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Copyright © 2022 by AllBook Editora.

Direção Editorial: Beatriz Soares


Tradução: Sarah Bento Pereira
Preparação: Allbook Editora
Revisão: Ana Paula Rezende
Adaptação de capa, Cristiane
Diagramação e produção digital: [Saavedra Edições]

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma


parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser
reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos,
mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do
autor foram declarados.

Esta obra literária é ficção. Qualquer nome, lugares, personagens e incidentes


são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas, eventos ou estabelecimentos é mera coincidência.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa
(Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
CIP - BRASIL. Catalogação na Publicação
Sindicato Nacional dos Editores da Livros, RJ
Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-
7/6439

L239t
Layne, Lauren
Trunfo valioso [recurso eletrônico] / Lauren Layne ; tradução Sarah
Bento Pereira. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Allbook, 2022.

Tradução de: Hot asset


Modo de acesso: word wide web

ISBN: 978-65-86624-98-4 (recurso eletrônico)

1. Romance americano. 2. Livros eletrônicos. I. Pereira, Sarah


Bento. II. Título.

22-78967
CDD: 813
CDU: 82-3(73)

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À ALLBOOK EDITORA


contato@allbookeditora.com
HTTPS://ALLBOOKEDITORA.COM
Para Kristi Yanta, por trazer à tona a
minha melhor escrita como editora e, o
melhor de mim, como amiga.
SUMÁRIO
Capa
Créditos
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Epílogo
Nota da autora
AllBook Editora
Ian

Em teoria, sou um babaca. Dito isso, nem precisa se dar ao trabalho


de me xingar.
Não acredita em mim? Aqui está um curso intensivo em Ian
Bradley:
O terno cinza grafite que estou usando neste momento custa
mais do que meu primeiro carro. Tenho 1,88 m, cabelo preto, olhos
azuis e malho todos os dias, então esse terno me cai bem, se é que
me entende. Sei que entende.
Aos 32 anos, sou corretor financeiro – nível de diretor, muito
obrigado – da Wolfe Investments. E vamos apenas dizer que
“trabalhe duro, jogue duro” é basicamente o lema implícito da
empresa.
Tenho um escritório de canto, um salário de sete dígitos, um
apartamento luxuoso no distrito financeiro de Manhattan e nunca
durmo com a mesma mulher duas vezes – porque não preciso.
Mencionei que estudei em Yale? Consegui me formar como o
melhor da turma e ter todas as más decisões comuns da faculdade
no meu currículo. E, deixe-me dizer, alcançar uma vida social
próspera e as maiores honras em uma Ivy League, não é tarefa
fácil.
Então, como falei, sou praticamente o garoto-propaganda
“babaca da Wall Street”.
Mas não me odeie ainda, porque aqui está o que o pôster de Ian
Bradley não diz.
Ao contrário do resto da minha fraternidade, essa educação da
Ivy League não veio como cortesia de um fundo fiduciário e quatro
gerações de ex-alunos da Yale para me colocar na porta. O que me
levou até lá foram três empregos, uma bolsa acadêmica e uma
tonelada de ajuda financeira.
Quando era criança, minha colher era de plástico, não de prata, e
foi dada por um frentista mal-humorado, mas gentil, do sul da
Filadélfia. Isso porque a maioria dos meus pais de criação não dava
a mínima se eu comia ou não.
Sabe aquele confortável escritório de canto de que acabei de
falar? O meu veio por pura garra e cerca de uma década sem
dormir.
E embora esse salário de sete dígitos coloque um teto ostentoso
de Manhattan sobre minha cabeça, ele também fornece educação
universitária para adolescentes no sistema de adoção da Filadélfia
que estão dispostos a se esforçar para merecer isso.
Você já começou um lento aplauso zombeteiro? Sim, isso é justo.
Mas o ponto é que nunca houve uma maldita coisa pela qual lutei
e consegui sem que exigisse trabalho duro e agitação implacáveis.
Até que ela apareceu.
E é aí que minha história realmente começa.

1ª semana: segunda-feira à tarde

São três horas da “segunda da fusão”, e preciso de mais cafeína.


Segunda-feira é o dia da semana em que é anunciada uma
tonelada de fusões entre as empresas. Para os meus colegas e
para mim na Wolfe Investments, isso significa muito tempo
analisando a lista, fazendo ligações, tentando descobrir o que é
importantíssimo, o que é para prestar atenção e o que não importa
entre as negociações.
Em outras palavras, é necessário, mas entediante,
especialmente depois de uma noite longa e, bem… todas as noites
são longas no meu mundo.
Saio do meu escritório para correr até a Starbucks; no segundo
que faço isso, a porta da frente se abre e uma morena deslumbrante
em um vestido vermelho apertado me dá um sorriso demorado.
— Ei, Ian.
Sorrio de volta para a minha colega.
— Joss.
Ela se encosta no batente da porta e cruza os braços
estrategicamente para realçar o decote antes de me dar uma
analisada lenta.
— Ocupado?
Sutileza não é o forte dela. Caramba, não é de ninguém aqui na
Wolfe.
— Receio que sim.
Seus olhos se estreitam.
— Não tenho te visto por aí.
Ela tem me visto bastante. Ela só quer dizer que não me vê nu
desde o erro regado a gin da semana passada que não tenho
intenção de repetir. Não que ela não seja gostosa, mas porque não
faço repetecos.
Quando o desafio termina, o apelo também chega ao fim.
Não me orgulho disso, mas sempre foi assim; conexão
defeituosa, eu acho.
— Desculpe, estive ocupado.
Eu lhe dou uma piscadela, então me viro para seguir pelo
corredor.
— O Kennedy está por aí? — ela indaga atrás de mim.
Sorrio um pouco com a pergunta muito óbvia. Se ela está
tentando me deixar com ciúmes, não vai conseguir. Eu não sinto
ciúmes, e Kennedy Dawson não sai com colegas de trabalho.
Mesmo que saísse, meu amigo não toca nas minhas sobras. Wall
Street tem um código entre os caras.
— Não faço ideia — respondo, olhando para trás.
Envio uma mensagem de texto para minha barista do Starbucks
de segunda-feira para avisá-la que estarei lá em cinco minutos (não
há motivo para esperar na fila quando com uma gorjeta de vinte
dólares você tem sua bebida esperando por você), quando um par
de belas pernas femininas chama a minha atenção na sala de
descanso.
Desacelero, tentando ver de quem são. Não reconheço as
panturrilhas. Nem a bunda ou a cintura fina, e definitivamente me
lembraria do longo rabo de cavalo loiro que tem a porção certa de
fantasia de líder de torcida adulta.
Gostosa. Muito gostosa.
Apesar disso, tenho coisas para fazer e estou prestes a deixar
passar quando ouço a mulher falando sozinha.
— Como assim existem oito opções de leite?
Sorrio para a genuína perplexidade em sua voz. Enfiando as
mãos nos bolsos, entro na cozinha para ver em primeira mão se o
rosto é tão bonito quanto o corpo.
— Bem, não sou especialista no assunto, mas de cabeça:
integral, dois por cento, desnatado, de soja, de amêndoa sem
açúcar, de amêndoa adoçada com baunilha, de coco…
Ela se vira ao ouvir a minha voz, e fico surpreso quando a vejo
de frente.
Não porque a conheço, mas porque quero conhecê-la. Por um
momento bizarro, a mulher parece ter sido feita para mim.
O interessante disso? Ela nem é o meu tipo.
Gosto das minhas mulheres com sorrisos sedutores, risadas
rápidas, belos corpos e uma sólida compreensão do que estou
procurando: me divertir por apenas uma noite.
Esta mulher… Não sei se ela se divertiria levando um tapa na
bunda. Seu cabelo loiro está repartido ao meio, afastado das suas
feições de boa menina. Ela não é muito dotada em cima, e embora
o volume do bumbum chame atenção, sua blusa e saia elegante são
sérias, seu sutiã deve ser branco e de algodão. Ou pior, bege e de
algodão. Eu nem vou começar a falar da bolsa, que é enorme,
marrom e feia.
Nada nela, tirando as grandes pernas, explica essa minha
vontade de desvendá-la centímetro por centímetro.
Exceto os óculos.
Sim, definitivamente são os óculos que me deixam assim.
Armações pretas sensuais com uma vibe mais ou menos de
bibliotecária safada que é puro material de fantasia. Elas aprimoram
o ímpeto sexual do seu grande olhar azul que é completamente…
Suspeito.
Ela está segurando uma pasta arquivo em uma mão, e bate a
ponta da pasta na outra mão, sem dizer nada enquanto me dá uma
conferida.
Quando seu olhar desliza de volta para o meu, espero pelo
sorriso de admiração que costumo receber das mulheres, mas ela
parece…
Entediada?
Isso me deixa incomodado. Tão incomodado que, em vez pensar
em uma cantada leve, me vejo acenando para a máquina no balcão.
— Você precisa de ajuda?
Suas sobrancelhas se erguem.
— Preciso de ajuda para quê? Apertar botões?
Você pode apertar meus botões quando quiser.
Seus olhos se estreitam e eu tenho a sensação de que ela leu
minhas palavras não ditas e as achou idiotas. Estou incomodado. E
intrigado. Já faz muito tempo desde que encarei um desafio.
Dou um passo mais para perto dela, movendo-me em direção à
máquina de café expresso. Ela não fica nem um pouco perturbada
com a minha proximidade, então eu me inclino contra a máquina,
batendo no topo com a mão.
❴*❵
— Basta dizer a palavra. Ficarei feliz em mansplain isso para
você, mocinha — falo com um sotaque exagerado.
Ela responde na mesma moeda, agitando os cílios, os óculos
tornando o gesto ainda mais zombeteiro.
— Ah, você poderia?
Sorrio, gostando dela mais do que esperava.
— O que você está bebendo?
— Café.
Reviro os olhos.
— Que tipo?
— Preto — responde ela, puxando uma das canecas da
empresa, colocando-a sob o bico da máquina e apertando com força
a opção padrão de café.
— Chato — declaro.
— Clássico — ela rebate.
Ofereço-lhe um sorriso lento.
— Estou indo para a Starbucks. Deixe que eu lhe compre uma
bebida de verdade.
Ela levanta a caneca.
— Estou bem com isso.
— Você poderia ficar melhor com outra coisa — falo, baixando a
voz.
Ela me surpreende com uma risada, e não de um tipo sedutora e
sem fôlego, mas uma risada zombando de mim.
— Sério? Essas cantadas realmente funcionam para você?
— Sinceramente? — Dou um pequeno sorriso. — Sim.
— Bem — ela toma um gole do café —, me avise quando devo
fingir o desmaio.
Você não estaria fingindo nada comigo, querida.
Eu estendo minha mão direita.
— Ian Bradley.
Ela ignora a mão e assente.
— Prazer em conhecê-lo.
Eu me inclino para frente e sussurro:
— Este é o momento em que você me fala o seu nome.
Ela se inclina para frente e sussurra de volta:
— Este é o momento em que você percebe que não estou
interessada no que você está oferecendo.
Desafio aceito.
Ela começa a se mover ao meu redor, e é óbvio que está
planejando ir embora, mas não vou deixar isso acontecer. Dou um
passo à frente.
— Tome uma bebida comigo.
— Não, obrigada. — Ela parece quase se divertir com a rejeição.
— Por que não?
Mantenho a pergunta leve, mas honestamente? Quero saber a
resposta. Não é sempre que uma mulher me diz não, ainda menos
comum que eu me importe com isso. Mas aqui estou eu,
fantasiando sobre ela nua, e ela não poderia parecer mais
desinteressada nem se tentasse.
— Ah, por tantas razões — responde ela com um sorriso
malicioso, enquanto usa a pasta para apontar para o meu pescoço.
— Para começar, este chupão novo.
Resisto ao impulso de cobrir a marca com a mão. Maldita seja a
pequena barman fã de vampiros da noite passada.
— Hmmm — desconverso. — Tem certeza de que é um chupão?
Talvez seja uma reação alérgica a algo que a lavanderia tenha feito
com esta camisa.
A loira misteriosa levanta sua xícara de café.
— Bem, aí está outra razão. Não gosto de cara com urticária.
Rio, mais intrigado do que nunca com sua língua afiada.
— Quem é você?
— Alguém que você vai se arrepender de ter convidado para
beber — responde ela, com um pequeno sorriso secreto.
— Por quê?
— Ian.
Viro-me para a interrupção, reprimindo meu aborrecimento
quando vejo que é minha assistente, Kate, parecendo…
Horrorizada.
Eu me endireito e esqueço a Loira por um momento.
— Kate, o que foi?
Ela engole em seco, lançando um olhar nervoso para a mulher
ao meu lado.
— Estive procurando por você em todos os lugares. Você não
está respondendo seu celular…
— Merda, esqueci de tirar do “não perturbe” depois da minha
última reunião — explico, puxando meu aparelho do bolso.
Sem dúvida alguma, tenho quatro mensagens de texto e três
chamadas perdidas, todas de Kate.
Sinto meu estômago revirar com a primeira mensagem dela; meu
coração pula uma batida no segundo.
Olho para Kate, agora entendendo sua expressão horrorizada.
— A SEC está aqui?
Puta merda.
❴**❵
A Securities and Exchange Commission é o cão de guarda do
governo contra crimes financeiros, só que não é um cão de guarda
durão e útil.
Não, a SEC é como um cachorrinho latindo, determinado a
morder tornozelos, cagar em todo lugar e, no final de tudo, ser um
grande pé no saco, enquanto fornece zero valor a qualquer um além
do seu próprio ego enorme.
— Eles estão atrás de quem? — pergunto.
Mas eu já sei. Trabalhei com Kate tempo suficiente para
conhecer aquele olhar em seu rosto, para saber quando algo está
errado.
Eles estão atrás de mim.
E quando a loira sem nome atrás de mim toma um gole casual
do seu café, de repente me ocorre porque Kate parece tão
horrorizada.
Não é só porque um investigador da SEC está me
investigando…
É porque eu estava simplesmente flertando com o investigador.
Eu me viro devagar e encaro a mulher, e ela nem se dá ao
trabalho de esconder seu divertimento ao colocar a pasta debaixo
do braço e finalmente estender a mão para se apresentar.
Aperto sua mão por hábito, quando o gelo se instala na boca do
meu estômago quando nossos olhos se encontram. Acabou-se a
minha fantasia com a boa menina bibliotecária, e em seu lugar
instalou-se o meu pesadelo: a SEC.
Ela sorri mais largo ao ver o meu desconforto óbvio.
— Prazer em conhecê-lo, Sr. Bradley. Sou Lara McKenzie da
SEC. Estou aqui para informá-lo que o senhor está sob investigação
por uso de informações privilegiadas.
* Mansplain é um termo que envolve duas palavras em inglês: man (homem) e
explain (explicar). Trata-se da tentativa de um homem de explicar algo a uma
mulher, sem considerar que ela já saiba sobre aquilo – até mais do que ele
mesmo.

** SEC = Securities and Exchange Comission – agência federal independente de


regulamentação e controle dos mercados financeiros.
Lara

1ª semana: segunda-feira à tarde

É errado eu ter gostado tanto? Talvez.


É certo eu querer comemorar com champanhe?
Não, se eu não beber sozinha.
Pego meu celular e envio uma mensagem para minha melhor
amiga e colega de quarto, que não só sempre está a fim de
champanhe, mas cuja agenda de modelo freelancer significa que há
pelo menos cinquenta por cento de chance de ela estar livre às três
e meia da tarde de uma segunda-feira.
Happy Hour? Envio uma mensagem, adicionando o emoji de
champanhe só para garantir.
Gabby responde no mesmo instante: Quem é? E como você roubou
o número da minha melhor amiga?
Reviro os olhos: Sou eu, Gab.
Prove. Como nos conhecemos?
Absorvente interno passado sob o box do banheiro em Boca.
Era super ou suave?
OMG, você quer beber comigo ou não?
Esta é a primeira vez NA VIDA que você me manda uma mensagem me
chamando para beber antes das 18hs. Dá pra entender minha desconfiança.
Ela tem razão. Meu trabalho como investigadora da Securities
and Exchange Commission não permite horários flexíveis e bebidas
durante o dia.
Na verdade, para ser honesta, talvez seja o trabalho menos
atraente do planeta. Mas sou boa no que faço, e é um passo
necessário no meu caminho em direção ao meu objetivo final:
O FBI.
A agência corre no meu sangue: papai e mamãe são agentes.
Serei uma assim que cumprir meu tempo na SEC. Veja, papai
trabalha na Segurança Nacional e mamãe na Ciência e Tecnologia,
mas nenhum dos dois é particularmente útil para minhas próprias
aspirações de carreira.
Quero fazer parte da divisão do colarinho branco. Quero lidar
com roubo de arte, esquemas de pirâmides e aqueles criminosos
astutos que viram milhares de vidas de cabeça para baixo todos os
dias, sem sequer um lampejo de consciência culpada.
Mas… Quero merecer meu lugar lá, não que mamãe ou papai o
consigam para mim apenas com uma ligação. Cumprir meu tempo
na SEC é uma porta de entrada tão boa quanto qualquer outra; só
preciso da minha grande chance para chamar a atenção do
Quântico.
E há rumores na SEC de que o caso Ian Bradley será o que
conseguirá mudar tudo.
Por isso o champanhe.
Gabby e eu combinamos de nos encontrar em meia hora em um
bar de vinhos na esquina do nosso apartamento no Lower East
Side.
Guardo meu celular de volta na bolsa, ainda sorrindo com a sorte
de ter visto o rosto de Ian Bradley quando ele recebeu a notícia. Eu
sei que parece horrível, – saborear o momento oh merda de outra
pessoa, – mas é fato que esses homens da Wall Street… é como
se… nem sei explicar.
É como se não fossem reais.
De maneira objetiva, é claro que sei que eles respiram oxigênio e
que seu sangue é vermelho (embora eu não ficaria surpresa se
descobrisse que alguns dos caras que conheci em uma noite de
sexta-feira sangram uísque single malte).
Eles são tão malditamente confiantes, tão convencidos de que
vivem em um plano diferente do resto de nós.
Aqui está um exemplo:
Na semana passada, Gabby foi para casa com um corretor que
tinha um piano de cauda Steinway na sala de estar da sua
cobertura. Quando ela perguntou se tocava, ele respondeu que
nunca sequer encostou nas teclas. Seu decorador o havia
recomendado o piano como uma “peça de declaração”.
Desculpe, mas podemos fazer uma pausa para comentar isso
por um segundo?
Há pessoas na minha própria cidade cujas “peças de
declarações” custam mais que o dobro da minha renda anual.
Entendo que é esnobismo reverso, mas por favor.
Seja como for, não começo minha investigação de maneira oficial
até o final desta semana. Porém, estatisticamente falando, é
provável que Ian seja tão culpado de troca de informações
privilegiadas quanto nossa fonte afirma. Ele é um dos maiores
nomes em uma das maiores empresas. Isso significa muito dinheiro.
Muito dinheiro significa mais a perder… e mais a ganhar. O que
significa a maior tentação para trapacear.
Ian também é exatamente o que eu esperava. Sua foto no site da
empresa é o equivalente à imagem de um corretor da Wall Street –
corte de cabelo caro, dentes caros, terno caro, bronzeado caro.
Em pessoa, ele era ainda mais…
Bem, ele era apenas… demais. Alto demais. Charmoso demais.
Masculino demais.
E também… lindo. Sério, machuca seus olhos de tão lindo,
chega a ser ridículo.
Mas ele sabe disso.
Mesmo se não estivesse investigando o cara, eu teria evitado
suas paqueras. Homens assim não são para mim. Não tenho
paciência para a elegância, o deslumbramento e a pompa; e eles
não têm tempo para minhas regras e estrutura.
Portanto, Ian Bradley é gostoso? Sim. Muito. Mas não preciso de
um gostoso. Eu me contentaria com alguém um pouco comum, até
um pouco sem graça, desde que ele fosse leal. Alguém que não se
importe quando eu der uma de nerd com um novo caso no trabalho
ou passar meus sábados atualizando meu aplicativo do Quântico.
Vida profissional primeiro, pessoal depois. É um pequeno pacto
que fiz comigo mesma desde que reconheci que aparentemente sou
incapaz de lidar com as duas coisas.
Estou apenas começando a ir em direção ao metrô quando ouço
uma voz masculina chamando meu nome.
Viro-me e vejo Ian saindo pelas portas giratórias da Wolfe
Investments, vindo em minha direção. Pressiono meus lábios, não
amando o choque de surpresa que me fez congelar em vez de
continuar meu caminho.
Eu não gosto de surpresas.
Normalmente, as pessoas que estou investigando me evitam a
todo custo. O fato de ele já estar infringindo as regras não é um bom
presságio para que a investigação prossiga de forma previsível.
E eu gosto de previsibilidade.
Ainda assim, trabalho é trabalho, então coloco um sorriso
profissional no rosto, mesmo quando sinto um estranho lampejo de
consciência quando ele se aproxima. O Ian Bradley no escritório
tinha sido todo sarcasmo, charme superficial e confiança de playboy.
Este Ian, no entanto; vamos apenas dizer que posso entender por
que ele e sua equipe da Wolfe Investments são apelidados de
❴***❵
Lobos da Wall Street – eles são muito gostosos, insanamente
ricos e conhecidos por conseguir tudo o que querem, sem se
importarem com as consequências.
Ian coloca os óculos escuros, escondendo olhos que eu sei que
são azuis penetrantes. Ele para na minha frente, um fio de cabelo
mais perto do que precisa estar, mas eu me recuso a dar um passo
para trás.
Deus, ele cheira bem. Masculino e caro. Que irritante.
— Olá de novo — cumprimento, dando meu mais genérico
“sorriso SEC”.
Ele não sorri de volta e, mesmo com os óculos escuros, tenho
mais certeza do que nunca de que estou lidando com uma versão
de Ian Bradley muito diferente daquela que conheci dez minutos
atrás. Uma versão mais perigosa.
— Foi bom para você? — ele pergunta em voz baixa.
Meu sorriso cai.
— Como é?
— Seu joguinho lá dentro. — Ele inclina a cabeça em direção ao
escritório. — Você se divertiu?
— Na verdade, sim — respondo, erguendo o queixo de maneira
desafiadora.
Ele se aproxima, e posso sentir a raiva irradiando dele.
— Você sente prazer? Entrando no meu escritório, flertando…
— Flertando? — interrompo, furiosa. — Eu só estava tentando
pegar uma porcaria de xícara de café. Você é que estava agindo
como o maldito Don Juan.
— Não vou pedir desculpas por convidar uma mulher atraente
para sair — retruca.
Bufo.
— Guarde a bajulação para quem estiver interessado.
Ele balança a cabeça.
— Você tem uma vida amorosa triste se acha que isso foi
bajulação, Srta. McKenzie.
Sua alfinetada atinge um pouco perto demais, mas escondo a
dor e me aproximo.
— Para o nosso bem, vamos esclarecer uma coisa, Sr. Bradley.
O senhor acha que é o primeiro engravatado da Wall Street que
pensa que vou ficar tão deslumbrada com ombros largos e uma
cantada bem jogada a ponto de perder minha cabecinha feminina e
ignorar qualquer irregularidade? O senhor acha que é o primeiro a
pensar que este é um jogo a ser vencido por uma sedução nojenta?
Sua boca se escancara.
— Mas o quê? Sedução nojenta, uma ova!
Ignoro seu protesto e continuo com meu discurso.
— Ser mulher no mundo de hoje não é tarefa fácil, e ser mulher
na SEC é muito mais difícil. Mas aqui está a parte que eu quero que
o senhor ouça com muita atenção, Sr. Bradley. Adoro trabalhar para
uma agência que busca justiça. Adoro o fato de que, quando se
trata do mundo dos negócios, ações e dinheiro, ninguém está acima
da lei. Nem mesmo a maldita Martha Stewart, e definitivamente não
você.
Ele dá um pequeno passo para trás e cruza os braços.
— Culpado até que se prove inocente, é assim que isso
funciona?
Não consigo ver seus olhos através dos óculos escuros, mas
sinto o calor da sua encarada.
Abro a boca para replicar, mas seu comentário perfura minha
consciência como um corte de papel muito fino. Talvez ele esteja um
pouco certo. Na minha experiência, os rumores de negociações de
informações confidenciais são quase sempre verdadeiros, mas isso
não significa que eu possa pressupor.
— Meu trabalho é descobrir a verdade — respondo com os
dentes cerrados.
— E se a verdade não for o que você quer ouvir?
— O que quer dizer?
Ele se inclina para mim, e posso ver o pedaço com a tênue barba
escura contra sua mandíbula marcadamente inflexível.
Droga, ele é cheiroso pra caramba. O que é isso, sândalo?
Cedro? O suor do George Clooney?
— Quero dizer que acho que você deseja que eu seja culpado —
afirma ele em um ressoar baixo.
— Por que eu desejaria isso?
— Você tem um complexo de heroína e está determinada a
salvar o mundo, mesmo que tenha que inventar seus próprios
vilões.
Rio.
— Isso é ridículo.
— É?
É?
Conheço esse cara há três minutos e, de alguma forma, ele me
fez duvidar de mim mesma duas vezes. A sensação é desconhecida
e bastante irritante.
Muito parecida com o homem à minha frente.
Eu lhe dou um sorriso frio e desdenhoso.
— Ah, entendi. Me chamar para sair não funcionou, então agora
você está tentando distorcer isso. Entrar na minha cabeça.
Para minha surpresa, ele sorri; todos os traços da sua antiga
intensidade desapareceram.
— Está funcionando?
— Entrar na minha cabeça? Não.
— E a sedução?
Abro os braços para o lado, resistindo à vontade de revirar os
olhos.
— Mais uma vez, nenhum sinal de desmaio iminente. Suspeitos
de crime não são meu tipo.
Espero que ele rosne para mim, mas seu sorriso apenas se
alarga, embora haja algo cortante nele.
— Então estou ansioso pelo dia em que você terá que me olhar
nos olhos e me declarar inocente.
— Se o senhor é inocente, certamente farei isso — afirmo.
— Mas você não acha que sou.
— Já lhe disse, é meu trabalho descobrir.
— Ótimo. Então, quando isso acontecer do meu jeito, talvez você
possa me comprar uma bebida.
— Ah, com certeza — respondo, sem fazer esforço para
esconder meu sarcasmo.
Ele esfrega a mandíbula e me analisa, então balança a cabeça e
se vira.
— Vejo você por aí, Srta. McKenzie.
Vou negar isso até o dia da minha morte, até mesmo para mim
mesma, mas estou desapontada por ele não se virar e olhar na
minha direção, porque não consigo deixar de fitar suas costas.
Costas muito largas, muito musculosas, muito…
Argh!
Giro nos calcanhares e me afasto, precisando mais do que nunca
daquele champanhe.
Uma bebida com Ian Bradley, de fato. Você pode imaginar?
Mesmo que ele não seja culpado, isso não vai acontecer.
E se ele for…
Vamos apenas dizer que não vou visitá-lo na prisão, mesmo
sabendo que ele ficaria muito bem em um macacão laranja.
*** Em inglês, “wolves” significa lobos. A autora faz uma jogada de palavras para
afirmar que Ian e a equipe da “Wolfe” são implacáveis.
Ian

1ª semana: terça-feira de manhã

— Ian. Estamos prontos para você.


Bem, inferno. Essa é a primeira vez na minha vida que odiei ouvir
uma mulher me dizer que está pronta para mim.
Levanto e dou uma piscadela paqueradora para Carla, a
assistente executiva de longa data dos CEOs da Wolfe. Ela pisca de
volta, mas isso faz pouco para aliviar meus nervos conforme entro
no escritório.
Não é que eu me preocupe com os chefes. Não sei se tenho
problemas com autoridade – é mais coisa do meu amigo Matt
Cannon. E no que diz respeito ao meu superior, o cara a quem me
reporto é bom. Joe Schneider, meu D.A. (diretor administrativo), é
durão, mas é decente. Tudo bem, ele é o tipo de pessoa que
ninguém gosta, sobretudo em coquetéis, porque não sabe falar
sobre outra coisa além de trabalho. Mas ele impõe respeito no
escritório, e isso é bom para mim.
No entanto, hoje não estou lidando com Joe. Pelo menos, não só
com ele. Hoje, estou lidando com seus chefes: os CEOs da
empresa.
Já me encontrei com Sam e Sam Wolfe (sim, você leu certo)
várias vezes. Os CEOs me amam. Sou seu trunfo mais valioso. Eles
sabem disso, e eu sei disso. Entre festas de fim de ano,
arrecadações de fundos e reuniões trimestrais, passei bastante
tempo com a chefia.
Só que desta vez é completamente diferente. Não há conversa
fiada, tapinhas nas costas ou sorrisos na minha chegada. Estou
muito ciente dos seus rostos sombrios, do jeito que a sala exala
tensão.
Como deveria ser. A SEC gosta de dar a ilusão de que tem Wall
Street pelas bolas, mas a Wolfe tem um representante para desviar
sua atenção – na maior parte das vezes. Detesto o fato de que fui
eu quem colocou a Wolfe no radar da SEC pela primeira vez em
anos.
O mais irritante de tudo é que nem sei do que se trata.
Tive a oportunidade de saber, de vir a esta reunião munido dos
detalhes do caso e talvez até de uma estratégia de como lutar
contra isso. Tudo o que eu tinha que fazer era jogar com a Lara
McKenzie da maneira certa quando a encurralei na calçada ontem.
Eu fodi isso.
Não só eu não havia conseguido os detalhes do caso dela, mas
havia esquecido de tentar. Aqueles olhos grandes atrás dos seus
óculos me deixaram louco pra caralho. Adicione a boca inteligente, a
saia justa…
Alguém limpa a garganta, e eu aceno para Joe enquanto me
sento do outro lado da mesa dos dois Sams.
Eles são uma dupla assustadora.
Para começar, eles são casados.
Poucos dias depois de herdar o título de CEO do pai, Samuel
Wolfe Jr. casou-se com Samantha Barry, sócia de uma empresa
concorrente, criando assim um dos casais mais poderosos e ricos
do mundo.
Há um longo momento de silêncio, então Sam – a mulher – se
levanta.
— Dane-se isso. Alguém quer um uísque?
Uísque, gim, o que for. Ela poderia ter me oferecido um maldito
spritzer de vinho branco e eu teria aceitado.
O marido de Samantha e Joe também acenam afirmativamente
para a bebida. Parece que não sou o único estressado.
Quatro doses generosas de bourbon depois, eles vão direto ao
ponto.
— Achamos que eles estão atrás da J-Conn — anuncia
Samantha.
Levo um segundo para entender o que eles estão falando, e me
sinto ao mesmo tempo irritado e surpreso quando entendo.
A J-Conn é uma empresa de tecnologia que faliu e ferrou muita
gente com muito dinheiro. Mas não a mim. Ou meus clientes. Vendi
minhas ações da J-Conn antes de tudo ir para o inferno e não fui
chutado nas bolas como todo mundo.
Como você pode imaginar, houve um monte de “Como diabos
você sabia?” insinuados por aí, mas ninguém me acusou
abertamente de receber uma dica.
Até agora.
Joe partilha da minha descrença.
— J-Conn? Isso foi há quase um ano. Por que agora?
Minha mente está em choque.
Entendo por que as pessoas perguntaram sobre a J-Conn
quando tudo aconteceu – até Matt e Kennedy se ferraram com isso,
e eles são os melhores do ramo.
Nesse caso em particular, eu fui apenas… melhor.
Depois de meses esperando com todos os outros para que a J-
Conn fizesse o anúncio de tecnologia “inovadora”, achei que aquilo
era besteira. Vendi quando todo mundo estava comprando caro.
Arriscado como o inferno, mas foi um risco que valeu a pena.
Chame de intuição, de esperteza – caramba, até sorte. Mas o
que não aceito é fraude.
— Só podemos presumir que a SEC recebeu novas informações
— Sam prossegue, parecendo escolher suas palavras com cuidado,
sem olhar diretamente para mim. — Não sabemos ao certo se é a J-
Conn, mas há rumores sobre Ian e esse acordo há meses.
— Nada além de fofocas de pátio — estouro. — Não há
informações novas, porque não há informações a serem obtidas. Eu
não…
Samantha levanta a mão depressa.
— Pare aí mesmo — ela solta um suspiro. — Ian, você é um dos
nossos melhores, mas se tivéssemos que testemunhar…
Fecho meus olhos. Testemunhar. Isso não pode estar
acontecendo.
— Eu entendo — respondo baixinho. — Negação plausível.
Ainda não estamos nisso, mas… poderíamos estar, e é isso que
me preocupa. O único lado positivo em tudo isso é que a SEC ainda
está na fase de investigação informal. Se não estivesse, ontem,
Lara McKenzie teria vindo até mim com uma intimação, em vez de
uma visita de cortesia. Informal é bom, porque significa que eles
ainda não têm as evidências de que precisam para iniciar um caso
completo contra mim.
Mas também é ruim, pois não precisam me contar os detalhes do
meu “crime”.
Passo a mão pelo meu cabelo.
— J-Conn? — pergunto de novo. — Sério?
Samantha suspira e dá de ombros, conseguindo colocar uma
onda de desdém nos pequenos gestos. Se eu tivesse que descrever
Samantha Wolfe em uma palavra, seria durona. Ela tem cinquenta e
poucos anos; e é atraente como um batom elegante e perfeito.
Seu marido é o oposto, pelo menos na aparência. Ele tem uma
estatura pequena, cabeça calva, e não importa quão reta a gravata
esteja ou quão caro seja o terno, ele sempre consegue estar um
pouco amarrotado.
Sam limpa a garganta.
— Nós saberemos com certeza em breve. Você sabe como são
essas coisas. Seremos capazes de dizer o que ela está procurando
pelas pessoas com quem ela fala e as perguntas que ela faz.
— Garantimos à Srta. McKenzie nossa total cooperação. Tenho
certeza de que você vai compartilhar nossa política de cooperação
— Samantha continua com um olhar aguçado para mim.
As instruções são claras: Comporte-se.
Passo as mãos no rosto. Isso é uma merda. Objetivamente, sei
que a SEC tem um trabalho a fazer. Entendo a função deles; posso
até respeitar. Mas isso parece uma maldita caça às bruxas. Eles
entram aqui, nos pedem para cooperar, tudo sem nos dizer por que,
quando ou o quê…
Eu não quero me comportar.
Eu quero lutar contra essa porra.
Parece que Joe lê meus pensamentos.
— Precisamos deixar isso morrer antes que seja uma
investigação formal, Ian. A melhor maneira de fazer isso é…
— Nos humilhar? Entregar o que quiserem com base em suas
acusações infundadas?
Não me preocupo em disfarçar minha raiva.
Eles não se preocupam em me acalmar.
Há uma pausa significativa antes que alguém fale novamente.
— Ian, você está conosco há muito tempo — discursa Sam,
tomando um gole de uísque. — Nós gostamos de você.
Consideramos você um amigo.
— Igualmente — resmungo com um aceno de cabeça.
— Temos os melhores advogados do ramo — avisa Samantha.
— Eles estão aqui para proteger a empresa e todos que trabalham
nela, e isso inclui você.
Enfrento seu olhar.
— Mas?
— Mas — ela prossegue com um leve sorriso — se tivermos de
escolher entre você ou a empresa… — ela olha para o marido.
— Você precisa de um advogado independente, Ian. Para o seu
próprio bem — explica Sam.
É um bom conselho. Não importa quão bons sejam os
advogados da Wolfe, se a SEC decidir me acusar de algo, a
empresa iria – e deveria – cortar os laços comigo, tirando assim
meu acesso aos seus advogados.
Preciso do meu próprio.
Eu sabia disso. Sei disso desde que Lara McKenzie disse as
palavras “SEC” e “investigação”. Mas ouvir dos meus chefes torna
tudo ainda mais real. E sério.
Joe bate no meu ombro em solidariedade, mas é um gesto vazio.
Não tenho certeza do que irrita mais, o fato de que nenhum deles
está confiante que sou inocente ou de que estou tendo a nítida
sensação de que eles vão me entregar se eu não for.
Sam limpa a garganta e percebo que a reunião acabou. Eles
fizeram tudo o que podem fazer, disseram tudo o que podem dizer.
Eles também cobriram suas próprias bundas enquanto me deram
avisos suficientes, tenho consciência disso.
Coloco meu copo de lado e me levanto.
— Obrigado pelo tempo. E pelo uísque.
— Nós diríamos a mesma coisa para qualquer pessoa nessa
situação — Samantha afirma, levantando-se e inclinando-se sobre a
mesa para apertar minha mão.
Concordo com a cabeça e aperto a mão dela, assim como a de
Sam.
— Vou passar no seu escritório mais tarde — Joe avisa,
claramente pretendendo ficar para trás para conversar com os
Sams.
— Tudo bem.
— Ian.
Olho novamente para Sam, a versão feminina.
— Demos acesso total para a Srta. McKenzie na sala de
conferências oeste em seu andar, para o processo da sua
investigação. Vai ser bom fazê-la gostar de você.
Eu não me incomodo em responder a isso. Só quando volto ao
meu escritório, com a porta fechada, é que a raiva se instala.
Não é raiva de nenhum dos Sams. Nem de Joe.
Não, minha raiva tem um foco muito específico. Uma loira de
óculos, com atenção da SEC, e o idiota mentiroso que a colocou
atrás de mim, para começo de conversa.
Fecho os olhos e tento afastar o pânico. Não posso lutar contra
isso quando não sei com quem estou lutando ou o porquê. Não
trabalhei tão duro, não cheguei tão longe, apenas para desmoronar
ao meu redor porque uma loira intimidadora tem um mentiroso
sussurrando em seu ouvido.
Meu celular vibra no bolso e tenho toda a intenção de ignorar
seja quem for, mas então vejo o nome e é a única pessoa que
nunca consegui ignorar.
Respiro fundo para acalmar minhas emoções turbulentas, e
respondo.
— Dave. Ei.
— Oi, garoto.
Sorrio. Quase duas décadas se passaram desde que Dave
Coving me acolheu quando eu tinha quatorze anos, mas sempre fui
“garoto” para ele.
— E aí? — pergunto, sentando-me na cadeira e girando para
observar a manhã chuvosa.
Claro que está chovendo. Tudo o que precisamos é de um trovão
sinistro e eu estaria dentro de um daqueles malditos dramas da
Netflix.
— A TV quebrou.
Esfrego minha testa.
— Alguma coisa bateu nela?
Ele tosse, o som se transformando em uma tosse seca
desagradável de fumante que me faz estremecer.
— Uma garrafa — responde quando a tosse passa.
Rolo meus olhos. Chocante.
— O Phillies perdeu, hein?
— Eles estão em uma fase ruim — ele resmunga. — Perdi a
paciência com uma falha do juiz.
Abafo o suspiro. Vamos apenas dizer que esta não é a primeira
vez que Dave perde uma batalha contra seu temperamento, e uma
garrafa de cerveja e a TV pagam o preço.
E eu pago a TV. Todas elas.
É o mínimo que posso fazer. O homem colocou um teto sobre a
minha cabeça por quatro anos, me deu um lugar para voltar durante
o feriado de Natal da faculdade, e nunca perdeu a paciência comigo,
e não posso dizer sobre os seis lares de criação que vieram antes
dele.
— Eu vou te dar uma nova — aviso, já pegando uma caneta para
anotar.
— Obrigado — ele agradece rispidamente. — Não precisa ser
grande e cara. Uma pequena e barata está bom.
— Certo.
Nós dois sabemos que ele vai ganhar a maior tela plana que
couber em seu trailer amanhã.
— Então, e as novidades? — ele pergunta.
Hesito. Para seu crédito, Dave geralmente só liga quando precisa
de algo, mas não desliga assim que consegue o que quer. Ele fica
no telefone o tempo suficiente para saber como estou. E droga, eu
me deixo enganar pensando que ele realmente se importa.
Normalmente, dou os destaques da semana, contando sobre o
meu último golpe de mestre no emprego ou descrevendo meus
camarotes no Citi Field. Hoje, porém, eu me ouço lhe contando a
verdade.
— A SEC está atrás de mim.
— A S-EE-O quê?
— SEC. É uma sigla para… vamos apenas dizer que eles são o
cão de guarda da Wall Street.
— O que você fez?
— Eu também queria saber — respondo, esfregando a mão no
meu pescoço. — Supostamente, recebi uma dica sobre uma
empresa de tecnologia há algum tempo, mas isso é novidade para
mim.
Dave resmunga.
— Portanto, não precisa se preocupar.
— Preciso, caso quem está falando merda sobre essa “dica
interna” seja um mentiroso melhor do que eu sou um contador da
verdade.
— Besteira — Dave discorda em outra rodada de tosse. —
Desde quando você fica parado esperando para ver o que vai
acontecer?
Eu estremeço.
— Isso é bom, Dave. Muito introspectivo.
— Intro-o quê?
— Esquece. — Belisco a ponta do meu nariz.
— Olha — Dave fala com um suspiro pesado. — Eu não sou seu
parente. Não tenho o direito de te dar um sermão, mas você é o filho
da puta mais teimoso que conheço. Você sempre conseguiu tudo o
que quis, não é?
Quase. Quase tudo.
Só que não digo isso. Não tenho certeza se haverá um bom
momento para confessar a Dave o quanto eu queria que ele tivesse
me adotado.
Sorrio um pouco com a lembrança. Eu era uma criança estúpida,
pensando que se apenas me comportasse bem e nunca desistisse,
valeria a pena o incômodo da adoção.
Não.
É legal, no entanto – temos uma coisa boa acontecendo.
— Alô? — Dave chama mal-humorado.
— Oi, ainda estou aqui.
— Então você vai lutar contra este SPT ou o quê?
Sorrio.
— SEC. E sim, suspeito que ela não queira nada mais do que
uma boa luta.
— Ela? — Dave ri, um som seco e grasnado. — Inferno, garoto,
por que você não disse isso? Não há uma mulher na face da terra
com quem você não consiga fazer exatamente o que quer e ainda
fazer com que ela pense que foi ideia dela. Duvido que esta seja
diferente.
— Ela é — murmuro, girando preguiçosamente na cadeira. —
Ela não caiu em nenhuma das minhas tentativas ontem.
— Ontem. Desistiu depois de um dia? Não parece você. Você
sempre foi teimoso como uma mula, sempre enfrentou um problema
com unhas e dentes, os problemas sempre motivaram você…
Fico quieto com suas palavras, deixando-as penetrar. Metáforas
misturadas à parte, Dave tem razão.
A persistência é o meu ás na manga – o que me trouxe onde
estou hoje.
Eu fiquei tão preguiçoso, tão complacente, que estou desistindo
depois de uma única tarde sendo rejeitado?
Quinze anos no sistema de adoção não conseguiram me deixar
para baixo. Nem os herdeiros de Yale que tentaram deixar claro que
eu aquele não era o meu lugar.
Consigo o que quero lutando por isso. E o que quero agora?
Lara McKenzie, de joelhos, me implorando perdão pela falsa
acusação.
Bem, ok, a parte de joelhos é uma fantasia bem diferente. E dela
não estou pronto para desistir.
— Dave, você é um maldito gênio.
— É, é. Então, quando a TV estará aqui?
Balanço a cabeça com um sorriso, dizendo-lhe que vou resolver
o problema imediatamente. Desligo, e pego meu telefone fixo para
ligar para minha assistente.
Kate atende no primeiro toque.
— Como foi a reunião com os Sams?
— Bem como você imaginou.
— Eles…
— Vou te contar tudo mais tarde — prometo, interrompendo. —
Mas primeiro, alguma chance de eu conseguir convencê-la a
comprar outra TV para Dave até amanhã?
— Ai, caramba — exclama ela, e eu ouço o estalo eficiente do
seu teclado. — O que aconteceu desta vez? O jogador de hóquei
favorito dele foi vendido outra vez?
— Foi uma emergência de beisebol.
— Humm. Ok, resolvo isso. O que mais eu posso fazer? Eu me
sinto inútil, e você sabe que não gosto de me sentir assim.
Sorrio. Eu sei. Kate Henley é minha assistente há cinco anos, e
descobri que sua estrutura minúscula e arrumada esconde uma
potência administrativa.
— Nada mais… — eu me interrompo. — Na verdade tem uma
coisa. Se você estivesse tentando convencer alguém da magia das
bebidas superfaturadas da Starbucks…
— Mocha Frappuccino, chantilly em dose extra, raspas de
chocolate extras — responde ela, sem hesitar. — Não tem como
errar. Sua barista de terça-feira é a Karen, certo?
— Sim, mas vou cuidar disso.
Esse é um desafio que preciso enfrentar sozinho.
— Mas…
— Se você está procurando coisas para fazer, Matt começou a
tentar gerenciar seu próprio calendário novamente. Ele marcou três
compromissos para as três horas, mas está com muito medo de te
contar.
— Você está brincando comigo? — Kate faz um ruído sibilante.
— Ok. Vou cuidar disso.
Kate desliga na minha cara, como eu sabia que faria, e envio
uma mensagem para minha Barista de terça, Karen, pedindo dois
mochas frappuccinos.
Lara McKenzie acha que encontrou o Don Juan ontem?
Ela ainda não viu nada ainda.
Lara

1ª semana: terça-feira à tarde

Estou tirando o grampeador da minha caixa de tralhas de escritório


quando ouço uma batida na porta da sala de conferências.
Olho para cima, erguendo minhas sobrancelhas em surpresa
quando vejo a última pessoa que esperaria encostada na porta.
Ian Bradley está vestido impecavelmente com um terno cinza
claro, gravata preta e segurando duas misturas espumosas.
Aperto meu grampeador duas vezes enquanto o analiso,
tentando descobrir seu jogo. Sua expressão é amigável, mas seus
olhos azuis são perspicazes.
— Senhor Bradley.
— Senhorita McKenzie.
Ele não se move.
— O senhor gostaria de entrar?
Ele dá um grande sorriso.
— A senhorita gostaria de soltar esse grampeador?
Quando o faço, ele dá um passo à frente e, colocando uma das
bebidas na mesa, empurra-a para mim. Se mais alguém fizesse
isso, a bebida tombaria e cairia, mas Ian apenas faz o copo deslizar
perfeitamente sobre a mesa até a minha mão.
Levanto o copo do Starbucks e o analiso.
— Sério. Suborno?
— A barista fez dois por acidente. Eu posso dar para Kate…
— Ah, sim, sua assistente — comento, adentrando no assunto.
Conheci Kate Henley ontem, e minha impressão inicial da
pequena morena foi sua fidelidade ao chefe.
Veredito depois de tentar convencê-la a conversar hoje?
A melhor cara de paisagem que já vi.
— Ela contou que trabalha para você há cinco anos — falo.
— Mmm.
Ele caminha em direção à janela e olha para baixo.
— Eles lhe deram a sala de conferências de merda. As outras
têm uma vista mais bonita.
— Não estou aqui pela vista.
— Não, você está aqui por causa da J-Conn — ele retruca,
virando-se.
Pescar informações é uma jogada previsível. Admito, ele está
certo. Estou aqui pela J-Conn, e não estou tão surpresa que a Wolfe
já tenha colocado isso no topo dos seus palpites.
Mas este não é o meu primeiro rodeio.
Não confirmo nada, em vez disso, observo-o com atenção em
busca de quaisquer sinais de nervosismo, não encontrando
nenhum.
— Por que agora? — pergunta baixinho. — Por que vocês estão
atrás de mim por uma empresa que quebrou dez meses atrás?
— Não disse que estávamos.
Ele vai descobrir que está certo quando eu começar a fazer
perguntas, mas não será hoje. E não tenho intenção de jogar este
jogo nos termos dele.
Não que isso seja um jogo.
Mas o jeito que ele está me observando e as bebidas do
Starbucks… Ele realmente acha que isso é um jogo.
— Ok, bem, hipoteticamente, vamos dizer que você está aqui por
causa da J-Conn — Ian sugere meloso. — O que teria que
acontecer para me colocar no seu radar?
Coloco o copo de lado sem tomar um gole.
— Hipoteticamente, teríamos uma fonte — respondo, sem contar
nada que ele já não saiba —, que alegou que você tinha
conhecimento interno do futuro da empresa.
— Quem é a fonte?
Bufo.
— Sério. Você me traz um café caro e acha que simplesmente
vou te contar tudo?
— Ou você pode desmaiar — ele retruca com uma piscadela.
Desta vez eu reviro os olhos.
— Ouvi dizer que você era mulherengo, mas confesso que é
muito difícil imaginar alguém como você.
— É mesmo? — ele cruza os braços e se apoia na beirada da
mesa. — O que você ouviu? Talvez que eu seja bom com as mãos?
Que quando estou com uma mulher, sempre me certifico de que ela
tenha…
Levanto uma mão.
— Pare.
Meu Deus, está quente aqui? Resisto à vontade de desabotoar
um botão da minha camisa.
Ele sorri maliciosamente, então repara na minha bebida
ignorada.
— Experimente a bebida, Srta. McKenzie.
— Não, obrigada — respondo depressa, tentando me lembrar de
que sou Lara McKenzie com a SEC, não Lara McKenzie,
admiradora de Ian Bradley.
Ele dá um suspiro exasperado como se eu fosse uma criança
que não coopera, se levanta e caminha em minha direção. Para a
alguns centímetros de distância e, sem quebrar o contato visual,
pega a bebida que deixei de lado e a estende.
— Prove.
— Essa abordagem de homem das cavernas pode funcionar com
outras mulheres, mas…
— Ah, eu entendo — ele interrompe, começando a colocar a
bebida de lado. — Você está assustada. Gosta das suas linhas
retas, suas cores em preto e branco, seu café simples. Deus te livre
de tentar algo novo, viver um pouco…
Antes que eu possa me impedir, estendo a mão e agarro a
bebida. Meus dedos roçam os dele, e o contato é tão
inesperadamente elétrico que quase derrubo a maldita coisa.
Ele se aproxima um pouco mais. Não para me cercar, intimidar
ou beijar, mas para uma sedução silenciosa que é cerca de um
milhão de vezes mais eficaz do que suas cantadas até agora.
Por um momento abominável, eu quero me inclinar até ele, roçar
meus lábios ao longo da sua mandíbula, para…
Bem, droga, percebo com um sobressalto. O homem realmente
pode ser tão bom quanto sua reputação, no final das contas.
Não posso deixá-lo saber disso. Não vou.
Fico parada, inclinando um pouco, deixando meus olhos
travarem nos dele enquanto abro meus lábios e coloco o canudo
verde na minha boca. Tomo um gole da bebida gelada
maravilhosamente doce e deixo escapar um gemido mmm diferente
de tudo que já fiz na vida.
Seus olhos brilham com surpresa, depois com desejo, e por um
longo momento, não tenho ideia de quem está seduzindo quem, de
quem está tentando superar o outro…
Ian dá um sorriso lento que enruga seus olhos.
— Boa jogada, Srta. McKenzie.
— Digo o mesmo para o senhor, Sr. Bradley. — tomo um gole da
vitória; é realmente delicioso. — Você quer brincar de gato e rato
sexy, eu posso entrar no jogo e vou ganhar.
Eu me viro para continuar desempacotando minha caixa quando
sinto seus dedos envolverem meu pulso, segurando forte o
suficiente para chamar minha atenção, mas não para me sentir
ameaçada.
— Você não vai ganhar, Srta. McKenzie. Eu tenho trabalhado
muito duro para ser considerado culpado de algo que não fiz.
Ele é bom e está furioso, e eu me aproveito disso, partindo para
um ataque surpresa.
— Eu sei que você não estava dormindo com Arnold Maverick —
declaro. — Mas isso não significa que você não estava em contato
com ele.
Ian pisca.
— Quem diabos é Arnold Maverick?
Caramba, ele é bom. Ele é um mentiroso muito bom ou… é
honesto.
— Arnold Maverick era o CIO da J-Conn — respondo.
Ele pensa por um momento, então solta meu pulso quando o
reconhecimento se instala.
— Ele estava no noticiário. O guru da tecnologia que cometeu
suicídio alguns meses atrás. É ele quem você acha que me avisou
sobre a J-Conn?
Tomo outro gole da minha bebida e deixo meu silêncio falar. Não
vou confirmar nem negar…
Para minha surpresa, em vez de ficar irritado e na defensiva, ele
sorri, voltando mais uma vez a ser o Ian charmoso.
— Deixe-me ver se entendi direito: uma fonte anônima, que você
não identificará, está alegando que recebi uma informação
privilegiada de um executivo da J-Conn que agora está morto e não
pode confirmar se fez isso mesmo. Isso não parece ser uma
acusação muito convincente, não é?
— Estamos apenas seguindo o protocolo, Sr. Bradley.
— Fantástico — ele murmura, vasculhando minhas coisas do
escritório. — Sabe, eu não sou o único com frases feitas. As minhas
podem ser do tipo cantadas, mas são muito melhores do que a sua
besteira evasiva da SEC.
— Isso não foi uma frase-
— Claro que foi — interrompe, pegando uma caneta e um bloco
de papel. Ele rabisca alguma coisa, coloca a caneta de volta no
copo e me entrega o bloco adesivo.
Olho para baixo enquanto ele se levanta.
— O que é isso?
— Informações sobre minha conta de e-mail, profissional e
pessoal. Faça o que quiser com isso. Não tenho nada a esconder.
Ainda estou fitando surpresa o papel enquanto ele se afasta e
depois vira-se abrindo a porta da sala de conferências.
— Ah, e Srta. McKenzie…
Olho para cima.
— Minha conta pessoal tem algumas fotos picantes lá. Divirta-se
— ele pisca.
Caramba. Odeio saber que provavelmente vou me divertir.
Ian

