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Anjo e Demônio

JOSIANE VEIGA
Anjo e Demônio

JOSIANE VEIGA

1ª Edição
2019
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou
arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem autorização escrita da autora.

Esta é uma obra de ficção. Os fatos aqui narrados são produto da imaginação. Qualquer
semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real deve ser considerado mera
coincidência.

Título:
Anjo e Demônio

Romance/Drama

ISBN –
9781095544587
Texto Copyright © 2019 por Josiane Biancon da Veiga
Sinopse:

Ela era o paraíso, mas ele foi feito para o inferno.

Victor Bianconi era membro de uma máfia que tinha origem na Itália e agora dominava a
Serra Gaúcha. Ele havia sido salvo por aqueles bandidos e devia a eles mais que a vida, toda a
sua lealdade.
Sem princípios morais que pudesse carregá-lo, ele sempre acreditou que cumprir seu papel
de vilão bastaria... Até ela aparecer.
Francine Stein era de uma boa família. E era, igualmente, uma boa pessoa. O tipo de gente
que jamais iria se aproximar de um bandido como Victor.
Mas, o destino provou-se ser mais forte que tudo.
Anjo e Demônio queriam coexistir.
Aquilo seria, definitivamente, o apocalipse.
Sumário
JOSIANE VEIGA
Sumário
Nota da Autora
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Lucas
Considerações Finais
LEIA AQUIMAIS LIVROS DA AUTORA
Nota da Autora
Quem me acompanha sabe que eu escolhi 2019 como um ano para escrever comédias românticas
acessíveis e fáceis de ler, sem grande profundidade, mas com alto teor de hot.
Contudo, alguns leitores estão me mandando e-mails pedindo determinados gêneros ou estilos. Então,
esse não é um livro comum a mim, e sim uma resposta aos leitores que o solicitaram.
Primeiramente: o gênero. Dark foi comentado para mim pelo Tom Adamz (acho, se não foi, desculpe), e
eu disse que escreveria. Fui atrás de explicações sobre o tema, mas nada do que vi pode ser pior que os
eventos reais que já narrei em livros anteriores como Kinshi na Karada ou A Insígnia de Claymor. Então,
decidi que será um dark leve, porque, francamente, acho que chega de tanta desgraça nas minhas obras.
O segundo pedido era algo estilo Romeu e Julieta. Pensei em famílias rivais, mas já escrevi isso em
Quem Tem Medo do Lobo Mau?, assim não haveria novidade. Optei então pelas vidas opostas, duas
pessoas completamente diferentes, o que explica o título.
O terceiro pedido era sobre máfia. Eu já escrevi sobre isso, mas decidi criar algo novo, no Brasil. A
família representada na obra não existe e também não sei da existência de nada mafioso no RS, mas decidi
optar por isso. O nome é inspirado no meu sobrenome.
A cidade Esperança é fictícia, usada em várias obras minhas. Vocês vão reconhecê-la se já leram outros
livros meus.
Os protagonistas são jovens respeitando o pedido Romeu e Julieta.
Eu não vou poupar na baixeza porque é dark, então, se você não aguenta o tranco, abandone esse treco
AGORA.
Avisos dados, podem seguir adiante ^.^
Prólogo

O s Vitali eram conhecidos pelo silêncio. Eles entravam em uma casa, faziam o
serviço, e iam embora sem que ninguém houvesse escutado um mísero som de
suas balas.
Mas os sons existiam. Aquele “bam” seco que fazia qualquer vivente se
arrepiar.
Naquela pequena cidade na Serra Gaúcha, onde a lei do silêncio
imperava mais que qualquer outra, o pequeno Victor Conti imaginou que nem
tudo que se dizia era verdade.
Os Vitali faziam barulho.
Com o rosto forçado contra o chão, a pequena criança tentou chamar a
mãe. Mas, a mãe não respondia mais. Não depois de seus gritos de piedade, não
mais depois de vários homens subirem nela e a forçarem com tanta brutalidade
que o sangue escorria de suas pernas e formava uma poça logo abaixo, no
assoalho de madeira encerada.
— A puta morreu? — um dos homens indagou.
— Acho que sim — o outro riu, balançando o corpo já sem vida.
Então, os homens olharam para ele.
Victor tinha oito anos, mas sabia o que o aguardava. Uma vizinha havia
dito, certa vez, que o destino de crianças como ele era cadeia ou cemitério.
A mãe vendia drogas. Às vezes colocava saquinhos de crack por baixo da
sua blusa e o fazia cruzar a cidade para levar a substância a outro lugar.
Era “mula”. Tinha oito anos, não sabia ler, nem escrever, mas era “mula”.
Não que ele culpasse a mãe. Ela mesma só entrou nessa vida porque o
pai, antes de morrer, deixou-lhe uma dívida imensa com drogas. E os Vitali não
perdoavam quem lhes devia.
— A gente mata ou a gente come?
— Eu lá vou comer um moleque? — um dos homens resmungou.
— Eu comeria. Bunda é bunda — deu os ombros. — Mas, dê um tiro na
cabeça dele e vamos embora.
Victor fechou os olhos com força.
Era assim que iria morrer.
Contudo, outro som soou acima dele. Outro tiro, mais seco, denotando
que era de uma 45’, diferente das espingardas doze que os homens dos Vitali
carregavam.
Victor viu, entre as lágrimas, outros homens invadindo o casebre. Um
deles, muito bem vestido, tirou luvas negras das mãos e o observou com atenção.
— É bom que saibam que ninguém invade nosso território — ele avisou
a um dos homens que ainda agonizava no chão.
Mais um tiro. O fim do tormento. Seus olhos então volveram a Victor.
— Tem para onde ir?
Negou. Fechou os olhos. Esperou a morte. Porém, o homem agachou-se
diante dele, e Victor forçou-se a encará-lo.
— Sabe por que eu os matei? — questionou. — Os Vitali não respeitam a
terra dos outros, e ninguém entra no território dos Bianconi.
Victor assentiu, numa concordância forçada. Ele não entendia aquelas
regras e não se importava com elas.
— Você quer ser um Bianconi?
Havia duas saídas. Aceitar ou morrer.
Ele assentiu. Ele aceitaria ser qualquer coisa naquele instante.
— Então se levante — o homem resmungou. — Eu sou Pietro Bianconi.
E você, agora, é um de nós.
Francine

E u não quero parecer uma santinha do pau oco, mas a verdade é que aquele
não era ambiente para mim.
Nunca frequentei festas daquele tipo, em lugares onde o pecado e a
maldade pareciam correr soltos sem qualquer pingo de constrangimento.
Não que eu fosse perfeita. Oh, Deus sabia que eu tinha meus erros, mas
eu ainda não chegara ao ponto de viver como se a libertinagem fosse algo bonito
e acolhedor.
Sabia não ser verdade.
Meu pai era ministro da Igreja Luterana, e metade das pessoas que pedia
aconselhamento eram exatamente aquelas que viviam, quando jovens, como se a
vida fosse uma eterna aurora dos dias.
Não era.
Os anos passavam, os erros pesavam. Meu pai me deu o único conselho
que podia quando eu viajei para Esperança para estudar enfermagem na nova
universidade daquela cidade.
“Siga seus principíos. Não importa o que aconteça, enquanto seguir seus
princípios tudo ficará bem”.
E eu estava ali agora, junto a Vanessa, minha amiga de infância, entrando
naquele bar cheio de pessoas mal encaradas e mulheres bêbadas com roupas
mostrando demais.
— Eu devia ir embora — murmurei.
— Você devia viver! — Vanessa objetou, me puxando até uma mesa.
Não fui criada com restrições e regras absurdas. Eu tinha liberdade de
escolhas. Mas, essas liberdades não me deixavam à vontade para viver como
uma garota que entraria em um bar de má fama.
— Amanhã começa nosso curso. Passaremos os próximos anos
enfurnadas numa sala de aula, estudando muito, para não colocarmos o
investimento de nossos pais no lixo. Então, nessa noite, nessa última noite,
vamos aproveitar — ela disse, alto, por causa da música ensurdecedora,
enquanto se balançava num ritmo de banda.
Eu assenti, apesar da minha cara séria. Realmente não queria passar meu
último dia de liberdade num lugar daqueles.
— Quem sabe você arruma um namorado — ela bateu palmas, como se
aquela ideia fosse excelente.
Honestamente, eu não queria um namorado. Não depois de ter passado
anos da minha vida ao lado de Marcos e acreditado piamente que ele era meu
príncipe encantado.
Bem, essa é a minha história: Marcos Kuhn e eu nos conhecemos na
escola dominical. Ele era filho de um comerciante e eu era filha do pastor.
Ambos tínhamos o mesmo ritmo calmo e sereno de ver as coisas, e o namoro se
tornou apenas o cumprimento de algo que todos percebiam que ia ocorrer.
Ele tentou avançar algumas vezes, mas eu queria casar virgem. Então,
apesar de termos apenas dezoito anos, meu pai marcou a data. Eu estava feliz,
iríamos ter uma casa bonita perto da paróquia e uma vida de sonhos. Era o que
eu queria. Marcos, filhos, serenidade.
Mas, tudo acabou quando eu o flagrei, no último dia de aula, transando
com Ana Viegas, nossa colega, atrás do vestiário feminino.
Naquele instante, eu apenas queria desaparecer. Romper o noivado,
cancelar os preparativos, decidir ir para outra cidade estudar enfermagem, enfim,
tudo fez parte do meu processo de cura pela dor provocada por Marcos.
Vanessa tinha parte importante nisso. Minha melhor amiga. A pessoa que
mais me estendeu a mão. O que era até cômico, porque ela era, sem dúvidas, o
contraponto de mim mesma. Van era ateia, dona de uma personalidade forte,
cresceu sem pai e com a mãe conhecida por vagabunda. Enfim, mesmo assim,
durante as aulas, nós nos aproximamos e firmamos amizade.
Meu pai sempre a tratou com muito carinho, e Vanessa correspondeu à
minha família respeitando a nossa fé. Éramos diferentes, mas o amor que nos
unia era igual.
É claro que nada foi fácil. Marcos não quis acabar com o noivado.
Culpou Ana pelo sexo, disse que ela o seduziu, que mexeu com ele ao ponto de
cegá-lo, pediu que a Igreja o colocasse em disciplina, mas que meu pai me
forçasse a permanecer com ele.
Marcos não conhecia, realmente, meu pai. Pastor João era justo. E
pareceu aliviado por eu ter desistido do noivado.
“Você é muito jovem, Fran” — papai disse, me abraçando. — “Viva um
pouco antes de saber exatamente com quem quer ficar”.
E era ali que eu estava, após isso. Ainda sofrendo, claro. Ainda sentindo
aquela melancólica sensação de que Marcos e eu podíamos dar certo, podíamos
sermos felizes; e, ao mesmo tempo, tendo a certeza que aquilo não aconteceria
porque mulher de caráter jamais perdoaria aquele tipo de traição.
Princípios...
Meus princípios me diziam que eu devia seguir em frente. E era a eles
que eu devia ouvir. Eles falavam algo a mais, também. E era sobre confiança.
Como eu voltaria a confiar em alguém depois do que Marcos fez
comigo?
Nós tínhamos a mesma índole, a mesma fé, o mesmo temperamento... e
mesmo assim ele me traiu. Por que outro homem não faria igual, ou pior?
— Eu não quero um namorado — respondi a Vanessa. —
Definitivamente, não quero compromisso.
Vanessa me olhou com certa pena. Aquilo me incomodou.
— Você realmente precisa se curar, Fran. Viemos aqui para nos divertir,
lembra? Não fique preocupada com mais nada.
— Eu não gosto de bebidas, não gosto desse tipo de música, e esses caras
me olham como se fossem me devorar — objetei. — Como posso me divertir?
— Seu pai não disse para viver um pouco? Olhe — observou ao redor. —
Esses caras são meio feios e parecem um bando de idiotas. Mas, Marcos parecia
o cara perfeito. As aparências enganam, sabia?
Eu assenti. Eu devia estar ali para aliviar o estresse. Mas, ao mesmo
tempo, eu pensei que poderia estar bebendo um cálice de vinho em uma banheira
com água quente.
A Serra era conhecida pelos vinhos maravilhosos e eu ainda não havia
bebido nem sequer um cálice.
Eu cruzei meus braços sobre o peito. Estava cansada.
— Acho melhor eu ir.
— Fran! E se você for e perder a chance de encontrar o cara da sua vida?
— ela indagou como se fosse sério.
— Aqui? — ri.
— Aqui — afirmou. — Em qualquer lugar. Além disso, não precisa ser o
cara da sua vida, apenas alguém que devolva a sua autoconfiança. Ou que faça
sexo gostoso.
— O quê? — Resmunguei, irritada. — Você sabe que eu não sou assim!
— Não há nada de errado em fazer sexo com alguém, sem amarras.
— Para mim sexo tem que vir unido a amor.
— Amor? — ela gargalhou. — Céus, você ainda acredita mesmo que
isso exista.
— Deve existir — apontei. — Em algum lugar. De algum jeito...
— Amor é só fantasia, amiga — ela me consolou.
— Não — fui firme. — Eu sei que um dia vou encontrá-lo. — Peguei
minha bolsa. Aquela conversa estava encerrada e eu queria ir para o apartamento
que dividia com Vanessa. — O amor está em algum lugar, em alguém. Basta que
um dia eu cruze com ele, e eu saberei.
Ao me virar em direção à saída, meus olhos foram capturados pelos dele.
Victor

