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Edição Digital
Criado no Brasil. 1ª edição / 2022
Esta obra segue as Regras ao Novo Acordo Ortográfico
REGISTRADA E PATENTEADA NO REGISTRO DE
OBRAS E NA CBL
Parado dentro do carro diante da casa dos meus pais, fico olhando
fixamente para a maldita caixa de veludo em minhas mãos. Ainda buscando
entender e acreditar que fiz papel de otário, de um completo idiota
apaixonado por tanto tempo.
Certa vez me disseram que nossa felicidade não é constante e sim
baseada em alguns momentos felizes, mas não achava isso até passar por
algo que pensei estar sob meu controle e dentro do meu planejamento.
Ainda posso escutar tão vivo cada gemido, cada palavra sussurrada.
A forma como os flagrei trepando.
Não quis acreditar quando recebi aquela maldita ligação. Ela selaria
minha vida a partir daquele momento, e me sentindo um completo idiota
por acreditar tanto, por não enxergar o que estava bem diante dos meus
olhos, preferi ignorar. Mas tudo fez sentido quando vi o carro de um dos
meus melhores amigos de infância ali, parado em frente à casa dela.
Como fui otário...
Vagabunda...
Em pensar que estou aqui de pé, no cômodo antes do seu quarto e
no bolso a caixa de veludo, escutando tudo que me faz sentir um completo
bobo da corte.
Minutos antes de chegar na casa de Camila para fazer uma surpresa,
Rebeca ligou e me contou tudo o que estava acontecendo, porém eu não
quis acreditar no que disse. No que acabava de me dizer.
Era tão surreal que não fazia sentido algum.
Ou melhor, não queria acreditar que fosse verdade.
Achava que era implicância dela por ultimamente não estar se
dando bem com Camila. Que estava criando versões para explicar seu
ciúme fraternal. Entretanto, tudo fez total sentido quando cheguei lá. Sabia
que Rosa e Martinho não estariam em casa — meus sogros —. Então, o
carro estacionado em frente à casa e o qual sei a quem pertencia, significava
que cada palavra de minha irmã era verdadeira.
Porra... Caralho... Eu amava aquela vagabunda e ia pedi-la em
casamento nessa noite após levá-la para jantar.
Sorrio com ironia por eu ser um completo trouxa diante do que vi
quando abri a porta do quarto e minha, então, namorada estava de quatro
sendo fodida por Renan Gilliardi, um amigo de infância, e que fazia parte
do sexteto.
Não disse nada, apenas me virei e saí de lá, mas antes fiz questão de
que me vissem.
Sei que poderia ter arrebentado com tudo, com eles, mas preferi dar
meu silêncio. Não permitiria que vissem minhas fraquezas naquele
momento. Que assistissem o quanto meu mundo havia sido massacrado por
eles.
Jamais permiti que as pessoas tivessem acesso aos meus pontos
fracos. Não daria esse gosto a nenhum dos dois. Então saí da casa de
Camila sem falar nada. Ergui minha cabeça e os deixei.
Que se ferrassem.
Eles se mereciam.
Dois fodidos filhos da puta.
Contudo, uma pergunta ainda reverbera na minha mente: desde
quando?
Fecho os olhos e respiro fundo procurando controlar toda essa raiva
que cresce dentro de mim. Não poderia deixá-la me dominar a ponto de
voltar lá para tirar satisfações. Para saber detalhes do quanto fui idiota.
Rio da minha própria desgraça. Do quanto banquei o papel de
trouxa. Só dá para acreditar que quando estavam fodendo riam à vontade de
mim, um corno com todas as letras.
Como pude ser tão otário assim e não perceber nada? Que os dois
estavam se encontrando às escondidas bem debaixo do meu nariz!
São tantas perguntas. E nem sei se quero saber as respostas.
Camila foi minha primeira namorada, meu primeiro amor.
Namoramos desde os 14 anos de idade. Nossas famílias se conheciam.
Descobrimos juntos o sexo. Fomos para a faculdade e o próximo passo era
nos casarmos, construir uma família, ter filhos. Era aquele típico namoro de
cidade pequena.
Assim eu esperava que fosse.
Iludido...
Sinto pena de mim mesmo, como se eu fosse um nada. Um trouxa
apaixonado e cego. Sempre fui o namorado atencioso, compreensivo e
ironicamente o que recebo é um belo par de chifres.
Eu deveria imaginar que algo estava acontecendo quando ela me
disse que precisava vir para Bragança do Norte[1] antes. Havíamos
combinado que eu viria para ver meus pais e passar o fim de semana aqui
com ela. Vi ali a oportunidade de fazer o que estava ensaiando há meses,
quando consegui meu primeiro emprego em uma grande empresa de
Publicidade e Marketing.
Era parte de um plano que o idiota aqui traçou. Ter um bom
emprego, casar com a primeira namorada e ter uma família.
Rio com ironia.
Chegaria de surpresa na sua casa e a levaria para jantar. Jamais
passou pela minha cabeça que Camila me trairia.
Tombo minha cabeça para trás, aperto meus olhos e seguro com
toda minha força a pequena caixa na minha mão, desejando que o dia de
hoje nunca tivesse acontecido. De que Camila nunca tivesse participado da
minha vida.
Dói? Sim, mas a raiva e o ódio que estou sentindo é bem maior que
qualquer sentimento de amor e rompimento. Quero que Camila e Renan se
fodam de todas as formas.
Por fim, após ficar alguns minutos remoendo, desço do carro e
entro na casa dos meus pais.
Eles e minha irmã estão na sala com a TV ligada. Deveriam estar
conversando, mas pararam assim que entrei. Talvez estivessem falando
sobre o que Rebeca havia me dito mais cedo ao telefone, mas não me
disseram nada.
— Aconteceu algo, meu filho? — Minha mãe não diz um “oi, meu
filho” como de costume e pergunta. Acredito que é perceptível que algo
tenha acontecido, mas nego ao balançar a cabeça e ir na direção das
escadas. Precisava ficar sozinho e encontrar de algum modo uma forma de
liberar, de extravasar a raiva que estava sentindo.
Assim que entro no meu quarto e fecho a porta, arremesso contra a
parede o porta-alianças, prometendo para mim mesmo nunca mais me
apaixonar. O melhor que eu faria era pensar que esse dia nunca aconteceu.
É bem assim...
A vida segue, parar não é uma opção para mim.
Minha equipe de criação está ali na minha sala, esperando ansiosos
para eu falar a notícia que há semanas estamos trabalhando para conseguir.
— Sim, claro. Tem toda razão, Roberto. Nós compreendemos e
estamos muito felizes pelo seu retorno — respondo para o cliente e fico de
costas para esconder minha euforia e evitar que escutem o restante da
conversa. Mas, assim que desligo o telefone me viro e faço suspense.
Respiro fundo e olho para cada um, deixando os segundos correrem antes
de dizer qual foi a resposta do cliente.
É claro que precisava ser dramático, assim os deixava ainda mais na
expectativa.
Esse contrato não era uma campanha qualquer. Seria uma espécie
de cartão de visita. Além de acrescentar alguns números a mais na minha
conta, era a oportunidade e porta de entrada para grandes empresas virem
até nós.
— Fala logo, Ricardo. Acho que vou ter uma síncope. Você não
sabe que odeio esse mistério todo? — Thaís, minha secretária e amiga diz
ao continuar sua andança por toda minha sala, com as longas unhas na boca,
roendo-as.
Era sexta-feira e não poderia ser um dia melhor para receber a
notícia que havia fechado a campanha publicitária de uma das maiores
marcas de cerveja do país.
Mas eu iria sim fazer um mistério, deixá-los pensar que não foi
dessa vez.
— Então, pessoal...
— Pelo amor de Deus, Ricardo. Não nos diga que não
conseguimos. — Thaís para e bate as mãos nas laterais do seu corpo, como
se estivesse acreditando na minha expressão. — Não acredito, apresentamos
um ótimo programa. — Ela nega com a cabeça e resmunga ao ir para o
fundo da minha sala, desolada.
— Então, pessoal — retomo e respiro fundo, continuo a encenar e
depois de segundos não consigo mais segurar a boa notícia. — É nossa! O
contrato é nosso! — falo entusiasmado, batendo palmas para toda minha
equipe, que comemora.
Há um ano estamos tentando conseguir essas campanhas. Foram
reuniões em cima de reuniões. Projetos e mais projetos.
— É nossa e ninguém mais tira da RR Brasil Publi — falo convicto.
Se tenho certeza de algo é que somos bons no que fazemos. — Parabéns,
vocês são fodas — digo e vou de um em um da minha equipe de criação,
cumprimentando-os.
Há quase três anos, quando Rubens Teixeira me chamou em seu
escritório para me oferecer a sociedade, não pensei duas vezes em aceitar.
Ele precisava de alguém que se dedicasse à agência para que ele assumisse
o grupo empresarial da família dele. E o felizardo sortudo fui eu.
Desde então tenho me dedicado a fechar as maiores campanhas do
país, consagrando a RR Brasil Publi na maior agência publicitária do
mercado. Ano passado conseguimos ganhar o Eagle Titaniun[2] na categoria
de campanhas integradas no WAWA[3] na Riviera Francesa. Foi um grande
marco não só para todos nós, mas uma realização pessoal imensa.
Indescritível.
— Ganhei minhas férias tão merecidas. — Thaís se aproxima e
dramatiza ainda mais ao jogar os braços para o alto.
— Que férias? — pergunto ao olhar ressabiado para ela. Eu tinha
prometido não a perturbar e muito menos fazer pressão psicológica para que
não me abandonasse por um mês, mas, diante do seu esforço prometi que
dessa vez não iria falar nada.
— As minhas, claro! E não me venha com sua choradeira. Vão ser
30 dias de muito sol e calor.
— Quem a ouve dizendo isso vai achar que sou um carrasco que
não te deixa tirar férias.
— Você até deixa, mas faz um drama todas as vezes.
Thaís coloca as mãos na cintura e me olha inquisidoramente.
— Em minha defesa é porque não vivo sem você.
Ela continua me encarando e retorce o lábio.
— O que foi? Só estou dizendo a verdade.
— Está vendo? Você faz todas as vezes desse jeito. Diz que não
vive sem mim, que vai morrer.
— Não sou tão dramático assim — refuto-a como se eu estivesse
dizendo a verdade e que nunca dramatizei quando suas férias estão
chegando.
— Não. É um manipulador.
— Credo, Tha. Eu sou um santo.
— Ricardo Medeiros de Alencar! Sou sua secretária há cinco anos e
não há um dia. — A morena faz uma pausa e olha na direção de quem a
chamou, mas logo volta a falar e dessa vez levanta o indicador no ar. —
Dessa vez você pode beijar meus pés que eu vou viajar os 30 dias das
minhas tão esperadas e sonhadas férias.
— Poxa... como vou fazer? Você vai me encontrar no fundo do
poço quando voltar.
— Mas é muito cretino mesmo. — Thaís rebate e se afasta quando
tento abraçá-la. — Deixa de ser chorão, Ric. Não adianta fazer qualquer
proposta que minhas passagens já estão compradas e estou contando cada
segundo para me ver livre de você por um mês inteiro! — Ela conclui
sorrindo.
— Eu aumento seu salário.
— Não me venha com chantagens. Esse ano não apareço aqui antes
dos meus trinta dias acabarem. Já estou até procurando alguém para ficar no
meu lugar.
— Pelo menos que seja bonitinha.
— Isso dá assédio!
Thaís e eu brincávamos, se tinha algo que não gostava era de me
relacionar com alguém da agência.
— Você é cruel. Thaís, eu juro que se a pessoa que você colocar for
uma incompetente, eu te caço em alto mar e te trago amarrada; sabe que não
vivo sem você.
— Há-há-há. Só se for no seu sonho, meu querido — diz
debochada.
— Você não me ama mais.
— Amo, mas não vou ficar e vamos embora porque o Rafa está me
esperando lá embaixo, vamos sair para jantar. É sexta-feira, por favor
vamos embora.
— Sério? Que mal gosto você tem. — Fico enrolando
propositadamente, só para provocá-la.
— Igual ao seu para mulheres. Aliás, você poderia pedir para elas
não ficarem me perturbando para falar com você no horário do expediente.
Você tem celular, avise a suas peguetes sobre esse fato, senhor Don Juan [4]
dos Jardins.
— Coitadinhas, Tha. Não seja malvada com elas também.
Thaís sempre implicava com as minhas escolhas, dizia que todas
eram falsas e interesseiras. E que meu filtro para mulher era péssimo. Ah...
e odiava quando ligavam para cá me procurando.
— Alguém me ligou hoje?
Ela se vira na direção da porta enquanto todos estão saindo, mas
para e olha para mim antes de deixar minha sala.
— Sim, mas disse que você estava internado fazendo uma cirurgia
de aumento peniano. — Não consigo encarar como algo sério esse seu
humor extremamente ácido e começo a rir.
Sim... Além de chefe e secretária, meu relacionamento com ela era
muito próximo. Meu carinho é como se fosse o de uma irmã. Há tempos
nós temos uma cumplicidade incrível. Foi ela quem esteve aqui quando
mais precisei de apoio.
— Você vai acabar com a minha moral desse jeito.
— Querido, cada um faça sua propaganda da melhor forma. Agora
vou, porque eu mereço beber todas e...
A interrompo.
— Não quero saber que vai foder a noite inteira com aquele pau
mole.
— Ele não está fazendo cirurgia de aumento... — Thaís manda um
beijo no ar e se vira. — Tchau, Ric. Até segunda-feira e me ligue se precisar
de algo.
— Pode deixar, Tha. Vai lá passar vontade.
— Também te amo! — Ela diz e sua voz ecoa vindo da sala antes
da minha.
Minha intenção é que se fechássemos o contrato comemoraríamos,
mas não estava esperando a ligação do cliente ainda esta semana. Então, a
comemoração se daria para daqui uns dias, quando formalizássemos o
contrato. Até porque já tinha combinado com JP, João Pedro Albuquerque,
de hoje à noite irmos no clube.
Pelo menos uma vez por semana nos encontrávamos para jogar
pôquer. Normalmente às terças-feiras, porém, nessa semana ele estava de
plantão e não teve como. Então mais cedo Thaís confirmou com ele sobre
nossa ida ao Pokerstars[5]. Se estava tudo certo.
Um hobby do qual não abro mão.
Fecho minha sala após conferir se peguei minha carteira e chaves.
Em seguida desço até o subsolo do prédio, onde deixo minha linda menina
estacionada. Uma R1[6] do ano, que adquiri alguns meses atrás. A escondo
no fundo, assim não corro o risco de alguém bater nela.
Não é novidade alguma que tenho paixão por motos. Adoro
acompanhar as corridas e já fui diversas vezes em Interlagos no MotoGP do
Brasil. É uma das minhas diversas paixões.
Na verdade, posso dizer que sou sortudo. Penso, enquanto subo na
moto e coloco o capacete, o quanto adoro minha vida de solteiro. O quanto
me sinto bem resolvido depois de todo aquele período que precisei seguir
em frente.
Claro que não foi tão rápido aceitar. Ainda me questionei muito, me
afastei do pessoal e há dois anos voltei a participar mais das nossas
reuniões. Claro que não é sempre que vou. Evito um pouco estar
encontrando com Renan. Ele ainda faz parte da turma. Não seria justo pedir
que todos se afastassem dele. Cada um ali não foi a favor do que ele fez e
de como tudo aconteceu, mas não seria eu e muito menos posso impedir
que o pessoal ainda tenha amizade com ele. No entanto, evito lugares que
ele está, acabo mesmo indo quando não tem outra solução. Não é por
despeito ou ressentimento. Só não consigo engolir ainda que uma pessoa
que dizia ser um grande amigo, um quase irmão, tenha feito o que ele fez.
Camila, essa daí nunca mais vi, apenas sei que está morando em
Bragança.
Depois que a flagrei na cama com Renan ela me ligou diversas
vezes, pedindo desculpas e querendo conversar, mas não quis. Foi um ponto
final. Há coisas e pessoas em nossa vida que é melhor que vá de uma vez.
Deixando livre para as boas entrarem.
Pelo menos comigo foi assim.
Há mais de meia hora estou esperando JP vir me buscar. Ele enviou
uma mensagem mais cedo, quando estava chegando aqui. Avisando que iria
se atrasar.
Iríamos em seu carro. Sempre fazíamos um rodízio e dessa vez seria
com o meu, mas acho que ele deve ter ficado preso no hospital e por isso
passaria por aqui para me pegar.
Vou para meu pequeno terraço.
Moro nos Jardins em uma cobertura. Foi um verdadeiro achado
quando a encontrei em um desses leilões judiciais. Paguei um valor bem
abaixo do mercado imobiliário. Digo que foi um bom investimento nos 320
metros quadrados com uma linda vista.
Não precisei reformá-lo, apenas contratei uma boa arquiteta que o
decorou.
É grande para um solteiro, mas no momento Rebeca está morando
comigo. Inclusive foi para Bragança no fim de semana. Acredito que deve
estar de rolo com algum cara por lá. O que é bom para mim, caso queira
trazer alguém para cá. Aliás, é uma das minhas exigências, que eu tenha
meus fins de semana livres. Nem toda mulher levo para algum motel
qualquer. Algumas, as com que quero passar a noite, acabo trazendo para
cá. E posso parecer retrógrado, mas não me sinto à vontade de trazer
minhas trepadas para casa quando minha irmã está aqui.
Não sei se é aquele sentimento de que ainda acho que Rebeca
precisa de proteção. De que ela ainda é uma virgem desprotegida. Que é a
menina tímida e desengonçada que eu precisava comprar suas brigas na
escola.
Ela já disse que faço papel de ridículo, mas prefiro que seja dessa
forma.
Já passa das nove horas quando JP me manda uma mensagem
avisando que está chegando.
Desço até a portaria e fico esperando por ele, que não demora
muito.
— E aí, cara? — Ele me cumprimenta assim que entro no carro,
pegando minha mão em um aperto firme. — Achei que não iria conseguir
sair do hospital hoje. — Ele justifica seu atraso.
— Fica tranquilo. Hoje só quero saber de comemorar.
Eu e João Pedro somos amigos de infância, acho que desde que nos
entendemos por gente. Quando terminamos o ensino médio chegamos a
morar juntos aqui em São Paulo, na época em que fazíamos faculdade, mas
logo Jaqueline, sua namorada e amiga minha, veio para cá e acabei
procurando um apartamento sozinho para mim.
— Opa... e o que vamos comemorar?
— Fechei uma conta do caralho. Uma campanha foda. Meu ano
está começando bem. Semana que vem já começamos a contratação da
equipe de audiovisual no Rio de Janeiro — conto a novidade com
empolgação. E seguimos conversando sobre como foi a semana e de como
ele estava pensando em pedir Jaqueline em casamento. Os dois estavam
juntos há mais de oito anos.
— Estou querendo me casar e sossegar. Já estamos juntos mesmo
há tantos anos que é mais uma formalização. — Ele responde quando
pergunto se é realmente o que quer.
Nossa amizade sempre foi assim, aberta. Éramos quase como
irmãos.
Muitas mulheres acham que homens só falam de futebol, de cerveja
e de mulher, mas nós também conversávamos sobre assuntos sérios. E
casamento é um assunto bem peculiar ao meu ver. Desde que terminei com
Camila nunca mais quis me envolver a ponto de chegar a criar planos.
Minha vida estava perfeitamente boa do jeito que estava.
Não sou um cretino filho da puta que só quer foder sem
compromisso, apenas não quero me comprometer por agora. Há muito que
ainda quero da vida, desejo conquistar muitas coisas. Estou, talvez, em um
dos melhores momentos da minha profissão, quero esgotar o máximo que
conseguir dessa fase antes de pensar em ter um relacionamento sério. De
me prender a alguém.
Pode ser que eu tenha receios, mas não acho que seja medo ou algo
do tipo. Até porque Camila é um passado bem superado.
— Faça bom proveito, eu ainda quero viver mais a vida. Foder
muito ainda sem me amarrar — respondo convicto e o entendendo. Ele e
Jaque são muito parceiros e pode ser que ele tenha sorte no amor. Diferente
de mim, que a tenho apenas nos negócios e nos jogos.
— Tu é um filho da puta... E cara, você vai ser meu padrinho. — JP
diz enquanto continua com o olhar atento no trânsito.
— Serei com maior prazer. Quero que você e Jaque sejam felizes,
meu amigo.
O assunto de casamento e de como ele está inseguro continua boa
parte do trajeto até ele mudar de assunto.
— E aí? Já se decidiu se vai viajar com a turma esse ano?
Pronto! O assunto que estava evitando e que sempre evitei surge.
Uma vez por ano. Eu, ele, Eduardo, Thiago, Miguel e aquele filho
da puta do Renan nos encontrávamos e passávamos um fim de semana
juntos em qualquer canto por aí, bebendo e se divertindo. Era o modo que
encontramos para não deixar a amizade morrer, já que cada um estava
trabalhando em cidades diferentes. Depois Jaque se juntou a nós. Inclusive,
só JP era o único comprometido de todos nós. Os outros também estavam
como eu, solteiros ou com algum caso por aí. Renan, esse eu não sabia de
nada. Se ele e Camila ainda estavam juntos. Para mim, que se fodessem os
dois. Só voltei para o grupo de tanto João Pedro e os outros caras insistirem.
Contudo, quando chegava a época do que chamávamos do nosso
encontrão, eu sempre dava alguma desculpa e evitava ir.
— Estamos pensando em ir para Punta Del Este no fim de semana
após o carnaval. Vai também dessa vez? Já faz tanto tempo, cara.
Sei o que estava fazendo. Esperou para virmos jogar para me pegar
sozinho. Assim talvez conseguisse me convencer.
— Tenho que pedir para a Thaís ver minha agenda. — Meneio a
cabeça e respondo numa tentativa de me esquivar por mais um ano.
— Porra, Ricardo. De todos nós você é o que mais tem condição de
falar: vou viajar e pronto, que se fodam todos. Cara, você é sócio da sua
empresa e ainda me diz que precisa ver sua agenda?
— Eu...
— Sem essa de “eu estou com muito trabalho”. O ano mal começou
e você já está se esquivando. É muito frouxo... Que caralho. — João Pedro
resmunga.
— Sua irmã não acha que sou frouxo. — Tento jogar para outro
assunto e o provoco.
Não é novidade para ele que eu e sua irmã, sempre que tem algum
encontro, acabávamos saindo. A princípio, eu tentava respeitar aquele lance
de ser a irmã do meu melhor amigo. Da garota que vi crescer, mas acabei
cedendo às investidas da deliciosa Caroline. Ele não disse nada, mesmo
sabendo que eu não iria assumir qualquer compromisso com ela. Inclusive,
sempre deixei claro para Carol que era só sexo e nada mais. Claro que tentei
conversar com ele, mas JP foi direto e disse que a irmã já é bem grandinha e
sabe o que está fazendo.
— Inclusive ela vai dessa vez.
— É um caso a se pensar.
— Porra... estou até jogando minha irmã de bandeja para ver se
você vai!
João Pedro diz contrariado após perceber que mais uma vez eu iria
inventar uma desculpa qualquer para não ir. No entanto, não disse que sim
nem que não. Mudo de assunto e começamos a conversar de outras coisas.
Assim que chegamos no clube não falamos mais nada que não fosse
sobre pôquer, nos concentrando no jogo. Era como se entrássemos em uma
caixa e fechássemos a tampa dela. Era jogo; sobre cartas e pontos era o
único assunto que falávamos. Inclusive estávamos com apostas bem altas
no momento.
Encontramos um grupo que sempre vinha também. E eles eram
bons. Gostava de jogar contra eles.
Aliás, jogar e apostar no pôquer era algo que liberava uma grande
quantidade de adrenalina em meu corpo. Pode se dizer que alguns gostam
de esportes radicais para conseguir esse efeito fisiológico, mas no meu caso
as apostas exercem essa função em mim. Faz com que eu queira mais e
mais. Não como uma compulsão, como alguns têm. Eu sabia muito bem
separar esse momento e até onde poderia ir.
A diferença de um bom jogador e do viciado era exatamente essa:
saber o momento que deve parar.
E sempre soube quando podia ir mais e quando chegava a hora de
encerrar. Talvez seja por isso que eu sempre saía com saldo positivo. Pelo
menos era assim na maioria das vezes. Claro que já tive muitas perdas, mas
como aprendi o momento exato de dizer “deu para mim” eu não me sentia
compulsivo pelo jogo.
Como hoje. De oito ganhei cinco. Pelo menos foi 50%.
— Como consegue? Você é um azarado filho da puta... — JP era
desbocado —, dois straight flush[7] e duas quadras[8]! — Ele resmunga
quando deito as cartas contra a mesa mostrando minha sequência. — Filho
da mãe sortudo do caralho.
— Thaís e Rebeca dizem que sorte no jogo é azar no amor —
retruco ironicamente.
Claro que fiz uma única vez um royal flush[9], um steel wel[10] e
nossa, eu não conseguia esconder minha emoção quando fiz a sequência de
Ás, Rei, Dama, Valete e 10 do mesmo naipe. Como disseram naquele dia.
“Nem James Bond conseguiu essa proeza”. Então até aceito o título de
filho da puta sortudo.
— Porra... Nenhum dos dois. Você é o cara mais sortudo que
conheço, ninguém do sexteto — como chamávamos nosso grupo — ainda
bateu seu recorde. E pelo jeito vamos perder a oportunidade de vencer você,
já que provavelmente vai inventar qualquer motivo para não ir na viagem.
Se estava pensando que dessa vez conseguiria que esse assunto
morresse estava completamente equivocado. João Pedro retornou a ele, mas
como havíamos bebido um pouco ele foi direto.
— Poderia esquecer de uma vez por todas. Já faz cinco anos que
tudo aconteceu.
Ele se referia a algo que, por mais que tivesse ficado no passado,
ainda era um ponto ruim da minha vida. Já havia sim superado tudo. Eu só
queria me manter distante daquele filho da puta amigo da onça. Era só por
isso.
— Eu já segui em frente, JP. O fato de não querer estar com ele não
é como se ainda remoesse. Renan é amigo de vocês, não meu — falo
incisivo e me relaxo contra o espaldar da cadeira após deixar o baralho
sobre a mesa.
— Ricardo, você é meu amigo. E eu queria muito que fosse com a
gente. Renan também vai. O cara está namorando, inclusive até a nova
namorada dele vai também. Eu não a conheço ainda. O Edu disse que ela é
quieta e que Renan até perguntou se você ia. — JP diz como se isso fosse
pesar em minha decisão. — Eu não posso falar para ele não ir, se pudesse
eu faria só para que você fosse, meu amigo.
Não respondo nem que sim nem que não. Fico olhando para ele por
um tempo.
— Acho que ele quer de um jeito ou de outro se redimir, Ric. As
pessoas erram.
Sorrio com ironia.
Sim... as pessoas erram e você até pode desculpá-las, mas não
precisa conviver mais com elas. E definitivamente eu não queria Renan por
perto. Já havia explicado que na vida prefiro dar meu silêncio. No entanto,
ele mexe com aquela parte dentro de mim que gosta de uma aposta pelo
prazer de poder ganhá-la.
— Vamos fazer o seguinte: se eu ganhar a próxima você vai na
viagem. A não ser que já sabe que vai perder para mim e não queira passar
vergonha.
Mas que porra... Filho da mãe.
O encaro e volto a repousar os cotovelos sobre a lã verde que
reveste a mesa.
— Se eu ganhar não vai ser uma menininha chorona e ficar
tentando me convencer. Vai aceitar que não vou.
— Ok. Combinado. — JP estende a mão na minha direção para
selarmos nossa aposta.
— Quem fizer a melhor mão. E se eu ganhar, além de você ir vai
pedir o jatinho de Rubens para irmos.
— Aí você já quer demais — retruco.
Já viajamos uma vez para Buenos Aires no avião particular do meu
sócio. Que ficava à disposição quando precisasse, porém, não me sinto à
vontade de ficar toda vez pedindo emprestado.
Rubens Alvarenga é o nome dos investimentos no país. Dono de um
conglomerado de empresas e grupos empresariais. Um playboy milionário
que seu hobby preferido é ter empresas, comprando-as falidas para fazer
delas negócios rentáveis. Foi assim com a RR quando entrei. Ele parece que
está brincando de fazer dinheiro. Além de ser um empresário de renome, ele
palestra sobre empreendimento. O cara é uma unanimidade e eu tive a sorte
de cair em suas graças quando me chamou para ser sócio da RB.
— O que foi? Não vai custar nada para o Rubão.
JP apelidou meu sócio como se fossem íntimos.
— Está com medo de perder, Ricardo? — João Pedro insiste
quando fico em silêncio.
— Combinado. A melhor mão! — Solto sua mão e espero pela
distribuição das cartas.
Perco...
Não esperava que fosse ter esse revés nesse momento. E quando
uma aposta é feita, um bom perdedor tem que pagar sua dívida de jogo. No
meu caso eu teria que ir na tal viagem.
— Não faz essa cara, meu amigo. Aposta é aposta.
— Você conseguiu o que queria, agora para de encher o saco e
vamos logo embora. Jaqueline vai arrancar suas bolas fora.
— Dessa vez não vai quando contar que venci uma aposta contra
você. — Ele debocha, mas se levanta.
Dentro do carro voltamos a falar da tal viagem.
— Só tem uma coisa. Nós vamos abastecer o avião do Rubens, vai
ficar bem mais barato do que pagarem a passagem — falo antes de descer
do seu carro, assim que ele estaciona em frente ao edifício onde moro.
Por mais que fosse pedir algo que para Rubens não custaria, como
se fossem centavos, não achava correto viajar em seu avião sem pagar algo
pelo menos. Até porque eu não estaria indo a trabalho e sim para um fim de
semana de curtição. E também porque todos ali tinham condições de pagar
pelo menos parte.
— Tudo bem! Já vou falar com o pessoal.
Despeço dele e deixamos para acertar os detalhes durante a semana.
Não faço a mínima ideia do motivo, mas ainda não estou certo de
que eu deva ir. Se não fosse pela maldita aposta certamente eu não iria.
Pela primeira vez fui compulsivo e perdi.
Os dias estão passando na velocidade da luz. Durante o carnaval
estive em Bragança a fim de ficar um pouco mais na companhia dos meus
pais, mas voltei antes mesmo de estender meu feriado até a semana
seguinte. Tinha muitas coisas para resolver. Não só eu, mas toda a RR
estava eufórica por causa da nova campanha que faríamos em algumas
semanas.
Isso fez com que Thaís também retornasse ao trabalho. Não que
tivesse prometido que ela poderia ficar. Disse que se eu ficasse em
Bragança pelo restante da semana que ela também poderia ficar, mas
quando liguei e disse que voltaria escutei ela me chamando de carrasco.
Sei que não passam de brincadeiras, afinal, essa é a nossa relação,
mais de amizade do que de secretária e chefe.
Mas tudo foi tão atribulado durante a semana que mal percebi que
estava diante de poucas horas para a tal viagem. Ainda bem que seria
apenas pelo fim de semana, depois eu teria algum tempo de paz sem JP
ficar na minha cabeça, insistindo para que eu frequente os mesmos lugares
que Renan.
De antemão, não é sobre rancor, raiva pelo que aconteceu, apenas
de que não tenho intenção alguma em me tornar amigo dele de novo e
esquecer tudo que aconteceu. Infelizmente eu teria que fazer a política da
boa vizinhança.
Mais cedo, pedi que Thaís fosse até meu apartamento e fizesse uma
mala para mim. Irei direto do escritório para o aeroporto.
No restante das horas do período da tarde resolvo algumas coisas e
quando chega perto do horário que devo ir, me troco, colocando algo mais
confortável e tirando o terno que estava usando na reunião de hoje de
manhã.
Deixo o escritório e me despeço de todos, inclusive tive uma
conversa com Thaís que tem o mesmo pensamento que o meu, de que não
deveria ir. Se não quero mais amizade com Renan, não devo estar no
mesmo grupo que ele. Mas como havia apostado com JP, e mesmo que
tenha sido apenas uma aposta idiota, não tenho intenção de voltar atrás com
minha palavra.
Chego no aeroporto, onde o avião particular de Rubens fica
estacionado em um dos hangares. Na sala de embarque privativa todos me
esperavam, inclusive o filho da puta que estava em um dos cantos
conversando com quem acho que deve ser sua namorada. Ainda não
consigo ver quem é, ele está à sua frente. E sei que é ele, mesmo estando de
costas para mim. O modo como penteia o cabelo para trás e os fios
dourados o denunciam.
Por mais que soubesse que iria, tinha esperanças de que ele fosse ter
o mínimo de decência e desistir quando soubesse que viajaríamos no avião
do meu sócio. Mas enfim... Não se pode esperar caráter de alguém que
nunca teve. Se aceitei, agora teria que conviver com ele pelo fim de semana
inteiro.
Desvio meu olhar para o lado quando vejo Jaqueline, que diz meu
nome alto anunciando que havia chegado. Mas antes de me aproximar do
grupo, uma das atendentes da empresa que cuida da aeronave de Rubens me
chama para passar algumas informações.
Gesticulo para ela com um aceno de mão e acompanho a mulher até
o balcão de atendimento para assinar alguns papéis. O de praxe. Logo em
seguida me dirijo até o grupo e Jaque é a primeira a me abraçar. Depois Ana
Carolina, que envolve meu pescoço.
Eu sabia que a morena viria, seu irmão já tinha me dito. Acho que
como um aviso. Era estranha a forma como JP levava numa boa o fato que,
sempre que ocorriam esses encontros, entre eu e sua irmã acontecia algo
entre nós dois.
Não nego que acabo me aproveitando do momento, de Carol ser
alguém que conheço e desprovida de frescuras. Então acaba rolando.
Contudo, penso que lá no fundo ele não goste, já que sempre deixei claro
que não estou disposto a assumir um relacionamento com ela.
Pode até parecer que sou um filho da puta que come a irmã do
amigo sem compromisso. O fato é que não quero me envolver com
ninguém por enquanto. A química é boa, nos damos bem como amigos e
talvez se assumir algo e não der certo depois posso perder a amizade dele. E
é justamente o que não quero que aconteça. Aliás, não quero mais ter
nenhum clima ruim entre meus amigos, já basta tudo que aconteceu e nos
deixou um pouco afastados.
— Oi, Ric. — Sua voz soa melosa e sedutora. Claro que não me
faço de rogado e sorrio quando sinto sua respiração bater contra minha
orelha. No entanto, meu olhar vaga e para na morena quieta no canto, na
namorada do filho da puta que está ao seu lado conversando com alguém ao
telefone.
É bem bonita...
Observo e fico por segundos mantendo Ana Carolina entre meus
braços enquanto meus olhos passam por cima dos seus ombros e vão na
direção da mulher, a quem eu devo manter a maior distância possível.
— Como está? — Ana Carolina se afasta, mas não muito,
permanecendo quase colada a mim e de frente, me encarando, com suas
mãos agora em meu peito enquanto as minhas se posicionam
despretensiosamente em sua cintura.
Independentemente do que acontece entre nós dois, Carol é mais
que uma amiga e não tem como tratá-la como se fosse apenas a irmã mais
nova do meu amigo. Até porque somos bem mais que amigos, posso dizer
que somos parceiros de trepadas sem compromissos.
— Muito bem! E você? Vejo que está de visual novo — digo ao
reparar no corte de cabelo e como estavam mais claros.
Ana Carolina é linda, está cursando faculdade de Medicina, assim
como quase todos da sua família. E já confessou que eu era sua paixão de
adolescente. O típico clichê do amor platônico da infância.
— Gostou? Acho que queria causar uma boa impressão.
— Está linda como sempre! E acho que causou — respondo de
modo furtivo, elogiando-a. De fato, a irmã do meu melhor amigo é linda,
gostosa e não posso negar que não é nada santa quando está sobre uma
cama, o que particularmente adoro nela. Mas ao invés de manter meu olhar
no seu, fico intrigado com a morena quieta no canto da sala. Como se ela
fosse um ímã.
Sei que é apenas por mera curiosidade de saber quem é.
— E aí, cara! — Thiago se aproxima e me puxa para um abraço,
disparando tapinhas em minhas costas, me distraindo, me fazendo parar de
olhar na direção do casal.
Após tudo que aconteceu eu me distanciei deles, indo somente
quando Renan não estava. Não queria ninguém tendo que escolher um lado.
E se não fosse a maldita aposta com JP eu não estaria aqui. Continuaria
apenas encontrando o pessoal quando Renan não estivesse. Mas já que
estou, não vou gerar nenhum clima pesado. É só eu ficar de um lado que ele
não estiver.
— E Gabi[11], como ela está? — pergunto sobre o estado da sua
irmã, que acabou se acidentando dois meses atrás e por isso não nos vimos
durante o carnaval.
Thiago é filho de um dos donos do hospital em que meu pai
trabalha. Crescemos juntos devido a grande amizade que nossos pais tem.
Mas como ele mora ainda em Bragança, acabamos por nos encontrar
quando vou lá.
— Ela está bem. Vai casar com o namorado e continuar morando na
fazenda em que trabalha. — Ele responde, mas muda de assunto
rapidamente. Sei que os pais estão se separando após o acidente de
Gabriela. Aliás, só sei de alguns detalhes porque foi o assunto do fim de
semana. Então não prolongo o assunto, só mesmo de como está Gabi.
Por fim, Eduardo, Miguel também se aproximam e o meu grupo
estaria perfeito assim, se não fosse por Renan também se aproximar e
estender a mão após muitos anos sem nos falar.
— Beleza, Ricardo?
— Sim e você? — Não queria ter que cumprimentá-lo e até parece
uma infantilidade minha, mas ele decididamente não é o tipo de pessoa que
quero perto de mim. Que finge ser seu amigo, onde você se doa por uma
amizade para no fim ser traído por ela. Mas é aquele lance sobre colocar
expectativas nas pessoas...
Solto sua mão mais que depressa e fico sem saber o que falar e o
que fazer quando JP se aproxima, coloca suas mãos sobre meus ombros e
fica calado nos olhando.
— Esse é Ricardo, Amanda, um amigo meu. — Renan então diz e
vira para a namorada, nos apresentando.
Amigo é na casa do caralho, isso sim!
Nunca fomos amigos, se for olhar na perspectiva de tudo que
aconteceu no passado, mas...
Cacete... é linda demais...
— Olá! Prazer! Amanda... — Ela diz baixo e dá um leve sorriso
com seus lábios cheios e avermelhados.
Que boca...
Estendo minha mão para alcançar a sua no ar que está na minha
direção e quanto seus dedos se apertam contra o dorso da minha sinto algo
estranho, como se fosse uma corrente elétrica.
Um choque!
Nos entreolhamos e acho que ela sentiu o mesmo, pois seu olhar é
de espanto, de como se fosse algo estranho para se sentir com um simples
aperto de mãos.
— Prazer, Ricardo! — falo meu nome também, como se o infeliz
do seu namorado não tivesse dito antes. Contudo, solto sua mão
rapidamente quando percebo que minha mente está prestes a conspirar
contra mim mesmo após sentir esse delicioso calor que o contato está
emanando. E deixar-me levar por esse caminho na certa é algo que jamais
quero. Pelo simples fato dela ser namorada do filho da puta sortudo.
Porque não vou negar que ela é linda, ainda mais de perto. Olhos
verdes, rosto de boneca e lábios extremamente convidativos.
Sem hipocrisia alguma: eu estava diante de uma mulher que
facilmente me atrai.
— Senhor Ricardo! — Uma das atendentes me chama e acabo por
desviar minha atenção para a mulher que nos informa que a aeronave está
preparada para embarcarmos.
Aviso para todos e quando fico um pouco atrás do grupo volto a
olhar para Amanda, que caminha ao lado do traíra. Ele está com a mão
envolvendo sua cintura enquanto caminham na minha frente.
— Ela tem dono, viu? — Ana Carolina sorrateiramente diz ao ficar
do meu lado. Não havia percebido sua presença e muito menos que ela viu
para onde eu estava olhando. Tento disfarçar minha curiosidade na bela e
linda Amanda ao me virar e puxá-la, envolvendo-a para mais perto.
— Eu sei, gatinha — respondo e sorrio despretensioso na tentativa
de que não pense nada ao contrário, de que não deduza coisas que não são.
Até posso achar Amanda bonita, não tem nada demais. Qualquer um em sã
consciência a acharia, pois é uma linda mulher.
— Animado?
— Acredito que será legal. Assim espero! — respondo e novamente
me distraio olhando na direção da namorada de Renan.
Pelo menos era o que realmente esperava. Já que havia aceitado
estar de novo próximo deles. Então bastava eu aproveitar e fingir que Renan
era apenas alguém como outro qualquer ali. O que não isenta de que para
mim ele se tornou um zero à esquerda. Afinal, sempre fui homem suficiente
para cumprir com minha palavra e se a dei para JP eu a cumpriria.
— E você, também está animada? — A apertei mais contra meu
corpo enquanto nos movia na direção do embarque.
— O que posso falar? Acho que sim, mas para ser perfeito não vai
depender só de mim. — Ana Carolina responde, deixando subtendido que
iríamos ter algo. O que poderia de fato acontecer.
Nos separamos para subir a escada de acesso e em seguida escolher
o lugar que vai sentar. Aliás, todos já haviam sentado, sobrando um assento
próximo a Renan e a namorada.
Prontos, o piloto nos avisa e dá as mesmas instruções de sempre.
Por um tempo, enquanto o avião está decolando, fico calado escutando eles
conversarem até que meu nome surge.
— Sabemos que o Ricardo é o campeão do grupo. — Miguel diz.
— Que nada, se estamos indo para Punta de avião particular é
porque ele perdeu uma aposta comigo. — JP contradiz se vangloriando.
Sim... perdi e é só por esse motivo que estava com eles. Foi uma
jogada de azar contra sua boa quadra, ou melhor, seu blefe perfeito.
— Foi apenas sorte, JP. Aliás eu deixei você ganhar — digo em tom
provocativo. João Pedro é o mais debochado e também o mais animado do
grupo. E eu não poderia perder a chance de provocá-lo.
— Que nada. Só ganha por sorte. Ali foi jogada do mestre aqui.
— Poderíamos apostar quem vai quebrar o recorde do apostador do
grupo. — Thiago diz em voz alta.
Por mais que estivesse ali por causa da maldita aposta que perdi,
não vou esconder o quanto me sinto bem estando próximo de amigos, que
não só fizeram parte da minha infância como ainda fazem da minha vida.
— Eu aposto que tiro facinho — JP diz alto.
— Então veremos. Você só teve mesmo foi sorte da última vez —
respondo ainda mantendo o tom provocativo.
— Não sei porque acreditei que seria um fim de semana sem jogos
e apostas, João Pedro. — Jaqueline diz em tom de brincadeira.
Não é novidade alguma que todos ali gostamos de jogar pôquer e
que nessa viagem o intuito era aproveitar essa parte que Punta Del Leste
nos ofereceria. Não afirmo, mas acredito fielmente que JP foi quem
escolheu o destino exatamente por esse motivo.
Inclusive era ele quem sempre programava essas viagens com o
intuito de não nos distanciarmos.
Ainda em Bragança, quando éramos adolescentes, pelo menos uma
vez por semana nos reuníamos na casa de um para jogar. Era como se fosse
um ritual daquele dia não irmos a lugar algum para fazer a noite do pôquer.
Mas com o tempo e com a vida corrida, cada um foi deixando essa nossa
pequena tradição de lado, entretanto a amizade nunca se desfez, mesmo eu
tendo me distanciado um pouco.
— Quem vai tirar o título de Ric? Vamos apostar? — Thiago
retoma o assunto pouco depois da decolagem, me colocando em foco de
novo.
Eu sempre tive muita destreza para qualquer tipo de jogo. E por isso
eles achavam que eu era o campeão. Aliás, disputávamos por pontos e no
fim do ano declarávamos o campeão. E por anos fui eu quem ganhou. Era
uma espécie de competição entre eles para ver quem conseguia bater meu
recorde de vitórias.
— Estou indo bem preparado. — Renan diz. Ele até então estava
calado, contudo não olho para sua direção, apenas escuto enquanto eles
discutem quem vai conseguir me vencer no pôquer.
— Pois é... — retruco invasivo e deixo que apenas eles conversem
entre si, me calando.
Deito minha cabeça para trás, fecho os olhos e fico pensativo.
Já estávamos voando há uma hora quando saio do meu assento e
vou em direção ao banheiro, mas paro por causa de Ana Carolina que está
com o braço esticado e a palma da mão virada para cima na direção de
Amanda, que está segurando seu pulso.
Apoio-me antes nas duas poltronas, enquanto as encaro com
curiosidade.
— O que estão fazendo? Não vão me dizer que estão lendo a sorte
na palma da mão?
— Amanda está lendo nossa sorte. — Jaque respondeu animada ao
me olhar de relance, voltando sua atenção para a linda morena que me
encara com a expressão misteriosa.
— Acreditam mesmo que as linhas de suas mãos possam de fato
dizer tudo sobre a vida de vocês? — Rio, entrando no clima. E de novo
Amanda ergue seu rosto na minha direção e olha para mim com
intensidade. Mas ao invés de desviar meu olhar eu devolvo, não me
intimidando.
— Lógico que acredito, ela disse que vou me casar com João Pedro
— responde convicta.
Não sou supersticioso a esse ponto, então continuo com minha
incredulidade, sustentando o olhar ponderado e ao mesmo tempo misterioso
da morena a minha frente.
— Mas isso é bem óbvio, Jaque. Depois de tantos anos te
enrolando, se não casar seu pai vai colocar a espingarda na cabeça dele e
fazer esse casamento sair de qualquer jeito — digo um pouco mais alto para
que JP escutasse.
Todos riem com a piadinha. E logo João Pedro se aproxima para ver
o que estava acontecendo. Porque as únicas mulheres entre nós estavam
sobre a linda Amanda.
— O que estou perdendo?
— Elas estão acreditando nessas coisas de ver o futuro na palma da
mão. E se prepare, porque você vai casar — debocho e aquele olhar intenso
e misterioso que está preso em mim é substituído por uma expressão de
desagrado. — Não quero ofendê-la, Amanda, mas acredito que o futuro é
uma projeção do que semeamos no hoje. — Levanto as mãos em sinal de
paz.
— Ricardo é descrente de tudo. — Ana Carolina diz e também me
encara.
— Sou realista, minha querida. — Pisco e sorrio, desviando meu
olhar para ela.
— Apenas está dizendo isso porque não acredita no amor. —
Jaqueline retruca e passo a ser o alvo das três.
— Opa... opa... Mas é claro que acredito. Quem lhe disse isso? Só
não consigo acreditar que uma pessoa tem o poder de descobrir o que
podemos esperar do nosso futuro.
— Fala a verdade, Ricardo! Você não acredita em nada, Ric.
Convenhamos que é incrédulo a tudo. — Ana Carolina retruca.
— Não. Você está equivocada, gatinha!
— Não estou e posso provar.
— Amanda, leia a mão dele! — Jaque pede e retira a sua,
encolhendo-a.
— Não acho que seja necessário — respondo quando meu olhar se
volta na direção da namorada de Renan. E ela me encara séria, como se
estivesse disposta a provar que eu estava errado.
— Já que acha que é bobeira, vamos lá, Ricardo. Eu te desafio a
deixar Amanda prever seu futuro. — Ana Carolina incita e cruza os braços,
me provocando.
— Não... não. — Pisco de novo e sorrio um pouco desconcertado.
Não quero desacreditá-las por algo que não consigo crer, mas a
tentação que meu corpo sente a essa propulsão de deixar que Amanda me
toque é maior do que minhas convicções.
— Não vai doer e muito menos arrancar pedaço. — Jaque também
provoca.
— Até porque quiromancia é uma técnica muito antiga dos povos
ciganos. Deveria acreditar. — A irmã de JP incita ainda mais.
— Está bem! Pelo jeito vão me crucificar se eu não deixar. Mas
digo: ainda não acredito nessas coisas, mas acredito no amor.
Aliás, nem sei se acredito também mais nesse sentimento. Não
depois do que passei; acho que amor é meramente um sentimento de
atração. Contudo, a oportunidade é algo palpável e concreto. E a de sentir
seu toque me desperta para algo perigoso.
Amanda é uma mulher da qual necessito manter distância — penso
e não obedeço.
Deixo-me ser conduzido por esse mistério, por ela ser quem é e me
sento à sua frente, trocando de lugar com Jaqueline após assentir,
concordando com esse absurdo de uma superstição tola.
Amanda me encara e estende sua mão. Aquela jovem mulher
acanhada, que desviou o olhar quando a encarei ainda na sala de embarque,
agora é outra pessoa assumindo um personagem. Noto o maxilar
contraindo, as pupilas pretas sobressaindo na imensidão do verde de suas
írises. A boca vermelha em formato de coração é puramente tentadora ao
deixar escapar um suspiro frustrante entre os lábios carnudos. Ela então
segura minha mão após eu ceder a da direita, repousando-a sobre a sua.
E por um momento me sinto estranho quando ainda sustento seu
olhar e de novo esse calor, essa eletricidade se entranha pela minha pele.
Sua mão é macia e quente. E seus dedos são suaves ao riscar a palma da
minha mão por cada fissura nela. Amanda desvia seu olhar e com tamanha
certeza do que está fazendo, vai deslizando a ponta do indicador por cada
linha expressiva.
Que cacete... Mas é linda demais!
Percebo que estou segurando minha respiração por causa dessa
brincadeira idiota e pelo que está causando em mim. De um jeito meio
improvável, é sexy para caralho a forma como está fazendo. Os círculos que
faz reproduz em mim como um convite ao qual jamais aceitaria e é bem
nesse momento que todo meu cérebro está excomungando Renan, por ser
um filho da puta sortudo.
Também consigo perceber o silêncio que se aprofundou enquanto
Amanda está calada olhando para minha mão, como se ela fosse a espécie
de um maldito artefato antigo e valioso.
Minutos depois seu rosto delicado e de traços tão femininos se
ergue, trazendo novamente seu olhar para o meu enquanto continua a traçar
as linhas com os dedos contra a pele grossa da minha mão.
Respiro profundamente e seguro a expiração quando vejo em
câmera lenta seus lábios se abrirem de um modo tentador.
— Nunca vi tantas estrelas na vida de alguém como a palma da sua
mão mostra; suas linhas se encontram com as do coração e da cabeça, diz
que você é uma pessoa sensível e que consegue separar emoção da razão
sem deixar se afetar por suas escolhas. É cético... — Ela faz uma pausa
quando sorrio deixando escapar uma risada por entre meus lábios. —
Desacreditado até que lhe provem o contrário.
— Está vendo, Ric? Ela nem te conhece e está falando o que você é.
Se fosse eu ou Ana Carolina poderíamos falar o que sabemos sobre você.
— Jaque quebra o silêncio dos espectadores. No entanto, Amanda, ainda
me encarando continua a caminhar com a ponta do indicador, escorregando-
o pela minha mão. E o que jamais deveria acontecer acontece, sinto meu
corpo formigar não só onde está me tocando.
É sutil e sensual.
Passo a notar muito mais do que deveria, da forma como os
primeiros botões do vestido modesto está aberto, da maneira como o
contorno dos seus seios marca o tecido. Volto a respirar fundo, pronto para
tirar minha mão e ignorar Amanda pelo restante do fim de semana, mas ao
invés de sair, me deixo vencer por essa sensação perigosa e deliciosa que
seu toque está provocando em mim.
Uma mistura de desejo e cobiça.
Mas que porra... Estava me deixando levar por uma atração
inesperada que nunca deveria existir. Ela era a namorada de Renan. Ele era
um filho da puta, mas eu não!
— Você é ar e fogo ao mesmo tempo. — Ela volta a falar com
convicção.
— E o que isso significa? — Minha pergunta não é por curiosidade,
por uma crença, e também por não entender ao que se referia. Contudo,
noto que estou me interessando um pouco mais, apesar de que sei muito
bem que quanto mais eu instigá-la a falar, mais tempo sentirei a deliciosa
sensação do seu toque e da sua doce voz.
— Você é criativo, espontâneo, emotivo, extrovertido e otimista.
Que encara os problemas com leveza. Mas que não esquece as coisas
facilmente.
— Não sou rancoroso.
— Não disse isso... — Amanda rebate firme e sinto seus outros
dedos apertarem firme a palma da minha mão que está segurando. E por um
momento permito o silêncio se instalar entre nós dois. Como se eu pudesse
fazer uma leitura dentro de olhos tão profundos e dóceis ao mesmo tempo.
Linda e interessante.
— Ele vai se casar um dia? Ricardo Medeiros de Alencar vai se
apaixonar? — Ana Carolina quebra o silêncio de novo. E me viro na sua
direção rapidamente em desgosto.
— As linhas dele dizem que terá um filho e outro logo. E que já
está apaixonado — debocho, retrucando ao rir com ironia.
— Ric está apaixonado — Jaque afirma e bate palmas —, mas
quem será a sortuda?
— Isso eu duvido. Ric tem um iceberg no meio do peito. — Ana
Carolina contradiz a cunhada.
— As duas poderiam parar de falar de mim — ironizo em tom de
brincadeira.
— Você está errada. Eu disse que ninguém pode prever quando
alguém vai se apaixonar, casar, ter filhos ou mesmo ganhar na loteria.
— Como não, ela descreveu você perfeitamente, Ric.
— Será que é por que sou alguém transparente? — retruco e volto a
perscrutar Amanda, que ainda me encara séria.
— Você transparente? Nunca. Mas uma coisa é bem evidente, você
foge de um relacionamento sério.
