mesmo estava usando um vestido de


casamento. Tudo o que usava era um tubinho rosa
quartzo, saltos altos quase do mesmo tom. Um
casaquinho Chanel com contas de pérolas e uma
Birkin que carregava alguns pertences.

Olhei para meu agora marido. Ettore estava


menos preparado para este casamento que eu, com
uma calça jeans, coturnos e um suéter preto. Como
se tivesse se vestido para ir a um passeio qualquer,
não para seu próprio enlace.

Ouvimos as últimas palavras do juiz, que talvez


estivesse fazendo questão de seguir todo o
protocolo para aliviar a consciência, já que na
manhã seguinte receberia a propina prometida.

Beatriz e Ingrid eram minhas testemunhas.


Claro que eu precisava de alguém de confiança,
claro que seriam elas. Entreguei uma das vias do
documento assinado para que Beatriz levasse ao
banco, para liberar o dinheiro, o que aconteceria no
dia seguinte. Agradeci outra vez a Ingrid por cuidar
de Amora por alguns dias e me dirigi para a saída.

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A BMW Z4 estava estacionada perto da


entrada. Sempre imaginei que no dia do meu
casamento eu seria banhada por uma chuva de
arroz e em seguida entraria numa Mercedes Benz
special roadster alugada e enfeitada por muitas latas
que fariam barulho por onde eu passasse.

Não tive isso no meu primeiro casamento.

Nem tive isso no segundo.

Guardei minha cópia dos documentos que


recebi do juiz dentro da bolsa e esperei que Ettore
entrasse no carro para poder dar a partida e seguir
para o hotel que tinha reservado para ficarmos
enquanto a casa ainda não estava pronta.

— Agora só falta comprar minha casa e o carro.

Ettore disse enquanto colocava os óculos


escuros e apertava o botão que escondia o teto
conversível. Acenei para Beatriz e Ingrid que iam
em outro carro e vi como estavam nervosas por
mim. Tentei tranquilizá-las o máximo que pude
com um sorriso amarelo.

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Dei partida no carro e em menos de dez


minutos entrávamos no hotel que tinha sido
escolhido para passarmos nossa lua-de-mel, se é
que se pode chamar assim. Meus nervos estavam à
flor-da-pele e eu só conseguia respirar por que
estava lutando contra o pensamento que me
assustava.

Eu teria que dormir com Ettore Montebello.

— Tenho uma reserva. – Disse para a


recepcionista que não disfarçou nem um pouquinho
a vontade de ficar admirando Ettore. Virei-me para
ver se Ettore estava correspondendo à olhadela,
mas notei que estava olhando para mim.

Sem desviar o olhar por nenhum segundo.

— Ah... Desculpe, senhora Mayer. – A garota


disse enquanto digitava num teclado e dava alguns
cliques no mouse, desconcertada por eu ter que
pigarrear para tirá-la do seu transe – Deve ter
acontecido algum engano, não há uma reserva no
seu nome.

Eu não tinha apresentado uma tese de


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doutoramento à toa. Minha carteira de identificação


profissional, a que lhe entreguei, tinha minha
qualificação de maneira bem visível. Seu jeito de
falar comigo era irritado, como o de quem não foi
com minha cara de primeira.

Eu não tinha culpa que o homem ao meu lado


não estava correspondendo às suas paqueras.

— Sinto muito, mas se algum engano está


acontecendo, deve ser por parte do hotel. Minha
assistente fez a reserva ontem mesmo.

— Consta em nossos registros que foi enviado


um e-mail pela manhã informando do
cancelamento. Infelizmente, o hotel foi alugado
para uma convenção médica e não pudemos efetuar
sua reserva.

— Isso é um desrespeito... – Ia falar, mas Ettore


intrometeu-se.

— Está tudo bem, amor. – Disse colocando a


mão em minha cintura e se apoiando ao balcão
enquanto dirigia-se à moça – Menina, - Chamou a
atenção da garota que só faltou ter uma convulsão
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na minha frente de tanto que sorria – tem certeza


que não há um quarto disponível? Não nos
importamos em pagar um acréscimo. E, por favor,
procure pelo sobrenome Montebello. A assistente
da minha esposa pode ter se enganado e usado seu
nome de solteira.

A pele da bochecha da garota não podia ficar


mais vermelha. Ela vasculhou outra vez nos
arquivos do computador, mas repetiu sua primeira
opinião.

— Sinto muito, senhor Montebello, não há


nenhuma reserva. E, desculpe, mas os hotéis da
região estão todos lotados. A convenção é
internacional e vai ser muito difícil encontrar algum
que tenha vagas.

— Obrigada. – Eu disse antes de dar meia-volta


e tornar para o lado de fora. Percebendo que a mão
de Ettore continuava me levando pela cintura.
Entramos no carro e procuramos vagas em todos os
melhores hotéis e pousadas da região, mas
realmente não tinha vaga nenhuma disponível.

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— Deve ser por isso que dizem que quem casa


quer casa. – Ettore estava encostado no carro, do
lado de fora, enquanto eu voltava de mais uma
tentativa frustrada de encontrar um quarto num
hotel bem abaixo do nível que eu esperava. –
Também nada?

— Não. Me desculpe, eu tinha planejado tudo.


Não sei como um descuido desses foi acontecer.

— Eu conheço um lugar que podemos ficar.

— Conhece? E por que não nos poupou do


trabalho?

— Por que queria esgotar todas as


possibilidades. Ele é muito ruim. A não ser que
queira dormir no carro, vamos ter que nos virar
com uma pequena pensão não muito longe daqui.

— Qualquer coisa. Já estou cansada demais


para querer escolher. Pelo menos amanhã, até esta
hora, já teremos um teto sobre nossas cabeças.

— Pelo menos isso. Posso dirigir se estiver


cansada. – Ettore estendeu a mão.
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— Ninguém toca no meu carro. Para isso


providenciamos seu Mustang. Não tenho culpa que
a concessionária pediu quinze dias para o entregar.

Disse já passando por ele e intentando entrar no


carro. Ele, porém, cobriu minha mão quando eu
tentei abrir a porta.

— E como vai dirigir se nem sabe onde é?

— Ou você me diz onde é e eu não demoro


nada para chegarmos lá, ou vou ficar rodando na
cidade até estarmos exaustos e não termos nenhum
lugar para tomar banho.

Minha justificativa pareceu convencê-lo. Dirigi


por algumas boas ruas, enquanto seguia a direção
que tinha me indicado. O lugar que tinha escolhido
para passarmos nossa “Lua-de-mel” era um quarto
vagabundo de hotel de esquina.

Ettore pagou o quarto e notei quase todas as


chaves nos ganchos atrás do balcão. Mostrando que
tudo estava vazio. Segui meu, agora, marido, até o
quarto e devo confessar que fiquei surpresa com a
qualidade do quarto.
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Ou a falta dela.

Fechei a cortina da janela, não sem antes espiar


para ver que tinha prostitutas na esquina se
oferecendo aos carros que passavam. Olhei outra
vez para a cama e quase morri ao perceber que tipo
de coisas horríveis já podia ter acontecido ali.

— Isso aqui é um nojo. - Resmunguei baixinho.

— É culpa sua que estejamos aqui, doutora.

Ettore parecia bastante à vontade enquanto


sentava na cama e retirava o suéter pelo alto da
cabeça, ficando apenas com a camisa branca que
usava por baixo.

— Esse local pelo menos tem serviço de


quarto?

— Claro que sim, as prostitutas lá fora trazem o


café-da-manhã às sete. – Ettore deve ter percebido
o horror no meu rosto, por que logo se apressou a
explicar – Espero que tenha entendido meu
sarcasmo.
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— Quer saber? – Me dei por vencida – Estou


cansada e faminta. Não sabia que teria que rodar a
cidade quase inteira para encontrar vaga em hotel.
E nem pensei que terminaria minha noite num hotel
tão vagabundo. Então, se faz tanta questão,
dormiremos aqui.

— Ótimo. Vou sair por um minuto.

— Espera, para onde?

— Vou comprar nosso jantar. Só abra essa


porta se for para mim. Devo demorar uns vinte
minutos. Vou naquela lanchonete que fica aqui ao
lado.

— Ettore...

— Seu marido não vai demorar.

Ele disse batendo a porta após si e sorrindo com


deboche do meu nervosismo. Nesse momento, só
tive certeza de uma coisa: estávamos casados há
menos de três horas e eu já estava começando a me
arrepender disso tudo.

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CAPÍTULO 13 | Ettore

Comprei uma porção de macarrão à bolonhesa e


uma pizza para dividir com Lívia. Não era nem de
perto o jantar que eu esperava dividir com minha
esposa numa noite de núpcias, mesmo conhecendo
os termos do nosso enlace. Eu tinha pedido esse
quarto específico na pousada de beira-de-estrada
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por que sabia que não era utilizado pelas


prostitutas.

Eu mesmo já tinha me hospedado nesse hotel


outra vezes.

O prédio tinha dois andares. No andar inferior,


os quartos eram usados para prestar esse tipo de
serviço, o andar superior, onde Lívia e eu
estávamos, era usado para clientes de verdade.
Então eu sabia que não seriamos atrapalhados por
nenhum rumor acalorado de prazer fingido.

Quando voltei ao quarto de hotel, com nossa


refeição, vi-a a sair do chuveiro. Enrolada com uma
toalha que cobria o corpo enquanto com a outra
secava o cabelo. A luz esbranquiçada do quarto
deixando sua pele pálida e completamente
apetecível.

— O lugar é bem ruim, mas pelo menos o


banheiro tem água quente... – Ela disse dando de
ombros e sentando-se à beirada da cama para
passar hidratante.

Engoli o bolo seco que se formou em minha


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garganta. Coloquei as embalagens de comida sobre


a cômoda de madeira que era único móvel
sobressalente, além da cama, que decorava o
quarto.

— Já quer jantar? – Questionei deixando que


meu olhar desvendasse suas pernas enquanto estava
distraída com seu ritual de beleza.

— O que prefere? – Perguntou virando o rosto


para mim. Sem a maquiagem que parecia lhe
transformar numa barbie ruiva, sua pele era fresca e
pálida. Rosada nos pontos certos.

Com meus anos de prática, eu já tinha


observado. E posso dizer que é verdade. A cor dos
lábios de qualquer mulher, se repete lá embaixo. E
se eu estivesse correto, e esperava estar, ela teria a
boceta mais rosada que já tive o privilégio de ver.

— Vou tomar um banho primeiro. Para te dar


alguma privacidade para se vestir. Andar de um
lado para outro foi cansativo.

— Tudo bem.

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Limitou-se a expressar essas pequenas três


sílabas enquanto passei ao chuveiro. Deixei que a
água fizesse seu trabalho enquanto apenas
afugentava o pensamento de tê-la possuído a partir
do momento que entrei no quarto.

Assim que terminei o banho, voltei ao quarto.


Me deixando ficar sobre o tapetinho ao lado da
porta do banheiro até que a água terminasse de
escorrer do meu corpo.

— Pode me emprestar a toalha, por favor? –


Perguntei enquanto passava a mão no cabelo e no
rosto para me secar mais rápido. – Não tinha outra
toalha lá dentro.

Lívia virou para mim e seus olhos arregalaram.


Seu rosto ficou completamente vermelho ao me ver
nu. Ela tentou disfarçar, mas notei sua inquietação.
Gostei da forma como precisou piscar para que não
olhasse meu pau por mais tempo do que gostaria de
ter feito.

A mulher se levantou com cuidado e veio até


mim me entregando a toalha que antes enxugava

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seu corpo. Seus olhos marrons tornando-se mais


escuros por causa da iluminação pobre do quarto.
Sua boca numa linha nada suave enquanto lutava
contra a vontade de me olhar mais um pouco.
Concentrando suas forças em olhar para meu rosto.

Segurei a mão que estendia a toalha e puxei-a


para perto. Seu corpo colou ao meu por um
segundo e ela encarou meus olhos ligeiramente
receosa. Os lábios entreabertos quando soltou o ar
que prendia. Sua boca grande demais para seu
rosto, mas que se encaixava perfeitamente em seu
rosto de alguma forma.

— Nunca viu um homem nu, doutora Mayer? –


Perguntei enquanto a olhava aos olhos, querendo
saber se existia ou não alguma reciprocidade para a
vontade de foder essa noite.

— Nunca vi um tão descarado, apenas isso.

— Vai ter que se acostumar a me ver assim, por


que não sei dormir de outra forma. E sabe que
dormiremos juntos, não sabe? Poderia fazer isso
agora mesmo se eu quisesse.

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A mulher engoliu em seco. Suas mãos presas ao


redor do corpo. Seu olhar decidindo se encarava
meus olhos ou minha boca. Pendendo para a dúvida
sempre.

— Isso vai te fazer sentir mais homem? Gosta


de ver que me constrange?

Seu tom era de desafio. No entanto, era preciso


que eu morresse e renascesse errado para forçar
uma mulher. Não depois de tudo pelo que vi
Tessália passar. Não depois de toda a dor que tive
que presenciar.

Eu a liberei de meu abraço e peguei a toalha


que estava em sua mão. Me cobri, sem quebrar o
contato visual, e vi como relaxou visivelmente
quando isso aconteceu.

As ruivas são fogosas, foi o que sempre ouvi


dizer. Como esta que veio parar em minhas mãos,
justamente essa, tinha defeito de fábrica?

Além disso, eu seria um idiota se a obrigasse a


passar a primeira noite de casamento num quarto
tão fodido, tão vagabundo. Então me controlei
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temporariamente e andei até a cama, apenas com a


toalha.

— Vamos jantar? – Disse – Estou faminto. E


vamos aprender alguma coisa um do outro. Não
quero que me veja como um estranho todo o tempo.
Então é melhor eu saber alguma coisa sobre a
mulher que não consegue realizar uma combinação
de roupa que não tenha um logotipo de marca
famosa.

Sentamos na cama para comer. Doutora Mayer


estava usando uma camisola leve, mas bastante
recatada. Que cobria os lugares para os quais eu
queria estar olhando no momento. Era branca e ia
até os joelhos. Leve, fluída e nem um pouco
transparente. Uma pena.

— O que quer saber, Ettore?

Perguntou com sua voz firme. Seu tom era


forte, embora sua voz fosse delicada.

— Acho que o mínimo para que tenhamos uma


boa convivência. A não ser que esteja cansada
demais para isso. E pode parar de ficar nervosa ao
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meu redor. Não vou querer foder você se se


comportar dessa maneira. Gosto de mulheres
receptivas. Não vou forçá-la a dormir comigo.

Percebi a tensão em seus ombros sendo


dissipada completamente e seu olhar adquirindo
uma expressão diferente, que não reconheci. Era
como vê-la brigando com memórias de um passado
distante. Lívia fechou os olhos e então começou.

— Preciso que pare de se envolver em


problemas enquanto este casamento durar. Ettore,
já tenho muita coisa me preocupando, não posso
me obrigar a livrá-lo de prisões por algum tempo.

Não respondi, continuei comendo minha massa


e lutando contra a vontade irresistível de ver sua
boca recheada de mim. De qualquer forma, fiz
minha própria pergunta.

— Quando a casa vai ficar pronta?

— Amanhã mesmo. Comprei uma decorada de


porteira fechada. Assim que o banco liberar o
dinheiro, já poderemos ir para lá. Vou ter que
comprar algumas coisas, mas fora isso, já vai estar
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pronta para morar.

— Bom. – Acrescentei – Me desculpe por essa


noite estar sendo passada num lugar assim.

— Era isso ou o carro. E, eu amo minha BMW,


mas ela não foi mesmo feita para alguém dormir
em seus bancos de couro.

Seu sorriso era tímido e levemente


constrangido.

— Prometo que me redimirei desta noite algum


dia.

O sorriso sumiu com apenas um enunciado.

— Não vamos começar com promessas, Ettore.


Sabemos por que estamos aqui os dois. Então não
vamos fazer votos que não seremos capazes de
cumprir.

— Eu estou tentando facilitar as coisas para


você mesma, doutora. Por que é a única que está se
constrangendo de ficar ao meu redor, mas se não
quer, tudo bem. Não posso fazer nada além disso.
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Só aviso, que terá que se acostumar não só com


minha presença, mas com meu corpo, meus toques
e tudo o que isso inevitavelmente irá acarretar.

— Eu conheço sua exigência.

— Então aprenda a lidar com ela. – Falei


provocando-a, vendo como meu tom a excitava de
uma forma que ela mesma nem percebia.

Conversamos por mais algum tempo. As


embalagens de comida já estavam vazias e na
lixeira. Eu tinha vestido uma cueca e estava sentado
com as costas contra a porta. Enquanto Lívia
ocupava a cama.

Percebi quando pegou no sono. Estava pacífica


e eu não iria atrapalhar seu descanso. Não hoje.
Peguei um dos travesseiros, cobri o chão com o
lençol que me pertenceria e coloquei-o ali.
Deitando em seguida. Cobri o rosto com o braço e
lutei contra minha imaginação que tentava me
manter acordado.

De uma maneira prazerosa, admito. Devo ter


vencido, ao final, pois não percebi quando dormi.
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CAPÍTULO 14 | Ettore

Acordei Lívia bem cedo, já que tínhamos que ir


receber as chaves da casa nova, e aproveitei que
estava tomando banho para me vestir e guardar as
coisas dela na bolsa para tomar caffe al volo no bar
da esquina.

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Fui guardando as coisas no carro, para lhe dar


alguma privacidade para se vestir, já que parecia
um bambu tenso quando eu estava por perto. E
fiquei recostado ao carro, deslizando com o polegar
a minha aliança de ouro.

Símbolo de um compromisso que eu não


queria, mas que respeitaria a todo custo.

Enquanto na casa do maledetto eu tive o pior


exemplo de ser humano possível como pai, e uma
pessoa submissa demais como mãe, aprendi outra
coisa na casa dos Martinelli. Enzo e Sara foram o
exemplo que quis levar para a vida, enquanto na
minha casa de verdade, só residia o exemplo
daquilo que eu não queria ser. Daquilo que eu
nunca queria fazer.

Cesare não tinha se cansado de me maltratar


quando me expulsou de casa aos sete anos.
Seguranças armados vieram me resgatar da casa de
Enzo poucos dias depois de eu ter sumido. Os
irmãos Montebello foram obrigados a sair da escola
e estudar em casa, com professores particulares.

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Nem pudemos lamentar a perda de nossa mãe


de maneira apropriada, já que o enterro dela foi
feito na lápide particular da família e só os
funcionários tinham autorização para se aproximar
do local.

Tudo naquela casa era uma tortura psicológica.

Alguns anos depois, fomos separados.

Barone foi mandado para um colégio interno,


Paola passou a viver numa espécie de cárcere
privado, Elena tinha se tornado a princesa da casa.
Única das crianças Montebello que nunca sofreu
um maltrato. Quanto a mim, Cesare usava de
ameaças contra minhas irmãs para me fazer andar
na linha todos os dias. Caso contrário, Paola
apanhava se eu me desviasse de seus ensinamentos.

Eu conseguia fugir, praticamente todas as


noites, e ia para a casa de Enzo. Sara cuidava de
mim, como minha mãe não pode, e Enzo foi o
melhor pai que a terra poderia ter me dado. Com o
tempo, passei a dar-lhe esse título enquanto Cesare
só recebia meu desprezo.

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Vi quando Lívia saiu do quarto e desceu as


escadas vindo até mim. Coloquei no rosto uma
expressão mais suave, menos atormentada pelo
passado e cumprimentei-a com um bom dia
tranquilo.

Tomamos nosso caffe al volo na esquina e em


seguida entrei no carro enquanto ela nos levava
para o condomínio privado onde tinha comprado a
casa. Realizou uma ligação para sua secretária e
apenas sorriu quando a garota do outro lado da
linha confirmou que o dinheiro já estava disponível
na conta.

Sua promessa foi de dobrar o dinheiro.

E foi somente por isso que aceitei esse


casamento.

Observei, quieto, do assento do passageiro, o


modo como a doutora Mayer guiava o carro.
Felizmente, protegido por meus óculos escuros.
Meu olhar deslizaria facilmente por sua pele, até
alcançar suas pernas, se eu não soubesse que o
simples fato de um homem como eu admirá-la

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parecia incomodar como se estivesse sendo violada.

Depois de algum tempo dirigindo, vi que


estávamos saindo dos bairros mais pobres e
chegando cada vez até as partes mais caras da
região de Chianti.

Não que Chianti tivesse tantas regiões baratas


assim.

Lívia estacionou diante de uma casa gigantesca


estilo mediterrâneo. A arquitetura era
inconfundível. Fachada em estuque em tons pasteis.
Grandes portas e janelas arqueadas. Telhado de
baixa frequência, arqueado e em forma de barril.
Com uma enorme varanda no nível superior. Isso
era o que se podia ver de fora.

— Quanto custou essa extravagância? –


Perguntei sendo tomado por um sentimento
estranho. Eu tinha uma casa. Depois de tanto
tempo, tinha um lugar para me estabelecer e poder
chamar de meu.

— Dez milhões.

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— Dez o que? – Essa mulher devia administrar


meu dinheiro, não era? O que ela fazia gastando
tanto assim numa casa?

— Exatos dez milhões, com desconto para


pagamento à vista. – Acrescentou – Não olha para
mim assim. Foi você quem disse o que queria numa
casa e procurei exatamente o que tinha naquela
lista. Aí tem sua academia, piscina, cinco quartos,
seis banheiros e tudo mais que colocou no papel.

— Não achei que fosse custar tanto.

— Não se preocupe, Ettore. – Lívia disse me


tranquilizando – Só seus rendimentos na poupança
vão pagar os custos mensais dessa casa. Além
disso, a localização é ótima e está valorizando. Se
algum dia enjoar dela, vai poder vender por bem
mais do que comprou.

Dei de ombros, a casa era realmente


maravilhosa. O corretor nos esperava diante da casa
e entregou a chave em minhas mãos. Lívia o
cumprimentou e eu detestei a maneira como os
olhos dele ficaram nos dela por mais de cinco

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segundos.

— Senhor Montebello. Doutora Mayer.

— É doutora Montebello agora. - Me intrometi


e estendi a mão para o homem.

— Claro, um pequeno deslize. – O homem


tinha cara de contador com seu terno preto e
gravata. – Devo parabenizá-los pelo casamento.
Meus melhores desejos.

— Obrigada, - Lívia disse enquanto se afastava


da mão que eu coloquei em sua cintura – O pessoal
cumpriu tudo o que pedi?

— Sim. Ainda há algum pessoal trabalhando na


casa. O comprador particular está terminando de
abastecer a despensa e duas diaristas estão
organizando todo o enxoval que a Frette mandou.
Conferimos o pedido duas vezes e tudo foi entregue
conforme a senhora pediu.

— Outra vez obrigada, Toni. Beatriz, minha


secretária, fez a transferência pela manhã. Recebeu
o e-mail confirmando?
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— Sim, senhor e senhora Montebello, - O


homem agora se dirigia a nós dois – Agradecemos
pela preferência. Se houver alguma coisa que
pudermos fazer futuramente, não esqueça de entrar
em contato.

— Futuramente, se houver necessidade,


faremos isso. – Eu respondi já dando passos em
direção à casa. Lívia se despediu do homem e veio
comigo em seguida.

— Você foi grosseiro. O homem só estava


fazendo o serviço dele. – Ela disse me
repreendendo.

— Fiz propositalmente.

Entramos na casa e vi que o interior era tão bem


feito quanto o exterior. Guardei meus comentários
para mim apenas por que não queria encher demais
a bolinha da doutora Mayer.

Algum tempo passou enquanto eu ainda estava


conhecendo os cômodos da casa, em especial a
minha área de treinamento, quando ouvimos a
campainha tocar. Fui em direção da sala quando
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uma das diaristas veio com o recado que tinha


alguém à porta nos esperando.

Lívia olhou para mim tão surpresa quanto eu.


Então comentou com sua voz de timbre único que
conseguia ser fortemente doce:

— Acho que é nossa primeira visita,


provavelmente os vizinhos, devem ter vindo
cumprimentar os novos moradores.

— Tomara que tenham trago alguma coisa para


comer. – Dei de ombros.

— Ah, sim. Estamos nesse tipo de vizinhança


mesmo. – Juntou as sobrancelhas antes de irmos em
direção ao vestíbulo onde nos esperava a garota que
foi nossa testemunha de casamento.

— Ingrid? – Lívia se adiantou com um ar


preocupado – O que aconteceu? O que está fazendo
aqui?

— Desculpa, Lívia. Eu precisei ligar para Bia e


ela disse que nessa hora você já estaria aqui. Ela me
passou o endereço. Aconteceu uma coisa.
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— Aconteceu o que? Onde está Amora? – O


tom de minha esposa era preocupado.

— Sua mãe disse que ela não poderia ficar lá.


Que não ia cuidar dela enquanto... Bom, enquanto
isso aqui acontecesse. E que não tínhamos
autorização de morar na residência Davani. Em
outras palavras, mandou que eu trouxesse a Amora
para você.

— Oh, meu Deus. Onde está minha filha? –


Lívia andou até a porta e Ingrid continuou.

— Sabe que eu ficaria com Amora


tranquilamente, mas o apartamento que estou
morando não tem elevador. Não seria fácil para ela
ser levada ao quarto andar todos os dias pela
escada.

— Amiga, você está certa. – Lívia lançou um


olhar compreensivo para Ingrid e eu ainda estava
aéreo demais a tudo para opinar. Preso à palavra
“filha” por mais tempo que deveria.

Segui Lívia que foi até o lado de fora e paramos


diante de um Ford de um modelo que eu não
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conhecia. Lívia apertou alguns botões no painel e


logo estava tirando de dentro uma surpresa
inesperada.

Nem tão boa assim.

— O que é isso? – Perguntei quando vi que


tinha uma menina saindo do veículo. Numa
cadeira-de-rodas. Estava agarrada a um urso
enorme verde e roxo.

— Isso não, Ettore. Mais respeito. Esta é minha


filha, Amora. Eu não pretendia que se conhecessem
assim, mas as circunstâncias obrigaram.

— Tem uma filha? E que diabo de nome é


Amora?

— Não é bonito xingar, Sullivan. – A tal Amora


ralhou comigo.

Puxei Lívia de lado e Ingrid ficou com a


menina por algum tempo.

— Essa criança não pode morar aqui.

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— Ela é minha filha, Ettore.

— Não tinha uma criança no meu contrato.

— Por favor, Ettore.

— Lívia, eu disse que não.

— Não? Ah, grande merda. Quer saber? – Lívia


falou com um ar irritado – Lembra do que disse
para Beatriz quando invadiu minha sala? – seu tom
era desafiador – Fique olhando.

Ingrid soltou uma risadinha e começou a ajuntar


algumas malas enquanto Lívia levava Amora casa
adentro.

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CAPÍTULO 15 | Ettore

Vi quando Lívia veio de instalar a menina no


quarto de hóspedes do andar inferior. Seu rosto
sempre tão lívido não expressava nada. As pontas
dos dedos se tocando, num gesto nervoso. Sua
coragem só tinha durado até que Ingrid fosse
embora.
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Seus lábios entreabriram para falar alguma


coisa, mas eu não queria ouvir. Apenas a
interrompi diretamente.

— Você devia ter me falado.

— Eu sei... Ettore, eu juro que não fiz isso


propositalmente.

— Eu não tenho razões para pensar de maneira


diferente. Esperou até que estivéssemos casados
para me dar a grande notícia?

— Não... – Lívia falou num tom de quem achou


minha pergunta repugnante – Eu não fiz isso. Eu
nem esperava que precisasse conhecer minha filha.
Eu fazia questão de não envolvê-la nisso.

— É mesmo? – Perguntei incrédulo.

— Mesmo. Olha, eu queria ter outra maneira de


resolver as coisas, mas não tenho. Eu vou cuidar de
todos os custos da minha filha, ela só precisa ficar
ao lado da mãe. Ela é pequena e não entende a
rejeição por que acabou de passar. Eu ainda nem
sei direito o que deu na cabeça da minha mãe para
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mandá-la assim repentinamente.

— Eu não estou pronto para ter uma criança


atrapalhando meu caminho por onde eu andar. Não
me interessa o que passou pela cabeça da sua mãe.
O que passou pela sua cabeça?

— Ettore, eu prometo que a Amora não vai


ficar no seu caminho. Ela é uma menina
comportada. Passa a maior parte do tempo na
escola, na fisioterapia, em cursos. Ela não vai dar
trabalho nenhum, eu juro.

Seu olhar tinha certa súplica.

— Por favor, Ettore. Nunca foi criança? Nunca


precisou de ajuda?

Suas palavras ativaram memórias que eu tinha


sufocado com o tempo. Era quase como se sentisse
outra vez minha insignificância quando menino. Eu
era duro, mas não era nenhum crápula. Se a criança
não ficasse em meu caminho, atrapalhasse minha
vida, poderia ficar na casa.

— Quer saber, tudo bem. – Disse me afastando


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e indo em direção à geladeira pegar algo para


comer – São apenas seis meses.

— Obrigada. – Seu olhar realmente expressava


gratidão – Eu vou pedir alguma coisa para comer.
Não sabia que ela ia chegar tão repentinamente, não
tinha planejado cozinhar nada agora.

— Deixa que eu faço isso. Ela tem alguma


alergia?

— Somos alérgicas a chocolate. Fora isso, tudo


está liberado.

— Vida triste a de vocês. – Lívia já ia dar as


costas para mim e seguir para o quarto, quando a
chamei outra vez – Ah, só mais uma coisa.

— Claro. – Olhou para mim e pude ver como


estava mais relaxada. Embora ainda houvesse
toques de apreensão nublando seu olhar.

— Quero fazer uma pergunta.

— Pergunte. – Disse apoiando as mãos na


bancada da mesa enquanto eu me virava com uma
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pera para enrolar a fome.

— O que tinha na cabeça para escolher um


nome desse para sua filha? Amora? Nome de fruta?

— Não é nome de fruta somente. Amora é o


feminino de amor.

— Sabe quem mais tem esse nome? – Disse lhe


dando uma embalagem com gordos morangos para
que dividisse com sua filha – Aquele mamute da
era do gelo.

— Com isso você só mostrou que anda


assistindo o mesmo tipo de filme que Amora
assistia aos quatro anos. – Disse dando de ombros e
eu quase vi nascer um sorriso em sua boca rosada.

Pensamentos obtusos entrando em ação outra


vez.

Pensamentos bastante obtusos.

Vi-a ir ao quarto onde a menina ficaria e olhei


para a casa outra vez. Meus planos de foder a
doutora em cada cômodo da casa livremente teriam
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que ser refreados momentaneamente.

O comprador profissional me passou o nome de


um restaurante da região que fazia entregas aquele
horário e eu pedi algo para comermos. Já que não
tinha ideia de onde estava nada naquela cozinha e
não era o melhor cozinheiro do mundo.

Mal tinha encerrado a ligação, a campainha


tocou outra vez. Eu já estava começando a ficar
impressionado com a rapidez do restaurante,
quando abri a porta e me deparei com a senhora
Davani.

— Lívia está? – Perguntou com seu ar austero.


Afetado pela riqueza, embora qualquer morador da
Toscana soubesse que a família Bataglia Davani
não estava tão boa assim nesse quesito.

— Está sim. – Eu disse.

— Preciso falar com ela. Vai me convidar para


entrar ou vai me deixar na rua por mais tempo?

Eu tinha certa admiração pelo trabalho de


Davani. Ele era eficaz quando precisava me tirar de
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meus problemas, só por isso não bati a porta na


cara dessa mulher. Então, apenas andei para o lado
e acenei para que entrasse.

Teresa entrou na casa olhando para cada


aspecto da decoração. Detalhes aos quais nem eu
mesmo tinha me acostumado e foi direto pelo
vestíbulo à área social.

— Ei, qual seu nome? – Perguntei para uma das


moças que estava indo em direção à despensa com
uma caixa de alimentos.

— Nina.

— Nina, deixa isso aqui um minuto. Pode


chamar Lívia, por favor? Diga que a mãe dela está
aqui.

— Claro. – A garota sorriu gentilmente e foi em


direção ao quarto de hóspedes.

— A senhora quer sentar? – Perguntei à


senhora Davani.

— Não, obrigada.
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— Aceita uma bebida? Deve ter uns cinco tipos


diferentes de água mineral aqui. Ainda não estou
familiarizado com as outras bebidas na casa, então
não posso oferecer nenhuma.

— Eu estou bem.

Lívia veio outra vez para a sala, mas seu olhar


tinha certos toques de ira. Ressentimento, raiva. Era
fantástico ver algum sentimento transbordando de
seu interior e sendo expresso na superfície.

— Por que fez isso? – Sua pergunta se dirigia à


mãe – Por que submeter minha filha a um
tratamento desse? Não poderia ter me chamado e
me dado a oportunidade de resolver as coisas?

— Lívia, não sou obrigada a cuidar de sua filha


apenas para participar desse seu jogo sujo.

— Jogo sujo? É da empresa que a sustentou a


vida inteira que estou falando. Ou acha que as
despesas da casa onde mora iriam ser pagas por
quem caso a Davani fechasse? Não sou eu quem
está pagando mensalmente todas as contas desde
que papai morreu?
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— Bom, isso não importa agora. Não sou


obrigada a ter esse nível de comprometimento. Eu
não tenho paciência para lidar com uma inválida.

Lívia recuou um pouco na fala, notei que estava


retraída. Talvez sua mãe podasse suas atitudes bem
como meu pai fazia comigo. De certa maneira,
odiei-a naquele exato momento.

— Ela é sua neta! Como se atreve? Nunca mais


fale isso da minha filha.

— É o que vim fazer. O motorista está lá fora


com todas as suas coisas, além das coisas da sua
filha. Mande a criadagem pegar tudo. Eu disse que
não contaria comigo se resolvesse se casar com
esse Montebello. A partir de agora, está por sua
própria conta. Não é bem-vinda em minha casa.

— O que está dizendo? – O tom era magoado.

— Estou dizendo que a partir deste momento


pode se considerar deserdada. Tanto você quanto
aquela garota...

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Eu não ia deixar que essa mulher, embora fosse


mãe de Lívia, continuasse a destilar seu veneno
assim.

— Senhora Davani, não quero ser


desrespeitoso, mas acho que é melhor dirigir-se à
Lívia de uma forma mais respeitosa.

— Eu sugiro que não se meta neste assunto que


não te diz o menor respeito. – Falou gesticulando
com a mão de uma maneira irritada. Apontando de
si para a doutora Mayer.

— E eu sugiro que dobre sua língua para se


dirigir a mim ou a minha mulher, na minha casa.
Está sob meu teto e não tolero que se dirija a
qualquer um que aqui reside nestes termos. – Meu
tom era duro. Não ia tolerar suas ofensas à mulher
com quem eu tinha casado.

Enzo tinha me ensinado isso.

Enzo tinha me ensinado a defender a esposa, no


caso dele, Sara, de quem quer que fosse. Se
pudesse lutar contra a morte, teria salvo minha mãe
postiça que passou por esta vida tão brevemente.
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Eu vi como era devotado à Sara de uma forma


sincera.

E eu tinha aprendido a lição direito.

A minha mulher sempre viria em primeiro


lugar.

— Como se atreve a falar assim comigo? Vai


deixar que esse homem fale nesse tom com sua
mãe?

— Então agora quer se comportar como a mãe


dela? – Lívia parecia surpresa por eu a estar
defendendo, tanto que estava sem reação – Já que
ela está impedida de frequentar sua casa, isso quer
dizer que não precisará pagar mais suas contas
também, correto? Ou vai continuar sendo
sustentada pela filha que renegou?

— É tão maligno quanto seu pai. Não me


surpreende que tenha se dado com essa daí.

Agora ela tinha pegado pesado. Muito pesado.


Para sua sorte, porém, eu estava mais preocupado
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com Lívia, e com a probabilidade de Amora ouvir a


discussão, do que com sua ofensa.

Andei até Lívia e abracei-a por trás, colocando


minhas mãos ao redor de sua cintura e beijando o
alto de sua cabeça.

— Lívia é sua filha, mas isso não lhe dá o


direito de ser desrespeitosa. Vou ser educado e
pedir que se retire. As minhas funcionárias vão
pegar as coisas que a senhora trouxe.

A mulher analisou Lívia friamente. Ela ainda


estava sem reação, não sei se pela discussão ou
pelo fato de eu estar segurando-a perto, então
apenas liberei-a do meu toque para vê-la chamar as
diaristas, além do moço que cuidava do jardim,
para pegar as coisas da filha.

O almoço chegou e eu comi quieto, no quarto.


Já que Lívia ainda estava organizando o que tinha
sido trazido pela mãe e tentando fazer do quarto de
hóspedes um lugar habitável para uma menina de
nem sei quantos anos.

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CAPÍTULO 16 | Lívia

A viagem até em casa era mais longa agora.


Cerca de quarenta minutos até sair do hospital e
chegar na residência Montebello. A localização da
mansão era maravilhosa para Ettore, mas não era
tão maravilhosa assim em relação ao meu serviço.

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Pelo menos eu tinha bastante tempo para ouvir


sobre as aventuras de Amora na escola, no hipismo,
na natação. E isso me ajudava a não me sentir tão
culpada por toda a bagunça em que tinha colocado
minha menina.

Desta vez, ela estava derramando o


coraçãozinho ao perceber o quão perto estávamos
de casa.

— Mamma, ele não gostou de mim.

— E por que diz isso?

— Por que ele estava fazendo uma careta.


Estava zangado.

— Aquela é a cara dele mesmo. – Comentei


fazendo-a rir tímida.

Amora estava no espaço reservado para a


cadeira de rodas. Seu rostinho adoravelmente
confuso pensando que alguém no mundo
conseguiria ter a audácia de recusar gostar dela.

— Acho que ele não vai gostar de mim.


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— Não é verdade, pequenina... Ettore apenas


ainda não se acostumou com a sua presença.
Lembra como demorou para o Sully gostar da Boo?
É tipo isso que está acontecendo.

Amora estava agarrada ao seu ursinho do


Sullivan. O brinquedo favorito desde que tinha três
anos. Acionei o botão que fazia a rampa descer e
tirei-a do carro. Peguei a mochila e coloquei-a no
braço junto com minha bolsa.

Entramos pelo acesso lateral da casa, já que na


frente tinha alguns degraus que seriam difíceis de
vencer com o monte de coisa que eu estava
carregando e seguimos pelo fundo da casa.

Mal tínhamos entrado no quintal, quando vi que


Ettore estava na área externa. Para ser mais
específica, estava sentado numa poltrona externa
enquanto observava a paisagem. Usava apenas uma
calça jeans e uma camisa básica. Estava
completamente confortável apreciando a visão do
quintal que realmente era de tirar o fôlego.

Eram quase sete horas da noite. O céu estava

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perfeitamente estrelado. A lua nova deixava que as


estrelas fizessem seu espetáculo no céu. O vento
tranquilo da noite estava balançando, muito de leve,
o cabelo de Ettore. Quando ele virou em nossa
direção, um sorriso quase imperceptível surgiu
repuxando seu lábio para cima.

— Ah, vocês chegaram. – Disse baixinho


olhando de mim para Amora – Eu fiz o jantar.

Balançou a cabeça em direção à churrasqueira


defumadora e notei que nosso jantar só poderia
estar ali dentro.

— Não precisava se preocupar, Ettore. Eu


poderia ligar e pedir alguma coisa até conseguirmos
uma cozinheira.

— Não foi preocupação nenhuma. Vai nos


poupar o trabalho. Estou fazendo carne assada.
Tem alguns legumes também e usei o pão que a
diarista deixou pronto. Podemos fazer
hambúrgueres. Está com fome, menina?

— Eu não sei, Ettore. – Me intrometi mesmo


sabendo que não era para mim que tinha
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perguntado.

— Tudo bem, mamma. – Amora interviu já


girando as rodinhas e ficando ao lado da
espreguiçadeira que Ettore estava – Sully está
sendo legal.

Sentei ao lado dela, na espreguiçadeira que


antes Ettore ocupava e tentei não me distrair
olhando suas costas largas enquanto fatiava a carne
e colocava-a nos pães junto com os pimentões
assados, a cebola e o picles. Até o queijo e o
ketchup ele tinha trazido.

Ele trouxe os hambúrgueres montados, seis ao


total, e deu um prato para cada um de nós.
Comemos silenciosamente, olhando a paisagem
noturna que se revelava para a vista. A casa ficava
numa parte mais elevada da região de Chianti,
então era possível ver a parte do centro um pouco
mais distante.

Aquele lugar era quase mágico.

Exatamente o tipo de lugar que eu sempre quis


proporcionar à minha filha. Exatamente o tipo de
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lugar que eu não poderia pagar.

Quando terminamos, Ettore se ofereceu para


fazer mais hambúrgueres, mas já estava saciada.
Então apenas agradeci e ia ajudá-lo a tirar a louça
quando ele disse que faria isso.

— Amora, por que não vai indo para o quarto?


Coloca o pijama que vai vestir hoje sobre a cama.
Já vou dar banho em você.

— Tá bom. Boa noite, Sully.

Ettore não respondeu, ainda não sabendo como


agir ao certo ao lado de Amora. Devia ser difícil
para ele ter que lidar com mais gente do que achou
que teria.

— Pelo menos poderia dar um boa noite para a


menina.

— Eu sorri para ela, acho que não viu.

— Num sorriso verdadeiro se mostra os dentes.

— Estou me esforçando ao máximo, Lívia.


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Pior que ele tinha razão.

Havia dois dias que eu mal parava em casa, já


que estava ocupada demais levando Amora para
cima e para baixo. Estava almoçando na rua e
chegava tarde da noite. Amora ficava cansada e
dolorida depois da fisioterapia, então eu lhe
massageava as perninhas e ficava com ela até que
adormecesse. Ainda acabava adormecendo ao lado
dela e quando acordava, era apenas a tempo de
repetir a mesma rotina.

Então eu sabia que Ettore estava sendo muito


paciente.

Paciente e nem um pouco egoísta.

— Eu preciso colocá-la para dormir. Tenho que


dar um banho nela e ajudá-la a vestir o pijama.

— Eu sei. – Ettore disse se aproximando e seus


passos lembraram muito os de uma pantera pronta
para o ataque.

— O que está fazendo? – Perguntei quando o vi


ficar tão perto, que eu podia sentir o cheiro de sua
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loção pós-banho. Um cheiro fresco com madeira.


Era perigosamente tentador.

Uma de suas mãos deslizou uma mecha do meu


cabelo para trás da orelha, a outra continuou onde
estava. Quieta. Embora algo em mim pedisse que
fosse para minha cintura. Que tomasse logo o que
tivesse que tomar e parasse de me deixar
perturbada. Se era para ele saber como eu era
péssima amante, que soubesse de uma vez.

— Percebi que parece terrificada que eu esteja


ao seu lado. E acho que vamos ter que assumir uma
nova dinâmica nessa casa até que esteja à vontade
para dormir comigo.

— Ettore...

— Lívia, vai ter que se acostumar aos meus


toques. Quero foder você, não vou fazer isso
enquanto não me der seu consentimento, mas não
sou muito paciente. Então vou tentar acelerar um
pouco as coisas.

Sua voz fazia uma carícia em meus ouvidos.


Como se fosse feita para ser ouvida por mim,
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assim, tão baixa e quente. Ele tinha voz de quem


sabe cantar e eu me perguntava se algum dia teria o
privilégio de ouvi-lo entoar alguma canção.

— Do que está falando?

Perguntei apenas isso, embora minha mente


tivesse outros milhares de questionamentos. Como,
por exemplo, por que ele queria transar comigo? Eu
sabia o objetivo de todo e qualquer sexo, mas
nenhum homem tinha me falado assim tão
abertamente que queria me ter na cama.

— Acho que não gaguejei, doutora. Quero


foder você. Estou duro neste exato momento só de
estar perto de você, de ver a curva de sua cintura
com esse vestido recatado, mas estou esperando
que relaxe mais para que possa fazer isso. Então,
nesta noite. Vamos nos limitar a apenas um breve
toque.

Deus do céu, minha mente imaginou mil toques


diferentes e eu só conseguia pensar sobre qual deles
é que Ettore se referia. Observei-o se aproximar.
Seu olhar estava no meu e eu só o deixei de lado

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para encarar sua boca que se aproximava. Lenta


demais numa breve tortura.

Ele estava vindo me beijar, não estava?

Ele ia mesmo me beijar assim, sem mais nem


menos?

“Tenha um pouco de animação, Lívia. Uma


manequim tem mais vivacidade que você...”

Fechei os olhos e refreei um gemido de dor que


minhas lembranças me causavam. Eu estava
esperando sua boca tocar na minha, estava tensa,
rígida, mas os lábios de Ettore colaram apenas no
canto dos meus. Sua boca tocando apenas numa
ínfima parte da minha. A maior parte do beijo
depositado na bochecha.

— Não pode dormir sem um beijo de boa noite


do seu marido.

Abri os olhos e vi a expressão de Ettore. Era


como se o visse lutando contra a vontade de
executar mais do que esse beijo comportado. Um
sorrisinho de canto ameaçador demonstrando que
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sabia de uma parte do que se passava dentro de


mim. Não queria apenas que fossem as minhas
memórias ruins.

Não queria que visse minhas inseguranças.

Não queria que visse as toxinas que ainda


estavam sob minha pele.

Mesmo anos depois de Stephen ter ido embora.

Mesmo anos depois de não ser tocada por


ninguém.

— Boa noite, Lívia.

Ettore se afastou e caminhou para dentro de


casa. Eu admirei suas costas largas se afastando e
vi seu andar que tinha um certo molejo. O típico
andar convencido de quem sabe que está chamando
atenção.

Senti meus dedos tremerem e fechei a mão para


que meu nervosismo não ficasse mais visível. Senti
o local onde o beijo casto e provocador tinha sido
depositado. Era como se ele tivesse deixado fogo
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ali e agora a pequena brasa estava queimando em


minha pele.

Entrei em casa, acionei as trancas elétricas das


portas de vidro e entrei no quarto de Amora,
ignorando o arrepio que passou, de leve, por minha
espinha, quando passei diante da porta do quarto
que eu deveria dividir com meu marido.

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CAPÍTULO 17 | Ettore

Acordei mais tarde do que de costume. O lado


da minha cama ainda estava vazio e contei até o
infinito duas vezes para tentar estender um pouco
mais minha paciência com a doutora Mayer.

Ou melhor, Montebello.
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Ela é uma Montebello agora.

Fui ao chuveiro e tomei um banho rápido.


Minha mente tentando não pensar demais nessa
mulher que agora vivia sob o mesmo teto que eu e
que parecia sempre estar prestes a explodir,
segurando demais o ar, quando estava ao meu
redor. Ela se refreava, os gestos ficavam parecendo
mecânicos, a voz parecia gelo e seu olhar se
nublava como se não percebesse, ou não quisesse
perceber, minhas investidas.

Por isso era preciso paciência, algo que ela


estava ajudando a construir em mim. Por que ela
era outro nível de mulher. Por que eu via sob sua
pele um vulcão adormecido e era preciso despertá-
lo da maneira certa para que não causasse uma
catástrofe. Era preciso esperar que se soltasse para
que pudesse perceber o abismo de sensualidade que
era.

Por que eu não queria dividir a cama com uma


mulher fria, não queria sentir que a estava violando
quando a tocasse. Então, era necessário ter
paciência para esperar apenas mais um pouco.
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Depois, tenho certeza que teria como recompensa


sua boca maravilhosamente grande cobrindo meu
pau com delícia.

Vesti uma bermuda moletom e um suéter, o dia


não estava tão frio, vinte e quatro graus conseguem
ser bastante agradáveis para os padrões da região
de Chianti, e um sol tímido dava suas últimas caras
antes que o inverno viesse com tudo.

Fui em direção à cozinha. Lívia tinha


contratado o antigo cozinheiro da mãe para
trabalhar conosco, mas ele só vinha aos domingos e
cozinhava para a semana inteira. Ele conhecia os
gostos dela e os da garotinha. Ainda fez uma lista
com as comidas que eu mais gostava para poder
deixar porções congeladas para mim também.

O condomínio tinha segurança privada, então


não precisaríamos nos preocupar com ninguém
tendo que vigilar a casa. Tinha pão terminando de
assar na panificadora automática e alguns sucos na
geladeira. Peguei um pouco do café que estava na
cafeteira e sentei à bancada enquanto admirava,
através das gigantescas esquadrias arqueadas, a
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paisagem do quintal.

Eu estava quieto, perdido em pensamentos,


imaginando como seria transar com a doutora
Mayer na piscina, quando ouvi o som da cadeira-
de-rodas arranhando meu piso de mármore bianco
carrara.

— Bom dia, Sully. – A garotinha falou com voz


manhosa de quem mal tinha acabado de acordar.

— Bom dia, Amora. – Correspondi ao


cumprimento. A garota estava usando um pijama
estampado em cada centímetro por um ET verde
que só tinha um olho e o cabelo ruivo, ligeiramente
mais claro que o da mãe, estava completamente
bagunçado.

A garota abriu um armário baixo e pegou uma


caneca gigante, foi até a geladeira e colocou leite
dentro dela. Depois vi seu esforço quando tentou
alcançar o pote de cereal que estava sobre a
bancada.

— Deixa que eu pego isso para você. – Disse ao


me sentir culpado percebendo que eu é que tinha
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deixado aquilo lá na manhã anterior e que se tivesse


sido mais cuidadoso e colocado no armário sob o
gaveteiro, como estava antes, ela teria tomado seu
café sem o menor dos problemas.

— Obrigada. – Agradeceu e eu derramei o


cereal na sua caneca.

— Me diz quando estiver bom.

— Gosto quando tem mais cereal que leite.

— Então não vamos decepcioná-la, não é


mesmo?

— Então capricha.

Amora sorriu e foi impossível não sorrir de seu


jeitinho desgrenhado pela manhã.

— Sua mãe sabe disso?

— Não vai contar, vai?

— Eu não sou fofoqueiro.

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A menina levou sua refeição até a mesa.


Pequena do jeito que era, sua mão não alcançava
direito a altura da mesa, ainda mais quando estava
na cadeira-de-rodas adequada ao seu tamanho.
Fiquei observando-a de longe, mas não ia deixar a
menina comer sozinha.

Me servi também de cereal e leite e fui até ela.


Puxei um pufe até perto de nós e sentei nele. Assim
ficaria mais ou menos em sua altura. A garota
sorriu por eu estar lhe fazendo companhia e eu
perguntei um pouco sobre sua escola. Sobre a
fisioterapia.

Amora contou tudo animadamente. Era uma


criança que não parecia ter se fechado por sua
condição. E isso me fez admirar um pouco mais o
bom trabalho que sua mãe tinha realizado em sua
criação. Por que, por mais que as coisas fossem
difíceis, sua criança não se tornaria um adulto
amargurado, como eu tinha me transformado.

— Quem te deu autorização para comer cereal,


Amora? – Lívia veio até a cozinha e nos pegou no
flagra. – E essa quantidade absurda?
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Fiz sinal de silêncio para a menina e me virei


para explicar para Lívia a porção transbordante de
cereal na tigela da menina.

— Fui eu, Lívia. – Me intrometi – Não sabia


que tinha problema.

— Problema não tem... – Lívia pousou o olhar


em mim por um pouco menos de tempo do que
deveria – A questão é a quantidade de açucares.
Sabe que hoje é sábado, não é? Eu não trabalho e
Amora não tem cursos. Ela vai acabar totalmente
hiperativa por causa do açúcar até lá pela tarde.

Levantei e me aproximei de Lívia, minha mão


que não carregava a tigela de cereal parou em sua
cintura e lhe dei outro beijo, bem como no dia
anterior. Dessa vez, encostei minha boca em mais
do que metade de seus lábios e observei sua reação
quando me afastei.

Sinto que quase consegui ouvir o crepitar das


chamas no fundo de seus olhos marrons. Sua cor de
caffe au latte em um dos tons roubados das
sombras.

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Consegui distraí-la da bronca que daria em


Amora.

— Bom dia, esposa.

Lívia olhou para Amora, fiz o mesmo, e a


percebi sorrindo do embaraço da mãe.

A doutora se desvencilhou de minhas mãos e


tirou um pouco mais da metade de todo o cereal
que tinha na caneca gigante que a menina segurava.
Então, em seguida, começou a acrescentar frutas
picadas ao cereal. Talvez isso fosse ajudar a
controlar os níveis de açúcar da menina.

Em todo tempo, seu olhar evitava o meu, mas


eu podia perceber suas bochechas vermelhas.
Queimando de timidez e ocultando um desejo que
eu sabia que estava nascendo devagar.

Terminei meu cereal sentando outra vez no pufe


ao lado de Amora e quando terminei, lavei minha
louça enquanto informava Lívia.

— Vou sair hoje.

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— Vai sair?

— Sim. O dinheiro está no cofre?

— A quantia que pediu está no cofre sim. O seu


cofre fica no seu closet.

Eu já ia saindo, para ir ao quarto, mas Lívia


chamou minha atenção.

— Ah, Ettore?

— Sim? – Me virei olhando-a atentamente.


Lívia tinha um olhar temeroso, embora a face
estivesse tranquila. É um outro tipo de mulher ao
qual eu ainda não tinha sido introduzido. Por isso,
minha paciência. Parecia um anjo de pura inocência
e eu mal via a hora de corrompe-la.

— É... Você vai voltar para o almoço? – Deve


ter perguntado a primeira coisa que veio em sua
cabeça, por que parecia totalmente desconcertada.

— Quer que eu volte para o almoço?

— Eu só quero saber se vou precisar


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descongelar uma porção maior.

Meu olhar analisava o seu com cuidado.

— Vou treinar com meu pai hoje. Depois,


vamos sair.

— Devo te esperar?

— Não. Não me espere hoje. – Pisquei para


Lívia sabendo exatamente a que ela se referia. Fui
pegar o dinheiro do cofre. Meu carro ainda não
tinha sido entregue, então eu ia precisar pedir um
táxi. Fiz isso do quarto mesmo e calcei um chinelo.
Coloquei alguns blocos de notas na mochila da
academia e alguns itens pessoais.

Hoje era dia de trabalhar.

Estava de saída quando ouvi Nina, a diarista,


me avisando que eu tinha uma visita. Fiquei
surpreso, afinal, não estava esperando ninguém.
Quando fui em direção ao vestíbulo, de short jeans
e uma camiseta dos Avengers, estava a única garota
por quem já tinha sentido algo na vida.

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— Valéria?

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CAPÍTULO 18 | Ettore

Eu não estava preparado para sentir seu abraço


em mim outra vez. Não estava preparado para vê-la
tão de perto. Não sei que espécie de sentimentos
estava correndo dentro de mim. A única coisa que
sei é que eu não queria mal a garota que agora se
aconchegava contra mim.
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— Ettore...

— O que está fazendo aqui, Val? – Minha voz


era baixa e o cheiro de chocolate, sempre
inconfundível e ligeiramente enjoativo, do seu
cabelo, estava menos inebriante que da última vez
que senti.

— Eu precisava te ver. Eu... Eu...- Valéria se


afastou de leve e olhou para meu rosto. Eu nunca a
tinha visto chorar antes, nunca na minha vida a
tinha visto chorando da forma que via agora.

— Por favor, não chora. Você está me


quebrando.

Valéria deu um sorriso machucado e limpou as


lágrimas na beirada da camisa. Então cruzou os
braços na frente do corpo antes de olhar para tudo
com o mesmo ar que tinha quando partiu.

— Não ia me contar que casou? – Sua voz era


trêmula e eu podia jurar que a novidade lhe
machucava.

— Eu não achei que precisasse. Vem comigo. –


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Levei-a até a primeira sala-de-estar, a mais próxima


da porta e a fiz sentar no sofá caro antes de sentar
também. Apoiei os cotovelos nos joelhos e esperei
que decidisse o que iria falar, já que ficava
respirando fundo, como quem está prestes a contar
alguma verdade, mas logo trancava a porta dos
lábios.

— Achei que era uma provocação sua naquele


dia que me pediu em casamento. Achei que não
passasse de uma brincadeira...

— Eu não brincaria com um assunto sério


desses.

— Agora eu sei. Ettore... – Seus olhos


procuraram os meus e eu acho que ficaram
perdidos ali por um tempo – Eu percebi que gosto
de você. Eu não gosto, eu amo. Mais que tudo.

Engoli em seco. Quantas vezes quis ouvir isso?


Porém, com a situação como estava, eu não tinha
como pensar que sua aproximação se devia a
qualquer coisa que não fosse interesse.

— Só agora, Val? Por que nunca me disse


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antes?

— Por que eu não sabia. Sei que está pensando


o pior, sei que está pensando que estou aqui por
causa disso tudo. Mas, Ettore, não é verdade.
Quando eu parti naquele ônibus, não consegui parar
de pensar em você nem um minuto. Assim que tive
a oportunidade, voltei. Vim imediatamente.
Quando cheguei à casa do seu pai, ele me contou
que você tinha casado e me passou o endereço. Eu
precisei comprovar com os meus próprios olhos.

— E comprovou?

— Infelizmente, sim.

Respirei fundo, passei a mão nos cabelos,


deixei as mãos cobrindo meu rosto por um segundo
até que eu pudesse olhá-la outra vez. Era estranho
estar diante de alguém que foi tão importante em
sua vida, na situação que estou. Se as coisas não
corressem da forma que correram, eu estaria casado
com ela agora.

— Eu não sei o que quer que eu faça, Val. Não


sei o que posso falar para que se conforme agora.
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— Eu queria que ficasse comigo. Queria muito


que pudesse ficar comigo de verdade, que pudesse
deixar isso tudo e voltar para mim. Assim como eu
voltei para você.

— Valéria...

— Eu já sei... – Ela ergueu a mão para que eu


não a interrompesse – Está casado. Sempre soube
que debaixo dessa carcaça cruel tinha um
romântico inveterado. Se as coisas fossem de outra
maneira, era comigo que estaria agora.

— É verdade, mas as coisas não aconteceram


como nenhum de nós dois esperava. Tivemos nossa
chance, mas acabou. Não posso fazer nada por isso
agora. Você conhece o tipo de coisas que vivi. O
tipo de coisas que vi minha mãe passar. Você
conhece mais do meu passado que qualquer pessoa.

— Conheço sim.

— Acha que eu seria capaz de submeter


alguém, independente de quem seja, ao mesmo tipo
de tratamento que a vi passar? Eu não posso admitir
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isso para mim, nem para os outros, Val.

— Eu sei disso. Acho que por isso tive medo de


aceitar seu pedido. Por que sempre soube como é
intenso e como é leal. Como manteve sua palavra
comigo mesmo quando eu te provocava a ponto de
te deixar careca.

Sorri um pouco de sua vitalidade. Val era uma


mulher incrível. Todos cometemos erros, e mesmo
que eu não tenha como confirmar suas reais
intenções, ou se o que diz é verdade, não posso
tratá-la mal, menosprezá-la, não depois de todo o
caminho que percorremos juntos.

— Sabe minha posição então. – Completei em


seguida – Mas, me diz, o que posso fazer por você?

— Me dizer por quanto tempo isso vai durar.

— Desculpe? – Juntei as sobrancelhas confuso.

— Seu pai me contou sobre o acordo. Me


contou que isso aqui não passa de um contrato. Que
está nisso pelo dinheiro. Eu posso esperar, Ettore.
Não precisa me dar um centavo quando isso
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terminar, se isso for provar que quero você por


quem você é. Então, apenas me diga o quanto
preciso esperar.

Isso tinha sido totalmente inesperado. Eu nunca


achei que me proporia algo do tipo. Fiquei algum
tempo com suas palavras se juntando e fazendo
sentido na minha cabeça. Ecoando por mais tempo
do que deveriam e buscando um lugar para que
achassem morada dentro de mim.

Mas não havia mais nada.

Não havia mais nada em mim que pudesse lhe


alimentar de esperanças.

— Não pediria uma coisa dessas jamais.

— Por que? – Valéria estava outra vez com seu


olhar marejado. Suas emoções sempre se
mostraram de uma maneira forte. Eu conseguia ver
o quanto estava machucada pela forma que seus
olhos pareciam ter perdido a vitalidade por alguns
segundos.

— Por que seria uma forma de traição. Não


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posso fazer isso. Então, Valéria. Com todo o


carinho que ainda me resta por você, te peço, que
não faça semelhante oferta outra vez.

— Achei que me amava. Somos bons juntos, na


cama, fora dela.

— E amava. Ainda gosto muito de você. Sei


que ainda deve gostar de mim, mas sou eu quem
está casado e sou eu quem deve colocar um ponto
final nisso. Só por que ainda gosta de mim, não
quer dizer que devo aceitar que me cavalgue outra
vez.

Valéria se levantou e ia falar alguma coisa, mas


seu olhar parou na pessoa que estava entrando na
sala-de-estar. Lívia entrava com uma bandeja de
aperitivos que tinha trazido para a convidada,
refinada, como a etiqueta pede, mas não foi bem
recebida por Val.

— Então é por essa cara de ferrugem que está


me deixando? Essa mulher retraída que parece que
nem peida? Parece uma estátua de gelo.

Eu não esperava que isso fosse acontecer.


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Então, foi uma surpresa para mim também. Olhei


para Lívia num evidente ar de desculpas e então
olhei para Valéria outra vez.

— Val, por favor, desculpe-se.

— Nem ferrando. Achei que tinha me deixado


por alguém que fosse te amar melhor do que eu.
Essa daí parece muito mais interesseira do que eu
posso parecer.

— Val... – Chamei-a outra vez.

— Ettore, eu não acredito que fez isso. Que está


se submetendo a uma vida sem paixão dessa forma.
Essa mulher parece que nem chupar sabe.

Ok, as coisas já tinham ido longe demais.

— Valéria, por favor. Estou tentando ser


educado, mas não dá. Por favor, cala a boca. Peça
desculpas a doutora Mayer.

— Eu não preciso desculpas da sua amiga,


Ettore. – Lívia disse sem deixar sua pose
aristocrática – Eu estava tentando ser amigável com
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sua visita, assim como foi com Ingrid e Beatriz.


Mas, pelo visto, isso não vai ser possível. Não
posso dizer que foi um prazer conhecê-la, Valéria.
Mas não esqueça de quem sou. Ettore.

Olhei em sua direção, o estrago já estava feito


mesmo. Lívia continuou.

— Por favor, converse com sua amiga em outro


lugar. Amora está assistindo fazendo os deveres na
sala ao lado e ela não pode ficar ouvindo
discussões. Estou pedindo educadamente.

Eu tinha esquecido de Amora por um segundo.


Ela realmente não precisava ficar escutando
baixarias. Ainda mais contra a própria mãe.

Peguei minha bolsa que estava ao lado do sofá,


onde eu tinha deixado quando vi que teria que
conversar mais sério com Valéria do que esperava e
coloquei-a no braço.

— Eu vou dar um jeito nisso. – Disse para Lívia


e segurei Valéria pela cintura até levá-la para fora
da casa. Lívia bateu a porta com força e eu segui
com Valéria em direção à entrada da casa, onde
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esperaria o táxi que tinha pedido há algum tempo.

Quando cheguei à parada, fiz que Valéria


olhasse para mim e falei com ar sério, duro,
olhando em seus olhos.

— Escute, Valéria. Não vai voltar nesta casa.


Não vai cruzar mais meu caminho, não vai cruzar o
caminho da doutora Mayer. – Montebello, minha
mente acusava, mas eu odiava demais esse
sobrenome para usá-lo apropriadamente – Não vai
mais insistir nessa oferta ridícula de espera e nem
vai ser desrespeitosa com nenhum dos que vivem
sob minha proteção.

— Está sendo um idiota. – Valéria disse me


acusando – Eu gosto de você, eu vim sem saber que
tinha ganho isso tudo. Vim por que esperava que
pudéssemos reatar, por que descobri que não podia
ficar longe de você. E agora, vejo que está com
aquela mulher que não parece nem um pouco
apaixonada por você. Vai mesmo querer viver o
resto da sua vida assim?

— Como vivo o resto de minha vida, não te

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importa mais. – Meu tom subiu algumas oitavas –


Você terminou comigo, Valéria. Você. Eu não fiz
nada além de respeitar sua decisão. Então, da
próxima vez que se dirigir a minha mulher, a mim,
ou a qualquer outra pessoa num termo pejorativo,
não vai gostar da minha reação.

— Ah, está aí... – Valéria disse com um sorriso


maldoso – Esse é o Ettore de verdade, nada desse
cara bonzinho que está brincando de casinha. Esse
é o Toretto que todos temem. Não se preocupe, não
vou mais cruzar seu caminho. Pelo visto, vocês se
merecem. Tomara que ela tome tudo de você.
Apenas não venha correndo para mim quando a sua
fortuna estiver toda nas mãos dessa mulher.

Valéria entrou no carro estacionado na frente da


casa. Era o carro do meu pai. Eu ainda tinha que
descobrir o que deu na cabeça dele para dar meu
endereço a Valéria depois de ter contado que era o
fim.

Meu táxi chegou e eu entrei nele. Era hora de


descobrir isso agora.

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CAPÍTULO 19 | Lívia

Amora estava se divertindo com a tia na


piscina. Chamei Ingrid para vir nos visitar enquanto
Ettore estivesse fora. Não que ele pudesse ser
deseducado, apenas por que eu parecia funcionar
melhor ao lado das minhas amigas quando não
precisava ter que controlar a respiração ao lado de
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Ettore.

Dei uma bronca no pessoal da segurança, por


ter deixado que uma pessoa que não esperávamos
entrasse, mesmo que tivesse o código, e eles
prometeram que não seríamos atrapalhados outra
vez. Preparei uma macarronada rápida para
almoçarmos, já que Ingrid odiava “comida
requentada” como ela chamava as nossas porções
pré-preparadas. E almoçamos quietas na cozinha.

Amora estava ficando sonolenta depois de


passar uma manhã quase inteira na piscina do lado
e fora com a tia que fazia todas suas vontades.

Mal tinha colocado Amora para dormir, quando


Nina veio me entregar o telefone da casa. O que
tinha acesso direto com a portaria. E atendi a
ligação de um dos seguranças.

— Pois não? – Perguntei enquanto ia à cozinha


tomar um pouco do sorvete com Ingrid, antes que
ela acabasse com tudo.

— Doutora Montebello, - Começou o segurança


do outro lado da linha – um senhor chamado Lucca
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Lagano. Veio à mando do senhor Montebello.

Eu não conhecia nenhum Lucca, então estava


receosa, mas ele tinha o código que apenas Ettore e
eu sabíamos. Então autorizei sua entrada.

Ingrid se vestiu rapidamente enquanto eu fui


receber o visitante.

Abri a porta para ver o carro com o logotipo de


uma empresa de engenharia, arquitetura e
decoração sendo estacionada na vaga de visitantes
em frente da casa.

— Deve ser a senhora Montebello. – O homem


sorriu e veio em minha direção carregando uma
pasta. Uma outra moça saiu do carro também o
acompanhando.

— Sou sim. – Olhei seu rosto, tinha a impressão


de tê-lo visto em algum lugar, mas não comentei
nada. Acenei para que entrassem na sala de estar e
em seguida Nina veio trazendo as águas e os sucos
que eu tinha pedido.

— Desculpe a falta de tato, mas não estava


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esperando visitas hoje. Posso saber do que se trata


essa surpresa do meu marido? – Perguntei
realmente curiosa. A última coisa que eu esperava
era que Ettore estivesse pensando em redecorar
algum espaço.

— Seu marido contratou minha empresa para...


– O homem olhou sua pasta com as notas – Tornar
a suíte do andar superior o melhor quarto de
menina que existe e totalmente adaptado à
limitação de mobilidade da enteada dele.
Transformar um dos quartos do andar superior
numa sala de brinquedos e estudo para a enteada; e
o porão num salão de jogos para ele.

— Isso não parece coisa de Ettore. Ele sabe que


Amora não pode acessar o andar superior. – Me fiz
de incrédula por um segundo, então percebi que
isso era um gasto tremendo e que devia ser coisa de
Ettore sim.

— O senhor Montebello também contratou a


instalação de dois elevadores para quatro pessoas.

— Elevadores? Mas só um custa quase milhares

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de Euros por andar.

Eu já tinha pesquisado o preço de um elevador


antes. Um de bom tamanho, que poderia ser
instalado na casa de minha mãe, e acessível, para
que Amora pudesse transitar por todos os cômodos
da casa sem sofrer com o terror das escadas, era
caro demais para o que eu podia pagar no
momento. Mesmo que eu vendesse a BMW e
raspasse minha poupança, eu não conseguiria juntar
o valor.

Mamãe, que era a única que podia dar


autorização para vender algumas de suas posses,
como, por exemplo, alguns de seus carros ou a
lancha que ninguém usava a mais de um ano e que
estava apenas gerando gastos, disse que não me
ajudaria.

— Tudo está pronto para que o pagamento seja


autorizado, basta sua assinatura. Ettore disse que a
senhora poderia considerar isso um presente de
casamento atrasado. Para compensar a lua-de-mel
terrível.

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Olhei para o homem assustada, como ele sabia


sobre minha lua-de-mel?

— Ettore me fez prometer que diria isso caso


estivesse pensando em recusar. Sou amigo dele
desde que tinha dez anos. Fazíamos aulas com o
mesmo professor, Enzo Martinelli, seu sogro.
Depois fomos para a faculdade juntos, mas
escolhemos formações diferentes.

— Eu fico feliz em conhecer um amigo de


Ettore. E, já que ele disse que seria um presente,
dê-me os papéis para assinar.