E u jamais bebia no meu próprio bar. Primeiro porque era lugar de viciados e
prostitutas, depois porque Pietro sempre deixou claro que um Bianconi não devia
se entregar a devassidão de drogas.
E o álcool estava incluso nisso.
Obviamente, eu não bebia muito. Às vezes, depois de um dia cansativo,
eu ia até aquela pequena boate perto da rodovia e pedia uma cerveja. Gostava do
gosto amargo, queimado, gelado, descendo pela minha garganta.
Depois, sempre voltava para casa. Um apartamento em cima do bar que
eu gerenciava.
A vida foi boa para mim. Na infância, eu vi minha mãe, uma drogada
inútil, ser estuprada e morta por uma antiga associação mafiosa que Pietro
destruiu. Depois, o homem se encarregou de ser um pai substituto, me deu
educação, e me colocou para cuidar de um dos muitos pontos de atuação da
família.
Era assim que éramos chamados: família.
Eu não era um Bianconi de sangue. Não me lembrava do meu
sobrenome. Ele não importava. Além disso, eu sempre fui tratado como um
Bianconi, e era isso que me dava orgulho.
Pietro era um pai exigente. Ele nasceu na Itália e veio ao Brasil logo após
a Segunda Guerra. Não foi fácil, de início, o governo perseguia imigrantes.
Mas, ele venceu do nada. E hoje era o maior nome do tráfico do Sul. Eu
o admirava e me orgulhava de ser alguém que ele chamava de filho.
Senti a presença de Marcelo ao meu lado. Ele tinha um sorriso arrogante
no rosto, e parecia estar curtindo a atmosfera do clube. Eu sorri, percebendo
porque ele estava tão alegre. Algumas garotas da cidade já haviam dado sorrisos
em sua direção. Ora, ele era um puta filhinho de papai, cheio da grana, e garotas
normalmente se atraem por isso. Dinheiro e carro. Motos. Boas roupas. Lugares
que ele pode levá-las para viajar.
É claro que elas nem desconfiam que ele é estúpido o bastante para ser
meu cliente. E, nem estou falando do bar.
Isso eu nunca vou entender. Um cara que tem tudo, toda a grana que
precisa, uma família presente, um futuro brilhante, mas prefere frequentar meu
bar todas as noites em busca de um pózinho branco que escondo nos fundos do
estabelecimento.
Ok. Ele é um babaca. Mas, paga suas contas. Nunca ficou me devendo,
nem pediu fiado. Já era alguma coisa. Era o mais próximo que conseguiria
chegar de mim, talvez até chamar de amigo.
— E aí? — ele murmura em minha direção. Eu percebo suas mãos
trêmulas. — Que tal a gente ir lá para o seu bar?
— Estou de folga. — neguei.
— Quebra essa pra mim? — ele pediu, era quase uma súplica.
Eu assenti.
— Depois — resmunguei.
Marcelo vira as costas para a mesa do bar e encara a pista de dança. As
luzes estão fracas, mas o estroboscópio girava numa velocidade alucinada, dando
ainda mais ênfase a quem já estava um pouco mexido pela bebida.
— Carne nova na cidade — ele murmura.
Eu giro na direção que Marcelo observa. Em um dos cantos, percebo
duas garotas. Elas parecem conversar da mesma forma que eu e Marcelo. A
menor não parecia feliz por estar ali. Talvez por isso meu olhar fixou-se nela. De
súbito, se levanta. Ela gira, seu rosto agora nítido pela luz fraca.
Ela é linda...
O cabelo era claro, o corpo bem desenvolvido. Suas coxas eram grossas e
afinavam em direção a barriga. Era meu tipo de mulher, e fazia alguns meses que
eu não tinha uma.
Foi tão intenso e instantâneo. Eu a quis no momento que a vi.
Ela começou a andar. Apesar de perceber que ela me notou, a garota
desviou o olhar, incomodada. Eu não estava flertando, mas algo em mim pareceu
desnorteá-la.
Parecia uma daquelas moças ingênuas do interior e talvez eu a tenha
assustado porque era cheio de tatuagens e tinha o rosto sério e marcado pelos
anos de uma vida difícil.
Foda-se isso. Ela é linda e eu a quero. E vou tê-la. Nessa noite. Na minha
cama. Na minha vida.
Ela se aproximou da porta. Ali, a luz clara me deixa perceber a cor dos
seus olhos. Verdes. Eles se fixam nos meus novamente, por alguns instantes, e
então ela os desviou. Percebo um leve rubor em suas bochechas.
Culpa, talvez?
Ela é fofa. Daquele jeito que desperta qualquer homem.
E tem uma boca carnuda, suculenta, que me faz desejar beijá-la. Eu
adoraria ver aqueles lábios em volta do meu pau.
Eu sufoco um gemido quando meu pau endurece em minhas calças. Ele
parecia implorar para que eu o enterrasse em uma boceta quente.
E a dela parecia isso.
Claro, igualmente ela demonstrava ser uma boa menina, alguém que eu
jamais colocaria como alvo. Mas, subitamente, aquela diferença de parâmetros
pareceu aumentar o meu fogo de caçador.
A maioria das garotas que eu conhecia que fazia aquele jogo de “boa
moça”, na verdade só estava à espera de um bad boy para “libertá-la”. Eu
costumava tê-las chupando meu pau em poucos dias.
De repente, sua mão na maçaneta da porta. Ela iria sair, e eu –
possivelmente – perderia minha chance.
Então, deixei Marcelo falando sozinho e avancei em sua direção.
Estava ansioso por aquele jogo.
Francine

N ada bom.
Eu sabia que aquilo era um perigo assim que meus olhos focaram-se naquele
rapaz.
Ele vinha caminhando em minha direção, e ao invés de eu desaparecer
pela porta, travei e o aguardei. Não sei dizer por quê. Eu devia estar louca...
O rapaz era alto. Tinha descendência italiana, logo reparei, pelos cabelos
escuros e a pele pálida. Ele era bonito, literalmente de tirar o fôlego. Eu
estremeci quando notei as tatuagens nos braços que pareciam escapar pela
camisa e chegar até o pescoço.
Era exatamente o estereótipo de pessoa que eu me afastava. Contudo, seu
olhar escuro me prendeu como um apelo de oportunidade. Eu queria me mexer.
Sumir. Desaparecer. Mas, eu só conseguia ficar parada.
Precisei ser forte. Aquele não era meu lugar, e aquele homem não era
meu tipo. Você não se envolve com gente ímpia, do mundo. O primeiro salmo
surgiu na minha mente. “Não se assente na roda dos escarnecedores”.
Ele era um escarnecedor. Obviamente. Um homem do mundo. Sua
aparência deixava isso claro. A forma como andava, a maneira como seu olhar
desviava para as bundas das mulheres que cruzavam por ele, enfim, tudo
demonstrou que aquele não era alguém para mim.
Respirei fundo. Olhei em volta, procurando Vanessa. A vi batendo papo
com um cara empolgado demais com a música. Volvi meu olhar para o rapaz que
se aproximava.
Lembrei-me nos gatos quando estão caçando. Soube que eu era uma
presa para aquele felino.
Tentei afastar aqueles pensamentos. Eu nunca fui a mais bela das
mulheres e havia outras naquele ambiente que estariam dispostas a flertar com
aquele cara.
Bem... Na verdade eu não sabia se ele estava flertando. Eu só tive um
namorado e nosso namoro foi dentro dos parâmetros cristãos.
“Ele está flertando, Fran!”, uma voz surgiu na minha mente.
Era óbvio. Ele me observava como se me devorasse. Eu devia me sentir
bem com aquilo, porque era admirada, e nem pensava que aquilo seria possível
depois do que Marcos fez. Mas, havia um temor que subjugava qualquer outro
sentimento.
Não era exatamente uma paquera. Era como se ele estivesse marcando
território. Havia uma atmosfera de posse. Ele estava retomando algo que era seu.
Eu.
E nada poderia impedi-lo.
Meu coração bateu com força diante dos pensamentos. Fiquei nervosa.
Preciso fugir...
— Oi — enfim ele se aproximou o suficiente para um cumprimento.
Suas mãos nos bolsos deixavam sua postura ainda mais provocadora.
— Olá — eu respondo, meus olhos buscando os dele, desviando e
retornando, demonstrando o quanto eu estava nervosa.
— Você já está indo? — ele indagou.
SIM! ESTOU INDO! ATÉ NUNCA MAIS!
— Eu... — minha respiração ficou presa na minha garganta.
— Se importa de eu pagar uma cerveja antes de ir? — questionou.
Seu tom era amigável. Ele quase podia me enganar. Todavia, seu tom era
igualmente profundo, sexy, e arrepiava minha pele, deixando claro uma
necessidade latente que eu mal conseguia aguentar.
— Eu... não sei...
Céus, como eu estava desconsertada. Nunca fiz o tipo tímida, afinal eu
ajudava meu pai nos cultos desde a infância. Era filha única e minha mãe havia
falecido quando eu era pequena. Assim, aprendi a me virar desde cedo.
— Eu sou Victor — ele se apresentou, percebendo meu estado.
Era um nome bonito.
— Prazer em conhecê-lo, Victor.
— Oi, eu sou Vanessa — o som da voz da minha amiga surgiu entre nós.
Claramente, meu anjo da guarda. Percebeu a atmosfera e se aproximou,
meu resgate gentil.
— Olá Vanessa — ele sorriu na direção dela e estendeu a mão.
Mas, meu anjo não parecia preparado para me afastar dali. Van me
encarou e depois me apresentou.
— Minha amiga que não consegue articular uma frase se chama
Francine.
Enrubesci. Respirei fundo, e estendi minha mão para ele.
— Desculpe — murmurei. — Não sou acostumada a sair — admiti.
Percebi seu olhar surpreso. Depois, ele aceitou meu cumprimento. Senti
uma descarga elétrica cruzando entre nós.
Eu paralisei.
De alguma maneira, você sabe quando encontrou sua perdição. Naquele
exato momento, sentindo as reações que o toque simples de Victor me provocou,
percebi que sucumbiria àquele pecado.
Eu precisava me afastar, mas não conseguia. Estava paralisada.
— Prazer em conhecê-la, Francine — sua voz profunda e gutural
intensificou-se na mesma medida que o aperto na minha mão, como se ele
quisesse dizer algo com aquele toque.
— Prazer — murmuro.
Preciso dizer que devo ir. Quero fugir. Não consigo. Seus olhos queimam
como brasa sobre mim.
— Bom, já fui cupido o suficiente — Vanessa diz alto, a música parece
atiçar algo desavergonhado nela. — Não nasci para vela — brinca. — Tchau
crianças — e ela vai em direção à pista de dança.
Fiquei lívida de vergonha. Contudo, antes que eu pudesse me opor, ela já
havia sumido e me deixado sozinha com aquele homem.
— E então? Aceita a cerveja?
Eu odiei a maneira como ele me fazia sentir. Sei que perdi meu próprio
controle quando me vi assentindo e o seguindo até uma mesa.
Victor foi buscar duas canecas enquanto eu respiro fundo, tentando
colocar meus pensamentos em ordem.
Ele retorna. Senta-se na minha frente e sorri. Não nego que a maneira
gentil como ele me encarou depois de me perceber tão nervosa me surpreendeu.
Ele tinha cara de mau. Mas, foi extremamente cavalheiro.
— Então, Francine...
— Fran — o corrijo. Nunca me agradou meu nome completo.
— Certo, Fran... — Victor me dá um sorriso juvenil que faz minha voz
interna gritar para eu fugir antes que seja tarde demais. — Você parece bem
deslocada nesse lugar.
— Eu não sou boa em ambientes assim.
— Nunca a vi na cidade — ele prosseguiu. — Veio por causa da nova
universidade?
— Sim.
— Vai cursar o quê?
— Enfermagem.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— Combina com você. Parece uma boa garota, disposta a ajudar os
outros.
— Eu... — gaguejei. — Eu sempre fiz trabalho voluntário.
— É mesmo?
— Eu ajudava a cuidar de idosos no asilo da cidade que eu cresci. Meu
pai dirige a Igreja de lá.
Ele pareceu impressionado.
— Você sabe, só existe uma regra para homens como eu: Sempre
respeitar uma jovem cristã.
Fiquei curiosa.
— Como assim?
— Bom, claramente eu não sou um exemplo de bom moço — ele
estendeu as mãos, e eu percebi que se referia as tatuagens. — Mas, meu pai
sempre diz que Deus existe e que devemos respeitá-lo e aos seus servos. E eu
sou bom nisso. Nunca me meti com gente que serve a Deus. E sempre respeitei
as mulheres.
De fato, eu não me sentia intimidada na presença dele depois que passou
a conversar.
— Eu sou bom em outras coisas também — ele sussurrou tão baixo que
quase não ouvi.
Dou um gole no chopp. A cerveja está ótima. Percebo que ele não tocou
na sua caneca.
— Não vai beber?
— Já bebi uma garrafa antes — comentou. — Meu pai não gosta que
abusamos do álcool.
Segunda referência paterna. Percebi que o pai era importante para ele.
— Seu pai mora aqui na cidade? — pergunto.
— Não, ele está sempre viajando, mas tem residência fixa em Porto
Alegre. Eu fico na cidade pra cuidar do bar dele.
— Esse bar?
— Não. Meu bar é mais modesto. Fica no outro lado da cidade. Um lugar
simples para o pessoal tomar uns tragos após o trabalho na fábrica de fumo.
Eu balanço a cabeça, compreendendo.
— Estranho ser uma cidade de plantação de fumo, não? A região seria
ótima para uvas.
— As maiores plantações de tabaco ficam lá pelas bandas de São
Lourenço do Sul. Nem sei porque Esperança entrou nessa também. Enfim, a
fábrica é quem mais emprega as pessoas na região.
— Ouvi comentários que a antiga gerente hoje é casada com um cantor.
— Miguel Lins — ele confirmou. — O que é a vida, não é? Eu a via no
mercado, às vezes.
Aquela conversa estava tão animada e amigável que percebi que entrei
em total relaxamento. Céus, tudo que ele me mostrava através da sua aparência
era o quanto ameaçador era. Mas, conversando, senti que ele tinha uma faceta
cortês.
Então, veio novamente aquele olhar... Aquele olhar que me fazia perder o
chão.
Algo no meu íntimo gritou. Um desejo cruel, nunca experimentado.
Fiquei nervosa e me movimentei na cadeira, tentando impedir as batidas
frenéticas do meu coração.
É isso aí. Eu tenho que fugir.
— Desculpe, tenho que ir! — Me ergui, buscando a bolsa, não dando a
ele uma chance de recusar.
Movimentei-me rápido em direção à porta. Saí. Livre. Enfim, um suspiro
escapou da minha garganta.
Eu não pensei em Vanessa e que estava deixando-a sozinha. Eu só
precisava escapar. De alguma maneira, eu sabia que ele era uma tentação.
— Ei — a voz dele surgiu atrás de mim.
Meus joelhos ficaram fracos.
— Eu fiz algo que te incomodou? — ele questionou.
Eu o encaro por alguns segundos. Ele sabe. Ele percebe o calor que
emana entre nós.
Aquilo não era certo. Porque esse tipo de desejo não era certo. Amor era
algo calmo e conquistado aos poucos, não uma coisa tão arrebatadora que trazia
medo e urgência.
Tentei correr. Aproximei-me do estacionamento onde meu pequeno
básico me aguardava. De súbito, a mão dele no meu braço. Aquele calor
desesperado.
Logo, ele me girou na direção dele e senti seu corpo, duro como pedra,
me prensando contra o gelado do veículo.
— Que tipo de bruxa você é? — Sua voz era suave, não ameaçadora.
Sua respiração quente fez meus mamilos endurecerem. Meu núcleo ficou
encharcado e meu centro feminino se apertou, pulsando, pela primeira vez na
minha vida.
Isso é bom. Mas, igualmente, horrível.
Eu o quero. Eu sei. Cada centímetro do meu corpo anseia por ele.
Mas eu não sou esse tipo de mulher. Eu sou uma pessoa correta. Uma
pessoa correta não se deixa ficar agarrada em um homem que acabou de
conhecer.
Meus princípios contra meu corpo pegando fogo. Meu vestido parecia
estar subindo pelas minhas coxas, num convite que eu jamais me atreveria a
fazer, mesmo em pensamento.
— Eu não entendo você — murmurei, em defesa.
— Eu acho que você entende — contrapôs.
Victor se aproximou mais, como se estivesse prestes a me beijar. Se seus
lábios tocassem os meus, eu sei que aquilo seria meu fim.
Eu pensei no meu pai. Na decepção que ele teria em me ver assim.
— Me solta agora ou eu vou gritar.
Eu não sei de onde tirei coragem e energia para ser tão séria naquela
ameaça.
Victor me soltou, como se fosse doloroso para ele fazer aquilo.
Talvez ele quisesse dizer algo. Mas, simplesmente se calou enquanto eu
entrava no veículo e ia embora.
Que Deus me ajudasse. Que nunca mais eu o visse.
Victor

