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Dentro do carro que ele solicitou, tento saber qual nosso destino.
— Vamos ficar aqui pela The Strip mesmo, rua principal.
Concordo e aproveito o clima confortável em que estamos, pela primeira vez,
para prestar atenção na avenida, me fascinando com as fontes sincronizadas
com música. A cidade é incrível! Tem réplica da torre Eiffel e de uma
pirâmide egípcia. A noite aqui é bem agitada. Em apenas vinte minutos de
carro vi várias coisas que me fizeram rir e me encantar.
Nosso ponto de chegada é uma boate reluzente que daqui de fora percebo que
é pura agitação. A fachada é de letreiro e tem luzes girando. Uma
superprodução, mas é o que se espera daqui.
Está tendo show de um DJ famoso, a casa está cheia. Todos dançam
empolgados, e Dante me leva até o andar de cima, a área vip. Até penso em
voltar para o hotel porque sou uma pessoa pública e se eu sair da linha pode
me causar sérios problemas. Não quero trazer aborrecimentos para ninguém.
Mas também estou gostando da vibe daqui e lembro do que Cindy me falou:
aqui nem todos me conhecem. Provavelmente para todos sou apenas mais
uma mulher com dinheiro. A música que toca é dançante e eu acabo
balançando levemente meu corpo, entrando no clima agitado.
— Toma. — Dante estende o copo.
— O que é? — Olho para a bebida com adereços na borda.
— Álcool.
Bebe um grande gole da sua, me incentivando a fazer o mesmo em poucos
goles. É meio adocicada. As pessoas gritam me contagiando e eu rio me
despindo levemente da tensão que me acompanhou por todo o dia. Curtimos
um pouco do show até conhecermos um casal superdivertido que se juntou a
nós. Só ela é brasileira, mas não mora no Brasil. Dante até então está sendo
uma boa companhia, sem piadinhas irritantes e me trazendo bebidas, não
deixando meu copo vazio uma vez sequer.
— É a primeira vez de vocês aqui em Las Vegas? — Marina questiona.
— Sim. Mas vamos embora amanhã — converso gritando e com ouvidos
próximos.
Totalmente leve, curto a música gostosa com batida envolvente, me
empolgando completamente. Sinto alguém encostar atrás de mim, mas me
esquivo mandando sair. Sinto um beijo na nuca me arrepiando rapidamente
antes de fazer o que pedi. Olho para trás para saber quem foi e vejo Dante
rindo, se jogando numa poltrona relaxado, suspendendo seu copo para mim.
Descarado!
Me viro para Marina, dançando com ela. A pista e aqui em cima pegam fogo.
Tem muito tempo que não ajo tão naturalmente. Sair para dançar e beber sem
me importar, e confesso: estou me divertindo mais do que esperava, a noite
está ótima!
A apresentação do DJ acaba, para nossa infelicidade. Marina propôs irmos
para um cassino. Dante mais que rapidamente confirmou estar doido por uma
jogatina, e descobrimos que nosso hotel funciona como um.
Seguimos para lá e mal me aguento de ansiedade, já que nunca fui em um. A
noite aqui ferve de verdade. Noventa por cento das coisas estão abertas e
cheias. Tem luzes coloridas em todos os lados. O caminho foi puro riso.
Adentramos pela recepção direto para o cassino, tão luxuoso quanto o próprio
hotel. Parece que atravessamos uma porta secreta para o mundo mágico de
Las Vegas.
Preciso me lembrar de agradecer à Elenise, a secretária de meu pai, pela
escolha.
Mesmo estando ainda na entrada, me sinto impressionada. É um verdadeiro
parque de diversões de adultos. O ambiente é um pouco escuro e
avermelhado. Entramos direto para o bar e experimentamos algumas bebidas,
ouvindo a música explicitamente sensual. Habituados, seguimos para jogar.
Mari e eu estamos que não aguentamos para experimentar a jogatina. Sua
ansiedade e empolgação contagiam. Eu sei a cartilha inteira de jogos de sorte,
ou de azar... e estou com muita vontade de experimentar cada um deles!
Tem salas de pôquer, roletas, jogos de mesa, vídeo poker, milhões de
máquinas caça-níqueis em execução e uma central de corridas e esportes que
transmite eventos de todo o mundo através de vários monitores. E todo o
ambiente é de tapete de camurça vermelho. Sem contar que o guia daqui
mostra que tem balada e restaurante aqui dentro. O local é realmente gigante
e o melhor é que lá em cima, na parte do hotel, não se escuta absolutamente
nada. Parece que é a toca do coelho do Alice no País das Maravilhas.
O local está movimentado, tem garçons passeando e muitos homens com
aparência de executivo, com charutos e mulheres no colo enquanto jogam.
Tem até uma stripper fazendo show em cima de uma mesa. É tudo muito fora
da minha realidade, mas estou adorando. Garçons gostosos!
Decidimos ir para o caça-níquel. Joguei algumas vezes e perdi, nunca dava
minha imagem três vezes. Quanto mais jogava, mais perto eu sentia de
chegar. Coloquei uma aposta maior para ver se ia, mas nada. Escuto Dante
comemorar do meu lado por ter ganho algo. Maldito! Estou com inveja!
— Ganhou alguma coisa? — questiona sorridente.
— Não! — respondo frustrada.
— Aposta de novo — me encoraja, vindo para perto.
Obedeço e ele puxa a alavanca mostrando as três figuras iguais. Grito
entusiasmada, vendo as moedinhas caírem. Finalmente!
— Te dei sorte.
— Você me deu sorte. — Rio.
Acabo o abraçando empolgada e ele me dá um selinho rápido no calor do
momento e nos encaramos, constrangidos, sem conseguir entender por que
isso aconteceu. Minha boca formiga e meu corpo flameja devagarzinho,
quase numa morte lenta e dolorosa.
— Vamos para a balada! — Marina grita, nos tirando do transe.
— Vamos!
Ela me puxa e eu me deixo ser levada para longe de Dante, mas antes o olho
por cima dos ombros, vendo-o pegar minhas moedas ganhas e que esqueci,
antes de nos alcançar. Os meus lábios permanecem quentes e formigando.
A balada é tão agitada quanto o resto do local. Mais até, se duvidar. Mulheres
dançando sensualmente no colo de homens de todas as idades e estilos. E
ninguém se importa com olhares alheios, se divertem na própria bolha. O
cheiro de cigarro e charuto é um pouco forte, a aura é de fumaça. Dante me
puxa quando um homem se encosta em mim de modo desrespeitoso. Nessa
altura do campeonato Marina e o esposo já estão se engolindo em algum
canto. Os dois estão em lua de mel, justamente aqui, em Las Vegas.
Decido dançar ouvindo a batida sensual da música tão sexual quanto o local
escuro que me faz enxergar levemente desfocado. Dante acaba vindo dançar
comigo e eu não me importo. Ele está sendo uma boa companhia e eu não me
sinto deslocada. Pode parecer idiotice e bem filhinha de papai, mas é tão bom
não ter meu pai por perto me regrando para me mostrar responsável e
centrada sempre. É cansativo pra caramba!
7 Rings ecoa alto e me contagio com a voz da Ariana Grande, feliz e livre
depois de muitos meses de trabalho sem pausa. Viro de vez meu shot de
tequila, sentindo o ardor na garganta causar euforia. Marina me puxa e
subimos em um dos balcões do bar para dançar.
I want it, I got it, I want it, I got it
I want it, I got it, I want it, I got it
Rapidamente se forma uma plateia empolgada nos encorajando a dançar cada
vez mais e sensualmente. Todos vibram e assoviam quando a mão de Marina
passeia pelos meus braços, e gargalho, indo até o chão, com a sensação de
estar livre, leve e solta. Cindy tem razão. Divertir-se livremente é
maravilhoso. Tem tempo que não danço assim sem me importar com o dia
seguinte!
Ofegantes e felizes depois do show, onde até jogaram notas de dólar no
balcão, pedimos outra rodada de tequila e seguimos para jogar poker. Mesmo
sendo um jogo que envolve dinheiro, jogamos rindo, fingindo entender todos
os truques. Eu só sei pelo que vi meu pai jogar com seus amigos velhos
irritantes.
— Eu aposto dois mil. — Coloco minhas fichas empilhadas, confiante nas
minhas cartas.
— Coloco esse anel maravilhoso da Tiffany e Co. e quinhentos em dinheiro
— Mari anuncia ao empilhar tudo.
Dante e Evan, o marido de Marina, já fizeram suas apostas em dinheiro.
Mostramos as cartas e acabei ganhando, gritei a ponto de sentir minha
garganta arranhar.
— Mais uma? — indago vitoriosa enquanto ponho o lindo anel no meu
anelar.
Todos concordam e pedimos mais bebidas. Acabei perdendo, quem ganhou
foi Evan. Cansados, voltamos à boate, dançar foi mais divertido. Dante até
dançou algumas músicas comigo, fizemos amizades onde paramos e quando
me dei conta estávamos ao redor de uma galera, dançando e bebendo juntos.
— Não. Vocês não podem sair de Las Vegas sem ir para a capela! — Mari
propõe e o marido apoia.
— Por que não? — Dante, claramente alterado, confirma e eu dou de ombros.
Por que não, não é mesmo? Conheço algumas histórias de pessoas que foram
para Las Vegas, casaram-se de brincadeira e gostaram da experiência. Quero
ver de perto as pessoas casando de mentirinha.
Saímos do hotel e fomos andando em direção à primeira capela que
encontramos; minhas pernas estão cansadas e minha visão meio turva, mas
estou me divertindo horrores, não quero que essa noite acabe tão cedo. Dante
está sorrindo à toa, como eu e o resto das pessoas que decidiram nos
acompanhar. Aqui os veguenses sabem se divertir. A cidade realmente é
movida a bebidas e diversões!
O local é todo arrumado e personalizado, a capela está fechada para a
realização de um casamento, e todos decidiram fazer eu e Dante casarmos.
Acabamos cedendo. É uma ironia desgraçada casar de mentira justamente
com o maldito descarado do Dante!
— Vocês querem qual pacote? — uma travesti. Acho que é uma, já não tenho
muita certeza — pergunta.
— O melhor que vocês têm, o completo — eu respondo, tentando focar seu
rosto.
Quem está na chuva é pra se molhar!
— Completo mesmo? — aceno efusivamente.
Nos entrega uma prancheta e assino vários papéis sobre a cerimônia. Sequer
li direito, não consegui focar, mas acredito que não seja nada de mais. O
importante é que o cartão passou.
Quem irá fazer a cerimônia é um anão vestido de Elvis Presley e tem algumas
travestis arrumadas fazendo parte. Uma delas coloca plumas ao redor do meu
pescoço e me entrega um buquê com flores artificiais. E eu entro na
brincadeira, afinal, eu sei me divertir!
Arrumada, entro com uma delas para encontrar Dante ao som do pequeno
Elvis que canta com muita empolgação e pouco talento. Minha dama de
honra é a Tiffany, uma das Drags. Dois metros de altura com um longo
cabelo verde fluorescente e de franjas, assim como seu batom e saltos. Um
show de personalidade.
A capela tem várias pessoas, as que já estavam com a gente e outras que
entraram para assistir. Me aproximo de Dante e acabo gargalhando com ele.
Muito fim de carreira casar ao som de Heartbreak Hotel. Só consigo pensar
na animação Lilo & Stitch. O anão inicia a cerimônia breve falando sobre
coisas que não consegui registrar na memória, mas que causam risos de
todos.
Já não tenho metade do meu cérebro assimilando. Escuto Mari e Evan
gritarem quando o anão nos declara casados. Dante, sem esperar muito, me
agarra e me beija de verdade, diferente do selinho que demos no caça-níquel.
O beijo é quente. Ele me segura pela nuca e eu retribuo na mesma ânsia.
Papel picotado é jogado sobre nós e rio com ele quando finalizamos o beijo.
Voltamos ao bar do hotel, depois da cerimônia e fotos temáticas, com o
mesmo pessoal que já estava tri bêbado. Estou ok na bebida e me divertindo
muito, Dante me agarra sem conseguir sequer ficar dois minutos com os
lábios descolados.
— Pede para o serviço de quarto mandar champanhe para o nosso andar,
vamos comemorar nosso casamento! — Dante avisa alto para quem quisesse
ouvir, enquanto me enlaça pela cintura.
Nunca tinha reparado tanto assim em Dante. Braços fortes, a barba e esses
cabelos cacheados de modo bagunçado caindo levemente para a testa, sem
contar o cheiro. Parece outra pessoa sem o terno e nessa vibe que estamos. Os
olhos claros dão um charme imenso. São azuis cristalinos, o queixo másculo
que dá vontade de morder. Os lábios nem se fala, devoraram os meus com
maestria! Erótico!
Dante percebe que eu o encaro e, de modo voraz, choca nossos lábios no
meio do hall, provocando a vontade de me divertir de outra forma. Subimos
para o elevador vazio. Fogosos, nos beijamos ardentemente enquanto nosso
andar não chega. Que beijo gostoso!
Desengonçados, conseguimos abrir um dos quartos. Dante me imprensa na
parede, me dominando pelos cabelos de um jeito sacana, me arrepiando dos
pés à cabeça, me apertando pela cintura e fazendo com que intensifique o
beijo. Seus lábios escorregam para meu pescoço, dando algumas chupadas, e
encho minhas mãos com seus cabelos macios, gemendo baixo no seu ouvido.
Ele me carrega e enrosco minhas pernas na sua cintura. Ofego ansiosa e sinto
pequenos choques pelo corpo ao perceber sua protuberância no jeans.
Minhas costas entram em contato com o macio da cama e seu corpão se
sobrepõe ao meu. Com urgência, arranco sua camisa, mostrando seu peito
desnudo levemente peludo e malhado. Desde quando ele é gostoso dessa
forma?
Prendo minhas pernas ao redor da sua cintura, com meu vestido embolado,
tendo minha calcinha e seu jeans aberto como barreiras. Nos encaramos
brevemente, com ele por cima, e mais uma vez me pego na intensidade dos
seus olhos azuis cheios de malícia e voltamos a nos atracar com ardor e
voracidade, e a partir daqui ele incorporou um felino, tateando meu corpo
febril e necessitado de algo a mais. O beijo que ele me dá chega a ser
delirante!
Apalpo sua bela bunda, coisa que eu quis fazer desde que a vi no avião,
mesmo não admitindo para mim mesma. Sinto beijos no meu queixo e
pescoço enquanto ele passa a mão pelas minhas pernas enroscadas no seu
quadril. Mordo o lábio, sentindo sua boca agora nos meus seios. Contorço-me
arrepiada pelo que está me causando. Sua boca descarada desce, passeando a
língua pela minha barriga, e só para quando me deixa extremamente
amolecida.
Seu olhar é safado com o brilho um tanto depravado, que me instiga. Seus
toques são tórridos se esfregando em mim, e a forma máscula e intensa como
geme e ofega me causa um imenso desejo.
Sentindo meu corpo tremer de tesão, num impulso movida pelo desejo, o
agarro pela nuca, como está fazendo comigo, correspondendo o beijo na
mesma medida.
No final da noite estávamos esgotados de um sexo cru, intenso e alucinante.
Viu? Eu sei me divertir!
LAS VEGAS, NEVADA | Mandalay Bay Resort and Casino
11:47 AM – O que acontece em Vegas...
Desnorteada, como se minha cabeça fosse uma bigorna, desperto com o gosto
ácido na garganta. Parece que fui atropelada por um tanque de guerra. A sede
é insuportável, misturada com a queimação no peito. De uma forma inútil,
ponho a mão no rosto, tentando aplacar a dor de cabeça inoportuna.
Que diabos aconteceu ontem para eu estar desse jeito?
Recordo pouco da noite, apenas o desafio do babaca do Dante, como se eu
não soubesse me divertir estando em Las Vegas. Claro, Dante! Não era para
me submeter à implicância daquele maldito. Era nítida a péssima ideia da
noite de arrego com ele. Olha o meu estado!
Paro minha mão no ar, quando vejo um anel no meu dedo. Que nunca
comprei. É extravagante de tão linda, com um rubi vermelho no centro. Não
acredito que eu assaltei uma joalheria! Ou um banco!
Estou me sentindo a própria Alex Parrish de Quântico, que sequer sabe o que
está acontecendo ao acordar. Ou pior, a mais recente Doris Payne.
Horrorizada pelo meu futuro, berro encarando o anel que tem cara de
encrenca das grandes, e que não sei como foi parar aqui no meu dedo. Por
uma movimentação ao meu lado, percebo que tem outra pessoa. Grito mais
uma vez, e outro brado me faz companhia, caindo da cama, porque empurrei
sem nem saber o que é.
Arregalo os olhos. Não!
Não dormi na cama de um desconhecido. Eu nunca fiz isso!
Não dormi na cama de um desconhecido.
Não dormi na cama de um desconhecido.
Repito mentalmente que tenha sido só uma coisa da minha cabeça. É
pesadelo! Para completar o quadro de horror, Dante se rasteja voltando para a
cama, com uma expressão que julgo até pior que a minha. Confusos, nos
entreolhamos e gritamos juntos, assustados. E minha cabeça lateja mais
ainda.
Não! Não! Não! Não! Deus! Que isso seja um sonho ruim e que eu acorde
agora!
Acorda, Miranda! Acorda, Miranda! Acorda, Miranda!
Ordeno a mim mesma. Pisco três vezes para a imagem de Dante seminu sair
da minha frente. Se isso é uma paralisia do sono, que acabe agora! Agora!
Agora! Agora! Agora!
— O que VOCÊ está fazendo aqui? — dissemos juntos um para o outro.
— O que EU estou fazendo aqui? — repetimos.
— Dante...
— Miranda...
Descrente, falamos o nome um do outro, tentando entender a situação. Nos
encarando constrangidos, ariscos e perdidos. O que eu fiz ontem, meu Deus?
O certo seria: o que fizemos? Não! Não aceito isso!
Olho para ele sem deixar de observar que está apenas de cueca e, digamos,
animado. Ele tem um corpo trabalhado, robusto e bonito, até. Mas o quê?
Eca! É o Dante, Miranda! Para de olhá-lo assim. Só pode ser o efeito do
álcool ainda no meu corpo, é a única explicação!
— Nós... Nós...? — pergunto totalmente atônita. Ele arregala os olhos azuis-
oceano.
— Transamos? — Passa a mão no rosto amassado e sonolento.
— O que fizemos ontem à noite? Quer dizer, saímos para beber e depois? Eu
lembro que fomos para a boate, assistimos ao show do DJ e só. Só tenho
flashes disso e de um lugar escuro, mas está fragmentado. Sem contar que
esse anel apareceu no meu dedo. — Mostro.
— Eu não lembro de muita coisa também. No mínimo cometemos um
assalto.
— Que ótimo! — Reviro os olhos vendo a minha única chance de saber onde
eu me meti também não saber.
Com o estômago revirando, corro para o banheiro pôr o álcool para fora. E
olhe que não foi pouca coisa. Ressaca é uma merda. Estou péssima. Nunca
bebi tanto para ficar assim.
— A ideia de ter transado comigo é tão ruim assim? — Dante invade o
banheiro. — Fresca!
— Idiota. Sai daqui! — mando quase sem coragem e vomito mais.
Olho o anel de novo no meu dedo e fico imaginando como foi parar aqui.
Lavo meu rosto e me olho no espelho para constatar o que já sentia:
completamente acabada. O que eu farei agora?
Decido começar pelo banho, para tirar essa cara de derrotada.
— Eita! — Dante entra no banheiro novamente. — Achei que tivesse
morrido aqui dentro.
— Cai fora, inferno! — grito inibida.
— Realmente, é gostosa. Pena que é chata — me dá uma última provocada
antes de sair.
— Maldito! Vai se foder!
Me sentindo imensamente ingênua por aceitar sair com ele, forço minha
memória a funcionar debaixo da água gelada. Tentando juntar os fragmentos.
Boate, dança, bebida, uma mulher loira sorridente. Quem é ela? Mais bebidas
e música alta, gargalhadas e um local à meia-luz vermelha. Uma moça de
peruca verde berrante e cílios enormes. As únicas coisas que consigo lembrar.
Vamos, Miranda, pense! Lembre o que fez ontem à noite e de quem é esse
anel que está no seu dedo. Que eu não tenha roubado isso de alguém, pelo
amor!