— Já que a pauta de vocês vai ser minha vida pessoal, só o tenho a
dizer em minha defesa é que no momento prefiro minha vida de solteiro.
Ah... e eu amo sim, minha mãe, minha irmã e Thaís. E vocês duas também.
— E quem é Thaís? — Ana Carolina se aproxima e pergunta
curiosa.
— A única mulher que consegue colocar Ricardo nos eixos. A
assistente dele. — É Jaque quem responde dando gargalhadas. — A única
mulher que ele não pensa em foder a toda hora. — Jaqueline diz
abertamente, continuando a chacota que virei.
— Virei uma piada para vocês? — Devolvo a pergunta em tom de
brincadeira enquanto minha mão ainda sente e sofre com aquele contato
quente e perturbadoramente sensual de Amanda a segurando. — Quem vê
você falando assim de mim, Jaque, vai achar que saio por aí cantando todas
as mulheres.
— Não estou dizendo mais nada.
— Agora que já destruiu minha moral — refuto ainda em tom de
brincadeira.
Tínhamos essa liberdade de brincar e sermos diretos um com o
outro. E JP não se importava, até porque quando tudo aconteceu Jaqueline
se tornou uma grande amiga. Mas, no caso de estar de frente com uma
mulher que mal conheço, me sinto constrangido.
— Você sabe que te amo também. — Jaqueline fala e faz com os
dedos o gesto na forma de um coração.
— Já acabaram com essa melação aí? Estou ficando com ciúmes.
— João Pedro debocha e se aproxima da namorada, abraçando-a.
— Já sim, meu amor — Jaque se vira para o namorado e sela seus
lábios.
Viro o rosto e fico diante do olhar consultivo da linda morena de
novo.
— Acho que também acabamos por aqui — digo, mas mantenho
minha mão sob seu poder, sob essa deliciosa sensação do seu contato.
— Sim. Acabamos! — Amanda responde e solta o aperto após
sorrir educadamente, porém a sensibilidade que sentia some, dando lugar a
uma percepção fria, como se algo faltasse. E por segundos continuo
olhando para ela sem perceber que Renan estava próximo de nós, nos
olhando com uma expressão nada feliz.
— Obrigado, ciganinha! — brinco ao recolher minha mão também
e, em seguida, me levanto indo na direção do banheiro.
Volto para o mesmo assento de antes e permaneço quieto enquanto
o grupo continua a conversar animadamente até quando somos avisados de
que o avião irá pousar em poucos minutos.
Após o pouso, fomos de táxi para o hotel, nos dividindo em alguns
carros. Vou no mesmo com JP, Jaqueline, Ana Carolina e Thiago.
Olho para fora e fico presa nos meus pensamentos enquanto o
transporte por aplicativo nos leva para o aeroporto.
Medos e anseios me tomam...
Nunca fui muito de me enturmar de cara com ninguém. Aliás,
sempre fui chamada de introvertida, porém desde que comecei a namorar
Renan, meses atrás, tenho participado da sua vida e de alguns amigos seus.
Não eram todos; já havia conhecido Jaqueline quando fui jantar em
seu apartamento em uma noite dessas quando João Pedro queria fazer uma
noite de casais. Inclusive foi na mesma noite que ele avisou Renan sobre
essa viagem a Punta Del Este, me convidando para se juntar a eles. A
princípio senti um certo desconforto em meu namorado diante do convite,
mas depois de alguns dias ele acabou me chamando para ir também.
Jamais pensei que estaria tendo uma vida diferente da qual esperei
ter. Na verdade, não tinha condições algumas de fazer uma viagem como
essa se não fosse por estar com Renan. Não trabalhando em uma loja de
roupas no shopping aos 22 anos, ajudando em casa e poupando o pouco que
sobra para um dia fazer faculdade.
Contudo, me sinto dentro de um conto de fadas por namorar Renan.
Foi tudo tão inusitado que ainda custo acreditar que ele se interessou por
alguém tão simples como eu.
Nos conhecemos na praça de alimentação do shopping em que
trabalho. Enquanto almoçava ele estava na mesa ao lado e não parava de me
encarar. Keyla, outra vendedora que trabalha comigo, foi quem reparou que
ele estava olhando muito para nós. Até que fomos embora e pouco tempo
depois, quando já estava atendendo, ele apareceu e pediu que eu o
atendesse. No final ele me entregou um cartão e pediu que eu ligasse para
ele. A princípio apenas guardei seu contato e não liguei, mas depois de três
dias ele apareceu na loja de novo. Dessa vez pediu meu número e de tanto
insistir acabei cedendo.
Claro que até hoje, após três meses, me sinto ainda incomodada
pelo fato de que não pertencemos à mesma classe social. Seus pais são
médicos e sócios de um hospital em sua cidade natal. E eu, filha de uma
cozinheira de escola pública e que não sabe nem quem é o próprio pai.
Mesmo ele não mencionando, sei o quanto isso é discrepante entre nós dois.
Quando fui conhecer seus pais pensei em terminar por diversos contextos.
Um deles era pelo estigma de que contos de fadas só existem dentro dos
livros infantis. Outro, porque como corresponderia e não teria condições
financeiras para acompanhar a vida cara que leva aqui em São Paulo.
Assim como Renan, todos seus amigos vieram de famílias estáveis
financeiramente. Que uma viagem para eles não fará falta no fim do mês
como faz para mim. No entanto, Renan me disse que todas as minhas
despesas seriam por sua conta. Até tentei relutar e dizer que não iria. Não
me sinto bem com ele pagando as coisas. Ainda mais quando todos seus
amigos de infância estarão se reunindo.
Renan segura minha mão e a conduz, repousando-a sobre sua coxa.
— Você vai gostar deles, são gente boa.
— Acredito que sim — respondo sem confiança alguma. Ainda não
me acostumei com essa vida. De certa forma não sou como eles e muito
menos pertenço a esse mundo. Sou a pobretona, que precisou implorar uma
folga no fim de semana, prometendo fazer horas extras para cobrir os dias
que viajaria com o namorado.
Minha mãe até me advertiu que não deveria ir, não deveria me
acostumar com algo que está longe de nossa realidade, mas Renan insistiu e
acabei cedendo, como sempre cedo aos seus pedidos. Aliás, estou tão
completamente apaixonada por ele que não conseguiria resistir no final.
— Eles trabalham no mesmo que você? Sei que Jaque e JP são
médicos.
Renan trabalhava em uma corretora de investimentos. Jaqueline e
João Pedro em um grande hospital aqui na capital. Os outros, dos quais só
os conhecia por nome não sabia.
— Ah, podemos dizer que são bem-sucedidos, Thiago voltou para
Bragança, Miguel mora em uma cidade do interior onde assumiu o cargo de
juiz recentemente. Eduardo está assumindo a mineradora do pai em Minas
Gerais.
— E esse avião particular é de quem?
Iríamos para o Uruguai em um avião particular. Renan me avisou
quando ele foi me buscar.
— É do sócio do Ricardo. — Ele responde direto, mudando sua
fisionomia.
— Esse também é seu amigo? Você não tinha falado dele antes —
pergunto curiosa, pois Renan não havia mencionado esse amigo antes.
— Ei, princesinha. Está muito curiosa hoje! — Renan dá um
sorriso forçado e muda de assunto, o que me deixa realmente curiosa, mas
mesmo assim, como ele não quer falar quem é, me mantenho calada até
chegarmos no aeroporto.
Na sala de embarque fomos recepcionados por alguns amigos seus.
Inclusive a irmã de João Pedro, Ana Carolina, que foi muito simpática ao
sermos apresentadas. De fato, eles eram diferentes. Porém, o que me chama
atenção é o homem que entra na sala privativa em que estávamos. É
imponente e tem uma força atrativa que me fez ficar olhando na sua direção
por alguns longos segundos. Concluo quem é, após observar todo os amigos
de Renan irem falar com ele. É o tal Ricardo. Ele está vestindo um jeans e
camiseta preta.
Como Renan nunca disse nada sobre esse amigo, sinto algo curioso
em relação a ele despertar em mim. No entanto disfarço e olho para os
lados, na tentativa de evitar chamar atenção ao ficar encarando o outro
amigo desconhecido. Mas não dura muito, o intrigante Ricardo
cumprimenta primeiro Renan, porém algo me chama a atenção e a forma
como noto a tensão se formar no rosto do meu namorado deixa evidente que
os dois não tão amigos assim.
Apesar de ser cordial eles não se demoram e, em seguida, o tal
Ricardo se apresenta. Ele estende sua mão e eu a seguro, porém sinto um
grande formigamento e uma sensação gostosa, inexplicável. Ele me encara
e mal consigo respirar quando noto a forma pesada e intensa com que me
retorna seu olhar. Não só por ser muito bonito, mas por causar um tipo de
frenesi em mim.
O que está acontecendo? Jamais deveria achar qualquer um dos
amigos de Renan bonitos. Aliás, eu não deveria sequer cogitar, mas é
indiscutível que meus pensamentos dizem o contrário do que deveria ser.
Na verdade, não consigo explicar o que está acontecendo e os
porquês de minha cabeça estar dando diversas voltas, por isso solto sua mão
rapidamente ao escutar a minha voz berrando um sinal de alerta, de que
devo manter-me distante dele.
Por Deus...
Devo estar me sentindo afetada por causa do medo iminente por
nunca ter viajado de avião e por isso toda essa profusão de euforia que
estou sentindo esteja me deixando confusa.
Mal dormi a noite ansiosa com essa viagem, parecendo uma criança
que espera acordada o presente de Natal e o Papai Noel no dia 25 de
dezembro.
Sim... sou um tanto ansiosa para tudo, além de medrosa também.
Digamos que tenho pavor de altura e por nunca ter viajado de avião antes,
então acredito que todo esse rebuliço interno que está acumulando dentro de
mim deve ser por esse tumulto de sensações novas.
Por fim, não demora muito para nos chamarem para o embarque.
Sento-me ao lado de Renan, mais ao canto. Ele segura minha mão
que está totalmente molhada e gelada. Desde que cumprimentei Ricardo,
não que eu esteja colocando a culpa em como me senti afetada, mas tudo se
acumulou de uma forma que não estou conseguindo controlar. Medo,
aflição, temores e um certo desconforto me tomou.
Por segundos seguro a respiração e aperto meus dedos contra a mão
de Renan quando escuto o piloto avisar sobre a decolagem.
Pode ser uma bobeira, mas ainda temo por algo que possa
acontecer. Tanto a física quanto diversos estudos dizem que o avião é o
transporte mais seguro, mas mesmo assim não sinto confiança em algo que
pesa toneladas se tornar mais leve quando está no ar.
— Amanda! — Renan encosta sua boca próximo a minha orelha. —
Não demonstre que nunca andou de avião. Não vá fazer uma cena. — Ele
diz em um sussurro, soltando minha mão como se eu estivesse o
envergonhando. Me sinto ridícula. Abaixo a cabeça e tento lidar com meu
medo sem demonstrar o quanto estou quase prestes a ter um surto. Acho
que Jaqueline percebeu meu desconforto, pois logo que o avião já estava há
mais de meia hora no ar, ela e Ana Carolina se aproximaram, tirando Renan
de perto e mandando-o se juntar aos amigos.
— Vamos ter conversas de mulher, Renan. — Ana Carolina avisa
quando ele resmunga.
Assim que ele sai, tento não demonstrar que ainda estou abalada
pelo medo de andar de avião. Confesso que não foi tão bom assim, com
toda aquela adrenalina derramada em meu corpo. Ainda estou trêmula, mas
aos poucos vou me sentindo à vontade com elas tentando me incluir.
Por fim, depois de um tempo estávamos falando sobre diversas
coisas, sobre signos e sem perceber toco a mão de Jaqueline.
Esse é um assunto do qual amo falar.
Sou daquelas doidas que adora consultar como vai ser o dia
segundo seu signo e os números favoráveis. Colecionava revistas com
revelações astrológicas. E sempre me inteirei do assunto, tanto que aprendi
na adolescência a quiromancia.
— Sei ler a mão pelas linhas dela — digo ainda um pouco
introvertida quando Ana Carolina mencionou que tinha curiosidade para
saber como seria seu futuro.
— Jura?
Balanço a cabeça confirmando.
— Você vai ler a minha mão. Não quero nem saber. — A cunhada
de Jaqueline, que por sinal é linda, diz ao trocar de lugar com a outra
mulher. Já fazia um tempo que não lia a mão de ninguém. .
Como não tinha outra alternativa, seguro sua mão e procuro ver
onde Renan estava. Ele uma vez deixou bem claro que essa coisa de
astrologia era bobeira. Então vejo que está distraído, conversando com os
outros homens.
Primeiro digo coisas sobre sua personalidade e a cada sorriso
confirmando que estava certa vou me sentindo mais segura. Logo depois é
Jaqueline que pede para ler a sua mão. Entretida, não noto que Ricardo
estava parado bem ao nosso lado, observando o que estava fazendo. Seu
olhar está em mim, não vou ser ingênua a não perceber a direção que está
olhando. Porém finjo que não me importo e muito menos me intimido.
Aliás, fico atenta no que falam. Ele e as duas mulheres discursam sobre a
vida dele, me deixando ainda mais curiosa. Não que eu queira, mas é
involuntário. Ricardo Medeiros de Almeida é intrigante, com o poder de
atrair qualquer pessoa para prestar atenção só nele.
E não demora muito para Ana Carolina e Jaqueline quase formarem
um coro pedindo que eu o fizesse mudar de opinião. Acabo cedendo aos
pedidos delas, só não esperava sentir de novo o contato, o formigamento
quando seguro sua mão quente. Fico em alerta ao deixar a corrente elétrica
com o toque percorrer todo meu corpo. De novo toda aquela adrenalina
estava presente ali. Por um momento penso em desistir, mas é mais forte
quando meu indicador risca sua mão; sinto-me presa, como se houvesse
uma força atrativa, um ímã que não permitisse que eu me afastasse.
Minha boca fica seca e eu o encaro. Na verdade, tento me controlar
e dizer o que sei. Não que eu tivesse certeza, sei que pode ser até uma
brincadeira, mas por anos estudei e fui aprendendo o significado de cada
linha e o que elas representavam. Então não estaria falando uma bobeira
qualquer. Agora... se ele acreditaria seria outra coisa. Mesmo ele dizendo e
deixando claro sua descrença.
Digo para ele sua personalidade e quando percebo a discussão sobre
ele não estar apaixonado João Pedro entra na conversa, não só ele, Renan
também se aproxima e posso enxergar no seu olhar a reprovação pelo que
estava fazendo; no entanto, o mais difícil não é lidar com o desgosto do
meu namorado, mas sim me afastar. O que consigo quando educadamente
Ricardo pergunta se terminei, me dando a brecha para encerrar.
Ele se levanta e nos deixa, Renan volta, se senta em outra poltrona e
assim que Jaqueline e Ana Carolina se afastam, me sento ao lado dele, que
está sério e olhando para fora através da pequena janela oval.
— Está tudo bem? — pergunto ao tentar segurar sua mão e ele
puxá-la.
— Você poderia não ficar com essas coisas boba mais, por favor. É
ridículo! — Renan diz e olha para mim. — Não me envergonhe com essas
idiotices.
— Sim — falo baixo e fico calada o restante da viagem, pensando
se devo pedir desculpas, mas Renan já teve dias nos quais se irritava com
coisas bobas e mesmo eu pedindo desculpas o deixava ainda mais irritado.
Então me mantenho sem dizer mais nada durante o restante do voo e da ida,
dentro do táxi, para o hotel.
— Pode subir para o quarto, daqui a pouco eu vou. — Assim que
chegamos no hotel ele diz e me informa o número do quarto em que vamos
ficar.
Obedeço e mesmo sabendo que o que fiz o deixou chateado, não
falo nada e faço como disse. Queria conversar com ele, não queria ficar
com essa sensação de ter envergonhado ele ou algo do tipo, mas sei que
com ele não funciona me retratar. Era deixar passar o tempo que logo ele
voltava a ser o namorado carinhoso por quem eu estava completamente
apaixonada.
O que aconteceu logo após eu sair do banho. Assim que entro no
cômodo enrolada em uma toalha e com a outra secando meus cabelos, o
vejo deitado sobre a enorme cama. Que por sinal foi o que mais me
impressionou quando entrei no quarto e vi como era grande, fazendo jus ao
luxuoso espaçoso. Certamente daria quase duas da minha casa.
Toda a decoração era em cinza bem claro, com alguns detalhes em
branco.
— Vamos a um cassino essa noite. Vista-se com algo bem bonito.
— Renan então se levanta e vem na minha direção. Fico parada quando me
toca e beija meu pescoço.
Aquele mesmo Renan emburrado agora voltava a ser o meu
príncipe encantado de antes.
— Pode deixar. Comprei um vestido que acho que vai gostar —
respondo tombando minha cabeça para o lado, dando passagem livre para
ele.
— Todos os meus amigos estão me invejando por sua beleza. Me
parabenizaram pela namorada linda que tinha, que sou um filho da puta
sortudo — diz rouco enquanto sua boca se mexe contra minha pele, no
entanto ele se afasta rápido, me deixando confusa ao me encarar sério e
depois sorrir. — Vou tomar um banho também e você, meu anjo, se arrume.
— Está bem! — assinto frustrada e sorrio quando ele passa por
mim.
Olho por cima do ombro e o vejo entrar no banheiro e fechar a
porta.
Nunca sei quando posso falar algo, por isso era melhor ficar calada
e esperar quando ele estivesse de bom humor.
Renan sempre tinha essas oscilações constantes de humor, mas nada
que nos atrapalhasse e fosse algo ruim. Confesso que me sinto confusa na
maior parte do tempo, achando às vezes que ele não gosta de mim, mas do
nada ele demonstra ou faz algum gesto que me tranquiliza, que faz com que
esses meus medos tolos se dissipem.
Estamos namorando há três meses e ainda estou me acostumando. É
só o jeito dele. Aliás, Renan é meu primeiro namorado e talvez minha
inexperiência que me deixe tão confusa e perdida assim.
Caminho até a mala no canto do quarto e a abro, tirando de dentro
dela o vestido preto que comprei para trazer e que quase custou meus dois
rins. Só eu sei que vou ficar longos 10 meses para pagá-lo. Mas como era
uma viagem, a nossa primeira viagem juntos, sem ser para a casa dos seus
pais, valia cada centavo gasto nele.
O coloco e quando estou secando meu cabelo Renan sai do banho
com uma toalha enrolada em seu quadril. Ele fica um tempo me olhando, o
vejo através do seu reflexo no enorme espelho.
— Está linda! — Ele cruza os braços e fica parado apenas me
olhando.
O elogio me faz corar. Ainda estou me adaptando com a forma
como diz que sou linda.
Em seguida, Renan também se troca e coloca um smoking que o
deixa ainda mais lindo do que já é. Sorrio e também o elogio, porém sinto
que sou ignorada quando me aproximo para beijá-lo.
— Vamos, estamos atrasados. O pessoal já deve estar no saguão do
hotel nos esperando. — Ele informa e começa a pegar suas coisas,
enfiando-as nos bolsos.
— Aonde vamos?
— Em um cassino.
Sei que Renan gostava de jogos, mas pouco falava. Aliás, muitas
coisas estava ainda descobrindo.
Ele e mais alguns amigos do escritório onde trabalhava, pelo menos
uma vez por semana saíam para jogar pôquer. Foi o que me disse quando
começamos a namorar. Era às quartas-feiras e ele já tinha deixado claro que
não abriria mão de poder sair com os amigos para jogar assim que me pediu
para ser sua namorada. Entretanto, no último mês foram mais vezes, mas
não disse nada, pois não queria ser intrometida e a namorada chata.
Estava tomando um banho quando a imagem do rosto de Amanda
surge em minha mente.
Assim que chegamos vim direto para o quarto. Não quis ficar com
os caras bebendo. Na verdade, não queria ficar próximo de Renan,
deixando-o pensar que as coisas seriam como antes. Por isso resolvi
descansar.
E também não é o correto ficar pensando em sua namorada. Não
que fosse proibido, mas quero me manter são e distante dela o quanto puder.
Contudo, o seu toque ainda formigava na palma da minha mão.
Como pode ter sido tão sensual?
Fecho os olhos enquanto a água corrente cai sobre minha cabeça e
ombros. E as imagens dela se intensificam.
É linda, delicada e com aquele ar de inocente.
Como aquele filho da puta pode ter tanta sorte assim?
Parece um karma, mesmo que eu não acredite nessas superstições,
mas Renan tem um faro para mulheres que fazem meu tipo. Certamente ela
é o tipo de mulher que me atrai e muito, com seu ar ingênuo, alegre e com
aquela boca gostosa que faz o formato de um coração com lábios carnudos.
E que porra...
Não consigo controlar e sinto um puta tesão ao relembrar da forma
como a ponta do indicador circulava a palma da minha mão em um convite
não explícito, imaginando a progressão dele para a sua pele em contato com
a minha. Suspiro ao notar que estou de pau duro apenas por uma projeção
impossível com uma mulher mais impossível ainda.
Uma de quem devo me manter a quilômetros de distância.
Mas no momento estou incapacitado de não pensar nela, tanto que
estou me sentindo como um adolescente ao segurar meu pau entre os dedos
e deslizar toda a pele dele para cima e para baixo. Movimento lento
enquanto deixo Amanda tomar minha mente por completo. Fecho os olhos
e imagino sua boca na minha, com seus lábios presos aos meus, sentindo
seu corpo se moldando, sua pele quente e macia.
Sou um filho da puta do caralho...
De todas mulheres do mundo a única que não deveria querer nesse
momento era ela.
Pelo simples motivo dela ser a namorada do idiota traidor.
Começo enumerar os motivos pelos quais não devo e paro de me
masturbar na tentativa de afastar qualquer coisa que me lembre ela. Mas
meu corpo está pedindo, meu pau quase explodindo de desejo, de vontade
de estar dentro dela. Por fim, não me contenho e voltou a empunhar meu
pau, movimentando até ejacular, até que não reste mais nenhum resquício
dessa fantasia absurda.
Que raiva...
Encosto a testa contra o revestimento e me arrependo de estar
desejando alguém que não deveria, que me faz sentir prazer e ao mesmo
tempo trouxe a velha lembrança de que ele fez o mesmo comigo ao ter o
que era meu. Não que eu seja um santo, que o perdoou ou algo do tipo. Mas
não sou sujo como Renan e me masturbar, como um punheteiro adolescente
pensando em sua namorada, me torna quase igual.
Atormentado pelo rompante desejo, inconformado comigo mesmo
por ter me deixado levar por uma atração improvável, termino meu banho e
me troco.
Havíamos combinados de que nessa noite iríamos a um cassino.
Chego após todos já se reunirem no lounge do hotel decidido a nem
olhar para Renan e sua namorada. Precisava mostrar que não estava me
sentindo afetado. Não daria o gosto de pensar que estava com inveja e
muito menos daria motivos para me rebaixar ao seu nível sujo e escroto.
Eles já estavam bebendo e decidiram ir para o cassino do próprio
hotel, inclusive Amanda, que estava ainda mais linda dentro de um vestido
preto todo colado ao seu corpo, alimentando minha imaginação.
Que cacete...
Como é possível estar dentro desse revés, me sentindo atraído logo
por ela?
Sim... não tinha um antagonismo para essa sensação de querer algo
que não podia.
— Vamos! O Ric já chegou. Já que nossa noite vai ser com jogos,
que comecemos a diversão. — Jaqueline diz alto e ergue sua taça de
champagne após entregar outra para mim.
Brindamos e aquele gosto de fel subiu quando observo Renan sorrir
e beijar a namorada em comemoração.
Não demoramos muito no lobby. Uma das lindas atendentes pediu
que o grupo a seguisse para o enorme cassino. À primeira vista estão as
máquinas caça-níqueis posicionadas uma do lado da outra, espalhadas em 4
fileiras. Jaqueline e Ana Carolina foram para duas delas, mas a outra
mulher do grupo, Amanda, dispensou o convite delas e nos acompanhou
para um salão maior, com diversas mesas espalhadas.
— Quero dez mil em fichas — digo alto para a crupiê[12] tirando
dos bolsos em dinheiro vivo. Os demais também faziam seus pedidos.
Inclusive o babaca que entregava dois cartões de crédito para a mulher
enquanto sua namorada disfarçava e olhava para os lados até seu olhar se
encontrar com o meu, desviando-o rapidamente.
Após todos estarem de posse das suas fichas, a linda loira de longas
pernas sobre o salto alto preto nos encaminha a uma das mesas.
Aos meus 29 anos, já estive em lugares que eram o desejo de
muitos. Ano passado fui a Las Vegas e sei muito bem o quanto de dinheiro
se pode perder em uma noite, ou melhor, em apenas uma jogada mal
sucedida.
— Hoje bato seu recorde. — Eduardo diz ao bater em meu ombro
direito e sentar ao meu lado. Ele se acomoda e Miguel se senta do meu
outro lado.
— Veremos. Acho melhor não estimular o lado competitivo dele. —
João Pedro fala também se sentando, mas ao lado de Renan.
Infelizmente, se pensei que o filho da puta escolheria outra mesa
equivoquei-me. O bastardo desgraçado fez questão de ficar à minha frente,
deixando Amanda logo atrás, como se ela fosse a espécie de seu amuleto
particular. Começamos no blackjack[13].
Começamos e perco a primeira rodada, ganhando as próximas cinco
e é quando Renan resolve mudar de mesa. E por um tempo ficamos na
mesma mesa até resolvermos ir para o pôquer. Até então estávamos entre
amigos, apostando e nos divertindo. Mas acabo seguindo Miguel e Thiago
para a mesma mesa que o babaca estava.
Para meu desgosto, a única cadeira que resta é ao seu lado, no
entanto percebo que ele está nervoso e a namorada olhando apavorada para
ele. O restante do grupo vai para outra mesa.
Não é segredo que ele é um viciado em jogos de azar. Já fez
diversas dívidas no clube que frequento em São Paulo, onde ele foi banido
até quitar sua conta. Não sei se já pagou, mas JP contou esses dias que ele
está indo em outros locais, o que acredito não durar muito, já que mais
perde do que ganha.
— Não estou em um dia bom. — Renan diz baixo ao pegar as
cartas que são entregues a ele e vê-las antes de segurar e uni-las.
— Boa noite, sou o Estevão. — Um dos caras que já estava ali se
apresenta.
— Ricardo — respondo cordialmente.
— Estão todos de acordo? — O crupiê pergunta.
— Check[14]! — falo alto e faço a aposta após empurrar algumas
fichas referentes ao valor inicial da minha aposta.
Renan me sucede e Estevão, um homem que particularmente me
parece muito experiente, aumenta o valor sorrindo. Talvez seja apenas um
blefe, mas espero as duas primeiras rodadas acontecerem para igualar a
minha aposta, já que estava com uma quadra de ases.
Os presentes na mesa desistem, permanecendo apenas eu, Renan e o
tal Estevão na rodada, que faz questão de aumentar a aposta, fugindo do que
eu estava acostumado, mas como minha mão era favorável continuei.
— Que filho da puta sacana. — Estevão gargalha e diz após o
showdown[15] e eu ganhar com uma bela quadra de áses e mais uma carta
comunitária.
Seguimos por mais três vezes. Desistindo de uma e vencendo as
outras duas.
— Quem está ganhando? — João Pedro pergunta ao se aproximar
com um copo de uísque na mão, parando logo atrás.
— Esse sortudo aí. — Estevão responde inclinando o rosto na
minha direção.
— Ele só está com um pouco de sorte hoje. — Renan fala com
rancor.
— Então que minha sorte continue — retruco e sorrio, levantando
meu copo apenas para ironizar o comentário do filho da puta.
Não queria entrar nessa de provocá-lo, mas estar perto dele parece
que tudo que aconteceu entre nós retorna, me fazendo sentir a mesma raiva
que sempre senti.
Bebo outra golada do malte em meu copo antes de iniciar a próxima
rodada. E é Renan quem a ganha, mas perde nas outras duas seguintes.
Pode até ser uma disputa infantil, mas quero vencê-lo a qualquer
custo, tanto que Estevão, a quem conheci há menos de duas horas, consegue
perceber o que estava acontecendo, que havia muito mais que só uma
simples disputa pelo jogo. Era nítido que não estávamos por prazer e sim
por outras questões.
E que se foda...
— Que tal tudo ou nada? — O homem, que provavelmente era
alguém com muito dinheiro, jogou todas suas fichas ao centro. Triplicando
o valor em que já estávamos quando Renan se levanta da mesa para desistir.
O bastardo babaca olha para mim esperando que eu entre, mas
estava no mesmo impasse que ele, esperando que entrasse antes para eu
entrar.
Toda aquela história de ignorá-lo já não existia mais. Sei que o
álcool circulante em mim estava fazendo o efeito que não deveria, mas não
responsabilizaria a bebida. Sempre fui um competidor e confesso que odeio
perder, ainda mais se for para ele.
— Eu não tenho mais para apostar, cara! — Renan diz e aperta os
lábios em desgosto.
— Qual é? — Estevão insiste, mas Renan nega com a cabeça. —
Vamos fazer o seguinte: eu pago sua aposta, se ganhar leva tudo, mas se
perder eu janto com ela. — O outro apostador fala convicto, enquanto seus
olhos vagam para Amanda e para seu corpo como se ela fosse um objeto
valioso.
Isso não é bom...
O restante do grupo e metade dos que estavam ali escutam a
proposta e se aproximam.
Era loucura o que ele estava fazendo. Já vi homens apostarem
casas, carros, mas colocar uma noite com sua namorada em uma aposta
seria a primeira vez.
— Deixo você ver sua mão antes de aceitar a aposta como uma
demonstração de boa-fé. Se ela não for boa você pode desistir. Mas se for
algo que possa reverter durante as rodadas, você aceita.
Renan olha para todos, inclusive para a namorada que está com o
olhar assustado, com lágrimas paradas. Ela nega com a cabeça e não diz
nada, mas nem precisava. O desespero estampado em seu rosto já fala por si
só.
— Isso é loucura, Renan. — Eduardo fala.
E assim como todos também fico apenas observando enquanto o
filho da puta ainda pensa em um desatino desses. De apostar a namorada
por dinheiro.
Eu gostava de apostar e quando me sentia seguro ia para cima com
tudo, mas nessa posição eu já teria dito não. Jamais apostaria alguém que
gosto. É algo inegociável.
— Vamos lá. Estou te dando algo que ninguém faria. Uma
oportunidade... e o que vai ser um jantarzinho se perder? — O homem
incita e mostra as fichas, na tentativa de persuadir Renan a aceitar, que olha
para as fichas pensativo.
— Vou poder negar e trocar minha mão se eu aceitar?
Porra...
Ele está disposto mesmo?
Não consigo acreditar que o filho da puta está cogitando apostar a
própria namorada em uma mesa de pôquer.
— Claro... — Estevão confirma e sorri.
É malandro e astuto. Ele já descobriu o ponto fraco de Renan e por
isso está agindo assim.
— Por favor, Renan! — Amanda sussurra e agarra em seu braço,
implorando.
— E se eu ganhar?
— Mas você pode perder. — Thiago responde por ela.
— Quem decide sou eu. — Renan retruca para o amigo.
— É uma loucura. Apostar a Amanda? — João Pedro tenta
argumentar, mas desiste após ver que ninguém vai dissuadi-lo se resolver
aceitar.
— É só uma brincadeira. — Estevão continua a provocar. — Só nós
dois! — Ele diz e quando olho para Amanda, ela está chorando em silêncio.
Caralho... Renan não mudou, continua sendo o mesmo filho da puta
insensível.
Por impulso, sem pensar nas consequências, empurro todas as
minhas fichas para o centro da mesa.
— Estou dentro — digo e desvio meu olhar para o apostador à
minha frente. Outro ferrado.
— Opa! Agora começo a me preocupar.
— Estou dentro. — Renan diz.
Juro que meu intuito não era incentivá-lo, mas por ver todo o
desespero estampado no rosto de sua namorada. Comigo na jogada o risco
dele perder diminuía.
— Você está ficando louco. — Eduardo fala com revolta e tenta se
aproximar, mas JP e Thiago o seguram. Eles sabem que quem está de fora
não pode se intrometer. E o que mais me incomoda é Amanda não ter voz e
gritar. Ela deveria sair daqui e não deixar que um desgraçado, que diz ser
seu namorado, a objetificar dessa forma.
— Pronto... E vamos aos jogos. — Estevão diz demonstrando sua
satisfação.
Antes de pegar as cartas distribuídas penso em como fui imprudente
por ter entrado em algo que deveria me manter longe. E tudo por que estou
querendo bancar o herói.
Herói de quê?
Dou meu check e os dois me seguem. Meus olhos param nos de
Amanda, que estão inundados de lágrimas, deixando-os ainda mais verdes.
Ela me encara como se me suplicasse para que a ajudasse.
Cada carta comprada e descartada Renan sorri, não conseguindo
disfarçar suas emoções; no entanto, eu tinha certeza de que ele não estava
tão bem quanto eu. Nas minhas mãos tinha uma sequência limpa de 10 a
Ás. Um Royal Flush.
Realmente hoje era meu dia de sorte.
— Eu vou aumentar a aposta. — Renan diz confiante.
— Como vai aumentar se não tem mais grana, cara? — Estevão se
curva sobre a mesa e o encara.
— Está com medo da sua mão, amigão? — O bastardo provoca o
outro apostador.
— Renan... — Amanda sussurra.
— Confia em mim, princesinha. Sei o que estou fazendo.
— Você é muito louco, cara. E eu gosto disso. — Estevão fala como
se tudo que estava acontecendo ali fosse o auge da sua diversão, aliás
estávamos diante de um apostador nato que quanto mais louca e absurda a
aposta fosse, mais ele apostaria. — Estou dentro! Mas não vou só jantar
com ela, vou passar a noite inteira. — Ele complementa e gargalha.
— E aí, Ricardo Medeiros de Alencar? Vai querer perder mais uma
vez na vida para mim? — O tom confiante e cínico de Renan me fez voltar
ao passado, quando tudo para ele era motivo de se mostrar melhor que
todos. — Quem sabe vai ser sua desforra...
De imediato não respondo, fico absorvendo toda sua arrogância. A
minha mão está ótima, nenhuma carta ali vai ser melhor que as que tenho e
é impossível ele estar com um Royal Flush como o meu.
Respiro fundo e o encaro.
— Vai poder dizer que me deu o troco por tudo. E aí podemos
recomeçar do zero...
Jamais!
Não quero e não vou esquecer que, uma vez traidor, sempre será o
mesmo. E algumas pessoas nunca mudam, apenas se fazem de cordeiros na
pele de lobo.
— Vamos lá... deixar a velha rixa de lado. — Renan atiça ainda
mais as lembranças de sua traição. Um sentimento que deveria estar
completamente enterrado, sem chance alguma de reencarnação. Porém, meu
ego é partido de novo quando ele acha que está vencendo. Contundo,
conheço bem gente da sua laia. E idiota é o cara que acha que apenas sua
mãe gerou um filho esperto.
— Quero que formalize a aposta — falo antes mesmo de dizer se
vou seguir em frente e peço que formalizem a aposta. Se Renan acha
mesmo que vai sair dessa como o bom rapaz, está enganado.
Após todos assinarem e Miguel e JP serem as testemunhas, aceito o
pedido e voltamos ao jogo.
Os cochichos atrás de mim, de nossos amigos, se intensificam
quando Jaqueline e Ana Carolina se juntam a eles, questionando o que
estava acontecendo.
— Renan apostou Amanda. — Miguel sussurra, explicando para as
duas.
— E Ricardo está nessa também? — Ana Carolina pergunta com
espanto.
— Está! — JP responde baixo.
— Vai perder, perdedor? — Renan provoca.
— Não! Só estou olhando para sua cara de ferrado antes de vê-la se
foder ainda mais. — Por fim pulo as barreiras que impus quando disse que
o trataria com indiferença.
Mas se Renan estava tão certo que ganharia, mostraria a ele que não
revidei antes, mas que essa vitória seria por tudo.
— Já que se resolveram vamos lá. Uma quadra. — Estevão mostra
suas cartas.
— Faça as honras. — Me refiro a Renan, que estava sorrindo como
se a vitória fosse dele. Certamente, se eu estivesse em outro momento, não
responderia a sua provocação, mas com uma mão dessas e poder ver sua
cara de fodido não tinha preço melhor.
Se antes entrei para ajudar a diminuir sua perda, por me penalizar
pela Amanda, agora estava nessa por tudo que deveria ter feito no passado.
E um jantar com sua linda namorada não vai ser nada perto do que
aconteceria.
Renan então vira sua mão com straight flush de dois a seis de paus.
Uma sequência muito boa, mas para não dar o gosto dele fazer um
escândalo quando eu virar as minhas cartas, me encosto na cadeira e olho
fixo para as suas.
— Perdeu, Ricardo. Pelo menos no fim sempre venço.
— Calma aí, cara. O homem ganhou a maior parte da noite. —
Estevão diz.
— Acho que dessa vez não... — Viro minhas cartas e mostro meu
Royal Flush de 10 a Ás de ouros.
— Como assim?
— Porra! Um Royal Flush que nem James Bond fez! — O
apostador diz incrédulo com o que via. — Vivo para ver partidas como
essa! — Ele estende sua mão na minha direção ao se levantar enquanto
Renan abaixa a cabeça quieto.
Jaqueline e Ana Carolina se aproximam de Amanda e a acolhem.
Olho para Renan e não sinto pena alguma. Apesar de ter apostado
uma mulher como objeto, não me sinto orgulhoso por ganhar, mas não
posso ser hipócrita que ganhar dele é sempre melhor do que se fosse com
qualquer outra pessoa. E também porque estou disposto a cobrar a aposta.
— Jogo é jogo... — Levanto e mesmo não sendo verdadeiro meu
consolo, aperto seu ombro, mas com estupidez Renan bate em minha mão.
— Vá se foder, Ricardo. — Ele fala ao se levantar também e nos
deixa.
— Cara, o que foi isso? — Thiago se aproxima e me questiona, mas
não por eu ter ganhado uma noite com a namorada de outro amigo dele e
sim pelo que havia acontecido minutos atrás.
— Nem eu sei explicar — respondo enquanto meus olhos vagueiam
e vejo Amanda ainda sendo consolada por Jaque e Carol.
A vejo inconsolável e sinto um desejo de ir lá confortá-la, de dizer
que ficará tudo bem, mas as palavras e as provocações que seu namorado
disse me impedem. Ele foi um filho da puta por apostá-la e eu era um pior
ainda por estar pensando em cobrar o meu prêmio.
— Vou levar Amanda para o quarto. — Jaqueline se aproxima de JP
e diz baixo, mas consigo escutar o que está dizendo.
Então ela e Ana Carolina saem acompanhando a linda e doce
Amanda enquanto recolho minhas fichas e peço ao crupiê para trocá-las
para mim.
Quando as duas retornam só sabem falar do que aconteceu. De
como ela está assustada e chateada. Tento sair desse assunto quando sugiro
irmos para uma festa em uma das boates de Punta Del Este. Mas não
demora muito para Jaqueline e João Pedro virem até mim e pedir para
conversarmos a sós.
Vamos para um espaço reservado, com menos pessoas circulando
entre nós três.
— Você não vai ter coragem de cobrar o restante da aposta, vai?
Você agiu por vingança, Ric? Preciso saber, porque ainda não consigo
acreditar no que aconteceu. — Jaque foi direta ao me perguntar.
Eu até ia dizer que não, mas quando ela incita sobre ter sido parte
de uma vingança, tudo o que passei volta com mais força ainda. E não é só
sobre uma vingança, mas pelo fato de que eu me sinto atraído por Amanda.
Não algo forte, a ponto de dizer que a quero. Até porque um jantar não será
nada demais.
— Vou sim — respondo direto também.
— Cara, isso não vai prestar. — JP resmunga, virando outra golada
de uísque na boca.
— Você está agindo por algo que aconteceu tantos anos atrás?
— Não.
— Então o que é, Ric? — Jaqueline insiste e pela primeira vez a
vejo como justiceira. Diferente de como foi quando todos me pediram para
perdoar Renan.
— Está do lado dele? — A inquiro.
— Não. Só que você sempre foi e sempre será melhor do que o que
já passou. E ainda mais é uma aposta idiota. Amanda não é um objeto.
— Fale isso para o namorado dela — respondo irritado.
— Ricardo, você só pode estar falando de brincadeira! Não acredito
que vai cobrar uma aposta por uma vingançazinha do passado.
— Por quê? O cara vai e fode com minha namorada e depois
quando coloca a namorada na aposta e perde para mim eu não vou cobrar?
Lógico que vou e vai ser bem antes do que ele pensa.
— Mas Amanda não é um objeto.
— Paciência, Jaque. Quem mandou namorar um idiota como ele?
— Vai dar merda isso tudo. O grupo vai se desfazer de novo.
— JP, para de se importar com o grupo! Renan nunca foi amigo de
ninguém aqui, é um egoísta filho da puta que só pensa nele. — Por fim
perco a paciência.
Claro que estávamos alcoolizados e em sóbrio eu ponderaria com
eles.
— Se querem saber, fiquem mais uma vez do lado dele. Eu disse
que não deveria ter vindo. E aviso, se Renan não me pagar ele não pisa em
mais nenhuma casa de pôquer em São Paulo.
— Não estamos defendendo o que Renan fez. Ele agiu por emoção.
— Por ambição, porque é um viciado perdedor de merda.
— Que seja. Mas, Ric, você é melhor que tudo isso.
Não sei porquê, mas cada palavra a mais que Jaque tenta me
dissuadir, mais me incita a querer cobrar a maldita aposta.
— O cara me provocou, quem pediu para eu ganhar a mulher dele
naquela mesa foi ele mesmo. Se não quisesse, não teria apostado ela. Se
querem saber, vou voltar para o hotel — informo os dois e os deixo. Mesmo
ciente de que Renan me deve bem mais do que pensa, além da gana eu
ganhei um jantar com sua namorada.
Infelizmente me pego pensando em porque não cobrar de fato essa
aposta enquanto caminho de volta para meu quarto.
Sento-me na beirada da cama e escondo minha cabeça entre meus
braços, ainda sem conseguir digerir tudo que ocorreu comigo.
Ana Carolina e Jaqueline me trouxeram para o quarto logo após
tudo ter acontecido. De ser apostada como prêmio ao ganhador.
Onde eu fui entrar?
Deveria ter escutado os conselhos da minha mãe quando disse:
“Minha filha, esse tipo de gente não é para nós”. Mas o que fiz? Insisti e
até discutimos sobre esse lance de classe social não existir mais. Contudo,
me sinto usada, um lixo.
Como Renan pode ter feito isso comigo?
Ana Carolina, a irmã de João Pedro, um dos amigos de Renan, me
trouxe para o quarto depois da derrota dele para Ricardo e o pior não foi
perder, foi me colocar no meio de uma aposta em um jogo. Como um
prêmio qualquer. Pedi que me deixassem sozinha, pois não era um bom
momento para conversar com ninguém. O que mais queria nesse instante
era não ter saído da minha casa.
Agora era esperar Renan chegar e questioná-lo porque fez tudo
aquilo. Porque me jogou sobre uma mesa de pôquer, como se eu fosse
dinheiro vivo.
Retiro as sandálias após ficar um tempo pensando em tudo que
estava acontecendo. Já estava tarde e nada dele chegar. Resolvo então tomar
um banho e deitar. Mas o sono não vem, apenas sinto meu estômago dar
voltas e mais voltas, com aquela sensação de que a qualquer momento vou
vomitar. De estresse, de raiva, de tristeza, de diversos sentimentos
conflitantes que vão se acumulando. Então meus olhos voltam a arder e me
rendo ao choro de novo.
As lágrimas escorrem pelo meu rosto enquanto afugento meu grito
de lamento, afundando de cara contra o travesseiro.
Não sei que horas eram quando escuto o barulho da porta destravar
e os passos pesados dele. Só sei que demorou muito para voltar. Renan
chama pelo meu nome ao se aproximar, checando se eu estava acordada,
mas estou tão completamente desesperada e chateada que não consigo me
mover. Desde o momento que perdeu a aposta o medo me tomou e não faz
menção de ir embora.
É um sentimento perturbadoramente angustiante. Chega a ser
claustrofóbico imaginar que fui praticamente vendida como uma
mercadoria para seu amigo.
Em que mundo eles vivem? É normal?
São perguntas para as quais não encontro respostas.
Sinto seu peso afundar parte do colchão atrás de mim. Não me
movo, fico como estou quando seu braço passa por cima de mim,
acomodando seu corpo rente ao meu.
Ele bebeu!
O cheiro de bebida exala.
Pelo visto ele bebeu muito mais do que poderia.
Não seria uma boa hora para confrontá-lo, ainda mais embriagado.
Não sei como seria sua reação quando eu dissesse que não iria nesse
maldito jantar que ele me colocou como prêmio. No entanto, uma voz
dentro de mim quer gritar, questioná-lo. Saber o que realmente se passou
pela sua cabeça, mas fico com medo de como ele pode reagir e me
mantenho estática, como se já estivesse dormindo.
O que não demora muito para ele estar fazendo.
E o restante da noite se arrasta de forma lenta, até meu corpo ceder
por estar esgotado fisicamente e emocionalmente.
Quando acordo ele não está ao meu lado. O que me deixa de novo
amedrontada, com tantas incertezas de onde pode estar ou mesmo se me
deixou aqui.
Muitas coisas passam pela minha cabeça, como se me abandonou
em um lugar onde não sei falar a língua, sem conhecer nada e sem dinheiro.
Não deveria ter saído da minha casa, do meu lugar de segurança no mundo.
Contudo, uma falsa sensação de alívio me invade assim que aprumo meus
ouvidos e escuto o barulho do chuveiro ligado. Então me sento na cama e
olho ao redor, para me certificar que de fato não estou abandonada aqui.
Vejo sua roupa, a que estava usando ontem, jogada no canto do
quarto.
Pelo menos não fugiu de conversarmos. Ainda espero que se
explique e tenha uma desculpa para me dizer o porquê me apostou com o
amigo.
Respiro fundo e me encosto contra a cabeceira almofadada da
cama, jogo um pouco a cabeça para trás e fecho os olhos.
Não só minha cabeça dói, mas meu corpo todo por causa da noite
mal dormida.
— Bom dia, princesinha! — A voz dele se sobressai aos meus
pensamentos, me pegando de surpresa. — Não quis incomodá-la. — Ele diz
baixo.
Olho para o lado e o vejo, de banho tomado, secando o cabelo com
uma das toalhas enquanto seu corpo está com um desses roupões do hotel.
Eu o encaro sem saber o que falar. Independentemente do que aconteceu,
Renan é um homem muito bonito.
Jamais imaginaria que namoraria alguém do tipo dele.
— Bom dia! — respondo com cordialidade, sentindo que as
palavras estão travadas na garganta.
Eram tantas coisas que eu queria dizer. Tantos questionamentos que
não sei se conseguiria falar. Não sou do tipo de embate, ou de simplesmente
falar o que sente e por isso sinto essa dificuldade ao querer e não conseguir.
— Acho que precisamos conversar...
Que bom que ele dá o primeiro passo. Não sei se conseguiria ser a
primeira.
Assinto e agarro um dos travesseiros e o abraço contra meus seios,
fazendo-o de apoio para meu queixo enquanto espero que fale. Que
explique os motivos pelo qual me apostou.
— Quero te pedir desculpas. Só isso! — Renan diz com frieza após
alguns minutos em silêncio. Aguardo para ver se vai dizer o porquê, mas
nada mais. Ele se vira e vai na direção do armário onde nossas coisas estão
guardadas.
Quero chorar por ele achar que é simples apenas pedir desculpas
sem me dizer qual foi sua motivação. Claro que seu maior motivo era
ganhar. Não quero acreditar que Renan não se importa.
— Você deveria tomar um banho também, está péssima. — Após se
vestir, Renan vira na minha direção e fala com normalidade, como se nada
tivesse acontecido e que apenas fosse um dia normal.
Aliás, como eu deveria estar? Eu virei um prêmio, uma exposição
ridícula.
Bem que não seria.
— Sei que deve estar chateada com o que aconteceu ontem à noite,
mas não se preocupe. Não é nada daquilo!
— Como não? — Tomo coragem e o questiono com a voz
embargada.
— Princesinha, foi só um jogo. — Ele se aproxima e cruza os
braços enquanto seu olhar se prende ao meu.
— Por quê? — Sei que deveria ser dura e dizer que eu não pertencia
a ele para ter feito o que fez, mas minha cabeça entrava em conflito com o
medo.
— Amanda, eu acho que foi a bebida. Bebi demais no meio do
jogo. Sei que não deveria, mas... aconteceu. — Renan para de falar e já não
consigo mais segurar o choro.
Ele respira fundo, abaixando a cabeça ao se aproximar e sentar
perto de mim.
— Não quero que se preocupe com nada. Eu sei que passei dos
meus limites.
— Você praticamente me vendeu! — falo ressentida, enxugando as
lágrimas com as costas da mão.
O que estava acontecendo nesse momento, certamente, poderia
dizer que era nossa primeira briga de casal. Que na verdade, não estava
sendo uma briga.
— Não foi bem assim. Eu sei que não deveria, mas eu tinha tudo
para ganhar se não fosse aquele filho da puta do Ricardo. Eu ia ganhar,
minha mão era boa. Só não fica chorando, vou resolver tudo isso. — Ele se
aproxima mais após tentar justificar o injustificável e toca meu rosto. —
Confia em minha, princesinha. O filho da puta não vai ter coragem de
cobrar a aposta.
— Mas você assinou — lembro-me do papel chegando e todos os
três assinando e dois de seus amigos servindo como testemunhas ao
validarem a aposta.
— Aquilo lá não vale de nada, fica tranquila. Eu vou resolver.
Prometo!
— Mas se não der certo? — insisto com medo de que eu tivesse que
realmente ser o prêmio daquela aposta.
— Eu já disse que vou resolver. Não confia no seu namorado?
Assinto quando Renan, após fazer sua promessa, sela meus lábios,
dando o assunto por encerrado. Mas, por mais que não tinha motivos para
continuar a questioná-lo, meu coração mandava eu me agarrar a esse único
fio de esperança. Que talvez o amigo dele não cobraria, afinal, todos ali
eram amigos.
— Agora, toma banho e vamos descer para o almoço, porque a essa
hora não devem estar servindo mais o café. — Renan conclui e se afasta,
pegando seu telefone que estava no bolso da calça caída no chão.
Ainda por alguns segundos fico tentada a voltar no assunto, mas
como ele pediu que eu confiasse nele, eu deveria acreditar. Observo ele que
vira rapidamente o rosto na minha direção e pisca um dos olhos, voltando
em seguida sua atenção para a tela do aparelho de celular em suas mãos.
Vou para o banheiro e faço como pediu, assim que retorno ele está
conversando com alguém ao telefone, fechado para o lado de fora do
quarto, na enorme sacada. Termino de me arrumar enquanto ele continua a
conversar com quer que seja, apenas escuto a grossa gargalhada seguidas
vezes.
Decido usar um vestido leve; por mais que estivéssemos no sul do
continente aqui está muito quente. Ele é de alcinhas e com florais bem
pequenos no tom de azul.
Logo ele encerra a chamada e entra sorrindo, como se tudo
estivesse bem, porém não diz o motivo, apenas pede para irmos.
Vou ao seu lado em silêncio, ainda com aquela voz insistindo que
tudo que aconteceu na noite passada está longe de ser resolvido. Mas
quando chegamos no lobby do hotel e seguimos para a área externa fico
boquiaberta com a beleza do local. Há uma grande piscina luxuosa, dessas
que só vi até hoje em filmes. Ao redor dela tem diversas mesas e assim que
passamos pelas enormes portas de vidro, avisto seus amigos. Renan então
segura minha mão, entrelaçando seus dedos ao me conduzir até onde
estavam todos já sentados. Inclusive Ricardo.
— Até que enfim o casal desceu, achei que fossem ficar no quarto o
dia todo. — JP diz alto quando paramos diante deles, agindo com
normalidade também. Aliás, ninguém sequer tocou no assunto, mas pude
notar o olhar da irmã dele ao me cumprimentar. É como se ela quisesse me
perguntar se estava tudo bem. E mesmo não fazendo a pergunta, sorri
tranquilizando-a.
Um a um vou cumprimentando todos e sinto novamente o medo
retomar meu corpo inteiro quando Ricardo estende sua mão para me
cumprimentar. Apesar de tudo que aconteceu, aquela sensação de arrepio ao
tocar em sua mão é mais forte que o temor que insiste em aparecer em mim.
— Bom dia, quer dizer, boa tarde, Amanda. — Ricardo diz e
permanece segurando a minha mão. O encaro e mesmo usando os óculos
escuros posso sentir o peso com que me olha. Seus dentes são brancos
como se ele fosse um modelo de comercial de creme dental. Mas não dura
muito tempo. Renan pega em seu pulso e afasta, fazendo com que ele
soltasse rapidamente minha mão. Os dois então se cumprimentam e algo me
diz, pela forma como se entreolham que nada vai ficar bem, na verdade, que
está bem longe de se resolverem depois de ontem à noite. O que me deixa
ainda mais apreensiva, duvidando que de fato possa resolver tudo sem ter
que ir jantar com ele.
Renan em seguida me tira de perto dele e ficamos sentados no lado
oposto. O que foi uma péssima ideia, pois, por mais amedrontada que
estivesse me sentindo, não conseguia deixar de notar Ricardo e na forma
alegre com que conversava com a irmã de JP e Miguel.