M eu bar tinha sempre o mesmo cheiro acre, de bebida forte e vômito. Eu já


havia mandado fazer uma faxina enorme, usado diversos tipos de neutralizadores
de odores, mas aquele cheiro nunca sumia de lá.
— Está perfeito — Antônio murmurou, na minha frente.
No pequeno escritório atrás do bar, meu irmão fazia os cálculos das
vendas dos entorpecentes daquele mês.
— Você nunca perde nenhum valor, não é? — ele murmurou. — Queria
ser bom nisso, também. Quem sabe assim o pai iria gostar mais de mim.
Antônio também havia sido resgatado de uma família ruim na infância.
Foi criado como eu, educado por Pietro, e preparado para assumir um dos
negócios da família em alguma cidade do interior. Mas, ao contrário de mim, ele
era pequeno e desajeitado. No seu primeiro mês, acabou vendendo fiado a um
grupo de viciados que, por pura intimidação, conseguiram levar dele uma
quantia generosa de drogas sem pagar.
Pietro precisou retirar Antônio daquela região e mandar matar os
devedores. Matar clientes não era algo agradável de fazer, mas quando alguém te
dá calote, você precisa responder de alguma forma.
Na época, eu tinha dezesseis anos. Foi meu primeiro assassinato.
Chegamos na cidade em cinco irmãos, e numa noite matamos seis com tiros
certeiros na fronte. Depois desaparecemos por alguns meses numa fazenda no
interior de Catuípe.
Pietro cuidou de nós. Nosso pai era sempre presente.
Antônio foi realocado na contabilidade e eu passei para a parte das
vendas.
Aos dezoito anos, Pietro me deu o bar. Eu podia receber alguma
comissão, caso quisesse, pelas minhas vendas, mas não via necessidade. A
mercadoria pertencia à família, e caso o bar não desse lucro em algum mês, eu
poderia me socorrer com eles.
A família era tudo.
E como éramos discretos, quase sempre passávamos despercebidos da
justiça.
Isso é algo muito importante, algo que nos separa daqueles idiotas que
vendem drogas em pontos destruídos do subúrbio. Enquanto eles incomodam
vizinhos, ostentam armas, escutam músicas de funk em volumes de estourar os
tímpanos, nós, da família, éramos completamente controlados.
Claro, se você precisa matar alguém, você mata. Mas, quanto menos
chamar a atenção, melhor.
Eu mantinha uma rotina agradável com a própria polícia da cidade. Eles
nem desconfiavam de mim. Seguidamente pagava uma cerveja quando algum
policial estava de folga, ouvia sobre seus filhos, e até participava de algum
evento da cidade, contribuindo para a caridade.
— Você parece estranho, irmão — Antônio murmurou.
— Só cansado — retruquei.
Desde a noite anterior, depois de minha ida à boate, sentia uma espécie
de perda no meu íntimo, como se algo não estivesse de acordo ou certo. Eu
nunca havia me sentido assim por ter perdido a chance de ter uma mulher.
Normalmente, eram só bocetas quentes. Você perde uma, arruma outra pra enfiar
o pau.
Mas eu estava incomodado pela maneira como Francine escapou de mim.
— Você vai ir à boate hoje? — meu irmão indagou, guardando as
papeladas.
— Não. Fui ontem. Você passará a noite aqui?
— Se você fosse sair — ele assentiu. — Mas, já que não vai, vou seguir
viagem. Ainda tenho três pontos para verificar.
Eu concordei. Realmente eu não estava no clima para voltar para aquele
lugar.
Enquanto Antônio recolhia suas coisas, eu fui fechando o bar e
recolhendo algumas cadeiras. Nos despedimos cordialmente, como sempre.
No momento que fui até a porta lateral que dava acesso as escadarias
(meu apartamento ficava num condomínio em cima do estabelecimento), senti
meu celular vibrar.
— Feliz aniversário, meu filho — a voz de Pietro chegou até mim.
Nós nunca comemoramos o dia que nascemos, e sim o dia que nosso pai
nos encontrou. Aquela data sempre me trazia um misto de sensações. Era o dia
que perdi minha mãe, mas era também a data que era recebido no seio dos
Bianconi pelo meu pai.
— Como você está? — ele indagou.
— Normal — murmurei.
Não sei exatamente porque, mas não queria conversar com ninguém.
Todavia, aquele homem era meu pai e eu lhe devia tudo.
— Você não parece animado — ele murmurou. — Por que não vai até a
boate caçar algumas xoxotas?
Eu parei no degrau. Deslizei minha mão pelo meu cabelo curto,
procurando as palavras para negar.
— Não estou no clima.
Na verdade, eu estava. Mas, não pelas mulheres que eu teria fácil, lá. Era
o corpo de Francine que fazia meu pau endurecer. Eu a queria, suas curvas
suaves junto a mim, sua respiração entrecortada entre minha boca.
Mas, você não diz isso ao seu pai. Pietro jamais entenderia o fato de um
lobo estar sofrendo por uma ovelha.
— Eu vou comer uma torta e depois assistir televisão — comentei. —
Vou deixar as mulheres para a próxima semana.
— Ano que vem, no seu aniversário, quero que venha comemorar em
Porto Alegre — avisou. — Não gosto do seu tom. Você é um Bianconi. Você é
meu filho. Tenha mais ânimo.
— Sim, pai.
E então desliguei.
Não sei explicar o porquê, mas foi um alívio.
Francine

E u conhecia o humor da minha amiga pela maneira como ela batia o pé


enquanto circulava pelo nosso novo apartamento.
— Vai ficar aí parada, igual uma retardada? — ela disparou, na minha
direção.
Eu quase sorri.
Mas, entendia que se o fizesse, seria a última vez que teria dentes.
Vanessa era terrível com mudanças. Ela gostava de ter todos os seus
trecos – eu diria lixos, mas ela me mataria se falasse – numa ordem específica
que só ela entendia. Contudo, naquele momento, vivíamos em um apartamento
minúsculo, e a chegada do caminhão de mudanças pareceu complicar mais a
situação. Simplesmente não havia lugar para seus vasos antigos do tempo da
avó, das panelas chamuscadas, do sofá rasgado onde sua velha gata gostava de
afiar as unhas, da sua espelheadeira que ocuparia o lugar do roupeiro, entre
outras coisas.
— Meu pai, que calor — ela reclamou, pela milésima vez.
Quando viemos com o corretor, não havíamos reparado que no final do
dia o sol batia de frente na nossa janela.
Fevereiro, no Sul, era de um calor infernal. Nós não tínhamos ar
condicionado, e o nosso pequeno ventilador parecia um herói cambaleante, certo
em perder a guerra.
— Você podia deixar de ser inútil e fazer uma limonada para nós —
Vanessa me encarou.
O calor era algo que sempre mexia com ela. Ela odiava. E eu sabia que o
fato de estar pingando a suor só a deixava pior.
Eu corri até a cozinha. Limão, maçã e gengibre, tudo batido no
liquidificador junto com gelo. Eu conhecia minha amiga para saber como ela
gostava das coisas.
Voltei à sala e a percebi com um álbum de fotos nas mãos. Levei até ela o
suco e aguardei o agradecimento que não veio.
— O que foi? — questiono.
Vanessa é má quando quer, mas isso é raro de acontecer. No geral, ela
sempre é a velha otimista que acha que tudo vai dar certo. Quando combinamos
de estudarmos juntas, ela pareceu animada e ansiosa.
— Estou com medo — admitiu.
— Você?
— Eu vomitei a noite toda — contou. — E não foi por causa da bebida.
Você sabe... Estou refazendo os passos da vaca da minha mãe. Ela veio para uma
cidade universitária estudar filosofia. Engravidou de um cara que só queria beber
e fumar maconha. Tentou me abortar, não conseguiu, e passou a vida toda me
atirando na cara que eu era o atraso da vida dela, que nunca pôde terminar os
estudos por minha causa. Sei lá... De repente, comecei a me imaginar no lugar
dela.
— Culpando um fictício filho por conta da própria irresponsabilidade? —
indaguei. — Você não é ela — afirmei. — Você não jogaria seus erros nas costas
de ninguém. — Me aproximei e a abracei levemente. — Além disso, você não é
um erro.
— Não sou?
— Deus pensou assim: “Ah, mas aquele bebê não vai morrer mesmo!
Porque quando crescer, se tornará a melhor amiga de outro bebê que gosto tanto,
a Fran!”.
Ela sorriu. Eu sabia que não acreditava nas minhas teorias, mas parecia
se acalentar por elas.
— Me desculpe — pediu. — Não devia ter chamado você de retardada.
— Está certo.
— Mas, você é — ela devolveu e eu gargalhei. — Só muito idiota para
perder um lindão daqueles, ontem à noite. Céus, que homem era aquele? Victor,
não é? Será que a gente vai reencontrá-lo na cidade?
Eu realmente esperava que não.
A maneira como meu corpo reagia ao dele me deixava nervosa, aflita e...
ansiosa.
Nunca fui de pensar nessas coisas, mas... ele parecia grande de várias
maneiras. E me deu medo. Medo de algo que se corroeu no meu íntimo, um
desejo que eu mal saberia explicar.
— Pena que ele não olhou para mim. Eu adoraria ter passado a noite
fodendo com ele.
— Van!
— É sério — ela devolveu. — Você não faz ideia de como é bom ter um
homão daqueles te pegando por trás, puxando seu cabelo e batendo as bolas na
sua bunda.
Eu precisava sair dali. Não porque o palavreado de Vanessa me chocasse,
já que ela era assim desde o colegial, quando perdeu a virgindade com um cara
da nossa classe. O que me aterrorizava era o fato de que eu conseguia me
visualizar, naquela narrativa, sentindo Victor se enfiando em mim, me chamando
de sua puta, sua cadela...
— Você está com calor? — a ouvi rindo, enquanto me aproximava da
jarra de suco e servia um copo.
— Eu não posso acreditar que está dizendo essas coisas para mim —
reclamei.
— Céus, Fran! Você é muito reprimida. E eu sei que não é sua família
porque seu pai é um cara muito legal. Eu não entendo porque você não se solta
mais. Olhe, um cara lindo estava desejando você...
— Ele só queria me pagar uma bebida.
— Você é idiota, por acaso? Ele estava fixado em você.
— Isso é ridículo.
— E você vai olhar na minha cara e dizer que não sentiu nada? Que ele
não mexeu em nada com você? Eu a vi, percebi sua respiração... Você também
ficou louca por ele.
Eu queria fugir daquele apartamento. As palavras de Van me levavam
novamente ao corpo de Victor estreito contra o meu. Minha temperatura subiu e
eu tentei afastar aqueles pensamentos.
— O que isso importa? Eu nunca mais vou voltar naquele bar e nunca
mais vou vê-lo.
Senti um toque no braço. Era Van, num carinho confortador.
— Amiga, não estou dizendo para você ir contra seus princípios ou as
coisas que acredita. Você não precisa se sentir impelida a fazer nada que não
queira. O problema é que você quer, mas tem tanto medo de viver, tanto medo de
experimentar coisas novas...
— Medo?
— Medo de sofrer — ela deu os ombros. — Tudo bem ter medo, mas não
o deixe impedi-la de viver.
Respirei fundo. Eu sabia que de alguma maneira Van estava certa.
Contudo, era difícil aceitar aquilo.

