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Copyright © 2023 Fran Nanii

Capa: Dennis Romoaldo


Diagramação: Fran Nanii
Preparação de texto: Mari Vieira
Revisão: Andreia Idalgo Cardia
 
 
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas ou
acontecimentos reais é mera coincidência.
 
 
Todos os direitos reservados.
 
 
É proibido armazenamento e/ou reprodução total ou parcial desta obra
através de quaisquer meios sem a autorização da autora.
 
 
A violação autoral é crime, previsto na lei nº 9.610/98, com aplicação legal
pelo artigo 184 do Código Penal.
 
 
 
 
 
 
 
Parte deste livro é ambientado nos Emirados Ads, um país fictício
inspirado nos Emirados Árabes Unidos. Sendo assim, lugares e costumes
podem conter algumas divergências com o país real, estas alterações foram
adicionadas de propósito para o melhor desenvolvimento da narrativa e não
tenho intenção alguma de ferir qualquer cultura ou costume. Portanto, é
importante que se atente de eu usei sem moderação de uma coisa chamada
LICENÇA POÉTICA, então sim, vai ser bem diferente, e não foi por falta
de pesquisa, eu apenas decidi que poderia fazer e fiz.
 
Espero que gostem de acompanhar Faruk e Guadalupe em sua história
de amor e suas diferenças. Não deixem se apaixonar pelo Saramago.
 
Abram a mente e aproveitem a leitura.
 
Beijos,
Fran Nanii
 
“Ela queria fugir. Ele não queria se casar. Uma oportunidade
acontece. Ela era proibida. Ele estava disposto a tê-la.”
 
Não estava nos meus planos ir parar por acidente nos Emirados Ads,
nem tampouco, conhecer Faruk Faza, o poderoso Sheik e Príncipe herdeiro
daquele império.
Mas quando tudo deu errado e minha família estava à beira da
falência, meu pai controlador decidiu me casar com um homem mais velho
que a Santa La Muerte, eu não tive outra saída a não ser: fugir. E aqui estou
eu, me sentindo a própria Sherazade do MIL E UMA NOITES. Mas eu não
contava com o baita plot twist que a vida iria me dar.
O que será que eu vou aprontar na Heritage House?
Será que meu carisma como digital influencer vai me ajudar a ganhar
a confiança dessa Fera do Deserto?
Para ouvir a playlist de “Proibida para o Sheik” no Spotify, abra o app no
seu celular,
selecione “buscar”, clique na câmera e posicione
sobre o code abaixo.
Capítulo 1
 
 
Desliguei a câmera do celular após gravar um stories de “bom-dia” e
dei uma conferida em como tinha ficado, mas não estava legal, o ângulo
tinha deixado meu nariz muito grande, então apaguei o vídeo e tentei gravar
outra vez, sem sucesso, pois também não ficou bom.
 
— Senhorita... — Catalina, uma das funcionárias da casa do meu pai
tentou falar através da porta do meu quarto.
 
— Shiii! — a interrompi e voltei a gravar, sabendo que provavelmente
estava revirando os olhos.
 
Em uma terceira tentativa o vídeo ficou perfeito, mas o filtro que
escolhi não havia entrado, me deixando meio pálida. Me joguei para trás no
monte de travesseiros fofos e resmunguei, respirando fundo em seguida
para me acalmar. Nunca é fácil gravar o vídeo perfeito.
 
¡Buenos días, cariño! Acabei de acordar e já estou prevendo que será
um dia IN-CRÍ-VEL! Então, besos azucarados e fiquem de olho aqui nos
stories hoje porque tenho uma super novidade para contar para vocês —
falei em seguida jogando um beijinho para a câmera, apertando o botão de
postar logo em seguida e respirei fundo, satisfeita.
 
Estava ansiosa para mostrar uma caixa enorme de roupas que uma
grife famosa tinha me enviado, mas precisava fazer um suspense e deixar o
pessoal curioso. Todos veriam meus stories durante todo o dia atrás de saber
a novidade, mas eu só entregaria isso no final da tarde. Só então encarei
Catalina.
 
— Diga, Catalina — concedi.
 
— Seu pai a espera no escritório, senhorita — anunciou ela.
 
— Diga a ele que acabei de acordar, vou fazer minha skincare, tomar
café da manhã e depois falo com ele.
 
— Ele deu ordens expressas para que a senhorita vá agora — afirmou,
retorcendo as mãos uma na outra.
 
— Eu disse que já vou — falei, começando a perder a paciência.
 
Meu pai e a sua mania de controlar tudo e todos.
 
— Acho melhor ir agora, senhorita — aconselhou Catalina.
 
Resmunguei, calçando as pantufas e vestindo o hobby de seda por
cima da camisola curta e a segui. A casa estava uma bagunça total, havia
funcionários por todos os lados, espalhando decorações pela casa.
 
— Papai fará uma festa privada para Santa La Muerte[1]? Essa
decoração não está diferente da convencional? — perguntei a Catalina
assim que entramos no corredor que dava acesso ao escritório do meu pai.
 
— Sim, senhorita, haverá uma festa no dia de Santa la Muerte, mas
seu pai parece ter planos diferentes para o Dia dos Mortos do que costuma
fazer — respondeu.
 
— Claro, porque ele é tão importante que supera até mesmo Santa la
Muerte — falei, revirando os olhos e avistei minha mãe que andava de um
lado para o outro em frente à porta do escritório.
 
— Lupe, bom dia! — disse ela, vindo em minha direção e me
abraçando forte. — Como você está hoje?
 
— Estou bem, mamá[2]. Você parece nervosa! — respondi retribuindo
o abraço.
 
— Não é nada, cariño[3]. Veja, seu papá[4] tem algo muito importante
para conversar com você, então o escute com atenção.
 
— Eu já deixei claro que não vou deixar de ser influencer, mamá,
espero que não seja de novo sobre isso.
 
— Não é sobre isso. Não exatamente — disse ela e seus olhos
estavam nos meus, ela dizia para eu não me preocupar, mas seus olhos me
alertavam sobre algo que eu não conseguia identificar.
 
— Vai deixar sua filha entrar ou vai ficar fofocando no corredor? —
perguntou meu pai, abrindo a porta de uma vez.
 
— Bom dia para o senhor também, papá.
 
— Entre, Guadalupe!
 
Eu não o respondi, só passei pelo espaço que ele abriu para mim e
minha mãe entrou logo atrás, em segundos meu pai ocupava seu lugar
imponente em sua cadeira, atrás de sua mesa.
 
— Alguma vez já te faltou algo nessa casa desde que nasceu,
Guadalupe? — questionou ele.
 
— Não, senhor — respondi de imediato.
 
Desde que me lembro de qualquer coisa que seja, sempre vivi uma
vida cercada com o luxo, não sendo privada de absolutamente nada que eu
quisesse ou precisasse.
 
— Então nesses vinte e um anos você viveu muito bem?
 
— Não estou entendendo onde quer chegar, papá — falei e ele
suspirou.
 
— Você viveu com um luxo que pouquíssimas pessoas têm o
privilégio de ter...
 
— Eu sei.
 
— E isso só aconteceu graças a mim e à sua mãe que te demos tudo.
 
— Sei disso também.
 
— Sendo assim, você ficaria feliz se algo faltasse a mim ou a ela?
 
— É claro que não, papá — respondi rápido.
 
— Então não gostaria de nos ver vivendo na miséria!
 
Não era uma pergunta.
 
— Que absurdo! Isso nunca aconteceria, nossa família é milionária há
quatro gerações.
 
— Sim, mas, coisas ruins aconteceram, não estamos exatamente
pobres hoje, tampouco temos a mesma fortuna e uma fusão nos deixaria
tranquilos quanto ao futuro — declarou meu pai.
 
— Papá, se isso é sobre a sua empresa, não preciso estar aqui. O
senhor sabe que não entendo nada de negócios e nunca precisou me
consultar com relação a eles — falei me levantando, preparada para sair do
escritório. — Não acredito que o senhor interrompeu meu momento sagrado
de beleza da manhã para isso.
 
— Guadalupe, sente-se — a voz forte e irritada do meu pai ecoou no
escritório antes que eu pudesse alcançar a porta.
 
— Sente-se, cariño — pediu minha mãe com a doçura de sempre.
 
Voltei para eles outra vez e segui até a cadeira em que estava sentada
antes, encarando meu pai em seguida.
 
— Está pronta para ser uma adulta de verdade e assumir todas as suas
responsabilidades? — perguntou.
 
— Não vou deixar de ser influencer para trabalhar nas suas empresas,
pensei que já tinha deixado isso claro — ralhei com ele.
 
— Se você vai continuar ou não postando seus batons na internet não
será problema meu, mas sim do seu marido — declarou, eu apenas ri.
 
— Pai, eu nem namoro, vai demorar muito para eu me casar.
 
— Se casará em dez dias — informou e eu gargalhei.
 
— Até parece! — zombei, olhando para a minha mãe e seu olhar
dizia: “eu sinto muito”, então aquilo realmente era verdade. — Não vou me
casar com alguém que não conheço.
 
— Não é um desconhecido, ele vem à nossa casa ao menos uma vez
por semana — falou, ele e forcei meu cérebro.
 
Meu pai trazia diversos homens para reuniões privadas em nossa
mansão, alguns vinham com frequência e tentei me lembrar de alguém em
específico que viesse com tanta frequência.
 
— Hernández aceitou o acordo — disse ele e senti meus olhos
tentarem escapar da atmosfera ocular.
 
— Não vou me casar com aquele nerd ridículo! Além do mais, ele
deve ter uns quatro anos a menos que eu, nem atingiu a maioridade ainda,
papá.
 
— Não estou falando do garoto — disse meu pai, me encarando com
um semblante diferente e fiquei confusa por um momento.
 
Minha mão levou as mãos ao rosto, cobrindo-o.
 
— Nãoooo! — arrastei a palavra mais que o necessário para expressar
a minha indignação. — Não pode estar falando sério.
 
— Stuart está viúvo há quase quatro meses e...
 
— Além do corpo da esposa nem ter esfriado ainda, ele tem mais de
cinquenta anos, papá!
 
— Ele é um bom homem e é rico.
 
— E daí? Isso não pode ser verdade! Mamá?
 
Minha mãe não me encarou, o que significava que ela não podia fazer
nada.
 
— Não faça isso comigo, papá, eu te imploro!
 
— Você não tem escolha, Guadalupe. Tudo já está acertado.
 
— Essa porra de festa é para isso? — perguntei indignada,
levantando-me da cadeira outra vez.
 
— Não! A festa acontecerá no domingo é para o sheik...
 
— Quem? — perguntei mais confusa ainda.
 
— Seu papá tentou, cariño, fizemos a proposta ao sheik que é um
pouco mais jovem, mas ele não aceitou. Então não tivemos outra escolha,
mas Stuart tem boa reputação e vai te tratar muito bem — tentou minha
mãe.
 
— Um pouco mais jovem, como se isso fosse mudar alguma coisa —
falei, sentindo meus olhos lacrimejarem.
 
Respirei fundo e engoli o nó que se formava em minha garganta,
levantando a cabeça, olhando para cima na tentativa de evitar que as
lágrimas caíssem.
 
— Na verdade, não mudaria absolutamente nada, mesmo que ele
tivesse a sua idade, já que se recusou a sequer ouvir um acordo de
casamento — disse meu pai. — De toda forma, ele é um homem muito
importante que agora está criando laços comerciais comigo e com o seu
marido...
 
— Futuro marido — corrigiu minha mãe e senti náuseas.
 
— Tanto faz, estarão casados em dez dias, ela já é dele — sentenciou
meu pai. — Inclusive, ele chegará em breve para oficializar tudo.
 
— Que ele vá à merda! — falei e me levantei, empurrando a cadeira
com força, fazendo um barulho alto.
 
— Guadalupe, volte aqui — exigiu meu pai, mas não parei, chegando
à porta muito rápido, mas ele conseguiu me alcançar, segurando meu braço
com força. — Estou falando com você, garota.
 
— Bem, não te devo obediência, você mesmo disse que pertenço a
Stuart Hernández, sou problema dele, não seu — cuspi as palavras na cara
do meu pai e, com um movimento brusco que o deixou de queixo caído, me
soltei de seu aperto e passei pela porta, batendo-a em seguida.
 
Foda-se essa merda toda!
 
Se eu for quem vou garantir o dinheiro do meu pai, vou gastá-lo como
e quando eu quiser. Então segui para o meu quarto a fim de me trocar e sair
para fazer compras.
Capítulo 2
 
 
Pensei que fazer compras me deixaria menos triste e revoltada com a
minha situação atual, mas não, o resultado disso foi só um cansaço físico e
mental por tanto andar e tentar encontrar uma saída. O que eu poderia
fazer? Sair de casa e trabalhar? Não faço ideia de como se faz isso, nunca
nem lavei um prato.
 
Quando retornei para casa já era hora do jantar.
 
— Senhorita — cumprimentou-me o mordomo assim que abriu a
porta para mim.
 
— Oi Javier — respondi passando por ele como um furacão.
 
— Senhorita? Senhorita? — chamou ele, me acompanhando.
 
— Diga, Javier.
 
— A senhorita é aguardada para o jantar — informou.
 
— Não estou com fome. Peça só para Catalina trazer ao meu quarto
uma vitamina de coco.
 
— A senhorita não entendeu. Seu pai disse que a senhorita precisa
comparecer ao jantar de qualquer forma.
 
Arqueei uma sobrancelha na direção do mordomo e pensei por um
momento.
 
— Certo, diga ao meu pai que irei me refrescar e já desço —
concordei com um sorriso. — Ah, peça a Catalina que venha ao meu quarto
imediatamente.
 
Não tinha dúvidas de que o jantar era com o meu futuro marido, então
subi para o meu quarto para me arrumar da melhor forma possível.
 
Não demorou para que Catalina entrasse em meu quarto.
 
— Mandou me chamar, senhorita? — disse ela e percebi em seu tom
de voz que algo havia acontecido.
 
— Sim, o que aconteceu? — perguntei.
 
— É só um jantar, fique tranquila.
 
— Não, Catalina. Estou perguntando o que aconteceu com você,
posso ver que chorou.
 
Eu podia ver os olhos da doce senhora inchados e vermelhos, ela
havia chorado.
 
— Não foi nada, senhorita.
 
— Não minta para mim, Catalina. O que o meu pai fez agora?
 
— Não tem que preocupar sua cabeça com isso, menina. Está tudo
bem — disse ela tentando sorrir. — É melhor se apressar para não ficar na
mira do seu pai.
 
— Tem razão — falei revirando os olhos —, mas não pense que vai
escapar de me contar o que aconteceu.
 
— O que precisa, menina?
 
— Meu futuro marido está aqui, não está?
 
— Sim, senhorita — respondeu e vi pesar em seus olhos.
 
— Então me traga um dos seus vestidos. O mais velho e gasto que
tiver, um que nem use mais de tão velho — falei e vi ela arregalar os olhos.
 
— O que está planejando?
 
— Só me traga, Catalina.
 
— Você vai arrumar confusão que eu sei, menina. Não posso fazer
isso.
 
— Por favorzinho, Catalina — pedi segurando suas mãos e beijando
sua bochecha. — Eu preciso muito!
 
— Não quero que seu pai te castigue...
 
— Ele não vai fazer isso.
 
— Menina...
 
— Traga! — falei por fim e segui para o banheiro para tomar um
banho.
 
Em pouco tempo eu estava me encarando no espelho. Cara limpa, sem
maquiagem alguma, um vestido muito velho e que ficou curto e largo
demais para mim já que Catalina era baixinha e rechonchuda, cabelos
molhados sem pentear e descalça, com Catalina atrás de mim, tampando a
boca para não rir.
 
— Não pode fazer isso, menina — disse em tom divertido.
 
— Ah, eu posso e vou — respondi e saí do quarto com ela ao meu
encalço.
 
Quando cheguei à sala de jantar o primeiro olhar que encontrou o meu
foi o do velho babão que se arregalou, mas deixou um sorriso amarelo
aparecer.
 
— Doce Guadalupe, aí está você.
 
— Oi Stuart — cumprimentei e vi todos me olharem chocados.
 
— Eu estava...
 
— Não enche, Stuart — falei e mais uma vez todos ficaram chocados.
 
— Guadalupe! — meu pai ralhou.
 
— O que foi? Ele não vai ser meu marido? Pensei que era assim que
marido e mulher se tratavam, você e a mamá não se suportam. Não é todo
casamento que é assim?
 
— Díos mio[5]! — disse a minha mãe, cobrindo o rosto como se aquilo
fosse um desastre.
 
— Tudo bem, aos poucos vamos nos acostumamos um ao outro —
disse o velho babão me encarando, então correndo os olhos pelo meu corpo,
franzindo as sobrancelhas.
 
— Que roupas são essas, Guadalupe? — quis saber meu pai.
 
— Ué, o de sempre, papá — respondi com cinismo.
 
— Isso não é o que você usa sempre, cariño — disse minha mãe.
 
— Não é o que uso na frente dos convidados, mas só estou seguindo
as ordens do papai, poupando as poucas roupas boas para as ocasiões
especiais. Como Stuart já é considerado meu marido, é bom que se
acostume com as minhas roupas reais e com a nossa pobreza — falei.
 
— Pobreza? — perguntou Stuart, arregalando os olhos.
 
— Papai não te contou que estamos falidos?
 
— Guadalupe! — ralhou meu pai. — Isso não é verdade, Hernández.
A garota só está assustada pelo casamento iminente.
 
— Claro que é verdade, inclusive este vestido ganhei de uma das
empregadas, estava velho para ela, mas para mim ainda serve.
 
Os olhos do velho se iluminaram de uma forma estranha
 
— Ah, então você sabe economizar, é mesmo perfeita para mim,
cerdita — disse Stuart e arregalei meus olhos.
 
Ele acabou de me chamar de porquinha?
 
Além de tudo ele ainda era mão de vaca? Era o fim!
 
— Gosta de economizar, mas está bancando esse jantar, Stuart? Deve
mesmo querer se casar comigo — falei olhando a comida na mesa.
 
Sabia que meu pai não estava tão falido a ponto de não poder bancar
um jantar como aquele. Sabia que era mais por orgulho, enquanto eu saia
para fazer comprar vi um homem levar um dos carros do meu pai, ele já
estava começando a vender os carros de luxo, que eram seus xodós, para
pagar as dívidas, mas ele ainda tinha dinheiro.
 
— O jantar foi oferecido pelo seu pai, cerdita, mas eu poderia prover
quantos banquetes você quiser se for uma boa garota comigo — disse Stuart
e sua mão pousou sobre a minha na mesa.
 
Senti asco com o contato e saí rápido do seu contato. Minha mãe
olhava para suas próprias mãos que estavam em seu colo.
 
— Eu gosto assim, uma cerdita selvagem — disse o velho.
 
— Vou subir para o meu quarto, acho que preciso descansar.
 
— Mas você acabou de chegar — protestou ele e revirei os olhos.
 
— Tá bom — falei de forma exagerada. — Eu fico um pouquinho,
mas só para comer.
 
Comecei a empilhar comida no meu prato, eu seguia uma dieta rígida,
mas naquela noite comeria o tanto quanto aguentasse. Comecei a comer
depressa, segurando o garfo de forma rude, deixei a faca de lado e peguei a
carne com as mãos, dando grandes mordidas e enchendo a boca com mais
comida. Minha mãe parecia querer chorar, meu pai estava vermelho de
raiva e Stuart me observava como se não conseguisse acreditar no que via.
 
— Bom, acho que finalmente fiz uma boa escolha — disse o velho,
gargalhando em seguida.
 
Fui eu quem ficou horrorizada a seguir, quando ele afrouxou a gravata
e começou a comer exatamente como eu. Um pedaço de peixe e bastante
molho ficaram presos no bigode do homem ao meu lado e eu quis chorar
pensando que ele seria o meu futuro marido.
 
Quando o vi trazer a mão até mim para me oferecer comida na boca,
senti meu estômago revirar e me levantei em um impulso.
 
— Eu realmente preciso descansar agora, amanhã preciso levantar
cedo para trabalhar na rua.
 
— Na rua? — perguntou o velho.
 
— Sim, vendo verduras na barraquinha do senhor Godofredo.
 
— Que conversa é essa, Guadalupe? — esbravejou meu pai.
 
— Ora papai, não haja como se não soubesse — falei e então me virei
para Stuart. — Alguns dias por semana o senhor Godofredo também vende
sardinhas e nem sempre estão tão frescas, então o cheiro não fica muito
bom por isso chego em casa cheirando a peixe podre, então sugiro que o
senhor não venha amanhã.
 
— Não precisará trabalhar quando for minha esposa, cerdita.
 
Que droga, nada conseguia espantar o velho? Tudo o que eu fizesse
aparentemente agradava ele ao invés de espantá-lo e aquilo estava me
deixando desesperada. O homem pegou a minha mão e levou aos lábios,
tentando ser galanteador, mas o peixe e molho que estavam em seu bigode
me sujaram.
 
Me livrei rápido de seu toque e saí da sala de jantar sem nem pedir
licença, limpando o dorso da mão no vestido.
 
 
Algum tempo depois, ouvi os passos do meu pai ecoando pelo
corredor, vindo em direção ao meu quarto e a voz baixa da minha mãe,
porém eu não entendia o que ela dizia. Soltei o celular na cama com a tela
bloqueada e fingir estar dormindo.
 
— Guadalupe? — chamou ele, mas permaneci imóvel. — Guadalupe?
 
— Ela está dormindo, querido. Deixe-a descansar, tem sido coisa
demais para ela.
 
— Ela não vai se safar da vergonha que me fez passar hoje.
 
— Deixe para conversar amanhã pela manhã, será melhor para todos
— disse minha mãe e ouvi seus passos saindo do meu quarto.
 
Sorri, me sentindo vitoriosa e adormeci logo.
Capítulo 3
 
 
Como toda quarta-feira acordei antes de todos e saí, tinha que visitar
meu refúgio, sabia que no momento em que eu colocasse meus olhos
naquelas preciosidades, conseguiria atingir o estado de paz que eu precisava
e foi dito e feito, horas depois, já no meio da tarde, quando saí de lá estava
plena e serena, claro que ainda não queria aquele casamento, mas estava
pensando com mais clareza e encontraria uma saída.
 
Parei a BMW em frente ao portão da mansão e meu celular tocou
enquanto eu aguardava o porteiro incompetente abrir, ele parecia estar
dormindo mesmo de dia, não tinha aberto imediatamente.
 
— Fala, amiga — atendi.
 
— Miga, me encontra no Punto de Café, tenho que te contar uma
novidade — disse Paulina, minha melhor amiga.
 
— São muitas novidades para serem contadas — falei, suspirando. —
Chego lá em dez minutos.
 
— Ótimo, já estou chegando!
 
Encerrei a chamada e joguei o aparelho sobre o banco do carona. No
exato momento em que o portão foi aberto, dei a marcha à ré no carro e
dirigi para o endereço em que minha amiga me esperava.
 

 
Assim que entrei avistei Paulina toda animada, saracoteando na
cadeira, flertando com o garçom.
 
— Paulina? — chamei quando ela não percebeu a minha
aproximação.
 
— Miga, oi! — disse ela, finalmente se virando para mim. — Senta
aqui, o que vai beber?
 
— Quero uma Água de Jamaica[6] — pedi ao garçom que assentiu.
 
— É claro — disse ele. — E para a senhorita? — perguntou,
arrastando mais a voz para a minha amiga.
 
— Eu vou querer um Atole[7], beeeeeem queeeeeente, assim como
você — respondeu Paulina e eu revirei os olhos, sorrindo.
 
O garçom olhou nos olhos dela e sorriu malicioso.
 
— É claro — respondeu, nos deixando a sós em seguida.
 
— O que foi? — perguntou ela quando me encarou.
 
— Sério, Paulina? Você não perdoa nem o garçom? — perguntei e ela
sorriu.
 
— Ele é lindo!
 
— É claro que é. Agora conte a sua novidade.
 
— Vou participar de um reality show! — disse eufórica.
 
— Mentira? — perguntei, tentando ficar tão animada quanto ela, pois
a minha amiga merecia aquela chance e tinha lutado por ela. — Amiga, isso
é maravilhoso, estou feliz que tenha conseguido!
 
— Eu sei, estou tão animada! Entro no programa logo depois do
festival de Santa la Muerte, mas... você não parece tão animada...
 
— Acredite, não tem nada a ver com isso, estou realmente muito feliz
e orgulhosa de você. É só que... bem... eu vou me casar — soltei de uma
vez e vi ela arregalar os olhos.
 
— Tá de brincadeira? Como pode me deixar falando de uma besteira
dessas de reality show, quando você vai se casar?
 
— Eu não queria...
 
— Sua vaca, você nem me disse que estava apaixonada. Como pode
esconder uma coisa dessas de mim?
 
— Não estou apaixonada! — declarei e ela franziu o cenho.
 
— Então acho que eu não entendi.
 
— Meu pai armou um casamento e não tenho como fugir dele. Não
acredito que ele está me entregando ao Hernández.
 
— O nerd desengonçado? Eca! — disse ela, fazendo cara de nojo.
 
— Quem me dera se fosse o novinho sem senso de moda.
 
— Não sabia que o senhor Stuart tinha mais filhos.
 
— Ele não tem.
 
— Então eu não entendi!
 
— Nossa, Paulina, está difícil conversar com você hoje, parece mais
lerda do que o normal.
 
— Então vá conversar com seu noivo — disse ela, tentando se
levantar da cadeira.
 
— Não, amiga, não. Desculpa! — implorei. — Estou uma pilha de
nervos porque meu pai quer que eu me case com o senhor Hernández, o
Stuart Hernández.
 
Os olhos castanhos amendoados da minha amiga se arregalaram e
nossas bebidas chegaram.
 
— Não está falando sério!
 
— Quem me dera — falei e comecei a chorar.
 
— Calma, amiga! Seu pai devia estar só brincando, ele não teria
coragem de fazer uma coisa dessas.
 
— Sim, ele teria e fez. O Stuart foi até jantar lá em casa ontem, tentei
espantá-lo, mas tudo que eu fazia parecia deixar o velho ainda mais
interessado — falei choramingando ainda.
 
Paulina pareceu pensar.
 
— Não pode se casar com ele.
 
— Acha que eu não sei disso?
 
— Por que não foge?
 
— Como? Nem dinheiro eu tenho, se eu tirar uma quantia grande da
conta, meu pai vai descobrir e ele não é bobo.
 
— Eu vou dar um jeito. Você vai fugir.
 
— E vou viver como?
 
— Não esquente a cabeça com isso. Já disse que vou dar um jeito,
amiga.
 
— Paulina...
 
— Posso ser um pouco lerda para entender algumas coisas, Lupe, mas
não vou falhar com você nisso. Faça como eu pedi, aja como se nada
tivesse acontecido, mas tente evitar o velho — instruiu e eu assenti. — Você
vai embora na noite do festival de Santa la Muerte.
 
— Meu pai vai dar uma festa para um Sheik metido no dia do festival.
 
— Isso é perfeito, vai ser mais fácil ainda — disse ela segurando
minha mão para me oferecer algum conforto.
 

 
Cheguei em casa me sentindo mais animada, desta vez o porteiro
abriu imediatamente. Estacionei a BMW na garagem e desci do carro.
 
— Guadalupe, precisamos conversar — anunciou meu pai assim que
coloquei um pé para dentro de casa.
 
— Eu realmente não estou a fim. Tenho que trabalhar — falei,
sabendo que ainda teria que gravar o vídeo das roupas que havia recebido.
 
— Ah, tudo bem então — disse quando passei por ele.
 
Senti minhas sobrancelhas franzirem em confusão. Ele tinha mesmo
me dispensado? Eu mal podia acreditar, meu pai só podia estar querendo
me amansar acreditando que assim eu aceitaria mais fácil o casamento
forçado.
 
Entrei no meu quarto e joguei os scarpins nude aos pés da cama.
Joguei o celular em cima do colchão e abri o zíper lateral do vestido, já
puxando as alças para baixo, tirando-o por completo em seguida. Entrei no
banheiro e tirei a calcinha, última peça que faltava, liguei o chuveiro e
entrei debaixo da água morna, não queria esperar a banheira encher.
 
A água batia forte em minha cabeça e meus ombros, massageando-me
e respirei fundo, ficando ali por dois ou três minutos. Respirei fundo e
estiquei a mão para pegar o frasco de shampoo para tirar a terra que tinha
pego no cabelo quando fui ao meu lugar preferido, mas não consegui
alcançá-lo. Olhei para o nicho que ficavam meus produtos de banho e ele
estava vazio.
 
Os frascos estavam cheios, Catalina havia trocado por novos só há
dois dias. Olhei tudo ao redor e percebi que as minhas coisas não estavam
ali. Nada meu estava ali. Desliguei o chuveiro e saí do box, alcançando a
toalha que quando passei pela minha pele senti uma diferença, não era ruim,
mas completamente diferente do que eu estava acostumada, me enrolei nela
e segui para o armário de toalhas para pegar um roupão, mas estava vazio.
 
Segui para o closet, precisava saber o que estava acontecendo, mas
antes precisava me vestir. Quando abri a porta tomei um susto, todas as
roupas que deveriam estar à mostra não estavam lá, corri para as portas e
gavetas, tudo estava vazio. Não havia roupas, nem sapatos, nem bolsas,
nem maquiagens, nem joias, nem meu equipamento de gravação. NADA.
Tudo havia sido retirado de lá.
 
Voltei correndo para o quarto, meus livros também haviam sidos
retirados, não havia notado isso quando entrei porque estava muito
distraída. A roupa que eu havia deixado jogada no chão e os sapatos haviam
desaparecido, assim como meu celular e bolsa que usei hoje.
 
Que merda estava acontecendo?
 
Descalça, com o cabelo molhado pingando no chão e escorrendo pelas
minhas costas e enrolada em uma toalha puída marchei em direção ao
escritório do meu pai, entrando sem nem mesmo bater na porta.
 
— Ah, vejo que agora quer conversar — zombou ele, sentado
imponente em sua cadeira de couro marrom.
 
— Devolva as minhas coisas — exigi.
 
— Sente-se, Guadalupe — ordenou.
 
— Não! — neguei e ele arqueou as duas sobrancelhas para mim.
 
— Como quiser.
 
— Devolva as minhas coisas — exigi outra vez.
 
— Sinto muito que as coisas tenham que ser dessa forma, mas você
vai aprender algumas lições...
 
— Quer me dar lições para eu aprender a me comportar com o meu
futuro marido? Parece até piada.
 
— Não, você vai aprender algumas lições por me fazer passar
vergonha. Como você se portará depois que sair dessa casa será problema
do Hernández, não meu.
 
— Quanto amor, papá! — zombei.
 
— Te criei e dei tudo do bom e do melhor, agora é a sua vez de
retribuir. E ontem à noite você quase me fez perder o acordo com o
Hernández, por isso vai viver segundo as suas próprias palavras.
 
— O quê?
 
— Você disse que vivia com vestidos puídos dos funcionários e que a
comida mal dava para se alimentar, então assim será. Tirei tudo o que tinha
porque tudo me pertence, a partir de agora você perdeu todas as suas
mordomias.
 
— Não está falando sério!
 
— Pode apostar que estou — disse ele, levantando seis cartões em sua
mão.
 
Os meus cartões. Então, com uma tesoura cortou todos eles.
 
— Não! Por que está fazendo isso?
 
— Porque eu posso, só por isso. E o castigo não acaba por aí, vai
trabalhar nesta casa como os funcionários e tem mais uma coisinha —
ameaçou se levantando da cadeira e levando a mão ao cós de sua calça.
 
Ao cinto, desabotoando-o, tirando-o em seguida.
 
— Não! — falei dando passos para trás enquanto ele caminhava na
minha direção com o cinto na mão.
 
Corri em disparada para o meu quarto, consegui entrar, mas antes que
eu fechasse a porta por completo, ele me alcançou. Como era mais forte que
eu, conseguiu entrar, me segurou e jogou na cama logo em seguida,
acertando-me com o cinto diversas vezes enquanto eu gritava e chorava,
mas ninguém veio ao meu socorro, nem mesmo a minha mãe.
 
Quando ele se cansou, foi embora, fechando a porta do quarto e eu
chorei até dormir.
Capítulo 4
 
 
Estava desesperada, os poucos dias até domingo passaram se
arrastando, fiz trabalhos domésticos e fui tratada da péssima forma que
qualquer um dos empregados do meu pai. E o pior, sem meu celular não
tinha como falar com Paulina para saber sobre o plano que ela estava
armando e ainda corria o risco dela ter enviado mensagens e quem quer que
estivesse com meu celular as visse e contasse tudo ao meu pai.
 
Já era fim de tarde quando minha mãe apareceu na cozinha enquanto
eu tentava arear uma panela que estava muito preta pois havia sido usada
para cozinhar o chili em um fogão à lenha.
 
— Filha! — chamou, animada como se nada tivesse acontecido. —
Filha? Me responda, Guadalupe.
 
— Se eu não responder, vai me bater também? — perguntei, me
virando para encará-la e vi o choque em seu rosto.
 
— Não vamos tocar nesse assunto.
 
— É claro que não — zombei.
 
— Suba para o seu quarto e se arrume. O Sheik chegará em breve e
seu pai quer que você esteja apresentável.
 
— Lógico, com vestidos puídos.
 
— No seu quarto tem suas maquiagens preferidas, um sapato e um
belo vestido. Vá se arrumar como gosta — disse ela, animada.
 
— Se você está mandando!
 
Obedeci porque aquela era a noite em que eu deveria fugir, esperava
que Paulina tivesse tudo armado para que eu conseguisse.
 
Estava desolada, quando comecei a caminhar pela casa. Tudo estava
arrumado de forma peculiar, eu realmente parecia estar em um palácio
árabe, até os funcionários usavam Kandooras[8] brancas, e embora tudo ali
parecesse árabe, as bebidas que eram servidas eram mexicanas, os garçons
circulavam pelo lugar com bandejas repletas de copos de tequila e
sangrita[9], servindo alguns poucos convidados que estavam chegando.
 
