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Copyright © 2020, Amarrada a um descarado

Direitos autorais Mayara Carvalho, criado no Brasil.

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Não é autorizada a cópia, distribuição comercial, republicações, total ou parcial em
qualquer meio sem autorização explicita da autora. A Violação dos direitos autorais é
crime estabelecida na lei n°. 9610/98 e punido pelo artigo 184 do código penal. O livro está
protegido pela lei e registro. Não distribua, respeito o trabalho alheio!
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da
vida real terá sido mera coincidência.
Versão única, março de 2020

Design da capa: Ellen Scolfeld


Diagramação: Mayara Carvalho
Imagem do miolo: Lídia Faria
Leitora beta: Dijeane Andrade
Revisão: Fabiano Jucá
As minhas #Megerinhas, por não
estarem sempre ao meu lado. Vocês são
imensamente preciosas! E a todos os
leitores que estão aqui prestigiando
mais um trabalho meu feito com muito
carinho e dedicação ou me conhecendo
agora. Obrigada!

Com carinho, Mayara Carvalho.


<3

Quer conversar diretamente comigo?


Será um imenso prazer!
REDES SOCIAIS
Mayaracarvalhoautora@gmail.com
https://www.instagram.com/escritoramayaracarvalho/
SINOPSE
Tão criteriosa com seus sapatos quanto com qualquer coisa na sua vida,
Miranda Moraes vive uma vida regrada a disciplina como herdeira e
executiva promissora na marca de calçados Amonet. Bem, até precisar viajar
para Las Vegas com Dante Barcellos: O insolente e impertinente diretor
jurídico da empresa a pessoa mais irritante que conhece.
O caos na sua ordem.
Como se não bastasse ter como passatempo favorito provocá-la, ele é o único
que consegue tirá-la dos eixos e atrair na mesma medida, mesmo jurando de
pé junto que não. E nem mesmo Dante imaginou as consequências que seu
provocação para Miranda na cidade do pecado teria na manhã seguinte,
depois de uma noite num cassino com bebidas desenfreadas, jogatina, apostas
e um anão vestido de Elvis Presley. Agora ela, a toda certinha, tem como
único desejo que o que acontecesse em Vegas, realmente ficasse em Vegas.
Preparem as malas e tragam suas moedas. Será fundamental ao entrar no
cassino.
Aposte suas fichas, brinque com a sorte e cruze os dedos. Aposte sem temer o
amanhã. Beba para esquecer o dinheiro perdido e comemore a vitória. Brinde
ao desconhecido e se permita a fazer o que jamais faria sóbria, afinal, Las
Vegas é capital mundial da diversão e entretenimento. E é exatamente nela
que a história de Dante e Miranda começa!
Aceita mais um brinde?
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET
07:24AM – Algumas horas antes de embarcar...
De braços cruzados e batendo os saltos no chão, demonstro claramente minha
insatisfação. Eu o espero repetir para me certificar de que não ouvi errado.
— Dante vai com você nessa reunião em Vegas — reforça suas palavras,
sentado na sua cadeira em uma pose típica de CEO rabugento.​
— Eu falei que iria sozinha! — contesto sua decisão já levemente
enraivecida.
— Esse é o trabalho dele, Miranda, tem que te acompanhar. — Contrariada,
reviro os olhos por essa imposição. — Aceite. Não quero saber de qualquer
mal-estar seu com ele. Seja profissional.
Nós, ou melhor, meu padrasto, que considero um pai, já que faz parte da
minha vida desde que eu me conheço por gente, é CEO da Amonet, marca de
grande alcance no ramo de calçados femininos. Recentemente ultrapassamos
as fronteiras do Brasil, atendendo outro país. Mas nossa unidade matriz
permanece aqui em São Paulo.
Além de herdeira legítima de tudo, sou seu braço direito como diretora de
operações. E por isso preciso cuidar de perto dessas primeiras filiais
internacionais, que inauguramos recentemente, e ir a essa reunião em Las
Vegas em pleno final de semana, para garantir a execução eficiente das
atividades. E é por isso que dizem que um CEO faz o que ele quer fazer. Um
diretor de operações faz o que ele tem que fazer.
A minha objeção não é trabalhar final de semana. É sobre quem vai estar
comigo: Dante. Diretor jurídico impertinente e desrespeitoso. O motivo da
minha maior irritação aqui no prédio, tem o prazer incomum e sádico de me
provocar e, pior, consegue me enfurecer mesmo eu não querendo. Ele acha
que eu sou como as funcionárias com quem se engraça pelos corredores,
como já ouvi falar. É tão petulante e narcisista que acha que tem intimidade
para agir da forma que age, fazendo piadinhas e gracinhas. Argh! Como eu o
odeio!
E não dá para aguentá-lo um final de semana inteiro assim como única
companhia de viagem. Mal consigo durante o expediente!
Gosto de trabalhar em paz e de preferência sozinha!
— Já reservaram o hotel? — averiguo, rendida, mas não satisfeita.
É pouco tempo para ignorá-lo, afinal de contas. Eu consigo! Tenho que
conseguir!
— Minha secretária providenciou. Irão chegar próximo ao horário da
primeira reunião, não se atrasem. Vá para casa e arrume suas coisas que o
motorista irá te buscar.
— Ok. Não esquece sua dieta. Nada de gorduras e bebidas. — Beijo sua
bochecha e saio.
Com tudo que preciso em mãos, passo pelo corredor em direção ao elevador,
encontrando Andrei no caminho. Não sou de admirar homem aqui na
empresa, sequer sou permitida a tal ação, e também zelo pelo
profissionalismo com todos. Mas confesso que sempre checo Andrei. Ele é
loiro e não tem um físico excepcional. Mas o jeito quieto e a pinta no rosto
são um charme. Parece um mocinho de um livro que li.
— Srta. Moraes — me cumprimenta quando passa.
— Oi! — o cumprimento com um pouco mais de entusiasmo que o
necessário. — Hum... Andrei.
O chamo sem saber ao certo o porquê, e ele se vira no mesmo momento com
uma expressão curiosa, não me dando chance de arranjar uma desculpa. E me
sinto embaraçada. Por que diabos eu o chamei, afinal?
— Deixe, eu peço pra outra pessoa — acanhada, arrumo a primeira desculpa
que tive.
— Tudo bem. Tenha um bom dia.
Mantenho meus olhos nele até onde alcanço e, num momento de dispersão,
sinto tamparem minha visão por trás, me assustando imediatamente pela
escuridão repentina.
— Quem é que quer ser demitido? — resmungo ainda sem enxergar.
— O homem mais gostoso da terra! — só podia ser Dante com todo esse
convencimento.
— Henry Cavill não fala português, engraçadinho. — Tiro sua mão do meu
rosto, virando-me de braços cruzados. — O que quer?
— Esqueceu de tomar o seu iogurte light, Miranda? Ou chupou limão para
ficar com essa cara azeda assim, tão cedo? — sorri provocativo.
— Quantas vezes eu falei para me chamar direito? Sou sua superior, exijo
respeito — o repreendo.
Ele acha que pode ficar fazendo gracinha comigo porque ocupa um cargo de
grande responsabilidade aqui dentro. Por isso não dou liberdade alguma para
os funcionários, principalmente ele, mas finge esquecer ou ignora
escancaradamente.
Ando para o elevador e ele me acompanha.
— Soube da viagem. O jatinho já está chegando lá no aeroporto.
— Estou indo para casa pegar minhas coisas. Deveria fazer o mesmo —
indico.
— Estou indo agora.
No elevador, meu telefone toca. É Cindy, minha amiga de todas as horas.
Esteve comigo desde a infância, principalmente quando perdi minha querida
mãe para o câncer de mama antes dos treze anos e fiquei por conta do meu
padrasto. Uma irmã que a vida me presenteou.
Sua voz estridente ecoa assim que atendo, querendo saber os meus planos de
hoje.
M: Infelizmente não vai dar, viagem de última hora — resmungo aborrecida.
C: Poxa. E para onde e com quem vai? — seu tom é o mesmo que o meu. O nosso sábado é
sagrado para fazer algo juntas.
M: Las Vegas, para checar as lojas, com Dante. — Ele olha para mim quando escuta seu
nome, dando um sorriso de lado, e ignoro.
C: Quase pedia para ir, mas Deus me livre atrapalhar o casal. Aproveita e transe muito
com ele, está precisando de uma alegria. Las Vegas é maravilhosa, aproveite bem! —
cantarola irônica.
Completamente sem graça, sinto meu rosto esquentar pelo fato dele estar bem
aqui ao meu lado e encaro meus scarpins vermelhos no chão lustroso.
— Estarei de volta amanhã, pela tarde. Preciso desligar.
— Tchau, e siga meus conselhos!
— Nunca! — Rio e desligo.
Percebo que Dante me olha com um sorriso convencido e fico sem saber se
ele escutou ou não, já que Cíntia só fala estrondosamente. De qualquer forma,
estou desajustada. O elevador abre e eu respiro aliviada por cair fora dali
direto para casa, o deixando para trás. Resido em um duplex de dois quartos,
não tão grande, no Jardim Paulista.
Me movo até a minha suíte para pegar o que preciso no closet e arrumar a
mala. E antes de lidar com as roupas, pego o essencial: minha necessaire e
meu livro. Sem ambos eu sequer sou uma pessoa. Meia hora após, na porta
do meu apartamento, vejo o carro parar, já com Dante dentro para seguirmos
para o aeroporto.
— Bom dia, Matt — cumprimento o motorista ao entrar.
— Bom dia, senhorita. — Acena de forma cordial com a cabeça.
Acomodada no banco de trás ao lado de Dante, que usa fones de ouvido,
percebo seu perfume exalar completamente pelo veículo, me deixando
levemente incomodada, até. Espaçoso de todas as formas.
Aproveito a viagem silenciosa para responder e-mails. Recentemente fui
nomeada pela Forbes como uma das dez mulheres mais promissoras do
Brasil, e querem uma matéria comigo sobre meu segmento. Estou ao lado de
personalidades como ninguém menos que Scarlet Garcez, Marjorie Machado,
Julie Sanches e Ceci Prado. E não poderia estar mais orgulhosa de mim
mesma, apesar de surpresa. Mal posso esperar para contar ao meu pai!
Corro para contar essa novidade a Cindy por mensagem mesmo, já que
planejava lhe contar quando nos víssemos pessoalmente. Ela comemorou
comigo e em seguida mandou que eu me divertisse como se não houvesse
domingo, afinal, eu estaria em um país onde poderia relaxar e passar
despercebida.
— Está apaixonada pela toupeira? — Dante aparece de repente do meu lado
como um pernilongo, me assustando.
— Quê?
Já dentro do jatinho, quase pronto para decolar, me arrumo na poltrona antes
de virar para ele com uma expressão séria.
— André — esclarece sem se importar.
— Andrei — o corrijo. — E não, não estou.
— Ele parece uma lagartixa. Francamente, Miranda! — se mostra indignado.
Tento ignorar. Quem ele pensa que é para apontar para outras pessoas?
— Miranda está toda derretida pelo garfinho do Toy story, não acredito nisso.
Se quiser eu posso te dar uns toques de conquista. Essas coisas, sabe? —
debocha como se ainda estivéssemos no colegial.
— Vai para sua poltrona, Dante. — Tento me manter indiferente.
— Sabe beijar, pelo menos? — continua a sua provocação.
— Vai se ferrar! — mando, indignada. O que ele pensa que é?
— Calma aí, nervosinha. — Mantém seu tom insolente com um sorriso de
lado.
— Agora! — ordeno entredentes e ele vai claramente satisfeito pelo que
acabou de fazer.
Maldito desgraçado! Inferno!
O jatinho finalmente decola e pego meu livro para me despir do estresse.
Mergulho de cabeça no mundo literário. O livro é fantástico e tem um
mocinho super sexy e quente que só em ler duas frases sobe um calor com a
sua intensidade. Senhor Disk... Que desembargador!
Adoro um livro quente onde os mocinhos são possessivos e intensos. Mas só
em livro. Odeio ser mandada e prefiro ser dona do meu próprio nariz.
— Arrepiada e ofegante, sinto suas mãos escorregando para debaixo da
minha saia.
Dante. Mais uma vez Dante. Está ao meu lado, lendo a cena completamente
erótica, e fecho o livro de vez, assustada.
— Hum... Ei, Miranda... que livro é esse, hein? — seu tom é visivelmente
zombeteiro.
Ele tenta ler o título, mas viro para baixo a fim de esconder. Com certeza ele
irá comprar só para implicar comigo, citando partes sexuais. É a cara dele
fazer esse tipo de coisa, e nem morta vou deixar isso acontecer. Não vou lhe
dar munição para me atormentar.
— Não é de sua conta! — tento parecer casual.
— Você estava aí suspirando e quero saber.
— Não estava suspirando, e sai daqui — ordeno desajustada.
— Não sabia que gostava de sacanagens. Você sempre foi certinha...
Ri em escárnio, me irritando profundamente em ser o motivo da sua
zombaria. Que homem abusado! Argh!
— Mas sou uma pessoa comum como qualquer outra, e isso é normal... —
seu sorriso se amplia a ponto dos seus olhos azuis claríssimos reluzirem, e
percebo que estou dando satisfação. — Dante, por favor, só sai daqui.
— Vou deixar você lendo suas sacanagens, não se preocupe. Vai usar com o
André, né?
Ele não espera que eu retruque. Me dá as costas e, resignada por saber que ele
vai voltar e tentar ler o título, desisto por ora, mesmo curiosa em ler a
continuação. E decido ouvir música. Enquanto escolho a playlist, a única
aeromoça contratada me oferece suco e uns petiscos e agradeço com um
sorriso ao aceitar.
Olho para o lado e Dante está distraído também, com seus fones, absorto em
ver as nuvens da janela, totalmente relaxado, sem o blazer, a camisa social
branca dobrada com os botões abertos, onde estão repousados os óculos
desde que embarcamos. Seus cabelos cacheados volumosos estão
bagunçados, mas não lhe dão uma má impressão. Catarina passa por ele, que
imediatamente sorri cretino para ela.
Ele de repente tem sua atenção em mim, percebe que o estou olhando e mais
que rapidamente solta beijos e piscadinhas. Fecho a cara e mostro o dedo do
meio, virando para a frente. Maldito! Por que diabos minha atenção estava
nele?
Saciada do lanche, relaxo ao som de Tears Dry On Their Own, da Amy
Winehouse. Embora se trate de uma música melancólica, me deixa calma e a
sonoridade é perfeita. Amo sua voz e amo músicas desse estilo. Não existe
até hoje, e talvez nunca existirá um artista que componha e cante como essa
mulher. Melhor artista atemporal feminina, na minha opinião e da minha
falecida mãe que me ensinou a gostar.
Adormeço e só me dou conta disso quando desperto com os tímpanos
doloridos e a música que, de repente, pareceu alta demais. Pelo horário,
percebo que falta pouco para chegar ao destino e decido ir ao banheiro me
recompor. Passo pela poltrona vazia de Dante.
Ficarei muito honrada se ele decidiu pular sem paraquedas!
Puxo a porta que estava destrancada e congelo, em choque, escutando uma
espécie de miado fino. Dante está literalmente engolindo a aeromoça. E pior,
ele está com a calça no pé. Umas belas costas, e ainda vejo o contorno da sua
bunda firme na cueca. Uma bela comissão traseira, vale ressaltar.
Credo!
Nossa senhora!
Não!
É o Dante. O idiota da empresa que vive fazendo gracinhas sem graça!
Continuo sem reação, sequer sei quem está mais constrangida. A aeromoça
ou eu. Mas claro que o maldito não está, apenas sorri convencido como um
garanhão. Cafajeste descarado!
Quando me vê estática na porta, ajeito minha franja na testa, numa ação clara
de desconcerto, e não consigo mover meus pés. Como agir diante de uma
cena dessas?
— Vai entrar também ou vai ficar só olhando? — seu tom é ridiculamente
sugestivo.
Os seus olhos, numa névoa canalha, estavam cravados em mim. Eu odiei
sentir minha pulsação acelerando um pouco, talvez de susto.
Sem nem raciocinar, bato a porta com mais força que o necessário, não
querendo mais ver essa cena. Às vezes pago caro demais em não ser cega.
Soda cáustica cairia bem agora, exatamente nos meus olhos.
Irritada, marcho até minha poltrona. Quem ele pensa que é? Eu sou sua
superiora! E se não fosse? Pior, ele sabe que está errado, ambos estão em
horário de expediente, ambos indiretamente são meus funcionários e, sem um
pingo de vergonha, vem com deboche: “vai entrar também?”.
Disposta a me recompor, tento relaxar, mas sem que eu controle minha mente
volta para a imagem de sua bunda e costas contornando a cueca box preta. E
as coxas? Sem comentários! Ele tem uma ótima bunda e panturrilhas. Sem
contar aquelas costas largas se movimentando enquanto beijava ferozmente
Catarina. Ele estava segurando-a totalmente animalesco e primitivo no cabelo
como se fosse o seu dono, enquanto a abraçava pela cintura colando o corpo
dos dois. E ela, por sua vez, estava à sua mercê.
Intercepto a mim mesma quando percebo para qual caminho estava indo.
Nada de ficar viajando e ver a cena como se fosse um dos livros que leio!
Ajeito minha franja de novo em um tique nervoso. Até parece! Nunca que
vou me envolver com esse idiota que acha que é o pau de ouro. Só me faltava
essa, pensar em Dante e, pior, pensar em um Dante desnudo! Isso é o cúmulo
do ridículo!
Eles já não deveriam ter voltado?
Com meu livro em mãos para me distrair, tento me concentrar em outra coisa
que não seja Dante de cueca agarrando a aeromoça, tentando aproveitar esses
minutos de paz. Leio um parágrafo para terminar a folha e logo fecho, na
cena quente na qual o mocinho se projetou em Dante na minha cabeça.
Só me faltava essa, eu associar o gostoso do Senhor Disk com o ridículo do
Dante. Até meu livro ele vai estragar, não aceito! Talvez seja apenas o susto à
flor da pele.
Catarina passa como um furacão por mim, ajeitando a roupa, e Dante vem
atrás, arrumando os cabelos com os dedos, totalmente relaxado e voltando a
sentar na poltrona. Como a superior aqui, analiso a situação. Apesar de tudo,
não é da minha conta o que os dois fazem um com o outro. Por outro lado,
ambos estão em horário de trabalho e eu não os pago para isso, tenho que
cuidar do meu patrimônio. E tenho que impor respeito, senão vira bagunça.
Dante já cria liberdade demais.
— Catarina, por favor — chamo-a quando a vejo sair da cabine e ela vem,
envergonhada, na minha direção. Ela para, hesitante, e mal me encara. —
Quero que saiba que não tenho nada a ver com sua vida pessoal, ok? Mas
tenho que avisar que isso não pode acontecer de novo. Vocês dois estão em
horário de trabalho — digo um pouco mais alto, ainda olhando para ela, para
Dante ouvir. — E isso é intolerável para as normas da empresa, mesmo que
você seja terceirizada.
— Tudo bem. Me desculpa. Não irá se repetir. Garanto! — Ela olha rápido
para Dante e depois acena, voltando ao seu posto.
— Quem fala intolerável? Só minha avó, que morreu em mil e oitocentos.
— Você fique calado. Sua cota hoje já extrapolou, e mais um deslize desse
não vai passar abatido e te despeço com um e-mail para o RH. Eu não gostei
da sua atitude lá na cabine, então, não me irrite! — o aviso firme e de forma
profissional.
Dante levanta as mãos em rendição e se cala. Bom menino! Um pouco antes
de pousarmos minha bexiga reclama, mas evito ir ao banheiro. Retoco o
batom e penteio meus cabelos para ficar apresentável depois de uma viagem
estressante.
O sol gostoso e morno e o vento me recepcionam assim que coloco meu
primeiro pé fora da aeronave, e sorrio brevemente, inspirando o ar da cidade.
Las Vegas, cheguei, baby!
LAS VEGAS, NEVADA | Mandalay Bay Resort and Casino
04:36 PM
Desembarcamos direto para o hotel, onde já tinha outro motorista à nossa
espera. Exigência do meu pai, sempre que ocorrem viagens a negócios ele
manda um, é o tipo de controle que gosta de ter para que não ocorram atrasos.
Com o estômago reclamando de fome, percebo que já passou o horário de
almoço há horas. Comi petiscos no jatinho, mas não foi o suficiente. Ainda
tem a bendita reunião às cinco.
Tenho que supervisionar as atividades industriais e ver de perto o controle de
produção e qualidade na fabricação. Fora os orçamentos, para saber se cada
valor está indo exatamente para onde deve.
Encantada, vejo a fachada do hotel, incrivelmente perfeita. Claramente é um
dos melhores. Parece um estonteante palácio antigo. Esplêndido! Um luxo!
Tem um chafariz bem no meio.
— Oncinha? — Dante ri, apontando para minha maleta de rodas. — Mais
dondoca que isso, só plumas rosas.
— Cala a boca, Dante!
Ele não cansa! Só mais um dia e eu me livro dessa peste. Encosto maldito!
Um funcionário nos recepciona pegando nossas malas para pôr no carrinho.
Ele sorri cavalheiro para mim enquanto beija minha palma, e sinto meu ego
ser afagado. E eu retribuo o sorriso pela sua simplicidade. Ele é bem bonito e
charmoso. Cabelos castanhos escuros e olhos da mesma cor, levemente
bronzeado. Las Vegas já começou bem!
Dante me encara com uma sobrancelha arqueada e nem lhe respondo nada.
Depois do check-in, onde eu fiquei com o quarto em frente ao de Dante,
seguimos para a cabine metálica com o funcionário gatinho, que leva
somente a minha mala. Dante fez questão de pegar a sua.
— Está bom aqui — Dante intervém assim que saímos do elevador.
O vejo dar a gorjeta ao homem ainda dentro do elevador e pegar minha mala.
Agradeço ao funcionário com um sorriso grato e um tchauzinho antes da
porta fechar. Ando na frente sem me importar com a sua atitude grosseira e
sigo para meu número enquanto ele vem atrás carregando nossas malas.
Destranco a porta e viro para trás para pegar minhas coisas.
— Vamos descer daqui a vinte minutos. Esteja pronto — aviso ao pegar
minha mala da sua mão.
— De nada — responde sarcástico.
— Eu não te pedi nada. Você que não deixou o homem fazer seu serviço.
— Grossa!
— Não se atrase — aviso novamente antes de entrar.
O quarto é ótimo e aconchegante, com uma boa visão da cidade. Uma cama
de casal que tenho certeza que é macia. Luxo! O lugar transpira luxo!
Tenho vinte minutos para ficar apresentável. Já vim com a roupa pronta para
a reunião, só preciso tirar essa minha cara amassada da viagem. Envio
mensagem para meu pai avisando que cheguei bem e que em breve estou
indo para o encontro. Ainda bem que essa primeira reunião será num
restaurante. Não vejo a hora de me livrar disso para comer!
Satisfeita com minha imagem, saio do quarto com perfume retocado e minha
bolsa já pronta para bater no quarto do Dante. Mas o encontro já do lado de
fora. O desgraçado está ótimo com camisa branca e calça social preta, a
mesma que estava antes, e com os cabelos penteados. Estou sentindo o cheiro
do perfume daqui. Sem falarmos nada, seguimos para o elevador.
Aceno para o segurança com um sorriso quando passo na porta giratória com
Dante atrás de mim.
Com o carro que nos trouxe até aqui, nos leva até nosso próximo destino. Ele
já sabe toda a rota que vamos fazer hoje. Checo meu celular e verifico uma
mensagem de Cindy questionando se cheguei bem. Não aguento essa amiga
maluca e protetora que grudou em mim que nem chiclete e não vai sair nunca
mais. Amo essa louca!
Chegamos no local combinado. Um restaurante corporativo com design e
arquitetura bem clean. O maître nos leva à nossa mesa, onde já há pessoas
sentadas, duas mulheres da sede daqui e responsáveis pelas duas lojas da
região. Iremos discutir as estratégias e conversar sobre as informações
internacionais que elas têm com os dados nacionais que eu tenho, para chegar
num ponto bom que atenda as expectativas do público.
— Boa tarde — cumprimento em inglês e Dante faz o mesmo.
— Oi, querida — ambas respondem com apertos de mãos.
Nos tratamos com alguma cordialidade antes de começar a tratar de negócios.
Comemos num clima bom, conversando superficialmente sobre mercado e
economia local.
Com a mesa limpa novamente, assumo minha pose profissional e tratamos
sobre o motivo da viagem. Demoramos algumas horas conversando sobre
negócios e Dante se comportou como o advogado que ele tem que ser. Ele
parece outra pessoa no modo profissional e chega a ser até uma pessoa
admirável com a sua conduta ética. Apesar de que ele não está fazendo mais
que sua obrigação.
Na saída, decido fazer uma visita em uma das lojas, fazer uma média, ver de
perto e prestigiar a meta alcançada, já que na abertura eu não pude vir. Como
o trabalho de Dante acabou, ele tem a opção de não ir, e foi o que ele
escolheu. Voltou ao hotel.
Todas me receberam bem e foi um encontro gostoso. Fiscalizei cada etapa e
verifiquei que que tudo flui bem. Ainda bem que a empresa conta com
profissionais bons e qualificados. Mal posso esperar para o novo lançamento.
Cansada e satisfeita por ver a Amonet tão prestigiada em terras americanas,
volto ao hotel tarde da noite. Viagem deixa qualquer um esgotado. Decido
relaxar na banheira; enquanto enche, peço comida ao serviço de quarto. Não
estou a fim de descer para o restaurante.
Deito na banheira que está com uma água morna, do jeito que gosto. Fecho
os olhos relaxando e tirando todo o stress do dia. Melhor que isso só o Senhor
Disk aqui comigo fazendo o que ele faz com a sonsa da senhorita Melton.
Ah, Senhor Disk! Como queria ter você por uma noite que fosse. Juro que
não traria problemas como a invejosa da senhorita Evans.
Só em pensar naqueles dois metros de altura e gostosura agarrando a sonsa da
srta. Melton e falando sério, com dois olhos claros como bolas de gude
impassíveis, que queria fodê-la de todas as formas, dá uma comichão nas
minhas entranhas. Pena que eu nunca encontrei um que me deixasse bamba
dessa forma.
Permaneço relaxada na água até começar a esfriar e minha pele enrugar. Me
visto com meu baby-doll preto e sigo ao quarto para esperar o serviço de
quarto com minha janta. Pego meu tablet e checo algumas notícias locais,
principalmente sobre a empresa. Até ameaço redigir o relatório de visita, mas
decido deixar para depois.
Meu jantar logo chega e infelizmente não foi o gatinho que pegou minha
mala que trouxe. Pedi um fettuccine com vinho saborosíssimo. Depois de
estar farta, deito na cama para descansar e voltar a ler meu livro. Até que essa
viagem não foi tão ruim como imaginei. Só tenho que aguentar o Dante
amanhã na volta e está tudo certo.
Escuto dois toques na minha porta e deduzo ser o serviço de quarto para
pegar as louças. Mas dou de cara com Dante todo arrumado, penteado e de
perfume exalando, na minha porta. Ele me encara de cima a baixo me
medindo e me sinto exposta pelo meu baby-doll curto e sem sutiã. A roupa,
além de curta, é rendada transparente.
— Diga!
Tento me abraçar em uma tentativa vã de me sentir menos constrangida. Mas
ele entra no meu quarto sem nem eu liberar passagem. Me jogo por baixo do
edredom para me mais sentir confortável.
— Vim te buscar para conhecer Vegas. — Põe as mãos nos bolsos,
despreocupado.
— O que te faz achar que vou a algum lugar com você? — desconfiada,
pergunto.
— Qual é, Miranda? Estamos em Vegas, conhecida pela vida noturna
vibrante! Nada a ver dormir uma hora dessas enquanto a cidade está ligada!
— Passo. Estou pronta para dormir.
— Duvido que você seja tão rabugenta assim. É só uma boate inofensiva,
para de ser certinha pelo menos uma vez. A menos que não saiba se divertir...
— provoca.
— Eu sei sim me divertir! — retruco.
— E está com medo de que então, papai não deixa? Duvido que saiba!
Vencida, motivada pela força do ódio e me sentindo desafiada, aceito, sem
nem pesar direito os prós e contras. Ele vai ver quem não sabe se divertir!
— E aí, vai sair ou não? — Cruza os braços.
— Vou. Mas preciso me arrumar, né? — O empurro em direção à saída. —
Me dê vinte minutos.
Ele vai saber quem não sabe se divertir. Uma saída em Vegas até que não é
nada mal. Escolho meu vestido preto de gola alta que molda perfeitamente
minhas curvas singelas. E para fechar a maquiagem, ponho o batom
vermelho. Como meu cabelo é curto, mantenho solto.
Satisfeita com o resultado final refletido no espelho, pelo tempo que tive para
me vestir, abro a porta encontrando Dante recostado na parede me esperando,
mexendo no celular com uma mão no bolso.
Ele me olha. Na verdade, me encara numa seriedade atípica.
— Vamos?
— Ahn... Vamos.
Seguimos em direção ao elevador. Levemente ansiosa, penso no que posso
encontrar nessa noitada em Las Vegas.
LAS VEGAS, NEVADA | MANDALAY BAY RESORT AND CASINO.
22:47 PM