No final da tarde eu saí do apartamento, não apenas porque queria buscar


algumas coisas na farmácia, mas também porque queria ver melhor a rua que
moraria.
O lugar era bem acolhedor, apesar de ficar próximo da fábrica de tabaco
e dar pra sentir um cheiro um tanto acre vindo de lá. Asfaltada, a rua seguia reto
em direção a uma praça bonita, de arbustos verdes e brinquedos infantis recém-
pintados. Nas laterais havia algumas lojas de roupa e eletrodomésticos. No
prédio onde eu viveria, vários apartamentos pareciam se empilhar sobre alguns
comércios pequenos. Havia um bar ao lado da porta que dava acesso às escadas
dos apartamentos.
Era tudo interiorano. E, na mesma medida, acalentador. Uma experiência
nova. Eu nunca havia ficado longe do meu pai, em todos aqueles anos. Senti-me
adulta pelo simples fato de estar ali, para estudar, sozinha, dona da minha própria
vida.
Bem... Não ainda, exatamente.
Meu pai bancaria minhas contas até eu achar um emprego, o que eu
tentaria logo. Pensava em tentar alguns concursos públicos, ou algo na faculdade
que abria. Seria uma sorte que eu conseguisse qualquer vaga no departamento de
enfermagem.
Eu não sabia exatamente se ser enfermeira era meu destino, minha
missão. Eu gostava de ajudar as pessoas, e achava que aquilo seria válido.
Serviços sociais normalmente envolviam teorias e filosofias que iam contra as
coisas que eu acreditava, então me restou a enfermagem.
Eu só queria ser útil a sociedade.
Parei diante de uma loja, observando a vitrine. Meu corpo magro
refletindo no vidro. Fazia muito tempo que eu não me olhava. Marcos minou
minha autoestima e eu não parecia pronta para perceber que eu era uma garota
bonita ou legal.
Porque, na verdade, eu era muito simples, muito comum. Não tinha
grandes expectativas, nem sonhos. Talvez fosse daquela forma porque crescer
sem mãe é muito difícil. Eu não pude sonhar em ser princesa, nem em fantasias
ambiciosas. Eu era de uma família simples, humilde e precisava manter os pés
no chão. Afinal de contas, eu não queria acabar como aquelas mulheres de
cinquenta anos que choramingavam nas reuniões bíblicas porque não viveram
todos os seus sonhos.
Se eu não tivesse sonhos, não teria decepções.
— Precisa de ajuda com as sacolas? — uma voz profunda e familiar me
tirou do devaneio.
Eu volvi em direção ao som. Aquele sorriso arrogante e aqueles belos
olhos azuis me encontraram de forma asfixiante.
Eu não queria ter sonhos porque eu não queria sofrer. Mas, quando eu
olhava para Victor eu sabia que ele era seria meu paraíso e meu inferno.
Eu não queria a dor...
Ok, ele é lindo. E seu corpo parece esculpido por exercícios. Ele lembra
aqueles modelos de capas de romances que eu via na Amazon. E ele tem um
olhar que é capaz de mexer com todo meu corpo.
Mas, ele é dor. Ele é perigo. Ele é sonhos que não se realizam. Ele é um
caminho sem volta.
— Olá — eu respondi, apesar de tudo. — Eu...
Eu não imaginei que fosse vê-lo de novo. Ainda mais na minha rua.
— O que você está fazendo aqui? — a pergunta que se seguiu não foi
agressiva, e sim temerosa.
O sorriso de Victor se ampliou. Eu sei que ele se diverte com minhas
reações. À luz do dia, ele parece ainda mais intenso, seus olhos avaliando meu
corpo com mais apetite, fazendo-me sentir ainda mais quente.
— Eu moro em cima do bar — ele apontou.
Oh Deus...
— Eu moro em cima do bar também — balbuciei, sem acreditar.
O que era aquilo? Um teste de Deus? Uma provação?
— Verdade? Que coincidência. O bar é meu — ele explicou. Depois, deu
uma sonora gargalhada. — Olha o destino nos colocando um no caminho do
outro, novamente.
— O destino deve estar tentando me destruir — digo, sem pensar.
— Nossa, isso doeu — ele fingiu uma pontada no peito.
Mas, eu não consigo rir daquela encenação, nem tentar ser simpática. Eu
não quero ser atormentada pelas sensações que ele me provoca.
— Eu queria ter dito isso ontem, mas você fugiu — ele voltou a me
encarar, seu rosto sério. — Você é linda — sua voz é rouca e atraente.
Por que diabos ele estava me elogiando?
De súbito, vejo Vanessa na porta do prédio, nos encarando. Eu percebi
que ela havia acabado de chegar, e parecia surpresa por nos ver juntos.
Victor seguiu meu olhar e sorriu ao percebê-la.
— Ei — ele grita, acenando para ela. — Olá vizinha!
Eu podia ler os lábios de Van mexendo-se, incrédulos.
“Vi-zi-nha”.
Só então ela se aproximou de nós. Um sorriso encorajador surgiu em seus
lábios, e senti como se ela quisesse me dizer algo.
— Você é nosso vizinho?
— Vocês alugaram aquele kitnet que estava vazio? — ele devolveu,
sorrindo. — Nossa, isso é incrível — seu tom era muito amistoso. — Nem em
sonhos eu imaginei algo assim.
Vanessa também parecia animada. Assim, de frente para os dois, eu
percebia que eles combinavam. Dois seres dispostos a viverem sem amarras ou
temerosos pelas armadilhas do destino. Talvez Victor percebesse isso logo e
desviasse sua atenção de mim.
Seria um alívio, não é?
— Ei, eu queria te perguntar — Van deslizou as mãos nos braços dele. —
Você malha?
— Eu malhava, antes — ele apontou. — Agora eu só ergo caixas de
bebidas — riu.
— Mas, olhe seu abdômen — ela pôs a mão na barriga dele. Eu estava
tão mortificada que nem conseguia me mexer. — Você malha sim — ela riu. —
Está tentando me dizer que esse tanquinho é só sorte? Onde que tem uma
academia por aqui?
Minha cabeça começou a girar. Eu me sentia como se estivesse desnuda,
mas sem ninguém me ver. Como num pesadelo que você quer acordar, mas não
consegue.
— A prefeitura instalou alguns equipamentos na praça, para a terceira
idade — ele contou.
— Poupe-me, Victor — ela gargalhou. — Fala sério!
— Pare! — Minha exigência surpreendeu a ambos, que estavam
entretidos naquela brincadeira.
Mas, não mais que a mim, que enrubesci diante da ordem ridícula.
— O que foi, Fran? Eu não mordo, sabia? — percebi que seu tom era
mordaz. Vanessa havia se irritado. — Nem ele é sua propriedade.
Meu rosto esquentou. Eu senti as lágrimas nos meus olhos, incapaz de
entender porque havia feito tal coisa.
— Desculpe — murmurei. — Me desculpem — disse aos dois. — Eu
não gosto desse tipo de exibicionismo.
Como aquela era a tarde de surpresas, percebi Victor sorrindo, calmo. Eu
realmente achei que ele fosse usar aquele momento contra mim, mas não parecia
disposto.
— Está tudo bem.
— Você acha que eu estou me exibindo? — Vanessa retrucou.
De repente, uma piscadela. Era de propósito. Vanessa estava me provocando de
propósito. Por quê?
— Eu acho que você está se exibindo — confirmo para minha amiga, que
ri.
— Viu Victor? — ela girou na direção dele. — Essa doida que é minha
colega de apartamento!
Ele confirma, o sorriso ainda lá, os olhos amistosos.
— São como irmãs, não é? Também tenho irmãos assim.
— Oh, sim, nos fale da sua vida — Vanessa implora. — Fran quer saber
tudo!
Céus, ela era tão embaraçosa. Mas, para minha sorte, ele já havia
percebido que a razão de Van era me constranger.
— Bom, eu sou de uma família grande. Tenho muitos irmãos. Somos
adotados. Meu pai nos criou. E, apesar de não termos o mesmo sangue, somos
realmente uma família.
— Moram aqui na cidade? — Vanessa questionou. — Tem algum irmão
bonito como você para me apresentar?
Ele riu.
— Não, estamos espalhados pelo Sul. Mas, quando um deles vier, juro
que te apresento, vizinha.
Ela bate palmas, como se aquilo fosse a melhor notícia do mundo.
— Seguinte, Victor. — Vanessa volta a segurar seus braços. Aquela
postura estava me deixando cada vez mais irritada. — Estou ajeitando nosso
apartamento e, tipo, estou com vários móveis pesados para mexer de lugar e
preciso de braços fortes assim...
Eu levei um tempo para processar que Vanessa estaria levando um cara
que nós não conhecíamos, que tinha todo jeito de ser do submundo, que mexia
astronomicamente comigo, para dentro da nossa casa, sem me consultar.
— Você está bem?
A pergunta era de Victor.
— Faz muito calor em janeiro e fevereiro, por aqui — ele murmurou,
percebendo provavelmente meu estado nervoso. — Você quer tomar algo?
Eu balanço a cabeça, recusando. Volto em passos rápidos para o
apartamento, percebendo que Vanessa e Victor estão logo atrás de mim.
— Eu tenho um ar condicionado sem usar — ele disse assim que entrou.
— Nós trocamos ano passado por um climatizador, e o velhinho ficou lá, num
canto. Posso pedir pra um técnico vir instalar para vocês.
— Ah, você é tão legal, Victor — Vanessa o alisa de novo.
E de novo minha cabeça começa a girar.
Sento-me no sofá, observando a cena que decorre. Ela aponta móveis, e
Victor começa a puxá-los, empurrá-los, ajeitá-los.
Céus, ele é lindo. O corpo é um sonho. As gotículas de suor pareciam
coroar aquela espécie rara de macho.
Vanessa vai para o quarto. Eu escuto o som das caixas dela sendo abertas,
rasgadas. Volvo o olhar para Victor e ele está me encarando.
O que ele vê de tão interessante?
Um tanto zonza, rumo para a cozinha. Busco pela água gelada na
geladeira, e tomo um copo inteiro sem respirar.
Logo, sinto sua presença. É estranho, eu consigo experimentá-lo, mesmo
sem nos tocarmos.
Olho em sua direção. Victor está encostado na porta, olhando para mim
de uma maneira completamente indecifrável.
— Quer água? — pergunto, por cortesia.
Nada. De repente, passos na minha direção. Começo a tremer.
Não quero.
Não posso.
— O que você quer? — pergunto para ele.
— Você sabe — ele retruca.
Ele se aproxima e me empurra contra a geladeira. Estou encurralada. Seu
corpo suado está a centímetros do meu. Meu peito está apertado.
— O que você está fazendo? — minha voz sai falha.
— O que eu preciso...
Ele me beija de uma forma como nunca fui beijada. Eu sei que derreto
contra seu peito arfante. Há um misto de desespero e eletricidade viva na minha
pele.
Eu sou mulher... a mulher dele.
Não sei porque pensei isso, mas soube que era verdade, mesmo que eu
quisesse negar.
Um gemido doloroso escapa dos meus lábios.
— Não! — O empurro com todas as minhas forças.
Querido Deus, eu não sei o que existe entre nós, qual é essa ligação tão
intensa que me tira o raciocíonio, mas eu sei que ela é minha desgraça, então
me dê forças para me afastar dele.
Meus olhos encontram os dele. Está frustrado, mas não parece inclinado
a se impor.
— Tudo bem, Fran... Nada que você não queira — ele jurou.
Era o problema. Eu queria. E ele sabia disso.
Quando Victor se foi, sinto minhas pernas perdendo as forças e meu
corpo resvalando para o chão.
Eu estou completamente perdida.
Victor