1ª semana: quinta-feira de manhã

— Cara — Matt diminui para uma corrida leve ao meu lado. —


Quando perguntou se eu queria correr, você poderia ter mencionado
que estava tentando estabelecer um recorde olímpico.
— Você já participou de quatro Ironmans — digo, me recordando,
recuperando o fôlego.
— Exatamente. Porque gosto de nadar e andar de bicicleta. Se
eu gostasse da parte da corrida, faria a maratona como o Steve
Prefontaine lá na frente.
Diminuo minha corrida de relaxamento para uma caminhada.
— Ei, Kennedy — chamo. — Vá devagar.
Meu outro melhor amigo não olha para trás, mas sei que me
escuta porque diminui seu ritmo de corrida para uma caminhada,
depois para e espera até que Matt e eu o alcancemos.
Kennedy nem está respirando com dificuldade, maldito homem.
Estamos todos em boa forma, mas, de nós três, Kennedy é o
corredor. Matt gosta da competição, e eu… bem, para ser honesto,
só gosto de uma boa sessão de ginástica à moda antiga, de
preferência com uma treinadora gostosa.
Só que hoje eu convenci os caras a correrem comigo. Eu os vejo
bastante no escritório, mas hoje preciso deles como amigos, não
como colegas de trabalho.
E não há melhores amigos do que esses dois.
Matt Cannon, Kennedy Dawson e eu nos conhecemos na Wolfe.
Começamos no mesmo ano e trabalhamos juntos nos cubículos,
mesmo sendo concorrentes. A corretagem de investimentos é um
negócio up-or-out: ou você chega ao próximo nível e se esgota ou é
empurrado para fora.
Nós três conseguimos. Ainda somos concorrentes, lutando pelos
mesmos clientes, pelas mesmas contas, mas amigos apesar disso.
Raios, talvez amigos por causa disso. Todos nós somos lutadores à
nossa maneira.
Matt é o cérebro. Mais novo do que Kennedy e eu, ele tem 28
anos agora, mas todos – do pregão até a cobertura do CEO, – ainda
pensam nele como um garoto prodígio. O merdinha pulou Deus
sabe quantas séries para se formar em Cornell aos dezenove anos;
e depois conquistou a Wall Street aos vinte e dois.
Para a sorte de Matt, as mulheres da cidade de Nova York
sabem que ele está todo crescido. Loiro de olhos azuis, charmoso e
inteligente pra caramba, o rapaz é quase tão mulherengo quanto eu.
Se Matt chegou aqui pelo cérebro e eu por pura força de vontade
e trabalho duro, Kennedy Dawson é um grande cretino em Wall
Street apenas porque é seu maldito destino.
Kennedy é tão moreno quanto Matt é loiro. Sua família está nas
finanças desde o início dos tempos; seu fundo fiduciário é grande o
suficiente para garantir que ele possa sair do emprego amanhã e
ainda ter mais dinheiro do que Matt e eu jamais veremos em nossas
vidas. Juntos.
Só que é mais do que conta bancária. O dinheiro de Kennedy é
antigo, e é visível. Seu apartamento tem a porra de uma biblioteca,
sua mãe usa pérolas, ele só bebe uísque puro malte, pertence a
dois clubes diferentes e parece um dos Kennedys (de quem recebeu
o nome).
E também é meio nerd. Ele vai muito em museus, e sua ideia de
uma noite louca de sexta-feira é ler um volume de filosofia e um livro
de história da Segunda Guerra Mundial. Não tenho certeza se ele
percebe a maneira como as mulheres o perseguem de forma
implacável, babando sobre as covinhas que ele acha ridículas,
quando conseguimos arrastá-lo para uma festa conosco.
Matt se abaixa para se alongar.
— De verdade, o que houve com a corrida em tempo duplo? —
ele me questiona.
— Se a SEC estivesse colada na sua bunda, você também
estaria correndo — Kennedy defende.
— Eu estava correndo.
— Poderia ter me enganado — Kennedy zomba, encostado no
parapeito ao longo do rio Hudson, parecendo tão perfeito depois de
uma corrida de oito quilômetros quanto no escritório.
Matt oferece o dedo do meio para ele, depois volta sua atenção
para mim.
— Então, qual é o nosso plano? Como limpamos seu nome?
Vê isso? Lealdade. Eu disse que esses caras eram verdadeiros.
Nem uma vez desde que isso aconteceu eles pensaram ou
insinuaram que eu era culpado de outra coisa e achavam que aquilo
não passava de um azar.
Eu me apoio no corrimão e, mergulhando o queixo no peito,
respiro fundo.
— Não sei, cara.
— Quem é seu advogado? — Kennedy pergunta.
— Não sei ainda.
— Droga, Ian. Você precisa de um advogado.
Olho para cima com irritação.
— Sim, obrigado pelas brilhantes palavras de sabedoria, pai.
Falei que ainda não sei, não que não fosse arrumar um.
— Você descobriu sobre a investigação na segunda-feira. Hoje é
quinta. O que diabos você tem feito que ainda não arrumou um
advogado?
— Tá flertando com a SEC — Matt entra na conversa.
Kennedy rosna: — O quê?
Matt me dá um sorriso de merda enquanto o encaro.
— Kate me contou. Cara, você comprou um Frappuccino para
ela? Esse era o seu grande plano?
Kennedy apoia as duas mãos em sua espessa cabeleira e gira
em um círculo nervoso.
— Começamos com o pé esquerdo. Eu estava tentando fazer as
pazes — explico, me defendendo enquanto começamos a caminhar
de volta para nossos respectivos apartamentos.
— Besteira — Matt afirma. — Você estava tentando usar o
famoso charme Ian nela, na esperança de que ela pegasse leve no
seu caso.
Os braços de Kennedy caem.
— Diga que ele está brincando. Diga que há outra explicação
para o fato de você não ter arranjado tempo para encontrar um
advogado, que não se relaciona com o fato de levar misturas de
chantilly para a SEC.
— Em defesa de Ian, chantilly me levou a muitos encontros
interessantes com mulheres — Matt comenta, levantando as mãos
acima da cabeça em um alongamento.
Caramba. Agora, uma visão de Lara McKenzie usando apenas
chantilly e seus óculos de bibliotecária me faz reprimir um gemido.
— Só que o vovô aqui está certo sobre você precisar de um
advogado o mais rápido possível — Matt fala, seu rosto ficando
sério. — Kate pesquisou todos os detalhes que há para saber sobre
essa mulher. Ela é boa. Não perde casos, não desperdiça tempo,
não erra em tecnicalidade. Não recua. Nunca.
— Parece alguém que conhecemos — Kennedy observa com um
olhar aguçado em minha direção.
— Certo, porque vocês dois são tão desencanados — estouro,
perdendo a paciência com o sermão. — Olha, estou trabalhando
nisso.
— Trabalhe mais. McKenzie vai mandar você para a cadeia se
puder, cara.
Esfrego a mão no rosto enquanto Matt dá um soco em Kennedy.
— Não era isso que ele precisava ouvir.
— Ele precisa levar isso a sério — Kennedy retruca.
Já chega.
— Eu estou levando a sério. Sei que estou na merda. Vocês
acham que fiquei enxugando gelo nos últimos dois dias? Fiz uma
dúzia de telefonemas…
— Não é disso que você precisa — Kennedy interrompe. — Você
precisa da Vanessa Lewis.
— Ah, tá, claro! Assim que eu capturar um unicórnio — digo, com
sarcasmo
— Você não saberá até tentar…
— Eu tentei. Você acha que não pensei nela primeiro? —
questiono.
Vanessa Lewis é a melhor advogada de defesa de colarinho
branco da cidade, e todo mundo sabe disso.
— O pessoal de seu escritório avisou que ela me colocaria na
lista de espera. Vocês que são ótimos com números… me digam, se
estou em octogésimo sexto na lista, quão boas são minhas
chances?
— Muito melhores se você tiver alguma ajuda — Kennedy
responde.
— Bom plano, Dawson. Vou apenas jogar algumas moedas em
um poço dos desejos. Melhor ainda, alguém conhece um gênio?
— Estava mais pensando em ligar para a melhor advogada da
cidade — Kennedy corrige.
Matt geme.
— Não. Qualquer uma, menos…
— Eu não disse que você tinha que conversar com ela —
Kennedy pontua.
Nós três estávamos andando enquanto conversávamos, então
agora estamos do lado de fora do meu prédio. Balanço um pouco
para trás nos calcanhares, contemplando a sugestão de Kennedy.
— Não é uma ideia ruim.
Uma ideia que eu deveria ter tido primeiro, se não estivesse tão
distraído…
— É uma ideia muito boa — Kennedy afirma. — Ligue para ela.
E pelo amor de Deus, não fale com a SEC de novo até conseguir
uma advogada.
Ele já continua em uma corrida lenta em direção ao seu próprio
prédio a alguns quarteirões.
— Cannon, tente me acompanhar.
Matt fuzila as costas de Kennedy, então me dá um aceno de
despedida.
Aceno para ele enquanto caminho até o saguão, grato pela força
do ar-condicionado. Grato, como sou todos os dias, por ter um teto
sobre minha cabeça para chamar de meu – um do qual não preciso
me preocupar em ser expulso no dia seguinte quando alguém se
cansar de mim.
Sim, eu sei. Problemas de filhos de criação. Mas, você também
os teria. Acredite em mim.
O saguão é grande e moderno, as instalações são de última
geração. O prédio tem cinquenta e oito andares. Moro no
quinquagésimo sexto. Não é a cobertura, mas ei, como já
estabelecemos, eu gosto de desafios.
Abro a porta da sala e jogo as chaves na mesa lateral. Meu
apartamento é bem lugar de solteiro– TV grande, sofá de couro
preto, aparador, carrinho de bebidas, cama grande, o pacote
completo.
Eu me sirvo de um copo de água, bebendo em três goles
enquanto verifico meu e-mail no celular. Há um de uma ficante de
alguns meses atrás que inclui uma linha de assunto “Não Seguro
Para o Trabalho”, um emoji de rosto de beijo e uma foto dela em sua
cama. Nua.
Sorrio, lembrando que Lara McKenzie tem acesso ao meu e-mail.
Isso deve tocar sua mente recatada.
Meu pau se contrai, e percebo meu erro – pensar em Lara e
tocar na mesma frase. Porra.
Qual é o problema com ela?
É por que não posso tê-la? Por que ela não me quer?
Tomo um banho, – no qual cuido dos negócios, se é que você
entende o que quero dizer, imaginando Lara McKenzie com nada
além de chantilly e óculos, – depois visto boxers e uma camiseta
antes de ir para a cozinha fazer café.
Meu celular vibra. Uma mensagem de Kennedy. Ligue pra ela.
Isso me irrita, mas ele está certo. Preciso de um advogado, e não
apenas um bom. Preciso da melhor. Eu preciso da Vanessa Lewis.
Kennedy também está certo em pensar que preciso ignorar Lara
McKenzie até que eu consiga fazer isso. Gostaria de pensar que
posso ficar fora de qualquer armadilha que ela preparar contra mim,
mas eu seria um idiota em testar minha força de vontade com uma
mulher que faz meu sangue zumbir como Lara faz.
Percorro minha lista de favoritos até encontrar o número que
estou procurando.
— Oi — falo no segundo em que ela atende. — Eu preciso de
você.
Lara

1ª semana: horário do almoço

— Então, você acha que ele fez isso?


Prendo o celular embaixo da orelha para poder tirar o blazer. O
que começou como uma manhã agradavelmente morna se
transformou em uma tarde sufocante, e estou bem ciente da minha
blusa grudada nas costas suadas.
— Muito cedo para dizer — respondo ao meu pai, encolhendo os
braços para fora das mangas do blazer e enrolando-o em um pacote
arrumado para enfiar na bolsa.
— Qual é a acusação?
— Negociação de informações privilegiadas — falo, mantendo
minha voz baixa, mesmo que ninguém esteja prestando atenção em
mim. O almoço durante a semana em Wall Street é tudo o que você
esperaria – muitos ternos, martinis e presunção. Ninguém se dá ao
trabalho de olhar duas vezes para uma mulher de blusa sem graça e
salto agulha de quatro anos comprado numa loja de departamento.
Realmente não ligo, mas confesso que não me importaria só
uma vez com um daqueles almoços caros em vez de um café
medíocre com sanduíches baratos.
Como é provável que o almoço de hoje envolva um debate
emocionante entre peru seco e atum sem graça, não estou com
pressa para desligar a ligação com meu pai. Ele está trabalhando
em um grande caso, então temos brincado de pega-pega no
telefone por algumas semanas. É bom ouvir a voz dele.
— Quem é o delator? — meu pai pergunta.
— É uma pergunta fantástica — murmuro.
Praticamente ouço a carranca do meu pai.
— Você não sabe?
— Steve está mantendo discrição. Informante confidencial e tudo
mais.
Steve Ennis é o meu chefe. Trabalho para o cara desde que
comecei na SEC aos 23 anos e, até este caso, não poderia ter
pedido por um chefe melhor. Com o processo do Ian Bradley, no
entanto, Steve tem sido cauteloso, e isso está me deixando louca.
Entendo a necessidade de proteger as testemunhas em certos
casos, mas esconder da investigadora o nome da testemunha é
outro nível frustrante de sigiloso.
Pelo jeito, meu pai concorda.
— Mas você é a investigadora. Como vai fazer o seu trabalho?
Levanto meu cabelo pesado do pescoço, mas não há brisa hoje,
então não adianta.
— Acredite em mim, já falei isso para o Steve. Mas esses eram
os termos do informante. Temos que proteger a privacidade dele.
— Então você sabe que é um homem.
Sorrio, porque é tão papai; ele é FBI da cabeça aos pés.
— Sim. Parece que é um homem.
— Bem, já é um começo. Sem dúvidas, com um pouco de
investigação…
— Pai — interrompo com suavidade —, não sou paga para
encontrar o informante. Sou paga para descobrir se ele está certo.
— E está?
Dou de ombros, mesmo que meu pai não possa me ver.
— Eu já falei, é muito cedo para afirmar.
— O que seu instinto diz?
Ouço o barulho crocante do que ele está comendo no almoço, e
meu estômago ronca.
— Diz que está com fome. O que você está comendo?
— Porcaria saudável sem sabor. Agora pare de se esquivar. O
que seu instinto diz sobre o caso?
— Quem se importa? — retruco animada. — O instinto pode se
enganar. Meu trabalho é encontrar fatos. Provas.
— Não desconsidere a intuição, Lara. Se sua mãe e eu
descobrimos alguma coisa na agência…
— Sim, bem, eu não estou na agência, pai.
Eu o escuto soltar um suspiro.
— Não, isso de novo…
Eu não deveria deixar minha irritação transparecer, mas quanto
mais tenho experiência de trabalho, mais difícil é aceitar a parede
que meus pais erguem toda vez que falo sobre meu sonho de entrar
para o FBI.
Eles sempre me afirmaram que posso fazer o que quiser, que
posso fazer qualquer coisa que qualquer homem pode fazer, todas
essas coisas boas e empoderadoras. Até o momento em que lhes
contei que desejava seguir seus passos.
Em vez de serem encorajadores, eles foram… relutantes.
— Eu não estou pedindo para você me colocar no Quântico —
prossigo baixinho. — Quero chegar lá sozinha, por meus próprios
méritos. Mas você e mamãe mudam de assunto toda vez que falo
sobre isso.
— Lara, se tiver filhos algum dia, você vai entender. Sua mãe e
eu estamos tendo muita dificuldade em pensar em nossa filhinha
passando por treinamento de combate e prática de tiro ao alvo.
— Habilidades que provavelmente nunca precisarei na divisão de
colarinho branco — ressalto. — O trabalho será bem parecido com o
que tenho agora…
— Então por que não manter o que você tem?
Inclino minha cabeça para trás em frustração e olho por um
momento para o céu. É um argumento antigo e exaustivo.
— A SEC é boa e tem sido um ótimo treinamento, mas eu quero
ser do FBI, pai. Você sabe que esse sempre foi o plano.
— Eu sei — ele concorda mal-humorado, retomando sua
mastigação.
— É algo tão ruim? — provoco. — Ter sua única filha querendo
seguir os passos dos pais dela?
— É, quando nossos passos são perigosos.
— Exatamente — falo, agarrando esse ponto. — Você e mamãe
correm perigo todos os dias, e eu me preocupo, mas tenho orgulho
de vocês. Eu quero que vocês também se orgulhem de mim.
Há um longo momento de silêncio reflexivo.
— Temos orgulho de você.
Reprimo um suspiro. Entendo a proteção deles, mas se estou
sendo totalmente honesta, uma pequena parte de mim se pergunta
se eles acham que não sou capaz de fazer isso – que não serei boa
o suficiente. Não sou tão esperta quanto meu pai, nem tão durona
quanto minha mãe, e talvez… ah, inferno, sou aquela garota. A que
ainda tenta agradar seus pais aos vinte e oito anos.
Meus pensamentos estão distraídos quando vejo uma forma
familiar atravessando a rua.
Ian tem me evitado desde nosso momento Frappuccino na terça-
feira, e estou farta disso. Não posso fazer muito com e-mails,
relatórios e atas de reuniões. Preciso falar com o cara. Analisá-lo.
E hoje, pela primeira vez em dias, ele está sem sua assistente
cão de guarda.
Esta é a minha chance.
— Pai, eu tenho que correr. Conversamos depois, ok?
— Mantenha-me atualizado sobre o caso.
— Pode deixar.
Desligo o celular e o guardo na bolsa, acelerando o passo para
não perder Ian de vista. Um pouco perseguidora, eu sei, mas sou
uma investigadora. Às vezes nos tornamos completos detetives por
causa do trabalho.
Ian cruza mais uma rua, em direção à orla de Hudson, o que é…
estranho. O lugar é um viveiro para turistas e pais empurrando
carrinhos, não para a elite de Wall Street. Eu esperava que ele se
escondesse para martinis e caviar em um dos pontos quentes do
distrito financeiro.
Não tenho que segui-lo por muito tempo. Ele entra em um
restaurante de aparência brega chamado Vincedi’s, o qual parece
que receberá, em sua próxima avaliação de inspeção de saúde de
Nova York, um “questionável”, na melhor das hipóteses.
Definitivamente o tipo de lugar onde você se encontraria com
alguém com quem não gostaria de ser visto.
Dou alguns minutos e entro no restaurante.
— Apenas um? — a recepcionista animada pergunta segurando
um menu de vinil.
Concordo e a sigo até a mesa, procurando por Ian e esperando
vê-lo antes que ele me veja.
O restaurante é maior do que eu imaginava, então não o vejo até
que estou sentada, alternando entre examinar o cômodo e fingir
interesse em seus “hambúrgueres gourmet”.
Meu estômago gela.
Como esperado, ele está com alguém. Mas pelo que parece, seu
interesse por ela não tem nada a ver com a J-Conn.
A mesa de Ian é de canto, e ele está sussurrando no ouvido da
mulher mais linda que eu já vi. O vestido vermelho é ajustado ao
seu corpo perfeito e é decotado o suficiente para mostrar seios
impressionantes. Seu cabelo é longo e preto, sua maquiagem é
impecável. Ela não é o tipo de mulher que se esconde em um
restaurante ruim e pouco convencional, o que me faz pensar se ela
é casada.
Por que mais eles estariam se encontrando tão longe das outras
pessoas bonitas de Wall Street?
Então me ocorre: estou espionando Ian Bradley tendo um
encontro.
Fecho meus olhos em humilhação consternada. Alguém me mate
agora.
Quando abro os olhos, meu estômago não apenas gela, ele se
transforma em uma maldita montanha-russa.
Ele está olhando direto para mim, as sobrancelhas levantadas
em desafio.
Pela primeira vez na minha carreira profissional, sinto-me
completamente insegura sobre o que fazer. Não há como fingir isso
como uma coincidência – a julgar pela comida que vi passar por
mim, esse lugar é horrível. E nem é barato, então realmente não
tenho nenhum motivo para estar aqui além de espioná-lo, o que seu
sorrisinho me diz que ele sabe.
É possível entrar em combustão espontânea por vergonha?
Observo a porta, me perguntando se posso escapar de alguma
forma com minha dignidade intacta. Quando olho para trás de novo,
o sorriso de Ian se alarga, e percebo que é exatamente o que ele
está esperando: que eu faça uma retirada humilhante.
Sem chance.
Sem quebrar o contato visual, deixo de lado meu
constrangimento, cumprimento o garçom que vem até minha mesa e
peço uma Coca Diet e um hambúrguer de peru. Então pego um
bloco de notas e um lápis da minha bolsa e me sento na minha
cadeira, como se estivesse preparada para escrever cada
movimento de Ian.
Não vou descobrir nada do outro lado do salão, mas posso dizer,
pela forma como seu sorriso diminui e a mandíbula fica tensa, que
minha inesperada força o irrita.
Por enquanto, isso é bom o suficiente para mim.
Ian

1ª semana: sexta-feira, horário do almoço

— Então, é ela — Sabrina Cross comenta de forma casual, tomando


um gole do seu Chardonnay e esticando o pescoço descaradamente
para ver Lara McKenzie nos observando do outro lado do
restaurante.
— É — concordo, terminando o resto do meu Negroni. Parece
que a ideia de encontrar minha amiga mais antiga em um
restaurante com comida medíocre para não esbarrar com ninguém
que conhecíamos não levava em conta a possibilidade de eu estar
sendo perseguido pela SEC. Quem imaginaria?
— Ela é linda.
— Cala a boca.
Sabrina ri.
— Então você já notou que ela é bonita.
E essa é a parte pé-no-saco de continuar amigo de alguém que
te conhece desde os oito anos.
Minha amiga vasculha o cesto de pão em nossa mesa.
— Ela é muito corajosa. E ainda está nos vigiando.
— Sim, eu sei.
Posso sentir isso. De alguma forma, o olhar de Lara McKenzie
tem mais efeito no meu corpo do que o toque físico de qualquer
outra mulher. Tenho estado em constante estado de carência desde
nosso primeiro encontro; sem nenhum alívio à vista – não posso tê-
la e não quero nenhuma das mulheres que posso ter.
Não sei o que diabos a mulher está fazendo comigo, mas não
gosto disso.
— Ela parece aborrecida — Sabrina comenta, dando uma
mordida no pão.
— Provavelmente está. Eu a tenho evitado.
Não que tenha sido fácil. Ficar longe dela tem sido bastante
difícil, mas Matt e Kennedy estão certos, e eu seria um idiota se me
envolvesse com a SEC antes de ter um advogado ao meu lado.
— Pensei que você disse que deveria cooperar — Sabrina
observa.
— Vá falar com ela — desafio, apontando um dedo na direção de
Lara. — Você vai perceber bem rápido que ela não é do tipo
cooperativo.
— O que significa que ela não tropeçou em si mesma quando
você abriu seu sorriso — Sabrina zomba com conhecimento de
causa.
— Exatamente — murmuro, ao mesmo tempo aliviado e irritado
por ela estar lendo a situação tão depressa.
Além de Sabrina Cross me conhecer como a palma de sua mão,
cortesia da nossa longa história, ela também conhece pessoas.
Sabrina é uma reparadora. Ela é a pessoa para quem você liga
quando precisa de ajuda com… bem, qualquer coisa. Precisa de
uma namorada falsa? Ligue para Sabrina. De alguém para
chantagear sua esposa para que ela pare de te chantagear?
Sabrina. De uma pessoa para bajular um juiz, apressar seu
passaporte ou colocar seu filho delinquente naquela escola de
prestígio? Sabrina conhece alguém, que conhece alguém, que pode
ajudar. Por um preço.
No meu caso, o preço é a amizade. Além de Dave, ela é a única
pessoa que faz parte da minha nova vida tanto quanto fazia parte da
antiga. Sabrina é a única pessoa que realmente conhece os dois
lados de mim – o filho de criação da Filadélfia e o figurão de Wall
Street.
Sabrina esteve presente em tudo.
E, por favor, pelo amor de Deus, não transforme isso em uma
grande história romântica. Além de uma sessão de amassos
estranha no primeiro ano do ensino médio, – a qual ambos
declaramos quase insuportavelmente nojenta, – nunca tivemos
nada.
Sabrina é uma das mulheres mais lindas que já vi, e mesmo
assim não há um pingo de química sexual entre nós. Eu a amo
como uma irmã. Caramba, ela até parece ser minha irmã. Temos os
mesmos cabelos escuros, olhos azuis, pele oliva e passados de
merda.
Se bem que, enquanto minha infância foi algo entre
desanimadora e frustrante, a dela foi absolutamente insuportável.
Mãe viciada em drogas, pai quase sempre ausente, irmão imbecil.
Fez meus pais de criação e sua indiferença descarada parecerem
bondade.
— Então, desembuche — Sabrina pede, empurrando sua salada
Caesar encharcada no prato — Você só me arrasta para essa
armadilha para turistas com comida ruim quando precisa me pedir
algo e não quer que Wall Street saiba disso.
Aceno em agradecimento enquanto o garçom traz outra bebida.
Ele não pergunta se meu hambúrguer mal tocado está bom, –
provavelmente porque sabe que passou do ponto, que o pão está
velho, – e não quer lidar com isso. Eu não me importo. É um
daqueles dias de almoço líquido de qualquer maneira.
— Preciso de Vanessa Lewis.
Sabrina solta um longo suspiro.
— Droga. Você não pede favores com frequência, mas quando o
faz, eles são colossais. Se você acha que sou exclusiva com a
clientela que aceito, Vanessa é ainda mais.
— Por que você acha que te chamei? Liguei para o escritório; ela
se recusa a falar comigo e eu preciso dela. Vanessa é a melhor
advogada de defesa da cidade. Se ela livrou Ray Iris das acusações
daquele esquema de pirâmides, também pode me livrar das falsas
acusações de abuso de informações privilegiadas.
Sabrina rodopia seu vinho.
— Ela só aceita clientes que acredita serem inocentes. Ela gosta
de vencer, mas apenas quando considera que a vitória é justa.
— Que é o caso aqui — declara um recém-chegado.
Sabrina e eu olhamos para cima para ver Matt Cannon se
jogando ao lado dela.
— Como diabos você nos encontrou? — questiono.
— Ah, qual é? — ele zomba ao estender a mão e pegar o garfo
da Sabrina para pegar um pouco de sua salada — Você sempre
vem aqui quando está de mau humor. Só Deus sabe porquê —
aponta o garfo para a salada —, isso é nojento. — Ele empurra a
comida com um gole do vinho dela.
— Por favor — minha amiga ronrona em uma voz perigosa que
geralmente significa morte. — O que é meu é seu.
— Sério? — ele pergunta, virando-se para ela, seu olhar caindo
para seu decote.
— Vá em frente. Prove — ela desafia. — Tenho estado em um
tipo de humor de castração ultimamente.
Estremeço.
— As duas crianças podem fingir que se dão bem, só até o final
desta refeição?
Matt empurra o queixo em direção à minha comida.
— O que é isso?
Sem dizer nada, entrego-lhe o prato.
— Estamos cientes da agente da SEC à nossa esquerda? — ele
indaga, dando uma mordida no hambúrguer, sem olhar para a mesa
de Lara.
— Sim. Estamos ignorando-a — Sabrina responde.
Concordo com a cabeça, porém, verdade seja dita, é preciso
cada grama de força de vontade para não olhar em sua direção. Eu
me recuso a lhe dar o prazer, mesmo se eu estiver faminto por um
olhar. Uma interação. Qualquer coisa.
Faz três dias desde que nos enfrentamos de igual para igual na
sala de conferências, com apenas um Frappuccino da Starbucks
entre nós. Um dia e meio desde que os rapazes me disseram para
ficar longe dela.
E eu estive ciente de cada maldito minuto.
Em parte, porque vai contra minha natureza não fazer nada e
esperar pela hora certa, mas também porque a simples provocação
dela me faz sentir vivo.
— Ian quer Vanessa Lewis — Sabrina conta, atualizando Matt
sobre nossa conversa.
Ele assente.
— E deveria. Mas disse a ele que, dessa vez, você não
conseguiria dar seu jeito nisso.
Reviro os olhos. Ele não me falou nada disso, mas sei o que ele
está fazendo. Um touro com uma capa vermelha agitada em seu
rosto tem mais contenção do que Sabrina quando Matt lança um
desafio. Eles são dois dos meus melhores amigos, mas seu
relacionamento é conflituoso, em um dia bom.
— É Vanessa Lewis — Sabrina fala exasperada — A agenda
dela está reservada há anos…
— Não é por isso que todo mundo te paga muito dinheiro? —
Matt questiona, puxando o guardanapo do seu colo e usando para
limpar o ketchup do seu lábio inferior.
— Pois você não deveria ser a melhor em conseguir o que as
pessoas querem? Consiga Vanessa para Ian.
— Eu sou a melhor — ela retruca. — Mas não apenas “consigo
as pessoas” porque você ordena.
Matt dá de ombros.
— Parece que você não pode consegui-la.
— Eu…
— Pessoal — levanto as mãos —, esse ódio mútuo é exaustivo.
— Vou dar alguns telefonemas — Sabrina murmura, puxando o
livro de couro que carrega para todos os lugares e fazendo uma
anotação. — Mas você precisa de uma lista de outras opções, Ian.
Apesar do que o Garoto Prodígio aqui pensa, eu não sou mágica.
Matt assente.
— Kennedy e eu podemos ajudar com a lista.
Mal estou escutando. Finalmente cedi ao desejo de olhar para a
mesa de Lara outra vez, mas ela se foi.
Tento dizer a mim mesmo que o que sinto é alívio.
Odeio profundamente que não é.
Lara

2ª semana: segunda-feira de manhã

— É como eu te expliquei — Kate Henley fala em um tom suave de


vá para o inferno. — O Sr. Bradley está indisponível no momento.
— No momento? — pergunto exasperada. — Ele está
indisponível há quase uma semana.
— Ele é extremamente ocupado.
— Eu também sou — revido. — O Sr. e a Sra. Wolfe me
garantiram que eu teria a total cooperação desta empresa.
— E você tem nossa total cooperação. O que posso fazer por
você?
As palavras são puro mel e desmentem completamente sua
expressão de cai fora, que me diz que estou sendo alimentada com
uma mentira. Respiro fundo por paciência.
— Você pode me conseguir um horário na agenda do Sr. Bradley.
— É claro! — Ela bate algo em seu teclado. — O que acha da
próxima quinta-feira, às quatro?
— Acho que está a uma semana e meia de distância.
Ela cruza as mãos sobre a mesa e levanta as sobrancelhas em
um gesto claro de é pegar ou largar, isso é tudo o que estou
oferecendo.
Se não estivesse tão frustrada com a mulher, eu a admiraria. Na
verdade, esqueça isso. Eu a admiro de verdade. Kate não é apenas
a assistente de Ian, mas também trabalha para Matt Cannon e
Kennedy Dawson. Ela administra os três corretores de
investimentos teimosos e egocêntricos com mais desenvoltura do
que já vi qualquer outra assistente administrar um; tudo isso
parecendo uma colegial adulta.
Kate usa seu cabelo castanho escuro puxado para trás com uma
faixa simples. Seus olhos são grandes, castanhos e sem
maquiagem. Suas blusas são primorosamente abotoadas até o
topo, suas saias sempre logo abaixo do joelho. Na semana
passada, juro que ela estava usando sapatos de boneca.
Sua aparência é de uma doçura suave, um contraste direto com
sua personalidade, que pode ser descrita da melhor maneira como
durona.
Não há chance de ela fazer um acordo comigo.
— Próxima quinta-feira seria ótimo — concordo com um sorriso
forçado.
Ela acena e adiciona o compromisso à agenda.
— Enquanto isso, ficarei feliz em responder a quaisquer
perguntas.
— Sim, porque você foi muito útil quando nos encontramos na
semana passada — murmuro.
Sentei-me com Kate por quase uma hora na tarde de sexta-feira
e, de maneira impressionante, ela conseguiu responder a todas as
perguntas com poucas palavras do jeito mais humanamente
possível.
Você trabalha para o Sr. Bradley há cinco anos? Sim.
Você diria que ele é um empregador justo? Sim.
Você já o viu se corresponder com algum funcionário da J-Conn?
Não.
O Sr. Bradley já lhe pediu para mentir para ele? Não.
— E o Sr. Cannon e o Sr. Dawson?
Eles estão no topo da minha lista de entrevistas por serem os
confidentes mais próximos de Ian, mas até agora têm se mostrado
tão difíceis de conversar quanto o próprio.
Entendo. Eles estão protegendo um ao outro. Portanto, tenho
sido paciente, aguardando meu tempo enquanto vasculhei cada
detalhe de todos os registros eletrônicos e em papel na semana
passada.
Não encontrei porcaria nenhuma – nem uma única coisa que
possamos usar para conectar Ian e a J-Conn. Não que eu esteja
surpresa. O homem me parece atrevido, mas não estúpido. Ele não
vai colocar nada incriminador por escrito.
Ele pode, no entanto, dizer algo para seus melhores amigos
enquanto bebem juntos.
Kate está clicando de um jeito preguiçoso em seu teclado.
— Posso colocar você na agenda do Sr. Cannon na próxima
terça. O Sr. Dawson…
Sugo outra respiração para ter paciência enquanto ela toma seu
doce tempo verificando os horários dos seus chefes. Joguei este
jogo o máximo que consegui. Mais disso e terei que passar por cima
de todas as cabeças deles, o que particularmente não desejo fazer.
Se quero fazer algum progresso, a última coisa que preciso é de
mais hostilidade. Posso bancar a policial má se for preciso, mas
conquistei minha reputação porque uso elegância, não soco inglês,
para conseguir o que desejo.
O telefone de Kate toca e ela levanta um dedo de espera, por
favor, enquanto atende. Estou prestes a lhe mostrar um dedo meu –
um diferente – quando vejo por cima de Kate uma cabeça morena
familiar se movendo na direção de seu escritório com copo da
Starbucks branco na mão.
É o momento pelo qual eu esperava.
Corro em direção ao homem enquanto Kate volta sua atenção
para a tela do computador, conseguindo ficar na frente dele antes
que entre no escritório.
Os olhos castanhos de Kennedy Dawson estão frios e
entediados enquanto me analisa.
— Sim?
— Sr. Dawson — cumprimento, estendendo a mão. — Ainda não
tivemos o prazer de nos conhecer.
— Porque não há nada de prazeroso nisso — ele retruca,
apertando minha mão com relutância.
Kennedy é um homem muito atraente. Para começar, ele tem
covinhas. Grandes covinhas de verdade. Não que elas estejam
aparecendo agora, mas eu o vi rir com Ian outro dia do lado de fora
da sala de conferências. Ele usa óculos cerca de metade do tempo,
como está hoje, e isso enfatiza o jeito quieto e acadêmico que ele se
comporta. Seus ternos são clássicos e suas gravatas nunca são
chamativas.
Minha família tem uma pequena obsessão por filmes clássicos,
então deixe-me colocar desta forma: se Ian tem a arrogância de
Cary Grant e Matt tem o charme de Paul Newman, Kennedy tem a
coisa taciturna e tensa a seu favor, um pouco Humphrey Bogart
misturado com Clint Eastwood. Hmmm.
Em outras palavras, eu definitivamente deveria sentir algo
quando nossas palmas fizeram contato. Kennedy se parece com
todas as versões do que tenho sonhado desde que atingi a
puberdade. Quieto. Prudente. Seguro. Ele é o oposto de Ian Bradley
e, portanto, exatamente o que estou procurando.
Aguardo a esperada percepção feminina, e… nada.
Nem um pingo, uma faísca, nem mesmo uma palpitação.
Ele solta o aperto de mão assim que pode sem ser rude, e a
julgar pelo quase desprezo em seu rosto, acho que ele também não
sentiu nada.
— Posso ajudar?
— Com certeza — afirmo depressa, antes que Kate possa
desligar o telefone e executar sua habitual interferência de cão de
guarda. — Gostaria de alguns minutos do seu tempo.
— Para falar sobre o Ian.
— Para falar sobre o que você sabe a respeito da conexão da
Wolfe Investments com a J-Conn.
— Converse com a minha assistente para agendar uma reunião.
Ele tenta dar a volta ao meu redor, mas dou um passo com ele,
ganhando um olhar furioso.
— Eu tentei, mas tenho a sensação de que você estará tão
ocupado quanto o Sr. Bradley e o Sr. Cannon estão.
— Bem, aí está. Se me der licença…
Mais um passo, que igualo mais uma vez.
— O que você vai fazer agora?
— Tenho uma reunião.
Ele é um bom mentiroso, mas não o suficiente. Ele esperou um
segundo a mais para responder, o que me mostrava que aquilo era
uma desculpa.
Olho para o meu relógio.
— São 8h51. Presumo que sua reunião seja às nove, então farei
companhia para você até lá.
— Srta. McKenzie…
— Eu poderia conseguir uma intimação, Sr. Dawson. Ou o
senhor pode me convencer de que não preciso de uma. Para nada
disso.
Ele fica parado me analisando, sem se desculpar.
— Cinco minutos.
— Isso é tudo que preciso.
Ele destranca a porta do escritório e faz um movimento
exagerado para que eu entre.
Tenho que esconder um sorriso, porque sua sala é exatamente o
que eu esperava. Embora as áreas comuns da Wolfe Investments
sejam todas elegantes e modernas, o escritório de Kennedy parece
um retrocesso no tempo, quando os homens usavam roupões e o
único trabalho corporativo para mulheres era como datilógrafas. Sua
mesa é de madeira escura com detalhes ornamentados. As cadeiras
são de couro de mogno com a quantidade certa de desgaste para
serem convidativas em vez de cansativas. Todas as paredes sem
janelas estão cobertas por estantes, e estive em escritórios
executivos suficientes da Wolfe na semana passada para saber que
elas são uma adição personalizada.
— Algum problema? — ele questiona, contornando a mesa e
colocando o café em uma base para copos.
— Não. Apenas tentando descobrir onde você guarda o globo e o
tabuleiro de xadrez antigo.
Por um momento, juro que seus olhos brilham em diversão, mas
ele se fecha, gesticulando para uma cadeira em frente à sua.
— Cinco minutos, Srta. McKenzie.
Certo.
Sento e cruzo as pernas, desejando ter algo em que escrever,
mas é isso o que ganho por emboscar o cara.
— Kate vai ficar irritada? — pergunto, em parte para facilitar a
conversa, mas também porque estou curiosa de verdade sobre
quanto vou pagar pela minha pequena façanha.
Desta vez, ele não se preocupa em esconder seu divertimento.
— Provavelmente. Pode ser bom para ela.
— Sim, ela é muito… regrada.
— Essa é uma boa palavra para descrevê-la.
Ele toma um gole de seu café.
— Ela trabalha para você, Sr. Bradley e Sr. Cannon?
— Sim. E você poderia ter descoberto isso sem tomar meu
tempo.
— Como isso aconteceu, ela trabalhar para os três? —
questiono, ignorando sua reclamação.
Kennedy suspira, tamborilando os dedos na mesa.
— Quando Ian, Matt e eu fomos promovidos a diretores, tivemos
a oportunidade de contratar nossos próprios assistentes. Kate já
trabalhava como assistente de escritório para alguns de nós,
júniores, e ela era a melhor.
— E todos vocês a queriam.
— Nós queríamos a melhor.
— Então foi uma coisa de competição?
Ele me dá um olhar brando e toma outro gole de café.
— Você veio aqui para discutir o processo de contratação de
Kate Henley ou para fazer o seu trabalho?
— Este é o meu trabalho — afirmo, nem um pouco insultada.
Já ouvi coisas piores ao longo da minha carreira. Muito piores.
— Pensei que você estava investigando Ian, não Kate ou a mim.
— Estou. E para fazer isso, preciso ter acesso ao mundo dele. E
até agora descobri que o mundo dele envolve você, a Sra. Henley e
o Sr. Cannon.
— Impressionante. Uma semana de trabalho e você já decifrou o
código — ele comenta com sarcasmo.
Levanto minhas mãos em rendição.
— Tudo bem. Você quer ir direto ao ponto, também posso fazer
dessa maneira. Você conhece alguém da J-Conn?
— Sim.
Sento-me um pouco mais reta.
— Quem?
Ele dá de ombros.
— Meu pai joga golfe com um dos seus diretores sêniores, Ray
Clouse. Ele já jantou na casa da minha família no passado. Minha
irmã namorou um cara que trabalhava em sua equipe de
desenvolvimento de produtos. Eu o encontrei uma ou duas vezes. O
primeiro nome é Brian, eu teria que procurar o último. Um dos meus
colegas de faculdade estava em sua equipe de vendas. Curtis
Linder. Acho que é isso.
— O Sr. Bradley já conheceu algum desses indivíduos através de
você?
— Não.
— Qualquer um desses indivíduos em determinado momento
indicou a situação difícil da empresa nos dias que antecederam o
anúncio da falência?
— Meus clientes perderam milhões quando ela faliu. O que você
acha?
— Acho que isso não é uma resposta para a minha pergunta.
— Não — ele retruca com um olhar aguçado para o relógio. —
Ninguém me contou merda nenhuma; não converso com nenhum
deles há anos. Seus cinco minutos estão quase acabando.
— Nós dois sabemos que o senhor não tem uma reunião às nove
horas, Sr. Dawson, então o senhor pode ficar tranquilo. É do
interesse do Sr. Bradley que o senhor faça isso.
Seus olhos castanhos se estreitam em mim.
— Por que você está atrás dele?
— Estou apenas seguindo uma pista. Não é como se eu tivesse
uma vingança pessoal contra o homem.
Seu polegar desliza lentamente para cima e para baixo em seu
copo Starbucks enquanto ele me analisa.
— Tem certeza?
— Sobre o quê?
— Que isso não é pessoal.
A voz de Kennedy é baixa e calma, mas o golpe não poderia tê-
la acertado mais em cheio se ele tivesse gritado.
Nunca fui nada além de cem por cento profissional em um caso,
mas estou perigosamente perto de deixar que motivações pessoais
se infiltrem neste. Não apenas porque poderia ser minha passagem
para o FBI, mas porque, para ser honesta, não posso dizer que
minhas opiniões sobre Ian Bradley são apenas relacionadas ao
trabalho.
Mesmo assim, não vou admitir isso, então mantenho a voz
impassível.
— Fui designada para o caso. Estou acompanhando as
acusações que me foram entregues pela SEC.
— E o denunciante? — ele indaga.
— Desculpe?
— Você falou que conhecia as acusações. Mas não sabe quem
fez as alegações, certo?
— Eu não posso responder a isso.
Ele sorri em vitória.
— Você acabou de responder.
Mordo minha bochecha para não reagir. Controle-se, Lara. Você
é melhor do que isso.
Pulo direto sobre o que Kennedy pensa que sabe.
— O senhor diria que o Sr. Bradley é habilidoso em seu trabalho?
— Sim.
— Melhor do que o senhor?
— Não.
Eu me inclino para frente.
— E ainda assim, o senhor perdeu dinheiro com a J-Conn. Ele
não. Por que acha que foi assim?
— Porque é assim que esse negócio funciona, Srta. McKenzie.
Você ganha alguns e perde outros. Quer que eu veja uma lista de
ações que ganhei quando Ian perdeu? Posso fazer isso. Outras
empresas das quais ele se beneficiou que eu não? Também posso
fazer isso. A única coisa diferente sobre a J-Conn é a margem de
perda.
— Só que é uma grande diferença. O senhor mesmo disse que
perdeu milhões. Como seus clientes se sentiram sobre isso?
— Realmente fantásticos, obrigado por relembrar — responde
ele com um olhar entediado por cima do meu ombro, como se eu
estivesse desperdiçando o seu tempo.
E posso muito bem-estar. Deus sabe que isso está se tornando
um desperdício do meu. Caramba, na verdade, todo esse caso está
começando a parecer uma perda de tempo, e realmente preciso que
não seja. Meu chefe me garantiu que fritar um peixe tão grande
quanto Ian poderia ser o golpe que preciso para fazer as admissões
de Quântico me notarem.
Só que o peixe e seu cardume não estão cooperando. Ou eles
são um bando de mentirosos impressionantes, mais habilidosos em
destruir evidências e cobrir seus rastros do que qualquer grupo que
encontrei até agora, ou a dica que recebemos é falsa.
Não é que eu ache que Ian seja incapaz de infringir a lei. É que
eu acho que ele é muito próximo das pessoas ao seu redor para não
contar o que fez a alguma delas ou fazer com que elas juntem as
peças. E enquanto Kate e Kennedy, e suspeito que Matt também,
definitivamente cobririam Ian…
Não tenho a sensação de que eles estão encobrindo por ele.
Eles estão genuinamente muito irritados pela minha presença.
Ainda assim, tento fazer mais uma pergunta, sabendo que meu
tempo é limitado e sua paciência está no fim.
— Sr. Dawson, percebo que o Sr. Bradley é um amigo e um
colega. Respeito isso. É por isso que o senhor precisa entender que
a melhor maneira de protegê-lo é ser honesto comigo sobre
qualquer conexão que ele possa ter com a J-Conn.
Ele fica em silêncio por um momento.
— Você quer que eu seja honesto.
Concordo.
— Sim.
— E quer que eu lhe diga qualquer coisa sobre ele que possa ser
útil para você.
Resisto à vontade de revirar os olhos.
— Sim, com certeza.
— Tudo bem, então. Talvez isso seja útil… Acho que nunca o vi
tão irritado.
— Quando? — indago, me inclinando para frente.
— Agora mesmo.
A declaração ríspida não é de Kennedy. Ela vem de trás de mim,
e mesmo se já não tivesse ouvido aquela voz em meus sonhos
indecentes à noite, eu saberia exatamente a quem ela pertence pelo
crescente sorriso malicioso do Kennedy.
Respirando fundo, eu me levanto e me viro para encarar um Ian
muito irado.
Ian

2ª Semana: segunda-feira de manhã

— Meu escritório. Agora.


Não me incomodo em esperar para ver se Lara me segue – sei
que ela fará isso. Ela está atrás de mim há dias por uma reunião, e
me perseguindo no almoço. Ela vai me seguir.
Meu escritório fica no canto oposto ao de Kennedy no nosso
andar. Meus passos largos significam que chego primeiro, mas fico
do lado de fora até ela entrar. Fecho a porta com força e me movo
em sua direção até encostá-la na porta.
Não é minha intenção. Não sou o tipo de babaca que usa o cargo
ou o corpo para intimidar as pessoas, mas meu objetivo aqui não é
ameaça. Estou furioso.
Furioso que ela me seguiu para almoçar na sexta-feira passada.
Furioso que ela está interrogando meus amigos.
Furioso que de todos os investigadores da SEC, eu tenho que
ficar com uma que deixa meu pau duro.
Nós dois estamos respirando pesadamente, e meu olhar cai para
sua boca no instante em que ela fala.
— Afaste-se, Sr. Bradley — ela pede, seu tom gelado enquanto
me encara. — Agora.
Murmuro um xingamento, batendo minha mão na porta atrás da
sua cabeça, então a uso para me afastar até uma distância segura
onde não vou querer pressioná-la contra a madeira e deslizar minha
mão por baixo da sua saia, vendo se a sua pele é tão suave quanto
nas minhas fantasias.
— Você está me evitando — ela declara, entrando mais no
escritório.
Seu tom é frio, seu rosto impassível. Apenas o leve tremor da
sua mão enquanto passa a palma sobre seu rabo de cavalo
desmente que ela está tão impactada por mim quanto estou por ela.
— Sim.
— Eu tive a garantia da sua empresa de que você cooperaria, e
na sala de conferência, quando você me trouxe café na semana
passada, tive a impressão de que estava planejando fazer
exatamente isso. O que mudou?
Percebi que não poderíamos estar na mesma sala sem que eu
quisesse transar com você, foi isso que mudou.
Passo as mãos pelo cabelo.
— Fui aconselhado a procurar um advogado antes de conversar
com você.
— Prudente — fala, correndo um dedo pela borda da mesa. — E
você procurou?
Por mais que eu esteja ansioso para ver seu rosto quando ela
descobrir quem é a minha advogada, decido esperar pela hora certa
e ignorar sua pergunta.
— Você conseguiu o que queria assediando meu amigo?
— Suponho que você quer dizer o Sr. Dawson. Sim, tive uma
conversa esclarecedora com seu colega.
Noto sua frase, escolhida cuidadosamente para opor a minha, e
reviro os olhos.
— Aprendi que ele é ferozmente leal a você — ela gesticula para
o escritório. — E que vocês têm gostos bastante diferentes de
decoração.
Olho ao redor do meu escritório ostentoso. Resumindo, é outra
versão do meu apartamento – vista incrível, móveis elegantes e
modernos. É como as pessoas esperam que meu escritório seja.
Também é completamente substituível. Um tornado poderia destruir
o lugar e eu não daria a mínima. Isso é algo que aprendi saltando de
um lar de criação para o outro: não faz sentido se apegar às coisas.
Ou às pessoas.
Ela assente, e então aponta para uma mesa atrás da minha
escrivaninha.
— Ela é de verdade? A orquídea?
Olho de relance.
— Sim. — Seu olhar surpreso me irrita mais uma vez. — O quê?
— estouro.
Lara pisca.
— Nada. Você apenas não me parece do tipo que tem uma
orquídea. Elas são notoriamente exigentes e pedem um pouco de
mimo.
— Eu sei mimar.
Assim que as palavras saem da minha boca, percebo como
soam ridículas e dou de ombros.
— Foi um presente de Natal de Kate no ano passado. Ela e
Kennedy fizeram uma aposta para ver se consigo, ou não, mantê-la
viva por um ano inteiro.
— E o que ela apostou?
— Vamos apenas dizer que ela a verifica cerca de dez vezes por
dia e proibiu Kennedy de fazer algo para evitar que a maldita coisa
morra.
Ela se aproxima e observa a flor.
— Parece que você não a matou. Ainda.
— Você gosta de orquídeas? — pergunto, notando o sorriso
melancólico em seu rosto.
Além do seu paladar entediante para café, esse é um dos poucos
detalhes pessoais que consegui extrair dela, e guardo o fato. Não
sei o motivo, a não ser o desejo bizarro de conhecer a mulher
escondida atrás daquelas paredes profissionais.
— Minha falecida avó tinha uma coleção e tanto. Uma das
maiores na área metropolitana de Washington.
— Você assumiu o papel de especialista em orquídeas da
família?
Seu sorriso desaparece.
— Não. Eu tentei, mas elas demandam tempo, que eu não tenho,
e atenção, que eu não poderia dar. Aprendi da maneira mais difícil
que eram as flores ou o trabalho, e…
Ela dá de ombros, como se não fosse grande coisa, mas eu
apostaria muito dinheiro que é um blefe. Ela pode pensar que está
bem dando 100% ao trabalho, mas isso claramente a consome.
Lara respira fundo, como se quisesse se recompor, e aponta
para a cadeira ao lado da minha mesa.
— Posso? Tenho algumas dúvidas sobre o meu caso.
Seu tom seco me faz sentir como um tolo. Aqui estou eu,
refletindo sobre seu amor por flores, e ela está me vendo como “seu
caso”.
Dou um aceno curto e sento à sua frente, mas disparo uma das
minhas perguntas antes que ela comece as suas.
— O que diabos você estava pensando, me seguindo para
almoçar na sexta-feira?
Se está surpresa com minha franqueza, ela não demonstra.
— Eu esperava que você estivesse comendo sozinho e que
pudesse conversar um pouco com você, já que está me evitando.
Ela me lança um olhar perspicaz.
— E quando você percebeu que eu não estava sozinho?
Suas bochechas coram um pouco; é tão sutil que eu não
perceberia se não estivesse observando-a tão de perto.
— Pensei que ela poderia ser uma fonte. Alguém que poderia ser
útil para o meu caso.
Dou um largo sorriso e chamo seu blefe.
— Besteira. Você pensou que ela era minha namorada.
— Na verdade, não — ela nega calmamente. — Achei que você
e ela estavam tentando não ser vistos juntos.
— Por que diabos eu iria querer isso?
Ela encolhe os ombros.
— Talvez ela esteja envolvida com outra pessoa.
— Jesus Cristo — estouro. — Já é ruim o suficiente você me
acusar de ser um criminoso, agora estou roubando as mulheres de
outros homens?
— Você esquece que passei uma semana inteira pesquisando
cada aspecto da sua vida. As mulheres com quem você está
conectado romanticamente ocupam um bloco de anotações inteiro.
— Mas nenhuma delas é casada! — explodo.
Posso ser um filho da puta, mas tenho moral. Eu não pego o que
não é meu.
— Então ela não é uma namorada nem uma fonte.
— Não — rosno. — Ela é uma amiga e não tem nada a ver com
essa besteira de caso, então deixe-a fora disso.
— Uma amiga — Lara repete, sua voz cética. — Quando ela tem
aquela aparência, e você tem essa…
Ela para, seus olhos se arregalando de horror conforme percebe
o que disse.
Não me incomodo em esconder meu largo sorriso enquanto
coloco meus dedos atrás da cabeça e me inclino para trás na minha
cadeira.
— Que aparência eu tenho, Srta. McKenzie? — Desta vez, seu
rubor é inconfundível. Ela descruza as pernas, depois as cruza de
novo, e eu sorrio ainda mais. — Eu tenho que confessar, observar
você desconfortável é a coisa mais gratificante que vi em dias.
— Não estou desconfortável.
Levanto minhas sobrancelhas.
— Você está praticamente se contorcendo.
— Talvez seja porque você está matando sua orquídea — ela
retruca.
— Boa evasiva, mas alguns de nós podem administrar o trabalho
e a flor.
Digo isso de forma irreverente, mas me arrependo assim que o
faço, porque se as bochechas dela estavam coradas antes, agora
estão pálidas.
Merda. Sou um idiota.
— Srta. McKenzie…
— Deixe para lá — ela pede, levantando a mão. — Sabe, acho
melhor deixarmos essa reunião para outra hora.
— Olha, me desculpe pelo comentário da flor…
— Não é isso — ela fala muito rápido. — Apenas não tenho nada
em que anotar.
— Merda. Eu feri seus sentimentos…
— Por favor, pare — ela diz, ficando em pé. — É isso que venho
tentando deixar claro para você desde o início. Nada disso é sobre
sentimentos. É negócio. Estou na sua agenda para a próxima
quinta-feira. Se você puder me encaixar mais cedo, eu agradeceria.
Tenho certeza de que nós dois queremos terminar isso…
Uma batida na porta a interrompe.
— Sim — falo, minha voz áspera com irritação.
Kate enfia a cabeça, ignorando Lara completamente.
— Sr. Bradley, Vanessa Lewis está aqui para vê-lo.
Lara se vira, os olhos arregalados e chocados.
É o momento que estava esperando, e embora eu force um
sorriso arrogante, parece vazio. Obviamente, quero ganhar isso, ter
as alegações desmentidas e meu nome limpo. Mas minha vitória
significa que Lara está perdendo. Pela primeira vez desde que tudo
isso começou, a ideia não me enche de vitória.
— Vanessa Lewis é sua advogada — Lara comenta, sua voz
perplexa.
Não somos apenas nós na Wall Street que conhecemos a
reputação da Vanessa de apenas aceitar clientes que ela acredita
serem inocentes. A SEC também sabe disso.
Volto minha atenção para Kate.
— Mande a Srta. Lewis entrar. A Srta. McKenzie estava saindo.
— Eu estava — Lara concorda, levantando o queixo, a confiança
restaurada enquanto se vira e caminha em direção à porta.
Quando está ombro a ombro com Kate, ela para.
— A propósito, ele está exagerando na água. Parabéns, ela deve
estar morta em um futuro próximo.
Assustada, Kate verifica a orquídea, depois lança um olhar
avaliador para Lara, que não se vira para trás enquanto segue pelo
corredor.
— É estranho que eu possa gostar dela? — ela pergunta.
Não, eu penso.
O estranho é que sei que eu gosto dela.
Lara