Termino de me secar e me troco para me juntar ao pessoal para
almoçarmos e sairmos em um tour pela cidade. O que havíamos combinado.
No entanto, estava a ponto de avisar JP que não iria, mas sei que ele não
sossegaria até fazer eu ir a contragosto.
E tudo porque estava a fim de evitar sua irmã e Renan.
Inclusive, eu e Ana Carolina acabamos discutindo assim que nos
encontramos no corredor que dava para meu quarto. Ela tinha acabado de
deixar Amanda. E segundo ela, a mesma estava inconsolável. A discussão
foi exatamente pelo que aconteceu, por eu ter aceitado a tal aposta. Tentei
explicar que a princípio procurei diminuir a porcentagem de que o outro
cara poderia ganhar de Renan, mas ela insistiu em que eu estava agindo
apenas por tudo que aconteceu no passado e para mim isso foi o ápice.
Definitivamente não fiquei debatendo e a deixei praticamente falando
sozinha.
Sei que em qualquer outra ocasião eu jamais teria tal atitude. Mas
não deu. Estou cansado de sempre ser visto como o vilão em tudo que
Renan está envolvido. Aliás, foi uma péssima ideia ter aceitado apostar com
JP essa maldita viagem. E pouco estava me importando se não a foderia, se
não teríamos mais a deliciosa amizade que tínhamos.
O que devo começar evitar a partir de agora.
Não devo mais me envolver com Ana Carolina sem permitir que ela
possa tomar a liberdade de falar para mim o que bem entende.
É um basta!
E ao contrário do que ela pensou estar fazendo, de que desistiria de
requerer meu prêmio, só me incitou a ter aquilo que ganhei. Não por um ato
vingativo, mas porque não parei de pensar em Amanda um minuto sequer
desde ontem à noite.
Mas que porra...
Só de lembrar seu olhar suplicando um herói me sinto tentado de
todas as formas em tê-la para mim, mas pelo visto ela é apaixonada por
aquele desgraçado.
Fecho os olhos e a imagem que ganha vida em minha mente é a
dela, com seus lindos lábios carnudos e seu olhar de timidez. Com ela nos
meus braços.
E porra...
Eu jamais deveria estar querendo alguém comprometido, mesmo
que o bastardo filho da puta que me fodeu no passado seja seu namorado.
Balanço a cabeça na tentativa de mandar para bem longe esses
pensamentos e bufo inquieto.
Não devo revidar... e não vou.
Renan não merece que eu me iguale a ele.
Apresso-me para descer quando escuto o sinal sonoro de uma
mensagem recebida. No visor as iniciais JP brilham e certamente só poderia
ter uma ameaça do meu amigo, prestes a vir até meu quarto e me levar à
força.
— Pelo amor de Deus, Ric. Que demora! — Ele fala alto assim que
atravesso as portas de vidro que davam para a área externa do hotel.
— Quem o vê dessa forma acha que estamos atrasados para uma
reunião. Relaxa, estamos de folga — retruco assim que me aproximo mais,
porém noto que não seria o último a chegar, ou melhor, os últimos. Amanda
e Renan. De certo estão conversando sobre a burrada que ele fez.
Idiota...
Olho para meus amigos e faço algumas brincadeiras, porém ignoro
Ana Carolina, que também está com cara de poucos amigos. Não é porque
sempre trepamos quando nos encontramos que dei a liberdade para ela
opinar no que faço ou deixo de fazer.
Posso até ser visto como um cretino babaca, mas eu e ela é apenas
uma amizade, ou era.
— Cara, estávamos comentando como você tem sorte. — Miguel
dispara e Ana Carolina fecha ainda mais o semblante.
— Como Thaís e Rebeca gostam de dizer, sorte no jogo e azar no
amor — ignoro-a e respondo enquanto me sento ao lado dele.
— Ric, você se ilude em achar que não tem sorte no amor. É o
solteirão mais cobiçado entre nós.
— Apenas solteiro, prefiro o título.
Caímos na risada, mudando de assunto. Não demora muito Renan e
Amanda chegam, noto quando eles surgem. Observo com discrição a forma
como ele pega na mão dela somente quando Jaque gesticula com a cabeça
indicando que eles estavam vindo.
Olho por trás dos óculos escuros, mesmo tentando não transparecer
para onde meu foco se fixa. Nela!
Assim que ela cumprimenta todos chega a minha vez. Sei que vai
ser cordial e educada e tento fazer o mesmo, porém o toque e a maciez da
pele de sua mão me incendeiam. Fazem com que todo meu corpo reaja de
um jeito inexplicável, o qual eu não deveria nem sequer cogitar em sentir.
Contudo o filho da puta, para fazer uma cena e passar por pobre coitado,
segura meu pulso e força que eu solte a mão dela. Como se eu fosse fazer
algo para a moça, bem ali em frente a todos.
Por mais que meu desejo quisesse, jamais eu seria o tipo de pessoa
que ele é. Então ele senta ao oposto de onde estou e por diversas vezes olho
na direção dela.
Graças ao bom óculos de sol ninguém consegue saber para onde
estou olhando. Não quero dar motivos para criar uma situação ruim. Apesar
do clima não estar lá essas coisas.
— O que vamos fazer hoje? — JP pergunta enquanto tenta
amenizar a tensão entre nós.
— Eu e Amanda vamos passear por aí. Sozinhos! — A ênfase que
deu ao dizer que sairiam a sós era direcionada para mim, mas pouco me
importava com o que esse idiota faria, apenas de que ele não seria o mesmo
viciado de sempre em jogo e a apostaria por aí de novo. Contudo, eu sabia
que o real motivo dele a manter longe era por minha causa.
Que ele se foda...
Após o almoço então nos separamos, se ele achava que faria algo
estava completamente enganado. Ele não só me deve um jantar com a
Amanda, mas também uma boa quantia em dinheiro e eu até poderia não
cobrar a tal noite, mas certamente ele me pagaria centavo por centavo.
O grupo se reuniu e saímos pela cidade.
Era assim... aquele grupão de amigos, parando em cada esquina
para uma foto. Mesmo com Ana Carolina dando diversas indiretas me
mantive alegre e continuei ignorando-a. Aliás, nem sei porque insistia em
vir nessas viagens. Ela nem faz parte da turma de amigos, é apenas a irmã
de um deles.
Por toda a tarde andamos o centro de Punta Del Leste. Comprei
presentes para Thaís e Rebeca. Pobre de mim se chegar de mãos abanando
na segunda-feira. Serei degolado vivo.
Ao retornar para o hotel resolvo não ir para a piscina com o restante
deles e já estava próximo à porta do meu quarto quando escuto Ana
Carolina me chamar.
Não olho e continuo em frente. Sei que ela está vindo a passos
apressados, mas não estou a fim de um novo embate com ela.
— Ei, Ricardo! Estou te chamando como uma doida, não vai mais
falar comigo? Vai continuar a me ignorar o restante da viagem? — Ela
questiona assim que paro em frente ao meu quarto, me alcançando.
Respiro fundo e finjo que ainda não a escutei. Pego o cartão de
acesso no bolso de trás da minha bermuda e sinto seu toque antes que eu o
coloque no painel ao lado da porta.
— É isso então? Vai continuar a me ignorar? — Ana Carolina
insiste com o ar de quem estava arrependida e ao mesmo tempo chateada.
Não que minha atitude estivesse sendo a mais madura. Eu só não
queria encheção e mais condenações.
A encaro por alguns segundos antes de responder. Seu olhar parece
triste e por mais que ela estivesse levando minha paciência ao limite odeio
essas situações. No entanto, precisava colocar um basta.
— Para quê? Para ficar me dando indiretas? Até agora estou
querendo te entender, por que está fazendo isso? — Afasto um pouco para
trás e ao invés de responder a questiono. E enquanto espero pelas respostas
cruzo os braços.
— Sabe... Eu só acho ridículo tudo que aconteceu ontem. Não estou
dando indiretas. Acho que não deveria entrar em algo que pode parecer que
está fazendo isso por uma vingança idiota, de algo que aconteceu anos
atrás. — Ana Carolina pelo visto estava retornando ao assunto pelo qual
discutimos de madrugada nesse mesmo corredor.
— E? Não estou pedindo sua opinião. E por favor Carol, não fica
insistindo. Não quero ser grosseiro com você. Aliás, amanhã tudo isso aqui
acaba.
— Ric! Não estou querendo dar opiniões no que você faz, me
preocupo com o que podem pensar de você.
— Carol, não tente justificar o injustificável...
Ela me interrompe.
— Você não é esse tipo de cara que vai usar de uma aposta para sair
com a namorada de um amigo. É só isso que quero que enxergue.
Como assim?
Arqueio a sobrancelha, não entendendo muito bem aonde ela quer
chegar com esse discurso de que eu e Renan somos amigos. Se ele está aqui
é completamente culpa do irmão dela que insiste que as coisas podem voltar
a ser como eram.
— Primeiro: Renan não é meu amigo. Segundo: ele assinou uma
dívida de jogo e não vou perder dinheiro porque o desgraçado não sabe a
hora de parar. Aquele viciado de merda — respondo e me irrito pela forma
como me olha, como se eu estivesse sendo o errado dessa história toda. —
Quer saber... não vou ficar explicando algo que não quer entender.
— Eu só acho que você não precisa descer tão baixo para se vingar
dele.
A encaro de novo e não consigo esconder toda minha irritação.
— Quem disse que isso se trata de vingança? E não sei porque está
se sentindo afetada com um assunto meu e dele. Não foi você o prêmio da
aposta.
— Não precisa ser grosseiro e rude comigo. Sou sua amiga.
— Se realmente é minha amiga deveríamos colocar um basta nesse
assunto. E não estou sendo rude com você. Apenas que não quero mais falar
nisso. Não tem que ficar se metendo nos meus assuntos e me cobrando
como se eu fosse o errado.
— De forma alguma estou querendo opinar nos seus assuntos. Só
estou me preocupando com você. E muito menos acho que é o errado de
tudo que está acontecendo.
— Está sim! Acha que sou abominável, o pior homem de todos por
ter aceitado a aposta. Eu já expliquei os meus motivos. E você nem estava
lá para saber como tudo aconteceu.
— Não precisa exagerar no drama. Eu não acho isso de você. —
Ana Carolina diz e sorri ao final, se aproximando mais, ficando exatamente
a poucos centímetros de mim. — Não quero discutir com você, apenas
quero o seu bem.
Acredito no que me diz e então deixo para lá qualquer
ressentimento por tudo que houve antes. A puxo para meus braços em sinal
de paz entre nós, porém percebo que não estamos sozinhos naquele
corredor; pelo canto dos olhos vejo Amanda caminhando em nossa direção
e me afasto de Carol quando ela se aproxima de nós dois.
Provavelmente seu quarto deve ser nesse mesmo andar.
— Amanda! — Ana Carolina diz quando Amanda se detém para
cumprimentá-la e não consigo desviar meu olhar dela, que também me
encara timidamente.
Caralho... eu estava muito atraído. De um jeito que não queria
estar!
— Renan ficou lá na piscina com os outros. Vou descansar um
pouco. — Ela informa, como se estivesse justificando o motivo por estar
ali.
— Então bom descanso. — Carol fala e não percebo que seu olhar
se volta para mim enquanto o meu acompanha a outra mulher.
— Agora tudo está explicado. Você está encantado por ela, Ricardo
Alencar! Isso não é uma pergunta, é uma afirmação! — Ana Carolina
exclama e sem saber o que responder, sendo pego de surpresa com seu
comentário, olho para ela e fico por segundos em silêncio.
Não que eu não estivesse. Aliás, qualquer um estaria. Amanda é
linda, parece uma boneca com detalhes feitos à mão. Qualquer homem que
disser o contrário seria um completo idiota cego. Mas assumir que estava
atraído por ela não seria uma boa ideia.
Não quando eu mesmo não sei se de fato estou me sentindo atraído
ou se é o princípio de uma obsessão porque ela instiga o proibido em mim.
— Claro que não! De onde tirou isso? — rebato a afirmação
tentando ser convincente de um jeito que ela não percebesse que a maior
mentira está sendo contada para mim mesmo.
— Eu lhe conheço muito bem, meu querido. A forma como seu
olhar acompanhou ela é de quem tem interesse.
Bufo uma risada e nego com a cabeça.
— Claro que está sim! Não me venha dizer que não. Se não
estivesse não a comeria com os olhos.
— Está doida, Carol! Ela só é bonita, só isso. Nada mais. Agora vai
me dizer que não posso achar ela bonita?
— Vamos fingir que acredito?
— Pode ser. Mas não crie coisas nessa cabecinha. Pois não existem
— reafirmo minha desculpa esfarrapada.
Claro que não era apenas o sentimento de achar uma mulher bonita,
tinha algo a mais e no momento era só atração, que não passaria disso.
Não nego que Amanda é o tipo de mulher que gosto e não nego que
se ela não fosse comprometida eu teria dado um jeito de me aproximar,
mas... infelizmente não está desimpedida. Mais do que nunca preciso parar
de sentir essa atração todas as vezes que ela está por perto, ou mesmo
quando seguro sua mão.
— Está bem!
Encerramos o assunto e me despeço de Carol ao se insinuar que
queria ir para o meu quarto.
Não que fosse uma má ideia, porém era melhor não ficar mais com
ela. Não quero que fique criando expectativa alguma em relação a nós.
Estava deitada descansado quando Jaque bateu à porta e me chamou
para ir para o quarto dela, para nos arrumarmos para a noite.
“Para o clube da Luluzinha”.
Como ela se referiu ao me convidar. Que seria apenas as mulheres
do grupo. No caso eu, ela e Ana Carolina.
A princípio penso em dizer não e agradecer o convite. Havia
passeado por alguns lugares com Renan, que inclusive ficou reclamando o
tempo todo do calor, só ficou de bom humor quando chegamos e ele foi
ficar um pouco com os amigos dele.
Não estava bem para ir. Estava um pouco cansada e ainda sairíamos
logo mais, mas ela insistiu tanto que não tive como recusar. No entanto,
disse que iria assim que terminasse de tomar um banho.
Tomo um bom banho e visto uma roupa confortável e vou, como
havia prometido. Quando chego no quarto de Jaque ela está sozinha.
Provavelmente Ana Carolina deveria estar com Ricardo ainda. Não fazia
muito tempo que vi os dois no corredor. No entanto, não os encontrei ao vir
para cá.
Não que eu me importasse onde ela estava e se estava com ele.
Até porque sou comprometida e mesmo com o deslize de Renan
sobre a aposta, eu o amava. Era o meu príncipe encantado. Aliás, nunca
namorei antes dele, então tudo é tão novo que sinto que ele poderia ser
também o último para sempre.
As pessoas têm defeitos e meu amor por ele é tão grande que tem
horas que não gosto nem de imaginar se um dia terminarmos.
— Então... Com que roupa você vai hoje? — Jaqueline pergunta
enquanto mexe dentro de uma bolsa retirando algumas maquiagens e as
colocando sobre sua cama.
Na verdade, eu iria com o único vestido que ainda me restava para
usar. Nada muito glamuroso como o de ontem. Esse era mais simples. O
comprei quando tive meu primeiro encontro com Renan. Era vermelho e
simples, básico.
— Devo ir com um vermelho que trouxe, mas deixei no quarto. Não
sabia que iria querer ver — respondo, ainda me sentindo um pouco
acanhada.
— Imagina. Só perguntei porque estou em dúvida com qual vou.
Não sei se é assim também. Fico em dúvida todas as vezes qual usar.
Sorrio e balanço a cabeça.
Na verdade, eu nunca tive muitas opções para ficar indecisa com
elas.
— Você poderia experimentar para eu ver melhor qual vou usar.
Temos o mesmo corpo. — Ela não pede e se aproxima com um dos vestidos
e o coloca à minha frente. — Gosto desse tom de verde, mas não sei. Estou
indecisa entre ele e aquele prata. — Jaqueline inclina a cabeça para o lado
na direção do outro vestido sobre a cama.
— Os dois são lindos! Vai ficar linda em qualquer um deles.
— Ele vai ficar lindo é em você, isso sim. Combina com a cor dos
seus olhos. Aliás, qualquer coisa em você fica perfeito. — Jaque me elogia,
mas não sei como responder. Sinto meu rosto arder.
Acho que não sei retribuir um elogio.
— Ah... obrigada!
— Não precisa agradecer. Você é linda. — Ela diz e solta o vestido
em minhas mãos, como se eu tivesse aceitado experimentá-lo. — Você
trabalha com o quê? — Jaque então se vira e volta para perto da bolsa onde
estava mexendo minutos atrás.
— Trabalho em uma loja de roupas femininas no shopping —
respondo um pouco mais alto enquanto vou para o banheiro.
— Hum... que legal. Depois me passa o nome que qualquer dia vou
lá, quero ver umas roupas novas. João Pedro que não me escute dizer isso.
Sorrio e termino de tirar as minhas e começo a vestir o vestido dela,
mas escuto um barulho na porta e a voz de Ana Carolina.
— Nossa... até que enfim! — Jaqueline diz para ela.
— Acabei de levar um grande fora. — Ana Carolina fala baixo, mas
consigo escutar de onde estou.
— Fora? De quem, sua doida?
— Ricardo! Acho que ele ficou chateado comigo por causa...
Ela para de falar assim que me vê saindo do banheiro ajeitando o
vestido no corpo.
— Uau! — Jaqueline diz e elas se entreolham e sorriem.
— Esse vestido foi feito para você. — Ana Carolina fala e vem para
perto, pegando minha mão e me fazendo girar ao redor. — Perfeito!
— Estou sem palavras.
De fato, o vestido é lindo e o vejo como ficou em mim quando uma
delas me puxa para frente de um grande espelho preso em uma das portas
do guarda-roupas do hotel.
É lindo e jamais usei algo tão maravilhoso assim. É de um verde
quase no tom de bandeira. Vibrante e bem justo em meu corpo. O tecido, na
frente, se cruza e transpassa, deixando minha cintura ainda mais fina.
Modelos assim acentuam ainda mais a curvatura. Na loja onde trabalho tem
um desse modelo e eu o achava lindo, mas o preço dele me afastou
rapidamente de perto.
— É seu! — Jaqueline diz ao parar logo atrás de mim e apoiar seu
queixo em meu ombro. — Com toda certeza você fica melhor nele que eu.
— Imagina! Não posso aceitar. — Desvencilho de suas mãos
apoiadas em meus ombros e me viro, ficando frente a frente com ela.
— Por que não?
— Amanda, não se recusa um presente. — Ana Carolina incentiva,
no entanto não posso aceitar, Renan pode achar ruim comigo e não quero
que ele fique bravo.
— Não aceito um não. Quero dar ele de presente para você. Vai
ficar maravilhosa, mais do que já é, essa noite. — Jaqueline insiste e
demonstra que não vai aceitar minha recusa.
— Deixa de ser boba. — Sua cunhada cochicha e aumenta o tom de
voz em seguida. — Ela aceitou!
— Nossa... não sei o que dizer — falo baixo e olho de novo meu
reflexo no espelho.
— Não diga nada. Foi um presente meu! Simples assim. Agora
vamos deixar esse seu cabelo como de uma diva.
Por mais que eu tenha gostado — e sei que um vestido daquele
seria meses do meu salário —, agradeço me sentindo constrangida. Jamais
eu poderei ser recíproca com um presente para ela.
Não vou fingir que pertencemos a mesma classe social. Jaqueline é
médica e de uma família bem rica.
— Mas agora me diga, dona Ana Carolina: por que levou um fora
do Ric?
— Tenho suposições, mas... — ela suspira —, achei que fôssemos
ficar juntos esse fim de semana.
Fico observando as duas enquanto Jaque me faz sentar em uma
cadeira e começa a escovar meus cabelos e Ana Carolina se joga sobre a
cama.
— Já disse para não se iludir com ele. Se Ric tivesse que assumir
algo sério com você ele já teria feito.
— Já conversamos sobre isso. É só curtição entre nós dois.
Como assim? Ana Carolina e Ricardo juntos?
Fico curiosa...
— De verdade, você se ilude sim. Ricardo nunca vai assumir nada
com você
— Não, eu gosto de ficar com ele e se posso ter só isso dele, então
vou aproveitar. Sou ciente disso, Jaque. — Ela se vira de barriga para cima
e cobre os olhos. — Ele sabe enlouquecer uma mulher — murmura
empolgada.
— Quando se der conta do que está fazendo, vai se arrepender por
não me escutar. Ricardo pode ser lindo, bem-sucedido, como diz você: “um
deus na cama”, mas sempre vai ser um homem que não quer nada sério com
você. Se valorize, Ana, você sabe o quanto gosto de você e falo para seu
bem. Eu o conheço bem, sei que ele não é de se envolver seriamente.
— Estou apenas curtindo. Você e João Pedro poderiam entender que
se ele quiser estarei pronta, mas... se não quiser, vou ter aquilo que pode me
oferecer.
— Acho que deveria se valorizar, você está sendo fácil. Talvez seja
por isso que ele leva como bem entende e quer.
— Eu me valorizo, mas ele é muito gostoso. Não nego que fode
muito bem.
— Não me venha falar das proezas dele, da última vez que
transaram e me contou mal consegui olhar para ele sem pensar nos dois
juntos. Por favor! — Jaque sorri e aperta meus ombros após revirar os
olhos.
— Não tenho culpa se ele faz uma mulher delirar na cama.
— Ana Carolina!
— Está bem! Parei! Mas que ele é muito bom não vou negar.
O assunto muda, depois que Jaque pede novamente para a cunhada
parar de falar como Ricardo é entre quatro paredes. E por mais que
permaneci quieta, não tem como evitar os pensamentos e ainda mais minhas
dúvidas.
Confesso que o sexo para mim não é tão prazeroso. Prefiro muito
mais as preliminares. Desde que perdi minha virgindade com Renan não
sinto nada quando fazemos amor. Talvez eu não seja normal ou tenha
alguma anomalia que não permite que eu sinta prazer no momento da
relação.
Será que sou anormal para o sexo?
Questiono-me e até gostaria de dividir minha experiência, mas sinto
tanta vergonha de conversar, de me abrir com qualquer amiga sobre isso
que fico apenas observando as duas debaterem a forma como sentem mais
prazer.
O que me faz pensar em Ricardo.
Por que Ana Carolina foi falar dele?
Não devo ficar pensando no que ela disse e muito menos sentindo
curiosidade por um assunto apenas dos dois. Tenho um namorado e estou
muito feliz com ele. É nisso que tenho que pensar a todo momento.
Não demora muito para Jaque terminar de escovar meu cabelo e
fazer cachos nas pontas dele. Inclusive ela não permitiu que eu tirasse o
vestido que me deu de presente e ainda insistiu para me maquiar, não me
dando chances para recusar de novo.
Uma das coisas que conheci dela é que quando quer, pode ser bem
convincente.
Pronta, aviso que vou voltar para meu quarto quando JP chega para
se arrumar. Com certeza Renan já deve ter voltado também.
Ainda bem que nossos quartos não ficam tão distantes um do outro
e chego rápido onde estava ficando. Renan de fato já estava lá, terminando
de se vestir e vira o rosto quando fecho a porta atrás de mim.
Seu olhar varre todo meu corpo de cima a baixo. Sei que estou
bonita. Talvez essa seja a primeira vez que me sinta de verdade bonita,
porém o receio de que ele possa achar ruim e ficar bravo me invade, então
fico calada esperando ele dizer algo.
— Caralho... Você está linda! — Assim que quebra o silêncio e me
elogia fico aliviada. Ainda mais porque sua voz está calma e relaxada
quando se aproxima e sela meus lábios. — Muito linda!
Mas logo ele se afasta e termina de se vestir. Aproveito para calçar
a mesma sandália que usei na noite passada.
— Está pronta?
— Sim — respondo e pego a bolsa que deixei sobre a mesa no
canto do quarto.
Renan abre a porta, com um excelente humor. Bem diferente de
hoje de manhã. Até acho estranho quando segura minha mão e a beija, me
puxando para fora do quarto. Ele não costuma ser muito romântico. Poucas
foram as vezes que demonstrou esse seu lado que amo.
Caminhamos pelo corredor de braços dados em silêncio até
entrarmos no elevador sozinhos.
— Não disse se estou bem! — Ele indaga e acho que fiquei tão
maravilhada que me esqueci de elogiá-lo.
— Claro que está lindo.
Eu o acho o homem mais lindo que pode existir. Sou
completamente apaixonada em todos seus detalhes. Posso até ser uma boba
por pensar assim, mas desde que saímos pela primeira vez o vejo comigo,
ao meu lado para o resto da vida.
Chegamos no hall do hotel e todos já estavam nos esperando para ir.
Inclusive Ricardo. Ele e Ana Carolina estavam rindo de algo que
conversavam. Noto que realmente os dois parecem ser bem mais que
amigos. O que jamais poderia imaginar se ela não contasse sobre ele mais
cedo.
— Não fica reparando na conversa dos outros. É feio! — Assusto
quando escuto Renan sussurrar bem perto do meu ouvido, me repreendendo
por estar olhando para os dois.
Parece que o Renan de sempre está de volta, pois assim que fala se
afasta e sai de perto de mim, indo para perto dos seus amigos. Disfarço e
olho para o outro lado, ficando sozinha.
Não sei definir o que sinto, mas quando ele age dessa forma tenho
ainda mais a sensação de que não pertenço a este lugar. Pode ser bobeira da
minha cabeça, mas é algo inexplicável. É como se eu não existisse e fosse
invisível. Mas não demora muito até que Jaqueline me chama para se juntar
a eles. No entanto, noto que Ricardo e Ana Carolina não estão mais ali.
Porém, não fico pensando onde possam estar, mesmo curiosa para
saber.
Aliás, nem sei porque quero tanto saber se não me interessa.
— Vamos? — Renan se aproxima e toca em meu ombro. Apenas
assinto e o sigo até a boate que fica dentro do hotel em que estávamos
hospedados.
O lugar é ainda mais sofisticado. Está lotado e então, ao observar ao
meu redor, tomando cuidado para Renan não perceber o quanto estou
admirada com o local, é que vejo Ricardo e Ana Carolina encostados em
um balcão com suas bebidas em mãos.
— Vamos ficar naquela mesa! — Jaque se aproxima e diz fazendo
um sinal de despedida para Renan enquanto me puxa para ir com ela.
Praticamente um novo clube da Luluzinha se forma quando Ana
Carolina se junta a nós e senta ao meu lado.
— Não vai beber, Amanda? — Ela pergunta e me oferece um pouco
da sua bebida, virando o canudo para mim, mas nego. Eu e a bebida não
somos boas amigas, pode se dizer que somos quase inimigas.
— Não. Sou fraca para bebidas fortes.
— Mas está super leve. — Ana Carolina insiste.
— Obrigada! — Dessa vez me mantenho firme e recuso sem dar
chances para uma das duas me convencerem a beber.
Porém, um tempo depois que estava me soltando, um barulho de
vidro quebrando nos assusta e me deixa atônita com o que vejo. Assim que
olho na direção de onde o barulho veio, vejo Renan sendo agarrado e
contido por João Pedro, que o traz para perto de nós enquanto Miguel
segura Ricardo, levando-o para o lado oposto.
Desespero-me e me levanto rápido sem entender o que estava
acontecendo.
Sem saber o que fazer me aproximo de Renan e tento tocá-lo, mas
ele está nervoso e tira seu braço.
— Agora não, Amanda! — Renan diz alto e alterado, saindo de
perto e indo na direção dos banheiros, me deixando sem saber o que fazer e
sozinha de novo.
— Ric e ele discutiram. — JP informa e sai para ir atrás de Renan.
— Eles estavam brigando? — Ana Carolina pergunta, mas sou
incapaz de responder, apenas fico olhando na direção em que os dois foram.
Por quê?
Faço a pergunta mentalmente enquanto tento buscar o que de fato
aconteceu. Estavam todos bem e de repente...
— Não sei... — respondo com a voz falha.
— João Pedro foi falar com Renan, eles voltam daqui a pouco e
ficaremos sabendo. — Jaque fala e me abraça pedindo que eu sente, no
entanto, só me dou conta que estou tremendo quando ela segura minha mão
e pede para eu ficar calma.
— Vou buscar uma água para ela. — Ana Carolina se oferece e sai
antes que eu diga que não precisa se preocupar, que eu estava bem. Na
verdade, eu não estava bem coisa alguma. Só queria saber o que aconteceu.
E o único motivo que se passa pela minha cabeça nesse momento é que só
pode ser por causa da maldita aposta.
Eu até estava esperançosa que tudo daria certo. Ninguém falou mais
sobre o que aconteceu ontem à noite. E agora isso!
Respiro fundo e tento segurar o choro que está prestes a sair. Olho
para os lados, tento localizar Renan, mas o único olhar que está em mim é o
de Ricardo.
— Vou lá saber o que aconteceu. — Ana Carolina fala e sai em
seguida, deixando nós duas sozinhas.
Não demora muito e ela retorna, porém fica um tempo sem dizer
nada, apenas me olhando.
— Os dois discutiram por causa da aposta. Não me disseram se
falaram algo antes, mas que tudo começou mesmo depois que Ricardo
mandou Renan se ferrar e disse que cobraria o prêmio da aposta. Que ele
tinha um mês para pagá-lo...
Não consigo terminar de escutar o que ela diz mais, sinto meu
coração se acelerar, meus olhos arderem e uma sensação de enjoo me tomar.
Minha esperança de que tudo poderia dar certo vai embora.
— Não pode ser! — murmuro baixo deixando as lágrimas descerem
livres.
É como se um buraco se abrisse bem aos meus pés.
— Tenha calma, Amanda. João Pedro vai conversar com Ricardo.
Eles devem ter discutido e foi falado no calor da emoção. Imagina, Ricardo
pode até querer o dinheiro, mas não vai chegar ao ponto de exigir que você
jante com ele. — Ela tenta me acalmar.
Logo Renan e João Pedro retornam e vamos embora em silêncio.
Sem uma explicação.
Sem saber o que vai acontecer, já que Ricardo exigiu que Renan o
pague.
— Cara, eu não queria tocar nesse assunto com você. — JP fala
enquanto segura a barra, me ajudando a descê-la.
Voltamos de Punta Del Leste sem tocar no assunto da aposta e da
confusão que aconteceu no sábado à noite quando Renan disse que eu era
invejoso e que o ainda culpava por não estar com Camila. Como se fosse
uma verdade única e absoluta. Claro que não me controlei. E muito menos
vou culpar o álcool pelo que fiz ao desferir um soco bem no meio da sua
cara de pau.
O filho da puta é um completo narcisista que acha que tudo tem que
girar ao seu redor.
E agora, mais do que nunca, vou querer cada centavo daquela
maldita aposta. Inclusive o jantar com Amanda. Sei que não sou assim, tão
reativo a ponto de ser vingativo, mas não vou permitir que ele sorria como
se fosse vitorioso.
Renan precisa entender que para tudo tem um preço a ser pago. Que
suas provocações não vão passar mais batidas.
E que se foda quem quiser pensar que estou apenas me vingando.
— Então não toque — respondo ofegante ao segurar firme na barra
e levantá-la para o alto, descendo, fazendo uma sucessão do mesmo
movimento.
Sei o que estava querendo fazer e também que procurou a melhor
hora para termos essa conversa. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde ele
viria me questionar. E melhor na academia, quando estaríamos somente nós
dois.
— Não posso ser omisso e deixar você entrar em uma furada como
essa. — João Pedro contradiz baixo para que os outros caras que estavam
perto de onde estávamos não escutar.
— Não estou entrando numa furada. — Subo um pouco mais a
barra colocando-a na haste que a trava. Em seguida sento e pego a toalha
para enxugar o suor excessivo em meu rosto. — Estou apenas cobrando o
que é meu. Se não quisesse perder ele deveria ter parado ao invés de ter
jogado a namorada como uma mercadoria sobre aquela mesa —
contraponho enfático.
— Mas vão falar...
— Que se foda quem falar. Pouco me importa. — O interrompo e
respondo.
Se me importasse com o que vão falar de mim não viveria...
Sou do time da paz, mas também não gosto que coloquem quem
sou em check.
— Então cobre o dinheiro somente. Me importo com você. Renan
está desesperado, até me pediu que conversasse com você que ele não tem
toda essa grana e que Amanda está arrasada.
— Cara, você é meu melhor amigo, mas não entre no meio disso —
rebato. Até neste momento eu estava propício a deixar para lá esse jantar,
mas acontece que a maneira como está agindo em prol do filho da puta me
faz ainda mais puto com toda essa situação.
Claro que não posso e não vou recriminá-lo de tentar intervir, na
sua posição eu também faria o mesmo. Até porque a aposta não é só sobre
dinheiro, mas envolveu alguém inocente em tudo isso. Porém, não vou me
abster do que sinto toda vez que aquele desgraçado tripudiar como se ele
fosse o correto em toda essa história.
— Não estou dizendo o que tem que fazer, Ric, apenas que repense
em relação ao jantar. Achamos que está fazendo isso como forma de
punição por tudo que aconteceu no passado.
João Pedro começa a me irritar com essa política sua de boa
amizade. Ele não faz por mal, mas os anos passaram e Renan ainda faz
questão de me provocar. Qual homem gosta de ficar relembrando do chifre
tomado? Nenhum!
O único motivo que posso vir a me decidir em requerer esse jantar
será por causa de todo esse sentimento ruim. Tudo que sinto neste momento
é raiva de Renan ter cruzado meu caminho de novo, mas com a
desvantagem em todos me verem como o réu e não a vítima.
Nem quero essa comiseração de nenhum deles. Nem sei porque
voltei. Mas dessa vez não vou sair calado de tudo isso.
— Não tem o que repensar, ou ele paga ou executo a dívida e ainda
faço com que nenhuma casa de pôquer aceite ele mais. E se a preocupação
dele é que eu mostre quem ele é para a namorada, deixo claro que não tenho
intenção nenhuma de tocar no nome dele durante o jantar — falo convicto,
mesmo não tendo me decidido se vou realmente cobrar a parte do jantar
com Amanda.
— Cara, você é louco!
— Vamos treinar? Não é por essa pauta que estamos aqui. Inclusive
não temos mais 15 anos, somos responsáveis por todas as nossas ações. —
Tento colocar um ponto final na conversa, dando por encerrada qualquer
tentativa de me fazer mudar de ideia. Deito no banco estreito e peço a barra
com os pesos de novo. Foco no que estou fazendo e não permito que fale
mais em Renan ou qualquer assunto relacionado à aposta.
Ele fica em silêncio.
Ótimo. Espero que não fale mais desse assunto. Ao invés de ajudar
Renan, JP só me instiga a seguir em frente.
Para minha sorte ele não fala mais nada até o fim do nosso treino.
— Só repense, por favor. — Essas foram suas últimas palavras ao
entrar em seu carro para ir embora.
Pois é... já repensei e não sei o que vou fazer!
Desde que retornamos de Punta Del Leste em um voo comercial,
Renan não me liga e não responde as minhas mensagens.
Faz cinco dias!
Não sei o que está acontecendo e o que realmente aconteceu no
sábado à noite. Até tentei perguntar para ele, mas não quis me falar e disse
que depois conversávamos, mas até agora nenhuma explicação, uma ligação
ou mesmo uma mensagem de bom dia.
Começo a me preocupar com esse seu sumiço.
— Amanda, tem cliente na loja. — A voz da minha gerente surge
enquanto estava apenas escutando as vozes da minha inquietação.
Ela solicita que eu vá atender, sendo que tem mais uma vendedora
na loja nesse horário. Não estava à toa, estava passando com o ferro a vapor
algumas peças que vão compor a vitrine dessa semana.
— Já estou indo — aviso contrariada de ter que deixar o que estava
fazendo, porque mesmo se a outra vendedora estiver atendendo, ela não
pode atender?
Juliana sempre implicou comigo desde que comecei a trabalhar.
Reclama do meu jeito e de tudo que faço, mas para não criar mais motivos
para falar de mim, desligo o ferro e deixo as peças penduradas nos cabides e
vou para a frente da loja.
Só estava eu e mais uma vendedora na loja, as outras estavam no
horário de almoço.
— Assim que terminar de atender, traga as roupas da vitrine para
mim. — O tom com que fala é uma ordem bem imperativa. Não que eu me
incomode, mas ela estava sentada ao caixa sem fazer nada, não lhe custava
atender.
— Sim — respondo sucinta e olho na direção do homem de costas
que está próximo aos vestidos.
Caminho e paro logo atrás dele antes que se vire e me veja como
uma sombra sua.
— Boa tarde! Posso ajudar... — Entro em pânico e não consigo
falar mais nada e muito menos completar a pergunta quando ele se vira e
vejo quem é, me desestabilizando completamente.
Ricardo está bem na minha frente!
Respiro fundo e tento achar o autocontrole que some para algum
lugar dentro de mim. Por tudo que é mais sagrado, rezo internamente
pedindo a Deus que não seja ele ali, que faça ser apenas uma alucinação
visual. Só que não é. É tão real quanto a realidade daquela aposta e de que
ele ganhou.
E de novo todo aquele sentimento ruim está ali.
De medo.
De falta de esperança.
Os mesmos que tentei em todos esses dias driblar para esquecer.
Entro em pânico sem saber como reagir. Minhas pernas começam a
tremer. De todos os lugares do mundo, aqui deveria ser o último para ele
vir. Obviamente deve estar aqui para cobrar o jantar!
Minha cabeça trabalha em uma conspiração enquanto tento pensar
em reagir e continuar a pergunta como se ele fosse um completo estranho,
mas todas as ideias somem, me abandonando para o medo me tomar por
completo. Aliás, esse nunca me abandonou. Faz questão de em todo
momento dizer: “Oi, estou aqui!”
Tão clichê e banal!
Me sinto tão fodidamente fodida mental. Cansada de algo que
jamais imaginei que pudesse acontecer comigo. Pode até ser um exagero
meu, mas nunca vivi em meio a qualquer tipo de confusão. Sempre fui das
mais quietas, tímida e sem voz para expressar o que sinto.
A esperança de ter sido apenas um sonho não existe, Amanda!
— Ahhh... Oi! Não sabia que trabalhava aqui. — Sua voz grave
rompe meus pensamentos me tirando do transe que sua presença em minha
frente causou. Porém, minha voz não sai. Ela insiste em se calar. E
aproveito para tentar de novo me controlar, para despachar toda essa
avalanche de sentimentos.
Não posso me precipitar e nem deixar que Juliana me veja
desesperada para voltar para o depósito e não sair nunca mais de lá. Pelo
menos enquanto Ricardo estiver dentro da loja.
Volto a respirar pausadamente, me acalmando, deixando os
segundos passarem. Além de que, não posso aparentar ser uma idiota. De
que estou completamente afetada.
— Fica calma! — No entanto, acredito que tenha percebido como
estou e tenta de uma forma me manter tranquila ao estender a mão como se
fosse a primeira vez que estávamos nos encontrando.
Com o coração batendo acelerado, pego sua mão e o encaro, mas
não adianta muita coisa. Aquela corrente elétrica que sinto quando toco nele
também se junta ao time das sensações que me fazem parecer uma idiota
medrosa.
Ele não é um monstro que vai te devorar, Amanda! — De novo a
voz dentro de mim começa a falar na tentativa de ajudar a me acalmar.
Juro! Como queria que um buraco se abrisse aos meus pés para eu
me jogar de cabeça dentro dele e não ter que passar por essa situação.
Contudo, aquele olhar calmo, a forma como soltou minha mão, sendo tão
apaziguador, me faz ganhar uma força para me manter de pé.
— Preciso de um presente para uma colega.
Um alívio percorre meu corpo quando ele fala o motivo pelo qual
está aqui. E toda aquela descarga de adrenalina vai passando.
— Queria algo mais leve e solto. Ela está grávida. — Ele prossegue
falando o que quer como se fosse um cliente que estava entrando pela
primeira vez ali. O que me deixa mais tranquila de que o assunto que tem
me aterrorizado nos últimos dias não seja mencionado.
Contudo, a forma como sua boca desdobra em um sorriso cativante
e sedutor não faz com que diminua em nada a forma como me sinto quando
estou próxima dele.
— Está tudo bem aí, Amanda? — A voz de Juliana sobressai
interrompendo o momento. E pela primeira vez agradeço mentalmente sua
implicância. O que me dá tempo para desviar meu olhar e tentar fingir um
profissionalismo natural.
Olho para ela por cima do ombro na direção do fundo da loja e
assinto. Quando me viro Ricardo também já não está me encarando, está
passando os vestidos.
— Acredito que grávidas gostem de cores mais leves — falo após
segundos observando ele olhar cada um lentamente.
— Sim, ela gosta. Olívia não gosta muito de cores vibrantes. — Ele
responde e continua sem olhar para mim. Então me afasto um pouco e
procuro o que acho que vai agradá-lo.
Pego a peça e mostro para ele, trazendo sua atenção de novo para
meu rosto. E pela primeira vez noto o tom incendiador das írises verdes.
Intensas e vibrantes. Do contexto de todo seu rosto.
— Acho que ela vai gostar desse. — Mostro para ele e fico confusa
com a forma que meu cérebro começa a registrá-lo de um modo diferente e
mordo o lábio inferior.
— Muito bonito. E se você diz que ela vai gostar desse, então
provavelmente ela vá. — Além da voz calma, seu semblante também me
traz uma certa tranquilidade. Como se fosse uma medicação e ela estivesse
começando a fazer efeito. — Vou levar esse!
— Vou embrulhá-lo — informo e prestes a ir fazer o embrulho algo
me deixa parada, travada, sem conseguir sair do lugar.
Acho que ainda meu corpo não voltou nas suas funções todas.
— Vai querer algo mais? Um presente para a namorada... —
pergunto para disfarçar, mas não surte o efeito que espero. Aliás, vejo que
fui um pouco precipitada. Jamais deveria fazer essa pergunta para ele,
mesmo que estejamos em uma situação ali de vendedora e cliente.
Fecho os olhos e me repreendo mentalmente. Só tentei ser gentil e
educada.
Definitivamente não estou no controle dos meus pensamentos
coerentes. Pelo menos tenho a justificativa de que falo sempre isso a todos
os clientes homens que entram. Em sua maioria sempre estão buscando por
algo para suas namoradas. Mas o que me deixa angustiada e me sentindo
uma completa idiota é que bem sei que ele não tem ninguém.
— Só vou levar esse mesmo... — Ricardo solta uma risadinha
percebendo meu nervosismo. Pelo menos ele não está dizendo e muito
menos me deixando ainda mais constrangida do que estou.
Levo o vestido até o balcão e sinto ele me acompanhar até o caixa.
Tento não olhar para ver se estou certa de que sua presença é tão próxima,
tão intimidadora. Logo ele vai sair por aquelas portas, então o melhor é me
concentrar em somente exercer minha função. Nada mais!
— Ele vai levar esse — aviso para a implicante Juliana e lhe
entrego a etiqueta com o preço enquanto me afasto um pouco para fazer o
pacote. Quando retorno, Ricardo já havia pago e sem demorar mais entrego
a sacola para ele. Novamente nossas mãos se encostam, mas não deixo que
isso me afete mais do que já estou.
— Obrigado! — Ele pega a sacola e sorri, agradecendo. Retribuo o
gesto.
— Não vai passar seu telefone caso precise fazer a troca? — Juliana
se intromete e me entrega o pequeno cartão que damos aos clientes com
nossos telefones caso precise trocar.
Um método que a loja faz para caso também precisem de um
atendimento à distância.
— Sim. — Pego o cartão da mão dela e escrevo o número do meu
telefone no verso dele. Entrego e Ricardo de novo agradece, virando-se para
sair.
E como protocolo de atendimento da loja eu o acompanho até a
saída.
— Obrigada e espero que ela goste. Se precisar trocar o vestido
pode entrar em contato comigo — informo tentando ser natural. Apenas
Deus sabe como estou por dentro, com essa revolução de sentimentos
lutando dentro de mim.
— Foi bom te ver de novo, Amanda. Nos vemos em breve!
— Joga a bola aí! — Miguel grita quase próximo do gol quando
pego a bola e a chuto na sua direção.
— Mas que porra! — berro ao ver que aquele perna de pau perde
um gol tão fácil de fazer. Mas não dá mais tempo de empatarmos com o
time adversário. O apito do juiz da partida apita alto encerrando o jogo.
Como dizem, nossa pelada.
Há tempos estávamos marcando de tirar uma noite para jogarmos
futebol e como sabia que Renan não estaria presente, resolvi aparecer.
— Como que você me perde um gol daqueles? — João Pedro
questiona Miguel, que dá de ombros enquanto tira a camisa suada.
Assim como eu, ele é bastante competidor. Porém, hoje estou um
pouco aéreo para me importar com perder ou ganhar. Claro que queria ter
vencido, mas ainda estou pensando em Amanda e na coincidência de tê-la
encontrado na loja em que trabalha. Foi perceptível que ficou desconcertada
quando me viu. Eu mesmo não esperava e sequer imaginaria que algo assim
pudesse acontecer. Mas foi um delicioso acaso. Tanto que me rendeu seu
telefone. Que o que iria fazer não sabia.
Simplesmente já estava desistindo de insistir em receber meu jantar
com ela. Analisei durante os dias que passou sobre levar adiante e talvez
seria melhor me poupar de um estresse do que ficar trazendo Renan de um
jeito ou outro para minha vida.
— Está no planeta Terra? — Miguel bate em meu ombro com a
mão, chamando minha atenção, me tirando dos pensamentos que teimam
em ficar em minha mente.
Não daria certo... O fato de achá-la incrivelmente linda não era
motivo suficiente.
— Estou cansado. O dia foi exaustivo — falo e acompanho ele com
JP, que está logo atrás debatendo um passe errado de outro colega do time.
— Ele não está em seu estado normal hoje — mudo repentinamente o
assunto apontando para João Pedro.
— Ele é competitivo. Aliás, todos vocês não gostam de perder.
— Não valendo nada, para mim tanto fez como tanto faz —
respondo e pego a bolsa esportiva com as minhas coisas, jogando-a sobre o
ombro direito.
— Vamos beber algo? — Miguel faz o mesmo que eu e dá um
passo à minha frente indo na direção do vestiário.
O campo em que alugávamos uma hora para jogar futebol tinha um
amplo vestiário e toda uma estrutura de bar happy hour para depois das
partidas. E mesmo sendo uma boa ideia tomar uma para espairecer, penso
apenas na minha cama e um bom episódio de qualquer série até o sono
chegar. Amanhã ainda é sexta-feira e tenho muitos assuntos para resolver.
— Não sei. Estou querendo é descansar.
Entramos no vestiário e procuro um dos bancos para deixar minha
bolsa enquanto já vou buscando uma ducha livre. Há uma mais ao canto e
antes que alguém a pegue na minha frente me apresso e vou até ela. Giro o
registro de água, ligando o chuveiro, e espero a água ficar um pouco mais
morna.
— Deve estar de esquema por aí. Não me engana, Ricardo. Você
assistir série! É sério? — Não vi que JP vinha logo atrás, para mim ele
estava ainda discutindo com o outro jogador.
— O dia foi cheio. Estou a fim de ir para o meu santuário —
começo a me despir e respondo sem me virar para ele, porém mal termino
de passar a camiseta pela cabeça e sinto meu corpo ser projetado para frente
através de um empurrão.
— Qual é, cara? — João Pedro questiona alguém e mal consigo
virar o rosto para ver o que estava acontecendo quando sou empurrado de
novo. Meu corpo vai de encontro à parede e quase choco meu rosto contra
ela.
— Você foi atrás da minha namorada por quê, seu filho da puta? —
A voz de Renan surge e ao me virar me deparo com João Pedro entrando
entre nós dois, pronto para apartar uma briga. — Você foi atrás dela na loja
que trabalha. Desgraçado! Vou te mostrar o que faço com filho da puta
traíra.
— Calma aí! — JP tenta intervir empurrando Renan para mais
longe enquanto os outros que estavam ali se aglomeram, tentando entender
o que estava acontecendo. No entanto, a acusação que ele faz me tira do
sério e então quando percebo o que estou fazendo, meu corpo já está
próximo e Miguel também tenta me afastar.
Fico cego a ponto de, dessa vez, fazer o que deveria ter feito anos
atrás quando o flagrei trepando com Camila.
Porém, sinto a ira me consumir por diversos motivos e um deles é
porque eu não fui até aquela loja por causa dela. E muito menos fiz o que
estava me acusando.
— Seu amiguinho aí foi atrás da minha namorada na loja hoje mais
cedo. — Renan grita repetindo a mentira quando JP pergunta para entender
o que estava acontecendo ali.
— Filho da puta é você — retruco e tento empurrar Miguel para o
lado.
Não vou ficar aguentando acusações pelas quais não são bem como
ele relata.
— Vai... fala agora na frente de todos que não foi na loja que
Amanda trabalha? Fala que ela não te atendeu? Ou vai negar?
Renan incita e João Pedro olha para mim esperando para ver se é
verdade o que Renan está falando.
— Fui sim. Mas não como está falando. Fui para comprar um
presente para uma das minhas funcionárias. Nem sabia que Amanda
trabalhava lá. — Apesar de não ter que dar satisfações do que faço a
ninguém, acabo falando como de fato tudo aconteceu. Que não fazia ideia
alguma de que ela trabalhava naquela loja.
— Só os seus amiguinhos caem nessa pose de bom homem. Você
foi lá atrás dela. Não está satisfeito. Você quer dar o troco por eu ter fodido
com Camila nas suas costas.
Caralho...
Até quando vou ter que aguentar ele ficar aí enchendo a boca para
falar que comia minha namorada sem que eu soubesse?
Sorrio frustrado e bufo. Na verdade, devo mostrar que nunca me
importei de fato com Camila e que sofri sim, pois não esperava, mas que
passou e apenas ele quer ficar relembrando o passado. Então, tento buscar
meu autocontrole para não estourar a sua cara. Acredito que se antes eu não
fiz, não deveria fazer agora. Porém, antes foi antes, já não sou mais o
mesmo pacificador que vai ser acusado injustamente e ficar calado vendo
esse desgraçado sair de pobre coitado de novo.
— Renan! Vai com calma, cara. — Miguel diz enquanto ainda tenta
me segurar.
— Não vou. Defende mais esse filho da puta aí. E se quer saber, eu
fodia Camila gostoso. Trepávamos muito e ríamos muito de você, otário.
Por fim perco qualquer controle e sem saber se ia machucar
qualquer um avancei como um animal até conseguir encontrar e acertá-lo.
Mas não mais que um soco foi o que consegui dar, Miguel e alguns que
estavam ali se juntaram e conseguiram me conter.
Provavelmente Amanda deve ter contado para ele que estive na loja
e o filho da puta usou isso para arrumar confusão.
— Quer saber, seu merda de viciado. Eu não ia mais cobrar o jantar
com ela não. Mas pode ter certeza que agora você vai pagar tudo e já pode
avisar que sábado à noite ela vai jantar comigo. E me larga, Miguel. —
Empurro e consigo me soltar. — Se não me pagar o dinheiro até o fim do
mês e o jantar com a Amanda nesse sábado, você nunca mais senta em uma
mesa de pôquer. Vai perder tudo que tem. E seus pais vão saber quem é o
filhinho deles quando a conta dos meus advogados chegarem.
Eu até poderia lidar com essa situação de outra forma. Mas agora eu
cobraria até o maldito jantar.
Não vou ser taxado de corno manso assim, com ele me expondo
diante de outras pessoas que não fazem ideia da história.
— Ela não vai!
— Vai sim. Mas não se preocupe. Se não quiser avisá-la eu mesmo
ligo para ela — informo enquanto ele se remexe sem conseguir se
aproximar de mim, como se realmente estivesse ali defendendo a namorada.
Não é novidade a ninguém que é um egoísta de merda que pensa só em si.
— Renan, vai embora. — João Pedro pede, mas ele insiste em
tentar sair para vir de novo para cima de mim. Entretanto é controlado e os
outros que estavam ali o retiram do vestiário.
Assim que ele sai procuro qualquer objeto para descontar a raiva
que estou sentindo. Estou furioso e o banco de plástico ali perto é meu alvo.
— Ricardo! Cara, tenta se acalmar. — Miguel se aproxima, mas não
quero que me toquem ou tenham pena do que aconteceu, por isso o empurro
para se afastar de mim.
— Não tem calma. Ele pediu e agora vai ter o que merece —
retruco e aumento o tom de voz.
— Você não é assim, amigão.
— Não, mas agora vou ser. Vou ser um sacana fodido. E que se foda
esse maldito grupo — falo alto quando João Pedro retorna e vem de
encontro.
— O que foi isso? Tenha calma, Ric. Você está nervoso! — Ele
fala, mas pouco me importo com qualquer argumento que vai falar.
— E você, pode deixar claro que quero tudo que me deve. Eu não ia
jantar com ela, mas agora eu vou. Já avisa esse merda do seu amigo que vai
ser no sábado e que no fim do mês quero todo o dinheiro que me deve na
minha conta.
João Pedro não fala nada apenas balança a cabeça.
Se antes eu estava em dúvida agora não mais. Podem falar o que
quiserem de mim, eu vou jantar com ela sim!
— Ele não vai aceitar. — Miguel diz baixo, mas acabo que escuto.
— Que se foda. Ele tem muito mais a perder. Se quer saber, não
quero o dinheiro mais, quero esse jantar.
Sei que estou no momento da raiva, mas, depois da forma como ele
entrou aqui, me humilhando na frente de todos, não quero dinheiro algum,
quero somente fazer ele engolir tudo que disse hoje à noite e nas
provocações que fez em Punta Del Leste.