Eu não ia mentir, estava extremamente


empolgada com a ideia de Amora finalmente ter
um quarto só dela. Um quarto de verdade, onde
poderia ter suas coisas e tudo o mais que fazia falta
para uma criança de sete anos. Tudo o que eu não
podia pagar enquanto tinha as despesas médicas e
as da casa dos Davani pesando sobre meus ombros
e os ombros de meu pai.

Lucca disse então que teria que escolher o


melhor local na casa para instalar os elevadores.

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Que, por ser um modelo moderno, precisaria de no


máximo cinco dias para que tudo estivesse pronto.
E que o quarto da menina, bem como o quarto de
brincar, poderia ficar pronto no mesmo prazo, já
que a casa era nova e não precisava de nenhuma
reforma. Então, provavelmente, não encontraria
problemas estruturais ou de acabamento para
resolver.

Deixei que ficasse à vontade e fui até Ingrid,


vendo que tinha terminado de tomar o sorvete
sozinha. Expliquei o que estava acontecendo.

— Ele é bonito? – Perguntou despreocupada.

— É alto, forte, louro. – Comentei, percebendo


que o meu padrão de beleza tinha mudado
drasticamente desde que pus os olhos no corpo nu e
tatuado do meu marido – É bem bonito.

— Tem um volume nas calças dele?

— Por que, nessa vida, você acha que eu iria


ficar reparando se ele tem um volume na calça
dele?

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— Por que é minha amiga, e devia me contar


essas coisas. Nunca nem me contou como que é o
corpitcho de Ettore pelado.

— Por que isso é uma coisa pessoal.

— Puxa, vida, você é chata. Então me conta só


uma coisa?

— Claro.

— São duas na verdade. – Disse tomando a


última colher de sorvete do pote.

— Apenas essas duas coisas e nada mais que


isso.

— Já viu ele pelado? – Acho que devo ter


ficado constrangida por um milissegundo,
pensando no corpo de Ettore naquele dia no quarto
vagabundo de hotel, por que Ingrid se apressou em
acrescentar – Ai meu Deus, você já viu! Santinha
você, hein.

— Não sou santinha. – Puxei uma mecha de seu


cabelo. Ela odiava que alguém bagunçasse o cabelo
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dela.

— E então?

— E então o que? – Perguntei me apoiando ao


lado dela na bancada e já sabendo que a próxima
pergunta que viria não era de gente normal.

— Como é o pau mole dele?

Toda pessoa normal, sabe que uma mulher com


a cabeça no lugar, não faria uma pergunta dessas
num tom alto, mas Ingrid não se importava e acho
que foi esse seu jeito de levar a vida que me fez
permanecer sua amiga para a vida.

— Por que essa obsessão por pau mole? –


Perguntei controlando o sorriso, ansiosa por sua
resposta.

— Por que, todo mundo sabe como é o pau


duro de um homem. Tudo igual, só muda a cor e o
tamanho. E eu não sou comum, então não vou
perguntar uma coisa comum dessa. Então, vamos
lá. Descreva.

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Nem morta que eu ia descrever isso para Ingrid.


E, felizmente, Lucca estava vindo até a cozinha e
eu tinha sido salva pelo gongo.

— Você não vai escapar de mim, mocinha! –


Ingrid provocou.

Me inclinei e falei baixo, cochichando ao seu


ouvido.

— Ele tem o pau mole mais bonito que eu já vi


na vida.

Ingrid sorriu e viramo-nos para o arquiteto.


Tenho certeza que meu rosto estava mais vermelho
que carmesim. Mal Lucca ia abrir a boca para falar
o que pretendia, foi interrompido por Ingrid que
dizia em alto e bom som.

— Ei! Você é o cara do restaurante! – Apontava


o dedo na direção dele – Puxa vida, você partiu o
coração da minha amiga.

— Sinto muito - Lucca disse enquanto sorria


para Ingrid – por ter partido o coração da sua
amiga. Infelizmente, o que ela queria, eu não
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poderia lhe dar.

— Eram apenas uns beijos, homem. – Ingrid


disse e eu não tinha onde esconder a cara – Não
podia fingir interesse por um minuto.

— Não poderia fazer isso com sua amiga, não


quando meu interesse estava em outra pessoa.

Foi impressão minha ou o ambiente ficou com


outra atmosfera de repente? O homem não estava
sendo profissional, mas Ingrid estava adorando. E,
se o que Beatriz me contou era verdade, ele não
tinha ido adiante com ela por que estava
interessado na garota ao meu lado que tinha um
sorriso que ia de orelha-a-orelha.

Pigarreei, interrompendo meu momento “vela”


e ouvimos as sugestões do arquiteto para a
decoração do quarto de Amora. Ele tinha um
aplicativo no Ipad que decorava qualquer ambiente
com base na foto tirada. E mostrou algumas ideias
que a sua assistente tivera.

A garota, que se chamava Linda, teve ótimas


ideias para a decoração. E ia ficar entrando e saindo
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da casa nos próximos dias, já que era ela quem


ficaria responsável pela execução do quarto de
Amora e do quarto de brinquedos. Lucca, que
também ficaria frequente na casa pelos próximos
dias, ia cuidar da supervisão na instalação dos
elevadores e na decoração do ‘canto de homem’
para Ettore.

Pelo sorriso no rosto de Ingrid, ela estava


adorando a ideia. E já planejava me visitar mais
vezes nos próximos dias.

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CAPÍTULO 20 | Lívia

Acordei com a voz de Ettore me chamando.


Como ele tinha dito que não voltaria para casa, eu
tinha tomado a liberdade de dormir em nossa cama.
Sobressaltei-me com o susto, eu estava
completamente à vontade em minha camisola e me
cobri rapidamente enquanto ouvia seus passos se
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aproximando. Vindo do closet ao quarto.

— Doutora Mayer... – Sua voz estava lenta,


arrastada. Cheirava a álcool e estava apenas com
uma bermuda e a regata que usava quando ia treinar
– Doutora Mayer...

As duas mãos de Ettore apoiaram-se ao lado do


meu corpo e eu observei seu aspecto e logo notei
que tinha passado o dia inteiro numa farra. Ettore
se aproximou, até que o colar que sempre usava no
pescoço, estivesse a poucos centímetros do meu
rosto, com seu jeito, bruto e suave, parecia
prometer que me esmagaria qualquer dia.

Olhei para seu rosto, eu tinha dormido com a


luz ligada, enquanto lia um livro, e notei como seu
olhar demorava mais tempo do que o necessário em
meu decote. Então seus olhos de azul-centaurea
subiram devagar até encontrar os meus, marrons.

— Decidiu dormir no nosso quarto por que


disse que eu não viria hoje?

“Exatamente!” meus pensamentos responderam


para mim mesma.
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— Não exatamente, Ettore. Apenas estava


aproveitando que teria espaço. A cama de Amora é
perfeita, mas não tem tanto espaço para nós duas.

— Percebo. – Disse enquanto não se afastava.


Se não estivesse cheirando a álcool e perfume
feminino, sua voz soaria perfeita.

— Posso saber onde estava? – Perguntei num


rompante de coragem ao ver que o cheiro de
perfume barato realmente vinha dele.

Ettore se afastou finalmente, cansado de


vasculhar o fundo de meus olhos e voltou até o
closet com seus passos pesados.

— Estava me divertindo. – Ele disse sem


pestanejar – Meu pai, alguns amigos e eu saímos
para beber.

— Você disse que ia treinar com seu pai. –


Perguntei insegura. Não sabendo por que o
sentimento de aperto na garganta parecia crescer
devagar fazendo meu peito subir e descer com mais
velocidade que o normal.
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— E eu fui. Saímos da academia para o bar. Por


que? – Ettore já voltava ao quarto segurando um
maço pequeno de notas na mão.

— Bom, a não ser que seu pai ou algum de seus


amigos use perfume de lavanda e use batom rosa,
você está mentindo.

— Eu não minto, doutora. – Seu olhar tinha


uma certa fúria. Não tinha nenhum dos toques
quentes de um minuto atrás.

— Pode explicar então a origem dessas


manchas de batom na sua camiseta? Achei que
tínhamos sido claros em nossos votos. Achei que
tinha dito que não haveria outra mulher.

— Não há outra mulher, doutora. – Ettore se


aproximou de mim outra vez e sua mão estava nos
meus quadris me puxando para perto – Estou a
ponto de enlouquecer por não poder te comer agora
mesmo, mas não teria a coragem de procurar outra
mulher.

— E como isso aconteceu, Ettore? – Perguntei


percebendo que o susto que levei acordando estava
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se mostrando em meu corpo. Eu estava levemente


trêmula e não queria demonstrar que sabia bem por
que estava assim.

— Estava apostando com meu pai, numa mesa


de pôquer, e uma garota sentou-se em meu colo se
oferecendo para me dar sorte. – Seu olhar era
intenso, sua voz não tremia, não olhava para os
lados, todos os sinais de quem estava contando a
verdade – Então ergui a porra da minha mão para
ela, mostrei a porra da minha aliança e disse que
era casado e mandei que fosse passear e dar sorte
para outro.

— Isso é difícil de acreditar.

— Acreditar ou não é uma escolha sua. Eu sei


como tenho me comportado. Só eu sei o que tenho
aguentado todos os dias enquanto estou nesta casa.
Só eu conheço a força tremenda que estou fazendo
para não foder sua boca agora mesmo.

Ettore me largou quando viu que eu intentava


escapar. Olhei para outro lugar, que não fosse para
seus olhos que queimavam minha pele lentamente.

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E adicionei:

— O que veio procurar em casa, Ettore? Pelo


visto, estava se divertindo lá fora.

Ettore deu um sorrisinho resignado e passou a


mão no rosto enquanto falava num tom irritado:

— Vim buscar mais dinheiro. Estou precisando


de mais e não tem mais dinheiro no cofre.

— O que aconteceu com o dinheiro que levou?


– Perguntei andando eu mesma até o cofre para
confirmar que ele realmente tinha gasto tudo o que
tinha ali.

— Eu gastei. – Deu de ombros.

— Como pode ter gastado trinta mil euros em


apenas uma noite? – Meu timbre deve ter mostrado
meu espanto, por que ele se explicou calmamente.

— Meu pai tinha algumas dívidas, paguei-as e


dei algum dinheiro para o velho. A outra parte eu
gastei no bar. Paguei algumas rodadas para meus
colegas da academia e acho que exagerei.
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— Pelo amor de Deus, Ettore. Eram trinta mil


euros. Mesmo que desse vinte mil para seu pai,
ainda tinha muito dinheiro para viver por quase um
mês!

— Eu acho que escolhemos algumas bebidas


caras demais.

— Eu não tenho como te dar mais, Ettore.

— Como é que é? – Seu corpo musculoso


estava perto demais. Dei um passo para trás
instintivamente e fiquei esperando que continuasse
com seu questionamento, por que tudo que eu
conseguia sentir era a forma como estava perto e
meu próprio fogo aumentando, lentamente,
inquirindo de mim a razão para não estar me
lançando nos braços dele agora mesmo – Vai
querer controlar a merda do meu dinheiro agora?

— Você me tornou sua procuradora, Ettore.


Seus bens estão sob minha administração. Eu
deixei uma ótima quantia para que vivesse o mês
inteiro, não tenho culpa que gastou tudo em apenas
uma noite.

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— Doutora Mayer...

— Lamento, Ettore. Mesmo que eu quisesse te


dar mais, não poderia. O dinheiro está investido e
eu autorizei o banco a retirar da conta apenas o
valor que te entregaria por mês, o valor das
despesas da casa e um valor para que eu pudesse
gastar com possíveis eventualidades. Se quiser,
posso cancelar o elevador, o valor com o que o
paguei foi o dos primeiros juros de seus
investimentos.

— Não faça isso. – Respondeu sério e andou


para longe de mim. Até a porta do quarto. – Não ia
me contar que está com todo o meu dinheiro nas
mãos?

— Isso ficou mais que explícito no dia em que


casamos. Ettore, estou apenas fazendo o que pediu.
Não foi para que eu dobrasse seu dinheiro que
casou comigo. Não vou poder fazer isso se ficar
gastando tão prodigamente.

— São fodidos cento e cinquenta milhões! – A


voz dele era alta e eu fechei os olhos esperando que

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seu tom não tivesse acordado Amora.

— Não são mais. A casa que escolheu custou


dez milhões, dez exatos milhões para cumprir cada
uma das excentricidades que colocou naquela lista.
Os meus vinte milhões estão na conta da Davani.
Só o seu carro custou quase meio milhão por ser
item de colecionador, Ettore. Se continuar gastando
trinta mil por noite, em dez anos não terá mais
nada. Se estou impedindo que gaste mais, se
coloquei um limite, é para seu bem.

— Foda-se o que pensa. Fodam-se suas


intenções.

Ettore olhou para mim e então foi até o closet


outra vez. Pegou o celular e enviou uma mensagem
para alguém, eu não sabia quem era. Então, abriu a
porta do quarto e notei que iria sair.

— Aonde vai? Não terminamos de conversar.


Ettore, não pode sair assim.

— Agora vai querer controlar meus passos? Já


disse que se quiser se comportar como minha
mulher, então seja a droga da minha mulher. Não
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pode querer apenas mandar em mim e não fazer


todo o restante.

— Ettore, por favor, fique em casa e converse.


Eu não quero ficar com seu dinheiro, estou fazendo
apenas o que mandou nas suas malditas exigências.
Não toquei em um centavo que não fosse do que
me era pertinente. E nem vou ter muito depois que
pagar todas as minhas dívidas.

— Eu não estou interessado em ouvir.

Disse guardando o celular dentro do bolso.

— Pode pelo menos me dizer aonde vai? Eu


não quero ter que ficar preocupada contigo uma
noite inteira. Ou quem sabe quanto tempo a mais.

— Já que não tem mais dinheiro, vou dar meu


jeito.

Ettore veio até mim outra vez. Sua boca


encostou a minha com vontade e esmagou um beijo
com força contra meus lábios. Eu resisti ao seu
movimento e não cedi quando tentou aprofundar o
beijo.
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— É tão repugnante assim a ideia de dormir


comigo que tenha que se retrair dessa forma?

Não respondi.

Ettore saiu do quarto batendo a porta.

Eu ainda sentia o fogo que ele deixou em minha


boca, nesse pequeno espaço de tempo em que
nossos lábios se tocaram. Minha respiração alterada
devia ser sinal suficiente de que eu estava querendo
aquilo tanto quanto ele, apenas estava temerosa
demais.

Eu não podia me entregar assim, não podia


desejá-lo assim.

Eu tenho medo.

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CAPÍTULO 21 | Ettore

Meu pai estava dirigindo o carro por um


caminho praticamente deserto. Além de um ou
outro veículo cruzando nosso caminho em direção
contrária, só havia nós dois sob o céu de lua
crescente.

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— Coloca minha música de volta. – Enzo pediu


enquanto eu estava mudando as faixas do rádio. O
gosto de música dele era muito peculiar. Música
antiga que se assemelha demais às bregas do
nordeste do Brasil e que eu só ouvia quando estava
na casa dele.

— Impossível eu me concentrar ouvindo isso. –


Eu disse e insisti em colocar minha música. Minha
mente ficando a mil por hora enquanto eu olhava
para minha própria ansiedade crescendo.

Eu não precisava fazer isso, mas ia fazer. Um


puro estado de rebeldia. Um estado de nervos que
tinha sido causado pela doutora Mayer e seu ar de
quem se acha intocável.

— Ainda não acredito que dispensou a


Morgana.

— Por que não acreditaria?

— Por que ninguém dispensa a Morgana. A


mulher mais cara do cassino. Fiquei surpreso que
não aproveitou um pouco a noite longe de casa.

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— Bom, eu dispensei. Muito me surpreende


que o senhor esteja me dizendo uma coisa dessas.
O que Sara diria?

— Amo minha esposa, amei-a demais, mas não


sou cego.

— Eu também não sou cego, mas não vou


romper meu acordo.

— Garoto esperto. Um divórcio litigioso


poderia arrancar metade de suas sete dezenas de
milhões.

Não era por isso que eu não tocaria outra


mulher, mas eu não ia discutir com meu pai agora.
Ainda mais quando meu pai estava todo eriçado por
causa da bebida e pela viuvez. Tendo o mesmo
comportamento da época em que se casou, aos
dezessete anos. Como se sua mente só tivesse se
acostumado a ser adulta ao lado de Sara e agora,
sem ela, não soubesse ao certo como reagir sem
voltar para um tempo em que ela ainda não existia.

Chegamos ao local de destino. Meu pai


estacionou o carro em frente a um clube de strip-
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tease e desligou as luzes e o motor. Esperamos pelo


menos duas horas até que o alvo saiu do local.

Meu pai colocou as luvas de couro preto que


sempre usava. Eu apenas ajustei o soco inglês.
Beijei minha corrente e olhei para o céu enquanto
pedia perdão mentalmente pelo que iria fazer.

Não seria um trabalho fácil, já que ele estava na


companhia de um segurança e uma garota
praticamente nua com os seios de fora. Esperamos
que dessem a volta no prédio, meu pai já sabia que
ele nunca estacionava perto do clube, o local tinha
muito pouco movimento na madrugada e o
estacionamento ficava praticamente vazio. Poucos
homens tinham a coragem de vir com seus próprios
carros, não queriam correr o risco de caírem num
flagrante por suas esposas.

Quando vimos que os dois estavam realmente


sozinhos, fomos em sua direção. Peguei o pé-de-
cabra e coloquei-o numa posição ao lado do corpo
que ninguém ao redor o veria. Seguimos no encalço
deles até que os dois estavam se aproximando do
carro. Meu pai tirou a Pietro Beretta Gardoni do
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suporte sob a camisa e apontou na direção do


homem jovem que caiu na armadilha de estar
negociando seus produtos numa região da qual meu
pai, eu e os outros caras da academia recebíamos
para defender.

— Acho melhor não fazer isso... – Eu disse


quando vi que o segurança ia avançar para tirar a
arma da mão de meu pai. Num movimento rápido o
ferro, tão antiquado que já estava soltando
ferrugem, atingiu seu rosto, ao pé-da-orelha,
levando para o pescoço e ele caiu desacordado.

— Você o matou, maldito! – O homem estava


me olhando assustado, mas sua voz saiu com ira. –
O matou, desgraçado.

— Não se preocupe com ele, preocupe-se


consigo mesmo. Se fosse você, vazaria agora,
boneca. – Pisquei para a garota que ele pretendeu
foder.

— Posso animar sua noite, quer? – Disse com


voz melosa.

— Lamento decepcioná-la.
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Nunca fui homem dado a prostitutas.

Voltei minha atenção para o homem que estava


tentando passar despercebido pela região. O sorriso
em meu rosto já era sádico. A vontade de descontar
toda a minha frustração também. Eu não ia aceitar
que os Laganno viessem para a região. Não
sabendo de toda a sujeira que eles costumavam
aprontar. Nossa cidade pertencia a uma família, e
não era essa que vinha querer meter sua fuça em
nossos negócios.

A garota correu e eu comecei o castigo o qual


tinha sido contratado para dar-lhe. Primeiro,
puxando suas pernas com o pé-de-cabra e
deixando-o cair no chão. Suas costas batendo no
chão duro e o olhar já começando a ficar
terrificado. Em seguida, meus joelhos já estavam
sobre seu peito enquanto eu desferia socos contra
seu rosto.

Segurei-o pelo colarinho da camisa enquanto


falava a centímetros de seu rosto. O suor
respingando de mim contra o rosto dele. Meu

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cabelo já úmido pelo esforço.

— Vai ficar longe dessa cidade, vai ficar longe


desse clube, vai ficar longe dos negócios. Se eu te
pegar tentando invadir o nosso campo, não serei tão
bonzinho quanto desta vez.

As palavras eram acompanhadas por violência e


raiva.

Porque eu conhecia bem a maldita fama dos


Laganno. E eu daria sangue, se fosse preciso, mas
não deixaria que a merda que eles estavam
envolvidos, atingisse nenhuma das regiões da
Toscana que estivessem sob minha jurisdição,
muito menos agora que via que estavam se
aproximando da região de Chianti.

De canto de olho vi meu pai entrando no carro,


mexendo em tudo que tinha ali, procurando coisas
de valor e colocando no bolso tudo o que lhe
interessasse.

Levantei enxugando o suor da testa e limpando


o sangue na minha roupa. Estava com a roupa que
sempre usava em meus trabalhos. Jeans preto,
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camisa de manga longa preta que continha o brasão


da família dona da porra toda da Toscana e uma
jaqueta de couro sobre ela. Um modo de ser
reconhecido por qualquer um que se aproximasse.

— Miserável, saia da porra do meu carro! – O


homem disse olhando para meu pai, mas ele já
estava distraído demais apanhando as armas que
estavam no porta-malas.

— Você tem algumas coisas boas aqui. – Disse


brincando com uma das armas que estava com um
silenciador – Uma pena que está sem munição.

As munições nunca eram entregues no mesmo


carro. Meu pai sabia disso, eu também. Olhamos ao
redor já sabendo que o miserável não estava
sozinho. Enquanto isso, meu pai colocou o
silenciador que tirou do bolso na Pietro Beretta.

— Não vai me matar, não é? Não sabe com


quem está mexendo!

O homem disse num tom nervoso. Não iriamos


matá-lo, fomos contratados para lhe assustar e era
isso que faríamos.
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— Velho maldito, me responde!

O homem disse pouco antes de meu coturno


atingir seu joelho e ele cambalear até bater com as
costas num container de lixo.

— Xingue o velho outra vez e arranco sua


língua em dois minutos.

— Idiota, bastardo! – O homem falou com a


boca vermelha pelo sangue que coloria seus dentes
– Acha mesmo que isso vai me impedir?

— Pode não impedir, mas vai doer bastante...

Até o momento, eu estava lhe batendo apenas


com a mão que não tinha o soco inglês, já estava
pronto para quebrar seu nariz com meu pequeno
acessório, quando senti mãos me arrastando para
longe dele.

O homem que me arrastou para longe do filho


de uma putana era maior do que eu. Parecia
também estar tão disposto a arrancar sangue quanto
eu. Sua mão acertou meu rosto três vezes, uma no
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olho, outra na boca e outra no maxilar antes que eu


pudesse encaixar um golpe no seu rosto.

Meu pai riu enquanto disse em alto som:

— Isso é para treinar melhor, Toretto. Eu disse


que não estava na sua melhor forma. Descuidou-se
nos últimos dois anos.

Então o negro que tinha o porte de um guarda-


roupa de casal acertou outro golpe, desta vez nas
minhas costelas. Revidei o soco dando-lhe com o
soco inglês no queixo. Estava preparado para o
próximo embate quando vi o homem parar e
segurar a própria coxa.

Enzo tinha acabado de apertar o gatilho três


vezes no joelho do homem. Todas as vezes
certeiras. Meu velho tinha uma mira miserável.
Revistei o homem rapidamente, ele não estava
armado. Como eu tinha suposto, era apenas um
segurança de defesa corporal.

— Vai ficar bem. – Dei dois tapinhas em seu


rosto – Da próxima vez vai escolher melhor para
quem vai trabalhar.
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Me afastei e juntei-me a meu pai, que guardava


as armas numa bolsa. Viramos em direção do
homem no qual devíamos dar o susto, mas ele tinha
corrido e deixado o carro ali mesmo onde estava.
Vimos quando estava sumindo por entre as árvores
que cercavam a estrada.

— O miserável fugiu.

— Fizemos o que devia ser feito. Não era para


matá-lo.

Cuspi o sangue que enchia minha própria boca


e olhei para Enzo enquanto guardava a porcaria do
meu soco inglês no bolso. Eu iria pegar o dinheiro
no dia seguinte na mão dele. Olhei para os nós dos
meus dedos, arroxeados pela briga.

— Para onde vai agora? – Enzo perguntou.

— Para casa. Quero meu dinheiro amanhã cedo.

— Não vou te enrolar. Tenho um filho


milionário.

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Enzo colocou a mão no meu ombro enquanto


bagunçou meu cabelo.

— Eu disse que precisava treinar mais. Vamos,


vou te dar uma carona. Está listo para o próximo?

— Só quando estiver sem dinheiro outra vez.

Entramos no veículo e eu cuspi outra vez o


gosto de ferro que ainda estava na minha língua.
Esperava não acordar ninguém quando chegasse,
não queria ter que dar explicações.

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CAPÍTULO 22 | Lívia

Eu não tinha conseguido dormir depois que


Ettore foi embora. Um senso de angústia se
apoderando de meu peito. Como se eu sentisse que
nada de bom viria dessa saída inesperada dele. O
gosto de seu beijo ainda estava sobre minha boca
queimando como se tivesse me marcado com ferro,
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como se aquilo mostrasse que tinha me tornado sua


propriedade.

O homem tinha razão, Deus do céu, eu não era


nenhuma menina. Era uma mulher, tinha assumido
um contrato e era hora de honrá-lo. Não era como
se Ettore ficasse insinuando sobre o acordo pré-
fixado sobre nossas cabeças nos acusando, mas era
uma obrigação que me assustava.

Girei na cama mais algum tempo, nada


conseguia apagar o fogo que parecia ter se
acendido. Tomei um banho e por muito pouco não
me toquei pensando naquele beijo. O receio que eu
tinha era muito maior que a vontade de ter prazer.

Eu não queria que Ettore se tornasse um


Stephen.

Não queria e não sei se conseguiria conviver


com seu desprezo.

Voltei ao quarto, esperando que a minha cabeça


pudesse deixar que as ideias se quietassem, mas,
pelo visto, isso não aconteceria tão cedo. Tentei,
mas não consegui fechar os olhos por mais de cinco
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minutos sem me preocupar com a saída furiosa de


Ettore.

A imagem dele, irado como estava, tinha se


aprofundado em minha mente mais do que eu
gostaria, muito mais do que eu deveria permitir.

Se eu me esforçasse, e não precisava de tanto


para isso, eu podia sentir a sua proximidade outra
vez. Podia sentir a forma que me despia com o
olhar sempre que eu estava perto e o quanto seus
beijos perto de minha boca tinham me provocado.

Ele criou o fogo, ele o tinha alimentado. Agora,


que tinha se acendido, tinha me deixado sozinha.
Até que eu me consumisse inteira e tudo que havia
em mim se tornasse em cinzas.

Era como se tivesse, com aquele simples beijo


roubado, desnudado minha alma e me colocado
diante de um espelho, mostrando os locais que
tinha reacendido com sua lealdade e a forma como
respeitou meu espaço. Deixando tudo em cores
bonitas para que eu pudesse apreciar.

Desisti de descansar e fui à cozinha procurar


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alguma coisa que pudesse aliviar minha sede, o


calor estava insuportável, mesmo que o ambiente
estivesse frio. Por que eu sabia que sua fonte não
era externa. Vinha de dentro de mim e esse não
tinha uma maneira fácil de apagar.

Tinha acabado de tomar meu copo d’água


quando ouvi um movimento no quintal. Liguei as
luzes e me adiantei para a gigantesca esquadria que
protegia o interior da casa do exterior na
madrugada. Digitei o código para que a porta
destravasse e a deslizei saindo em busca da origem
do movimento. Vi Ettore sentado na beirada da
piscina, numa das espreguiçadeiras, limpando o
rosto parcialmente ensanguentado e enxugando-o
com uma das toalhas que ficava na sauna perto da
piscina.

— Ettore...

Meu íntimo se comoveu pela cena e me vi


impelida a me aproximar dele. Seu rosto estava
machucado, sob seu olho uma mancha arroxeada. O
lábio inferior cortado e as mãos e os braços sujos
de sangue.
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— Vá para dentro, doutora.

— Ettore, está machucado... – Vi seu estado e


não tive como refrear minha atitude – Não pode
pedir que eu me afaste.

— Não se preocupe comigo, doutora Mayer. –


Seu tom tentava ser distante. Tentava ser frio, mas
era como se eu pudesse ver dentro dele a mesma
resistência que antes via dentro de mim. A
resistência que me servia de escudo sempre que ele
se aproximava. Sempre que via seus olhos azul-
centaurea refletindo a cor do céu do lado de fora.

Ignorei sua negativa e o peguei pela mão.


Vendo que os nós dos dedos da mão esquerda
estavam manchados por um sangue que não era
seu. Pois seus dedos não estavam feridos. Apenas
os da mão direita estavam feridos. E pedi que não
tivesse feito nenhuma besteira.

Ettore sentou-se na cadeira da mesa de jantar


onde eu o tinha colocado. Peguei uma das
toalhinhas que ficavam na gaveta ao lado da pia e
umedeci com água morna direto da torneira. Então

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voltei até onde Ettore estava. Ergui seu rosto e o fiz


olhar para mim. Seu olhar era intenso demais, mas
não tinha nada de bom ali. Somente muita fúria,
muita raiva, e eu sabia que uma parte dela era para
mim.

Por que eu era culpada por ele ter saído outra


vez e sabia disso. Ele tinha ido arrumar confusão
por que não fui capaz de mantê-lo entretido em
casa. Não fui capaz de dar-lhe o que queria.

“Não é capaz de ser minimamente agradável”


era o que Stephen sempre dizia.

— Doutora...

— Olha, Ettore. Ou faço isso por bem, ou faço


por mal. O que prefere? Não vou te abandonar
agora. Não quando está assim. Não vê que não
posso te deixar assim?

Por um instante, achei que não fosse ceder. Por


um pequeno instante, achei que estava abrindo meu
coração para ele em vão, mas ele aceitou minha
oferta.

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Deslizei o pano úmido por seu rosto, limpando


as marcas de sangue que estavam ressecadas. Tinha
sangue seco até nos fios de sua barba. Acabei
fazendo um pouco mais de força naquelas manchas
que eram mais difíceis de sair e evitei seu olhar que
contemplava fundo em mim, garimpando emoções.

Ettore Montebello tinha essa mania insana de


encarar rostos com esse rosto lindo que Deus deu
até derrubar toda e qualquer defesa. Era necessário
ser uma cidade guardada fortemente para resistir
tão bravamente quanto eu estava fazendo.

— Ettore, você tem que parar com isso. Não


pode sair assim se machucando e voltar escondido,
como se nada tivesse acontecido. Não pode...

— Por que se importa? – Sua voz era ácida.


Doía.

— Por que é meu marido, não é isso que me diz


sempre? Acha que não tenho o direito de me
preocupar com você?

Minha voz estava baixa, sufocada. Por que me


doía vê-lo na situação em que estava. Me doía vê-lo
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tão distante, tão frio, como se não fosse nem


humano. Banhado no sangue que não devia ser dele
em maior parte.

Terminei de limpar sob seus olhos, na parte


onde o sangue parecia ter escorrido de um
machucado na sobrancelha.

Depois o canto de sua boca avermelhada.

— Por favor, Ettore, me diz o que aconteceu.


Por que é assim? Por que se deixar ficar nessa
situação?

— Não faça isso, doutora Mayer.

— Ettore... É por causa de sua infância? Por


causa de seu pai?

Num minuto eu estava pacificamente limpando


seus machucados, tentando lembrar onde ficava o
kit de primeiros-socorros para limpar os ferimentos
com água oxigenada, no outro eu estava sendo
empurrada por suas mãos até que minhas costas
bateram na parede onde ficavam as gravuras de um
artista moderno que eu nunca me dei o trabalho de
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conhecer.

Sua respiração acelerada enquanto seu


antebraço me prendia contra a parede. O seu olhar
era ferrenho, não tinha qualquer toque de gentileza.

— Você quer saber o que está na minha


cabeça? Acha mesmo que consegue aguentar o que
está aqui na minha mente? Acha que consegue
aguentar quando eu contar tudo que já fiz, tudo que
já vivi?

Suas mãos livraram meu corpo enquanto seu


corpo é que me prendia contra a parede. Eu podia
senti-lo completamente, inteiro, cada parte dele. O
homem forte que era, completamente quebrado por
dentro.

Como eu.

— Então me mostra, Ettore.

Eu não voltei atrás, deixei que seu olhar me


encarasse em desafio. Ele precisava de uma
resposta. Demorou, mas eu a tinha.

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— Não faça isso, doutora Mayer. Não tente


entrar na minha cabeça é escuro aqui dentro.

Nossas respirações estavam se chocando de


leve, sua boca estava tão perto da minha, que eu
poderia colher um beijo breve. Toda a minha mente
sendo envolvida numa espiral enquanto eu lutava
para não deixar que as vozes me assombrassem.

— Eu já estou nela, Ettore, só quero te fazer


companhia na escuridão.

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CAPÍTULO 23 | Lívia

Seu olhar procurou o meu, eu vi quando sua ira


foi dando lugar ao desejo, tão devagar que eu vi
exatamente o momento em que este se tornou
demais para conter. Sua íris dilatando suavemente.

— Maldita boca que me tenta desde sempre...


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Sua voz era quente, baixa, ardilosamente


sensual, enquanto se dava por vencido. Ela deslizou
pela minha boca numa massagem suave pouco
antes do beijo. Beijo que não podia ser comparado
a nenhum outro que recebi antes.

Sua boca não simplesmente se encaixava na


minha, não simplesmente deslizava na minha
enquanto sugava meu lábio inferior e minha língua,
faminta. Ela sorvia nesse beijo cada mínima
vontade que ainda estivesse escondida em meu
corpo e juntava-as todas moldando-as para
corresponder ao seu desejo.

Suas mãos impacientes não pararam ao lado do


meu corpo, como estavam antes, elas seguraram a
base de minhas costas, me puxando para mais
perto, até aquele exato limite onde respirar se torna
difícil demais e passa a ser uma agonia. Se era para
morrer sufocando, que fosse assim, com o corpo
sendo incendiado enquanto ele me tocava.
Enquanto eu derretia inteira com a obra de arte que
ele chamava de beijo.

Ettore deslizou a boca por meu pescoço e eu


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facilitei mais seu acesso, virando de leve o rosto. A


força que beijava cada centímetro de minha pele
era grande e deixaria marcas, mas eu não me
importava. Por que essa dor era agradável. Era
dolorosamente prazeroso saber que eu conseguia
despertar seu desejo. Saber que podia deixá-lo a
ponto de enlouquecer com meu corpo.

Era novo. Era bom.

Era inevitável.

Soube disso desde o primeiro dia em que o vi.

Senti-o duro feito pedra se esmagando contra


mim e eu senti que estava ficando molhada, a
vontade de ser enchida se tornando maior que meu
juízo.

Suas mãos rasgaram o tecido da minha


camisola fazendo-a se partir em duas metades. Seu
olhar deslizou pela minha pele inteira pouco antes
dele começar a descer pelo meu pescoço até meus
seios. Beijando e chupando por todo o caminho.
Sua boca cobrindo meu seio enquanto sua mão
buscava o outro que implorava para que fosse
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chupado também.

Sua boca parecia ter achado um ponto secreto


do meu corpo que se ligava diretamente com meu
clitóris, por que a agonia era tanta que me fazia
torcer as pernas de prazer.

Em antecipação.

Ettore voltou até minha boca apenas para


sussurrar contra ela.

— Belos peitos, doutora Mayer... Podia ficar


neles para sempre, mas quero outra coisa agora...

Sua boca encostou na minha outra vez apenas


para sorrir de leve da forma que gemi quando
entendi sua intenção. Em pouco tempo, sua boca
tinha deslizado pela minha barriga, chegando até
meu monte de vênus. Beijando por sobre a
calcinha, mordiscando o tecido e puxando-o para
baixo com os dentes até me livrar de qualquer
cobertura.

— Olha para mim... – Ettore pediu quando viu


que eu estava fechando os olhos – Quero que olhe
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para mim. – Ele mordeu minha coxa enquanto


colocou uma de minhas pernas sobre seu ombro.
Admirou com um sorriso safado para o que eu tinha
entre as pernas então olhou para mim outra vez –
você tem a porra da boceta mais linda que já vi...

Fechei os olhos e gemi quando senti sua língua


experimentando o meu sabor pela primeira vez.
Senti quando sua boca se fechou cobrindo todo o
meu clitóris e então sua língua provocou minha
entrada outra vez.

— Se fechar os olhos vou parar o que estou


fazendo... – Disse com a voz quente na ameaça
mais sensual que já tinha recebido na vida.

Ettore pegou minhas mãos, levando-a até seu


cabelo louro dourado e eu entremeei meus dedos
neles enquanto o senti me abocanhar outra vez.
Qualquer sexo oral que eu tenha recebido na vida
não se comparava em nada com esse. Não se
comparava em nada com a sensação de sua língua
deslizando por minha vulva, até meu clitóris, então
entrando dentro de mim e saindo numa chupada
que me fazia querer viver com sua boca entre
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minhas pernas.

Sua boca continuou me devorando, Ettore


estava faminto. Uma de suas mãos estava ocupada
segurando minha perna e a outra deslizava devagar
para o alto da minha coxa até que dois de seus
dedos começaram a deslizar para dentro de mim,
sua boca não deixando a carícia, apenas
completando-a. Seu olhar estava em mim, em meu
corpo, em meus seios, em minha pele arrepiada, em
meu rosto, numa expressão solene de prazer.

Ele queria aquilo muito mais que eu, dava para


perceber.

Fazia tanto tempo, mas tanto tempo, que eu não


sabia o que era sentir um homem, que o prazer veio
repentino, sem aviso, quando se moveu um pouco
mais e gemeu enquanto tentava sugar toda minha
entrada de uma vez. Enquanto enchia a boca com
minha vulva, meu clitóris, tudo que saia de dentro
de mim e ainda tentava me encarar para ver minha
reação.

Ettore se levantou enquanto veio encontrar

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minha boca outra vez.

— Olha como sua boceta é gostosa... A porra


da boceta mais rosada que já vi na vida. Agora
vermelhinha de tanto que a devorei.

Beijei sua boca percebendo o quanto eu me


encaixava bem nele. O quanto meu gosto ficava
bem em sua língua, o quanto eu queria que
estivesse ali mais vezes. E quase choraminguei
quando seus dedos recomeçaram a massagem em
mim pacientemente. Entrando e saindo devagar,
aumentando mais minha agonia.

— Ainda não acabei com você... Tenho vontade


de morder cada centímetro dessa sua pele de tão
gostosa que é...

Seu olhar era um abismo escuro ecoando


promessas de um prazer desconhecido. Intenso,
penoso. Suas mãos me ergueram do chão e Ettore
me fez enlaçar as pernas ao redor de sua cintura.
Então me levou ao quarto, parando pelo caminho
apenas para provar mais de minha boca que eu já
sabia que devia ser a oitava maravilha do mundo

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para ele.

Chegamos vivos ao quarto e ele praticamente


me jogou na cama. Retirou o coturno, a calça, a
camisa. Estava apenas com uma boxer preta. O
quarto estava iluminado apenas pela luz do abajur
quando o vi subir na cama, vindo para perto, por
sobre mim, mordiscando meus seios e chegando até
minha boca. Então falando baixo para que eu
ouvisse.

— É a mulher mais bonita que já vi... Seu corpo


vai ser meu brinquedo favorito a partir de agora. E
essa boceta... – Disse enquanto se apertou contra
ela – Eu vou aproveitar muito essa boceta...

Eu ainda estava presa demais nas sensações


para articular alguma palavra. A timidez era
grande, por que era como transar com um
desconhecido e, por Deus, eu nunca tinha feito isso
na vida. Nunca tinha transado com alguém assim
tão repentinamente.

Fechei os olhos e senti as lembranças me


invadirem devagar. Refreei-as como pude, mas era

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difícil demais. Ettore deve ter percebido, por que


desacelerou gentilmente a investida e começou a
reverenciar meu corpo outra vez, da forma que
queria. Sendo um mestre com os dedos. Colocando
dois deles dentro de mim enquanto massageava
meu clitóris com o polegar.

— Gosta que eu a toque assim?

A voz baixa me excitava mais. Tudo que fazia


me excitava.

Acenei com a cabeça, encarando-o e vendo que


não tinha fingimento nenhum no que me falava, ou
no seu rosto. Ettore queria estar ali tanto, ou mais
do que eu.

Curvei-me ligeiramente e ele percebeu que eu


queria sua boca em meus seios outra vez. Então
cobriu os bicos dos meus peitos, um de cada vez,
com sua boca quente, vermelha. Sua língua
deslizava pela pele delicada do seio até voltar
novamente para os mamilos.

— Tão gostosa... Puta merda... E tão molhada...

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Xingou enquanto seus dedos aumentavam a


massagem.

Ettore se moveu para se encaixar entre minhas


pernas e eu tirei sua cueca empurrando-a para baixo
com os pés. Vi quando seu pau endurecido pulou,
duro, grosso, grande, para fora da roupa e mordi os
lábios. Receosa que aquilo tudo fossem entrar em
mim e realmente causar o estrago que tinha
prometido.

— Quer chupar ele? – Ettore perguntou com


seu olhar em mim outra vez. Pelo visto, me foder e
observar minha reação eram as coisas mais
divertidas que ele tinha para fazer.

Acenei positivamente e engatinhei na cama.


Lambi os lábios antes de colocar primeiro apenas o
comecinho do seu pau lustroso na minha boca.
Deslizando a língua pelo comprimento e então
voltando para cima outra vez.

Encarei Ettore quando o ouvi rosnando


baixinho ao me sentir tentando engoli-lo inteiro,
não conseguindo, mas não desistindo disso

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facilmente. O movimento me fez engasgar de leve e


o sorriso que deu mostrou que adorava essa parte
de mim que não conhecia.

— Eu estava louco para ver isso... Louco para


foder essa boca...

Disse enquanto segurou meu cabelo, enrolando-


o na mão e vendo seu pau entrando e saindo da
minha boca enquanto eu tinha que manter os olhos
nos dele. Senti as fisgadas em minha boca sempre
que eu tentava engolir ainda mais do que me era
oferecido e não conseguia.

A expressão de desejo no rosto de Ettore era


gloriosa.

Sua outra mão livre então deslizou pelas minhas


costas até alcançar minha cintura, ele admirou meu
corpo e era estranho sentir que eu podia causar esse
tipo de reação verdadeira num homem.

— Não, você não vai me vencer assim...

Disse enquanto me virou outra vez na cama.


Desta vez, encaixando-se de verdade em mim, me
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enchendo de uma maneira que não julgava


possível. Uma dorzinha de leve para me lembrar
que era o primeiro homem a entrar ali em algum
tempo.

Então Ettore se afastou um pouco, os braços


apoiados na cama, ao lado da minha cintura. Me
prendendo para que eu não me afastasse com seu
movimento. Suas estocadas fortes me fazendo
liberar o último véu da vergonha que eu ainda
estava sentindo e me permitindo gemer
deliciosamente enquanto era rasgada com vontade.

A droga do seu olhar intenso não deixando o


meu.

Ele reivindicou mais espaço.

Quando entrou mais fundo do que eu já achava


que seria possível.

Quando me fez sentir que o prazer seria algo


conquistado em breve.

Quando me fez ver que era fácil me entregar,


aos pouquinhos.
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Seu olhar só deixou o meu para ver o modo que


deslizava para dentro de mim. Para admirar a forma
que eu estava me contorcendo pelo prazer que se
aproximava com passos galopantes.

— Ettore...

Ettore continuou com o ritmo e a velocidade


perfeita. Continuou até que senti que estávamos no
mesmo balanço e os rosnados dele me incendiavam
mais. Ele se apoiou na cama com os antebraços,
suas mãos embaixo da minha cabeça, puxando meu
cabelo enquanto sua boca devorava meu pescoço,
meu lábio inferior, minha língua. Enquanto me
arrastava mais para a beira do abismo.

Suas pupilas dilatadas eram o escuro no qual eu


estava me perdendo. Abismos escuros que se
alimentavam das estrelas que ele me fazia sentir lá
embaixo. Por que não precisei de muito tempo até
estar gozando de novo. Não precisei de muito
tempo para vê-lo sorrindo, provocante, orgulhoso
de minha entrega e entregando-se a si mesmo.

Eu não podia estar mais disposta para recebê-lo,

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não tinha como estar mais sedenta de que ele


derramasse tudo que quisesse em mim. Que me
enchesse de si enquanto afundava no meu corpo
com violência.

Os rosnados se tornaram mais guturais e era sua


vez de ter prazer. Minhas mãos deslizaram para os
fios de cabelo que estavam despenteados e úmidos
do suor. Minha boca ainda tinha o gosto férreo do
sangue em sua boca. O olhar dele apenas um fio de
azul ao redor de uma íris escura. Era minha vez de
devorar suas expressões, de ver como estava
entregue.

Porque, pela primeira vez na minha vida, eu


não tinha feito sexo.

Eu tinha feito amor.

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CAPÍTULO 24 | Lívia

Ettore estava dormindo pacificamente ao meu


lado. Olhei seu rosto com cuidado, as partes
machucadas. A mancha arroxeada e vermelha que
estava cobrindo a maior parte do seu olho e o canto
da boca que estava começando a ter tons da mesma
cor.
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Esse homem tinha me tocado de uma maneira


tão fácil, tão livremente teve acesso a mim e
conseguiu me despertar para suas vontades, que
chegava a assustar.

Levantei da cama e saí do quarto batendo a


porta com todo o cuidado para não acordar Ettore.
Por que eu ainda não sabia que expressão colocar
no rosto quando o visse.

A luz do dia já estava invadindo a cozinha


aberta, a sala de jantar e a sala familiar que dava
acesso para os fundos. Eu tinha uma agonia
crescendo no peito, devagar, silenciosa, que me
deixava enfraquecida diante da vida. Era como se
meu corpo ainda estivesse sendo tocado, como se
meu corpo ainda estivesse sentindo a pressão dos
dedos de Ettore enquanto eu me movia, enquanto
pensava, enquanto respirava, e eu não ia me livrar
dessas lembranças por bastante tempo.

Andei até o quintal, observando a paisagem


coberta pela fresca névoa da manhã e travei quando
lembrei da cena de Ettore completamente
ensanguentado na noite anterior.
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Ajustei mais o robe contra o corpo, tentando me


proteger de leve do frio de fora, por que o de dentro
estava me sufocando com sua presença. E fechei os
olhos tentando evitar o pensamento que me
assombrou.

Por que, quando vi Ettore, na beirada da


piscina, sujo de sangue, pensei, por um minuto, que
o estava perdendo. Que poderia estar ferido
mortalmente, e não tive outra reação que não fosse
tentar aliviar sua dor de alguma forma.

Isso só me mostrava o quanto ele tinha entrado


em minha mente, devagar, comendo pelas beiradas.
Apenas passeando ao meu redor, tateando no muro
de defesas que eu tinha construído até encontrar
uma brecha pela qual pudesse passar.

— Lívia? – A voz de Ettore era sonolenta,


baixa, preocupada.

— Ettore... – Virei para ele após limpar os


olhos que estavam manchados de lágrimas. Tudo
por que pensei que o estava perdendo sem nem
mesmo tê-lo.

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Ele estava enrolado numa toalha branca que


marcava seu quadril estreito. O obliquo externo se
movendo conforme caminhava para perto de mim e
deixando o “V” em sua virilha ainda mais tentador.

— Me assustei quando não a vi na cama, o que


aconteceu?

Ettore já tinha captado minha expressão.


Segurou meu rosto nas mãos e quando percebi, já
estava encarando seus olhos, desviando a todo
custo de seus machucados para não ser abalada
outra vez.

— Estava chorando? – Sua voz era baixa e eu


sabia exatamente o que estava pensando. Devia
estar questionando se minhas lágrimas eram por
causa do que fizemos, se eram por que estava
arrependida. – Fiz alguma coisa errada?

Como eu tinha dito, ele achava que era pelo


sexo. Meu olhar incontrolável encontrou o
machucado. Ergui meu dedo para tocá-lo, e vi
como apertou um pouco os olhos por sentir dor.

— Não se preocupe com isso, já tive dias


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piores.

E, pronto, eu estava chorando outra vez.

Afastei-me para tentar disfarçar e apertei os


braços ao redor do meu corpo. Eu estava tendo o
coração violentado só por imaginar que um dia
poderia vê-lo mais ferido do que isso.

— Lívia, tem que me dizer o que está pensando.


Eu ainda não consigo interpretar silêncios e este
seu está me fazendo duvidar do que fizemos.

— Eu não vou aguentar isso, Ettore... – Disse


me virando e mostrei-lhe as lágrimas que estavam
descendo insistentemente. Mostrei-lhe as lágrimas
que ele estava causando sem saber, por que havia
poucas coisas para as quais eu não estava
preparada. Perdê-lo era uma delas.

— O que, doutora Mayer?

— Não vou aguentar vê-lo machucado dessa


forma outra vez. Não vou aguentar vir ao quintal na
madrugada e vê-lo limpando sangue das feridas ao
lado da piscina. Eu não vou aguentar se ver que
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algo pior que isso aconteceu. Como acha que vou


ter paz na mente sabendo que quando sair à noite
poderá voltar tão ou mais machucado do que está
agora? Como vou ter paz sabendo que pode não
voltar?

Ettore juntou as sobrancelhas e se aproximou


outra vez, suas mãos tomando-me pela cintura
enquanto perguntava num tom baixo, meio sorriso
nos lábios, ao encarar meus olhos.

— Está preocupada comigo, doutora Mayer?

— Claro que estou, seu idiota. – Eu disse


sorrindo de meu próprio estado. Eu estava
mostrando o quanto ele importava e o homem só
estava preocupado em agarrar meu corpo e sorrir de
meu estado de nervos – Como acha que fiquei ao
vê-lo daquela forma? Por Deus, Ettore. Eu não
tenho estômago para isso.

— Eu sei, doutora Mayer. – Disse enquanto me


puxava mais para perto, mas dessa vez apenas para
me fazer recostar a cabeça contra seu corpo. Seus
músculos duros sob meu rosto.

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— Isso é uma técnica para acalmar?

— É, sim, doutora, está funcionando? – Senti o


riso em sua voz.

— Não. – Claro que estava.

Eu precisava colocar algum juízo em sua


cabeça, nem que fosse pelos seis meses em que
viveria sob seu teto. Não era possível que eu não
pudesse abrir sua cabeça-dura pelo menos um
pouco e derramar uma gotinha ali dentro.

— Ettore, poderia ter sido muito pior. Poderia


não ter sido eu quem veria uma coisa dessas. Já
pensou se fosse a Amora quem presenciasse a
situação? O que diria para ela? Ou se ela
presenciasse algo pior?

— Por Deus, não quero pensar nisso.

Afastei-me brevemente de seu abraço para fitar


seu rosto atormentado. Eu via que falei algo que
poderia ter a força necessária para mudar sua
atitude. Apenas não sabia sua resposta.

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— Ettore, você tem que pensar. Minha filha


tem um carinho enorme por você. Ela já gosta de
estar ao seu redor e de assistir filmes com você
naquela televisão gigante que só serve para ocupar
espaço. Por favor, pense, como ela reagiria caso o
perdesse?

Ettore fechou os olhos e balançou a cabeça para


afastar a imagem que se pintou em sua mente. Não
era apenas eu quem sofreria caso algo lhe
acontecesse, tinha mais gente envolvida nisso.
Tinha uma criança, minha filha, e ela não poderia
ser exposta a um perigo desses.

— Por favor, promete que vai parar com isso


pelo menos por um tempo? Pelo menos enquanto
estivermos aqui. Ettore... Por favor.

— Tudo bem, doutora Mayer. Vou me


comportar por vocês. Mas, vou realmente precisar
de mais dinheiro. Fui idiota por gastar tanto em
uma noite. Gastei por que sabia de quem esse
dinheiro veio e achei que seria uma forma de me
vingar, mas há gente que precisa dos meus
pagamentos para continuar protegendo meu pai e
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não posso faltar com essa dívida.

— Tudo bem. Vou fazer uma retirada dos


investimentos e vou colocar numa conta. Não vou
querer saber de nada sobre como vai gastar esse
dinheiro, só vou pedir que, por favor, faça isso com
cautela. Se viver de forma tão dissoluta vai acabar
precisando de mais e não vou poder ficar
cancelando investimentos assim. Eles têm um prazo
para render, sabia?

— Tenho certeza que será o suficiente.

— Quer ir para dentro? – Perguntei quando me


puxou outra vez para me encostar ao seu corpo.

— Aqui está bom. Estou adorando sentir seus


peitos contra mim, doutora.

— Você não precisa me chamar de doutora o


tempo todo.

— Mas gosto, é meu fetiche.

Sorri de leve, olhando seu rosto, aceitei o beijo


que depositou na minha boca e aceitei quando suas
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mãos desceram por minhas costas até apertar meu


quadril. Ettore se abaixou até meu ouvido e
sussurrou baixinho com sua voz sensual:

— Deixa eu foder sua bunda, doutora Mayer?

— Puxa, que pena. – Sorri de leve quando vi a


porta de vidro ser aberta e Amora aparecer no
quintal com seu adorável rostinho sonolento.

Fui salva, por hoje.

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CAPÍTULO 25 | Ettore

Eram quase três da tarde quando recebi o


recado de Lívia. Algum problema tinha acontecido
na firma e ela estava impedida de sair. Beatriz a
estava ajudando nesse trabalho e Ingrid tinha sido
contratada para fotografar um casamento.

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— Eu não estaria pedindo se tivesse outra


maneira, Ettore. – Sua voz tinha um certo sorriso –
Você era realmente minha última opção.

— Obrigado pela parte que me toca, viu? Pode


deixar que vou lá.

— Use a Braunability.

Eu deveria ir buscar Amora na escola. Lívia me


passou o código que eu apresentaria. Ela já iria
ligar para a diretora para passá-lo, eu o confirmaria
logo em seguida. Assim a escola caríssima não
sofreria um processo de pais furiosos por entregar
uma aluna a um estranho.

Levou quase meia hora para chegar à escola,


Amora saia às quatro, então eu estava um bom
tempo adiantado. Falei com a diretora e ela ligou
para Lívia na minha frente para confirmar que eu
era mesmo quem eu dizia ser. Talvez não confiando
em minha aparência, minhas roupas estilo
motoqueiro, ou já tenha ouvido falar de mim pela
cidade.

Fiquei no corredor esperando e quando o sinal


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bateu, vi umas menininhas saindo da sala-de-aula.


Pelo menos meia dúzia delas, até ver a pequena
Amora saindo dali também.

O cabelo ruivo trançado era inconfundível.

— Sullivan! – A garotinha sorriu e eu andei até


ela, vendo também seu esforço ao girar as rodinhas
da cadeira.

— Amora, - Me abaixei na sua altura e olhei


seu rosto vermelho, sinal de que estava fazendo
bagunça na sala-de-aula – aprontou muito?

— Guerra de bola de papel. Eu fui a campeã.

— Claro que foi, quem mais tem um muque tão


forte? – Falei beliscando seu bracinho. – Sua mãe
não pode vir buscá-la, tudo bem?

— Tudo bem, você veio.

Uma garotinha passou perto de nós, com o


dedinho no nariz enquanto Amora radiante berrou
com sua vozinha aguda e apontou para mim.

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— Esse é o Sully, Ana!

A menina limpou a mão na roupa e estendeu a


mãozinha para mim. Cumprimentei-a e ela foi
embora correndo assim que soltei sua mão. Talvez
minhas tatuagens lhe tenham assustado.

— Ok, eu não sei para onde devemos ir agora,


por que sua mãe disse que ia mandar uma
mensagem para meu celular e eu acabei esquecendo
ele em casa.

— Você está encrencado.

— É, eu estou sim. Mas... – Disse vendo seu


sorriso enorme – não quer dizer que vou te levar
para a casa chata ainda. Tem uma loja aqui perto
que vende as melhores panquecas com calda de
amora que eu conheço. Que tal irmos comer
algumas?

— Quero. Suas panquecas são horríveis.

Fechei a mão no peito fingindo ofensa. Por que


eu sabia realmente fazer algumas coisas na cozinha,
mas panqueca definitivamente não era uma delas.
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— Quer dizer, não são tão horríveis assim.

— Ah, elas são sim. – Disse já levantando e


indo para trás da cadeira-de-rodas empurrá-la.
Saímos da escola e levei-a até o carro. Me
compliquei com a rampa, mas o zelador da escola,
que sempre ajudava Lívia com isso, veio me ajudar.

Amora subiu e chequei duas vezes se sua


cadeira estava mesmo travada. Então dirigi até uma
pâtisserie que ficava de frente para um parque de
conservação. Ali haviam brinquedos e também era
acessível para portadores de necessidades especiais.

Quando entramos, pedi as panquecas e as


comemos com milk-shake. Sabia das políticas de
Lívia sobre as refeições, mas eu não seria eu se não
burlasse de vez em quando suas regras.

Amora falou sobre seu dia e eu pude entender


um pouco mais sobre o que se passava em sua
cabecinha. Especialmente quando contou sobre a
fisioterapia e sobre como ainda sentia bastante dor
perto de onde aconteceu a cirurgia. Eu a ouvia
tranquilamente enquanto tentava mostrar que era

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um adulto forte embora seu relato fosse dolorido.

A garota estava necessitando de apoio, dava


para ver pela forma como as palavras saiam
depressa. Ela queria que eu fizesse parte do seu
mundo, então estava compartilhando comigo um
pouco de sua vida.

Então eu aceitaria fazer parte dela de um jeito


memorável, exatamente como eu sempre quis que
alguém fizesse parte da minha até Enzo chegar.

Amora era, simplesmente, meu espírito animal.

— Você gosta da mamma?

Perguntou de repente no meio de uma de suas


histórias.

— Sim, gosto muito da sua mãe.

— Eu sabia. – Disse e colocou um pedaço de


panqueca na boca. Era a última e dava para ver que
tinha gostado – Mamma também gosta de você.

Ajeitei-me na cadeira e perguntei com evidente


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curiosidade:

— Por que diz isso?

— Por que estavam abraçados. Mamma ama


abraços e ela estava sorrindo.

— E o que acha disso, Amora?

— Gosto quando a mamma sorri.

Disse dando de ombros e brincando com o


garfo antes de tomar outro gole do seu milk-shake.
Terminamos a refeição. Ela disse que queria fazer
xixi e como eu não sabia como ajudar, a garçonete
ajudou-a no banheiro. Depois, ela já estava vindo
sorridente girando as rodas com os bracinhos
enquanto eu pagava nossa conta.

— Quanto deu?

— Dezoito e noventa e oito.

A moça do caixa disse gentil e eu paguei o


valor.

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— Sully.

— O que? – Olhei para Amora que puxava a


barra da minha camisa.

— Pode comprar para mim?

Olhei para o que apontava no balcão de vidro.


Várias e várias embalagens de chicletes das mais
diversas cores.

— São chicletes. Sua mãe diz que é couro de


vaca com sabor.

— Eu sei.

— Quer alguns? – Falei incapaz de não ceder


quando fazia beicinho.

— Mamma disse que dá cárie.

— Para isso existem dentistas. Vamos comprar


alguns e manter isso entre nós, ok?

Entreguei mais uma nota para a garota do


balcão e dei uma gorjeta para a garçonete que tinha
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me ajudado com a necessidade de Amora. Recebi


um saco cheio de chicletes coloridos e fomos ao
parque.

Abrimos alguns chicletes e ficamos olhando as


crianças brincando com seus cães até que Amora
estendeu para mim a figurinha que vinha numa das
embalagens.

— O que é isso?

— Isso é uma coisa muito legal. – Disse


enquanto já a puxava para perto do bebedouro do
parque. Sentei no banco perto dela e pedi que
estendesse seu bracinho. Coloquei a figura ali e
joguei a água encima para liberar em sua pelezinha
a tatuagem adesiva.

— Agora meu braço está igual ao seu, Sully.

— Vamos colocar mais para surpreender sua


mãe.

A garotinha sorriu animada enquanto


catávamos mais chicletes e cobríamos quase seu
braço completo com tatuagens diferentes. Desenhos
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da Hot Wheels, barbies, flores e tribais.

— Sabe, já que é para ser tatuada, você vai


precisar de mais uma coisa.

— O que? – Perguntou gostando do meu ar de


mistério, sabendo que iriamos aprontar mais.

— Chamas.

— Eu quero!

Levei-a até o carro outra vez e seguimos para a


oficina onde meu pai costumava comprar peças
para os carros que começava a consertar e nunca
terminava. O atendente foi simpático com Amora,
embora seu jeito de cara de gangue de motos fosse
ainda mais assustador que o meu, e adesivou
algumas partes da cadeira de rodas com decalques
de chamas.

Mohawk e os outros caras da oficina


trabalharam rapidamente enquanto eu a carregava
nos braços. Pelo sorriso que tinha no rosto, sabia
que estava tão encrencada quanto eu, mas estava se
divertindo.
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Mohawk, o atendente e dono da oficina, deu


uma de suas pulseiras de spikes para minha enteada
e saímos dali com a promessa de convidá-los para o
aniversário de Amora que seria dali a quatro meses.

Voltamos ao parque e Amora estava radiante


com seu braço tatuado e os adesivos na cadeira-de-
rodas. Percebi que era fácil lhe proporcionar
felicidade, por que quando ela sorria, uma parte
dela voltava para mim também. Eu estava receoso
de tê-la em minha casa no começo, por que não
sabia que nível de compromisso eu teria com sua
mãe, ou como seria ter uma criança na casa
atrapalhando meus planos para a doutora Mayer.

Vendo-a tão radiante agora, enquanto as outras


crianças expressavam sua admiração por sua
cadeira-de-rodas personalizada, eu não conseguia
imaginar mais minha vida sem elas.

A promessa que Lívia me obrigou a fazer pesou


sobre meus ombros por algum tempo. Eu não podia
deixar que passassem qualquer perigo enquanto
estivessem comigo. Não poderia chegar,
novamente, em casa, na situação que cheguei. Não
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queria que Amora ou Lívia tivessem medo.

Era hora de parar de arrumar confusão.

Temporariamente.

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CAPÍTULO 26 | Ettore

Quando chegamos à academia, procuramos por


meu pai, mas ele não estava treinando ainda.
Passava das seis e nesse horário meu pai já teria
encerrado com uma de suas turmas de kickboxing.
A outra só começaria em uma hora, mais ou menos,
então eu teria tempo para a conversa séria que me
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levava ali.

— Onde está o velho? – Perguntei a um dos


caras que treinava comigo e ele apenas apontou na
direção das salas que ficavam ao fundo da
academia.

Empurrei a cadeirinha de Amora, percorremos


poucos metros até chegarmos ao escritório do meu
pai. Uma sala aos fundos da academia cuja mobília
consistia de somente um sofá de couro marrom,
uma mesa de reuniões e uma máquina caça-níquel
que era um vício do velho.

— Ettore! Meu filho! – Disse quando me viu


entrando, pouco antes de prestar atenção que eu
tinha trazido companhia – E quem é essa bambina?

— Meu nome é Amora! – Estendeu o bracinho


para meu pai, arregaçando a manga do uniforme –
Olha minhas tatuagens!

— São as melhores tatuagens que vi hoje! –


Enzo se aproximou da garota e pegou o braço como
se admirasse realmente os adesivos de cinco
centavos. – Você tem mesmo cara de Amora.
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— Vim trazer uma parte da minha família para


conhecer.

— Entao, essa é sua figlia? Que linda família


tem. - Meu pai disse levantando-se – Essa menina é
tão bonita quanto a mãe.

— Sim, é verdade. – Disse dando de ombros –


Eu precisava conversar com o senhor um assunto
sério.

— Já até sei que tá vindo problema por aí. Tudo


bem. A garotinha pode ouvir?

— Acho melhor não. – Abaixei na altura de


Amora – Eu vou ligar a televisão para assistir
desenho por alguns minutos enquanto converso
com meu pai, tudo bem? Quer um suco ou
refrigerante?

Amora fez que não com a cabeça.

— Tenho uma ideia melhor. Valéria está


trabalhando comigo. Posso pedir que fique com sua
filha um pouco. Só enquanto conversamos.
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— O que Valeria está fazendo aqui?

— Está trabalhando, acabei de dizer. A garota


precisava de um lugar para ficar, ofereci o quarto
dos fundos da academia. Não poderia dizer que
não. Sabe que sempre gostei da garota.

— Sei sim. Então chame-a, por favor.

Enzo berrou na academia e em dois minutos


Val tinha chegado. Entrou na sala olhando da
garotinha para mim.

— Olá, Ettore.

— Val.

— Quem é essa linda menina? – Valéria se


abaixou na altura de Amora e mexeu numa das
tranças dela.

— Esta é a Amora, filha da doutora


Montebello.

Meu pai interrompeu-nos para pedir:

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— Val, fique com a menina cinco minutos. Eu


vou ter uma conversa com meu filho. Assistam
alguns desenhos. Tem pipoca de micro-ondas para
fazer.

— Deixa que eu cuido dela. – Valéria disse e


sentou-se no sofá, puxando a cadeirinha de Amora
para mais perto da TV. Se Lívia soubesse disso,
provavelmente iria me matar.

Ficamos do lado de fora, exatamente do lugar


onde eu poderia ver como Amora estava sendo
tratada. Meu pai olhou para mim falando:

— Não precisa se preocupar, conhece a Val.


Ela é uma boa garota e não faria mal à criança.

— Eu vou direto ao assunto que me trouxe


aqui. Por que do jeito que conheço minha mulher,
ela não vai ficar feliz em saber que Amora passou
algum tempo com Valéria.

— A garota já aceitou o rompimento. Conversei


com ela e disse que tinha que respeitar suas
escolhas. Acho que deve ter entendido no final das
contas que perdeu o bonde.
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— Que assim seja. – Virei-me para meu pai


outra vez depois de espiar a sala uma segunda vez –
Pai, vou precisar me retirar dos trabalhos por um
tempo.

— Se retirar? Como assim, Ettore?

Eu revivi as lembranças do que tinha vivido


com a doutora Mayer muito rapidamente. Ela tinha
se importado comigo, eu não estava mais sozinho.
Ela me fez enxergar que tinha outra forma de
conseguir a adrenalina que eu precisava sem ser
quebrando a cara de ninguém. Eu não poderia
voltar atrás com minha palavra depois de prometer
que me afastaria de confusão temporariamente.

— O senhor olhou essa garotinha? – Perguntei


e meu pai espiou para dentro da sala – Eu tenho um
apreço especial por essa menina. Também tenho
sentimentos pela mãe dela. Eu não quero colocá-las
em perigo nesse meio tempo. Não quero colocá-las
em perigo por causa de minhas escolhas. Eu vou ter
que ficar afastado das atividades.

— Sabe que as coisas não funcionam assim.


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— Sei como as coisas funcionam. Os Madrazzo


são os donos dessa cidade e vão poupá-lo de
trabalhos se eu pagar as taxas. Felizmente isso é
algo que eu posso fazer agora.

— Ettore, as coisas não são tão fáceis assim.

— Eu sei que não. Por isso acho bom que o


senhor se mude da casa por um tempo. Viva num
lugar diferente. Onde não poderão encontrá-lo
facilmente. Então eu pago as taxas que o manterão
seguro.

— Não posso sair da casa onde Sara viveu.


Todas minhas lembranças estão lá.

— Pai, é para seu bem.

— Me desculpe, Ettore. Não vou fazer isso. Eu


vivi mais de trinta anos naquela casa, tudo que vivi
com minha mulher foi ali. Não posso fazer isso.
Não posso deixá-la assim.

— Eu já podia imaginar. – Disse enquanto


coçava a cabeça, como podia pensar que meu pai
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seria menos teimoso? – Neste caso, vou falar com


os Madrazzo e explicar a situação. Tomara que não
cobrem o olho da cara. Espero que não tenha falado
nada para nenhum deles sobre a herança.

— Não sou idiota.

— Mas contou para Val.

— Isso foi um descuido. Não falei


deliberadamente. A menina começou a chorar
quando contei que tinha se casado e acabei
cedendo. Sempre tive pouco coração para choro de
mulher.

— Da próxima vez, vou pedir encarecidamente,


tenha um pouco mais. Por que a cena lá em casa
não foi bonita. Além disso, vou respeitar a mulher
com quem estou casado. Eu gosto dela e não vou
machucá-la. Então, por favor, não alimente as
esperanças de Valéria. Não vou voltar para ela
quando isso acabar.

— E vai acabar?

— Por que pergunta isso? – Inquiri vendo que


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seu olhar para cima de mim era diferente. Como


quando conhecia tudo o que eu estava sentindo
quando menino. O mesmo olhar de quem viveu
tanto que conhece os outros como a palma da mão.

— Parece apaixonado.

— Não estou.

— Ah, vejo. Oras, é turrão como seu velho.


Tudo bem, continue bancando o durão. A mim não
engana.

— Pai, toma cuidado.

— Vou tomar, filho. Agora, me deixa mimar


minha neta. Espero que traga uma criança para
minha casa desde sempre. Achei que ia ficar velho
e que não ia me dar nenhuma criança para eu
treinar.

Acompanhei-o até a sala e Enzo começou a


comer com Amora enquanto assistiam desenhos
animados na TV. Ele pediu que Valéria trouxesse
um presente para Amora, e quando vi, ele já estava
entregando para a menina uma luva de boxe
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pequena.

Ficou passeando com Amora entre os caras da


academia e parecia realizado por finalmente ter
alguém para ensinar seus truques. Valéria se
aproximou de onde eu estava, admirando meu pai
encarnando o papel de avô, e dirigiu-se a mim.

— Me desculpe, Ettore. Por querer estragar isso


que tem.

— Esquece isso, Valéria.

— Não consigo. Ainda lembro da forma que


defendeu sua família, - disse dando de ombros –
porque é sua família agora. Acho que nunca o tinha
zangado tanto na vida.

— Acho que não.

— Escuta, Ettore. Estou conformada. Sei que


não somos mais um casal faz tempo, por que vi a
forma que olhava para a sua doutora. Eu só queria
saber se podemos ser amigos. Eu sempre vou ter
carinho por você.

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— Eu sei, mas não posso responder isso.

— Por que?