2ª semana: quarta-feira de manhã

— Lara, oi! — Steve Ennis ergue os olhos de sua mesa, piscando


surpreso ao me ver parada na porta. — Pensei que hoje você
estivesse na Wolfe.
— Estou indo pra lá agora. Eu só precisava pegar algumas
coisas na minha mesa.
E esperava te encurralar.
Continuo dizendo a mim mesma que estou paranoica, mas tenho
quase certeza de que meu chefe está me evitando. Enviei três e-
mails em três dias e ele não respondeu a nenhum. Nem retornou
minhas duas mensagens de voz.
— Você tem um minuto? — pergunto quando ele não me convida
para entrar.
— Certo. É claro, entre — concorda, guardando a pasta que
estava folheando. — Feche a porta.
A diferença entre o escritório de Steve e o de Ian é quase
cômica. Ambos são ambientes de escritório sofisticados e
genéricos, mas um é por falta de orçamento, o outro é por não se
importar.
A SEC é a primeira categoria. Para começar, a sala fica no
décimo segundo andar, em vez do milionésimo. Steve tem um
escritório de canto, mas em vez de ter uma vista para os pontos de
referência de Nova York, temos uma visão privilegiada de outro
escritório e um prédio de apartamentos com moradores que se
recusam a fechar suas persianas com mais frequência.
A estética interna também é diferente. Luzes fluorescentes,
clipes de papel espalhados, uma cadeira esgotada e o eterno cheiro
de café velho.
Meu chefe se encaixa perfeitamente. Ele não é um homem feio,
mas o terno mal ajustado no estilo não dou a mínima não faz nada
para lisonjear sua cintura sempre em expansão, e sua cabeça cheia
de cabelo grisalho poderia se beneficiar de um corte de cabelo que
custa mais do que doze dólares na hora do almoço.
Isso, ou talvez eu tenha passado muito tempo com o refinamento
da Wolfe Investments.
— O que posso fazer por você? — ele indaga enquanto sento e
cruzo as pernas.
É impressão minha ou a voz dele parece muito estrondosa, muito
otimista?
— Você recebeu meu relatório da situação do caso J-
Conn/Bradley?
Ele acena com entusiasmo.
— Sim. Parece que lançamos um caso bem difícil para você.
Um bem difícil? Não ser capaz de encontrar nenhuma evidência
depois de mais de uma semana de procura não é difícil. Chama-se
não ter um caso.
— Ele deixou você entrar em seus arquivos pessoais? — Steve
questiona. — Caras assim não vão colocar nada nos servidores da
empresa.
— Ele deixou. E em seu e-mail. Estou apenas na metade, mas
as chances de haver alguma informação útil lá são pequenas.
— Você está dizendo que acha que ele destruiu alguma coisa?
— Não — respondo com cuidado.
Não é típico de Steve colocar palavras na minha boca.
— Acho que nos seis anos em que faço isso, ninguém foi
estúpido o suficiente para deixar evidências em seus arquivos
pessoais. Você sabe tão bem quanto eu que solicitar os arquivos é
uma técnica de enrolação.
Seu olhar fica um pouco mais sagaz e seu sorriso escorrega.
Não sou insubordinada; sou conhecida tanto por ser fácil de
trabalhar quanto por ser persistente e meticulosa. Mas algo está
acontecendo aqui, sobre o qual não estou totalmente informada, e
está começando a me irritar. No começo, pensei que era apenas
uma estranha reação instintiva mexendo com a minha cabeça, e
não acredito muito no instinto. No entanto, os fatos também não
estão se alinhando. Não há nada – e quero dizer nada, –
conectando Ian Bradley a J-Conn.
Ainda, eu me lembro. Nada ainda.
— Olha, Steve, você me colocou neste caso porque confia em
mim. Eu estava no seu casamento, pelo amor de Deus — lembro,
apontando para a foto de família em sua mesa tirada alguns anos
atrás.
Seu terceiro casamento, mas quem está contando.
— Preciso saber por que você acha que nossa fonte é confiável
— peço. — Preciso saber o que você sabe. Quem nos deu a dica?
Que detalhes ele te contou?
Ele já está balançando a cabeça.
— Não posso fazer isso.
— Por quê? — exijo, bem perto de jogar meus braços no ar em
total exasperação.
— Já lhe disse, é um informante confidencial. Era parte do
acordo quando ele veio até mim. Eu sou o único a saber sua
identidade até que chegue a hora de testemunhar.
— Steve — suavizo minha voz e tento o tom calmo que uso com
as testemunhas nervosas. — Se o informante é muito reticente para
se apresentar agora, o que te faz pensar que ele vai testemunhar?
Você sabe quantas vezes as testemunhas perdem a coragem
quando é hora de colocar seu nome no papel. Ser rotulado como
informante é tão prejudicial à reputação quanto ser o criminoso.
Se não mais. Wall Street despreza um trapaceiro.
Mas eles detestam um informante.
Embora eu nunca esteja a par das conversas reais, não é inédito
que grandes jogadores resolvam o problema com as próprias mãos.
Em vez de vir à SEC com suas informações, eles vão diretamente
ao infrator com um golpe violento de “faça de novo, e eu vou
quebrar seus joelhos”.
É considerado um sinal de respeito entre os pares.
Ou o informante de Steve está bem abaixo de Ian em status, e
não tem autoridade para ir de igual para igual com ele diretamente,
ou está se escondendo atrás da SEC.
Não me importo. É para isso que estamos aqui. Mas isso me diz
que não estamos lidando com alguém com muito poder. E essas
são as fontes mais propensas a desistir quando chega a hora de
testemunhar.
E se isso acontecer, adivinhe quem está presa segurando um
caso destruído? Eu.
— Também é a minha reputação em jogo — declaro baixinho
para Steve.
Não vou implorar, mas também não vou ser um peão.
Ele dá um aceno enfático de cabeça e se levanta, indicando que
a conversa acabou.
— Você não precisa se preocupar com isso.
Eu me levanto e encaro o olhar do meu chefe de frente.
— Você basicamente me disse que este caso poderia ser minha
vitória de grande repercussão para garantir a atenção de Quântico.
Se a investigação nunca passar do estágio informal, não será de
grande visibilidade. Vai morrer na praia.
— Vai chegar ao estágio formal — ele afirma com desdém
contornando a mesa até a porta.
— Mas é isso que estou tentando te dizer — retruco, seguindo-o
até a porta e tentando esconder minha impaciência. — Até agora,
nada está justificando uma investigação formal. Não consigo
encontrar uma única evidência ligando Ian Bradley a J-Conn, ou a
qualquer pessoa com conhecimento interno da iminente falência da
empresa.
Steve abre a porta, a minha dispensa clara, mas não sem um
ataque de despedida.
— Lara, você ainda quer a recomendação do FBI?
— É claro.
— Então encontre alguma maldita evidência.
Ian

2ª semana: quarta-feira à tarde

Vanessa Lewis é a cara da Beyoncé, tem a confiança para combinar


e, portanto, é a mulher mais gostosa que eu conheço.
E uma que nunca vou paquerar.
Por quê? Primeiro porque não se flerta com sua advogada. Até
eu sei disso.
Além disso, ela não é quem eu quero.
— Ian. Você está ouvindo?
Paro de tamborilar meus dedos contra a madeira de mogno da
minha mesa quando percebo que a estive encarando o tempo todo
em que ela falava. É o nosso segundo encontro. O da segunda-feira
foi para cuidar da logística – discutir sua taxa, assinar seu
adiantamento, etc. Esta reunião é sobre o meu caso, e eu… não
estou prestando atenção.
— Desculpe.
Eu me sento mais reto.
— O quê?
Seus olhos castanhos se estreitam um pouco, os lábios carnudos
se franzem enquanto ela se senta na cadeira do outro lado da mesa
e me analisa.
— Ian — ela finalmente diz. — O que você sabe sobre mim?
— Hum…
Meu cérebro se embaralha. Esta é uma pergunta capciosa?
Parece.
— Por que você acha que peguei o seu caso? — ela corrige,
claramente lendo meu pânico.
Relaxo. Eu sei essa.
— Porque você acredita que sou inocente.
É a outra razão pela qual estou muito impressionado com a
mulher. Além de ter um histórico quase impecável, ela tem algo mais
raro do que seu título jurídico: integridade.
É uma peculiaridade interessante que lhe rendeu desprezo e
admiração.
Estou na última categoria.
Ser inocentado de todas as alegações obviamente é a minha
principal prioridade, mas não quero estar nas mãos de uma cobra
que não se importa de forma alguma se sou um babaca criminoso.
— Realmente acredito que você seja inocente — Vanessa
concorda, trazendo minha atenção de volta para ela. — E estou feliz
por ter sido capaz de assumir o seu caso. Mas assim como espero
que meus clientes sejam honestos comigo, acredito que devo ser
honesta com eles.
— E?
— Seu caso não parece bom, Ian.
Fico tenso, meus dedos retomando suas batidas na mesa.
— Você já sabe disso?
Ela levanta um ombro.
— Tenho mais pesquisas para fazer, é claro. Mas aqui está o que
está me incomodando: normalmente, quando a SEC recebe algum
tipo de denúncia sobre informações privilegiadas, eles lançam uma
investigação informal para verificar sua fonte e determinar a
potencial legitimidade da acusação. Que eles têm. Mas até agora,
eu vi o que eles viram nos arquivos e não há muito ali. Não há
nenhuma conexão entre você e a J-Conn que eu tenha encontrado,
o que significa que eles também não encontraram.
Tento acompanhar.
— Isso não é uma coisa boa?
Ela balança a cabeça.
— Nem um pouco. Com a falta de provas concretas que estou
vendo, Lara McKenzie já deveria ter feito as malas. Em vez disso,
ela ainda está acampada naquela sala de conferências revirando
papéis.
— O que significa…?
— Seja qual for a denúncia que eles receberam, qualquer
evidência que eles acham que podem encontrar, eles têm certeza
de que podem ganhar com isso — ela responde com naturalidade.
Merda.
— E eu também não amo o fato de que seja Lara McKenzie
trabalhando no seu caso — Vanessa continua. — Ela parece um
cordeiro, mas pensa como uma raposa. Quais são suas impressões
sobre ela?
Inferno. Não posso dizer a verdade – que Lara e seus óculos
quentes estão em um loop em minhas fantasias mais sujas. Abaixo,
acima de mim, na minha frente, curvada sobre a minha mesa…
Mas também não posso mentir para ela. Ou melhor, eu poderia,
mas Vanessa deixou claro em nosso primeiro encontro que se
descobrisse que eu estava mentindo, ela largaria meu caso mais
rápido do que largaria uma ostra ruim. Palavras dela.
— Ela parece ser previsível — esquivo. — Seguir as regras.
Vanessa assente.
— É precisamente por isso que ela é tão boa e, temo, é
exatamente o motivo pelo qual a colocaram no seu caso. A
reputação de McKenzie é quase tão boa quanto a minha. Ela não
faz jogadas de efeitos, não se gaba. Ela reúne e enumera fatos, e
os juízes a amam por isso.
— Ela não pode enumerar fatos que não tem. Só se estiver
inventando…
— Ok, mais uma vez — Vanessa pede, seu tom mudando para
reconfortante —, precisamos descobrir por que você está na mira
deles. Eles estão aqui porque receberam uma denúncia, mas não
sabemos quem está te acusando de negociar informações
privilegiadas, ou o motivo.
— Eu já te disse.
— Eu sei, eu sei, nenhum inimigo mortal, nenhum arquirrival
querendo te derrubar — ela interrompe. — Mas olhe, Ian, isso não é
um filme. A pessoa por trás disso não estará à espreita em sua
visão periférica fazendo ameaças abertas com uma risada sinistra.
A resposta estará nas sutilezas.
— Eu não faço sutilezas — declaro com honestidade. — Em
nada.
Ela me surpreende rindo.
— Foi o que ouvi. Mas é hora de começar, pelo menos para isso.
Vanessa se levanta e empurra um bloco sobre a mesa para mim.
— Quero que você faça uma lista de todas as pessoas com
quem cruzou no ano passado. Caramba, faça nossa lista dos
últimos dois anos. Qualquer um que possa estar com ciúmes,
ressentido, chateado, escreva seu nome. Não desconsidere as
pessoas que você acha que são amigas. Anote qualquer um com
quem você brindou e tomou um whisky.
— Eu não bebo whisky — murmuro.
— Negronis, então, tanto faz.
Olho para cima, surpreso que ela saiba minha bebida favorita.
Ela levanta as sobrancelhas.
— Eu disse que faria minha lição de casa. Se quisermos ganhar
essa coisa, vou precisar aprender cada pequeno detalhe sobre
você. Preciso saber cada segredo, cada marca de nascença em
suas bolas…
Ergo meu dedo.
— Não tenha uma dessas.
Tenho certeza disso.
Ela bate uma unha pintada de coral no bloco de notas.
— Nomes, Ian. Anote-os e faça isso hoje. O tempo está contra
nós aqui. A persistência é a prova de que estão determinados a
transformar isso em uma investigação formal e, se o fizerem, nossas
chances de ganhar serão reduzidas.
Engulo em seco, muito menos confiante agora do que no início
da reunião.
Ela se levanta e me dá um aceno superficial.
— Entrarei em contato — ela avisa, digitando algo em seu
celular.
Pego uma caneta, o aparelho já colado no ouvido.
Girando minha cadeira, eu me viro para observar a tarde
nublada, batendo a caneta contra o bloco. Eu sei que deveria estar
pensando em mim, tentando descobrir quem pode estar querendo
me derrubar, mas não consigo parar de pensar em como Lara e eu
estamos procurando exatamente a mesma coisa: o que diabos está
me ligando à J-Conn.
A ironia é que eu não tenho a mínima ideia.
Acabei de começar o processo de nomear todos os idiotas em
Wall Street quando Matt entra no meu escritório sem bater.
— Como foi com a advogada?
Olho para cima, grato pela distração.
— A boa notícia é que ela acredita que sou inocente.
— E a ruim?
Deixo a caneta cair e passo as mãos pelo meu cabelo.
— A SEC ainda não acredita.
Ele resmunga e cai na cadeira à minha frente.
— Ainda temos certeza de que é a J-Conn que eles estão
farejando?
Dou de ombros.
— Lara meio que confirmou isso.
Suas sobrancelhas sobem.
— Lara?
— A Srta. McKenzie. Tanto faz.
Agito minha mão no ar.
— Precisamos descobrir quem mentiria para a SEC sobre mim e
o porquê.
Matt observa o bloco na minha mesa.
— Essa é a sua lista?
— O começo. Você tem alguém?
— Foda-se a lista. É um tiro no escuro. Se você quer saber quem
entrou em contato com a SEC, precisa ir direto à fonte.
Balanço minha cabeça.
— Eu já tentei isso, lembra? Ela não vai dizer merda nenhuma.
— Isso foi na semana passada. Tente de novo.
— O que você quer que eu faça, interrogue ela?
— O que for preciso, cara. Seu charme não funcionou antes,
então use seu outro ás na manga.
— Sou melhor com o ás nas minhas calças.
Ele revira os olhos.
— O que quis dizer foi para cansá-la. Em todo o resto, você é
implacável em conseguir o que quer, mas está pegando leve com
ela. Por quê?
Fito o bloco de notas. Ele tem razão. Odeio que ele esteja certo.
Odeio ainda mais não ter uma resposta para ele. Não uma que eu
esteja pronto para admitir em voz alta, de qualquer maneira.
— Ela não está pegando leve com você — Matt observa
baixinho. — Ela te seguiu no outro dia para obter as informações
que desejava.
— E?
— Então talvez seja hora dela provar um pouco do próprio
remédio.
Lara

2ª semana: sexta-feira à noite

Minha melhor amiga tem várias boas qualidades, algumas aptidões


bem úteis.
Suas habilidades casamenteiras?
Não estão entre as suas virtudes.
Puxo meu celular da bolsa e verifico a hora novamente. 19h20.
Ou meu encontro às cegas está vinte minutos atrasado, ou ele
está me dando o cano.
E acho que não saber o que é pior diz muito sobre mim: a
perspectiva de estar um encontro ruim ou de não ter nenhum
encontro.
Minha vida amorosa não é bem o que você chamaria de bem-
sucedida. Meu relacionamento mais longo foi no ano passado;
durou cinco meses e terminou com tanta emoção quanto começou,
o que não quer dizer muito.
Vamos apenas dizer que a vida como agente da SEC não parece
despertar muita química na frente romântica. Mesmo quando
consigo tirar o trabalho da cabeça, acho que os homens sentem o
cheiro de workaholic em mim.
O que percebi é que os caras querem a garota festeira divertida
ou a garota flexível e casável. Não sou nenhuma delas. Nem tenho
certeza se sou a “mulher de carreira gostosa”, porque até ela
deveria saber como relaxar no final da noite e, bem… não é uma
habilidade que domino.
Na maioria das vezes, estou bem com isso. Aprendi que, nesta
fase da minha vida, posso me concentrar na minha carreira ou nos
homens, mas não nos dois.
É só lembrar das minhas orquídeas mortas.
Eu me encolho, ainda odiando ter deixado o ataque de Ian me
atingir no outro dia. São flores, pelo amor de Deus. É só que… se
não posso manter uma flor viva, como é que vou descobrir como
fazer um relacionamento funcionar a longo prazo?
Um garçom se aproxima, e estou grata por ele ter aperfeiçoado
seu olhar sem julgamentos enquanto eu me sento sozinha em uma
mesa posta para dois.
— Quer algo do bar enquanto espera?
Sorrio, grata por nós dois estarmos fingindo que não é a segunda
vez que ele pergunta.
— Sim, por favor.
Qualquer coisa.
— Vou tomar uma taça de vinho branco. Um vinho refrescante,
não muito doce. Surpreenda-me.
Ele balança a cabeça.
— Sei exatamente o que trazer.
Se for alcoólico, tenho certeza de que vai ficar tudo bem.
Envio uma mensagem para Gabby. Nenhum sinal do seu cara. Ele
disse alguma coisa?
Ela responde na hora. Merda! Sério? Não, vou mandar uma
mensagem para ele.
O garçom deixa meu vinho e eu sorrio em agradecimento quando
outra mensagem de texto chega, dessa vez da minha mãe.
Ei, querida, pode conversar por telefone amanhã? Desculpe eu tenho
estado tão ocupada.
Tranquilo.
Envio uma mensagem de volta.
Também tem estado corrido aqui. Pode ser na hora do almoço?
Tenho um almoço de trabalho com a minha equipe. Que tal às cinco? Te
ligo.
Às cinco está ótimo.
Na verdade, talvez eu não consiga às cinco. Pode ser às sete?
Tomo um gole de vinho e tento não deixar me machucar o fato de
que minha mãe de cinquenta e poucos anos tenha uma agenda
mais ocupada do que a minha.
Claro.
Perfeito. Como estão as coisas?
Ai, Deus; como estão as coisas? Vamos recapitular…
Estou no primeiro encontro que tive em meses — sozinha.
Estou o mais próximo que já estive do FBI, mas o caso que
deveria colocar meu pé na porta do Quântico é inviável porque não
consigo encontrar uma única evidência – depois de quase duas
semanas procurando.
E eu mato flores por hobby.
Envio uma mensagem de volta:
Tudo ótimo!
Respiro fundo, me sentindo um pouco culpada pela mentira, mas
sabendo que mesmo que eu contasse tudo, minha mãe não saberia
o que fazer com a informação. Amo a minha mãe – adoro os meus
pais – mas eles não são o tipo de pais que acreditam em ser os
melhores amigos dos filhos. O que está tudo bem, apenas…
Gostaria que eles tivessem notado que ninguém queria ser
minha melhor amiga. Quer dizer, eu tenho Gabby agora, mas, até
que eu tive a sorte de tê-la como colega de quarto, minha vida de
amizades era tão bem-sucedida quanto minha vida romântica.
As pessoas me respeitam, a maioria até gosta de mim. Só que
tudo é no nível superficial. Nunca sou aquela para quem as pessoas
ligam de madrugada com problemas relacionados a homens. E
como resultado, não tenho ninguém para ligar com meus problemas
relacionados a homens. Não que eu tenha tido um relacionamento
longo o suficiente para ter um problema com um cara…
Examino o salão outra vez, procurando pelo jovem que Gabby
descreveu. Cabelo castanho-avermelhado, lindo maxilar, óculos.
Não tão alto, mas também não estranhamente baixo.
Não vejo ninguém que corresponda a essa descrição.
Sabe quem eu vejo?
Ian Bradley.
A princípio acho que é um sonho. Desculpe, eu disse sonho?
Quis dizer pesadelo.
Isso não está acontecendo comigo. Eu não estou sentada
sozinha em uma mesa, claramente tomando um bolo, quando a
única pessoa que gostaria de nada mais do que me ver mal se
senta no bar para tomar um coquetel.
Ou isso é algum tipo de coincidência terrível, ou…
Ele me observa nesse momento, seu olhar colidindo com o meu
com um propósito tão deliberado que sei imediatamente que este
não é um encontro casual.
É vingança pela semana passada, quando eu o segui.
Fecho os olhos apenas por um momento, abrindo-os apenas
quando meu celular vibra com outra mensagem de texto. É Gabby.
Desculpe, querida. O patrão dele ofereceu bilhetes para os Yankees esta
noite. Ele é um grande fã de beisebol e esqueceu completamente do
encontro.
Fannntástico.
Estou mandando uma mensagem de volta quando uma sombra
aparece sobre a minha mesa. Preparada, olho para cima, mantendo
meu rosto sereno.
— Olá, Sr. Bradley.
Seus olhos passam por mim, depois pela mesa.
— Srta. McKenzie. Aproveitando sua noite?
— Bastante.
Seu sorriso malicioso chama meu blefe.
— O senhor veio jantar? — pergunto, minha voz nunca vacilando
em boas maneiras, mesmo quando a minha nuca está quente de
vergonha por ser pega em um momento vulnerável.
— Não, vim só tomar alguma coisa no meu caminho para casa.
— Aqui não é exatamente perto do seu apartamento ou
escritório.
O sorrisinho desaparece e seus olhos se estreitam.
— Como você sabe onde fica meu apartamento?
— Eu sei tudo — retruco, não vendo nenhuma razão para
esconder o fato de que sei quase todos os detalhes possíveis sobre
Ian que são de registro público.
— É? Como está indo essa coleta de evidências? — ele indaga,
sua voz enganosamente casual.
Não estou com vontade de jogar, então ignoro sua pergunta e
vou direto ao ponto.
— O senhor sabia que eu estaria aqui?
— Kate pode ter ouvido você marcando seu encontro — ele
responde indicando com um olhar a cadeira vazia.
Suspiro.
— Eu sabia. Isso é vingança pela semana passada.
— Vingança é uma palavra forte, Srta. McKenzie. Vamos apenas
chamar de lição.
— Sobre o que, perseguição?
— Você quer falar sobre perseguição? — ele questiona,
sentando na cadeira vazia na minha frente, seu olhar azul intenso.
— Tente ir a um almoço casual com sua amiga mais antiga,
querendo uma breve pausa da tempestade de merda que sua vida
se tornou, e a própria mulher que está causando essa tempestade
de merda te seguir.
Sinto uma pontada de culpa.
— Não é pessoal, Sr. Bradley.
— Besteira — ele retruca. — Esse momento parece pessoal para
você, quando você é quem está sendo seguida?
— Sim, mas o senhor…
— Invadi seu encontro? Sua vida? Parece pessoal, Srta.
McKenzie?
Ambos os nossos temperamentos estão fervendo e eu tomo um
gole de água para acalmar o meu.
— O senhor está tentando me fazer sentir culpada por fazer o
meu trabalho.
— Não, estou tentando te mostrar que o impacto do seu trabalho
não é tão limpo e impessoal como você finge ser.
— Tudo bem — concordo com serenidade. — Anotado.
— Você está dizendo isso porque se sente mal por se intrometer
no meu almoço no outro dia ou porque quer que eu vá embora?
— As duas coisas?
Ele me observa por um momento, então assente.
— Tudo bem, então. Desculpas aceitas.
— Não sei se foi um pedido de desculpas.
Suas sobrancelhas se erguem.
Suspiro.
— Ok, tudo bem. Lamento não ter saído do restaurante depois
de ver que o senhor estava lá por motivos pessoais. Agora o senhor
pode ir embora?
Ele me surpreende sorrindo.
— Não — ele dá uma piscadinha e pega minha taça de vinho,
levantando-a em questionamento. — O que estamos bebendo?
— Nós não estamos bebendo nada. Estou tomando uma taça de
vinho branco. O senhor está indo embora.
Ele olha para o relógio e toma um gole do vinho; o meu vinho.
— Sete e trinta e quatro. Seu encontro está quatro minutos
atrasado.
Na verdade, meu encontro estaria trinta e quatro minutos
atrasado, se ele estivesse vindo, mas não está.
É óbvio que não respondo isso. A última coisa que preciso é ser
um pouquinho vulnerável na frente de alguém que adoraria nada
mais do que me ver humilhada.
— Sim, tenho certeza de que ele estará aqui a qualquer minuto,
então se o senhor não se importa… — falo, balançando os dedos
em um movimento de enxotar.
Ian coloca minha taça de vinho na minha frente.
Tento não ceder de alívio por ele estar saindo, sua pequena
exibição terminada.
— Aproveite sua noite, Sr. Brad– espere, o que você está
fazendo? — pergunto em pânico enquanto ele pega o guardanapo
bem dobrado e o coloca em seu colo.
— Me juntando a você para o jantar.
— Mas–
— A pessoa por quem você espera não virá, Srta. McKenzie.
Agora, você tem incomodado minha assistente para conseguir
algum tempo na minha agenda, ou não?
— Sim, mas ela está jogando duro e não vai me colocar na sua
agenda até a próxima semana. Tenho algumas perguntas para as
quais preciso de respostas antes disso…
— Sobre a J-Conn, claro. E vou respondê-las, mas apenas se
você me der algo em troca.
Seu olhar cai para minha boca, apenas por um momento.
Estreito meus olhos.
— Eu não vou dormir com você.
Seu sorriso é lento e arrogante.
— Famosas últimas palavras. Mas, na verdade, esse não era o
meu objetivo. Estava pensando em uma pergunta por uma pergunta.
Para cada questão que eu responder, você tem que responder uma
das minhas.
— Não é assim que funciona, Sr. Bradley.
Ele dá de ombros e começa a colocar o guardanapo de volta na
mesa.
— Boa sorte para conseguir sua intimação, então, porque essa é
a única outra maneira…
— Tudo bem — aceito, um pouco desesperada. — Uma
pergunta por uma pergunta.
Ele sorri e põe o guardanapo de volta em seu colo.
— Perfeito. Só que o mais importante primeiro: vamos precisar
de mais bebidas.
Ian

2ª semana: sexta-feira à noite

Minha advogada vai me matar.


Tenho certeza de que quando os chefes me avisaram para
cooperar com a SEC, não era isso que eles queriam dizer.
Jantar em um aconchegante bistrô francês do East Village
também não é bem o que eu havia planejado. Caramba, eu nem
consigo me lembrar do meu plano. Tudo foi por água abaixo no
segundo em que entrei e vi Lara sentada sozinha, parecendo
vulnerável de forma tão inesperada que meu peito doeu.
Eu deveria ter me virado e saído pela porta da frente.
Em vez disso, o desejo completamente estranho de distraí-la do
constrangimento de ter levado um bolo havia se apoderado. Dei
meia hora para o cara aparecer e fazê-la sorrir.
Ele não apareceu.
Idiota.
Ou talvez eu seja o idiota. Porque enquanto Lara pode ser a dor
na minha bunda agora, mesmo quando quero esganá-la, posso
admitir que ela parece bem. Mais do que bem.
Seu cabelo está preso em seu rabo de cavalo usual, mas está
puxado para um lado para cair sobre o ombro – um ombro nu,
cortesia de um vestido sem alças que não é decotado o suficiente
para me torturar, mas é apertado o suficiente para me fazer imaginar
coisas que eu não deveria estar imaginando.
Um garçom vem em nossa direção.
— Posso pegar algo para você beber, senhor?
— Eu vou querer o que ela está tomando — digo, apontando
para o vinho.
— Muito bem. Devo colocar algum aperitivo ou estamos indo
com calma?
Lara abre a boca, mas eu a supero.
— Com certeza, indo com calma.
Ela revira os olhos quando o garçom dá um aceno respeitoso e
se afasta.
— Muito bem, senhor.
— Então — falo, me inclinando para frente. — Vou começar.
Quem você deveria encontrar hoje à noite?
— Acho que não — ela responde friamente, tomando um gole de
vinho. — Vou começar as perguntas. Você disse que não conhecia
Arnold Maverick. Tem certeza de que vocês dois nunca se
cruzaram?
— Sim, cem por cento de certeza. Eu não conhecia o homem.
Agora, este é um namorado que você estava planejando encontrar,
ou…
— Que tal um conhecido mútuo do Sr. Maverick? — ela
pressiona. — Alguém que vocês dois conheciam?
— Pergunta por pergunta, Srta. McKenzie. Este é o acordo.
Ela solta um suspiro frustrado, mas cede.
— Foi um encontro às cegas.
— Quem armou para você?
— Minha melhor amiga, Gabby. Ela pode ser um pouco…
insistente. Ela é uma namoradeira em série e não entende por que
também não sou.
— Mas você concordou.
Lara gira a haste da sua taça de vinho entre os dedos,
observando enquanto o líquido balança levemente de um lado para
o outro.
— Sim, já faz um tempo desde… — ela levanta a cabeça. —
Espere. Isso foi mais do que uma pergunta.
— Ops — sorrio.
Seus olhos se estreitam atrás dos óculos, e ela se inclina para
frente.
— Então você não conhecia Maverick. Mas você deve ter
conhecido alguém da J-Conn. Era uma empresa enorme e…
— Cristo, mulher, você é como um cachorro cercando o osso.
Ela me analisa.
— Se você não vai levar isso a sério, Sr. Bradley…
— Ninguém — explodo. — Não conheço uma maldita pessoa da
J-Conn, Srta. McKenzie. Eu não tinha nenhuma informação
privilegiada. Você pode acreditar em mim ou não, mas é a porra da
verdade.
Sento-me na cadeira, acenando em agradecimento enquanto o
garçom traz meu vinho e se afasta mais uma vez.
— Comida favorita.
Ela pisca.
— O quê?
— Qual é a sua comida favorita?
— Por que você quer saber isso?
— Jesus, você é teimosa. Tudo bem, por que a SEC?
Ela me analisa por um momento.
— Pizza.
Estou tentando tanto não olhar para o seu corpo naquele vestido
que demoro um momento para registrar que ela disse alguma coisa.
— O quê?
— A minha comida favorita é pizza. Como você conseguiu
Vanessa Lewis como sua advogada? — ela questiona.
Por meio segundo, fico tentado a me gabar – conseguir a melhor
advogada do ramo é uma vitória, ambos sabemos disso. Mas por
motivos que não tenho vontade de analisar, não quero me
vangloriar. Não desejo trabalhar contra Lara.
Quero que ela me veja como algo diferente da porra do caso.
— Charme? — digo, provocando, respondendo a sua pergunta.
— É preciso mais do que charme para ter alguém como a Srta.
Lewis do seu lado — Lara afirma, me observando atentamente.
— Tem toda a razão. Ela tem que acreditar que pode obter um
veredito de inocente. Porque você sabe tão bem quanto eu que
Vanessa Lewis só aceita clientes que ela sabe que são inocentes.
— Acha que são inocentes — ela corrige. — Então, se você não
conhecia ninguém na J-Conn, como teve sorte quando eles faliram?
Tecnicamente, não é a vez dela de fazer uma pergunta, mas
respondo de qualquer maneira porque é algo que ela precisa ouvir,
mesmo que não acredite em mim.
— Bom e velho instinto — afirmo. — Me incomodou que a J-
Conn estivesse escondendo um suposto grande anúncio por tanto
tempo. Todos os outros aceitaram as alegações de que estavam
lançando algum produto revolucionário pelo valor de face. Eu não.
Meu instinto me disse que eles não tinham o próximo Facebook ou
iPhone esperando nos bastidores, então vendi quando todos
compraram caro.
— Então, um pressentimento economizou milhões de dólares
para você e seus clientes — zomba ela, balançando a cabeça.
Ela toma outro gole de seu vinho e franze a testa quando vê que
o copo está quase vazio.
— Você não acredita em intuição?
— Eu acredito em fatos, Sr. Bradley. A intuição nada mais é do
que seu subconsciente lembrando de algo que sua consciência
esqueceu e atribuindo isso a alguma fonte externa.
Arrá. Eu a analiso por um momento conforme uma peça crucial
do quebra-cabeça de Lara McKenzie se encaixa no lugar. Tenho
abordado essa coisa como um jogo: vencedor, perdedor; caçador,
presa.
É diferente para Lara. É verdadeiro ou falso, certo ou errado.
— Por que você está me encarando assim? — ela se mexe com
desconforto.
— O mundo não é preto e branco, Srta. McKenzie.
— Talvez não para você — ela retruca.
E aí está, a raiz dessa bagunça: não vivemos no mesmo mundo.
Ou, pelo menos não o vemos através das mesmas lentes.
A percepção repentina de que as nossas realidades podem ser
incompatíveis parece… inaceitável.
O garçom se aproxima, interrompendo meus pensamentos.
— Outra taça de vinho, senhorita?
Ela me fita, e quando nossos olhos se encontram, algo se passa
entre nós – um reconhecimento silencioso de…
Caramba, eu não sei. Desejo? Querer que as coisas pudessem
ser diferentes?
— Sim, tudo bem — ela aceita lentamente. — Outra taça de
vinho.
Levanto a taça e tomo um gole para esconder meu sorriso
enquanto o garçom se afasta.
— Então, por que a SEC?
— Quanto tempo dura esse jogo?
— Cada um de nós faz mais uma pergunta depois que você
responder a esta.
Ela revira os olhos.
— Tudo bem. Estou na SEC porque isso me aproxima do meu
emprego dos sonhos.
— Que é…?
Ela aponta para mim e sorri.
— Essa é a sua última pergunta.
Dou de ombros.
— Ok.
Estou um pouco surpreso por realmente querer saber mais sobre
o que motiva essa mulher complexa que é movida por estrutura e
regras. Eu sei que não é dinheiro. A SEC paga uma merda.
— O FBI — ela responde.
Engasgo com minha bebida.
— O quê?
— Você perguntou qual é o meu emprego dos sonhos: é o FBI.
— Jesus — murmuro, enxugando meu rosto com o guardanapo.
— Estou começando a repensar este jantar…
Ela sorri.
— Não se preocupe. Não estive no Quântico. Ainda.
— É certo que essa não é minha área, mas como a SEC leva a
um emprego com o Departamento Federal de Investigação?
— Bem, especificamente, eu quero estar na divisão de colarinho
branco deles. Eles trabalham em estreita colaboração com a SEC,
então há muita sobreposição.
— Então por que fazer a transição?
Ela morde o lábio, então olha para cima.
— Meus pais são do FBI.
— Os dois? — pergunto, incapaz de esconder minha surpresa.
— Sim. Eu nasci e cresci em Washington. Ambos ainda vivem lá
e são ativos no departamento.
Caramba.
— Aposto que você não teve nenhum namorado enquanto
crescia.
Ela ergue um pouco a cabeça, e percebo que atingi um ponto
fraco. Merda. Geralmente sou mais gentil do que isso.
— Eu só quis dizer que deve ter sido intimidante — esclareço. —
Todo garoto que pega uma garota para o baile secretamente teme
que seu pai tenha uma arma. Ambos os seus pais tinham uma.
Ela me observa por cima da taça.
— E você?
— Eu o quê?
— Foi ao baile?
É a vez dela de atingir meu ponto fraco, e a minha vez de recuar.
— Não. Mas, você provavelmente já sabia disso.
— Na verdade, não. Minha pesquisa sobre seu passado se limita
a detalhes que podem ser pertinentes ao caso… familiares na J-
Conn.
— Então você sabe que eu não tenho familiares — digo,
tomando um bom gole de vinho.
— Sinto muito pelos seus pais — ela fala baixinho.
— Eh. Eu era jovem. Não me lembro muito deles.
— O que torna perdê-los em um acidente de carro muito mais
trágico — ela declara, inclinando-se para a frente.
— Esta é a parte do bom policial do seu número?
Ela se senta direito e me dá aquele olhar.
— Bom, Sr. Bradley. Ser um idiota é uma maneira consistente e
madura de lidar com a sua dor.
Mordo o interior da minha bochecha, odiando que ela esteja
certa. O humor mordaz é minha reação instintiva a referências à
minha infância – tanto a morte dos meus pais quanto o estigma sem
sentido que se seguiu de filho de criação.
— Convidei uma garota para o baile — confesso. — Ela disse
sim; os pais dela disseram não.
Merda. Por que fiz isso? Eu não contei isso a ninguém… nunca.
— Por que disseram não?
Uma resposta sarcástica quase rola da minha língua, mas eu a
reprimo, sentindo o mais estranho desejo de me… abrir. De ser
honesto. Quero que Lara me conheça como eu quero conhecê-la.
Então respondo diretamente, ainda que um pouco curto.
— Mesmo no bairro difícil em que cresci, eu ainda estava do lado
errado dos trilhos. Garotas legais não iam a bailes com crianças de
criação do estacionamento de trailers — forço um sorriso. — Mas
olhe para mim agora, e tudo isso.
Ela sorri de volta, mas seu sorriso é fraco, e seu olhar atento me
faz pensar que ela vê algo em mim que ninguém mais consegue
enxergar – nem mesmo a Sabrina.
— Levei um bolo esta noite — confessa ela depois de um longo
momento de silêncio.
— Eu sei.
Ela estremece.
— Você sabia o tempo todo?
— Eu juntei as peças. Ele é um idiota.
— Não.
Ela dá outro daqueles sorrisos leves e termina o reto do vinho.
— É apenas um fã de beisebol.
— Mets ou Yankees?
— Yankees.
— Viu? — digo, abrindo minhas mãos. — Você está melhor sem
ele.
— Você é fã do Mets?
— O quê? Isso não estava no meu arquivo? — provoco.
— Muitas coisas não estavam em seu arquivo.
— Tais como…?
Ela hesita.
— A mulher com quem eu te vi no almoço…
— Sabrina Cross, amiga da Filadélfia.
— Vocês são… próximos?
Eu me inclino para ela com um sorriso lento.
— Isso é uma curiosidade profissional de trabalho ou algo mais,
Srta. McKenzie?
Sua única resposta é abrir o menu e encará-lo, que é a resposta
mais reveladora de todas.
É óbvio que não sou o único em guerra com uma atração
proibida e indesejada aqui.
Estou dividido entre arrependimento e alívio, porque ela é SEC e
eu sou Wall Street – somos tão compatíveis quanto um lobo e um
cordeiro.
Embora, juro que não sei quem é quem neste cenário.
Lara

3ª semana: sexta-feira de manhã

Estou ficando meio cega lendo e-mails chatos quando um


Frappuccino enorme aparece na minha frente.
Tenho que olhar duas vezes da bebida espumosa do Starbucks
para a pessoa entregando antes de registrar que ela trouxe para
mim.
Kate se senta na cadeira do lado oposto da mesa da sala de
reuniões, tomando um gole da sua própria bebida.
— É uma oferta de paz, Srta. McKenzie.
— Isso, ou diabetes em um copo de plástico — retruco, pegando
a bebida e apontando para o monte de chantili. — São raspas de
chocolate?
— Com certeza. E não finja que não quer. Ian entregou o jogo.
Minha cabeça se ergue, sem ter certeza se quero saber o que
Ian contou à sua assistente. Por um lado, espero que nada para que
eu possa manter alguma aparência de profissionalismo. Por outro,
quero saber se ele está tão desequilibrado depois do jantar da
semana passada quanto eu.
— Sobre o café? — Kate lembra, me dando um olhar curioso. —
Ele contou que trouxe um para você algumas semanas atrás.
— Oh. Certo. Certo.
Tomo um gole da bebida para tentar esconder meu
constrangimento. É ainda mais incrível desta vez. Fria, doce e
cafeinada.
— Você acha que esse é o gosto do céu? — indago, mais para
mim do que para ela.
Kate considera minha pergunta seriamente.
— Isso ou batatas fritas com queijo. Ou aquele lugar no Village
que faz sorvete com massa de biscoito.
— Ou um croissant muito bom. Do tipo que é amanteigado,
folhado por fora e macio por dentro.
Ela aponta o canudo na minha direção.
— Sim. Como eles têm em Paris.
Sinto uma pontada de anseio.
— Eu nunca fui, mas sim… posso imaginar.
Ela encolhe os ombros.
— Nova York também faz uma versão muito boa. Mas se você
gosta de croissants, precisa ir a Paris.
Tomo outro gole da bebida.
— Um dia.
Depois que eu entrar no FBI, trabalhar duro para subir na
hierarquia, ganhar tempo de férias e dinheiro suficiente para essa
viagem…
Kate toma um longo gole do canudo, as bochechas chupando
enquanto ela me observa.
— Sem Paris para você, hein? Você está com pouco tempo ou
dinheiro?
Solto uma pequena risada com sua franqueza.
— As duas coisas. E você certamente não mede palavras.
— Nem tanto. Cinco anos cuidando dos meus meninos — ela
aponta para o escritório — evaporou qualquer gama de tato que já
tive, o que não era muito.
— Eles mandaram você aqui?
Ela coloca o copo na mesa, empurrando para frente e para trás
entre as mãos.
— Pode ter sido sugerido que você pode estar mais propensa a
baixar a guarda perto de uma mulher.
— Hum, certo. Porque tudo o que nós, garotas, secretamente
queremos fazer é consumir chocolate e fofocar sobre garotos.
Ela ri.
— Foi exatamente o que eu disse a Kennedy, que nos insultou
com a sugestão. Mas já que ele pagou por essas bebidas a seis
dólares cada, respondi que conseguiria a fofoca.
— Que não vou te contar — aviso, sorrindo para suavizar.
— Não, eu sei. Mas vou sentar aqui por um segundo de qualquer
maneira. — ela se recosta na cadeira. — Eu só… — ela respira
fundo. — Você já precisou de uma pausa? Como se tivesse a
sensação de que vive para o trabalho, apenas para acordar e
perceber que mal está vivendo?
Não até recentemente. Não até Ian.
O pensamento é tão estranho, tão fora do comum, que pisco
surpresa. Sem dúvidas, não deixei um cara que conheço há menos
de três semanas ficar sob minha pele.
— Você não gosta do seu trabalho? — indago, para evitar falar
algo que não deveria.
— Não, eu adoro. Não consigo pensar em nada que preferiria
fazer mais. É só — ela apunhala o canudo no líquido congelado —,
solitário, eu acho.
— Sem namorado? Namorada? — pergunto, não querendo
presumir.
— Não — ela responde isso com uma vozinha cortada que me
diz que há mais à história.
— Alguém em quem você está interessada? — questiono.
Mantenho a pergunta casual, embora já tenha uma boa ideia de
quem está segurando um pedaço do coração de Kate Henley. A
questão é se ela mesmo sabe.
Seus olhos sombreiam por um segundo. Ah, sim, ela sabe. Mas,
em vez de responder à minha pergunta, ela desvia o olhar para
mim.
— E você? Envolvida com alguém?
— Não — envolvo meus lábios ao redor do meu canudo.
Ela me analisa.
— Ian é um cara legal, sabe.
Engasgo um pouco com o Frappuccino.
— O que o Sr. Bradley tem a ver com a minha vida amorosa?
— Nada — ela responde, os olhos arregalados e inocentes.
Sinto um momento de pânico com o meu erro, então vejo seu
leve sorriso.
Fui pega.
— Você gosta dele — declara ela com um sorriso provocante
enquanto mastiga seu canudo. — Há rumores de que você e Ian
tiveram uma “reunião” na sexta-feira passada depois do expediente.
Ela adiciona aspas no ar em torno da “reunião” para dar ênfase.
— Discutimos o caso dele, sim — confirmo, a profissional em
mim guerreando de forma bastante desagradável com a parte
recém-descoberta que não quer nada mais do que interrogar Kate
em tudo o que há para saber sobre Ian… e não por razões que
tenham a ver com o caso.
Kate revira os olhos.
— Ceeerto. Vou fingir não notar que você está corando agora, e
que toda vez que está na minha mesa, você olha para o escritório
de Ian para ver se ele está lá dentro.
Ah, então é assim que vai ser.
— Perfeito — retruco. — E eu vou fingir não notar o jeito que
você observa Kennedy Dawson quando ele não está olhando.
Seus olhos se estreitam para mim.
— Cuidado aí, SEC.
Levanto meu copo em uma trégua.
— Chega de falar sobre homens?
Ela bate o copo dela contra o meu.
— Não até que o caso termine. Depois eu quero detalhes.
— Quando o caso terminar, talvez você me odeie — aviso com
pesar.
— Não. Eu já sei como tudo termina e tenho um bom
pressentimento que vamos ser amigas.
— Mesmo se eu mandar um dos seus chefes para a cadeia?
Espero que ela fique irritada ou chateada, mas ela apenas
balança a cabeça.
— Olha, eu conheço Ian há muito mais tempo do que você. Ele é
bom.
— Coração de ouro e tudo o mais? — indago com um sorriso.
— Sim — Kate concorda, seu tom mortalmente sério. — Você
sabia que ele organiza bolsas de estudos para crianças adotivas do
ensino médio? Ou que ele aluga parques temáticos inteiros para as
mais novas uma vez por ano?
Sento-me, um pouco atordoada.
— Não sabia.
— Ele pagou meu mestrado em administração de empresas.
Nem mesmo Matt e Kennedy sabem disso — ela solta um suspiro.
— Estou preocupada que você só tenha pesquisado a versão de Ian
que deseja ver; aquela que comprou um carro de que não precisa,
cuja agenda é mais grossa do que a Bíblia.
Eu me impeço de vacilar por fora, mas por dentro, me sinto uma
idiota. Uma idiota por supor que só porque Ian ganha muito dinheiro,
tem aquela aparência e flerta do jeito que faz, que ele não tem
essência.
De certa forma, porém, saber a verdade torna as coisas piores.
Depois do nosso jantar espontâneo há uma semana, passei muito
tempo me perguntando “e se”.
E se eu não o estivesse investigando? E se ele fosse inocente?
— Srta. Henley… — paro, não tenho certeza do que quero dizer.
Não tenho certeza de mais nada.
Ela me dá um olhar compreensivo.
— Que tal você me chamar de Kate, eu te chamar de Lara e
você ouvir com muita atenção quando te digo que Ian é a última
pessoa que iria ser bem-sucedido trapaceando. Este trabalho é toda
a sua identidade – este mundo, as longas horas, o ritmo acelerado,
as festas, o dinheiro, tudo isso. É tudo o que ele sempre quis, e eu
sei que ele não colocaria tudo isso em risco pegando um atalho.
Nunca.
— Você se preocupa com ele — afirmo baixinho.
Kate dá de ombros e se levanta, terminando sua bebida e
jogando no lixo.
— É claro. Mas, o mais importante, eu o respeito. Ele é um dos
bons — ela aponta um dedo. — Coloque isso no seu relatório
semanal.
Eu me sinto estranhamente arrependida depois que ela sai,
como se a sala estivesse muito quieta, meus pensamentos muito
altos. Eu me pego desejando que Kate pudesse estar certa – que
pudéssemos ser amigas depois que isso acabe.
Chega um e-mail de Steve, e abro sem entusiasmo, imaginando
que será mais um pedido de provas que não encontrei ou
informações que nem tenho certeza de que existem.
O e-mail não é o que eu esperava.
L-
Você verificou a rede social re: caso Bradley?
-S
Coloco minha bebida de lado e aperto “Responder”.
Trabalhando nisso. A maioria dos meus principais participantes não
está nas redes sociais. Está sendo devagar.
Sua resposta é imediata.
Outra dica acabou de chegar. Verônica Sperry.
— Isso é ótimo, chefe. Não seja enigmático nem nada —
murmuro.
Coloco o nome dela no Google, endireitando um pouco quando
seu perfil no LinkedIn indica que atualmente é uma consultora de
tecnologia, mas que costumava ser gerente de projetos sênior na J-
Conn.
Lembrando-me do aviso de rede social de Steve, eu a procuro no
Facebook, revirando um pouco os olhos quando vejo que sua conta
tem zero configurações de privacidade configuradas. Não entendo
como as pessoas podem deixar cada uma das suas fotos pessoais
abertas para qualquer pervertido curioso – ou agente intrometido da
SEC.
Por outro lado, se eu me parecesse com Veronica Sperry,
poderia pensar diferente. A mulher é linda: longos cabelos ruivos,
grandes olhos azuis e uma cintura pequenininha.
Clico em suas fotos, que são na maior parte uma coleção de
selfies de beicinho e noites cuidadosamente posadas com seu
esquadrão de garotas.
Então eu vejo.
Veronica está vestida para matar em um vestido preto justo em
uma festa glamourosa, a julgar pelos balões dourados ao fundo e a
taça de champanhe na mão. Mas não são os balões ou o
champanhe que me interessam. É o homem que ela está
abraçando.
Olho para a data da foto e meu estômago gela.
O mesmo homem que me afirmou na última sexta-feira que não
conhecia uma única pessoa da J-Conn enfiou a língua na garganta
de Veronica Sperry no mesmo mês em que vendeu suas ações da
J-Conn.
Atordoada, caio para trás na minha cadeira e tomo um gole do
meu café. Mas ele já não tem um gosto tão doce.
Ian

3ª Semana: sexta-feira à tarde

— Dave, eu faria qualquer coisa por você, mas não vou comprar o
Phillies.
— Mas eles estão à venda! — meu pai de criação berra ao
telefone. — E você tem dinheiro.
— Não tenho tanto dinheiro — retruco, girando na minha cadeira
e sacudindo minha caneta em meus dedos.
— Eles estão muito ruins este ano. Você provavelmente poderia
conseguir um acordo.
Sorrio com a esperança em sua voz. O cara realmente acha que
estou em condições de comprar seu time de beisebol favorito.
Mesmo que eu pudesse comprar um maldito time da Principal
Liga de Beisebol (o que não posso), ele sabe muito bem que sou um
cara do Mets agora. É um ponto de discussão bem-humorada entre
nós – ele está chateado por eu não ter permanecido leal ao meu
“time da casa”.
Meu posicionamento? Quanto menos laços entre minha vida na
Filadélfia e eu, melhor; Dave, algumas instituições de caridade e
Sabrina são as únicas exceções.
— Bem, pense nisso — Dave resmunga. — Como vai o caso?
Se eles te mandarem para a cadeia, você me avisa. Tenho alguns
caras que podem cuidar de você.
— Obrigado, mas não acredito que vai chegar a isso.
Espero.
— Você aceitou minha sugestão de seduzir a senhora agente?
Sorrio. Senhora agente. Eu me pergunto como Lara se sentiria
sobre o apelido.
— Tentei. Não deu certo. Porém, estou tentando limpar meu
nome à moda antiga — respondo.
— Contratando alguém para se livrar da testemunha?
Afasto o celular do ouvido e encaro o aparelho por um segundo.
— Eu não estou na máfia, Dave. Que tipos de filmes você tem
assistido?
— Bem, o que você quis dizer?
— Eu quis dizer que estou tentando descobrir quem está me
incriminando.
Ouço uma batida na porta do meu escritório aberta, me viro, e
paro surpreso quando vejo Lara parada ali.
— Ei, Dave, eu tenho que ir.
— Claro, claro. Mas pense nos Phillies, tá?
— Sim, farei isso — minto, porque sei que nunca vou conseguir
fazer com que ele desligue o telefone de outra forma.
Eu me levanto e guardo o celular de volta no bolso.
— Srta. McKenzie, o que posso–
— Você mentiu para mim — ela interrompe, os olhos em chamas
enquanto entra no meu escritório, batendo a porta.
Pisco, assustado com sua fúria. Pensei que estávamos em uma
posição melhor depois do nosso jantar improvisado na semana
passada, mas parece que estamos de volta onde começamos.
Não, estamos piores do que quando começamos, percebo
quando olho para a mulher furiosa na minha frente. Ela pode ter me
desprezado antes, mas seja o que for que ela esteja sentindo por
mim agora, vai muito além disso.
Bem, isso é bom demais para mim, porque também estou um
pouco irritado. Estou cansado dessa mulher agindo como se eu
fosse uma merda no sapato dela.
— Eu nunca menti para você — afirmo, cruzando os braços
enquanto ela para do outro lado da minha mesa e coloca um laptop
na minha frente.
— É mesmo? — ela retruca sarcasticamente, apontando para a
tela.
Apoio as duas mãos na minha mesa, me inclinando para ver o
que a deixou irritada.
Eu me reconheço na foto tirada em uma festa genérica que não
lembro, pegando uma mulher… bem, honestamente, também não
me lembro dela.
Olho de volta para Lara.
— Você está chateada que fui a uma festa… — relanço de volta
para a tela para verificar a data. — Quase um ano atrás?
— Eu não dou a mínima para a festa — ela declara, apontando
para o computador. — Eu me importo com o fato de você estar
beijando Veronica Sperry.
— Quem?
Seus olhos se estreitam.
— Fazer-se de idiota não combina com você.
— Bem, agir como idiota não combina com você — revido,
contornando minha mesa para ficar cara a cara com ela. — Eu não
tenho ideia de quem diabos é Veronica Sperry e por que você se
importa com isso.
— Veronica Sperry — ela explica em uma voz pouco contida —,
é uma ex-funcionária da J-Conn. Você me disse que não conhecia
ninguém de lá.
— Eu não a conheço! — grito, aproximando-me de seu rosto. —
Lamento não me lembrar na hora do rosto de todas as mulheres que
beijei em uma festa, provavelmente depois de alguns drinques —
gesticulo de volta para o computador. — E pelo que parece, ela
estava me beijando.
— Sim, você parece realmente vitimizado ali, Sr. Bradley.
— Aí está — declaro, levantando um dedo para apontar em seu
rosto. — Você não está chateada porque essa mulher é da J-Conn.
Você está chateada porque eu estou com as minhas mãos nela.
Sua boca se escancara.
— Com certeza não voltamos a isso. Você sabe que esse
machismo de achar que os homens são um presente de Deus para
as mulheres está ficando muito velho.
Eu me aproximo, então ela tem que inclinar a cabeça para trás
para encontrar meus olhos.
— Diga que você não está nem um pouco com ciúmes —
provoco. — Que você não se perguntou como seria estar no lugar
dela.
— Você está delirando.
— E você está caçando — retruco. — Eu mal me lembro da
festa. Mal me lembro da mulher!
— Uau. Ouvi dizer que você coleciona mulheres como troféus.
Não sabia que você não se incomodava em se lembrar delas.
Antes que eu possa pensar melhor, estendo a mão e a puxo para
perto.
— Eu nunca menti para você — repito. — Agora é a sua vez de
me dizer a verdade. Por que você está realmente irritada agora?
Porque acha de verdade que essa mulher me deu informações
privilegiadas sobre a J-Conn? Depois de fodidas semanas farejando
sem conseguir sua preciosa evidência, achei que ficaria empolgada.
Mas você não está, e sabe por quê? É porque esta foto é a prova de
que, enquanto alguns de nós estão curtindo nossas vidas, você está
muito ocupada colorindo dentro das linhas, julgando os outros e
vivendo uma concha solitária de vida.
Sua boca se escancara e eu me preparo para uma resposta mal-
humorada, mas em vez disso, ela pisca rapidamente, quase como
se estivesse tentando manter as lágrimas sob controle.
Eu poderia me desculpar – e deveria. Mas ainda estou muito
chateado, ainda muito frustrado com essa mulher e sua
determinação para me importunar. E para quê? Para um caso da
SEC que nós dois sabemos que é besteira?
Ela se afasta de mim e fecha seu laptop com calma, puxando-o
contra o peito.
— Acho que terminamos aqui.
— Até parece.
Estendo a mão outra vez, mas ela puxa de volta.
— Não — ela pede baixinho. — Por favor, não.
Eu a deixo ir, observando enquanto ela sai do meu escritório de
forma tranquila. Quero que ela bata a porta. Inferno, eu
provavelmente mereço. Mas ela apenas a fecha com um clique
silencioso ao sair.
Fico parado por um longo tempo depois que ela sai, respirando
fundo em um esforço para recuperar meu autocontrole.
Eu a acusei de estar com ciúmes, de querer minhas mãos nela,
mas a verdade é que sou eu quem a deseja. Eu que não quero nada
além de tirar aquele blazer esquisito, levantar aquela saia elegante e
ver se ela está tão molhada quanto eu estou duro por causa da
nossa briga.
Xingo e pego meu celular no bolso, mandando uma mensagem
para Matt e Kennedy para sairmos à noite.
Eu preciso ficar bêbado.
E preciso transar.
Lara

3ª semana: sexta-feira à noite

— Que tal esse? — questiono, segurando uma blusa azul.