Q uando retornei ao bar, percebo Marcelo, único cliente daquele final de tarde,
sentado perto da janela, as mãos tremendo denotando ansiedade, a me aguardar.
— Cara, preciso comprar... — ele murmura, e eu aceno, chamando-o
para o interior do bar.
Ele me entrega uma nota de cem reais e eu lhe passo um papelote de uma
das melhores cocaínas produzidas no Brasil. Pietro insistia pela qualidade, e nós
cobrávamos caro pelo produto bem preparado.
Deixo-o numa sala vazia, com um sofá confortável, onde ele pode
consumir com privacidade.
Enquanto o percebia sentar no sofá, imaginei o que aconteceria caso um
dia um dos clientes tivesse uma overdose. Já aconteceu um caso assim, num bar
próximo de Tenente Portela, e um dos meus irmãos – Augusto – que cuidava do
estabelecimento, teve que jogar o corpo no Rio Uruguai. Esperança não tinha
rios, e eu teria que dar outro jeito de me desfazer de um provável cadáver.
Aquilo sempre me deixava preocupado.
— Qualquer coisa, chama — disse a Marcelo, que mal parecia me ouvir,
centrado nas drogas.
Voltei ao bar e comecei a limpar algumas mesas. Dali a poucas horas
chegariam os trabalhadores da fábrica de tabaco. O pessoal gostava de tomar
uma cerveja antes de ir para casa. O tempo quente contribuía para os negócios.
Depois de tudo organizado, voltei para trás do balcão e arrumei um café
forte, para me preparar para a noite. Naquele instante, a imagem de Fran
enrubescida pelo meu beijo me tocou.
Céus, que mulher era aquela? Tão pudida, por que mexia tanto comigo?
Em tempos outrora eu já teria desistido. Você não demora muito atrás de
uma caça, quando outras estão tão à disposição. Mas, de repente, todas as outras
perderam a importância. Eu só conseguia pensar nela, em tê-la, em avassalá-la...
É claro que ela estava lutando contra nosso desejo. Não me importava.
Poderia continuar me rejeitando e me afastando porque eu sabia que era questão
de tempo. Ela me quer e eu a quero. É inevitável, vai acontecer.
Se estivéssemos sozinhos no seu pequeno apartamento, talvez eu
conseguisse convencê-la a entregar-se a mim. Mas a presença de Vanessa coibiu
minhas intenções. Eu queria quebrar seus muros, mas quando tivesse tempo para
fazê-lo. Com Vanessa ali, eu não poderia desfrutar como desejava de cada
pedaço de Fran.
— Está atrasado, Lucas — eu murmuro em direção a um garoto de
dezoito anos que entra no bar e me encara com olhos abatidos.
O rapaz foi tirado de grupo de drogados por Pietro, quando tinha doze
anos. Pietro não costumava ter muita piedade de consumidores, mas o histórico
do rapaz lhe despertou bondade. Lucas foi abandonado pelo pai e perdeu a mãe
num acidente. Não tinha família e a nova madrasta não o queria em casa. Passou
a consumir álcool porque fazia muito frio no inverno, e as drogas eram apenas
para tentar afugentar a fome e a solidão.
Depois de saber porque o rapaz estava nas ruas, Pietro o levou para sua
casa, lhe acolheu e educou. Fazia poucos dias que havia o enviado a Esperança,
para treinar comigo. Pietro queria que Lucas soubesse como cuidar de um bar.
Lucas não era o primeiro garoto que eu recebia para treinamento. Eu era
bom em ensinar. Talvez se tivesse a chance de outra vida, teria sido professor.
— Não chegue mais atrasado — ralhei. — A família não tolera atrasos.
— Faltou água no meu prédio e eu precisava tomar banho — se explicou.
Lucas podia ir morar comigo, mas Pietro queria que ele soubesse ser
independente. Então, estava morando em um pequeno apartamento do outro lado
da pequena cidade.
— Dê seu jeito — indiquei. — Nunca mais se atrase.
O garoto assentiu, buscando o avental.
— Tem algum cliente na sala de recreação? — ele indagou.
— Marcelo — indico, servindo meu café.
— Aquele cara nunca cansa? É todo dia.
— É assim quando você não manda no seu próprio corpo. Nunca deixe
que nada seja maior que sua escolha própria — avisei.
Percebi outro aceno com a fronte.
— Você está bem? — ele perguntou, depois de um silêncio curto.
— Como assim, bem?
— Você parece feliz. E você nunca parece feliz, irmão.
Eu quero rir daquela frase, mas tento manter a concentração. Eu sou o
mentor de Lucas, é importante que eu mantenha uma postura rígida diante dele.
— Conheci uma garota — contei, apesar de tudo.
— Nossa, isso é raro — percebo a ironia.
— Não como as outras — afirmo, tentando deixar claro meus motivos.
Exato, Fran não era em nada como as outras...
A porta abre e um homem velho entra. Eu já o conheço. Peço para Lucas
ir lhe atender. Vou secar alguns copos enquanto visualizo o atendimento por um
enorme espelho posto atrás das garrafas caras de uísque.
Lucas é bom. É simpático. Vai ser um grande comerciante.
Desvio meu olhar, e o pensamento volta a centralizar-se em Francine.
A lembrança do rubor da sua pele me pega de assalto. Eu não esperava
que ela pudesse mexer tanto com meu mundo. Minhas fantasias se constroem
diante dos meus olhos. Meus lábios pressionando os dela, deslizando pelo seu
pescoço, um beijo gentil na sua clavícula.
Mais...
Minha boca indo aos seus seios. Eu quase me vejo deslizando a língua
pelo seu mamilo enquanto ela se contorce embaixo de mim.
Outro barulho na porta. Meus olhos se encontram com os de Afonso. Ele
está aposentado e vem aqui o tempo todo. Sorrio imaginando se a esposa dele
gosta dessas saídas.
— Olá Victor. Lucas, como está? Traga-me uma cerveja.
Lucas cumpre o pedido, enquanto eu permaneço atrás do balção,
ajeitando alguns copos.
— E como vai à senhora Tânia — indago a Afonso. Cordialidade é algo
importante.
— Melhorou um pouco do reumatismo.
— E os netos? Carolina e Henrique, não é?
— Isso. Foram para Caxias do Sul. As férias terminaram. Vou sentir falta
das crianças correndo pela casa.
Outro breve silêncio. Silêncios curtos fazem parte da minha rotina.
— Você parece animado — Afonso aponta.
Percebo Lucas rindo e o outro cliente me encarando, curioso. Fofocas são
sempre bem aproveitadas em Esperança.
— Animado? — indago, dando os ombros. — Só torcendo para o verão
acabar logo. Esse calor está de matar.
— Sei... — Afonso ri, indicando que não acredita.
— Ora essa — finjo braveza. — Não posso estar animado?
— Com esse calor de renguear cusco?
— Renguear cusco no verão? — brinco com o ditado sulista.
Normalmente é usado no inverno para informar frio extremo.
— Ninguém se anima assim se não for por mulher — Afonso permanece
firme no seu pensamento.
— É mulher sim — Lucas me entrega e eu apenas dou uma risada falha.
— É uma das filhas da costureira Marlene? Sei que ambas as garotas tem
uma queda por você.
— Não... Não é nenhuma delas.
Todo mundo se conhecia naquela cidade, então soube que meu segredo
não ficaria a salvo por muito tempo.
— Uma estudante que chegou para o novo curso de enfermagem —
expliquei.
Afonso dá um sorriso, enquanto Lucas parece se interessar por outra
coisa.
— E como ela é na cama? — dispara meu irmão mais novo.
O sorriso desaparece da minha face. Não porque eu ainda não a tive, mas
porque não queria que nenhum dos caras pensasse em Francine assim.
— Ela não é esse tipo de garota — advirto.
Afonso ri e se inclina para trás em seu assento. Lucas me encara como se
não acreditasse. Sexo sempre foi um jogo de poder para os Bianconi. Pietro diz
que homens precisam fazer com regularidade para não ficarem afoitos ou se
apaixonarem. Dessa forma, sempre tem garotas bonitas perambulando pela
grande casa, dispostas a servir seus filhos.
— Ela é tipo uma mocinha de família?
— O pai dela é pastor luterano — conto.
Nem sei porque disse isso. Pareceu cravar nossas diferenças de forma
estrondosa. Estava ali, eu, tatuado, traficante, má influência, contrastando com a
doce e gentil filha do pastor.
Sim, ela é boa demais para mim, mas boas garotas amam garotos maus. É
assim em filmes. Em romances. Seria na vida real?
— Qual é o nome dela? — Afonso pergunta, me trazendo de volta ao
presente.
— Francine.
— Tinha uma BBB com esse nome, não?
— BBB?
— Aquele programa de TV. Big Brother — Lucas explica.
Eu não assisto televisão, e não sei de nada disso.
— Ela prefere que a chamem de Fran — murmuro.
De repente, a porta se abre novamente. Meus olhos se chocam com
Gabriel, e eu me assusto porque não esperava vê-lo, já que Antônio havia
fechado a contabilidade do mês.
Gabriel e eu crescemos juntos, mas eu jamais o chamei de irmão. Ele é
alto e bonito como Marcelo, tem um rosto sereno e agradável, mas esconde um
temperamento cruel e implacável.
Nós nunca nos demos bem, e Pietro sempre nos deixou separados para
evitar brigas. Gabriel era ruim com animais, e eu já havia me atracado em socos
com ele por causa de uma cachorra grávida que cuidava da casa de Pietro,
quando éramos menores.
Enfim, eu não gostava dele. E, com certeza, ele nutria o mesmo
sentimento por mim. Talvez me visse como uma ameaça à afeição de nosso pai,
mas definitivamente eu não sabia exatamente o que havia entre nós que causava
tanto mal estar.
— Gabriel! — Lucas o cumprimenta enquanto ele caminha em nossa
direção. — Tudo bem, irmão?
Gabriel o encara de forma séria. Não responde o cumprimento, e sei que
Lucas fica desajeitado diante disso.
— Escritório — Gabriel diz, indicando que quer privacidade.
Respiro fundo e o sigo. Lucas fica indeciso se vai conosco, mas eu pisco,
tentando deixá-lo menos tenso. "Deixe comigo", é a mensagem que tento lhe
transmitir.
— Algum problema? — eu entro no escritório, atrás de Gabriel.
Fecho a porta.
— Antônio esqueceu alguns papéis e, como está ocupado, Pietro me
pediu para buscá-los.
Ele observa o escritório, como se houvesse algo interessante nas paredes
bege feio. Enquanto isso, eu rumo em direção à mesa. Percebo um maço de
papeis amarelados em uma das gavetas.
Porra, Antônio, assim tu me fode!
— Como você faz para sempre ter lucro? — Gabriel questiona.
Eu tento manter a neutralidade na voz.
— Está com problemas? — questiono. — Pietro mandou você para a
lanchonete de uma universidade. Lá é venda certa.
— Estudantes gostam de atrasar as contas — ele murmurou. — E eu
tenho que ter cuidado porque a maioria tem papai importante. Não é fácil dar
sumiço em inadimplentes.
— Nenhum pai é mais importante que o nosso — aponto.
— Nenhum — ele confirmou —, irmão — completou depois de um
tempo.
Senti um arrepio na espinha, mas despistei.
— Aqui estão os papéis. Pode conferir tudo com privacidade. Vou voltar
ao bar. Quando terminar, venha tomar uma cerveja.
Eu saí do escritório sentindo o peso do olhar de Gabriel nas minhas
costas.
No bar, Afonso parece ansioso pelo meu retorno.
— Então?
— Então? — pergunto, não entendo sua colocação.
— A garota, Fran? Como ela é?
A sensação de aperto no meu peito diminui e um sorriso se encaixa nos
meus lábios.
De repente, ignorar a presença de Gabriel ficou fácil.
— Conheci-a no clube na outra noite. E, bem, encontrei-a novamente
hoje. E, vamos à bomba? A garota é minha vizinha. — Eu não consigo evitar
minha alegria. Meu sorriso se alarga. — E ela é perfeita. Não sei explicar como,
mas é.
Eles riem.
— Nunca o vi animado assim por uma mulher — Afonso aponta.
— Eu sei que somos bem diferentes, mas... Eu sinto uma ligação com
ela.
— Diferentes? — Gabriel retorna, papéis embaixo do braço. Ele foi
rápido.
— Victor está interessado numa garota que é filha de um pastor — Lucas
conta, e eu não gosto disso.
— Filha de pastor? — ele parece desprezar. — Bem o tipo de gente que
nós não nos aproximamos, irmão — Gabriel me encara. — Mas, o que posso
dizer? Acho que vai conseguir a vadia. Sabem como dizem: toda santinha gosta
de um diabão.
Há risos no fundo, mas eu estou com o estômago apertado.
— Ela não é uma vadia — eu devolvo.
— Se você diz — ele dá os ombros e levanta as mãos em sinal de
rendição.
Seus olhos estão indecifráveis. Eu começo a me irritar. Gabriel e eu num
mesmo espaço nunca foi coisa boa.
— Irmão, a garota é nossa vizinha — Lucas conta, animado. Não sei
porque diabos, o moleque quer a simpatia de Gabriel.
As sobrancelhas de Gabriel se levantam e um sorriso torto cresce em seu
rosto. Eu não gosto disso. Meu estômago afunda.
— Papai sempre gostou de ter mulheres por perto. Você puxou à ele,
nisso.
Mas ela não era como as mulheres de papai. Meu primeiro pensamento é
deixar bem claro que quero que ele fique longe dela, mas não posso dizer isso.
Conhecendo-o, ele iria atrás dela apenas para me irritar, para foder comigo. Ele
machucaria Fran, tinha certeza.
— Pois é, eu puxei a papai.
Gabriel solta uma risada sem humor.
— Bem, irmãozinho... Quando se cansar, quem sabe ela terá lugar na
grande casa, hem?
Lucas ficou pálido atrás de Gabriel. Ele percebeu que fora longe demais,
falara demais, e mantinha os olhos no chão, provavelmente preocupado com a
minha reação depois de Gabriel partir.
— Se papai me tirar da universidade, passarei a buscar as papeladas de
Antônio — ele me contou, mudando de assunto e se aproximando da mesa. —
Acho que iremos nos vermos mais, irmão.
Depois disso, partiu. A lacuna de sua presença permaneceu, mesmo que
ele tenha sumido do local.
Francine