Dentro do carro que ele solicitou, tento saber qual nosso destino.
— Vamos ficar aqui pela The Strip mesmo, rua principal.
Concordo e aproveito o clima confortável em que estamos, pela primeira vez,
para prestar atenção na avenida, me fascinando com as fontes sincronizadas
com música. A cidade é incrível! Tem réplica da torre Eiffel e de uma
pirâmide egípcia. A noite aqui é bem agitada. Em apenas vinte minutos de
carro vi várias coisas que me fizeram rir e me encantar.
Nosso ponto de chegada é uma boate reluzente que daqui de fora percebo que
é pura agitação. A fachada é de letreiro e tem luzes girando. Uma
superprodução, mas é o que se espera daqui.
Está tendo show de um DJ famoso, a casa está cheia. Todos dançam
empolgados, e Dante me leva até o andar de cima, a área vip. Até penso em
voltar para o hotel porque sou uma pessoa pública e se eu sair da linha pode
me causar sérios problemas. Não quero trazer aborrecimentos para ninguém.
Mas também estou gostando da vibe daqui e lembro do que Cindy me falou:
aqui nem todos me conhecem. Provavelmente para todos sou apenas mais
uma mulher com dinheiro. A música que toca é dançante e eu acabo
balançando levemente meu corpo, entrando no clima agitado.
— Toma. — Dante estende o copo.
— O que é? — Olho para a bebida com adereços na borda.
— Álcool.
Bebe um grande gole da sua, me incentivando a fazer o mesmo em poucos
goles. É meio adocicada. As pessoas gritam me contagiando e eu rio me
despindo levemente da tensão que me acompanhou por todo o dia. Curtimos
um pouco do show até conhecermos um casal superdivertido que se juntou a
nós. Só ela é brasileira, mas não mora no Brasil. Dante até então está sendo
uma boa companhia, sem piadinhas irritantes e me trazendo bebidas, não
deixando meu copo vazio uma vez sequer.
— É a primeira vez de vocês aqui em Las Vegas? — Marina questiona.
— Sim. Mas vamos embora amanhã — converso gritando e com ouvidos
próximos.
Totalmente leve, curto a música gostosa com batida envolvente, me
empolgando completamente. Sinto alguém encostar atrás de mim, mas me
esquivo mandando sair. Sinto um beijo na nuca me arrepiando rapidamente
antes de fazer o que pedi. Olho para trás para saber quem foi e vejo Dante
rindo, se jogando numa poltrona relaxado, suspendendo seu copo para mim.
Descarado!
Me viro para Marina, dançando com ela. A pista e aqui em cima pegam fogo.
Tem muito tempo que não ajo tão naturalmente. Sair para dançar e beber sem
me importar, e confesso: estou me divertindo mais do que esperava, a noite
está ótima!
A apresentação do DJ acaba, para nossa infelicidade. Marina propôs irmos
para um cassino. Dante mais que rapidamente confirmou estar doido por uma
jogatina, e descobrimos que nosso hotel funciona como um.
Seguimos para lá e mal me aguento de ansiedade, já que nunca fui em um. A
noite aqui ferve de verdade. Noventa por cento das coisas estão abertas e
cheias. Tem luzes coloridas em todos os lados. O caminho foi puro riso.
Adentramos pela recepção direto para o cassino, tão luxuoso quanto o próprio
hotel. Parece que atravessamos uma porta secreta para o mundo mágico de
Las Vegas.
Preciso me lembrar de agradecer à Elenise, a secretária de meu pai, pela
escolha.
Mesmo estando ainda na entrada, me sinto impressionada. É um verdadeiro
parque de diversões de adultos. O ambiente é um pouco escuro e
avermelhado. Entramos direto para o bar e experimentamos algumas bebidas,
ouvindo a música explicitamente sensual. Habituados, seguimos para jogar.
Mari e eu estamos que não aguentamos para experimentar a jogatina. Sua
ansiedade e empolgação contagiam. Eu sei a cartilha inteira de jogos de sorte,
ou de azar... e estou com muita vontade de experimentar cada um deles!
Tem salas de pôquer, roletas, jogos de mesa, vídeo poker, milhões de
máquinas caça-níqueis em execução e uma central de corridas e esportes que
transmite eventos de todo o mundo através de vários monitores. E todo o
ambiente é de tapete de camurça vermelho. Sem contar que o guia daqui
mostra que tem balada e restaurante aqui dentro. O local é realmente gigante
e o melhor é que lá em cima, na parte do hotel, não se escuta absolutamente
nada. Parece que é a toca do coelho do Alice no País das Maravilhas.
O local está movimentado, tem garçons passeando e muitos homens com
aparência de executivo, com charutos e mulheres no colo enquanto jogam.
Tem até uma stripper fazendo show em cima de uma mesa. É tudo muito fora
da minha realidade, mas estou adorando. Garçons gostosos!
Decidimos ir para o caça-níquel. Joguei algumas vezes e perdi, nunca dava
minha imagem três vezes. Quanto mais jogava, mais perto eu sentia de
chegar. Coloquei uma aposta maior para ver se ia, mas nada. Escuto Dante
comemorar do meu lado por ter ganho algo. Maldito! Estou com inveja!
— Ganhou alguma coisa? — questiona sorridente.
— Não! — respondo frustrada.
— Aposta de novo — me encoraja, vindo para perto.
Obedeço e ele puxa a alavanca mostrando as três figuras iguais. Grito
entusiasmada, vendo as moedinhas caírem. Finalmente!
— Te dei sorte.
— Você me deu sorte. — Rio.
Acabo o abraçando empolgada e ele me dá um selinho rápido no calor do
momento e nos encaramos, constrangidos, sem conseguir entender por que
isso aconteceu. Minha boca formiga e meu corpo flameja devagarzinho,
quase numa morte lenta e dolorosa.
— Vamos para a balada! — Marina grita, nos tirando do transe.
— Vamos!
Ela me puxa e eu me deixo ser levada para longe de Dante, mas antes o olho
por cima dos ombros, vendo-o pegar minhas moedas ganhas e que esqueci,
antes de nos alcançar. Os meus lábios permanecem quentes e formigando.
A balada é tão agitada quanto o resto do local. Mais até, se duvidar. Mulheres
dançando sensualmente no colo de homens de todas as idades e estilos. E
ninguém se importa com olhares alheios, se divertem na própria bolha. O
cheiro de cigarro e charuto é um pouco forte, a aura é de fumaça. Dante me
puxa quando um homem se encosta em mim de modo desrespeitoso. Nessa
altura do campeonato Marina e o esposo já estão se engolindo em algum
canto. Os dois estão em lua de mel, justamente aqui, em Las Vegas.
Decido dançar ouvindo a batida sensual da música tão sexual quanto o local
escuro que me faz enxergar levemente desfocado. Dante acaba vindo dançar
comigo e eu não me importo. Ele está sendo uma boa companhia e eu não me
sinto deslocada. Pode parecer idiotice e bem filhinha de papai, mas é tão bom
não ter meu pai por perto me regrando para me mostrar responsável e
centrada sempre. É cansativo pra caramba!
7 Rings ecoa alto e me contagio com a voz da Ariana Grande, feliz e livre
depois de muitos meses de trabalho sem pausa. Viro de vez meu shot de
tequila, sentindo o ardor na garganta causar euforia. Marina me puxa e
subimos em um dos balcões do bar para dançar.
I want it, I got it, I want it, I got it
I want it, I got it, I want it, I got it
Rapidamente se forma uma plateia empolgada nos encorajando a dançar cada
vez mais e sensualmente. Todos vibram e assoviam quando a mão de Marina
passeia pelos meus braços, e gargalho, indo até o chão, com a sensação de
estar livre, leve e solta. Cindy tem razão. Divertir-se livremente é
maravilhoso. Tem tempo que não danço assim sem me importar com o dia
seguinte!
Ofegantes e felizes depois do show, onde até jogaram notas de dólar no
balcão, pedimos outra rodada de tequila e seguimos para jogar poker. Mesmo
sendo um jogo que envolve dinheiro, jogamos rindo, fingindo entender todos
os truques. Eu só sei pelo que vi meu pai jogar com seus amigos velhos
irritantes.
— Eu aposto dois mil. — Coloco minhas fichas empilhadas, confiante nas
minhas cartas.
— Coloco esse anel maravilhoso da Tiffany e Co. e quinhentos em dinheiro
— Mari anuncia ao empilhar tudo.
Dante e Evan, o marido de Marina, já fizeram suas apostas em dinheiro.
Mostramos as cartas e acabei ganhando, gritei a ponto de sentir minha
garganta arranhar.
— Mais uma? — indago vitoriosa enquanto ponho o lindo anel no meu
anelar.
Todos concordam e pedimos mais bebidas. Acabei perdendo, quem ganhou
foi Evan. Cansados, voltamos à boate, dançar foi mais divertido. Dante até
dançou algumas músicas comigo, fizemos amizades onde paramos e quando
me dei conta estávamos ao redor de uma galera, dançando e bebendo juntos.
— Não. Vocês não podem sair de Las Vegas sem ir para a capela! — Mari
propõe e o marido apoia.
— Por que não? — Dante, claramente alterado, confirma e eu dou de ombros.
Por que não, não é mesmo? Conheço algumas histórias de pessoas que foram
para Las Vegas, casaram-se de brincadeira e gostaram da experiência. Quero
ver de perto as pessoas casando de mentirinha.
Saímos do hotel e fomos andando em direção à primeira capela que
encontramos; minhas pernas estão cansadas e minha visão meio turva, mas
estou me divertindo horrores, não quero que essa noite acabe tão cedo. Dante
está sorrindo à toa, como eu e o resto das pessoas que decidiram nos
acompanhar. Aqui os veguenses sabem se divertir. A cidade realmente é
movida a bebidas e diversões!
O local é todo arrumado e personalizado, a capela está fechada para a
realização de um casamento, e todos decidiram fazer eu e Dante casarmos.
Acabamos cedendo. É uma ironia desgraçada casar de mentira justamente
com o maldito descarado do Dante!
— Vocês querem qual pacote? — uma travesti. Acho que é uma, já não tenho
muita certeza — pergunta.
— O melhor que vocês têm, o completo — eu respondo, tentando focar seu
rosto.
Quem está na chuva é pra se molhar!
— Completo mesmo? — aceno efusivamente.
Nos entrega uma prancheta e assino vários papéis sobre a cerimônia. Sequer
li direito, não consegui focar, mas acredito que não seja nada de mais. O
importante é que o cartão passou.
Quem irá fazer a cerimônia é um anão vestido de Elvis Presley e tem algumas
travestis arrumadas fazendo parte. Uma delas coloca plumas ao redor do meu
pescoço e me entrega um buquê com flores artificiais. E eu entro na
brincadeira, afinal, eu sei me divertir!
Arrumada, entro com uma delas para encontrar Dante ao som do pequeno
Elvis que canta com muita empolgação e pouco talento. Minha dama de
honra é a Tiffany, uma das Drags. Dois metros de altura com um longo
cabelo verde fluorescente e de franjas, assim como seu batom e saltos. Um
show de personalidade.
A capela tem várias pessoas, as que já estavam com a gente e outras que
entraram para assistir. Me aproximo de Dante e acabo gargalhando com ele.
Muito fim de carreira casar ao som de Heartbreak Hotel. Só consigo pensar
na animação Lilo & Stitch. O anão inicia a cerimônia breve falando sobre
coisas que não consegui registrar na memória, mas que causam risos de
todos.
Já não tenho metade do meu cérebro assimilando. Escuto Mari e Evan
gritarem quando o anão nos declara casados. Dante, sem esperar muito, me
agarra e me beija de verdade, diferente do selinho que demos no caça-níquel.
O beijo é quente. Ele me segura pela nuca e eu retribuo na mesma ânsia.
Papel picotado é jogado sobre nós e rio com ele quando finalizamos o beijo.
Voltamos ao bar do hotel, depois da cerimônia e fotos temáticas, com o
mesmo pessoal que já estava tri bêbado. Estou ok na bebida e me divertindo
muito, Dante me agarra sem conseguir sequer ficar dois minutos com os
lábios descolados.
— Pede para o serviço de quarto mandar champanhe para o nosso andar,
vamos comemorar nosso casamento! — Dante avisa alto para quem quisesse
ouvir, enquanto me enlaça pela cintura.
Nunca tinha reparado tanto assim em Dante. Braços fortes, a barba e esses
cabelos cacheados de modo bagunçado caindo levemente para a testa, sem
contar o cheiro. Parece outra pessoa sem o terno e nessa vibe que estamos. Os
olhos claros dão um charme imenso. São azuis cristalinos, o queixo másculo
que dá vontade de morder. Os lábios nem se fala, devoraram os meus com
maestria! Erótico!
Dante percebe que eu o encaro e, de modo voraz, choca nossos lábios no
meio do hall, provocando a vontade de me divertir de outra forma. Subimos
para o elevador vazio. Fogosos, nos beijamos ardentemente enquanto nosso
andar não chega. Que beijo gostoso!
Desengonçados, conseguimos abrir um dos quartos. Dante me imprensa na
parede, me dominando pelos cabelos de um jeito sacana, me arrepiando dos
pés à cabeça, me apertando pela cintura e fazendo com que intensifique o
beijo. Seus lábios escorregam para meu pescoço, dando algumas chupadas, e
encho minhas mãos com seus cabelos macios, gemendo baixo no seu ouvido.
Ele me carrega e enrosco minhas pernas na sua cintura. Ofego ansiosa e sinto
pequenos choques pelo corpo ao perceber sua protuberância no jeans.
Minhas costas entram em contato com o macio da cama e seu corpão se
sobrepõe ao meu. Com urgência, arranco sua camisa, mostrando seu peito
desnudo levemente peludo e malhado. Desde quando ele é gostoso dessa
forma?
Prendo minhas pernas ao redor da sua cintura, com meu vestido embolado,
tendo minha calcinha e seu jeans aberto como barreiras. Nos encaramos
brevemente, com ele por cima, e mais uma vez me pego na intensidade dos
seus olhos azuis cheios de malícia e voltamos a nos atracar com ardor e
voracidade, e a partir daqui ele incorporou um felino, tateando meu corpo
febril e necessitado de algo a mais. O beijo que ele me dá chega a ser
delirante!
Apalpo sua bela bunda, coisa que eu quis fazer desde que a vi no avião,
mesmo não admitindo para mim mesma. Sinto beijos no meu queixo e
pescoço enquanto ele passa a mão pelas minhas pernas enroscadas no seu
quadril. Mordo o lábio, sentindo sua boca agora nos meus seios. Contorço-me
arrepiada pelo que está me causando. Sua boca descarada desce, passeando a
língua pela minha barriga, e só para quando me deixa extremamente
amolecida.
Seu olhar é safado com o brilho um tanto depravado, que me instiga. Seus
toques são tórridos se esfregando em mim, e a forma máscula e intensa como
geme e ofega me causa um imenso desejo.
Sentindo meu corpo tremer de tesão, num impulso movida pelo desejo, o
agarro pela nuca, como está fazendo comigo, correspondendo o beijo na
mesma medida.
No final da noite estávamos esgotados de um sexo cru, intenso e alucinante.
Viu? Eu sei me divertir!
LAS VEGAS, NEVADA | Mandalay Bay Resort and Casino
11:47 AM – O que acontece em Vegas...
Desnorteada, como se minha cabeça fosse uma bigorna, desperto com o gosto
ácido na garganta. Parece que fui atropelada por um tanque de guerra. A sede
é insuportável, misturada com a queimação no peito. De uma forma inútil,
ponho a mão no rosto, tentando aplacar a dor de cabeça inoportuna.
Que diabos aconteceu ontem para eu estar desse jeito?
Recordo pouco da noite, apenas o desafio do babaca do Dante, como se eu
não soubesse me divertir estando em Las Vegas. Claro, Dante! Não era para
me submeter à implicância daquele maldito. Era nítida a péssima ideia da
noite de arrego com ele. Olha o meu estado!
Paro minha mão no ar, quando vejo um anel no meu dedo. Que nunca
comprei. É extravagante de tão linda, com um rubi vermelho no centro. Não
acredito que eu assaltei uma joalheria! Ou um banco!
Estou me sentindo a própria Alex Parrish de Quântico, que sequer sabe o que
está acontecendo ao acordar. Ou pior, a mais recente Doris Payne.
Horrorizada pelo meu futuro, berro encarando o anel que tem cara de
encrenca das grandes, e que não sei como foi parar aqui no meu dedo. Por
uma movimentação ao meu lado, percebo que tem outra pessoa. Grito mais
uma vez, e outro brado me faz companhia, caindo da cama, porque empurrei
sem nem saber o que é.
Arregalo os olhos. Não!
Não dormi na cama de um desconhecido. Eu nunca fiz isso!
Não dormi na cama de um desconhecido.
Não dormi na cama de um desconhecido.
Repito mentalmente que tenha sido só uma coisa da minha cabeça. É
pesadelo! Para completar o quadro de horror, Dante se rasteja voltando para a
cama, com uma expressão que julgo até pior que a minha. Confusos, nos
entreolhamos e gritamos juntos, assustados. E minha cabeça lateja mais
ainda.
Não! Não! Não! Não! Deus! Que isso seja um sonho ruim e que eu acorde
agora!
Acorda, Miranda! Acorda, Miranda! Acorda, Miranda!
Ordeno a mim mesma. Pisco três vezes para a imagem de Dante seminu sair
da minha frente. Se isso é uma paralisia do sono, que acabe agora! Agora!
Agora! Agora! Agora!
— O que VOCÊ está fazendo aqui? — dissemos juntos um para o outro.
— O que EU estou fazendo aqui? — repetimos.
— Dante...
— Miranda...
Descrente, falamos o nome um do outro, tentando entender a situação. Nos
encarando constrangidos, ariscos e perdidos. O que eu fiz ontem, meu Deus?
O certo seria: o que fizemos? Não! Não aceito isso!
Olho para ele sem deixar de observar que está apenas de cueca e, digamos,
animado. Ele tem um corpo trabalhado, robusto e bonito, até. Mas o quê?
Eca! É o Dante, Miranda! Para de olhá-lo assim. Só pode ser o efeito do
álcool ainda no meu corpo, é a única explicação!
— Nós... Nós...? — pergunto totalmente atônita. Ele arregala os olhos azuis-
oceano.
— Transamos? — Passa a mão no rosto amassado e sonolento.
— O que fizemos ontem à noite? Quer dizer, saímos para beber e depois? Eu
lembro que fomos para a boate, assistimos ao show do DJ e só. Só tenho
flashes disso e de um lugar escuro, mas está fragmentado. Sem contar que
esse anel apareceu no meu dedo. — Mostro.
— Eu não lembro de muita coisa também. No mínimo cometemos um
assalto.
— Que ótimo! — Reviro os olhos vendo a minha única chance de saber onde
eu me meti também não saber.
Com o estômago revirando, corro para o banheiro pôr o álcool para fora. E
olhe que não foi pouca coisa. Ressaca é uma merda. Estou péssima. Nunca
bebi tanto para ficar assim.
— A ideia de ter transado comigo é tão ruim assim? — Dante invade o
banheiro. — Fresca!
— Idiota. Sai daqui! — mando quase sem coragem e vomito mais.
Olho o anel de novo no meu dedo e fico imaginando como foi parar aqui.
Lavo meu rosto e me olho no espelho para constatar o que já sentia:
completamente acabada. O que eu farei agora?
Decido começar pelo banho, para tirar essa cara de derrotada.
— Eita! — Dante entra no banheiro novamente. — Achei que tivesse
morrido aqui dentro.
— Cai fora, inferno! — grito inibida.
— Realmente, é gostosa. Pena que é chata — me dá uma última provocada
antes de sair.
— Maldito! Vai se foder!
Me sentindo imensamente ingênua por aceitar sair com ele, forço minha
memória a funcionar debaixo da água gelada. Tentando juntar os fragmentos.
Boate, dança, bebida, uma mulher loira sorridente. Quem é ela? Mais bebidas
e música alta, gargalhadas e um local à meia-luz vermelha. Uma moça de
peruca verde berrante e cílios enormes. As únicas coisas que consigo lembrar.
Vamos, Miranda, pense! Lembre o que fez ontem à noite e de quem é esse
anel que está no seu dedo. Que eu não tenha roubado isso de alguém, pelo
amor!
— Vai para seu quarto. Vamos descobrir como esse anel foi parar aqui. Isso
com certeza dirá o que fizemos ontem — digo para Dante, que está
esparramado na cama como se fosse sua.
— Chata! — resmunga e se levanta da cama.
— Vai logo! — o expulso.
Ele vai resmungando e eu movida a descobrir de uma vez o que aconteceu.
Me arrumo, caprichando na maquiagem para disfarçar a cara de derrotada que
bebeu todas e não se lembra de porra nenhuma. E aproveito para tomar um
comprimido para que essa dor passe de uma vez. Minutos depois, bato na sua
porta e ele me atende apenas de bermuda e cabelos molhados, com os cachos
brilhosos.
— Vamos descer, Dante. Estou com fome. E preciso descobrir como essa
merda veio parar aqui — refiro-me ao anel.
Descemos o elevador. Checo meu celular e vejo algumas ligações de meu pai
e muitas mensagens e notificações, inclusive de Cindy, minha amiga. Lotou
meu celular. A maioria é dela, mas depois eu ligo para saber o que foi. Tenho
um grande problema para resolver. Não posso voltar com esse anel no dedo
sem saber de onde veio. Por ser uma viagem rápida, sequer comprei o chip
daqui.
No restaurante do hotel, algumas pessoas claramente com ressaca, como nós,
nos cumprimentam como se nos conhecessem. Até os funcionários sorriem
amplamente quando vou escolher o que quero comer. Que diabos aconteceu
ontem?
— Só eu que estou achando isso estranho? — sussurro para Dante.
— Eu também. Está todo mundo olhando para a gente.
— Estou até com medo de descobrir o que fizemos ontem.
Sentamos para comer e eu coloco meus óculos de sol para evitar o
constrangimento. Que gosto horrível! Nunca mais vou beber na vida!
— Ai, meu Deus! — Dante arregala os olhos.
— O que foi? Lembrou de alguma coisa? — pergunto aflita, já com a
curiosidade me corroendo.
Dante de repente sorri preguiçoso e de um jeito que eu julgo obsceno.
— Qual o seu problema? — questiono séria, sem tirar meus óculos de sol.
— Você com álcool no corpo não é tão chata e sem graça. É bastante quente
e atrevida.
— Maldito! — digo entredentes, horrorizada. Ele tinha que lembrar justo
disso?
— Não foi assim que você me chamou ontem. — Levanta as sobrancelhas
descaradamente.
— O que você lembrou?
— Eu lembro que fomos para a boate e bebemos bastante. Você dançou na
pista. — Ri de mim e eu reviro os olhos. — Bebemos mais e saímos de
madrugada da boate.
— E o que mais? — o incentivo, sentindo minha cabeça latejar em níveis
extremos.
— Depois disso é só um borrão da gente entrando aqui no quarto e tirando a
roupa.
— Mentira, né? — Arregalo os olhos. Mesmo ele não vendo meu olhar de
desespero, ouviu minha voz. — Deixa de brincadeiras, Dante!
— É o que eu lembrei, apenas. Acho que ingeri muita bebida para querer tirar
sua roupa — provoca.
— Maldito! — Me olha sério, exceto pelo sorriso cínico e eu reviro os olhos
de novo.
Pior coisa de não lembrar é que o que ele contar será verdade absoluta. Meus
Deus! Eu deveria ter ficado no quarto imaginando Senhor Disk em todas as
formas. Eu preciso lembrar do que aconteceu para jogar na cara dele essa
mentira. Tem que ser mentira!
Depois do café, decidimos seguir em direção à rua para ver se lembrava da
nossa rota, mas foi em vão, só gastamos dinheiro com Uber e a última
viagem do celular de Dante só mostra que fomos até a boate que estava
fechada, e mesmo se estivesse aberta daria no mesmo. Com o mundaréu de
gente que frequenta aqui, eles não iriam saber se saímos para outros lugares
ou o que aprontamos. No meu celular não tem histórico.
A única coisa que me deixa um pouco calma é que não acordamos em
delegacia alguma, então, tecnicamente não fizemos nada fora da lei, ou nos
safamos. Prefiro a primeira opção.
Voltamos para o hotel sem resposta alguma e muita frustração. Algumas
pessoas ainda nos olham sorrindo e vejo também que algumas tiram fotos da
gente, tentando ser discretos.
— Adorei seu show ontem — um homem passa por mim e fala num tom de
voz bem-humorado.
— Que show?! — berro em português, mas não dá tempo de reformular a
frase em inglês, pois ele entra no carro e sai.
Dante ri do meu desespero e, desapontada, sigo. Que show eu fiz? Do que ele
está falando? Eu não sei cantar!
A recepcionista, apressada, nos intercepta antes que entrássemos no elevador,
para me entregar um envelope. Vejo o remetente e, confusa, vejo que não é
da sede e nem das lojas. E está endereçada a nós dois.
Subimos de novo no elevador e fico apreensiva do que seja. Só espero que
esse anel não seja de um roubo que agora estou sendo intimada nesse
envelope.
— “Ah, Dante, você é muito gostoso. O melhor homem que já vi. Seu pau é
imenso!” — Dante faz uma voz feminina que eu presumo que seja eu.
— Cala boca, seu idiota! — Minhas bochechas esquentam. Com toda certeza
eu não falei isso.
— “Mais forte, arranque esse mau humor de mim” — continua.
— Vai se ferrar. E se fosse tão bom eu lembraria!
Ele franze os lábios em desgosto com minha resposta debochada, já sem
qualquer resquício de sorriso, e me encurrala na parede gelada do elevador.
— Isso te faz lembrar alguma coisa? — Beija meu pescoço e eu arrepio
completamente. Mas tento me manter indiferente. Acho que os resquícios de
álcool ainda estão no meu corpo.
— Para, Dante. — Meu tom de voz sai mais baixo do que gostaria, me
controlando para não arfar.
— Será que quer que eu pare mesmo? — Beija meu queixo.
— Para, Dante! — repito. Mas ele, como sempre, não me obedece e continua
a arrastar o beijo.
— Ahh, Miranda. Você é até gostosinha, pena que é chata — sussurra de
modo especialmente cretino.
— Estúpido! Me solta, Dante. — O empurro, mas ele sequer se move. Viro o
rosto e dou alguns tapas nele, me recompondo.
— Como eu disse, chata. Fresca! — Ri e me solta. Fico vermelha pelo que
acabou de acontecer.
Idiota! Estúpido! Maldito Cretino!
— Não ouse fazer isso novamente ou eu vou chutar seu saco!
O elevador abre no nosso piso e ando na frente, ajeitando minha roupa.
Entramos no meu quarto. O envelope tem apenas um pen-drive e umas
quinze fotos de cabine. Muitas pessoas aleatórias pousando comigo e Dante.
Maioria das fotos tem alguém se mexendo gargalhando. Pelo jeito a noite foi
ótima! Curiosos, para saber de onde veio, plugo no meu notebook. Tem uma
pasta escrita “fotos e outro vídeos”. Cliquei logo em vídeos e esperei o único
arquivo abrir. Dante está tão apreensivo quanto eu.
Finalmente carrega e a tela está à meia-luz, focando para uma porta de
madeira escura. Em seguida eu apareço sorridente, com a roupa de ontem e
com um buquê esquisito na mão, entrando com uma pessoa enorme de
cabelos verdes berrantes. Aquilo ali é um travesti de dois metros jogando
pétalas na minha frente e fazendo passos de balé?
A gravação é em uma espécie de capela, eu acho, e bastante extravagante, em
meio às luzes de neon e com a presença ilustre de um anão vestido de Elvis
Presley. É sério isso? Eu não acredito!!!
Com taquicardia, percebo que se parece com um casamento esquisito e sem
noção, mas um casamento. A câmera foca em Dante sorridente enquanto eu
chego até ele. Descrente, encaro ele ao meu lado, que tem a mesma expressão
horrorizada que a minha e volto a assistir.
O anão canta Elvis bem estranho, mas eu e Dante, quando nos encontramos
no altar, rimos e cantamos desafinados juntos o refrão. Que vergonha! Além
de nós tinha mais algumas pessoas, tão bêbadas quanto nós, rindo e
aplaudindo aquele fiasco. Isso está mais deplorável que as noitadas de Paris
Hilton, Britney Spears e Lindsay Lohan em dois mil e seis.
— Eu, Dante Barcellos, serei seu esposo. E seremos casados, com um anel
que ganhamos na aposta do caça-níquel. — Ri e eu acompanho junto aos
demais.
— Eu, Miranda Moraes, serei sua esposa, e prometo não te aguentar depois
de hoje! — meu tom é bem-humorado. Um casal volta a gritar e se agarram
como se estivessem sozinhos no ambiente.
O pequeno Elvis nos declara casados e nos beijamos de forma um tanto
indecente. “Elvis” canta de novo e outras pessoas que estavam lá jogam
confetes na gente e duas travestis fluorescentes dançam balé em torno de nós
enquanto jogam mais pétalas. Uma outra vem atrás, vestida de cupido e
dançando também. O vídeo tem cerca de dez minutos.
Que vexame! Cristo do céu! Estou chocada com tudo isso!
— Estamos casados — Dante constata, tão incrédulo quanto eu. — E agora,
Miranda?
Me jogo para trás na cama e Dante vem logo em seguida, do meu lado. Estou
em choque!
Ficamos alguns minutos calados e mal temos tempo de assimilar, o telefone
toca e nos tira do transe. Levanto para atender.
— Srta. Miranda, o jatinho já chegou e só vai reabastecer — o copiloto me
avisa.
— Tudo bem. Já estou saindo do hotel. Obrigada.
— Estou à disposição! — desligo o telefone e repasso o recado.
Olho para ele, tentando encontrar uma saída para aquilo tudo. Descrente,
tento me manter sã. Pelo menos o anel não é roubado.
— Espera aí — intercepto esperançosa, com a mente a mil. — Já sei! O
casamento é de mentira, Dante! Estamos em Las Vegas! — Rio aliviada e ele
faz o mesmo.
— Isso! Você é uma gênia. Como não pensei nisso antes? — Dante sorri
abertamente e me agarra, me derrubando de volta na cama.
Nos encaramos com meu coração a galopes, já não tem mais risos. Ele desce
a boca para me beijar e eu pareço que não tenho braço e nem voz. Espero o
beijo vir. A campainha toca nos despertando daquela loucura. Saio de baixo,
desajustada, e vou atender.
Que merda está acontecendo hoje com o universo e, principalmente, comigo?
Uma moça que está com o uniforme do hotel me entrega um envelope maior
e mais cheio do que o que está comigo.
— A recepcionista avisou que esqueceu de entregar esse também.
Agradeço e fecho a porta. Abro o envelope para saber de onde é.
Provavelmente esse é dos fornecedores. Pedi para ser por e-mail, mas pelo
jeito decidiram mandar impresso. Tiveram sorte de eu ainda estar por aqui.
— Não pode ser! — exclamo assim que leio o cabeçalho do papel.
— Que foi? — Dante pergunta, alarmado.
Tiro os papéis e leio. Nada mais é que um documento autenticado e validado,
uma habilitação de casamento! A tal capela é um cartório, personalizado com
tudo que Las Vegas tem a oferecer. Ainda assim, um cartório de verdade.
Pelo jeito pegamos o pacote premium, com licença de casamento já pré-
autorizada pelo estado de Nevada. E nos encarregamos do resto com nossas
informações pessoais.
Nada mais desesperador que a facilidade de arranjar um casamento
justamente na cidade que é conhecida como um dos locais que mais
acontecem loucuras nas madrugadas! Ai, meu Deus! Eu estou oficialmente
casada! E pior, com o Dante!
— Documentos autenticados, Marido — debocho e ele pega umas das vias da
minha mão.
— Tínhamos que ser bêbados relapsos ou burros e entrar numa capela de
verdade nesse caralho? — resmunga e eu concordo.
— Que droga! Estamos oficialmente casados — constato aflita e sem
nenhuma saída. — O casamento não é válido, não é? É pela lei americana,
mas quando voltarmos para o Brasil não terá validade. Não estamos casados
oficialmente. É casamento de mentira, Dante, do mesmo jeito. — Sorrio por
esse detalhe e ele continua sério, fitando o papel que pegou da minha mão.
— Pior que não. O casamento aqui não é tão burocrático e pelo jeito pegamos
o pacote com processo de legalização incluso, que possui validade jurídica,
só basta atender requisitos que o estado pede. Provavelmente está sendo
encaminhado para reconhecimento no consulado. Apesar de tudo, é legítimo
como qualquer outro no civil.
Não acredito que, além de bêbados, fomos burros. Escolhemos o pacote sem
ler, não é possível tanta burrice!
— Ninguém mandou você beber todas como um carro velho! — me acusa.
— Ninguém mandou vir aqui me perturbar e me desafiar — acuso de volta.
Ele é que veio. O culpado é ele. Exclusivamente ele.
— E agora? — apreensivo, passa as mãos no cabelo.
— Vamos cancelar, óbvio. Não quero estar casada com você.
— Até parece que eu quero — alfineta.
— Cala a boca! Vamos embora daqui a pouco. Preciso pensar!
Em silêncio, ando de um lado a outro, pensando em uma fuga para isso tudo.
— Ninguém precisa ficar sabendo. Vamos fingir que isso não aconteceu até
pedirmos o cancelamento.
— Perfeito! Você, como é da área jurídica, acha que demora quanto tempo
para cancelar?
— Não sei. Acho que uns dois meses, no máximo, se formos rápidos.
— Ninguém merece. Mas fazer o quê?
— Fingir que isso nunca aconteceu.
Expulso Dante do quarto e ele vai para o seu, resmungando, e arrumo minha
mala. Em que merda eu fui me meter? Sabia que não seria uma boa ideia sair
para beber.
Tenho flashes de Dante passando a mão nas minhas pernas e dos beijos no
meu corpo, e involuntariamente me arrepio. Que merda está acontecendo
comigo? Pensando em Dante e ainda me arrepiando. Me poupe. Foco,
Miranda!
Arrumada com pose séria, como sempre fui, me preparo para voltar a ser a
Miranda que nunca casaria bêbada em Las Vegas. Não sei ao certo o que
aconteceu ontem, mas de uma coisa eu tenho absoluta certeza: nunca mais
cederei às implicâncias de Dante e beberei da forma que bebi. Só me trouxe
prejuízos!
Daqui a dois meses isso só vai ser um passado desastroso que eu farei
questão de apagar!
LAS VEGAS, NEVADA | Aeroporto internacional McCarran
01:20 PM – O que acontece em Vegas, não fica em Vegas...
Tensa e estressada, com uma dor de cabeça terrível, tanto no literal como no
figurado, chego ao aeroporto. Eu nunca mais coloco os pés aqui em Las
Vegas. Nunca! Vou para resolver uma coisa no fim de semana e volto casada
com a pessoa que eu considero mais insuportável no mundo. Qual a
probabilidade de isso acontecer? Frustrada com toda a situação, faço os
procedimentos necessários e, no jatinho, recosto minha cabeça na poltrona. A
aeromoça não é a mesma da vinda.
Só de pensar que agora sou a senhora Barcellos pela lei, bate um desespero
tremendo. Olho o celular e vejo que estou cheia de mensagens e ligações de
Cindy. Não estou a fim de conversar com ninguém, nem com ela, pelo menos
por agora. Quando eu chegar vou querer conversar com minha amiga e contar
sobre tudo isso para ela me ajudar a suportar sem enlouquecer. Se Dante for
mau-caráter, eu e meu pai podemos sofrer um golpe!
Ponho meus fones a fim de relaxar, mas 7 rings ecoa. Começo a ter alguns
rápidos flashes.
I want it, I got it, I want it, I got it
I want it, I got it, I want it, I got it
Não! Não! Não! Não!
Eu não fiz isso. Isso é demais até para minha pior versão bêbada. Eu
dançando na mesa com uma loira ao som dessa música em um local escuro.
Afinal de contas, quem é essa mulher?
Então é desse show que o homem me falou mais cedo... Que vergonha! Puro
vexame!
Troco de música para não morrer ainda mais de vergonha, mas tenho outros
flashes, de Dante passando a mão nas minhas pernas e os beijos no meu
corpo, me arrepiando de novo. Que merda está acontecendo comigo, afinal?
Sinto meu fone ser tirado do meu ouvido esquerdo e olho pela visão
periférica. Só poderia ser Dante me chamando.
— Fale. — Evito manter contato visual.
Confesso que estou me sentindo muito constrangida pelo que aconteceu.
— Como vai ser a partir daqui, quando a gente chegar lá?
— Como se nada tivesse acontecido. Para mim não mudou nada, Dante.
Olho para ele e imediatamente coro por saber que transamos.
— Para mim também não.
— Então pronto — afirmo.
Ele retorna à sua cadeira e eu volto minha atenção para o livro. Não poderia
ter passado a noite na companhia do Senhor Disk em vez de Dante? Me
pouparia essa dor de cabeça agora.
Ah, Senhor Disk! Como eu queria ter transado com você em vez de Dante.
Leio alguns capítulos e em uma cena totalmente quente e sexual, tenho
alguns flashes do que eu e Dante fizemos. Outros flashes dele vindo para
cima de mim. Santo Cristo! Eu transei com Dante e sequer me lembro direito.
Se meu pai um dia souber de uma coisa dessas, capaz de me trancar em casa
e degolar ele. Ontem eu perdi o controle totalmente.
— Melhore, Miranda! Você é uma pessoa pública! Tenha classe! Isso foi
ridículo! — imagino com clareza parte do seu sermão.
Adormeço e assim passo a viagem inteira, até ser acordada com o aviso de
que pousaríamos em dez minutos.
BRASIL, SÃO PAULO | AEROPORTO DE
CONGONHAS.
Com meus óculos de sol no rosto, me sinto preparada para voltar à minha
rotina no Brasil. Quando chegar em casa vou dormir até me sentir totalmente
recuperada dessa bebedeira infernal.
Nunca mais eu bebo e isso é uma promessa! Estou falando muito sério!
O copiloto desce minha mala de rodinhas com um grande cavalheirismo e
sorrio em agradecimento. Até que ele não é nada mal. Moreno comum, não é
forte, não é gostoso, mas tem um jeito bem másculo. Eu sou atraída por esse
tipo de homem, não sei o porquê.
— Muito obrigada, Elias — agradeço lendo o seu crachá.
— Estou à disposição. — Sorri para mim ainda segurando minha mala.
— Vamos logo, Miranda! — Dante me chama lá na frente, indo em direção
ao carrinho.
— Tchau, senhorita Moraes. A senhora é linda, com todo o respeito! — sorri
sedutor. — Meu cartão, caso precise.
— Vindo de um homem bonito, fico lisonjeada — retribuo o flerte e aceito o
papel.
Ele é bem gostosinho. Por que não?
— Vamos logo, Miranda! — Dante repete sem paciência.
— Tchau, Elias.
Me despeço. Odeio ser apressada por alguém. Sigo arrastando minha malinha
com a bolsa na mão em direção ao carrinho de desembarque.
Já saindo do aeroporto em direção ao carro da empresa que já nos esperava,
somos bombardeados por flashes e uma movimentação atípica. Vários
repórteres, uns por cima dos outros, com câmeras e gravadores para cima da
gente. Que merda está acontecendo hoje? Eu estou com dor de cabeça, porra!
— É verdade que vocês não queriam ser vistos juntos por causa do
casamento se aproximando?
Um repórter pergunta e meu coração acelera. Não! Não! Não! Não!
Estou em um pesadelo, não é possível! Eu preciso acordar e voltar para casa!
Acorda, Miranda!
— Como foi que conseguiram esconder o romance por tanto tempo? — outra
pergunta.
— O que seu pai achou de vocês se casarem sem ele? Ele já sabia dos seus
planos?
Atônita com milhares de perguntas que eles me fazem, junto com flashes
disparando na nossa direção, tento não surtar. Se eles estão sabendo é um
passo para meu pai saber, isso se já não souber.
Deus, o que eu fiz de grave para merecer isso? Como eles souberam?
Dois dos seguranças do aeroporto veem que estamos encurralados e nos
ajudam abrindo passagem, enquanto uma outra segurança nos ajuda pegando
nossas malas. Dante me abraça pela cintura me protegendo para passarmos
juntos e não corrermos o risco de sermos puxados por um repórter louco
antes de chegar ao carro.
Mesmo nessa loucura, eu sinto o corpo quente de Dante colado ao meu e
acabo tremendo rapidamente pelo contato. Seguimos em direção ao carro
com flashes ainda disparando. Entramos e o carro é cercado. Alguns batem
no vidro e outros ainda fotografam insistentemente.
O motorista tenta andar com o carro com um pouco de dificuldade. Qualquer
que fosse a ilusão de que o nosso problema lá em Vegas seria resolvido sem
polêmicas, já tinha desaparecido por completo. A tensão e o desespero
retrocederam forte dentro de mim ao ver os repórteres tentando saber
detalhes, batendo no vidro do veículo.
Suspiro aliviada quando finalmente o silêncio reina na avenida.
— QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO AQUI? — Dante pergunta
claramente nervoso.
— Não faço a mínima ideia! — Esfrego a nuca, claustrofóbica por essa
situação vergonhosa.
Meu telefone toca nos interrompendo. Olho o visor e vejo que é Cindy.
Atendo logo para saber o que ela quer, senão não vai sossegar. Ou ela pode
me explicar toda essa merda.
C: Miranda, sua louca dos infernos. Que babado é esse que aprontou em Las Vegas? —
Cindy grita como sempre do outro lado.
M: Cindy, hoje não, por favor. — Aperto os olhos com a cabeça latejando.
C: Eu disse que era para transar e não casar, louca — debocha bem-humorada.
M: Apenas me conte como é que descobriram — quase imploro.
C: Não descobriram, vocês fizeram questão de contar ao mundo inteiro. Corre para o
Instagram agora!
M: Ai, meu Deus, não acredito! — Sinto minha cabeça pulsar mais rápido, quase para
explodir.
C: Ai, meu Deus! Você casou bêbada! — exclama divertida do outro lado.
M: Cala a boca! — Desligo na sua cara.
Dante me olha em expectativa e eu corro ao Instagram para ver umas cinco
fotos da noite desastrada de ontem. Em uma, Dante e eu nos beijando em
selinho e com a legenda: “Maldito? Sim! Agora meu marido? também!”
#Casados, com vários coraçõezinhos do lado. É nítido que estamos
alcoolizados nas fotos.
Que horror! Passo meu celular para ele, que olha tendo a mesma reação que
eu: desespero.
— Estamos ferrados demais! — Dante passa a mão no rosto.
— Muito.
Ficamos calados depois de um longo suspiro meu. Até o celular dele apitar
milhões de vezes. Ele o pega e lê uma mensagem, exasperando-se em
seguida.
— Seu pai quer nos ver agora — anuncia temeroso.
— Eu não vou não! Avisa a ele que eu fiquei lá. Meu pai vai querer me
trancar no quarto, vai me deserdar, ou pior: vai me bater e exonerar da
empresa. Ai, meus deuses, eu... Anuncia que me sequestraram. Isso, me
sequestraram e que não precisa dar resgate!
— Miranda, respira! — Dante interrompe meu momento de desespero.
Merda! Isso só pode significar que meu pai já sabe e está mais irritado que o
normal comigo. Lá se vai minha reputação de filha perfeita e responsável que
criei desde criança.
— Vamos falar que é pegadinha! — tento me safar.
— Você está com o anel. Vai ficar mais difícil para a gente desmentir isso.
— Merda! Eu esqueci de tirar. Mas eu não posso comprar um anel para mim?
— Eles não irão acreditar nisso.
Dante avisa para o motorista, que até agora se fazia de invisível, o nosso
destino. Fizemos a viagem calados, enquanto eu ensaio uma boa desculpa ou
justificativa para dar para o meu general, ou pai, tanto faz.
— Espera a gente — aviso a Matt, que acena.
Pego apenas minha bolsa de mão e subo com Dante para o prédio sob olhares
de alguns pouquíssimos funcionários que estão trabalhando hoje, em pleno
domingo. O que meu pai também está fazendo aqui hoje? Subimos o elevador
calados, ambos com cara de culpados.
— Pai, posso entrar?
— Sim. — Seu tom seco ecoa do outro lado já demostrando a vibe da
situação.
Respiro fundo, olho para Dante e entro em seguida.
— Os dois, sentem — enraivecido, manda assim que chegamos ao local.
Obedeço sem protestar e Dante senta na poltrona do meu lado logo em
seguida.
— Posso saber por que tem um vídeo seu dançando bêbada em cima de um
balcão de um caça-níquel em todos os jornais digitais, Miranda? — seu tom é
sério e enraivecido.
— O QUÊ? — berro, sentindo uma iminente taquicardia.
— Veja com seus próprios olhos.
Me entrega o tablet e eu clico no play para ver a minha desgraça. A minha
horrível cena em um vídeo de péssima qualidade por conta da escuridão,
porém, dá para ver que sou eu dançando com a mesma loira que estava nos
meus flashes. Quem é essa mulher, afinal de contas?
Dante, ao meu lado assistindo, tenta prender o riso, provocando um barulho
debochado na sala. Eu e meu pai o olhamos sérios e ele suspende a mão em
rendição.
— Está achando engraçado, senhor Dante? — meu pai usa o mesmo tom que
usou comigo.
— Não, senhor.
— Eu mando vocês dois para resolver um problema e me trazem outro? —
não me atrevo a respondê-lo.
— Não foi bem assim, senhor — Dante é quem responde.
— Foi como então, Dante? Está em todos os jornais esse vexame.
— Sim, foi um deslize por termos bebido muito. Acabamos passando um
pouco da conta. Estávamos fora do expediente... — assume.
— Um pouco? A cada cinco minutos ligam para cá para saber se realmente
casaram. Vocês casaram bêbados, têm noção disso?
Tento me defender, mas meu pai me corta e me calo.
— Eu jamais esperaria isso de você, Miranda. Não importa se foi fora do
expediente, você é uma pessoa pública e esse deslize pode custar caro para a
Amonet! — bate a mão na mesa, descontrolado.
— Iremos contornar isso da melhor forma — Dante garante.
— Vão mesmo. E eu já vou poupá-los de pensar em algo. Já tenho o plano de
vocês.
— O que seria? — pergunto, curiosa e temerosa.
— Vocês irão morar juntos. Seus atos têm consequências e terão que
aguentar! — responde decidido.
— O quê? — gritamos juntos e meu pai continua inabalável.
— Querendo ou não, isso vinculou com a empresa. Como falei, Miranda, sua
irresponsabilidade causou efeitos negativos, Dante também. E se mentir nessa
altura do campeonato, vão focar isso para o resto da vida, vão virar
celebridades por um vexame. Então vão fazer os seus lindos papéis de marido
e mulher até a poeira abaixar, o divórcio que eu sei que vocês vão pedir sairá
e anunciaremos o término amigável alegando incompatibilidade — dita o que
devemos fazer.
— Eu não vou morar com Dante de jeito nenhum! — nego com veemência.
— Vai sim, Miranda. E não te dei poder de escolha. Não irei perder negócios
pela sua irresponsabilidade — me corta.
— Mas, pai...
— Não, Miranda, eu estou decepcionado demais com essa sua atitude, soube
que foi convidada para a lista de personalidades admiráveis. Se fosse eu
quem fizesse essa lista você não entraria tão cedo. Uma irresponsável!
Avoada! Sua mãe ficaria decepcionada por esse vexame.
Suas palavras me magoam profundamente ao mencionar minha mãe. Murcho
mais um pouco com isso e engulo em seco pela sua decepção escancarada
através de palavras tão severas. Sequer tenho voz para retrucar. Eu faço de
tudo para ser um exemplo e por um deslize acabo o decepcionando. Que
merda!
— Eu também não concordo com isso. E eu não sou seu filho, senhor, e não
irei acatar essa irracionalidade. Me desculpe — Dante se impõe.
— Tudo bem, darei poder de escolha: diga o que fazer, senhor Barcellos, se
der errado sua proposta, vão os dois para o olho da rua.
— Pai? — questiono incrédula.
— Como falei, foi fora do expediente, se o senhor acha que não faço mais o
perfil da empresa, não posso fazer nada, mas a demissão terá que ser cabível.
— Dante sequer gagueja e eu prendo a respiração pela sua objeção clara ao
meu pai.
— E aí, como vai ser? Demissão dupla ou vão assumir as consequências dos
seus atos?
Contrariada e encurralada, me sinto perdida. Não posso perder meu emprego,
eu amo o que faço e sei que Dante também, minha vida foi planejada para
estar aqui, eu respiro a empresa. É o meu legado! Encaro o meu agora
marido, suplicando com um olhar que ele aceite essa proposta absurda, nem
que seja por ora, antes de acharmos outra solução. Acho que posso aguentá-lo
um mês pelo meu emprego. É o tempo de tudo voltar a ser como era, como se
isso nunca tivesse acontecido.
— Vou liberar vocês para resolverem quem vai para casa de quem. Chega de
problemas por hoje. Vão para casa e só me apareçam aqui amanhã do jeito
que falei. Ou nem apareçam — impõe.
Saímos juntos, raciocinando o que faremos daqui em diante.
— Vai mesmo concordar com isso? É muita loucura!
— Vai querer colocar o emprego em risco? Não vou conseguir contornar essa
situação sozinha. E se eu for demitido, não vou pegar carta de recomendação,
nem você, seu pai é muito tirano, me desculpa a verdade. Vamos virar
subcelebridades que precisam discutir no Twitter ou mostrar a bunda no
Instagram para ganhar notoriedade. É isso que quer?
— Vamos morar na minha casa então — bato o martelo, rendida e totalmente
frustrada.
— Prefiro a minha.
— Não, Dante, a minha — me imponho.
Não me adaptaria num ambiente novo, mesmo que seja por pouco tempo.
Meu loft é meu lugar sagrado e odeio a sensação de estar na casa alheia.
— Por que a sua? Me dê apenas um motivo. — Cruza os braços.
— Pelo que sei sua casa é alugada e meu loft, não. Então vai ficar na minha
casa, sim.
— Tudo bem, então. É bom que não pagarei mais aluguel! — resmunga.
— Vai para sua casa, pegue suas coisas e vai para lá.
— Pelo jeito a tirania é de família — ironiza.
— Não sou isso!
Descemos o elevador juntos ainda quietos e, na saída, somos bombardeados
por repórteres mais uma vez. Que droga! Eles não cansam de nos perseguir?
“Alguma declaração, Miranda?”
“Poderíamos ter uma foto dos recém-casados?”
“Estão namorando há quanto tempo?”
“Foi difícil esconder esse romance na empresa?”
“O que seu pai achou de casar sem ele?”
Essas são algumas das milhares de perguntas que fazem para a gente. Olho
para Dante sem saber como agir, se confirmamos, se desmentimos
confrontando meu pai ou ignoramos até pensarmos em uma nota para emitir.
Dante entrelaça a sua mão na minha e eu me sinto um pouco constrangida por
esse contato tão brusco.
— Sim. Casamos e estamos muito felizes.
Ele confirma e, sem me deixar assimilar, me beija de língua na frente dos
repórteres. Eu, assustada, tenho apenas a reação de retribuir, afinal, temos que
ser convincentes
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET
Dentro do carro, com os lábios formigando e ainda esbaforida pela situação
de agora, tento me situar mais uma vez. Que dia louco da porra!
— Quando for me beijar de novo pelo menos avisa — ralhei.
— De novo? — rapidamente ri presunçoso, com um leve tom de ironia.
— Dante, eu estou falando sério e você entendeu! — chio.
— Okay, estressadinha.
Meu celular toca de novo e vejo que, mais uma vez, é Cindy.
C: Você desligou na minha cara e não atendeu mais — reclama assim que atendo.
M: Você me mandou correr para o Instagram e depois fiquei um pouco atarefada com meu
pai.
C: Custava ter avisado? Você é uma péssima amiga! — dramatiza com uma voz
propositalmente ranzinza.
M: Deixa de drama, Cíntia!
C: Me chame direito! E aí, aconteceu o que com seu pai?
M: Depois vou te contar tudo. Estou indo para casa — suspiro cansada.
C: Vou para aí então, não sai! — avisa de forma estridente e desliga na minha cara.
Concordo sozinha, fitando o celular com a chamada encerrada, porque somos
melhores amigas há tempo suficiente para ter me acostumado com seu jeito
repentino e acelerado. Estou vendo que dormir não vai ser possível.
Fizemos o percurso calados, e eu tento absorver a loucura que minha vida se
tornou em apenas um final de semana. Como se fosse pouca a desgraça de
casar com Dante, ainda tenho que morar com ele. Meu pai só pode estar de
brincadeira em propor isso! Insensível, ele poderia ser flexível numa situação
tão singular como essa!
O motorista me deixa em casa e segue com Dante para a dele. Com a
sensação de estar de volta ao lar, arranco meus saltos no meio da sala, junto
com a mala. Me jogo no sofá olhando o teto branco com a luminária.
— Miranda, você se ferrou! — constato em voz alta.
Levanto do sofá e subo as escadas onde ficam os quartos. Deixem-me
mostrar minha casa a vocês. Meu duplex é amplo e arejado, apesar de não ser
muito grande.
A sala e a cozinha são praticamente no mesmo ambiente e, no corredor de
cima, no topo das escadas, dá para ver uma parte dos dois cômodos. Não é
totalmente parede, há um muro de vidro de meio metro. Abro o quarto de
hóspedes que é onde Dante vai ficar, e não está nada mal. Cindy às vezes
vem dormir aqui, e quando não é comigo, é aqui que fica.
Vou para o meu quarto e troco pela roupa mais confortável que acho, porém
lembro que Dante está vindo e não posso ficar dessa forma como eu ficaria
em casa ou só com minha amiga. Adeus, camiseta e calcinha! Tchau,
liberdade de andar sem sutiã. Adeus, banheiro de porta aberta!
Acho que acabei de ver minha plenitude correr para a rua com suas malas e,
ao seu lado, minha satisfação.
Ainda me pergunto o que eu fiz para merecer isso. Estou tão frustrada e
irritada com meu pai, que... Caramba! O pior foi a decepção estampada na
sua cara e o que ele falou sobre minha mãe, estou me sentindo um lixo de ser
humano.
Escuto a campainha tocar e desço correndo. Deve ser Cindy. Abro e ela entra
como um raio jogando os cabelos no meu rosto.
— Sua quenga, me conta tudo agora! — segue em direção à cozinha,
largando a bolsa no sofá.
— Não sei nem por onde começar! — A acompanho.
— Estão casados mesmo? — questiona abrindo os armários.
— Infelizmente, sim — mostro claramente meu desgosto.
— Não sei por que está desolada. Pelo menos seu marido não é feio... Aquele
corpinho agora é seu, gata. — Pisca para mim.
— Dante é um babaca, isso sim. — Reviro os olhos.
— Mas é gostoso. Já reparou o sorriso dele, aqueles lábios...? Partidão,
amiga!
— Menos, Cíntia!
— Ah, me desculpa. Agora ele é seu marido. — Usa um tom muito
debochado.
Permaneço séria, mostrando que não achei nenhuma graça, e me entrega um
copo de suco.
— Vamos para a sala. — Ela pega os biscoitinhos que colocou num pote, e o
próprio suco, indo em direção ao meu sofá.
— Meu pai praticamente obrigou a gente a morar juntos. Não deixou a gente
negar para não passarmos como irresponsáveis.
— Como assim? — se vira para mim, interessada.
— Ou era isso ou demissão, e onde eu arranjaria emprego se for expulsa da
própria empresa? Que respaldo eu vou ter no mercado?
Coloco meu suco no móvel e me jogo no sofá, acompanhada da minha amiga
que não desgruda dos biscoitos.
— Sério? Seu pai às vezes me dá medo, de tão radical... — admite de boca
cheia, mastigando. — Quem faria isso com a filha?
— Senhor Benício tanto faria como fez. Estou tão... Argh! Ele está para
chegar daqui a pouco. O circo tem que sair perfeito e ai da palhaça aqui se
causar mais um deslize — solto ar, exasperada.
— Eita, que vibe ruim você tá, viu? Quero saber, vocês transaram? Como
foi?
— Não sei, porque não lembro direito. — Olho para ela, que está com os
olhos arregalados entrando em conflito com a sua cara sorridente e incrédula.
— Como assim você transou com aquele gostoso e não se lembra, Miranda?
— se mostra indignada.
Olho para ela, séria, e ela sorri de um jeito meigo e totalmente forçado.
— Desculpa de novo. Esqueci que ele agora é seu marido, tenho que lembrar
desse fato agora.
— Eu não ligo. Deixe de besteiras, Cindy! — faço pouco caso.
— Mas não se lembra de nadinha? — tenta me arrancar confissões a todo
custo.
— Só alguns flashes.
— E pelos flashes, era bom? — Seu tom é muito curioso.
— Não quero responder essa pergunta. Próxima! — Sinto meu rosto
esquentar violentamente.
— Ai não, foi ruim?
Murcha, frustrada por não ter um babado quentíssimo para te contar.
— Não!
Me apresso em negar e fujo do seu contato visual e sua expressão abismada,
já surgindo um sorriso cretino.
— Então foi bom? Miranda, sua safada! Sempre soube que ele acende seu
fogo e você renega!
— Nunca na vida! Dante não me causa nada além de raiva!
— Eu duvido, aposto que fica toda elétrica e instigada quando discutem. —
Sorri de lado de forma afrontosa.
— Para, Cíntia! Eu realmente não lembro direito o que aconteceu — tento
encerrar o assunto constrangedor.
— Não sente vontade de dar de novo, lúcida, para ver como é de verdade?
Imagino o que vai acontecer com vocês dois aqui sozinhos... — Balança os
dedos em sinal de intensidade.
Sinto meu rosto formigar de vergonha pelas suas suposições. Se eu sinto
vontade de fazer o que ela sugere? Lógico que não! A primeira para mim já
está sendo traumática por não conseguir lembrar direito.
— Não acredito que não fui a madrinha — chia, cruzando os braços.
— Se eu pudesse nem estaria casada, amiga. Madrinha é o de menos. — Rio
e é de puro nervoso.
— Ah, é? — Sua expressão é totalmente debochada, com uma falsa
indignação.
— Não se preocupe que quando eu casar de verdade, se um dia eu casar,
melhor afirmando, você será a madrinha com toda a certeza.
— Acho bom — me ameaça, enchendo a boca.
Pego um pouco do biscoito que ela está comendo enquanto conversamos
sobre assuntos mais leves e aleatórios. Passamos praticamente a tarde toda
juntas e nada de Dante aparecer. Não que eu queira que ele chegue logo, tudo
bem? Mas só que marcamos de ele vir para cá e ele sumiu.
Fizemos maratona de RuPaul's Drag Race, um dos programas favoritos de
Cindy e, já anoitecendo, minha campainha toca, assustando nós duas.
— Deve ser seu marido — Cindy zomba. Não perde uma oportunidade!
— Cale a boca!
Levanto do sofá para atender e dar de cara com Dante, com as malas nas
mãos.
— Os repórteres não deram sossego — se queixa, passando a mão no cabelo.
— Te perseguiram?
— Sim. Estou ficando louco! — Joga as duas malas grandes perto da porta.
— Ainda bem que passei o dia todo em casa.
Me viro e dou de cara com Cindy jogada no sofá, assistindo à nossa
interação, sorridente, claramente se divertindo. Cretina!
— Ahn. Oi? — Dante cumprimenta Cíntia de longe.
— Oi, Dante! — Ela sorri abertamente ao se levantar do sofá.
Reviro os olhos internamente. Cindy é toda dada.
— Cíntia, né?
— Cindy, por favor.
— Certo, Cindy.
Pigarreio para eles se darem conta da minha presença.
— Amiga, eu estou indo. — Pega a própria bolsa e arruma os cabelos.
Ela passa por nós dois em direção à porta e eu a sigo.
— Se quiser ficar mais, não tem problema. Não sabe?
— Eu sei. Mas não quero segurar vela em plena lua de mel de vocês.
— Cíntia... — a repreendo constrangida.
— Vão ficar bem aí, sozinhos? — certifica-se, preocupada.
— Espero que sim. Ele não se atreveria a algo.
— Certo. Qualquer coisa vai para o meu apartamento. Estarei com o celular
ligado a noite inteirinha.
Beijo seu rosto enquanto ela me abraça se despedindo.
— Tchau, Dante. Usem preservativos e juízo, crianças.
Dante acena e minha cara vai ao chão com seu comentário. Cindy ainda vai
me pagar por essas coisas. Ah! Se vai. Mas tenho assuntos mais urgentes para
lidar. Conviver com Dante a partir de hoje, por exemplo!
BRASIL, SÃO PAULO | JARDIM PAULISTA – LOFT
Suspiro criando coragem antes de virar para a porta e encarar Dante na minha
sala.
— Bela casa! — elogia.
— Obrigada. Vamos, vou te levar para o quarto.
— Já, Miranda? Nem um cafezinho antes? — Ele arqueia as sobrancelhas em
deboche.
— Menos, Dante! — Reviro os olhos. Ele tem um time incomum de me
estressar com pouquíssimas coisas.
Sigo para subir as escadas na frente e ele vem atrás com as próprias malas nas
mãos.
— Gostei da visão — comenta, sem-vergonha e provocativo.
— Cala a boca!
— É impossível fingir que não vi essa bunda!
Subo as escadas mais rápido para ele parar de gracinha enquanto ele ri por
saber que conseguiu o que queria: me irritar.
— Aqui. — Abro a porta do quarto de hóspedes.
— Cama de solteiro? Achei que iria ficar no seu quarto. — Sua expressão se
torna sugestiva.
— Nem morta! — Forço um sorriso debochado.
Dante vem na minha direção, me assustando, e me agarra contra si.
— Vai me contar que não tem vontade de dar de novo para o papai aqui? —
sorri, insolente.
— Nem um pouco, querido — devolvo o sarcasmo.
— Será mesmo?
Seu tom é sério e propositalmente rouco. Me provoca beijando meu queixo.
Cretino e safado, sua ação atrevida me desalinha momentaneamente.
— Me solta, Dante. — Tento me esquivar.
— Por que tem que ser tão chata? — Seu tom continua desaforado.
— Porque você é um maldito! — Bato no seu peito e ele me solta, rindo. —
Não faça mais isso! — Aponto meu dedo para ele.
Estou irritada e saturada. E pior, não tem nem meia hora que chegou.
Trêmula de ódio, saio cuspindo fogo.
“Vai me contar que não tem vontade de dar de novo para o papai aqui?” Ah,
faça-me o favor!
Desço as escadas marchando em direção à cozinha. Estou morrendo de fome
e já passou da hora do jantar há muito tempo. Sou muito preocupada com
minha alimentação.
Preparo café para mim e logo Dante desce sem camisa e com um short fino,
mostrando que está recém-banhado.
— Gostou, emburradinha? — É impossível ter uma boa convivência.
— Ah, Dante, faça-me o favor e vá pôr uma camisa!
— Não vou. Estou em casa agora — se mostra inabalável.
— Na minha casa — o corrijo.
— Está com medo de não conseguir resistir, é? — morde os lábios
rapidamente e sinceramente odiei sentir meu peito tamborilar.
— Dá um tempo, idiota!
— Está fazendo o que para tomarmos café? — Chega mais perto.
— Eu fiz café para mim, se quiser algo faça você mesmo.
Pego o café que acabei de colocar na minha xícara, junto com algumas
torradas com requeijão natural e sigo para a sala, deixando-o na cozinha me
chamando de grossa. Ligo o notebook para trabalhar. Vou fazer os relatórios
da viagem e dos fornecedores que ficaram de me mandar por e-mail. Só
escuto os armários batendo e ele resmungando sobre só ter coisas light e
frutas.
— Desculpa, mas quando reabasteci as coisas não pensei em você — rebato
da sala o seu desaforo.
Ele resmunga algo, abrindo outra porta do armário, e eu fico imersa no meu
trabalho enquanto me alimento.
— Porra! Que requeijão ruim — Dante resmunga em pé, atrás do balcão.
— Você está comendo meu requeijão?!
Exclamo desesperada, vendo-o com um pão com três dedos de requeijão
cremoso. Ai, Deus! Meu requeijão orgânico e saudável!
— E me arrependi por isso! — Faz cara de nojo. — É horrível. Credo!
— Não fale assim do meu requeijão cremoso! É rico em fonte de vitaminas
do complexo B e proteínas. Sem contar que tem baixíssimo teor de gordura
— rebato.
— De que adianta? É ruim pra cacete. Sem contar que parece porra.
Olho para meu prato com as torradas em uma quantidade boa do requeijão
em cima. Imediatamente perco a vontade de comer.
— Que nojo, Dante! — Minha expressão demonstra fielmente o que acabei
de expor.
— Nojento mesmo. — Joga no lixo, desperdiçando.
— Estava falando de você e suas escrotices.
— Prefiro o bom e velho podrão!
— Deus me livre! Aquilo ali é um infarto no pão. Nem me aproximo. Estou
de dieta!
— Vai emagrecer aonde aí, Miranda? — debocha, rindo em escárnio. —
Você é tão magra que compra roupas da Barbie! Literalmente!
— Vai se ferrar! Desde quando dieta é só para emagrecer? Eu estou cuidado
da minha saúde, apenas. E deveria fazer o mesmo.
— Prefiro viver pouco e comer o que eu gosto do que ficar sofrendo e
comendo essas porcarias que você chama de comida.
Ele percebe minha irritação e ri, indo ao primeiro andar. Não demora a descer
de camisa e com a carteira na mão.
— Vou procurar algo para comer na rua, talvez numa Padoca.
— Não me importo. — Continuo com a cara no notebook.
— Agora eu entendo o seu mau humor. Não come direito, tadinha.
Suspiro frustrada e escuto a porta bater. Levanto e coloco a torrada que mal
toquei na geladeira. Não vou conseguir comer isso depois que ele comparou
com... Com a coisa! Meus biscoitinhos acabaram, Cíntia comeu todos. Por
fim, pego uma maçã.
Mais tarde me alimentarei direito. Minha prioridade são os relatórios e Dante
chega quando estou salvando os arquivos, com uma sacola imensa de papelão
de fast food. Por que ele não comeu na rua? Eu me matando para manter a
dieta e ele traz justo um lanche desse tipo para dentro da minha casa? Eu não
deixo Cíntia entrar aqui com isso e ele vem!
Por que eu tenho que passar por essas provações?
— Trouxe para você também. Comida de verdade — implica, tirando da
sacola um hambúrguer e babatas fritas. — Quem sabe assim você não
melhora esse humor.
Esse cheiro... Ai, meu Deus!
— Tem como você comer isso em outro local? — tento me manter
inabalável.
— Não.
— Dante! Você fica aí me provocando. Trazendo essas comidas para cá,
sabendo que estou de dieta! — chio frustrada.
— Eu trouxe comida, apenas. Não é minha culpa que você está com vontade!
Ele vem na minha direção colocando o hambúrguer, meu favorito por sinal,
bem na minha cara. Resiste, Miranda!
Uma versão minha vestida de branco aparece do meu lado, ditando: lembre-
se das suas consultas com a nutricionista e dela ter te parabenizado por estar
seguindo à risca a dieta.
Resiste, Miranda! Lembre-se que tem pão integral. Tem suco natural. Tem
frutas! Você está saudável! Tem o seu requeijão favorito... Me aconselha e eu
vejo que não posso cair nessa tentação. Vou negar e comer minha torrada que
está na geladeira...
Outra Miranda aparece, de vermelhos e com chifres, por mais aterrorizante
que isso pareça, numa luta interna entre razão x vontade. Interrompendo a de
branco, complementa: ... que Dante disse que parece porra.
Argh! Que nojo! Nunca mais vou comer esse requeijão em toda minha vida!
Batata é legume. Pão é vitamina B. Carne é fonte de ferro. Os molhos são
inofensivos... Sem contar que desperdiçar comida é pecado... — a vontade
me instiga.
Esse cheiro de hambúrguer, da fritura, da batata frita não é saudável! Resista,
Miranda! — a “razão” fala, a de branco.
Uma vez só não faz mal! A “vontade”, vestida de vermelho, num tom mais
ameno, me encoraja como se não fosse nada de mais. As duas falam ao
mesmo tempo e fico sem saber qual conselho seguir. E, antes de sumir, a
“vontade” complementa: lembre-se, Miranda, o requeijão parece porra e
esse hambúrguer parece tão apetitoso...
— Vai querer ou não?
Volto para a realidade com a voz de Dante. Ele coloca mais próximo ao meu
rosto, me fazendo sentir o cheiro mais de perto.
Tomo da sua mão e ele gargalha. Dou uma mordida generosa e gemo logo em
seguida, sentindo o gosto divino na minha boca. Tem vários meses, quase um
ano, desde que comecei a dieta, que não me aproximo dessas coisas.
Ai, não! Eu quebrei minha dieta! Me sinto uma pessoa horrível. Me sinto
mal, porém continuo comendo sem conseguir parar.
— Sabia que era fome. — Ri convencido.
Estou maravilhada demais com o gostinho da carne e do molho na minha
boca, para respondê-lo.
— Toma! — Me entrega as batatas fritas e uma latinha de refrigerante.
Olho para aquilo e penso se vou ou não comer.
— Ah! Você já comeu o hambúrguer. Não adianta dar para trás agora. Mostre
que você é dona das suas vontades!
— Você é uma péssima influência — resmungo mastigando a batatinhas.
Ele parece satisfeito com meu apetite. Como tudo rapidamente e me sinto
cheia de verdade. Sempre que me alimento, apenas mato minha fome, mas
dessa vez eu comi a ponto de me sentir inchada, estufada e até sonolenta.
Deus! Eu não deveria ter comido tudo isso! Não deveria! Vou ter que ficar
uma hora a mais na esteira.
— Você está proibido de comer esses tipos de comidas aqui!
— Não. Você que resista — rebate.
Jogo as embalagens no lixo e decido subir para dormir. Estou cansada
demais.
— Amanhã, não se atrase. Vamos sair no horário — dou o recado.
É a sua vez de dar um muxoxo. No meu quarto, trancada, me distraio na
companhia do Senhor Disk gostoso, até ficar com os olhos ardendo e ir
dormir.
Amanhã um grande dia me espera e a perspectiva de olhares indiscretos na
minha direção já me deixam ansiosa! Argh!