Não me dei ao trabalho de cumprimentar ninguém, caminhei de
cabeça baixa, tentando não ser notada, seguindo em direção ao meu quarto.
Antes que eu alcançasse o corredor que dava acesso ao meu destino, ouvi a
voz que me fez sentir asco de imediato.
 
— Cerdita!
 
Parei, respirando fundo e criando coragem para encarar meu futuro
marido. Quando seus olhos encontraram os meus, ele fez um aceno de
cabeça, indicando uma das salas que estava vazia ao nosso lado, como se
pedisse para que eu entrasse. Tomei uma lufada de ar e fiz o que ele pediu,
querendo não arrumar mais confusão com o meu pai por enquanto.
 
— Em que posso ajudar, senhor Hernández? — perguntei. Ele sorriu.
 
— Desistiu da ideia de me chamar de Stuart?
 
— O que quer? — desviei.
 
— Tenho que dizer que estou muito satisfeito nesse momento — disse
ele.
 
— Com o que, senhor?
 
— Não precisei dizer nenhuma palavra sequer para que me
obedecesse. Pensei que poderíamos ter um começo difícil devido ao que
vejo do seu comportamento normalmente, mas já vi que isso não será um
problema — disse ele e não respondi, fazendo-o sorrir. — Não precisa me
chamar de senhor, afinal, estaremos dividindo uma cama em breve.
 
Engoli em seco.
 
— Pode dizer o que quer? Preciso tomar um banho — falei, tentando
desviar daquele assunto.
 
O homem começou a se aproximar com um sorriso estranho, tocando
uma mecha de cabelo meu quando parou ao meu lado.
 
— Isso é um convite, ovelhinha sapeca? Pensei que esperaríamos até
a oficialização da nossa união — perguntou, aproximando seu rosto do meu
pescoço.
 
— Está louco? — perguntei após um segundo de choque e tentei me
afastar, mas o homem segurou meu pulso, impedindo-me de me afastar.
 
— Não se faça de casta, você é um livro aberto na internet, sei que já
trepou com outros homens — acusou, os olhos queimando nos meus e eu
senti o suor brotando em minha testa enquanto tentava ignorar a vontade de
vomitar.
 
— Eu jamais disse qualquer coisa assim nas minhas redes sociais —
protestei, tentando me soltar dele.
 
— Nem precisa dizer. E não se faça de rogada, acha que nunca
percebi seus olhares para mim em todas as vezes que vim jantar com seus
pais? As saias e vestidinhos que usava para me provocar e facilitar caso
conseguisse algo de mim.
 
— O quê? O senhor só pode estar delirando! Imaginou tudo isso, me
solte agora! — pedi quando ele puxou meu pulso com força, fazendo meu
corpo colidir com o dele. — Me solta!
 
— Está tudo bem, cariño! É só um beijo, você também quer.
 
— Me solta agora! — exigi, empurrando. — Velho asqueroso!
 
Ele riu.
 
— Eu gosto de você arisca assim — disse, colando seus lábios nos
meus logo em seguida. Mantive minha boca fechada, mas a dele era rude e
sua língua tentava forçar a passagem.
 
Então o barulho de algo caindo chamou nossa atenção e alguém
apareceu na porta da sala, mas o velho já havia se afastado antes de ser
visto me agarrando. O funcionário olhou distraído para dentro da sala,
analisando Hernández e eu por um segundo.
 
Meu futuro e asqueroso marido fez um aceno de cabeça para mim e
em seguida outro para o funcionário e saiu dali, deixando-me desnorteada.
Aquela merda era ainda maior do que eu imaginava, estava perdida. O
funcionário pigarreou, chamando minha atenção, então o encarei por um
segundo.
 
— Está tudo bem, senhorita? — perguntou, a voz grave e forte.
 
— Isso não é da sua conta, vá buscar uma tequila. AGORA! — exigi
e um esgar brotou no canto dos seus lábios.
 
Em qualquer outra situação eu ficaria com raiva e o demitiria sem
pensar duas vezes, ele provavelmente havia visto a cena e disfarçado, devia
estar me achando uma vagabunda, mas naquele momento eu estava tão
perdida que sequer conseguia me irritar com sua impertinência.
 
— Você é surdo? Mandei buscar tequila!
 
Naquele momento outro funcionário passava pelo corredor, este tinha
uma bandeja de copos. O primeiro funcionário o parou e eu me sentei no
sofá, tirando os olhos deles e limpando minha boca com força na manga do
vestido marrom. Não podia acreditar que aquele pesadelo realmente estava
acontecendo. Um copo de cristal, cheio de tequila surgiu em frente ao meu
rosto, o peguei e levei aos lábios, entornando todo o líquido de uma vez.
 
— O que vou fazer com um copo de tequila vazia, incompetente? —
perguntei, deixando minha irritação evidente, era acostumada a beber
tequila, praticamente todos em nosso país era, mas me surpreendi quando
ele encheu o meu copo, colocando a garrafa em cima da mesa de centro
logo em seguida.
 
Entornei outra dose, mas antes que eu enchesse o copo outra vez, o
homem tirou o da minha mão.
 
— O que pensa que está fazendo, impertinente? — perguntei.
 
— Beber direto da garrafa vai ajudá-la a aplacar o que quer que esteja
sentindo — disse ele, me entregando a garrafa.
 
O analisei por um segundo ou dois, o esgar continuava em seus lábios,
ele era absurdamente lindo, o que era estranho.
 
— Você usa algum tipo de Photoshop da vida real?
 
— Como disse? — perguntou confuso.
 
— Você não é bonito demais para ser empregado?
 
— Existe alguma regra com relação a isso? — devolveu a pergunta
franzindo as sobrancelhas.
 
— Só sabe responder com outras perguntas?
 
Ele sorriu daquele jeito debochado de novo, mas não respondeu.
Peguei a garrafa da sua mão e a virei, bebendo mais da metade do que
restara ali em grandes goles, fechando os olhos com força, tentando lavar o
gosto do velho asqueroso dos meus lábios, tudo sob o olhar atento do
funcionário.
 
— Se sente melhor? — perguntou.
 
— Isso não é da sua conta! Saia agora!
 
— Temo não poder fazer isso, senhorita — respondeu.
 
— Tá de brincadeira? Eu vou te colocar no olho da rua, seu merda!
Você trabalha para mim, quem pensa que é? — perguntei, me levantando e
tocando seu peito com o dedo indicador.
 
— Cariño?! — chamou minha mãe, seu tom de voz parecia perplexo
e desesperado ao mesmo tempo.
 
— Guadalupe, o que pensa que está fazendo? — perguntou meu pai,
exasperado, com os olhos arregalados.
 
— Vou me arrumar para essa festa de merda — falei, entornando a
garrafa logo em seguida.
 
— Guadalupe — a voz vacilante do meu pai soou outra vez na sala.
— Deixe ao menos eu te apresentar para o sheik, o homenageado da nossa
festa.
 
— Não quero conhecer esse sheik velho e metido do caralho —
respondi e comecei a caminhar, enquanto minha mãe levava as mãos ao
rosto, como se tivesse acontecido algum desastre.
 
— Guadalupe! — meu pai ralhou.
 
Uma gargalhada soou na sala, era do funcionário que havia me
servido, meu pai com certeza o colocaria no olho da rua.
Capítulo 5
 
 
Demorei mais de hora para ficar pronta. Enquanto eu batia com
delicadeza a esponja com base em meu rosto, lágrimas escorriam sem que
eu conseguisse segurá-las, borrando tudo, mas eu insistia. E quando
consegui deixar a pele uniforme sem que mais nenhuma lágrima caísse,
passei um delineador e lápis preto nos olhos, deixando-os bem marcados, o
blush era discreto, mas o batom vermelho cereja combinava com os olhos
de íris azuis que estavam tão marcados de preto, do jeitinho que Stuart
Hernández, meu futuro marido, odiava.
 
Olhei para o vestido cor de rosa claro sobre a cama, era bonito e
elegante, então alguém bateu na porta.
 
— Entre — concedi, apertando as mãos ao redor da gola do roupão
que usava naquele momento.
 
— Menina, está sozinha? — perguntou Catalina.
 
— Sim, Catalina, pode entrar.
 
Catalina sempre que podia dava um jeito de separar as comidas que eu
gostava e estava sendo privada de comer, e levava para mim. Não mudava
muito a minha situação, mas sabia que era o jeito que ela tinha de tentar me
trazer ao menos um pouco de paz.
 
— Sua amiga pediu para que eu te entregasse isso — disse me
estendendo um pacote e sorrindo.
 
— Obrigada, Catalina — agradeci e peguei o embrulho, abrindo-o em
seguida, não acreditando no que meus olhos viam. — Como ela sabia?
 
— Ela tentou falar com você hoje, mas seu pai não a deixou entrar na
casa, dei a volta e contei tudo a ela — confessou.
 
— Ah, Catalina, o que seria de mim sem você? — falei abraçando-a.
 
— E bem, seu pai pediu para lhe entregar isso — disse tirando do
busto do vestido meu aparelho celular. — Parece que ele não quer que
ninguém perceba nada.
 
— É claro que não quer.
 
— Vou te ajudar a se vestir — disse ela com um sorriso cúmplice.
 
— Certo, mas antes preciso fazer algo.
 
Liguei o celular e enviei uma mensagem para Paulina, avisando que o
aparelho estava comigo.
 
Poucos minutos depois eu estava em um vestido vermelho bordado
com cristais, com duas grandes fendas nas coxas que subiam até o topo das
minhas coxas e um salto alto, aquilo atrairia atenção o suficiente para que
em nenhum momento sequer da festa eu conseguisse ficar sem um urubu
em cima de mim, não dando a chance de ficar a sós com meu futuro marido.
 
Paulina nem sabia o quanto tinha acertado na escolha.
 
Bem, caso o plano dela não fosse bom, eu faria o velho ter um infarto
ali na festa de tão vulgar que eu me comportaria e se não fosse suficiente
para dar-lhe um ataque do coração, com certeza atingiria seu ego e ele
provavelmente não iria querer mais se casar comigo.
 
Meu pai me mataria? Sim! Mas antes morta do que casada com
aquele homem asqueroso.
 
Me olhei no espelho, estava perfeita!
 
Peguei meu celular e tirei uma selfie, não estava com ânimo para
gravar um vídeo como costumava. Não usei filtro, não precisava, coloquei
uma música de fundo e escrevi “Eu faço o meu destino!” na parte inferior
da foto, postando-a em seguida. Não foram necessários mais que alguns
segundos para centenas de notificações dispararem em meu celular, mas não
dei importância àquilo, não naquele momento.
 
Guardei o celular na pequena cloutch[10] de pérolas que meu pai havia
deixado com o outro vestido, respirei fundo, olhando uma última vez meu
reflexo no espelho e segui para o salão de festas da mansão com meus
saltos martelando o piso.
 

 
O salão estava repleto de gente, todos muito bem vestidos, as
mulheres usando joias caras, as solteiras na tentativa de fisgar o tal sheik,
com certeza. Para ser tão rico como era, devia ser outro velho asqueroso
que eu não queria nem chegar perto. Não entendia muito de islamismo e
nem nada do ocidente, mas a raça masculina era toda igual.
 
Assim que entrei, atraí alguns olhares para mim e demorou menos de
um minuto para ter um braço masculino estendido em minha direção,
oferecendo companhia. Caminhei pelo salão de braço dado com um rapaz
que eu não tinha ideia de quem era, mas estava sendo muito gentil comigo,
então avistei Stuart Hernández conversando com meu pai mais adiante.
 
— Obrigada pela companhia agradável, mas agora preciso resolver
algo — agradeci e o rapaz fez uma leve reverência.
 
— Sou eu quem agradeço pela senhorita ter me agraciado com a sua
doce companhia — disse ele e se afastou.
 
Antes que meu pai ou Hernández me vissem, fugi para uma das
varandas que tinha ali. Como o salão ficava no segundo andar da mansão,
eu tinha uma vista privilegiada do jardim que eu tanto amava. O ar fresco
bateu forte em meu rosto, balançando as mechas do meu cabelo e fechei os
olhos por um momento, tentando respirar com calma, mas as lembranças da
boca do velho grudada na minha me vieram à mente.
 
Abri os olhos e pisquei rápido, na intenção de afastar as lágrimas que
ameaçavam cair, não podia acreditar que teria que me casar com ele, não
conseguia aceitar, então uma lágrima rolou.
 
Um lenço surgiu à minha frente, sendo oferecido por alguém que
estava ao meu lado e eu nem havia percebido se aproximar. Olhei para o
lado e vi o rosto bonito do funcionário de mais cedo, não consegui evitar
sorrir e ele me acompanhou com um espetacular sorriso completo, dentes
perfeitamente alinhados e brancos na medida certa.
 
— Está me seguindo? — perguntei aceitando o lenço.
 
— Não, senhorita! Eu já estava aqui quando  chegou, mas acho que
estava tão distraída que não percebeu a minha presença ali no canto.
 
— Está se escondendo de alguém então? Aposto que é do meu pai —
falei dando uma risada amarga. — Não o deixe pegar parado no horário de
trabalho, sabe como ele costuma ser carrasco com os empregados — alertei.
 
— Não se preocupe — disse ele, amistoso.
 
Sequei o rosto com o lenço, estranhando a maciez do tecido, então o
observei por um momento.
 
— Meu pai é tão egocêntrico que mandou bordar lenços para os
funcionários usarem durante a festa para o sheik, isso é a cara dele, mas
dessa vez ele foi longe demais, é claro que os fios parecem ouro, mas não
são, porém, é inegável que o tecido é fino, deve ter custado uma fortuna.
Egoísta dos infernos — falei e ele arqueou as duas sobrancelhas, parecia
chocado e maravilhado ao mesmo tempo.
 
— Sempre fala assim do seu pai? — perguntou, tirando o lenço da
minha mão e limpando meu rosto com delicadeza.
 
— É o primeiro trabalho que faz para o meu pai, presumo.
 
Vi sua testa enrugar por um segundo e seus olhos espremerem, com
aquele esgar irritante surgindo em seus lábios outra vez.
 
— É mais ou menos isso! Mas por que está tão irritada com ele? Se é
que me permite perguntar — quis saber, entregando-me o lenço outra vez.
 
Aquela imitação de fios de ouro no bordado era realmente
impressionante.
 
— Ele vai me obrigar a me casar com um homem que eu não amo —
falei e nem sei porquê.
 
— Espero que não seja com aquele senhor que forçou o beijo mais
cedo — disse ele com o cenho franzido.
 
— Então você viu?
 
— Não tudo realmente, mas não foi difícil entender o que estava
acontecendo.
 
— Não pode contar a ninguém, meu pai vai te colocar no olho da rua
se fizer isso. Se ele não fizer, eu mesma faço — falei e ele riu.
 
— Seu pai é quem deveria se preocupar — disse ele.
 
— Do que...
 
— Ah, aí estão vocês! — A voz do meu pai soou atrás de nós.
 
Me virei rápido na direção dele, tentando encontrar uma desculpa
para ajudar o pobre funcionário que havia sido gentil e compreensivo
comigo apesar do meu comportamento mais cedo. Não sabia o porquê, mas
senti vontade de ajudá-lo.
 
— Pai, este... — comecei a explicar, mas meu pai me interrompeu
outra vez.
 
— Sim, eu sei que este é o Sheik Faruk, cariño. — Meus olhos
saltaram, e meu ar faltou, eu não tinha coragem de encarar o homem ao
meu lado, mas agora tinha certeza de que o lenço realmente era bordado
com fios de ouro.
Capítulo 6
 
 
— Estou surpreso é que vocês já se conheçam de fato. Faruk me disse
mais cedo que não havia tido a oportunidade de se apresentar — disse meu
pai.
 
— É, ele realmente não teve a oportunidade — falei enfim
conseguindo encarar o sheik.
 
Como estava nervosa, não havia prestado a atenção, mas agora,
observando suas vestes, podia ver a diferença clara, o tecido fino e bem
costurado, apesar de ser claro como o dos funcionários, era de um tom um
mais perolado e tinha bordados sutis também em fios de ouro. Como eu não
havia percebido? Sempre fui tão boa com detalhes.
 
— Faruk Rami Muhammad Abdallah Ayad Faza, ao seu dispor — se
apresentou, estendendo-me a mão.
 
— Guadalupe Madero. — As palavras quase não saíram pelo choque.
 
Puta que pariu, tratei um sheik como se fosse um dos empregados do
meu pai!
 
Minha mão tocou a dele e foi conduzida com gentileza até seus lábios
que deixaram um beijo que para quem visse parecia casto, mas na verdade ,
para mim, parecia algum tipo de promessa. O esgar parecia não deixar seus
lábios e seus olhos pareciam queimar nos meus naquele momento tamanha
a sua intensidade, ele estava se divertindo às minhas custas, de propósito
não havia dito que era o tal sheik.
 
Minha mãe deu uma risadinha quando percebeu que o beijo no dorso
da minha mão demorou mais que o normal, tirando-nos daquela atmosfera
estranha que foi criada ao redor de nós dois. Tirei minha mão da sua rápido
e me virei na direção do meu pai.
 
— Seu copo está vazio, Faruk. Vamos enchê-lo — observou meu pai.
 
— Não, obrigado, Madero. Por hoje já chega — disse o sheik.
 
— Até parece! — disse meu pai, indignado. — Ninguém sai da minha
casa sem tomar o meu mezcal[11].
 
Acho que meu pai queria dizer que ninguém com milhões na conta
bancária saía da casa dele sem provar o seu precioso mezcal. O vi fazer
sinal para um garçom que se aproximou rápido.
 
— Traga uma garrafa do meu mezcal e um... — virou-se para mim —
Paloma[12] para você, cariño?
 
Eu ficava abismada com a cara de pau dele.
 
— É claro, papá — respondi.
 
— Está gostando da festa, Faruk? — perguntou minha mãe.
 
— Sim, a festa está muito agradável, me faz sentir saudades de casa,
embora eu esteja muito curioso sobre o festival que está animando todo o
seu país.
 
— Ah, o festival de Santa la Muerte é maravilhoso mesmo.
 
— Santa la Muerte? — perguntou Faruk quando o garçom chegou.
 
Meu pai me entregou o copo com Paloma e pegou a garrafa de mezcal
nas mãos.
 
— Veja, Faruk — pediu meu pai, levantando a garrafa na altura dos
olhos do sheik que era uns bons quarenta centímetros mais alto que ele.
 
— Uma lagarta na sua bebida? — perguntou o sheik, encarando a
larva dentro da garrafa de mezcal.
 
— Sim, ela é usada para medir a qualidade da bebida. Se o teor de
álcool do mezcal estiver no ponto certo, a lagarta se mantém intacta, isso
mostra que ele está perfeito!
 
— E se não estiver no ponto certo a lagarta se desmancha —
constatou o sheik.
 
— Sim.
 
— E bebem o... mezcal com a lagarta desmanchada mesmo?
 
— Não sei dizer, Faruk. Meu mezcal é o melhor, a lagarta sempre
esteve intacta em qualquer garrafa minha.
 
Mentiroso! - Eu queria dizer.
 
— Fascinante! — disse o sheik.
 
— Prove — sugeriu meu pai, servindo uma dose ao homem.
 
O sheik provou, parecia estar apreciando a bebida.
 
— Então? — quis saber o meu pai.
 
— Realmente saborosa, Madero.
 
— Esplêndido! — disse meu pai, enchendo o copo do sheik outra vez.
 
O som de uma carreata nos atingiu e o sheik se esticou para ver.
 
— É só uma carreata para Santa la Muerte — informou minha mãe.
 
— Vai me desculpar, Madero, mas o festival parece ser ainda mais
esplêndido do que a sua tequila — disse Faruk.
 
— Mezcal — corrigiu meu pai, sorrindo, simpático, mas eu sabia que
estava se retorcendo.
 
— Isso, mezcal — concordou o sheik.
 
Minha mãe segurou o braço do meu pai quando ele deixou um pouco
de seu desagrado transparecer em suas feições, mas o sheik nem percebeu,
ele olhava para mim.
 
— Na verdade, se não for falta de respeito, gostaria de que sua filha
me falasse mais sobre o festival — disse o sheik, sorrindo para mim.
 
— Você não aceitou meu acordo, Faruk. Agora já acertei com outro
— disse meu pai, fingindo estar brincando, mas eu sabia que não era
verdade.
 
— Não tenho a intenção de me casar tão cedo, Madero e ela não é
islâmica, nem que eu quisesse poderia aceitar a sua proposta.
 
— Ela poderia se converter ao islamismo — brincou meu pai.
 
— Não tenho dúvidas, mas realmente não vou me casar e... — Faruk
parou de falar e me encarou. — Acho que estamos sendo grosseiros.
 
— Bem, se nos dão licença, precisamos circular. Tenho certeza que
Guadalupe ficará encantada em te explicar tudo sobre o festival — disse
meu pai, lançando-me um olhar significativo e eu sabia qual era o jogo dele.
 
Deixar o sheik sozinho comigo para ver se ele mudava de ideia e
aceitava seu acordo, porque era óbvio que Faruk tinha um oceano de
dinheiro a mais que Hernández, mas aquilo não ia acontecer.
 
— Eu realmente sinto muito por essa conversa sem sentido — disse o
sheik se voltando para mim.
 
— Tudo bem.
 
— Diga que não é verdade que seu pai irá casá-la com aquele homem
— pediu e tinha sinceridade em seus olhos.
 
— Gostaria de poder dizer que não, mas é a minha realidade — falei
suspirando e me virando outra vez para o jardim, apoiando as mãos no
balcão de cimento. — Mas não quero falar sobre isso.
 
— Tudo bem. Então... o festival?
 
— Ah sim, é um dos feriados mais tradicionais do nosso país.
Celebramos o Dia dos Mortos. É uma festa incrível, todo o país usa
decorações especiais para Santa la Muerte, principalmente as Catrinas[13],
fazemos altares e oferendas aos nossos entes queridos, colocamos sempre as
coisas que eles gostavam enquanto estavam vivos.
 
— Isso sim é realmente fascinante, não a tequila do seu pai — disse
ele sorrindo.
 
— Mezcal — dissemos juntos e então rimos, lembrando da correção
que meu pai fizera momentos antes.
 
— Há muitas flores por todos os lados também — observou.
 
— Sim, em especial a cempasúchil, que costumamos chamar também
de flor dos mortos.
 
— Por que chamam a flor assim? — perguntou ele, franzindo as
sobrancelhas.
 
— As cempasúchils são quem guia a alma dos mortos — falei como
se fosse óbvio e ele sorriu.
 
— Jura? — Ele parecia não acreditar em mim.
 
— É verdade, eu juro por San la Muerte.
 
Meu celular apitou, sinalizando uma mensagem.
 
Paulina: Arme um escândalo que deixe seus pais ocupados e vá para
a saída leste da mansão.
 
Que loucura ela estava tramando? Bem, seja o que fosse, eu tentaria.
Um vento mais frio soprou e me arrepiei.
 
— Prefere entrar? — perguntou, seus olhos estavam em minha pele
arrepiada. — Parece incomodada com o vento — disse após alguns
segundos.
 
— Sim, vou entrar. Preciso fazer algo. Foi um prazer conhecê-lo.
 
— O prazer foi todo meu, foi bem divertido — disse sorrindo.
 
— Aliás, por que me deixou tratá-lo como um dos empregados sendo
quem você é? — perguntei curiosa.
 
— Teria sido você mesma se soubesse que eu era quem sou? —
perguntou e eu sorri, negando com a cabeça. — Exato! Eu nunca conheço
as pessoas de verdade, porque elas sempre me apresentam suas supostas
versões perfeitas, e eu sempre preferi o natural, o espontâneo, mas pouco
tenho disso na minha vida. Você me deu isso hoje, mesmo que em uma
situação complicada — disse pegando minha mão e beijando-a outra vez.
 
— Deve fazer sucesso entre as mulheres no seu país, sendo gentil e
beijando as mãos da mulherada com tanta gentileza.
 
— Ah, não, em meu país isso é proibido, a não ser que a mulher em
questão seja a minha esposa ou mãe, ainda assim não poderia fazê-lo em
público.
 
— Que chato! — falei e ele riu. Então meu celular começou a tocar,
era Paulina. — Eu realmente preciso ir. É hora do show!
 
— Hora do show? — perguntou confuso e eu ri.
 
— Até nunca mais, senhor!
 
— É claro — concordou e soltou minha mão.
 
— Ah, se gostou do festival, precisa visitar um cemitério depois da
meia-noite — sugeri.
 
— O quê? — perguntou perplexo.
 
— É uma das nossas tradições, não se esqueça de levar uma vela —
falei e pisquei para ele, dando-lhe as costas em seguida.
Capítulo 7
 
 
Entrei no salão outra vez, pensando rápido no que eu poderia fazer,
arrumar uma briga? Não! Também não poderia usar o sheik, até cheguei a
pensar nisso enquanto estava na varando, mas não seria justo. Ele tinha sido
bom comigo, não podia envolvê-lo em um escândalo, mas não dei dez
passos até que um braço surgiu em meu campo de visão, oferecendo-me
companhia.
 
Era Juan, filho de um dos amigos do meu pai, ele era um cretino de
mão cheia, mas também meu amigo, havia tentado me beijar diversas vezes,
mas jamais lhe dei chance, por isso nos tornamos bons amigos.
 
— Boa noite, Lupe!
 
— Oi, Juan!
 
— Paulina pediu que eu a ajudasse, mas eu não sei ao certo com o
quê — disse ele e eu ri.
 
— Seja você e pronto — falei e ele sorriu.
 
— Está muito bonita essa noite! Não que não esteja sempre, mas essa
noite está espetacular! — foi gentil como sempre.
 
— Obrigada — agradeci e dispensei o assunto com um aceno de mão.
 
Juan pegou um copo de Paloma da bandeja do garçom e me ofereceu.
Aceitei sem pestanejar.
 
— Essa beleza toda é para o seu noivo? — perguntou com a voz
debochada e arqueei uma sobrancelha em sua direção, encarando-o. —
Achou mesmo que o velho não ia espalhar aos quatro cantos de Acapulco
que ia se casar com a herdeira da maior rede de hotéis do México e que tem
uns quarenta anos a menos que ele?
 
— Não acredito nisso! — falei, levando uma das mãos ao rosto. —
Que vergonha!
 
— Não se envergonhe, ninguém é louco de pensar que esse
casamento é qualquer coisa que não um acordo comercial e que seu pai está
te obrigando a isso. Não se fala em outra coisa.
 
Parei e pensei por um momento, se todos já sabiam, era hora de
começar a envergonhar o velho safado, era o momento e a oportunidade
perfeita para o escândalo que Paulina pediu que eu fizesse.
 
— Você tem medo dele? — perguntei e Juan arqueou uma
sobrancelha em minha direção.
 
— Diz que é uma piada!
 
— Tem ou não?
 
— Até parece!
 
— Ótimo! — respondi e segurei sua gravata azul entre meus dedos,
alisando-a de leve.
 
Juan sorria para mim, cretino, com os olhos brilhando, esperando que
eu propusesse algo, mas eu não lhe daria a chance de recusar.
 
Um dos fotógrafos da festa se aproximou e pediu a um casal ao nosso
lado para fotografá-los, eram os pais de Paulina, então aproveitei a deixa.
Olhei outra vez para Juan que ainda sorria e puxei sua gravata, colando
meus lábios aos dele de uma forma obscena e ele não perdeu tempo,
devorando-me na frente de todos.
 
Juan era famoso por se meter em diversos escândalos, não negaria
mais aquele. Percebi que os flashes disparavam em nossa direção bem
quando as mãos dele alcançaram minha bunda, apertando-a. Aproveitei o
momento para me esfregar nele, soltando o copo de cristal no chão,
chamando a atenção de qualquer um que ainda não tivesse nos visto e subi
uma das minhas pernas pela lateral do corpo dele, que não perdeu tempo,
agarrando minha bunda e trazendo-me para cima, para o seu colo, deixando
minhas coxas à mostra pelas fendas grandes, quase mostrando a minha
calcinha.
 
— Mas o que está acontecendo aqui? — perguntou meu pai enquanto
Hernández já tinha as mãos no terno de Juan, puxando-o para trás, fazendo-
o me colocar no chão e nos separando.
 
Juan sorria com os lábios manchados com meu batom vermelho
cereja e eu não tinha dúvidas de que os meus estavam igualmente
arruinados.
 
— Eu vou te matar, garoto — berrou Hernández.
 
— Você pode tentar, tiozão — disse Juan com deboche e eu ri.
 
Olhei ao redor, o caos estava instalado, flashes vinham de todos os
lados e o sheik estava mais adiante, observando tudo. Pisquei um olho para
ele que sorriu grande para mim e balançou a cabeça em negativa, como se
não acreditasse em tudo aquilo.
 
Observei por mais um segundo o caos, Juan me fez um discreto aceno
com a cabeça e empurrou Hernández, então eu sabia que aquela era a minha
deixa. Com cuidado, aproveitando que todos tinham sua atenção sobre os
dois homens que discutiam, esgueirei-me entre a multidão e só olhei para
trás quando alcancei a porta de saída, e Faruk ainda continuava lá, com os
olhos presos em mim e o grande sorriso nos lábios. Sorri para ele também,
que levantou seu copo como se brindasse a mim em silêncio.
 
Então corri.
 
Com meus pés protestando pela corrida com saltos altos, cheguei até
a saída leste e Paulina já me esperava lá.
 
— Que merda você fez lá dentro? — perguntou ela, rindo.
 
— Beijei o Juan — falei, rindo também.
 
— Pedi para ele te ajudar, mas não assim — falou.
 
— Não se preocupe, fui eu quem tomou a iniciativa, ele entendeu e
depois do nosso showzinho arrumou confusão com o Stuart — falei levando
a mão à boca.
 
— Bem feito! Tomara que ele dê ao menos um soco na cara daquele
velho safado. Mas não temos tempo para isso agora, pegue.
 
— O que é? — perguntei pegando a mochila que ela me ofereceu.
Estava pesada.
 
— É dinheiro. Foi o que consegui sacar da minha conta.
 
— Amiga, você não precisava fazer isso.
 
— Sim, precisava. Agora preste atenção, vou te colocar em um carro,
já armei o esquema, mas você não pode dar bobeira. Um dos seguranças vai
te tirar da propriedade, então outro que está na rua, em meio ao festival vai
te colocar no carro do meu primo que vai te levar para Cidade do México,
enquanto ainda estiverem aqui em Acapulco você terá que permanecer no
porta-malas do carro, mas assim que a barra estiver limpa, o carro vai parar
e você passa para o banco do passageiro. Algumas primas distantes minhas
vão te acolher lá e não se preocupe, elas são confiáveis. Preste atenção, não
olhe para trás, espere ao menos uma semana para me ligar, seus pais estarão
como urubus em cima de mim, você sabe.
 
— Como conseguiu que um segurança me ajudasse?
 
— Não foi bem isso que consegui, então preste atenção — pediu,
pegando minha mão e arrastando-me até a garagem. — Assim que eu der
sinal, o segurança vai te colocar no porta-malas do primeiro carro.
 
— Qual carro?
 
— O segurança vai saber qual, Lupe.
 
— Certo.
 
Começamos a caminhar e encontramos um dos seguranças do meu
pai, ele fez um aceno para Paulina e nos seguiu.
 
— Espere o meu sinal — disse ela para nós, e respirando fundo e
entrando na garagem.
 
Aquela era uma das garagens privadas do meu pai e havia só três
carros ali, nenhum do meu pai.
 
— Oi gato — ouvi a voz de Paulina e um homem a respondeu. —
Conseguiu dispensar seus colegas?
 
Arrisquei olhar para dentro, mantendo-me escondida ao lado do
segurança. Paulina se aproximava de um cara, não era mexicano, mas
falava bem o espanhol.
 
— Tudo limpo — disse ele.
 
— Ótimo, porque estou ardendo por você — disse ela tirando a blusa,
expondo os seios.
 
Que garota louca!
 
Paulina beijou o homem e sua mão desceu para o pau do cara,
acariciando. Eu tampava minha boca para não fazer nenhum barulho, não
sabia se ria ou ficava chocada com a minha amiga, mas o segurança ao meu
lado fez sinal para que eu ficasse quieta. Minha amiga abriu a porta do carro
e empurrou o homem para dentro, entrando logo atrás, o montando e
fechando a porta em seguida, com bastante força.
 
Certo, aquela era a minha deixa.
 
— Quando o porta-malas abrir, siga o homem todo de preto e com
máscara na metade do rosto.
 
Assenti e ele olhou para os lados, conferindo se não tinha mais
ninguém ali e quando tive certeza de que estava vazio, correu comigo, abriu
o porta-malas em silêncio e eu entrei, fechando-o tentando fazer o menor
barulho possível, então bateu com força na lataria do carro, ficando bravo
em seguida, abrindo a porta e repreendendo o outro segurança. Eu não
podia ver, mas podia ouvi-los.
Capítulo 8
 
 
Uma vida de prazeres é o que eu desejava. Eu era incapaz de amar,
sabia disso, então cuidava dos meus próprios negócios, aumentando minha
fortuna e aproveitava a vida ao máximo enquanto podia, já que um dia as
responsabilidades maiores chegariam para mim.
 
Meu pai já não tinha a mesma saúde e eu sabia que logo teria que
assumir meu lugar como Emir. A ideia não me agradava e eu preferia
deixar isso para um dos meus irmãos, mas meu pai insistia que tinha que ser
eu, não podia recusar.
 
Aquela viagem ao México realmente estava sendo diferente. Sempre
adorei viajar para a América, o clima, a diversão, as mulheres, tudo ali era
muito bom, mas conhecer aquela garota foi surpreendente, ela parecia
afetada quando o noivo lhe roubou um beijo, mas reagia de uma forma
díspar, era autêntica até em um momento complicado e para mim foi
incomum ver uma mulher que havia se mostrado tão abertamente como ela,
sem se importar com meu título ou fortuna, ou ainda mais, sem tentar me
seduzir. Mesmo que o contato com ela tenha sido tão rápido e sem contato
sexual nenhum eu havia apreciado conhecer alguém tão autêntica como ela.
 
Não que eu não tenha ficado excitado com ela, fiquei e muito, porém,
negócios não se misturavam com prazer e eu havia acabado de fechar um
contrato com o pai da garota e ele queria um bom casamento para a filha, o
que eu não poderia oferecer.
 
