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Copyright © 2021 M. R.

Barbosa

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa: L. A Design
Diagramação: Layce Design
Leitura Beta: Tuísa Sampaio
Revisão: M. R. Barbosa

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,


através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento
escrito da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.
9.610./98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição Digital | Criado no Brasil.


Playlist
Nota da Autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo 1
Epílogo 2
Bônus
Agradecimentos
Sobre a Autora
Outras obras
Contato
Para ouvir a playlist de “Uma Esposa de Mentira para o CEO” no
Spotify, abra o app no seu celular, selecione buscar, clique na
câmera e posicione sobre o code abaixo.

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Se você chegou até aqui é porque se identifica com a minha
escrita, e essa constatação é muito gratificante. Então, vamos lá!
O livro é ambientado nos Estados Unidos, durante o governo
do ex-presidente Donald Trump. O então presidente estabeleceu
uma série de medidas durante o seu mandato, e entre elas, estava a
suspensão do programa Ação Adiada para Chegadas à Infância
(DACA), em 6 de setembro de 2017. O programa impede a
deportação de centenas de milhares de Dreamers, — sonhadores,
em inglês — como são chamados os filhos de imigrantes
indocumentados, que chegaram aos Estados Unidos ainda crianças.
No entanto, a história começa no ano seguinte, quando a
personagem Maya Garcia se vê numa situação bastante delicada,
tornando-a um alvo das autoridades de imigração.
Você verá bastante os termos “imigrantesindocumentados”ou
“nãodocumentados”ou ainda, “imigrantesem situação irregular”,
uma vez que o termo “imigranteilegal”é considerado discriminatório
e xenofóbico.
A playlist do livro novo é dominada por músicas de Reggaeton.
Eu não sabia se dançava ou se escrevia, mas eu consegui conciliar
as duas coisas.
Espero que aprecie a leitura, sem moderação, e de preferência
bebericando um coquetel. Saudades de um resort all inclusive, né,
minha filha?
E, por último, mas não menos importante, um aviso: A sua
avaliação é de grande valia para os autores que estão começando.
Autores iniciantes ainda estão em processo de formação do seu
público leitor. Então, quando você avalia um e-book, a Amazon
entende que esses novos autores têm potencial, e daí ela passa a
recomendar os livros para cada vez mais pessoas. Sempre que
puder, avalie o ebook lido, seja atribuindo apenas a nota de sua
preferência e/ou deixando uma opinião sincera. Gratidão!

Aviso de conteúdo: O livro faz menção ao abuso infantil/estupro de vulnerável.


Não contém descrições gráficas de abuso sexual.
A agitação noturna em Midtown Manhattan é o meu estímulo
diário, desde que eu comecei a fazer parte da equipe responsável
por preparar os coquetéis especiais do bar Chilli en Fuego. Modéstia
à parte, eu executo a minha funçãode barmaid[1] com excelência, e
inclusive, eu até desenvolvi alguns drinks autorais, servidos na casa
noturna. Os clientes costumam elogiar a elegância e a precisão dos
meus movimentos acrobáticos durante o preparo dos coquetéis.
O expediente nos finais de semana sempre se estende um
pouco mais, e como hoje é quinta-feira, o estabelecimento
funcionará até às 2hs da manhã. O salário que eu recebo aqui é
pouco, se comparado a um restaurante ou clube de alto luxo, e nem
mesmo as gorjetas são suficientes para fazer $15 dólares por hora.
Os clientes de bares são conhecidos por serem menos
generosos. Cerca de 30% das gorjetas recebidas são destinadas ao
pagamento de impostos, e sequer consegui quitar ainda as dívidas
de empréstimos estudantis. Tudo o que eu ganho garante apenas a
manutenção das necessidades básicas, além do envio de dinheiro
aos meus parentes, que vivem no Brasil.
A minha condição de imigrante indocumentada[2] não permite
que eu consiga oportunidades de trabalho melhores, por isso, eu
desempenho outras atividades para complementar a renda. Como
eu sou beneficiáriado DACA[3] desde a adolescência, tenho o direito
legal de trabalhar e estudar nos Estados Unidos. No entanto,
quando Trump assumiu a presidência, estabeleceu uma série de
medidas, visando acabar com o programa, e tenho medo de não
conseguir renovar o benefício, que vai expirar daqui a alguns
meses.
Não posso perder o emprego em hipótese alguma.
Continuei a performar as técnicas de flair, — nome dado à
técnica de malabarismo, utilizando garrafas, copos, e demais
utensílios de bar, — sob os olhares atentos dos clientes. O Chilli en
Fuego é um tipo de bar balada fundado por um bem-sucedido
imigrante, que proporciona toda a experiência latina em Nova York,
tais como bebidas, comidas típicas, muita música e decoração
característica.
Percebi que Javier Navarro me observava entre um serviço e
outro, com evidente admiração no semblante. Eu o considero como
um irmão mais velho, mas oficialmente ele é o meu primo. Ele
nasceu no México, tem trinta anos de idade, estatura alta, os olhos
amendoados, cabelos bem curtos e lisos, além de possuir um corpo
atlético. Sempre considerei Javier um homem belo e sedutor, que
sempre mantém o cavanhaque bem aparado, com destaque para o
bigode volumoso, emoldurando o rosto retangular, e queixo
proeminente. Os pais dele também cruzaram a fronteira dos
Estados Unidos de forma ilegal.
Eu me aproximei do balcão, esboçando o meu melhor sorriso
para o cliente da vez.
— O que o senhor deseja beber? — perguntei, solícita.
— Sabe o que eu mais quero esta noite? — o sujeito devolveu
com outra pergunta, ao que apenas balancei a cabeça, em negativa,
lançando um olhar confuso para ele. — Provar do néctar entre as
suas coxas, querida — complementou, com ar presunçoso.
Não sou obrigada a aceitar nenhum tipo de desrespeito, e por
lei eu posso passar o atendimento para outro bartender. Aguardei
Javier finalizar o preparo de uma bebida, com os braços cruzados
na frente do peito, de forma protetora, fazendo o possível para
controlar a onda de raiva e calor que incendiava o estômago.
— Vai me deixar esperando aqui por quanto tempo mais? —
perguntou, impaciente.
Continuei ignorando o cliente, sem a menor cerimônia. Sempre
fiquei incomodada com os olhares lascivos dos clientes, que
insistem em achar que qualquer roupa é um convite para o assédio.
O uniforme tradicional de bartender é composto por uma camisa
social de algodão de manga longa, na cor branca e dobrada nos
cotovelos, além de calça preta, colete curto de mesma cor, e
calçados antiderrapantes. Ou seja, um traje masculino em essência,
mas, ainda assim, as minhas curvas são sensuais demais para se
fazer notar.
O meu pai costuma dizer que eu deveria colocar a minha
exuberante beleza latina a meu favor, utilizando-a como fonte de
renda extra. Se Pablo Navarro soubesse o que um de seus homens
me causou, quando eu tinha apenas 11 anos, sequer teria coragem
de propor algo dessa natureza.
O homem continuou resmungando, mas virei as costas e me
aproximei de Javier para sussurrar-lhe ao ouvido.
— Você pode cobrir o meu atendimento, primo? O cliente
começou a me importunar e não sou obrigada a atendê-lo.
Javier me acompanhou até a outra extremidade do balcão, e
notei os músculos de sua mandíbula bem marcada se contraírem,
tomado pela raiva contida. O sujeito observou a nossa aproximação,
esboçando um sorriso presunçoso no dos cantos dos lábios. O meu
coração disparou, de súbito, tomada por um mal pressentimento.
— Ele é o seu namorado, chica? — perguntou, encarando
Javier atentamente. — Aposto que ele ainda não conseguiu comer o
seu cuzinho — completou, se voltando para mim com um riso de
escárnio.
A minha reação foi rápida, assim que ouvi a insinuação
daquele homem. Javier deu um passo na direção dele, mas o
segurei pelos braços com força,prevendo que as coisas saíssemdo
controle.
— Javier, não aceite a provocação dele, por favor!— eu quase
gritei, apavorada. — Não podemos nos expor e muito menos nos
dar ao luxo de perder o emprego — completei, baixando o tom de
voz, o rosto bem próximo ao dele.
— Você ouviu bem o que este infeliz acabou de falar? — Javier
indagou, franzindo a testa, indignado. — Solte o meu braço agora,
Maya! Você não vai me impedir de dar uma lição nele.
— Se agredir o cliente, José vai chamar a polícia, e na
sequência os policiais podem entrar em contato com as autoridades
de imigração. Vai colocar tudo a perder por causa de uma ofensa?
Logo, eu notei que o chefe de bar passou a nos encarar à
distância, com ar de censura, apontando na direção dos clientes,
que estavam à espera de atendimento.
— Precisamos voltar ao serviço, Javier — comecei, em tom
suplicante. — José está de olho na gente e… — não consegui
completar a fala, porque o cliente assediador passou a proferir uma
série de palavrões. A voz alta o bastante para chamar a atenção das
pessoas no balcão.
— O presidente vai expulsar todos vocês, imigrantes
mexicanos de merda! — o sujeito vociferou, destilando preconceito
e xenofobia tal qual o nosso governante sempre faz.
Não faria a menor questão de informar que ele se enganou
com relação à minha nacionalidade.
Lancei um olhar desesperado em torno, mas não vi os dois
seguranças em parte alguma. Ambos devem estar do lado de fora
do estabelecimento, cumprindo diligências.
De repente, Javier se desvencilhou do aperto em seu braço de
modo brusco, e partiu para cima do cliente, ignorando por completo
os meus protestos. Ele puxou o homem pela gola da camisa e
começou a desferir uma série de socos no rosto dele. Horrorizada,
eu me aproximei de ambos para tentar evitar uma confusão
generalizada no bar, mas José e os garçons me detiveram a tempo.
Eles passaram por mim bem rápido, e agarraram Javier pelos
ombros, colocando um fim na briga.
Na sequência, o sujeito pegou alguns guardanapos de papel
para estancar o sangue que escorria do nariz, e sacou o seu celular
do bolso, possivelmente com o intuito de discar o número 911.
Daqui a poucos minutos, os policiais vão aparecer no
estabelecimento para registrar a ocorrência e receio que o meu
depoimento não seja suficiente para evitar que o meu primo seja
detido.
Não sei o que mais me deixa estressado: se o alto volume de
trabalho para atender às expectativas dos acionistas, ou se o meu
pai e a sua insistência em impor que eu me case para receber a
parte da herança que me corresponde. A filhacaçula já está prestes
a satisfazer os caprichos dele daqui a um mês; o mais velho, por
sua vez, se tornou um homem casado há anos. Foi por isso que eu
aceitei o convite do meu sócio para curtir o happy hour, junto com
alguns gestores de nossa empresa. Nós estamos em Midtown
Manhattan, mais precisamente no estabelecimento Chilli en Fuego,
um bar que sequer figura entre os melhores da cidade.
O grande investidor de Wall Street, Omar Aziz, só perde para o
bilionário Warren Buffet como o homem mais influente do ramo. Eu
nunca fiz a menor questão de assumir os negócios dele. Resolvi
seguir o caminho inverso ao fundar uma fintech[4], que tem se
destacado como a startup de finanças mais valiosa do mundo: a
Aziz Financial.
O meu pai é mais conservador nos negócios, apostando em
ativos menos arriscados para aguardar os resultados a longo prazo.
Por outro lado, o meu estilo é mais ousado como empreendedor, e
prefiro seguir riscos para garantir alta rentabilidade a curto prazo.
Ele tem demonstrado bastante interesse em se tornar o maior
acionista da fintech. Na verdade, foium meio encontrado para tentar
me convencer a voltar à vice-presidência do seu conglomerado de
investimentos, trilhando um longo caminho até o topo da hierarquia.
No entanto, eu já sou CEO da minha própria empresa, algo que eu
batalhei muito para conseguir.
— Então, Steve, o que o Chilli en Fuego tem de tão
interessante assim, a ponto de insistir em virmos para cá? —
indaguei, lançando um longo olhar pelo ambiente, mas logo eu me
dei conta de que não seria necessário esperar por uma resposta
dele. Os meus olhos avistaram o motivo pelo qual o bar se tornou
tão falado nos corredores da empresa.
A barmaid atraiu a minha atenção, de forma instantânea.
Fiquei simplesmente encantado pela elegância de seus movimentos
durante o preparo dos coquetéis ao som do Reggaeton.
— Ela é sensacional, não acha? — Steve perguntou, com
empolgação na voz.
Permaneci calado, pois a minha atenção continuava voltada
para a mulher performando malabares com duas garrafas, soltando
faíscasna tampa, graças ao artefato pirotécnico conectado. Parece
que o bar oferece uma apresentação especial destinada aos
aniversariantes do dia, desde que eles reservem o serviço com
antecedência.
Decidi cruzar a pequena distância que me separava dela. A
barmaid possui traços característicosde pessoas latino-americanas.
Ela é uma mulher jovem de corpo curvilíneo e incrivelmente sexy, a
pele tem um tom de oliva, os olhos são castanhos escuros e
penetrantes, além de possuir cabelos na mesma tonalidade, bem
reluzentes e de comprimento médio, presos no alto da cabeça.
Apesar de a jovem ter esboçado um sorriso, emoldurando o
belo rosto retangular e de queixo proeminente, achei nítida a
expressão de desalento nos olhos dela. Senti um inesperado senso
de proteção despertar dentro de mim, aliado ao desejo egoísta de
possuí-la, porque eu não sou de ferro. Senti arder em mim o desejo
de sentir a maciez de seus lábios em forma de arco, com as nossas
línguas se movimentando lentamente numa dança erótica, mesclado
ao frenesi da respiração entrecortada. Na sequência, eu
pressionaria o corpo dela contra a parede mais próxima, com as
minhas mãos se encarregando de retirar cada peça de roupa de
formaviolenta, ansiando poder desfrutá-lapor inteiro até estremecer
de prazer.
Eu estava tão distraído, envolvido em pensamentos eróticos,
até que, de repente, alguém estalou os dedos diante do meu rosto,
me fazendo voltar à realidade.
— Com licença, senhor. O que pretende beber esta noite? — o
bartender perguntou, em tom gentil, mas a forma como ele me
encarou não condizia com o tratamento dispensado. Ele parecia
bastante contrariado, assumindo uma expressão rude ao direcionar
um olhar frio e cortante para mim.
— Prepare um Manhattan, por gentileza. Obrigado — respondi,
com um sorriso amarelo. O coquetel é feito com uísque, de
preferência o tipo Rye Whiskey, preparado a base de centeio, além
de vermute doce e angostura, um bitter aromático.
Achei lamentável não ter sido atendido pela jovem barmaid,
mas como dizem que a noite é uma criança, ainda encontrarei uma
forma de me aproximar dela, e quem sabe assim, podemos trocar
algumas palavras. Quando olhei novamente na direção dela, notei
que ela parou de atender e se manteve próxima ao bartender, com
os braços cruzados sobre o peito. As suas feições se fecharam,
assumindo uma expressão séria e inconformada por um motivo que
eu nem imagino qual seja.
Depois que o bartender preparou o meu drink, a jovem se
aproximou dele para lhe sussurrar ao ouvido. O que quer que ela
tenha dito o fez pausar o atendimento, seguindo depressa até a
outra extremidade do balcão. Uma pena não poder satisfazer a
minha curiosidade, pois o pessoal está me aguardando na mesa
reservada para falar de negócios.
De repente, eu comecei a ouvir clamores confusos, mas as
vozes se tornaram mais altas e claras, evidenciando o início de um
conflito envolvendo várias pessoas ao mesmo tempo. Interrompi a
conversa com Steve para olhar na direção do balcão, sem conseguir
disfarçar a curiosidade. O bartender que havia preparado o meu
coquetel acabou de dar um soco no rosto de um homem, deixando-
o com o nariz sangrando. Logo, os demais funcionários do bar o
seguraram pelos ombros, impedindo-o de continuar a agressão.
Não deixei de me perguntar se de alguma forma a barmaid
estava envolvida naquela confusão toda. Ela passou a andar de um
lado para o outro, enquanto segurava as mãos unidas, com força
diante da boca. Por sorte, eu avistei um garçom a curta distância, e
acenei de forma insistente, com o intuito de chamar sua atenção.
Preciso saber mais detalhes a respeito dela, mas sem despertar a
curiosidade do pessoal da empresa.
— É a primeira vez que eu frequentoeste estabelecimento e já
me deparo com uma briga envolvendo cliente e funcionário… isso
acontece com frequência? — perguntei, fingindo estar confuso.
— Não, senhor, de forma alguma! — ele respondeu, com
veemência. — Parece que a barmaid foi assediada pelo cliente, e
por isso ela se recusou a atendê-lo. O colega aceitou substituí-la no
atendimento, mas o homem começou a insultá-los pelo fato de
serem imigrantes. Mas, o desfechoo senhor já sabe, não é mesmo?
— Acho totalmente compreensível. Eu também teria feito o
mesmo.
— Eu não teria tanta coragem assim. E ainda correr o risco de
ser preso ou perder o emprego? Porque é exatamente o que vai
acontecer com ele, nos próximos minutos — retrucou, balançando a
cabeça em negativa. — Eu posso lhe ser útil em algo mais? —
perguntou, solícito.
— Isso é tudo! Obrigado pelas informações— respondi, dando
um tapinha amigável em seu braço.
É lamentável constatar que casos como esse se tornaram tão
banais, gerando nas mulheres uma sensação de impotência por se
verem forçadas a suportar uma sequência de comportamentos
inadequados e desrespeitosos por parte de muitos homens, onde
quer que elas estejam.
Encarei o meu sócio e o pessoal da empresa, que pareciam
interessados em saber o que de fato aconteceu.
— O bartender corre o risco de ter sérios problemas, se a
polícia for chamada e a outra parte quiser apresentar queixa.
— Exatamente, Omar. Ainda que o bartender só tenha
quebrado o nariz do cliente, ele pode enfrentar a acusação de
agressão em terceiro grau — Steve explicou, de maneira didática
para nós. Ele estudou Direito na universidade, apesar de ter feito
pós-graduação em Economia e Finanças. — A pena de prisão mais
longa que uma pessoa pode receber se for condenada é de 1 ano,
pelo fato de ser considerada uma contravenção.
Voltei a atenção para o balcão novamente, e notei que dois
seguranças e um terceiro homem, que suponho seja o proprietário
do estabelecimento, conduziram o bartender até um canto mais
reservado do bar, enquanto o cliente seguia para o banheiro, na
direção oposta. A barmaid teve que dar continuidade ao
atendimento como se nada tivesse acontecido.
— Eu vou até o balcão pegar outro coquetel, Steve. Eu não
demoro, está bem? — informei, dando dois tapinhas em seu ombro.
Ele apenas se limitou a anuir com a cabeça, murmurando “uhum”,
com um sorriso malicioso nos lábios.
Atravessei o salão devagar, cuidando para não me esbarrar
em ninguém, mas ao encostar no balcão, coloquei as mãos no
tampo e comecei a girar o anel de prata no polegar, com crescente
nervosismo. Consegui sentar no banco posicionado exatamente
diante da bela bartender. Ela pegou uma toalha e começou a secar
os utensílios lavados, com muita destreza. De repente, ouvi alguém
gritar o nome dela, chamando a sua atenção de forma insistente.
Ela era a única atendente disponível;os outros dois estavam em
atendimento.
Repeti mentalmente o nome dela para não esquecer: Maya.
Este é um belo nome, por sinal. Pretendo usar como referência a
conhecida região banhada pelo Mar do Caribe, localizada no Estado
de Quintana Roo no México: a Riviera Maya. Já tive a oportunidade
de conhecer o local alguns anos atrás, quando eu me hospedei num
resort all inclusive, acompanhado por uma ex-namorada.
Maya levantou o rosto e me encarou com um olhar
inexpressivo, que durou apenas uma fraçãode segundos. Logo, ela
mostrou os dentes brancos e bem alinhados na tentativa de esboçar
um sorriso animador.
— Boa noite, senhor. Já fez a sua escolha?
Pensei em escolher o Cosmopolitan, mas o preparo dele é
rápido e prefiro desfrutar um tempo maior no balcão, admirando-a
em todo o seu esplendor, mesmo que por um minuto.
— Desta vez eu vou optar pelo Old Fashioned, por gentileza —
respondi, retribuindo o sorriso. — Prefiro que utilize oRye Whiskey.
— Como prefere o clássico coquetel um pouco mais picante,
então vai gostar da versão com fumaça dele — a bartender
comentou, de formainesperada, me fazendopiscar repetidas vezes,
um tanto confuso e curioso ao mesmo tempo.
O meu olhar se dividiu entre observar as belas feições e as
suas mãos habilidosas durante a execução do coquetel. Alguns
clientes começaram a gravar vídeos usando seussmartphones, mas
eu prefiro registrar cada um de seus movimentos em minha
memória.
Maya pegou um copo misturador, fazendo-o girar no ar, antes
de posicioná-lo no balcão. A seguir, ela colocou dois cubos de
açúcar mascavo, algumas gotas de água e bitters aromáticos,
amassando-os bem com um macerador até que o açúcar se
dissolvesse. Quando ela pegou o uísque, executou alguns
malabares, passando a garrafa por trás do corpo e a fazendo girar
pelo braço direito, antes de despejar uma parte do conteúdo no
copo. Continuei contemplando com adoração, enquanto ela
acrescentava alguns cubos de gelo, mexendo a bebida rapidamente
com a colher bailarina por alguns segundos.
Para finalizaro processo, ela utilizou um maçarico portátil para
queimar o centro de um suporte de madeira. Quando a fumaçaficou
espessa, ela pegou um copo baixo, posicionando-o emborcado para
o vapor se acumular no interior dele. Por fim, ela levantou o copo,
fazendo a densa fumaça se espalhar um pouco no ar, mas
rapidamente colocou um cubo grande de gelo, e utilizou um coador
para servir a bebida. Porém, a apresentação não parou por aí:ela
reservou uma surpresa para o final, ao cortar uma tira fina de casca
de laranja, segurando-o em uma mão, enquanto pegava o maçarico
com a outra. O ato de espremer a casca provocou labaredas, um
truque surpreendente e que me deixou ainda mais admirado.
Maya aproveitou a mesma casca para passar pela borda do
copo, e utilizou uma pinça para mergulhá-lo no drink, oferecendo-o
para mim, com um sorriso simpático nos lábios, finalizando o
atendimento.
— Bom proveito, senhor… — ela anunciou, fazendo uma
pausa para que eu pudesse lhe dizer o meu nome.
— Omar Aziz Filho — informei, exibindo um sorriso maroto.
Estendi algumas notas em sua direção, o suficiente para pagar pela
bebida, acrescida de vultosa gorjeta pelo excelente atendimento
prestado. — Espero que seja o suficiente para cobrir o
inconveniente causado pelo cliente que te desrespeitou —
completei, elevando mais o tom de voz por causa da música.
— Agradeço a gentileza, Mr. Aziz. Volte sempre! — Maya
falou, se despedindo, o seu rosto se iluminou ao pegar as notas.
Quando ela virou o rosto na direção do canto oposto do bar,
praguejou qualquer coisa em voz baixa, e logo percebi a razão da
mudança de seu comportamento. Os policiais haviam entrado no
estabelecimento, acompanhados pelo cliente assediador.
— Maya, eu conheço uma pessoa que pode ajudar o seu
amigo, se as coisas não saírem bem — falei alto o suficiente para
me fazer ouvir, inclinando o corpo contra o balcão.
Lembrei que eu sempre deixo alguns cartões de visita no bolso
do blazer para alguma eventualidade. Ela hesitou um pouco, mas
acabou pegando o cartão, me encarando com um misto de surpresa
e desconfiança.Logo, Maya voltou a atenção para uma mulher que
aguardava atendimento, e resolvi retornar à mesa, torcendo para
que ela aceite o meu auxílio.
A situação lamentável enfrentada ainda há pouco fez o meu
estômago embrulhar, mas eu precisava voltar ao trabalho. Aprendi a
manter o autocontrole emocional, fazendoo possívelpara não atrair
atenção desnecessária das autoridades. Apesar de Javier ter um
temperamento difícil,ele é um homem maravilhoso. Eu sei que ele
só pretendia me proteger, mesmo da maneira mais controversa
possível. Foram inúmeras as vezes em que ele afirmou ser capaz
de matar e morrer por mim. A questão é que ele espera algo que eu
jamais poderei lhe oferecer: amor
.
Nova York é uma cidade santuário, o que significa que os
governantes daqui optaram por não cooperar com as detenções do
ICE[5]. No entanto, eu ouvi rumores de prisões feitas pelos agentes
de imigração com base nas informações coletadas pelo próprio
Departamento de Polícia de Nova York. Se a polícia fichar o meu
primo sob a acusação de agressão, ele corre o risco de entrar para
o radar da agência, ainda que responda ao processo em liberdade
condicional. Entretanto, para que isso não aconteça será necessário
arcar com o pagamento de taxas, multas e restituição, além do
honorário de um bom advogado.
Apenas uma pessoa da famíliatem condições de assumir as
consequências financeiras:Pablo Navarro. Porém, o meu pai não
está na cidade e tampouco se envolve em assuntos relacionados à
polícia ou outros agentes da lei. Ele é o segundo na cadeia de
comando de uma organização criminosa que faz contrabando de
imigrantes para os Estados Unidos. Prefiro mantê-lo bem distante
dos meus assuntos pessoais, como eu sempre faço.
A certa altura, eu fiz uma pausa para o descanso e José se
aproximou de mim para me falar ao ouvido.
— Javier meteu os pés pelas mãos, chica. Infelizmente, a
polícia acabou de levá-lo preso. E há algo mais que você precisa
saber: Alejandro vai dispensá-los do serviço.
— Por Deus, não! ― quase gritei, com a voz estrangulada de
tristeza, balançando a cabeça em negativa. — Eu não posso perder
o emprego, José. Eu vou falar com ele agora mesmo!
Segui correndo até os fundos do bar, e entrei na sala de
Alejandro, sem sequer pedir permissão.
— Que história é essa de que pretende demitir a mim e ao
meu primo, Alejandro? — perguntei, me posicionando diante da
mesa de trabalho dele, com as mãos na cintura. — Sabe muito bem
que o benefíci
o do DACA vai expirar daqui a alguns meses, e terei
dificuldades de obter uma nova licença de trabalho.
— Estou ciente de que rescindir o seu contrato antes da sua
autorização de trabalho expirar te dá o direito ao pedido de rescisão
legal, Maya. Não precisa se preocupar.
— Não se trata exclusivamente do que eu vou receber,
Alejandro. Todos os imigrantes indocumentados estão no limbo,
desde que Trump encerrou o programa.
Sempre apresento os formulários de renovação do DACA
antes da data de vencimento, mas esses documentos não são
aprovados da noite para o dia. É um processo lento, que leva
meses, e por isso as solicitações devem ser feitas com
antecedência. Perder o emprego antes da renovação ser aprovada
pela USCIS[6] compromete anos de uma luta árdua para permanecer
no país.
— Infelizmente, eu acho que nenhum outro estabelecimento de
Nova York vai aceitar contratar vocês dois. Eu não preciso refrescar
a sua memória com relação ao que aconteceu da última vez, não é?
— Javier só quis me defender, mas do jeito torto dele, como
você já sabe…
— Exatamente como hoje à noite, Maya. Com a diferença de
que além de ter agredido o cliente a socos, Javier causou uma
confusão generalizada no bar. Ele deu sorte de que, naquela
ocasião, os seguranças contornaram as coisas e a polícia não foi
acionada.
— Não posso ser responsabilizada pelos atos dele, Alejandro!
— gritei, a incredulidade anterior se transformou em indignação.
— Você costuma incitar os homens a brigarem por sua causa,
Maya. Sinto muito.
— Além de aguentar uma jornada dura de trabalho em turnos
de 10 à 12 horas por dia, algumas vezes sem pausa para o
descanso, eu ainda tenho que aceitar ser assediada pelos clientes
do bar? — perguntei, fazendo uma careta de desprezo.
— Você não é a única barmaid atraente do Chilli en Fuego,
Maya — Alejandro retrucou, com um longo suspiro. Depois, ele se
recostou na cadeira e entrelaçou os dedos, apoiando os cotovelos
sobre a mesa. — As suas colegas enfrentam todos eles com muito
jogo de cintura, algo que, definitivamente, falta em você. E para
agravar a situação, ainda usa o seu primo como um escudo, ciente
do comportamento explosivo dele perante qualquer um que se
atreve a mexer com você.
— A minha origem não difere em nada da sua, e isso é o que
mais me revolta — falei, com a voz embargada, prestes a irromper
em lágrimas, mas tentei eliminar o nó na garganta, antes de voltar a
falar. — Esperava poder contar com o seu apoio, mas eu não vou
perder mais tempo, tentando te convencer a voltar atrás em sua
decisão, Alejandro. Preciso voltar ao serviço.
— Amanhã poderá vir assinar a papelada da rescisão do
contrato. Boa sorte, Maya.
Eu só me limitei a fazer um rápido aceno de cabeça, em
despedida. Quando segurei a maçaneta e entreabri a porta para sair
do local, deixei escapar um longo suspiro, enquanto as lágrimas
inundavam os meus olhos, mas eu contive um soluço inoportuno a
tempo. Eu fechei a porta e me encostei na madeira, soltando a
respiração devagar, e me controlando para não permitir que a raiva
me consumisse por inteiro. Consultei o horário no relógio de pulso.
Ainda faltam duas horas e meia para finalizar o expediente e poder
ir embora. Senti a barriga começar a roncar, mas por sorte guardei
uma barrinha de cereal no bolso da calça.
Coloquei a mão no bolso, retirando dele um pequeno cartão de
visitas, que estava junto com a barra de cereal. Abri a embalagem e
comi parte do lanche, enquanto lia as informações profissionais do
misterioso cliente.

Omar Aziz Filho


Cofundador e CEO

Five Crosby Street, New York, NY, 10013


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Quando eu terminei de ler, coloquei o papel no bolso de novo,


sorrindo internamente ao lembrar que Omar acompanhou de forma
atenta cada um dos meus movimentos durante o preparo do
coquetel. Os olhos verdes, lindos e inquietantes dele, transmitiram
verdadeira adoração, e precisei fazer um esforço enorme para
continuar concentrada no serviço. Não poderia cometer o vacilo de
derrubar uma garrafa de uísque caro, por mais atraente que ele
seja.
Existe algo naquele homem que me incendeia inteira por
dentro, e não me refiro apenas à aparência física.Que Omar Aziz
Filho é diabolicamente bonito, isso é fato. Talvez seja o olhar duro e
quente direcionado a mim, mas sei que há algo mais que ainda não
ousei identificar. Os cabelos pretos são curtos e grossos, as maçãs
do rosto salientes e a mandíbula é bem estruturada. Reparei
também que a barba curta e preta contrastava com a pele muito
clara e rosada nas bochechas. Os traços dele são característicosde
pessoas com ascendência árabe. Ele certamente não entrou no país
de forma ilegal, e mesmo na condição de imigrante, o seu elevado
poder aquisitivo deve ter encurtado e facilitado o direito à cidadania
americana.
Quais foram mesmo as suas últimas palavras durante o
atendimento?
Maya, eu conheço uma pessoa que pode ajudar o seu amigo,
se as coisas não saírem bem.
Decidi mandar uma mensagem de texto para o cliente,
sentindo um vislumbre de esperança. Enfiei a mão por dentro da
blusa e tirei o smartphone preso ao sutiã. Logo em seguida, eu
digitei rapidamente na caixa de texto, perguntando se ele ainda
poderia ajudar o meu primo, e em caso afirmativo, pedi para ele
retornar o contato com maiores informações.
Quando eu atravessei o corredor de acesso à área principal do
bar, senti o celular vibrar e o peguei rapidamente para checar a
notificação na tela. Omar respondeu a mensagem, informando que
pretendia aguardar a minha saída,e a pessoa em questão já estava
ciente do ocorrido. Voltei depressa para o balcão, antes que a minha
ausência fosse notada pelo meu chefe.
Iniciei uma prece em silêncio, pedindo a Deus que Javier
pudesse responder ao processo em liberdade condicional.

No final do expediente, tomei um banho rápido e vesti um


casaco de moletom cinza com capuz e legging preta, mantendo
apenas a bota preta de couro, com zíper lateral e amortecimento
extra, que garante o máximo de conforto durante o uso prolongado
no trabalho. Dobrei o uniforme, guardando-o dentro do armário, e
peguei a minha bolsa de malhar. Porém, antes de sair do vestiário,
eu lancei um olhar resignado ao redor, sentindo uma profunda
tristeza por não poder continuar a trabalhar como barmaid no Chilli
en Fuego. Pelo menos eu ainda exerço o ofíciode babá em dias
alternados, mas o que recebo semanalmente não supre as minhas
necessidades financeiras.
Preciso de um emprego novo regular e de preferênciano setor
de bares e restaurantes.
Encontrei Omar na entrada do bar, mas percebi que ele não
estava sozinho. O homem em questão deve ser um executivo
também, a julgar pela roupa dele, mesclando peças sociais com
casuais. Os dois têm praticamente a mesma estatura, o porte
atlético e musculatura bem distribuída.
O balcão escondeu parte do corpo de Omar, então aproveitei
para dar uma boa olhada nele, da cintura para baixo. O estilo mais
casual se restringiu à calça jeans de lavagem escura e modelagem
slim, que se ajustava bem aos músculos grossos das coxas. Porém,
o que mais chamou a atenção foi o volume entre as suas pernas.
Fechei os olhos de forma momentânea e dei um longo suspiro,
tentando inibir os meus instintos, mas a onda de calor e excitação
começou a me invadir, sem nenhum controle. Faço o possível para
reprimir essas sensações, mas às vezes elas me consomem por
inteiro.
A mera ideia do ato sexual em si sempre me causou asco,
repulsa e ansiedade dentro de mim. Evito pensar ou falar sobre
sexo, porque as lembranças desbotadas saltam à memória, e ainda
carrego a dor da culpa, me fazendo acreditar que eu não sou digna
de ser amada.
Quando eu parei diante deles, tentei esboçar o meu melhor
sorriso, mas a vontade de chorar era maior. Engoli em seco e limpei
a garganta antes de cumprimentá-los.
— Boa noite, senhores. Desculpem a demora. Eu precisava
tomar banho.
— Ainda não tivemos a oportunidade de nos apresentar —
Omar falou, encarando o amigo por um momento, antes de voltar a
atenção para mim. — Eu me chamo Omar Aziz Filho e Steve Miller
é o meu grande amigo e sócio na Aziz Financial.
— Maya Garcia — falei, estendendo a mão direita. — É um
prazer conhecê-los.
O aperto de mão de ambos era firme, porém caloroso. Sorri
para os dois homens de forma gentil, e me surpreendi ao notar os
lábios de Omar se entreabrir em um sorriso radiante, mostrando os
dentes brancos e perfeitamente alinhados.
— A esposa de Steve é advogada criminalista e vai nos
aguardar no local. Então, eu acho melhor nós seguirmos logo até a
delegacia.
O bar Chilli en Fuego oferece o serviço de valet parking,
portanto o manobrista já havia buscado os veículos deles no
estacionamento.
— Omar, eu não vou poder acompanhá-los, mas Megan já
está ciente da situação — Steve comentou, batendo no ombro dele
de leve. Depois, ele voltou a me encarar, lançando um sorriso
simpático. — Espero que tudo se resolva da melhor maneira
possível, Miss Garcia. Foi um prazer conhecê-la.
— Não sei como agradecer tamanha bondade e generosidade,
Mr. Miller.
— Imagina! É o mínimo que eu poderia fazer por uma
profissional tão dedicada. A senhorita presta um serviço de
excelência neste bar. Omar e eu achamos lamentável que tenha
sido demitida.
— A gente ouviu o pessoal comentar a respeito — Omar se
apressou em explicar.
— Ah, compreendo perfeitamente — falei, com certo
constrangimento. Peguei o celular para solicitar logo um Uber, e
também como forma de disfarçar a vergonha que estava sentindo.
Ouvi a porta do carro batendo, seguido do som do motor
dando a partida. Steve acabou de deixar o estabelecimento, me
deixando a sós com Omar.
— Pegar um Uber a essa hora da noite não é exatamente a
melhor maneira de se sentir mais segura, Maya — o executivo
comentou, de repente, fazendo o meu coração sobressaltar no
peito. — Eu sugiro que você tire uma foto da placa do meu carro, e
a envie por mensagem para sua famíliaou para alguma amiga. O
que acha?
Devo admitir que ele tem razão, mas eu não tenho outra
opção. Pegar carona com um desconhecido é algo que eu abomino
completamente.
Senti o corpo estremecer da cabeça aos pés, tomada por um
medo irracional. A minha mente começou a vagar, formando
imagens desordenadas, simulando desfechos horríveis, caso eu
aceite a oferta dele. Trabalho até alta madrugada todos os dias, e
nunca retorno sozinha para Newark. Javier tem carro, e mesmo
quando a folga dele não coincide com a minha, ele sempre se
disponibilizou a vir me buscar.
E se este homem pegar outro caminho que não seja o do
distrito policial?
E se ele parar em alguma rua sem saída e tentar me pegar à
força?
E se eu resistir, ele vai ficar tão furioso a ponto de tentar me
matar?
E se eu morrer?
De repente, eu saí dos meus devaneios, sentindo que
seguravam os meus braços.
— Você está bem, Maya? — Omar, perguntou, olhando em
meus olhos para me sondar, com o cenho franzido de preocupação.
Percebi que Maya parecia em estado de choque, a pele dela
ficou bastante pálida, os seus olhos arregalados estavam perdidos
em algum ponto distante, assim que ouviu as minhas últimas
palavras.
Será que ela me considera um abusador em potencial? —
pensei, respirando bem fundo, o estômago começou a se contrair.
Eu me sentia péssimo por ter causado uma impressão errada, ao
lhe oferecer carona. Preciso desfazer essa percepção equivocada
que ela tem a meu respeito o quanto antes, pois do contrário, eu
jamais voltarei a vê-la.
— Eu realmente me solidarizo contigo, e estou disposto a
ajudar o seu namorado. Quem sabe alguma colega sua pode nos
acompanhar até a delegacia? — sugeri, soltando os braços ao longo
do corpo e dei um passo para trás, torcendo para que ela me dê um
voto de confiança.
Depois de um momento de silêncio, ela finalmente falou, com a
voz trêmula.
— Javier é o meu primo… — ela me informou, desfazendo o
mal-entendido. — Acredito que todas já foram embora, e além do
mais, eu não quero envolver ninguém em meus problemas —
prosseguiu, baixando o olhar para o chão, envergonhada. — Preciso
te pedir desculpas pela forma como eu reagi contigo, mas a
confusão envolvendo um cliente, culminando na prisão do meu
primo, além do serviço exaustivo, e a notícia inesperada da minha
demissão, acabou me deixando atordoada demais. Eu só quero
chegar em casa e poder descansar.
Maya levantou o rosto e voltou a me encarar, prendendo uma
mecha solta atrás da orelha, com os dedos trêmulos. Ela havia
prendido os cabelos longos em um coque frouxo, um tanto
bagunçado pelo vento cortante da madrugada. A visão do seu gesto
despretensioso despertou uma vontade incontrolável de puxá-la
para mim, apertando-a junto ao peito, e afundando a mão nos fios
sedosos para sentir a textura, antes de desprender o penteado.
Então, eu a afastaria um pouco para contemplar o belo rosto,
emoldurado pelos cabelos que lhe desciam sobre os ombros, antes
de enchê-la de beijos.
— Então, aceite a minha carona, Maya. A esposa de Steve já
deve estar nos esperando… — insisti, imprimindo à voz o máximo
de delicadeza possível. — Não pretendia assustá-la de forma
alguma. Confie em mim.
Maya continuou me encarando, com profundidade, como se
quisesse ler a minha mente, mas acabou consentindo com um gesto
de cabeça, de modo quase imperceptível.Nós seguimos até o carro
estacionado no meio-fio, imersos num silêncio constrangedor.
Se Maya soubesse o que estou pensando já teria saído
correndo, amedrontada, mas percebi que ela é diferente de qualquer
outra mulher com a qual já tenha me relacionado. Atrás do balcão
ela é a própria personificação do mulherão, esbanjando muita
personalidade, independência e autoconfiança. Porém, sem o
uniforme de barmaid, ela assumiu um ar de inocência e pureza,
característicosde uma menina mulher. Desconfioque ela ainda seja
virgem ou tem pouca experiência no que diz respeito ao sexo. E,
definitivamente, eu estou louco para descobrir em qual situação ela
se encaixa.
— Então, Maya, qual é a sua nacionalidade? — perguntei,
inclinando a cabeça para o lado para encará-la, com ar divertido.
— Eu sou brasileira, com ascendência mexicana pelo lado
paterno.
— Mas, que coincidência incrível! Nós temos uma história de
vida em comum: somos filhos de imigrantes — informei, enquanto
seguia pela 8ª Avenida. — Eu nasci no Líbano, mas os meus pais
migraram para os Estados Unidos nos meus primeiros anos de vida.
Mas, eu já possuo a cidadania americana.
— Há um abismo que nos separa no que diz respeito ao
tratamento dispensado, Omar. Imigrantes ricos conseguem obter o
status de residente permanente, sem maiores dificuldades.
— Realmente, você tem razão. O meu pai recebeu um visto de
investidor naquela época, que basicamente é um documento
destinado aos estrangeiros que podem fazer grandes contribuições
financeiras no país.
— Infelizmente, eu não tenho uma reserva financeira destinada
exclusivamente para este fim, como alguns imigrantes em melhores
condições possuem.
— Você mora em Newark? Desculpe, eu sei que é uma
pergunta muito pessoal…
— Não tem problema algum em responder. Eu moro em
Ironbound, Newark.
— Você frequenta alguma faculdade daqui? — indaguei,
lançando um rápido olhar na direção dela.
— Eu frequentei a Union County College, uma faculdade
comunitária de New Jersey, durante dois anos. Depois, eu fui
transferida paraRutgers University, onde estudei por mais dois anos
para concluir o bacharelado em Direito. Só consegui estudar lá
porque eu tomei empréstimos.
— Mas, você não tinha direito à bolsa de estudos ou outro tipo
de auxílio?
— O meu status de imigração não permite obter nenhuma
ajuda financeira estadual ou federal. Além disso, o benefícioDACA
está paralisado no Congresso.
— Eu já ouvi falar dessa sigla, mas não sei bem o que
significa.
— O programa foi criado com o intuito de regularizar
temporariamente a situação de imigrantes sem documentos, que
chegaram aos EUA quando crianças.
— Mas, você possui permissão legal para trabalhar, certo?
— O DACA concede uma autorização de trabalho, válida por
dois anos, podendo ser renovado, mas a demissão no Chilli en
Fuego vai me causar sérios problemas. O meu pedido está
pendente de análise no USCIS, e se expirar antes da validação, eu
não terei proteção contra deportação, e muito menos, autorização
de trabalho.
— Então, você não conseguiu se programar para enviar o
pedido de renovação com antecedência?
— Cometi o erro de deixar para depois, mas o custo da
renovação é bem elevado, e também fiquei com medo de fornecer
informações a uma agência, que tem aumentado a fiscalização e
deportação de imigrantes indocumentados.
— Imagino que o clima gerado sobre o futuro do programa seja
de muitas incertezas, desde que Trump assumiu a presidência, não?
— Sim, sem dúvida! Eu tenho 23 anos, mas faço parte do
programa desde os 17. No entanto, eu passei a conciliar os estudos
com o trabalho desde os 16 anos, atuando como garçonete. Eu
tomei empréstimos na época e tem sido cada vez mais difícil
conseguir saldar a dívida.
— Maya, você acumulou dívidas a ponto de comprometer até
as despesas básicas?
— Eu nem deveria falar sobre isso, meu Deus! É o seu
trabalho, não? Eu me sinto envergonhada em expor que eu estou
tão lascada financeiramente.
— Não se preocupe, Maya. É importante tomar conhecimento
dessas questões. A minha empresa é uma fintech, e posso
estabelecer medidas que visem facilitar o acesso ao crédito,
oferecendo taxas de juros reduzidas ao longo do tempo, em
determinados casos.
— Eu costumo utilizar os serviços tradicionais de remessas de
dinheiro para o exterior. Ajudo a famíliada minha mãe todos os
meses, na medida do possível.
— Esta é uma lacuna que precisa ser preenchida. De minha
parte, a Aziz Financial pode desenvolver aplicativos e serviços
financeiros que atendam às necessidades dos imigrantes não
documentados para acessar, gerenciar e movimentar facilmente os
seus rendimentos.
— A sua empresa precisa oferecergarantias de que os nossos
dados serão protegidos, Omar.
— Eu vou discutir todas essas questões com o meu sócio,
demais gestores e especialistas em segurança da informação.
— É muito louvável da sua parte buscar a inclusão de
imigrantes indocumentados — Maya comentou, me encarando com
um brilho diferente no olhar. Admiração, talvez?
— Qual curso pretende escolher, quando puder continuar os
estudos?
— Eu só posso atuar como advogada de imigração, quando eu
for admitida em outra universidade para obter o diploma de Juris
Doctor (J.D.), após três anos — respondeu, com empolgação. —
Mas, eu não pretendo desistir dos meus sonhos.
— Tenho absoluta convicção disso, Maya. Você demonstra ter
muita garra e determinação. Mas, imagino que o seu maior objetivo
seja conseguir a residência permanente. Certo?
— A única forma de legalizar a minha situação seria através de
um casamento com um cidadão americano.
Praguejei baixinho, ao encostar o carro no acostamento do
distrito policial. Pensei que conseguiria descobrir mais detalhes
sobre a vida pessoal dela, mas a conversa se restringiu aos
assuntos profissionais e acadêmicos. O último comentário dela foi a
deixa que faltava para abordar assuntos mais íntimos. Preciso
encontrar uma maneira de voltar a vê-la o mais depressa possível. E
por falar em casamento, eu ainda não tive tempo de sair à procura
do traje da cerimônia.
— Por que eu não pensei nisso antes? — gritei, batendo com a
mão no volante, com bastante entusiasmo, devido uma ideia que me
ocorreu.
A oportunidade que faltava para rever Maya será justamente
no evento de Najla daqui a um mês. Posso propor a ela um trabalho
como barmaid na mansão do meu pai, localizada nos Hamptons.
— Se o seu objetivo era me assustar, você acabou de
conseguir — Maya falou, franzindo a testa, com a expressão
desconfiada. Logo, ela permitiu um sorriso maroto aflorar em seus
lábios carnudos. O meu olhar famintose deteve neles, e me esforcei
ao máximo para adiar o momento em que impetuosamente a
beijarei, fazendo todas as defesas dela virem abaixo.
— A minha irmã vai se casar no próximo mês e eu pensei em
te propor um trabalho freelancer como barmaid. Haverá muitas
garrafas e utensílios de bar à sua disposição para executar os
truques incríveis, que só você é capaz de fazer
.
— Mas, é claro! — Maya respondeu, com a mesma expressão
simpática estampada no rosto. Porém, a sua voz vibrou uma nota de
decepção, que não passou despercebido para mim. — Você tem o
meu número registrado no celular. É só me passar as informações
para negociar o valor do serviço — completou, desafivelandoo cinto
de segurança e destravando a porta.
Será que eu faleialgo de errado? Por que é tão difícilentender
o que se passa na cabeça das mulheres?

Uma vez dentro da delegacia, Maya ficou aguardando no


saguão de entrada, mantendo a cabeça coberta pelo capuz de seu
casaco de moletom. Eu efetuei o pagamento da fiançaem dinheiro,
e aguardei a liberação do primo dela, enquanto conversava com a
esposa de Steve.
— Aquela moça me parece bastante assustada, Omar —
Megan comentou, apontando com a cabeça na direção de Maya.
Lancei um rápido olhar na direção da barmaid. Ela estava com os
braços cruzados sobre o peito, e balançava a perna, deixando
transparecer o nervosismo. — Eu observei em seu rosto a
expressão de um animal acuado. Sabe o motivo?
— Ambos são imigrantes não documentados — respondi, me
inclinando para a frente, usando um tom confidencial. — A situação
é bem complicada. Maya acabou de perder o emprego e a
permissão do DACA está perto de expirar. Ela não conseguirá uma
nova autorização de trabalho enquanto não renovarem o pedido.
— Com a administração federal atual, motivos não faltam para
temer as autoridades…, mas, eu tenho contatos no escritório de
advocacia especializado em imigração.
— Eu pretendo fazer tudo o que estiver ao meu alcance para
protegê-la.
— Percebi que está bastante interessado nela, Omar —
Megan comentou, erguendo a sobrancelha com uma expressão
perspicaz. — Eu posso ajudá-lo a intermediar o processo.
— Você faria isso por mim, Megan? — perguntei, mal contendo
a empolgação e a ansiedade. — Maya me atrai de um jeito surreal e
isso me assusta porque ela é totalmente diferente das minhas ex-
namoradas.
— A começar pelo fato de ela pertencer a uma classe social
inferior à sua, não é mesmo?
Quando eu estava prestes a responder à pergunta de Megan,
avistei o primo de Maya no saguão, acompanhado por um policial.
Ele chamou bem alto o nome dela para anunciar sua presença.
Confesso que a ver se levantar e correr para abraçá-lo me fez
sentir um incômodo aperto no peito. Só não me permito ser
dominado pelo ciúme, porque tudo leva a crer que ela só o
considera como um irmão mais velho.
Megan e eu nos aproximamos deles em silêncio, mas
subitamente o primo se afastou e começou a andar rápido em
direção à saída da delegacia, puxando Maya pelo braço, mesmo
sob os seus protestos.
— Preciso pegar o meu carro que ficou estacionado no Chilli
en Fuego, Maya. Nós temos um longo caminho pela frente até
Newark, e não podemos perder tempo.
Acompanhei a saída deles sem esboçar nenhuma reação.
Maya olhou para trás e fez um gesto, reconhecendo sua impotência
perante o comportamento impulsivo do primo. Ela ainda conseguiu
abrir um sorriso, fazendo o meu coração disparar dentro do peito, e
reacendendo um desejo feroz que eu não sinto há anos.
Vinte minutos depois, eu estava estacionando o veículo na
garagem do condomínio em TriBeCa, quando de repente eu escutei
o som de reggaeton tocar, de forma insistente. Eu ativei o modo
vibrar, desde que eu saí da empresa, então descartei a possibilidade
de ser o meu celular tocando. Lancei um rápido olhar por todo o
interior até perceber que havia uma bolsa de malhar no piso do
banco do carona. Decidi abrir logo o zíper da sacola, vasculhando
nela até encontrar o smartphone de Maya.
Sorri internamente ao observar uma selfie dela utilizada como
protetor de tela, antes de atender a ligação.
Agora que eu fiz um pequeno progresso para conquistar a
confiançadela, não permitirei que Javier, ou qualquer outro homem,
ouse se colocar em meu caminho. É questão de tempo até Maya se
permitir dar e receber prazer, sendo única e exclusivamente minha
pelo tempo que eu julgar necessário.
Eu encerrei a ligação e devolvi o celular para Javier, que se
manteve atento à estrada, cruzando a ponte sobre o rio Passaic,
que dá acesso à área norte do distrito de Ironbound, Newark.
— Então, você vai mesmo se encontrar com esse sujeito após
o expediente como babá? — o meu primo perguntou, colocando o
aparelho no porta-objetos, próximo à alavanca de câmbio.
— Você insiste em querer controlar a minha vida, não é
mesmo? Mas, respondendo a sua pergunta, sim, ele vai passar na
casa dos Collins para devolver a minha bolsa no final da tarde.
— Por que um cliente qualquer resolveria nos ajudar, Maya? —
Javier perguntou, com tom de incredulidade e aborrecimento ao
mesmo tempo. — Eu realmente não consigo encontrar uma razão
plausível que justifique, além do fato de ele ter segundas intenções
contigo.
— O que Omar sente ou não por mim não te diz respeito,
primo. Além do mais, ele também é filho de imigrantes e se
solidarizou com a nossa situação. O sócio dele é casado com uma
advogada criminalista, e por isso ela se disponibilizou a cuidar do
seu caso.
— Só não me ofereçopara pegar a sua bolsa, porque eu tenho
alguns assuntos pendentes para resolver — Javier comentou,
passando os dedos pela cabeça, parecendo nervoso.
— Certamente que esses assuntos envolvem Pablo Navarro —
falei,fazendo uma careta de desgosto. — Eu já te pedi tantas vezes
para não se envolver mais nos negócios do meu pai, mas você
nunca quis me ouvir — completei, com tristeza.
— É por pouco tempo, não se preocupe. Eu devo muito ao
meu tio e sempre me senti no dever de retribuir tudo o que ele fez
por minha família.
— Há outras formas de demonstrar a sua eterna gratidão por
ele — ironizei, cruzando os braços, na defensiva.
— Você acha mesmo que eu participo ativamente do esquema
de travessia clandestina, Maya?
— Você sempre foi muito evasivo quando eu perguntava que
tipo de atividades você desempenha na organização, Javier —
respondi, com os olhos fixos nele e uma das sobrancelhas,
arqueada.
— Pablo desconfia que alguém muito próximo está
comprometendo as operações na fronteira — Javier explicou, me
encarando com uma expressão grave. — Parece que alguns coiotes
estão envolvidos nos casos de sequestros, mortes e
desaparecimentos de muitos imigrantes nos últimos anos.
— Lamento ter que dizer isso, mas ele é responsável por todos
os casos de desaparecimentos e assassinatos, pelo menos
indiretamente — retruquei, recostando a cabeça no assento, e
respirei bem fundo, uma imensa tristeza invadiu a minha alma. — As
mãos dele estão sujas de sangue, Javier. Acho melhor você ficar
fora disso, para o seu próprio bem.
— O seu pai nunca compactuou com os excessos praticados
neste esquema, Maya. Eu acredito que sejam coiotes pertencentes
a outros grupos que organizam as travessias clandestinas.
— Esses desgraçados fazem parecer que tudo não passou de
um acidente. Isso não me surpreende em nada — retruquei, incapaz
de conter a raiva. — Mas, o meu pai desconfia de alguém em
específico?
— Félix Guzmán. Você ainda se lembra dele, não? Ele
garantiu que você e a sua mãe cruzassem a fronteira em segurança.
— Mas, é claro! — respondi, me esforçando para conter uma
lágrima sorrateira.
Como eu poderia esquecer o homem que destruiu a minha
infância?
A minha mãe jamais conseguiu se perdoar. Ela entrou em
depressão profunda naquela época, mas Pablo imaginou que a
razão fosse as condições terríveis enfrentadas na travessia. Nós
mantivemos esse segredo dele, porque sabemos bem como ele
resolveria a questão. Não fosse a mãe de Javier, mamãe teria
muitas dificuldades para seguir com a gravidez adiante, sem
maiores complicações. Ela não sabia que estava grávida até
conseguir fazer a travessia para o lado americano. A minha tia
segurou as pontas até Ramón nascer. O meu irmão possui a
cidadania de primogenitura pelo fato de ter nascido nos Estados
Unidos. No entanto, ele só poderá pleitear um Green Card para ela
quando completar 21 anos.
— Você sabe que o seu pai conquistou uma reputação
irretocável, considerando a taxa de sucesso nas travessias de
fronteira, o tratamento oferecido durante as viagens, além do
respeito às famílias, migrantes com crianças ou mulheres
desacompanhadas.
— Respeito às mulheres… — ironizei, com os lábios retorcidos
em um sorriso cheio de sarcasmo. Os meus olhos ardiam com as
lágrimas reprimidas, mas virei o rosto para observar a paisagem,
sentindo uma onda de alívio ao perceber que chegamos à Market
Street.
A rua onde eu moro fica bem próxima à estação de trem, com
fácildeslocamento para Nova York, um percurso que leva entre 20 e
30 minutos.
Eu moro com a minha mãe e o meu único irmão, Ramón. A
idade dele é a mesma que eu tinha quando cheguei aos Estados
Unidos: 11 anos de idade. Os meus tios e seus três filhos mais
novos vivem no pavimento térreo da residência, enquanto que o
segundo é ocupado por mim, Ramón e mamãe. Javier, por sua vez,
reside no terceiro andar. Nós praticamente vivemos de favor e o
meu maior sonho é poder ter a casa própria, mas os bancos
continuam negando acesso ao financiamento e hipoteca aos
beneficiários do DACA.
— O que houve, Maya? — Javier perguntou, assim que
estacionou o veículo no meio-fio. — Existe algo de que eu precise
saber? — questionou, segurando o meu queixo para me forçar a
encará-lo nos olhos.
— Eu nunca fui respeitada por homem nenhum, nem mesmo
por você, Javier.
— Você está sendo bastante injusta comigo, Maya — retrucou,
demonstrando estar ofendido.
— Eu fuidemitida do Chilli en Fuego por um erro cometido por
você. Sabe o que Alejandro falou? Ele disse que eu incito os
homens a brigarem. É como se eu tivesse induzido você a agredir o
cliente, quando eu apenas te pedi para me substituir no
atendimento.
— Eu te peço desculpas… você está coberta de razão. Eu me
excedi realmente, mas isso não vai mais acontecer, eu juro!
— Eu só vou te pedir uma coisa, Javier. Não conte a ninguém
o que aconteceu conosco, entendeu? Eu não quero que a minha
mãe se desespere. Você sabe que tem sido tão difícillidar com os
altos e baixos da doença…
— Mas, como você vai fingir que ainda trabalha como
barmaid? Vai ficar perambulando pela cidade até a madrugada?
— Eu darei um jeito nisso, primo — respondi, abrindo a porta e
saindo do veículo. — Eu vou ocupar o tempo de alguma forma para
que ela não desconfie de nada.
Nós dois subimos as escadas, imersos no mais profundo
silêncio. Quando eu alcancei o segundo pavimento, parei diante da
porta e me virei para me despedir dele.
— Javier, apesar das nossas diferenças, eu tenho um apreço
muito grande por você — comecei enfiando as mãos nos bolsos do
casaco, e olhando-o diretamente nos olhos. — Se eu consegui o
meu primeiro emprego foigraças a você. Sem contar os favoresque
fez nos momentos em que eu mais precisei… bem, eu sinto que fui
muito dura contigo. Me desculpe.
— Eu vou resolver a nossa situação, Maya. Confieem mim! —
o meu primo assegurou, e estendeu o braço para acariciar o meu
rosto, com ternura.
Eu apenas fechei os olhos e assenti com a cabeça, sentindo
os olhos se encherem de lágrimas. Depois, eu virei as costas, e
disfarçadamente, enxuguei o rosto com o dorso da mão, antes de
entrar na residência. Decidi conferir a própria aparência no grande
espelho preso à parede do hall de entrada. Esbocei o meu melhor
sorriso, satisfeita por ter conseguido disfarçar o cansaço e o
abatimento, causados pelos últimos acontecimentos.
Encontrei a minha mãe na cozinha, com o rosto apoiado nas
mãos e cotovelos sobre a mesa. Os pensamentos dela pareciam
vagar sem rumo a quilômetros de distância dali. Eu decidi
permanecer no limiar da cozinha, me encostando no batente e a
observei em silêncio.
Míriam Garcia é uma mulher de meia-idade, com baixa
estatura e corpo franzino, os seus cabelos são lisos e de
comprimento médio. Ela trata a depressão com medicamentos
controlados, desde que Ramón nasceu. Porém, o transtorno
começou meses antes, em decorrência do abuso sexual que eu
sofri, causado por Félix Guzmán. As consequências foram
devastadoras para nós duas, mas com o passar dos anos, eu
consegui formar uma espécie de couraça interior, que me permitiu
levar uma vida praticamente normal. Não poderia me entupir de
remédios a ponto de ficar prostrada na cama durante horas. Eu
sempre recusei o dinheiro sujo do meu pai, e me incomodava
depender financeiramente dos meus tios.
Assim que eu completei 16 anos de idade, Javier me ajudou a
conseguir o meu primeiro emprego. Trabalhei como garçonete em
um restaurante a poucos quarteirões daqui. Na sequência, eu
completei o Ensino Médio e ingressei na faculdade comunitária de
New Jersey, vislumbrando uma oportunidade de melhoria de vida.
Depois, eu frequentei a Rutgers University durante dois anos, onde
eu pude cursar o meio período, conciliando com o trabalho. Porém,
o meu objetivo só estará completo quando eu for admitida na
Faculdade de Direito de Columbia. Já realizei o Teste de Admissão
à Escola de Direito (LSAT) e obtive uma pontuação bem expressiva,
mas ainda não sei como eu vou conseguir arcar com os custos altos
para me manter na prestigiada universidade.
Engoli em seco, tentando eliminar o nó na garganta, e me
aproximei da mesa, sentindo as lágrimas quentes descerem, mas
passei logo a mão pelo rosto para enxugá-las. A minha mãe sempre
se levanta às cinco da manhã e prepara o café,enquanto aguarda a
minha chegada. Eu quero muito que ela se orgulhe de mim, mas
isso só será possível quando eu me tornar uma mulher bem-
sucedida financeiramente.
Não posso fraquejar agora.
— Bom dia, mãe! — falei, tentando imprimir à voz um tom
animador. — Sabia que te encontraria à minha espera. Dormiu bem
esta noite? — completei, me sentando à mesa, diante dela, e enchi
uma xícara com café, observando-a com atenção.
— Consegui dormir um pouco, sim, minha querida — mamãe
respondeu, hesitante, erguendo o rosto para me encarar
diretamente nos olhos. — Mas, eu já estava preocupada com a sua
demora. Aconteceu alguma coisa?
— A senhora sabe que às vezes eu preciso ficar após o
expediente a pedido do meu chefe… — menti, de forma deliberada.
— Eu tentei te ligar diversas vezes, mas caiu direto na caixa
postal — ela explicou, franzindoa testa, com desconfiança.— Onde
você deixou o seu celular, Maya?
Fingindo surpresa, eu coloquei as mãos na parte interna do
casaco de moletom, e mostrei os bolsos vazios.
— Meu Deus, mãe! — falei, arregalando os olhos, simulando
inocência. — Eu devo ter deixado o aparelho no armário do
vestiário. Mas, não se preocupe. Eu vou pegar o de Ramón
emprestado — continuei cortando uma fatia de bolo e depois eu a
enfiei inteira na boca. — Eu estou mesmo faminta, acredita? Hoje eu
só comi uma barrinha de cereal no intervalo.
Após um segundo de espanto, a minha mãe irrompeu numa
gargalhada gostosa. Não me contive e acabei rindo junto com ela.
— Você mente muito mal, minha querida! — ela declarou,
demonstrando leve desespero tanto no olhar quanto na voz.
Precisei beber um gole de café para desfazer o bolo que se
formou na garganta. Sorte a minha que Ramón entrou na cozinha
naquele mesmo instante, me chamando pelo nome bem alto, antes
de me abraçar por trás.
— Mamá, você pode preparar as panquecas hoje? — ele
perguntou, encostando o rosto em meu ombro. Logo, eu levantei o
braço para acariciar os cabelos curtos e bem pretos dele. O meu
irmão só fala dois idiomas: inglês e espanhol.
— Mas, é claro que eu posso, meu amor — mamãe
respondeu, se levantando da mesa, e seguiu até o armário para
pegar os ingredientes.
Continuei o café da manhã, enquanto conversava com Ramón
sobre a sua rotina escolar, sentindo um alívio imenso em não
precisar mais inventar nenhum pretexto, pelo menos por ora.