Q uando eu completei dezoito anos, tirei a carta de motorista e ganhei um


velho corsa do meu pai, que me dava autonomia de ir aonde quisesse, com total
liberdade.
Contudo, naquela pequena cidade, acabei por vendê-lo ainda no primeiro
dia pelo motivo mais simples: com os gastos do curso, eu não poderia mantê-lo.
Manutenção, impostos, combustível... Foi dolorido, mas eu o vendi pelo
primeiro semestre de enfermagem.
Agora, eu usava um ônibus que cruzava de hora em hora na minha região
e me deixava diante do prédio onde ocorriam as aulas.
Eu acordava as seis em ponto. Tomava banho e, depois, um café preto
forte. Às sete pegava o transporte e chegava meia hora depois para as aulas.
Almoçava no campus, e permanecia para as aulas à tarde. Às seis pegava o
ônibus de volta, e seis e meia, já estava em casa.
Nessa rotina, eu não tinha tempo para as crises nervosas de Vanessa, nem
para me preocupar com as reações que meu vizinho dono de bar provocava em
mim.
Eu sequer o via. Cruzava pelo seu bar rapidamente, às vezes o enxergava
de relance, mas voltava a minha rotina de livros. Havia sempre muito a estudar,
muito a me preparar, e eu não me atrevia a desviar o foco.
Todavia, no primeiro final de semana sem deveres, eu parei diante de
uma lanchonete no centro da cidade, para me dar o prêmio de um sorvete e o
tempo para pensamentos que me desconcertavam.
Tão logo me entregaram uma taça doce, meus pensamentos se
direcionaram a outro momento da minha vida. Quão quente seu corpo estava
contra o meu naquele dia, na cozinha, o quanto eu queria que ele me tomasse ali
mesmo, e o quão perto eu cheguei de me entregar a ele totalmente.
Como isso podia estar acontecendo comigo? Com Marcos, eu tinha até certa
repulsa. Antes, meu pensamento sobre o sexo era inteiramente focado na
reprodução. Mas, agora, minha calcinha estava encharcada com uma única
lembrança de um homem antagônico ao que sempre desejei.
Eu precisava me concentrar nisso, pensei, enquanto comia uma colher de
sorvete. Victor era alguém de quem eu jamais poderia me aproximar. Céus, um
dono de bar, cheio de tatuagens... Ele não era alguém para mim.
Francamente, como seria minha vida? Imaginava que trabalharia num
hospital e, aos domingos, iria à igreja, diaconisa de algum templo. E como eu
poderia cumprir esse destino ao lado de um cara como ele?
Não que ele quisesse algo sério comigo. Obviamente, ele só queria
transar. Mas, eu não sou esse tipo de garota e não vou abrir minhas pernas para
ele simplesmente porque é isso que quer.
Eu ainda acredito no autorespeito, apesar de o mundo inteiro ver isso
como cafona. A opinião das pessoas não me importa.
Mas Victor importa...
Céus, eu não posso. Seria fácil se pudesse, mas não posso. Vanessa disse
que, às vezes, sexo é só coisa de uma noite e acabou. Só para matar a vontade.
Todavia, eu tinha certeza que com ele não seria assim. Eu iria me apaixonar, eu
iria me viciar. Eu podia me ver completamente à sua mercê, implorando por seu
toque, sendo destruída pelas suas vontades.
Precisava ficar longe dele.
Terminei meu sorvete e começei a andar em direção ao meu prédio.
Estou exausta, a semana foi muito desgastante. Sinto meus ombros tensos, o suor
daquele fim de verão descendo pelas minhas costas. Estou ansiosa para chegar
em casa e tomar um banho.
Viro a esquina. De repente uma voz profunda arrepia minha espinha.
— Oi vizinha...
Meus olhos se chocam com Victor. Ele mantém aquele sorriso arrogante
no rosto que parece nunca desaparecer. Seu cabelo está penteado para trás, está
vestindo calça jeans degastada e uma regata de um time de futebol que mostra
seus bíceps e suas tatuagens.

Ele é o estereótipo do “bad boy”. Até a maneira como ele mastiga um chiclete
denota isso. E, por algum motivo, aquilo me atrai tão profundamente que sinto
meu coração acelerar e minha mente nublar.
Fugir... Eu preciso fugir...
— Olá — respondo. — Como está?
Minha voz soa fria, apesar do calor que emana do meu corpo. Eu preciso
me mudar. Assim que encerrar o contrato irei para longe. Aquele homem é
perigoso. Ele representa meus demônios internos atiçados contra mim.
— Bem. Está afim de uma cerveja gelada? — ele indaga.
— Não, obrigada.
— Está um calor dos diabos. Vamos lá! Você parece tensa.
— Não! — sou mais dura, categórica.
Inferno! Victor entende o que provoca em mim? Ele me desespera!
— Por que você é sempre tão defensiva comigo? Nunca parece amistosa,
faz questão de colocar uma carranca e me tratar mal.
Eu fiquei surpresa pelas palavras. Definitivamente, eu não esperava por
elas.
— É por causa das tatuagens? — ele insistiu.
— O quê?
— Você julga as pessoas pela aparência?
Eu não faço isso!
Eu faço isso...
É exatamente o que eu estou fazendo com ele.
Mas, existe algo além das tatuagens. O cheiro dele me traz lembranças de
algo que não vivi. Sua voz parece tocar minha alma. Sua presença me
desestabiliza.
— Eu não... — tento articular algo, mas estou tão nervosa que mal
consigo processar os pensamentos.
— E, apesar de tudo isso, tudo que eu consigo pensar é em beijá-la — ele
devolve, me deixando boquiaberta.
Ele é muito direto no que quer. É meu oposto, porque eu tento de todas as
formas fugir dos meus desejos.
— Eu preciso tomar um banho — digo, nem sei porque, tentando volver
em direção ao prédio.
A sobrancelha direita de Victor se ergue.
— Coincidência, também estou indo para casa — ele sorri.
Aparentemente, me provocar é fácil.
Tento afastar meus pensamentos. Ele está apenas sendo legal, gentil, ao
me acompanhar até o apartamento.
Apesar do que diz e do beijo que trocamos, ele não parece disposto a se
impor sobre mim. Eu sinto uma leve folga nos ombros e percebo que ele pegou
minha bolsa. Encaro-o.
— Você parece tensa e seus ombros parecem doloridos — ele murmura.
É verdade. Ele está sendo um cavalheiro em levar minha mochila para
dentro.
— Obrigada. Contudo, não precisa se incomodar. São apenas alguns
passos.
— Eu não preciso, mas eu quero.
Eu não consigo evitar um sorriso. Victor arregala os olhos.
— Meu Deus, ela sorri — ele debocha.
— Ei! — finjo estar brava. — Eu tenho um ótimo humor.
— Não comigo — devolve.
Está certo.
— Porque eu acho que você é perigoso — fui extremamente franca. —
Ainda mais para alguém sem experiência de vida como eu.
Seus olhos se obscurecem. Agora ele sabe meus motivos e talvez isso
faça com que me deixe em paz.
— Eu nunca te machucaria — ele não nega minha informação, mas me
diz algo que sinto ser verdade.
— Não mesmo?
— Eu nunca te machucaria — ele repetiu, dessa vez mais firme, senti sua
força no tom das palavras.
— E por que eu? — insisti. — Eu vi como as outras garotas olhavam
para você naquele bar. Com certeza você já teve um monte de mulheres e
imagino que diga o mesmo para todas. Fazem-nas sentir que são especiais, que
são escolhidas, mas depois as deixa...
— É como você me imagina.
— Sim. Eu penso que é esse tipo de cara. Bonito, pinta de mau... você
atrai as pessoas facilmente.
— Mas, não sou um monstro com as garotas — ele devolveu. – Não com
as que quero, ao menos. Eu sou mais do tipo que deixa claro que estou no jogo
apenas por uma noite. Você tem razão em achar que já tive várias mulheres, é
verdade. Mas, nunca um relacionamento, porque nunca estive disposto a ser de
uma única mulher.
Ele insinua que quer ser meu?
— Isso tudo é por que eu sou a primeira que luto para rejeitá-lo? —
questiono.
Estávamos sendo extremamente francos ali, e eu queria saber tudo.
— É verdade que você é a primeira que me rejeitou, mas não é por isso
que estou insistindo em você. Você não sente isso?
— Sentir?
— Como se a gente tivesse se reencontrado depois de muito tempo.
Eu não sei porque, mas eu queria chorar.
— Isso está errado — insisto.
Dois passos na minha direção. Estou travada. Sinto o calor que emana do
seu corpo. Sua respiração contra minha face.
— Você sente isso, não sente?
Meu clitóris pulsava enquanto meu corpo sentia um calor abrasador.
Sim, eu sinto.
Mas, eu não digo nada. Não respondo. Não quero negar, nem confirmar.
Só quero continuar minha vida em paz.
Victor me dá um olhar intenso.
— Desculpe, eu preciso subir — tento encerrar aquele assunto.
— Eu só estou pedindo uma chance, Fran. Só me conheça.
— Não. — Começo a andar em direção a porta do prédio.
— Uma noite — ele sugere. — Só uma.
Se eu desse uma noite para ele, aquilo jamais teria fim.
— Não — reafirmo. — Isso está fora de cogitação.
Subimos a escada em silêncio. Logo chegamos à porta do meu
apartamento.
— Obrigada por carregar minha mochila — estendo a mão para pegá-la
de volta.
Ele sorri. Sem menção de me devolver.
— Por favor? — peço.
Ele está me estudando, só Deus sabe por quê. E eu tenho a nítida
sensação de que ele está amando a minha descompostura, a julgar pelo sorriso
arrogante em seu rosto.
— Você sabe que não vou desistir, não é? — Seus olhos estão brilhando.
— Não entendo você. Já lhe dei minha resposta.
— Você não me deu a sua resposta. Seu medo me deu uma resposta.
Eu odeio admitir isso, mas é verdade.
— Um encontro — ele pede. — Como um pedido de desculpas.
— Desculpas?
— Por você me julgar tão mal por causa das minhas tatuagens. Vamos lá,
Fran, você me deve isso.
Eu quero recusar. Mas, me vi assentindo.
— Tudo bem.
— Você está falando sério? — ele parece chocado com a minha
aquiescência.
Subitamente, cubro os lábios para rir. De verdade, é muito estranho a
filha do pastor aceitando se encontrar com o dono do bar da pequena cidade.
— Sim, é sério. — reafirmo.
— Ok — sua voz está animada. — Vou te mostrar que sou mais que
essas tatuagens e essa pose de cara mau.
Ele me devolve a mochila.
— Hoje à noite? — ele questiona.
— Estou esperando a ligação do meu pai, hoje.
— Amanhã?
— Amanhã tenho que estudar. Terei uma prova na segunda. Oh, domingo
também vou estudar.
Ele abre a boca, chocado. Claramente, pensou que minha aceitação foi
apenas para que me devolvesse a mochila. Quero me explicar, dizer que pode ser
no próximo final de semana, quando meu corpo é empurrado contra a porta,
esmagado pelos seus músculos.
Posso sentir sua ereção cavando minha intimidade. É a primeira vez que
sou tocada assim. Sinto minha vagina se contraindo, um lado primitivo de mim
que jamais havia reagido assim antes.
Seus lábios estão tão perto dos meus e eu não quero nada mais do que beijá-los.
Devore-me, rogo em silêncio.
Victor olha nos meus olhos e eu estou perdida. Se ele me quiser agora,
não terei forças para recusá-lo.
Meu corpo arde de desejo. Eu sinto que todas as minhas defesas estão
desmoronando, como se eu estivesse prestes a ser totalmente dele.
Victor sabe disso e me dá um sorriso arrogante. Ele se aproxima, trazendo seus
lábios para perto do meu pescoço. Eu posso sentir o hálito quente dele e isso me
deixa louca, fazendo meus membros estremecerem de antecipação.
Victor trilha seus lábios pelo meu pescoço, roçando minha carne, todo o
caminho até minha boca.
É isso, o inevitável.
Este é o momento em que ele me beija e eu me entrego a ele. Depois
disso, não há volta. Eu sei. Ele sabe. Não se luta contra o destino traçado.
Eu fecho meus olhos, aguardando.
Um segundo depois, escuto um riso debochado.
Abro meus olhos e percebo que ele está se afastando.
— Querida, só vou beijá-la no nosso encontro. Então, escolha a data e me
avise. Sabe onde me achar.
Pasma, vejo-o caminhar pelo corredor e desaparecer nas escadas.
Victor