— Vai para seu quarto. Vamos descobrir como esse anel foi parar aqui. Isso
com certeza dirá o que fizemos ontem — digo para Dante, que está
esparramado na cama como se fosse sua.
— Chata! — resmunga e se levanta da cama.
— Vai logo! — o expulso.
Ele vai resmungando e eu movida a descobrir de uma vez o que aconteceu.
Me arrumo, caprichando na maquiagem para disfarçar a cara de derrotada que
bebeu todas e não se lembra de porra nenhuma. E aproveito para tomar um
comprimido para que essa dor passe de uma vez. Minutos depois, bato na sua
porta e ele me atende apenas de bermuda e cabelos molhados, com os cachos
brilhosos.
— Vamos descer, Dante. Estou com fome. E preciso descobrir como essa
merda veio parar aqui — refiro-me ao anel.
Descemos o elevador. Checo meu celular e vejo algumas ligações de meu pai
e muitas mensagens e notificações, inclusive de Cindy, minha amiga. Lotou
meu celular. A maioria é dela, mas depois eu ligo para saber o que foi. Tenho
um grande problema para resolver. Não posso voltar com esse anel no dedo
sem saber de onde veio. Por ser uma viagem rápida, sequer comprei o chip
daqui.
No restaurante do hotel, algumas pessoas claramente com ressaca, como nós,
nos cumprimentam como se nos conhecessem. Até os funcionários sorriem
amplamente quando vou escolher o que quero comer. Que diabos aconteceu
ontem?
— Só eu que estou achando isso estranho? — sussurro para Dante.
— Eu também. Está todo mundo olhando para a gente.
— Estou até com medo de descobrir o que fizemos ontem.
Sentamos para comer e eu coloco meus óculos de sol para evitar o
constrangimento. Que gosto horrível! Nunca mais vou beber na vida!
— Ai, meu Deus! — Dante arregala os olhos.
— O que foi? Lembrou de alguma coisa? — pergunto aflita, já com a
curiosidade me corroendo.
Dante de repente sorri preguiçoso e de um jeito que eu julgo obsceno.
— Qual o seu problema? — questiono séria, sem tirar meus óculos de sol.
— Você com álcool no corpo não é tão chata e sem graça. É bastante quente
e atrevida.
— Maldito! — digo entredentes, horrorizada. Ele tinha que lembrar justo
disso?
— Não foi assim que você me chamou ontem. — Levanta as sobrancelhas
descaradamente.
— O que você lembrou?
— Eu lembro que fomos para a boate e bebemos bastante. Você dançou na
pista. — Ri de mim e eu reviro os olhos. — Bebemos mais e saímos de
madrugada da boate.
— E o que mais? — o incentivo, sentindo minha cabeça latejar em níveis
extremos.
— Depois disso é só um borrão da gente entrando aqui no quarto e tirando a
roupa.
— Mentira, né? — Arregalo os olhos. Mesmo ele não vendo meu olhar de
desespero, ouviu minha voz. — Deixa de brincadeiras, Dante!
— É o que eu lembrei, apenas. Acho que ingeri muita bebida para querer tirar
sua roupa — provoca.
— Maldito! — Me olha sério, exceto pelo sorriso cínico e eu reviro os olhos
de novo.
Pior coisa de não lembrar é que o que ele contar será verdade absoluta. Meus
Deus! Eu deveria ter ficado no quarto imaginando Senhor Disk em todas as
formas. Eu preciso lembrar do que aconteceu para jogar na cara dele essa
mentira. Tem que ser mentira!
Depois do café, decidimos seguir em direção à rua para ver se lembrava da
nossa rota, mas foi em vão, só gastamos dinheiro com Uber e a última
viagem do celular de Dante só mostra que fomos até a boate que estava
fechada, e mesmo se estivesse aberta daria no mesmo. Com o mundaréu de
gente que frequenta aqui, eles não iriam saber se saímos para outros lugares
ou o que aprontamos. No meu celular não tem histórico.
A única coisa que me deixa um pouco calma é que não acordamos em
delegacia alguma, então, tecnicamente não fizemos nada fora da lei, ou nos
safamos. Prefiro a primeira opção.
Voltamos para o hotel sem resposta alguma e muita frustração. Algumas
pessoas ainda nos olham sorrindo e vejo também que algumas tiram fotos da
gente, tentando ser discretos.
— Adorei seu show ontem — um homem passa por mim e fala num tom de
voz bem-humorado.
— Que show?! — berro em português, mas não dá tempo de reformular a
frase em inglês, pois ele entra no carro e sai.
Dante ri do meu desespero e, desapontada, sigo. Que show eu fiz? Do que ele
está falando? Eu não sei cantar!
A recepcionista, apressada, nos intercepta antes que entrássemos no elevador,
para me entregar um envelope. Vejo o remetente e, confusa, vejo que não é
da sede e nem das lojas. E está endereçada a nós dois.
Subimos de novo no elevador e fico apreensiva do que seja. Só espero que
esse anel não seja de um roubo que agora estou sendo intimada nesse
envelope.
— “Ah, Dante, você é muito gostoso. O melhor homem que já vi. Seu pau é
imenso!” — Dante faz uma voz feminina que eu presumo que seja eu.
— Cala boca, seu idiota! — Minhas bochechas esquentam. Com toda certeza
eu não falei isso.
— “Mais forte, arranque esse mau humor de mim” — continua.
— Vai se ferrar. E se fosse tão bom eu lembraria!
Ele franze os lábios em desgosto com minha resposta debochada, já sem
qualquer resquício de sorriso, e me encurrala na parede gelada do elevador.
— Isso te faz lembrar alguma coisa? — Beija meu pescoço e eu arrepio
completamente. Mas tento me manter indiferente. Acho que os resquícios de
álcool ainda estão no meu corpo.
— Para, Dante. — Meu tom de voz sai mais baixo do que gostaria, me
controlando para não arfar.
— Será que quer que eu pare mesmo? — Beija meu queixo.
— Para, Dante! — repito. Mas ele, como sempre, não me obedece e continua
a arrastar o beijo.
— Ahh, Miranda. Você é até gostosinha, pena que é chata — sussurra de
modo especialmente cretino.
— Estúpido! Me solta, Dante. — O empurro, mas ele sequer se move. Viro o
rosto e dou alguns tapas nele, me recompondo.
— Como eu disse, chata. Fresca! — Ri e me solta. Fico vermelha pelo que
acabou de acontecer.
Idiota! Estúpido! Maldito Cretino!
— Não ouse fazer isso novamente ou eu vou chutar seu saco!
O elevador abre no nosso piso e ando na frente, ajeitando minha roupa.
Entramos no meu quarto. O envelope tem apenas um pen-drive e umas
quinze fotos de cabine. Muitas pessoas aleatórias pousando comigo e Dante.
Maioria das fotos tem alguém se mexendo gargalhando. Pelo jeito a noite foi
ótima! Curiosos, para saber de onde veio, plugo no meu notebook. Tem uma
pasta escrita “fotos e outro vídeos”. Cliquei logo em vídeos e esperei o único
arquivo abrir. Dante está tão apreensivo quanto eu.
Finalmente carrega e a tela está à meia-luz, focando para uma porta de
madeira escura. Em seguida eu apareço sorridente, com a roupa de ontem e
com um buquê esquisito na mão, entrando com uma pessoa enorme de
cabelos verdes berrantes. Aquilo ali é um travesti de dois metros jogando
pétalas na minha frente e fazendo passos de balé?
A gravação é em uma espécie de capela, eu acho, e bastante extravagante, em
meio às luzes de neon e com a presença ilustre de um anão vestido de Elvis
Presley. É sério isso? Eu não acredito!!!
Com taquicardia, percebo que se parece com um casamento esquisito e sem
noção, mas um casamento. A câmera foca em Dante sorridente enquanto eu
chego até ele. Descrente, encaro ele ao meu lado, que tem a mesma expressão
horrorizada que a minha e volto a assistir.
O anão canta Elvis bem estranho, mas eu e Dante, quando nos encontramos
no altar, rimos e cantamos desafinados juntos o refrão. Que vergonha! Além
de nós tinha mais algumas pessoas, tão bêbadas quanto nós, rindo e
aplaudindo aquele fiasco. Isso está mais deplorável que as noitadas de Paris
Hilton, Britney Spears e Lindsay Lohan em dois mil e seis.
— Eu, Dante Barcellos, serei seu esposo. E seremos casados, com um anel
que ganhamos na aposta do caça-níquel. — Ri e eu acompanho junto aos
demais.
— Eu, Miranda Moraes, serei sua esposa, e prometo não te aguentar depois
de hoje! — meu tom é bem-humorado. Um casal volta a gritar e se agarram
como se estivessem sozinhos no ambiente.
O pequeno Elvis nos declara casados e nos beijamos de forma um tanto
indecente. “Elvis” canta de novo e outras pessoas que estavam lá jogam
confetes na gente e duas travestis fluorescentes dançam balé em torno de nós
enquanto jogam mais pétalas. Uma outra vem atrás, vestida de cupido e
dançando também. O vídeo tem cerca de dez minutos.
Que vexame! Cristo do céu! Estou chocada com tudo isso!
— Estamos casados — Dante constata, tão incrédulo quanto eu. — E agora,
Miranda?
Me jogo para trás na cama e Dante vem logo em seguida, do meu lado. Estou
em choque!
Ficamos alguns minutos calados e mal temos tempo de assimilar, o telefone
toca e nos tira do transe. Levanto para atender.
— Srta. Miranda, o jatinho já chegou e só vai reabastecer — o copiloto me
avisa.
— Tudo bem. Já estou saindo do hotel. Obrigada.
— Estou à disposição! — desligo o telefone e repasso o recado.
Olho para ele, tentando encontrar uma saída para aquilo tudo. Descrente,
tento me manter sã. Pelo menos o anel não é roubado.
— Espera aí — intercepto esperançosa, com a mente a mil. — Já sei! O
casamento é de mentira, Dante! Estamos em Las Vegas! — Rio aliviada e ele
faz o mesmo.
— Isso! Você é uma gênia. Como não pensei nisso antes? — Dante sorri
abertamente e me agarra, me derrubando de volta na cama.
Nos encaramos com meu coração a galopes, já não tem mais risos. Ele desce
a boca para me beijar e eu pareço que não tenho braço e nem voz. Espero o
beijo vir. A campainha toca nos despertando daquela loucura. Saio de baixo,
desajustada, e vou atender.
Que merda está acontecendo hoje com o universo e, principalmente, comigo?
Uma moça que está com o uniforme do hotel me entrega um envelope maior
e mais cheio do que o que está comigo.
— A recepcionista avisou que esqueceu de entregar esse também.
Agradeço e fecho a porta. Abro o envelope para saber de onde é.
Provavelmente esse é dos fornecedores. Pedi para ser por e-mail, mas pelo
jeito decidiram mandar impresso. Tiveram sorte de eu ainda estar por aqui.
— Não pode ser! — exclamo assim que leio o cabeçalho do papel.
— Que foi? — Dante pergunta, alarmado.
Tiro os papéis e leio. Nada mais é que um documento autenticado e validado,
uma habilitação de casamento! A tal capela é um cartório, personalizado com
tudo que Las Vegas tem a oferecer. Ainda assim, um cartório de verdade.
Pelo jeito pegamos o pacote premium, com licença de casamento já pré-
autorizada pelo estado de Nevada. E nos encarregamos do resto com nossas
informações pessoais.
Nada mais desesperador que a facilidade de arranjar um casamento
justamente na cidade que é conhecida como um dos locais que mais
acontecem loucuras nas madrugadas! Ai, meu Deus! Eu estou oficialmente
casada! E pior, com o Dante!
— Documentos autenticados, Marido — debocho e ele pega umas das vias da
minha mão.
— Tínhamos que ser bêbados relapsos ou burros e entrar numa capela de
verdade nesse caralho? — resmunga e eu concordo.
— Que droga! Estamos oficialmente casados — constato aflita e sem
nenhuma saída. — O casamento não é válido, não é? É pela lei americana,
mas quando voltarmos para o Brasil não terá validade. Não estamos casados
oficialmente. É casamento de mentira, Dante, do mesmo jeito. — Sorrio por
esse detalhe e ele continua sério, fitando o papel que pegou da minha mão.
— Pior que não. O casamento aqui não é tão burocrático e pelo jeito pegamos
o pacote com processo de legalização incluso, que possui validade jurídica,
só basta atender requisitos que o estado pede. Provavelmente está sendo
encaminhado para reconhecimento no consulado. Apesar de tudo, é legítimo
como qualquer outro no civil.
Não acredito que, além de bêbados, fomos burros. Escolhemos o pacote sem
ler, não é possível tanta burrice!
— Ninguém mandou você beber todas como um carro velho! — me acusa.
— Ninguém mandou vir aqui me perturbar e me desafiar — acuso de volta.
Ele é que veio. O culpado é ele. Exclusivamente ele.
— E agora? — apreensivo, passa as mãos no cabelo.
— Vamos cancelar, óbvio. Não quero estar casada com você.
— Até parece que eu quero — alfineta.
— Cala a boca! Vamos embora daqui a pouco. Preciso pensar!
Em silêncio, ando de um lado a outro, pensando em uma fuga para isso tudo.
— Ninguém precisa ficar sabendo. Vamos fingir que isso não aconteceu até
pedirmos o cancelamento.
— Perfeito! Você, como é da área jurídica, acha que demora quanto tempo
para cancelar?
— Não sei. Acho que uns dois meses, no máximo, se formos rápidos.
— Ninguém merece. Mas fazer o quê?
— Fingir que isso nunca aconteceu.
Expulso Dante do quarto e ele vai para o seu, resmungando, e arrumo minha
mala. Em que merda eu fui me meter? Sabia que não seria uma boa ideia sair
para beber.
Tenho flashes de Dante passando a mão nas minhas pernas e dos beijos no
meu corpo, e involuntariamente me arrepio. Que merda está acontecendo
comigo? Pensando em Dante e ainda me arrepiando. Me poupe. Foco,
Miranda!
Arrumada com pose séria, como sempre fui, me preparo para voltar a ser a
Miranda que nunca casaria bêbada em Las Vegas. Não sei ao certo o que
aconteceu ontem, mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza: nunca mais
cederei às implicâncias de Dante e beberei da forma que bebi. Só me trouxe
prejuízos!
Daqui a dois meses isso só vai ser um passado desastroso que eu farei
questão de apagar!
LAS VEGAS, NEVADA | Aeroporto internacional McCarran
01:20 PM – O que acontece em Vegas, não fica em Vegas...
Tensa e estressada, com uma dor de cabeça terrível, tanto no literal como no
figurado, chego ao aeroporto. Eu nunca mais coloco os pés aqui em Las
Vegas. Nunca! Vou para resolver uma coisa no fim de semana e volto casada
com a pessoa que eu considero mais insuportável no mundo. Qual a
probabilidade de isso acontecer? Frustrada com toda a situação, faço os
procedimentos necessários e, no jatinho, recosto minha cabeça na poltrona. A
aeromoça não é a mesma da vinda.
Só de pensar que agora sou a senhora Barcellos pela lei, bate um desespero
tremendo. Olho o celular e vejo que estou cheia de mensagens e ligações de
Cindy. Não estou a fim de conversar com ninguém, nem com ela, pelo menos
por agora. Quando eu chegar vou querer conversar com minha amiga e contar
sobre tudo isso para ela me ajudar a suportar sem enlouquecer. Se Dante for
mau-caráter, eu e meu pai podemos sofrer um golpe!
Ponho meus fones a fim de relaxar, mas 7 rings ecoa. Começo a ter alguns
rápidos flashes.
I want it, I got it, I want it, I got it
I want it, I got it, I want it, I got it
Não! Não! Não! Não!
Eu não fiz isso. Isso é demais até para minha pior versão bêbada. Eu
dançando na mesa com uma loira ao som dessa música em um local escuro.
Afinal de contas, quem é essa mulher?
Então é desse show que o homem me falou mais cedo... Que vergonha! Puro
vexame!
Troco de música para não morrer ainda mais de vergonha, mas tenho outros
flashes, de Dante passando a mão nas minhas pernas e os beijos no meu
corpo, me arrepiando de novo. Que merda está acontecendo comigo, afinal?
Sinto meu fone ser tirado do meu ouvido esquerdo e olho pela visão
periférica. Só poderia ser Dante me chamando.
— Fale. — Evito manter contato visual.
Confesso que estou me sentindo muito constrangida pelo que aconteceu.
— Como vai ser a partir daqui, quando a gente chegar lá?
— Como se nada tivesse acontecido. Para mim não mudou nada, Dante.
Olho para ele e imediatamente coro por saber que transamos.
— Para mim também não.
— Então pronto — afirmo.
Ele retorna à sua cadeira e eu volto minha atenção para o livro. Não poderia
ter passado a noite na companhia do Senhor Disk em vez de Dante? Me
pouparia essa dor de cabeça agora.
Ah, Senhor Disk! Como eu queria ter transado com você em vez de Dante.
Leio alguns capítulos e em uma cena totalmente quente e sexual, tenho
alguns flashes do que eu e Dante fizemos. Outros flashes dele vindo para
cima de mim. Santo Cristo! Eu transei com Dante e sequer me lembro direito.
Se meu pai um dia souber de uma coisa dessas, capaz de me trancar em casa
e degolar ele. Ontem eu perdi o controle totalmente.
— Melhore, Miranda! Você é uma pessoa pública! Tenha classe! Isso foi
ridículo! — imagino com clareza parte do seu sermão.
Adormeço e assim passo a viagem inteira, até ser acordada com o aviso de
que pousaríamos em dez minutos.
BRASIL, SÃO PAULO | AEROPORTO DE
CONGONHAS.
Com meus óculos de sol no rosto, me sinto preparada para voltar à minha
rotina no Brasil. Quando chegar em casa vou dormir até me sentir totalmente
recuperada dessa bebedeira infernal.
Nunca mais eu bebo e isso é uma promessa! Estou falando muito sério!
O copiloto desce minha mala de rodinhas com um grande cavalheirismo e
sorrio em agradecimento. Até que ele não é nada mal. Moreno comum, não é
forte, não é gostoso, mas tem um jeito bem másculo. Eu sou atraída por esse
tipo de homem, não sei o porquê.
— Muito obrigada, Elias — agradeço lendo o seu crachá.
— Estou à disposição. — Sorri para mim ainda segurando minha mala.
— Vamos logo, Miranda! — Dante me chama lá na frente, indo em direção
ao carrinho.
— Tchau, senhorita Moraes. A senhora é linda, com todo o respeito! — sorri
sedutor. — Meu cartão, caso precise.
— Vindo de um homem bonito, fico lisonjeada — retribuo o flerte e aceito o
papel.
Ele é bem gostosinho. Por que não?
— Vamos logo, Miranda! — Dante repete sem paciência.
— Tchau, Elias.
Me despeço. Odeio ser apressada por alguém. Sigo arrastando minha malinha
com a bolsa na mão em direção ao carrinho de desembarque.
Já saindo do aeroporto em direção ao carro da empresa que já nos esperava,
somos bombardeados por flashes e uma movimentação atípica. Vários
repórteres, uns por cima dos outros, com câmeras e gravadores para cima da
gente. Que merda está acontecendo hoje? Eu estou com dor de cabeça, porra!
— É verdade que vocês não queriam ser vistos juntos por causa do
casamento se aproximando?
Um repórter pergunta e meu coração acelera. Não! Não! Não! Não!
Estou em um pesadelo, não é possível! Eu preciso acordar e voltar para casa!
Acorda, Miranda!
— Como foi que conseguiram esconder o romance por tanto tempo? — outra
pergunta.
— O que seu pai achou de vocês se casarem sem ele? Ele já sabia dos seus
planos?
Atônita com milhares de perguntas que eles me fazem, junto com flashes
disparando na nossa direção, tento não surtar. Se eles estão sabendo é um
passo para meu pai saber, isso se já não souber.
Deus, o que eu fiz de grave para merecer isso? Como eles souberam?
Dois dos seguranças do aeroporto veem que estamos encurralados e nos
ajudam abrindo passagem, enquanto uma outra segurança nos ajuda pegando
nossas malas. Dante me abraça pela cintura me protegendo para passarmos
juntos e não corrermos o risco de sermos puxados por um repórter louco
antes de chegar ao carro.