...
Bato meu indicador no X, quando uma música qualquer começa no
despertador. Odeio essa parte da manhã que eu tenho que levantar, porém, é
necessário. Resmungo letárgica, sendo abraçada perfeitamente pela textura
macia do lençol nessa manhã levemente fria.
Me arrumo para encarar o dia de cão. Sem perder a elegância, porque, apesar
do meu deslize, para todos eu continuo a elegante e fabulosa Miranda de
sempre.
Do topo da escada, me debruço no pequeno muro, vendo Dante com a
geladeira aberta, tomando um dos meus iogurtes light. Não foi pesadelo! Até
então estava agindo como se tudo fosse efeito da bebida e fuso horário
diferente, mas a realidade socou minha cara mais uma vez.
— Por que está tomando meu iogurte? Está contado para a semana. — Me
faço presente, descendo as escadas.
— Para que tanta questão? Nem é gostoso. Se eu ficar mais dois dias nessa
casa com essas comidas sem sabor, eu morro desnutrido — rapidamente
retruca.
— Ei!
Passo para a geladeira para procurar algo para comer.
— Bela bunda. Agora sei o porquê das dietas — já solta a piadinha do dia.
Gemo descontente e ergo meu corpo, que está debruçado, para ver o que tem
dentro da geladeira.
— Vá se ferrar, Dante!
Santo Cristo! O dia mal começou e eu já estou passando raiva. Depois do
café apressado, seguimos para a garagem.
— No meu carro.
— No meu — se opõe.
— Eu vou no meu e você vai no seu — proponho.
— Temos que chegar juntos, recém-casados, lembra? — Passa a mão nos
cabelos penteados.
— Eu vou no meu — me imponho.
Dante nega com a cabeça, sorri na minha direção e eu já entro em alerta, mas
não consigo reagir além de xingá-lo quando me põe no seu ombro.
— Você é um ogro! — Estapeio suas costas duras.
Ele dá um tapa na minha bunda mandando-me ficar quieta, me repreendendo.
Ainda ficou estressado? Eu que deveria!
Dante me põe sentada no banco do passageiro do seu carro e eu abro a porta
que já estava fechada e bato com a maior força que consigo, de puro
aborrecimento, para descontar.
— Ei, cuidado, fresca — me insulta.
— Estou nem aí, depois eu quem sou fresca. Ogro! Grosso! — devolvo a
ofensa.
— Sou mesmo. Pelo jeito lembrou da nossa foda! — debocha.
Dou um grunhido de puro nervoso, frustrada com essa situação merda. Eu
não aguento mais isso e olhe que só se passou um dia. Um! Eu vou
enlouquecer a qualquer momento!
— Egocêntrico desgraçado!
Bato meu salto da coleção passada no chão, causando barulhos ocos de
impaciência; é o meu estado de espírito no momento. Meu pai não tem senso
nenhum! Eu vou pedir demissão, não vou conseguir aguentar isso, minha
plenitude é maior que qualquer coisa, mesmo que eu queira ser uma filha boa
e uma profissional excelente. Vou virar youtuber, é o que está na moda, deve
ser mais rentável que essa palhaçada!
Dante leva o carro em direção ao prédio e dá play no som. Formation, de
Beyoncé, ecoa no ambiente, já no final. Surpresa, não evito uma gargalhada.
— Você ouve Beyoncé? — sem fôlego, lutando contra o riso ainda entalado
na garganta, indago quando vejo que vai trocar.
— Lógico que não! — nega rapidamente como se fosse uma ofensa.
— Vai me falar o quê? Que foi sua irmã? Você é filho único, Dante!
— Na verdade, foi para uma gostosa peituda que eu estava querendo pegar e
coloquei quando a gente saiu, ela era fã e ficou toda derretida. — Arqueia
uma das sobrancelhas. — São táticas masculinas. No final da noite... Já sabe,
né?
Já sem vontade de rir por aquilo, reviro os olhos.
— Que grosseiro! Uma hora dessas da manhã e você sendo nojento. —
Ponho a língua para fora.
A música para e ele troca para um funk barulhento.
— Namorar para quê? Se amarrar para quê? Prefiro “tá” solteiro que eu
sei que elas vão querer — Dante canta me olhando, claramente afrontando.
Inconformada, tento mudar e ele me intercepta.
— Funk é horrível! Como você escuta isso? — berro por cima da música.
— Com os ouvidos que Deus me deu! Vai me pedir o quê? Para pôr Justin
Bieber?
Me encarando, solta uma gargalha zombeteira, me deixando mais irritada.
— Não! Olha bem para minha cara, Dante! Você é um imbecil!
Bato no painel parando a música de uma vez. Discutimos a metade do
caminho até decidirmos colocar numa rádio e acalmarmos nossos ânimos.
Meu celular vibra e o visor mostra que é Cindy.
Atendo ainda lançando um olhar mortal a ele.
C: Graças a Deus está viva. Como foi a noite? Deu muito?
M: Cíntia! — a repreendo constrangida. Quando não é um, é outro.
C: Credo! Que mau humor, pelo jeito não rolou nada. Vou desligar, liguei apenas para
saber isso. Te amo!
E simplesmente desliga. Estou num hospício social e ninguém me falou?
Que surto coletivo é esse?
Aproveito para ver minhas redes sociais, ignorando as últimas notícias sobre
mim e meu fatídico casamento com o sujeito do meu lado. A foto do
“casamento” já acumula vários likes, e ainda tem comentário de Cíntia,
completamente debochada: “essa Drag vestida de cupido é meu espírito
casamenteiro, fui bem representada como madrinha! #Danda é
definitivamente o meu casal.”
Ela está se divertindo com essa situação mais do que qualquer um! Espero
ansiosa pelo dia que também acharei graça de toda essa situação, porque, no
momento, só sinto raiva e frustração.

BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET


Com os ânimos mais calmos depois das infinitas discussões, adentramos no
prédio. Certeza que serei alvo de olhares indiscretos, aposto que meu suposto
casamento e vexame na boate são as pautas de hoje entre funcionários
fofoqueiros. Logo eu que sempre fui discreta em todos os ângulos da minha
vida.
Construí todo o meu respeito para nada. Para acabar em um final de semana
de merda.
— Pronta, esposa?
— Sem esse apelido brega.
— Por que, esposa? — continua com um leve sorriso desaforado.
— Dante, de verdade, por favor, sem essas gracinhas aqui dentro, é o nosso
local de trabalho — o advirto.
— Só porque me pediu por favor.
Ele entrelaça meus dedos nos seus e acabo desajustada pelo contato próximo
inesperado, em nos fazer parecer íntimos de repente. Sob olhares curiosos,
seguimos em direção ao elevador para o andar administrativo, onde ficam
nossas salas, e covardemente tento soltar minha mão da sua, mas ele aperta
firme, não permitindo que faça isso.
Engulo a seco e, calada, olhando para a frente como sempre faço, sem dar
margem para ninguém, ao contrário de Dante, que ri, cumprimenta e acena
como uma miss. Percebo que tem pessoas olhando para mim de sorrisinho,
mas continuo impassível. No breve minuto do elevador vazio, respiro. Mas
logo apita rapidamente e as pessoas do andar param o que estão fazendo para
nos observar.
Eduarda, minha secretária, fica mais atenta ao me ver, provavelmente para
me dar mil e um recados. De todos os funcionários, ela é a única que consigo
ter um pouco de empatia, faz seu trabalho perfeitamente. E isso para mim é
essencial. Dante me para na porta da minha sala e encaro sua expressão
risonha.
— Viu? Não foi tão ruim!
— Perdi o respeito dos meus funcionários, como não foi tão ruim?
— Como você tirou essa conclusão só com um olhar rápido enquanto
entramos? — pergunta curioso.
— Sou uma boa observadora. — Dou de ombros.
Dante acena e continua a me olhar, aproximando nossos rostos, e sinto meu
corpo tencionar e a taquicardia vem fininha, adormecendo meus músculos.
— O que você está fazendo? — Minha voz soa alarmada, exatamente como
me sinto.
— Acabamos de casar, temos que nos mostrar apaixonados.
— Não acho uma boa ideia isso. Somos um casal reservado.
Ele nega e segura na minha nuca, colando nossos lábios em um beijo
despretensioso, mas que logo toma outra proporção em um beijo discreto,
porém flamejante, com língua. Por pouco não solto um gemidinho. Eu pensei
que seria um selinho! Santo Cristo! Eu estou beijando o Dante. Não
desespera, Miranda!
Sem reação e com os lábios formigando, o encaro novamente. É sério que
beijei o Dante na frente de meus funcionários?
— Viu? Não foi tão ruim! — repete.
— Não faça mais isso! — sussurro ofegante, arrumando minha franja,
tentando me recompor.
Me dá um último selinho, me deixando perplexa, e dá as costas. Me viro para
o pessoal que observa, tão descrente quanto eu. Suspendo uma sobrancelha e
todos se dão conta e tentam disfarçar, inclusive Eduarda, que mal esconde um
sorrisinho discreto e satisfeito.
Chamo-a na minha sala e ela vem imediatamente.
— Sim, senhorita. Ahn, desculpa, senhora. — Fica vermelha com a pequena
confusão.
— Não precisa se desesperar. Não vou comer sua cabeça. Permanece com o
senhorita, por favor, já se acostumou mesmo. — E porque em breve vou
voltar a ser chamada assim, apenas penso. — Já mandaram o último
balanceamento?
— Não, mas ligaram para o ramal daqui antes da senhorita chegar avisando
que vai descer antes das nove.
— Assim espero. Era só isso, obrigada. — Sorrio para ela.
— Tudo bem. E parabéns pelo casamento com o senhor Dante, formam um
lindo casal. — Sorri e em seguida sai, me deixando perplexa pela ousadia.
Dou de ombros e preparo meu café na máquina enquanto o sistema inicia.
Antes de focar no que realmente preciso, até minha secretária chegar se
desculpando para me avisar dos recados.
— Senhor Moraes mandou avisar que a senhorita e Sr. Dante têm reunião às
quatro da tarde com ele, e dona Cíntia acabou de ligar avisando que vem para
almoçar — repassa as informações.
— Obrigada! Só passe recado agora se for muito importante, certo? Vou estar
ocupada.
Ela concorda. Volto a ficar imersa em planilhas e relatórios e valores altos de
saída e entrada da fábrica daqui do estado. Ainda preciso conversar com os
almoxarifes para saber das matérias-primas e produtos em estoque. Preciso
recolher as notas fiscais de entrada dos produtos.
Envio alguns relatórios que fiz ontem para o e-mail do meu pai. Estou nem a
fim de reunião com ele hoje, ainda estou contrariada pela sua soberania. Sem
esperar, recordo do beijo de Dante me desajustando momentaneamente. O
que deu nele para fazer isso?
Deixo de lado e volto para o número, mas os flashes de nós dois entrando no
elevador em Las Vegas se fazem presentes. Fito o nada por um bom tempo
até perceber que parei meu trabalho para isso. Era só o que me faltava!
Puta que pariu, Miranda! Para de pensar nesse idiota!
Arrumo minha franja e tento trabalhar, mas não consigo focar e parar de
pensar no beijo, na sua boca macia explorando toda a minha boca e língua,
me causando um certo arrepio.
— Sai, demônio! — berro na sala batendo minha mão na mesa, tentando
espantar esses devaneios.
— Credo! Não fiz nada. — Cíntia aparece confusa e assustada, fechando a
porta.
— Está fazendo o que aqui? Falei para Eduarda não deixar ninguém me
interromper! — questiono impaciente, mais mal-humorada do que gostaria.
— Ah! Então foi isso que ela tentou me explicar quando passei rápido a
cumprimentando. Vim almoçar com você — releva a forma que a
recepcionei. Cíntia senta de frente para mim, na outra cadeira.
— Uma hora dessas?
— Sabe que horas são? Onze e meia já. — Cruza as pernas, pleníssima.
— Eu saio doze. De qualquer forma ainda está cedo.
— Eu espero.
Ela pega o próprio celular para se entreter. E encaro novamente os números
sem sequer lembrar onde parei e me exaspero, impaciente e frustrada.
— Quer saber? Vamos logo almoçar! — assusto-a com minha decisão
repentina.
— Que mudança de humor. Vamos então!
Passo pelo hall e aviso a Eduarda sobre seu horário de almoço. Cíntia acena
para ela enquanto sorri e Eduarda retribui. A porta de Dante é aberta e ele sai,
totalmente à vontade, sem o paletó e com a camisa social dobrada no
antebraço. Seus cachos já estão secos e cheios, levemente caindo na testa.
Mas que porra eu estou reparando nele mesmo?
— Já vai almoçar? Tem como fazer uma cópia da chave para mim?
— Faço.
— Bom almoço. Tchau, esposa — sorri cínico, me provocando.
Sem emitir sons, falo um “vai se ferrar” e ele se despede, mandando beijo no
ar, totalmente debochado e ainda sorrindo para Cíntia. Descemos nós duas
juntas em direção a algum restaurante daqui do Jardim Paulista mesmo.
— Vamos para o Varanda Grill? — proponho.
— Tenho dinheiro para comer lá não!
— Eu pago. — Dou de ombros, me rendendo.
— Ter amiga é outra coisa!
Rio, negando. A abraço rapidamente de lado. Eu a adoro demais com seu
bom humor.
Adoro esse restaurante, até o ambiente, que é muito gostoso, e gosto das
carnes que eles servem. São saborosas e, no momento, estou com vontade.
Quando sair do trabalho vou correr para a academia, preciso gastar o que
comi ontem.
Eu e Cindy dividimos uma carne e ela acabou me obrigando a comer
sobremesa. Estou ferrada com os dois “incentivadores” maravilhosos ao meu
redor.
— É sério que ele disse que o requeijão parecia porra?
Estou levando Cíntia para a galeria onde ela trabalha, aqui na Avenida
Paulista. Resolvi dar uma carona, melhor falando, ela me implorou afirmando
que era pobre para pagar outro Uber de volta. E nesse exato momento estou
arrependida disso. Contei sobre Dante e o requeijão e agora está aqui
gargalhando no banco do passageiro, parecendo uma foca.
— Disse e agora estou com nojo de comer. Estou ficando louca com ele lá
em casa — suspiro e ela gargalha mais alto.
— Vocês poderiam ter esse tempo que estão convivendo para achar um ponto
em comum — aconselha, retomando o ar.
— Eu e Dante não temos nada em comum. Nem em músicas! — exaspero-
me completamente.
— O jeito então é brigar para se reconciliar na cama. — Sua expressão é
completamente maliciosa.
— Jamais!
Buzino para o carro na minha frente e estaciono na frente do seu prédio.
— Tchau, amiga. Obrigada pelo almoço, me convide mais vezes. — Beija
meu rosto. Gargalho pelo seu cinismo.
— Vai para a academia hoje?
— Não sei... — Faz biquinho, preguiçosa.
— Vamos, vai. Você precisa fazer exercício — a incentivo.
— Prefiro gastar calorias de outra forma, e você deveria fazer o mesmo!
— Chega! Sai do meu carro! — Destranco a porta e ela continua seu deboche
em forma de gargalhada.
Dirijo até o prédio e volto a trabalhar, até dar quatro da tarde para ir à reunião
marcada com meu pai, depois de entregar a cópia da chave de Dante. As
reuniões com ele sempre me deixam tensa e frustrada.
— Bom, já deram entrada? — indaga direto, com sua seriedade típica.
— Sim. Hoje de manhã — Dante responde por mim.
— Certo. Continuem agindo como recém-casados. Para o primeiro dia foi
bom, estão todos engolindo essa farsa — sua frieza me deixa imensamente
desconfortável. — Mas quero falar do que é importante: quero saber sobre a
real visita de Las Vegas.
Calada, concordo e repasso sobre toda a minha visita. Saí do prédio às seis,
direto para a academia. Sequer vi Dante desde a reunião, já que não esperei
sua carona. Não somos siameses afinal de contas.
BRASIL, SÃO PAULO | JARDIM PAULISTA – LOFT
Esgotada e com as pernas trêmulas, chego à minha querida residência. Foi
intenso o treino de hoje, menos para Cíntia, que mais olhou os homens e tirou
fotos que malhou realmente. Pelo menos minha consciência está limpa.
Diferente da minha cozinha, que está uma verdadeira bagunça, mesmo com o
cheiro gostoso de comida caseira. Horrorizada pela bagunça, chamo por
Dante, que aparece debaixo do balcão.
— Que você está fazendo? — adentro no cômodo.
— Cozinhando.
— E precisa fazer essa bagunça toda? Parece até que está fazendo uma
bomba nuclear. Tem molho de macarrão até no chão! O jogo de panela todo
na pia que está entupida! Jesus! — Ponho a mão na testa. — Limpe isso, pelo
amor.
Aleatoriamente, vejo um cachorro de grande porte e pelos negros vir das
escadas, correndo em minha direção, com o rabo balançando violentamente,
demonstrando felicidade ao me ver. Mal tenho tempo de perguntar de onde
veio, apenas tenho a reação de fechar os olhos quando ele passa rapidamente
entre minhas pernas, fazendo com que eu me desequilibre e caia de bunda no
chão. Grito de dor pela forma desengonçada como despenquei e escuto a
gargalhada divertida de Dante. Inferno!
— De onde esse desgovernado saiu?
Me levanto e vejo o cachorro sentar ofegante totalmente despreocupado, e
Dante dá algo para ele comer.
— Pelo jeito, Buzz Lightyear já te deu boas-vindas. É o meu cachorro! —
Alisa a cabeça do cachorro que parece à vontade na minha casa.
— Desde quando você tem cachorro?! — brado indo até o cômodo, querendo
saber dessa história. Gargalho quando me dou conta do nome que ele deu
para o cachorro. — Por que o nome dele é Buzz Lightyear, Dante?
— E o que é que tem?
— É nome de personagem de desenho infantil!
— Eu não era adulto quando ele nasceu! — se defende.
— Esse cachorro não tem idade o suficiente para você ter ganho quando
criança. — Arqueio as sobrancelhas, me divertindo com nosso diálogo.
— O meu antigo cachorro se chamava Xerife Woody, era o pai dele. Nada
mais justo que ele ter esse nome. — Dá de ombros.
Gargalho mais alto ao constatar que Dante é um verdadeiro crianção bobo.
Esse cachorro não tem dez anos, ou seja, Dante já não era criança quando o
ganhou, e ainda assim colocou um nome de desenho infantil nele. E não
engoli essa desculpa, porque ele claramente ainda gosta do desenho, não foi à
toa que chamou Andrei de “garfinho do Toy story”.
Suspiro recomposta e cruzo os braços para falar sério.
— Ele está fazendo o que aqui, afinal? Não vai ficar aqui não, né? — Meço o
olhar entre os cachorros de olhos de tons diferentes, um deles tentando pegar
o próprio rabo.
Tão bobo quanto o dono. Coitado!
— Não fale assim na frente do Buzz! Ele irá voltar essa semana. Ele estava
na clínica fazendo uns exames, meu pai tá morrendo de saudades dele.
— Ainda bem. Sem condições de dois cachorros bagunceiros nesse loft
pequeno e a gente trabalha o dia inteiro para dar a atenção que ele precisa.
Dou-lhe as costas e o escuto resmungar. Decido tomar um banho para tirar o
suor do corpo e, trocada, volto à cozinha, com um dos meus saltos
mastigados nas mãos. E vejo que o cachorro está dormindo tranquilo no sofá
depois de aprontar e bagunçar tudo. Minha cama, onde encontrei o calçado
em cima, estava toda revirada com as almofadas no chão. Não vejo muita
diferença entre ele e Dante.
— Olha o que seu cachorro fez. — Suspendo, mostrando meus saltos meia
pata ainda babados.
— Vai ver ele achou feio ou estava entediado. — Dá de ombros derrubando a
tampa de alguma panela. Desajeitado nível mil!
— Deixe-o longe do meu quarto. Está cozinhando o que aí? — indago
curiosa por essa bagunça inteira.
— Macarrão à bolonhesa.
— Onde achou ingrediente para fazer?
— Fui ao mercado. Comprei comida, porque as suas são terríveis.
— Não fala mal, são saudáveis — rebato.
— Mas continuam horríveis!
Faço a volta no balcão e entro na cozinha para procurar alguma coisa para
comer. Estou morrendo de fome também e tive que brigar para conseguir um
espaço com Dante, que resmunga toda vez que eu ocupo o lugar onde ele
estava.
Meu apartamento é pequeno, ainda com duas pessoas no mesmo cômodo
fazendo coisas distintas, faz com que nos esbarremos uma vez ou outra. Sua
janta ficou pronta primeiro, mas me alimentei quando ele estava comendo
pela segunda vez, um prato enorme e com refrigerante. Imagino onde deve
estar o seu colesterol. Apenas me satisfaço com meu suco natural e meu arroz
de forno com legumes sob o olhar pidão de Buzz. Não resisti e dei um pouco
a ele, que cuspiu, para a minha desaprovação. Estou dizendo, o animal é o
espelho do dono! Saciada, sento no sofá a fim de relaxar, acariciando Buzz
que veio todo dengoso para o meu lado antes de decidir ir para seu canto
dormir, enquanto seu dono dá um jeito na bagunça na cozinha. Meu lixo
lotou de embalagens industrializadas. Nunca vi pessoa mais desorganizada!
— Faz uma massagem em mim, seja uma boa esposa — pede se jogando no
sofá onde eu estou.
— Tá ficando doido, Dante? — Rio descrente da sua tamanha cara de pau.
— A cama, além de pequena, é dura, mais dura que o chão! — protesta.
Depois sou eu a reclamona.
— Cíntia dorme sem problemas nela. Dorme no chão já que ele é mais macio
que a cama.
Quando penso que ele aquietou, toma o controle que estava ao meu lado,
mudando para um futebol qualquer. Tento pegar da sua mão e ele coloca
atrás do corpo, como uma criança. Dante é muito infantil!
— Tá passando o jogo do Timão! — avisa como se isso fosse justificativa
válida.
— Estou me lixando, eu estou assistindo.
Me jogo em cima do seu corpo para tentar pegar enquanto ele tenta me
driblar jogando de uma mão para outra, gargalhando das minhas tentativas
falhas. Sabe aquele momento constrangedor? É agora. O clima muda
totalmente quando percebo que estou praticamente montada no seu colo, de
frente para ele.
Quem vê de fora, acha que é um amasso louco, porque a posição é difícil até
para explicar. Estou encaixada de um jeito que só acontece quando se é muito
íntimo da pessoa para se estar dessa forma. Minha cara queima
imediatamente e meu corpo esmaece por completo. Morta de vergonha, pulo
do seu colo. Santo Cristo!
— Quer saber? Fique assistindo à merda do seu programa!
Fujo morta de vergonha, indo pro meu quarto o mais rápido que consigo. Que
vergonha! Não basta ele ter me beijado na empresa, ainda acontece isso. No
mesmo dia!