— Só poderei nutrir sua amizade se não for um


incomodo para minha mulher. Por que acho que
você criou bastante atrito para algumas décadas.
Não vou ser mal-educado com você, nem vou
ignorá-la, mas haverá sempre certo limite que não
pretendo romper. E vai ser Lívia que vai dizer qual
ele é.

— Entendo. Está apaixonado.

— Não, não estou. – Eu disse sem entender por


que todo mundo estava falando isso para mim hoje.

— Claro que está. Dá para sentir. Está com


outra vibe, outra cara. Estou contente por você. Sei
em que termos essa relação está acontecendo, mas
espero que a conquiste antes de tudo acabar.

— Por que?

— Por que parece feliz.

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Suas palavras ficaram na minha cabeça pela


próxima meia hora. Até eu me despedir de todo
mundo da academia e ir com Amora para casa.
Afinal de contas, sei que tinha pelo menos umas
duzentas ligações de Lívia me esperando querendo
saber de nosso paradeiro.

— Estamos encrencados. – Amora disse quando


saímos da academia, antes de entrarmos no carro,
ao perceber que já estava anoitecendo.

— É, estamos sim. Deixa que eu converso com


sua mãe quando eu chegar, tá bom?

— Tá bom.

Coloquei rock e sorri de Amora sacudindo os


cabelinhos enquanto eu cantava no carro. “Por que
parece feliz”. As palavras de Val estavam em
minha mente. Ela não estava tão errada assim.

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CAPÍTULO 27 | Ettore

Lívia estava com os braços cruzados quando


chegamos em casa. Estava acontecendo uma
pequena revolução de fúria dentro dela, eu podia
perceber.

E eu estava adorando.
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Por que adorava quando agitava, como quando


uma pedra caí num lago plácido, sua superfície
tranquila.

— Pronto! Chegamos, não precisa esperar mais.


Onde estão as decorações do meu enterro? Achei
que eu teria pelo menos flores.

Lívia se adiantou para verificar a filha e, como


ela estava com o agasalho da escola, não pode ver –
ainda – as tatuagens. Nem tínhamos passado do
vestíbulo.

— Ettore, não banque o engraçadinho. Devo ter


envelhecido uns dez anos na última hora. Sabe o
susto que eu peguei quando cheguei em casa e não
encontrei vocês?

— Lívia, - me inclinei e falei baixo perto de seu


ouvido – vai querer ter uma discussão na frente da
criança?

Amora estava com os olhos vidrados em nós


dois e eu já sabia, por experiência própria, que
mesmo pequenos seres como ela, já conseguiam
sentir as faíscas de uma discussão no fundo de si.
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— O que fez com a cadeirinha dela?

— Acrescentamos estilo. – Pisquei para Amora


que me sorriu de volta. Não era um bom momento,
mas Amora achou que se mostrasse as tatuagens
para a mãe, ela teria ainda mais orgulho.

— Mamma, olha isso! – Ela ergueu a manga do


agasalho.

Eu queria estar na mesma altura das duas para


ver o ar de terror que estampava seu rosto. Acho
que, de vez em quando, Lívia devia se permitir
viver sem sua agenda calculada minuto-a-minuto.

Experimentar emoções novas.

Esperava estar proporcionando isso para ela.

— São lindas, Amora. Agora, vai se adiantando


que tem que fazer os deveres da escola antes de
dormir e já está bem tarde.

Ela deu um beijo na filha e disse para a garota ir


ao quarto para se preparar para um banho. Coloquei
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a mochila dela na alça da cadeira e a vi ir para o


quarto com incertezas rodeando sua cabecinha.
Mesmo que estivesse me lançando um sorrisinho
com sua boca suja de azul por causa dos chicletes.

Quando Amora tinha sumido de vista, Lívia


virou-se para mim e passou as mãos no rosto antes
de respirar fundo e perguntar.

— Chamas, Ettore? Sério? E tatuagens?

— Tem muito cor-de-rosa na vida dessa


menina.

— Ainda acha que está certo?

— Lívia, estávamos nos divertindo.

— Ettore, mas como eu ia saber? Não atendia


minhas ligações, não respondia minhas mensagens.
Eu liguei para Deus e o mundo atrás de vocês.
Onde é que estavam?

— Fomos comer panquecas, depois fomos ao


parque. Então fomos estilizar a cadeira de rodas
dela e depois fomos à academia do meu pai.
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— Ettore eu deixei a menina com você por


algumas horas. Algumas horas apenas. E ela já está
com decalques na cadeira-de-rodas, tatuagens, e
uma pulseira de roqueiro de mil novecentos e
setenta. Eu sabia que ia aprontar alguma coisa, mas
me surpreendeu lindamente.

Lívia não estava tão zangada quanto eu


esperava, estava apenas afetada pelos nervos. Dava
para ver que sua preocupação é que tinha lhe
lançado milhares de teorias sobre o que tinha
acontecido a nós dois.

— Eu errei, me desculpa. – Pedi sinceramente –


Eu esqueci o celular em casa e quando lembrei, já
estava no portão da escola. Não tinha como voltar
para buscar.

— Será que da próxima vez pode pedir uma


ligação para alguém para me avisar onde estão pelo
menos?

— Farei isso.

— Obrigada. – Disse revirando os olhos –


Agora, deixa eu dar um banho em Amora. Espero
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que o braço dela não fique manchado.

— Sabe que aquelas tatuagens saem com álcool


não é, doutora? Só lá pelos dezesseis anos é que ela
vai fazer uma tatuagem de verdade. E, se for tão
controladora assim, é capaz dela mentir para você e
esconder.

— Eu acho que isso não vai acontecer, a não ser


que ela tenha uma péssima influência.

Lívia se adiantou para ir ao quarto da filha.


Segui-a até a altura da cozinha, mas percebi que
não queria conversa. Fui ao meu próprio quarto e
aproveitei para tomar um banho antes de jantar.

Vesti uma bermuda e uma camisa limpa e


jantamos quietos. Lívia ajudou a menina a terminar
as tarefas do dia, felizmente não tinham tantas, e
em seguida colocou-a para dormir. Recebi um beijo
de Amora antes dela dormir e gostei de saber que
tinha convencido sua mãe a não retirar as tatuagens
até o dia seguinte, onde poderia mostrar para suas
amigas da escola.

Depois de um tempo, fui ao quarto e vi que


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Lívia tinha acabado de sair do banho. Estava


enrolada em um roupão branco enquanto secava o
cabelo. Recostei-me contra a porta para admirar a
mulher com quem eu estava casado.

— Ainda está zangada comigo? – Perguntei


quando vi que me notou pelo reflexo do espelho de
corpo inteiro que revestia a porta do banheiro.

— Estou me acalmando.

— Sabe que eu não faria nenhum mal à menina,


não sabe?

Minhas costas ainda estavam contra a porta, eu


olhava o modo que o roupão curto me deixava ver a
polpa de sua bunda sempre que se inclinava para
frente. Quando ela se abriu comigo.

— Ettore, é muito difícil confiar minha filha a


alguém. Você não estava no último lugar da lista de
adultos confiáveis por acaso. Eu sabia que alguma
revolução aconteceria, mas isso foi um pouco
demais para mim, não acha?

— Eu já me desculpei.
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— Eu sei, eu desculpo você. Apenas ainda


estou balançada demais por tudo que aconteceu.
Não vai ser fácil para mim confiar minha Amora a
você novamente.

— Lamento que tenha quebrado sua confiança.


Mas, doutora Mayer, eu vou dizer algo e preciso
que acredite em mim. Enquanto estiverem comigo,
serei o melhor que posso para Amora. Serei o
homem que sempre quis ter como pai.

— Ettore...

— Me escute, por favor. – Me aproximei dela –


Não vou machucá-la, nem vou machucar esta
menina. Mas isso tudo vai vir com alguma
confusão. Somos pessoas diferentes, não sou do
tipo que a levará para um teatro para assistir o lago
dos cisnes, sou do tipo que vai trazê-la fora do
horário com bastante açúcar no organismo. Esse é
meu jeito. Da próxima vez eu vou ter mais
responsabilidade de avisá-la onde estamos.

Sentei-me na beirada da cama e vi seu olhar


sobre mim. Eu adorava os toques quentes que

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conseguia enxergar ali.

— Esqueci de contar uma coisa.

— Que seria? - Perguntou enquanto tornava a


escovar seus cabelos. Seus olhos de terra após a
chuva fugindo de minha análise minuciosa.

— Encontramos Valéria na academia.

Percebi sua pose se tornando um pouco mais


rígida.

— E ela cuidou de Amora enquanto eu


conversava com meu pai por alguns minutos.

— Ela o que? – Agora ela tinha deixado


completamente o cuidado do cabelo para me olhar.

— Eu precisava falar de um assunto sério. Meu


pai sugeriu a ideia e não pude negar. Era melhor
que deixar que ficasse sozinha numa sala estranha.

— Não gosto de saber que minha filha estava


na companhia daquela mulher odiável.

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— Eu fiquei de vigilância. Valéria é uma


pessoa boa, meio louca às vezes, mas eu a conheço.
Sei que não faria mal a uma criança. Ainda mais
me conhecendo. Sabendo o que poderia fazer caso
tentasse romper um fio do cabelo de Amora.

Lívia ignorou meu comentário e olhou para


todos os lugares possíveis, menos para mim,
quando disse:

— Eu não gosto dela.

Uma doce realização caiu sobre meus ombros.

— Está com ciúmes, doutora Mayer?

— Claro que não estou.

Era óbvio que estava. Sua pele sempre revelava


muito do que estava sentindo. Sempre ficava
vermelha quando os sentimentos dentro de si
entravam em ebulição. Levantei-me e fiquei atrás
dela. Virando-a de frente para o espelho.

— Não precisa ter ciúmes de Valéria.

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— Eu disse que não estou com ciúmes...

Sorri de sua frase já saindo com voz rouca.


Adorava que o menor de meus toques agora
despertasse seu corpo. Puxei-a pelo quadril para
encostar mais ao meu corpo e curvei-me
ligeiramente para conseguir sussurrar ao seu
ouvido.

— Olhe para si mesma, doutora. – Pedi e ela


abriu os olhos assim que terminei de brincar com o
lóbulo de sua orelha –Veja a mulher bonita que é.
Linda, na verdade. Não precisa ter ciúmes de
ninguém.

— Já teve uma vida com ela.

— Mas agora estou tendo uma com você.

Minhas mãos foram para o laço do roupão e eu


abri mais seu decote exibindo seus seios
fantásticos. Eu já tinha me imaginado fodendo eles
desde quando a vi naquela delegacia.

— Veja esses seios... – Minhas mãos afastaram


de vez o roupão e ela já estava nua de frente ao
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espelho. Encarei seu corpo nu enquanto a


provocava. Meus dedos deslizando por sua cintura
até encontrar seu sexo – Olha esse corpo. Por que
acha que haveria qualquer outra ocupando minha
mente quando eu tenho isso tudo dentro de casa?

Minha boca encostou-se ao pescoço da doutora


Mayer e ela jogou de leve a cabeça para trás. Uma
de minhas mãos ocupando-se em tocá-la
intimamente enquanto a outra subia para seu
pescoço, segurando-a pelo maxilar e me dando
espaço para aproveitar sua pele fina.

Continuei a tocá-la até que tivesse prazer em


meus dedos. Até que visse que estava em minha
mente. Até que sentisse que podia confiar em
minhas promessas. Por que eu as manteria com
tudo que dependesse de mim. E, olhando para seu
corpo refletido no espelho e seu olhar quente
enquanto eu a devorava, não seria assim tão difícil.

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CAPÍTULO 28 | Lívia

O mundo tinha acabado de oscilar sob meus


pés. Era assim que eu estava me sentindo. Como se
todas as minhas seguranças tivessem se
desestabilizado repentinamente e eu estivesse sendo
lançada de um lado para o outro sem ter onde me
apoiar.
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Os auditores contratados para averiguar a


situação da empresa tinham entregado os relatórios
oficiais, os que seriam publicados no diário oficial
da união, e a minha dívida, que deveria estar nas
casas dos quinze milhões, no máximo, teve seu
pagamento protelado por muito tempo.

Tempo demais.

E os juros não foram bondosos.

Depois de liquidar a dívida à vista, para poder


conseguir o desconto que era oferecido pelos
fornecedores e pelo governo, sobraria muito menos
de quinhentos mil euros.

Bia e eu estávamos desde cedo verificando os


rendimentos da poupança e o rendimento da
aplicação que eu tinha feito. Eram irrisórios perto
do montante da dívida. Nada rende tão bem em um
mês. Eu teria que acertar na loteria ou quebrar um
cassino para conseguir pagar tudo sem afetar a
minha reserva.

— Você pode pedir ajuda para Ettore, Lívia.

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— Não, de maneira nenhuma. Aí que vai pensar


que estou interessada apenas em seu dinheiro. Ele
tem cumprido cada ponto daquele contrato, cada
um dele. E já pagou o que eu devia receber. Não
quero ficar acrescentando coisas sabendo que não
terei como pagá-las depois.

Bia estava com seus óculos de grau e o cabelo


escuro preso no alto enquanto tentava me oferecer
uma saída para meu problema. Linda e inteligente,
mas não tinha parado direito para pensar no que
sugeria. Sabia que estava me alimentando de
esperanças por que sempre era otimista.

— Vou entrar em contato com alguns bancos.


Sei que a empresa não está muito bem na praça,
mas posso tentar conseguir dar a garantia do
pagamento das dívidas. Isso pode animá-los e
afrouxar a mão na hora de dar o dinheiro.

— Faça isso. Vou ver se consigo enxergar


alguma oportunidade na bolsa. De quanto tempo
precisa?

— Algumas horas.

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Bia abriu o notebook e começou a fazer as


ligações diante da minha mesa mesmo. Embora eu
estivesse com a superfície tranquila, os medos
dentro de mim estavam crescendo outra vez. Não
adiantava saber que tinha um marido
multimilionário, a minha parte do dinheiro seria
liquidada tão mais rapidamente que um piscar de
olhos.

Não sobraria nada para continuar pagando os


tratamentos de Amora. Fazendo um levantamento
muito por alto, mas muito por alto mesmo, o
dinheiro que ia sobrar só pagaria por no máximo
seis meses de tratamento e então eu teria que usar
minhas próprias economias, que não estavam tão
boas assim.

São quase sessenta mil por mês contando


nossos gastos pessoais, o gasto com a minha mãe, e
os gastos com a escola, natação, hipismo,
transporte, alimentação, cursos e, o mais importante
de tudo, a fisioterapia de reabilitação. Além da
reserva que eu precisava fazer para comprar um
lugar para ter onde morar com Amora quando o
contrato acabasse.
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Eu ia ficar sem nada outra vez, teria que


recomeçar do zero, já que a credibilidade da
empresa tinha sido completamente abalada pela
multidão de dívidas e só poderia contar comigo
mesma para reerguê-la.

As horas passaram comigo buscando o valor de


venda da BMW na internet. Eu tinha que começar a
pensar em alguma forma de manter sempre a
poupança no azul. Também havia algumas joias,
mas a maioria delas era da família Davani e minha
mãe não as cederia para venda facilmente.

— Nenhum banco se dispôs a oferecer qualquer


valor acima de alguns milhares para a firma. O
score da empresa não é dos melhores.

— Era de se esperar.

— Era sim. Eu sinto muito por ser a pessoa que


está dando as notícias.

— Sabe que prefiro ouvi-las vindas de uma


amiga, do que de outra pessoa. Sei o quanto essa
empresa é importante para você também.

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— O que vai fazer agora?

— Autorize os bancos a realizar os pagamentos.


Vou tentar fazer esse meio milhão que vai sobrar
render. E vou procurar um apartamento barato
numa região menos procurada. Talvez eu encontre
algum para quando isso acabar.

Bia sabia a que eu estava me referindo.

Ao acordo que estava salvando a empresa.

Ao acordo que estava revelando muito mais de


mim do que queria. Por que eu estava me
redescobrindo mulher. Redescobrindo minha
feminilidade aos poucos.

O que sobraria de mim quando tudo acabasse?

— Lívia, ainda acho que pode contar o que está


acontecendo. Dá para ver que Ettore tem carinho
pela menina, você mesma me contou isso
animadamente algumas vezes. Ele não parece ser
uma pessoa ruim com as duas, e tenho certeza que
pode ajudar se pedir com jeito. Se explicar tudo.

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— Isso é uma coisa que quem precisa fazer por


minha filha sou eu. Nem que eu venda cada um de
meus órgãos, vou pagar pelo tratamento dela até o
final. Ela está tendo tanto progresso.

— Eu sei. Lembro quando vivia com dores.


Quando precisava viver com sondas. Não quero
lembrar disso. Quero lembrar dela agora, com o
progresso maravilhoso que vem tendo.

— Eu também.

— Vou pedir almoço para nós duas. Tem uma


pessoa lá fora esperando por você. Posso mandar
entrar?

— Quem é?

— Lucca Lagano, o cara do restaurante.

— Pede para ele entrar.

— Vou pedir sim. Vou ficar perambulando lá


fora enquanto vocês conversam. Não quero
reencontrá-lo assim.

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— Desculpa por não ter dado certo. Sei que vai


arranjar alguém mais bonito e mais charmoso. Quer
almoçar comigo e Amora amanhã?

— Vou ter que passar, infelizmente. – Bia disse


já se levantando quando finalizou as autorizações
de pagamento. Em algumas horas, minha conta
estaria muitos milhões mais pobre – Amanhã tenho
umas consultas para levar minha nona depois
daqui. Posso ir na segunda.

— Vai ser perfeito. Vou pedir a lasanha que


gosta.

— Quer comprar minha presença com uma


lasanha?

— Estou conseguindo?

— Está sim, continue desse jeito.

Bia saiu e nem um minuto depois o arquiteto


entrava na minha sala. Ele me cumprimentou e
sorriu educado, seus olhos se apertando nos cantos,
mostrando sinceridade em seu gesto.

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— Espero que não se trate de nenhum problema


na execução do quarto de Amora.

— Nenhum. O prazo estipulado vai ser


cumprindo. Tinha vindo falar exatamente deste
assunto. Daqui a dois dias tudo estará finalizado.
Inclusive, os elevadores já estão funcionando.
Trouxe a autorização para liberar a segunda parte
da verba para o projeto, estamos indo para os
arremates finais no espaço de Ettore.

— Poderia ter esperado que eu estivesse em


casa para me contar isso. – Falei estudando seu
nervosismo quase não aparente – Há outra coisa
que possa fazer por você?

Lucca coçou de leve a sobrancelha antes de


perguntar.

— Ettore está longe de problemas?

— Desculpe, não entendi.

— Desculpe, sei que estou sendo evasivo.


Apenas estou preocupado, doutora Montebello.
Ettore é meu amigo, mas eu sei que não teria de
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onde tirar o dinheiro para uma obra desse porte.


Ainda mais com tudo o que incluiu nos pedidos.

— E então?

— Então que temo pela segurança dele. Temo


que o dinheiro tenha sido recebido de forma ilícita.
Com as notas fiscais que a empresa tem que
fornecer, ele vai precisar declarar os valores para a
receita federal.

— Sei disso. Obrigada por se preocupar com


Ettore. O dinheiro veio de uma forma legal sim.
Uma herança. Não se preocupe que seu amigo está
andando comportado ultimamente. Estou colocando
ele nos eixos.

— Isso me alivia um pouco.

— Há mais alguma coisa? – Perguntei quando


lhe dei a cópia do documento assinado e guardei
minha via.

— Há um assunto pessoal.

— Eu já até sei sobre o que é.


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— Está assim tão evidente?

— Desculpe a honestidade, mas está sim. Vou


tratar de tê-la em casa quando for entregar o quarto
de Amora.

Ainda conversamos algum tempo sobre a


decoração. Mandei uma mensagem para Ingrid
dizendo com quem eu estava. Ela tinha me dito que
não queria se prender a ninguém tão cedo. Que era
de fases e que poderia enjoar de um par muito
rapidamente, mas Amora adorava suas duas tias e
eu estava louca para Ingrid arranjar um motivo para
ficar.

Eu precisaria de todo o suporte possível quando


meu conto de fadas perfeito começasse a ruir.
Faltava pouco mais de cinco meses para isso.
Apenas pouco mais de cinco meses. E contando.

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CAPÍTULO 29 | Lívia

Dessa vez, quando cheguei em casa, Ettore já


tinha chegado. A Braunability estava estacionada
na frente da casa, diante da garagem, e o Mustang
que tinha chegado há alguns dias, estava na
garagem principal da casa, bem guardado, como o
brinquedo caro que era. A caminhonete que Ettore
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usava de vez em quando estava estacionada ao lado


do Ford, sinal que havia visitas em casa.

Desci da BMW que eu já dirigia em tom de


despedida e entrei. Passando pelas áreas sociais até
a academia de Ettore. Parei recostando-me ao
umbral da porta para admirar a cena que tinha se
revelado aos meus olhos.

Ettore estava sentado numa poltrona, sorrindo e


incentivando Amora a acertar os socos que dava
com uma luvinha de boxe cor-de-rosa no alvo que
Enzo estendia para ela.

Era o retrato de uma família perfeita.

Uma família que eu mesma tinha imposto à


minha filha devido à necessidade. Quando esse
tempo acabasse, como eu poderia reconstruir sua
confiança em alguém novamente? Como poderia
deixar que alguém se aproximasse outra vez? Eu
devia era me sentir ridícula brincando de casinha
dessa maneira. Fingindo que realmente era uma
família quando, na verdade, sabia bem que tudo
tinha dia e hora para acabar.

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Ettore finalmente deixou de olhar para o


treinamento de Amora e me percebeu à porta.
Levantou e veio em minha direção e eu tive que
usar todo o juízo que ainda me restava para não me
distrair com a forma como seu andar relaxado me
provocava.

Achei que viria educadamente me


cumprimentar por me ver em casa mais cedo que o
normal, mas pegou meu rosto entre os dedos e
depositou um beijo demorado em minha boca.
Rude e bom. Deixando-me praticamente sem ar
quando me afastei.

— Que bom que chegou, vem, quero te


apresentar ao meu pai.

Eu ia me quebrar bonito quando tudo acabasse.

Ainda estava limpando meu batom borrado nos


cantos da boca enquanto Ettore me arrastava até
perto de onde Enzo estava quando tive que estender
as mãos para o meu sogro.

— Um prazer conhecê-la pessoalmente,


doutora.
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— Por favor, me chame de Lívia, já basta seu


filho que não consegue parar de me chamar assim.

— Tudo bem, Lívia. – Então virando-se para o


filho disse – É uma mulher muito mais bonita do
que eu imaginava. Agora sei por que anda
comportado.

E deu uma piscada para o filho enquanto eu só


queria achar um lugar para me esconder de tanta
vergonha que estava.

Jantamos em paz e Enzo me contou sobre


Ettore. Contou uma parte de sua infância, por que
eu sabia que ainda tinha muita coisa ali, sobre
quando viveu sob seus cuidados. Coisas felizes e
que arrancaram risos de todos na mesa.

Contou sobre algumas namoradas de Ettore e eu


ouvi quieta, um sorriso nos lábios e um tantinho de
ciúme no coração. Mandando minha mente
entender que elas eram parte do seu passado, parte
do que foi, parte do que tinha se tornado, e que se
tivesse feito escolhas diferentes, não estaria nesta
mesa de jantar dividindo uma refeição comigo
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agora.

Quando estávamos nos despedindo dele à porta,


ouvi o que disse ao ouvido do filho e guardei-o no
íntimo de mim.

“A família sempre vem em primeiro lugar,


estou contente que descobriu qual delas”.

Amora dormiu de exausta e eu cuidei de sua


higiene antes de seguir para o quarto. Ettore
esperou o táxi que levaria Enzo para casa.

Me observei no espelho da penteadeira


enquanto guardava meus brincos no suporte. Meus
olhos não pareciam ter o mesmo brilho da manhã.
Não estavam mais tão vivazes quanto estavam
quando acordei, quando me olhei no espelho, e
gostei da mulher que vi. Mulher que não era
assombrada por vozes acusatórias apontando para
sua incompetência.

As vozes estavam voltando agora.

Embora o exterior estivesse calmo.

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Só eu sabia dos monstros invisíveis me


assombrando.

Ettore voltou ao quarto e veio por trás de mim


beijar meu rosto. Seu cheiro inconfundível de
homem se misturando ao meu próprio perfume já
em suas notas de saída. Em seguida, ele pegou uma
toalha e se despiu, em seguida enrolando a toalha
ao redor de seu quadril.

— Está tudo bem, Lívia?

— Por que pergunta isso?

— Parecia distante durante o jantar.

— Está tudo bem.

Eu disse e lhe lancei um sorriso, mas eu não


tinha pretensões que ele saísse tão triste. Ettore
deve ter percebido, por que a próxima coisa que vi
foi ele bufando e virando os olhos. A virada de
olhos mais linda que eu tive a oportunidade de
presenciar.

— Achei que não mentia para mim.


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— Por que diz isso?

— Dá para ver que alguma coisa está te


perturbando. Lívia, eu não sou burro.

— Eu nunca disse que era.

— Então? Conte o que aconteceu.

Olhei para seu rosto. Os braços de Ettore


estavam tonificados pelo esforço que deve ter feito
em seu treino. Suas coxas mais grossas por causa
da forma que estavam flexionadas e se eu me
movesse alguns centímetros para trás, conseguiria
ver o que a toalha mal estava ocultando de onde eu
estava.

O problema era que ele estava realmente


preocupado.

O outro problema é que eu não pediria mais


dinheiro.

Em hipótese nenhuma.

— Tive um dia péssimo no trabalho.


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— Sério? – Juntou as sobrancelhas confuso.

Ou eu era péssima demais em mentir, ou era


fácil demais de ler.

— Sim. Paguei a dívida da empresa. O


montante foi um pouco maior do que eu pensava. –
Muito mais do que eu pensava, acrescentei
mentalmente – E ainda estou apreensiva pela
quantidade de dinheiro que saiu tão rapidamente da
minha mão.

— Sinto muito por isso, Lívia.

Era a segunda vez que não me chamava pelo


termo “doutora”.

— Eu sei.

— Se eu puder fazer algo para ajudar, basta me


dizer.

— Você já fez mais do que o suficiente, Ettore.

Meus nervos ainda estavam à flor-da-pele.

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Eu ainda estava completamente abalada pelos


custos do tratamento de Amora. Eu não podia
limitar Amora a um mundo inferior ao que vivia.
Por Deus, depois de dar uma olhada nos
apartamentos da vizinhança que eu poderia pagar,
eu só conseguia ver todos os problemas de
locomoção que Amora teria. Ruas mal asfaltadas,
transporte precário, quase nenhum lugar com
acessibilidade. Eu não queria que minha filha
sentisse que o mundo real não podia recebê-la bem.
Não depois de tanto tempo tentando encaixá-la num
lugar onde poderia ser livre de qualquer empecilho
que sua limitação pudesse causar.

— Por que está fazendo isso, Ettore? – Inquiri


firmemente – Por que está tentando entrar tanto na
minha cabeça?

— Por que estamos fazendo companhia um ao


outro na escuridão, não foi o que me disse? Apenas
estou vendo que tem áreas que ainda não quer me
mostrar, mas estou tentando, com tudo que há em
mim, vê-las.

— Você não pode esperar que eu queira que


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conserte as coisas para mim sempre.

— É tão errado assim que eu queira te ajudar?

— Está brincando de casinha, Ettore. Está


bancando o marido e o pai da minha filha, mas isso
é cruel de sua parte. Por que não acorda para a
realidade? Por que não entende que em pouco
tempo não seremos nada para você além de
conhecidas?

— Não seja rude comigo, Lívia.

Eu nem percebi que minha voz tinha soado


rude. Nem percebi que tinha soado fria e distante,
como quando tentava ocultar os problemas que eu
tinha de minhas amigas. Quando não queria que
soubessem o inferno que eu tinha vivido.

— Eu estou sendo realista.

— Você pode, por favor, calar a boca?

Levantei e me afastei de Ettore. O banquinho da


penteadeira caiu no chão e eu caminhei até a janela
do quarto. Olhei para o lado de fora, tentando
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entender o porquê de meu rompante de raiva


repentina. Entendendo bem que era minha
impotência que o estava causando. Primeiro, contra
o fato de que não tinha condições de continuar
sarando minha filha das feridas físicas que meu
passado obrigou-a a ter. Segundo, por que estava
sentindo Ettore, como um desbravador, entrando
em minha mente e conquistando terras que não lhe
pertencia. Proclamando que eram suas, contra
minha vontade.

— O que há de errado com você? – Sua voz


estava firme, sua mente provavelmente
conjecturando mil teorias, minha própria mente
flutuando em mil ideias.

— O que há de errado comigo? O que há de


errado com você? Por que está fazendo de tudo
para que eu me apaixone por você se sabe que isso
não passa de um fingimento. E sabe muito bem que
só eu e minha filha sairemos machucadas disso...

— Então você tem medo de se envolver e o


culpado sou eu? – Percebi que estava acabando
com toda sua paciência.
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Fechei os olhos para tentar não encarar seu


abdômen de músculos exatos. As duas linhas do
seu V que prometiam maravilhas. Por que era
muito fácil se apaixonar por seu corpo, mas era
difícil sentir minha alma sendo violentada de uma
forma tão profunda por uma saudade antecipada.

— Tem medo de se apaixonar por mim, Lívia...


Sou tão indigno assim?

“Por favor, não faça isso...” Minha mente


implorava, mas meus lábios continuavam cerrados
diante de sua fúria.

— Sou tão ruim para que não possa se


apaixonar por mim? Tenho sido tão ruim a ponto de
não poder contar para mim o que está acontecendo?
Por que tem a porra de um problema acontecendo e
não foi essa merda dessa mentira que me contou.

— Eu não menti para você. – Cruzei os braços


no peito em sinal de defesa.

— É exatamente isso que penso quando está


parecendo uma avezinha assustada. Quando não
consegue nem olhar meu rosto por mais de dez
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segundos sem desviar.

— Você pode, por favor, calar a boca? – Ecoei


suas palavras.

— Quer saber, tudo bem. Não posso te salvar se


não está pedindo minha ajuda. Estou sendo infantil
insistindo nisso.

Ettore disse saindo do quarto. Provavelmente


dormiria no seu recanto particular hoje. E eu só
fiquei com as palavras embaralhadas na minha
língua. Palavras que não quiseram saltar para fora
de minha boca.

“Me apaixonar por você é fácil demais, Ettore.


É de te amar que eu tenho medo”.

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CAPÍTULO 30 | Lívia

Ingrid tinha comprado novas lentes e não tinha


achado outra pessoa para treinar seu olho mágico
para a fotografia ultimamente, que não fosse
Amora. Como ela não tinha fisioterapia nessa
semana, estávamos aproveitando o final de tarde e
os últimos dias de sol alaranjado antes do inverno e
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das chuvas chegarem com tudo.

O condomínio tinha diversas áreas que


poderíamos usar como cenário de fundo para as
fotos. E Ingrid já tinha tirado umas cem fotos de
Amora só na última hora. No entanto, sempre
achava um local diferente para fotografar a
sobrinha.

Dessa vez estávamos ao lado de uma fonte que


ornamentava a entrada de uma das mansões do
condomínio.

— Agora finge que o céu é feito de vestido de


Barbie! – Disse arrancando um sorriso
genuinamente feliz de Amora e tirando outra
dezena de fotos que seriam selecionadas e iriam
para o álbum de fotografias que eu ganharia de
presente.

Ingrid não sabe controlar a língua e sempre


revela os meus presentes aleatoriamente.

Este descobri na mensagem de texto que


mandou mais cedo.

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— Você não foi trabalhar hoje.

— Não tinha cabeça para trabalhar hoje. – Dei


de ombros enquanto a vi olhando para a tela da sua
Nikon e sorrindo para o resultado aprovado.

— Mas não foi por causa das fotos, foi? –


Perguntou já colocando a câmera para trabalhar
outra vez.

— Não. Eu discuti com Ettore ontem.

— Discutiram?

— Eu não contei sobre algumas coisas que


estavam acontecendo e ele levou para o lado
pessoal. – Resumi muito brevemente a história.
Não queria encher Ingrid com meus problemas. Sua
alma artística era muito sensível, eu não queria que
ficasse abalada pelas novidades. Sua concentração
no trabalho poderia ser afetada e eu não queria
atrapalhar.

— E pode contar para mim? Se não contar, vou


te bater. Sabe que não quero que esconda nada de
mim. Sou sua amiga de verdade, pode confiar.
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— Vou contar, mas, por favor, não conte nada


para Stephen.

Pedi e Ingrid me olhou de um jeito esquisito.

— Tá ficando louca? Por que eu contaria


alguma coisa sua para meu irmão? Sei o quanto ele
foi tóxico para você. Amo meu irmão, mas eu
chutaria a bunda dele daqui até a Austrália se isso
pudesse apagar o que ele fez. Não se preocupe, seu
segredo, qualquer que seja, está salvo comigo.

— Estou quebrada. – Contei a verdade – E o


dinheiro que sobrou não vai ser o suficiente para
custear o valor dos tratamentos de Amora até o
final.

— E a fortuna que recebeu do bonitão? –


Perguntou baixo enquanto olhava rapidamente para
Amora. Ela já tinha se distraído com as carpas da
fonte do meu quase vizinho.

— Praticamente tudo foi utilizado para pagar as


dívidas da empresa. O governo federal levou a
maior parte. Os fornecedores outra. E tinha tanto
processo trabalhista contra meu pai, que não sobrou
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nem seis décimos de um milhão.

— Não me diz uma coisa dessas.

— É a verdade. Por isso Amora não foi à


fisioterapia hoje. Precisei diminuir um pouco os
custos para poder fazer esse dinheiro render pelo
menos dois anos. Até eu me reestabelecer.

— Eu vou ajudar. Não aceito negativas. Vou


começar a pegar alguns serviços extras e depositar
um valor mensalmente para ajudar com as
coisinhas da minha sobrinha.

— Ingrid, você não precisa fazer isso.

— E você não precisa apanhar, mas parece que


está querendo. – Ela disse já com seu tom de
ameaça que estava presente em noventa por cento
de suas frases – Claro que vou ajudar como posso.

Ingrid sorriu para Amora que nos acenava e


estendia uma das flores que enfeitavam a fonte,
antes de jogá-la com força contra a água molhando
seu vestido. Sorrimos e Ingrid virou-se para mim
outra vez.
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— Por que não liga para Paola? Ela não era


legal com você?

— Ela ficou sendo legal comigo até eu congelar


todos os bens dela. A mulher está pobre e não quer
nem me ver pintada de ouro e coberta de chocolate.

Ingrid sorriu de leve, pensando numa solução


que não fosse pedir mais dinheiro para Ettore. Por
que ela já devia saber que isso estava fora de
cogitação.

— E seu cunhado? Barone?

— O que tem ele?

— Ele não é um Midas conhecido? Tudo que


ele toca não vira ouro? Por que não liga para ele?
Talvez possa te ajudar com alguma ideia para fazer
esse dinheiro render.

— O perfil de Barone é muito perigoso. Ele


investe em ações arriscadas demais para mim. Eu ia
ficar sem dormir um bom tempo só de pensar nisso.

— Até hoje tem dado certo, é o que leio nos


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jornais. Por que não tenta? Explica a situação e


tenta convencê-lo a ser mais conservador. É da sua
filha que estamos falando, minha sobrinha, não é
hora de ter medo.

— Me empresta seu celular.

Sua injeção de ânimo me encheu de uma


disposição tão rapidamente, que parecia que eu
tinha meus problemas resolvidos por algum tempo.
Ingrid me entregou o celular e eu fiz a ligação para
Seattle.

Encerrei a ligação logo em seguida lembrando


da diferença de horários. Já devia ser madrugada lá
e eu só atrapalharia num momento desses. Conectei
a internet no celular de Ingrid e enviei uma
mensagem para que eu lembrasse de ligar num
horário mais adequado.

Eu já ia devolver o celular, quando uma


notificação da rede social favorita de minha
cunhada chegou. Eu sorri de leve ao lê-la antes de
chamar a atenção de Ingrid que já tinha ido
reorganizar o arranjo de flores do cabelo de Amora

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para tirar mais fotos.

— Ingrid, pode vir aqui? – Minha cunhada


levantou seus olhos escuros e a franja nova,
adquirida num corte recente, cobriu rapidamente
seu olhar. Ela ainda estava tirando os fios de sobre
o rosto quando veio saber do que eu falava.

— E então? O que ele disse?

— Não é isso. Eu não poderia ligar agora, é


bastante tarde lá.

— Ah, ok. E o que era?

— Olha isso! – Virei o celular para ela e


mostrei a notificação da rede social. – Lucca
Lagano começou a te seguir.

— Ai meu Deus, coitado, agora que vai se


apaixonar mesmo... – Ingrid disse olhando para o
celular. Não adiantava querer bancar a durona, dava
para ver seus olhinhos castanhos brilhando.

— Segue ele de volta.

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— Para que? Não estou desesperada.

— E o que vai fazer?

— Fazer ele ficar com ciúmes. Vem cá. Vamos


tirar uma foto no carro do seu vizinho. Acho que
ele não vai se importar. Você aperta aqui e aqui.
Deixa o Lucca pensar que eu estou saindo com um
coroa rico que me banca em tudo.

Ingrid se apressou para posar diante do carro.


Puxou as mangas da batinha um pouco mais para
cima, ajustou o short jeans e colocou os óculos
escuros. Seu sorriso era o de alguém que estava
completamente ciente de que iria provocar o tal
Lagano.

Tirei algumas fotos, mas eu não era nenhuma


profissional e algumas ficaram ruins. Ingrid
selecionou as melhores e postamos duas com uma
legenda sugestiva. Esperamos a reação do Lagano.

Começamos a empurrar a cadeirinha de Amora


para voltarmos para casa. Ingrid iria dormir
conosco hoje, já que Ettore tinha ido visitar o pai e
não poderia voltar até o dia seguinte.
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Uma desculpa que ele deu para não ficar perto


de mim.

Totalmente compreensível.

Estávamos chegando perto de casa quando a


notificação do comentário do Lagano chegou no
celular de Ingrid. Paramos no meio da rua para lê-
la. Ingrid a ponto de rasgar o rosto ao meio de tanto
que sorria.

“Fico feliz que tenha achado meu endereço.


Quer dar uma volta no Chrysler comigo um dia
desses?”

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CAPÍTULO 31 | Ettore

Enzo estava polindo sua coleção de facas. Num


dos quartos do porão da casa, ele tinha uma parede
coberta dos mais diferentes tipos de armamento.
Além de uma despensa com tudo o que seria
necessário caso precisasse se isolar por um tempo.

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O que aconteceria frequentemente a partir de


agora.

— Eu criei um homem. Um homem não foge


de suas responsabilidades, Ettore. Não vai para casa
de mãe e pai quando as coisas estão ruins. Ele
resolve seus problemas em casa com sua mulher.

— Eu sei disso. Apenas estou dando algum


espaço para a doutora Mayer.

— Isso é bom, - Meu velho disse colocando


uma das facas na boca e falando com os dentes
apertados enquanto limpava o suporte onde ela iria
– espere-a esfriar a cabeça. É uma mulher delicada.
Não deve ser tratada como suas namoradinhas.
Pense também na menina, ela está acostumada a tê-
lo em casa.

— Conheço a mulher com quem estou casado.


E não tem outras duas garotas que ocupem mais
minha mente do que as duas.

Disse dando de ombros. As mãos no bolso do


moletom cinza. Um boné na cabeça que ocultava o
rosto da luz fraca que tinha no teto, jeans e coturnos
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gastos.

— Pelo visto não conhece tanto se ela tem


segredos. Já passou uma noite aqui, tempo demais
longe de casa.

Não tinha sido exatamente uma noite. Foram


apenas algumas horas depois que voltamos da
reunião com os Madrazzo. O valor que pediram
pelos seis meses não foi alto. Não quando prometi
que voltaria à ativa com tudo quando o contrato
com a doutora Mayer acabasse.

— Estou de saída. – Eu disse guardando meu


soco-inglês, que meu pai tinha polido mais cedo, no
bolso.

— Quer levar alguma coisa? – Acenou com a


cabeça para as armas enquanto limpava uma de
suas Katanas.

— Estou bem suprido. Te vejo depois, meu


velho.

— Vou aparecer para jantar um dia desses.


Acha que a doutora vai concordar se eu levar um
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filhote para a menina?

— Eu teria que conversar com Lívia primeiro.

— A garota não é alérgica ou algo assim, né?

— Aparentemente não. – Disse lembrando do


dia que a levei para o parque percebendo o quanto
tinha gostado dos animais das outras crianças –
Mas não leve nenhum bicho para casa antes de eu
conversar com a mãe da menina. É muita
responsabilidade para uma criança.

Meu pai olhou para mim por um minuto que


pareceu suspenso no tempo e falou com certo
orgulho na voz.

— Está se comportando como um pai, estou


gostando de ver. Agora, vai se resolver com sua
mulher que ganha mais.

Sacudi a cabeça antes de sair e entrei no


Mustang. Era um sonho de infância ter um.
Especialmente depois que Paola me deu uma
miniatura aos doze anos.

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Dirigi, mas não segui a direção de casa. Peguei


uma estrada que não tinha pegado por algum
tempo. Pensando no que deveria falar quando a
encontrasse. Pensando se realmente queria
conversar assim tão repentinamente, mas sabendo
que era o que precisava.

— Senhor Montebello. – Bia me cumprimentou


quando eu parei diante da sua mesa. Eu tinha sido
bastante mal-educado quando pisei neste lugar das
últimas vezes, era hora de mostrar alguma boa
criação.

— Preciso falar com Lívia.

— Sinto muito, senhor Montebello. Ela está em


reunião agora.

— Vai demorar muito?

— Na verdade, não posso precisar com certeza.

Respirei fundo, sabendo bem que minha


insistência poderia atrapalhar o trabalho da doutora
Mayer de alguma forma. Então a ideia me passou
fugazmente pela cabeça e a segurei antes que
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fugisse de mim.

— Quero falar com você. À sós.

— Não posso deixar meu posto, senhor


Montebello.

Coloquei as mãos sobre sua mesa e olhei fundo


seus olhos escuros.

— Ana Beatriz, - Eu esperava conseguir


mostrar que não desistiria fácil de minha
empreitada – sua chefe, minha mulher, está
enfrentando algum problema e quer me deixar de
fora disso. Tenho medo do que possa ser. Temo que
possa ser algo que ela não pode controlar e que está
tentando bancar a corajosa sozinha. Não guarde
segredos que podem ser perigosos demais para sua
chefe. Há alguma coisa acontecendo que eu não sei.

— Não sei se devo contar. Acho que isso é uma


coisa que deveria ser conversada entre os dois.

— Ok, vou fazer a pergunta de uma maneira


diferente. – Olhei para o lado, um engomadinho
passando no corredor nos atrapalhou. Fiquei
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olhando-o de cara feia até que parou de bisbilhotar


o que não era de sua conta e o homem foi embora –
Tem algo que preciso descobrir que esteja
implicando a integridade de algum dos membros da
minha família de alguma forma? Ou você ou
Ingrid?

Beatriz se levantou e fez sinal para que eu a


acompanhasse até uma das salas de reuniões vazia.
Bia olhou ao redor, confirmou que as câmeras
estavam desligadas e retirou os cabos do áudio da
sala. Dava para ver o quanto era cuidadosa com os
assuntos pertinentes à sua chefe.

— Ok, eu não deveria falar, mas não é apenas a


doutora Montebello que está envolvida. Eu vou
contar aqui por que não quero que nenhum dos
advogados por acaso ouça isso. Se Lívia perguntar,
vou dizer que contei. Não minto para minha chefe.

— Isso é muito bom, por que também não


minto para minha mulher.

— Ok. – Disse pegando duas garrafinhas de


água do frigobar e estendendo uma delas para mim

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– Lívia está sem dinheiro.

— Impossível.

— Não, é verdade. Sei sobre a fortuna que


transferiu, mas acredite em mim, as dívidas da
empresa levaram quase tudo. O que sobrou, não vai
conseguir custear o tratamento de Amora até o fim.

Agora eu começava a acreditar. Só uma coisa


poderia tirar a paz de espírito da mulher com quem
eu estava casado. Sua filha. Qualquer coisa que
envolvesse Amora, que pudesse lhe prejudicar de
alguma forma, era um motivo mais do que
plausível para sua explosão de hostilidade.

— Os tratamentos são caros. Lívia já tinha


mudado Amora para uma clínica menor quando a
empresa começou a ter problemas, agora está
fazendo isso novamente. Os gastos com Amora são
muitos e o que sobrou do dinheiro, não pagará a
reabilitação da minha pequena até o final.

Gostei como se referiu à menina. Isso


significava que esse era o único motivo para estar
traindo a confiança da sua chefe. Se Lívia, ao
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descobrir que tinha me contado, tentasse ralhar, eu


mesmo a defenderia.

— Ela está em uma reunião com alguns


investidores agora. Não tem como fazer quinhentos
mil renderem tão magnificamente em poucos
meses. Precisou de ajuda pela primeira vez.

— Não vi o carro dela lá fora, até pensei que


não tinha vindo ao trabalho.

— Ah, ela veio sim. De táxi.

— De táxi?

— Encontrou um comprador para a BMW.

Para Lívia se desapegar de seu carro era por que


a coisa estava séria mesmo. Isso apenas confirmou
minha teoria de que não confiava em mim para
resolver os assuntos pertinentes às duas mulheres
que eu deveria proteger agora.

— Não conte nada sobre minha visita.

— Eu...
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— Bia, por favor, faz o que estou pedindo. E


não se preocupe. Vou resolver as coisas. Apenas...
Apenas me dê um tempo. Sei que não gosta de
mentir para sua amiga, mas vou pedir que só conte
que vim aqui se Lívia perguntar.

Beatriz acenou positivamente. – Tudo bem,


posso fazer isso. – Acho que se conformou com
minha sugestão que não implicaria em qualquer
culpa para si.

Ignorei o olhar do monte de almofadinha que


trabalhava com minha mulher e fui em direção ao
estacionamento. Quando saí dali, sabia exatamente
quem deveria rever. Havia muitas pessoas das quais
me afastei por muito tempo. Eu esperava que ainda
pudesse contar com sua amizade.

Entrei no Mustang outra vez, apertei o volante e


lamentei não ter aceitado a oferta de meu pai
quando dirigi para a área da cidade vizinha que não
pertencia mais aos Madrazzo.

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CAPÍTULO 32 | Lívia

Quando cheguei do trabalho, logo após o


almoço, precisei encarar outra vez minha cama
vazia. Ingrid ainda estava em casa, já que Ettore
não tinha dado o ar da graça até então. Quando
entrei na área social, vi Amora e Ingrid
descansando sob um ombrelone perto da Jacuzzi.
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Amora estava com o rostinho vermelho, sinal


de que tinha aprontado demais com a tia.
Felizmente, o sol não era mais tão intenso quando o
inverno se aproximava e eu sabia o quanto Ingrid
amava demais a sobrinha para deixá-la sem
proteção.

— Então eu me mato de trabalhar e vocês duas


relaxando?

Ingrid e Amora, que estavam com os olhinhos


fechados relaxadas com o calor fraco que fazia,
olharam em minha direção. A tia tinha-a colocado
numa das espreguiçadeiras e ajustado um
travesseiro sob sua perna e sua coluna. Com todo o
cuidado que Amora merecia ter.

— Essa é a vida. – Ingrid sorriu enquanto eu me


aproximei para deixar um beijo na bochecha de
Amora e um abraço no seu corpinho de maiô – Ela
não é boa para todo mundo.

— Chata. Vocês já almoçaram?

— Sim. Está tudo pronto para esperar o


Lagano.
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— Pelo visto já esqueceu a gafe.

— Esquecer, não esqueci, mas vou fazer o quê?


Me esconder. Quero estar aqui no momento da
surpresa.

— Está certa. Achei que Ettore teria chegado.

— Nem sinal dele, amiga. – Ingrid revelou


observando minha reação. Geralmente eu era uma
pessoa fácil de ler pelas pessoas mais próximas,
mas eu estava com um comportamento arredio que
ela ainda não tinha notado.

— Quer surpresa? – Amora perguntou inquieta


sabendo que só poderia ser algo para ela.

— Ah, é uma coisa linda que o Sullivan deu


para você. Estamos só esperando o moço que vai
entregá-la chegar. Como está se sentindo?

— Bem. – Falou com sua vozinha doce e rouca


que eu tanto amava ouvir.

A garotinha me deu o maior sorriso que eu


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recebi desde que as terapias foram reduzidas. Ela


tinha passado a noite anterior com dor ao redor da
lesão e eu só pude lhe encher de remédios e orar
para que isso tudo passasse. Ingrid e eu fizemos
plantão na madrugada, vigiando o sono de Amora,
para que uma nova onda de dor não viesse e não
estivéssemos preparadas com todos os
medicamentos.

Troquei a roupa por um conjunto mais


confortável e trouxe os cremes para massagear a
costinha dela perto do local da última cirurgia. O
creme relaxava os músculos que, felizmente, não
estavam tão tensos quanto na madrugada anterior.

Fiquei conversando com Ingrid ao lado da


piscina até que Nina, que contratamos oficialmente
como nossa auxiliar na casa nova, veio nos avisar
que a pessoa que esperávamos tinha chegado.

Ingrid praticamente saltou da espreguiçadeira


para me ajudar a colocar Amora na cadeira-de-
rodas estilizada com chamas. Eu ainda não tinha
conseguido, de maneira nenhuma, esquecer isso.
Nem a pulseira de spikes que a garota levava de um
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lado para o outro no braço.

— Ingrid, você não vai atender a porta de


biquíni, vai?

— O que tem, mulher? Não tenho vergonha do


meu corpo não.

— Está usando um fio-dental brasileiro. Não


vai deixar nada para a imaginação do homem, já
está mostrando tudo.

— Quero deixar ele imaginar mesmo nada não,


quero para ele ver. Deixa ele ficar sem graça
também.

Eu não ia mesmo conseguir falar qualquer coisa


que lhe convencesse, então me dei por vencida.
Fomos encontrar com o Lagano que nos esperava
com sua assistente na primeira sala-de-estar.

— O homem é bonito ou não? – Ingrid


perguntou baixinho ao meu ouvido e eu apenas
sorri de seu jeito sempre serelepe.

— Senhor Lagano! – Apertei sua mão e lhe


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sorri.

— Doutora Montebello. – Lucca me


cumprimentou e então sua atenção foi para Ingrid.
– Senhorita Mayer.

O homem tinha um sorriso sacana no rosto.


Tanto Amora, Linda, sua assistente, quanto eu,
ficamos de vela por uns cinco segundos. O homem
era profissional, porém, e logo virou-se para minha
filha.

— Como vai, Amora?

— Bem.

Amora não ficou completamente à vontade ao


redor de Lucca Lagano, mas eu sabia que era por
causa das dores da noite passada que a tinham
deixado um pouco irritadiça até a manhã seguinte.
E, como uma criança ainda não tão capaz de lidar
com todos os sentimentos, projetava suas sensações
no mundo exterior como conseguia.

Ingrid foi buscar sua câmera e em seguida


entramos no elevador espaçoso para até seis
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pessoas e Ingrid fez o favor de enrolar uma canga


branca quase transparente ao redor de sua cintura.
Distraindo menos o doutor Lagano.

Quando chegamos ao segundo andar, Lucca


apontou para a porta e Ingrid já estava com sua
câmera a postos para tirar as fotos das primeiras
impressões de Amora em seu novo ambiente.

Amora girou a maçaneta da porta, adaptada


para que ficasse numa altura boa para ela e então
entrou no quarto que tinha sido decorado para ela
com tanto cuidado. Até eu, adulta, estava encantada
com tudo o que via. A atenção aos detalhes era
espetacular.

Havia uma cama branca com uma cabeceira em


capitonê digna de uma rainha no tamanho queen
size. Um arco tinha sido feito, ligando os dois
quartos, então o espaço era praticamente igual ao
da suíte máster que Ettore e eu ocupávamos. Do
outro lado do arco com moldura em toques de rosa
e dourado, a melhor sala de brinquedos e estudo
que eu já tinha visto em minha vida. Com direito a
uma miniatura de castelo com escada adaptada para
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seus passos quando a fisioterapia estivesse surtindo


um efeito mais visível.

Amora deslizou a cadeirinha-de-rodas pelo piso


de madeira acarpetado e deslizou as mãozinhas ao
lado da cama que tinha uma altura perfeita, com
apoios ao lado da cabeceira, para que pudesse
passar da cadeira para ela sozinha.

Eu conseguia ouvir os cliques da câmera de


Ingrid funcionando, mas minha mente ainda estava
ocupada demais em observar cada um dos detalhes
do quarto. Amora estava tão encantada quanto eu.
Indo até uma penteadeira adequada ao seu
tamanho, com espaço suficiente para que a cadeira-
de-rodas encaixasse e ela pudesse cuidar do próprio
cabelinho toda manhã.

Em seguida, já animada pelo presente, Amora


foi desbravar o seu quarto de brinquedos. Tinha
uma parede coberta de ursos, uma pequena
biblioteca no espaço para estudos, uma mesa
adaptada para sua altura, muitos travesseiros
decorativos com as cores do Sullivan, o bichinho
que ela mais gostava. O banheiro, era um show à
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parte. Completamente adaptado às suas


necessidades. Tinha até uma banheira de sentar
com passagem adaptável.

Claro, quem estava mais preocupada com isso,


era eu mesma. Por que Amora estava sorrindo e
sendo fotografada pela tia ao lado dos brinquedos.

— Espero que tenha cumprindo suas


expectativas. – Lucca disse estendendo um lenço
que tirou do bolso para mim. Logo que terminei de
vasculhar o closet com prateleiras deslizantes que
permitiriam que Amora pudesse guardar seus
próprios vestidinhos nos cabides.

— Está brincando? – O riso saiu abafado por


algumas lágrimas – Você superou todas elas. Eu
estou impressionada.

— Sinto-me lisonjeado.

— Sinta-se. Por que foi um trabalho


maravilhoso. Obrigada. Obrigada você também,
Linda.

A garota sorriu e pude ver certo orgulho de seu


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próprio trabalho estampado em seu olhar. É isso


que os arquitetos sentem quando veem seus clientes
devorando cada centímetro de seus trabalhos?

— Vou deixá-las à sós por alguns minutos. Em


seguida tenho que explicar um pouco da automação
do quarto. Nada complicado demais. Linda, - virou-
se para a assistente – pode ir preparando o
material?

— Claro.

A garota disse antes de sair do quarto.

— Posso voltar em quinze minutos?

— Tudo bem.

— Senhorita Mayer, pode me acompanhar um


minuto, por favor?

Lucca pediu, me surpreendendo e


surpreendendo a própria Ingrid. Então saiu e Ingrid
saiu mais atrás. Fui até minha filha e sentei-me
num dos travesseiros gigantes que enfeitava a área
de brincar. Vi-a mexer no tablet cor-de-rosa que
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exibia seu filme favorito.

— Você gostou, filha?

— Gostei demais. – O sorrisinho peralta ao ver


seu querido filme estampado em seu rosto –
Obrigada, mãe.

— Foi um presente do Sullivan. Quando ele


chegar, agradeça-o.

— Eu queria que o Sully estivesse aqui. –


Amora disse num ar levemente balançado – Eu
queria abraçá-lo.

— Eu sei. Eu queria também, mas sei que ele


vai chegar logo. Quando chegar, poderá dar tantos
abraços quantos quiser. – Tirei um fio de cabelo
que tinha grudado em sua bochecha – Sei que ele
vai adorar recebê-los.

Amora desvendou quase todas as suas caixas de


brinquedos e eu só podia sentir meu coração
apertando lindamente cada vez que ela sorria de
suas descobertas. Havia tanto carinho nesse quarto,
em sua execução, que era possível senti-lo até no
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cheiro de lavanda que estava espalhando-se


levemente no ambiente.

Amora estendeu para mim uma das nozes


caramelizadas que estavam na bomboniere e eu
recebi o delicado doce. Seu olhar feliz e
ligeiramente receoso com o presente grandioso que
tinha recebido.

Para falar a verdade, não foi apenas ela quem


tinha recebido o presente hoje. Por que, esse
presente só ajudou a comprovar minhas certezas.
Eu não pude responder para Ettore seu
questionamento no dia da nossa briga, por que ele
não era nenhum pouco indigno. Não havia nada em
seu comportamento que não fosse um convite para
se apaixonar.

Era totalmente o contrário.

Ele era digno, até demais, de ser amado.

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CAPÍTULO 33 | Ingrid

Segui Lucca pelo corredor até que estivéssemos


numa parte menos movimentada. Deixei minha
câmera sobre um dos móveis que enfeitava o amplo
espaço e olhei para seu rosto esperando que
tomasse uma atitude. Cada detalhe dele.

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Seu cabelo castanho dourado, seus olhos claros


que me confudiam, num tom de verde-azulado, seu
nariz afilado, sua boca que parecia ter sido
desenhada por um artista inspirado e tudo o mais
que chamava atenção.

O homem tinha um charme inerente em seu


andar, em seu gesto. Do tipo que se vê que tem uma
elegância inata até ao falar. E eu estava babando. O
problema era fazê-lo entender que eu podia até
estar interessada, mas não seria eu quem daria o
primeiro passo.

— Gostou do Chrysler?

Perguntou com um sorriso sacana. Eu ainda não


conseguia acreditar na ousadia do destino de me
colocar para tirar foto justamente diante da casa
dele, no carro dele, com a legenda “na casa do
mozão”.

Eu quis colocar minha cabeça num buraco por


algum tempo, mas a apreensão passou quando vi
que estava se divertindo com a situação tanto
quanto eu.

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— Ah, o carro é maravilhoso, não posso negar.


Tem um igual na casa da família em Londres.

Eu sorri e ele me sorriu de volta. Seus olhos se


apertando como percebi que fariam sempre,
acrescentando um charme a mais em seu rostinho
lindo que Deus deu.

— Então não mora na cidade?

— Estou passando uma temporada. Nunca fui


de ficar muito tempo em algum lugar. Gosto de
viajar e conhecer o mundo. E sua esposa, mora na
cidade?

— Estou solteiro. E seu namorado, esperando


você em Londres? – Perguntou com um ar
levemente sério. Seu olhar conseguia prender-se
exatamente no castanho dos meus olhos, sem
descer para meu corpo, mesmo que a tentação fosse
grande.

— Se estiver, vai ser uma surpresa para mim


também.

— Por que?
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— Por que não estou namorando.

Lucca colocou as mãos no bolso. Os polegares


para fora da calça. Eu era ótima em esmiuçar
emoções. Tinha que as ler bem quando ia trabalhar,
afinal, eu tinha que prender partículas dessa
emoção numa foto eternizada. Então era necessário
fazer algo mais do que simplesmente enxergar a
beleza, era preciso capturá-la. Sua postura
demonstrava que estava me passando confiança,
mostrando que era dominante.

— Não consigo parar de pensar em você desde


aquele dia do restaurante.

— Jura?

— Juro.

— Deve ter sido uma tortura.

— Consegue ser ainda mais difícil agora que


está diante de mim.

— É mesmo?

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Provoquei e apoiei as costas contra a parede


atrás de mim. Lucca estava olhando meu progresso
e eu estava começando a me impacientar com sua
longanimidade.

— Sim.

— Fez um grande trabalho no quarto da minha


Baby Mô.

— Esse é o apelido dela?

— O meu único e exclusivo apelido. Ninguém


mais pode usar.

Lucca sorriu. Eu sabia que devia ser alguns


anos mais velho que eu. Eu tinha apenas meus vinte
e quatro anos, mas a idade não seria um problema
para mim. Por que se eu fosse querer alguém agora,
seria alguém que me tirasse os pés do chão e
abalasse meu mundo. E, prestando atenção no
friozinho na barriga que estava se alastrando para
zonas proibidas, eu podia dizer que ele seria capaz
disso.

— Quero sair com você. Gostaria de jantar


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comigo um dia desses?

— Quero, mas precisamos fazer um test-drive


primeiro.

Suas sobrancelhas apertaram um pouco, em


uma adorável confusão. Sua boca se curvou de
canto, num sorriso comportado e provocante e ele
deu um passo para perto.

— A que se refere quando fala de um test-


drive?

— Tira essa ideiazinha suja da cabeça. Não


estou falando de nada do que está pensando.

Eu estava falando, mas ele estava chegando


mais perto. O corredor não parecia mais ter um e
oitenta de largura, parecia ter alguns centímetros,
por que eu me sentia minúscula agora que Lucca
estava em minha frente. A ponto de sufocar.

— Não quero ser desrespeitoso na casa da


minha chefe do momento.

— Eu também não.
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— No entanto, não posso evitar.

— Eu muito menos...

Eu sentia sua voz saboreando minha boca muito


antes de seus lábios a provarem. Sentia seu corpo
tocando o meu e eles ainda nem tinham se tocado.
Podia sentir que havia uma conexão singela que
crescia diante da sensação de proibido.

E eu estava adorando.

— Acho que minha cunha vai me perdoar.

Eu disse erguendo o rosto e segurando-o pelo


colarinho da camisa para se aproximar mais. Eu
queria provar sua língua e saber se sua boca tinha
um gosto tão bom quanto aparentava ter. Queria
saber se eu poderia mesmo encontrar o sabor que
eu esperava debaixo de sua língua e se nossos
olhares quentes de promessas acenderiam ainda
mais ou se resfriariam quando nos afastássemos.

Eu estava duvidando à toa.

Seu beijo foi gostoso, um beijo de homem que


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sabe o que está fazendo, mas eu não ia ficar atrás


não. Se ele queria provocar, eu era mestre nessa
arte. Embora acontecessem uns micos de vez em
quando, eu também sabia ser charmosa.

O beijo foi bom, começou calmo, mas quando


percebi, já estava se intensificando e eu nem podia
fazer qualquer coisa para parar. Por que estava
bom.

Ainda não tínhamos nos afastado, quando a


assistente de Lucca pigarreou e nos afastamos
abruptamente. Sorri ao ver sua boca manchada de
batom bordô. O meu devia estar na mesma
situação.

A garota deu uma olhada estranha para mim,


mas se desculpou por interromper e então estendeu
o celular para Lucca.

— Sinto muito pela inconveniência, mas é uma


ligação urgente.

— Pede para ligar depois.

— É o...
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— Pede para ligar depois, Linda.

— Acho melhor atender. – Eu disse dando de


ombros e limpando minha própria boca,
confirmando que estava com manchas de batom por
toda parte. – Logo vai ter que explicar tudo para
Lívia, é bom estar sem empecilhos.

— Pode ir, Linda. – Lucca disse depois de


pegar o telefone e atender.

Dei-lhe as costas e a garota sorriu constrangida,


me lançando uma desculpa sincera antes de descer
as escadas outra vez. Peguei minha máquina
rapidamente e, enquanto Lucca estava distraído,
tirei duas fotos suas. Disfarçadamente, deixei a
máquina de lado quando ele veio em minha direção
outra vez.

— Lamento por isso.

— Problemas no paraíso? – Perguntei vendo


meu próprio olhar nublado pela minha nova franja
arrasadora estilo Carly Rae Jepsen.

— Nada imediato. Apenas alguns problemas


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numa obra.

— Ah, ok.

Lívia abriu a porta do quarto da filha e Lucca


disfarçou

olhando para o próprio sapato enquanto


limpava a boca na costa das mãos. Parecíamos
adolescentes pegos no flagra.

— Estamos prontas para saber tudo sobre a


automação.

Lívia disse e seu olhar vasculhou bem meu


rosto. Ela sabia que eu estava aprontando. Quando
Lucca olhou-a outra vez, lembrei que o meu batom
tinha uma fixação precária na boca, mas se
espalhava que era uma beleza na pele. E que ele só
conseguiria tirar aquilo com removedor de
maquiagem.

— O lavabo é ao lado da escada...

Disse apontando a mancha que ainda estava no


canto de sua boca e que só sairia com algum
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esforço de sua parte. Lucca pediu licença e seguiu


para o andar inferior enquanto Lívia veio em minha
direção dizendo que eu não tinha jeito.

— Tia, vem para eu te mostrar minhas Bratz.

Amora estendeu a mãozinha para mim e eu me


livrei da bronca. Momentaneamente. Pelo menos
momentaneamente.

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CAPÍTULO 34 | Ettore

Já tinha passado das oito quando cheguei em


casa. Estacionei o carro na garagem. Fiquei alguns
minutos pensando dentro do carro, tentando
encontrar a melhor maneira de tocar no assunto
com Lívia, tentando encontrar a melhor maneira de
falar sobre o fato de estar sem dinheiro.
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Era melhor não tentar entrar numa discussão de


frente.

Era melhor esperar que ela me contasse o que


estava acontecendo. Era melhor que ela me
contasse seus problemas, pois não queria complicar
Beatriz, nem mesmo queria que pensasse que a
estava investigando. Por que isso a tornaria ainda
mais arredia.

Finalmente me decidi a entrar e passei direto da


sala para o quarto. Nem a doutora Mayer e nem
Amora estavam à vista.

Tomei um banho e estava me secando quando


Lívia entrou no quarto. Continuei secando minhas
costas, o abdômen e minhas coxas encarando seu
embaraço. Já tinha passado da hora dessa mulher
parar de ter vergonha de mim. Minha paciência
tinha ido embora faz tempo.

— Ettore.

— Lívia.

Minhas mãos levavam a toalha agora


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exatamente para o local que ela estava evitando


olhar. A mulher resistiu bravamente a olhar por
mais de três segundos.

— Eu não sabia que já tinha chegado.

— Achei que estava colocando Amora para


dormir. Por isso não fiz alarde. Posso ajudar em
alguma coisa? – Perguntei colocando a toalha no
quadril e livrando-a do constrangimento.

— Amora está animada demais por causa do


quarto novo. Quer que a coloque para dormir. Usou
tantas vezes os elevadores hoje que eu sou incapaz
de contar e está completamente sonolenta, mas
estava te esperando até agora.

Um sorriso calmo surgiu em meus lábios. Eu


adorava toda a bagagem que tinha sido colocada
em minha vida pela doutora Mayer. Adorava que
tivesse enchido de cores a minha vida que só
conhecia dois tons – preto e vermelho. Sofrimento
e sangue. Adorava saber que eu teria algo parecido
com uma família normal por algum tempo. Mesmo
que soubesse que tudo ia acabar depois.

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Por que elas eram algo pelo que valia a pena


padecer.

— Vou me vestir e já subo.

Eu nem sabia que tinham entregado o quarto.


Recebi uma ligação de Lucca, mas eu estava em
território vizinho e não podia arriscar a menor
distração. Então, simplesmente a ignorei. Quando
ele ligou segunda vez, me preocupei e atendi, mas
confirmei que não estaria presente.

Eu tinha algo importante para resolver e não


queria que Lívia soubesse. Não a queria no meu pé
tentando me impedir.

Vi quando saiu do quarto. Talvez estranhando


meu distanciamento. Não percebendo que eu estava
violentando minha própria paz também, por que
desde que vi os toques de desejo no fundo de seu
olhar, eu sabia que estava sendo mantido longe pela
parede que ela mesma construiu.

Por que essa mulher que estava falando comigo,


me tratando com rudeza, não era a doutora Mayer
que eu estava descobrindo, que tinha pedido espaço
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em minha mente e agora tinha um lugar para ficar.

Era simplesmente Lívia. A mulher de beleza


distante que me afastava no escuro me deixando só
depois de me iluminar.

Vesti um conjunto de treinar de moletom, por


que ainda pretendia me exercitar antes de dormir, e
acessei o andar superior pelo elevador. Entrei no
quarto de Amora e vi a mãe ao lado dela na cama.
A garota estava com os olhos quase fechando por
causa do sono, mas ainda resistia.

Lucca tinha sobrepujado minhas expectativas


para o quarto.

Tinha muito rosa, glitter e unicórnios dourados,


mas era bonito.

— Cheguei, princesa. – Disse enquanto me


aproximava da cama.

— Eu estava orando com a mamãe por você.

— Deu resultado. Já estou aqui.

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Sorri ao ouvir sua vozinha embargada.


Sonolenta era apelido, acho que estava dormindo
de pálpebras abertas.

— Obrigada, Sully... – Disse esticando os


bracinhos, pedindo abraço.

Curvei-me um pouco e me deixei ser abraçado.


A altura da elevação do colchão estava boa, pois
dava para ver que não reclamava das dores nas
costas. Sua mãe estava sentada na cama ao lado da
filha e me sorriu muito de leve. Seus olhos marrons
implorando por atenção também.

— Uma menina tão bonita merecia ter o melhor


quarto. – Disse ao me afastar e apertar seu nariz. –
Do que mais gostou?

— Dos travesseiros de unicórnio.

— Vou pegar um deles para mim.

— Eu te dou um, pode pegar.

Fingi que coloquei um debaixo da cabeça e


então ouvi seu pedido;
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— Sully, conta uma história?

— Eu sou péssimo em contar histórias. Lembra


das panquecas?

Lívia ainda me olhava. Alguns flashes da


doutora Mayer sob a superfície tranquila. Seus
olhos marrons me encarando, intensos. Muitos
poderiam dizer que olhos castanhos são comuns,
regulares, mas isso só dura até que alguém se
apaixone por olhos castanhos. A partir desse dia,
não haverá tom mais bonito ou mais terrível.

— Eu gosto das suas panquecas, só não são


boas.

Me dei por vencido.

Era difícil negar alguma coisa para essa garota.

— Só sei contar histórias de dinossauros.