Mesmo nessa loucura, eu sinto o corpo quente de Dante colado ao meu e
acabo tremendo rapidamente pelo contato. Seguimos em direção ao carro
com flashes ainda disparando. Entramos e o carro é cercado. Alguns batem
no vidro e outros ainda fotografam insistentemente.
O motorista tenta andar com o carro com um pouco de dificuldade. Qualquer
que fosse a ilusão de que o nosso problema lá em Vegas seria resolvido sem
polêmicas, já tinha desaparecido por completo. A tensão e o desespero
retrocederam forte dentro de mim ao ver os repórteres tentando saber
detalhes, batendo no vidro do veículo.
Suspiro aliviada quando finalmente o silêncio reina na avenida.
— QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO AQUI? — Dante pergunta
claramente nervoso.
— Não faço a mínima ideia! — Esfrego a nuca, claustrofóbica por essa
situação vergonhosa.
Meu telefone toca nos interrompendo. Olho o visor e vejo que é Cindy.
Atendo logo para saber o que ela quer, senão não vai sossegar. Ou ela pode
me explicar toda essa merda.
C: Miranda, sua louca dos infernos. Que babado é esse que aprontou em Las Vegas? —
Cindy grita como sempre do outro lado.
M: Cindy, hoje não, por favor. — Aperto os olhos com a cabeça latejando.
C: Eu disse que era para transar e não casar, louca — debocha bem-humorada.
M: Apenas me conte como é que descobriram — quase imploro.
C: Não descobriram, vocês fizeram questão de contar ao mundo inteiro. Corre para o
Instagram agora!
M: Ai, meu Deus, não acredito! — Sinto minha cabeça pulsar mais rápido, quase para
explodir.
C: Ai, meu Deus! Você casou bêbada! — exclama divertida do outro lado.
M: Cala a boca! — Desligo na sua cara.
Dante me olha em expectativa e eu corro ao Instagram para ver umas cinco
fotos da noite desastrada de ontem. Em uma, Dante e eu nos beijando em
selinho e com a legenda: “Maldito? Sim! Agora meu marido? também!”
#Casados, com vários coraçõezinhos do lado. É nítido que estamos
alcoolizados nas fotos.
Que horror! Passo meu celular para ele, que olha tendo a mesma reação que
eu: desespero.
— Estamos ferrados demais! — Dante passa a mão no rosto.
— Muito.
Ficamos calados depois de um longo suspiro meu. Até o celular dele apitar
milhões de vezes. Ele o pega e lê uma mensagem, exasperando-se em
seguida.
— Seu pai quer nos ver agora — anuncia temeroso.
— Eu não vou não! Avisa a ele que eu fiquei lá. Meu pai vai querer me
trancar no quarto, vai me deserdar, ou pior: vai me bater e exonerar da
empresa. Ai, meus deuses, eu... Anuncia que me sequestraram. Isso, me
sequestraram e que não precisa dar resgate!
— Miranda, respira! — Dante interrompe meu momento de desespero.
Merda! Isso só pode significar que meu pai já sabe e está mais irritado que o
normal comigo. Lá se vai minha reputação de filha perfeita e responsável que
criei desde criança.
— Vamos falar que é pegadinha! — tento me safar.
— Você está com o anel. Vai ficar mais difícil para a gente desmentir isso.
— Merda! Eu esqueci de tirar. Mas eu não posso comprar um anel para mim?
— Eles não irão acreditar nisso.
Dante avisa para o motorista, que até agora se fazia de invisível, o nosso
destino. Fizemos a viagem calados, enquanto eu ensaio uma boa desculpa ou
justificativa para dar para o meu general, ou pai, tanto faz.
— Espera a gente — aviso a Matt, que acena.
Pego apenas minha bolsa de mão e subo com Dante para o prédio sob olhares
de alguns pouquíssimos funcionários que estão trabalhando hoje, em pleno
domingo. O que meu pai também está fazendo aqui hoje? Subimos o elevador
calados, ambos com cara de culpados.
— Pai, posso entrar?
— Sim. — Seu tom seco ecoa do outro lado já demostrando a vibe da
situação.
Respiro fundo, olho para Dante e entro em seguida.
— Os dois, sentem — enraivecido, manda assim que chegamos ao local.
Obedeço sem protestar e Dante senta na poltrona do meu lado logo em
seguida.
— Posso saber por que tem um vídeo seu dançando bêbada em cima de um
balcão de um caça-níquel em todos os jornais digitais, Miranda? — seu tom é
sério e enraivecido.
— O QUÊ? — berro, sentindo uma iminente taquicardia.
— Veja com seus próprios olhos.
Me entrega o tablet e eu clico no play para ver a minha desgraça. A minha
horrível cena em um vídeo de péssima qualidade por conta da escuridão,
porém, dá para ver que sou eu dançando com a mesma loira que estava nos
meus flashes. Quem é essa mulher, afinal de contas?
Dante, ao meu lado assistindo, tenta prender o riso, provocando um barulho
debochado na sala. Eu e meu pai o olhamos sérios e ele suspende a mão em
rendição.
— Está achando engraçado, senhor Dante? — meu pai usa o mesmo tom que
usou comigo.
— Não, senhor.
— Eu mando vocês dois para resolver um problema e me trazem outro? —
não me atrevo a respondê-lo.
— Não foi bem assim, senhor — Dante é quem responde.
— Foi como então, Dante? Está em todos os jornais esse vexame.
— Sim, foi um deslize por termos bebido muito. Acabamos passando um
pouco da conta. Estávamos fora do expediente... — assume.
— Um pouco? A cada cinco minutos ligam para cá para saber se realmente
casaram. Vocês casaram bêbados, têm noção disso?
Tento me defender, mas meu pai me corta e me calo.
— Eu jamais esperaria isso de você, Miranda. Não importa se foi fora do
expediente, você é uma pessoa pública e esse deslize pode custar caro para a
Amonet! — bate a mão na mesa, descontrolado.
— Iremos contornar isso da melhor forma — Dante garante.
— Vão mesmo. E eu já vou poupá-los de pensar em algo. Já tenho o plano de
vocês.
— O que seria? — pergunto, curiosa e temerosa.
— Vocês irão morar juntos. Seus atos têm consequências e terão que
aguentar! — responde decidido.
— O quê? — gritamos juntos e meu pai continua inabalável.
— Querendo ou não, isso vinculou com a empresa. Como falei, Miranda, sua
irresponsabilidade causou efeitos negativos, Dante também. E se mentir nessa
altura do campeonato, vão focar isso para o resto da vida, vão virar
celebridades por um vexame. Então vão fazer os seus lindos papéis de marido
e mulher até a poeira abaixar, o divórcio que eu sei que vocês vão pedir sairá
e anunciaremos o término amigável alegando incompatibilidade — dita o que
devemos fazer.
— Eu não vou morar com Dante de jeito nenhum! — nego com veemência.
— Vai sim, Miranda. E não te dei poder de escolha. Não irei perder negócios
pela sua irresponsabilidade — me corta.
— Mas, pai...
— Não, Miranda, eu estou decepcionado demais com essa sua atitude, soube
que foi convidada para a lista de personalidades admiráveis. Se fosse eu
quem fizesse essa lista você não entraria tão cedo. Uma irresponsável!
Avoada! Sua mãe ficaria decepcionada por esse vexame.
Suas palavras me magoam profundamente ao mencionar minha mãe. Murcho
mais um pouco com isso e engulo em seco pela sua decepção escancarada
através de palavras tão severas. Sequer tenho voz para retrucar. Eu faço de
tudo para ser um exemplo e por um deslize acabo o decepcionando. Que
merda!
— Eu também não concordo com isso. E eu não sou seu filho, senhor, e não
irei acatar essa irracionalidade. Me desculpe — Dante se impõe.
— Tudo bem, darei poder de escolha: diga o que fazer, senhor Barcellos, se
der errado sua proposta, vão os dois para o olho da rua.
— Pai? — questiono incrédula.
— Como falei, foi fora do expediente, se o senhor acha que não faço mais o
perfil da empresa, não posso fazer nada, mas a demissão terá que ser cabível.
— Dante sequer gagueja e eu prendo a respiração pela sua objeção clara ao
meu pai.
— E aí, como vai ser? Demissão dupla ou vão assumir as consequências dos
seus atos?
Contrariada e encurralada, me sinto perdida. Não posso perder meu emprego,
eu amo o que faço e sei que Dante também, minha vida foi planejada para
estar aqui, eu respiro a empresa. É o meu legado! Encaro o meu agora
marido, suplicando com um olhar que ele aceite essa proposta absurda, nem
que seja por ora, antes de acharmos outra solução. Acho que posso aguentá-lo
um mês pelo meu emprego. É o tempo de tudo voltar a ser como era, como se
isso nunca tivesse acontecido.
— Vou liberar vocês para resolverem quem vai para casa de quem. Chega de
problemas por hoje. Vão para casa e só me apareçam aqui amanhã do jeito
que falei. Ou nem apareçam — impõe.
Saímos juntos, raciocinando o que faremos daqui em diante.
— Vai mesmo concordar com isso? É muita loucura!
— Vai querer colocar o emprego em risco? Não vou conseguir contornar essa
situação sozinha. E se eu for demitido, não vou pegar carta de recomendação,
nem você, seu pai é muito tirano, me desculpa a verdade. Vamos virar
subcelebridades que precisam discutir no Twitter ou mostrar a bunda no
Instagram para ganhar notoriedade. É isso que quer?
— Vamos morar na minha casa então — bato o martelo, rendida e totalmente
frustrada.
— Prefiro a minha.
— Não, Dante, a minha — me imponho.
Não me adaptaria num ambiente novo, mesmo que seja por pouco tempo.
Meu loft é meu lugar sagrado e odeio a sensação de estar na casa alheia.
— Por que a sua? Me dê apenas um motivo. — Cruza os braços.
— Pelo que sei sua casa é alugada e meu loft, não. Então vai ficar na minha
casa, sim.
— Tudo bem, então. É bom que não pagarei mais aluguel! — resmunga.
— Vai para sua casa, pegue suas coisas e vai para lá.
— Pelo jeito a tirania é de família — ironiza.
— Não sou isso!
Descemos o elevador juntos ainda quietos e, na saída, somos bombardeados
por repórteres mais uma vez. Que droga! Eles não cansam de nos perseguir?
“Alguma declaração, Miranda?”
“Poderíamos ter uma foto dos recém-casados?”
“Estão namorando há quanto tempo?”
“Foi difícil esconder esse romance na empresa?”
“O que seu pai achou de casar sem ele?”
Essas são algumas das milhares de perguntas que fazem para a gente. Olho
para Dante sem saber como agir, se confirmamos, se desmentimos
confrontando meu pai ou ignoramos até pensarmos em uma nota para emitir.
Dante entrelaça a sua mão na minha e eu me sinto um pouco constrangida por
esse contato tão brusco.
— Sim. Casamos e estamos muito felizes.
Ele confirma e, sem me deixar assimilar, me beija de língua na frente dos
repórteres. Eu, assustada, tenho apenas a reação de retribuir, afinal, temos que
ser convincentes
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET
Dentro do carro, com os lábios formigando e ainda esbaforida pela situação
de agora, tento me situar mais uma vez. Que dia louco da porra!
— Quando for me beijar de novo pelo menos avisa — ralhei.
— De novo? — rapidamente ri presunçoso, com um leve tom de ironia.
— Dante, eu estou falando sério e você entendeu! — chio.
— Okay, estressadinha.
Meu celular toca de novo e vejo que, mais uma vez, é Cindy.
C: Você desligou na minha cara e não atendeu mais — reclama assim que atendo.
M: Você me mandou correr para o Instagram e depois fiquei um pouco atarefada com meu
pai.
C: Custava ter avisado? Você é uma péssima amiga! — dramatiza com uma voz
propositalmente ranzinza.
M: Deixa de drama, Cíntia!
C: Me chame direito! E aí, aconteceu o que com seu pai?
M: Depois vou te contar tudo. Estou indo para casa — suspiro cansada.
C: Vou para aí então, não sai! — avisa de forma estridente e desliga na minha cara.
Concordo sozinha, fitando o celular com a chamada encerrada, porque somos
melhores amigas há tempo suficiente para ter me acostumado com seu jeito
repentino e acelerado. Estou vendo que dormir não vai ser possível.
Fizemos o percurso calados, e eu tento absorver a loucura que minha vida se
tornou em apenas um final de semana. Como se fosse pouca a desgraça de
casar com Dante, ainda tenho que morar com ele. Meu pai só pode estar de
brincadeira em propor isso! Insensível, ele poderia ser flexível numa situação
tão singular como essa!
O motorista me deixa em casa e segue com Dante para a dele. Com a
sensação de estar de volta ao lar, arranco meus saltos no meio da sala, junto
com a mala. Me jogo no sofá olhando o teto branco com a luminária.
— Miranda, você se ferrou! — constato em voz alta.
Levanto do sofá e subo as escadas onde ficam os quartos. Deixem-me
mostrar minha casa a vocês. Meu duplex é amplo e arejado, apesar de não ser
muito grande.
A sala e a cozinha são praticamente no mesmo ambiente e, no corredor de
cima, no topo das escadas, dá para ver uma parte dos dois cômodos. Não é
totalmente parede, há um muro de vidro de meio metro. Abro o quarto de
hóspedes que é onde Dante vai ficar, e não está nada mal. Cindy às vezes
vem dormir aqui, e quando não é comigo, é aqui que fica.
Vou para o meu quarto e troco pela roupa mais confortável que acho, porém
lembro que Dante está vindo e não posso ficar dessa forma como eu ficaria
em casa ou só com minha amiga. Adeus, camiseta e calcinha! Tchau,
liberdade de andar sem sutiã. Adeus, banheiro de porta aberta!
Acho que acabei de ver minha plenitude correr para a rua com suas malas e,
ao seu lado, minha satisfação.
Ainda me pergunto o que eu fiz para merecer isso. Estou tão frustrada e
irritada com meu pai, que... Caramba! O pior foi a decepção estampada na
sua cara e o que ele falou sobre minha mãe, estou me sentindo um lixo de ser
humano.
Escuto a campainha tocar e desço correndo. Deve ser Cindy. Abro e ela entra
como um raio jogando os cabelos no meu rosto.
— Sua quenga, me conta tudo agora! — segue em direção à cozinha,
largando a bolsa no sofá.
— Não sei nem por onde começar! — A acompanho.
— Estão casados mesmo? — questiona abrindo os armários.
— Infelizmente, sim — mostro claramente meu desgosto.
— Não sei por que está desolada. Pelo menos seu marido não é feio... Aquele
corpinho agora é seu, gata. — Pisca para mim.
— Dante é um babaca, isso sim. — Reviro os olhos.
— Mas é gostoso. Já reparou o sorriso dele, aqueles lábios...? Partidão,
amiga!
— Menos, Cíntia!
— Ah, me desculpa. Agora ele é seu marido. — Usa um tom muito
debochado.
Permaneço séria, mostrando que não achei nenhuma graça, e me entrega um
copo de suco.
— Vamos para a sala. — Ela pega os biscoitinhos que colocou num pote, e o
próprio suco, indo em direção ao meu sofá.
— Meu pai praticamente obrigou a gente a morar juntos. Não deixou a gente
negar para não passarmos como irresponsáveis.
— Como assim? — se vira para mim, interessada.
— Ou era isso ou demissão, e onde eu arranjaria emprego se for expulsa da
própria empresa? Que respaldo eu vou ter no mercado?
Coloco meu suco no móvel e me jogo no sofá, acompanhada da minha amiga
que não desgruda dos biscoitos.
— Sério? Seu pai às vezes me dá medo, de tão radical... — admite de boca
cheia, mastigando. — Quem faria isso com a filha?
— Senhor Benício tanto faria como fez. Estou tão... Argh! Ele está para
chegar daqui a pouco. O circo tem que sair perfeito e ai da palhaça aqui se
causar mais um deslize — solto ar, exasperada.
— Eita, que vibe ruim você tá, viu? Quero saber, vocês transaram? Como
foi?
— Não sei, porque não lembro direito. — Olho para ela, que está com os
olhos arregalados entrando em conflito com a sua cara sorridente e incrédula.
— Como assim você transou com aquele gostoso e não se lembra, Miranda?
— se mostra indignada.
Olho para ela, séria, e ela sorri de um jeito meigo e totalmente forçado.
— Desculpa de novo. Esqueci que ele agora é seu marido, tenho que lembrar
desse fato agora.
— Eu não ligo. Deixe de besteiras, Cindy! — faço pouco caso.
— Mas não se lembra de nadinha? — tenta me arrancar confissões a todo
custo.
— Só alguns flashes.
— E pelos flashes, era bom? — Seu tom é muito curioso.
— Não quero responder essa pergunta. Próxima! — Sinto meu rosto
esquentar violentamente.
— Ai não, foi ruim?
Murcha, frustrada por não ter um babado quentíssimo para te contar.
— Não!
Me apresso em negar e fujo do seu contato visual e sua expressão abismada,
já surgindo um sorriso cretino.
— Então foi bom? Miranda, sua safada! Sempre soube que ele acende seu
fogo e você renega!
— Nunca na vida! Dante não me causa nada além de raiva!
— Eu duvido, aposto que fica toda elétrica e instigada quando discutem. —
Sorri de lado de forma afrontosa.
— Para, Cíntia! Eu realmente não lembro direito o que aconteceu — tento
encerrar o assunto constrangedor.
— Não sente vontade de dar de novo, lúcida, para ver como é de verdade?
Imagino o que vai acontecer com vocês dois aqui sozinhos... — Balança os
dedos em sinal de intensidade.
Sinto meu rosto formigar de vergonha pelas suas suposições. Se eu sinto
vontade de fazer o que ela sugere? Lógico que não! A primeira para mim já
está sendo traumática por não conseguir lembrar direito.
— Não acredito que não fui a madrinha — chia, cruzando os braços.
— Se eu pudesse nem estaria casada, amiga. Madrinha é o de menos. — Rio
e é de puro nervoso.
— Ah, é? — Sua expressão é totalmente debochada, com uma falsa
indignação.
— Não se preocupe que quando eu casar de verdade, se um dia eu casar,
melhor afirmando, você será a madrinha com toda a certeza.
— Acho bom — me ameaça, enchendo a boca.
Pego um pouco do biscoito que ela está comendo enquanto conversamos
sobre assuntos mais leves e aleatórios. Passamos praticamente a tarde toda
juntas e nada de Dante aparecer. Não que eu queira que ele chegue logo, tudo
bem? Mas só que marcamos de ele vir para cá e ele sumiu.
Fizemos maratona de RuPaul's Drag Race, um dos programas favoritos de
Cindy e, já anoitecendo, minha campainha toca, assustando nós duas.
— Deve ser seu marido — Cindy zomba. Não perde uma oportunidade!
— Cale a boca!
Levanto do sofá para atender e dar de cara com Dante, com as malas nas
mãos.
— Os repórteres não deram sossego — se queixa, passando a mão no cabelo.
— Te perseguiram?
— Sim. Estou ficando louco! — Joga as duas malas grandes perto da porta.
— Ainda bem que passei o dia todo em casa.
Me viro e dou de cara com Cindy jogada no sofá, assistindo à nossa
interação, sorridente, claramente se divertindo. Cretina!
— Ahn. Oi? — Dante cumprimenta Cíntia de longe.
— Oi, Dante! — Ela sorri abertamente ao se levantar do sofá.
Reviro os olhos internamente. Cindy é toda dada.
— Cíntia, né?
— Cindy, por favor.
— Certo, Cindy.
Pigarreio para eles se darem conta da minha presença.
— Amiga, eu estou indo. — Pega a própria bolsa e arruma os cabelos.
Ela passa por nós dois em direção à porta e eu a sigo.
— Se quiser ficar mais, não tem problema. Não sabe?
— Eu sei. Mas não quero segurar vela em plena lua de mel de vocês.
— Cíntia... — a repreendo constrangida.
— Vão ficar bem aí, sozinhos? — certifica-se, preocupada.
— Espero que sim. Ele não se atreveria a algo.