Até parece ameaça de filme. Mas quem assinou uma confissão de
dívida de jogos sabe muito bem como funciona com quem não paga. E não
serei eu a mostrar a ele.
Por fim, deixo Miguel e JP tentando me convencer do contrário.
Não dou ouvidos e pego minhas coisas, deixando o banho para tomar em
casa. Mas não se dando por satisfeito, João Pedro me segue a fim de
continuar com sua politicagem de amigos, no entanto, me mantenho
convicto de que agora não me importo com o dinheiro e sim só com esse
maldito jantar.
— E se você entrar no meio vou entender que optou por ficar ao
lado dele.
— Claro que não estou. Só acho uma loucura sua. Não precisa de
nada disso.
— Agora aguenta, você insistiu para que eu fosse nessa droga de
viagem. Entrei na merda daquela aposta porque se não fosse eu a ganhar
seria aquele cara e a namorada que ele tanto veio defender e que a apostou
estaria desesperada. Você sabe muito bem que Renan perde a cada dia mais
nas mesas. Então sem essa história de loucura. Eu quero e vou ter meu
jantar com ela — digo em alto e bom som que nada vai me fazer voltar
atrás da minha decisão quando jogo a bolsa esportiva no banco do carona,
antes de bater a porta.
Posso ser precipitado e ter agido nos primeiros cinco minutos da
raiva, mas agora não teria volta. Era o jantar ou cumpriria à risca minha
ameaça.
Respiro fundo e me olho no espelho vendo se ainda resta algo para
catar do chão. Pareço aquelas mulheres destruídas emocionalmente. Preciso
urgentemente de algo que me faça ver o melhor em tudo isso que está
acontecendo.
A esperança de ter sido só um sonho foi completamente afastada
quando Renan me disse o que aconteceu dois dias atrás. Sobre a briga que
teve com Ricardo e da forma como foi humilhado. Por isso acabei aceitando
ir nesse jantar para encerrar esse ciclo.
Sei que não sou obrigada a fazer algo que não quero, porém não
entendo esse mundo em que eles vivem. Onde pode tudo e tudo segue as
regras deles.
Por partes eu me sinto culpada por essa briga. Não deveria ter
contado que Ricardo apareceu coincidentemente na loja para comprar um
presente. Achei que não tinha nada demais, afinal poderia ser qualquer
outra pessoa. Mas foi o contrário. Renan ficou furioso e apenas me deixou
em casa naquele dia, não me dizendo onde estava indo.
Agora só me restava ir contra tudo que acredito e pagar essa dívida,
assim logo tudo acaba e não vão ter mais motivos para brigas.
Sempre odiei essas discussões e confusões. Não gosto de ver e
muito menos de estar dentro delas.
O único fato que me deixa triste em tudo isso é porque Renan e eu
acabamos tendo nosso primeiro desentendimento. De maneira alguma ele
queria que eu fosse e por fim, quando veio me deixar em casa mais cedo
hoje, me questionou se eu iria mesmo. Disse que sim. Então ele acabou
dizendo que eu estava querendo ir, que estava usando de desculpa para estar
com Ricardo essa noite.
Isso me arrasou porque jamais dei provas do contrário para ele. Eu
o amo! Só quero ajudar, como acho que estou fazendo o que deve ser feito
para ele quitar essa maldita aposta.
Será que ele não entende que quanto antes tudo isso acabar melhor
vai ser? Só queria que entendesse. Sei que está agindo por gostar de mim e
não aceitar que sua namorada esteja com outro homem, mas vai ser somente
um jantar, nada além disso.
Triste fico mais alguns minutos olhando meu reflexo e suspiro,
vendo que está na hora de ir.
Confesso que não foi e não será um dos meus melhores dias.
— Já teve piores... — falo para mim mesma enquanto passo a mão
pelo vestido que estou usando, mas paro no momento que escuto o sinal de
alerta do meu celular, avisando que uma nova mensagem chegou.
Rapidamente, esperançosa que seja Renan, saio da frente do
espelho e vou até minha cama, onde deixei o aparelho e vejo que a
mensagem é dele. Fico feliz. Talvez tenha entendido que vai ser melhor
acabar com isso de uma vez por todas.
Com o coração batendo acelerado pego o aparelho e toco na tela. A
foto de nós dois juntos surge. Tiramos ela quando fui conhecer seus pais. E
talvez seja aquele sinal bom que estava esperando, mas não é. É apenas o
endereço de onde fica localizado o apartamento de Ricardo.
É frustrante...
Bom... apesar de estar me sentindo suja por dentro, por estar indo,
não vou negar que esperava seu apoio. É por ele e para ele que estava me
sujeitando a ir.
Desanimada, reúno minhas coisas após travar o celular e jogá-lo
dentro de uma bolsa. Aviso em seguida minha mãe de que estaria indo sair
com Renan e que voltaria bem tarde. Outro fato que me fez sentir péssima.
Não gosto de mentiras e muito menos omitir coisas dela. Ainda mais
quando ela não sabe o que realmente está acontecendo.
Quero chorar.
É essa a sensação que tenho, de que estou indo para o abate como
um animal. De não poder ter outras opções para escolher, mas como não
posso fazer mais nada, acredito que é o melhor a ser feito.
Saio de casa e caminho até o metrô mais perto. A distância até o
apartamento dele, no Jardins, levaria um pouco mais de uma hora para eu
chegar. E conforme Renan me avisou, eu deveria estar lá as 20h.
Insistindo, assim que adentro no metrô e me sento em um dos
bancos na lateral, retiro o celular da bolsa e envio uma mensagem para ele.
Quem sabe entenda e aceite que estou fazendo isso para que fique bem. No
entanto a resposta dele vem imediatamente com apenas um “não quero
falar com você hoje. Quem sabe nunca mais!”
O que ele quer que eu faça? Ele mesmo disse que não tem como
pagar e que seus pais ficariam em má situação se soubessem. Que a vida
dele estava em risco. Eu o amo e mesmo que não queira mais me ver se eu
só jantar com Ricardo, nada vai acontecer com ele. E o que me importa é
vê-lo bem.
Apenas mais algumas horas e todo esse pesadelo vai chegar ao fim.
Tombo minha cabeça para trás e fico pensando em insistir e enviar
outra mensagem dizendo o quanto o amo, mas a dúvida me consome. Já são
tantas coisas para pensar e digerir que se ele me dizer que está de fato tudo
terminado entre nós dois não sei como vou reagir.
E só por pensar meu coração se espreme todo com essa
possibilidade. Quero muito acreditar que a qualquer momento vai acontecer
uma reviravolta em tudo isso e a luz no fim do túnel surgirá. Que ele vai
entender meus motivos.
Estou cansada.
Esgotada.
Não demora muito para chegar na estação que devo descer. E sem
esperança alguma desço. Caminho por mais quatro quarteirões até chegar
em frente ao edifício onde Ricardo mora.
É grande e refinado.
Olho para o alto dele e por um momento penso em dar meia-volta e
voltar para minha casa, mas não posso desistir logo agora. Creio que é a
solução para as coisas voltarem no ponto correto a que elas pertencem.
Não posso desistir...
Aproximo da guarita e toco o interfone. Segundos depois uma voz
grave propaga pelo aparelho. Informo ser convidada de Ricardo Alencar e
descubro que ele mora na cobertura. Então o portão destrava segundos
depois, quando sou autorizada a entrar e o dono da voz que me atendeu
aparece entre duas portas de vidro, me esperando para me acompanhar até o
elevador.
Posso estar me sentindo amargurada, mas não posso negar que o
lugar, pelo menos a entrada e o pequeno hall, são lindos. Facilmente caberia
minha casa inteira só naquele espaço. Além de grande é todo decorado com
plantas pelas paredes e mobílias sofisticadas. Deve ser um sonho morar em
um local assim.
— É o décimo quarto. — O homem me informa e agradeço pela
informação enquanto espero o elevador chegar. O que não demora muito. E
assim que entro toco no painel digital com o número 14.
Procuro me acalmar enquanto se move e os números vão pulando
rapidamente, entretanto não acho calma alguma dentro de mim, aliás entro
em pânico estando mais perto de todo esse pesadelo.
Por mais que Ricardo tenha me tratado com educação, não sei quem
realmente ele é. E tenho minhas dúvidas de que seja alguém tão íntegro. Se
foi capaz de cobrar de um amigo uma aposta dessas, posso esperar que
talvez eu não saia nem viva do apartamento dele.
Prendo a respiração e tento não pensar em uma idiotice assim.
Todos os amigos dele, inclusive Renan, sabem que estou aqui. Nada vai
acontecer comigo.
Mentalizo coisas boas e logo escuto o barulho do elevador parando.
As portas se abrem diretamente dentro de uma enorme sala. E lá está ele me
esperando. De pé, próximo e bem perto.
A tentação de apertar para as portas se fecharem e eu fugir é grande,
mas não posso me acovardar logo agora. Então reúno toda coragem que
ainda me resta e saio de dentro da caixa metálica, dando um passo para
frente.
Olho com atenção e tento não demonstrar o quanto estou
apavorada, com o coração acelerado, batendo em um ritmo descompassado
quando para à sua frente e ele estica a mão no ar direto para mim.
— Caramba... — Ele diz surpreso, mas fica calado em seguida ao
segurar minha mão e olhar diretamente para meus olhos.
Uma parte bem pequena — bem pequena mesmo — diz para eu não
ter medo dele, que nada de ruim vai me acontecer. Porém, já não sei se
consigo me manter em pé. Tudo em mim é uma mistura de conflitos, de
uma ânsia desenfreada com uma excitação que não deveria existir. E se
intensifica mais ainda quando sinto todo aquele calor da sua mão passar
pela minha, espalhando para o restante do meu corpo como uma sinapse
potente e feroz.
— Não achei que viria...
Ricardo não desgruda seu olhar do meu, só os seus lábios se
movem.
— Não tive muitas opções — respondo ressentida por impulso.
Mesmo aceitando quando poderia dizer não, não consigo me sentir
confortável de estar fazendo isso. Por mais que minha mente manda eu não
pensar em nada nesse momento, continuo me vendo como uma mercadoria
barata.
— Não precisa ter medo de mim, é apenas um jantar. — Ele diz
calmo e solta minha mão ao se posicionar de lado, estendendo seu braço na
direção do restante do enorme apartamento.
Eu sei que é só um jantar e estou tão desestabilizada que tento focar
meu campo visual apenas para frente e não reparar em nada ao meu redor.
Contudo, não me movo. Fico paralisada ao escutar um som baixo vindo da
minha bolsa.
Rapidamente remexo e a trago para minha frente, abrindo-a em
seguida em busca do meu celular. E assim que consigo achá-lo levanto,
virando o visor para mim. Constato que é uma mensagem recém-recebida
de Renan. O que me faz sentir por segundos uma onda de alívio.
Talvez ele tenha se arrependido e entendido que o que estava
fazendo era para o bem dele.
Sei que é falta de educação, mas ignoro Ricardo por instantes e
rapidamente desvio meu olhar para a tela do aparelho. Porém leio e releio a
mensagem por alguns minutos não acreditando que tudo estava dando
errado.
Renan estava terminando comigo por vir nesse jantar. Contudo, não
sei mais o que pensar. Posso ir embora se quiser, mas ao mesmo tempo
penso que ele não estaria a salvo se ainda ficasse devendo para Ricardo. O
que me faz encarar o lindo homem à minha frente.
Sim... é inegável que ele é lindo, mas estou tão ressentida com tudo
que está acontecendo e ainda mais por estar sendo deixada por uma
mensagem por causa dele que minha vontade é de gritar e dizer tudo que
estou sentindo. No entanto, pela primeira vez em dias sinto que preciso
mais do que nunca me controlar nesse momento e pensar antes de agir.
Porém, assim como eu, ele não tem culpa de ter ganho essa aposta. Por isso
preciso ser cautelosa, mesmo querendo desabar e gritar ali mesmo.
— Aconteceu algo? — Ricardo quebra o silêncio.
Nem sei o que responder.
Aliás nem sei mais o que pensar.
Em como reagir.
Nego com a cabeça e acabo aceitando o convite para entrar mais,
até saber o que realmente vou fazer.
“Nem todos somos bons o tempo todo. E me enquadro em cada
centímetro quadrado dessa medíocre percepção. Não me alegro do que
estou fazendo movido pela raiva e pelo ego.”
Ainda estamos parados bem próximo do elevador quando aceita
meu convite para entrar. E então percebo que há algo de errado quando
recebe uma mensagem. Todo seu rosto se transfigura de nervosismo para
tristeza. É nítido que ela não queria estar aqui.
— Está bem mesmo? — refaço a pergunta e tento encontrar seu
olhar que parece estar perdido em algum lugar dentro dela.
E sim... aconteceu alguma coisa para ela ter mudado sua fisionomia.
Tenho certeza e não precisa ser um especialista em comportamento
emocional para saber. Seus olhos verdes falam por si só ao se tornarem
ainda mais claros e é perceptível que estão lacrimejando. Talvez seja por
tudo que está acontecendo. Não sei, mas não é nada de bom. Até porque
não se trata de algo normal e corriqueiro entre duas pessoas jantando. Bem
ou mal, eu a forcei estar nessa situação que não desejava. Confesso que
estou arrependido.
Pode ser essa vulnerabilidade de estar sendo forçada. Me arrependo
por ter exigido esse jantar. E me sinto um completo bastardo quando seguro
sua mão e a sinto gelada, muito fria e pegajosa.
Caralho... sou um bosta pior que Renan.
Culpo-me ao perceber que ela está prestes a chorar.
— Amanda, por favor olha para mim — peço enquanto me
posiciono melhor a sua frente.
A pobre está tremendo e vê-la dessa forma me faz sentir bem pior
do que estava antes dela chegar. O fato de querer que Renan pague a mim
na mesma moeda, que ele tenha o mesmo dissabor que tive não me faz
melhor que ele.
Respiro fundo e insisto que me olhe, mas ela abaixa a cabeça e
percebo sua respiração ficar pesada e o som que tenta esconder. Tenho
certeza que está chorando e confirmo quando seguro seu queixo e o puxo
para cima.
Amanda era linda até mesmo assim, porém me culpo por ser o
causador do seu sofrimento.
Porra...
A minha consciência me acusa e me condena ao encarar os olhos
verdes e molhados.
— Por favor, não chora — peço, mas só a faço liberar mais ainda
lágrimas silenciosas. E sem pensar se estou ainda no caminho do erro, a
puxo para mais perto e a abraço, fazendo com que seu rosto fique encostado
em meu peito.
Que se foda... Odeio ver uma mulher chorando.
A aperto no meio dos meus braços e deixo que ela extravase
qualquer sentimento ruim. Mesmo se ela quiser bater em mim só para
liberar o que está sentindo permitirei. Aliás, eu mereço qualquer reação sua
de raiva e dor.
— Me desculpe... — Não sei se estou fazendo o certo. Deveria era
mandá-la ir embora, porém não conseguirei deixá-la sair assim por aí. Pelo
menos preciso acalmá-la antes de dizer que não vai ter mais nenhum jantar.
Que ela está livre. Queria apenas que Renan pagasse, e não ela. Contudo
não posso reprimir essa deliciosa sensação que é tê-la entre meus braços.
De sentir esse calor que emana do seu corpo, do cheiro do seu cabelo que
sobe e me enfeitiça.
É... sou um fodido filho da puta por gostar de estar aqui neste exato
momento, mesmo com ela tão fragilizada.
Minhas mãos afagam suas costas sem intenção alguma. Deixo que
chore e tento amenizar essa sua dor. Ela não se afasta, mas fica estática,
soluçando baixo por longos minutos. Não posso afirmar quanto tempo ainda
estamos aqui, próximo ao elevador, de pé. Mas que leve o tempo que for
para se acalmar é a única coisa com que me importo neste momento, já que
as outras eu apenas me importei com o que queria, sendo egoísta e
egocêntrico. Pensando somente em mim.
— Está melhor? — Quebro o silêncio entre nós quando sinto ela se
afastar e permito aliviando a pressão dos meus braços ao seu redor.
Amanda é linda de todas as formas, mesmo com seu rosto vermelho
pelo choro.
— Sim. E me desculpa! Eu...
— Amanda, não precisa se desculpar de nada. Quem lhe deve
desculpas sou eu. — Ela assente e antes que eu fale que está livre de tudo
isso, seguro de novo seu rosto quando tenta desviar seu olhar para o lado e
o mantenho fixo no meu. Não para fazer uma leitura do que ela está
sentindo, mas por algo que vai além da minha compreensão. Ao mesmo
tempo que quero deixá-la decidir o que quer eu a quero ali.
Talvez minha concepção de coerência tenha se tornado contraditória
e cega, entretanto não quero ser o cara fodido e tóxico.
— Se quiser embora pode ir. Não quero te fazer sofrer. — Por fim
tomo coragem e digo, deixo a razão ser o comandante da minha vontade,
que de longe é o que quero.
Por mim ela ficaria ali e eu tentaria de todas as formas não ver mais
nenhuma gota sair de seus lindos olhos verdes citrinos. De não infligir mais
nenhuma dor.
— Sério?
— Sim. Não quero vê-la triste. E se jantar comigo é algo que te
deixa mal, não quero — respondo sinceramente. — Sei que deve estar
pensando que sou um monstro por ter forçado você a vir. Mas... — Respiro
fundo e mantenho meu olhar no seu para demonstrar que estou sendo
sincero, entretanto ajo por impulso e começo a enxugar suas lágrimas com o
polegar, espalhando-as pela pele macia do seu rosto delicado e angelical.
— Não acho que seja um monstro. Eu só não estou bem. —
Amanda após segundos quebra o gelo e responde. — Eu...
A interrompo.
— Não precisa se explicar. A única pessoa em tudo isso que não
deve satisfações e não tem culpa alguma aqui é você. Aliás, você tem que
querer. Eu não sou assim, não vou forçar nada, mas antes, quero que se
acalme. Não pode sair por aí assim. — Respiro fundo e então forço meu
corpo a se afastar dela. Solto seu rosto e dou um passo para trás.
Ela não é como nenhuma outra. Esse seu jeito tímido, meigo e
silencioso a faz ser alguém que deve ser protegida a qualquer custo.
— Obrigada! Eu não sei o que pensar.
— Então se acalme, tome uma água e então se quiser posso chamar
um táxi ou algo do tipo. Ou mesmo posso te levar para casa.
Faço uma oferta dando a ela a opção de escolher o que quer. Não
vou oprimi-la e nem forçar nada, mesmo que essa crescente vontade de
protegê-la tenha me tomado.
Se tem algo que aprendi com a vida é que ninguém é de ninguém.
Seja umamigo, pessoas com quem você trabalha ou mesmo a pessoa que
você escolhe para estar ao seu lado.
Peço que me acompanhe e sigo para a cozinha. A conduzo e pelo
caminho passamos próximo da mesa montada que mandei preparar para
esta noite.
Amanda se senta em um dos bancos ao redor da bancada e fica me
observando. Sinto seu olhar em mim enquanto pego o copo e o encho com
água. Em seguida, me movimentando no automático, fico do lado oposto do
balcão e entrego para ela. E é nesse momento que volto a admirá-la. No
quanto está ainda mais linda do que quando a vi com esse mesmo vestido
na noite da aposta.
Estou ciente de que não se trata só de mais uma atração, porém não
vou ser como Renan que apenas pensa só no seu umbigo. O sentimento de
desejo é bem maior do que estar com ela. Quero que se sinta bem.
Enquanto bebe a água a observo e minha mente começa a conspirar
sobre o que de fato é o correto a se fazer.
E que porra...
Seus lábios espremem contra a borda do copo de um jeito sexy para
caralho.
Amanda termina de beber a água e me entrega o copo.
— Obrigada!
— Está melhor? Mais calma? — pergunto após meus dedos
roçarem os seus de um jeito que me deixa em estado de alerta.
Respiro fundo e a encaro.
— Sim. E disse sério quando falou que posso ir embora se quiser?
Inclino-me um pouco sobre o balcão espalmando minhas mãos
sobre ele.
— Falei... Não quero que se sinta desconfortável ou mal por isso.
Não sei onde estava com a cabeça quando resolvi levar adiante toda essa
loucura.
— Mas não vai cobra a aposta depois? — Sinto sua voz falhar e o
seu medo vir à tona.
— Não tem porque eu cobrar mais se estou liberando-a. Apesar que
seria uma ótima companhia. Mas vou entender se não quiser mais.
Mantenho-me convicto de que estou dessa vez agindo corretamente
com ela. Jamais quero que se sinta coagida ou mesmo na obrigação de fazer
algo que não quer. Nunca fui uma pessoa que exige que sua vontade seja
feita. Apesar de querer o oposto do que estou fazendo.
Ricardo se mostrou não ser alguém que esperava encontrar. Aliás,
não tinha uma percepção exata de quem era. Conversamos e trocamos
poucas palavras dentro do avião, mas pelo pouco que observei dele parece
ser uma pessoa boa. Bem diferente do que achava horas atrás.
Ele mostrou ser compreensivo e me senti de um jeito estranhamento
consolada quando a mensagem do término com Renan me atingiu em cheio.
Foi o seu abraço que me fez sentir segura e de algum modo protegida ali.
Porém, não sei o que pensar e fazer. Não quero estar aqui, mas uma
pequena voz interna me diz que tudo já não vai ser mais o mesmo e que
devo então aproveitar e jantar com ele. Pelo menos libertar minha mente de
tudo.
Mas como? Se meu coração está sangrando...
Se estivesse em casa estaria remoendo e relendo a mensagem,
pensando em mil formas de reverter o que estava acontecendo.
— Às vezes, Amanda, não somos condutores da nossa própria vida,
da nossa jornada. Os caminhos vão se misturando até chegar em uma
conclusão boa.
Seu comentário interrompe meus pensamentos e sinto que estou
prestes a chorar de novo. Só que não quero e não devo. Não aqui!
— Se precisar de um amigo estou aqui. — Ricardo deve ter
percebido minha instabilidade emocional. E me faz ver algo que não estava
enxergando. Que talvez meus caminhos tenham me colocado exatamente
aqui.
— Agradeço e não sei o que pensar, em como reagir. Obrigada
mesmo.
— Amanda, você não me precisa agradecer em nada. Eu fui um
babaca.
Ele sorri e tudo é tão apaziguador e calmo. Sei que é precipitado em
acreditar, mas percebo tanta verdade nele que me sinto confusa e perdida.
Sem saber no que tenho que fazer e no que quero.
— Não quero que pense mal de mim, mas quero ir embora.
— Sim. Se é assim que quer. Vou chamar um táxi para levar você
até sua casa. — Ricardo se movimenta e joga seu corpo um pouco para trás,
ainda mantendo seus lábios abertos.
— Não precisa. Posso pegar um metrô.
— Imagina. Não está bem ainda e vou me sentir ainda mais culpado
por deixá-la sair por aí.
Ele se afasta e me deixa na cozinha sozinha, mas estou inquieta e
acabo deixando o lugar que estou e volto pelo mesmo caminho que fizemos
para vir. Porém, quando passo pela mesa preparada paro o jantar e fico
olhando os detalhes, em como tive tantos medos de chegar até aqui, que
percebo que tudo está virado de ponta-cabeça. Que está uma completa e
verdadeira bagunça.
— Gostou? — Não havia percebido que Ricardo estava parado logo
atrás de mim. Apenas escuto sua voz e sinto seu perfume amadeirado
chegar até mim.
— Sim. Ficou muito bonita e agradeço por tudo.
— Já disse, sem agradecimentos.
Quando me viro ele está tão perto que não é preciso mais tocar nele
para sentir a onda elétrica percorrer meu corpo. É perturbadoramente
conflitante que cria tantas dúvidas em mim.
— Fui buscar meu telefone. Vou pedir para Ailton chamar, ele deve
conhecer algum.
— Ailton?
— O porteiro da noite.
— Ahhh... — A fisionomia do homem alto e corpulento, de barba
grisalha que me acompanhou até o elevador mais cedo me vem à mente.
— Está bem mesmo? Não quer conversar? Desculpa mais uma vez,
mas percebi que ficou um pouco mais triste quando leu a mensagem que
recebeu assim que chegou.
A mensagem de Renan...
Lembro do que estava escrito e tento não pensar nela neste
momento. Do quanto está doendo saber que ele não compreendeu o que
significava vir até aqui. E por mais que eu o entenda, a forma como fui
dispensada me dói ainda mais.
Não sou tão passiva quanto demonstro ser e queria muito pode
extirpar o que estava sentindo. De que se não consegue entender que estou
fazendo tudo isso por ele, então que eu não devo me sentir péssima como
estou.
— Se quiser conversar, já disse que serei um amigo quando
precisar.
Olho para Ricardo e o encaro, mas permaneço calada.
Sei que está sendo sincero. Eu mal tive tempo de realmente
conhecê-lo, mas Renan disse que ele o humilhou e de humilhação eu
entendo. Minha vida inteira eu passei por isso. Por não ter uma condição
financeira melhor que a de algumas pessoas. Não era de uma forma
implícita, mas olhares, as falas, até mesmo no comportamento sempre
deixaram a conotação que o motivo era esse. No entanto, com ele não me
sinto inferior. E provavelmente devo estar agindo por segurança, por uma
reticência do que Renan disse sobre ele.
— Renan terminou comigo porque eu vim jantar com você — falo
sem pensar, na verdade sigo a voz do meu coração que manda eu me abrir e
dizer o que está acontecendo, já que Ricardo está envolvido em tudo
também.
Não me movo e fico apenas por segundos encarando Amanda,
processando o que acaba de me dizer. Claro que não esperava por essa
virada de jogo, mas o que mais me espanta — apesar de saber muito bem o
que esperar, vindo de Renan —, é que ele a colocou em tudo isso e agora
está querendo se vitimizar como se fosse o namorado traído.
Bem típico da sua narrativa egocêntrica.
— Espera aí... está me dizendo que Renan terminou com você por
estar aqui? — faço a pergunta com um tom revoltante.
Sim... É quase impossível de acreditar que ele a coloque como
errada.
Filho da puta ególatra.
— Sim. Ele não queria que eu viesse. Mas...
Amanda titubeia ao se abrir e vejo ali claramente alguém que está
perdida, amedrontada e triste. E isso não me faz ser melhor que ninguém,
aliás me faz ver o quanto me deixei levar por um sentimento de raiva e que
agora estava refletindo em uma pessoa completamente inocente.
— Me perdoa. Jamais queria que tudo isso refletisse de um modo
negativo sobre você — falo com sinceridade, reprimindo essa vontade
absurda que estou de puxá-la para mim, de protegê-la de todos.
Arrependo-me de ter exigido, de ter me deixado ser levado pelo
ódio. Por tudo que estava em minhas mãos para provar que aquele
desgraçado não era único e absoluto.
— Já foi. Mas dói... — Amanda está com a voz embargada e é tão
melancólico o tom dela que faz com que eu me compadeça.
— Eu imagino. Nenhum término é bom. Ainda mais quando
gostamos de alguém. — Esboço um sorriso de consolo, acreditando que
seja a melhor coisa a se fazer.
— Obrigada por estar sendo compreensivo.
— Estou me sentindo mal com tudo isso.
— As coisas passam. Eu gosto muito dele.
— Eu sei. E sou um bastardo por ter forçado toda essa situação.
Não me orgulho disso.
— Não se culpe. Eu poderia ter dito não, afinal não pedi e muito
menos consenti aquela aposta.
— Sim... — Fico sem saber o que dizer. Acho que desculpas não
serão suficientes por tê-la envolvido em um sentimento de vingança.
Nenhuma mulher merece ser apostada como ela foi.
Nunca antes vi apostas tendo como prêmio uma pessoa. Sempre
gira ao redor de dinheiro e bens. Foi incomum e, em minha defesa, entrei
mais por ver seu desespero e continuei porque Renan incitou o pior lado
que existe dentro de mim.
— Vou pedir para chamarem o táxi — aviso, dando por encerrado,
por estar fazendo o que deveria ter feito antes. Amanda não deveria estar
aqui, mesmo desejando que estivesse.
Fui levado sim, pelo lado de provar que sou melhor que Renan e me
envergonho por não ter sido fiel a quem sempre fui.
Viro de costas para ela e aperto a tela do celular, desbloqueando e
ligando para Ailton. O mesmo atende e pergunto se conhece algum taxista
ou motorista de aplicativo de confiança. Por mais que tudo leve a aparentar
que sou frio e calculista, não vou colocá-la em risco por aí.
O porteiro diz que vai ligar para um conhecido seu e que logo me
retorna.
Agora era aguardar e ter a sensação de que agi corretamente,
mesmo sendo sobre um grande erro que cometi.
Travo a tela do celular e me viro de novo.
— Ele vai ligar para um conhecido dele — informo e mesmo com a
sensação de que ainda a quero, de que agora, depois que me disse sobre
Renan ter terminado com ela, seria tão mais fácil não mudo de ideia.
— Eu posso ir de metrô, não precisa se incomodar. — Ela responde
e se cala. Percebo que ainda está receosa. Que pode estar pensando que vou
fazer algo contra sua vontade.
Na verdade, são tantas coisas nas quais estou pensando no mesmo
momento que não percebo que estou a encarando, observando o quanto a
iluminação fraca que deixei assim propositadamente a deixa ainda mais
com esse seu jeito dócil.
— Acho que tenho como uma dívida com você.
— Não me deve nada.
— Ahh... devo.
Não só devo como estou arrependido.
Ailton liga e me avisa que seu amigo está levando outro cliente e
que assim que desocupar vem. Confirmo e agradeço antes de desligar.
— Ele vai demorar um pouco. E faço questão que chegue em casa
em segurança — falo e Amanda apenas assente, concordando em silêncio.
Seu olhar vaga pela primeira vez ao redor. Eu acompanho para onde
olha. E ficamos ali por minutos, até eu perceber que estou fascinado nela.
Nesse jeito meigo, educado e que não se trata de uma simples atração, de
que a maior mentira eu contei para mim ao dizer que a queria aqui porque
deixei-me levar pela raiva e pelas provocações do seu ex-namorado.
— Quer tomar algo quanto espera? Já que não temos muitas opções.
Quebro o silêncio.
— Não acho que seria uma boa ideia. Não sou muito amiga da
bebida.
— Seria bom. Dizem que ela ajuda a tirar a dor.
Precipito e não faço ideia de como ela vai receber o convite ou a
forma como estou sendo invasivo ao tocar de novo em algo que,
aparentemente, deve estar doendo nela.
— Será? Nunca fui muito dada a bebida. A primeira vez que bebi
passei muito mal. — Ela sorri e mexe o ombro ajeitando a alça da sua bolsa
para ficar no lugar.
— Então não teve uma experiência boa.
— Tomei muita coisa. Uma mistura doida.
— Por isso. Quando bebemos não devemos misturar. Não tem ser
humano que aguente beber de tudo.
Sinto que aquela tensão está se dissipando. Amanda sorri e me
encara com mais tranquilidade.
Não que eu seja um ótimo observador de feições, mas todo aquele
olhar de tristeza está sumindo e me fico um pouco mais aliviado ao ter
certeza de que fiz a coisa correta ao dizer que ela não precisava estar ali se
não quisesse.
Claro que eu queria muito, mas minha razão era mais sábia que meu
desejo.
— Deve ser isso. Mas depois desse fatídico episódio decidi que a
bebida estava na minha lista de coisas a não se fazer.
— Então uma água, um suco? — digo e deixo meu olhar vagar para
a mesa toda preparada.
Contratei um serviço executivo essa noite. Por mais que eu não
esteja esperando que fosse ocorrer nada mais que jantarmos e conversar, fiz
questão de que fosse perfeito.
— Um suco. Pode ser!
— Que bom. — Aponto a mesa e uma das cadeiras para ela se
sentar enquanto vou até a cozinha pegar o suco. Quando retorno ela está
inquieta e ainda segurando a bolsa presa em seu ombro.
— Se quiser colocar sua bolsa em algum lugar até ir, sinta-se à
vontade. Sem pressões.
Amanda alarga os lábios e sou incapaz de desviar meus olhos dele
quando ela percebe e morde. Um ato explicitamente sexy para mim, ainda
mais por eles serem fartos.
Caralho...
Fico excitado e com desejo de beijá-la, mas me controlo.
Estou longe de ser um príncipe encantado. E mesmo que não
verbalize alto, penso no quanto queria experimentar e descobrir o sabor que
sua boca tem.
Tento não transparecer como estou mexido com ela e me sento
próximo, exatamente na cadeira ao seu lado, após entregar o copo.
Ela posiciona a borda do copo entre os lábios e sorve um pouco do
líquido me hipnotizando, me prendendo na cena diante dos meus olhos
como se estivesse em uma sessão de hipnose.
— Sua casa é linda. — Acho que estou perdido que mal escuto o
que diz.
— Oi? — Pisco sem compreender muito bem o que disse.
Caralho... O que está acontecendo comigo?
— Sua casa é muito bonita! — Ela repete, mas estou
completamente enfeitiçado no doce tom da sua voz, na beleza do seu rosto
que mal consigo processar o que disse e por segundos fico pensando no que
dizer.
— Obrigado.
Penso rápido e vejo que tenho uma oportunidade de pelo menos
conversar um pouco mais enquanto esperamos.
— Você trabalha naquela loja faz tempo?
— Há quase dois anos.
— Desculpa a pergunta, mas quantos anos tem?
— Dizem que nunca se faz essa pergunta a uma mulher... — Rimos
e o clima começa a mudar de forma natural e casual.
— Eu sei, mas não sou nada tradicional.
— Tenho 22 anos. E você?
— Um pouquinho mais velho que você. — Gesticulo e mostro com
os dedos após contemplar mais um de seus sorrisos sensuais.
Amanda não é o tipo de mulher sensual e sexy. Sua simplicidade a
torna diferente. Algo nela me deixa encantado. Não sei explicar ainda o que
seja.
— Mas quanto?
— Faço 30 anos no fim do ano.
— Então tem 29 anos.
— Sim.
— É novo, não é tão velho assim.
— Me acho um velho já, sou ranzinza e um pouco metódico.
Amanda ri e o som da sua risada é ainda mais cativante. E é tão
bom vê-la assim, mais relaxada ao invés de retraída como se fosse um
animalzinho amedrontado.
— Eu não acho. Você sempre foi muito educado.
— Não podemos avaliar alguém sem de fato conhecê-lo
profundamente. Meu pai diz que só podemos saber quem é quem quando
nas adversidades da vida ela está ao seu lado, comemorando, chorando e
dividindo todas as frustrações. Isso em todos nossos relacionamentos de
amizade, de companheirismo.
— Minha mãe diz isso também. Que mesmo na dificuldade quem é
de verdade não solta nossa mão.
— Já gostei da sua mãe.
Amanda sorri e vira o rosto, levando sua mão na direção do copo
que está pela metade e à sua frente.
E como um filho da puta desalmado, agradeço a Renan
mentalmente por ter terminado com ela.
Acho que estou me precipitando ao tirar minhas conclusões de que
Ricardo possa ser alguém perverso a ponto de humilhar um amigo. Ele não
tem demonstrado ser alguém que está exigindo e me forçando. Ao
contrário, não me forçou a estar aqui, me deu a opção de escolher, está
tornando tudo mais fácil para eu encarar aquela mensagem que Renan me
enviou.
Respiro fundo após beber mais um pouco de suco e olho para mesa
toda organizada. Ele teve trabalho e se preocupou. Chamou um táxi. Não...
não, ele não é um monstro. Ninguém com um bom coração agiria
assumindo que errou.
Olho para ele e sorrio. Noto sua expressão distante e reparo o
quanto a luz amarelada o deixa com um perfil muito bonito. Desde a
primeira vez que o vi algo me chamou atenção nele. Talvez seja esse seu
jeito de acolher e ser mais leve.
Não sei explicar. É como se emanasse dele uma sensação
pacificadora.
— Mas me fale um pouco mais de você. Ainda estuda?
— Não, me formei no colegial e não consegui passar em uma
faculdade pública ainda. Mas quem sabe um dia. — Remexo os ombros e
me deixo ser levada por essa sensação de paz, mesmo meu coração estando
rasgado ao meio.
Talvez seja bom, assim eu me distraio e não fico pensando que
Renan terminou comigo e como será amanhã sem saber que nunca mais o
verei.
— Pretender cursar o quê? — Ricardo pergunta e cruza os braços a
frente do seu peitoral.
Não que fosse minha intenção reparar, mas noto quando a manga da
camiseta polo que está vestindo se estica para acomodar os músculos
contraídos.
— Marketing...
— Uau. Então estou diante de uma futura publicitária e colega de
profissão.
— Você é publicitário?
— Sim.
— Nossa... que coincidência — falo admirada.
— Está vendo, o que te falei sobre coincidências da vida?
O encaro e lembro-me de que nosso primeiro contato, a primeira
vez que ouvi sua voz foi para desacreditar que a vida de todos tem um
caminho para seguir.
— Acho que Jaque tem razão. Você é bem descrente de tudo.
— Não, não sou. Apenas acredito em coincidências da vida. Que
elas sempre acontecem por aí. Como agora. Estamos aqui conversando
enquanto o táxi não chega e descobrimos que temos gostos em comum.
É verdade...
De um jeito peculiar é um fato que poderia ser outra pessoa aqui em
meu lugar e eles terem as mesmas opções de escolha de uma profissão. No
entanto não concordo ainda. Acho que para tudo tem um propósito
predestinado.
— Discordo. As linhas das nossas mãos dizem muito sobre quem
somos, como nos portamos... — Estava me soltando, falando como se fosse
livre, porém paro repentinamente de falar e olho ao meu redor como se
Renan a qualquer momento fosse aparecer ali e me repreender. Mas sou
surpreendida com a mão de Ricardo tocando a minha. Ela afaga a minha e
segura, apertando levemente.
— O que foi? Está tudo bem? — Volto minha atenção para ele e me
lembro que não há mais nada. Que não tem mais Renan e que em uma
semana minha vida fez um giro completo, mexendo com ela toda.
Suspiro e apenas remexo a cabeça antes de sorrir, dizendo que estou
bem.
— Apesar de tudo que aconteceu, pode considerar que você tem um
novo amigo.
Eu nunca fui de muitas amigas, mas a voz, a forma como é
confortante toda essa sensação faz com que eu me sinta de uma forma
inesperada em paz.
— Obrigada e me desculpe por não querer ficar. Só não estou em
um dos meus melhores momentos. Você preparou tudo isso. — Olho para a
mesa e, em seguida meu olhar fixa em nossas mãos. A minha continua sob
a dele enquanto seus dedos contraem gentilmente a lateral dela em sinal de
conforto. Uma carícia sem maldade alguma, mas que produz em mim toda
aquela explosão elétrica, me arrepiando, me deixando sem saber o que falar
ou o que fazer.
— Está tudo bem. Eu entendo e fico feliz que esteja sendo sincera.
Afinal, eu nunca forcei uma mulher a nada que ela não quisesse.
Suas palavras refletem em mim me tranquilizando ainda mais. É
estranho, desconfortável e reconfortante ao mesmo tempo saber que posso
pelo menos posso sentir-me segura diante de toda essa situação.
— Não esperava que fosse ser assim.
Ricardo recolhe sua mão e novamente inclina seu corpo para trás
relaxando-se sobre a cadeira.
— Esperava como?
— Não sei. Era tudo tão aterrorizante. Há duas noites não durmo.
Fiquei pensando e repensando em tudo. Eu só queria livrar Renan dessa
dívida.
— Que ele mesmo te colocou nela...
O comentário é ácido, porém é a mais pura verdade que preciso
encarar.
— Sim. Mas o perdoei. Eu o amo e mesmo terminado comigo
acredito que se ele estiver bem vou ficar bem.
— Uau! Você é compreensiva demais.
— E isso é bom ou ruim?
— Para mim é bom. É uma forma pura de saber que ninguém é de
ninguém. Que mesmo amando que a pessoa é livre para seguir seu caminho.
Ele se curva um pouco para frente e se aproxima, ficando muito
perto. Minha respiração fica retida e meu coração acelera quando seus
dedos pegam alguns fios caídos em meu rosto e os coloca atrás da minha
orelha. Um gesto terno e delicado que forma um silêncio absoluto entre nós.
Penso no que responder, mas está difícil de me concentrar e logo
somos interrompidos pelo barulho das portas do elevador se abrindo,
fazendo com que ele se afaste e olhe na direção de onde vem o som. E onde
estamos dá uma pequena visibilidade para a sala ampla e percebo que o
porteiro está ali. Provavelmente o táxi chegou.
— Acho que seu motorista chegou. — Ricardo fala e sorri, de um
jeito brincalhão que me faz sentir importante.
Concordo e me levanto após pegar minha bolsa, mas tem algo me
incomodando quando ele sai à minha frente, caminhando na direção onde o
homem estava parado.
— Foi bom conversar com você, Amanda! — Ele para e se vira.
— Também gostei — respondo e como se fôssemos íntimos, ao
invés de pegar sua mão me aproximo e o abraço para me despedir.
Acho que ele não esperava, mas acaba retribuindo o gesto, contudo
ao se afastar não consigo me mover, meu olhar se prende ao seu por alguns
segundos.
— Ailton, seu amigo pode esperar uns 10 minutos? Ainda tem algo
que quero mostrar antes dela ir.
Ele fala com o porteiro ainda mantendo o contato visual comigo.
— Só mais uma coisa. — Ele fala e assinto, concordando.
O que quer que seja não nego e o sigo, atravessando a enorme sala
na direção da entrada de um corredor logo atrás dele. Ricardo então para
bem na entrada e leva sua mão ao interruptor na parede ao lado. A
iluminação clara invade o lugar e é só um corredor com vários quadros
pendurados.
— Não sei o porquê, mas gostaria que visse algo. — Deixo meus
olhos percorrerem até o fim sem entender qual o motivo. — São campanhas
famosas que criei quando ainda trabalhava como membro da equipe criativa
da agência onde sou sócio hoje.
O sorriso que estampa seu rosto ao falar das suas conquistas me
prende ainda mais nele. Maravilhada por compreender que fez questão de
me mostrar algo que eu poderia gostar.
— Já que um dia vai querer ser uma publicitária, achei que poderia
gostar de ver que nem sempre sabemos quem são os criadores por trás da
obra. — Sua voz é de alguém que sente muito orgulho. Com paixão e
fascínio. E seus olhos não desmentem, eles estão brilhantes e vibrantes ao
olhar para os quadros na parede e depois para mim.
Deve ser gratificante ser reconhecido e mesmo sem ser convidada
para ir além, passo por ele interessada em ver mais. Aliás, não sei porquê,
mas sinto que estou sendo impulsiva e que meu corpo está assumindo uma
parte de comando importante sobre minhas ações.
Paro a frente de uma e percebo que estou no final do corredor e que
Ricardo está logo atrás.
— Essa foi a primeira. Quando achei que tudo na minha vida estava
perdido. — Apontando o dedo para o quadro ele me mostra e vejo, o que
para muitos seria apenas propagandas espalhadas e enquadradas sem
qualquer contexto estético para ele é como se fosse um troféu.
Eu deveria avisar que 10 minutos já se foram?
Se for pelo lado certo da coisa? Sim! Mas se for pelo meu desejo de
mantê-la aqui mais um pouco: não!
Contudo, me propus a agir correto com ela e não ser mais um cara
que dificultará sua vida. Acho que a prejudiquei o bastante e não quero que
fique remoendo, se sentindo culpada por algo que ela não é.
Então resolvo...
— Acho que os 10 minutos que pedi para esperarem se passou —
falo com pesar, com vontade de refazer o convite e pedir para que fique.
— Aqui fala que foi há cinco anos. Mas me lembro de passar na TV
não tem muito tempo.
Parece que Amanda não escutou o que disse ao manter o assunto
como se não estivesse com pressa de ir embora.
Se ela não está se importando eu que não iria também.
— Sim. Algumas campanhas são tão boas que os donos das marcas
as utilizam por anos. Um exemplo é aquela marca de esponja de aço. O ator
e a forma como fez sucesso ainda continua a se propagar por aí — explico e
não refaço o aviso. Deixo que ela por si só se decida.
— Eu sempre gostei de criar e acho que por isso gostaria de fazer
Marketing e Publicidade um dia. Mesmo não sendo comunicativa.
— Você não precisa falar para criar. Nossa mente é a maior fonte de
comunicação.
Amanda vira o rosto para o lado e sorri. E que porra... estou
encantado demais para permitir que vá embora.
— Tem certeza que quer ir? Poderíamos conversar mais sobre a arte
do mundo da publicidade. — Me precipito e acabo perguntando sem pensar
se ela pode se sentir acuada de novo. No entanto a resposta vem em
imediato ao ver seu sorriso e seus lábios se abrindo.
— Pode ser. Mas não sei. Você pediu para chamar o táxi e o
motorista está me esperando.
— Isso não é um problema. Ele não vai ficar sem receber por ter
vindo. Aliás, vai ganhar duas vezes. Mais tarde peço para levá-la para casa.
Ou eu mesmo posso ser o motorista dela.
Não espero responder e a deixo ali no corredor e volto para a sala.
Talvez ela volte atrás e diga que não. Então é melhor ser mais rápido.
Aviso Ailton de que Amanda vai ficar um pouco mais e que mais
tarde peço para ele chamar de novo, mas antes que o porteiro saia dou o
dinheiro para que pague e peço desculpas pelo incômodo.
Volto em seguida para perto dela. Amanda está tão desatenta que
não percebe que estou ali de novo.
— Essa foi a que me rendeu o maior prêmio que ganhei.
Ela se assusta e se vira levando as mãos no coração.
— Não vi que tinha voltado.
— Não foi minha intenção te assustar. — Me desculpo e parte de
mim fica satisfeita por ter mais algumas horas com ela.
Sem forçar, sem pressão ou coação.
Vou mostrando para Amanda cada quadro com os pôsteres das
campanhas. Explico em qual momento da minha vida ela foi criada. Foram
bem mais, mas ali estavam as que tinham um significado especial para
mim.
— Agora sabe porque estão aqui — falo após dizer o motivo.
— Obrigada por compartilhar comigo. Me sinto mais sua amiga.
Amanda parece começar a relaxar e até sorri ao dizer em tom de
brincadeira, aceitando que se tornou minha amiga. Bem que eu queria que
fosse mais, mas não poderia ultrapassar o pequeno espaço que conquistei
com ela.
Não, ela não parece ser alguém que deixa as pessoas entrarem
facilmente na sua vida e talvez o momento e tudo o que aconteceu seja o
motivo por eu ter entrado. Então era melhor não abusar. Devo me
comportar.
— Vamos comer? Ou não está com fome?
— Estou sim.
Ela ri de algo que digo quando apago a luz, nos deixando com a
baixa claridade de novo. Não sou do tipo palhaço, o engraçado, mas estou
me esforçando para deixá-la se sentindo o mais confortável para não achar
que está aqui porque me deve algo.
De qualquer forma, voltamos a nos sentar ao redor da mesa
preparada. Mas antes vou até a área externa e chamo pela pessoa que
contratei para nos servir. Aviso-o de que pode começar o serviço.
Retorno em seguida para perto e Amanda está sentada onde estava.
— Vai continuar com o suco? — pergunto ao pegar uma garrafa de
vinho que havia escolhido para jantar.
— Não sei... — Ela olha para minha mão e sei que está em dúvida,
mas algo me intriga. Como pode estar mais receptiva assim em tão pouco
tempo? Há uma hora chegou aqui parecendo que estava indo para a forca,
assim posso dizer. Agora está mais calma e sorridente.
— Você quem decide. Aqui não fará nada que não queira.
— Acho melhor ficar no suco mesmo.
Então a sirvo e em seguida somos servidos. Enquanto estamos
comendo vamos conversando de diversas coisas, mas todas voltadas para
trabalho. Ela pergunta como é e diz que esse ano pretende de novo prestar o
vestibular. Eu a incentivo e me coloco à disposição para ajudá-la.
Talvez não aconteça algo mais do que estamos tendo aqui, nesse
momento. Mas quero muito ser alguém que ela possa ter para conversar e
compartilhar suas coisas.
— De verdade, sei que já devo estar ficando repetitiva, mas quero
mesmo agradecer. Você tem sido muito legal essa noite.
— Cortesia da primeira visita.
Amanda arqueia uma sobrancelha com a brincadeira e logo ri junto
comigo.
Assim que terminamos de jantar e comer a sobremesa a convido
para conhecer o restante da cobertura. Confesso que estou é arrumando
pretextos para mantê-la o máximo que posso por perto. O que me leva de
volta para aquele paralelo do certo e errado. Se estou sendo verdadeiro ou
se estou aproveitando da situação.
Mas que se foda... eu não cruzei nenhuma linha proibida. Então não
preciso ficar me culpando de que estou agindo com segundas intenções.
— Uau... que lugar lindo. — Amanda olha o lugar maravilhada.
Estamos diante da área externa enquanto o serviço de jantar termina
de organizar as coisas dentro do apartamento.
É uma das partes que mais gosto. Venho sempre aqui quando estou
em casa. Apesar que ultimamente não tenho tido muito esse privilégio de
ficar sozinho. Rebeca, minha irmã mais nova, veio morar comigo depois
que arrumou confusão com um dos vizinhos do apartamento em que estava
morando. Inclusive esse fim de semana ela está com a amiga que dividia o
apartamento.
Assim disse, mas não acreditei sequer em uma palavra. Para mim
tem outro motivo. Mas como gosto da minha vida sem intromissões não
falo nada, apenas quando ela pede e acho que é necessário.
— Meu lugar preferido.
— Também seria o meu.
Seguro em sua mão e a puxo para mais perto da piscina. Não é
proposital, mas já dei um pulo para o outro lado da cerca da nossa
liberdade. Então, como ela não objetou ajo como se fosse normal.
— Eu disse que a estrela de Davi brilha sobre você e você ainda não
acredita.
Amanda me encara, relembrando de como nos conhecemos, de
como foi sentir seu toque pela primeira vez.
— Não... mas quem sabe pode me convencer se ler minha mão
agora.
Solto sua mão e a estendo para ela.
— Está rindo de mim?
— Claro que não, estou deixando que me convença que essa crença
é real.
— Não é uma crença.
— Me convença... — insisto até aceitar.
Estico o braço e viro a palma da mão para cima. Amanda a segura e
fixa seu olhar no meu. Ela está leve, aberta e me seguro para não avançar
um passo e fazer o que estou com vontade desde que chegou aqui.
Ela segura minha mão e por segundos fecho meus olhos, sentindo
seus dedos deslizarem pela palma da minha mão. Pode até não ser o gesto
mais sexy, mas é algo que mexe com cada célula do meu corpo.
Abro os olhos e lá está ela, concentrada, olhando para o risco que
seu indicador faz contra as linhas riscadas.
— Por que tenho a sensação que está zombando de mim? — diz
sem olhar para mim.
— Porque não está acreditando no quanto você pode ser especial.
Ela para e ergue seu rosto.
A palavra especial ecoa.
Não me sinto alguém com relevância alguma. Não que eu me
desmereça tanto assim, mas nunca fui destaque de nada. E pessoas especiais
sempre se destacam por algo. Igual a Ricardo, que tão novo é tão promissor.
Confesso que conhecer um pouco mais da sua vida, do que faz, me
fez ver que ele é diferente e o quanto me faz sentir bem. Sem mencionar o
delicioso jantar que mandou preparar. Nunca comi algo tão bom assim.
Minha mãe que não me veja pensar assim.
Ela é cozinheira em uma escola pública aqui de São Paulo e cozinha
muito. Ama o que faz, é uma mulher incrível, tenho muito orgulho. E talvez
isso a torne especial, mas não eu.
— Não sou especial assim.
— Eu acho.
Ricardo sorri e desvia seu olhar para nossas mãos.
— Posso saber o que meu futuro revela?
— Está vendo? Está zombando.
— Não estou.
Respiro fundo e solto sua mão. Não quero pensar e nem me deixar
levar pelo que está dizendo. Ainda tudo é tão recente e perturbadoramente
confuso que penso em tudo e da forma como está se desenrolando. Acho
que me precipitei um pouco em ficar, em aceitar esse jantar.
Afasto e me viro para entrar. Preciso ir embora. Mas sou impedida
de sair. Ricardo alcança minha mão e a segura.
— Amanda, o que aconteceu?
Tudo...
Por um momento me senti em paz, como se conhecesse Ricardo há
anos, mas não posso fingir, não posso negar que ele me deixa sem saber
como reagir.
— Eu não deveria estar aqui. Deveria ter ido embora.
Sendo um looping ou não eu tinha que ter ido embora assim que
aquele táxi veio me buscar. E não é porque Renan terminou comigo por
uma mensagem, é por mim, por estar desesperada com um novo sentimento
crescente que me faz ter medo, que me deixa perdida.
Eu não sei o que está acontecendo. Estou sim me acovardando.
— Amanda! Eu não vou te forçar a nada. Aqui você é minha
convidada, só quero que se sinta à vontade.
— Eu não me sinto confortável em estar aqui. Eu achei que por ter
sido gentil que eu me sentiria melhor, mas não. Foi momentâneo. Meu
namorado, ou melhor, ex-namorado acabou de me deixar. Eu deveria estar
na minha casa sofrendo. Há duas noites o medo me assola.
Desabafo e disparo as palavras deixando-as sair livremente. Não só
elas escapam sem parada da minha boca, mas meus olhos liberam as
lágrimas que estão aprisionadas.
Sinto-me fraca de novo.