Acordei com o som do despertador tocando e me levantei da


cama de um salto. Decidi ir até a cozinha para beber um copo
d’água,antes de tomar banho e me arrumar para o trabalho. Eu
estava a caminho do quarto, quando a campainha tocou. Decidi
seguir até a porta, mesmo usando um pijama curto de cetim, mas
espiaria antes pelo olho mágico, identificandoa pessoa em questão.
Porém, para minha completa surpresa, era o meu pai quem estava
do outro lado da porta.
— O que você está fazendo aqui? Achei que só retornaria na
próxima semana… — perguntei, a surpresa inicial deu lugar à
insatisfação, pois não esperava rever o meu pai tão cedo.
— Esse era o meu objetivo, Maya. Não vai me deixar entrar na
minha própria casa?
Pablo Navarro é um homem de traços hispânicos no alto de
seus quarenta e poucos anos. Ele possui estatura alta, porte
atlético, cabelos curtos, pretos e levemente ondulados. O rosto
retangular coberto por uma barba curta, além das sobrancelhas
grossas lhe conferemum ar intensamente viril, capaz de despertar o
fascíniode qualquer mulher. Sempre lamentei o fato de a minha
mãe continuar amando o meu pai, mesmo após tantas idas e
vindas.
Eu me limitei a fazer um gesto com a mão, indicando que ele
poderia entrar na residência.
— Como Míriam está se sentindo hoje? — Pablo perguntou,
lançando um olhar pela sala de estar, como se estivesse à procura
dela.
— Ela acordou mais disposta e decidiu acompanhar a minha
tia até a igreja — respondi, com certa impaciência. — Eu não posso
te dar atenção, mas sinta-se à vontade para aguardar o retorno
dela.
— Javier entrou em contato com o meu advogado ontem,
informandoque estava detido sob a acusação de agressão — Pablo
começou, me perscrutando com seu olhar penetrante. — No
entanto, o Dr. Lawrence ficou surpreso, quando soube que outra
pessoa já tinha conseguido liberá-lo sob fiança — continuou
cruzando os braços sobre o peito. — Conversei depois com o seu
primo, e senti que ele ficou bastante contrariado ao dizer que um
completo desconhecido pagou a fiança para liberá-lo, assim sem
mais nem menos.
— Omar ofereceuajuda porque ele se solidarizou com a nossa
situação. Ele também é filho de imigrantes, mas possui a cidadania
americana.
— Javier me falou que se trata de um cliente do bar Chilli en
Fuego. E ele me disse mais: acredita que o tal Omar usou a
situação como um pretexto para se aproximar de você.
— Foi por isso que veio voando para Newark, pai? —
questionei, colocando as mãos na cintura e lançando um olhar
furioso para ele. — Vai tentar interferir em minha vida novamente?
— Javier me contou que vocês dois foram demitidos, Maya —
Pablo respondeu, com frieza, se limitando a me encarar com uma
expressão imperturbável. — Você pretende continuar desperdiçando
a sua boa aparência e educação, limpando privadas ou cuidando de
crianças birrentas? — ele indagou logo em seguida, com ar grave.
— Aproveite logo a oportunidade de ser uma acompanhante de luxo
deste homem, porque é a única opção viável nas atuais
circunstâncias.
— Eu vou fingir que eu não escutei este comentário infeliz! —
gritei, apontando-lhe o dedo em riste. — Não vou perder o meu
precioso tempo discutindo com um ser tão desprezível quanto você
— falei, baixando mais o tom de voz. Eu me sentia tonta e enjoada
demais para ficarem pé por mais tempo. — Eu não pretendo chegar
atrasada na casa dos Collins, afinal, eu ainda tenho um emprego
para manter.
Saí correndo em direção ao banheiro, sem sequer pedir
licença para o meu pai. Assim que eu entrei, coloquei para foratoda
a refeição ingerida, e quando o vômito cessou completamente, eu
me despi e entrei no banho.
Quando eu abri o chuveiro, permaneci imóvel, deixando a água
morna cair direto sobre a minha cabeça, o corpo inteiro tremia de
formaincontrolável. Apertei os olhos e os mantive fechados,mas as
lágrimas começaram a descer, de forma vertiginosa. Eu me sentia
tão humilhada por tudo o que tenho enfrentado ao longo de todos
esses anos. Os homens costumam atribuir a culpa por não
conseguirem controlar os seus instintos a mim, afinal, eles me
consideram irresistível demais. Qualquer um deles se acha no
direito de dispor do meu corpo como bem entende. E de quantas
mulheres mais?
Comecei a esfregar a bucha nas coxas, nas partes íntimas e
nos seios, com movimentos bruscos, desejando não me sentir mais
suja, indigna e envergonhada. Porém, existem feridas que não se
curam por mais que eu as esconda aos olhos dos outros.
Ocupar o cargo de CEO requer habilidades de planejamento
estratégico de alto nível. Costumo ter uma rotina bastante
atribulada, com inúmeros compromissos na agenda, um grande
volume de trabalho, além de lidar com as pressões constantes para
apresentar resultados que ultrapassem as expectativas dos
acionistas, justificando o salário milionário que eu recebo todos os
meses.
Convoquei o meu sócio e CFO[7] da Aziz Financial, Steve
Miller, além do CTO[8] e sua equipe responsável por gerir os
sistemas e a infraestrutura da empresa, para uma reunião que visa
definir as diretrizes para implementação de um novo projeto na
fintech. Pretendo desenvolver aplicativos e serviços financeiros que
atendam às necessidades dos imigrantes não documentados.
Assim, nós passamos a identificá-los como potenciais clientes, e
pretendemos proporcionar a eles total garantia de que os seus
dados serão protegidos. O meu objetivo será possibilitar a esse
público o acesso, o gerenciamento e fácil movimentação de seus
rendimentos, além da oferta de crédito, com taxas de juros
reduzidas ao longo do tempo.
O novo projeto me trazia à lembrança a mulher mais forte e
determinada que eu já conheci. Decidi consultar o relógio de pulso
pela milésima vez nesta sexta-feira, sentindo a ansiedade me
invadir por inteiro. Eu mal podia conter a expectativa de rever Maya
no final da tarde, e não se passaram senão poucas horas, desde
que nos vimos pela primeira vez.
Achei impressionante o fato de Maya esbanjar sensualidade na
execução do trabalho, mesmo utilizando um uniforme tradicional e
sóbrio, capaz de atiçar o imaginário dos homens. Os malabarismos
com as garrafas e os copos em inox faziam os seios fartos dela se
mexerem, enquanto balançava os quadris ao som da música latina.
Imagino espalmar e apertar de leve um seio e depois o outro, antes
de levá-lo aos lábios, sentindo-o endurecer ao simples toque.
Depois, passaria a língua ao redor do mamilo, chupando-o bem
devagar até fazer o corpo dela se arquear instintivamente. Senti a
excitação crescer cada vez mais, e o meu pau reagiu de forma
instantânea.
Os meus pensamentos foram interrompidos de forma abrupta
pelo meu sócio, que tocou o meu braço de leve, me trazendo de
volta à realidade.
— Até imagino quem te deixou sorrindo à toa, Omar. Mas,
precisamos dar início à reunião agora — Steve falou, se inclinando
para a frente em tom confidencial, mal contendo o riso, e me
dirigindo um olhar maroto.
Eu confirmei com um gesto de cabeça, levantando a
sobrancelha de forma sugestiva, e caí na gargalhada a ponto de
atrair a atenção de todos, que passaram a me observar,
demonstrando curiosidade em seus semblantes. Decidi cruzar as
mãos sobre a mesa, observando toda a minha equipe, com um meio
sorriso no rosto.
— Eu acredito que alcançaremos ótimos resultados,
direcionando os nossos esforços na captação e fidelização do
público imigrante, que é tão negligenciado pelas instituições
financeiras tradicionais.
Após o meu discurso inicial, a curta reunião deu início sem
maiores contratempos.
No final da tarde, eu acessei a bela rua arborizada na região
de Upper East Side, a East 81, localizada entre a Madison Avenue e
a Park Avenue. Estacionei diante da casa geminada e saltei do
carro, tirando os óculos escuros do rosto para dar uma boa olhada
ao redor, antes de passar pelo pequeno portão. Quando toquei a
campainha, uma mulher com traços hispânicos, aparentando ter por
volta de quarenta anos, me cumprimentou de forma cortês e avisou
que Maya estava à minha espera.
— Eu posso aguardá-la aqui mesmo na entrada… — eu nem
bem falei, e fui interrompido por ela.
— Não, de forma alguma! — a empregada retrucou, de modo
incisivo. — Os Collins vão chegar a qualquer momento e podem vê-
lo aí parado, imaginando que não o recebi bem. Para isso existe a
sala de visitas. Entre e fique à vontade, Mr. Aziz.
A mulher me conduziu até a sala de estar primorosamente
decorada e com grandes janelas, oferecendo uma vista privilegiada
da rua arborizada. Porém, nós dois escutamos o som de música
tocando em alto volume, possivelmente vindo de outro cômodo.
Decidi segui-la até a sala de entretenimento voltada para o sul, com
portas de metal que davam acesso para uma varanda de ferro
forjado, com piso debluestone e vista para o jardim.
Parei de andar ao notar que do local onde nós dois estávamos
dava para observar Maya dançar, seguindo a coreografia de uma
música através de um vídeo reproduzido no Youtube através da
Smart TV, posicionada em cima do console da lareira. Duas
meninas que aparentavam ter por volta de 7 à 9 anos tentavam
acompanhar Maya, mas como elas estavam de costas não
perceberam a nossa aproximação.
Maya usava uma blusa rosa de tricô, com as mangas longas
levantadas até o cotovelo, além do tênis branco e um short jeans
que realçava o bumbum e as pernas longilíneasdela. Continuei com
o olhar fixo, enquanto ela balançava o quadril de um lado para o
outro ao ritmo do Reggaeton. Não me atreveria a mexer um só
músculo e por sorte a empregada também ficou imóvel, parecendo
se divertir com a cena inusitada na sala. Posso não entender nada
de espanhol, mas eu sei que esse estilo musical tem um apelo
sexual muito forte e envolvente.
No passo seguinte, ela balançou bem o quadril, descendo até
o chão e empinando a bunda, fazendo todo o sangue correr para o
meu pênis.
Caralho, eu só consigo imaginar o dia em que ela vai rebolar
bem gostoso no meu pau.
Precisei conter ao máximo o latejar do desejo insatisfeito e a
ereção que pressionava a minha calça social. Ela continuou
dançando com os olhos fechados, movimentando o corpo em um
ritmo sensual, envolvida completamente pela música a ponto de não
notar a nossa presença. Porém, as duas meninas perceberam e
saíramcorrendo para o jardim, soltando gritinhos histéricos. Quando
eu fiz menção de me virar e sair do local, suspendi a respiração por
alguns segundos, assim que ouvi Maya soltar um arquejo de
espanto.
— Ai, meu Deus! Dolores, por que você fez isso?
— Mas, que bobagem, Maya! A gente só estava observando
vocês dançarem.
— Eu vou me despedir das meninas, Omar… eu não demoro,
está bem? — Maya falou, passando a mão pelos cabelos
castanhos-escuros, longos e ondulados nas pontas.
Foi a passada de mão mais sexy que eu já vi em toda a minha
vida.
É pedir muito ter essa mulher doce, e com carinha de inocente,
totalmente nua em minha cama?
O rosto dela estava muito vermelho, as mechas desgrenhadas
se colaram ao pescoço pelo suor. A julgar pelos seios subindo e
descendo, a respiração acelerada dela bem que poderia se juntar à
minha, de preferência sentada em meu colo, movimentando o
quadril em um vai e vem bem gostoso.
De repente, os meus pensamentos foram interrompidos de
forma brusca. Maya estava parada diante de mim, estalando os
dedos na frente do meu rosto.
— Parece até que ele estava sonhando acordado — Maya
comentou, franzindo a testa, com desconfiança. — Não concorda,
Dolores?
— Acho que Mr. Aziz precisa de um copo com água — a
mulher concordou, com uma expressão divertida no rosto. — Eu vou
até a cozinha buscar.
— Deixe-me afrouxar o nó da sua gravata um pouco… —
Maya falou, começando a desatá-lo, com as mãos trêmulas.
Ela mordeu o lábio inferior de maneira instintiva e olhou para
baixo, evitando me encarar nos olhos. Pude sentir o calor de seu
corpo e a respiração acelerada, evidenciada pelo ar quente, saindo
das narinas dela num frenesi e se mesclando ao meu, que também
já se agitava. Acabei levantando o queixo dela com a ponta dos
dedos, num impulso irresistível de aproximar os nossos rostos.
Eu quero que ela veja o quanto a desejo através do meu olhar
ardente e apaixonado.
— Você deve ter percebido o quanto mexe comigo, não? —
perguntei, falando com a voz rouca próxima aos lábios entreabertos
dela.
Um gemido estrangulado escapou da garganta de Maya, em
resposta ao meu gesto ousado.
— Os seus olhos verde-oliva possuem um brilho tão
fascinante, Omar — Maya respondeu, quase em um sussurro.
Depois, ela se afastou de forma brusca, pegando a bolsa em cima
da poltrona. — Meninas, vocês não vão se despedir de mim? —
perguntou, em voz alta, andando em direção ao jardim.
Dolores apareceu e me entregou o copo com água, me
estudando atentamente, com a ponta do dedo na boca, como se
pensasse assim: Mas, que safado! A minha reação foi presenteá-la
com o meu sorriso mais sedutor, enquanto trocamos olhares de
mútua cumplicidade. Ela deve ter notado que eu fiquei de pau duro
ao ver Maya dançar. Mas, foda-se!

Eu resolvi quebrar o silêncio constrangedor que se interpôs


entre nós, desde que saímos de Upper East Side, a certa altura do
trajeto até o bar Chilli en Fuego.
— Qual música escolheu para dançar? — perguntei,
aproveitando que o sinal estava fechadopara pegar o meu celular e
abrir o aplicativo de música. Em seguida, eu ativei o Bluetooth do
sistema de som do carro.
— Downtown. Anitta feat J. Balvin — Maya respondeu, e o
rosto dela se iluminou com um sorriso estonteante.
Logo, o som envolvente preencheu o interior do veículo e
Maya começou a mexer os braços, balançando o corpo ao ritmo da
música. Decidi me juntar a ela, tamborilando os dedos no volante, e
foio incentivo que faltavapara deixá-la mais solta e descontraídaao
meu lado.
— Você trabalhou durante quanto tempo no Chilli en Fuego?
— perguntei, ao final da música, cada vez mais interessado em
conhecer cada detalhe sobre a vida pessoal dela.
— Completei três anos recentemente. O bar sempre recebe
muitos turistas, e como eu falo três idiomas, logo consegui me
destacar no atendimento em relação aos meus colegas.
— Como você aprendeu a fazer os malabarismos para entreter
os clientes?
— Eu aprendi a arte performática circense através da família
da minha mãe, que vive no Brasil.
— Imagino que as suas habilidades como barmaid
possibilitaram um rendimento maior, não?
— Eu sou especialista na arte de fazer os clientes gastarem
mais dinheiro do que eles podem arcar. Não poderia contar apenas
com o salário, então os truques extras no atendimento rendiam mais
gorjetas, especialmente nos finais de semana.
Ela possui uma ambição que me excita. Preciso conquistar
essa mulher, puta que pariu!
— As situações de assédio sempre foram constantes naquele
ambiente? — perguntei, observando-a com olhar compassivo.
— Infelizmente, sim — Maya confirmou, movendo a cabeça
num gesto afirmativo. — Houve um dia em que um cliente jogou
Mojito na minha bunda, sendo que eu nunca usei roupa curta no bar,
acredita? Eu usava uma saia longa e suéter naquele dia, mas a
objetificação continuou, mesmo quando o proprietário designou o
uso de uniforme padrão.
— Não duvido de que vocês, mulheres, não tenham um minuto
de paz. Começando pelas importunações indesejadas, como o
assédio, sem contar quando evolui para algo ainda mais sórdido
como a violência sexual…
Não consegui completar o meu raciocínio, porque Maya
aumentou mais o volume do som, fazendo a música reverberar no
interior do veículo. Eu a encarei com uma expressão de profunda
confusão no semblante, mas ela rapidamente virou o rosto para a
janela, como se quisesse evitar algum questionamento. Parece que
identifiquei o ponto sensível dela no meio da conversa. Preciso
encontrar uma maneira de fazer Maya confiar em mim, mas para
isso, ela deve deixar de me enxergar como uma ameaça à sua
integridade.
Mantive a atenção no trânsito, com o queixo apoiado na mão
direita e o cotovelo sobre o apoio da janela do carro. Fiz um avanço
bastante significativo e não posso colocar tudo a perder.
— Eu te fiz uma proposta de trabalho como barmaid na
recepção de casamento da minha irmã, Najla. Lembra-se? —
quebrei o silêncio, com o intuito de fazê-la aceitar a oferta.
— Mas, é claro que sim! Ela vai se casar daqui a um mês,
certo?
— Exatamente! O evento vai ocorrer na mansão do meu pai,
localizada nos Hamptons. Você conhece ou já ouviu falar?
— O pouco que eu sei sobre os Hamptons é graças à minha
série favorita da vida: Revenge — Maya respondeu, com
empolgação na voz. — É um balneário localizado no litoral do
Estado de Nova York, e reduto de gente endinheirada.
— Reduto de gente endinheirada — repeti, soltando uma
gargalhada, que não consegui segurar. — Eu adoro a sua
espontaneidade e o seu senso de humor, sabia? — completei,
estacionando o carro em frente ao barChilli en Fuego.
— Vou pegar logo a minha bolsa de malhar, antes que eu
esqueça de novo.
— Então, a gente vai se ver novamente na cerimônia, certo? A
pessoa responsável pelo serviço de bar vai entrar em contato
contigo, em breve.
— Eu vou aguardar ansiosamente, Omar.
Tenho mais uma carta na manga, mas eu só pretendo revelar
no tempo certo.
Quando os nossos olhares se encontraram, Maya baixou os
olhos, ruborizada, colocando uma mecha atrás da orelha com
aquele jeito meigo que me encanta. Eu sempre me relacionei com
mulheres mais maduras e que demonstram mais segurança e
ousadia, mesmo quando envolve apenas alguns encontros casuais.
Havia entre nós um acordo tácito de sexo sem compromisso. No
entanto, não há como negar que é excitante a perspectiva de
ensinar Maya, fazendo com que ela aos poucos se permita até
mesmo conduzir a relação sexual. E vai além de simplesmente
experimentar posições e fantasias diferentes em locais variados,
mas proporcionar a intimidade necessária para que ela expresse os
seus anseios.
A chance é de que eu seja o primeiro homem da vida dela, e
mal posso esperar pelo momento em que a verei estremecer de
prazer, experimentando o primeiro orgasmo de muitos, inteiramente
em meus braços.
A proprietária da empresa responsável pelo serviço de bar
determinou um horário para que os bartenders pudessem chegar ao
local do evento, com antecedência. Essa foi a razão para eu ter
decidido me arrumar no apartamento da minha melhor amiga. O
trajeto até os Hamptons, saindo do Brooklyn, leva cerca de duas
horas e meia, de carro.
Natasha Gibson também trabalha como barmaid, e se
ofereceu para me ajudar a estar pronta a tempo. A minha amiga
possui um estilo próprio e autêntico de ser, com as suas diversas
tatuagens cobrindo parte do corpo voluptuoso. Ela mesma se define
como uma mulher nem magra e nem gorda, quebrando todos os
padrões normativos, ao se vestir conforme o seu gosto pessoal.
Finalizada a maquiagem, ainda faltava prender o meu cabelo
num rabo de cavalo mais elaborado, e com topete no alto da
cabeça. O uniforme social para o atendimento consistia em camisa
branca de tecido fluído e manga longa, com babados na gola,
acompanhada por saia lápis na cor preta, justa e com comprimento
nos joelhos.
— O seu primo também vai trabalhar neste evento nos
Hamptons? — Nat perguntou, usando um spray de volume para
fixar o topete.
— Você acha mesmo que eu contaria ao Javier sobre a
proposta de trabalho freelancer que eu recebi? Ele insistiria em ir
junto e se algum convidado bancar o engraçadinho comigo?
— Olha, eu aposto que é o irmão da noiva quem vai dar em
cima de você, Maya.
— As mulheres que fazem o tipo dele são as socialites de
Nova York, amiga — retruquei, me levantando para observar o meu
reflexo no grande espelho preso à parede.
— Como é mesmo o nome do ricaço que está doido para te
pegar de jeito? Omar Aziz? — perguntou, pegando o celular em
cima da cama, possivelmente com a intenção de pesquisar a
respeito dele na Internet.
Ela é uma grande amiga, mas não tive coragem de contar o
que aconteceu comigo na infância, afetando todo e qualquer tipo de
envolvimento íntimo que eu pudesse ter ao longo da vida. Portanto,
ela não sabe que eu sou uma mulher inexperiente, que jamais se
relacionou com homem nenhum.
— Omar Pai e Omar Filho estão montados na grana, mas por
incrível que pareça, eles não fazem parte de nenhuma organização
criminosa, a exemplo do seu pai…
— Como você pode ter tanta certeza disso? — perguntei,
fingindo não saber nada a respeito.
— Eu acabei de pesquisar no Google, sua boba! — Nat
respondeu, caindo na gargalhada. — Saiu uma matéria da Forbes,
listando os bilionários solteiros mais cobiçados dos Estados Unidos,
e o nome Omar Aziz aparece lá. Tanto o pai quanto o filho,acredita?
— prosseguiu, se aproximando de mim para mostrar a matéria da
revista pela tela do smartphone. — É claro que o filho ocupa as
primeiras colocações por razões óbvias, né? Ele ainda é jovem, tem
31 anos de idade, enquanto que o pai tem 67 anos.
— Eu acho esses homens com ascendência árabe tão
sedutores… — comentei, casualmente. — Eles possuem um olhar
intimidador, mas de um jeito sexy, sabe?
— Se eu estivesse em seu lugar, começaria a avaliar as
possibilidades de arrumar um pretendente entre os convidados.
Qualquer um deles cairia de amores por você, Maya.
— Felizmente, eu vou me ocupar bastante no bar, então isso
está totalmente fora de cogitação.
— Mulher, você não percebe que a maneira mais fácil de
conseguir o tão sonhado Green Card é se casando com um homem
rico? — perguntou, me segurando pelos ombros, com firmeza. —
Faça o possível para tentar pegar o buquê da noiva, que é para te
dar sorte!
Antes mesmo que eu pudesse refutar aquela ideia absurda
dela, escutei o som de uma buzina, o que me fezsupor que o furgão
da empresa havia acabado de parar na frente do prédio.
— Amiga, ainda bem que você vai trabalhar hoje, porque te
conhecendo bem, eu não duvido que aprontaria alguma coisa nessa
festa — comentei, fingindo seriedade. — Agora eu preciso ir. O
pessoal já deve estar me esperando lá embaixo. Beijos!
Quando eu me aproximei do veículo, percebi que Emily Clark
estava à minha espera, com as mãos na cintura e um sorriso largo
no rosto.
— Olá, Maya, como vai? Providenciei todo o material que me
pediu. Bem-vinda ao time! — disse, abrindo a porta lateral. Logo, eu
cumprimentei o pessoal com um rápido aceno.
— Eu fico muito grata pela receptividade, Emily. Eu estou às
suas ordens.