Sabia que em algum momento eu teria que escolher uma esposa, mas
certamente não seria ela e nem naquele momento. Como herdeiro e futuro
Emir dos Emirados Ads tinha obrigação de construir uma família, mas isso
estava longe de acontecer.
 
Havia me divertido com o seu show, não sabia o que a garota
planejava, mas se era irritar seu pai e noivo, ela havia conseguido com
sucesso. Em minha terra ela seria considerada uma mulher imprópria para
desposar, e talvez fosse exatamente isso que ela estivesse tentando parecer,
mas tinha que admitir, a garota tinha coragem.
 
Quando ela desapareceu pelo corredor, oferecendo-me um belo
sorriso, torci para que ela estivesse fugindo dali. O casamento certamente
não seria agradável com aquele homem.
 
Enquanto o pai de Guadalupe tentava acalmar o noivo da garota,
decidi que era hora de ir embora, no dia seguinte, logo pela manhã, voltaria
para casa, então precisava descansar.
 
Meu carro, guiado por um dos meus seguranças, ganhou as ruas de
Acapulco, entremeando a multidão que estava nas ruas. Muitos altares em
frente as casas e música tocando, então ficamos presos em meio a um
grande grupo de pessoas. Outro carro estava preso ao nosso lado, e mais um
ainda do outro lado, eu o observei e vi o porta-malas se abrindo, então ela
saiu de lá.
 
Sorri e neguei com a cabeça, sem conseguir acreditar, ela havia
mesmo fugido. A observei por um momento, a garota parecia perdida,
olhando para todos os lados, meus dedos por instinto alcançaram maçaneta
da porta do carro para descer, mas antes que eu fizesse isso, outro homem a
abordou, falou com ela e fez o que eu não imaginava, a guiou até o meu
carro, colocando-a em meu porta-malas.
 
— Alteza... — meu segurança falou enquanto eu via os seguranças do
carro de trás descerem.
 
— Peça para todos voltarem para seus lugares, eu conheço a moça,
deixem-na — ordenei.
 
— Sim, senhor — concordou o segurança e já se comunicou com os
demais.
 
Não demorou muito até que conseguíssemos avançar, o que me dizia
que o tumulto em frente ao meu carro havia sido organizado. Eu ri com a
situação.
 
O que a maluca estava planejando?
 
Quando meus carros estacionaram na garagem do hotel, pedi em um
gesto silencioso para que meus seguranças me deixassem ali sozinho, não
que eles fossem realmente fazer isso, mas se afastaram o suficiente para me
deixar confortável para a situação que se seguiria. Encostei-me no carro ao
lado e aguardei com toda a paciência que eu tinha.
 
Tudo estava em absoluto silêncio, por isso não demorou muito para
que a fujona tentasse sair do meu carro. Sorri ao perceber que ela não tinha
a mínima ideia de como sair dali e se debatia lá dentro. Com a chave na
mão, apertei o botão que destravava o porta-malas e ele se abriu.
 
A garota não se mexeu por um instante, mas como não percebeu
nenhum outro movimento ali fora, provavelmente pensou que estava
sozinha. Suas unhas  pintadas foram a primeira coisa que vi, em seguida
seus cabelos loiros surgiram, balançando de um lado para o outro, então ela
saiu com as sandálias nas mãos, pigarreei, enfim atraindo a sua atenção.
 
Seus olhos azuis límpidos e arregalados me encararam surpresa e eu
arqueava as sobrancelhas para ela.
 
— Ah, é você! — disse confusa. — Você não é o primo da Paulina!
 
— Eu acho que não. Pretende me explicar o que está acontecendo?
 
— Não é óbvio? Eu fugi.
 
— Entendo que esteja com medo desse casamento, isso é muito
comum no meu país...
 
— Pode ser comum até na puta que pariu, não vou deixar fazerem
isso comigo — interrompeu-me.
 
— Não conheço a puta que pariu, nem sei onde fica, mas esse tipo de
acordo é bem mais comum do que você imagina — falei e ela gargalhou. —
Não que você tenha que se submeter a isso, é claro.
 
Ela não parava de rir, então a encarei até que ela conseguisse parar.
 
— E então?
 
— Desculpe, não foi minha intenção deixá-lo constrangido, é que...
ah, deixa pra lá.
 
— O que vai fazer agora?
 
— Isso é da sua conta?
 
Impertinente!
 
— Não, realmente não — falei e ela suspirou.
 
— Onde estamos?
 
— No Riviera Diamante.
 
— O hotel, certo! — Ela olhou para os lados como se procurasse uma
solução para algo.
 
— Não é um dos do seu pai.
 
— Graças a Deus que não.
 
Eu a observei por um momento, ela estava desesperada.
 
— Não é perigoso andar por aí sozinha? Sei que não é da minha
conta, mas você não parece saber se virar muito bem.
 
Quando seus olhos encontraram os meus, ela parecia ofendida, mas
não foi rude comigo.
 
— Acho que vou ter que aprender. Não deve ser pior do que me casar
com aquele homem. Bem, eu vou indo, obrigada por não me entregar para o
meu pai — disse e eu assenti.
 
Ela virou de costas e começou a caminhar para longe, suas sandálias
em uma das mãos, enquanto a outra segurou a barra do vestido e uma
mochila estava pendurada em um dos ombros. Uma agitação estranha
atingiu meu peito e agi por impulso.
 
— Guadalupe? — chamei.
 
— Sim — respondeu parecendo cansada, se virando em minha
direção outra vez.
 
Respirei fundo e pisquei rápido.
 
— Venha comigo — convidei.
 
Guadalupe franziu a testa, confusa e estreitou os olhos.
 
— Seria bom ter um lugar para passar essa noite, ao menos eu poderia
colocar minha cabeça no lugar e pensar em um jeito de encontrar minha
carona — disse ela, mas seus olhos se arregalaram por um momento quando
outro pensamento pareceu invadir sua mente. — Você não acha que eu...
 
— Não! De forma alguma! — Sabia o que ela estava pensando e
minha intenção não era aquela. — Só quero ajudá-la. Não precisa se
registrar se estiver comigo, ninguém fará perguntas, assim seu pai não vai
conseguir localizá-la por esta noite. Minha suíte tem diversos quartos, terá a
sua privacidade.
 
O que estava dando em mim? Eu podia entrar em uma confusão dos
diabos fazendo aquilo. Ela ter saído no meu carro poderia ser justificado,
mas levá-la para a minha suíte não teria desculpas, ainda assim sentia que
precisava ajudar a moça.
 
Guadalupe ponderou por um momento, dando-se por vencida.
 
— Acho que é a minha melhor opção para esta noite.
 
— Então venha e descanse.
 
Ela era linda, mas era visível seu cansaço, frustração e decepção por
ser entregue a um homem que não amava. Em meu país era comum esse
tipo de acordo, onde os pais vendiam suas filhas para quem pagasse mais,
ser Emir não era o meu sonho, tampouco ansiava por isso, mas já que não
teria escapatória, ao menos eu poderia mudar essa condição absurda quando
chegasse o momento. E como ainda não tinha chegado a hora, ao menos eu
ajudaria aquela pobre moça.
 
Estendi a mão na direção dos elevadores, indicando o caminho para
Guadalupe que caminhou em minha direção outra vez.
 
— Obrigada — disse antes de passar por mim.
Capítulo 9
 
 
A suíte do sheik Faruk Faza era impressionante, mesmo os hotéis
mais luxuosos do meu pai não chegavam aos pés daquela suíte. Meu celular
começou a tocar de forma incessante, era a minha mãe.
 
— Desligue — disse Faruk. — Vão te localizar.
 
— Tem razão — respondi, desligando o aparelho em seguida.
 
— Fique à vontade, tome um banho e descanse...  — disse, então meu
estômago roncou e ele sorriu. — Jante comigo.
 
— Tudo bem — respondi sorrindo também.
 
— Alteza, devo pedir o jantar para dois? — Uma mulher vestindo
uma abaya[14] e hijab[15] se aproximou de nós.
 
Senti um choque ao ouvir como ela o havia chamado. Eu sabia que
ele era sheik e que era importante, mas minha cabeça estava tão confusa
com tudo que não havia me dado conta da enormidade de quem ele era de
verdade.
 
Faruk era um príncipe!
 
— Peça, Samira — Faruk respondeu a mulher que saiu da saleta onde
estávamos em sua suíte. — Sei que é falta de educação falar em outro
idioma na sua frente, mas só meus seguranças falam inglês e espanhol...
 
— Não se preocupe, eu falo árabe — admiti e vi as sobrancelhas do
sheik se erguerem em surpresa. — O que foi?
 
— Nada, só não imaginei que...
 
— Que eu fosse fútil e vazia só porque sou influencer.
 
— Não...
 
— Tudo bem. Todo mundo ao meu redor pensa isso de mim.
 
— Não foi a minha intenção ofendê-la — pediu ele e senti que era
sincero, por isso assenti.
 
— Vou tomar um banho — falei.
 
— É claro — consentiu. — Pode ficar com o quarto número dois, os
demais estão ocupados com os alguns funcionários.
 
— Hospeda seus funcionários na mesma suíte que você? — perguntei
surpresa.
 
— Não deveria? Os que estão sempre comigo precisam estar por
perto e... — Faruk parou de falar por um momento, como se ponderasse o
que dizer a seguir. — Acho que temos muito a descobrir um sobre o outro
— finalizou me oferecendo uma piscadela sexy e seguindo para o seu
espaço pessoal dentro da suíte gigantesca.
 

 
Embora a preocupação do que eu faria da minha vida no dia seguinte
tivesse me atormentado durante o banho, sabia que independentemente do
que acontecesse, ainda seria melhor do que me casar com Hernández, então
podia dizer que o banho que tomei foi revigorante. Peguei o vestido que
usei durante a festa, teria que vesti-lo outra vez, então voltei para o quarto e
me surpreendi ao ver Samira ali. Ela sorriu, educada.
 
— Vossa alteza informou que a senhora fala nosso idioma, também
pediu que eu lhe trouxesse roupas — disse ela, me estendendo um vestido
que observei com cuidado. — Sei que não é grande coisa, senhora, mas não
há como conseguir nada a essa hora.
 
Samira parecia nervosa.
 
— Está tudo bem — falei.
 
— Por Allah que eu nunca o usei. O sheik me presenteou com esse
vestido, mas eu estava guardando para uma ocasião especial.
 
— É lindo, Samira — falei passando as mãos pelo tecido bordado. —
Mas não posso aceitar.
 
— Sei que não está à sua altura, senhora, mas realmente é o melhor
que conseguimos. Haurau saiu em busca de lojas abertas, mas tudo está
fechado a essa hora.
 
— Samira, seu vestido é perfeito. Não posso aceitar porque é um
presente que você ganhou e ainda nem usou.
 
— Walla![16] Deixe disso, senhora! Vê-la usando-o só o tornará ainda
mais especial para mim — disse ela e tirou o celular do bolso de seu
vestido, exibindo o aplicativo do Instagram, em meu perfil.
 
— Você me segue? — perguntei.
 
— Claro que sim, senhora — disse, levando uma das mãos aos lábios.
— A senhora é uma grande inspiração para mim e para muitas mulheres do
meu país, embora não consigamos entender o que diz nos vídeos, as
legendas em árabe ajudam muito.
 
— Até parece, Samira!
 
— A senhora não faz ideia — disse ela, pegando o vestido nas mãos e
estendendo-o para mim. — Use-o, por favor. E me deixe tirar uma foto da
senhora vestindo-o — pediu levando as mãos à boca. — Não vou postar, o
príncipe disse que estamos proibidos de dar qualquer informação a qualquer
pessoa sobre sua presença conosco.
 
— Ele pediu?
 
— Sim, senhora — respondeu e sorri, feliz e grata por ele me ajudar.
 
— Então usarei seu vestido — falei.
 
— Vou ajudá-la — disse ela, puxando a toalha e me deixando nua.
 
— Ah, acho que posso me vestir sozinha!
 
— Oh, mas estou aqui para ajudá-la.
 
— Eu consigo — falei e peguei o vestido, passando-o pela minha
cabeça. — O que foi? Coloquei errado? — perguntei quando a vi me
encarar com os olhos arregalados.
 
— Não, senhora. Mas...
 
— O quê?
 
— Deixe-me ajudá-la, por favor!
 
— Tudo bem — concordei.
 
— Yallah[17] — disse ela batendo as mãos.
 
Samira tirou o vestido do meu corpo e alcançou um vidro âmbar que
estava sobre a cama e eu nem tinha percebido. Despejou na palma de sua
mão um líquido e esfregou uma palma na outra, começando a espalhar pela
minha pele.
 
— Que cheiro delicioso! O que é? — perguntei e ela sorriu.
 
— É óleo de lavanda francesa. Ele ajuda a acalmar, traz paz e
equilíbrio. Não sei o que houve, mas vejo que precisa de muita calma nesse
momento — disse ela, despejando mais óleo em suas palmas, me
entregando o frasco em seguida. — Tome, cheire um pouco, lhe fará bem.
 
Inalei o doce aroma e fechei os olhos, apreciando o perfume suave.
 
— Isso é realmente muito bom — falei e ela sorriu.
 
Samira terminou de me perfumar, me ajudou com o vestido, depois
penteou meus cabelos e em seguida maquiou meu rosto. Quando me olhei
no espelho estava linda.
 
— Não é nossa tradição deixar os cabelos à mostra, mas como não vai
sair daqui essa noite, não teremos problemas — disse ela sorrindo. — Veja
como ficou, Mashallah!
 
— Obrigada, Samira. Ficou perfeito!
 
— Por nada, senhora. Fico feliz em ajudar e ainda um dia poderei
dizer que ajudei Lupe Madero a se preparar para um jantar com o habibi. —
O sorriso que ela me ofereceu pelo espelho aqueceu meu coração.
 
— Demoramos tanto que o Faruk deve estar desmaiando de fome.
 
— O príncipe é muito paciente, senhora. Porém, me permite lhe
oferecer um conselho? — perguntou retorcendo as mãos.
 
— É claro, Samira — falou me levantando e virando de frente para
ela.
 
— Não o chame pelo primeiro nome, não é respeitoso. O habibi é o
príncipe herdeiro de nosso país, o futuro Emir, o correto é tratá-lo por alteza
ou sheik se preferir.
 
— Obrigada pelo conselho, Samira. É que aconteceram tantas coisas
hoje, inclusive situações bem peculiares com o sheik, que está até mesmo
sendo difícil ter noção da dimensão de quem ele é. Seu príncipe foi muito
gentil comigo e está me ajudando de uma forma que jamais poderei
agradecer.
 
— O habibi tem um bom coração.
 
— Acredito em você — falei, pegando a sua mão. — Agora, é melhor
não o fazer esperar mais.
 
— Sim, vou levá-la até ele. Yallah, yallah!
 
Então saí do quarto, seguindo-a.
Capítulo 10
 
 
Pela sacada da suíte do hotel eu observava o mar. A brisa fresca da
noite já avançada açoitava meu rosto, mas não fazia exatamente frio e
minha mente girava em torno da confusão em que eu estava me metendo.
Sabia que ficaria ainda pior, por mais que eu dissesse a mim que não era
uma boa ideia o que eu planejava fazer, sabia que faria.
 
Eu não era de agir por impulso, mas de alguma forma sabia que agiria
naquela situação, o porquê disso eu não tinha ideia.
 
— Alteza! — a voz de Samira me tirou dos meus devaneios.
 
— Sim — respondi, me virando para ela.
 
Fui tomado por uma surpresa que agitou meu peito. Guadalupe estava
incrível em um vestido que eu me lembrava ter comprado pessoalmente
para Samira. Ela não usava hijab, o que dava uma visão totalmente
diferente, não deixando-a parecer uma mulher árabe, especialmente com
seus traços mexicanos fortes. Os vestidos do meu país costumavam oferecer
a personalidade que as mulheres precisavam, mas com Guadalupe era
diferente, ela dava a personalidade ao vestido.
 
Balancei a cabeça para dispersar o torpor que havia me atingido e
sorri, oferecendo um lugar à mesa para Guadalupe. Quando ela se
aproximou mais e tomou seu lugar e ajeitei sua cadeira no lugar correto,
seus cabelos roçaram de leve a minha barba, quase não senti o contato,
porém o perfume inebriante dos fios me invadiu e foi inevitável não inspirar
seu cheiro por um momento.
 
Dei a volta na mesa e tomei meu lugar.
 
— Você está muito bonita, Guadalupe!
 
— Shukran[18] — agradeceu e não consegui evitar sorrir ao vê-la
falando uma palavra em meu idioma.
 
Um dos meus funcionários se aproximou com a garrafa que eu havia
solicitado e a abriu.
 
— Pode deixar, Haurau. Eu mesmo vou servir — falei e ele me olhou
em dúvida. — Pode ir.
 
Haurau fez uma saudação e nos deixou. Levantei-me outra vez e dei a
volta na mesa, peguei nossos copos, enchi com gelo e algumas folhas de
hortelã, então servi a bebida. Guadalupe observava tudo com atenção e
sorriu encantada ao ver o líquido transparente se transformar em um branco
leitoso como se fosse mágica.
 
— Como? — perguntou.
 
— Quando o Arak toca o gelo, simplesmente se transforma.
 
— Isso é muito legal — disse ela e eu ri.
 
Ela era tão jovem e encantadora. Entreguei um copo a ela e fiquei
com o outro, sentando-me de novo.
 
— Beba, vai te ajudar a relaxar — ofereci e ela riu. — O que foi?
 
— Você acabou de me servir — apontou.
 
— Acho que você está acostumada com pessoas te servindo.
 
— Sim, mas você... você é um sheik.
 
Foi a minha vez de rir.
 
— De fato! Mas não é a primeira vez que te sirvo, fiz isso mais cedo
na sua casa.
 
— É verdade, mas eu não tinha ideia de quem você era e isso deixa
tudo ainda mais bizarro.
 
— Bizarro? Eu não sei o que isso significa — falei franzindo as
sobrancelhas.
 
— Deixa pra lá — respondeu com um riso fraco. — É uma bebida
típica do seu país?
 
— Não! Em meu país não bebemos bebidas alcoólicas.
 
— Jura? — perguntou parecendo perplexa.
 
— É proibido.
 
— Mas você bebe — acusou e eu ri.
 
— Não quando estou lá.
 
— Nossa, que chato!
 
— Há outras formas de se divertir, não é necessário festas regadas a
álcool.
 
— Eu sei, alteza — disse parecendo chateada.
 
— Não se chateie, foi só...
 
— Vou provar a sua bebida — me interrompeu.
 
Algo realmente havia chateado, mas ela bebeu.
 
— Como disse que se chama? — perguntou.
 
— Arak.
 
— E de onde é?
 
Ela era curiosa.
 
— É árabe sim, mas não do meu país, é bem popular na região do
Líbano, Síria e outros países do Oriente Médio.
 
— Ah, sim, mas não no seu país.
 
— Não.
 
— Vai me desculpar, alteza, mas acho que o senhor é uma fraude —
acusou e eu ri, mas não respondi. — O que é exatamente Arak?
 
— Bem, leite de camelo...
 
Não consegui terminar a frase, pois ela cuspiu todo o líquido em cima
de mim. Seus olhos assustados me encararam, uma das mãos na boca,
tentando se conter.
 
— Me desculpe! Dios mio, isso foi rude demais, me desculpe.
 
— Tudo bem — falei rindo e me secando com um pano. — Wallah!
 
— Não acredito que cuspi em um sheik! — lamentou, levando as
mãos ao rosto e eu ri mais por seu desconserto.
 
Guadalupe tomou uma respiração e me encarou, querendo dizer algo,
mas algo pareceu lhe ocorrer e ela encarou o copo com Arak sobre a mesa.
 
— Me deu leite de camelo para beber? Como pode fazer isso? — Ela
parecia irritada naquele momento, pegando o pano sobre a mesa e
esfregando-o em sua língua.
 
Não consegui evitar uma gargalhada.
 
— Não é realmente leite de camelo, saberia disso se tivesse me
deixado explicar — isso chamou a sua atenção, fazendo-a parar de limpar a
boca.
 
— Você disse que era leite de camelo.
 
— Não, eu dizia que leite de camelo é como a bebida é conhecida,
mas que na verdade é um destilado de uvas com infusão de anis. Alguns até
a chamam de néctar dos deuses.
 
— Ah... — o resmungo foi a resposta dela. — Já estava imaginando
como conseguiram diluir tanto álcool em leite de camelo.
 
Uma gargalhada soou ao nosso lado, era Samira, eu sabia.
 
— Afwan[19], alteza! — pediu ela quando a encarei.
 
— Wallah wallah, Samira. Guadalupe pensou que houvesse mesmo
leite de camelo no Arak — expliquei.
 
— Sim, alteza, eu percebi.
 
— Não zombem de mim — pediu a moça.
 
— De forma alguma — falei, mas não conseguia parar de sorrir.
 
— Posso servir o jantar, alteza? — perguntou Samira.
 
— Sim — respondi e com uma reverência, Samira saiu.
 
— Onde você encontra comida árabe tão bonita assim por aqui? Eu
nunca havia visto, precisa me dizer qual é o restaurante — perguntou
Guadalupe assim que a comida foi servida.
 
— Não compro comida pronta, minhas cozinheiras preparam todas as
refeições em qualquer lugar que eu vá. A menos que seja um jantar de
negócios ou algo assim em um restaurante.
 
— E eu achava que meu pai que era egocêntrico — murmurou ela.
 
— Como é? — perguntei sorrindo, eu havia ouvido exatamente o que
ela havia dito.
 
— Eu disse que você deve apreciar muito esse momento... esse, o
momento de comer a sua comida preparada como sempre quer.
 
— É claro.
 
O restante do jantar foi tranquilo, Guadalupe tentava ser educada e
gentil, mas percebia que sua mente ficou um pouco distante desde que ela
mencionou o pai no comentário que ela achava que eu não havia ouvido.
Estava com pena da garota, ela era meio maluca, mas também era doce e
tinha um certo tipo de inocência que era encantadora, mas não tirava a
sensualidade dela. E eu estava me segurando para não fazer o que minha
mente gritava para que eu fizesse.
Capítulo 11
 
 
Mal consegui dormir naquela noite. Por mais que eu tentasse, meu
corpo estava bem desperto e minha mente rondava sobre Guadalupe que
estava no quarto ao lado. Quando o dia amanheceu eu já estava de pé.
 
Os poucos funcionários que eu levava comigo para onde quer que
fosse se agitaram ao me ver acordado mais cedo que de costume e se
apressaram a arrumar tudo já que estaríamos partindo em poucas horas. Os
olhos de Haurau correram para uma das sacadas e avistei Guadalupe lá.
 
— Marhaba[20] — cumprimentei.
 
— Marhaba — respondeu ela se virando para mim.
 
— Descansou? — perguntei.
 
— Sim — disse, embora as olheiras sob seus olhos me dessem uma
resposta diferente. — Mas acho que preciso de um café.
 
— É claro — sorri.
 
— Eles já estão preparando tudo.
 
— Sim.
 
Batidas soaram na porta e os olhos de todos se voltaram para a porta e
em seguida o olhar de todos os funcionários se voltaram para mim.
 
— Abra a porta, Faruk. Sei que está com a minha cerdita — disse a
voz irritada do outro lado da porta.
 
Os olhos aflitos de Guadalupe encontraram os meus.
 
— É ele — disse ela com a voz embargada.
 
— Eu sei, mas não vou deixar que ele te leve — garanti e mais
batidas soaram na porta, assim como gritos sem paciência de Hernández. —
Samira, esconda a Guadalupe.
 
— Sim, alteza — respondeu. — Venha, senhora!
 
— Ele vai me achar — disse Guadalupe com lágrimas já escorrendo
pelo rosto.
 
— Eu te garanto que não importa o que aconteça, não vou deixar que
ele te leve — garanti outra vez, segurando sua mão, querendo que ela
realmente acreditasse em mim, porque era verdade.
 
Guadalupe assentiu e fiz um gesto de comando para Samira que a
levou, então me sentei à mesa.
 
— Abra — ordenei ao Haurau, que fez o que pedi imediatamente. —
Hernández!
 
— Onde ela está? — perguntou ele.
 
— Quem? — me fiz de desentendido e aceitei o café que o mordomo
me ofereceu.
 
— A minha cerdita.
 
— Por que eu pegaria algo seu? Ainda mais sendo uma... por...
quinha? Foi isso o que você disse mesmo?
 
— Sim, minha cerdita. Não se faça de besta, Faruk. Pode ser
poderoso no seu país, mas aqui no México sequestro ainda é crime.
 
— Não estou entendo, Hernández. Me acusa de sequestrar uma
porca?
 
— Estou falando da minha noivinha, Guadalupe. Sei que está com ela
e terá que me devolvê-la. — O homem estava bufando de tão nervoso e eu
mantinha a calma.
 
— Não estou com a sua noiva. Agora pare de me importunar e vá
embora, não me envolva na sua sujeira.
 
— Colocarei essa suíte abaixo se não me entregá-la, não sairei daqui
sem a minha noivinha. Meus seguranças a viram entrar em seu carro.
 
— Acha mesmo que meus seguranças deixariam a garota se
aproximar assim?
 
— Eu vou encontrá-la, não vou perder a oportunidade de ter uma
credita apetitosa como ela — disse ele e começou a procurar por todos os
quartos da suíte.
 
Me levantei e esperei, se ele a encontrasse e provavelmente a
encontraria, eu manteria a minha promessa, ele não a levaria. Posicionei-me
perto da porta da suíte, que também era perto de onde Samira havia entrado
com Guadalupe, o corredor que dava acesso à cozinha privativa.
 
O homem baixinho e rechonchudo procurava freneticamente pela
garota, as pernas curtas se movimentando rápido por todos os lados.
Quando ele seguiu pelo corredor leste, direto para a porta da cozinha,
respirei fundo e enrijeci o corpo. Assim que a porta foi aberta, uma
choradeira feminina estranha invadiu meus ouvidos.
 
— O que estava acontecendo? — perguntei indo para lá.
 
Assim que entrei na cozinha, as oito mulheres que viajavam comigo
estavam chorando abraçadas e ainda mais uma, Guadalupe, totalizando
nove mulheres berrando feito loucas e falando todas ao mesmo tempo,
todas usando hijab e véu.
 
— Mas o que é isso? — perguntou Hernández, alto o suficiente para
ser ouvido por elas.
 
— O marido de uma delas faleceu — eu disse por impulso.
 
— E todas choram?
 
— Não tente entender as mulheres, Hernández, vai enlouquecer.
 
Ele observou o lugar por um momento.
 
— Você tem razão, mas como vou saber se não é um truque? Aposto
que a minha cerdita está debaixo de um desses véus horrorosos.
 
— Não ofenda a minha cultura, Hernández!
 
— Vou verificar...
 
— Não pode levantar suas burcas, é falta de respeito, não vou
permitir que desrespeite minhas funcionárias — falei em um tom duro.
 
O homem me encarou por um momento, então alisou o bigode
espesso e então sorriu.
 
— Não preciso levantar o véu para conhecer a minha cerdita, só
preciso olhar nos olhos.
 
Os olhos azuis tão inconfundíveis e tentadores!
 
— Não coloque seus dedos sujos em nenhuma delas — eu estava
perdendo a paciência.
 
Enquanto ele se aproximava delas, fiquei diante da porta, ele a
reconheceria, os olhos eram incomuns, não tinham como passar
despercebidos, mas eu estaria pronto para enfrentar sua fúria.
 
— Peça para que elas olhem para mim e não as tocarei.
 
Em árabe pedi para que olhassem para ele, mas minha voz vacilou por
um milésimo de segundo. Uma a uma foi olhando para ele, e ele foi
dispensando-as como se tivesse nojo. Só faltava uma e meu coração
retumbou forte, então ele se virou para mim.
 
— Ela não está aqui! — disse ele.
 
— Foi o que eu te disse — respondi sem entender o que havia
acontecido também.
 
Quem era a outra mulher que estava ali?
 
Hernandez passou por mim, retornando à sala de café, esfregando o
rosto e em seguida alisando o bigode.
 
— Desculpe, Faruk. Minha noiva desapareceu...
 
— Não me envolva nas suas merdas, Hernández. Aliás, estou
desfazendo o contrato com sua empresa e a de Madero, não vou tolerar
tamanho desrespeito...
 
— Não faça drama, Faruk — disse, se aproximando da mesa que
agora já estava posta.
 
— Tenha mais respeito, Hernández! Você sabe muito bem quem eu
sou e qual posição ocupo, basta uma palavra minha para te transformar em
pó no mundo dos negócios — ameacei, não gostava de usar minha posição
com arrogância como naquele momento, mas naquela situação era
necessária.
 
— Não cancele, foi só um mal-entendido.
 
— Por Allah, saia.
 
— Faruk...
 
— Saia agora ou... Wallah wallah, eu mesmo te colocarei para fora. E
pare de encher os bolsos com os meus bolinhos.
 
— Vai negar comida, Faruk?
 
— Saia!
 
Com o último berro ele saiu apressado com os bolsos cheios de
comida. Além de tudo, o homem ainda era muquirana.
 
Assim que a porta se fechou e Haurau a trancou por dentro, segui para
a cozinha.
 
— Onde ela está? — perguntei e as mulheres riram.
 
A mão de Guadalupe com as unhas pintadas de pink se levantou em
meio a elas. Ela realmente era uma das nove. Guadalupe caminhou até mim
de cabeça baixa.
 
— Shukran, alteza! — agradeceu, tirando o véu que cobria o rosto.
 
— Como ele... — eu perguntava, mas seus olhos encontraram os
meus e me surpreendi. — Como fez isso? — mudei minha pergunta ao
mirar as írises castanhas, quase cor de mel.
 
Guadalupe enfiou a mão dentro do bolso do vestido e tirou de lá duas
lentes de contato.
 
— Eu uso lentes de contato desde criança. Meu pai dizia que eu tinha
que ser perfeita e que olhos azuis combinavam mais comigo e chamariam
mais atenção.
 
— Seu pai fazia uma criança usar lentes de contato para ser perfeita?
Não sei como você não fugiu antes — falei por impulso e ela riu fraco. —
Tenho que dizer que é ainda mais perfeita assim, natural.
 
— Alteza? — Samira se aproximou.
 
— Sim.
 
— Lamento interrompê-lo, mas precisa tomar seu café, logo teremos
que partir.
 
— É claro — respondi e vi Guadalupe se agitar.
 
Fiz um gesto, indicando o caminho da sala de café e Guadalupe
seguiu na frente.
 
— Você está partindo, vou pegar minha mochila e ir embora também,
preciso dar um jeito de encontrar o primo da Paulina.
 
— Ele vai te ajudar?
 
— Era para ter ajudado ontem, mas por algum motivo me guiaram até
o carro errado...
 
— Você o conhece?
 
— Não.
 
— E como vai encontrá-lo?
 
— Não faço ideia — disse ela, com um suspiro cansado.
 
Tamborilei os dedos na mesa, me segurando para não fazer o que
tencionava desde a noite anterior e relutava em fazer, mas não consegui me
segurar.
 
— Venha comigo!
 
Seus olhos ainda mais bonitos que os da lente me encararam surpresa
e confusa.
 
— Venha, lhe darei abrigo e proteção.
 
Ela engoliu em seco.
 
— Não me leve a mal, não estou desconfiando de você e sou muito
grata por estar me ajudando, mas o que espera em troca disso?
 
— Eu te disse que pouco tenho disso, e seria muito bom ter alguém
que não diz só o que quero ouvir.
 
— Quer alguém impertinente? — perguntou rindo e a acompanhei.
 
— Não! Quero uma amiga de verdade.
 
— É só isso?
 
— Sim, só isso — respondi e ela ponderou por um momento.
 
— Acho que estou cometendo a maior loucura da minha vida, mas eu
aceito.
 
— Ótimo! Vou ajeitar tudo para a nossa partida então. Tome o seu
café — falei e me levantei, seguindo em direção ao escritório da suíte.
 
— Alteza? — ela me chamou.
 
— Sim?
 
— Muito obrigada — agradeceu e eu assenti, sentindo aquela
agitação estranha no peito outra vez.
Capítulo 12
 
 
Era loucura, eu sabia, mas a outra opção era ficar no México e correr
o risco de ser pega pelo meu pai ou pelo Hernández.
 
Eu vestia uma burca exatamente como todas as funcionárias de Faruk,
como ele havia conseguido que eu embarcasse, eu não tinha ideia, mas tudo
estava liberado. Respirei fundo quando cheguei à escada do avião
particular.
 
— Venha! — chamou Faruk, estendendo-me a sua mão.
 
Meus dedos tocaram a palma da mão dele e ele segurou com
gentileza, puxando-me para as escadas.
 
— Yallah! Venha cerdita — disse ele e parei de andar no mesmo
momento.
 
O sheik me encarou por um momento e gargalhou.
 
— Estou só mexendo com você. Yallah, yallah!
 

 
O palácio em que Faruk morava era algo surreal. Eu estava me
sentindo a própria Sherazade e nem havia entrado ainda, mas só a vista do
exterior do lugar era de deixar qualquer um deslumbrado.
 
— Essa é a sua casa? — perguntei, encantada.
 
— É sim, seja bem-vinda ao meu lar!
 
— Obrigada! E nossa!
 
— O quê?
 
— E meu pai se acha rico — respondi rindo.
 
— Venha, vamos entrar!
 
Assim que meus pés tocaram o piso de mármore branco do interior da
mansão tive que parar por um segundo para admirar o lugar, mas um
movimento me chamou a atenção. Um bicho grande e branco correu em
nossa direção, derrubando o sheik em seguida.
 
— Madre de Dios! Socorro! — gritei, caindo no chão também. —
Socorro! Socorro!
 
— Acalme-se, senhora — pediu Samira assim que entrou e nós
observou.
 
— Me acalmar? Pelo amor de Deus, o Sheik está sendo atacado por
essa besta, alguém precisa ajudá-lo.
 
Samira riu e só então percebi que o sheik também ria.
 