...
Desperto sentindo uma lambida molhada no meu rosto. Abro os olhos dando
de cara com Buzz em cima de mim, me recepcionando cheio de entusiasmo
com a língua para fora e o rabo balançando.
— Estou brava com você, comeu um dos meus saltos favoritos! — Tento
ignorá-lo para levantar da cama, mas ele escorrega na beirada, colocando a
cabeça no meu colo, todo afoito. — Não vou te desculpar só porque está
sendo fofo e fazendo gracinhas.
Faço um carinho na sua barriga e ele se empolga ainda mais tentando morder
meus dedos, e acabo rindo da sua traquinagem. Eu nunca tive cachorros, meu
pai tem alergia e Cindy tinha quando era criança, mas ela também me
derrubava sempre que me via porque se jogava nas minhas pernas, e Buzz faz
igual.
— Preciso trabalhar, vai acordar seu dono!
Sorrio pelos seus truques fajutos de me conquistar e desperto de uma vez para
não me atrasar, porque, se depender de Buzz, fico aqui o dia todo acariciando
sua barriga gorda e peluda.
Arrumada, desço as escadas já pronta para mais um dia de trabalho. Daqui de
cima vejo Dante desarrumado, sem camisa e fazendo bagunça na cozinha,
tentando acertar o lixo com vários papéis — e errando a maioria. É sério que
ele está brincando de arremessar bolinhas na cesta de lixo quando temos
reunião agora cedo?
Nossa convivência nessa longa semana está mediana, estamos tentando
acalmar os ânimos, porém, ele continua implicante e me perturbando como
um mosquito. Ele aprendeu a comprar fast food para comer todos os dias por
pura provocação e eu às vezes acabo caindo e comendo essas porcarias.
Já Buzz, grudou em mim feito cola. Me segue pela casa o tempo inteiro.
Acredito até que eu esteja com um roxo na bunda de tanto que eu caio por
causa dele. Não é à toa, é muito difícil equilibrar um saco de desastre feliz de
quarenta quilos se jogando em cima de mim. Também aprendeu a vir dormir
comigo, duas vezes eu já acordei no meio da madrugada com ele
esparramado no meio da minha cama. Ontem ele me trouxe um papel
higiênico de presente e ainda insiste em comer meus saltos e derrubar as
coisas. Nos horários que Dante descansa ele envia um colaborador para
implicar comigo. Mas pelo menos Buzz é fofo, é um calmante e tanto ver as
gracinhas dele no final do dia. Estou me apegando a ele.
Pego da mão de Dante uma bolinha feita e arremesso em direção ao cesto de
qualquer jeito, caindo dentro.
— Como você fez isso? — Vira para mim como a menina do Exorcista.
— Não faz diferença. A gente está em cima do horário!
— Pelo jeito o lanche de ontem não agregou em nada no seu humor! —
replica, malcriado.
— Eu ainda estou irritada com você. Já tinha falado para parar de trazer isso
para cá! — treplico de volta.
— Não tem jeito mesmo de trocar esse humor, né? Relaxe um pouco, mulher!
— se mantém tranquilo.
— Não me diga o que fazer! — Me sinto estranhamente hiperativa com sua
frase banal.
Pilhada, vejo ele sair da cozinha, mas antes dá um tapa na minha bunda,
tenho vontade de matar ele cada vez que faz isso. Olho o cômodo que está
uma verdadeira bagunça. Café derramado, torradeira aberta... Merda! Dante
não aprende nunca. Bagunceiro demais!
Decido relevar, na volta ele irá arrumar tudo. Ele não demora a vir, consegue
se arrumar em vinte minutos! Depois do par ou ímpar, fomos no seu carro e
levamos Buzz, que não parava de chamar minha atenção do banco de trás, até
a casa de um amigo de Dante que irá transportá-lo até o município em que o
pai dele mora, e senti uma pequena tristeza por não encontrá-lo mais quando
chegar em casa com seu entusiasmo toda vez que me vê.
Believer, de Imagine Dragons, toca na rádio enquanto seguimos em direção à
Amonet. Canto baixo o refrão, assim como Dante, que me olha confuso da
mesma forma que eu olho para ele.
— Você gosta? — questiono curiosa.
— Escuto.
— Achei que só escutasse esses funks horríveis.
— Se tá sentindo falta, eu ponho. — Ele tenta tocar no painel, mas não deixo.
— Não!
Ele ri e volta a batucar no volante.
Na empresa, algumas pessoas já se acostumaram a nos ver juntos como um
casal, mas eu ainda acho tudo estranho. Ainda mais quando ele me beija
ocasionalmente. Não vou me acostumar nunca!
Na parte da manhã tenho duas reuniões em sequência. Uma com meu pai,
sobre a nova coleção que está em andamento. E outra com a diretora
financeira, que me prendeu até o horário de almoço.
Na volta do almoço, com Cindy mais uma vez, que me contou várias fofocas
de desconhecidos — mas quis saber mesmo assim, pois é fofoca —, sou
parada por um funcionário que nem me dou o prazer de lembrar o nome.
— Está casada mesmo? — questiona e engulo a seco.
Nunca fui boa em mentir, mas não posso colocar o plano a perder. Ainda
mais ontem que li algo sobre alguém ter levantado a hipótese de eu ter casado
bêbada com ele.
— Isso responde sua pergunta? — Mostro meu anel, que esqueci de procurar
saber de onde veio.
Ele sorri acenando.
— Você até que fica gostosa rebolando em cima do balcão. Será que rebola
assim em outras coisas?
Um momento aqui. É sério que eu acabei de ouvir isso mesmo?
— Como é? — descrente, meu grito sai esganiçado.
— Sempre achei que por debaixo dessa sua pose de mal-humorada tinha uma
vadia doida. Se eu soubesse teria te embebedado nas milhões de festas que
rolaram aqui. Filhinha de papai quando se descontrola...
Fico sem ação. É sério que estou sendo assediada por um funcionário?
— Se Dante não conseguir apagar seu fogo, me chama. — Pisca um dos
olhos e sinto nojo.
— Escutei isso mesmo, Cauã? — Dante aparece colocando a mão na cintura.
— O quê? — Ele fica pálido.
Ele tremeu na base com Dante, e não comigo que sou de um cargo superior e
posso lhe demitir num piscar de olhos?
— Percebi que você está importunando Miranda.
— Estamos apenas conversando — tenta se explicar.
— Converse com o RH — Dante manda num tom brando.
Continuo a olhar o desenrolar me sentindo assustada e, de certa forma, mal.
Nem com Dante, que era o único que se atrevia a fazer gracinhas, chegou a
tal ponto. Então, de repente, eu não tenho mais respeito nenhum, por um
mísero deslize! Virei a vadia bêbada para meus funcionários, e sabe-se mais o
que pensam sobre mim.
— Você não pode me demitir.
— Eu posso. Dante já ditou o que fazer, né?
Retomo minha pose de inabalável e Cauã me olha sério, espumando, saindo
logo em seguida. Eu não saberia o que fazer se Dante não tivesse aparecido.
— Obrigada.
— Não fiz nada. Ele era um babaca desde que entrou.
— Perdi completamente o respeito aqui dentro. Isso era uma das coisas que
eu mais zelava!
Ele, calado, me arrasta para o elevador. Tento trabalhar, mas não consigo
focar, decepcionada com o ocorrido. Que respeito eu tenho aqui ainda? Será
que vou ficar conhecida como a vadia irresponsável depois desses anos sendo
exemplar?
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET
Massageio meus tímpanos para aguentar a monotonia da reunião em pleno
sábado, junto com o comitê executivo da organização da empresa filial do
estado de Minas Gerais, para gerir os recursos e aprimorar a eficiência e a
produtividade das operações.
Meu setor administrativo também está aqui, exceto Dante, pois não houve
necessidade e eu estou morta de medo do que possa encontrar quando chegar.
Encaro os dois diretores financeiros, os de informática, os de conhecimento e
os de marketing. Está sendo melhor que eu imaginava, graças às diretoras
financeiras e à marqueteira de Minas Gerais, elas são muito práticas e deixam
as teorias dos diretores de informática no chinelo. Estou quase contratando-a
para a filial de cá para agilizar algumas coisas que não estão encaixando.
Só vim hoje por conta dessa reunião, tanto que quando acabar, coisa que eu
quero muito, e logo, irei embora. Achei que teria folga hoje, mal me
lembrava desse compromisso. Irei almoçar com Cíntia na sua casa.
— Eu concordo com as diretoras financeiras e a de Marketing de Minas.
Acho válida a promoção de desconto progressivo nas coleções antigas.
Estamos próximos de renovar estoque e precisamos vender o que ainda temos
— exponho minha opinião.
Eu sempre fui muito democrática, apesar de sempre dar a palavra final. Deixo
com que todos falem e considero a maioria, se achar coerente, é claro.
— Mas, Miranda... — o diretor de informática se dirige a mim.
Arqueio as sobrancelhas pela sua liberdade de me chamar assim, tão
informal. Pigarreio, desconcertada. Apenas Louise, minha diretora financeira,
me chama assim porque somos levemente próximas e acredito que isso
melhora nosso trabalho. Sempre achei mulheres mais confiáveis com
números e não é sexismo, por favor. É que eu sinto mais empatia em
conversar sobre números altos com mulheres, com homens eu tenho a
sensação de que a qualquer momento serei ludibriada sem me dar conta.
Talvez seja trauma antigo.
— Senhorita Miranda. Isso tira a credibilidade da marca. Promoção? — se
indigna.
— Sim. Não tira. Eu prefiro vender com valores mais acessíveis a ficar de
orgulhosa tomando prejuízo, caso demore mais para vender por conta da
coleção nova.
— E a marca está para fazer aniversário, os consumidores esperam promoção
em casos assim — a marqueteira de Minas levanta uma questão importante.
Eu estou adorando-a!
— Eu estou achando super pertinente a proposta dela. A menos que tenha
uma melhor... — beberico minha água, vendo que são quase onze horas.
Já estou levemente faminta com esse mimimi. O falatório volta na sala e,
cansada, peço que todos se calem quando vejo que não há consenso.
— Bom, acho que estamos resolvidos por enquanto. Se alguém tiver proposta
melhor para aumentar as vendas de Minas, enviem pro meu e-mail até terça-
feira. Enquanto isso, trabalhem em cima dessa. Reunião encerrada!
Sinto-me livre só em falar as duas últimas palavras mágicas. Me despeço de
todos cordialmente e agradeço a visita da equipe de Minas. Saio do prédio às
doze, depois de digitar o relatório da reunião para enviar ao meu pai, que
sequer sei se veio hoje. Muito provável que não. Ele só vem até quinta ou
sexta-feira, raramente aos finais de semana, só quando tem coisas urgentes
pendentes e eu não posso fazer por ele.
Decido ir em casa antes de ligar para Cíntia para trocar o calçado, o salto
quinze está me matando. E ver se minha casa não está em chamas. Minha
manhã em casa estava até agradável, ele estava dormindo no seu quarto
quando saí do meu. Meu duplex não estava pegando fogo, em compensação,
uma batida estrondosa ecoava do andar de cima, da cobertura. O térreo estava
limpo e organizado, contradizendo tudo que Dante é em dia de semana.
Descalça, envio mensagens para Cíntia, avisando-a que estava chegando.
Sigo até o andar de cima e o encontro sem camisa e de óculos escuros,
ouvindo música enquanto observa a pequena piscina que mal frequento.
Percebo que a churrasqueira elétrica também está em uso.
— Olá, esposa! Por que nunca me contou que tínhamos uma piscina? — me
recepciona como sempre, cínico.
— Você não perguntou. — Dou de ombros depois de abaixar o som.
— A piscina estava suja. Tive que limpar. Por que tem piscina aqui se não
aproveita?
— Falta de tempo, sei lá. Bom, estou indo almoçar fora, não incendeie minha
casa! — Dou as costas, disposta a me encontrar com minha amiga.
— Ah, não! Você tem que aproveitar a piscina. Tá um solzão e você de
vestido social! — Me agarra pela cintura, desconsiderando todos os meus
gritos de resistência, correndo comigo, e eu só tenho a ação de largar a bolsa
no chão antes de afundar na água fria junto com ele.
— Dante! — berro como um gato escaldado. — Seu maldito! Desgraçado!
Ele apenas gargalha, tirando os cachos que foram para frente do rosto.
Balançando feito um cachorro e espalhando água no meu rosto.
— Para de ser chata! Você tem uma piscina na cobertura e ainda reclama!
— Como você não quer que eu me irrite!? Você me jogou de roupa numa
piscina gelada. — Esmurro seu peito, furiosa. — Eu estava pronta para sair,
desgraçado! Agora estou com a roupa encharcada!
Sustenta seu sorriso petulante, me dominado facilmente e me prendendo sob
seu peitoral, me deixando arrepiada. Sua respiração faz cócegas em meu
pescoço enquanto ele me segura, e sua voz é baixa e calculada para soar
sacana quando fala:
— Então tire! Vamos comemorar nossa primeira semana de casados!
Rosno furiosa, me solto e me viro. Dante é muito debochado, seu cinismo me
dá raiva. Ele faz questão de me irritar.
— Seu cretino! Jamais irei fazer o que está sugerindo. — Elevo meu queixo
mostrando que as chances são nulas.
Ele apenas entorta a cabeça, rindo de mim, e tento entender.
— Do que está rindo?
— Eu estou vendo seus peitos. — Arqueia a sobrancelha e morde os lábios.
— Que esposa, hein?
— Seu Maldito cretino! — encabulada, esmurro novamente seu peito e ele
me domina, pondo meus dois braços para trás. — Me solte!
Pretensioso, nega, claramente jogando comigo. Rosno, furiosa e frustrada. E
percebo que estamos próximos demais. Roupas molhadas, água gelada, corpo
morno perto. A expressão dele é indecifrável enquanto me encara. Seus olhos
são estonteantemente azuis, tanto quanto o céu que vejo aqui da cobertura e
da piscina, e sinto meu corpo esmorecer gradativamente.
— Seu desgraçado! Filho de uma pu...
Nossos lábios se chocam vorazmente. Impetuosamente. Ardentemente.
Voluptuosamente. Ele me segura por trás do pescoço, ditando como quer o
beijo, todo másculo, não me dando chance alguma de fuga.
O beijo é incrivelmente intenso. Energético e ardente. Seus lábios são macios
e sua língua ávida e quente. Me apoio na sua cintura, seu tronco é muito viril
e sinto as pernas tremerem pelas minhas digitais firmarem na sua pele. Sem
ar, ele para o beijo, e eu o encaro chocada pelo que acabou de acontecer.
Hesitante, sem vir um insulto na mente, abro e fecho a boca três vezes, mas
sempre engulo a seco, com o peito arfante.
Atordoada, dou as costas com os lábios pinicando e zero piadinhas da sua
parte. Que desgraçado!
Trocada, pego meu carro sem nem me atrever a subir novamente. Ainda
estou atônita com o que aconteceu na piscina. Foi tão... Meu Deus, que
caralho aconteceu ali? Antes de dar partida no carro, vejo a mensagem de
Cíntia, avisando para encontrá-la no shopping para almoçar. Era de se
esperar...
Na praça de alimentação, encontro minha amiga acenando e quase não a
reconheço pelo cabelo curto, quase do tamanho do meu. A diferença é que o
meu é micro bob na altura do meu queixo e de franja nas sobrancelhas, e o de
Cindy está na clavícula e sem franjas, num long bob que combinou
perfeitamente com seu rosto. Mas sei que não vai acostumar.
— Está linda! — empolgada e surpresa, a elogio enquanto a cumprimento.
— Vindo da minha Girl Boss favorita, fico honrada. — Me abraça
afetuosamente.
— Por que me chamou para cá? — indago curiosa.
— Fiquei com preguiça de cozinhar. — E isso não é novidade alguma. —
Bem que você poderia levar a gente no Outback, né?
Semicerro os olhos para sua sugestão rasa, como se fosse apenas uma dica.
Agora entendi por que mandou eu encontrá-la aqui.
— Cíntia, você é tão cretina! — Rimos juntas, seguindo para o piso em que o
restaurante fica.
Ainda desajustada com a cena da piscina, me divirto com a esfomeada da
minha melhor amiga. Vinte anos de amizade e eu ainda caio nos seus truques
de me chamar para almoçar e eu acabar levando-a num restaurante caro onde
ela quer comer, e pagar a nossa conta. Mas não me importo, seu bom humor é
a parte mais divertida da minha vida.
— Já te disse que te amo, amiga? — Sorrateira, enlaça nossos braços para
andar pelo shopping.
— Querendo me tapear, é? Seu nome deveria ser Magali — de bom humor,
finjo chateação.
Passamos numa loja de lingerie e ela ainda teve a displicência de perguntar se
eu não iria levar nenhuma para comemorar minha primeira semana de casada
com Dante. Acredita?
Volto para casa com uma sensação boa, descansada. Encontro “meu marido”
descendo as escadas, arrumado e com um perfume forte e amadeirado
exalando pelo ambiente.
— Para onde está indo? — não hesito em perguntar, percebendo que está
levemente corado do sol.
— Lembra da peituda que gosta de Beyoncé? Então... — Abre os braços.
Convencido demais!
— Não, você não vai! — Tento deter aquela loucura. — Querendo ou não,
agora você é meu marido.
— Mas eu tenho necessidades básicas. Se você é assexual, o problema é seu!
— Tenta passar por mim na escada, mas não deixo.
— Não quero ter um marido, mesmo sendo falso desse jeito! Se sair nos
jornais que fui chifrada, no dia seguinte vai aparecer que além de broxa é pau
pequeno. Estamos entendidos? — ameaço cruzando os braços.
— Fala, aí eu faço questão de publicar um nude meu para comprovarem. —
Faz o mesmo com sua pose egocêntrica. — Não vou ficar no celibato porque
você quer.
— Tudo bem, vai! — Dou o meu melhor sorriso.
— Sério? — me analisa, intrigado.
— Sim, vai para seu encontro. Vou ligar para Elias, o copiloto, lembra?
Temos uma promessa de jantar. — Olho minhas unhas fazendo a melhor
expressão cretina que conheço. — Ou eu posso ligar para Andrei para um
encontro não tão profissional.
— Não vai. — Trava o queixo, contrariado.
— Vou sim. Eu tenho necessidades básicas também, e não sou assexual.
Arqueando as sobrancelhas, sorrio diabólica para ele, passo rapidamente pela
escada em direção ao meu quarto e percebo que vem atrás, chamando meu
nome. Sinto a euforia se instalar rapidamente no meu corpo ao saber que a
moeda trocou de lado.
— E outra, nem farei questão de ser discreta. Imagine a manchete amanhã:
“Miranda Moraes, cansada do marido brochando, procura piloto para viver
nas alturas!” — gargalho insana pela minha manchete imaginária.
Já no meu quarto, viro quando vejo minha porta sendo rapidamente batida.
Vejo a fechadura que está sem a chave, e logo é girada pelo lado de fora.
Furiosa, o mando abrir imediatamente.
— Não! Não irei ser corno! — ralhou.
— E nem eu! — rebato do lado de cá. — Se você for, eu vou, Dante. Nem
que eu saia pela janela.
— Quer saber? Pode ir. O nude eu posto para comprovar. — Ele ainda não
entendeu que eu não quero ser corna com uma semana de casamento, mesmo
sendo falso? — Eu preciso transar, Miranda!
— Dante, se meu pai souber que você fez besteira, manchando meu nome...
eu saio como coitadinha e você como infiel. Ainda será demitido sem carta de
recomendação. Eu ficarei livre de você e com meu emprego sem nem mover
um dedo — jogo baixo.
O outro lado fica silencioso. O chamo diversas vezes sem obter resposta. Ele
foi? Não acredito! Lembro onde minha chave reserva está e pego, descendo
as escadas na velocidade da luz, o encontrando sentado no sofá, rindo.
Maldito!
Sento do seu lado, ainda séria e furiosa.
— Só temos uma alternativa: vamos ser inimigos coloridos?
— O quê?
— Inimigos com benefícios, já que não somos amigos. — Nego efusivamente
aquela loucura. — Com medo de não resistir e ficar viciada?
— Nunca! — gargalho, debochada. — Você não é tudo isso, Dante!
— Nem você, você acha que eu prefiro você ou a peituda?
— Você acha que eu prefiro você ou o copiloto gostosão?
— Então, se eu te beijar aqui, para você é nada?
Insolente, ele avança para meu pescoço, ralando a barba e me dando um beijo
estilo suculento. Fecho os olhos para não cair na dele, me arrepiando
completamente. Que droga é essa?
— Não senti nada — minto. Engoli em seco, afetada, e tentei rir do que ele
estava fazendo.
Eu estava rindo porque esse momento é tão sem noção que chega a ser
cômico, mas ainda assim, excentricamente, a ideia me atrai sorrateiramente.
— E isso? — indaga com uma voz de repente rouca, com os olhos
queimando nos meus.
Dedilha entre meus seios, descendo as mãos e puxando minha blusa, me
fazendo retrair um pouco.
— Absolutamente nada. — Vacilo um pouco no sorriso superior que
mantinha.
— Ah, é? Duvido que isso não te cause nada.
Joga seu corpo por cima de mim, me fazendo cair de vez no sofá, me
causando falta de ar pelo peso do seu corpo em cima do meu. Que ogro!
— E se eu te foder? — propõe, cheio de si. Ele é muito convencido! Que
raiva!
A proposta é bizarra e absurda, e eu não consigo, honestamente, negar que o
pensamento de validar isso é terrivelmente tentador. Estou tão mexida,
confesso, e estou há algum tempo sem transar, a empresa me consumiu a
ponto de não ter tempo para sair com ninguém. E assanhar uma pessoa com
esse tipo de carência é covardia, é jogar álcool no fogo, que, por mais baixo
que esteja, ainda é fogo.
— Dante, não é assim que se fala com uma dama — advirto, tentando me
manter indiferente e, em vão, separar nossos corpos de alguma forma.
— Você não é uma simples dama. É minha esposa!
Ele não me dá direito de resposta; sem titubear, agarra meu pescoço como
mais cedo, me dominando completamente. Me beija na mandíbula, e depois
cobre meus lábios com os dele, num beijo voraz e intenso. É como se eu
fosse uma mocinha de livros pela intensidade que ele põe no momento. Por
que... Porra! Ele é muito másculo, chega a ser rude! Não que isso seja ruim,
mas ele é primitivo demais no jeito como me aperta com a mão firme, como
um alfa que habita dentro de si. Eu me sinto uma tapada, sem saber como
acompanhar todo esse fervor.
Sua língua quente e descarada chupa meu queixo e clavícula e, sem conseguir
prender, solto meu primeiro gemido com as comichões pelo meu corpo
inteiro, me incendiando completamente.
Maldito!
Maldi...
Mal...
Ma....
Maravilhoso!
Que beijo maravilhoso!
Agarro seus cabelos sedosos com uma mão e com a outra finco as unhas nas
suas costas, tentando me conter de alguma forma. Eu estou irreconhecível
com apenas essas carícias; nunca, jamais fiquei tão eufórica com uma
preliminar. Ele arranca o meu vestido floral de forma quase animalesca e vai
descendo, lambendo onde passa. Gemo, prendendo a respiração pelos seus
lábios no vão dos meus seios e suas duas mãos invadindo meu sutiã, mais em
antecipação que protesto, confesso.
Fecho os olhos, trôpega e vergonhosamente afetada pelo que está
acontecendo. O rastro de brasa que vai deixando enquanto desce pelo meu
corpo vai incendiando com a boca. Mordo os lábios em aprovação e tesão,
molhada num nível crítico com apenas isso. Arranca minha calcinha tão
rápido que só percebo quando sua língua devora ali. Eu disse que ele era
energético e vigoroso. E mantêm as mãos nos meus seios, de uma forma boa,
não como se estivesse sintonizando para chegar à rádio que quer a qualquer
momento. Ele sabe como manipular ali.
E não saí dali com sua língua implacável, pelo menos não antes de eu me
afundar num orgasmo intenso a ponto de quase lhe acertar um chute pelos
meus membros desordenados. Chocada por ter um orgasmo com oral
facilmente, tento agir naturalmente com o coração a galope. A agitação no pé
da minha barriga me deixa afoita. Ele volta para minha boca e caímos no
tapete, comigo por cima, rindo feito idiotas bêbados.
Cessamos no mesmo momento, voltando a atacar a boca um do outro de
forma abrasadora, e sinto toda sua densidade e intensidade.
Nos separamos arfantes e hiperativos, apenas para que eu arranque sua
camisa. Sua boca reivindica a minha com certa urgência, e eu não consigo
parar nem o beijo nem meu corpo, que reage, principalmente, pelos seus
dedos que apertam firme minha costela, mais uma vez, para que nossos
corpos se mantenham colados a ponto de eu sentir a sua temperatura corporal
passar para o meu mais que rapidamente. É estranhamente... bom?
O meu corpo corresponde, fico trêmula e sem ar. O jeito que ele me segura
pelo pescoço, enquanto avança cada vez mais na minha boca, deixa o beijo
ávido e cheio de vontade. Também lhe seguro pelas costas desnudas e gemo
baixinho, sentindo o arrepio dos seus beijos e chupões descer para o meu
pescoço. Sinto meu corpo amolecer completamente, o baixo-ventre me
castiga quando sinto algo como um pinicar entre minhas pernas, pedindo
atenção, mesmo debaixo do jeans que ele usa.
Ele me põe de costas para o tapete, abrindo o jeans com certa destreza,
arrancando a roupa ajoelhado mesmo. Ele sorri insolente ao perceber que eu
contemplo o conjunto de homem que é.
— Está impressionada, né?
Sorri de lado, num sorriso sacana. Egocêntrico e soberbo desgraçado!
Por que homens se vangloriam tanto em ser bem-dotados?
Gemo baixinho quando passeia entre minhas carnes. Ansiosa e estremecida,
sinto ele adentrar com profundidade, macio e firme enquanto geme rouco no
meu ouvido, me fazendo sentir mais prazer. Que golpe baixo!
Dante escorrega para dentro facilmente. Aperto seus braços, consumida pelo
seu fogo mais intenso. Arrepio gostoso com a penetração, ele tomando
espaço dentro de mim, me apertando, me dominando pelos cabelos,
totalmente bruto, mas cuidadoso; eleva a prática, não deixa em momento
algum de ser abundante e tórrido, indo contra tudo que jamais pensei que iria
acontecer e sentir em toda a minha vida!
BRASIL, SÃO PAULO | JARDIM PAULISTA - LOFT
Desperto já notando que o meu corpo está dolorido e, no tapete da sala, atrás
de mim, uma respiração mudando e suspirando, e tenho ciência que é Dante
também acordando.
A realidade vem de vez e arregalo os olhos, desajustada. Sento percebendo
que estou com sua camisa que mal cobre minhas pernas. Eu não bebi ontem,
por que estou nessa situação mais uma vez? Acanhados, nos encaramos
depois dele se espreguiçar.
— Saiba que para mim tudo foi insignificante, Dante — esclareço, sentindo
meu rosto formigar completamente.
— Eu nem lembro o que a gente fez! — desdenha.
— Ainda não te suporto, tá? — Me levanto e cato minhas roupas.
— Ótimo! É recíproco!
Ele faz o mesmo, e juntos subimos as escadas, lado a lado, vergonhosamente.
— E você continua chata! — me insulta quando chega ao topo.
— E você, egocêntrico e soberbo! — rebato, batendo a porta do meu quarto e
logo escuto a do outro fazer o mesmo.
Que situação! Antes eu me perguntava qual a necessidade de ter uma suíte já
que moro sozinha, mas hoje eu estou agradecendo por não precisar me
deslocar do meu quarto mais uma vez, arriscando encará-lo. Novamente sã,
mesmo que não tenha consumido álcool, minha mente duela entre tentar
entender e fingir amnésia. A segunda opção ganhou, mas a primeira trabalhou
em segundo plano.
Eram duas da tarde quando resolvi descer, não aguentando mais de fome. A
casa está silenciosa e completamente vazia, me fazendo respirar aliviada.
Almoço com calma e subo com meu lanche para quando sentir fome, assisto
a um filme e depois continuo meu livro que sequer tenho tempo de ler, mal
cheguei na metade.
Ai, ai, Senhor Disk... Melhor companhia para um domingo!
Só me dou conta que escureceu quando a barriga ronca e tenho a necessidade
de acender a luz. Me espreguiço e desço depois de um banho. Mal pus o pé
fora do quarto e a casa permaneceu silenciosa durante todo o dia. Nada tirou
minha atenção do livro.
Não dando sorte outra vez, assim que entro na cozinha escuto a porta da casa
ser destrancada, e ele aparecendo logo em seguida no mesmo cômodo que o
meu. O cheiro de fritura antecedeu sua chegada e meu estômago roncou.
Ele riu e eu me mantive indiferente, ou tentei.
— Trouxe para você também. — Empurra um dos sacos de papel na minha
direção, pelo mármore.
— Não vou comer isso. — Nego com o dedo.
— Tem certeza? É com cebola caramelizada. — Suspende as sobrancelhas
sugestivamente, amo cebola caramelizada.
— Eu te odeio, Dante. — Rude, pego o hamburger da sua mão, enquanto ele
ri. — Você faz de propósito!
— Na verdade, dessa vez foi sim. — Cruza os braços, audacioso e orgulhoso
de si mesmo.
— Maldito! — exaspero, abocanhando o hambúrguer, gemendo satisfeita
pelo sabor da carne e da gordurinha junto ao molho. — De onde é esse
lanche?
— A peituda, ela quem faz. — Surpresa, paro de mastigar, arregalando os
olhos, chocada. — Estou brincando. Mas ela faz um frango assado
maravilhoso.
Nego com a cabeça, principalmente quando ele me mostra um copo médio de
milkshake numa bandeja dupla. O dele já está em suas mãos.
— Você quer que eu participe dos “quilos mortais”, não é? — insatisfeita,
mas sem conseguir parar de comer, indago.
— Não. Só estou repondo suas calorias. Exercícios intensos costumam fazer
perder e nem todo mundo aguenta, seu corpo é muito magro para aguentar
noventa quilos de um homem faminto. — Seu sorriso maquiavélico sob o
canudo do milkshake faz minha cara cair no chão de vergonha.
Dante gargalha, sabendo que me afetou. Sigo para a sala e, feito um
carrapato, ele vem também com sua sacolinha do demônio. Ele pega o
controle da TV primeiro e comemora, tripudiando de mim, porque viu que fui
fazer o mesmo. Crianção nível mil.
Como rapidamente, porque estava morta de fome, e é claro que ele fez
piadinha com isso também. Eu mereço!
— Da próxima vez não traga. Essa foi a última vez. Como minha nutri fala:
nem tudo que é gostoso é saudável.
— Sexo é. É só ter equilíbrio. — Dá de ombros.
Decido ir descansar, amanhã já volto à rotina, estava tão cansada que sequer
saí de casa em pleno final de semana. Dante me deixa fadigada. Na cama,
revejo alguns documentos para amanhã e converso com Cíntia pelo celular,
até sentir sono.
Adormeço e, no meio da noite ou da madrugada, sei lá, escuto minha
maçaneta ser tocada e a porta abrindo, mas me mantenho ali, inerte e cansada.
— Miranda, vou dormir aqui. — Com voz sonolenta, adentra.
— Hum? — resmungo, descrente. — Não.
— Aquela cama é muito dura, no sofá não está rolando. Amanhã tenho
reunião e preciso dormir bem.
Sem esperar resposta, ele vem para debaixo do meu lençol, puxando-o
mesmo, e resmungo mais uma vez, puxando de volta.
— Cai fora, Dante.
— Caramba, sua cama é macia e você me colocando para dormir numa tábua!
Vou dormir aqui, sim — se impõe.
— Não temos intimidade para dormir na mesma cama, Dante! Vai pro seu
quarto!
Viro para ele e vejo que foi uma péssima ideia, pela proximidade de nossos
rostos. Me sinto tensa e encabulada.
— Para quem te viu sem roupa, ver sua situação ao acordar, desmontada, é o
de menos. A menos que ronque e esteja com vergonha que eu ouça.
— Eu não ronco!
Nem o escuro conseguiu esconder meu desajuste. Gemo frustrada e
envergonhada porque ele é teimoso e cretino demais. Estranhamente, nos
encaramos e seus cachos, como sempre, estão jogados no rosto, pela posição
que está deitado, fazendo contraste com a barba no seu queixo másculo, e
com o olhar feroz e cheio de intenções, sob a luz da rua.
Não sei quem deu o primeiro passo, mas quando me toquei estava com meus
lábios nos seus, com beijos intensos e ardentes!
Pela manhã, a cena constrangedora se repete. Eu catando minhas roupas e
agora o expulsando do meu quarto.
— Eu continuo te achando um maldito insuportável!
Pela segunda vez não!
— E você continua detestável! — rebate, e pior, está mais uma vez apenas de
cueca.
— Eu te odeio, Dante — replico, soando superior.
— Eu te odeio, Miranda!
Gemo frustrada, batendo a porta do meu quarto e logo o escuto fazendo o
mesmo com a porta do seu quarto. Por que diabos isso está acontecendo feito
um déjà vu?
Exasperada, me arrumo para o trabalho, me preparando para um dia que
parece que será cansativo, só pela forma como começou. Calados e evitando
contato visual, fizemos a viagem até a empresa no meu carro e nos
mantivemos assim até cada um entrar na sua sala. Sem beijos encenados.
De portas fechadas durante toda a manhã, me dedico à filial de Minas Gerais
para resolver o problema de baixa vendagem. Passo rapidamente pela sala do
meu pai, para saber como anda, antes de ir para meu horário de almoço e,
como sempre, me recebe de forma sucinta.
— Veio trazer problemas? — indaga cismado.
— Não, papai. Vim saber se está se alimentando. A médica falou sobre seus
níveis de estresse ultimamente. — Sento na ponta da sua mesa, mas sua
expressão me faz sair imediatamente.
— Estou bem, essas médicas sempre querendo aterrorizar. — Dá um muxoxo
desgostoso. — Irei almoçar com um amigo antigo. E a reunião com o setor de
Minais Gerais?
Suspiro frustrada por ele sempre pôr trabalho no meio de qualquer conversa.
— Foi bem, a marqueteira de lá é mais eficiente que o daqui.
— Hum, espero que os gráficos de lá aumentem, já que é tão boa. Vou
almoçar.
— Quer jantar comigo? Eu cozinho seu prato favorito, se preferir vou até
você — me mostro solícita.
Nunca temos chance de ter um momento nosso, de pai e filha, sem falar de
reuniões e problemas. Aqui na empresa nos vemos todos os dias, mas ele me
trata como uma funcionária qualquer e não temos a aproximação que gostaria
que tivéssemos. Meu pai não é muito de demonstrar sentimentos, e isso
piorou quando ficamos só nós dois.
— Não. Irei jogar poker essa noite — nega, ranzinza. — Essa semana quero
relatórios completos sobre Minas e, por favor, não me decepcione.
Contrariada, concordo insatisfeita. Se levanta da sua cadeira para arrumar o
paletó e eu sigo atrás até a saída. Volto ao meu andar, deixando meu pai
seguir ao elevador até o térreo, e Eduarda, claramente aliviada ao me ver, ao
achar que estava no almoço, me comunica que infelizmente terei que sair
para almoçar com Dante a negócios, com o representante da transportadora
que antecipou a reunião que seria às quatro da tarde. Sem escolha, concordo.
Com o restaurante já selecionado, que o transportador escolheu, eu e Dante
seguimos. Pelo menos é por aqui no Jardim Paulista e ainda chegamos
primeiro. Permaneço calada, encabulada, mexendo no meu celular e ele faz o
mesmo, enquanto esperamos o tal representante que já deveria estar aqui.
Estamos completamente constrangidos na presença um do outro, é nítido o
nosso desconforto.
Esperamos por meia hora até sua secretária ligar remarcando, alegando uma
rápida interferência de agenda, mesmo sendo ele quem antecipou essa merda.
Contrariada, aviso a Dante, que fica tão frustrado quanto eu.
— Já que estamos aqui, vamos almoçar. — Dá de ombros.
— Fazer o quê? — Repito o gesto.
— Tá com a cara azeda desde que saímos do prédio por quê? Está pior do
que o normal.
— Nada não — nego, ainda aborrecida, por meu pai nunca ter tempo para
jantar comigo.
Não tenho mais idade para expressar o que aconteceu sem parecer uma garota
birrenta e carente.
— É ainda pela manhã? Conta, ou para com essa cara!
— Me deixa, Dante! Nem tudo é sobre você! — um pouco mais rude,
finalizo.
Ele, também contrariado, acata meu pedido. Almoçamos juntos num clima
estranho, tanto pelo que aconteceu pela manhã quanto por agora. Enquanto
andamos de volta ao prédio, caminhando pelas ruas arborizadas da região
numa ótima forma de relaxar e garantir uma pequena atividade física
tranquila pós-almoço, observo a Avenida Paulista, em ritmo acelerado como
sempre.
A vida aqui pulsa intensamente, não importa a hora.
A Paulista é o coração de São Paulo, aqui se encontra de tudo um pouco, é
maravilhosa para quem aprecia excelentes arranha-céus, como eu. Eu sou
uma paulista que, apesar de tudo, gosta da cidade em que vivo, me adaptei à
correria. Avisto o grande grafite do Kobra, que retrata Oscar Niemeyer,
contrastando as cores da cidade cinzenta.
Mas minha atenção é rapidamente transferida quando avisto um homem de
terno e cabelos aloirados andando calmamente com o celular no ouvido, pela
ciclovia. Ele parece ser alemão, e eu paro de andar, reconhecendo-o de algum
lugar...
Las Vegas! É ele! Ele estava no vídeo do casamento!
Caramba, qual o nome dele?
Ele com certeza sabe de parte do vexame daquela noite, afinal, aparentemente
o anel veio dele, segundo a gravação em que ele e a loira gritaram afirmando
isso.
— Dante, aquele homem do vídeo, ele estava na capela aquela noite! Eu vou
lá até ele.
Apreensiva, aperto o braço de Dante, que parece confuso, querendo entender
minha parada repentina.
— Tem certeza?
— Tenho. — Apresso meus passos pronta para atravessar a rua. — Ei! —
tento chamar sua atenção por duas vezes, até que ele se dá conta que sou eu.
Corro na sua direção para alcançá-lo pela ciclovia e escuto a buzina assim
que passo em disparada pela faixa de pedestre. Apressado! Mas ele não me
espera. Faz uma cara de assustado e corre, olhando para trás ocasionalmente,
e eu corro atrás, ignorando todos ao meu redor, o pedindo para parar. Qual a
merda do nome dele?
— Não corre! A gente se conheceu em Las Vegas! — grito, ofegante, para
que ele me escute.
Mas ele não para e nem me escuta, só corre comigo atrás, agora entre os
carros, atravessando para o outro lado, até que não consigo mais e desisto,
sem ar, esbaforida e esgotada. Nem a esteira me cansa tanto, mas também, de
saltos!
Viro para trás e encontro Dante curvado, com a mão na barriga, gargalhando
escandalosamente a ponto de fazer caretas. Tento me recompor, arrumando
meus cabelos, frustrada por ele ter fugido de mim sem necessidade alguma.
Eu não o assustei, apenas o chamei e atravessei rapidamente. Que mico
desgraçado! Que raiva! Se ele não quer o anel de volta, não posso fazer nada!
— Dá para parar?! — Chego até Dante, irritadíssima, alinhando meu vestido.
— Você... — sem ar, ele continua gargalhando. — Pera... Só faltou tocar
aquela música para fazer uma trilha sonora perfeita: Não finja que eu não tô
falando com você, eu tô parado no meio da rua, eu tô entrando no meio dos
carros...
Ele, sem ar, suspira e tem outra crise de riso logo em seguida, curvando-se
mais uma vez com os olhos lacrimejando e já sem conseguir emitir qualquer
som de riso, apenas se debate apoiado no ferro de proteção. Tudo isso no
meio da ciclovia da Avenida Paulista.
Por que tudo dá errado para mim? Ainda tenho que aturar essa anta sem ar
fazendo respiração cachorrinho por uma situação em que ele está incluso!
— Chega, Dante!
Tento minimizar essa situação deplorável que passei e sigo andando; ele logo
corre para o meu lado.
— Não fica brava, vai. Aprende a rir também, Miranda. Foi engraçado.
— Não achei graça alguma, só estou frustrada — suspiro externando meus
sentimentos. — Tá tudo errado!
— Foi só um desacerto.
Dou um muxoxo, resignada. Será que esse ano eu poderei tirar férias? Os
últimos acontecimentos estão me deixando num nível altíssimo de estresse e
numa irritabilidade que me dá enxaqueca todo santo dia.
Minha vida está uma bagunça e parece que não voltará nunca para o lugar,
me sinto perdida!
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET
O dia está cada vez pior e mal começou, a tendência da semana é só piorar.
Assim que cheguei, fui avisada que minha diretora financeira quer uma
reunião emergencial comigo ainda pela manhã, e logo estranhei. Em seguida,
fui solicitada à sala do meu pai, com Dante, e foi só frustração e irritação de
ambas as partes. Problemas, como sempre, que às vezes nem é culpa
totalmente minha, mas acaba sendo de qualquer forma, já que terei de
resolver imediatamente.
Motivo: saímos nas notícias como “casal frio” por causa do nosso almoço de
ontem, onde nós dois estávamos nos evitando. E agora estão surgindo várias
especulações sobre o fim do casamento, casamento fake para chamar atenção
para a empresa e tudo que se possa imaginar. Traçaram até meu histórico de
relacionamentos, mesmo eu sendo sempre muito discreta nos meus casos,
afinal, namoro sério nunca tive, a empresa consome completamente minha
rotina, no máximo são casos de meses.
Aproveitou o assunto e quis saber como anda o processo de divórcio e
atribuiu as atualizações a Dante, afinal, ele é quem está vendo isso. Foi
sucinto sobre o processo de anulação. E eu senti, a cada pergunta que ele
fazia sobre a convivência, que era apenas com receio de vazar algo, para
manter seu controle, sequer me perguntou se estou conseguindo lidar, que
não está fácil, vale ressaltar. E era nítida a sua raiva quanto a esse deslize
meu. Ele ainda não me perdoou e isso me frustra.
Deixei-o a par que a reunião não aconteceu no horário do almoço. E saímos
de lá com uma ordem clara para fingirmos melhor. E agora, enquanto eu
estava disposta a me concentrar em fazer algo útil, sou interrompida pela
minha secretária avisando que Dante quer falar comigo com urgência. Hoje é
o dia da urgência!
Libero sua passagem e, esbaforido, ele adentra no ambiente enquanto eu pego
meu café recém-preparado.
— Miranda, você tá sabendo sobre essa abertura de capital? Setenta por cento
da empresa será ofertada no mercado.
— O quê? — cuspo meu café no chão e praguejo pela bagunça. — Droga!
Como assim, Dante?
— Eu também não entendi esse plano. Eu, como diretor jurídico, tenho que
alertar que isso pode ser um tiro no pé. Abertura de capital é bom, mas nessa
proporção pode ser um declínio para vocês perderem a voz ativa na empresa,
isso é praticamente uma venda. Se alguém cobrir a oferta toda, Amonet é
deles. — Senta à minha frente com uma resma de documentos, praticamente.
— Me explica com calma para eu entender. — Com a mão na testa,
massageando, sento na minha cadeira, levemente hiperativa pelo susto, e
beberico meu café com mais calma. — Acabei de sair da sala dele e não
comentou nada.
— Seu pai pediu relatórios financeiros e jurídicos na semana passada, e agora
estou vendo que ele está com esses planos, só não sabia que seriam setenta
por cento, já temos vinte por cento no capital aberto. Isso prejudica o preço
das ações, se começarem a vendê-las em grandes quantidades, uma vez que
isso poderia ser visto como falta de confiança de suas partes. E, cara, é
setenta por cento, mais vinte aberto, sobre apenas dez para vocês, vai sair do
majoritário para se tornar minoria.
Descrente, tento entender essa loucura que meu pai está pensando em fazer
sem sequer me avisar. Ele tinha que me comunicar isso, expor para mim os
motivos para tal ação radical e saber minha opinião, no mínimo, antes de
querer pôr em prática. Eu tenho o direito de saber! Preciso decidir se quero
isso!
— Eu não estou sabendo disso, eu preciso conversar com meu pai. Isso é um
tiro no pé, sequer precisa ser mestre de economia para saber que isso é um
absurdo. Setenta por cento? É praticamente a empresa todinha.
Somos interrompidos por Louise, minha diretora financeira, que já estava
aqui para a reunião emergencial. Ela adentra um pouco desajustada ao ver
que estamos aqui sozinhos, mas logo despejo para cima o problema para que
ela fique ciente.
— Eu também não trago boas notícias, Miranda. Mas talvez seja a explicação
dessa ação. — Suas palavras me deixam temerosa.
— Que notícias, Louise? — Aponto para a cadeira ao lado de Dante, que foi
servir o café para ela. Para aguentar um pepino desses tem que ter muita
cafeína na veia.
— Amonet, os gráficos de venda estão baixíssimos. A última coleção... —
Ela faz cara de pesar e eu suspiro. — Estamos perdendo para a concorrente
bem mais nova no mercado em praticamente todos os estados. Se continuar
assim...
— Deixa ver isso. — Estendo a mão para analisar de perto suas informações
no tablet.
Realmente, os gráficos estão vergonhosos e tenho que mudar isso enquanto
não sai nada na mídia, senão a empresa vai se desvalorizar e quebrar, e
seremos obrigados a fechar as portas.
— Você me manda uma cópia, Louise, por favor. Quero analisar de perto...
— peço preocupada, perdida e... triste.
Ela concorda e olho de perto novamente no seu tablet. A empresa não pode
falir e nem ser vendida, isso não tem que ser a solução... Não posso deixar
que aconteça!
— Vocês... poderiam me deixar sozinha? Agora não consigo participar de
reunião alguma, primeiro preciso entender o problema para debater soluções.
Eles, ao me verem claramente desalinhada, acatam meu pedido. E, ao saírem,
peço à minha secretária que não quero ser interrompida por nada. Espero o
anexo que pedi a Louise para tentar me situar.
O último lançamento não foi bom, tem empresa mais nova que viralizou de
repente, chegaram num conceito completamente inovador, até as famosas
blogueiras estão no pé e é horrível essa sensação de não estar agradando seu
público. Isso fez com que a Amonet perdesse uma grande porcentagem
esperada nas vendas.
O arquivo chega e eu abro mais que rapidamente. Minha luz é a próxima
coleção, ela terá que nos manter em pé. Analiso com calma cada cidade, as
que estão mais críticas e as medianas. E eu achando que Minas era a única
que estava com esse problema!
Se ela quebrar eu não sei o que fazer da minha vida. Eu cresci dentro dessa
empresa, almejando prosseguir, porque eu amo demais o que eu faço, apesar
de tudo. Ligo para o ramal do meu pai, mas a sua secretária apenas me avisa
que ele não quer ser interrompido porque está numa reunião importantíssima
e isso me empatou de certa forma o resto do dia, porque antes de qualquer
ação eu preciso conversar com ele e esclarecer isso, mas ele não me atendeu a
tarde inteira, pelo mesmo motivo da manhã.
Depois do expediente, segui para a academia para extravasar um pouco, mas
mal consegui treinar, enrolei mais que qualquer coisa, então encontro Cíntia
lá e decidimos jantar juntas no restaurante próximo à sua casa, no Pinheiros.
A ideia inicial era passar no mercado municipal para preparar nós mesmas
nossa comida, mas pela felicidade de Cíntia ao perceber que pelo horário já
estaria fechado, notei que ela não estava a fim de cozinhar. Ela odeia preparar
comida e eu já deveria ter me acostumado com isso.
Seguimos para um restaurante.
Eu raramente venho para o lado de cá, mas gosto. O bairro combina
perfeitamente com ela, cafés descolados e galerias modernas. Nosso maior
ponto em comum. Falar sobre artes, qualquer que seja, poema, escultura ou
peças teatrais. Aprendemos a apreciar com minha mãe, grande fã desses
programas.
Nossa primeira viagem internacional foi a Paris e, com ela, conheci os
museus Rodin e o Louvre que ela tanto falava e lembro até hoje do seu sorriso
ao ver que ficamos encantadas por tudo, até pelo teto de vidro. Meu coração
aquece ao lembrar da sua calma com Cíntia, que ficou apavorada com o
quadro da Mona Lisa, pelo fato da boca dela mudar de acordo com o ângulo
ou distância que é visto. Lembro das nossas gargalhadas porque Cíntia ficou
rindo pela escultura Vênus de Milos não ter braços e hoje é uma das suas
favoritas. E de qualquer outra obra que vimos com pessoas nuas. De longe
foram nossas melhores férias. Ela amava o Da Vinci como amava o William
Shakespeare, não é à toa que me chamo Miranda, o nome que ele criou para
uma personagem de uma peça que era a sua favorita.
Cindy é doida e adora uma festa e bares, mas se deixar ela fala sobre
esculturas, arte renascentista, expressionista e surrealista por horas, sua maior
paixão. Não é à toa que é artista plástica e sua casa parece uma exposição, de
tanta coisa alternativa que ela decora. Tem até uma tatuagem minimalista de
Salvador Dalí com seu bigode icônico, e as pessoas acham que é por causa da
série La Casa de Papel, e isso é a mesma coisa que matá-la.
Lembro como se fosse hoje. Quando minha mãe percebeu o talento de Cíntia
para a arte, ficou toda orgulhosa e prometeu que pagaria seus estudos ou
qualquer especialização fora do país, se quisesse. Era mais parecida com
minha mãe do que eu, às vezes.
O sonho de Cíntia é consumir a França e toda a sua cultura antes de abrir sua
própria galeria de arte. Até tentei convencê-la a ser sua investidora nesse
sonho, mas ela sempre me enrola e muda de assunto.
Cíntia dá um contraste enorme na minha vida, ela é cor e agitação, eu já sou
mais reservada e cautelosa. Nossas vidas são imensamente diferentes, mas a
amizade instantânea foi inevitável desde o primeiro colegial e somos mais
grudadas que chiclete.
Ela me arrastou para um dos bistrôs agradáveis da região do Baixo Pinheiros
e parecia conhecer o local descontraído, que conta com um bar disputado, já
que todo mundo sabe da fama dos drinks deliciosos e seus petiscos de dar
água na boca. Palavras de Cíntia.
— Ele ainda teve a façanha de ficar cantando Marília Mendonça enquanto se
entalava com o próprio riso. Antes tivesse sufocado de uma vez.
Indignada, conto à minha melhor amiga o acontecimento de ontem. Mas ela
gargalha, parando de comer. Tento me manter indiferente, vendo que ela é
farinha do mesmo saco que Dante.
— Eu estou imaginando você, Miranda Moraes, sucinta que não desce do
salto jamais, correndo desesperadamente em meio à Avenida Paulista atrás de
um cara que não sabe o nome, que por um acaso está correndo também.
Sua gargalhada se torna engraçada e acabo rindo, mesmo tentando me manter
impassível diante da esmagadora vergonha que passei.
— Eu fiquei muito irritada por não o ter alcançado, qual a probabilidade de
reencontrá-lo? — Massageio minhas têmporas, com a enxaqueca se
instalando novamente.
— O anel é maravilhoso. Se pelo vídeo viu que não foi roubado, para que
esse desespero para ir atrás dele? — Pega minha mão para olhar mais uma
vez o anel. — Eu tô amando a relação doida de vocês.
— Sei lá. — Dou de ombros. — Só você que tá gostando.
— Por que está assim, apática, amiga?
— Não sei, estou passando estresse lá na empresa. Problemas financeiros. Se
continuar vai ser horrível, meu pai já quer abrir oferta de setenta por cento da
empresa — suspiro ao lembrar do problemão que preciso resolver.
— Ai, não acredito... — Põe a mão na boca, chocada, assim como fiquei.
— Mas quero que me conte coisas suas.
— Também não está às mil maravilhas. Mamãe me ligou, está doente. Estou
embarcando amanhã para Atibaia.
— Está com o quê? — indago preocupada.
Dona Rita por muitas vezes foi uma mãe para mim, minha referência
materna, até ia como minha acompanhante no Dia das Mães no colégio
quando não tinha mais a minha.
— Doencinha de velho, liga não. Vou só para ela desacelerar mesmo, porque
o médico pediu repouso e se ela ficar sozinha vai até querer varrer o telhado.
Rimos, porque ela é igualzinha à filha que fala. Agitada, mal para quieta por
muito tempo.
— Avisa a ela que eu mandei melhoras e se precisar de alguma coisa pode
me avisar, Cindy. Se eu soubesse comprava algo para você mandar como
uma lembrança minha.
Jantamos conversando amenidades e a deixo no seu apartamento. Chegando
no meu, encontro Dante na sala, assistindo à TV.
— Marilia Mendonça tá diferente hoje, né? — solta uma piadinha, mas nem
tenho vontade de rebater.
— Boa noite, Dante. Vou dormir. — sem clima, aviso seguindo direto para as
escadas. Me sinto imensamente sobrecarregada, nem o jantar foi capaz de me
renovar, apenas quero ficar quieta por um momento.
— Que foi? — Une as sobrancelhas.
— Cansaço e preocupação.
Subo para meu quarto, indo direto para debaixo das cobertas depois de trocar
de roupa, afinal, tomei banho na academia antes de sair para jantar. Tomo um
comprimido e, antes de dormir, listo mentalmente meus afazeres de amanhã,
que não serão poucos.
Estou morta de enxaqueca com esse turbilhão que foi hoje.

BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET


Mal adentrei na minha sala e meu pai aparece com seu semblante sério.
Estranho sua visita em primeiro momento, ele nunca vem até mim. Quando
precisa conversar comigo, me manda ir até sua sala. Respiro levemente
ansiosa, porque quero esclarecer sobre o problema de ontem. Vai ver ele
decidiu vir aqui pela minha insistência ontem ao tentar falar com ele, sem
sucesso.
— Assina isso aqui. — Adentra na sala e eu franzo o cenho, ele desceu para
me fazer assinar papéis? Geralmente é sua secretária quem faz isso e sequer é
numa hora dessa da manhã.
— O que é isso? — indago, com ele apontando onde devo assinar.
— Negócios, não se importe muito. Assine que eu preciso trabalhar — me
incentiva mais uma vez. Mas pego direito da sua mão para ler.
Mesmo vendo sua cara contrariada, leio e só nas primeiras linhas percebo que
se trata do documento burocrático para abrir a tal venda de ações.
— Por que quer vender, meu pai? Por que está me fazendo assinar isso se
precisamos reunir com o conselho antes e saber se estão de acordo? Eu não
vou assinar documento algum sem antes passar por todos.
— Não se consuma, são negócios de gente grande, iremos continuar
recebendo uma quantia boa, apenas um novo dono irá administrar
financeiramente, a empresa não está mais tão boa quanto antes, isso é melhor
que falir. Grandes empresas abrem capital, é normal para gerar dinheiro.
— Eu tanto sei que abrimos capital de vinte por cento. Mas setenta por cento?
Isso é loucura. Eu não concordo com isso e acredito que o conselho também
não irá querer! Eu não concordo com isso — dou minha opinião sincera.
— Sem chiliques, Miranda. Adiante logo que preciso trabalhar.
— Eu não vou assinar isso, já falei, não concordo.
Pela primeira vez, nego e sinto o arrepio corroer em mim por me impor, e ele,
calado, com um olhar mortal, apenas sai da minha sala com um semblante
irado, mas me surpreendo por acatar dessa forma. Pela primeira vez sinto o
poder que tenho aqui dentro.
Trêmula e com o peito arfante, tento entender. Arrumo minha franja, tentando
me acalmar e me recompor. Estamos arriscando perder a Amonet dessa forma
trágica e foco nessa questão. Minha prioridade é resolver esse problema,
tenho até a próxima coleção para transformar o vermelho em verde. O baixo
em alto. E, por isso, tem que ser perfeita e inovadora!
Chamo a equipe de desenvolvimento e a estilista responsável para rever a
nova coleção com mais calma, e pela primeira vez me sinto frustrada ao ver o
planejamento. Senti que era “mais do mesmo” e eu preciso de inovação!
Até cogitei suspender o processo, mas isso seria muito brusco, já que não
tenho nada para pôr no lugar dessa coleção, e não posso perder tempo e muito
menos dinheiro. Mãezinha, me ajuda!
Juntas, numa reunião que durou a manhã inteira, debatemos e buscamos
referências e tendências no mercado e tentamos decidir quais produtos
efetivamente serão produzidos, para manter a qualidade dos calçados. Não
falei sobre as tais ações, não quero alarmar ninguém, só pedi inovações
porque o último lançamento não foi bom, desde materiais e técnicas e, claro,
buscando entender as necessidades das consumidoras. Saber o que as pessoas
estão consumindo hoje em dia.
Mas não foi muito produtivo porque eu sequer tinha um norte para eles. Eu
precisava dar uma base para que eles criem a partir do que eu quero.
Eles saem e depois do almoço, sozinha na minha sala, querendo uma luz,
minha secretária me lembra sobre amanhã ser o dia da foto da revista da
edição especial mais lida do ano da Forbes, das dez personalidades nacionais
inspiradoras que causam impacto no mundo hoje. E é até uma piada, a
Amonet na corda bamba e eu na Forbes, entre as mulheres inspiradoras. Eu
sou uma fraude!
No meio da tarde, antes de encerrar meu expediente mais cedo por motivo de
força maior, já que preciso me arrumar e comprar um vestido para a foto da
capa, penso em criar um evento como o desfile. Nada melhor que um evento
midiático chamativo!
Sem contar que a empresa em breve fará aniversário, praticamente na mesma
semana da minha mãe! As datas são super próximas e importantes para mim.
Isso, aniversários! Minha mãe! Não existe inspiração maior que minha
mãezinha. Farei uma edição especial em homenagem a ela, para comemorar
os respectivos aniversários! É isso!
Nada melhor que o desespero para aflorar a criatividade.
Animada com um novo norte, corro para a sala do meu pai para lhe dar essa
luz no fim do túnel, para ele saber que não precisa vender nem abrir esse
tanto de capital. Apesar da nossa discussão e das opiniões divergentes,
queremos a mesma coisa: o melhor para a Amonet.
Esbaforida e sorridente, adentro na sala depois de checar que ele não está em
reunião. Ele apenas levanta o olhar e, ao ver que sou eu, volta a atenção ao
que estava fazendo.
— Pai, tenho a solução. Irei refazer a nova coleção em homenagem à mamãe,
que faz aniversário próximo à empresa. Comemoração tripla, o aniversário de
ambas e essa nova coleção. Ainda estou no começo da ideia, mas vou reunir
com o setor novamente...
Conto empolgada a minha ideia. Já imagino tudo, um desfile apresentando a
nova coleção. O conceito é perfeito. Estamos no século 21 e nada mais
gostoso que exaltar uma mulher como minha mãe foi. Todos conhecem a
história da mulher, mãe solo e executiva promissora e da sua partida precoce,
no auge.
— Ahn? Refazer a coleção? Quer perder mais dinheiro? Isso não vende,
Miranda!
— Como não, pai? Isso é inovador, não precisaremos mais vender a Amonet!
— Já está decido, Miranda, não vou apostar nessa sua loucura, te dou até
quinze dias para assinar esses papéis, sei que seus nervos estão à flor da pele,
mas eu sei o que é melhor...
— Vender não é a solução! Temos uma reserva para emergências, iremos
usar. Confia em mim! — peço para me ouvir pelo menos uma vez. Eu estou
acreditando muito nessa ideia.
— São negócios, você não entende, a empresa está fraca nas vendas, a
tendência é só cair. Estou ficando velho, quando me aposentar alguém precisa
dar conta. Isso veio em uma boa hora, afinal de contas. E você poderá fazer
suas compras e viagens sem se preocupar tanto com a empresa, hum?
Suas palavras tentando me incentivar a fazer o que quer me magoam e me
indignam. Então ele nunca me viu como a sucessora? Ele vai sempre me ver
como uma dondoca? Uma filha de papai, como Dante acha. Uma fútil! Eu
não quero viver de fazer compras, eu amo o que eu faço aqui!
— Alguém que precise dar conta? Eu estou de enfeite aqui? Seu argumento é
esse? Quer se aposentar e não tem ninguém para dar conta, meu pai? Até
quando vai me ver como sua secretária aprendiz? — me altero brevemente.
— Chilique de novo, Miranda? Essa ideia não tem cabimento e eu já decidi o
que vamos fazer! Apenas assine e o resto eu resolvo — ordena para que eu
assine de uma vez, também se alterando.
— Já que não entendo nada, então quero ver você pôr seu plano adiante sem
minha assinatura nesses documentos! Eu não quero essa venda! — desafio,
furiosa.
Sem esperar a réplica, lhe dou as costas e passo na minha sala apenas para
pegar minhas coisas. Depois disso dou meu expediente por encerrado. Meu
pai é cabeça dura e me deixa muito enraivecida. Como assim ele nunca me
viu como uma mente capaz? Eu frequento essa empresa desde que minha
mãe era viva! Quando eu era uma criança! Sei de cor todos os processos e
trâmites burocráticos e sou parte do conselho! E não me vê como capaz? Isso
me magoa profundamente!
Acha que não consigo fazer nada sozinha? Sei que dei vexame, mas foi uma
única vez, e estou pagando por isso da forma mais difícil, que é morando com
Dante, como ele pediu, mas não alivia para mim. Sem Cíntia por aqui, vou
pro shopping sozinha escolher meu vestido para a foto. E só saio de lá com as
unhas e cabelos feitos e meu vestido maravilhoso. Posso estar com a empresa
complicada, mas na foto estarei plena.
Chego no loft e Dante, como de costume, está na cozinha. Com um humor
terrível, adentro lá apenas para pegar água e tomar um comprimido. Estou
cansada e preciso dormir, amanhã tenho muitas coisas para resolver.
Ele me cumprimenta com um grito assustado fino e totalmente teatral, como
se estivesse realmente assustado com a minha presença.
— Que cara horrível, Miranda! Parecendo uma zumbi ou um panda.
Esqueceu de passar seu Vichy hoje?
— Me deixe em paz, Dante. Já tenho problemas o suficiente para lidar, não
vem tornar essa merda de casamento pior que já é. Eu preciso de paz, nem
que seja dentro de casa — completamente azeda, lhe corto.
— Calma, estava querendo quebrar o clima. Tá azeda demais — se mostra
cauteloso ao notar que estou impaciente.
— Não estou a fim de suas gracinhas. Nunca estive, então, finja que não
estou aqui! Desde que essa porra de casamento começou que minha vida só
anda pra trás! — suspiro, ainda queimando de raiva.
— Não sou eu quem quer vender a empresa não, Miranda. Tá soltando os
cachorros em quem não tem nada a ver. Você só reclama, como se para mim
a situação fosse boa. Só aceitei isso por sua causa, vi que estava aflita, porque
eu poderia processar a Amonet se quisesse, pela imposição ridícula do seu
pai, ameaçando me demitir, e você preferiu acatar calada. Era com ele que
você deveria agir assim, não comigo. Estou tentando não enlouquecer com
você, mas é difícil conviver com uma mulher mal-humorada e ácida o dia
todo, você afasta todo mundo com essa cara azeda!
Suas palavras tocam num local muito sensível e mascarado em mim, a ponto
de me fazer engolir o choro amargo na garganta.
— Foi o único exemplo que tive para ser assim! — esbravejo com a voz
entrecortada.
— Mas isso não tem que resumir quem você é. Sempre vive como se
estivesse o tempo todo com raiva do mundo e isso pesa o ambiente! —
retruca.
— Escute do seu pai que ele não te vê como alguém capaz de resolver os
problemas da empresa. Tente ser criada só com ele, um antiquado que não
sabe ser paternal em nenhuma situação, enquanto é apenas uma criança e
sofrendo pela morte precoce da sua mãe, e mantenha o bom humor todos os
dias, Dante!
— E o que tem a opinião dele, Miranda? Expectativas são uma grande fonte
de frustrações e você é livre para traçar o caminho da sua vida. E não há nada
de errado nisso. Olha o patrimônio que tem, olha quem você é. Olha a casa
que tem, vai relaxar na piscina, fazer compras, sei lá, o que gosta. Você se
consome rápido demais, estou aqui tentando aliviar seu estresse e você só dá
patada e tiradas ácidas. Até gosto de te irritar, mas caramba, Miranda!
— Não importa se eu moro nos Jardins ou se tenho piscina na cobertura, se
me sinto insignificante para a única família que me restou. A única pessoa de
quem eu gostaria de apoio e aprovação. Que mania que todos acham que eu
tenho que fazer compras o tempo inteiro! Eu não sou esse poço de futilidade
que me julgam ser! Eu ter sido um dos nomes de personalidade admirável
para mim é nada, não faz diferença se as pessoas de fora me admiram, se meu
pai não sente o mesmo. Todos acham que eu sou fútil, dondoca, pode falar, é
isso que você acha de mim também: uma mimada na sombra do pai. Mas eu
te digo, eu não sou dez por cento feliz como as pessoas acham que eu sou
pela vida que levo. Eu tenho raiva do mundo sim, porque todo mundo parece
feliz, menos eu! Porque todo mundo parece fazer parte de uma família, por
mais problemática que seja, menos eu, e isso não é motivo algum para eu sair
sorrindo por aí!
Ele não revida e, com os olhos ardendo, subo para o meu quarto para tentar
me recompor desse dia bosta que piora a cada hora.
BRASIL, SÃO PAULO | ESTÚDIO FOTOGRÁFICO
Tentando soar relaxada, mas com o pensamento na coleção clichê e o futuro
da Amonet, espero a vez para minha matéria. A proposta da revista é mostrar
as trajetórias de oito empreendedoras de diferentes áreas de atuação.
Já tiramos juntas as fotografias da capa e as individuais também. E de onde
estou, de longe vejo Scarlet Garcez conversando em pé com Julie Sanches.
Apenas as duas são do mesmo estado que eu, as outras cinco são de outras
regiões e também conversam entre si. Estou sem clima para me enturmar.
Ambas são bem-sucedidas profissional e pessoalmente. Ouvi falar sobre a
história de Julie recentemente, e de como deu a volta por cima, e de Scarlet
nem se fala, completamente admirável. Às vezes queria ser como elas. Dona
do meu segmento e ser admirada por isso, não uma fachada disso, no final eu
sou apenas uma espécie de faz tudo do meu pai, como todo mundo vê.
Secretária dele. Sequer sei se minha mãe estaria orgulhosa de mim.
Olho mais uma vez no celular, atualizando meus e-mails, para ver se tem
algum falando sobre a nova coleção, ignorando todas as assistentes da revista
e acompanhantes andando para lá e para cá e me perguntando se quero algo.
Eu preferi vir sozinha, Cindy está cuidando da mãe em Atibaia, e preferi que
minha secretária ficasse na empresa para, quando eu chegar, não ficar tão
perdida no dia. Dante e eu estamos num clima meio bleh e mal nos
cumprimentamos pela manhã quando saí de casa para vir para cá, e ele para a
Amonet. Sei que ontem eu acabei descontando minhas raivas diárias nele,
mas ele simplesmente não sabe a hora de parar e ver que a pessoa não está
com clima para suas gracinhas o tempo inteiro.
Como eu estou perto do café, as duas vêm para perto de mim ainda
conversando. Scarlet, séria e elegantemente de preto, e Julie como eu,
vestindo vermelho. Foram as cores que pediram para nos vestir.
— Olha aí o futuro. A mais jovem entre nós! — Julie sorri para mim, pondo
seus cabelos loiros claríssimos atrás da orelha. — Miranda, né?
Sorrio retribuindo sua gentileza. Scarlet, ao seu lado, nega-se a ser servida e
faz questão de pôr seu próprio café.
— Sim, calçados Amonet. — Aperto sua mão, soando cordial, e fico em
dúvida se faço o mesmo com Scarlet. Ela me parece imensamente
intimidante.
— Sou Julie, incorporadora Sanches.
— Soube que tem apenas vinte e quatro anos. A propósito, Scarlet, da revista
Novac.
A cumprimento também, me esforçando para soar simpática, lembrando que
Dante me falou ontem sobre eu viver de cara azeda.
— Foi com essa idade que assumi a presidência da revista, e foi uó, todo
mundo queria me ver fracassar e até falir minha empresa. Acharam que não
era capaz — Scarlet comenta direta, desprezando as más lembranças.
— Parece que isso é uma tradição. O que você fez? — comento curiosa,
tentando aprender com quem sabe. — Porque está muito difícil para mim
ultimamente.
— Calei a boca deles sem precisar abrir a minha. E isso é diariamente, tenho
que mostrar por que estou ali. E tem que aprender logo antes que quebrem
suas pernas — Scarlet me responde afiada.
— Pura verdade, para nós mulheres é três vezes mais difícil para ganhar
respeito, ninguém leva fé na nossa capacidade de resolver problemas sérios.
Até hoje chegam na minha empresa querendo falar com o presidente, me
mandando passar recado. Acham que só servimos para ser acessórios, ou até
mesmo, no máximo, secretária executiva — Julie concorda.
E eu percebo que o que está acontecendo comigo não é exclusividade dos
meus fracassos, apenas carrego um fardo e um histórico extra nas costas. E é
uma pena que a pessoa que não leva fé em mim seja meu próprio pai. Suas
palavras me afagam completamente, como se eu estivesse numa roda estilo
alcoólicos anônimos, com outros que sofrem do mesmo mal, e elas sabem
exatamente meus sentimentos e receios.
— No início nem sempre vai acertar, é normal, sabe? Até minha
incorporadora, na época construtora, merecer confiança na minha direção eu
fiquei presa a contratos horríveis. Uma coisa era ver Fernando, outra coisa era
eu assumir. Mas hoje ela é três vezes mais rentável que naquela época,
mesmo perdendo mais que ganhando no início.
— Pena que nem todos pensam assim, está sendo bem difícil e eu não estou
conseguindo ser firme como gostaria. Me sinto uma medíocre estando nessa
lista, acreditem. Sinto que tudo está prestes a escapar pelos meus dedos e não
estou conseguindo interromper o estrago. Que tipo de mulher admirável eu
sou se não sou capaz de conter isso?
Me pego expondo minhas frustrações para aquelas duas mulheres de olhos de
cores diferentes e expressões parecidas, falando sobre uma nova coleção que
eu acredito que elevaria a empresa e que fui pateticamente barrada por falta
de confiança. Talvez eu esteja sendo ingênua em contar isso a elas com
poucos minutos de conversa, mas o fato é que aqui estou me sentindo
acolhida de alguma forma diante de ambas, que fazem muito mais que eu
faço, uma dupla jornada com perfeição e de olhos fechados.
— É não desistir e só, seus instintos têm que ser seu guia. Os desafios
aparecem, mas é para a gente se superar, sabe? E ter aliados é mais
importante que ter um plano perfeito — Julie, de um modo meigo e doce,
tranquiliza meus medos, como se soubesse exatamente o que eu estou
passando, ou talvez eu esteja jogando minhas preocupações de forma muito
crua.
— Nada mais gostoso que calar a boca de quem duvida, e receber as
felicitações de quem estava rezando para você fracassar. — Scarlet, mais
ácida, sorri brevemente sob sua xícara. — Faz o que deve fazer e pronto,
Julie te deu a dica, seguir seus instintos e só. Se quiser, quando tiver tudo
planejado, vai lá na revista, agendamos uma publicidade bacana, posso até te
encaixar estrategicamente numa boa página num preço justo, porque sei quão
ruim é ter a empresa que ama prejudicada por terceiros. Ponho até o pop-ups
da publicidade da sua coleção como cortesia no site oficial dos destaques por
dois dias.
A morena senta ao meu lado cruzando as pernas, bebericando seu café com
calma.
Aquilo não era apenas bondade. Eu posso ser boba para muitas coisas, mas
sabia que aquela mulher de fala eloquente era perspicaz o suficiente para me
fazer admirá-la e sentir que seria um péssimo negócio não ir até sua empresa
e investir no que ela está me propondo. Marketing próprio puro, mas era tão
intimista que sequer parecia um negócio, que envolve contatos e dinheiro
entre duas empresas milionárias. E, de repente, senti vontade de virar cliente
da revista só pelo jeito que está conversando comigo.
— Por que estão me dando essas dicas? — indago, meio cismada e confusa.
— Miranda, por apenas dois motivos. Não custa nada ajudar, afinal, essa
picuinha entre empresas é horrível, ainda mais aqui. Três mulheres que se
ferram diariamente só pelo gênero. E sequer somos do mesmo nicho, veja só,
mas o machismo é universal. E acredito no seu potencial, você é muito mais
nova que eu e cá estamos, juntas. — Me dá uma piscada amigável.
— Desse jeito eu fico com inveja. — Julie, também habituada ao mundo dos
negócios, tenta negociar com Scarlet.
Eu preciso aprender muito com elas! Ambas já estão na casa dos trinta e têm
uma rapidez impressionante para negócios. A determinação delas me assusta
e me inspira.
— O convite é para ambas. Será um prazer trabalhar com vocês e as receberei
pessoalmente no meu prédio. Qualquer coisa me enviem um e-mail, pedirei
para minha secretária encaminhar diretamente para mim. Mas quero sapatos
novos da sua coleção, e a senhora, quero um passe vip nas próximas
construções de filiais, viro cliente assídua!
Rimos juntas e suspiro me sentindo mais leve e encorajada. Melhor network
da minha vida. Tão natural e sem a pressão de parecer perfeita a ponto de
soar tensa e desesperada.
À noite, de volta à minha casa, ando sozinha na sala, pensando no que fazer.
Não fui à empresa, me dei ao luxo de não ir hoje, apenas liguei para minha
secretária mandar tudo por e-mail, que depois resolvia. Fui para Atibaia ver
Cíntia e sua mãe para saber como estão. A saudade também apertou e Cindy
quase se derreteu quando falei o motivo de estar lá no meio da tarde em dia
de semana. E no final a visita valeu a viagem de quase uma hora. Sempre
vale a pena, na verdade. Fui paparicada por dona Rita, que às vezes faz papel
de mãe para mim, e por Cindy. Recarregaram minhas energias. São a minha
família!
Não iria adiantar muito me trancafiar na sala se eu preciso pensar fora da
caixinha. A conversa com Julie e Scarlet me encorajou, mas também me fez
ser cautelosa em minhas ações. Eu preciso saber exatamente o que fazer antes
de qualquer ação. Estou com medo, mas estou pensando seriamente em, pela
primeira vez, pôr minha cara a tapa e passar por cima da ordem de meu pai e
fazer o que eu quero. E hoje, batendo papo com Cíntia na rede depois do
almoço na varanda, eu tive uma super ideia para complementar: enaltecer
outras mulheres admiráveis. Afinal, foi nosso gênero quem criou o wi-fi, bote
salva-vidas, colete à prova de balas, algoritmos, cerveja e telecom. Entre
tantas outras coisas e praticamente nenhuma delas está num livro de história
sendo exaltada ou ao menos reconhecida.
Assim como a Forbes está fazendo sua edição especial sobre mulheres
inspiradoras, eu também irei lançar uma coleção baseada nisso, o produto
principal será no estilo da minha mãezinha. Elegante e clássica. E irei fazer
com outras personalidades pertinentes e de todos os estilos. Já quero sapatos
inspirados em Malala, Pagu, que é desenhista, tradutora e escritora de
romances (há quem a conheça apenas como a mulher de Oswald de
Andrade), e as não menos icônicas Oprah Winfrey e Madonna, entre outras.
Notei que ultimamente as pessoas não consomem só um produto, elas
consomem a empresa, o discurso, os valores que elas passam, até a posição
ideológica é colocada na balança antes de passar o cartão. As pessoas apoiam
só quando veem reciprocidade por uma causa que defendem, ou um
movimento em que acreditam. As pessoas consomem histórias e opiniões,
não só os objetos que a empresa produz. Hoje entendo isso, quando percebi
que estava dentro de uma bolha, quando ouvi os conselhos pertinentes das
duas mulheres, e eu nem me dava conta disso. A missão e os valores da
Novac são muito poéticos, e quero que a Amonet siga o mesmo padrão. E
quero dar a volta por cima como Julie Sanches.
Eu quero me tornar o que a Forbes viu em mim.
Eu pesquisei bastante, passei o dia na rua para espairecer, observando o
mundo exterior, as possíveis clientes, para ter um contato real do mundo. Eu
não sou nem de longe o que meu pai espera de mim, primeiro que sequer sei
de verdade o que ele quer e espera, parece uma busca inalcançável, mas eu
quero experimentar ao menos uma vez tomar decisões. Quem sabe é isso que
ele quer de mim, que eu me vire sozinha, sem esperar seu alvará para tudo.
Mas também tenho medo de estar sendo precipitada e iludida em achar que
tudo vai dar certo e cavar a cova da Amonet mais rápido a ponto de nem a
oferta de setenta por cento ser o suficiente para mantê-la de pé, destruindo
toda uma reputação no mercado.
O dia de hoje foi esclarecedor! E muito bom!
Pensei e me encorajei a tomar decisões que nunca tomei e que são
importantíssimas para o meu futuro. Mas, antes de fazer o que eu quero, eu
preciso conversar com que entende melhor do que eu dos riscos e como isso
pode afetar o que já não está bom.
Dante. E ele acaba de atravessar a porta. E para de andar assim que me vê.
Nos encaramos, sinto meu corpo tencionar e uma taquicardia vem
imediatamente. Eu, antes de qualquer coisa, preciso me desculpar.
Me senti culpada durante o dia inteiro.
— Dante... — titubeio, me sentindo tensa.
— Não precisa, Miranda — nega direto pela primeira vez e isso me deixa
com o amargo horrível por esse clima ruim.
— Eu quero, Dante. Me desculpa, sei que a culpa não foi sua, eu realmente
descontei em quem não tinha nada a ver. E me perdoa se não sou a melhor
companhia, se sou irritada ou mal-humorada, ou qualquer coisa que ache de
mim, foi apenas meu jeito de notificar que estava desabando. — Hesitante,
suspendo meu corpo com os pés, para aliviar a tensão.
— Está de boa, pô, eu vi que desde manhã a situação estava ruim, a intenção
era só aliviar o estresse mesmo, mas você estava pilhada. E pelo menos se
aliviou, falando o que realmente sentia naquele momento, você sempre
engole seus sentimentos. E está tudo bem ser assim também, Miranda. Eu não
posso te forçar a ser diferente do que é, eu também estava estressado e não
medi minhas palavras.
Ele sorri de lado, charmoso. Sentindo meus olhos marejarem novamente,
concordo, mas prendo o choro. Dante até que sabe ser legal e compreensivo
quando quer.
— Obrigada por me entender, eu não quero ser o tipo de pessoa que as
pessoas não gostam de ter por perto. Eu vou melhorar, prometo — suspiro,
ponderando que esse pode ser o motivo de até meu próprio pai me evitar.
Ele anda até mim, e me sinto inibida quando para em frente, me encarando.
Evito o olhar, me sentindo incerta e afetada na sua presença. Mas ele eleva
meu queixo para olhá-lo mais uma vez, com firmeza.
— Te admiro por falar sobre seus sentimentos, tem que ser muito corajosa
para se mostrar vulnerável e, sinceramente, seu pai é um pé no saco. E se
servir de consolo, eu percebo seu esforço lá dentro. Seja lá o motivo que fez
ele te tratar assim, não desabe. E sinto muito pela sua mãe, eu também perdi a
minha e sei como dói. Tenho certeza que ela estaria orgulhosa de você, e eu
também.
E, de repente, inesperadamente, incrivelmente, de forma bizarra e acolhedora,
era Dante quem estava sendo a pessoa que eu precisava no momento, me
encorajando e entendendo minhas dores, depois de tanta merda.
— Obrigada, Dante. — Limpo meus olhos, não querendo soar
melodramática.
— Falei isso para não me pôr para fora daqui — quebra o clima melancólico.
Lhe dou um tapa no ombro pelo seu cinismo. Mas acabamos rindo para
aliviar um pouco do estresse e suspiros involuntários pausam o momento de
descontração.
— Eu queria conversar com você sobre a venda, podemos? — Me afasto
brevemente para me recompor.
— Claro, até estranhei sua falta na revista hoje. Seu pai estava pilhado lá.
Juntos, sentamos no sofá e conto a ele meu plano da nova coleção. Ele presta
atenção em cada palavra minha, numa conversa séria e decisiva. E procuro
saber dos riscos e até onde eu deveria ir.
— Então, você acha um bom negócio o que meu pai quer fazer e deixar isso
como está mesmo? Ou arriscar? Você, como diretor jurídico, aconselharia o
quê?
— Abrir capital é ótimo, ter pessoas interessadas em investir, valorizar o
capital. A maioria das empresas enriquece dessa forma. Lógico que tem prós
e contras, mas abdicar de uma porcentagem como essa é loucura, é a mesma
coisa que vender a empresa, como já te falei. E sobre a nova coleção: tem o
que a perder? A desaprovação dele você já tem, faz o que quer e pronto, pelo
menos terá satisfação pessoal.
— Você acha mesmo? E se não der certo? — Mordo os lábios, insegura.
— E se for um sucesso? Não pense muito, age logo — contrapõe.
— Será que eu consigo tornar isso um sucesso? — indago, refletindo e
tentando tomar coragem.
— Para de duvidar de você mesma, ninguém tem que viver com a sensação
de não ser o suficiente. De viver para corresponder expectativas de alguém
que sempre verá você como uma perdida. Laço afetivo nenhum tem que ser
motivo para aceitar e se acostumar com o que te faz mal. Você não precisa
disso. Se liberta, Miranda! Confia em você!
Suas últimas palavras saem num tom baixo, quase sussurrado. O encaro
profundamente com seus olhos cristalinos e afiados e o arrepio forte vem em
todo o corpo, dando um choque diretamente na coluna. Ele aproxima o rosto,
segurando com as duas mãos minhas bochechas. O coração chega a errar as
batidas.
— Eu acredito em você! — reforça.
Meu corpo reage instantaneamente e suas mãos firmes me trazem para perto,
fazendo com que o toque cause formigamento no corpo inteiro, parando
nossos lábios próximos, mas não me beija ainda. Dante é intenso e
extremamente provocativo.
Ele tem ótimos lábios. E sei que eles devorariam minha boca e constato isso
mais uma vez, na prática, enquanto entrelaçamos nossas línguas. Todos os
seus beijos são ousados. Um beijo safado e delirante. Está tão bom, tão
encaixado que tudo se mistura na minha cabeça. O empurro pelo ombro para
encerrar o beijo e o jeito como me olha me deixa inquieta e perturbada.
— Preciso ir — desordenada, pulo do sofá com a primeira desculpa que
aparece, o deixando sozinho.
Debruçada na janela do meu quarto, reflito sobre toda a situação. Dante de
certa forma me trouxe conforto e segurança, por mais estranho que isso soe.
E, animada, crio coragem para pôr a mão na massa o mais breve possível. O
prazo ficará apertado, mas terei foco total.
Sempre fui uma boa garota. Trabalho duro, sigo as regras. Mas, dessa vez, se
fizer o que eu acho certo, seguir meus instintos e não abandonar meus
propósitos, me tornarei uma garota má. É isso que serei a partir de hoje!

DANTE
Temperamento tenso. Facilmente se irrita, sempre centrada e um tanto
analítica. Desconfiada ao extremo, odeia sair da sua rotina e está sempre
apressada. E tem uma mania insuportável de limpeza e organização. É assim
que qualquer um que passa mais que dois dias com ela define Miranda, eu
inclusive, mas isso mudou um pouco depois da nossa discussão anteontem e
ela jogou aos ventos suas frustrações.
E percebi o motivo de sempre andar assim, tensa, é muita cobrança e ela
simplesmente explodiu, o que era de se esperar quando viu a empresa pela
qual se dedica com unhas e dentes, declinando dessa forma, precisando de
uma resposta urgente.
E ela é muito prática e eficiente, senta e reflete e já achou uma possível
solução, e não saiu dessa loucura sem uma resposta plausível. Está desde a
manhã resolvendo problemas para pôr essa nova coleção na fábrica até
semana que vem. Já está com o conceito todo pronto, sequer dormiu de
ontem para hoje para colocar as ideias no lugar. Se dormiu três horas foi
muito.
Para definir Miranda, eu apenas acrescentaria mal-humorada, evidentemente,
mas no fundo só quer corresponder expectativas. Crítica, perfeccionista e
exigente, mas uma trabalhadora exemplar que sempre está procurando se
superar. Bastante calculista, dosa os prós e contras de toda situação. Às vezes
é defeito, às vezes é qualidade.
Mas conviver com ela e seu temperamento é difícil porque eu gosto de
simplicidade, humor e leveza. Eu gosto de piadas e sou comunicativo, e
Miranda vive séria e mal-humorada, sempre preocupada, na verdade. Eu amo
fastfood e podrão e ela come comida natureba, salada e requeijão light!
Cheia de não-me-toques alimentares! Eu gosto de músicas agitadas, e ela de
alternativo, soul e jazz. Ela é requintada e vive tensa e eu taco o foda-se e
adoro uma boa putaria e falar besteiras!
E é engraçado falar que agora é minha esposa. Só a cachaça mesmo para me
fazer cometer uma loucura dessas. É muito irreal estar casado justamente com
a dondoca fresca da Miranda. Puta falta de sorte! Logo eu, que prefiro
aproveitar a vida ao máximo e conhecer várias pessoas. Jamais imaginaria
ficar preso a uma relação, principalmente a nossa. Inimigos coloridos, parece
até piada.
Ela se move graciosamente num salto enorme enquanto trabalha para lá e
para cá, e parece um manequim de revista chique, de tanto exercício físico e
dietas desnecessárias. É engraçado esse seu jeito, ela pode falar que não, mas
é muito dondoca a forma como se arruma, numa mistura estilosa e fina. Cheia
de anéis, batom vermelho, argolas grandes, além das roupas bufantes, como
uma blusa de seda que veste agora.
Miranda tem um estilo descolado e elegante, com um toque de sensualidade
que só ela consegue ter. Parece sempre pronta para estampar capas de
revista. Tem um jeito de mulher fatal da década passada quando põe vestido,
principalmente decotado. Quando está sentada de pernas cruzadas, só falta
um cigarro para parecer uma chefe de gangue rica.
Mas, além de ser sensual, não posso mentir sobre isso, tem beijos muito bons,
devo admitir. E sei também que esse requinte todo acaba entre quatro
paredes, fica uma safada louca que gosta de apertar bunda alheia com suas
unhas afiadas. Gosta também de beijos gulosos e chupadas sacanas, e esse
corpinho magro aguenta uma investida forte com uma cara de safada como
nenhuma outra. Apesar de ser uma mulher magra, ela tem uma bunda bem
gostosa.
Ela arruma a franja pela milésima vez em um minuto, mostrando claramente
a sua tensão. Observo suas expressões conforme as engrenagens trabalham
em sua mente, escutando o que as outras pessoas têm a falar, e sei que está
tentando resolver esse problema ainda hoje.
Estou convivendo com ela tempo o suficiente para perceber suas manias
chatas. Mas a que mais me irrita é o fato de não misturar a comida no prato.
Oh, raiva que me dá. Pega um pouco de cada, arruma no prato e tem que ficar
cada um no seu canto. E come uma coisa por vez, segunda ela, para sentir o
sabor. É um verdadeiro ritual chato. Vontade de chegar lá e bagunçar de uma
vez. Muito fresca! Engraçado que no fastfood mela a batata frita no
milkshake antes de comer. Vai entender!
Já planejou mil coisas e está quase no final do expediente, não parou um
segundo sequer e almoçou aqui em pé na sala, esperando um arquivo chegar.
Se não fosse eu a trazer algo para comer, estaria em jejum até agora. Ela está
focando nos eventos midiáticos, já que o marketing tem que ser efetivo e
assertivo. E para ser sincero: eu quero muito ver o senhor Moraes quebrar a
cara com a própria filha, será um prazer pessoal pelo seu jeito ditador e pé no
saco. Velhote chato!
Estou começando a me incomodar pela forma como ele a trata, antes passava
despercebido porque nos encontrávamos apenas nas reuniões ou em corredor,
e ela fazia questão de se manter indiferente a mim, desde que eu entrei aqui
na empresa. Sempre a enxerguei como o chaveirinho do pai, típica mocinha
que só trabalha porque é na empresa da família, porque ela vivia
acompanhada dele e sempre acatando suas ordens, lembro que quando a
conheci foi exatamente assim, ao lado de Benício. Estava gostosa, não posso
negar, mas foi superintrigante. Mas depois dessa viagem consigo enxergá-la
muito além disso, apesar de continuar chata e irritante, fingindo não se abalar
com nada à sua volta, mas identifico que é só uma mulher que se sente com
emoções e opiniões invalidadas a todo momento, mesmo fingindo que não. E
assim que demos a última reunião do dia por encerrada, decidimos sair para
jantar em um restaurante próximo, porque nenhum de nós estava com
vontade de cozinhar em casa, e é mais fácil pedir o que queremos e nem lavar
louça. E é até estranho isso, nós dois saindo para jantar por escolha, mas até
que hoje foi um dia tranquilo para nós, apesar da tensão no trabalho.
— Vamos, esposa — provoco. É impossível saber que ela se irrita fácil e não
fazer nada. Vejo sua expressão carrancuda aparecer num biquinho engraçado
na boca pequena, tentando soar intimidadora.
— Cala a boca, maldito!
Seguimos para o elevador e não consigo impedir o sorrisinho que curva meus
lábios; gargalho, vendo que a Miranda de antes voltou. Além disso tudo que
falei, eu gosto do lado feroz de sua personalidade. Ela fica ainda mais sexy
brava, ou pelo menos tentando parecer.

BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET


Com planilhas dos setores de produção, logística e vendas, que o
programador da produção planejou, faço análise de estoque de matéria-prima
e do plano de produção. Mensuro os gastos adicionais, já que tenho pouco
tempo para pôr tudo em ordem. A estilista está para ficar louca, já me
mandou um esboço pelo conceito que pedi e ela é uma gênia. Estética
cuidadosa e versátil e detalhes originais, porque contei a ela sobre minha mãe
e ela captou perfeitamente a essência. Feminilidade, luxo e glamour. A
proposta é bem ampla e abarca desde bailarinas até saltos. Estou que mal me
contenho.
A equipe de produção me fez a proposta de realizar essa edição limitada e a
de marketing apoiou, porque quando as pessoas sabem que é limitada,
compram logo com receio de ficar sem, e precisamos do caixa cheio o mais
breve possível para descer o pagamento dos funcionários. E a outra que já
estava encaminhada, produziremos assim mesmo para não perder material e
dar suporte nos meses seguintes. A estilista acrescentou apenas alguns
retoques rápidos para não ficar com cara de coleção passada.
Ponho alguns documentos em ordem e decido acompanhar as movimentações
na produção e ir até o depósito conversar com o almoxarife para ver nosso
fluxo de materiais. Estou dando meu sangue por essa coleção!
Estou até aliviada por meu pai não encucar, está quieto na sala dele esses
dias, mas também não está falando comigo, sequer manda sua secretária me
dar recados. Estamos numa relação tensa e mexida, nos evitando a todo custo.
É horrível.
Já até chamei o conselho, exceto o meu pai, para conversar sobre esse
problema. Me reuni com todos os presidentes de setores da empresa que
fazem parte do conselho, e abri meu coração, falei sobre a ideia de meu pai e
a minha ideia para resolver. O mesmo pedido que fiz ao meu pai, e que me
foi negado, fiz a eles: uma chance de mostrar minha capacidade de resolver
isso. Os deixei cientes dos meus planos e o que poderia acontecer de ruim
com setenta por cento aberto no mercado. Fiz conferências com os acionistas
e fui mais cautelosa e um tanto persuasiva sobre o assunto. Eles podem pôr
meu plano a perder se votarem a favor da abertura de capital e não quero que
isso aconteça. Minha meta é que eles recusem a proposta de meu pai quando
abrir votação.
Na volta, passo na sala de Dante, que vem sendo um aliado maravilhoso. Dá
palpites, me ajuda nos documentos e pautas importantes, conversa com os
acionistas que fazem parte do conselho, participa das reuniões quando
consegue, porque ele, sem vergonha alguma, me disse que quer que tudo dê
certo, já que seu emprego pode estar em jogo.
Nossa relação está menos tensa e a convivência melhorou muito. Nós dois
trabalhamos bem juntos, por incrível que possa parecer, mesmo sendo
divergentes em alguns aspectos, e não pude evitar sentir algum tipo de
conexão com Dante. Até conseguimos entrar em consenso sobre algo em
comum: nós dois damos um jeito de ir à academia depois do expediente e às
vezes até me arrependo de ir com ele, Dante é muito exibido. Vive chamando
minha atenção para que eu veja seu tanquinho, vive suspendendo a blusa,
pega minha mão me obrigando a passar ali e sentir o relevo. É só perceber
que estou perto do espelho que para de fazer seus exercícios para mostrar os
bíceps duros e volumosos de onde está. Se acha, maldito!
Ele segue para a minha sala falando sobre obtenção dos resultados e escuto
atentamente cada palavra. Mas acabamos sendo interrompidos por meu pai,
que chega sem ser anunciado, praticamente marchando, soltando fumaça
pelas ventas, e meu coração salta de susto e aflição. Demorou para vir
reclamar de algo.
— Sabia que você não estava sozinha nisso! Pelo jeito criei uma dupla de
mal-agradecidos! — vocifera para nós dois.
— Pai, por que está agindo assim? — pergunto, confusa e muito ressentida.
— Eu falei que não era para fazer a nova coleção, Miranda! E você mandou
fazer assim mesmo! E outra, ainda agiu pelas minhas costas, falando com os
acionistas?
Pelo jeito nem todos os acionistas concordaram comigo. Foram até falar com
meu pai sobre minha conferência por Skype.
— Só confie em mim. Tá ruim já, pai, o máximo que vai acontecer é
permanecer assim. — Dou a volta na minha mesa.
— Não, Miranda. Isso não é uma casinha de bonecas para você ficar
brincando. É uma corporação, milhões estão em jogo! — Mantêm seu tom
furioso.
— Você acha que eu quero perder dinheiro ou mesmo a Amonet? Em vez de
você procurar uma solução externa, por que não confia em mim e me deixa
fazer do meu jeito? Nenhuma pessoa vai dedicar melhor o tempo para esse
caso do que eu. É a minha herança e não vou deixar que ela afunde enquanto
fico de braços cruzados! — me imponho por cima, sentindo minha voz
engasgar.
— Você vai acabar com isso hoje. Deixe como está. Eu já achei o comprador
das ações, o Hugo Cardoso está interessado, e você vai assinar o documento a
favor. E não quero mais ouvir um resmungo seu sobre isso! — praticamente
me coage.
Não! Dessa vez eu não irei ceder, vou seguir os meus instintos! E saber que
já tem gente interessada, principalmente esse homem, que é presidente da
nossa maior concorrente, me deixa angustiada e temerosa com o futuro. Ele
jogou muito baixo agora!
— Dessa vez, não! Eu não concordo, e se precisa da minha assinatura para
essa loucura, ela vai morrer aqui mesmo. Por favor, saia da minha sala. —
Aponto para a saída sentindo a voz embargar, mas me mantenho firme para
que saiba que estou falando muito sério. — Não vou dar a Amonet para ele e
nem fazer o que quer!
A minha cabeça está explodindo, todo santo dia é enxaqueca, e massageio
meu nariz, sentindo uma latejada bem ali. A batida forte da porta anuncia sua
saída e me dou conta que Dante permanece aqui.
Não quero vacilar dessa vez, eu não posso vacilar, preciso ir até o fim. Sinto
o dever imperativo de honrar os compromissos que assumo. Eu só queria
minha vida regrada de volta, sem esse dramalhão e tensão desnecessários.
Meu pai deveria ficar satisfeito em saber que eu estou fazendo de tudo para
salvar a empresa, e não irritado com meu pulso firme.
De costas para a porta, me apoio com os braços na mesa. Sinto vontade de
chorar e só queria um tempo de tudo isso e um colo para me apoiar e fingir
que tudo vai dar certo. Mas me recomponho, aprendi a não ficar chorando e
remoendo as coisas à toa, isso me torna fraca. Eu sou uma rocha, eu aprendi
a ser uma!
— Não precisa agir como se estivesse com o mundo nas costas o tempo
inteiro, Miranda. Não o deixe foder com sua autoconfiança. Não deixe
ninguém tratar você mal só porque você ama. A coleção é boa e vai dar certo.
Pare de se odiar por não ser o que ele espera, se orgulhe do que está sendo.
Dante tenta apaziguar a situação bosta. Me surpreende num abraço
desajeitado por trás de mim e imediatamente conserto a coluna. Mas de
alguma forma me sinto amparada.
— Obrigada, está sendo muito difícil por ser meu pai a pessoa que me
aterroriza. — Limpo meus olhos das lágrimas teimosas, tentando neutralizar
o fato dele estar me abraçando. Meu coração bate violentamente enquanto me
sinto excentricamente protegida no seu abraço.
Justo na frente dele eu tinha que demonstrar esse tipo de fraqueza?! Se ele
começar a rir de mim vai ser pior!
Me solta e demorou um minuto para eu me orientar. Em vez de encará-lo
com o rubor que sentia no rosto, me mantive de costas enquanto tomava uma
longa respiração e tentei a qualquer custo parecer normal.
— Vai para casa, já está quase no final do expediente.
Apática, concordo. É uma boa ideia, não vou mais conseguir focar em nada.
Ele decidiu ficar até o final do período e, de volta ao loft, janto sozinha e,
depois, debaixo do edredom, sem conseguir me conter, sinto meus olhos
arderem sem nem saber ao certo o porquê dessa vontade súbita de chorar. Eu
estou emocionalmente exausta!
Sequer vi a hora que Dante chegou, apenas acordei pela manhã e com muito
custo, entretanto, não tive energia para levantar. Escuto dois toques na minha
porta, com Dante chamando pelo meu nome.
— Entra — aviso num tom preguiçoso.
Ele obedece. Seu perfume é quem antecipa seu corpo arrumado na roupa
social. Sua expressão é curiosa e confusa, me vendo ainda na cama.
— Está em cima do horário, tá barreada? — Olha no seu relógio.
— Eu não sei. Acho que sim — suspiro e sento na cama, tentando criar
coragem nos meus membro pesados. — Pode seguir sem mim, vou me
atrasar.
— Osso. Sua cara tá horrível, cheia de olheiras, parece um panda e sem
condições de ir trabalhar, Miranda. — Senta na ponta da cama para checar se
estou febril e sua atitude me deixa acanhada. — Está com febre, é bom ficar e
repousar.
— Impossível, vou tomar um remédio e fico melhor. Não posso ficar doente,
Dante, tenho muita coisa para fazer, preciso rever algumas coisas e...
— Você realmente dorme quando avisa que vai dormir? — me interrompe.
— Mas fica tranquila, um dia de descanso não vai atrasar tudo, deixe comigo.
Ele beija rapidamente minha testa e mais uma vez me sinto inibida com sua
ação. Morta de frio, mesmo com o ar desligado e as janelas fechadas, me
enrolo debaixo do edredom quentinho novamente, sem forças para retrucar.
As últimas semanas haviam sido como se uma tempestade estivesse se
formando lentamente.
— Obrigada, Dante. Você está sendo muito necessário nisso — num tom
baixo, reconheço seu esforço em me ajudar.
— Melhoras.
Mesmo culpada por não ir trabalhar e cansada, adormeço e só acordo com a
barriga roncando e uma buzina de moto que me dou conta que é aqui na
minha porta. Enrolada, desço para receber um saco de remédios da farmácia.
Pedido de Dante para mim, praticamente um kit de sobrevivência. Na
cozinha, encontro café posto para mim.
Suco de laranja de caixinha e minhas torradas integrais ainda no pacote, mas
valeu a intenção. E acabo por sorrir, me sinto estranhamente cuidada por
alguém que não seja eu mesma. Parece até que virei criança, como na época
que tinha minha mãe. Até que ele não é tão odiável assim.
Consegue ser fofo quando quer, mas o problema é que ele prefere ser
implicante e abusado.
Saciada e medicada, trabalho no sofá pelo meu notebook ao notar que minha
dor de cabeça deu trégua. E foi assim minha rotina durante uma semana e
meia, adoentada e enraivecida por não ter forças para ir trabalhar. Dante
mandava entregar almoço para mim, vinha até uma saladinha mixuruca para
me tapear pelos bifes suculentos. Como estava sem ânimo para cozinhar,
aceitava o que ele mandava e agradecia.
Nossa relação tempestuosa até esfriou um pouco, embora ele continuasse a
fazer suas gracinhas. Mas, ainda assim, sou grata pela sua boa vontade em
cuidar de mim, embora seja muito estranho tê-lo nesse papel.
Ontem, quando ele chegou, nós quase nos beijamos e foi embaraçoso ao
extremo. Cíntia me ligou preocupada depois que comentei sobre meu
abatimento repentino, até fez gracinha, perguntando se já era saudades dela.
Minha secretária me ligou apenas para dar um recado do meu pai sobre os
relatórios que estou fazendo, sequer teve a decência de me ligar e desejar
melhoras e isso me frustra, esse muro de gelo que põe entre a gente.
Mas hoje consegui ser mais ativa, a febre cedeu e eu consegui adiantar
algumas poucas coisas.
Lendo meu livro enrolada no sofá, Dante aparece. Sua expressão é divertida,
mal consegue conter os lábios esticados. Ele aprontou alguma... Observo
minuciosamente suas ações. Ele me deseja boa noite e me mostra a sacola do
fastfood. Ele está amando minha situação, porque estou comendo todas as
suas porcarias. Já saí da dieta faz tempo!
Mas não é isso que faz seu sorriso aumentar. Ele tira de outra sacola de papel
um exemplar perfeito do livro que estou lendo: Paraíso Proibido. Maldito
desgraçado!
— Não acredito que fez isso, Dante. Você foi além dessa vez! — descrente e
chocada da sua cara de pau, vejo ele abrir o livro. Ele tanto quis até que
conseguiu ler o título.
— Fiquei curioso, você anda com esse livro para todo canto. Eu li a sinopse
e, Miranda, você é uma safada! — sussurra a última parte, junto com uma
expressão de chocado, como se fôssemos duas amigas fofocando.
— Cala a boca, maldito! — Com as bochechas esquentando, tento tomar da
sua mão, mas ele não deixa, fica se esquivando enquanto gargalha, me
enfurecendo.
E de novo a cena se repete, eu parando no seu colo, encaixada exatamente na
parte delicada, e o arrepio desce direto na minha espinha, ao notar a
expressão de tesão que ele faz, mordendo os lábios. E nunca notei o quão
Dante é sexy, como agora. A fricção é enlouquecedora! Mal me contenho
entre as pernas, pela pressão que faz contra mim. Está pulsando. Ai, Jesus!
Enrubesço, mortinha de vergonha pela situação, mas, diferente da outra vez,
não consigo pular do seu colo e mandá-lo ir à merda. Ele, calado, aperta
minha bunda com força, me puxando para mais perto. Ela encosta o nariz no
meu pescoço rapidamente, mas isso foi o suficiente para me arrepiar e eriçar
os pelos do meu corpo.
— Isso é mil vezes mais interessante que o livro.
Me puxa para um beijo, segurando na minha nuca, tendo uma das suas mãos
urgentes apertando forte minha bunda, e gemo baixinho, sendo atacada cheia
de ânsia, moendo nossos lábios a ponto de causar um pouco de dor. Tudo
com ele é tão intenso que sequer sei como explicar, me falta ar!
Os beijos com ele são tão incandescentes!
Eu deveria interromper qualquer ação que possa acontecer a partir desse
momento, mas estou carente demais para recusar prazer e afeto. Arranco sua
roupa, e numa urgência, ele me joga no ombro porque é ogro demais, e me
leva pela escada até meu quarto. Por cima de mim, toma minha boca mais
uma vez, num beijo arrebatador, intenso, me deixando em êxtase e arrepiada,
tudo ao mesmo tempo.
Por que esse maldito tinha que ter beijos tão intensos?
Dante é extremamente másculo. O corpo é extremamente forte. Os olhos são
ávidos. E a cada vez que me olha ou me toca, meu corpo reage, clama pelo
seu de uma forma que eu não consigo entender, mas também não consigo me
afastar. Não estou conseguindo e isso é desesperador!
O meu desejo no momento também é seguir adiante. Mas... é o Dante, e já
não é nem a primeira nem a segunda vez, e isso não é mais deslize. E eu nem
ingeri bebidas alcóolicas! Não quero dar o gostinho de deixá-lo saber que foi
satisfatório nas vezes que eu estava com consciência plena a ponto de querer
novamente. Ele é muito egocêntrico!
Mas ele arranca minha roupa com urgência e me puxa com as duas mãos pelo
maxilar, escorregando pelo meu cabelo e invadindo sua língua na minha
boca. Rápida e longa, me arrepiando completamente, fazendo me render,
dominada pela luxúria bruta que nos envolve.
A sensação do toque da sua boca foi intensa, num beijo forte e viril contra a
minha, descendo depois entre o vão dos meus seios e indo direto entre
minhas pernas, fazendo com que eu me mele completamente na sua boca. E
ele permanece ali, fazendo o que sabe fazer com maestria e vontade, e não
sossega enquanto não me vê num tremelique angustiante e avassalador.
Sua cueca foi expulsa do seu corpo e ele sorri presunçoso, enquanto se
protege e percebe meu desalinho pelo efeito dos seus beijos. E sinto cada
centímetro do seu corpo unir-se ao meu, me arrepiando e me fazendo soltar
um suspiro satisfatório. Sua mão passeia pelo meu corpo quente e suado.
Eu odeio o Dante!
Ele geme baixo perto do meu ouvido e me arrepia. Bombeando com força,
sem intervalos, me aperta forte e, caramba, nunca me senti tão mocinha de
livros como hoje, pela sua virilidade e potência.
Capturo seus lábios inferiores, chupando-os, e percebo que isso trouxe ainda
mais tesão.
Ele sorri de lado, claramente satisfeito, investindo mais implacável e tórrido
em mim, percebendo que escorrego meus dedos pelas suas costas suadas e
seus ombros para tentar me conter de alguma forma além dos gemidos. Seus
lábios chupam minha pele febril me causando ainda mais prazer.
Sentindo meu corpo tremer de tesão, num impulso, movida pelo desejo,
seguro na sua nuca, tomando sua boca com avidez para unir em beijos
molhados e febris até ficarmos sem ar.
Aos poucos sinto o ápice chegar e volto a pôr minha unha nas suas costas e,
de respiração entrecortada, caio no prazer abundante que Dante me
proporciona. Seus gemidos graves e sexy não demoram a surgir, depois de
uma série de investidas ainda mais duras e famintas. Dante exala
masculinidade crua! Descarado, desgraçado!
BRASIL, SÃO PAULO | FÁBRICA DE SAPATOS
Estou renovada e com mil coisas para fazer, principalmente ir até a fábrica
para acompanhar de perto a produção de pares da coleção de suporte. Além
de checar o programa de fabricação e analisar o controle de qualidade, o mais
importante.
Mas, antes de fazer uma viagem de algumas horas até Jaú, passo no meu
setor após cerca de uma semana e meia longe, para saber como andam as
coisas, e passar no marketing que já começou a divulgar a coleção nova. Vou
pegar o que preciso para ir à Novac ver o contrato com Scarlet, quero que o
desfile de lançamento junto com o aniversário da Amonet seja estrondoso.
Quero as mídias e digital influencers com os olhos voltados para essa festa.
Já contratei uma equipe para organizar tudo isso.
Mal parei no prédio e segui para a Novac, poderia pedir para que alguém do
marketing resolvesse isso, como é de costume, mas quero decidir eu mesma.
E ela me recebeu satisfeita e atarefada, estava na função mãe, com sua filha
adormecida no colo. Uma bebê tão parecida com ela que parece sua versão de
poucos centímetros. Se desculpou, avisando que estava febril, falou algo
sobre o berçário da empresa. Mas, como se incomodar por ela estar sendo a
mãe que seu bebê precisa no momento?
E foi engraçado ver o ambiente corporativo da sua sala, e ao lado um berço
portátil. Me fez lembrar a época que eu ia trabalhar com minha mãe na
Amonet, ainda criança, e meus brinquedos ficavam no meu canto. Mas logo
assumimos a pose séria e tratamos de negócios. E saímos de lá com um
contrato fechado.
A manhã foi um tanto inusitada. Mais uma vez acordei com Dante na minha
cama, mas disfarçamos e fingimos que não aconteceu. Essas situações estão
ficando cada vez mais embaraçosas, pelo menos para mim.
Na fábrica, não sou recebida por boas notícias e, em alerta, procuro a
responsável, Fabíola, a gerente que me recebe em sua sala.
— O que está acontecendo? — indago, preocupada e confusa.
— Mandaram parar a fabricação na quarta passada. Ninguém entendeu, mas
seguimos ordens — esclarece.
Quarta-feira foi quando eu amanheci doente e não fui trabalhar. Então, nesses
dias todos eu achei que ao menos a fábrica estava produzindo, e na verdade
estava parada durante a minha ausência? Quem fez essa merda?
— De quem? Quem deu ordem? — levemente irritada, tento não perder meu
controle.
— Da matriz, o senhor Moraes deu um aviso para parar de imediato a
fabricação... Desse jeito não vai conseguir pôr a coleção de aniversário. —
Sua expressão é de pesar.
— Quais os prejuízos?
— Levando em consideração vinte mil pares no mês, novecentos e cinquenta
nesses dias todos. Perdemos vários pares, desperdiçamos alguns materiais.
Estávamos esperando a senhora aparecer para explicar ao menos o motivo.
Novecentos e cinquentas pares é um prejuízo abundante, são o estoque de
várias lojas. Tanto de tempo, cada vez menor, quanto de material pela fábrica
ter parado de repente. São cem funcionários parados por mais de uma
semana!
A festa já tem dia marcado! Já estamos anunciando a coleção especial!
Por que meu pai fez isso? Ele sabia que isso é muito prejudicial, parece até
que quer ver a empresa quebrar de uma vez. Isso é um grande empurrão para
o fracasso. E meu pai sabia e fez por puro capricho por eu não assinar os
documentos, está mais que escancarado! Ele praticamente declarou guerra
contra mim! E ele é muito sujo em guerras, já percebi.
— Foi um grande equívoco, Fabíola, por favor, volte à produção
imediatamente, a intenção é pôr a coleção limitada até o final do mês para
rodar até o lançamento. E, por favor, não pare por ordem de ninguém além de
mim. Desconsidere qualquer pedido e, se tornar a vir, me comunique antes.
Tudo bem?
Ela concorda e, aliviada, a vejo dar a ordem. Como meu pai foi capaz de
parar a produção sabendo que isso é sinônimo de material desperdiçado? Mas
não irei recuar de forma alguma. Quanto mais ele dificulta, mais vontade eu
tenho de ir até o final. Meu pai se perdeu completamente na sua tirania, não
tem o amor que minha mãe tinha pela empresa, vai ver é até por isso o mau
desempenho da Amonet. Sempre buscamos uma relação de afeto com os
colaboradores e consumidores e, ultimamente, se não fazemos o que ele quer,
não presta.
Duas da tarde eu chego no prédio e me reúno imediatamente com a estilista
para que me mostre o catálogo de lançamento. E, eficiente, veio com os
moldes e a maquete da maioria para que eu aprovasse. Para a coleção, são
feitos duzentos itens. Por vez, cem modelos entram na linha de produção. A
coleção inspirada em minha mãe teria cerca de cem itens para produzir
setenta, mas baixei para três quartos disso, por conta do problema da fábrica,
o tempo é apertado.
Sequer fui à sala do meu pai, sei que se for lá irei discutir e não quero perder
meu tempo com isso, deixe ele achar que eu não sei sobre sua trapaça.
Preciso estar centrada e não vou me mostrar vulnerável. Ele está me
ensinando a ser ruim.
— Eu não acredito que ele fez isso, Miranda. — Dante passa para lá e para
cá, hiperativo.
Contei a ele sobre a fábrica e o prejuízo, e ficou tão cético quanto eu quando
soube.
— Pode acreditar, Dante. Como ele foi capaz? — exaspero-me na minha
cadeira.
— Ele está passando de todos os limites. Você mais do que nunca não pode
recuar!
— Eu não vou, eu estou com tanta raiva...
Dante fica super másculo com um semblante carregado, e daqui vejo seus
bíceps ficando arroxeados na camisa social branca que usa. Sem contar que
está levemente aberta, mostrando um pouco do seu peitoral minimamente
peludo. Os cabelos como sempre desordenados, os cachos caindo na testa e o
queixo quadradinho. Ele vira para pegar uns papéis e vejo o contorno da sua
bunda, dá vontade de fincar a unha. Como um homem pode ter uma bunda
dessas? Ele é todo corpulento, sem ser exagerado.
Sexy pra caralho, tenho que admitir!
A boca é gostosa também, seus lábios são completamente impossíveis de não
encarar, de tão volumosos e perfeitamente moldados que são. Não posso
negar, e fazem cada coisa que até me sinto umedecer um pouco e o pé da
barriga esquentar com uma certa lembrança. De repente, me pego prendendo
a respiração, debruçada na minha mesa pelo olhar afiado que me lança,
percebendo o que estava fazendo, o analisando... Droga!
— Está parada na minha, Miranda? — E lá vem o sorriso cínico de lei. —
Está com uma cara de tarada...
— Quê? Não! — Minha voz sai vacilante e arrumo minha franja para
disfarçar. — Estava prestando atenção no que estava falando, você se acha
demais!
— E o que eu falei agora, então? — desafiador, põe as mãos na cintura.
— Sobre eu não recuar — tento soar despreocupada, cruzando minhas
pernas.
Anda até mim e senta na ponta da minha mesa, mas seu sorriso debochado
permanece bem ali nos lábios carnudos. Arrumo minha franja mais uma vez e
conserto minha coluna, me sentindo de repente estranha com sua
aproximação. Seus dedos seguram meu queixo e sinto todo o meu corpo
formigar e esmorecer.
— Então vai negar que está a fim de receber um beijo gostoso meu? —
Arqueia as sobrancelhas, me soltando e cruzando os braços à frente do peito.
Do seu peito largo. Tornando seus bíceps maiores.
— Sim... Eu não estou a fim! — Minha voz vacila e a comichão sobe entre
minhas pernas, sendo magnetizada pela piscina dos seus olhos. Rodo na
minha cadeira para dispersar.
— Sempre uma pequena mentirosa... Não é tão difícil admitir, Miranda. Eu
aposto que, se eu pôr a mão em você, vou saber que está molhada só com a
expectativa. Você está molhada, Miranda?
Meu rosto formiga de constrangimento, porque, hum... Ele infelizmente não
está de todo errado, ainda mais falando rouco desse jeito, próximo a mim.
Olho novamente para cima e o vejo sorrindo ironicamente. É uma boa visão.
Boa até demais. Seu rosto másculo e cretino está me deixando nervosa,
embora não do tipo nervosa em que me sinta obrigada a mandá-lo se foder ou
sair da minha sala. Não, longe disso, o sorriso desse maldito é tão convencido
que faz meu estômago vibrar, assim como outros lugares.
Ainda mantendo o miserável sorriso, beija na minha bochecha e eu prendo a
respiração, engolindo a seco, estranhamente hiperativa. Ele é muito abusado!
— Você me faz rir, Dante.
Tento soar natural e dou o sorriso mais falso e forçado que eu já dei em toda
a minha vida, mas ele nitidamente se diverte, tem um brilho endiabrado nos
olhos e um sorriso de canto de boca que chega até a soar perverso ao notar
que eu estou claramente mexida com a situação.
— Prefiro te fazer gemer.
Eu sabia que ele estava me zoando, ou não... Mesmo assim são um pouco
excitantes suas palavras totalmente seguras. Sequer tive tempo de raciocinar
sobre sua resposta afiada. Me puxa pela mão, me ampara no seu peitoral e me
encara próximo o suficiente para que eu sinta a garganta secar. Seus lábios se
chocam aos meus com anseio, e eu cedo, recebendo um beijo urgente, forte e
intenso, me deixando mole nos seus braços.
A forma tão única e firme como pressiona seu corpo contra o meu, me fez
entender que era o desejo alimentando o beijo. E, embora tivesse me
assustado no começo pela sua virilidade, meu corpo reagiu imediatamente. O
beijo é sedento e gostoso. Suculento e safado, entrelaçando nossas línguas
com afinco, mordiscando meus lábios de um jeito perturbador. O arrepio
surge na minha espinha quando suas mãos, que estavam na minha cintura,
sobem pelas minhas costas, me abraçando completamente.
O sangue corre tão rápido pelo meu corpo que meu braço adormece, assim
como minhas pernas, que enfraquecem. Agarro seu pescoço para ter apoio e
ele chupa meus lábios, mordisca e volta a me beijar de forma ainda mais
intensa, com a mão agora na minha bunda. Gemo baixinho o apertando mais
contra meu corpo, querendo desesperadamente mais contato físico. Mesmo
que eu tente ou queira, não sai uma palavra da minha boca a não ser meus
pequenos gemidos de satisfação.
Apenas aprecio as sensações boas e eletrizantes, com um beijo indecente, e
intensifica ainda mais, agarrando meus braços com firmeza, me pondo em
cima da mesa, todo impetuoso, me apertando forte pela cintura, aquecendo
não só ali onde suas digitais estão carimbadas, mas no corpo inteiro.
Ofego ansiando pela sua próxima ação, que é escorregar o polegar entre
minhas pernas desnudas pelo tecido do vestido ter subido, adentrando entre
elas até chegar à minha calcinha, e o tecido parece não ser empecilho algum,
o atrito me deixa ainda mais angustiada. Fecho os olhos por estar enxergando
tudo turvo, pela sensação diferente. Seus lábios vão para meu pescoço e
arrepio pelas chupadas ali na minha pele sensível e não tenho nem voz para
alertá-lo sobre marcas. Aperto o tecido da sua camisa e contorço os dedos dos
pés, tentando de alguma forma conter a excitação, absorvendo o que está
causando no meu corpo.
Por que essas carícias dele tinham que ser tão... tão boas?! Desgraçado!
Suas mãozonas arrancam minha calcinha e espalmam nas minhas coxas,
dando um aperto forte, e protesto pela sua brutalidade nos toques. Ele me cala
com beijos intensos e pequenas mordidas na minha orelha e lambidas na
minha clavícula e retorna com os dedos para o meio das minhas pernas.
Seguro seu quadril e seu pulso como apoio quando ele volta a percorrer os
dedos em movimentos assertivos, sem o tecido da calcinha interferindo, para
aplacar esse tesão que faz meu sangue parecer lava nas veias.

Ele se antecipa aos meus tremores internos, para, me encara e me interrompe


antes mesmo que eu inicie meu protesto.

— Não é nos meus dedos que eu quero que isso acabe.


Malicioso e cheio de destreza, abre apenas o zíper da calça, tirando o
preservativo da carteira que o acompanhava no bolso. Usufruo da sua
intensidade quando me agarra por trás do pescoço e devora meus lábios de
forma crua e vigorosa, eriçando todo o meu corpo e me fazendo gemer
baixinho. Dante não segura a ponto de machucar, mas é bom, é dominante.
O beijo é feroz e longo, me amolecendo por inteira e umedecendo cada vez
mais.
Jamais pensei em estar achando excitante na vida real um homem mandão.
Ainda mais quando o dito cujo é quem é.
Sem querer, derrubo meu porta-lápis e alguma outra decoração que nem faço
questão de saber qual é, quando recebo sua investida profunda e gemo
baixinho em meio aos suspiros, o tendo dentro, vindo e voltando sem
cerimônias, com um time selvagem que estou apreciando muito. Ele exala
muita virilidade em todos os toques e ações!
— Desgraçado! Você é um maldito! — amaldiçoo entredentes por estar me
provocando tento tesão.

— Isso, me xinga mais, fresca — pede de voz ofegante, me segurando pela


cintura para vir com mais intensidade. — Assume e canaliza seu tesão em
mim!

Finco minha unha na sua pele e travo meus pés por trás da sua cintura, como
apoio, sentindo-o bater e voltar com vigor; ele reivindica firme o espaço que
não é dele, me fazendo delirar. Sinto seus apertões em várias áreas do meu
corpo, tornando tudo mais torturante. Todo o momento é excitante e me deixa
cada vez mais fora de mim, pelo atrito, sensações e suas expressões cretinas e
safadas a cada investida gostosa.