O furgãopassou pelo portão de entrada, e seguiu pela estrada


de acesso à luxuosa casa de verão da famíliaAziz, localizada entre
as vilas Quogue e Westhampton Beach. Os Hamptons é uma
composição de aldeias e vilas na cidade de Southampton, Nova
York. Eu fiquei impressionada com a dimensão da propriedade, que
segundo Emily, possui cerca de 4 hectares. O caminho é margeado
por árvores antigas, gramados extensos, além de sebes altas
cercando a área da piscina Gunite, com seu deck adjacente. Saí do
veículo junto com a equipe de bartenders, e passei a admirar a
mansão, antes de seguir para o salão de festas.
Se a área externa da mansão já era incrível por si só, tal foi a
minha surpresa ao conhecer o local da recepção. O conservatório[9]
é cercado por um conjunto de portas duplas francesas, que
permitem acesso ao jardim circundante. O piso é todo em mármore,
e o teto de vidro no formato octogonal garante luz natural para o
ambiente durante o dia.
As pessoas presentes fazem parte de empresas que prestam
serviços de buffet , decoração, iluminação, som, segurança,
fotografiae filmagem. A estrutura de bar, montada especialmente
para o evento, consiste num balcão de vidro temperado,
combinando com o espaço luxuoso.
Passei as horas seguintes numa ansiedade crescente,
aguardando a chegada dos recém-casados.
O serviço de bar costuma ser aberto pelo casal, em um
determinado momento da festa, ou seja, os noivos ficam no bar
junto com os bartenders. Eu farei uma apresentação inicial de
recepção dos convidados na área externa, performando malabares
com duas garrafas flamejantes, graças ao artefato pirotécnico
conectado nas tampas. Logo em seguida, eu voltarei ao balcão para
preparar o drink do casal, criado especialmente para a ocasião.
Trata-se de um coquetel autoral e diferenciado,que será servido em
duas taças decoradas e exclusivas.
A certa altura, o salão de festas se encheu de convidados,
pertencentes à alta sociedade nova-iorquina. Os homens usavam
smokings, enquanto que as mulheres desfilavam com seus vestidos
de alta-costura. O burburinho deles foi abafado pelas músicas
tocadas por uma banda de jazz, relembrando grandes sucessos de
Frank Sinatra, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Nat King Cole, entre
outros.
No momento exato da minha apresentação, eu segui até o
centro do salão e cumprimentei todos os presentes, com uma
mesura cerimoniosa, enquanto segurava as duas garrafas
faiscantes. Comecei a executar os malabarismos com as garrafas,
as fazendo girar no ar, cruzando-as de uma mão para outra, de
formaalternada, além de lançar uma delas atrás das costas e pegá-
la de volta, repetindo os movimentos.
Manter a concentração era crucial, então não foi possível me
certificar se Omar estava acompanhando a performance junto aos
convidados. O meu rosto se iluminou ao notar que os noivos se
posicionaram diante de mim, a curta distância, sorridentes e
batendo palmas. De repente, eu fui surpreendida, quando eles
fizeram um sinal, fazendo a banda parar de tocar. Logo, a música
clássica deu lugar ao Reggaeton, e rapidamente o ambiente foi
preenchido pelo ritmo eletrônico que eu tanto aprecio, através de um
DJ.
Só há uma pessoa nesta mansão por trás dessa escolha:
Omar Aziz Filho.
Esperei os artefatos pirotécnicos queimarem totalmente para
finalizar a apresentação. Logo, os convidados passaram a aplaudir,
com entusiasmo, e aproveitei o momento para lançar um olhar pelo
ambiente, mas eu não consegui avistar Omar em parte alguma.
Quando eu voltei para o bar, Emily me recebeu de forma calorosa,
rasgando elogios sobre o meu desempenho com as garrafas
flamejantes. Porém, nem mesmo a possibilidade de servir em
eventos futuros organizados por ela foi capaz de me animar. No
entanto, como Emily está me supervisionando, eu não posso me dar
ao luxo de ceder às distrações. Por isso, eu conferi os itens
dispostos no balcão, empenhada em esconder a frustração que
sentia.
De repente, Emily se aproximou de mim para falar ao ouvido,
fazendo o meu coração saltar dentro do peito.
— Os noivos estão vindo para o balcão, Maya. Esteja
preparada para servi-los.
Eu me endireitei depressa, alisando o avental, e em seguida
juntei as mãos atrás das costas, antes de levantar o rosto para
encará-los. O meu coração parou de bater por uma fração de
segundo, até começar a acelerar de forma incontrolável. O casal
estava acompanhado por mais cinco pessoas, entre elas, o homem
que faz vibrar cada célula do meu corpo.
— Boa noite, senhores… senhoras — cumprimentei,
esboçando um amplo sorriso e encarando cada um deles, sem fixar
a atenção em ninguém, em específico.
— Você é incrivelmente habilidosa no que faz, Maya. Estou
bastante impressionada! — Najla tomou a iniciativa de falarpor eles,
levando a mão direita ao peito, com ar levemente afetado. — Omar
não dispensou elogios sobre o seu trabalho como barmaid.
— Gratidão pelas palavras, senhora — agradeci, visivelmente
constrangida. — Aproveito a oportunidade para desejar uma união
próspera e duradoura ao casal.
— O meu irmão vai fazer as devidas apresentações — Najla
anunciou, inclinando o rosto para encarar Omar, que até então, se
manteve em silêncio, com o olhar fixo em mim.
— Maya, é um prazer revê-la… — Omar declarou, com a voz
rouca, e os seus lábios lentamente delinearam um sorriso sedutor,
capaz de fazer o sangue esquentar, e o rubor atingir em cheio a
minha face. — Najla é a caçula da famíliaAziz, enquanto que Amir é
o primogênito. Os meus cunhados se chamam Robert Graham e
Samantha Laurence.
Que genética abençoada! Amir e Najla são lindos, mas Omar,
benza a Deus!
Amir Aziz se parece bastante com Omar, mas a diferença
basicamente se restringia mais ao corte de cabelo, que é curto nas
laterais e na parte de trás, mas com uma franja jogada para o lado,
esbanjando um charme irresistível.Ele também possui a barba curta
emoldurando o rosto de contornos firmes, o nariz retilíneo, os olhos
em tonalidade verde-oliva, tão luminosos e desafiadores quanto os
do irmão, além da sobrancelha grossa.
Najla, por sua vez, possui os cabelos longos e loiros, com leve
ondulação nas pontas, e parcialmente presos num penteado
clássico, com algumas mechas emoldurando a lateral do rosto. O
vestido de noiva tradicional na cor branca segue o estilo romântico,
com a saia em tule e corpete drapeado, com decote em V e as
mangas caídas, mantendo os ombros de fora. O traje do noivo é
formado pela composição preto e branco: paletó branco, camisa de
mesma cor, gravata-borboleta preta, calça preta e sapatos pretos.
— Amir e Samantha foram escolhidos para serem os meus
padrinhos porque eles formam um casal — Najla comentou, de
maneira casual, ao que apenas pisquei os olhos, surpresa e confusa
com aquela informação.Porém, Omar resolveu esclarecer melhor o
motivo.
— O fato de eu ser um solteirão convicto faz a minha irmã
pensar que de algum modo eu posso lhe trazer má sorte — o CEO
revelou, aparentando estar contrariado e deixando escapar algo
entre um riso e um arquejo.
— Quando eu terei a honra de conhecer o anfitrião? —
perguntei, mudando de assunto, usando o tom mais natural
possível. Afinal, eu não quero que eles percebam que eu estou
vibrando por dentro, mal contendo a satisfaçãoem saber que Omar
não é um homem comprometido.
Não que eu esteja realmente disponível para viver um
relacionamento, longe disso!
— O meu pai está conversando com o prefeito, mas
acompanhou atentamente a sua apresentação. Ele quer muito te
conhecer, Maya.
A irmã de Omar tem sido muito gentil e soube conduzir a
conversa como se me conhecesse há anos. Eu realmente não
esperava receber um tratamento respeitoso, sendo que eu sou
apenas uma simples barmaid, criada num bairro de imigrantes de
Newark, New Jersey.
— Espero que a senhora e Mr. Graham apreciem o meu
coquetel autoral chamado La Vie en Rosé — anunciei, unindo as
mãos e sorrindo orgulhosa da minha recente criação bem
conceitual.
Iniciei o serviço, pegando a taça de champanhe e passei um
pouco de cola transparente, formando um rastro na diagonal. Em
seguida, eu salpiquei pétalas de rosas secas picadas para decorar,
antes de repetir o processo com a segunda taça. Na sequência, eu
coloquei alguns cubos de gelo na coqueteleira de boston[10], em
seguida, segurei o dosador entre os dedos indicador e do meio para
medir 30 ml de gin Plymouth.
A seguir, acrescentei 15 ml de suco de limão fresco, o xarope
simples e duas gotas de água de rosas. Conectei o copo maior ao
menor, fazendo a coqueteleira girar no ar, antes de agitar
vigorosamente na posição horizontal, até esfriar bem. Bati com
firmeza para separá-los, e utilizei o coador strainer[11] para servir o
coquetel nas duas taças. Para finalizar, preenchi o que faltava com
espumante rosé e reservei. Em seguida, peguei uma tira de papel
contendo uma frase de felicitações aos noivos, colando na mini
orquídea para decorar a haste das taças.
Ambos as ergueram à maneira inglesa e fizeram um brinde,
abrindo assim o serviço de bar.
— Está aprovadíssimo, Maya! — Najla exclamou, nitidamente
impressionada.
De repente, a cerimonialista se aproximou do balcão, avisando
aos noivos que o fotógrafoestava aguardando por eles próximo à
mesa de doces, para o registro das fotos. Najla, o noivo, os pais
deles e respectivos padrinhos, fizeram um brinde diante do bolo de
casamento, sob muitos aplausos dos convidados, que também
levantaram a suas taças em homenagem aos recém-casados.
A certa altura da festa,a cerimonialista anunciou a chegada do
momento mais aguardado, pelo menos para as mulheres solteiras
presentes: o lançamento do buquê. Continuei preparando os
coquetéis solicitados por cinco senhoras, que pareciam
impressionadas com a técnica de flair bartending[12]. Emily aguardou
a finalizaçãodo atendimento para se aproximar de mim e avisar que
antes de tirar o intervalo, eu preciso preparar dois Manhattans, a
pedido do grande anfitrião, Omar Aziz. E detalhe: o velho requisitou
que eu mesma levasse as bebidas até a mesa dele, dispensando o
serviço de um garçom.
Quando eu finalmente contornei o balcão, e segui em direção à
mesa ocupada pela famíliaAziz, fui surpreendida ao ouvir alguém
gritar que o buquê seria jogado naquele mesmo instante. Agora o
burburinho se fez ouvir com intensidade no meio do salão, graças
ao grupo formado por mulheres desesperadas para agarrar o item
mais cobiçado em qualquer cerimônia de casamento.
Evitaria ao máximo ter que passar por elas, por isso, eu decidi
dar meia volta para seguir por outro caminho. Pelo canto do olho,
notei que Najla se virou de costas e jogou o buquê por cima do
ombro, sem nem mesmo olhar para trás. O ramo de noiva
arremessado foi parar exatamente em cima da bandeja, que eu
segurava bem alto, derramando parte do conteúdo dos copos. Eu
baixei a bandeja, com cuidado, e observei as orquídeas, sentindo
uma sensação nauseante me invadir por inteiro. E, como se isso
não bastasse, eu também senti o peso do olhar das amigas de Najla
sobre as minhas costas.
Eu quase tomei um banho de Manhattan, meu Deus do céu!
Quer dizer então que eu serei a próxima mulher a dizer “sim”
diante do altar?
— ¡Puta madre! — praguejei, baixinho, cobrindo a boca com a
outra mão.
Parei de conversar com o meu pai, assim que eu ouvi uma voz
feminina fazer um anúncio:
— Senhoras e senhores, a barmaid pegou o buquê da noiva!
— falou a cerimonialista ao microfone, provocando um burburinho
entre os convidados.
Nós dois nos entreolhamos, confusos, mas quando eu virei o
rosto, notei que Najla se aproximava da mesa, conduzindo Maya,
que trazia o delicado buquê de orquídeas nas mãos. Eu me permiti
um breve vislumbre dela, sem o uniforme de bartender.
Maya usaria um desses vestidos longos de noiva, com um
decote generoso e a cintura bem marcada. Os longos cabelos
castanhos estavam presos em um penteado elaborado, e a
maquiagem realçava o tom natural da pele dela, além dos olhos
bem marcados, e os lábios carnudos, preenchidos por um batom
rosa.
Mas, por que eu me rendi a esse tipo de devaneio agora? Não
faz o menor sentido!
— Senhor Aziz, eu peço desculpas por não ter realizado o seu
pedido — Maya comentou, abaixando a cabeça, constrangida. —
Outro bartender está preparando os coquetéis, caso não se
importe…
— É claro que eu me importo, e me recuso a beber um drink
que não tenha sido preparado por você, minha jovem — o meu pai
retrucou, fingindo aborrecimento.
O velho Omar é um homem espirituoso e brincalhão. O rosto
dele é anguloso, marcado por linhas na testa que revelam anos de
dedicação aos negócios em Wall Street. Ele possui o cabelo
grisalho curto e liso, mas branco perto das têmporas, além da barba
cerrada e olhos verdes penetrantes.
— Pai, aconteceu um pequeno incidente com as bebidas. Eu
joguei o buquê e sabe onde ele foi parar? Caiu justamente em cima
da bandeja que Maya segurava, acredita? — Najla explicou,
tentando conter o riso.
— Interessante… as suas amigas solteiras se matariam para
pegar esse buquê, não? — perguntou, esfregando o queixo,
pensativo. Depois, ele voltou a encarar a barmaid e o rosto dele se
iluminou com um sorriso. — Então, Maya, quantos anos você tem?
— Eu tenho 23 anos, senhor Aziz. Inclusive, eu tentei devolver
o buquê, porque eu não acho justo ficar com algo que é destinado
apenas a uma das convidadas da noiva.
— Maya, nós duas já conversamos sobre isso — Najla a
repreendeu, de modo gentil. — Ele estava destinado a você, eu
posso sentir isso.
— Najla fez 24 anos e acabou de se casar — o meu pai
comentou, casualmente, algo que parece óbvio, como se quisesse
sondá-la. — Esse também é o seu sonho, Maya? Pretende formar
uma família algum dia?
Não acho que Maya seja o tipo de mulher que o meu pai
aceitaria como nora.
— Não, senhor Aziz. Na verdade, isso nunca me passou pela
cabeça — ela respondeu, se empertigando, cautelosa.
Até que não seria nada mal fazer essa deusa mudar de ideia,
ainda que nenhum de nós dois queria abrir mão da própria liberdade
pessoal. A não ser, é claro, que se trate de um arranjo temporário,
beneficiando ambas as partes.
— Pai, o que o senhor acha de levarmos Maya até o bar da
mansão? — sugeri, inclinando a cabeça ligeiramente para encará-lo.
— Ela pode preparar os drinks que solicitou, com direito a
performances incríveis deflair bartending.
— Excelente ideia, Omar! Então, o que estamos esperando?
— o velho concordou, com empolgação na voz. — Maya, minha
preciosa, você vai adorar o bar, porque adivinha só! Ele também
possui um lounge.
Maya direcionou um olhar indeciso para Najla, que a encorajou
com um sorriso.
Aproveitei que o velho Omar seguiu na frente, —
cumprimentando alguns convidados no caminho até o interior da
mansão, — e passei a andar ao lado de Maya, com os nossos
ombros quase se tocando.
— O meu pai é metido a galanteador, Maya, não se assuste —
informei, bem próximo ao ouvido dela.
— Achei muito fofoele me tratar por minha preciosa — Maya
declarou, com os lábios carnudos curvados em um sorriso tímido.
— Essas orquídeas brancas são tão delicadas, perfumadas e
perfeitas quanto você, sabia? — declarei, baixando o olhar para as
flores, que ela segurava com tanto cuidado diante do corpo. — Eu
concordo com Najla de que este buquê já estava destinado a você,
Maya — completei, dando ênfase e profundidade à voz, a ponto de
sentir o meu corpo estremecer sutilmente.
Ela ergueu o buquê cascata até o nariz, fechandoos olhos por
alguns instantes. Logo, um sorriso lindo aflorou no rosto dela,
possivelmente inebriada pelo cheiro inconfundível das flores.
— As orquídeas brancas representam a pureza, a
tranquilidade e o amor puro — Maya comentou, inclinando o rosto
para me perscrutar com seu olhar penetrante e vivaz.
— Não tenho a menor dúvida de que você possui todos esses
atributos.
Quando adentramos a área do bar e lounge, o meu pai sorriu,
estendendo os braços, como que aguardando um elogio pela
estética do ambiente, decorado com paredes de carvalho preto, com
armários personalizados, exibindo garrafas de vinhos e destilados
diversos. O destaque vai para a mobília considerada como a mais
importante da mansão: a mesa de degustação.
— O bar parece a versão compacta do Chilli en Fuego, Mr.
Aziz — Maya comentou, lançando um olhar de admiração para a
exposição de bebidas. — Eu estou realmente impressionada!
— Por favor, Maya, sinta-se à vontade. Ele é todo seu agora —
o meu pai fez um gesto teatral, antes de sentar na cabeceira da
mesa de degustação.
Maya pegou um copo misturador, fazendo-o girar no ar, antes
de posicioná-lo na mesa e adicionar alguns cubos de gelo. Em
seguida, ela usou o dosador para medir a quantidade de uísque
Bourbon Woodford Reserve. Fez o mesmo com o vermute doce
Martini Rosso, mas preferiucolocar na coqueteleira de Boston. Para
minha surpresa, Maya jogou o conteúdo do copo maior para cima,
usando o copo menor para apanhar o líquido no ar, sem deixar
derramar, executando um truque impressionante. Depois, lançou o
copo por trás do corpo, fazendo-o girar até que as duas peças se
encaixassem.
Faltava apenas acrescentar a versão do vermute Martini Extra
Dry além da angostura, um tipo de bitter aromático. Ela mexeu a
bebida rapidamente, utilizando a bailarina por alguns segundos,
antes de coar o conteúdo nos dois copos. E para finalizar, ela
descascou uma tira de casca da laranja para extrair os óleos
naturais, borrifando de leve e decorou ambos com uma cereja
Luxardo Maraschino,presa ao palito.
— Que mulher formidável, Omar! — o meu pai enfatizou,
batendo palmas. — Maya domina a técnica com muita destreza,
elegância e precisão, tornando o atendimento único e inigualável.
— Pai, que tal nós dois fazermos um brinde à Maya? —
propus, erguendo o copo, mantendo o olhar fixo nela.
Maya encarava ora a mim, ora o meu pai, com as mãos unidas
à frente do corpo, sorrindo de forma quase tímida.
— Então, quer dizer que você conheceu Omar no bar onde
trabalha… Como é mesmo o nome? — o meu pai falou a certa
altura, levando a mão à testa. — Ah, sim, acabei de me lembrar. Foi
no Chilli en Fuego, acertei?
— Eu fui demitida no mês passado, e desde então, nenhum
outro estabelecimento de Nova York quis me contratar… — Maya
respondeu, com certa relutância.
— Javier, o primo dela, só quis defendê-la, quando um cliente
a assediou e os insultou pelo fato de serem imigrantes não
documentados… — expliquei, enquanto girava o copo entre os
dedos, mantendo o olhar fixo na bebida.
— Por duas vezes, ele agrediu um cliente a socos, causando
uma confusão generalizada no bar. Bastava mais uma ocorrência
para Alejandro nos colocar no olho da rua.
— Você não pretende continuar exercendo o ofício de
bartender por muito tempo, certo? — o meu velho perguntou,
erguendo a sobrancelha, sagaz. — Aposto que possui algum
objetivo grandioso para atingir a médio e longo prazo, além é claro,
da regularização da sua condição no país…
— Eu quero me tornar uma advogada de imigração, senhor
Omar. Inclusive, faz poucos dias que eu recebi uma carta de
admissão da Columbia University.
— Mas, essa notícia é incrível e merece uma comemoração à
altura da mais nova aluna da Ivy League[13]! — comentei, com
empolgação na voz.
— Você também estudou lá, Omar? — ela quis saber, me
encarando com os olhos brilhando de curiosidade.
— Eu cursei o MBA em Harvard, e depois fiz mestrado em
Economia na Columbia University.
— Parabéns pela conquista, Maya! — o meu pai a
parabenizou, encarando-a com admiração. — Eu sei que você não
vai beber por estar em serviço, mas aceite esta garrafa de Evian.
Águada melhor qualidade, envasada em garrafascom design único
e personalizado.
— É muita gentileza sua, senhor Omar… — ela começou a
dizer, ao pegar a garrafa, mas foi interrompida por ele, que fez um
gesto enérgico com as mãos.
— Prefiro que não me trate mais por senhor, minha preciosa.
Está me fazendosentir o fardo pesado da idade, acredite. Podemos
deixar as formalidades de lado?
Maya aquiesceu com um gesto de cabeça, e começou a rir,
jogando a cabeça para trás, envolvida pelo charme elegante e feroz
dele, que nem mesmo o tempo apagou.
— Não sei ao certo se obterei uma bolsa de estudos, e por
mais que a universidade custeie uma parte, ainda falta reunir um
montante para pagar as mensalidades, a moradia além do seguro-
saúde obrigatório.
— Como um bom investidor que eu sou, sei identificarpessoas
talentosas como você, que não medem esforços para desenvolver
as suas múltiplas potencialidades ao longo da vida. Em suma, eu
posso patrocinar os seus estudos, Maya.
— É muita gentileza de sua parte, senhor Omar, mas eu não
posso aceitar. O pessoal já está se mobilizando para isso, até
porque, eu sou a única pessoa que pretende atuar como advogada
de imigração na comunidade. E futuramente, eu encontrarei uma
maneira de obter o status legal.
— Não pense que eu vou desistir de convencê-la a aceitar,
minha preciosa. Mas, que tal falar mais a respeito da sua família?
Você possui irmãos?
— Eu tenho um irmão, apenas. Ele se chama Ramón, e tem 11
anos de idade — Maya respondeu, abrindo a garrafa de Evian, e
bebeu um longo gole de água. Notei que a mão dela tremia de modo
quase imperceptível. — Ele é um garoto incrível e amoroso, que
vem se destacando nos estudos. Agora está aprendendo a falar
português, porque sonha conhecer o Brasil algum dia.
— Então, ele é cidadão americano… e o que me diz sobre os
seus pais, Maya?
— Eu não consigo falar sobre a minha mãe, sem que eu
comece a chorar… — respondeu, se debruçando com as mãos
apoiadas na mesa. — Míriam quis vir para os Estados Unidos em
busca do “sonhoamericano”,mas logo ela se deu conta de que um
pesadelo nos aguardava do outro lado da fronteira…
O meu pai e eu trocamos olhares significativos. Eu posso
imaginar as circunstâncias degradantes a que os imigrantes são
submetidos, quando tentam atravessar a fronteira entre o México e
os Estados Unidos. Percebi que Maya travava uma luta interna,
fazendo um tremendo esforçopara não desabar na frente de mim e
do velho Omar. Sinto que ela ainda evita compartilhar detalhes
sobre os contornos dramáticos da sua história de vida.
Mas, por quê?
— Graças a Deus, a gente teve sorte, de certo modo… —
Maya voltou a falar, enxugando uma lágrima sorrateira, de forma
discreta. — A maioria fica pelo caminho, ou porque não resiste e
vem a óbito ou porque são capturados pelos Agentes da Patrulha de
Fronteira.
— Parece que você lidou com tudo isso sozinha, Maya…
Como isso foi possível? — perguntei, me levantando e parei diante
dela, mas não ousaria tocá-la. Ainda mais estando na presença do
meu pai, mesmo sentindo uma vontade irresistível de envolvê-la em
meus braços.
— Eu nunca tive tempo para ficar chorando pelos cantos,
maldizendo a minha falta de sorte — Maya informou, com certa
frieza, e endireitou os ombros, inspirando bem fundo. — Eu precisei
trabalhar desde os 16 anos, Omar. A minha mãe era faxineira, mas
largou o serviço por motivos de saúde — continuou desviando o
olhar de forma abrupta. — Quanto ao meu pai, tudo o que eu posso
dizer é que a contribuição financeira dele se destina a atender às
necessidades de Ramón.
— Quer dizer que ele e a sua mãe estão divorciados? — o
meu pai quis saber, mal conseguindo disfarçar a curiosidade.
— Eles estão separados, mas ainda não se divorciaram —
Maya respondeu, pegando as garrafas e colocando-as de volta na
prateleira do bar.
— O seu pai também se encontra em situação irregular no
país? E, onde é que ele trabalha?
Maya segurava o copo misturador, mas acidentalmente o
deixou cair no chão, fazendo-o se espatifar, assim que ouviu o meu
último questionamento. A seguir, ela se abaixou e começou a catar
os cacos, demonstrando estar bastante nervosa. Não pensei duas
vezes e me agachei diante dela para tentar impedi-la, mas Maya
acabou se assustando. Ela fechou o punho com tanta força, que
sequer percebeu que ainda segurava o pedaço de vidro, se
cortando no processo.
Peguei a mão dela com todo cuidado e observei o corte, que
apesar de pequeno, sangrava bastante.
— Pai, veja se o senhor consegue encontrar um kit de
primeiros socorros — gritei, ajudando Maya a se levantar e fiz um
gesto com a cabeça na direção da pia. — Eu vou abrir a torneira
para que você possa lavar o ferimento, está bem?
— Eu peço desculpas por isso, Omar. Não sei o que deu em
mim… — balbuciou, e pude sentir a lufada de ar quente sobre o
meu rosto, indicando que ela estava ofegante. Eu tentei ao máximo
manter o autocontrole, baixando o olhar para a torneira aberta, em
vez dos lábios cheios e suculentos, que pareciam implorar por um
beijo tórrido.
— Para falar a verdade, sou eu quem te devo desculpas por
ter sido tão inconveniente. Não deveria ter feito tantas perguntas a
você…
— Afinal, o que você quer de mim, Omar? — Maya perguntou,
sem preâmbulos, com uma voz rouca e suave.
— Acho melhor nós dois aguardarmos o meu pai voltar, na
biblioteca que fica logo ao lado — sugeri, evitando responder ao
súbito questionamento dela.
Não pretendia assustá-la, ainda mais no estado em que ela se
encontra, mas talvez tenha chegado o momento de revelar as
minhas verdadeiras intenções.
Eu posso patrocinar o visto de residente permanente, desde
que ela se case comigo.
Casar, definitivamente, não estava nos meus planos. Essa
resistência toda se manteve até o dia em que eu conheci a atraente
bartender do Chilli en Fuego, durante um happy hour com o meu
sócio.
Qualquer pessoa que lesse a minha mente agora diria que
ninguém em sã consciência propõe casamento com quem não
estabeleceu nenhum tipo de vínculo afetivo. Admito que a motivação
principal seja obter a parte da herança que me corresponde: uma
cifra bilionária, que será destinada para o fundo da organização
filantrópica fundada por mim, visando ampliar a inclusão financeira
de imigrantes e refugiados. Além disso, Maya corresponde
exatamente ao perfil que os investidores buscam para o aporte
financeiro, e vai desempenhar o papel de esposa de maneira
exemplar. Ainda que ela se torne apenas uma esposa de mentira.
Imagine se eu contaria a ambos que o meu pai é um chefe
contrabandista de origem hispânica, que faz parte de uma
organização criminosa internacional, faturando milhões com a
entrada ilegal de adultos, adolescentes e crianças aos Estados
Unidos. Ele coordena há anos o negócio, contando com funcionários
mexicanos e americanos corruptos como aliados, além de gangues
locais, garantindo uma passagem tranquila para os migrantes, e
minimizando os riscos de serem capturados pelos agentes da
Patrulha de Fronteira.
Os meus pais se conheceram em Minas Gerais por intermédio
do cunhado de minha mãe, chefe da ramificação brasileira da
organização criminosa de coiotes.
Míriam Garcia se apaixonou perdidamente por Pablo Navarro,
que na época decidiu morar no Brasil temporariamente até sair do
radar das autoridades mexicanas. Ela decidiu se tornar mãe por
acreditar que seria tratada com maior complacência e tolerância,
caso fosse capturada pelamigra[14].
A minha mãe vendeu tudo o que eu tinha, quando eu completei
8 anos, para obter o visto e seguir para o México. Eles se casaram
na Cidade do México, e três anos depois, ela considerou seguro
fazer a travessia para viver ilegalmente nos Estados Unidos.
Continuei observando o jardim pela janela da biblioteca,
totalmente entregue aos pensamentos conflituosos, quando de
repente senti alguém tocar o meu braço, com suavidade. Omar
havia se posicionado bem atrás de mim, provocando arrepios por
todo o meu corpo, como um lembrete da minha condição vulnerável
pela presença marcante do único homem capaz de despertar
sensações que eu jamais ousei experimentar.
— O seu sonho e o meu podem se tornar um só, Maya… —
Omar declarou, com a voz rouca e tão baixa, que era quase um
sussurro contra a lateral do meu rosto.
Eu virei o rosto, encarando-o por cima do ombro, com a
respiração suspensa.
— O que quer dizer, exatamente? — perguntei,
pausadamente, em voz baixa.
— Eu posso patrocinar o seu visto de residente permanente,
desde que aceite se casar comigo — a voz dele saiu dolorosamente
rouca, ao frisar as últimas palavras, e com uma intensidade que me
fez estremecer.
— Por que você acha que eu aceitaria uma proposta tão
indecente quanto esta? — questionei, ficandode frentepara ele, e o
encarei com atenção redobrada, bem no fundo dos olhos verdes
tempestuosos. O brilho feroz deles queimava cada célula do meu
corpo, enquanto avançava em direção à minha alma.
Omar aproximou o rosto bem devagar, e encarei ora os olhos
verdes irradiando magnetismo, ora os lábios naturalmente
vermelhos, entreabertos e desejosos por um beijo. Não me
surpreendi, quando ele passou o braço ao redor da minha cintura,
me puxando para mais perto de si, com firmeza. Quando ele estava
prestes a me beijar, eu rapidamente virei o rosto, e me desvencilhei
dos braços dele, mesmo sentindo uma vontade louca de
corresponder às investidas.
— A única formade legalizar a sua condição no paísé através
do casamento com um cidadão norte-americano, certo? — Omar
quis confirmar, com o tom de voz ligeiramente provocante e ao
mesmo tempo suave, enquanto sustentava o olhar de forma
desafiadora.
— Se não me restar nenhuma alternativa, eu prefiro me casar
com algum velho rico — menti, deliberadamente.
— Que tremenda mentirosa… — insinuou, com um brilho de
divertimento no olhar. — Mas, vamos supor que um velho rico, viúvo
ou divorciado, presente na festa, fizesse essa proposta para você.
Não se esqueça de que homens com idade mais avançada
possuem a barriga proeminente, bastante mau hálito, sem contar o
pau mole…
Por pouco eu não me engasguei, quando ouvi as últimas
palavras dele.
— Falando assim parece que está imune ao peso da idade. A
sua hora vai chegar.
Omar ergueu os olhos na direção do teto, antes de voltar a me
encarar, com um sorriso insolente nos lábios.
— O meu pai, por exemplo, não consegue dar conta do
recado, se é que me entende… ele tem 67 anos, mas se comporta
como um jovial, apenas nas aparências.
— Ele tem idade para ser o meu avô, sem sombra de dúvida,
mas, casar com ele corresponderia mais às minhas expectativas.
— Maya, eu duvido muito que o juiz considere o casamento
verdadeiro, devido à grande diferençade idade. No entanto, você e
eu teríamos muito mais poder de convencimento, mesmo
vivenciando um relacionamento de fachada.
— Duvido que você abriria mão da sua liberdade se prendendo
a um compromisso tão restritivo. O seu pai, ao contrário, não teria
nada a perder.
— Se pretende engravidar para o processo junto à imigração
evoluir mais rápido, saiba que o velho Omar precisou fazer a
remoção cirúrgica dos testículos há alguns anos e se tornou estéril.
— Você não me parece ser o tipo de homem que pretende ter
filhos, e muito menos com uma mulher que acabou de conhecer —
retruquei, cruzando os braços na defensiva.— No que diz respeito a
mim, isso está totalmente fora de cogitação.
— Você está coberta de razão, Maya. Nós podemos tirar o
bebê da equação, está bom assim? — Omar se apressou em dizer,
encolhendo os ombros. Havia um tom de desespero na voz dele, eu
podia sentir isso.
— E por que você está tão empenhado em fazer esse grande
sacrifício,se não sente absolutamente nada por mim? — perguntei,
ergueu as sobrancelhas de formaespeculativa. — Pelo visto está se
enganando a meu respeito mais uma vez. Não confunda inocência
com ingenuidade, Omar.
— Sabe o que nós dois temos em comum, Maya? O fato de
não existir espaço para sentimentalismo em nossas vidas. Mas,
respondendo a sua pergunta, o meu pai pretende fazer um aporte
financeiro bastante significativo, e que corresponde à minha parte
da herança.
— Mas, é claro! — bufei, com desdém, fazendo menção de ir
embora. — Eu preciso voltar ao serviço.
Omar previu o meu movimento e segurou o meu braço,
impedindo que eu saísse da biblioteca.
— Ele estabeleceu a condição de eu me casar para receber a
herança, mas esse dinheiro será destinado ao fundoda organização
filantrópica fundada por mim, e que visa ampliar a inclusão
financeira de imigrantes e refugiados.
— E que tipo de contribuição eu posso oferecer para a sua
fundação, Omar? — indaguei, encarando-o com um misto de
surpresa e incredulidade.
— Nós podemos nos sentar? Assim, eu posso te explicar
melhor a minha proposta.
Omar andou até o sofá e se sentou, indicando com um gesto
para eu me sentar ao lado dele. Eu o esperei retomar a conversa,
com as mãos entrelaçadas no colo, a curta distância.
Quero me assegurar de que a razão para propor uma união
conjugal de fachada vai além de apenas atender a interesses
puramente egoístas dele.
— Os seus sonhos podem ser interrompidos a qualquer
momento, porque até onde eu sei, o presidente quer acabar com o
DACA a todo custo, certo?
— Exatamente. Os litígios se encontram pendentes desde o
ano passado, então apenas as renovações no programa foram
permitidas para continuar, temporariamente.
— O que isso significa na prática, Maya?
— Significa que a minha situação no país, e também a de
centenas de milhares de jovens beneficiários do programa, continua
indefinida. No meu caso, em específico,a renovação precisa sair
antes que o prazo termine, e caso isso não ocorra, eu posso ser
presa pelos agentes da ICE e deportada, após o julgamento.
— Não podemos permitir que isso aconteça! — Omar
exclamou, gesticulando com veemência. — Eu estou realmente
disposto a te ajudar, Maya. Você acabou de ser aceita em uma das
melhores universidades deste país, e possui um futuro promissor,
ajudando pessoas como você a encontrar maneiras de obter o
status legal.
— As oportunidades são limitadas para pessoas como eu, de
fato. Mas, eu continuarei enfrentando os desafios até atingir os
meus objetivos.
— O que mais me fascina em você é essa garra e
determinação inabaláveis — Omar afirmou, apoiando um braço
sobre o encosto, enquanto me encarava fixamente. O olhar dele
transmitindo um misto de admiração e respeito.
— As renovações do DACA continuam a ser processadas, mas
eu temo que reprovem o meu pedido. Por isso eu preciso conseguir
um novo emprego o quanto antes. Quem sabe um estágio em algum
escritório de advocacia, mas para isso, eu preciso frequentar as
aulas da universidade.
— O meu pai está disposto a financiar os seus estudos em
Columbia, e quanto a mim, eu conheço uma pessoa que pode
indicá-la como assistente jurídica. A mulher de Steve possui
contatos no escritório de advocacia especializado em imigração.
— Então, se eu recusar a sua oferta, eu posso dar adeus à
oportunidade de trabalhar na minha área de formação… — cogitei,
erguendo a sobrancelha, sagaz. Antes mesmo que Omar pudesse
articular alguma palavra a respeito, eu voltei a falar, fazendo um
gesto impaciente com a mão. — Para mim ficou claro que o seu pai
busca uma acompanhante de luxo, enquanto você, por sua vez,
parece estar à procura de uma esposa troféu.
— Maya, eu só posso falar sobre as minhas intenções — Omar
assegurou, deixando escapar um suspiro cansado. — Eu estou me
dedicando ao meu projeto social na fintech, e acho que nós dois
podemos fazer muito mais pelos imigrantes e refugiados se
atuarmos juntos como um casal, compreende?
— Eu realmente considero louvável a sua iniciativa de destinar
parte da sua fortuna para garantir a acessibilidade dessas pessoas
ao sistema financeiro. Mas, que tipo de contribuição eu posso
oferecer ao projeto, Omar?
— A gente vai unir a nossa expertise, Maya. Você vai atuar
junto à comunidade, oferecendo apoio jurídico para a obtenção de
green card e possível cidadania, além da resolução dos litígios
envolvendo o DACA. A minha função será possibilitar aos imigrantes
acesso ao crédito para abrir ou expandir negócios, investir na
educação, remessas financeiras, entre outras possibilidades.
— Conheço pessoas que foram vítimas de golpes praticados
pelos chamados notários, que se aproveitam do desespero das
pessoas para obter o status legal, causando perdas financeiras
significativas. Houve casos que culminaram em deportação e
separação de famílias inteiras.
— Agora você já compreende a importância de nos unirmos
em matrimônio… — Omar comentou, tomando a minha mão direita
de modo afetuoso. Em seguida, ele tirou o curativo, se certificando
de que o corte já começava a cicatrizar. Senti uma pontada no local
ainda sensível, levando o corpo a estremecer de leve. — O seu
sonho e o meu podem se tornar um só, Maya.
Quando ele voltou a me encarar, eu me senti tragada
novamente para as profundezas daquele olhar sedutor.
— Não comprometa a sua liberdade, formalizando um
compromisso tão restritivo — comentei, afastando a minha mão e
me levantei do sofá de forma abrupta.
Omar piscou por um momento, visivelmente aturdido, e
também ficou de pé diante de mim, colocando as mãos no bolso
como que aguardando uma explicação.
— Nós dois não teríamos uma vida conjugal comum à de todo
e qualquer casal, Omar.
— Eu posso viver com você sob o mesmo teto, mantendo o
distanciamento emocional e físico,durante dois anos ou mais, se
preciso for— Omar assegurou, com veemência, erguendo as mãos,
como se se rendesse. — Não é isso o que você quer, Maya?
Estabeleça limites em algum contrato, e te garanto que eu seguirei à
risca.
Eu desviei o olhar de maneira abrupta, me sentindo
constrangida por reconhecer os riscos de me unir a ele em
matrimônio, ainda que temporariamente.
Não sei por quanto tempo eu conseguiria reprimir os
sentimentos mais ocultos que eu passei a nutrir por ele, com medo
de trair a mim mesma no processo.
— Se eu me comprometer a cumprir todas as suas condições,
por mais que absurdas que elas sejam, você aceitaria o acordo? —
o executivo voltou a indagar, aguardando uma confirmação, cheio
de expectativas.
Eu seria o elo mais fraco daquele acordo de conveniência, e
finalizado o prazo, Omar seguiria com a vida dele, como se nada
tivesse acontecido. Quando a mim, eu me veria forçada a deixar
tudo para trás, portando um Green Card no bolso, mas com o
coração dilacerado dentro do peito, ciente de que eu posso acabar
me apaixonando, perdidamente.
Salva pelo gongo, eu pensei ao ver o meu pai entrar na
biblioteca. No entanto, ele não estava sozinho. Amir e Najla o
acompanhavam, e pararam no limiar, trocando olhares significativos.
Maya rapidamente se dirigiu até eles para se despedir, sem
sequer me dirigir a palavra. Ela falou com o velho Omar primeiro,
agradecendo a atenção e a receptividade. Ele, por sua vez, segurou
o rosto dela entre as mãos, se inclinando para lhe dar um beijo na
testa, de forma afetuosa. Eu passei a mão pelos cabelos e bufei,
contrafeito. Admito que senti uma pontada de ciúme ao constatar
que Maya permite algum contato físicocom o meu pai, mas reage
de forma totalmente oposta comigo, como se ela ainda me
considerasse uma ameaça.
No que depender de mim, essa resistência já está com os dias
contados.
— Minha preciosa, por favor, não me faça a desfeita de ir
embora, sem se despedir de mim antes — o meu pai pediu, sorrindo
abertamente para ela.
— Está bem, senhor Omar — Maya confirmou, sorridente.
Entretanto, para minha completa surpresa, ela me dirigiu um
último olhar intenso e carregado de significados. O meu rosto se
iluminou ainda mais como resposta, sentindo um vislumbre de
esperança preencher o meu peito. Tudo levava a crer que ela vai
considerar a minha proposta. Afinal,trata-se de uma relação ganha-
ganha, em que ambas as partes podem se beneficiar mutuamente
nessa espécie de arranjo matrimonial.
A única desvantagem será aceitar todas as condições
impostas por ela no tal pacto de convivência, ou seja, nada de
toques, carícias, beijos, abraços, e claro, sem sexo. Com certeza
será uma prova de fogo, mas respeitarei o tempo dela, fazendo o
possível para conquistar a confiança necessária, até que ela se
sinta segura o bastante para se entregar a mim, sem medos ou
reservas.
Ela acenou em despedida para os meus irmãos, e saiu da
biblioteca, nos deixando a sós.
— Eu ainda vou me casar com essa deusa, escrevam o que
estou dizendo — afirmei, categórico.
— No que depender de mim, você não vai se aproveitar dessa
jovem para obter a sua parte da herança, Omar — o meu velho
avisou, em tom ameaçador. — Pode conseguir facilmente qualquer
outra mulher como sua pretendente, exceto a minha preciosa.
— E como o senhor pretende me impedir? — perguntei, mas
não esperei por uma resposta. Decidi voltar a falar, cruzando os
braços, na defensiva. — Só falta o senhor me dizer que também vai
pedir a mão dela em casamento.
— Mas, não é esse o seu maior desejo, meu pai? Fazer com
que todos os seus filhos se casem? — Najla indagou, se
aproximando e tocando o braço dele de leve. — Omar pelo visto já
encontrou a candidata ideal para ser a esposa dele, e acho isso um
grande avanço. Deveria se sentir feliz, sabia?
A minha irmã me adora e sempre intercedeu a meu favor nas
discussões familiares.
— Detesto ter que discordar de você, Najla, mas nosso pai tem
motivos de sobra para se preocupar — Amir retrucou, expondo
aquela necessidade irritante dele de tentar agradar o velho. — Omar
é muito volúvel e inconstante. Acabou de conhecer Maya e já afirma
que é a mulher da vida dele. A mim é que ele não engana.
Amir direcionou um olhar cheio de desconfiança para mim,
com seu típico sorriso mordaz.
O meu irmão me despreza e sempre se posicionou contra mim
nas discussões familiares.
— O seu irmão acertou em cheio, Najla — o meu velho
confirmou as minhas suspeitas, limitando-se a encará-la com uma
expressão imperturbável. — Eu serei o benfeitor de Maya, e espero
que ela aceite ser a minha segunda esposa.
— Mas, que loucura é essa, meu pai, eu posso saber? — Najla
questionou, colocando as mãos na cintura, encarando ora a mim,
ora o velho Omar. — Não acredito que vocês dois querem
transformar Maya em um alvo dessa disputa absurda!
— Que história é essa de querer tornar uma moça, que tem
idade para ser a sua filha, em quê mesmo? — Amir quase gritou,
meio engasgado, lançando um olhar perplexo para o velho. — Em
nossa madrasta, por Deus!
— Até que enfim, nós dois concordamos em algo, Amir —
comentei, levantando os braços, como quem vibra por uma
conquista.
— Que o senhor tenha se sensibilizado pela história de vida
dela, eu acho até compreensível. Mas, daí a querer desposá-la,
considerando o fato de uma mulher jovem como ela ter outros
interesses… eu não acho isso certo, papai.
— Sempre tão sensata, Najla — comentei, encostando a mão
na boca para lhe soltar um beijo rápido.
— Maya pode nutrir pelo senhor um sentimento de profundo
respeito e afeição, mas jamais vai amá-lo, papai — a minha irmã
salientou, apoiando as mãos nos ombros dele, e apertando-os
suavemente para confortá-lo.
— Eu estou ciente disso, minha querida — o velho afirmou,
dando um beijo no topo da cabeça dela. — Mas, eu quero que
saibam que nenhum de vocês vai me impedir de casar com Maya,
se ela assim o desejar.
— Acho até compreensível a obstinação de papai, em querer
livrar essa moça das garras do nosso irmão — Amir ponderou, me
encarando com uma expressão de descrença no rosto. — Todos
nós sabemos que Omar não possui nenhum senso de
responsabilidade afetiva.
Najla se afastou do velho Omar e parou diante de mim,
cruzando os braços sobre o peito. Os olhos azuis dela pareciam
querer me perscrutar fundo, buscando saber quais eram as minhas
reais intenções.
— Omar, a forma como você conduz os seus relacionamentos
amorosos não me diz respeito, naturalmente, mas precisa entender
que Maya é diferente de todas as outras mulheres que cruzaram o
seu caminho. Desista de considerá-la só mais uma, na sua extensa
lista de conquistas, por favor.
Maya entrou em minha vida como um caminhão
desgovernado, derrubando um muro, que, até então, eu considerava
intransponível: a minha defesa emocional.
Porém, tudo o que eu consegui dizer para ela foi o seguinte:
— Eu busco nela muito mais do que apenas satisfazer os
meus desejos sexuais, Najla — assegurei, tentando imprimir à voz a
firmeza necessária. — Maya é a minha musa inspiradora, e
indiretamente colaborou com o projeto social que estou
desenvolvendo na Aziz Financial. Nós dois faremos a diferença na
vida de centenas de milhares de imigrantes, acredite.
— Cheguei a ficar arrepiada, Omar! — Najla sorriu, passando
a mão pelo braço, indicando que os pelos estavam mesmo eriçados.
— Você sabe que eu sempre fui a sua maior aliada, e agora não
será diferente…— insinuou, dando uma piscadela rápida para mim,
antes de se virar para andar em direção à porta. — Os convidados
já devem ter notado a nossa ausência. Podemos deixar essa
discussão para outro dia?
Decidi seguir a minha irmã, mas ao passar por Amir e meu pai,
senti o peso do olhar deles sobre mim.
Não importa o que eu diga ou faça, ambos se recusam a me
dar um voto de confiança. A única pessoa que jamais duvidou de
mim, se foi para sempre de nossas vidas. A morte da minha mãe
ocorreu de forma trágica e repentina há dez anos, por um infarto
fulminante. Ela era a maior entusiasta e apoiadora da fintech, mas
infelizmentenão acompanhou a ascensão da empresa, considerada
como a mais valiosa da América e a segunda startup mais valiosa
do mundo.
Sempre considerei o megainvestidor Omar Aziz um modelo de
homem, esposo e pai, que deixou Beirute e emigrou para os
Estados Unidos com toda a família,fugindo da sangrenta guerra
civil, envolvendo cristãos e muçulmanos. Ele passou alguns anos
trabalhando em empresas de Nova York, antes de fundar o seu
próprio fundo de investimentos. Contudo, Amir continua sendo o
filho predileto dele porque assumiu o cargo de CEO do seu
conglomerado de investimentos, permitindo que ele se dedicasse
integralmente aos projetos filantrópicos, apesar de continuar
presidindo o conselho corporativo da Aziz Fund Management Inc.
Na verdade, o meu maior sonho sempre foi obter a aprovação
e o reconhecimento do velho Omar. Uma pena que ele prefira
colocar Maya no centro dessa disputa ridícula por poder, medindo
forças comigo, apenas para atender aos seus próprios caprichos.
Balancei a cabeça para me livrar dos pensamentos
conflituosos e me aproximei da mesa onde estavam o meu cunhado,
Robert Graham, os pais dele, a minha cunhada, Samantha
Laurence, além da minha sobrinha, Samira.
A pequena correu ao meu encontro, assim que me viu, e a
carreguei nos braços, enchendo o rosto dela de beijos. Ela tem 7
anos de idade, parecendo mais a versão em miniatura da tia, Najla,
com os mesmos cabelos longos e loiros, embora cacheados, além
dos olhos tão azuis quanto duas safiras.
— Tio Omar, eu quero beber a Lagoa Azul, mas mamãe falou
que criança não pode porque contém álcool — informou, chorosa.
— Eu não quero refrigerante!
— Eu vou perguntar à tia Maya se ela consegue fazer alguma
versão não alcoólica da bebida, está bem, meu amor? — sugeri,
carregando a minha sobrinha até o balcão.
Maya observou a nossa aproximação, com um olhar
penetrante e curioso, ao mesmo tempo.
— Samira é filha do meu irmão, embora ela prefira a mim,
obviamente, além de ser a dama de honra de Najla — eu fiz as
apresentações, ao colocar Samira no banco alto. As duas acenaram
uma para a outra, com um sorriso. — Maya, será que você
consegue preparar algum drink sem álcool?
— Eu lembro que servi o coquetel Lagoa Azul para a mãe
dela… pode deixar comigo!
Maya pegou o copo de inox, adicionando um pouco de gelo, o
xarope de Curaçao Blue, suco de limão espremido na hora, além
das raspas de laranja. Em seguida, ela conectou o copo menor ao
maior, fazendo a coqueteleira girar no ar, antes de agitar
vigorosamente na posição horizontal.
Na sequência, ela bateu com firmeza para separá-los, e
utilizou o coador strainer[15] para servir o coquetel na taça tulipa,
preenchida por cubos de gelo. E, para finalizar, ela executou um
rápido malabarismo com uma pequena garrafa de Club Soda, antes
de despejar quase todo o conteúdo. Ela utilizou uma rodela de
laranja e cereja para decorar a borda da taça, acrescentando um
canudo antes de deslizar o mocktail[16] sobre o balcão, em direção à
criança.
— Espero que goste da versão da Lagoa Azul, Samara. O
mocktail é de uma profundidade, que só se compara à cor dos seus
olhos — Maya falou, de forma poética, esboçando um amplo sorriso.
— Maya, a única mulher possível para ser a mãe dos meus
filhos — profetizei, em alto e bom som.
Sei que soou piegas demais, mas faz parte do jogo de
sedução.
— Tio Omar, prove um pouco da bebida, por favor. Está uma
delícia! — Samara pediu, de repente, me tirando completamente
dos meus devaneios. — Quase eu me esqueci de te agradecer.
Obrigada, Maya!
Tomei a taça das mãos de Samira, e levei o canudo à boca
para beber um gole. Fiz uma careta de desagrado, fingindo não ter
gostado do sabor, porque me ocorreu uma ideia incrível para tirar
Maya do serviço, mesmo que por alguns minutos.
— Samara, você promete que vai ficar sentada aqui, enquanto
tiro a tia Maya para dançar? — perguntei, bem próximo ao ouvido
dela. A minha sobrinha deu um sorrisinho travesso, e aquiesceu
com a cabeça como resposta.
— Maya, você se importaria de vir até aqui um instante? —
solicitei, franzindo a testa, e imprimindo um tom de preocupação à
voz.
Quando Maya tirou o avental e contornou o balcão para se
aproximar de mim, notei que o semblante dela se modificou,
demonstrando estar surpresa e confusa com o meu pedido
inesperado.
Havia poucos casais aproveitando a música lenta de jazz, e
considerei o momento perfeito para estabelecer um contato mais
íntimo com ela. Eu me levantei do banco e a puxei pelo braço num
rápido movimento, conduzindo-a até o meio do salão. Maya deixou
escapar um grito abafado, mas não ofereceu nenhuma resistência
ao meu gesto.
A seguir, eu segurei a mão dela, enquanto a outra deslizava
pela parte inferior das costas, descendo sem pressa até alcançar a
cintura. Pressionei o meu corpo ao dela, e logo nós começamos a
dançar, sem pressa, trocando olhares de íntima cumplicidade.
— Percebe o quanto nossos corpos se moldam perfeitamente
bem ao ritmo da música, Maya? — perguntei, com a voz rouca ao
ouvido dela, e a vibração fez o seu corpo voluptuoso estremecer de
leve junto ao meu.
— Conquistador barato… — Maya murmurou baixinho, mas
fingi não ter escutado. Notei a respiração excitada e levemente
ofegante dela contra o meu rosto, e sorri triunfante, aumentando
mais a pressão à volta da cintura. Senti o meu pau responder ao
estímulo de forma instantânea, provocando um espasmo de desejo
violento contra a calça preta social.
Encostei o nariz na região macia entre o pescoço e o ombro de
Maya de forma instintiva. Em seguida, eu fechei os olhos,
respirando bem fundo para sentir o perfume dela, uma sensação de
descoberta, repleta de significados transpassou o meu ser.
Eu a terei em minha cama, rendida e entregue ao prazer
desesperado e febril, que vai consumi-la dia após dia, durante o
tempo em que vivermos juntos, na condição de casados por
conveniência.
Só Deus sabe o quanto desejo tê-la como minha mulher, e não
pretendo desistir facilmente.
— Case-se comigo, minha preciosa — supliquei, a voz pouco
mais que um sussurro.
— Eu só permiti ao seu pai me chamar dessa forma…— Maya
declarou, inclinando a cabeça graciosamente para me encarar, com
ar divertido.
Eu me afastei um pouco, apenas o suficiente para contemplá-
la com os olhos flamejandode desejo, antes de segurar o rosto dela
entre as mãos, beijando-a com ferocidade, receoso de que fosse a
última chance de tê-la junto a mim. De repente, Maya interrompeu o
beijo e deu um passo para trás, dirigindo um olhar cheio de angústia
silenciosa para mim. Logo, as lágrimas desceram pelo rosto dela,
me fazendo sentir um incômodo aperto no peito. O meu coração
começou a bater descompassado, só de imaginar a possibilidade de
ter colocado tudo a perder por um gesto tão impulsivo.
Só então eu percebi que um fotógrafohavia se aproximado,
permanecendo parado diante de nós, focando a lente da câmera
para registrar o momento em que impetuosamente beijei a bartender
que está a serviço da família.A inusitada cena vai ocupar todas as
colunas de fofocas nas próximas horas.Foda-se!
Maya virou as costas, e com passos vacilantes, começou a se
afastar de mim, abrindo caminho entre os convidados. A minha
única reação foi passar a mão pelos cabelos, visivelmente frustrado.
Eu me comportei como um adolescente inconsequente, movido
apenas pela urgência e voracidade de lhe roubar um beijo, porque
comprovadamente, eu estava louco de tesão. Corrigindo: Eu ainda
estou louco de tesão por ela.
De repente, eu senti braços femininos envolvendo os meus
ombros, e pelo canto do olho, percebi se tratar de uma das amigas
de Najla, que se sentia íntima o bastante para roçar os lábios em
minha orelha.
— Imagino que não seja fácil sentir o peso da rejeição, ainda
mais diante de tanta gente, Omar — Sharon comentou, insolente,
junto ao ouvido. — Mas, para sua sorte, eu sou a única capaz de
consolá-lo. Por que não me fode num dos quartos secretos da
mansão?
— Not today Satan, not today[17]! — respondi, balançando a
cabeça em negativa, e me desvencilhei dos braços que me
prendiam como garras.
O inimigo se apresenta de muitas formas, e dessa vez na
figura de uma ruiva de estatura alta, magra, usando um vestido
provocante que realçava os seios fartos, em um tom contrastando
com a linda pele bronzeada. No entanto, eu não darei mais espaço
para a velha versão de Omar Aziz filho, que agia como um perfeito
canalha.
Muito em breve eu vou me casar com Maya Garcia. Embora eu
não seja o homem ideal, muito menos alguém que realmente a
merece, eu estou disposto a me comprometer com o acordo até o
fim. Mesmo que para isso, eu tenha que entrar numa disputa com o
meu próprio pai.
O senhor Omar combinou de se encontrar comigo na Columbia
Law School, após o serviço de orientação acadêmica. Eu cheguei
na universidade minutos antes, para tratar de questões envolvendo
carreira especializada e aconselhamento curricular, para os três
anos de estudos na área escolhida: Justiça Social e Direitos
Humanos. As expectativas estão bem elevadas para o novo
semestre letivo, com início previsto para daqui a um mês. O fato de
eu ter cursado uma faculdade durante quatro anos, possibilitou a
obtenção de um diploma em estudo paralegal, mas infelizmente
ainda não posso advogar.
A universidade de Columbia vai me proporcionar o grau de
Doutora em Jurisprudência [18](JD), condição necessária para me
tornar uma advogada de imigração. Concluído o curso, ainda é
necessário fazer o exame da Ordem dos Advogados (BAR), e só
assim conseguirei o pleno direito ao exercícioda advocacia, mesmo
que de forma autônoma. Nenhuma firma poderá me contratar, mas
ainda sonho com o dia em que terei o meu próprio escritório no
futuro.
Entretanto, o momento mais aguardado por mim é, sem
sombra de dúvida, a oportunidade de vivenciar a prática jurídica na
Clínica de Direito dos Imigrantes. O trabalho de campo no
laboratório tem o objetivo de fazer os estudantes de Direito
aprimorem habilidades específicas,tais como: entrevistar clientes e
testemunhas, redigir documentos jurídicos e intermediar as partes
com interesses divergentes. Será questão de tempo até passar para
os casos mais complexos, envolvendo naturalização, defesa de
deportação e requisições de asilo para pessoas que foram vítimas
de crime, violência doméstica ou tráfico humano.
O fato de os imigrantes não terem direito a um advogado, nos
Estados Unidos, torna tudo ainda mais difícil.No entanto, o caminho
profissional escolhido por mim é o da advocacia pro bono, na lei de
imigração. Eu terei a oportunidade de prestar assistência jurídica
aos imigrantes como voluntária, porque eu mesma já precisei de
representação, quando sequer tinha recursos para pagar por isso.
Assim que eu saí pelo portão de entrada, avistei o senhor
Omar na calçada, próximo ao veículo sedã de luxo.
— Minha querida e preciosa Maya… — o velho Omar me
cumprimentou, estendendo a mão para pegar a minha, e se curvou
para beijá-la. — Espero que me conceda a honra de ser a minha
segunda esposa, mas na pior das hipóteses, eu posso me
conformar em tê-la como minha nora — completou, com seu
costumeiro tom espirituoso.
— Então, o seu filhote contou sobre a proposta que me fezna
mansão…, mas, saiba que eu só faleique me casaria com o senhor,
apenas como um pretexto para fazê-lo desistir de mim.
— Maya, nós dois não tivemos ainda a oportunidade de
conversar melhor sobre essa questão. Você aceita almoçar comigo?
Eu conheço um local que serve o melhor da gastronomia árabe.
— Eu nem mesma estou vestida adequadamente para ir a um
desses restaurantes chiques de Manhattan, senhor Omar —
retruquei, observando a própria roupa com certo embaraço. Optei
por uma camiseta branca com estampa, as mangas foramdobradas
no ombro, além de calça jeans e tênis brancos.
— Eu não costumo aceitar um não como resposta —
gesticulou, balançando o dedo em negativa. — Eu façoquestão de
ter a sua companhia nesta tarde ensolarada, preciosa Maya.
— Mas, hoje é o meu turno de trabalho na casa dos Collins…
— Não vejo razão alguma para continuar trabalhando como
babá, Maya — insistiu, colocando as mãos no bolso da calça social.
— E não se esqueça de que Columbia é uma instituição que requer
dedicação integral. Acho muito complicado conciliar os estudos com
trabalho.
— Mas, eu não posso me dar ao luxo de apenas estudar,
senhor Omar. A minha famíliadepende de mim e sempre dei um
jeito de conciliar as minhas atividades.
— Farei uma ligação importante agora, que definirá a sua
situação, Maya — anunciou, de súbito, sacando o iPhone do bolso
interno do paletó. — Se você perder o DACA, não poderá trabalhar
legalmente. Precisamos resolver o quanto antes essas questões
burocráticas.
O senhor Omar pediu ao motorista para abrir a porta do banco
de trás do veículo. Depois, ele fez um gesto com a mão, indicando
que eu deveria entrar e me acomodar no assento.
O pouco que eu conheço dele já me faz constatar que se trata
de um homem voluntarioso, então eu acatei seu pedido sem dizer
uma só palavra. Abri a minha bolsa transversal pequena para pegar
o meu smartphone, e rapidamente digitei uma mensagem para Mary
Ann Collin. Inventei um pretexto para faltar ao trabalho, prometendo
compensar no dia seguinte. Logo, a voz baixa e grave dele
reverberou pelo interior do veículo.
— Conversei agora com o seu advogado de imigração, Maya.
Prepare-se para a entrevista com o Dr. Peter Duke. Ele é um dos
melhores advogados de imigração do país.
— Eu tenho o meu próprio advogado? — perguntei, abrindo a
boca e arregalando os olhos, visivelmente surpresa. Ele fezque sim
com a cabeça, sorrindo de forma afetuosa. — Eu não sei o que
dizer, senhor Omar… achei que isso jamais poderia acontecer —
balbuciei, com a voz embargada.
Eu espero não acordar mais, se tudo não passar de um sonho.
— Oh, senhor Omar! — disse, deslizando pelo assento para
abraçá-lo, incapaz de conter a empolgação pela notícia que mudará
a minha vida. — Obrigada, muito obrigada por tudo!
Após um abraço breve e apertado, o senhor Omar se inclinou
e deu um beijo em minha testa. Ele segurou o rosto entre as mãos,
enquanto as lágrimas escorriam dos meus olhos.
O restaurante Ililifica localizado na 5ª Avenida, entre as ruas
27th and 28th, e se tornou referência da culinária libanesa moderna
e tradicional na cidade de Nova York. Como o senhor Omar fez a
reserva apenas para dois, o funcionário rapidamente nos acomodou
no segundo andar do restaurante.
— Ilili significa “diga-me”
em libanês coloquial, Maya — o
senhor Omar informou, assim que nos acomodamos à mesa,
sentados de frente um para o outro.
Ele recomendou do menu a couve de Bruxelas e as meatballs
de carneiro ao molho adocicado para a entrada. Logo, os garçons
serviram variedades da culinária árabe como tabule, babaganouch,
kafta, entre outros, que poderiam facilmente saciar o dobro de
pessoas. Porém, o destaque mesmo ficou para o hambúrguer de
cordeiro, coberto com carne curada e pasta de kashkaval. O vinho
maravilhoso, o Massaya, é originário do Vale do Beqa.
— Eu adoraria saber mais a respeito da sua origem, senhor
Omar — comentei, retirando o guardanapo do colo e limpei o canto
dos lábios lentamente. — Sempre que possível, eu tento resgatar
memórias felizes de experiências que remetem à minha terra natal.
— Eu morava no sofisticado bairro cristão de Ashrafyeh, na
capital libanesa. Decidi deixar o país com a minha esposa e meus
dois filhos, quando eclodiu a sangrenta guerra civil, envolvendo
cristãos e muçulmanos.
— Existem diversos fatores que levam multidões a arriscarem
a vida para emigrar. Vocês chegaram aos Estados Unidos na
condição de refugiados. Já a minha família é composta por
imigrantes, que voluntariamente deixaram o país de origem em
busca de oportunidades para melhorar de vida.
— Você está coberta de razão, Maya. Estrangeiros
multimilionários obtêm facilmente a cidadania americana. Eu passei
alguns anos trabalhando em empresas de Nova York, antes de
fundar o meu próprio fundo de investimentos: a Aziz Fund
Management Inc .
— O que houve com a sua esposa? — perguntei, com certa
cautela.
— Amira faleceu há dez anos após um infarto fulminante,
Maya. Acredito que Omar foi um dos que mais sentiu a perda dela.
Eu falo isso porque os irmãos souberam lidar melhor com o luto até
pouco tempo atrás…
— O pouco que eu conheço dele me fez perceber que ainda é
imaturo emocionalmente — cogitei, franzindo a testa, pensativa. —
Talvez ele tenha medo de enfrentar a dor irreparável e terrível de
perder alguém que ama…
— E quanto a você, Maya? O seu coraçãozinho também está
fechado para o amor? — o velho Omar quis saber, me encarando
fixamente por cima da taça de vinho.
— Omar e eu somos bastante parecidos neste aspecto —
assegurei, em tom firme, mas as palavras soaram pouco
convincentes até para os meus próprios ouvidos. — Não há espaço
para sentimentalismo em nossas vidas.
— Dizem que o primeiro homem da vida de uma mulher é o
próprio pai. Se houver alguma questão mal resolvida, isso pode se
refletir em seu relacionamento com o sexo oposto.
— Ele é um homem inescrupuloso, senhor Omar — informei,
apoiando as mãos na mesa e me inclinando para a frente.— O meu
pai não pensou duas vezes ao colocar a mim e a minha mãe em
risco, nos entregando de bandeja para um sujeito asqueroso, que
nos guiou pela fronteira entre o México e os Estados Unidos.
— Maya, não precisa entrar em detalhes sobre a travessia em
si, porque eu sei que relembrar o passado causa muita dor e revolta.
Eu posso ver isso nitidamente em seus olhos.
O velho Omar tem sido como um pai para mim, e talvez seja o
momento ideal para lhe contar um segredo que me sufoca há anos.
E, pela primeira vez, eu me sinto segura o suficientepara desabafar
com alguém. Não sei explicar exatamente porquê tomei essa
decisão. Pode ser o fato de ele ser uma pessoa idosa, que já
passou por tantas coisas, como também a constatação de que as
nossas histórias de vida praticamente se entrelaçaram. Eu cheguei
ao país na condição de imigrante, enquanto ele, por sua vez, como
um refugiado.
— O senhor me inspira confiança, apesar de conhecê-lo tão
pouco… ― revelei, de modo franco. — O encarregado do meu pai
abusou de mim no esconderijo, um abrigo privativo. Eu só tinha 11
anos naquela época, mas eu já estava bem desenvolvida pra minha
idade. Só não me vêm à memória os detalhes porque eu fui drogada
por ele — falei, pausadamente, com a voz estrangulada.
— Foram os piores minutos da minha vida, oscilando entre a
consciência e a inconsciência, o efeito da droga causou em mim
reações semelhantes aos da embriaguez — voltei a falar, as
lágrimas começaram a descer pelo rosto, mas o enxuguei com as
costas da mão, respirando bem fundo para não desabar num local
público. — A minha mãe foi forçada a presenciar tudo, e desde
então, ela nunca mais foi a mesma… ele desgraçou completamente
as nossas vidas. Ele só poupou a minha mãe porque ela começou a
passar mal, em decorrência dos sintomas da gravidez.
Eu desejei ter morrido nos dias que se seguiram, e por pouco
não coloquei um fim em tudo.
— Por Deus, Maya! — o velho Omar quase gritou, me
encarando com o semblante lívido de pavor. — Mas, por que o seu
pai não acompanhou vocês duas? Como ele reagiu a tudo isso?
— Ele chefia a organização que fatura milhões com o
contrabando de pessoas, e tinha negócios urgentes para tratar
naquela ocasião. Além disso, ele estava em outra cidade, mas não
sei bem onde, porque ele vive praticamente nas sombras.
— Mas, a sua mãe não denunciou esse desgraçado às
autoridades?
— Ele passou a nos ameaçar desde então, senhor Omar. As
mulheres, vítimas de violência, deixam de denunciar para evitar a
deportação, compreende? — expliquei, forçando as palavras a
saírem através dos lábios trêmulos. Foi um avanço significativo
voltar a falar sobre o abuso, mesmo após todos esses anos. — O
meu pai nunca tomou conhecimento e sequer desconfia que o seu
homem de confiança o traiu. Ele o levou algumas vezes para a
nossa casa, mas as visitas pararam quando eu completei 15 anos.
Não imagina o por quê?
— Deixe-me adivinhar: o cara é um pedófilo — o velho Omar
supôs, fechandoo punho sob o queixo, pensativo. O semblante dele
exprimia consternação e revolta. — Ele ainda tentou se aproximar
de você?
— Eu sempre me escondia em algum compartimento fechado,
como armários, guarda-roupa ou na despensa, quando o meu pai
chegava em casa, acompanhado por Félix Guzmán.
Não consegui mais me segurar. Eu me debrucei sobre a mesa,
apoiando a cabeça nos braços cruzados, e dei livre curso às
lágrimas. O meu peito arfava em soluços crescentes, que insistiam
em irromper da garganta, de forma incontrolável. Um garçom
presenciou a cena, e ofereceu um copo d’água,mas eu recusei
porque precisava realizar o exercício de respiração diafragmática,
conformeaprendi com a minha terapeuta. O velho Omar se levantou
depressa e se posicionou ao meu lado, colocando a mão em meu
ombro para me reconfortar.
— Maya, eu quero que saiba que eu nutro um profundo
respeito por você. Eu te considero como uma filha, de verdade. A
sua mãe e irmão estarão seguros em minha mansão, nos
Hamptons.
— O senhor tem sido como um anjo em minha vida, e não sei
como poderei recompensá-lo — comentei, a voz pouco mais do que
um sussurro, ao levantar o olhar para ele.
— A contrapartida virá quando atuar em defesa de todas
pessoas que atravessam a fronteira, Maya — afirmou,estendendo a
mão para mim.
Hesitei por alguns segundos, antes de segurar a dele, que era
tão quente e firme, capaz de me transmitir segurança e a confiança
de que eu tanto precisava. Quando eu me levantei, o pai de Omar
levou a minha mão aos lábios, beijando-a com ternura.
— Você aceita se casar comigo, minha preciosa? — o velho
Omar me fezo pedido, com o tom de voz carregado de ansiedade e
expectativa.
Refleti por um instante e concluí que o lado racional deve se
sobrepor ao emocional, ao tomar uma decisão definitiva com
relação à proposta feita por pai e filho. Levantei o olhar para ele,
com os olhos cheios de lágrimas e, concordei com um gesto de
cabeça, abrindo um sorriso para selar um ‘sim’ absoluto!
É um tempo muito longo para ser a esposa de mentira de um
homem, mas eu posso correr esse risco.
Eu vou me casar com o homem a quem eu considero como um
pai pra mim.
Nem mesmo nos meus sonhos mais loucos teria cogitado me
casar com um velho rico para obter o status legal, e três anos
depois, quem sabe a cidadania americana. Jamais foi a minha
intenção me unir a alguém em matrimônio apenas por interesse,
mas eu não suporto mais viver completamente refém do medo, nas
atuais circunstâncias.
Eu sou uma criminosa, assim como a minha mãe, perante o
governo deste país. Se o meu pai for capturado, ele será
encarcerado numa prisão federal, podendo pegar uma pena de 20
anos, enquanto que a minha mãe e eu corremos o risco de sermos
detidas e deportadas. Além disso, sabe-se lá o que as autoridades
de imigração fariam com o meu irmão. Como ele nasceu aqui
certamente seguiria para algum orfanato, e nunca mais nós
voltaríamos a vê-lo.
De repente, eu me senti dominada pela vertigem e fechei os
olhos com força, fazendo uma prece em silêncio, de forma
fervorosa, pedindo a Deus para que isso não aconteça.
As consequências seriam devastadoras em nossas vidas.
Pretendo poupar a minha mãe desse sofrimento, custe o que
custar.
Finalizado o almoço no restaurante libanês, o senhor Omar me
levou até a joalheria da Tiffany& Co, famosa pelas coleções de
anéis, brincos e acessórios de luxo diversos, embalados nas
cobiçadas caixinhas azuis, e enfeitadas com um laço de cetim
branco.
O edifício também fica localizado na 5ª Avenida, mas na
esquina com a rua 57.
Permaneci parada, contemplando a vitrine da loja por alguns
instantes, suspirando bem fundo. Como eu sou uma sonhadora,
desejei que o meu príncipe encantado estivesse ao meu lado neste
s[19]
momento, como fez a personagem do filme Breakfast at Tiffany’
na clássica cena imortalizada por Audrey Hepburn. De repente, a
imagem de Omar Filho me veio à mente, provocando um calor por
todo o meu corpo, seguido por um espasmo violento na virilha, ao
recordar o beijo roubado no salão de festas. Senti o coração
apertado e preenchido por um sentimento de dúvida e incerteza,
decorrente da decisão que eu tomei.
O meu maior sonho sempre foi levar uma vida normal como
qualquer outra mulher, que se permite viver um relacionamento
amoroso, mas optei pela saída mais fácil. Eu me acovardei e desisti
de superar os meus traumas.
‘Uma parte de mim sofre, outra pede amor’, pensei,
relembrando o poema de Carlos Drummond de Andrade.
Logo, o velho Omar tocou o meu braço de forma suave, me
encorajando a entrar no local, e me tirando completamente dos
meus devaneios.
— Pretendo te presentear com um anel de diamantes, Maya —
anunciou, animadamente, enquanto me conduzia até a entrada. —
Infelizmente,eu tenho que voltar para a empresa, por isso eu sugiro
que chame alguma amiga para te fazer companhia nas lojas daqui.
O poderoso CEO está me propondo um banho de loja em
plena 5ª Avenida?
— O senhor está sugerindo que eu façacompras com a minha
amiga, na via comercial mais cara de Nova York? — perguntei,
boquiaberta e de olhos arregalados.
— Eu quero que você esteja ainda mais deslumbrante no dia
do nosso noivado, Maya. Você já tem o número do meu motorista,
basta enviar uma mensagem que ele virá buscá-las, está bem?
Concordei com a cabeça, me sentindo radiante e
profundamentegrata pelo gesto dele. Escolhi um anel de platina fina
cravejada de diamantes, e com um grande solitário no centro,
lapidado no formato retangular. Na sequência, eu enviei uma
mensagem de texto para a minha amiga, Natasha, torcendo para ela
que ela possa vir até Manhattan.
Apesar de Nat ainda estar em casa, ela fez questão de aceitar
o meu convite, pedindo para aguardá-la em outra loja, a Bergdorf
Goodman. Como o percurso do Brooklyn até aqui leva cerca de 30
minutos ou mais, decidi matar o tempo passeando pelas lojas de
departamentos.
O senhor Omar me entregou um cartão de crédito sem limites
ao se despedir de mim, prometendo fazer uma visita à Míriam para
oficialmente pedir a minha mão em casamento, assim que for
possível. Depois, ele me deu um longo e apertado abraço. Mantive o
rosto pressionado contra o peito dele, sentindo as lágrimas
umedecerem o tecido do paletó, preenchida por um profundo
sentimento de gratidão.
— Depois, escolha um dia para voltar aqui com a sua mãe e
irmão, Maya. Acredito que até o final de semana, vocês já estarão
instalados na casa de hóspedes.
— Muito obrigada por sua atenção e generosidade, senhor
Omar — agradeci, fitando-o com intensidade no olhar.
— Percebi um lampejo de tristeza em seu olhar, Maya — o
velho comentou, inclinando a cabeça ligeiramente para o lado para
me sondar, com o cenho franzido de preocupação. — Agora que eu
sei sobre o seu passado, consigo entender por que rejeitou o meu
filho…
— O senhor é o único homem que não espera receber nenhum
tipo de compensação de minha parte… entende a que me refiro —
confessei, desviando o olhar, com o rosto banhado em lágrimas.
— Mas, saiba que ainda poderá voltar atrás em sua decisão,
até o último minuto — o velho Omar fez questão de frisar, se
inclinando para a frente e beijando a minha testa. — Ligarei à noite
para saber como passou a tarde, pode ser? — perguntou, ao que
apenas concordei com a cabeça.
O esboço fugaz de um sorriso surgiu em meus lábios, ciente
de que falhei miseravelmente na tentativa de afastar a sensação
incômoda que vem me atormentando.

A loja de departamento oferece uma coleção de bolsas,


sapatos e acessórios modernos e sofisticados. Quando a minha
amiga contou para a atendente que eu vou me casar em breve, ela
prontamente nos conduziu até o sétimo andar, onde há um salão de
noivas expondo a coleção completa dos estilistas mais renomados,
como Oscar de La Renta e Marquesa. No entanto, eu não acho
justo escolher um vestido sem a minha mãe estar presente. Mas,
acho que posso me contentar em apenas admirar os modelos, sem
experimentar nenhum deles.
Em determinado momento, Natasha sugeriu passar num
Beauty Spa, especializado em depilação femininaíntima,através da
técnica conhecida como Brazilian Wax[20]. Parei de andar no mesmo
instante, e a encarei com os olhos arregalados, custando a acreditar
no que eu acabei de ouvir.
— Mas, que cara é essa, Maya? — Nat quis saber, caindo na
gargalhada. — Imagino que o velho rico deve estar ansioso para
cair de boca na sua bocetinha.
— É melhor eu fingir que não escutei nada para o seu próprio
bem! — respondi, tentando equilibrar as sacolas penduradas nos
braços, visivelmente contrariada.
— Se bem que, se o pau dele está murcho, então todo resto
deve estar também, né? — cogitou, passando a mão no queixo,
com ar pensativo. — Amiga, espero que não me leve a mal, ok?
Quando eu falei para você arrumar um pretendente rico, eu pensei
naquele bilionário gostoso de trinta e poucos anos. Não esperava
que você fosse preferir o pai dele, cacete!
— Acho suave depilar as pernas e outras partes do corpo, mas
a região íntima… deve doer pra caralho, não? — comentei,
mudando de assunto, deliberadamente.
— O ideal mesmo é fazer a laser por ser indolor, mas uma
sessão só não será suficiente. Mas, pense nos biquínis lindos que
você comprou para usar na piscina da mansão, que a dor
desaparece. Sem contar, é claro, as lingeries sexys da Victoria’s
Secret.
— Já estou quase me arrependendo do que eu vou dizer agora
— falei, de repente, me munindo de coragem. — Tudo bem, Nat.
Acho que eu posso encarar, mas prefiro deixar pelo menos um
pouquinho de pelo na frente, sabe?
— Amiga, eu imagino que esteja se sentindo insegura sobre a
vida conjugal, mas eu realmente quero ajudá-la neste processo —
Natasha falou, passando o braço em volta do meu, e logo voltamos
a andar pela calçada. — O fato de ainda ser virgem não é algo com
que você deva se envergonhar.
Senti um embrulho no estômago, seguido pelo nó na garganta,
assim que ouvi as últimas palavras dela.
— Antes fosse esse o motivo, amiga — murmurei para mim
mesma, baixinho.
A cada aniversário ela me presenteia com algum brinquedinho,
como vibradores de todos os tipos, embora ela tenha sugerido
começar por um modelo mais simples, voltado para iniciantes na
masturbação. Eu não reuni coragem ainda para experimentar
nenhum deles, embora eu deseje muito sentir a avalanche de
emoções que o orgasmo deve proporcionar.
Quem sabe algum dia eu consiga me libertar do peso da culpa,
permitindo dar prazer a mim mesma?
A gente vive em uma sociedade que fomenta a repressão
sexual da mulher, e quando existe um histórico de violência por trás,
a situação ganha contornos ainda mais dramáticos.
Consultas regulares com a ginecologista costumam ser
torturantes, mas necessárias levando em conta o fatode ter iniciado
o tratamento de forma tardia. Naquela época, a minha mãe se
recusou a buscar auxílio médico, com medo de que a exposição do
fato às autoridades nos levasse direto à prisão ou deportação.
Entretanto, tenho sentido um chamado interno feroz para
retomar o controle da minha vida, saindo de uma vez por todas das
sombras do passado.

Consegui reunir os meus familiares à noite, com a exceção do


meu pai, é claro, para lhes transmitir a notícia do meu compromisso
com o senhor Omar Aziz. Todos passaram a me observar, com
evidente curiosidade nos semblantes.
Entretanto, o que me preocupa mesmo é a possibilidade de
presenciar um comportamento agressivo por parte de Javier. Ele é
um homem impulsivo e controlador, agindo sempre de forma
arbitrária para tentar regular a minha vida.
Eu não vou permitir ser intimidada por ele. A minha decisão já
está tomada.
— Bem, o que eu tenho para dizer pode não agradar a todos,
mas espero que compreendam as minhas razões. Tenho certeza de
que eu estou fazendo o melhor por vocês.
— Mas, minha querida, nós já estamos orgulhosos por você
retomar os seus estudos numa universidade tão conceituada como
Columbia — a minha mãe declarou, lançando um sorriso
incentivador para mim.
— O assunto que eu vou tratar envolve de certa forma o meu
retorno à graduação, mamãe.
— Você ainda não nos contou quem está patrocinando os seus
estudos, Maya — Javier interpelou, encostado à parede, com os
braços cruzados sobre o peito.
— O grande investidor de Wall Street, o bilionário Omar Aziz
— informei, sem preâmbulos.

— Você se refere ao cabrón[21] que só faltou te comer com os


olhos naquela noite? — perguntou, erguendo a sobrancelha de
forma sugestiva. — Você sabe bem a quem eu me refiro, Maya —
completou, entredentes.
— Não é quem você está pensando, Javier — neguei com a
cabeça, lançando um olhar cortante para ele. — Eu conheci o pai de
Omar nos Hamptons, quando trabalhei na recepção de casamento
da filha dele.
— Por que você escondeu de mim que se serviu de bandeja
para esse homem? — o meu primo perguntou, em tom maldoso.
O efeitoproduzido pelas palavras dele foiquase instantâneo:o
meu rosto se contorceu e ficou muito vermelho, como se tivesse
sido atingido por um ferro em brasa. Não pensei duas vezes e
avancei na direção de Javier, e rapidamente lhe dei um tapa com
força o bastante para fazer a minha mão doer
.