— Ele não está sendo atacado, o gato só está com saudades, toda vez
que o Sheik chega de uma viagem, é recebido dessa forma.
 
— Gato? — perguntei perplexa. — Tá de brincadeira, mulher? Bebeu
tequila demais? Aquilo não é um gato.
 
Samira observou o animal gigantesco que estava deitado sobre Faruk
e lambia seu rosto, fazendo-o rir.
 
— É sim — disse ela e sorriu, voltando-se para mim. — Venha, vou
te levar a um dos quartos de hóspedes.
 
— Calma, Samira. Quero apresentar o Saramago a Guadalupe —
disse Faruk, beijando a cabeça do bicho e se levantando em seguida.
 
O animal caminhou ao lado dele até chegar em nós, não consegui
evitar dar alguns passos para trás, engolindo em seco.
 
— Alteza, não acho prudente...
 
— Guadalupe, este é o Saramago — disse Faruk, interrompendo
Samira.
 
— O seu... gato — falei com receio e ele riu.
 
— É assim que gosto de pensar — disse ele.
 
— Mas você sabe que ele é um tigre branco, né? — sussurrei e fiquei
imóvel quando a fera se aproximou mais de mim, cheirando meus pés.
 
— É claro que sei — disse quando apertei forte os olhos ao sentir o
focinho quente do animal no meu pé. — Ei, não precisa ter medo dele, ele
não irá atacá-la a menos que eu ordene ou que você toque nele.
 
— O gato não gosta do carinho de ninguém que não seja o Sheik —
disse Samira.
 
— Ele sabe quem gosta dele, Samira — brincou Faruk.
 
— Eu já posso abrir os olhos? — perguntei e Faruk riu outra vez.
 
— Pode.
 
Abri os olhos, mas o animal ainda estava ali, porém havia deitado e
apoiado a grande cabeça em meus pés.
 
— Veja se não está me trocando, filho? — disse Faruk e se abaixou.
O tigre se virou na direção dele quando ouviu ser chamado de filho. — Vá
para a sua cama agora.
 
O tigre se levantou e caminhou com toda mansidão para fora do
cômodo, provavelmente indo para onde quer que fosse a sua cama. Faruk
mantinha as sobrancelhas franzidas.
 
— Acho que ele gostou de você — disse ele.
 
— O bichano nunca gosta de ninguém além do senhor — observou
Samira.
 
— Bem, ele entende mais de pessoas do que nós, algo na Guadalupe
deve ter despertado simpatia nele, talvez seja a sua beleza — disse Faruk,
olhando para mim.
 
Um pigarrear soou atrás de nós.
 
Uma mulher já de idade avançada, mas com uma beleza requintada e
roupas lindas e visivelmente caras, estava parada ali nos observando.
 
— Mãe!
 
Faruk caminhou até a mulher que sorriu para ele e lhe tocou a cabeça,
o que imaginei que fosse uma benção e lhe beijou as bochechas.
 
— Como foi a sua viagem? — perguntou a mulher.
 
— Foi ótima, mãe!
 
— É tão bom tê-lo em casa de novo.
 
— Eu também estava com saudades. Agora quero te apresentar
alguém — disse Faruk se virando para mim.
 
A mulher me olhou de cima a baixo e pareceu apreciar o que via.
 
— Está é Guadalupe.
 
— Prazer, senhora — falei.
 
— Guadalupe? Um nome um tanto diferente para uma moça árabe —
disse ela curiosa e sorrindo simpática para mim, me abraçando em seguida.
— Muito bonita e perfumada.
 
— Não sou árabe, majestade. Sou mexicana, por isso meu nome
parece diferente.
 
— Mexicana? — perguntou cerrando os dentes, exibindo um sorriso
amarelo. Então encarou o filho, como se pedisse uma explicação.
 
— Guadalupe é minha... amiga. Ficará conosco.
 
— É claro, filho. Vamos cuidar bem dela.
 
— Deve estar cansada da viagem. Samira a levará...
 
— Dê um descanso à Samira, Wallah.
 
— Não é necessário, majestade — disse Samira.
 
— Vá descansar, mulher. Maya vai cuidar da amiga de Faruk. —
Faruk fez um sinal para Samira que se retirou. — Maya! — chamou a mãe
dele. — Vá você também descansar, querido.
 
— Eu vou. Descanse, Guadalupe, mais tarde conversamos — disse
ele e eu assenti, então ele saiu.
 
Uma jovem apareceu muito rápido no salão em que estávamos.
 
— Maya, esta é Guadalupe, é uma amiga de Faruk. A instale
devidamente — ordenou a mãe de Faruk.
 
A moça pareceu confusa por um momento.
 
— Amiga?
 
— Sim — disse a senhora e fez um gesto com a mão, o qual eu não
entendi.
 
— Certo — disse a moça e me olhou de cima a baixo por um
momento. — Vamos!
 
Então eu a segui.
Capítulo 13
 
 
A moça não me dirigiu mais nenhuma palavra durante o trajeto.
Passamos por diversos corredores, a propriedade era imensa, então
chegamos a um cômodo de portas duplas. Havia várias mulheres ali de
diversas idades. Elas conversavam entre si, mas quando perceberam nossa
presença, ficaram em silêncio.
 
Maya caminhou à minha frente até uma das diversas repartições que
havia ali. Observei com cuidado, havia um colchão no chão, mantas e
lenços e um travesseiro, também uma pequena prateleira.
 
— É aqui que vai ficar — disse Maya.
 
— Aqui? — perguntei um pouco sem graça.
 
— Tem algum problema?
 
— Não, só pensei que o quarto teria ao menos uma porta — deixei
escapar.
 
— Quarto? — perguntou e riu um pouco. — Ai, ai.
 
Ela se afastou, me deixando confusa com sua resposta. Quando
chegou à porta outra vez, ela cochichou algo com uma das garotas que me
olhou de imediato.
 
Soltei a mochila sobre o colchão e olhei em volta. Todas as mulheres
ali me encaravam com curiosidade e eram tantas que eu não conseguia
contar. A moça com a qual Maya havia cochichado se aproximou de mim.
 
— Marhaba — disse ela.
 
— Marhaba — respondi.
 
— O que você fez? — perguntou.
 
— Como assim?
 
— O que fez para conseguir a atenção da Fera? Ninguém aqui
conseguiu.
 
— Fera? — perguntei confusa.
 
— A Fera do deserto, o sheik Faruk Faza, não foi ele que te trouxe
para cá?
 
Fera do deserto? Era esse o apelido dele?
 
— A atenção dele? Ah, foi uma história engraçada...
 
— Engraçada? — outra mulher perguntou se aproximando também.
 
— Duvido que ela seja da Fera. Ele não tem nenhuma — disse outra.
 
— Duvida que eu seja da Fera? Desculpe, eu não entendi. Sou amiga
do Faruk.
 
— Faruk? — perguntou outra e gargalhou. — Ela é audaciosa, chama
o Sheik pelo nome. Deve estar se sentindo muito especial mesmo —
zombou.
 
— Não me sinto especial, como eu disse, sou amiga dele.
 
— Amiga, esse é o nome que dão pra boceta de onde quer que você
tenha vindo? — perguntou a primeira.
 
— O quê? — perguntei chocada.
 
— Não precisa se fazer de santa, todas aqui somos concubinas
também, mas estamos aqui para servir o pai e não o filho como você.
 
— Não! Vocês estão entendendo tudo errado. Não sou concubina —
falei e todas gargalharam. — Estou falando sério.
 
— É por isso que está aqui presa com a gente no harém?
 
— Harém? Dios mio!
 
Peguei minha mochila e comecei a caminhar para a porta enquanto as
mulheres dali zombavam de mim, dizendo que eu teria o mesmo fim que
elas, que não adiantava me sentir especial. Elas não me ouviam, não
acreditavam em mim.
 
Quando cheguei à porta havia um homem.
 
— Volte para o seu lugar — vociferou.
 
— Preciso falar com o sheik Faruk.
 
— É alteza para você e sabe muito bem que não é assim que as coisas
funcionam. Você só vai falar com o Sheik se ele mandar chamá-la — disse o
homem.
 
— Você não está entendendo, não era para eu estar aqui, houve um
engano.
 
— O que te faz achar que é tão especial só porque é a primeira a se
tornar concubina oficial do sheik Faruk? — perguntou ele rindo de mim.
 
— Não sou concubina coisa nenhuma, exijo falar com o Sheik — falei
e todas ali riram ainda mais.
 
Alcancei a maçaneta e quando a girei, o homem me segurou pelo
braço, chacoalhando-me e me jogando no chão logo em seguida, fazendo as
gargalhadas aumentarem.
 
— Volte para o seu lugar, eahira!
 
Não tive escolha, me levantei com os olhos cheios de lágrimas e segui
até o cubículo que me foi destinado. Sentei-me no colchão e abracei a
mochila, chorando baixinho sem entender o que estava acontecendo.
 
Então era por isso que o Sheik havia me ajudado? Para me ter como
uma concubina? Ele parecia tão bom, como não pensei nisso antes? Eu
tinha trocado um destino péssimo por um pior ainda? Não podia acreditar
naquilo.
 
A moça do cubículo ao lado do meu era a única que se manteve
quieta, mas se pronunciou baixo quando todas tomaram seus lugares.
 
— Não é tão ruim como parece. Todas chegamos aqui pensando que
éramos algum tipo de exceção, mas no fim, não somos. Só uma teve mais
regalias, foi a primeira concubina do sheik velho, mas ela já morreu e elas
sabem disso e estão com inveja por você ser a primeira da Fera. Meu
conselho é que fique quieta, seja obediente e não fale nada a menos que
perguntem. Como é a única do Sheik Faruk, deve ser muito solicitada, pode
conseguir algumas regalias com ele se agradá-lo bastante.
 
— Primeiro, não sou uma puta... — falei, mas ela me interrompeu.
 
— Nenhuma de nós é.
 
— Afwan, estou nervosa.
 
— Não precisa ficar nervosa, só se empenhe em agradar a Fera.
 
— Tá de brincadeira? Se isso não é um grande engano, Faruk me
manipulou para me trancar aqui.
 
— Ao menos o Sheik Faruk é bonito, viril e jovem.
 
— Jovem? Ele deve ter dez anos a mais que eu.
 
— O pai dele, a quem eu sirvo, tem pelo menos quarenta a mais que
eu.
 
De imediato me lembrei de Hernández e senti asco.
 
— Madre de Dios! — choraminguei.
 
— Não seja ingrata, a Fera lhe proporcionará uma vida tranquila
durante o dia e se a fama de Fera do Deserto o precede mesmo, suas noites
serão agitadas e prazerosas sendo com ele.
 
— Como assim sendo com ele?
 
— Wallah wallah, você não é mesmo daqui, não é? Sendo concubina
dele, a Fera pode presentear um amigo ou qualquer um com uma noite
contigo ou ainda dar-lhe de presente de forma permanente.
 
— Madre de Dios! — dessa vez eu não conseguia controlar as
lágrimas.
 
— Não chore, a Fera tem fama de ser insaciável, mas também gentil,
ao menos é isso que dizem as mulheres que já estiveram na cama dele e
bem..., se você está aqui é bem possível que já saiba disso.
 
Um gemido de desespero escapou da minha boca, aquilo era absurdo!
 
Como quando chegamos já era noite, não demorou muito até que o
jantar das mulheres chegasse, mas por mais que a comida fosse boa, um
verdadeiro banquete, não consegui comer. Me deitei no colchão, agarrada à
minha mochila e dormi, ou pelo menos tentei.
Capítulo 14
 
 
Guadalupe não apareceu para o jantar, pensei que ela estivesse
realmente muito cansada e agora que sabia que estava segura, poderia
relaxar de verdade e descansar como merecia. Mas quando ela também não
apareceu para o café da manhã, decidi procurar por ela.
 
— Maya — chamei quando a vi passar pelo corredor.
 
— Sim, alteza — respondeu fazendo uma reverência curta.
 
— Em qual quarto colocou Guadalupe? Não a encontrei.
 
— Era para deixá-la no quarto? Afwan, alteza, eu não sabia.
 
— Como assim não sabia? Onde hospedamos os convidados? —
perguntei achando graça.
 
— Sua mãe disse que ela era uma... amiga sua e eu, bem...
 
— Você...?
 
— Bem, sua mãe me deu a entender que ela era uma... é... afwan,
alteza — ela gaguejava.
 
— Por que está se desculpando? Só me diga em qual quarto ela está.
 
— Ela não está em nenhum quarto, alteza.
 
— Mandou minha convidada embora? — perguntei confuso.
 
— Não, não, senhor.
 
— Onde ela está, Maya? — perguntei e a moça retorcia as mãos,
nervosa e pedia desculpas sem parar. — Maya?
 
— Ela está no harém, alteza — ela disse tão baixo que pensei ter
ouvido errado.
 
— Onde?
 
— No harém, alteza. Como é a primeira, ainda não temos um lugar
separado para as suas, por isso ela está com as concubinas do seu pai.
 
— Wallah wallah! Só pode estar brincando comigo!
 
— Afwan, alteza!
 
— Pare de se desculpar — falei já caminhando na direção contrária
da dela.
 
Assim que cheguei ao harém, abri a porta com tudo, ignorando todo
mundo, procurando pela Guadalupe.
 
— Guadalupe? Guadalupe? — chamei.
 
— Aqui — informou uma voz, mas não era a dela, mas era outra
moça tão jovem quanto. — Ela está aqui, alteza.
 
Cheguei rápido até ela e a vi dormindo no colchão no chão. Ajoelhei-
me ao seu lado e toquei seu rosto adormecido.
 
— Guadalupe? — chamei, mas ela nem se mexeu. — Guadalupe —
tentei outra vez e nada.
 
Então a chamei mais alto e a balancei, mas isso fez com que ela
acordasse assustada e se levantasse de uma vez, fazendo com que batesse
sua testa na minha. Caí sentado no chão pelo impacto enquanto ela rolou no
colchão resmungando.
 
— Você está bem? — perguntei e então ela paralisou por um
momento.
 
— Você! — disse com a voz irritada e seus olhos caramelo revoltos
encararam os meus com fúria. — Você! — repetiu e então me acertou com
a mochila.
 
— Ai — resmunguei.
 
— Você me enganou, seu crápula! Cretino! — Ela falava em
espanhol. — Me trouxe para me trancar em um harém, o que acha que sou.
 
— Não, não foi nada disso. Houve um mal-entendido, por isso vim te
buscar — expliquei.
 
— Jura!
 
— Juro, por Allah, estranhei quando não apareceu nem no jantar e
nem no café da manhã, por isso fui atrás de Maya para saber onde estava.
 
— Ah, aquela Maya, riu de mim achando que eu frequentava a sua
cama — disse com desprezo.
 
— Não que isso mude algo entre nós, mas seria tão insultante assim
você frequentar a minha cama?
 
— Não me faça te acertar de novo com a mochila, Faruk — ameaçou
e eu ri.
 
— Venha, vou te tirar daqui — falei me levantando e estendendo a
mão para ela que aceitou e se levantou também.
 
Quando chegamos à porta do harém, Guadalupe parou, segurando a
minha mão e me fazendo parar também.
 
— Fale em árabe com elas, diga que não sou sua concubina — pediu
e arqueei as sobrancelhas, achando graça dela. — Faruk?
 
— Senhoras, houve um imenso engano, Guadalupe é minha amiga,
não concubina, veio parar aqui por engano, e agora vim buscá-la, portando
vocês não poderão mais ser agraciadas com a doce companhia dela — falei
e vi as mulheres me olharem surpresas.
 
Eu amava o meu pai, mas ele ainda seguia tradições que para mim
eram insustentáveis, uma delas era manter um harém, coisa que eu jamais
faria, e se fosse ele no meu lugar, se uma mulher tivesse ido parar por
engano no harém, ele não a resgataria, a usaria como qualquer outra ali.
 
Aquilo me deixava muito decepcionado.
 
Guadalupe só respirou direito quando as portas do harém se fecharam
atrás de nós, então vi seus joelhos fraquejarem, mas a segurei antes que ela
caísse no chão.
 
— Ei, calma. Está tudo bem? — perguntei, sentando-me no chão com
ela. — Que pergunta idiota, é claro que não está tudo bem, você quase
desmaiou.
 
Guadalupe irrompeu em um choro agudo e a mantive em meus braços
até que se acalmasse.
 
— Você parece fraca, não comeu? Meu pai tem deixado aquelas
mulheres sem comer? — perguntei.
 
— Não, a comida veio, eu que não comi, mas não é por isso que estou
assim — disse ela, tentando secar o rosto.
 
— Eu realmente sinto muito por fazê-la passar por isso, deveria ter
ido atrás de você quando não apareceu para jantar, mas pensei que estivesse
cansada e não quis atrapalhar seu descanso — me expliquei.
 
— Não é pelo mal entendido, agora eu sei o que aconteceu, mas
antes... antes... — ela não conseguiu parar de chorar.
 
— Antes o quê? Alguém te machucou? O que aconteceu?
 
Minha cabeça rodava com inúmeras possibilidades e uma delas me
assombrou de forma monstruosa.
 
— Meu pai... ele... ele a tocou?
 
Eu sabia que ele havia ido ao harém na noite anterior, soube disso
quando vi minha mãe entrando em seu quarto e chorando. Mais de quarenta
anos de casados e ela ainda a feria daquela forma.
 
— Não, ele não me tocou, mas...
 
— Mas? — perguntei quando ela não prosseguiu, então segurei seu
rosto em minhas mãos. — O que aconteceu?
 
Tentei secar seu rosto com meus polegares, mas as lágrimas não
paravam de escorrer de seus olhos.
 
— Pensei que você tinha me enganado para me trazer para um harém,
que me deixaria presa lá e me obrigaria...
 
— Wallah wallah, eu jamais faria isso, nem com você nem com
nenhuma outra mulher — falei me sentindo ofendido por ela pensar aquilo
de mim, mas ao mirar outra vez seus olhos assustados, senti um peso
estranho no peito e não consegui segurar a vontade de abraçá-la de verdade
e consolá-la. — Tudo o que eu te disse é verdade, eu vou ajudá-la e não
estou esperando nada além da sua amizade em troca disso.
 
— Eu pensei que... eu...
 
— Eu sei, eu sei, só se acalma. Está tudo bem — falei enquanto a
abraçava forte.
 
— Obrigada — disse ela e beijei o topo de sua cabeça.
 
O instinto de proteção que aquela garota despertava em mim era
surreal.
 
Ficamos ali por mais alguns momentos, até que ela se acalmasse por
completo e se recompusesse. Então nos levantamos e começamos a
caminhar pelo corredor, eu mesmo a instalaria em um quarto de verdade e
ainda teria que ter uma conversa com a minha mãe.
Capítulo 15
 
 
Depois de deixar Guadalupe no quarto, aos cuidados de Samira, segui
para a sala particular da minha mãe, onde ela conversava com algumas
amigas. Assim que me viu na porta, pediu licença às mulheres e se retirou,
vindo para o corredor.
 
— Do que precisa, meu precioso?
 
— Por favor, me diga que entendeu errado o que eu disse ontem.
 
— Como assim, querido? Do que está falando?
 
— Guadalupe.
 
— Eu a instalei, querido. Maya a levou até o... ela está bem.
 
— Não, mãe, ela não está bem. Quando disse amiga, foi exatamente
isso que eu quis dizer. Guadalupe é realmente uma amiga que estou
ajudando, não é minha concubina.
 
— Wallah wallah, eu pensei que... ah, filho, afwan, eu não quis... Por
Allah, pobre moça! Vamos tirá-la de lá agora!
 
— Eu já fiz isso.
 
— E como ela está?
 
— Abalada, pensou que eu a tivesse enganado para jogar em um
harém — falei e minha mãe levou as mãos à boca.
 
— Explicarei a ela.
 
— Já expliquei tudo. Mas terá que se desculpar com ela.
 
— Imagine, Faruk. Sou a rainha desse lugar, não me desculpo com
ninguém.
 
— Mãe, eu te amo e te respeito, na verdade você é a mulher que eu
mais amo e daria a minha vida por você, e só por você, mas você errou,
precisa assumir seu erro e se desculpar.
 
— Faruk...
 
— Mãe, me prometa.
 
Ela ponderou por um momento.
 
— Só porque você está pedindo. Mas porque se importa tanto com
essa moça? Quando a vi pensei que finalmente você tinha escolhido uma
noiva, mas quando disse que ela era mexicana, minhas esperanças de que
você tivesse criado juízo e resolvido formar uma família se despedaçou.
 
— Não vamos entrar nessa conversa agora. Uma coisa não tem nada a
ver com outra. E só para que saiba, apesar de eu não ter escolhido
Guadalupe como esposa, ela é uma boa moça e merece o nosso respeito.
 
— Tudo bem, filho. Falarei com ela mais tarde.
 
— Shukran, mãe — agradeci e beijei suas mãos.
 

 
— Meu filho, que bom tê-lo em casa — disse meu pai quando entrei
em seu escritório.
 
— Pai, como o senhor está? Não o vi ontem no jantar.
 
— Estou ótimo! — disse ele e tossiu, cobrindo a boca com um lenço
branco que ficou com marcas vermelhas de sangue.
 
— Pai, o senhor não está nada bem — falei dando a volta na mesa,
ajudando-o a se sentar. — O senhor precisa de um médico.
 
— Já tenho os melhores médicos da região...
 
— Os melhores da região não estão sendo suficientes. Vamos para a
Europa, ou para a América, encontrar alguém que possa curá-lo.
 
— Não confio em ninguém que seja do meu povo para cuidar da
minha saúde.
 
— De nada adianta nossos bilhões de dólares se não puder ao menos
ter uma qualidade de saúde decente — falei. — O senhor faz negócios com
o mundo todo, porque seu médico não pode ser estrangeiro.
 
— Dinheiro temos muito, se eu perder um pouco não fará falta, mas
minha saúde é diferente. Não vou deixar minha vida nas mãos de um não
islâmico. Como posso deixar que alguém que não acredita em Allah cuide
de mim?
 
— Não seja hipócrita, pai — pedi e outra crise de tosse o acometeu.
— Wallah wallah, veja como está, pai.
 
— Se estou assim é a vontade de Allah, se for para eu me curar, os
médicos dele farão seu trabalho.
 
— Wallah wallah, não consigo acreditar nisso.
 
— Filho, não se preocupe! Só o que precisa fazer é se preparar para
assumir seu lugar ao trono.
 
— Não quero esse lugar, pai. Dê ao Youssef.
 
— Não! Nenhum dos seus irmãos tem a sua competência, vivem
farreando pelo mundo. Você é o único que, apesar de suas muitas viagens
pelo mundo, construiu o próprio império, trabalhou duro e soube onde
investir, seu negócio de ouro o deixou quase tão rico quanto eu, e a minha
fortuna vem de gerações passadas da nossa família e tudo isso será seu um
dia, irá somar à sua fortuna. O lugar é seu! Te criei a vida toda te
preparando para isso.
 
Suspirei. Observei os dois lenços em cima da mesa, ambos
manchados com sangue, não podia discutir com ele, isso só o faria ficar
mais nervoso e as coisas ficariam piores.
 
— Tudo bem, pai.
 
Ele sorriu para mim. Eu guardava algumas mágoas do meu pai, minha
mãe sofria por causa dele se envolver com outras mulheres, ele fora criado
assim, com a perspectiva de que por ser o príncipe herdeiro e depois o rei,
ele podia fazer tudo o que queria, que tinha o direito de ter e fazer uso de
um harém, entre outras coisas, desde que cuidasse bem do povo e não
deixasse nada faltar a sua esposa.
 
Eu o entendia em partes, era a nossa cultura, porém, eu não seguiria o
seu caminho, o dia em que tivesse uma esposa, mesmo não a amasse, não a
faria sofrer dessa forma, via o que minha mãe passava e não desejava aquilo
a mulher nenhuma. E apesar de guardar essa mágoa do meu pai, ele ainda
era o meu pai e eu o amava, assim como a minha mãe.
 
Passamos algumas horas falando sobre negócios e o futuro do nosso
país que começava a ser passado para as minhas mãos. E, quando
terminamos, Hassan, meu irmão, estava do lado de fora do escritório me
esperando.
 
— Irmão, aqui está o que me pediu — disse me entregando uma caixa
com um laço vermelho.
 
— Tem certeza de que é seguro? — eu quis garantir.
 
— Wallah wallah, sim, cem por cento seguro, tem a minha palavra.
 
— Shukran — agradeci sorrindo. — Você foi rápido.
 
— Eu sempre sou.
 
Hassan era um especialista em tecnologia, conseguia tudo o que
precisássemos em segurança e pouco tempo, era um hacker poderoso e por
isso era ele quem cuidava da segurança cibernética do nosso país. Eu sabia
que o que havia pedido a ele era fácil para ele conseguir.
 
— E esse sorriso besta na cara? Para quem é isso? É para ela?
 
— Para quem?
 
— A mulher que você trouxe — esclareceu e arqueei uma
sobrancelha para ele. — O quê? O palácio todo sabe que o poderoso Faruk
trouxe uma estrangeira para o palácio.
 
— Fofoqueiros — brinquei.
 
— Quem é ela?
 
— Só uma amiga que precisa de ajuda.
 
— Você tem uma amiga?
 
— Não posso ter?
 
— Pode, só não sei como conseguiu uma — zombou.
 
— Engraçadinho!
 
— Quero conhecê-la — disse Hassan.
 
— Ela não é mulher para você, Hassan — alertei.
 
— Não, é para você, embora não admita. Não se preocupe, só quero
conhecer a mulher que teve a audácia de se tornar sua amiga.
 
— Acho que ela já tem problemas demais para ter que lidar com mais
você — zombei e comecei a andar em direção ao quarto de Guadalupe.
 
— Ah, merda! Ela é bonita demais, não é? Já tô vendo tudo, wallah
wallah! — disse e gargalhou.
 
— Não confunda as coisas, Hassan.
 
— É você que não pode confundir, irmão — gritou ele quando eu já
virava o corredor.
Capítulo 16
 
 
O susto da noite passada havia passado e eu esperava mesmo poder
confiar em Faruk. Samira me ajudou a me instalar e cuidou de mim, como
na outra noite no hotel em Acapulco, ela me ajudou a passar um óleo no
corpo, a me vestir, então penteou meus cabelos e fez uma maquiagem.
Também me trouxe comida no quarto para que eu pudesse comer e
descansar.
 
Eu olhava pela janela um imenso jardim, era magnífico, maior do que
o da minha casa. A brisa quente tocava meu rosto e eu me sentia acolhida
pelo sol quando uma batida suave soou à porta do quarto. Como já estava
sozinha naquele momento, caminhei até a porta e a abri.
 
— Marhaba — cumprimentou Faruk com um belo sorriso.
 
— Marhaba, alteza — respondi e fiz uma reverência curta como
havia visto funcionários do palácio todo fazendo enquanto ele me instalava
em meu novo quarto.
 
— Gostei do hijab — elogiou e por instinto levei as mãos à cabeça.
 
— Samira colocou em mim, ao que parece tenho muitos desses agora,
entre, por favor — falei me lembrando dos baús e mais baús que haviam
chegado ao meu quarto com roupas e sapatos e hijabs e véus árabes que ao
que parecia agora fariam parte da minha vida.
 
— Espero que tenha gostado de tudo — disse ele parando no meio do
quarto.
 
— É claro que sim, são muito lindos, embora eu não saiba colocar.
 
— Isso não será problema. Colocarei uma funcionária para ficar com
você e ajudá-la no que for preciso.
 
— Não é necessário, alteza.
 
— É claro que é. Ah, trouxe isso para você — disse ele me
entregando uma caixa dourada com um laço vermelho.
 
— Um presente para mim? — perguntei surpresa.
 
— Wallah wallah, acho que na sua situação é mais algo de
necessidade do que um presente. Abra!
 
Encarei o pacote por um momento e então o abri, vendo o aparelho
celular e sorrindo.
 
— Não terá o mesmo número que o anterior, mas pode ligar para
quem quiser e logar em suas redes sociais, sei que deve estar sentindo falta
de falar com o seu público. Só tome cuidado para não falar onde está em
algum vídeo.
 
— Bem, só tenho a Paulina para ligar e logar em minhas redes sociais
pode ajudar meu pai a me localizar, mas agradeço o gesto de atenção...
 
— Não será localizada. Este aparelho é seguro, então desde que não
diga em nenhum vídeo onde está, não será localizada, fique tranquila.
 
— Tem certeza?
 
— Meu irmão cuidou disso pessoalmente e wallah wallah, ele é chefe
da segurança cibernética nacional.
 
— Ai meu Deus, você é um príncipe, sua mãe a rainha, seu pai o rei,
seu irmão o chefe da segurança nacional, tem alguém da sua família que
não seja extremamente importante? — perguntei e Faruk pareceu pensar.
 
— Na verdade tenho seis irmãos que estão pelo mundo com suas
empresas que arrecadam alguns milhões de dólares dos ano, mas não são
tão importantes, o restante dos que estão aqui são, como eu disse, Hassan
que é chefe da segurança cibernética nacional, Youssef já governa um país
vizinho, Said cuida dos nossos exércitos...
 
— Madre de Dios, estou tonta, já chega — falei e ele riu.
 
— Pode andar pelo palácio, ninguém irá incomodá-la, faça seus
vídeos, converse com seu público, sinta-se em casa. Temos uma piscina nos
fundos, pode usá-la também.
 
— Obrigada, alteza!
 
— Tenho algumas coisas para resolver, mas podemos jantar juntos.
 
— Vai ser ótimo!
 
Com um aceno de cabeça ele se retirou do meu quarto.
 
Liguei o aparelho celular de última geração e loguei em minhas redes
sociais, haviam milhares de mensagens perguntando sobre mim, ao que
parece notícias do meu desaparecimento já corriam soltas nas redes e eu
precisava acalmar meus seguidores e patrocinadores. Respirei fundo e
decidi que um story na piscina, mostrando que eu estava bem e que havia
saído de casa por vontade própria era o melhor.
Entrei no closet onde as roupas haviam sido colocadas e observei
tudo, haviam esquecido de colocar biquíni, mas isso não me impediria. Eu
não era uma blogueira de moda e maquiagem à toa, achei os tecidos usados
para os hijabs e com eles improvisei um biquíni, coloquei o vestido por
cima outra vez, peguei uma das toalhas macias e segui pelos corredores do
palácio, à procura de uma saída para a piscina. Demorou um pouco, mas
encontrei.
 
A área da piscina era espetacular e como o sol estava muito forte, um
mergulho seria perfeito, mas antes eu precisava falar com os meus
seguidores. Tirei o hijab, o vestido, sentei-me em uma das espreguiçadeiras
e abri a câmera direto no story do Instagram. Graças a todos os óleos que
Samira havia usado em mim, meus cabelos estavam incríveis e minha pele
muito sedosa. Eu estava maravilhosa, então resolvi fazer diferente, apertei o
botão da transmissão ao vivo ao invés de gravar um story e em questão de
segundos eu já tinha mais de  mil pessoas na live.
 
— Hola! Que tal, muchachos? — cumprimentei e a enxurrada de
comentários iniciou, o pessoal parecia preocupado. — Quero dizer a todos
que estou bem, muito bem na verdade — falei enquanto filmava a área da
piscina da casa de Faruk. — Sei que estão assustados com o meu sumiço,
por isso estou dando uma passada rápida aqui para tranquilizá-los. Saí da
minha casa por vontade própria, e estou dando um rumo diferente à minha
vida, mas não deixarei vocês para trás, vão poder me acompanhar por aqui
como sempre, estou aqui para vocês sempre, agora vou desligar porque
tenho essa piscina IN-CRÍ-VEL me esperando, besos azucarados para
todos!
 
Finalizei a transmissão e me deitei na espreguiçadeira, ignorando as
centenas de notificações que apitavam no celular.
Capítulo 17
 
 
— Aquela empresa que tem nos procurado para fornecer rubis entrou
em contato com uma nova proposta — informei ao Hassan.
 
— Wallah wallah! — exclamou ele, parecia surpreso e divertido ao
mesmo tempo.
 
— Não deveria estar surpreso, eles estão tentando há muito tempo —
falei.
 
— Não estou surpreso com os negócios chatos, mas sim com ela —
disse ele, apontando pela janela.
 
— O quê? — perguntei confuso.
 
— Wallah wallah, ela é um pequeno pedaço de problema para você,
irmão.
 
— Do que está falando? — perguntei me aproximando da janela. —
Wallah wallah!
 
Minha mãe entrou desesperada no escritório sem bater.
 
— Faruk! — Seus olhos me diziam que ela também já havia visto
Guadalupe só de biquíni na piscina.
 
— Deixe comigo, mãe! — falei e saí correndo para a área da piscina.
 
Funcionários cochichavam por onde eu passava, mas não me
importei, chegando rápido até onde Guadalupe estava. Não consegui evitar
que meus olhos corressem e observassem o belo corpo da mexicana. Então
pigarreei.
 
— Ah, alteza — disse ela, abrindo os olhos surpresa em me ver.
 
Peguei o vestido dela que estava ao lado da espreguiçadeira e lhe
entreguei.
 
— Vista-se, por favor — pedi.
 
— Precisamos sair? Houve algum problema? — perguntou parecendo
preocupada.
 
— Não vamos sair, pode ficar aqui na piscina o quanto quiser...
 
— Ah que bom, porque está realmente muito calor. Mas, espera... por
que devo me vestir então se posso ficar aqui?
 
— Eu deveria ter explicado quando falei que podia vir até a piscina.
 
— Explicado o quê?
 
— As mulheres aqui não usam biquíni — falei, e vi suas sobrancelhas
se juntaram em confusão.
 
— Mas como eu deveria me vestir então? — Encarei o vestido que
agora estava em sua mão. — Jura? Vou torrar dentro disso aqui se ficar no
sol.
 
— As coisas são assim por aqui, quero ajudá-la, mas precisará me
ajudar em algumas coisas também para que isso dê certo.
 
— É claro, agora entendo o porquê uma piscina dessa está vazia
mesmo com um calor desses — falou e eu ri.
 
Guadalupe se vestiu rápido, olhando para os lados.
 
— Madre de Dios, devo ter ofendido muita gente dessa forma —
disse ela, preocupada, e eu segurei para não rir. — Não ria de mim.
 