— Certo. Qualquer coisa vai para o meu apartamento. Estarei com o celular
ligado a noite inteirinha.
Beijo seu rosto enquanto ela me abraça se despedindo.
— Tchau, Dante. Usem preservativos e juízo, crianças.
Dante acena e minha cara vai ao chão com seu comentário. Cindy ainda vai
me pagar por essas coisas. Ah! Se vai. Mas tenho assuntos mais urgentes para
lidar. Conviver com Dante a partir de hoje, por exemplo!
BRASIL, SÃO PAULO | JARDIM PAULISTA – LOFT
Suspiro criando coragem antes de virar para a porta e encarar Dante na minha
sala.
— Bela casa! — elogia.
— Obrigada. Vamos, vou te levar para o quarto.
— Já, Miranda? Nem um cafezinho antes? — Ele arqueia as sobrancelhas em
deboche.
— Menos, Dante! — Reviro os olhos. Ele tem um time incomum de me
estressar com pouquíssimas coisas.
Sigo para subir as escadas na frente e ele vem atrás com as próprias malas nas
mãos.
— Gostei da visão — comenta, sem-vergonha e provocativo.
— Cala a boca!
— É impossível fingir que não vi essa bunda!
Subo as escadas mais rápido para ele parar de gracinha enquanto ele ri por
saber que conseguiu o que queria: me irritar.
— Aqui. — Abro a porta do quarto de hóspedes.
— Cama de solteiro? Achei que iria ficar no seu quarto. — Sua expressão se
torna sugestiva.
— Nem morta! — Forço um sorriso debochado.
Dante vem na minha direção, me assustando, e me agarra contra si.
— Vai me contar que não tem vontade de dar de novo para o papai aqui? —
sorri, insolente.
— Nem um pouco, querido — devolvo o sarcasmo.
— Será mesmo?
Seu tom é sério e propositalmente rouco. Me provoca beijando meu queixo.
Cretino e safado, sua ação atrevida me desalinha momentaneamente.
— Me solta, Dante. — Tento me esquivar.
— Por que tem que ser tão chata? — Seu tom continua desaforado.
— Porque você é um maldito! — Bato no seu peito e ele me solta, rindo. —
Não faça mais isso! — Aponto meu dedo para ele.
Estou irritada e saturada. E pior, não tem nem meia hora que chegou.
Trêmula de ódio, saio cuspindo fogo.
“Vai me contar que não tem vontade de dar de novo para o papai aqui?” Ah,
faça-me o favor!
Desço as escadas marchando em direção à cozinha. Estou morrendo de fome
e já passou da hora do jantar há muito tempo. Sou muito preocupada com
minha alimentação.
Preparo café para mim e logo Dante desce sem camisa e com um short fino,
mostrando que está recém-banhado.
— Gostou, emburradinha? — É impossível ter uma boa convivência.
— Ah, Dante, faça-me o favor e vá pôr uma camisa!
— Não vou. Estou em casa agora — se mostra inabalável.
— Na minha casa — o corrijo.
— Está com medo de não conseguir resistir, é? — morde os lábios
rapidamente e sinceramente odiei sentir meu peito tamborilar.
— Dá um tempo, idiota!
— Está fazendo o que para tomarmos café? — Chega mais perto.
— Eu fiz café para mim, se quiser algo faça você mesmo.
Pego o café que acabei de colocar na minha xícara, junto com algumas
torradas com requeijão natural e sigo para a sala, deixando-o na cozinha me
chamando de grossa. Ligo o notebook para trabalhar. Vou fazer os relatórios
da viagem e dos fornecedores que ficaram de me mandar por e-mail. Só
escuto os armários batendo e ele resmungando sobre só ter coisas light e
frutas.
— Desculpa, mas quando reabasteci as coisas não pensei em você — rebato
da sala o seu desaforo.
Ele resmunga algo, abrindo outra porta do armário, e eu fico imersa no meu
trabalho enquanto me alimento.
— Porra! Que requeijão ruim — Dante resmunga em pé, atrás do balcão.
— Você está comendo meu requeijão?!
Exclamo desesperada, vendo-o com um pão com três dedos de requeijão
cremoso. Ai, Deus! Meu requeijão orgânico e saudável!
— E me arrependi por isso! — Faz cara de nojo. — É horrível. Credo!
— Não fale assim do meu requeijão cremoso! É rico em fonte de vitaminas
do complexo B e proteínas. Sem contar que tem baixíssimo teor de gordura
— rebato.
— De que adianta? É ruim pra cacete. Sem contar que parece porra.
Olho para meu prato com as torradas em uma quantidade boa do requeijão
em cima. Imediatamente perco a vontade de comer.
— Que nojo, Dante! — Minha expressão demonstra fielmente o que acabei
de expor.
— Nojento mesmo. — Joga no lixo, desperdiçando.
— Estava falando de você e suas escrotices.
— Prefiro o bom e velho podrão!
— Deus me livre! Aquilo ali é um infarto no pão. Nem me aproximo. Estou
de dieta!
— Vai emagrecer aonde aí, Miranda? — debocha, rindo em escárnio. —
Você é tão magra que compra roupas da Barbie! Literalmente!
— Vai se ferrar! Desde quando dieta é só para emagrecer? Eu estou cuidado
da minha saúde, apenas. E deveria fazer o mesmo.
— Prefiro viver pouco e comer o que eu gosto do que ficar sofrendo e
comendo essas porcarias que você chama de comida.
Ele percebe minha irritação e ri, indo ao primeiro andar. Não demora a descer
de camisa e com a carteira na mão.
— Vou procurar algo para comer na rua, talvez numa Padoca.
— Não me importo. — Continuo com a cara no notebook.
— Agora eu entendo o seu mau humor. Não come direito, tadinha.
Suspiro frustrada e escuto a porta bater. Levanto e coloco a torrada que mal
toquei na geladeira. Não vou conseguir comer isso depois que ele comparou
com... Com a coisa! Meus biscoitinhos acabaram, Cíntia comeu todos. Por
fim, pego uma maçã.
Mais tarde me alimentarei direito. Minha prioridade são os relatórios e Dante
chega quando estou salvando os arquivos, com uma sacola imensa de papelão
de fast food. Por que ele não comeu na rua? Eu me matando para manter a
dieta e ele traz justo um lanche desse tipo para dentro da minha casa? Eu não
deixo Cíntia entrar aqui com isso e ele vem!
Por que eu tenho que passar por essas provações?
— Trouxe para você também. Comida de verdade — implica, tirando da
sacola um hambúrguer e babatas fritas. — Quem sabe assim você não
melhora esse humor.
Esse cheiro... Ai, meu Deus!
— Tem como você comer isso em outro local? — tento me manter
inabalável.
— Não.
— Dante! Você fica aí me provocando. Trazendo essas comidas para cá,
sabendo que estou de dieta! — chio frustrada.
— Eu trouxe comida, apenas. Não é minha culpa que você está com vontade!
Ele vem na minha direção colocando o hambúrguer, meu favorito por sinal,
bem na minha cara. Resiste, Miranda!
Uma versão minha vestida de branco aparece do meu lado, ditando: lembre-
se das suas consultas com a nutricionista e dela ter te parabenizado por estar
seguindo à risca a dieta.
Resiste, Miranda! Lembre-se que tem pão integral. Tem suco natural. Tem
frutas! Você está saudável! Tem o seu requeijão favorito... Me aconselha e eu
vejo que não posso cair nessa tentação. Vou negar e comer minha torrada que
está na geladeira...
Outra Miranda aparece, de vermelhos e com chifres, por mais aterrorizante
que isso pareça, numa luta interna entre razão x vontade. Interrompendo a de
branco, complementa: ... que Dante disse que parece porra.
Argh! Que nojo! Nunca mais vou comer esse requeijão em toda minha vida!
Batata é legume. Pão é vitamina B. Carne é fonte de ferro. Os molhos são
inofensivos... Sem contar que desperdiçar comida é pecado... — a vontade
me instiga.
Esse cheiro de hambúrguer, da fritura, da batata frita não é saudável! Resista,
Miranda! — a “razão” fala, a de branco.
Uma vez só não faz mal! A “vontade”, vestida de vermelho, num tom mais
ameno, me encoraja como se não fosse nada de mais. As duas falam ao
mesmo tempo e fico sem saber qual conselho seguir. E, antes de sumir, a
“vontade” complementa: lembre-se, Miranda, o requeijão parece porra e
esse hambúrguer parece tão apetitoso...
— Vai querer ou não?
Volto para a realidade com a voz de Dante. Ele coloca mais próximo ao meu
rosto, me fazendo sentir o cheiro mais de perto.
Tomo da sua mão e ele gargalha. Dou uma mordida generosa e gemo logo em
seguida, sentindo o gosto divino na minha boca. Tem vários meses, quase um
ano, desde que comecei a dieta, que não me aproximo dessas coisas.
Ai, não! Eu quebrei minha dieta! Me sinto uma pessoa horrível. Me sinto
mal, porém continuo comendo sem conseguir parar.
— Sabia que era fome. — Ri convencido.
Estou maravilhada demais com o gostinho da carne e do molho na minha
boca, para respondê-lo.
— Toma! — Me entrega as batatas fritas e uma latinha de refrigerante.
Olho para aquilo e penso se vou ou não comer.
— Ah! Você já comeu o hambúrguer. Não adianta dar para trás agora. Mostre
que você é dona das suas vontades!
— Você é uma péssima influência — resmungo mastigando a batatinhas.
Ele parece satisfeito com meu apetite. Como tudo rapidamente e me sinto
cheia de verdade. Sempre que me alimento, apenas mato minha fome, mas
dessa vez eu comi a ponto de me sentir inchada, estufada e até sonolenta.
Deus! Eu não deveria ter comido tudo isso! Não deveria! Vou ter que ficar
uma hora a mais na esteira.
— Você está proibido de comer esses tipos de comidas aqui!
— Não. Você que resista — rebate.
Jogo as embalagens no lixo e decido subir para dormir. Estou cansada
demais.
— Amanhã, não se atrase. Vamos sair no horário — dou o recado.
É a sua vez de dar um muxoxo. No meu quarto, trancada, me distraio na
companhia do Senhor Disk gostoso, até ficar com os olhos ardendo e ir
dormir.
Amanhã um grande dia me espera e a perspectiva de olhares indiscretos na
minha direção já me deixam ansiosa! Argh!
...
Bato meu indicador no X, quando uma música qualquer começa no
despertador. Odeio essa parte da manhã que eu tenho que levantar, porém, é
necessário. Resmungo letárgica, sendo abraçada perfeitamente pela textura
macia do lençol nessa manhã levemente fria.
Me arrumo para encarar o dia de cão. Sem perder a elegância, porque, apesar
do meu deslize, para todos eu continuo a elegante e fabulosa Miranda de
sempre.
Do topo da escada, me debruço no pequeno muro, vendo Dante com a
geladeira aberta, tomando um dos meus iogurtes light. Não foi pesadelo! Até
então estava agindo como se tudo fosse efeito da bebida e fuso horário
diferente, mas a realidade socou minha cara mais uma vez.
— Por que está tomando meu iogurte? Está contado para a semana. — Me
faço presente, descendo as escadas.
— Para que tanta questão? Nem é gostoso. Se eu ficar mais dois dias nessa
casa com essas comidas sem sabor, eu morro desnutrido — rapidamente
retruca.
— Ei!
Passo para a geladeira para procurar algo para comer.
— Bela bunda. Agora sei o porquê das dietas — já solta a piadinha do dia.
Gemo descontente e ergo meu corpo, que está debruçado, para ver o que tem
dentro da geladeira.
— Vá se ferrar, Dante!
Santo Cristo! O dia mal começou e eu já estou passando raiva. Depois do
café apressado, seguimos para a garagem.
— No meu carro.
— No meu — se opõe.
— Eu vou no meu e você vai no seu — proponho.
— Temos que chegar juntos, recém-casados, lembra? — Passa a mão nos
cabelos penteados.
— Eu vou no meu — me imponho.
Dante nega com a cabeça, sorri na minha direção e eu já entro em alerta, mas
não consigo reagir além de xingá-lo quando me põe no seu ombro.
— Você é um ogro! — Estapeio suas costas duras.
Ele dá um tapa na minha bunda mandando-me ficar quieta, me repreendendo.
Ainda ficou estressado? Eu que deveria!
Dante me põe sentada no banco do passageiro do seu carro e eu abro a porta
que já estava fechada e bato com a maior força que consigo, de puro
aborrecimento, para descontar.
— Ei, cuidado, fresca — me insulta.
— Estou nem aí, depois eu quem sou fresca. Ogro! Grosso! — devolvo a
ofensa.
— Sou mesmo. Pelo jeito lembrou da nossa foda! — debocha.
Dou um grunhido de puro nervoso, frustrada com essa situação merda. Eu
não aguento mais isso e olhe que só se passou um dia. Um! Eu vou
enlouquecer a qualquer momento!
— Egocêntrico desgraçado!
Bato meu salto da coleção passada no chão, causando barulhos ocos de
impaciência; é o meu estado de espírito no momento. Meu pai não tem senso
nenhum! Eu vou pedir demissão, não vou conseguir aguentar isso, minha
plenitude é maior que qualquer coisa, mesmo que eu queira ser uma filha boa
e uma profissional excelente. Vou virar youtuber, é o que está na moda, deve
ser mais rentável que essa palhaçada!
Dante leva o carro em direção ao prédio e dá play no som. Formation, de
Beyoncé, ecoa no ambiente, já no final. Surpresa, não evito uma gargalhada.
— Você ouve Beyoncé? — sem fôlego, lutando contra o riso ainda entalado
na garganta, indago quando vejo que vai trocar.
— Lógico que não! — nega rapidamente como se fosse uma ofensa.
— Vai me falar o quê? Que foi sua irmã? Você é filho único, Dante!
— Na verdade, foi para uma gostosa peituda que eu estava querendo pegar e
coloquei quando a gente saiu, ela era fã e ficou toda derretida. — Arqueia
uma das sobrancelhas. — São táticas masculinas. No final da noite... Já sabe,
né?
Já sem vontade de rir por aquilo, reviro os olhos.
— Que grosseiro! Uma hora dessas da manhã e você sendo nojento. —
Ponho a língua para fora.
A música para e ele troca para um funk barulhento.
— Namorar para quê? Se amarrar para quê? Prefiro “tá” solteiro que eu
sei que elas vão querer — Dante canta me olhando, claramente afrontando.
Inconformada, tento mudar e ele me intercepta.
— Funk é horrível! Como você escuta isso? — berro por cima da música.
— Com os ouvidos que Deus me deu! Vai me pedir o quê? Para pôr Justin
Bieber?
Me encarando, solta uma gargalha zombeteira, me deixando mais irritada.
— Não! Olha bem para minha cara, Dante! Você é um imbecil!
Bato no painel parando a música de uma vez. Discutimos a metade do
caminho até decidirmos colocar numa rádio e acalmarmos nossos ânimos.
Meu celular vibra e o visor mostra que é Cindy.
Atendo ainda lançando um olhar mortal a ele.
C: Graças a Deus está viva. Como foi a noite? Deu muito?
M: Cíntia! — a repreendo constrangida. Quando não é um, é outro.
C: Credo! Que mau humor, pelo jeito não rolou nada. Vou desligar, liguei apenas para
saber isso. Te amo!
E simplesmente desliga. Estou num hospício social e ninguém me falou?
Que surto coletivo é esse?
Aproveito para ver minhas redes sociais, ignorando as últimas notícias sobre
mim e meu fatídico casamento com o sujeito do meu lado. A foto do
“casamento” já acumula vários likes, e ainda tem comentário de Cíntia,
completamente debochada: “essa Drag vestida de cupido é meu espírito
casamenteiro, fui bem representada como madrinha! #Danda é
definitivamente o meu casal.”
Ela está se divertindo com essa situação mais do que qualquer um! Espero
ansiosa pelo dia que também acharei graça de toda essa situação, porque, no
momento, só sinto raiva e frustração.
...
Desperto sentindo uma lambida molhada no meu rosto. Abro os olhos dando
de cara com Buzz em cima de mim, me recepcionando cheio de entusiasmo
com a língua para fora e o rabo balançando.
— Estou brava com você, comeu um dos meus saltos favoritos! — Tento
ignorá-lo para levantar da cama, mas ele escorrega na beirada, colocando a
cabeça no meu colo, todo afoito. — Não vou te desculpar só porque está
sendo fofo e fazendo gracinhas.
Faço um carinho na sua barriga e ele se empolga ainda mais tentando morder
meus dedos, e acabo rindo da sua traquinagem. Eu nunca tive cachorros, meu
pai tem alergia e Cindy tinha quando era criança, mas ela também me
derrubava sempre que me via porque se jogava nas minhas pernas, e Buzz faz
igual.
— Preciso trabalhar, vai acordar seu dono!
Sorrio pelos seus truques fajutos de me conquistar e desperto de uma vez para
não me atrasar, porque, se depender de Buzz, fico aqui o dia todo acariciando
sua barriga gorda e peluda.
Arrumada, desço as escadas já pronta para mais um dia de trabalho. Daqui de
cima vejo Dante desarrumado, sem camisa e fazendo bagunça na cozinha,
tentando acertar o lixo com vários papéis — e errando a maioria. É sério que
ele está brincando de arremessar bolinhas na cesta de lixo quando temos
reunião agora cedo?
Nossa convivência nessa longa semana está mediana, estamos tentando
acalmar os ânimos, porém, ele continua implicante e me perturbando como
um mosquito. Ele aprendeu a comprar fast food para comer todos os dias por
pura provocação e eu às vezes acabo caindo e comendo essas porcarias.
Já Buzz, grudou em mim feito cola. Me segue pela casa o tempo inteiro.
Acredito até que eu esteja com um roxo na bunda de tanto que eu caio por
causa dele. Não é à toa, é muito difícil equilibrar um saco de desastre feliz de
quarenta quilos se jogando em cima de mim. Também aprendeu a vir dormir
comigo, duas vezes eu já acordei no meio da madrugada com ele
esparramado no meio da minha cama. Ontem ele me trouxe um papel
higiênico de presente e ainda insiste em comer meus saltos e derrubar as
coisas. Nos horários que Dante descansa ele envia um colaborador para
implicar comigo. Mas pelo menos Buzz é fofo, é um calmante e tanto ver as
gracinhas dele no final do dia. Estou me apegando a ele.
Pego da mão de Dante uma bolinha feita e arremesso em direção ao cesto de
qualquer jeito, caindo dentro.
— Como você fez isso? — Vira para mim como a menina do Exorcista.
— Não faz diferença. A gente está em cima do horário!
— Pelo jeito o lanche de ontem não agregou em nada no seu humor! —
replica, malcriado.
— Eu ainda estou irritada com você. Já tinha falado para parar de trazer isso
para cá! — treplico de volta.
— Não tem jeito mesmo de trocar esse humor, né? Relaxe um pouco, mulher!
— se mantém tranquilo.
— Não me diga o que fazer! — Me sinto estranhamente hiperativa com sua
frase banal.
Pilhada, vejo ele sair da cozinha, mas antes dá um tapa na minha bunda,
tenho vontade de matar ele cada vez que faz isso. Olho o cômodo que está
uma verdadeira bagunça. Café derramado, torradeira aberta... Merda! Dante
não aprende nunca. Bagunceiro demais!
Decido relevar, na volta ele irá arrumar tudo. Ele não demora a vir, consegue
se arrumar em vinte minutos! Depois do par ou ímpar, fomos no seu carro e
levamos Buzz, que não parava de chamar minha atenção do banco de trás, até
a casa de um amigo de Dante que irá transportá-lo até o município em que o
pai dele mora, e senti uma pequena tristeza por não encontrá-lo mais quando
chegar em casa com seu entusiasmo toda vez que me vê.
Believer, de Imagine Dragons, toca na rádio enquanto seguimos em direção à
Amonet. Canto baixo o refrão, assim como Dante, que me olha confuso da
mesma forma que eu olho para ele.
— Você gosta? — questiono curiosa.
— Escuto.
— Achei que só escutasse esses funks horríveis.
— Se tá sentindo falta, eu ponho. — Ele tenta tocar no painel, mas não deixo.
— Não!
Ele ri e volta a batucar no volante.