— Pendejo de mierda[22]… — eu o insultei, em Espanhol, com


o dedo em riste e lançando um olhar cheio de amargura para ele.
— Não se atreva mais a levantar a mão para mim! — o meu
primo esbravejou, com o rosto a poucos centímetros do meu, a
ponto de sentir as gotículas de saliva atingirem em cheio a minha
face.
Ele cresceu para cima de mim, então eu vou crescer para cima
dele.
— Senão o quê, cabrón? — perguntei, entredentes, fechando
as mãos em punhos.
— Ei, vocês dois, já chega! — a minha mãe quase gritou,
intervindo na discussão, e nos encarou com os olhos arregalados de
pavor.
— Por que não admite que o velho vai financiar os seus
estudos em troca de favores sexuais?
Praguejei baixinho, sentindo o meu rosto queimar, consumida
pela raiva que sentia.
— Não admito que se refira a Maya dessa forma, Javier — a
minha tia o repreendeu, enquanto se aproximava de nós dois. —
Você conhece bem a sua prima e acho lamentável que esteja sendo
injusto com ela.
— Maya, por Deus, quem é esse homem e quais são as
intenções dele? — Míriam indagou, me encarando atentamente, a
confusão era evidente em seu semblante.
— Eu te peço apenas que confie em mim, minha mãe. Eu vou
te contar com calma sobre o homem com quem vou me casar, mas
apenas quando nós estivermos a sós, está bem?
— ¡La puta madre[23], Maya! — Javier exclamou, contrafeito.—
Eu te amo tanto, chica. Não suporto a ideia de te perder —
acrescentou, andando de um lado para o outro, e passando a mão
pelo cabelo, com nervosismo.
— Nós dois já conversamos sobre isso, primo — ponderei,
suavemente. O meu semblante outrora rígido, passou a assumir um
aspecto afetuoso.
— Acha mesmo que eu vou aceitar ver você casada com outro
homem? — Javier perguntou, em tom ríspido, voltando a ficar de
frente para mim. Reparei que havia um brilho ameaçador em seus
olhos, o suficiente para fazer o meu corpo se contrair e enrijecer de
medo.
— Ouse me impedir, e nunca mais vou lhe dirigir a palavra! —
quase gritei, com a voz estrangulada de tristeza. — Vamos embora
agora, minha mãe — sentenciei, segurando-a pelo braço, mas
quando seguimos em direção à porta, escutei um barulho de algo se
partindo ao meio.
Nós duas viramos o rosto ao mesmo tempo, e constatamos
que Javier direcionou toda a sua fúria ao quebrar uma das cadeiras
pertencentes à mesa de jantar. Respirei bem fundo, passando o
braço ao redor dos ombros dela, e saímos da casa dos meus tios,
sem olhar para trás.
Não vi Maya ou tive notícias dela, desde a recepção de
casamento de Najla. E, falando nele, especificamente, o velho tem
evitado conversar comigo e sempre muda de assunto, quando eu
toco no nome dela. Ele só não contava com o fato de que eu não
desisto facilmente,e obtive as informaçõesde que preciso por meus
próprios meios. O motorista dele, por exemplo, deixou escapar que
levou uma jovem latina e a amiga dela até o Brooklyn, depois que as
duas fizeram compras na 5ª Avenida. A melhor parte dessa história
toda foi saber que o destino final da jovem latina — nas palavras
dele — foi o distrito deIronbound
, Newark.
O meu pai parece estar sempre a dois passos de mim. Eu
preciso agir, e rápido!
Não pensei duas vezes e pedi a ele o endereço de Maya.
Seguirei até New Jersey no horário do almoço, ainda que para isso
eu precise desmarcar os compromissos agendados. Pedi para a
secretária entrar em contato com Steve, transferindo a ligação para
minha sala, assim que ele atendesse.
— Steve, eu preciso de um grande favorseu, se você puder —
comecei, assim que ouvi a voz dele do outro lado da linha. — Você
tem condições de assumir a reunião com os investidores esta tarde?
Eu preciso colocar em prática o meu plano B, com relação à Maya.
— Plano B? — repetiu ele, num tom de incredulidade. — O
que pretende fazer dessa vez, meu amigo?
— O meu pai está com larga vantagem nesta disputa, e nem
fodendoeu vou permitir que Maya seja a minha madrasta.
— E como você pretende impedir a realização desse
casamento?
— Eu conheço o velho bem o bastante para saber que ele já
deve ter começado a providenciar tudo para o noivado ocorrer em
breve. Então, cada minuto conta, meu amigo, e por isso eu irei à
Newark no início da tarde.
— Fique tranquilo, Omar. Inclusive, eu já conversei com
Megan, e ela quer muito conhecê-la. Parece bastante interessada
em atuar como mentora da jovem estudante de Direito.
— Perfeito! Maya tem potencial e não tenho a menor dúvida de
que futuramente será uma referência na área de Direito de
Imigração deste país.
— Ela te pegou de jeito, não? — Steve perguntou, caindo na
gargalhada. — Maya conseguiu uma proeza que nenhuma ex sua
alcançou: se tornou um investimento de alto risco.
— É o melhor dos investimentos porque possui o fator
exclusividade, deu para entender? E quem resiste a isso, meu
amigo?
— Não acredito! Você tem certeza disso, Omar? Você não
pode estar falando sério.
— Acredito que ela seja inexperiente sexualmente, mas, ainda
assim, eu preciso ter muita cautela — informei,tamborilando com os
dedos no tampo da mesa. — Quando eu tento alguma investida,
sinto como se estivesse pisando num campo minado, sabe?
— Por que você insiste em levar adiante essa ideia de propor
um casamento de fachada para uma mulher que já foi exposta a
todo tipo de sofrimento, Omar? Eu acho que você considera esse
compromisso uma aventura de curto prazo.
— Eu esperava ouvir isso de meu pai ou de Amir, mas não de
você, Steve — revelei, imprimindo um tom de decepção à voz, que
não era habitual ao conversar com meu melhor amigo. — Preciso
desligar agora, mas a gente se fala depois, está bem? — avisei, de
repente, pronto para encerrar a ligação.
Eu nunca soube lidar bem com as minhas próprias emoções, e
muito menos com as de outra pessoa. Quando a relação fica séria
demais, atingindo um ponto particularmente delicado e difícilde
sustentar, a saída é sempre a que gera menos transtornos possível.
O fato de reconhecer as implicações que um relacionamento de
longo prazo pode trazer, fazcom que eu deixe bem claro para todas
elas de que eu não pretendo me casar e ter filhos, formando assim
uma família, ou seja, o pacote completo.
E porque eu escolhi Maya, ao contrário de qualquer outra
mulher? Ela tem a sua dose de desafio, e assim como eu, conduz
racionalmente a vida íntima, assumindo total controle de seus
sentimentos. Os nossos objetivos estão bem definidos, e todos eles
envolvem aspectos profissionais, portanto, o término da relação será
da forma mais madura e tranquila possível.
Durante o trajeto até Newark, eu parei em uma floricultura e
comprei um ramalhete com delicadas orquídeas e lírios para
presenteá-la na minha chegada. Espero ter a sorte de encontrar a
mãe e o irmão dela, para quem sabe poder conquistar a simpatia e
a torcida deles já nos primeiros minutos de conversa.
Estacionei diante da casa e saltei do carro, tirando os óculos
escuros do rosto para dar uma boa olhada ao redor. Percebi que
havia três agentes da ICE parados diante da entrada, pois eles
usavam jaquetas, com os dizeres “POLICEICE[24]”,nas costas. Eles
aparentavam estar impacientes e cogitei se estavam parados ali por
muito tempo.
Fiz uma rápida pesquisa recentemente, e constatei que o
governo tem agido de forma muito arbitrária com os imigrantes não
documentados, e sem fazer qualquer tipo de distinção. O ICE só
localizava e prendia imigrantes em situação irregular no país, e
envolvidos com o crime organizado. Porém, o foco da agência
mudou, e agora ela visa separar famílias inteiras também,
especialmente mães com filhos menores de idade. E, para agravar a
situação, cidades santuário como Nova York e Newark, não podem
impedir que o ICE conduza as suas operações.
Espero que eles não estejam autorizados a forçarema entrada
na residência.
Refleti por alguns instantes, tentando decidir se deveria me
aproximar dos agentes ou não. Porém, um deles notou a minha
presença e fez sinal com a cabeça para os outros, que passaram a
me encarar com evidente curiosidade nos semblantes. Praguejei
baixinho, ciente de que segurar um buquê de flores já é motivo
suficiente para comprovar o meu vínculo com a família.
Os agentes se entreolharam por um longo momento, até que
um deles quebrou o silêncio, sugerindo que eles fossem logo
embora. Quando eles passaram por mim, — eram dois homens e
uma mulher — a agente resolveu parar, lançando um olhar fixopara
o ramalhete.
— Aqui, em New Jersey, se paga em torno de US$ 20 mil[25]
por um casamento falso, sabia? — ela informou, abrindo um sorriso
forçado.Como eu permaneci calado, ela resolveu voltar a falar, me
medindo dos pés à cabeça. — Para sua sorte, o senhor não se
enquadra nem um pouco no perfil do cidadão americano, que
formaliza a união mediante pagamento, algo que é muito comum por
aqui.
Esperei a agente da ICE entrar no carro e o motorista dar a
partida para seguir até a residência. Quando toquei a campainha,
uma mulher de estatura baixa, magra e de traços hispânicos,
aparentando ter por volta de cinquenta anos, me cumprimentou de
forma cortês. Revelei a ela o meu nome, cogitando se Maya ou o
primo dela já falou a meu respeito de alguma forma. Felizmente, ela
permitiu a minha entrada, embora tivesse demonstrado certa
desconfiança.
— Maya reside no segundo pavimento, senhor. Pode subir as
escadas e tocar a campainha.
— Fico muito grato pela atenção e disponibilidade em me
atender, senhora. Ainda mais após os agentes da ICE terem batido
à sua porta…
— Não há com que se preocupar. Nós já sabemos como agir
quando eles aparecem, e sempre conseguimos contornar a
situação. Além disso, nós não somos obrigados a autorizar a
entrada dos agentes, sem que eles apresentem um mandado.
— Vocês estão apenas exercendo um direito que considero
legítimo. Tenha uma ótima tarde!
Subi o pequeno lance de escadas e toquei a campainha,
sentindo o coração acelerar subitamente dentro do peito, como se
eu tivesse corrido meia maratona. Passei o ramalhete de uma mão
para outra, notando que as palmas suavam de nervosismo.
Praguejei baixinho por ter começado a agir como um adolescente
que visita os pais da namorada pela primeira vez.
Considero uma mentira quando dizem que homem nenhum
repara em cabelo de mulher. A primeira coisa que eu notei, assim
que Maya abriu a porta, foi justamente as madeixas delas. Os
cabelos castanho-escuros estão mais longos, com comprimento
alcançando os seios e caindo em ondas suaves pelos ombros.
A minha mente começou a divagar, vislumbrando o momento
em que Maya ficaria de quatro, com o seu bumbum firme e
avantajado, totalmente à minha disposição. Logo, eu deslizaria os
dedos pelos cabelos para sentir a textura sedosa e macia, antes de
torcê-los nas mãos e puxá-los para trás, testando a resistência e a
qualidade do alongamento, enquanto soco o meu pau bem fundo
nela.
Eu estava tão distraído, envolvido em pensamentos eróticos,
até que, de repente, Maya estalou os dedos diante do meu rosto,
me fazendo voltar à realidade.
— Você se distrai facilmente, Omar — ela me repreendeu,
franzindo a testa. — Suponho que obteve o meu endereço através
do seu pai ou do motorista dele… ainda assim, você deveria ter me
informado de que viria até aqui — completou, suspirando
profundamente, antes de abrir a porta, permitindo a minha entrada.
— Eu também estou muito feliz em te ver, Maya — ironizei,
sentindo o orgulho ferido por ela insistir em me tratar com tamanha
indiferença. Depois, eu passei por ela, seguindo em direção à sala
de estar. — A sua mãe está em casa agora? Espero que ela goste
de orquídeas e lírios.
— Ah, então você trouxe essas flores para mamãe? — Maya
quis saber, apontado para o ramalhete, com evidente espanto.
Havia uma nota de decepção na voz dela, ou era apenas
impressão minha?
— Sim, exatamente — menti, e admito que foi de forma
deliberada e maldosa.
— Certo… Eu vou chamá-la, mas não demoro — anunciou,
mas ela se deteve, de súbito e voltou a ficar de frente para mim, —
Eu quase esqueci de te oferecer algo para beber. Você prefere uma
xícara de chá ou de café?
Antes mesmo que eu pudesse falar qualquer coisa, o irmão
dela apareceu na sala e passou a nos encarar atentamente. A julgar
pela sobrancelha arqueada e pelo olhar curioso, eu posso apostar
que o garoto vai cometer alguma indiscrição.
— Maya, você está namorando e não me contou nada? — o
garoto indagou, fixando o olhar no buquê de flores. Exatamente
como eu imaginei! — A mamá e o papá sabem disso?
— Omar e eu? — Maya quase gaguejou, constrangida. —
Não, imagina! Nós dois não temos absolutamente nada, Ramón.
— Eu bem que gostaria de me relacionar com a sua irmã, mas
ela escolheu outra pessoa — revelei, fazendo uma careta de
desagrado.
— Eu não sabia disso… — Ramón falou, e logo em seguida,
voltou a sua atenção para a irmã, demonstrando desapontamento
na voz. — Maya, o meu console resolveu parar de funcionar no
meio do jogo, acredita?
— Depois nós dois daremos um jeito nisso, está bem? Por que
não chega mais perto para cumprimentar Omar?
Quando Ramón se aproximou de mim, eu aproveitei para dar
uma piscadela, antes de me inclinar para cochichar no ouvido dele.
— Eu só vejo uma maneira de resolver essa situação:
comprando um console novo. Mas, pode deixar comigo. Esse será
nosso segredinho.
— Quero muito o novo Playstation — Ramón cochichou de
volta, mal contendo a empolgação.
— O que vocês tanto cochicham? — Maya quis saber, mas o
irmão dela e eu trocamos olhares de cumplicidade, sem dizer uma
só palavra.
De repente, eu escutei o som de passos vindos de outro
cômodo e, ao virar o rosto, notei a presença da adorável mãe dela.
Maya fez as devidas apresentações, e me senti profundamente
aliviado por ter conseguido causar uma boa impressão nela nos
primeiros 15 segundos.
— Essas flores são para mim? — Míriam perguntou, pegando
o ramalhete com o maior cuidado. — É muito gentileza a sua, mas
não precisava se incomodar — voltou a falar, do jeito calmo e meigo
dela, que me fazialembrar muito a minha mãe. — Maya, coloque as
flores em um vaso com água, por gentileza. Aproveitarei para
conversar com ele a sós, está bem?
Maya pareceu vacilar por um instante, mas fez o que a mãe
lhe pediu, puxando o irmão pelo braço e olhando para trás,
visivelmente preocupada com o rumo que a conversa poderia tomar.
Míriam fez um gesto, indicando que eu deveria me sentar ao
lado dela, no espaçoso sofá.
— Eu não estou entendendo mais nada. O senhor se
apresentou, dizendo se chamar Omar Aziz, certo? — ela quis saber,
ao que apenas confirmei, com um gesto de cabeça. — Maya me
informou ontem, que aceitou o pedido de casamento de um tal Omar
Aziz, um homem com uma grande diferença de idade.
— A senhora pode me tratar por você, dona Míriam. Na
verdade, o meu nome é Omar Aziz Filho. Mas, eu preciso ser muito
franco com a senhora. Eu pedi Maya em casamento antes mesmo
que o meu pai cogitasse fazer isso, acredite.
— Maya evitou entrar em detalhes sobre esse compromisso
tão inusitado… Ela só falou mesmo sobre o velho Omar, como ela
chama carinhosamente o seu pai.
— Deve ser porque a formacomo Maya e eu nos conhecemos
não foi das melhores.
— Entendo… A minha filha me esconde muitas coisas, com a
justificativa de que eu preciso ser poupada de qualquer sofrimento
adicional. Só para se ter uma ideia, ela só me contou que foi
demitida do bar onde trabalhava como bartender, quando recebeu a
carta de admissão da Columbia University.
— Acho perfeitamente compreensível, mas eu não tiro a razão
dela, dona Míriam.
— Espero que você possa esclarecer tudo a respeito do seu
envolvimento com a minha filha. Não me agrada em nada saber que
pai e filho estão disputando a mão dela… se é que isso é possível
hoje em dia!
— Assim que eu saí do carro, presenciei os agentes da ICE
parados na entrada da residência. Não sei dizer se eles estavam à
procura dela, especificamente, mas eu acho muito arriscado a
permanência de vocês em Newark.
— Eu me sinto tão… — Míriam balbuciou, a voz dela vacilou
por um instante, tomada pela emoção. — Impotente e culpada por
ter causado tanto infortúnio para os meus filhos! — continuou, se
curvando para a frente, com o rosto enterrado nas mãos e os
cotovelos apoiados nos joelhos. — Eu sei que Maya deseja evitar a
minha deportação a todo custo. Ramón tem cidadania americana e
acabaria sendo transferido para algum abrigo, mantido sob custódia
do governo.
A declaração da minha futura sogra me sensibilizou
profundamente. Senti um impulso irresistível de transmitir o meu
apoio. Eu me levantei do sofáe fiqueidiante dela, me ajoelhando no
chão. Em seguida, eu tomei as mãos dela entre as minhas,
apertando-as suavemente.
— No que depender de mim isso jamais vai acontecer, Míriam.
Eu realmente estou interessado em sua filha,e não medirei esforços
para torná-la a minha esposa.
— É isso o que eu não entendo… — a mulher desabafou,
demonstrando estar totalmente confusa. — Você e o seu pai
acabaram de conhecê-la, mas parecem tão empenhados em
assumir um compromisso com ela, assim, sem mais nem menos.
Mas, por quê?
— A senhora quer dizer em outras palavras: ninguém em sã
consciência propõe casamento com quem não estabeleceu nenhum
tipo de vínculo afetivo. Acertei? — cogitei, de forma marota,
conseguindo arrancar um sorriso dos lábios dela. — Eu não sou
muito bom em expressar sentimentos, e admito que ainda preciso
aprender a lidar melhor com eles. O fato é que, desde que eu
conheci Maya, algo mudou dentro de mim. Eu sinto que estou cada
vez mais… — parei de falar, ao sentir um calor repentino
envolvendo o meu corpo. Tive que afrouxar o nó da gravata com a
súbita falta de ar, e respirei bem fundo, desviando o olhar,
constrangido.
Apaixonado? Foi isso mesmo, o que eu por pouco não disse
em voz alta? Tudo bem que eu jamais senti algo tão intenso assim
por nenhuma outra mulher, mas por que eu tenho perdido o sono,
nutrindo um medo irracional de perdê-la?
— O seu rosto perdeu a cor, de repente… você está bem,
Omar?
Eu só me limitei a confirmar com um gesto de cabeça, e me
levantei para me recompor.
— Eu sei que esse é um assunto muito íntimo, e não tenho o
direito de me envolver. Mas, não é a mim que você deve convencer,
Omar. Você sabe disso, não sabe?
Maya continua escapando das minhas mãos como a areia do
mar que escorre por entre os dedos.
Mudei os meus planos de última hora, e resolvi passar o final
de semana nos Hamptons, assim que eu recebi o convite do meu
pai, comunicando a oficialização do noivado, que será celebrado
com um jantar apenas entre os familiares. Pretendo concentrar os
meus esforçosna tentativa de convencê-la a voltar atrás da decisão,
pelo menos até domingo à noite.
Maya, a mãe dela e Ramón foram oficialmente instalados na
casa anexa à mansão. Eu os observei da janela de um dos quartos
da casa principal, enquanto aguardava a ligação de Alejandro
Cortez. Ele é o dono do bar Chilli em Fuego, e responsável pela
demissão arbitrária de Maya. Da sacada, eu tinha uma visão
privilegiada da área da piscina do tipo Gunite, cercada por sebes
altas, e pavimentada por um deck de pinus, além do pavilhão
adjacente, com área de estar à sombra, vestiários e cozinha
compacta. A governanta os acompanhava num tour pela mansão, e
como o meu pai não estava por perto, resolvi me juntar a eles na
área externa.
Aproveitarei cada minuto do pouco tempo que resta, me
fazendo cada vez mais presente na vida deles.
De repente, eu senti o iPhone vibrar no bolso da bermuda
cáqui, e o retirei rapidamente para atender a ligação. Era Alejandro,
como eu já previa, e mal pude conter a ansiedade, sentindo o
coração bater acelerado dentro do peito, diante da perspectiva de
poder prosseguir com o plano.
Se tudo der certo, e certamente isso acontecerá, Maya terá
uma grande surpresa.
— Então, Alejandro, espero que tenha boas notíciaspara mim.
— Tudo já foi providenciado para a ocasião especial de
domingo à noite. O bar fecha às 21hs, e a partir daí, ele será todo
seu. Natasha já está ciente e vai cumprir com a parte dela do
combinado.
— Perfeito, Alejandro! — exclamei, entusiasmado. — Com
relação a outro assunto, você já sabe o que terá que fazer… Você
deve isso a Maya, e sabe bem a que me refiro.
— O senhor tem a minha palavra — assegurou, soltando um
suspiro, resignado.
Encerrei a ligação, descendo correndo as escadas, e me
surpreendi ao avistar a minha sobrinha, Samara, no saguão de
entrada, acompanhada pela babá. Eu estava me sentindo tão
satisfeito, que sequer pensei duas vezes e a carreguei em meus
braços. Então, eu comecei a rodopiar, dançando uma valsa
improvisada, provocando gritinhos nela, que me fizeram rir ainda
mais.
— Por que não descansa um pouco? Ela vai ficar sob a minha
responsabilidade agora, está bem? — sugeri, voltando a minha
atenção para a babá da criança.
— Mas, senhor, e o que eu vou dizer aos patrões? — a moça
perguntou, receosa.
— Não se preocupe, deixe que eu me entendo com eles
depois.
— Aposto que o tio Omar vai me levar para brincar! — Samara
cogitou, alegremente.
Quando eu cheguei mais perto do grupo, notei que Maya
usava um vestido vermelho estampado e sem mangas, com gola
alta, babados na barra, e comprimento na altura dos joelhos.
Samara soltou a minha mão e saiu ao encontro de Ramón, que
praticava corrida ao longo das fileiras de espreguiçadeiras, mesmo
sob os gritos de reprimenda da irmã. Decidi parar a curta distância
deles, ao me dar conta de que apenas Míriam e a governanta
notaram a minha presença. Então, eu passei a observar as crianças
cochichando e rindo como se estivessem brincando, sob o olhar
atento de Maya.
Fiquei tão distraído com os meus pensamentos, que Míriam
precisou tocar o meu braço, suavemente, para me chamar a
atenção.
— A julgar por sua expressão, parece até que viu um
passarinho verde ou coisa parecida… — Míriam comentou, de modo
gentil.
— Digamos que sim… está próximo à borda da piscina,
consegue ver? — perguntei, exibindo um sorriso maroto.
— Ainda assim, eu não estou segura de que essa seja a
melhor solução. Acho uma loucura Maya querer se casar com o
único intuito de obter o Green Card.
Não me surpreendeu nem um pouco o tom de desabafo dela,
embora tenha feito de forma inesperada. No entanto, eu considero
até justificável, levando em conta os riscos inerentes de um
casamento falso, envolvendo estrangeiros e cidadãos americanos, e
suas implicações legais, de acordo com a lei de imigração.
Os casais que não conseguem comprovar que a relação é
legítima podem ser punidos criminalmente.
— Não sei como Maya terá coragem de mentir para o juiz —
Míriam voltou a falar
, inconformada.
— Se houver uma possibilidade de Maya vir a se apaixonar por
mim, o risco de receber essa acusação cairá para zero.
— Maya se mantém irredutível na decisão de casar com o seu
pai, porque ela tem medo de se envolver emocionalmente por você
— Míriam revelou, de modo franco, olhando bem no fundo dos meus
olhos. Porém, como ela percebeu que eu estava prestes a lhe fazer
um questionamento, rapidamente levantou a mão para me impedir
de falar. — Não me faça nenhuma pergunta, Omar, por favor. Ela
tem as razões dela…, mas, não é nada pessoal, acredite.
Eu me limitei a dar um suspiro profundo,mas o longo sopro de
ar foi incapaz de me estabilizar.
De repente, nós dois ouvimos um grito, seguido pelo barulho
de algo se chocando contra a água. Logo, a governanta se
aproximou, avisando que Maya acabou de cair na piscina.
Atravessei o deck, me dirigindo até a borda e observei Maya se
debatendo dentro d'água, lutando para manter o rosto na superfície.
— A minha irmã não sabe nadar, Omar. Precisa salvá-la! —
Ramón, gritou, assustado.
No instante seguinte, eu tirei os sapatos e os atirei longe, me
preparando para entrar na piscina. Pulei na água e nadei até ela,
amparando-a em meus braços fortes.Maya estava tão nervosa, que
instintivamente voltou a se debater e por pouco eu não afundei
junto. Felizmente, eu consegui passar um braço por baixo da axila e
do queixo dela, ajudando-a a manter o rosto na superfíc ie. Depois,
eu utilizei o braço livre para nadar, puxando-a até o lado mais raso.
— Maya, fique calma, está bem? — solicitei, ofegante,
erguendo-a em meus braços, e subindo os degraus da piscina, com
todo o cuidado. Depois, eu gentilmente a coloquei sentada numa
das espreguiçadeiras, e pedi à governanta para providenciar uma
toalha de banho.
— Como isso foi acontecer? — Maya balbuciou, com os lábios
trêmulos, tentando inutilmente cobrir os seios com as mãos, e me
forcei a desviar o olhar do cabelo molhado e despenteado, além do
vestido encharcado, que se colava às belas curvas dela. — Pouco
antes da queda, eu senti uma pressão nas costas, como se alguém
tivesse me empurrado, sabe?
— E como se sente agora? — perguntei, voltando a encará-la
e me deparei com o olhar, intenso e cativante dela, completamente
fixo em mim, fazendo o meu corpo inteiro vibrar de excitação.
— Estou bem, graças a você — Maya respondeu, com um
sorriso tímido nos lábios.
Míriam se aproximou, segurando uma toalha e sentou ao lado
dela, ajudando-a a se secar um pouco.
Quando observei as crianças, notei que a governanta as
manteve por perto, segurando-as pelo braço, com firmeza.Ramón e
Samara trocaram olhares de cumplicidade, algo que não passou
despercebido para mim. Cogitei se tudo não passou de uma
brincadeira deles, embora perigosa e inconsequente.
— O senhor pode vir até aqui um instante? — Dóris pediu,
num tom sério. Quando eu cheguei mais perto, ela prosseguiu: —
Ramón foio responsável pelo pequeno incidente. Samara só ajudou
a distrair a irmã dele.
— Me perdoe, tio Omar! — a minha sobrinha se apressou em
dizer, olhando de modo suplicante para mim. — Eu achei que Maya
soubesse nadar.
Olhei para o garoto por um momento e depois me abaixei para
falar com ele.
— Por que você fezisso com a sua irmã, ciente de que ela não
sabe nadar?
— A minha ideia era empurrar Maya na piscina, deixando que
ela se debatesse até quase se afogar e você poder resgatá-la.
— Você sabe que agiu muito errado e deve a ela um pedido de
desculpas. Até mesmo uma brincadeira inocente pode colocar em
risco a vida de outra pessoa, e o que aconteceu aqui ultrapassou
todos os limites, compreende?
— Mas, eu estou arrependido, Omar… muito arrependido, de
verdade! Vou pedir desculpas agora mesmo — garantiu, correndo
até a espreguiçadeira, seguido de perto por Samara.
Só então eu me dei conta da minha aparência lastimável. A
camisa de algodão continuava bem colada ao corpo, moldando os
braços e o peitoral definido, enquanto a bermuda encharcada
marcava bem o meu pau. Quase não me contive em cair na
gargalhada, mas tudo o que fiz foi dar uma última olhada para trás,
exatamente para o local onde Maya estava. Notei que ela me
observava, mantendo a cabeça inclinada para o lado, com os lábios
carnudos e bem desenhados entreabertos, os seus olhos
passeavam vagarosamente por todo o meu corpo. E, para
completar, ela deteve o olhar no volume entre as pernas, esfregando
os lábios um no outro, como que para umedecê-los.
Caralho! Se ela continuar me olhando desse jeito eu vou ficar
de pau duro aqui, mesmo na frente de todos.
De repente, as crianças correram até mim, avisando que Maya
aceitou o pedido de desculpa delas. Então, eu me dei conta de que
não havia mais razão para permanecer ali parado por mais tempo.
— Eu vou retornar para a mansão, mas antes eu quero te pedir
um favor, Dóris. Leve as crianças até a sala de mídia, ofereça um
lanche e me espere lá, está bem?
Quando olhei novamente para trás, percebi que mãe e filha já
estavam saindo da área da piscina, seguindo pela direção oposta.
Faltam pouco mais de 48 horas para convencer Maya a não se
casar com o meu pai. Só de imaginar ter que desistir dela para
sempre já me causava um incômodo aperto no peito. Estremeci, de
súbito, pois a dor era angustiante demais, se assemelhando muito
ao que senti quando perdi a minha mãe em um leito de hospital.
Durante o caminho até o interior da mansão, constatei que
tanto o aspecto racional quanto o emocional estavam em um
turbilhão, desde que eu conheci Maya. Preciso encontrar uma
maneira de equilibrar forças tão antagônicas, caso contrário,
colocaria tudo a perder.

Faço parte daquele grupo de pessoas que diz que a melhor


defesa é o ataque, portanto, eu lutarei por Maya com todas as
armas de que possuo. Eu carregava a primeira delas nas mãos,
enquanto seguia até a sala de jogos: um PS4 Pro[26]. Aliás, o
console será o primeiro de muitos presentes que pretendo dar à
Ramón. Não faço isso apenas para agradá-lo, mas sim, devido à
possibilidade de poder obter informações sobre a vida íntima dela
através do irmão.
O garoto vai ser tornar o meu maior aliado. No final das contas,
todos saem ganhando.
Quando eu abri as portas de correr, me deparei com as
crianças sentadas nas poltronas. Tanto Ramón quanto Samara
pareciam compenetrados diante da Smart TV. Pedi para Ramón
sentar ao meu lado no sofá de canto, encostado à janela da sala,
mas logo Samara resolveu se juntar a nós dois, demonstrando
curiosidade ao notar a caixa de presentes.
— Bom, Ramón, eu acho que você já aprendeu a lição e não
vai mais fazer nenhuma brincadeira que coloque em risco a
integridade físicade uma pessoa. Por isso, eu resolvi antecipar a
entrega do meu presente, conforme havia prometido, lembra-se?
— Você comprou mesmo um Playstation novo para mim,
Omar? — o garoto indagou, com os olhos castanhos brilhando,
totalmente fixos na grande caixa. Depois, ele começou a pular
sentado, praticamente, mal contendo a empolgação.
— Por que não abre a caixa e confirma por si mesmo? —
sugeri, estendendo o presente.
Depois de confirmar as suas suspeitas, Ramón se levantou e
lançou os braços em volta do meu pescoço, me oferecendo um
longo e enérgico abraço. Ele estava tão radiante, que o seu largo
sorriso fez aquecer um ponto particularmente sensível de minha
alma. Quando eu dei por mim já estava segurando o rosto dele entre
as mãos, e encostei os lábios na testa, depositando um beijo
carinhoso nele.
— Você já fazparte da famíliaAziz, praticamente — assegurei,
imprimindo à voz um tom rouco, e quase emocionado. Conheci o
garoto há poucos dias, mas sinto que estou me afeiçoando cada vez
mais a ele.
— Fico feliz por ter a companhia de Ramón aqui na mansão,
embora eu preferisse a de uma menina — Samara revelou, caindo
na gargalhada. Como resposta, o garoto voltou a se sentar ao lado
dela no sofá e começou a lhe fazer cócegas, sem piedade.
— Eu cheguei mesmo a pensar que você era o namorado da
minha irmã, sabia? — Ramón revelou, casualmente. — Eu tive
esperanças de que ela finalmentehavia encontrado um cara legal. É
uma pena.
— Ela nunca se envolveu com ninguém antes? Tem certeza?
— Eu posso te garantir que Maya nunca teve um namorado,
Omar. Senão, a minha mãe e eu já teríamos conhecido. O meu
primo Javier é o único homem que sempre frequentoua nossa casa,
além do papai, é claro…
— O pai de vocês costuma visitá-los com frequência? —
perguntei, mal contendo a curiosidade em saber mais a respeito do
meu futuro sogro.
— Infelizmente, não. Ele é um homem muito ocupado… você
também é um homem de negócios e deve saber disso melhor do
que eu, não é?
— Por isso eu não penso em ter filhos tão cedo! — confessei,
fazendo uma careta, mas no mesmo instante, bati na minha testa
com uma das mãos, ciente de que poderia ser mal interpretado por
ambos. — Eu tenho medo de ser um pai ausente, sabe? Sempre
costumo passar 14 horas ou mais, trabalhando no escritório… é
uma verdadeira loucura!
— Ah, não, tio Omar! Nada a ver o que você disse. Eu
discordo totalmente. Você é muito mais atencioso comigo do que o
meu pai.
— Providencie um bebê logo, Omar, eu nunca te pedi nada! —
Ramón propôs, com um sorriso maroto nos lábios. — Mas, falando
sério agora, eu quero muito que a minha irmã encontre alguém que
goste dela de verdade, sabe? Amo muito Maya e desejo o melhor
para ela.
— E você acha que eu posso vir a ser o homem da vida dela?
— perguntei, esticando o braço para passar a mão pelo cabelo liso
dele, bagunçando-o todo.
— Não tenho a menor dúvida disso! — o garoto afirmou, com
convicção.
— Espero estar à altura de merecer a sua confiança,Ramón.
Eu tenho um apreço enorme por você e estou cada vez mais
interessado em sua irmã.
— O problema é que Maya vai se casar com o seu pai… — o
garoto ponderou, encolhendo os ombros, impotente.
— Nós dois podemos nos unir para impedir que isso aconteça.
O que acha?
— Acho isso perfeito! Pode contar comigo — concordou,
estendendo a mão para selar o acordo entre nós dois, com um
aperto firme.
— Vamos colocar o nosso plano em prática agora mesmo. O
que acha? — sugeri, quando uma ideia me ocorreu, de repente.
Tanto a Vila de Westhampton Beach quanto as famosas praias
oceânicas, como a Ponquogue Beach, estão a apenas 15 minutos
de carro, seguindo pela Dune Road. — Convidarei Maya e nós
quatro vamos passar a tarde toda, visitando os lugares mais
incríveis da região.
Uma caminhada ao longo da faixa de areia, sentindo a brisa
refrescante bater sobre o rosto, e a água salgada molhando os pés,
pode proporcionar a atmosfera romântica ideal para fazer Maya se
render a mim.
Passei os vinte minutos seguintes, secando os cabelos com a
ajuda do secador, diante de um grande espelho, preso à parede do
espaçoso quarto em que fuiinstalada. Troquei de roupa, escolhendo
um vestido branco de laise, — um tecido caracterizado pelos
bordados vazados, muito utilizado na moda praia, — com gola V,
manga curta, botões frontaise babados na saia de comprimento um
pouco abaixo dos joelhos, sendo ajustada à cintura por um cinto fino
de couro.
Ainda não consigo entender por que Ramón me empurrou na
piscina de 15 metros de comprimento, e sabe-se lá com qual
profundidade.Ele revelou uma facetade sua personalidade, que até
então era desconhecida para mim. Quando questionado, o meu
irmão inventou um pretexto qualquer, dizendo que tudo não passou
de uma brincadeira dele. Uma espécie de “ritualde passagem”para
marcar a nova etapa da minha vida.
Eu quase me afoguei, não fosse o fato de Omar ter
presenciado tudo e agido a tempo. No entanto, pensando bem, até
que não teria sido de todo ruim receber uma respiração boca-a-boca
dele.
E como Omar estava lindo e gostoso todo encharcado, benza
Deus! Como ele reagiria se eu desabotoasse a camisa dele,
passando a deslizar uma das mãos e puxando os poucos pelos
escuros que cobriam o peito largo e firme, até traçar um caminho
com os dedos pelos contornos do abdome?
Perdida em pensamentos quentes, quase levei um susto,
quando ouvi o meu nome ser chamado na entrada do quarto.
— Omar Filho e as crianças estão aguardando por você na
sala de estar, Maya — a minha mãe anunciou, esboçando um
sorriso afável. — Eles propuseram um passeio na praia, o que
acha?
— Não sei se eu devo ir, mamãe. A senhora sabe que não
estamos mais em Ironbound,e nossos tios nem mesmo chegaram
ainda.
— Eles vão chegar a qualquer momento, querida. Não se
preocupe comigo. Por que não admite logo que o motivo atende
pelo nome de Omar Aziz?
— Está bem, eu topo ir à praia. Está satisfeita? — resolvi, por
fim, soltando um longo suspiro. Senti os pelos da nuca se eriçando,
seguido por um arrepio subindo a espinha, ciente de que a
proximidade dele era inquietante demais, colocando em risco a
redoma que eu construí em torno de mim mesma ao longo de todos
esses anos.
— Não seja orgulhosa demais, Maya — Míriam me
repreendeu, gentilmente.
— Não se trata de orgulho e a senhora sabe muito bem disso
— retruquei, mas me arrependi no mesmo instante, ao perceber que
eu fui ríspida demais com ela.
Voltei a olhar o meu reflexo no espelho, relembrando que até
pouco tempo atrás, eu abominava a ideia de usar vestidos. Passei
quase toda a adolescência escondendo o corpo de todas as formas
possíveis, porque eu acreditava que mostrar as pernas simbolizava
um convite velado para qualquer homem mexer comigo na rua.
Nenhum garoto, rapaz ou homem foi capaz de tentar
estabelecer qualquer tipo de vínculo afetivo comigo. Eu sabia que
inconscientemente projetava todo o ódio, que eu sentia — e ainda
sinto — por Félix Guzmán, em todos os homens existentes no
mundo.
A experiência de ter a minha inocência violada, mesmo sob o
efeito de entorpecentes, comprometeu completamente a minha
relação com o sexo oposto. Para se ter uma ideia, o meu primeiro
beijo aconteceu de forma abrupta e repentina. Tudo não passou de
um beijo roubado por Javier, quando eu tinha dezoito anos de idade.
Uma lágrima desceu pelo canto do olho, mas tratei de enxugar
o rosto com as costas da mão, respirando bem fundo para não
fraquejar.
— Eu não posso correr o risco de me apaixonar por ele —
admiti, com um leve tremor na voz. As palavras soaram pouco
convincentes até para os meus próprios ouvidos.
Pelo canto do olho, eu percebi que a minha mãe se posicionou
bem atrás de mim, colocando a mão em meu braço. O calor que
emanava do toque dela me proporcionou uma sensação
reconfortante, e senti uma onda de alívio me invadir por inteiro,
desencadeando uma nova torrente de lágrimas.
— A quem você está tentando enganar, afinal? Por mais que
tente negar, no fundo já sabe que sente algo muito especial por ele,
Maya.
— Eu tenho muito medo de perder o controle de mim mesma,
mamãe. Se Omar começar a me tocar intimamente, a minha mente
vai reproduzir todas as reminiscências do trauma, comprometendo
todo o trabalho que eu fiz para evitar isso, compreende?
— Eu sabia que você se veria confrontada pelos seus medos
mais profundos, Maya. Mas, chegou a hora de encará-los de frente,
ciente de que não pode mais esconder essa mulher poderosa, que
anseia tanto poder se expressar, livremente!
Decidi me virar, ficando de frente para ela, os nossos olhares
se encontraram, e não pude conter o ímpeto de passar os braços
em torno dela, envolvendo-a num abraço apertado. Caí num choro
convulso, com a cabeça encostada no ombro dela, o colo subia e
descia ao ritmo da respiração entrecortada. Subitamente, eu parei
de chorar e de soluçar, convencida de que eu preciso romper de
uma vez por todas as algemas invisíveis, que me mantém ligada ao
meu algoz nessa espécie de prisão mental.
— Tentarei retomar o tratamento em breve… parece até que
eu vou explodir, sabe? Mas, eu já estou aliviada em poder me livrar
um pouco desse peso, graças a senhora.
— Agora, você precisa terminar de se arrumar, minha querida.
Não os faça esperar mais! — E dizendo isso, Míriam pegou um
chapéu floppy de palha, que estava em cima da poltrona, ajeitando-
a em minha cabeça.
Juntas, nós duas começamos a rir sem parar, como já não
fazíamos há muito tempo.
Omar e as crianças se levantaram no mesmo instante em que
me viram entrar na sala de estar. O executivo me cumprimentou
com um aceno de cabeça, com a atenção toda voltada para mim.
Os olhos verdes dele estavam mais magníficos do que nunca.
— Então, quer dizer que você nunca foi à praia, Maya? —
Omar perguntou, aparentando certa incredulidade. — Achei que já
tivesse ido alguma vez, pelo fato de você ter nascido e vivido parte
da infância no Brasil.
— Eu nasci e fui criada no interior de Minas Gerais, e
realmente não há praias por lá, e tampouco tive a oportunidade de
conhecer alguma praia do México…
— Eu imagino que as praias da região não chegam aos pés
das existentes no Brasil e no México, mas eu espero que vocês
gostem. Leva apenas 15 minutos de carro.
— Então, o que estamos esperando? — perguntei, dando
pulinhos de alegria.
— A senhora virá conosco também, mamá? — Ramón quis
saber, arqueando as sobrancelhas, em expectativa.
— Os seus tios e primos vão chegar a qualquer momento. Fica
para a próxima.
Nós nos despedimos dela e seguimos até a ampla garagem,
com capacidade para até quatro carros. No caminho, Omar explicou
que setembro é a melhor época do ano para ir a uma praia nos
Hamptons. O clima é mais ameno e a orla fica praticamente vazia,
embora não seja o caso neste final de semana, em virtude do
feriado prolongado de Dia do Trabalhador, que no país costuma ser
celebrado na primeira segunda-feira de setembro.
— Primeiro, a gente vai fazer uma parada na sorveteria
Gemelli Gelato. E de lá, nós seguiremos até Ponquogue Beach —
Omar explicou, olhando rapidamente para as crianças através do
espelho retrovisor interno.
Em determinado momento, eu arrisquei um olhar na direção
dele, aproveitando o fato de sua atenção estar toda voltada para a
estrada. Mantive a cabeça encostada no banco do carona,
admirando os cabelos escuros, sedosos e bem cortados dele,
passando pela linha forte do maxilar, coberto pela barba curta,
combinando com as sobrancelhas grossas, além dos cílios longos
ao redor daqueles olhos verdes luminosos.
Baixei os olhos para os ombros largos, passando pelo bíceps
bem definidos, e parcialmente cobertos pela camisa pólo de cor
preta, até alcançar a mão grande e forte, posicionada sobre o
volante. Detive a minha atenção nos três dedos cobertos por lindos
anéis de prata: o polegar, o indicador e o anelar.
De repente, Omar fez a voz rouca e marcante dele reverberar
por todo o veículo, me tirando dos meus próprios devaneios.
— Chegamos a uma das melhores sorveterias dos Hamptons
— anunciou, animadamente, ao quebrar o silêncio.
A sorveteria em questão está situada em Hampton Bays, e
próxima à rodovia que dá acesso à Montauk. Quando saí do veículo,
contemplei satisfeita o estabelecimento, com ampla área verde,
oferecendo as condições ideais para as crianças brincarem ao ar
livre. Decidimos sentar na área externa, escolhendo uma das
diversas mesas de piquenique, espalhadas pelo gramado. Havia
uma variedade de sabores únicos e artesanais de gelato, café nitro,
além de cones especiais para waffles.
Optei pelo sorvete de manteiga de amendoim, misturado com
chocolate derretido e pequenos pedaços de brownie. Omar e eu
sentamos juntos no banco de madeira, enquanto que Samara e
Ramón ocuparam o lado oposto da mesa de piquenique. Em
determinado momento, as crianças começaram a me encarar,
cochichando entre elas e rindo de mim, sem nenhuma razão
aparente.
De repente, eu fui surpreendida, quando Omar segurou o meu
queixo entre o polegar e o indicador, virando o meu rosto para si,
antes de pegar um guardanapo para passar delicadamente pelo
canto dos lábios. Permaneci imóvel, com os olhos fixos nos dele,
sentindo a fragrância amadeirada de seu perfume importado me
embriagar por inteiro. O gesto inesperado dele durou apenas
poucos segundos, mas foi o suficiente para enviar ondas de prazer
por todo o meu corpo.
— Omar e Maya formam um lindo casal. Não acha, Ramón? —
Samara comentou, quebrando o encanto daquele clima romântico
que se instalou entre nós dois.
— Você sabia que o seu tio pediu Maya em casamento, mas
ela preferiu ficar noiva do seu avô? — Ramón questionou a menina,
fazendo uma careta de desagrado. Ele quase fez Samara se
engasgar com o sorvete, quando ela explodiu numa gargalhada
ruidosa, possivelmente acreditando que tudo não passava de uma
brincadeira da parte dele. — Eu estou falando sério, Samara! Eles
dois vão formalizar o compromisso com um jantar neste domingo.
— Não me leve a mal, Maya, mas você é nova demais para
ficar com o vovô.
Omar e Ramón levaram a mão à boca para tentar conter o
riso, e pude sentir o rubor atingir em cheio o meu rosto no mesmo
instante. No entanto, eu resolvi não me deixar afetar pela
constatação de que eles consideram o meu noivado com o velho
Omar, um motivo de chacota. Assim, eu peguei a garrafa de água
com gás San Pellegrino, segurando-a pelo gargalo e a fiz girar no ar,
antes de despejar uma parte do conteúdo no copo plástico. Bebi
tudo de uma só vez, tentando ignorar a sensação desconfortável no
estômago, causada pelo temor de vir a me arrepender
amargamente desse compromisso, pelos próximos dias.
Nós aproveitamos o final da tarde, caminhando ao longo da
praia.
Omar e eu seguimos na frente, conversando um pouco sobre
coisas triviais, enquanto Samara e Ramón brincavam, espirrando
água um no outro. Em determinado momento, eu notei que eles se
distanciaram um pouco, e parei de andar, olhando para trás e
constatei que ambos passaram a coletar algumas conchinhas na
areia. Omar e eu decidimos sentar um pouco na parte onde a areia
é mais fofa, enquanto observamos as crianças brincarem.
— Sinto falta da época em que Amir e eu apostamos corrida
nesta praia — Omar revelou, de repente, passando os braços ao
redor dos joelhos, e abraçando-os de encontro ao peito, com o olhar
perdido em algum ponto do horizonte. — O meu irmão e eu éramos
muito mais unidos, quando tínhamos a idade deles dois.
— O que fez mudar a relação entre vocês? — perguntei, me
virando de lado para encará-lo melhor. Quando Omar virou o rosto
em minha direção, notei que os olhos dele brilhavam ao sol e
mudaram de cor, assumindo um tom dourado.
— Sempre houve aquela rivalidade típica de irmãos, sabe?
Porém, tudo se intensificou quando perdemos a nossa mãe, e
naquela época o meu pai incitou uma disputa entre os filhos para
substituí-lo no cargo de CEO do seu conglomerado de
investimentos.
— O seu pai me contou sobre a perda irreparável na família.
Ele acredita que você foi um dos que mais sentiu a ausência dela.
— Existem situações na vida que a gente não supera; apenas
aprende a lidar melhor com elas — Omar revelou, com a voz saindo
pouco mais que um sussurro.
Quando estendi o braço para tocá-lo, movida pelo ímpeto de
confortá-lo de alguma maneira, percebi que um músculo saltou do
maxilar dele. Omar mantinha os olhos verdes fixos nos meus, e me
vi mais uma vez sendo puxada para as profundezas contidas
naquele olhar.
— Notei que os seus olhos verdes têm um brilho diferente
agora — comentei, notando que a voz saiu mais profunda e rouca
do que o normal.
— Os meus olhos miram a única mulher que não me sai dos
pensamentos: você.
Não resisti mais ao desejo de sentir a aspereza da barba dele
roçando contra a minha pele, e permaneci imóvel, demonstrando
estar receptiva para ser beijada. Omar apoiou a mão direita na areia
para sustentar o corpo, enquanto se inclinava em minha direção,
com uma expressão indecifrável no rosto. Logo, ele pressionou os
lábios contra a minha boca, me puxando para mais perto de si, e
gemi baixinho, conforme a língua dele me invadia, aprofundando
ainda mais o beijo.
Por uma fração de minuto eu fui capaz de ignorar o alarme
interno, me entregando por inteiro ao contato íntimo que inebria os
sentidos. Porém, tudo perdeu o encanto, quando ele começou a
tocar a minha coxa, os dedos foram subindo bem devagar por baixo
da saia, embora o toque dele em nada se assemelhasse ao de Félix
Guzmán.
Felix Gúzman. Por que a imagem desse desgraçado me veio à
mente agora?
Apesar dos protestos do meu corpo, eu decidi interromper o
beijo para olhar bem no fundo dos olhos dele. Já considerava um
avanço ter permitido um beijo longo e profundo, mas os homens
sempre querem mais do que eu estou disposta a oferecer.
— Sinto muito não poder corresponder ao que você espera de
mim, Omar — Eu me desculpei, com a voz embargada pelas
lágrimas que me preenchiam os olhos. A expressão dele era de
genuína tristeza, que eu mal conseguia sustentar o olhar. — Acho
melhor nós voltarmos para a mansão. Já está ficando um pouco
tarde… — completei, me levantando de um salto, e sacudindo a
areia da roupa.
— Não pense que eu vou desistir de te tornar a minha… —
Omar falou, em tom baixo e com uma intensidade que me fez
estremecer. — Esposa de mentira — ele se apressou em
complementar, retomando a ideia inicial do casamento de fachada.
De repente, as crianças correram ao nosso encontro, pulando
e vibrando de empolgação.
— Nós dois vimos vocês se beijarem! — Ramón revelou,
beijando o próprio braço de forma cômica.
O meu irmão estava claramente se divertindo às minhas
custas.
Omar observou a sobrinha segurar a própria barriga, como se
ela doesse de tanto rir. Não consegui disfarçar a irritação
proporcionada pela imperturbável serenidade dele, diante daquela
situação. Foi um grande erro ter permitido aprofundar um beijo com
o único homem capaz de abalar todos os meus mecanismos de
defesa.
Existem situações na vida que a gente não supera; apenas
aprende a lidar melhor com elas.
As palavras dele ainda ecoavam em minha cabeça.
No dia seguinte, eu recebi uma mensagem de texto do irmão
de Maya, solicitando que o encontrasse na área externa da casa
anexa. Nós dois ocupamos as poltronas rústicas estofadas, e a
julgar pela expressão no rosto dele, imaginei que o assunto a tratar
seria bem sério.
— Eu falei que te manteria informado se soubesse de algo
importante, lembra-se? — Ramón iniciou a conversa, baixando a
voz, como que assumindo uma postura confidencial.
— Lembro disso, perfeitamente — respondi, sentindo uma
pontada de apreensão. — Aconteceu alguma coisa?
— Bem, para falar a verdade, eu já estava para te contar isso
desde ontem. Mas, eu me distraí na praia, brincando com Samara e
me esqueci completamente, acredita?
— Não me diga que andou escutando conversas atrás da
porta! — comentei, levantando as sobrancelhas, e assumindo um ar
fingido de reprovação.
— Houve um momento em que eu precisei subir ao meu
quarto para trocar de roupa, deixando você e Samara sozinhos na
sala… — Ramón relembrou, cauteloso.
— Ah, sim, verdade! — concordei, colocando o cotovelo no
braço da poltrona, e esfreguei o queixo, pensativo. — Você levou
um bom tempo ausente.
— Então, eu acabei escutando parte da conversa entre Maya e
mamá, quando passei pelo corredor, mas não era essa a minha
intenção, eu juro! A porta estava encostada e só permaneci ali
porque eu ouvi o seu nome ser mencionado.
— É compreensível, Ramón. Eu não te julgo por isso, e
agradeço o voto de confiança.
— Não sei dizer exatamente por que elas tocaram no seu
nome, Omar — Ramón revelou, coçando a cabeça, como se fizesse
um esforçopara se lembrar de mais algum detalhe importante. — A
minha irmã falava baixinho, e só entendi algumas frases, como
“perder o controle de si mesma” e “reminiscências do trauma”.
— Você percebeu se ela estava chorando ou algo assim? —
perguntei, suspendendo a respiração. Senti um enorme aperto no
peito, que passou a me sufocar demais, devido àquela
surpreendente revelação.
— Sim, eu lembro de ter visto Maya abraçar a nossa mãe e
cair no choro — confirmou, hesitante, me encarando com uma
expressão constrangida. — Ah, eu já ia me esquecendo, Omar. Ela
também falou alguma coisa sobre retomar o tratamento.
— Então, você nunca desconfiou que a sua irmã estivesse
passando por algum problema?
— Eu sou só uma criança, Omar, e os adultos sempre
escondem coisas ruins. A minha percepção sobre as coisas só se
resume ao que observo mesmo. Tipo, a minha mãe, por exemplo.
Ela toma vários medicamentos desde que eu nasci.
— Faz ideia do tipo de medicamentos que ela consome? —
perguntei, incapaz de conter a curiosidade, mas acrescentei,
explicando logo em seguida: — A sua irmã comentou que ela parou
de trabalhar por motivos de saúde…
— Do tipo que tem aquelas tarjas pretas, sabe? Ela sempre se
sente cansada e sonolenta quando faz uso deles.
Ramón se inclinou para a frente, com os braços apoiados nas
coxas, e abaixou a cabeça, visivelmente consternado. Decidi dar
uma batidinha nas costas do garoto, transmitindo carinho e conforto.
Quando ele virou o rosto e olhou para mim, notei que os olhos deles
estavam marejados.
— Sinto muito por tudo o que tem passado, Ramón — falei,
denotando comoção na voz, e fiquei de pé diante dele. Em seguida,
eu o fizlevantar da cadeira, puxando-o para um abraço afetuoso.—
Se eu puder ajudar de alguma forma, é só avisar.
— Gostaria apenas que o meu pai estivesse aqui, sabe? A
minha irmã não quis convidá-lo para o noivado dela…
— Ela deve ter tido um bom motivo, Ramón — cogitei,
gravemente. — Por que não me acompanha até a parte mais
incrível da mansão? Você precisa se distrair um pouco.
— Não gosto que escondam coisas de mim — desabafou,
encolhendo os ombros, impotente.
— Eu posso apostar que no tempo certo tudo será revelado
pra você, por isso não se martirize mais, está bem? E não se
esqueça de que elas só querem proteger você. A vida adulta é um
saco, acredite.
Por sorte, eu consegui arrancar dele um esboço de sorriso, e
passei meu braço ao redor do ombro dele, conduzindo-o pelo jardim
em direção à área interna da mansão. Uma vez dentro da
residência, eu o fiz entrar no elevador e apertei o botão
correspondente ao andar de entretenimento, situado no subsolo. O
local possui uma piscina interna, salão de dança, sala fitness, sala
de cinema, além de sauna e vestiários.
— Escolhi algo incrível para te dar de presente. Espero que
goste, Ramón! — anunciei, seguindo até a academia e apontei para
a caixa que estava em cima do aparador branco.
De repente, eu escutei um barulho a curta distância e logo
percebi a presença da minha irmã no local. Ela estava correndo em
uma das esteiras ergométricas, e quando me viu, acenou com a
mão, sorrindo abertamente para mim.
Najla interrompeu o exercício e se aproximou de nós dois,
demonstrando curiosidade em saber o conteúdo do grande pacote.
Ramón rasgou o embrulho, observando com atenção a imagem
impressa na embalagem, utilizada para identificar o produto.
— Primeiro foi um PS4 e agora resolveu dar um Hoverboard
Slide[27] de presente? Uau, que sensacional! — Najla comentou,
bem próxima ao meu ouvido, e com um levantar de sobrancelhas.
— Imagino que este investimento gerou um retorno satisfatório para
você, não?
— Como soube que eu dei um playstation para o garoto? —
perguntei, com desconfiança.
— A nossa sobrinha me deixou a par de tudo, Omar! —
respondeu, levando o bico da squeeze à boca para aplacar a sede.
— Eu vou fingir que não notei o leve tom de ironia no
comentário anterior, irmãzinha. A propósito, eu preciso mesmo
conversar com você. É um assunto bem delicado…
— Então, me encontre mais tarde na biblioteca — sugeriu, me
encarando com uma expressão intrigada.
— Obrigada mais uma vez, Omar! Eu sempre quis ter um
skate elétrico!
— Ramón, eu posso te ensinar a andar nele, mas não se
esqueça de colocar o capacete, a joelheira, e a cotoveleira, está
bem?

No final da tarde, eu me encontrei com Najla na biblioteca, e


relatei tudo o que sabia sobre Maya. Inicialmente, eu imaginava que
o excesso de timidez e a postura defensiva, ou até mesmo arredia
de Maya, derivasse das condições hostis enfrentadas por ela
durante a travessia entre os Estados Unidos e o México. No entanto,
o caso possui um agravante, uma vez que envolve a mãe dela,
diretamente. Como a minha irmã é médica, recém-graduada pela
Universidade de Harvard, talvez ela consiga lançar luz sobre essa
questão.
— Eu só a beijei na praia ontem porque eu senti que ela
estava receptiva, Najla — admiti, dando as costas para ela e
seguindo em direção à estante de livros. — O problema é que eu
estraguei tudo, quando tentei tocá-la intimamente.
— É o mecanismo de defesa dela atuando, quando se depara
com situações que a remetem ao trauma, Omar — a minha irmã
ponderou, com ar pensativo.
— Mas, o que mais me dói é o fato de não ter conseguido me
conter, sabe? — confessei, considerando mais prudente
permanecer de costas. — Eu precisava desesperadamente tocá-la.
— Tudo leva a crer que algo terrível aconteceu a ela no
passado.
— Você acha que ela sofreu abuso na infância? — perguntei,
criando a coragem necessária para verbalizar o que vem
assombrando a minha mente. — Será que o pai dela está por trás
disso?
— É possívelque sim — Najla confirmou,colocando a mão em
meu ombro, e inclinou a cabeça para me encarar, com uma
expressão consternada. — Há muitos casos de mulheres migrantes
que sofreram violência sexual. E quando a vítima é uma criança,
então, os efeitos são ainda mais devastadores.
Fechei os olhos por um instante, abrindo-os em seguida, a
confusão anterior foi se transformando em completa revolta. Se
realmente o pai dela estiver por trás da violência sofrida por mãe e
filha,eu fareiquestão de investigar o paradeiro dele, ainda que para
isso eu precise ir até o inferno.
Pretendo acabar com a vida desse desgraçado usando as
minhas próprias mãos.
— Meus Deus, agora tudo passou a fazer sentido… —
murmurei, passando as mãos trêmulas pelos cabelos.
— Não podemos afirmar que o pai dela está envolvido, Omar.
Nós devemos ter muita cautela, ainda mais quando se trata de
suposições.
— É que isso me causa uma profunda revolta! — gritei, lutando
contra uma onda de impotência que já invadia a minha alma.
— Omar, mesmo depois do que conversamos, você ainda
pretende conquistá-la? — indagou, deixando transparecer certa
incredulidade na voz. — Porque veja bem, eu não sei se você terá
condições de oferecer a ela o devido suporte afetivo, compreende?
Talvez a minha irmã tenha razão. Como eu vou conseguir
transmitir a confiançae a segurança necessárias para que ela não
me veja mais como uma ameaça?
— A questão maior é saber se você realmente deseja que
Maya supere os traumas de infância, ou apenas vê isso como uma
maneira de conseguir levá-la pra cama.
— Eu não posso desejar as duas coisas, caso ela mude de
ideia e aceite ser a minha esposa? — perguntei, ciente de que ela
reprovaria o meu lado emocionalmente imprudente e imaturo.
— É óbvio que não, santo Deus! — Najla retrucou, com
veemência, balançando a cabeça em negativa. — Você me pediu
uma orientação e já estou te oferecendo, mas preciso de tempo
para conquistar a confiançadela. O que eu já posso adiantar é que
essa resistência dela em relação a você não é nada pessoal.
— Engraçado, a mãe dela faloua mesma coisa, sabia? Míriam
disse algo sobre a filha ter as razões dela… e que não era nada
pessoal.
— Exatamente! Ela reagiria assim com qualquer outro homem.
Relaxa, irmão.
Najla pôs a mão em meu braço, acariciando de leve, mas o
gesto afetuoso de minha irmã foi incapaz de me estabilizar. Houve
uma breve pausa, como se ela estivesse ponderando o que dizer, e
então ouvimos as portas de correr sendo abertas, revelando a
presença do velho Omar.
— Ora, ora, eu não sabia que os encontraria aqui — Uma
expressão de desconfiança cruzou o olhar dele, quando nos viu
juntos na biblioteca. — Mas, eu precisava mesmo lhes dar uma
notícia. O jantar de noivado está cancelado.
— Meus, Deus! — a minha irmã exclamou, levando uma mão à
boca, surpresa. — Mas, como assim, papai? O que houve?
— Maya desistiu de se casar comigo. Eu estava na casa de
hóspedes há poucos minutos, quando ela fez esse comunicado. Ela
estava disposta a voltar para Newark hoje mesmo, mas eu consegui
convencê-la a esperar até amanhã. Ainda mais que hoje à noite
haverá um coquetel em homenagem ao prefeito deSouthampton.
— Parece ser bom demais para ser verdade… — murmurei,
me permitindo relaxar um pouco, ao sentir uma fagulha de
esperança brotar em meu peito. — Eu também fui convidado para o
evento.
— Papai, mas por que Maya tomaria uma decisão tão drástica
de deixar os Hamptons? — Najla perguntou, com uma expressão
consternada. — Ela não se sente mais bem-vinda aqui?
— A razão principal de Maya ter desistido está bem ao seu
lado, querida — o velho respondeu, fazendo um esgar de
desagrado. Depois, ele se voltou para mim, e me observou
longamente, como se tentasse sondar a minha alma. — Ela não
quis entrar em detalhes, mas disse que tem se sentido bastante
confusa, desde que fez um passeio na praia ontem.
Najla e eu trocamos olhares significativos, e o meu coração
subitamente acelerou.
Por que ela deixou o meu pai com a impressão de que está
apaixonada por mim?
— Eu preciso ouvir essa notíciadiretamente dos lábios dela —
declarei, fazendo menção de deixar a biblioteca, mas o velho Omar
me deteve, de súbito, ao segurar o meu braço.
— Maya confiou em mim inteiramente ao compartilhar os
detalhes sombrios de seu passado — o meu pai comentou, com
uma frieza esmagadora. — Portanto, eu não quero ver uma só
lágrima escorrendo pelos olhos doces dela, Omar. Será que eu fui
claro?
— Mas, eu posso te garantir que jamais vou te dar esse
gostinho, meu pai — assegurei, me inclinando para a frente, com os
olhos fixos nos dele.
— Você foi escolhido por ela, então faça por merecer! —
exclamou, encolhendo os ombros. Depois, ele deu um longo
suspiro, ao soltar o meu braço, admitindo a derrota.
— Se serve de consolo, Maya ainda pode se tornar a sua nora.
Isso não é formidável? — Najla comentou, em tom zombeteiro, e
envolveu o velho em um abraço para consolá-lo.
Como resposta, o meu pai retorceu a boca em meio sorriso e
nos pediu para deixá-lo sozinho. Apesar do velho Omar possuir um
temperamento forte, no fundo, ele sempre teve o coração mole,
mesmo com o orgulho ferido e tomado pelo ciúme.
Nós dois somos bem parecidos nesse quesito, mas ele logo
vai superar.