Chego ao meu ápice, numa explosão de prazer imensurável, agarrando seus


cabelos pela raiz molhada de suor como apoio e sob seus protestos sacanas. E
não demora a me acompanhar.
Dante dá o momento por encerrado com alguns selinhos quentes e ofegantes,
e eu mais descompassada do que qualquer outra coisa. Abro meus olhos
devagar, encontrando os dele me fitando, os lábios mantendo a curva de um
sorriso presunçoso.
— Para quem não queria... — ainda arfante, se livrando do preservativo, me
provoca.
Chio e o empurro delicadamente no peito para que ele me solte, e saio de
perto com o coração a galope, procurando minha calcinha. Que situação!
Nos ajeitamos rapidamente e escuto dois toques na minha porta e a
solicitação de entrada da minha secretária, e me desespero ao constatar que
sequer trancamos a porta e meu pai ou qualquer funcionário inconveniente
poderia nos flagrar se demorássemos mais cinco minutos. Sem esperar que eu
libere sua entrada, ela abre a porta e sua expressão se torna totalmente
envergonhada ao notar que eu estou aqui com Dante.
Cruzo os braços apoiando meu corpo na mesa, sem saber como me portar e
com a cara formigando de pura vergonha. Dante põe as mãos nos bolsos e
rapidamente chuta algo para debaixo da minha mesa. Pelo vulto sei que é
minha calcinha.
Pigarreio constrangida só com a possibilidade de ela ter visto o que não
deveria. Ou até mesmo supor!
— Achei que tivesse sozinha, desculpa. Eu... Eu só vim avisar que seu pai já
ligou três vezes te chamando para a reunião e me pressionou para dar o
recado imediatamente.
— Já irei. Obrigada! — Nem consigo fazer contato visual.
Sozinhos novamente, Dante começa a rir e eu suspiro envergonhada por todo
esse cenário embaraçoso.
— Está rindo de quê? Você está todo amassado, idiota! — retruco seu
deboche.
— Seu batom está todo borrado.
Passo a mão próximo à boca para confirmar ao ter a cor na minha mão.
Inferno! Que situação extremamente constrangedor. Ele, sem que eu
esperasse, me dá um selinho rápido em provocação.
— Mal... Maldito!
Ele sorri e se afasta antes que eu possa murmurar qualquer outra coisa,
mesmo não conseguindo formular uma frase sequer. Com a garganta seca,
expiro o ar dos pulmões, tentando me recompor. Por que ele teimosamente
me afeta tanto? Jamais imaginei que um dia faria o que fiz na minha própria
sala! Com Dante!
Que isso jamais se repita!
SEMANAS DEPOIS...
Aliviada pela primeira vez em um bom tempo, desço as escadas e encontro
Dante na cozinha. Depois da tempestade, finalmente está vindo a calmaria,
pelo menos eu acho. A coleção está fluindo, boa parte da limitada já foi
produzida, e a outra está no processo de contagem para a distribuição. A
divulgação também está encaminhando perfeitamente, assim como o desfile e
a seleção das modelos, tudo o que precisamos para que saia perfeito.
Depois do susto com a fábrica parada e o prejuízo, no mínimo o que eu
precisava era desse dia leve. Eu e meu pai nos evitamos desde então, e todos
os documentos que ele manda para que eu assine, eu leio e releio duas vezes
e, dependendo do teor, peço para Dante revisar. É triste assumir isso, mas
perdi a confiança no meu pai.
— O que está aprontando aí? — pergunto a Dante, que está sem camisa, de
cabelos molhados e avental.
— Nosso jantar.
— Nosso? — rio descrente.
— Sim. Sou mestre-cuca, não me atrapalhe. Você vai amar o meu tompero
— Dante sem fazer graça não é Dante.
— Qual o cardápio, para saber se eu quero?
— Estrogonofe. Uma comida universal, todo mundo gosta.
— Hummm. Vou pôr a mesa então.
Juntos, trocamos as refeições rápidas na ilha para jantarmos na mesa, com
direito a vinho. A comida não estava ruim, até fez questão de pôr meu prato,
misturando o arroz com o estrogonofe, sabendo que eu odeio comida
misturada. Tanto que gargalhou quando viu minha expressão de horror e
acabou pegando o prato para si e deixou que eu mesma me servisse. E ele
sorri satisfeito e convencido ao ver que eu comi o que preparou.
Conversamos amenidades em um clima descontraído, basicamente coisas da
empresa mesmo, e o evento que se aproxima. E ao pôr os pratos na pia, me
imprensa com o próprio corpo e sorri presunçoso, estilo cafajeste ao notar
minha expressão encabulada por todos os últimos acontecimentos, fazendo
com que eu engula a seco. Eu li muitos livros em que as mocinhas
descreviam que o sorriso as agitava internamente e perguntava se isso era
possível, mas agora estranhamente aconteceu comigo, e logo com Dante.
E, de repente, estávamos calados nos encarando e eu tento me manter normal
diante do seu olhar fulminante. Nunca a expressão “me perdi no seu olhar”
fez tanto sentido para mim. É incandescente e longo a ponto dos meus lábios
secarem e salivarem ao mesmo tempo em ter os seus levemente carnudos
próximos, sem contar que umedeço com a expectativa. Parece que foi
esculpido e sem pressa. Tão alto e tão bonito!
A barriga agita nervosamente e o corpo treme. E me sinto hiperventilar sem
me conter. Quando seus lábios me tocam, suspiro, notando o corpo entrar em
ebulição completamente com aquele beijo calmo, mas numa intensidade
extraordinária. Nunca que um beijo me deixou dessa forma, tão amolecida,
encaixada nos seus braços. Sua mão firme me abraça pela cintura para que eu
não desfaleça.
O beijo se torna energético e escaldante.
Incapaz de pará-lo, seus dedos adentram nos meus cabelos, me trazendo para
mais perto e meu peito aperta, mas não é uma sensação ruim, o arrepio sobe
em toda a espinha e contrai tudo por dentro. Um beijo de devorar lábios,
urgente, e percebo a intenção. Nos separamos apenas quando nos falta ar.
Meus lábios tremelicam e a respiração se torna urgente. Arrumo minha franja
com os dedos trêmulos e suo frio pela adrenalina do momento e pelo beijo
que eu tenho que assumir que me deixou desnorteada.
E percebo que estamos trilhando um caminho muitíssimo perigoso a se
trilhar.
BRASIL, SÃO PAULO |MOEMA - CASA PETRA
O assovio todo engraçadinho de Dante é a primeira coisa que escuto ao
descer as escadas. Coro totalmente pelo seu olhar satisfeito por conta da
roupa que escolhi para essa noite.
Confesso que ficou tão sexy nesse terno! Combinou perfeitamente!
Hoje é o dia da verdade, a festa de lançamento. Estou tão nervosa que mal
dormi. Foi um tanto trabalhoso para conseguir que o dia de hoje acontecesse,
mas eu acredito muito que valerá a pena! Cíntia finalmente voltou porque sua
mãe já melhorou, e sua irmã, que mora perto, voltou de viagem. E ela não
pode ficar muito tempo longe da galeria.
— Tá gostosa pra caralho, viu, Miranda! — sorri zombeteiro.
Eu escolhi um modelito elegante preto, com uma grande abertura nas costas;
foi um tanto difícil escolher, notei que subi um número no meu manequim.
Sabia que as comidas que Dante traz causariam isso! Mas o fato é que eu
amei esse modelo combinando com meu scarpin da mesma cor e com brilhos.
E estou com um colar da dona Melissa, minha matriarca, para que esteja
presente de alguma forma.
— Tem como ser mais irritante? — devolvo, mostrando a língua.
— Não sei. Deixa-me ver. — Naturalmente dá um apertão na minha bunda,
fazendo com que eu dê um pulo para frente.
— Maldito! — praguejo e ele gargalha.
Com ele dirigindo, seguimos até Moema, onde o evento irá acontecer. Nossa
primeira aparição pública “depois de casados”.
Logo na entrada vejo muitas luzes de led, fotógrafos e blogueiros me
esperando, querendo uma declaração minha, já que criamos um bom
suspense sobre hoje. Quiseram saber da minha vida pessoal e de casada. Até
falaram sobre as últimas notícias divulgadas sobre uma possível crise da
empresa, mas ignorei esses assuntos e dei ênfase ao que realmente importa: a
nova coleção. Até estou usando um dos modelos, feito especialmente para
mim e para a data de hoje.
Adentro no ambiente cumprimentando a todos. E me preparo para começar a
noite e ser uma boa anfitriã. Está tudo como eu queria, até uma foto enorme
da minha mãe logo na entrada. Hoje é seu aniversário e foi por isso que fiz
questão dessa data. É a minha forma de comemorar com ela tudo isso. Ela
merece!
E me sinto realizada só em estar aqui.
A passarela do desfile está pronta, as modelos também. Tudo correu bem, no
final das contas, já despachamos o estoque para as lojas abrirem vendas
amanhã. Se depender da minha torcida, o estoque já está esgotado e
aclamado.
Aos poucos o espaço vai sendo tomado de pessoas, blogueiros e executivos.
Eu convidei a maioria das presidentes de empresas do estado e redondezas.
Para minha surpresa meu pai chega junto com dois acionistas e suas
respectivas esposas, e logo notei que estava olhando absolutamente todo o
espaço, talvez procurando defeitos. Sinceramente, achei que não viria depois
de tudo. Cumprimento a todos igualmente, de forma afetuosa, exceto meu
pai, que se satisfez apenas com um aperto de mão frio e corporativo.
Bebo duas taças de bebidas alcoólicas para me anestesiar e recepcionar quem
chega. Cindy aparece perfeitamente fabulosa num modelito azul, sorridente e
celebrando comigo essa realização. E Dante está fazendo um papel tão
parceiro ao meu lado, me acalmando e me deixando segura, que sequer
parece fingimento, estamos entrosados.
Scarlet chega com seu marido, que é advogado, e sorrio, assim como Julie,
cujo marido ouvi falar que é bombeiro. Vejo a satisfação de ambas por eu ter
escutado seus conselhos super válidos. Com o espaço já cheio, trêmula e
ansiosa, mas com Dante ao meu lado, subo no palco para discursar e dar
início. Conto a história da nova coleção, do que ela se trata e qual o seu
objetivo: exaltar todas as mulheres. E o simbolismo dessa data.
— Os sapatos são indispensáveis no guarda-roupa das mulheres. Eles são
um dos principais responsáveis por dar elegância e beleza no look usado no
dia a dia. Todo mundo tem aquela marca com a qual se identifica, e essa
fidelidade que muitas pessoas têm revela o tipo de mulher que ela representa
e o estilo que quer passar, mas nessa coleção especial eu quero exaltar todos
os estilos. Nos dedicamos a atender os desejos da mulher real em suas mais
diferentes ocasiões. Mulheres mudam o mundo diariamente e de várias
formas, e nada mais inspirador que ter algo do estilo da sua heroína favorita
por perto, nem que seja nos pés. Eu estou usando a da minha.
Todos aplaudem, alguns ovacionam e Dante, sorridente, me ajuda a descer.
Juntos, sentamos para ver o desfile da nova coleção. Sua presença hoje está
me acalmando. Noto que meu pai me olha sério e profundamente e suspiro,
tentando me manter positiva. Sequer sei se nosso relacionamento ainda tem
jeito.
Cindy, sentada ao meu lado, aperta minha mão me trazendo tranquilidade e
isso já basta. O desfile inicia com o palco completamente escuro, exceto as
luzes no chão, para mostrar apenas os sapatos. Achei recentemente um
discurso de dona Melissa sobre ser uma mulher de negócios e decidi pôr sua
voz ali, em vez de música, enquanto o desfile acontece, e sinto meus olhos
marejarem ao ouvir sua voz tão doce novamente reforçando seu lugar de fala.
Eu sinto muitas saudades e isso não é novidade a ninguém.
E são os modelos inspirados nela que abrem a passarela. A cada modelo de
sapatos que surge, uma foto da pessoa que o inspirou aparece no telão, com
uma fala sobre sua importância. Muitos aplausos para cada uma. Esta é a
coleção mais diversificada que tivemos em anos. Os modelos atendem a
todos os gostos, do minimalista ao extravagante.
Tem estilos grunge ao clássico, incluindo as esportistas. Scarpins a botas e
uma cartela de cores abrangente, salientando desde os terrosos até os tons
mais gélidos. Eu estou completamente apaixonada, os acabamentos estão
impecáveis. No final, subo novamente no palco para ficar com os louros e
aplausos e me sinto orgulhosa de mim mesma por, pela primeira vez, colher
os frutos de um trabalho árduo. Dante me surpreende com um beijo quente e
cinematográfico e o barulho das pessoas ovacionando o show que só ele
gosta de fazer se intensifica. Exibido! Sem ar, rio desajeitada, tanto pela
situação quanto por ele entrelaçar nossas mãos.
— Foi muito foda, Miranda! — fala energizado, com os olhos brilhando já
com a festa rolando.
— Você foi parte disso! — reconheço e seu sorriso se amplia.
Apesar da nossa relação oscilar o tempo inteiro, Dante foi necessário,
reconheço que essa realização não é só minha. Fizemos uma boa dupla no
final.
Já com o coquetel iniciado, ainda recebo elogios e dou pequenas entrevistas
para quem me pede. Cíntia me traz bebida e brindamos e nos abraçamos
empolgadas como duas adolescentes. Eu estou muito extasiada com esse
lançamento!
Confraternizo com todos e, para minha total surpresa, sou abordada pelo
homem loiro que correu de mim, e sua mulher, que também estava no vídeo.
E logo descobri que a mulher se chama Marina e é presidente da Sunshine,
uma grife de óculos de sol. Fez todo sentido sua presença ali, e por eu ter
encontrado o seu marido na Avenida Paulista. Até conheço a marca, só não
sabia que ela era a presidente; e realmente o mundo é minúsculo. Rimos
juntos desse caso, ele ficou sem saber o que era e apenas correu, porque não
conhece direito a cidade, se mudaram recentemente para cá. Moravam na
Austrália e vieram para assumir a filial de São Paulo.
— Olha aqui o meu anel, Evan! — a mulher, sorridente como nas minhas
lembranças, segura na minha mão. — Quando acordei no dia seguinte eu
sofri procurando. Achei que tivesse perdido na noite.
— Eu ganhei na sua aposta. — Sorrio, notando que uso até hoje o rubi
vermelho. — Temos o vídeo do casamento, um fiasco!
Ponho a mão na testa, lembrando do dia fatídico. Nós quatro gargalhamos e
me sinto feliz em reencontrá-los. No vídeo estávamos muito bêbados e é
engraçado estarmos conversando novamente, e dessa vez sãos, pelo menos.
— E vocês, ficaram juntos mesmo? — indaga curiosa e me sinto
envergonhada por ter que admitir que permanecemos em um casamento de
conveniência.
— Sim. Essa louca bêbada não aguentou meus charmes! — Dante me abraça,
fazendo graça. — Às vezes eu acho que ela me embebedou para casar
comigo. — Usa um tom de confissão e lhe dou um tapa leve.
Seguimos para nos divertir na pista de dança e eu me permito extravasar com
as pessoas que eu gosto. Nem vi mais meu pai, acredito que foi embora.
Bebemos e nos divertimos com a crença de que tudo vai correr bem.
Amanhã eu quero boas notícias sobre as vendas da nova coleção, eu quero
que a Amonet se recupere, que ela volte a ser o que sempre foi: referência
feminina nacional. E, se não for pedir muito, em breve internacional. O
pontapé foi dado lá em Nevada.
Sequer sei onde começa o fingimento e termina o entrosamento que estou
tendo ultimamente com Dante. Não faço a mínima ideia em que pé está nosso
divórcio. Já deveria ter saído, mas nem procurei saber por conta da correria.
E, repentinamente, pensar que quando a anulação sair ele irá embora da
minha casa me deixa com a esmagadora sensação de desabrigo.
— Estão pedindo uma foto nossa juntos. — Dante toca na minha cintura e eu
me viro para ele.
— Tudo bem, vamos.
Concordo expulsando qualquer pensamento indiscreto nessa noite tão
importante.
Posamos para foto como casal, fizemos declarações como se todo o nosso
amor de plástico fosse consistente. Criei uma vida perfeita em cima de meias
verdades e todos estão ovacionando como se fosse a verdade mais bonita que
existe. E isso me traz uma grande amargura por dentro, me sinto superficial.
Hoje eu estou um tanto reflexiva, com tantos sentimentos aflorados.
Mas o fato é que me sinto despreparada para lidar com as consequências tão
grandes e falo de forma geral. Com meu relacionamento em crise com
Benício, e em breve o divórcio que eu sei que está próximo de sair, irei me
afastar um pouco dele porque, diante de tudo que aconteceu, será necessário
até nos desvincular como casal e voltarmos a ser o que éramos: colegas de
trabalho. E até esse momento chegar, mais uma vez, só me restará Cíntia,
minha fiel escudeira.
Após as fotos, voltamos a socializar. Dante está elétrico e eu decido me
contagiar um pouco por esse momento tão importante que é a festa do
lançamento que dei lágrimas e suor para existir.
— Amiga, eu te amo, não sabe? — Abraço Cíntia, que também está se
divertindo bastante.
Não existe pessoa que goste mais de farra que ela. Eu tenho a completa
certeza que só vai embora quando encerrar e eu decidir ir também.
— Claro que eu sei, Mi. E é recíproco. Eu estou muito orgulhosa da sua
evolução como mulher. Isso é exemplo claro que você consegue voar quão
alto quiser, basta ter coragem. Você está irradiando outra luz, amiga, e essa
combina muito mais com você. Tia Melissa está orgulhosa, eu sinto isso,
você também sente?
Com olhos marejados, concordo. Cindy sempre foi mais bem resolvida e teve
mais garra que eu, e mesmo tendo a mesma idade, sempre cuidou de mim
como sua irmã mais nova. Saber que tenho ela sempre ao meu lado,
independente das circunstâncias, é um afago em todo o meu estresse e
insegurança. Se existir apenas ela na plateia por mim, sei que estará lá para
me aplaudir e isso é totalmente mútuo.
— Hoje as duas merecem parabéns. Duas mulheres incríveis e fortes. Tenho
orgulho de ambas. — Me abraça mais apertado e eu retribuo, grata por ela
jamais me abandonar em todas as vezes que me sinto desolada em momentos
difíceis.
— Não há palavras para expressar quanto você é importante para mim,
Cindy.
— Eu sei que você me ama imensamente, mas estamos em festa, baby.
Vamos nos divertir muito para comemorar essa data muito mais que
especial! — Sorri a ponto de fechar os olhos e eu concordo.
Celebramos juntas na pista de dança, com brindes. Decidi me anestesiar nos
drinques e curtir meu momento. Dante está todo sorridente e me parabeniza a
cada dois segundos, roubando beijos sempre que pode, aproveitando a minha
vibe boa. Até assim é abusado!
Percebo os olhos dele mais ávidos que o normal em cima de mim, a ponto de
sentir um arrepio na nuca pela mão firme me segurando enquanto dançamos
juntos. Sem dizer uma palavra, me traz para mais perto e cola nossos lábios.
Meus batimentos sincronizam com a música estrondosa e acelerada.
O olhar intenso permanece, me deixando completamente seduzida pela sua
aura sedutora, trazendo meu rosto para ainda mais perto, colocando uma das
suas mãos por dentro do meu cabelo, me deixando carinhosamente dominada.
— Estou feliz que decidiu acreditar na sua capacidade como eu acredito, isso
aqui é só o começo de toda uma jornada incrível!
Acolhida pelas suas palavras, sequer agradeço verbalmente e, com o coração
aquecido, colo novamente nossos lábios num beijo forte, e para mim já não
existe mais pista de dança alguma, apenas Dante e seu beijo ávido e quente.
— Precisamos ir ali agora — quebra o momento e, ao ver a confusão
estampada no meu rosto, complementa: — Vou te levar.
Sendo levada pela mão, atravessamos o salão até chegarmos na cozinha e
cumprimento a todos sem parar de andar, tentando entender o que está
acontecendo. Os aperitivos não podem estar estragados!
Chegamos até a despensa e franzo as sobrancelhas.
— Percebi que está tensa. Decidi te relaxar um pouco.
A comichão entre minhas pernas em anseio está angustiante. Incapaz de
negar sua ideia louca e tentadora, apenas aceno.
A mão firme e o olhar tentador foram o suficiente para soltar qualquer pudor
que estivesse me segurando naquele momento. Imprensada em algum
armário, desço minhas mãos para sua calça, abrindo o botão, e ele ri em meus
lábios pela minha urgência e me ajuda.
Trocamos carícias, beijos gulosos e apertões, qualquer coisa que desse conta
de aplacar a urgência de unir nossos corpos. Toda a situação é excitante e me
deixa totalmente úmida. Cuidadosamente, suspende meu vestido para não
amassar. Meu rosto é virado para a parede e seu corpo se junta ao meu. Seus
lábios exploram meu pescoço e eu gemo baixo para não chamar atenção.
Sem barreiras de tecidos, me certifico de estar protegido e, de olhos fechados,
controlo meus ruídos, sentindo cada centímetro moldar em mim de forma
macia, assertiva e implacável.
Dante sussurra palavras no meu ouvido para me deixar ainda mais doida.
Ele me senta no freezer e seu sorriso sem vergonha surge nos lábios, junto
com a expressão demoníaca, me vendo suspirar e revirar os olhos de prazer,
fincando minhas unhas nos seus ombros para conter o pico de prazer a cada
vez que empurra, até que eu chegue ao meu limite.
Talvez eu já tenha bebido além do que deveria, para não raciocinar o
suficiente as consequências do que acabamos de fazer. Rapidinha na
despensa no meio de um evento no qual eu sou a anfitriã? Quando isso se
tornou uma boa ideia? Não sei, mas que estou satisfeita, estou.
Recompostos, voltamos e nem quis olhar na cara de cozinheiro algum quando
atravessamos de volta. Apenas Cíntia percebeu nosso sumiço, mal esconde
isso. Sorri de lado para mim quando me aproximo.
— Por favor, se casem logo. Ah, não, vocês já são, né? — provoca
bebericando seu coquetel. — Só quero saber até quando irão se enganar.
— Não fantasie! — peço com as bochechas incendiando.
— Você tá gostando dele — pontua, sequer foi uma pergunta.
— Não estou, Cíntia.
Ela arqueia as sobrancelhas em deboche, mas não retruca. Dou de ombros.
Não é só que eu não o odeio como antes que eu gosto dele como está falando.
Não precisa ser sempre um extremo. Só estamos nos dando bem e ponto.
Dante se divertiu muito mais que eu, tanto que estava levemente alcoolizado
quando saímos de Uber, largando seu carro lá para pegarmos amanhã. Dirigir
estava fora de cogitação tanto para mim quanto para ele.
Apoiando dois metros de homem, adentramos no loft e o jogo no sofá. Dante
sempre se diverte enlouquecidamente. Na última vez que bebeu dessa forma,
nos casamos, e engraçado que o casal Mari e Evan estavam juntos novamente.
— Você foi incrível, Miranda. Eu vi seu pai incrédulo e foi muito engraçado!
— fala pela milésima vez.
— Aham! — Tiro meus saltos e acessórios.
O deixo lá embaixo sozinho para guardar minhas coisas, e quando desço o
encontro cochilando no sofá, ainda de terno. Cuidar de homem bêbado é fim
de carreira! Que marido eu fui arrumar em Las Vegas! Não poderia casar
com um ator de cinema super irresistível?
— Dante, acorda. — Tiro sua gravata folgada e tento fazer o mesmo com sua
camisa social, abrindo os botões, mas ele acorda, interceptando minha mão.
— Não abre, eu sou casado. Aqui, oh. — Mostra o anelar vazio, soluçando.
— Ih, acho que perdi a aliança, não conta a ela senão vai me matar, ela é
nervosa.
Sorri pela sua loucura em plena madrugada. Mesmo bêbado, ele, de alguma
forma, ainda é o mesmo.
— Eu sei, casou comigo. Eu sou a Miranda, Dante. E você não usa aliança.
— É esse o nome dela. A mulher mais bonita que já vi! — fala convicto e
com propriedade.
— Mais que a fã de Beyoncé do peitão? — testo até onde ele está bêbado
para expressar isso.
— Muito mais. Mesmo tendo peitos pequenos e comendo salada feito um
cágado. Tem um sorriso contagiante e uma risada gostosa. Além de ser muito
inteligente e beijar bem. Sua inteligência e resistência são admiráveis. É
estranho o que eu vou falar, mas eu estou apaixonado pela minha esposa.
Tem manias estranhas também, sabia que ela odeia comida misturada? Quem
é chata a esse ponto? Mas me acostumei com ela, sabe? Os papéis de divórcio
chegaram, e não tive coragem de assinar e nem mostrar a ela.
— Sério?
— Sério, ela é uma dondoca fresca, mas eu gosto justamente por ser assim, e
percebi isso quando os papéis de anulação chegaram.
Suas palavras soam sem um pingo de deboche, é mais como um desabafo, tão
puro e até doloroso, e isso me desconcerta. Mesmo estando alcoolizando,
sinto que é um sentimento autêntico. Estranhamente, a ideia de acabar com
essa união doida também é a última coisa que eu quero, me dá um sentimento
angustiante.
E, numa epifania severa, na minha sala em plena madrugada, com ele bêbado,
noto que eu estou me apaixonando perdidamente pelo meu maldito marido
acidental. Como pode? Quando e como começou a mudar, se nos odiávamos
severamente uns meses atrás? E olhe que nos conhecemos há anos! Cíntia é
uma bruxa que fica colocando caraminholas na minha cabeça! Mas Dante
está bêbado e não posso fantasiar em cima disso. Prefiro deixar esse assunto
em pause. A noite foi eletrizante e eu estou cansada para ilusões de bêbados.
É tudo tão sem sentido.
— Você está bêbado, Dante — tento futilizar o momento com um sorriso
trêmulo.
— Sim, estou bêbado e você está linda, Miranda. — Me encara. Pelo menos
dessa vez sabe quem sou. — Amanhã eu estarei sóbrio, mas você continuará
linda, porque é isso que você é. E eu gosto.
Suspiro, totalmente bagunçada. Tento desarmar o momento ou qualquer
sensação que tenha se apossado do meu corpo cansado. O ajudo a subir as
escadas com muito custo e decido pôr para dormir comigo, por medo de
passar mal de madrugada. Dessa vez ele me deixa tirar sua camisa social e
cinto, o deixando apenas de calça social.
Seria uma fraude contar que tudo isso não me deixou terrivelmente mexida.
A noite de hoje foi de surpresas da forma mais imensurável e incogitável
possível!
Pela manhã, depois de uma noite perturbada sem conseguir pregar o olho
direito, quem me recepciona é uma manchete: Um sapato único para um
momento único! Lançamento Amonet é marcado por homenagens, romance e
animação.
Uma coluna devota à festa, com os melhores momentos, tem fotos do meu
momento de discurso, das pessoas chegando e do desfile. Também tem
algumas da festa, até criaram polêmica por uma foto tendenciosa minha com
Dante. Ele está me segurando pela barriga e começaram a criar fanfic sobre
uma suposta gravidez. As pessoas criam coisas absurdas para vender matéria!
Apesar disso, foram só pontos positivos para a coleção. A recepção parece ter
sido boa, mas quero ver essa resposta nos números, é o que eu preciso, além
de boas resenhas da festa. Meu tempo está reduzido para obter respostas. Mas
eu estou muito realizada e feliz, confesso!
Olho Dante ainda adormecido com o lençol até a cintura, deixando sua bunda
dura contornando. Ambos os braços estão na cabeça, debaixo do travesseiro,
enquanto dorme tranquilamente, com o rosto virado para mim. Ele está com o
cabelo bagunçado e um pouco maior que de costume, quase caindo na nuca e
o frio se instala na minha barriga imediatamente. Me apegar e desenvolver
sentimentos por ele não era uma opção.
Além disso, eu preciso de um tempo para absorver a conversa que tivemos.
Eu sequer sei o que fazer com a informação de ontem. Não sei se apago da
minha memória e finjo demência ou deixo isso fazer morada nos meus
pensamentos. Banhada, desço as escadas a fim de comer algo e ler o resto do
feedback da festa em outras colunas. Sentada na cadeira da ilha, noto que
estou perdida em pensamentos quando me pego encarando meu café ao
escutar barulhos, anunciando que Dante se aproxima.
Congelo ali, tencionando o corpo, de certa forma por ter sido pega no flagra
pensando sobre ele, mesmo que ele não seja telepata.
— Olá, Girl Boss, que festão, viu? Tem remédios aí? — me cumprimenta
ainda com a roupa de ontem, completamente amassada. — Por que eu dormi
lá no seu quarto?
Só pela sua pergunta percebo que ele não se lembra do que falou ou finge
muito bem. Suspiro e arrumo minha franja, antes de sustentar meu olhar ao
dele.
— Obrigada. No banheiro tem, e dormiu lá porque você entornou o copo
depois do desfile e fiquei receosa de passar mal. Seu carro ficou lá. Lembra
não, Dante? — averiguo.
— Se disser que lembro estou mentindo, mas recordo da festa e que me
joguei no sofá, só não lembro como parei lá em cima. Tem o que para comer,
estou varado de fome! — muda o assunto.
— Eu te ajudei a subir. Está quase no horário de almoço, seria mais lógico
pedir comida.
Decidimos almoçar na rua, e depois o arrastei para o clube de golfe e ele
concordou, mas não antes de me insultar de fresca. Pessoas conhecidas
sempre me chamam para uma partida, mas sempre fico sem tempo e hoje será
bom para ocupar meu dia, que tentei passar na tranquilidade, mesmo que o
assunto não tenha adormecido uma hora sequer da minha cabeça.
— Dante, e o divórcio, ainda não foi liberado? — pergunto suando frio,
assim que chegamos em casa.
Houve um pequeno segundo incômodo de silêncio, mas para mim pareceu
uma eternidade. Ele ainda não tinha respondido à minha pergunta. Estava me
encarando e pensei que talvez fosse tentar mudar de assunto. Fico surpresa
com sua resposta:
— Não. Com toda a confusão recente acabei esquecendo o assunto. Vou
tomar um banho.
Percebo que ficou tenso e fugiu sutilmente, e isso mostra claramente que está
mentindo. Concordo, terrivelmente confusa e mexida. Então, o que ele falou
bêbado é verdade? A que ponto?
Por que Dante de repente começou a mexer tanto comigo?
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET
Bato minha xícara de café com a de Dante, num brinde em pleno dia de
semana dentro da minha sala, em um clima confortável depois de dias
encucada. Estou muito eufórica!
Os calçados da edição especial já têm trinta e cinco por cento do estoque
vendido desde a estreia e isso para mim é uma vitória, uma realização. Desde
então minha empresa só ganhou visibilidade e se recupera como deve. A
tarefa ainda será árdua, não dei como encerrado, mas só o fato de ver algum
tipo de retorno já me afaga. Se tudo ocorrer como eu espero, já penso na
próxima coleção. Sapatos biodegradáveis, até andei procurando uma bióloga
para elaborar técnicas de implementação para abranger o pessoal ecológico.
Fora Cíntia, que me deu ideias geniais de aproximar mais os colaboradores e
funcionários da empresa. Ela é muito humana, gosta de proximidade e
contato. Gostei da sua ideia também.
Mas não é só de coisas boas que estou vivendo ultimamente. Embora pareça
que estou entrando numa boa fase, meu pai ainda não recuou da sua ideia
descabida e já foi marcada uma reunião com o conselho de administração
para discutir o futuro das ações, e isso está tirando meu sono. Se eu disser que
não tenho medo, estou mentindo. Meu pai pode persuadir, mostrando que
isso é uma boa ideia e eles acreditarem. Ele tem mais tempo no ramo do que
eu e pode me fazer parecer apenas uma garotinha teimosa diante de todos.
Entretanto, estou pronta para a briga, depois que aprendi a avançar nada mais
me faz recuar. Não é mais sobre corresponder às expectativas, muito menos
pirraça, é puramente viver numa relação que eu sinta ser simétrica. Se não
vejo reciprocidade da parte dele, e sim egoísmo e tirania, não tem por que eu
aturar e ser boazinha para tomar rasteira. Ele não perde por esperar. Precisei
da sua frieza para conseguir adotar um posicionamento racional e entender
qual é o meu papel e o dele nessa história toda. E terá apenas um final feliz: o
meu.
— Ao sucesso da Amonet! — A bebida quente aquece meu ser.
— Ao seu sucesso!
Sorrio, encarando aquele homem que mudou completamente meu conceito
dele em poucos meses. Ultimamente ele anda tão familiar para mim, que
chega a ser doido. Me acostumei com sua presença e comidas gordurosas no
meu loft, mas jamais me acostumarei com suas implicâncias, mesmo
aprendendo a relevar e até a me divertir, por mais louco que isso pareça.
Semana passada ele me arrastou para o Clube do Minhoca lá na Consolação
para assistir um stand up. E como o bairro é fácil de chegar, pegamos o metrô
na linha verde e seguimos para a Rua Augusta, onde é agitado, para jantar. Eu
andava mais quando criança ou na adolescência, quando Cíntia me arrastava
na época da faculdade, e foi bom reviver. Nos divertimos bastante e foi uma
das noites mais agradáveis que tive, mesmo ele me arrastando para comer um
bom hambúrguer. Me contou sobre seu pai, que mora em São José dos
Campos, e não tem o que o faça vir para a cidade, odeia sair de casa e é todo
independente. Dante é que vai visitá-lo sempre. Ri até minha barriga doer dos
causos que ele contava e pensei que isso poderia ser frequente, mas nesse
assunto decidi ser racional e fingi que sua declaração bêbada não aconteceu.
Se ele não tocou no assunto novamente, não tem por que eu ficar me
consumindo, dando ouvidos ao que Dante fala bêbado e sequer se lembra.
Uma hora a anulação tem que chegar na minha mão, e quando isso ocorrer
veremos o que acontece. Noto que está hiperativo pela sala, com uma das
mãos no bolso, hesitante, desde que adentrou aqui na minha sala querendo
conversar, e eu animadamente contei sobre a minha novidade primeiro.
— Por que está tão inquieto? — chamo sua atenção.
— Ahn... — Põe uma das mãos na própria nuca, me encarando. — Sobre a
anulação do casamento... Os papéis estão aqui comigo.
Gelo completamente e perco a leveza que mantinha até então, quando ele
aponta para os papéis. Eu sentia o temor sobre esse assunto, estou confusa
sobre meus sentimentos e estava me preparando psicologicamente quando a
anulação finalmente chegasse até a mim. Só não sabia que teria que encarar
tão rápido essa situação e agora sinto uma vontade súbita de chorar.
Interrompemos o contato visual porque meu pai chegou com sua típica
arrogância só no jeito de andar. E fico duplamente tensa. O que ele quer aqui
justamente agora?
— O que foi? — aciono os meus mecanismos de defesa.
— Soube que já marcaram a reunião do conselho. Só vim parabenizar pela
coleção nova e anunciar que isso fez as ações se valorizarem ainda mais.
Seu cinismo me enoja, sequer reconheço o homem que eu tinha como
referência paterna desde os quatro anos de idade. Por que ele quer destruir
toda uma história? É como se não valesse nada para ele e apenas o dinheiro
fosse importante.
— Não cante vitória antes do tempo, Benício. Não vou mais admitir que você
me trate como uma garotinha estúpida o tempo inteiro.
Ponho as cartas na mesa, mostrando que não vou mais me submeter à
superioridade que exercia sobre mim até então. Sou tão adulta quanto ele e
minhas opiniões, tão válidas quanto.
— Já está se achando invencível, Miranda? Daqui a pouco vai meter os pés
pelas mãos. Você é sim uma garotinha, e como sua mãe, não leva jeito algum
para negócios!
É tão doloroso ver as máscaras caindo de uma pessoa que você tinha como
família.
— Admita, você nunca a amou verdadeiramente, né? — afirmo lhe
encarando severamente.
— Você está equivocada. — Vejo sua pose desbotar um pouco.
— Achou vantajoso se aproximar de uma empresária solteira com uma filha
pequena, e ainda foi contemplado ao vê-la definhando com câncer em poucos
anos. É por isso que não casou novamente, ser viúvo de minha mãe é mais
benéfico. Ser o padrasto da herdeira menor de idade, porque sabia que eu
ficaria com a mãe de Cíntia, segundo a vontade e os documentos do
testamento. Me fez acreditar que ficar com você era uma forma de
superarmos juntos como... Como pai e filha! Cínico! Mas eu te digo, Benício,
eu não vou sossegar enquanto essa loucura sua de vender não acabar, e na
primeira oportunidade você vai embora daqui! — ressentida e enraivecida,
berro. Dante me segura pela cintura quando vê que dou impulso na direção
dele.
— Eu sou o CEO e eu dito o que devo fazer com ela! Você é uma fraca,
mimada, Miranda. Tá se achando executiva porque fez uma coleçãozinha? Tá
achando que tem respaldo no mercado para me enfrentar? Você sempre será
uma dramática que fica chorando à toa. Supere, ela já morreu! — contrapõe.
E para mim foi a gota d’água.
— Vamos acalmar os ânimos! — Dante tenta intervir. — Sr. Benício, o
senhor está sendo desrespeitoso com Miranda. E é melhor parar por aqui.
— E quem é você para ditar como devo tratar minha filha, Barcellos? Ela
precisa de um choque de realidade, senão vai viver na ilusão! Tem que
entender que a mãe dela já morreu e ela tem que lidar com isso! Eu controlo
essa empresa e minha decisão prevalecerá!
— Você não é meu pai, nunca soube ser um. Não tem coração e não é capaz
de amar ninguém. É um egoísta. Coração ruim! E outra, você só está sentado
na cadeira de CEO porque eu quero. Porque eu lhe respeitava, mas agora eu
não te reconheço como nada, é um verme. A porra da herdeira disso tudo sou
eu e caso tenha esquecido, eu sou maior de idade há muito tempo e eu não
vou vender a empresa! Se permanecer nessa ideia louca de prejudicar a
Amonet, não vai dar certo. Não vou ficar te aturando e vou te mostrar o seu
devido lugar, no olho da rua!
Trêmula, vocifero a plenos pulmões com os punhos em riste, e Dante torna a
me segurar. Na raiva que estou sou capaz de arremessar meus saltos em seus
olhos. Escuto Dante resmungar chocado que nossa discussão está muito
‘’casos de família”, e está para nascer um homem mais fofoqueiro que ele.
— Você vai aprender que não deve mexer com peixe maior que seu anzol.
Acha que vai sobreviver num lugar majoritariamente masculino? No meu
mundo você é uma mosquinha insignificante. Meu erro foi deixar você
brincar de executiva, era para ter te mandado para qualquer país quando tive
oportunidade, em vez de estar agora engolindo desaforo de uma vadiazinha
mimada que se acha importante!
Com a ameaça clara, sinto meu corpo tremer em adrenalina. Ingrato!
Inescrupuloso! Eu o aturava em respeito à minha mãe e pelo fato dele ter me
criado, e sempre achei que ele fosse devoto a ela e sua memória e por isso
cuidava tão bem da empresa. Agora que descobri seus interesses próprios e o
que ele realmente acha sobre tudo isso, não tem o porquê de aguentar isso.
— Se eu fosse você ficaria sim preocupado, ela conseguiu num prazo
inexistente o que nem você foi capaz, fazer a Amonet voltar ao top dez das
empresas relevantes a se investir. Ela é visionária, inteligente e perseverante,
fez por onde e não desistiu de uma solução. Você é que é fraco, que está com
essa ideia quadrada de se desfazer da empresa na primeira dificuldade séria,
porque não teve capacidade de administrar bem e reverter. O mal do tirano é
achar que todos são idiotas e uma hora dá errado! Nunca a subestime,
Benício, você pode cair do cavalo, até os inexperientes têm algo a ensinar.
Dante assume a palavra ao notar que eu estou desequilibrada e desalinhada,
com os lábios trêmulos de raiva, mas suas palavras fazem com que meu
coração acelere mais ainda.
A porra da empresa é minha de direito, herança da minha mãe, e ele vai cair
fora daqui nem que eu faça o inferno congelar! Eu não assino papel algum de
abertura de capital, mesmo que o conselho ache que é uma boa ideia ou que
pare de investir na Amonet com medo de perder dinheiro. Eu estou colocando
meu corpo inteiro a tapa para defender o que eu acredito. Ele mal sabe a força
e a garra que tem uma mulher decidida e enraivecida que sabe muito bem o
que quer, e eu guardo mágoas como ninguém. Uma mulher, quando traça um
objetivo, não sossega enquanto não o alcança, e eu não sou diferente.
Ele me acha medíocre e saberá quantas garotinhas estúpidas derrubam um
ingrato.
— Meu recado está dado! — Sai em passos duros e o estrondo da porta me
faz respirar aliviada.
Não demora para o choro entalar na garganta e, sem controlar, expulso todos
os sentimentos ruins e frustrações com lágrimas. Dante me pega num abraço
afetivo e caloroso e me encaixo ali, enterrando minha cabeça no seu peito.
Sinto mágoa e medo de perder o que sempre foi meu para uma pessoa que
não merece nem passar pelo hall.
Dante faz o papel de me acalmar, acariciando meus cabelos enquanto se
mantêm calado. Seu abraço é tão quente e aconchegante que me aninho mais
ali, me sentindo pequena e quebradiça, segurando firme na parte de trás da
sua camisa, querendo ter um conforto familiar, e esse contato me traz a
segurança que preciso. Tão gostoso quanto meu cobertor. Estou com o
coração apertadinho e não gosto de me sentir assim.
— Não ligue para ele. Você é o ser humano mais inteligente que conheço.
— Não sou, ele tem a completa razão de tudo. — Magoada, sinto o choro
dolorido me maltratar em níveis insuportáveis.
— Caramba, você tem olhos tão lindos e não consegue enxergar quão incrível
e espetacular você é. Caralho, Miranda! — Seu tom é um tanto
inconformado. — Você é incrível demais, tem potencial e não estou
afirmando isso porque estou gostando de você não. Você é iluminada e tem
capacidade para assumir o que é seu por direito. Eu nem acredito que estou
admitindo isso num momento como esse, mas não dá para marcar hora para
falar de sentimentos tão urgentes e não consigo mais ser indiferente, nem sei
qual nome dar a isso, é difícil explicar, é uma avalanche de admiração. Estou
terrivelmente fissurado, dominado, sei lá como quer chamar, depois de toda
essa loucura que estamos vivendo ultimamente. Eu estou completamente
rendido e fascinado pela mulher que você demonstrou ser. Sequer sei como
começou, mas quando percebi eu já não queria mais essa anulação. Não
quero mais ficar longe de você!
Suspendo meu rosto lhe encarando e o arrepio toma toda minha espinha.
Trêmula, me solto do seu abraço antes que me sinta magnetizada pelo seu
olhar intenso. Ele põe as mãos no bolso, hesitante, e me observa
cautelosamente.
— Você está falando sério? Isso não é momento para pregar peças em mim!
— Nervosa, tento controlar meu corpo trêmulo da cabeça aos pés.
— Como fingir que você não está mexendo comigo, caramba? Está sendo
insuportável não poder te beijar sem que você chute meu saco pelo meu
atrevimento. É chato imaginar que não te terei mais por perto para implicar e
te escutar possessa, amaldiçoando até a minha décima geração. E olhe que eu
imaginei se conseguiria viver sem isso milhões de vezes antes de criar
coragem para esse momento. E aqui estamos, olhando para dois caminhos:
viver ou fingir que isso nunca aconteceu, e quero saber o que você sente em
relação a tudo isso.
— Cadê os papéis da anulação? — Séria e com o coração na boca, estendo a
mão.
Em milésimos de segundo, decido dar o meu veredito de uma vez e rezo para
que não me arrependa quando toda essa adrenalina passar.
Ele pega e me entrega e, depois de um longo suspiro, sob seu olhar atento,
rasgo ao meio. Ele também soltou uma respiração profunda que percebi que
segurava desde a sua última fala.
— Eu também não quero que vá embora, você se tornou importante demais
na minha vida para que eu finja ser indiferente a tudo isso. Eu nem acredito
que nossa loucura bêbada chegou nesse ponto, eu quero você, quero por
inteiro e eu nem queria ninguém, mas você veio de repente e me fez gostar da
ideia... Eu quero e gosto que você ria das minhas tentativas de piadas, como
se fossem as mais engraçadas do mundo, por pior que elas sejam. Eu quero
olhar nos seus olhos quando eu acordar todos os dias e todas as noites, e me
perder neles sem precisar disfarçar o quanto mexe comigo, por mais
espantoso que isso seja. Eu gosto da mulher que estou me tornando com você
ao meu lado, Dante, e o quão certo dá nossa dupla. Eu não quero que vá
embora porque não imagino mais minha vida sem você! Eu me sinto
amaldiçoada e agraciada por essa situação! Tudo por sua conta, que achou
uma boa ideia me arrastar para a noitada em Las Vegas. Maldito desgraçado!
Metralho as palavras sem nem saber se estão saindo com algum sentido.
Apenas transmito todas as minhas emoções da forma que sinto: urgentes. —
Eu realmente acho uma boa ideia. — Sorri prepotente.
Expilo o ar dos pulmões, sem nem acreditar que eu consegui falar isso
abertamente, sem pensar na rejeição ou consequências futuras para desgraçar
de vez minha situação. Talvez tudo esteja acontecendo de forma veloz ou
irracional, abraçar essa consequência de aceitar o casamento no calor do
momento. Eu nunca tive traumas românticos e não sei detectar quando um
tem potencial. Posso estar sendo completamente ingênua, mas eu prefiro
acreditar que tudo vai dar certo. Dante me puxa pela mão para que eu cole no
seu corpo novamente. Nossos corações batem violentamente, sincronizados.
— Não é muita loucura? — comigo nos seus braços, indagou, singelamente e
sussurrando, alisando minha bochecha com o polegar.
— Tomara que seja e que não passe tão cedo — respondo temerosa e
eufórica, acolhida no seu abraço.
— É, eu acho mais que é amor, Mi. Mas se for loucura também, não há
problema. Eu gosto.
Não falamos mais nada, nossas bocas não foram mais feitas para falar nesse
momento; a situação não pede mais monólogos. Ele me puxa com ganância
para sua boca, atacando a minha de forma ardente, fazendo com que nossas
línguas se entrelacem, saciando o desejo que nos toma.
O beijo que ele me dá é voraz e incandescente, praticamente me devora com
gosto como todas as vezes que me beijou, enquanto me aperta mais contra si
como se o contato fosse pouco, por mais juntos que estejamos. Consigo sentir
a textura dos seus lábios e sua língua contra minha boca, num hálito quente
do café que brindamos há poucos minutos.
Seus dedos febris me seguram com força pela cintura, fazendo com que
nossos corpos fiquem mais colados, e sinto ainda mais o seu calor se
transferindo para o meu corpo enquanto praticamente engole meus lábios de
forma bruta e cheia de ânsia. Derreto ali mesmo, trêmula, arrepiada, bamba e
imensamente apaixonada.
De costas, encosto na minha mesa com ele ainda me segurando firme. Me
põe sentada sobre a mesa, subo minhas mãos da sua cintura e seguro nos seus
ombros. Sinto seus dedos descerem para uma das minhas pernas, e ela ser
elevada para seu quadril e ele se encaixando mais perto de mim, enquanto
aprofunda ainda mais, me apertando com virilidade contra seu corpo robusto.
Ele finaliza descendo a boca para meu pescoço, me fazendo ofegar e arrepiar
ao mesmo tempo pela carícia. Aperto os dedos nos seus cabelos macios. O pé
da minha barriga está agitado e nervoso. Há bons tempos que não sinto isso
dessa forma tão urgente e angustiante. E quando noto suas mãos entrarem
pelo meu vestido, detenho seu braço.
— Não podemos fazer isso aqui. — Pego uma lufada de ar.
— Mas já fizemos...
Um sorriso sacana imediatamente chega nas suas feições avermelhadas e
continuo arfante, apenas sentindo seu olhar queimar em mim com suas
pupilas dilatadas, e volta a me dar um selinho demorado.
— Maldito! Chega, vá trabalhar! — o detenho mais uma vez.
— Ah, não, Miranda, você sempre parando na melhor parte — resmunga
todo safado e eu rio. — Temos que comemorar aqui, na sua mesa.
Sua boca me toma num beijo guloso mais uma vez e aperto seu tronco,
sentindo a dureza do seu corpo e quase achando sua proposta boa. Qual a
probabilidade de um dia imaginar estar aqui assim com Dante, levando em
consideração como tudo começou?
— Queima, Quengaral! — A voz de descrente de Cíntia ecoa no ambiente e
nos separamos ofegantes. — É isso que vocês fazem quando eu estou
trabalhando na galeria?
Ela abre a boca, mas sua expressão é divertida e incrédula, e empurro Dante
levemente. Arrumo minha franja, cruzando minhas pernas ainda sentada na
ponta da mesa. Eu posso sentir meu rosto empalidecer de vergonha.
— Não fale nada! — me adianto e Dante ri, despreocupado.
— Iria te chamar para almoçar, mas vejo que você será a refeição aqui —
ironiza, não ligando para meu pedido. Estou feita com essa melhor amiga! —
Eu sabia que ele acendia seu fogo, e você sempre negou! Vocês estão
transando escondidos!
— Cíntia do céu! — morta de vergonha, tento apaziguar o momento
constrangedor. Mas Dante apenas ri, claramente se divertindo com meu
desajuste.
— Já que as garotas têm planos, estou indo.
Rouba um beijo rápido e finalmente sai ofegante, sorrio ao ver seu sorriso
também, antes de atravessar a porta e se despedir de Cíntia, batendo as mãos
no ar, como se estivesse no mesmo time e fizessem ponto. Eu disse, farinha
do mesmo saco! — Eu explico tudo! — aviso assim que ficamos sozinhas.
— Ah, com certeza você vai! — confirma convicta. — Vamos logo para esse
almoço que eu estou me corroendo de curiosidade. Miranda, você é uma
safada, quase estava aprontando na própria mesa!
— Cala a boca! — rio enquanto pego minha bolsa.
O horário de almoço foi relaxante, contei sobre mim e Dante e o fato de
estarmos juntos, de verdade agora, e ela faz uma presepada que só ela sabe
fazer. Que loucura é essa na minha vida! Mal consegui passar o resto do
expediente em paz, afoita e fazendo uma balança da minha louca vida. Pelo
menos Benício serviu para alguma coisa em nos obrigar a manter a farsa do
casamento. No final ele nus uniu.
Eu nem acredito que estamos juntos, que resolvemos nossos sentimentos tão
civilizadamente, sem dramatização desnecessária e joguinhos de pirraça
quando caímos em nós que estávamos cultivando novos sentimentos e
enxergando o outro diferente. Eu estou me sentindo muito adulta e bem
resolvida com minhas relações afetivas tão maduras.
Assim que pisamos de volta ao loft, depois de um jantar relaxante num
restaurante que adoro, Dante me põe nos ombros, subindo para meu quarto
enquanto peço que me carregue direito. Já falei que esse jeito todo viril chega
a ser rude?
O peso do seu corpo me faz repousar na cama, sentindo beijos e apertões em
meu corpo sendo distribuído de forma intensa. Sinto suas mãos entrarem pelo
meu vestido, subindo pela minha coluna enquanto me beija sem interrupções.
Me desmonta inteirinha essa sua urgência e firmeza.
Encaro seu olhar tão expressivo e ardente que me arrepio completamente,
magnetizada com tamanha profundeza das suas íris que parecem ter sido
feitas com conta-gotas, tão cristalinas quanto as águas de Milos, a ilha grega.
Alegam que muitas coisas cabem num olhar, e no de Dante eu vejo muitas
coisas intensas e singelas. Meu coração bate descompassado ao notar que
meu agora marido de verdade é o homem mais lindo que já vi e me deixa
imensamente bagunçada.
Qual é mesmo o antônimo de desprezo?
— Eu ainda não assimilei isso aqui. — Dou um rápido selinho, agora sem
culpa de gostar dos seus lábios nos meus.
— Não faço ideia de onde isso vai parar, mas tenho certeza de uma coisa.
— O que é?
— Que mesmo começando desse jeito doido, gosto de estar aqui com você;
pode não ser muito, mas saiba que estou aqui com você, para que compartilhe
seus sonhos e medos, porque estarei aqui contigo, te ajudando como se
fossem meus. Quero ser a pessoa com quem você comemora cada subida de
degrau e que não se envergonha de mostrar suas vontades mais devassas.
Faço questão de cada uma delas!
— Para mim isso é mais que o suficiente.
Derretida completamente, encaro Dante e, apaixonada, constato que ele se
tornou a pessoa que eu quero ter por perto sempre. Quero que ele seja meu
como eu quero ser dele. Sem contar o fato de ser terrivelmente bonito. Ele
consegue ficar mais sexy? Provavelmente, mas é mais provável que eu
apenas esteja apreciando seu rosto másculo com mais calma e sem culpa.
Dante que antes era o caos na minha ordem. Se tornou a ordem do meu caos.
— Tá parada na minha, né? Sou irresistível, pode admitir! — Abre um
sorriso travesso e me lança um olhar terrivelmente safado.
Rio, alisando seu queixo quadradinho. Muito egocêntrico!
— Eu também gosto de estar com você e estou apenas notando que você tem
os olhos do Rei da Noite com os cabelos de Jon Snow*. — Sorrio de lado,
zombeteira.
— Ah, é, Dracarys*? — Sua expressão é de humor também.
Minha gargalhada é abafada pela sua boca safada e mergulhamos num
momento gostoso, com a sua urgência a cada toque, a cada aperto, e beijos
esfomeados e prazerosos. Nos entregamos ao amor ardente que me deixa
devassa e de cabelos completamente bagunçados, entretanto, satisfeita pelo
jeito gostoso como só ele consegue me enlouquecer.
________
* Jon Snow e Rei da Noite são personagens da série medieval Game Of
Thrones.
* Dracarys é uma expressão usada na série e significa fogo de dragão. Ou o
ato de incendiar.

BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET


Trêmula, adentro a sala de reuniões com Dante ao meu lado, encarando cada
conselheiro que pode fazer com que as ações da empresa sejam valorizadas
ou não. Todos os diretores que compõe a empresa, inclusive das outras sedes.
Iremos decidir hoje o destino da Amonet e isso tirou completamente o meu
sono e fome. Os calçados começaram a esgotar em algumas lojas das regiões,
mas isso não é garantia que eles não irão aprovar a loucura de Benício, que
mantêm um sorriso arrogante ao notar minha tensão. Ingrato!
Sento no meu lugar de costume, com minha pasta de informações. Toda
grande empresa de capital aberto como a Amonet possui um conselho. Serve
para interesses dos investidores e é formado por pessoas de diversas áreas,
inclusive advogados, e não precisam ser necessariamente membros da
empresa. Os acionistas aqui representam os quarenta por cento do capital
social da empresa. Eles investem dinheiro no que for relacionado ao
desenvolvimento para impulsionar a empresa, e quanto mais lucramos, mais
eles ganham de retorno.
Simplificando: é para não haver ditadura, é para balancear interesses e
assegurar que todos ficarão satisfeitos. E o responsável por esse grupo é
chamado de chairman ou presidente do conselho.
Existe um grupo defendendo os interesses dos acionistas e outro que defende
o que é melhor para a empresa. Meu pai, como CEO, é o responsável por
implementar as decisões do conselho e esse é meu maior medo, pois possui
ambos os títulos. Ele tem o poder tanto aqui no conselho quanto no dia a dia
da empresa e me arrependo de ter deixado ele se criar dessa forma.
Essa semana, eu peguei novamente o documento que ele queria que eu
assinasse. Quando discutimos ele acabou o esquecendo na minha sala e, com
mais calma, li com Dante cada cláusula para saber o que nos espera hoje. E
ele não queria que eu assinasse apenas um mero documento de abertura de
capital sem nem passar pelo conselho, e sim que eu passasse minhas ações
para seu nome para, assim, ele fazer o que bem entender e, obviamente,
ganhar dinheiro só para si em cima disso. Estava entre os papéis. A folha de
rosto era o documento do apoio, mas as outras era os documentos da
transferência e apoio à venda, uma procuração, para ser mais exata. Se não
fosse Dante chegando na minha sala antes para me avisar eu assinaria quando
ele pediu porque não se desconfia de pai, não é?
Ele iria me dar um golpe! E eu concluí que ele venderia por conta própria
para a concorrente e só iríamos saber quando, no mínimo, fôssemos postos
para fora. E uma vez vendida, é irreversível, mesmo que não tivesse passado
aqui pelo conselho, porque as ações estariam no nome dele e faria o que
quisesse com elas. Os investidores iriam se sentir ludibriados e suspender os
investimentos e a Amonet fecharia as portas em semanas por estar endividada
por quebra de contratos. Tudo que o Hugo gostaria, não ter sua maior
concorrente de pé.
Iniciamos a reunião e ele, na sua típica soberania, inicia sobre a má fase da
Amonet e sua grandiosa ideia para que não abra falência, que ninguém perca
seu dinheiro e nem os cargos. Uma verdadeira lavagem cerebral.
— Antes da votação, queria esclarecer que a venda de capital já tem dono
prometido e é a maior concorrente nossa. Ele está disposto a comprar toda
essa porcentagem. Balancem o peso da decisão em seus votos, porque será
irreversível. Um dono conhecido é melhor que um desconhecido e, como
presidente da concorrente, boa coisa acredito que ele não quer — informo o
que ele convenientemente “esqueceu”. — Eu, como presidente da empresa,
acho isso um absurdo. Acredito que isso seja uma armadilha, quanto maior o
capital social, mais aumentam as taxações, e não agrega para melhorar
futuros empréstimos para a empresa não abrir falência, como ele falou. Faço
questão de mencionar o fato de a presidência ser minha, mesmo que ele seja o
CEO, e de me opor à decisão antes da abertura da votação.
Uma bagunça rapidamente se forma na sala com várias pessoas expressando
suas opiniões distintas de uma só vez.
— Venda pode sim ser uma solução, o dinheiro que conseguiríamos nessa
venda daríamos para quitar o que está no vermelho e vocês conseguiriam
mais rentabilidade no total. Seria um empresa com uma nova direção, novos
olhares e sem dividas. As ações se valorizariam! — Benício se opõe.
Olho ao redor e percebo que os acionistas estão pensativos sobre essa
baboseira dele. Tenho que admitir, ele é bom na manipulação, não é à toa que
fiquei fazendo o que bem queria durante toda a minha vida.
— As dívidas da empresa com os fornecedores estão quitadas. E só aceitaram
fazer o novo lançamento porque eu quem fui lá conversar e pedir essa
confiança. Comigo na linha de frente, vendemos o estoque que estava
encalhado e a nova coleção está quase. Enquanto com ele a empresa está ao
ponto de decretar falência. Olhem os papeis feito pela contadora, meçam sua
decisão.
Com minha pasta em mãos, Dante me ajuda a entregar os papéis a cada
integrante do conselho com os últimos gráficos. Não estão como eu gostaria,
mas tem um resultado positivo em comparação ao antigo lançamento. Falo
sobre o risco que teremos com um novo dono, e comparo a gestão de Benício
nos últimos semestres porque precisamos avaliar também o desempenho do
CEO e era obrigação dele entregar resultados positivos, o que não aconteceu.
E ansiosamente aguardo os acionistas checarem cada número positivo de
cada região. O próprio Benício olha sua via e seu olhar mortal me faz sorrir
internamente. A mosca morta aqui está muito bem acordada e planejada.
— Mas com o dinheiro que está aqui, se manter esse padrão em um semestre
chegamos no valor que Benício está prometendo com a possível venda. E
nem sabemos como será a gestão desse possível novo dono.
Um dos acionistas comenta e o burburinho volta novamente. Me mantenho
calada, os números falam por si. Apenas me limito num aceno e um olhar
confiante para Dante que tenta não sorrir, com um semblante muito satisfeito.
E assim me mantive: séria e controlando minha raiva até que a votação
começou. Como em qualquer outro lugar, é eletrônica, cada um tem o tablet
para votar e o resultado final aparecerá no slide show, para que todos saibam
quem foi contra e quem foi a favor. É só para não ocorrerem combinações e
interrupções. Ele, mesmo detendo o maior poder, não pode resolver tudo
sozinho. Cada cargo aqui tem um certo peso e importância e é essa a minha
esperança.
Com certa apreensão, percebo que todos já votaram. E o resultado não foi
unânime, mas...
— Isso não pode estar acontecendo! — Benício esbraveja, batendo na mesa
ao ver que foi barrado. — Vocês são um bando de antas que vão ver os seus
investimentos irem pro ralo quando isso aqui declarar falência, e se depender
de mim isso vai acontecer! Não digam que não avisei!
Enquanto ele se mostra totalmente fora da caixinha, encaro o painel de
votação de quem votou a favor e contra. Seus aliados mais que rapidamente
foram a favor e estão claramente contrariados.
Sorrio aliviada em ter tirado esse peso das minhas costas. Dante sorri para
mim, e eu retribuo com sinceridade, nos contentando a contragosto apenas
em apertar as mãos por baixo da mesa. Pega mal expressar afeição íntima
numa assembleia do conselho.
— Foi essa imbecil quem alienou vocês, não foi? Se deixaram levar por essa
garota? — Tenta vir na minha direção e o seguram. — Eu sou o Chairman e
o CEO aqui. Vocês não podem me impedir de nada!
— Se contenha, senhor Benício, ou o senhor terá que se retirar! — tentam
acalmá-lo e minimizar seu descontrole.
Ele suspira e arruma o paletó, enfurecido, sentando à sua mesa novamente.
— Antes de finalizarmos, eu gostaria de lembrar que o mandato do senhor
Benício como Chairman venceu há três meses e não foi renovado porque não
houve assembleia para decidir ainda, e diante dos resultados tão expressivos,
acho que uma nova direção seria bem-vinda. — Dante calmamente se
levanta, arrumando o paletó. — E acho uma boa opção nomear Miranda para
Chair. Como presidente da empresa e detendo as ações majoritárias, e após
mostrar que conseguiu recuperar parte da empresa, diante de uma crise, pode
garantir o interesse de todos e com mais cautela.
— Ah, tão achando que são os melhores. Cresçam! Eu já sou penta nessa
eleição, Miranda mal chegou! — sorri com deboche. — Ela quase ferrou com
a própria vida, casou bêbada com esse oportunista na viagem para Las Vegas
e, se não fosse por mim, esconder esse casamento de fachada, ela estaria
metida numa polêmica até hoje. Acha que tem maturidade para lidar com a
empresa quase falindo?
Com um clima tenso, os acionistas e o conselho observam sua prepotência e
eu vacilo um pouco com algumas verdades que soltou. Chamo atenção dos
demais para falar que não precisam se preocupar tanto com o que Benício
falou, tentando contornar a situação que já não está das melhores. Abri meu
coração de verdade sobre as dificuldades e a crença na melhora, mesmo
sendo relativamente nova no ramo e no mercado, mas com a certeza de que
seria capaz de assumir essas responsabilidades. E que os erros são para nos
fazer crescer e que, apesar que ninguém ter nada a ver com a minha vida
pessoal, eu e Dante estamos juntos de verdade.
— Miranda, você acha irão confiar em você? Quem em sã consciência vai
deixar uma mulherzinha como você para gerir uma empresa séria e de porte
como a Amonet? Você é fraca como sua mãe era!
Benício aponta o dedo na minha direção totalmente desalinhado ao ver que
não cai na sua tentativa de me desestabilizar. E mais uma vez joga baixo, ele
sempre joga minha mãe no meio das nossas discussões para me deixar
nervosa. Mas hoje eu não derramo uma lágrima sequer!
— Mulherzinha como? — Olho ao redor da sala e volto minha atenção para
ele. — Essa empresa não começou por minha mãe que criou isso do zero?
Não foi ela quem criou todo esse patrimônio para mim, que você tanto
usufrui como se fosse seu? É fácil subjugar quando encontrou tudo pronto,
Benício. — Engulo minha mágoa para conseguir falar tudo que preciso. —
Ela foi uma empresária notória, empoderada e você foi só um sanguessuga.
Nada vai mudar isso, nada! Sem essa empresa você até hoje seria um
administrador mediano sonhando com o poder. Amargo o dia que ela te
conheceu!
— Nenhuma dessas palavras da moda serve! Para você ser uma pessoa de
sucesso como eu, você precisa muito mais que chororô e mimimi, Miranda!
Cresça primeiro depois coloque suas asinhas de fora e se for necessário, eu te
esmago só para te mostrar qual é seu lugar nisso aqui! — Sem tom é tão
cheio de ódio que soa ameaçador.
— Não, você quem precisa de humildade, uma coisa que eu herdei dela e
ninguém me tira. Que para fazer uma empresa nível Amonet ficar em pé com
prestígio é ter a sensibilidade de escutar o outro quando houver necessidade.
É colocar o seu na reta e você não sabe o que é isso, que acha que para
enriquecer é colocar os preços nas alturas e sair culpando todo mundo pelos
seus fracassos. A única coisa que conseguiu com isso foi deixar a empresa do
jeito que está e todos os funcionários e fornecedores te odiando. Se for puxar
histórico, a Amonet sempre ganhou em quantidade, vendemos muito, mas em
um preço justo. E não ficar na margem como estávamos todos esses anos, só
criando dividas. Mas se depender de mim, a essência dela volta, se ela foi
criada por uma Moraes, é por uma Moraes que ela tem que se manter. E cabe
a todos nós decidimos qual o futuro dela.
Olho para cada um presente nessa sala, para que saibam que estou falando
com cada um deles.
Eu quero esse cargo de Chair mais do que nunca, é a posição mais alta da
instituição e, mesmo como herdeira, tenho que respeitar a hierarquia de quem
cuida dos meus bens. E já até tenho em mente o que eu quero fazer com esse
poder. Ele tenta vir por o dedo no meu rosto, mas é rapidamente contido
pelos seus colegas de cadeira e Dante toma a palavra para si, pedindo para
iniciar de uma vez por todas e acabar com minha angústia.
A votação é iniciada mais uma vez e, mil vezes mais aflita, aguardo o
resultado final, querendo saber o final dessa história. Se ele for mantido,
serão ainda mais insuportáveis os nossos dias e temo pelas suas próximas
ações aqui dentro da Amonet.
O breve silêncio foi revelador.
— Você ganhou!
Indo contra qualquer regra corporativa, Dante me pega num abraço apertado
e carinhoso e eu retribuo, inerte e descrente de que isso está acontecendo.
Eles confiaram em mim? Me deram esse voto de confiança?
— Sério que agora posso fazer o que quiser? — Com os olhos mareados,
sussurro para Dante.
— Tanto pode como deve.
Imediatamente lembro um conselho importante e necessário que Julie me deu
no dia do ensaio fotográfico: ter aliados é mais importante que ter um plano
perfeito! Ela precisa de um presente enorme de agradecimento!
Eles viram o quanto eu batalhei para fazer a coleção, que ainda traz bons
resultados. Eu tenho completa noção de que não vou acertar sempre, mas só o
fato de Benício não dominar tanto já me alivia.
— Isso é inadmissível! Eu não aceito que essa inútil assuma esse cargo! Que
seja superior a mim! — O sujeito mais uma vez se faz presente, vindo em
minha direção, e me solto de Dante.
— Avisamos que não era para subestimar ninguém, Benício. E, aproveitando
o ensejo e sua opinião tão expressa sobre não querer que eu seja sua superior,
você está demitido por conluio*.
Sua expressão se torna incrédula e logo passa para enraivecida. Sorrio
satisfeita e um tanto debochada. Às vezes precisamos ser sorrateiros, nos
fazer de sonsos para enganar quem nos quer prejudicar. Benício achou que eu
não vim preparada, que iria me desestabilizar. Bom, estava enganado, achou
que era o dominante aqui, na sua concepção antiquada de que ele deve tomar
as decisões e é mais esperto. Caiu do cavalo, ou melhor, do salto!
Subestimar um inimigo é antecipar a derrota antes mesmo da luta começar.
Ele praticamente me arrastou para o ringue contra a minha vontade e foi
surpreendido da pior forma possível ao achar que estaria no topo o tempo
inteiro. Enquanto ele me diminuía achando que eu seria sua sombra para a
vida inteira eu crescia e amadurecia. Já diz o ditado, as aparências enganam.
Por mais que pareça que uma pessoa não tem condições de vencer um
desafio, ela pode surpreender até a si mesma. Essa vitória estava
completamente fora do meu imaginário, mas estou satisfeita com o final
dessa história.
— Você não pode fazer isso! — esbraveja colocando o dedo no meu rosto e
me mantenho em pé, tendo os demais se aproximando para apartar qualquer
possibilidade de briga.
— Tanto posso como devo. Sou a presidente e a majoritária aqui, e agora
Chair. CEO se contrata, agora, caráter não, ao contrário, com dinheiro alguns
se corrompem. Você está no olho da rua!
Saboreio as últimas palavras com gosto de vitória e com Dante ao meu lado,
lhe dando limite de espaço, mantendo minha integridade física. Ao notar que
ele estava pronto para fazer um escândalo maior que já fez, derrubando um
dos tablets da mesa, os seguranças foram chamados para contê-lo, e ele sai
esbravejando.
Sou parabenizada pelo resto do conselho, alguns estão aqui desde a época da
minha mãe, e me senti muito grata por terem me dado uma oportunidade de
prosseguir em seus sonhos. Eu não sou tão forte quanto gostaria, mas também
não estou tão fraca como achei que era. Eu não acredito que tive pulso para
chegar até aqui e superá-lo.
E, querendo ou não, ele me passou esse aprendizado muito essencial: não
posso subestimar a mim mesma, ficar com receio de fazer o que eu realmente
quero, achando que não consigo ser o suficiente quando na realidade tenho
sim condições para tal. Todo esse estresse no final foi uma grande lição de
confiança em relação à minha própria capacidade. É justamente nos dias ruins
que a vida nos ensina a melhorar. E nos mostra quem é quem de verdade.
E nada mais gostoso que pisar na cara de quem duvidou da gente com um
bom sapato!
À noite, depois de um dia estressante e revelador, Dante decidiu que
deveríamos comemorar. Me arrastou para a cobertura para tomar banho de
piscina. Com ele nada é normal, já perceberam?
— Pula logo, Miranda! — me chama mais uma vez já dentro da piscina.
— A água tá fria! — Abraço meu corpo desnudo pelo vento gelado, sem um
pingo de coragem para entrar.
É, essa foi a ideia dele para comemorar. Banho na piscina à noite! Ele acha
que eu devo usufruir mais do que possuo, em vez de apenas deixar para
depois como andei fazendo nos últimos anos, e tem a total razão. Sequer
lembro a última vez que relaxei aqui na cobertura e aproveitei o sol. E olhe
que Cindy vive me pedindo isso.
— Pula logo, a água está igual a você, fresca! E eu te esquento. — Anda até a
borda ao ver que estou resistindo a me jogar. — Me ajuda a sair, então.
Estende a mão e eu estendo a minha, mas o maldito do homem me puxa de
vez para a água, me fazendo afundar na água fria junto com ele. Grito ao
emergir na piscina glacial, tirando minha franja colada na testa e a água do
rosto, e me contorço arrepiada pelo vento forte. Por que eu não neguei essa
ideia? Parece que estou na Antártida.
Escuto a gargalhada de Dante, jogando os cachos para trás.
— Você é um maldito descarado!
Dou dois pequenos murros no seu peito, e ele me puxa pela cintura, me
abraçando. Mordo levemente os lábios e suspiro. Eu sinto meu sangue correr
de todos os locais e ir para nenhuma parte do corpo, só me sinto
enfraquecida, com os sentidos bagunçados, pelos nossos troncos estarem
grudados.
— E você é uma dondoca. Minha dondoca.
Minha. Eu gosto como isso soa nos seus lábios, tão sexy quanto o próprio.
Sorridente, encaro seus olhos cristalinos e intensos e mais uma vez me perco
neles. Ele é o homem mais charmoso que já vi, queixo quadradinho e os
lábios volumosos na medida certa, lhe tornando muito sensual. E de repente
senti uma vontade fugaz de morder bem ali e é isso que eu faço.
— Você fica tão meiga quando não quer jogar os sapatos na minha cara —
comenta bem-humorado.
— Faço quando merece. — Rio, apoiando minha cabeça no seu ombro. —
Obrigada por ter ficado ao meu lado e enfrentado comigo.
— Benício merecia um choque de realidade, achei foi pouco. E você merecia
comandar o que é seu por direito. Estou orgulhoso de ter tomado as rédeas de
sua própria vida, Mi.
Estar com ele é tão relaxante. Ele arrasta seus lábios ferozes até a minha
boca, num beijo matador e voluptuoso, me causando arrepios.
— Dante, sabia que você se declarou para mim na noite da festa? — exponho
assim que finalizamos o beijo.
— Sério? O álcool me causando enrascadas desde sempre.
— Aham. Falou que não viveria sem mim e que nunca conseguiu ficar com
uma mulher tão linda como eu. — Sorrio prepotente, não foi bem com essas
palavras, mas ele não se lembra mesmo. — Ainda concordou que sou mais
bonita que a fã peituda da Beyoncé.
— Então eu estava muito bêbado mesmo. — Faz uma cara de pesar e eu lhe
olho, descrente. O que eu faço com esse homem?
— Quando eu jogo os saltos na sua cara você reclama.
— Estou brincando, até parece que eu não iria te querer. Você é a minha falta
de juízo, Miranda!
— Isso foi uma declaração ou o quê? — elevo apenas uma sobrancelha,
querendo entender.
A maior certeza que eu tenho é que provocar o outro é um tipo bizarro de
preliminar eficaz entre nós, melhor que qualquer outro.
— Não faz diferença, eu gosto. — Aperta o enlaço na minha cintura.
Tento me manter indiferente à sua gracinha, mas quando os seus lábios
indecentes tocam novamente os meus, em um beijo longo, molhado, safado e
cheio de desejo, me derreto rapidamente como gelo no deserto. A mão firme
me reivindicou como sua de um jeito que só ele sabe, e eu gostei de ser dele.
Banho pelados na piscina à noite eu já descobri que é muito bom,
principalmente quando se tem um agora Marido de verdade, safado do jeito
que Dante é, num jeito só dele.
Seus lábios indecentes capturam meu pescoço, arrastando da clavícula ao
queixo, passando pelo lóbulo da orelha, e ofego desestabilizada, com os
joelhos fracos e os pelos eriçados. Estou completamente molhada e nem é da
piscina. Apalpo seu maravilhoso corpo viril e poderoso e não deixo de fincar
minhas unhas na sua bunda firme.
De costas para o deck, prendo minha perna na sua cintura, agarrando seus
cabelos molhados pela raiz para tentar conter qualquer incontinência
prazerosa. Arqueio uma das sobrancelhas, sentindo o arrepio nas minhas
costas de pura ansiedade e um tesão gostoso de estar provocando-o. Ele sorri
me fazendo promessas e mal posso esperar que as cumpra.
Arrepiada e de olhos fechados, engulo a seco com o aperto na costela. Sinto o
roçar dos nossos corpos de uma forma explícita e crua e me arrepio
completamente, deixando o frio que estava sentindo para trás, me
transformando em brasa pura. Os toques dele também, plenamente
escaldantes.
Ofegante, encosta a testa na minha quando nos tornamos apenas um. Dante
vicia, me faz sair da linha completamente. Ele me reivindica cada vez mais
firme e eu me deixo ser dominada pela sua mão pesada e máscula enquanto
me dá prazer. Suas expressões são uma gasolina para o fogo já denso. Dante
é gostoso a ponto de ser obsceno. Deveria vir com o aviso de perigo.
Nunca na minha vida tinha sentido tanto desejo. É tão poderoso que eu queria
te causar dor, morder sua pele e ver sangrar, marcar, sentir o gosto mesmo,
invocar o que há de pior em mim, como uma selvagem. O que é
completamente diferente para mim também. Eu sempre fui do time do sexo
calmo e suave, apesar de ter meus momentos mais safados. Mas isso... Isso é
desejo puro, carnal e autêntico. Gostoso e feroz!
Meu corpo está tão sensível, tão perto do clímax febril, que agarro seus
cabelos da nuca como se minha vida dependesse disso, e ele morde os lábios
quando sua cabeça vai levemente para trás, totalmente provocativo, e isso
assanha muito e tudo dentro de mim, coisa que não sentia há muito, muito
tempo com tanta intensidade. Dante me leva ao limite que desconheço.
Eu não tinha experimentado sexo na piscina, mas definitivamente meu
terraço nunca mais será o mesmo. A todo momento oscilei entre o céu e o
inferno a cada vez que me exigia cada vez mais ávido como sua. E espero
que os vizinhos não tenham visto e sequer escutado o nome dele.
Ele faz com que me sinta tão viva e amada!
________________________
*Conluio: combinação maliciosa ajustada entre duas ou mais pessoas, com
o objetivo de enganarem uma terceira pessoa, ou de se furtarem ao
cumprimento da lei.

BRASIL, SÃO PAULO | JARDIM PAULISTA - LOFT


Inferno! Maldito!
Eu sabia que os fastfoods de Dante iriam me causar mal um dia. Batatas
fritas, hambúrgueres e refrigerantes ou milkshakes toda noite prejudicaram
completamente minha regrada dieta alimentar. Estou até com medo de voltar
à minha nutricionista e ela ver que eu engordei três quilos. Três! Fora minhas
bochechas que estão imensas! Pareço o Fofão e não ficarei surpresa se daqui
a pouco for convocada para o Carreta Furacão! Argh!
Eu preciso parar urgente com esse hábito que adquiri com ele. Dante está me
transformando em sua cópia de péssimas manias aos poucos. Mas o maldito
continua no shape e eu aqui, inchada, que até nas revistas saíram que eu
estava grávida. De novo. Eu nego, mas eles insistem em afirmar isso. Cada
dia é uma nova especulação! Se estivesse grávida, pelas suposições seria de
quíntuplos.
Falando em querer me transformar numa cópia sua, semana passada me deu
uma camisa do Corinthians e me arrastou lá para Itaquera, assistir um
clássico do seu time. Encontramos uns amigos casados seus, tudo doido igual
a ele.
Na verdade, estar definitivamente casada com ele é o ápice da minha loucura.
Quase um mês desde que optamos por estar juntos, e eu já quis matá-lo
cinquenta vezes. Nosso relacionamento vai de vontade de jogar o outro na
cova com cimento, para escrever no próprio cimento “eu te amo”. Maldito
desgraçado!
Mas não posso reclamar da sua parceria para o novo planejamento da
empresa. Estamos modificando coisas que não estavam do meu agrado,
trazendo uma nova roupagem para melhorar a Amonet em cem por cento.
Benício até voltou aqui e fez um escândalo, mas foi contido e ameacei entrar
em um processo contra ele pelo mesmo motivo da sua demissão. Quem quer
que estivesse nessa ideia com ele, recuou. Ele sabe que se fosse entrar numa
investigação pesada ele e qualquer um dos seus “sócios” que estavam
tramando a falência da empresa iriam se ferrar e, quem sabe, me pagar uma
boa indenização.
Desvinculei nossos nomes. Entrei com um pedido de restrição tanto para mim
quanto pelo sobrenome Moraes, já que nunca foi casado com minha mãe,
usava apenas socialmente por status e não sei o que ele pode aprontar. Criou
uma grande polêmica em torno desse nosso afastamento, querendo saber o
porquê e os detalhes de sermos inimigos declarados tão explicitamente. Claro
que ele deu entrevistas me esculachando como se eu fosse a ingrata e a pior
pessoa do mundo, tentando manchar meu nome com o casamento falso, mas
eu tento neutralizar o máximo que posso para não me atrapalhar, pois a
empresa está uma total bagunça.
Estamos com uma CEO nova, veio de uma grande organização, fiz uma boa
proposta e ela aceitou, tem um ótimo currículo profissional e já trabalhou em
cargos de alto escalão. E está acostumada a lidar com investidores e oscilações
do mercado, tudo que eu preciso no momento. Eu já estava de olho nela
quando cogitei demitir Benício, antes mesmo do conselho. Estive
sorrateiramente mexendo meus pauzinhos e pesquisando e negociando,
quando sua teimosia sobre a venda a qualquer custo pairou sobre a empresa.
Tinha que ter um plano B, quando coloquei meu plano A em ação. A escolhi
porque notei que aqui na classe executiva é praticamente uma ala masculina,
e, bom, Benício me alertou sobre isso e eu quero virar o jogo. Inserir mais
mulheres aqui, assim não fico em tanta desvantagem. Trabalhamos de igual
para igual, estou gostando. Respeito seu cargo e ela respeita o meu e ela está
fazendo um bom trabalho em reerguer a empresa.
No meu quarto, vejo Dante com o livro aberto, imerso e focado na leitura. Ele
gostou, pelo jeito. Comprou para implicar e acabou ficando viciado! Bem
feito!
Rio por dentro, chegando perto, lhe pegando no flagra.
— Você está gostando do livro? — indago bem-humorada.
— Não, claro que não! — nega como se fosse um absurdo, deixando o livro
de lado.
— Então posso lhe dar spoiler, sabia que...
— Não! Maldita! — intercepta e eu gargalho alto.
— Ei, essa fala é minha! — implico.
— Mas o cara é muito gênio, ficando com as duas. — Me viro para ele
cruzando os braços. — É a verdade, mas eu quero que a secretária descubra.
Gargalho novamente. Assim que deito na cama ele joga o corpo em cima de
mim, me prendendo debaixo.
— Por que colocou essa roupa para dormir?
— Porque sim, ué — não me importo.
— Evite ficar perto de mim, então. Seus pijamas sempre são rendados e me
dão tesão e você finge que não é nada de mais.
— Tá bom, então. — O empurro e deito ao seu lado, me arrumando para
dormir.
Apagamos as luzes e suspiro cansada.
— Miranda... — Ele vira o rosto pro lado e eu faço o mesmo.
— Diga.
— Você colocou essa roupa de renda de propósito, não foi?
— Foi. — Rio orgulhosa por minha provocação ter dado certo.
Para outros conselhos matrimoniais, me acompanhem! Estou descobrindo
prazeres com coisas bobas que jamais imaginei gostar ou viver.
Ele novamente joga o corpo em cima do meu, sem se importar caso estivesse
me esmagando.
— Você está cada dia mais desaforada e por isso acabou de ser sorteada para
uma sessão de beijos comigo. Tome o seu prêmio!
Sorri para mim cheio de más intenções antes de colar meus lábios nos seus.
Dante é muito safado e agora, oficialmente, meu maldito e descarado marido!
BRASIL, SÃO PAULO | PRÉDIO AMONET

Na minha sala, decido ir à academia ao notar que não conseguirei mais


trabalhar hoje, mesmo sendo apenas três da tarde. Dante nem está aqui na
empresa hoje, mas o engraçado é que sinto o seu perfume a todo momento.
Foi visitar o pai, acompanhá-lo no exame de rotina, mas foi tão de última
hora que nem pude ir. Já marcamos de eu ir para conhecê-lo e rever o Buzz.
Mais cedo, no horário de almoço, Dante fez uma chamada de vídeo para mim
e estava junto ao seu pai, todo rústico e amoroso ao mesmo tempo. E entendi
de onde ele tirou o jeito, igualzinho. Ainda me mostrou seu cachorro
bagunceiro que latia estrondosamente para algum pássaro no quintal.
Dormi mal essa noite por nenhum motivo aparente, então a mente está
cansada e já quase não consigo focar no que eu preciso. Preciso me exercitar,
estou muito parada ultimamente, a empresa me suga e no resto do tempo só
quero dormir e comer porcarias. Cíntia, como sempre, tem desculpas para
não ir, ainda mais dessa vez que ela tem uma convincente, está organizando
uma nova exposição na galeria e está mais que atarefada. Nessas duas
semanas que passaram mal nos vimos, mas nos falamos por telefone. Até
tirou sarro das matérias tendenciosas, disse que “meu filho” se chama
burguer king.
Já sentindo falta do meu descarado favorito, sigo pela Avenida Paulista.
Trocada, encontro meu personal que pergunta por Dante, por já estar
acostumado a nos ver juntos. E sigo para minha ala.
— Ôu, eu fiz um novo treino para você, para não pegar peso por causa do
bebê. — Me intercepta quando pego os halteres.
— Bebê? — Arqueio uma das sobrancelhas.
— É, pô, você não está grávida? Não é por isso seu aumento de peso nítido?
Apenas um olho meu treme, desestabilizada e enraivecida, com sua falta de
senso para me falar isso tão descaradamente. Ele me falou do meu aumento
de peso com tanta insensibilidade???
— Mas não se preocupe, podemos recuperar seu peso quando passar todo
esse lance da gestação.
Não é possível que todo mundo esteja achando que eu estou grávida! Os
jornais, pessoas que conheço. Eu sei que estou com aumento de peso, mas,
caramba! Não é só porque uma mulher engordou que ela está
necessariamente grávida! Que coisa chata!
Eu saberia se eu estivesse e não tem chance alguma de eu estar! Eu saberia!
Eu me previno, não estou enjoando e nem ficando tonta, estou menstruando
normal desde sempre. Não notei nada anormal em mim que levante essa
suspeita. É impossível!
Mas, ainda assim, com tudo isso, e se eu realmente estiver...?
Ignorando meu personal, sinto o frio na barriga com a possibilidade que de
repente começou a me corroer. Eu odeio dúvidas!

DANTE
Adentro no loft vazio e escuro e deixo minhas coisas no aparador, seguindo
até a cozinha para preparar nosso jantar. Deve estar presa na empresa e vai
voltar faminta. Para quem comia salada e coisas light, Miranda anda com um
apetite imenso. Me amaldiçoa quando lhe entrego um prato de macarronada,
mas acaba comendo.
Ela nega que come a mesma quantidade, que é bem menos por ser gorduroso,
mas sabemos que é caô. Disposto a alimentar minha graciosa Pandinha,
arregaço as mangas. E que ela jamais escute meus pensamentos.
Minha ficha ainda não caiu que eu sou um homem casado, mas gosto de ter
sido enlaçado por essa doida. Ela soube como me conquistar com suas
safadezas, porque aquela ali só enganava o padrasto, maior devassa que adora
uma mão firme no cabelo e tapa na bunda. Que não escute isso também.
Gosto exatamente por ser assim. Uma mulher que mais parece uma garotinha
tão pura no meu colo quando expõe suas dores e inseguranças, mas também é
gostosa e sem pudor, que às vezes eu até me surpreendo com sua selvageria.
Miranda só precisava de amor e compreensão. E eu gosto de ser a pessoa que
ela procura para ser ambas. Um dia inteiro longe dela e senti feito um filho da
puta. Eu gosto dessa mulher, talvez mais do que deveria depois de tão pouco
tempo, e turbulento como tudo foi, isso ainda me assusta e muito. Mas é bom,
eu gosto.
Meu pai até tirou sarro de mim, vejam só, porque eu estava falando sobre ela
e nossa convivência. Contei a ele sobre como começou, que casamos
bêbados, mas que agora estávamos juntos de verdade. Tive que contar, não
iria mentir pro velho. Analisou a situação e, descrente que é, disse que é
assim que começam os relacionamentos “hoje em dia”. Eu expliquei
exatamente o que aconteceu para estarmos hoje juntos de verdade. Ele riu em
seguida e disse: bem feito. Achou que estava muito solto “nessa capital” e já
estava mais que na hora de eu ter parado de vadiagem, já que estou com vinte
e oito anos e que nessa idade ele já era pai. E que mais que nunca queria
conhecer Miranda.
Com o jantar quase pronto e eu pondo a mesa, porque eu sou do lar e ai de
vocês que neguem! Ela aparece, com roupa de ginástica, vindo até mim em
passos duros. Vou para lhe abraçar, mas ela me empurra, mostrando uma cara
enraivecida e pálida. Tão bonita e tão meiga!
— Eu te odeio, Dante Barcellos! — esbraveja.
— O que eu fiz? — pergunto confuso.
— Seu Maldito! Você me engravidou, Dante!
— Nada a ver — nego efusivamente, já sem sentir uma pulsação no peito.
— É sério, eu estou grávida. Quatro meses, Dante. Quatro! Quatro!!! Eu
precisei invadir o consultório da minha ginecologista, Dante, e pedir para me
examinar, porque todo mundo estava me achando diferente!
— Não! — casualmente respondo como se ela estivesse me perguntando
alguma coisa, e não afirmando.
Tento pôr minha cabeça no lugar, tentando assimilar, e ela espontaneamente
cai num choro desesperado.
— Sim! E eu aposto que foi em Vegas, seu desgraçado! Estávamos bêbados o
suficiente para não usar e esquecer desse fato! Eu te odeio, Dante!
Ela joga três testes de gravidez em mim, aos prantos. E eu continuo a olhá-la
sem conseguir esboçar reação alguma. Estou descrente e atônito o suficiente
para ver Miranda se descabelar e não conseguir contê-la.
“Tomara que torça para o Corinthians.”
É a única coisa que vem na minha cabeça, porque sou um lesado que só
consigo gostar da ideia de ser pai de um filho dela, mas também estou com
um medo do caralho. Muito medo. Olho um dos exames que consegui pegar.
É eletrônico e mostra por semanas. Sinto meus membros pesarem, ponho a
mão na boca tendo cada vez mais o coração acelerado. Se errar uma batida
ela fica viúva.
— Você não vai falar nada?! — ela grita desesperada.
— Então é por isso que está comendo e dormindo feito um panda? — divago.
— Então mentiu quando disse aquele dia que estava no sinal vermelho?
— É isso que você tem para me falar, Maldito?! É isso?
Eu me aproximo dela sem me preocupar se pareço com um homem das
cavernas louco, porque percebo que preciso estar perto para expressar
claramente o que estou sentindo nesse momento. Ela dá um empurrão fraco
no meu peito, o que só me faz abraçá-la mais forte e ela finalmente cede, me
agarrando com firmeza pela camisa.
— Eu te amo, Miranda! — De repente eufórico, mal conseguindo conter o
sorriso largo, a abraço apertado. — Te amo pra caralho! Essa criança
receberá um amor imenso!
— Vai, e eu estou desesperada! — choraminga manhosa no meu peito. —
Por que tudo tinha que ser assim, tão doido? E eu estou sim menstruando, o
que é mais inacreditável!
— É isso que torna tudo tão bom do jeito que é.
Sorri com aquela reação tão pura e genuína. Fazia um bom tempo que eu não
tinha uma demonstração tão aberta de felicidade e deleite.
— Te amo, seu maldito! Se você continuar a ser fofo desse jeito eu vou ser
obrigada a te beijar, sinto muito.
Sorrio, limpando seus olhos e percebendo que ela está tão intensa quanto os
sentimentos que estou tendo. Deixei meus lábios a milímetros dos dela como
um aviso de que eu a beijaria imediatamente, e ela é quem toma a atitude de
colar nossas bocas. Caralho, eu vou ser pai! É tudo louco e mágico, as pernas
estão tremendo como nunca. Mal posso aguardar para essa mais nova loucura
com ela!
Tem relacionamento que simplesmente acontece para abalar as estruturas, eu
não sei por que nosso amor nasceu de forma tão louca e inesperada, já que
nos conhecemos há alguns anos. Eu baguncei a vida dela e ela a minha no
início. Um completo desastre. Mas está sendo tão bom, somos tão intensos
juntos, e estou falando de sentimentos, de pele e alma mesmo. De vivenciar
tudo tão urgente que nos sentimos atropelados e quando menos esperamos,
estamos com corações a galopes, querendo estar juntos o tempo inteiro, nos
declarando, logo eu que achei isso sempre tão brega e zoava meus amigos. Eu
fui enlaçado por uma nervosinha mal-humorada e gosto de ser dela.
E eu quero que nosso bebê nasça com o seu sorriso, exatamente igual ao que
estou vendo agora quando finalizamos o beijo. Eu definitivamente amo essa
mulher que se tornou tão minha, fui seduzido tão naturalmente que sequer
percebi. Me enlaçou pelos detalhes tão delas que aposto que sequer imagina.
Também sou completamente apaixonado pela mulher que está se tornando a
cada dia. Caralho, meu pau endurece só com essas lembranças dela como
mulher fatal e por ser minha própria chefe. Tem noção? Eu transo com a
minha chefe e na sala dela, se eu a beijar no lugar certo. Adoro seu biquinho
quando não está entendendo nada ou quando está nervosinha, ou seu jeito de
menina carente quando vem sorrateira me abraçar à noite, querendo atenção e
carinho, ou como agora, me abraçando apertado, confiando em mim que tudo
vai dar certo, por mais medo que esteja dessa novidade. E isso me deixa com
ainda mais vontade de lhe abraçar e cuidar, porque o resto é pouca coisa
diante de tudo isso. Bebi demais e me embriaguei de amor, literalmente. E eu
gosto de estar entorpecido dela.
CONDADO DE MOHAVE, ARIZONA | GRAND CANYON
NATIONAL PARK

MIRANDA
De volta onde tudo começou.
Não exatamente no mesmo lugar, mas perto, especificamente a duzentos
quilômetros de Las Vegas. Nunca imaginei que um dia estaria aqui, diante
desse lugar esplêndido, prestes a me casar pela segunda vez com o mesmo
descarado.
Decidimos renovar nossos votos mesmo com pouco tempo de casados, para
fazer certo dessa vez e eu poder me casar de branco, já que na primeira vez
casei de vestido preto tubinho. É obvio que não poderia faltar o precioso
buquê de rosas.
Dessa vez Cíntia está presente como tinha que estar, assim como o pai de
Dante, alguns amigos íntimos nossos, e Mari e Evan, que ficaram muito
próximos. Vieram poucas pessoas pelo fato de eu perceber que não sou muito
social, apesar de parecer que sim. Preferimos uma cerimônia bem íntima.
O local escolhido foi nada mais, nada menos que o Grand Canyon. O local
com uma das vistas mais espetaculares do universo e uma paisagem natural
de rara beleza. Estou imensamente encantada pelas diversas cores em sua
composição pelo sol estar se pondo, e meu estômago revira em ver essa
magia natural. Um dos lugares mais impressionantes do mundo de tão perto,
ou é apenas meu bebê mexendo.
Tivemos um dia louco desde que acordamos. Noite passada fomos nos
divertir, eu fiquei sóbria por conta da nossa pequena Melissa. Foi Dante
quem preferiu pôr o nominho dela, o da minha mãe, e eu me desmanchei em
lágrimas a noite inteira. Mas, antes, ele queria pôr Corinthienzo se fosse
menino, e eu descartei essa hipótese imediatamente. Já pensou que horror?
A noite foi incrível, foi nossa despedida de solteiro, percorremos a cidade de
Las Vegas e ainda tiramos foto em frente ao icônico letreiro luminoso:
‘’Welcome to Fabulous Las Vegas’’.
Cindy ficou dez vezes bêbada e ficou pendurada num francês de sotaque
carregado e sorriso safado. Acordaram juntos, inclusive, e veio me ligar
desesperada que não lembrava metade das aulas do Fisk para se comunicar
com o homem.
Hoje tivemos um ótimo dia. Viemos de Vegas numa limusine até o heliporto
da cidade, e de helicóptero para nos trazer aqui em cima. Ao final da
cerimônia vai nos levar ao um tour pela cidade para festejarmos lá dentro. Eu
estou um nojo!
Tudo parece cena de filme, o cenário é tão lindo e radiante que beira ao
brega. Mas nem ligo, os excessos são mais que bem-vindos nesta peculiar
metrópole. Dessa vez, o ilustre Elvis, que não é o anão, está aqui como um
dos padrinhos e não o cerimonialista. Até achamos uma Amy Winehouse para
ser seu par.
Meu marido está perfeito, dessa vez vestido a caráter, de terno bordô
perfeitamente alinhado. E, caramba, como está gostoso! Já repararam que
mesmo que não queira, quando se olha para uma pessoa por quem está
apaixonada, fica admirando cada pedacinho dela e se apaixona ainda mais?
Seu sorriso me deixa de pernas bambas como sempre e solto o ar aos poucos,
quando ele abre a boca para expressar seus votos. Um sorriso confiante, junto
com aquele olhar arrogante que ainda é o mesmo de sempre, apesar de me
amar. Não irá mudar nunca, eu sei e nem quero que mude.
— Eu não tenho nada especial para afirmar que já não tenha lhe dito antes,
mas se eu soubesse que tudo acabaria assim, teria lhe arrastado para cá antes.
Eu te amo, Miranda, e só precisa saber disso, que esse sentimento só cresce.
Homem assumidamente apaixonado é a coisa mais linda que se possa existir!
Nosso relacionamento começou na bebida, sabemos, num completo desastre,
mas os sentimentos mesmo, começaram com admiração e eu gosto muito de
constatar isso. Que nos apaixonamos a partir disso, de começar a contar um
com o outro e, sem nem nos darmos conta, estávamos envolvidos, amarrados
num nó que, mesmo que quiséssemos, não conseguiríamos desatar
facilmente.
— Eu me sinto sortuda por ser justamente você quem meu coração escolheu.
Dentre todas as incertezas da minha vida, a melhor foi saber que sou
correspondida por uma pessoa tão singular e especial, com uma simplicidade
intrigante . Por um homem que sempre tem os braços abertos, um refúgio
para mim, a quem digo tudo que penso sem medo, que no olhar vejo a todo
momento o quanto me ama. O homem que quis ser minha família.
Sinto a lágrima cair na minha bochecha, mas meu sorriso sequer sai do rosto.
A felicidade é como uma pequena borboleta. Encantadora, e chega quando
menos esperamos. Eu gosto muito de borboletas e elas estão na maioria do
tempo se abrigando no meu estômago.
Nossos lábios se unem num toque intenso e apaixonado, sem nem esperar
deixa, apenas escutamos nos declarar casados mais uma vez.
Eu hoje afirmo que sou uma mulher que, finalmente e de bom grado,
entregou sua vida aos pés da felicidade plena. Que fui tocada tão
profundamente por um amor tão puro e acidental. E o melhor de tudo,
recíproco, que nenhum outro importa. Dante quis ser meu lar, me deixou
habitar nele, como está habitando em mim. Eu, de certa forma, mesmo com
Cindy no meu enlaço sempre, me sentia sozinha, certas vezes perdida, mas
quando assumi nossos sentimentos percebi quão acolhida eu me sentia com
ele. Nele achei um destino certo: saber que pertenço finalmente a um lugar e
a alguém, sem medo de ser abandonada por ser eu mesma.
Existem momentos que nos marcam para o resto de nossas vidas. Existem
sorrisos que arrepiam até a alma! Existem abraços que reconfortam. No meu
caso, isso tudo está na mesma pessoa. Um maldito descarado que entrou na
minha vida e a transformou num completo desastre. Um belo e maldito
desastre.
É teimoso a ponto de não querer sair jamais. E nem quero que saia.
Engraçado que eu nem estava procurando relacionamentos quando tudo
começou, em momento algum me ouviram falar sobre namoro ou casamento.
Marido ou namorado, ou qualquer coisa do gênero, porque sequer estava
numa lista de prioridades, e Dante facilmente chegou e ficou e eu não ouso
me livrar desse descarado que me amarrou e que me deixa com borboletas no
estômago e coração aquecido.
E daí que eu casei bêbada em Las Vegas aos vinte e quatro anos com o cara
que eu não suportava? Tudo apontava para o fracasso, mas
surpreendentemente fluiu, algo no meio do caminho mudou e fez com que
tudo desse certo e eu estou satisfeita com o giro que minha vida deu.
Dante continua o mesmo cara de antes, que me aterroriza dia e noite com
suas piadinhas e implicâncias, bagunceiro em níveis insuportáveis, um
verdadeiro cachorro louco, mas o que realmente o tornou cativante a ponto de
me sentir apaixonada foi a simplicidade de seus atos, seu jeito doce ao cuidar
de mim e sua parceria quando me vi sozinha para lidar com tudo, quando
decidi deixar a imaturidade, o medo e a fraqueza de lado e ser mulher e
assumir as rédeas da minha vida. O melhor desastre que cometi foi casar com
ele. Um maravilhoso e irresistível erro.
E, encarando aquele homem bem à minha frente, meu marido oficialmente, e
agora usando aliança para jamais esquecer desse detalhe e com os nossos
lábios próximos a ponto dos meus formigarem querendo outro beijo, constato
que ele não era absolutamente nada do que eu pensava que era, e se tornou
tudo que eu nunca soube que eu realmente precisava para complementar a
minha vida.
Não tinha certeza de como isso iria acabar. Os sentimentos foram florescendo
sem percebermos no meio de uma briga com meu padrasto, depois dele nos
castigar por estarmos na presença um do outro, mas, independente de como
chegamos aqui, chegamos satisfeitos e felizes. E percebi que não havia outro
lugar no mundo em que preferiríamos estar a não ser ao lado um do outro.
Completamente e duplamente amarrada a esse descarado.
BRASIL, SÃO PAULO | MATERNIDADE

DANTE
Por que ninguém me falou que o parto é tão aterrorizante? Por quê?
Não sei quem está mais apavorado, eu ou Miranda, que grita de uma forma
que meu sangue foge do corpo e o coração tenta pular pela boca, mas sempre
o engulo a seco.
O dia tão esperado praticamente chegou. Eu tenho que amar muito as duas
para estar aqui nessa sala de parto. Caralho, Melissa, justo no dia da final do
Brasileirão?
Miranda se esgoela novamente, apertando minha mão, e eu tento me
controlar e me conter em mim mesmo, para não berrar junto de puro
desespero. Está tudo à flor da pele, meu irmão! Nasce logo, Mel! Aposto que
é fresca igual à mãe para estar nessa demora, fazendo charminho.
Estou me tremendo da cabeça aos pés, parece que terei uma síncope a
qualquer momento. Minha mão é novamente esmagada e eu travo os dentes.
É para pôr força embaixo, Miranda, não na minha mão!
Suas faces estão avermelhadas e suadas pelo esforço de pôr a nossa bebê no
mundo. A gestação de Miranda foi tão gostosa que não me importaria de vê-
la grávida mais, sei lá, dez vezes. A barriga só cresceu na reta final, ficou
enorme, e os peitos então? Meus olhos chegam a brilhar, mesmo não
podendo chegar perto para não espirrar no meu olho, como na primeira vez
que fui desavisado.
A médica a encoraja, papel que deveria ser meu, mas não consigo mover um
músculo facial, apenas a encaro contorcendo o rosto. Ensaiei várias palavras
para esse momento durante a gestação, mas todas fugiram da minha cabeça
quando ela desceu as escadas gritando, avisando que a bolsa tinha estourado.
Praticamente enfiei minha língua no meu próprio rabo.
Sinto o chão sumir em câmera lenta, quando finalmente vejo minha filha
chorar de braços abertos. Caralho! Parece que estou assistindo ao meu Timão
ser campeão, de tão energizado que estou. E, caro leitor que resolveu saber da
minha vida e estamos contando até o que não deveríamos, isso não é
minimizar o nascimento dela, e sim mostrar que isso é tão bom quanto.
Parece que entrei num mundo paralelo ao vê-la assim, pela primeira vez. É
linda pra caralho! Porra, é a minha filha!
Sinto um verdadeiro misto de emoções e todas elas se enfrentam para saber
qual será a dominante. Talvez seja a satisfação, talvez seja a alegria
demasiada, ou melhor, com certeza o amor iminente no meu peito.
— O senhor está bem? Teve um rápido apagão. — Uma enfermeira
preocupada segura no meu ombro.
— Não, nada a ver. — Percebo que estou recostado no chão.
Caralho, como vim parar aqui?
Mano, eu realmente tive uma síncope?
De onde estou, escuto a gargalhada alta de Miranda ainda deitada na maca,
misturada com o choro de Mel, que foi para o colo da mãe. Não sei se é de
mim ou é uma forma dela externar seus sentimentos confusos. Talvez a
primeira hipótese. Estou definitivamente ferrado! Vive de cara amarrada, mas
rapidinho ela sabe rir de mim.
Horas mais tarde, mais acostumado com a ideia de ser pai, e mais calmo
também — pelo menos eu acho —, entretanto ainda completamente
apaixonado, vejo minha filhinha no colo da mãe, com a camisa do Timão,
claro, me matando de orgulho. Miranda não gostou muito de ver isso, de essa
ser a primeira roupa que ela usa. Eu trouxe sem ela saber e pedi para uma
enfermeira pôr, não tem roupa mais honrosa que o manto alvinegro.
— Me deixa ficar com ela um pouquinho, Mi — peço ansioso, mal me
contendo.
— Deixa-a terminar de mamar. — Sorri para mim, fazendo um carinho na
minha bochecha, e pego sua mão para beijar a palma. — Obrigada por toda
essa loucura em que enfiou a gente.
— Eu fiz tudo planejado, te amarrei de propósito. — Lanço uma piscadinha e
ela revira os olhos, prendendo o sorriso. — Eu também estou satisfeito com
tudo.
Melissa, ou Corinthielly, como eu a chamo secretamente, vem pro meu colo e
eu me apaixono cada mais por aquela pessoinha que já atrapalhou tanta foda
minha com a mãe, por falta de ar ou qualquer outra coisa incômoda. Caralho,
é a minha filha! E não é que, mesmo sendo inexperiente no ramo, eu fiz uma
criança linda pra porra? Quem diria que uma noite de bebedeira iria trazer
essa consequência tão linda?
Estou orgulhoso de ter feito essa pessoinha do meu colo que veste a camisa
igual à minha. Tão linda com essas bochechas gordas e fofas. Tem os olhos
da minha família, mas como suspeitava, fresca igual à mãe, porque começa a
chorar escandalosamente, abrindo os braços, assim que a aninho melhor no
meu colo. Ah, não, Corinthielly!
— Fresca! Pare de chorar que sou seu pai, eu que te fiz — decido ter uma
conversa séria com ela. — Se continuar, não vai para o Itaquerão comigo,
está ouvindo?
Mantêm o berreiro, me desafiando claramente. Que pequena desaforada!
Miranda ri, pedindo para que eu a entregue. Relutante, decido lhe dar para ver
se ela se acalma porque já está toda vermelha.
— Não faz isso com ela, amor. — Miranda, numa voz fofa, aninha ela no
peito novamente. Aos poucos se acalma, toda dengosa. Que fresca, nossa!
— Corinthielly, rejeitando seu próprio pai? — incrédulo, olho aquele
pinguinho de gente me encarando desafiadora com os olhos iguais aos meus.
Olha a soberania dessa pequena tirana!
Eu não tenho emocional nenhum para ser pai, ainda mais de menina, na
moral. Ainda mais dessa criança que com menos de três horas de nascida me
desafia claramente. O que vai ser de mim daqui para frente? E se ela decidir
torcer para o Palmeiras, ou pior, para o Flamengo! Que o universo me ajude
com essa Melissa desafiadora e fresca que nem Miranda. Espero que o futuro
Corinthenzo venha mais parecido comigo.
— Você a chamou de quê? — cética, Miranda indaga me olhando séria.
— Melissa, ué. — Sorrio disfarçando, sentando na ponta da cama.
— Dante, por favor, não me mate do coração, quando for registrar eu vou
com você — perfeitamente categórica.
— É Melissa, amor, se preocupa não. — A abraço por trás com cuidado
beijando seu pescoço e, com a mão esquerda, aliso a bochecha da nossa bebê
no seu colo, estou apaixonado demais por ela! — Pelo amor de Deus,
Melissa, duas frescas em casa eu não aguento, fala com ela, Miranda.
— Você é muito bobo, Dante. — Miranda ri, beijo-a novamente no pescoço e
ela se entorna todinha, arrepiada.
— Sou sortudo, isso sim!
Sorrio, beijando novamente seu pescoço e apoiando meu queixo ali próximo,
para assistir e curtir aquele momento gostoso e cheio de amor que nos deixa
leves e sorrindo à toa. Estou mais feliz do que achei que estaria nesse
momento, ultrapassou todas as minhas expectativas.
Jamais pensei que teria uma aproximação tão gostosa com a entojada da
empresa, mas que me fez enxergar e sentir tantas coisas que estavam bem
entre nós e sequer percebíamos. Encher seu saco era a forma que achei
inconscientemente para estar por perto.
— Fica comigo para sempre? Você fica? — Miranda pede, derretida e
apaixonada, com os olhos brilhantes, apesar das feições cansadas.
Como abandoná-las? É o pedido mais doido que já fez e olhe que ela teve
desejos bem duvidosos.
— Claro, amor. Eu te amo todos os dias, e não tem um momento que não
esteja pensando em ambas. Eu fui feito para amar vocês duas.
E como se o coração batesse mais forte do que nunca e a felicidade se
tornasse ainda mais viva, ela sorri amplamente para mim e constato que é
exatamente aqui que eu gostaria de estar. Para sempre. Eu definitivamente
amo a família que construí sem planejar, a melhor que eu poderia sonhar!
Irrevogavelmente, puxei a alavanca do caça-níquel da vida e ganhei a melhor
das recompensas!
Mayara Carvalho é uma baixinha soteropolitana viciada
em dendê que acredita que moqueca de peixe é a oitava
maravilha do mundo. Mesmo tendo um signo conhecido
como poucos sonhadores, encontrou na escrita a melhor
forma de se expressar enquanto se diverte, tornando isso a
melhor parte do seu dia. Tornou escritora a maioria de
comédia romântica porque gostaria de ver histórias com
narrativas leves e mocinhas mais decididas e confiantes. E
tem a missão de emancipar suas mocinhas em todos seus
romances.
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