Na empresa, algumas pessoas já se acostumaram a nos ver juntos como um
casal, mas eu ainda acho tudo estranho. Ainda mais quando ele me beija
ocasionalmente. Não vou me acostumar nunca!
Na parte da manhã tenho duas reuniões em sequência. Uma com meu pai,
sobre a nova coleção que está em andamento. E outra com a diretora
financeira, que me prendeu até o horário de almoço.
Na volta do almoço, com Cindy mais uma vez, que me contou várias fofocas
de desconhecidos — mas quis saber mesmo assim, pois é fofoca —, sou
parada por um funcionário que nem me dou o prazer de lembrar o nome.
— Está casada mesmo? — questiona e engulo a seco.
Nunca fui boa em mentir, mas não posso colocar o plano a perder. Ainda
mais ontem que li algo sobre alguém ter levantado a hipótese de eu ter casado
bêbada com ele.
— Isso responde sua pergunta? — Mostro meu anel, que esqueci de procurar
saber de onde veio.
Ele sorri acenando.
— Você até que fica gostosa rebolando em cima do balcão. Será que rebola
assim em outras coisas?
Um momento aqui. É sério que eu acabei de ouvir isso mesmo?
— Como é? — descrente, meu grito sai esganiçado.
— Sempre achei que por debaixo dessa sua pose de mal-humorada tinha uma
vadia doida. Se eu soubesse teria te embebedado nas milhões de festas que
rolaram aqui. Filhinha de papai quando se descontrola...
Fico sem ação. É sério que estou sendo assediada por um funcionário?
— Se Dante não conseguir apagar seu fogo, me chama. — Pisca um dos
olhos e sinto nojo.
— Escutei isso mesmo, Cauã? — Dante aparece colocando a mão na cintura.
— O quê? — Ele fica pálido.
Ele tremeu na base com Dante, e não comigo que sou de um cargo superior e
posso lhe demitir num piscar de olhos?
— Percebi que você está importunando Miranda.
— Estamos apenas conversando — tenta se explicar.
— Converse com o RH — Dante manda num tom brando.
Continuo a olhar o desenrolar me sentindo assustada e, de certa forma, mal.
Nem com Dante, que era o único que se atrevia a fazer gracinhas, chegou a
tal ponto. Então, de repente, eu não tenho mais respeito nenhum, por um
mísero deslize! Virei a vadia bêbada para meus funcionários, e sabe-se mais o
que pensam sobre mim.
— Você não pode me demitir.
— Eu posso. Dante já ditou o que fazer, né?
Retomo minha pose de inabalável e Cauã me olha sério, espumando, saindo
logo em seguida. Eu não saberia o que fazer se Dante não tivesse aparecido.
— Obrigada.
— Não fiz nada. Ele era um babaca desde que entrou.
— Perdi completamente o respeito aqui dentro. Isso era uma das coisas que
eu mais zelava!
Ele, calado, me arrasta para o elevador. Tento trabalhar, mas não consigo
focar, decepcionada com o ocorrido. Que respeito eu tenho aqui ainda? Será
que vou ficar conhecida como a vadia irresponsável depois desses anos sendo
exemplar?
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET
Massageio meus tímpanos para aguentar a monotonia da reunião em pleno
sábado, junto com o comitê executivo da organização da empresa filial do
estado de Minas Gerais, para gerir os recursos e aprimorar a eficiência e a
produtividade das operações.
Meu setor administrativo também está aqui, exceto Dante, pois não houve
necessidade e eu estou morta de medo do que possa encontrar quando chegar.
Encaro os dois diretores financeiros, os de informática, os de conhecimento e
os de marketing. Está sendo melhor que eu imaginava, graças às diretoras
financeiras e à marqueteira de Minas Gerais, elas são muito práticas e deixam
as teorias dos diretores de informática no chinelo. Estou quase contratando-a
para a filial de cá para agilizar algumas coisas que não estão encaixando.
Só vim hoje por conta dessa reunião, tanto que quando acabar, coisa que eu
quero muito, e logo, irei embora. Achei que teria folga hoje, mal me
lembrava desse compromisso. Irei almoçar com Cíntia na sua casa.
— Eu concordo com as diretoras financeiras e a de Marketing de Minas.
Acho válida a promoção de desconto progressivo nas coleções antigas.
Estamos próximos de renovar estoque e precisamos vender o que ainda temos
— exponho minha opinião.
Eu sempre fui muito democrática, apesar de sempre dar a palavra final. Deixo
com que todos falem e considero a maioria, se achar coerente, é claro.
— Mas, Miranda... — o diretor de informática se dirige a mim.
Arqueio as sobrancelhas pela sua liberdade de me chamar assim, tão
informal. Pigarreio, desconcertada. Apenas Louise, minha diretora financeira,
me chama assim porque somos levemente próximas e acredito que isso
melhora nosso trabalho. Sempre achei mulheres mais confiáveis com
números e não é sexismo, por favor. É que eu sinto mais empatia em
conversar sobre números altos com mulheres, com homens eu tenho a
sensação de que a qualquer momento serei ludibriada sem me dar conta.
Talvez seja trauma antigo.
— Senhorita Miranda. Isso tira a credibilidade da marca. Promoção? — se
indigna.
— Sim. Não tira. Eu prefiro vender com valores mais acessíveis a ficar de
orgulhosa tomando prejuízo, caso demore mais para vender por conta da
coleção nova.
— E a marca está para fazer aniversário, os consumidores esperam promoção
em casos assim — a marqueteira de Minas levanta uma questão importante.
Eu estou adorando-a!
— Eu estou achando super pertinente a proposta dela. A menos que tenha
uma melhor... — beberico minha água, vendo que são quase onze horas.
Já estou levemente faminta com esse mimimi. O falatório volta na sala e,
cansada, peço que todos se calem quando vejo que não há consenso.
— Bom, acho que estamos resolvidos por enquanto. Se alguém tiver proposta
melhor para aumentar as vendas de Minas, enviem pro meu e-mail até terça-
feira. Enquanto isso, trabalhem em cima dessa. Reunião encerrada!
Sinto-me livre só em falar as duas últimas palavras mágicas. Me despeço de
todos cordialmente e agradeço a visita da equipe de Minas. Saio do prédio às
doze, depois de digitar o relatório da reunião para enviar ao meu pai, que
sequer sei se veio hoje. Muito provável que não. Ele só vem até quinta ou
sexta-feira, raramente aos finais de semana, só quando tem coisas urgentes
pendentes e eu não posso fazer por ele.
Decido ir em casa antes de ligar para Cíntia para trocar o calçado, o salto
quinze está me matando. E ver se minha casa não está em chamas. Minha
manhã em casa estava até agradável, ele estava dormindo no seu quarto
quando saí do meu. Meu duplex não estava pegando fogo, em compensação,
uma batida estrondosa ecoava do andar de cima, da cobertura. O térreo estava
limpo e organizado, contradizendo tudo que Dante é em dia de semana.
Descalça, envio mensagens para Cíntia, avisando-a que estava chegando.
Sigo até o andar de cima e o encontro sem camisa e de óculos escuros,
ouvindo música enquanto observa a pequena piscina que mal frequento.
Percebo que a churrasqueira elétrica também está em uso.
— Olá, esposa! Por que nunca me contou que tínhamos uma piscina? — me
recepciona como sempre, cínico.
— Você não perguntou. — Dou de ombros depois de abaixar o som.
— A piscina estava suja. Tive que limpar. Por que tem piscina aqui se não
aproveita?
— Falta de tempo, sei lá. Bom, estou indo almoçar fora, não incendeie minha
casa! — Dou as costas, disposta a me encontrar com minha amiga.
— Ah, não! Você tem que aproveitar a piscina. Tá um solzão e você de
vestido social! — Me agarra pela cintura, desconsiderando todos os meus
gritos de resistência, correndo comigo, e eu só tenho a ação de largar a bolsa
no chão antes de afundar na água fria junto com ele.
— Dante! — berro como um gato escaldado. — Seu maldito! Desgraçado!
Ele apenas gargalha, tirando os cachos que foram para frente do rosto.
Balançando feito um cachorro e espalhando água no meu rosto.
— Para de ser chata! Você tem uma piscina na cobertura e ainda reclama!
— Como você não quer que eu me irrite!? Você me jogou de roupa numa
piscina gelada. — Esmurro seu peito, furiosa. — Eu estava pronta para sair,
desgraçado! Agora estou com a roupa encharcada!
Sustenta seu sorriso petulante, me dominado facilmente e me prendendo sob
seu peitoral, me deixando arrepiada. Sua respiração faz cócegas em meu
pescoço enquanto ele me segura, e sua voz é baixa e calculada para soar
sacana quando fala:
— Então tire! Vamos comemorar nossa primeira semana de casados!
Rosno furiosa, me solto e me viro. Dante é muito debochado, seu cinismo me
dá raiva. Ele faz questão de me irritar.
— Seu cretino! Jamais irei fazer o que está sugerindo. — Elevo meu queixo
mostrando que as chances são nulas.
Ele apenas entorta a cabeça, rindo de mim, e tento entender.
— Do que está rindo?
— Eu estou vendo seus peitos. — Arqueia a sobrancelha e morde os lábios.
— Que esposa, hein?
— Seu Maldito cretino! — encabulada, esmurro novamente seu peito e ele
me domina, pondo meus dois braços para trás. — Me solte!
Pretensioso, nega, claramente jogando comigo. Rosno, furiosa e frustrada. E
percebo que estamos próximos demais. Roupas molhadas, água gelada, corpo
morno perto. A expressão dele é indecifrável enquanto me encara. Seus olhos
são estonteantemente azuis, tanto quanto o céu que vejo aqui da cobertura e
da piscina, e sinto meu corpo esmorecer gradativamente.
— Seu desgraçado! Filho de uma pu...
Nossos lábios se chocam vorazmente. Impetuosamente. Ardentemente.
Voluptuosamente. Ele me segura por trás do pescoço, ditando como quer o
beijo, todo másculo, não me dando chance alguma de fuga.
O beijo é incrivelmente intenso. Energético e ardente. Seus lábios são macios
e sua língua ávida e quente. Me apoio na sua cintura, seu tronco é muito viril
e sinto as pernas tremerem pelas minhas digitais firmarem na sua pele. Sem
ar, ele para o beijo, e eu o encaro chocada pelo que acabou de acontecer.
Hesitante, sem vir um insulto na mente, abro e fecho a boca três vezes, mas
sempre engulo a seco, com o peito arfante.
Atordoada, dou as costas com os lábios pinicando e zero piadinhas da sua
parte. Que desgraçado!
Trocada, pego meu carro sem nem me atrever a subir novamente. Ainda
estou atônita com o que aconteceu na piscina. Foi tão... Meu Deus, que
caralho aconteceu ali? Antes de dar partida no carro, vejo a mensagem de
Cíntia, avisando para encontrá-la no shopping para almoçar. Era de se
esperar...
Na praça de alimentação, encontro minha amiga acenando e quase não a
reconheço pelo cabelo curto, quase do tamanho do meu. A diferença é que o
meu é micro bob na altura do meu queixo e de franja nas sobrancelhas, e o de
Cindy está na clavícula e sem franjas, num long bob que combinou
perfeitamente com seu rosto. Mas sei que não vai acostumar.
— Está linda! — empolgada e surpresa, a elogio enquanto a cumprimento.
— Vindo da minha Girl Boss favorita, fico honrada. — Me abraça
afetuosamente.
— Por que me chamou para cá? — indago curiosa.
— Fiquei com preguiça de cozinhar. — E isso não é novidade alguma. —
Bem que você poderia levar a gente no Outback, né?
Semicerro os olhos para sua sugestão rasa, como se fosse apenas uma dica.
Agora entendi por que mandou eu encontrá-la aqui.
— Cíntia, você é tão cretina! — Rimos juntas, seguindo para o piso em que o
restaurante fica.
Ainda desajustada com a cena da piscina, me divirto com a esfomeada da
minha melhor amiga. Vinte anos de amizade e eu ainda caio nos seus truques
de me chamar para almoçar e eu acabar levando-a num restaurante caro onde
ela quer comer, e pagar a nossa conta. Mas não me importo, seu bom humor é
a parte mais divertida da minha vida.
— Já te disse que te amo, amiga? — Sorrateira, enlaça nossos braços para
andar pelo shopping.
— Querendo me tapear, é? Seu nome deveria ser Magali — de bom humor,
finjo chateação.
Passamos numa loja de lingerie e ela ainda teve a displicência de perguntar se
eu não iria levar nenhuma para comemorar minha primeira semana de casada
com Dante. Acredita?
Volto para casa com uma sensação boa, descansada. Encontro “meu marido”
descendo as escadas, arrumado e com um perfume forte e amadeirado
exalando pelo ambiente.
— Para onde está indo? — não hesito em perguntar, percebendo que está
levemente corado do sol.
— Lembra da peituda que gosta de Beyoncé? Então... — Abre os braços.
Convencido demais!
— Não, você não vai! — Tento deter aquela loucura. — Querendo ou não,
agora você é meu marido.
— Mas eu tenho necessidades básicas. Se você é assexual, o problema é seu!
— Tenta passar por mim na escada, mas não deixo.
— Não quero ter um marido, mesmo sendo falso desse jeito! Se sair nos
jornais que fui chifrada, no dia seguinte vai aparecer que além de broxa é pau
pequeno. Estamos entendidos? — ameaço cruzando os braços.
— Fala, aí eu faço questão de publicar um nude meu para comprovarem. —
Faz o mesmo com sua pose egocêntrica. — Não vou ficar no celibato porque
você quer.
— Tudo bem, vai! — Dou o meu melhor sorriso.
— Sério? — me analisa, intrigado.
— Sim, vai para seu encontro. Vou ligar para Elias, o copiloto, lembra?
Temos uma promessa de jantar. — Olho minhas unhas fazendo a melhor
expressão cretina que conheço. — Ou eu posso ligar para Andrei para um
encontro não tão profissional.
— Não vai. — Trava o queixo, contrariado.
— Vou sim. Eu tenho necessidades básicas também, e não sou assexual.
Arqueando as sobrancelhas, sorrio diabólica para ele, passo rapidamente pela
escada em direção ao meu quarto e percebo que vem atrás, chamando meu
nome. Sinto a euforia se instalar rapidamente no meu corpo ao saber que a
moeda trocou de lado.
— E outra, nem farei questão de ser discreta. Imagine a manchete amanhã:
“Miranda Moraes, cansada do marido brochando, procura piloto para viver
nas alturas!” — gargalho insana pela minha manchete imaginária.
Já no meu quarto, viro quando vejo minha porta sendo rapidamente batida.
Vejo a fechadura que está sem a chave, e logo é girada pelo lado de fora.
Furiosa, o mando abrir imediatamente.
— Não! Não irei ser corno! — ralhou.
— E nem eu! — rebato do lado de cá. — Se você for, eu vou, Dante. Nem
que eu saia pela janela.
— Quer saber? Pode ir. O nude eu posto para comprovar. — Ele ainda não
entendeu que eu não quero ser corna com uma semana de casamento, mesmo
sendo falso? — Eu preciso transar, Miranda!
— Dante, se meu pai souber que você fez besteira, manchando meu nome...
eu saio como coitadinha e você como infiel. Ainda será demitido sem carta de
recomendação. Eu ficarei livre de você e com meu emprego sem nem mover
um dedo — jogo baixo.
O outro lado fica silencioso. O chamo diversas vezes sem obter resposta. Ele
foi? Não acredito! Lembro onde minha chave reserva está e pego, descendo
as escadas na velocidade da luz, o encontrando sentado no sofá, rindo.
Maldito!
Sento do seu lado, ainda séria e furiosa.
— Só temos uma alternativa: vamos ser inimigos coloridos?
— O quê?
— Inimigos com benefícios, já que não somos amigos. — Nego efusivamente
aquela loucura. — Com medo de não resistir e ficar viciada?
— Nunca! — gargalho, debochada. — Você não é tudo isso, Dante!
— Nem você, você acha que eu prefiro você ou a peituda?
— Você acha que eu prefiro você ou o copiloto gostosão?
— Então, se eu te beijar aqui, para você é nada?
Insolente, ele avança para meu pescoço, ralando a barba e me dando um beijo
estilo suculento. Fecho os olhos para não cair na dele, me arrepiando
completamente. Que droga é essa?
— Não senti nada — minto. Engoli em seco, afetada, e tentei rir do que ele
estava fazendo.
Eu estava rindo porque esse momento é tão sem noção que chega a ser
cômico, mas ainda assim, excentricamente, a ideia me atrai sorrateiramente.
— E isso? — indaga com uma voz de repente rouca, com os olhos
queimando nos meus.
Dedilha entre meus seios, descendo as mãos e puxando minha blusa, me
fazendo retrair um pouco.
— Absolutamente nada. — Vacilo um pouco no sorriso superior que
mantinha.
— Ah, é? Duvido que isso não te cause nada.
Joga seu corpo por cima de mim, me fazendo cair de vez no sofá, me
causando falta de ar pelo peso do seu corpo em cima do meu. Que ogro!
— E se eu te foder? — propõe, cheio de si. Ele é muito convencido! Que
raiva!
A proposta é bizarra e absurda, e eu não consigo, honestamente, negar que o
pensamento de validar isso é terrivelmente tentador. Estou tão mexida,
confesso, e estou há algum tempo sem transar, a empresa me consumiu a
ponto de não ter tempo para sair com ninguém. E assanhar uma pessoa com
esse tipo de carência é covardia, é jogar álcool no fogo, que, por mais baixo
que esteja, ainda é fogo.
— Dante, não é assim que se fala com uma dama — advirto, tentando me
manter indiferente e, em vão, separar nossos corpos de alguma forma.
— Você não é uma simples dama. É minha esposa!
Ele não me dá direito de resposta; sem titubear, agarra meu pescoço como
mais cedo, me dominando completamente. Me beija na mandíbula, e depois
cobre meus lábios com os dele, num beijo voraz e intenso. É como se eu
fosse uma mocinha de livros pela intensidade que ele põe no momento. Por
que... Porra! Ele é muito másculo, chega a ser rude! Não que isso seja ruim,
mas ele é primitivo demais no jeito como me aperta com a mão firme, como
um alfa que habita dentro de si. Eu me sinto uma tapada, sem saber como
acompanhar todo esse fervor.
Sua língua quente e descarada chupa meu queixo e clavícula e, sem conseguir
prender, solto meu primeiro gemido com as comichões pelo meu corpo
inteiro, me incendiando completamente.
Maldito!
Maldi...
Mal...
Ma....
Maravilhoso!
Que beijo maravilhoso!
Agarro seus cabelos sedosos com uma mão e com a outra finco as unhas nas
suas costas, tentando me conter de alguma forma. Eu estou irreconhecível
com apenas essas carícias; nunca, jamais fiquei tão eufórica com uma
preliminar. Ele arranca o meu vestido floral de forma quase animalesca e vai
descendo, lambendo onde passa. Gemo, prendendo a respiração pelos seus
lábios no vão dos meus seios e suas duas mãos invadindo meu sutiã, mais em
antecipação que protesto, confesso.
Fecho os olhos, trôpega e vergonhosamente afetada pelo que está
acontecendo. O rastro de brasa que vai deixando enquanto desce pelo meu
corpo vai incendiando com a boca. Mordo os lábios em aprovação e tesão,
molhada num nível crítico com apenas isso. Arranca minha calcinha tão
rápido que só percebo quando sua língua devora ali. Eu disse que ele era
energético e vigoroso. E mantêm as mãos nos meus seios, de uma forma boa,
não como se estivesse sintonizando para chegar à rádio que quer a qualquer
momento. Ele sabe como manipular ali.
E não saí dali com sua língua implacável, pelo menos não antes de eu me
afundar num orgasmo intenso a ponto de quase lhe acertar um chute pelos
meus membros desordenados. Chocada por ter um orgasmo com oral
facilmente, tento agir naturalmente com o coração a galope. A agitação no pé
da minha barriga me deixa afoita. Ele volta para minha boca e caímos no
tapete, comigo por cima, rindo feito idiotas bêbados.
Cessamos no mesmo momento, voltando a atacar a boca um do outro de
forma abrasadora, e sinto toda sua densidade e intensidade.