— Não estou rindo.
 
— Estou vendo que está se segurando.
 
— Alguns funcionários estão horrorizados — falei e ela levou as
mãos ao rosto, dessa vez não pude segurar o riso.
 
— Vou me trancar em meu quarto e nunca mais sair de lá — disse e
eu ri ainda mais.
 
— Não seja boba.
 
— Realmente peço desculpas, é que o calor está medonho, mesmo
aqui na beira da piscina às vezes tenho a impressão de que a minha pressão
está baixando.
 
— Isso é porque estamos em meio ao deserto — falei e ela revirou os
olhos.
 
— Sim, mas está realmente muito calor.
 
— Eu sinto muito, posso pedir para prepararem um banho fresco para
você. Aliás, depois desse episódio, acho que é melhor mesmo você ter uma
funcionária particular, assim tudo será mais fácil.
 
— Depois desse fiasco, ter alguém para não me deixar fazer bobagens
seria bom mesmo. Me desculpe por te envergonhar assim.
 
— Não precisa se desculpar, nossas culturas são muito diferentes.
 
— É, eu acho que sim. Bem, acho que é melhor eu voltar para o meu
quarto.
 
— Nos vemos no jantar? — perguntei.
 
— É claro, alteza — concordou e passou o hijab pela cabeça,
embolando os cabelos de qualquer forma já que não sabia como colocá-lo.
 
Desejar uma mulher como Guadalupe era inevitável, mas depois de
ver seu corpo descoberto, minha mente parecia que explodiria. Eu já havia
tido diversas mulheres em minha cama e nunca havia tido problema com
nenhuma delas, sexo era fácil para mim, mas desejar Guadalupe era algo
diferente, algo que eu não sabia explicar e tinha a sensação de que se me
deixasse levar pelo desejo eu me perderia, era algo perigoso porque ela era
proibida para mim.
Capítulo 18
 
 
O jantar chegou sem demora. Estavam sentados à mesa: meu pai,
minha mãe, meus irmãos Hassan e Said, e assim que me sentei, Guadalupe
entrou na sala de jantar acompanhada de sua nova funcionária particular
que ficou aguardando na entrada.
 
— Marhaba! — cumprimentou ela, fazendo uma reverência em
seguida.
 
— Marhaba — todos cumprimentamos de volta.
 
Ela estava vestida como uma verdadeira princesa árabe: Um hijab
leve, mas de um cor de vermelho sangue, mas a joia que estava por baixo
dele aparecia sobre sua testa, um vestido da mesma cor do hijab, todo
bordado em pedras douradas, pulseiras e anéis enfeitavam seus braços e
dedos, assim como o colar ao seu pescoço, uma maquiagem muito bem
elaborada, destacando seus olhos. Estranhamente eu sabia que a funcionária
a havia ajudado a se arrumar, mas a escolha de todas as peças, toda aquela
combinação quem havia feito era Guadalupe. Ela estava magnífica!
 
Ela caminhou até a mesa, sentando-se ao meu lado com a minha
ajuda, como minha mãe indicou e quando finalmente consegui desviar os
olhos dela, após um sorriso tímido dela, percebi os olhos de Hassan sobre
mim, então o encarei e um esgar irritante enfeitava seus lábios. Exibi uma
expressão confusa e irritada para ele que sorriu com malícia. Said parecia
hipnotizado por Guadalupe. Meu pai nos observava curioso e minha mãe
tinha uma expressão de satisfação ao ver como Guadalupe estava vestida
feito uma princesa árabe.
 
— Seja bem-vinda à minha casa — disse meu pai com a hospitalidade
que costumávamos ter.
 
— Shukran, majestade! Espero estar vestida à altura para um jantar
com pessoas tão importantes como vocês.
 
— Está uma verdadeira princesa, linda como a lua, Mashallah! —
elogiou minha mãe.
 
Meus irmãos permaneceram calados já que poderiam ser
interpretados de forma errada perante a nossa cultura. Eles não costumavam
ser assim com as mulheres, mas quando se tratava de uma convidada em
nossa casa, ou seja, alguém que não estaria em suas camas, mantinham o
máximo das tradições, especialmente na frente da minha mãe.
 
— Soube que é uma amiga de Faruk e que ficará algum tempo
conosco. Está aproveitando sua estadia? — perguntou meu pai, obviamente
não sabia do episódio do harém.
 
Os olhos de Guadalupe correram para os meus por um segundo e
então encarou meu pai.
 
— Sim, majestade. Tudo está perfeito! — respondeu ela com
educação.
 
— Nosso desejo é que se sinta em casa, não hesite em pedir o que
desejar — disse meu pai.
 
— Shukran, majestade!
 
— Gostaria de nos contar o que a traz aos Emirados Ads? —
perguntou Said, o pobre estava encantado com a beleza de Guadalupe.
 
— Bem... — Ela pareceu perdida por um momento.
 
— Não seja invasivo, Said — alertei.
 
— Me desculpe — pediu ele.
 
— Tudo bem — disse Guadalupe e continuou: — Tive um grande
problema e Faruk foi gentil o suficiente para me oferecer ajuda e abrigo.
 
— Muito bem, meu filho, fez o que te ensinamos — disse minha mãe,
segurando a minha mão, apenas lhe ofereci um aceno com a cabeça.
 
— Está longe de mim querer ser grosseiro, mas presumo que se
precisou da ajuda do Faruk é porque não tem um marido para protegê-la —
disse meu pai.
 
— Não senhor, não tenho um marido — respondeu ela.
 
Tive que bebericar meu shay[21] ao lembrar que era justamente disso
que Guadalupe fugia.
 
— Ah, coitadinha, já com essa idade e ainda não conseguiu se casar
— lamentou minha mãe.
 
— Ainda tenho vinte e um anos, majestade — disse e minha mãe
levou as mãos aos lábios.
 
— Não vai mais conseguir se casar, coitadinha! Prometo que darei o
meu melhor para conseguir-lhe um marido, querida, teremos que cuidar
para que se converta ao islamismo primeiro, é claro, a sua idade já está
avançada, mas com a nossa influência não será difícil arrumar um marido
bem rico para você — disse minha mãe e engasguei com o shay.
 
— Irmão? — Said me chamou, preocupado.
 
Hassan sorria como um gato maligno, como se me julgasse e aquilo
me irritava.
 
— Está tudo bem, querido? — perguntou minha mãe.
 
— Sim, mãe.
 
— Parece não concordar com a ideia de sua mãe arrumar um marido
para a sua convidada, Faruk — observou meu pai.
 
— Não é isso, pai. Só fiquei surpreso com o choque de nossas
culturas — falei.
 
— Como assim, irmão? — perguntou Said.
 
— Uma mulher com vinte e um anos na América ainda é jovem para
se casar — expliquei. — Muito diferente daqui que com essa idade
provavelmente não conseguirá mais arrumar um bom marido.
 
— Nossa, e como se sentem úteis sem um marido, querida? — minha
mãe perguntou, espantada e Guadalupe sorriu.
 
— Bem, majestade, cada um tem a sua utilidade.
 
— E qual é a sua, Guadalupe, se é que podemos perguntar. Não
queremos ser grosseiros, só estamos curiosos com a sua cultura — disse
Hassan, como se ele não soubesse.
 
O cara era chefe da segurança cibernética do país, capaz que não faria
uma pesquisa detalhada sobre ela, ainda mais depois de vê-la só de biquíni.
 
— Não há problema, podem perguntar o que quiserem. Eu, por
exemplo, trabalho...
 
Minha mãe a olhou horrorizada.
 
— Trabalha em quê, criança? Deveria ter um marido para fazer isso
por você. Precisa prover a própria comida? — quis saber a minha mãe.
 
— Não se engane, mãe. Muitas mulheres realmente trabalham porque
precisam, mas Guadalupe trabalha porque quer, sua família é bem abastada
— falei.
 
— É verdade — concordou ela.
 
— E em que trabalha? — perguntou Said, curioso.
 
— Sou influencer digital.
 
— E o que é isso? — perguntou meu pai.
 
— Trabalho na internet, nas redes sociais, ensino pessoas a fazerem
makes, apresento bons produtos, boas marcas de roupas e tudo mais,
divulgo lugares, enfim, influencio pessoas — explicou ela.
 
— Tudo pelo celular? — perguntou minha mãe.
 
— Sim, majestade.
 
— Pode me mostrar mais tarde?
 
— É claro, majestade.
 
— E como isso lhe rende dinheiro? — perguntou meu pai.
 
— Na verdade, algumas redes sociais são monetizadas, mas a maior
parte da minha remuneração vem de patrocinadores — disse ela e então
percebi que suas feições mudaram um pouco, embora ela tentasse parecer
animada, eu conseguia ver que algo a preocupava.
 
— Então as pessoas te pagam para dizer que os produtos delas são
bons — concluiu Said.
 
— Basicamente isso, embora eu sempre seja sincera, testo tudo e só
trabalho com o que realmente gosto porque não quero enganar as pessoas
dizendo que algo é bom quando não é. Muitas delas compram só porque eu
digo que é bom, e uma grande parte dessas pessoas muitas vezes não tem o
dinheiro para comprar algumas coisas, precisam economizar para ter coisas
de qualidade, como posso fazer essas pessoas gastarem o pouco que tem
com coisas que não vão cumprir o que prometem? Elas ficarão
decepcionadas!
 
Ouvir aquelas palavras me tocou, então ela se importava com as
pessoas, não fazia tudo só pelo dinheiro e visualizações. A encarei e ela
sorria, gostava de falar do seu trabalho e era sincera quando o fazia.
 
— Mashallah! — disse minha mãe.
 
Said e minha mãe a monopolizaram em uma conversa enquanto a
comida era servida, a mesa estava farta com tudo o que eu amava comer.
 
— Conte-nos outra diferença de nossas culturas, Guadalupe, desta vez
algo sobre o jantar — pediu meu pai.
 
Eles estavam realmente gostando dela, Guadalupe tinha uma simpatia
que ganhava a todos a sua volta.
 
— Bem, acho que a diferença mais gritante entre nossos jantares, pelo
menos até agora, é que costumamos usar cadeiras — disse ela sorrindo e eu
ri.
 
— Cadeiras na mesa da comida? — minha mãe perguntou,
horrorizada.
 
— Sim, não nos sentamos no tapete no chão para comer.
 
— Wallah wallah — disse Said, ele era o único dos meus irmãos que
nunca havia saído do Ocidente.
 
— Vamos comer — disse meu pai.
 
Estendi o guardanapo branco em meu colo e dobrei a manga direita
da túnica, vendo meus irmãos e meu pai fazerem o mesmo. Guadalupe
também colocou seu guardanapo no colo e observou a mesa com atenção
enquanto minha família se servia.
 
Coloquei comida em meu prato e no dela, explicando o que era cada
coisa.
 
— É muita comida, não vou conseguir comer tudo isso, alteza —
disse ela.
 
— Bem, se não provar de todos os pratos, minha mãe ficará ofendida
— falei.
 
— O quê?
 
— Aqui tratamos os convidados muito bem, e se você recusar algo
dará a entender que não está gostando da hospitalidade, isso ofenderá minha
mãe.
 
— Só porque ela é a rainha?
 
— Não, isso é de costume geral árabe, acho que meus pais não são
egocêntricos como os seus — brinquei enquanto a minha família estava
entretida em uma conversa entre eles e não prestava atenção em nós.
 
— Meu pai não te mandou para um harém — protestou ela,
sussurrando.
 
— Wallah wallah, mas tentou me vender você como um camelo —
zombei.
 
— Graças a Deus que você não me comprou, não é? Seria uma
lástima — zombou e eu ri baixo.
 
— Talvez a tivesse comprado se a conhecesse antes — falei e ela
arregalou os olhos, me fazendo rir ainda mais.
 
— Mentiroso! — acusou.
 
— Me pegou nessa, eu seria incapaz de levar para a cama alguém que
não me deseja — fui sincero e a vi engolir em seco. — Mas seria capaz de
convencê-la.
 
— Você se acha demais mesmo, não é? Só para você saber, você nem
é tão bonito quanto pensa e já está velho.
 
Dessa vez eu gargalhei, atraindo a atenção de Hassan que fingiu não
estar prestando atenção em nossa conversa.
 
— São só quinze anos de diferença.
 
— Meu Deus, você é realmente muito velho — zombou ela.
 
— Wallah wallah, tem sorte de ser estritamente proibida para mim,
Guadalupe — sussurrei perto do seu ouvido.
 
Deixar aquela palavra sair dos meus lábios, sair de dentro da minha
mente ativou algo em mim, a palavra praticamente dançou em minha língua
e uma chave virou, aguçando-me em relação a ela. Aquele jogo estava se
tornando perigoso.
 
— Você não segue muito as tradições da sua família, não é? Segundo
a sua mãe, isso seria um insulto — acusou e eu me afastei alguns
centímetros, estava perto demais.
 
— Não, eu não sigo muito as tradições — falei olhando em seus
olhos, sentindo uma intensidade entre nós e a vi desviar o olhar por um
momento.
 
Ela também havia sentido.
 
— Ah, sim, fará uma rebelião e destruirá todas as leis do seu país que
oprimem os direitos das mulheres — zombou e encarou seu prato.
 
— É exatamente isso que farei — admiti e vi seus olhos surpresos me
encararem outra vez. — Coma antes que a sua comida esfrie, aliás,
enquanto você, a convidada, não começar a comer, eles não comerão
também — falei e me voltei para o meu prato.
 
Como ela havia arrancado aquilo de mim, jamais admiti aquilo para
ninguém. Respirei fundo, encarando o prato de comida quente que liberava
um aroma incrível e espiralava fumaça de tão quente que estava.
Capítulo 19
 
 
Encarei meu prato cheio de comida que eu não sabia nem como
engolir tudo aquilo, mas quanto antes eu começasse, mais rápido terminaria
e não ofenderia a mãe do sheik. Respirei fundo e levei as mãos ao lado do
prato, mas os talheres não estavam ali. Olhei com atenção tudo ao redor do
prato e nada, cheguei a olhar no chão onde estava sentada, mas não havia
nem sinal de garfos e facas.
 
Será que eu tinha que pedir os talheres? Era algum tipo de regra?
 
— Faruk? — sussurrei. — Faruk? — chamei outra vez, mas ele
parecia absorto em seus próprios pensamentos e não me ouvia.
 
Olhei ao redor e todos estavam conversando distraídos, menos Hassan
que me observava com um esgar nos lábios, como se soubesse que eu
estava em apuros. Aquela porcaria de esgar irritante era de família? Faruk
sempre fazia o mesmo.
 
O encarei e pressionei os lábios um no outro, o filho da mãe parecia
se divertir com a minha situação. Ele observou todos aos redor e então me
encarou outra vez, levantou a mão e fez sinal de pegar a comida. Franzi as
sobrancelhas, eu sabia que precisaria da mão para pegar os talheres, mas
eles não estavam ali.
 
O cretino segurou o riso e fez apontou para os próprios dedos,
fazendo uma pinça com o polegar, indicador e dedo médio, levou até o
prato e depois levou até a boca, mas sem pegar de fato a comida e arregalei
meus olhos.
 
— Com a mão mesmo? — perguntei sem emitir som e ele assentiu.
 
Respirei fundo e como era canhota, levei a mão ao prato, mas um
estardalhaço soou, impedindo-me de pegar a comida. Hassan havia
derrubado seu prato de cobre e o encarei.
 
— Hassan, mais cuidado, meu filho — foi só o que a mãe dele disse.
 
O pai deles e Said estavam em uma conversa animada e Faruk ainda
parecia preso em seus pensamentos.
 
— Não vai comer, querida? A refeição não está do seu agrado? —
perguntou a mulher com os olhos arregalados.
 
— Está tudo perfeito, majestade — respondi e ela continuou me
encarando, esperando que eu comesse.
 
Corri meus olhos rapidamente para Hassan que segurava o riso.
 
— Com a direita — disse ele sem som algum como eu havia feito
alguns momentos antes.
 
Engoli em seco e encarei o prato, então peguei um punhado de
comida com os dedos e levei à boca, emitindo um som de satisfação em
seguida. A mãe de Faruk sorriu tão aberto que me senti aliviada, então
imediatamente todos começaram a comer. Faruk parecia fazer tudo de
forma automática, sem nem olhar em minha direção.
 

 
Quando o jantar terminou, o sheik me acompanhou até o meu quarto
em silêncio, ele parecia diferente e para dissipar aquilo, resolvi zombar
dele.
 
— Boa noite, vovozinho! — falei e aquele esgar irritante brotou em
seus lábios convidativos.
 
Ele podia ser quinze mais velho que eu, mas de velho não tinha nada.
 
— Não me provoca — disse, e alisou a barba cerrada. — Isso pode
ser perigoso.
 
— Para mim ou para você? — zombei e o vi puxar o ar com força.
 
— Para nós dois.
 
— Eu sou proibida para você, então não corro perigo.
 
Seus olhos queimaram nos meus e vi seu sorriso morrer pouco a
pouco, então ele deu um passo à frente e eu dei um para trás, encostando as
costas na porta.
 
— Sabe o que faz com um homem que é acostumado a ter tudo o que
quer quando você diz que ele não pode tê-la?
 
Ele estava tão perto que eu mal conseguia respirar, vi seus dedos
tocarem o tecido do hijab e quando ele o tirou, soltando meus cabelos,
prendi o ar e fechei os olhos quando seus lábios macios tocaram a pele fina
do meu pescoço, me deixando arrepiada, pensei que fosse desmaiar com
aquele toque e senti minha calcinha umedecer.
 
Sem pensar muito fiz exatamente o contrário do que meu corpo
implorava, o empurrei com uma das mãos e com a outra acertei um tapa em
seu rosto, forte que o fez virar a face de lado.
 
Faruk pareceu chocado por um momento, tão chocado que sequer se
moveu, deixando o rosto virado como havia ficado com o tapa e a marca
dos meus dedos já começava a ficar vermelha e levantar um vergão. Meus
olhos arregalaram ao me dar conta do que eu havia feito.
 
Puta que pariu, eu esbofeteei um sheik árabe poderoso!
 
Faruk apertou os olhos por um momento, como se tentasse se
controlar, então sua mão segurou minha nuca e trouxe meu rosto para muito
perto do seu, sua respiração quente tocando meu rosto, nossos narizes
colados e os lábios quase se tocando.
 
— Se acha que fazendo isso me afasta, está enganada, só faz com que
meu desafio aumente, Guadalupe.
 
— Desafio? — perguntei em um sussurro.
 
— O de fazer você minha, mesmo sendo proibida — falou e amoleci
com suas palavras. — Me desafiar assim só faz com as coisas fiquem mais
interessantes, não deveria fazer isso, não sabe o que provoca em mim?
 
A ponta de sua língua tocou meu lábio inferior e não consegui me
segurar e o beijei. Faruk não perdeu tempo, atacando minha boca com
vontade, sua língua explorando toda a minha boca, enlouquecendo-me,
fazendo-me gemer em seus lábios, me prensando contra a parede, seu corpo
mostrando o quanto me desejava e o meu fazendo o mesmo. Quando suas
mãos desceram para a minha bunda e acariciaram antes de apertar voltei ao
meu juízo, lembrando-me de quem ele era e que estava acostumado com
mulheres que sabiam como lhe agradar, e eu só estava ali dando exatamente
o que ele queria, então o empurrei, deixando-o atordoado.
 
— Isso é que é diversão! — Me assustei ao ouvir Hassan zombar e se
aproximar de nós.
 
Ao que parece ele havia assistido tudo.
 
Merda!
 
Merda!
 
Merda!
 
Faruk não olhou para o irmão, seus olhos vieram até mim e algo
diferente brilhou ali, mas eu não saberia dizer o que era.
 
— Vocês nem me chamaram para a brincadeira — disse Hassan.
 
— Hassan... — protestou Faruk, mas o impensável aconteceu, Hassan
segurou minha mão e a beijou. — Hassan? — berrou Faruk.
 
— Venha, irmão. Já chega de tanta diversão essa noite. Boa noite,
Guadalupe! — disse Hassan, e saiu puxando o irmão.
 
Mais do que depressa entrei no quarto e tranquei a porta, com os
olhos fechados e o coração disparado, respirando fundo e tentando me
acalmar, mas um resmungo estridente me chamou a atenção. Era Malika,
minha funcionária pessoal.
 
— Malika, o que faz aqui? — perguntei assustada.
 
— Esperei para ajudá-la a se arrumar para dormir, senhora.
 
— Não precisa fazer isso — falei seguindo até a cama, precisava me
sentar pois tinha a sensação de que minhas pernas cederiam a qualquer
momento.
 
— É meu trabalho — disse ela e se sentou no chão aos meus pés,
pegando um e tirando a sandália rasteira que eu usava. — O que fez,
senhora?
 
— Eu não faço ideia — respondi levando as mãos ao rosto e jogando
meu corpo para trás no colchão macio enquanto Malika massageava meu
pé.
 
— Não pode dizer não a ele, senhora.
 
— Como não posso dizer não?
 
— Ele é o sheik, o príncipe. Ninguém o recusa e a senhora fez isso,
agora o motivou.
 
— Motivei? A quê?
 
— A Fera, senhora.
 
— Que conversa é essa de Fera, ouvi as meninas do harém
comentarem algo, mas não entendi nada.
 
— Ah, não deveríamos estar falando disso — disse ela se levantando
e puxando a barra do meu vestido para cima, fazendo-me levantar para tirar
a roupa.
 
— Me conte, Malika.
 
— Não é uma conversa para mulheres corretas, senhora — falou
jogando o vestido e o hijab no cesto, colocando em mim uma camisola.
 
— Malika? — insisti, mas ela não estava propensa a me contar, então
corri até a porta e tirei a chave. — Não sairá daqui até me contar.
 
— Não me coloque em problemas, senhora.
 
— Não a colocarei, só quero me conte para que eu saiba onde estou
pisando — falei e ela resmungou, soltando o cesto e me puxando pela mão,
fazendo-me sentar na cama outra vez.
 
— O sheik Faruk é conhecido como a Fera do Deserto. O apelido foi
dado pelas mulheres que já estiveram em sua cama — contou e arregalei
meus olhos.
 
— Ele é...
 
— Insaciável e aprecia a... caça, se é que me entende, mas nenhuma
mulher de fato o havia rejeitado, só feito joguinhos e ele aprecia, mas
agora... a senhora o rejeitou.
 
— Isso quer dizer que ele perderá qualquer interesse que tenha por
mim? — perguntei e ela negou com a cabeça com um movimento lento.
 
— Agora a senhora se tornou a presa dele, entende o que dizer não a
um homem poderoso significa?
 
Respirei fundo.
 
— Pode ir, Malika.
 
— Tenha cuidado, senhora. O sheik é um bom homem, não acho que
a obrigaria a algo que a senhora não queira, mas não acho que ele vai
desistir agora.
 
— Certo, vou pensar sobre isso, Malika. Pode ir, boa noite.
 
— Boa noite, senhora — disse ela e se encaminhou para a porta. —
Só mais uma coisa, senhora.
 
— Sim.
 
— Tenha em mente que o Sheik não é um homem com que a senhora
possa brincar — alertou e me deixou sozinha logo em seguida.
Capítulo 20
 
 
 
Hassan me deu um leve tapa no rosto quando entramos em minha sala
privativa.
 
— Se tocar em mim outra vez vai ter sérios problemas, Hassan —
falei.
 
— Então só a estrangeira pode te esbofetear? Não sabia que curtia
esse tipo de preliminar — zombou, acendendo um narguile.
 
— Não é nada disso.
 
— Quer dizer que não vai correr atrás dela?
 
— Ela é minha amiga e eu me excedi, me deixei levar. A culpa foi
minha.
 
— Isso não responde a minha pergunta.
 
— Não lhe dei o direito de perguntar nada.
 
— Deixe o príncipe de lado e converse comigo como irmão — disse
me oferecendo a mangueira do narguile, a qual eu aceitei.
 
Traguei e não o respondi.
 
— Por que não começa falando porque resolveu ajudá-la?
 
— Ela foi sincera comigo, sem máscaras, sem fingir ser quem não era
só para me impressionar, estava pouco se lixando para quem eu era,
inclusive me chamou de sheik metido do caralho — falei e ele gargalhou.
 
— Gosta dela porque ela está pouco se fodendo com o sheik.
 
— Gosto dela porque é sincera, não quer impressionar ninguém, só
ser ela mesma.
 
— Eu acho que isso parece conversa de gente que está se
apaixonando.
 
— E eu acho que você precisa de uma mulher para transar, a carência
te faz ver amor onde não existe.
 
— Quer saber a minha opinião?
 
— E eu tenho outra escolha a não ser ouvir?
 
— Não.
 
— Então diga.
 
— Estou louco para ver a fera do deserto ser domada, e acho que já
encontrou quem fará isso — falou e eu ri.
 
— Essa obsessão é só por ela ser proibida, logo vai passar.
 
— Então admite que está obcecado por ela.
 
— É mais curiosidade, um desafio e nada mais — falei e ele sorriu,
irritante.
 
— Não a desonre, sabe que mamãe não conseguirá encontrar um
marido tão bom assim para ela se souberem que ela está sob seus encantos.
 
— Primeiramente, Guadalupe não quer se casar, não assim, ela quer
amor, não aceitará se casar com ninguém que nossa mãe escolher.
 
— E você está dando graças a Allah por isso — disse ele e eu
dispensei o comentário com um gesto de mão.
 
— E não vou envergonhá-la a esse ponto, se ela vai permanecer aqui
terá todo o respeito que merece.
 
— Acho bom, porque ela parece uma boa moça.
 
— Ela é.
 

 
Mais tarde entrei em meu quarto, me troquei e deitei em minha cama.
Revirei de um lado para o outro, mas não conseguia dormir, ela
atormentava meus pensamentos, a sensação da pele macia do seu pescoço
sob meus lábios, sua boca que era mais suculenta do que eu imaginava,
doce como uma tâmara, a visão de seu corpo só com o biquíni improvisado.
Minha imaginação voou sem a minha permissão, flashes de mim
desfazendo cada nó improvisado naquele biquíni, meus lábios beijando seu
abdômen plano, minha língua lambendo seus mamilos fizeram meu pau
latejar e precisei fazer o que há muito não precisava, me aliviar com as
próprias mãos. Ela era como um oásis no meio do deserto.
 
Movimentei minha mão sobre o meu pau, acariciando em
movimentos de sobe e desce, e quando uma gota de pré-gozo surgiu, a
espalhei com o polegar, e a imagem dela ajoelhada entre minhas pernas,
deslizando a língua esperta sobre o meu pau me atingiu e não consegui
segurar um gemido e não demorou muito para que eu atingisse o clímax,
derramando meu gozo sobre os lençóis.
 

 
Quatro dias depois
 
Não me orgulhava pela outra noite, nem por tê-la tocado, nem por me
satisfazer sozinho, mas precisava me desculpar pelo primeiro, por isso
mandei chamá-la. Havia passado quatro dias infernais tentando me
concentrar, mas aquela garota não saía da minha cabeça, era como se
tivesse jogado algum tipo de feitiçaria, pois por mais que eu repetisse quão
proibida ela era, a vontade de a possuir só aumentava.
 
Estava alimentando Saramago que estava deitado aos meus pés
quando ela entrou.
 
— Mandou me chamar, alteza? — perguntou, mantendo certa
distância.
 
— Sente-se, Guadalupe — pedi e ela olhou para os lados. — Aqui,
comigo.
 
Olhou com receio para Saramago que comia sossegado, alheio a tudo
ao seu redor.
 
— Ele não lhe oferece perigo, venha — ordenei e ela acatou,
sentando-se como eu havia pedido. — Já tomou seu café da manhã?
 
— Não, alteza.
 
— Então tomaremos juntos assim que Saramago terminar — falei e
como se entendesse o que eu havia dito, o tigre se levantou, me ignorando
por completo, sentando-se ao lado de Guadalupe que arregalou os olhos e
parecia ter parado de respirar. — Relaxe, ele gosta de você, o que é no
mínimo estranho, pois ele não gosta ninguém, levando em conta que comeu
a última concubina que atrapalhou seu café da manhã.
 
Guadalupe ficou em choque, e vi o desespero em seu olhar quando o
tigre branco deitou-se e colocou a cabeça no colo dela e lambeu sua mão.
Ela liberou um resmungo de pavor e eu sorri.
 
— Estou brincando, teme feras, Guadalupe?
 
Ela abriu os olhos de imediato e me encarou.
 
— Sim — respondeu.
 
— Por quê?
 
— Porque elas machucam, e quase nunca dão a chance de salvação às
suas presas — respondeu e, por um segundo, pensei que ela não estivesse
falando de Saramago.
 
— Você tem razão, mas Saramago não vai machucá-la, fique
tranquila — falei e ela assentiu.
 
Servi café um uma xícara para ela e lhe entreguei, ela o tomou
tentando não fazer movimentos bruscos.
 
— Você precisa pedir para a sua cozinheira ter mais atenção — disse
ela.
 
— Por quê? — perguntei curioso.
 
— Ela esqueceu de coar o café — confessou, limpando a língua e eu
ri.
 
— É assim que o café é servido aqui — expliquei.
 
— Ah, nesse caso posso não beber o café?
 
— É claro — concordei sorrindo. — Ouça, Guadalupe.
 
— Sim.
 
— Gostaria de me desculpar com você.
 
— Comigo?
 
— Sim, pela outra noite.
 
— Não foi nada.
 
— É claro que foi, eu realmente sinto muito por tê-la tocado sem sua
permissão.
 
— E eu não deveria ter batido em você — respondeu e dispensei suas
desculpas com um aceno de mão e vi quando ela limpou o suor que brotou
em sua testa.
 
Sorri ao perceber que tinha escolhido o dia perfeito.
 
— Está com calor?
 
— Sim, alteza.
 
— Ótimo, pois tenho uma surpresa.
 
— Para mim? — Seus olhos se iluminaram.
 
— Venha — pedi, me levantando e estendendo a mão para ela.
 
Guadalupe aceitou meu toque e a ajudei a se levantar, então seguimos
pelo corredor com Saramago ao nosso lado.
 
— Estou curiosa — disse ela e seu sorriso era encantador.
 
— Já chegamos — falei quando parei em frente a uma porta.
 
Tirei a chave do bolso e estendi para ela.
 
— O que é isso?
 
— Abra a porta — falei e ela assentiu, fazendo o que pedi em seguida
e entrando.
 
Vi seus olhos se iluminarem.
 
— É uma lagoa.
 
— Sim, uma pequena lagoa artificial, é claro, tive que mandar fazer,
eu não tinha certeza, mas agora vejo que fiz o melhor.
 
— Como pode não ter ficado satisfeito antes? Olha só isso — disse
ela e correu para a beira da água, ajoelhando-se e molhando as mãos. — É
perfeita! O ambiente todo é perfeito!
 
— Fico feliz que tenha gostado.
 
— Não acredito que você tem uma lagoa particular.
 
— Eu não tenho.
 
— Dios mio, é do seu pai? Podemos estar aqui? — perguntou
alarmada, levantando-se.
 
— Acalme-se! Eu disse que a lagoa não é minha porque ela é sua.
 
— O quê? — perguntou surpresa, se aproximando.
 
— Mandei construir para você nos quatro últimos dias.
 
— Faruk! — exclamou e então me encarou. Desculpe, alteza.
 
— Não se desculpe. Eu gosto quando me chama pelo nome. Vamos
fazer um acordo, a lagoa é sua e você vai me chamar pelo meu nome. Aqui
pode usar biquíni, ninguém a incomodará e tem o mesmo sol da piscina lá
de fora.
 
— Dios mio, Faruk, não posso aceitar!
 
— Aproveite e estarei satisfeito.
 
— Mas...
 
— É uma ordem — apelei e ela sorriu.
 
— Tudo bem então. Mas como conseguiu isso em quatro dias.
 
— Eu consigo tudo o que quero, Guadalupe, ou acha que me
conhecem como a Fera do Deserto apenas pela minha beleza? — falei e a vi
engolir em seco, o olhar intenso no meu.
 
Eu seria capaz de apostar cada dirham[22] meu que aquela mulher me
desejava tanto quanto eu a desejava, ela só não admitia.
Capítulo 21
 
 
O celular de Guadalupe apitou, tirando-nos daquele momento e ela o
conferiu e vi aos poucos o sorriso dela se desmanchar.
 
— O que houve? — perguntei e ela engoliu em seco.
 
— Não é nada.
 
— Claro que é, me diga — pedi me aproximando.
 
Quando uma lágrima rolou pela sua bochecha não consegui evitar
tomar seu rosto em minhas mãos e secar a lágrima, acariciando a sua
bochecha.
 
— Não chore. Me diga qual o problema e resolverei imediatamente.
 
— Não há como resolver isso.
 
— Me diga.
 
— Acabei de perder meu último patrocinador — disse ela e minhas
sobrancelhas arquearam. — Meu pai com certeza, procurou um por um e
todos romperam comigo.
 
— Não precisa desse dinheiro, já falei que terá tudo o que precisa e
quiser, basta dizer. Construí uma lagoa privada para que você pudesse tomar
banho de biquíni, por que te negaria qualquer outra coisa?
 
— Você não entenderia.
 
— Explique, tente — pedi.
 
— Eu recebia uma quantia muito alta dos patrocinadores.
 
— Então deve ter uma quantia alta em caixa, ou seu pai tirou isso de
você também?
 
— Não tenho nenhum peso mexicano, sequer, todo dinheiro que eu
gastava era do meu pai.
 
— Então acho que realmente não entendo.
 
— Todo o valor que eu recebia não ficava para mim, pois eu não
precisava, então eu doava para um orfanato, e eles dependem desse
dinheiro, então meu medo não é por mim, é por eles.
 
Por um momento não consegui me expressar, nem esboçar reação
alguma, aquilo realmente havia me surpreendido.
 
— Você doa todo o dinheiro que recebe com as redes sociais, faz
aquelas dancinhas ridículas e não fica com nada?
 
— As crianças precisam mais do que eu, já é doloroso o suficiente
não ter um lar, não ter um pai ou uma mãe, imagina passar necessidade
também. — declarou e fiquei encantado.
 