Gabby ergue os olhos de onde está remexendo na minha
cômoda com uma mão e a taça de vinho na outra. Ela franze o
nariz.
— O que é isso? Um poncho?
— É uma blusa esvoaçante — explico, segurando-a contra mim e
olhando no espelho de corpo inteiro. — Combina com os meus
olhos.
— Perfeito, você pode usar na festa de aniversário da minha tia
na semana que vem e ela vai adorar, mas não vai usar hoje à noite.
Ela segura uma pequena camisola de alças.
— E quanto a isso?
— Você está na minha gaveta de pijama. Eu durmo com isso.
— Sim, e se usá-la esta noite, você não vai dormir sozinha — ela
argumenta, dando uma remexida sedutora na camisa.
— Nem todas somos modelos com a pele perfeita e firme —
retruco.
Tomo um gole do meu próprio vinho enquanto tiro um vestido do
armário.
— E esse? Cobre meus braços.
— Ah, então é perfeito para uma boate! — diz ela, com
sarcasmo.
Ela aponta para a cama.
— Sente. Você vai vestir o que eu te mandar vestir.
Faço o que ela pede, principalmente porque meus pensamentos
estão confusos demais para administrar até mesmo a simples tarefa
de encontrar uma roupa. Ela olha para minha taça de vinho quase
vazia e faz um barulho de tsc, então vai para a cozinha e volta com
a garrafa de Sauvignon Blanc.
— Tudo bem, qual é a situação do vestidinho preto? — ela
indaga depois que enche minha taça.
Suspiro e bebo o vinho.
— Há dois na extrema direita.
Ela os puxa para fora, então me dá um olhar exasperado.
— São vestidos de funeral.
— Não são! — protesto. — Bem, tudo bem, o da esquerda é.
Mas o de renda usei na festa de fim de ano no meu primeiro ano na-
— Querida, não. Quero dizer, fica bem em você porque parece
um vestido de festa do governo, com aquelas mangas compridas e
saia rodada, mas…
— Espere, tem um decote em V atrás!
— Não. Para ambos os vestidos — Gabs declara decisiva,
colocando-os de volta no armário. — Jackie O usava vestidos mais
reveladores do que isso e estou te levando para Pearl, o que
significa que você precisa mostrar um pouco de pele.
Gemo e coloco meu vinho na cômoda antes de me jogar de volta
na cama.
Ela me lança um olhar intrigado por cima do ombro.
— Sair hoje à noite foi sua ideia.
— Eu sei — respondo, colocando meus braços sobre meus olhos
para bloquear a luz fluorescente desagradável. — Mas estou
repensando.
— Bem, não faça isso — ela pede, vindo se sentar ao meu lado,
dando um tapinha no meu joelho. — Você teve um dia péssimo e
está certa em querer esquecê-lo.
— Você não estava lá — murmuro em meus braços, revivendo o
horror no escritório de Ian. — Eu me humilhei.
— Bem, pelo que você me contou, ele foi um idiota.
— Sim, mas ele estava certo — falo, deixando meus braços
caírem para os lados em exasperação. — Agi como uma namorada
estranha e ciumenta. Eu deveria ter feito minha lição de casa antes
de entrar lá. Primeiro deveria ter perguntado a essa mulher se ela
conhecia Ian.
Gabby me dá um sorriso solidário.
— Ela te retornou?
Encaro o teto e suspiro.
— Sim. Ela também não se lembrava daquela noite. Parece que
era o aniversário da melhor amiga dela e elas haviam tomado
martínis antes mesmo de chegar à festa. Mostrei a foto e ela disse:
“Gostoso. Quem é ele?”
— Então, ela não é a fonte dele — Gabby observa.
— Não.
— Você contou a ele?
Olho para ela.
— Não estava totalmente pronta para ouvir dele “eu te disse.”
— Bem, segunda-feira chegará logo para você ouvir isso — ela
afirma, batendo palmas e se levantando de novo.
Hoje à noite, nossa única programação envolve vodca e flerte.
— Para você é fácil dizer isso — murmuro.
Gabby é uma daquelas mulheres encantadoras sem esforço, que
faz com que todo homem se sinta o centro de seu universo quando
ela conversa com ele. Também não faz mal que ela tenha um metro
e setenta e nove, com proporções perfeitas e maçãs do rosto nas
quais você poderia cortar um bife.
Ela puxa uma calça jeans.
— Ela é apertada, certo?
Eu lhe dou um olhar cético.
— Sim.
Ela a arremessa no meu peito.
— Vista. Agora, onde está aquela blusa de tiras justas que você
às vezes usa?
— Acho que não possuo nada justo.
— Sim, você tem. Você costuma usá-la sob uma daquelas coisas
feias e quadradas.
— Um blazer?
— Não importa — ela acena com a mão. — É amarela e você
parece sensual nela.
— Você está pensando na minha segunda pele de seda amarela,
que definitivamente foi feita para ser usada sob alguma coisa.
— Não essa noite. Diga que não está na lavanderia.
— Não está — respondo.
Mas no segundo que ela tira a blusa do armário, gostaria de ter
mentido, porque de jeito nenhum vou usar isso em público. Tem
pequenas tiras bem finas e uma faixa de renda nas bainhas superior
e inferior. Não é necessariamente justa, mas com certeza é
decotada. Você não percebe tanto quando combinada com um
blazer e calça, mas…
— Vista. Agora.
Discutir é inútil quando ela está no modo mamãe galinha, então
faço o que ela manda. Abro meus braços para o lado e espero que
ela veja que eu estava certa.
Em vez disso, Gabby sorri.
— Perfeito. Quase.
Ela caminha em minha direção e puxa o elástico do meu cabelo.
— Sua cabeça não dói de usar todo esse cabelo preso em um
rabo pesado o tempo todo?
— Melhor do que tê-lo na minha cara.
— É a sua melhor característica — ela observa, ajeitando meu
cabelo um pouco. — Agora, vamos falar de sapatos. Ainda bem que
você passa todo esse tempo em escritórios corporativos
sofisticados: você tem quase tantos saltos altos quanto eu.
É verdade. Tenho uma boa variedade de saltos agulhas. Eu me
visto de forma conservadora, mas salto alto é uma área onde o sexy
e o casual de negócios podem se misturar bastante.
Ela escolhe um par de sandálias de tiras prateadas e, em
seguida, praticamente me joga em uma cadeira, onde aplica uma
maquiagem de olhos esfumaçados.
Gabby me vira para o espelho.
— E aí?
Enrugo meu nariz.
— Eu nem pareço comigo mesma.
— Claro que se parece. Você apenas não reconhece esta versão
porque ela parece querer se divertir.
— Eu me divirto — protesto.
Ela dá um tapinha na minha bochecha enquanto calça seus
próprios saltos plataforma.
— Não, querida, você não se diverte. Mas esta noite, você vai se
divertir.
Ian

3ª semana: sexta-feira à noite

— Me lembre de novo, por que estamos aqui? — Kennedy


pergunta.
— Porque queremos transar — Matt comenta. — Bem, eu quero
— ele corrige. — Você e Ian precisam.
É quase meia-noite de sexta-feira e, embora estejamos em uma
das minhas boates favoritas, eu… não consigo me empolgar.
Costumava vir aqui algumas vezes por semana, mas não saio
desde antes de conhecer Lara, e agora tudo parece errado, como
um terno que não serve mais.
Tomo outro gole da minha bebida, determinado a ter minha vida
de volta, onde as coisas não eram tão complicadas, onde uma certa
investigadora loira da SEC não tinha o poder de me machucar.
Cristo, é isso mesmo? Machucar?
Foda-se isso.
— Ele está certo — respondo a Kennedy, tomando o lado de
Matt. — Preciso de uma mulher.
— Sério? — Matt parece surpreso. — Porque eu tenho que te
dizer, você não parece um homem na caça.
— Mais como Heathcliff — Kennedy declara.
Matt e eu o encaramos, e ele suspira com desgosto.
— Esqueçam. Então, todos nós sabemos por que Ian precisa
transar – para superar a Ousada SEC. Por que eu preciso?
— Porque você é um pedante — Matt responde.
— Pedante? — Kennedy repete, as sobrancelhas levantadas.
— E aqui você pensou que seu vocabulário pretensioso nunca
iria nos influenciar — comento, batendo meu copo contra o de Matt
com um sorrisinho.
Kennedy revira os olhos e acena em direção à pista de dança
abaixo.
— Isso é realmente ótimo — diz com sarcasmo. — Que adulto de
trinta e quatro anos não gosta de ouvir música ensurdecedora e
horrível no escuro enquanto jovens de vinte e poucos anos se
esfregam um no outro?
— Ei, não é como se alguém estivesse fazendo você suportar
isso — Matt argumenta. — Estamos na seção VIP. Podemos apenas
fazer o que sempre fazíamos? Encontrar três mulheres gostosas e
esquecer nossos problemas por um tempo?
Eu quero. Meu Deus, como eu quero. Só preciso de uma noite
para esquecer que a vida despreocupada que desfrutava há apenas
um mês está se transformando em uma merda completa.
Se ao menos eu pudesse ficar um pouco animado com a
perspectiva.
Uma garçonete com sutiã de lantejoulas prateadas e saia curta
vem até nós.
— Outra rodada?
Ergo meu copo de coquetel vazio em confirmação de que aceito
outro sem tirar o olhar da cena abaixo. Reservar uma mesa significa
serviço de bar, então há Grey Goose e misturadores na mesa, mas
eu sou previsível o suficiente para a equipe saber que deve enviar
Negronis também.
— Então, qual é o nosso plano? — Matt pergunta, colocando os
dois braços em volta da cabine e me estudando.
Volto minha atenção das dançarinas para meu amigo. Vou dar
crédito a Matt. Ele está fazendo um trabalho muito bom agindo
como se esta fosse qualquer outra noite na cidade. As mangas da
sua camisa estão arregaçadas até o cotovelo, assim como as
minhas, a gravata afrouxada e o paletó há muito retirado. Ele está
tentando ser casual, mas não consegue porque seus olhos estão
cautelosos e vigilantes enquanto me analisa.
Ainda assim, pelo menos ele é melhor do que Kennedy, que nem
se preocupa com casual. O homem parece tão certinho à meia-noite
quanto ao meio-dia.
— Bem, nós nunca vamos chegar a lugar nenhum com ele
vestido assim — comento, apontando para Kennedy.
— Quero concordar, mas vimos muito do contrário — Matt
argumenta. — Uma das grandes questões da vida: por que as
mulheres curtem um nerd?
— Realmente — Kennedy concorda. — Quase tão
desconcertante quanto o porquê elas amam garotos prodígios.
Matt oferece o dedo do meio para Kennedy, então muda sua
atenção para mim.
— Tudo bem, desembuche. Diga o que realmente está te
incomodando para que possamos continuar com a nossa noite.
— Estou frustrado — admito, soltando um suspiro. — McKenzie
não tem merda nenhuma contra mim. Se tivesse, ela já teria
colocado as cartas na mesa, intensificado seu caso e trazido uma
intimação. Em vez disso, está apenas revirando papéis. É como se
ela estivesse tentando fabricar algo apenas por perseverança e
teimosia.
— Parece alguém que conheço — Kennedy murmura.
Dou-lhe um olhar e abro a boca para responder, mas Matt
interrompe.
— Você disse que ela está almejando o FBI, certo? Talvez este
caso seja decisivo para ela.
— Sim, talvez — medito.
— É por isso que você a fez chorar? — Kennedy pergunta. —
Kate disse…
— Eu não a fiz chorar — resmungo. — Olha, eu queria uma noite
fora para esquecer o que está acontecendo na minha vida, não para
relembrá-la. Agradeço a preocupação, mas não é o que preciso
agora. Ou me deixem em paz, ou vão embora.
Um momento de silêncio se estende sobre a mesa, e o pulsar
implacável da música não faz nada para aliviar a tensão.
No fim, Kennedy acena com a cabeça e bebe o resto da sua
bebida.
— Entendo.
Lanço-lhe um olhar cauteloso.
— Entende?
— Sim. Se estivesse no seu lugar, faria o mesmo. Bem, não isso
— ele declara, acenando para a cena ao nosso redor. — Mas
também estaria tentando manter alguma lembrança da minha vida
normal.
— Então você estaria em casa lendo algum livro terrível de
filosofia? — Matt questiona.
Kennedy dá um sorriso rápido.
— Vocês se importam?
— Vá — respondo, gesticulando com meu copo. — Eu preciso
transar e você só vai travar o meu jogo.
Kennedy se inclina para frente.
— Preocupado que eu possa pegar a garota?
Eu bufo.
— Saia daqui seu velho.
— Estou indo — avisa, empurrando seu copo vazio em direção
ao centro da mesa enquanto se levanta. — Vejo vocês na segunda-
feira. Tentem não ser presos ou mortos.
— Não posso prometer nada — grito depois da sua retirada. — E
você? — pergunto a Matt depois que Kennedy sai.
Ele estala os dedos e examina o espaço.
— Eu não vou te deixar sozinho em uma mesa para seis. Vamos
te arranjar alguma companhia feminina.
— Sou muito velho para precisar de um ajudante, cara. Além
disso, pensei que você também queria transar.
Ele me dá um sorriso lento.
— Quem disse que não vou?
Minhas sobrancelhas levantam.
— Você trabalha rápido.
Ele segura o iPhone.
— Mensagem de sexo.
— Alguém que eu conheça?
Matt termina o resto de sua bebida.
— Lynnae.
Resmungo. Lynnae Silverton é uma das muitas ex-namoradas do
tipo “pisque e você vai perdê-la” de Matt. Ela é mais quente do que
o inferno e duas vezes mais psicopata.
Ela também é a menor das minhas preocupações. Não consigo
administrar minha própria vida amorosa hoje em dia, muito menos a
dele, então aceno para ele ir.
— Vá.
Ele se levanta, mas hesita, passando a mão pelo pescoço.
— Ian, se você quiser…
— Estou bem — afirmo, encontrando seu olhar. — Sério.
E estou sendo sincero. O objetivo desta noite era escapar da
bagunça da minha vida. Preciso de uma pausa na constante super
análise, mesmo que meus amigos tenham boas intenções.
Matt me analisa por um momento de uma maneira perspicaz e
avaliativa que me lembra por que ele é tão bom em seu trabalho.
— Você está bem — afirma.
Jogo minhas mãos para cima.
— Foi o que acabei de dizer.
— Sim, mas eu sou o gênio — ele sorri, dando um tapinha no
meu ombro. — Significa mais quando digo isso.
Reviro os olhos enquanto ele ri e sai para ficar com a ex.
Alguns minutos depois, estou sozinho na minha mesa VIP. Em
qualquer outro momento, eu estaria em movimento, procurando uma
moça – ou três – para me fazer companhia; mas não estou com
pressa esta noite.
Pela primeira vez em semanas, sinto que tenho um momento de
solidão que não é realmente isso. E me dá um segundo para
recuperar o fôlego, uma pausa na enrolação, e ainda assim a
pulsação da música, as centenas de pessoas ao meu redor me
impedem de ficar sozinho com meus pensamentos.
Nunca fui muito de ficar sozinho. Tempo demais para me
debruçar sobre merdas que não deveriam ser pensadas. Mas gosto
ainda menos com a SEC colada na minha bunda. Meus
pensamentos estão igualmente divididos entre ir para a cadeia e
Lara McKenzie, e não tenho certeza de qual é o mais problemático.
Ainda mais que o último é quem deseja me colocar no primeiro.
Giro meu copo de coquetel preguiçosamente sem tomar um gole.
Vim aqui esta noite para ficar apagado e para transar, e também não
estou com vontade de fazer isso. Há algo em ter sua vida virada de
cabeça para baixo que faz você parar e analisar tal vida.
Honestamente? Não sei se gosto do que vejo. Não vou afirmar
que tenho arrependimentos, por assim dizer. É inútil insistir no que
você não pode mudar e, por princípio, ainda sou fã do lema trabalhe
duro, jogue duro.
Mas sempre achei que poderia aproveitar o quanto quisesse, até
não querer mais. Que eu teria uma chance para a esposa, filho e
férias na Disneylândia quando a hora parecesse certa.
Agora? Tenho um pouco de medo de não ter essa chance. Não,
a menos que eu possa convencer Lara de que, embora possa ser
um bastardo mulherengo, não sou um infrator da lei.
Merda.
Tomo outro gole da minha bebida e me viro para procurar a
garçonete e fechar a conta. Eu deveria estar em casa trabalhando
naquela maldita lista de pessoas que podem ter me incriminado, não
estar fingindo que tenho 24 anos sem nenhuma preocupação no
mundo.
O ambiente está mais cheio do que há alguns minutos e não vejo
minha garçonete através das bundas apertadas em vestidos
minúsculos e caras tentando discretamente fazer suas jogadas.
No mar de pernas femininas nuas, um par de jeans chama minha
atenção – tanto porque são pernas longas e muito bonitas, mas
também porque são incomuns. Jeans em uma boate? Talvez em
janeiro. Em uma noite de verão pegajosa, a maioria das mulheres
está usando saias curtas ou vestidos.
A mulher se levanta da mesa e meus olhos viajam dos saltos
sensuais até o azul escuro do jeans apertado, demorando em uma
incrível bunda. A blusa amarela é ao mesmo tempo justa e um
pouco formal, com as costas cruzadas e renda patricinha.
O cabelo é comprido, loiro e o rosto… Vamos, querida, vire-se.
A mulher atende meu comando silencioso, curvando-se para
pegar sua bolsa e virando para que eu possa ver seu perfil…
Cuspo minha bebida por toda a minha camisa.
Pior, é uma bebida vermelha em uma camisa branca.
— Caralho — rosno, limpando estupidamente a mancha, minha
mente rodando.
O que ela está fazendo aqui?
Pearl é possivelmente o último lugar em que eu esperaria ver
Lara McKenzie. Talvez não seja ela, apenas uma sósia.
Pelo visto, a garçonete decide ter pena de mim, porque um maço
de pequenos guardanapos quadrados é jogado na mesa à minha
frente.
— Obrigado — sussurro, pegando alguns e passando inutilmente
na mancha vermelha no meu peito.
— Ouvi dizer que água com gás funciona para manchas de vinho
tinto. Não tenho certeza com a coisa de ponche de frutas que tem
aí.
Minha mão fica imóvel. Essa não é a voz da garçonete.
Levanto minha cabeça, meu olhar colide com olhos azuis
familiares e meus medos são confirmados. Não é a garçonete. É
Lara.
— Não é ponche de frutas.
Meu tom é apenas um pouco infantil, mas não me importo. Isso
não é o que preciso agora.
Os olhos de Lara descem pela minha camisa e voltam para cima.
Suas sobrancelhas levantadas dizem tudo: parece ponche de frutas.
— É Negroni — explico, como se isso importasse no momento.
— Ah, certo — ela compreende. — Minha avó costumava beber
isso.
Fantástico, penso enquanto esfrego a camisa. Agora eu a
lembrei de sua avó duas vezes – primeiro com a orquídea, agora
com meu coquetel de escolha.
Olho para cima mais uma vez e Lara se foi. Estou dividido entre
a decepção e o alívio por ela não ter ficado por perto para
testemunhar mais da tragédia que a minha noite está se tornando.
Pego minha carteira, esperando ter dinheiro suficiente para pagar
por tudo, para que eu possa dar o fora dali sem ter que esperar que
a garçonete encontre o caminho de volta até mim.
— Caramba, isso é muito dinheiro — Lara comenta, voltando
para minha mesa.
Pisco surpreso, primeiro para o copo de líquido claro que está na
minha frente, depois para a mulher que desliza para dentro da mesa
à minha frente.
— Água com gás — Lara explica, acenando com o queixo para o
copo. — Vamos ver se funciona.
Eu lhe dou um olhar cético. Ela estende a mão sobre a mesa e
empurra o copo para mais perto.
Relutante, pego um guardanapo limpo, mergulho sem cerimônia
na água e esfrego minha camisa.
O resultado é um anel molhado ao redor da mancha vermelha
que desaparece… de forma alguma. Agora minha camisa está
vermelha e molhada.
Olho para cima e vejo que ela está segurando uma risada. Por
muito pouco.
Amasso o guardanapo em uma bola e o jogo por cima da mesa;
ela o afasta antes que atinja seu queixo, a risada escapando.
Não, não risada. Risadinha. A investigadora da SEC está dando
uma risadinha. E também não uma risadinha irritante e aguda de
garota. Apenas um som feminino de prazer… às minhas custas.
— Sinto muito — ela afirma, ainda sorrindo.
Levanto uma sobrancelha.
— Você sente?
Seu olhar cai para a mancha, então encontra o meu novamente.
— Na verdade, não. O quanto está incomodando você não
parecer tão perfeito agora?
Dou um largo sorriso
— Você está dizendo que pareço perfeito em outros momentos?
Seu sorriso desaparece e percebo que fui longe demais, fui muito
sedutor, especialmente depois da nossa discussão anterior.
— Eu devo ir embora — ela fala, fugindo em direção à borda da
cabine.
Estendo a mão para detê-la, quase tocando seu braço, mas não
encosto nela.
— Não, fique. Você pode apontar e rir. Até deixo você tirar fotos
— suavizo minha voz. — Só… não vá embora.
Ela hesita e meu estômago aperta com a percepção de que ela
vai se afastar.
Eu deveria estar acostumado com isso. A maior parte da minha
vida foi passada preparando para o momento em que sou enviado
para a próxima casa, ou me dizem que bolsistas não são bem-
vindos, ou que preciso de um patrocinador para entrar em qualquer
clube de merda que só aceita pessoas relacionadas aos
Rockefellers.
Pensei que havia me acostumado com isso – aquela rejeição ou
dispensa não tem mais o poder de me machucar como fazia com o
meu eu de nove anos, ou até mesmo o de dezenove anos.
Mas nunca quis – precisei – nada como desejei que ela ficasse.
Que ela também me desejasse.
Lara suspira e então joga sua bolsa no assento ao lado dela.
— Ok, vou ficar. Mas sem fotos — ela levanta um dedo de
advertência. — Eu não deveria ser vista com você em uma noite de
sexta-feira, e com certeza não deveria haver nenhuma evidência
fotográfica disso.
Aos poucos, o aperto no meu peito afrouxa e a tensão é
substituída por algo ainda mais perigoso. Limpo minha garganta
para esconder minha reação.
— Então, eu, hum… — ela respira fundo. — Eu te devo
desculpas.
Olho para cima, surpreso.
— O quê?
— Eu deveria ter feito minha pesquisa antes de irromper em seu
escritório hoje — ela explica, segurando meu olhar. — Primeiro
deveria ter contatado Veronica Sperry, visto se era mesmo uma
evidência válida. Verifiquei isso depois, e eu estava… errada. Ela
disse que estava bêbada e que nem se lembra daquela noite, muito
menos do beijo.
Sinto uma onda de esperança.
— Isso significa que você está abandonando o caso?
Ela hesita e eu murcho um pouco.
— Deixa pra lá — murmuro.
— Sr. Bradley…
Para mudar o assunto de qualquer questão da SEC que ela vai
me fornecer, aceno na direção da mesa em que ela estava, onde
uma mulher muito gostosa está conversando com um cara de
cabelo escuro.
— Seus amigos?
Ela observa por cima do ombro, seus olhos avaliando.
— Gabby. Aquele é o ex dela.
— Ah. Explica a conversa intensa — comento, notando a forma
como as mãos da mulher se movem furiosamente enquanto ela fala.
Mesmo do outro lado do salão, ambas as linguagens corporais
gritam questões inacabadas.
— Estou dando espaço para os dois. Eles namoraram por um
ano. Ela era louca por ele e achava que ele sentia o mesmo. Mas
ele recebeu uma oferta de emprego em Amsterdã e aceitou.
— Ela não foi com ele?
— Ela não foi convidada.
Eu a examino por um momento, tentando avaliar seu humor. Ela
parece nervosa, mas acho que não é por minha causa. Na verdade,
tenho a nítida sensação de que é a boate que a deixa assim e eu
sou o espaço seguro familiar no ambiente.
A teoria me agrada mais do que gostaria de admitir.
— Quer beber alguma coisa? — indago, apontando para as
garrafas de vodca e misturadores na mesa.
— Ah, eu não devo.
Pego um dos copos limpos e despejo um pouco de Grey Goose
nele, bem como uma colher de gelo que está derretendo
rapidamente do balde.
— Tônica? Água com gás?
— Sr. Bradley…
— Lara — interrompo, e seu olhar se choca com o meu ao usar
seu primeiro nome. — Tome uma bebida comigo — peço, minha voz
um pouco rouca.
Ela engole antes de olhar para a mesa de sua amiga.
Finalmente, suspira.
— Tônica. Por favor.
Encho o copo com a tônica e deslizo em sua direção. Ela olha
para cima.
— Você não está tomando nada?
— Só gosto de Negronis.
— Talvez você devesse reconsiderar — ela sugere, seu olhar
caindo para minha camisa. — Mudar para algo claro.
Finjo pensar sobre o assunto.
— Bom argumento.
Também faço uma vodca tônica, não porque particularmente
queira, mas porque quero que ela se sinta mais à vontade.
Levanto meu copo para um brinde.
— Para… Bem, inferno. Não sei se tenho uma maldita coisa na
minha vida para brindar agora.
— Isso não é verdade — ela fala com suavidade, colocando o
copo na mesa. — Você tem grandes amigos. Sua assistente
morreria por você. Você provavelmente ganha mais dinheiro em um
mês do que eu em toda a minha vida.
— E eu tenho a SEC apenas esperando para me tirar tudo —
digo, não para puni-la, mas para lembrá-la – para lembrar a nós dois
– quanto poder ela tem sobre minha vida.
— Sr. Bradley… — ela respira fundo. — Ian. Eu lhe disse desde
o início que, se você for culpado, encontrarei as provas. Mas se
você é inocente, também descobrirei isso.
Forço um sorriso.
— Quanto tempo você acha que vai levar até você desistir desse
se?
— Você está frustrado. Entendo isso. É um processo longo e há
muitas partes móveis. Muitas delas estão fora do meu controle.
Franzo a testa.
— E isso significa…?
Ela suspira e esfrega os dedos devagar pelo cabelo.
— Isso significa que este caso também está me desgastando. E
isso é tudo o que posso dizer sobre o assunto.
Sufoco o desejo de fazer o que costumo fazer: forçar até
conseguir o que quero.
É diferente com ela, e ainda não descobri como lidar com isso –
ou se quero.
Gesticulo para o cabelo dela para mudar de assunto.
— Você fica diferente com o cabelo solto. E sem os óculos.
Resisto à vontade de dizer que ela está gostosa pra caramba. Eu
tive muitos pensamentos obscenos imaginando como é a pele de
Lara McKenzie, e embora sua blusa seja modesta para os padrões
da boate, ver seus braços nus, ombros e uma quantidade sutil de
decote é o suficiente para eu saber que é tão suave quanto
imaginei. Seu cabelo também implora para que os dedos de um
homem se enredem nele, mas…
Sinto falta dos óculos. Não apenas porque são meu material de
fantasia favorito hoje em dia, mas porque são ela. Aposto qualquer
coisa que os óculos são a verdadeira Lara, e que essa versão de
brilho labial de olhos esfumaçados é sua maneira de tentar escapar
de si mesma, apenas por uma noite.
Assim como eu.
— Sim, eu sou uma Clark Kent normal — ela murmura.
Tomo um gole da minha bebida e tento não estremecer com a
doçura do tônico.
— Como é?
— Metrópole? Você sabe, Super-Homem? Os óculos de Clark
Kent sendo seu disfarce? — ela acena com a mão. — Esquece.
Então, você sempre compra garrafas de vodca para só para você?
— Não, Kennedy e Matt estavam aqui. Os dois fugiram de mim.
— Por quê?
— Eles se cansaram da minha companhia.
— Hum — Lara aponta atrás do meu ombro. — Há um grupo de
mulheres ali que tenho certeza de que não se importariam de tomar
o lugar deles. Ou o meu.
Não me viro. Não tiro meus olhos de Lara.
— Estou bem assim.
— Sentado em uma boate com uma investigadora da SEC?
Dou de ombros.
— Ela é um pé no saco, mas eu a acho um pouco interessante.
— Eu sei como é isso — ela diz, passando um dedo ao redor da
borda do seu copo em um gesto que não deveria ser erótico, mas
que faz meu corpo zumbir do mesmo jeito.
Quero que ela me toque assim.
— Você? — questiono, minha voz um pouco mais baixa do que o
normal.
Ela encontra meus olhos.
— Hipoteticamente, talvez eu saiba como é estar ciente de
alguém que está cem por cento fora dos limites.
— Parece complicado. Eu o conheço?
Lara toma um gole de sua bebida.
— Você conhece o tipo dele.
— Boa aparência? Bom na cama?
Ela ri.
— Mais como arrogante, teimoso e realmente acostumado a
conseguir o que quer.
Concordo.
— Ah, sim. Eu o conheço. Posso garantir que ele também é
bonito e incrível na cama.
Ela revira os olhos para a minha piscadela.
❴****❵
— Vou invocar a 5ª emenda no primeiro adjetivo e ignorar o
segundo completamente.
— Você não precisa — falo antes que eu possa pensar melhor.
A cabeça de Lara se levanta depressa.
— O quê?
— Olha, Lara…
Sinto a vontade mais irritante e desconhecida de afrouxar minha
gravata ainda mais. Não me lembro da última vez que fiquei tão
nervoso.
— Essa coisa com a gente, eu sei que é complicado.
Seus olhos estão arregalados de pânico.
— Não há nada com a gente. Não pode ter.
— Por que, droga? — estouro. — Poxa, quando tudo isso
acabar, não podemos…
— Porque você é você e eu sou eu — ela corta. — Mesmo sem a
investigação, somos incompatíveis. Você é a vida de todas as
festas, e não consigo nem manter uma flor viva.
A maldita orquídea de novo.
— Lara–
Antes que eu possa falar, cheiro uma onda de perfume doce e
então sinto braços envolverem meu pescoço.
— Ei, Ian, bebê. Faz um tempo que não te vejo por aí.
Viro a cabeça quando uma mulher que parece vagamente
familiar, mas cujo nome não tenho certeza já ter conhecido,
pressiona sua boca na minha.
Merda. Merda.
Puxo de volta.
— Oh, ei…
— Taya — ela lembra, enrolando uma mecha de cabelo em volta
do dedo e não parecendo nem um pouco perturbada por ter
acabado de beijar alguém que não se lembrava do seu nome.
Meu Deus. Essa era minha vida?
Olho para Lara, preparada para seu desgosto, mas ela
simplesmente parece resignada quando encontra meus olhos.
— Ponto provado.
Ela se levanta e minha garganta aperta em pânico frustrante.
— Espere, Lara… — Agarro seu pulso, mas erro.
E então ela se foi.
**** É o direito de não testemunhar contra si mesmo e de permanecer em silêncio.
Lara

3ª semana: sexta-feira à noite, mais tarde

— Lara! Droga, você pode esperar um segundo?


Com o canto do olho, vejo Ian jogar um maço de dinheiro na
mesa e dizer algo para Taya, mas já estou indo em direção à saída.
Tenho sorte. Há um enorme grupo entrando na seção VIP. Saio
pouco antes da multidão entrar, mas cerca de uma dúzia de clientes
bêbados bloqueiam Ian.
Você quer saber o que eu estava fazendo lá atrás?
Excelente pergunta.
Eu quero saber o que eu estava fazendo. Estive pensando isso
nos últimos vinte minutos.
Aqui está o que sei: quando olhei para a sala VIP bem a tempo
de ver Ian derramar uma bebida em si mesmo, me senti viva.
Pela primeira vez em muito tempo.
Não sei o que foi exatamente. Talvez apenas puro prazer que
alguém tão bonito não seja perfeito, no final das contas.
Ou talvez foi o fato de que depois de passar horas encarando
nomes e números em frente a uma tela de computador, eu
precisava do lembrete visceral de que estou lidando com pessoas
reais, no mundo real.
Disse a mim mesma que levaria apenas um segundo para me
desculpar pelo meu comportamento pouco profissional naquela
tarde em seu escritório, e então fui e superei isso com toda outra
camada de falta de profissionalismo.
Se meu chefe descobrisse… se qualquer pessoa descobrisse…
Adeus, FBI.
Nenhuma carta de recomendação de Steve, e eu teria que
esperar sabe-se lá quanto tempo por outra oportunidade como esta.
Não que eu esteja desejando que Ian seja culpado, muito pelo
contrário. É apenas…
Bem, estou toda confusa, caso você não tenha percebido.
Estou quase na porta quando dedos envolvem meu braço, me
puxando de volta. Perco um pouco o equilíbrio e bato desajeitada no
peito de Ian.
Ele me impede de tropeçar, mas o contato só me faz sentir mais
instável.
— Você está bem? — ele pergunta.
Maldito. Ele parece genuinamente preocupado e isso torna muito
mais difícil ir embora.
Quer dizer, não é como se eu quisesse ter um caso com o cara.
Não sou o tipo de garota que fica com homens como Ian.
Mas… Eu gosto dele. Gosto muito dele.
Ele me faz rir, me desafia e…
— Tenho que ir.
— Eu te ajudo a pegar um táxi.
— Merda — murmuro. — Não posso deixar a Gabby.
Pego meu celular e envio uma mensagem para ela.
— Vou te levar de volta à mesa dela — ele diz enquanto digito.
— Ou de volta para a minha. Mas também podemos conversar aqui.
Empurro seu peito em exasperação.
— Você não entende? Eu sou SEC. Você é suspeito de trocas de
informações privilegiadas. Não podemos fazer isso.
Sua outra mão sobe e pega meu outro cotovelo.
— Você não tem que amortecer o golpe, Lara. Se não quer ser
vista comigo por causa da mancha, pode apenas me dizer isso. Eu
aguento.
Sua voz é leve, provocante e uma risada borbulha antes que eu
possa pará-la, minha cabeça caindo para frente em derrota. Só que
ele está bem ali, então minha testa descansa em seu peito. Quero
puxar para trás, mas sua mão se move do meu braço, deslizando
sob meu cabelo para segurar a parte de trás do meu pescoço. Ele
aperta levemente, como se quisesse tirar um pouco da minha
tensão. E talvez ele possa, porque eu me deixo ficar parada, só por
um momento, e sei que é loucura, mas quando me afasto, me sinto
um pouco mais firme.
— Obrigada — minha garganta está seca; eu a limpo e tento
outra vez. — Obrigada.
Suas mãos caem.
— De nada.
Nossos olhares se encontram por um longo momento, e me pego
desejando tanto que as coisas pudessem ser diferentes. Que eu não
fosse SEC. Que ele não fosse Wall Street. Que não houvesse
investigação. Que os riscos não fossem minha carreira dos sonhos
do FBI versus sua carreira e reputação.
Gostaria que ele não fosse um mulherengo notório. Gostaria de
saber como flertar…
Meu celular vibra e olho para baixo. É Gabby me dizendo que
está indo para casa com seu ex, mas que eles não se importam em
dividir um táxi de volta ao apartamento para me deixar primeiro.
Ser a vela. Exatamente o que não preciso agora.
Respondo a para avisar que estou bem, que vou pegar um táxi.
Coloco meu celular de volta na bolsa e olho para Ian. Ele sorri,
mas é um sorriso triste, como se soubesse o que estou pensando e
entendesse. Porque ele sente o mesmo.
— Você está bem? — ele pergunta baixinho.
— Melhor, sim.
— Você acha que as pessoas vão nos reconhecer.
Ergo um ombro. Sim.
— Não diga mais nada.
Ian acena para minha bolsa.
Com relutância, eu a entrego.
— Posso ter uma caneta removedora de manchas aí dentro, mas
não vai fazer diferença na sua mancha.
— Você sabe, a maioria das mulheres traz uma dessas
pequenas bolsas estilo envelope para uma boate, não uma mala —
ele zomba, vasculhando minhas coisas.
— Bem, caso não fosse muito óbvio, não sou exatamente
experiente nesse lance de boate. O que você está fazendo? —
pergunto em pânico enquanto ele empurra um absorvente interno de
lado.
Ele pega meu estojo de óculos de sol e o balança para mim
enquanto entrega minha bolsa de volta.
— Se você está verificando se é de marca, garanto que é
falsificado — paro de falar de repente ao lhe dizer que alguns de
nós ganham um salário de cinco dígitos, não de sete, como ele.
Ele me ignora e abre o estojo, tirando os óculos escuros. Então
os coloca no meu rosto e sorri, claramente satisfeito consigo
mesmo.
— Pronto. Um disfarce.
Uso um dedo para puxar os óculos para baixo do meu nariz e
dar-lhe um olhar por cima deles.
— Sério? É quase uma da manhã.
— As pessoas vão pensar que você é famosa e vão se perguntar
quem é você.
— Fantástico. Porque eu realmente queria que me olhassem
mais.
Ele empurra o queixo em direção à minha bolsa.
— Então, sobre aquela caneta removedora de manchas…
Balanço minha cabeça.
— Sem chance. Mas se você tem vergonha…
Depois de uma rápida conferida para ver que estamos nas
sombras perto da saída de emergência e sem ninguém por perto, eu
me aproximo e abotoo o botão de cima da sua camisa.
Sim, isso mesmo. Estou ajeitando Ian Bradley.
Tento manter aquele ato casual, quase maternal e profissional.
Mas então meus dedos roçam sua garganta por acidente, e nós dois
temos que fingir que não percebemos. Ou, pelo menos eu finjo.
Talvez ele realmente não perceba.
Puxo seu lenço de bolso– porque sim, o homem está usando um
– e enfio a ponta na gola de sua camisa agora abotoada, para que
ele caia sobre seu peito em um ridículo quadrado diagonal.
Mencionei que o lenço de bolso é lavanda?
— Pronto — declaro.
Ele olha para baixo e passa a mão sobre a seda roxa.
— Isso é legal. Um visual realmente viril.
Concordo com a cabeça e empurro os óculos de sol de volta no
rosto.
— Como um babador para homem. Pena que você não estava
usando antes, para se proteger da bebida.
Ele me fita com expectativa.
— Tudo bem. Estamos disfarçados o suficiente para fugir daqui
❴*****❵
como Bonnie e Clyde ?
Eu quero. Muito. Mas…
— Ian.
Ele suspira.
— Estou emocionado por estarmos usando o primeiro nome,
mas não estou gostando desse tom.
Levanto minhas sobrancelhas.
— Você sequer conhece esse tom?
— Já ouvi falar dele uma vez. Rejeição, não é? Nunca aconteceu
comigo. Até agora.
Abro a boca, querendo lhe dizer que nunca me senti como ele
me faz sentir, mas nenhuma palavra sai. Não sei se sou inteligente
ou apenas covarde. Mas quando ele pressiona a ponta do polegar
suavemente contra meu lábio inferior, sei que sou uma tola.
Ele dá um sorriso rápido.
— Vamos. Vamos pegar um táxi para você ir para casa. Tenho
certeza de que sua amiga vai demorar um pouco.
Um momento depois, ele me conduz para o ar quente da noite.
— Como você sabia que o alarme não soaria? — questiono,
gesticulando para a porta de emergência.
— Eles desligaram há alguns meses. Muitos casais bêbados
tropeçando do lado de fora para dar uns amassos.
— Falando por experiência?
Ele dá uma piscadela.
— Você não gostaria de saber?
— Acho que já sei — resmungo.
— Vamos lá, Srta. McKenzie — ele provoca. — Não aprendemos
nada hoje sobre fazer suposições?
— Então quer dizer que você nunca saiu por aquela porta lateral
e ficou com essas garotas da boate? — questiono.
— Nah, eu fiquei — ele afirma, dando um passo em direção à
calçada e levantando a mão para chamar um táxi.
— Certo — murmuro, incapaz de disfarçar o mau humor.
— Se vale de alguma coisa — ele fala, sem olhar para mim
enquanto um táxi para na nossa frente. —, quando dermos uns
amassos, não será contra a parede de uma boate decadente. E com
certeza vou me lembrar do momento.
— O que você quer dizer com quando? — indago, encarando
seu perfil. — Eu te disse–
Ele coloca a mão na minha boca e abre a porta do táxi com a
outra.
— Onde você mora? — ele pergunta, tirando a mão da minha
boca para que eu possa responder.
Confusa demais para pensar com clareza, dou meu endereço,
que ele transmite ao motorista antes de me fazer sinal para entrar.
Tiro meus óculos escuros enquanto subo no banco de trás.
— Ian…
Ele coloca um dedo brincalhão contra meus lábios.
— Aqui é o Sr. Bradley para você. Por enquanto.
Ele dá uma piscadinha e fecha a porta.
Eu me viro quando o táxi se afasta do meio-fio e vejo quando ele
levanta o braço, chamando outro para si mesmo. Quando o carro
para ele se vira para mim e sorri, como se soubesse que estou
observando.
Ele desaparece de vista quando meu táxi faz uma curva à direita,
e eu caio para trás contra o banco, balançando a cabeça.
— Inacreditável.
Mas estou sorrindo.

***** Famoso casal de criminosos americanos da década de 30 que fugiu várias


vezes durante dois anos, antes de acabarem mortos em uma emboscada.
Ian

4ª semana: segunda-feira de manhã

Ergo a cabeça para a batida na minha porta e, embora ame Kate


Henley como uma irmã, sinto uma pontada de decepção por não ser
Lara. E porque ela é como uma irmã, Kate não deixa de chamar
minha atenção por isso.
— Eu vi isso — ela afirma, balançando um dedo para mim
enquanto entra no meu escritório. — Você ficou amuado.
— Eu não fico amuado.
— Geralmente, não. Pelo visto, apenas quando sua paixão não
está aqui.
— Esta conversa é opcional? — resmungo, voltando a olhar para
a tela do meu computador.
Ela se acomoda na cadeira à minha frente.
— Você está amuado e mal-humorado. Normalmente o Kennedy
é que é assim.
— Eu não estou mal-humorado.
— Um pouquinho — ela afirma, erguendo os dedos.
— Você sabe que posso te demitir, certo?
— Não sem o Matt e o Kennedy concordarem com isso — ela
sorri docemente enquanto cruza as pernas e se acomoda. — Agora,
conte tuuudo que está te incomodando para a Kate aqui. Problemas
de relacionamento?
— Vá embora.
— Ah, é isso mesmo — ela reflete, como se eu não tivesse
falado. — Você não tem relacionamentos.
Eu a encaro.
— Eu tenho relacionamentos.
— Hum, não. Matt às vezes tem. Você nunca. Acho que Kennedy
nem sabe namorar
Ela franze a testa.
— Isso é besteira. Já tive namoradas.
Uma. De certa forma.
— Você está falando da Anne? Isso foi há quatro anos. E durou,
o quê, duas semanas? Mal conta.
Ela encara suas unhas rosa pálido.
— Então, sobre Lara…
Meu olhar se aguça.
— Desde quando vocês duas se chamam pelo primeiro nome?
Você a tem chamado de “a SEC” há semanas.
Ela concorda com isso.
— Mantenha seus inimigos por perto e tudo mais. Além disso, ela
é uma das únicas mulheres neste lugar, e os ovários se unem aos
ovários.
— Não. Saia — ordeno, apontando para a porta.
Kate não se mexe.
— Você não pode estar pensando em seduzi-la.
Sento e me permito fazer a pergunta que esteve em minha
mente durante todo o fim de semana em voz alta.
— Por que não?
— Porque ela não é como uma das suas mulheres habituais —
Kate responde incrédula. — Ela não é uma garota festeira que
deseja uma transa rápida. Caramba, Ian, ela não está à procura de
sexo. Não com você. Não enquanto estiver te investigando.
Exatamente o que preciso, outra pessoa me lembrando que Lara
está fora dos meus limites.
— Havia algo que você precisava de mim ou você veio aqui só
para dar um sermão? — pergunto com um pouco mais de
intensidade do que o habitual.
— É o aniversário de Dave na próxima semana. Quer que eu
compre algo para ele? Uma TV extra?
— Não, veja se você consegue ingressos de temporada para os
Flyers. Os melhores lugares que puder encontrar.
— Achei que ele gostasse de beisebol — Kate comenta,
anotando em seu celular.
— Ele gosta de qualquer coisa que tenha gritos, cerveja e
lanches.
— Hóquei é isso — ela digita mais algumas vezes. — Também é
o aniversário da Lara na próxima semana — ela avisa, sem tirar os
olhos do celular.
Presto atenção.
— É?
Ela olha para cima e sorri.
— Não faço ideia. Só queria ver se eu estava certa sobre seu
interesse nela, e sem dúvidas estou. Convide-a para sair.
Fecho meus olhos.
— Kate. Você está me deixando zonzo. Você acabou de dizer
que eu não podia convidá-la para sair.
— Foi quando pensei que você só queria dormir com ela. Agora
sei que você gosta dela.
— Jesus — murmuro, passando as mãos pelo meu cabelo.
— Não é de admirar que você esteja rabugento — ela comenta,
inclinando-se para a frente. — Você já a beijou?
— Tchau, Kate — declaro, acenando para ela em direção à porta.
Ela me examina.
— Você já esteve em um encontro, Ian?
— É claro que estive em um encontro. Eu namoro o tempo todo.
— Sério? — ela se senta e cruza as pernas. — Quando e onde
foi o último encontro que você teve?
Repasso meus encontros recentes com mulheres mentalmente.
O último foi… bem, inferno. Agora que penso nisso, não transo há
semanas.
Isso não pode estar certo.
— E eu não estou falando sobre sexo — Kate continua, lendo
meus pensamentos, como costuma fazer. — Estou falando de
jantar. Bebidas. Conversa. Um encontro que não foi apenas um
trampolim para o sexo.
Penso. E penso. E percebo que talvez o mais próximo que
cheguei de algo remotamente parecido com um encontro em anos
aconteceu naquele restaurante com Lara depois que ela levou um
bolo. E outra vez na boate.
Olho para Kate.
— Você quer sair para jantar comigo?
Ela ri.
— Não. Eu não namoro meus chefes.
Isso com certeza é verdade. Kennedy, Matt e eu fizemos um
pacto anos atrás que Kate estava fora dos limites, no território de
irmãzinha. Não porque ela é muito mais nova do que nós, mas
porque a adoramos.
E nós três sabemos que ela merece mais do que qualquer um de
nós pode oferecer.
Ainda assim… Dou a ela um olhar brincalhão.
— Mas se você saísse com chefes, não seria comigo, seria?
Sua risada morre, e ela me lança um olhar de advertência.
— O que isso deveria significar?
Bem na hora, Kennedy entra no meu escritório, parando
brevemente quando vê a parte de trás da cabeça de Kate.
— Estou interrompendo?
— Sim, e graças a Deus por isso — ela afirma com um último
olhar de advertência para mim.
Kennedy caminha em direção à minha mesa, sentando-se ao
lado de Kate.
— Sobre o que estamos conversando?
Kate se inclina em direção a ele e sussurra em voz alta:
— Ian está tentando se lembrar da última vez que foi a um
encontro de verdade.
— Nunca — ele responde sem hesitar.
Kate assente.
— Exatamente.
— Pessoal, minha vida amorosa não está aberta para discussão.
— Você não tem uma vida amorosa — Kennedy zomba,
mexendo nos e-mails em seu celular.
— Bem, você também não — retruco, completamente sem
paciência com essa coisa toda.
Ele não tira os olhos do celular.
— Já tive relacionamentos.
Vejo Kate ficar um pouco tensa com este anúncio, embora
Kennedy não pareça notar. Como sempre, ele não parece notar
muito o que diz respeito a Kate. É como se tivesse um ponto cego.
Ele é ferozmente protetor com ela, – todos nós somos – mas
também a mantém à distância, quase como se fosse cauteloso com
ela. E isso a irrita, eu acho.
— Que relacionamentos? — questiono.
Ele dá de ombros.
— Eu namoro mulheres do meu círculo social.
A boca de Kate se escancara.
— Seu círculo social?
— Você sabe o que quero dizer — ele fala, ainda distraído com o
celular.
— Na verdade não, sei não — ela retruca.
— Pessoas… — ele acena com a mão. — Pessoas com quem
cresci. Pessoas que conheço através dos meus pais e da educação.
Cubro minha boca com a mão para disfarçar minha risada com a
palavra educação.
— Ah, entendo — Kate fala com um aceno de cabeça. —
Pessoas com quem você passou o verão.
Minha risada escapa ao mesmo tempo em que Kennedy
concorda:
— Sim, exatamente…
Ele para e olha para Kate, depois para mim.
— Vocês estão zombando de mim.
— Um pouco, Gatsby, — digo.
Ele desliga o celular e olha para mim.
— Por que estamos falando sobre relacionamentos em primeiro
lugar?
— Ian está caídinho pela Lara.
— Estou ciente. O que isso tem a ver com namoro?
— Isso é o que quero dizer com “está caídinho” — Kate explica
de maneira presunçosa. — Ele quer sair com ela, não apenas fodê-
la.
Levanto minhas sobrancelhas.
— Fodê-la?
Ela encolhe os ombros.
— Como quiser. Insira o verbo de sua escolha.
Eu sabiamente evito compartilhar que tenho muitos verbos em
mente quando se trata de Lara, cada um mais obsceno que o outro.
Em vez disso, respondo:
— Não quero namorar com ela.
As palavras são automáticas, mas não tenho certeza se são
verdadeiras. Passar tempo com Lara é diferente de todas as outras
mulheres com quem não busco nada além de uma noite.
Lara McKenzie não é o tipo de mulher de uma noite. Ela é um
tipo de mulher para todas as noites.
De maneira surpreendente, o pensamento não me assusta tanto
quanto deveria.
A questão é: como diabos convenço alguém que não quer ser
vista comigo em uma boate a me dar uma maldita chance?
Sou salvo dos meus próprios pensamentos pela chegada de
Sabrina e Matt, junto com a onda de tensão sexual na qual eles
sempre parecem estar envolvidos.
— Veja — Sabrina declara presunçosa, entrando em meu
escritório e gesticulando para Kennedy, Kate e eu —, eu disse que
eles estariam aqui.
Matt revira os olhos.
— Eu nunca falei que discordava. O que falei foi: Que diabos
você está fazendo aqui?
— E eu respondi que estava procurando por Ian e Kate —
Sabrina retruca friamente.
Eu só tenho duas cadeiras de convidados, então Kennedy se
levanta para dar a dele a Sabrina.
— Oi, querida — ele murmura, beijando sua bochecha.
Ela acaricia sua mandíbula com carinho.
— Oi, amor.
Kennedy e Sabrina se dão bem desde o primeiro dia. Eles não
são tão próximos quanto Sabrina e eu – eles não têm a nossa
história. Mas, assim como nós, há uma facilidade em sua amizade
graças a uma completa falta de química que lhes permite interagir
como humanos normais.
— Então… — Sabrina cruza as pernas e coloca a bolsa no chão.
— Sobre o que estamos conversando? Sinto tópicos interessantes
no trabalho.
— Ian quer convidar a SEC para sair — Kate compartilha em um
sussurro alto.
— Ah, isso é interessante! — Sabrina exclama.
Todo o meu patrimônio líquido por uma pistola agora.
— Interessante ou não, ele não pode convidá-la para sair — Matt
declara, indo até a janela e enfiando as mãos nos bolsos.
— Por que não? — Sabrina exige.
— Ele não pode convidá-la para sair ainda — Kate esclarece. —
Não até que o caso termine.
Eles estão certos. Lara se preocupa demais com sua carreira
para namorar o cara que está investigando. Ou dormir com ele.
Ian quer convidar a SEC para sair…
As palavras de Kate ecoam na minha cabeça. Ela disse isso
provocando, mas também… com sinceridade.
Eu quero chamar a SEC para sair. Eu quero namorar a Lara.
E se há algo que aprendi com meu tempo sofrendo nos guetos
da Filadélfia, é como fazer sacrifícios agora, para colher os
benefícios depois – como dar passos pequenos, mas cruciais, para
conseguir o que quero.
E Lara McKenzie é exatamente o que eu quero.
Lara