Ricardo me puxa e me envolve com seus braços, da mesma forma
que fez quando cheguei aqui e recebi a mensagem do término. Tento me
soltar, mas meu corpo já parece ser uma segunda parte independente de
mim, que pede para ficar onde estou. Não consigo, não tenho forças para
lutar contra o efeito calmante que este gesto faz comigo.
— Eu te entendo, eu também estaria me sentindo mal. Mas,
Amanda, eu juro que eu não queria que se sentisse assim, se eu soubesse
que te faria esse mal... — Ele confessa e para de falar, deixando explícito
que ele também não está reagindo tão bem quanto queria.
— Eu que tenho que pedir desculpar de novo. Só não consigo
retribuir. Você está sendo muito legal e eu não estou conseguindo retribuir.
— Mas não estou pedindo nada em troca. Fiz porque sua
companhia é boa, porque queria te conhecer mais. Pode ser que eu tenha me
excedido ao forçar toda essa situação. E se quer saber, eu só entrei naquela
maldita aposta porque vi o quanto ficou desesperada. Eu só queria ajudar.
Pois se não fosse eu poderia ser aquele outro cara. A chance ali reduziria.
Como assim, ele entrou para me ajudar?
Respiro fundo e quando tento de novo me afastar seus braços me
soltam. Não só eles saem de perto de mim, mas também Ricardo, que dá um
passo para trás, se afastando, permanecendo em mim apenas seus olhos
fixos nos meus.
— Mas como disse e reafirmo, você é livre para ir embora a
qualquer momento.
— Devo estar sendo chata, cansativa...
Falo mais do que deveria, mas é ele, a sua presença que tem feito
me sentir livre para ser eu mesma.
— Não está, não é uma boba. E não estou zombando de você.
Muito menos quero que me veja como o vilão de toda essa história.
— Você não é o vilão. E agora sabendo que fez para me ajudar, só
faz eu me sentir pior ainda. Como culpada.
— A pessoa com menos culpa nisso é você. Mas se sente tão mal
assim, ainda pode continuar lendo minha mão. Ou não vai ser mais minha
guia espiritual?
Fungo e sei muito bem o que está fazendo, porém, agora tudo
muda.
Como posso me sentir péssima com alguém que sua intenção era só
me ajudar?
Pego sua mão de novo e não penso em mais nada, me concentro
somente em tentar voltar para aquele ponto de calmaria que estava
experimentando minutos atrás. Me demoro um pouco até me sentir
relaxada.
— Vou morrer? Está demorando muito para me dizer. — Ricardo
pergunta descontraído.
Queria ser como ele, flutuar nessa linha tênue de sempre sorrir e
dizer que tudo vai ficar bem.
Sim... sou pragmática ao extremo. Tenho medo do desconhecido, de
que me aconteça algo, mas principalmente que eu chateie alguém. E nesse
momento não quero chatear ele. Não por medo, mas por gratidão.
Respiro fundo e me preparo para falar o que dizem as linhas da sua
mão.
— Você está apaixonado. Essas linhas aqui que se cruzam —
indico com a ponta do indicador quais são. — Elas mostram que é dono do
sucesso, como se fosse midas. Que onde toca vira ouro. Reafirmo o que
disse, nunca vi uma mão com tantas coisas boas. Você tem tudo o que
deseja.
— Onde aprendeu ler a sorte na mão das pessoas?
Não esperava por essa pergunta.
Obviamente vai dar risada de mim quando souber.
E sem que eu esperasse ele coloca minhas mãos entre as suas e pede
que eu olhe para ele.
— Não estou ridicularizando o que está me dizendo, apenas estou
curioso, pois fala com tanta convicção.
— Aprendi em revistas de horóscopos. Eu nunca fui de muito
amigos, sempre gostei de ler e ficar mais em casa. Aí foi por curiosidade.
— Aceitável. Estou diante de uma autodidata. Porém... Posso dizer
que talvez eu esteja apaixonado. — Ele faz uma pausa e sorri. — Mas tenho
que discordar, não tenho tudo que quero. — Ricardo me encara e um longo
arrepio percorre toda minha coluna. Seu olhar é intenso, é como se ele
quisesse me prender e consegue, pois não consigo desviar, pensar ou
mesmo reagir.
— Eu acredito que podemos ter tudo, sim. Olha em torno de você e
veja sua vida. Isso é ter sucesso em tudo — contra argumento depois de
alguns segundos e olho na direção da piscina, sem precisar falar do restante
da sua casa.
E Ricardo é sim uma pessoa sortuda. É novo e já conquistou tanto.
— Sucesso no trabalho, eu até concordo com você, mas no amor
não. O amor só me trouxe tristezas e amarguras. — Pela primeira vez nessa
noite sinto que está lamentando algo que aconteceu. Da frieza como fala de
amor. Entretanto não pergunto. Mesmo que meu lado curioso queira saber.
Um homem bonito, que tem a mulher que quer aos seus pés. Sei
disso porque Ana Carolina disse que era bem assim. Então só pode ter
sofrido alguma desilusão no passado que o tornou cético.
Olho para a piscina e faço as perguntas que faria a ele mentalmente.
— Quer entrar? — Faço o convite quando vejo para onde está
olhando.
Na verdade, estou agindo por impulso. Indo um pouco mais longe
que gostaria. Porém, sei que a qualquer momento ela vai embora e a
possibilidade de se repetir esse momento pode não existir. Ainda mais
quando me disse que estou apaixonado. Não posso dizer que sim, mas que
estou sentindo uma forte atração por ela.
— Como assim?
Amanda se vira e faz aquele gesto que mais cedo me excitou, de
morder o lábio inferior. Entretanto algo a mais me chama atenção. É a
forma como me encara assustada, como se agora fosse mesmo foder com
tudo.
— A convidei para nadar.
— Eu entendi, mas não acredito que seja prudente.
Ela deve estar pensando que sou um doido. Apenas a quero um
pouco mais do que a incerteza de que não vou tê-la por perto.
— Por quê? A água é morna. E já está aqui mesmo. Pode ser essa a
última vez que vamos nos ver — digo em um tom de adeus, não por mim,
mas por não conseguir decifrar o que passa em sua cabeça.
— É que eu... — Amanda titubeia sem deixar de me encarar. — Eu
não tenho uma roupa de banho. Não esperava que fosse ter uma piscina.
— Na verdade eu também não esperava que fôssemos chegar a esse
ponto. Mas se o problema for esse, eu dou um jeito. Deve ter algum biquíni
de Rebeca que te sirva.
Fico próximo dela nesse vai e vem de querer e não poder. Contudo
não reprimo o desejo de tocar sua pele e deixo que meus dedos ajam por si
só, acariciando sua face.
Por incrível que pareça sinto que vai ceder, mas ledo engano meu.
— Eu não quero incomodar.
Mudo minha postura e mesmo sabendo que estou avançando o sinal
deslizo o polegar pela sua boca e sinto o arquejo escapar através dela.
Ahhhh... como queria beijá-la.
Aproximo mais e quase a beijo, porém encontro sua orelha e de
onde estou seu cheiro se torna viciante. E se eu ainda estava com um pouco
de autocontrole ele se vai quando deixo meus lábios encostarem em sua
orelha.
— Você não está incomodando — sussurro um pouco mais alto e
crio respostas para deixá-la sem saídas e dizer sim. — Você nunca vai me
incomodar.
Eu sei que diante dela sou mais experiente e que não é certo fazer
com que o jogo se vire a meu favor, mas está cada segundo mais difícil de
me controlar. Ainda mais que agora eu sei muito bem que ela está aqui
desimpedida, sem qualquer vínculo com aquele filho da puta. Que também
sei um pouco mais para ter certeza de que eu a quero. No entanto, não vou
forçar, vou deixar as coisas seguirem o fluxo certo, mesmo tornando tudo
para meu lado.
Contudo, vou respeitar a decisão dela se quiser ir embora.
— O que me diz? O biquíni não vai ser problema e você não me
incomoda.
Então Amanda faz um único gesto com a cabeça, bem daquele jeito
tímido que fode ainda mais com meu psicológico.
— Tudo bem, mas depois vou embora.
— Como você quiser — respondo e querendo vibrar me controlo,
deixando-a um pouco.
Quase corro até o quarto onde Rebeca está ficando. Vasculho suas
gavetas à procura do abençoado biquíni — seja ele como for —, pego o
primeiro que acho que servirá nela. Assim espero, pois seria uma ótima
desculpa para ela se arrepender de ter aceitado meu convite inusitado.
Estou feliz para caralho, pareço um adolescente gostando de uma
garota da escola. Em completo e total frenesi. Por mais que eu esteja sendo
um cretino sabendo onde quero chegar.
Volto para a área externa da minha cobertura e Amanda parece uma
estátua, só se moveu ficando de costas para a entrada.
Acabo de me tornar uma inconstância ambulante. Quero e não
quero. E estava mesmo disposta a ir embora. A determinar que foi bom e
que estava realmente agradecida, que por algumas horas eu me diverti. No
entanto, ao sentir o toque dos seus dedos em meu rosto tudo mudou, tudo
não fez mais sentido algum. Era somente aquela sensação térmica me
aquecendo.
Por que me sinto assim quando Ricardo me toca?
Não tenho nenhuma explicação. Poderia até justificar que desde o
primeiro dia ele foi uma incógnita, com seu jeito misterioso, como um ímã
que me atraía para seu polo atrativo. Mas é a sensação que causa em mim
que me deixa transtornada.
Após alguns minutos ele retorna e me assusta ao falar baixo, parado
bem logo atrás de mim.
Olho para trás e ele me entrega um biquíni branco. Contudo um
nome surge, um pelo qual me lembro durante a nossa conversa.
Meu cenho se franze com o questionamento dentro da minha
cabeça.
Quem é Rebeca?
Eu já o tinha escutado falar durante a viagem de Punta Del Leste e a
princípio penso que pode ser de alguma mulher que também esteve aqui
antes de mim, mas acho que ele leu meus pensamentos, pois responde que
pertence a sua irmã, mais nova que ele. O que me causa um certo alívio.
— Ela pode achar ruim — refuto a ideia de que a irmã dele pode
não gostar.
— Rebeca é super tranquila. Ela mesma te ofereceria se estivesse
aqui.
Sem saídas pego o biquíni e o trago para perto do peito enquanto
ele se mantém parado sorrindo.
— Obrigada!
— Vem comigo, vou te levar onde pode se trocar.
Ricardo vai um passo à frente. Entro logo em seguida no interior da
cobertura e o sigo até um dos quartos. Ele abre a porta, mas fica parado sob
a porta aberta.
— Tem um roupão no banheiro e sinta-se à vontade, eu te espero lá
na piscina. — Assinto e com receio entro após ele fechar a porta e sair.
Fico parada bem ao meio do enorme quarto. Olho para cada canto e
presumo que esse seja seu quarto. Apesar de não ter conhecido os outros
cômodos por trás das portas fechadas no corredor, observo que a cama não
está totalmente arrumada. E no canto tem um notebook aberto sobre uma
mesa que estende pela lateral.
É bem bonito. Todo em um tom de cinza-claro.
Ando mais um pouco e vejo um porta-retrato dele mais novo com
outro homem mais velho. Os dois seguram um enorme peixe juntos.
Provavelmente é seu pai. Noto a semelhança em tudo, até na coloração dos
olhos. Em outro porta-retrato está ele com duas mulheres, uma bem mais
nova. Deve ser a mãe e a irmã. Vejo como sorriem e parecesse um
aniversário. Noto ao fundo da foto um bolo.
Se for sua família, ela é linda.
Por alguns minutos fico observando cada detalhe até que tomo
coragem e vou para o banheiro. O abro e entro. É enorme, bem maior que
meu quarto. Há uma banheira redonda no canto e um box com chuveiro
logo ao lado. E por mais que me sinta estranha gosto do cheiro dele. Do
perfume que senti quando o abracei assim que cheguei.
Olho para o espelho assim que começo a me despir e diante do meu
reflexo aquele questionamento insistente retorna.
O que eu estava fazendo ali? Deveria ter me mantido firme e não ter
aceitado.
Renan não me perdoaria mesmo tendo terminado comigo.
E por um momento, deixando tantos pensamentos se difundirem em
mim me vejo de novo em dúvida. Penso até em voltar para a área externa e
dizer que desisti. Que não é o certo. Que isso está indo longe demais, porém
tem uma pequena parcela da Amanda dentro de mim que pede para eu
aproveitar. Que Ricardo mostrou-se ser honrado até agora, que eu deveria
então aproveitar.
Sigo essa voz...
Retiro toda minha roupa e a dobro após vestir o biquíni, que serviu
muito bem. Em seguida procuro o roupão que Ricardo disse que poderia
usar. O acho pendurado próximo à banheira e o visto. Sem também pensar
na vergonha que vou sentir quando eu tiver que tirá-lo.
E então, tento reunir um pouco da coragem que me resta e saio de lá
e do seu quarto.
Quando chego próximo à piscina, Ricardo já está dentro e de costas.
Durante a noite toda eu me segurava para não beijar aquela boca de
lábios fartos, a cada minuto que se passava ao seu lado eu ficava mais
fascinado.
Como poderia ser tão linda?
Como conseguiria lidar com essa explosão de desejo?
Era do jeito que eu gostava: delicada, recatada e educada, parecia
uma boneca dessas pintadas à mão.
Não me canso de olhar para ela. E me viro quando vejo seu reflexo
no vidro que cerca toda a área externa. Ela parece que está numa grande
batalha dentro de si ao se agarrar no roupão, segurando-o pela lapela, se
escondendo dentro dele.
Claro que não me orgulho da forma como a manipulei para ficar
aqui mais tempo comigo. Se tiver que pagar por esse pecado eu o pagarei
com muito gosto. A tive por mais tempo que era o esperado.
Foi uma das minhas melhores jogadas. Arriscar tudo para tê-la aqui.
Sorrio e me viro fazendo uma onda ao meu redor com as mãos. E lá
está ela olhando na minha direção. Acredito que esteja nesse duelo interno
que seus olhos refletem. Por mais confiante nas minhas apostas de que ela
ficaria, ainda sinto temor e toda aquela adrenalina do desconhecido me
toma, somando ao que estou sentindo.
Meu coração acelera, meu corpo todo pede. Minha boca seca,
minhas mãos formigam. Quero ir até ela, mas espero, fico olhando,
encarando-a em silêncio, absorvendo cada centelha desse momento.
É nítida a dúvida em si, mas não em mim. Estou certo do que quero.
— Não vai entrar? — falo sorridente enquanto deixo minhas mãos
sobre a água convidando-a. — Não tenha medo. Garanto que vai gostar de
algo que vou lhe mostrar.
Por um momento toda aquela confiança que estou sentindo se forma
como um bolo no meu estômago. Talvez ela se decida a ir. E não posso
permitir que vá assim, quando chegamos até aqui.
Dou alguns passos para perto da borda, para onde ela está parada
apenas me olhando.
— Está com medo por que não sabe nadar? — Tento brincar para
aliviar toda essa tensão palpável que emana dela.
Amanda nega com a cabeça e se agarra mais ao roupão. O que só
me instiga a sair e ir em sua direção.
— Posso saber o que se passa agora nessa sua cabecinha? — digo
enquanto caminho sem pressa, com paciência até ela.
Nada com Amanda tem que ser por impulso. Por mais dócil que
seja é arisca, como uma gatinha amedrontada.
— Acho que não sabe nadar — falo e estou tão perto que só é
preciso esticar meus braços e a puxar para mim, mas não faço. Espero que
seja por sua própria vontade.
— Claro que sei nadar.
Aquela Amanda que se solta, mas depois se reprime está ali, bem
diante de mim.
— O que foi?
— Nunca entrei em uma piscina assim e muito menos durante a
noite.
— Então sempre há uma primeira vez na vida para tudo. Que seja
essa noite. Eu já lhe disse que não precisa ter medo. Nada vai acontecer se
não quiser. Se não quiser entrar eu vou entender, mas ficaria muito feliz que
você tivesse essa experiência. E que um dia pudesse a contar para seus
netos.
Amanda sorri timidamente.
— Precisamos ter histórias loucas para relembrar delas. Ninguém é
tão bom para ser perfeito sempre e nem tão ruim para não cometer erros.
Espero ela responder ou ter alguma reação que me faça dar o
próximo passo, mas não, Amanda se mantém quieta, me encarando com seu
rosto levemente erguido para olhar em meus olhos.
Não sou a melhor pessoa para ler as outras, mas é tão nítido que
está confusa e perdida.
— Você hoje poderia estar chorando. Imagino que esteja doendo
muito tudo que está passando, mas se permita por pelo menos algumas
horas esquecer e deixar o sofrimento para amanhã quando tudo tiver
passado. Amanda, na vida não precisamos nos segurar o tempo todo. A
gente tem uma única vida para ser vivida e não para ser reprimida.
Ela pisca e percebo que está segurando a respiração.
— Posso? — pergunto e levo minha mão até o nó do roupão,
ficando com as mãos paradas nele, prontas para desatá-lo.
— Pode... — Sua voz sai baixa e quase falhada.
— Mas antes, quero que saiba que somos amigos e que não precisa
ter medo de mim.
Embora eu saiba bem o que quero, não a pressiono mais do que já
está.
— Eu sei, mas tenho tantos medos.
— Não precisa ter medo de mim. Não vou fazer nada do que não
queira.
— Não tenho mais medo de você.
— Então tem medo de quê? Só farei o que você quiser, o que me
pedir.
Desato o nó com calma e tomo cuidado para não tocá-la. Tento
prender seu olhar no meu enquanto minhas mãos sobem de encontro as suas
e nelas sim as toco, segurando e as retirando do tecido felpudo. Sigo, e por
pouco perco o contato visual ao querer olhar para seu corpo no momento
em que vou abrindo o roupão, passando-o pelos seus ombros e braços.
Amanda não me impede quando o tiro por completo, deixando-o
cair aos seus pés.
Caralho...
Quase não consigo respirar admirando seu corpo perfeito. Um
conjunto bem feito de quadris não muito largos, cintura fina, pernas
torneadas e seios não muito grandes.
Sem dizer nada, seguro sua mão e entrelaço meus dedos nos seus e
a puxo, levando-a para a piscina. Entro primeiro e a ajudo a descer
enquanto ela apenas obedece ao que peço e faço.
Por que tudo com ela tem que ser nesse silêncio?
Isso faz com que minha autoconfiança crie tantas incertezas... Que
me deixe sempre em estado de alerta.
Solto sua mão assim que ela entra completamente na água. Como se
isso me desse uma falsa garantia de que ela não voltaria atrás na sua
decisão.
Avanço alguns passos a sua frente, indo mais para o centro. Ela me
segue, mas antes para e arruma todo seu longo cabelo castanho para o alto,
fazendo um coque e o amarrando com os próprios fios dele. Então volta a
caminhar calmamente até onde estou, onde a piscina vai se aprofundando
um pouco.
Seu olhar rodeia e se volta para o alto. E é exatamente o que queria
que visse. O teto de vidro revela o céu em toda sua plenitude sombria, mas
pincelado de muitas estrelas.
— Que lindo... — Amanda suspira ao contemplar e ficar naquela
posição, com todo seu pescoço alongado e a cabeça virada para cima.
— Queria que visse isso — falo e me aproximo dela, me
posicionando logo atrás do seu corpo. — Em dias como o de hoje é tão
lindo quanto nos dias de chuva.
— Deve ser maravilhoso passar as noites aqui, olhando para o céu
com essa água morna.
— É relaxante.
Estou tão perto que posso sentir seu corpo se moldar ao meu e sem
pensar que isso a repelisse para longe de mim toco seus ombros e os afago,
molhando-os. Mas não me importo mais com nada. Apenas com esse
momento, que certamente não vai sair da minha cabeça por um bom tempo.
Só preciso tomar cuidado para que não perceba o quanto estou excitado.
E pela primeira vez não queria estar, no sentido de que não queria
deixar que visse como me afeta. Então me desencosto um pouco do seu
corpo, mas não retiro minhas mãos dela.
Depois de alguns minutos apreciando o céu estrelado, Amanda se
vira, ficando ainda mais perto, não restando espaço algum entre nós dois.
Olho para baixo, para seu rosto e busco entender o que está
passando em sua cabeça.
— Eu não posso... — Ela sussurra e morde o lábio inferior, ferrando
comigo de um jeito que se soubesse o que quero não faria esse gesto.
— Não pode o quê? — A questiono com o tom de voz baixo, tanto
quanto o seu.
Ela balança a cabeça e pela primeira vez sinto nu e cru o toque de
suas mãos em mim, espalmando-as em meu peito, como se fosse me
empurrar, mas elas ficam apenas paradas ali.
— Tantas coisas. Não seria eu se...
— Se o quê? Você sempre vai ser você agindo sem pensar ou não. E
se quer um grande conselho: não pense na maioria das vezes, apenas viva,
apenas permita-se aproveitar o momento...
Não me contento e sem pensar, seguindo meu próprio conselho para
ela, levo minhas mãos até seu rosto e o aprisiono entre elas.
— Você é linda. E não precisa se controlar comigo. A... — Não
completo a frase de que a quero, só aproximo mais, até que meus lábios se
encontram nos seus, mas não os movo, espero que ela permita e os
segundos em silêncio, seus olhos semicerrando e seu corpo se
aconchegando mais ao meu é a resposta que preciso para então beijá-la.
Ela deixa. Mordo seu lábio inferior, assim como faz. Provo do que
queria desde a primeira vez que a vi. Ignoro qualquer razão que possa me
repreender de não ser cauteloso.
Eu preciso.
Eu quero.
Lentamente deslizo a ponta da língua em seus lábios que estão
entreabertos. Aos poucos vou movimentando minha boca contra a sua. Me
concentro nessa explosão de desejo que meu corpo recebe ao sentir minha
língua indo de encontro a sua. Pressiono meu corpo contra o seu. Suas mãos
sobem e se fecham ao redor da minha nuca.
A explosão que sinto dentro de mim é absurdamente poderosa. Sua
língua é quente, um pouco tímida, mas nada que me faça parar. Minha boca
se move com dureza pegando o que mais queria. A beijo com desejo, com
vontade e não me contento só com sua boca, mesmo sendo necessário ir
com calma. Busco com meus lábios seu pescoço, sua pele perfumada.
Amanda permite ao tombar um pouco a cabeça para o lado, dando
passagem para eu mordiscar sua pele, beijar e de novo passar meus dentes
sobre ela, marcando-a.
Apesar de ter me controlado até esse momento, não vou parar. E
estou ciente da pouca roupa, do meu pau quase estourando. E de onde tudo
isso pode terminar.
Solto seu rosto e uma das minhas mãos vai para o meio das suas
costas. A outra segue até sua nuca. A seguro firme e aperto contra meu
corpo. E como se estivesse recebendo uma ordem silenciosa suas pernas
circulam minha cintura quando a impulsiono um pouco para cima.
Caramba... que boca mais gostosa.
Amanda solta um grunhido quando meus lábios alcançam sua
orelha e mordisco o lóbulo após chupá-lo.
— Quero você, Amanda — sussurro e volto a beijá-la, encontrando
sua boca de volta na minha.
Gemo quando ela faz como fiz minutos atrás. Mordendo meus
lábios e os sugando lentamente. Enquanto permito que tome a inciativa com
sua boca a levo para uma das bordas e a viro, apoiando seu corpo contra a
beirada da piscina.
Esse contraste dos nossos corpos molhados me incita e eu quero
mais e mais...
— Seja minha esta noite? — interrompo o beijo e a encaro.
Estou com as pernas envolvidas ao redor da sua cintura, beijando-o
como se fosse normal.
O que estou fazendo ao permitir esse beijo? E ainda gostar como
sua boca se move contra a minha?
Ainda perdida, sem saber respostas para o que estou sentindo, me
agarro ainda mais nele, sentindo seu corpo apertar o meu deliciosamente
enquanto sua boca continua se movendo contra a minha.
Estou ciente que permiti que acontecesse. Só não estava contando
que fosse gostar dessa sensação de antecipação que precisa ser saciada com
urgência. Contudo não posso ser hipócrita. Isso não deveria acontecer. O
jantar, a conversa, inclusive esse beijo. Porém, o que está me pedindo vai
muito além e não sei se consigo dar vazão a esse sentimento de esquecer
tudo e aceitar.
Não devo e não posso.
Eu amo outro homem, mas já não é mais meu coração que está no
controle de tudo. É meu corpo que o deseja, que o quer também.
— Seja minha somente esta noite. — Ricardo repete o pedido e sua
voz sai rouca, como um rosnado sexy para caralho. Algo que nunca
experimentei antes. Que me excita de um jeito que jamais imaginei.
Apesar de estar receosa não quero sair.
Quero experimentar.
Quero vivenciar.
Contudo, são tantas dúvidas que já não sei mais se vou ter forças
para dizer não. Ele percebe ao cessar o beijo e ficar me encarando.
Seu olhar é tão feroz, é de desejo, de excitação. E por mais que seja
doloroso admitir, sinto que pela primeira vez não quero pensar que fui
deixada ou que simplesmente tudo foi por decorrência de uma aposta.
“... você sempre vai ser você agindo sem pensar ou não. E se quer
um grande conselho: não pense na maioria das vezes, apenas viva, apenas
permita-se aproveitar o momento...” — Me lembro da sua fala poucos
minutos atrás e choramingo contra seus lábios quando volta a me beijar.
— Estou completamente atraído por você. — Ele sibila, deixando
seus lábios resfolegarem os meus. E por mais que eu esteja mentindo para
mim mesma, ou mesmo não querendo aceitar, eu também estava atraída por
ele de um jeito que ainda não conseguia entender.
Como pode seu coração ser propriedade de uma pessoa e seu corpo
querer outra? Indo contra tudo o que você acredita e acha que é certo.
Pois é bem assim que me sinto. Com uma parte bem distante do
meu cérebro me condenando enquanto outra diz para eu abandonar
qualquer estigma de vida e aproveitar. Talvez isso me torne alguém que
amanhã eu me arrependa profundamente de ter seguido em frente, mas
também posso apenas ser alguém que aproveitou a noite com um homem
bonito, charmoso, gentil e muito sexy.
Dói pensar demais. É uma tortura todo esse desejo que estou
sentindo. Tão distante do que sinto quando estou com Renan.
Mas é só desejo e não amor.
— Vou entender se quiser ir embora, mas a quero muito —
murmura ao soltar meus lábios após mordiscá-los, pressionando seus dentes
contra a carne. — Desde que te vi pela primeira vez eu a achei linda. Como
se fosse uma boneca, toda delicada e pintada à mão.
Sinto minha razão fraquejar e sem me dar tempo para responder,
Ricardo invade minha boca de novo, sugando meu lábio inferior,
enroscando sua língua na minha em seguida. Me aquecendo de um jeito
único e potente. Suas mãos também se movem em meu corpo sem se conter,
apertando, me tomando toda para si, fazendo com que eu me descontrole e
esqueça de uma vez por todas qualquer motivo para pará-lo.
E eu deixo, escolhendo seguir em frente.
É bom... e não vou negar.
Minhas costas estão pressionadas contra a borda da piscina e meus
calcanhares cruzados em suas costas e me aconchego mais contra seu corpo
duro e atlético. Sua boca volta a beijar meu pescoço, chupando e dando
leves mordidas, anuviando ainda mais minha razão quando uma de suas
mãos se move até meu peito, escolhendo essa parte para ser seu alvo.
Ele massageia, apertando-a levemente por cima da lycra e logo
afasta o tecido para o lado deixando toda a mama exposta. Ricardo esfrega
a ponta do polegar sobre o mamilo e sua boca logo desce até ele,
abocanhando, sugando-o todo. Gemo de prazer, de como é gostosa essa
sensação ao mordiscar e pressionar o mamilo entre seus dentes.
É delicioso...
Diferente do que meu corpo exige, sei que estou sendo imprudente,
mas já quero tanto quanto ele. Quero que todo esse fogo que ele acendeu
em mim me consuma por completo. Que me faça sua por esta noite.
Me remexo e deixo que avance para o outro seio. Ele faz o mesmo e
em todos meus pensamentos jamais passou por eles que eu estaria aqui, me
deixando ser conduzida pela necessidade que despertou em mim ao me
beijar, ao dizer que me deseja.
— Ahhh! — Arfo e ofereço mais ainda meu corpo enquanto ele
começa a espalhar beijos, intercalando entre os dois peitos.
Porra... mas é linda demais...
Mudo meus planos e não quero saber o que vão falar, se vão
descobrir que passei o sinal vermelho. Quero ela de todas as formas que
puder.
Prossigo, já que ela não me para. Abaixo a cabeça de novo e tomo
cada seio perfeito, um de cada vez. É tão macio e no tamanho exato.
Amanda geme quando mordo o mamilo intumescido. Ela também
quer e posso garantir que está tão excitada quanto eu.
Não consigo me conter e ir devagar.
Pressiono meu corpo contra o seu quando volto apenas a beijar sua
pele, retornando para sua boca gostosa. Tudo nela é lindo. Seu corpo, sua
bunda arrebitada, suas coxas. Deslizo minha mão e a deixo em sua cintura
enquanto empurro meu quadril contra o seu. Estou duro para caralho. Ela
está mexendo com minha cabeça de um jeito louco e alucinado.
Quero fodê-la, beijar seu corpo todo.
Movo minha mão por toda sua barriga e deslizo pelas coxas, subo e
vou apertando, sentindo a maciez dos seus músculos. Mas não é ali que
quero tocar. Então subo e busco o centro das suas pernas. Me afasto um
pouco e esfrego o indicador por toda sua virilha.
Amanda se remexe e inclina seu corpo para trás e segura em meus
ombros, me dando livre passagem. Olho para baixo e brinco primeiro com o
elástico do biquini e, em seguida introduzo meu dedo por debaixo do tecido
e encontro uma faixa de pelos que descem até suas dobras. Escorrego a
ponta do indicador entre os lábios da sua boceta, que por sinal está melada
para caralho.
Porra...
Amanda geme quando toco o clitóris inchado. Massageio e meus
olhos se fixam nos seus enquanto deslizo e pressiono. Eles estão ainda mais
verdes e intensos.
Como pode ser sexy com esse ar dócil?
Seus lábios se entreabrem quando chego na entrada da sua boceta
quente e molhada. Deles escapa um gemido rouco e sexy, que me deixa
ainda mais fodidamente excitado. Empurro o dedo para dentro e sou eu a
gemer ao sentir como é macia.
— Eu quero você! — rosno, segurando esse tesão absurdo que
estou sentindo. Por mim eu a foderia daquele jeito. Afastaria a calcinha para
o lado e me enterraria todo dentro dela. Mas não posso ser um filho da puta.
Amanda merece muito mais que uma foda dentro de uma piscina.
Entretanto, a sensação de senti-la é tão boa que movo meu dedo, tirando e
colocando dois de uma vez.
— Ricardo... — Amanda geme meu nome quando começo a
movimentá-los colocando e os retirando lentamente.
Posso afirmar que essa cena é do caralho. A mais sexy e excitante
que já tive com uma mulher.
Inclino meu corpo para frente sem parar de fodê-la com os dedos e
alcanço seus lábios e me controlando para não ir com sede ao pote a beijo,
mas antes sugo seu lábio inferior, enfiando minha língua em seguida para
dentro.
Vou acabar gozando antes mesmo de senti-la por completo. Ela
solta pequenos gemidos dentro da minha boca enquanto continuo a brincar
com meus dedos em sua boceta.
Aumento o vai e vem deles. Não paro e sei que ela está prestes a
gozar. Sua respiração se acelera e suas unhas cravam em minha pele. Busco
sua orelha e deslizo a ponta da língua por toda a curvatura dela antes de
gemer quando sinto toda a musculatura da sua boceta se contrair.
— Goze. Eu quero te dar prazer... — cochicho e ela geme,
semicerrando os olhos ao jogar sua cabeça para trás, gozando.
Fico alguns segundos em silêncio, admirando-a com seu rosto todo
vermelho e com uma expressão de prazer fodidamente linda. Se eu achei
que estava diante da cena mais sexy, certamente essa passava a frente em
disparada ao vê-la gozar, entregue e arrebatada.
Espero até se recuperar e quando seus olhos encontram os meus,
noto toda aquela timidez de volta.
— Vamos para meu quarto — digo antes que ela fale que vai
embora. Mas antes retiro meus dedos lentamente de dentro do seu corpo e
ela arfa. Eu não sei o que esperar e sim o que quero. Então levo meus dedos
até meu nariz e sinto seu cheiro ali. Como é bom. Eu gosto de sentir tudo de
uma mulher, ainda mais uma que estou desesperado para tê-la. Depois os
coloco na minha boca e os chupo, sentindo seu gosto ali, deixando cada
canto impregnado.
Amanda me olha sem piscar e então me aproximo de novo dela e
encosto meus lábios contra os seus e a beijo para que sinta como seu gosto
fica maravilhosamente na minha boca.
Acho que gosta disso, desse prazer. Ela envolve seus braços ao
redor do meu pescoço de novo e devolve o beijo com intensidade, sendo
bem diferente daquela mulher com tantos medos. Seu corpo se esfrega e
roça contra o meu. Então a seguro melhor e com cuidado sigo para a escada
da piscina, saindo calmamente com ela presa em mim enquanto nossas
bocas estão unidas em um beijo lento e calmo.
Fora da piscina vou soltando seu corpo até sentir que seus pés estão
tocando o chão, entretanto permaneço com meu braço ao seu redor,
mantendo-a entre eles.
— Ainda não tive sua resposta. — Cesso o beijo, mas mantenho
meus lábios rentes aos seus.
Amanda fica calada e por um momento me sinto inseguro. Ela pode
dizer tchau, estou indo embora e não estou pronto para deixá-la sair.
Esfrego minha boca contra a sua enquanto aguardo sua resposta.
— Eu sei que não é certo, mas parte de mim diz que devo aceitar.
Quero muito... — Por fim ela quebra o silêncio e diz baixo e acanhada.
— Nossa mente é falha e enganadora. Nosso sentimento às vezes
nos priva de ver que não é bem aquilo que está no nosso coração — falo e
não espero. Aliás, a noite inteira, após saber que poderia ter uma
oportunidade a manipulei para que ela ficasse. E por mais que eu a deseje
não quero confundi-la, mas também não posso desistir tão fácil assim.
Selo seus lábios e me afasto, voltando a parte de cima no lugar não
como se estivesse a dispensando, mas para me certificar que se o serviço do
jantar estivesse ali, não a visse como estava, deixando-a ainda mais
desconfortável.
Seguro em sua mão e peço que me acompanhe. Por sorte estávamos
sozinhos. O pessoal já tinha ido embora. E em silêncio caminho um pouco a
sua frente, me controlando para não beijá-la ali mesmo.
Não quero Amanda em outro lugar que não seja na minha cama.
Quero tudo e não mais uma foda para saciar o tesão.
Levo Amanda para meu quarto. Sinto uma certa resistência no ar,
nada palpável e que confirmasse a sensação que estou tendo. É como se eu
estivesse andando no escuro com ela. Mas assim que fecho a porta a puxo
para mim. Minhas mãos sobem pelas suas costas e uma entranha os dedos
pelos fios do seu cabelo, trazendo seu rosto para mais perto.
A beijo com avidez. Seguro-a firme e a trago junto com meu corpo
na direção da cama enquanto nossos lábios se movimentam com fome.
Amanda serpenteia minha mente de um jeito intenso e desestabilizador,
anuviando todo meu controle de um modo irreversível.
Acho que nunca quis uma mulher como a quero.
Meu corpo me acusa de estar rendido pela única mulher que vou ter
por apenas uma noite. A sensação que tenho é que cada toque seu, cada
beijo vai ser uma das melhores lembrança que tive com alguém.
Paro de beijá-la e apenas os olhares se conversam. Com confiança a
pego no colo e ajoelho sobre o colchão levando seu corpo para o centro
dele. Então, sem esperar, sinto suas mãos me puxando para cima dela.
Amanda oferece sua boca ao incliná-la para mim. E eu aceito,
primeiro sugando o seu lábio inferior e depois invadindo-o com minha
língua em busca da sua. Me posiciono entre suas pernas que se abrem
automaticamente. Esfrego meu corpo no seu e deixo sua boca para buscar
outras partes do seu corpo. Mas não tenho pressa, vou lentamente beijando
cada espaço de pele dele. Retiro, levantando a parte de cima do biquini,
deixando seus pequenos seios visíveis. Olho para eles e me curvo,
abocanhando de novo o monte e o bico rosado. Não hesito e seguro o outro
com a mão e o massageio, arrancando dela um gemido delicioso.
Mas quero bem mais. E após minutos escorrego minha boca e a
deslizo por toda sua barriga enquanto minhas mãos me seguem descendo
pela lateral do seu corpo, ficando paradas em sua cintura.
Beijo, chupo e mordo sua pele cheirosa.
O pouco que já tive dela é viciante. É tóxico, mas no bom sentido.
Arrisco olhar para o alto e encontro aqueles olhos verdes me
fitando, observando o que estava fazendo. Sorrio admirado e volto a beijar
seu corpo, porém sigo para baixo e paro sobre seu púbis ainda coberto pela
calcinha do biquíni.
Enrolo as duas tiras com os indicadores, um de cada lado e vou
puxando para baixo, revelando sua boceta, quase toda lisa. Com lábios
cheios e fechados, escondendo o clitóris. Amanda remexe para que eu a tire
totalmente, levantando um pouco a bunda no ar. Então escorrego o tecido
enrolando e passando por suas coxas.
Vou explodir de tanto tesão! Caralho...
Enquanto sigo tirando a parte de baixo do biquíni faço contato
visual com ela. E assim que termino de passar pelos seus pés, me inclino
para frente e volto a ficar entre suas pernas, posicionando minha boca bem
acima da sua boceta.
Mantenho o olhar no seu e abaixo a cabeça enquanto me observa
abrir as suas dobras e escorregar minha língua entre elas. Fecho os meus
olhos e vou me deliciando com a sensação de poder saborear sua boceta
incrivelmente boa.
Amanda vai ferrar comigo de um jeito que não faz ideia.
Ela arfa e geme quando chupo seu clitóris, enrolando o tecido que
cobre a cama entre seus dedos. Seus olhos se fecham e sua boca fica
parcialmente aberta. Sua respiração acelera, seguro a parte interna das suas
coxas enquanto me deleito bebendo, aproveitando o gosto delicioso da sua
boceta.
Mas paro ao perceber que está prestes a gozar. Quero estar dentro
dela nesse momento.
Afasto e cubro o seu corpo com o meu até ter sua boca de volta na
minha. Fico com o corpo previamente suspenso sobre o seu e alcanço seus
lábios. Movimento os meus enquanto suas mãos delicadas deslizam sobre
meus braços e parte das minhas costas.
— Quero você... — sussurro e só espero ela acenar com a cabeça
para retirar a cueca e alcançar a mesa de cabeceira. Pego dentro de uma das
gavetas o preservativo e sem saber de sua experiência, seguro próximo da
sua boca e peço que rasgue com os dentes o envelope. Amanda obedece e
rasga o invólucro. Retiro o preservativo de dentro e me afasto um pouco.
Deslizo o látex lentamente com a supervisão do seu olhar em mim,
permitindo que veja tudo. E antes que eu volte, tomo um tempo para
admirar seu corpo e como está entregue. Como é toda minha.
Minhas fantasias não fazem jus a esse momento, em como é
perfeita.
Eu poderia fodê-la duro e feroz como gosto, mas ela tem algo que a
torna especial. Por isso vou com calma e novamente me posiciono entre
suas pernas, abrindo-as um pouco mais. Jogo meu corpo sobre o seu, me
apoiando em uma das mãos, enquanto a outra posiciono meu pau
fodidamente duro bem na entrada. Apoio meu peso e não desvio minha
atenção do seu rosto quando começo a empurrar meu quadril para frente.
Sinto a passagem estreita se esticar para me receber.
Caralho... é muito apertada...
— Deus do céu — urro quando sinto a força com que sua boceta me
aperta, travando meu pau no lugar. Sinto um deleite absurdamente
arrebatador ao impulsionar mais para frente e enfiar todo meu pau dentro.
Engulo em seco e tombo minha cabeça em seu pescoço. Mordo a
pele, me segurando para não apressar as coisas. Não quero que acabe
rápido.
Amanda então remexe seu quadril e geme próximo do meu ouvido.
— Por Deus, você é muito boa — falo baixo e ergo minha cabeça,
me mantendo imóvel, apenas sentindo sua boceta contrair, me apertar. E
também prestando atenção em como me encara. — Está tão molhada e
quente.
— Me beija... por favor. — Sua voz sai ainda mais baixa e rouca.
Em um sussurro estimulante.
Faço como me pede e começo a mover meu corpo contra o seu.
Lento e sem pressa. Quero aproveitar cada segundo, apesar de estar louco
para fodê-la como gosto. Empurro meu quadril contra o seu, saindo e
entrando de sua boceta enquanto a beijo.
Por mais recatada que seja, Amanda não se mostra diferente de
como estou, sentindo a invasão de todas essas sensações de desespero,
desejo e tesão. Na verdade, estava com dificuldade de me controlar e assim
que pede por mais, meto rápido e duro.
Estoco fundo.
— Ricardo... — Ela geme meu nome e não precisa falar nada, sei
que está prestes a gozar. Todo seu corpo fala por si só. A maneira como sua
boceta me aperta já diz tudo. Sei que o prazer está vindo e uso uma das
mãos para estimular seu clitóris enquanto bombeio sem cessar.
Também mordo seu pescoço, não pensando que posso deixar uma
baita marca ali. Mas a sensação é tão maravilhosa que logo Amanda goza,
me levando a segui-la ao apertar meu pau enquanto todo seu corpo está
ainda tremendo pela onda de prazer.
Gozo dando as últimas estocadas, relaxando em seguida sobre seu
corpo com meu rosto afundado em seu pescoço.
Se acreditasse em vidas passadas, certamente pensaria que essa não
foi nossa primeira vez.
Após alguns minutos, até acalmar nossas respirações, me ergo,
apoiando os braços e a encaro. Deslizo a ponta dos dedos sobre seu rosto.
Contorno sua boca e selo seus lábios.
Quero dizer tantas coisas, mas ao mesmo tempo que quero tenho
receio do que possa vir a pensar. Foi tudo tão tempestuoso, deliciosamente
tão inesperado que mesmo sendo o que queria, fico temeroso.
Aliás, não saberia expressar nenhuma palavra nesse momento.
Então decido aprofundar o beijo enquanto ainda estou dentro dela. E
Amanda retribui.
— Acho que não vou deixá-la ir embora mais — falo assim que
encerro o beijo e me retiro do seu corpo. Já estava ficando excitado de
novo, mas era melhor não pular as coisas, não mais do que já pulei.
Agora teria que partir dela.
Levanto-me e a deixo por alguns minutos e retorno em seguida após
ir ao banheiro me livrar do preservativo. Volto para cama e Amanda está de
lado, abraçada a um travesseiro. Deito-me próximo ao seu corpo e me
aproximo, ficando com suas costas rentes em meu abdômen, porém me
assusto ao escutá-la fungar.
— Amanda? — pergunto apreensivo e me movo, ficando sobre seu
corpo.
Ela está chorando. Vejo lágrimas paradas em seus olhos quando
tenta esconder de mim seu rosto, virando e afundando o travesseiro contra
ele.
No fundo esperava que ela fosse reagir dessa forma assim que
terminasse. Só estava negando para mim mesmo que seria ao contrário. Por
mais que foi entregue, ela quis, não posso anular a forma como chegou
aqui, cheia de receios e medos.
— Amanda...
— Me desculpa, Ricardo...
— Desculpar pelo quê? — pergunto ciente do que se tratava.
Provavelmente estava se lamentando pelo que aconteceu. E por mais que
doa meu ego, estava preparado para saber que não se tratava de que foi ruim
para ela, ou algo do tipo e sim porque se culparia por causa daquele
maldito. Ela nem precisava falar o que era. Porém, parte de mim se sente
responsável pelo que está sentindo e então sem que espere, a abraço e trago
para mais perto, virando-a para mim. Aconchego seu rosto sobre meu peito
e envolvo seu corpo com os braços.
— Eu não sei o que falar, mas...
A interrompo.
— Amanda você não precisa dizer nada, se desculpar de nada. —
Por mais que eu sinta um enorme pesar por acreditar que seria diferente, me
compadeço e quero apenas que ela fique bem. É assim que meu coração
quer.
— Sinto que estou traindo meu coração.
— Amanda, você não tem que se sentir culpada de nada.
Aconteceu, eu queria, você quis. Queríamos! E amanhã cada um vai voltar
para sua vida. — Deslizo os dedos acariciando-a, numa tentativa de
confortá-la.
— Não é você... — Ela respira fundo e apoia uma das mãos sobre
meu peito e ergue um pouco seu corpo. — Eu sou o problema e não queria
que a noite terminasse assim.
Olho para ela e sorrio.
— A noite foi perfeita...
A sensação de que eu nunca mais seria a mesma estava ali presente
e mais viva do que nunca. Não porque não gostei de transar com Ricardo,
foi ao contrário, jamais esquecerei cada toque, cada beijo e essa noite,
porém meu coração me acusava de trair a mim mesma. De não ser alguém
com tantas convicções sobre ser livre, para estar com outra pessoa logo
após um término.
Mas eu quis!
Meu corpo todo implorou para que eu cedesse. Para que pelo menos
uma vez na vida eu deixasse tudo de lado e a vivesse. Só não queria ter que
chegar no ponto onde eu descobriria que não é tudo faz de conta.
E também não queria que Ricardo me visse chorar, mas foi
incontrolável ao pensar em tudo e como as coisas seguirão um fluxo
desgovernado daqui por diante. Porque a única certeza que tinha é que
jamais eu seria a mesma Amanda de antes.
Ele foi tão gentil, tão maravilhoso. Ainda consigo sentir
impregnada em mim a sensação da sua boca em cada parte do meu corpo.
Foi único e singular, totalmente diferente do que pensava. Não achei que
fôssemos terminar como estamos, com minha cabeça apoiada em seu peito
e suas mãos tentando me acalmar, deslizando carinhosamente sobre meu
braço. Compreendendo que eu precisava ficar sozinha com meus
pensamentos.
Contudo não consigo ser omissa. Porém não tenho mais forças.
Cometi tantos erros essa noite. E por mais que eu tenha me deixado levar
pelo que meu corpo pediu, ainda assim eu continuo achando que cometi
muitos erros. Não só comigo, mas com ele também.
No entanto, a forma carinhosa com que me trata depois de toda essa
louca explosão que aconteceu entre nós não consigo falar que vou embora.
Que preciso sair dali. Fecho meus olhos e fico esperando a coragem
aparecer.
Acabo fazendo o que não deveria e só me dou conta quando sinto o
peso do seu braço sobre meu corpo e calor. Está tudo em silêncio e o único
barulho presente é o som da sua respiração, tão presente em contato com a
minha pele.
Vejo que dormi bem mais do que deveria. E isso não me coloca em
estado de alerta, mas em pânico também.
Já não bastava a loucura que fiz e ainda acabei adormecendo aqui.
Com cuidado tento me mover, no entanto não estou apenas presa pelo seu
braço, uma de suas pernas está sobre as minhas.
Minha intenção e o que devo fazer é sair daqui o quanto antes.
Voltar para minha realidade e para minha vida, deixando essa noite apenas
em um dia que quero esquecer. E com cuidado para não acordá-lo, tento me
mexer e primeiro tirar seu braço, mas Ricardo movimenta o rosto e esfrega
seu nariz no meu pescoço.
Não faço ideia sequer de que horas são. Tento descobrir ao buscar
as janelas do quarto, que para minha sorte e azar ao mesmo tempo estão
fechadas. Sequer dá uma base para eu saber se ainda está de noite. Respiro
fundo e tento manter a calma, que surte um efeito contrário em mim, me
deixando ainda mais aflita.
Preciso saber que horas são. Não avisei minha mãe que chegaria tão
tarde assim e muito menos que poderia dormir fora de casa.
Por Deus...
Faço um esforço sobrenatural para sair de perto sem fazer com que
ele acorde e quase caio da cama. Mas por sorte Ricardo se remexe e agarra
o travesseiro, virando para o lado oposto.
Como pude continuar persistindo no meu erro? — Lamento em
pensamentos. Me lembro de ter deixado minhas roupas dobradas em seu
banheiro, porém meu desespero se torna ainda maior quando vejo que do
lado em que Ricardo está dormindo tem um relógio digital sobre a mesa de
cabeceira, que me informa que não apenas passei a noite como também
estou atrasada para trabalhar.
Passava das 10h da manhã. O que significa que era para eu estar na
loja. Juliana vai me matar. Ela já implica com tudo e agora terá motivos de
sobra para perturbar minha vida pelo dia todo. O único dia de paz que tenho
é na minha folga durante a semana.
Apresso-me e corro para o banheiro, evitando fazer o mínimo de
barulho possível.
O que vou fazer? Preciso ainda ir em casa e trocar de roupa. Não
que fosse exigido um uniforme, mas aparecer com um vestido para noite só
pioraria minha situação por estar atrasada. Me visto rapidamente e mal
tenho tempo de pensar, porém quando abro a torneira e vou lavar o rosto
fico parada por segundos pensando em tudo que aconteceu, de como meu
corpo obedeceu ao seu chamado e de como me sinto péssima por não ter
conseguido resistir. Por ter sido tão fraca. Ainda mais com tantas coisas
acontecendo ao mesmo tempo. O término com Renan, essa aposta, que por
mais que não tenha sido só um jantar — bem ou mal —, agora ela estava
paga. Tinha também o fato de não ter avisado minha mãe. Ela deve estar
preocupada. Meu emprego.
Como pude ter me envolvido em tantas coisas em uma única noite?
E não posso e nem tenho tempo para ficar pensando. Então lavo
meu rosto e acho uma escova de cabelo dentro de uma das gavetas. Penteio
meu cabelo e faço o que todo mundo um dia deve ter feito, ao utilizar a
ponta do seu indicador como escova de dentes.
Contudo, tenho um dilema maior ainda do que todos esses conflitos
que vou ter que passar um por um quando chegar em casa, mas o de me
decidir o que fazer. Se vou trabalhar desse jeito ou se ainda vou em casa e
me atraso pelo menos mais duas horas. Até tenho a opção de ligar e
inventar quaisquer desculpas, mas acho que vou ter que mentir para mim
mãe e isso já vai me doer o suficiente para olhar em seu rosto e lembrar de
que a enganei.
Não há possibilidade alguma de contar para ela que dormi com
outro homem que não fosse o Renan. Até porque ela ainda nem sabe que ele
terminou comigo ou da confusão que me meti. Por mais amorosa e minha
melhor amiga, ela tem tanto medo que aconteça comigo o que aconteceu
com ela.
Minha mãe engravidou aos 23 anos e meu pai sumiu quando ela
contou que estava grávida. Não sei quem é, não sei seu nome. Por esse
motivo ela sempre me disse para não me envolver com ninguém, para não
confiar em homem algum. E olha o que fiz. Não segui nenhum conselho
sequer. Apesar de que nunca dei motivos para deixá-la triste. Aliás, faço
tudo que posso, já que ela dedicou sua vida toda pela minha, abandonando
os estudos, tendo que se virar sozinha para criar uma filha.
Apresso-me e decido ir para a loja direto. Qualquer coisa pego uma
roupa da promoção e a uso durante o período. E no caminho ligo para
minha mãe, penso em que vou falar. Algo que não seja tão mau assim.
Porém, quando saio do quarto acabo esbarrando no aparador onde
estão as fotos, que caem e fazem barulho, acordando Ricardo.
E sim... eu estava pensando em sair sem me despedir, como alguém
que nunca esteve ali.
— Ia fugir? Onde vai com tanta pressa? — Ricardo levanta a
cabeça sonolento e sorri, me questionando.
O encaro e tento sorrir também, mas estou agitada, com a ansiedade
a mil.
— Eu preciso trabalhar e estou super atrasada — respondo e
desviando meu olhar, sem querer falar, na verdade, mas mal conseguindo
olhar para ele.
— Espera, eu te levo na sua casa. — Ele parece ter se despertado e
dá quase um salto da cama, ficando de pé rapidamente. Olho para ele, mas
viro meu rosto de novo quando vejo que está pelado.
Mas é claro que ele estaria sem roupa, Amanda. Vocês transaram
durante a noite e dormiram logo em seguida. Queria o quê? Pijama de
bichinho?
— Não precisa. Resolvi ir direto. Pego um táxi ou uma condução e
chego rápido. Não é tão longe daqui.
— Claro que não, eu te levo. É só o tempo de me vestir. Vai ser
mais rápido que chamar alguém para te levar.
— Não precisa. — Me mantenho virada na direção da porta, ciente
de que ele está agora parado bem do meu lado.
— Amanda! — Ricardo diz meu nome baixo e segura em meu
queixo, fazendo com que eu olhe para ele.
Respiro fundo e onde está segurando começa aquela queimação boa
que seu toque me causa.
— Está tudo bem?
— Sim. Só estou atrasada, eu já deveria estar na loja. Eu juro!
— Não precisa jurar nada, eu acredito em você. — Ricardo me solta
e vai na direção de uma porta ao lado da do banheiro. Deve ser seu closet,
já que não tem nenhum armário evidente pelo quarto.
— Eu preciso ir mesmo — falo um pouco mais alto, mas não foi
tempo suficiente, ele retorna vestido com um short e passando a gola da
camiseta pela cabeça.
— Eu te levo.
Seria até mais rápido, mas já estava atrasada e precisava ficar
sozinha.