Lembrei de uma das histórias que Paola me


contava. Quando meu pai nos trancava no escritório
da casa grande, em nossos intermináveis castigos,
muitas vezes trancava as janelas e desligava as
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luzes e nos deixava a noite inteira ali. Paola então


me pedia para fechar os olhos e imaginar tudo que
me contava.

Era sempre a mesma história.

A mesma história contada no escuro.

E eu já nem me importava.

Por que eu não estava sozinho.

Eu tinha companhia na escuridão.

Exatamente como agora.

— Era uma vez um garoto chamado Regiscley.


– Comecei a contar o conto que era tão
horrivelmente malfeito que não tinha nem sentido –
Um dia, Regiscley pediu ao seu pai, Carlitos, que
lhe comprasse um dinossauro. Só que tem uma
coisa, o menino não queria um dinossauro de
brinquedo, queria um dinossauro de verdade.

Eu dava os toques de emoção necessários para a


história.
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— Um dia, Regiscley chamou seu pai tantas


vezes, que o homem respondeu irritado ‘O que é
que você quer, meu filho?’. Então Regiscley
respondeu o que?

— Que queria um dinossauro. – Amora


respondeu.

— Exatamente. Então Carlitos comprou o


dinossauro para o filho. Ele era um tiranossauro
rex. Prendeu ele numa coleira e deu para seu filho
passear. Então, quando um dia, Carlitos descuidou
do filho, sabe o que aconteceu?

— O que? – Os olhinhos de Amora já estavam


mais espertos.

— O dinossauro engoliu o Regiscley. Nem


mastigou, nem nada. Engoliu o menino inteiro e o
pai dele só soube que ele tinha sido engolido, por
que o chinelo de Regiscley estava preso no dente
do dinossauro.

— Meu Deus... – Lívia se assustava com a


história, mas Amora estava adorando, e ela não ia
impedir a alegria da filha.
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— Só tinha uma maneira de fazer Regiscley


sair da barriga do tiranossauro rex. – Os olhinhos
dela arregalaram ainda mais quando eu contei – O
T-rex tinha que fazer cocô. Aí esperaram o
dinossauro sentir dor-de-barriga e então ele colocou
Regiscley para fora. Ele estava totalmente sujo e
teve que tomar duzentos banhos para tirar o cheiro.
Carlitos ficou com medo do filho ficar em perigo e
colocou uma bomba na barriga do dinossauro.
Então ele explodiu e os pedaços fizeram uma sopa
que alimentou o mundo inteiro. Fim.

Amora sorriu e então comentou:

— Suas histórias são tão boas quanto suas


panquecas. Ela nem tem uma moral.

— Tem sim, - Lívia disse – nunca peça um


tiranossauro de presente.

— Não tô com sono. – Amora disse embora


tanto a mãe dela, quanto eu, pudéssemos ver que os
olhinhos estavam pesados.

— Tenta descansar, pequena. – Eu disse tirando


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os fios de cabelo do olho dela. – Sua mãe precisa


dormir também. Eu vou ficar aqui e só vou sair
quando estiver roncando.

Continuei sentado na beirada da cama como


estava. As palavras foram reconfortantes, pelo
visto, e Amora estava tão cansada, que o sono a
venceu em poucos minutos.

Assim que aconteceu, descemos pela escada ao


andar inferior. Então Lívia perguntou antes que eu
continuasse a passar da cozinha para a escada que
dava acesso à minha sala de jogos.

— Obrigada pela história, Ettore. Tenho certeza


que ela não vai esquecer ela por muito tempo.

— Foi uma bobagem.

— Não, não foi não. Vai dormir no quarto hoje?

Lívia deu um passo para mais perto, mas ainda


não era a mulher que eu queria. Ainda não era a
doutora Mayer.

— Vou, mas ainda não estou com sono.


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— Está com fome? Eu fiz o jantar hoje. Estava


em casa e tinha algum tempo livre.

Percebi seu esforço e não quis deixá-la sozinha.


Mesmo que estivesse me afastando, não ia deixá-la
quando estava evidente que queria ficar ao meu
lado.

— O que fez? – Perguntei colocando o sorriso


menos quebrado que eu tinha no rosto.

— Fiz peixe assado. Também fiz um filé assado


para você, também tem os legumes que gosta.

Perguntei como foi seu dia e, ao final da


refeição, perguntei se tinha alguma coisa mais que
queria me contar. Eu queria estar em sua cabeça,
assim como ela estava na minha.

Não ter essa conversa sobre amenidades.

Eu queria a doutora Mayer de volta.

Diante de sua negativa, me despedi e fui para


meu canto onde treinei até que a minha energia,
que deveria estar sendo gasta com sexo, estivesse
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se exaurindo e eu soubesse que não seria tentado ao


dormir ao seu lado.

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CAPÍTULO 35 | Ettore

Lívia estava em casa. Achei que acordaria com


a casa vazia, como tinha me acostumado nos dias
de semana, mas, pelo visto, quebraríamos essa
rotina. Coloquei uma bermuda e um agasalho e
sentei num dos sofás da área externa.

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Lívia e Amora estavam almoçando na área sob


o gazebo e eu fiquei admirando-as por um tempo,
antes de me notarem. Percebendo como eu estava
ferrado. Como eu estava fodidamente ferrado.

Por que, quanto mais olhava para as duas


interagindo entre si, provavelmente numa conversa
sobre borboletas, barbies e unicórnios, e todas essas
coisas, eu só percebi o quanto gostava dessa vida.

No quanto seria cruel quando a tirassem de


mim.

Nina trouxe uma bandeja com meu café-da-


manhã. Agradeci-a antes de prestar atenção outra
vez às duas. Dessa vez, o olhar de Lívia já estava
em mim. Pude notar como gostava dessa sensação
elétrica que parecia deixar o ar mais denso quando
nos encarávamos. Percebi que sempre que sorria
timidamente, quando me via sem camisa, era por
que estava saboreando a mesma ideia suja que eu
tinha na cabeça. Também pude notar como era forte
para não se deixar levar por ela imediatamente.

Mal tinha terminado o café, apenas recebendo

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os sorrisos de Amora de vez em quando, já que


ainda não tinha terminado o almoço, e ouvi o som
de um helicóptero sobrevoando a casa. Em seguida,
a aeronave seguiu para o heliporto que ficava ao
lado da casa, perto de uma quadra de basquete que
ainda não tínhamos usado nenhuma vez.

— Ah, Ettore. As visitas chegaram.

— Eu não sabia que estava esperando alguém. –


Eu disse enquanto colocava a bandeja na mesa
diante do sofá e esperava.

— É uma surpresa para você.

Amora estava vindo em minha direção pedindo


que eu a esperasse, não tinha como não o fazer.
Lívia foi até o ponto de pouso e quando voltou,
estava acompanhada de duas pessoas. Uma, eu só
conhecia por fotos, a outra, eu achei que não veria
tão cedo.

Escondi as mãos no bolso do agasalho e esperei


que se aproximasse.

— Olá, irmão. Como vai? – Barone estendeu a


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mão para mim. Eu não o via a não sei quanto


tempo. Ao revê-lo agora, só um sentimento vinha à
mente. E não era nem um pouco agradável.

— O que está fazendo aqui?

Não segurei sua mão e continuei observando-o


até que o sorriso polido ficou menos brilhante.

A sua esposa eu conhecia por causa de Paola.


No entanto, não tinha a mesma raiva cega por ela
que Paola tinha. Conheço a habilidade que minha
irmã tem de ser dramática, seus exageros e suas
falhas. Então não ia projetar as inseguranças da
minha irmã numa pessoa que nunca tinha me feito
nada.

— Ettore...

Lívia começou a intervir, mas Barone estendeu


a mão, apaziguador, enquanto dizia no seu tom
sempre calmo demais.

— Está tudo bem, Lívia. É difícil deixar velhos


hábitos. – Disse virando-se para minha esposa outra
vez.
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— Minha pergunta continua de pé. O que veio


fazer em minha casa?

— Lívia, - Luna disse já falando diretamente


com minha mulher – por que não me leva para
conhecer a casa? Vamos deixar esses dois se
resolverem como dois adultos civilizados.

Senti a bronca no ar, mas lhe sorri. O vestido


que usava era justo e mostrava uma barriga
saliente. Meu irmão ia ter uma criança.

— Respondendo sua pergunta. – Barone disse


quando ficamos à sós – Quando soube que tinha
casado, que tinha como encontrá-lo agora, já que
tem um endereço fixo, não pude deixar para outra
hora a visita.

— Mesmo, Barone? Então quer dizer para mim


que sua visita não tem nada a ver com os problemas
financeiros que a doutora Mayer está enfrentando?

— É apenas um trabalho como qualquer outro


para mim. Não leve isso para o lado pessoal.
Apenas estou ajudando uma cliente.

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— Muito difícil que isso aconteça. Não aceita


trabalhos pequenos assim. Já sei sobre as condições
financeiras de Lívia.

— Não torne isso um problema.

— Não vou colocar uma máscara social. Não


sou você.

Saí de perto do meu irmão e fui até Lívia. Ela


provavelmente tinha deixado Amora e Luna no
quarto da menina, pois veio da direção do elevador
que ficava no final do corredor.

— Quero conversar com você, Lívia.

— Eu vou fazer sala para seu irmão.

— Lívia, agora.

Disse e já entrei no quarto de hóspedes que era


o único canto na casa que não estava movimentado.
Lívia veio atrás de mim. Meu maxilar estava
travado. Dentes cerrados.

— Ettore, o que está acontecendo? – O olhar de


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Lívia era verdadeiramente preocupado.

— Você não vai me desrespeitar dessa maneira.


– Minha voz era ácida. Talvez nem fosse com ela,
talvez fosse com todos os anos de lembrança que a
presença do meu irmão trazia consigo.

— Eu não sei do que está falando.

— Não sabe do que estou falando? Lívia, eu


tentei te dar espaço para se abrir comigo. Tentei te
dar espaço para falar tudo que quisesse e respeitei
quando quis me deixar fora de seus problemas por
que achei que estava adquirindo confiança para
poder me contar. Aí isso acontece?

As palavras saiam furiosas, baixas, atropeladas.

— Ettore, seu irmão veio te ver e está brigando


comigo? Se eu soubesse que era um problema, não
o teria convidado.

— Pare de esconder as coisas de mim. – Meu


dedo já estava em riste – Você pare de esconder as
coisas de mim.

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Lívia se calou e eu continuei a falar:

— Eu sou o homem desta casa. Eu sou a porra


do homem desta casa. Quando algum problema
acontecer nesta casa, eu é que tenho que resolver.

— Ettore, está sendo um idiota machista...

— Eu não estou impondo regra idiota nenhuma,


Lívia. Só estou externando minha frustração. Eu é
que deveria ser a primeira pessoa para quem viria
pedir ajuda. Eu sou ou não sou a merda do seu
marido?

— Claro que é. Não é isso que aquela certidão


diz?

Agora foram as suas mãos que se cruzaram na


frente do peito. Uma amostra grátis de como estava
psicologicamente fechada a uma conversa.
Observei os sinais há algum tempo, hoje eles
apenas estavam gritando.

— Quando ia me contar que o dinheiro tinha


acabado? – Perguntei e continuei lendo os sinais de
estresse no seu rosto. Seus dedos procuraram os
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brincos na orelha, ela piscava um pouco mais que o


normal e seus fodidos lindos olhos castanhos, tão
expressivos, estavam assustados.

— O meu dinheiro não acabou.

— Lívia, não minta para mim.

— Eu não estou mentindo. Ettore, eu ainda


tenho dinheiro. O problema é que não tenho tanto
quanto esperava ter. Eu não sou tão boa com
investimentos de risco imediato, por isso precisei
de ajuda.

— Eu poderia ajudá-la. Se resolvesse se abrir


comigo, a droga dessa discussão não estaria
acontecendo. A porra dessa discussão não estaria
acontecendo. Eu fechei o caminho para você
alguma vez? Alguma vez fui tão estúpido a ponto
de ter que esconder as coisas de mim?

— O problema não é você, Ettore, sou eu. Eu


sou o problema.

— Eu não sei se acredito nessa desculpa, Lívia.

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— Não é desculpa, Ettore. Foi você mesmo que


disse que não tinha nenhum centavo a mais para
mim. Lembra? Disse que eu não ia ter nenhum
centavo além do que já tinha me dado. Como eu
poderia querer mais?

— É sobre uma criança que estamos falando.


Seria orgulhosa o suficiente para não pedir ajuda
para a própria filha?

— Agora você está sendo cruel comigo.

— Você foi cruel primeiro, doutora Mayer.

Lívia me deu as costas. Acho que, assim como


eu, ela estava desejando que pudéssemos colocar
um fim à discussão de uma maneira menos
dolorida. Por que era o inferno brigar com a mulher
mais bonita que já tinha visto, mas se ela tinha
orgulho, eu também tinha. E não ia aceitar ser
trocado pelo meu irmão outra vez.

— Eu nunca fui uma pessoa ruim para você. Se


estava precisando de dinheiro, era só me pedir. Eu
não tenho mais apreço nenhum a essa herança. Por
mim, poderia cancelar todos os investimentos hoje,
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por que eu não ligo mais para isso.

— Eu sei, mas eu não queria pedir mais


dinheiro para você. Eu não queria que pensasse que
só queria dinheiro.

— Por que se importa tanto com o que eu iria


pensar? Não me lembra sempre que a toco que
estou aprisionado por contrato? Não continua a
olhar para mim como se eu fosse um estranho e não
o homem que quer fazê-la enlouquecer por tudo
que posso te proporcionar? Um homem que quer
desesperadamente que se apaixone por mim?

— Ettore, cala essa boca.

Seu jeito arredio tinha dado lugar a uma


coragem que mostrava que a minha doutora estava
voltando. Era como se não estivesse mais distante,
eu a vi simplesmente readquirir vida diante de mim.
Vi os toques selvagens tornarem a incendiar sua
pupila.

— Eu já sei que não posso esperar isso de você,


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doutora Mayer. Então, por que simplesmente não


me proporciona um pouco de felicidade pelo tempo
que me resta? Você pode mentir se quiser. Eu
posso pagar bem para isso.

— Eu já mandei calar a boca, seu idiota.

Eu não previ o passo de Lívia, nem sua rapidez,


ou a velocidade que meu corpo respondeu à sua
aproximação abrindo os braços. Recebendo seu
corpo com vontade, com saudade. Não previ a
sensação de sua boca encostando à minha
rapidamente, também não previ a forma que sua
cintura se encaixaria tão bem novamente entre
meus dedos.

Uma coisa que não tinha previsto também, foi a


forma como sua voz ressoou por todo o espaço
escuro que ainda era minha cabeça.

— Não preciso mentir, Ettore. Eu já estou


apaixonada.

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CAPÍTULO 36 | Lívia

Foi minha vez de deixar Ettore sem palavras.


Foi minha vez de colocá-lo contra a parede para
mostrar que ele não era o único que estava tendo
problemas com os próprios sentimentos. Eu mesma
já não mandava nos meus há algum tempo.

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Eu tinha lhe entregado um pouco do controle da


minha vida nos próximos seis meses quando assinei
o contrato. Agora estava entregando todo o resto
também. Por que não bastava entregar apenas meu
corpo, ele precisava de mais do que isso.

Eu daria de bom grado.

Agora eu daria tudo o que precisasse.

Ettore puxou-me ainda mais para perto e eu


sufoquei docemente perdendo o ar contra o seu
corpo. Sua mão estava fazendo a pressão certa e
que deixaria suas impressões digitais em mim, mas
eu não me importava mais. Queria seus dedos
tocando cada centímetro de minha pele.

— Eu ainda estou muito puto com você. –


Falou contra minha boca enquanto me levava até
encostar na cômoda de madeira do quarto. Sentou-
me nela, derrubando uma salva de prata no chão e
logo suas mãos estavam erguendo a barra do meu
vestido até que minha bunda livre estava sendo
apertada na madeira – Está fazendo isso para me
sossegar?

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Eu conseguia sentir que estava ficando ereto


quando respondi:

— Estou falando a verdade. Por que? Está


funcionando?

— E muito, doutora...

— Que bom, por que precisamos voltar para a


sala agora. Não vamos deixar sua família
esperando. Melhor controlar o Ettore Junior aí.

O sorriso que deu contra a minha boca foi


genuíno. Eu poderia dizer até feliz. Ettore estava
feliz e eu estava lhe proporcionando isso. Quis
esmagá-lo entre meus braços por algum tempo. Já
que ainda não poderia esmagá-lo entre minhas
coxas.

— Foi esse o apelido que colocou no meu pau?

— Isso não é um apelido.

— É sim. Desde quando?

— Desde quando o que?


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— Desde quando chama ele assim?

— Você não vai me fazer falar isso.

Eu disse tentando descer do móvel, mas ele me


prendeu mais um pouco. Chegando mais para perto
do que eu achei que era possível. Muito mais perto
do que algum dia eu tinha esperado estar dele. Por
que seu olhar azul-centaurea não apenas se
derramava no meu olhar de floresta no outono, ele
se espalhava e enxergava até o fundo de minha
alma.

— Prometo que te solto.

— Desde que o vi pela primeira vez.

— Então foi amor à primeira vista. – Seu


sorriso era sacana demais e eu estava com vontade
de dar uns sopapos nele, mas tinha que concordar.

— Para com isso, você disse que ia me soltar.

Ettore me deixou escapar de suas mãos por


alguns segundos, achei que poderia sair livremente
para fora do quarto, mas quando minhas mãos
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tocaram a maçaneta, senti seu corpo forte se


esmagando contra minhas costas. Ele estava duro,
com fome de mim, e eu aposto que não estava
menos faminta por ele.

— Isso quer dizer que está apaixonada por mim


e pelo meu pau. Eu não podia pensar em coisa
melhor. – Revelou meu segredo ao tocar em minha
roupa íntima e perceber o quanto eu estava
molhada.

No entanto, ele se afastou e abriu a porta para


mim.

— Vá na frente, preciso de alguns minutos. Não


vai querer que eu volte para lá assim, não é?

Insinuou sua intimidade e eu não consegui


evitar de olhar. Parei apenas de fazê-lo quando
percebi que precisava mesmo ser menos
deseducada com os convidados.

Quando voltei à sala, conversei com Barone.


Luna tinha ficado no quarto com a minha filha e
aposto que estava se apaixonando por Amora tanto
quanto cada um que já tinha cruzado seu caminho.
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— Se quiser falar sobre seus investimentos


agora.

Barone tinha exatamente o mesmo sorriso de


canto que Ettore me deu antes de sair. Cristo, ele
sabia exatamente o que eu poderia estar fazendo.
Também, até eu estava sentindo a boca e as faces
avermelhadas pelo beijo que tinha trocado com
meu marido há poucos minutos.

— Tem certeza que não quer alguma coisa


primeiro? Uma água? Um vinho? Uísque?

— Acho que vou tomar uma água. – Eu disse


fugindo da perspicácia dos Montebello – E você?

— A moça que trabalha com você cuidou de me


servir um ótimo café. Nina, correto? – Perguntou
com seu jeito sério que eu já conhecia.

— Isso mesmo. Então, se é assim, onde prefere


trabalhar?

— Pode ser na sala mesmo. Só preciso de um


notebook e acesso à internet.
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Eu sempre tinha admirado o jeito que meu


cunhado trabalhava. Sério, compenetrado.
Analisando tão friamente os números e ganhando
milhares e milhares de dólares em algumas horas.
Muito mais do que eu ganhava no mês inteiro. Ver
um especialista, de verdade, averiguando o retorno
dos investimentos que fiz do dinheiro de Ettore era
como ter sua prova corrigida na faculdade diante do
professor.

Ficamos cerca de uma hora ali. Para Ettore não


ter aparecido, significava que tinha ido para seu
canto particular no subsolo. Eu fiquei ligeiramente
decepcionada, mas não apenas com ele. Comigo
também. Por que uma conversa teria evitado todo
esse constrangimento.

— Me desculpe, Barone. Pelo comportamento


de Ettore.

— Não é culpa sua, - Disse com o olhar sério


encarando as oscilações do mercado de ações –
Ettore sempre teve suas reservas em relação a mim.
Isso é algo que preciso mudar, mas não podemos
impor a presença um ao outro.
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— Eu não sei como é isso, não tive irmãos ou


irmãs.

— É uma competição todo tempo. Ainda mais


quando se cresceu num ambiente tóxico como o
nosso. Aqui... – Barone virou para mim a tela do
notebook e eu sentei mais perto, para ler os
números que me mostrava – precisamos cancelar
estas ordens até as dezessete e vinte e cinco. A
vantagem em longo prazo para essas ações é bem
maior. Vamos recomprar algumas ações no after
market e participar do leilão durante o call de
fechamento.

— Eu não tinha planejado nenhum


investimento a longo prazo.

— Eu percebi isso, mas, acredite em mim,


precisará deles. Fez um bom trabalho, mas o
retorno será ainda mais vantajoso com minhas
dicas. Não deve concentrar todo o dinheiro na mão
de apenas uma administradora de papéis de carteira
e fundos imobiliários. Vou passar pelo menos
metade desse valor para a empresa. Assim poderei
tratar deste investimento melhor quando estiver
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longe.

— Obrigada, Barone. Não tenho como pagar.

— Somos uma família. Protegemos uns aos


outros, é isso que fazemos. Não precisa agradecer.

Precisamos ir ao banco para confirmar que eu


estava passando o valor para a administração da
Montebello Investimentos. Era menos uma dor-de-
cabeça para mim, já que eu realmente queria
cumprir o que tinha prometido a Ettore. Queria
muito que tivesse orgulho de mim.

Barone aplicou meu dinheiro em algumas ações


que venderíamos no After Market e eu fiquei
simplesmente abismada com a velocidade com que
esse homem conseguia fazer dinheiro. Ganhamos
quase vinte e cinco mil dólares com algumas
poucas trocas de mensagens.

Quando voltamos, Luna e Amora vieram até


nós. Nem percebi que já estava chegando o cair da
noite. Barone e eu fizemos o jantar. Ainda tentei
chamar Ettore para ajudar, mas ele ainda não estava
pronto para esse confronto. Não ainda.
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— Já sabem qual vai ser o sexo? – Perguntei


olhando para Luna que era linda e tinha uma aura
de magnetismo que encantava. Não era à toa que
tanto o público quanto a crítica a exaltavam.

— Vai ser um menino. – Barone disse quando


Luna lhe olhou sorrindo.

— Que incrível! – Realmente me senti feliz


com a novidade. Quase como se eu realmente
fizesse parte dessa família – Já escolheram o nome?

— Luna quer chamá-lo de Dallas, mas tenho


certeza que vai desistir dessa ideia. – Barone e a
esposa trocaram um olhar cúmplice. Um olhar de
quem conhecia o outro tão bem quanto conhece o
próprio rosto no espelho. Eu me perguntei se era
assim que Ettore e eu nos encarávamos.

— Por que é o nome do momento. Já passaram


vários na minha mente. Atticus, Salvatore, Órion,
Arlo, Aaron.

— Espero que tenhamos decidido o nome até


esta criança nascer.
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— Eu gosto de Atticus. – Amora deu sua


opinião.

— Viu, Barone? Atticus ganhou mais um ponto


e voltou para o páreo. Lamento, mas ele tem
preferência agora.

Barone apenas sacudiu a cabeça para Luna e


continuamos fazendo o jantar. Pouco antes que
tudo estivesse pronto, Ettore veio se juntar a nós.
Ficou conversando com Amora e Luna enquanto
ignorava o irmão. Eu queria muito que a história
dos dois se resolvessem, por que sentia, no fundo
de mim, que ele precisa disso.

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CAPÍTULO 37 | Ettore

Quatro da manhã. Exatamente quatro da manhã


e eu não conseguia mais dormir. Não conseguia não
ser atormentado por memórias que eu tinha
sufocado e que reapareceram com a chegada do
meu irmão. Lívia não estava na cama ao meu lado,
mas era por algo perdoável.
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Amora tinha sentido dores novamente. Eu e ela


revezamos os cuidados com a menina até que a
queimação ao redor da marca da cirurgia passasse.
Quando a menina conseguiu dormir, no peito da
mãe, nenhum de nós teve a audácia de tirá-la de seu
descanso.

Barone e Luna estavam instalados no quarto de


hóspedes e é como se eu soubesse que não
conseguia dormir também. Por que eu tenho certeza
que as lembranças lhe eram tão vívidas quanto para
mim.

Deslizei da cama, peguei uma regata das que eu


usava na academia, vesti uma calça moletom e fui
até o lado de fora. O quintal, após a área da piscina,
tinha uma estrutura de deque que permitia apreciar
ainda melhor a visão da floresta e das cidades no
final da vista. Era uma vista que valia tudo o que
custou mesmo.

Eu gostava de ficar no escuro, de apreciar as


estrelas, por que o escuro da minha própria cabeça
se tornava igual ao escuro do lado de fora e eu me
tornava um com a noite.
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Fechei os olhos para respirar o ar frio e relaxei


mais um pouco. A cabeça estava levemente
dolorida por causa da privação de sono.

— O céu da Itália é muito mais bonito que o


céu de Seattle.

Barone disse e se juntou a mim. Era quatro da


manhã, um pouco mais do que isso, e o homem já
estava de terno e com o ar desperto de quem não
precisou dormir.

— Vai mesmo tentar isso? – Disse ainda não o


olhando. Continuei olhando para a vista
formidável.

— Vou sim. – Barone disse e se posicionou ao


meu lado, admirando a vista também – Aqui. –
Estendeu uma xícara de café fumegante para mim –
Não conseguiu dormir?

— Estava preocupado demais com Amora. Não


ia conseguir dormir nem que quisesse. Você? –
Disse tomando o líquido e me sentindo despertar
levemente.

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— Fusos horários. Além de algumas


conferências à distância.

— Sua mulher conseguiu.

— Luna gosta de dormir. – Disse sorrindo com


um ar de orgulho da mulher que tinha – Seu esporte
favorito é cochilar.

Apenas sacudi a cabeça. Sorrir ainda era um


passo largo demais para eu dar. Ainda era mais do
que eu estava preparado para fazer para o irmão
que tinha me abandonado, mesmo depois de
prometer que não faria isso. Para o irmão que tinha
ficado com a única garota por quem tinha me
atraído.

— Isso tem que parar, Ettore. – Barone disse


com seu ar de quem sabe de todas as coisas. Ar que
eu odiava desde sempre.

— Não vai ser fácil. Aconteceu muita coisa.

— Eu sei que aconteceu, Ettore. Acredite em


mim, eu sei!

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— Como pode saber? Você nem estava lá,


porra!

Minha paciência tinha ido embora.

Eu realmente não era bom com máscaras


sociais. Não era nem um pouquinho legal com
fingimentos. Não conseguia sorrir hipocritamente
como Barone fazia nas festas de família a que era
obrigado a ir.

— Quando foi embora se tornar o melhor aluno


de Harvard, o que acha que ficamos fazendo? O
que acha que ficamos aguentando? Que tipo de
merdas acha que fui obrigado a presenciar junto
com minhas irmãs?

Barone ficou calado. Ele estava querendo me


deixar terminar de falar. Eu odiava que ele visse
que eu ainda tinha coisas para contar. Que eu ainda
estava contando devagar.

— Não, você não estava lá quando eu tinha que


esconder Paola na adega tudo para livrá-la das
mãos daquele velho do diabo. Não estava lá quando
eu colocava bolas de algodão no ouvido de Elena
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apenas para que ela não ouvisse eu ou minha irmã


apanhando. Barone, você não estava lá quando eu
praticamente vi Paola se tornando a pessoa fria que
é hoje. Quando Cesare apagou a última centelha de
humanidade que ainda tinha nela.

Barone continuou ouvindo, as sobrancelhas


juntas, o punho fechado mostrando que estava
lutando contra o que ouvia. Se era de dor que ele
precisava para deixar de ser tão tranquilo, era dor
que eu iria lhe dar.

— Eu estava apaixonado por Diana. Era a única


garota por quem eu tinha algum sentimento. Você
tratou de tirar até isso de mim quando ela foi para a
mesma faculdade que você. Ainda acha mesmo que
é todo esse bom irmão que pode vir aqui e tentar
reatar os laços fraternais que foram rompidos faz
tempo? Se não te mandei embora, foi em respeito à
sua mulher.

A xícara de café já tinha se espatifado no chão


faz tempo. A raiva me fazendo avançar para Barone
enquanto ele só me olhava tentando me passar um
pouco de sua serenidade. Sua cabeça balançando
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em negativa diante de minhas acusações.

— Pensa que as coisas foram fáceis para mim?


Ettore, não sabe o que passei nessa merda de vida
que o maldito miserável, que era nosso pai, me deu.
Ele me expulsou de casa por que eu defendia vocês.
Ele me expulsou uma vez quando eu simplesmente
o agredi. Eu soquei a cara do infeliz quando quis
me bater novamente. Aquela foi a última vez.
Depois disso, eu só podia ver vocês em eventos
sociais. Eu era obrigado a sorrir para todos, por que
se eu me comportasse mal aquele demônio
chamado Cesare me proibiria de vê-los novamente.

Suas palavras também saiam agoniadas. Como


se espremidas do fundo da alma. Como se
estivessem atormentando seus pesadelos tanto
quanto meus próprios medos atormentavam os
meus.

— Eu precisei de mais de dez anos de terapia


para conseguir me afastar de comportamentos
destrutivos. Para controlar minha raiva, meu ódio
plantado em meu peito como uma semente. Ele
tinha dado frutos, Ettore, frutos terríveis. Eu
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precisei de toda a ajuda que eu pude ter para não


me tornar uma pessoa fechada por tudo aquilo que
nos aconteceu.

— Eu não preciso de ajuda.

— Ettore, pedir ajuda não te faz fraco. Quanto


ao dinheiro, eu quis sim ser o melhor profissional
que pude. Por que, se não sabe, foi a Montebello
que sustentou a casa, sustentou todos vocês,
enquanto Cesare adoeceu. Foi a Montebello que
investiu nas ONG’s que levam nosso sobrenome,
que juntou fortuna para a família, que sustentou a
vinícola de pé quando a crise de dois mil e oito
aconteceu. Essa foi a forma que eu encontrei de
ajudar vocês. Eu não podia estar perto, e sofri
muito por isso, mas eu fazia o meu melhor de longe
para nunca lhes faltar nada. Eu quem pagava suas
fianças quando o Davani ligava nas madrugadas
para dizer que tinha se metido em mais confusões.

— Mentiras.

— Não são mentiras. Ettore, eu posso jurar pela


minha família, que é tudo de mais precioso que eu

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tenho, que eu nunca deixei de pensar em vocês por


um só minuto da minha vida maldita. Eu só
consegui encontrar um pouco de felicidade nela
agora, que tenho Luna comigo e meu filho que
ainda nem nasceu, por que antes era tudo tormenta.
Só por que o lado de fora parecia sempre polido e
apresentável, não quer dizer que o lado de dentro
não estava completamente destruído.

Cocei a cabeça, me afastando.

Eu queria encontrar um motivo para continuar


odiando. Queria encontrar um motivo para acreditar
que era tudo mentira e que ele era sim obcecado
por dinheiro como o maledetto.

Queria poder gritar que não acreditava.

O problema era que eu acreditava sim.

Acreditava em cada palavra que tinha saído de


sua boca.

Por que elas eram um reflexo de tudo que eu


mesmo vivia. Eram um reflexo daquilo que eu
mesmo sentia todo o tempo. Eram os sussurros que
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ecoavam dentro de mim, me puxando para baixo,


sempre que eu sorria.

— Quanto a Diana... – Barone começou, mas o


interrompi.

— Não fale de Diana.

— Vou falar sim e você vai ouvir. – Barone


disse já perdendo a paciência comigo – Eu não
sabia que sentia qualquer coisa por ela quando
começamos a sair juntos. Não sabia até este exato
momento. Mas não mudaria o passado por isso.
Fico feliz que tenha sido eu quem teve o azar de ter
aquela mulher em minha vida, - Suas mãos pararam
em meus ombros em seguida suas mãos
espalmaram meu rosto para que eu não quisesse
fugir – Fico feliz que eu tenha afastado aquela
mulher venenosa de você.

Eu não era a porra de um garoto para Barone


falar comigo como a porra de um garoto. Tirei suas
mãos de mim e me afastei outra vez. Que merda,
meu irmão era a merda da persuasão em pessoa.

— Eu não poderia estar me importando menos


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com ela agora.

Eu disse e já tinha me abaixado para ajuntar os


cacos da xícara espatifada. Não queria que Amora
ou Lívia se machucassem neles caso viessem
passear pra esse lado pela manhã.

— Eu fico feliz, por que tem uma família


maravilhosa. Estou orgulhoso da família que
construiu. Estou orgulhoso por não permitir que a
merda que viveu tenha o impedido de devotar sua
afeição completa a essas duas garotas.

Agora ele tinha tocado em um ponto importante


para mim. Minha família realmente era um motivo
de orgulho. Tentei não olhar para seu rosto
enquanto jogava os cacos na lixeira da área externa.

— Sabe muito bem que esse casamento é um


contrato.

— Eu sei como ele começou, sei também como


vai terminar. Foi assim comigo, vai ser assim com
você também. Eu perdi um tempo precioso
tentando lutar contra o que sentia por minha Luna.
Não faça isso com sua mulher. Deixe que ela saiba
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que está apaixonado.

— Não escondo meus sentimentos da minha


mulher.

— Vi a interação de vocês durante o jantar.


Acredite em mim, eu sei.

Barone veio para perto de mim e eu já comecei


a desconversar com um sorriso no rosto.

— Ah, não vai querer me abraçar também, não


é?

— Para falar a verdade, eu queria sim, mas sei


que não está pronto.

Ele ergueu o punho fechado. Da mesma


maneira que fazia quando brincávamos quando
criança. Da mesma maneira que fazia sempre que
tinha orgulho de mim. Ele esperou. Fiz a mesma
coisa com o meu e dei o soquinho contra a mão
dele.

— Melhor que nada. – Eu disse dando de


ombros.
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— Vem cá. – Barone me puxou para um abraço


e eu só percebi o quanto precisava disso, quando já
estava nele.

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CAPÍTULO 38 | Lívia

Quando fui até a cozinha preparar o café-da-


manhã, passei antes no quarto e me assustei quando
não vi Ettore deitado. Amora ainda estava
dormindo e não iria à escola, já que teve uma
péssima noite, então liguei para a diretora avisando
sobre o ocorrido e depois liguei para Bia.
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Eu precisava de alguém que pudesse me ajudar


com Amora, já que Barone estava em casa e eu
ainda não sabia se Ettore iria ficar com cara de
poucos amigos enquanto o irmão estivesse perto.

— Bom dia, Lívia! – Luna disse enquanto vinha


para a cozinha. Estava fazendo um coque para o
alto com o cabelo. Estava usando um vestido midi
de estampa floral que acentuava de leve sua
barriguinha.

— Luna! Bom dia! – Respondi e recebi um


beijo na bochecha enquanto ela veio parar ao meu
lado e pegar alguns pedaços de fruta picada antes
de eu despejar tudo no liquidificador para fazer
uma vitamina. – Dormiu bem?

— Maravilhosamente bem. Se tiver um


cantinho mais macio, já estou dormindo, então não
tive dificuldade. Viu os meninos?

— Não, Ettore não estava no quarto. Achei que


Barone estivesse dormindo.

— Barone não gosta de dormir. Ele é doido. –


Luna disse arrancando alguns sorrisos logo de
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manhã.

— Acho que sei onde podem estar, vem


comigo.

Descemos até o quarto de jogos de Ettore. Meu


coração quase implodiu dentro de mim quando vi
os irmãos sentados diante da televisão enorme que
Ettore tinha comprado, jogando videogame.

— Ai, meu Deus! – Cobri a boca para conter a


reação por um tempinho antes de eles virarem para
nos ver. Eu não poderia ter melhor presente pela
manhã. Luna estava tão excitada quanto eu diante
da novidade.

Barone estava apenas com a camisa e a calça


social, seu terno descansando numa cadeira
enquanto Ettore lhe dava uma surra numa partida
de Mortal Kombat.

— Vem... – Luna me puxou para o andar de


cima e entendi o que queria. Era hora de deixar os
irmãos se entenderem um pouco. Curtir as coisas
que deviam ter feito aos quinze anos. Coisa que um
pai miserável, narcisista e louco os impediu de
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fazer.

Tomamos café e recebi outro beijo quando eu


disse que iria me arrumar para ir ao trabalho. Que
infelizmente tinha algumas reuniões marcadas e
não podia desmarcá-las tão encima da hora.

Entrei no quarto e escolhi uma combinação para


vestir. Saia lápis de cintura alta, camisa com gola
Peter pan, um cinto para arrematar a cintura e
scarpins. Tomei um banho e estava terminando de
me vestir, quando Ettore entrou no quarto. Ajustei a
tira da sandália e percebi seu olhar quente sobre
mim quando me viu.

— Deus do céu...

O sorriso era sacana, mas a voz era quente,


profunda...

— O que foi? – Perguntei olhando para minha


própria roupa enquanto tentava entender o motivo
de sua reação.

— Você é a personificação das minhas fantasias


sexuais. Puta que pariu, olha essa cintura, olha essa
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bunda! Olha esses peitos. Me deixa foder seus


peitos?

— Deixa de ser bobo, Ettore! – Minha voz era


divertida, mas eu devia estar mais vermelha do que
um morango. Era estranhamente doloroso ver o
desejo profundamente refletido nos olhos de
alguém. Era estranhamente prazeroso saber que se
pode inspirar esse tipo de desejo.

— Se colocasse uns óculos de armação grossa,


ia ser o ápice da safadeza. – Ettore disse e sua
língua lambeu os lábios de leve. Ele já tinha
trancado a porta enquanto me olhava com cuidado.
Seu desejo queimando em cada centímetro de mim.
Me fazendo sentir desejada, amada até.

— Me dá um minuto. Espere exatamente onde


está.

Entrei no meu closet e abri a gaveta de


acessórios. Eu tinha uns óculos de leitura que usava
sempre que precisava ler milhares de páginas de
processos. Era preto e vermelho e tinha uma
armação estilo Ray ban que ficava linda em meu

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rosto.

Soltei o rabo de cavalo que eu usava e baguncei


um pouco o cabelo dando-lhe um ar selvagem. Me
olhei no espelho rapidamente e gostei do que vi. Eu
estava levemente constrangida, mas esperava que
Ettore gostasse também. Por que era seu olhar que
podia me retirar ou me colocar no pedestal que ele
mesmo criara.

Voltei ao quarto e Ettore não tinha se movido


nem um centímetro.

Um garoto obediente.

— O que acha?

Seu olhar já era mais intenso que o possível.


Dava para ver que estava se controlando. Vi como
seus músculos do pescoço se moveram de leve
quando engoliu em seco. Vi quando suas mãos se
fecharam em punho e as veias definidas dos seus
braços saltaram sob a pele.

— Acho que preciso fodê-la agora.

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Ettore avançou os passos que nos separavam e


colocou as mãos em minha cintura. Correspondi ao
seu beijo faminto enquanto lutava contra a vontade
irresistível de gemer contra sua boca.

A boca de Ettore tinha sido feita para beijar.


Não apenas para beijar, mas para ser apreciada. Sua
língua tinha gosto de refrigerante e mesmo que
fosse um sabor tão simples, não deixava de ser
espetacular.

— Tá vendo o que faz comigo? – Perguntou


quando me puxou pela cintura para mais perto e
senti sua ereção apertando contra mim. – Meu pau
está a ponto de explodir dentro da roupa por sua
causa.

— Devia tomar mais cuidado com o Ettore


Junior aí... – Falei contra sua boca e seu sorriso
surgiu de leve.

— Vou deixar que sua boceta tome conta dele


para mim...

Disse já tirando meu cinto, em seguida


deslizando o zíper da minha saia. Tirou primeiro a
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minha blusa e sorriu ao ver minha peça íntima.


Quando o tinha comprado, na semana passada,
tinha pensado em qual seria sua reação se algum
dia o visse. Ela tinha sido ainda bem melhor do que
eu imaginava. Obrigada, Victoria Secrets.

Tirei sua camisa também e deixei que tirasse


minha saia, deslizando-a até embaixo, pelas minhas
pernas. Apenas para ver seu rosto num doce estado
de choque quando viu o conjunto que arrematava o
sutiã.

Cinta liga preta com alguns detalhes em


bordado azul-celeste. Meias sete-oitavos preta e
uma calcinha de renda azul-celeste que tinha sido
criada para ser retirada.

— Você vai me matar desse jeito... – Disse


subindo novamente para minha boca enquanto seus
próprios lábios deixavam chupadas pelo caminho.
Mordendo de leve meus seios.

— Você gostou? – Provoquei.

— De santa você só tem a cara, doutora


Mayer...
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Foi muito fácil tirar sua bermuda, difícil foi


deixar de olhar para seu volume bem delineado na
boxer branca. Ettore me fez deitar na beirada da
cama. Tirou o meu sutiã, que abria frontalmente, e
seus olhos faiscaram quando meus seios saltaram
para fora dele. Ele mordeu a pele ao redor do
mamilo de leve, depois mordiscou os bicos antes de
descer até o espaço entre minhas pernas. Abrindo-
as um pouco. Ficando de joelhos no chão para
poder alcançar a altura correta. Apenas chegando
minha calcinha para o lado.

— Puta que pariu... Caralho... Olha essa boceta


linda... – Disse esmagando um beijo no meu clitóris
e então mordiscando muito de leve meu monte-de-
vênus. – Eu podia olhá-la dia inteiro... Podia chupá-
la o dia inteiro...

Disse antes de lamber meu clitóris e lamber


toda minha entrada de uma vez. Suas mãos
esmagando minhas coxas enquanto me invadia com
sua língua até terminar, outra vez me lambendo.

Então eu senti sua paixão transbordando pelos

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toques gentis e famintos que me devotava. Senti o


quanto estava entregue ao mais sublime desse
sentimento que nos envolvia.

Senti o quanto estava sedento de cada


centímetro de minha pele.

Expressando sua vontade com devassidão.

Me fazendo sentir mulher.

Me fazendo sentir desejável outra vez.

E eu também estava com necessidade de seus


toques.

Necessitava deles muito antes de eu poder me


dar conta. Acho que desde que beijou o canto de
meus lábios pela primeira vez e começou a
conquistar território.

Agora é tudo dele.

Absolutamente tudo.

Por que se ele tinha fome de mim, eu estava


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sedenta.

Então eu gemi, gemi quando sua boca pareceu


encontrar o centímetro exato que eu precisava para
ter prazer. Gemi quando me apoiei nos cotovelos
para ver melhor a cena e contemplei sua expressão
de completo desejo.

Ettore estava completamente satisfeito com sua


habilidade quando se levantou. Abaixou sua cueca
enquanto buscava espaço entre minhas pernas.
Então entrou em mim depois de me colocar mais no
meio da cama. Senti-o me enchendo devagar,
depois forte, praticamente me rasgando com seu
tamanho enquanto eu só conseguia resistir
bravamente ao seu movimento.

— Isso é para não me provocar desse jeito logo


pela manhã... – Disse enquanto me enchia dele
mesmo – Por ser tão gostosa que só consigo pensar
nessa sua boceta rosa todo tempo...

Ouvi suas ameaças quietas. Padecendo pelo seu


movimento. Vendo que o vazio que eu senti todos
esses anos era por não o ter por perto. Vendo que

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eu o queria mais vezes dentro de mim do que dizia


minha vontade. Por que ele tinha conquistado um
espaço tão bonito dentro de mim que minhas
memórias de família não eram mais cinzentas e
tristes.

Agora tinham a cor azul-centaurea dos olhos


dele.

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CAPÍTULO 39 | Lívia

Ettore tinha ido para a casa do pai, ver se tudo


estava bem com ele. Barone e Luna tinham ido para
casa, pois conseguiram a autorização de voo para a
manhã. E foi uma lástima que não pude estar em
casa para me despedir corretamente.

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Felizmente, tinha passado uma parte da noite


conversando com Ettore e eles diante da lareira
enquanto vigiávamos o sono inquieto de Amora.
Ela estava passando por uma fase de dores terríveis.
A área ao redor da lesão estava sendo reconstruída,
o que era bom, mas os músculos ainda eram frágeis
demais para aguentar toda a carga de seu corpo
pequeno.

Agora já passavam das duas da tarde e apenas


Bia e eu estávamos na casa. Vigilantes, sem
tosquenejar, do bem-estar de Amora. Ela estava
desenhando um Sullivan gigante numa folha de
papel e pintando enquanto aproveitava os minutos
sem dor.

— Tudo está tão mais intenso... Não sei o que


estou fazendo de errado. Não sei mesmo. Eu... Eu
não consigo entender por que tanta dor agora. – Eu
desabafava com Bia.

Eu tinha as duas melhores amigas do mundo.


Ingrid era a diabinha sobre meu ombro me dando
conselhos malvados e me fazendo ser mais ousada.
Beatriz era a voz ajuizada que me colocava nos
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eixos sempre que eu precisava ser racional.

Balanço. Elas traziam balanço e equilíbrio para


minha vida.

— Eu não aguento te ver assim. Nem a Amora


assim. Eu queria poder fazer mais alguma coisa.

— Meu amor, você não pode fazer mais do que


está fazendo. Só de assumir o comando da Davani
sempre que eu preciso me ausentar. De vir quando
preciso. Você é a melhor amiga que alguém poderia
pedir.

— Sinto como se ainda não fosse o suficiente.

— Mas é, pare com isso, linda.

Beatriz estava realmente preocupada com


Amora. Estávamos sendo testemunhas da
montanha-russa de emoções que eram os avanços
de Amora. Às vezes, ficávamos até tarde orando,
por que já tinha esgotado todas as possibilidades de
ajuda e as que sobravam ou eram drásticas demais
ou caras demais.

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Nina bateu na porta do quarto e entrou


informando que tínhamos visita. Tinha sido alguém
a mando de Ettore. Descemos pelo elevador e
fomos até o nosso convidado que já esperava na
área social.

— Deve ser a doutora Montebello. – O homem


que devia beirar os quarenta anos estendeu a mão
vindo em minha direção.

— Sou eu sim. Como vai? – Perguntei ainda


sem entender ao certo do que se tratava essa visita
de Ettore. – Desculpe, mas acho que ainda não
fomos apresentados.

— Não, ainda não. Sou o professor doutor De


Santis. Fui contratado por seu marido para avaliar e
tratar pessoalmente do caso de Amora Davani
Mayer.

— Espera, como assim? – Fiquei em absoluto


estado de choque. Por que eu conhecia o doutor De
Santis. Ele era um cirurgião ortopédico e
fisioterapeuta renomado. Sua agenda concorrida
nunca me tinha permitido encaixar Amora nem

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para uma simples avaliação. Ainda iria agora tratar


pessoalmente de minha filha?

— Lamento que tenha vindo fazer uma


surpresa. Ettore praticamente me obrigou a isso.
Fui um dos profissionais que tratou da mãe dele,
Sara, antes que ela viesse a falecer. Tínhamos
perdido contato por um tempo até que ele me
visitou há alguns dias.

Ok. Eu estava, definitivamente, mais


apaixonada pelo meu marido.

Eu estava, perdidamente, apaixonada pelo meu


marido.

— Você deve ser a Amora... – O doutor De


Santis baixou até a altura dela na cadeirinha-de-
rodas – Se soubesse que a minha paciente seria tão
linda, teria vindo antes. Como está se sentindo
hoje?

— Bem... – A voz de Amora era sonolenta.

Ela tinha descansado muito mal ultimamente.

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— Vamos tratar de melhorar essa resposta. –


Disse bagunçando o cabelo dela num cafuné. Então
levantou-se outra vez – A senhorita?

Bia estendeu a mão para o doutor De Santis e


então se apresentaram.

— Ana Beatriz Basani.

— Senhorita Basani.

A voz compenetrada do doutor, austera e com


um toque de sotaque da Sicília, pareceu ter tocado
Bia de uma maneira única, por que ela corou.

— Minha equipe está trazendo o material que


pedi que Ettore providenciasse. Ele disse que posso
dispor os materiais na casa da piscina.

— Que materiais?

— Tudo o que será necessário para a


fisioterapia de sua filha. Além do que é necessário
para ajudar sua filha na recuperação das dores.
Inclusive, o material de acupuntura.

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Isso era muito mais do que eu estava esperando.


Parecia que eu estava num programa de tevê onde
realizam seus sonhos. Por que era exatamente
assim que eu me sentia.

Se a fama que precedia o nome do doutor


Enrico De Santis fosse verdadeira, minha filha não
poderia estar em melhores mãos.

Conversamos por algumas horas. Doutor Enrico


solicitou ao hospital as cópias de todos os
prontuários de Amora. Elas ficariam prontas em
alguns dias. Pedi que um dos advogados da
empresa tratasse da transferência do tratamento de
Amora do hospital para a clínica particular do
doutor De Santis.

Os entregadores começaram a montar as


estruturas que Amora utilizaria para sua
reabilitação. Uma cadeira-de-rodas mais moderna e
ergonômica e todos os acessórios que precisaria.

Meu coração não podia estar mais feliz. Só


faltava o homem que tinha me proporcionado essa
alegria chegar para que eu pudesse dizer o quanto

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apreciava cada pequeno gesto seu, desde o


primeiro.

Passamos a tarde realizando exames básicos em


Amora. Alguns, mais complexos, seriam
necessários fazer na clínica do doutor De Santis.
Tanto eu quanto Bia ouvíamos embasbacadas a
forma como o doutor explicava tudo que
aconteceria durante o tratamento de Amora.

Tinha passado das dez quando Ettore chegou


em casa. Amora estava dormindo tranquilamente
como não acontecia a algum tempo. Tudo por causa
dos exercícios localizados que executou na terapia.
Beatriz tinha ido para casa e só eu esperava pelo
meu homem.

Eu tinha preparado uma mesa para jantar e


colocava um vaso de orquídeas no centro da mesa
que dividiríamos quando ouvi o Mustang
estacionando com toda a fúria do motor potente.
Sorri do exagero que Ettore sempre causava quando
chegava em casa e quase senti meu coração quebrar
com doçura.

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Esperei-o do outro lado da porta da garagem.


Um macaquinho preto que revelava minhas pernas
tinha sido escolhido exatamente para essa ocasião.
Fazia quase dois anos que eu não usava nada tão
revelador. Observei rapidamente minha maquiagem
no espelho sobre o aparador e vi que estava tudo
perfeito.

Quando Ettore foi abrindo a porta, sorriu ao me


ver. Seu olhar deslizando por cada centímetro de
minhas pernas que eu sempre achei feias demais,
mas que agora pareciam uma maravilha por que
tinham sido abençoadas pelo seu toque.

— Uau, isso que é recepção... – Ettore abriu os


braços e eu me lancei neles. Pedindo por sua boca e
saboreando seu gosto. Seu cheiro. Seu corpo que
parecia ter sido criado para dar prazer. Para ser
amado.

— Eu senti sua falta. – Disse e era


completamente verdade.

— E eu senti a sua. Meu pai estava precisando


de uma ajuda num carro dele, sinto muito se

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demorei. O velho não está muito bem nos últimos


dias.

— Não se preocupe. – Falei beijando sua boca


mesmo enquanto ele ainda falava. Por que eu não
queria me desgrudar de seus lábios por mais tempo
do que fosse preciso.

— Já vi que quer hoje. Não vou mentir, doutora


Mayer, só consigo pensar em como vai ser fodê-la
usando apenas esses saltos. Quando a fizer borrar a
maquiagem com lágrimas de tanto que vou entrar
em você.

— Pronto, Ettore safado chegou.

— Você invocou ele com esse decote. – Seu


sorriso contra minha boca foi genuíno. Seus braços
já envolviam minha cintura enquanto ele se curvava
ligeiramente para aprofundar o beijo. Sufocando-
nos com essa sensação que era única e maravilhosa.
Que era grande demais para conter dentro de si e
precisava se derramar para o lado de fora.

— Eu vou é te afogar nesse decote.

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Por que eu estava me tornando uma mulher


diferente.

Meus cacos quebrados tinham sido molhados,


destruídos, mas ele estava me dando uma nova
forma. Me transformando numa peça de arte
maravilhosa e totalmente esculpida por suas mãos
habilidosas.

— Eu estou começando a ficar com medo,


doutora Mayer. Quem é você e o que fez com
minha vermelhinha tímida?

— Sou sua mulher, Ettore. Apenas...

— Apenas o que? – Disse se afastando


enquanto seu indicador e o polegar tiravam alguns
fios do meu cabelo que tinham deslizado para meu
rosto. Ele parecia fascinado pela cor deles
deslizando contra sua pele.

— Apenas descobri que te quero mais do que


imaginei.

— Me ama, doutora Mayer. Não apenas me


quer agora.
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— Não é mentira...

Confessei por que, como disse antes, era a mais


pura verdade, praticamente incontrolável.

— Então está confessando que me ama?

— Sim, te amo com todas as letras.

— Isso merece um pouquinho de bunda, não


acha?

— Ettore, diz que me ama de volta e age como


um ser humano normal e não safado por um
minuto.

Sua gargalhada gostosa aqueceu meu coração e


eu simplesmente me senti a mulher mais bonita do
mundo enquanto me olhava. Enquanto via as
palavras se formando na sua boca, e deslizando
docemente pela sua língua até que tocaram meu
rosto. Meu corpo e minha alma reverberando de
felicidade.

— Eu não te amo, doutora Mayer. Eu te


idolatro.
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CAPÍTULO 40 | Ettore

Era outra mulher. Era simplesmente outra


mulher. Não parecia em nada com o bichinho
assustado que apenas eriçava os pelos para parecer
maior e que, na verdade, estava apenas em modo de
defesa.
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Não estava desmerecendo a maneira espetacular


que lidava com todos os problemas que lhe pesam
sobre os ombros quase sempre. Não estava
desmerecendo a maneira como se mantinha
incólume quando as ondas vinham bravias bater
contra seu cais.

Apenas não entendia como uma mulher tão


bonita podia ter se tornado tão fria. Não entendia
como uma mulher tão fodidamente bonita, podia ter
se fechado tanto quando tem um corpo feito para
dar e receber prazer.

Eu ignorei completamente o jantar, com a


promessa de saboreá-lo depois de satisfazer o
apetite mais visceral e fomos para o quarto. A
doutora Mayer ainda não estava pronta para transar
nos outros cantos da casa, e eu precisava ser
paciente.

Precisava esperar que se desse de bom grado,


que mesmo que eu tomasse, houvesse aceitação.
Por que assim apagaria as sombras que ainda
nublavam seu olhar de vez em quando, mesmo
quando sorria.
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Paramos no meio do quarto, Lívia olhou para


mim inquieta, por que eu sabia que estava lutando
contra suas memórias. Me aproximei tirando um
pouco do cabelo de seu rosto, colocando-o atrás da
orelha, apreciando a forma como ele parecia
sempre em chamas, sempre pronto a queimar
qualquer um que a olhasse.

— O que aconteceu?

— Eu estou com medo, Ettore.

Eu a entendia. Por que eu estava com medo


também. Eu nunca tinha gostado tanto de alguém
tão rapidamente. Nunca tinha gostado tanto de
alguém tão profundamente quanto gostava dela.

A porra de um sentimento fodido que nasceu


com uma convivência de menos de um mês. E que
eu esperava que fosse mais, muito mais.

— Eu também estou.

Era minha verdade nua e crua. Minha verdade


que me deixava dessensibilizado para qualquer
outra coisa. Por que eu me sentia diante de um altar
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quando estava diante dessa mulher.

Eu estava virando uma pessoa brega igual meu


pai, mas era verdade.

Agora eu sabia o que ele queria dizer quando


falava que Sara era a vida dele e que faria qualquer
coisa por ela. Por que eu estava sendo invadido por
esse sentimento também.

Eu faria qualquer coisa por Lívia. Faria


qualquer coisa pela sua filha. Eu morreria por elas,
eu mataria por elas. Eu voltaria das profundezas da
terra para olhá-las uma última vez caso eu partisse
mais cedo. Por que eu não conseguiria me despedir
delas facilmente.

— Mas me olha... – Eu disse já encostando


minha boca na dela. Sua maldita boca grande que
ficava lindo quando cobria meu pau – Eu vou
guardar você de tudo. De qualquer coisa que possa
tentar te ferir. Eu vou te proteger e vou proteger
minha família. Até de mim mesmo se for preciso.

Seus olhos enormes me encararam. A doutora


Mayer tinha olhos bastante expressivos e eles
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falavam muitas vezes mais que sua própria boca.


Falavam das coisas que ela escondia, quase
despercebidas, sob a superfície serena.

— Eu te quero, Ettore... – Sua voz era algo de


outro mundo, especialmente quando falava com
esse quase gemido na voz – tanto que chega a doer.
Às vezes penso que você nem existe...

Ouvi suas declarações enquanto minhas mãos


se ocupavam de desabotoar os pequenos botões
dourados que eram tudo que protegia o seu
macaquinho de cair. Meu olhar devorando a tez
branca de sua pele enquanto ela se derramava.

— Eu não vou suportar ser machucada outra


vez. Eu não vou suportar ser machucada depois de
me abrir para você. Eu estou implorando, Ettore...
Não me machuque...

Minhas mãos deslizaram o macaquinho e o


tecido leve de seda deslizou facilmente para o chão.
Segurei a respiração ao ver sua roupa íntima. Desta
vez um conjunto preto e cor-de-rosa que a faziam
ficar mais quente que o inferno.

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— Ettore...

— Só o que pretendo é amá-la, doutora. – Falei


com uma honestidade que doía até em mim. Por
que eu nunca tive a oportunidade antes de tocar
uma mulher tão bonita quanto essa que eu despia
devagar – Eu seria incapaz de machucar uma
criatura tão bonita.

Minha mão esquerda habilidosa tirou o fecho


do sutiã que também tinha o fecho dianteiro e eu
me deleitei em cada centímetro de seus peitos
quando eles se mostraram. Eu os foderia hoje e ela
não teria escapatória.

A pele dessa mulher era perfeita, puta merda,


fodidamente perfeita.

— Opa... – Minha voz foi baixa, lenta. Meu


sorriso de lado surgiu em meu rosto. Sacana como
o dono. E a doutora Mayer já estava com o olhar
incendiário de quem vai me deixar fodê-la como eu
quiser hoje.

Eu estava indo devagar para provocá-la. Para


dar tempo de assimilar meus toques. Por que com
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ela era assim, um pequeno toque errado a fechava.


Então, eu estava ciente de que tocá-la era como
tocar um campo minado. Eu até poderia conseguir
atravessar, mas poderia acabar sem uma perna.

— Tira a calcinha.

— Ettore...

— Não dificulta, doutora. Meu pau tá doendo


de tão duro. Tenha pena de mim.

Ela fez o que eu pedi e eu andei ao seu redor


apenas para ver a porra da sua cintura virando um
violão perfeito enquanto seu quadril arredondava
mais.

Minha mão deslizou por seu quadril até que


meus dedos deslizaram para sua boceta rosa que era
meu novo vício. Minha droga favorita.
Pequenininha, mas que me engolia que era uma
beleza.

— Vem cá... – Fiquei atrás dela enquanto puxei


seu corpo para encostar ao meu. – Tá vendo o que
faz comigo? Sabia que ia me viciar desse jeito e me
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fez ficar louco...

Minha mão já estava em seu pescoço.


Apertando suavemente a pele alva. Fodendo-a
suavemente com os dedos. Por que era preciso
degustar essa mulher com paciência até que
estivesse na temperatura certa, aí sim se podia
prová-la com vontade.

Eu precisava ouvir os gemidos dessa mulher


enquanto ela gozava. Eu consegui ouvir sua voz
ficando lindamente rouca enquanto eu o fazia. Essa
mulher tinha sido feita para gozar para mim. Tenho
certeza.

— Agora deita na cama e coloca essa bunda


para cima. Por que vou foder a merda para fora de
você.

— Ettore...

— Primeiro vou foder sua boceta, - tranquilizei-


a enquanto a via deitar na cama. Ela estava se
travando, eu não queria isso – Depois vou brincar
um pouco com essa bunda.

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— Eu não disse que pode brincar com minha


bunda.

A safada queria isso mais do que eu, só estava


com medo de doer mais do que esperava. E do jeito
que parecia até virgem, já dava para perceber que ia
sofrer um pouco. O problema era que eu estava
tarado demais para parar agora.

— Por favor, doutora... Por favor... – Curvei-


me enquanto eu deslizava para dentro dela. A
mulher estava molhada depois de gozar nos meus
dedos – Me deixa comer sua bunda...

Minha voz era baixa, quente. Merda, parecia


que estava implorando pela minha própria vida.
Essa bunda dessa mulher só pode ser mágica.
Comecei a enfiar e tirar de sua boceta enquanto a
sentia me apertando. Essa mulher parecia nunca
cansar de me engolir.

Eu estava fora-da-cama, ela na beirada, então


eu tinha uma visão privilegiada. Meu movimento se
tornando mais forte, mais rápido, quanto mais via
que estava gostando.

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Sua boceta me engolia inteiro. A pele do seu


rosto já estava vermelha de tanto que ficava quente
quando eu a fodia. Brinquei com meus dedos em
sua bunda e cuspi neles para conseguir fodê-la
pelos dois buracos.

Devagar, primeiro.

Se ela conseguia engolir meus dedos, engoliria


meu pau facilmente.

Sorri quando começou a piscar apertando-os e


quase ia gozar, mas meu plano era gozar em sua
bunda dessa vez. Nem que fosse na entradinha dela.

Lívia chamou meu nome quando minha mão


livre a apertou com mais força, pela cintura,
puxando-a para mim. Eu me controlei enquanto
ouvia seus gemidos, tudo por que queria que
gozasse primeiro.

Quando eu senti-a contrair chamando meu


nome, tirei de dentro de sua boceta e coloquei
apenas a cabecinha em sua bunda. Forçando
devagar, já que meus dedos tinham feito a maior
parte do trabalho alargando-a, enquanto cuspia para
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facilitar a entrada.

Lívia resmungou baixo contra o cobertor, mas


já era tarde demais. Eu já estava entrando e podia
ver que seu prazer não estava longe de vir de novo.
Por que agora que eu me movia lentamente para
que se acostumasse com meu tamanho, os suspiros
se tornavam mais pesados. Ela estava gostando.

Pelo menos começando a gostar, e não era


pouco.

Intensifiquei o movimento quando vi que estava


acostumada. Cuspindo de vez em quando para
deixar tudo bem escorregadio. E aproveitando para
sorrir do tamanho do rombo que eu deixaria em sua
bela traseira.

— Assim que estava com medo de me dar?


Olha como essa bunda tá engolindo meu pau. Olha
como aperta quando eu enfio fundo! Puta que pariu,
doutora. Que rabo gostoso de foder é esse?

Continuei com o movimento quando a vi


sorrindo de leve contra o colchão. Convencida por
estar me enlouquecendo. Lívia começou a xingar
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baixo quando meu movimento acelerou ainda mais.


Minha vista de sua bunda engolindo meu pau era
memorável. Comecei a masturbá-la enquanto fodia
e assim que ela gozou, me derramei também.

Deixando cada gota da minha porra dentro de


sua bunda.

Saí de dentro dela e seguimos para o banho. Eu


ia lavar sua traseira com cuidado e chupar minha
mulher agora.

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CAPÍTULO 41 | Lívia

Ettore enviou uma mensagem dizendo que


depois da fisioterapia, tinha ido com Amora ver o
nono dela. Concordei por que sabia que teria o
cuidado necessário. E, depois de ele ter chamado
Mohawk, o dono da oficina que adesivou a
primeira cadeira-de-rodas de Amora, para
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personalizar a segunda, eu sabia que os dois


queriam exibir o conjunto estilizado.

“Nada de chicletes”. Eu respondi a mensagem


de texto com um sorriso que ia de orelha a orelha
no rosto. Ettore respondeu a mensagem com uma
frase que eu seria incapaz de ler em voz alta ou até
pensar em voz alta.

Beatriz comentou sobre meu estado e eu apenas


sorri com o tanto que ela me conhecia. Por que ela
disse que eu estava feliz. Muito feliz. Deixei um
beijo esmagado em sua bochecha antes de sair.

Sorri feito uma besta, relembrando as peripécias


da noite anterior e lembrando do cuidado e da
rudeza com que Ettore tinha me tratado. Por que,
até mesmo quando me rasgava devagar, ainda era
cuidadoso com cada centímetro de mim. E eu sentia
que tinha sido criada para ser tratada assim, como
uma rainha. Por que ele me fazia sentir isso de uma
maneira que eu era incapaz de expressar em
palavras.

Como Bia disse, eu estava feliz e bem comida.

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O táxi parou diante da academia de Enzo e eu


paguei a corrida antes de descer. Entrei na
academia e estranhei que Ettore não estivesse ali de
imediato. Já que seu porte, seus músculos, sua
beleza, sempre o faziam se destacar da multidão.

Os rapazes da academia me cumprimentaram


respeitosamente. Me aproximei de um deles, que
parecia desocupado, e perguntei onde estava Ettore.

— Ele precisou resolver um problema que


surgiu com o pai dele. Acho que não demora a
voltar. Sua filha está lá nos fundos com a Val.

Agradeci-o e o homem voltou para qualquer


que fosse sua tarefa. Quando me dirigi ao fundo da
academia, espiei pelo vidro da porta para a sala
onde ficava o escritório de Enzo. Valéria realmente
estava ali. Entrei abruptamente e a cena que se
revelou aos meus olhos me deixou chocada.

Valéria estava com uma roupa minúscula de


ring girl. Seus seios completamente espremidos na
blusa a ponto de quase estourarem. O short curto
mostrava mais da metade da bunda e as botas de

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couro branco iam até quase os joelhos.

Ela tinha dado a plaquinha que indica o round


para Amora, que erguia os bracinhos erguendo a
placa, enquanto Valéria empurrava a cadeirinha e
narrava uma espécie de intervalo de partida.

Amora estava com um enorme sorriso de


felicidade no rosto e o cabelinho tinha sido preso
no alto com um enorme pompom de estrela. Ela
usava um daqueles exagerados óculos escuros que
se usa de fantasia no halloween e praticamente nem
me notou quando eu entrei.

— Oh, Lívia. – Foi Valéria quem me notou


primeiro. Notei como estava constrangida por ter
sido pega num momento com minha filha. – Ettore
pediu que eu cuidasse de Amora por alguns
momentos.

— Mamma! – Amora trouxe sua cadeirinha até


minha direção e eu praticamente derreti ao ver
como estava contente. A combinação de
analgésicos que o doutor De Santis lhe tinha
prescrevido, ajudou muito a combater suas dores,

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em compensação, deixava-a grogue e sonolenta a


maior parte do tempo. – Olha o que ganhei!

Apontou para os próprios óculos enormes e eu


lhe sorri verdadeiramente.

— Para onde eles foram? - Perguntei para Val.

— É um assunto que não se deve falar na frente


de crianças.

Ettore estava aprontando então? Depois de


dizer que não ia mais se meter em confusões.

— Escuta, Lívia, eu sei que deve estar


preocupada, mas ele não foi brigar, nem foi se
meter em problemas. Apenas foi pagar a
mensalidade da proteção da academia para os
Madrazzo.

Um arrepio subiu por minha espinha ao ouvir o


sobrenome. Os Madrazzo eram uma organização
perigosa que estava traficando armas, drogas e
agiotando diversos investimentos na região da
Toscana. Eles também protegiam a cidade de
invasões de outras famílias e, para Ettore estar
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pagando por sua proteção, é por que algum


problema estava acontecendo.

— Não precisa se preocupar com Ettore, ele vai


ficar bem.

— Deixa que eu decido o que fazer ou não a


respeito do meu marido.

Eu disse já sem nenhum controle sobre a


própria língua. Só de pensar que ela estava com
essa roupa minúscula na mesma sala apertada que
meu marido, eu ficava possessa.

Val tinha um corpo muito mais bonito que o


meu. Ela tinha mais curvas, mais volume nas áreas
certas. Mais peito, mais bunda, mais coxas. Parecia
estar completamente à vontade no próprio corpo
enquanto eu estava desabrochando apenas agora.

Então minhas inseguranças ainda me afetavam


demais.

Mesmo sabendo que Ettore dizia ter olhos


apenas para mim.

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Por que eu sentia por ele algo tão profundo e


enraizado que me fazia querer arrancar os olhos
dele para que nunca mais olhasse outra mulher.
Amá-lo estava me deixando violentamente
apaixonada.

— Olha, a gente começou errado. Por que não


tentamos pelo menos ser colegas? – Balançou a
cabeça na direção de Amora que estava levemente
constrangida pelo destempero da mãe. Minha
preocupação com Ettore me deixando num estado
de nervos. Se a braunability estivesse estacionada
diante da academia, eu já teria ido embora.

— Tudo bem. – Então virei para minha filha –


Está com fome, amor? Sede? Quer fazer xixi?

— A Val cuidou de tudo. Ela até me colocou


para fazer xixi no vaso. Vovô Enzo comprou um
assento cor-de-rosa para mim.

— Esse seu vovô Enzo é um babão.

Eu disse sorrindo. Valéria foi até o frigobar e


pegou uma coca-cola para mim. Também uma
barra de cereal sem chocolate. Provavelmente coisa
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de Enzo, que devia ter abastecido a geladeira com


coisas sem chocolate para Amora.

Minha pequena se distraiu quando começou a


passar A hora da Aventura na televisão. Ela pegou
um balde de pipoca que Val tinha acabado de
encher com sua peripécia no micro-ondas e logo
começou a comer.