Cerca de quinze minutos depois, eu entrei no closet e escolhi


uma camiseta, vestindo uma camisa branca por cima e abotoando-a
com cuidado. Logo em seguida, eu coloquei o par de meias e os
sapatos, ajeitei o nó da gravata e tirei o paletó azul-marinho do
cabide. Conferi o visual no espelho do armário, passando a mão
pelos cabelos úmidos, com um sorriso triunfante nos lábios. O traje
típico de coquetel é elegante e semiformal ao mesmo tempo,
composto por um terno de duas peças, feito sob medida, além de
camisa social, gravata, e pares de sapato Oxford pretos. E, para
finalizar, borrifei algumas vezes o meu perfume favorito, tanto nos
pulsos quanto em cada lado do pescoço.
A casa de hóspedes fica perto o bastante para arriscar uma
visita surpresa. Consultei o relógio de pulso e verifiquei que ainda
disponho de alguns minutos antes de seguir para a mansão dos
Rogers. Logo, atravessei o jardim de inverno e subi as escadas,
sendo recebido por Ramón.
— Maya está terminando de se arrumar no quarto, mas entre e
fique à vontade — o garoto informou, se afastando para me deixar
passar. — Por que não sobe logo, Omar?
— Mas, não seria melhor eu aguardar por ela na sala de estar?
— perguntei, relutante, colocando a mão no bolso da calça.
— Não, imagina! Ela vai adorar te ver, ainda que não admita.
Eu tenho certeza de que ela gosta mesmo de você e não daquele
velho… — Ramón respondeu, em tom zombeteiro, mas logo se
apressou em dizer: — Ah, me desculpe! Eu não queria ofender o
seu pai.
— Eu sei disso, Ramón — afirmei, abrindo um sorriso e
bagunçando o cabelo dele. — Então, ainda não está sabendo da
novidade? A sua irmã desistiu de se casar com o meu pai.
Nós dois batemos as mãos espalmadas no alto para
comemorar. Depois, eu segui direto até a escada e subi os degraus,
silenciosamente. Eu me aproximei da porta com a intenção de bater
antes, mas para minha surpresa ela já estava entreaberta. Então, eu
a vi sentada na cama, absolutamente deslumbrante no vestido
vermelho bem ajustado ao corpo. Paralisei, hipnotizado diante
daquela visão tentadora.
Quando eu terminei de colocar a sandália de salto no pé
esquerdo, ouvi o barulho da porta sendo aberta e levantei o rosto,
sobressaltada, constatando a presença de Omar em meu quarto. A
posição em que ele estava proporcionava uma visão privilegiada de
parte dos meus seios expostos pelo decote do vestido vermelho de
comprimento clássico, transpassado, com mangas 3/4 e babado na
lateral. Os olhos verdes dele brilhavam de luxúria, e a boca se abriu
de forma involuntária, demonstrando estar totalmente absorto em
sua contemplação.
A minha reação foi quase imediata: eu endireitei o corpo e
coloquei as mãos sobre o decote, baixando o olhar, constrangida.
Tentaria me esforçar ao máximo para não deixar o desespero se
apoderar de mim. O medo de reviver o trauma dominava os meus
pensamentos, ao passo que a respiração subitamente se tornou
breve e acelerada. Senti um leve entorpecimento, como se a minha
mente se esforçasse para me poupar de emoções que podem ser
esmagadoras.
— O que faz aqui, Omar? — perguntei, inclinando um pouco o
corpo à procura da outra sandália.
Será que por um descuido eu a perdi em algum ponto do
quarto?
— Eu posso me aproximar de você? — Omar pediu permissão,
com a voz dele saindo pouco mais que um sussurro. Eu apenas me
limitei a assentir, com a cabeça, concordando. — Ela está embaixo
da cama, mas eu posso pegar para você — ele prosseguiu, de
súbito, se oferecendo para pegar o calçado, ao se aproximar da
cama king size. Em seguida, ele se abaixou, ficando de joelhos
diante de mim, o seu olhar me percorreu de cima a baixo, e se
deteve nas minhas longas pernas nuas.
Não ousaria me mexer, ou sequer respirar direito, enquanto ele
continuasse tão próximo a mim. Omar se abaixou e pegou a
sandália, ao que apenas estendi a mão, aguardando que ele me
entregasse o calçado. No entanto, ele ficou de cócoras e levantou a
minha perna direita, apoiando o meu pé no joelho dele antes de
encaixar a sandália, ajustando a fivela.
— A minha amiga Natasha sempre diz que nós, mulheres,
somos livres para usar a roupa que quisermos. Então, esse papo de
que os homens não conseguem segurar o próprio pau dentro da
cueca só serve mesmo para nos culpabilizar.
— A sua amiga está certíssima, Maya — concordou Omar,
colocando o meu pé de volta no chão. — Existem homens que
reforçamcertos estereótipos relacionados à imagem da mulher que
usa determinados tipos de roupa. E, eles só fazemisso com o único
intuito de culpabilizá-las pelos seus atos hediondos.
— Eu estou cansada de ver a mim mesma, e outras mulheres,
sendo forçadas a suportar os comportamentos inadequados e
desrespeitosos por parte de muitos homens, onde quer que nós
estejamos.
Engoli em seco, tentando eliminar o nó na garganta, e desviei
o olhar, sentindo as lágrimas quentes descendo silenciosamente
pelo rosto.
— Maya, você jamais deve se sentir responsável pela conduta
deplorável de quem quer que seja — Omar comentou, segurando o
meu queixo para me forçar a encará-lo nos olhos. — Você deu um
passo muito importante para retomar a relação com o seu próprio
corpo. Acho a sua tenacidade admirável, sabia?
Partia o meu coração olhar bem no fundo dos olhos verdes de
Omar, e constatar que de alguma forma ele já sabe sobre a
violência que eu sofri no passado.
— Você quer que eu vá embora, Maya? — Omar perguntou,
em tom gentil.
Ele não ousou mexer um músculo, como se evitasse me
assustar ainda mais. Porém, estranhamente eu já não sentia mais
medo dele. Omar me faz sentir viva, reacendendo dentro de mim a
vontade de amar e de ser amada. Ele representa tudo o que eu
sempre desejei, mas não tinha a coragem de admitir, até então.
— Na verdade, não. Fique, por favor — murmurei, sentindo as
lágrimas marejando os olhos, ao estender o braço para acariciar o
rosto dele, com suavidade.
— Sendo bem sincero, eu adoro observar o corpo de uma bela
mulher, e acho essencial que se sinta à vontade para usar qualquer
roupa que a faça se sentir livre e bem consigo mesma.
Notei que Omar ainda estava prostrado de joelhos na minha
frente, e manteve os braços ao longo do corpo. Eu reuni coragem e
sustentei o olhar dele, embora a aceleração das batidas do meu
coração denunciasse as emoções conflitantes, que a presença dele
me causava. Contudo, o olhar dele transmitia preocupação e
carinho genuínos, e logo eu me dei conta de que os olhos dele
começaram a ficar marejados, sem nenhum motivo aparente.
— O que mais eu preciso fazer para convencê-la a se casar
comigo? — indagou Omar, a voz saindo dolorosamente rouca, e
com uma intensidade que me fez estremecer. — O relacionamento
será como você definir. A escolha das condições será sempre sua,
Maya.
Há algo nele que me inflama. Omar possui uma abordagem
mais ousada, obstinada e agressiva, mas contraditoriamente tem
demonstrado ser respeitoso, paciente e sensível às minhas
questões pessoais.
É um tempo muito longo para ser a esposa de mentira de um
homem, que mexe muito com os meus sentimentos, mas eu posso
correr esse risco.
— Sim, Omar, eu aceito me casar com você — respondi, me
deixando envolver por uma sensação nova, embora desconhecida e
que tem aguçado os meus sentidos.
— Sendo assim, você me permite conduzi-la ao paraíso
agora? — Omar perguntou, com um brilho de divertimento no olhar.
— Você até se pareceria com um anjo, exceto pelo brilho
diabólico dos seus olhos verdes — revelei, deixando escapar uma
risadinha e enxugando as lágrimas dos cantos dos olhos, com a
ponta dos dedos, para não borrar a maquiagem.
— Eu vou considerar isso como um elogio, Maya — comentou,
sorrindo de forma presunçosa. Em seguida, ele se inclinou para
frente, levando os lábios ao meu ouvido. — Mas, você ainda não
respondeu a minha pergunta…
O cheiro dele me deixava tonta de desejo, e subitamente o
meu coração começou a bater com força,ante a expectativa do que
estava por vir.
— E, o que você pretende fazer? — perguntei, a voz pouco
mais que um sussurro.
— Eu não preciso tirar a sua roupa para fazê-la gozar, Maya.
Sexo não se restringe à penetração, sabia disso?
A forma direta e honesta com que Omar respondeu ao meu
questionamento provocou logo uma umidade entre as minhas
pernas. Quase deixei escapar um gemido, mas suspirei bem fundo
para disfarçar. Ele nem mesmo ousou tocar em mim ainda, e o meu
corpo já reagiu à excitação de forma instantânea. Logo, eu pude
sentir o clitóris pulsar de forma insistente, deixando a região íntima
insuportavelmente dolorosa.
— Você tem todo o direito de recusar, e de dizer não, se essa
for a sua vontade.
— Eu confio em você e sei que não seria capaz de me
machucar ou de ultrapassar os meus limites — revelei, com toda
convicção.
A excitação me deu coragem para aproximar mais o meu
rosto, roçando os lábios suavemente pela linha do maxilar,
passando pelo queixo, até sentir o atrito da barba dele enviar ondas
de prazer até ao centro do meu corpo.
— Maya, você ainda pode voltar atrás, não importa a que
ponto chegamos, está bem? — Omar frisou, em tom firme, com a
respiração quente e ofegante dele, me deixando ainda mais
desnorteada e excitada.
Omar gemeu, quando as nossas bocas se tocaram. Logo, eu
entreabri os lábios para aprofundar o beijo, percorrendo os cabelos
sedosos dele com as mãos. E, como eu ansiava poder sentir
novamente a umidade quente e doce de sua língua, conforme ele
explorasse a minha, com toda paixão e ardor!
Eu o desejo tanto, mas tanto, que chega a doer no fundo do
peito.
Omar estremeceu de leve antes de interromper o beijo, e me
encarou com um brilho intrigado nos olhos verdes.
— Então, eu tenho a sua permissão? — A insegurança na voz
dele me fez prender a respiração de forma momentânea.
— Sim, Omar. Eu quero que me toque — respondi, balançando
a cabeça, em concordância, de forma quase imperceptível.
— Será a experiência mais sublime de sua vida, Maya —
começou, em voz baixa, passando o braço ao redor da minha
cintura, e me trazendo para mais perto de si, com tanto ímpeto que
eu precisei respirar fundo, escutando o coração bater alto contra os
tímpanos. — Depois desta, muitas outras virão, desde que você se
permita e se entregue ao prazer — acrescentou, beijando o meu
pescoço, e senti a respiração parar na garganta ao escutar um som
baixo e rouco escapar dos lábios dele. — Eu estou inteiramente ao
seu dispor — sussurrou, por fim, contra a minha boca.
Depois, o olhar ávido dele se deteve nos meus seios fartos
parcialmente à mostra, antes de deslizar os dedos pelo decote em
‘V’ do vestido, repuxando-o num vaivém, como que para me
provocar. Logo, a mão dele invadiu o tecido de malha para espalmar
e apertar de leve o seio, que intumesceu e eriçou ao simples toque.
Como o vestido possui forro, eu resolvi dispensar o uso do sutiã.
Quando Omar percebeu a falta da peça, emitiu um pequeno
grunhido de satisfação.
A seguir, ele me fezdeitar suavemente, e voltou a concentrar a
atenção no meu pescoço, explorando-o com os lábios e a língua,
descendo sem pressa até atingir a ondulação suave dos seios.
Quando Omar abocanhou um dos mamilos sensível e endurecido,
seguido do outro, ele os sugou de forma quase brutal, arrancando
um gemido alto do fundo da garganta.
— Que sensação indescritível, Omar — murmurei, suspirando
de prazer.
Omar ficou de cócoras novamente e levantou a minha perna
direita, apoiando o meu pé no joelho dele. De repente, ele inclinou o
rosto, encostando os lábios no dorso do pé e deu um beijo quente e
suave. Em seguida, deslizou os lábios pelo tornozelo e foi subindo
devagar ao longo da minha perna, me fazendo arrancar um gemido
profundo. A barba curta roçava a minha pele de leve,
proporcionando uma sensação erótica e sedutora.
— Você é tão deliciosamente macia… — Omar afirmou,com a
voz rouca revelando o tom de urgência, enquanto levantava as
minhas pernas, apoiando-as nos ombros largos.
— Oh, meu Deus, Omar! — ofeguei, arqueando as costas de
maneira instintiva. Estremeci de leve, sentindo o calor irradiar por
todo o meu corpo.
Se tudo o que ele fez, até então, compõe apenas as
preliminares, imagine o que viria a seguir?
Além de inspirar confiança, Omar também me respeita e não
resta a menor dúvida de que eu estou apaixonada por ele.
— Você quer que eu pare, Maya? — ele perguntou, me
encarando atentamente, com o semblante exprimindo preocupação.
— Omar, por favor! Não pare! — declarei, com veemência,
cravando as unhas longas no lençol, com força.
Os nossos olhares se encontraram e notei que os lábios dele
lentamente delinearam um sorriso malicioso.
— O seu pedido é uma ordem, minha preciosa — afirmou,
deslizando as mãos pelas minhas coxas, e arregaçando a saia,
delicadamente.
Omar abriu mais as minhas pernas, fazendo o meu quadril
arquear de encontro ao corpo dele. Depois, ele afastou a calcinha
de renda um pouco, facilitando o acesso à minha região íntima,
recém-depilada e sensível, e iniciou uma carícia lenta e gostosa
pela vulva, completamente úmida e quente.
— Como está se sentindo? — ele quis saber, a voz revelando
uma rouquidão sexy, com a boca de encontro à parte interna da
coxa, roçando-a numa lentidão deliberada.
— Nunca me senti tão leve em toda a minha vida… parece que
eu vou flutuar… — respondi, sentindo a maciez do cabelo dele
emaranhado em meus dedos.
— Você está tão molhadinha, Maya… por Deus! — informou,
afastandoum pouco o rosto para me dirigir um olhar cheio de tesão.
— Eu preciso prová-la, você me permite?
— Oh, sim, Omar! — falei,com a voz estrangulada, ao sentir a
onda avassaladora, que antecede o clímax, me invadir por inteiro.
— Precisa se tocar e explorar outras zonas erógenas do seu
corpo, como os seios, amor — sugeriu Omar, com a voz rouca e a
respiração entrecortada. — Experimente, você vai gostar.
Passei a mão por dentro do decote para apalpar o seio,
sentindo-o sensível e excitado à medida que acariciava um seguido
do outro, com suavidade, e notei que eles endureceram sob os
dedos de novo, ficando quase doloridos.
Soltei um gemido alto, quando Omar envolveu os lábios em
torno do clitóris, mesmo que de forma cuidadosa. Logo, ele
aumentou a intensidade da chupada, alternando com lambidas e
sucções por toda a vulva. Depois, os dedos hábeis dele passaram a
estimular o clítoris antes de inserir dois dedos dentro da vagina,
movendo-os devagar e aumentando a pressão gradualmente para
estimular a região.
— Você é uma grande gostosa, sabia? — Omar comentou,
conforme penetrava as pontas dos dedos ainda mais na vagina
quente e apertada.
Já não podia ouvi-lo mais, pois me deixei guiar pelas
sensações que me faziam relaxar profundamente, esvaziando a
mente, e me levando cada vez mais fundo.
Finalmente, eu senti os primeiros espasmos me sacudirem, o
prazer foi evoluindo numa crescente até alcançar o paraíso
conforme ele disse, embora conhecido como orgasmo. Arqueei o
corpo de maneira instintiva, dizendo o nome dele, com um grito
abafado.
Quando eu abri os olhos, Omar soltou as minhas pernas e
passou a me encarar com um sorriso de satisfação. Ele ainda
permanecia de joelhos diante da cama, e estendeu a mão para me
ajudar a levantar. De repente, ele segurou o meu rosto entre as
mãos e envolveu a minha boca na dele, selando um beijo feroz e
intenso, com sabor do meu próprio fluido misturado ao hálito
adocicado dele.
— Não sabe o quanto apreciei, quando gozou com a minha
boca ainda colada à sua boceta tão quente e convidativa… — Omar
insinuou, ao abrir um sorriso lento e sexy.
— Espero poder retribuir… — comecei a dizer, mas não
consegui completar a frase. Ele colocou o dedo indicador contra os
meus lábios, com um toque gentil, porém firme o bastante para me
impedir de continuar.
— Não quero que se sinta pressionada a nada, Maya. Você
não tem obrigação de agradar quem quer que seja, de maneira
alguma.
— Você tem agido de forma tão respeitosa comigo, Omar —
revelei, fitando-o com intensidade no olhar. — Obviamente, isso é o
mínimo que se espera de uma pessoa, mas você soube conduzir
tudo com muita paciência e cuidado — prossegui, sentindo o
orgulho brotar no peito. — Eu agradeço muito por isso.
— Acho que os meus defeitos se sobressaíram um pouco, mas
ainda possuo algumas virtudes — ele ponderou, jogando a cabeça
para trás, e dando uma gargalhada gostosa. — Você precisa se
recompor, antes de ir ao coquetel — acrescentou, se inclinando para
a frente e beijando o topo da minha cabeça.
Omar se levantou, mas antes de sair do quarto, lançou um
olhar penetrante, sorrindo de maneira sedutora para mim. Os olhos
verdes brilhavam sob a luz refletida do grande lustre pendurado no
teto, acentuando ainda mais a intensidade deles.
Quando ele fechou a porta, eu decidi me aproximar da
penteadeira, e ajeitei os cabelos desgrenhados, manifestando íntima
satisfação. O meu corpo inteiro ainda vibrava em consequência do
ato, enquanto alisava o vestido que se ajustava às minhas curvas.
A primeira experiência sexual consentida que eu me permitir
ter, — embora se restringisse apenas ao sexo oral — fez com que
eu me sentisse plena, leve, livre e dona de mim mesma.
Sinto que estou cada vez mais perto de convencer Maya a se
tornar a minha esposa de mentira. Assim, eu poderei tirar do papel o
projeto audacioso que visa ampliar a inclusão financeirade milhares
de imigrantes não documentados. E, em troca, Maya obterá o tão
sonhado visto de residência permanente e futura naturalização. Nós
dois, juntos, beneficiaremos comunidades inteiras desassistidas
pelo poder público, mas, que ainda assim, contribuem para o
crescimento econômico do país.
O meu lema na vida sempre foi o seguinte: “Seeu quero, eu
posso, eu consigo”.
Eu utilizarei todos os meios necessários para Maya continuar
no país e permanecer ao meu lado, para sempre.
Continuei bebericando o uísque a certa distância, observando
a minha musa inspiradora. Havia três velhos abutres em torno dela,
além do meu pai, é claro, e os cinco conversavam animadamente.
Maya estava radiante, distribuindo gentileza e simpatia para todos
que se aproximavam dela.
Considero impressionante como o orgasmo contribui
positivamente para o bem-estar de uma mulher, porque, sem
sombra de dúvida, não foi apenas a maquiagem que conferiu um
tom ruborizado e radiante às maçãs do rosto dela. Maya aparenta
estar cada vez mais consciente e sintonizada com a sua própria
sexualidade, o que a torna ainda mais irresistível.
De minha parte, eu continuarei agindo como um perfeito
cavalheiro, sendo paciente, dedicado e atencioso o bastante até que
ela se renda inteiramente à paixão e ao desejo que a consomem
com todas as forças.
De repente, a voz marcante do meu irmão me tirou
completamente dos meus devaneios.
— Então, pelo visto o papai perdeu mesmo essa disputa… —
Amir cogitou, com um leve levantar de sobrancelhas, ao mesmo
tempo curioso e incrédulo. — Você finalmente conseguiu levá-la
para a cama, Omar?
— As coisas não são tão simples como parecem, Amir. Maya
aparenta ser uma pessoa invulnerável por fora, mas ainda carrega
dentro dela as dores de suas vivências traumáticas.
Maya se tornou um investimento deliciosamente prazeroso,
mas de alto risco.
— Maya possui uma bagagem emocional pesada demais,
Omar. Não faço a menor ideia da real dimensão do problema
enfrentado por ela, mas, ainda assim, você a considera como sua
parceira ideal?
— É evidente que sim, Amir! — afirmei, convicto. — Nenhuma
outra mulher no mundo reúne todos os requisitos que desejo numa
esposa, e no que diz respeito à Maya, eu estou disposto a arriscar
tudo.
E, para ser honesto, eu sinto que estou baixando a guarda aos
poucos, porque além de dominar a minha mente, Maya tem
ocupado cada vez mais espaço no meu coração.
— Deixe-me ver se eu entendi direito. A ideia é manter essa
união de fachada apenas por tempo suficiente para Maya conseguir
o Green Card, correto? Quanto tempo leva em média? Um ano, dois
anos, ou dois anos e meio?
— O tempo de espera varia muito, mas acredito que no
máximo são 3 anos.
— Um intervalo bem considerável, levando em conta o tipo de
vínculo que vocês pretendem estabelecer, não acha? — perguntou,
lançando um olhar perspicaz.
— Sim, de fato — concordei, levando o copo aos lábios e
tomando um longo gole. — Você pode até não acreditar, Amir, mas
eu estou comprometido com este casamento até o fim.
— Apesar das nossas diferenças aparentemente
irreconciliáveis, eu desejo que você seja muito feliz, Omar — Amir
declarou, dando um tapinha em meu ombro, com firmeza.
— Eu vou te confidenciar algo muito importante, irmão. Se eu
me permitir amar Maya e algo de muito ruim acontecer com ela a
ponto de perdê-la, eu sinceramente não sei se conseguirei suportar.
Eu ficaria devastado de tal formaque jamais voltaria a ser o mesmo,
compreende?
— Infelizmente, essa possibilidade sempre vai existir, Omar.
Não se esqueça de que a condição dela não vai mudar da noite
para o dia, e, portanto, Maya continuará correndo o risco de ser
detida e deportada.
— Os melhores advogados de imigração deste país ficarão à
disposição dela, Amir.
— Então, não há com que se preocupar, irmão. Vocês dois
serão bem assessorados ao longo do processo — assegurou,
esboçando um sorriso encorajador. — Agora, mudando um pouco
de assunto, Omar… Você é o homem mais destemido que eu já
conheci, sabia? Eu nunca pensei que diria isso, mas sempre te
admirei por sempre fazer valer as suas vontades. Jamais se curvou
aos caprichos do velho Omar, ao contrário de mim.
— Essa foi a maneira que eu encontrei para não ficar à sua
sombra — admiti, em tom zombeteiro. — O mais engraçado é que
eu sempre te vi como um modelo a ser seguido, ainda mais por ser
o mais velho… E vindo de você, Amir, eu me sinto muito lisonjeado!
— Quando foi que nos distanciamos mesmo? Papai sempre
fomentou um alto nível de competição entre nós dois ao longo dos
anos, e acabei deixando as questões profissionais me cegarem,
completamente.
— Eu me comportei como um completo imbecil, Amir —
ponderei, dando um tapinha no ombro dele, de modo afetuoso. —
Também tive a minha parcela de culpa.
— Como quando você pegava as minhas parceiras, por
exemplo — insinuou, fazendo um gesto com o copo apontando em
minha direção. — Mas, já são águas passadas.
— Ah, mas você soube bem como devolver à altura, lembra-
se? Portanto, nós dois estamos quites — retruquei, erguendo o copo
em um brinde debochado. Logo, nós dois rimos à gargalhada.

O noivado foi cancelado, mas o jantar, não. Bem, isso era o


que todos achavam, exceto por um detalhe: eu vou pedir Maya,
formalmente, em casamento no jardim de inverno.
Assim, os meus familiares e os de Maya se reuniram no
mesmo espaço onde Najla recepcionou os convidados dela há
pouco mais de um mês. Steve e a esposa dele marcaram presença,
visto que ambos serão os meus padrinhos de casamento. Além
deles, apenas quatro pessoas souberam da surpresa que eu
preparei para Maya, com a ajuda do proprietário do bar Chilli en
Fuego: Míriam, o velho Omar e os meus irmãos.
Míriam havia se comprometido a convencer a filha a usar um
vestido branco esta noite. E, como Maya estava deslumbrante,
usando um vestido rendado de comprimento nos joelhos, bem
ajustado ao corpo, com decote quadrado, e delicadas mangas
levemente bufantes!E quanto a mim, eu optei por um elegante terno
azul-marinho, proporcionando um caimento perfeito no meu corpo
disciplinado e atlético.
Os cabelos delas estavam metade presos, e metade
cascateando em mechas sedosas sobre os ombros. Notei que ela
usava um colar sofisticado e delicado no pescoço, possivelmente
um presente oferecido por meu pai.
E por falar no velho Omar, eu fiquei surpreso quando ele me
procurou durante o dia, se dizendo conformado em aceitar a
condição de futuro sogro dela. Ele me pediu para oferecer o anel
escolhido por Maya: um solitário de diamantes daTiffany & Co
.
Fez-se um burburinho momentâneo, mas logo todos se
calaram, quando eu parei bem no centro do conservatório, seguido
de perto pela mulher mais encantadora que eu já conheci.
A única que capturou o meu coração, tornando-o único e
exclusivamente dela.
Quando Maya se posicionou diante de mim, eu apoiei um dos
joelhos no chão, como que para formalizar o pedido de casamento
da forma tradicional.
— Maya, eu te considero a minha Riviera particular, com a sua
luz própria incidindo sobre nós, tão dourada, quente e radiante —
comecei tomando a mão dela, que tremia ao meu toque. — Você
aceita ser a minha esposa, preciosa? — completei, com um ligeiro
tremor na voz, ao retirar a caixinha azul do bolso interno do paletó, e
abrindo-a para revelar o solitário de diamantes.
O anel inicialmente representaria um noivado de fachadaentre
Maya e o meu pai, mas, ainda assim, o valor simbólico dele
prevalece para nós dois. Porém, Maya e eu não mediremos
esforços para tornar a nossa união a mais genuína entre todas as
existentes. Nenhuma autoridade vai colocar à prova o vínculo que
nos une, porque já estamos completamente comprometidos com o
nosso acordo.
Continuei segurando a pequena caixa com as duas mãos
diante dela, aguardando por uma resposta, cheio de expectativas.
No segundo seguinte, Maya balançou a cabeça em concordância,
com lágrimas nos olhos, e logo um sorriso exultante curvou os
lábios cheios e suculentos dela.
— Isso é um sim, absoluto! — Maya exclamou, com
entusiasmo. Em seguida, ela estendeu a mão direita para que eu
colocasse o solitário de diamantes no dedo anelar. A mão ficou
trêmula e sensível sob o meu toque carinhoso, e logo eu me senti
tomado pelo mais puro êxtase.
Decidi ficar de pé, e aproveitei o fato de ainda segurar a mão
de Maya, para puxá-la contra o meu corpo, pegando-a
completamente de surpresa. Maya se apoiou no meu peito, sem
deixar de olhar fixamente os meus lábios, um claro sinal de que
ansiava por um beijo. E, eu a beijei, intensamente.
Quando eu interrompi o beijo, Maya se virou e levantou a mão
direita, mostrando o lindo anel de noivado para todos os presentes,
que começaram a nos aplaudir, com fervor. Eu fiz questão de
autorizar a entrada dos fotógrafosdas colunas sociais de Nova York,
mas as crianças também quiseram tirar algumas fotos para registrar
o nosso noivado. Logo, Maya e eu nos aproximamos dos nossos
familiares e amigos íntimos. E, quando os últimos parabéns foram
dados por eles, os empregados apareceram e serviram as taças
com champanhe. Depois que todos foram servidos, o velho Omar
ergueu a taça, propondo um brinde em nossa homenagem.
— Eu fiz tudo o que esteve a meu alcance para manter Maya
longe das garras do meu filho, Omar, admito — o meu pai declarou,
com seu jeito espirituoso de ser, levando todos às gargalhadas. —
Infelizmente, isso não foi possível, e não me restou outra alternativa
a não ser me conformar em ser apenas o sogro dela — prosseguiu,
sorrindo com a boca curvada para baixo, em um gesto de fingida
decepção. — No entanto, o meu filho demonstrou estar
completamente apaixonado por Maya e sei que o sentimento é
correspondido por ela. Tudo o que eu posso desejar para ambos é
que sejam muito felizes, de verdade.
Finalizado o discurso, o velho Omar abriu um sorriso largo,
estendendo os braços em nossa direção. Maya e eu recebemos um
abraço apertado, longo e emocionado.
Nós dois nos entreolhamos em silêncio, pois nada precisava
ser dito, quando os nossos olhos já falavam por si. Logo, Míriam se
aproximou e repetiu o gesto do meu pai, abraçando primeiro a mim
e depois a filha. Os olhos das duas se encheram de lágrimas de tão
comovidas que elas estavam.
— Vocês têm a minha benção, queridos! — exclamou, com a
voz embargada.
— Dona Míriam, eu tenho a sua permissão para desfrutar
algumas horas a sós com a sua filha? — solicitei, abraçando Maya
por trás, e encostando o rosto no dela.
— Permissão concedida, Omar! — concordou minha sogra,
sorrindo e dando uma piscadela para mim. — Aproveitem o resto da
noite e se divirtam.
— Por que eu estou com uma leve suspeita de que vocês dois
estão me escondendo algo? — Maya perguntou, perscrutando-a
com atenção.
— Maya, eu acho melhor nós dois nos apressarmos —
comentei, mudando completamente de assunto. — O motorista já
está nos aguardando lá fora.
Antes mesmo que Maya fizesse algum questionamento a
respeito, eu passei o braço ao redor da cintura dela, conduzindo-a
rapidamente pelo jardim de inverno, passando pelo extenso
gramado até alcançar o pátio. Senti o corpo dela estremecer de leve
junto ao meu, e pude ouvir o coração batendo ruidosamente dentro
do peito, ao inclinar a cabeça para lhe sussurrar ao ouvido.
— Você não tem por que se preocupar, minha preciosa. Será
uma surpresa espetacular, e você nem imagina o quanto! —
assegurei, convicto, inalando o perfume suave dela, que me
embriagou por alguns segundos.
Cerca de trinta minutos depois, o motorista estacionou no
heliporto da vila de Southampton. Como Maya ainda não conhece a
região, ela só percebeu onde nós estávamos quando saímos do
veículo.
— Não me diga que é o que estou pensando, Omar? —
perguntou Maya, com a voz engasgada, ao observar a aeronave
posicionada atrás de uma cerca pequena, com a vegetação rasteira
circundando toda a área, próxima à praia local.
— Eu reservei um voo privado de helicóptero dos Hamptons
até Manhattan.
— Quando eu tinha oito anos de idade, eu fiquei apavorada
quando entrei no avião, acredita? Estou com a mesma sensação
agora, Omar... — murmurou, a surpresa inicial dando lugar à
apreensão. — ¡Puta madre! — xingou, baixinho, cobrindo a boca
com a mão.
— Você já tem uma desculpa perfeita para ficar agarradinha a
mim — insinuei, malicioso, iniciando uma carícia lenta e provocante
no antebraço dela. — Não precisa ter medo — acrescentei, dando-
lhe um sorriso encorajador.
Os nossos olhares se encontraram e o silêncio dominou o
ambiente por poucos segundos, até que eu segurei a mão dela,
encaixando-a na minha com firmeza. Senti o calor irradiar o meu
corpo, proporcionado pelo entrelaçar dos dedos, sem deixar de fitá-
la por um segundo sequer.
— Então, o que estamos esperando? — Maya perguntou,
inclinando a cabeça ligeiramente para me observar, com uma
expressão divertida no rosto. — Admito que estou bastante curiosa
para saber o que o meu noivo excêntrico e atrevido planejou para
esta noite.
— Você nem faz ideia! — declarei, convicto. O meu rosto se
iluminou de alívioe satisfação, antes de puxá-la para mais perto. Eu
a beijei nos lábios com tamanha intensidade, que por pouco ela não
perdeu o fôlego.
O trajeto dos Hamptons até Manhattan levava cerca de trinta e
cinco minutos.
A aeronave começou a diminuir a velocidade, quando se
aproximou da pista de pouso. Senti a respiração se tornando
ofegante e me agitei no assento, com crescente nervosismo. Omar
me puxou suavemente para junto de si, e me estreitou num abraço
apertado, e instintivamente eu fechei os olhos, inspirando
profundamente o seu perfume de fragrância amadeirada.
— Fico feliz em poder desfrutar esse momento delicioso,
quando estamos tão agarradinhos aqui, mesmo que por poucos
minutos — Omar declarou, num murmúrio rouco, percorrendo
suavemente os dedos pelos meus cabelos macios. — Está mais
calma agora?
Eu me sentia tão protegida nos braços dele, que a sensação
ruim se dissipou tão rápido quanto havia começado.
— Estar em seus braços protetores surtiu esse efeito sobre
mim, sabia? — respondi, levantando o rosto para encará-lo com um
sorriso de satisfação.— Eu me sinto tão bem aconchegada a você,
Omar.
— No que depender de mim, a gente não vai se desgrudar
mais! — exclamou, com empolgação na voz.
Omar saltou do helicóptero antes e se virou para me ajudar a
fazer o mesmo. Assim que eu lancei um olhar em torno, fiquei na
dúvida se a pista de pouso margeia o East River ou o Hudson River.
Algo me diz que o heliponto fica situado no lado oeste de
Manhattan.
Nós dois seguimos de mãos dadas até o veículoutilitário preto,
que possivelmente foi alugado por ele, uma vez que o motorista já
estava à nossa espera do outro lado da cerca de segurança.
Quando eu me acomodei no banco de trás do carro, notei que Omar
tirou uma venda preta do bolso da calça. Logo, um sorriso matreiro
surgiu nos lábios dele, ao observar a expressão perplexa em meu
rosto, fazendo com que o meu coração parasse de bater por uma
fração de segundo, até acelerar de forma incontrolável.
— Acha mesmo necessário vendar os meus olhos, Omar? —
perguntei, com a voz estrangulada, sentindo o peito arfar e o corpo
tremer de ansiedade, ante a expectativa de saber para onde ele
pretende me levar em pleno domingo à noite.
— Se eu não te vendar, você logo vai reconhecer o nosso
destino, estragando assim a surpresa que eu preparei, Maya —
Omar explicou, dando uma sonora gargalhada. — Por favor, confie
em mim — acrescentou, segurando a minha mão, com força.
Hesitei por uma fraçãode segundos, mas acabei concordando
com a cabeça de forma quase imperceptível. Sem sombra de
dúvida, o meu noivo é mesmo dado a excentricidades. De repente,
eu comecei a sentir o ponto sensível entre as pernas se contrair de
maneira instintiva. Se a intenção de Omar era me deixar toda
molhada, ele acabou de conseguir porque a minha calcinha já
estava bem úmida.
— Eu devo admitir que esta situação inusitada torna as coisas
ainda mais excitantes entre nós dois — revelei, fixando os
penetrantes olhos castanhos escuros nele, com uma expressão
divertida e impudente.
— Não me provoque, Maya... ― Omar murmurou, deixando
escapar um arquejo doce, e ao mesmo tempo, erótico. — Vire-se! —
ordenou ele, em voz baixa.
Eu me virei de costas para ele, determinada a não pensar no
volume se formando entre suas pernas. Depois de vendar os meus
olhos, ele afastou algumas mechas que caíam sobre os ombros e
encostou os lábios em minha nuca, dando beijos quentes e úmidos,
entremeados por mordidas leves.
— Pretendo usar esta venda novamente em você, mas para
outros fins, em breve.
Assim que eu ouvi as últimas palavras dele, soltei um gemido
audível, provocando mais uma onda violenta de desejo. Senti os
braços dele envolvendo a minha cintura, como que me abraçando
por trás, e em seguida, ele me fez encostar a cabeça no peito dele,
para escutar as batidas descompassadas de seu coração. Levaria
alguns minutos para ele se recompor e liberar o corpo de toda a
excitação provocada por mim, deliberadamente.
Será bastante desafiadormanter um distanciamento emocional
e físico dele, enquanto vivermos sob o mesmo teto, mas sinto
crescer dentro de mim o desejo de dar um passo a mais, com
confiança e coragem. Omar foi cuidadoso ontem à noite e me
deixou completamente à vontade, tornando o sexo oral o ponto alto
da nossa relação.
Entretanto, eu estou decidida a marcar uma consulta com a
minha terapeuta nos próximos dias para retomar o tratamento, e
quem sabe reassumir o controle da minha vida íntima, exercendo o
meu direito ao prazer sexual.
Fiquei tão distraída com os meus pensamentos, que foi
preciso Omar tocar o meu braço suavemente para me chamar a
atenção.
— Nós já chegamos, Maya — ele anunciou, com a voz
abafada ao meu ouvido, e me fazendo arrancar um arquejo de
surpresa. — Eu vou ajudá-la a sair do carro, está bem? —
perguntou, por fim, ao que apenas balancei a cabeça, em
concordância.
Logo, eu desconfiei que nós dois adentramos algum ambiente
fechado, possivelmente um estabelecimento como bar ou
restaurante, porque havia som de vozes ao nosso redor, além de
risadas abafadas e música ambiente. Apurei bem os ouvidos,
reconhecendo a batida inconfundível doReggaeton.
Será que Omar me trouxe até o bar Chilli en Fuego?
Quando ele tirou a venda dos meus olhos, eu levei alguns
segundos para me acostumar com a claridade artificialdo ambiente,
me certificando de que estava de frente para o balcão do bar.
Pisquei os olhos rapidamente, sem, no entanto, conseguir evitar que
eles ficassem marejados de lágrimas.
Jamais imaginei que voltaria a pôr os meus pés no Chilli en
Fuego, local onde eu criei e reproduzi diversos tipos de coquetéis
durante os três últimos anos.
— Eu lembro bem de quando te vi pela primeira vez, Maya. O
meu olhar se dividiu entre observar as suas belas feiçõese as suas
mãos habilidosas durante o preparo do coquetel.
― Você é mesmo um louco, Omar! ― exclamei, rindo de
felicidadeao tentar me ajeitar no banco alto e estreito que mal cabia
o meu bumbum avantajado. — Ah, meu deus! Eu amei! Amei
demais mesmo! Mal posso acreditar que estou no Chilli en Fuego!
— Eu sabia que você iria gostar, Maya — Omar comentou,
posicionando as mãos sobre a bancada, e inclinando o tronco em
minha direção para manter os nossos rostos bem próximos. Logo,
eu pude sentir o calor de seu corpo e a respiração acelerada,
evidenciada pelo ar quente, saindo das narinas dele num frenesi ao
se mesclar ao meu, que também já se agitava. — Voltar ao bar
despertou a sua memória afetiva, não apenas pelo fato de ter
trabalhado aqui, mas também por tudo o que ele representa para
nós dois.
Os olhos verdes dele são tão invasivos, que chegam a
desnudar a minha alma.
— Até o menor dos seus gestos me surpreende positivamente,
Omar — declarei, olhando-o diretamente nos olhos, comovida. —
Conhecer você foi o que de melhor aconteceu em minha vida após
muitos anos — completei, num tom de voz quase inaudível, sentindo
o coração transbordar de felicidade. Por um impulso irresistível, eu
tomei o rosto dele entre as mãos, me inclinando para a frente para
cobrir a minha boca na dele, envolvendo-a por completo em um
profundo beijo.
O beijo foi interrompido abruptamente, quando nós dois
ouvimos o som de aplausos entusiasmados e assobios, vindos dos
fundos do balcão. Praguejei baixinho, ciente de que esqueci
completamente a possibilidade de alguém presenciar a cena.
De repente, Natasha apareceu diante de nós, com um sorriso
largo no rosto.
— Parabéns pelo noivado, Maya! — ela exclamou,
entusiasmada, estendendo os braços para mim, como um claro
convite para um abraço.
— Eu esperava encontrá-la nos Hamptons hoje, amiga —
comentei, abraçando-a com força. — Senti muito a sua falta.
— Trocou de noivo aos 45 minutos do segundo tempo, não é
mesmo? Mas, antes tarde do que nunca! — exclamou, dando um
leve tapa em minha bunda. — Lembre-se de que eu sou a sua
madrinha, então não perderei a cerimônia de casamento por nada
deste mundo!
— Você não ousaria me fazer essa desfeita! — retruquei,
fingindo ameaçá-la, e apontando com o dedo indicador na direção
dela. — Quero apresentá-la para o meu noivo, Nat.
Fiz as devidas apresentações entre eles, e pude sentir o meu
rosto queimar de vergonha, ao perceber que a Natasha passou a
avaliar Omar minuciosamente, da cabeça aos pés.
— Prazer em conhecê-lo, Mr. Aziz. Sou Natasha Gibson, a
melhor amiga de Maya.
— O prazer é todo meu, Natasha — Omar retribuiu a
saudação, apertando a mão estendida dela, com um sorriso
caloroso nos lábios.
A minha amiga possui um estilo próprio e autêntico de ser, com
as suas diversas tatuagens cobrindo parte do corpo voluptuoso. Ela
mesma se define como uma mulher nem magra e nem gorda,
quebrando todos os padrões normativos, ao se vestir conforme o
seu gosto pessoal. Foi por esse motivo que ela pediu demissão do
Chilli en Fuego há poucos meses, indo trabalhar em outro
estabelecimento, onde pudesse se sentir livre para ousar e ser ela
mesma.
— Alejandro está aguardando por você lá no escritório — Nat
informou, voltando a sua atenção para mim, e a notícia inesperada
me surpreendeu completamente.
Será que ele reconsiderou sua decisão e pretende me
readmitir como bartender?
A última vez que eu entrei no escritório de Alejandro Cortez foi
para expressar a minha indignação pela decisão arbitrária dele de
demitir a mim e ao meu primo, Javier. Foi degradante demais ter
sido culpabilizada pela atitude do meu primo naquela noite, e nem
mesmo o fatode compartilharmos a mesma história de vida o fezse
sensibilizar.
Não me agrada em nada ter que revê-lo, mas algo me diz que
esse reencontro pode colocar um fim nas questões pendentes entre
nós dois.
Alejandro me cumprimentou de modo gentil, e indicou com um
gesto uma das cadeiras em frente.
— Eu te devo um pedido de desculpas, Maya. A sua demissão
foi injusta e pretendo reparar o meu erro.
— Ser demitida do Chilli en Fuego me causou uma sensação
ruim, como se uma parte de mim tivesse sido arrancada, Alejandro
— comentei, com a voz embargada. Lágrimas arderam nos olhos,
mas pisquei rapidamente para tentar contê-las. — Trabalhar como
barmaid sempre funcionou como uma terapia mesmo, sabe?
Quando eu passava entre 10 à 12 horas atrás do balcão, eu
esquecia completamente o fato de que sobre os meus ombros
pairava o peso e a responsabilidade de manter o equilíbrio e a
integridade da minha família.
— Confessoque só o fizmesmo porque pretendia atingir o seu
primo, Maya — Alejandro admitiu, inclinando a cabeça para o lado
de maneira autodepreciativa. — Você sabe que Javier já me causou
sérios problemas devido ao comportamento impulsivo dele. Mas,
obviamente isso não justifica a minha atitude, e, portanto, eu sinto
que estou em dívida com você.
— Tudo bem, Alejandro. Desculpas aceitas. Saiba que eu não
guardo rancor algum a seu respeito.
— Vamos supor que você tenha a oportunidade de sugerir
melhorias no serviço prestado ou nas condições de trabalho aqui,
por exemplo. Quais seriam elas? — Alejandro perguntou, fechando
o punho sob o queixo, pensativo.
— Sem dúvida, a primeira delas seria dar condições para que
as mulheres recebam um salário compatível, além de oferecer
garantias de segurança e bem-estar no desempenho de suas
funções, com medidas que visem combater o assédio no ambiente
de trabalho.
— Realmente, o bar está mesmo precisando de uma liderança
feminina, e você é a pessoa mais indicada para atuar nos
bastidores, e não mais na linha de frente.
— Como assim, Alejandro? — pisquei por um momento,
visivelmente aturdida.
— Eu sei que você vai se dedicar integralmente aos estudos
na Universidade de Columbia, mas terá que encontrar uma maneira
de conciliar as duas coisas, assim que assinar este contrato —
informou, deslizando um documento sobre a mesa, sem desviar os
olhos de mim.
Senti o coração errar as batidas após ler e reler duas vezes o
conteúdo do contrato.
— Omar Aziz é o novo sócio investidor do Chilli en Fuego,
Maya — Alejandro voltou a falar, mas divaguei um pouco, tentando
processar as novas informações.— Ele passou as ações para o seu
nome, tornando-a sócia-proprietária do estabelecimento. Eu garanto
que terá carta branca para propor as mudanças que julgar
necessárias.
— Sendo assim, eu posso assumir essa responsabilidade —
concordei, me levantando da cadeira e peguei a caneta que ele me
estendia, antes de me curvar sobre a mesa, assinando no campo
correspondente.
Saber que eu posso contar agora com uma fonte de renda
própria, sendo co-proprietária do Chilli en Fuego, já me proporciona
alívio e certa estabilidade, embora isso só tenha sido possível
porque Omar se tornou sócio investidor do bar, passando as ações
para o meu nome.
Se eu não tivesse passado por tantas adversidades, eu só
cogitaria me casar apenas quando completasse 30 anos de idade.
Ou seja, eu já teria obtido o meu diploma de graduação em Direito,
passaria pelo exame de ordem pelo American Bar Association, e
assim teria o meu próprio escritório para atuar como advogada de
imigração. No entanto, eu não possuo o controle das minhas
finanças,e nem mesmo consegui quitar ainda os meus empréstimos
estudantis. Além disso, depender financeiramente do meu futuro
marido é algo que me causa desconforto, mesmo que seja uma
condição temporária.
Quando eu me despedi de Alejandro atravessei o corredor que
dá acesso à área principal do bar, encontrando o meu noivo próximo
à saída.
— Você não se cansa de me surpreender, não é mesmo? —
perguntei, passando os braços ao redor do pescoço dele e sorrindo,
exultante. — Tornou a nossa noite de domingo ainda mais especial.
Obrigada!
— Eu sabia que você ficaria feliz em poder manter o vínculo
com a coquetelaria, a sua grande paixão! — Omar exclamou,
envolvendo a minha cintura com o braço e depositou um beijo suave
em minha testa, antes de me conduzir até o carro.
É possível que Omar tenha me qualificadocomo um ativo que
vale a pena investir.
É possível que eu tenha qualificado Omar como meu futuro
cônjuge para fins migratórios.
É possível ainda, que nenhum de nós dois tenha previsto se
envolver emocionalmente.
Maya só faltouperder os sentidos, quando eu informeique não
seria possívelretornar aos Hamptons àquela hora da noite. Além de
não ser seguro pegar a estrada até o balneário, cuja distância
corresponde a 2h50m de carro, o serviço de táxi aéreo no heliporto
encerrou horas atrás.
— Nós vamos nos casar daqui a um mês, e não é nenhuma
novidade um casal viver sob o mesmo teto, Maya — ponderei,
inclinando a cabeça graciosamente para encará-la, com ar divertido.
— Só antecipamos um pouco essa mudança em nossas vidas. A
cobertura em TriBeCa será o seu novo lar a partir de hoje.
— Sei perfeitamente, Omar. Mas, compreenda que eu saí dos
Hamptons sem o meu celular, usando apenas este vestido. Não
sabia que passaria a noite em Manhattan.
— Então, é essa a questão? Eu posso te emprestar o meu
pijama, não se preocupe. Tudo sempre cai bem para uma mulher
deslumbrante como você.
Passei a observá-la dos pés à cabeça, com os olhos verdes
cintilando de admiração. Além de provocar nela um rubor violento,
que se espalhou pelo belo rosto, também reparei que os seios fartos
subiam e desciam a cada respiração acelerada. Mantive o olhar fixo,
com os olhos vidrados, ardendo de desejo por ela.
— Não... eu não acho necessário — Maya gaguejou,
constrangida. — Quero dizer, você não precisa se incomodar por
minha causa, Omar.
— Eu vou compartilhar com você muito mais do que uma
simples peça de roupa, Maya. Eu vou dividir toda a minha
intimidade, algo que é muito precioso para mim.
Cogitei se a forma como eu proferi as últimas palavras foi
capaz de atingir um ponto particularmente sensível dela, a julgar
pelos olhos marejados. Senti uma espécie de estremecimento
involuntário, seguido pelas batidas fortes e descompassadas do
meu coração, como se o meu corpo inteiro quisesse sinalizar, que
tudo nela desperta sentimentos nunca antes vivenciados.
— Você sempre morou sozinho, então? — Maya perguntou,
vacilante, abaixando a cabeça para evitar me encarar nos olhos.
— Nunca levei nenhuma das minhas ex-namoradas para
dormir em casa. Eu possuo outros imóveis na cidade, por isso eu
achava mais conveniente utilizar qualquer um deles para os
encontros.
— Não era exatamente o que eu esperava ouvir de você,
Omar — comentou, se inclinando para frente e me olhando
diretamente nos olhos castanhos, com um brilho tênue de lágrimas.
— O que me diferencia de outras mulheres? Por que escolheu a
mim para ser a sua esposa, ainda que de mentira?
Consegui sustentar o olhar dela, sem deixar transparecer que
me sentia sensibilizado pelo que enxerguei através dos olhos dela,
quando nos conhecemos no bar Chilli en Fuego. Aqueles olhos
eram os mais suaves e inocentes que eu já vi em toda a minha vida.
O forte instinto de sobrevivência de Maya foi uma das coisas
que mais despertou a minha admiração por ela, e isso de alguma
forma me comoveu.
— O ar de desamparo e aparente fragilidade da menina
mulher, despertou o melhor de mim naquela noite — confessei, num
murmúrio rouco. — Porém, logo outros traços de sua personalidade
se destacaram, ao demonstrar ser uma mulher independente,
destemida e obstinada — prossegui, esticando o braço direito para
deslizar o polegar ao longo da linha trêmula de sua boca. — Duas
versões suas tão antagônicas e ao mesmo tempo tão
complementares entre si, Maya.
De repente, — e para minha completa surpresa, — Maya
entreabriu os lábios bem desenhados e carnudos, chupando a ponta
do meu dedo numa lentidão deliberada. A língua quente umedeceu
o polegar, e por pouco eu deixei escapar um gemido, considerando
o gesto dela tão ousado e erótico, superando completamente as
minhas expectativas.
Senti uma fisgada insuportavelmente dolorosa nos testículos,e
o meu pau já latejava sob o tecido da calça social, um claro sinal do
acúmulo de tesão decorrente do meu convívio com Maya, e
intensificado com a proximidade do nosso casamento.
— Maya, essa tortura gostosa já está me corroendo por
dentro... — murmurei, deixando escapar um arquejo rouco e
desesperado. — Você precisa parar, agora — supliquei, debilmente.
— Eu queria te mostrar o quanto aprecio os momentos de
intimidade entre nós, ainda que seja limitada apenas às carícias,
beijos, e algo mais que nem de longe satisfaz completamente a um
homem como você — Maya retrucou, encolhendo os ombros,
impotente.
Preciso desfazer essa péssima impressão que eu causei nela,
e rápido!
— Vamos superar isso juntos, sem que pese nenhum tipo de
pressão ou cobrança, está bem? — assegurei, passando o braço ao
redor da cintura dela, e a puxei de encontro a mim, com suavidade.
— Como a paciência é uma das minhas maiores virtudes, eu
saberei esperar pelo dia em que você sinta que pode se entregar
para mim, Maya — acrescentei, roçando a minha boca na dela de
forma suave, antes de possuí-la por completo e fazendo pressão
suficiente para dissipar todas as angústias e os receios dela.
Pressionei os meus lábios aos dela com tanta fúria, capaz de
arrancar um gemido rude das profundezas do meu ser, e senti que
ela também se entregava ao beijo numa ânsia febril, ciente da
necessidade de sentir o calor palpitante dos nossos corpos, unidos
um ao outro.
O beijo foi interrompido abruptamente, quando nós dois
ouvimos a voz do motorista, informando que acabamos de chegar
ao nosso destino: o 30 Park Place. Maya e eu nos seguramos para
não rir de vergonha, ao constatar que nós nos pegamos como dois
adolescentes, que não conseguem segurar o tesão, mesmo diante
de um desconhecido.
O condomínio de luxo 30 Park Place fica localizado em
TriBeCa, e pertence à cadeia de hotéis Four Seasons, cujo arranha-
céu é considerado um dos mais altos de Lower Manhattan. A
cobertura recém reformada fica no 78º andar do edifício,e possui
um estilo mais minimalista e funcional, sem, no entanto, perder a
sua sofisticação.O hall de entrada é coberto por painéis de madeira
e o piso é todo em mármore Terrazzo.
À nossa frente estava o primeiro ponto da vista deslumbrante
da cidade em direção ao norte, além do terraço paisagístico,
oferecendo uma visão ampla do edifícioEmpire State até o centro e
bem mais ao longe. A sala de estar, bem dimensionada, possui uma
lareira a gás, revestida com lajes de mármore arredondadas, que se
estendem até o teto numa altura impressionante de 3,6 metros.
Eu conduzi Maya até o amplo terraço, com sua fachada em
calcário e pé direito duplo, além da balaustrada de vidro, que
permite desfrutaro espaço durante todo o ano, ao oferecerproteção
contra a ação do vento nos períodos mais frios do ano.
— Uau, que vista incrível! — disse Maya, lançando um olhar
em torno, admirada.
Voltamos para a área interna da cobertura, passando pelas
duas salas de estar, além do meu escritório decorado com os
mesmos painéis de madeira do hall de entrada. O cômodo possui
uma grande janela atrás da escrivaninha, descortinando uma bela
vista do lado Oeste e do edifício One World Trade Center. É
possível ver até mesmo a Estátua da Liberdade mais ao longe.
Depois, eu mostrei a porta interna que dá acesso ao corredor, e
seguimos em direção à entrada da cobertura, com a escada bem
em frente, com seus painéis de vidro e moldura em aço, além da
sala de jantar principal, situada logo à direita.
— A cobertura tem o seu próprio elevador, sabia? — informei,
abrindo o painel de madeira para mostrar o elevador incorporado,
que leva ao segundo andar.
— Percebo que o estilo mais funcional do ambiente propicia
mais leveza e simplicidade, mas sem abrir mão da sofisticação e
elegância — Maya comentou, lançando um olhar de aprovação em
torno. — Nunca estive em um lugar tão lindo e aconchegante, Omar.
— Então, vamos subir e ver os dormitórios, Maya — sugeri,
colocando a mão suavemente na parte inferior das costas dela,
antes de a conduzir até as escadas.
— Àesquerda fica a suíte principal, onde eu lamentavelmente
durmo sozinho todas as noites — comecei, a voz com uma inflexão
de fingida inocência, assim que subimos os últimos degraus. — E,
você verá mais quatro suítes adicionais, atravessando o longo
corredor à direita, sendo que o primeiro deles foi remodelado,
funcionando agora como sala de mídia.
— Adoraria começar o tour neste andar, conhecendo o seu
quarto, Omar — revelou, me pegando completamente de surpresa.
— Você ficou de me emprestar um pijama, lembra-se? —
acrescentou, rápida, com um sorriso tímido nos lábios.
— Imagino que esteja cansada, acertei? — perguntei,
inclinando a cabeça ligeiramente para o lado, observando-a com o
cenho franzido de preocupação.
— Aconteceram tantas coisas nos últimos três meses, Omar —
Maya explicou, em voz baixa e embargada. — A minha vida deu um
giro de 360 graus praticamente, desde que eu te conheci, e às
vezes eu me pergunto se tudo não passou de um sonho —
prosseguiu, me encarando bem fundo nos olhos, ainda marejados.
— É assustador e maravilhoso, tudo ao mesmo tempo.
— Eu imagino que seja assustador a perspectiva de morar
com um homem como eu, mas também não me sinto confortável,
acredite — admiti, enfiando as mãos nos bolsos como que para
disfarçar o nervosismo. — Acho que sou eu quem deveria me
preocupar, sabia? — continuei, enquanto me aproximava dela,
encurralando-a contra o guarda-corpo.
— Por que diz isso, Omar? — Maya indagou, deixando
escapar um arquejo doce, e ao mesmo tempo, erótico.
— Porque eu tenho que me acostumar com a sua presença
marcante, preenchendo os espaços desse apartamento, Maya —
respondi, apoiando as mãos no corrimão em aço, e me inclinei para
frente, sussurrando ao ouvido dela. — Você é uma verdadeira
tentação dos infernos, e eu não posso nem desfrutar disso!
Maya engoliu em seco e segurou em meu braço, se
encostando em mim como se temesse cair, e o meu corpo reagiu ao
toque de suas mãos e o calor da respiração, de forma instantânea.
Logo, eu pressionei os quadris contra os dela, fazendo com que ela
sentisse o latejar de desejo em minha virilha, embora num esforço
feroz para lutar contra a vontade premente de levá-la para o meu
quarto e dar vazão às minhas emoções.
— Oh, Omar... Eu quero tanto que chega até a doer — Maya
gemeu baixinho, quase desfalecendode desejo em meus braços. —
Mas, sinto que ainda não posso fazerisso. Não posso mesmo. Sinto
muito — completou, com a voz entrecortada. Em seguida, ela
colocou a mão no peito como se lhe faltasse ar, ao suspirar
pesadamente.
— Você está bem? — perguntei, segurando o rosto dela entre
as mãos e o levantei, de forma cuidadosa. — Por favor, perdoe a
forma como eu reagi contigo. Não era a minha intenção pressioná-
la, Maya.
Percebi que Maya ficou chocada ao ver o brilho das lágrimas
nos meus olhos.
— Tudo bem, Omar. Não se sinta culpado por isso. Eu só
preciso de um tempo maior para lidar com essas questões.
Eu sou um estúpido mesmo, por Deus!
Eu agi de forma tão imprudente, sem levar em consideração
que as minhas investidas ainda podem reavivar lembranças muito
dolorosas nela. No entanto, eu não tinha me dado conta de que
Maya mexia tanto com os meus sentimentos, a ponto de me
comportar como um louco ou um desvairado, permitindo a paixão
consumir as entranhas até me cegar, por completo.
— Tem uma garrafinha de água mineral no frigobar da sala de
mídia, Maya. Pode me esperar lá, enquanto eu pego o meu pijama
no closet, está bem?
Quando eu estava prestes a virar as costas e me dirigir até o
meu quarto, Maya me chamou, com urgência, na voz.
— Omar, eu preciso te contar algo sobre o meu passado. Eu
acabei de tomar essa decisão porque eu sinto plena confiança em
você, e também porque eu não quero que haja segredos entre nós
dois.
— Nós podemos tomar um banho antes. Assim, a gente
conversa com mais calma.