— Agradeço por tudo, mas eu acho que vou pegar um táxi. Deve ter
algum passando a cada cinco minutos aqui na porta — insisto em não
aceitar que me leve. Foi só essa noite. Se não tinha certeza de mais nada na
minha vida, ainda me restava uma. De que foi uma loucura estar com ele,
experimentar coisas que nunca senti antes, mas era só.
— Tem certeza?
— Sim. E obrigada! — Sei que estava sendo distante e fria, mas era
melhor assim. Não que não me importasse em não magoá-lo, mas toda
minha mente era uma ebulição de fatos e o que mais precisava agora era
chegar o quanto antes no meu emprego.
— Não precisa me agradecer de nada. — Ele se aproxima e enrola
uma mecha do meu cabelo entre seus dedos enquanto seu olhar se
intensifica, como se estivesse me relembrando de tudo que aconteceu entre
nós dois.
— Preciso ir.
— Está bem. — Ricardo solta meu cabelo e recua um passo.
Tento sorrir e deixo seu quarto e ele para trás. Ando rápido por
aquele corredor que me fez ficar encantada por ele e como conseguiu
alcançar seus sonhos tão rapidamente. Mas foi bom enquanto durou. Agora
era voltar para minha realidade.
Pego minha bolsa na sala e sigo para o elevador.
Enquanto espero a máquina chegar tiro meu celular da bolsa e vejo
diversas notificações de ligações. A maioria da minha mãe e uma da loja,
que não faz muito tempo que haviam me ligado.
Estou fodida!
Dentro do elevador me olho no espelho lateral e posso até ser
negativa, mas me sinto como uma prostituta. Que passou a noite na cama de
um homem e agora estava saindo rapidamente, pois o horário chegou ao
fim.
Tem horas que me boicoto ao extremo e é nessas horas que me
comparo com tudo que não sou.
Apresso-me quando o elevador para e passo por outro porteiro.
Certamente o da noite já deveria ter ido embora. Sorrio com seu bom dia e
saio do edifício. Na calçada e por sorte consigo um táxi que estava parado
ali perto. Dentro dele digo para onde estou indo e envio uma mensagem
para minha mãe tranquilizando-a e mentindo que havia dormido na casa de
Renan. O que na verdade eram duas mentiras. Uma que não dormi na casa
dele e a segunda que estava com ele.
Odeio mentiras e mentir. Não me sinto confortável com isso.
Quando alguém mente é porque ela não sente consideração alguma por
você. Tanto que não gosto nem de mentir quando alguém pergunta se está
tudo bem e na verdade não está.
O que me torna uma mentirosa, porque não menti só para mim
minha mãe, mas para Ricardo também, que se preocupou comigo, quis
saber se realmente eu estava bem e disse que sim, não estando.
Não demora muito para chegar. O que me deixa aliviada e por outro
lado completamente desconfortável com os olhares que recebo. Também, o
que poderia esperar vestida como se estivesse saindo de um After[16] ou que
estava indo para ela.
Percorro todo o caminho que faço todos os dias. Cumprimento
alguns seguranças e assim que entro na loja vejo as vendedoras me olharem
dos pés à cabeça e virarem o rosto para o fundo da loja. Onde não só estava
minha gerente, mas a proprietária também.
Um pressentimento ruim me toma enquanto vou para o fundo
deixar minhas coisas.
— Bom dia, Amanda — Juliana cumprimenta rispidamente.
— Bom dia, Juliana e bom dia, dona Cibele.
As duas me encaram e sei bem porque estão me olhando assim,
porém as ignoro e aviso que vou guardar minhas coisas. Assim que
retornasse me justificaria. Aliás, não sabia o que iria falar vestida como
estou. Com certeza elas já devem ter deduzido que perdi a hora, pois dormi
fora de casa. No entanto, sou surpreendida pela dona da loja entrando logo
atrás de mim no depósito.
— Amanda. Precisamos conversar — informa e fecha a porta logo
atrás dela. Cibele, uma loira bonita e também muito rica, que apenas tem
essa loja como hobby porque o marido acha que ela precisa ocupar um
pouco seu tempo, aponta uma das cadeiras ao canto.
— Dona Cibele, me desculpa. Prometo que não vai mais acontecer
— desato a falar e me desculpar antes mesmo que me diga o motivo da
nossa conversa.
— Então, Amanda! É exatamente sobre isso que precisamos
conversar. Você ultimamente tem se atrasado aos fins de semana e Juliana
me disse que faltou semana passada para viajar.
Como assim faltei para viajar? Eu não havia faltado.
— Não faltei. Juliana me deu os dias por causa das horas extras do
fim de ano — tento me explicar e desfazer a mentira que a gerente
inventou.
— Olha, Amanda. Juliana está comigo desde que abri a loja, ela não
teria porque inventar nada a seu respeito.
Não era preciso ela dizer mais nada, a forma como defendeu a
mentira da sua outra funcionária estava mais do que explícito o que estava
fazendo ali.
— E por isso vou dispensá-la. Sei e sou compreensiva com atrasos.
Todos temos imprevistos algum dia na vida, mas hoje, com você chegando
vestida assim, só consigo acreditar no que ela me disse. Que são constantes
seus atrasos.
Sim... eu já atrasei algumas vezes desde que comecei a namorar
Renan, mas paguei todos eles com horas de almoço e extras que fazia.
E puxa vida...
Fico sem saber o que falar, em como me defender.
— Sinto muito, mas preciso que vá até o escritório do meu contador
amanhã para formalizarmos a sua demissão.
— Mas, Dona Cibele... — Não termino o que ia falar. Pelo visto
não adiantaria nada. E ia acabar me expondo. Do quanto preciso desse
emprego.
— Lamento, Amanda. Mas preciso de pessoas que tenham
responsabilidade com horários.
Assinto sem dizer mais nada. Espero ela sair e só penso que perder
o emprego é só mais um item de problemas que vou precisar lidar em
minha vida.
Como vou chegar em casa e mentir mais um fato? Não posso falar
para minha mãe o real motivo. Se falasse teria que contar tudo e eu não
queria dar uma decepção a ela.
Pego minhas coisas e saio após me despedir das vendedoras que fiz
amizade.
Obviamente que toda minha vida havia se tornado um completo
caos. Eu não menti sobre a viagem e paguei em horas todas as vezes que me
atrasei. Como pode?
Ela nem me deu o crédito da dúvida. Mas fazer o quê? As pessoas
são assim, quando não precisam mais, qualquer coisa que falam de você
elas acreditam. Sem permitir direito a defesa, mesmo que seja para justificar
algo mentiroso que inventaram.
Mas como minha mãe sempre me disse quando não passei no
vestibular:
“A vida é feita de altos e baixos, o importante é você continuar
sempre, mesmo que suba e desça diversas vezes.”
— Amanda? — Minha mãe se espanta ao me ver entrar em casa e
ficar parada entre a cozinha e a pequena sala. — Aconteceu algo? Não ia
para o trabalho direto?
Fico olhando para ela procurando um melhor jeito de contar tudo.
Dentro do ônibus, vindo de volta para casa, pensei e repensei me
decidindo contar tudo que estava acontecendo, porém, a forma terna com
que me olha me faz mudar meus planos e contar apenas partes. Mesmo que
isso me cause um sofrimento de estar enganando a única pessoa que está
sempre segurando as minhas mãos, nos bons e maus momentos.
— Fui demitida. Dispensaram algumas vendedoras também — digo
e suspiro.
Não era bem assim que queria contar, mas como não gosto de
mentira foi a primeira coisa que me veio à mente.
— Ahhh, minha querida. — Minha mãe enxuga as mãos no avental
amarrado em sua cintura enquanto caminha até onde estou.
Ela me abraça e afaga minhas costas. Então desabo, ao começar a
chorar. Meus braços a rodeiam também e repouso meu queixo sobre seu
ombro.
— Não fique triste, vai encontrar outro logo...
Depois que Amanda sai volto a deitar.
Não estava cansado, mas a noite foi incrível e queria muito ter dito
isso para ela. Aliás, a queria um pouco mais. Sua presença mesmo que não
seja mais física ainda está aqui, com seu cheiro impregnado por todo o
lençol. Olho para o lado que ela dormiu e fico relembrando seu olhar, a
forma como o ar saía em gemidos da sua boca enquanto me recebia.
Era muito gostosa... Linda e perfeita!
Imaginava que seria, mas não tanto quanto pude experimentar.
Assisti-la chegar ao orgasmo sem dúvida seriam lembranças que levaria
para toda a vida. No entanto, sei e sinto que foi só essa noite. Ela não é o
tipo que faria de novo se sentindo culpada de algo. Pelo menos foi o que
seus olhos revelaram quando tentei insistir em levá-la para o trabalho. Que
estava se culpando, se martirizando com que aconteceu. E não posso julgá-
la;, pelo pouco que a conheci sei que estava apaixonada por Renan e o que
aconteceu entre nós dois foi apenas um desespero interno. Uma confusão
que se formou em sua cabeça.
Sou bem ciente dessa péssima condição em que ficamos pós-
término. Quando terminei com Camila saí por aí comendo todas as
mulheres que me davam mole e não me orgulho, mas eu queria tirar algo de
dentro de mim e só com o tempo consegui entender que as coisas não
funcionam do dia para a noite. Espero que com Amanda também seja
assim, que ela perceba por si só que Renan nunca foi alguém bom. E não
seria eu que mostraria. Quis levá-la até no seu emprego só para ajudar, por
isso não forcei quando insisti e ela se manteve firme na sua decisão.
Estico-me todo e fecho os olhos ainda relembrando.
Não percebo que caí no sono de novo, só quando acordo com o
barulho do telefone tocando insistidamente.
Ainda meio sonolento me viro e alcanço o aparelho sobre a mesa de
cabeceira e o atendo sem olhar quem era.
— Alô! — digo e respiro fundo tentando abrir completamente meus
olhos.
Não faço ideia por quanto tempo dormi e como é domingo, não me
preocupei em saber.
— Desculpa se te acordei.
Era a voz dela. Talvez eu esteja ainda sonhando e por isso me
esforço a acordar.
— Ricardo... — Amanda diz meu nome, talvez seja porque estou
ainda processando se de fato é real ou apenas um sonho.
— Ahhh... Oi, como está? — faço uma pergunta desnecessária,
como se não estivéssemos juntos horas atrás e sou ciente de como deveria
estar. Aliás, jamais esperava por essa ligação. O que bem lá no fundo me
faz ter uma pequena fagulha de esperança, já que foi ela a me ligar
primeiro.
— Estou bem! Me desculpe se te acordei.
— Imagina. Acabei dormindo depois que você saiu. Não faço ideia
de que horas são.
— Renan me passou seu contato quando me enviou ontem seu
endereço. E estou te ligando porque preciso pedir um favor.
Acho estranho e, de todas mulheres com quem já saí, Amanda era a
única que não esperava sequer uma ligação, quanto mais um favor.
— Claro! Pode falar.
— Preciso que não conte a ninguém o que aconteceu essa noite. Por
favor!
Estava pronto para dizer que queria vê-la mais vezes, mas me calo
ao escutar que ela, tipo, quer manter tudo em segredo. Por mim tudo bem,
mas não posso ser omisso em dizer que não me importo com a opinião de
ninguém, mas pelo pouco do que conheci dela é claro que deve estar
criando tantas culpas e desculpas em sua cabeça. Contudo, é minha mente
que trabalha com teorias das conspirações.
Será que Renan se arrependeu e os dois voltaram?
Até porque, eu nunca fui alguém que sai por aí falando com quem
transou ou está junto. Porém, eu a respeitaria e faria como está me pedindo.
— Pode ficar tranquila. Não tenho nenhum motivo para te expor
assim. — Ela fica em silêncio, mas não desliga. Escuto o som da sua
respiração e permaneço calado também.
— Obrigada por tudo mais uma vez...
Era um adeus. E sou bem experiente para saber o real significado
dessa ligação.
— Estarei sempre à disposição quando precisar — respondo sem
muitas palavras. Na verdade, assim que meu cérebro foi começando a
processar que era ela do outro lado da linha, comecei a pensar em convidá-
la para sair, quem sabe fosse até hoje mesmo, mas foi bom eu ainda estar
em um modo lento, pois assim eu não faria papel de otário. Certamente ela
voltou com Renan e agora estava querendo esconder para ele não terminar
com ela de novo.
— Então tchau...
— Tchau!
Não sei se estou puto por ela não falar nada da noite que passamos
juntos ou se pelas suposições que acabo de criar na minha cabeça.
Amanda encerra a chamada e fico olhando, esperando que não seja
verdade e que ela ainda vai falar, mas é uma ilusão. Ela não falaria, só senti
que poderia ultrapassar o sinal porque ela permitiu sem dizer nada.
Olho as horas e vejo que passa das 16h. Dormi bem mais do que
esperava. E ainda por cima fui falar para Miguel que iria encontrá-los hoje
para assistir um jogo. Só espero que João Pedro não tenha chamado o
desgraçado.
Na última quinta-feira deixei bem claro que não ficaria no mesmo
lugar que ele. E assim espero que eles tenham entendido que não há mais
nenhuma hipótese de voltar a ser amigo desse bosta.
Levanto e deixo o celular sobre a cama e vou tomar um banho.
Quando chego no lugar que combinamos, um barzinho que tem
samba rock aos domingos, o pessoal já estava lá. Sempre íamos para assistir
algum jogo.
— Porra, Ricardo. Está atrasado, já está na metade do segundo
tempo. — Thiago é o primeiro a me ver e bate simbolicamente contra o
pulso ao me repreender.
— Cara, dormi quase o dia todo — explico e o cumprimento antes
de sentar.
— Pelo jeito a noite foi boa... — João Pedro fala em tom de zoação,
o que me faz olhar e pedir silenciosamente que não fique falando. Todos
eles sabiam muito bem com quem jantaria ontem à noite. E como prometido
para ela, eu não falaria nada para ninguém. Até porque, para efeito de
ciência, todos sabiam que seria apenas um jantar e nada mais aconteceria.
Ele entende e muda de assunto.
— Vai beber o quê?
— Uma cerveja — digo e sinalizo para o garçom trazer mais uma
cerveja para a mesa. Aponto para a garrafa e mexo os lábios, respondendo
que poderia ser a mesma.
Sento melhor e puxo a cadeira para mais perto da mesa.
— Quem está ganhando? — Levo o assunto para o futebol na
intenção de que ninguém volte com as brincadeiras de que a noite foi muito
boa. E de fato foi espetacular. Mas guardaria as lembranças do seu gemido,
do seu corpo só para mim.
— Nossa e aí? Agora se reúnem sem mim? — Alguém fala se
aproximando e reconheço a voz do filho da puta, confirmando ser ele
quando olho para o lado e o vejo parar logo atrás de onde Miguel está
sentado.
O que eu esperava? Que não fosse encontrar com ele?
Olho para João Pedro em busca de uma resposta, mas pelo seu olhar
estava surpreso.
— Bom... vou indo nessa. — Não espero que façam a boa e velha
camaradagem de boa vizinhança e me levanto, tirando a carteira do bolso de
trás da calça. Pego uma nota qualquer para pagar a cerveja que nem tomei
ainda e sem me preocupar com o valor a jogo sobre a mesma.
Não vou ficar. Já havia avisado.
Agora, mais do que nunca, até sua voz me enojava.
— O grande apostador, que come a mulher dos outros não vai ficar
por que cheguei? — Renan diz provocativo.
Então ele e Amanda voltaram — Deduzo e não respondo.
— Vai! Conta aí para todos que jantou com minha namorada ontem
à noite.
Tento não responder a provocação, mas sei que ele terminou com
Amanda e está mentindo para sair de pobre coitado mais uma vez. Só para
poder arrumar uma desculpa para dizer que terminou com ela. Como
sempre querendo ser o pobre coitado, o injustiçado.
— Ex. Então por que você não conta que terminou com ela por uma
mensagem? Que se fez de vítima por que ela aceitou pagar uma maldita
aposta que você a enfiou lá como se fosse uma mercadoria? — Aumento o
tom de voz e avanço alguns passos para frente, na sua direção.
— Como sabe que não voltei com ela? Que acabei de vir da casa
dela?
Seguro para não dizer mais nada e nem sobre o pedido que Amanda
me fez ainda há pouco tempo por telefone.
— Você acha que sabe de tudo, não é? Mas eu sei que ela jantou
com você. Que ela foi até sua casa. Deveria ter contado que estava com
inveja e que queria revidar por eu ter saído com sua ex. Porque esse era seu
desejo, de que eu pagasse por tudo que aconteceu anos atrás.
Miguel e JP se levantam quando dou mais um passo na direção de
Renan e se colocam à minha frente.
— Vão ficar defendendo esse filha da puta? — Os questiono.
Nunca, em todos esses anos, coloquei a amizade de nenhum deles
em prova, mas estava cansado de deixar de lado e não me ressentir com
esse coleguismo intocável de sempre.
— Não estamos do lado dele, cara.
— Então sai da frente, ele não precisa de guarda-costas — falo e os
empurro chegando bem perto de Renan, que recua um passo para trás.
— Se está tão nervoso assim é porque sabe o que fez.
— Não estou nervoso. O único nervosinho aqui é você, que faz
merda atrás de merda e depois quer transferir toda a culpa para os outros.
Renan espalma suas mãos contra meu peito e tenta me empurrar,
porém revido e fecho a mão e desfiro um soco contra seu rosto, que
cambaleia para trás sendo amparado por alguém que estava sentado na mesa
ao lado.
— Ricardo, acalma aí, cara. — JP intercede de novo e Miguel
empurra Renan para atrás, afastando-o.
— Você vai me pagar caro se encostou em um só fio de cabelo dela.
Não digo, mas sinto as palavras se acumularem, prontas para saírem
e cuspir tudo que aconteceu entre eu e Amanda, contudo não falo nada e
recebo a ameaça em silêncio em sinal da promessa que fiz para ela.
— Renan, colabora aí. — Miguel fala mais alto e o empurra quando
o mesmo tenta voltar para perto de onde estou.
— Você não superou que Camila gostava de mim. Que eu era
melhor que você na cama. — Renan fala alto, chamando atenção.
— Vocês sempre foram dois fodidos que se merecem — revido e
levanto as mãos para o alto quando João Pedro tenta me segurar.
Que se fodam eles dois.
Passo a mão pela boca, sentindo-a seca e acabo esperando Miguel
tirar Renan de lá para eu poder ir embora. Com medo de que eu faça
qualquer loucura, João Pedro me acompanha até onde estacionei meu carro.
— Isso não vai prestar. Vai acabar saindo algo muito feio.
— Eu já não avisei? Se quer ser amigo dele seja, mas não quero
estar onde esse desgraçado estiver.
Mesmo ciente do quanto era político com tudo já estava me dando
nos nervos.
— Ninguém convidou ele hoje. Já tínhamos fechado com você,
cara. Eu sou seu amigo. — JP para bem à minha frente e diz.
— Quero que ele e Camila se fodam. Esse arrombado nunca foi
amigo de ninguém a não ser dele mesmo. E se quer saber, eu e Amanda
transamos a noite inteira. — Me arrependo assim que falo, quebrando a
promessa que fiz de não contar para ninguém. E muito menos fico
orgulhoso de dizer desse jeito, como se ela fosse um troféu.
— Caralho... Eu achei que ia ser só um jantar.
— E era para ser, mas o filho da puta achando que ia entrar na
mente dela se ferrou. E eu não ia atrás dela, pois bem, agora vou.
João Pedro me olha como se não estivesse acreditando no que
acabo de revelar.
— Por essa eu não esperava. Agora vai ferrar com tudo mesmo.
Não sei se estou interpretando muito bem o que ele está querendo
falar, mas se for sobre esse grupo, de manter a amizade de infância ainda
viva, é melhor esquecer.
— Não estou do lado dele. Sou seu amigo desde sempre.
— João Pedro, na boa, você valoriza a amizade dele demais. Será
que ele te considera tanto assim? Não vou privar minha vida por causa de
um grupo onde tem esse cara. Somos amigos desde que nos entendemos por
gente e eu vou continuar sendo seu amigo, mas não me peça para abaixar a
cabeça e fingir que nada e nem nunca aconteceu. Se quer ser amigo dele é
tranquilo, cara, mas eu não quero estar onde ele estiver. Entendeu?
Deixo bem explícito que não quero mais contato. E que se for por
isso que o grupo vai acabar, então que acabe.
— Quer saber, depois conversamos. E não fala nada para a Jaque
sobre Amanda. Por causa desse merda acabei quebrando minha promessa
com ela.
— Fica em paz.
Nem sei o que pensar no momento.
Entro no carro e só o que me vem à mente é ela. É a possibilidade
dela ter voltado com o filho da puta.
Remexo na cama, me virando de um lado para o outro a cada cinco
minutos. Inquieta e triste.
Depois que liguei para Ricardo, pedindo que não dissesse a
ninguém o que rolou entre nós dois, consegui comer algo. Até então aquele
frio na barriga ainda não passou, mesmo descansando um pouco mais.
Também fiquei um pouco na sala com a minha mãe. Ela tentou me
fazer acreditar que para tudo tem um propósito, que logo arrumaria outro
emprego, mas minhas forças estavam drenadas com tudo que estava
acontecendo.
Tinha aquela dor do término com Renan que não vai embora por
nada. E ainda mais pela culpa de ter passado a noite com Ricardo, amando
outra pessoa. Me sinto suja com a minha própria traição aos meus
sentimentos.
Não sei o que me levou a seguir em frente. Não encontro respostas
em nenhum lugar.
Sim... eu gostei, nunca tive tanto prazer! Meu corpo ainda sente os
efeitos ao relembrar de como seu corpo se movimentava sobre o meu, de
como sua boca se tornou proprietária da minha. Da sua voz rouca dizendo
que me queria. Cada parte do meu corpo para sempre lembrará dele. E
mesmo que seja doloroso aceitar, tenho que ser sincera comigo mesma. De
que gostei de estar com ele, porém é minha mente que me condena. Que
refuta veemente o que fiz.
Viro e fico de barriga para cima, olhando para o teto e para as
estrelas neon que colei ali anos atrás. E elas me trazem à mente o céu sobre
a piscina. Fecho meus olhos e fico relembrando de como estava tudo bom,
da temperatura da água em meu corpo. De como Ricardo me mostrou tantas
coisas diferentes. Da sua risada, do seu jeito descontraído e simples.
Mas não quero pensar, quero apenas me limitar a pensar que tudo
chegou ao fim nessa manhã. Que preciso organizar meus pensamentos para
então saber o que vou fazer.
São tantas coisas que devem ser reorganizadas... Um novo emprego,
a dor que sinto por saber que Renan não me quer mais. Por saber que tudo
não vai ser como antes, que até conseguir um novo trabalho vou precisar
mexer nas minhas economias que estava guardando para tentar entrar em
uma faculdade particular se, de novo, não conseguir em uma federal.
As mentiras que contei para minha mãe.
Tudo se resume às coisas que nunca vivi antes.
— Amanda! — Minha mãe bate à porta e abre apenas uma fresta,
colocando a cabeça para dentro do meu quarto. — Está dormindo? — Ela
pergunta baixo.
— Não, mãe — respondo de imediato ao abrir meus olhos e olhar
na direção em que está. — A senhora precisa de algo?
— Não! É que Renan está aí na porta, não quis entrar e pediu que
eu a chamasse. — Ela me informa e meu coração acelera ao escutar que
Renan estava aqui. Porém não sei se é bom ou ruim. Se veio porque está
sabendo de algo ou se é para conversarmos.
Não sei o que pensar e minha mente dispara junto com as batidas do
meu coração, que batem em ritmo descompassado.
— Renan? — Acabo perguntando apenas para ter certeza de que é
real.
— Sim. — Ela me encara e arqueia uma das sobrancelhas, entrando
por completo dentro do quarto. — Por acaso brigaram?
Minha mãe fica me olhando e provavelmente está desconfiando de
alguma coisa. Se tem algo que, por mais simples que seja, é que ela não é
boba.
— Mais ou menos — respondo sem dizer totalmente a verdade.
— Hum... então está explicado o porquê dessa carinha o dia todo.
Mas vá lá logo e veja o que ele quer. — Ela sorri e se aproxima enquanto
me sento sobre a cama. — E coloca aquele sorriso lindo nesse rosto — diz
com empolgação e beija o alto da minha cabeça.
Deveria estar animada por ele estar ali. Queria ter esse mesmo
otimismo que minha mãe tem. Mas não consigo, não quando não sei se
conseguirei encará-lo depois de ter transado com um de seus amigos.
Entro em pânico, mas sei que devo sair e ir até lá fora.
Tento me controlar e me levanto. Olho para mim mesma através do
espelho preso atrás da porta. Sou um completo monte de cacos neste
momento. Minha aparência não é das melhores.
Arrumo o cabelo com as mãos e olho para a roupa que estou
usando. Decido não trocar e ir assim mesmo.
Quando abro a porta da frente de casa o vejo parado e de costas,
olhando para a rua. Seu carro está estacionado bem em frente. Moro em
uma comunidade tranquila e a essas horas, no domingo, o movimento não é
grande.
Por segundos fico pensando no que vou falar, no que ele quer
depois de ter terminado comigo.
Desço os três degraus antes de alcançar o portão baixo que dá
acesso para rua. Ele se vira e fica me encarando sem expressar o que veio
fazer.
— Oi! — digo baixo após sair e parar a sua frente.
Busco um lugar onde possa deixar minhas mãos. Um amontoado de
sentimentos se forma em mim, me deixando aflita e desorientada. É
péssima essa sensação que tenho dentro do meu estômago, de que a
qualquer momento vou vomitar tudo que comi durante o dia. O que não foi
muito. Mal consegui comer. Nada estava descendo.
— Oi! — Ele diz e cruza os braços enquanto continua me
encarando sério. Porém noto uma mancha bem vermelha próxima ao seu
olho e vejo que está um pouco machucado.
Por Deus...
Respiro fundo e abro a boca para perguntar o que aconteceu, mas
não dá tempo.
— Amanda, vim aqui porque preciso saber se foi só um jantar
mesmo. Você e Ricardo só jantaram? E não minta para mim... — Um longo
frio percorre minhas costas e sinto todo meu corpo entrar em um estado
cataléptico.
Não consigo nem respirar quando ele se aproxima mais, me
olhando, me exigindo uma resposta.
Olho para baixo e mexo a cabeça sem lhe dar uma resposta.
— Olha para mim! — Ele se exalta um pouco no tom de sua voz e
se aproxima segurando meu rosto, erguendo-o para olhar em seus olhos,
como se estivesse buscando uma resposta ali.
Respiro fundo, reunindo a coragem para falar. Mas não quero falar
para ninguém e muito menos para ele o que aconteceu. Não por ter
esperanças de que ele estivesse aqui para dizer que estava nervoso e que
mandou aquela mensagem apenas por mandar.
— O filho da puta me agrediu agora há pouco quando eu o
questionei se foi só um jantar. Ele não respondeu e quero a resposta de
você. — Seus dedos apertam com um pouco mais de força meu queixo.
Noto o odor forte de bebida que exala do seu hálito.
Provavelmente deve ter bebido e por isso estava agindo dessa forma
comigo.
— Renan! Está doendo — falo sem ainda responder sua pergunta.
— Então responde logo.
— Por favor! — Meus olhos começam a arder e sei que preciso
mentir, que ele não está em seu estado normal. Então assinto com a cabeça,
buscando coragem para dizer que fui embora logo após receber sua
mensagem, mentindo descaradamente.
Ele se afasta e passa a mão pelos fios de cabelo que estão caídos em
sua testa, jogando-os para trás.
— Eu não quero você perto dele mais, está me entendendo? —
Renan volta a se aproximar, um pouco mais alterado e segura meu braço,
cravando seus dedos com força, me puxando para mais perto.
Dói e não consigo mais segurar toda essa pressão e acabo deixando
as lágrimas escorrerem pelo meu rosto.
Provavelmente amanhã vai ficar um baita hematoma onde está
apertando.
— Renan, por favor, está doendo — repito e tento tirar meu braço
entre seus dedos, mas ele não faz o que peço e continua me segurando.
— Ricardo é um invejoso. Se quer saber nós nunca fomos amigos.
Crescemos na mesma cidade, mas João Pedro sempre insistiu que ele
estivesse junto do grupo por pena. Ele vai fazer de tudo para atrapalhar a
gente por que... — Ele faz uma pausa e não conclui o que ia falar, apenas
abre um sorriso estranho, que me deixa ainda mais com medo dele.
Nunca o vi assim antes. No entanto, não deixo de perceber que fala
como se ainda estivéssemos namorando.
— Está avisada. Não quero você mais perto dele. Agora troque-se e
vamos para minha casa.
Como assim?
Renan está me confundindo.
Não tinha terminado comigo?
Então ele me solta e a mesma mão que estava me apertando vai de
encontro ao meu rosto e por um momento passa pela minha cabeça como se
fosse me bater, mas não, ele acaricia meu rosto de um jeito terno, bem
diferente da forma como estava segundos atrás. No entanto, algo dentro de
mim grita para que eu não vá. E é bem mais forte que eu consiga ir contra.
— Mas você terminou comigo.
— Terminei? — Sua mão continua afagando minha pele.
— Sim, me mandou uma mensagem ontem à noite.
— Aquilo foi um impulso, porque estava com muito ciúmes de
você. Não queria que fosse jantar com aquele filho da puta.
— Mas... — Renan me impede de perguntar e sela meus lábios
interrompendo as dúvidas que ele criou em mim.
— Deixa de bobeira, princesinha. Você é minha namorada e nada
aconteceu. Esqueça. Agora vamos lá, se arruma e vamos dormir na minha
casa. — Ele insiste, mas não sei, não quero ir, ainda preciso ficar sozinha e
o fato de ter mentido para ele está me deixando péssima.
Na verdade, mal consigo encará-lo sem pensar que estou mentindo
para alguém que amo. É como se eu estivesse o traindo. E de certa forma eu
o traí, já que não terminamos, que foi apenas no momento do seu ciúme.
Respiro fundo, entrando em desespero. Não só por estar com muitos
conflitos dentro de mim, mas por agora eu ter certeza de que acabei traindo-
o por um momento de fraqueza.
— Não posso. — Busco por uma desculpa desesperadamente. Mais
uma mentira. — Minha mãe não vai deixar. — Por fim transfiro toda a
responsabilidade para alguém que é inocente em toda essa confusão.
Não que eu quisesse, mas sinto-me forçada a primeiro ter que lidar
comigo mesma antes de ficar com ele. De olhar e dizer que está tudo bem
sem sentir uma faísca de culpa, de nojo pelo que fiz.
Mesmo que tenha dito que Ricardo era só um conhecido não faz
diferença alguma, o que aconteceu não pode ser mudado.
Ainda bem que Ricardo não disse nada sobre nós dois. Porém, não
consigo sentir alívio, apenas que ele honrou com o que prometeu.
— Está vendo? Assim fica difícil, Amanda, nunca pode nada. Não
pode viajar porque está trabalhando, não pode sair porque é meio de
semana. Não pode ir dormir comigo porque a mamãe não deixa. — Ele
encosta seu corpo contra o meu e me empurra até o portão, me deixando
encurralada, de um jeito que não consigo sair.
Renan tenta me beijar, mas viro o rosto, não pelo forte cheiro de
bebida, mas porque me sinto suja nesse momento. Como se estivesse
apodrecendo em meio a tudo que permiti que acontecesse. Por ter transado
com outra pessoa.
— Estou cheio de tesão por você, quero te foder inteira. Vamos lá,
princesinha. — Ele insiste e como não permiti que me beijasse, sua boca vai
de encontro ao meu pescoço. Não sinto nada quando seus lábios me tocam e
choramingo em desespero.
Além de estar bêbado não quero. Não consigo!
— Também estou menstruada! — invento outra mentira. Como sei
que não gosta de transar quando estou menstruada é a única alternativa que
tenho para não ir.
— Porra... Como faço agora?
— Desculpa.
Ele se afasta e bufa irritado.
— Quer saber? Assim que parar de descer para você mato minha
vontade — diz e sem que eu perceba ele sela meus lábios. — Vou indo
nessa, já que você não vai poder ir mesmo. Preciso acordar cedo para
trabalhar.
Como eu poderia ir? Não conseguiria deixá-lo me tocar quando
meu corpo esteve com outro homem horas atrás.
A sensação claustrofóbica me invade e meu peito todo se
comprime, doendo para caralho.
O que fui fazer?
Como pude ser assim?
Eu me despeço dele tentando fugir de tudo isso mais uma vez. Mas
agora com tantas mentiras que me sinto encurralada nelas mesmas. Como
se estivesse me trancando em uma prisão sozinha.
— Onde machucou essa mão? — Thaís pergunta quando seu olhar
vai diretamente para minha mão assim que passo pelas portas de vidro que
dão acesso para a antessala antes da minha.
— Primeiro bom dia. E depois como foi seu fim de semana? —
Tento disfarçar e escondo a mão para trás.
Não estava tão mal assim, mas tive que colocar uma tala para evitar
os movimentos. Aquele filho da puta não só inventou mais coisas para
tentar me ferrar, como me fez perder a cabeça ao socar sua cara fodida.
— Bom dia e foi ótimo. Já o seu parece que não. — Ela me encara
esperando que eu não tente mudar o assunto ou fingir que nada aconteceu.
— Isso aqui? — Retiro a mão de trás do meu corpo e levanto
olhando para ela. — Ahhh... não foi nada.
— Vamos lá, desembucha.
Pode parecer estranho, mas minha relação com ela é de como se
fôssemos irmãos. Que na maioria das vezes não dá para esconder nada um
do outro.
— Renan — falo com desprezo sem dar muitos detalhes.
— Não acredito, Ricardo, que você brigou com ele por causa
daquela vadia da Camila de novo?
Thaís não só era minha secretária e meu braço direito, mas também
alguém que eu confiava cegamente. Ela sabia de toda trajetória da minha
vida e de tudo que aconteceu no passado. Mas a privei de saber da aposta.
Conhecendo-a bem, sei que daria um sermão sobre objetificar uma mulher,
sobre como Amanda foi tratada.
Com certeza ela seria a primeira a tentar me desfazer da ideia
absurda daquele jantar.
Mas como explicar o que aconteceu sem contar tudo?
Obviamente eu estava fodido de todos os jeitos. Ela passaria a
semana inteira me dando conselhos, dizendo o quanto fui imaturo.
— Não foi por causa dela — respondo direto enquanto busco
encontrar como vou contar o que aconteceu. Não que eu devesse satisfações
para ela, mas como sempre, Thaís era a pessoa a quem eu confidenciava
tudo.
Respiro fundo e tento sorrir.
— Você aprontou o quê, Ricardo Medeiros de Alencar?
Thaís encosta contra sua cadeira e cruza os braços.
— Então...
Olho por cima dos ombros averiguando se de fato estamos
sozinhos.
— Lá vem bomba.
Preciso me preparar, pois quando ela souber de tudo vai surtar. E
como se fosse na época de adolescente depois de aprontar, sorrio e balanço
a cabeça confirmando suas suspeitas.
— Sabe... — faço uma pausa.
— Ricardo, fala logo. Está me deixando agoniada.
Quero rir do seu desespero. Afinal, todos temos dentro de nós a
curiosidade em forma de fofoca alheia.
— Calma. Vou te contar. — Ergo uma mão. — Então, sabe aquela
viagem para Punta Del Leste?
— Sim, a mesma que lhe disse para não ir. Que ia dar merda. Pelo
jeito deu...
— Exatamente. A própria.
— Ahh... eu sabia que não ia prestar. — Ela gesticula e se remexe,
balançando a cadeira inquietamente.
— Renan foi também com uma namorada nova.
— Não... não... Não me diga que você já saiu com ela alguma vez e
por isso está com a mão machucada?
— Fica calma aí, porque não. Não saí com Amanda antes.
— Por Deus, Ricardo. Não vai me dizer que... — Não foi preciso
terminar para ela entender o motivo.
— Espera, eu tenho uma explicação.
Thaís revira os olhos.
— Bom, ele foi com uma namorada nova e no dia em que
chegamos em Punta Del Leste, à noite fomos jogar em um cassino. Vou
resumir! O filho da puta apostou a namorada na mesa.
— E você ganhou.
— Como amo essa sua sagacidade — digo e estalo um beijo na sua
direção. — Ganhei o prêmio. Que era um jantar com ela. Mas, antes que me
venha dizer o quanto isso é nojento, o quanto é machista, eu só entrei
porque fiquei com pena dela.
— Cara de pau! Pena? Quem não te conhece que compra essa...
— Tá! Ela é linda para caralho. Mas sim! A princípio foi por pensar
que eu entrando contra ele e o outro cara, as chances do outro apostador
ganhar seriam mais baixas.
— Ahãm! E eu sou a princesa de Gales, Ricardo.
— Foi sim, sabe que não minto para você. Entrei para ajudar, mas
como se trata de um fodido da vida, Renan me provocou. Eu ia desistir, mas
aí ele falou do que aconteceu.
— Então acertei? Indiretamente tinha a vadia da Camila no meio.
— Sim e não... Quero que os dois se fodam juntos. Mas resumindo,
ganhei e estava disposto a não requerer o jantar, só que como não sou de
ferro, ele provocou e aí exigi o tal jantar.
— E só agora está me contando? Espero que ainda reveja esse tal
jantar.
A pior parte vai ser quando contar que já foi. Respiro fundo e
enrolando para dizer sento na beirada da sua mesa e a encaro.
— Não acredito. — Ela se exaspera e aumenta o tom da voz.
— Ei... — A recrimino e sinalizo para falarmos baixo.
— Juro que se você me disser que jantou com a namorada dele eu
vou terminar de machucar sua mão.
Fico em silêncio, que não adianta nada.
— Ricardo, como pode?
— Ele pediu.
— Mas você não é vingativo.
— Não foi por vingança, foi para mostrar que ele não está acima de
ninguém, porém, se quer saber, eles terminaram antes.
— Menos mal, né? Ou... — Thaís é muito astuta e parece que tem
uma máquina de processamento de dados avançada dentro da cabeça. —
Não vai me dizer que saiu com ela.
— Sim e foi bom para caralho. Aí ontem ele veio me provocar de
novo e então soquei sua cara. Fiz o que deveria ter feito anos atrás.
— Quando penso que você não vai se superar, você se supera.
— Não vou dizer que me orgulho pelo fato de ter sido uma ex dele,
mas não vou negar que gostei muito de estar com ela. Amanda é especial. É
educada, muito tímida.
— Uma safada também.
— Não...
Por um momento me deixo levar por essa atração absurda que sinto
por Amanda.
— É sim! Você está enfeitiçado por ela. As mais quietas são as mais
perigosas. Olha como você está, por causa dela entrou em uma grande
confusão. E eu achei que nossa semana seria de paz e amor.
— Dessa vez seu radar não está funcionando muito bem, minha
cara e amada Thaís — digo e nego com a cabeça ao mesmo tempo.
Sei que Thaís não estava dizendo por uma incitação de ódio a
alguém que não conhecia. Minha secretária, amiga e confidente apenas era
direta o suficiente para ser a pessoa mais sincera do mundo comigo. E é
nítido que estava apenas se preocupando.
— Ricardo, há tempos não o vejo falar de uma mulher com brilho
nos olhos.
Sua expressão se torna uma incógnita, não sabe se sorri ou se me
recrimina com seu olhar fuzilante.
Quero rir.
— Tenha fé...
— Estou ainda processando se ela é uma safada por ter te deixado
de quatro ou se realmente é uma bobinha que não sabe dizer não.
— Mas posso dizer uma coisa sem que você me mate?
— Depois de tudo que me contou e ainda está aí vivo, claro que
pode.
— Foi muito bom olhar na cara daquele filho da puta m saber que
não é intocável e que tive Amanda pela noite inteira só para mim.
— Você não presta! Você vai meter a moça numa furada das
grandes. Acho que ela sim é a inocente em tudo isso. — Thaís se levanta
inquieta e começa a recolher alguns papéis, empilhando-os para me
entregar.
— Não vou, só quero sair com ela de novo. Nada sério!
Thaís pega o amontoado de folhas e bate elas contra meu braço
enquanto solto uma gargalhada alta.
— Cretino! Você quer usar ela, isso sim. Nada sério? Odeio quando
se faz de cafajeste. Agora tome esses e-mails.
Pego as folhas e me levanto.
— O que você quer que eu faça? — continuo a conversa enquanto
vou folheando e analisando superficialmente as mensagens impressas.
— Que não se envolva em problemas. Me preocupo muito com
você.
— Também te amo, te amo gata. — Pisco e sorrio, deixando-a após
contar tudo que aconteceu. Mas antes que eu vá para minha sala ela me
chama. Viro de novo na sua direção.
— Semana que vem vou começar a selecionar minha substituta.
Vou tirar um mês de férias. Espero que não tenha se esquecido.
Reviro os olhos e bufo frustrado.
— Você vai me encontrar morto quando voltar.
— Não seja dramático. Pode ir se preparando, semana que vem vai
ter uma secretária nova no pedaço.
Não respondo e muito menos quero pensar que dessa vez não vou
conseguir convencê-la do contrário.
Pego a bandeja com meu lanche e procuro uma mesa bem mais ao
canto da praça de alimentação para comer algo e descansar um pouco.
Faz mais de uma semana que passo o dia todo distribuindo
currículos por aí e nada de conseguir um novo emprego. Já estou perdendo
a esperança de conseguir algo antes do fim de semana.
Como tudo é difícil.
Tenho tentado lidar com mais clareza sobre tudo que aconteceu e
vou pensando em como as coisas se acalmaram um pouco. A cada mordida
que dou no lanche repenso em como tudo se tornou essa bagunça.
Ainda penso no quanto tem mexido comigo. Não consigo arrumar
um novo emprego, não sei como lidar quando estou com Renan. Ele
reclama toda hora que estou distante e quieta.
O fato de sustentar uma mentira não me faz bem. Acredito que
nunca fará. Por outro lado, ainda me pego pensando no quanto gostei de
estar com Ricardo. Com o passar dos dias consegui compreender que
mesmo se não tivesse passado a noite com ele, toda essa história de aposta
me mudou de um jeito irreversível.
Termino de comer o lanche e quando estou a caminho de colocar a
bandeja vazia sobre o suporte, escuto alguém chamar pelo meu nome. Olho
ao redor, mesmo ciente de que poderia ter mais de uma Amanda ali e vejo
Jaqueline, junto com algumas mulheres, acenando para mim. Aceno de
volta e então ela faz um sinal com os dedos para que eu vá até lá.
Penso em não ir. Estar próxima dos amigos de Renan faz com que
eu relembre de tudo, inclusive de Ricardo. Porém, fico receosa em não ir e
ser mal educada.
Resolvo me aproximar. Não ia ficar e o que seria um oi e tchau?
Nada demais!
— Oi, Amanda. — Ela se levanta e me cumprimenta com um
abraço e um beijo no rosto. Retribuo e após me afastar dela, seguro a pasta
que está em minhas mãos contra o peito.
— Como você está? Não nos falamos desde a viagem.
— Estou bem. E você, João Pedro e a Ana Carolina?
— Estamos bem também. — Ela se vira um pouco de lado,
chamando a atenção das duas outras mulheres que estão sentadas na mesma
mesa. — Essa aqui é Amanda, namorada de um colega de João Pedro.
As cumprimento de onde estou, mas me surpreendo com o convite
de me juntar a elas.
— Obrigada, mas preciso ir — recuso e sorrio sem dizer o que
estava fazendo ali.
— Mas não pode sentar um pouco? — Jaqueline insiste e sem me
dar tempo para dizer que precisava ainda percorrer o andar superior
entregando currículos ela segura em meu pulso e me puxa para sentar ao
seu lado.
Tenho provas de que dificilmente você consegue resistir a sua
persuasão.
— Você trabalha em qual loja aqui? — Jaqueline me pergunta e me
oferece ao mesmo tempo para acompanhá-las no almoço.
— Obrigada, acabei de comer um lanche. E estou procurando uma
loja nova para trabalhar — explico sem dar muito detalhes, na verdade, sem
falar que fui demitida há mais de uma semana.
— Como assim? Não trabalha mais na loja que me falou? —
confirmo a resposta dando um sorriso desanimador.
— Não, saí de lá tem mais de uma semana. Agora estou procurando
aqui.
Ela me encara séria.
— Sei que estou sendo invasiva, mas por quê? Você parece ser do
tipo de pessoa que... — Ela para de falar e sorri. — Desculpa por ser direta.
— Imagina. Está tudo bem!
É nítido e não foi preciso dizer que fui demitida porque aconteceu
algo.
— Acabei chegando atrasada no domingo depois... — Agora sou eu
que não completo o que ia falar. Aliás, estava prestes a dizer que cheguei
atrasada no emprego porque passei a noite com Ricardo depois de jantar em
seu apartamento.
Por mais que quisesse manter isso comigo, o fato do jantar todos do
grupo de amigos deles deveriam estar sabendo. E sua expressão também já
a denuncia que entendeu qual dia e por qual motivo.
— Depois do jantar? — Sua voz sai sussurrada.
— Sim, mas eu sou a culpada. Não deveria ter me atrasado.
— Estou chocada, Amanda. Mas como assim? Todos um dia
atrasam. Eu mesma vivo chegando atrasada no plantão.
Sim! Eu concordava com ela, porém não foi só por causa de um
atraso e sim por uma inverdade contada de um jeito mentiroso e falso. Mas
isso passou. Tinha muitas outras coisas para me lamentar do que ficar
pensando na maldade do ser humano em querer prejudicar alguém
inventando mentiras.
— Você falou com Renan? Ele tem tantos clientes empresários.
Algum deles certamente deve estar precisando de alguém. O Renan pode te
ajudar, ele conhece bastante gente, quem sabe um dos clientes dele pode
estar precisando.
— Não quero incomodá-lo e... — Respiro fundo. Na verdade, eu
não contei e nem contaria por esse motivo ou por sentir vergonha e sim
porque tudo pode levar a ter que falar a verdade. — Não conte para ele.
— Calma, Amanda. Eu não vou falar nada para ele. — Ela segura
minha mão e sorri na tentativa de me confortar. — Eu posso ajudá-la.
— Agradeço.
— Vamos, Jaque? — Uma das amigas a chama, levantando da
mesa, pegando a bolsa que estava em outra cadeira.
Jaqueline pede para eu esperar quando menciono fazer o mesmo
para ir.
— Podem ir, vou ficar aqui conversando um pouco mais com a
Amanda. Depois nos falamos.
Ela se despede e espera todas saírem de perto.
— Amanda, você perdeu o emprego depois do jantar?
Respondo com um sim, assentindo.
— Desculpa estar sendo intrometida.
— Está tudo bem de verdade. Não foi a primeira vez que cheguei
atrasada. A gerente deturpou tudo para a dona. Foi bem melhor assim.
Mesmo envergonhada acabo confessando parte do real motivo.
— Posso ajudá-la a encontrar algo. Vou ver se algum dos meus
amigos está precisando de secretária. Quem sabe, assim você não vai ficar
se matando nesses horários doidos de shopping.
— Obrigada.
— E você e Renan? Estão bem depois da briga?
— Que briga? — Arqueio uma sobrancelha. Será que ela sabe que
ele terminou comigo? Provavelmente todos sabiam, mas não era algo que
importasse também. A única coisa que não quero que saibam é que passei a
noite com Ricardo.
— Dele com Ricardo.
— Sim. Acho que sim.
— Amanda, sabe que tem uma nova amiga em mim, viu? Se quiser
dividir qualquer coisa vou estar aqui. — Jaque diz como se soubesse de
algo, mas não quero sequer imaginar que Ricardo tenha contado para
alguém o que rolou naquela noite.
Agora que está tudo começando a ficar mais calmo, e eu e Renan
estamos juntos de novo. Porém, não vou negar que me sinto acolhida por
ela. Que sinto que posso confiar.
— Você é tão diferente de Renan. — Ela comenta e também não
explica o porquê de ter falado isso. — Você é adorável, meiga e sem
dúvidas merece o melhor que a vida pode lhe oferecer. É educada.
Não entendo o real motivo de estar me dizendo tudo isso. Parecia
que queria dizer algo. Pelo menos era a percepção que estava me passando.
— Sinto que às vezes você se fecha numa bolha só sua. E me
desculpe ser um pouco mais direta. Ricardo, depois de brigar com Renan,
contou para João Pedro que vocês ficaram.
Fecho os olhos quando escuto que ela já estava sabendo. Ou
melhor, que JP sabia e que acabou contando para ela.
Que vergonha. O que vai pensar de mim? Que namoro um dos
amigos e o traio com o outro.
— Eu pedi para ele não falar — lamento e a encaro, mesmo que eu
queira apenas abaixar minha cabeça em busca de um buraco sob meus pés
para eu poder me enfiar lá e não sair mais.
— Amanda, não se sinta mal por isso. Os dois brigaram feio dentro
de um bar e Ricardo, muito nervoso, acabou confessando com João Pedro,
eu que tenho minha boca muito grande e estou falando demais. Mas quero
que veja em mim alguém que pode confiar. E não se culpe tanto.
— Estou envergonhada por tudo. Deve estar achando que sou uma
completa vadia — falo pesarosamente, pois se eu me acho assim, quem dirá
os amigos dele.
— Jamais! Só estou preocupada porque se juntar todas as peças
vejo que acabou perdendo seu emprego por causa deles. Primeiro por causa
dessa aposta idiota e depois porque passou a noite com Ricardo.
— Ricardo não teve culpa alguma. Ele se ofereceu para me levar, eu
que não aceitei.
Claro que não foi bem assim, eu já estava atrasada, no entanto, a
maior culpada fui eu por ter me deixado levar pelo momento.
— Eu amo Renan e lamento tanto. Ele tinha me enviado uma
mensagem, terminando comigo assim que cheguei no apartamento de
Ricardo. Não quero criar desculpas para o que fiz, mas eu não sabia o que
fazer e me deixei levar pelo momento.
Não sei se poderia confiar nela, mas o fato de falar com alguém, de
contar como estou me sentindo parece que tira um enorme peso das minhas
costas.
— Não deve se lamentar e muito menos se envergonhar. Se Renan
terminou com você, claramente não tinham mais nada. O fato de voltarem e
nesse intervalo você ter saído com outra pessoa não te faz ser vadia ou algo
do tipo.
— Só sinto que não deveria mesmo querendo — confesso. —
Renan foi à minha casa no outro dia e disse que estava nervoso e com
ciúme, por isso tinha enviado a mensagem. O que me fez me sentir ainda
pior. — Tenho tanto medo que ele descubra que o traí com Ricardo!
— Amanda, não se culpe assim. Você não poderia imaginar que ele
estava agindo por uma crise de ciúmes. E Ricardo só contou para João
Pedro por estar nervoso. E os dois são muito amigos. Aliás, ele é um cara
incrível, jamais vai te expor para qualquer pessoa.
Sinto um certo alívio com suas palavras.
— Se quer saber, o conheço desde que comecei a namorar JP,
quando fui morar com ele Ric morava lá também. Então, se tem alguém que
conheço muito melhor que todos ali é ele. E não sei se isso vai ser bom
você saber. Ele é o único que João Pedro não sente ciúmes dali. Ricardo
Medeiros de Alencar pode ser daquele jeito. Um ser livre! Mas é uma das
pessoas com o melhor caráter que já conheci. Quanto a ele, pode ficar em
paz. — Segurando em minha mão ela ainda sorri e suspira. — E
convenhamos que deve ter sido ótima a noite, até chegou atrasada a ponto
de perder o emprego.
— Não sei o que aconteceu, quando vi já estava com ele —
continuo minha confissão, me deixando um pouco mais leve.
— O filho da mãe tem esse efeito sobre as mulheres. — Ela diz e
não esconde a graça ao gargalhar.
Jaqueline com certeza foi um anjo que apareceu na hora certa.
Ficamos por mais duas horas ali conversando. Trouxe um certo frescor e
alívio ao escutar dela que ninguém vai pensar mal de mim e que a que
menos tem culpa de tudo isso sou eu. Inclusive insistiu muito para me levar
em casa.
— É naquela casa de portão branco — aponto com o indicador para
a casa simples, mas bem cuidada de portão branco baixo. Minha casa ficava
em Campo Limpo, numa dessas casas populares, bem diferente do que
estava acostumada, com certeza.
Ela estaciona o carro, parando-o logo em frente. Mas antes de sair
me entrega um cartão de visita com o seu contato.
— Me passa seu telefone. Somos amigas confidentes e vamos
conversar mais vezes. Adorei passar a tarde com você. — Ela se inclina
após retirar o cinto de segurança e me abraça.
Eu que adorei passar esse tempo com ela. Me sinto renovada por ter
dividido toda angústia que estava vivendo.
— Obrigada por tudo hoje — digo quando ela se afasta e toca na
tela do celular para gravar o meu contato.
— Obrigada você por confiar em mim. Vou te ligar ainda essa
semana para tomarmos um café. Ou para te dar uma boa notícia.
— Tomara! — Junto as mãos como se fosse fazer uma oração e
sorrio, saindo em seguida de dentro do carro dela.
Estranho quando Ailton interfona avisando que JP e Jaque estavam
lá embaixo na portaria. Não tínhamos combinado nada hoje e muito menos
estava esperando os dois aparecerem assim sem me avisar. Aviso que pode
liberá-los e enquanto eles estão subindo visto uma camiseta e um short
rapidamente, em seguida sigo para a sala avistando os dois que já tinham
entrado.
A presença deles é inusitada. Desde o dia da última briga com
Renan mal tenho falado com João Pedro e talvez seja por esse motivo que
está aqui sem avisar.
— Aconteceu algo? — pergunto assim que me aproximo deles.