— Escuta, sei que começamos errado. – Val


disse baixo vindo para meu lado – Eu tenho que me
desculpar. Eu sei que fui egoísta indo até sua casa e
colocando a frustração por minhas próprias
escolhas em você. O problema é que eu não tinha
capacidade de admitir o bom partido que perdi.

— É, você perdeu mesmo.

— Eu sei. – Ela tomou um pouco de água de


uma garrafinha que tinha pegado para si – E eu
amo muito Ettore. Não menti quando disse que
percebi que o amava depois de perdê-lo. O
problema é que eu amo mais a felicidade dele do
que ele. E não sou egoísta a ponto de tentar
boicotar o que ele tem.

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Não falei nada, mas tive vontade de dizer


“mesmo por que não conseguiria”.

— Eu gosto de vê-lo feliz e não vou atrapalhar


isso. Então, gostaria muito que fôssemos colegas.

“Nem na China, não caio nessa outra vez”.

— Vou pensar nisso. Não vai ser fácil.

Valéria me sorriu e foi sentar-se ao lado de


Amora para assistir desenho e roubar algumas de
suas pipocas. Eu fiquei apenas observando a
interação entre as duas por um pouco de tempo.
Nem quinze minutos passaram, Ettore entrava na
academia. Ouvi os rapazes o cumprimentando e sua
voz única de cantor de rock. Grossa, rouca, quente,
cumprimentando-os de volta.

— Cadê minha filha, Val? – Perguntou quando


entrou na salinha e ainda não tinha me notado
recostada contra a parede. Então, quando me olhou,
seu olhar se aqueceu antes de me avaliar inteira.

Para esse homem, usar um simples terninho de


trabalho devia ser como a final do super bowl. Por
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que era assim que me sentia toda vez que fazia isso.

— Meu Deus, como você está gostosa... –


Ettore disse antes de se aproximar e depositar um
beijo na minha boca. Forte, rápido e sedento. –
Como está sua bundinha, hein? – Perguntou
baixinho ao meu ouvido, preocupado com o estrago
que tinha feito na noite anterior.

— Já teve dias melhores.

A vontade de ficar brava com ele era grande, a


vontade de sentar na cara dele também. Escolhi o
meio termo e retribui o beijo antes de pedir que
fôssemos para casa. Ettore atendeu prontamente e
nos encaminhamos para a saída.

Quando saímos, me despedi de Enzo e dos


rapazes e entramos na braunability. Amora estava
ficando sonolenta, efeito dos remédios que tinham
que ser usados até que os exames da lesão ficassem
prontos, e logo dormiu durante o trajeto.

Ettore ficou segurando a cabecinha dela para


não sacudir demais. Eu dirigi com cuidado para não
a acordar. Éramos um time perfeito. Aquela mulher
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não ia estragar isso. Não mesmo.

Quando chegamos em casa, Ettore carregou


Amora até o quarto e a menina teve que dormir sem
tomar banho, já que estava praticamente capotada.
Limpei-a com um pano úmido, mas foi o máximo
que consegui fazer para não a perturbar.

Fomos até a cozinha. Nina já tinha saído, mas


tinha deixado as correspondências sobre a mesa de
jantar. Separei tudo que era mais importante.

— Olha, recebemos um convite. – Eu disse


enquanto olhava o nome impresso no papel macio –
É do seu amigo, Lucca. Ele nos convidou para o
leilão beneficente que vai ter na casa dele. Oh,
Deus!

— Que foi? – Ettore perguntou já vindo e me


abraçando por trás.

— Ele mandou um convite para Ingrid e Beatriz


também. Elas vão morrer.

— Esse Lucca não perde tempo. – Ettore disse


sorrindo e já deixando alguns beijos na minha
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orelha. Meu ponto fraco.

— E o que é isso? - Eu disse quando vi um


cartão sobre a mesa – Você me comprou flores?

Nina tinha deixado o buquê de tulipas brancas


num vaso de cristal. As flores eram maravilhosas e
sua beleza incomparável era simplesmente um
deleite para a vista. Admirei a beleza das flores e o
toque suave de suas pétalas. Eram maravilhosas.

— Me desculpe, mas não fui eu. – Ettore disse


– Deveria ter pensado nisso antes, não sabia que
gostava tanto de flores.

— Ah, mas eu gosto.

— Quem mandou? – Ettore perguntou curioso.

— Não sei, não tem nome no cartão. Só meu


endereço.

— Deve ser um admirador secreto.

— Deixa de ser palhaço.

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Ettore sorriu contra minha orelha enquanto se


afastou. Me senti lisonjeada por um tempo. Eu
nunca tive um admirador secreto. Acho que é o
sonho de toda mulher receber flores.

Jantamos em paz e assisti o espetáculo que é


Ettore tomando banho despido de piscina. Minha
mente fértil imaginando mil e uma peripécias. Eu
estava me tornando uma mulher mais ousada agora,
tinha ciência disso, e era culpa dele que estava me
viciando.

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CAPÍTULO 42 | Lívia

Tudo estava tranquilo demais. Todos os


momentos pareciam perfeitos demais e era como se
eu soubesse que algo de errado iria acontecer. Olhei
para os meus acompanhantes no carro.

Apenas ver a alegria no rosto dos dois, me fazia


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parar de ficar com essas nuvenzinhas cinzentas


sobre minha cabeça.

Ettore estava no banco de trás do carro. Seu


braço apoiado na janela, observando a paisagem
por detrás de óculos escuros enquanto ouvia
Aerosmith no carro. Não era apenas isso, ele estava
cantando também.

Amora se divertia fazendo os sons de guitarra


enquanto Ettore entoava as canções da famosa
banda. A letra combinando perfeitamente com sua
voz, com sua língua, com seu timbre, suas cordas
vocais e com tudo que vinha dele.

Eu estava praticamente para morrer, mas não


queria fazer alarde, afinal, estava o ouvindo cantar
pela primeira vez na vida. Encantada pela forma
como essa música nunca mais soaria tão perfeita
para mim quanto nesse momento.

Quando a música acabou, a reclamação de


Ettore recomeçou. Ele estava odiando ter que fazer
compras numa sexta-feira às sete da manhã. Esse,
porém, era o único horário que eu tinha para ajudá-

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lo a escolher alguma coisa decente, já que teria


trabalho o dia inteiro.

Ainda era uma espécie de surpresa o nosso


destino. Por que eu sabia que ele faria cara feia
quando eu contasse para onde iriamos.

— O que há de errado com minhas roupas? –


Ettore perguntou com a cara levemente enfezada.
Dava até vontade de morder.

— Nada, apenas precisamos de algo que não te


faça parecer um surfista. Nem que está fazendo
parte dos motoqueiros selvagens.

— Gostei dessa ideia.

— Qual? Fundar um clubinho? – Perguntei lhe


mostrando a língua.

— Não, comprar uma moto. – Ele completou


antes que eu ralhasse – Já sei que não pode ser
agora. Então, vou esperar o tempo de as ações
renderem.

Pouco depois estávamos entrando na loja.


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O problema para Ettore não era tanto acordar


cedo, era fazer compras para ir a um evento social.
Ainda não tínhamos falado direito sobre nossos
passados, mas eu já podia perceber uma coisa. O
motivo para evitar a todo custo essas reuniões
estava lá.

Um vendedor veio nos ajudar e Ettore foi


educado ao explicar suas medidas. O homem
trouxe algumas peças de roupa para Ettore
experimentar enquanto Amora e eu apenas o
observávamos sempre que saia do provador.

Dava para ver que estava completamente


desconfortável com a situação. Só que era por uma
boa causa que estava lhe fazendo passar por isso.
Lucca estava fazendo um jantar onde leiloava
algumas das obras de arte da coleção da família. O
dinheiro iria para uma organização que ajudava a
construir casas populares para famílias em áreas de
risco.

Acho que foi esse motivo nobre que fez Ettore


aceitar no final.

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Ele já estava vestindo a terceira combinação,


quando saiu do provador. Dessa vez sim o terno
havia lhe assentado bem. Estava perfeito. Senti um
orgulho terrível do homem diante de mim e pelo
olhar que me lançou, sabia exatamente que meus
pensamentos não estavam comportados.

Ele andou até mim e baixou na minha altura,


falando baixo ao meu ouvido:

— Me conta que safadeza está pensando.

— Eu estava pensando no quanto quero chupá-


lo mais tarde.

Respondi baixinho ao seu ouvido tentando ser o


mais sensual que eu conseguia. O homem sorriu e
cochichou ao meu ouvido:

— Que coisinha mais linda e fofa se oferecendo


para chupar meu pau.

Eu quase explodi num ataque de risos e de


fúria. Querendo fazê-lo engolir a provocação
naquela hora mesmo. A única coisa ruim de se ter
um rosto de moça comportada era que as tentativas
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de ser ousada passavam praticamente como piada.

Dei um tapinha no ombro dele e ele se afastou


rindo de mim.

— O que acha dessa roupa, Amora? – Perguntei


vendo que minha filha estava se divertindo com a
situação.

— Gostei.

— Dá uma voltinha, Ettore. – Pedi provocando-


o.

O homem revirou os olhos antes de fazer o que


pedíamos e Amora estava adorando. Seus olhinhos
brilhavam por ver que tinha encontrado alguma
coisa em que o Sullivan não era tão bom. Ser
paparicado.

— Está lindo, amor. Gostou dessa? – Perguntei


colocando mais lenha na fogueira.

— Claro, meu sonho de princesa. – Ettore disse


num tom sarcástico contido.

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Amora sorriu, mas eu vi como aquilo devia


parecer ridículo para ele. Ele tinha todo um estilo
que eu não estava mesmo tentando mudar. Apenas
tinha que adaptar seu vestuário ao evento que
iriamos. Não me importava de vê-lo com seus
bonés, suas camisas de banda e suas bermudas o
dia inteiro.

Pagamos a conta, tomamos caffe al vollo num


bar e Amora foi para a escola. Ela já estava muito
melhor das dores e poderia voltar às suas
atividades, bem levemente. Foi Ettore quem levou
Amora para a escola e eu fui ao trabalho.

O trabalho foi exaustivo. A empresa não podia


dispensar nenhum caso ultimamente, de outra
forma não teria como se sustentar, então o trabalho
tinha sido praticamente dobrado para todo mundo.

A nuvenzinha cinzenta ainda não tinha se


dissipado quando saí do escritório ás oito da noite.
Ettore tinha me ligado duas vezes para perguntar se
precisava vir me buscar, mas dispensei-o nas duas.
Beatriz tinha prometido uma carona, já que teria
que buscar seu convite na minha casa. Por que a
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cabeça pensava tanto em Ettore, que tinha


esquecido essa tarefa básica.

— Estou feliz... – Respondi à pergunta que me


tinha feito e recebi um sorriso sincero de volta.

— Eu pensei que tinha sido tudo muito rápido,


mas só de vê-la tão mais mulher, eu sinto certo
orgulho.

— Sua boba.

Eu sorri, mas sabia que era verdade. Estava


sendo tudo emocionante ao lado de Ettore. Minha
vida estava sendo até perfeita, eu diria. Ele estava
se comportando e, embora eu soubesse de sua
extensa lista de crimes, sabia que essa sua fase
podia durar.

Beatriz tinha se oferecido para ajudar na


fisioterapia de Amora. Ingrid teria que fazer uma
viagem em breve e ficaria uns dias fora da cidade.
Como eu tinha várias defesas essa semana, estava
sendo quase impossível conciliar tudo. Então, Bia
estava sendo a mais excelente amiga que eu poderia
ter.
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Estávamos indo em direção ao estacionamento,


quando minhas pernas pararam no lugar. Eu senti,
praticamente, o mundo tremendo e fiquei sem ter
onde me apoiar por um segundo pequeno. Bia deve
ter percebido, por que olhou para mim de um jeito
preocupado, como se soubesse que eu estava
prestes a desmaiar.

— O que foi, mulher? Parece que viu fantasma.

— Não foi um fantasma, - Disse num tom baixo


e amedrontado que não tinha surgido há algum
tempo – foi o próprio diabo em pessoa.

Beatriz olhou o homem que vinha em minha


direção. Seu rosto ainda era tão bonito quanto nas
minhas memórias, seu exterior impecável. Só eu
sabia, porém, de tudo o que ele escondia por baixo
dessa superfície polida.

Seus jeans pretos e sapatos sociais marrons


estavam alinhados com a camisa social e o colete
escuro. O cabelo escuro num corte alinhado parecia
seda ao toque, mas era completamente asqueroso
quando alguém conseguia enxergar sua índole cruel
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e duvidosa.

— Olá, Lívia. – Sua voz era terrivelmente linda


e terrivelmente desgraçada de ouvir.

— Stephen...

Ele retirou das costas um buquê de flores que


escondia precariamente. Tulipas brancas eram
minhas flores favoritas, até este exato momento.
Pareciam até bichos asquerosos agora que estavam
nas mãos dele. Seu sorriso era perfeito e seu olhar
queimava contra minha pele como se fosse o fogo
do próprio inferno.

— Você recebeu minhas flores?

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CAPÍTULO 43 | Lívia

Um verdadeiro mar de memórias ruins invadia


minha mente. Era como se eu estivesse sozinha
numa praia vendo a tsunami se aproximar, invadi-
la, acabar com tudo o que foi construído com tanto
zelo. Praticamente acabar com toda a confiança que
eu estava readquirindo.
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— O que quer, Stephen? – Minha voz foi dura.


Eu não podia demonstrar medo. Se eu tinha que ser
fraca, medrosa, que fosse dentro de mim, por que
por fora eu permaneceria impávida.

— Quero conversar sobre a Amora.

— Você quer conversar sobre minha filha? –


Perguntei com desgosto na voz, surpreendida que
minha capa de coragem não fosse simplesmente um
disfarce. Eu podia senti-la dentro de mim crescente.

Uma semente que foi plantada com cuidado e


germinava, bem devagar, mas ela estava lá.

— Ela é nossa filha, Lívia. Nossa filha.

— Lívia, vou chamar a segurança. – Beatriz


disse enquanto me olhava com cuidado. Os
vigilantes do escritório poderiam dar um jeito de
afastar Stephen, mas eu não queria criar um
escândalo diante do trabalho, na frente dos outros
advogados que iam saindo.

— Tudo bem, Bia. Eu resolvo isso. Vai


pegando o carro que isso aqui não vai demorar.
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Beatriz não gostou, mas me obedeceu. Seu


olhar dizia que se ele fosse tentar fazer alguma
coisa, ia passar com o carro por cima das pernas
dele. Segui-a com o olhar até que estava longe e
então tornei a olhar para o embuste que era o
homem à minha frente.

— O que quer, Stephen?

— Ouvi falar que casou outra vez.

— E isso é problema seu por que mesmo?

Eu estava tão orgulhosa de mim mesma. Sendo


forte e decidida. Que nem conseguia ouvir os
pedacinhos de terror se espalhando dentro de mim,
batendo contra meus ossos, fazendo tilintar meus
dentes.

— Lívia, não fale assim.

— Como não vou falar, Stephen?! – Minha voz


estava carregada de raiva – Como acha que vou
aceitar que volte assim tranquilamente depois de
todo o mal que me causou, que causou à nossa
filha? Pelo amor de Deus.
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— Sabe que amo minha filha.

— Ama? Ah, ama demais mesmo.

Ele sabia exatamente a que eu me referia. Sabia


que eu estava jogando o meu passado com todas as
letras em sua cara. Todas as noites em que me
deixou com uma bebê para sair para suas festas.
Todas as noites em que eu precisei implorar para
que me tocasse e o miserável sádico apenas ficava
sorrindo de meus esforços.

Eu o tinha conhecido nas férias em Ibiza.

Ele parecia um anjo saído direto do céu e


conseguia chamar a atenção de todas as mulheres
com seios de fora na praia, mas ele teve que vir
direto para mim. A garota de terninho que estava
visitando a cidade para uma convenção do João e
Maria financiada pelo meu pai.

É claro que o mundo pareceu sorrir quando ele


me sorriu também. O homem tem uma beleza
irresistível, do tipo que se encontra nas telas do
cinema. E eu era apenas a garota ruiva e
desengonçada que ainda usava aparelho nos dentes
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inferiores.

O maldito me fez sentir que a atenção que


devotava a mim era uma espécie de favor.
Conversamos e acabei aceitando seu convite para
sair para jantar. Sua personalidade era inebriante e
ele me fez sentir nas nuvens. Me fez voar até o
ponto mais alto do firmamento para poder me jogar
de lá de cima com crueldade.

Eu engravidei no nosso quinto encontro.

A família dele me adorava e apoiou totalmente


a forma como Stephen se dispôs a casar comigo,
mesmo que ainda fossemos jovens, mesmo que ele
fosse alguns anos mais velho do que eu e que já
tivesse uma carreira mais encaminhada que a
minha.

Quando meu pai ouviu que Stephen Mayer,


filho primogênito dos tradicionais Mayer de
Boston, queria casar comigo. Fez um enorme jantar
para a sociedade anunciando o noivado. Em
seguida, pouco tempo depois, casamos, já que
minha mãe odiaria um escândalo na família.

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Eu estava cegamente apaixonada.

A pior parte foi saber que Stephen apenas


estava espelhando meu comportamento, como todo
bom narcisista. Estava repetindo meus próprios
hobbies como se fossem seus próprios, dizendo que
gostava das mesmas coisas e que compartilhava os
mesmos sonhos que eu.

Eu estava me apaixonando por mim mesma.

No final, fiquei sozinha, por que o homem por


quem me apaixonei nunca existiu.

Então Stephen comprou uma casa perfeita para


morarmos juntos. Ela tinha espaço demais para a
família que ainda nem estava começando direito. E
os espaços foram se tornando maiores e mais
vazios.

Ele não vinha para casa depois do trabalho.

Ele não vinha para casa nem nos finais de


semana.

Ele me obrigava a aguentar calada suas


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humilhações.

Ele me obrigava a viver com uma constante


dúvida na minha cabeça enquanto reclamava de
cada uma de minhas qualidades. Mas ele podia
mudar, não era isso? Ele podia se consertar para
termos nossa vida juntos. Era o que sempre
prometia.

E eu fui ficando. Fui ficando.

Ignorei seus ciúmes exagerados. Sua vontade de


aparecer mais que eu em qualquer evento. Seu jeito
de quem não conseguia aturar um único sucesso
meu, por que, afinal, ele sempre sussurrava que me
amava no final da noite. Depois de uma briga.
Enquanto estávamos dormindo na mesma cama,
dois palmos de distância um do outro.

“Eu posso mudar”, repetia a promessa sempre.

“Eu sei...” eu respondia, mas eu não sabia.

Por que eu me agarrava ao homem que Stephen


tinha interpretado no começo do nosso
relacionamento. Desejando desesperadamente que
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ele voltasse. Me tornando viciada em qualquer


pequena dose de dopamina que ele me fornecia
quando tecia qualquer pequeno comentário.

Me tornei dependente dele.

Completamente dependente.

E quando Amora nasceu, quando não pude mais


me considerar nem minimamente atraente, já que
para ele eu sempre estava fedendo a criança e a
leite regurgitado, eu comecei a brigar. Jogando suas
promessas quebradas em sua cara. Jogando todas as
coisas que tinha me prometido e que não tinha
cumprido diante de seus olhos.

“Você pode trabalhar apenas em casa, eu


sustento essa família”.

Eu fui ficando. Fui ficando. Diminuindo à


sombra dele até que, quando percebi, não era uma
projeção de Stephen – era o acessório dele. Um
acessório que usava apenas nas festas. Uma pessoa
completamente vazia de vontades. Que só parecia
existir para ficar à sombra dele.

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Amora ia completar um ano quando me separei


dele.

Quando, pela primeira e última vez, ele me


tocou.

Mesmo que eu tivesse dito que não com todas


as forças.

Mesmo que eu tivesse implorado para que não


o fizesse.

Então arrumei minhas coisas e aproveitei seu


sono para fugir de casa. Me escondi no apartamento
de Ingrid na Inglaterra por uns tempos. Até que
consegui autorização do meu pai para voltar para
casa. Ele mandou o dinheiro da viagem e eu
concordei em voltar por que o homem adorava a
neta.

Ingrid ainda disse que eu poderia morar com


ela, que mataria o irmão de tanto que ia bater nele,
mas eu me sentia uma boba por ainda defender o
pai de Amora após tudo.

Separei-me rápida e sigilosamente. Stephen não


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quis aceitar no começo, mas ameacei-o com as


armas que eu tinha. Ele queria a filha, amava a
filha, mas eu não ia permitir que ela tivesse esse
exemplo de homem.

Tivemos guarda compartilhada da menina até


que ela completou quatro anos. Até o acidente que
ele mesmo tinha causado quando colocou Amora
na cadeirinha infantil do carro e não a prendeu
direito. Tentou fazer um retorno perigoso numa via
e foi atingido por um carro que vinha do outro lado.
Trazendo todo o mundo de dor que minha filha
conheceu depois disso.

Então lutei com todas as minhas forças para ter


a guarda apenas para mim. Meu pai tinha muitos
amigos juízes e, demorou, mas conseguimos um
que estava disposto a fazer uma ordem para que
Stephen não se aproximasse de nós duas.

Isso tinha durado, até hoje.

Tinha durado até que esse espírito saísse do


inferno que merecia.

— Sabe que não minto. – A voz dele me tirou


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das lembranças terríveis – Eu preciso de um tempo


para conversar com você. Podemos jantar ou algo
semelhante?

— Sinto muito, tenho que ir para casa. – Disse


quando Bia estacionou o carro perto de nós e
buzinou duas vezes, já irritada – Meu marido está
esperando.

Deixei-o de pé, parado no meio da rua,


enquanto Bia acelerou. Minha mente estava virando
uma bagunça outra vez e eu só estava querendo
chegar em casa para tocar fogo naquelas malditas
flores. Esmiuçar aquele vaso e reduzi-lo a pó.

— Por favor, não conte para Ettore, Bia...

— Meu Deus, você quer mesmo me encrencar


com seu marido, não é?

— Só, por favor, deixa que eu resolvo isso... Eu


só preciso de um tempo.

Minha respiração estava acelerada e eu sentia


que um ataque de pânico estava vindo. Eu
precisava me controlar melhor antes de chegar em
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casa.

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CAPÍTULO 44 | Lívia

Quarenta minutos mudam muita coisa.


Quarenta minutos vendo a paisagem da cidade
mudando para um ambiente mais exclusivo e mais
privilegiado também.

— Amiga, você tem que contar.

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Eu sei que o plano de Beatriz era me fazer


mudar a mente em algumas horas. Me fazer
enxergar que eu não estava só, finalmente, e que
poderia contar com a ajuda das minhas amigas,
mas, principalmente, do meu marido.

— Ettore não vai gostar de descobrir isso por si


próprio. Viu como ele ficou quando escondeu sobre
os problemas financeiros. Como foi bater lá na
empresa todo rude e bonito, deu até medo!

Minha amiga estava tentando arrancar sorrisos


de mim. Ela já tinha parado na beira da estrada uma
vez antes, era a segunda vez que estava fazendo
isso para me dar tempo de me acalmar. De pensar
em como eu estava sendo idiota por tentar enfrentar
tudo isso sozinha.

A realidade era que ela tinha toda razão.

Eu não estava mais sozinha.

Ettore tinha se tornado um marido como eu


nunca antes tinha imaginado. Tinha se tornado um
porto seguro para Amora e para mim. Tinha se
tornado o melhor amante, mesmo que não tivesse
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pena de meu corpo, às vezes, e de ainda me deixar


chocada com a facilidade com que conseguia me
despir de todas as minhas inseguranças.

Ele precisava saber.

Mais do que isso.

Eu precisava contar.

Por que não queria que as coisas acabassem por


causa de um descuido meu. Não queria que tudo
acabasse por que não tive coragem de mostrar o
monstro que me assombrava. E que só teve sua voz
calada pela forma gentil que meu marido me
ajudou a me tornar o melhor que eu poderia ser.

— Eu não sei se consigo guardar esse segredo.


Deus me livre, mas se esse homem tentar se
aproximar de você daquele jeito outra vez, mando
ele para o inferno que ele merece! – Para Bia ter se
zangado, era por que as coisas realmente não
estavam bem.

— Eu tenho medo...

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Era pura verdade.

Eu não tinha medo de Stephen.

Eu não tinha medo de seu rosto de anjo.

Eu não tinha medo de suas ameaças implícitas


no olhar.

Eu tinha medo por Ettore.

Eu tinha medo por que conhecia bem o fato de


que Stephen era um Cesare em versão inglesa. Eu
tinha medo por que conhecia bem o fato de que
esse era o tipo de pessoa que Ettore mais odiava.
Eu tinha medo por que ele mesmo disse que era
capaz de morrer por mim e por Amora. Que era
capaz de matar por nós duas.

Eu estava sendo temerosa por que não queria


que Ettore sujasse as mãos com o sangue dele. Não
queria que Ettore o odiasse. Por que eu nunca tinha
dado um nome ao meu monstro escondido. Nunca o
tinha deixado ver essa parte de mim
completamente.

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E se ele descobrisse assim, sei do que seria


capaz.

Eu não queria corrompê-lo outra vez enquanto


estava tendo tantos dias de paz. Enquanto estava se
sossegando. Eu não queria mais vê-lo sangrando e
ferido. Nem com o olhar tão perdido.

— Eu acho que, independente da reação de


Ettore, ele precisa saber.

— O negócio não vai ser bonito... – Falei


percebendo que minha respiração estava
desacelerando. – Está tarde, quer dormir lá em
casa? – Ofereci, já que meus disparates tinham lhe
custado além dos quarenta minutos que levaríamos
até chegar em casa.

— Eu adoraria, mas a cuidadora da nona está de


folga. Amanhã prometo que estarei lá para a
fisioterapia de Amora.

— Ela vai aguardar ansiosa, viu. Quem mandou


prometer?

— Já quebrei alguma promessa para minha


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sobrinha, hum?

Eu já estava levemente sorrindo quando


cheguei em casa. Bia estacionou diante da mansão
de Ettore e eu dei meus passos quietos enquanto
ouvi o seu – boa sorte – baixinho ecoando por
minha mente bastante tempo depois.

Girei a maçaneta da porta e entrei.

Minha mente ainda bastante preocupada em


encontrar uma forma de contar para Ettore sobre
Stephen sem que isso o fizesse querer sair de casa a
uma hora dessas para acertar as contas. Eu tinha
medo do que Ettore podia fazer para Stephen,
também tinha medo do que Stephen podia fazer
para Ettore.

A louça do jantar estava lavada, significava que


Ettore e Amora já tinham jantado e ele tinha
deixado tudo organizado para mim. Ele sempre
colocava as coisas fora de ordem na lavadora então
lavava tudo manualmente. Os pratos não ficavam
tão limpos, mas eu não ia desmerecer seu esforço.
Também tinha um prato montado para mim e

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guardado no forno, só no ponto de esquentar.

Eu sabia que tinha sido o cuidado silencioso de


Ettore que tinha feito isso. Por que não importava o
tamanho dos gestos, ele sempre estava mostrando
sua preocupação comigo e com minha filha.

Subi pelas escadas mesmo até o segundo andar,


pronta para dar uns cafunés em Amora, mesmo que
nesse horário ela estivesse dormindo. Abri a porta
do quarto devagar, deixando minha maleta ao lado
da porta e vi o carinho que Ettore tinha por Amora
mais de perto.

Amora estava dormindo na cama, coberta com


seu lençol favorito do momento. Uma colcha de
Monstros S. A. Eu ainda me espantava por Ettore
em não entender a referência e não saber do que era
chamado toda vez. Amora estava deitada na cama
com uma das toucas de Ettore na cabeça. Estava
dormindo pacificamente enquanto uma música
baixa tocava ao fundo. Usando sua máscara de
dormir de pelúcia.

Ettore estava deitado na cama auxiliar. O

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colchão ficava baixo e ele estava dormindo com o


braço apoiado no rosto. Suas roupas habituais.
Moletom e bermuda nunca pareceram tão bonitos
num homem. Seu sono tranquilo de quem tinha
sido obrigado a acordar cedo para comprar roupas
sociais para um evento ao qual não queria ir.

Andei até ele e o sacudi pelos ombros, mas o


homem estava exausto.

— Ettore, eu preciso falar com você.

Ele girou para o lado pedindo mais cinco


minutos.

Sacudi a cabeça sorrindo.

Ettore de homem só tinha o tamanho às vezes.

Desci para jantar e aproveitei para tomar um


banho de banheira depois disso. Meus medos
estavam grandes, mas eu sabia que quem me
protegia não iria se assustar com eles nem um
pouco.

Eu fiquei quieta aproveitando água morna e


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coloquei uma bomba de banho na água. Presente de


Ettore que encontrou numa lojinha qualquer. Eu
nunca mais olharia Bombas de Banho da mesma
maneira depois disso.

Minha mente tecendo mil teorias sobre tudo o


que eu iria enfrentar.

Não sei por quanto tempo fiquei no banho, mas


só sei que as lágrimas começaram a rolar e eu já
estava chorando numa poça de água cor-de-rosa
quando Ettore entrou no banheiro.

— Ei, pequena... – Ele abaixou ao meu lado na


banheira – O que aconteceu?

Sua voz rouca e baixa apenas aumentou minha


vontade de chorar. Acho que só agora eu estava
liberando toda a pressão que eu sentia e tinha que
ser só de uma vez.

— Me diz o que aconteceu, por favor. – Seu


olhar explorava minuciosamente meu rosto
enquanto eu tentava lutar contra o bolo em minha
garganta para conseguir articular as sílabas.

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Seu polegar limpava minhas lágrimas, mas elas


já estavam rolando outra vez tão logo ele as
afastava. Eu não queria ser a chorona que ficava
balançada por qualquer coisa que me atingisse,
ainda mais na frente de Ettore, eu apenas estava
completamente assustada com a possibilidade de
Stephen tentar destruir o que tinha sido construído
tão lindamente.

O olhar de Ettore era diferente sobre mim. Ele


não estava apenas preocupado, estava furioso. Não
comigo, não com meu choro, mas eu podia
perceber que seu olhar estava frio apenas por que já
queria acabar com quem quer que estivesse me
causando dor.

— Eu... Ettore...

Seu nome forte e lindo parecia com favos de


mel em minha boca. O único alívio que eu tinha
durante a dor. Por que quando articulado, fazia
minha língua deslizar no céu da boca e então bater
nos dentes numa dança linda. Dança que só
acontecia com seu nome.

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— Me escuta, pequena. – Disse pegando minha


mão e beijando os nós dos meus dedos. Ele era tão
perfeito, eu morreria se o perdesse – Me diga o que
a está afligindo. E, não importa o que seja, eu dou
um jeito.

Eu não conseguia falar ainda.

Minha voz sendo sufocada por uma angústia


sem tamanho.

— Eu fiz alguma coisa errada? – Questionou


preocupado.

O simples fato dele estar falando isso me


mostrava o quanto era altruísta. O quanto, desde
sempre, ele devia ser apenas uma pessoa boa que
precisava de amor desesperadamente. O quanto,
mesmo com seu passado de crimes, ainda podia ser
tão solitário.

Eu não estava mais sozinha no escuro.

Nem ele.

E as coisas iriam continuar assim, eu espero.


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— Eu te amo. Você não fez nada de errado.

— Ok, começamos bem. – Ele disse num tom


baixo. A boca ainda tocando nos nós dos meus
dedos enquanto seu olhar sanguinário aparecia
devagar – Me diga apenas o nome.

Eu falei o nome com toda a dor que ele ainda


me causava.

— Stephen.

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CAPÍTULO 45 | Ettore

A única coisa que consegui pensar, depois que


vi Lívia destruída daquele jeito, foi no tanto que eu
queria mandar para o inferno quem quer que tenha
sido o responsável por seu choro dorido. Fosse
quem fosse. Nem que fosse eu mesmo.

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Ainda era bastante cedo, mas eu já tinha


levantado. Lívia não conseguiu dormir direito. Não
depois de me contar as coisas que tinha padecido na
mão do ex-marido.

Muito menos eu.

Eu estava com os braços apoiados na bancada


da mesa. A cabeça baixa, os olhos fechados.
Orando com tudo o que podia, uma coisa que
Amora tinha me ensinado a fazer, para que a
vontade de matar esse homem fosse controlada. Por
que eu já tinha planejado cada meio cruel com o
qual o torturaria antes de mandá-lo para o buraco
que merece.

Deixei Lívia descansar pela manhã, já que só


conseguiu pegar no sono ao meu lado depois das
três.

A única coisa que conseguia me manter


racional era a maneira como os esforços de Amora
tentando ganhar uma partida de Super Mario eram
felizes. Minha filha estava se divertindo, eu não
poderia tirar isso dela.

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Beatriz também tinha chegado e já tínhamos


tomado café. Então ela estava ao lado de Amora
penteando o cabelo da menina antes da visita que
receberia.

Sua madrinha, Amanda, tinha vindo para a


cidade e ia levar a menina para passear por algumas
horas. Horas preciosas que tinha conseguido
encontrar na sua agenda de programadora. Amora
já tinha me falado tanto sobre a madrinha dela, que
sentia que já a conhecia de outras épocas.

A chaleira que fervia a água com a qual faria


um café para Lívia apitou e eu estava tão
concentrado em lutar contra meu instinto assassino
que eu me assustei com o barulho e acabei
xingando.

— Puta merda!

Desliguei apressado o cooktop enquanto ouvia


uma vozinha repetir o xingamento.

— Puta merda!

Olhei o rosto de Amora travesso, mas foi


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Beatriz quem falou logo em seguida. Divertida,


mas num tom de repreensão.

— Ah, pronto, Ettore! Você corrompeu minha


sobrinha.

— Isso é calunia, Bia. Viu? – Coloquei a água


no pó-de-café e fiz o café do jeito que meu pai
tinha ensinado então virei para minha menina –
Amora, filha, tem que me prometer que não vai
repetir isso na frente da sua mãe.

— Por que?

— Essa palavra é proibida. Significa ratos e


lesmas fritos no arroz. Você gosta disso? Por que se
falar isso, ninjas voadores vão vir do além e te
obrigar a comer.

— Que nojo! – Franziu a carinha deixando o


controle de lado por um momento. Bia tinha
terminado de fazer o penteado na menina e ficou
um pouco torto, já que Amora não sossegava a
cabeça.

— Pois é, eu não quero comer isso. Você quer?


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— Não.

— Então já sabe. Promessa de mindinho?

— Promessa de mindinho.

Tornei a concentrar-me no café quando vi Lívia


vindo para a cozinha. Ela parou antes apenas para
dar um beijo em Amora e outro em Bia. Então veio
até mim. Estava usando um roupão cor de rosa e
pantufas e parecia uma garota saída de um SPA.

— Eu já ia levar café para você. Conseguiu


dormir bem? – Perguntei tentando analisar seus
olhos expressivos. Eles nunca mentiam, embora
tentassem muitas vezes.

— Não muito. Dormi um pouco mais do que


costumo e a cabeça está dolorida.

— Já tomou banho? Isso pode aliviar um pouco


a tensão.

— Estava pensando em outra coisa.

— Quer sexo? – Minha mente não conseguia se


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comportar ao redor dessa mulher. Nem minha


língua. Já estava até imaginando ela na ponta da
língua. Tinha que ter outro gosto em minha boca
que não fosse o gosto amargo do seu passado. Por
que eu precisava fazê-la esquecer tudo o que
passou. Nem que fosse com a única coisa que sei
fazer bem.

— Temos visitas. – Falou ao meu ouvido


enquanto sorria tímida.

Aquele desgraçado estava travando minha


mulher outra vez.

Isso não ia acontecer, não mesmo.

Lívia me abraçou pela cintura e encostou a


cabeça em meu peito.

Beijei o alto da sua cabeça e coloquei o açúcar


mascavo no café. Apenas uma colher pequena para
não a deixar enjoada como sempre acontecia
quando tomava café com muito açúcar.

A campainha tocou e Amora praticamente


engatou a quinta marcha na cadeira-de-rodas, por
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que foi completamente apressada, deslizando no


piso de mármore, até chegar à porta.

— É a dinha Amanda!

— Deixa que eu atendo. Toma seu café. Já


voltamos.

Segui Amora antes que ela pudesse atender a


porta para qualquer um. Alcancei a maçaneta antes
dela e abri a porta. O homem do outro lado não era
nem um pouco diferente do que eu pensei. Era uma
versão morena de Cesare. Uma versão alinhada de
tudo aquilo que eu mais odiava.

— Posso ajudar? – Perguntei num tom sério.


Fechando os pulsos enquanto controlava a vontade
de expulsá-lo dali já que Amora estava ao meu
lado. E estava sorrindo ao ver o pai que lhe estendia
um urso gigante.

— Sou Stephen Mayer, o pai dessa garota linda.


Ex-marido da doutora Mayer.

— Doutora Montebello agora.

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— Claro. – O homem perguntou em seguida –


Posso entrar?

— Acho que não, hein, fera. Pode dizer o que


quer?

— Gostaria de falar com a doutora Montebello.

— Acho que isso não será possível.

Falei, mas Lívia já estava chegando até nós.


Deve ter ouvido a voz de Stephen pelo eco que o
corredor sempre fazia. O maldito não imaginava a
vontade de vazar os olhos dele que eu estava
quando o vi olhando para minha mulher.

— Ettore, só nos dê cinco minutos, por favor.


Isso vai ser rápido. – Lívia disse olhando para mim
em forma de pedido. Tudo que eu queria era que
seu roupão fosse mais comprido para ele não olhar
nem um centímetro da pele dela.

— Não, eu prefiro ficar. – Meu tom foi duro.

O que essa mulher tinha na cabeça?

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Amora estava sentindo a hostilidade e estava


um pouco receosa, abraçando seu urso gigante. Seu
rostinho encarando os três adultos que pareciam
prestes a se embolarem nos socos. Ou melhor, dois,
por que Lívia não ia sujar suas mãos com esse
verme.

Coloquei as mãos atrás das costas e dei um


passo para mais perto de Stephen que tinha
colocado um sorriso no rosto apenas para deixar a
filha encantada. Por que não enganava os dois
adultos na casa.

— Papa... – Amora chamou minha atenção


puxando pela beirada da roupa – Papai Stephen
pode ficar um pouco?

A inocência de uma criança era algo de outro


mundo mesmo. Stephen já estava me olhando com
um sorriso de vitória quando neguei o pedido de
Amora.

— Desculpa, filha. Stephen está com um pouco


de pressa.

— Na verdade, não estou...


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— Acho que está com pressa sim. – Cortei-o


antes que continuasse.

O homem foi até a filha e beijou-a no alto da


cabeça antes de erguer-se e estender um papel para
Lívia. Eu mesmo peguei o papel enquanto ainda o
encarava. Minha cabeça pedindo que ele fosse
embora antes que eu pudesse perder o controlo de
minhas ações.

Por que eu já começava a enxergar vermelho.

Respire, Ettore, Respire.

Barone, Paola, Elena.

Respire... Respire...

Lívia... Amora...

— Já deu seu recado, agora pode ir embora.

Falei apontando para a porta e escondendo


novamente as mãos atrás das costas. Uma
segurando a outra. Como numa pose de vigilante,
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apenas para que eu não perdesse o controle sobre


nenhuma das duas.

— Bom, estou de saída. Papai volta para te ver,


filha.

O homem foi embora e eu fechei a porta. Virei


para Lívia e ela ainda estava assustada com o ódio
que via em meu olhar.

— Por favor, leva minha filha para jogar com a


tia dela.

Estendi o papel para Lívia e a vi seguir para a


cozinha empurrando a cadeira de Amora. Então,
quando elas tinham se afastado. Fechei os olhos,
controlando a vontade de socar o espelho na parede
atrás do aparador. Controlando-me para não sair e
pegar o carro para ir atrás desse filho de uma
putana agora mesmo.

Infelizmente, não consegui. Peguei a chave do


carro do suporte e fui até a garagem. Eu já estava
ligando o carro, esperando o portão terminar de
abrir, quando Lívia surge na janela do carro,
batendo com toda força.
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Eu penso seriamente em não baixar o vidro e


ignorar seu chamado até quando tivesse acabado
com esse homem, mas ela insiste. E eu não quero
que chore mais por minha causa. Já bastava aquele
dia na piscina.

Deslizo o vidro e vejo seu rosto comovido. Sua


voz embargada de quem está segurando o choro
está quebrando meu peito quanto mais fala:

— Por favor, Ettore, fica... Eu não posso te


perder...

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CAPÍTULO 46 | Ettore

Desliguei o carro e soquei o volante mais vezes


do que achei possível. Minha fúria precisava se
derramar de alguma forma, então era melhor que
fosse de uma forma que não fizesse a minha
doutora chorar.

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— Por favor, Ettore... Só por favor, fique.

Seu rosto parecia coberto de uma dor que eu


não queria causar. Andei até ela e a minha fúria só
poderia ser aplacada pela luz que ela tinha jogado
em minha mente. Por que estava ficando tudo
escuro outra vez e eu não queria ficar perdido ali.

— Por favor, eu preciso de você....

Sua voz me jogava na realidade da qual eu não


queria sair agora. Minha raiva por aquele homem
era de outro mundo, mas não tinha como seguir em
frente sabendo que faria minha mulher sofrer.

— Eu sinto vontade de matá-lo agora. Só de


pensar que ele já te tocou um dia, que já a viu um
dia. Só de pensar que a machucou um dia. Eu sinto
toda a luz que a há dentro de mim morrer.

— Não, Ettore...

— Eu preciso apagar essa raiva que sinto


agora... – Foi minha vez de dizer, minha vez de
confessar que eu seria um homem muito ruim se
não conseguisse me refrear.
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— Aqui, me toma...

Minha mulher disse enquanto levava minhas


mãos até o roupão, me mostrando que estava
disposta a satisfazer minha raiva até com o próprio
corpo. Mostrando que estava disposta a qualquer
coisa para que eu não me tornasse um perdido outra
vez. Mostrando que eu poderia usar seu corpo
como depósito para minha raiva.

Eu não faria isso. Uma mulher como Lívia não


merece ser tocada dessa forma. Não merece ser
machucada por causa de um ódio que não lhe é
devido. Não merece conhecer essa parte de mim.

— Eu não posso fazer isso. – Disse puxando-a


contra meu corpo e abraçando-a. Seus braços me
trazendo para a realidade outra vez – Não posso
amá-la assim. Se eu a foder assim, não serei eu.
Não irei gostar, Lívia. Não vou mesmo gostar de
mim depois.

O rosto de Lívia estava escondido contra meu


peito. Eu sentia os pequenos tremores passando por
seu corpo. Passando por sob sua pele que me

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deixava faminto sempre que a tocava.

— Me escuta... – A fiz olhar para mim outra


vez – Eu sou capaz de te foder por um mês inteiro,
mas não vou fazer assim. Você não merece que eu
faça assim. Você é minha pequena e não serei
nunca um monstro com você.

— Só fica, por favor.

Acenei positivamente com a cabeça e seu


sorriso misturado ás lágrimas me fez sentir uma
pessoa melhor por alguns momentos. Eu não podia
ficar passeando livremente pela casa, então fui para
o quarto, me desculpando com Bia e Amora
primeiro e dizendo que estava sentindo uma dor-de-
cabeça, tentar repousar.

Quando entrei no quarto, meu sangue ainda


estava fervendo demais para simplesmente deitar e
dormir pacificamente. Minha mente ainda estava
fervendo com todas as formas que eu imaginava
quebrar os ossos de Stephen para que eu pudesse
ter paz.

Tirei a roupa e entrei no chuveiro. Sentindo a


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água levar devagar uma parte da tensão. Tensão


que o miserável maldito colocou na minha mente.
Eu ainda não tinha saído de sob a água quando
Lívia entrou no banheiro.

— Ainda está tenso? – Perguntou com a voz


baixa e eu só queria ter a porra de um superpoder
que pudesse apagar o medo que eu via em seus
olhos.

— Muito menos. Já sabe quem permitiu o


acesso dele ao condomínio?

— Só consegui pensar na minha mãe. Eu liguei


para ela há pouco e ela confirmou. Disse que
Stephen era o pai de Amora e que tinha o direito de
ver a filha.

— Que bela sogra que eu fui ter.

— Desculpe por isso.

— Você não fez nada de errado.

Lívia receou um pouco antes de falar.

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— Fale, Lívia. Não tenha medo de mim, por


favor.

A água do chuveiro ainda estava correndo


contra mim. Contra minhas costas e por meu
cabelo. Lívia devorava a visão como se fosse sua
última refeição antes da morte. Seu olhar tornando-
se quente.

— Também liguei para seu pai.

Assenti com a cabeça. Ela queria mesmo me


manter controlado.

— Disse para ele o que?

— Disse que queria se meter em problemas. O


convidei para jantar aqui e ele vai passar a noite. Eu
estava precisando de ajuda, não sabia como
conseguiria te impedir.

Deixei que a água do chuveiro cobrisse meu


rosto e acenei que sim. Ela tinha razão. Eu
precisava de toda ajuda possível para não perder
me numa fúria de tormenta.

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— Deixa eu entrar com você.

Pediu já tirando o roupão. Seu corpo se


revelando o centro de meus desejos outra vez. Cada
centímetro feito especialmente para ser devorado
por mim. E apenas por mim.

— Pedindo desse jeito também, né, Lívia?

Seu sorriso me mostrou que estava satisfeita por


saber que eu não a recusava. Que eu não lhe faria
mal. Que apenas não queria tocá-la sem que minha
atenção estivesse completamente nela.

Lívia entrou no chuveiro e entrou no espaço


entre meus braços, espalmados na parede, senti
seus seios roçando contra mim enquanto a água
tornava o seu cabelo, que tinha todas as cores do
fogo, um pouco mais escuro.

Seus olhos expressivos contando, sem guardar


nenhum segredo, todas as coisas sujas que queria
fazer. Senti sua mão envolvendo meu pau e
começando uma massagem que eu sabia no que
resultaria.

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— Por favor, me deixa fazer isso por você...

Meu olhar continuou preso ao dela enquanto me


senti crescendo em sua mão. Meu olhar continuou
focado ao dela enquanto senti-a num movimento de
vai-e-vem apertando-me na medida certa.

Rosnei baixo quando senti que iria conseguir o


que queria. Essa mulher tocava uma muito bem. Se
eu me movesse um centímetro, seria capaz de fodê-
la no chão do duche, e não sentia que eu era eu
mesmo para amá-la com a dedicação que merece.

Então continuei enxergando em seus olhos


escuros toda a luz que eu precisava. Continuei
explorando sua expressão de desejo. Observando
cada nuance do sentimento que dizia devotar a
mim.

Estava tudo lá. Exatamente tudo.

Com outro rosnado baixo e rouco gozei na sua


mão e então eu me movi para apertá-la contra a
parede. Vendo a maravilha que era ter seus seios
ainda mais apertados contra mim.

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— Você é uma peste... – Sorri e beijei sua boca.

— Sou sim, com você.

Terminamos o banho e Lívia pediu para que eu


dormisse um pouco. Depois viria me chamar.
Aceitei a oferta, qualquer coisa seria melhor do que
ficar acordado remoendo vinganças.

Só acordei perto da hora de jantar.

— Ettore, filho. – Enzo estava jantando e as


duas mulheres da minha vida o acompanhavam –
Pensei que ia dormir o dia inteiro.

— Olha, Sully, o que eu ganhei.

Amora apontou para a gaiolinha no chão.


Dentro dela tinha uma espécie de rato brincando
exaustivamente numa daquelas coisas que eles
sempre brincam.

— Eita, pai, você não tem jeito. Eu nem


conversei com a doutora.

— Eu sei. Não resisti. Quando vi esse bicho,


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sabia que tinha que trazê-lo para minha pequena


Amora.

— Está tudo bem. – Lívia disse – Amora


sempre quis um desses.

— Viu? Sou ou não sou o melhor avô do


mundo? – Perguntou arrancando risos de Amora.

Meu pai era mesmo um babão. Andei até ele,


dei dois tapinhas em sua costa e peguei um pedaço
da carne que ele tinha acabado de partir no garfo,
aguentei sua reclamação. Então dei um beijo no
alto da cabeça de Amora e um beijo na boca da
doutora, ainda mastigando a carne, antes de pegar
um prato para mim e sentar à mesa.

— Conseguiu descansar? – Lívia perguntou.

— Consegui sim.

— Que bom. Vou terminar aqui com Amora e


vou levá-la para dormir. A madrinha dela teve um
atraso no voo e só vai poder chegar aqui pela tarde.
Pela manhã vamos a um jogo.

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— Jogo é? – Perguntei

— Sim, seu pai trouxe os ingressos. Ele


comprou faz duas semanas e quis fazer uma
surpresa.

Terminamos o jantar numa conversa animada.


Meu pai contando das duas vezes em que quase me
afoguei quando menino, quando ainda tinha medo
de nadar. Me despedi de Amora e Lívia a levou
para dormir.

Eu sabia que ela tinha montado isso para que


Enzo me colocasse juízo na cabeça. Acompanhei
meu pai até o quarto de hóspedes.

— Vai ficar bem? Não vai ficar acordado até


tarde, meu velho.

— Vou sim. Não esquece que eu que sou seu


pai.

Disse me dando um tapa na nuca.

Então virou para mim e disse olhando


seriamente.
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— Não faça isso. Sei que está odiando quem


quer que tenha vindo aqui. E sei que está louco para
acabar com isso, contar para a família, qualquer
coisa, mas não faça. Está se comportando bem. Está
se comportando muito bem.

— Aquele maldito é apenas um outro Cesare.


Se há algo que merece é a morte.

— Sim, merece a porra do inferno inteiro. –


Pegou meu rosto entre as mãos. Seus cabelos
completamente brancos antes da hora são a prova
de que já passou por muito mais coisa do que me
fazia saber – Meu filho não vai mais fazer isso
nunca mais. Olha, pensa nessas duas. Elas não
merecem essa preocupação. Como vai ter coragem
de olhar para Amora e para a doutora sabendo do
que fez.

— Sou capaz de conviver com isso.

— E se algum dia a Amora perguntar o que


aconteceu ao pai dela? O que vai fazer? Vai mentir
para sua filha? Vai aguentar o olhar de medo da
mãe dela por não poder contar que seu pai postiço

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matou seu pai biológico? Pensei que tinha um


cérebro e não bosta na cabeça.

— Pai.

— Ettore, pensa, porra. Está se saindo tão bem.


Se matar esse sujeito, vai lhe dar uma morte mais
digna do que ele merece. Ele não merece morrer
por suas mãos. Não merece, porra. Não vale nem a
pena. Cuida da sua família e vê se tira essa ideia da
cabeça. Sou só velho, mas ainda sou forte e você
vai apanhar se tentar fazer qualquer besteira.

Além dos treinos, meu pai nunca tinha erguido


a mão para mim. Só Sara me dava umas chineladas
quando eu lhe deixava preocupada por chegar tarde
das festas, mas ele não.

Então isso só significava que estava realmente


preocupado.

— Vou sossegar, mas não respondo por mim se


ele fizer qualquer coisa.

— Se ele fizer qualquer coisa, eu darei meu


jeito. Agora vai dar um beijo na sua filha antes dela
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dormir. Manda ela orar por mim, por que ainda não
aprendi esse negócio de orar e acho que estou
precisando.

Me puxou e deixou um beijo na minha testa


antes de me empurrar para fora do quarto.

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CAPÍTULO 47 | Ettore

Amora estava sem dores havia bastante tempo.


Em parte, sabia que se devia aos remédios fortes
que vinha tomando enquanto os exames ficavam
prontos, mas eu não podia estar mais feliz.

Vendo-a agora, usando um chapéu de jogo, uma


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luva gigante de indicador que balançava contente.


Depois de muita luta, ela podia tomar uma
garrafinha de refrigerante. Não importava quanto
fosse, quanto custasse, eu precisava fazer essa
menina feliz.

Precisava fazer as minhas garotas felizes.

Então estava comportado. Não tinha dormido,


já que tinha cochilado praticamente um dia inteiro,
mas estava bem. A mente continuava cinzenta,
completamente quebrada. Completamente
enraivecida, mas eu conseguia me controlar. Por
elas, para elas, eu o estava fazendo.

— Vira! Vira! Vira! – Enzo estava brincando


com Amora, desafiando-a a tomar uma garrafinha
de refrigerante inteiro de uma vez.

— Ou, pai! Para de fazer a menina se encher


disso. – Ralhei, mas estava sorrindo. Minha sorte
que Lívia tinha se distraído ao ir comprar as
pipocas que a filha pediu. A garota tinha um novo
lanche favorito agora. – Se a doutora te ver
enchendo ela de açúcares vai bater em nós dois.

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— Cadê o cu de porco?

Era dessa maneira que meu pai chamava


cachorro-quente desde que assistiu um
documentário sobre veganismo que não lhe fez
mudar a forma que ainda comia porcarias.

— Pronto, outro palavrão que Amora vai


aprender.

— Que nada, ela está distraída.

Acenou com a cabeça para a menina que estava


encantada com a multidão de gente que estava indo
de um lado para outro. Com todas as cores dos
uniformes dos times nacionais.

Mal tínhamos terminado de falar, Lívia voltou


com as pipocas. Seu sorriso era contagiante.
Parecia até uma menina com o vestido que estava
usando. Era a primeira vez que a via num vestido
longo floral. Até o céu parecia ter concordado em
lhe deixar brilhar nesse dia, por que sorria
timidamente beijando sua pele alva.

— Cheguei. Não pense que me engana, Enzo.


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Vi o senhor trazendo outro refrigerante para


Amora.

— Doutora, como me diz uma coisa dessas? –


Enzo fingiu-se de ofendido enquanto não conseguia
manter a cara séria por nem mais um segundo.

— Dizendo. Tadinha da Amanda aguentando


essa menina á noite. – Então pegou nas hastes da
cadeira-de-rodas – Vou indo com a Amora para o
portão de entrada especial. Vocês vêm?

— Já vou. Papai quer um cachorro-quente. Vão


ficar bem?

— Vou sim.

— Vem filho, seu velho está com fome. – Enzo


disse e deu alguns passos.

— Vou com o senhor. Lívia está com os


ingressos.

— Que besteira, garoto. Sou criança agora?

— Eu estou indo com o senhor.


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Acenei para que Lívia fosse andando com a


menina. Já ia me virar para ir acompanhar meu pai.
Quando senti os braços dele me apertando num
abraço. Eu não tinha entendido o que acontecia,
esse homem ainda nem tinha bebido e já estava
todo meloso?

Bom, não tinha entendido o que estava


acontecendo até que todos começaram a se afastar
de nós dois, outros com um olhar assustado
sacavam seus celulares do bolso para tirar fotos.

— Merda, filho, desculpa...

A voz de Enzo era fraca. Rouca. Baixa.


Evanescente.

— Pai? – Chamei-o quando o senti começando


a amolecer nos meus braços. A multidão
desesperada e eu ainda sem entender o que estava
roubando as forças do meu pai. Seu corpo pesado
fez força para baixo e fui caindo lentamente no
chão, de joelhos, enquanto seu corpo vinha comigo.

Eu sentia meu coração morrendo. Um terço


dele.
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Amora e Lívia tinham as outras duas partes.

Deitei Enzo no chão e olhei para ele com mais


cuidado. Até notar que havia um furo na sua
camisa. Na direção do pulmão, perto do coração.
Ergui a camisa dele, a de seu time favorito, e olhei
para o buraco que só agora começava a sangrar.

— Você está ferido também... – Papai disse e


eu olhei para mim mesmo. Havia sangue na altura
da minha cintura. – Um cara, estava apontando uma
arma para você. Oh, merda... – Ele disse quando eu
enfiei o dedo no ferimento para tentar ver se tinha
atingido algum órgão interno. O que era uma
burrice de se fazer, já que seu sangramento só
podia significar hemorragia interna.

— Pai... – Minha voz era refreada, não queria


mostrar que estava com medo por que queria lhe
dar força agora que estava vendo a gravidade da
situação – Quem?

— E eu lá vou saber. – Enzo olhou para a


própria ferida sangrando profusamente e então
recostou a cabeça contra o chão. Respirando pesado
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e se desesperando de leve – Vai se esconder.

— Eu não vou deixar você.

Em meu desespero, olhei para trás. Lívia estava


protegendo a filha, como num escudo humano, e
afastando-a enquanto os policiais vinham correndo
se aproximar de mim e de meu pai.

Era tudo tão lento e calmo que nem parecia que


meu pai estava morrendo. Nem parecia que o
estava perdendo.

Tornei a olhar para seu rosto. Meu pai estava


rindo e chorando ao mesmo tempo. Meu colar
balançando, por causa do jeito que eu tinha me
curvado para puxá-lo para cima do meu colo.
Apoiando-o como se ele fosse o filho dessa vez,
não eu mais.

Minha ferida começava a arder e as pessoas


começaram a se afastar quando a polícia começou a
formar uma barreira. Alguns outros torcedores
ajudando nesse trabalho. Afastando crianças que
não poderiam ver uma cena terrível dessas.

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— Fica comigo, meu velho. Tenta aguentar


mais um pouco, já estão chamando as ambulâncias.

Era verdade, eu conseguia ouvir a porra da


polícia chamando reforço médico pelo rádio. Olhei-
os esperando que não demorasse demais. Então
olhei outra vez para o rosto do meu pai que estava
excessivamente pálido.

— Eu sabia... – Disse – Sabia que Sara não ia


me deixar colocar as mãos em nenhuma outra
mulher.

Tentou fazer piada, mas estava chorando. Ele


era o homem mais forte que eu conhecia no mundo
inteiro. Só houve uma época em que o vi chorar,
quando Sara morreu. Depois disso, não houve
momento em que demonstrasse fraqueza.

Exceto agora. Seu olhar estava ficando parado,


focado demais no céu que estava ensolarado e as
minhas próprias lágrimas caíram no rosto dele. Eu
o puxei para mais perto, impotente, apenas vendo-o
sangrar internamente até que respirar se tornasse
difícil demais.

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— Pai, olha para mim. Ora comigo. – Era a


única coisa que eu podia fazer depois que só o
Deus que Amora acreditava poderia fazer alguma
coisa.

— Senhor perdoa meus pecados... por Jesus...

A voz de meu pai era baixa demais. A


queimação por causa do ferimento que eu mesmo
tinha não era nada comparada com isso que eu
sentia agora.

— Eu estou com medo, filho.

Foi a minha vez de desabar. As lágrimas


correndo desgraçadamente por meu rosto enquanto
eu o puxava ainda mais perto. O único homem que
cumpriu com o papel de pai em minha vida. Seu
jeito torto era apenas aquilo que nos aproximava
mais.

— Não, não fique. – Passei uma das mãos no


rosto dele limpando minhas lágrimas que
banhavam até seus cabelos. O som da ambulância
do estádio já invadindo meus ouvidos devagar –
Olha para mim.
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Seu olhar nublado pousou no meu quando um


filete de sangue desceu pelo canto de sua boca.

— O senhor nunca mais vai chorar, ouviu?


Nunca mais vai ter medo. Nunca mais vai sangrar,
nunca mais, meu velho. Não tenha medo, pai.

Ecoei as palavras de força que disse para mim


quando eu era apenas um menino e foi a sua vez de
me proteger. Quando eu me tornei seu filho.

O peito de Enzo se movia devagar demais.


Acho que não tinham passado nem cinco minutos
direito, mas isso tudo era uma eternidade. Por que a
dor dentro de mim não era mais apenas de solidão e
derrota, era de uma extrema agonia.

O nível mais intenso psicologicamente para a


dor.

Por que havia um elo de verdade se rompendo.

Não importava o quanto eu vivesse, eu sempre


teria esse pedaço quebrado sacudindo dentro de
mim para sempre.
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Enzo fechou os olhos definitivamente no


segundo em que os paramédicos tentaram tirá-lo
dos meus braços. Eu ainda estava agarrado a ele
quando tentei lutar. Eu já sabia que era tarde
demais.

Um dos médicos começou a me tratar, já que eu


também estava sangrando, mas eu não conseguia
prestar atenção a nada. Somente no homem em
quem tentavam encontrar ainda alguma pulsação.

Sem sucesso.

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CAPÍTULO 48 | Lívia

A perda de Enzo estava sendo devastadora para


Ettore. Ainda lembro do jeito que seu rosto parecia
impassível depois de ouvir a notícia. Depois de
ouvir os médicos dizendo que não conseguiram
operar Enzo a tempo.

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Eu vi o homem que eu amava murchar naquele


minuto. Um homem distante ficou em seu lugar e
eu sabia que em seus pensamentos só havia
vingança. Vingança e ódio de quem quer que tenha
feito isso ao único homem que Ettore foi capaz de
amar.

Lembro de quando a campainha tocou e vi um


homem muito apessoado, usando um terno fino e
de uma aparência soturna, pedindo para falar com
Ettore.

Era Martin Madrazzo.

Ele curvou-se gentilmente ao tomar minha mão


para um cumprimento. Estávamos prontos para ir
ao velório, que aconteceria numa igreja local. Vi do
lado de fora seu carro e cerca de dezesseis homens
armados que estavam cercando o senhor Madrazzo
de proteção.

O chefão da máfia local indo prestar


solidariedade ao meu marido e dizendo que Ettore
não deveria ir ao enterro. Que não tinham atentado
somente contra a vida de um caporegime da máfia,

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esse era o cargo de Enzo, tinham atentado contra a


vida de um próprio filho dos Madrazzo, este era
Ettore.

Martin disse com todas as palavras que Ettore


não poderia sair de casa nos próximos dias, ou pelo
menos até que encontrassem um culpado.

Amanda estar vindo para a cidade foi uma


benção de Deus, por que eu ainda não tinha
encontrado as palavras corretas para explicar a
Amora tudo o que tinha acontecido. E, felizmente,
o marido dela era psicólogo e saberia lidar melhor
com os sentimentos da criança num momento como
esse. Por que eu estava tão quebrada que não teria
outra forma de lidar com a dor que sentia agora.
Nem a minha, nem a de Ettore. Então Amanda
prometeu que ficaria com minha filha nas próximas
semanas.

Madrazzo também proibiu qualquer outro


Montebello de ir ao enterro. Enzo seria enterrado
no cemitério particular dos Madrazzo ao lado da
esposa.

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Depois que ele saiu, Ettore permaneceu quieto.


Não chorava, não falava muito. Apenas permanecia
no quarto, olhando, às vezes, pela janela. Dormindo
e tentando não relembrar o que tinha vivenciado.

Faziam dois dias que não trocávamos


praticamente uma palavra. Ettore estava engolfado
em sua própria dor e tudo o que eu queria era
encontrar uma brecha para poder entrar em sua
cabeça e entender o que se passava, mas ele não as
estava dando.

Nenhuma delas.

Pelo menos até esse momento.

Depois de verificar todas as portas pelo sistema


interno de segurança, me surpreendi vendo Ettore
sentado na sala íntima da casa. Diante da lareira a
gás. O lugar preferido de Enzo na casa quando veio
nos visitar. Por que foi ali que ficou contando mil
histórias para Amora até que os olhinhos dela
estivessem tão cansados a ponto de dormir na
própria cadeirinha.

— Ettore... – Seu nome nunca tinha batido


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contra meus dentes de uma forma tão desesperada.

O olhar que me lançou ainda era distante. Sua


aparência estava levemente abatida. Ele era um
homem forte, mas havia um certo cansaço aparente
em suas olheiras. Sob sua pele dava para ver todas
as lágrimas contidas que queria derramar, mas
ainda não sabia como ou quando.

— Por favor, fala comigo. Se abre comigo.

Minha voz parecia descolada de meu corpo.


Éramos como dois estranhos. Era como se não
conhecêssemos direito e só pudéssemos conviver
na mesma casa como se aprisionados por contrato.

Como ele mesmo tinha sugerido um dia.

— Meu pai era a única pessoa que me amava,


doutora.

Disse olhando para as chamas que aqueciam o


ambiente ao nosso redor. Disse ainda incapaz de
olhar para meu rosto. As chamas lançavam faixas
de luz em seus olhos e eu tentava procurar ali uma
centelha do meu Ettore. Aquele construído devagar
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nos últimos dias.

Ele tinha desaparecido.

— Não é verdade, Ettore. Não é. – Andei até


ele e abaixei diante dele. Meus pés descalços não
fizeram barulho. Não fizeram nenhum alarme da
minha aproximação. Meus braços apoiaram-se nas
suas coxas e meus joelhos beijaram o chão de
mármore.

— Como não pode ser? – Sua voz era quebrada.

— Por que eu te amo, sabe disso. Eu te amo.


Minha filha te ama também. Minhas amigas
também te amam. Ettore, não diga isso. Não há
uma só pessoa na terra que não possa amar você.

— Suas amigas nem sabiam de minha


existência até que você entrou em minha vida,
doutora. Se não tivesse entrado em minha vida
continuaria sendo desconhecido.

— Meu Deus, por que está dizendo isso?

— É a verdade. Até assinarmos aquele maldito


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contrato, nunca nem olhou para mim. Nunca nem


mesmo se dignou a levantar os olhos para me ver
quando eu ia conversar com o Davani. Nunca nem
se preocupou em ver como eu a olhava
constantemente. Até que soubesse do dinheiro, não
se preocupou em me oferecer um simples bom dia.

— Você está sendo idiota, Ettore.

— Não, apenas comecei a refletir sobre isso


tudo. Todas as pessoas que entraram em minha vida
tinham algum interesse. O único que nunca fez isso
foi o meu pai. Você veio pelos seus vinte milhões.
Até mesmo Valéria quis voltar me jurando amor
depois que soube do dinheiro.

Levantei e olhei bem fundo nos olhos de Ettore.


Minha raiva praticamente querendo me fazer
explodir. Ele não podia estar colocando meu
sentimento no mesmo nível que qualquer um desses
outros. Eu sabia bem toda a revolução que esse
homem tinha causado dentro de mim.

Então, antes que eu pudesse pensar, eu já tinha


feito. Minha mão pareceu ter vida própria e ela se

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moveu devagar indo em direção ao seu rosto.


Espalmando-o com minha pouca força. Por que eu
nunca tinha dado um tapa em ninguém na vida.
Então ainda não sabia direito como fazer.

Ettore olhou para o lado antes de me encarar


outra vez.

— Ettore, eu te amo. Eu te amo mais do que já


amei qualquer outro homem. Você está no mesmo
patamar que a minha filha dentro do meu coração.
Por favor, nunca mais diga que te amo apenas por
causa desse dinheiro. Eu vendo aquela empresa e
deposito cada centavo aos seus pés para pagar o
que me deu, mas não repita isso novamente.

— Lívia...

— Ettore, eu não vou deixar que destrua isso


que construímos. Sei que está ferido, mas isso não
te dá o direito de falar asneiras para mim. Eu
também adorava o seu pai, mas tenho certeza que
ele te bateria dez vezes se ouvisse o que acabou de
falar para mim.

— Lívia...
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— O que? – Perguntei irritada.

— Eu te amo.

Minha irritação foi acalmando, mas eu ainda


respirava alvoroçada por causa das palavras que
tinham saído como num deslizamento. Eu não tive
controle sobre elas ou sobre minha atitude por um
momento.

— Eu também te amo... – Eu nem tinha


percebido que estava chorando. Nem tinha
percebido minha voz saindo tão devagar e tão
quebrada. Por que tudo que eu percebia, era que o
homem à minha frente tinha me afastado. Estava
sozinho no escuro. Eu não poderia deixá-lo assim.

Ettore sorriu de leve, muito de leve, apenas seus


lábios numa suave curva enquanto dizia numa voz
baixa:

— Me desculpe, eu só não estou bem.

— Eu sei... Eu sei...

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Falei desesperada e me sentei em seu colo. Uma


perna de cada lado. Eu precisava acabar com a dor
que sentia emanando dele para o ambiente.
Emanando dele para mim.

Minha boca encostou-se à dele e eu o beijei


lenta e dolorosamente. De uma forma que pudesse
mostrar que o som dos cacos quebrados dentro do
meu peito era igual ao som dos cacos quebrados
dentro do peito dele.

— Vamos acabar com esse contrato, doutora...


– Pediu contra minha boca – Fique comigo por
quem sou ou vá embora.

— Eu não vou embora. Ouviu? Eu nunca irei


embora. – Disse pegando seu rosto em minhas
mãos. Sentindo-o desarmar-se diante de mim. – Eu
nunca irei embora. Você tem a mim, Ettore.

— Eu estou louco por você, doutora. Se for me


deixar quando isso acabar, deixe-me de imediato.
Vai ser mais fácil de lidar.

— Não, seu idiota. Você me fez apaixonar não


apenas por você, mas por mim também. Eu não sou
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mais a mesma. Essa mulher que você fez florescer


só com seus cuidados não sabe fazer outra coisa da
vida que não te amar a cada maldito segundo. Será
que só tem uma maneira de te fazer acreditar que
sou sua?

Sua boca já estava em meu pescoço, prova de


que conhecia minha ideia melhor do que eu. Prova
de que quando as palavras faltavam, apenas os
corpos podiam declarar verdades ocultas.

Eu mesma terminei de tirar minha camisola


pelo alto da cabeça e tornei a olhar para Ettore. O
fogo da lareira crepitava no fundo de seu olhar
enquanto me encarava.

— Parecem chamas... Estou no meio do seu


fogo...

— Então queima comigo...

Sorriu de uma forma quebrada e deslizou os


dedos por meus cabelos, da nuca até as pontas,
depois enrolando-os em suas mãos e puxando de
leve antes de se render à minha pele outra vez. Sua
boca devorando cada pedaço de mim com vontade.
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Como ele estava apenas de roupão, foi muito


fácil nos encaixarmos. Foi muito fácil senti-lo
deslizando em mim. Me enchendo e me
provocando com a forma que sempre me fazia
viciar nessa sensação.