N ão tomei banho frio depois daquele encontro porque o calor infernal que
fazia naquele final de mês parecia derreter os ossos. Postei-me embaixo da água
gelada por um único motivo: Francine.
Aquela mulher me deixou louco. Eu observei minha ereção e resolvi
desfazê-la com as mãos. Fecho os olhos, enquanto deslizo os dedos pela
extensão do meu pênis.
Fran era tão delicada. Doce. Mal conseguia expressar o quanto ela mexia
com todos os meus brios.
De súbito, tudo para quando penso no depois. Sim, porque até então meu
objetivo era tê-la. Porém, uma garota como ela não era do tipo com quem você
dormia e depois sumia.
Nós não tínhamos futuro porque éramos muito diferentes, mas se eu
prosseguisse com aquilo, talvez estaria enroscando nossas vidas de uma forma
que jamais conseguiríamos escapar da armadilha.
Desisto de me tocar, e desligo a água. Saio do chuveiro buscando a
toalha, andando pelo banheiro, secando-me, arrumando o barbeador... Meus
pensamentos no automático enquanto outro tomava conta de tudo.
Eu a queria e estava perto de tê-la. Era um fato, por mais que ela o
negasse e fugisse. Havia reações na carne que você sentia. Contudo, estava
disposto a destruir sua paz?
E a minha? O quanto ela podia me influenciar?
A família era muito importante e, por causa disso, o pai não gostava de
nos ver perto de moças religiosas ou com algum tipo de moral e ética que
pudesse nos fazer questionar o que fazíamos.
Até porque... Não fazíamos nada de errado.
Só matávamos aqueles que não pagavam pelas drogas que consumiam.
Vendíamos anonimamente porque a porra do governo não respeitava as escolhas
individuais de consumo. Eu não era culpado porque caras como Marcelo não
entendiam a vida que tinham e se afundavam na miséria dos entorpecentes.
Ok, Victor, pense racionalmente. Será apenas sexo. Foda a garota e
depois dê o fora! Você não quer pensamentos de certo e errado minando sua
vida.
De repente meus olhos cruzam com a parede. Ali, do outro lado, ficava o
banheiro de Fran. Talvez ela estivesse no banho naquele instante, talvez também
tentando abafar as necessidades latentes da sua boceta. Talvez também pensando
em mim. Talvez também afundando aqueles dedos lindos entre suas pétalas
rosadas.
Eu quase posso vê-la...
Meu pau volta a ficar duro. Eu preciso bombeá-lo antes que um gemido
escape da minha boca. Inclino-me contra a parede, enquanto a imagem de uma
Fran nua se força na minha mente.
Eu penso em como seus seios se sentiram pressionados contra o meu
peito, aqueles gemidos suaves se derramando de seus lábios, e isso é tudo que eu
preciso.
Eu a imagino lambendo meu pau, e me acaricio mais rápido.
Imagino-me em cima dela agora mesmo. Eu deslizaria aquela blusa
horrorosa que ela gostava de usar e chuparia seus mamilos endurecidos na minha
boca. Eu quero sentir o peso daqueles peitos na minha mão. Eu posso ouvi-la
gemer enquanto eu giro minha língua, mordendo levemente.
Eu a libertaria de toda a sua repressão. Sua boca, sua vagina. Eu quero
tudo isso. Eu quero senti-la gozar no meu pau.
De repente, um leve gemido. Não meu. Eu encosto a cabeça na parede e
escuto. Silêncio do outro lado. Mas, eu sei que ela está ali. E pelo gemido
acanhado que eu acabei de ouvir, ela está fazendo o mesmo que eu.
Eu não consigo deixar de sorrir. Eu quero vê-la tocando-se. Eu quero vê-
la... Porra, eu quero vê-la!
Começo a bombear meu pau novamente, meu rosto colado na parede.
Outro leve gemido, como se ela houvesse acabado de se aliviar.
Quando o clímax me toma, eu sei que esse é um caminho sem volta.
Francine

E u me lembro de, na infância, assistir uma novela chamada “O Clone” e ver


nela um homem extremamente religioso tendo como melhor amigo um cientista
ateu. Céus, se eu parasse para pensar... eu quase conseguia me lembrar dos
nomes, tão forte foi a influência daqueles dois sobre mim...
O religioso era muçulmano. Acho que o nome era Ali... O cientista era
um brasileiro... Albieri! Isso! Naquele meu curto tempo de vida eu acreditei que
opostos podiam se respeitar e se amar, e a amizade criada seria eterna.
Por isso, eu sempre acreditei que Vanessa seria minha amiga para
sempre.
Não que eu fosse extremamente religiosa. Nós, Luteranos, não éramos
muito extravagantes, diziam de forma pejorativa que éramos “os católicos sem
os santos”. Afinal de contas, muitos luteranos iam a festas, bebiam, tinham uma
vida comum, e a religião não parecia lhes influenciar de forma ativa.
Contudo, talvez por ser filha do pastor, eu sempre me mantive bem firme
nos meus propósitos. Vanessa sabia disso. Então, quando ela chamou a turma
“das humanas” para beber no apartamento, naquela terça à noite, eu me senti
acanhada e estranha.
Não por eles ou suas frases cheias de preconceito velado, mas por
Vanessa. Ela parecia gostar de me cutucar, parecia querer ver-me defender minha
fé, tornar-me a religiosa fanática do grupo.
— Eu acredito em Deus — foi tudo que disse, quando eles começaram a
falar sobre como os religiosos influenciavam a sociedade.
Apesar dos olhares debochadores, mantive-me firme e não vacilei.
Estava na minha casa, eu pagava o aluguel, e lá eu tinha o direito – tanto quanto
Vanessa – de ser respeitada.
Quando eles foram embora, eu quis chamar minha amiga e perguntar o
que estava acontecendo, mas ela parecia alheia ao evento ou ao quanto aquilo me
fez mal.
Na manhã seguinte, me chamou para seu quarto. Pensei que quisesse
conversar, mas Vanessa queria apenas que eu a ajudasse a escolher a roupa que
usaria.
— Por que quer ficar tão bonita?
— Não reparou? Estou a fim do cara cabeludo que faz História.
Eu me senti traída. Então ela tentou me encabular diante de todos por um
cara? Jamais faria aquilo com ela!
Levantei-me, pronta para sair do local, mas ela me interceptou.
— Vamos Fran! Acha que eu uso a blusa rosa ou a vermelha?
Ambas as cores ficavam bem nela, contrastando com seus longos cabelos
escuros.
— Você está linda, e qualquer blusa só vai enaltecer isso — afirmo,
gentil.
Céus, não quero ser a porra da amiga chata que se sente acuada e ferida
por qualquer coisinha. Viver com outra pessoa era assim, nós precisávamos
relevar certas coisas. Num outro momento, eu falaria com Vanessa sobre meus
sentimentos, mas não agora.
Havia tempo para tudo. Havia tempo para a honestidade.
— E então? — ela se aproximou de mim, parecia animada. — Como está
com Victor?
Não sei porque trouxe o assunto em cena, mas eu fiquei nervosa perante
o nome.
— Eu não sei — fui sincera.
— Querida, você precisa transar com ele.
Eu fiquei pasma com a frase. Eu era virgem. Sexo devia ser algo feito por
amor, não é? Com alguém com quem você tivesse um compromisso. Victor e eu
não representávamos nada um para o outro.
E mesmo assim, eu me toquei pensando nele no banheiro...
Eu estava tão envergonhada, mas a imagem dele me minava nos
momentos mais impróprios. Eu pensava nele antes de dormir, ao acordar,
durante as aulas, quando retornava para casa e o via de relance no bar...
E então aqueles pensamentos se tornavam carne, pele, músculos...
É assim que fico tensa, estranha... Abaixo, minha boceta começa a ficar
úmida e meu clitóris lateja.
E então eu me alivio como uma mulher qualquer, esfregando-me,
tentando parar aquela praga como uma coceira que não quer passar.
— Você está bem? — Vanessa pergunta, olhando para mim com
preocupação.
Estou literalmente atordoada.
— Estou — respondo.
— Você tem visto o Victor?
— Não — minto.
— Ele me disse que hoje mandará um técnico instalar o ar condicionado.
Oh, teremos uma noite fresca — Van estava animada. — Ele é o máximo. Se
você deixá-lo escapar, eu vou pegar, viu?
— Eu não quero me envolver com ele — admito, rapidamente.
— Fran, você percebe o que está perdendo? Aquele cara te olha com
devoção. Qualquer mulher mataria para ter um homem daqueles aos seus pés.
Aproveite um pouco!
— Ah, por favor... Ele deve estar cheio de mulheres por aí...
— Com certeza ele deve ter mulheres às pencas, mas é você que ele quer.
Encaro Vanessa. Apesar dos nossos problemas nas últimas semanas, ela é
a única amiga que tenho e sempre confiei nela. Então, decidi me abrir como
jamais imaginei que faria.
— Eu sei que ele só quer transar comigo. — Percebo minha voz. Está
fraca e angustiada. Por quê? — E sei que, no momento que dormir com ele, tudo
vai acabar e ele vai me largar como uma roupa velha. Não sou acostumada a
isso. Com Marcos, que eu nem sentia atração, já foi doloroso demais. Imagine
com Victor...
— Você sente atração por ele? — ela parecia chocada.
— Eu sou humana, Van...
— Me perdoe, Fran... É que, às vezes, você parece uma pedra. Eu fico
insistindo para você demonstrar qualquer coisa. Amor, raiva, paixão... Parecem
coisas longe de você. Então, por mais estranho que pareça, eu estou
incrivelmente feliz porque você está admitindo que sente algo por Victor, por
pior que isso pareça.
Eu sorrio, entendendo suas palavras.
— E você sabe que, na vida, a gente tem que arriscar. Porque o pior
arrependimento é aquele das coisas que não vivemos. Não deixe que isso a
impeça de ter um momento com ele, de aproveitar sua juventude e esse calor que
está no seu coração. Droga, Fran... Talvez ele a faça sofrer sim, mas... É melhor
que essa incerteza de não ter experimentado. E tem mais: E se ele for o cara?
— O cara?
— O cara certo para você — ela apontou. — Você sabe... Eu fico com
essa impressão... Vocês são tão diferentes que parecem se completar. E foi muito
forte, automático: vocês se viram naquele bar e foram conectados, chamados um
para o outro. Porra, eu até acho que são almas gêmeas.
Eu ri.
— Não acredito nisso — objetei.
— Nem eu — ela abriu os braços, exasperada. — E olhe eu aqui falando
sobre essas baboseiras! Mas, me diga: quando você pensava que o fim da sua
relação com Marcos te trouxesse para uma cidade como essa, e nela encontrasse
alguém como Victor? Eu te conheço desde a infância e nunca a vi apaixonada.
Mas, quando você olha para ele, seus olhos brilham.
Quando março estava na sua metade, eu percebi que amava Esperança.
Aquela cidade era linda, florida e as pessoas eram muito simpáticas. O calor
infernal estava começando a vacilar e eu quase podia sentir o outono se
aproximando.
Estava ansiosa para ver o lugar cheio de geada. Se tivéssemos sorte,
nevaria naquele ano.
Quando deixamos o prédio, prontas para irmos à faculdade, eu percebi o
sorriso de Vanessa e o seu retardar de passos.
— O que foi?
Ela acenou com a fronte e eu me deparei com Victor vindo do outro lado
da rua. Ele carregava um copo descartável de café e um jornal. Estava jovial,
calças jeans e a camisa com botões abertos deixando seu peitoral um tanto à
vista.
— Olá vizinhas — ele nos cumprimentou, seu sorriso sempre me deixava
em êxtase.
Não importava o quê, Victor sempre parecia estar de bom humor.
— Oi Fran — ele insiste, mas eu não consigo abrir a boca.
— Fran! — escuto o protesto de Vanessa atrás de mim. — Você não tem
boca?
Victor riu, um som profundo que faz coisas estranhas em minhas regiões
inferiores.
Ele parece adorar os rompantes de Vanessa.
— Desculpe, eu... — gaguejo.
O cheiro dele me toca. Victor está usando uma colônia amadeirada que
me excita.
— Nossa, você está bonitão, hem? — Vanessa comenta. — Roupas
bonitas demais para cuidar de um bar.
— O que eu posso dizer? Ficar bem apresentável faz parte dos Bianconi.
— Nossa, é seu sobrenome? Parece mafioso. Igual aquele de “O
Poderoso Chefão”. Como era mesmo?
— Corleone — Victor responde. — Meu pai é louco por esse filme. Juro,
ele é o próprio Vito Corleone dando ordens aos filhos. É hilário.
— Um mafioso, Fran — Vanessa gira na minha direção. — Olha só que
imponente. — Depois ela se volta para Victor. — Duvido que Fran tenha
assistido a esse filme. Por que não a leva ao cinema?
— Não acho que estão passando esse filme... — eu murmuro.
— Não, realmente — Victor concorda, e percebo que meu murmuro foi
alto demais. — Mas, estão passando outro. Então, se você quiser...
— Ela quer! — Vanessa responde.
Victor me encara. Eu observo Vanessa antes de concordar.
— Sério? — ele parece se divertir com minhas dúvidas. — Que tipo de
filme você gosta?
Eu enrubesço porque meu gênero de filme é antagônico a minha
personalidade.
— Terror — admito.
— Certo, Fran. Vamos ver qualquer coisa que seja monstruosa — ele ri,
enquanto se afasta em direção ao bar.
Quando Victor some, Vanessa dá pulinhos em minha direção.
— Oh céus, você é um gênio. Filmes de terror, desculpa perfeita para
agarrá-lo...
— Não, eu realmente gosto desse gênero — recuo.
— Fala sério, Fran! A gente só assiste romântico.
— Porque VOCÊ quer!
— Como se eu mandasse em tudo — ela esbraveja.
— VOCÊ MANDA!
Victor