— Não aconteceu nada. Aliás aconteceu sim. Estamos preocupados
com você. — João Pedro diz sem muita formalidade, entrando mais para o
interior da cobertura, indo para a cozinha. — Vou pegar uma cerveja! —
Ele avisa e some, apenas escuto ao longe o som da geladeira sendo aberta e
na sequência o da tampinha da garrafa caindo em algum lugar.
— Oi, Ric. — Jaque se aproxima e me abraça, beijando a lateral do
meu rosto.
Ao que me parece não tem nada demais, porém os dois estão muito
misteriosos.
— A que devo a honra dessa sua visita, Jaqueline? Desembucha
logo que não é só preocupação.
— Credo! Estava com saudades também.
— Vocês dois não me enganam — respondo em tom de brincadeira
e me afasto, indo também na direção da cozinha.
— Você sumiu, cara. Achamos que está chateado com a gente.
Paro do outro lado do balcão ficando de frente com JP.
— Não estou chateado com ninguém — falo e escondo que apenas
quero me manter um pouco afastado. Não estou a fim desse papo de superar
e tentar viver em harmonia, como se estivesse em uma comunidade hippie.
— Estamos aqui para dizer que estamos do seu lado. — Jaqueline
passa e para ao meu lado, colocando uma de suas mãos em meu ombro
enquanto ainda estou encarando meu amigo.
— Trabalhei muito hoje, vamos pedir o que para comer?
— O que você quiser, meu amor. — Ele responde e retira o celular
do bolso entregando para ela.
— Aí tem! Vocês dois estão muito misteriosos — digo ainda com a
ideia de que eles estão ali por um motivo e que primeiro vão tentar acalmar
toda a situação para então depois falarem.
Jaqueline pega o aparelho das mãos dele e enquanto faz o pedido de
pizzas ficando andando de um lado para o outro.
— Conheço muito bem vocês dois para saber que estão querendo
me falar algo — falo olhando de um para o outro, esperando para ver quem
vai ser o primeiro a falar.
Se tem algo que sinto de longe é quando alguém, inclusive esses
dois, quer dizer algo.
— Está bem. Vai lá, amor. Pergunta logo — João Pedro como
sempre não consegue se controlar e joga para Jaqueline dizer o motivo de
estarem ali.
— Perguntar o quê? — Fico curioso com todo esse mistério, com os
dois se entreolhando.
— Como foi a noite com a Amanda? — Franzo o cenho quando
Jaqueline solta logo de cara a pergunta.
Mas que porra. Fofoqueiro de uma figa.
Olho repreendendo-o por ter dividido com ela algo que pedi para
não falar, pois havia quebrado a promessa que fiz ao contar para ele.
— Foi mal, cara! Ela me forçou a contar tudo e o porquê da briga. E
nem foi tudo!
— Como assim, João Pedro, você não me disse tudo? — Jaqueline
olha para ele, mas acredito que seja só um teatro dos dois; no entanto,
acredito que não tenha contado a parte de ter transado com Amanda.
— Só jantamos — respondo, sentindo que sou um idiota por ter
confiado nele.
— Só jantou mesmo? — Ela instiga enfatizando a pergunta, como
se soubesse de tudo.
— João Pedro, cara, você é muito linguarudo. Quem mais está
sabendo?
Não sei porque fui contar. No fundo eu tinha certeza de que ele ia
abrir a boca para ela assim que chegasse em casa.
— Bebe aí! — Disfarçando e evitando uma discussão ele me
entrega uma cerveja após abri-la.
Respiro fundo, muito puto com o fato de já ter pessoas demais
sabendo.
— Já estou sabendo, seu bobo. E não foi o João Pedro quem me
contou. — Jaqueline diz, mas desconfio, ainda mais agora que está dizendo
que não foi o namorado para aliviar a barra dele.
— Mas como está sabendo então, se não foi esse fofoqueiro aí? Eu
não contei para ninguém. A não ser que... — Se não foi João Pedro e nem
eu, a única pessoa que poderia contar seria Amanda.
Olho para Jaque e sorrio com minha suposição.
— Ela?
Jaque sorri e mexe os ombros como se não soubesse de nada.
Filha da mãe.
— Contou e não contou, ela deixou escapar que chegou atrasada no
serviço e que você tinha se oferecido para levar ela. Qual é, Ricardo? Se
você se ofereceu para levá-la no emprego é porque ela dormiu aqui. —
Duvido que está dissimulando para colher algo mais. — Não precisou ela
falar mais nada.
Apesar de evitar pensar em Amanda durante a semana que passou,
fico intrigado.
— Você a viu quando? — pergunto interessado em saber como ela
estava.
Quis sim ligar diversas vezes, mas evitei ao máximo depois que me
ligou pedindo para não contar nada a ninguém, ainda mais por saber da
boca daquele filho da puta que estavam juntos ainda.
Foi um exercício de autocontrole extremo.
— Esses dias aí. — Jaque continua falando por partes.
— E como ela está?
— Bem! Não falou mais com ela?
— Amor, você acha que Ricardo fica ligando para as mulheres com
quem passa a noite? — JP diz e zomba.
Sim... não sou muito meloso. Deixo a mulher mostrar que ela quer
tanto quanto eu e se rolar interesse mútuo eu ligo, vou atrás, mas se não,
fico na minha. Como fiz com Amanda, mesmo tendo provas de que ela quis
tanto quanto eu aquela noite.
Apesar que para ser mais sincero, essa semana mal tive tempo de
ficar tentado a ligar, foi mais na semana passada.
— Não! Nos falamos no mesmo dia que acordou aqui e só. Mas se
quer saber não tive tempo para nada essa semana. Thaís está me deixando
louco com suas férias — resmungo, me lembrando desse detalhe —, não sei
o que vou fazer. Ela está fazendo teste com uma novata, que hoje me tirou
do sério. Tudo que pede ela quase chora. Parece que tem medo de mim.
— Agora você morre por causa de uma mulher.
Confesso que Thaís é indispensável no meu escritório, inclusive
para mim. Acho que me apeguei tanto por ela ser ativa, fazendo tudo sem
precisar pedir que agora me vejo perdido sem saber como vai ser durante o
mês inteiro sem ela por lá.
— Estou ficando doido, cara. Thaís só falta adivinhar o que quero.
— Bebo outra golada de cerveja.
Não quero ficar pensando em como minha vida vai ser virada do
avesso sem ela lá. E logo agora que vamos começar a projetar a campanha
que tanto lutamos para conseguir.
— Mas, me fala como ela está, Jaqueline? — Mudo o assunto,
interessado em saber mais o que Jaqueline vai falar sobre Amanda. Já basta
a choradeira da novata hoje mais cedo, quando pedi que ligasse para fazer a
cotação de hotel no Rio de Janeiro para parte da equipe que vai comigo para
lá.
— Está bem, ainda está com o Renan. — Ela diz a informação da
qual não queria ouvir.
— O esperado. — Fungo e tento não transparecer minha
insatisfação.
Nem sei o que pensar. Era óbvio que voltariam.
— Mas elogiou você em relação ao jantar.
— Só isso? — Encaro Jaqueline, mas me assusto ao escutar João
Pedro gargalhar alto.
— Cara, você precisa ver sua cara de bobo querendo saber se ela
falou de você. Parece um adolescente apaixonado. — Ele continua rindo.
Não digo que é paixão, mas que estou atraído por ela isso é
verdade. Que queria ter um tempo maior com ela. Sem dúvidas!
— Ric, você sabe que sou muito mais você. Que torço muito para
encontrar alguém legal, mas Amanda é apaixonado por Renan. Acho que
ele faz o que quer com ela. Está cega.
Assinto e sorrio para ela. Não como se suas palavras fossem de
consolo, mas por saber que eram a mais pura verdade. Amanda em nenhum
momento disse que não gostava dele, era visível a dor implícita em seu
olhar naquela manhã e até mesmo no momento em que ele mandou a
mensagem dispensando-a. Porém, preciso ser prático em relação a toda essa
situação.
— Obrigado, Jaqueline. Mesmo eu achando que aquele filho da
puta não a merece.
— Está apaixonado? — Ela questiona.
Não poderia intitular de paixão. Mas também não posso afirmar que
seja apenas uma simples atração. É algo ainda sem uma definição do que
sinto.
— Quem sabe! Sei que se eu tiver outra oportunidade de estar com
ela, não vou pensar duas vezes. Que se foda o Renan, o cara é um escroto.
— JP, não fala nada. Ricardo tem o direito dele. — Jaque o impede
antes dele colocar seu parecer. Que provavelmente é toda sua politicagem
da boa vizinhança.
— Eu não ia dizer nada. — Ele diz e vira o restante da cerveja que
está dentro da garrafa na boca.
— Bom! Não vim aqui para querer saber sobre sua noite com
Amanda e o que rolou. Preciso de um favor seu! — Jaqueline vai para o
lado de JP e se senta em uma das banquetas ali. — Preciso de um emprego
para uma grande amiga. O que foi ótimo ter vindo logo agora que Thaís está
para sair de férias. Já que a substituta dela não está dando certo, poderia dar
uma oportunidade para essa minha amiga.
De novo o assunto que mais estou odiando falar por esses dias.
— Jaque, podemos ver. Fala para ela ir amanhã de manhã e
conversar com a Thaís, eu vou estar fora e volto só mais para o fim da
tarde. Se Thaís aprovar, nós fazemos um teste de uma semana para ver se
sua amiga vai se sair bem. Não prometo empregá-la.
— Se não der certo, pelo menos poderia ver em outro setor na
agência. Ela está desempregada e ajuda a mãe em casa. É uma pessoa
maravilhosa, tenho certeza que você vai gostar e aprová-la. — Jaqueline
sorri e pisca para João Pedro de um jeito que me deixa desconfiado, porém
não há nada demais ajudá-la com esse pedido, mesmo não gostando de
empregar ninguém muito conhecido.
Eles acabam pegando uma liberdade e às vezes, quando é
necessário fazer alguma observação, acabam misturando a relação. Na
maioria das vezes não dá certo.
Não demora muito e a pizza chega. Comemos e voltamos a falar da
minha briga com o Renan. E pela primeira vez, um posicionamento sem
pensar no coletivo e no grupo de João Pedro, que disse que está do meu
lado.
Assim que eles vão embora, vou checar alguns pontos das reuniões
que vou ter com alguns clientes fora da agência amanhã.
Estava eufórica e ainda não conseguindo acreditar que aquele
encontro com Jaqueline ontem me rendeu uma ligação sua bem tarde, com a
notícia que faria um teste daqui a pouco.
Ela disse que a secretária de um amigo dela vai tirar férias e que
precisa de uma substituta. Que era por um mês, mas melhor um mês de
salário do que nada. Já que descobri que estava sendo demitida por justa
causa e não teria nenhum direito. E não importava se fosse uma semana. O
que mais queria era trabalhar logo.
Como não sabia onde seria, visto um conjunto preto de alfaiataria,
calça e blazer, com uma camisa branca por baixo. Deixo meu cabelo solto e
passo bem pouca maquiagem, como estava acostumada mesmo.
Ela fez questão de vir me buscar, mesmo eu insistindo para que nos
encontrássemos na porta do lugar. Mas percebi que não conseguiria isso
dela quando se negou a passar o endereço, dizendo que ela teria que ir
comigo e que então não tinha problema algum vir até aqui.
Combinamos às 8h e faltavam ainda alguns minutos, porém, para
evitar qualquer atraso fico na porta esperando. E não demora muito ela
chega.
— Não queria te dar esse incômodo, Jaque. Você está me ajudando
tanto — falo, já me desculpando de antemão ao entrar em seu carro.
— Para com isso! Não estou fazendo nada demais, só ajudando uma
amiga. Quero te ajudar e quero ir junto para garantir que a vaga seja sua. —
Ela sorri gentilmente.
— Obrigada, não tenho palavras para retribuir o que está fazendo
por mim.
— Contou algo para o Renan?
— Ainda não — respondo. Sei que uma hora ou outra eu teria que
dizer que não estava trabalhando mais na loja e que Jaque tinha conseguido
um novo emprego para mim, mas por enquanto prefiro não dizer nada. Nem
sei se vou passar no teste.
— Bom... E tem algo que preciso que faça.
— Claro.
Como iria negar algo para ela que estava me ajudando tanto?
— Me prometa que aconteça o que acontecer, você vai aceitar essa
vaga? — A princípio não compreendo muito o porquê dela querer que
prometa que vou aceitar diante de quaisquer circunstâncias. Mas é claro que
vou. Estou precisando e uma semana, um mês trabalhando não é um luxo
que posso descartar.
Concordo e vamos conversando de outras coisas durante o percurso.
Quando chegamos ela estaciona próximo a um prédio comercial não muito
alto. Fica no Jardins. Sua fachada é toda espelhada com dois R projetados
para frente, embaixo estava escrito Brasil Publi. Não sei porque, tento
buscar na minha memória onde vi esse nome, mas nada me vem à mente.
— Vamos! — Ela me chama e a acompanho, entrando no local.
Vamos até um balcão que fica logo na entrada. Há uma mulher
muito bonita atrás dele. Jaqueline a informa que Thaís está esperando por
ela. Logo somos liberadas para subir após ela desligar o telefone.
Dentro do elevador Jaque sorri confiante. Ela era uma mulher linda.
Alta e esguia. Com mechas loiras em seu cabelo.
— Está nervosa? — Jaqueline pergunta após apertar o botão do
terceiro andar.
— Um pouco. — Respiro fundo e aperto minha bolsa contra meu
corpo.
Mas é claro que estava nervosa. Quem nunca fica em uma
entrevista de emprego? Ali é o ponto para uma nova página na sua vida. É
um recomeço de novas expectativas. Apesar que eu não poderia criar
muitas, já que seria apenas por um mês.
— Não fique. Te garanto que meu amigo vai adorar você. E a
secretária dele ainda mais. E lembra do que me prometeu: não vai desistir
diante de quaisquer circunstâncias!
Assinto no mesmo momento que as portas do elevador se abrem
para um andar totalmente decorado com estampas de marcas conhecidas na
parede. E percebo que não se trata de um consultório médico. Estranho e
meu sexto sentido me diz que algo não é como pensava. Talvez me deixei
criar essa ilusão que fosse para ser secretária de algum médico por ela ser
médica e ter muitos contatos no hospital em que trabalha, mas aqui não tem
cara de ser um consultório.
A sigo calada até a última sala espaçosa, onde tem uma mulher
sentada logo atrás de uma mesa e que ergue seu rosto ao perceber nós duas
ali. Ela é muito bonita e alta. Como a mulher da recepção, porém mais
sorridente.
— Jaque! — Ela mal espera nos aproximar para se levantar e vir ao
nosso encontro. Vem caminhando como se fosse uma modelo. Observo não
só ela, mas toda a sala luxuosa e uma porta ao fim dela.
— Tudo bom? — Jaqueline pergunta e as duas se abraçam.
— Tudo. Trabalhando muito. Não vejo a hora dessas férias
chegarem. E abençoada seja você. Aquele ditador me mandou uma
mensagem hoje às 6h da manhã, me avisando que você viria com uma
amiga sua para fazer um teste. Tomara que dê certo.
Fico observando a conversa entre elas e temo pelo que disse ao
sugestionar que seu patrão fosse um carrasco, mas logo após dizer ela ri e
percebo que não passa de uma metáfora. Que por sinal muitos funcionários
dizem por aí.
— Essa é Amanda, Thaís. — Jaque diz e os olhos da secretária
param em mim.
— Amanda? — Seu olhar, por mais inspecionador que seja me
deixa levemente desconfortável ao vê-la me percorrer dos pés à cabeça.
— Sim. A Amanda. Ele te conta tudo e não precisa fingir que não
sabe. — As duas sorriem e a mulher assente, confirmando a afirmação de
Jaqueline.
Por um momento fico sem entender, mas como se uma lâmpada
acendesse dentro da minha cabeça, clareando perfeitamente tudo, associo
onde estou.
O nome Thaís eu o escutei na viagem para Punta Del Leste. A logo
RR Brasil Publi estava nos quadros no apartamento de Ricardo.
Por Deus, não poderia ser.
Respiro fundo e sinto minhas mãos suarem em frio.
— Prazer, Amanda. — Ela se aproxima e me cumprimenta como
fez com Jaque. E sem saber como reagir correspondo sem conseguir dizer
nada. — Thaís.
— Prazer — balbucio nervosa.
— Então é a famosa Amanda. — Ela diz e não me sinto bem, por
saber que ela sabe de mim e de um jeito que não gostaria que soubesse.
Ele me prometeu. Foi João Pedro e agora ela.
— Ele sabe quem é a sua amiga? — Thaís pergunta e Jaque nega
com a cabeça, confirmando que Ricardo não sabia que a sua amiga que
precisava de um emprego era eu.
E não é uma simples suposição minha. A forma como conversa me
leva a entender que se trata dele.
— Não vai dar certo, Jaque. — A secretária diz e por mais que eu
precise desse emprego concordo com ela de que jamais dará certo.
— Amanda é muito educada e inteligente, tenho certeza que Ric vai
se dar super bem com ela.
Jaqueline sai em minha defesa. Mas me sinto atônita, querendo
abrir a boca e dizer não.
— Jaque, não sei. — Minha voz por fim sai fraca, mas consigo
expressar o que sinto após Jaqueline se referir a Ricardo pelo apelido.
Ela me ignora e sorri apenas.
— Thaís, posso falar a sós com você? — pede e as duas saem de
perto e vão para a sala por trás da porta que tem no fundo.
Mas não demoram muito. Não passa de cinco minutos. Para mim
pareceu uma eternidade.
— Amanda, Thaís é secretária do Ricardo. Acho que sabe onde está
e porque não quis dizer nada antes. Estava com medo de não aceitar. —
Jaqueline diz assim que retorna.
— Me desculpe, mas eu não posso trabalhar aqui, Jaque. — Olho
para as duas mulheres à minha frente.
Eu não poderia aceitar. Sei que Jaqueline poderia ficar chateada
comigo. Ela foi incrível em se preocupar comigo. Mas como que faria
trabalhando e sendo secretária de Ricardo por um mês depois de tudo que
aconteceu?
— Amanda, você me prometeu que aceitaria sob qualquer
circunstância. — Ela relembra a promessa que me fez fazer.
E eu sei que prometi, mas sequer imaginava que seria na agência
dele.
— Eu sei, Jaque, mas eu não sabia de nada.
— Você precisa do emprego e Ricardo também foi um dos culpados
por perder seu emprego. Então, é só por um mês. — Olho para ela como se
implorasse que não dissesse nada. Mesmo ciente de que a secretária já
deveria estar sabendo de tudo. — Não precisa se preocupar, Thaís é a
pessoa que mais sabe de tudo da vida dele. Ele pode até não contar para os
outros, mas para ela pode ter certeza que contou. — Meu olhar vai para
Thaís que confirma estar sabendo.
— Fica tranquila, Amanda. Trabalho com o Ricardo faz cinco anos
e não existe melhor pessoa no mundo para ter como patrão. Ele é muito
profissional. — Sinto sinceridade no que fala, mas o maior problema não
seria só esse; tinha Renan também, que provavelmente vai terminar comigo
quando souber onde estou trabalhando e com quem. Ele me pediu para ficar
longe de Ricardo.
— Renan não vai gostar — penso e falo em voz alta.
— Amanda, por favor, você não pode parar sua vida por causa do
Renan. Você deve aproveitar as oportunidades que a vida te dá e trabalhar
no escritório com Ricardo vai ser ótimo para você.
Sim... eu sei que seria um sonho. Não por saber que é com ele ou
algo do tipo, mas por ser em um lugar que sempre quis.
— Se o problema for esse, peço para JP conversar com Renan.
— O salário é ótimo. — Thaís diz em ajuda a Jaqueline e também
fala o valor. Que era o triplo do que eu ganhava na loja com a comissão.
Seria um mês por três.
É irrecusável, mas não posso aceitar.
— Não é só por isso.
— Então é por causa de Ricardo? — Thaís questiona e não a
respondo.
Não ia dizer que também um dos motivos para não aceitar seria por
causa dele.
— Porque se for, eu dou minha palavra que ele não vai fazer nada.
Ele jamais forçará alguma mulher a algo, sem contar que aqui ele é muito
profissional. Jamais te desrespeitará.
Não sei...
Mas depois de uma hora delas falando somente os prós acabo
aceitando, pensando em como vai me ajudar muito o bom salário.
Acordo bem mais cedo. Ansiosa para poder chegar logo o horário
de ir para a agência. Confiro se Renan me ligou e não tem nenhuma
notificação de nada dele.
Melhor assim. Talvez eu não devesse contar para ele por telefone.
Quem sabe peço para me encontrar na hora do almoço, porém deixo para
me decidir durante o caminho.
Então levanto e começo a me arrumar após tomar um banho e lavar
meus cabelos. Eles estavam precisando de uma hidratação, mas não daria
tempo de ficar embaixo do chuveiro mais do que 20 minutos.
Em pouco tempo estou pronta para sair.
Quero chegar mais cedo e consigo.
E assim que chego na agência me deparo com a mesma secretária
de ontem se sentando. Acredito que ela também tenha chegado agora.
Aproximo da sua mesa e informo quem sou. Pelo visto ela já sabia,
mas não é a forma como ela me cumprimenta que me deixa um pouco
incomodada e sim pelo jeito que me olha. Verificando como estava vestida
dos pés à cabeça. Contudo finjo não perceber como está me olhando,
apenas sorrio e desejo bom dia.
Subo até o terceiro andar. Thaís ainda não chegou quando entro na
sala. E assim como me orientou, me sento no seu lugar e começo a fazer o
que me passou para ser realizado em prioridade.
Checo os e-mails que Ricardo recebeu e imprimo os mais
importantes. Depois de tudo organizado, é então que a vejo surgir no
corredor vindo na minha direção, caminhando tranquilamente e falando
com alguém no celular.
— Bom dia, Amanda. — Ela me cumprimenta alegre após encerrar
a ligação. Em seguida guarda sua bolsa no armário que fica logo atrás da
sua cadeira.
— Bom dia! Já fiz uma lista de alguns e-mails e os imprimi para
você ver se está certo — informo assim que ela se senta no lugar que estava
antes.
Thaís pega os papéis impressos e os folheia.
— Poxa... vou começar a ficar preocupada com essa sua eficiência.
— Ela me encara e sorri. — Perfeito!
Depois que fiquei sabendo sobre a bolsa de estudos não penso em
outra coisa a não ser conseguir ficar por mais tempo aqui. Em ser exemplar.
Apesar que não dura muito tempo toda essa minha euforia, minha mente
volta para Ricardo quando o vejo chegar. Todo arrumado, com os cabelos
penteados para trás e muito perfumado.
Olho para ele pelos cantos dos olhos, mantendo o que estou
fazendo. Na verdade, evito, não posso permitir meu corpo corresponder e se
incendiar todas as vezes que o ver.
— Bom dia! Trouxe café para as minhas meninas. — Ele fala e
coloca dois copos desses cafés gourmet sobre a mesa.
Engulo em seco quando encontro seu olhar em mim. Por mais que
eu amasse outro homem, sinto-me diferente quando estou perto dele. Talvez
sejam as lembranças e do quanto gostei, mesmo que isso ainda me traga
lembranças ruins junto. Como de mentir para minha mãe, para Renan, de
não ser eu mesma. No entanto, firmo meu pensamento que o café é apenas
uma gentileza sua.
— Olha só, tem gente que acordou de excelente humor hoje. —
Thaís fala pegando o seu copo e deixando o outro para mim.
— Sempre acordo, preciosidade. — Ele diz e sorri, desviando seu
olhar para ela.
— Mas para trazer até café? Tem que ter um motivo.
Viro o rosto e finjo que não estou percebendo que estão
conversando.
— Que hoje o dia será puxado e que as duas precisam de doses
extras de café. — Ele remexe e pega os e-mails que imprimi ainda há pouco
da mão de Thaís. — Preciso que confirme a data da viagem para o Rio. E as
duas... — Ele aponta o dedo para nós, movimentando-o no ar de uma para a
outra. — Se decidam entre si quem vai me acompanhar na campanha. E por
favor, já confirme o hotel que marquei da cotação.
Como assim, viagem para o Rio de Janeiro?
Entro em um estado de alerta máximo. E de novo me sinto naquela
constante montanha russa, subindo e descendo, quando sou tomada pela
realidade. De que se eu tiver que ir e Renan?
— Amanda vai nessa viagem. — Thaís diz sem me dar chances de
escolher se quero ir ou não, me deixando em pânico.
Enquanto ela decide quem vai, Ricardo nos deixa sozinhas.
— Mas, Thaís eu não sei nem o que fazer. Como assim eu vou para
o Rio de Janeiro? — inquiro assim que ele vai para sua sala.
— Sim, sim... Vou te falar o que você vai ter que fazer, é daqui duas
semanas. Se prepare, avise o boy, porque aqui é assim. Patrão manda, nós
obedecemos.
Por Deus...
Perco o sentido do que devo fazer, minha mente se acelera em
tantos pensamentos de medo e angústia. Se Renan ainda nem sabia que
estava trabalhando — e isso me traria uma grande confusão quando
soubesse —, imagina eu ter que falar que daqui duas semanas vou para o
Rio de Janeiro com Ricardo, ficar lá sei quantos dias.
Ele não vai aceitar.
Ele não tem que aceitar! E sim te apoiar.
É complicado, não é algo simples.
Ela encerra o assunto como se eu tivesse dito sim. Aliás, em dado
momento não tem como bater o pé e dizer que não vou. É a trabalho.
— Preciso que faça essas ligações para o hotel e passe a lista de
funcionários. — Thaís me entrega um dos papéis que Ricardo antes de
pegar os impressos deixou sobre a mesa. — Está vendo aqui? — Ela aponta
para onde ele circulou e fez algumas anotações.
— Sim.
— São as observações que ele está pedindo que você reserve.
Ricardo sempre checa tudo antes de dar o aval. Então ele escolhe a dedo. E
nesse garrancho de letra, está como ele quer. — Aponta para onde a
péssima caligrafia está.
Ela me entrega o papel com as informações de qual hotel e do que
devo fazer, indo até a sala dele em seguida.
Faço como me pede e ligo para o número que está no papel e passo
mais de meia hora conversando com a reserva do hotel. Assim que encerro
a ligação, ainda pensando em como vou contar para Renan sobre essa
reviravolta, sobre o emprego e a viagem, é que percebo sua silhueta parada
próximo à porta de vidro que separa a antessala de Ricardo.
Olho para o lado rapidamente e chacoalho a cabeça, não
conseguindo acreditar que era ele mesmo ali.
— O que está fazendo aqui, Amanda? — Meu corpo inteiro trava,
até minha respiração fica presa dentro de mim. Um pânico absurdo me toma
e não consigo responder.
Será que JP já falou com ele? E pelo tom de sua voz não gostou.
— O que está fazendo aqui? — Ele repete a pergunta e o tom da sua
voz aumenta.
Levanto rapidamente já em desespero, imaginando a cena que ele
pode criar ali. Vou de encontro, mas ele coloca sua mão para que eu pare a
centímetros dele.
— Amanda, eu te falei para ficar longe do Ricardo e você não me
obedeceu, pega suas coisas e vamos embora. Não é um pedido. — Ele
informa e cruza os braços na altura do peito.
Não e não...
As palavras param na minha boca e não consigo dizer que não
quero ir. Que quero muito trabalhar aqui.
— Renan, estou trabalhando.
— É, eu sei! E não obedeceu. Você não vai trabalhar aqui. Não vai
ficar perto desse filho da puta. — Ele aumenta ainda mais o volume da sua
voz e não é só o pânico que me deixa completamente sem saber o que fazer,
mas pela vergonha que sinto.
Olho para os lados para ver se ninguém está vendo o que está
acontecendo.
Que vergonha...
— Renan, por favor — sibilo e tento me aproximar de novo.
— Você tinha que ter falado comigo antes, ao invés de usar as
pessoas, ou melhor, os meus amigos para dar recado.
— Eu tentei te ligar ontem à noite para contar, mas você não
atendeu. Estava esperando me retornar para conversarmos. Lembra? Que
me disse que quando ligasse e não atendesse, que não era para eu ficar
insistindo que assim que pudesse me retornaria — soluço entre as palavras,
tentando segurar o choro.
— Tinha que falar comigo primeiro antes de aceitar ou que estava
desempregada. Me sinto traído por você, por saber pelo meu amigo que
minha namorada vai ser secretária de alguém que me odeia. Pega suas
coisas e vamos embora daqui.
— Renan...
— Já disse: vamos embora!
É nítido que está insatisfeito e com raiva. Fico dividida e começo a
pensar em tudo que Jaque me disse, dos conselhos dela e de Thaís.
Não quero ir...
Nego com a cabeça e dou um passo para trás. Mas não me afasto,
ele me impede ao agarrar meu braço, me puxando com força para perto
dele.
— Renan, por favor para, você está me machucando — murmuro e
me encolho sentindo dor onde seus dedos estão cravando para me manter
ali.
— Solta ela agora! — A voz é de Thaís, que se aproxima como um
anjo salvador para me ajudar.
Estou com muito medo. Olho para ele ciente da presença dela do
meu lado. E ele está com muita raiva, seus olhos tem um brilho incomum.
De ódio.
— Vamos, Amanda. — Ele ignora e me aperta mais, demonstrando
que não me soltaria.
— Ela não vai embora. — Thaís tenta tirar a mão dele do meu
braço. — Solta ela!
— O que está acontecendo aqui? — Ricardo aparece e meu rosto
segue sua voz, virando um pouco sobre o ombro para avistá-lo vindo até
nós.
— Você não cansa, não é Ricardo? Já cobrou sua aposta, a deixe em
paz. — Renan berra enquanto Thaís insiste em tentar tirar a mão dele do
meu braço.
— Renan, na boa. Aqui não! — Ricardo diz e se aproxima ficando
do meu outro lado.
— Ela é minha namorada e eu decido onde ela trabalha.
— Ela não é sua propriedade.
Ricardo tenta se posicionar entre nós dois, mas o espaço e a forma
como Renan está me segurando impede.
— E por quê? Tem tanto medo de mim assim?
Os dois ficam cara a cara.
— Porque eu não quero ela aqui. E não tenho medo de um filho da
puta como você.
— Você não é dono dela. — Thaís fala ao mesmo tempo que ainda
tenta me ajudar a livrar meu braço que está começando a formigar.
— Não estou falando com você. — Renan responde para ela
grosseiramente.
— Renan, para com essa cena ridícula. Amanda não está fazendo
nada de mais, só está trabalhando. Você está ridicularizando-a a troco de
ciúmes de mim? — Ricardo tenta intervir em tom baixo. E o que diz parece
que funciona. Renan me solta e recua um passo.
Olho para ele e sinto as lágrimas em meu rosto, molhando-o todo.
— Amanda, o que você vai fazer? Vem comigo ou vai terminar
tudo? — Renan me encara após perguntar e me forçar a ter que fazer uma
escolha.
Sei que poderia acontecer isso, mas não esperava que fosse aqui,
com eles ao meu lado e alguns funcionários vendo toda essa cena.
Fungo desolada e abaixo a cabeça. A vergonha me toma por
completo. Quero só pegar minha bolsa e sair daqui. Mas Thaís me impede
ao me puxar para um abraço.
— Ela vai ficar. — Thaís responde por mim enquanto escondo meu
rosto, com medo de encará-lo.
— Vai ficar, Amanda? — Ele refaz a pergunta, mas mal consigo
abrir os olhos com tudo que está acontecendo, por causa do medo, da
vergonha que estou sentindo.
Eu não quero ir, mas também não quero perdê-lo. Me agarro mais
em Thaís, sentindo como se me escondesse nesse momento fosse o melhor
a ser feito. Não estou em condições de me decidir.
— Vai embora ou vou chamar alguém para tirar você daqui. Olha o
que está fazendo com ela, seu idiota. — Thaís diz empurrando-o com uma
de suas mãos quando ele tenta se aproximar.
Por fim escuto ele bufar e não me viro para ver o que está
acontecendo.
— Então fica aí. — Renan parece que vai embora.
— Ele já foi. — Ela diz baixo enquanto suas mãos esfregam minhas
costas em consolo.
— Leve ela para minha sala. — Ricardo se aproxima e me oferece
um copo com água.
Quase o arranquei na porrada, mas me privei de dar esse gosto a ele
e me expor para toda minha equipe, que assistiu como uma plateia a todo
esse circo de horrores.
Que desgraçado...
Massageio as têmporas antes de voltar para minha sala. Preciso me
controlar.
Olho para a porta aberta e escuto Thaís tentando acalmar Amanda.
Filho da puta que pensa só em si...
Esfrego meu rosto com as mãos, sentindo pena dela por toda essa
situação em que esse merda a fez passar.
Como Amanda pode deixar Renan ter tanto poder sobre ela?
Me pergunto assim que paro entre as duas salas. Fico olhando a
cena com ela sentada em uma das cadeiras a frente da minha mesa e Thaís a
consolando na outra.
Será que não percebe o quanto é tóxico e abusivo esse
relacionamento?
Quero gritar e dizer tudo para ela, mas não tenho esse direito de me
intrometer em sua vida. Sei o meu limite aqui e fico em silêncio por alguns
minutos, pensando o que falar, em como chegou no limite toda essa
situação.
Não vou ser hipócrita em dizer que não imaginava que tudo isso
poderia acontecer. Claro que passou diversas coisas pela minha cabeça
assim que cheguei em casa enquanto tomava banho. Porém não esperava
ser tão cedo assim.
— Amanda! Olha para mim! — peço e me aproximo, me abaixando
ao seu lado. Ela vira para o lado e não consigo ter outro sentimento além de
compaixão, de saber que ela não merece nada do que está passando quando
a encaro e vejo em seus olhos toda a vergonha que está sentindo. É um
sentimento que não sei explicar, mas quero protegê-la.
— Me perdoe, por favor! — Sua voz sai embargada em meio ao
choro.
— Calma, Amanda. Você não tem que pedir desculpas. — Ela tenta
esconder o rosto abaixando sua cabeça de novo, mas a impeço e seguro em
seu queixo, apoiando-o para que olhe para mim. — Não esperava menos
dele. Renan sempre foi um babaca, desde pequeno e continua sendo.
— Estou com tanta vergonha. — Ela soluça e seus deliciosos lábios
tremem.
Caralho... Como quero pegá-la nos braços e dizer que vai ficar
bem. Mas me controlo e não deixo que essa necessidade complique ainda
mais as coisas nesse momento.
— Amanda, você não pode deixar que ele tenha esse poder sobre
você. — Thaís diz e por segundos meus olhos vão para ela. — Ele é apenas
seu namorado e não seu dono, amiga
— Eu sei! — Amanda vira o rosto para ela também e tenta ajeitar a
manga da blusa que acabou esticando e quebrando a fibra do tecido quando
ele a segurou com brutalidade.
Filho da puta desgraçado.
— Amanda, não precisa sentir vergonha. Não foi você que fez tudo
isso, foi ele. Não tem então do que se envergonhar — falo conquistando
novamente sua atenção. — Jamais vou fazer algo que não queira e muito
menos ultrapassar o limite com você. Quero ajudá-la e vou, não me importo
com Renan e com o que ele pensa. Ok?
Não sei porque estava dizendo isso, mas percebo que isso tem um
efeito bom sobre ela. Só não precisa morder esse lábio inferior fodidamente
gostoso.
Caralho... Esse gesto me deixa ainda mais fodido de tesão por ela.
Porém, não vou ser um cafajeste nesse momento. Não é o que precisa.
— Você tem que pensar em você, nas oportunidades da sua vida. Se
não for Renan, vai ser qualquer outra pessoa. — Respiro e impensadamente
me deixo ser levado pelo impulso ao acariciar seu rosto enxugando suas
lágrimas. — Somos amigos, não somos? — Ela assente — Então eu não
vou aceitar sua desistência. Não é isso que quer? Aquele dia me disse que
sonha um dia trabalhar e ser uma publicitária.
— Sim!
— Então não vê o que está acontecendo ao seu redor? — Thaís
completa.
Por fim me levanto ao soltar seu rosto lentamente. Cruzo os braços
e mantenho meu olhar no seu.
— Estamos entendidos? Thaís já vai me abandonar. Você também
vai? — digo em tom de brincadeira na tentativa de relaxar o clima.
— Não!
— Vai lá lavar seu rosto, tomar uma água e vamos trabalhar. Já
passou e ninguém aqui está pensando nada de você — falo e pisco quando
vejo seus lábios abrirem um lindo sorriso tímido.
— Obrigada e me desculpe mais uma vez.
— Preciso de você.
E preciso mesmo, mas de tantas outras formas...
Porra, eu estava me apegando ainda mais, deixando aquela atração
ficar para trás.
Amanda se levanta e Thaís vai com ela, retornando minutos depois,
fechando a porta em seguida.
— Que filho da puta, Ric. — Thaís diz agitada. — Como ele pode
vir aqui e fazer essa cena ridícula de macho escroto?
— Confesso que me segurei para não socar a cara dele.
— E eu ia ajudar! Amanda precisa enxergar que esse cara não vale
nada.
— Também penso assim, mas é dela. Amanda não é o tipo de
mulher que entra em um embate, que se impõe, e babacas como ele se
aproveitam disso.
O que me deixa preocupado. E se não estivéssemos aqui o que ele
teria feito com ela?
— Sim, existe muitas Amanda por aí. — Ela fala com pesar. — Que
um cara manipulador assim consegue o que quer.
— Thaís, converse bastante com ela. Acima de qualquer atração, eu
quero o bem dela.
— Você sim seria bom para ela.
— Mas não vou me intrometer nisso. Quem tem que escolher é ela
— digo firme mesmo que minha vontade seja oposta ao que é certo.
— Ai! Que ódio! Coitada dela. Ele deixou a roupa dela toda
esticada. — Thaís continua andando em círculos, revoltada com que acabou
de acontecer.
— Preciso de um favor seu.
— Pode falar. — Ela dá um longo suspiro e para diante de mim. —
Quer que eu o ajude com ela?
— Não. Já disse que não quero complicar mais a vida dela.
Pois é... Também tenho minha parcela em tudo isso.
— Quero que compre algumas roupas para ela. — Pego a carteira
no bolso de trás da calça. Retiro um dos meus cartões de crédito e entrego.
— Fale que é uma bonificação que a agência dá para funcionários novos.
Sei que é patético, mas não diga em hipótese alguma que sou que estou
pagando.
— Claro. Vou chamar ela para almoçar e faço isso. — Ela pega e
balança o cartão, porém sorri debochada.
Com certeza vai fazer algum comentário sobre minha atitude.
— Nossa! Você nunca fez isso por mim! — diz em tom de
brincadeira.
— Também nunca fodi você...
— Cretino.
Mas não era por esse motivo que estava fazendo tudo isso e sim
porque Amanda tinha que ver com seus próprios olhos que sua vida seria
muito melhor sem Renan no controle dela.
Dias se passaram desde que Renan apareceu aqui me fazendo passar
o maior vexame, desaparecendo também.
Ele não ligou, não enviou mensagem. Também não o procurei mais.
Talvez fosse melhor sofrer com um coração partido do que me sentir
humilhada como senti. Até porque, não tinha nada de mais trabalhar com
Ricardo. Tudo o que me disse ele cumpriu.
Em nenhum momento tocou no assunto, apesar que seu olhar
muitas vezes me dizia que aquele mesmo homem que passei a noite ainda
estava ali. Ele era extremamente profissional e brincalhão. Elogiava meu
desempenho e isso só me fazia admirá-lo, não por ter me feito uma vez sua,
mas por ser íntegro.
Até roupas me deu. Quando Thaís me disse que era um bônus da
agência para novos funcionários fingi acreditar, ou melhor, era mais
reconfortante pensar assim.
E conforme os dias foram passando, Thaís se tornou uma grande
amiga. Não só ela, mas Jaque também, que me ligava quase todos os dias
para saber se estava bem. Aliás, através dela fiquei sabendo que a atitude de
Renan fez com que o grupo se afastasse dele.
Não fico feliz por isso. Acho que lá no fundo ele tem algo de bom.
Porém, segui os conselhos dela para deixá-lo de lado que se realmente me
amasse ele me procuraria. O que não aconteceu.
Nos primeiros dias tudo foi muito difícil. Senti saudades, me doeu
muito ao perceber que ele não me amava como dizia.
Mas a vida precisa continuar. Quem sabe um dia tudo isso passe.
— Bom dia. — Thaís me cumprimenta ao chegar.
Tenho chegado antes dela todos os dias para deixar tudo
organizado. Ainda mais depois dela me dizer que estava livre de ir para o
Rio de Janeiro acompanhar Ricardo. O que fez com que eu me sentisse um
pouco menos tensa.
Tudo está tão conturbado que essa viagem só pioraria o que estou
tendo que lidar. Então tento adiantar tudo para ela.
— Bom dia. — A cumprimento de volta e já mostro algumas coisas
que separei para ela ver se estava certo.
Ricardo mandou colocar outra mesa ali para mim. Então ela tinha a
dela e eu a minha agora.
— Obrigada. Não sei o que vou fazer quando voltar e você for para
outro setor. — Ela diz e pega os e-mails impressos e vai para a sala de
Ricardo, que também chegou antes dela, porém apenas me cumprimentou e
se trancou lá.
Começo a fazer a lista e a organizar algumas coisas da campanha
que vai ser gravada no Rio de Janeiro. Além de enviar alguns orçamentos
para alguns clientes.
E estava entretida quando Flávia liga para mim, me pegando de
surpresa ao dizer que Renan estava lá na entrada pedindo para subir.
Apresso-me em dizer não, evitando que ele faça outra cena aqui,
mas ela insiste em dizer que ele quer muito falar comigo. Escuto até sua voz
implorando para ela passar para ele.
Renan deveria ter me ligado ao invés de vir aqui.
O medo que sinto que ele possa fazer algo é maior e acabo cedendo
quando ela, autoritariamente, me diz para decidir logo. Então peço que ele
me espere lá embaixo mesmo. Não quero que Ricardo e Thaís fiquem
sabendo que ele está aqui de novo.
E assim que desligo a ligação, não demora muito ela volta para sua
mesa. Aviso que vou ao banheiro, mas que antes preciso fazer algo, mas não
digo o que é.
Não sei porque cedi.
Lamento enquanto o elevador desce.
Mas seria melhor falar com ele lá, afinal não faço a mínima ideia do
que quer e porque, depois de tudo, ele veio aqui.
Assim que saio de dentro do elevador o vejo sentado na recepção
com a cabeça quase entre as pernas. Me aproximo e paro em uma distância
segura.
Algo dentro de mim mudou. Sei que não sou mais a mesma. Todo
aquele sentimento não é mais o de antes.
— Oi! — digo e ele ergue a cabeça e se levanta.
— Princesinha! — Ele tenta me tocar, mas recuo um passo para
trás, por medo.
— O que está fazendo aqui? — pergunto a fim de saber logo o que
quer. O quanto menos ele ficasse por aqui seria melhor.
Seu olhar percorre meu corpo e um sorriso se abre em seus lábios.
— Estava com saudades e precisava te ver.
— Renan... — suspiro ganhando coragem para dizer que não, mas
ele encurta o espaço entre nós e segura meu rosto entre suas mãos.
— Sei que está triste comigo, mas quero pedir desculpas. Foram
dias horríveis sem você. Não deveria ter vindo aqui.
Sua atitude é tão inesperada que não reajo ao seu toque e seus
lábios selando os meus em um ato inusitado, aparentando ser genuíno.
— Me perdoa? — Renan afasta e deixa sua testa colada com a
minha esperando minha resposta.
Não sei o que responder.
— Renan, eu não posso.
— Sei que fui um completo idiota, mas estava morrendo de ciúmes
de você. Eu te amo, Amanda. Me dá uma oportunidade de mostrar que
estou arrependido. — Sua voz sai baixa e em seu olhar tem algo a mais,
como dor.
Por dias chorei por ele não me ligar, por ter feito o que fez, mas
também não posso anular que está aqui arrependido, me pedindo desculpas.
— Eu te amo tanto que está doendo para caralho.
Poxa... logo agora que achei que poderia sobreviver sem ele.
O que faço?
De novo Renan sela meus lábios e eu não o impeço, porém me sinto
desconfortável com a secretária ali.
— Poderíamos conversar lá fora? — Dou a ideia, mesmo que seja
arriscado. Aqui ele está sendo o Renan que conhecia, então não vejo
problema de sair do olhar dela.
Afasto um pouco e saio a sua frente na direção da saída. Paro
próximo da porta e então Renan me abraça, trazendo para perto dele.
— Amanda, vamos colocar uma pedra em cima de tudo, por favor.
— Renan, eu não sei o que pensar.
Por mais que ainda sentisse algo por ele, não queria ter que
sacrificar meu emprego caso ele pedisse de novo.
— Não pense, princesinha.
— Eu quero continuar trabalhando aqui.
— Não tem problema, você vai continuar, só a quero de volta. Até
porque é só por um mês.
Ele ainda não sabia que não seria temporário.
Fecho os olhos e preciso ser forte.
— Não é só um por mês, vou para outro setor quando Thaís
retornar. E aí como vai ser?
— Não vou fazer nada, mesmo odiando que trabalhe aqui perto
daquele desgraçado. E também posso conseguir algo melhor para você.
— Mas eu não quero sair. Está dando certo.
— Então não saia. Só quero você de volta, mesmo que eu tenha que
tolerar ele perto de você todos os dias.
Renan não me deixa responder e me beija. E fraca permito,
aceitando suas desculpas.
Assim que encerramos o beijo digo que preciso retornar que logo
vão dar falta de mim e então prometo que nos veríamos à noite. Porém, não
estou tão confiante com o que sinto. Algo que me divide entre a dúvida e
tentar de novo.
— Você não precisa se incomodar — falo assim que o vejo
arrumado logo atrás de mim.
Ontem, quando estava chegando em casa, Renan já estava me
esperando. E parte de mim não foi forte o suficiente para recusar passar a
noite com ele. Porém não foi como esperava, que tudo seria como antes.
Faltava algo.
Quando transamos não foi mais do mesmo jeito.
Talvez o motivo fosse por ainda a outra parte estar ressentida e com
medo. Contudo, as coisas estão se normalizando, voltando a ser como antes.
Preciso de tempo para entender o que aconteceu comigo.
Aliás, desde aquela noite com Ricardo essa foi a primeira vez que
Renan e eu dormimos juntos. Também pode ser isso que me sinto estranha e
incomodada.
Sou eu...
— Vou levar minha namorada para trabalhar e isso não é incômodo.
Ele insiste e permito que me leve.
Durante o caminho sua mão busca pela minha, colocando-a sobre
sua coxa a todo momento. Ele sorri de um jeito inesperado que há tempos
não o via assim.
— Vamos comigo para Bragança esse fim de semana? — Ele diz
assim que sai do carro para se despedir de mim.
Olho para a entrada da agência ao sentir seus braços se fechando ao
meu redor e ele encostando, apoiando-se contra o carro.
— Preciso falar com a minha mãe primeiro.
Sei que ficava irritado quando queria algo e eu colocava ela como
prioridade. Mas dessa vez foi diferente.
— Se quiser posso passar na sua casa e falar com ela.
Renan estava tão diferente, compreensivo e carinhoso.
— Só quero passar o fim de semana inteiro matando a saudade que
estava de você, princesinha.
Ele me beija sem ter sua resposta e por fim quando se afasta acabo
aceitando o convite, até porque Thaís e Ricardo viajariam e ficariam fora
uma semana inteira. E isso poderia ser bom. Passar o fim de semana com
ele para eu ver se tudo vai voltar a ficar bem.
Estava esperando o portão abrir para eu guardar a moto quando vejo
Amanda e Renan juntos de novo. Aos beijos, como um casal feliz e
apaixonado depois de se reconciliarem. Como fui otário em pensar que aos
poucos ela estava mudando e esquecendo esse bosta. Deveria ter agido
antes, ter me posicionado.
Aos poucos, com o passar dos dias fui reconhecendo que tudo que
sentia por ela era bem superior a uma atração qualquer. Que estava
realmente apaixonado. Mas queria esperar ela esquecer tudo que aconteceu
e ir devagar.
Sem sede ao pote.
Porém, fui nocauteado sem levar nenhum soco. O bastardo foi
rápido.
Por fim, sinto raiva e um gosto amargo na boca. Não fico mais ali
parado como espectador daquele beijo. Acelero a moto e entro na garagem
subterrânea e vou até a vaga onde costumo estacioná-la.
Tiro o capacete e o coloco sobre o tanque. Reflito como as coisas
chegaram a esse ponto e não me conformo que Amanda e Renan reataram.
Não dá para acreditar.
Não deveria ser assim.
Depois de minutos que passei sobre a moto pensando e buscando
por respostas para o que vi entre eles, resolvo subir e trabalhar. Ocupar meu
dia, que não seria tão calmo assim. Ainda tinha muitas coisas para resolver
antes da viagem.
Passo por elas e Amanda está guardando sua bolsa quando olho de
relance em sua direção.
— Bom dia! — as cumprimento sem uma brincadeira como faço
todas as manhãs.
Particularmente eu sempre tinha um ótimo humor no começo do
dia, mas hoje não, ele azedou no exato momento em que vi a cena dela com
ele aos beijos.
Vou para minha sala inquieto mentalmente e calado. Bato a porta
depois de entrar e logo em seguida Thaís vem ver o que está acontecendo.
— O que aconteceu e que cara é essa? — Thaís entra sem bater,
fechando a porta logo em seguida.
— Nada — respondo ríspido, mas me arrependo no mesmo
momento. Ela não tem culpa do que vi e do que estou sentindo.
— Como não? Mal parou para falar comigo e com Amanda. Se eu
não te conhecesse bem, Ricardo Medeiros, eu até acharia normal. Mas algo
aconteceu sim.
Não respondo de imediato. Sento atrás da minha mesa e a encaro.
— Como você fica com um cara que faz de tudo para te deixar por
baixo, te envergonha na frente dos outros? — questiono como se ela tivesse
a resposta para minha indagação.
— Do que você está falando? — Thaís se aproxima e se senta na
ponta da mesa ao meu lado.
— Acabei de ver a Amanda aos beijos com Renan na entrada.
Olho para o lado e para ela.
— Respondido o porquê do mau humor.
— Não consigo entender. Como pode?
— Estou chocada. Eu tinha certeza que Amanda estava indo bem,
seguindo em frente sem esse cara. Ele tinha sumido.
Balanço a cadeira para trás e a deixo na posição semideitada
enquanto olho para o teto.
— O que vai fazer?
— Eu? Nada! Se ela quer ficar com esse lixo, quem sou eu para
fazer alguma coisa.
Não digo o que realmente queria fazer. Demorei para agir pensando
nela e acabei me dando mal nessa.
Perdi a guerra.
Passo o dia inteiro enfiado na minha sala, terminando de organizar a
campanha a ser gravada no Rio de Janeiro. Das vezes que Amanda entrava
para dar algum recado ou fazer algo a ignorava.
Estava tão puto comigo, até mais que com ela, por ter sido um
completo idiota ao respeitar seu tempo que sequer cogitei que ela voltaria
para ele.
Meu celular toca e o pego e vejo o nome registrado de quem está
me ligando. Era Jaqueline. Penso em não atendê-la. Não estou a fim de falar
com ninguém, mas acabo atendendo.
— Fala, Jaque! — Tento não deixar transparecer que não estou em
um dos meus melhores dias.
— Não vai fazer nada, Ricardo?
Estranho o seu tom de voz.
— Fazer o quê?
Ela funga e estala os lábios em um som, como se estivesse
desaprovando algo que fiz e que eu não sabia ainda.
— Vai deixar Amanda viajar com Renan nesse fim de semana? Eu
não acredito!
Jaque e Thaís eram as únicas que sabiam sobre realmente o que
estava sentindo por Amanda.
Noites atrás ela e JP estavam no meu apartamento e acabamos
conversando. Contei para ela. Mas gostar de Amanda não me dava o direito,
de agora, tarde demais, agir.
— Como ficou sabendo que eles voltaram?
— João Pedro! Renan ligou agora há pouco para ele pedindo para
voltar para o grupo, dizendo que estava arrependido, que já tinha se
resolvido com Amanda. E que eles até iriam para Bragança passar o fim de
semana lá.
— Não posso fazer nada se ela escolheu voltar, Jaque — respondo
consciente de que perdi a batalha.
— Como não, Ricardo? Não está vendo que Renan está usando ela
para ficar tudo bem para ele? Todos ficaram puto com o que aconteceu e se
afastaram. Esse fim de semana é aniversário de Thiago. Ele só a está
levando junto para voltar a ser o bom rapaz. Para dizer que tudo que fez
foi por ciúmes. Às vezes você me decepciona.
Fico apenas escutando Jaqueline descontar sua revolta. Não a julgo,
me sinto como ela.
— Não tem o que fazer, Jaque. Ela escolheu ir. Não posso amarrar
ela aqui e dizer você não vai — respondo; porém me distraio com algo que
me chama mais atenção. Olho para a tela do notebook bem aberto à minha
frente com as datas do início da gravação. E tenho uma ideia.
Certamente vai dar uma nova confusão e não me orgulho do que
pretendo fazer. Não me sinto feliz nem um pouco, porém era minha única
saída.
— Ela não vai — falo e Jaque fica em silêncio. — Depois nos
falamos.
Encerro a ligação.
Levanto e saio da minha sala pretendendo me colocar no jogo de
volta.
Thaís e Amanda param o que estão fazendo e me olham.