4ª semana: segunda-feira à noite

Bebo meu vinho e debato as opções de entrega no meu aplicativo


Seamless.
— Tailandesa ou chinesa, tailandesa ou chinesa — penso
comigo mesma.
Independente do que eu escolher, tenho toda a intenção de
encomendar os melhores itens. Uma das desvantagens de viver
com uma modelo é que há muita couve e proteína magra em casa.
Quando ela concorda em pedir comida para viagem, geralmente é
com alguma horrível orientação especial, como:
— Não frite em óleo, por favor.
Eu lhe pergunto: qual é o ponto do delicioso arroz frito, se não for
a parte do óleo?
Gabs está na casa do namorado nesta noite, então posso pedir o
que raios eu quiser.
Tomo outro gole de vinho, depois enrugo o nariz. Não sou
esnobe de vinho, mas até eu posso dizer que esse é horrível. Para
começar, era barato, e o fato de estar aberto há dias não ajudou em
nada.
Com relutância, o despejo no ralo. Eu realmente queria uma
bebida adulta, para me distrair do fato de que é segunda-feira e não
tenho notícias de Ian desde sexta à noite.
Eu não deveria me importar. Eu deveria estar aliviada.
Assim como deveria estar aliviada por não tê-lo visto na Wolfe
hoje. Em vez disso, sinto um pouco… blá. Como se as cores fossem
um pouco menos brilhantes quando ele não está por perto.
Há uma batida na minha porta e solto um gemido baixinho,
porque há 90% de chance de ser a Sra. Peonta que mora do outro
lado da rua e esquece as chaves todos os dias. Temos uma chave
reserva, e eu não me importaria com a interrupção se ela não
usasse cada encontro como uma chance de me lembrar que, na
época dela, as mulheres tinham três bebês quando tinham a minha
idade.
Observo pelo olho mágico, depois dou um passo para trás. Não é
a Sra. Peonta.
Para ter certeza de que não estou alucinando, coloco meu rosto
de volta na porta.
Não, ainda está ali. Ainda estou olhando para Ian Bradley,
parado no meu corredor, com uma garrafa de vinho debaixo do
braço e uma sacola de comida balançando em seus dedos.
Coloco a mão sobre meu coração acelerado. Tudo isso só de ver
o homem pelo olho mágico. Quando me transformei nessa garota?
Ele revira os olhos com a minha demora.
— Abra a porta, Srta. McKenzie.
— O que você está fazendo aqui? — questiono pela porta.
— Tentando alimentá-la — ele responde, levantando a sacola. —
E também entrar em suas calças — ele acrescenta em voz alta,
claramente para o benefício dos meus vizinhos. — Talvez descobrir
se as suas cortinas combinam com o seu…
— Oh, pelo amor de Deus — interrompo, abrindo a porta e
puxando-o para dentro. — Quantos anos você tem?
— Velho o suficiente para saber o que quero, inteligente o
suficiente para saber como conseguir — ele retruca com uma
piscadela enquanto coloca a sacola e o vinho no balcão da minha
cozinha.
— Você tem alguma ideia de quantos problemas nós dois
teríamos se alguém soubesse que você está aqui? — indago. — O
conflito de interesse de nós sairmos socialmente…
Tenho praticado esta frase durante todo o fim de semana, mas
esqueci o resto porque Ian Bradley está no meu apartamento, e
para algo que sem dúvidas é tão errado, isso parece…
Totalmente certo.
Antes que eu possa registrar o que está acontecendo, Ian está
abrindo todas as minhas gavetas da cozinha, vasculhando até
encontrar um saca-rolhas.
— Vinho? Sei que pediu branco no restaurante, mas este é um
ótimo tinto. Não me faça beber sozinho, Lara.
É meu primeiro nome que me atrai. Nunca tinha percebido como
o simples uso do nome de alguém pode ser usado como
preliminares, mas desde a noite na boate, tenho pensado sobre
como meu nome sai da língua de Ian. Parece sedução em sua
forma mais eficaz.
Ele ergue as sobrancelhas. E aí?
— Tudo bem — concordo lentamente. — Uma taça de vinho.
— Excelente — ele fala, abrindo a garrafa.
— Ian. O que você está fazendo aqui?
Ele desvia o olhar, servindo uma taça para cada e me
entregando a minha.
— Nós vamos chegar lá.
Ele toma um gole do vinho enquanto explora ao redor,
examinando meu minúsculo apartamento.
— Bonito.
— Sim, tenho certeza de que esse apartamento deixa sua
cobertura no chinelo — falo, observando minha casa e vendo o que
ele vê.
Sofá de segunda mão. TV empoleirada em cima de duas caixas
de vinho que a Gabby pegou no lixo da loja de bebidas. Uma mesa
de cozinha com uma edição antiga do Wall Street Journal enrolada
embaixo de uma das pernas para não balançar.
— Eu não moro em uma cobertura — Ian retruca com
naturalidade. — Ainda não. Mas está na minha lista de quarenta
antes dos quarenta.
— É claro. E como estão suas chances? — pergunto.
Ele se vira para mim, seu sorriso é lento e sedutor quando
encontra meu olhar.
— Você não ouviu? Quando coloco minha mente em algo,
sempre consigo o que quero.
A maneira como ele me olha deixa claro o que ele quer: eu.
E de repente estou quente e um pouco sem fôlego por motivos
que não têm nada a ver com o vinho.
Desvio o olhar, e ele deixa eu me safar dessa, dando um giro
rápido em sua taça de vinho e cheirando, daquele jeito que as
pessoas ricas parecem fazer instintivamente.
— Tem certeza de que não quer beber isso em um copo com
canudinho? Ou usar um babador? — questiono.
Ele inclina a cabeça e me analisa.
— Eu me perguntei se era o único pensando naquela noite na
boate.
— Estive pensando sobre isso — admito. — E em como é
inapropriado para nós passarmos tempo juntos em caráter pessoal.
— Concordo — ele me surpreende ao falar, vasculhando a
sacola de comida para viagem e encontrando um rolinho primavera.
Ele dá uma mordida e oferece a outra metade para mim.
— É por isso que estou aqui a título profissional.
Pego o rolinho primavera, dizendo a mim mesma que é porque
estou com fome, – não porque ele é o homem mais lindo do mundo,
– e se eu não colocar alguma coisa em minha boca, vou agir como
uma idiota.
— Como você encontrou meu apartamento? — indago, tentando
me distrair.
— Você me disse seu endereço quando entrou no táxi na outra
noite. Então eu convenci uma de suas vizinhas lá fora a me dizer o
número de seu apartamento. Ela também pediu para lhe dizer que
seus óvulos estão apodrecendo.
Solto um grunhido. Obrigada, Sra. Peonta.
— Ok, vou perguntar de novo — aviso, engolindo o rolinho
primavera (frito, delicioso). — Por que você está aqui?
— Eu te disse. É em caráter profissional.
Levanto minha taça de vinho e dou um olhar aguçado para a
sacola de comida.
— A SEC não tem jantares de trabalho?
— Tem, é só… — respiro e tento me concentrar. — Isso não
parece um jantar de trabalho. Estou hiper consciente de que estou
com minhas calças de ioga e que você não está usando gravata
pela primeira vez. Que você me trouxe comida e há vinho envolvido.
Que você está na minha casa e tenho sutiãs pendurados no box do
chuveiro…
Ele se vira já marchando em direção ao banheiro.
— Ei! — chamo, percebendo seu plano. — Eu não queria–
Demorei demais. Ele já enfiou entrou no banheiro.
— Muito prático, Srta. McKenzie — ele zomba de dentro do
cômodo. Então se vira e volta pelo corredor, revirando os olhos. —
Meu Deus, mulher, você é muito jovem e gostosa para essa merda
desleixada. Nunca ouviu falar em renda?
Esfrego minha têmpora.
— Então você viu minha roupa íntima. Espero que tenha sido
satisfatório, porque será a única vez.
— Veremos — ele revida, voltando para a cozinha. — Pegue
alguns pratos. Podemos conversar enquanto comemos.
— Ian — espero até que ele olhe para mim. — Você realmente
deveria ir embora. O caso ainda não está encerrado.
Seu olhar brincalhão fica sério.
— Eu sei. É por isso que estou aqui.
— Não posso–
— Apenas me escute. Por favor. Se você ainda quiser que eu vá
embora depois que terminarmos de comer, eu vou.
Abro minha boca para protestar, mas ele dá um passo mais
perto, seu rosto sério enquanto agarra minhas mãos.
— Coloque-se em meu lugar. Por um segundo, mude as
posições. Finja que você é a acusada de violar a lei. Tudo o que
sabe é que não fez nada de errado, mas é a sua palavra contra a de
uma pessoa misteriosa que está mentindo. O que você faria?
Deixaria alguém arruinar sua vida, – te colocar na cadeia ou ter a
carreira que ama arrancada de você – ou faria todo o possível para
tentar impedir isso?
Ele está respirando com dificuldade, seus olhos azuis urgentes e
suplicantes. E assim como na sexta à noite, quando ele derramou
sua bebida, eu o vejo não como um playboy mimado, mulherengo e
sem moral, mas como um homem, uma pessoa.
Alguém que poderia muito bem ser inocente.
— Vamos trabalhar nisso juntos, Lara, por favor. Assim,
obteremos respostas mais rápido. — Ele descansa sua testa na
minha, apenas por um momento, e é sua vulnerabilidade que me
quebra.
— Tudo bem — concordo baixinho. — Mas Ian, se ficar, você
não pode contar a ninguém. Definitivamente não para sua
advogada. Nem mesmo para os seus besties.
Ele se afasta, e um canto da sua boca se ergue.
— Meus besties?
— Matt Cannon e Kennedy Dawson. Até Kate e Sabrina.
Ninguém pode saber.
— Posso contar a Matt e Kennedy que você os chamou de meus
besties? Eles vão adorar.
— Estou falando sério, Ian — baixo o olhar e dou voz ao meu
maior medo. — Eu posso perder meu emprego.
Ele aperta minhas mãos.
— Lara, você pode confiar em mim.
Arrisco levantar meu olhar. É um erro porque ele está perto,
muito perto. E eu nunca quis tanto uma coisa quanto saber se Ian
beija tão bem quanto acho que beija.
Saio do seu alcance e dou um pequeno passo para trás,
limpando minha garganta e me virando para pegar nossos pratos.
— Espero que você goste de comida tailandesa — ele diz,
abrindo o resto das caixas e agindo como se nada tivesse
acontecido. — Tenho um pouco de tudo.
— Uau, literalmente tudo — comento, absorvendo as várias
opções com avidez. Ele pega os dois pratos comigo e eu levo uma
pilha de guardanapos de papel e a garrafa de vinho para a mesa.
Ele tira o paletó e nos acomodamos à mesa, e embora eu esteja
preparada para uma intensa onda de constrangimento, não há
nenhuma. Bem, além do fato de que estou muito ciente de que o
terno dele provavelmente custa mais do que meu aluguel mensal.
— Então, sobre o que você queria conversar?
Espeto um pedaço de frango e o coloco na boca.
Ian respira fundo e, em vez de saborear sua comida, ele pega a
taça de vinho e se recosta na cadeira.
— Evidências.
Faço uma pausa no meio da mastigação.
— Eu realmente não posso contar…
— Você não tem nenhuma, não é? — ele desafia.
Minha mão fica parada no processo de furar o pad Thai, e o nó
que tenho no estômago desde a minha conversa com Steve
aumenta.
Meu chefe sempre foi opinativo, mas também pareceu ser justo.
Na verdade, é ele que me lembra regularmente que há dois lados
em cada história e o nosso trabalho é descobrir qual deles está
dizendo a verdade.
O fato de Steve sequer considerar a possibilidade de Ian estar
dizendo a verdade me incomoda. Muito. E, no entanto, admitir isso
para Ian é uma violação direta do meu trabalho como investigadora.
Largo meu garfo, respiro fundo e enfrento seu olhar.
— Você continua afirmando que não tem uma conexão com a J-
Conn, e as evidências o apoiam nisso, mas isso não muda o fato de
alguém pensar o contrário.
— Mas você não sabe quem é esse alguém, não é?
Balanço a cabeça e, mesmo sabendo que estou ultrapassando
uma linha perigosa, também percebo que este caso não é preto no
branco. Há uma nítida área cinzenta obscura, e Ian e eu estamos
bem no meio dela. Juntos.
— Não, eu não sei — respondo baixinho.
Meu chefe não quer me dizer.
Ele passa a mão no rosto.
— Se tivéssemos o nome da fonte, tudo isso estaria acabado —
ele fala. — Tem que ser alguém que quer se vingar de mim.
Estou começando a pensar a mesma coisa, mas não posso
confessar isso a ele. Não até que eu tenha olhado tudo, até que
tenha colocado cada ponto em cada i. Estou perto, mas ainda não
cheguei lá.
Até lá, tenho que jogar pelas regras.
— Também é possível que a fonte seja alguém que precise da
proteção da SEC.
Ian ergue as sobrancelhas.
— Isso não é incomum — explico. — O sistema faz o que pode
para proteger os delatores. Suas reputações, às vezes até suas
vidas, estão em jogo quando se apresentam. É por isso que
fazemos a investigação informal primeiro antes de intensificar para
uma formal.
Ian bufa.
— Como uma versão de colarinho branco de proteção à
testemunha?
Seu tom é sarcástico, mas sua mandíbula se abre quando não
digo nada.
— Espere, sério? — ele pergunta. — Eles podem estar
mantendo uma fonte confidencial porque acham que ele está em
perigo?
Dou de ombros.
— É assim que deve ser.
Ele revira os olhos.
— Me dá a porra de um tempo. Você realmente acha que essa
pessoa está em perigo? Ele está mentindo, Lara. E quanto mais
tempo ele fica nas sombras, menos tempo minha advogada e eu
temos para refutar suas alegações.
— Este não é um filme de John Grisham, Ian.
— Bem, também não é a porra de um filme da Disney. Você
mesma disse que não encontrou nenhuma evidência, então por que
ainda há um caso?
— Porque ainda não terminei! — grito. — Estou quase. Ainda
não encontrei nenhuma evidência, mas eu não estaria me
respeitando, e você também não me respeitaria, se eu desistisse
agora.
— Tudo bem — ele perde a cabeça, acabando com seu vinho e
se levantando com impaciência mal disfarçada. — Fique com a
comida. Aproveite o vinho — ele diz, vestindo o paletó.
— Ian, espere. Eu pensei–
— Ou estamos do mesmo lado ou não, Srta. McKenzie. Ou você
acha que sou inocente ou que sou culpado de troca de informações
privilegiadas. Você teve tempo mais do que suficiente para decidir
— ele declara severo, virando-se para sair.
— Não é você quem decide isso — argumento, levantando e
estendendo a mão por reflexo, mas depois abaixando antes que
pudesse tocar sua camisa. — Faço isso para viver e estou lhe
dizendo que não terminei. Ainda não passei por todos os arquivos;
ainda tenho meia dúzia de pessoas para interrogar…
— Esqueça tudo isso! — ele vocifera, girando de volta e ficando
tão perto de mim que minha respiração fica presa.
Ele fecha os olhos por um momento, respirando fundo como se
estivesse lutando para se controlar. Quando os abre outra vez, seu
olhar é mais gentil, mas não menos intenso. Ele estende a mão,
tocando meu queixo levemente para que meu rosto fique inclinado
para o dele.
Não tenho certeza do que me perturba mais, a urgência
desesperada em sua voz ou a sensação de seus dedos no meu
rosto.
— Você acha que sou culpado?
Suspiro.
— Não é tão fácil–
— Não responda como a Srta. McKenzie. Responda como Lara.
Você acha que sou culpado?
Fecho os olhos para evitar seu olhar penetrante. A investigadora
da SEC em mim sabe exatamente o que devo fazer — mostrar-lhe a
porta e dizer que não posso discutir seu caso. Mas não é tão
simples. Pela primeira vez na minha vida, minha objetividade fria de
sempre me abandonou, e em seu lugar está algo complicado e
assustador – algo que desejo mais do que jamais quis qualquer
coisa, até mesmo o FBI…
— Ian — sussurro, implorando. — Por favor.
Eu não sei o que estou pedindo, mas ele sabe.
Suas mãos seguram meu rosto com gentileza, me puxando para
mais perto. No segundo em que sua boca se fecha sobre a minha,
eu não dou a mínima para o que é certo e errado, preto e branco ou
regras e protocolos.
Eu só me importo com ele, com o jeito que ele me faz sentir.
Seus lábios possuem os meus com domínio total, seu beijo é tão
confiante quanto habilidoso. Mas é a necessidade que me desfaz
pedaço por pedaço, o desespero no jeito que ele me abraça…
Ele quebra a conexão cedo demais, respirando com dificuldade
enquanto seus olhos travam nos meus.
— Descubra — ele ordena rudemente, dando um passo para
trás. — E deixe-me saber quando a Srta. McKenzie alcançar a Lara.
— Ian, espere…
Mas ele não espera. Ele sai pela porta sem dizer qualquer outra
palavra.
Passo meus dedos em meus lábios inchados, registrando
vagamente que meu celular está vibrando com uma mensagem
recebida. Eu me abaixo para pegá-lo, esperando que seja ele.
Não é. Na verdade, pensando bem, ele nem tem o meu número.
A mensagem de texto é do meu pai.
Boas notícias. Há rumores de que o colarinho branco está expandindo o
número de cabeças. Pode ser que eu tenha encontrado uma maneira de
mencionar que uma carta de recomendação estava chegando para minha
filha favorita em breve…
A mensagem é acompanhada por um emoji de rosto piscando.
É a primeira vez que meu pai me manda um emoji e uma
demonstração de apoio. Fecho os olhos e tento afastar a onda de
frustração que sinto ao perceber que finalmente estou conseguindo
tudo o que quero…
E mesmo assim, estou com medo de que o que eu preciso tenha
acabado de sair pela porta da frente.
Ian

4ª semana: quinta-feira à noite

— Meus seios estão tortos? O sutiã novo e o vestido apertado não


parecem estar dando certo. Ian?
— Não — respondo, me recusando a olhar para o decote da
minha amiga. — Não sei quantas vezes tenho que dizer isso: me
recuso a analisar seus seios.
Sabrina bufa e se vira para Matt.
— Tudo bem. Cannon, já que Ian é pudico e não sei para onde
Kate e Kennedy foram, me ajude.
Matt não tem nenhuma das minhas hesitações e gasta seu
tempo verificando o peito de Sabrina.
— O direito subiu um degrau muito alto. Espero que você não
tenha pagado muito ao seu cirurgião plástico.
Sabrina não se incomoda em ficar ofendida enquanto lhe entrega
sua taça de champanhe para segurar, se afasta das pessoas e
ajusta os seios.
— Estes são cem por cento eu — ela informa a Matt
calmamente. — Eu me ofereceria para deixar você descobrir por si
mesmo, mas oh, espere… já vivi isso e sei como é: Zzz.
Estremeço e termino minha bebida.
— Nada de compartilhar o que vocês dois fizeram um ao outro,
lembram? — Tenho evitado os detalhes por anos. Gostaria de
continuar assim.
— Mas…
— Não — peço a Sabrina. — Minha festa, minhas regras.
— É uma festa e tanto — Matt comenta.
Acho que ele está certo. Há uma regra tácita em Wall Street de
que uma festa não é uma festa a menos que seja extravagante pra
caramba. Caviar. Dom Pérignon. Foie gras. Tudo do mais caro.
Não que eu cuide disso pessoalmente. Kate dá alguns
telefonemas, e horas depois, meu apartamento é transformado.
Todo o canto da minha sala é um bar; tem um garçom em um
smoking para cada cinco convidados e os melhores fornecedores de
Nova York.
É uma cena com a qual me tornei bastante familiarizado ao longo
dos anos, mas esta noite parece… diferente. Sem graça.
E ainda assim, necessária.
Quem armou para que a culpa por uma conexão imaginária com
a J-Conn caia sobre mim é alguém do meu mundo. Deste mundo.
Talvez não uma pessoa que esteja aqui nesta noite, mas alguém
precisa saber de algo, e estou determinado a descobrir.
Pelo menos, esse é o plano.
Uma vez que o decote de Sabrina é restaurado à simetria
adequada, ela pega seu champanhe com Matt e se vira para os
convidados.
— Detesto concordar com ele, mas esta é uma adesão
impressionante para o convite de última hora.
É verdade. Apenas algumas semanas atrás, eu teria ficado
empolgado, meio bêbado com a bebida e o poder que meu nome
exala em um convite. Só que agora, nada parece certo. Assim como
na Pearl semana passada, sinto que estou olhando para a vida de
outra pessoa, e não para uma que eu particularmente inveje.
Suspiro, observando a multidão.
— Tenho certeza de que metade dessas pessoas está aqui
apenas para se gabar. Elas querem estar entre os últimos a ver meu
apartamento antes que minha nova casa seja uma cela de prisão.
— Você não vai para a prisão — Sabrina declara, entrelaçando
seu braço ao meu. — Não é por isso que estamos fazendo essa
festa? Para empolgar a elite de Wall Street e obter informações?
Matt chama minha atenção por cima da cabeça dela e me dá um
aceno de cabeça. O plano da festa foi metade ideia dele, um último
esforço para descobrir quem diabos está tentando me afundar.
Convidei vinte e cinco pessoas –quase tantas quanto cabem
confortavelmente em meu pequeno apartamento. Em vez disso,
contei perto de cinquenta. É um ajuste apertado, mesmo com
algumas se espalhando na minha varanda, outras conversando no
meu escritório. Nem conheço muitas delas. Eu estava apenas meio
brincando quando disse a Sabrina que elas estavam aqui para se
despedirem de mim antes que eu servisse de dois a cinco anos de
prisão por troca de informações privilegiadas.
Maldita SEC.
Maldita Lara McKenzie, seu processo e sua boquinha doce.
E maldito seja eu por me importar tanto. Por deixar o fato de ela
não acreditar em mim me incomodar tanto. E o que for que esteja
acontecendo entre nós não é suficiente para anular suas regras
rígidas e sua conformidade cega com um sistema que claramente
não está funcionando.
Ela precisava de tempo, e eu entendo – ou tenho tentado
entender. Eu a forcei naquela noite em seu apartamento, então
tentei respeitar que ela precisava de um momento para resolver as
coisas, mas já faz dias. Muito tempo para reconhecer minha
inocência.
Estou magoado, sim. Mas também… furioso.
Kennedy serpenteia pela multidão com dois drinques na mão
— Manhattan para ele, Negroni para mim.
— Kate viu que você não estava bebendo nada.
Aceito a bebida com gratidão.
— Nós não a pagamos o suficiente. Onde ela está, afinal?
— A última vez que a vi, ela estava conversando com um dos
juniores da Morris e Keale.
— Eu não conheço nenhum dos juniores da M e K.
Ele dá de ombros.
— Desde quando isso importa? Você sabe como isso funciona.
Eles ouvem uma fofoca sobre bebida grátis e nomes de peso…
— Sim, já percebi — resmungo. — Caramba, eu já fui assim.
Ele me lança um olhar exasperado.
— Ian, você era assim há apenas algumas semanas.
Resmungo. Ele está certo, e nós dois sabemos o que me mudou.
Quem me mudou.
Esfrego a mão na parte de trás do meu pescoço.
— Quando começamos a ficar velhos demais para isso?
— Fale por você — Matt afirma.
— Sério? — Sabrina pergunta. — Não vejo você se misturando
com a galera jovem. Você também está excluído com a gente, os
velhos.
— Não estamos excluídos porque somos velhos de verdade.
Somos apenas… — Olho para Kennedy e Matt pedindo ajuda. —
Bem, o que raios estamos fazendo aqui no canto?
— Não chegando mais perto de descobrir quem está falando
com a SEC sobre você, isso é claro — Matt observa.
Sabrina suspira.
— O inferno está congelado, porque estou prestes a concordar
com ele novamente. O Garoto Prodígio está certo. Temos os
melhores de Wall Street em um só lugar, todos a caminho da
embriaguez — ela esvazia sua bebida. — Pausa para nos
misturarmos?
— Fantástico. Porque amo conversa fiada — Kennedy
resmunga.
— Faça isso por Ian — Sabrina pede, dando um tapinha em seu
braço.
— É por isso que estou aqui. Mas eu não consigo falar sobre o
clima — ele avisa, com uma batida nas minhas costas ao falar isso.
O gesto é breve, mas revelador.
Começo a abrir a boca para agradecê-lo. Para agradecer a
todos, mas não sei o que dizer.
Kennedy me dá um sorriso breve e raro.
— Você faria isso por mim.
— Pode apostar — concordo, grato por ele entender o que não
sou capaz de colocar em palavras. — Mas eu conversaria sobre o
clima por você! — grito quando ele se retira.
Sabrina e Matt também se separam, ela para encantar um
médico de uma empresa concorrente, ele para flertar com um grupo
de mulheres em vestidos pretos quase idênticos. Estou prestes a
me juntar ao último grupo, imaginando que a interação feminina com
alguém que não é investigadora da SEC pode ser exatamente o que
preciso, quando uma mão aperta meu ombro.
— Ian, cara!
Eu me viro e aperto as mãos do… Merda, qual é o nome dele?
Um diretor da Green Garrison… Jacob. Jacob Houghton.
Não acho que Kate o convidou, mas neste momento estou além
do ponto de me importar. Talvez eu adicione um novo elemento ao
meu plano para a noite: beber até parar de pensar em Lara. Mas
minhas chances de livrá-la da minha mente são pequenas. Ela é
tudo em que consigo pensar.
— É bom te ver — eu me forço a dizer. — Que bom que
conseguiu vir.
— Como você está? — ele questiona, tomando um gole de
uísque e água com gás.
Forço uma risada.
— Já estive melhor.
Ele estremece.
— Sim, eu fiquei sabendo. Situação difícil, cara.
— Bom, a SEC tem que pagar as contas dos seus funcionários
de alguma forma, certo?
— Claro, claro.
Jacob mal está olhando para mim, mas sim para a bunda da
ruiva atrás de mim.
— Você acha que eles têm alguma coisa contra você?
— Não há nada para encontrar.
Meu tom de voz fica um pouco mais sério, mas ele não parece
notar.
— Bom para você — ele responde distraidamente, enquanto um
garçom passa com uma bandeja de bolinhos de caranguejo.
Sua atenção está de volta em mim, e ele se inclina um pouco
para frente.
— Ouvi dizer que você conseguiu a Vanessa Lewis para te
defender. Você deve ter uma lábia muito boa se conseguiu enganá-
la.
Antes que eu conseguisse responder a esse imbecil com algo
absolutamente inapropriado para um coquetel, Kate aparece ao meu
lado.
— Ei, Ian! Posso te roubar por um segundo?
Olho para ela, vendo que seu sorriso é largo e brilhante, mas que
há um nervosismo nele. No começo, acho que é porque ela ouviu
minha conversa com Jacob e acha que vou fazer uma cena, mas,
um momento depois, percebo que ela está apreensiva com algo
completamente diferente.
— Você não fez isso — digo com os dentes cerrados.
— Não fique bravo — Kate coloca a mão no meu braço e me
prende com um olhar. — Seja o que for, Ian, você precisa lidar com
isso.
Kate está certa, como geralmente está, mas eu mal a escuto.
Porque meu cérebro – e meu coração – não consegue descobrir
o que fazer com o fato de que Lara McKenzie está parada na minha
sala.
Lara

4ª semana: quinta-feira à noite

Quando me vesti esta manhã, confesso que achei que estava muito
bem. A gola rolê azul sem mangas combina com meus olhos, a saia
lápis cinza faz um trabalho decente em disfarçar a comilança por
estresse das últimas semanas. Os scarpins nude são clássicos e
sexy.
Ou foi o que eu havia pensado.
Entrando no apartamento de Ian, me sinto totalmente desleixada.
Quem são essas pessoas que ficam melhores às seis da tarde
de uma quinta-feira do que eu depois de me arrumar para um
casamento black-tie?
Os homens em ternos caros, eu consigo entender. Estou
acostumada com isso. São as mulheres que me desestabilizam um
pouco. As sandálias de salto alto com tiras, os vestidos de coquetel
curtos, a maquiagem impecável.
É um bom lembrete de que este é o mundo de Ian Bradley –
glamoroso, caro e de elite. Um mundo ao qual não pertenço e nunca
pertencerei.
Isso nunca me incomodou antes. Não tenho certeza se me
incomoda agora. Gosto de quem sou. Gosto de ter mais terninhos
do que vestidos de festa e de trabalhar duro em uma profissão em
que acredito.
Estou bem não me encaixando aqui. O que me incomoda é o que
isso significa para Ian e eu.
— Lara, oi. Eu não tinha certeza se você realmente viria — Kate
cumprimenta enquanto peço uma bebida no bar improvisado.
— Eu também não tinha certeza. Quase amarelei — admito,
virando para encará-la.
Examino a sala depressa, mas está lotada de parede a parede, e
não vejo Ian.
— Ele está aqui?
Ela dá um leve sorriso.
— É o apartamento dele. Eu esperaria que sim.
— Tudo bem, vou reformular. Ele sabe que eu estou aqui?
Ela desvia o olhar e não responde, e é a primeira vez que vi Kate
ser nada menos do que direta.
Meu coração afunda.
— Talvez não tenha sido uma boa ideia.
— Não. Você fica — ela diz com determinação.
— Não há tantos lugares onde ele pode se esconder.
— Você acha que alguém vai saber quem eu sou?
— Provavelmente — ela responde. — Ou eles pelo menos
saberão o que você é. Todas as mulheres estão usando saltos
Prada e você parece uma funcionária do governo.
— Hum, ai — murmuro, mesmo sabendo que ela está certa.
— Apenas lembre-se por que você está aqui — então ela me
lança um olhar curioso. — Por que você está aqui? Você nunca
disse por que queria vir.
Eu lhe dou um olhar firme.
— Não, eu não disse.
— Uma dica?
— Kate — falo suavemente. — Se eu quisesse enviar uma
mensagem, já o teria feito.
Ela suspira.
— Tudo bem. Não se pode culpar uma garota por tentar. Ok,
então entenda. Ele está um pouco chateado comigo por lhe contar
sobre a festa, e está um pouco chateado com você por… bem, não
sei o quê. Precisamos descobrir uma maneira de deixar vocês dois
sozinhos.
Ela morde o lábio.
— Só não tenho certeza de como. Ele não está tão fácil de lidar
como era antes.
— Antes do quê? — pergunto, tomando um grande gole do meu
vinho.
Kate dá um tapinha no meu braço.
— Antes de você.
Minha cabeça se ergue depressa enquanto a encaro, meu
coração batendo forte.
— Antes de mim. O que isso significa?
Kate apenas sorri de maneira enigmática e examina a sala, então
aponta para as portas de vidro deslizantes do outro lado da sala de
estar que levam a uma varanda.
— Vá esperar lá fora, só até eu ter certeza de que ele não vai
causar uma cena.
Eu rio.
— Estou sendo enviada para fora? Como um cachorro que
destruiu um travesseiro?
— Sim, mas antes vou pegar outra bebida pra você — ela avisa,
puxando minha taça de vinho da minha mão e segurando-a para o
barman.
Então ela a empurra de volta para mim e aponta.
— Dez minutos. No máximo.
Faço o que ela manda, principalmente porque a ideia de ficar de
pé na varanda soa muito preferível a bater papo aqui. Ninguém está
prestando atenção em mim – ainda. Mas tudo isso vai mudar no
segundo da pergunta “então, o que você faz?” e a fofoca de que o
inimigo está entre eles se espalhará como fogo.
— Arancini de trufas?
Uma mulher magra em um uniforme de garçonete preto e branco
oferece uma bandeja na frente do meu rosto.
— Não, obrigada — nego com um sorriso.
Ela gira e apresenta a bandeja que está na outra mão.
— Torrada de lagosta?
Caramba. Então é assim que o outro lado se diverte.
— Não, obrigada. Estou bem.
Ela segue em frente com seus lanches extravagantes e eu saio
para a varanda. Estava ensolarado quando caminhei até aqui, mas
começou a nublar graças a uma tempestade de verão que se
aproxima, então eu tenho toda a área para mim. Não que seja
particularmente grande. Não é uma varanda gourmet. Mas é
agradável.
A quem estou enganando, é mais do que agradável. O cara mora
no 56º andar de um arranha-céu chique com vista para a Freedom
Tower.
Tomo um gole do meu vinho e tento apreciar a vista sem pensar
no quanto dói que Ian não tenha vindo nem para dizer olá. Apenas
algumas noites atrás ele estava me beijando. Agora ele nem olha
para mim, não atende minhas ligações nem concorda com uma
reunião.
Mesmo assim, eu entendo. Ele precisava de algo que eu não
podia dar. Não naquele momento, não até que eu tivesse visto o
caso por completo.
Mas agora posso. É por isso que estou aqui.
— Posso me juntar a você?
Eu me viro e confiro duas vezes quando reconheço a mulher
saindo para a varanda. Ela é aquela com quem vi Ian no almoço
algumas semanas atrás, e é ainda mais linda de perto. Ela tem
cabelo preto comprido e grosso que cai quase até a cintura, olhos
azuis penetrantes, um rosto anguloso, mas marcante, e se eu vou
ser perfeitamente honesta… peitos bastante espetaculares.
— Claro — concordo, resistindo à vontade de puxar meu cabelo
do meu rabo de cavalo para me sentir um pouco menos juvenil.
Ela dá um sorriso frio e estende a mão.
— Sabrina Cross.
— Lara McKenzie.
Seu sorriso esfria ainda mais.
— Eu sei.
Tomo um gole de vinho, me perguntando o que diabos isso
significa. O que ela sabe? Ian lhe contou sobre o beijo?
— Então, você também sabe… — digo casualmente, jogando
verde.
— Que você é a investigadora da SEC investigando Ian? Sim.
Ela inclina a cabeça e me analisa.
— Mas você não é o que eu esperava.
— Você já havia me visto. No restaurante, no almoço naquele
dia.
— Verdade — ela admite, tomando um gole de champanhe. —
Mas naquele momento eu estava mais interessada na reação de Ian
ao ver você, do que em você.
Há uma isca ali, mas não a mordo, por mais que eu queira.
— Sempre imagino os funcionários da SEC em ternos marrons e
tamancos.
— Bem, todos os meus ternos quadrados estavam sujos e os
tamancos machucam meus joanetes.
Ela ri, e é tão baixo e sensual quanto eu imaginei quando a vi rir
no restaurante com Ian.
— Já entendi porque ele gosta de você.
— Sim, os homens adoram minha combinação de franca e
desajeitada.
— Os homens gostam da combinação de espirituosa e
inteligente — ela corrige.
Assumindo que havia um elogio aí, eu agradeço.
— De nada — ela toma um gole de sua bebida e me observa por
um momento. — Por que você está aqui?
Levanto minhas sobrancelhas para a pergunta direta, mas ela
apenas dá de ombros.
— Sou muito protetora de Ian.
— Ian me contou que vocês dois são próximos.
— Ele contou? — Sabrina indaga pensativa. — Interessante. Ele
não costuma discutir nossa amizade. Com qualquer um. Mas sim,
somos próximos. O mais próximo possível de irmãos sem
compartilhar os pais.
Irmãos. Não posso negar que sua escolha de palavras me dá
uma pontada intensa de alívio que o relacionamento é tão platônico
quanto ele afirmou.
— Você também é próxima de Matt e Kennedy? — pergunto,
curiosa e determinada a não parecer muito interessada
especificamente em Ian.
— Claro. Kennedy é um cara legal. Um pouco certinho, mas tão
leal quanto possível. Já o Matt… — ela praticamente zomba do
nome dele. — Nós temos… história.
— Ele é um ex?
— Eh. Mais como… — ela agita seu champanhe, procurando a
palavra. — Uma aventura passada. Acabou mal, e desejo
sofrimento regular a ele, e ele a mim.
— Isso soa maravilhosamente adulto — comento, sorrindo para
suavizar o sarcasmo.
Ela ri.
— Isso nos mantém entretidos.
— E quanto a Ian?
Sabrina pisca.
— O que tem ele?
— Ele se incomoda por ter dois de seus melhores amigos
brigando o tempo todo?
— Provavelmente. Ele não esconde o fato de que o irritamos.
Então ela franze a testa.
— Embora, acho que nunca havia pensado se isso realmente o
incomodava.
Sabrina inclina a cabeça e me estuda antes de continuar.
— Eu nunca pensei sobre isso, mas parece que você sim. Você
se importa com ele.
Tomo um gole de vinho e fico em silêncio.
Ela não.
— Ian e eu nunca dormimos juntos.
Evito de engasgar com meu vinho. Por muito pouco.
— Eu não perguntei.
Seu sorriso é astuto.
— Mas você se perguntou.
Com certeza.
— Vocês dois cresceram juntos? — questiono, decidindo virar a
mesa.
A amiga mais antiga de Ian claramente me tem sob um
microscópio agora, querendo saber quem ou o que sou para Ian.
Mas a troca de informações pode ocorrer nos dois sentidos. E estou
mais do que curiosa sobre a história de Sabrina e Ian.
— Crescemos. Nós cuidamos um do outro.
Ela se vira para observar o sol se pondo lentamente.
— Nenhum de nós teve um bom início, mas nós tivemos um ao
outro.
Quero saber mais, mas não cabe a mim perguntar, então tomo
outro gole do meu vinho.
Ela se vira para mim depois de um momento de silêncio.
— Ele tem um bom relacionamento com seu pai de criação – o
último, o decente. Mas acho que ainda dói que Dave nunca o tenha
adotado.
Lanço-lhe um olhar cauteloso.
— Não acho que ele gostaria muito que você compartilhasse isso
comigo.
— Ah, ele com certeza não gostaria disso — ela concorda com
uma risada rápida. — Mas isso é muito ruim. Para vocês dois.
— O que isso tem a ver comigo?
— Ian gosta de você — ela explica, virando-se para me encarar.
— Ele gosta de você de um jeito que não vejo há… Na verdade, não
sei se já o vi agir assim.
— Como, me ignorando completamente? — indago, apontando
de volta para a festa.
— O que você esperava? — ela pergunta. — Você o machucou.
Meu coração se aperta um pouco.
— Como posso tê-lo machucado? Eu nem o conheço.
— Acho que conhece — ela retruca baixinho.
Antes que eu possa responder, a porta da varanda se abre e
Kennedy Dawson e Matt Cannon saem para se juntar a nós.
Sabrina suspira.
— Vocês se importam, meninos? Isso é conversa de meninas.
Matt deixa um braço cair sobre o ombro dela e acaricia sua
orelha.
— Você está contando a ela sobre como ainda está tentando me
esquecer?
— Bem — Sabrina diz, usando as unhas para tirar a mão do seu
ombro como se fosse um pedaço de lixo — eu com certeza me
lembro de ter te superado. Nunca estive com alguém tão contente
em ficar deitado de costas.
Kennedy se inclina um pouco até mim.
— Não se preocupe, um dia você se acostuma com eles.
Sorrio, um pouco perturbada por estar rodeada pelo círculo
íntimo de Ian. Conversei com Matt e Kennedy ao longo da
investigação, mas sempre foi formal ao ponto de ser frio. Não que
eles estejam me dando carinho agora. Na verdade, todos os três
estão me observando. Não é gritante, mas tenho a nítida sensação
de que eles estão tentando descobrir o que diabos estou fazendo
aqui.
Não os culpo. Este não é o meu ambiente – de jeito nenhum.
Não só isso; sempre fiz questão de separar minha vida profissional
da pessoal, separar o trabalho do depois do expediente. Antes deste
caso, eu nunca tinha confundido esses limites. Mas como tudo que
tem a ver com Ian Bradley, estou quebrando minhas próprias regras.
Todas elas.
Espero que valha a pena.
Deixo meu olhar varrer a varanda, fazendo contato visual com os
três para que eles saibam que, embora eu não seja o inimigo,
também não sou fraca.
— Estou aqui para conversar com o Ian.
— Na festa dele — Matt fala incerto.
— Sim, bem, se o seu amigo não tivesse decidido jogar o jogo de
evitar a SEC por três dias seguidos, talvez eu não tivesse que
invadir a festa dele.
— É importante? — ele questiona.
Faço que sim com a cabeça.
— É.
— Você acha que ele é inocente.
Isso vem de Kennedy, e não é uma pergunta. Isso me dá uma
boa indicação do por que ele é tão bom no que faz. Ian age com
inteligência e teimosia, Matt com sorrisos e bajulação, mas Kennedy
consegue o que quer com comando silencioso e competência.
— Ah, pelo amor de Deus, deixem ela conversar com o nosso
amigo — Sabrina ordena, acenando para os dois homens.
— Você diz isso como se não fosse o principal cão de guarda
dele na maioria das vezes — Matt retruca.
— Ela acha que ele é inocente — Sabrina insiste.
— Na verdade — me intrometo —, tudo que ela disse foi que
precisa conversar com ele.
Matt me lança um olhar rápido com seus olhos azuis. Eles são
mais escuros do que os de Ian, e geralmente mais amigáveis,
embora eu suspeite que seja uma ação deliberada. O homem não
conquistou Wall Street com vinte e poucos anos apenas sendo
bonito.
Embora ele seja isso. Muito.
— Tudo bem, então — Kennedy fala, abrindo a porta. — Matt, é
com você.
— Estou nisso.
Matt entrega seu copo de coquetel para Sabrina, que o aceita
revirando os olhos, e depois volta para a sala de Ian.
— Tudo bem, todo mundo, hora de ir embora — ele declara em
uma voz de comando.
A conversa barulhenta de uma festa de sucesso vacila um pouco
quando todos o observam, tentando avaliar se ele está falando
sério.
— Vocês ouviram o homem — Sabrina avisa, entrando na sala.
— Estamos levando essa festa para outro lugar.
— Que tal sua casa, querida? Festa para dois, ou três? Eu topo.
Um cara bêbado e com cara de babaca ri enquanto diz isso,
olhando de forma maliciosa para Sabrina.
Com o canto do olho, vejo Ian dar um passo à frente, seu olhar
azul-gelo é assassino enquanto procura pelo interlocutor.
Sabrina levanta a mão para deter o amigo, depois bate com a
outra mão no peito de Matt, que também deu um passo à frente.
— Qual é o seu nome, querido? — ela ronrona para o cara
bêbado.
— Sean.
— Sean…?
— Galen.
— É um prazer te conhecer — Sabrina afirma com um sorriso
caloroso.
Então ela bate palmas como uma mãe em uma festa de futebol.
— Ok, meninos e meninas, estamos movendo esta festa para a
Brandy Library. As bebidas são por conta do Sean Galen.
Certifiquem-se de pegar o que desejarem; Sean está se sentindo
muito generoso esta noite.
— Ei! — o homem exclama, sóbrio o suficiente para perceber o
que está acontecendo. — Você não pode simplesmente–
— Oh, sinto muito — Sabrina coloca a mão no peito como se
estivesse chocada com sua gafe. — Você não pode pagar?
Pressiono meus lábios para abafar minha risada. É bem jogado.
O Brandy Library é um bar de coquetéis ridiculamente caro, com
todos os drinques de alta qualidade que um esnobe de bebida
poderia sonhar.
A conta será inimaginável.
Mas não tão inimaginável quanto um participante poderoso ter
que admitir que não pode pagar.
Ele engole em seco e força um sorriso.
— Posso. Todos se divirtam. Por minha conta.
Sabrina lhe dá um tapinha condescendente no ombro; Kate
circula pela sala, arrancando copos das mãos das pessoas e
conduzindo todos em direção à porta enquanto Kennedy entrega
maços de dinheiro para os garçons e garçonetes e também os
manda embora.
Ele pega meu olhar e dá uma piscadinha.
Tudo acontece tão rápido que mal consigo registrar como a
situação foi tratada com tanto cuidado até que Kennedy e Kate
param na porta do apartamento agora vazio.
Ela olha para Ian.
— Você está bem?
Ele apenas encara.
Kennedy acena com a cabeça e coloca a mão nas costas de
Kate, conduzindo-a para o corredor.
— Sim, ele está bem.
Um momento depois, a porta se fecha.
E então sou só eu, um monte de copos vazios, e um Ian Bradley
que parece muito furioso.
Ian

4ª semana: quinta-feira à noite

— Então, a SEC faz visitas domiciliares agora — comento, me


afastando de Lara e caminhando em direção ao bar, agora vazio.
Irritado demais para fazer uma bebida adequada, pego uma
garrafa de vinho tinto aberta e me sirvo de uma taça.
— O que você está bebendo? — questiono a Lara.
— Pinot Grigio. Mas Ian, você não precisa…
Já tirei a garrafa do balde de gelo e estou andando em sua
direção. Encho sua taça sem olhar para ela. Não posso. Ainda não.
Estou com muito medo de que ela veja a verdadeira razão pela qual
eu a tenho evitado – a verdadeira razão pela qual estou tão bravo
com ela.
Porque eu a quero.
E meu coração está apavorado de que ela não me queira de
volta.
— Eu não vim aqui para tomar vinho — Lara diz com suavidade.
Devolvo a garrafa ao balde e pego minha taça.
— Não? Qual era o plano, então? Esperar até que todos
bebessem o vinho na esperança de que compartilhassem algum
podre meu?
Ela coloca a taça na mesa de centro e cruza os braços.
— Você está bravo comigo. Por quê?
A pergunta me irrita, porque… Eu nem tenho certeza. Estou
bravo, sim, mas nem sei mais se é com ela. Na maioria das vezes,
estou bravo comigo mesmo por desejar uma mulher que pudesse
pensar, mesmo por um momento, que eu poderia ser um criminoso.
Eu a desejo mais do que já desejei qualquer coisa ou alguém, mas
ela ainda não tem certeza se pertenço à prisão.
— Tudo bem — ela retruca quando não respondo. — Guarde
rancor em silêncio. Mas também estou brava, Ian. Você vem ao meu
apartamento, você me faz sentir… e então ignora que eu existo–
Viro-me.
— Então você decide invadir uma festa na minha casa?
— Kate me convidou! Era a única chance que eu tinha, e eu…
— Bem, é uma chance que você deveria ter deixado passar. Não
tenho nada para conversar com você.
Seus olhos piscam com mágoa e sinto uma pontada de
arrependimento.
Mas antes que eu possa me desculpar, a mágoa é substituída
pela raiva novamente e ela se aproxima de mim.
— Eu não teria que persegui-lo depois do expediente se você
estivesse disponível durante o dia de trabalho — ela argumenta. —
Quantas mensagens de voz eu te deixei? Quantas mensagens com
Kate você ignorou? Quantos e-mails eu enviei?
Empurro sua mão para fora do caminho e me aproximo.
— Oh, sinto muito por não ter limpado minha agenda para lhe
dizer pela noningentésima vez que sou inocente, quando você não
tinha intenção de acreditar em mim.
— Inverta a situação, Ian.
Bufo e ela empurra meu ombro.
— Não, apenas cale a boca e escute. Você jogou o cenário de
“imagine se” na outra noite; agora é a minha vez. Finja que você é
um agente da SEC e seu chefe – que você respeita, que vai
escrever uma carta de recomendação para o emprego dos seus
sonhos, – diz que há uma dica confiável acusando um investidor
super rico da Wall Street de negociações de informações
privilegiadas. Como investigador da SEC por mais de cinco anos,
você sabe por experiência que essas dicas com frequência
geralmente são legítimas. Sabe que as pessoas de fato enganam o
sistema e você é pago para descobrir a verdade. O que você faria,
Ian? A razão para você está tão chateado com isso é porque se
orgulha do seu trabalho e se sente insultado por alguém o acusar de
trapacear. Bem, não é isso que você está me pedindo para fazer?
Apenas acreditar cegamente em sua palavra porque você é
charmoso?
Minha consciência recebe seu discurso direto nas bolas. Eu não
tinha pensado dessa maneira, e caramba, ela está certa.
Meu orgulho, no entanto… a parte de mim que deseja que ela
acredite em mim – não, que precisa que ela acredite em mim…
É esse cara quem abre a boca.
— Se você tem algo a me dizer, pode deixar uma mensagem
com a Kate.
Seus lábios se abrem em choque indignado, mas ela se recupera
depressa, contornando-me e colocando uma cadeira entre nós.
— Tudo bem. Vou enviar um memorando oficial para o seu
escritório.
Ela caminha em direção à mesa lateral onde a única bolsa
restante é dela, a mesma bolsa marrom feia que carrega em todos
os lugares. Ela a pega, coloca as alças sobre o ombro enquanto se
dirige para a porta da frente e abre a porta. Mas em vez de marchar
através dela e fechá-la, ela se vira de volta para mim, os olhos azuis
e brilhantes por trás dos óculos.
— Sabe, eu pensei que estava errada. Naquele primeiro dia,
quando você foi um idiota total na calçada… Eu pensei – esperei –
que fosse um escudo, um ato que você faz para jogar o jogo da Wall
Street e esconder o fato de que você realmente é um cara decente
por baixo de tudo. Mas aquele não foi o ato, foi? O ato foi o resto do
tempo, quando você fingia ser legal. Esse Ian é o falso.
A acusação dói, mas não consigo negar. Não tenho mais certeza
de quem é o verdadeiro Ian. Não quando ela está por perto.
— Eu já te disse o que quero — falo baixinho, virando-me. —
Quero que você acredite em mim.
— Por que diabos você acha que estou aqui, Ian? Por que acha
que estou atrás de você? Você me diz para avisar quando a mulher
e a SEC acreditarem que você é inocente, mas nem me dá a porra
da chance.
Eu me viro rápido, tanto pelo temperamento dela quanto pelas
próprias palavras.
— O quê?
Ela levanta o queixo.
— Terminei minha investigação. Encerrei ontem e escrevi meu
relatório esta tarde.
Eu sou a porra de um idiota.
Fiquei tão puto com ela por continuar a investigação depois
daquele beijo que usei toda a minha força de vontade nos últimos
três dias para evitar qualquer coisa ligada a ela – vê-la, falar com
ela, permitir me importar ou desejá-la.
— Estou recomendando que eles fechem seu caso — ela declara
com calma. — Nenhuma investigação formal.
O rugido em meus ouvidos diminui para um silêncio completo e
assustador, e tenho certeza de que a ouvi mal.
— O quê?
Ela me encara nos olhos e levanta o queixo com confiança.
— Não há evidências indicando que você recebeu uma dica
sobre a J-Conn. Eu disse isso no meu relatório. E entrego amanhã.
Dou um passo mais perto.
— E sua carta de recomendação do FBI? Você não consegue
sem a investigação formal, certo?
Desta vez ela não encontra meus olhos.
— Não é problema seu, Ian.
Lara entra no corredor fechando a porta atrás dela, e por um
longo momento – um longo demais – eu fico perfeitamente imóvel, o
vinho intocado na minha mão.
Até parece que é assim que termina.
Coloco minha taça no balcão e abro a porta.
— Lara.
Ela está no saguão do elevador, apertando o botão, mas sei que
ela pode me ouvir.
— Droga, McKenzie.
Ando em direção a ela, xingando mais uma vez quando ouço o
bipe do elevador chegando.
As portas se abrem e ela entra.
— Lara!
Corro agora, enfiando minha mão nas portas se fechando,
esperando como nunca que os sensores do elevador do meu prédio
estejam funcionando.
As portas se abrem de novo e eu as seguro, observando onde
ela está em pé, calma.
— O quê?
Aperto a parada de emergência no elevador.
— Onde diabos você está indo?
Seus olhos começam a se encher de lágrimas, e eu me sinto um
idiota. Sou um idiota.
Ela balança a cabeça, o queixo tremendo.
— Não posso fazer isso, Ian. Não posso jogar seus jogos. Não
sei o que fazer quando um dia você me quer, no outro está com
raiva de mim e não me quer mais.
— Eu nunca parei de querer você — rosno, colocando minhas
mãos em seu rosto e gentilmente enxugando as lágrimas gêmeas
que escaparam dos seus olhos. — Sim, estou com raiva. Você acha
que eu quero te querer? Você acha que gosto do fato de que a
mulher que ocupou todos os meus pensamentos no mês passado é
a SEC? Você acha que gosto que esta seja a primeira vez que me
sinto assim, mas você…
Lara se inclina para frente, colocando as mãos no meu peito, e
pressiona sua boca na minha.
Gemo de satisfação, puxando-a para mais perto.
Já beijei uma boa dose de mulheres – mais do que eu merecia.
Mas nunca precisei beijar uma mulher como preciso com a Lara,
nunca senti que me arrependeria pelo resto da minha vida se não
me arriscasse.
Meus dedos enrolam em torno do seu rabo de cavalo.
Minha.
Quero essa mulher frustrante e complexa como minha.
Mordo seu lábio. Renda-se.
Ela o faz com um suspiro suave e eu aproveito descaradamente,
minha língua brincando em seu lábio inferior antes de deslizar para
dentro para aprofundar o beijo.
Seu beijo é tímido no início. Sua língua hesitante quando toca a
minha. Então suas mãos deslizam dos meus pulsos para emaranhar
no meu cabelo, e eu perco todo o controle.
Com um gemido, eu a pressiono contra a parede do elevador.
Ele ainda está na parada de emergência e continua a apitar para
nós em alerta indignado, mas eu o ignoro. Inferno, eu mal percebo
isso. Há apenas nós, as mãos dela no meu cabelo, minhas mãos
em suas costas, em seus quadris.
O beijo é sem fôlego, frenético e tão quente que meus dedos
coçam para deslizar sob sua saia, descobrir se ela está molhada,
macia e desejando.
Lara se afasta com um suspiro.
— Ian.
— Hum.
Meus lábios encontram seu pescoço, amando seu gemido
involuntário. Ela empurra meu ombro.
— Espere. Pare.
Fico parado e gemo.
— Minhas duas palavras menos favoritas.
Lara solta uma risadinha enquanto se afasta, endireitando os
óculos e parecendo tão atordoada quanto eu.
Quero decifrá-la. Quero desabafar com ela. Minha mão se
estende novamente, mas ela se afasta mais.
— Eu… Eu preciso desacelerar, só um pouco — ela pede,
passando a mão trêmula pelo longo rabo de cavalo. — Ainda não
entreguei meu relatório. Oficialmente, ainda estou te investigando.
Rosno de frustração, mesmo que eu entenda. Seu trabalho é tão
importante para ela quanto o meu é para mim. Não fiz um bom
trabalho apoiando isso, mas pretendo começar agora.
— Quando você entrega? — pergunto.
— Preciso lê-lo mais uma vez, então vou enviá-lo ao meu chefe
amanhã antes do meio-dia.
— Perfeito. Almoce comigo depois.
Ela ri.
— Ian.
— Cedo demais? Posso fazer o jantar em vez disso. Eu não sou
nada se não flexível, — afirmo, deixando um sorriso se espalhar
pelo meu rosto.
Ela morde o lábio.
— Eu não sei se posso fazer esse tipo de coisa tão bem quanto
você — ela diz baixinho. — Na verdade, eu sei que não posso.
— Que tipo de coisa?
— Casual… sexo. Um lance.
Não seria casual. Não seria um lance.
O pensamento me pega desprevenido, e é tão chocante que
estou aliviado por não ter dito em voz alta.
— Seria apenas um jantar. Duas pessoas compartilhando uma
refeição.
Meu tom é tranquilo, cuidadoso para não trair o quão incomum –
e desconhecido – o pedido é para mim.
Ela pode não fazer sexo casual, mas eu não faço isso. Não
convido as mulheres para jantar apenas porque quero passar um
tempo com elas. Como Kate não tão gentilmente ressaltou para
mim, eu não namoro. Não como um meio para nada além de
transar.
Mas eu quero namorar Lara. Quero fazê-la rir, ouvir sobre sua
vida e descobrir como levá-la ao emprego dos sonhos no FBI, e
quero estar lá quando ela receber a ligação.
Eu quero tudo isso.
Estou com muitos problemas por causa dessa mulher.
— Vou pensar sobre isso — ela aponta para as portas do
elevador. — Fora.
Caramba. Não é assim que imaginei isso acontecendo.
— Mas…
— Vou descer para o saguão. Você vai voltar para o seu
apartamento.
Já fiz negócios suficientes com investidores teimosos e
relutantes para saber quando é hora de recuar.
Por enquanto.
— Tudo bem — concordo com um sorriso fácil.
Eu me movo em direção às portas abertas, parando quando
estou à sua frente. Sua respiração fica presa e, embora eu queira
devorar sua boca outra vez, quero surpreendê-la ainda mais.
Passo meus lábios em sua bochecha, sorrindo quando seu
suspiro é meio alívio, meio desapontamento. Então volto para o
corredor, ainda de frente para ela.
— Tchau, Ian.
— Boa noite, Lara. Vejo você amanhã.
É uma promessa e uma garantia de que isso não acabou.
Eu a vejo engolir enquanto ela aperta o botão de parada de
emergência de volta, e quando nos encaramos antes que as portas
se fechem, sei que ela sabe disso.
Lara