— Então considere este problema resolvido — falei.
 
— Como?
 
— Mandarei uma quantia mensalmente mensalmente para eles, tem a
minha palavra — falei e o inesperado aconteceu.
 
Guadalupe me abraçou forte e uma agitação estranha me atingiu, mas
retribuí o abraço.
 
— Obrigada, alteza — disse ela, me soltando e a encarei com uma
sobrancelha arqueada. — Faruk... obrigada, Faruk.
 
Meu sorriso espelhava o dela. Além de tudo, Guadalupe ainda tinha
um coração genuinamente bom.
 
— Agora vá, aproveite o sol e a água, cuidaremos dessas transições
mais tarde — sugeri.
 
Como era normal em sua terra, Guadalupe arrancou o hijab e o
vestido ficando apenas de sutiã e calcinha e tive que me segurar para não
ficar encarando seu corpo, então virei-me de costas e ela riu, então ouvi o
barulho da água e só aí me voltei para ela. A garota nadava pela água que
era cristalina e não escondia muito do seu corpo bronzeado.
 
— Bem, aproveite, eu vou lhe dar privacidade.
 
— Obrigada!
 
Saramago saiu do meu lado e o acompanhei com o olhar.
 
— Saramago? Saramago? — chamei, mas ele não me ouviu, então
entrou na água, deixando Guadalupe com medo.
 
— Faruk, me ajuda.
 
— Calma, ele só está querendo se refrescar. Já disse que ele gosta de
você.
 
— Faruk, ele está vindo, Dios mio, Faruk me ajuda — pedia enquanto
Saramago se aproximava, mas eu sabia que ele não a atacaria. — Faruk?
 
Guadalupe ficou imóvel quando o tigre a alcançou e lambeu seu rosto
e eu ri.
 
— Saramago, venha, filho — chamei, mas ele só queria saber dela,
mas a coitada nem se mexia com medo.
 
Não tive outra opção, tive que entrar na água de roupa e tudo, me
aproximei dela e tirei Saramago para o lado, mas ele não parecia querer se
distanciar, nadava ao redor dela.
 
— Faruk me ajuda, por favor — pediu ela agarrando meu pescoço.
 
— Calma, eu estou aqui — falei e quando percebi minhas mãos
circundaram sua cintura fina e desnuda.
 
Puxei o ar com força e comecei a caminhar com ela na minha frente,
tentando manter Saramago longe, indo em direção à beirada da lagoa que
naquele momento pareceu enorme. Saramago pulou na frente dela e ela se
virou para mim, se agarrando ao meu corpo, outra vez e esbarrando em
minha ereção.
 
— Desculpe por isso, não dá exatamente para controlar — falei
quando ela se afastou um passo.
 
Como a água já estava um pouco para baixo da cintura, foi inevitável
que ela visse a minha ereção já que a túnica era branca e havia ficado
transparente depois de molhada.
 
— Madre de Dios, você não está usando cueca. Estou vendo o seu
pau, e ele é digamos... enorme!
 
— Não usamos cueca aqui. Afwan!
 
Guadalupe tampou os olhos com as mãos e me virei de costas para
ver se ela ficava menos envergonhada. Até parecia que ela nunca tinha visto
um homem assim.
 
— Já estou de costas, pode abrir os olhos — falei enquanto Saramago
nadava ao nosso redor.
 
— Você malha a bunda? — perguntou ela e me virei confuso.
 
— O quê?
 
— Madre de Dios, que vergonha! Também você queria o quê? O
tecido é transparente e está colado na sua bunda bonita, Allah te abençoou
de muitas formas, de frente, de costas... — disse e eu gargalhei quando ela
ficou ainda mais vermelha. — Eu deveria calar a minha boca agora.
 
— Estou me divertindo muito — falei e Saramago pulou perto dela,
assustando-a outra vez, fazendo-a pular em meu colo.
 
Eu não conseguia saber se Allah estava me castigando ou
presenteando com aquela oportunidade de provocá-la.
 
Com ela em meu colo, terminei o caminho até sair da lagoa e o tigre
continuou na água, brincando. Os olhos de Guadalupe encontraram os meus
e aquela intensidade toda estava lá outra vez e me peguei desejando provar
dos seus lábios de novo. Não sabia se ela me deixaria prová-la outra vez,
mas eu apreciava a caça e sabia ser paciente.
 
Quando aproximei meu rosto do dela, ela se afastou, por isso não
avancei mais.
 
— Já chega de nadar por hoje — disse ela, descendo do meu colo, eu
não a respondi, mas mantive meu olhar no dela.
 
E como se eu fosse realmente uma fera Guadalupe não me deu as
costas, como se eu pudesse atacá-la a qualquer momento, ela passou o
vestido pela cabeça e só jogou o tecido do hijab sobre seus cabelos
molhados, seguindo até a porta, sem tirar seus olhos dos meus.
 
— Venha quando quiser, tire a chave que está na porta e leve com
você. É seu lugar!
 
— Obrigada, Faruk — disse ela, fazendo uma reverência curta e
saindo enfim do oásis, mas não sem antes lançar um último olhar para o
meu pau à mostra pelo tecido molhado, então gargalhei e a porta bateu.
 
Saramago surgiu ao meu lado, colocando sua cabeça debaixo da
minha mão, pedindo carinho.
 
— Nossa garota é engraçada, não é, filho? — perguntei encarando-o e
seu rugido me alertou sobre o que eu realmente tinha dito.
 
Nossa garota!
 
Nossa garota? Quando isso aconteceu?
Capítulo 22
 
 
Se algumas pessoas do meu povo achavam que o mundo era injusto,
eles precisavam conhecer Faruk para ter certeza disso. O homem era bonito,
bilionário, inteligente, poderoso, tinha um tigre e ainda um pau
impressionante e a bunda mais bonita que eu já tinha visto.
 
O mundo realmente não era justo!
 
Fiquei surpresa quando Hassan mandou me chamar durante a tarde,
mas atendi seu pedido imediatamente.
 
— Deixe a porta aberta, por favor — disse ele. — Não quero que meu
irmão me mate ao saber que fiquei trancado em uma sala com você.
 
— O que disse? — perguntei, confusa.
 
— Ah, meu irmão é um grande seguidor das tradições, vai querer
zelar pela sua reputação.
 
— Ah, sim — concordei.
 
— Tem que ver, às vezes ele parece uma fera.
 
— Tá me zoando?
 
— De jeito nenhum, por que eu faria isso? — perguntou com o
maldito esgar nos lábios e revirei os olhos.
 
— Em que posso ajudar?
 
— Pode se casar com o meu irmão.
 
— O quê? — perguntei alarmada e ele gargalhou.
 
— Estou brincando. Na verdade, minha mãe arrumou um marido
muito rico para você e ele tem quase idade.
 
Senti meus olhos se arregalaram em desespero.
 
— Quem?
 
Ele abaixou a cabeça por um momento e puxou o ar com força, então
seus olhos sérios me encararam.
 
— Eu.
 
— Não tá falando sério!
 
— Olha, Guadalupe. Isso vai ser bom para nós dois, eu preciso de
uma esposa e você já passou da idade de se casar, mas eu não me importo
com isso, acho que podemos nos dar muito bem, tenho só cinco anos a mais
que você.
 
— Sua mãe decidiu isso? — perguntei e ele franziu as sobrancelhas.
 
— Sim, junto comigo, por isso quis te contar pessoalmente.
 
Aquilo não podia estar acontecendo, então uma gargalhada soou no
escritório.
 
— Madre de Dios, você não consegue falar sério, Hassan? Quer
mesmo me fazer enfartar.
 
— Desculpe! — pediu ainda rindo.
 
— Qual o seu problema, homem? — perguntei.
 
— Desculpe, eu não resisti, mas fique tranquila, isso nunca
aconteceria.
 
— É lógico que não.
 
— Mas vamos ao que interessa — disse, me indicando a cadeira para
que eu me sentasse.
 
— Em que posso ajudar? Dessa vez falando sério.
 
— Faruk me pediu para cuidar de uma transação que você precisa
fazer mensalmente, então preciso de todos os dados para deixar tudo
programado. Acha que cem mil dólares por mês são suficientes?
 
— Cem mil dólares? Por mês? — perguntei embasbacada, o que eu
recebia dos patrocinadores não somava aquele valor.
 
— Wallah wallah, podemos transferir duzentos ou trezentos mil, não
tem problema, só chutei assim por cima, como não sei do que se trata, mas
pode me passar o valor que faremos.
 
— Em primeiro lugar — falei —, não pedi esse dinheiro ao seu irmão
e não é para mim.
 
— Se quer saber, não pensei isso em momento nenhum.
 
— Fico feliz em saber disso, mas se puder me contar para o que é
podemos acertar a quantia conforme a necessidade.
 
— É para um abrigo de crianças órfãs — informei e ele me encarou
curioso. — O que foi?
 
— Sabe, no fundo eu sabia que era algo assim. Meu irmão escolheu
bem a quem ajudar.
 
— Obrigada!
 
Depois disso passei todos os dados para ele que me garantiu que tudo
seria ajeitado e nada faltaria às crianças, fazendo-me prometer que se um
dia fôssemos para o México, eu o levaria para conhecer as crianças.
 
— Agora está liberada.
 
— Mais uma vez, obrigada — falei me levantando e me dirigindo
para a porta do escritório.
 
— Ah, Guadalupe?
 
— Sim?
 
— Gosta de observar as estrelas?
 
— Sim — respondi, estranhando a sua pergunta.
 
— Bem, depois de um gesto como esse de doação, as estrelas podem
realmente te abençoar. No corredor leste do segundo andar, na sexta porta à
esquerda abre diretamente para um terraço, o lugar é meu, ninguém vai lá,
mas acho que posso ceder para você apenas essa noite, é a melhor visão do
céu. Depois da meia-noite é ainda mais perfeita a visão, não aparecerei por
lá hoje, então aproveite.
 
— Obrigada — agradeci de coração.
 
Observar as estrelas e a lua era um dos meus passatempos preferidos
e eu não perderia aquela oportunidade.
 

 
O jantar foi tranquilo, embora eu não tivesse conseguido encarar
Faruk. Zaya, mãe do shei, parecia estar encantada comigo, era muito
simpática e prestativa, estava realmente arrependida de seu erro no primeiro
dia. Samira vinha conversar comigo sempre que podia, mas eu sabia que ela
era encarregada de cuidar das coisas do Faruk, por isso era Malika que me
ajuda.
 
Voltei para o meu quarto e Malika estava lá me esperando.
 
— Senhora, vai se preparar para dormir?
 
— Sim, mas quero observar a lua antes de dormir.
 
— Ah, faz muito bem. Vou prepará-la!
 
Malika me ajudou a me trocar, colocando uma camisola muito bonita
e uma espécie de robe por cima, também longo e da mesma cor que a
camisola, tirou a maquiagem e deixou meus cabelos soltos, mas jogou um
véu por cima dos fios e os enrolou no tecido, mas sem prendê-los de fato.
 
— Mantenha o robe fechado e o véu sobre a cabeça enquanto estiver
do lado de fora, senhora — orientou.
 
— Obrigada. Pode ir descansar, Malika.
 
— Boa noite, senhora!
 
— Boa noite!
 
E assim ela deixou meu quarto.
 
Olhei no relógio e ainda faltavam dez minutos para a meia-noite. Me
olhei no espelho, minha pele estava maravilhosa, nem todos os cremes
caros que eu usava haviam deixado a minha pele tão resplandecente como
estava agora. Conseguir que as crianças não ficassem desamparadas tinha
feito eu ganhar meu dia, eu não poderia visitá-las toda quarta-feira de
manhã, mas elas estariam muito bem amparadas.
 
Fui até a minha sacada e realmente não dava para ver a lua, vi as
luzes do palácio serem apagadas uma a uma, janela por janela, então soube
que aquele era o momento.
Capítulo 23
 
 
Abri a porta do meu quarto e tudo estava escuro e em silêncio. Saí
descalça e comecei a caminhar em direção ao terraço que Hassan havia me
indicado, seguindo suas orientações, encontrei sem dificuldade nenhuma.
 
O lugar era realmente lindo, ficava virado para o outro lado do
palácio, dando-me a vista perfeita da lua enorme que enfeitava o céu,
rodeada por estrelas brilhantes. A noite estava espetacular. Puxei meus
cabelos com o lenço para a lateral do meu pescoço, deixando minha nuca
livre porque o calor estava terrível e me debrucei sobre o beiral da sacada e
fiquei observando a lua cheia por alguns minutos, até que minha pele se
arrepiou, como se eu estivesse em perigo. Senti a presença de alguém e
estranhamente eu sabia quem era.
 
— Sei que você é o sheik, mas acho que não deveria estar aqui —
falei.
 
— É você quem não deveria estar aqui — disse ele e só então percebi
que estava tão perto, sua respiração em minha nuca.
 
— Tenho permissão para estar aqui.
 
— É mesmo? E quem permitiu? — perguntou aproximando sua boca
do meu ouvido, eu ainda estava de costas para ele.
 
— O.. o dono deste lugar — respondi gaguejando.
 
— Engraçado, eu sou o dono e não me lembro de lhe dar permissão
de vir ao meu terraço tarde da noite.
 
— Seu terraço?
 
— Sim, meu — sussurrou.
 
Fechei os olhos com força.
 
— É claro que é seu.
 
Eu poderia matar Hassan por armar aquela para mim.
 
— Está gostando da vista?
 
— É linda, sinto muito por estar aqui sem a sua permissão — falei e
me virei, na intenção de sair dali.
 
Mas encontrei seus olhos chocolate em mim, tão perto. Suas mãos
foram uma para cada lado do meu corpo, apoiando-se no beiral da sacada,
prendendo-me ali.
 
— Veio apreciar as estrelas?
 
— Sim.
 
Então ele se afastou um passo e me indicou a vista. Me virei outra vez
e ele fez o mesmo, ambos encarando o céu.
 
— Só tem um lugar em que a vista do céu é mais bela do que aqui —
disse ele.
 
— Onde? — perguntei, curiosa.
 
— No deserto.
 
— Não estamos no deserto? — perguntei e ele riu.
 
— Sim, mas quero dizer o deserto aberto, onde não há cidade alguma
por perto. É algo incrível, mágico, observar a lua de lá.
 
— Se é assim, quero ver um dia.
 
— Eu te levo — disse ele e o encarei por um momento, voltando meu
olhar para a lua em seguida. — É linda!
 
— Sim — respondi sorrindo, encarando a lua.
 
— Hoje está ainda mais.
 
— Tem sorte por poder vê-la aqui do seu terraço.
 
— No meu terraço, você quer dizer.
 
— Não quero corrigi-lo, mas acho que... — minha fala morreu
quando me voltei para ele outra vez e ele ainda mantinha os olhos em mim.
— Não está falando da lua — constatei e ele negou com a cabeça.
 
— Você tem noção do quanto tem mexido com a minha mente? —
perguntou e foi a minha vez de negar com a cabeça. — Te conheço a
poucos dias, Guadalupe e você se infiltrou em minha cabeça como uma
feiticeira.
 
— Não sei do que está falando.
 
— Eu só penso em te dar o mundo, em tê-la para mim.
 
— Durante quanto tempo? Ou seria até alguém mais interessante
aparecer?
 
— Por que reluta tanto? Seria tão ruim assim ser minha?
 
— Seria ruim me machucar.
 
— Eu nunca a machucaria, minhas intenções são outras — disse
aproximando seu corpo do meu. —, um beijo a machucaria? — perguntou e
neguei com a cabeça. — Sabe o quanto tenho ansiado por outro beijo seu?
Me permita, Guadalupe!
 
Quando seus dedos tocaram meu rosto e logo depois puxou com
gentileza o véu que estava em meus cabelos, libertando-os e embrenhando
os dedos em meus cabelos em seguida, e seus olhos brilhavam de desejo
nos meus, eu sabia que estava perdida. Quando seu polegar roçou meu lábio
inferior e seu olhar correu pela minha boca, fazendo-o engolir em seco em
seguida, não resisti a fechar os olhos e levantar mais a cabeça em sua
direção.
 
Faruk não perdeu tempo, seus dentes seguraram meu lábio inferior
onde seu polegar roçou segundos atrás e não consegui conter um suspiro
quando sua boca deixou a minha e sua língua deslizou pelo meu pescoço,
deixando uma chupada leve atrás da minha orelha, voltando para a minha
boca em seguida.
 
O beijo começou calmo e terno, mas logo evoluiu para luxúria pura, o
desejo nos tomando, sua língua explorando a minha boca, e suas mãos
correndo pelo meu corpo e as minhas se embrenhando em seus cabelos,
derrubando seu turbante. Ele me estreitou em seus braços, me levantando
em seguida e colocando sentada no beiral do terraço. Não tive medo de cair,
me sentia segura com ele, sabia que ele não me deixaria cair.
 
— Seja minha — sussurrou ele e voltei a mim.
 
Faruk estava se aproximando cada vez mais do meu coração e eu não
podia permitir aquilo sem saber que ele queria algo sério comigo, eu tinha
guardado algo meu para alguém especial, e não poderia entregar a ele sem
ter certeza.
 
— Faruk? — chamei.
 
— Sim?
 
— Não podemos.
 
— Por que não? Não me deseja como te desejo?
 
— Não é isso.
 
— É por que sou mais velho? É isso? — perguntou me encarando,
preocupado.
 
— Não é isso. É só que...
 
— Diga — pediu.
 
— Só não foi assim que imaginei que seria a minha primeira vez. Eu
quero sentir tudo... você não entenderia.
 
— Eu entendo, a nossa primeira vez juntos merece mais do que isso,
você merece mais do que um ato impulsivo assim — disse ela e desviei o
olhar. — O que foi? — Não respondi. — Guadalupe? Ei, o que está
havendo? — perguntou segurando meu queixo e levando meu olhar para o
seu outra vez. — Escute, vá para o seu quarto e descanse, amanhã teremos
um dia cheio — disse e me deu um beijo na cabeça. — Te vejo amanhã de
manhã, tudo bem?
 
— Claro — respondi e sai dali com as pernas bambas.
 
Me sentia como se tivesse perdido uma grande oportunidade, mas
precisava que fosse mais do que aquilo. Ele podia ser um sheik árabe,
bilionário e estava conseguindo alcançar meu coração pouco a pouco, mas
eu tinha o desejo bobo de que fosse especial e não aceitaria menos que isso.
Capítulo 24
 
Andei de um lado para o outro, não consegui dormir, só pensando
nela. O que aquela filha de Santa la Muerte estava fazendo comigo? Eu não
tinha ideia, mas estava disposto a qualquer coisa para tê-la.
 
Quando o dia estava amanhecendo eu ainda estava no terraço, mas
entrei e fui fazer o Azan do Fajr[23].
 
Cheguei à sala de café me sentindo ansioso, mas uma sensação
estranha me atingiu quando vi Hassan e Guadalupe sozinhos ali, rindo
juntos, como se fossem íntimos.
 
— Marhaba! — cumprimentei.
 
— Marhaba! — devolveram o cumprimento em uníssono.
 
— Onde estão todos? — perguntei.
 
— Nosso pai está no quarto ainda, e nossa mãe não faço ideia de onde
está. Said precisou viajar, então tive o privilégio de fazer companhia a
Guadalupe — disse Hassan, todo galanteador e arqueei uma sobrancelha
para ele.
 
— Hum, é mesmo?
 
— Sim — disse ele e vi Guadalupe puxar o ar com força.
 
— Tudo bem com você? — perguntei a ela.
 
— Eu estou ótimo! — disse Hassan, intrometido.
 
— Mashallah, irmão. Mas e você Guadalupe, como está?
 
— Estou bem, shukran!
 
— Na verdade, não me parece tão bem assim — disse Hassan. —
Veja essas olheiras que começaram a aparecer, você parece cansada. Teve
insônia? Ou talvez tenha sido o ar frio da noite que não a deixou dormir?
 
Guadalupe cerrou os olhos na direção dele.
 
— Eu dormi muito bem, shukran — insistiu ela.
 
— Olha, se eu não soubesse o quanto vocês são amigos, poderia dizer
que vocês passaram uma noite como um casal apaixonado. Veja como
Faruk está com a cara toda amassada de quem teve uma péssima noite de
sono. Dormiu no chão, irmão?
 
— Wallah wallah, você parece muito engraçadinho hoje.
 
— Ah, eu estou de ótimo humor. Tive a noite dos meus sonhos —
disse ele e minha mãe escolheu aquele momento para entrar.
 
— É mesmo, Hassan? E o que fez de tão interessante? — perguntou
ela, se sentando ao meu lado.
 
— Eu não poderia dizer-lhe, mãe.
 
— Wallah wallah! — exclamou ela. — O que fará hoje, Faruk?
 
— Bem, vou levar Guadalupe para conhecer alguns lugares, desde
que ela chegou não saiu do palácio — falei e os olhos dela procuraram os
meus.
 
— Ah, faz muito bem, Faruk. Mostre a ela as nossas tradições, fará
bem a ela se acostumar — disse minha mãe, mas sorria para Guadalupe e
não para mim. — Tenho certeza de que aproveitará o passeio, querida.
 
— Shukran.
 
O café da manhã foi tomado com uma conversa amena, embora
Hassan estivesse bem engraçadinho e eu podia sentir minha mãe
preocupada e observadora.
 
Quando Guadalupe se levantou da mesa, fui atrás dela em silêncio e
quando chegamos perto da biblioteca a puxei para dentro, fechando a porta
atrás de nós.
 
— Faruk, o que está fazendo? — perguntou surpresa.
 
Eu já não conseguia mais conter aquilo, o que quer que fosse já havia
me tomado e quando minhas mãos tocaram seu rosto miúdo e delicado, seus
olhos cor de mel se fecharam e não pude resistir a beijar sua boca. Nossos
lábios estavam ávidos um pelo outro e eu sentia que poderia morrer se me
separasse dela, mas sabia que algo melhor e mais especial me aguardava e
precisava agilizar tudo como ela merecia. Encostei minha testa na dela logo
após encerrar o beijo quando precisei de ar e sorri. Estava parecendo um
adolescente bobo e ansioso.
 
— Se prepare, vamos sair em uma hora para fazer um passeio — falei
e ela assentiu.
 
Guadalupe estava com os lábios inchados pelo beijo e as bochechas
coradas.
 
— Me espere, procurarei por você quando for a hora de sairmos.
 
Toquei meus lábios nos dela outra vez, mas agora de forma mais
calma, então sai a fim de preparar tudo o que precisava. Queria fazer
daquela experiência o melhor possível para Guadalupe.

 
Uma hora depois meu Jeep ganhava velocidade sobre a areia do
deserto.
 
— A cidade não é para o outro lado? — perguntou Guadalupe,
animada.
 
— É sim, mas o passeio de hoje não será na cidade.
 
— Mas só tem areia por todos os lados aqui, o que poderemos fazer
num lugar como esse? — perguntou e eu ri.
 
— Você ficaria surpresa — respondi e a vi ficar envergonhada e
desviar o olhar. — Ei — toquei seu queixo com uma das mãos enquanto
mantinha a outra no volante —, relaxe está bem?! Vamos só aproveitar o
dia. Tenho uma surpresa.
 
Guadalupe assentiu e sorriu.
 
O Jeep era veloz e como o tempo estava bom, não demoramos a
chegar ao nosso destino. A grande tenda já estava montada de forma segura
e arrumada como eu havia solicitado.
 
— Faruk, isso é incrível! Parece até uma casa. É tudo tão colorido e
lindo — disse ela, encantada.
 
— Fico feliz que tenha gostado, preparei tudo pensando em você —
falei e a vi sorrir de forma diferente, eu sabia o que aquele sorriso
significava. — Wallah wallah, o quê? Estou falando a verdade.
 
— E para quantas mulheres fez isso? — perguntou.
 
— Para nenhuma — falei e ela riu. — Debochar de mim é algum tipo
de esporte para você?
 
— Você me pediu sinceridade sempre, Faruk, então também quero a
sua. Nada de joguinhos para conseguir o que quer.
 
— Não vou mentir e dizer que não espero algo mais de você — falei
indo para trás dela, segurando a sua cintura —, porque, acredite, nunca
estive tão ansioso para estar dentro de uma mulher como estou para estar
com você — sussurrei em seu ouvido e vi sua pele se arrepiar. — Mas não
foi por isso que preparei tudo, realmente quero que tenha um dia agradável
e se divirta.
 
— Não sei o porquê, mas acredito em você. Mas também tenho medo
— admitiu.
 
— Wallah wallah, medo de quê? De mim? — perguntei virando-a de
frente para mim, segurando seu queixo e direcionando seu olhar ao meu.
 
— Não de você, mas de como as coisas estão indo rápido, de toda
essa intensidade.
 
— Essa intensidade é nova para mim também — admiti olhando em
seus olhos.
 
— Desculpe, mas eu tenho que perguntar.
 
— Pergunte — falei roçando meus lábios nos dela.
 
— Este que está falando é o Faruk que eu conheço ou a Fera do
Deserto?
 
Aquilo me chamou a atenção.
 
— Onde ouviu isso? — perguntei, afastando meu rosto do dela,
querendo enxergar seus olhos, mas ela os desviou. — É disso que você tem
medo de verdade? De ser colocada como mais uma lista que na verdade
ninguém além de mim sabe se realmente é verdade ou não?
 
Ela não respondeu, nem olhou para mim de novo, mas quando a ponta
da minha língua tocou seu lábio inferior, ela fechou os olhos por um
segundo e quando os reabriu, enfim me encarou.
 
— É disso que tem medo? — insisti. — Não precisa temer por isso.
Você nunca poderia ser colocada em uma lista como essa, você é
completamente diferente de qualquer mulher que já conheci e não, não é a
Fera falando, sou eu. Eu quis te trazer comigo justamente por isso, porque
você é diferente de tudo e realmente a aprecio muito, então não interessa o
que aconteça entre nós, você jamais será colocada em uma lista qualquer,
Guadalupe.
 
Apesar de estar sendo sincero, me senti um pouco decepcionado
comigo mesmo, porque tinha a sensação de que a Fera estava sim falando
naquele momento.
 
Vi Guadalupe tomar fôlego e em seguida sua boca atacou a minha em
um beijo faminto que era cheio de promessas, mas assim como ela era
especial para mim, queria que fosse tudo perfeito para ela, então encerrei o
beijo antes que a fera dentro de mim tomasse conta por completo.
 
— Se continuar me beijando assim não conseguirei me segurar —
falei e ela riu.
 
Ela olhou ao redor outra vez ao redor.
 
— Isso é tão lindo!
 
— Então faça o que está louca para fazer, que eu sei — falei sorrindo
e ela me olhou sem jeito.
 
— O quê?
 
— Mostre tudo aos seus seguidores — falei e ela sorriu abertamente,
fazendo meu peito esquentar e me deixar confuso porque aquilo acontecia
sempre que eu a fazia sorrir.
 
Mas algo pareceu lhe ocorrer e seu sorriso foi morrendo.
 
— O que foi? — perguntei.
 
— Não posso mostrar isso.
 
— Acha que seus seguidores não gostariam de ver?
 
— Eles amariam, mas...
 
— Mas?
 
— É lógico que assim que meu pai ou Hernández verem isso, saberão
exatamente onde estou.
 
— Preste atenção no que vou te dizer — pedi, tirando uma uva do
cacho que estava na cesta de frutas e colocando na boca dela —, você é
maior de idade, seu pai não pode simplesmente te arrastar de volta.
 
— Acredite, ele faria isso.
 
— Eu não permitiria isso. Faça o seu trabalho, ou faça só por
diversão, faça o que quiser sem medo. Você só sai do meu palácio se for da
sua vontade, caso contrário ninguém conseguirá tirá-la de lá. Nisso você
tem a minha palavra! Então não tenha medo de viver como quer, eu
garantirei isso. Se ele vier, o problema será meu, pois o seu problema
tornou-se meu no instante que você adentrou o meu palácio.
Capítulo 25
 
Guadalupe parecia radiante, era divertido vê-la falando com seus
seguidores. Ela abriu uma transmissão ao vivo e mostrava tudo ao redor,
preservando minha imagem, é claro. Ela leu um comentário sobre a roupa
que ela usava e o hijab, então respondeu, mostrando tudo nos mínimos
detalhes. Outro comentário sobre o hijab veio, elogiaram o véu, mas
disseram que o cabelo dela era bonito demais para ficar escondido e com
aquilo eu concordava.
 
Me aproximei, ficando às suas costas, como eu era muito mais alto
que ela meu rosto não apareceu na câmera do celular, só do meu pescoço
para baixo foi filmado, e sabia que aquilo renderia muita conversa para ela,
sorri ao pensar nisso, era o tipo de coisa que ela gostava, então desenrolei
com cuidado o hijab da sua cabeça e logo depois soltei os grampos que
prendiam os fios, deixando-os cair em cascata sobre seus ombros e costas.
 
Pela primeira vez a vi ficar sem reação, apenas observando nossa
interação pela tela do celular enquanto centenas de comentários invadiam
furiosamente a tela do celular. Como já havia feito antes, tirei outra baga de
uva do cacho e coloquei em sua boca, e só então me afastei e ela voltou a
falar com os seguidores que ao que parecia ficaram em polvorosa para saber
quem estava com ela.
 
Depois de mais uns quinze minutos ela encerrou a transmissão.
 
— Você os deixou loucos!
 
— Te arrumei problemas? — perguntei me preocupando, mas
colocando um damasco na boca.
 
— Tá brincando? Salvei a live, estão compartilhando e comentando
como nunca. Com um alcance rápido e alto, nem mesmo meu pai vai
conseguir barrar os patrocinadores e poderei voltar a passar o dinheiro para
o lar das crianças.
 
— Já falei que não tem que se preocupar com isso, nada,
absolutamente nada faltará a essas crianças.
 
— Eu sei disso, e sou muito grata, mas quero eu poder ajudá-las.
 
— Eu te entendo — falei e entendia mesmo.
 
O pertencer e ser útil eram necessários para mim também.
 
— Eu vou conseguir! — disse ela, animada.
 
— Eu não tenho dúvidas disso — falei e bati nas almofadas ao meu
lado, pedindo para que ela se sentasse.
 
Quando seu corpo caiu ao lado do meu nas almofadas fofas que
forravam o chão ali, não consegui evitar me aproximar e sentir o cheiro da
sua pele perfumada, mas meu movimento a deixou arrepiada, então tentei
me segurar, ainda não era hora para aquilo.
 
— O pessoal pareceu curtir meu novo visual, adoraram o hijab —
disse ela, sorrindo.
 
— Mas também disseram que gostam mais dos seus cabelos soltos.
Eu também os prefiro assim, à mostra. Encantaria qualquer homem só com
os seus cabelos — falei e ela riu.
 
— Tenho uma curiosidade.
 
— Se eu puder satisfazê-la — falei.
 
— Sua mãe me disse que nas famílias mais tradicionais o homem não
pode ver sua noiva sem o hijab e o véu do rosto antes do casamento,
embora muitas delas já tenham se modernizado.
 
— Sim, isso é verdade.
 
— Então como podem se apaixonar? Quer dizer, a mulher ver o rosto
do homem, mas ele não a ver, como pode escolhê-la para passar o resto da
vida ao seu lado? — perguntou e eu ri.
 
— Pense assim: a visão é com certeza um dos sentidos mais
importantes, porém, apesar de facilitar muito para nós, muitas vezes ela
acaba nos atrapalhando.
 
— Isso é absurdo! Não faz sentido!
 
— É claro que faz! Pense pelo lado que se o homem escolhe uma
mulher para casar só porque vê o rosto dela e a acha bonita, ele se apaixona
pela beleza dela, então para onde vai esse amor quando a beleza acaba?
 
— O quê? Não é assim que funciona — protestou ela.
 
— É claro que é! Se ele não a viu, vai construir um amor maior,
baseado em quem ela é e não na beleza exterior dela.
 
— Bobagem! — zombou.
 
— Ah é, espertinha? Eu posso te provar que sem a visão os outros
sentidos funcionam muito melhor.
 
— Pois eu duvido!
 
Olhei ao redor, haviam vários lenços ali, mas eu queria um que fosse
realmente escuro, então encontrei um perfeito, preto.
 
— Venha — chamei e me sentei sobre os meus calcanhares.
 
Então ela fez o mesmo, imitando a minha posição.
 
— O que vai fazer? — perguntou, curiosa.
 
— Vou te vendar só por um minuto, mas antes — peguei uma uva e
coloquei na boca dela. — Me diga que gosto tem.
 
Ela mastigou e pareceu ponderar por um momento.
 
— É azeda — respondeu.
 
— Azeda? É isso que tem a dizer da uva?
 
— É azeda, ué! — insistiu e eu ri.
 
— Certo, agora vou vendar você — informei e ela revirou os olhos.
— Não seja malcriada.
 
— E lá vamos nós — disse ela enquanto eu colocava o lenço sobre
seus olhos e o amarrava na parte de trás da sua cabeça, mas sem cobrir seus
ouvidos para que a sua audição funcionasse perfeitamente.
 
— Preste atenção, Guadalupe — falei após um momento. — Você
precisa se concentrar em tudo ao seu redor.
 
— Certo — concordou ela.
 
Peguei o jarro de água fresca e servi um pouco em um cálice e ela
virou sutilmente o rosto na direção do som da água escorrendo, eu sorri.
 
— Vou facilitar para você, é só água, beba para tirar o sabor da uva da
sua boca — falei e ela assentiu com a cabeça.
 
Levei o cálice até a boca dela e entornei, deixando a água fresca ir até
seus lábios. Uma gota escapou e escorreu, balancei a cabeça em negativa,
não podia me distrair. Coloquei o cálice sobre a mesa e peguei algumas
uvas. Esperei alguns segundos para que ela aguçasse mais seus sentidos, em
busca de descobrir o que eu estava fazendo e quando a percebi começar a
ficar ansiosa, aproximei minha mão da sua boca, oferecendo-lhe a uva e
esperando até que ela mastigasse e engolisse.
 
— Agora me diga que sabor tem — pedi.
 
— É fresca...
 
— Sim.
 
— Azeda, mas também um pouco doce — disse ela e eu sorri,
oferecendo-lhe mais uma baga da fruta.
 