Passei a mão pelos cabelos parcialmente úmidos, enquanto


observava a vista espetacular pela “sacadade Julieta”,com a sua
balaustrada apenas na frente, envolvendo um guarda-corpo de aço.
Quando eu fechei as portas duplas de vidro e me virei para seguir
até o sofáespaçoso, me deparei com Maya parada no limiar da sala
de mídia, esboçando um sorriso estonteante para mim.
Maya havia soltado os longos cabelos castanhos, e eles
estavam um pouco desalinhados. Não me contive e comecei a
avaliá-la de cima a baixo. O meu olhar percorreu avidamente o
corpo dela, passando pelo pijama americano azul-marinho, que lhe
caía perfeitamente bem, até os pés descalços dela
.
Linda, natural e incrivelmente sexy, como eu sempre a desejei.
Decidi seguir até a chaise longue e me acomodei, ficando
parcialmente deitado sobre as almofadas. Maya se posicionou ao
meu lado no sofá,sobrepondo uma perna na outra, antes de crispar
as mãos, com evidente nervosismo.
Finalmente, eu estou perto, muito perto de descobrir o que de
fato aconteceu no passado dela, que ainda a machuca e a impede
de vivenciar plenamente uma relação amorosa.
— Você deve estar se perguntando: Maya ainda é virgem ou
uma mulher sexualmente inexperiente? — cogitou, me encarando
diretamente nos olhos, e percebi que havia neles mais dor do que
alguém conseguiria suportar.
— Não é demérito nenhum ter mantido a sua virgindade,
mesmo aos 23 anos de idade.
— Virgindade! — Maya bufou, contrariada. — Você quer
mesmo saber, Omar? Eu não sou mais virgem, e já faztanto tempo,
que você nem imagina!
— O que você quer dizer, exatamente, Maya? — perguntei, me
empertigando no sofá, de imediato. A expressão de seriedade dela
me deixou com a respiração suspensa, ante a expectativa de
finalmente poder confirmar as minhas suspeitas.
— Olhando agora bem no fundo dos seus olhos verdes,
percebo que você já sabe o que há de errado comigo, Omar —
respondeu, dando uma risadinha baixa e autodepreciativa. — Mas,
se quer tanto que eu verbalize, então terá que lidar com o turbilhão
de emoções prestes a ser extravasado. E, sabe por quê?
Apenas me limitei a menear a cabeça, pensando se
conseguiria suportar ouvir dos lábios dela a revelação de que foi
vítima de estupro no passado.
— Eu sofriabuso sexual na infância,Omar — Maya murmurou
entre soluços, fechando os olhos com força. — Aconteceu logo
depois de a minha mãe e eu cruzarmos a fronteira. O meu pai ficou
no México, cuidando dos negócios dele, e encarregou um de seus
homens de confiança para fazer esse serviço.
— Não precisa relatar como tudo aconteceu, Maya. Relembrar
é muito doloroso e pode te abalar ainda mais — ponderei, tomando
as mãos dela entre as minhas, e entrelaçando-as com firmeza para
transmitir todo o meu apoio.
— Agora que eu comecei, eu prefiro concluir de uma vez — ela
se apressou em dizer, com uma coragem inabalável. — Então, esse
homem que nos guiou, ele queria atingir o meu pai através de mim...
a minha mãe ficou muito abalada porque ela se viu forçada a
presenciar tudo... eu só tinha 11 anos naquela época.
Maya fez uma pausa, caindo num choro convulso, enquanto
cobria o rosto com as mãos. O corpo dela tremia de forma violenta,
e mais que depressa eu a puxei para envolvê-la num abraço
apertado. Ela manteve o rosto apertado contra o meu peito, e logo
senti que as lágrimas umedeceram a lã macia do meu suéter bege.
— Senti uma sensação tão incômoda e sufocante, causado
pela pressão que Félix fezao empurrar o meu rosto contra as partes
íntimas dele... — Maya voltou a falar, com a voz abafada. — Ouvi
um grunhido de satisfação,seguido pelo choro e clamores de minha
mãe, que insistia tanto para ficar em meu lugar... Eu ainda oscilava
entre a consciência e a inconsciência, quando ele me fezdeitar num
colchão velho. Depois disso, eu apaguei, completamente.
— Por Deus, Maya! — exclamei, horrorizado, sentindo uma
onda de indignação irracional me envolver.
Se eu encontrasse esse desgraçado na rua, juro que eu seria
capaz de matá-lo pelo que fez com ela.
— A minha mãe e eu sofremos ameaças, e desde então, a
nossa vida se transformou num inferno.
— E o seu pai? Como ele reagiu quando soube, Maya? —
perguntei, com certa relutância, me afastando um pouco, apenas o
suficiente para erguer o rosto dela, e assim, fitá-la diretamente nos
olhos.
— O meu pai vive nas sombras mais ainda do que o restante
da família, Omar
. E, eu não me refiro ao medo de ser deportado.
— Ele é um foragido da justiça, então? — perguntei, incapaz
de conter a curiosidade. A minha respiração ficoususpensa por uma
fraçãode segundo, ante a expectativa de saber mais a respeito do
pai dela.
— Pablo Navarro é o segundo na cadeia de comando de uma
organização criminosa internacional, que enriqueceu com a entrada
ilegal de imigrantes nos Estados Unidos.
— Exatamente como eu pensei... que ele fosse um coiote,
como dizem.
— Foi como ele começou realmente, mas agora chefia a rede
de contrabando.
— Você vai omitir essas informações das autoridades de
imigração, como tem feito ao longo de todos esses anos?
Certamente já sabe que teria direito ao visto ‘U’,criado
especialmente para proteger as vítimas de crimes e seus familiares
imigrantes.
— A lei de imigração é bastante complexa, mas eu tenho
estudado sobre ela há anos, Omar. Podem me chamar
carinhosamente de “sonhadora”,
por ter sido trazida aos Estados
Unidos ainda criança, mas, ainda assim, eu continuo sendo uma
“criminosa”,
assim como os meus pais. Entrar no país ilegalmente é
uma violação civil.
— Você entrou de forma ilegal, mas não pode se auto
responsabilizar por isso, Maya. Uma pessoa adulta pode responder
pelos seus atos, mas uma criança, definitivamente, não.
— Quer mesmo saber por qual motivo eu nunca formalizei uma
denúncia contra Félix e o meu próprio pai?
— Você vem sofrendo ameaças durante todo esse tempo. É
perfeitamente compreensível.
— Há muitas coisas em jogo, que você jamais entenderia,
Omar — Maya retrucou, e reparei que o belo rosto dela assumiu
uma expressão sombria. — Caso ele fosse capturado pelas
autoridades de imigração, pegaria em torno de 20 anos de prisão
federal, enquanto que a minha mãe e eu seríamos detidas e
deportadas. E não se esqueça de que Ramón possui a cidadania de
primogenitura por ter nascido neste país. Ele certamente passaria a
viver em algum orfanato, e nunca mais voltaríamos a vê-lo.
Partia o meu coração constatar que Maya se viu enredada em
intrigas e conflitos, com desdobramentos funestos, relacionados à
sua condição irregular no país, passando pela violência sofrida na
infância,além da perene incerteza, se uma denúncia às autoridades
acabaria em deportação.
— Obter o Green Card parecia um sonho impossível até o dia
em que eu te conheci, Omar — Maya quebrou o silêncio pesado que
se instalou sobre nós dois.
— Eu não medirei esforços para que você continue no país e
permaneça ao meu lado, para sempre — assegurei, com uma leve
rouquidão na voz que a fezestremecer. — Não há o que temer, meu
amor — completei, tomando o rosto dela entre as mãos, antes de
depositar um beijo suave na testa dela.
A minha resolução é inabalável, mesmo sabendo que ainda
existe o risco de perdê-la, para sempre. Engoli em seco, tentando
eliminar o nó da garganta, ao mesmo tempo em que as lágrimas
quentes e grossas brotavam e faziam os meus olhos arderem, me
obrigando a fechá-los com força. Eu vou protegê-la com a minha
própria vida se for preciso, e não vou permitir que ninguém a
machuque ou que a separem de mim.
É possível um casamento de fachadaresultar na promessa de
uma vida inteira juntos?
Eu estou cada vez mais tentado em descobrir.
Eu sou capaz de fazer qualquer coisa para proteger a minha
família. Ainda que para isso, eu precise me envolver numa mentira.
Foi essa a reflexão que eu fiz, quando Omar me propôs um
casamento de conveniência há dois meses. De início, eu neguei
porque eu sabia as implicações que a convivência com ele poderia
me causar. Por isso, eu considerei a possibilidade de me casar com
o velho Omar, que também se dispôs a me ajudar a permanecer nos
Estados Unidos junto com os meus familiares.
Eu estava mesmo decidida a formalizaruma união de fachada,
infringindo as leis migratórias, as mesmas que norteiam a prática
legal de uma advogada de imigração. Porém, reconsiderei as
opções, decidindo me unir em matrimônio com o único homem a
quem eu vou me entregar de corpo e alma: Omar Aziz Filho.
Neste exato momento, Omar e eu estamos sentados lado a
lado, diante de um renomado advogado de imigração. O Dr. Peter
Duke continuava encarando ora a mim ora Omar, aguardando que
um de nós respondesse de forma sincera e honesta à seguinte
pergunta:
Vocês planejaram um casamento por amor ou por
conveniência?
Omar e eu nos entreolhamos em um momento de
cumplicidade mútua.
Eu sempre acreditei no amor desprovido de interesses, mas
agora eu tenho a certeza de que um sentimento tão sublime como
este só se consolida mesmo entre o casal depois de muitos anos de
convivência.
O silêncio pesado e constrangedor logo foi quebrado pelo
advogado de imigração.
— Como o requerimento do Green Card será baseado em
casamento , considero fundamental saber o grau de envolvimento
entre vocês — Peter informou, apoiando os cotovelos na mesa e
unindo as mãos, com uma expressão grave no rosto. — As pessoas
imaginam que esse meio facilita a obtenção de visto, reduzindo
assim o caminho para a cidadania americana, mas nem sempre isso
é possível.
— Nós dois estamos nos esforçando para estabelecer um nível
maior de intimidade... — Omar ponderou, fazendo um gesto vago
com a mão e dando um longo suspiro.
— Vocês pretendem se casar daqui a um mês, sendo que se
conheceram recentemente, correto? — o advogado comentou,
voltando a falar logo em seguida. — Omar, com todo respeito, a
gente sabe que tesão por mulher bonita qualquer homem tem, e
isso não é razão suficiente para convencer o juiz ou qualquer agente
de imigração.
Senti a pele do rosto arder como se tivesse sido atingida por
um ferro em brasa, assim que ouvi as últimas palavras dele.
— Em outras palavras, ambos precisam demonstrar que se
trata de um casamento de boa-fé, pois do contrário, a união será
considerada uma fraude. Casais que não conseguem comprovar
que a relação é legítima podem ser punidos criminalmente, e são
facilmente detectados.
— Foi por isso que agendamos uma consulta, Dr. Duke —
afirmei, assumindo uma postura altiva. — Omar e eu faremos o
possível para provar às autoridades imigratórias de que o nosso
casamento é genuíno e não uma farsa.
— Existe um ponto a favor na situação que é o fato de Omar
ter um vultoso patrimônio. Ou seja, ele não se enquadra no perfil do
cidadão americano médio que formaliza a união mediante
pagamento. Porém, um bilionário que se casa com uma imigrante
de origem humilde também levanta suspeitas, mas pelos motivos
contrários.
— E de que forma Maya e eu podemos evitar que eles
suspeitem das nossas intenções?
— Aproveitem esse intervalo de tempo entre o noivado e o
casamento para fazerem o máximo de atividades que vocês
puderem, juntos. Seja um passeio pelo Central Park, uma visita ao
museu, jantares em restaurantes, ida ao barzinho ou casa noturna...
enfim, vocês dois precisam dividir os momentos de lazer para
estreitar ainda mais os laços que os unem.
— E depois que nos casarmos, o que mais pode ser feito para
gerar evidências sólidas para o procedimento migratório? — Omar
fez mais uma pergunta, com ar pensativo.
— Além de morar juntos, os casais típicos dividem as tarefas
domésticas, tiram férias, celebram eventos importantes, como
aniversários e feriados, ingressam em clubes ou academias, fazem
sexo e planejam ter filhos.
Ouvir o advogado elencar cada um deles, me fez soltar uma
gargalhada débil, que eu não consegui segurar. Aposto que as
definições do meme “rindode nervoso”foram atualizadas com
sucesso, a julgar pela expressão perplexa deles.
Fazem sexo e planejam ter filhos.
Os últimos itens da lista, mas não menos importantes.
— Eu espero que leve a sério a possibilidade de ter um filho,
Miss Garcia.
— Eu? Ah, sim, estou ciente disso, doutor — confirmei,
engolindo em seco e me remexi, desconfortável na cadeira.
— A gente já começou a pensar nos possíveis nomes para o
nosso bebê — Omar mentiu, deliberadamente, ao cruzar uma das
pernas sobre o joelho. Depois, ele apoiou o cotovelo no braço da
cadeira, fechando o punho sob o queixo, mantendo os olhos verdes
fixos em mim.
Havia um brilho desafiador e pervertido neles, provocando uma
deliciosa onda de calor, que percorreu todo o meu corpo.
— Os casais também combinam aspectos burocráticos
relacionados às finanças logo após o casamento. Mas, você
entende desse assunto melhor do que eu, Omar.
— Como o compartilhamento de contas bancárias, cartões de
crédito, carros, imóveis ou quaisquer outros bens adquiridos em
conjunto — Omar enumerou, esfregando o queixo, pensativo. — Já
estou cuidando de tudo, doutor.
— Agora vem a parte mais delicada do processo: o
levantamento de toda a sua trajetória como imigrante não
documentada no país — o advogado ponderou, com ar grave.
— Felizmente, o USCIS está finalizando o meu processo de
renovação do DACA. Acho que receberei o novo cartão de
Autorização de Trabalho nas próximas semanas.
— Perfeito!— Peter exclamou, encostando-se na cadeira, com
os ombros relaxados. — O pai de Omar antecipou algumas
informações a seu respeito, Miss Garcia. Ele me contou que a
senhorita entrou no país, acompanhada por sua mãe, correto?
— Sim, exatamente, doutor — confirmei, assentindo com a
cabeça de forma quase imperceptível. — A minha mãe me trouxe ao
país, quando eu tinha 11 anos de idade.
— Apesar de o DACA não garantir um status de imigração
legal, pelo menos impediu que você acumulasse presença ilegal nos
Estados Unidos durante o tempo em que esteve em vigor. Mas,
ainda tem a parte mais espinhosa do processo: verificar se está
elegível para o ajuste de status ou se terá que passar pelo
processamento consular.
— O que isso significa? — Omar indagou, franzindo o cenho
de preocupação.
— Significa que eu terei que retornar ao Brasil para passar
pela entrevista no Consulado, que poderá aprovar o visto de
residente permanente, permitindo a minha reentrada nos Estados
Unidos — respondi, desviando o olhar, com o rosto banhado em
lágrimas. O ar refrigerado do escritório fez os pelos dos braços
eriçarem, e senti um arrepio percorrer a coluna. Cruzei rapidamente
os braços sobre o peito para me aquecer.
— Eu imaginei mesmo que a sua mãe cruzou a fronteira sem
passar pela inspeção[28]— o advogado comentou, esfregando o
queixo, pensativo. — As pessoas que se encaixam nessa condição
não se sentem seguras em deixar os Estados Unidos, ainda que
sejam elegíveis para oGreen Card baseado em casamento.
— Se você já estava ciente de tudo isso por que não me
contou nada, Maya? — Omar perguntou, me encarando com uma
expressão angustiada.
Senti um incômodo aperto no peito, só de imaginar a
possibilidade de Omar não me perdoar por ter omitido uma
informação tão grave, podendo levá-lo até mesmo a desistir de se
casar comigo.
— Eu sempre tive medo de deixar os Estados Unidos e não
poder retornar — admiti, voltando a encará-lo com o rosto
contorcido de tristeza.
— Doutor, o que pode ser feito para garantir a reentrada dela
ao país após o procedimento consular? — Omar perguntou,
voltando sua atenção para o advogado, imprimindo à voz um tom de
profunda ansiedade.
— Por precaução, eu entrarei com um pedido de isenção de
presença ilegal para que a sua noiva seja admitida de volta aos
Estados Unidos, sem problemas. Felizmente, ela recebeu o DACA
antes de completar 18 anos e, portanto, praticamente não possui
nenhum dia de presença ilegal.
A dispensa de presença ilegal provisória permite que a pessoa
permaneça no país,enquanto aguarda o USCIS tomar uma decisão,
e caso seja aprovada, ela então deixa os Estados Unidos para
comparecer à entrevista no consulado do país de origem.
— Miss Garcia pode iniciar o processo de solicitação do Green
Card aqui mesmo e, quando agendarem a entrevista, ela retornará
ao Brasil para uma estadia curta, geralmente com duração de duas
semanas.
— Então, eu posso me tranquilizar um pouco, doutor? — Omar
perguntou, perscrutando nele um olhar cheio de expectativas.
— O processo pode transcorrer de maneira tranquila, desde
que ambos sigam à risca as minhas recomendações. Porém, o
governo vem dificultando cada vez mais a concessão de vistos e
não duvido que exijam uma segunda entrevista, quando Miss Garcia
retornar ao país.
— Duas entrevistas, como assim? Existe mesmo essa
possibilidade? — perguntei, fitando-o com a respiração suspensa.
— Como a solicitação será feita antes de completarem dois
anos de casados, os agentes certamente vão suspeitar de que o
casamento foi realizado por motivos migratórios. Mas, não se
preocupem. Eu vou prepará-los para a entrevista na qual ambos
serão interrogados, individualmente.
O advogado de imigração me passou uma lista com todos os
documentos necessários para dar entrada no pedido de visto de
residência permanente, além de ter agendado uma nova consulta
para auxiliar no preenchimento dos diversos formulários exigidos
pelo Serviços de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos
(USCIS).
O semblante de Omar se fechou, assim como o céu, encoberto
pelas nuvens enegrecidas, o que de certa forma refletia bem o meu
estado de espírito. Aumentei a distância entre nós dois, enquanto
atravessava o longo corredor, mas ele me alcançou rápido, e
segurou firme a minha mão, entrelaçando os nossos dedos.
Um silêncio esmagador se instalou no veículo, e eu decidi
observar a paisagem pela janela, mordendo o lábio inferior, perdida
em pensamentos.
— Omar, você ainda pode entrar em contato com o advogado,
informando que não pretende mais protocolar uma petição de
imigração em meu favor — informei, relutante, pousando a mão no
braço dele, com suavidade.
— Nós vamos nos casar, e não acho justo que você
permaneça em situação irregular no país, Maya — retrucou, ao
colocar a mão direita sobre minha, apertando-a com força. — Nós
estamos juntos nisso, esqueceu?
— Eu imagino que esteja chateado por eu ter omitido uma
informaçãotão importante de você, mas saiba que eu só agi assim
por medo — revelei, em tom de desabafo. — O medo de deixar a
minha mãe e o meu irmão, desamparados. E, depois, o medo de
perder você...
De repente, o meu corpo se projetou para a frente de modo
brusco no banco do passageiro. Um motorista havia acabado de
parar no semáforo, mas Omar que vinha logo atrás, se distraiu e
quase não freou a tempo.
— Peço desculpas pelo meu descuido, mas eu fui pego
desprevenido por você! — exclamou, inclinando ligeiramente a
cabeça para o lado, com uma expressão divertida no rosto. — Você
não vai me perder, Maya. Nós não vamos nos perder um do outro,
eu garanto! — assegurou, com veemência. Depois, ele segurou o
meu rosto entre as mãos e me beijou de um modo que me fez
tremer inteira.
Um beijo que revela um tipo de desespero sentido apenas
quando se pressente que algo muito ruim ainda pode acontecer.
Percebi que ele estremeceu de leve, antes de interromper o beijo,
voltando a atenção para o trânsito, uma vez que o sinal havia
acabado de abrir.
Os meus lábios se abriram, mas nenhum som saiu deles. Eu
me sentia incapaz de dizer qualquer coisa, após ouvir aquelas
palavras serem ditas por ele de uma forma tão intensa, capaz de
dissipar todas as dúvidas e receios que ainda me afligiam.
Preciso dele, desesperadamente. Preciso senti-lo dentro de
mim.
— Acho que já perdemos tempo demais, Omar — consegui
falar, em tom decidido.
— O que quer dizer, exatamente? — perguntou, lançando um
olhar de esguelha em minha direção.
— Adiei por muitos anos o momento de retomar o controle da
minha vida íntima — respondi, me sentindo mais autoconfiante. — O
consultório da minha terapeuta fica na Madison Avenue —
prossegui, decidida a rever Celine Thomas, mesmo após todos
esses anos. — Eu vou tentar falar com ela antes de voltar para
Columbia.
Pelo canto do olho, eu notei o sorriso encorajador dele, e me
recostei no banco, fechando os olhos, dominada por um desejo
arrebatador de me entregar para ele em nossa noite de núpcias.
O que Omar me transmitiu em apenas três meses de
convivência valia por anos.
A recepcionista me pediu para aguardar a saída da paciente,
que já estava no consultório há quase meia-hora. Felizmente, Celine
não se opôs em me encaixar em sua agenda entre um atendimento
e outro. Abri a minha bolsa transversal de couro e tirei dela o convite
no estilo mais tradicional e sofisticado, em papel branco, com
bordas diferenciadas em relevo seco no tom rosê. Eu era a única
pessoa presente na sala de espera, que não mudou nada desde a
última que eu estive aqui, quando eu tinha 16 anos de idade.
Na verdade, eu aparento ser uma pessoa destemida por fora,
mas que por dentro parece patinar numa fina camada de gelo.
Havia um sofá de dois lugares estilo bergère, em couro
marrom, uma mesinha de canto com algumas revistas, além de
quatro cadeiras estofadas. O chão era coberto com carpete cinza-
claro, e as paredes brancas eram decoradas com dois quadros: um
posicionado na parede em frente; e o outro, no lado oposto.
Passei a olhar distraída os dizeres contidos no convite durante
algum tempo, quando de repente eu escutei a voz da recepcionista,
informando que a minha entrada no consultório acabou de ser
liberada.
— Maya, mas que surpresa! — exclamou Celine, assim que eu
fechei a porta atrás de mim. — Eu não esperava revê-la depois de
tantos anos... — prosseguiu, indicando o recamier de couro marrom,
situado no canto da sala. — Você deixou bem claro que não
precisava mais se cuidar. O que te fez mudar de ideia?
Virei o rosto, desviando o olhar, em silêncio, ao que ela
respondeu logo em seguida:
— Deixe-me adivinhar: você conheceu uma pessoa especial,
acertei?
— Eu vou me casar daqui a um mês, Celine — informei,
tirando o convite da bolsa e o estendi na direção dela, com um
sorriso tímido nos lábios.
— Mas, que notícia maravilhosa, Maya! Meus parabéns! —
Celine me congratulou, antes de pegar o convite. — Eu faço
questão de estar presente no dia — completou, abrindo o envelope
para ler o cartão.
— Mas, se trata apenas de um casamento de fachada... ou
pelo menos era o que nós dois pensávamos inicialmente que seria.
— Mas, essa foi uma decisão sua, do seu noivo ou de ambos?
— a psicóloga quis saber, erguendo a cabeça para me perscrutar de
forma atenta.
— Nós dois decidimos de comum acordo — respondi, com
franqueza, ao me sentar no recamier.
— Considero uma honra ter sido convidada para o evento,
Maya. Mas, acho que você não veio até aqui apenas para trazer o
convite. Em que posso ser útil nessa nova etapa de sua vida?
— Eu recebi a orientação de um advogado de imigração e ele
foi taxativo ao dizer que eu preciso ter um filho — informei,
engolindo em seco, decidindo ir direto ao ponto. — É a forma mais
segura de garantir que o processo de regularização da minha
situação no país transcorra, sem maiores complicações.
— Isso é o que ele diz, mas essa decisão só cabe a você e ao
seu futuro cônjuge.
— Eu acabei de começar o primeiro ano do curso de Juris
Doctor na Universidade de Columbia. Finalmente, eu vou poder
realizar o meu maior sonho, Celine. Talvez você se recorde que eu
sempre disse que me tornaria uma advogada de imigração.
— Como eu poderia esquecer uma informaçãotão importante,
Maya? Imagino que a sua vida tenha se transformadopor completo,
desde a última sessão, não é mesmo? As projeções futuras são as
melhores possíveis, e fico feliz que as esteja compartilhando
comigo.
— Eu vou me inscrever para as atividades de prática jurídica
na Clínica de Direito dos Imigrantes no ano que vem, Celine —
comentei, com empolgação na voz. — E, eu mal posso esperar para
participar dos casos envolvendo naturalização, defesa de
deportação e requisições de asilo.
— Os seus olhos brilham quando fala sobre as suas
perspectivas como futura advogada, Maya. A sua contribuição será
fundamental para os imigrantes em situação de vulnerabilidade.
— A minha vida profissional tem transcorrido de forma bem
tranquila — ponderei, encarando as minhas próprias mãos unidas,
com os dedos entrelaçados, e mexi os polegares distraidamente. —
Mas, eu confesso que ainda tenho dificuldades para lidar com as
questões íntimas, especialmente as sexuais.
— Qualquer progresso por menor que seja não deve ser
menosprezado, Maya. Você já conversou com o seu noivo a
respeito do enfrentamento do trauma de infância?
— Sim, Celine. Ele tem sido incrível, desde que nos
conhecemos, sabe? Ele sempre se mostrou um homem respeitoso,
compreensivo e paciente. Eu me sinto à vontade para expor os
meus anseios, as expectativas e as vulnerabilidades, sem que haja
cobranças ou pressões.
— Então, vocês dois já conseguiram estabelecer um vínculo
emocional a nível mais profundo. E quanto à intimidade física,que
aspecto ainda considera desafiador?
— No início, o contato entre nós dois se limitou à troca de
beijos e carícias, mas faz poucos dias que eu me permitir
experenciar o orgasmo através do sexo oral.
— Como você se sentiu após a experiência, Maya?
Considerou positiva?
— É uma sensação indescritível, Celine. Achei que havia
transcendido porque a alma alcança outra dimensão naqueles
poucos segundos de êxtase.
— E agora você se considera capaz de avançar um pouco
mais na intimidade?
— Um relacionamento envolve troca e reciprocidade, não é
mesmo? O que eu mais quero é poder retribuir os esforçosque ele
tem feito, Celine. O que eu sinto por Omar vai além de um simples
desejo, e estou cada vez mais receptiva a me entregar para ele.
— É importante manter uma comunicação assertiva com o seu
parceiro, expondo claramente os seus limites para a prática sexual
envolvendo penetração, caso permita. Além disso, eu sugiro
também que façamalgum tipo de brincadeira nos momentos a dois,
que vise estimular os sentidos e conhecer em detalhes o corpo um
do outro.
— Acho que esse pode ser um bom ponto de partida para me
sentir mais confiante antes da noite de núpcias.
— Não se reprima caso perceba que gosta de coisas que
podem gerar algum gatilho durante o sexo. Você já consegue expor
abertamente as suas necessidades, e certamente ele vai te auxiliar
neste processo de ressignificação de experiências.
— Eu senti muita falta mesmo das sessões, Celine. Eu só
abandonei o tratamento porque assumi muitas responsabilidades
aos 16 anos, e acabei priorizando outros aspectos da minha vida...
No final das contas, eu consegui resistir apesar de tudo.
— Então, sinta-se à vontade para agendar uma nova sessão,
Maya. Fico contente em saber que está disposta a retomar o
tratamento.
— Bem, eu preciso ir à universidade agora, mas esses poucos
minutos de conversa já fizeram uma grande diferença — informei,
ficando de pé e ajeitei a bolsa transversal no ombro, preenchida por
uma sensação de esperança renovada.
— Verifique depois com Nicole uma data e horário compatível
com a sua disponibilidade, está bem? Foi um prazer revê-la, Maya!
A terapia sempre me proporcionou leveza, desprendimento e
bem-estar.
O sofrimentoe a carga emocional pesada foramdiminuindo ao
longo dos anos, graças ao enfrentamento do ocorrido. Logo, a
lembrança terrível não vai mais me incomodar como antes. Com
isso, eu terei grandes chances de me livrar desse trauma, o
relegando ao passado e vivendo melhor a minha vida daqui para
frente.
Cerca de trinta minutos depois, eu atravessei o jardim da
Escola de Direito, exatamente a tempo de assistir à palestra de
Direito Internacional no anfiteatro do edifício William and June
Warren Hall. Horas mais tarde ainda haverá o workshop de prática
jurídica I, que costuma ocorrer durante o outono, possibilitando aos
alunos receberem treinamento intensivo em pesquisa, redação e
habilidades analíticasnecessárias para a prática jurídica,através de
trabalhos escritos, discussões em seminários e conferências.
Quando eu voltei para a cobertura em TriBeCa, tomei um
longo banho de banheira, seguido por uma ducha rápida. Optei pela
combinação de calça jogger e blusa de tricô rosa com a manga
caída no ombro para me aquecer na noite típica de outono. Resolvi
prender o cabelo em um coque frouxono alto da cabeça, e algumas
mechas acabaram se desprendendo do penteado, emoldurando as
laterais do meu rosto.
Uma vez na cozinha, eu enchi a chaleira de água e deixei no
fogo até pegar fervura, antes de despejar parte do líquido fumegante
em uma xícara. Coloquei um sachê de chá preto Twinings em
infusão, e me aproximei da área de estar, com seu longo sofá
branco de canto. Eu me acomodei entre as diversas almofadas,
observando a vista espetacular de parte da cidade. Depois, eu
cruzei as pernas em posição de lótus, dando continuidade à leitura
do livro “Políticasde imigração americanas: uma história”,escrito
por Marion T. Bennett. Os minutos passaram sem que eu me desse
conta até que de repente, Omar fez a sua voz rouca e marcante
reverberar por todo o ambiente, me tirando dos meus próprios
devaneios.
— Eu sabia que te encontraria na área de estar da cozinha,
Maya. Atrapalho você?
— Não, Omar, nem um pouco — respondi, erguendo o rosto
para encará-lo, com o queixo ainda apoiado no punho fechado. —
Quer me fazer companhia?
— Você não precisa nem pedir — Omar respondeu, com a voz
baixa e dolorosamente rouca, o que me fez imaginar como seria ter
o corpo dele junto ao meu, ouvindo palavras sacanas sussurradas
entre gemidos, capazes de me fazer delirar de prazer.
— A minha terapeuta sugeriu uma brincadeira que deve ser
feita a dois para estimular os sentidos e conhecer mais o corpo um
do outro— informei, deixando o livro de lado para me posicionar de
frente para ele no assento.
— Eu já estava mesmo louco para te tocar novamente, Maya.
— Não sei qual será o desfecho, mas uma vez iniciada, nós
não poderemos parar mais — revelei, fixando os olhos castanho-
escuros nele, com uma expressão divertida e impudente. — Damas
primeiro! — anunciei, animadamente. — Agora, feche os olhos,
Omar.
Omar me encarou fixamente nos olhos, arqueando as
sobrancelhas de modo desafiador, mas fezexatamente o que eu lhe
pedi, ao se endireitar no sofá, mantendo os braços ao longo do
corpo. De início, eu passei a mão suavemente pelo tórax
musculoso, moldado pelo suéter preto de malha, antes de deslizar a
palma por dentro da peça, acariciando o abdome com os dedos
espalmados. Soltei um arquejo de satisfação ao notar que o peito
dele, recoberto por pelos curtos e espessos, subia e descia, ao ritmo
da respiração ofegante, em resposta ao toque suave em sua pele.
Depois, eu desabotoei os três botões da gola em “V”, e inclinei a
cabeça na direção da curva de seu pescoço, dando beijos quentes e
úmidos, entremeados por mordidas leves.
— Você está me torturando de um jeito que fica impossível
resistir, Maya — Omar sussurrou, com a voz rouca de desejo.
O meu olhar percorreu avidamente o corpo dele, até se deter
no volume que lhe crescia entre as pernas. O meu coração parou de
bater por uma fraçãode segundo, até começar a acelerar de forma
incontrolável. Respirei bem fundo, ao fechar os olhos, deslizando a
mão bem devagar pela cintura, até apalpar o pênis por cima da
calça de moletom. Quando o pressionei delicadamente, ouvi um
gemido gutural sair da garganta dele, e como resposta, o ponto
sensível entre as pernas começou a se contrair. O clitóris pulsava de
desejo, deixando a região íntima insuportavelmente dolorosa.
— Não percebe o quanto você me enlouquece, Maya? —
Omar indagou num murmúrio rouco, passando o braço ao redor da
minha cintura, e me puxou com força, de modo que eu acabei
sentada no colo dele. — Eu quero enterrar o meu pau bem fundo
em você, mas no momento certo — acrescentou, roçando a sua
boca na minha de forma suave.
— Por que esperar, se o que eu mais quero é poder te sentir
dentro de mim? — perguntei, chupando o lábio inferior dele e o
mordiscando ao mesmo tempo. — Eu quero ser sua.
Senti o corpo dele se enrijecer, e comecei a rebolar lentamente
no colo dele, fazendo-o estremecer por completo. A seguir, Omar
pressionou os lábios aos meus com tanta fúria,me fazendoarrancar
um gemido rude, vindo das profundezas. Em seguida, ele deslizou
as mãos pelas minhas costas, provocando um arrepio de prazer e
me arqueei contra ele, de maneira instintiva. Ele levou as duas
mãos à minha bunda e a apertou com força, me fazendo ofegar
debilmente, com a boca ainda colada à dele.
— Eu quero que fique de costas para mim — Omar conseguiu
dizer, num murmúrio rouco.
Senti a minha excitação ensopar a calcinha, mas fiz
exatamente o que ele me pediu.
Omar desfez o coque e agarrou os meus cabelos com uma
das mãos, puxando-os com tanta força, a ponto de fazer o meu
rosto inclinar levemente para o lado, enquanto fechava os olhos,
vibrando de expectativa. Em seguida, ele se inclinou para beijar o
ombro nu, mordiscando a pele de leve ao longo do pescoço e da
nuca. Logo, eu senti a outra mão dele deslizar por dentro da minha
blusa de tricô, espalmando e apertando de leve o seio, que
intumesceu e eriçou ao simples toque.
Quando Omar percebeu que eu havia deixado escapar um
arquejo rouco, aumentou a pressão da mão dele em meus cabelos,
virando a minha cabeça de modo que ele pudesse fundir os nossos
lábios. Tentei segurar o rosto dele na vã tentativa de tocá-lo, mas ele
voltou a me puxar pelos cabelos, torcendo-os num rabo de cavalo e
me fezjogar a cabeça toda para trás, enquanto um profundogemido
escapava da garganta.
— Sempre quis saber se os seus cabelos alongados
resistiriam aos meus puxões — revelou, antes de mordiscar
suavemente o lóbulo da minha orelha, provocando um leve tremor
por toda a lombar.
— Oh, sim, Omar! — ofeguei, umedecendo os lábios e
arqueando o corpo de maneira instintiva. Estremeci de leve,
sentindo uma onda de calor subir pelo estômago, acompanhado
pelo eriçar dos pelos da nuca além do bico dos seios. O clitóris
continuava pulsando como nunca. — Por favor, me toque. Preciso
da sua mão bem aqui — supliquei, enfiando a mão por dentro do
cós da calça.
Logo, Omar passou a mão por dentro do moletom até alcançar
a boceta úmida e pronta para ser manipulada pelos dedos ágeis
dele. Ele iniciou uma carícia lenta e gostosa pelo clitóris,
aumentando a fricção aos poucos, com seus dedos massageando
toda a extensão da vulva. E, para facilitar, eu arqueei o quadril para
que os dedos dele me penetrassem mais profundamente, enquanto
Omar se inclinava para beijar o meu pescoço de novo, passando
pela nuca e depois pelo ombro nu. Os lábios dele estavam tão
quentes e provocantes sob a pele macia, a ponto de me fazerdelirar
de prazer. Mantive os olhos fechados,enquanto gemia bem gostoso
e implorava por mais, sentindo os dedos dele afundando em meus
cabelos. Omar continuou estimulando o clitóris, reduzindo e
aumentando a pressão da penetração, tudo de forma alternada.
Em determinado momento, Omar aproximou os lábios do meu
ouvido, o hálito quente eriçou os pelos da têmpora, e me fez
estremecer deliciosamente por dentro.
— Você é toda minha, Maya — sussurrou, suave e
apaixonadamente, com uma das mãos segurando bem firme a
minha nuca e me puxando para junto de si. — Goza para mim,
preciosa!
Quando senti os primeiros espasmos me sacudirem, Omar me
estreitou de encontro ao peito, com delicadeza, e fechei os olhos,
enlaçando-o pela nuca. Eu me sentia plenamente satisfeita e com o
corpo ainda amolecido, rendida ao êxtase arrebatador.
— Não sabe o quanto aprecio quando você se rende ao
prazer, sem medo e nem receios, Maya — Omar revelou, passando
o braço ao redor dos meus ombros. Ele me abraçou de tal forma,
que ao pressionar os quadris contra a minha bunda, pude sentir o
pau dele latejando de desejo.
— Eu realmente sinto que nós podemos avançar mais, Omar
— afirmei,com o coração martelando dolorosamente no peito. — Eu
quero fazer amor com você.
— Acho melhor nós dois esperarmos até a noite de núpcias,
Maya — ponderou, resoluto. — Você merece que tudo esteja
perfeito no grande dia, e farei com que se sinta segura e o mais
confortável possível, está bem?
— Você me mostrou o quanto isso pode ser bom, mas eu
entendo como se sente... Eu mal posso esperar, sabia?
— Eu também, acredite! — Omar falou, com veemência,
voltando a me estreitar de encontro ao peito, o que me fez sentir
ainda mais protegida.
Farei ainda mais algumas sessões de terapia para tratar o
bloqueio, apagando de uma vez por todas qualquer resquício de
memórias dolorosas. E então, Omar e eu seremos um só.
O dia mais aguardado por mim e por minha preciosa
finalmente havia chegado: um dia perfeito de sábado, bem
ensolarado e fresco em pleno outono.
Maya preferiu que a decoração do casamento fosse a mais
simples possível, mas com um toque de sofisticação. A equipe
especializada em eventos matrimoniais conseguiu transformar a
área externa da mansão nos Hamptons em um ambiente romântico
e íntimo, mas com uma vibração mais rústica e boêmia ao mesmo
tempo. Tudo foi devidamente planejado para que o local
acomodasse tanto a cerimônia, quanto a recepção, proporcionando
comodidade aos nossos convidados. E, por falarneles, os primeiros
já começavam a chegar e a assumir seus lugares, após receberem
dos garçons os coquetéis pré-cerimônia.
À medida que os minutos passavam, eu mudava o peso do
corpo de um pé para o outro, com crescente nervosismo. Steve se
posicionou no lado direito do altar, acompanhado pela esposa,
Megan, ambos na condição de meus padrinhos de casamento.
Logo, ele se aproximou de mim com um sorriso insolente nos lábios
e não deixei de me perguntar qual seria a piada da vez.
— Quem diria que o meu grande amigo, Omar Aziz Filho, um
solteirão convicto de 31 anos de idade, se renderia às dores e às
delícias de uma vida a dois.
— Parece que eu fui mesmo flechado pelo cupido, como
costumam dizer — comentei, torcendo um pouco os lábios numa
expressão mais próxima da ironia do que do divertimento.
— Aposto que você está se regozijando por dentro, mas não
quer dar o braço a torcer.
— Eu realmente não esperava engatar um relacionamento
exclusivo de longo prazo, assim tão depressa, Steve — admiti,
colocando as mãos nos bolsos frontais da calça. — Você pode até
não acreditar, mas desejo mesmo viver uma união conjugal real com
a mulher mais doce e inocente que eu já conheci.
— Mas, até pouco tempo atrás você me garantiu que se
tratava de um arranjo temporário. Não era essa a sua intenção? —
perguntou, o tom de voz denotando surpresa e incredulidade ao
mesmo tempo.
— Maya passou a morar comigo na cobertura há um mês e só
não te contei porque eu já previa ser bombardeado com perguntas
sobre a nossa intimidade.
Continuo firmeem meu propósito de preservá-la em toda a sua
pureza e integridade.
— Entendo perfeitamente,Omar... ― afirmouSteve, apertando
levemente o meu ombro, e sorrindo, compreensivo. — Eu estou
muito orgulhoso de você, meu amigo!
Retribui o sorriso, ciente de que aparentava ser um bobo
alegre, mas um muito sortudo, que vai recitar os votos de
casamento diante de Maya, selando a promessa de uma vida inteira
juntos. No entanto, eu mal posso esperar o momento em que eu
dividirei a cama com ela, tornando-a completamente minha, como
eu sempre desejei. O mês de setembro se arrastou indefinidamente,
e precisei direcionar toda a energia sexual em meus projetos na
Aziz Financial.
De repente, Steve fez um gesto com a cabeça para que eu
olhasse para trás, e logo notei Samara e Ramón caminhando juntos
pelo extenso gramado, na condição de dama e pajem,
respectivamente. A minha sobrinha usava um lindo vestido branco e
seus cabelos estavam presos em tranças ao redor da cabeça, e
enfeitados com uma coroa de flores. Notei que ela segurava uma
placa com os dizeres “Lávem a noiva e ela está linda”,enquanto
Ramón trazia as alianças na caixinha de madeira. A entrada deles
significava uma coisa: a presença Maya, anunciando assim o início
da cerimônia.
Maya adentrou o espaço de braço dado com o velho Omar.
Ambos caminhavam lentamente até o altar, lançando o olhar por
sobre o ombro e distribuindo sorrisos aos convidados presentes. Eu
permaneci imóvel ao vê-la se aproximando do pergolado de
eucalipto, todo coberto por um tecido leve e branco, e cujas laterais
estavam presas nas duas colunas ornamentadas com hortênsias e
pequenos arbustos, dando um toque ainda mais romântico ao
ambiente. Ela estava deslumbrante com seu vestido de noiva de
mangas curtas, todo estruturado em tule rendado com recortes
florais, cauda longa e bem ajustado ao corpo, uma criação do
estilista Oscar De La Renta. Os cabelos dela estavam presos num
coque baixo, com mechas trançadas e decoradas com arranjos de
flores delicadas. Maya trazia nas mãos um delicado buquê de
orquídeas, similar ao que ela pegou durante a recepção de Najla.
O meu pai a entregou para mim, após beijá-la na testa de
modo afetuoso. Quando finalmente Maya se posicionou ao meu
lado, o juiz de paz deu início à cerimônia, proferindo o seguinte
discurso:
— Família e amigos, obrigado a todos e todas pela presença
nesta maravilhosa ocasião. Hoje estamos aqui, juntos, para unir
Omar Aziz Filho e Maya Garcia Navarro, em casamento.
A seguir, o magistrado voltou a sua atenção para mim, antes
de continuar a falar:
— Omar Aziz Filho, você aceita esta mulher para ser a sua
legítima esposa, se comprometendo a viverem juntos em
matrimônio, amando-a, confortando-a, honrando-a e mantendo-a,
seja na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza, deste dia em
diante, enquanto vocês dois viverem?
— Sim, aceito! — respondi, com a voz um pouco mais
embargada do que gostaria.
— Maya Garcia Navarro, você aceita este homem para ser o
seu legítimo esposo, se comprometendo a viverem juntos em
matrimônio, amando-o, confortando-o, honrando-o e mantendo-o,
seja na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza, deste dia em
diante, enquanto vocês dois viverem?
— Sim, eu aceito. Claro que sim! — Maya respondeu, em um
sussurro quase inaudível.
— Ao longo desta cerimônia, os noivos juraram, em nossa
presença, serem leais e amorosos um com o outro. Ambos
formalizarama existência do vínculocom palavras, e escolheram as
alianças como um símbolo de amor. Ao colocar este anel no dedo
de Maya Garcia Navarro, repita depois de mim.
— Maya, com este anel, eu te caso e prometo o meu amor
agora e para sempre — repeti, colocando a aliança no anelar
esquerdo dela. Senti que a mão ficou trêmula e sensível sob o meu
toque carinhoso, capaz de estimular uma descarga de eletricidade
por todo o meu corpo.
— Maya Garcia Navarro, ao colocar este anel no dedo de
Omar Aziz Filho, repita o mesmo.
— Omar, com este anel, eu te caso e prometo o meu amor
agora e para sempre — Maya repetiu, colocando a aliança em meu
dedo, enquanto as lágrimas insistiam em descer pelo belo rosto
dela.
— Pela autoridade que me foi concedida pelo Estado de Nova
York, eu os declaro marido e mulher. Agora, o noivo pode beijar a
noiva!
Quando eu a tomei nos braços, encostei nossos rostos e falei,
roçando a minha boca na dela de forma suave:
— Você me pertence, agora — murmurei, com a voz rouca e
cheia de tesão. Então, eu inclinei o corpo para frente, me
debruçando completamente sobre Maya. Eu a beijei com tamanha
intensidade, que por pouco ela não perdeu o fôlego.
Maya esboçou um sorriso largo e radiante, o qual foi
prontamente retribuído por mim, expressando toda a felicidade em
poder selar o compromisso de uma vida inteira juntos.
Depois do jantar, o salão de festas se encheu de convidados
pertencentes à alta sociedade nova-iorquina. Os homens usavam
smokings, enquanto que as mulheres desfilavam com seus vestidos
de alta-costura. O burburinho deles foi abafado pelas músicas
tocadas por uma banda de jazz, relembrando grandes sucessos de
Frank Sinatra, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Nat King Cole, entre
outros.
Em determinado momento, percebi que Maya conversava com
o velho Omar, além do prefeito de Southampton, e mais dois
homens. Eu não parava de observá-los, apesar de ter mantido o
semblante sério e compenetrado durante a conversa que mantive
com Amir.
A impaciência começou a me corroer por dentro, além do
ciúme. Decidi pedir licença ao meu irmão, disposto a me aproximar
do grupo, e quando cheguei mais perto, consegui escutar uma parte
do diálogo deles.
— Então, quer dizer que a senhora pretende advogar em nome
de clientes que não possuem o status legal, sendo que sequer
conseguiu legalizar a sua condição no país ainda? — um dos
homens perguntou, perscrutando-a com evidente curiosidade. —
Mas, que contraditório!
— Eu só vou me formar daqui a três anos, Mr. Harris. Nesse
ínterim, eu conseguirei obter o status legal no país.
— Percebo que é uma jovem intrépida e ambiciosa. Estou
realmente impressionado! Omar Aziz Filho é mesmo um homem de
sorte.
— Realmente, eu me considero um felizardo! — declarei, com
veemência, parando bem atrás dele. A minha voz grave e marcante
fez o homem se assustar, literalmente. Quase o fez derrubar o copo
de uísque.
De repente, a cerimonialista se aproximou, avisando que o
fotógrafoestava aguardando por mim e por Maya, próximo à mesa
do bolo de casamento, para o registro das fotos. Logo, Maya,
Míriam, o meu pai, e eu, fizemos um brinde diante do bolo, sob
muitos aplausos dos convidados, que também levantaram a suas
taças em nossa homenagem. Depois, a cerimonialista convidou
todos os presentes para presenciar a valsa dos noivos.
A seguir, eu segurei a mão de Maya, enquanto a outra
deslizava pela parte inferior das costas dela, descendo sem pressa
até alcançar a cintura. Pressionei o meu corpo ao dela, e logo nós
começamos a dançar, sem pressa, trocando olhares de íntima
cumplicidade.
— Eu me recordo de ter escutado você me chamar de
conquistador barato, quando dançamos aqui mesmo, Maya —
comentei, com a voz rouca ao ouvido dela, e a vibração fez o corpo
voluptuoso estremecer de leve junto ao meu.
— Como eu poderia esquecer o momento em que foicapaz de
impetuosamente beijar a minha boca? — Maya revelou, com o tom
de voz ligeiramente provocante e ao mesmo tempo suave, enquanto
sustentava o olhar de forma desafiadora.
— Eu estou louco para repetir o gesto urgente e voraz de um
beijo roubado.
— Assim, você não me pegará desprevenida, Omar. Mas, eu
espero que me surpreenda logo mais à noite.
Maya deixou escapar um arquejo doce, e ao mesmo tempo,
erótico. Senti o meu pau responder àquela provocação de forma
instantânea, passando a se contrair dolorosa e violentamente sob o
tecido da calça social.
— Mal posso esperar para tê-la só para mim, Maya — declarei,
roçando a lateral do meu rosto ao dela.
Não consegui conter um gemido de prazer, quando ela
envolveu os braços ao redor do meu pescoço, comprimindo o
quadril contra o meu, a ponto de sentir a mesma sensação
indescritível de antes, como se uma descarga elétrica percorresse
todo o meu corpo.
De repente, eu fui surpreendido pela aproximação da tia de
Maya, que interrompeu a valsa, requisitando alguns minutos a sós
com a sobrinha, me privando assim do clima gostoso de intimidade.
— Tia, eu não posso me ausentar da festa, assim sem mais
nem menos — Maya retrucou, encarando-a com uma expressão de
incredulidade no rosto.
— O seu pai mandou mensagem, avisando que está à sua
espera após os portões de entrada. Ele cruzou o país apenas para
te ver, Maya.
O semblante de Maya se fechou, assim que ouviu as últimas
palavras da tia.
― O quê? ― perguntou, meio engasgada, lançando um olhar
perplexo para a mulher.
— Maya, o seu pai não pode esperar por muito tempo. Você
precisa decidir logo se pretende vê-lo ou não...
— Como ele descobriu a minha localização, tia? — perguntou,
gesticulando com impaciência, enquanto a encarava com uma
expressão aflita no rosto pálido. — Ah, não precisa responder. É
evidente que foia senhora que passou o endereço daqui para o seu
irmão.
— Maya, eu posso te acompanhar até a entrada da mansão —
anunciei, segurando a mão trêmula dela, e entrelacei nossos dedos
com firmeza. Maya apertou com força a minha mão, como que
ansiando poder sentir o calor do meu toque. A expressão no rosto
dela se suavizou um pouco no instante em que os nossos olhares
se encontraram. — Não acho seguro que o encontre sozinha, e
espero que não me impeça de fazer isso.
Maya aquiesceu com a cabeça de forma quase imperceptível.
Logo, nós dois seguimos de mãos dadas pelo jardim de inverno,
passando pelo extenso gramado até alcançar o pátio. Dei a partida
no utilitário elétrico branco de quatro lugares, similar aos que são
utilizados em pistas de golfe, e cruzei a estrada margeada por
árvores antigas até alcançar a saída da propriedade. Quando
passamos pelos portões de acesso, percebi que havia dois veículos
pretos parados a uma distância de 500 metros, aproximadamente.
Observei um homem sair pela porta traseira do veículo
estacionado no meio fio.Ele possui traços hispânicos e aparenta ter
por volta de quarenta e poucos anos de idade, com estatura alta, o
porte atlético, e os cabelos dele são curtos, pretos e levemente
ondulados.
— A quem devo a honra desta inesperada visita, meu pai? —
Maya perguntou, abrindo os braços num gesto impaciente.
— Também estou muito felizem te ver, Maya — o pai ironizou,
possivelmente por sentir o orgulho ferido ao ser recepcionado com
tamanha indiferença. — Eu fiz questão de vir lhe dar os parabéns
pelo seu casamento — prosseguiu, sorrindo de forma presunçosa.
— Por que não me apresenta ao meu genro, querida?
— Vamos acabar logo com isso, Pablo. Não posso me
ausentar da festa por muito tempo.
— Quem diria que você acabaria conquistando um homem
rico, aliás, um bem podre de rico, não é mesmo? — insinuou,
erguendo a sobrancelha, de maneira sugestiva. — Omar Aziz Filho,
o bilionário das finanças, é o meu genro! Eu precisava mesmo
conferir isso com os meus próprios olhos.
Logo, nós dois trocamos um aperto de mão firme, embora
rápido demais por sentir o clima pesado da conversa que estava por
vir.
— Espero que façaa minha filha muito feliz, meu genro. Acho
que não seria tolo o bastante para ter a mim como seu maior
inimigo, não é mesmo?
Senti o músculo junto ao maxilar se contrair com força,incapaz
de digerir o tom ameaçador de suas palavras. Eu me forcei a soltar
a respiração bem devagar, me controlando para não permitir que a
raiva me consumisse a ponto de cometer um desatino.

— Não deveria se preocupar comigo, quando se está

cercado por alguém que já fez muito mal a ela! — retruquei, me

inclinando para a frente com os olhos verdes fixos nos dele,

brilhando de raiva. — E esse alguém está mais próximo do que

você imagina, Pablo.

Antes mesmo que o meu sogro fizesse qualquer tipo de


conjectura a respeito, eu percebi pelo canto do olho outro homem
sair do veículo. Ele se encostou ao capô do Mercedes preto, antes
de direcionar um olhar longo e lascivo para Maya. A minha única
reação foi fechar os olhos por um breve momento, abrindo-os em
seguida, a incredulidade anterior se transformando em indignação.
Quais são as chances de ele não ser quem eu estou
pensando?
— Quem é aquele homem que acabou de sair do carro? —
perguntei, engolindo em seco para tentar desfazer o grande nó que
se formava em minha garganta.
— Ele é o meu encarregado, Omar — Pablo respondeu,
piscando por um momento, visivelmente aturdido. — Ele se chama
Félix Guzmán.
Decidi me afastar dele e me aproximei de Maya para confortá-
la naquele momento tão difícil e doloroso, causado pela abrupta
aparição do sujeito que abusou dela quando tinha apenas 11 anos
de idade. Notei que ela empalideceu bruscamente, no instante em
que sentiu o firme toque da minha mão na dela.
— Maya, minha querida, que prazer poder revê-la! — o infeliz
a saudou mesmo de longe, sorrindo abertamente. — Os anos
passaram e você se tornou uma mulher estonteante — prosseguiu,
com seu olhar percorrendo-a por inteiro, visivelmente satisfeito. —
Com todo respeito, Mr. Aziz, mas eu sempre fui como um tio para
ela. Eu a vi crescer, praticamente.
Senti o sangue me subir ao rosto pela maneira como ele
proferiu aquelas palavras, ainda mais depois de ter arrancado a
pureza e a inocência de uma criança. Sabe-se lá quantas vítimas
ele pode ter feito ao longo dos anos, e só de pensar nessa funesta
possibilidade já me causava um embrulho nauseante no estômago.
— Eu vou quebrar a cara desse desgraçado! — murmurei,
entredentes, fechando os punhos com firmeza até sentir os dedos
formigarem.
Quando eu dei um passo na direção dele, Maya me segurou
pelo braço com força, prevendo que as coisas saíssem do controle.
— Eu não vou permitir que ele estrague o dia mais feliz da
minha vida, Omar — Maya suplicou, balançando a cabeça em
negativa, e me dirigindo um olhar cheio de angústia silenciosa. —
Porque é exatamente isso o que ele quer, acredite — continuou
mantendo o tom baixo de sua voz. — Só quero que você me leve de
volta para a mansão, em segurança.
— Está na hora de vocês dois irem embora — anunciei, de
maneira incisiva.
— Eu posso, pelo menos, dar um abraço de despedida em
minha filha? — Pablo perguntou, cruzando os braços, na defensiva.
― Tudo bem... ― Maya concordou, assentindo com a cabeça,
ao fechar os olhos. Notei que as lágrimas continuaram a fluir de
forma rápida e intensa pelo canto de seus olhos.
Pablo Navarro se aproximou de nós dois, e puxou a filha para
um abraço apertado. Porém, ele inesperadamente se afastou um
pouco para lhe beijar na testa, demonstrando um afeto genuíno por
ela.
— Mande lembranças à sua mãe e a Ramón, está bem? — ele
pediu, deixando escapar um suspiro cansado. — Adeus, Maya! ―
exclamou, acenando com a mão, em despedida.
Quando o meu sogro entrou no carro, Maya se agarrou a mim,
caindo num choro convulso. O peito dela arfava, enquanto as
lágrimas umedeciam o tecido do smoking.
— Faz bem colocar para fora tudo o que está te fazendo mal,
amor — comentei, estreitando-a de encontro ao peito, disposto a lhe
oferecer o conforto e a proteção que ela tanto precisava naquele
momento.
Parece que eu desenvolvi a síndrome das pernas inquietas à
medida que os minutos passavam, sentado no centro da sala
espelhada, enquanto aguardava Maya se trocar para a nossa noite
de núpcias. A parede espelhada circular esconde as portas que
levam ao quarto de vestir da mulher, com seu closet próprio e área
de maquiagem integrados, além do escritório, closet masculino e
suíte principal. Ou seja, todos os cômodos estavam conectados
entre si.
Optei por uma roupa íntima que proporcionasse um ar de
mistério na hora de tirar, composto por uma camisa e calça de linho
branco.
Passei as mãos tensas pelas pernas, tentando ignorar o fato
de ser responsável pela primeira experiência sexual consentida
dela. Imagino que o corpo e a mente de Maya podem reagir
contraditoriamente durante o ato, e por isso, considero fundamental
caprichar nas preliminares. Preparei o ambiente previamente para
garantir um clima leve e descontraído, mas também provocante e
sensual, ao mesmo tempo.
De repente, eu senti duas mãos cobrirem os meus olhos por
trás, e logo uma fragrância feminina bastante familiar penetrou as
narinas, me embriagando por alguns segundos. Eu cobri as mãos
macias dela com as minhas, apertando-as de leve, antes de tirá-las
suavemente para abrir os olhos. Quando eu me virei, observei os
lábios carnudos se abrirem num sorriso sedutor, além de notar as
lágrimas cintilando os lindos olhos castanhos. A seguir, eu a puxei
pelo braço para fazê-la se sentar em meu colo.
Maya usava um vestido longo de seda, com mangas
compridas, um decote em ‘ V’profundo e fechamento em botões
forrados. A fenda central da saia mais pretendia revelar do que
esconder, assim que o tecido deslizou para o lado, no simples ato
de cruzar a perna, expondo assim a pele macia dela.
— Não me provoque, preciosa — sussurrei, passando um
dedo ao longo da coxa longa e bem torneada.
— Mas, é exatamente essa a minha intenção... — murmurou
Maya, bem próxima ao ouvido, com sua voz doce e aveludada
fazendo o meu corpo inteiro vibrar de desejo.
Na sequência, eu aproximei o rosto para tomar seus lábios
completamente nos meus de formaurgente e voraz. Percebi que ela
estremeceu de leve junto a mim, como que invadida por uma
deliciosa onda de calor. Ela me enlaçou pelo pescoço e se apertou
mais junto a mim, antes de entreabrir os lábios para aprofundar o
beijo, permitindo que eu sentisse a umidade quente e doce de sua
língua. Eu quis ir além e deslizei a mão pelo quadril dela até
alcançar a bunda parcialmente coberta pela calcinha rendada.
Apertei a carne firme e macia, a ponto de lhe arrancar um gemido
bem fundo da garganta.
Logo, eu a carreguei em meus braços, seguindo em direção à
suíte principal, com os lábios ainda pressionados aos dela.
Maya fez questão de observar cada detalhe do cômodo todo
mobiliado com extremo conforto e requinte, mas com alguns
elementos extras para proporcionar um clima romântico e sedutor.
Havia algumas velas acesas espalhadas pelas mesas de cabeceira
e no console da lareira, além de pétalas de rosas, que cobriam
desde o chão até a cama king size.
— Obrigada por me proporcionar o inimaginável: a minha
primeira noite de amor — Maya declarou, com a voz embargada, ao
observar todo o ambiente decorado para a noite de núpcias.
Então, eu a coloquei no chão e segurei a mão dela,
conduzindo-a até a mesa de centro, onde havia uma garrafa de
espumante no balde de gelo, além de doces finos, pães e frutas
variadas.
— Será a primeira vez de muitas, preciosa — assegurei,
convicto, antes de segurar o rosto dela entre as mãos, dando um
beijo suave nos lábios cheios e suculentos.
— Você pensou em cada detalhe, que é impossíveleu não me
sentir mais à vontade. Eu estava mesmo faminta, sabia?
Maya me brindou com seu sorriso meio tímido,meio doce, que
sempre me desarma.
Nós dois comemos, conversamos e rimos até por volta de
meia-noite.
— É isso o que você realmente quer? Porque eu preciso ouvir
isso de seus lábios, Maya — perguntei, a certa altura, olhando bem
no fundo dos olhos castanho-escuros.
— Eu me sinto pronta para me entregar a você, como eu
nunca estive em toda a minha vida — afirmou, imprimindo um tom
de firmeza inabalável na voz. — Só tem que ser com você, Omar.
Puta que pariu! Eis a confirmação que eu tanto esperava ouvir.
— Preciso insistir para que me faça sua esta noite? — Maya
perguntou, deixando uma insinuação provocante no ar.
Caí em mim, subitamente, como se tivesse despertado de um
longo sonho. Só que desta vez, tudo é real. Até então, eu mantive a
respiração suspensa, mas soltei o ar devagar, sentindo uma onda
de alívio me preencher por inteiro. Não consegui dormir direito nos
últimos dias, incapaz de me livrar do medo e da incerteza por não
saber se Maya se sentiria capaz de ter a primeira relação sexual
durante a noite de núpcias.
— Era tudo o que eu sempre quis ouvir, Maya — eu fiz questão
de frisar, me levantando de um salto.
Eu me aproximei dela bem devagar, com os olhos faiscando de
desejo, antes de estender a mão para ajudá-la a ficar de pé. Maya
deixou escapar um arquejo de surpresa quando eu a tomei nos
braços, carregando-a até a cama. Em seguida, eu me inclinei para a
frente para possuir a boca dela, envolvendo-a por completo em um
profundo beijo. Maya não conseguiu reprimir o desejo ao deixar
escapar um gemido abafado, enterrando as mãos em meus cabelos,
e inclinando o corpo para trás até se deitar sobre o colchão.
Quando Maya dobrou o joelho, deslizei a mão pela perna longa
e torneada que saía pela fenda do vestido, enquanto me apoderava
novamente de seus lábios entreabertos, ávidos por um beijo longo e
apaixonado.
— É impressionante como os nossos corpos se encaixam
perfeitamente bem — comentei ao ouvido dela, antes de mordiscar
suavemente o lóbulo da orelha, deixando-a completamente sensível.
Precisei fazer um esforço descomunal para não me cegar
pelos instintos. A minha vontade era a de arrancar aquele vestido de
uma só vez, mas tudo o que fiz foi abrir lentamente cada um dos
minúsculos botões forrados, com a respiração suspensa.
Maya usava um conjunto de lingerie de renda na cor branca.
Era uma peça delicada, transparente, e bem sexy, realçando os
seios fartos e as curvas de seu quadril largo. Logo, um desejo
insuportável me consumiu. O meu pau, que já doía de tanto tesão,
se contorceu dentro da cueca boxer.
— Eu preciso tocar e provar cada centímetro do seu corpo com
os meus lábios, amor — Maya murmurou, imprimindo à voz um
ronronar sedutor. Senti a pulsação ressoar com forçanas têmporas,
como se o meu coração estivesse prestes a sair pela boca.
— Oh, Maya! — grunhi, satisfeito, após ouvir aquele pedido ser
feito de uma forma tão profunda, ardente e sincera. — Nunca tocou
intimamente a um homem... tem certeza de que se sente pronta
para fazer isso?
Como resposta, Maya começou a desabotoar a camisa branca
de algodão com os dedos trêmulos, mas eu me encarreguei de tirá-
la completamente, jogando-a ao longe. Eu me deitei, permitindo que
ela ficasse por cima, com o corpo ardendo de desejo. A seguir, ela
espalmou as mãos em meu peitoral, deslizando as unhas e puxando
os pelos espessos, me fazendo emitir um leve rugido de prazer. O
meu peito subiu e desceu ao ritmo da respiração ofegante, quando
Maya encostou os lábios na pele macia, beijando cada ondulação
formada pelos músculos. Àmedida que Maya beijava os contornos
do abdome, os seios cobertos pelo sutiã dela roçavam de leve as
minhas costelas, provocando um estremecimento de antecipação
que se intensificou ao alcançar o quadril.
Os lábios dela estavam a meio caminho do meu pau rijo,
quente e convidativo.
Quando Maya levantou a cabeça, um sorriso travesso iluminou
o rosto, antes de morder o lábio inferior de um modo sexy. Depois,
ela segurou o cós da calça, puxando-a até os joelhos, antes de tirar
uma das pernas, e fez o mesmo com a outra. Na sequência, ela
segurou a cueca boxer pela lateral, abaixando-a para revelar o
mastro ereto, pulsando e com as veias saltadas. Maya engasgou,
surpresa, mas envolveu o meu pênis com uma das mãos, enquanto
segurava delicadamente os testículos com a outra.
— Eu... eu até fizalgumas pesquisas, mas nada se compara a
vivenciar essa experiência na prática — murmurou Maya, deixando
escapar um riso nervoso. — Está certo assim? — perguntou, ao
massagear o meu pau em toda sua extensão.
— Sim, sim... — ofeguei, arqueando as costas de maneira
instintiva. — Está indo muito bem... Oh, que delícia, Maya! —
completei, com a voz dolorosamente rouca.
Apoiei os cotovelos na cama para observá-la melhor, custando
a acreditar que ela estava mesmo prestes a me fazer um boquete.
Ela parecia disposta a aprender, enquanto eu estava louco para lhe
ensinar.
— Como façopara não o machucar? — perguntou, imprimindo
à voz um tom rouco e urgente. — Você sabe... — completou,
fazendo um trejeito tímido e doce.
— Verifique até onde a sua boca pode ir, enquanto faz um
movimento de vai e vem com a mão, me masturbando... —
respondi, com a voz saindo num sussurro rouco, delirando de tesão.
Foi o máximo que eu consegui dizer, pois me sentir incapaz de
raciocinar direito com a cabeça de cima, uma vez que a de baixo já
assumia todo o controle.
A minha respiração foi se tornando ofegante à medida que
Maya alisava as bolas com uma das mãos, e envolvia o pênis com a
outra, torcendo-o para cima e para baixo. Em seguida, ela se
inclinou para lamber toda a extensão dele bem devagar, deixando-o
molhado com a sua saliva.
— Está me levando à loucura, sua gostosa — murmurei,
jogando a cabeça para trás e urrando de prazer.
Maya continuou usando a língua, passando-a pela cabecinha
rosada e pulsante, sem deixar de manter contato visual, ao me
lançar um olhar demorado e cheio de malícia.
Essa tortura deliciosa me consome, e preciso me segurar
muito para não gozar!
Só então, eu senti a boca dela envolver o meu pau até certo
ponto, antes de chupá-lo com movimentos circulares e de sucção,
embora os dentes tenham arranhado levemente a pele. Maya
estava até se saindo bem no sexo oral, e deu continuidade à
punheta, aumentando o estímulo com as mãos, e dando certa
atenção às bolas, algo que sempre me satisfaz, consideravelmente.
Quando o pênis estava prestes a liberar o pré-gozo quente,
Maya afastouo rosto, passando a línguapelos lábios de formasexy.
Deixei escapar um profundo gemido, afundando os dedos nos
cabelos dela, antes de puxá-los com força.
— Estava tão gostoso, amor... — murmurou, queixosa,
inclinando a cabeça para trás.
— Eu pretendo gozar apenas quando enterrar o meu pau bem
fundo em você, Maya — informei, em tom baixo e rouco,
expressando os primeiros sinais de impaciência.
Na sequência, eu me posicionei sobre minha esposa,
cobrindo-a completamente com o meu corpo firme e atlético. A
seguir, comecei a explorar o pescoço esguio com os lábios,
descendo sem pressa até atingir a ondulação suave dos seios. A
minha mão invadiu o tecido rendado para espalmar e apertar de
leve os mamilos rijos, antes de abrir o fecho para livrá-la do sutiã.
Um gemido alto irrompeu de sua garganta, quando passei a sugar
um dos seios, seguido do outro, repuxando o bico intumescido com
leves e provocantes mordidas, numa lentidão deliberada.
O corpo dela respondeu de forma instantânea, ao arquear as
costas, e instintivamente pressionei os quadris contra os dela, de
modo que a fizesse afastar um pouco as pernas.
— Oh, Omar... — Maya gemeu, arqueando-se contra mim,
totalmente entregue e rendida. — Preciso de você,
desesperadamente — suplicou, com a voz soando fraca e
melodiosa. — Preciso senti-lo dentro de mim!
Ignorei os protestos dela e continuei beijando a barriga,
descendo sem pressa e mantendo as mãos espalmadas nos seios
para os massagear de leve, enquanto observava o abdome definido
dela subir e descer. O coração retumbava no peito e a respiração se
tornou irregular a cada segundo.
— Eu vou chupar essa bocetinha todinha e depois eu vou te
foder bem gostoso — afirmei, com a voz rouca, enquanto deslizava
a mão pela cintura até alcançar o cós da calcinha rendada.
— Então, tire logo a minha calcinha, Omar — suplicou,
exigente, levando as mãos aos seios e acariciando-os, com
suavidade. — Eu quero que você me faça gozar novamente.
Tirei a calcinha mais que depressa, e abri bem as pernas dela,
antes de cair de boca na boceta quente e úmida. Maya soltou um
gemido alto, quando passei a língua pela parte interna da coxa,
subindo devagar até alcançar o meu objeto de desejo. Depois,
toquei a vulva delicadamente, massageando-a em toda a sua
extensão, e logo pude sentir os dedos encharcados de tão excitada
que ela estava. Em seguida, eu inseri dois dedos dentro da vagina,
movendo-os devagar e aumentando a pressão gradualmente para
estimular a região.
Não demorei nada, e envolvi os lábios em torno do clitóris,
mesmo que de forma cuidadosa. Aumentei a intensidade da
chupada, alternando com lambidas e sucções por toda a vulva.
Maya gemia bem gostoso, implorando por mais, enquanto passava
a mão pelos meus cabelos, enterrando os dedos bem fundo neles, a
ponto de me fazer estremecer.
— Não vou aguentar mais, amor — murmurou, com a voz
estrangulada de desejo.
A minha intenção era fazer com que Maya e eu
alcançássemos o orgasmo juntos. Então, eu me afastei e me deitei
sobre ela novamente, observando-a com um sorriso de satisfação,
pouco antes de segurar a nuca dela, selando os nossos lábios num
beijo voraz. Constatei satisfeito que ela correspondeu com o mesmo
ardor, permitindo maior acesso. A minha língua invadia a boca dela,
sedenta pelo hálito quente e doce se misturando ao meu,
deliciosamente.
Eu estava dividido entre o desejo de meter bem fundo nela, —
imprimindo um ritmo mais rápido e forte, — e o desejo de ir
penetrando devagar para tornar o ato ainda mais memorável.
Em algum momento, Omar esticou o braço para pegar a caixa
de preservativos, que estava em cima da mesa de cabeceira.
Depois de colocá-la cuidadosamente no membro rijo e pulsante,
Omar voltou a concentrar a atenção em mim, prolongando o martírio
de sentir o pau dele roçando a vulva, bem devagar. Felizmente, a
textura do preservativo não causou desconforto em contato com a
pele, graças ao fato de estar bem excitada.
Depois, Omar deslizou o corpo um pouco para cima, com as
mãos apoiadas no colchão, de modo que os ombros ficassem
alinhados na altura do meu queixo. Logo, eu senti a base do pênis
friccionando devagar contra o clitóris, movendo-se para cima e para
baixo. O meu corpo respondeu rápido a esse estímulo, e
instintivamente ergui mais o quadril, ao dobrar os joelhos e
mantendo os pés firmes no colchão. Eu estava tão possuída pelo
desejo avassalador, que mal contive a ansiedade de poder
finalmente ser penetrada por ele.
— Está me torturando de um jeito tão gostoso, Omar... —
murmurei, ao sentir a onda avassaladora que antecede o orgasmo
me invadir por inteiro. — Preciso do seu pau todinho dentro de mim,
amor — implorei entre gemidos, cravando as unhas longas nas
costelas dele.
Omar continuou roçando o pênis na vulva ainda sensível
durante algum tempo, elevando o meu tesão a níveisinsustentáveis.
De repente, ele se deitou de lado, me puxando para junto de si, e
levantou a minha perna direita para apoiar em torno de sua cintura,
permitindo um maior acesso à vagina. Os nossos olhares se
detiveram um no outro por poucos segundos, com a respiração se
misturando entre si, num frenesi louco de corpos suados e
ofegantes.
O contato visual permite que a conexão ocorra em nível mais
profundo, e o melhor de tudo foi constatar que os olhos verdes,
lindos e inquietantes dele, transmitiam verdadeira adoração, além
de algo a mais que eu não ousei identificar.
— Se você sentir qualquer desconforto, por favor, me avise —
Omar comentou, pressionando o meu corpo contra o seu, com
firmeza. — E, eu paro imediatamente, tudo bem?
Eu apenas consenti com a cabeça, sentindo o meu coração
transbordar de puro enlevo e prazer. Uma onda avassaladora de
emoção me dominou, a ponto de os meus olhos ficarem marejados.
Omar sorriu abertamente, deslizando os dedos para enxugar as
lágrimas sorrateiras, com suavidade. Fechei os olhos e soltei um
longo suspiro, tomada por uma sensação indescritível de
descoberta. A descoberta de que eu amo profundamente o único
homem que vai me proporcionar a minha primeira experiência
sexual de verdade.
Omar rapidamente segurou o meu rosto entre as mãos e me
beijou, com ardor. Entreabri bem os lábios, movida única e
exclusivamente pelo sentimento de profunda entrega, permitindo
que a línguaexigente dele explorasse a minha boca. Logo, eu deixei
escapar um gemido rude, e me arqueei toda contra ele, assim que
ele roçou a glande por toda a vulva, de modo torturante. Só de sentir
o pau duro forçar a entrada na vagina fezcom que o meu desespero
aumentasse, ante a expectativa de senti-lo por inteiro dentro de
mim. Omar interrompeu o beijo, somente para me fitar atentamente,
com os olhos flamejando de desejo.
— Oh, Maya... — murmurou, com a voz rouca, arrancando de
mim um arquejo de dor. Era uma dor suportável e prazerosa ao
mesmo tempo. — Você é tão deliciosamente apertada!
Omar penetrou aos poucos para me acostumar com o
tamanho do pênis. Logo, ele começou a se mover em um ritmo
lento, mas aos poucos foi se intensificando, pois era incapaz de
diminuir o ritmo das estocadas. Omar passou a gemer bem gostoso
ao meu ouvido, dizendo o quanto pertencemos um ao outro. Senti o
calor percorrer todo o meu corpo, como se estivesse em chamas, e
a minha respiração se tornou irregular, quando ele levantou a minha
perna, aprofundando a penetração. Continuei gemendo conforme a
dor foi se intensificando, mas aos poucos eu consegui relaxar,
esvaziando a mente, enquanto me sentia preenchida pela sensação
indescritível queme levava cada vez mais fundo.
Omar não parou de estimular o clitóris com os dedos,
intercalando movimentos rápidos e sucessivos, com outros, mais
suaves e lentos. Não demorou muito e o meu corpo começou a
flutuar, com o prazer evoluindo numa crescente, e afundei os dedos
nos cabelos dele, com força,enquanto os espasmos me sacudiam,
violentamente.
— Eu te amo tanto, Omar! — declarei, com a voz
estrangulada, ofegante diante da intensidade daquele prazer.
Eu pude ouvi-lo gemer palavras desconexas, pressionando o
rosto quente contra a curva do meu ombro. Enquanto eu gozava e
me contorcia, Omar não parava de me foder até que também
explodiu num gozo prolongado.
Deixei o corpo cair deliciosamente sobre o lençol macio, com
um sorriso bobo nos lábios. Contudo, Omar me puxou para junto de
si, me fazendo apoiar a cabeça em seu peito largo. Logo, ele
encostou a mão em meus cabelos, enroscando os dedos pelas
mechas até desfazertodo o penteado. Levantei o rosto para encará-
lo, com um misto de admiração e surpresa, e passei a mãos pelos
cabelos, jogando-os sobre os ombros de um jeito sexy.
Nós dois nos entreolhamos e explodimos numa gargalhada
gostosa.
— Que tal se a gente tomar logo um banho de banheira, e
depois uma ducha? — sugeriu Omar, com uma expressão animada
no rosto. — Estou louco para transar gostoso de novo em cada
canto desta suíte, Maya.
— É capaz de eu não conseguir dar nem mais um passo além
dos limites desta cama, Omar — respondi, imprimindo à voz uma
inflexão de fingida inocência, ao deslizar os dedos lentamente pelo
peitoral dele.
— Prometo que tentarei ir mais devagar, até que se acostume
com o meu ritmo — comentou, deixando transparecer um tom dúbio
na voz, enquanto sorria de forma presunçosa.
— Onde estava escrito que eu me casaria com um viciado em
sexo? — perguntei, soltando uma risadinha nervosa, enquanto
sentava na cama. No entanto, o ponto sensível entre as pernas
começou a se contrair, pulsando loucamente de desejo, como que à
espera de mais estímulos vindos dele.
— Não me diga que você costuma clicar em “Lie concordo”
em tudo o que vê, sem nem ao menos ler os Termos e Condições
de uso antes? — perguntou Omar, passando os braços ao redor dos
meus ombros para me carregar, arrancando gritinhos abafados de
mim, enquanto seguia em direção ao banheiro.
Uma vez no banheiro, Omar ligou as torneiras da grande
banheira branca vitoriana, e salpicou os sais de banho perfumados.
Depois, nós permanecemos de pé, aguardando a banheira encher
de água e espuma, imersos num silêncio introspectivo. Os braços
dele me envolviam e mantive a cabeça encostada ao ombro dele,
contemplando a paisagem pelas portas duplas que davam acesso à
sacada.
Quando a banheira encheu, Omar me fezsentar no colo dele e
nos encaramos frente a frente, sorrindo um para o outro. Decidi
puxar o cabelo volumoso para trás, fazendoum coque frouxo no alto
da cabeça.
— Como um gesto tão despretensioso como esse pode ser
feito de um jeito tão sexy? — Omar perguntou, a voz tão baixa que
era quase um sussurro. Percebi que os olhos verde-oliva brilhavam,
expondo luxúria pura, e continuei sustentando seu olhar, com a
cabeça inclinada para o lado, mergulhando cada vez mais fundo na
íris, completamente extasiada.
Percebi que a nossa pele brilhava em um tom rosado,
enquanto a espuma se espalhava por todo o nosso corpo. Logo,
Omar se inclinou em minha direção, fazendo a barba dele roçar
suavemente na lateral do meu rosto, antes de pressionar os lábios
na linha do maxilar, passando pelo queixo até encontrar a minha
boca. Fechei os olhos e aprofundei o beijo, movimentando a língua
num ritmo voraz, esfregando-a na dele e exigindo mais acesso.
Logo, eu passei as pernas ao redor da cintura dele, enlaçando-o
pelo pescoço de tal formaque não resisti e grunhi de prazer.
— Estar em seus braços é tão relaxante, Omar — declarei,
encostando o rosto no dele e sorrindo internamente, tomada por um
sentimento de pertencimento.
— O que... o que foi que você disse mesmo, quando
gozamos? — Omar quis saber, erguendo o meu rosto para obter a
atenção completa do meu olhar.
— Eu... eu disse que te amo, Omar — respondi, sentindo o
meu peito se apertar, ao manter a respiração suspensa. — Mas,
falei isso impulsivamente, no calor do momento — completei
depressa, mentindo deliberadamente.
— Por que você ainda insiste em negar o que sente por mim,
Maya? — indagou, com o tom de voz denotando surpresa e
incredulidade ao mesmo tempo. — Eu não fiz um juramento vazio
diante do altar e você tampouco faria isso — completou, convicto.
— Isso tudo é muito novo para mim, Omar. Eu nunca pensei
que conseguiria me relacionar com alguém, e pela primeira vez na
vida, eu me permiti ter um vislumbre de esperança.
— Nenhum de nós previu se envolver emocionalmente, isso é
fato. Mas, esse sentimento é mais forte do que nós dois
pensávamos.
— Você acha que é possível fazer essa relação dar certo,
sendo que desde o início ela se baseou numa mentira? —
perguntei, insegura, desviando o olhar.
— É tudo novidade para mim também, mas nós vamos
descobrir, juntos — garantiu, me segurando pela nuca e encostando
a testa na minha, sem deixar de me encarar nos olhos por um
segundo sequer.
Como eu tive a coragem de mentir, especialmente para o
homem que eu amo?
— Vamos logo tomar uma ducha porque ainda pretendo meter
bem gostoso na sua bocetinha, e em diferentes posições... — Omar
anunciou, de repente, antes de afastar um pouco o rosto, apenas o
suficiente para pressionar os lábios aos meus, com fúria. Eu tive que
me apoiar no ombro dele, estando quase sem fôlego.
Entreabri os lábios, movida única e exclusivamente pelo
sentimento de profunda entrega, permitindo que a língua exigente
dele explorasse a minha, por completo.
Uma vez dentro do box de vidro, Omar ligou o chuveiro e um
jato forte de água morna nos atingiu, em cheio. Levantei o braço,
traçando um caminho com os dedos pelos contornos do peitoral,
descendo bem devagar, até alcançar o abdome definido, enquanto
sentia os músculos se enrijecerem ao simples toque em sua pele.
Ergui o rosto, lançando um olhar longo e lascivo para ele, que
retribuiu com um sorriso no canto dos lábios.
Entreguei o sabonete para ele, que passou de forma lenta e
dolorosamente prazerosa por todo o meu corpo. Omar começou
pelo pescoço, passando pelos ombros, até que um gemido rouco
escapou dos meus lábios, quando as mãos grandes dele se
detiveram nos seios por mais tempo, massageando-os com
suavidade.
De repente, ele me fez virar de costas e me estreitou de
encontro ao peito, passando o braço ao redor dos ombros, e me
abraçando com força. Omar pressionava os seus quadris de tal
forma, que eu pude sentir o pênis enrijecido se chocando contra a
minha bunda. Passei o braço por trás, segurando-o pela nuca, e
emiti um pequeno grunhido de satisfação, antes de virar o rosto para
selar um profundo e urgente beijo.
Nós dois continuamos a nos tocar, lavando e enxaguando cada
parte do corpo mutuamente.
— Eu quero te mostrar uma coisa sensacional neste ambiente
— Omar anunciou, assim que nos secamos e vestimos um roupão
felpudo.
Não imaginava que o banheiro fosse uma extensão do quarto,
quando Omar puxou uma cortina revelando um espaçoso sofá de
canto, criando um conceito de luxo e conforto ao ambiente. No
entanto, o meu olhar recaiu em dois itens decorativos: duas toalhas
dobradas representando dois cisnes, os quais se uniam pelos bicos,
formando um coração. De repente, senti Omar me puxar para junto
de si, enquanto me abraçava por trás. Logo, ele roçou a boca na
têmpora, a respiração quente e ofegantede encontro ao meu ouvido
fazia o meu coração bater em ritmo acelerado, prevendo o que ele
diria a seguir.
— Preparada para mais uma rodada de sexo tórrido, preciosa?
— perguntou, deslizando as mãos vagarosamente pela minha
cintura até desamarrar o roupão, me despindo por completo.
— É capaz de eu não conseguir nem andar amanhã —
consegui dizer, num murmúrio rouco.
— Ah, consegue sim, Maya... — assegurou, mordiscando
suavemente o lóbulo da orelha, um ponto particularmente sensível
para mim.
Decidi me virar para ficar de frente para ele, concentrando o
olhar em seus lábios finos, antes de beijá-lo, com impetuosidade e
paixão. Quando Omar deslizou as mãos pelo quadril, espalmou as
mãos em minha bunda e a apertou com força, me fazendo ofegar
debilmente, com a boca ainda colada à dele. Levantei a perna de
maneira instintiva, enroscando na dele e pressionando os nossos
corpos, mal contendo a ansiedade de ser possuída novamente.
1 ano depois