4ª semana: sexta-feira de manhã

Estou arrumando a sala de conferências da Wolfe que serviu como


meu escritório nas últimas semanas quando Kate entra com duas
canecas.
Ela me entrega uma.
— Ah, obrigada — agradeço, pegando-a. — Mas eu já tenho…
Observo o conteúdo. Não é o café que eu esperava.
Olho para cima.
— Suco de laranja?
— Com um toque de algo borbulhante.
Ela dá uma piscadinha, bate sua caneca com a minha e toma um
gole da sua própria mimosa clandestina.
Hesito. Estritamente falando, é beber no trabalho.
— Ah, vamos lá — ela insiste. — É sexta-feira e estamos
comemorando. Além disso, é seu último dia aqui. O que eles vão
fazer, te demitir?
Tento esconder meu estremecimento com a referência ao meu
status de emprego. Não que eu esteja preocupada em ser demitida
– nenhum dos superiores da SEC vai dar a mínima para um gole de
suco de laranja com champanhe. Eles nunca vão saber disso.
Mas estou preocupada com as consequências do meu relatório.
Enviei hoje de manhã e não recebi nada. Tentei ligar para Steve
– três vezes. Ele não atendeu. Eu não sei se ele apenas está
ocupado ou…
Se está irritado.
O que é estúpido. Eu fiz meu trabalho. Examinei tudo – e-mails,
arquivos, mídias sociais, pesquisas na Internet, nos computadores
da empresa. Virei todas as pedras que normalmente viro e não
encontrei nada. Não há provas de que Ian seja culpado de
negociação de informações privilegiadas. Não há evidências. Nada.
Meus relatórios semanais afirmaram isso o tempo todo.
Mas enquanto minha ética está firme, meus sonhos estão…
confusos. Eu vou chegar ao FBI algum dia, sei disso. Mas preciso
de um caso de grande visibilidade para isso.
Não era esse, não importa o quanto Steve pensasse que seria.
Por causa disso, mereci um gole de champanhe. Além disso, há
suco de laranja aqui! Porção de frutas, certo?
— Isso aí — Kate diz quando tomo a bebida.
Ela cutuca a caixa de papelão sobre a mesa.
— Vai ser estranho sem você aqui.
— Estranho bom?
— Bem, todo mundo com certeza ficará bem menos nervoso sem
a SEC à espreita.
— Parte do processo — falo, deixando meu grampeador cair na
caixa. — Nós não costumamos fazer muitos “amigos de trabalho”.
— E dentro da SEC? Com certeza você tem alguns amigos lá.
Dou de ombros.
— Sou amiga de todos. Mas não é como aqui, onde as pessoas
vêm ao mesmo escritório todos os dias. Temos uma base, mas
estamos em outros lugares com mais frequência. E mesmo quando
estou no escritório, são principalmente homens casados que não
têm interesse em fazer amizade com uma mulher de vinte e poucos
anos.
— Poderia ser pior — Kate ressalta. — Poderia haver um monte
de homens casados interessados em um casinho com uma mulher
de vinte e poucos anos.
— Verdade.
— Você já viu Ian esta manhã?
Minha caneca para a meio caminho da minha boca, e espero que
esconda meu rubor.
O jeito que aquele homem beija…
Kate me analisa.
— Você está bem?
Um pouco com calor, mas, sim, tudo bem.
— Sim!
Minha resposta sai muito animada, e os olhos de Kate se
estreitam.
— O que aconteceu depois que todos saímos ontem à noite?
— Contei a ele sobre o meu relatório. Ele ficou aliviado. E fui
embora.
Depois de nos beijarmos no elevador. Sério, o ar-condicionado
não está funcionando aqui hoje?
Kate me dá um olhar cético.
— Você poderia ter lhe contado sobre o relatório em um e-mail.
— Na verdade, sempre conto minhas descobertas às pessoas
que estou investigando pessoalmente.
É verdade. Não é uma regra da SEC nem nada. Nem é
necessariamente recomendado, mas faz parte do meu próprio
processo. Parece uma coisa de decência humana – se estou
virando a vida deles de cabeça para baixo ou dando-lhes a vida de
volta, é o tipo de coisa que sinto que deveria olhar uma pessoa nos
olhos e dizer, sabe?
Claro, isso nunca resultou em ser apalpada antes, não que suas
mãos tenham vagado para qualquer área íntima do meu corpo. Eu
apenas desejei…
Tomo outro gole do champanhe, depois coloco a caneca na
mesa antes de beber.
— Bem, obrigada por ter se preocupado em falar com ele — Kate
agradece, deixando-se cair em uma cadeira. — Ele está de muito
bom humor esta manhã. Tipo, eu o ouvi assobiar.
— Sério?
A informação faz uma emoção correr por mim que não tem nada
a ver com satisfação profissional.
Kate dá de ombros.
— Você não faria o mesmo se tivesse acabado de ser informada
que não iria para a cadeia?
— Não havia garantia de que ele seria preso. Às vezes é apenas
uma multa pesada e perda do emprego, embora para alguns isso
possa ser igualmente devastador.
— A multa não teria incomodado Ian.
— Alguns desses caras acabam perdendo sete dígitos. Isso sem
falar dos seus empregos.
— Eu já lhe disse que ele não liga para o dinheiro — ela revida.
— E acho que você sabe disso.
Olho para a minha bebida. Eu sei.
O Ian que conheci nas últimas semanas usa ternos caros, bebe
vinhos exorbitantes e organiza festas com caviar, sim, mas essa é
apenas a camada superior. Assim como o mulherengo paquerador é
apenas uma camada. O homem abaixo disso é gentil e generoso, e
talvez um pouco vulnerável.
— Lara — a voz de Kate é mais suave do que estou
acostumada, e olho para cima. — Não faça joguinhos com ele. Por
favor.
Engulo em seco e aceno com a cabeça, mas não digo nada.
Estive tão ocupada descobrindo como me proteger de Ian que
realmente não me ocorreu que ele poderia precisar de proteção
contra mim.
Que ele pode estar tão fora de seu elemento quanto eu, embora
de uma maneira diferente.
Kate olha para sua caneca.
— Droga, está vazia. Disse a mim mesma que só poderia tomar
uma até terminar os relatórios semanais. Acho devo voltar ao
trabalho.
A repentina pontada de tristeza que sinto com suas palavras me
surpreende. Tenho estado tão focada em qualquer coisa que esteja
acontecendo entre Ian e eu que não me ocorreu que isso é um
adeus. Kate se tornou uma amiga, ou pelo menos alguém de quem
eu gostaria de ser amiga.
Também sentirei falta de Kennedy e Matt, até mesmo de Sabrina
em toda a sua linda arrogância. É um grupo do qual eu gostaria de
fazer parte…
Se ao menos as coisas fossem diferentes.
Kate se levanta.
— Olha, eu sei que isso pode ser estranho, mas se você quiser
almoçar um dia desses…
Meu sorriso é enorme.
— Eu gostaria disso.
— Que bom.
— Ei, Kate — chamo quando ela está quase na porta. — O Ian
está em seu escritório?
Quando ela se vira, seu sorriso é um pouco travesso.
— Ele tinha uma reunião às nove, mas já deve ter terminado. Ele
está com a agenda livre até as onze — ela se encosta na porta. —
Para que você precisa dele? Quero dizer, o caso está encerrado,
certo? E você entregou essa mensagem ontem à noite. Então–
— Kate.
— Sim?
Pego minha mimosa e tomo um gole.
— Qual é o lance entre você e Kennedy?
Seu sorriso desaparece.
— Ainda não somos tão boas amigas, SEC.
Sorrio.
— Exatamente.
Kate aponta para mim.
— Eu sabia que ia gostar de você.
Ainda estou sorrindo quando ando pelo corredor em direção ao
escritório de Ian. São pouco mais das dez, então, supondo que a
reunião das nove horas não tenha ultrapassado…
Ian está atrás da sua mesa, com a atenção voltada para a tela do
computador.
Eu o vejo digitar por um momento. Estou acostumada a vê-lo em
seu modo de encantador de pessoa, mas estou percebendo que há
um outro lado em sua personalidade profissional. O cara que faz as
coisas é muito intenso, muito focado e… muito sensual.
Hoje ele está usando uma gravata rosa escuro, mas parece tudo
menos feminino quando combinada com seu terno cinza escuro,
ombros largos e mandíbula acentuada.
O homem é a fantasia de toda mulher.
E ele me convidou para jantar.
Ian pega uma caneta e aperta duas vezes quando me vê na
porta.
— Oi, Esquisita. Entre.
— Oi — cumprimento, me sentindo um pouco nervosa enquanto
fecho a porta.
Ele começa a se levantar, mas ergo a mão para detê-lo.
— Espere. Se você pudesse apenas… Preciso dizer algo e não
posso quando você está todo… perto e tal.
Ian dá um sorriso curioso.
— Tudo bem. O que houve?
— Você me convidou para jantar.
Seu olhar é firme.
— Convidei.
— Por quê?
— Porque eu gosto de comer.
Ele sorri.
— Ian, estou falando sério.
Ele se levanta e vem em minha direção.
— Porque gosto de você, Lara. O que diabos eu tenho que fazer
para provar isso? Escrever no céu? Fazer uma tatuagem? Colocar
em um classificado?
Meu estômago revira com suas palavras, e não consigo
esconder meu sorriso bobo.
— Você entregou seu relatório? — ele pergunta, estendendo a
mão e pegando minha mão.
— Entreguei.
Seus olhos piscam de alívio.
— Então, não estou mais sob investigação por negociação de
informações privilegiadas? Você não está mais me investigando?
— Correto.
Ele me puxa para um beijo e estou pronta para isso. Caramba,
eu o encontro no meio do caminho, minhas mãos em sua cintura,
ele segurando o meu rosto, me puxando para perto.
Não me lembro de ter sentido esse desejo, essa imprudência.
Sim, estamos em seu escritório. Sim, qualquer um poderia entrar.
Mas agora, com suas mãos em mim, não me importo. Eu não me
importo com nada além de querer mais.
Sem quebrar o contato, ele chega atrás de mim e tranca a porta.
— Minha casa — ele avisa, arrastando sua boca da minha e
passando pela minha garganta. Minha cabeça cai para trás e eu
solto um pequeno gemido quando ele beija meu pescoço. — Sete
horas.
— Eu não posso ir à sua casa em um primeiro encontro.
Sua boca volta para a minha.
— Por que não? Você disse que não queria que ninguém nos
visse.
Bufo de frustração.
— Eu sei, mas…
— Sou um cozinheiro muito bom — ele afirma com um sorriso
lento.
Isso me faz parar.
— Você é?
— Nem um pouco. Mas sou muito bom em comida pra viagem.
— Ian…
Não consigo me lembrar do que ia falar. Toda essa conversa
aconteceu entre beijos, e fica mais difícil de pensar com cada toque
da sua boca contra a minha. E muito mais difícil de dizer não. Eu
vim aqui pensando que talvez pudéssemos levar isso devagar…
Então suas mãos deslizam sobre meus quadris enquanto ele
aprofunda o beijo, e devagar parece impossível. E nem um pouco o
que eu quero.
Eu quero isso. Quero a forma como me sinto quando estou perto
dele, como me sinto quando suas mãos estão em mim.
— Você quer vir — ele declara, inclinando-se ligeiramente para
pressionar um beijo no V da minha blusa.
— Eu quero?
Consigo dizer quando sua palma desliza pela minha coxa, seus
dedos vagando por baixo da minha saia.
— Mm-hum.
Seus dedos percorrem o interior da minha coxa nua.
— Mas…
As pontas dos seus dedos roçam levemente na frente da minha
calcinha, e não consigo lembrar de nada. Não o que falei no
passado, não porque eu não deveria estar fazendo isso…
Então seus dedos deslizam sob o elástico, e eu não consigo nem
lembrar do meu próprio nome.
Ele geme quando encontra minha umidade.
Suspiro enquanto me agarro a ele, tentando não deixar meus
joelhos dobrarem enquanto seus dedos hábeis encontram todos os
lugares certos.
Não conheço essa garota, – aquela que deixa um playboy
elegante pressioná-la contra a porta de um escritório e deslizar a
mão sob sua saia, mas agora eu quero ser ela, mesmo que apenas
por este breve momento do paraíso.
— Ian.
Corro minhas mãos sobre seus ombros. Ele se afasta com um
gemido.
— Não, não pare — gemo, puxando-o para perto, muito excitada
para ficar envergonhada.
Ele solta uma risada torturada, sua testa encostada na minha.
— Eu tenho que parar. Não posso ter você aqui assim.
Por que diabos não?
Não pergunto em voz alta, mas ele parece saber, roçando os
lábios nos meus.
— Você é diferente. Deixe-me te mostrar que você é diferente.
Frustrado como meu corpo está, o meu coração dispara. Como
não poderia? Não é essa a fantasia de toda mulher, ser aquela que
doma o indomável?
Ele tira a mão de debaixo da minha saia, usando a outra mão
para alisá-la.
Ian beija minha bochecha, seus lábios se movem para minha
orelha.
— Sete horas. Minha casa. Por favor.
Desvio o olhar apenas por um segundo, tentando organizar meus
pensamentos, e meus olhos travam na orquídea na mesa atrás da
sua mesa. A maldita coisa está florescendo.
Engulo em seco, meus olhos inesperadamente lacrimejando com
um sentimento por este homem que não estou nem perto de
nomear.
Concordo.
— Sete horas.
Ian

4ª semana: sexta-feira à noite

— De onde isso veio? — pergunto enquanto Sabrina espalha


guardanapos quadrados que nunca vi na minha vida.
— Papelaria em Flatiron — ela responde, inclinando a cabeça
para analisar o ângulo do seu arranjo de guardanapos. — Eles não
são fabulosos?
Resmungo em resposta.
— E você está aqui por que…?
— Bem, imagine por um segundo se nós dois tivéssemos pais
melhores — argumenta ela, indo até a pia para cortar as pontas das
flores que trouxe com ela. — Eles gostariam de nos ver no baile. De
registrar. De certificar que você tenha o corsage.
Ela segura as flores.
Olho para Matt, que está sentado no banquinho da minha
cozinha.
— Do que ela está falando?
— Você me pegou — Matt dá de ombros e enfia a mão em uma
tigela de biscoitos de queijo, mais uma contribuição da Sabrina. —
Eu nunca falo a língua dela.
Ela dá um tapa na mão dele.
— Não toque. Isso é para Lara.
— Ai! — ele balança a mão. — Desde quando você gosta mais
da SEC do que de mim?
— Desde sempre. Gosto de todo mundo mais do que de você.
— Ainda não estou acompanhando a alusão ao baile —
interrompo, observando com ceticismo enquanto Sabrina arruma
flores em um vaso que eu não sabia que tinha.
— O baile é um grande negócio — ela explica, reposicionando
uma flor cujo nome eu definitivamente não sei. — Assim como o seu
primeiro encontro.
— Oh, Jesus — murmuro. — Isso de novo?
— Eles crescem tão rápido — Matt zomba, pegando um dos
guardanapos de Sabrina e enxugando os olhos.
— Não toque nisso também — Sabrina ordena a Matt. — Você
tem alguma ideia de quanto isso custa?
— Como se você não pudesse pagar. Quanto está cobrando hoje
em dia para brincar de Deus com a vida das outras pessoas?
— Ah, tenho certeza de que estou dentro do seu orçamento,
Garoto Prodígio. Então, se está procurando contratar alguém para
ajudar com sua insatisfatória…
— Tudo bem — interrompo. — Fora. Saiam.
— Mas…
— Não — pego a bolsa de Sabrina e a empurro contra seu peito,
forçando-a em direção à porta. — Tchau.
Matt lhe oferece um aceno de despedida, usando principalmente
o dedo médio para fazer isso.
— Você também — aviso a ele.
Ele franze a testa enquanto Sabrina se regozija.
— Acho que eu deveria ficar aqui — ele insiste, mesmo enquanto
se levanta. — Você sabe, para interferir.
— Sim, isso é o que todo encontro precisa.
— Ian, você não pode estar pensando seriamente em ver essa
mulher…
— Chega!
Eu não tenho um temperamento ruim. Realmente não. Mas há
uma linha tênue entre amigos sendo amigos, e amigos sendo uma
chatice cansativa.
— Eu te dei merda todas as vezes que você e Sabrina
transaram? Dou um sermão para Kennedy e Kate sobre o que
diabos está acontecendo ali? Não. Eu deixo vocês fazerem suas
coisas, viverem suas vidas, então deixem eu fazer o mesmo. Por
favor.
Matt me encara por um momento, então olha para Sabrina, que
dá de ombros.
— Tudo bem — ele resmunga por fim. — Você vai me ligar
depois que ela for embora?
— Não, porque isso seria estranho — respondo, colocando
minha mão entre suas omoplatas e empurrando-o não muito
gentilmente em direção à porta da frente.
Sabrina já está lá, abrindo-a antes de enfiar a mão na bolsa para
passar o batom.
— Pelo menos nos mande uma mensagem. Só queremos ter
certeza de que ela não está brincando com você, que isso não é um
truque…
— Eu não faço truques.
Todos viramos para ver Lara parada na porta, segurando uma
garrafa de vinho no peito e parecendo irritada. E talvez um pouco
magoada.
Sabrina tem a decência de estremecer.
— Eu não quis dizer…
— Sim. Você quis — Lara corta.
Ela não está usando seus óculos esta noite e seu cabelo está
solto, do mesmo jeito que estava naquela noite na boate. Mas minha
parte favorita é que ela está vestindo jeans e algum tipo de top de
tiras. Há quanto tempo não passo a noite de sexta-feira com uma
mulher de jeans? Geralmente são vestidos sofisticados, sapatos
desconfortáveis e uma tonelada de spray de cabelo.
Lara parece confortável. E é uma das coisas mais sexy que já vi.
Bem, isso e o olhar furioso em seu rosto.
— O caso está encerrado. Acredito tanto profissionalmente
quanto pessoalmente, que Ian é inocente. Eu não estaria aqui se
não ele fosse — Lara declara com frieza.
Então o impossível acontece. Sabrina cora de vergonha e diz…
nada.
Tanto Matt quanto eu a encaramos em choque. Sabrina Cross
sempre tem uma autoconfiança ousada.
— E você — Lara diz, mudando sua atenção para Matt. — Você
e Kennedy são bons cães de guarda. Posso admirar isso. Mas
vocês também são amigos de Ian e precisam saber quando recuar.
— Ei — Matt retruca. — Você o conhece há quanto tempo? O
resto de nós está aqui há anos…
— Excelente — Lara revida com um sorriso brilhante. — Então,
como um amigo que o conhece há anos, você confia e respeita o
julgamento dele, certo?
A mandíbula de Matt trava com raiva, mas ele sabe quando foi
superado.
— Certo.
— Fantástico.
Ela dá um passo para o lado em um comando direto. Vão
embora.
Para minha surpresa, eles obedecem.
Pela primeira vez, Matt e Sabrina partem docilmente sem olhar
para trás.
Caramba, eles nem estão discutindo um com o outro.
Dou a Lara um olhar espantado.
— Você não tem ideia de como isso foi impressionante.
Ela sorri e entra no apartamento.
— Desculpe se exagerei. Eles realmente se importam com você.
— Eles se importam. Mas isso não quer dizer que estejam
certos.
Lara me observa, seus olhos azuis desprotegidos sem os óculos.
— Então você não acredita neles? Você não acha que estou aqui
esperando que você admita algo sobre a J-Conn?
Eu me aproximo e, enganchando um dedo sob seu queixo,
inclino seu rosto para o meu.
— Acho que não devemos nem mencionar a palavra J-Conn pelo
resto da noite — passo minha boca contra a dela. — Combinado?
Em resposta, sua mão enrola em volta do meu pescoço, me
puxando para baixo, e o que eu pretendia que fosse um beijo rápido
imediatamente fica quente.
Normalmente gosto de estar no controle, mas amo o jeito que
Lara me beija. Eu a deixo fazer do jeito dela, sedenta e um pouco
tímida. É perfeito. Tudo, desde o roçar hesitante da sua língua
contra a minha, até o jeito que ela segura minha bochecha, me faz
sentir como se este fosse o único beijo que já importou.
Ela se afasta e empurra a bolsa de vinho no meu peito.
— Aqui está. Nunca vá para a casa de outra pessoa de mãos
vazias e tal.
Enfio a mão na bolsa e tiro o que supus ser uma garrafa de
vinho. Sorrio quando vejo que não é.
— Campari — um dos principais ingredientes de um Negroni.
— E… — ela vasculha sua bolsa enorme até encontrar uma
garrafa de…
Removedor de mancha.
— Apenas para o caso de precisar — ela fala, entregando-me e
dando um tapinha no meu peito antes de entrar no meu
apartamento. — Parece diferente da outra noite.
— Eu reorganizei naquele dia para dar espaço para o bar —
explico, colocando o Campari ao lado das flores de Sabrina. — É
assim que normalmente parece.
— É muito… viril — ela comenta, olhando ao redor.
Puxo uma garrafa de champanhe da geladeira.
— Você não viu a almofadinha no sofá?
Ela se inclina para examinar a almofadinha genérica em questão.
— Dificilmente é um ponto cruz.
— Ponto cruz? — pergunto, vindo em sua direção com uma taça
de champanhe.
— Exatamente o meu ponto.
Ela aceita a taça e eu bato a minha na dela em um brinde sem
palavras.
Ela baixa o olhar para a minha camisa e inclina a cabeça.
— É preta.
Olho para minha camisa preta.
— E?
— E não há gravata.
— Suas habilidades de observação estão excelentes esta noite,
McKenzie, — zombo com um sorriso.
— É que… esta é a primeira vez que vejo você em algo além de
um terno. Gosto disso.
Toco seu cabelo, passando meus dedos pelos fios sedosos.
— Hmm. Todo esse tempo tenho tentado fazer você não me
odiar e e era só eu ter abandonado a blusa social.
— Eu não te odiei.
Dou a ela um olhar compreensivo.
— Você queria que eu caísse morto naquele primeiro dia que nos
vimos, na calçada. Admita.
— Você foi um idiota. Admita isso.
— Eu fui um idiota — concordo sem hesitar.
Ela dá uma risada exasperada.
— É muito difícil discutir com você, sabia?
— Então não discuta. Sente-se. Vamos discutir sobre como
alimentar você — digo, apontando para as banquetas.
Ela pula no assento preto elegante e pega um guardanapo do
balcão.
— Sabrina?
Reviro os olhos.
— É óbvio. Agora… sushi, italiana, chinesa ou outra? — indago,
deslizando meu celular pelo balcão onde abri o aplicativo de entrega
de comida.
Ela morde o lábio.
— Como nos sentimos sobre pizza?
A mulher aparece de jeans, carregando Campari, e quer pedir
pizza.
Onde ela esteve durante toda a minha vida?
— Eu me sinto bem com pizza — respondo, puxando meu celular
de volta e digito o nome de um lugar virando a esquina.
Eu me sinto bem pra caramba com você também.
Lara

4ª semana: sexta-feira à noite

— Ok, já falamos sobre a cor preferida, os filmes favoritos,


discutimos sobre se os cogumelos deveriam ou não ser banidos do
mundo… — Ian enche minha taça de vinho. — Só resta mais uma
informação vital a ser trocada.
Pego um pedaço de pepperoni rebelde do meu prato e mordo.
— Aniversários? — indago ao mesmo tempo que Ian diz:
— Pior transa que você já teve?
Quase engasgo com o pepperoni.
— Isso não é uma conversa de primeiro encontro.
— Não é? Desculpe, sou novo nisso. Vou tentar de novo: pior
transa que você já teve?
Eu rio.
— Não vou responder isso.
Mike Lanter, primeiro ano da faculdade.
— Mas–
— Próxima pergunta — peço com um sorriso, apreciando sua
arrogância.
— Tudo bem — ele aceita, recostando-se na cadeira. — O que
vai acontecer com o pedido do FBI?
Meu sorriso cai.
— Vou responder a outra pergunta. Meu encontro sexual mais
estranho foi…
— Por favor, Lara — ele pede, estendendo a mão e pegando as
minhas quando me movo para pegar nossos pratos vazios. —
Temos que conversar sobre isso.
— Não há o que falar. Meu chefe disse que me escreveria uma
carta de recomendação assim que eu tivesse uma grande vitória.
Você ser culpado deveria ser essa vitória. Você não era. Fim da
história.
— É uma história muito ruim — ele observa, esfregando o
polegar ao longo do meu pulso. — Você deveria receber a carta de
recomendação porque fez um bom trabalho.
Balanço minha cabeça.
— Na verdade, não. Para entrar no competitivo Quântico, uma
investigadora júnior que fez um trabalho completo com uma
investigação informal sobre alguém que era inocente não vai se
destacar. Uma investigadora que acabou de vencer uma grande
investigação formal sobre alguém que é culpado… isso tem o fator
uau.
Espero que Ian discuta, mas ele concorda com a cabeça, o que
aprecio. Ele confia em mim para saber mais sobre o meu trabalho
do que ele, o que é um descanso revigorante dos outros caras que
namorei que gostavam de mansplain tudo.
— Sinto muito — ele fala, ainda sem soltar minhas mãos.
Dou de ombros.
— Eu também. Mas é apenas uma questão de tempo. O FBI não
é agora, mas não é nunca.
— Você contou aos seus pais?
— Ainda não.
Brinco com meu guardanapo.
— Tenho muito medo de que eles fiquem aliviados — olho para
cima. — Você disse ao seu pai de criação que encerramos o caso?
Seu sorriso é fraco.
— Ainda não.
— Quão próximos vocês são? — pergunto suavemente.
Ele dá de ombros como se isso não importasse, mas sua
expressão fechada me diz que sim.
— Próximos o suficiente para manter contato, mas não para eu o
chamar de pai.
— Você gostaria de chamá-lo de pai? — questiono.
Ele olha para cima.
— Eu quis uma vez, há muito tempo. Esperei por todo o conto de
fadas da adoção. Não deu certo, mas entendi. Quem diabos
gostaria de enfrentar o incômodo de ser pai de um adolescente com
tanto ressentimento?
Ele sorri, mas seu sorriso é tenso, e meu coração dói não só pelo
garoto que queria tanto ser desejado o suficiente para ser adotado,
mas pelo homem que ainda acha que não valeu a pena o esforço.
— O que você acha de sobremesa? — ele pergunta
abruptamente, levantando-se e pegando os pratos.
Pego as taças de vinho e o sigo da sala de jantar até a cozinha.
— Acho que amo a ideia na teoria, mas não consigo imaginar
comer mais nada.
— Bom — Ian murmura, me puxando para perto assim que
coloco as taças no balcão perto dos pratos.
Uma pequena parte de mim acha que eu deveria protestar. Que
é muito cedo, que não estou pronta…
São mentiras. Parece que esperei desde sempre que alguém me
quisesse do jeito que ele quer. E definitivamente esperei desde
sempre que alguém me fizesse sentir do jeito que ele faz.
Não sinto vontade de fingir ser tímida. Não quero ser tímida.
Eu o quero.
O beijo começa lento e um pouco doce. O tipo de provocação
suave dos lábios que é um acúmulo deliberado e delicioso que
promete mais por vir.
Ele aumenta de maneiras pequenas e sensuais. Seus dedos
cavando em meus quadris, um pouco desesperados. Minhas unhas
arranhando seus ombros através da camisa, um pouco
gananciosas.
Sua língua separa meus lábios, e quando toca a minha língua, o
beijo passa de doce a ardente.
Eu não sei se ele se move primeiro ou se eu o faço, mas um
segundo depois estou presa contra o balcão, a palma da mão na
parte de trás da minha cabeça, sua boca inclinada sobre a minha
enquanto nos devoramos.
Sem quebrar o contato com minha boca, Ian me levanta no
balcão, e minhas pernas se enrolam em sua cintura, puxando-o para
perto – precisando dele.
Todo ele.
Nunca me senti assim, nunca senti que tudo o que realmente
importa está ao alcance do meu braço, se apenas fosse corajosa o
suficiente para aceitar.
Eu quero ser corajosa.
Meus dedos deslizam sob sua camisa. Ian fica parado, puxando
para trás apenas o suficiente para que eu ainda possa sentir seu
hálito quente na minha boca.
— Lara.
Minhas mãos deslizam mais para cima das suas costas.
— Ian.
Ele pressiona a mão sobre a minha.
— Não tenho muito controle agora. Se você me tocar, me tocar
de verdade, vou ter que tocar em você, e então…
— Então me toque.
Ele se afasta mais e me prende com aquele olhar azul
ridiculamente atraente.
— Você tem certeza?
Respiro fundo, e antes que eu possa me acovardar, puxo minha
camisa sobre minha cabeça.
— Tenho.
Ian faz um som que é meio oração, meio estrangulamento
enquanto admira meu sutiã de renda preto.
Ei, não vou dizer que planejei isso, mas eu me preparei. Apenas
para o caso.
Ele arrasta seus dedos com leveza pelo meu peito enquanto
seus olhos me observam avidamente e eu empurro a camisa mais
para cima do seu abdômen.
— Tire.
Ian se abaixa e a puxa sobre sua cabeça. Ele não está vestindo
uma camiseta. É só ele, e minha nossa, posso chamar isso de
perfeição?
Ian é bronzeado, tonificado, e em todos os lugares que olho, ele
fica cada vez melhor.
Passo minha mão em seu estômago.
— Tanquinho. Nunca estive com alguém com tanquinho de
verdade.
— Tanquinho é sem graça — ele afirma, estendendo a mão para
desabotoar meu sutiã. — Estes, no entanto — ele declara com
reverência enquanto meus seios caem livres da renda. — Estes são
espetaculares.
Meus seios são medianos. Eu sei disso. Mas a maneira como Ian
os adora, primeiro com as mãos, depois com a boca, me faz sentir a
mulher mais bonita do mundo.
Sua língua acaricia molhada sobre a ponta de um seio, depois do
outro, até que me sinto ofegante. Então seus olhos se movem para
os meus no exato instante em que ele envolve a boca em torno do
meu mamilo e chupa, um momento descaradamente malicioso.
Com cada lambida, cada leve raspar dos seus dentes, ele me
seduz um pouco mais até que estou arqueando para ele com um
convite inconfundível.
Suas mãos deslizam pelas minhas panturrilhas, garantindo que
meus pés estejam firmemente enganchados em sua cintura antes
de me tirar do balcão.
— Impressionante — murmuro, deslizando meus lábios sobre a
superfície dura da sua bochecha enquanto ele me leva para o
quarto.
E é. Não tenho muita experiência, mas a coreografia de pegar e
carregar tem sido a cena das minhas fantasias obscenas, não da
vida real.
Mas Ian é real. Ele é real, me faz sentir feminina e poderosa, e é
uma sensação deliciosa.
Pelo menos até ele me deitar em sua cama e a realidade se
instalar.
Ele está no processo de desafivelar o cinto quando me levanto e
dou um passo para trás precisando de uma certa distância.
Ele fica parado.
— Lara, me desculpe. Eu pensei–
— Não — interrompo, levantando a mão. — Não, você pensou
certo. É que, estar aqui no seu… — olho em volta para o cômodo
inconfundivelmente masculino. — De repente estou ciente de que
você faz muito isso. Talvez nesta mesma cama. E eu… não.
Seus olhos se iluminam com a compreensão, e embora ele
termine de tirar o cinto e os sapatos, as calças ainda estão bem
fechadas quando ele se joga na cama de maneira casual.
Ele dá um tapinha no local ao lado dele.
— Vem cá.
Balanço minha cabeça.
Ian revira os olhos e estende a mão, me puxando para ele.
Suspiro um pouco quando meus seios nus colidem com seu peito.
Ele enfia os dedos no meu cabelo, travando seu olhar no meu.
— Use esse seu cérebro brilhante para ouvir, e direito. Você é a
única mulher em quem estou pensando, a única mulher em que
tenho pensado desde que te vi naquele primeiro dia na sala de
descanso.
— Sério?
Analiso suas feições, mas vejo apenas honestidade.
Ele dá um beijo na minha bochecha.
— Juro por Deus, mulher, nunca quis ninguém como quero você.
Esperava que isso passasse, mas alguma coisa em você me deixa
de quatro.
— Então não passou? — pergunto, colocando minha mão no
centro do seu peito, observando enquanto abro meus dedos.
Ele pega minha mão e a abaixa suavemente até que ela esteja
descansando contra a protuberância inconfundível em sua calça.
— Definitivamente não.
Movo minha mão de leve, acariciando-o.
Ele aperta os olhos bem fechados.
— Lara.
Encorajada pela rouquidão da sua voz, desabotoo suas calças, e
o raspar do zíper quando o puxo para baixo eletrifica o momento.
Sentando-me, eu me remexo para fora do meu jeans antes de
voltar minha atenção para ele, tirando tanto a calça quanto a cueca
preta sobre seus quadris e pernas, até que vejo Ian Bradley como
ele deveria ser…
Totalmente nu e totalmente meu.
Ian se apoia nos cotovelos, me observando com olhos quentes
enquanto corro minhas mãos sobre seu corpo perfeito.
Lambo meus lábios.
— Estou tão fora do meu alcance.
Seu olhar cai para o meu peito.
— Não do meu ponto de vista.
Sentindo-me mais ousada do que nunca na minha vida, envolvo
meus dedos em torno dele bem devagar. O aço aveludado pula
contra minha mão.
A cabeça de Ian cai de volta no travesseiro, e a maneira como
ele rosna meu nome em desespero necessitado causa um latejar
implacável entre as minhas pernas.
Eu o acaricio timidamente, depois com mais segurança enquanto
seus gemidos me estimulam.
Até este momento – até ele – eu não tinha ideia de que dar
prazer a outra pessoa era a forma mais potente de preliminares…
para mim.
Viciada na sensação, me mexo um pouco para ficar de joelhos.
Então eu me curvo e toco meus lábios em sua ereção tensa.
— Meu Deus. Lara — sua mão tenta tocar meu cabelo.
Abro a boca e o tomo. Ele tem um gosto misturado de doce e
salgado, e desta vez não há nada hesitante na maneira como ele
me toca. Seus dedos emaranham no meu cabelo agora, segurando-
o enquanto ele me observa chupá-lo sem vergonha nenhuma.
Alterno entre rápido e lento, provocante e segura, ouvindo seu
ofegar para saber do que ele gosta.
Meus olhos se abrem quando sinto sua mão livre deslizar pelas
minhas costas, sobre meu quadril e bunda. Então gemo ao redor
dele enquanto sua mão empurra minhas coxas, e ele abre caminho
sob a renda da minha calcinha. Seus dedos deslizam sobre mim,
dentro de mim, me tocando com uma habilidade tão torturante que é
preciso cada pedaço de foco para continuar fazendo o que estou
fazendo.
É uma batalha perversa de vontades, seus dedos me
provocando sem dó, me levando ao orgasmo, mas nunca me
deixando passar do limite. Eu retribuo o favor, encontrando o ritmo
exato que faz seus quadris balançarem, apenas para relaxar no
último minuto.
Nenhum de nós ganha. Ou talvez nós dois ganhamos, quando
Ian me puxa para cima e me rola de costas.
Sua boca captura a minha, me beijando profundamente enquanto
seu corpo prende o meu na cama.
Arqueio, e nós dois paramos quando seu pau cutuca o V úmido
da minha calcinha.
Ele me dá um último beijo antes de se afastar e abrir a gaveta do
criado-mudo. Ian rasga o pacote de papel alumínio com os dentes e
coloca o preservativo. Então ele desce minha calcinha pelas minhas
pernas e a joga no chão.
Seu olhar cai entre minhas coxas enquanto ele as separa.
— Mais tarde — ele avisa baixinho —, vou lamber você aqui.
Ele passa um único dedo pela minha costura molhada, e eu grito,
tanto pelo toque quanto por suas palavras.
— Mas agora — ele continua, descansando lentamente uma
palma em cada lado da minha cabeça enquanto se apoia acima de
mim —,agora, preciso estar dentro de você.
Ian se inclina um pouco para frente, sua expressão de pura
concentração enquanto observa meu rosto. Eu sou apertada e ele é
grande, mas o atrito é delicioso.
Ele está respirando com dificuldade enquanto se retira, então
empurra de volta devagar. É a imagem da contenção, claramente
tentando tomar seu tempo, por mim, por nós. Para fazer durar.
Haverá tempo para isso mais tarde. Neste momento, não quero
ser provocada. Quero ser possuída.
Gananciosa, eu me abaixo e seguro sua bunda, empurrando-a
para frente.
— Forte.
Ele olha nos meus olhos primeiro, certificando-se. Então faz isso.
Seus quadris golpeiam com força em mim, e eu arqueio para aceitá-
lo, meu corpo fornecendo suavidade à sua potência.
É possível morrer de prazer? Se for, este é o jeito que quero ir,
com Ian batendo dentro de mim, seus quadris circulando com cada
impulso para esfregar exatamente no lugar certo até que eu esteja
ansiando, precisando…
— Goze — ele ordena, quando minha visão começa a ficar
embaçada com paixão.
Ele mordisca meu peito com os lábios.
— Goze para mim, Lara, assim mesmo.
Grito, arqueando minhas costas, e ele também encontra seu
prazer, seu corpo estremecendo quando me solta com um gemido
baixo.
Sempre pensei que orgasmos fossem orgasmos. Sempre bons.
Errado.
Às vezes, eles são tão incrivelmente bons que você fica
apavorada, querendo que aquilo nunca acabe assim como querendo
que ele aconteça.
Ian cai ao meu lado, ainda respirando com dificuldade, e reúno
energia para rolar em direção a ele.
Ele vira a cabeça um pouco, dando um beijo na minha testa
antes de me puxar para perto.
— Bem.
Sorrio.
— Bem.
Ian se move para olhar para mim; seus dedos encontrando uma
mecha do meu cabelo e acariciando com o polegar.
— Você nunca respondeu à minha pergunta.
— Qual delas?
— Pior transa que você já teve.
Mordo meu lábio inferior.
— Ai, poxa. Eu tinha uma resposta diferente antes, mas… uau,
isso é constrangedor. Sinto que deveria pelo menos deixar você se
vestir antes de responder. Você sabe, para salvar seu orgulho.
Ele inclina a cabeça para trás e solta uma gargalhada de pura
confiança masculina.
— Tudo bem. E a melhor transa que você já teve?
Reviro os olhos.
— Você também faz marcas na cabeceira da cama?
— Talvez — ele dá uma piscadela rápida.
Ele rola em minha direção até que estou deitada de costas mais
uma vez, e seus olhos voltam para os meus.
— Pergunte-me.
— Perguntar o quê? Pior transa que você já teve?
— Um cavalheiro nunca beija e conta. Pergunte-me a outra.
— Melhor transa que você já teve? Você acabou de dizer que um
cavalheiro nunca…
— Você.
Ele dá um beijo em meus lábios.
Quando ele se afasta, quero revirar os olhos novamente e
implicar com a sua cantada. Mas então percebo…
Vergonha. Suas bochechas estão apenas um pouquinho
rosadas; ele olha para mim e está… inquieto. Há uma doçura em
seu nervosismo que me desfaz.
Coloco minhas mãos em seu rosto.
— Ian.
— Sim?
Levanto um pouco para roçar um beijo em sua boca.
— Eu também.
Ian

5ª semana: domingo de manhã

Estou no meio do corredor do meu apartamento quando percebo


que estou cantarolando.
Pelo amor de Deus, se recomponha, cara.
Empilhando um copo da Starbucks em cima do outro, tiro a
chave do meu apartamento do meu short de corrida e abro a porta.
E sorrio ainda mais.
Há uma mulher na minha cozinha, vestindo uma das minhas
camisetas e minúsculos shorts de dormir.
Não, não uma mulher. A mulher.
Lara ergue os olhos de seja o que for que estava misturando e
ajeita os óculos, observando minhas roupas de corrida e meu
estado levemente suado.
— Acordar às quatro da manhã é uma coisa normal para você?
Para se exercitar? Em um domingo? Se for, tenho sérias dúvidas
sobre nossa compatibilidade.
Sorrio.
— Isso é loucura. Meu despertador toca às quatro e meia nos
fins de semana.
— E nos dias de semana?
Sorrio ainda mais largo.
— Às quatro.
— Ah, Ian…
— O quê? Eu tenho um monte de merda para fazer antes que o
mercado abra.
— Pensei que você não chegasse em casa antes das quatro.
— Bem, isso também — digo, beijando-a enquanto lhe entrego
um dos cafés. — Só que não tanto quanto eu costumava.
— Ficando velho? — ela pergunta, tomando um gole do café.
Envolvo um braço ao redor da sua cintura, puxando-a de volta
para a minha frente e cheirando seu pescoço.
Mais como domesticado.
Não digo isso em voz alta. Parece absurdo. Conheço essa
mulher há um mês, a tive na minha cama apenas duas noites
consecutivas.
O que é uma noite a mais do que o meu recorde anterior.
Depois do nosso encontro de sexta-feira, ela dormiu (de
exaustão sexual, eu gostaria de pensar). E por mais fantástica que a
noite de sexta-feira tenha sido – e foi fantástica – sábado foi ainda
melhor. Nunca tinha me ocorrido que passar um dia inteiro com uma
mulher pudesse ser significativo, mas não me lembro de ter gostado
tanto de um dia de fim de semana.
Ou de desfrutar de uma mulher tanto quanto gosto de fazer com
ela.
— Você mencionou ontem que tinha algum trabalho a fazer?
— Hmm. Um pouco — ela responde, sua cabeça caindo para
trás no meu ombro enquanto minha língua encontra um ponto
sensível atrás da sua orelha.
— Também estou atrasado com meus e-mails. Que tal comermos
tudo o que você está fazendo aqui, tirarmos algumas horas para
trabalhar e depois almoçarmos? Há um lugar na parte alta da cidade
perto do parque…
Ela endurece um pouco e se afasta antes de se virar para mim.
— Ian, ainda não podemos ser vistos juntos. Ainda não.
Reprimo uma onda de frustração, embora eu entenda. A mulher
já atrasou o emprego dos seus sonhos. A última coisa que desejo
fazer é também ameaçar o trabalho diário dela.
É apenas uma maldita surpresa que a primeira vez que
realmente quero passar um tempo com uma mulher, eu me sinta
como seu pequeno segredo sujo.
Mas se temos que ser sujos…
Coloco meu café de lado, então gentilmente libero o dela de suas
mãos e faço o mesmo.
— Ei — ela diz em um tom de advertência. — Tirar cafeína da
mão de uma mulher é um negócio muito perigoso.
— Eu vou devolver. Mais cedo ou mais tarde.
Coloco minhas mãos em sua cintura e a levanto sobre o balcão,
assim como fiz naquela primeira noite.
— Tudo bem, novo plano — declaro, afastando seus joelhos e
me colocando entre eles. — Nós comemos qualquer delícia que
você esteja preparando. Eu vou pegar um pouco de suco de laranja
e champanhe para mimosas mais tarde – vamos beber na minha
varanda e fingir que estamos em algum lugar exótico. Mas
primeiro… — Corro minhas mãos até suas coxas nuas. — Estou
pensando em um aperitivo.
— Não existe aperitivo para o café da manhã — Lara observa,
ajustando os óculos daquele jeito que me deixa louco de luxúria.
— Discordo — murmuro, capturando sua boca com a minha
enquanto minhas mãos continuam acariciando suas coxas.
Quando meus dedos encontram a parte de cima de sua calcinha
e engancham um pouco dentro dela, Lara se afasta do beijo com um
olhar estreito.
— Não quero ser sensível, mas um de nós acabou de voltar do
que provavelmente foi uma corrida obscenamente longa; o outro já
tomou banho.
— Eu não preciso estar limpo para o que tenho em mente —
argumento, chovendo beijos em seu pescoço.
Coloco minha camisa em volta da sua cintura com meu punho,
então me inclino e lambo logo abaixo do seu umbigo.
Ela ofega, e eu faço isso de novo.
— Na verdade — murmuro, puxando a calcinha sobre seus
quadris e todo o caminho até suas pernas —, pode-se até dizer que
é um pouco sujo…
Abrindo suas pernas, abaixo, enganchando meus antebraços sob
suas coxas.
Olho para o corpo dela.
— Você pode querer ficar confortável.
— Ian…
Eu passo minha língua sobre ela.
Ela solta um longo suspiro, caindo de volta em seus cotovelos.
— Você estava dizendo? — pergunto com outra lambida
provocante.
Desta vez, quando chama meu nome, é um apelo, não um
protesto.
Tomo meu tempo com ela, saboreando-a com movimentos
lânguidos da minha língua. Tendo passado a maior parte do dia de
ontem deixando-a nua e mantendo-a assim, aprendi que ela gosta
de algo lento e suave até o fim. Eu faço exatamente isso: lambidas
suaves sobre suas áreas mais sensíveis enquanto ela se contorce
embaixo de mim.
Sua mão desce para a minha, e entrelaço meus dedos com os
dela com minha mão direita, minha mão esquerda estendida sobre
seu estômago para mantê-la parada. É íntimo de uma maneira que
não estou acostumado. Não costumo ter mulheres na minha cozinha
e com certeza não as provo aqui.
Mas é mais do que a localização e o que estou fazendo. É o jeito
que sou com ela e o jeito que ela é comigo. Como se estivéssemos
apenas começando e o melhor ainda estivesse por vir.
Seus quadris se inclinam para cima, suas coxas apertando meus
ombros, e sei que ela está perto.
Estou tentado a fazer isso durar, querendo prolongar cada
momento com ela para sempre, mas suas unhas encontram minha
cabeça, cavando de uma maneira que me diz que ela precisa de
libertação agora.
Dou o que ela quer. Circulando minha língua mais rápido, deslizo
um dedo para dentro. No segundo que faço, ela goza com um
lamento silencioso, apertando em volta do meu dedo enquanto seu
corpo se arqueia em uma liberação impotente.
Eu fico com ela até o fim, não recuando até que ela caia mole
sobre o balcão, a imagem perfeita de uma mulher saciada.
Minha mulher.
Endireitando-me, eu a coloco em uma posição sentada, alisando
seu cabelo para trás com uma ternura que desmente meu próximo
movimento. Abaixando-me ao mesmo tempo em que a puxo para
frente, coloco Lara no meu ombro para que ela fique meio
pendurada nas minhas costas enquanto caminho até o banheiro.
Ela grita em protesto.
— O que você está fazendo?
— Vou tomar banho. Com você.
— Eu já…
— Sim. Mas — eu a interrompo com um tapa rápido em sua
bunda nua —, você está prestes a ser uma garota muito suja.
Lara