Soltou um gemido contra minha boca quando se


deixou vencer pelos meus movimentos. Cedendo à
vontade que tínhamos um do outro.

— Sinta, Ettore... Eu te amo... – Disse quando


nosso movimento começou a se tornar mais intenso
– Sinta, por favor. Eu te amo... Você não está só...

Sua boca procurou a minha e senti suas


lágrimas em minha língua. Foi dolorido, foi doce,
foi intenso, foi bom. Nossas almas estavam se
ligando outra vez depois de dois dias distantes. O
chacoalhar dentro do peito já era mais tranquilo.
Menos claudicante.

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CAPÍTULO 49 | Lívia

Entro no escritório com passos rápidos e duros.


Meu coração está acelerado e eu sinto como se
estivesse prestes a explodir devido à pressão a
qualquer momento. Minhas mãos estão tremendo e
eu sinto que qualquer pessoa do lado de fora
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consegue ver que estou espiralando rumo ao


inferno.

A melhor coisa sobre trabalhar com uma de


minhas melhores amigas é que ela capta meu
humor imediatamente. Mal entro no escritório. É
como uma ligação de almas que fica mais evidente
à medida que ela pega seu aparelho celular e já vem
atrás de mim.

Stephen não pode ter feito isso comigo.

Ele não pode ter feito isso.

Só de pensar nessa possibilidade, meu coração


já começa a sentir-se claustrofóbico dentro do meu
peito outra vez. Bia pegou o papel que eu estendia
para ela. Aquilo era como veneno para mim. Ela
olhou para o papel e o leu. Era como se eu tivesse
um contrato vendendo a minha própria alma.

— Como ele conseguiu isso?

— Não faço nem ideia.

— Aquele filho de uma puta! – Beatriz xingou.


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Do jeito que era calma e tímida, para xingar é


por que estava num estado de nervos do mesmo
tamanho ou maior que o meu.

— Entra em contato com o juiz Tyrone. Aquele


amigo do meu pai para quem Davani deixou o iate
da família. Vê se aquele velho gordo consegue
derrubar essa decisão por que eu vou fazê-lo em
picadinhos se não o fizer.

A pior coisa do mundo é ter o rabo-preso com


alguém. Para o azar do juiz Tyrone, ele tinha, e
muito, o rabo sujo com a Davani. Depois de enviar
uma cópia do documento para o juiz, eu só poderia
esperar qualquer que fosse sua resposta.

Stephen tinha ganhado na justiça o direito de


ver a filha outra vez. Ele tinha ganhado o direito de
fazer duas visitas de duas horas por semana.

Eu sabia que aquele imprestável não estava nem


um pouco interessado na própria filha. Tudo o que
queria era me atingir. Tudo o que queria era
perturbar minha mente. Por que esse homem não ia
me deixar em paz tão facilmente. Não ia mesmo me

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deixar viver tranquila, mesmo que já não fosse nada


para mim.

Ele era mesmo um narcisista distorcido que


tinha um senso de importância própria
completamente exagerado.

Não sei quantas horas se passaram até que a


resposta do juiz veio. Tyrone disse que tentaria
entrar em contato com um amigo da suprema corte.
Por que, por ele próprio, não tinha como derrubar
essa decisão. O juiz que a tinha emitido era seu
amigo e não queria se complicar ainda mais.

Eu o xinguei com todos os nomes que Ettore


tinha me ensinado nos quase dois meses que
estamos juntos. Pelo menos mentalmente, antes de
pedir que não pedisse mais favores à Davani ou a
mim.

Só havia uma coisa que eu poderia fazer para


tentar evitar que o estrago fosse ainda maior do que
eu esperava. Uma única coisa. Bia me consideraria
louca se eu a pedisse, mas era a única alternativa
que me sobrava depois que o desespero tinha

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enchido meus pulmões como se fossem água


durante um afogamento.

— Bia, por favor, me dê um minuto.

Eu não queria mais que minha amiga mentisse.


Não queria mais que tivesse que se preocupar com
meus problemas, por isso pedi que se afastasse. Por
que não queria colocá-la em problemas com Ettore
pelo que eu estava prestes a fazer.

Assim que teclo os números e coloco o


aparelho celular perto da orelha, ouço um único
toque. Era quase como se esse homem estivesse
esperando minha chamada. Ele estava esperando
por mim.

— Que bom que ligou, doutora Montebello. –


Falou e eu desejei que sua voz não fosse tão
miseravelmente agradável. – Estava mesmo
pensando em você.

— O que quer comigo, Stephen? O que quer


com Amora?

— Sabe que não tenho tempo de falar ao


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telefone. Vou até a Davani.

— Se vier, os seguranças não vão permitir sua


entrada, já estão avisados. O mais jovem promotor
da suprema corte da Inglaterra não vai mesmo
querer isso. – Provoquei – Vou te esperar no café
perto da empresa. Vou te mandar a localização.
Chegue em no máximo quinze minutos, não vou
esperar nada além disso.

Peguei minha bolsa e saí outra vez da empresa.

Eu não tinha almoçado, meu estomago ainda


estava embrulhado por tudo que vinha acontecendo
ultimamente e comida nenhuma parava dentro dele.
Absolutamente nenhuma.

Fui andando até o local onde esperaria Stephen.


Minha mente me acusando milhares de vezes que
isso não era correto, que eu não deveria envolver
Stephen nisso. Que eu não poderia mesmo envolver
Stephen mais ainda na minha família, ainda mais
agora, mas eu queria proteger minha filha de
alguma forma. E a única forma de fazê-lo, era
sabendo o que esse homem queria em troca.

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— Lívia...

Sua voz encheu meus ouvidos poucos minutos


depois de eu ter mandado a localização da cafeteria
onde nos encontraríamos. A famosa marca
internacional tinha bastante movimento para que
Stephen não se tornasse perigoso.

Olhei seu rosto. Deus do céu, o homem parecia


um anjo. Parecia o próprio mal encarnado, mas em
sua aparência mais suave. Se o exterior das pessoas
realmente fizesse jus ao interior, nenhuma das
mulheres que espiavam Stephen de canto de olho
iriam continuar lhe desejando.

— Como vai?

Perguntou estendendo ainda mais o sorriso.


Como eu nunca tinha notado que seus dentes
alinhados na verdade eram presas e não pérolas?

— O que quer? Por que está aqui? Foi você


quem mandou matar o meu sogro?

Falei em alto e bom tom.

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Acho que uma dúzia de cabeças de adolescentes


louras viraram em minha direção. Outra moça, uma
das que estava olhando para Stephen antes,
cochichou algo para sua amiga.

A tarde começava a ir embora lá fora.

Esse era mais um dos dias que iam para a lista


de dias cujas horas deslizaram pelas minhas mãos.

— Seu humor sempre tão peculiar. – Stephen


sorriu e as cabeças de adolescentes louras viraram
logo para seus próprios cafés cheio de cremes e
essências especiais. – O que está fazendo, Lívia?

Seu tom já era outro. Seu olhar também.

Era assim que o real Stephen era. Não esse que


quis soar polido para o público que o assistia. Esse
que me falava e cujos olhos pareciam pontas de
espadas.

— Você não vai brincar com minha família


desse jeito. Está ouvindo? – Falei imitando o jeito
sério que Ettore reclamava para os jogadores na
televisão. Eu tinha aprendido muitas coisas com
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ele, ser corajosa era uma delas – Não vai usar


minha filha como uma desculpa para se aproximar
de mim outra vez.

— Lívia, olha para você. – Disse no mesmo


tom que costumava usar comigo quando estávamos
casados – Olhou bem? Agora olha para mim. O que
a leva a pensar que tenho outro interesse além de
ver minha filha?

— Esse interesse surgiu inexplicavelmente


depois de três anos de distância? Depois de três
anos de uma luta que passei silenciosa? Por que não
foi às audiências de guarda que marcou quando
começou a brigar por causa de Amora antes de
sumir?

— Sabe que tenho esse direito, não sabe? –


Falou sem encostar as mãos na mesa. Stephen
sempre achou esses locais cheios de gente sujos
demais. – Sabe que tenho o direito de estar, para
sempre, presente na vida dessa sua família, não
sabe? Não é a única que tem contatos nesse mundo.
Se a Davani tem seus trinta, Stephen Mayer tem
seus trezentos.
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Era simplesmente perversão. Não tinha outro


motivo.

Não tinha motivo nenhum para voltar.

— Te dói tanto assim que outro homem tenha


conseguido me transformar na mulher que sempre
quis e que agora nunca vai ter?

Eu estava tremendo por dentro, mas apenas por


dentro. Por que eu estava mais do que disposta a
lutar com todas as minhas forças por esse pequeno
núcleo que se completava de todas as formas. Então
me aplaudi internamente por minha voz não ter
tremido nem um pouco.

— Você ainda me ama, Lívia.

Esse homem só podia estar louco.

— Você nem me ama, Stephen.

— Pode ser verdade. – Disse provocando, seu


sorriso pacífico mostrando um ódio contido. Deve
ser o sorriso de um caçador diante de uma presa –
O problema é que estou obcecado por essa mulher
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que está se tornando.

— Eu lamento muito por você, Stephen.

Mal fechei os lábios, meu celular toca.

É Beatriz.

Atendi alarmada enquanto do outro lado sua


voz saia baixa.

“Ettore está indo buscá-la na cafeteria”.

Levantei tentando mostrar para Stephen que


nossa conversa tinha acabado, mas ele não pareceu
estar nem um pouco a fim de encerrar a conversa.
Sua mão travou meu pulso de leve. Para qualquer
um do lado de fora, pareceria uma carícia de
apaixonados, mas eu sabia que seu toque não era
nem um pouco amigável.

— Terça-feira às seis da tarde. Vamos com


Amora ao cinema. Se quiser acompanhá-la, tudo
bem. Se não quiser, a levarei sozinho. Estará lá?

— Se não me soltar agora, vou quebrar esse


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aparelho na sua cara. Você quer isso? – Eu


realmente estava de parabéns. Talvez enxergar a
dor a que meu marido e minha filha tinham sido
submetidos tenha me feito acordar.

Stephen me soltou com um sorriso. Seus olhos


cinzentos enxergando a garota insegura dentro de
mim, mas até ela lhe desprezava agora. Já que tinha
aprendido, facilmente, o que é ser amada de
verdade.

— Até terça-feira.

Deixei uma cédula na mão de uma adolescente


enquanto pegava o copo sobre sua mesa. Eu estava
aprendendo a mentir para meu marido, isso era
muito ruim. Já que pensaria que eu tinha pegado a
bebida nesse meio tempo direto do caixa e não me
encontrado com Stephen.

Mas tudo isso era para protegê-lo. Protegê-lo do


Ettore que eu ainda via em seus olhos sempre que a
saudade do pai apertava. Do Ettore frio que ainda
suspeitava das minhas juras de amor.

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CAPÍTULO 50 | Lívia

Não era um bom momento para contar, não


mesmo. Não quando ainda via Ettore com um olhar
perdido e o cenho franzido por culpa de toda a
violência com que tinha sido furtado de seu pai.

Procurei uma oportunidade, mas ainda não a


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tinha encontrado. Especialmente quando eu tinha


que falar com alguém que também era, em parte,
responsável por esse inferno que eu estava
passando.

Minha mãe.

— Você está bem? – Ettore me perguntou com


sua voz distante. Sua voz extremamente fria de
quem ainda não confia em mim plenamente depois
de suas divagações diante da lareira.

— Sim, estou sim. – Disse tomando-o pelo


braço e fazendo-o virar na direção oposta da
cafeteria. Porventura ele não olharia Stephen
saindo.

— Desde quando gosta desses cafés cheios de


açúcares?

Ettore perguntou e respondi a primeira coisa


que me veio à mente.

— Não gosto, apenas quis dar uma


oportunidade para ele me conquistar.

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— Conseguiu?

— Não mesmo.

Disse jogando o café num container de lixo do


restaurante perto de onde Ettore tinha estacionado o
Mustang. O olhar do meu marido era cauteloso,
bastante. Sinal de que não estava acreditando nesta
versão dois ponto zero de mim mesma.

— Precisamos ir a um lugar.

— Onde? – Suas perguntas ainda eram vagas,


distantes.

Eu não gostava disso, não mesmo.

— Na casa da minha mãe. Vou pegar alguns


documentos do cofre da família e vou tentar
colocar algum juízo na cabeça dela.

— Boa sorte com isso.

Frio e distante.

Entramos no Mustang e Ettore começou a


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dirigir.

Não houve música por todo o caminho. Nos


quase quarenta e cinco minutos que levamos para
chegar à residência Davani, não trocamos muitas
palavras. Eu até tentava nadar para mais perto dele,
mas sentia sua própria maré me levando para longe
da praia que eu tentava incansavelmente alcançar.

Quando estacionamos na frente da casa, depois


dos vigilantes terem autorizado minha entrada,
retirei o cinto de segurança. Ettore não fez menção
de retirar o dele.

— Você vem comigo?

Perguntei e o vi ainda a encarar o painel sem


buscar meus olhos uma única vez.

— Prefiro ficar. Não sinto que conseguiria ser


gentil com sua mãe caso a visse. Não depois do
constrangimento com seu ex-marido ao qual ela
está nos obrigando a passar. Me obrigando a passar.

Acenei positivamente.

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Eu queria meu Ettore de volta.

Eu precisava alcançá-lo de alguma forma.

— Então me espera aqui, não vou demorar


muito.

Deixei um beijo em sua bochecha, já que a zona


dos seus lábios parecia estar restrita para mim
temporariamente, e caminhei até a entrada
principal. Eu tinha quase certeza que era por que
Ettore sentia que eu estava escondendo alguma
coisa.

Depois de usar minha chave, que eu ainda


carregava na bolsa, entrei em casa. Eu fui até o
escritório, cumprimentando as duas moças que
trabalhavam e dormiam no local. Tentei abrir o
cofre com a combinação que eu tinha na cabeça, a
mesma que já o tinha aberto milhares de vezes, mas
ele simplesmente não funcionava.

Ia tentar outra vez, mas ouvi a voz de minha


mãe entrando no escritório. Uma voz distante e fria
que não se parecia em nada com a voz da mulher
amorosa da minha infância.
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Todos se afastavam de mim. Todos. Meu pai,


meu ex-marido, ela, agora Ettore. Todos se
distanciavam de mim quando eu me tornava
complexa demais para tentarem me desvendar.

— O que está fazendo?

— Vim pegar uma parte dos meus documentos


que ainda estão no cofre. Vou precisar deles para
lutar contra Stephen na justiça. Eu ainda não os
tinha levado por que não achei que iria precisar.

— Seus documentos estão numa caixa sobre a


geladeira da cozinha.

— Tem muita coisa importante ali, mãe. Não


devia ter feito isso. Por que os pegou?

— Stephen precisava da minha ajuda.

— Stephen o que?

Minha pergunta saiu indignada, incrédula,


completamente arrasada. Completamente derrotada.
Por que percebi que eu realmente nunca teria minha
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mãe como uma aliada. Não quando estraguei seus


planos de casinha perfeitos. Não quando estraguei o
futuro que ela tinha planejado para mim quando
não segui o script.

— Ele tem o direito de ver a filha, Lívia.

— A senhora é que não tem o direito de se


meter na minha vida. Se meter na vida da minha
família. Não tinha o direito! – A indignação se
refletia em meus gestos. Sentia as pernas
ligeiramente mais trêmulas, as palmas das mãos
suadas, o olhar ferrenho e o lábio endurecido
enquanto falava.

— Tudo que estou fazendo é tentar te ajudar a


sair de sob as asas desse Montebello. Stephen
merece ser feliz. – Disse e andou. O robe de seda
longo cujas camadas caiam espalhando-se como as
espumas das ondas agitou-se com o movimento.
Minha mãe ainda era uma das mulheres mais
bonitas que já vi, além do seu jeito distante, sua
beleza estava em qualquer centímetro.

Mas uma alma podre corrompia qualquer

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formosura.

— E eu não mereço ser feliz? Minha felicidade


não importa? Nem um pouco?

— Qualquer Bataglia sabe que as mulheres da


Itália, especialmente as de famílias tradicionais,
tem que realizar certos sacrifícios pela reputação do
nome.

— Meu Deus... Está falando como uma mulher


de cinco séculos atrás. Eu nem acredito que está
dizendo realmente isso. – Então me aproximei dela
o máximo que pude. Perguntei com uma voz
partida e um coração quebrado, por que eu sabia
que era verdade – Por que se importa mais com
Stephen do que comigo? Não sou a porcaria da sua
filha?

Então minha mãe respondeu com um ar de


quem já estava carregada de nojo há tanto tempo
que só podia cuspir as palavras.

— Nunca a tive como uma filha.

Minha mãe devia se alimentar de minha dor,


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não é possível. Por que continuou a falar, ainda


mais, quando viu meu vacilo diante da fúria com
que suas palavras atingiram meu rosto.

— É uma maldita filha de ninguém. Um fruto


de uma obrigação que eu tinha que cumprir com
seu pai. Por que ele era um infeliz que não aceitava
minha falta de desejo de ter filhos. Fruto de uma
noite que não quis.

— Eu sou fruto de um estupro?

Minha voz não podia estar mais quebrada, meu


olhar parado quase sem ânimo. Minhas mãos
sacudindo de leve por que o abalo era forte demais
para meu corpo conter.

— Você só deu a sorte de resistir a uma


tentativa de aborto.

Era demais. Era demais para eu assimilar.

Por que, até certo ponto, eu idolatrava meu pai.


Achei que minha mãe fosse amarga assim por
causa dele, mas agora percebia que eu também era
culpada.
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Triste realização. Eu era como Ettore.

Uma filha de ninguém. Uma pessoa desprezada.

— Não te considerei mais minha filha a partir


do momento que casou com esse maldito, mas,
talvez, tenha sido o certo a fazer. Por que os dois
são rejeitados e devem se entender melhor do que
ninguém. – Minha mãe se aproximou e falou
alimentando-se de minha dor, por que seu olhar
carregado de ódio sorvia todas as minhas emoções
– Pegue seus documentos e saia de minha casa.
Estou fazendo tudo o que posso para fazer valer
meu direito como esposa de Danielle. Então não se
surpreenda comigo quando meu nome surgir outra
vez.

— Então é assim? Então me odeia? – Minha


voz tinha readquirido as emoções das quais tinha se
despido. Se minha mãe queria ser ruim comigo,
então eu devia ser ruim com ela também. Já tinha
passado da hora de dar um fim aos seus abusos –
Então acho que vai me odiar ainda mais. Acabou
ajuda. Acabou dinheiro saindo do meu bolso para
sustentar seu estoque de água de Evian, para
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sustentar seu cabeleireiro particular, suas viagens e


seus gostos caros. Acabou.

— Não me provoque.

— Claro que provoco. Já fui idiota por tempo


demais sempre lhe dispensando o dinheiro que
deveria ir para o tratamento de minha filha.
Aturando seu desprezo para com Amora em todo o
tempo que vivemos aqui. Não me permitindo nem
mesmo comprar um móvel infantil para não destoar
da decoração da casa.

Respirei fundo antes de continuar.

— Sempre esteve nos expulsando,


silenciosamente. Percebo isso agora. – Andei
indignada de um lado para outro. Apenas as
paredes eram testemunhas de toda a dor que eu
sentia agora – Agora sou eu quem a está
expulsando de minha vida. Chega se ser uma
criança, chega de implorar por atenção. Chega de
dinheiro, chega da minha ajuda. Sugiro que comece
a vender seus carros, por que não vou mais pagar
suas contas.

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— Tenho sessenta por cento da Davani.

— E eu tenho todos os advogados do conselho


nas minhas mãos.

— Não quero brigar, mas se não há alternativas,


- Sorriu um riso quase feliz que me lembrou dos
que me devotava quando eu era menina – eu tenho
minhas armas.

— Se quer acabar sua vida assim, não posso


fazer nada. Eu não queria mesmo que fosse
inimiga, - Olhei seu rosto – agora não sei se algum
dia foi outra coisa.

Saí do escritório e fui até a cozinha.

Só de pensar que qualquer um teve acesso aos


meus documentos mais importantes, meu peito
vacilava. Voltei ao carro e guardei minhas coisas
no meu colo. A caixa era pequena. Por todo o
caminho de volta, não havia apenas um, mas dois
silêncios carregados de ressentimentos.

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capítulo 51 | Etttore

Pleno sábado de manhã. Já que o jantar de


Lucca tinha sido cancelado por tempo
indeterminado, devido à perda de Enzo, que para
ele também foi como um tutor, decidi que era hora
de pegar na academia do meu pai, na casa também,
tudo aquilo que ainda me interessaria como
lembrança dele.

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Eu pensei que estaria sozinho em casa, mas


quando me levantei, surpreendi-me ao ver que
Lívia estava em casa. Ela estava definitivamente
tentando me manter longe de problemas.

O problema é que eu não sou burro o suficiente


para não saber que há algo de errado com ela.
Conheço a mulher que divide a cama comigo. Seus
olhos expressivos não escondem nada de mim,
mesmo quando ela quer.

Foi assim que soube que estava me desejando


desde a cadeia.

Foi assim que soube que tinha se apaixonado


por mim, embora duvidasse.

Foi assim que senti que estava de segredos para


meu lado outra vez quando fui buscá-la no trabalho.

— Acordou tarde hoje.

— Estava bastante cansado.

Respondi. Era verdade e não era. Eu ainda


estava me sentindo entorpecido depois de tudo que
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tinha acontecido ao meu pai. Também não


conseguia encontrar uma posição confortável para
dormir na cama. Uma que não fizesse doer os
pontos que recebi na altura da cintura depois do tiro
que levei.

Tiro que só não foi pior por que meu pai se


colocou na frente para me defender. Por que ele
perdeu sua vida tentando salvar a minha. E aquele
seu abraço, de completa entrega pelo filho, me
livrou do disparo que seria fatal.

Estavam atrás de mim.

Os Madrazzo tinham mandado-me ficar quieto


em casa, mas eu não conseguia permanecer quieto
quando meus pensamentos estavam tão agitados.

Lívia colocou um suco num copo e me


entregou. Tinha feito bolo de queijo para
acompanhar. Eu comi, embora para um italiano seja
praticamente uma blasfêmia comer coisas salgadas
no café-da-manhã.

Terminei de comer e levantei para pegar minhas


chaves no aparador. Lívia me seguiu. Seu pé
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calçado com uma sandália fina batendo contra o


chão, apressadamente, tentando alcançar meu
passo. Um vestido curto que não a protegeria do
frio do lado de fora coberto apenas por uma espécie
de casaco leve.

— Aonde vai, Ettore?

— À academia de Enzo, por que?

— Posso ir com você?

Perguntou e fiz que sim com a cabeça. Não


podia deixá-la sozinha em casa, não quando sabia
que não teria paz de espírito. Quando sabia que
ficaria sozinha em casa conjecturando milhares de
formas de me esconder mais as coisas.

— Vai ter que me ajudar a carregar caixas.

Sorri de leve e seu sorriso de resposta aliviou


um pouco a tensão que eu carregava sobre meus
ombros. A preocupação por elas terem presenciado
uma perda horrível. Graças aos céus Amora não
tinha visto, pois da posição que estava, de costas
para nós, não teria como ter visto o incidente.
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— Tudo bem. Só quero ficar perto de você.

Ativei o alarme da casa e seguimos rumo a


academia. Desta vez coloquei música. Uma das
músicas favoritas do meu pai. Sons de relaxamento
com flauta chilena. Enzo tinha um gosto muito
peculiar.

Quando chegamos na academia, abri a porta


que estava apenas encostada e entramos. Não tinha
ninguém mais no local. Era como se eu estivesse
entrando dentro de minha cabeça. O local estava
soturno, quieto, como se uma fina camada de
poeira levantada pela dor tivesse coberto tudo.

— Quer me esperar aqui ou vem comigo?

Perguntei ainda com as mãos nos bolsos. Estava


sendo difícil encarar as lembranças sozinho, eu
precisava de ajuda. Precisava realmente de sua
ajuda.

Lívia deu de ombros e entrou comigo no


escritório do meu pai. Seu jeito de quem ainda não
está totalmente à vontade ao meu redor me
arrepiando os pelos da nuca. Por que eu estava
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vendo-a pensar que conseguia mentir para mim


tranquilamente.

Olhei os quadros nas paredes. Gigantes cópias


aumentadas de retratos de meu pai no auge da
carreira. Pouco antes de ser contratado pelos
Madrazzo como cão-de-briga. Ele era o Toretto
original, eu tinha sido apenas a sua cria e herdei seu
nome.

— Martin falou algo sobre seu pai ser um capo.


Eu passei um tempo pesquisando, ele não pode ser
o dom propriamente dito. Não é possível.

— Não, ele não era o dom. – Disse sentando na


cadeira do meu pai e abrindo a gaveta para pegar
suas fotos de família que ele sempre deixava ali.
Meu pai tinha suspeitas de que poderia ter a sua
casa incendiada algum dia e tinha-as sempre num
lugar seguro.

Neste caso, a própria academia onde se reunia


antes de um trabalho.

— Meu pai era um caporegime. Uma espécie de


chefe familiar. Ele era responsável por realizar
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trabalhos de cobrança de impostos, agenciar rinhas


de briga, cumprir pequenos trabalhos de apagão.

Falei bastante por alto. Não queria lhe contar


tudo. Enzo tinha sido um assassino frio por muito
tempo, até que passou de soldado a caporegime.

— E você? – Lívia perguntou para mim com


um ar inquieto.

Sei que ela queria saber sobre meu passado. Ela


já devia ter ideia do que eu estava envolvido, mas
queria mais. Queria mais respostas.

— Só uma vez presenciei a execução de um


homem. O desgraçado que violentou minha irmã.
Depois disso, não mais. Nunca achei alguém que
valesse a pena morrer. Até agora.

— Meu Deus...

— Desculpe assustá-la assim.

— Então Paola...

— Sim, Paola. Agora ela não precisa mais ter


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medo.

Lívia olhou para as próprias mãos. Então olhou-


me outra vez. Ela tinha medo, eu podia perceber.
Mas eu já não era aquele Ettore. Elas tinham me
mudado demais, Lívia e Amora, eu não conseguia
mais pensar em fazer qualquer trabalho sujo que as
prejudicasse.

Além disso, meu pai foi o responsável por não


me permitir entrar mais fundo nessa vida de crimes.
Era ele quem acabava com minhas brigas quando
eu já estava extrapolando limites.

— Nem você, doutora Montebello. – Eu disse –


Não precisa ter medo de mim. Enzo nunca me
deixou ser um soldado da máfia. Deixou-me
sempre como um associado, embora a minha
cidadania italiana me permitisse subir no cargo.
Nunca deixou que eu me filiasse totalmente. Se os
Madrazzo foram a nossa casa, foi por causa do meu
pai, não por mim.

— O que eles querem, Ettore?

— Sei que não irão descansar até descobrir


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quem fez isso. Quem atentou contra meu pai dessa


forma.

Seu olhar estava ligeiramente menos


angustiado. Eu queria poder entrar em sua mente
para descobrir o que via quando me olhava. Se via
o homem frio que determinou a morte do homem
que apagou a vida dos olhos da sua irmã, ou se via
um homem que tentou fazer justiça com as próprias
mãos.

— Me diga o que está pensando.

Pedi e andei até ela. Minha doutora olhou para


o outro lado. Pois ainda estava receosa demais em
ser verdadeira comigo, eu podia ver. Seu jeito
endurecido pelo que acabara de ouvir foi se
desarmando aos pouquinhos quando viu o porta-
retratos em que meu pai estava sorrindo ao lado da
Neta.

— Quando isso aconteceu? – Perguntou com os


olhos enchendo de água.

— Meu pai era louco por essa menina, Lívia. –


Falei sorrindo de leve para a foto e pegando-a para
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lhe entregar – Eu acho que ainda deve ter umas


duzentas fotos deles usando perucas coloridas para
revelar.

— Vou sentir a falta dele. – A doutora


Montebello disse e olhou para mim com um ar de
quem está cansada de esconder as cartas que
deveriam estar na mesa há muito tempo.

— Eu também. Acredite em mim. E estou


esperando a primeira oportunidade que surgir para
poder me despedir dele direito. Por que ele merece
todas as honrarias que existem.

— Você o amava, não é mesmo?

— Mais que tudo nessa vida.

Disse olhando para o homem que tinha pena de


me bater, mas que me delatou para Sara quando
não quis terminar a faculdade de educação física.
Sara me deu cinco golpes de palmatória doloridos,
na bunda, e não voltei para buscar outros até me
formar.

— Me desculpe por estar sendo um idiota. –


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Disse olhando seus olhos marrons adquirirem um


novo frescor. Puta que o pariu! A doutora
Montebello tinha nos olhos a minha nova cor
favorita. – Mas quero que seja honesta comigo.
Não vou brigar, mas preciso saber algo.

— Claro... – Disse ligeiramente receosa, talvez


não percebendo o quanto que o meu dia tinha
melhorado agora que navegava na terra após chuva
que era o olhar dela.

— Tem alguma coisa para me contar?

A doutora Montebello inclinou um pouco o


rosto para baixo, olhou os próprios pés, então
tornou a olhar para mim. Observei seu rosto
decidido a me contar a verdade, fosse qual fosse.

— Eu estou escondendo algo de você, Ettore.

— Me conte agora.

— Ontem discuti com minha mãe. Acho que


não teremos mais nenhum relacionamento. Foi ela
quem permitiu o acesso de Stephen a nossa casa,
ela está do lado dele.
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— Ela sabe do que esse homem te fez?

— Eu nunca contei. Ela nunca me deu abertura.

— Muito bem, obrigado por ser honesta


comigo. – Eu disse e puxei os nós dos dedos dela
para minha boca. Beijei-os enquanto ainda a
encarava esperando que me contasse tudo. Por que
eu via na forma que chacoalhava de leve a perna
que ainda estava se sentindo perturbada. – E o que
mais está escondendo?

— Ontem me encontrei com Stephen. Ele


conseguiu na justiça o direito de visitar Amora
mais vezes. Duas vezes na semana. A primeira
visita é na terça-feira.

— Aquele homem não entra na minha casa.

— Eu sei... – Ela deve ter percebido o ódio


velado em minha voz.

— Onde pretendia ir?

— Ao cinema. Eu pretendo ir ainda. Não quero


envolver Amora em mais tensão. Ela não
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entenderia. Já está passando por tanta coisa.

Soltei-a e guardei numa caixa os papeis da


gaveta de Enzo, algumas fotos, alguns dos prêmios
da prateleira. Eu colocaria tudo numa estante em
casa.

— Eu vou com vocês.

— Você não pode. – Disse olhando para mim


depois de se aproximar - Ele avisaria ao juiz e
poderia conseguir algo com isso.

— Eu vou estar lá. – Reafirmei minha posição.


– Por falar nisso, vou dar este lugar para Valéria e o
namorado dela cuidarem. A casa de Enzo vai ser
doada para a instituição de Lucca.

— Acho uma boa ideia.

— Que bom, pode cuidar da documentação


para mim? Sou péssimo nisso.

— Claro que sim. – Deu-me um sorriso tímido.

— Vou te pedir uma coisa, Lívia Bataglia


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Davani Montebello.

— Pode pedir.

— Nunca mais esconda as coisas de mim, pode


ser?

Lívia não respondeu. Apenas acenou


positivamente.

Eu estava tentando me controlar o máximo


possível, já que estava sendo praticamente
impossível sossegar ao saber que Stephen estava
voltando para a convivência da minha filha. Se ele
achava que podia brincar com a minha cara, estava
muito enganado.

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CAPÍTULO 52 | Lívia

O jantar beneficente de Lucca aconteceria no


cair da tarde. Eu já tinha me vestido, colocado uma
saia lápis num tom de rosa, um brinco pouco
chamativo, uma blusa com decote canoa que
revelava mais de meu colo do que eu achava
necessário, mas que arrematava bem o conjunto.
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Calcei os sapatos no mesmo tom da saia e peguei


minha clutch num tom parecido.

“Estamos esperando por vocês”.

Recebi a mensagem de Ingrid no celular. Uma


foto dela e de Beatriz com suas roupas alinhadas
para o evento beneficente. O sorriso no rosto das
duas poderia ser mais maravilhoso se eu não as
estivesse enchendo de problemas os quais não
precisavam estar passando.

Ettore estava me esperando na sala com um


conjunto de terno de caimento impecável, exceto
pela parte dos braços, ligeiramente apertado onde
os músculos eram mais proeminentes.

— Não colocou a gravata?

Pedi sem disfarçar a maneira como meu olhar


analisou-o por inteiro. Como se estivesse
dedilhando as cordas de um instrumento e
arrancando música. Por que Ettore era música,
poesia, era uma melodia linda de ouvir e ver.

— Não consegui colocar essa merda. – Disse


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sacudindo a gravata na mão. Deve ter percebido


meu olhar em seu corpo, por que seu sorriso era
ligeiramente mais entregue.

Sorri e me aproximei, já prestes a passar a


gravata por seu pescoço para ajustá-la, quando seu
olhar demorou em minha boca, meu colo, meus
seios, e já estava criando toques mais quentes.

— Você nunca colocou uma gravata antes?

— Apenas as que já tem o nó pronto. – Encarei


seu olhar e vi tantas promessas e juras de amor que
ainda seriam cumpridas que tive medo de sua
intensidade por um tempo – Tem como não usar
essa porra?

— Claro que tem. Não é como se houvesse uma


polícia fashion que fosse prendê-lo por causa disso.
– Eu disse encarando sua boca e então seus olhos
azul-centaurea quase que completamente
enegrecidos – Precisamos ir. Estamos atrasados.

Eu estava praticamente implorando que Ettore


me pegasse pela cintura, como suas mãos grandes
sempre faziam, e me fodesse no sofá da sala ou no
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chão. Não me importava. Eu queria apenas


qualquer coisa que me fizesse sentir que não estava
tão distante e frio de mim.

Ettore me pegou pela mão e fomos até a


garagem. Entramos no Cadillac que tinha sido
alugado especialmente para a ocasião. O motorista
dirigiria por apenas alguns metros, menos de duas
centenas de metros, mas era algo que a etiqueta
mandava.

Eu podia ver seu receio estampado em seu


rosto.

Apenas uma semana tinha se passado desde a


perda de Enzo. Eu tinha lhe escondido segredos
preciosos que fizeram que sua confiança em mim
ficasse abalada. Eu tinha sido parcialmente
responsável por quase tudo o que acontecia nesse
momento, tinha ciência disso, mas era como se
tivesse entrado num conjunto de cavernas, no
escuro, e não conseguisse encontrar a saída de lá.

Por que a luz não estava comigo agora.

Quando fomos para o quintal da casa de Lucca,


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onde acontecia o evento, Ettore já estava


completamente contido. Dava para ver, pela forma
que sua respiração estava pesada, que não queria
estar ali, embora fizesse um sacrifício por seu
amigo.

Ettore não participou do leilão, já que tinha


feito a doação da casa e de uma quantia em
dinheiro antecipadamente. Afirmando que se
alguém realmente quisesse ajudar, faria da mesma
forma, por que se esperasse para lancear durante o
jantar, estaria apenas trazendo os holofotes para
cima de si mesmo.

O jantar foi igualmente tedioso.

Eu queria meu Ettore de volta.

Esse homem não era ele, não era mesmo.

Eu estava sendo egoísta pedindo que me


sorrisse depois de toda a dor pela qual estava
passando, mas eu precisava de seus sorrisos para
sentir que era realmente amada.

O comportamento de Ettore estava sendo


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impecável. Ele conseguia até mesmo sorrir para


alguns convidados. Eu tinha notado que estes
também lhe sorriam de volta como se já o
conhecessem.

— Me dá um minuto.

Ettore pediu e caminhou até os músicos da


orquestra que Lucca tinha contratado. Deve ter
pedido algo para eles, por que depois de menos de
trinta segundos de trocas de palavras, eles
começaram a tocar uma versão mais clássica de
Free Fallin, do John Mayer.

Um pequeno sorriso de esperança invadiu meu


rosto quando Ettore veio em minha direção. Ele me
estendeu a mão e pediu com um olhar quente sobre
mim.

— Vem dançar comigo.

Não era exatamente um pedido, mas uma


ordem. Estendi minha mão para ele e o acompanhei
até o deque de vidro que tinha sido improvisado ao
lado da piscina da casa de Lucca. Além de nós dois,
já havia mais outros três casais dançando ali.
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Quando paramos sobre o deque de estrutura


sólida, eu sorri para Ettore enquanto o provocava:

— Você não sabe dançar!

Meu peito se aqueceu com o sorriso que me deu


de volta. Era quase como se tivesse percebido a
distância que tinha sido colocada entre nós e tivesse
readquirido os toques de vida que seu pai tinha
levado quando partiu.

— Não me conhece, doutora... – Disse tomando


uma de minhas mãos com delicadeza enquanto a
outra me puxou para perto de seu corpo. O sorriso
convencido não deixando seu rosto quando
começou a me conduzir tranquilamente. – Ainda há
tanto a descobrir.

— Então me conta. Sem mais segredos, Ettore.

Eu estava me saindo bastante hipócrita, mas era


hora de colocar as coisas em pratos limpos. Eu não
aguentava mais sentir meu marido distante, nem eu
mesma distante dele.

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— Por que odeia esse tipo de eventos?

— Por que meu pai me obrigava a ir a eventos


iguais a este. Se errássemos qualquer coisa do
estrito código de comportamento que ele nos
obrigava a cumprir, pagávamos. Então eu tenho
certo trauma enraizado destas situações.

— Um bom motivo para ter trauma. Meu pai


achava que seu pai era uma pessoa boa. Até pouco
antes de morrer.

— Isso por que eram farinha do mesmo saco. –


Ettore disse enquanto seus passos ainda me
conduziam facilmente. Sua postura estava a de um
completo lorde. O refinamento que ele tentava
esconder a todo custo se mostrando facilmente –
Meu pai não prestava, doutora Montebello. Nem
um pouco. Sua raiva dos filhos aumentava quanto
mais atenção a nossa mãe nos dava. Ele tinha
ciúmes dos próprios filhos. De qualquer um que
respirasse perto de Tessália.

— Sua mãe aguentava isso...

— Ela não teve a mesma coragem que você


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teve, doutora. Além disso, meu pai já tinha


incorporado todo o patrimônio dela nas empresas
da família. Eu só fui entender isso mais tarde.
Então ela não tinha como fugir de imediato. – Disse
enquanto me fazia girar e voltar para seu braço –
Sua submissão a Cesare deve ser o motivo de
estarmos vivos.

— Seu pai parece um pesadelo. Um monstro


terrível.

— Era um ser humano dos infernos.

— Parece até que simpatizava com Hitler.

— Ele simpatizava mesmo.

Arregalei os olhos com a informação. Justo


quando eu pensava que tudo o que eu já sabia sobre
Cesare não podia ficar pior.

— Não pode ser verdade.

— Infelizmente é. Eu não tive uma infância


fácil, doutora Montebello. – A voz de Ettore era
quente e seu olhar deslizou para o contorno
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marmóreo dos meus seios antes de continuar – Até


conhecer você, mesmo que me dê bastante trabalho,
eu não sabia se um dia seria capaz de sentir por
alguém o que sinto por você. Eu não era querido,
doutora, e isso fica marcado em sua mente. Fixo em
todas as suas relações.

— Agora eu sei, Ettore. – Disse confessando


que minha vida também não era um conto de fadas,
embora me considerassem uma princesa – Minha
mãe me disse coisas horríveis quando estive lá.
Coisas que jamais esperei ouvir. Eu agora sei o que
sentiu a vida inteira.

— Estou aqui com você. Deixa sua mãe para


lá... – Pensou um pouco e completou – Espero não
estar sendo um marido terrível por dizer isso, mas
sua mãe tem que sofrer um pouco para dar valor à
filha que tem. Olha para mim, – pediu quando eu
desviei o olhar – sou seu marido e amo a mulher
que é. Amo cada parte sua, até mesmo as
quebradas. Até mesmo as que me esconde com
dificuldade.

— Eu te amo, Ettore.
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— Eu vou te amar por dez vidas enquanto eu


existir.

Ettore já tinha me falado sobre essa frase. A


promessa que tinha sido feita por Enzo no altar.
Uma promessa que cumpriu piamente até seu
último momento. Ouvi-lo dizer isso para mim era
como estar no paraíso. A orquestra tocando Free
Fallin eram os anjos cantando.

Ettore fez um giro suave esticando meu braço


para longe e quando meu corpo bateu contra o dele
outra vez, suas mãos não se comportaram mais e
apertaram minha cintura, descendo de leve para
meu quadril e – muito suavemente – apertaram
minha bunda.

— Também prometo amar essa bunda todos os


dias da minha vida.

— Você não consegue, não é? Ettore safado


sempre tem que aparecer. – Meu sorriso era
verdadeiro e completo com uma fina camada de
lágrimas.

— Ah, doutora, eu sei ser cavalheiro. –


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Aproximou-se de mim e mordiscou de leve o meu


lóbulo da orelha sussurrando em seguida – mas
gosto mesmo é de ser cafajeste.

Eu ainda estava sorrindo quando fomos


molhados por alguém que tinha sido jogado na
piscina com força. Olhamos para a cena e meu
coração acelerou quando vi Ingrid tentando afogar
a sócia de Lucca na água enfeitada por um jogo de
luzes.

— Meu Deus! Alguém separa elas, Ingrid vai


matá-la!

Ettore sorria da cena como se não tivesse outra


coisa melhor para fazer. Meu Ettore, ele estava
voltando.

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CAPÍTULO 53 | Ettore

Amanda ligou desde cedo e disse que estava


trazendo Amora depois dos dias que passou longe.
Meu coração estava inquieto de saudade e eu só
conseguia pensar na falta que tinha sentido da
minha filha. A casa parecia ter menos vida quando
não estava por perto.
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Quando a campainha tocou, já sabia que era ela.


Eu tinha deixado a autorização com os seguranças,
disse que não deveriam prender a Braunability de
Lívia por muito tempo do lado de fora do
condomínio.

Abri a porta e Amora me sorriu quieta. O


cabelo dela estava ligeiramente mais curto, tinha
sido um favor que a mãe pediu, já que somente
Amanda e Ingrid tinham autorização de cortar o
cabelo de Amora. Já que Ingrid estava viajando por
conta dos patrocinadores dela, Amanda tinha
cumprido essa tarefa.

— Queria ficar com minha filha, não é,


Amanda? – Eu disse dando um beijo em cada
bochecha da madrinha de Amora e dando espaço
para que ela entrasse.

Sacudi a mão do esposo dela e fiz sinal para


que entrasse também. Então dei um beijo no alto da
cabeça de Amora perguntando:

— Então, princesa, o que você aprontou?

Amora estava ligeiramente mais quieta. Dava


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para ver que a notícia da morte do meu pai ainda


não tinha assentado direito em sua cabecinha. Nem
sei se algum dia assentaria. Eu sabia que ela
sentiria falta do avô que lhe enchia de doces, assim
como eu, mas eu faria todo o possível para evitar
que sentisse dor. Era minha obrigação defender as
duas garotas.

— Meu hamster fugiu.

Disse com um ar peralta, mas pesaroso.

— Que pena, deve ter ido encontrar a tribo do


Hantaro. – Tentei usar a melhor desculpa possível
usando um de seus desenhos antigos favoritos – Ele
não parecia mesmo gostar demais daquela gaiola,
sempre sonhou em morar em apartamento.

Amora riu de leve. O que era bom. Já bastava


de dores em sua vida.

Levantei-me e então virei outra vez para casal.


Amanda e Sebastian estavam sorrindo da minha
interação. Ofereci:

— Vão ficar para o almoço? Sebastian, eu


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deixei um pedaço de lombo defumando desde bem


cedo. O negócio está desfazendo de tão macio.

O homem sorriu, seu italiano não era tão bom,


então usei a língua espanhola para falar com ele.
Assim como meus irmãos, fui educado em diversas
línguas. Apenas não saia divulgando por aí.

Fui empurrando a cadeirinha de Amora até a


área da piscina onde a mãe dela nos esperava.
Estava há alguns minutos ornamentando uma mesa
com frutas diversas, preparando a recepção para o
almoço com os padrinhos.

— Amanda, que bom te ver. – Disse para a


jovem mulher. Um sorriso se acendendo no rosto
de Lívia ao ver a amiga – Espero que essa menina
não tenha dado muito trabalho. – Abraçou-a e então
deu vários beijos em Amora.

— Só no primeiro dia. Depois foi tranquilo.

Trocaram um olhar cumplice de quem sabe que


as coisas não foram fáceis, mas que estavam
andando devagar para um desfecho menos terrível.

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Almoçamos e jogamos conversa fora. Amora


ficou cansada, por que tinha acordado cedo para a
viagem, pediu para que eu a pusesse para dormir.
Não tinha como dizer não para uma menina dessas.

Deixei que se despedisse da madrinha e vi


quando Sebastian veio até mim. Seu jeito de
psicólogo sendo colocado em prática. Barone tinha
mais familiaridade com eles do que eu, mas não
quer dizer que eu não tenha passado por uns
terapeutas a mando de Sara. Só era endurecido
demais para aplicar os conselhos deles à minha
vida.

— E você? Como está, Ettore? – Sua voz


tranquila tinha o mesmo tom que Sara usava
quando queria que eu não lhe guardasse nenhum
segredo – Como está lidando com isso tudo?

— Estou levando. – Disse tomando um gole de


refrigerante direto da garrafa – Vou estar melhor
em algum tempo.

— Vou deixar meu cartão no escritório antes de


sair. Se precisar de qualquer ajuda, pode entrar em

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contato comigo. Sabe que Amanda e eu o


consideramos como se fosse da família.

— Também te considero como da família.


Qualquer um que é amigo da minha princesa é meu
amigo também.

Fugi do assunto da conversa. Não queria que o


clima ficasse pesado demais agora. Não era fácil
para mim confiar em alguém. Todos os adultos que
tinham passado por minha vida, antes de Enzo e
Sara, tinham sido, de alguma forma, escorregadios.
Nunca me permitindo passar muito tempo
confiando. Então eu não iria me abrir assim com
esse homem tão de repente. Por melhores que
fossem suas intenções.

Eu precisava de ajuda, é verdade, mas ainda


tinha muita sede de sangue dentro de mim para que
eu deixasse ir meu rancor tão facilmente.

— Vou esperar seu contato.

Apenas acenei positivamente antes que ele se


abaixasse para dar um beijo na minha filha que
vinha em nossa direção.
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— Estou cansada, Sully. – Amora disse


coçando os olhinhos.

— Doutora, - Chamei a atenção de Lívia – vou


levar Amora para escovar os dentes e colocar ela
para dormir.

— Está bem, já subo em um minuto.

Acenei para Amanda enquanto entrava na casa.


Acessamos o elevador e logo estávamos no andar
superior. Passando pela sala onde estavam os
materiais da fisioterapia, finalmente, entrando no
seu quarto. Levei-a até o banheiro, deixei que
escovasse os dentes enquanto eu afofava a cama.
Só voltei com ela ao banheiro para lavar seu rosto
que ainda estava sujo de creme dental.

Amora subiu na cama sozinha, já que a altura


era apropriada, e eu apenas a cobri com os lençóis
antes de pegar uma garrafa de água do frigobar em
seu quarto e fazê-la beber um pouco.

— Conta a história do Regiscley.

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Pediu e eu sorri um pouco antes de deitar ao seu


lado. Sua cabecinha apoiada ao meu braço
enquanto eu gesticulava com a mão livre cada traço
da história. A outra fazendo cafuné na sua cabeça.

Quando Lívia entrou no quarto, pegou-a a


ponto de cochilar. Ela sentou-se na beirada da cama
e começou a massagear os pezinhos de amora com
um pouco de loção. O que sempre fazia para a
menina dormir mais rápido.

— Vou sentir falta do vovô Enzo.

Disse e eu pude notar as lágrimas contidas em


sua vozinha.

— Eu também vou, princesa.

— Você chorou?

— Chorei sim.

— Ainda sente vontade de chorar? – Perguntou


abrindo os olhinhos para mim outra vez.

— Bastante.
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— Está tudo bem chorar. Tio Sebastian disse


que é uma forma de saudade. E que isso faz o vô
Enzo saber que é amado no céu.

Eu apenas sorri-lhe de leve e funguei a angustia


que apertou minha garganta. Não era possível que
eu estivesse levando lições de como lidar com o
luto de uma criança. Eu era quem devia estar
fazendo isso, acalentando-a e dizendo que tudo
ficaria bem, mas era o contrário que acontecia.

Esperei que dormisse e deixei-a na cama.


Deixamos o quarto numa temperatura agradável e
então saímos dali. Lívia estava tentando analisar as
minhas emoções bem como eu fazia com as suas.
Eu apenas era o mestre em escondê-las quando eu
queria.

— Como está se sentindo?

— Vou ficar melhor.

Tentei ser duro, tentei mostrar que o velho


ditado do “Homem não chora” estaria correto, mas
eu precisei apertar os dedos nos olhos para não
deixar que lágrimas caíssem.
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— Ettore, não há nada de errado em pedir


ajuda.

Lívia disse se aproximando e me abraçando


pela cintura.

— Eu sei. Acho que vou ligar para o Sebastian


e marcar uma conversa por telefone. Vou dar uma
chance para ele.

— É a melhor notícia que poderia me dar. –


Lívia disse e seus enormes olhos castanhos
concordavam felizes.

— É apenas uma chance, não fique muito


esperançosa.

— Sebastian é um bom sujeito.

Disse dando de ombros, sabendo que eu não


estava muito à vontade em continuar com esse
assunto. Eu ainda não sabia quando, mas logo faria
isso. Primeiro, tinha que planejar algo para manter
Stephen bem longe das duas mulheres da minha
vida.
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CAPÍTULO 54 | Lívia

Ettore tinha saído de casa desde cedo para


conversar com Valéria e o namorado sobre a
academia. Ainda não tinha voltado, o que era algo
de se estranhar, ainda mais quando Martin
Madrazzo tinha lhe pedido tão encarecidamente
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que evitasse o máximo possível ir a qualquer local


onde não pudesse estar protegido.

O homem era teimoso como uma mula e não


ouviu meus conselhos.

Ainda lembro da pequena discussão que


tivemos pela manhã quando insistiu que eu não
fosse a esse encontro com Stephen sozinha. Que
pudesse me acompanhar, mas eu não podia permitir
que Amora ficasse entremeada em mais confusão.
Não podia deixar de pensar na chance de Stephen
usar isso para prejudicar minha família ainda mais.

Então, quando o carro parou em frente ao


shopping onde ficava a sala de cinema, eu precisei
respirar fundo para aguentar a consequência de
minhas escolhas. Para aguentar o sorriso de
pequena vitória que Stephen dava para mim.

— Minha filha! – Sua voz foi ficando


ligeiramente mais aguda enquanto a chamava. Sinal
de que estava colocando emoções falsas em suas
mentiras. Por que, se algum dia eu imaginei que ele
realmente poderia amar a filha, agora essas

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imaginações mostravam-se totalmente não


fundamentadas.

Se Stephen amasse a filha, não a usaria como


uma forma de barganhar comigo. Não tentaria lhe
impor um encontro de uma maneira tão abrupta.
Ainda mais quando sabia bem que sumiria em
algum tempo deixando-nos sozinhas depois de
alimentar seu ego elevado outra vez.

Amora sorriu e aceitou o abraço do homem que


lhe tinha concedido metade dos genes. Ele estendeu
em seguida um pequeno urso do Sullivan. Muito
parecido com o primeiro, mas de um tamanho
reduzido. Se ele soubesse que aquele objeto agora
tinha para Amora outro significado e não mais as
horas em que ela passava assistindo filmes, o teria
incendiado imediatamente, tenho certeza.

— Lívia, está linda esta tarde. – Disse sorrindo


e sua mão deslizou por minha cintura depois que se
levantou e deixou um beijo em meu rosto. Para um
inglês reservado, ele estava cheio de toques.

Não respondi, obviamente isso não merecia

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uma resposta.

— Eu escolhi um filme para assistirmos, um


lançamento, Amora. – Disse outra vez olhando para
a filha quando cansou de tentar me amedrontar e
causar uma reação – Acho que vai gostar. Vamos
comprar os ingressos?

— Puxa, Stephen. Amora e eu estávamos


pesquisando na internet e até já compramos os
ingressos. Ela estava ansiosa para assistir essa
animação de um estúdio israelense.

Tentei ser a mais polida possível.

Era verdade que Amora queria ver o filme,


estavam anunciando nas propagandas de jogos de
tablete que ela sempre jogava, e estávamos
esperando que chegasse aos cinemas da cidade por
algum tempo. Ela sempre adorou cinema, mas eu
também estava fazendo isso para não ter que ficar à
mercê de Stephen e de suas teias de sedução.

— Que surpresa boa. Então vamos, filha.


Mamãe sempre gostou de estar com tudo planejado.

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Disse enquanto sorria para a menina ainda sem


tirar os olhos de mim. Seu olhar estava tão
frustrado, completamente irritado, por eu ter
colocado o dedo e estragado seu plano.

O problema de Stephen é que ele sempre achou


que o mundo devia lhe servir. Bastava alguém não
fazer o que queria que todo seu gesto mudava.
Como uma criança que não ganha um presente e
começa a dar um escândalo no meio da loja.

Ficamos na fila para entrar no cinema e Stephen


comprou um balde de pipoca gigante e um suco de
laranja para Amora. Um saco de pães-de-queijo e
um pacote de balas. Todas as coisas que Amora
mais gostava quando ia ao cinema, seu plano de
tentar entrar na cabeça da minha filha cada vez
mais evidente.

Stephen ouviu todo o palavrório de Amora,


ouviu sobre o elevador, sobre a casa, sobre a
fisioterapia, e eu senti certo orgulho por ter
encontrado um homem que fazia a segurança
exagerada de Stephen diminuir devagar. Eu estava
apreciando cada vez que seu cenho ficava franzido
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e ele precisava engolir em seco percebendo a


relação maravilhosa que Ettore tinha com Amora.

Não demorou muito até que entramos na sala de


cinema. Eu tinha escolhido o lugar de Amora numa
das áreas para portadores de necessidades especiais.
Stephen ficaria à direita dela e eu à esquerda. O vão
para passagem nessa área era grande, então nossa
organização não seria um problema na hora de
sairmos dali.

A sala foi enchendo rapidamente.

O filme começou e o olharzinho de Amora já


estava focada demais nos traços do artista na tela
para se preocupar com o pai que estava mais
preocupado em responder e-mails que partilhar da
alegria da filha.

Num dos momentos em que já estava distraída


demais para perceber sua aproximação, Stephen
falou chamando minha atenção:

— Não sente falta disso? – Sua mão deslizou


por meu braço que estava sobre a cadeirinha de
Amora – Nossa família.
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— Stephen, não me provoque. Não serei


intimidada por você. Se me tocar outra vez, vou te
fazer engolir cada um de seus dentes.

Eu estava adorando parecer corajosa, imitando


o jeito violento de Ingrid sempre que entrava
nalgum problema, imitando a voz e a postura de
Ettore sempre que ele era forte defendendo a nós
duas. Eu estava dando parabéns a mim mesma
internamente, por que, pela primeira vez em algum
tempo, eu estava lutando de verdade.

— Sempre foi orgulhosa...

— Será que vocês podem fazer mais silêncio?


Tem gente aqui que quer ver o filme.

Fomos interrompidos pela voz mais sexy do


universo. Exatamente na fileira atrás de nós dois,
talvez não o tenhamos notado por causa do grande
movimento, ou talvez por que eu estivesse tão tensa
que só conseguia atentar para a diversão de Amora
e para o cinismo de Stephen, sua voz rouca invadiu
meus ouvidos como uma onda arrebentando contra
um cais.
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Stephen e eu encaramos Ettore ao mesmo


tempo. Stephen recolheu a mão quando percebeu,
pela expressão no rosto de Ettore, que não estava
mesmo para brincadeiras. Eu sorri para ele, apesar
de estar ligeiramente receosa de todo o ódio que via
em sua íris.

— Achei que esse tempo deveria ser dividido


entre minha filha e eu. Não achei que teríamos
visitantes.

Stephen provocou.

— Somos uma família, Stephen. – A voz baixa


me lançava arrepios. Arrepios que conseguiam ser
tão quentes quanto ameaçadores – O visitante é
você. Se tocar a minha mulher outra vez, eu te
mato.

Amora esticou o corpinho para olhar para trás e


quando viu Ettore seu rosto se iluminou. Um
sorriso enorme invadiu seu rosto enquanto via o
homem que estava cumprindo o papel de pai com
maestria ultimamente.

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Felizmente, ela não tinha ouvido a discussão


entre os dois adultos.

— Papa Ettore! – Sua exclamação foi ouvida


por quase todos os telespectadores. Ettore
correspondeu ao sorriso e puxou de leve o rabo de
cavalo da menina.

— Princesa... Eu não ia deixar vocês assistirem


o filme sem mim.

Ettore disse quando se reclinou outra vez na


poltrona. Todo o restante do filme ele ficou
brincando com Amora que lhe jogava pipocas
enquanto ele revidava com uma mira precisa.

O filme era longo, cerca de duas horas, então


quando ele terminou, o horário de visitas de
Stephen estava acabando na mesma medida. Amora
praticamente não prestou mais atenção ao pai e
esqueceu totalmente de seus presentes enquanto eu
tinha que os carregar.

— Até a próxima visita, Lívia. – Disse sem se


despedir corretamente de Amora, já que ela estava
com Ettore tentando alguns arremessos num dos
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brinquedos da área infantil. – Na próxima, espero


não ser interrompido.

— Somos uma família, Stephen. Isso não vai


acontecer. Agora, deixa eu ir ficar com meu marido
e minha filha. Tenha uma ótima noite.

— Ah, terei sim. – Falou venenoso colocando


uma multidão de pedras sobre meu contentamento
– Estou indo fazer uma visita à sua mãe.

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CAPÍTULO 55 | Lívia

— Beatriz? – Chamei a atenção da minha


amiga que estava perdida, tanto quanto eu, numa
pilha de processos – Alguma novidade do juiz
Tyrone?

— Desculpa, mas nada ainda. Eu já teria pedido


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ajuda a outra pessoa se fosse você, Lívia. Esse


homem não está interessado em bater de frente com
Stephen.

— Vou insistir mais um pouco. Ele é um dos


que mais devem favores ao escritório. Duvido
muito que outra pessoa queira me ajudar nisso sem
pedir em troca um valor que eu não tenho.

Tornamos a nos focar no trabalho.

Eu estava aceitando todo tipo de caso que


aparecesse, qualquer caso, por que não conseguiria
manter a empresa facilmente se ficasse escolhendo
demais. Além da dívida acrescida de juros que
levou muito mais do que eu deveria, precisávamos
de capital de giro constante para que não
criássemos novas. Para que os advogados que
ajudavam a ainda manter de pé o nome da família,
não fossem correr atrás de cargos novos em outras
cidades.

Com a ajuda de Ettore na recuperação de


Amora, eu pude respirar mais aliviada
momentaneamente, tentando gastar o mínimo

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possível para conseguir ter um valor para qualquer


possível emergência.

Por que não estava sendo fácil manter tudo de


pé. A empresa que passou por gerações e esteve,
praticamente, a ponto de se desfazer em minhas
mãos e liquidar com ela todos os bens que
acrescentavam ao patrimônio líquido da empresa,
estava se movendo muito devagar numa
recuperação que eu achei que seria muito menos
exaustiva.

Meu pai tinha construído uma rede tão grande


de corrupção dentro da Davani que, agora com sua
morte, muitos dos clientes principais foram
deixando para trás suas parcerias. O homem que
lhes acobertava os crimes não estava mais sendo o
cabeça da companhia, e acabamos sendo obrigados
a admitir pagamentos menores para que
continuássemos funcionando.

A firma que no auge do seu brilhantismo já


chegou a ter mais de cem associados, agora contava
com menos de trinta e seis. Havia espaços demais
sobrando no prédio que se erguia por três andares
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numa movimentada rua da região da Toscana. Eu


até chegava a cogitar a possibilidade de contratar
gente nova, mas depois do vexame que foi ver a
empresa tendo suas demonstrações publicadas e o
pedido de concordata, seria muito difícil encontrar
pessoas dispostas a encarar o trabalho outra vez.

— E como está com o Enrico, Bia? – Perguntei


quando notei-a rindo para o celular. Provavelmente
recebendo uma mensagem.

— Depois do jantar na casa de Lucca, ele me


deu uma carona até em casa. Já que tudo acabou
antes do tempo devido a audácia de Ingrid.

— E por que sinto que isso não foi tudo?

— Por que não foi mesmo. Ele é uma boa


pessoa, Lívia. Realmente é uma boa pessoa, mas
somos de mundos tão diferentes.

— Não seja boba. Isso nunca foi um


impedimento para nascer um sentimento entre
ninguém.

— Não deveria ser. – Bia acrescentou dando de


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ombros – Mas pelo menos nos beijamos.

— Você não ia me contar mesmo, não é?

— A sua vida estava corrida demais para te


preocupar com meus romances. Estava esperando o
melhor momento. – Disse por detrás de seus óculos
de grau de armação grossa. Beatriz até tentou se
acostumar às lentes, mas desistiu depois de um
tempo – Sabe que sou um pouco mais reservada
com esses assuntos.

— Nunca pense que me atrapalha. Tem que me


contar. Quero saber tudo, cada detalhe! Até quantas
bases foram e por quanto tempo foi. Sabe que
nunca vou estar ocupada demais para você.

Falei tranquilizando-a. Sua calma, que só se


agitava em momentos extremos, sempre foi um
consolo quando eu precisava colocar um pouco a
razão no lugar. Eu me importava com os meus
problemas no momento, me importava com cada
um deles e estava até o pescoço atolada neles, mas
eu jamais estaria ocupada demais para dar atenção
às minhas amigas.

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— Enrico perguntou se era verdade uma coisa


que Amora tinha lhe contado durante a fisioterapia.

— Que seria? – Perguntei pegando duas


barrinhas cereais na minha gaveta e estendendo
para nós duas.

— Ela disse que eu gostava dele.

— Meu Deus. Minha filha bancando o cupido.

Sorri um pouco. Uma ótima maneira de aliviar


a tensão do trabalho.

— Mas por que está me falando isso num tom


de desânimo?

— Enrico tem um compromisso, Lívia. Não


vou dar chance para homem que tem namorada.
Mesmo que ela esteja no Senegal fazendo missão
humanitária.

— Só Ettore para saber essas coisas. Eu


conheço muito pouco da vida pessoal de Enrico. O
que conheço dele é a parte profissional. Você se
sente atraída por ele?
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— Quem não se sentiria? Ainda mais depois


daquele beijo. Não, melhor não pensar nisso. Isso é
assunto para outra hora. Uma outra história.

O telefone da minha sala ligou e Beatriz o


pegou antes que eu pudesse atender.

— Eu tinha deixado bastante claro que deviam


ter seguido minhas ordens ao pé-da-letra. – Beatriz
disse num tom duro. – Tudo bem, vou falar com a
doutora Montebello. Peça que espere e saberei se
pode ser atendido ou não. Não, não é culpa de
vocês, entendo. – Disse antes de desligar.

— O que aconteceu?

— Stephen.

Senti uma onda de temor cobrindo a alegria


recentemente instaurada em minha já conturbada
vida. Meu sorriso murchou lentamente e pude ver a
pele da minha amiga adquirindo tons rosáceos. O
que sempre acontecia quando estava com raiva. Era
mais ou menos o que acontecia comigo quando me
irritava também.

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— O que ele quer?

— Tem um documento que o autoriza a entrar.


Eu ainda não sei.

— Tudo bem. Peça para que entre. Nos dê um


minuto por favor. Fique atenta a qualquer coisa
estranha para chamar a segurança.

Beatriz fez que sim e saiu da sala autorizando o


homem a entrar. Eu podia ver o quanto isso a
estava irritando, mas eu estava morrendo de medo
do que Stephen veio fazer para pensar com
tranquilidade. Mil teorias absurdas passando diante
de meus olhos e me vi criando defesas contra cada
uma delas.

— Lívia, como está?

O sorriso de Stephen estava reluzente. Éramos


adversários, não havia mais dúvidas. Em pensar
que eu chegava a chorar apenas de pensar no
quanto seu rosto me apetecia antes. No quanto eu o
desejava a ponto de me deixar ser humilhada.

Eu chegava a sentir nojo de mim mesma.


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— O que quer, Stephen? – Eu disse ao notar


que seu ar estava mais contente que o usual. Sinal
de que estava criando uma nova forma de me
torturar. As únicas coisas boas que esse homem
trouxe para minha vida foram Amora e Ingrid. Por
que de resto, até hoje, só trazia sofrimento.

— Não se preocupe, vim falar de negócios com


você.

— O que quer, Stephen? Não estou brincando.


Diga o que quer e deixe a minha sala.

— Nossa sala, doutora Montebello. Nossa sala.

Meu peito apertou de leve, mas meus olhos


continuaram fixos nele, ou melhor, num ponto mais
distante dele, assim ele não veria que ainda haviam
fantasmas seus assombrando profusamente dentro
de mim.

— Sua mãe, a doce senhora Davani, me


nomeou o procurador geral de sua parte da
empresa. E, puxa, isso me dá o direito de trabalhar
bem perto de você. – Olhou para os lados – Onde
poderei instalar minha mesa? Essa empresa precisa
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de um homem para colocá-la nos trilhos. Nunca foi


muito brilhante, Lívia, não me surpreende que
esteja demorando tanto para recuperá-la.

Colocou papeis sobre minha mesa,


provavelmente os documentos que o tornavam
procurador da minha mãe, mas eu não queria nem
ler. Então andou pela sala avaliando cada item da
decoração.

Não suportava saber que não poderia mesmo


contar com a ajuda de Teresa em minha vida em
nenhum momento. Eu não a culpava por não amar
a filha que não quis. Eu não a culpava por que sei
que tipo de dor teve que passar para me conceber.

Doeu, como mil mortes, ouvir que quase


cheguei a não existir, ainda mais quando a frase
vinha carregada com tanto desprezo. Isso, porém,
era muito além do que eu poderia suportar, sem me
abalar.

— Aposto que deve ter pagado a dívida em sua


totalidade. Tão apressada. Nunca soube lidar com o
sistema de crédito. Seu senso de justiça fez que

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todo aquele valor parasse na conta por algum


tempo para render pequenos grandes juros. Ainda
bem que se tornou uma advogada, não duraria
muito tempo nos tribunais. Sempre foi de chorar
fácil.

— Cala a porcaria da boca, Stephen. Está


transando com minha mãe, é isso? Desceu tão
baixo a esse ponto?

— Sabe que só tenho olhos para você.


Independente de quantas mulheres tenham passado
por minha vida, meus olhos sempre estiveram em
você. Sempre estarão em você.

— Não cansa mesmo de me atormentar, não é?


Um sádico de merda que se deleita na dor dos
outros. Um narcisista manipulativo.

— Não, eu não me canso. E, mais respeito,


agora sou seu chefe.

Levantei da cadeira imediatamente e já estava


pronta para discutir mais, quando meu coração
apertou outra vez. Meu foco finalmente saindo do
homem que estava diante de mim para algo mais
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importante, minha família.

Senti um bolo crescer na minha garganta, uma


vontade de vomitar que só foi controlada por que
eu não sabia se o doente do Stephen não tinha um
fetiche com fluidos humanos.

Peguei minha bolsa e meu casaco


apressadamente e ia sair da sala, quando Stephen
me travou do pulso, impedindo meu avanço. Seu
olhar estava com uma luxuria evidente. Ele
realmente gostava disso.

— Não terminamos de conversar.

— Me solta, seu merda. – Eu disse puxando o


braço de suas mãos asquerosas – Terminamos sim.
Acho que já esqueceu do recado do meu marido,
não é? Não me faça querer acabar com você
também.

Sai apressada e apenas bati a mão para Beatriz


num gesto rápido. Coloquei minha roupa enquanto
a mensagem de texto que recebi de Ettore fazia
meu coração apertar ainda mais.

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“Livia, Amora precisou ser internada ás


pressas, por favor, venha me encontrar, estou
mandando a localização”.

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CAPÍTULO 56 | Ettore

Eu tinha acabado de buscar Amora da escola.


Estávamos cantando por todo o caminho durante o
trajeto. Ela estava se tornando uma exímia roqueira.
Eu não podia estar mais orgulhoso. Quando decidi
que passaria pela academia para pegar o que tinha
pedido para Val, coisas da casa do meu pai.
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Eu já estava pegando as caixas e colocando-as


no banco de trás do veículo, quando fui assinar os
últimos papéis de transferência da academia para
Val, quando notei que Amora estava bastante
quieta,

Não foram dez minutos que se passaram. Acho


que nem metade. Para que minha vida desse uma
guinada de cento e oitenta graus. Para que a paz
que estava se instalando começasse a ruir devagar.

— O que foi, Princesa? Está sentindo alguma


coisa?

Me agachei diante da cadeirinha de Amora e


peguei sua mão pequena com os dedos ainda sujos
de verde, devido um projeto de arte em papel
crepom que fez na escola, e notei que estava muito
quente.

— Eu estou com frio, papa Ettore...

Meu coração deve ter rompido algumas fibras


nesse momento, por que senti meu peito dolorido.
Eu sentia que algo grave estava acontecendo. E,
merda, eu não tinha ideia do que fazer.
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Tentei passar mentalmente o checklist de saúde


que Lívia e eu seguíamos estritamente. Massagem
na área da lesão, medicação, vitaminas, tudo tinha
sido feito cautelosamente.