— Quem vai para o Rio comigo nesse fim de semana? — Já estava
ciente de quem iria, mas esse era meu ás na manga.
— Amanda! — Thaís dispara a resposta pegando Amanda de
surpresa ao saber que Thaís mudou de ideia naquele segundo.
Sorrio e Thaís de um modo furtivo sorri também, compreendendo o
que acabava de acontecer.
— Amanda, vamos na sexta-feira, o pessoal da filmagem quer uma
reunião ainda no sábado de manhã; então venha preparada que sairemos na
hora do almoço — informo —, e Thaís, reserve uma suíte dupla. É a
primeira vez dela.
Não dou oportunidade para responderem, volto para minha sala,
ciente que Amanda me odiaria se soubesse o que estava fazendo.
Thaís depois de algum tempo entra e fecha a porta. Olho para ela e
a vejo escondendo o riso com a mão sobre a boca.
— Ricardo, o que você está aprontando?
— Eu nada. — Olho e retorço os lábios, fingindo ser inocente.
— Descarado! Você não vale nada. — Ela começa a rir. — Amanda
está em pânico, pois tinha combinado com aquele bosta de ir para
Bragança.
— Eu sei, mas agora ela não vai. — Cruzo os braços atrás da nuca e
jogo a cadeira para trás, tombando-a.
— Você vai para o inferno, sabia? Isso porque disse que não ia fazer
nada.
Mil coisas passam pela minha cabeça nesse momento.
— Mas fiz. Jaqueline me ligou e sei que conversaram também.
Agora ela vai viajar a trabalho. Não era o que queriam? Agora, você, trata
de convencer ela que não poderá faltar.
— Não só ela vai com você para o inferno, mas vai acabar me
arrastando junto. Você não perde uma oportunidade. — Ela dramatiza como
se não fosse tão culpada quanto eu.
— Sem remorsos, Thaís. Te conheço, sei que está adorando
também.
— Claro que estou. Não sou nenhuma santa.
— Faça sua parte.
Thaís me deixa sozinho pelo restante das horas que faltavam para
terminar o expediente. Quando volta, Amanda já tinha ido embora.
— Ricardo, definitivamente você vai para o inferno e vai me levar
junto — diz da boca para fora. Ela estava muito mais animada que eu.
— Mas, e aí?
— Fiquei morrendo de pena. Ela contou que eles reataram ontem, e
que a convidou para irem para Bragança no fim de semana. E que agora ela
não sabia como falar que não poderia mais. Mas fiz ela ligar para ele e
dizer, lembrei sobre ser a trabalho e que ela já sabia dessa possibilidade. E
que havia me esquecido que disse que seria eu a ir.
— E ela avisou ele? — pergunto curioso para saber mais detalhes.
— Sim. Ela ficou chateada, mas acho que ele não disse nada.
— Por isso que te amo e não te largo. Foi fantástica.
— Ahhh... disse que era preciso levar biquíni por causa da
campanha.
— Quem vai para o inferno primeiro vai ser você.
Mais dois dias de trabalho e eu a levaria para bem longe daqui no
fim de semana.
— Agora, bonitão, só não complica mais a vida dela.
Faço continência como se ela fosse minha comandante.
— Sim, senhora, capitã.
Por fim, peço que Thaís não a deixe desistir por nada. Seriam dois
dias onde deveria ser cauteloso.
Estou falando com Renan ao telefone sob o olhar intenso de
Ricardo, que me aguarda para embarcar.
Diferente do que pensei, ele não achou ruim ou se interpôs a essa
viagem. Expliquei que estava marcada antes e que não me lembrava dela
quando aceitei o convite dele para ir à Bragança. E fiquei feliz por me
apoiar.
Sinto que ele realmente está arrependido e está se esforçando para
ser aquele Renan do começo.
Despeço-me dele, prometendo ligar mais à noite.
No entanto, me sentia estranha, como se algo fosse acontecer. Sei
lá, uma sensação incerta. Certamente seria pelo medo de andar de avião.
Não foi algo que gostei quando fomos para Punta Del Leste.
Íamos em um voo comercial.
Olho para Ricardo, que está encostado próximo ao check-in de
embarque e ele está olhando para mim quando me chama para irmos.
Guardo o celular na bolsa após desligá-lo totalmente. Não percebo
que ele pegou minha mala, só noto quando já está alguns passos com ela à
minha frente, colocando e despachando-a. Me apresso e paro ao seu lado.
Ele entrega nossas passagens e pede que eu vá primeiro pelo portão
de embarque. Dentro do avião, próximo de mim Ricardo fala baixo o
número das nossas poltronas.
Sua presença muito próxima é algo que tento lidar naturalmente.
Mas às vezes me perco. Ainda não consigo apagar de uma vez por todas as
lembranças daquela noite. Meu corpo me trai cada vez que penso em como
foi bom.
— Quer sentar na janela? — Ele pergunta assim que ficamos quase
colados um no outro ali no estreito corredor entre as poltronas.
Essa proximidade é intensa e por segundos encaro o sorriso em seu
rosto. Tão perfeito e sensual. Me perco por um momento nele e pisco
procurando a resposta que está na ponta da língua, mas não dá tempo para
responder, a comissária para perto de nós, pedindo para sentarmos logo e
colocarmos o cinto.
Entro no pequeno pedaço antes dele e me sento ao lado da janela,
colocando o cinto após me ajeitar melhor. Ricardo se senta do meu lado e
evito olhar para ele, meus olhos se viram para fora do avião. E ao invés de
sentir meu corpo reagir a ele, sinto uma sensação de pânico me invadir
quando escuto o barulho das turbinas acionando.
Minha mão começa a gelar e transpirar. As enxugo, esfregando-as
sobre minhas coxas, minha boca fica seca.
E se acontecer algo?
— Você está bem? — Ricardo segura minha mão ao perceber minha
inquietação.
— Estou sim! — Respiro fundo, buscando me manter calma, mas
não consigo, não quando meu medo se mistura com seu toque.
— Tem medo de voar?
Assinto e percebo que estou respirando com dificuldade.
— Amanda! — Ricardo solta minha mão e segura meu rosto. Sinto
que a qualquer momento não vou conseguir respirar mais. — Calma!
Respira lentamente.
Faço como me pede e mesmo com todo o desespero que estava
sentindo naquele momento, o que mais me chama atenção é sua expressão
de preocupação, que mantém firme seus olhos em mim, pedindo que eu
repita o que está fazendo.
Aos poucos sinto meu coração ir desacelerando.
— Você está com medo, mas não precisa ficar. — Sua voz é terna e
macia.
Fecho os olhos e continuo fazendo como pediu: respirando fundo e
soltando todo o ar em oito segundos.
— Isso... Inspira e expira.
Penso não só em como estou fazendo o papel de ridícula nesse
momento, mas com todo mundo nos olhando.
— Está melhor? — Passam-se alguns segundos e ele pergunta.
— Um pouco — respondo, mas não paro.
É relaxante e muito tranquilizante.
— Muitas pessoas entram em pânico no momento da decolagem.
Fica tranquila. — Suas mãos se tornam ainda mais aconchegantes ao afagar
meu rosto.
— Não tenho o costume de viajar de avião.
Na verdade, o máximo que conhecia era São Paulo e Bragança. E o
Uruguai.
— Vai se acostumar. As primeiras vezes são difíceis. Só precisa
tentar relaxar quando o avião pegar força na pista, a subida não é tão ruim
assim. Agora fecha os olhos e pensa em algo bom. Ou algo te dá prazer. —
Sorrio e fecho os olhos como me pede.
E não sei porque fui pensar em algo que me dá prazer. E ele surge,
não obstante de seus dedos estarem me tocando.
Mordo o lábio inferior e reprimo a sensação gostosa que estou
sentindo.
— Não é para pensar em sexo. — Ele sussurra e abro os olhos
vendo de imediato seu sorriso.
— Estou com medo ainda.
Não é porque estava relaxada, porque o que estava fazendo me
deixa tão mais calma que o temor sumiu.
Ricardo então pega minha mão, soltando meu rosto. Ele abre a
palma dela e começa a pressionar o indicador, fazendo movimentos
circulares.
— Que apostar que vai dar certo?
— Ainda acho que não vai dar certo.
— Aposto com você que vai sim. Se ganhar, pode me pedir
qualquer coisa e se eu ganhar, te peço um favor — penso e vejo o mesmo
Ricardo alegre daquela noite, de todas as manhãs quando chega na agência.
Porém, fico receosa com o que está me propondo. Sabemos que não
lido muito bem com apostas e que o seu favor poderia nos levar de volta ao
que aconteceu entre nós dois.
— Mas não vale coisas perigosas. — Me rendo e aceito sua
proposta quando lembro que ele sempre deixou claro que nunca faria algo
que eu não quisesse.
— Tudo bem. Está apostado.
Ele pede para eu fechar os olhos e continua os movimentos, começa
a contar uma história completamente aleatória e depois de minutos já sinto
aquela sensação de calmaria de novo.
— Abra os olhos, Amanda.
Obedeço e abro os olhos.
— Está bem?
— Sim, mas... — Quando percebo que o avião já decolou fico
perplexa com o que ele fez. Por mim ainda estávamos para decolar.
— O que você fez?
Inacreditável...
— Só te distraí, acabou que você esqueceu do seu medo e de olhos
fechados não viu o avião decolando.
— Não mesmo! — Sorrio agradecida.
— Perdeu a aposta.
— O que você vai me pedir? — pergunto e acho que pela primeira
vez quero que seja algo que em qualquer momento acreditaria ser uma
completa loucura.
— Que aproveite o Rio de Janeiro sem pensar no que Renan vai
achar.
Não respondo de imediato. Algo passa pela minha cabeça, mas não
vou pensar que seja por esse motivo que estou aqui.
— Você já sabe?
— Sim. Thaís me disse quando falamos da viagem, dois dias atrás.
Mas é claro que ele sabia que eu e Renan tínhamos reatado.
Após a crise de pânico de Amanda, tento a distrair durante a 1h de
voo. Falamos de gostos musicais e ela fala sobre como acha que o Rio de
Janeiro deve ser. Ela acaba confessando que nunca foi à praia.
Percebo o quanto ela foi criada dentro de uma bolha minúscula. Por
mais que não achasse ruim das condições limitadas que tinha, era nítido que
toda aquela fragilidade, todo seu recato era por causa dessa superproteção
de sua mãe, por não ter tido a figura paterna ao seu lado. E isso só me
deixava ainda mais desesperado para protegê-la.
Chegamos ao hotel e fomos até o balcão, onde me informaram o
número do quarto e me deram os cartões de acesso. Descobri assim que
cheguei que se tratava de dois quartos como pedi, mas não que fosse uma
cobertura.
Sem dúvida tinha o dedo da Thaís nisso.
E não vou brigar com ela. Simplesmente porque a vista é para o mar
de Copacabana.
Sei que também me custaria um bom dinheiro ficar nela. Mas pouco
me importava.
Após explicar para Amanda qual era seu quarto, vou para o meu e
deixo minhas coisas. Havia uma sala que separava os dois cômodos. E a
área externa deveria ser ainda mais linda. Ainda não fui vê-la.
Quando volto para a sala a porta de vidro que dava para o terraço
está aberta. E Amanda está encostada no parapeito de vidro olhando para o
mar.
A imagem é simples, mas o momento é único ao vê-la sorrir, com o
vento desarrumando seus cabelos.
Volto até o quarto e pego minha velha companheira de viagem,
Nikon, e volto para onde ela estava. Sem que me veja ajusto o foco da
máquina e enquadro ela com o mar ao fundo. Capturo a imagem, mas o
barulho faz com que ela olhe na minha direção. Aproveito e faço mais uma
foto dela ao virar o rosto para mim.
— Lindo, não é? — falo e abaixo a mão, segurando a máquina pela
alça.
Caminho e paro ao seu lado.
— Nunca tinha visto um lugar tão lindo como esse.
— Nem em Punta Del Leste?
— Não. Só existe um, mas esse quero guardar para mim. —
Amanda fala e sorri misteriosa, virando seu rosto de novo na direção do
mar enquanto mantenho ela sob meu olhar.
— O mar causa isso nas pessoas.
— Nunca fui à praia. — Ela confessa após apoiar o queixo e os
braços no parapeito da sacada. O que me surpreende, confirmando o que
suspeitava sobre como foi sua criação.
Certamente sua infância e adolescência deveriam ter um mundo
próprio só seu.
— Jura?
— Juro. É a primeira vez.
— Sempre tem a primeira vez.
Somos interrompidos com o barulho de alguém batendo contra a
porta.
Deve ser o serviço de quarto que pedi. Como foi tudo corrido pela
manhã mal comemos no aeroporto. E assim que chegamos pedi que
preparassem algo e servissem no quarto.
Entre chegar no aeroporto e até desembarcarmos já estava quase no
fim da tarde.
— Deve ser a comida.
Atendo a porta e peço que coloquem na área externa. Nada mais
agradável que apreciar uma boa refeição com vista para o mar.
— O cheiro está muito bom, parece ótimo!
O serviço nos deixa e a sirvo. Ofereço vinho, que na verdade eu
preferia mais que fosse uma cerveja.
Mas... talvez ela não gostasse.
E pela primeira vez Amanda aceita sem colocar muitos receios.
Porém, ela gosta e quando percebo já havíamos bebido bem mais que o
esperado.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Pode!
— Mas só vai ser dessa vez que vamos falar desse assunto e vou
deixar você quebrar nossa aposta.
Amanda bebe um pouco e assente.
— Promete me responder?
Depois que comemos sentamos em um sofá concha que ficava mais
ao canto da área externa.
— Não sei. — Ela sorri e percebo que já está alegre por causa do
vinho.
Não que essa Amanda mais solta fosse ruim, mas não quero ser
responsável caso ela passe mal.
Conforme ela mesmo disse que ela e a bebida não são uma
combinação muito boa.
— Vamos lá! Você vai ficar quarenta dias cuidando da minha vida,
precisamos nos abrir mais.
— Igual você e Thaís! Ou verdade ou desafio?
Sorrio ao escutar algo que praticava no passado, quando era bem
novo e nos reuníamos para brincar de verdade ou desafio com a intenção de
beijar a menina que gostávamos.
— Pode ser só verdade. E sim! Como eu e Thaís.
Amanda assente e se remexe acomodando mais seu corpo sobre a
chaise. Olho para suas pernas entrelaçadas e vou subindo até chegar em seu
rosto.
— Pergunte então!
— Renan foi quem tirou sua virgindade?
Amanda engasga quando faço a pergunta e começa a tossir.
Sei que fui muito invasivo, mas não éramos simplesmente duas
pessoas que nunca tiveram nada. Aliás já transamos, então todo pudor que
poderia ter, mesmo sendo amigos, não era algo sobrenatural.
— Então... — Amanda titubeia para responder, mas acaba
confessando envergonhada.
— Não precisa sentir vergonha toda vez que mencionar a palavra
sexo ou algo relacionado. É natural, Amanda. É algo bom e que devemos
falar sempre. — Jogo os braços atrás da cabeça e espreguiço após colocar a
taça em uma pequena mesa colocada ali para servir de apoio.
— Eu sei!
— Por isso é apaixonada nele dessa forma? Por ter sido o primeiro
homem que tocou em você?
O que me coloca como segundo — reflito em silêncio.
Não que tenha toda essa certeza, mas a conhecendo, Amanda jamais
pularia de cama em cama para apenas sexo casual.
— Não sei se é por isso. — Ela remexe os ombros. — Mas gosto
muito dele. Na verdade ele é o meu primeiro namorado também.
Sua confissão explica tudo.
— Não sou a pessoa mais indicada para estar te falando isso, mas
me importo com você. — Noto seu rosto se contrair, adotando aquela
postura retraída e amedrontada.
Obviamente estava pisando em um território sensível para ela.
— Não tenho nada contra vocês terem voltado — disfarço minha
mentira —, mas, Amanda, você não pode deixar que ele faça o que quiser
da sua vida. Sua vida, suas escolhas são só suas. Você ainda precisa ter mais
experiências. Conhecer mais. Renan é o cara mais egoísta que conheci na
vida, sei do que estou te falando, fomos melhores amigos na infância e até
terminar o colegial, ainda fomos amigos na época de faculdade, mas não dá
para ser amigo de um...
Percebo que estou falando demais e paro. Dizer quem Renan é de
verdade, talvez isso não fosse ser bom. Mas agora por mim e não por poder
desmascarar quem é ele.
Contar sobre Camila e Renan seria abrir uma caixa da qual não
quero mais.
— Você é linda, talentosa, tem tudo para crescer. Faz duas semanas
que está comigo no escritório e vejo em você um grande potencial. Não
deixe um cara qualquer te paralisar. Não perca as oportunidades que vão
aparecer na sua vida por causa de qualquer pessoa, seja ela Renan, ou... —
quase digo meu nome —¸ qualquer cara por aí. E me desculpe se estou
falando demais, as decisões sempre serão suas.
— Sem problemas. Todos me falam a mesma coisa que você.
Amanda vira todo o vinho da taça de uma vez só.
— Será que todos estão vendo alguma coisa que você não está?
— Não sei.
Acho que estou indo longe demais. Então decido mudar de assunto.
— Você é filha única? Seus pais são vivos?
— Sou sim, nunca conheci meu pai. Ele abandonou minha mãe
quando ela contou que estava grávida. Não sei quem é. — Ela diz e sua voz
embarga ao falar sobre o pai e vejo que fui infeliz ao trocar de assunto e
pular para um que não fosse ser tão simples assim. Por outro lado, tudo se
encaixou e disse muito mais do que precisava saber sobre ela. O fato de não
ter pai e ter sido criada dentro de uma bolha é muito bem refletido em sua
personalidade.
Inclino para frente e seguro seu rosto entre meus dedos. Amanda
pisca os olhos lentamente e os fecha, reabrindo-os em seguida.
— Nunca deixe ninguém se aproveitar de você. Me prometa que
você vai pensar no que te falei e avaliar sua vida. Não permita que nenhum
homem diga o que você deve fazer. Principalmente Renan.
Amanda tenta desviar o olhar, mas não permito. Ela precisava ser
forte e não deixar que ninguém a manipulasse. O que não me excluía de ter
feito como todos e aproveitado desse seu lado meigo.
Caralho... Agora mais do que nunca sou um cretino filho da puta.
Porque quero beijá-la, mas também estou aqui dando conselhos para ela ser
forte e não permitir que ninguém dite o que ela faz ou deixa de fazer em sua
vida.
— Prometa que sempre que precisar de algo vai vir até mim e que
você vai viver para você e não por homem algum. — Mantenho minhas
mãos em seu rosto esperando sua resposta e me controlando para não
avançar o sinal de novo. Mas a solto quando vejo uma lágrima escapar dos
seus olhos.
— Eu prometo, e obrigada por estar sendo bom comigo.
— Sempre serei. Sempre serei seu amigo. — Não me contenho e
me aproximo mais, puxando-a para meus braços quando seu choro
silencioso se transforma em soluços.
Coloco-a praticamente sobre minhas pernas e repouso sua cabeça
sobre meu peito. Beijo o topo da sua cabeça e não falo mais nada.
Certamente, Amanda era especial.
Acordo e as palavras dele estão ali.
Por mais que tenha bebido uma boa quantidade de vinho, não
consigo esquecer da nossa conversa. Em como ele conseguiu me fez ver
tantas outras coisas sobre mim. E de fato Renan é egoísta, mas infelizmente
não escolhemos de quem gostamos, mas todos também podem mudar. No
entanto, algo me fez repensar boa parte da noite. Eu gosto de Renan, mas
não o amo a ponto de querer perder as oportunidades da minha vida.
Para ser mais exata.
Eu gostava muito dele e não sabia exatamente o porquê, entretanto
nunca senti nada no sexo com ele. Já com Ricardo foi livre, foi algo que
jamais vou esquecer. Ele não exigiu nada, me deu a chance de escolher se
queria. Mas foi só aquela noite.
E lá estava ele, sentado com uma xícara nas mãos, provavelmente
tomando seu café preto.
— Bom dia, chefe. — Me deixo ser levada pelo que me disse, para
me soltar. Para ser livre.
Caminho até ele e fico parada um pouco mais atrás.
— Cadê a Amanda toda tímida? O que fez com ela? — Ele gira o
tronco, virando parte do seu corpo para trás.
— Escutou seus conselhos — respondo e me sento à sua frente.
Não que eu fosse adotar uma postura ousada, estava longe de fazer
qualquer coisa que fugisse de como realmente penso, mas me sinto tão bem
perto dele para ser eu mesma que não sinto medo que possa pensar algo
ruim de mim.
— Boa menina. O que quer fazer hoje? Queria levar você para
conhecer alguns lugares.
Ele pergunta e faz questão de me servir. Porém não entendo o
porquê de me perguntar aonde quero ir.
— Mas as gravações não começam hoje?
— Desmarcaram ontem pela manhã. Vamos começar só na
segunda-feira de manhã. Como já estava tudo reservado, resolvi vir assim
mesmo.
Como assim?
— Thaís sabia?
— Sim, foi ela que me avisou.
Ricardo franze a testa e arqueia uma sobrancelha ao me responder.
E então compreendo tudo de uma forma bem lógica.
Eu poderia ter ido viajar com Renan que daria certo de vir do
mesmo jeito.
Eles poderiam ter me dito.
— Por quê? — O encaro, entendendo o real motivo para não ter
dito nada a mim.
— Por que desmarcaram e reagendaram para segunda?
— Não... Por que não me disse que não era preciso estar aqui hoje
se não vai ter gravação?
Pelo visto todos os seus amigos e ele acham que sou boba, que
todos podem me enganar facilmente.
Cadê aquele Ricardo de ontem que me disse tantas coisas sobre eu
não deixar ser manipulada?
Balanço a cabeça e não consigo nem encará-lo por estar percebendo
que ele estava incluso no que me pedia ontem.
— Não vou sair com você e não vou a nenhum lugar com você.
Não sei de onde surge essa coragem toda, mas não vou deixá-lo
também dizer o que faço e o que devo fazer.
— Por quê? — Ricardo tenta segurar minha mão, que estava sobre
a mesinha e não permito.
— Porque eu estou aqui a trabalho e não para um passeio.
— Mas você não está a passeio.
Não adiantava qualquer desculpa que desse, eu entendi
perfeitamente o que ele estava fazendo.
— Eu não deveria ter vindo. Eu desmarquei uma viagem com
Renan para vir a trabalho. E olha agora, Ricardo, você está me convidando
para um passeio porque desmarcaram a gravação.
Escondo meu rosto entre as mãos. Não quero chorar, preciso ser
forte, mas estou no meu limite com todos me usando desse jeito.
— Tudo se resume a você e ele.
Por fim, em meio às lágrimas, falo mais alto e me levanto. Sentindo
que vou explodir se não falar.
— Amanda... — Ricardo tenta segurar meu braço, para me impedir
de sair dali, mas não consegue. Me afasto dizendo que não com a cabeça,
mas ele se levanta e consegue me deixar sem saídas.
— Não quero falar com você. Ontem me disse para não deixar
ninguém me manipular, que ninguém tem o direito de decidir o que quero e
hoje...
— Ninguém está fazendo isso. Eu... — Ricardo não fala mais nada
e se afasta um pouco.
— Você não perguntou antes se eu queria vir. Não perguntou se eu
tinha compromisso, simplesmente me usou com a desculpa de ser por causa
do trabalho.
— Eu não te usei. — Ele passa as mãos pelo cabelo e pelo rosto,
mas não me encara.
Noto que aquele olhar sincero e acolhedor não está ali. Ele se
movimenta de um lado para o outro calado, um silêncio que se torna
ensurdecedor ao pensar que tudo o que está acontecendo pode ter sido para
eu não viajar com Renan.
— Você queria estar aqui comigo ou com ele? — Ricardo para bem
à minha frente após segundos em silêncio.
Ele me encara de um jeito feroz.
Não respondo.
Não consigo.
Encosto contra a parede e abaixo a cabeça, deixando toda a
explosão de sentimentos romperem. E quando escuto o barulho da porta
batendo forte percebo que Ricardo acaba de me deixar aqui.
A cama ao meu lado está morna. Toco procurando por ele, ainda
sem abrir os olhos, e é então que escuto o barulho do chuveiro. Me remexo
e meu corpo todo reclama, cansado e exausto, mas grato e satisfeito.
Tantas coisas passam pela minha cabeça ao mesmo tempo que sinto
um sentimento diferente. Estou mais feliz do que triste.
Espreguiço e não percebo que o som que vem do banheiro para.
Logo Ricardo surge e é instantâneo nossos olhos se encontrando.
— Bom dia!
É ele quem diz primeiro.
Sorrio e me sento na cama, puxando o lenço junto, me cobrindo
parcialmente.
— Bom dia!
Sinto que ainda precisava de mais algumas horas de sono, porém é
revigorante acordar sem sentir medo, sem ficar pensando em problemas.
Durante a noite eu e Ricardo conversamos. Foi tudo tão
esclarecedor que me prometi que não quero pensar em Renan e em tudo que
aconteceu, que ele foi apenas uma passagem para eu estar aqui, descobrindo
o que quero de mim e quem eu sou.
— Dormiu bem? — Ele se aproxima e coloca somente um joelho
sobre o colchão e se curva para me beijar. E eu o toco, sentindo a
temperatura do seu corpo ainda úmido. Suspiro e deslizo minhas mãos pela
sua pele e seus braços musculosos.
— Dormi, mas queria ficar um pouco mais — respondo e ele se
afasta.
— Infelizmente não poderemos ficar mais. A van com a equipe toda
está aí embaixo nos esperando. A recepção ligou agora há pouco avisando.
Ricardo diz e se afasta, indo diretamente se trocar. E eu faço o
mesmo, mas antes tomo um banho, na tentativa de me despertar ainda mais.
Quando termino e deixo o banheiro vestida apenas com o roupão do
hotel, Ricardo está sentado na cama que mal dormi já trocado, de bermuda,
camiseta e chinelo.
Ele vem de encontro comigo quando me vê e me beija, desatando o
nó que fiz na tira que o fechava em meu corpo. E suas mãos deslizam pelo
meu corpo e seu olhar acompanha onde vai tocando.
— Queria passar o dia inteiro aqui com você.
Eu também quero passar, mas o verbo da sua frase no passado já diz
que não vou ter o que meu corpo quer.
Só que não custa tentar...
Puxo seu rosto ao segurar sua nuca. Fico nas pontas dos pés para
alcançar sua boca e já não me sinto com receios com ele. Aliás, Ricardo
está fazendo questão de tirá-los todos de mim de um jeito perspicaz e sutil.
Durante a noite, enquanto não me fez falar que queria seu pau dentro da
minha boceta, ele não me deu a saciedade que meu corpo estava querendo.
O beijo e enfio minha língua, enroscando-a na sua.
— Eu criei um monstrinho faminto por sexo — diz se divertindo e
por mais que tenha sido eu que iniciei o beijo, ele o torna possessivo ao
enroscar seus dedos nos meus cabelos, puxando-os firme até minha boca
estar totalmente quase fundindo na sua, porém o telefone da cobertura toca,
nos parando.
Ricardo solta um palavrão ao ter que se afastar. E quando volta ele
para na porta ao ver que estou me vestindo.
— Vamos precisar trabalhar. Ninguém vive só de amor. — Ele diz,
mas não desvia seu olhar.
— Já estou me vestindo — respondo enquanto me visto.
— Vou esperar lá embaixo.
— Está bem.
Ricardo me deixa, porém não demora muito e retorna; já estava
fechando a porta quando o vejo sair de dentro do elevador.
— Já estava vindo socorrê-la.
Ele me ajuda com algumas pastas que Thaís me disse que seriam
bem úteis e que Ricardo gostava que as levassem junto.
O clima de tesão e sexo muda completamente entre nós dois quando
deixamos o hotel e vamos para a van que nos levaria até o local de gravação
da campanha. Uma praia com menos movimento e era exatamente por isso
que só iriam começar as gravações na segunda-feira. O que ele acabou me
confessando, que fez com que eu fosse viajar com ele na sexta-feira só para
não ir para Bragança.
Quando descobri essa farsa fiquei com muita raiva, mas quando
confessou que o fim de semana foi intencional não me importei. Estava
sendo tudo tão maravilhoso que sua pequena mentira estava perdoada.
Contanto que ele não fizesse isso mais, que respeitasse minhas decisões.
Entramos na van e Ricardo me ajuda.
— Cadê a Thaís? — Uma das mulheres que estava entre os da
equipe pergunta quando sento na primeira fileira de bancos.
— Essa é Amanda, pessoal.
Pelo que soube, sempre que faz qualquer campanha aqui no Rio de
Janeiro alguns da agência vêm, mas a maioria é daqui mesmo.
— Bom dia! — Um coro me cumprimenta.
— Respondendo sua pergunta, Carla, Thaís vai entrar de férias
semana que vem e Amanda vai ficar no lugar dela. — Ele informa e depois
de me apresentar a todos se senta ao meu lado. Porém se comporta de modo
profissional, sem pegar em mim ou mesmo me olhar como quando estamos
sozinhos.
Eu já esperava por isso. Na agência ele também age naturalmente,
sem deixar transparecer que tivemos algo, ou melhor, que passamos quase o
fim de semana inteiro transando.
— Esse é o roteiro que fazemos para seguir.
Depois de um tempo presos no trânsito ele estava mexendo em
algumas pastas e me mostra um dos papéis, me entregando em seguida,
após me explicar.
Não demora muito mais e chegamos. E de fato a praia estava com
poucas pessoas. Ricardo escolhe a localização e anda de um lado para o
outro checando onde a equipe está montando as câmeras e o lugar de cada.
A agência que vai enviar as modelos selecionadas ligou informando
o atraso por causa do trânsito parado.
Eu me aproximo dele e repasso o recado e desde que entramos na
van com a equipe é que Ricardo toca em mim, ele coloca uma das mãos
sobre meu ombro, como se tivesse checando a temperatura.
— Passou o protetor? — Ele pergunta próximo do meu ouvido e
reajo a não só sua preocupação, mas a forma sexy e a rouquidão da sua voz.
No entanto, eu havia me esquecido de passar e não o respondo. Ele me
daria uma tremenda bronca. Porém não foi preciso omitir dele.
— Vá agora passar, Amanda.
— Está bem, chefe.
Tento agir naturalmente, mas sou surpreendida com um aperto de
sua mão em minha cintura. Claro que era discreto a forma como estava
agindo. Era como se estivéssemos conversando e ele passando instruções ou
mesmo fazendo algum comentário.
— Não me provoque. Não morda essa boca gostosa. — Não
consigo reprimir o sorriso, é tão involuntário meu gesto que acabo me
esquecendo quando o faço.
Depois de alguns minutos controlando todo o desejo, me afasto e o
deixo com o restante da equipe quando as modelos chegam. Procuro uma
mesa com guarda-sol conforme ele pediu e fico observando-o de longe
trabalhar, enquanto retiro o protetor da bolsa e espalho nos ombros. Ele
parece se divertir com o que está fazendo. Era o criador de tudo e a cada
segundo que passava próximo dele eu ia cada vez mais ficando admirada.
Começo a mexer nas pastas e separar os pedidos de almoço. As
refeições de toda a equipe seriam feitas ali mesmo. E pelo cronograma,
seria feita uma pausa e depois de duas horas retornariam as tomadas de
gravação.
Com tudo organizado, ligo para minha mãe para contar as
novidades, mas preciso encerrar quando outra chamada entra em estado de
espera.
Era Thaís.
— Oi!
— Ai que saudades que estou de vocês. — Thaís fala melancólica.
— Isso aqui está morto sem você, com sua organização excessiva e sem o
humor do meu querido ditador.
— Mas ainda é só segunda-feira.
— Eu sei! E vai ser um tédio a semana inteira ficar aqui sem ter o
Ricardo para ficar na minha cabeça o dia todo. Mas me fala, como está o
bonitão?
Acho que muito bem, pelo menos não reclamou. Penso e não falo
nada, opto por não contar nada, afinal eu e Ricardo ainda não conversamos
sobre as pessoas saberem sobre nós dois. Mas me sinto eufórica para contar.
Thaís foi uma das responsáveis por tudo que estava acontecendo e
já a sentia como uma amiga bem próxima.
— Está bem. Já estamos na praia. Estão terminando de montar os
equipamentos e Ricardo está com eles, dando ordens.
— Amanda, ele é extremamente perfeccionista. Vá se acostumando
se tiverem que ficar mais dias aí. Enquanto não ficar tudo perfeito ele não
vai se contentar.
Se ela me dissesse isso semana passada eu ia entrar em pânico, mas
depois dessas 48h ao lado dele e em como estávamos não me importaria de
ficar bem mais.
— Mas me fala... o que está achando do Rio?
— É lindo. Estou adorando.
Apesar de não conhecer mais que a praia em frente ao hotel, tudo
estava sendo perfeito. Entretanto, poderia responder que conheci mesmo foi
cada canto daquela cobertura.
— Deu tempo de ir à praia?
— Fomos ontem. E sábado à tarde fui sozinha — respondo e tento
não pensar no real motivo para ter ido lá sozinha.
Não quero pensar em nada a não ser o que estou vivenciando a cada
dia.
— Passe bastante protetor. Se não vai ter uma insolação.
Conto que já estou com uma baita insolação, que ainda sinto uma
leve ardência, mas que nada mais. Porém, pulo a parte de que foi Ricardo
quem cuidou muito bem de mim. E pensar em como foi atencioso e
preocupado me faz olhar na sua direção. No entanto, não me sinto bem com
o que vejo.
Ricardo está arrumando o cabelo de uma das modelos. Ele sorri
com algo que a linda modelo diz. Pelo visto estão se divertindo e não
consigo mais responder Thaís ao ver toda a cena.
É uma sensação tão ruim, que sinto vontade de sair dali, de não
ficar vendo ele segurar a cintura da modelo. É como se fosse um gatilho
para lembrar de Renan e de tudo que escutei naquela ligação.
— Amanda! Amanda! Ainda está aí? — Escuto o eco do meu nome
repetidas vezes e então respondo.
— Estão me chamando, depois nos falamos — digo a primeira
desculpa que me vem à mente.
— Está bem! Avisa ao Ric que preciso falar com ele.
Despeço e desligo o celular. Me sentindo uma idiota por estar
pensando que Ricardo fosse diferente.
Está certo que estamos trabalhando e que também fizemos sexo a
todo momento durante as últimas 24h. Só que isso não me dá o direito de
achar ou pensar que temos algo. E eu não posso cobrar nada se dois dias
atrás eu mesma tinha um compromisso.
Não posso cobrar nada.
Termino de organizar algumas coisas e sem que alguém perceba
deixo as coisas sobre a mesa. Peço para o garçom do quiosque vigiar e vou
dar uma volta por aí. Preciso pensar um pouco e com ele ali, conversando e
sorrindo com outra mulher, não ajudaria muito.
Estou eufórico. Como se me sentisse de novo ao começo quando eu
precisava fazer trabalhos como esse, por isso faço questão de acompanhar
cada passo das campanhas que criamos.
Era uma campanha de destaque de uma grande marca de cerveja e
tinha tudo para ter boa repercussão.
Passo para os câmeras como quero os enquadros e todo nosso
cronograma. Além da nossa equipe que veio de São Paulo, a maior parte era
daqui do Rio. Terceirizávamos os serviços deles há alguns anos já. E quanto
ao profissionalismo deles estava confiante. Também haviam algumas
modelos. Passava para uma delas como teria que fazer.
Depois de organizar como queria cada tomada e cada cena, o que
levou praticamente a manhã inteira iríamos começar a gravação após o
almoço e encerraríamos no fim de tarde, antes do sol se por.
Se desse certo e corresse tudo bem, conseguiria extrair um bom
material. Porém dependíamos de diversos fatores. Como tempo e clima.
Havíamos nos planejado já pensando que pudesse chover em algum dia de
gravação, por isso o prazo seria de uma semana, o que poderia acontecer de
terminarmos antes, se tudo ocorresse bem. Mas nesses dois dias o trabalho
era mais intenso.
Intenso como foi o fim de semana com Amanda. Aliás, uma grande
surpresa. E posso afirmar que estávamos em completa sintonia em tudo.
Esperei que a aparição de Renan no hotel ontem fosse mexer com
ela. Até me segurei para não fazer o que queria com ele, mas me controlei.
Não queria que visse o meu lado ruim. Mas vejo que ela está mudando, está
sendo forte e é o que mais quero dela, além de estar completamente rendido
nessa paixão.
A desejo como um louco. E a vontade de estar a sós com ela não
diminui, só aumenta.
Olho na direção de onde estava ainda há pouco e não a vejo.
Estranho e percorro meu olhar para os outros lados, buscando ver onde
estava. E sinto um certo desespero percorrer meu corpo ao não encontrá-la
ali por perto.
— Zezinho, preciso que posicione melhor naquele ponto e já volto
— informo a um dos câmeras que logo voltaria.
Vou até o quiosque e vejo sua bolsa sobre uma das mesas e
pergunto a um garçom se a viu e onde ela estava. O mesmo aponta na
direção que ela foi.
Sei que não vou poder protegê-la em tempo integral e muito menos
colocar ela na minha redoma. Não quando acabamos de estourar a bolha na
qual ela viveu em todos esses anos.
Caminho na direção que fui informado. Mas não avisto nada depois
de caminhar um pouco. A extensão do banco de areia dessa praia era longo,
mas não tanto para ela ter se afastado assim. Então olho para o mar e fico
ainda mais preocupado, pensando que ela poderia ter entrado sozinha.
Começo a pensar que possa ter acontecido algo e meu coração acelera,
aumentando as batidas. Contudo, quando olho de novo para o lado consigo
avistá-la.
E alguma coisa aconteceu para ela ter saído sem avisar ninguém.
Fico aliviado por tê-la encontrado, mas não a chamo, continuando
rápido sobre a areia quente e quando estou bem perto acelero os passos, a
pegando desprevenida ao agarrar sua cintura e trazê-la para mais perto,
deixando suas costas coladas ao meu peito. Aperto-a e esfrego meu rosto
em meios aos fios do seu cabelo, buscando sua nuca perfumada.
Amanda se debate assustada e grita quando a mordo.
— Calma aí. Estou te sequestrando, delícia! — sussurro e a sinto
relaxar ao escutar minha voz. — Está vendo o porquê mulher bonita e
gostosa como você não pode sair por aí sozinha? Vai deixar os homens
daqui doidos. E vai que alguém te rouba de mim! — Não me contenho e
beijo seu pescoço. Sinto que fico excitado.
Confesso que minha vontade é de deitar ela nessa areia e me
enterrar todo em seu corpo, mas sei que jamais essa loucura ela faria.
— Você me deu um susto!
Amanda se vira, mas ainda não a solto.
— Você é muito dispersa. Se alguém te roubar? Como vou fazer
sem essa boca gostosa? — Ela me olha de um jeito pelo qual já passamos
tantas vezes. Como se tivesse voltado ao seu ponto de segurança.
Sim... Sempre o que vi quando se retraía, quando seus olhos
falavam mais dos seus sentimentos era esse olhar caído e abatido.
— Aconteceu algo?
Ela não responde e nega, confirmando que algo havia acontecido e
que ela voltava para sua defensiva. No entanto, não posso permitir que volte
a se fechar no seu mundo. Por isso aproveito quando deixa seus lábios
entreabertos para beijá-la, para sentir que tudo estava bem e que não passa
de uma cisma minha.
Minha língua alcança a sua facilmente, porém estava travada,
diferente da Amanda que estava se soltando, aprendendo que prazer não se
reprime, se vive. Beijo-a e minhas mãos a pressionam, trazendo para mais
perto. Logo ela se rende, cruzando suas mãos na minha nuca.
Era inegável essa química perfeita que tínhamos. Tudo com ela era
incrível, desde um sexo calmo até o mais carnal.
— Você vai ferrar com meu juízo — digo após soltar seus lábios e
sentir meu pau quase explodindo sendo pressionado pelo seu abdômen. —
Sabe qual a minha vontade nesse momento?
Ela nega e continua em seu estado monossilábico.
— De deitar você nessa areia e me enterrar em seu corpo — falo
baixo, sussurrando, buscando seu pescoço, porém paro quando sinto sua
tensão.
Ela está diferente; responsiva, mas não aberta como estava hoje de
manhã.
— O que aconteceu? — insisto.
— Não foi nada. Só não sou tão boba quanto pensam.
— Eu nunca te achei boba. Mas por que está dizendo isso?
Aconteceu algo!
— Por nada. — Amanda sorri como se isso fosse me fazer mudar
de ideia. — Precisamos voltar, eu vim dar uma volta, mas precisam de
você lá.
Ela se afasta e começa a caminhar um pouco à minha frente, me
deixando para trás e receoso pela forma como está agindo.
— Ei! — A impeço de continuar. Seguro sua mão, fazendo com que
se virasse de novo para mim.
Sei que precisava estar de volta e que todos já estavam prontos para
começar, mas não vou conseguir voltar lá e não pensar no que estava
acontecendo.
— Me fala o que está acontecendo.
— Não é nada.
— Promete? — Quando ela tenta desviar o rosto para o lado,
evitando me responder, seguro seu queixo e mantenho ele virado para mim,
para que eu veja dentro dos seus olhos que estava dizendo a verdade.
— Sim. Bobeiras minhas.
— Amanda...
— Thaís, ligou. Pediu que retornasse quando pudesse. — Ela diz,
me interrompendo e desviando do assunto.
Ela não queria falar, mas pelo menos sabia que estava acontecendo
algo. Esperaria estarmos a sós para saber o que era.
Voltamos para o quiosque e enquanto ela vai pegar uma água pego
o celular e ligo para Thaís. Fico observando o que está fazendo com os
cantos dos olhos.
Amanda pressiona o gargalo da garrafa plástica contra seus lábios e
fico relembrando de como passamos a noite e de tudo que aconteceu na
tarde de ontem, daquela louca explosão após chegarmos da praia.
— Puta merda... Que delícia de boca! — falo sozinho enquanto
meus olhos fixam em cada movimento da sua boca.
— Ricardo? — Não percebi que Thaís tinha atendido o telefone e
que provavelmente escutou o que disse. — Pelo amor de Deus. Quem você
já está comendo?
— Oi, minha linda! — disfarço e não respondo sua pergunta. Aliás,
tento mudar de assunto, pois sem muito bem que quando souber que me
referia a Amanda e tudo que aconteceu, levaria bronca dela.
Não que ela não acreditasse que pudesse, mas me pediu para dar um
tempo para Amanda, para ela enxergar quem era o desgraçado.
— Quem é que tem a boca deliciosa aí? E não mude de assunto.
— Não posso te contar, você vai me matar.
— Por Deus, Ricardo! Não é quem que estou pensando?!
— Não sei quem é que você está pensando — respondo.
— Não me diga que é Amanda?
— Depois te conto tudo — confirmo, mas não digo o nome.
— Você não vale nada, literalmente. Você vai complicar a vida dela.
Eu te ajudei só para ela não ir viajar com aquele lixo. Não era para foder
com ela e a vida dela junto.
— Mas fica tranquila que está tudo sobre controle.
— Só me diz, está tudo bem com ela?
— Acho que sim. Pelo menos não reclamou de nada, aliás... está me
surpreendo cada vez.
— Não quero saber dos detalhes, Ric.
— Vai falar que não fode com aquele frouxo? Ahhh... esqueci que
tem o pinto caído.
Não perco a oportunidade de debochar. Não era novidade para
ninguém que não gostava do namorado dela. Assim como foi ela quem foi
minha amiga quando descobri a traição de Camila, eu estive lá quando ele a
traiu e depois voltou, dizendo que não vivia sem ela. A vi sofrer muito.
Então, ela sabia sobre o fato de que se pudesse socava a cara dele sem dó
nem piedade.
No entanto, sua voz muda o tom e percebo que ela não está bem.
— Está tudo bem?
— Depois, quando chegar, precisaremos conversar. — Ela responde
e me deixa preocupado.
Thaís é mulher direta, mas apaixonada por esse cara que não vale
nada.
— O que aconteceu? — Ela não responde, ficando em silêncio.
— Ric, vou desligar, Santiago chegou aqui para deixar umas
correspondências.
Alguma coisa aconteceu para não querer me contar.
— Te ligo daqui a pouco! — Ela avisa e encerra a chamada.
Daria esse tempo para ela, mas que tinha acontecido algo, eu tinha
certeza.
Volto para onde está acontecendo a gravação e confiro algumas
cenas. Gosto do resultado e acabo me distraindo um pouco, mas ora ou
outra pensava em Thaís. Ela me deixou muito preocupado. Provavelmente
tinha a ver com o babaca, se fosse algo na agência ela já teria falado, não
ficaria me escondendo.
As horas transcorreram rapidamente, almoçamos uma comida leve,
aticei um pouco Amanda, enviando mensagens com sacanagens, já que não
podia tocá-la e dizer o que faria com ela mais tarde. Ela corava quando
recebia e lia. E por algum momento minha preocupação em São Paulo ficou
de lado.
Voltamos depois de uma pausa e mais duas horas de gravação foram
suficientes para fecharmos a maior parte no dia de hoje.
Ontem à noite, ao dormir, fiquei pensando que se desse tudo certo
teria alguns dias livre com Amanda, para ficar só com ela e conforme as
coisas estão encaminhando conseguiríamos encerrar ainda na parte da
manhã, porém, de novo fico pensando em Thaís e preocupado com o que
pode ser.
Sei que poderia estar interpretando tudo errado. Ou estava gostando
de Ricardo bem mais do que deveria.
Não que ele fosse apenas um substituto para Renan.
Longe de ser.
Só queria saber ao certo o que estava sentindo de fato.
A van que nos levava de volta para o hotel estaciona bem na vaga
de desembarque de passageiros. Estava tão reflexiva que só percebo que
chegamos quando Ricardo me avisa e pede para descer.
Mordo o lábio inferior quando meus olhos encontram os seus. Sei
que depois daquelas portas tudo era diferente, era onde éramos livres.
E nessa questão de não deixarmos ninguém saber tinha tantas coisas
que precisávamos lidar antes, que acabei chegando à conclusão que eu não
gostaria que as pessoas me olhassem como a mais nova transa do chefe. Ali
ninguém sabia o que realmente aconteceu antes de vir trabalhar na agência.
— Porra... você vai me pagar caro. — Ele diz e sem que ninguém
perceba ele aperta minha coxa, descendo antes de mim e correspondo ao
sorrir e continuar mordendo o lábio inferior. Já que sei o quanto gosta, faço
para provocá-lo.
Quando ele desce primeiro percebo o volume entre suas pernas
marcando o short e sorrio.
— Você ri porque não sabe o que te espera. — Ricardo me faz uma
promessa quando, ainda disfarçando, me ajuda a descer pegando as coisas
da minha mão para me ajudar a levá-las.
Parece que não tinha tantas coisas para carregar quando fomos para
a gravação.
Nos despedimos do pessoal da equipe e entramos quietos,
caminhando lado a lado. Arrisco olhar para ele pelo canto dos olhos e o
flagro sorrindo ao olhar para trás e ver que a van já não estava mais
estacionada em frente à entrada.
Entramos no elevador junto com um casal de idosos e Ricardo se
posiciona logo atrás de mim. Ele me puxa pela cintura e me deixa bem a
sua frente, mas não consigo disfarçar bem quando sinto sua ereção
espremida contra minha bunda. E acho que não só ele está com tesão, mas
também sinto a reação do meu corpo desde o momento que apertou minhas
coxas sensualmente.
Aquela coisa de ser perigoso realmente é estimulante.
Ele remexe um pouco, se esfregando em mim, mostrando que não
demoraria a cumprir com a ameaça de fazer eu pagar caro, rio baixo e tento
disfarçar. E confesso se me fizer o mesmo que a noite passada, pagaria com
o maior gosto.
Excitada, pensando em tudo e como ele mexe comigo, com meu
corpo, me deixando com tesão, fico com vergonha quando a senhora ao
meu lado olha para nós, repreendendo. Como se estivesse passando dos
limites ali.
Ricardo tenta enfiar a mão por baixo da minha blusa e subir até
meus seios, mas bato em sua mão. Não estávamos em um local só público,
mas havia mais pessoas perto e não era simplesmente um casal, eram
idosos. Pelo menos, mesmo tendo me tornado uma safada que gosta de
sexo, ainda me sinto recatada com demonstrações assim.
Ricardo não tem limites e mesmo com os olhares que estamos
recebendo ele encaixa sua boca na curvatura do meu pescoço e morde
minha pele.
— Ai... — Meu murmúrio sai mais como um gemido de que uma
reação à dor. E novamente ganhamos o olhar fuzilante da senhora ao nosso
lado.
Ele ri e não para, pouco se importando. Acho que era mais eu que
se importava em dobro por nós dois, pois tentava me controlar e aguentar
essa provocação sem tentar demonstrar o quanto estava excitada.
E até que enfim o elevador para no andar que vamos descer. No
entanto, se acho que ele estava me provocando por ter mais pessoas ao
redor estava enganada. Ricardo continua e não se contém ao ir andando
abraçado comigo até a porta do quarto.
— Vou meter muito nessa boceta gostosa. Te comer inteira! —
Ricardo fala e mesmo baixo escuto o eco que suas palavras fazem pelo
corredor.
— Pelo amor de Deus... — repreendo.
— Não! Pelo amor de Deus quem diz sou eu.
E demonstrando impaciência, enquanto procuro o cartão de acesso à
cobertura ele enfia as mãos de novo por baixo da minha blusa e desata o
laço da parte de cima do meu biquíni. Olho para os lados com medo de que
alguém nos veja.
Por sorte não tem ninguém e estamos sozinhos. Ali só tinha mais
uma cobertura, então a probabilidade de que alguém nos visse é quase nula,
a não ser pelas câmeras de segurança, que me esqueço completamente delas
quando suas mãos se fecham sobre meus seios e os apalpa com selvageria.
Era sua boca em mim, era sua ereção roçando meu corpo e agora
ele massageava meus peitos com luxúria também. Não há uma mulher em
sã consciência que consiga prestar atenção no que está fazendo com tanta
provocação assim.
Que ódio!
Não conseguia achar o maldito cartão. Parece uma maldição
procurar algo dentro da bolsa com pressa e não achar quando mais precisa.
— Se você não abrir logo a porra dessa porta, vou te foder aqui
contra ela. — Ele diz e novamente seus dentes cravam no meu pescoço.
Gemo alto e olho correndo para a porta vizinha.
O hóspede da outra cobertura logo vai sair para ver o que está
acontecendo, já que estamos sendo incapazes de fazer o menor barulho
possível.
— Passei o dia todo com tesão — diz e mesmo eu implorando para
esperar um pouco mais, ele abre o zíper do short e enfia sua mão dentro
dele e da calcinha do biquíni de uma vez só.
Seus dedos vão diretamente no meu ponto e quase caio para frente
perdendo o equilíbrio quando sinto o toque de seu dedo deslizar entra as
dobras, buscando a entrada da minha boceta.
— Está fazendo muito barulho — fala e ri.
— Então espera.
— Não! Quero fazer você gozar. E acha logo esse caralho, Amanda.
Consigo achar o cartão quase gozando ali no corredor. Sou salva
quando passo pelo display e a porta destrava.
Mal consigo entrar e Ricardo me vira contra a parede e começa a
tirar minha roupa com desespero, mas me deixando apenas de biquíni. E
sua boca consome a minha demonstrando urgência.
E tudo é tão devorador que ele me carrega até um aparador de vidro
que fica a alguns passos de onde estamos. Na verdade, achei que me levaria
para a cama, mas ele me coloca sentada e puxa meu quadril para frente, me
deixando apenas com a metade da bunda sobre o vidro. É um pouco
desajeitado e tento me segurar com uma mão no seu ombro e a outra no
pequeno espaço que me resta.
Ele me beija, me beija em todos os lugares e já o quero dentro de
mim sem preliminar alguma. Ricardo então abre um pouco mais minhas
pernas e para conseguir me segurar melhor cravo meus calcanhares contra
suas costas. E o que faz é sexy, ele não tira a parte de baixo do meu biquini
e nem permite que eu faça também, ele a afasta para o lado. E também mal
tira o short e a cueca, apenas abaixa o suficiente para seu pau saltar para
fora, todo melado.
Ricardo retira do bolso de trás o preservativo e pede que eu rasgue
com a boca. Ele o veste e esfrega a glande desde meu clitóris até o fim. Mas
ele faz algo que ao mesmo tempo que me deixa assustada me excita
também. Ele estimula a outra entrada, mas com uma estocada me pegando
desprevenida empurra seu quadril contra o meu, respondendo a urgência
que estávamos sentindo. Ricardo apoia as mãos contra a parede e se
movimenta rápido, metendo em mim loucamente.
Ele diz coisas que jamais eu imaginaria que me diria. É sujo e
excitante. Nossos corpos se unindo fazem barulho ao se chocarem.
Quando sinto todo aquele orgasmo me invadir, todo meu corpo é
tomado por uma devastadora onda de deleite. Gemo seu nome e percebo
que ele está gozando ao sentir suas últimas estocadas irem mais fundas e
vigorosas.
Minhas pernas estão completamente sem coordenação alguma. E
Ricardo, após sair de dentro de mim, me ajuda a descer, mas antes me dá
um beijo lento e terno.
Miguel
Miguel agora é juiz e mora em uma cidade pequena no interior de
São Paulo.
Thiago
Ele anda fazendo muitos plantões e não tem mais tempo para os
amigos.
Eduardo
Contínua mulherengo e dando suas festas no seu novo apartamento
em São Paulo.
Thaís
Deixou a agência para trabalhar com um CEO.
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