Nos separamos arfantes e hiperativos, apenas para que eu arranque sua
camisa. Sua boca reivindica a minha com certa urgência, e eu não consigo
parar nem o beijo nem meu corpo, que reage, principalmente, pelos seus
dedos que apertam firme minha costela, mais uma vez, para que nossos
corpos se mantenham colados a ponto de eu sentir a sua temperatura corporal
passar para o meu mais que rapidamente. É estranhamente... bom?
O meu corpo corresponde, fico trêmula e sem ar. O jeito que ele me segura
pelo pescoço, enquanto avança cada vez mais na minha boca, deixa o beijo
ávido e cheio de vontade. Também lhe seguro pelas costas desnudas e gemo
baixinho, sentindo o arrepio dos seus beijos e chupões descer para o meu
pescoço. Sinto meu corpo amolecer completamente, o baixo-ventre me
castiga quando sinto algo como um pinicar entre minhas pernas, pedindo
atenção, mesmo debaixo do jeans que ele usa.
Ele me põe de costas para o tapete, abrindo o jeans com certa destreza,
arrancando a roupa ajoelhado mesmo. Ele sorri insolente ao perceber que eu
contemplo o conjunto de homem que é.
— Está impressionada, né?
Sorri de lado, num sorriso sacana. Egocêntrico e soberbo desgraçado!
Por que homens se vangloriam tanto em ser bem-dotados?
Gemo baixinho quando passeia entre minhas carnes. Ansiosa e estremecida,
sinto ele adentrar com profundidade, macio e firme enquanto geme rouco no
meu ouvido, me fazendo sentir mais prazer. Que golpe baixo!
Dante escorrega para dentro facilmente. Aperto seus braços, consumida pelo
seu fogo mais intenso. Arrepio gostoso com a penetração, ele tomando
espaço dentro de mim, me apertando, me dominando pelos cabelos,
totalmente bruto, mas cuidadoso; eleva a prática, não deixa em momento
algum de ser abundante e tórrido, indo contra tudo que jamais pensei que iria
acontecer e sentir em toda a minha vida!
BRASIL, SÃO PAULO | JARDIM PAULISTA - LOFT
Desperto já notando que o meu corpo está dolorido e, no tapete da sala, atrás
de mim, uma respiração mudando e suspirando, e tenho ciência que é Dante
também acordando.
A realidade vem de vez e arregalo os olhos, desajustada. Sento percebendo
que estou com sua camisa que mal cobre minhas pernas. Eu não bebi ontem,
por que estou nessa situação mais uma vez? Acanhados, nos encaramos
depois dele se espreguiçar.
— Saiba que para mim tudo foi insignificante, Dante — esclareço, sentindo
meu rosto formigar completamente.
— Eu nem lembro o que a gente fez! — desdenha.
— Ainda não te suporto, tá? — Me levanto e cato minhas roupas.
— Ótimo! É recíproco!
Ele faz o mesmo, e juntos subimos as escadas, lado a lado, vergonhosamente.
— E você continua chata! — me insulta quando chega ao topo.
— E você, egocêntrico e soberbo! — rebato, batendo a porta do meu quarto e
logo escuto a do outro fazer o mesmo.
Que situação! Antes eu me perguntava qual a necessidade de ter uma suíte já
que moro sozinha, mas hoje eu estou agradecendo por não precisar me
deslocar do meu quarto mais uma vez, arriscando encará-lo. Novamente sã,
mesmo que não tenha consumido álcool, minha mente duela entre tentar
entender e fingir amnésia. A segunda opção ganhou, mas a primeira trabalhou
em segundo plano.
Eram duas da tarde quando resolvi descer, não aguentando mais de fome. A
casa está silenciosa e completamente vazia, me fazendo respirar aliviada.
Almoço com calma e subo com meu lanche para quando sentir fome, assisto
a um filme e depois continuo meu livro que sequer tenho tempo de ler, mal
cheguei na metade.
Ai, ai, Senhor Disk... Melhor companhia para um domingo!
Só me dou conta que escureceu quando a barriga ronca e tenho a necessidade
de acender a luz. Me espreguiço e desço depois de um banho. Mal pus o pé
fora do quarto e a casa permaneceu silenciosa durante todo o dia. Nada tirou
minha atenção do livro.
Não dando sorte outra vez, assim que entro na cozinha escuto a porta da casa
ser destrancada, e ele aparecendo logo em seguida no mesmo cômodo que o
meu. O cheiro de fritura antecedeu sua chegada e meu estômago roncou.
Ele riu e eu me mantive indiferente, ou tentei.
— Trouxe para você também. — Empurra um dos sacos de papel na minha
direção, pelo mármore.
— Não vou comer isso. — Nego com o dedo.
— Tem certeza? É com cebola caramelizada. — Suspende as sobrancelhas
sugestivamente, amo cebola caramelizada.
— Eu te odeio, Dante. — Rude, pego o hamburger da sua mão, enquanto ele
ri. — Você faz de propósito!
— Na verdade, dessa vez foi sim. — Cruza os braços, audacioso e orgulhoso
de si mesmo.
— Maldito! — exaspero, abocanhando o hambúrguer, gemendo satisfeita
pelo sabor da carne e da gordurinha junto ao molho. — De onde é esse
lanche?
— A peituda, ela quem faz. — Surpresa, paro de mastigar, arregalando os
olhos, chocada. — Estou brincando. Mas ela faz um frango assado
maravilhoso.
Nego com a cabeça, principalmente quando ele me mostra um copo médio de
milkshake numa bandeja dupla. O dele já está em suas mãos.
— Você quer que eu participe dos “quilos mortais”, não é? — insatisfeita,
mas sem conseguir parar de comer, indago.
— Não. Só estou repondo suas calorias. Exercícios intensos costumam fazer
perder e nem todo mundo aguenta, seu corpo é muito magro para aguentar
noventa quilos de um homem faminto. — Seu sorriso maquiavélico sob o
canudo do milkshake faz minha cara cair no chão de vergonha.
Dante gargalha, sabendo que me afetou. Sigo para a sala e, feito um
carrapato, ele vem também com sua sacolinha do demônio. Ele pega o
controle da TV primeiro e comemora, tripudiando de mim, porque viu que fui
fazer o mesmo. Crianção nível mil.
Como rapidamente, porque estava morta de fome, e é claro que ele fez
piadinha com isso também. Eu mereço!
— Da próxima vez não traga. Essa foi a última vez. Como minha nutri fala:
nem tudo que é gostoso é saudável.
— Sexo é. É só ter equilíbrio. — Dá de ombros.
Decido ir descansar, amanhã já volto à rotina, estava tão cansada que sequer
saí de casa em pleno final de semana. Dante me deixa fadigada. Na cama,
revejo alguns documentos para amanhã e converso com Cíntia pelo celular,
até sentir sono.
Adormeço e, no meio da noite ou da madrugada, sei lá, escuto minha
maçaneta ser tocada e a porta abrindo, mas me mantenho ali, inerte e cansada.
— Miranda, vou dormir aqui. — Com voz sonolenta, adentra.
— Hum? — resmungo, descrente. — Não.
— Aquela cama é muito dura, no sofá não está rolando. Amanhã tenho
reunião e preciso dormir bem.
Sem esperar resposta, ele vem para debaixo do meu lençol, puxando-o
mesmo, e resmungo mais uma vez, puxando de volta.
— Cai fora, Dante.
— Caramba, sua cama é macia e você me colocando para dormir numa tábua!
Vou dormir aqui, sim — se impõe.
— Não temos intimidade para dormir na mesma cama, Dante! Vai pro seu
quarto!
Viro para ele e vejo que foi uma péssima ideia, pela proximidade de nossos
rostos. Me sinto tensa e encabulada.
— Para quem te viu sem roupa, ver sua situação ao acordar, desmontada, é o
de menos. A menos que ronque e esteja com vergonha que eu ouça.
— Eu não ronco!
Nem o escuro conseguiu esconder meu desajuste. Gemo frustrada e
envergonhada porque ele é teimoso e cretino demais. Estranhamente, nos
encaramos e seus cachos, como sempre, estão jogados no rosto, pela posição
que está deitado, fazendo contraste com a barba no seu queixo másculo, e
com o olhar feroz e cheio de intenções, sob a luz da rua.
Não sei quem deu o primeiro passo, mas quando me toquei estava com meus
lábios nos seus, com beijos intensos e ardentes!
Pela manhã, a cena constrangedora se repete. Eu catando minhas roupas e
agora o expulsando do meu quarto.
— Eu continuo te achando um maldito insuportável!
Pela segunda vez não!
— E você continua detestável! — rebate, e pior, está mais uma vez apenas de
cueca.
— Eu te odeio, Dante — replico, soando superior.
— Eu te odeio, Miranda!
Gemo frustrada, batendo a porta do meu quarto e logo o escuto fazendo o
mesmo com a porta do seu quarto. Por que diabos isso está acontecendo feito
um déjà vu?
Exasperada, me arrumo para o trabalho, me preparando para um dia que
parece que será cansativo, só pela forma como começou. Calados e evitando
contato visual, fizemos a viagem até a empresa no meu carro e nos
mantivemos assim até cada um entrar na sua sala. Sem beijos encenados.
De portas fechadas durante toda a manhã, me dedico à filial de Minas Gerais
para resolver o problema de baixa vendagem. Passo rapidamente pela sala do
meu pai, para saber como anda, antes de ir para meu horário de almoço e,
como sempre, me recebe de forma sucinta.
— Veio trazer problemas? — indaga cismado.
— Não, papai. Vim saber se está se alimentando. A médica falou sobre seus
níveis de estresse ultimamente. — Sento na ponta da sua mesa, mas sua
expressão me faz sair imediatamente.
— Estou bem, essas médicas sempre querendo aterrorizar. — Dá um muxoxo
desgostoso. — Irei almoçar com um amigo antigo. E a reunião com o setor de
Minais Gerais?
Suspiro frustrada por ele sempre pôr trabalho no meio de qualquer conversa.
— Foi bem, a marqueteira de lá é mais eficiente que o daqui.
— Hum, espero que os gráficos de lá aumentem, já que é tão boa. Vou
almoçar.
— Quer jantar comigo? Eu cozinho seu prato favorito, se preferir vou até
você — me mostro solícita.
Nunca temos chance de ter um momento nosso, de pai e filha, sem falar de
reuniões e problemas. Aqui na empresa nos vemos todos os dias, mas ele me
trata como uma funcionária qualquer e não temos a aproximação que gostaria
que tivéssemos. Meu pai não é muito de demonstrar sentimentos, e isso
piorou quando ficamos só nós dois.
— Não. Irei jogar poker essa noite — nega, ranzinza. — Essa semana quero
relatórios completos sobre Minas e, por favor, não me decepcione.
Contrariada, concordo insatisfeita. Se levanta da sua cadeira para arrumar o
paletó e eu sigo atrás até a saída. Volto ao meu andar, deixando meu pai
seguir ao elevador até o térreo, e Eduarda, claramente aliviada ao me ver, ao
achar que estava no almoço, me comunica que infelizmente terei que sair
para almoçar com Dante a negócios, com o representante da transportadora
que antecipou a reunião que seria às quatro da tarde. Sem escolha, concordo.
Com o restaurante já selecionado, que o transportador escolheu, eu e Dante
seguimos. Pelo menos é por aqui no Jardim Paulista e ainda chegamos
primeiro. Permaneço calada, encabulada, mexendo no meu celular e ele faz o
mesmo, enquanto esperamos o tal representante que já deveria estar aqui.
Estamos completamente constrangidos na presença um do outro, é nítido o
nosso desconforto.
Esperamos por meia hora até sua secretária ligar remarcando, alegando uma
rápida interferência de agenda, mesmo sendo ele quem antecipou essa merda.
Contrariada, aviso a Dante, que fica tão frustrado quanto eu.
— Já que estamos aqui, vamos almoçar. — Dá de ombros.
— Fazer o quê? — Repito o gesto.
— Tá com a cara azeda desde que saímos do prédio por quê? Está pior do
que o normal.
— Nada não — nego, ainda aborrecida, por meu pai nunca ter tempo para
jantar comigo.
Não tenho mais idade para expressar o que aconteceu sem parecer uma garota
birrenta e carente.
— É ainda pela manhã? Conta, ou para com essa cara!
— Me deixa, Dante! Nem tudo é sobre você! — um pouco mais rude,
finalizo.
Ele, também contrariado, acata meu pedido. Almoçamos juntos num clima
estranho, tanto pelo que aconteceu pela manhã quanto por agora. Enquanto
andamos de volta ao prédio, caminhando pelas ruas arborizadas da região
numa ótima forma de relaxar e garantir uma pequena atividade física
tranquila pós-almoço, observo a Avenida Paulista, em ritmo acelerado como
sempre.
A vida aqui pulsa intensamente, não importa a hora.
A Paulista é o coração de São Paulo, aqui se encontra de tudo um pouco, é
maravilhosa para quem aprecia excelentes arranha-céus, como eu. Eu sou
uma paulista que, apesar de tudo, gosta da cidade em que vivo, me adaptei à
correria. Avisto o grande grafite do Kobra, que retrata Oscar Niemeyer,
contrastando as cores da cidade cinzenta.
Mas minha atenção é rapidamente transferida quando avisto um homem de
terno e cabelos aloirados andando calmamente com o celular no ouvido, pela
ciclovia. Ele parece ser alemão, e eu paro de andar, reconhecendo-o de algum
lugar...
Las Vegas! É ele! Ele estava no vídeo do casamento!
Caramba, qual o nome dele?
Ele com certeza sabe de parte do vexame daquela noite, afinal, aparentemente
o anel veio dele, segundo a gravação em que ele e a loira gritaram afirmando
isso.
— Dante, aquele homem do vídeo, ele estava na capela aquela noite! Eu vou
lá até ele.
Apreensiva, aperto o braço de Dante, que parece confuso, querendo entender
minha parada repentina.
— Tem certeza?
— Tenho. — Apresso meus passos pronta para atravessar a rua. — Ei! —
tento chamar sua atenção por duas vezes, até que ele se dá conta que sou eu.
Corro na sua direção para alcançá-lo pela ciclovia e escuto a buzina assim
que passo em disparada pela faixa de pedestre. Apressado! Mas ele não me
espera. Faz uma cara de assustado e corre, olhando para trás ocasionalmente,
e eu corro atrás, ignorando todos ao meu redor, o pedindo para parar. Qual a
merda do nome dele?
— Não corre! A gente se conheceu em Las Vegas! — grito, ofegante, para
que ele me escute.
Mas ele não para e nem me escuta, só corre comigo atrás, agora entre os
carros, atravessando para o outro lado, até que não consigo mais e desisto,
sem ar, esbaforida e esgotada. Nem a esteira me cansa tanto, mas também, de
saltos!
Viro para trás e encontro Dante curvado, com a mão na barriga, gargalhando
escandalosamente a ponto de fazer caretas. Tento me recompor, arrumando
meus cabelos, frustrada por ele ter fugido de mim sem necessidade alguma.
Eu não o assustei, apenas o chamei e atravessei rapidamente. Que mico
desgraçado! Que raiva! Se ele não quer o anel de volta, não posso fazer nada!
— Dá para parar?! — Chego até Dante, irritadíssima, alinhando meu vestido.
— Você... — sem ar, ele continua gargalhando. — Pera... Só faltou tocar
aquela música para fazer uma trilha sonora perfeita: Não finja que eu não tô
falando com você, eu tô parado no meio da rua, eu tô entrando no meio dos
carros...
Ele, sem ar, suspira e tem outra crise de riso logo em seguida, curvando-se
mais uma vez com os olhos lacrimejando e já sem conseguir emitir qualquer
som de riso, apenas se debate apoiado no ferro de proteção. Tudo isso no
meio da ciclovia da Avenida Paulista.
Por que tudo dá errado para mim? Ainda tenho que aturar essa anta sem ar
fazendo respiração cachorrinho por uma situação em que ele está incluso!
— Chega, Dante!
Tento minimizar essa situação deplorável que passei e sigo andando; ele logo
corre para o meu lado.
— Não fica brava, vai. Aprende a rir também, Miranda. Foi engraçado.
— Não achei graça alguma, só estou frustrada — suspiro externando meus
sentimentos. — Tá tudo errado!
— Foi só um desacerto.
Dou um muxoxo, resignada. Será que esse ano eu poderei tirar férias? Os
últimos acontecimentos estão me deixando num nível altíssimo de estresse e
numa irritabilidade que me dá enxaqueca todo santo dia.
Minha vida está uma bagunça e parece que não voltará nunca para o lugar,
me sinto perdida!
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET
O dia está cada vez pior e mal começou, a tendência da semana é só piorar.
Assim que cheguei, fui avisada que minha diretora financeira quer uma
reunião emergencial comigo ainda pela manhã, e logo estranhei. Em seguida,
fui solicitada à sala do meu pai, com Dante, e foi só frustração e irritação de
ambas as partes. Problemas, como sempre, que às vezes nem é culpa
totalmente minha, mas acaba sendo de qualquer forma, já que terei de
resolver imediatamente.
Motivo: saímos nas notícias como “casal frio” por causa do nosso almoço de
ontem, onde nós dois estávamos nos evitando. E agora estão surgindo várias
especulações sobre o fim do casamento, casamento fake para chamar atenção
para a empresa e tudo que se possa imaginar. Traçaram até meu histórico de
relacionamentos, mesmo eu sendo sempre muito discreta nos meus casos,
afinal, namoro sério nunca tive, a empresa consome completamente minha
rotina, no máximo são casos de meses.
Aproveitou o assunto e quis saber como anda o processo de divórcio e
atribuiu as atualizações a Dante, afinal, ele é quem está vendo isso. Foi
sucinto sobre o processo de anulação. E eu senti, a cada pergunta que ele
fazia sobre a convivência, que era apenas com receio de vazar algo, para
manter seu controle, sequer me perguntou se estou conseguindo lidar, que
não está fácil, vale ressaltar. E era nítida a sua raiva quanto a esse deslize
meu. Ele ainda não me perdoou e isso me frustra.
Deixei-o a par que a reunião não aconteceu no horário do almoço. E saímos
de lá com uma ordem clara para fingirmos melhor. E agora, enquanto eu
estava disposta a me concentrar em fazer algo útil, sou interrompida pela
minha secretária avisando que Dante quer falar comigo com urgência. Hoje é
o dia da urgência!
Libero sua passagem e, esbaforido, ele adentra no ambiente enquanto eu pego
meu café recém-preparado.
— Miranda, você tá sabendo sobre essa abertura de capital? Setenta por cento
da empresa será ofertada no mercado.
— O quê? — cuspo meu café no chão e praguejo pela bagunça. — Droga!
Como assim, Dante?
— Eu também não entendi esse plano. Eu, como diretor jurídico, tenho que
alertar que isso pode ser um tiro no pé. Abertura de capital é bom, mas nessa
proporção pode ser um declínio para vocês perderem a voz ativa na empresa,
isso é praticamente uma venda. Se alguém cobrir a oferta toda, Amonet é
deles. — Senta à minha frente com uma resma de documentos, praticamente.
— Me explica com calma para eu entender. — Com a mão na testa,
massageando, sento na minha cadeira, levemente hiperativa pelo susto, e
beberico meu café com mais calma. — Acabei de sair da sala dele e não
comentou nada.
— Seu pai pediu relatórios financeiros e jurídicos na semana passada, e agora
estou vendo que ele está com esses planos, só não sabia que seriam setenta
por cento, já temos vinte por cento no capital aberto. Isso prejudica o preço
das ações, se começarem a vendê-las em grandes quantidades, uma vez que
isso poderia ser visto como falta de confiança de suas partes. E, cara, é
setenta por cento, mais vinte aberto, sobre apenas dez para vocês, vai sair do
majoritário para se tornar minoria.
Descrente, tento entender essa loucura que meu pai está pensando em fazer
sem sequer me avisar. Ele tinha que me comunicar isso, expor para mim os
motivos para tal ação radical e saber minha opinião, no mínimo, antes de
querer pôr em prática. Eu tenho o direito de saber! Preciso decidir se quero
isso!
— Eu não estou sabendo disso, eu preciso conversar com meu pai. Isso é um
tiro no pé, sequer precisa ser mestre de economia para saber que isso é um
absurdo. Setenta por cento? É praticamente a empresa todinha.