— Traz o meu celular, Val! – Gritei para que


pudesse me ouvir do outro lado da academia. Eu
estava ocupado pegando toalhas no armário para
tentar acalmar o frio que minha filha dizia sentir.

— Ettore! Por que está gritando?

— Me dá a porcaria do celular! – A mesa ficava


a menos de dois metros de distância, mas esse
espaço pareceu infinito por alguns segundos, por
que eu só queria aliviar o frio que Amora sentia.

Assim que Val me entregou o celular, disquei o


número do doutor Enrico. Ele estava em uma
consulta e, se tudo corresse bem, sairia dela em
alguns minutos. Contei à funcionária dele o que
estava acontecendo e ela disse que mandaria uma
ambulância.

— Ettore, essa menina está ardendo em febre! –


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Valéria disse retirando as toalhas com as quais eu a


tinha coberto. – Tira isso dela, quando alguém está
com esse tanto de febre não pode ficar enrolado
não.

— Eu não sou médico, eu não sabia!

— Ei, Amora... – Valéria perguntou olhando


para o rostinho de minha filha que estava
estranhamente mais pálido – Está sentindo dor em
algum lugar, flor?

— Muita...

— Aqui? – Foi tocando em diferentes partes e


Amora fez que não com a cabeça.

Eu ainda estava medindo sua temperatura com


as mãos, percebendo que o calor realmente não
baixava. Liguei outra vez para a assistente de
Enrico e ela disse que a ambulância tinha saído de
lá fazia dois minutos.

— Ettore, a gente precisa fazer alguma coisa...


Se ela continuar com essa febre, pode fazer mais
mal. Ela tem que baixar a temperatura de alguma
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forma...

Antes que eu pudesse falar ou fazer alguma


coisa, já que estava me sentindo sem chão ao ver
minha filha nesse estado, Val já estava pegando a
garotinha nos braços.

Meu peito apertou quando percebi o quanto


estava languida, minha pequena estava sofrendo um
abalo extremo.

Segui Valéria enquanto continuava tentando


entrar em contato com a porcaria da ambulância e a
vi ir em direção aos chuveiros da academia com
Amora nos braços. Ela ligou um dos chuveiros e
então entrou debaixo da água com a menina.
Amora reclamou de imediato por estar sentindo frio
e a água estar numa temperatura baixa contra seu
corpo.

Observei Valéria abraçando a menina e o seu


jeito preocupado de quem está fazendo tudo que
pode e senti meu respeito por ela crescer outra vez.

Ela estava fazendo o que podia para controlar a


temperatura da menina, mais do que eu tinha feito,
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já que só conseguia pensar em buscar ajuda. Ainda


que os procedimentos básicos que aprendi na
faculdade viessem passando em minha mente, eles
pareciam não fazer sentido.

Ela foi lá e fez.

— Obrigado... – Eu disse quando ela ajustou a


posição de Amora de uma forma melhor e eu retirei
os fios molhados que caiam em seu rosto.

Amora estava chorando pela dor e pelo frio.

Eu só queria poder adiantar o tempo de alguma


forma para que a porra da ambulância chegasse
mais depressa. A academia do meu pai era distante
do hospital, então se eu tentasse levá-la para lá iria
desencontrá-la totalmente com os profissionais que
vinham lhe ajudar.

Peguei novamente as toalhas na sala ao lado e


envolvi o corpo de Amora quando ela saiu do
chuveiro. Estendi uma delas para Valeria e não
notei nada quando começou a se secar na minha
frente. Minha atenção estava completamente
voltada para a menina sonolenta em meus braços.
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— Vai ficar tudo bem... Vai ficar tudo bem...

Meu coração estava sendo violado pelo


desespero.

Quando a ambulância chegou, eu mesmo fui ao


seu encontro. A médica do resgate, junto com seu
auxiliar, colocou a menina numa maca e envolveu-
a com um lençol térmico. Começaram a fazer os
primeiros exames em Amora ainda enquanto a
colocavam no veículo.

— Vocês fizeram um ótimo trabalho


controlando a temperatura da menina. – A médica
disse e eu consegui olhar para Valéria em
agradecimento, o cabelo completamente úmido por
seus esforços com minha filha, e lhe sorrir muito de
leve por que isso tinha sido uma ideia sua. Sua
forma de me ajudar.

O amor existia de muitas formas. Nesse


momento, eu a amava outra vez, como uma amiga,
por que ela tinha sido uma verdadeira amiga para
minha filha, para mim.

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Para toda minha família.

Entrei com Amora na ambulância e o pessoal


começou a administrar algumas doses de
medicamento dali. Perguntei ao auxiliar que me
informou o hospital para o qual estávamos indo. Eu
pensei, por algum tempo, no que dizer para Lívia.
Como dizer isso sem que ela também não fosse
abalada por um susto.

Quando a ambulância parou diante do hospital,


enviei uma mensagem de texto para Lívia e
acompanhei a maca onde Amora estava até ser
impedido de seguir adiante por um dos corredores,
onde um segurança me barrou. Aquela área era
restrita apenas para os médicos.

Vi Enrico vindo em minha direção, vindo pelas


portas que tinham acabado de se fechar para mim e
esperei que me dissesse alguma palavra de
conforto, mas suas palavras eram técnicas e não
aliviaram a pressão que eu sentia na minha cabeça.

— Por favor, fale de uma maneira que eu


entenda.

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Minha cabeça precisava das palavras mais


fáceis possíveis. Por que era como se os dois
hemisférios do meu cérebro estivessem
sobrecarregados por muitas tarefas e eu só
conseguisse ver o rostinho de Amora cada vez mais
sonolento devido a analgesia causada pela própria
dor.

— Vamos estabilizar a temperatura de Amora e


controlar a dor. Minha equipe tem uma suspeita
sobre a origem da infecção – Isso eu sabia, já que
febre só pode significar infecção – Espero não estar
errado, contudo, se assim for, Amora precisará
passar por uma cirurgia.

— Cirurgia?

— Fique tranquilo, Ettore. Amora está em


excelentes mãos. A doutora Montebello está com
você?

— Não, ela ainda está vindo. Mandei a


mensagem há pouco, estará aqui em breve.

— Muito bem. Espere aqui e tente não se


preocupar demais. Peça que a doutora fique
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disponível e assine a autorização para a cirurgia


caso seja necessário.

— Puta que o pariu, Enrico. Como vou ficar


tranquilo dessa forma?

— Amora está nas minhas mãos agora.

Disse num tom que deveria me manter mais


calmo.

Suas palavras eram reconfortantes, mas, mesmo


assim, todas as terminações do meu corpo ainda
estavam concentradas demais no estado de saúde de
Amora para eu não me preocupar.

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CAPÍTULO 57 | Lívia

Chamo o homem que está sentado numa das


longarinas do corredor. Eu sempre odiei o cheiro de
hospital, de remédios, de pessoas passando ao meu
redor, doentes, mas nunca pude me afastar demais
disso. Não quando a vida de minha filha tinha sido
praticamente vivida nas intermináveis sessões de
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terapia dentro do hospital, tudo para aliviar dores


frequentes.

— Ettore!

O homem à minha frente está em frangalhos.


Minha mente se prende em cada detalhe de seu
rosto pesaroso. O impacto de ver minha filha
doente deve tê-lo envelhecido alguns anos, por que
ele me olha como se fizessem séculos que não me
vê.

Ele levanta e anda apressadamente até mim.


Nossos corpos se chocam num abraço desesperado
e eu fico respirando seu cheiro que me acalma por
alguns segundos. A única coisa que tem conseguido
me trazer paz nos últimos tempos.

Minha vontade é de despejar todos os meus


problemas sobre ele, mas Ettore tem sido um
homem tão bom para mim ultimamente, eu sinto
que só lhe encho de problemas, e me dói pensar que
só estou recebendo nessa relação.

Me sinto uma vampira sugando para fora dele


toda a vida, sempre que lhe meto em outro de meus
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problemas, mas sou egoísta demais para deixá-lo.


Por que me sinto outra mulher agora que estou ao
lado dele.

— O doutor Enrico disse que talvez precisem


operar nossa filha. Eu... Eu não sei o que
aconteceu. – Diz contra minha boca depois de
esmagar um beijo rápido em meus lábios – Precisa
assinar os papéis para autorizar uma possível
cirurgia.

Sua voz está firme, mas só eu percebo as notas


trêmulas de terror ao fundo. Ele está tão apavorado
quanto eu, mas está se mantendo como uma rocha
firme, sentindo apenas as intempéries contra si e
me apoiando de forma que eu não caia.

— Tudo vai ficar bem. – Digo olhando em seus


olhos azul-centaurea e tenho nojo de mim por haver
um pouco de temor em minha voz. Por não
conseguir controlar minhas mãos trêmulas
enquanto meus dedos se entremeiam em seus fios
dourados.

Ettore me acompanha até o balcão de

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atendimento na sala principal. A enfermeira me dá


uma ficha enorme e eu tenho que preenchê-la, mas
não consigo encontrar uma caneta que preste na
minha bolsa. Ettore pega uma do pote de canetas do
hospital e entrega-a em minhas mãos. Ele me passa
a segurança que preciso para fazer o que precisa ser
feito.

Quando termino de preencher, o que leva


menos quinze minutos, já que tenho todos os
números dos meus documentos e dos de Amora na
mente, eu entrego a ficha para a enfermeira.

— Sigam até a sala b quarenta e três, fica no


final do corredor, o doutor De Santis vai encontrá-
los em alguns minutos.

Ettore me leva pela mão e eu sinto meu


estômago embrulhar quando passo perto de um
homem que está com o braço torcido numa posição
grotesca que nem sei como ainda está inteiro. Ele
está berrando de dor.

Sinto inveja dele por um tempo, já que eu


também quero gritar, mas eu acabaria sendo taxada

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de louca por não estar com o braço naquela posição


também e estar me esgoelando.

Entramos na sala minúscula e esperamos. Eu


não queria, mas Ettore me fez sentar numa das
cadeiras enquanto massageava meus ombros
suavemente. Eu podia sentir a tensão dos dedos
dele passando para mim, mas ele ainda estava me
reconfortando.

— Ettore... Doutora Montebello.

Enrico sempre era polido e me tratava pelo meu


grau de formação. Eu queria ser educada e dizer
que podia me chamar pelo nome, mas eu estava
preocupada demais com Amora para ser levada por
civilidades.

Enrico colocou uma pilha de exames sobre a


mesa. Apontando em um e outro para partes que
deveríamos prestar atenção. Manchas mais claras
ou mais escuras em cada uma das chapas de raios-
x, ultrassons coloridos.

Depois de me explicar um pouco sobre o que


aquilo significava, Enrico foi direto para a sua
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teoria sobre tudo.

— Suspeitamos de início que poderia ser


câncer, depois das biopsias feitas na massa de
aspecto fibroso e de sua devida análise nos
laboratórios, constatamos que o tumor de aspecto
fibroso e inflamatório, muito comum na reação do
organismo à presença de corpo estranho, é de fibra
vegetal orgânica de longa evolução, não era
maligno.

— Eu não entendo.

Era verdade, talvez fosse um pouco culpa da


minha cabeça, um pouco da culpa do meu coração,
tudo parecia confuso enquanto ele tentava explicar.
Por que minha mente ficava me lançando flashes de
Amora doente e sentindo dor enquanto eu estava
longe dela.

— Há um corpo estranho no organismo da


paciente. Ele estava se desenvolvendo no
organismo e aderindo a diversos músculos há
algum tempo. Temos que submeter Amora a uma
cirurgia oncológica para retirada do material.

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— O que pode ser isso?

— Suspeitamos que seja gaze esquecida


durante uma cirurgia. Foram diversas e seria difícil
precisar agora o tempo que está dentro do
organismo. Teríamos que passar essa tarefa a outro
profissional, mas tudo que posso dizer agora é que,
se a cirurgia ocorrer bem, as chances de Amora
voltar a andar são de setenta por cento. Podem
ocorrer algumas sequelas da cirurgia, mas as
chances de cura são bastante promissoras.

Eu estava numa montanha-russa de emoções.


Minha mente vagueando pelas palavras câncer,
corpo estranho, cirurgia, cura. Eu teria desabado se
as mãos de Ettore não estivessem sobre meu ombro
me mantendo de pé.

— Precisamos de sua autorização para cirurgia,


doutora Montebello, mas não é apenas isso.

— O que mais aconteceu? – Ettore perguntou


enquanto minhas mãos tremulas pegaram a caneta e
o papel que ele me estendia para assinar outra ficha
sobre a mesa.

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— Amora vai precisar de sangue para a


cirurgia. A quantidade que temos é insuficiente já
que o tipo de sangue de Amora é raríssimo. Não há
a possibilidade de podermos esperar ajuda
internacional, temos que evitar que a infecção se
espalhe para outros órgãos.

Era verdade. Muitas vezes os hospitais tinham


que esperar ajudas internacionais para poder
realizar qualquer procedimento em Amora. O
sangue que ela herdou do pai, do tipo hh, ou
fenótipo Bombaim, era extremamente raro. Além
de Amora, as únicas duas pessoas que poderiam
doar para sua cirurgia, que eu conhecia
imediatamente, eram o pai dela e Ingrid. Só que da
última vez que ela se ofereceu para doar, o hospital
teve que recusar por causa das tatuagens que
tinham sido feitas há menos de um ano. Agora, ela
tinha colocado piercings há apenas oito meses, o
hospital negaria imediatamente devido a
possibilidade de contágio por hepatite B.

— Ettore, por favor, pode comprar um


sanduiche para mim? Eu estou faminta. Não como
nada desde o meio-dia. – Eu disse e Ettore ainda
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parecia tão aéreo, que apenas me deu um beijo e


saiu.

Quando ele estava longe, virei-me para Enrico.

— Vou conseguir o sangue para a menina. Por


favor, doutor, me dê um minuto.

Enrico saiu da sala e eu disquei o número de


Stephen. Quando ele atendeu, eu pude notar o
sorriso em sua voz. Uma pequena vitória. Eu estava
a ponto de meter minha mão pelo celular para
arrancar os olhos dele das órbitas, mas eu precisava
ser paciente.

— Sentiu saudades, Lívia?

— Stephen, Amora está internada e vai passar


por uma cirurgia.

— O que? – Sua voz adquiriu um toque de


preocupação. Eu queria tanto acreditar que aquilo
era verdade, sentir que ainda havia humanidade
nele, que apenas lancei o peso de sobre meus
ombros.

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— Ela precisa de sangue. Stephen. Sua filha


precisa do seu sangue. Por favor, me diz que pode
doar para salvar a vida dela. – Minha voz estava
firme, mas ele conseguiu notar meu desespero. Ele
conseguiu perceber que eu estava tendo que engolir
meu orgulho para conseguir a doação. Para salvar
minha filha.

— Eu vou doar, mas isso vai ter um preço.

— Qual seria? – Eu já imaginava.

Esse homem nunca dava um ponto sem nó.

— Uma noite... – Ele falou devagar para me


torturar – Por uma vida.

— Eu aceito. – Eu disse sem raciocinar direito.


Minha mente não conseguia pensar em outra coisa
que não fosse a possibilidade de Amora não resistir
à inflamação. A possibilidade de vê-la curada
também.

— Apenas quero que saiba uma coisa, querida


Lívia. Eu já falei com o juiz Tyrone, além de outros
colegas da vara de família. Se tentar me enrolar,
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tiro a guarda de Amora da sua mão em dois tempos.


O passado de Ettore é bastante complicado e pode
ser usado para afastar Amora de sua convivência
antes que possa pensar sobre isso.

— Por favor, para com isso... – Minha voz


estava dolorida demais para eu continuar a lutar
contra a imagem de Amora sendo afastada de mim.

— Deveria escolher melhor suas companhias.

Eu sofria com a possibilidade desse homem me


tocar, mas era afetada ainda mais pela possibilidade
de ser afastada de Ettore e de Amora. Este homem
só podia ser o próprio diabo. Só podia ter sido
mandado especialmente do inferno para me
atormentar.

— Além disso, quero o controle total da


Davani. – Sua voz me roubou outra vez de tudo
aquilo que eu achei que ainda poderia representar
alguma paz.

— Fique com tudo. – Cuspi as palavras e senti


o nojo ardendo enquanto cada fonema saia de
minha boca. Enquanto cada sílaba deslizava
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venenosamente por sobre minha pele e me apertava


dolorosamente.

— Muito bem, boa garota. Me mande o


endereço do hospital. Estarei aí em pouco tempo.
Grande beijo.

Controlei a respiração antes de chamar o doutor


De Santis. Enrico me esperava do lado de fora e
estava ocupado falando com alguns outros médicos.

— Esta é a minha equipe de cirurgia. Estarei


apenas supervisionando todo o procedimento. Eles
são em extremo competentes.

— O doador de sangue para Amora vai chegar


em pouco tempo. – Eu disse sem vida.

— Excelente. A sala de cirurgia está sendo


preparada. – Enrico colocou as mãos em meus
ombros – Vamos esperá-lo para dar andamento a
cirurgia. Vai ficar tudo bem, doutora Montebello.

Nada vai ficar bem.

Pensei, mas não queria desanimá-lo ou me


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desanimar mais agora.

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CAPÍTULO 58 | Lívia

Minha cabeça chegava a martelar com o ódio


que eu sentia no momento. Finalmente Stephen
tinha passado aquela linha difícil de cruzar para
mim. O momento em que eu começava a desejar a
morte de alguém.
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Enquanto suas ameaças se dirigiam a mim,


minha atitude foi assumir uma coragem que eu nem
sabia que tinha. Tentar ignorar suas ameaças pelo
bem de sua própria vida, mas, a partir do momento
em que ele envolveu a recuperação da filha em suas
chantagens, eu já não podia mais ter a menor
compaixão dele.

Eu ainda estava na sala onde tinha acabado de


assinar os papéis que Enrico tinha me entregado,
quando Ettore voltou com duas embalagens
transparentes contendo sanduiches de atum. Eu já
nem conseguia ficar na mesma sala que um atum e
não enjoar, mas aqui estava eu resistindo
bravamente.

— Ettore, precisamos conversar.

Eu disse enquanto engolia o bolo que estava se


formando na garganta. Ettore olhou-me e suas
mãos vieram parar no lado do meu rosto enquanto
ele derretia toda a minha resistência. Eu estava
cansada demais para sofrer sozinha. Cansada
demais para aguentar isso tudo sozinha.

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Eu queria poupar Ettore. Queria poupá-lo de


estresses desnecessários, queria poupá-lo por que
eu achava que o amor que sentia por mim estava
fundamentado numa corda bamba e tudo ruiria
algum dia.

Essas eram as vozes de acusação da minha


mente tentando gritar para mim que isso ia acabar,
embora não soubesse exatamente quando. Que
além de sexo, Ettore não tinha nenhum outro desejo
por mim. Mas minha mente buscou no fundo de
mim todas as forças que tinha para chamar todas as
lembranças boas desse tempo em que ficamos
juntos. Todas as promessas que já tinha me feito.

Eu escolhi confiar naquilo em suas promessas


definitivamente. Decidi confiar naquilo que via
estampado em seus olhos azul-centaurea sempre
que, ao despertar pela manhã, eu o via encarando
meus próprios olhos que fechavam em resposta.

— Por favor, eu vou te contar uma coisa e peço


que não fique irado comigo. Eu vou te contar por
que estou cansada de carregar essa angustia sozinha
comigo. Estou cansada de tentar resolver meus
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problemas sozinha. Por que eu sempre achei que


você é quem precisava de ajuda por muito tempo,
mas agora percebo que eu quem estava precisando
por todo esse tempo e não tinha coragem de
admitir.

As palavras saiam rapidamente. Eu até tinha


medo, pensando que Ettore poderia não as estar
entendendo, mas ele estava apenas olhando meu
rosto. Havia traços de felicidade ali. Embora seus
lábios estivessem apertados numa linha dura, eu
podia ver que estava finalmente vendo que eu tinha
escolhido torná-lo parte de minha vida
definitivamente.

Por que eu fechava os olhos para não enxergar


que eu também não estava mais só no escuro. As
trevas se dissipado e tinham se tornado dia perfeito
e apenas eu não conseguia enxergar isso.

Por que meus malditos olhos continuavam


fechados.

— Fale, Lívia... Sou seu marido, por favor,


confie em mim. – Sua voz deu contra meu rosto de

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uma forma suave e era o que eu precisava para me


quebrar. Era o que eu precisava para me desarmar
completamente.

Empurrei-o de leve para que sentasse na cadeira


da sala, a cadeira que eu estava a poucos minutos, e
segurei seu rosto entre as mãos da forma que tinha
segurado o meu há pouquíssimo tempo atrás.

— Preciso que me prometa que vai se manter


controlado e ouvir tudo até o final, por que não sei
se conseguirei continuar se for interrompida.

Ettore virou-se de leve e fez que sim com a


cabeça enquanto sua boca beijou a palma de minha
mão. Eu era uma monstra por não confiar nele. Ele
já tinha me mostrado que sua palavra era apenas
uma tantas vezes. Ele já tinha me mostrado que não
precisava me preocupar com nenhuma
inconstância, eu é que ainda projetava demais o
meu passado e minhas inseguranças sobre ele.

— Ettore, eu não tenho sido honesta com você


há algum tempo. – Falei provando um pouco da
decepção que vi em seus olhos – Eu tenho

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escondido coisas e contado a verdade parcialmente,


eu achava que tinhas bons motivos, mas agora isso
tem que acabar. Eu não aguento mais. Não aguento
mesmo.

Ettore não falou. Exatamente como eu tinha


pedido, ele ouviu em silêncio. Seu olhar analisando
meu rosto e esperando que eu continuasse a contar
tudo.

— Minha mãe te odeia. Ela considera todos os


Montebello uns malditos desde que seu pai entrou
em nossas vidas. Desde que ele começou a enredar
Danielle por um caminho horrível a ponto de ajudá-
lo a mostrar tudo o que tinha de ruim em seu
coração.

O olhar de Ettore lançou um – Me conta uma


novidade. – silencioso, eu continuei:

— Meu pai não era uma pessoa boa. Não era


mesmo uma pessoa boa, mas ela culpava seu pai, e
acha que tem o direito de te culpar, por toda a
merda que meu pai transformou nossas vidas. Ela
disse que eu não passava de uma tentativa de aborto

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frustrada. Passou o controle da maior parte da


Davani para as mãos de Stephen...

Esperei uma explosão de raiva, mas além do


ódio crescente em seu olhar, sua postura era calma,
esperando que eu me derramasse por inteira.

— Stephen tem me perseguido, Ettore... Tem


dito que me quer de volta. Eu não sei que tipo de
jogo passa pela mente narcisista dele, ou que tipo
de realidade ele acredita que vive, mas ele acha que
ainda pode recuperar a família dele e me ter outra
vez. Naquele dia, no café... Eu estava com ele. Não
foi apenas a sua visita que ele me falou naquele dia,
ele disse que me queria de volta, Ettore. Disse que
me queria de volta.

— O que aquele merda disse? – A voz era baixa


e ele só rompeu o código de silêncio que tinha lhe
imposto para confirmar o motivo para seu ódio.

— Disse que me queria. – Respondi-lhe e


continuei – E agora... Agora vai querer trabalhar ao
meu lado para me atormentar... – Lutei contra as
lágrimas que começavam a querer cair, mas eu não

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ia dar a ninguém o gostinho de me ver chorando


por Stephen, não mais.

Por que finalmente tinha acabado. O amor que


eu achei que ele sentia por Amora deixava que
minha piedade se instalasse por ele, por que eu não
queria que Amora crescesse sem o pai, agora, eu já
não conseguia pensar nele de outra forma que não
fosse bem longe de poder nos fazer algum mal –
Agora vem doar sangue para Amora, para a
cirurgia, mas decidiu me chantagear primeiro para
poder ter esse ato de compaixão com a filha.

— O que ele disse? – A voz de Ettore era baixa.


Era como se não fosse mais Ettore falando, mas o
Toretto envolvido em milhares de confusões. O
lutador sanguinário que deixava seus oponentes à
beira do coma para ganhar dinheiro. – O que aquele
miserável disse?

— Disse que trocaria uma vida por uma noite.


Ele quer uma noite comigo em troca do sangue que
vai doar para Amora.

Não teve como controlar a fúria que fez que

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Ettore se levantasse e andasse pelo espaço da sala.


As passadas pesadas e o olhar perdido enquanto ele
usava toda sua concentração para não socar o
quadro branco cheio de recados pelo menos duas
vezes.

— E o que você disse? – Perguntou olhando


para mim enquanto eu apenas refreava meu
impulso de esconder tudo para não o ver cometer
uma loucura. – O que disse para ele?

Seus passos vieram em minha direção. Eu não


era o alvo de seu ódio, mas eu tive medo por alguns
segundos.

— Disse que sim. Disse que daria o que ele


quisesse.

— Puta que o pariu, Livia. Caralho, mulher. –


Ele se afastou outra vez. – Está falando comigo
assim por que quer me dizer que vai voltar para
aquele imbecil?

Essa foi a primeira vez que vi Ettore ser burro


na minha frente.

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— Eu jamais vou voltar para ele, Ettore. –


Disse me lançando contra seu corpo e tentando me
enlaçar nele, mas ele estava receoso de me deixar
ficar em seus braços – Eu nunca, nunca, vou deixar
você. Eu não consigo imaginar minha vida sem
você. Eu não consigo me imaginar respirando sem
você.

— Mesmo quando eu o matar?

— Não, Ettore. Você não vai matá-lo. Me


ouviu? Não vai matá-lo.

— Me dê um único bom motivo para não fazer


isso. Por que estou louco para pegar minha arma e a
punhetar na cara dele.

— Por que Amora precisa do sangue dele, não


seja burro.

— Lívia, eu tiro cada gota do sangue daquele


homem e coloco numa jarra para minha filha.

— Não, você não vai matá-lo, Ettore! Eu não


vou saber como conviver com um assassino.
Amora não vai saber viver e ter respeito por um
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homem do qual ela possa suspeitar que matou o pai


dela, mesmo que ele seja o diabo em pessoa.

— Ah, doutora... – Ettore olhou para mim e eu


pude ver que estava completamente determinado.

— Ettore, não vai matá-lo. Quebre todos os


ossos dele se for preciso, mas não o mate. Eu disse
que lhe daria uma noite, mas eu precisava que ele
acreditasse nisso. Eu precisava que ele viesse doar
o sangue que nossa filha precisa para ser operada.
Só o fato de ela ter mais chances de voltar a andar
vale esse sacrifício. Mas não pensei em dormir com
ele nem um só minuto.

Nada vai ficar bem, eu sei, mas eu não posso


evitar de falar.

— Ele quer uma noite, Ettore. Ele quer uma


noite comigo, mas não vamos dar-lhe essa noite
que ele pede. Eu montei a armadilha, Ettore. Agora
podemos pegá-lo e mantê-lo distraído até que
Amora esteja bem.

— Meu Deus, não sabe o quanto fica gostosa


quando está assim perigosa. Eu a foderia se não
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estivéssemos num hospital.

— Eu sei... – Sorri de leve. Seu jeito garotão


surgindo outra vez – Ele quer uma noite, lhe
daremos uma noite. Finja, pelo amor de Deus, que
não sabe dos nossos termos.

— Não se preocupe, doutora. Enquanto Amora


não estiver bem, não farei nada. Ele quer uma
noite? – Sorriu contra minha boca antes de me
beijar profundamente – Eu vou lhe dar uma noite
digna de um rei.

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CAPÍTULO 59 | Ettore

A cirurgia correu bem. A cirurgia correu


totalmente bem e as suspeitas da equipe se
confirmaram. Amora realmente tinha sido vítima de
um erro médico que nunca teria sido descoberto se
a mãe dela e eu não tivéssemos gastado uma
fortuna com médicos especializados.
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Quantas vezes a menina foi internada com


dores e eles “apenas” fizeram procedimentos para
aliviar a pressão na área da lesão sem nem ao
menos investigá-la mais a fundo?

Quantas pessoas mais sofriam disso


constantemente sem os meios para descobrir a
origem de seus problemas? Pela primeira vez, em
muito tempo, abençoei o dia da morte de Cesare,
pois, sem ela, eu jamais teria condições de arcar
com o tratamento que poria fim as dores de minha
filha.

Eu nem queria pensar nisso. Por que eu tinha


sofrido tanto com ela esses últimos tempos que era
como se eu mesmo a tivesse parido, sendo que nem
tenho estrutura anatômica para isso.

Amora acordaria em breve depois da cirurgia


que pareceu durar uma eternidade. Foram quase
sete horas de cirurgia. Além do tempo de preparo
depois que coletaram o sangue de Stephen, tiveram
que fazer todo o preparo do mesmo para poder
iniciar os procedimentos.

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Enrico tinha supervisionado o corpo cirúrgico e


agora, mesmo depois de exausto, explicava como
seria a recuperação de Amora. Que, a partir de
agora os exercícios fisioterápicos iriam reabilitar
completamente o movimento das pernas, recuperar
o controle da bexiga – que estava sendo afetada
pelo material estranho no corpo – e que ele não
podia precisar ao certo em quanto tempo Amora
voltaria a andar, mas que em um mês ela já poderia
iniciar o uso do exoesqueleto para lhe ajudar na
sustentação e para dar os primeiros passos.

Lívia estava numa das salas do andar principal


sendo obrigada a tomar soro e algumas ampolas de
vitaminas depois de ter passado mal duas vezes. O
cheiro do hospital a deixava enjoada. Ela até tentou
resistir, mas não a permitiram entrar imediatamente
no quarto de cuidado intensivo para onde Amora
fora levada. Não até que verificassem se não estava
com alguma virose e até passar o tempo de
recuperação da minha menina.

A cicatriz nas costas de Amora era mínima.


Com as técnicas aprimoradas de cirurgia que
tornaram o doutor Enrico um dos principais
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especialistas na área, sua equipe conseguiu remover


o material com minúsculas incisões. A cirurgia dez
vezes mais cara do que o procedimento comum,
traria muito menos risco de infecção e uma
recuperação mais rápida.

Pelo menos essa foi a promessa de Enrico.

E ele a estava cumprindo fielmente até então.

Enrico me deixou sozinho por alguns instantes


para atender outro paciente enquanto a equipe dele
terminava a instalação de Amora no quarto. Eles já
estavam quase terminando quando Lívia se juntou a
mim outra vez. Seu olhar estava apreensivo, mas
não tinha mais os mesmos toques de preocupação
de antes.

— Você está bem?

— Estou sim. – Disse com voz baixa – Assim


que isso tudo acabar, tenho uma coisa para contar
para você.

— Conta logo. – Disse envolvendo as mãos


dela na minha cintura e abraçando-a pelos ombros.
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Minha boca deixou um beijo em sua testa e ela


olhou para mim outra vez antes de esconder o rosto
cansado de minha visão – Tem alguma coisa a ver
com aquele maldito? – A fiz olhar para mim outra
vez.

Lívia sacudiu a cabeça.

— Não, tem a ver conosco. Não se preocupe,


não é nada grave. – Então continuou depois de
respirar fundo – Eu vou vender minha parte da
Davani. Ettore, eu não vou mais trabalhar lá.

— Essa foi a coisa mais bonita que você me


disse hoje. Deu até um tesão agora.

— Para de palhaçada, Ettore.

— Não é palhaçada, mas, desculpe, continua.

— Eu morro antes de trabalhar numa empresa


na qual Stephen estará. Morro antes de ceder o
controle dos meus trinta por cento que herdei do
meu pai.

— Você tem razão. – Disse balançando-a pelo


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ombro. Apenas falar nesse homem já estava me


fazendo sentir um ódio tão grande, que se ela não
estivesse do meu lado, meu controle se esvairia
num segundo – mas vamos parar com esse assunto
de morrer que eu não vou aguentar uma vida sem
você.

Mal tinha fechado os lábios, quando um dos


profissionais que estava terminando de instalar
Amora, saiu da sala avisando que tudo estava bem.
Que ela teria que ser mantida sob vigilância e as
visitas não seriam autorizadas em pelo menos dois
dias, mas que poderíamos ficar na sala adjacente e
acompanhá-la através de um painel de vidro.

Parecia que os pesadelos sobre Amora estavam


finalmente acabando e, por mais que eu a amasse
exatamente do jeitinho que é, eu me sentia
extremamente feliz por ela poder ter uma vida
decente a partir de então. Que pudesse ter uma vida
mais normal.

Entramos na sala ao lado e nela havia uma


poltrona confortável na qual Lívia se sentou. Eu
fiquei de pé observando o rostinho da minha filha
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enquanto ela dormia. Finalmente tinha acabado,


finalmente tinha acabado todo o sofrimento da
minha princesa.

— Ettore, Stephen ameaçou tirar a guarda da


Amora caso eu não lhe desse essa noite que ele
tanto quer.

Continuei olhando para a minha filha deitada na


cama. Colocaram-na numa posição confortável
para que não a incomodasse e pelo seu rosto, seu
sono era pacífico.

— Eu mato ele antes dele tentar.

— Ettore, não. Pare com esse assunto de matá-


lo. Por favor. – Lívia disse e senti que estava
usando todas as suas forças para lutar contra o
instinto de esconder as coisas de mim.

Eu tinha que aprender a refrear meu gênio. Essa


mulher podia até me amar, mas ainda tinha medo
de mim. E isso eu não podia admitir. Então,
respondi calmamente fazendo uma promessa que
eu cumpriria. Apenas por que eu precisava demais
do amor dela para desapontá-la.
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— Minhas mãos não derramarão o sangue dele.

— Obrigada...

Disse por fim. Então respirou fundo antes de


continuar.

— Quando eu vender minha parte da Davani,


não sei o que vai acontecer a minha mãe. Ela tem
sessenta por cento de tudo, é verdade, mas não tem
nada com o que se sustentar. Sua parte, ou a
maioria dela, está em bens imóveis e móveis.
Veículos. Não tem tanto dinheiro assim para saber
viver.

— Ah, pelo amor de Deus, Lívia. – Precisei


encará-la. Ela estava mesmo tentando ter pena da
mãe que simplesmente trouxe o próprio demônio
para a vida da filha – Está com pena dela agora?

— Ela é minha mãe, Ettore. Agora sinto que


seu desprezo se tornou mais justificado. Agora
conheço as razões dele e entendo seus motivos. Por
que eu já passei pelo que ela passou. Eu sei o que
ela sofreu na pele e sei o que deve ter sido difícil
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conviver todos os dias com o resultado disso.


Stephen era meu marido e me violou. Por que eu
não queria, não queria mesmo continuar, e isso
apenas o incentivava. Eu sei o que ela sofreu e nem
imagino o quanto deve ter sido difícil para ela
conviver comigo crescendo dentro de si.

— Ela está tentando prejudicá-la e ainda tem


pena.

— Sim, eu tenho.

— Do meu dinheiro ela não vai ver um centavo,


sinto muito. Não vou compactuar com isso. Se
quiser, dê da sua parte.

— Eu sei que é seu dinheiro, Ettore. Já


assinamos o acordo e temos separação total de bens
desde o primeiro dia. Não precisa falar isso.

— Não estou jogando que o dinheiro é meu na


sua cara, Lívia. Apenas... – Andei até ela e ajoelhei
em sua frente – Me escute, apenas não entendo
como pode permitir que alguém tão ruim ainda tire
proveito de você. Está abalada com tudo, doutora,
não pode deixar que isso afete suas decisões agora.
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Está buscando consolo e atenção, mas não


conseguirá isso dela.

— Eu só não quero que Amora cresça sem uma


família. Ela vai ser a única garota do mundo que
não tem nenhum dos avós. Os pais do Stephen não
a veem desde que eu tirei a guarda dele. Meu pai
foi assassinado, minha mãe te odeia e por isso quer
descontar tudo sobre ela.

Lívia estava chorando, puta que o pariu, ela


estava chorando. Ela ficava linda chorando, mas eu
não gostava nem um pouco disso. Estiquei o braço
e sequei suas lágrimas enquanto a consolava.

— Eu vou tentar entender sua vontade de ajudar


sua mãe. Quanto a meus pais, fico feliz que Amora
não os tenha conhecido, para que sua noção de
amor não seja deturpada. Felizmente, tenho um
irmão e duas irmãs que serão tios perfeitos para
minha filha. Nossa filha. Ainda tem a Ingrid e a
Bia. Sebastian e Amanda. Tanta gente ama vocês
duas. Você não está sozinha. Nunca esteve sozinha.

— Eu só não quero que algum dia ela descubra

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que foi você quem foi o responsável por isso. Não


quero que algum dia ela te culpe por tê-la afastado
de todos. Nem culpe a mim.

— Lívia, sua filha te ama. Ama mais que tudo.


Eu amo vocês duas demais para deixar isso
acontecer.

— Eu só devo estar emocional demais... – Disse


fungando.

— Deve ser isso. Está com fome?

— Não. Estou sem fome. Quer que eu vá buscar


alguma coisa para você?

— Eu estou bem.

— Você não come nada tem mais de trinta


horas.

— Eu estou resistindo. Vou conseguir comer


alguma coisa assim que conversar com o Sebastian.

— Vai ligar para o psicólogo?

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— Sim. Eu já tinha ligado para ele antes. Ele


estava me explicando um pouco mais sobre o
transtorno psicológico de Stephen.

— Transtorno de personalidade narcisista.

— Exatamente. Eu tinha que saber exatamente


com quem estava lidando antes de arquitetar
qualquer coisa.

— Certo. – Disse e eu vi que seu estômago


tinha embrulhado por causa do modo que sua pele
adquiriu um toque mais pálido – O que decidiu?

— Não sei ainda. Stephen não é burro e vai


saber que estamos armando para ele se ficarmos
juntos. Então ainda estou pensando nas
possibilidades.

— Podemos nos separar... Provisoriamente! –


Acrescentou quando a olhei com ar zangado. – Isso
me tornaria uma isca para Stephen. Ele pode pensar
que não estamos mais juntos e isso me tornaria
vulnerável.

— Gosto tanto quando está assim malvada... –


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Eu disse já me levantando e colocando um beijo em


sua boca com gosto de gelatina de hospital – Mas
tire seu cavalinho da chuva, isso não vai acontecer.

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CAPÍTULO 60 | Ettore

Quando saltei o muro que levava ao cemitério


particular onde meu pai estava enterrado, foi que a
realidade deu sobre mim de verdade. Milhares de
toneladas de sentimento rolando sobre mim,
deslizando sobre cada centímetro de meu corpo,
enquanto eu era esmagado por uma saudade
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absoluta.

As lápides eram todas parecidas. Tantas pessoas


com histórias diferentes, com passados parecidos,
perdidas em algum ponto de suas vidas - O ponto
de não retorno – e a partir dali se tornando cada vez
mais envolvidas com o mundo do crime.

— Trouxe algo que sei que gostaria, meu velho.


– Eu disse enquanto retirava da sacola de uma
marca de lanches famosos o seu conteúdo – Que
porra eu estou fazendo? Estou mesmo falando
sozinho?

Questionei e percebi que continuava a indagar o


vento enquanto olhava para o ambiente ao redor.
Tantos nomes familiares gravados em pedra.
Tantos amigos que partiram cedo.

Meu próprio pai que tinha partido agora que


começava a criar algum juízo, agora que seu filho
tinha encontrado “uma boa mulher” como ele tinha
se referido a doutora Montebello tantas vezes.
Agora que eu tinha lhe dado uma neta.

Meu pai que tinha readquirido um pouco de sua


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humanidade depois de passar um tempo em meu


seio familiar e perceber que ainda havia alguma
esperança para homens como eu, para homens
como ele.

— Trouxe isso aqui para o senhor não puxar


meu pé e me assombrar pela eternidade por causa
desse lanche ruim da porra.

Eu sorri de leve, mas meu olhar ainda era fixo.


Por que eu estava falando com uma projeção de
minha própria mente. Eu estava falando com
alguém que não podia mais me ouvir. Com alguém
que tinha partido e que eu não teria mais.

O céu cinzento e o frio que fazia na cidade não


me assustaram e eu continuei ali em silêncio
esperando trombetas tocarem para meu pai
reaparecer.

Meu pai sempre me dizia que na primeira vez


que ele matou um homem, o mundo não se tornou
mais o mesmo lugar para ele. O mundo foi se
tornando um labirinto escuro, sem cheiro, sem
sons, de onde se era incapaz de sair por que de nada

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valiam os olhos ou os sentidos.

Que já não era mais o mesmo, tinha chegado ao


ápice da falta de amor e que fazer qualquer outra
coisa tinha se tornado fácil demais. Que por isso
lutava tanto para colocar rédeas em mim, por que
não queria que meus pesadelos fossem
atormentados por dezenas de rostos como o eram
os dele.

Ele nunca quis que eu lhe fosse igual.

Por que dizia que meus próprios medos já


deveriam bastar.

Por que não queria me ver mergulhado em seus


próprios medos.

Porque ele ainda conseguia ver o rosto do


homem lhe assombrando em seus sonhos, que
depois disso, depois de perder sua humanidade, ele
tinha perdido completamente o respeito pelas vidas
de qualquer pessoa, matar tinha se tornado mais
fácil.

E foi Enzo quem tinha me colocado juízo toda a


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minha vida.

Foi ele quem me ensinou a utilizar os punhos e


aprender a me controlar quando meus oponentes
estavam prestes a ter cada osso de sua face
trucidado. Foi ele quem me ensinou a refrear meus
instintos quando eu me envolvia em alguma briga.

Agora que ele tinha ido embora, eu me sentia


livre para ser o pior que eu sempre quis ser, mas
que nunca tive permissão para tanto.

Eu estava sentado num banco de concreto que


ficava de frente para a fileira de lápides onde
estavam escritos os nomes de tantos outros capo-
regimes como Enzo. Tantos outros homens que não
viram sua cabeça ficar inteiramente branca por que
foram tomados da vida antes do tempo.

O cachorro-quente em minha mão, que eu


comia com certa ânsia por causa do nome peculiar
que meu pai lhe tinha batizado, estava perto do fim.
Uma justa homenagem ao homem que tinha me
criado como um filho, como o filho que nunca pode
ter com sua esposa, e que me fez não me tornar

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apenas outro pérfido como Cesare.

— Eu não mandei que ficasse em casa, criança?

A voz de Martin se espalhou pelo ambiente e eu


fechei os olhos em antecipação de sua exortação.
Um longo casaco cinzento sobre um conjunto
simples de ficar em casa. Um jeans e uma camisa
polo. Martin não se parecia em nada com os
mafiosos dos filmes quando estava à vontade, mas
não era por isso que se deveria ter menos medo.

Eu sabia que ia descobrir que eu tinha vindo ao


cemitério de propriedade dos Madrazzo, um
pequeno terreno com gavetões familiares, um
mausoléu dos líderes da família e várias lápides em
homenagem aos principais serviçais do homem que
me olhava com ar severo agora.

— Perdão, monsenhor Madrazzo. – Eu disse no


melhor tom de respeito que encontrei – Eu
precisava me despedir. Eu precisava me despedir
de meu pai decentemente.

Madrazzo sentou-se ao meu lado no banco de


pedra e olhou para o resto de cachorro-quente em
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minhas mãos antes de olhar para a frente outra vez,


mais precisamente, para o retângulo de pedra
cinzenta que tinha o nome do meu pai esculpido
com sua data de nascimento e de morte. Ao lado, o
nome de Sara com um floreio na letra inicial de
cada nome, expressando exatamente a delicadeza
que ela sempre fora em vida.

Eu tinha perdido minha mãe duas vezes. Meu


pai, apenas uma.

— Encontramos o culpado pela morte de seu


pai.

— Monsenhor Madrazzo? – Perguntei em tom


de quem não tinha acreditado facilmente – Quem?

— Mauro Laganno. Um serviçal de menor


escala desses malditos. Tinha se filiado
recentemente e se infiltrou facilmente naquele
estádio. Você e seu pai foram descuidados. Sabem
bem que depois de um serviço como aquele no
clube de strip-tease não deveriam ficar a vista tão
facilmente.

— Monsenhor, quer dizer que aquele homem


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no clube de strip-tease foi quem deu um fim ao


meu pai? Aquele fraco e miserável?

Madrazzo puxou um cigarro do bolso e o


estendeu para mim. Tomei-o e coloquei na orelha,
eu não diria que não, mas também não fumava.
Então apenas aceitei-o sem reclamar. Eu não era
louco de fazer uma desfeita.

— Não, estou dizendo que depois de um


serviço deveriam ter tomado mais cuidado. Mauro
apenas foi contratado para realizar um serviço e o
aceitou prontamente.

“Porra! Porra! Porra!”

Minha mente xingava internamente e eu usava


cada fibra de meu ser para não me descontrolar.

— Quando descobriram isso, monsenhor?

— Utilizamos um pouco de carinho e técnicas


psicológicas de persuasão. – Martin deu um sorriso
sádico – Seu pai aprimorou muitas dessas técnicas,
Ettore.

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— Quem, monsenhor Madrazzo?

Martin meteu a mão no bolso e retirou um


aparelho celular moderno. Deslizou o dedo pela
tela duas vezes e então estendeu para mim para que
eu descobrisse a imagem. A pessoa que matou meu
pai.

Eu já esperava. Claro que eu já esperava.

— Stephen Mayer contratou Mauro Laganno


para acabar com você, mas o Mauro é um rejeitado
da escória Laganno e não passa de um marginal de
quinta categoria. Em respeito a Sara, minha irmã, é
que não vou lhe surrar agora por ter me
desobedecido diretamente. E em respeito a
promessa que lhe fiz, é que não vou mandar que o
mate imediatamente.

Estendi meu olhar para Martin outra vez


enquanto lhe devolvia o celular.

— Sua mãe me fez prometer que nunca te


deixaria matar alguém. Enzo também te salvava da
forma que podia de seu próprio descontrole. No
entanto, sei como é a sede de vingança e não vou
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me sujar com esse homem que é problema seu até


então.

Continuei a ver as palavras que saiam de sua


boca enquanto ele as liberava gradativamente e
depositava uma nova responsabilidade sobre meus
ombros.

— Stephen está em suas mãos, Ettore. Faça


dele o que te aprouver e cobriremos os rastros. Se
quiser matar, mate-o. Se não quiser, deixe claro que
nós o faremos.

— Ninguém mexe com a família Madrazzo.

Assenti enquanto enunciava a frase. Meu


coração a ponto de explodir e minha vontade de
perder o controle imediatamente apenas me
deixando criar uma nova espécie de ódio por
Stephen.

Uma nova espécie de sentimento que me fazia


perder a racionalidade devagar e esquecer todas as
minhas promessas.

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CAPÍTULO 61 | Ettore

Agora a doutora Montebello não era a única a


guardar segredos. Eu mesmo tinha que começar a
guardar segredos de minha mulher embora eu
odiasse isso. Minha vontade de matar Stephen
apenas aumentando quanto mais eu remoía a raiva
dentro de mim.
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— Ettore, voltou antes do que eu esperava. –


Lívia veio até mim e a abracei enquanto, pela
primeira vez em muito tempo, eu não fechei meus
olhos para inspirar mais profundamente seu cheiro.

Estava escuro na minha cabeça. Precisava


continuar assim pelo tempo que fosse necessário.
Precisava ficar assim enquanto eu pudesse me
vingar.

— Sim, não podia demorar demais lá fora.


Precisava estar aqui ao seu lado.

Lívia me sorriu e estava prestes a falar alguma


coisa, quando seu telefone tocou. Um olhar de
confusão e descrença em seu rosto enquanto via
que não tinha identificação no visor do aparelho.

— Atende.

Eu disse num tom sério e ela assentiu antes de


atender.

— Doutora Montebello, quem fala?

Seu rosto adquiriu certo ar de desmaio que


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acentuava ainda mais a palidez já excessiva de sua


pele. Deslizei a costa da mão contra seu rosto
enquanto lhe passava a força necessária para que
pudesse prosseguir.

O olhar dela em mim tinha toques malvados.


Detestei admitir, mas ficaria duro fácil se ela
continuasse a me olhar assim.

— Sim, sou eu Stephen. O que quer? Não cansa


de me atormentar?

Meu sorriso de canto era mínimo, mas estava


presente. Eu odiava utilizar a minha mulher como
isca, mas se fosse necessário isso para trazê-lo até
mim, era isso que eu faria.

Lívia interpretava muitíssimo bem o papel de


mulher atemorizada. Enquanto sua voz tinha toques
de desespero fingido, sua pele se arrepiava
enquanto minha mão desceu por seu pescoço,
saboreando com minha própria pele, o toque suave
da sua.

“Uma ligação apenas e Amora é minha...”

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Eu consegui ouvir, já que Lívia tinha colocado


em viva-voz antes de atender, a ameaça de Stephen.
Ele realmente achava que ia tirar minha família de
mim. Ele não fazia nem ideia do que lhe esperava.

— Preciso pensar. Eu vou ter que dar uma boa


desculpa ao meu marido, Stephen. Por favor, me
livre disso. Me libere disso.

Uma risada do outro lado da linha. Então sua


voz que falou calmamente “Vamos nos encontrar
no domingo pela tarde no hotel La Traviatta.
Espero realmente que esteja desacompanhada, por
que tenho alguns juízes em meu lado que
concordaram tranquilamente que uma menina como
Amora não pode ser criada num lar regido por um
sujeito tão instável”.

Instável? Ele ainda não tinha provado nem um


centésimo do quão instável eu poderia ser. Minha
mão agora deslizou pela lapela do blazer verde-
claro que Lívia usava. Meus dedos roçando pela
pele de seus seios enquanto ela fechou os olhos ao
sentir a tensão que fluía de mim para si.

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— Eu concordo, Stephen. Estarei nesse hotel no


quarto quinhentos e quatro no domingo às oito
horas. Não... Eu sei o que vai tirar de mim caso eu
conte para Ettore... – Ela gaguejou de leve quando
minha boca deslizou por seu pescoço – Apenas...
Por favor, pare com isso... Não me perturbe mais...
Eu farei o que quiser, mas deixe-me ir.

Lívia desligou e minha boca encontrou a sua


num beijo que servia para me trazer de volta para a
realidade. Por que só de pensar na ousadia de
Stephen, minha vontade de dar um fim em tudo
crescia ainda mais.

O problema era que eu era bastante paciente


quando tratava de me vingar. E eu esperaria o
tempo que fosse preciso para acabar com esse
homem devagar e dolorosamente.

— Precisamos planejar isso. – Eu disse quando


me afastei de sua boca e deixei-a ainda sem ar
enquanto mordia os lábios. Seus olhos, duas
piscinas profundas de mel derretido, me encararam
numa expressão que era uma mistura de desejo e
apreensão.
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Talvez ela estivesse sentindo a minha ausência.

Talvez não.

Toretto tinha assumido o controle da minha


racionalidade. O apelido de cachorro que meu pai
deu para mim, já que conforme suas próprias
palavras, eu era traiçoeiro como um cão raivoso,
estava cada vez mais se assentando propriamente
sobre meus ombros.

— Eu vou ao hotel e você vai entrar lá em


seguida. Então o obrigaremos a anular a procuração
que minha mãe lhe deu e você vai fazê-lo nunca
mais querer se aproximar de nós novamente.

— Exatamente isso. – Concordei, talvez Lívia


não conseguisse ver minha mentira estampada em
meu rosto. – Farei que nunca mais se aproxime de
nós novamente.

— Ettore...

— Não vai na minha frente, Lívia. Se ele disse


que vai estar nesse hotel e nesse quarto,
provavelmente vai ter tudo planejado. Vou dar um
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jeito de estar lá antes de você. E quando ele pensar


que vai te encontrar naquela porra de hotel, serei eu
quem estarei lá completamente disposto a lhe dar a
noite de rei que pediu.

— Eu tenho medo. – A doutora Montebello


abriu o coração para mim, mas eu não estava num
estado bom para consolá-la – Eu tenho medo do
que pode acontecer.

— Eu também.

Respirei fundo e acrescentei em seguida.

— A partir de hoje vai andar com uma arma


dentro do carro. Sempre que sair, para qualquer
lugar que for, até se for cozinhar, vai estar com a
sua arma no carro. Eu peguei algumas do estoque
do meu pai e estão na minha coleção na área de
lazer lá de casa. Tenho duas glocks dezenove
milímetros. Posso ensiná-la a atirar. Uma delas vai
estar sempre com você.

— Eu sei atirar, Ettore. Meu pai me levava para


caçar e eu mesma participei de uma competição de
Skeet Shooting na faculdade. Não tenho problemas
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com armas, apenas espero não precisar usá-las.

— Onde você esteve a minha vida toda? –


Perguntei quando uma nova onda de desejo cresceu
em mim. Eu desejava a mulher a minha frente, que
me admirava com seus olhos escuros e seus cabelos
incendiários todo o tempo, mas o tesão da porra
pareceu crescer exponencialmente agora que ela me
revelava esse fato.

— Por aí, enquanto você estava com todas as


mulheres erradas que conheceu antes de mim.

Meus lábios se esticaram de leve enquanto eu


lhe puxei num beijo apressado. Puta que o pariu,
não ia ter um dia que meu pau não ia latejar quando
eu estava perto dessa mulher?

Meu plano de não fodê-la num hospital parecia


cada vez estar mais indo para o buraco. Minhas
mãos estavam apressando-se para retirar seu blazer
quando ela pediu que eu parasse:

— Não, por favor, Ettore. Aqui não. Eu não vou


conseguir.

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Refreei meu instinto e descolei meu corpo do


dela levemente enquanto sentia a luz se afastando
de mim outra vez. Beijei o alto da sua cabeça
enquanto puxei-a contra meu corpo de novo. Dessa
vez com toques mais calmos. Com movimentos
tranquilos que não a assustassem.

— Está tudo bem. Desculpe ter me empolgado


demais.

— Eu queria também, apenas não sinto que


poderíamos fazer isso aqui sem que eu enjoasse
com esse cheiro de material de limpeza
concentrado.

Acenei positivamente e nosso planejamento


pareceu simplesmente não importar mais quando
ouvimos uma movimentação de enfermeiros
entrando no quarto de Amora.

Ainda estávamos na sala vizinha, o horário de


visita tinha passado, então apenas estávamos
dormindo e a observando enquanto era mantida
inconsciente para que se recuperasse melhor e mais
rapidamente.

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Saímos da sala onde estávamos e topamos com


o doutor Enrico no corredor. Ele olhou-nos com um
sorriso amigo e falou com um tom esperançoso que
nos trouxe um pouco de paz nesse momento de
apreensão.

— Coloquem um sorriso no rosto, vamos


acordar Amora neste momento.

— Podemos ficar ao lado dela? – Perguntei e


esperava que sua resposta não fosse negativa.

— Absolutamente. Vão colocar uma máscara


no rosto, passar um álcool nas mãos, mas apenas
isso. Eu vou chamá-los em no máximo quinze
minutos.

Enrico cumpriu o que prometeu. Já estávamos


com a máscara no rosto quando nos autorizou a
ficar ao lado da cama onde Amora estava e disse-
nos para falar baixo para que ela nos
compreendesse. Que ainda estaria um pouco grogue
pelos medicamentos.

Eu vi os olhinhos de Amora tremerem de leve


enquanto ela se esforçava para acordar. O
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profissional especializado descartou a agulha com o


remédio que cortava o efeito da indução e logo se
afastou enquanto Enrico e uma outra médica, que
eu não conhecia, vieram falar com Amora.

Fizeram algumas perguntas para as quais


Amora teria que responder sim ou não. Livia já
estava coberta de lágrimas ao meu lado. Meu
próprio olhar marejado pela felicidade que era ver
minha filha acordando.

— Papa Ettore... Mamma... – Disse com uma


voz baixinha e um sorriso muito fraquinho no rosto.

— Como está, minha princesa? – Perguntei


enquanto Lívia alisava seu rostinho e eu segurava
seus dedinhos entre os meus próprios. – Sente
alguma dor?

— Não... – Respondeu com um meio sorriso e


uma preguiça na voz – Não dói nada.

Olhei para Enrico com extrema gratidão e Lívia


beijou o rosto da filha enquanto ainda não
conseguia dizer nada. A emoção grande demais
para conseguir controlar-se.
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Minha filha não sentiria mais dor, isso era a


maior benção que o dinheiro que recebi do
maledetto pode me dar. Houve um pouco de luz no
meu mundo. Por um breve momento.

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CAPÍTULO 62 | Lívia

Independente da forma que aconteceu, eu


bendigo todos os dias o minuto em que vi Ettore
pela primeira vez. Bendigo todos os dias o
momento em que seus olhos azul-centaurea
passaram pela primeira vez em minha vida.
Bendigo o momento em que seu jeito furioso
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entrou em meu carro e colocou o cinto-de-


segurança com uma reclamação.

Por que foi a partir daquele momento que eu me


esqueci como era respirar com tranquilidade.

Foi a partir daquele momento que eu comecei a


sentir que havia forças suficientes em mim e que eu
não era uma coitada com um passado triste. Eu era
alguém com força para escrever minha própria
história.

Eu era alguém digna de ser amada. Ettore me


fez sentir amada, aos pouquinhos, até que eu não
conhecesse outro sentimento. Até que eu não
quisesse outro sentimento em minha vida.

Neste momento, enquanto vejo o rostinho de


minha filha, já sem a expressão abatida que refletia
seu sofrimento de antes, eu só consigo sentir por
esse homem um amor tão forte que seria capaz de
arrancar cada pedaço de mim como uma oferta,
caso ele fosse uma divindade.

— Mamma, quando vamos para casa? – A


pergunta dessa vez não tinha o tom triste das tantas
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outras vezes que permanecemos em um hospital.


Agora tinha toques felizes de quem já sabe que, por
mais que demore, vai se recuperar.

No final das contas, não foi Stephen que tinha


lhe causado essa dor.

— Ainda é sexta-feira, filha. Enrico disse que


vai ter que esperar até a segunda-feira para poder ir
para casa.

— Quero ir logo para mostrar ao Sully o meu


filme.

Eu tinha presenciado a discussão entre os dois


quando vim rendê-lo pela manhã. Amora tinha
acordado bastante cedo e Ettore estava indignado
ao descobrir que seu apelido se devia a um ET
verde e cor-de-rosa. Então Amora explicou que não
era bem assim e que em breve os dois veriam o
filme e ele iria entender tudo.

Ettore concordou e eu fiquei me perguntando


quem era mais criança entre os dois. A menina que
sorria do padrasto que lhe mimava a cada minuto,
ou Ettore com sua cara enfezada ao descobrir que
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não tinha Monstros S.A. no pay-per-view do


hospital.

— Ele vai chegar daqui a pouco. Se eu o


conheço bem, é capaz de assistirem filmes
pirateados no celular, mas ele não vai ficar sem
conhecer o tal Sullivan.

Mal tinhamos fechado a boca, Ettore foi


entrando no quarto de Amora. A animação no
rostinho dela era contagiante, acho que no meu
também, ao ver que ele estava com uma sacola
cheia de chicletes de tatuagem temporária.

Seu conhecido moletom preto e boné do


Lumezzane completando o conjunto. Coturnos das
forças armadas que pareciam ser seus sapatos
favoritos, quase como meus Loubotins. Ele retirou
o boné da cabeça e bagunçou o cabelo antes de
colocar a sacola de doces nas mãozinhas estendidas
de Amora.

— Pensei que tinha sido clara sobre a


quantidade de açucares a que essa menina...

Ettore colou um beijo na minha boca, foi rápido


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e duro, mas me fez ficar de boca aberta e a frase


morrer no ar. Ele olhou profundamente em meus
olhos antes de dizer num meio sorriso ao ver minha
expressão de quem tinha acabado de ser bem
beijada.

— Gosto mais quando está assim. – Então


sorriu amplamente – Deixa a menina ser feliz só
hoje. Estava com saudade demais dessa sua boca
grande.

Fiz que sim com a cabeça e limpei o canto da


boca. Graças a Deus Amora estava distraída já
tirando suas tatuagens das embalagens.

— Conseguiu descansar?

Ettore fez que sim com a cabeça antes de deixar


um beijo na bochecha de Amora.

— Dormi praticamente o dia inteiro.

— Estava precisando. – Eu disse – Não tem


pregado o olho um minuto durante as noites.

— Alguém tem que garantir que Amora não vai


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precisar de nada.

Seu rosto era gentil, mas seu olhar tinha ainda


uma escuridão que me assustava de leve. Talvez eu
tenha colocado pressão demais sobre seus ombros
ao contar tudo o que estava me acontecendo.
Lamentei que não pudesse contar agora uma notícia
que, certamente, iria iluminar seu dia, mas ainda
estava preparando um anuncio especial.

Ettore comprou um tablete rosa para Amora e


deve ter baixado uma cópia pirata do filme, por que
não lembro de nenhuma empresa que forneça –
gratuitamente – os filmes de Monstros S. A. e todas
as temporadas de Coragem, o cão covarde.

Assistimos o filme e Ettore ficou indignado


quando descobriu quem era a inspiração para seu
apelido. O problema é que ele já tinha se apegado
demais ao apelido que Amora lhe tinha dado para
se chatear.

Quando a noitinha começou a cair, precisei me


despedir. Eu já estava desde as oito da manhã com
minha filha, sem parar um só minuto, e o sono

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vinha com tudo. Além disso, ainda tinha a surpresa


para Ettore que me deixava mais sonolenta ainda e
eu não podia me descuidar.

— Mamãe está indo para casa, baby. – Eu disse


beijando o alto da testa de Amora – Vai ficar bem?
Vocês vão ficar bem?

Amora estava segurando o tablete com os


bracinhos cobertos de tatuagem. Na tela, coragem
estava lutando contra um pé gigante feito de fungos
que tinha engolido o Eustáquio. Ela mal olhou para
mim quando acenou positivamente.

— Acho que isso responde sua pergunta. – O


sorriso de Ettore era tranquilo enquanto ele olhava
para meu rosto. Sim, haviam segredos no fundo da
piscina azul que eram seus olhos.

Ele se levantou e andou até a porta comigo,


deixando um beijo em minha boca antes de ir.
Sussurrou um “Mal vejo a hora de podermos ficar
juntos novamente. De irmos para casa. Preciso de
você...” enquanto seus lábios avermelhados ainda
buscavam os meus.

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— Eu preciso ir, me sinto imunda com tanto


cheiro de hospital.

— Não se sinta, está linda assim, mas tome um


banho demorado na hidromassagem. E durma bem.
Não precisa vir cedo amanhã, dormi bastante e vou
ficar inteiro até que se recupere.

— Obrigada. – Disse uma verdade que ainda


não tinha saído de meus lábios decentemente – É o
melhor marido do mundo. Tenho sorte por ter você.

— Eu sei. – Piscou convencido – Também


tenho sorte por ter você, mesmo que esteja fedida.

Sua mão deslizou por minha cintura ao ouvir


meu protesto por ter sido chamada de “fedida” e eu
sorri como se os problemas em minha vida não
existissem por um segundo ou dois.

— Posso ir no Mustang? – Pedi por que lembrei


que a Braunability estava praticamente sem
combustível e eu estava exausta demais para ainda
parar num posto de gasolina, mesmo que isso
demorasse apenas alguns minutos.

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— Pode sim. – Ettore disse – Apenas tome


cuidado, aquele carro é meu brinquedo favorito. Se
o arranhar, ou qualquer coisa do tipo, vou me
vingar de você.

— Achei que eu tinha seu brinquedo favorito


no meio das minhas pernas.

Ettore estendeu a chave para mim depois de


tirá-la do bolso.

— Achou errado. Você é o meu playground


favorito. – Disse quando seu olhar adquiriu toques
quentes e eu pude sentir a falta que estava em
nossos corpos que se privaram de toques mais
íntimos por uma dezena de dias. – Agora vai,
precisa dormir. Deixei comida para você em casa,
não precisa comer besteiras. Chega de sanduiche de
goiabada e queijo.

— O que posso fazer? São meus favoritos no


momento.

Dei de ombros enquanto já andava para fora da


sala. Amora estava distraída com o desenho na
pequena tela de dez polegadas e eu podia respirar
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tranquila, por que sabia que estava em boas mãos.


Sabia que estava feliz. Estava com o homem que
tinha se tornado seu pai verdadeiro.

Por que fazer o filho, é uma coisa. Amá-lo,


torná-lo querido como se fosse seu, mesmo não
sendo, era para pouquíssimos. Eu tive o privilégio
de ver Ettore se tornando um homem como a raça
masculina deveria ser. Eu tive esse privilégio e não
podia ser mais grata.

Balancei o chaveiro de Ettore na mão e saí do


hospital indo em direção ao estacionamento que
ficava no terreno ao lado. O movimento àquela
hora era bem pequeno, mas o local era bem
iluminado. Passei pela Braunability indo até duas
vagas depois, onde Ettore tinha deixado seu
Mustang vermelho e laranja. As portas destravavam
com a aproximação da chave e eu abri a porta,
prestes a entrar, quando senti algo apertando contra
minhas costelas.

— É melhor não dar um escândalo. – A voz


endurecida falou contra minhas costas. Na posição
em que fui abraçada, qualquer pessoa que passasse
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e visse-me, pensaria que éramos um casal – Sabe


que não tenho medo de feri-la, Lívia.

A voz de Stephen parecia lava quando entrava


em meus ouvidos. Queimando de uma forma lenta
e dolorosa. Intensa. Eu senti terror imediato ao
perceber que nenhum dos que passavam do outro
lado da avenida, tinham se dado conta da expressão
em meu rosto e viraram-se quando viram Stephen
beijando meu pescoço. Provavelmente achando que
eu era uma vadia dada a ser fodida em
estacionamentos públicos.

— Entra nesse carro e não tente bancar a


engraçadinha comigo.

Fiz o que ele pediu quando vi que sua voz tinha


uma ameaça implícita. Quando vi que finalmente
Stephen tinha atingido o grau máximo de sua
loucura. Vivendo numa realidade alternativa onde
não teria recompensa pelos seus crimes.

— Eu tenho vigiado vocês. Como eu podia


supor, não é tão esperta quanto quer parecer.
Deveria quebrar um pouco essa rotina de ficar em

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casa sozinha. Nunca se sabe quando alguém pode


aparecer.

Stephen entrou no carro e colocou a mão por


detrás da minha cabeça. Sua posição pareceria que
estava me fazendo um cafuné, seu olhar
apaixonado e insano confirmariam as suspeitas,
então, mesmo que alguém nos visse, eu não
conseguiria pedir socorro sem que ele enfiasse um
projétil em minha nuca.

— Agora dirija, pequena. Leve-me para sua


casa.

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CAPÍTULO 63 | Lívia

As pessoas estão ocupadas demais com seus


próprios problemas para se preocuparem com os
problemas dos outros. Percebi isso agora, enquanto
eu tentava piscar o farol de uma maneira diferente,
para tentar chamar a atenção dos motoristas que
passavam na via oposta, mas só recebia o vazio em
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troca.

Ninguém se preocupa demais com a sorte dos


outros a não ser que a sua própria seja afetada.
Ninguém se preocupa demais com a sorte de
ninguém. Ninguém mais olha para outro lugar que
não seja suas próprias vidas enquanto a minha
desmorona devagar.

O mundo é um lugar triste, acabei de perceber


isso outra vez.

O carro entra no condomínio e eu estou revendo


em minha mente tudo aquilo pelo que passei nas
mãos do homem ao meu lado. Ele é doente.
Completamente doente. Já sabia que o era antes,
mas ainda pensava que tinha um mínimo de
decência nele por causa da filha. Agora nem isso
mais.

Os seguranças do condomínio acenam e eu


praticamente congelo ao vê-los acenando para
Stephen ao meu lado. Achei que eles seriam minha
salvação, mas, pelo visto, eu não vou ser socorrida
agora. Não quando eles devem ter confundido

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Stephen com Ettore.

Também, com o suéter cinzento muito parecido


com os que Ettore sempre usa, e um boné azul na
cabeça, seria preciso bem mais atenção para não
confundir os dois através dos vidros escurecidos do
carro.

Dirijo enquanto vejo o sorriso de vingança no


rosto de Stephen se alargando. Ele está
completamente alucinado, posso perceber. E seu
jeito de quem está prestes a cometer a maior das
vilezas, só me deixa enjoada.

Preciso ficar calma. Outra pessoa depende do


meu estado de tranquilidade no momento. Eu não
posso ser irracional, dance conforme a música de
Stephen, mesmo que pareça um baile com o diabo.

Entramos em casa e eu já tinha me arrependido


de ter escolhido uma das casas mais reservadas da
região quando vi que, além das luzes da rua, das
luzes da casa projetadas contra a fachada, nenhuma
outra indicava qualquer movimento.

Ainda olhei com esperança para a área no carro


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de Ettore onde ele guardava a Glock, mas elas


foram frustradas quando vi o espaço vazio. Ele
estava carregando-a no coldre das costelas. O
volume dos suéteres e dos moletons sempre
escondendo a pistola. Minha própria arma, que
Ettore tinha mandado que eu não deixasse fora do
carro, no tanque da minha Braunability.

Entramos na casa e Stephen veio atrás de mim,


garantindo que as minhas passadas fossem certeiras
e que eu não tentasse escapar para lugar nenhum.
Ettore já tinha me dito para contratarmos gente para
ficar na casa vinte e quatro horas, pessoas que
dormissem no trabalho, um vigilante armado que
ficaria na casita do caseiro, mas eu sempre fui
empurrando isso com a barriga. Por que dizia que
não podia me amarrar demais e nem gastar demais
numa vida que talvez não fosse para mim.

Eu sempre estive tentando fugir dessa minha


vida, mesmo que todo o tempo ela estivesse de
braços abertos a me receber. Eu fiquei lamentando
por todo o tempo que desperdicei não amando
Ettore com toda minha alma, por todo o tempo que
ainda tive reservas de seu sentimento. Por que,
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agora que eu estava sozinha nas mãos de um


verme, eu não sabia se conseguiria ser eu mesma
quando as coisas complicassem de verdade. Depois
que tudo acontecesse.