O velho Omar convocou uma reunião nesta manhã de sexta-


feira, para tratar sobre o aporte financeiro prometido para a minha
fintech,e que compõe a parte da herança que me corresponde:uma
cifra bilionária, que será destinada para o fundo da organização
filantrópica fundada por mim, visando ampliar a inclusão financeira
de imigrantes e refugiados. A partir de agora, a Aziz Financial
integra o enorme portfólio de ações do conglomerado Aziz Fund
Management Inc.
— Eu acho admirável o fatode o seu projeto ter alcançado um
número bastante elevado de novos clientes a um custo
extremamente baixo, Omar — o meu pai revelou, a certa altura da
reunião. — Os resultados obtidos levaram a um aumento da
confiança dos investidores com relação ao setor de tecnologia
digital.
— Parabéns pelo excelente trabalho, Omar! — Amir exclamou,
com empolgação na voz.
— Eu sempre te disse que trataria a sua empresa como
qualquer outra, lembra-se? — o meu pai ponderou, erguendo a
sobrancelha, sagaz. — Para que eu investisse na fintech você
deveria me apresentar um projeto bem fundamentado e com
viabilidade econômica.
— Você soube nos convencer, encontrando uma solução
inovadora para preencher uma lacuna existente e que se tornou
bastante lucrativa — Amir complementou, apontando a caneta em
minha direção.
— Eu dei a você tempo suficiente para demonstrar o seu
empenho não apenas nos negócios, mas também em todos os
outros aspectos de sua vida — o velho Omar comentou, cruzando
as mãos sobre a mesa. — E, vejo que você soube conduzir todos
eles com sabedoria, especialmente com relação ao seu casamento
e à instituição filantrópica.
— Steve e eu estamos muito contentes com as métricas que
estamos conquistando — declarei, lançando um breve olhar para o
meu sócio, com um sorriso largo no rosto. — Nós conseguimos
fechar mais três aquisições no início do ano e com resultados
excelentes.
Além disso, eu cumpri à risca a determinação dele de manter o
meu casamento por pelo menos um ano, tempo suficiente para
comprovar o meu comprometimento com a sua excêntrica
disposição testamentária.
Os tabloides não levaram a sério a minha união com Maya,
especulando que o casamento só duraria até a aprovação do green
card dela. Contrariei completamente as expectativas deles, embora
inicialmente tenha planejado um divórcio rápido e um acordo
generoso com a minha esposa de mentira. E, realmente admito que
evitei a todo custo perder o título de solteiro mais cobiçado de Nova
York.
Só não esperava chegar à conclusão de que não conseguiria
viver sem minha preciosa. Maya e eu estamos casados há um ano,
e eu não abriria mão do nosso convívio por nada neste mundo. Ela
representa tudo o que eu sempre sonhei encontrar no par perfeito:
uma mulher inspiradora, obstinada e com senso de propósito.
E, por falarem Maya, nós dois combinamos de responder uma
série de perguntas, que possivelmente serão feitas pelos oficiais do
consulado durante a entrevista dela, prevista para ocorrer daqui a
uma semana, na cidade do Rio de Janeiro.
Quando a reunião terminou, os membros do conselho
corporativo deixaram a sala, e resolvi me despedir logo do meu pai
e de Amir, uma vez que preciso resolver ainda algumas pendências
antes de retornar à Aziz Financial.
— Mande lembranças à minha preciosa e avise a ela que
pretendo vê-la antes da viagem — o velho Omar solicitou, apoiando
a mão em meu ombro.
— Maya deve estar uma pilha de nervos, não? — Amir cogitou,
franzindo a testa.
— O processo todo é bem estressante e parece estar longe de
terminar, mas até que ela tem demonstrado uma calma inabalável,
sabia? Pelo menos aparentemente.
Para falar a verdade, quem se sente mais nervoso a cada dia
que passa sou eu mesmo!
— E quanto a você, irmão? Imagino que as duas semanas
seguintes serão bem difíceis de suportar
, não?
— Sim, Amir — confirmei, encolhendo os ombros, impotente.
— Eu vou amargar a ausência dela durante duas semanas, que
podem praticamente se arrastar. Pretendo me dedicar ainda mais ao
trabalho para não enlouquecer.
Nós quatro permanecemos silêncio por alguns instantes, cada
qual entregue aos seus próprios pensamentos.
— Bem, eu preciso mesmo voltar para a empresa — anunciei,
quebrando o silêncio.
— Você está indo muito bem, Omar — o meu pai revelou,
esboçando um leve sorriso. — Estou tão orgulhoso de você por tudo
o que tem feito! — acrescentou, encostando as mãos em meu rosto,
de modo afetuoso.
— Esperei anos por esse momento, meu pai — revelei, com a
voz mais embargada do que gostaria. — Finalmente, o senhor
passou a reconhecer e a valorizar os meus esforços profissionais.
Obrigado!
Nós dois trocamos um olhar emocionado, e demos um longo
abraço de pai e filho.
Steve e eu seguimos até o estacionamento, localizado no
subsolo do edifício.Quando eu me acomodei no banco do carona,
refleti por um instante e resolvi lhe fazer uma confidência, visto que,
além de ser o meu compadre, ele também é o meu melhor amigo.
— Eu não quis comentar nada na presença do meu pai, mas o
fato é que Maya e eu tivemos uma discussão séria ontem à noite —
revelei, afivelando o cinto de segurança.
— Mas por quê? — perguntou Steve, dando a partida no carro
e se afastando do local. — Imagino que as entrevistas de imigração
devem ser mesmo estressantes.
— O motivo foi outro e não tem relação direta com o processo
consular para o visto de residência permanente.
Expliquei à Steve que eu decidi fazer uma doação
substanciosa para o movimento Home is Here, com a condição de
que Maya desistisse de participar da passeata, prevista para
acontecer no final do mês. Ela está disposta a seguir com centenas
de outros ‘sonhadores’até Washington D.C, numa marcha de 230
milhas, levando ao todo 18 dias de viagem.
— Maya se mantém irredutível em sua decisão de se juntar
aos manifestantes e isso me preocupa muito — voltei a falar,
apoiando o queixo sobre a mão, e o cotovelo sobre a moldura da
janela do carro.
— Mas, também não é para menos, amigo. O governo tem
aumentado a fiscalização e o rigor na lei de controle à imigração.
— Ela disse que se conseguir retornar a tempo, vai se juntar
aos beneficiários do DACA na luta pelos seus direitos, mesmo após
a obtenção do status de residente permanente legal.
— Concordo plenamente com você, Omar — disse Steve,
lançando um rápido olhar em minha direção. — Acho muito
arriscado qualquer tipo de exposição, ainda mais na condição dela.
— Eu sinceramente não sei mais o que fazerpara convencê-la
a desistir de cometer essa loucura.
— Quem sabe os ânimos se acalmam e vocês retomam a
conversa, logo mais à noite? Eu tenho certeza de que tudo se
resolverá da melhor forma possível, Omar
.
— Deus te ouça, meu amigo! — exclamei, esperançoso. —
Você nem imagina o quanto tenho evitado qualquer tipo de
desentendimento com ela.
A última coisa de que Maya precisa é ter problemas maiores
com o governo.

Assim que adentrei o hall de entrada, eu enchi o pulmão de ar,


inalando o cheiro delicioso de comida condimentada. Logo, eu
comecei a atravessar o corredor, sem fazer barulho, e então, o som
inconfundívelde Reggaeton tocando ao fundo preencheu os meus
ouvidos. Maya estava de costas debruçada sobre o fogão,mexendo
em uma das panelas, enquanto balançava o quadril ao ritmo intenso
da música. Ela parecia tão animada que pude sentir um vislumbre
de esperança, fazendo o meu coração disparar dentro do peito.
Decidi me encher de coragem para me aproximar dela, confiante de
que o clima pesado da manhã já havia se dissipado.
Notei que ela dispôs na bancada uma travessa com falafel
assado, o tabule de frango, o cafta, que é um tipo de almôndega
grelhada, além do arroz com lentilhas e cebolas fritas como
acompanhamento. Combinamos de comer pratos típicos da culinária
dos nossos países de origem toda sexta-feira à noite.
Permaneci perto o bastante para ela sentir a minha respiração
contra a nuca.
— Eu senti que estava por perto, amor — Maya revelou, com
voz baixa e rouca, ao desligar o fogo.
— Eu achei que você ainda estava chateada comigo... —
comentei, com cautela.
— E, realmente fiquei mesmo, mas depois de refletir bastante,
eu consegui entender as suas razões — admitiu, se virando para
ficar de frente para mim. Em seguida, ela passou os braços em
torno da minha cintura, e encostou a cabeça em meu ombro. —
Mas, ainda não tomei uma decisão definitiva sobre o assunto.
— Eu me preocupo muito com você, Maya — comentei,
afagando as costas dela, com suavidade. — Mas, você tem razão.
Eu não tenho o direito de decidir o que é melhor para você.
— Sei disso e aprecio muito que esteja tentando me proteger,
amor — ponderou, se afastando um pouco, apenas o suficiente para
erguer o rosto, de modo que eu pudesse encará-la diretamente nos
olhos. — Você e eu conseguimos uma conquista importante hoje, e
acho que devemos comemorar.
— A minha não é nenhuma surpresa, mas e quanto a você?
Agora eu fiquei curioso!
— Tenho novidades sobre o caso das imigrantes detidas em
um centro de detenção familiar no Texas. Você se lembra que eu
visitei o local junto com os meus colegas há poucos dias, certo?
— Eu me lembro que você falou algo a respeito, sim —
respondi, franzindo a testa, pensativo.
— Como eu sou a única do grupo que fala português, atuei
como intérprete, especialmente pelo fato de as crianças serem
brasileiras. Conduzimos extensas entrevistas e reunimos
evidências, comprovando o envolvimento inclusive de agentes do
centro de detenção.
— Como você se sentiu durante todo esse processo? —
perguntei, segurando o rosto dela entre as mãos, com o olhar
compassivo. — Imagino que tenha reavivado lembranças bastante
dolorosas...
— Sabia que em algum momento teria que voltar ao Texas
para confrontar diretamente com os horrores vividos no passado,
mas eu estava ali por um propósito maior. A minha missão de
representar todas as mulheres e crianças, que também foram
vítimas de abuso. E, isso me deu forças para realizar o meu
trabalho, Omar.
— Eu me casei com a mulher mais admirável deste mundo, e a
única capaz de me fazer abrir para o amor — confessei, com a voz
mais embargada do que gostaria.
— A boa notícia é que as petições para a emissão de vistos
foram aprovadas — informou Maya, com tamanha empolgação, que
sequer escutou o que eu acabei de dizer. — Elas finalmente estão
seguras agora. Conseguimos o direito de permanência delas nos
Estados Unidos de forma legal.
Pisquei os olhos rapidamente, sem, no entanto, conseguir
evitar que eles ficassem marejados de lágrimas.
— Eu... eu te amo tanto, Maya — murmurei, com a voz quase
inaudível. — Eu te amo, minha preciosa — repeti, a voz ressoou
com tanta convicção, capaz de provocar uma onda de calor por todo
o meu corpo.
— Oh, meu Deus, amor! — exclamou Maya, de forma
igualmente emocionada. — Estas são palavras que eu mais ansiava
ouvir de seus lábios — completou, a voz dolorosamente rouca de
encontro à minha boca entreaberta. No entanto, eu não resisti e
puxei o lábio inferior dela, chupando-o de modo provocante.
Maya emitiu um murmúrio baixo de satisfação, antes de
envolver a sua boca na minha, em um profundo e ardente beijo.
Percorri os cabelos sedosos dela com as mãos, gemendo contra os
lábios dela, mas logo um fio de bom senso aflorou, e resolvi
interromper o beijo, porque eu não me contentaria apenas com
alguns amassos na cozinha, e justo na hora do jantar.
— Acho melhor não pularmos o jantar por mais que eu esteja
louco para degustar cada parte de você, Maya — avisei, esboçando
um sorriso matreiro.
— Então, para agilizar o processo, que tal tomar logo um
banho e colocar uma de suas melhores roupas, enquanto eu arrumo
a mesa?
Quando eu a encontrei na sala de jantar, percebi que ela havia
trocado de roupa. Usava uma saia de couro sintético, curta e bem
ajustada ao corpo, na cor preta e com fechamento em zíper frontal,
além da blusa vermelha com decote em ‘V’ profundo e manga longa.
Os escarpins pretos completam o visual sexy, e não deixei de me
perguntar se Maya vai satisfazer novamente uma de minhas
fantasias sexuais prediletas.
Cerca de vinte minutos depois, nós dois seguimos de mãos
dadas até a área de estar, com seu bar completo e com todos os
itens utilizados por bartenders. Eu sentei no banco alto e estofado,
enquanto Maya assumia a sua posição atrás do balcão. Ela vai
preparar um coquetel para mim, executando alguns movimentos
acrobáticos, pouco antes de eu tirar cada peça de roupa para fodê-
la bem gostoso na espaçosa bancada de madeira.
— Então, gostosão, o que pretende beber esta noite? —
perguntou Maya, apoiando as mãos no balcão e inclinando o corpo
para a frente, de modo que eu pudesse ver boa parte de seus seios
revelada pelo decote da blusa.
— Prepare o Boulevardier, mas use o Bourbon ao invés do
uísque de centeio — respondi, com o cotovelo apoiado no balcão e
sem deixar de olhar para ela.
Para começar, Maya colocou um grande cubo de gelo no copo
baixo, reservando-a. Em seguida, ela fez o copo misturador deslizar
pelo braço, antes de posicioná-lo na mesa. Depois, ela usou o
dosador para medir a quantidade necessária de uísque Bourbon
Woodford Reserve. Fez o mesmo com o vermute doce Martini
Rosso e executou alguns malabares com a garrafa de Campari.
Inicialmente, Maya a fezgirar entre os dedos em 360 graus para em
seguida lançar a garrafa por trás do corpo, amparando-a
rapidamente com o dorso da mão, um movimento que requer muita
habilidade para equilibrar a garrafa sem deixá-la cair.
Continuei contemplando admirado, quando ela adicionou
alguns cubos de gelo ao copo misturador, e em seguida girou a
colher bailarina entre os dedos, mexendo bem a bebida por alguns
segundos. Por fim, ela utilizou o strainer para coar, transferindo o
coquetel para o copo de uísque e descascou uma tira da casca da
laranja, borrifando de leve para extrair os óleos naturais, antes de
torcê-la para decorar o copo.
— Espero que aprecie o coquetel, amor — falou, abrindo um
sorriso demorado e sexy.
Eu ergui o copo, como se lhe fizesse um brinde, e sorri de
volta para ela, dando uma rápida piscadela.
— Aprecio tudo o que você faz, preciosa — comentei, levando
o copo aos lábios e tomando um longo gole. — Na verdade, eu amo
tudo em você — complementei, girando distraidamente o copo entre
os dedos, com o olhar fixo na bebida.
— Por que não vem até aqui e expressa a sua gratidão de
forma lenta e prazerosamente dolorosa? — sugeriu, arqueando as
sobrancelhas e com aquela expressão sexy que sempre me excita.
Maya deixou escapar um arquejo doce, e ao mesmo tempo,
erótico. Senti o meu pau responder àquela provocação de forma
instantânea, passando a se contrair dolorosa e violentamente sob o
tecido da calça social.
Eu me levantei do banco e contornei o balcão para me
aproximar dela, mantendo o copo de uísque na mão. Logo, eu
apoiei a mão livre na bancada, encurralando-a com o meu corpo
quente pressionado ao dela, e me inclinei para a frente até fazer
nossos rostos ficarembem próximos. A seguir, eu deslizei a base do
copo pela linha do maxilar dela, provocando um leve tremor,
provocado pelo contato do vidro resfriado em sua pele macia.
Algumas gotículas começaram a escorrer pelo vidro, caindo bem no
vale entre os seios fartos.
— Sinta a bebida queimar ao descer pela garganta, amor —
sugeri, encostando a borda do copo nos lábios dela. Maya
entreabriu os lábios carnudos e bem desenhados, sorvendo um gole
do coquetel, com avidez.
Pude sentir o calor de seu corpo e a respiração acelerada,
evidenciada pelo ar quente, saindo das narinas num frenesi ao se
mesclar ao meu, que por sua vez, também já se agitava.
— Oh, que delícia! — exclamou Maya, com a voz
dolorosamente rouca.
Não pude mais me conter, e comprimi ainda mais os nossos
corpos, de modo que Maya sentisse o latejar de desejo em minha
virilha. As mãos dela deslizaram pela minha camisa branca,
desabotoando os primeiros botões e logo senti a perna dela se
enroscar na minha, fazendo a saia subir alguns centímetros a mais,
revelando as coxas bem torneadas.
Resolvi beber logo o resto do coquetel num gole só, e ajudei
Maya a se sentar na beirada do balcão, com as minhas mãos se
encarregando de retirar cada peça de roupa dela de forma brusca,
mantendo apenas a lingerie em seu corpo. Maya me ajudou a tirar a
camisa jogando-a no chão, antes de desafivelar o cinto para me
libertar da calça social. Depois, ela se inclinou para trás,
posicionando as mãos na bancada para se apoiar e levantou a
perna direita, apoiando-a em meu ombro e enlaçando a minha
cintura com a outra.
Na sequência, eu me inclinei para a frente e cobri a minha
boca na dela, envolvendo-a em um profundo beijo, sedenta pelo
hálito morno e carregado de boulevardier se misturando ao meu. Ela
entreabriu os lábios e pude sentir a umidade de sua língua, tão
quente e convidativa, que não resisti e deixei escapar um gemido
rude, descendo a mão até o quadril e puxando-a com força para
mim. Depois, as mãos subiram pelas costas dela, subindo devagar
até encontrar o fecho do sutiã. A peça íntima escorregou pelos
braços até cair no chão, junto às roupas.
Voltei a concentrar a atenção no pescoço esguio, explorando-o
com os lábios e a língua, descendo sem pressa até atingir a
ondulação suave dos seios. O corpo dela respondeu de forma
instantânea, ao arquear as costas para trás e abrindo mais as
pernas, liberando um gemido alto e desesperado. Logo, eu comecei
a sugar avidamente um dos seios, seguido do outro, repuxando o
bico intumescido com leves e provocantes mordidas, numa lentidão
deliberada. Maya afundou os dedos em meus cabelos, emitindo
murmúrios delirantes de prazer e aumentando a pressão da mão
nos fios, puxando-os com força.
Deslizei a mão pela cintura até alcançar o cós da peça
rendada, e logo os dedos afastaram o tecido para iniciar uma carícia
lenta e gostosa por toda a vulva, estimulando ainda mais a
lubrificação dela. Constatei triunfante que Maya arqueou mais o
quadril para os dedos penetrarem mais profundamente, mal
contendo a ansiedade de senti-los dentro de sua bocetinha,
enquanto ela se contorcia e gemia, arrebatada pela paixão.
— Não vou aguentar mais, amor — murmurou Maya, com a
voz estrangulada de desejo, cravando as unhas pelo abdômen e
descendo bem devagar até apalpar o pênis por cima da cueca
boxer. — Preciso do seu pau todinho dentro de mim, agora!
Mais que depressa, abaixei a cueca boxer até os joelhos,
expondo o membro ereto, com as veias saltadas e pulsando
violentamente de tanto tesão. Segurei bem firme a perna dela em
meu ombro e apontei a cabeça do pênis em direção à vagina tão
quente e úmida, introduzindo nela aos poucos e sentindo-a se
contrair involuntariamente. Deixei escapar um grunhido de prazer e
comecei a meter nela ainda mais rápido e forte. Logo, eu aumentei o
ritmo das estocadas, utilizando a mão livre para tocar e massagear
o clitóris, até atingirmos o orgasmo juntos.
Senhoras e Senhores sejam bem-vindos à cidade do Rio de
Janeiro. Por medidas de segurança mantenham-se sentados até
que o aviso de atar cintos seja desligado (…). Tenham cuidado ao
abrir o compartimento de bagagem para a retirada de seus
pertences de mão. Eles podem ter se deslocado durante o voo (…)
— Anunciou o comandante pelo sistema de alto-falantes da
aeronave por volta de 9h50 da manhã de terça-feira.
Admito que parte de mim se sente exultante em fazer uma
viagem internacional, mesmo após dezesseis anos, mas a outra se
sente apreensiva só de pensar na possibilidade de não conseguir
retornar aos Estados Unidos, único país que considero como lar.
Cerca de quinze minutos depois, atravessei a área de
desembarque, puxando a pequena mala de rodinhas, junto aos
demais passageiros do voo AA 973. Poucos metros mais à frente,
segui pela área de imigração do terminal 2, acessando a ala
destinada aos passageiros brasileiros. Logo, eu consegui tomar um
táxi com destino ao hotel situado em frente à famosa Praia de
Copacabana.
Deslizei o dedo sobre a tela do iPhone para digitar a senha de
desbloqueio, e abri o aplicativo iMessage para digitar uma
mensagem para Omar e para minha mãe também, avisando que a
viagem transcorreu bem.

[08/10/2019 10:20] Bom dia, amor. Acabei de desembarcar. Estou


apreciando a paisagem da Cidade Maravilhosa pela janela do táxi. Já
sinto a sua falta! Beijos.

[08/10/2019 10:25] Bom dia, mãe. Acabei de desembarcar no Rio. Eu


vou tentar comprar algumas lembrancinhas, além da camisa da
seleção que o meu irmão me pediu. Saudades!

De repente, eu comecei a sentir um aperto no peito, seguido


por uma sensação de asfixia e ânsia de vômito.
— O senhor teria algum saco para enjoo? — perguntei ao
taxista, em um fio de voz. — Acho que eu vou vomitar...
— Felizmente, eu tenho alguns no bolso do assento do carona.
Pode ficar à vontade.
Peguei rapidamente um saco de papel branco, abrindo-o em
seguida junto ao meu rosto, colocando para fora tudo o que comi
naquela manhã. Sei que andar de avião pode causar ânsia de
vômito em pessoas sensíveis, mas o mais estranho é que eu não
senti absolutamente nada durante o voo inteiro. Ainda faltam fazer
os exames médicos exigidos, incluindo o ginecológico, exames de
sangue, radiografia dos pulmões, além de vacinas.
Se eu estiver doente, o médico fará o diagnóstico na própria
consulta.
Deus queira que seja apenas um mal-estar causado por algo
que eu comi no avião.
— Desculpe se eu estiver sendo inconveniente, mas a senhora
tem filhos? — o taxista perguntou, me encarando atentamente pelo
espelho retrovisor interno.
— Ainda não engravidei, mas eu e meu marido estamos
tentando já faz alguns meses — respondi, limpando a boca com um
lenço, depois de ter usado o saco para enjoo.
— A senhora parecia tão bem ainda há pouco... eu posso te
levar a um pronto-socorro.
— Não precisa se preocupar comigo... eu me sinto melhor
agora. Muito obrigada.
Encostei a cabeça no banco e olhei para a estrada, calculando
a probabilidade de estar grávida. Confesso que tenho me sentido
desmotivada para engravidar pelo fatode o processamento consular
ser exaustivo e de longa duração, além de ter que conciliar os
estudos com os serviços jurídicos como voluntária.
Omar e eu começamos a associar o estresse e a ansiedade
como as causas da demora para conceber um bebê.
Entretanto, só há um meio de descobrir se estou esperando
um filho de Omar ou não. Consultei rapidamente um aplicativo no
smartphone, confirmando o atraso menstrual de cinco dias.
Como eu pude me esquecer completamente de monitorar o
meu ciclo?
— Pensando bem, talvez seja melhor passar em alguma
farmácia antes de ir ao hotel — ponderei, me debruçando no banco
do táxi.
— Tudo bem! — exclamou, sorrindo, gentil. — A senhora é
quem manda.
Não demorou nem dez minutos, e o taxista parou o carro ao
lado do meio-fio. Quando eu entrei na farmácia, passei por entre as
fileiras de produtos até localizar a prateleira com diversas marcas e
modelos de testes de gravidez. Escolhi um deles e segui até o
caixa, aguardando a minha vez na fila.
Não vou aguentar nem mais um dia sem poder confirmar as
minhas suspeitas.
Coloquei uma das mãos sobre a barriga em um gesto
involuntário, sentindo os olhos se encherem de lágrimas, e sorri
internamente, com o coração transbordando de emoção. Senti algo
muito profundo e íntimo, me fazendo crer que finalmente conseguirei
ter um filho.
Quando eu finalizei o banho minutos depois, fui surpreendida
pelo som do iPhone vibrando na mesinha de cabeceira. Conferi
rapidamente o contato na tela, e fiquei surpresa ao perceber que
Omar antecipou a chamada de vídeopelo Facetime. Deslizei o dedo
sobre a tela para aceitar a chamada, sentindo um leve
estremecimento e com o coração batendo ruidosamente dentro do
peito. Logo, eu encaixei os AirPods nos ouvidos, enquanto sentava
na cama, cruzando as pernas, em posição de lótus.
— Amor, eu não esperava receber a sua chamada ainda pela
manhã — comecei, com evidente empolgação na voz. — Adorei a
surpresa! — completei, me referindo à ligação de uma agência de
viagens, informando a reserva de passeios aos pontos turísticos da
cidade.
— Você achou mesmo que passaria duas semanas no Rio de
Janeiro, completamente confinada numa suíte de hotel? —
perguntou, jogando a cabeça para trás às gargalhadas. — Aproveite
bastante a sua estadia porque os dias passam rápido.
— Está no escritório da cobertura? Reconheci pela cadeira
giratória com a sua inconfundível tonalidade laranja.
— Acertou em cheio! Eu decidi sair um pouco mais tarde hoje
para aguardar a sua chegada ao hotel.
— Espero poder chegar aí com excelentes notícias, amor —
comentei, deixando no ar um quê de mistério.
— Existe mais de uma possibilidade? — perguntou, sem
conseguir disfarçara curiosidade. — Agora você me deixou curioso,
preciosa — completou, encostando a cabeça no encosto alto da
cadeira, sem deixar de me encarar com um brilho intrigado nos
olhos verdes.
— Não tenho certeza ainda, mas tudo indica que sim —
respondi, sorrindo exultante.
— Tudo aqui me faz lembrar você, amor — comentou Omar,
com a expressão grave e ao mesmo tempo triste no rosto de traços
marcantes.
— Quem dera você pudesse estar aqui comigo! — desabafei,
soltando um longo suspiro de resignação.
— Vai ser um martírio suportar a sua ausência, Maya. Eu não
me preocupei tanto assim quando você esteve no Texas com o
pessoal da faculdade, mas agora as circunstâncias são outras...
Ainda assim, eu tenho fé de que logo nós dois estaremos nos
braços um do outro.
— Estou morrendo de medo, amor — confessei num sussurro,
passando os dedos pelo rosto para enxugar as lágrimas furtivas.
Passei a mão trêmula pelos cabelos e respirei bem fundo, tomada
por um pressentimento muito ruim.
— Vai dar tudo certo, acredite. Estou tentando ao máximo
vibrar positivamente, e você também deve fazer o mesmo, amor.
Lembre-se de que esta é praticamente a última etapa do processo
de solicitação do Green Card.
Deixei escapar um suspiro profundo, mas o longo sopro de ar
não foi capaz de estabilizar a mim mesma.
— Você acabou de chegar de um longo voo, e deve estar
exausta. Acho que dormir um pouco vai te fazer bem. Caso se sinta
mais disposta no final do dia, faça um passeio na praia.
— Eu vou levar em consideração a sua sugestão, então —
concordei, tentando imprimir à voz um tom animador, apesar de as
palavras terem soado pouco convincentes até para os meus
próprios ouvidos. — Tenha um bom trabalho e um bom dia, amor —
completei, soltando um beijo no ar.
Nós dois nos despedimos, com a promessa de que
manteremos contato ao longo da semana.
Peguei a caixa do teste de gravidez e passei a ler as
instruções contidas na embalagem, distraidamente. Constatar que
eu estou mesmo grávida pode agravar ainda mais a minha
ansiedade, então acho melhor deixar para verificarapenas no dia do
meu voo de volta, considerando o nível de tensão pela temida
entrevista com o oficial do consulado.
Quando eu me deitei na cama, comecei a respirar
profundamente, e não demorou muito para sentir o sono chegar, já
vencida pelo cansaço.
Na semana seguinte à minha chegada ao Rio de Janeiro,
segui até o Consulado Geral dos Estados Unidos da América, que
fica localizado na Avenida Presidente Wilson, 147. Eu consegui
chegar no local com mais de trinta minutos de antecedência,
portando todos os documentos exigidos. Realizei os exames e a
consulta médica dois dias antes e os anexei junto ao restante da
documentação para apresentá-los ao oficial do consulado.
Passei horas a fio procurando exemplos de como eram as
entrevistas para o Green Card, e isso me deixou mais ansiosa ainda
e com medo de esquecer algum detalhe importante, que pudesse
comprometer a aprovação do visto. No entanto, eu consegui repetir
alguns exercícios passados pela minha terapeuta antes mesmo de
sair do hotel, o que de certa forma ajudou a manter o autocontrole
emocional. Assim que eu entrei no edifício, o segurança me
encaminhou para a recepção, e logo depois a recepcionista me
pediu para subir as escadas, onde se situava o mezanino do Setor
de Vistos de Imigrantes.
Deixei o meu celular no hotel, uma vez que o órgão proíbe a
entrada de pessoas portando telefones celulares e outros aparelhos
eletrônicos. Eu me limitei a levar apenas uma bolsa transversal
pequena, além da pasta com os documentos, ciente de que
permanecerei no local durante todo o período da manhã, e
possivelmente pela parte da tarde, até que a entrevista seja
finalizada.
Havia em torno de dez pessoas, aguardando no local, e não
demorou para a agente de imigração iniciar o atendimento de sua
cabine, chamando pela ordem de chegada. Entreguei os
documentos para ela, cadastrei as minhas digitais, e respondi
algumas perguntas de confirmação de dados pessoais.
Era por volta de 9h20, quando o cônsul me chamou pelo nome
para me apresentar no guichê. Achei que teria uma parada
cardiorrespiratória seguida por dor de barriga, tudo isso junto, ao me
dar conta de que finalmente chegou a minha vez de ser
entrevistada. Fiz um esforço enorme para não precisar ir ao
banheiro. Logo, eu me levantei e segui até o local, com o coração
batendo ruidosamente dentro do peito.
— Bom dia, cônsul — cumprimentei, com um breve aceno de
cabeça e um sorriso.
— Bom dia, Miss Garcia — respondeu, de modo seco e direto,
estendendo um papel para que eu assinasse. Eu me mantive de pé,
aguardando o pedido de juramento, o qual veio logo em seguida.
— Juro dizer a verdade, somente a verdade, nada mais além
da verdade — repeti, erguendo a mão direita, pronunciando o
juramento.
Ele indicou uma cadeira, com um gesto impaciente, e me
direcionou um olhar inexpressivo.
— Onde e quando você e seu cônjuge se conheceram? —
perguntou o cônsul, cruzando as mãos sobre a mesa.
— No bar Chilli en Fuego, em julho do ano passado.
— O que vocês dois têm em comum?
— Nós dois somos filhos de imigrantes — respondi, de modo
sucinto, exatamente como o meu advogado orientou.
— E qual é a procedência dele, então? — quis saber o cônsul,
erguendo a sobrancelha, com desconfiança.
— Ele nasceu em Beirute, capital do Líbano.
— Onde foi realizado o casamento? — perguntou o cônsul,
secamente, enquanto digitava no computador.
— Na mansão do meu sogro, em Quiogue, Nova York.
— Quem eram as damas de honra e os padrinhos? —
indagou, desviando o olhar da tela para me encarar atentamente por
sobre os óculos.
— O casal de amigos dele, Steve e Megan, além da minha
amiga, Natasha e o namorado dela.
— Por que vocês decidiram ter um noivado tão curto?
¡Puta madre! Essa era a pergunta que eu mais temia ter que
responder.

— Nós optamos por uma cerimônia civil mais intimista, e com


poucos convidados — expliquei, me esforçando ao máximo para
impor um tom natural à voz.

— O que vocês dois costumam comer no café da manhã?


— Cereais, torradas, ovos mexidos, bacon e panquecas.
Frutas, café e suco de laranja.
De repente, ele mudou totalmente a fisionomia, abrindo um
largo sorriso no rosto.
— Ok, isso é tudo. Agora é só aguardar a emissão do visto.
— Então, eu fui aprovada? — foi tudo o que consegui dizer,
piscando por um momento, visivelmente aturdida.
— Sim, Miss Garcia. Boa viagem! — respondeu, de modo
gentil.
— Muito obrigada! — murmurei, segurando as mãos unidas
diante da boca, como que rezando uma prece a todos os santos.
Quando eu desci as escadas, comecei a refletir e cheguei à
conclusão de que possivelmente ele já havia tomado a decisão de
aprovar o visto antes mesmo da minha entrevista, uma vez que
meia dúzia de perguntas não seria insuficiente para certificar se o
meu relacionamento com Omar era verdadeiro ou não.
Optei por fazer a retirada do envelope diretamente no Centro
de Atendimento ao Solicitante de Visto –CASV. Então, só me resta
mesmo voltar ao hotel e aguardar o recebimento do e-mail, o que
deve acontecer nos próximos dias. Existe um número ilimitado de
vistos disponíveis para parentes imediatos dos cidadãos norte-
americanos.
Uma vez no hotel, eu resolvi abrir logo o aplicativo de
mensagens instantâneas para transmitir a notíciasobre a aprovação
do visto para todas as pessoas que eu amo.

Nas primeiras horas do dia anterior, eu entrei no banheiro para


fazer o teste de gravidez, de acordo com as instruções da
embalagem, ou seja, utilizando a primeira urina da manhã. Aguardei
o tempo recomendado para verificar o resultado, com o coração
batendo descompassado no peito, cada vez mais confiante na
possibilidade de estar grávida. O atraso menstrual já passava de
quinze dias, tempo suficiente para obter uma confirmação
conclusiva.
Quando o alarme do celular tocou, eu pude finalmente conferir
o visor: Grávida 3+. Em suma, eu entrei na quinta semana de
gestação, e isso fez o meu coração transbordar de felicidade.
Naquele momento, eu observava as nuvens pela janela
envidraçada da aeronave, enquanto girava o anel de diamantes no
dedo anelar direito, com crescente nervosismo, após o comandante
anunciar o início dos procedimentos de aterrissagem no Aeroporto
Internacional John F. Kennedy — JFK, na manhã de sábado, dia 26
de outubro de 2019. Era o dia exato da marcha com destino à
Washington, com chegada prevista para 12 de novembro, quando a
Suprema Corte dará início aos procedimentos para definir o
desfecho dos programas DACA e TPS[29].
Espero que seja possível me reunir com os manifestantes no
Battery Park ao meio-dia. Eu era uma beneficiária do DACA até
poucos dias atrás, assim como centenas de milhares de jovens,
integrantes do movimento Home is Here. Pretendo participar da
mobilização, independentemente de qualquer coisa.
Assim que eu desembarcar, o agente do Departamento de
Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP) fará
uma análise dos meus documentos, antes da minha admissão no
país. O processo pode levar horas para ser concluído, dependendo
do volume de tráfego de passageiros. Porém, só o fato de
finalmente ter saído das sombras para passar pela inspeção por um
agente de imigração, já supera qualquer inconveniente causado
pelo tempo de espera.
Ansiei muito pelo momento em que eu exerceria o direito de
pisar em solo americano pelas vias legais, e isso por si só já era
uma grande conquista.
Entretanto, como eu ainda não completei o segundo
aniversário de casamento, estou sujeita às disposições legais da
seção 216 da lei de Imigração e Nacionalidade. Nos termos da lei, o
oficial do serviço de Imigração e Nacionalidade vai conceder a
residência permanente condicional no momento da minha admissão
no aeroporto.
Desembarquei da aeronave, segurando a minha pequena mala
de rodinhas, contendo o item mais valioso: um envelope lacrado
pelo consulado, contendo todos os documentos de imigração.
Passei pela primeira inspeção com um oficial da CBP, que verificou
meu passaporte e, em seguida, pediu que eu me encaminhasse
para uma área de inspeção secundária destinada aos novos
imigrantes. Uma vez no local, outro oficial abriu o pacote para
revisar todos os meus documentos, levando mais algum tempo de
espera.
Manter a expressão serena exigiu certa dose de esforço,mas
já havia enfrentado um processo longo e exaustivo demais, para
simplesmente fraquejare me deixar abalar pela postura intimidadora
dos agentes. Passados alguns minutos, que para mim pareceram
uma eternidade, o oficial finalmente carimbou o meu passaporte,
atestando o meu status de residente condicional legal.
— Seja bem-vinda de volta aos Estados Unidos — anunciou o
agente, frisando bem as palavras “devolta”,ao devolver o meu
passaporte.
A primeira coisa que me passou pela cabeça, assim que ouvi
as últimas palavras dele, foi a fala de dona Hermínia em “Minha mãe
é uma Peça 2”,um filme que assisti em uma plataforma de
streaming alguns anos atrás. Costumo ver filmes brasileiros para
não perder a conexão com o país onde nasci e morei boa parte da
minha infância.
Passei? Passei? Passei, gente, entrei nessa merda! Estou
free!
Passei pelas portas automáticas de vidro, que davam acesso
ao saguão de desembarque, e saí correndo em direção ao meu
irmão, que estava um pouco mais à frente em relação a Omar e
minha mãe. O rosto de Ramón se iluminou, assim que me viu, e eu
o abracei com força, beijando-o em todas as partes do rosto.
— Eu estava com tantas saudades, Ramón! — murmurei, com
a voz embargada e quase inaudível.
— Fico muito feliz que esteja de volta, Maya — declarou
Ramón, esboçando um amplo sorriso de contentamento.
Na sequência, a minha mãe se juntou a nós dois, e nos
abraçamos em meio às lágrimas.
— Eu mal posso esperar pelo dia em que poderemos ir todos
juntos ao Brasil para visitar nossos familiares — comentei,
encarando-os uma expressão esperançosa no rosto. Notei que os
lábios dela se curvaram num sorriso que pareceu trêmulo e
cansado.
Havia um brilho de desalento nos olhos dela, que não me
passou despercebido. Não consegui conter o choro, com o meu
peito arfando em soluços crescentes, que insistiam em irromper da
garganta de forma incontrolável.
Apenas quando eu obtiver a naturalização daqui a três anos é
que poderei patrocinar um Green Card para a minha mãe, um sonho
antigo de nossa família.
Omar se aproximou mais e tocou de leve o meu ombro. Parei
de chorar imediatamente, ao me dar conta de que nem mesmo
contei a eles ainda sobre a gravidez.
— Descobri que eu estou grávida, Omar — anunciei, sem
preâmbulos, passando os dedos pelo rosto para enxugar as
lágrimas, meio que sorrindo e meio que chorando ao mesmo tempo.
Omar parecia estar atônito diante da revelação, mas logo abriu
um largo sorriso, passando o braço ao redor da minha cintura. Ele
me ergueu nos braços, me suspendendo bem alto, antes de me
girar no ar, atraindo a atenção das pessoas que passavam pelo
local.
Nós dois sorrimos um para o outro, enquanto apoiava as mãos
nos ombros dele, com o coração transbordando de felicidade.
— Uma parte sua vive dentro de mim agora, amor ― declarei,
emocionada.
― Ter um filhoparecia um sonho distante, mas neste momento
estou com uma imensa vontade de gritar para que todos saibam que
eu sou o homem mais afortunado deste mundo!
Omar me colocou de volta ao chão, apenas para me
contemplar por uma fração de segundo, antes de segurar a minha
nuca e capturar os meus lábios, selando um profundo beijo.
— Nós teremos um bebê, finalmente! — Omar voltou a falar,
num tom de voz mais alto para todos ouvirem.
Para minha surpresa, as pessoas começaram a aplaudir, com
entusiasmo. Acenei para minha mãe e Ramón, que prontamente se
uniram a nós dois, em um abraço coletivo.
Resolvi aguardar a chegada do meu primo, sentada nos
degraus que davam para a porta da casa, onde eu morei durante
onze anos. Cumprimentei alguns moradores com um aceno de
cabeça, e foi como se um filme passasse em minha mente,
recordando os bons momentos vividos em Ironbound,Newark. A
minha mãe e Ramón permaneceram no interior da residência, uma
vez que pretendiam passar mais tempo conversando com os meus
tios e primos.
Cerca de dez minutos depois, Javier estacionou o carro dele
bem atrás do meu SUV preto, que recebi de Omar em nosso
primeiro aniversário de casamento. Javier e eu não nos falamos
desde a discussão horrível que tivemos na casa da mãe dele há
pouco mais de um ano. A minha tia havia dito que ele passou um
período viajando a trabalho. Em outras palavras: desempenhando
alguma atividade ligada ao contrabando de imigrantes. Em suma, eu
decidi ficar à espera dele por duas razões: a primeira deriva do
desejo de me reconciliar com ele pelo bem de nossas famílias;já a
segunda, e não menos importante, diz respeito a uma proposta de
trabalho, a qual ele sempre almejou.
Javier saiu do veículo, aparentando ter ficado um tanto
surpreso com a minha presença, a julgar pelas sobrancelhas
erguidas, ao me encarar com os seus penetrantes olhos castanhos.
— Veja só, quem é vivo sempre aparece, não é mesmo? —
perguntou Javier, parando diante dos degraus, e enfiando as mãos
nos bolsos da frente de sua calça jeans.
— Por favor, sente-se aqui ao meu lado para que nós
possamos conversar — pedi, arriscando um sorriso tímido para
tentar quebrar o gelo.
— Eu cheguei a pensar que nós dois nunca mais voltaríamosa
nos falar, sabia? — revelou, sentando no degrau ao meu lado. —
Agi como um covarde ao me afastar, sem nem ao menos te pedir
desculpas antes pela forma como eu te tratei naquela noite. Não
sabe como eu lamento por isso, e espero que me perdoe.
— Sabe o que me doeu mais, Javier? — perguntei, me
limitando a observar o horizonte com ar distante. — Foi ter sido
acusada de coisas que eu jamais faria. Você me conhece bem, e
sabe disso. Ainda assim, você preferiu acreditar que eu estava me
vendendo a um velho rico apenas para obter o status de residente
permanente.
— Realmente me passou pela cabeça que você pretendia
vender a sua virgindade.
— Olha bem para mim, primo. Acha mesmo que eu seria
capaz de fazer isso?
— Esse não parece ser o seu feitio, Maya — respondeu,
olhando bem no fundo dos meus olhos.
— O senhor Omar jamais esperaria algum tipo de
compensação sexual de minha parte.
— Mas, no final das contas, você acabou se casando com o
filho dele... — comentou, erguendo a sobrancelha, com uma
expressão sagaz. — O que te fez mudar de ideia?
— Ele me propôs um casamento de fachada, que atendia
melhor aos meus interesses, mas conforme o tempo foi passando
eu me dei conta de que já estava apaixonada.
— Acha mesmo que valeu a pena correr esse risco para
continuar vivendo legalmente no país?
— Omar e eu contrariamos todas as expectativas, quando
engatamos um relacionamento de verdade, apesar da nossa
indisponibilidade emocional na época — respondi, abraçando os
próprios joelhos. — Mas, o fato é que estamos muito felizes juntos,
ainda mais agora com um bebê a caminho.
— Você está esperando um filho dele? — perguntou, sem
conseguir disfarçar um tom de tristeza na voz.
— Eu soube há poucos dias, quando ainda estava no Rio de
Janeiro — expliquei, sentindo os meus olhos ficarem marejados. —
Eu vinha tentando engravidar desde o início do ano, mas sem
sucesso.
— Você o ama e sente que ele te corresponde da mesma
maneira? — Javier quis saber, com certa cautela.
— Omar me ama, assim como eu o amo também e muito,
Javier — respondi, com convicção, abrindo um sorriso, enquanto
enxugava as lágrimas com a ponta dos dedos.
— Ainda que me doa ter que dizer isso, Maya, eu fico feliz por
você, de verdade — revelou, estendendo a mão para apertar o meu
braço, com suavidade. — Mas, me perdoe se pareço muito egoísta,
ok? — se apressou em dizer, dando um sorriso autodepreciativo.
— Eu te entendo, e não posso recriminá-lo por isso —
ponderei, colocando a minha mãe sobre a dele e apertando-a, com
firmeza. — Aliás, eu vim até aqui por outro motivo também, além de
fazer as pazes contigo.
—¡Puta madre! — xingou em espanhol, passando a mão pela
cabeça, nervoso. — Agora eu fiquei curioso, Maya!
— Sempre te considerei como um irmão mais velho e fiquei
ressentida quando soube que você passou a trabalhar para o meu
pai, em período integral. Eu nunca me conformei com o seu
envolvimento nos negócios de contrabando, Javier. No que
depender de mim, você está fora disso a partir de hoje.
— Como assim, Maya? — perguntou, piscando por um
momento, visivelmente aturdido. — O que quer dizer com isso?
— Não foi fácil convencer Alejandro a readmitir você no bar
Chilli en Fuego, acredite. Mas, o fato é que José pediu demissão
recentemente e a vaga de chefe de bar continua disponível. Você é
o bartender mais qualificado para assumir essa função. O que
acha?
— Eu mal posso acreditar no que acabei de ouvir! —
exclamou, cobrindo a boca com o punho fechado como que para
conter um grito. — Ser chefe de bar é tudo que eu sempre quis
alcançar na profissão e agora você está me proporcionando essa
oportunidade.
— Isso é pouco perto de tudo o que você já fez por mim ao
longo dos anos, primo. Eu lembro de quando a gente ficava no
sótão, praticando as técnicas de flair bartending. Se eu não
soubesse os movimentos básicos de malabarismo teria causado o
maior prejuízo.
Quando criança eu aprendi alguns truques, observando os
meus tios e primos malabaristas, mas ao chegar nos Estados
Unidos tive a oportunidade de aperfeiçoara técnica usando garrafas
de bebidas ao invés de clavas.
— Mas, você começou treinando com garrafas de plástico
inicialmente até passar para as de vidro, lembra-se?
— Sim, é verdade! — concordei, caindo na gargalhada e me
inclinando na direção dele até os nossos ombros se tocarem. —
Devo tudo o que sei sobre flair, coquetelaria e mixologia graças a
você.
— Agora o seu objetivo é outro: se tornar uma advogada de
imigração — comentou, me encarando fixamente. O olhar dele
transmitia um misto de admiração e respeito. — Eu assisti ao vídeo
da sua entrevista na conferência de imprensa na Filadélfia. Então,
quer dizer que você participou da marcha do Home is Here[30]?
— Na verdade, eu participei na condição de apoiadora do
movimento e não esperava que um dos organizadores me pedisse
para falar com a imprensa. A caminhada começou desde a Estátua
da Liberdade até a Suprema Corte, em Washington.
— Você não sabia que o vídeo viralizou nas redes sociais? O
seu pronunciamento foimuito inspirador, sabia? Aposto que os seus
colegas vão te escolher como oradora da turma na cerimônia de
colação de grau.
— Você acha mesmo, primo? — perguntei, constrangida. —
Eu realmente não esperava que a entrevista teria tanta repercussão
assim.
— Maya, você se importa se eu te der um abraço? —
perguntou Javier, de repente. — Eu senti muito a sua falta e também
quero te parabenizar por tudo o que você conquistou até aqui.
— Você não precisa nem pedir, cabrón! — respondi,
empurrando-o com o ombro.
Eu fiquei de pé e estendi os braços na direção dele, sentindo
as lágrimas inundarem os meus olhos. Logo, Javier se levantou e
me envolveu num longo e emocionado abraço.
— Muito obrigado por tudo, Maya! — agradeceu, com a voz
abafada e rouca. — Farei por merecer essa oportunidade, acredite.
— Só assim para mantê-lo longe de confusão— comentei, me
afastando um pouco para encará-lo com ar divertido. — Não queira
resolver as coisas usando agressão física, está bem?
— Eu não vou te decepcionar de novo, Maya — assegurou,
segurando o meu rosto entre as mãos. O olhar dele transmitia
sinceridade e isso fez com que eu me sentisse mais tranquila. —
Nunca mais, eu prometo!
— Mas, há uma condição, Javier — informei, mantendo a
expressão de seriedade no rosto. — Eu preciso que você me dê a
sua palavra de que não vai mais trabalhar para o meu pai.
— Isso é mesmo necessário? — perguntou Javier, mas ao
perceber o meu olhar firme, voltou a falar logo em seguida. — Tudo
bem, Maya. Eu te dou a minha palavra.
— Eu estive recentemente em El Paso, com a turma da Clínica
de Direito dos Imigrantes, e vi um outdoor com as fotos dos
criminosos mais procurados pela Patrulha de Fronteira. E, notei que
um deles é justamente o meu pai, acredita?
— Isso nunca vai acabar, Maya. Tem muita gente envolvida,
inclusive aqueles que deveriam fazer cumprir a lei. Ele dificilmente
será capturado pelas autoridades.
— Ele aparece como o segundo da lista, e não há informação
que o identifique, como nome, nada além da imagem meio borrada
dele.
— Pablo utiliza um apelido na organização. É mais conhecido
como “Don Pancho”.
De repente, a porta se abriu, e a minha mãe e Ramón saíram
da residência, aparentando estarem surpresos em nos ver do lado
de fora.
— Como vai, tia Míriam?— Javier a cumprimentou, puxando-a
para um abraço afetuoso. Depois, fez o mesmo com o meu irmão.
— Senti tanto a sua falta,güey[31]!
Eles trocaram algumas palavras, enquanto me aproximava do
carro, apertando o botão do controle da chave para destravar as
portas.
— Compareça ao bar na segunda-feira para tratar com
Alejandro sobre a sua contratação, está bem? — falei bem alto,
acenando em despedida, antes de entrar no carro.
— Eu estarei lá sem falta!— gritou Javier de volta, erguendo a
mão em sinal de adeus.
Esperei a minha mãe e Ramón entrarem no carro para poder
dar a partida, acenando mais uma vez para Javier.
Eu não poderia estar mais feliz. Finalmente reencontrei o meu
primo e pude restabelecer a nossa amizade, algo que eu sempre
prezei em minha vida. Daqui a alguns meses eu darei à luz a um
menino ou menina, uma vez que ainda é cedo para saber o sexo do
bebê.
Faz poucos dias que eu recebi um envelope da USCIS,
contendo o meu Green Card provisório, com vencimento de dois
anos. Após esse prazo será possível solicitar a remoção das
condições à residência definitiva,ou seja, o meu status de residente
deixará de estar atrelado ao casamento. No entanto, eu aguardo
ansiosamente o dia em que eu poderei me naturalizar, e assim
patrocinar o visto de residente permanente para a minha mãe.
A minha graduação em Direito e posterior aprovação no exame
[32]
do BAR completam a lista de objetivos a alcançar a médio prazo,
quando enfim poderei me sentir plenamente realizada.
A cada intervalo das contrações, eu respirava profundamente
pelo nariz e expelia o ar pela boca, seguindo exatamente as
instruções da obstetra na sala de parto do Hospital Mount Sinai. A
bolsa estourou por volta de 11hs da noite, quando ainda preparava
uma petição no meu laptop. Logo, eu senti o líquido amniótico
escorrendo pelas minhas pernas, de maneira incontrolável. Omar
estava mais nervoso do que eu àquela altura. A mala da
maternidade já estava toda arrumada com os itens necessários, e
rapidamente seguimos para o hospital, localizado na 5ª Avenida.
Horas depois, começou a contração mais aguda, e
consequentemente, usei toda a minha energia para forçar a saída
do bebê. Logo, eu consegui vislumbrar a cabeça dele saindo, e aos
poucos comecei a relaxar, me entregando totalmente a indescritível
emoção de sentir o corpo pequeno e frágildeslizar para forado meu
corpo. Ele saiu escorregadio e se debatendo nos braços da
enfermeira. O meu coração começou a bater acelerado no peito,
pois mal conseguia conter a expectativa de tê-lo logo em meus
braços.
A enfermeiraprocedeu com os cuidados na limpeza do recém-
nascido, e depois de envolvê-lo em um lençol azul, permitiu que eu
o segurasse, mesmo que por poucos minutos. O choro dele passou
a ficar mais agudo e alto, reverberando por todo o ambiente.
Omar permanecia ao lado do leito desde o início,e estendeu o
braço para tocá-lo de leve, fazendo com que ele parasse de chorar,
quase que instantaneamente. Contemplou admirado as bochechas
rosadas e arredondadas, além do nariz pequeno e arrebitado, cada
vez mais admirado pela grande semelhança entre eles.
— É um lindo menino, não acha? ― perguntei, em um fio de
voz, acariciando de leve os cabelos pretos dele, que eram iguais ao
do pai. Constatei admirada que até a cor dos olhos era a mesma,
assim que os grandes olhos verde-oliva se abriram e olharam para
mim, com tamanha adoração.
— O nosso filho é perfeito,meu amor ― Omar murmurou, com
a voz embargada, enquanto acariciava suavemente a cabeça do
bebê. ― Será que eu posso segurá-lo um pouco? ― indagou,
voltando a sua atenção para a enfermeira, mantendo o olhar fixo no
dela, cheio de expectativas.
Passei o bebê cuidadosamente para os braços do meu marido
e me recostei ainda mais no leito, observando-o aninhar o nosso
filho contra o peito, com o máximo de cuidado.
— Já escolheram um nome para ele? — a obstetra perguntou,
sorrindo, gentil.
— Sim, doutora — confirmei, comovida. — Ele vai se chamar
Zayn.
Zayn: nome de origem árabe, que significa “beloe gracioso”,
“cheio de beleza e graça”.
— Deus queira que o nosso bebê cresça forte e saudável —
Omar declarou, levantando o recém-nascido no ar, e logo os seus
lábios se curvaram em um amplo sorriso.
Não consegui conter o choro, enquanto segurava as mãos
unidas com força diante da boca, como se rezasse uma prece
silenciosa. As lágrimas começaram a se formar em meus olhos,
comovida pelo singelo pedido dele.
1 ano depois