Somos interrompidos por Louise, minha diretora financeira, que já estava
aqui para a reunião emergencial. Ela adentra um pouco desajustada ao ver
que estamos aqui sozinhos, mas logo despejo para cima o problema para que
ela fique ciente.
— Eu também não trago boas notícias, Miranda. Mas talvez seja a explicação
dessa ação. — Suas palavras me deixam temerosa.
— Que notícias, Louise? — Aponto para a cadeira ao lado de Dante, que foi
servir o café para ela. Para aguentar um pepino desses tem que ter muita
cafeína na veia.
— Amonet, os gráficos de venda estão baixíssimos. A última coleção... —
Ela faz cara de pesar e eu suspiro. — Estamos perdendo para a concorrente
bem mais nova no mercado em praticamente todos os estados. Se continuar
assim...
— Deixa ver isso. — Estendo a mão para analisar de perto suas informações
no tablet.
Realmente, os gráficos estão vergonhosos e tenho que mudar isso enquanto
não sai nada na mídia, senão a empresa vai se desvalorizar e quebrar, e
seremos obrigados a fechar as portas.
— Você me manda uma cópia, Louise, por favor. Quero analisar de perto...
— peço preocupada, perdida e... triste.
Ela concorda e olho de perto novamente no seu tablet. A empresa não pode
falir e nem ser vendida, isso não tem que ser a solução... Não posso deixar
que aconteça!
— Vocês... poderiam me deixar sozinha? Agora não consigo participar de
reunião alguma, primeiro preciso entender o problema para debater soluções.
Eles, ao me verem claramente desalinhada, acatam meu pedido. E, ao saírem,
peço à minha secretária que não quero ser interrompida por nada. Espero o
anexo que pedi a Louise para tentar me situar.
O último lançamento não foi bom, tem empresa mais nova que viralizou de
repente, chegaram num conceito completamente inovador, até as famosas
blogueiras estão no pé e é horrível essa sensação de não estar agradando seu
público. Isso fez com que a Amonet perdesse uma grande porcentagem
esperada nas vendas.
O arquivo chega e eu abro mais que rapidamente. Minha luz é a próxima
coleção, ela terá que nos manter em pé. Analiso com calma cada cidade, as
que estão mais críticas e as medianas. E eu achando que Minas era a única
que estava com esse problema!
Se ela quebrar eu não sei o que fazer da minha vida. Eu cresci dentro dessa
empresa, almejando prosseguir, porque eu amo demais o que eu faço, apesar
de tudo. Ligo para o ramal do meu pai, mas a sua secretária apenas me avisa
que ele não quer ser interrompido porque está numa reunião importantíssima
e isso me empatou de certa forma o resto do dia, porque antes de qualquer
ação eu preciso conversar com ele e esclarecer isso, mas ele não me atendeu a
tarde inteira, pelo mesmo motivo da manhã.
Depois do expediente, segui para a academia para extravasar um pouco, mas
mal consegui treinar, enrolei mais que qualquer coisa, então encontro Cíntia
lá e decidimos jantar juntas no restaurante próximo à sua casa, no Pinheiros.
A ideia inicial era passar no mercado municipal para preparar nós mesmas
nossa comida, mas pela felicidade de Cíntia ao perceber que pelo horário já
estaria fechado, notei que ela não estava a fim de cozinhar. Ela odeia preparar
comida e eu já deveria ter me acostumado com isso.
Seguimos para um restaurante.
Eu raramente venho para o lado de cá, mas gosto. O bairro combina
perfeitamente com ela, cafés descolados e galerias modernas. Nosso maior
ponto em comum. Falar sobre artes, qualquer que seja, poema, escultura ou
peças teatrais. Aprendemos a apreciar com minha mãe, grande fã desses
programas.
Nossa primeira viagem internacional foi a Paris e, com ela, conheci os
museus Rodin e o Louvre que ela tanto falava e lembro até hoje do seu sorriso
ao ver que ficamos encantadas por tudo, até pelo teto de vidro. Meu coração
aquece ao lembrar da sua calma com Cíntia, que ficou apavorada com o
quadro da Mona Lisa, pelo fato da boca dela mudar de acordo com o ângulo
ou distância que é visto. Lembro das nossas gargalhadas porque Cíntia ficou
rindo pela escultura Vênus de Milos não ter braços e hoje é uma das suas
favoritas. E de qualquer outra obra que vimos com pessoas nuas. De longe
foram nossas melhores férias. Ela amava o Da Vinci como amava o William
Shakespeare, não é à toa que me chamo Miranda, o nome que ele criou para
uma personagem de uma peça que era a sua favorita.
Cindy é doida e adora uma festa e bares, mas se deixar ela fala sobre
esculturas, arte renascentista, expressionista e surrealista por horas, sua maior
paixão. Não é à toa que é artista plástica e sua casa parece uma exposição, de
tanta coisa alternativa que ela decora. Tem até uma tatuagem minimalista de
Salvador Dalí com seu bigode icônico, e as pessoas acham que é por causa da
série La Casa de Papel, e isso é a mesma coisa que matá-la.
Lembro como se fosse hoje. Quando minha mãe percebeu o talento de Cíntia
para a arte, ficou toda orgulhosa e prometeu que pagaria seus estudos ou
qualquer especialização fora do país, se quisesse. Era mais parecida com
minha mãe do que eu, às vezes.
O sonho de Cíntia é consumir a França e toda a sua cultura antes de abrir sua
própria galeria de arte. Até tentei convencê-la a ser sua investidora nesse
sonho, mas ela sempre me enrola e muda de assunto.
Cíntia dá um contraste enorme na minha vida, ela é cor e agitação, eu já sou
mais reservada e cautelosa. Nossas vidas são imensamente diferentes, mas a
amizade instantânea foi inevitável desde o primeiro colegial e somos mais
grudadas que chiclete.
Ela me arrastou para um dos bistrôs agradáveis da região do Baixo Pinheiros
e parecia conhecer o local descontraído, que conta com um bar disputado, já
que todo mundo sabe da fama dos drinks deliciosos e seus petiscos de dar
água na boca. Palavras de Cíntia.
— Ele ainda teve a façanha de ficar cantando Marília Mendonça enquanto se
entalava com o próprio riso. Antes tivesse sufocado de uma vez.
Indignada, conto à minha melhor amiga o acontecimento de ontem. Mas ela
gargalha, parando de comer. Tento me manter indiferente, vendo que ela é
farinha do mesmo saco que Dante.
— Eu estou imaginando você, Miranda Moraes, sucinta que não desce do
salto jamais, correndo desesperadamente em meio à Avenida Paulista atrás de
um cara que não sabe o nome, que por um acaso está correndo também.
Sua gargalhada se torna engraçada e acabo rindo, mesmo tentando me manter
impassível diante da esmagadora vergonha que passei.
— Eu fiquei muito irritada por não o ter alcançado, qual a probabilidade de
reencontrá-lo? — Massageio minhas têmporas, com a enxaqueca se
instalando novamente.
— O anel é maravilhoso. Se pelo vídeo viu que não foi roubado, para que
esse desespero para ir atrás dele? — Pega minha mão para olhar mais uma
vez o anel. — Eu tô amando a relação doida de vocês.
— Sei lá. — Dou de ombros. — Só você que tá gostando.
— Por que está assim, apática, amiga?
— Não sei, estou passando estresse lá na empresa. Problemas financeiros. Se
continuar vai ser horrível, meu pai já quer abrir oferta de setenta por cento da
empresa — suspiro ao lembrar do problemão que preciso resolver.
— Ai, não acredito... — Põe a mão na boca, chocada, assim como fiquei.
— Mas quero que me conte coisas suas.
— Também não está às mil maravilhas. Mamãe me ligou, está doente. Estou
embarcando amanhã para Atibaia.
— Está com o quê? — indago preocupada.
Dona Rita por muitas vezes foi uma mãe para mim, minha referência
materna, até ia como minha acompanhante no Dia das Mães no colégio
quando não tinha mais a minha.
— Doencinha de velho, liga não. Vou só para ela desacelerar mesmo, porque
o médico pediu repouso e se ela ficar sozinha vai até querer varrer o telhado.
Rimos, porque ela é igualzinha à filha que fala. Agitada, mal para quieta por
muito tempo.
— Avisa a ela que eu mandei melhoras e se precisar de alguma coisa pode
me avisar, Cindy. Se eu soubesse comprava algo para você mandar como
uma lembrança minha.
Jantamos conversando amenidades e a deixo no seu apartamento. Chegando
no meu, encontro Dante na sala, assistindo à TV.
— Marilia Mendonça tá diferente hoje, né? — solta uma piadinha, mas nem
tenho vontade de rebater.
— Boa noite, Dante. Vou dormir. — sem clima, aviso seguindo direto para as
escadas. Me sinto imensamente sobrecarregada, nem o jantar foi capaz de me
renovar, apenas quero ficar quieta por um momento.
— Que foi? — Une as sobrancelhas.
— Cansaço e preocupação.
Subo para meu quarto, indo direto para debaixo das cobertas depois de trocar
de roupa, afinal, tomei banho na academia antes de sair para jantar. Tomo um
comprimido e, antes de dormir, listo mentalmente meus afazeres de amanhã,
que não serão poucos.
Estou morta de enxaqueca com esse turbilhão que foi hoje.
DANTE
Temperamento tenso. Facilmente se irrita, sempre centrada e um tanto
analítica. Desconfiada ao extremo, odeia sair da sua rotina e está sempre
apressada. E tem uma mania insuportável de limpeza e organização. É assim
que qualquer um que passa mais que dois dias com ela define Miranda, eu
inclusive, mas isso mudou um pouco depois da nossa discussão anteontem e
ela jogou aos ventos suas frustrações.
E percebi o motivo de sempre andar assim, tensa, é muita cobrança e ela
simplesmente explodiu, o que era de se esperar quando viu a empresa pela
qual se dedica com unhas e dentes, declinando dessa forma, precisando de
uma resposta urgente.
E ela é muito prática e eficiente, senta e reflete e já achou uma possível
solução, e não saiu dessa loucura sem uma resposta plausível. Está desde a
manhã resolvendo problemas para pôr essa nova coleção na fábrica até
semana que vem. Já está com o conceito todo pronto, sequer dormiu de
ontem para hoje para colocar as ideias no lugar. Se dormiu três horas foi
muito.
Para definir Miranda, eu apenas acrescentaria mal-humorada, evidentemente,
mas no fundo só quer corresponder expectativas. Crítica, perfeccionista e
exigente, mas uma trabalhadora exemplar que sempre está procurando se
superar. Bastante calculista, dosa os prós e contras de toda situação. Às vezes
é defeito, às vezes é qualidade.
Mas conviver com ela e seu temperamento é difícil porque eu gosto de
simplicidade, humor e leveza. Eu gosto de piadas e sou comunicativo, e
Miranda vive séria e mal-humorada, sempre preocupada, na verdade. Eu amo
fastfood e podrão e ela come comida natureba, salada e requeijão light!
Cheia de não-me-toques alimentares! Eu gosto de músicas agitadas, e ela de
alternativo, soul e jazz. Ela é requintada e vive tensa e eu taco o foda-se e
adoro uma boa putaria e falar besteiras!
E é engraçado falar que agora é minha esposa. Só a cachaça mesmo para me
fazer cometer uma loucura dessas. É muito irreal estar casado justamente com
a dondoca fresca da Miranda. Puta falta de sorte! Logo eu, que prefiro
aproveitar a vida ao máximo e conhecer várias pessoas. Jamais imaginaria
ficar preso a uma relação, principalmente a nossa. Inimigos coloridos, parece
até piada.
Ela se move graciosamente num salto enorme enquanto trabalha para lá e
para cá, e parece um manequim de revista chique, de tanto exercício físico e
dietas desnecessárias. É engraçado esse seu jeito, ela pode falar que não, mas
é muito dondoca a forma como se arruma, numa mistura estilosa e fina. Cheia
de anéis, batom vermelho, argolas grandes, além das roupas bufantes, como
uma blusa de seda que veste agora.
Miranda tem um estilo descolado e elegante, com um toque de sensualidade
que só ela consegue ter. Parece sempre pronta para estampar capas de
revista. Tem um jeito de mulher fatal da década passada quando põe vestido,
principalmente decotado. Quando está sentada de pernas cruzadas, só falta
um cigarro para parecer uma chefe de gangue rica.
Mas, além de ser sensual, não posso mentir sobre isso, tem beijos muito bons,
devo admitir. E sei também que esse requinte todo acaba entre quatro
paredes, fica uma safada louca que gosta de apertar bunda alheia com suas
unhas afiadas. Gosta também de beijos gulosos e chupadas sacanas, e esse
corpinho magro aguenta uma investida forte com uma cara de safada como
nenhuma outra. Apesar de ser uma mulher magra, ela tem uma bunda bem
gostosa.
Ela arruma a franja pela milésima vez em um minuto, mostrando claramente
a sua tensão. Observo suas expressões conforme as engrenagens trabalham
em sua mente, escutando o que as outras pessoas têm a falar, e sei que está
tentando resolver esse problema ainda hoje.
Estou convivendo com ela tempo o suficiente para perceber suas manias
chatas. Mas a que mais me irrita é o fato de não misturar a comida no prato.
Oh, raiva que me dá. Pega um pouco de cada, arruma no prato e tem que ficar
cada um no seu canto. E come uma coisa por vez, segunda ela, para sentir o
sabor. É um verdadeiro ritual chato. Vontade de chegar lá e bagunçar de uma
vez. Muito fresca! Engraçado que no fastfood mela a batata frita no
milkshake antes de comer. Vai entender!
Já planejou mil coisas e está quase no final do expediente, não parou um
segundo sequer e almoçou aqui em pé na sala, esperando um arquivo chegar.
Se não fosse eu a trazer algo para comer, estaria em jejum até agora. Ela está
focando nos eventos midiáticos, já que o marketing tem que ser efetivo e
assertivo. E para ser sincero: eu quero muito ver o senhor Moraes quebrar a
cara com a própria filha, será um prazer pessoal pelo seu jeito ditador e pé no
saco. Velhote chato!
Estou começando a me incomodar pela forma como ele a trata, antes passava
despercebido porque nos encontrávamos apenas nas reuniões ou em corredor,
e ela fazia questão de se manter indiferente a mim, desde que eu entrei aqui
na empresa. Sempre a enxerguei como o chaveirinho do pai, típica mocinha
que só trabalha porque é na empresa da família, porque ela vivia
acompanhada dele e sempre acatando suas ordens, lembro que quando a
conheci foi exatamente assim, ao lado de Benício. Estava gostosa, não posso
negar, mas foi superintrigante. Mas depois dessa viagem consigo enxergá-la
muito além disso, apesar de continuar chata e irritante, fingindo não se abalar
com nada à sua volta, mas identifico que é só uma mulher que se sente com
emoções e opiniões invalidadas a todo momento, mesmo fingindo que não. E
assim que demos a última reunião do dia por encerrada, decidimos sair para
jantar em um restaurante próximo, porque nenhum de nós estava com
vontade de cozinhar em casa, e é mais fácil pedir o que queremos e nem lavar
louça. E é até estranho isso, nós dois saindo para jantar por escolha, mas até
que hoje foi um dia tranquilo para nós, apesar da tensão no trabalho.
— Vamos, esposa — provoco. É impossível saber que ela se irrita fácil e não
fazer nada. Vejo sua expressão carrancuda aparecer num biquinho engraçado
na boca pequena, tentando soar intimidadora.
— Cala a boca, maldito!
Seguimos para o elevador e não consigo impedir o sorrisinho que curva meus
lábios; gargalho, vendo que a Miranda de antes voltou. Além disso tudo que
falei, eu gosto do lado feroz de sua personalidade. Ela fica ainda mais sexy
brava, ou pelo menos tentando parecer.
Finco minha unha na sua pele e travo meus pés por trás da sua cintura, como
apoio, sentindo-o bater e voltar com vigor; ele reivindica firme o espaço que
não é dele, me fazendo delirar. Sinto seus apertões em várias áreas do meu
corpo, tornando tudo mais torturante. Todo o momento é excitante e me deixa
cada vez mais fora de mim, pelo atrito, sensações e suas expressões cretinas e
safadas a cada investida gostosa.
DANTE
Adentro no loft vazio e escuro e deixo minhas coisas no aparador, seguindo
até a cozinha para preparar nosso jantar. Deve estar presa na empresa e vai
voltar faminta. Para quem comia salada e coisas light, Miranda anda com um
apetite imenso. Me amaldiçoa quando lhe entrego um prato de macarronada,
mas acaba comendo.
Ela nega que come a mesma quantidade, que é bem menos por ser gorduroso,
mas sabemos que é caô. Disposto a alimentar minha graciosa Pandinha,
arregaço as mangas. E que ela jamais escute meus pensamentos.
Minha ficha ainda não caiu que eu sou um homem casado, mas gosto de ter
sido enlaçado por essa doida. Ela soube como me conquistar com suas
safadezas, porque aquela ali só enganava o padrasto, maior devassa que adora
uma mão firme no cabelo e tapa na bunda. Que não escute isso também.
Gosto exatamente por ser assim. Uma mulher que mais parece uma garotinha
tão pura no meu colo quando expõe suas dores e inseguranças, mas também é
gostosa e sem pudor, que às vezes eu até me surpreendo com sua selvageria.
Miranda só precisava de amor e compreensão. E eu gosto de ser a pessoa que
ela procura para ser ambas. Um dia inteiro longe dela e senti feito um filho da
puta. Eu gosto dessa mulher, talvez mais do que deveria depois de tão pouco
tempo, e turbulento como tudo foi, isso ainda me assusta e muito. Mas é bom,
eu gosto.
Meu pai até tirou sarro de mim, vejam só, porque eu estava falando sobre ela
e nossa convivência. Contei a ele sobre como começou, que casamos
bêbados, mas que agora estávamos juntos de verdade. Tive que contar, não
iria mentir pro velho. Analisou a situação e, descrente que é, disse que é
assim que começam os relacionamentos “hoje em dia”. Eu expliquei
exatamente o que aconteceu para estarmos hoje juntos de verdade. Ele riu em
seguida e disse: bem feito. Achou que estava muito solto “nessa capital” e já
estava mais que na hora de eu ter parado de vadiagem, já que estou com vinte
e oito anos e que nessa idade ele já era pai. E que mais que nunca queria
conhecer Miranda.
Com o jantar quase pronto e eu pondo a mesa, porque eu sou do lar e ai de
vocês que neguem! Ela aparece, com roupa de ginástica, vindo até mim em
passos duros. Vou para lhe abraçar, mas ela me empurra, mostrando uma cara
enraivecida e pálida. Tão bonita e tão meiga!
— Eu te odeio, Dante Barcellos! — esbraveja.
— O que eu fiz? — pergunto confuso.
— Seu Maldito! Você me engravidou, Dante!
— Nada a ver — nego efusivamente, já sem sentir uma pulsação no peito.
— É sério, eu estou grávida. Quatro meses, Dante. Quatro! Quatro!!! Eu
precisei invadir o consultório da minha ginecologista, Dante, e pedir para me
examinar, porque todo mundo estava me achando diferente!
— Não! — casualmente respondo como se ela estivesse me perguntando
alguma coisa, e não afirmando.
Tento pôr minha cabeça no lugar, tentando assimilar, e ela espontaneamente
cai num choro desesperado.
— Sim! E eu aposto que foi em Vegas, seu desgraçado! Estávamos bêbados o
suficiente para não usar e esquecer desse fato! Eu te odeio, Dante!
Ela joga três testes de gravidez em mim, aos prantos. E eu continuo a olhá-la
sem conseguir esboçar reação alguma. Estou descrente e atônito o suficiente
para ver Miranda se descabelar e não conseguir contê-la.
“Tomara que torça para o Corinthians.”
É a única coisa que vem na minha cabeça, porque sou um lesado que só
consigo gostar da ideia de ser pai de um filho dela, mas também estou com
um medo do caralho. Muito medo. Olho um dos exames que consegui pegar.
É eletrônico e mostra por semanas. Sinto meus membros pesarem, ponho a
mão na boca tendo cada vez mais o coração acelerado. Se errar uma batida
ela fica viúva.
— Você não vai falar nada?! — ela grita desesperada.