— E o que mais?
 
— A casca é firme e mais azedinha do que o miolo que é suculento e
mais adocicado.
 
— Então ela não é apenas azeda?
 
Guadalupe pressionou seus lábios um contra o outro e depois sorriu,
levando as mãos à venda.
 
— Ei!
 
— Calma, ainda não — falei colocando minhas mãos sobre as dela,
impedindo-a de tirar a venda.
 
— Certo — concordou sorrindo.
 
— Vamos dificultar um pouquinho as coisas, fazer seus sentidos
trabalharem um pouquinho mais — falei e me levantei.
 
— Como assim?
 
Liguei a música bem baixinha e ela sorriu.
 
— Ok — concordou e eu sorri.
 
— Agora, eu vou adoçar a sua boca — sussurrei em seu ouvido
direito.
 
Peguei uma trufa que estava embrulhada e a desembrulhei, deixando
o barulho da embalagem não muito perto, mas também não muito longe do
seu ouvido esquerdo.
 
Quando me ajoelhei outra vez em sua frente, ela já abriu um pouco a
boca, esperando que eu lhe oferecesse a trufa, sem nem mesmo ter certeza
do que era, sorri ao perceber o quanto ela realmente confiava em mim
naquele momento. Aproximei o chocolate dos seus lábios e ela mordeu,
deixando uma gota da calda do recheio sujar o canto da sua boca e dessa
vez não me contive, aproximei meus lábios dos dela e chupei com sutileza o
doce que havia ficado ali, deixando-a arrepiada.
 
— Que gosto tem? — perguntei.
 
— Quem? — respondeu ela e eu ri fraco.
 
— O doce, Guadalupe.
 
— Isso não vale, você me desconcentrou, não sei responder —
choramingou.
 
— Concentre-se, Guadalupe — ordenei e ela respirou fundo, então
lhe ofereci mais um pedaço da trufa.
 
— Que gosto tem? — perguntei outra vez.
 
— É um pouco amarguinho o chocolate, mas quando se mistura com
o recheio fica doce no ponto perfeito.
 
— O que mais?
 
— É macio, mas o recheio além da calda, tem algo mais. É mais firme
que o chocolate.
 
— E o que é? — perguntei e ela pareceu pensar.
 
— Tâmara. E nossa, é delicioso.
 
— Exatamente. Agora, e se eu te disser que as trufas de tâmara não
são nem um pouco atraente aos olhos?
 
— Eu teria que te dizer que estou decepcionada porque está
quebrando nosso acordo e mentindo para mim.
 
— Não estou mentindo.
 
— É impossível que algo tão gosto seja feio.
 
— Pois é, geralmente, quando se vê algo que inicialmente não agrada
aos olhos a tendência é achar que aquilo não tem nada de bom a oferecer.
Quando alguém que nunca provou uma autêntica trufa de tâmara a ver pela
primeira vez, a primeira reação é recusar prová-la. Com as pessoas não é
diferente.
 
— Tá querendo dizer que quando um homem vê uma mulher feia ele
não quer comer ela porque acha que ela não vai ser boa de cama? —
perguntou e gargalhei alto.
 
— Não era bem isso que eu queria te ensinar, mas acho que serve de
certa forma. O que quero realmente dizer é que os olhos nos enganam, a
beleza não está nos olhos de quem vê, está no interior de quem é observado.
Se você conhece o sabor da trufa de tâmara, a aparência dela já não importa
porque você sabe que o sabor é bom, e assim são as pessoas também.
 
— Muito sábio!
 
— Não é sabedoria, é lógica.
 
— Entendi, mas e se por acaso uma tâmara estragada tiver sido
colocada na trufa, não estragaria o sabor?
 
As perguntas dela estava no levando a um caminho ainda melhor do
que o que eu havia programado.
 
— Sim, por isso é importante conferir a textura da trufa com o tato, o
cheiro.
 
— É sério? — perguntou e eu me levantei.
 
— Vamos deixar isso mais interessante, Guadalupe.
Capítulo 26

 
— Como assim mais interessante? — perguntou ela com a respiração
um pouco alterada.
 
Eu tinha certeza de que ela não sabia exatamente o que eu faria, mas
sabia onde aquilo nos levaria.
 
— Você confia em mim? — perguntei, sussurrando em seu ouvido.
 
— Bem, estou sozinha no meio do deserto, sem nada ao redor por
muitos quilômetros e estou vendada. Se isso não é confiar ao extremo, não
sei o que mais é — disse ela sorrindo e não consegui evitar retribuir o
sorriso, mesmo sabendo que ela não veria.
 
— Você está certa, mas vamos combinar que se você sentir o mínimo
de desconforto, ou se quiser que eu pare, basta dizer. Basta uma palavra sua
e eu paro no mesmo instante, combinado? — perguntei e ela assentiu com a
cabeça. — Não te ouvi, Guadalupe — insisti e me abaixei, planto um beijo
casto em seu pescoço.
 
— Combinado — concordou e eu fechei os olhos com força, de
alguma forma sabia que estava rompendo uma barreira, perdendo uma parte
de mim que eu não sabia qual era, mas ter aquele momento com ela era
mais importante do que qualquer parte minha. Não era pelo sexo, ela por ser
com ela. Eu não entendia o que aquilo queria dizer, mas sabia que eu não
poderia voltar a ser o mesmo depois daquilo.
 
— Levante os braços — ordenei e ela obedeceu de imediato.
 
Abaixei-me mais e peguei a barra do seu vestido, passando-o por sua
cabeça. Me levantei e a observei por um instante, a pele alva sob o lingerie
preto, os cabelos loiros caindo em cascata nas costas e também sobre os
seios, os olhos ainda vendados, lábios rosados e entreabertos com a
respiração irregular. Entregue. Era a personificação de todos os meus
desejos mais secretos.
 
Dei alguns passos ao redor dela enquanto a via ficar ansiosa, sem
saber o que aconteceria.
 
— Preste atenção nos seus sentidos, Guadalupe, se concentre — falei
e ela engoliu em seco.
 
Alcancei uma pena grande que estava em um dos vasos dourados ali
do lado e parei atrás dela. Observei a suave curva no meio das suas costas e
a bunda redonda com a calcinha pequena e escura contrastando com a sua
pele. Eu queria lamber e beijar cada pedaço daquela mulher e se ela
permitisse, eu faria exatamente isso pelo máximo de tempo possível.
 
Com a ponta de pluma da pena tracei um caminho desde a base da sua
coluna até a sua nuca, fazendo-a se arrepiar. Então me abaixei e alcancei o
fecho do seu sutiã.
 
— Eu vou tirar — falei abrindo o fecho e ela assentiu, deixando-me
livrá-la da peça.
 
Me levantei outra vez, o calor estava terrível ali e a temperatura
parecia subir cada vez mais com o nosso jogo, então tirei a túnica e o
turbante e fiquei com a calça que usava por baixo. Dei uma volta completa,
observando-a, sentindo meu pau duro dentro da calça de tanto tesão, com
cuidado me aproximei e me ajoelhei à sua frente, sem que ela me notasse e
plantei um beijo em seu pescoço, fazendo-a soltar um gemido de surpresa,
então me afastei.
 
— Faruk, assim você me enlouquece.
 
— A intenção é essa — sussurrei em seu ouvido e a vi ofegar.
 
Me abaixei um pouco mais, sem tocá-la, e a seguir capturei um dos
seus mamilos intumescidos com a minha boca, lambendo e chupando,
arrancando dela outro gemido, dessa vez de tesão e não só de surpresa.
Assoprei o mamilo quando o liberei da minha boca e em seguida deslizei a
pele por ambos os seios e com a outra mão toquei sua calcinha, na direção
da entrada da sua boceta, fazendo-a estremecer de leve e... inferno, ela
estava molhada de tesão. Fui eu quem ofegou dessa vez.
 
— Lembre-se, Guadalupe, me diga para parar e eu paro no mesmo
instante.
 
— Não quero que você pare, Faruk — falou ofegante.
 
— Eu estava torcendo muito para você dizer isso — sussurrei em seu
ouvido, enquanto tocava seu clitóris por cima da calcinha, com ela se
contorcendo de leve sob o meu toque.
 
Com a outra mão segurei um de seus seios, sentindo o peso e textura
dele, perfeito! Minha boca sedenta por mais dela, beijei sua boca e ela
correspondeu de imediato, na mesma intensidade que eu. Desci meus beijos
até seus seios outra vez e os chupei.
 
— Agora é a sua vez de tocar, conheça o meu corpo — falei me
afastando e ela esticou as mãos.
 
Segurei seus pulsos com gentileza e os conduzi até os meus ombros,
uma zona segura para que ela soubesse exatamente onde estava e pudesse
seguir para onde quisesse. Seu toque era suave e gentil, mas ainda assim
excitante. Seus dedos exploraram os gomos do meu abdômen e meus braços
sem pressa, mas pararam perto do meu umbigo. Eu sorri, ela era tímida.
 
— Já chega — falei e ela pareceu confusa.
 
— O quê?
 
— Já chega de me tocar — falei e a empurrei com gentileza, fazendo
seu corpo cair para trás nas almofadas fofas.
 
— Faruk...
 
— Você quer que eu pare?
 
— Não — disse ela e a observei.
 
Deitada sobre as almofadas, os cabelos loiros espalhados pelos tecidos
coloridos, dava para ver sua excitação pela calcinha molhada. Parei os
dedos nas laterais do tecido e ela ergueu o quadril, dando-me a permissão
que eu precisava. Afastei suas pernas e alcancei uma pedra de gelo no
cooler que estava em cima da mesa ao nosso lado, levando-o até a minha
boca, em seguida chupando-o.
 
Segurei a pedra de gelo entre meus dentes e pairei sobre Guadalupe,
deslizei o gelo sobre um seio, depois sobre o outro, fazendo-a ofegar e se
contorcer sob mim. Então deslizei a pedra pelo seu abdômen, deixando a
pedra em seu umbigo, chupando-a em seguida e então deslizando minha
língua por sua boceta deliciosa e sentindo meu pau latejar, implorando por
atenção, mas aquele momento não era meu, era dela.
 
Lambi e suguei sua boceta tanto quanto pude, com movimentos de
sobe e desce e também circulares, alternando entre movimentos rápidos e
lentos, fazendo-a se contorcer e gemer, enlouquecendo-me junto com ela
enquanto embrenhar seus dedos delicados em meus cabelos até que ela
atingiu o clímax, estremecendo em minhas mãos, ofegante.
 
Beijei sua boca enquanto ela se recuperava, então tirei minha calça,
coloquei o preservativo e coloquei Guadalupe montada por cima de mim,
ainda vendada, encaixando meu pau na entrada da sua boceta e percebi que
ela ficou tensa.
 
— Shiii, calma.
 
— Estou calma, é só que...
 
— O quê? — perguntei enquanto beijava seu pescoço, quase
enlouquecendo para me enterrar nela de uma vez.
 
— Só faça de uma vez — pediu e eu sorri.
 
— Está com pressa?
 
— Só faça, agora, por favor, quero ser sua.
 
— Seu pedido é uma ordem — falei e me enterrei nela de uma vez.
 
Guadalupe ficou ainda mais tensa e fiquei surpreso por um segundo,
suas unhas estavam cravadas em meus ombros, não que eu me importasse
com aquilo, mas a impressão que tive foi que o seu gemido não havia sido
exatamente de prazer, mas sim de dor.
 
— Eu te machuquei? — perguntei preocupado.
 
— Está tudo bem, só preciso me acostumar. Sabe como é que dizem, a
primeira vez de uma mulher não costuma ser tão prazerosa — disse ela.
 
— O que quer... — só então o peso das palavras dela me atingiram. —
Não está falando sério, quando você diz primeira vez quer dizer a nossa
primeira vez juntos, não é? — perguntei enquanto a segurava.
 
— Não — admitiu e aprecia envergonhada.
 
— Ei — segurei seu queixo, trazendo sua boca para perto da minha,
enquanto me sentava um pouco com ela sobre mim. —, está me dizendo
que eu sou o primeiro homem que...
 
— Que esteve dentro de mim? Sim, você é o primeiro.
 
Meu coração batia tão descompassado que eu quase tinha certeza de
que ela podia ouvi-lo bater, e minha veneração por aquela mulher
aumentava cada vez mais. Não que eu me importasse com o número de
homens que uma mulher já teve em sua vida, não era conservador, mas a
sensação de ser o primeiro homem de Guadalupe era indescritível, saber
que todas as sensações, todos os gemidos, tudo o que eu estava
proporcionando a ela naquele dia ela não tinha sentido por mais ninguém.
 
Minha caça nunca havia sido tão doce.
 
— Shukran — falei e a beijei, dando mais algum tempo para que ela
se acostumasse com o meu tamanho.
 
Comecei a me movimentar de baixo para cima devagar, tentando
infringir-lhe o mínimo de dor possível e aos poucos ela foi se acostumando
e relaxando. Pouco a pouco ela foi me permitindo me movimentar mais e
também se movimentava, ela podia ser inexperiente, mas aquele era com
certeza o melhor sexo da minha vida, diferente de qualquer outra que eu
tenha provado.
 
Percebi quando ela voltou a ficar ofegante, suas bochechas ficaram
ainda mais coradas e sua boceta molhada começou a se apertar ao redor do
meu pau, levando-me ao limite também, mas segurei-me até que ela
atingisse o orgasmo, jogando a cabeça para trás, cravando suas unhas em
mim outra vez, mas agora de prazer e quando seus tremores foram
diminuindo tirei a sua venda, segundos antes de eu gozar também.
 
— É a sua primeira vez, então precisa ter a experiência de ver o que
pode fazer com um homem — falei e gozei, me despejando sem conseguir
conter os gemidos de prazer.
 
Capítulo 27
 
 
Faruk era incrível!
 
Aquela experiência havia sido mágica se assim eu podia dizer. Depois
do sexo, passamos mais algumas horas na tenda, conversando e pude
entender muito mais da sua cultura. O sheik tinha um jeito bem peculiar de
ensinar as coisas. Ele havia me feito gozar mais duas vezes, mas sem
transarmos de fato, segundo ele, eu precisava me recuperar primeiro e
aquelas palavras soaram como uma promessa do que aconteceria quando eu
me recuperasse.
 
No outro dia, eu estava em um lugar chamado Sala das Mulheres, lá a
mãe de Faruk recebia suas convidadas e eu era uma delas naquele dia. As
mulheres pareciam se dividir em dois grupos, as casadas em um grupo e as
solteiras em outro, e eu estava no segundo.
 
— Conte-nos, como ele é — pediu uma delas em tom malicioso.
 
— Como assim? — perguntei confusa.
 
— O Sheik Faruk — disse outra.
 
— Ah, ele é muito gentil, como eu disse antes, o Sheik me ajudou e
nos tornamos amigos — falei e ela estreitou os olhos para mim.
 
— Você sabe que não é disso que estamos falando.
 
— Então acho que não sei o que querem dizer.
 
— Sabemos que vocês estrangeiras fazem de tudo antes de se casarem
e o Sheik tem a sua fama. Para ele trazê-la para cá é óbvio que você o
agradeceu de uma forma digamos... mais calorosa — acusou e as outras
riram.
 
— Não me insulte — pedi entredentes.
 
Sim, havíamos feito amor no dia anterior na tenda, mas aquilo era
diferente da forma como elas estavam colocando tudo.
 
— Wallah wallah, então não fez para agradecer, foi a Fera, não foi?
 
— O quê?
 
— A Fera — disse outra moça. — Ele a caçou, não é? Nos conte
como foi.
 
— Não sei do que está falando e exijo respeito — falei.
 
— Não nos leve a mal, não estamos te julgando, é só que somos todas
puras e permaneceremos assim até nos casarmos porque somos moças
decentes, só estamos curiosas sobre como é, sobre como o príncipe é, assim
já podemos estar preparadas caso ele escolha uma de nós para ser a sua
princesa — disse outra ainda e senti meu estômago revirar.
 
— Desculpe, mas não posso sanar essa curiosidade de vocês. Faruk
não é assim.
 
— Wallah wallah, veja como ela o chama. Vocês ouviram? Quanta
intimidade — disse a primeira e todas riram.
 
— Faruk, ãh!
 
— Somos amigos, por isso o trato dessa forma — tentei explicar.
 
— Queridinha, não existe amizade entre homens e mulheres. Só há
duas opções, ou ele vai se casar com você ou só está te usando para se
satisfazer. E como está claro que ele tem se satisfeito bastante com você —
disse outra delas, passando o dedo em meu pescoço, onde o véu estava solto
—, acho que sabemos que a primeira opção não é mais uma esperança para
você.
 
Encarei uma a uma e elas assentiram. Uma delas me entregou um
pequeno espelho e vi uma marca roxa em meu pescoço, meu cabelo havia
ido para trás, descobrindo-a.
 
— Estão enganadas! — falei.
 
— Então ele não a levou para o deserto para a sua primeira vez, não te
amansou com palavras doces, despejando mel em seus ouvidos? —
perguntou a primeira, a mais venenosa delas, passando o dedo indicador na
borda do cálice que bebia.
 
— Como é? — perguntei quando suas palavras se assentaram em
mim.
 
— A Fera — sussurrou ela — do deserto — disse a última palavra
sem emitir som algum.
 
Pisquei por alguns segundos, percebendo que aquilo fazia todo
sentido. Eu havia sido tão inocente assim?
 
— Parem de importuná-la — disse a que havia me entregado o
espelho.
 
Levantei-me enquanto elas riam, ajeitei meu cabelo sob o véu para
cobrir a marca e segui até a mãe de Faruk.
 
— Majestade, receio não estar me sentindo bem — falei e ela se
levantou e tomou meu rosto em suas mãos, ela estava sendo uma verdadeira
mãe para mim.
 
— Oh querida, precisa de um médico?
 
— Não é necessário, só preciso descansar um pouco.
 
— É claro — concordou ela e com um gesto de mão ordenou que
Malika se aproximasse, então ajeitou meu véu, mas com o movimento, meu
cabelo foi para trás e eu tinha certeza de que ela havia visto a marca. Seus
olhos se tornaram mais gentis quando encontraram os meus de novo. —
Não se preocupem com nada, querida. Apenas vá descansar.
 
— Shukran, majestade — agradeci e fiz uma reverência antes de sair
da sala com Malika.
 
— Senhora, o que está havendo? — perguntou Malika.
 
— Não é nada, Malika. Só estou cansada.
 
— Foram elas, não é? Aquelas moças são umas cobras, o que elas
disseram?
 
— Não disseram nada, Malika.
 
— Eu as vi rindo e a senhora parecia muito desconfortável.
 
— Deixe-as para lá — falei enquanto andava com ela pelo corredor.
— Ah, Malika... — chamei e me virei para ela.
 
— Sim, senhora — respondeu pegando uma mecha do meu cabelo e
passando pra frente, eu sabia que ela estava cobrindo a marca,
instintivamente levei a mão ao local e voltei a andar.
 
— Deixe para lá, não é nada.
 
— É ele, não é, senhora? O sheik, a senhora não me ouviu, agora está
assim. Eu lhe avisei, senhora, sabia que sofreria se envolvesse, ele é assim
— falou e abaixei a cabeça. — Não fique assim, senhora. Ele conseguiu o
que queria? — perguntou preocupada, os olhos nos meus e assenti. — Ah,
senhora, eu sinto muito — disse e me abraçou.
 
— O que devo fazer agora? — perguntei, segurando o choro, não
queria acreditar que o nosso momento que havia sido tão especial para mim
não havia passado de um jogo para ele, mas era difícil pensar o contrário,
ele havia feito tudo como aquelas garotas haviam descrevido.
 
— Acalme seu coração e siga em frente, senhora. Ele não vai mais
procurar pela senhora, ao menos não dessa forma já que não poderá evitá-la
totalmente por tê-la trazido para cá. Mas fique tranquila, não acho que ele a
colocará no harém.
 
Só a menção daquele lugar me fez ficar arrepiada e não era de um
modo bom.
 
— Obrigada, Malika, vou descansar agora — falei e entrei em meu
quarto. — Não preciso da sua ajuda hoje.
 
Então não saí mais do quarto naquele dia. Estava ferrada porque o
problema não era ele ter me seduzido, o problema era porque eu me
importava tanto e eu sabia que era porque eu estava apaixonada por ele
mesmo antes dele me levar para a tenda. E mesmo ele tendo dito que eu não
seria só mais uma em sua lista, aparentemente era isso que eu havia me
tornado, porque ele não me procurou nos próximos quatro dias.
Capítulo 28
 
 
Mais um dia se passou e Malika me informou que havia descoberto
que Faruk havia viajado a negócios há três dias, então, naquela noite,
resolvi que o mínimo que ele me devia era poder ter a visão do céu do seu
terraço e foi para lá que eu segui logo depois da meia-noite.
 
Me surpreendi quando encontrei Hassan no meio do caminho.
 
— Guadalupe, o que faz sozinha por aqui uma hora dessas? —
perguntou ele.
 
— Ah, soube que Faruk está viajando, então queria aproveitar a vista
da lua de lá, alguém em disse que é realmente muito bonita — falei,
zombando, pois era ele que havia me dito aquilo, mas me enganado,
dizendo que o terraço era dele quando na verdade era de seu irmão. —
Inclusive vou ter que te decepcionar, aquele terraço não é seu, é do Sheik.
 
Ele levou a mão de forma teatral ao peito, como se estivesse chocado.
 
— Você jura? Wallah wallah, como posso ter me enganado tanto?
 
— Eu nem imagino — zombei estreitando os olhos em sua direção e
rimos juntos.
 
— Não sei se é um bom momento para ir ao terraço hoje — disse ele.
 
— Faruk não ficará contente com isso, não é?
 
— Não, tenho certeza de que ele não se importaria, a questão é que
Saramago está lá — falou levantando sua outra mão, onde havia um pacote.
 
— Ah, sim.
 
— Na verdade, estou indo para lá tentar alimentá-lo. Faz alguns dias
desde que ele comeu pela última vez.
 
— Como assim? — perguntei sentindo minhas sobrancelhas se
juntarem.
 
— Eu não sei, Faruk tem estado ocupado de um lado para o outro e
me pediu para cuidar dele, mas o tigre simplesmente não quer comer, só
fica deitado naquele terraço, nem levanta do lugar.
 
— Deve estar sentindo falta do seu irmão — sugeri.
 
— Não, Faruk faz longas viagens e nunca tivemos problemas assim.
 
— Então está doente?
 
— O zootecnista já veio, aparentemente não tem nada de errado com
a saúde dele, a não ser agora a fraqueza que ele tem sentido por não se
alimentar.
 
— Wallah wallah — exclamei e Hassan me encarou sorrindo. — O
que foi?
 
— Você se habituou mesmo à nossa cultura. Usa nossas roupas, hijab,
aprecia a nossa culinária e tem usado cada vez mais nossas expressões, é
praticamente uma de nós — disse ele e eu ri.
 
— Você se lembra que quando cheguei aqui eu já falava árabe, né?
 
— É claro que sim, mas era cheia de Madre de Dios ou Dios Mio,
agora usa wallah wallah! — disse rindo e eu o acompanhei. — Quer vir
comigo? Vou tentar uma carne diferente essa noite? — convidou,
levantando o pacote de carne em sua mão outra vez.
 
— É claro — concordei e voltamos a caminhar.
 
Quando entramos no terraço, Saramago nem se mexeu, estava deitado
em um canto, praticamente jogado. Hassan se aproximou dele e eu mantive
certa distância.
 
— Ei amigão, como você está? Precisa comer — disse Hassan para o
tigre que nem se mexeu.
 
Hassan desembrulhou a carne e ofereceu ao tigre que cheirou, mas
não comeu. Hassan suspirou.
 
— Não sei mais o que fazer.
 
— Ele parece triste — falei e a cabeça de Saramago se virou
lentamente em minha direção. — Oi Saramago.
 
O inesperado aconteceu, Saramago se levantou com dificuldade pela
fraqueza e tentou dar alguns passos em minha direção, mas caiu e corri ao
seu encontro.
 
— Ei, cariño, cuidado!
 
— E lá está o espanhol, só porque elogiei — brincou Hassan e eu
sorri para ele.
 
— Saramago, você precisa comer, veja como está fraco — falei,
colocando a mão em sua cabeça, voltando minha atenção para ele que
deitou a cabeça em meu colo e lambeu minha mão.
 
— Ele gosta mesmo de você — disse Hassan. — Ninguém conseguiu
fazê-lo sequer se mexer nos últimos dias. Tente alimentá-lo.
 
— Não vai fazer diferença, Hassan.
 
— Tente, por favor! — pediu, me oferecendo um grande bife.
 
Respirei fundo, alimentar um tigre faminto não era uma boa ideia,
mas me parecia o certo naquele momento. Peguei o bife e ofereci ao
Saramago, acariciando entre suas orelhas.
 
— Saramago, chico[24] coma, por favor.
 
O tigre olhou para mim e para o bife.
 
— Você precisa comer — falei e ele cheirou a carne. — Vamos
Saramago — pedi, aproximando o bife gigantesco e pesado de sua grande
boca e para o meu choque, o tigre comeu devagar e sem abocanhar minha
mão uma vez sequer, mesmo quando o pedaço havia ficado bem pequeno,
do exato tamanho da minha mão.
 
— Seus encantos são surpreendentes, não consigo acreditar que com
um simples pedido você conseguiu fazê-lo comer — disse Hassan, depois
que Saramago havia comigo uns três quilos de carne. — Vou buscar mais,
esse bicho nunca se satisfaz com menos de dez quilos de carne, eu trouxe
pouco porque achei que não conseguiria fazê-lo comer.
 
Ele se levantou rápido e correu para dentro, voltando poucos minutos
depois com uma grande bacia de carne, então alimentei o tigre que comeu
com calma e sem dificuldade.
 
— É impressionante, você ficou tantos dias fora das vistas de todos
que acho que até ele sentiu a sua falta — disse Hassan.
 
— Tá querendo dizer que ele estava triste porque estava sentindo a
minha falta?
 
— Wallah wallah, olhe para ele, tem outra explicação?
 
Olhei para a fera que agora lambia minha mão enquanto mantinha a
cabeça em meu colo enquanto recebia um carinho meu. Então sorri.
 
— Agora vou deixá-los a sós para que você consiga observar a noite
em paz, só não se demore muito, está ficando cada vez mais frio e você
pode se resfriar — orientou e eu assenti.
 
— Eu também senti a sua falta, Saramago, acho que somos amigos
agora — sussurrei no ouvido do tigre que pareceu ronronar para mim, então
observei o céu estrelado.
 
Capítulo 29
 
 
Dois dias depois, eu estava em meu oásis particular, dei risada sozinha
ao pensar nisso, provavelmente ele já existia ali e agora passaria para a
próxima presa da Fera do Deserto. Respirei fundo, tentando afastar aquela
amargura.
 
Saramago havia se tornado meu companheiro inseparável nos dois
últimos dias e até havia dormido em meu quarto na noite passada. Agora
estava ali comigo, ele na água, enquanto eu falava ao telefone com Paulina
que estava louca para me visitar, é claro que não contei o que havia
acontecido entre Faruk e eu e muito menos que agora ele me ignorava
completamente.
 
Foi então que a maçaneta da porta girou, chamando a minha atenção,
mas a porta estava trancada por dentro com a minha chave.
 
— Onde ela está? — a voz forte de Faruk soou do outro lado da porta.
 
— Eu não sei, alteza — a voz de Malika parecia mais abafada.
 
— Paulina, eu te ligo mais tarde — falei e encerrei a chamada e segui
para a porta, ouvindo Saramago sair da água e me seguir como uma sombra.
 
— Malika, eu não vou perguntar de novo. Alguém tem que saber onde
ela está e eu sei que esse alguém é você — Faruk não parecia muito
satisfeito com a resposta dela.
 
— Se eu soubesse eu diria, alteza — disse ela apavorada.
 
Girei a chave e abri a porta.
 
— Pare de aterrorizar a Malika, alteza. Ela não sabia onde eu estava
— falei e ele me encarou surpreso, mas sorriu em seguida.
 
— Guadalupe, eu estava procurando por você há mais de uma hora.
 
— Bem, agora encontrou, alteza — respondi e vi suas sobrancelhas se
arquearem minimamente.
 
— Sim, encontrei. Cheguei a pouco de viagem, lhe trouxe um
presente.
 
— Não era necessário o incômodo comigo, alteza — falei e seus
olhos se estreitaram para mim.
 
— Malika vá até Samira e diga que não precisa mais procurar pela
Guadalupe — ordenou ele.
 
— Sim, alteza — concordou, sem ter outra escolha, mas me dirigiu
um olhar condescendente antes de partir.
 
— Está aproveitando seu oásis? — perguntou.
 
— Sim, alteza — respondi, dando espaço para que ele entrasse.
 
— Estava aqui dentro, trancada sozinha com o Saramago? —
perguntou surpreso.
 
— Nos tornamos amigos, alteza.
 
— Isso me deixa muito feliz — disse ele acariciando a cabeça do tigre
branco. — Veja, trouxe isso para você.
 
Peguei o embrulho e abri, sentindo meus olhos saltarem quando vi o
conjunto de colar, brincos e pulseiras de ouro cravejado de rubis.
 
— Wallah wallah, não posso aceitar isso, alteza.
 
— É claro que pode, mandei fazer especialmente para você.
 
— Fico muito grata, alteza, mas realmente não posso aceitar um
presente como esse. É muito caro.
 
— Não pense no valor, só que é um presente meu para compensá-la.
 
— Me compensar? Por ter me seduzido? — perguntei por impulso e
seus olhos estreitaram em minha direção outra vez.
 
— Era para compensar por minha ausência nos últimos dias, nem tive
tempo de avisá-la que precisava viajar e me senti em falta com você, por
isso, não a vi desde a tarde na tenda, mas agora estou me perguntando: devo
me preocupar pelo que aconteceu entre nós?
 
— De forma alguma, alteza. Shukran! — falei e abaixei uma
reverência.
 
Ele caminhou em silêncio pelo lugar, parecendo perdido em
pensamentos por um momento.
 
— Desde quando voltamos a isso? — perguntou, enfim me encarando
outra vez.
 
Desviei o olhar por um instante.
 
— Não sei do que está falando, alteza.
 
— É isso, alteza, desde quando voltamos a isso, a reverência, você se
comportar como se não fôssemos amigos. O que está acontecendo,
Guadalupe? — perguntou se aproximando, tirando as joias das minhas
mãos, colocando-as sobre uma pedra ali e matando minhas mãos nas suas,
me fazendo encarar seus olhos.
 
— Sei que me deu este lugar em troca de chamá-lo pelo nome, mas
realmente me sinto mais confortável assim, alteza.
 
— Wallah wallah, acho que você está tentando me enlouquecer. Da
última vez que nos falamos estávamos muito bem, bem demais para falar a
verdade e agora age como se nada tivesse acontecido.
 
— Não é assim que eu deveria me comportar?
 
— Não estou te entendendo, Guadalupe. Você deve se comportar
como você mesma, não foi isso que combinamos? Que seríamos apenas nós
dois independentemente de qualquer coisa? Sem máscaras, sem mentiras...
 
— Sim, mas você mentiu para mim — acusei e o vi parar por um
momento e me observar com mais atenção.
 
— Eu só quis te proteger.
 
— Mentiras não protegem, seria tudo mais fácil se tivesse sido sincero
comigo.
 
— Ficaria tranquila se soubesse o que eu estava fazendo?
 
— Nenhuma mulher fica tranquila sabendo que está sendo usada,
alteza.
 
— Para de me chamar de alteza! — pediu alterado e depois fechou os
olhos, como se tentasse se acalmar. — Espera, Guadalupe, acho que não
estamos na mesma conversa ou eu perdi alguma coisa.
 
— Você me disse que eu não seria mais uma na sua lista, mas não era
bem assim, não é?
 
— Espera, Guadalupe, do que você está falando? Eu já te disse que
jamais poderia colocá-la em uma lista. Está brava porque não a procurei nos
últimos dias? Peço perdão por isso, sei que errei, mas eu estava...
 
— Sabe o que mais me deixou magoada? Saber por outras pessoas
que me levar à tenda e fazer amor comigo daquele jeito não era algo tão
atencioso como você me fez acreditar, não era algo somente nosso.
 
— É claro que foi algo só nosso...
 
— Claro, porque cada uma é única — zombei.
 
— Você disse que descobriu por outras pessoas, contou a alguém o
que aconteceu entre nós?
 
— Ora, não se preocupe, alteza, eu neguei tudo, não se preocupe com
a sua reputação em se deitar com uma estrangeira — falei me sentindo mais
irritada, saindo de seu toque, mas ele não permitiu que eu me distanciasse,
segurando meu pulso e me puxando para ele outra vez.
 
— Não estou preocupado com isso, eu não menti sobre isso.
 
— Riram de mim — falei deixando algumas lágrimas escaparem e vi
desespero nos olhos dele.
 
— Não chore, não por mim. Não pode me dar esse poder de fazê-la
chorar.
 
— Não consigo controlar — falei limpando o rosto, tentando conter as
lágrimas.
 
— Veja bem, se alguém lhe disse algo, garanto que a princesa Latifa
estava por perto. Passamos pelo carro dela quando estávamos a caminho da
tenda. Aquela garota é venenosa e manipuladora, não pode dar ouvidos a
ela.
 
— Então vai me dizer que não leva as mulheres para a tenda para
fazermos o que fizemos?
 
— Nunca fiz daquela forma com ninguém, nunca preparei tudo como
fiz para você. Ainda não conseguiu entender que é diferente para mim? Que
é especial? Prometemos confiar um no outro quando ainda nem havíamos
nos envolvido dessa forma e assim que viro as costas você dá mais
credibilidade a alguém que não conhece do que a mim.
 
— Shukran!
 
— Não precisa de desculpar, só deixe de besteiras e entenda que
quando estou com você, embora eu tenha que lutar muito para manter a fera
sob controle, sou apenas eu, como ninguém mais conhece, só você.
 
— Jura?
 
— Wallah wallah, é claro que sim.
 
— Mas e se eu quiser algo diferente algumas vezes.
 
— Algo diferente?
 
— E se eu quiser a Fera, só uma vez.
 