Passamos pela sala e Stephen trancou a porta da


entrada. Mandou que eu andasse em direção ao
final da casa e admirou os quadros nas paredes
enquanto eu apenas ficava tentando andar o mais
lento possível para ganhar tempo e pensar em
alguma forma de sair de onde eu estava.

— Sabe, Lívia. Eu sinto que poderia morar aqui


com você. É uma bela casa, parece ter tudo o que
precisamos para ter nossa família outra vez.

Louco! Definitivamente estava louco.

— E sua casa em Londres?

Perguntei me referindo a casa que dividimos,


também ao seu apartamento que tinha pelo menos
cinco quartos. Por que ele não ia morar no país
dele, longe de mim, de minha filha, de Ettore, e de
tudo o que eles representavam em minha vida?

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— Os malditos dos Mayers me deserdaram e


tomaram o que eu ia receber da fortuna. Estão
decepcionados depois de descobrirem um pouco
mais sobre meus meios para chegar aos assentos da
suprema corte.

Eu não queria saber, não me importava nem um


pouco, mas deixei que levasse sua conversa por
quanto tempo preferisse, minha mente apenas
tentando encontrar uma forma de escapar com vida
de onde eu estava. Uma forma de não ser tocada
por esse homem outra vez.

— Então bastaram algumas ligações, alguns


encontros, algumas taças de vinho para que sua
mãe estivesse exatamente onde está agora. –
Stephen disse enquanto andava até perto de mim –
nas minhas mãos.

— Estava saindo com minha mãe?

Perguntei para que continuasse a falar. Quanto


mais tempo continuasse a falar, menos tempo teria
para me prejudicar.

— Sua mãe, a doce senhora Bataglia Davani, é


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uma mulher rica, mas é apenas isso. É uma mulher


bonita, é verdade, mas é tão carente, tão
malditamente carente que chega a me dar asco.
Vive competindo pelo meu afeto, como se suas
juras de amor pudessem me fazer tirar meus olhos
de você. Acho que sua paixão por mim é o motivo
dela te odiar tanto. Lembra como ela era carinhosa
com você há até uns quatro anos atrás?

Minhas memórias eram tão diferentes agora que


eu estava com medo, que ficava até difícil lembrar.

— Sua mãe é tão facilmente moldável. Faz tudo


o que eu quero com a esperança de que eu a coma.
Eu até o faria, se não fosse você quem estivesse em
minha cabeça vinte e quatro horas por dia. Todos
os dias do ano. Você não me deixa respirar em paz,
Lívia. Não me deixa viver tranquilo desde que foi
embora tomando minha filha de mim.

Parou um pouco e continuou:

— Acha mesmo que eu queria machucar minha


filha naquele acidente? Achou mesmo que eu tive
culpa.

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— Agora que eu pensei direito, sei que não.

Isso, Lívia, jogue seu jogo.

— Tem razão. Eu não quis. Eu amo aquela


menina. Amo minha filha.

— Por que pediu isso aqui em troca do sangue


para salvá-la, então?

— Eu faria isso de um jeito ou de outro. Não ia


deixar que a única coisa que nos mantem ligados
fosse acabada assim. Apenas uni o útil ao
agradável. E soube que não iria recusar. Por que sei
do quanto é capaz de padecer pela sua filha. Pela
nossa filha.

— Minha mãe te deu uma procuração, Stephen.


Por que não tira tudo o que é dela?

— Acha que já não pensei nisso? O problema é


que depois de eu transferir todo o dinheiro de sua
conta e duas propriedades para meu nome, ela
revogou minha autorização de movimentação de
seus bens. Então, voltei ao meu plano original.
Recuperar você, Amora, e a fortuna do maldito
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Montebello.

Eu sabia que alguma coisa tinha mudado, mas


jamais poderia imaginar isso. Enquanto meu pai
esteve vivo, minha mãe não teve coragem de exibir
esse ressentimento que escondia por mim, mas
quando ele morreu, as coisas começaram a
desandar de vez. Eu tinha me tornado a mulher que
não conseguiu satisfazer um homem, a mulher
incapaz de prender um marido, a mulher cuja filha
aleijada – essas eram suas palavras – apenas trazia
preocupações desnecessárias para sua vida.

— É tão esperto, Stephen. Tem certeza que


pensou em tudo? – Eu disse, agradecendo a Deus
por minha voz não tremer quando eu estava a ponto
de chorar, por me dar uma ideia que me fizesse
ganhar algum tempo – Tem certeza que sua cabeça
passeou por todas possibilidades?

Stephen coçou o rosto com o cano da arma e eu


me senti uma ímpia por sonhar com seu dedo
deslizando sem querer no gatilho e ele estourar sua
própria cabeça.

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— Do que está falando, doutora Mayer? Está


querendo me contar alguma coisa? – Suas mãos
vieram para minha cintura e eu teria tentado retirar
a arma de sua mão, se ela não estivesse presa com
firmeza nas minhas costelas.

— Meu contrato de casamento precisa durar


apenas seis meses. Faltam apenas seis meses para
que isso tudo acabe. Seis meses para que eu possa
me separar e levar metade de tudo o que Ettore tem
comigo. Acha mesmo que depois de você eu seria
capaz de amar outro homem? Acha mesmo que eu
conseguiria esquecer de tudo o que vivemos? Nossa
filha, nossa pequena filha que tem o seu sangue
correndo nas veias.

— Uma pena que metade não seja o suficiente,


não é mesmo? Vamos dar um jeito de levar tudo.

Minha cabeça já estava as voltas, mas eu


precisava que ele pensasse que eu estava no seu
jogo. Que era a Lívia que lhe idolatrava, que
beijava o chão que ele pisasse e também as solas
dos pés. Precisava que me achasse fraca. Precisava
que pensasse que me tinha nas mãos, por que se
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isso acontecesse, eu poderia encontrar tempo para


pensar em como escapar.

— Sabe como podemos conseguir tudo?

— Sei sim, doutora Mayer. – O apelido


carinhoso pelo qual Ettore me chamava parecia
simplesmente como esgoto escorrendo de sua boca.
Graças aos céus que eu já não tinha seu sobrenome
me marcando como propriedade sua – Mas eu seria
estúpido demais para contar agora. Primeiro, vai
passar o restante da Davani para minhas mãos. Não
posso deixar que a empresa afunde nas suas
delicadas e incompetentes mãos.

Eu sorri. Só podia ser uma resposta desesperada


ao perigo que eu estava passando. Só podia ser uma
resposta doente ao perigo iminente que resultaria
num pesadelo para o resto da minha vida.

— Vou lhe dar tudo o que quiser, só preciso


que esteja comigo.

Minha barriga embrulhou, mas eu estava me


saindo tão boa atriz quanto Luna Montebello. Por
que conseguia sorrir no meio dessa dor. E Stephen
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estava ocupado demais com seus sonhos de


grandeza para ler o ódio atemorizado em meu
olhar.

— Eu sei que vai. – Disse enquanto ia até a


estufa eletrônica sob a bancada da cozinha e tirava
uma garrafa de vinho dali – Agora tire a roupa para
mim, devagar.

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CAPÍTULO 64 | Ettore

— Mas é claro que ele é azul, olha isso! – Eu


mostrava um close do James P. Sullivan parado
olhando para a tela junto com o tal Mike sei-lá-de-
quê. – Isso é azul.

— Não é, é verde. – Amora dizia. – Mamma


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sempre disse que isso é verde-azulado.

— Então?

— Então que o verde vem primeiro. – Amora


disse com a boca toda suja de roxo enquanto
tentava mastigar seis chicletes de uma vez.

— Vamos discutir por isso, hein. O perdedor


vai ter que guardar os brinquedos por duas
semanas.

— Eu vou ganhar.

Eu estava tentando colocar Amora para dormir,


já que realmente ela estava agitada por causa da
discussão que ainda se estendia, mesmo que não
tivéssemos passado nem cinco minutos do início do
filme.

— Eu sei que vai, mas agora tenta dormir. Sei


que ficou o dia inteiro acordada e não deixou sua
mãe nem cochilar um minuto. As enfermeiras me
contaram.

— Tá bom, quando eu acordar, vamos assistir


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Coragem?

— Com certeza.

Amora ia deitando com o rostinho contra o


travesseiro, quando ouvimos uma agitação na porta.
Embora fosse um hospital, a escandalosa tia de
Amora tinha chegado espalhafatosamente.

— Cadê a minha Baby Mô?!

Ingrid entrou no quarto com pelo menos uma


dúzia de balões de gás hélio. Lucca veio em
seguida. Estava com uma piñata enorme em forma
de unicórnio.

— Tia! – Amora esticou os bracinhos para


Ingrid e eu já sabia que não ia conseguir fazê-la
dormir tão cedo.

As duas ficaram se abraçando enquanto eu fui


cumprimentar Lucca com um aperto de mão e duas
palmadas nas costas depois que ele guardou os
presentes de Amora sobre o móvel projetado do
quarto.

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— E aí, como está, Lucca?

Perguntei e sorri ao ver o rosto de Amora


completamente manchado dos beijos de batom
preto de Ingrid.

— Vou bem. E vocês?

— Indo. Muito melhor agora. Ela sempre é


louca assim? – Perguntei me referindo a Ingrid.

— Não, costuma ser pior às vezes. – Lucca


sorriu e eu fui cumprimentar Ingrid que também me
estendeu a mão, mas em seguida me abraçou e
deixou uma mancha de batom preto no meu rosto
também.

— Eu consegui uma folga da viagem. Os


patrocinadores concordaram e finalmente consegui
vir para— Ettore! – ver minha Baby Mô. Não
esquece de dizer para Lívia que esse batom aí é
meu hein, ela é ciumenta.

— Vou dizer sim, mas vou ter que esperar até


pela manhã. Ela foi para casa dormir e pedi que
viesse só quando tivesse reposto as forças.
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— Ela foi sozinha para casa?

— Precisávamos revezar os cuidados aqui.


Beatriz já tem a nona para cuidar e pode ficar
durante o dia, quando Lívia está, a noite fica sendo
trabalho para mim.

— Entendo. Mas, por que não deixa que eu e


Lucca ficamos com a minha baby hoje?

— Eu não sei se vou conseguir ficar tranquilo.

— Olha, eu era tia de Amora muito antes de


você ser o pai dela, hum? Eu sei cuidar da minha
pequetita. Além disso, eu trouxe o pente da Barbie
que faz mechas coloridas e esmalte rosa com glitter
para pintarmos as unhas. A não ser que queira
participar da sessão de beleza, vai ter que ir
descansar. Vai fazer um irmãozinho para Baby Mô.

Sorri e sacudi a cabeça. Lucca fez o mesmo.

— Vocês têm certeza? – Perguntei olhando para


Lucca dessa vez.

— Claro que ele tem certeza. Não é, Ney? –


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Ingrid já perguntou deitando ao lado de Amora na


cama e fazendo carinho em minha filha.

— Temos sim. – Lucca disse para mim


enquanto já olhava para a namorada sobre a cama
com Amora. – Não se preocupe que eu vigio as
duas. Ela me fez rodar a cidade atrás de lojas que
vendessem isso aqui por que vai pendurar na
lâmpada do quarto e fazer Amora quebrar com um
bastão.

Gargalhei gostosamente dessa ideia, era uma


coisa que eu queria muito ver, mas, como eles
tinham sugerido, a ideia de ir para casa fazer um
irmão para Amora também era grandemente
convidativa.

— Amora, vai ficar bem, princesa? – Fui até a


menina que estava mostrando os desenhos que
tinha feito à tarde para a tia. – Pappa pode ficar se
quiser.

— Ela vai ficar bem, não vai, Baby Mô? –


Ingrid disse puxando a menina para si num abraço.
Graças a Deus Amora parecia estar se divertindo.

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— Vou sim, papa. Tô com saudade da tia.

Aproximei-me dela e deixei um beijo no alto da


cabeça e um beijo no alto da cabeça de Ingrid.
Então fui até Lucca e peguei sua cabeça para deixar
um beijo no alto da cabeça dele também.

— Não podia ficar sem também, né?

Deixei-os com um sorriso no rosto enquanto


saia da sala e prometia que viria o mais cedo
possível. Fui até o estacionamento e peguei a
braunability. O carro estava com a gasolina
praticamente na reserva e eu parei para abastecer.
Comprei dois milk-shakes, um para mim, outro
para Lívia, enquanto apenas dirigia tranquilamente
na direção do condomínio onde eu morava com
minha família.

Por que eu tinha uma família agora. Uma


família que simplesmente era tudo o que eu
precisava e que tinha esperado minha vida inteira.
Quando estivesse livre de todos os problemas que
ainda cercavam minha mente, eu poderia viver em
paz. Lívia já tinha assinado os papéis que

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venderiam sua parte na empresa para uma empresa


especializada nesse tipo de comércio, então
estávamos fechando os motivos para ficarmos
nessa cidade que só me trazia más lembranças.

Teríamos um novo recomeço em outro lugar. E


eu não precisaria mais ser atormentado pelas
lembranças da minha vida de crimes e pela
sensação de que minhas garotas sempre estariam
em perigo.

Parei no semáforo quando ele ficou vermelho e


comecei a tomar minha bebida ali mesmo. Liguei
para o celular de Lívia, para avisar que estava
chegando, mas desisti no meio do caminho, já que
ela já poderia estar dormindo depois do dia
exaustivo.

Continuei a dirigir tranquilamente até que


cheguei ao portão do condomínio. Lívia teria uma
surpresa quando me visse, já que ela não esperava,
nem eu, que Ingrid viesse da Capadócia para passar
o dia com a sobrinha. Então ia aproveitar essa folga
para colocar minha boca no meio das pernas da
minha mulher pois eu estava morrendo de saudade
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disso.

Parei diante da entrada e baixei o vidro do carro


para bater com a mão para os seguranças com os
quais eu sempre brincava quando chegava. Ainda
mais com o mais velho deles, que torcia para um
time que sempre perdia para o meu quando tinha
jogo na região.

Eu mal abri a boca, quando ele olhou para mim


com cara de espanto.

— Chefe, juro por Deus que o senhor acabou de


passar aqui com a patroa faz só uns dez minutos.
Estava de boné e tudo. Até estranhei que não
acenou como de costume.

Meu coração parou por um maldito instante e


eu senti a cor se esvaindo do meu rosto devagar,
embora precisasse ficar controlado para que meu
terror não chamasse a atenção dos dois guardas que
estavam na guarita e eles chamassem a polícia.

— É meu primo. Temos visitas para o final de


semana. Boa noite para vocês.

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Disse já fechando apressadamente o vidro e


tentando manter minha cara de pôquer enquanto
acelerava até minha casa. Minhas mãos batiam na
porcaria do volante pelo menos uma dúzia de vezes
por minuto e a fúria em meu rosto estava num
crescendo absoluto que eu ainda não sabia como
estava conseguindo lidar.

Parei o carro ainda distante da casa, por que se


fosse mesmo Stephen que estivesse lá dentro, como
eu pensava que era, ele não podia saber que era eu
quem estava chegando com sede do sangue dele.

“Puta que pariu, caralho, merda, miserável”

Os xingamentos ficavam apenas na minha


mente, por que eu não queria lhe dar nenhuma pista
de que eu estava chegando.

Com passos lentos me movi até a entrada lateral


da casa, o acesso dos empregados, também o
acesso por onde guardávamos os materiais de
cuidado do jardim, e entrei por ali vagarosamente.

Minhas mãos seguraram a pistola


profissionalmente. Uma delas sob a arma, dando-
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lhe equilíbrio, a outra em uma posição em que


atirar fosse rápido e a mira precisa que Enzo me
ensinou a ter fosse minha melhor defesa. Dei
passos com cuidado.

Bile subiu à minha garganta quando entrei pelo


corredor que saia pela cozinha e vi a cena mais
terrível da minha vida. Lívia estava praticamente
toda despida enquanto Stephen estava rodeando-a
devagar. Seu olhar e suas mãos deslizando pelo
corpo da minha mulher.

Sua maldita boca que eu ia esfolar com facão


prestes a se encostar outra vez no corpo da minha
mulher.

Naquele momento já não era mais eu.

Era como se somente o ódio tivesse tomado


conta de mim, por que eu não conseguia ver outra
cena diante dos meus olhos que não fosse o rosto
de Stephen ensanguentado com um buraco no meio
da testa.

Dei o primeiro disparo na perna de Stephen, por


que matá-lo seria muito fácil agora. Matá-lo daria
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fim em toda a dor que eu queria que ele sentisse.


Em toda a dor que eu tinha planejado que ele
sofresse. E quando ele virou em minha direção,
como se o tiro em sua perna não fosse nada, não
tivesse lhe causado nenhum estrago, apontando a
arma para mim e já prestes a dispará-la. Dei outro
tiro no braço que segurava a arma.

O silenciador fazendo seu trabalho e não


alardeando os vizinhos.

O revolver correu para longe de sua mão


enquanto ele soltou um grito contido de dor. Lívia
se afastou e começou a se cobrir. Eu estava
completamente alheio a dor que via em seus olhos.
Tudo o que queria agora era ver a dor que corroía
minha alma sendo destilada acidamente em cada
parte do corpo de Stephen.

— Solta minha mulher, porra! – Eu disse


enquanto sorria-lhe sadicamente e o arrastava para
o quintal pela gola da camisa. – Levanta para
apanhar feito homem. Agora é hora de jogar o meu
jogo.

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CAPÍTULO 65 | Ettore

Tenho esperado esse dia como a morte espera


suas vítimas. Acabou a misericórdia, acabou a
graça, acabou cada parte da minha racionalidade
que pudesse ter ainda alguma compaixão. Tudo
acabou quando ele colocou as mãos na minha
mulher outra vez.
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— Eu não tinha avisado, Stephen? Porra! – Falo


alto enquanto o arrasto para fora da casa. Meu
sonho sempre foi surrá-lo no deque ao lado da
piscina – Eu avisei para não tocar minha mulher ou
eu te matava.

Stephen finalmente está começando a sentir a


dor na perna e tenta fugir de mim enquanto puxa
minhas mãos para baixo, como se ele pudesse me
derrubar quando estou no auge da minha fúria.

Ninguém conseguiu fazer isso até hoje.

Empurro-o com força e ele cai no chão de


verdade. As costas se estatelando contra o deque
enquanto seu gemido de dor foi como música para
meus ouvidos. Era como se eu estivesse diante de
uma mesa de refeição abundantemente servida de
tudo que mais gosto, incapaz de decidir por onde
começar a me deliciar. Incapaz de decidir qual dos
ossos de Stephen eu quebrava primeiro enquanto
ele olhava para o próprio braço sangrando
lentamente.

— Eu avisei, não avisei, Stephen? – Abaixei ao

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lado dele enquanto olhava o rosto dele se


contorcendo num riso agoniante – Não disse para
ficar longe? Não disse? Hein? Você está
praticamente me obrigando a matar você agora.

Minha mão se fechou ao redor do pescoço dele


enquanto meus punhos se fecharam e ergueram-se.
Meu braço indo até uma curva máxima e então indo
em direção ao seu rosto seguidamente enquanto eu
apreciava o som de seus gemidos sufocados e dos
ossos de sua face quebrando.

O ódio era tanto, que não teve perdão. Não teve


ato de beijar o medalhão que guardava a foto de
minha mãe. Não houve nada. Apenas uma leve
prece para que eu tivesse forças de ir até o final
sem chocar demais a doutora Montebello.

Um... Dois... Três... Quatro... Cinco...

Parei quando vi que sua cabeça estava


molengando demais e eu não queria que ele
desmaiasse, queria que estivesse bastante vivo para
receber a surra que merecia. Levantei-me enquanto
meu coturno de bico-de-ferro encontrou suas

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costelas duas vezes. – Será que eu escutei uma


costela quebrar? – Apenas duas vezes para que eu
não estragasse meu saco de pancadas favorito.

— Levanta, porra. Bora, levanta! – Eu disse


enquanto esperava que revidasse de alguma forma.
Meu coturno foi até o local da perna por onde eu
podia ver que saia sangue, no local onde eu tinha
acertado o primeiro disparo, e eu o pisei com força.
Esmagando meu pé contra a ferida que devia estar
ardendo como o inferno, da mesma maneira que o
meu machucado na cintura, causado por suas
ordens, tinha ardido no primeiro dia – Bora,
caralho! Levanta dessa merda de chão que eu quero
brigar. Só não quebro essa merda desse seu joelho
agora por que quero te ver correndo de mim antes
de eu acertar a sua cabeça.

Retirei o pé e o agasalho, ficando apenas com a


regata branca que usava por dentro, quando
Stephen se levantou. As porcarias dos sapatos
lustrosos de couro brilharam agora com um tom de
vermelho na semiescuridão.

— Eu não tenho medo de você... – Falou


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enquanto cuspia sangue. Eu posso até jurar que


tinha o feito engolir um dente com meus socos.

Avancei para ele outra vez, desprevenidamente


recebi um soco no meu rosto, mas eu até ia deixar
que isso acontecesse. O golpe de misericórdia que
eu lhe daria para que não me sentisse acabando
com um sujeito sem honra. Seus braços me
prenderam e me empurraram para trás, eu caí com
o movimento. Minha cabeça batendo de leve no
chão, mas eu devia estar com tanta adrenalina no
meu corpo, que a dor pareceu nula.

— Mas deveria ter, Stephen...

Disse quando seu rosto estava pairando a


centímetros do meu. Esse homem queria brigar ou
me beijar, porra? Fiz um giro no chão e parei outra
vez sobre ele. Dessa vez minhas duas mãos
apertando seu pescoço enquanto seu rosto
avermelhava pela falta de respiração.

— Tudo isso por causa de uma boceta? – Ele


disse enquanto se desvencilhou empurrando-me
com as pernas e me afastando dele

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temporariamente. Eu me sentia num ringue de


MMA. Eu devia voltar a fazer MMA. Já estava até
me esquecendo do prazer que dá encher os outros
de porrada.

— Eu já sei que foi você quem mandou matar


meu pai.

— Eu mandei matar você. – Stephen diz


enquanto dá alguns passos para trás. Sua coragem
no falar sendo negada pelo modo que seus pés
tentavam fugir de minha aproximação – Aquele
verme só teve a infelicidade de se meter para
morrer primeiro.

Lívia surgiu no quintal, suas mãos cobrindo o


seu rosto depois que ela enrolou o corpo num
roupão. Tentando esconder-se do monstro que tinha
acordado e que eu tentava controlar por tanto
tempo. Stephen aproveitou essa falha para acertar
outro golpe no meu rosto, mas eu apenas virei para
olhá-lo fixamente outra vez antes de desferir outro
golpe em seu maxilar que fez seu rosto virar e ele
cambalear alguns passos.

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O que me fez falhar, foi o olhar de terror que


Lívia tinha antes que cobrisse o próprio rosto. Ela
tinha tanto medo estampado ali, que eu vacilei por
alguns segundos. Por que eu não sabia se estava
sentindo medo de Stephen, ou de mim.

O problema era que as imagens já estavam se


confundindo outra vez.

Stephen já não era Stephen, mas o homem que


assombrava minhas memórias de infância. Lívia já
estava sendo apenas um reflexo da quantidade de
vezes que vi minha mãe tentando se esconder para
não ver as surras que os filhos levavam. Por que ela
não podia controlar Cesare. Não podia controlá-lo
sem padecer. E eu aguentava os golpes calado
enquanto sentia que isso poderia fazer minha mãe
fugir.

Mas ela nunca fugia... Ela nunca fugia...

Seu rosto voltava a sorrir de uma maneira


doente sempre que recebia qualquer afeto daquele
homem. Por que ele tinha transformado Tessália
em uma mulher enlouquecida pelas constantes

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surras, a tal ponto, que ela lhe sorria sempre que


tinha um dia ou dois de civilidade.

Outra vez segurei Stephen pelo pescoço


enquanto ele tentava se desvencilhar. Levando-o
com golpes rápidos até os pilares que seguravam o
gazebo. As mãos de Stephen tentando retirar meus
dedos travados de seu pescoço enquanto eu bati
com a cabeça dele várias vezes com a pilastra,
alternando esse golpe com joelhadas na altura de
sua pélvis.

Soltei-o e o homem caiu mole no chão. Ainda


não estava desmaiado, nem dava para perceber se
desmaiaria, pelo tom que seu rosto tinha adquirido
– vermelhos e roxos – então eu apenas o assisti se
contorcendo de dor enquanto tentava massagear a
pélvis machucada.

Deixei-o por um momento para pegar a arma


que tinha deixado sobre a mesa que ficava ao lado
da piscina. Nesse momento, Lívia veio correndo em
minha direção. O desespero em sua voz era
absoluto, mas eu já tinha passado do ponto de onde
podia voltar. Já tinha passado do ponto onde podia
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ter redenção.

Por que não havia mais luz nenhuma em minha


cabeça, nada. Apenas a imagem das mulheres da
minha vida, que tinham sido tão cedo arrancadas de
mim, Sara e Tessália, a imagem de Lívia sendo
tocada por Stephen, a imagem de meu pai surrando
a mim, surrando minhas irmãs. A imagem do
homem que arrancou a inocência de minha irmã.
Elena sendo protegida a todo custo pelos irmãos
para que não sofresse nem um centésimo de tudo
que tínhamos sofrido e, por fim, a do meu pai.
Morrendo para me salvar.

Estava escuro demais dentro de minha cabeça.


Escuro demais. E a única pessoa que podia me dar
alguma luz estava sendo afastada por minhas
próprias mãos, por que eu não ia mesmo deixar que
esse homem respirasse o mesmo ar que minha
mulher por nem mais um momento.

— Não, por favor, Ettore, você prometeu! – Sua


mão pegou meu braço antes que eu pudesse esticá-
lo na direção de Stephen. – Por favor, não faz isso.
Eu não vou saber ficar ao seu lado sabendo que
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matou alguém... Eu vou ter medo de você, Ettore.


Eu vou ter medo de você...

— Eu vou saber conviver com isso, até a deixo


em paz, mas não vou parar agora.

Puxei meu braço com violência, arrancando-o


das mãos dela e então destravei a arma.

— Vamos, Stephen! Vamos! Se prepara para


morrer como homem. Estou cansado de brincar de
briga com você. Vamos lá, escolhe como você quer
morrer, de pé ou de joelhos. Por que estou louco
para punhetar essa arma na sua cara.

— Ettore! – Lívia veio até mim outra vez e


puxou meu braço para que eu não consumasse meu
plano, mas ela não me ia parar agora. Já não era
apenas a sua reputação que estava em jogo. Esse
homem tinha matado meu pai. O único homem que
amei na vida. – Por favor, para!

— Você se afasta! – Olhei-a de forma dura e


ela recuou alguns passos, ainda cobrindo os lábios
com as mãos. Haviam muitas lágrimas cobrindo
seu rosto, mas não era hora de parar. O mundo
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precisava de um número maior de assassinos e de


um número menor de estupradores.

Stephen se colocou de joelhos e sua cara estava


tão inchada, que demorei a perceber que estava
chorando. Só o fazendo quando suas mãos se
juntaram e ele começou a pedir por sua vida.

— Por favor... – As palavras saiam envoltas


com sangue – Por favor... Eu nunca mais me
aproximo de vocês. Nunca mais.

Sorri de seu desespero.

— Para de implorar, Stephen. Não era você que


tocava o terror? Está se tornando uma coisa
indigna. Até um cão apodrecendo no meio da rua
tem mais dignidade que você.

Aproximei-me e colei a arma no alto da cabeça


de Stephen. As vozes em minha cabeça se
confundindo com o mesmo tom desesperado. Os
gritos da doutora, os apelos de meu pai tantas vezes
pedindo que eu nunca matasse na vida. O rosto da
minha filha que agora teria uma vida melhor. A
própria doutora que estaria livre desse pesadelo.
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Minha mãe em seu desespero depois de muitas de


suas surras.

Stephen tinha se tornado a sombra de Cesare


para mim. E, assim como eu tinha visto da primeira
vez, eu o veria morrer novamente.

— Ettore, pense em mim, por favor. Respire...


Pense em mim. Pense em nossa filha. Pense nos
seus irmãos. Pense, por favor, no que sentimos. Eu
não quero perder você... Eu sinto que estou
perdendo você...

A voz da doutora ressoava no escuro da minha


cabeça e meu dedo tinha parado no gatilho
enquanto eu sentia a tensão dentro de mim
crescendo. Apertei a porra da arma contra a cabeça
de Stephen e ele recuou de apreensão.

— Me dê um motivo excelente, doutora, para


me fazer parar agora.

Minha mente estava me levando para o fundo


do poço.

Respire, Ettore, respire...


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Barone... Paola... Elena...

Eu estava descendo numa espiral para o


abismo.

Enzo.... Sara...

Era tão escuro que eu não sabia se algum dia eu


encontraria o caminho de volta.

Lívia... Amora...

Minha mente viu flashes de luz, mas não foram


o suficiente para dissipar as trevas.

— Não dê ao seu filho um pai assassino. –


Encarei-a outra vez incrédulo, as palavras ainda
não querendo fazer sentido – Eu estou grávida,
Ettore. Vou ter um filho seu!

A voz da doutora ressoou por minha mente


enquanto eu recebia a notícia que poderia alterar
meu destino completamente. Então não houve luz
na escuridão que era minha mente. Longe disso,
não havia nenhum toque de luz.

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Tudo foi incendiado.

E as chamas tinham os mesmos tons rubros dos


cabelos da minha mulher quando a admirava contra
a lareira.

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CAPÍTULO 66 | Ettore

Minhas mãos se moveram, mas não para acabar


com Stephen – ainda – apenas para acertar sua nuca
com uma coronhada. Não para fazê-lo dormir,
apenas para ver estrelas. Deixei Stephen por um
tempo para andar até ela outra vez. Foram apenas
alguns segundos que foram percorridos como se
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fossem quilômetros, pois, quando vi seus olhos


castanhos terrificados me encarando, estava
exausto.

— Você está mentindo para mim, Lívia


Montebello?

— Não, eu seria incapaz...

— Não diga que seria incapaz, você já foi capaz


muitas vezes. – As palavras eram empurradas para
fora com minha voz. — Isso é verdade?

— Sim, Ettore. Eu estou grávida.

— Lívia, caralho! – Minha agonia se


transformava em uma dúvida incessante.

Por que tudo em mim pedia para que eu


acabasse com Stephen.

Porém esse novo lado que tinha sido criado ao


lado das duas, pedia que eu parasse e fosse
racional. Tudo o que eu não queria ser no
momento. Absolutamente tudo o que eu não queria
ser no momento.
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— Por favor, Ettore. Por favor... Pense nessa


criança. Pense em tudo o que vai conseguir
enxergar quando a tiver pela primeira vez nos
braços. Tantos arrependimentos que sempre
afastarão os dois.

— Lívia...

— Não, Ettore. Eu não vou parar de falar. Isso


tudo não é mais sobre mim, Ettore. É sobre você.
Que se dane o Stephen e sua cara ensanguentada.
Que se dane. Por favor, Ettore. Não é mais sobre
mim, é sobre você agora. Não seja um assassino,
não seja...

Lívia pegou minha mão e colocou-a sobre sua


barriga. Não era possível que a primeira vez que eu
fosse acarinhar um filho meu, eu estaria com uma
arma na mão, o lábio cortado e os punhos doloridos
de tanto bater em alguém. Não era possível.

Stephen ainda gemia enquanto se movia pouco


atrás de nós. Meus sonhos sendo desfeitos enquanto
percebia que não tinha quebrado todos os seus
ossos. Essa não era a forma que eu imaginei

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receber a notícia que seria pai, mas eu não seria


Ettore Montebello se não recebesse essa notícia de
uma forma incomum.

Passeei tão rápido por todos os lugares


doloridos da minha mente. Todos os lugares que eu
não tinha coragem de tornar a olhar. Agora tudo
estava sendo iluminado por esse simples toque que
pareceu queimar tudo. As chamas iluminavam tudo
o que eu não quis enxergar por muito tempo.

Eu precisava fugir do olhar da doutora


Montebello, era como se seus cabelos fossem
incendiar todas as minhas cidades fortalecidas. Não
apenas tomando-as, mas despertando-as para que
sentissem seus muros se quebrando.

Por que eu estava sendo despertado, meu


verdadeiro eu, e eu estava quebrando.

Eu estava saindo de debaixo de abismos de


sujeira para os topos das montanhas.

Eu me sentia suspenso entre o céu e o inferno


enquanto minha vida estava parada.

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O garoto correndo ensanguentado e que


prometeu a si mesmo que nunca mais choraria,
sendo despertado depois de ter sido escondido por
mais de metade da vida. Ele olha no fundo de meus
olhos enquanto os pássaros estão caindo no chão.
Todas as arvores das cidades fortalecidas da minha
mente, os lugares por onde nunca permiti que a
doutora passeasse, estavam expostos.

Mas eu não estava mais sozinho. Eu estava


segurando a mão de outra pessoa. Uma minúscula
mãozinha cuja força irrisória um dia iria apertar
meus dedos.

— Pense nesta criança, Ettore. Pense nela.


Amora merece ter um irmão cujo pai nunca
precisará ter segredos. Cujos olhos não tem
sombras tristes cheias de lembranças.

Afastei-me da doutora Montebello. Meu olhar


dirigindo-se outra vez para Stephen no chão. Pela
primeira vez, eu via apenas o homem nojento que
urinava as próprias calças. Não o oponente que
tentava inchar o peito e cantar de galo quando não
aguentava receber o resultado das próprias
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escolhas.

— Vamos, Stephen, fica de pé. – Puxei-o para


que se colocasse na posição que pedi. O homem
estava mais tremendo que vara verde, pelo olhar em
seu rosto deformado, não queria mais confusão. –
Você vem comigo.

Puxei-o indo em direção ao lado de fora, mas os


apelos de Lívia tornaram-se mais insistentes quanto
mais eu o arrastava comigo. O pedaço de lixo
estava quebrado.

— Para onde vai, Ettore? – Perguntou, mas não


parei, então ela continuou a falar – Para onde vai,
Ettore, merda?!

— Não xingue, doutora Montebello, lembra que


odeia xingamentos?

— Ettore, não é hora de brincar comigo! Por


favor... – Eu podia ver seu desespero, mas ainda
não era eu. Não era mesmo eu o responsável por
minhas atitudes agora. Eu ainda era um autômato
ignorando a racionalidade, mas me apegando a ela
aos poucos.
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— Não se preocupe, esse miserável não vai


morrer hoje, não pelas minhas mãos. Pelo filho do
qual acabei de tomar conhecimento. Agora você,
fica dentro de casa, tranca tudo e só abre a porra
dessa porta para mim.

Continuei levando Stephen até o lado de fora.


Eu nem poderia levá-lo a merda da polícia agora
sem ser inquirido também. Fomos até a parte de
trás do carro, eu chequei os movimentos na rua, e
então abri o porta-malas para que ele entrasse.

— Entra nessa porra.

Nenhum movimento, apenas seu rosto inchado


olhando para mim.

— Eu mandei entrar nessa porra, caralho.

Empurrei-o para dentro. A merda da minha


mente conflituosa já não sentia mais o ódio
profundo de antes por esse maldito. Apenas pena,
muita pena, por ele ter se atrevido a brincar logo
com os Madrazzo.

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Curvei-me um pouco quando Stephen deitou


numa posição em que eu poderia fechar a porta e
olhei seu rosto pela última vez antes de fechar o
porta-malas com força. O motor nem tinha esfriado
quando eu o religuei outra vez. O maldito tinha
fodido com as lembranças da porcaria do meu carro
e eu teria que me livrar delas também agora.

Dirigi ouvindo Emily e Lund.

Eu era um homem com um cara arrebentado no


porta-malas e um sorriso no rosto que ia de orelha-
a-orelha, só por que eu ia ser pai. Porra, caralho. Eu
ia ser pai. Minhas mãos estavam até trêmulas de
imaginar isso. Foi rápido, eu nem sabia que a
doutora Montebello não usava anticoncepcionais,
ou se usava e eles não surtiram efeito, mas não
importava.

Não agora. Não mais.

As chamas estavam queimando as trevas em


minha mente enquanto eu dirigia para deixar
Stephen num ponto onde ele não será morto
imediatamente pelos Madrazzo. Para que não recaia

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sobre mim essa responsabilidade, para que eu possa


olhar para a minha filha e para meu filho sem que
nenhuma sombra da vida de alguém paire sobre
mim. Paire sobre a felicidade que veio para mim
repentina, como um presente, quando tudo o que eu
pensava que era importante era o dinheiro.

Eu daria alguém para quem Amora poderia


contar histórias tão ruins quanto as minhas antes de
dormir. Eu teria alguém para quem olhar
infinitamente até meus olhos pesarem nas noites de
chuva. Eu seria pai.

Continuei levando o carro até que parei numa


estrada no caminho de saída da região. O
movimento era normal naquela hora, mas eu não
estava preocupado. Porque a falta de chutes de
Stephen no compartimento, significava que: ou
estava morto ou desmaiado.

Peguei o celular do bolso e enviei uma única


mensagem.

Uma mensagem que era a benção do meu


destino.

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Agora não dependia de mim acabar com


Stephen.

Como eu tinha jurado antes, minhas mãos não


derramariam o sangue desse verme.

O carro parou numa das curvas da estrada,


ocultas por árvores com as folhas queimadas pelo
frio. Eu abri o porta-malas e Stephen estava
desmaiado no compartimento. Dei dois tapas em
seu rosto para acordá-lo e fazê-lo sair do meu
brinquedo.

Stephen se levantou e estava molengando, então


o puxei para apressá-lo e o encostei contra o carro
enquanto falava-lhe no meu melhor tom, para não
deixar que nenhuma promessa fosse esquecida,
nenhuma palavra fosse mal-entendida.

— Escuta aqui. Você tem muita sorte de eu ter


recebido a notícia de que eu iria ser pai no mesmo
dia em que eu planejava te matar. Por que, - Dei-
lhe um tapa no rosto quando virou – eu ia mesmo
acabar contigo se não tivéssemos plateia. Agora
escuta bem, você tem uma hora para sair dessa

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cidade, está ouvindo? Apenas uma hora. Toda a


família Madrazzo já está de sobreaviso. Se estiver
na cidade em uma hora, ou se pensar, ou se sonhar,
ou pelo menos tocar a ponta da porra do seu dedo
nessa cidade, é um homem morto, Stephen. Por que
só por causa da minha filha, por que ela não é mais
sua filha, só por causa dela é que não acabei com
você há mais tempo, e por causa do meu filho, que
não vou me tornar o homem que vai te matar. Por
que vontade não me falta, mas eu não vou seguir o
mal exemplo dos Montebello.

Soquei-o na altura da barriga e esperei que um


baço não se rompesse por acidente.

— Está ouvindo, Stephen? Está ouvindo?


Nunca mais olhe, sonhe, ou pense em se aproximar
da minha mulher. Nem se aproxime da minha
família. Vai ser a porra do bom verme que é e ficar
no inferno de onde veio para sempre. Não me
importo o que vai fazer, apenas não cruze meu
caminho outra vez. Por que não viu nem um
décimo do que sou capaz. Eu não estou sozinho,
Stephen. Tem gente muito poderosa que está aqui
comigo para me proteger. Você entrou na
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vizinhança errada. Tente cantar de galo para cima


de mim outra vez e eu vou te fazer cantar no
inferno.

Soltei-o de uma vez e ele começou a andar em


direção a estrada, passos cambaleantes, sem olhar
para trás, enquanto eu entrava no carro e usava a
racionalidade que tinha adquirido para não passar
por cima dele de uma vez.

Peguei o outro caminho.

A vingança tinha se tornado menos importante


que a família que eu tinha agora. Se ele tornasse a
cidade, isso já não seria mais problema meu. Por
enquanto, vou para casa, cuidar da minha mulher, e
tentar apagar qualquer coisa que esse homem tenha
lhe feito antes que eu perca o meu juízo.

Meu pai tinha dito que nunca esqueceu o rosto


do primeiro homem que matou. Que nunca tinha
parado de pensar na expressão do rosto sem vida
jazendo no chão. Ele tinha dito que eu nunca
deveria passar pelo mesmo, ou não conseguiria ter
orgulho de mim.

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Eu resisti, pai, resisti ao impulso de matar


alguém.

Mesmo que o senhor não estivesse ao meu lado.

Eu me sinto um homem decente o suficiente


para ser pai agora.

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CAPÍTULO 67| Ettore

Quando entrei em casa outra vez, minhas


pernas levaram um homem tomado pela emoção
por todos os espaços da casa até que eu encontrei
minha mulher no quarto. Seu corpo estava trêmulo
enquanto seus braços apertavam as pernas e ela
escondia seu rosto de forma que não revivesse os
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pesadelos a que tinha sido submetida nos últimos


dias.

Era como se ela nunca fosse ter paz, mas agora


tinha acabado.

Tudo tinha acabado.

— Lívia... – Minha boca saboreou o nome dela


em desespero enquanto eu me aproximava. Minha
mulher ergueu o olhar para mim quando me
aproximei e a piscina de mel derretido me analisou
por completo. Me averiguou inteiramente,
enxergando através de mim.

Eu acho que não tinha a aparência de um


homem que acabou de matar outro, por que ela não
recuou com medo. Longe disso, abriu os braços e
levantou-se enquanto se lançava para mim. Apertei
minha pequena em meus braços e já não havia nada
que me impedisse de amá-la completamente.

Absolutamente nada.

Nem passado de dores, nem lembranças ruins.

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Nada.

Eu era um novo homem que só sabia dar tudo


de mim, até a última gota do meu sangue, para vê-
las bem. Por que eu não conseguia imaginar outro
objetivo para minha vida que não fosse dar cada
segundo meu para as duas, ainda mais agora que
teria um filho para levar meu nome.

— Ettore... Me diz que não fez isso... Por


favor...

Olhei o medo estampado em seu olhar e senti


um centésimo de sua dor. Senti toda a tensão que
estava depositada ali nesse meio tempo. Senti toda
a tensão em seus ombros da qual eu deveria ter me
livrado antes.

— Eu não o matei, doutora.

— Ettore...

— Acredite em mim. – Eu disse enquanto meus


dedos procuraram sua nuca. Eu precisava apagar da
lembrança dela e da minha qualquer coisa que
pudesse recordar que mãos que não fossem as
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minhas estavam lhe tocando. – Você está bem? –


Perguntei olhando no fundo de seus olhos.

Eles nunca mentiam para mim.

— Eu... Eu só não conseguirei esquecer que...

Ela nem precisou falar. Eu senti exatamente o


que suas palavras queriam exprimir mesmo que
elas não tivessem sido pronunciadas. Ela não
aguentava saber que o aprendiz de Cesare tinha lhe
tocado. Que ele tinha colocado suas mãos imundas
na minha mulher. Porra, nem eu conseguia
imaginar isso sem ficar puto outra vez.

Mas não era meu momento mais. Era o


momento dela.

Era ela quem precisava de consolo agora.

Por que agora que todos os cantos escuros de


minha mente tinham se incendiado, eu conseguia
perceber o porquê foi tão fácil para mim apaixonar-
me pela doutora Montebello.

— Deixa que eu vou apagar isso de você...


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Minhas mãos arrancaram minha própria roupa


apressadamente enquanto minha boca colou-se a
dela. Afastei-me apenas por um momento, então
desnudei o corpo da doutora Montebello que estava
envolvido num felpudo roupão azul.

Seu corpo estava despido para mim outra vez e


eu o olhei com devoção. Esperando que meu olhar
fosse um bálsamo para suas feridas. Esperando que
de todas as coisas dessa noite terrível, a única
sensação que pudesse ficar em seu corpo, fosse a de
minha boca passeando por cada centímetro seu.

Eu não podia amá-la duramente agora, ela


precisava de calmaria. E eu lhe daria isso com meu
corpo. Com tudo o que eu pudesse dar de mim.
Suas próprias mãos já estavam se livrando da
minha calça quando nos afastamos até que ela se
deitou na cama. Sua respiração estava acelerada e
era como se eu a estivesse vendo novamente pela
primeira vez.

Por que eu não simplesmente estava devorando-


a com o olhar, eu a estava adorando. Jamais haveria
um homem na terra que pudesse ser mais
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apaixonado por sua mulher do que eu, nem que


fosse mais tarado. Meus pensamentos ao lado dessa
mulher se resumiam em dez por cento para minhas
próprias necessidades, noventa por cento em
putaria. E eu tinha que ir muito devagar para lhe
dar o amor lento que ela precisava para jogar fora
todas as lembranças ruins.

— Se abre para mim, vai... – Pedi quando já


estava subindo na cama e pairando sobre ela de
forma que eu pudesse ver tudo o que sentia no
fundo de seus olhos marrons. De forma que
pudesse ver tudo o que sentia no fundo de sua alma,
por que aqueles olhos eram mais reveladores que
sua própria boca muitas vezes – deixa eu foder
você.

Nossas bocas se colaram e eu fechei os olhos


apenas quando a senti apertando ao redor de mim.
Quando a senti me apertando, quando enchi-a de
mim e seus seios se esmagaram contra meu
peitoral. Quando a agonia que sentíamos era tão
profunda, que não havia nada ou ninguém que fosse
capaz de me fazer sair de dentro dela agora.
Continuei o movimento percebendo o momento em
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que suas lágrimas desceram lentamente por seu


rosto. Como se fossem espremidas do fundo da
alma e beijei seus olhos fechados que tentavam
ocultar as dores de mim.

— Olha para mim... Por favor... Olha para


mim... Sou eu.

Sussurrei ao seu ouvido enquanto uma de


minhas mãos apoiava-se na cama para me dar força
para me mover e a outra puxava sua perna para o
alto para que eu pudesse ir mais profundo. Por que
eu era viciado na porra da sua boceta e não ia
deixar que lembrança nenhuma de qualquer outra
pessoa ficasse impressa em seu corpo. Que
lembrança nenhuma ficasse impressa em sua alma.
O único homem que ainda ia tocar essa mulher era
eu, porra, nenhum outro mais.

—Tão linda, doutora... Tão apertada... Tão


molhada... Eu poderia ficar horas dentro de você...

Meus sussurros estavam acendendo-a para


mim, apenas para mim. Seus dentes prenderam o
lábio inferior e eles foram torturados por um

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segundo quando a senti começando a se contrair ao


redor de mim. Muito perto de ter prazer, muito
perto...

— Isso, doutora... goza para mim... goza


gostoso no meu pau...

Intensifiquei mais o movimento e sua boca se


abriu num gemido de satisfação quando consegui
fazê-la gozar para mim outra vez. Quando ela
esqueceu do mundo e de tudo que ele lhe tinha
causado por algum tempo, nesse pequeno instante
de loucura onde perdemos o controle do corpo
chamado orgasmo.

— Eu amo você, doutora... – Disse enquanto


agora me movimentava de forma que eu mesmo
pudesse receber o presente que era gozar em sua
boceta rosada – Desde muito antes de casarmos...
Desde sempre...

O sorriso no rosto dela já era muito menos triste


quando a arrastei comigo para um segundo prazer e
finalmente me derramei dentro dela. Sem querer
sair dali para nada, nem mesmo para respirar se

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fosse preciso. Seu rosto estava afogueado quando


me movi mais forte uma e duas vezes para que cada
gota minha ficasse dentro dela.

Quem sabe eu não emendava um segundo filho


com o primeiro?

Sorri dessa ideia enquanto meus dentes agora


mordiscavam o pescoço de minha mulher.
Enquanto meus dentes saboreavam a textura de sua
pele alva pelo seu pescoço afilado até a ponta da
orelha. Então indo outra vez buscar sua boca que
era minha perdição.

— Natal de mil novecentos e noventa e seis... –


Sussurrei ao seu ouvido enquanto lhe contava as
lembranças que as chamas dentro de minha cabeça
tinham revelado – Era a confraternização de final
de ano da família. Eu tinha escapado do salão de
festas dos Montebello para ir até o quintal da frente
e vi você chegando com seus pais. Eles foram
cumprimentando as outras pessoas que estavam
chegando ao evento também. Você ficou para trás e
olhou para mim assustada quando eu lhe joguei
uma pedrinha no seu vestido rosa.
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Lívia sorriu com a lembrança, seus olhos se


enchendo de lágrimas outra vez.

— Então você olhou para mim com uma cara


enfezada e eu lhe sorri. Então eu disse ‘Sabe,
garota, um dia eu ainda vou casar com você...’

Um pequeno riso sacudiu os ombros de Lívia e


ela se deliciou com a lembrança da mesma forma
que eu fazia.

— Então, Lívia, você sorriu de volta. – Eu disse


quando já me sentia endurecer dentro dela e
recomeçava devagar o movimento – Você me
sorriu de volta...

Não haviam mais áreas escuras por que tinha


acabado. Tudo tinha finalmente acabado, todo o
pesadelo pelo qual um dia ela passou. Tudo era
bastante claro em minha mente agora. Esse, esse foi
o motivo de ser tão fácil me apaixonar por ela.

Eu sempre estive apaixonado.

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CAPÍTULO 68| Lívia

Meu olhar estudava o rosto de Ettore enquanto


ele estava dormindo. Eu ainda nem tinha levantado
da cama, mas já sabia que a bagunça no andar
inferior estaria absoluta. Eu vivia sonolenta agora e,
claro, que Ettore aproveitava minha preguiça para
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dormir junto.

As tias da minha Amora estavam bagunçando


tudo, tenho certeza, para a festa de aniversário de
Amora. Ettore quis dar uma festa gigantesca, mas
achei que era melhor dar uma festa mais íntima.
Convidar as melhores amigas da escola, as tias e
seus namorados, até Valéria e o namorado dela, por
que a garota tinha praticamente salvado a vida de
Amora, e Mohawk e os caras da oficina que Amora
tinha convidado algum tempo antes.

Em breve a casa estaria cheia de gente e eu só


podia aproveitar a preguiça enquanto estava deitada
na cama sentindo os braços de Ettore ao redor de
minha cintura e sua cabeça encostada na minha
barriga, acarinhando o filho que ainda nem tinha
nascido.

— Ettore, vamos descer? – Chamei-o baixo. Eu


ainda estava sonolenta, mas não podia deixar que o
pessoal trabalhasse sozinho.

— Nem eu e nem meu filho queremos.

Ele apertou mais os braços ao redor da minha


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cintura.

— O bebê tem direito a dormir por mais seis


meses, Ettore. A gente não. Então vamos levantar
essa bunda do colchão e ir trabalhar. – Dei-lhe uma
bronca suave com um sorriso na boca.

Ettore abriu os olhos e toda a claridade do


quarto, com as persianas abertas, se concentrou em
iluminar ainda mais seu olhar azul-centaurea.
Ettore tinha comprado dois suéteres dessa cor. Um
para Amora, outro para mim. E eu ainda sorria
sempre que lembrava da cara dele ao descobrir que
tinha comprado os números errados.

— Tecnicamente, é meu pau que está


encostando no colchão.

Seu sorriso de dentes alvos e uma boca


avermelhada se iluminou para mim.

— Então levanta seu pau do colchão e vamos


ajudar as meninas, elas estão fazendo tudo
sozinhas.

Ettore se apoiou na cama e se levantou, mas,


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em vez de levantar-se para ir arrumar a festa de


Amora, como eu sugeria, ele esmagou seu corpo
contra mim outra vez, com cuidado, e beijou minha
boca rapidamente.

— Ele já está levantado, doutora.

Disse quando sua ereção bateu contra mim.

— Uma pena que não poderemos fazer muita


coisa agora. Quem mandou dormir demais?

Ettore revirou os olhos e levantou-se da cama


enquanto pegava uma bermuda que tinha deixado
sobre o recamier do quarto para se vestir. – Eu vou
precisar de uns minutos para voltar ao normal. Tem
certeza que não quer me ajudar com isso? –
Esmagou o volume protuberante em sua bermuda e
eu apenas sorri enquanto mordia os lábios e fazia
que não com a cabeça. Por que eu sabia que isso
apenas o provocava mais.

— Tudo bem. Se eu morrer hoje, você vai ficar.


Ah, por que eu não mamei o pau de Ettore quando
ele me pediu? Nossa, eu não queria estar na sua
pele.
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Fez piada e eu apenas estiquei o dedo indicador,


chamando-o para colocar um fim na sua manha.
Depois de uns quinze minutos, finalmente, fomos
para a cozinha.

A decoração da festa estava quase pronta. As


crianças iriam começar a chegar às quatro, então
praticamente toda a estrutura do quintal para
recebê-las estava finalizada.

O tema da festa, escolhido por Amora e por


Ettore, era princesa Moana e bumbum de porco. O
que significava que Ettore tinha feito questão de
espalhar palmeiras infláveis pela casa, antes de
cochilar, e uma enorme mesa de cachorro-quente.
Além de ter colocado uma proteção na piscina e
ajudado a montar os brinquedos no quintal para os
colegas de escola de Amora e ela se divertirem.

Ettore ajudou a colocar algumas bolas na


parede, mas então sumiu de vista e soube por Nina
que ele tinha descido para o seu canto de jogos.

Era melhor assim, já que a surpresa que Amora


e o doutor Enrico estavam preparando, seria muito
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mais impactante. Os dois treinavam a adaptação de


Amora ao exoesqueleto para surpreendê-lo. Até eu
fui surpreendida quando ouvi o chamado de
Amora, do elevador que ficava no final do
corredor, e quando andei até lá, doutor Enrico
estava apoiando Amora para que ficasse de pé pela
primeira vez depois de sua cirurgia.

Não foi por tanto tempo, mas foram talvez os


quinze segundos mais felizes da minha vida. E,
pelo sorriso no rosto de Amora, foram os quinze
segundos mais felizes de sua vida nos últimos três
anos. Ele ficaria eternizado com tantas outras boas
lembranças que Ettore estava lhe proporcionando.
Que essa família que entrou em minha vida de uma
maneira estranha estava me proporcionando.

— Vamos chamá-lo... – Eu disse já olhando


para Enrico, que se adiantou por mim depois de
colocar Amora para sentar-se na cadeirinha de
rodas outra vez.

Agora que Bia e ele pareciam estar finalmente


se entendendo, era menos estranho quando os dois
estavam juntos no mesmo ambiente. Eu poderia até
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dizer, que ela estava feliz. Ela merecia isso, cada


momento disso.

Eu tinha fechado, finalmente, a venda da minha


parte da Davani e agora iria abrir um escritório
onde nós duas pudéssemos trabalhar sem a pressão
de tantos anos de corrupção do meu pai manchando
a reputação da minha empresa.

Agora a Davani era um problema de Teresa


Bataglia, e ela que se resolvesse com as despesas
mensais, por que, por mim, isso tudo era passado.
Era como se todas as coisas que me disse e me fez
nem mais existissem. Eu não precisava trabalhar
mais, foi o que Ettore disse, mas quando expliquei
que aquilo era uma de minhas paixões e que eu não
saberia viver sem exercer a profissão que gosto e
sem ter minha independência, ele entendeu
completamente. Ainda entrou em contato com
Barone que passou o controle jurídico de duas de
suas empresas para mim. Então eu estava
começando no lucro.

Eu estou feliz, tão feliz, que não sei se mereço


isso tudo, às vezes.
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Amora está na cadeirinha, à minha frente, e


Ingrid está com a maquiagem no canto do olho
borrada por culpa do choro que surgiu ao saber que
seria tão surpreendida quanto Ettore. Beatriz tem
um sorriso tão lindo no rosto, e sei que logo vai
estar com o olhar tão nublado de lágrimas quanto a
outra tia de Amora.

Ettore surgiu na cozinha com o olhar


preocupado, talvez achando que tivéssemos
estragado sua escultura de cachorros-quentes em
formato de bumbum e a primeira coisa que olhou,
foi a mesa que tinha decorado com tanto cuidado.
Suspirou aliviado quando viu sua obra de arte
intacta.

— Olha, Pappa... – Amora disse enquanto eu e


Enrico nos colocamos ao lado dela. Cada um
segurando uma de suas mãozinhas enquanto ela
dava o impulso e, bem devagar, se ajustava na
posição que pensei que nunca mais a veria – Eu tô
de pé...

— Meu Deus! – Ettore se apressou para parar


diante de Amora e de joelhos, deslizou as mãos no
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cabelo da menina enquanto sorria de seu avanço –


Você é a garota mais maneira que eu já vi na vida!

Amora, que ainda estava um pouco receosa por


causa de toda a parafernália do equipamento,
sorriu.

— Sério, pappa? – Disse enquanto olhava para


o rosto do pai que estava tão emocionado quanto o
meu.

— Mais sério impossível! Agora você é um


android exterminador do futuro. – Ettore diz
enquanto tira do bolso o seu colar, que pela
primeira vez em tempos não vejo em seu pescoço.
Ele parece preocupado que ela recuse o presente,
mas sei que ela não fará, ele poderia oferecer
formigas para ela que ela aceitaria – Isto é para
você. Para sempre nos levar consigo em seu peito.

Ettore coloca o colar em Amora e abre o


camafeu mostrando as fotos dentro. Ela sorri um
sorriso tão doce e o sorriso de Amora passou-lhe a
serenidade que precisava.

— Obrigada, Pappa. É lindo... – Diz e me


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mostra as pequenas imagens que estão na moldura.


Uma foto minha e uma de Ettore.

Ettore esmagou um beijo no rosto de Amora


antes que ela sentasse na cadeira outra vez. Eu fui
ajudar Ingrid e Bia na decoração, vez ou outra
deixando de me concentrar na tarefa para admirar a
interação entre Ettore e minha filha, nossa filha.

Ele tinha se tornado um pai tão excelente que


até me surpreendia. Seu jeito leal foi o que me
cativou de início, sua paixão foi que me fez crescer
como mulher e como pessoa. E nem preciso falar
nada sobre a forma que me fez amar cada
centímetro de meu corpo, inclusive todas as partes
que eu não gostava.

Vejo-o agora colando tatuagens no braço de


Amora e arranjando outra forma de surpreender
enquanto conversa sobre Mohawk sobre detalhes
de chamas cor-de-rosa no exoesqueleto.

Esse amor que me fez sentir é algo que vai além


do que sempre achei que poderia sentir. Ele fez isso
comigo. Ettore fez isso comigo.

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EPÍLOGO | Amora

A porta do quarto de mamma está aberta. Pappa


Ettore está fazendo cafuné em Minha mamma
enquanto assiste um programa na televisão. Outro
de seus programas de futebol que mamma não
gosta. Então ela sempre cai no sono.

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Quando me vê, ele estende o braço e me chama


com um gesto na mão. Eu me apresso, com passos
vagarosos, para dentro do quarto. Meus joelhos
estão cada dia mais fortalecidos e o acessório que
ajuda a me dar estabilidade nas pernas, e que só tiro
para dormir, me ajuda a manter equilíbrio enquanto
eu ando.

Meu pappa olha para mim e eu me esforço mais


por que gosto quando ele tem orgulho de mim.
Gosto quando me chama de princesa e faz que
minha mãe e eu sejamos as suas garotas especiais.

— Não está conseguindo dormir?

Pappa me pergunta e eu faço que não com a


cabeça. Enquanto deito na cama gigante deles e me
aconchego no seu braço. Ele solta o controle
remoto e agora as suas duas garotas especiais estão
recebendo cafuné.

— Está sentindo alguma coisa, princesa?

Faço que não com a cabeça outra vez. Eu estou


cansada, apenas animada demais para conseguir
dormir. Talvez seja por que a casa está cheia de
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novidades e meu quarto recebeu brinquedos novos


e eu não cansei de descobrir tudo até que as caixas
e embalagens estavam espalhadas por todo lado.

— Quando eu fecho os olhos, o sono não vem.

Eu digo e pappa sorri. Mamãe adora quando ele


sorri, eu também. Por que agora não tem mais
ninguém nesse mundo que mereça sorrir mais que
ele. Por que ele estava tão triste quando meu vô
Enzo foi para o céu, que todos os sorrisos do
mundo deveriam estar reservados apenas para meu
pappa.

— Fica aqui um pouco, quando dormir, te levo


para a cama.

Mamma não despertou, ela está exausta, mas


pela primeira vez é um cansaço bom.

Quando estávamos na casa da nona, tudo


parecia estar diferente. Mamma andava cabisbaixa
e o brilho de seu olhar tinha se apagado um pouco.
Quando ela estava olhando para mim, para tia
Ingrid ou para Bia, eu podia ver que tinha uma
constelação em sua íris.
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Mas quando ela estava sozinha...

Mamma pensava que eu não ouvia quando ela


chorava à noite. Quando eu fingia que estava com
os olhinhos fechados e ouvia a caixinha de lenços
de papel sendo esvaziada devagar. Eu sabia que
mamma não estava feliz. Sabia que mamma não
estava contente.

Eu também não gostava da forma que a nona


fazia mamma se sentir. Não gostava que suas
conversas sempre acabassem em gritos e que ela
falasse coisas horríveis sobre minha mamma. Por
isso, quando a vovó não estava vendo, eu sempre
colocava meleca de nariz na maçaneta da porta do
quarto dela.

Quando pappa Ettore conheceu a mamma,


quando eu o conheci, eu não sabia direito se podia
confiar nele. Mamãe disse que ele parecia o
Sullivan, mas ele não parecia não. Só tinha o
tamanho do Sullivan, eu acho, mas ele era chato e
comia meus lanches escondido.

Eu aprendi a confiar no pappa Ettore perto da


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mamma por que acontecia uma pequena mágica


sempre que ele estava perto.

As constelações voltavam para os olhos da


mamma sempre que ele chegava. Mamma sorria
mais e o seu sorriso era tão bonito que devia ser
esculpido numa rocha. Mamma disse que ele tirou
as nuvens escuras de sobre sua cabeça, mas era
mais que isso. Muito mais que isso. Pappa tinha
dado cores para nosso céu. Pappa Ettore tinha
jogado tinta em tudo e agora as nuvens escorriam
gotas azuis, cor-de-rosa, verde e amarela quando
chovia.

Por que mesmo quando ainda haviam


tempestades, quando eu sentia dor e quando eu
achava que nunca ia poder sonhar sem ser
despertada no meio da noite pela febre, ele estava
conosco. Agora as nuvens que choviam colorido
estão indo embora e o céu parece que vai ter sol
eternamente.

Me estico um pouco e deixo um beijo no rosto


de Pappa.

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— Está indo para onde? – Ele pergunta num


tom de bronca que não coloca medo.

— Vou lá encima. Vou tentar dormir.

Eu digo e ele sabe que vou aprontar alguma


coisa, então fala baixo.

— Toma cuidado. Vai com calma.

Faço que sim com a cabeça e saio do quarto.


Meus passos ainda são lentos, mas sei que logo vou
ter forças nas pernas para correr com o pappa pelo
quintal e a gente vai poder acampar no alto de uma
montanha, como ele prometeu.

Uso o elevador para ir ao andar de cima e passo


direto pela porta do meu quarto para ir até a minha
antiga sala de fisioterapia. Agora eu faço exercícios
na casa da piscina, por que os equipamentos que
não uso mais, pappa doou para um hospital.

Entro no quarto que foi todo decorado com o


tema de super-heróis. Um berço gigante que
caberia dez bebês está sendo iluminado pelas
luminárias do capitão-américa, Hulk, Homem-de-
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ferro e martelo de Thor. Ando até o bercinho e meu


irmão está acordado no berço. Só que ele está de
barriga-cheia e não é um garoto chorão. Além
disso, meu pappa está com a babá-eletrônica ao
lado da cama e se ele tivesse chorado, já teria vindo
vê-lo com certeza.

Passo os dedinhos na cabeça de meu irmão e


bagunço os fios dourados e ralos que parecem
plumas de tão macios. Olho seu rostinho e sei que
está sonolento, deve ter apenas despertado por
alguma coisa e agora está tentando mastigar os
dedos da mão.

Giro o pendulo sobre o berço e ele começa a


fazer um barulho de música de ninar. Meu irmão
estica os bracinhos enquanto tenta pegar os
aviõezinhos amarelos que giram no alto. Ele teria
que ser bem maior para conseguir.

— Como você está, Enzo? – Pergunto para meu


irmãozinho. Ainda lembro da cara de emoção que
meu pai fez quando mamãe lhe contou que tinha
escolhido um nome. Se ele não tentasse bancar
sempre o durão, tenho certeza que ia chorar.
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Claro que ele não vai responder, mas ele olha


em minha direção com seus olhos castanhos iguais
aos da mamma e sacode um bracinho. Estico minha
mão e ele aperta meus dedos. Seu jeitinho de quem
quer esmagá-los, mas sem nenhuma força.

Quando mamma me disse que eu teria um


irmãozinho, meu coração deu a volta duas vezes na
terra. Eu sempre quis ter uma irmã para podermos
brincar juntas, mas um irmão também não é tão mal
assim. Eu vou poder ensiná-lo boxe como pappa
me ensina e vou poder lhe contar a melhor história
de todo o universo.

— Mamma e pappa estão cansados, você não


deixou que eles dormissem o dia todo. – Me
esforço e entro no bercinho com ele. Como a
proteção é deslizante, isso não é difícil. Em
seguida, coloco a proteção no lugar e me
aconchego no espaço que sobra por que meu irmão
é pequenininho. Seu sorrisinho sem dentes se estica
e eu o amo mais nesse segundo.

— Vou contar para você a melhor história de


todo o universo. – Respiro fundo enquanto
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gesticulo para o alto para dar dramaticidade na


história – Era uma vez um garoto que se chamava
Regiscley...

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PRESENTE PARA VOCÊ!

Olá! Como estão? Espero que o Ettore tenha te


cativado e conquistado um lugar todo especial em
seu coração. Gostaria muito de pedir que avalie o
livro na Amazon, se puder e quiser, se não for pedir
muito, deixar um breve comentário. As estrelinhas
ajudam a colocar meus livros a vista de mais gente
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e tornam a história ainda mais conhecida!

Como um presente especial para todos os que


adquiriram o livro aqui na Amazon, vocês
receberão o exclusivo conto com a história da
Beatriz – Bia Basani – a “tia” da Amora no dia
10/11/2018.

Basta enviar um e-mail ou uma mensagem via


Whatsapp, meu numero é : (98)984330520

Vocês também podem entrar em contato


comigo através das minhas redes socias. Basta
procurar @autoradeisy no google

Outra vez meu mais sincero obrigada e lembre-


se que estou disponível no meu E-mail para
qualquer comentário ou contato que quiser.

autoradeisymonteiro@outlook.com .

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SOBRE A AUTORA

Meu nome é Deisy Monteiro. Sou a autora das


séries Triplo A, East Valley, Escarlate, dentre
muitos outros. Neste momento, estou trabalhando
no romance: Caminhos na Neve. Uma história que
tem tocado meu coração e que eu espero que toque
o seu da mesma forma.
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Por enquanto, que tal dar uma espiada nas


páginas do site?

Se tiver alguma pergunta, entre em contato


comigo, será um prazer responder.

Redes sociais da autora:

Para qualquer outra dúvida:

deisymonteiro@outlook.com

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COMO POSSO SER SALVO?

Como posso ser salvo? Por que preciso ser


salvo?

Somos todos infectados com o pecado


(Romanos 3:23). Nascemos com o pecado (Salmos
51:5), e todos nós pessoalmente escolhemos pecar
(Eclesiastes 7:20, 1 João 1:8). O pecado é o que nos
tira a salvação por nos separar de Deus e nos
colocar no caminho para a destruição eterna.

Como posso ser salvo? Salvo de quê?

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Por causa do nosso pecado, todos nós


merecemos a morte (Romanos 6:23). Enquanto a
consequência física do pecado seja a morte física,
ela não é o único tipo de morte que resulta do
pecado. No fim das contas, todo pecado é cometido
contra um Deus eterno e infinito (Salmo 51:4). Por
causa disso, a penalidade justa para o nosso pecado
também é eterna e infinita. Precisamos ser salvos
da destruição eterna (Mateus 25:46, Apocalipse
20:15).

Como posso ser salvo? Como Deus


providenciou a salvação?

Já que a justa penalidade para o pecado é


infinita e eterna, só Deus poderia pagá-la porque só
Ele é eterno e infinito. No entanto, Deus, em Sua
natureza divina, não podia morrer, por isso tornou-
se um ser humano na pessoa de Jesus Cristo. Deus
assumiu a carne humana, viveu entre nós e nos
ensinou. Quando as pessoas rejeitaram a Ele e à
Sua mensagem, ao ponto de procurarem matá-lo,
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Ele voluntariamente se sacrificou por nós,


permitindo que o crucificassem (João 10:15).
Porque Jesus Cristo era humano, Ele podia morrer;
e porque Jesus Cristo era Deus, a Sua morte tinha
um valor eterno e infinito. A morte de Jesus na cruz
foi o pagamento perfeito e completo para o nosso
pecado (1 João 2:2). Ele tomou sobre Si as
consequências que merecíamos. A ressurreição de
Jesus dentre os mortos demonstrou que a Sua morte
foi realmente o sacrifício perfeitamente suficiente
para o pecado.

Como posso ser salvo? O que preciso fazer?

"Crê no Senhor Jesus e serás salvo" (Atos


16:31). Deus já fez tudo o que precisava ser feito.
Tudo o que você deve fazer é receber, em fé, a
salvação que Deus oferece (Efésios 2:8-9).
Totalmente confie somente em Jesus como o
pagamento por seus pecados. Acredite nele e você
não perecerá (João 3:16). Deus está lhe oferecendo
a salvação como um dom. Tudo que você tem a
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fazer é aceitá-la. Jesus é o caminho da salvação


(João 14:6).

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