5ª semana: segunda-feira de manhã

De um jeito objetivo, sei que não pareço diferente. O mesmo rabo


de cavalo. Os mesmos óculos. O mesmo batom rosa. Os mesmos
scarpins básicos, a mesma saia preta que usei um milhão de vezes
antes, a mesma camisa azul que está na minha escala de trabalho
há anos.
Só que me sinto diferente e, quando entro no elevador da SEC
na segunda-feira de manhã, fico paranoica com a ideia de que
alguém notará. Que alguém vai olhar para mim e não apenas
pensar, oh, ela se deu bem, mas que saberão com quem me dei
bem, e que eu quero mais, e…
— Você está sendo ridícula — murmuro para mim mesma, já que
não há ninguém no elevador para testemunhar minha repreensão.
As pessoas fazem sexo todos os dias. Não precisa ser grande
coisa.
Só que é grande coisa, porque sexo com Ian não foi apenas isso.
Com certeza foi muito sexo, mas também foram outras coisas.
Refeições. Conversas. Risadas.
São as outras coisas que me envolveram em um nó de felicidade
e terror.
É o fato de que gosto dele, não apenas no quarto, mas fora dele.
É o fato de que ele é engraçado, inteligente e atencioso de maneiras
que nunca esperei. É a maneira que, mesmo agora, estou me
perguntando quando o verei novamente, imaginando se ele ligará.
— Patética — resmungo, saindo do elevador e entrando no
saguão dos escritórios da SEC.
Embora saguão seja uma palavra forte para a área de entrada. É
mais como um par de cadeiras tristes e uma mesa de centro feia
coberta com algumas revistas de três meses atrás, na melhor das
hipóteses.
Sorrio e aceno para Ida, a secretária da recepção, e ela me dá
um aceno cansado de volta, sem interromper a conversa com quem
está do outro lado da ligação.
Dou apenas cinco passos quando percebo que meu pior
pesadelo sobre esta manhã é verdade. Todo mundo está olhando
para mim. E há mais do que alguns sussurros.
Eles sabem. Eles sabem que fiquei com um suspeito.
Não, não um suspeito, meu cérebro grita. Ele não fez nada de
errado, e você esperou até depois de determinar isso para deixar
que algo pessoal se desenvolvesse.
Essa é a parte racional, preta e branca, do meu cérebro. A outra,
a parte que trata das nuances, apenas levanta uma sobrancelha.
— Ei, McKenzie — um dos outros investigadores chama, vindo
em minha direção com a mão estendida —, bom trabalho.
Aperto sua mão, um pouco perplexa porque seu tom é genuíno;
não há vestígios de zombaria. Este não é um bom trabalho por
seguir a linha conflito de interesses, é um bom trabalho por…
Eu não sei.
Geralmente, entregar as conclusões de uma investigação
informal recomendando contra uma investigação formal não garante
mais do que um aceno de cabeça e um “o que vem a seguir?” na
reunião do relatório de situação das onze horas.
Ainda mais intrigante, recebo reações semelhantes em minha
caminhada até meu cubículo, incluindo alguns polegares para cima
de pessoas ao telefone.
Mas que…?
— Bom dia, Lara!
Eu me viro e vejo Evie Franklin, a assistente intrometida de
Steve, vindo em minha direção.
— Bom dia — cumprimento com um sorriso. — Adorei o cabelo.
Ela levanta a mão para seu halo de cachos loiros levemente
crespos.
— Alguns dias simplesmente não vale a pena lutar contra a
umidade. Você sabia que, nos anos 80, as mulheres costumavam
pagar por cabelos assim? O que eu não daria por uma máquina do
tempo.
— Com certeza — concordo, tentando ser agradável.
Ela me dá um olhar irônico.
— Com esse cabelo liso? Acho que não, querida. E você já era
viva nos anos oitenta?
— Eu era.
Por muito pouco.
— Além disso, assisti a muitos videoclipes antigos com meu pai.
— Antigos?
Ela coloca a mão no quadril em indignação simulada.
Levanto minhas mãos, rindo em rendição.
— A menos que você tenha uma pá para que eu realmente
possa cavar meu buraco, vou desistir dessa conversa.
— É, tudo bem. Vou te livrar dessa se você me mostrar como
usar o Instagram mais tarde. Parece ser minha melhor chance de
ver fotos dos meus netos, e eu não entendo isso.
— É claro. Vou passar pela sua mesa na hora do almoço.
— Perfeito. Agora, vá falar com o Steve assim que puder, ok? Ele
está livre até as dez e quer te ver.
Sinto uma pontada de nervosismo com o pensamento. Não tive
notícias dele desde que entreguei meu relatório na sexta-feira, e… é
estranho. O cara sempre foi quase obsessivo sobre comunicação
imediata, mas no caso de Ian, Steve tem sido duvidoso ou irritado
sempre que tento fazê-lo falar sobre isso.
— Farei isso — respondo, colocando minha bolsa para baixo e
apertando o botão liga/desliga no meu computador.
— A propósito, bom trabalho no caso — ela parabeniza olhando
para trás.
— Ei, Evie? — chamo antes que ela possa sair. — Está
acontecendo alguma coisa?
Ela pisca em confusão.
— O que você quer dizer?
— Todo mundo parece ter a impressão de que eu fiz alguma
coisa… excepcional — explico.
— É claro, querida. Você encerrou o caso.
— Sim, mas…
— Evie!
Nós duas nos viramos para ver um dos diretores jogando as
mãos para cima com impaciência.
— Ah, merda — ela murmura. — Eu tenho que correr, querida.
Solto um suspiro.
— Tudo bem.
Mas ela nem me ouve, porque já foi embora.
Começo a desempacotar minha caixa da Wolfe, mas decido
esperar. Se Steve tiver outro caso para mim, terei que guardar tudo
outra vez de qualquer maneira.
Paro na sala de descanso para tomar um café a caminho do
escritório dele. Quando tomo um gole, estremeço. Vamos apenas
dizer que não é bem o calibre do que estava nos escritórios da
Wolfe. Lá você pode escolher entre três máquinas diferentes, cada
uma com cem opções de leite diferentes.
E às vezes as pessoas lhe traziam bebidas chiques da
Starbucks.
Você não entrou para uma agência do governo para ser mimada,
eu me lembro. Também não é como se o FBI fosse conhecido por
seu ótimo café.
Balançando a cabeça, vou em direção ao escritório de Steve,
dando um leve sorriso para os poucos polegares para cima no
caminho a percorrer, tentando ignorar a premonição de que algo
está seriamente errado. Sua porta está fechada e Evie está ao
telefone, mas ela faz sinal para eu entrar.
Bato e ouço o agudo “Olá” de Steve, que aprendi ao longo dos
anos que significa “Oi, entre”.
Abro a porta, mas paro quando vejo que ele não está sozinho.
— Oh! Eu sinto muito.
— Não se preocupe, Srta. McKenzie, eu estava saindo — diz o
homem, levantando-se e abotoando o paletó.
Ele parece familiar, e meu cérebro luta para reconhecê-lo. Altura
média, constituição média, cabelo castanho médio…
Não, sem chance.
Ele fica com pena de mim e estende a mão.
— Jacob Houghton. Eu sou o…
— Cunhado do Steve — completo, apertando sua mão enquanto
as peças se encaixam. — É claro. Nos conhecemos no casamento
dele. Peço desculpas. Parece que estou com um pouco de névoa
cerebral de segunda-feira de manhã, e esta é minha primeira xícara
— levanto a caneca de energético preto.
Ele dá uma risada bem-humorada.
— Compreensível. Você teve algumas semanas ocupadas.
Olho para Steve em busca de orientação, um pouco insegura do
por que seu cunhado sabe de alguma coisa sobre minha carga de
trabalho. O cara não é SEC, ele é… Não me lembro, exatamente.
Algo em finanças, mas não particularmente no alto de qualquer
hierarquia, se não me falha a memória.
Só que o meu chefe não está prestando atenção em nossa
conversa, seu foco está em um documento em sua mão.
— Bom vê-la de novo, Srta. McKenzie. Steve, eu te ligo mais
tarde. Ou Whitney o fará. De um jeito ou de outro, vamos convidar
você e Katherine para jantar esta semana.
Steve dá um grunhido evasivo quando Jacob fecha a porta.
Familiarizada com a incapacidade ou aversão do meu chefe para
multitarefas, sento-me e tomo meu café horrível enquanto espero
que ele termine de ler.
Alguns minutos depois, ele coloca o papel dentro de uma pasta
de arquivo em sua mesa, então pisca um pouco surpreso, como se
esquecesse que eu estava ali.
— Certo. Lara. Como vai? Bom fim de semana?
O melhor.
— Sim, foi tudo bem. E o seu?
— Ocupado — ele murmura. — Muito ocupado.
Acho que explica por que você não pôde responder ao meu e-
mail na sexta-feira.
Steve bate os dedos na mesa, depois se recosta na cadeira,
cruza as mãos sobre a barriga e me observa.
Espero. Aprendi que forçar as pessoas a falar antes de estarem
prontas raramente leva a coisas boas.
Ele se inclina para frente e exala.
— Quero que você ouça isso de mim primeiro.
Minha caneca está a meio caminho da minha boca, mas eu a
abaixo novamente, o medo se desenrolando na boca do meu
estômago.
— Ok…
Ele vasculha as pilhas em sua mesa até encontrar um envelope.
Ele me entrega.
— Vou entregar isso mais tarde.
Estendo a mão e pego o envelope, puxando o papel de dentro.
Eu o reconheço imediatamente. Uma intimação comum, assim como
as que emitimos para investigações formais…
Fico muito quieta quando vejo o nome.
Olho para cima.
— O que é isto?
Sua expressão é arrependida, mas também resignada.
— Eu te disse desde o começo como isso ia acabar, Lara. Ian
Bradley é culpado.
— Você não viu meu relatório, então — comento, colocando o
papel de volta no envelope e entregando a ele com uma calma que
esconde minhas mãos úmidas.
Ele segura meu olhar.
— Eu vi o relatório. Só porque não há provas na Wolfe não
significa que ele não seja culpado.
— O sistema judicial dos Estados Unidos diz algo diferente —
revido. — Inferno, Steve, este escritório diz algo diferente. O que
você sabe que não está me contando? Por que está tão convencido
de que ele é culpado?
— Por que está tão convencida de que ele não é?
— Porque não há…
— Evidências. Sim. Eu vi o relatório. Também encontrei esse
cara uma ou duas vezes, então o vi em ação.
Cerro os dentes.
— O que isso deveria significar?
Steve suspira como se eu estivesse sendo obtusa.
— Isso significa que daqui em diante, você está fora do caso.
Você fez um bom trabalho, eu sei que fez o seu melhor, mas…
— Nada demais — interrompo. — Fiz um bom trabalho, dei o
meu melhor e não há provas. Você só tem sua fonte anônima. Para
garantir que o caso siga do nosso jeito, precisaríamos de outra
testemunha. E isso se sua fonte concordar em testemunhar…
— Ele vai testemunhar. Independentemente disso, não é mais
seu problema.
— Mas…
— A conversa acabou, Lara — Steve declara, com mais irritação
do que jamais dirigiu a mim. — Eu pensei que você ficaria feliz com
isso. Embora eu mesmo esteja assumindo o caso, sua participação
nos estágios iniciais significa que seu nome será associado…
— Não quero que seja associado.
— Se você deseja entrar no FBI, é melhor querer.
Sento-me, atordoada com a insinuação.
Ele se levanta.
— Se você se importa com sua carreira, vai desistir deste caso.
Eu também me levanto.
— Ou o quê?
Steve pisca surpreso.
— Desculpe?
— Eu desisto deste caso, ou o quê?
— Lara, você não quer me enfrentar nisso.
— Veja, essa é a questão, Steve. Acho que quero — afirmo,
colocando as palmas das mãos em sua mesa. — Fiz tudo certo a
cada passo do caminho, e espero o mesmo de todos com quem
trabalho.
Ele ri, um som áspero e desdenhoso.
— Você tem o quê, vinte e oito anos? Você não sabe merda
nenhuma sobre como o mundo funciona.
— Então me esclareça — revido. — Explique-me por que
estamos iniciando uma investigação formal, sem um pingo de
evidência.
— A evidência pode ser… descoberta.
Nunca entendi a expressão “sangue gelando” antes, mas
compreendo agora, porque é absolutamente o que acontece quando
ele fala essas palavras.
— O que você não está dizendo? — pergunto, tomando cuidado
para manter minha voz firme.
Quando olha para mim, ele parece derrotado e completamente
diferente do homem que eu achava que conhecia.
— Apenas fique fora disso, Lara. O mundo não vai desmoronar
se pegarmos um exemplar de terno elegante da Wall Street.
— Não. Eu não vou sentar e deixar você destruir um homem
inocente.
Ele passa a mão cansada pelo rosto.
— Por favor. Estou pedindo que você me faça um favor. Você
não precisa mentir. Apenas mantenha sua boca fechada e espere
até que eu consiga colocá-la no FBI.
Encaro meu chefe por um longo momento. Meu coração
desmorona quando percebo o que tenho que fazer.
Ian

5ª semana: segunda-feira à tarde

— Então, como foi?


Não tiro os olhos do computador.
— Eu tenho ignorado Matt. Também posso te ignorar.
Matt resmunga de onde está sentado na cadeira à minha frente,
jogando e pegando uma bola de beisebol há quinze minutos.
Kennedy estende a mão, pega a bola e a examina.
— O que é isso?
— Eu peguei no jogo no sábado.
Kennedy joga de volta para Matt.
— Quem ganhou?
Ele não precisa perguntar qual jogo. Nós três somos fãs do Mets,
embora Matt seja quem mais gasta tempo indo para o Citi Field para
um jogo. Kennedy está sempre ocupado demais fazendo seja lá o
que ele faz (visitando museus?), e eu estou muito ocupado indo de
bar em bar.
Historicamente falando.
— Ela deu? — Kennedy pergunta a Matt de forma pouco sutil
pelo canto da boca.
— Difícil dizer — Matt responde, retomando sua pegada e
lançamento de bola. — Ele está meio mal-humorado, mas de
repente surge um sorriso idiota no rosto. É interessante.
— Sabem o que vai ser mais interessante? — questiono. —
Expulsar vocês dois se continuarem agindo como idiotas do ensino
médio.
Sem dizer uma palavra, Matt vira a direção do seu pulso e joga a
bola para Kennedy, que, sem vacilar ou virar a cabeça, a pega com
facilidade. E joga de volta.
Isso continua assim por uns sólidos três minutos (que parecem
três horas) antes que o constante e rítmico smack smack smack da
bola de beisebol contra as palmas das mãos atinja seu objetivo.
Eu me viro para eles.
— Tudo bem, o que vocês querem?
Matt segura a bola e sorri em vitória.
— Conte para nós.
— Vocês já sabem. Ela veio em casa. Nós pedimos comida.
❴******❵
— Conte mais .
— Isso não é uma música do Grease. Eu não a levei para jogar
boliche.
— No fliperama? — Kennedy zomba, inexpressivo.
Soltei uma risada incrédula.
— Não esperava isso. Pensei que você só assistia merdas como
Cidadão Kane.
— Grease é um clássico. Gosto de coisas clássicas.
— Você gosta de coisas velhas — Matt diz.
— Verdade. É por isso que não sou muito interessado em você.
Você já fez a barba alguma fez na vida?
Matt analisa Kennedy.
— Sabe, você daria um Kenickie muito bom.
Kennedy sorri.
— Eu sei.
— E temos Danny Zuko aqui, que não vai nos dizer se Sandy
deu debaixo do cais.
— Deu uns amassos debaixo do cais — corrijo, antes que possa
pensar melhor. — A expressão é “deram uns amassos” debaixo do
cais.
— Ah! Você ficou fora até as dez horas? — Kate pergunta,
entrando no escritório e fechando a porta.
Ao meu olhar, ela acena com a mão.
— Esquece. Vou perguntar à Sandy. Quero dizer Lara. Posso ser
Rizzo? Ela é minha favorita.
— Não — Kennedy responde.
Ela o encara.
— Por que não?
— Porque eu sou Kenickie.
Ela bufa.
— Sim. Ok.
O olhar de Kennedy fica mais sombrio.
— Quem você acha que eu seria?
Ela estala os dedos e finge pensar.
— Qual é o nome do diretor?
— Você está pensando no professor de ginástica — Matt corrige.
— A diretora é uma mulher.
— Não, não, eu sei — Kate afirma com um sorriso doce. — Eu
definitivamente estava pensando em Kennedy como a diretora.
Certinho, um pouco recatado…
Matt esconde a boca com a mão e eu reviro os olhos para o teto
para não rir e, assim, receber a ira total de Kennedy.
— Enfiiim — Kate continua voltando sua atenção para mim para
evitar a carranca de Kennedy. — Você tem que nos contar algo, Ian.
Você a viu na sexta-feira, e desde então, nenhum de nós teve
notícias suas. Nem mesmo a Sabrina.
— Estive ocupado.
— Ela?
— Chega de letras do Grease — peço, apontando um dedo para
Matt.
Ele retoma seu lance de beisebol como punição.
— Foi um encontro? Vocês estão namorando agora? — Kennedy
questiona.
— É uma distinção muito crucial — Kate concorda, vindo e
sentando-se no braço da cadeira de Matt.
— Quem dera eu soubesse — murmuro.
Lara saiu de minha casa ontem à noite, para meu desgosto, e
não tive notícias dela o dia todo. Pela primeira vez, estou do outro
lado da equação – aquele que espera ao lado do telefone, em vez
de ser quem o evita.
Não gosto disso.
— Oh. Meu. Deus — Kate exclama.
Ela cobre a boca em uma tentativa patética de abafar sua
diversão por minha causa.
— Vocês estão vendo o rosto dele?
— Açoitado — Matt declara em concordância.
— Enamorado — Kennedy concorda.
Kate aponta para ele.
— Viu? Enamorado. Ele é como a diretora em Grease. Antiquado
e…
— Ah, pelo amor de Deus, só porque não sou uma criança… —
ele corta.
Kate cruza os braços e ergue as sobrancelhas.
— Sim? Pelo amor de Deus, Kennedy, por favor, termine essa
frase.
Esfrego minhas mãos sobre o meu rosto.
— Preciso de café.
— Eu já te trouxe uma dose quádrupla pra você esta manhã —
Kate recorda.
— Tudo bem, eu preciso de…
Meus três amigos aguardam minha resposta, suas expressões
uma combinação de diversão e espanto. Porque todos sabemos o
que preciso. Ou pelo menos o que eu quero.
Lara.
Quero saber como estão as coisas conosco, mas como posso
esperar que ela forneça clareza quando nem eu tenho certeza do
que estou procurando?
Eu não faço isso. Nem sei se quero fazer isso. Sei como as
pessoas me veem. Sei porque deliberadamente cultivei a imagem.
O playboy perfeito. O garoto da fraternidade crescido. O cara que
compra o champanhe mais caro só porque pode. Aquele que nunca
liga no dia seguinte.
Eu sou esse. E não é o tipo de cara que Lara McKenzie quer ou
precisa. Pelo menos não para o longo prazo.
— Vocês querem sair hoje à noite? — pergunto a Matt e
Kennedy.
O convite soa oco e forçado, até mesmo para meus ouvidos.
— Ian — Kate exclama em um tom desapontado.
Kennedy balança a cabeça e Matt apenas olha para mim.
— Tudo bem, vocês venceram — admito, jogando as mãos para
cima. — Eu não sei que porra estou fazendo. Vocês estão felizes
agora?
— Você gosta dela? — Kate pergunta.
— É óbvio — Kennedy retruca.
— Ian sabe o que quero dizer — Kate revida, sem desviar o olhar
de mim.
Concordo.
— Sim. Mas não sei como confessar a ela que quero tentar de
verdade. Nem sei como tentar.
— Harry Winston — Kennedy sugere.
— Não — Matt discorda. — Joias são muito intensas. Vá com
bolsas. As mulheres gostam de uma boa bolsa. Louis Vuitton.
— Ai, meu Deus — Kate diz exasperada. — Não é à toa que
vocês estão solteiros. Esperem.
Ela sai do meu escritório, volta um minuto depois e coloca um
cartão de visita na minha frente.
— Ligue para este número. E não, eu não vou ligar para você.
Há algumas coisas que um homem deve fazer por si mesmo.
Pego o cartão.
— Flores?
Ela acena.
— Elas são legais. As mulheres gostam. E são mais apropriadas
para a primeira semana de um relacionamento do que uma bolsa de
mil dólares ou diamantes.
Kate dá um leve tapa na nuca de Matt e Kennedy enquanto
explica isso.
— Bem, tecnicamente foi apenas um fim de semana, mas meio
que tivemos algo mais do que isso — falo, batendo o cartão na
palma da minha mão.
— Então faça um buquê bem grande — Kate olha para o relógio.
— É quase uma hora. Kennedy, Matt, vocês dois têm investidores
chegando. Ian, você têm um horário livre, mas deveria ligar para
Vanessa Lewis para avisá-la de que não precisará mais dos
serviços dela e…
Uma batida na porta a interrompe. Kate vai atender enquanto
Matt e Kennedy estão de pé, já prestando atenção em seus
celulares enquanto se preparam mentalmente para suas próximas
reuniões.
Estou surpreso ao ver que é nosso chefe na porta. Junto com
seus chefes, ambos os Sams. Não reconheço o homem com o
grupo, mas ele é o único que parece feliz.
— Ian. Você tem um minuto? — Joe pergunta baixinho.
Kate me lança um olhar alarmado e Matt e Kennedy estão
impassíveis enquanto todos saem do meu escritório. Nenhum deles
gosta disso mais do que eu.
Eu me levanto e abotoo meu paletó.
— É claro. O que houve?
O homem que não reconheço caminha em minha direção com
uma zombaria disfarçada de sorriso.
— Ian Bradley, sou Steve Ennis da SEC. Acredito que você
conheceu minha funcionária Lara McKenzie.
Consigo dar um aceno de cabeça, meu coração acelerando.
— Você vai trabalhar comigo agora — Steve avisa, estendendo
um envelope.
— Trabalhar em quê? — observo meus chefes, mas suas
expressões não traem nada. Fito o envelope e puxo o papel.
Li apenas a primeira frase quando o idiota da SEC o explica para
mim.
— Ian Bradley, você é suspeito de receber informação
privilegiada sobre a dissolução da J-Conn. Esta é uma intimação
notificando você de uma investigação formal por informações
privilegiadas.
Minha cabeça se levanta.
— O quê? Isso é besteira. Lara não encontrou…
— Lara? — suas sobrancelhas sobem. — Sim, bem, a Srta.
McKenzie não está mais trabalhando neste caso.
Dou um passo à frente, tendências de homem das cavernas que
eu nem sabia que possuía rugindo para a vida.
— Juro por Deus, se você a demitiu…
Steve dá uma risada incrédula.
— Demiti-la. Porque eu faria isso? Ela é uma das minhas
melhores.
Ele me dá uma piscadela astuta e baixa a voz.
— Há rumores de que ela está traçando um caminho rápido para
o FBI.
Não é até que todos eles saem do meu escritório momentos
depois com um aviso firme para não sair da cidade que eu percebo
o que Steve Ennis acabou de insinuar.
Lara me vendeu para conseguir o emprego dos seus sonhos.

****** Em inglês, “Tell me more” refere-se à um trecho da música “Summer nights”,


que faz parte do filme Grease.
Lara

5ª semana: segunda-feira à tarde

O desemprego é uma merda.


Mas não ser capaz de falar com Ian é pior ainda.
Ele não está atendendo suas ligações. Ou suas mensagens de
texto. Falei brevemente com Kate, mas ela estava em outra ligação
e disse que teria que me retornar depois.
Ela não ligou.
Até tentei conversar com a Sabrina, mas a mulher é um
fantasma. Não consegui encontrar as informações de contato dela
em nenhum lugar.
Eu finalmente fui até a Wolfe Investments, mas o lugar é como o
❴*******❵
Fort Knox , e sem meu crachá de contratada, não havia como
passar pelo segurança. Pedi para eles ligarem para Ian, Kate, Matt e
Kennedy, esperando que um deles me deixasse explicar.
Não consegui nada. Então, tempos desesperados, medidas
desesperadas e tal.
O porteiro do prédio de Ian ainda tinha meu nome na lista de “ok”
da noite de sexta-feira, então ele me liberou depois que eu sorri
lindamente e disse que estava aqui para surpreender Ian.
Ele vai ficar surpreso, com certeza. Só pode não ser o que ele
quer.
Estou aqui há vinte minutos, sentada com as costas apoiadas na
porta. Vou esperar o tempo que for preciso, mesmo que ele decida ir
à balada, voltar para casa com outra mulher…
Meu estômago se aperta. Não posso pensar sobre isso.
E, no entanto, talvez eu devesse. Talvez eu devesse me preparar
para o fato de que estou me apaixonando feio por um cara que é
conhecido como o maior playboy da cidade e ainda não deu sinais
de que quer um relacionamento.
Sim, comemos pizza juntos, fizemos sexo épico, tomamos
mimosas no brunch e lavei minha roupa na sua casa (porque ele
tem lavadora e secadora em seu apartamento e eu não), mas
nenhuma dessas coisas é uma proposta.
Não que eu queira uma proposta, mas…
Gemo e coloco minha testa nos joelhos, envolvendo meus
braços em volta das minhas canelas. Eu sou um desastre.
Todo esse tempo, fiz um bom trabalho seguindo as regras,
fazendo o que deveria, colocando um pé na frente do outro para
chegar ao meu objetivo: o FBI.
Que agora está mais fora de alcance do que nunca.
E para quê? Um cara que eu não tenho certeza se me quer
depois de amanhã?
Mandei uma mensagem para Gabby, mas ainda não recebi
resposta.
Ocorre-me que não tenho mais ninguém para ligar. Estive tão
focada no meu trabalho que negligenciei minha vida, e agora
estou…
Sozinha. Total e dolorosamente sozinha.
— Lara?
Ergo minha cabeça depressa. Ian acabou de sair do elevador,
embora seus passos sejam lentos enquanto se aproxima de mim.
À primeira vista, ele parece o mesmo de sempre – pasta na mão,
barbeado, terno e gravata perfeitamente no lugar. Mas então noto
que sua expressão é uma que não vi antes – sombria, preocupada
e… ferida.
Oh, Deus, o que Steve disse a ele?
— O que você está fazendo aqui, além de se exibir para os meus
vizinhos?
Olho para baixo. Minha posição no chão fez minha saia subir um
pouco, mas nada escandaloso.
— Estava esperando você pra gente conversar — respondo,
começando a ficar de pé. — Não consegui falar com você o dia
todo.
Ele estende a mão para me ajudar a levantar. Apenas vinte e
quatro horas atrás, ele também teria me puxado para um beijo, ou
pelo menos feito alguma piada inapropriada. Desta vez, ele me solta
no segundo em que estou firme em meus pés.
— Ian… — toco seu braço, mas ele retira com os ombros.
Minhas suspeitas se confirmam. Ele recebeu a intimação e acha
que eu sabia ou tinha algo a ver com isso.
— Vamos entrar — murmura, tirando a chave do bolso e abrindo
a porta.
Ele gesticula para que eu entre primeiro, mas o movimento é um
pouco zombeteiro.
Coloco minha bolsa na mesa lateral e me viro para ele, as mãos
entrelaçadas.
— Você teve um dia de merda. Posso te fazer uma bebida?
Colocar um vinho? Pedir co…
Ian solta uma risada incrédula enquanto joga as chaves ao lado
da minha bolsa, colocando a pasta no chão.
— Sim, uma bebida vai fazer tudo ficar bem.
— Pode tornar um pouco melhor — murmuro.
Ele me lança um olhar sombrio por cima do ombro. Ele me
lembra Kennedy agora, mas este provavelmente não é o momento
de mencionar isso.
Ian vai até a janela, enfiando as mãos nos bolsos enquanto olha
para o horizonte. Ele parece miserável, e embora eu não queira
nada mais do que envolver meus braços em volta dele, sei que ele
só vai querer se afastar de mim.
Então, em vez disso, deixo que ele fique em silêncio e, sem fazer
barulho, reúno os suprimentos necessários para um Negroni. Eu
não estava brincando quando lhe contei que minha avó costumava
beber. Eu até fiz alguns para ela no passado.
Faço uma rápida pesquisa no Google no meu celular para ver se
minha memória da receita está parecida. Não está. Então, sigo as
instruções, medindo partes iguais de Campari, gin e o vermute doce
que encontro na geladeira.
A receita diz que pode ser servido com gelo ou em copo de
coquetel. Já vi Ian beber dos dois jeitos, então opto por servir com
gelo. Mais fácil.
O toque de laranja, no entanto, não é fácil. Acabo com uma coisa
mutilada, com aparência de púbis, mas é a intenção que conta,
certo?
Tomo um gole. Nada mal. Amargo, e um sabor com o qual é
necessário se acostumar, mas consigo entender porque as pessoas
aprendem a gostar dele.
Apesar de todo o barulho que estou fazendo na cozinha, Ian não
se vira. Quando ando até ele e seguro a bebida na frente do seu
rosto, ele pisca surpreso, e percebo que ele nem percebeu que eu
ainda estava aqui, muito menos registrou que eu estava fazendo um
coquetel para ele.
— Obrigado — murmura.
Nossos dedos roçam quando ele pega o copo, e nossos olhos se
encontram por um momento. Prendo a respiração, mas então a
conexão é quebrada e ele desvia o olhar.
Reprimo meu suspiro. Servindo-me de uma taça de vinho, vou
sentar no sofá e esperar.
Ele não demora muito. Sua expressão está vazia quando ele se
vira.
— Você queria tanto o FBI?
Estou preparada para a acusação; imaginei que Steve iria lá
simplesmente para ser mesquinho, mas ainda dói. Muito.
Tomo um gole de vinho.
— O que aconteceu hoje? — pergunto, ignorando sua pergunta.
— Não — ele retruca. — Não se faça de boba. Não finja que não
sabe sobre a intimação para a investigação formal, não diga que
você não me vendeu para conseguir o emprego dos seus sonhos.
— É realmente isso o que você pensa de mim?
Ele solta um grunhido frustrado, passando as mãos pelo cabelo.
— O que mais eu deveria pensar quando você nem sequer me
avisou sobre a tempestade de merda vindo em minha direção?
— Eu teria avisado — respondo suavemente —, mas eu estava
com o RH a manhã toda. Eles não permitem celulares durante as
entrevistas de demissão.
Ele franze a testa.
— Entrevistas de demissão. O quê? Espere. Ele te demitiu? Ele
disse que não.
— Steve não me demitiu — concordo. — Eu me demiti.
Ian me encara, sua expressão impossível de ler. Então ele me
alcança.
— Ah, Lara…
Não percebi que desejava ser abraçada até que ele envolve seus
braços em volta de mim. Eu o deixo absorver todas as emoções que
ainda nem comecei a processar.
Eu larguei meu emprego. Estou desempregada.
Seria loucura para qualquer um. Mas para a garota que
literalmente viveu para o trabalho nos últimos seis anos, é arrasador.
Não sei quem sou sem meu emprego — sem meu sonho do FBI.
Não que o sonho tenha mudado, mas parece muito distante
agora.
Mesmo assim, não choro. Suspeito que isso virá mais tarde.
— Eu diria obrigado — ele fala contra o meu cabelo. — Mas sei
que você não fez isso por mim.
Balanço minha cabeça.
— Eles estão te incriminando, Ian. Eu não sei por que, mas não
poderia sentar e ser uma parte complacente disso acontecendo com
ninguém.
— Você contou ao RH? — ele pergunta, se afastando um pouco.
— É claro. Eles disseram que iriam investigar, mas é a palavra
dele contra a minha, e ele tem vinte anos de experiência acima de
mim.
Sua mão desliza sobre meu cabelo, o gesto terno e
reconfortante.
— Sinto muito. Por tudo. A maneira como agi, por presumir que
você me apunhalou pelas costas quando foi o completo oposto…
Levanto um ombro, mas ele balança a cabeça.
— Não, não aja como se não fosse nada. Você teve um dia de
merda, e você veio aqui. Isso significa… tudo. Ok?
Descanso minha cabeça contra seu peito e deixo que ele me
abrace, cedendo à percepção de que não sei o que vem a seguir –
cedendo ao medo.
Ficamos assim por vários minutos antes dele se afastar um
pouco.
— Por que diabos você estava correndo por aí me trazendo uma
bebida? Sente-se. Deixe que eu cuide de você.
Estendo a mão e agarro sua gravata, puxando-o de volta para
mim, esmagando minha boca na dele.
— Cuide de mim desse jeito — sussurro contra sua boca. — Por
favor.
Me distraia.
Ele hesita apenas um momento antes de fazer o que peço, me
puxando para perto.
Eu o igualo, beijo por beijo, derramando toda a minha frustração
nele, deixando-o derramar a dele em mim.
Arranco seus botões, e quando ele me leva para trás,
derrubando nós dois no sofá, já estamos meio despidos.
Procuro seu cinto, e embora sua respiração esteja áspera de
desejo, ele agarra minhas mãos, prendendo-as com gentileza acima
da minha cabeça.
— Devagar — ele murmura. — Nós temos tempo.
Não, não temos, eu quero gritar. Tenho medo de parar por um
segundo que seja; meus pensamentos me alcançarão e me
consumirão.
Sua boca é gentil na minha, recuando toda vez que tento
acelerar até não ter escolha a não ser ceder ao seu ritmo vagaroso.
— Tenho desejado você assim por tanto tempo — ele declara
enquanto seus lábios trilham preguiçosamente pelo meu pescoço.
Ele remove meu sutiã sem pressa e o deixa ao lado do sofá.
— Quero te desembrulhar, te desvendar…
Ele apalpa meu seio, levando-o à boca enquanto seus lábios
envolvem meu mamilo. Ele é seguro, mas sem pressa; faminto, mas
degustador. Com cada movimento da sua língua, cada mordida dos
seus dentes, rodopio mais fora de controle e percebo que ele está
certo.
Há tempo para isso.
Perco a noção de tudo, exceto do jeito que ele me faz sentir. Eu
mal registro o resto das minhas roupas caindo no chão, muito
menos a ameaça iminente do amanhã.
Ian dá beijos suaves nas minhas costelas, então volta para o
outro lado enquanto seus dedos deslizam sob minhas pernas.
Suspiro e arqueio para cima. Mais.
Mas, em vez de obedecer ao meu comando silencioso, ele
mantém seu toque como uma provocação suave.
— Por favor — gemo quando me arqueio mais uma vez, apenas
para ele me negar.
Ele sorri contra a minha garganta.
— Por favor, o quê?
— Ian.
Seus dedos pressionam um pouco mais firmemente.
— Sim?
— Me toque.
— Assim? — ele pergunta, circulando meu clitóris com o dedo
indicador.
Um gemido é minha única resposta.
— Assim? — ele pergunta mais uma vez, deslizando um dedo
dentro de mim. — Ou… — Ele se move lentamente pelo meu corpo,
colocando um dos meus pés no chão ao lado do sofá e levantando o
outro para que minha perna fique sobre suas costas. — Assim? —
Ele segura meu olhar enquanto pressiona sua boca em mim.
Eu fico um pouco mais distante com cada golpe da sua língua,
me rendendo a cada sensação deliciosa enquanto ele empurra
minha perna mais alto, me espalhando mais até que eu não tenho
escolha a não ser cair sobre a borda.
Ian fica comigo até o fim, dando um beijo carinhoso na parte
interna da minha coxa enquanto tento recuperar o fôlego.
— Fique aí — ele ordena, apontando um dedo para mim e indo
para o quarto.
Como se eu pudesse me mover.
Só que ele prova que estou errada.
Ele volta do quarto nu, armado com um preservativo, e
momentos depois, ele gentilmente me vira de bruços, ajoelhando-se
atrás de mim no sofá enquanto puxa meus quadris de volta para ele.
Suspiro quando ele empurra dentro de mim, meus quadris se
movendo reflexivamente contra ele, minhas mãos encontrando o
braço do sofá para apoio.
Estou preparada para uma união feroz e frenética, mas ele
também leva seu tempo com isso. Ele tem uma mão no meu quadril,
a outra descansando na parte inferior das minhas costas quase
ternamente, e suas estocadas são lentas e controladas, exigindo
que eu responda a ele.
Ian se inclina um pouco para frente, a mão nas minhas costas
deslizando para a minha frente, colocando dois dedos contra mim,
circulando. Suspiro e olho por cima do meu ombro. No segundo em
que nossos olhos se encontram, ele finalmente perde o controle.
Ele geme e acelera o ritmo, seus dedos se movendo mais rápido
contra mim até que eu grito com meu segundo orgasmo. A liberação
de Ian iguala com a minha, seu gemido torturado, suas mãos um
pouco ásperas enquanto ele endurece atrás de mim, a cabeça
baixa, sua respiração curta enquanto ele se esvazia dentro de mim.
Meus membros trêmulos exigem que eu me abaixe no sofá, e ele
me segue para baixo, me rolando de lado para que minhas costas
fiquem em seu peito, seus braços quentes me envolvendo.
Uma vez que meu batimento cardíaco volta ao normal e me
lembro como respirar de forma constante outra vez, levanto sua
mão e pressiono meus lábios em seus dedos.
— E agora?
Ian beija minha nuca.
— Nós descobrimos o que vem a seguir.
Nós.
A palavra é perigosa e reconfortante.
Olho para ele.
— Podemos lidar com isso um pouco mais tarde?
Ian sorri em compreensão, então, dando uma carranca
zombeteira, chega em cima de mim e puxa a almofada de debaixo
da minha cabeça.
Ele a segura na frente do meu rosto.
— Você amassou a minha almofada masculina.
Empurro a almofada contra ele, aliviada por ter um motivo para
rir.
— Ok, Sr. Viril. Vá buscar meu vinho.
Ele se senta e me entrega minha taça antes de entrar no
banheiro. Ele volta, amarrando o cordão da calça de moletom, e me
joga uma camiseta e calcinha limpa que deixei na sua casa no fim
de semana.
Ian pega sua bebida e se senta ao meu lado no sofá, observando
enquanto puxo a camisa sobre minha cabeça.
— Você já viu Grease?
Faço uma pausa no processo de puxar meu cabelo da gola da
camisa.
— Como Sandra Dee Grease?
— Sim. Então, só para avisar… da próxima vez que virmos meus
amigos, há uma boa chance de haver uma cantoria. Você deve lhes
dizer que eu fui doce. Acabei de fazer dezoito anos.
— Eu tenho? Porque isso é super estranho, — indago, olhando
para ver se ele está falando sério.
— É isso ou você fala pra eles que é irremediavelmente dedicada
a mim.
Sua voz é provocante, mas pressiono minha boca na dele em
vez de responder, porque estou com muito medo de admitir a
verdade…
Esse irremediavelmente dedicada não está muito longe do que
estou sentindo.

******* Fort Knox é uma pequena cidade americana e base do Exército dos
Estados Unidos, localizada em Kentucky. Ela abriga importantes unidades de
treinamento e comando de recrutamento do exército.
Ian

5ª semana: terça-feira de manhã

Posso não saber muito sobre relacionamentos, mas conheço essa


mulher.
Sei que ela está muito mais devastada por seu desemprego do
que deixa transparecer.
Também sei que se a forçar, ela vai se esquivar.
Estou tentando ter paciência – realmente estou, – mas isso
nunca foi um ponto forte meu. Eu luto pelo que quero, lembra? E o
que eu quero é que Lara tenha seu emprego de volta. Inferno, eu
quero que ela tenha o FBI, mas eu me contentaria com qualquer
coisa que faça as sombras em seus olhos desaparecerem.
— Talvez devêssemos chamar sua advogada — Lara comenta,
pegando sua caneca de café.
Ela está usando shorts e minha camiseta de novo, e é alarmante
o quanto passei a gostar da visão.
Foco, Ian.
São oito da manhã depois que ela largou o emprego e recebi
minha intimação, e Lara e eu não estamos nem perto de descobrir
por que seu chefe está tão determinado a me derrubar.
Ou quem é sua misteriosa fonte.
Depois de ficar acordado metade da noite revisando cada nome,
anotação e conexão que poderia me ligar a J-Conn, concordamos
em dar uma nova olhada pela manhã, depois de estarmos
descansados.
Um bom plano.
Sem resultados.
— Vou encontrar a Vanessa às dez — respondo, olhando para o
relógio no fogão. — Eu só esperava ter boas notícias para ela. Ela
está fazendo seu trabalho, mas ambos estamos atingindo becos
sem saída.
Lara respira fundo, então puxa o cabelo em um coque
bagunçado com o elástico de cabelo em volta do pulso.
— Tudo bem, vamos revisar isso mais uma vez. Talvez
estejamos abordando da maneira errada.
— Como assim?
— Bem, estamos nos concentrando em uma conexão com a J-
Conn.
— Sim…
Ela morde o lábio.
— Eu não posso acreditar que estou dizendo isso, porque parece
um enredo de filme ruim, mas e se a conexão não for você e a J-
Conn, mas você e Steve?
Eu me levanto para pegar mais café para nós dois.
— Explique.
— Bem, nós já sabemos que você não recebeu uma dica sobre a
J-Conn.
A confiança casual em como ela diz isso me faz fechar os olhos
com emoção, e estou aliviado por estar de costas para que ela não
veja.
— E — ela continua —, nós já sabemos que não há nenhuma
evidência circunstancial ligando você a J-Conn que possa ser mal
interpretada. Porque se houvesse, eu teria encontrado.
Desta vez, a confiança em seu tom é para ela mesma, e isso me
faz sorrir enquanto abasteço sua caneca.
— Então, e se a J-Conn não for a chave? E se for apenas a
maneira mais conveniente e crível de armar contra você?
— Faz sentido — caio de volta na minha cadeira. — Mas por
quê? Tenho certeza de que irritei algumas pessoas ao longo dos
anos, mas não consigo imaginar que fiz algo que merecesse a porra
da prisão. E como diabos seu ex-chefe está envolvido?
Ela balança a cabeça e brinca com o lóbulo da orelha, imersa em
pensamentos.
— Eu não sei, mas meu instinto me diz que ele está. Nunca o vi
agir assim. Parece… pessoal para ele.
Eu lhe ofereço um sorriso gentil.
— Seu instinto, hein? Você finalmente está admitindo que a
intuição é uma coisa real?
Lara solta um suspiro frustrado.
— Vamos apenas dizer que aprendi que só porque sigo as
regras, não significa que todo mundo o faça.
— O que faria sentido se eu conhecesse Steve. Mas não
conheço.
Seu olhar se move para mim.
— Talvez você conheça alguém que ele conheça.
— Com certeza sim — concordo, apontando para as dezenas de
papéis na nossa frente com centenas de nomes. — Mas o cara está
na SEC há décadas. Pode ser qualquer um, certo?
Ela suspira.
— Estou indo tomar um banho. Ver se a inspiração bate.
Estendo a mão e agarro a dela, pressionando meus lábios no
interior do seu pulso.
— Quer companhia?
Ela sorri e caminha na minha direção, beijando minha testa.
— Posso ter só um minuto? Para pensar sozinha?
Beijo seu pulso mais uma vez e tento abafar o pânico de que ela
possa estar se afastando antes de realmente começarmos.
— É claro.
Ela aperta minha mão e começa a se mover em direção ao
banheiro.
Mas então ela faz uma pausa. E volta.
Com um dedo, ela puxa uma folha da pilha de papéis na minha
mesa da cozinha e a estuda. Então vira para eu ver.
É um dos perfis que imprimi da minha página do LinkedIn –
pessoas que não considero amigos, mas que são próximas o
suficiente do meu círculo para saber sobre o golpe da J-Conn.
— Jacob Houghton? — dou de ombros. — Ele é um corretor de
investimentos. Não o conheço bem, mas pelo que sei, ele é… bem,
ele é meio babaca. Por quê?
— Eu o conheço. E se Steve ainda não me removeu da amizade
no Facebook… — ela se senta à mesa e abre seu laptop, seus
dedos movendo-se rapidamente pelas teclas.
— Aha! — exclama triunfante, ajustando os óculos e virando o
computador para que eu possa fitar a tela.
Eu me inclino para olhar. Ela abriu uma foto de casamento no
Facebook.
Meus olhos vão primeiro para a noiva, uma mulher de meia-idade
que nunca vi na minha vida. Passo para o noivo em seguida, e ele
eu reconheço – é Steve Ennis, o chefe de Lara.
— Fui ao casamento de Steve. Poxa, ele até me fez sentar na
mesa principal com sua família, que é como eu conheço… — ela
aponta para a foto.
— Jacob Houghton — completo. — Por que ele está no
casamento do seu chefe?
— Ele é cunhado de Steve, casado com a irmã dele. Eu não teria
pensado em nada disso, se não fosse o fato de eu tê-lo visto ontem.
Jacob sempre foi amigável, mas ontem ele foi meio… esquisito.
— Ele também veio na minha festa — comento distraidamente,
lembrando que o cara estava um pouco estranho quando falei com
ele.
Presumi que era apenas ruim em conversa fiada, mas…
— Você acha que essa é a nossa conexão?
— É a única que temos — ela argumenta. — Embora eu não
consiga pensar em como você e Jacob se conectam. Vocês já foram
atrás do mesmo cliente?
— Não que eu saiba.
Percorro o resto das fotos do casamento. Então fico
completamente imóvel.
— Quem é essa?
Aponto para a mulher ao lado de Jacob, no que parece ser uma
foto de família.
— Essa é a esposa de Jacob, irmã de Steve. Não estou
lembrando o nome dela… Wendy?
— Há quanto tempo eles estão casados?
Ela respira fundo.
— Não tenho certeza. Eu não conversei com ela muito além da
habitual conversa fiada sobre arranjos de mesa. Mas o casamento
de Steve foi há dois anos, então no mínimo pelo mesmo tempo.
Meu sangue parece que está congelando. Depois fervendo. Em
seguida, congelando de novo.
— Por quê? — ela olha para mim, então toca meu braço. — Qual
é o problema, Ian?
— O nome dela é Whitney. Eu dormi com ela — explico, minha
voz um pouco rouca.
— Quando?
Não consigo responder.
— Ian, há quanto tempo?
Estou com uma mão no encosto da cadeira de Lara, a outra na
mesa ao lado dela. Eu me forço a olhar para baixo e encontrar seus
olhos.
— Há alguns meses, depois de uma festa. Acho que nunca
consegui o sobrenome dela.
Ela exala.
— Eu não tinha ideia de que ela era casada, Lara. Você tem que
acreditar em mim.
— Acredito — ela afirma, tocando uma mão levemente na minha.
— Mas Jacob não acreditaria. E se ele convenceu Steve a ajudá-lo
a te destruir…
— Não pode ser isso — expresso, me endireitando e tentando
clarear minha cabeça. — Este não é um processo de TV com vilões
clichês.
— Estamos certos — ela sussurra, pressionando a mão em seu
estômago. — Eu sinto isso aqui. Sei que estamos certos.
Também acho, e construí minha carreira confiando em meus
pressentimentos. Foi o que me colocou nessa bagunça da J-Conn
em primeiro lugar. Talvez possa ser o que me faça sair.
Alcanço meu celular.
— Vou ligar para Vanessa.
Lara

5ª semana: quinta-feira, hora do almoço

— Você está nervosa? — Sabrina pergunta, me observando no


espelho enquanto reaplica o batom.
Encontro o olhar dela.
— Nem um pouco.
Ela sorri, jogando o tubo de volta em sua bolsa.
— Sabia que você tinha coragem.
— Ou uma necessidade de vingança fervente — murmuro,
dando a mim mesma um último olhar no espelho.
A Lara de sempre me encara de volta. Grandes olhos azuis.
Rabo de cavalo que não é muito alto nem muito baixo, apenas
prático. Óculos de aro preto, maquiagem mínima… e um acerto de
contas.
— Sim, bem, aprenda comigo, que lido com conspirações de
vingança regularmente: essa é uma boa — Sabrina afirma, andando
em minha direção e abrindo um botão na minha blusa.
— Ei.
Começo a abotoar a blusa de novo, mas ela dá um tapa na
minha mão.
— Não. Isso vai ser melhor se ele estiver distraído com um
decote.
— Não estou mostrando nenhum decote.
Estou? Olho para baixo.
— Não, mas há a possibilidade, e isso é ainda mais atraente —
ela fala.
Mas então Sabrina franze a testa, coloca as mãos sob meus
seios e descaradamente os empurra para cima.
— Sério, que sutiã você está vestindo, o da sua avó?
Desta vez, sou eu quem bate em suas mãos.
— Desculpe, não percebi que essa missão envolvia um sutiã
push-up.
Ela me lança um olhar experiente.
— Você sequer possui um sutiã push-up?
— O que isso importa? Eu não tenho um desses para precisar
disso — explico, gesticulando para seu vestido com um pequeno
decote.
Ela olha para o peito.
— Você quer dizer decote de dia?
— O que diabos é um decote de dia?
Ela segura o polegar e o dedo indicador no decote como se
estivesse medindo alguma coisa.
— Não mais que dois centímetros, viu?
— E o que é decote noturno?
Ela aumenta a lacuna entre os dedos.
— Três centímetros, pelo menos.
Balanço a cabeça em admiração.
— É como se você fosse de um planeta diferente.
— Bem, acostume-se a isso, porque tenho toda a intenção de
fazer de você um encontro de almoço regular — Sabrina avisa com
o sorriso mais acolhedor que já recebi dela.
— Porque estou ajudando Ian?
— Nah. Quero dizer, com certeza isso te daria um almoço de
agradecimento. Talvez um café de agradecimento. Mas você está
fazendo isso por você. E isso é o suficiente para torná-la regular na
minha vida.
— Obrigada — agradeço, me sentindo inesperadamente
emocionada.
Sabrina levanta um dedo de aviso.
— Sem abraço. E sem choro também. Guarde essas lágrimas
para a mesa.
— Certo — concordo, sacudindo minhas mãos. — Tenho
praticado meu choro falso ao comando, como você instruiu.
— E o parecer?
Balanço minha mão.
— Cinquenta por cento de chances de choradeira.
— Bom o bastante. Se tudo mais falhar, deixe seu queixo
balançar para que ele pense que você está tentando segurar as
lágrimas. Isso é quase tão bom — Sabrina observa o relógio. —
Tudo bem. Está na hora.
Nos dois dias desde que traçamos nosso plano de pegar Jacob
Houghton e Steve em tudo o que eles estão fazendo, continuo
esperando o nervosismo se alojar – continuo esperando perder a
coragem.
Em vez disso, eu me sinto… determinada.
Esses homens custaram meu trabalho na SEC, eles custaram
minha oportunidade no FBI, estão tentando enviar alguém com
quem me importo para a cadeia. Nunca pensei que diria isso, mas o
sistema não está funcionando. Eu com certeza poderia ir para cima
da cabeça de Steve, mas sem provas…
— Obrigada por me encontrar mais cedo — agradeço.
Ela sorri.
— Eu faria isso, mesmo que Ian não tivesse exigido.
— Ele exigiu?
— Está acabando com ele não poder estar por perto, mas se
Jacob o vir, o plano vai para o inferno. Jacob não me conhece,
então — ela me lança um beijo —, estarei na mesa logo atrás de
vocês.
Balanço a cabeça, assentindo.
— Ok.
— Você está pronta, então?
Exalo uma respiração.
— Sim. Sim, eu estou.
— Ok, você sai primeiro. Nossas reservas são no mesmo
horário, mas eu chegarei elegantemente atrasada para que você e
Jacob se sentem primeiro. Se você precisar de qualquer coisa,
estarei lá. Matt e Kennedy também.
— Nós somos os Vingadores — brinco com um leve sorriso.
Ela dá um tapinha na minha bochecha com carinho.
— Eu amo o fato de você ser tão nerd.
Alguns momentos depois, estou na mesa da anfitriã, esperando
na fila para dar meu nome.
— Obrigada por se juntar a nós hoje, Srta. McKenzie — a anfitriã
Willowy cumprimenta. — Parece que você é a primeira a chegar.
Você gostaria de esperar o outro membro da sua mesa antes de se
sentar?
— Não há necessidade! — ouço uma voz jovial de trás de mim.
Se não tivesse praticado esse momento com Ian uma dúzia de
vezes esta manhã, eu poderia ter enrijecido. Em vez disso, finjo um
sorriso deliberadamente tímido e me viro para encará-lo.
Maldito Jacob Houghton.
Por alguma razão, espero que ele pareça diferente, sabendo o
que sei. Ou melhor, suspeitando do que suspeito. Mas ele é o
mesmo. O mesmo sorriso sem graça. Características sem graças.
Terno sem graça. Tudo sem graça.
— Lara, como você está? — ele pergunta, beijando minha
bochecha. — Aguentando firme?
Bem, isso responde a essa pergunta. Ele sabe que não sou mais
empregada da SEC.
Deixei minhas mãos se contorcerem como uma donzela.
— Bem, hum…
Ele coloca a mão no meu ombro.
— Eu sei. Vamos sentar. Peça uma bebida e algo extravagante
para o almoço. Eu pago.
— Obrigado, Sr. Houghton — digo com óbvia liberação.
— Estou à disposição, Lara. E por favor, me chame de Jacob.
Acho que nos conhecemos bem o suficiente para isso.
Sabrina está saindo do banheiro enquanto nos dirigimos para
nossa mesa, mas ela passa por nós como se nunca tivesse nos
visto antes. Tenho certeza de que Jacob olha para seu “decote
diurno”, mas é pouco mais do que um homem heterossexual
verificando seios lindos. Sem dúvidas, ele não parece reconhecê-la
como a notoriamente esquiva Sabrina Cross, o que funciona bem
para o plano.
Ele puxa a cadeira para mim, e nós dois nos acomodamos com
nossos guardanapos e menus. De maneira deliberada, escolhi um
lugar de negócios causais para nos encontrarmos que é bom o
suficiente para ele aceitar, mas não tão chique que ele pense que é
uma escolha estranha para uma investigadora desempregada da
SEC.
— Fiquei feliz em ouvir de você — ele fala depois de pedir uma
garrafa de vinho branco para nós dois. — Estava dizendo a Whitney
ontem à noite como lamentava saber que você não estava mais com
a SEC. Ela gostou tanto de conhecê-la no casamento de Steve. Nós
dois gostamos. E Steve sempre falou muito bem do seu trabalho.
Mexo no meu guardanapo e olho para o meu prato, notando com
o canto do meu olho que Sabrina se senta à mesa logo atrás de
Jacob, junto com uma mulher alta com um nariz fino e um olhar
ainda mais perspicaz. Tomo cuidado para não deixar minha atenção
se demorar nelas; em vez disso, espero em silêncio enquanto Jacob
faz toda a rotina de provar e girar o vinho.
Depois que o garçom se afasta, Jacob levanta a taça.
— Para novos começos.
— Eu vou beber a isso — concordo, tomando cuidado para
infundir um pouco de desespero na declaração.
Tomo um pequeno gole do vinho. Jacob também toma uma
bebida – e não uma pequena quantidade. Excelente. Lubrificação
líquida é exatamente o que esta conversa precisa para que o plano
funcione.
— Então, Lara — ele diz, começando a colocar a taça na mesa,
mas tomando outro gole de vinho em vez disso. — Admito, fiquei
surpreso ao receber sua ligação. Sempre gostei da sua companhia,
mas você foi tão cuidadosa em manter um pouco de proteção, –
compreensível, considerando o que eu faço e o que você faz.
— Fazia — corrijo. — O que eu fazia.
— Certo. — ele dá um sorriso solidário.
Respiro fundo como se reunisse coragem.
— Na verdade, é… Bem, é o seu relacionamento com Steve que
me fez pensar em entrar em contato com você.
Ele acena com a cabeça de maneira encorajadora.
— Meu cunhado foi seu chefe por muito tempo. Acho que ele não
vai se importar que eu diga que ele ficou triste por te perder, Lara.
— Espero que esse seja o caso — expresso com um pequeno
sorriso. — Na verdade, eu esperava que você pudesse intervir em
meu nome.
Ele se encosta e me estuda.
— Você quer seu emprego de volta.
De jeito nenhum. Mas o que é uma pequena mentira na busca
por justiça…
— Cometi um erro — digo com pressa. — Agi de forma
precipitada e estou preocupada que ele não vá me ouvir. Mas eu
pensei que talvez se você falasse com ele…
Jacob me dá um sorriso amigável.
— Por que você não me conta o que aconteceu; o seu lado da
história.
Coloco meus cotovelos na mesa, enterrando meu rosto em
minhas mãos.
— Eu fui tão idiota. Não consigo nem falar sobre isso.
Ele estende a mão sobre a mesa para tocar meu braço.
— Lara. Fale comigo. Não vamos esquecer que você ajudou
minha esposa a consertar o vestido depois de alguns Pinot Grigios a
mais no casamento de Steve. O que for dito aqui fica entre nós.
Você gostaria, idiota.
Coloco as mãos de volta no meu colo e respiro fundo mais uma
vez.
— Tudo bem, tem a ver com o caso em que eu estava
trabalhando.
— O caso do Ian Bradley.
Vejo Sabrina se endireitar um pouco atrás de Jacob ao ouvir o
nome de Ian.
Concordo.
— Era… Bem, eu realmente não deveria dizer, mas…
— Sei que era de alto nível — ele comenta com desdém,
tomando outro gole de vinho.
O garçom passa para reabastecer.
— Foi isso que te fez desistir?
Mordo meu lábio.
— Tudo bem, aqui vai a parte embaraçosa… Enquanto estava
trabalhando no caso, eu meio que… Bem, Ian, quero dizer, o Sr.
Bradley… Ele tem esse jeito sobre ele, e mesmo que eu o estivesse
investigando…
— Você se apaixonou por ele — Jacob completa, sua voz um
pouco mais cuidadosa do que antes.
Dou um pequeno sorriso, deixando meus ombros subirem e
descerem.
— Eu achei que sim. Não consegui encontrar nenhuma sujeira
sobre ele e disse isso a Steve. É por isso que não recomendei que
avançássemos com uma investigação formal. Eu não sabia que
Steve iria assumir e seguir em frente com o caso de qualquer
maneira.
Jacob bebe mais vinho, mas não diz nada, então continuo
divagando.
— A questão é que pensei que estava fazendo a coisa certa, de
verdade. Eu queria tanto acreditar que Ian era inocente. Mas
agora… — fecho meus olhos. — Agora me pergunto se não
encontrei nada porque me deixei distrair. Deixei que ele me
distraísse.
A ironia é que a maior parte do que acabei de falar é verdade,
mesmo que seja parte de uma mentira maior. Eu realmente me
preocupava que Ian estivesse tentando me distrair. Eu realmente me
preocupava que eu o permitindo que ele me distraísse de uma
maneira que um investigador da SEC melhor que eu não faria.
Mas também aprendi que essa não é a parte que importa. O que
importa é que Ian é um dos mocinhos. Ele não infringiu a lei e não
me traiu.
Ele não faria isso. Ele é melhor do que isso.
Jacob se inclina para frente, engolindo minha história como
sabíamos que faria.
— O que aconteceu?
Hora do show.
Respiro ofegante enquanto convoco olhos lacrimejantes.
— Acabei de descobrir que Ian está me traindo. Larguei meu
emprego por ele e o bastardo é um mentiroso.
— Ah, Lara — ele solta um suspiro. — Caras assim são lixo sem
moral. Deixe-me conversar com Steve. Ele vai entender quando eu
contar que Ian te seduziu para fazer com que você cometesse erros
em seu caso.
Faço uma careta envergonhada.
— Mas, na verdade eu não quero que Steve saiba que dormi
com o cara que estava investigando. Senão ele nunca vai me
contratar de volta.
— Eu não teria tanta certeza — ele dá um pequeno sorriso. —
Vamos apenas dizer que ele pode estar mais ciente das deficiências
de Ian Bradley do que você pensa. Como estão as coisas com você
e Ian agora? Você terminou as coisas?
Balanço a cabeça e limpo o nariz.
— Ele ainda não sabe que sei sobre a outra mulher. Uma amiga
o viu ontem à noite dando em cima de uma garota. Eu sei que
preciso confrontá-lo, mas…
— E se você não o fizesse?
Pisco.
— Não posso continuar namorando um traidor.
— Você poderia, se quisesse se vingar dele — Jacob levanta as
sobrancelhas.
— Não entendo.
Jacob toma outro gole de vinho.
— Eu te disse que podia confiar em mim. Posso confiar em
você?
— Sim, é claro — afirmo, a imagem da confusão.
— Ian Bradley não é um bom homem, Lara. Ele é o pior tipo de
clichê da Wall Street: arrogante, mulherengo, podre de rico, mesmo
para os padrões da Wall Street…
— Sim, mas ele é um criminoso?
— Caras assim não chegam onde estão sendo inocentes. Com
certeza você não é tão ingênua, não importa o quão bonito o cara
seja.
Ele sorri, como se quisesse suavizar a reprimenda, e toma mais
um gole de vinho.
— Você está certo — digo com um tom autodepreciativo. — A
coisa toda da J-Conn parecia suja, mas não consegui que uma
única pessoa se apresentasse para testemunhar.
Jacob se inclina com uma expressão presunçosa.
— Você não conseguiu?
Dou uma carranca perplexa.
— Não entendo. Não há ninguém exceto… — Meus olhos se
arregalam. — Ai, meu Deus. Você era o informante confidencial de
Steve?
Ele abre os braços para o lado com um sorriso triste.
— Culpado. Lamento Steve não poder ter lhe contado. Achamos
que seria melhor manter isso em segredo o maior tempo possível,
dada a nossa conexão.
Minha mente está acelerada. Mesmo que soubéssemos – ou
pelo menos tivéssemos um bom pressentimento – que Jacob era a
fonte, ouvi-lo admitir me deixa um pouco enjoada. Olho para a parte
de trás da cabeça de Sabrina, sua imobilidade me dizendo que ela
ouviu tudo. Melhor ainda, a mulher com quem ela está parece estar
ouvindo também.
— Você acha que vai se sustentar? — indago. — É a sua palavra
contra a dele…
— E se não fosse apenas a minha palavra? — Ele toma um gole
de vinho. — E se for a nossa palavra?
— Mas não encontrei nada. Você é quem tem as informações de
verdade.
— É.
Ele sorri, o que eu tenho certeza de que imagina ser encantador
e juvenil, e depois dá de ombros.
— Talvez eu tenha exagerado na profundidade do meu
conhecimento.
— Steve sabe?
— É claro que sabe. Ele recebe um cheque gordo por jogar junto.
Brinco com meu guardanapo para esconder minha fúria mal
contida no homem do outro lado da mesa, assim como no homem
que era meu chefe. Meu mentor.
— O que eu faria?
Ele dá de ombros.
— Talvez você o tenha escutado se gabar da coisa toda para um
amigo. Talvez um ex-executivo da J-Conn apareça misteriosamente
na sua lista de contatos, que você encontra no celular dele.
Eu o encaro com olhos arregalados.
— Eu não poderia.
— Claro que poderia — ele fala, enchendo minha taça mesmo
que eu mal tenha tocado nela. — Você recupera seu emprego. Ian
Bradley recebe o que merece.
Sento-me na minha cadeira com uma pequena risada.
— Não posso acreditar. Durante todo esse tempo, achei que
estava deixando passar alguma coisa, mas você realmente não tem
nada ligando ele a J-Conn, não é? Você e Steve armaram para ele.
Jacob dá uma piscadela arrogante.
— Claro que sim. O homem é esperto, mas não tão esperto
quanto pensa que é.
O momento é tão rápido, tão sutil; talvez eu tenha sonhado, mas
o jeito que Sabrina vira a cabeça ligeiramente me diz que não.
Jacob Houghton acabou de confessar que incriminou Ian por
informações privilegiadas – com a ajuda de Steve.
Mudo minhas pernas, deixando meu guardanapo cair de
propósito.
Um minuto depois, começa o caos.
Ian