— Por que isso?
 
— Acho que só estou curiosa e querendo ter algumas certezas, ou
certeza nenhuma.
 
— Dentro desse oásis quem manda é você, Guadalupe, é o seu lugar e
você vai ter o que quiser, basta pedir.
 
— Então me mostre como é...
Capítulo 30

 
— Prometa que vai me mandar parar se não se sentir confortável —
pediu olhando em meus olhos.
 
— Eu prometo — garanti.
 
Faruk passou rápido meu vestido pela minha cabeça e em questão de
segundos também tirou a sua roupa. Sua mão se embrenhou em meu cabelo,
segurando forte e sua boca alcançou a minha em um beijo lascivo e quando
precisamos de ar, ele deslizou seus lábios pelo meu pescoço e me pegou no
colo, levando-me até a água fresca da lagoa.
 
Colocou-me sobre a pedra que havia ali e desceu seus beijos pelo meu
abdômen até o meu umbigo, depois passou a beijar a parte interna das
minhas coxas. Seus dedos tocaram minha boceta que já estava molhada.
 
— Faruk, eu preciso de você, agora.
 
— Mas ainda nem começamos, querida.
 
— Faruk — insisti me contorcendo, enquanto seus dedos habilidosos
entravam e saiam de mim e sua língua brincava com o meu clitóris, fazendo
eu me contorcer.
 
— Parada, Guadalupe — ordenou ele e levou sua outra mão até um
dos meus seios, massageando-o.
 
Eu já estava tão excitada quando ele me carregou para a pedra que o
primeiro orgasmo me atingiu muito rápido, fazendo-me estremecer em suas
mãos.
 
— Boa garota — disse ele. — Agora vem aqui.
 
Ele me ajudou a descer da pedra e me colocou de joelhos, com a água
me cobrindo até perto do meu pescoço e enrolou meus cabelos em seu
pulso.
 
— Primeiro, eu vou foder a sua boca, Guadalupe — disse ele e
aproximou seu pau da minha boca, o que não perdi tempo para fazer. Eu era
virgem antes de conhecer Faruk, não santa, sabia fazer certas coisas e um
boquete era uma delas.
 
Deslizei a minha língua por toda a extensão do seu pau, enfim tendo
uma visão completa dele. Seu pau era tão lindo quanto ele, lambi e chupei,
arrancando de Faruk alguns gemidos, sentindo-o apertar mais meus cabelos
em sua mão enquanto ele entrava e saía da minha boca. Algumas lágrimas
escorreram dos meus olhos pelo esforço de tê-lo tão fundo em minha
garganta.
 
— Porra, Guadalupe que boca deliciosa! — disse ele com a voz
entrecortada. — Agora chega!
 
Faruk me ajudou a me levantar e beijou minha boca de novo, tocando
minha boceta com os dedos, excitando-me mais. Em seguida ele me
levantou, colocando-me na pedra de novo, mas dessa vez, deixando-me
sentada sobre os calcanhares, com a bunda empinada para ele, então roçou
seu pau em minha entrada, fazendo-me gemer, ansiando para senti-lo mais,
por isso rebolei, deixando um pouquinho dele entrar em mim, sentindo-me
um pouco desconfortável inicialmente.
 
— Você é tão safada! — disse, e eu gemi quando ele colocou um
pouco mais.
 
— Faruk — gemi quando ele parou.
 
Então ele terminou de deslizar todo para dentro de mim, fazendo-me
ofegar, mas então parou por um momento, apertando meus quadris, como se
estivesse tentando se conter.
 
— Faruk — choraminguei.
 
— Não sei se é uma boa ideia, é só a sua segunda vez — disse ele.
 
— Eu quero tudo de você, Faruk, me mostre como é — pedi e ele
rosnou, apertando mais a carne da minha bunda, entrando e saindo repetidas
vezes, me fazendo gemer alto.
 
No começo doeu um pouco, mas aos poucos fui me acostumando e o
prazer foi aumentando cada vez mais. Faruk levou uma das mãos até o meu
clitóris e os movimentos circulares ali associados ao do seu pau entrando e
saindo da minha boceta estava me fazendo delirar, mas eu sabia que não
estava sozinha naquela sensação, pois conseguia ouvir os gemidos dele se
sobressaindo aos meus.
 
Sem que eu esperasse, Faruk acertou um tapa em minha bunda e eu
gemi ainda mais alto.
 
— Não faça escândalo, Guadalupe, não podemos ser pegos —
sussurrou em meu ouvido e a adrenalina de saber que podíamos sermos
pegos fez com que minha boceta se apertasse mais ao redor dele, fazendo-o
gemer.
 
Outro tapa veio e sua mão tampou a minha boca, enquanto ele
aumentava o ritmo das estocadas que ficavam cada vez mais rápidas e duras
com seu quadril batendo contra a minha bunda. Senti o orgasmo me
atravessar como um raio, forte e alucinante, fazendo-me estremecer com
força nas mãos do sheik.
 
Quando meu corpo relaxou outra vez, Faruk saiu de dentro de mim e
enlaçando-me pela cintura, me virou de frente para ele, entrando em mim
outra vez com um movimento só, pegando-me de surpresa. Suas mãos me
seguraram e ele me tirou da pedra, segurando-me em seu colo fazendo com
que eu subisse e descesse em seu pau, sentindo-o por completo.
 
— Você é tão deliciosa, Guadalupe, é como se fosse uma droga. Acho
que preciso estar dentro de você todos os dias ou posso morrer — disse, e o
vi atingir o orgasmo, jogando a cabeça para trás com um gemido primitivo,
enquanto entrava e saía de mim completamente extasiado.
 
Eu o abracei e sua testa colou à minha, ambos ofegantes e um sorriso
brotou nos lábios dele logo antes dele me beijar e se abaixar, cobrindo-nos
com a água fresca.
 
— Prometa que será minha para sempre — pediu ainda ofegante.
 
— Como assim? — perguntei confusa.
 
— Preciso de você, Guadalupe. Sempre comigo, assim. Prometa que
será minha e de mais ninguém. Sei que parece egoísmo, e talvez seja
mesmo, mas preciso que seja minha.
 
— Isso é um pedido de casamento ou estou entendendo errado? —
perguntei e o vi franzir as sobrancelhas, então seus olhos se arregalaram.
 
— Não, Guadalupe, calma, acho que me expressei errado. Eu gosto
de você e amo isso que temos, mas não posso me casar com você. Nunca.
 
— Espera, o quê?
 
— Por favor, não me diga que tem esperança de nos casarmos.
 
— Tá de brincadeira, seu sheik metido de mierda? Eu não estava nem
pensando nisso, embora estivesse criando sentimentos por você.
 
— Guadalupe, gostar do temos é ótimo, mas você não pode criar
sentimentos por mim, eu nunca poderei me casar com você — disse ele e eu
ri, amarga.
 
— Eu não estava pensando nisso, mas não precisava ser rude desse
jeito. E... o que quis dizer então como ser sua para sempre? Está me
pedindo para ser sua puta?
 
— Puta? Não sei o que é isso.
 
— Vai se foder, Faruk — falei e me levantei. — Espera, preste
atenção...
 
— Guadalupe, calma, vamos conversar.
 
— A única conversa que quero ter com você é a seguinte, saiba que
você nunca mais vai me comer, seu filho da puta, arrogante, se não sou o
suficiente para casar, também não sou para estar na sua cama, então tendo
em mente que você nunca mais vai me comer, esse lugar ainda é meu ou vai
dá-lo para a sua próxima caça?
 
— Não me ofenda, Guadalupe.
 
— Te ofender? — gargalhei. — Mesmo que eu te dissesse todas as
injúrias não conseguiria te ofender tanto quanto você me ofendeu.
 
— Não foi a minha intenção...
 
— Foda-se! O oásis ainda é meu?
 
— É claro que é — disse irritado. — Volte aqui e vamos conversar.
 
— Bem, se ele ainda é meu, sou eu quem manda aqui, então dá o fora.
 
— Dá o fora? O que é isso? — perguntou confuso, se levantando e
não consegui evitar olhar para o pau dele.
 
Guadalupe, se concentra, porra! Tira os olhos do pau lindo dele!
 
— Sai daqui agora, Faruk, não quero mais falar com você — falei.
 
— Não faça isso.
 
— Fora! — gritei e o vi engolir em seco.
 
O príncipe vestiu a túnica, mas como seu corpo ainda estava molhado
e ele não vestiu a calça também, seu pau ficou à mostra quando o tecido
umedeceu.
 
— Guadalupe.
 
— Fora, Faruk e vê se cobre essa porra de pau porque as suas
empregadas não são obrigadas a ficar olhando pra isso aí.
 
— Eu vou — disse ele e se virou para o tigre que estava mais adiante.
 
— Vamos Saramago — disse ele, mas o tigre não se mexeu. —
Saramago? Saramago?
 
O tigre se levantou.
 
— Achei que não fosse comigo — ele conversou com o tigre. —
Saramago?
 
Saramago nem lhe deu ouvidos e caminhou até os meus pés, lambeu
minha mão e em seguida se deitou aos meus pés, deixando o sheik
boquiaberto.
 
— Sai logo, Faruk, não queremos você aqui.
 
Ele assentiu e então saiu, nos deixando sozinhos. Não consegui me
segurar, meus joelhos cederam e foram de encontro à areia quando a porta
bateu, então abracei Saramago e chorei pelo meu coração partido.

 
Capítulo 31

 
Eu sabia que estava sendo egoísta querendo prendê-la a mim sem
poder me casar com ela, mas não queria perdê-la. Isso sem contar que se a
tivesse comigo, poderia protegê-la, afinal era disso que eu estava cuidando
nos últimos dias, era isso o que havia me mantido ocupado e longe dela.
 
— Com licença, alteza. O rei e a rainha o aguardam para o almoço.
 
— Estou ocupado agora, Samira, e sem fome também, avise-os que
não irei.
 
— Eles exigem a sua presença, alteza — disse Samira.
 
— Ah, o que aconteceu agora? — perguntei para mim mesmo, me
levantando e seguindo para a sala de jantar.
 
Todos já estavam sentados à mesa, só me esperando. Guadalupe
mantinha o rosto baixo e estava em silêncio, meus pais pareciam
apreensivos quando me viram, enquanto Hassan e Said conversavam
animados, embora eu conseguisse perceber um olhar de Hassan diferente
para Guadalupe, ele parecia preocupado apesar da conversa animada.
 
 
— Agora que todos estamos reunidos, sua mãe e eu tomamos uma
decisão — anunciou meu pai, chamando a atenção de todos.
 
— Sim, enfim encontramos um bom marido para a Guadalupe e já
fechamos tudo.
 
— O quê? — Guadalupe perguntou preocupada.
 
— Não podem fazer isso, disfarçam o acordo imediatamente — falei
mais rápido do que deveria.
 
— Faruk, sei que você é o nosso futuro, mas a moça merece — ralhou
meu pai.
 
— Guadalupe saiu do seu país porque tentaram casar ela com alguém
que ela não aprovava. Não faremos o mesmo com ela — protestei.
 
— Agradeço muito o cuidado que estão tendo comigo, majestades,
mas não posso me casar assim...
 
— Ah, querida, nunca a casaríamos com quem você não aceitasse. Só
acertamos tudo porque já sabemos que vocês têm se visto e estão
apaixonados. Para nós é uma honra ter nosso filho se casando com você,
Guadalupe. Já se tornou parte da nossa família — disse minha mãe e
precisei tomar um gole de shay antes de me pronunciar sobre aquilo.
 
— Se essa paixão fosse entre você e Faruk teríamos um problema,
mas como é você e o Hassan que estão apaixonados, é perfeito — disse meu
pai e eu cuspi todo o chá sobre a mesa.
 
— Faruk, está tudo bem filho? — perguntou minha mãe.
 
— De onde tiraram que Guadalupe e eu estamos apaixonados? —
Hassan perguntou rápido enquanto me ajudava a desengasgar.
 
— É, de onde tiraram essa ideia absurda? — perguntei assim que
consegui me recuperar.
 
Guadalupe estava boquiaberta.
 
— Não precisa se envergonhar, querido — disse minha mãe para
Hassan. — Sabemos que está realmente muito apaixonado por ela. E
entendemos seus motivos, Faruk mesmo só não se apaixonou por ela
porque são muito amigos mesmo.
 
— Então estou realmente muito apaixonado por ela? — perguntou
Hassan zombando e minha mãe riu.
 
— Nós vemos o quanto essa paixão é forte, querido.
 
— É mesmo? Conte-me mais sobre isso — pediu Hassan, mas minha
mãe não percebia o seu sarcasmo.
 
— Bom, outro dia vimos quando se beijaram no terraço — disse ela e
me engasguei com a própria saliva, vendo Guadalupe em choque e Hassan
se divertindo às nossas custas.
 
— Ah, vocês viram? Guadalupe e eu?
 
— Sim, no início pensamos que era Faruk, então ficamos
preocupados, mas coloquei minha cabeça no lugar, Faruk sabe dos deveres
dele e nunca os abandonaria, sem contar que Guadalupe é como uma irmã
para ele. Ele tem amor fraterno por ela — disse meu pai.
 
Se por amor fraterno ele quisesse dizer tesão, então sim, era isso que
eu sentia.
 
— Depois vimos vocês alimentando o Saramago juntos, tão pertinho
um do outro — disse minha mãe e encarei Hassan no mesmo momento.
 
— Wallah wallah, não estávamos tão perto assim  — disse ele
olhando para mim.
 
— Estavam sim, bem juntinhos, poderiam se beijar se não estivessem
tão preocupados com Saramago. Além disso, não adiantaria negar, já que
beijou ela na outra noite.
 
— Eu beijei? — perguntou Hassan, se divertindo.
 
— E muito bem beijado — disse meu pai.
 
— Mas não precisamos te contar, filho, é a sua história, você estava
lá. Mas é realmente uma história muito boa para contar aos seus filhos —
disse minha mãe.
 
Filhos? Da Guadalupe com o Hassan?
 
— Essa história é tão boa que parece que nem é verdade, é tão
emocionante que nem parece que foi eu quem viveu ela.
 
Por que será, miserável? — Era o que eu queria lhe dizer.
 
— Deixem de bobagem, Hassan não quer se casar com a Guadalupe e
nem ela quer se casar com ele. Vocês estão imaginando coisas — falei.
 
— Ah, Faruk, não seja ciumento só porque seu irmão mais novo vai
se casar antes de você — disse a minha mãe.
 
— É, Faruk, não seja ciumento só porque vou me casar antes de você
— disse Hassan.
 
— Você não está falando sério — falei.
 
— Claro que estou, além do mais, o rei e a rainha decidiram isso, não
poderia recusar nem que eu quisesse. Vamos nos casar, Guadalupe — disse
ele animado.
 
— Guadalupe? — chamei, pedindo uma posição dela.
 
Seus olhos tristes encontraram os meus e neguei com a cabeça.
 
— Se Hassan aceitar, eu me caso com ele — disse ela e minha mãe
bateu palmas.
 
— Vamos ter um casamento. Mashallah, faz tanto tempo que não
temos um casamento nessa família — disse minha mãe.
 
Eu não conseguia tirar os olhos dos de Guadalupe que também me
encarava, em silêncio eu implorava para que ela deixasse aquela loucura.
 
— Venha, filha — disse minha mãe e a abraçou, cortando nosso
contato visual.
 
Quando olhei para Hassan vi que ele estava se divertindo às minhas
custas.
 
— Não vai me dar os parabéns, irmão? Não seja invejoso!
 
Levantei-me da mesa e saí, mas não sem antes ouvir minha mãe dizer
que eu era um bom amigo para Guadalupe por isso estava chateado.
 
Ela não fazia ideia.
 
A vontade que eu tinha era matar o Hassan, mesmo sabendo que ele
não tinha culpa, mas só de imaginar que ele era quem a tocaria todas as
noites, quem a faria sorrir todos os dias, quem veria seus belos olhos
castanhos mel todas as manhãs, eu enlouquecia. Assistir ele ter uma vida ao
lado dela, que era para ser minha, me faria definhar a cada dia mais, mas
como a minha mãe mesmo disse, meu compromisso era com o meu país e
eu não poderia oferecer casamento a Guadalupe.
 
Agora, além de lidar com o problema de uma mentira que eu tinha
contado a ela e que estava me perturbando, ainda teria que vê-la casada com
o meu irmão.
Capítulo 32

 
Duas semanas se passaram, Guadalupe não me deixou chegar perto
dela e faltavam poucas horas para o casamento oficial.
 
— Se você for oferecer casamento a ela, eu me retiro — disse Hassan,
enquanto meu telefone não parava de tocar.
 
Eu o estava ignorando, mas ele era insistente.
 
O pai de Guadalupe havia descoberto que ela estava comigo, e
ameaçava vir buscá-la. Eu jamais permitiria que ele a levasse, mas não
estando comigo ela não teria total proteção, por isso eu estava enviando
dinheiro ao homem, mas ele parecia não estar satisfeito.
 
— Sabe que não posso fazer isso.
 
— Então vou me casar com ela.
 
— Você não a ama — acusei.
 
— Amo, apenas como uma irmã, mas você a ama mais do que isso e
não está disposto a oferecer a ela o que ela precisa.
 
— Desiste desse casamento!
 
— Só tem uma forma de eu desistir e é se você oferecer a ela o que
ela precisa.
 
— Não posso abandonar nosso país — falei e ele se levantou, indo
para a porta do escritório.
 
— Então você tem a sua resposta, irmão, mas tenho que dizer que
estou realmente decepcionado. Ah, mais uma coisa, pense: quantos homens
estão na fila para assumir esse país e quantas mulheres realmente te fizeram
sentir o que ela faz.
 
Dito isso, ele deixou o escritório e eu suspirei. Aquela parecia uma
decisão difícil, mas se olhasse pelo que Hassan tinha me dito, era na
verdade, bem fácil, mas antes precisava dar um jeito de acabar com aquela
extorsão do pai dela.
 
— Diga, Madero — atendi a ligação.
 
— Quero a minha filha — disse ele.
 
— Já disse que perdeu seus direitos sobre ela.
 
— Tão irritado, Faruk, será que está assim por ter perdido a minha
filha para o seu irmão?
 
— O que disse?
 
Eu não havia contado a ele sobre o casamento e duvidava que ela
tivesse falado com ele.
 
— Achou que eu não ficaria sabendo do casamento da minha filha?
Eu jamais perderia isso.
 
— É uma pena que você não a verá vestida de noiva e a partir do
momento em que ela assinar aqueles papéis você nunca mais conseguirá vê-
la — falei.
 
— Eu jamais perderia a oportunidade de levar minha filha ao altar,
ainda mais sendo com um dos príncipes dos Emirados, só estou indeciso se
faço isso ou se a levo embora de uma vez.
 
— Não vai conseguir sequer chegar perto dela.
 
— Estou dentro do seu palácio, Faruk.
 
— Mentira!
 
Então ele desligou a ligação e logo em seguida chegou um vídeo, eu
não conseguia ver nitidamente Guadalupe nele, mas via minha mãe, Malika
e Samira ao redor dela.
Como o desgraçado tinha entrado?
 
Senti uma sensação fria me atingir como um raio só com a
possibilidade de ele levá-la.
 
Eu só não contava que a intenção dele não era levá-la para o México.
 
Saí em disparada ao quarto de Guadalupe, onde ela estava se
arrumando, era lá que ele estava e eu não permitiria que ele tocasse nela.
 
Como meu escritório era do outro lado do palácio, corri feito louco,
esbarrando em Hassan em um dos corredores.
 
— Irmão, o que está acontecendo? — perguntou ele confuso.
 
— Ele está aqui, vai levá-la — falei, me levantando do chão onde
havia caído ao trombar com meu irmão.
 
— O quê? Quem?
 
— O pai da Guadalupe, o desgraçado está aqui — falei voltando a
correr e Hassan fez o mesmo, gritando para que alguém chamasse o Said
com a guarda.
 
Quando entramos no quarto de Guadalupe sem aviso, Madero já nos
esperava. As mulheres que ajudavam ela a se arrumar, incluindo minha
mãe, Malika e Samira, estavam em um canto, chorando baixo enquanto o
homem apontava para elas uma pistola e Guadalupe estava do outro lado do
quarto, vestida de noiva, com o vestido vermelho impecável, todo bordado
de dourado como mandava a tradução, poderia dizer que ela parecia uma
deusa se não fosse sua expressão de medo.
 
— Ah, aí estão eles — disse o homem.
 
— Pai, não faça nada. Eu já disse que vou com você, vou me casar
com Hernández — disse ela com lágrimas rolando pelo rosto.
 
— Quem disse que quero que você vá? Já estou falido, Hernández
não me pagou o valor que prometeu.
 
— Mas eu te paguei muito dinheiro — falei.
 
— O quê? — perguntou Guadalupe, surpresa.
 
— Ele pagou, pagou para que eu não viesse buscá-la, mas quando
consegui que ele me pagasse, tudo já estava perdido e eu já havia perdido
toda a minha credibilidade, mas a culpa não é dele, é sua, Guadalupe —
disse ele, mudando a mira da arma para ela.
 
O homem estava de costas para as mulheres e vi Said abrir uma porta
escondida na parede e elas saírem enquanto ele despejava uma imensidão
de asneiras, culpando Guadalupe por seu fracasso.
 
— Você é a causa de tudo isso — disse ele dando um passo na direção
dela e eu fiz o mesmo.
 
O homem se assustou e atirou, foi aí que a dor no ombro me atingiu e
eu caí com o impacto da bala. Guadalupe caiu no chão comigo, gritando e
Hassan nos alcançou também.
 
— Vou matar os três — disse o homem.
 
— Você não vai sair vivo daqui — ameaçou Hassan. — Você atentou
contra a vida do herdeiro do Emir.
 
Eu podia ouvir a movimentação lá fora, mas alguém chegou mais
rápido que a guarda.
 
Era Saramago.
 
O tigre que agora havia decidido que pertencia a Guadalupe, veio
atraído pelo grito dela quando levei o tiro.
 
— Vou matar eles dois primeiro, Guadalupe, para que você possa vê-
los sangrar e saber que a culpa foi sua.
 
Saramago rugiu, parecendo entender que o homem ameaçava sua
dona. Madero se assustou com o rugido e mudou a mira da arma para o
tigre. Tentou atirar algumas vezes, mas ficou com tanto medo do animal,
que que não acertou nenhum.
 
— Inferno! Só tenho mais uma bala, gostaria de vê-la sofrer a perda
deles primeiro, mas não posso deixá-la viver.
 
Tudo aconteceu muito rápido, Madero atirou na direção de
Guadalupe, mas o tiro não a atingiu, então de repente o homem estava no
chão, sendo atacado por Saramago até que Guadalupe gritasse para ele
parar, o que ele fez de imediato.
 
— Para onde foi o tiro? Quem se feriu? — perguntou Hassan.
 
— Não foi em mim — disse ela e a minha dor era tanta que eu não
conseguia dar uma resposta a eles.
 
Saramago ficou rondando Madero que estava no chão e a guarda
entrou. Quando o tigre branco se virou para nós, descobrimos onde o último
tiro havia acertado. Ele tentou caminhar até nós, mas caiu no meio do
caminho.
 
— Saramago — gritou Guadalupe, me deixando com Hassan e
correndo até o tigre. — Não, o que você fez?
 
Ela chorava sobre o animal que fechou os olhos aos poucos. Hassan
me ajudou a me levantar e seguir até eles, mas Saramago já não estava mais
consciente.
Capítulo 33

 
Uma semana depois

 
Eu estava sentada ao lado de Hassan. Uma reunião com o conselho
havia sido convocada e aparentemente eu precisava estar presente.
Provavelmente iria querer me expulsar de seu país depois de toda confusão
que a minha presença naquele lugar havia causado.
 
Todo o conselho estava reunido e à frente deles, estava o pai de Faruk
e mais alguns membros do conselho. Uma espécie de oração foi feita e a
sessão foi iniciada, logo chamando Faruk que entrou em seus trajes
tradicionais, como um verdadeiro herdeiro da coroa deveria se vestir,
emanando poder, embora seu braço estivesse enfaixado pelo tiro que havia
levado. Ele não havia me contado o que aconteceria, na verdade, naquela
semana tudo havia virado de cabeça para baixo e eu não havia conseguido
saber de nada.
 
Faruk fez uma saudação que foi respondida por todos em uníssono.
 
— Quando me levantei pela manhã, tinha o intuito de chegar aqui e
fazer um pedido a vocês, mas no caminho para cá, mudei de ideia — disse
Faruk. — Tenho pensado muito nos últimos dias, para quem não sabe, há
alguns meses fiz uma viagem para o exterior e lá conheci uma jovem
mulher, que precisava de ajuda e como os nossos bons costumes mandam,
eu a ajudei. Mas essa jovem tocou meu coração desde o primeiro instante
que pousei meus olhos nela, pois senti uma vontade imensa de protegê-la e
com o passar dos dias, me vi sendo tomado por um sentimento arrebatador,
algo que eu desconhecia até o momento. Não, ela não é islâmica, por isso a
Lei manda que eu não a aceite como minha esposa. Mas qual o nosso
primeiro mandamento no casamento? Não é proteger nossas esposas como
se elas fossem o nosso bem mais precioso? É isso que eu tenho feito desde
que a conheci, se isso não é um sinal de Allah, eu não saberia dizer o que é.
Mas sei também que tenho um compromisso com o meu país, com o meu
povo e tenho me preparado para assumi-lo desde que nasci e se Allah
colocou essa mulher em meu caminho, permitindo que eu nutrisse genuínos
sentimentos por ela, e esse fato tira de mim o direito de assumir o trono,
talvez Allah ache que há alguém mais digno do que eu para assumir à
coroa...
 
— Não há ninguém melhor do que você, Faruk, como você mesmo
disse, foi preparado a vida toda para desempenhar este papel — disse um
dos conselheiros.
 
— Vocês podem achar isso, mas quem somos nós para entender os
desígnios Divinos, Allah é que sabe de todas as coisas e acredito fielmente
que Ele colocou essa Jovem mulher em minha vida com um propósito
maior. Entendo as leis que regem nosso país, para assumir a coroa não
posso desposar a mulher que amo, vim informar que estou abdicando o
trono e todas às responsabilidades que jurei assumir.
 
Senti meus olhos saltarem, não sabia se me apaixonava ainda mais
por aquele homem ou se ficava chocada pela insanidade que estava
cometendo. Um burburinho enorme começou dentro daquela sala.
 
— Não pode abdicar — protestou outro conselheiro.
 
— Se eu não puder desposar a mulher que eu amo, a mulher que
acredito que Allah escolheu para mim, não subirei ao trono. Podem chamar
o próximo na linha de sucessão — Faruk foi enfático.
 
Outro burburinho começou e o pai de Faruk ergueu a mão, fazendo
todos se calarem.
 
— Como é a Lei, todos os membros do conselho podem votar, os que
concordam que Faruk deve subir ao trono e desposar a jovem mexicana
Guadalupe que fiquem de pé, os que não concordam, permaneçam sentados.
 
Pouco a pouco os membros foram se levantando, mas ao final havia
sete votos a mais para que Faruk abdicasse para poder se casar comigo.
 
— Humrum — Hassan pigarreou, chamando a atenção de todos.
 
— O que está fazendo? — perguntei baixo e ele se levantou.
 
— A votação ainda não está encerrada. Segundo a Lei, os membros
primários da família real, ou seja, meus irmãos e eu, exceto Faruk que é de
quem vem o pedido, temos o direito de voto.
 
— Podem votar, você e Said, ainda assim seremos a maioria — disse
um dos conselheiros que estava sentado.
 
— Eu voto para que Faruk se case com a jovem e permaneça no trono
— disse Hassan.
 
— Eu também — disse Said, se levantando.
 
— Eu também — disse uma voz lá no fundo, quando me virei, um
homem parecido com Faruk havia se levantado, depois outro homem, e
depois outro, e ainda outro, e outro e outro ainda, totalizando um voto a
mais para a causa.
 
O sorriso que Faruk abriu era imenso e lindo, então percebi que
aqueles eram os príncipes, os irmãos de Faruk que viviam espalhados pelo
mundo, mas que ainda tinham direito de voto. Hassan piscou para mim e eu
soube que era ele quem havia reunido todos para apoiarem a causa do
irmão.
 
— Sendo assim, vinte e sete votos a favor da causa e vinte e seis
contra. Este conselho permite que o herdeiro Faruk Faza se case com
Guadalupe Madero e assuma a coroa — disse o rei.
 
A minha vontade era de correr para o meu amor e dar-lhe um beijo e
quando seus olhos miraram os meus eu soube que a sua vontade era a
mesma, mas sabia que seria demais uma demonstração de afeto em público,
já havíamos conseguido o mais importante que era a permissão para ficar
juntos.
 
Eu não poderia escandalizar ainda mais aquele povo, acho que já
havia atingido minha cota.
 

 
Quando cheguei ao palácio, segui direto para o meu quarto. Faruk e
os irmãos haviam ficado para trás para oficializar tudo. Tirei as sandálias e
corri para a minha cama, onde a Fera fofa e macia estava.
 
Acariciei o pelo branco que ainda estava um pouco manchada de
vermelho embora o tivéssemos limpado, mas o que importava era que
Saramago estava vivo e muito bem cuidado.
 
Não demorou muito até que Faruk chegasse e quando ele entrou em
meu quarto, não consegui evitar correr para os seus braços. Ele gemeu um
pouco com o contato brusco, pois o ferimento a bala em seu ombro ainda
era recente, mas retribuiu o abraço.
 
— Finalmente poderei tê-la só para mim — declarou, beijando meus
lábios.
 
— Embora eu esteja muito feliz, espero que você saiba que não será a
única fera em minha cama e aceite isso, pois não renuncio à minha decisão.
 
— Wallah wallah! Do que está falando, Guadalupe? — perguntou ele
se afastando e eu apontei com o polegar para trás, indicando Saramago em
minha cama.
 
Faruk gargalhou, chamando a atenção de Saramago que rugiu.
 
— Com ele... só com ele eu posso dividi-la, afinal eu sou o herdeiro
do Emir e não gosto de dividir.
 
— Wallah wallah, mas não deixa de ser um sheik metido de mierda,
né? — brinquei e ele riu mais, beijando meus lábios em seguida e jogando
outra bomba em cima de mim.
 
— Nos casamos em três dias.
 
— O quê?
 
— Três dias, Guadalupe, não posso esperar nenhum minuto a mais
para fazer de você a minha esposa, mashallah!
 
— E você decidiu a data e me avisa assim?
 
— Exatamente, decidi que seria minha esposa quando meus olhos se
cruzaram com o seu.
 
— Você mente muito mal, senhor Fera do Deserto.
 
— E você é bem ousada, cerdita mexicana.
 
— Dios mio, quando me lembro que poderia ter me casado com
aquele velho avarento e ser a sua porca de estimação para o resto da vida
tenho vontade de morrer.
 
— Ainda bem que Allah uniu os nossos destinos — declarou,
passando as costas da minha mão em sua bochecha.
 
— Eu te amo, e vou te fazer muito feliz.
 
— Disto eu não tenho dúvidas, Guadalupe, não vejo a hora de ter uns
dezoito filhos correndo por aqui.
 
— O quê? Vai com calma, senhor Sheik reprodutor, os herdeiros
virão, mas com certeza não serão dezoito — falei e ele gargalhou, enquanto
me beijava com lascívia.
 
— Eu te amo!
 
— Eu te amo!
 
E, ao contrário de Sherazade, eu não precisei ler para o sheik, apenas
abri minhas pernas, digo, meu coração, afinal, o que é proibido desperta o
interesse.
 
 
Se você chegou até aqui quero te agradecer muito por apreciar o meu
trabalho. Me conte o que você achou desta história! Ficarei honrada se você
puder avaliar o livro, assim você ajuda outros leitores e a mim também. Só
peço que caso não tenha gostado, tenha um pouco de empatia.
 
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Beijinhos
Fran Nanii

 
[1]
Data que é comemorado o Dia dos Mortos no México, data celebrada por toda população
mexicana nos dias 01 e 02 de novembro.
[2]
Mamá: tratamento à mãe de forma carinhosa em espanhol.
[3]
Cariño: carinho em espanhol.
[4]
Papá: tratamento ao pai de forma carinhosa em espanhol.
[5]
“Meu Deus” em espanhol.
[6]
Águas frescas são sucos diluídos em água e gelo, deixando o sabor bem suave. A Água de
Jamaica é a mais famosa entre elas, preparada a partir da infusão fraca de chá da flor de hibisco.
[7]
É uma das bebidas típicas mexicanas mais antigas. O atole é servido quente e leva amido
de milho, garapa, canela e chocolate.
[8]
O “vestido” tradicional usado por homens árabes. A peça, sempre com manga longa e
comprimento até o tornozelo, pode ser encontrada em diversas cores e materiais.
[9]
Uma das formas mais tradicionais de beber tequila é pura, acompanhada de uma sangrita.
A bebida tem várias receitas, entretanto, todas levam os mesmos ingredientes: suco de tomate, limão,
laranja, uma pimenta tipo jalapeño ou pimenta tabasco e sal.
[10]
Bolsa pequena de mão, utilizada para compor looks para festas.
[11]
Embora tenha ingredientes semelhantes à tequila, o mezcal é uma bebida mais rústica.
Enquanto a primeira é destilada até três vezes, este passa pelo processo uma única vez.
[12]
Este é outro drink famoso cujo principal ingrediente é a tequila. Para complementar o
sabor acrescenta-se soda cítrica (geralmente de toranja), tornando-o bem mais refrescante que a
margarita. Tradicionalmente é servida com muito gelo e a borda do copo com crosta de sal.
[13]
Caveiras coloridas, eternizadas por Diego Rivera.
[14]
Vestido árabe.
[15]
Véu árabe.
[16]
Expressão árabe dita quando alguém fica surpreso, chocado, ofendido, entre outros.
[17]
O mesmo que “Let’s go!”
[18]
Obrigado (a).
[19]
Desculpa.
[20]
Olá.
[21]
Chá.
[22]
Dinheiro dos Emirados Árabes.
[23]
Oração árabe do alvorecer.
[24]
Garoto.

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