— Então é por isso que está comendo e dormindo feito um panda? — divago.
— Então mentiu quando disse aquele dia que estava no sinal vermelho?
— É isso que você tem para me falar, Maldito?! É isso?
Eu me aproximo dela sem me preocupar se pareço com um homem das
cavernas louco, porque percebo que preciso estar perto para expressar
claramente o que estou sentindo nesse momento. Ela dá um empurrão fraco
no meu peito, o que só me faz abraçá-la mais forte e ela finalmente cede, me
agarrando com firmeza pela camisa.
— Eu te amo, Miranda! — De repente eufórico, mal conseguindo conter o
sorriso largo, a abraço apertado. — Te amo pra caralho! Essa criança
receberá um amor imenso!
— Vai, e eu estou desesperada! — choraminga manhosa no meu peito. —
Por que tudo tinha que ser assim, tão doido? E eu estou sim menstruando, o
que é mais inacreditável!
— É isso que torna tudo tão bom do jeito que é.
Sorri com aquela reação tão pura e genuína. Fazia um bom tempo que eu não
tinha uma demonstração tão aberta de felicidade e deleite.
— Te amo, seu maldito! Se você continuar a ser fofo desse jeito eu vou ser
obrigada a te beijar, sinto muito.
Sorrio, limpando seus olhos e percebendo que ela está tão intensa quanto os
sentimentos que estou tendo. Deixei meus lábios a milímetros dos dela como
um aviso de que eu a beijaria imediatamente, e ela é quem toma a atitude de
colar nossas bocas. Caralho, eu vou ser pai! É tudo louco e mágico, as pernas
estão tremendo como nunca. Mal posso aguardar para essa mais nova loucura
com ela!
Tem relacionamento que simplesmente acontece para abalar as estruturas, eu
não sei por que nosso amor nasceu de forma tão louca e inesperada, já que
nos conhecemos há alguns anos. Eu baguncei a vida dela e ela a minha no
início. Um completo desastre. Mas está sendo tão bom, somos tão intensos
juntos, e estou falando de sentimentos, de pele e alma mesmo. De vivenciar
tudo tão urgente que nos sentimos atropelados e quando menos esperamos,
estamos com corações a galopes, querendo estar juntos o tempo inteiro, nos
declarando, logo eu que achei isso sempre tão brega e zoava meus amigos. Eu
fui enlaçado por uma nervosinha mal-humorada e gosto de ser dela.
E eu quero que nosso bebê nasça com o seu sorriso, exatamente igual ao que
estou vendo agora quando finalizamos o beijo. Eu definitivamente amo essa
mulher que se tornou tão minha, fui seduzido tão naturalmente que sequer
percebi. Me enlaçou pelos detalhes tão delas que aposto que sequer imagina.
Também sou completamente apaixonado pela mulher que está se tornando a
cada dia. Caralho, meu pau endurece só com essas lembranças dela como
mulher fatal e por ser minha própria chefe. Tem noção? Eu transo com a
minha chefe e na sala dela, se eu a beijar no lugar certo. Adoro seu biquinho
quando não está entendendo nada ou quando está nervosinha, ou seu jeito de
menina carente quando vem sorrateira me abraçar à noite, querendo atenção e
carinho, ou como agora, me abraçando apertado, confiando em mim que tudo
vai dar certo, por mais medo que esteja dessa novidade. E isso me deixa com
ainda mais vontade de lhe abraçar e cuidar, porque o resto é pouca coisa
diante de tudo isso. Bebi demais e me embriaguei de amor, literalmente. E eu
gosto de estar entorpecido dela.
CONDADO DE MOHAVE, ARIZONA | GRAND CANYON
NATIONAL PARK
MIRANDA
De volta onde tudo começou.
Não exatamente no mesmo lugar, mas perto, especificamente a duzentos
quilômetros de Las Vegas. Nunca imaginei que um dia estaria aqui, diante
desse lugar esplêndido, prestes a me casar pela segunda vez com o mesmo
descarado.
Decidimos renovar nossos votos mesmo com pouco tempo de casados, para
fazer certo dessa vez e eu poder me casar de branco, já que na primeira vez
casei de vestido preto tubinho. É obvio que não poderia faltar o precioso
buquê de rosas.
Dessa vez Cíntia está presente como tinha que estar, assim como o pai de
Dante, alguns amigos íntimos nossos, e Mari e Evan, que ficaram muito
próximos. Vieram poucas pessoas pelo fato de eu perceber que não sou muito
social, apesar de parecer que sim. Preferimos uma cerimônia bem íntima.
O local escolhido foi nada mais, nada menos que o Grand Canyon. O local
com uma das vistas mais espetaculares do universo e uma paisagem natural
de rara beleza. Estou imensamente encantada pelas diversas cores em sua
composição pelo sol estar se pondo, e meu estômago revira em ver essa
magia natural. Um dos lugares mais impressionantes do mundo de tão perto,
ou é apenas meu bebê mexendo.
Tivemos um dia louco desde que acordamos. Noite passada fomos nos
divertir, eu fiquei sóbria por conta da nossa pequena Melissa. Foi Dante
quem preferiu pôr o nominho dela, o da minha mãe, e eu me desmanchei em
lágrimas a noite inteira. Mas, antes, ele queria pôr Corinthienzo se fosse
menino, e eu descartei essa hipótese imediatamente. Já pensou que horror?
A noite foi incrível, foi nossa despedida de solteiro, percorremos a cidade de
Las Vegas e ainda tiramos foto em frente ao icônico letreiro luminoso:
‘’Welcome to Fabulous Las Vegas’’.
Cindy ficou dez vezes bêbada e ficou pendurada num francês de sotaque
carregado e sorriso safado. Acordaram juntos, inclusive, e veio me ligar
desesperada que não lembrava metade das aulas do Fisk para se comunicar
com o homem.
Hoje tivemos um ótimo dia. Viemos de Vegas numa limusine até o heliporto
da cidade, e de helicóptero para nos trazer aqui em cima. Ao final da
cerimônia vai nos levar ao um tour pela cidade para festejarmos lá dentro. Eu
estou um nojo!
Tudo parece cena de filme, o cenário é tão lindo e radiante que beira ao
brega. Mas nem ligo, os excessos são mais que bem-vindos nesta peculiar
metrópole. Dessa vez, o ilustre Elvis, que não é o anão, está aqui como um
dos padrinhos e não o cerimonialista. Até achamos uma Amy Winehouse para
ser seu par.
Meu marido está perfeito, dessa vez vestido a caráter, de terno bordô
perfeitamente alinhado. E, caramba, como está gostoso! Já repararam que
mesmo que não queira, quando se olha para uma pessoa por quem está
apaixonada, fica admirando cada pedacinho dela e se apaixona ainda mais?
Seu sorriso me deixa de pernas bambas como sempre e solto o ar aos poucos,
quando ele abre a boca para expressar seus votos. Um sorriso confiante, junto
com aquele olhar arrogante que ainda é o mesmo de sempre, apesar de me
amar. Não irá mudar nunca, eu sei e nem quero que mude.
— Eu não tenho nada especial para afirmar que já não tenha lhe dito antes,
mas se eu soubesse que tudo acabaria assim, teria lhe arrastado para cá antes.
Eu te amo, Miranda, e só precisa saber disso, que esse sentimento só cresce.
Homem assumidamente apaixonado é a coisa mais linda que se possa existir!
Nosso relacionamento começou na bebida, sabemos, num completo desastre,
mas os sentimentos mesmo, começaram com admiração e eu gosto muito de
constatar isso. Que nos apaixonamos a partir disso, de começar a contar um
com o outro e, sem nem nos darmos conta, estávamos envolvidos, amarrados
num nó que, mesmo que quiséssemos, não conseguiríamos desatar
facilmente.
— Eu me sinto sortuda por ser justamente você quem meu coração escolheu.
Dentre todas as incertezas da minha vida, a melhor foi saber que sou
correspondida por uma pessoa tão singular e especial, com uma simplicidade
intrigante . Por um homem que sempre tem os braços abertos, um refúgio
para mim, a quem digo tudo que penso sem medo, que no olhar vejo a todo
momento o quanto me ama. O homem que quis ser minha família.
Sinto a lágrima cair na minha bochecha, mas meu sorriso sequer sai do rosto.
A felicidade é como uma pequena borboleta. Encantadora, e chega quando
menos esperamos. Eu gosto muito de borboletas e elas estão na maioria do
tempo se abrigando no meu estômago.
Nossos lábios se unem num toque intenso e apaixonado, sem nem esperar
deixa, apenas escutamos nos declarar casados mais uma vez.
Eu hoje afirmo que sou uma mulher que, finalmente e de bom grado,
entregou sua vida aos pés da felicidade plena. Que fui tocada tão
profundamente por um amor tão puro e acidental. E o melhor de tudo,
recíproco, que nenhum outro importa. Dante quis ser meu lar, me deixou
habitar nele, como está habitando em mim. Eu, de certa forma, mesmo com
Cindy no meu enlaço sempre, me sentia sozinha, certas vezes perdida, mas
quando assumi nossos sentimentos percebi quão acolhida eu me sentia com
ele. Nele achei um destino certo: saber que pertenço finalmente a um lugar e
a alguém, sem medo de ser abandonada por ser eu mesma.
Existem momentos que nos marcam para o resto de nossas vidas. Existem
sorrisos que arrepiam até a alma! Existem abraços que reconfortam. No meu
caso, isso tudo está na mesma pessoa. Um maldito descarado que entrou na
minha vida e a transformou num completo desastre. Um belo e maldito
desastre.
É teimoso a ponto de não querer sair jamais. E nem quero que saia.
Engraçado que eu nem estava procurando relacionamentos quando tudo
começou, em momento algum me ouviram falar sobre namoro ou casamento.
Marido ou namorado, ou qualquer coisa do gênero, porque sequer estava
numa lista de prioridades, e Dante facilmente chegou e ficou e eu não ouso
me livrar desse descarado que me amarrou e que me deixa com borboletas no
estômago e coração aquecido.
E daí que eu casei bêbada em Las Vegas aos vinte e quatro anos com o cara
que eu não suportava? Tudo apontava para o fracasso, mas
surpreendentemente fluiu, algo no meio do caminho mudou e fez com que
tudo desse certo e eu estou satisfeita com o giro que minha vida deu.
Dante continua o mesmo cara de antes, que me aterroriza dia e noite com
suas piadinhas e implicâncias, bagunceiro em níveis insuportáveis, um
verdadeiro cachorro louco, mas o que realmente o tornou cativante a ponto de
me sentir apaixonada foi a simplicidade de seus atos, seu jeito doce ao cuidar
de mim e sua parceria quando me vi sozinha para lidar com tudo, quando
decidi deixar a imaturidade, o medo e a fraqueza de lado e ser mulher e
assumir as rédeas da minha vida. O melhor desastre que cometi foi casar com
ele. Um maravilhoso e irresistível erro.
E, encarando aquele homem bem à minha frente, meu marido oficialmente, e
agora usando aliança para jamais esquecer desse detalhe e com os nossos
lábios próximos a ponto dos meus formigarem querendo outro beijo, constato
que ele não era absolutamente nada do que eu pensava que era, e se tornou
tudo que eu nunca soube que eu realmente precisava para complementar a
minha vida.
Não tinha certeza de como isso iria acabar. Os sentimentos foram florescendo
sem percebermos no meio de uma briga com meu padrasto, depois dele nos
castigar por estarmos na presença um do outro, mas, independente de como
chegamos aqui, chegamos satisfeitos e felizes. E percebi que não havia outro
lugar no mundo em que preferiríamos estar a não ser ao lado um do outro.
Completamente e duplamente amarrada a esse descarado.
BRASIL, SÃO PAULO | MATERNIDADE
DANTE
Por que ninguém me falou que o parto é tão aterrorizante? Por quê?
Não sei quem está mais apavorado, eu ou Miranda, que grita de uma forma
que meu sangue foge do corpo e o coração tenta pular pela boca, mas sempre
o engulo a seco.
O dia tão esperado praticamente chegou. Eu tenho que amar muito as duas
para estar aqui nessa sala de parto. Caralho, Melissa, justo no dia da final do
Brasileirão?
Miranda se esgoela novamente, apertando minha mão, e eu tento me
controlar e me conter em mim mesmo, para não berrar junto de puro
desespero. Está tudo à flor da pele, meu irmão! Nasce logo, Mel! Aposto que
é fresca igual à mãe para estar nessa demora, fazendo charminho.
Estou me tremendo da cabeça aos pés, parece que terei uma síncope a
qualquer momento. Minha mão é novamente esmagada e eu travo os dentes.
É para pôr força embaixo, Miranda, não na minha mão!
Suas faces estão avermelhadas e suadas pelo esforço de pôr a nossa bebê no
mundo. A gestação de Miranda foi tão gostosa que não me importaria de vê-
la grávida mais, sei lá, dez vezes. A barriga só cresceu na reta final, ficou
enorme, e os peitos então? Meus olhos chegam a brilhar, mesmo não
podendo chegar perto para não espirrar no meu olho, como na primeira vez
que fui desavisado.
A médica a encoraja, papel que deveria ser meu, mas não consigo mover um
músculo facial, apenas a encaro contorcendo o rosto. Ensaiei várias palavras
para esse momento durante a gestação, mas todas fugiram da minha cabeça
quando ela desceu as escadas gritando, avisando que a bolsa tinha estourado.
Praticamente enfiei minha língua no meu próprio rabo.
Sinto o chão sumir em câmera lenta, quando finalmente vejo minha filha
chorar de braços abertos. Caralho! Parece que estou assistindo ao meu Timão
ser campeão, de tão energizado que estou. E, caro leitor que resolveu saber da
minha vida e estamos contando até o que não deveríamos, isso não é
minimizar o nascimento dela, e sim mostrar que isso é tão bom quanto.
Parece que entrei num mundo paralelo ao vê-la assim, pela primeira vez. É
linda pra caralho! Porra, é a minha filha!
Sinto um verdadeiro misto de emoções e todas elas se enfrentam para saber
qual será a dominante. Talvez seja a satisfação, talvez seja a alegria
demasiada, ou melhor, com certeza o amor iminente no meu peito.
— O senhor está bem? Teve um rápido apagão. — Uma enfermeira
preocupada segura no meu ombro.
— Não, nada a ver. — Percebo que estou recostado no chão.
Caralho, como vim parar aqui?
Mano, eu realmente tive uma síncope?
De onde estou, escuto a gargalhada alta de Miranda ainda deitada na maca,
misturada com o choro de Mel, que foi para o colo da mãe. Não sei se é de
mim ou é uma forma dela externar seus sentimentos confusos. Talvez a
primeira hipótese. Estou definitivamente ferrado! Vive de cara amarrada, mas
rapidinho ela sabe rir de mim.
Horas mais tarde, mais acostumado com a ideia de ser pai, e mais calmo
também — pelo menos eu acho —, entretanto ainda completamente
apaixonado, vejo minha filhinha no colo da mãe, com a camisa do Timão,
claro, me matando de orgulho. Miranda não gostou muito de ver isso, de essa
ser a primeira roupa que ela usa. Eu trouxe sem ela saber e pedi para uma
enfermeira pôr, não tem roupa mais honrosa que o manto alvinegro.
— Me deixa ficar com ela um pouquinho, Mi — peço ansioso, mal me
contendo.
— Deixa-a terminar de mamar. — Sorri para mim, fazendo um carinho na
minha bochecha, e pego sua mão para beijar a palma. — Obrigada por toda
essa loucura em que enfiou a gente.
— Eu fiz tudo planejado, te amarrei de propósito. — Lanço uma piscadinha e
ela revira os olhos, prendendo o sorriso. — Eu também estou satisfeito com
tudo.
Melissa, ou Corinthielly, como eu a chamo secretamente, vem pro meu colo e
eu me apaixono cada mais por aquela pessoinha que já atrapalhou tanta foda
minha com a mãe, por falta de ar ou qualquer outra coisa incômoda. Caralho,
é a minha filha! E não é que, mesmo sendo inexperiente no ramo, eu fiz uma
criança linda pra porra? Quem diria que uma noite de bebedeira iria trazer
essa consequência tão linda?
Estou orgulhoso de ter feito essa pessoinha do meu colo que veste a camisa
igual à minha. Tão linda com essas bochechas gordas e fofas. Tem os olhos
da minha família, mas como suspeitava, fresca igual à mãe, porque começa a
chorar escandalosamente, abrindo os braços, assim que a aninho melhor no
meu colo. Ah, não, Corinthielly!
— Fresca! Pare de chorar que sou seu pai, eu que te fiz — decido ter uma
conversa séria com ela. — Se continuar, não vai para o Itaquerão comigo,
está ouvindo?
Mantêm o berreiro, me desafiando claramente. Que pequena desaforada!
Miranda ri, pedindo para que eu a entregue. Relutante, decido lhe dar para ver
se ela se acalma porque já está toda vermelha.
— Não faz isso com ela, amor. — Miranda, numa voz fofa, aninha ela no
peito novamente. Aos poucos se acalma, toda dengosa. Que fresca, nossa!
— Corinthielly, rejeitando seu próprio pai? — incrédulo, olho aquele
pinguinho de gente me encarando desafiadora com os olhos iguais aos meus.
Olha a soberania dessa pequena tirana!
Eu não tenho emocional nenhum para ser pai, ainda mais de menina, na
moral. Ainda mais dessa criança que com menos de três horas de nascida me
desafia claramente. O que vai ser de mim daqui para frente? E se ela decidir
torcer para o Palmeiras, ou pior, para o Flamengo! Que o universo me ajude
com essa Melissa desafiadora e fresca que nem Miranda. Espero que o futuro
Corinthenzo venha mais parecido comigo.
— Você a chamou de quê? — cética, Miranda indaga me olhando séria.
— Melissa, ué. — Sorrio disfarçando, sentando na ponta da cama.
— Dante, por favor, não me mate do coração, quando for registrar eu vou
com você — perfeitamente categórica.
— É Melissa, amor, se preocupa não. — A abraço por trás com cuidado
beijando seu pescoço e, com a mão esquerda, aliso a bochecha da nossa bebê
no seu colo, estou apaixonado demais por ela! — Pelo amor de Deus,
Melissa, duas frescas em casa eu não aguento, fala com ela, Miranda.
— Você é muito bobo, Dante. — Miranda ri, beijo-a novamente no pescoço e
ela se entorna todinha, arrepiada.
— Sou sortudo, isso sim!
Sorrio, beijando novamente seu pescoço e apoiando meu queixo ali próximo,
para assistir e curtir aquele momento gostoso e cheio de amor que nos deixa
leves e sorrindo à toa. Estou mais feliz do que achei que estaria nesse
momento, ultrapassou todas as minhas expectativas.
Jamais pensei que teria uma aproximação tão gostosa com a entojada da
empresa, mas que me fez enxergar e sentir tantas coisas que estavam bem
entre nós e sequer percebíamos. Encher seu saco era a forma que achei
inconscientemente para estar por perto.
— Fica comigo para sempre? Você fica? — Miranda pede, derretida e
apaixonada, com os olhos brilhantes, apesar das feições cansadas.
Como abandoná-las? É o pedido mais doido que já fez e olhe que ela teve
desejos bem duvidosos.
— Claro, amor. Eu te amo todos os dias, e não tem um momento que não
esteja pensando em ambas. Eu fui feito para amar vocês duas.
E como se o coração batesse mais forte do que nunca e a felicidade se
tornasse ainda mais viva, ela sorri amplamente para mim e constato que é
exatamente aqui que eu gostaria de estar. Para sempre. Eu definitivamente
amo a família que construí sem planejar, a melhor que eu poderia sonhar!
Irrevogavelmente, puxei a alavanca do caça-níquel da vida e ganhei a melhor
das recompensas!
Mayara Carvalho é uma baixinha soteropolitana viciada
em dendê que acredita que moqueca de peixe é a oitava
maravilha do mundo. Mesmo tendo um signo conhecido
como poucos sonhadores, encontrou na escrita a melhor
forma de se expressar enquanto se diverte, tornando isso a
melhor parte do seu dia. Tornou escritora a maioria de
comédia romântica porque gostaria de ver histórias com
narrativas leves e mocinhas mais decididas e confiantes. E
tem a missão de emancipar suas mocinhas em todos seus
romances.
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