Tal foia nossa surpresa quando, no começo da tarde de sexta-


feira, recebemos um e-mail enviado pelo advogado de imigração, o
Dr. Peter Duke, informando o dia e o horário da entrevista de
Stokes. Nós combinamos de aguardar a chegada dele para
seguirmos todos juntos até a repartição pública. A minha sogra se
disponibilizou a cuidar de Zayn pelo tempo que for necessário.
Uma entrevista de Stokes costuma ser agendada pelo
escritório de Serviços de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos
(USCIS), quando o oficialverificaa necessidade de obter evidências
sólidas de que o casamento é mesmo legítimo. Tudo indica que o
órgão não considerou suficientea entrevista realizada no consulado,
e encaminhou o caso para a unidade de investigações do Serviço
de Imigração e Naturalização.
Maya ainda vive no país na condição de residente condicional
e faltam poucos meses para o prazo do Green Card provisório dela
expirar. Porém, ela já deu entrada na Petição para Remover as
Condições de Residência, com o envio de outro formulário, o I-751.
O advogado assegurou que é normal o órgão estabelecer uma
entrevista de fraude durante ou após o término do período de
transição.
― Eu não suportaria perder você e o meu filho ― sussurrou
Maya, com a voz abafada, devido ao fato de o seu rosto estar
pressionado contra o meu peito. Senti as lágrimas umedecerem o
tecido do paletó, e então eu a estreitei ainda mais em meus braços,
proporcionando a ela o conforto e a proteção de que tanto
precisava.
― No que depender de mim isso jamais vai acontecer, amor ―
afirmei, com convicção, enquanto afagava suavemente as costas
dela.
— Certamente eles suspeitam de que nós nos casamos por
conveniência há pouco mais de dois anos, Omar — retrucou, se
afastando um pouco para me encarar diretamente nos olhos.
— Mas, isso foi antes de eu me apaixonar por você, Maya —
ponderei, deslizando o polegar no rosto dela para enxugar as
lágrimas. — Antes de eu perceber que não havia nenhuma outra
mulher no mundo capaz de me fazer feliz.
Senti que os meus olhos também estavam úmidos, decorrente
da emoção proporcionada pela forma como eu proferi aquelas
palavras. Por um impulso irresistível, eu segurei o rosto dela entre
as mãos e me inclinei, cobrindo a minha boca na dela, em um beijo
suave e lento. Percebi que ela estremeceu de leve antes de
interromper o beijo, deixando escapar um suspiro profundo como
forma de dissipar o nervosismo.
― Vai ficar tudo bem, acredite ― voltei a falar, tentando
imprimir à voz um tom animador, apesar de as palavras terem soado
pouco convincentes até para os meus próprios ouvidos. Eu estou
tão nervoso quanto ela, mas pretendia me esforçarao máximo para
não deixar transparecer.
Nenhum casal consegue prever os desdobramentos da
entrevista de Stokes, por mais bem preparado que esteja.
O advogado de imigração chegou ao condomínio no horário
combinado, e seguimos de mãos dadas até o veículo dele,
estacionado na entrada do edifício30 Park Place. Eu segurei a mão
de Maya durante todo o trajeto até o JacobK. Javits Federal Office
Building, o prédio que abriga muitas agências do governo federal,
em Manhattan.
O Dr. Peter Duke informou que o processo começará assim
que adentrarmos o escritório do USCIS. Os oficiais não deixarão de
observar o nosso comportamento como indivíduose como um casal
em si, desde a nossa chegada no local até o momento da saída.
Eles tanto podem nos colocar juntos em uma sala como
separados ou até mesmo ambos. As perguntas podem ser
direcionadas para nós dois de forma individual ou em casal, e
costumam ser de cunho íntimo, com duração entre 15 a 20 minutos.
Não demorou nem quinze minutos e o oficial nos atendeu,
encaminhando-nos para a sala de entrevistas. Não soltei a mão de
Maya nem por um minuto sequer. Nós dois ocupamos as cadeiras
lado a lado, ainda de mãos dadas.
— Antes de mais nada, eu quero informar os motivos que nos
levaram a requisitar uma segunda entrevista no finaldo processo de
aplicação do Green Card de Maya Garcia Navarro — o oficial
começou, nos encarando com frieza através da lente grossa dos
óculos. — Constatamos que ambos estão casados há pouco tempo,
além de pertencerem a classes sociais distintas e com origens
culturais muito diferentes.
Percebi que uma sombra de medo perpassou o rosto dela no
instante em que os nossos olhares se encontraram. Esbocei um
sorriso encorajador e discreto, capaz de dissipar qualquer resquício
de dúvida ou incerteza.
— Quero avisá-los também de que a entrevista “Stokes” será
gravada — anunciou o oficial,ocupando o seu lugar diante da mesa.
— Agora eu preciso que me confirmem os nomes e endereços, por
gentileza — prosseguiu, cruzando as mãos sobre a mesa. Assim
que nós passamos as informações, ele complementou logo em
seguida. — Existe algum documento adicional para apresentar
como suporte da petição?
— Sim, senhor — Dr. Duke respondeu, abrindo a sua pasta de
couro para tirar os documentos mais recentes, como a certidão de
nascimento de Zayn, a apólice de seguro de vida tendo Maya como
principal beneficiária, o extrato da conta bancária conjunta, o
contrato de seguro médico familiar, a cópia do imposto de renda
preenchido conjuntamente, além de fotos que foram tiradas nos
últimos meses.
O oficialanalisou toda a papelada atentamente, sem dizer uma
só palavra. Um silêncio pesado pairou na sala até que, de repente,
ele fez a voz grave dele reverberar por todo o ambiente, nos tirando
dos nossos próprios devaneios.
— Eu vou entrevistar Mr. Aziz primeiro, está bem? — informou,
ao se levantar da cadeira. Logo, ele me conduziu até outra sala,
permitindo apenas a presença do nosso advogado.
— Como vocês se conheceram? — perguntou, abrindo o seu
caderno de anotações.
— Quanto mais detalhada fora informação,melhor, Mr. Aziz —
Dr. Duke explicou, em voz baixa. Ele segurava uma agenda para
fazer anotações, visando preparar uma futura apelação, caso seja
necessário.
— Maya e eu nos conhecemos no bar Chilli en Fuego. Ela
trabalhava como bartender na época, prestando um serviço
diferenciado por meio doflair bartending.
— Poderia me explicar do que se trata? — indagou, erguendo
uma sobrancelha, surpreso.
— É uma técnica utilizada por bartenders para entreter os
clientes durante o atendimento, através de malabares com
instrumentos de bar e garrafasde bebidas, podendo até manipular o
fogo ou artefatos pirotécnicos.
— Então, o senhor foi atendido por ela, correto? — ele quis
saber, enquanto faziaalgumas anotações na folha.— Mas, como foi
possível estabelecer uma conversar se ela estava a serviço do bar?
— Eu esperei até o final do expediente e ofereci uma carona
para ela.
— Onde foi o primeiro encontro? Suponho que o senhor tenha
levado a sua esposa para algum restaurante...
— Na verdade, o nosso primeiro encontro ocorreu na praia.
Em Ponquogue Beach, Hamptons.
— Onde a sua esposa vivia antes de decidirem morar juntos?
— Ela morava com a mãe e o irmão em Newark, New Jersey.
— E quanto ao senhor? — perguntou, voltando a me encarar,
com ar inexpressivo.
— Eu sempre morei no condomínio 30 Park Place, em
TriBeCa.
— Onde o senhor trabalha, Mr. Aziz? — inquiriu, fechando o
punho sob o queixo.
— Eu fundei a minha própria empresa junto com o meu sócio,
chamada Aziz Financial. Utilizamos tecnologia para criar soluções
inovadoras em diferentes produtos e serviços voltados para o
mercado financeiro.
— Qual é a sua rotina noturna antes de ir para a cama?
— Sempre lavo o rosto, uso um hidratante e creme anti-idade.
Gosto de ler antes de dormir e faço um alongamento leve para
relaxar a mente.
— As perguntas a seguir serão mais invasivas, mas se o
senhor não se sentir à vontade em responder, basta informar, ok? —
comentou, se empertigando na cadeira. — Que tipo de método
contraceptivo a sua esposa utiliza?
— Ela faz uso de pílula anticoncepcional, e quanto a mim, eu
uso preservativo.
— Você possui algum fetiche sexual que ainda não realizou
com a sua esposa?
— Bem, eu posso citar como exemplo fazer sexo nas alturas.
No helicóptero, mais especificamente.
— Onde passaram a lua de mel?
— Não houve uma lua de mel formal, por assim dizer —
respondi, com certo constrangimento. — Maya e eu passamos a
noite de núpcias na mansão do meu pai, localizada nos Hamptons.
Não tivemos tempo para planejar uma viagem por razões
profissionais e no ano seguinte o nosso filho nasceu. A casa de
verão da família acabou se tornando o nosso refúgio.
— O que o senhor deu de presente no último Natal?
— Foi algo bem inusitado, na verdade. Eu presenteei Maya
com um kit de flavour blaster, que nada mais é do que um tipo de
pistola de bolhas comestíveis, utilizada para incrementar a
apresentação final dos coquetéis.
— Isso é tudo, Mr. Aziz! Obrigado pelas informações. Agora,
apenas o Dr. Duke pode permanecer nesta sala.
Aguardei Maya entrar na sala, torcendo para que ela mantenha
a serenidade durante a entrevista.
Não achei as perguntas complexas, muito pelo contrário. As
questões formuladas estavam relacionadas aos aspectos íntimos
vividos por qualquer casal no dia a dia. Nós dois sabemos muito a
respeito um do outro, e podemos comprovar que o que nos une é o
amor genuínoe a intenção real de permanecermos juntos pelo resto
de nossas vidas.
Àmedida que os minutos passavam mais eu ficavaapreensivo
e preocupado com ela. Sentia que estava ficando louco de
ansiedade, consultando o relógio a breves intervalos, incapaz de
conter a impaciência pela longa espera. A secura na garganta se
intensificou, e nem mesmo o ar-condicionado foi capaz de aplacar a
onda de calor que percorreu todo o meu corpo. Precisei afrouxarum
pouco o nó da gravata porque transpirava descontroladamente.
Não entendo por que a entrevista está demorando tanto. Puta
que pariu!
Entretanto, após mais de uma hora depois, Maya e o
advogado saíram da sala, acompanhados pelo oficial de imigração.
— Os dois já estão liberados e podem voltar para casa — Dr.
Duke informou, com um amplo sorriso nos lábios. — A partir de
hoje, Maya é residente definitiva em situação legal no país. Ela
receberá o Green Card da categoria IR1[33] em breve.
— Obrigado, doutor — agradeci, batendo de leve no ombro
dele. — Fez um excelente trabalho!
Depois, eu voltei a minha atenção para Maya e diminui a
distância entre nós dois para lhe falar ao ouvido.
— Eles colocaram à prova o nosso relacionamento, então que
se preparem porque eu darei um beijão de cinema nessa sua boca
gostosa — sussurrei, com a voz dolorosamente rouca.
Maya engoliu um arquejo de surpresa, assim que eu me
afastei um pouco, apenas o suficiente para contemplá-la com os
olhos flamejando de desejo. Em seguida, eu segurei o rosto dela
entre as mãos, beijando-a de um jeito feroze primitivo. Quase deixei
escapar um gemido, ao perceber que ela correspondia ao beijo com
a mesma ferocidade até que gentilmente se afastou, prendendo
uma mecha de cabelo atrás da orelha e abaixou os olhos,
constrangida.
Fingi não ter notado os olhares de censura que os funcionários
do USCIS nos dirigiram, em razão da demonstração pública de
afeto.
— Nós conseguimos, amor! — exclamou Maya, eufórica,antes
de erguer os olhos na direção do teto, possivelmente sentindo uma
mistura de alívio e contentamento.
— Vamos embora daqui, Maya — anunciei, segurando a mão
dela e a conduzindo rumo à saída da repartição pública. — Pretendo
fazer um passeio de helicóptero hoje. O que acha? —
complementei, quando uma ideia me ocorreu, de repente.
Maya transmitia imponência e sensualidade ao mesmo tempo,
quando optou por uma camisa social branca de manga longa, saia
lápis na cor preta, com fendafrontale de comprimento midi, além de
scarpins também pretos. Ela quase não usava nenhuma maquiagem
no rosto, e seus cabelos castanhos e longos estavam metade
presos, e metade cascateando, em mechas sedosas sobre os
ombros.
Quando os nossos olhares se encontraram, eu passei a
observá-la com um sorriso safado no canto dos lábios. Apertei a
mão dela ainda entrelaçada na minha, e a levei aos lábios, selando
um beijo suave no dorso macio. Logo, eu fecheios olhos, sentindo a
fragrância de seu perfume adocicado penetrar as narinas, me
embriagando por alguns segundos.
Ela estava irresistível demais para adiar a realização do meu
feticheexcêntrico. Mesmo após quase dois anos de relacionamento,
nós dois não tivemos ainda a oportunidade de transar no
helicóptero, embora já tenha feito isso algumas vezes com outras
mulheres. Porém, a realização da minha fantasiacom a mulher que
eu amo daria um sabor especial à conquista.
Nós dois parecíamos duas crianças travessas, soltando uma
gargalhada, que não conseguimos segurar, quando o helicóptero
deixou o heliporto para sobrevoar a cidade.
Em determinado momento, eu desafivelei o cinto de
segurança, deslizando o corpo pelo assento, de modo que os
nossos ombros quase se tocaram. O meu olhar passeou pelo belo
rosto retangular, passando pelo pescoço longo e esguio, e descendo
pelos seios fartos,moldados pela blusa social até alcançar as coxas
grossas escondidas sob a justa saia preta. Maya manteve as mãos
entrelaçadas e apoiadas no colo, mexendo os polegares, com
evidente nervosismo.
— Não acha arriscado demais, amor? — perguntou, me
encarando atentamente. A voz dela saiu fraca, quase um sussurro
débil.
— Eu quero que você rebole bem gostoso no meu pau,
enquanto sobrevoamos Manhattan — informei, em tom incisivo,
sentindo o pênis pulsar violentamente contra a cueca boxer. —
Como pode ver, a cabine de passageiros e a do piloto são
separadas por uma divisória. Não há a menor possibilidade de ele
presenciar a nossa rapidinha, amor.
Maya emitiu um arquejo doce e ao mesmo tempo erótico,
assim que ouviu as minhas últimas palavras. Logo, eu a puxei pelo
braço e cobri a minha boca na dela, selando um profundo e ardente
beijo. Toda a resistência da minha esposa se dissipou, e pressenti
que ela se renderia ao desejo de satisfazer a minha fantasia. Na
sequência, eu desafiveleio cinto que a prendia no assento e enlacei
a cintura dela, com firmeza. Maya gemeu contra os meus lábios e os
entreabriu para aprofundar o beijo, quando finalmente pude sentir a
umidade quente e doce de sua língua, conforme ela explorava a
minha, unindo-as em uma dança lenta e erótica.
— Não sabe o quanto me excita quando se rende às minhas
fantasias mais pervertidas, preciosa — murmurei, com os lábios
ainda encostados aos dela, roçando de leve a boca. Em seguida,
passei a mão pela saia até encontrar a fendafrontal,permitindo livre
acesso à pele sedosa e macia dela.
Maya arqueou o quadril de modo que pudesse arregaçar mais
a saia, com as mãos trêmulas. Então, mais que depressa deslizei os
dedos pela parte interna da coxa dela até afastar a calcinha de
renda um pouco, alcançando a região íntima, recém-depilada e
sensível. Assim, comecei uma carícia lenta e gostosa pela vulva,
completamente úmida e quente, aumentando aos poucos a fricção
para estimular o clitóris.
Na sequência, eu introduzi dois dedos na vagina, e Maya
instintivamente abriu mais as pernas, gemendo bem gostoso contra
os meus lábios e implorando por mais. Penetrei mais
profundamente, enquanto me inclinava para beijar o pescoço,
explorando-o com os lábios e a língua, e descendo sem pressa até
atingir a ondulação suave dos seios. Maya desabotoou parcialmente
a camisa e afastou o tecido do sutiã para o lado, permitindo que eu
circulasse o bico rosado com a ponta da língua,antes de abocanhar
o mamilo sensível e excitado. Chupei um seguido do outro de forma
quase brutal, arrancando um gemido alto bem no fundo de sua
garganta.
— Não vou aguentar mais, Omar — Maya ofegou, com a voz
estrangulada de desejo, ao me empurrar delicadamente e se
levantar, apoiando a mão no encosto do assento de couro para
manter o equilíbrio.
Mais que depressa, ela se sentou em meu colo e passou os
braços ao redor do meu pescoço, enquanto se movia para a frentee
para trás, rebolando bem devagar só para me provocar. Em
seguida, ela segurou o meu rosto entre as mãos, se inclinando para
a frente para possuir a minha boca, envolvendo-a por completo em
um beijo voraz. Senti o meu corpo inteiro enrijecer ao passo que o
meu pau respondia ao estímulo, provocando um espasmo de desejo
violento contra a calça social. A seguir, eu deslizei as mãos
lentamente pelas costas dela, e como resposta, ela se arqueou mais
contra mim, de maneira instintiva. Quando as minhas mãos
alcançaram a bunda dela, espalmei bem e as apertei com força,
fazendoMaya ofegardebilmente, com a boca ainda colada à minha.
— Eu vou rebolar tão gostoso, que você vai ter que se segurar
bastante para não gozar antes de mim, amor — murmurou Maya, a
voz saiu abafada ao meu ouvido, me fazendo arrancar um arquejo
de surpresa. Depois, ela deslizou a mão por dentro do paletó,
fazendo-o deslizar pelo meu ombro. Em seguida, afrouxou o nó da
gravata e desabotoou parcialmente a camisa. — Duvido que
consiga resistir quando eu quicar rápido no seu pau até fazer você
delirar de prazer — completou, espalmando as mãos em meu
peitoral, e puxando os pelos espessos, me fazendo emitir um leve
rugido de prazer.
O meu peito subiu e desceu ao ritmo da respiração ofegante,
quando Maya encostou os lábios na pele macia, beijando cada
ondulação formada pelos músculos. Logo, eu pude sentir o toque
suave da mão dela, descendo ao longo da costela até alcançar a
minha cintura, antes de desafivelaro cinto para abrir o botão do cós,
descendo o zíper da calça bem devagar e sem tirar os olhos de
mim. Ela puxou a cueca boxer pela lateral, abaixando-a para revelar
o meu pau ereto, pulsando e com as veias saltadas.
A minha respiração foi se tornando mais ofegante à medida
que Maya aumentava o estímulo em toda a sua extensão, alisando
a glande, e depois envolvendo todo o pênis, torcendo-o para cima e
para baixo, sem deixar de manter contato visual, ao me direcionar
um olhar cheio de tesão. Em determinado momento, Maya levantou
a saia e abriu mais as pernas para se encaixar em meu membro rijo
e pulsante. No entanto, ela decidiu prolongar o martírio roçando a
glande bem devagar por toda a vulva, antes de apontá-la em
direção à vagina, introduzindo nela aos poucos.
A seguir, Maya começou a cavalgar, se movendo lentamente
para a frente e para trás, mas aos poucos foi intensificando os
movimentos dos quadris, incapaz de diminuir o ritmo.
— Oh, que delícia! — exclamou, com a voz dolorosamente
rouca, e pude sentir o coração dela batendo descontroladamente,
enquanto retomava o fôlego.
— Você vai gozar bem sobre o céu de Manhattan, gostosa —
afirmei, segurando-a com firmeza pela cintura, enquanto realizava
os movimentos de subida e de descida. Fiz o meu pau penetrar bem
fundo em sua boceta, imprimindo um ritmo mais rápido e violento.
Senti o calor percorrer todo o meu corpo, como se estivesse
em chamas. Maya jogou a cabeça para trás e gemeu alto,
estremecendo sobre mim, completamente rendida ao êxtase
arrebatador. Não demorou nada e também explodi num gozo
prolongado, sentindo o sêmen quente jorrando dentro dela.
— Eu nunca me cansarei de repetir que eu te amo, preciosa ―
murmurei, com a voz dolorosamente rouca.
Eu olhei bem no fundodos olhos castanhos, sendo preenchido
por uma sensação indescritível de completude e realização plena.
Eu havia sentido o peito se apertar durante a entrevista de Stokes,
ante a terrível possibilidade de perdê-la, mas felizmente o processo
chegou ao fim. Maya finalmente conseguiu regularizar a sua
condição no paísde formadefinitiva,deixando de ser beneficiáriado
DACA para se tornar residente permanente através da petição de
Green Card com base em casamento.
Por ironia do destino, ela ocuparia a posição de esposa de
mentira. Esse era o nosso acordo inicial. Porém, nenhum de nós
dois previu que seríamos capazes de derrubar as defesas
emocionais um do outro, ao estabelecer uma conexão genuína e
mais profunda em um curto espaço de tempo.
Eu utilizei todos os meios necessários para que Maya pudesse
continuar no país, permanecendo ao meu lado, para sempre.
— Nós vamos continuar juntos pelo resto de nossas vidas,
amor — Maya declarou, subitamente, como se tivesse lido os meus
pensamentos.
3 semanas depois

Era uma bela tarde ensolarada em Manhattan, quando todos


os formandosda Escola de Direito de Columbia se apresentaram na
área externa do campus de Morningside Heights, distrito ao norte de
Central Park, com suas becas de tonalidade azul ardósia, com suas
duas abas pretas costuradas de cada lado da túnica, três faixas de
veludo preto nas mangas, além de duas coroas bordadas na altura
do peito, e capelo de mesma cor.
A minha mãe e Ramón estavam presentes, assim como o
velho Omar, e claro, o meu marido, que carregava Zayn nos braços.
Omar teve a ideia de encomendar uma túnica menor para Zayn,
igual à dos formandos da Universidade de Columbia. O meu filho
parecia a versão em miniatura dos formandose pretendo levá-lo até
a frente do palco, assim que anunciarem o meu nome para pegar o
diploma e cumprimentar os reitores. Havia um grupo pequeno de
convidados dos formandos, ocupando o amplo espaço sob as
espaçosas tendas brancas. Em determinado momento, a
coordenadora do cerimonial avisou que era chegada a hora de
subirmos ao palco para assumirmos as nossas posições atrás do
púlpito.
Os co-presidentes do Comitê de Graduação deram as boas-
vindas aos colegas de classe, familiares, amigos, professores e à
equipe de apoio da Faculdade de Direito, antes de apresentarem a
Reitora e professorade Direito, Dra. Gillian Lester. Ela saudou todas
as pessoas presentes na cerimônia e fez um pronunciamento muito
eloquente e inspirador, arrancando aplausos calorosos.
A seguir, o presidente do Senado Estudantil, apresentou os
oradores das classes JD (Doutor em Jurisprudência) e LL.M.
(Mestrado em Direito). Para minha surpresa, eu fui mesmo
escolhida como oradora da classe de Juris Doctor (JD), ano ‘21,
eleita pelo voto popular dos meus colegas algumas semanas antes.
— Boa tarde a todos e todas — saudei, assim que subi ao
púlpito, com o rosto a poucos centímetros do microfone. — Eu me
sinto muito honrada em representar os meus colegas da classe Juris
Doctor ’21na condição de palestrante. Espero estar à altura para
representá-los neste dia tão especial, concluindo uma etapa muito
significativa de nossas vidas. Graduar-se na Escola de Direito de
Columbia requer muita disciplina e dedicação em tempo integral. A
nossa jornada ao longo dos três últimos anos foi árdua embora
prazerosa ao mesmo tempo, mas ainda temos muito caminho pela
frente.Nós, formandos do curso de Direito, temos o dever de propor
debates acerca do nosso papel no mundo jurídico, atuando na
promoção da igualdade e na garantia de uma sociedade mais justa.
Decidi fazer uma pausa para tomar fôlego, em seguida
continuei o discurso, observando todos os olhares voltados para
mim.
— Antes de ingressar na Columbia University, eu já havia
obtido o diploma em estudo paralegal, ansiando pela oportunidade
de me tornar uma advogada de imigração. Nós somos jovens, por
isso considero essencial participar de forma atuante no processo
políticodeste país.A administração anterior recrudesceu ainda mais
a retórica anti-imigração. Todos os imigrantes indocumentados
continuam no limbo, desde que o ex-presidente tentou encerrar o
DACA a todo custo. Eu fui beneficiária durante nove anos,
exercendo o meu direito de viver e trabalhar no país, mesmo
submetida ao perene estado de incerteza sobre a continuidade do
programa.
Realizei uma nova pausa na leitura do texto, sentindo o
coração bater cada vez mais acelerado e as lágrimas se formando
em meus olhos, bastante comovida pelo teor profundo do discurso.
— A atual gestão não fez ainda mudanças significativas, e
cabe a nós exigirmos a reforma migratória, algo tão esperado e
necessário neste país. O que ocorre verdadeiramente é uma
discrepância no tratamento dispensado aos imigrantes, a depender
da origem e classe social. Se nós adentramos pela fronteira entre o
México e os Estados Unidos, somos considerados criminosos. Eu
tinha apenas 11 anos de idade, quando a minha mãe cruzou
ilegalmente a fronteira como centenas de milhares de pessoas o
fazem todos os anos, por uma série de razões. Imigrantes realizam
a travessia e se veem submetidos a situações degradantes,
correndo até o risco de morte, devido às condições de extrema
pobreza, abusos e violências, em seus paísesde origem. Apenas os
imigrantes ricos possuem permissão para viver no país, e
conseguem obter o status de residente permanente e posterior
naturalização, sem maiores dificuldades. Por incrível que pareça,
nós também pagamos os nossos impostos e contribuímos
significativamente para o crescimento da economia. Reflitam a esse
respeito, senhoras e senhores. Em suma, eu escolhi atuar na defesa
de imigrantes desassistidos e com profunda carência de
representação legal.
Quando tive a permissão de fazer o uso da palavra, já
imaginava chamar a atenção da imprensa e comunidade acadêmica
pelo alto teor crítico do discurso como oradora de turma. Contudo,
eu fiquei surpreendida ao perceber que todos se levantaram e
começaram a aplaudir, entusiasmados, por cerca de trinta
segundos. Eles fizeram questão de ficar de pé, e percebi com
satisfação que havia cumprido bem o meu papel naquele final de
tarde.
Cerca de quinze minutos depois, a minha mãe conseguiu se
aproximar de mim e estendeu os braços em minha direção para
poder pegar Zayn no colo.
― Você veio me ver, meu amor? ― perguntei, estendendo os
braços para ele. ― Eu quero te encher de beijos e dar o melhor
abraço do mundo — completei, ajeitando o pequeno capelo na
cabeça dele, antes de lhe dar um grande beijo na bochecha. Ele
retribuiu com um sorrisinho e gritinhos de alegria.
— Parabéns, minha querida! — Míriam exclamou, com
entusiasmo. — Zayn se comportou direitinho durante boa parte da
cerimônia.
— Se eu cheguei até aqui, devo isso especialmente à senhora,
minha mãe — declarei, com a voz embargada, mas tentei eliminar o
nó na garganta, antes de voltar a falar. — Eu tenho muito orgulho
das minhas origens e o meu discurso refletiu isso. Te amo muito!
Conforme os nomes foram anunciados pelo Reitor de
Admissões, de Estudantes e de Estudos Jurídicos de Pós-
Graduação, cada formando cruzou o palco para cumprimentar a
Reitora, a Dra. Gillian Lester. Quando eu me aproximei dela,
segurando a mão de Zayn, notei que ela exibia um sorriso
carismático. Apertamos as mãos de modo firme, e ela ainda apontou
para Zayn, que estava ao meu lado, vestido de formando da
Columbia University, antes de brincar com ele.
— Será que estamos diante do futuro aluno da Escola de
Direito? — perguntou, em tom divertido. — Parabéns pela
conquista, Maya. Desejo muito sucesso em sua jornada no meio
jurídico.
Sorri timidamente, expressando a minha gratidão pelo seu
gesto e incentivo.
A seguir, todos se reuniram para a tradicional foto de grupo,
antes de sermos liberados para o evento de confraternização no
Ancel Plaza, junto aos nossos familiares. A parte mais emocionante
do evento foi, sem sombra de dúvida, o momento em que eu pude
me reunir com todos aqueles que eu amo. Abracei a minha mãe e
Ramón, e fiz o mesmo com o meu sogro, em meio às lágrimas.
Agradeci a ele por sua disponibilidade em patrocinar os meus
estudos em Columbia.
— O seu discurso só reforçouo que eu já sabia desde o início,
minha preciosa. Eu estou diante de uma profissionalbrilhante e com
um senso muito forte de justiça.
— Você merece todo esse reconhecimento, Maya — Omar
complementou, se aproximando de nós dois, antes de se inclinar
para me beijar na testa. — Nós dois sempre soubemos do seu
potencial e estamos muito orgulhosos em poder fazer parte dessa
conquista.
Palavras de incentivo, aplausos entusiasmados, risos e
lágrimas marcaram aquele momento tão esperado, e eu nem
mesmo pude evitar as lágrimas de emoção pela oportunidade de
subir mais um degrau que me levará a um novo patamar na carreira
jurídica. Foram sete anos dedicados à realização do meu maior
sonho: ser uma advogada de imigração.
Observei o céu sem nuvens na tarde de sábado diretamente
da sacada, onde eu tinha uma visão privilegiada da área da piscina
do tipo Gunite, cercada por sebes altas, e pavimentada por um deck
de pinus. Depois, eu voltei a minha atenção para o grupo de
pessoas interagindo no pavilhão adjacente, com sua área de estar à
sombra, vestiários e cozinha compacta.
O velho Omar conversava animadamente com a minha sogra,
enquanto bebericava o seu coquetel preferido:o Manhattan. Ramón
e Samara brincavam com Zayn no gramado e pareciam alheios ao
burburinho provocado pelos adultos à volta. Os tios de Maya e os
filhos dele tomavam banho de piscina, com exceção de Javier, que
ocupava o balcão especialmente projetado para a área da piscina,
preparando coquetéis diversos, que é o que ele sabe fazer de
melhor. Maya se juntou a ele em um momento ou outro, talvez
evitando passar tanto tempo na companhia de um homem que
sempre a amou. Apesar de Maya nunca ter correspondido às
investidas dele, me incomodava um pouco essa proximidade entre
eles.
Encorajado pelo ciúme momentâneo, eu me afasteida sacada,
decidindo me juntar logo a eles. Quando eu desci correndo as
escadas, avistei Najla no hall de entrada, acompanhada pelo
marido.
— Decidiu se bronzear um pouco hoje, irmã? — perguntei,
observando o seu traje de banho, composto por um maiô preto
parcialmente à mostra pelo vestido azul, longo e esvoaçante.
— Com toda certeza, Omar! — confirmou,exultante. — Dia de
sol radiante, em pleno verão nos Hamptons. Não há nada melhor,
não acha?
— Estar ao lado das pessoas que amamos, desfrutando de
boa comida e bebida, definitivamente, não há nada melhor mesmo
— concordei, passando o braço ao redor do ombro dela e puxou-a
para mais perto. — Robert, espero que não se importe se eu roubar
um pouco a atenção de minha irmã — completei, em tom
provocativo. O meu cunhado se limitou a dar de ombros, sorrindo
em resposta ao meu último comentário.
— Está se sentindo inseguro com a presença do primo de
Maya, acertei? — perguntou Najla, inclinando a cabeça ligeiramente
para o lado, perscrutando-o com cautela.
— Eu disse a ela que Javier será sempre bem-vindo aqui. Mas,
admito que estou um pouco enciumado com a proximidade deles,
até porque eu não sou de ferro.
— É natural que se sinta assim, irmão. Não se recrimine por
isso, está bem?
Quando eu cheguei mais perto do grupo, notei que Maya
usava uma saídade praia longa e estampada, com profundodecote
e detalhe de renda.
Até poucos dias atrás, Maya me fez sentar na cadeira para
observá-la dançar ao som de reggaeton, com as mãos atadas atrás
do encosto, impedindo que eu fizessequalquer movimento. A minha
esposa estava deliciosamente sexy, usando uma combinação de
cropped e calça jogger preta. Ela ficou de costas para mim e se
agachou, apoiando as mãos em meus joelhos, antes de rebolar,
empinando bem a bunda. Eu já estava sedento por sexo, mas
admito que adorei aquela tortura gostosa.
Eu estava tão absorto contemplando a minha bela mulher, que
dançava ao ritmo de reggaeton, enquanto preparava um coquetel,
que foi preciso Najla cutucar o meu braço para me tirar do meu
breve devaneio erótico.
— Aquela ali não é a Sharon? — perguntou, apontando com a
cabeça na direção da mulher, que surpreendentemente conversava
com o primo de Maya aos risos. — Eles parecem bem íntimos, não
acha?
— Parece que está rolando um clima entre eles mesmo —
constatei, surpreso.
— Ela sempre foi apaixonada por você, mas pelo visto
encontrou um substituto à altura.
Sharon tentou me convencer a transar com ela em um dos
quartos secretos da mansão, durante a recepção de casamento da
minha irmã.
Olhei novamente na direção deles, e percebi que os rostos
deles ainda estavam bem próximos, mantendo o diálogo num tom
de voz baixo e confidencial.
Espero que eles se deem bem na cama tanto quanto se dão
bem fora dela.
Cruzamos o deck juntos e nos aproximamos do quiosque.
Maya continuava atrás do balcão e passou a nos observar, com um
olhar penetrante e curioso, ao mesmo tempo.
— Vou preparar o Aperol Spritz para a minha cunhada, e
quanto a Omar certamente vai adorar a variação dele: o Bourbon
Spritz — anunciou Maya, apoiando as mãos na bancada, e seus
lábios lentamente delinearam um sorriso matreiro. — Primeiro as
damas, é claro.
A seguir, ela pegou uma taça de vinho já resfriada e adicionou
os cubos de gelo. Continuei contemplando com adoração, quando
ela lançou o Aperol por trás do braço, amparando-o rapidamente
com o cotovelo, um movimento que requer muita habilidade para
equilibrar a garrafa sem deixá-la cair. Adicionou uma parte do
conteúdo à taça e cobriu com Prosecco, antes de completar com
uma parte de Club Soda. Depois, ela mexeu lentamente a bebida
com a bailarina por alguns segundos, finalizandocom uma rodela de
laranja como item decorativo na borda.
— Eu já te disse o quanto eu amo a sua versatilidade, Maya?
— Najla perguntou, levando o canudo à boca para sorver um gole
da bebida. — Isso é uma delícia!
Ela utilizou os mesmos ingredientes, com a diferençade que o
meu leva uísque no preparo do coquetel. Logo após despejar uma
parte do Aperol na taça repleta de cubos de gelo, Maya executou
alguns malabares com a garrafa de uísqueMaker's Mark, passando-
a por trás do corpo e fazendo-a girar pelo braço direito, antes de
adicionar parte do conteúdo. Depois, completou com espumante
Prosecco além do Club Soda, mexendo de leve a bebida. E, para
finalizar, decorou a taça com uma rodela de laranja desidratada.
— Aprecie sem moderação, amor — comentou, deslizando a
taça sobre o balcão.
— Por que não vem até aqui para que eu possa te apreciar
mais de perto, preciosa?
Quando Maya contornou o balcão para se aproximar de mim,
notei que ela me lançou um olhar sedutor, mordendo ligeiramente o
lábio inferior carnudo. Permaneci sentado no banco alto, mas logo
eu a segurei pela cintura, puxando-a contra o meu corpo. Maya
passou os braços em torno do meu pescoço e me beijou, com
impetuosidade.
— Estou com muita vontade de te comer, amor — declarei,
num murmúrio rouco ao ouvido, antes de mordiscar suavemente o
lóbulo da orelha dela, provocando um leve tremor na espinha.
— Tem algum lugar em mente? — perguntou, com a voz
ofegante, enquanto roçava os lábios contra a lateral do meu rosto. O
hálito quente dela contra a têmpora fezemanar uma onda de prazer
por todo o meu corpo.
Minutos mais tarde, nós dois seguimos sozinhos até
Ponquogue Beach. A mesma praia e local do nosso primeiro
encontro não oficial. Fizemos uma caminhada ao longo da faixa de
areia, sentindo a brisa refrescante bater sobre o rosto, e a água
salgada molhando os pés, proporcionando uma atmosfera romântica
e repleta de significados.
A seguir, eu a agarrei e a fiz cair sobre o meu corpo. Nós dois
rolamos pela areia branca, abraçados até que de repente uma onda
bateu de leve, nos cobrindo aos poucos até nos encharcar.
Enrosquei as minhas pernas nas dela, enquanto afastava os fios
molhados que lhe cobriam o rosto.
— O que acha de providenciarmos um irmãozinho ou
irmãzinha para Zayn?
― Sim, mas é claro que sim, meu amor! ― concordou Maya,
de maneira enfática, esboçando um amplo sorriso, e senti o meu
coração transbordar de puro enlevo e prazer.
Aproximei o meu rosto bem devagar, e encarei ora os olhos
castanhos-escuros irradiando magnetismo, ora os lábios em forma
de arco, suculentos, levemente entreabertos e desejosos por um
beijo. Então, no instante seguinte, a minha boca se apossou da dela
de um jeito feroz e primitivo. Logo, eu pude sentir o sabor da água
salgada mesclada à areia, enquanto as nossas mãos percorriam o
corpo um do outro, tomados por uma ânsia brutal de nos livrar das
peças de roupa encharcadas.
Parece que o tempo parou de repente, pois não havia ninguém
ali além de nós dois.
Maya

Meses depois

Quando Omar e eu chegamos ao escritório do advogado de


imigração, a recepcionista nos informou que deveríamos aguardar a
finalizaçãode uma consulta. O casal em questão já estava na sala
dele há cerca de vinte minutos.
— Amor, como o tempo passou rápido, não é mesmo? —
perguntei, com ar pensativo. — A gente completou três anos de
casados, e finalmente estou apta a dar entrada no processo de
naturalização. Eu só vou me tranquilizar, quando puder patrocinar o
visto de residente permanente da minha mãe.
— Falta pouco para realizar o sonho dela, amor — Omar
concordou, tomando a minha mão entre as suas, de modo
reconfortante. — Só precisa ter um pouco mais de paciência.
O tempo para o processamento da cidadania ser finalizado
varia conforme o Estado de residência do imigrante, mas em Nova
York pode chegar a um ano ou mais, a depender do caso.
Eu estava tão distraídaem meus devaneios, que eu só percebi
que o casal havia saído do escritório do Dr. Duke, quando Omar se
levantou de um salto, se adiantando na direção do cliente. Ele agiu
como se já o conhecesse de algum lugar, mas eu não fazia a menor
ideia de quem ele era até ouvir o nome dele: Jack Rogers. Acabei
recordando o dia em que Omar citou o nome do executivo em uma
de nossas conversas casuais ao jantar. Parece que o velho Omar
conhece o ex-sogro de Jack Rogers há muitos anos. Ele estava
acompanhado pela nova esposa, mas Omar conhece apenas a ex-
mulher dele, Melanie Spencer. Ambos são filhos de dois dos mais
renomados investidores do mercado financeiro.
— Faz tempo que não nos vemos, Jack — comentou Omar,
apertando a mão dele de modo efusivo.
— Realmente, Omar. Estou feliz em poder rever você —
concordou Jack, sorrindo abertamente. — Eu quero te apresentar a
minha esposa, Alana — completou, deslizando a mão pelas costas
dela e fitando-a com intensidade.
— Eu também quero apresentar a minha mulher. Ela se chama
Maya e coincidentemente também é brasileira, acredita?
Aproveitei a menção ao meu nome e me levantei da poltrona
para diminuir a distância entre nós. Eu cumprimentei o casal com
um aperto firme de mão, e logo Alana e eu começamos a conversar
sobre assuntos triviais relacionados ao Brasil. Nós duas somos
casadas com cidadãos norte-americanos e vivemos legalmente no
país,mas nos recusamos a perder os laços com a nossa terra natal.
— Ouvi dizer que os agentes são bem rigorosos com os
candidatos ao Green Card baseados em casamento — Alana
comentou, nos encarando com uma expressão preocupada no
rosto.
— Tenho certeza de que vai dar tudo certo com o seu processo
também, Alana — afirmei,esboçando um sorriso encorajador. — Eu
estou me preparando para o Bar, que é o Exame da Ordem aqui nos
Estados Unidos. Só assim eu poderei atuar como advogada de
imigração.
— Mas, isso é maravilhoso! — Alana exclamou, admirada. —
Você se importa de me passar o seu contato? Não que eu não
confiena competência de Dr. Duke, mas é sempre bom compartilhar
informaçõescom alguém que também passou pela mesma angústia
com o processo do Green Card.
— Perfeitamente!— concordei, tirando o meu cartão de visitas
dentro da bolsa. — Será um prazer te ajudar dentro do que for
possível.
Alana me abraçou carinhosamente, quando nos despedimos.
— Eles não formam um lindo casal, não acha? — perguntei a
Omar, assim que Alana e Jack deixaram o local.
— Tanto quanto nós dois, amor — concordou, passando o
braço ao redor dos meus ombros.
— Os dois pombinhos vão entrar logo ou não? — o advogado
falou, de repente. Ele praticamente nos assustou, mas logo nos
recuperamos e explodimos numa gargalhada gostosa.
O meu agradecimento inicial vai para a minha Leitora Beta,
Tuísa Sampaio, blogueira (IG literário @tracinhadelivros), que
gentilmente se disponibilizou a acompanhar o desenvolvimento da
história ao longo de dois meses. As observações dela foram bem
pertinentes e de grande valia para mim. Ela também me ajudou a
decidir os detalhes da arte de capa, porque a minha Lua em Libra
sempre me deixa indecisa. Tuísa, a sua contribuição foi muito
importante durante o processo de escrita e quero reiterar a minha
profunda gratidão!
Também quero agradecer mais uma vez à capista Eli, da L. A.
Design, pela arte de capa do livro, bem como a Laizy Shayne (Layce
Design) pela diagramação incrível que fez. Ambas são excelentes
profissionais, sempre atenciosas e dedicadas a oferecer o melhor
resultado, que satisfaçaàs expectativas dos autores. Eu recomendo
muito o trabalho delas.
Agradeço também a cada leitor, leitora, e leitore que deu um
voto de confiançaem mim, se disponibilizando a ler os meus livros.
Terei o maior prazer em atender cada um de vocês. Fiquem à
vontade para entrar em contato a qualquer momento.
Antes de finalizar, eu quero fazer um pedido muito importante:
Avalie o livro antes de sair da tela, seja atribuindo apenas a nota de
sua preferência, ou escrevendo um breve comentário, com as suas
impressões da leitura. A avaliação na Amazon é imprescindível
para dar mais visibilidade ao livro, e assim ampliar o alcance
dele para mais leitores. Eu fico muito grata desde já pela atenção
e confiança. Até breve!
M. R. Barbosa é o pseudônimo utilizado por Mariana Ribeiro,
que escreve desde a adolescência, quando criava histórias de
próprio punho em cadernos pequenos, e inspirada em romances de
banca. Não sabe ainda ao certo de onde vem a sua inspiração, mas
as ideias costumam surgir em sua mente quando ela menos espera
em um insight rápido e tem a absoluta convicção de que escrever é
a sua missão de alma.
Ela já possui dois livros de ficção histórica, lançados de forma
independente na Amazon, mas usando o nome Mariana Ribeiro.
Confinada com o Chefe marcou a sua estreia em Ficção
Contemporânea/Hot.
CONFINADA COM O CHEFE
Amazon

Alana jamais imaginou passar 14 dias confinada na


mesma suíte de hotel com o seu chefe, um homem lindo, sexy e
extremamente proibido.
Confinada com o Chefe: Quarentena com o CEO conta a
história de Alana Lopes, uma brasileira recém transferida para a
sede de uma multinacional em Nova York, onde vai trabalhar como
Assistente Executiva para o CEO norte-americano e sexy, Jack
Rogers. Ambos logo percebem que sentem uma atração irresistível
um pelo outro, mas prezam pelo profissionalismo no ambiente de
trabalho. No entanto, uma viagem de negócios pode mudar tudo. O
que era para ser apenas uma estadia de 3 dias em Cingapura,
passa para 14 dias, por imposição do governo local, devido o início
da pandemia de Covid-19.
Como o CEO e sua assistente vão conseguir lidar com a
tensão sexual entre eles em plena quarentena?

Assistente Executiva seduzida pelo chefe


CEO bilionário e rendido
Noivado de mentira
Muito Hot

ATENÇÃO: Este livro contém cenas de sexo explícito e linguajar


inapropriado para menores de 18 anos. Contém gatilhos e palavras de baixo
calão.
AÍDA
Um Conto de Liberdade

Amazon

Aída nasceu livre, mas foi escravizada ainda na infância e


levada até uma fazenda de café no Vale do Paraíba para servir
como mucama da segunda esposa e sobrinha do Comendador
Fernão de Oliveira Gusmão. Em pouco tempo, ela se verá envolvida
em um dos maiores levantes e fugas coletivas de sua época.

— Eu sou uma mulher livre, cuja história de vida foideturpada pelos


homens que me submeteram à condição de escrava. Apenas mais
uma entre tantas que só preenchem as páginas dos anúncios de
jornais: ora como um mero objeto, ora como uma criminosa, ora
como um animal.
A HERDEIRA
Amazon

Pertencente à alta aristocracia brasileira do século XIX, Maria


Luísa é uma mulher à frente do seu tempo. Uma jovem decidida a
assumir o controle do seu próprio destino, mas ainda pressionada
pelas convenções de sua época. Quando conhece o Tenente Martim
Afonso Almeida, inicia uma história de amor em meio a Guerra do
Paraguai.
Convencionada a se casar com o Duque de Westminster, ela
acaba por aceitar o matrimônio após ter recebido a notícia de que
seu verdadeiro amor faleceu. Mas, quando descobre que ele está
vivo e de volta ao país,acaba dividida entre o dever com a famíliae
os impulsos do coração. A jovem herdeira acaba por ser
confrontada com a necessidade de fazer uma escolha decisiva, que
mudará não só a sua vida, como também a de todos que a cercam.
A partir desta escolha, Maria Luísa inicia um caminho sem
volta para o mundo cruel, que até então não conhecia.

"A narrativa da autora é clara e sua pesquisa histórica é digna de elogios, fiquei
encantada com a forma pela qual ela ligou os fatos reais da história do Brasil com
a vida de Maria Luísa, admiro autores que utilizam elementos verdadeiros para
enriquecer seus cenários."
Paola Aleksandra,
Livros & Fuxicos.
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Instagram: @marianaribeirou / @autora.mrbarbosa


E-mail: marirbarbosa85@gmail.com
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[1]
Nome dado às mulheres que trabalham produzindo e servindo coquetéis e
drinks em bares, baladas e restaurantes.
[2]
Termo atualmente empregado para se referir aos imigrantes em situação
irregular no país, em substituição à “
imigrante ilegal”
, considerado discriminatório
e xenofóbico.
[3]
Sigla traduzida: Ação Adiada para Chegadas na Infância. É um programa que
regulariza temporariamente a situação dos imigrantes em situação ilegal que
chegaram aos EUA, acompanhados pelos pais, quando menores de idade,
através da concessão de vistos de estadia e trabalho por dois anos, podendo ser
renovados.
[4]
As fintechs são majoritariamente startups, que visam inovar e otimizar os
serviços do sistema financeiro, bem como empresas de tecnologia que criam,
distribuem e administram os seus próprios produtos financeiros.
[5]
Sigla que em português significa: Imigração e Controle de Aduanas dos
Estados Unidos. Trata-se de uma das agências do governo federal responsável
pela deportação de imigrantes em situação irregular.
[6]
Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos.
[7]
ChiefFinancial Officer (Diretor Executivo de Finanças).
[8]
ChiefTechnology Officer (Diretor-Executivo em Tecnologia).
[9]
Trata-se de uma sala com telhado e paredes de vidro, anexa à uma casa e
usada como estufa ou solário.
[10]
É um tipo de coqueteleira padrão para o profissional bartender. Contém duas
peças em aço inox; um copo maior e outro menor, permitindo o encaixe na hora
de bater, garantindo mais praticidade e rapidez no preparo.
[11]
Um tipo de coador, utilizado para separar o gelo do restante da bebida, antes
de servir no copo ou em taças que não levam gelo.
[12]
Prática utilizada por bartenders para entreter os clientes ou o público, através
de malabares com instrumentos de bar e garrafas de bebidas alcoólicas, ou até
mesmo manipulação do fogo, artefatos pirotécnicos, bem como executando
alguns truques de ilusionismo.
[13]
Grupo formado por 8 universidades americanas, que têm em comum o fato de
estarem entre as melhores do mundo.
[14]
Como é conhecida popularmente a Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos.
[15]
Um tipo de coador, utilizado para separar o gelo do restante da bebida, antes
de servir no copo ou em taças que não levam gelo.
[16]
Trata-se de um coquetel, que não contém ingredientes alcoólicos.
[17]
Traduzido para o português:“ Hoje não, Satanás. Hoje, não!”A frase se
popularizou nas redes sociais, após ser dito pela participante Bianca Del Rio no
programa RuPaul’s Drag Race.
[18]
O curso de Direito nos Estados unidos é um curso de Pós-Graduação.
[19]
Título no Brasil:Bonequinha de Luxo.
[20]
Trata-se do termo usado no exterior para se referir ao estilo de depilação
feminina íntima brasileira, que promove a remoção total dos pelos da virilha e do
ânus.
[21]
É um termo ofensivo em espanhol, comumente utilizado para se referir a um
homem. Cabrón literalmente significa 'bode'.
[22]
Traduzindo para o Português:“ Estúpido de merda.”
[23]
É usado para demonstrar frustração. Tradução literal:A puta mãe.
[24]
Sigla que em português significa: Imigração e Controle de Aduanas dos
Estados Unidos. Trata-se de uma das agências do governo federal responsável
pela deportação de imigrantes em situação irregular.
[25]
Convertendo para a moeda brasileira, daria em torno de R$ 110 mil.
[26]
Console de videogame Playstation 4 Pro, fabricado pela Sony Interactive
Entertainment LLC.
[27]
Skate elétrico.
[28]
Termo usado para descrever especificamente alguém que cruzou a fronteira,
sem interagir com um agente de patrulha de fronteira dos Estados Unidos.
[29]
Ação Diferida para Chegadas na Infância (DACA) e Status de Proteção
Temporária (TPS).
[30]
Título dado à coalizão nacional que luta para proteger os destinatários do
DACA, TPS e as comunidades de imigrantes de forma geral.
[31]
Gíria no México. Tradução: Cara, velho, mano. Também é usada como um
insulto (uma pessoa boba/tola).
[32]
Exame da Ordem pelo American Bar Association, uma entidade equivalente à
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
[33]
Visto de cônjuge de parente imediato do cidadão norte-americano, com prazo
de validade de 10 anos.

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