5ª semana: quinta-feira, hora do almoço

Mais tarde, quando me lembrar da expressão no rosto de Jacob


Houghton enquanto me aproximo da sua mesa, vou rir. No
momento, porém, só tenho olhos para Lara.
Eu a alcanço imediatamente, minha mão nas suas costas
enquanto ela se levanta, virando-se para mim com alívio óbvio.
— Que diabos? — Jacob engasga.
— Não — Lara avisa com um silvo irritado, levantando um dedo
para ele. — Você não pode ficar indignado. Você armou para ele.
— Ele te traiu! — Jacob exclama incrédulo. — E você o está
defendendo?
— Eu não traio — interrompo em um tom de advertência. — Nem
na minha vida profissional nem na pessoal.
Jacob faz um barulho de escárnio.
— Certo. Você é um escoteiro comum, tenho certeza.
— Você mentiu — Lara fala, fervendo. — Você e Steve mentiram.
Pressiono a palma com mais força nas suas costas para firmá-la,
mesmo que eu adorasse vê-la atacar Jacob, como sinto que ela
está louca para fazer.
Jacob ri.
— Ah, Lara. Você está pior do que eu imaginava. Ele tem você
na palma da mão e te mandou aqui para conseguir uma confissão.
— Foi minha ideia — ela declara, lançando-lhe um olhar firme.
— Huh — ele expressa, parecendo surpreso. — Posso ver por
que Steve sempre pensou tão bem de você. Mas não importa.
Ele pega sua taça e termina o resto do vinho.
— É a minha palavra contra a sua, e ninguém vai acreditar em
um suspeito de crime e sua…
Dou um passo ameaçador em direção a ele, e seus olhos ficam
cautelosos.
— Namorada — ele completa em um tom relutante que me diz
que não era sua primeira escolha de palavras.
— Na verdade — Sabrina interfere, levantando-se da mesa atrás
de Jacob. — É a sua palavra contra a nossa.
Jacob se vira.
— Quem diabos é você?
Ela acena com a mão.
— Ah, isso não importa. Mas posso apresentar Dana Keller? Ela
é jornalista do Wall Street Journal.
A repórter faminta por histórias se levanta com um sorriso
jubiloso.
— Sabem, quando Sabrina disse que tinha um furo para mim,
pensei que poderia ser apenas sobre mais um executivo com
tendências pervertidas. Mas isso é muito melhor.
Jacob empalidece e parece pronto para vomitar.
— Não sei o que você acha que ouviu, mas…
— Ah, não; não é o que ela acha que ouviu — Sabrina ronrona.
Ela pega um pequeno gravador preto da mesa.
— É o que ela sabe que ouviu.
— Aquela coisinha é de última geração — Dana comenta com
orgulho, apontando para o gravador. — Pega todos os sussurros,
mesmo em um restaurante barulhento como este.
Enquanto Jacob olha incrédulo para o aparelho, Kennedy e Matt
caminham do outro lado do restaurante.
— Tudo bem por aqui, Lara? Percebemos que você derrubou
seu guardanapo — Matt observa com preocupação simulada.
— Tudo bem — Lara responde, balançando o guardanapo como
uma bandeira branca.
Jacob solta uma risada horrorizada, virando-se para Lara.
— Você sabia que eles estavam lá. Você tinha tudo isso
planejado. Qual era o sinal, derrube o guardanapo e eles ligam para
o Ian?
— Na verdade, mandam uma mensagem de texto — Kennedy
esclarece. — Ele estava esperando lá fora.
— Hum, talvez com um pouco menos de vinho você pudesse ter
verificado seus arredores — Sabrina zomba, pegando e
inspecionando a garrafa meio vazia no balde de gelo.
— Vocês armaram para mim — Jacob rosna para todos nós.
— É uma merda, não é? — indago, encontrando o olhar do outro
homem de frente.
Só que ele é muito covarde, e depois de uma piscada, desvia o
olhar.
— A única diferença é que você mereceu — Lara diz baixinho
para Jacob.
— Não fui só eu — ele fala, obviamente passando da negação
direto para a negociação. — Steve é tão culpado quanto eu. O cara
está cheio de dívidas de jogo e concordou em fazer praticamente
qualquer coisa por um preço.
— Ah, nós sabemos — declaro. — Minha advogada, Vanessa
Lewis, foi até os escritórios da SEC para notificar o chefe de Steve
sobre a situação momentos depois de Lara deixar aquele
guardanapo cair.
Ele nos encara, chocado.
— Quantas pessoas estavam envolvidas nessa armação?
— Apenas minha advogada e as pessoas que você vê aqui —
respondo casualmente, pegando o vinho de Lara e começando a
tomar um gole. — Ah, a minha assistente e os agentes da SEC que
devem estar aqui a qualquer…
— Ali estão eles! — Matt exclama em um tom cantante.
Todos nos viramos para ver Kate apontando nossa direção para
dois homens de terno com cara fechada.
— Uau, todo tipo de coisa aconteceu com aquele derrubar de
guardanapo — Dana Keller diz com admiração.
Jacob a ignora, toda sua atenção em mim enquanto os agentes
da SEC se aproximam da mesa.
— Você dormiu com minha esposa — ele argumenta, sua voz
calma. Derrotada. — Minha esposa.
Por uma fração de segundo, quase sinto pena dele. Se aprendi
alguma coisa com toda essa provação, é que uma mulher pode virar
a vida de cabeça para baixo. Então me lembro que ele queria me
mandar para a cadeia por causa disso.
— Eu não sabia que ela era casada — explico, enfrentando seu
olhar. — Algo que eu ficaria feliz em lhe contar se você tivesse
apenas se comportado como um homem e conversado comigo
sobre isso.
Ele franze a testa.
— Whitney não…
— Não — interrompo. — Whitney não mencionou você. Nem
estava usando aliança. Eu sei porque não sou um cretino; eu
verifico. Ela sabia que estava tendo um caso, mas eu com certeza
não sabia.
— Ela sabia do seu plano? — Lara pergunta a Jacob. — Ou você
decidiu derrubar Ian sem se preocupar em obter todos os fatos?
Seu silêncio teimoso e carranca irritada são respostas
suficientes.
— Eu o odeio — Lara sussurra enquanto todos o vemos ser
levado para longe.
— Eu não.
Ela olha para mim, os olhos arregalados.
— Sério? Ele ia cometer perjúrio com a única intenção de
mandá-lo para a cadeia.
— Uma ação babaca — reconheço, deslizando minha mão para
sua cintura. — Mas ainda assim, não o odeio. Não posso.
— Por que não?
Pressiono meus lábios em seu cabelo e digo a verdade.
— Porque ele te levou até mim.
Lara

5ª semana: Sexta-feira, jantar

— Caramba, Srta. Lewis. Isso é dos bons — Matt declara, olhando


de maneira apreciativa para sua taça de champanhe e então se
inclinando para admirar a garrafa.
— Me chame de Vanessa — pede a advogada de Ian,
entregando uma taça de champanhe para Kate. — E eu não
comprei isso. Ian comprou.
Ian faz uma pausa no processo de beber seu champanhe.
— Eu?
— Vai ser na sua conta — ela avisa com uma piscadela.
Matt bate sua taça na minha e dá um largo sorriso.
Automaticamente, sorrio de volta. Mesmo em meio aos meus
próprios problemas, é difícil não me sentir exultante com nossa
vitória sobre a corrupção. E sim, percebo que isso é muito ilusório
de super-herói da minha parte, mas, bem… a vitória de ontem foi
boa.
Nosso plano foi um pouco fora das linhas? Sem dúvidas.
Mas se conhecer Ian e seus amigos me ensinou alguma coisa é
que lutar pelo que é certo nem sempre é tão simples quanto seguir
as regras. Às vezes você tem que se esforçar para pegar o bandido.
Sabrina flutua pela porta da frente do apartamento de Ian, beija
Kate e eu no ar, depois segue direto para o balde de champanhe.
— Dom! Estamos comemorando de verdade.
— Claro que estamos — Vanessa concorda enquanto ela e
Sabrina se beijam no ar. — E posso apenas dizer, negar a ambos os
homens um acordo? Ponto alto do meu ano.
— Como eles pensaram que havia uma chance de que isso
acontecesse? — Kennedy pergunta.
— Eles acharam que ganhariam pontinhos por uma confissão em
texto escrito contando tudo — Vanessa explica. — Mas como ambos
estavam dispostos a vender o outro, nenhum deles tinha poder de
barganha.
— Você sabe a parte disso que está me matando mais? — Matt
se lança em uma cadeira na mesa da cozinha de Ian. — Como
diabos não pensamos em primeiro analisar as ficantes de Ian?
Deveríamos saber que seria o pau dele que o colocaria em uma
confusão.
Ian se encolhe e coloco a mão em seu braço. Ele não falou muito
sobre isso, mas posso dizer que o incomoda, saber que alguém que
ele achava que era um caso inofensivo não apenas era casada, mas
voltou para assombrá-lo da pior maneira possível.
Ian puxa minha mão até seus lábios, dá um beijo nela, enquanto
Sabrina dá um tapa na cabeça de Matt.
— Certo, porque você é um monge celibatário. E Whitney foi há
muito tempo — ela declara com um olhar aguçado para mim.
Sorrio, apreciando o sentimento, embora não seja necessário.
Não gosto muito de pensar no passado romanticamente fértil de Ian,
nem me importo em pensar no que isso significa para o futuro dele,
nosso futuro…
Mas tenho problemas maiores para lidar.
A bagunça de Ian está limpa e estou grata. Emocionada.
Minha própria bagunça está apenas começando.
Ian me puxa para mais perto, pressionando seus lábios logo
acima da minha orelha.
— Estou feliz que você está aqui — ele diz baixinho antes de se
afastar para ir para a cozinha.
Também estou contente. Não apenas por causa dele e de nós,
mas por causa de todos os outros aqui. Não acho que ele pode
saber o quão carente estive por amigos. Eu tenho Gabby, é claro,
mas, para ser totalmente honesta, sempre soube que ela e eu
provavelmente nunca teríamos sido amigas se não tivéssemos
acabado morando juntas.
Este grupo parece diferente. Parece um grupo do qual eu poderia
fazer parte – um grupo ao qual eu poderia pertencer de verdade.
Se as coisas fossem diferentes.
— Lara, seu celular está tocando — Ian chama da cozinha.
Ando em direção a ele, deixando escapar um guincho quando ele
me joga meu iPhone.
— O que você está fazendo? Eu pareço atleta?
— Você pegou, não foi? — ele diz com um sorriso lento.
Eu peguei. Mas é provável que não acontecerá de novo.
Olho para o aparelho, odiando sentir uma pontada de pavor em
vez de minha excitação habitual com o nome na tela.
— Ei, você se importa se eu atender isso no seu quarto?
Ian acena a garrafa de gim em um gesto de vá em frente.
Entro em seu quarto e fecho a porta.
— Ei, mãe.
— Lara. Sinto muito, querida. Seu pai e eu acabamos de receber
a sua mensagem. Você se demitiu? Nos conte tudo. Você está no
viva-voz.
Eu me inclino contra a porta e deslizo todo o caminho até o chão,
bloqueando as vozes alegres do outro lado para fazer o sacrifício e
finalmente contar aos meus pais sobre a bagunça total que fiz da
minha vida.
Ian

5ª semana: sexta-feira, jantar

Depois de verificar que Lara ainda está no quarto conversando com


seus pais, abordo minha advogada.
— Vanessa, você tem um segundo?
— Claro — ela diz, levantando um dedo para Sabrina para
indicar que logo estará de volta. — E aí? — pergunta enquanto
caminhamos para o outro lado da sala de estar.
Coço minha bochecha, um pouco fora do meu elemento aqui.
Não tenho o hábito de pedir favores, especialmente pela minha
namorada.
Ou a mulher que espero que concorde em ser minha namorada.
— É sobre Lara.
— Ah, sim — Vanessa fala, tomando um gole de champanhe e
levantando as sobrancelhas. — Você sabe, sem ela… Vamos
apenas dizer que ela foi fundamental para que isso funcionasse a
seu favor.
— Eu sei
Sou grato. Mais do que grato, e ainda assim… dificilmente
contente. Porque também sei muito bem quanto isso custou a Lara.
Consegui exatamente o que eu queria. Mas ela se ferrou.
— Então, escute — continuo, passando a mão na minha nuca,
tentando descobrir como dizer à minha advogada que estou
dormindo com a investigadora da SEC.
Vanessa fica com pena de mim e sorri.
— Está tudo bem, Ian. Eu fui para Princeton. Acho que posso
dizer quando duas pessoas estão apaixonadas.
A palavra me sacode. Tanto porque é a primeira vez que a
escuto em voz alta quanto porque estou apavorado que pareça…
Verdade.
— Não estamos… estamos apenas…
Merda. Não sei o que estamos.
Só sei o que eu quero que ela seja: minha.
— Você sabia que ela perdeu o emprego por causa de tudo isso?
— pergunto a Vanessa.
— Sabrina me disse que ela se demitiu.
— Sim, porque ela tem integridade — explico, embora não seja
com Vanessa que esteja bravo.
É com esses merdas que armaram para mim, que forçaram Lara
a escolher entre seu sonho do FBI e sua moral.
— Eu sei — Vanessa responde baixinho. — O que você quer de
mim, Ian? — ela me analisa. — Ah. Você quer que sua garota
consiga o emprego de volta.
— Sim! — concordo um pouco entusiasmado demais. — Quero
dizer, sim, se for uma possibilidade…
— Não é impossível — ela avisa lentamente. — Mas a SEC está
uma bagunça agora. Mesmo que Lara não tenha feito nada de
errado, seu chefe fez um trabalho muito bom em manchar sua
reputação.
— Mas ele é culpado por corrupção da justiça, aceitar suborno e
ser um babaca imenso! Sua palavra não significa merda nenhuma.
— Eu sei disso. Você sabe disso. Todos nesta sala sabem disso.
Mas não é assim que este mundo funciona, Ian. É uma coisa de
percepção. Os corretores de investimento podem se recuperar
disso. Os gestores de fundos de cobertura podem se recuperar
disso. Mas as investigadoras da SEC suspeitas de dormir com seu
suspeito…
Balanço minha cabeça.
— Nós esperamos…
— Ninguém vai se importar com o tempo — ela corta com
suavidade. — Suspeito que Lara sabia disso o tempo todo. Isso diz
muito sobre os sentimentos dela por você.
As palavras deveriam me deixar exultante. Em vez disso, nunca
estive tão miserável.
Qual é o sentido de limpar meu nome, de recuperar minha vida,
se ela não está nela?
Porém, essa nem é a pior possibilidade, percebo quando olho
para a porta fechada do meu quarto. Pior do que nenhuma Lara na
minha vida seria tê-la, mas ela não ter a SEC ou o FBI por causa do
seu relacionamento comigo.
Engulo em seco, sentindo o desejo de jogar minha bebida na
parede.
Lembro-me agora do por que nunca quis estar em um
relacionamento.
Eles são horríveis.
Lara

6ª semana: domingo à noite

De todas as caminhadas que fiz até o apartamento de Ian nas


últimas semanas, essa sem dúvida é a mais difícil.
Ele abre a porta ao meu toque, e levo um momento para registrar
a visão de uma colher de pau em sua mão, além do cheiro de alho
permeando o apartamento.
— Você está cozinhando? — questiono, um pouco atordoada.
Ele gesticula com a colher para mim e beija minha bochecha.
— Estou. E você deveria tanto estar lisonjeada quanto
preocupada porque esta é a minha primeira vez.
— Por que preocupada? — entro e fecho a porta.
— Porque tenho noventa por cento de certeza de que queimei o
alho. Não consegui encontrar cebolinhas no supermercado, então
substituí por alcaparras, que mais tarde descobri que não eram nem
um pouco parecidas. E vamos apenas dizer que desossar uma
galinha é muito mais difícil do que o YouTube faz parecer — ele diz
olhando para trás enquanto se volta para o fogão. — Vinho?
— Estou bem — nego, indo até o balcão e orando por coragem
para fazer o que vim fazer aqui.
Ele já está dificultando muito. Ele está cozinhando, pelo amor de
Deus. Pela primeira vez. Para mim.
Eu não teria imaginado que haveria uma visão mais quente do
que Ian em seu terno ou, melhor ainda, nu. Mas este Ian faz algo
perigoso com o meu coração. Este Ian largou a gravata e o paletó,
arregaçou as mangas da camisa e parece perfeitamente à vontade.
Não, não apenas à vontade. Feliz.
E por um breve momento, me pergunto se talvez essa possa ser
a nossa vida… juntos.
Mas então me lembro que é muito cedo, isso aconteceu muito
rápido, e agora não temos o tempo que precisamos.
— Como foi a atualização do currículo? — questiona ele,
mexendo seja o que for que esteja no fogão.
Estremeço. Eu lhe contei que queria passar o dia na biblioteca
atualizando meu currículo, procurando emprego.
Eu menti.
— E você tem certeza de que não quer vinho? É um excelente
Malb…
— Ian.
Ele se vira para mim e, no segundo em que vê meu rosto, desliga
o fogo e joga a colher na frigideira.
— O quê? — pergunta, vindo em minha direção e pegando
minhas mãos. — Me diga.
— É uma boa notícia! — falo, me forçando a sorrir.
Ele franze a testa, provavelmente porque meu sorriso parece
uma triste imitação de felicidade.
— Apenas arranque o Band-Aid, Lara — ele pede, apertando
minhas mãos. — Eu posso lidar com o que você jogar em mim.
Isso não.
— Consegui um novo emprego — afirmo.
Ele franze as sobrancelhas em confusão, então dá um sorriso
hesitante que parte meu coração.
— Isso é ótimo. Excelente. Certo?
Aceno com entusiasmo, mas assim como meu sorriso, meu
entusiasmo não é convincente.
— É com o FBI. Mas… — estendo minha mão antes que ele
possa ter a ideia errada. — Não como agente. Como analista. É um
trabalho de secretária. Parte inferior da cadeia alimentar, revirando
papéis, etc.
— Ah.
Sim. Ah.
Não tenho problemas com o trabalho administrativo. Caramba,
essas pessoas trabalham mais do que qualquer um que conheço e
são algumas das mais inteligentes.
Mas não é o que eu queria. Não é o sonho. Eu sei disso. Ian
sabe disso.
— Com tudo o que aconteceu, não estou mais no caminho para
ser uma agente. Meus pais conversaram com algumas pessoas,
explicaram a situação, mas… Bem, como eu disse antes, Quântico
é competitivo. Minha reputação agora? Está na lama.
Ele estremece.
— Meu Deus, Lara. Eu sinto muito–
— Não, está tudo bem — interrompo, e desta vez meu sorriso é
um pouco mais verdadeiro, porque vai ficar tudo bem.
Estou determinada que sim.
— Ainda está mais perto do que já estive antes. O trabalho é na
divisão de colarinho branco, então terei muita exposição e farei
conexões. E todos os anos, Quântico aceita analistas que desejam
se tornar agentes. Não é do jeito que pensei que entraria, mas vou
chegar lá.
— Então, ei, é uma boa notícia — ele comenta suavemente. —
Mas — ele se inclina um pouco para olhar meu rosto mais de perto
— você não está feliz. Por quê?
Respiro fundo.
— Eu não estava atualizando meu currículo hoje. Eu estava
fazendo as malas. — falo isso depressa e direcionado aos meus
pés.
Suas mãos ficam tensas ao redor das minhas.
— Como é?
Eu me forço a olhar para cima e encontrar seus olhos.
— Estava fazendo as malas. Este trabalho do FBI… é em
Washington.
Sua cabeça cai para trás em surpresa.
— Ah.
— Sim.
Ele solta minhas mãos e prende as dele atrás do pescoço
enquanto começa a andar de um lado para o outro, como se
tentasse encontrar uma solução que ele gostasse mais.
— Há uma filial do FBI aqui, certo? É até do colarinho branco.
— Há. Mas não são eles que contratam os analistas. E não é
com eles que meu pai tem uma conexão.
Ele para de andar e abaixa os braços.
— Seu pai conseguiu o emprego para você?
Levanto um ombro.
— Meu currículo me deu o emprego. Mas sim, ele ajudou.
Ian sorri, e é genuíno.
— Isso é ótimo. Muito bom. Demorou um pouco, mas ele
finalmente te apoiou em seu sonho.
Examino seu rosto e não vejo nada além de felicidade. Por mim.
Mesmo enquanto me afasto dele.
Meus olhos lacrimejam, porque é nesse momento que sei que o
amo. Porque é preciso ser um cara muito bom para colocar a
felicidade de outra pessoa acima da sua. Querer algo para mim
mais do que ele quer algo para si mesmo.
Ele franze a testa quando vê minhas lágrimas.
— Qual é o problema?
— Nenhum — minto. — São lágrimas de felicidade.
Feliz com o trabalho, triste por deixá-lo.
— Ei — ele exclama, me puxando para um abraço. — Não chore.
Isto é uma coisa boa.
Concordo, deixando-me afundar em seu abraço, para absorver
um pouco da sua força e firmeza.
Eu o ouço engolir em seco, e sua mão vem até a parte de trás da
minha cabeça.
— Porém, chato pra gente.
Envolvo meus braços em torno de suas costas.
— Sim. É chato pra gente.
Nós nos abraçamos por um longo tempo. Sem falar, sem beijar.
Apenas segurando.
Eu me pergunto se ele está fazendo o que tenho feito nas últimas
vinte e quatro horas, tentar descobrir como fazer tudo funcionar. O
trabalho dele. O meu trabalho. Nós. Se está pensando isso, ele
aparentemente não apresenta uma solução, porque me solta de
volta devagar.
— O que você precisa que eu faça? Posso pegar uma pizza.
Ajudar a fazer as malas.
Estou tentada – terrivelmente tentada – a apenas ter um pouco
mais de tempo com ele. Mas acho que não consigo sobreviver a
isso.
Pressiono as costas da minha mão no meu nariz para tentar
evitar o pior das lágrimas, mas elas vêm de qualquer maneira.
— Acho que preciso terminar — consigo dizer.
Seu rosto desmorona por um segundo, e ele enfia as mãos nos
bolsos, olhando para o chão e depois de volta para mim.
— Certo. Sim. Entendo.
Ficamos parados em miséria muda por um longo momento.
Então ele me alcança, e eu vou até ele, nossas bocas colidindo
em um beijo tão quente quanto triste, uma fusão frenética de lábios
que é tanto uma promessa quanto um adeus.
Não vá, o beijo dele pede.
Eu tenho que ir, é minha resposta de volta.
Quando nos afastamos, nós dois respiramos com dificuldade,
suas mãos no meu rosto, sua testa apoiada na minha.
Tenho o desejo mais feroz de me agarrar e um desejo ainda mais
prejudicial de mudar de ideia. De dizer para o inferno com o FBI e
tudo o que eu quis e trabalhei por toda a minha vida adulta por um
cara que me quer, mas acho que ainda está muito longe de me
amar.
— Eu preciso ir — sussurro.
Eu tenho que ir.
Ian acena com a cabeça e me libera lentamente até que seus
braços caem para os lados, me soltando.
Chego até a porta antes que ele diga meu nome, a palavra tanto
desesperada quanto hesitante.
— Lara, o que você diria… o que faria… se eu lhe pedisse para
ficar?
Eu poderia fazer isto. O cara tem dinheiro mais do que suficiente.
Eu poderia lhe pedir um empréstimo, e sei que ele me daria em um
piscar de olhos, embora seria um pé no saco para me deixar pagar
de volta.
E depois? Eu me mudaria? Viveria do seu salário? Me tornaria a
mulher sustentada conhecida por trocar sua integridade por um
homem? Não é verdade, mas a reputação estaria lá, e mesmo que
não estivesse…
Preciso mais do que ser a mulher de Ian Bradley. Preciso ser
Lara McKenzie, e Lara McKenzie ainda quer estar no FBI.
— Não — sussurro. — Por favor, não peça.
Ele acena com a cabeça e me deixa ir sem dizer outra palavra.
Consigo chegar até o banco de trás de um táxi antes de começar
a chorar de verdade.
Ian

3 semanas depois: quinta-feira à tarde

— Você está fazendo isso de novo — Kennedy avisa.


Olho para ele com irritação.
— Fazendo o quê?
Matt está na cadeira ao meu lado e conta nos dedos.
— Rangendo os dentes, murmurando baixinho, encarando
qualquer coisa que se mova, brigando com qualquer um que olhe na
sua direção…
— Então sinta-se à vontade para sair.
— É o meu escritório — Kennedy retruca do outro lado da mesa.
— Você sai.
— Pensei que estávamos debatendo quem ganha a outra
entrada do Mets — rebato.
Matt balança a cabeça e aponta para Kennedy.
— Escolho ele. Você está muito desmancha-prazeres, cara.
— Tudo bem — estouro, ficando de pé.
Matt suspira.
— Espere. Você precisa de uma distração. Venha para o jogo,
mas você tem que prometer tomar uma cerveja e pelo menos tentar
se divertir.
— Eu não quero mais ir — recuso, sabendo que pareço uma
criança petulante e não dou a mínima.
Não tenho dado a mínima para nada nas três semanas desde
que Lara deixou Nova York.
E sim, vá em frente e me acuse de ser o cara deprimido por uma
garota. Posso aceitar porque é a verdade.
Eu só não sei o que fazer sobre isso. Meu trabalho é aqui. O dela
é lá.
Eu amo meu trabalho. Ela ama o dela.
Eu a amo. Ela não me ama.
Porra.
— O sermão chegou ao fim? — pergunto aos dois. — Se houver
mais coisa a dizer, sintam-se à vontade para me enviar um e-mail
com minhas falhas. Prometo nunca ler.
Kennedy e Matt trocam um olhar, mas sabiamente não dizem
nada.
Kate enfia a cabeça no escritório para ladrar para mim que tenho
uma ligação na linha dois. Ela desaparece sem dizer outra palavra,
e Kennedy e Matt ficam em silêncio, esperando minha explicação.
— Ela ainda está furiosa comigo — explico. — Desde que…
Balanço a cabeça porque não consigo terminar a frase em voz
alta. Desde que Lara partiu.
Kate não é a única que está brava. Até Sabrina está agindo
exasperada comigo, como se eu devesse estar fazendo algo sobre
a situação.
Mas o que posso fazer? Não é como se eu pudesse ligar para
Lara e mandar que ela volte. Não posso lhe pedir para desistir de
algo que ela quer só porque não consigo parar de pensar nela.
Nas minhas horas mais sombrias, quero fazer isso. Mas não vou.
Não vou pedir a alguém com quem me importo para fazer algo que
não posso fazer:
Desistir do meu trabalho. Desistir de tudo pelo que trabalhei tão
duro.
Isso – Wall Street – é a minha vida. Este escritório, essas
pessoas… eles são tudo o que eu queria desde os quatorze anos, e
eu consegui, caramba.
Eu tenho a vida que queria.
Não tenho?
Deixo os caras e volto para o meu próprio escritório, olhando
duas vezes quando a orquídea me chama a atenção. Porra. Quando
ela começou a murchar assim? Existe alguma coisa na minha vida
que não vai dar merda?
Eu me esparramo na cadeira, fechando os olhos e pressionando
as palmas das minhas mãos neles por um momento.
Kate toca no meu interfone e sua voz está bem irritada.
— Olá? Linha dois!
Ela desliga outra vez e eu atendo.
— Ian Bradley.
— Ei, garoto. Minha TV quebrou.
Solto uma risada incrédula.
— Ei, Dave.
— Desta vez não foi minha culpa — ele afirma
desafiadoramente. — Minha nova garota trouxe seu cachorro, e a
coisa é tão grande quanto um cavalo. Ele bateu na TV enquanto
perseguia uma maldita bola de tênis e fez a coisa toda desabar.
— O cachorro está bem?
— Sim. Acha que consigo outra TV antes do fim de semana?
Tenho que ver meus meninos vencerem os Cubs.
— Sim, claro — concordo, fazendo uma anotação.
Ele resmunga o que sei que é sua versão de agradecimento.
— Então, como você está indo? Vi que aqueles bastardos que
tentaram te derrubar serão sentenciados na próxima semana.
— Sim — bato minha caneta contra a escrivaninha.
— Por que você não está se gabando mais?
— Porque realmente não dou a mínima para o que acontece com
dois covardes. Eles tiraram o suficiente de mim.
Dave assobia.
— Você é bom e está irritado. Se eu não conhecesse você, acho
que eles levaram mais do que seu orgulho e algumas semanas da
sua vida.
— Eles levaram minha garota — murmuro antes que eu possa
pensar melhor.
— A SCT?
Próximo o suficiente.
— Sim. Ela perdeu o emprego por causa de toda essa bagunça e
teve que pegar um novo em Washington.
Dave resmunga.
— Isso é péssimo. Os Nationals estão me irritando. Nada além
de decisões ruins na última vez que jogaram contra os Phillies.
Não digo nada, meu humor é ruim demais para fingir interesse
em beisebol.
— Então, ela não queria você? — ele pergunta, indo direto ao
assunto, como sempre faz.
— Acho que não — esfrego meus olhos. — Não o suficiente, de
qualquer maneira.
Ele faz um barulho de cuspir.
— Ah, então quem precisa dela?
A inesperada demonstração de lealdade me faz sorrir. Também
me dá coragem. Coragem o suficiente para perguntar algo que eu
queria perguntar há muito tempo.
— Dave…
— Sim?
— Por que você nunca me adotou?
Há um longo momento de silêncio, e quando a resposta vem,
não é o que eu esperava.
— Caramba, garoto. Você nunca pediu.
Fico parado.
— Eu tinha apenas quatorze anos quando fui ficar com você.
— Em termos de maturidade, você tinha praticamente vinte. Você
sempre soube o que queria, nunca fez nenhum segredo sobre isso.
Achei que se quisesse que eu te adotasse, você teria dito alguma
coisa.
Minha mente gira. Não poderia ter sido tão simples. Poderia?
— Então, se eu tivesse pedido… — limpo minha garganta e paro.
— Bem, sim. Se você tivesse pedido, eu teria adotado você, filho.
Você não era muito problema.
Filho. Não garoto. Filho.
Estou feliz por estar sozinho em meu próprio escritório, porque
meus olhos lacrimejaram um pouco. Todo esse tempo e tudo que eu
tinha que fazer era pedir.
Eu fico quieto, minhas lágrimas secando imediatamente.
— Dave — minha voz está um pouco áspera, então tusso para
limpá-la. — Eu tenho que ir, mas conseguirei que a TV chegue aí
amanhã.
— Ok.
Ele desliga e sorrio, porque parece que atingimos a capacidade
máxima de afeto do Dave.
No entanto, não alcançamos a minha. Ainda não.
Pego o telefone mais uma vez.
A voz de Kate é cortada.
— O quê?
Solto um suspiro.
— Chega de atitude, Henley. Você deveria estar feliz. Minha
orquídea está quase morta, então você vai ganhar a aposta.
Parabéns.
— Eu não queria ganhar assim — ela resmunga.
— O que quer dizer?
— Significa que eu não queria ganhar porque você morreu.
— Eu não morri.
— Você está agindo assim. Morto por dentro.
Reviro os olhos.
— Você vai falar em hipérbole a tarde toda ou pode fazer algo
por mim?
— O quê? — ela pergunta desconfiada.
Sorrio.
— Você pode reservar um voo para Washington?
Eu praticamente a escuto se sentar um pouco mais reta.
— Para quando?
— O mais breve possível.
Lara

1 dia depois: sexta-feira à noite

— Boa noite, Lara. Vejo você amanhã.


Levanto os olhos do arquivo e aceno adeus para Greg, um dos
outros analistas.
— Tenha uma boa noite.
Coloco o resto dos arquivos em suas pastas apropriadas e volto
para minha mesa.
Meu cubículo na SEC era quase uma mansão em comparação
com o que tenho aqui. A iluminação do escritório faz meu cabelo
parecer verde, o café tem um sabor claramente metálico, minha
mesa cheira a curry de outra pessoa e minha cadeira nunca ouviu a
expressão “ergonomicamente correta”. Mas… eu amo isso.
Amo porque fica no prédio do FBI.
Confesso que fiquei com medo de ser uma decepção. Mas eu
sabia, desde o segundo em que entrei pelas portas da frente, que
estava certa.
Ou pelo menos a direção certa da direita.
Ainda estou aprendendo; ainda aprendendo quem é quem, o que
é o quê, quem é útil e quem vai arrancar minha cabeça quando eu
fizer uma pergunta. Quase amo muito essas interações. Adoro dizer
a mim mesma que, quando estiver naquela posição de poder, serei
legal com o novato
E vou estar naquela posição de poder um dia. Sei disso.
— Merda — murmuro, olhando para o relógio. Devo encontrar
meus pais para jantar em quinze minutos. O restaurante fica perto,
mas o trânsito é brutal.
Mais cedo ou mais tarde, vou adotar o sistema de metrô de
Washington, mas, por enquanto, só posso me dar ao luxo de viver a
quarenta e cinco minutos do trabalho e não muito perto de nenhuma
das linhas. Meu pai me emprestou seu carro antigo, e mesmo com a
necessidade de manutenção constante na porcaria, é a opção mais
fácil.
Estou com pressa, mas ainda sigo o caminho mais longo até o
elevador – aquele que passa pelo departamento do colarinho
branco. Cerca de metade dos agentes ainda está em seus
escritórios. A agente Powers até levanta a mão em um aceno
amigável enquanto passo.
Algum dia. Algum dia um desses escritórios será meu.
Você vê? Estou feliz.
Bem, estou feliz na maior parte do tempo.
Um pedacinho (ok, tudo bem, um grande pedaço) sente falta de
Ian. Muita. Ingenuamente, pensei que era apenas uma coisa de
proximidade – que tínhamos nos unido tão rápido, em circunstâncias
tão estranhas, que nos envolvemos na ideia do romance e não no
romance em si.
Três semanas depois?
Não sei. Três semanas depois, ainda parece que o que tínhamos
era real.
Ele ligou algumas vezes, mas eu só… Não posso. Ainda não.
Já é tarde o suficiente para que eu tenha o prédio só para mim,
então, quando desço no meu andar da garagem, sou capaz de fazer
aquela caminhada /corrida desajeitada rápida até o meu carro sem
testemunhas.
Ou não.
Meus passos são lentos enquanto me aproximo do meu carro.
Há um homem encostado casualmente nele, os pés cruzados nos
tornozelos.
O pior pesadelo de toda mulher, certo? Mulher sozinha,
estacionamento escuro, homem estranho.
Exceto que ele não é um homem estranho.
Ele é um homem familiar em um terno muito bom. Odeio dizer
isso, mas sinto falta dos ternos da Wall Street. O FBI não dá um
bom terno.
Ian observa enquanto me aproximo, braços cruzados sobre o
peito, buquê de rosas pendurado em uma mão.
— Ian?
— Ela se lembra do meu nome. Bom começo — ele remexe as
flores e as observa. — Eu queria trazer uma orquídea, mas há
rumores de que elas não gostam de viajar. Kennedy e Matt me
garantiram que estas são boas substitutas.
Sorrio e as pego.
— Diga aos dois que estou impressionada. Sou fã das clássicas.
— Pensei que você pudesse ser — ele me analisa. — Como
você está?
Respiro fundo. Deixo escapar.
— Estou… confusa. O que você está fazendo aqui?
Ele sorri e se endireita.
— Vamos chegar a isso. Conte primeiro sobre o seu trabalho. É
tudo o que você sonhou?
Aceno com entusiasmo.
— Sim. Com certeza. Quero dizer, é muito trabalho, mas é
incrível. Hoje eles me pediram para rever este caso arquivado, e…
bem, não posso falar sobre isso, mas o criminoso me lembra você,
e…
Ele ri.
— O criminoso, hein? Talvez eu devesse ter trazido duas dúzias
de rosas.
Reviro os olhos e sorrio.
— Você sabe o que quero dizer. Muito charmoso para seu
próprio bem, ótimo com as damas.
— Hum — ele estende a mão e pega a minha, me puxando. —
Você sabe que esse criminoso pode ter entendido errado. Acontece
que ser ótimo com as mulheres não é tão empolgante.
— Não?
— Não. Os espertos se concentram em uma mulher só. A faz
deles.
— Entendo — digo, meu coração batendo forte enquanto luto
para manter minha voz brincalhona. — Como eles conseguem isso?
Batem na cabeça dela com um bastão e a arrastam de volta para a
caverna?
— É uma ideia. Mas eu estava pensando em algo mais parecido
com…
Ele enfia a mão no bolso do peito.
Oh, Deus! Oh, Deus, ele não iria. Nós não estamos tão prontos
para isso. Não posso me casar com um homem que mal conheço.
Ele tira… um envelope.
Não sei se estou aliviada ou decepcionada. Talvez um pouco de
ambos.
Ele me entrega.
Eu me esforço para fazer malabarismos com as flores, minha
bolsa, a bolsa de laptop e o envelope, então ele pega as chaves da
minha mão e me livra de tudo, exceto do envelope.
Lanço um olhar curioso enquanto tiro… passagens de avião.
Muitas passagens de avião.
A primeira é um voo para o próximo fim de semana – Washington
para Nova York. A próxima é para o fim de semana depois desse –
Nova York para Washington.
Folheio o resto delas. São três meses de passagens aéreas,
alternando entre Nova York e Washington.
Entre a cidade dele e a minha.
— Ian?
Ele levanta as sobrancelhas.
— O que você diz? Faz longa distância comigo?
— Ian… — é um suspiro desta vez.
Ele estende a mão e desliza um braço em volta das minhas
costas, a outra segurando meu pescoço, seu polegar roçando minha
mandíbula como se memorizasse a forma.
— Sinto sua falta, Lara. Estou louco de saudades. Entendo que
você tem que estar aqui e eu tenho que estar lá. Embora, para
constar, contemplei o gesto muito impressionante de deixar meu
emprego e me mudar para cá. Mas achei que você não me
respeitaria por isso.
Balanço minha cabeça.
— Você precisa de dinheiro.
Ele ri, e o som faz meu coração inchar.
— Pode apostar. Mas eu também preciso estar com você.
Ian encosta sua boca de leve na minha, e quando se afasta para
me observar, seus olhos estão quentes.
— Você pensou que eu ia sacar um anel, não é?
Soltei uma risada envergonhada.
— Algo do tipo.
Ele me beija mais uma vez, sorrindo contra minha boca.
— Também pensei sobre esse grande gesto, mas achei melhor
te cortejar primeiro.
Puxo de volta.
— Me cortejar? Você roubou isso do vocabulário de Kennedy?
Espere. Você pensou sobre isso? Você pensou em me dar um anel?
— quase grito.
Ele dá de ombros.
— Passou pela minha cabeça. Depois que percebi que te amava.
Meus joelhos se dobram, mas ele me pega.
— Isso foi embaraçoso para você — ele implica.
Reviro os olhos.
— Me dá um tempo. O cara que eu amo me surpreendeu com
rosas vermelhas, passagens de avião e conversas vagas sobre
casamento.
Seus olhos ficam brilhantes.
— O cara que você ama, hein?
Bato o canto do envelope em seu peito.
— Acontece que sou muito pouco prática quando se trata de
você. Você me fez me apaixonar perdidamente em apenas algumas
semanas.
— Imagine o que posso fazer em alguns meses — ele provoca,
envolvendo os dois braços em volta de mim e me levantando do
chão.
Rio e abaixo minha boca na dele.
— Mal posso esperar para descobrir.
Lara

Mais ou menos um ano depois

— Estou atrasada, estou atrasada. Sinto muito pelo atraso — digo,


me lançando na cadeira em frente a Ian. — Diga que você pediu
uma bebida para mim.
Como se fosse uma deixa, um garçom aparece com duas taças
de champanhe.
— Ooh, estamos chiques esta noite — comento, piscando meus
cílios para o homem que, depois de um ano de namoro, ainda é a
coisa mais bonita que já vi.
— Sim, bem, eles não tinham mais aquela cerveja terrível que
você tanto amava no bar perto do Quântico.
— Ééé, acho que foi uma coisa situacional. Quem diria que a
cerveja poderia ter um sabor totalmente diferente quando não vem
depois de um longo e cansativo dia de tiro ao alvo?
— Deus, adoro quando você fala sujo comigo — ele brinca,
piscando e batendo sua taça na minha. — Então. Como foi seu dia,
Agente McKenzie?
Irradio de empolgação, porque depois de dois meses em meu
novo emprego, ainda não perdeu a graça.
— Não consegui algemar ninguém, mas sempre há o amanhã —
sorrio na minha taça.
Ele se inclina para frente e abaixa a voz.
— Você pode me algemar esta noite, se quiser.
— Acho que vou aceitar isso — concordo com um sorriso
travesso. — E você? Conte sobre o seu dia.
— Ah, você sabe, o de sempre. Kennedy finge não notar Kate,
ela continua a torturá-lo. Matt e Sabrina brigaram, então eles podem
estar mortos.
— O de sempre.
Ele sorri.
— Sim.
Exceto que ele está apenas parcialmente certo sobre o sempre.
Algumas coisas estão iguais. Ian ainda está no melhor do seu
jogo, continua ganhando quantias ridículas de dinheiro, uma boa
parte desse dinheiro ainda vai para a caridade de Ian, outro bom
pedaço é usado para substituir as TVs de Dave.
Mas algumas coisas também são novas. Conseguimos
convencer Dave a ir a Nova York para o Dia de Ação de Graças no
ano passado. Ian parecia tão feliz que espero que a visita de feriado
de Dave tenha sido apenas a primeira do que será uma longa
tradição.
Quanto a mim, eu me formei em Quântico há alguns meses e me
ofereceram um emprego quase imediatamente. E preparem-se,
pessoal, porque felizes para sempre não fica muito mais feliz do que
isso…
O trabalho é como agente na divisão de colarinho branco. Em
Nova York.
Com sede a apenas três quarteirões do apartamento de Ian.
Bem, nosso apartamento agora.
Eu te disse. Felizes para sempre com esteroides: meu emprego
dos sonhos e meu cara dos sonhos.
Ian está me observando com um olhar pensativo e relanço para
cima do meu menu.
— O que foi?
— Você está sorrindo.
— Geralmente isso é uma coisa boa — digo, tomando meu
champanhe.
Ele olha para baixo e depois para cima.
— Você já sentiu falta de Washington?
— Não. A pizza é melhor aqui.
— E os homens?
— É um empate — dou de ombros, fitando o meu menu. — Meu
pai ainda está lá, e ele é ótimo.
Ian sorri.
— Sim, ele é. Falando em seu pai, tivemos uma conversinha esta
tarde.
Ergo minha cabeça.
— Você conversou com o meu pai? Sem supervisão? Depois da
desastrosa discussão do jantar de Natal?
Eu nunca tinha visto dois homens ficarem tão nervosos com
beisebol versus hóquei antes.
— Sobre o que vocês poderiam ter conversado?
— Você — ele responde com naturalidade.
Estreito meus olhos para ele.
— Eu.
— Bem, você, e como ele e eu vamos ter muito mais Natais para
resolver essa discussão de hóquei
Ian diz isso de forma casual. Muito casual.
Meu coração começa a bater.
— É mesmo?
— Espero que sim. Veja, Lara… — Ian se levanta da cadeira e
começa a se ajoelhar ao lado da mesa devagar. — Liguei para ele
com uma pergunta sobre sua única filha. Uma pergunta importante.
Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Você ligou?
Ian se abaixa na minha frente e pega minha mão enquanto a
enfia a outra mão no bolso.
— Eu liguei. Ele disse que sim, e estou aliviado. Mas o que
realmente quero saber — ele abre a caixa do anel — é o que você
vai dizer.
Respiro de maneira ofegante, então finjo estar confusa.
— Difícil dizer. Qual é a pergunta?
Os olhos de Ian perdem a expressão provocadora, mas nada do
calor.
— Lara McKenzie, eu te amo mais do que qualquer coisa neste
mundo. Você quer se casar comigo?
Deixo escapar um soluço, mesmo quando as pessoas ao nosso
redor fazem os necessários ruídos de awww.
Coloco as duas mãos em seu rosto e pressiono meus lábios nos
dele.
— Você me faz tão feliz — sussurro.
— É melhor que isso seja um sim — ele avisa contra a minha
boca.
Sorrio.
— Sim. Mal posso esperar para me casar com você, Ian Bradley.
Então, acho que menti antes quando disse que felizes para
sempre não poderia ficar melhor.
Acabou de ficar.
NOTA DA AUTORA:

Caros amigos,
Muito obrigada por me honrar (além de Ian e Lara!) com seu
merecido tempo de leitura. Eu sei que existem milhões de livros
para vocês escolherem, e estou muito grata que Trunfo Valioso
tenha entrado na lista de vocês! A série Wall Street foi originalmente
concebida por causa de um simples desejo da autora: escrever
sobre caras gostosos de terno. Eles são a minha coisa favorita de
ler e, portanto… minha coisa favorita de escrever. ;-)
A série, no entanto, rapidamente se tornou muito mais do que
isso. Em algum momento ao longo do processo de escrita, meus
“caras gostosos de terno” deixaram de ser fotos de banco de
imagens em minha mente para pessoas reais – personagens
complexos que ganharam vida, não apenas por meio dos seus
relacionamentos com as mulheres que conquistaram seus corações,
mas por meio das suas amizades uns com os outros. Logo, eu tinha
não apenas a fantasia dos milionários ricos em suas coberturas,
mas personagens cuja vulnerabilidade, brincadeiras e lealdade uns
aos outros me fizeram desejar fazer parte do grupo deles. Eu espero
que você sinta o mesmo!
O próximo da série é a história de Matt Cannon (Hard Sell).
Como tenho certeza de que muitos de vocês perceberam, ele e
Sabrina Cross têm uma química séria… e grandes negócios
inacabados. Ian e Lara, é claro, farão muitas aparições, assim como
Kennedy e Kate. Por fim, preciso tirar um minuto para agradecer a
todos que ajudaram a tornar este livro possível. Minha agente,
Nicole Resciniti, por saber imediatamente o que eu estava tentando
fazer com a série no segundo em que disse as palavras Wall Street.
À incrível equipe da Montlake, especialmente Maria Gomez, por
todo o trabalho duro em transformar minha amada história em um
refinado livro. À Kristi Yanta, minha editora de desenvolvimento, que
colocou tanto coração e alma nesta história quanto eu. Sei que foi
um longo caminho, mas valeu muito a pena, e sou muito grata! E,
por último, um agradecimento especial ao meu sogro experiente em
Wall Street por me indicar os recursos certos para aprender sobre o
mundo financeiro!
Boa leitura,
Lauren Layne.
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