N ão sei porque porra do destino, houve uma infestação de baratas no cinema


exatamente naquela semana, e ele foi fechado para dedetização. Mas, eu estava
resoluto em assistir um filme com Fran, então a comuniquei – não pedi, exigi! –
que veríamos um lançamento da Netflix na televisão mesmo.
Eu estava nervoso. Sim, eu sei, é estúpido ficar nervoso por algo assim,
mas eu queria ter ido ao cinema com Francine. Queria ter sido um cavalheiro,
aberto a porta do carro, comprado a pipoca, demonstrado que eu era mais do que
a minha imagem transmitia, mas a porra das baratas decidiram infestar o caralho
do cinema exatamente naquela merda de semana!
Eu passei horas escolhendo um filme que fosse assustador o bastante
para ela, e menos estúpido o suficiente para mim. Optei por Aurora porque
ganhou alguns prêmios, porque o roteiro parecia interessante, porque a fotografia
era bela, e porque tinha terror e história.
De tarde, passei na floricultura e peguei algumas flores. Eu não poderia
levá-la para sair, mas ao menos eu lhe daria um mimo.
Não conhecia Fran o suficiente para saber o tipo de flores que ela
gostava, então optei por lírios que eram neutros o suficiente para dizer “me
importo com você”, mas também sugerissem que “se quiser transar, estou aqui!”.
Quando bati na porta me dei conta do ridículo. Eu parecia um
adolescente de dezesseis anos que estava indo ver a namoradinha, carregando
flores e arrumado como se fosse a uma missa.
A porta abriu e esses pensamentos foram esquecidos.
Ela é linda.
Acho que ninguém nunca disse isso a ela, mas ela é linda.
É mais que a aparência perfeita, o vestido claro, os cabelos soltos e os
olhos límpidos. Existe uma beleza que está além da sua figura nervosa diante de
mim.
Nós nos encaramos por um segundo que pareceu duradouro. Eu sei que
Fran está me lendo. Na mesma medida, eu também tento decifrá-la.
— As flores são para mim? — ela indaga.
A voz dela é suave e ela sorri enquanto olha para o agrado. Pela primeira
vez eu vejo uma brecha na armadura mental de Francine. Ela sempre parecia
estar na defensiva, mas as flores pareceram derrubar um pouco suas barreiras.
— São — as entrego e percebo o sorriso se alargar.
Deus, eu estou acabado! Ela vai me comer até os ossos!
— Então... Posso entrar?
Ela me dá passagem. O apartamento bem arrumado é minha primeira
impressão significativa de Fran. Obviamente, é o oposto do meu lar. Meu
apartamento era um tanto escuro, cheio de aparelhos eletrônicos de ponta. O dela
lembrava aqueles filmes de avós que a gente assiste na Sessão da Tarde, com
paninhos de prato enfeitados e bordados em todos os móveis.
— Oi Victor! — Vanessa surge com um sorriso brilhante no rosto.
Eu não quero a presença dela ali, mas ela não parece prestes a sair.
Provavelmente, por não levar Francine a algum lugar, Vanessa achou que aquele
não era um encontro. Eu me sinto mal por desejar que ela suma das minhas
vistas, mas absorvo o sentimento e sorrio em sua direção.
— Oi Vanessa — saúdo.
Minhas sobrancelhas franzem quando a percebo se aproximar do sofá, pronta
para ver o filme que eu escolhi.
Eu respiro fundo e me aproximo do outro sofá. Francine senta ao meu
lado, e seu olhar acanhado parece pedir desculpas pela intromissão.
— Quero pipoca — Vanessa resmunga do outro lugar.
Ué, por que não vai pegar?
De repente, percebo Fran se erguendo e indo buscar, como uma legítima
cadelinha mandada. Eu estranho aquele tipo de relação, não sou acostumado a
receber ordens, mas tento não intervir naquele esquema. Elas são amigas há anos
e provavelmente a personalidade forte de Vanessa sobressai a de Francine.
Logo ela retorna, tem pequenos baldes de pipoca nas mãos. Estende um
para mim e outro para Vanessa. Volta a se sentar no sofá.
— Que filme escolheu? — Vanessa indaga.
— Fui pelas sinopses — explico, ligando a tv e passando para a netflix
através de alguns cliques. — E achei um com terror que tem uma história
interessante, também.
Logo a visão estonteante de uma oriental surgiu na tela.
— Aurora? — Vanessa murmurou. — Já vi que vou dormir — reclamou.
Então vá! Na sua cama, de preferência! Eu tento conter minha raiva.
Francine me prometeu um encontro, e aquela merda não era nem de longe um
momento nosso!
O filme começa. É legendado! Que porra! Porque eu não verifiquei
antes? Agora ainda teria que ler a merda do texto para entender aquela boceta!
— Você escolheu um filme filipino — Fran apontou.
Eu a encaro. Ela está com o mesmo olhar sereno de sempre. Sentada ao
meu lado, não parece sentir o conflito que surge entre Vanessa e eu.
— Escolhi?
— Não reconhece o idioma?
— Eu não falo filipanês — brinquei.
— O correto é filipino. E eles também falam inglês.
Fiquei impressionado com o conhecimento.
— Eu gosto de filmes alternativos, de outras culturas — ela esplanou. —
Você escolheu bem, Aurora é premiado. Um dos melhores. Não havia assistido
ainda, mas estava na minha lista.
— Na verdade, eu só vejo produções de hollywood — admiti. — Pouco
sei sobre os demais países.
— Não que os americanos tenham filmes ruins, particularmente amo
Lars von Trier, mas sou aberta a outras visões sobre a humanidade.
Ela era fascinante. Eu quase me esqueci do porque estava zangado. Ela
tinha esse poder, quase uma cura.
Por instinto, peguei as pernas dela e as coloquei no meu colo. Ela ficou
surpresa, mas se aninhou contra o encosto do sofá e passou a se fixar no filme.
Era delicioso. Como se fôssemos namorados. Eu nunca havia tido essa
conexão antes, então queria desfrutar de cada segundo. Percebo o olhar de Fran
abandonar o filme alguns segundos e voltar-se para mim.
Deixo minhas mãos tocarem seu tornozelo, acariciando a carne dura e
delicada.
Você sente, também, não é Fran?
Eu não sei que merda controla o destino, mas nós somos um do outro.
Está aqui, escancarado, e eu não quero mais lutar contra isso porque eu estou
louco por ela...
Vanessa ri de uma cena de terror. Nosso encanto quebra.
— Que ridículo — ela debocha.
Eu olho a tela e vejo a protagonista sofrendo com fantasmas ao pé de sua
cama. Não é ridículo, é uma cena bem feita e realmente assustadora.
Meu olhar volta a centrar em Fran. Ela não está mais me observando.
Seus olhos brilhantes estão voltados para o filme e eu fico enciumado.
Olhe para mim!
Deslizo minha mão, descansando em sua coxa. Eu não aperto, não me
imponho, não sou ameaçador. Apenas deixo os dedos ali, na parte externa do
vestido dela. É um toque sem intenção de amedrontá-la, mas sinto que sua
respiração acelera.
Vanessa está de costas para nós, seu sofá fica mais a frente, e ela está
deitada com as pernas num dos encostos. Ela não vê nada atrás, e não parece
curiosa. Mesmo assim, Francine demonstra que está incomodada quando se
remexe, abandonando meu colo e sentando-se com os pés fixos no chão.
Eu fico decepcionado por alguns segundos, mas logo suas costas se
resvalam no meu peito.
Céus, como aquilo podia ser tão bom? Deslizo minha mão atrás das suas
costas, chegando na sua barriga, puxando-a para mais perto. Eu pressiono meus
lábios, contendo um gemido quando sinto sua bunda encostando-se ao meu pau.
— Você está me deixando louco — murmuro contra seus ouvidos.
Eu a vejo fechando os olhos. Ela não tem a capacidade de fugir de mim.
Ela me quer desesperadamente e eu sinto isso em cada estremecimento do seu
corpo.
Observo Vanessa e ela está fixa no filme. Eu preciso aproveitar isso.
Discretamente, vou movendo minha mão em direção a sua boceta. A
respiração entrecortada dela faz seus seios se movimentarem com rapidez, para
frente e para trás, e isso me deixa mais duro.
Resvalo meus lábios na sua nuca. Lambo. O gosto dela é delicioso. Eu
estou louco por Fran!
Sua respiração aumenta, mas ela se afasta. Está com medo, eu sinto isso.
Ela se senta a alguns centímentros de mim, esperando que eu pare de provocá-la.
Eu queria ser capaz de fazer isso. Mas, não posso. Eu preciso tê-la.
Minha necessidade está causando dor. A nós dois!
Puxo uma almofada e a coloco no seu colo. Seu olhar me encontra. Fran
está vermelha e nervosa.
Minha mão volta a sua coxa. Meus dedos descendo lentamente até a coxa
interna. Fran lambe os lábios enquanto deslizo meus dedos por sua calcinha e
circulo seu clitóris. Meu pau está duro como aço. Ela podia se negar àquele
momento, mas Fran não o faz. Ela fecha os olhos, enquanto sua boca entreabre,
deixando que seus lábios exalem um suspiro lento e silencioso.
O que eu não daria para morder essa boca agora...
Aproximo-me. Estou ao seu lado, grudado nela. Circulo seu clitóris e
belisco o lóbulo de sua orelha enquanto ela choraminga.
— Quietinha, minha princesa — eu sussurro em seu ouvido.
Ela tenta manter uma expressão neutra, mas seus olhos se fecham
enquanto meus dedos mergulham em sua boceta quente e molhada.
Porra, ela vai se sentir tão bem no meu pau. Eu bombeio meus dedos para dentro
e para fora, acariciando e pressionando minha palma em seu clitóris.
Meu pau também está gozando. Eu sinto que posso ficar com a calça
molhada e tento pensar rápido. Preciso de Fran e preciso que Vanessa desapareça
agora!
Sua boceta aperta meus dedos e seu corpo treme. Na tela, a música
clássica e alta abafa um gemido baixo que ela não consegue evitar.
Eu sinto que ela gozou. Nos meus dedos. Com a amiga a poucos passos.
Não sei como consegui isso dela, mas consegui.
Retiro meus dedos melados de dentro dela e seguro um sorriso. Francine
está envergonhada, e logo se levanta, dizendo que vai ao banheiro.
Eu não aguento mais. Decido segui-la.
Francine

M eu corpo ainda é sacudido por estranhas explosões provocadas pelas mãos


habilidosas de Victor. Vergonha e indignidade ainda me atacam, e me encontram
desarmada diante do tamanho do poder que aquele homem exerce sobre mim.
Minha respiração está acelerada, minha visão turva, meu corpo pulsando
sobre o efeito anterior.
Eu chego ao banheiro. Não me preocupo em fechar a porta. Vou direto
até a pia e molho meu rosto com água fria.
Eu não posso acreditar que permiti que Victor fizesse isso. Estou em
choque com o quão baixo eu caí, e o quanto foi bom, na mesma medida.
Subitamente, percebo uma presença ao meu lado.
— Seu desgraçado — meu sussurro é mais dirigido a mim mesma do que
a ele.
— Por que está com raiva? — ele parecia não entender o quanto aquilo
foi terrível para mim. — Era inevitável, princesa.
— Não me chame de princesa. Sinto-me uma vagabunda!
Ele ergueu a mão direita. Percebo seus dedos melados, meus sucos
pegajosos na sua mão máscula.
— Só entregou a mim o que já é meu — ele rebateu.
E aquela frase teve um efeito em turbilhão.
— Saía daqui — advirto. — Vá agora.
— Você vai fugir? — ele sorriu. Não era vitorioso, apesar disso. — Fugir
do que quer que seja essa coisa poderosa entre nós? Não vai adiantar, você sabe.
Percebo minhas mãos tremulas. Estou com medo. Durante toda a nossa
vida a gente sonha em viver algo arrebatador, mas eu não esperava que meus
sonhos românticos fossem se concretizar com alguém como Victor...
— E o que eu devo fazer? — suplico pela resposta. — Fugir é a única
chance que tenho...
Victor olha para mim com uma fome que é palpável.
— Eu não vou mentir, Fran. Você vai sofrer ao meu lado. Porque eu sou
o cara que nenhum pai quer para genro. E, francamente, eu não sou de palavras
doces para enganar uma virgem. Nesse momento eu não me importo com
romantismo, nem com o efeito desse erro. O que eu quero realmente é essa sua
boceta apertada gozando por todo o meu pau. É só no que eu consigo pensar. Se
isso causar um efeito que não possa ser controlado depois, eu penso nisso
quando chegar a hora. Agora, eu quero é foder você.
Suas palavras, estranhamente, não me chocaram. Ao contrário, pareciam
atiçar aquele ser desavergonhado do sofá novamente à tona, transbordando
naquele banheiro.
— Eu não vou me culpar pelo meu desejo — ele prevaleceu. — Eu não
vou me culpar porque eu quero você desde o segundo que pus meus olhos sobre
ti.
O mais triste, a meu ver, não é minha luta desesperada contra meus
hormônios. É saber que aquele homem franco estava se abrindo para mim,
querendo claramente apenas um sexo passageiro, e eu estava relutante em
permitir que ele me usasse da forma como quisesse, e depois me descartasse.
— Eu quero estar dentro de você — ele se aproxima, sua voz baixa,
quente, chocando-se contra meu rosto.
No instante que seguro sua mão, puxando-o em direção ao meu quarto,
eu já estou arrependida. Eu sei que o resultado daquilo é dor, mas
definitivamente meu corpo se entorpece ao ponto de eu não me importar.
Quando Victor entra no meu quarto, eu fecho a porta atrás de nós. Ele
parece curioso, observando atentamente os detalhes da colcha florida, a cama
arrumada com esmero, os quadros de paisagens delicadas nas paredes, os vasos
com azaléias nos cantos.
Meu coração bate com tanta força que eu sinto que posso desmaiar. O
desejo e a ansiedade tomam conta de mim.
Ele se volve na minha direção. Sua boca entreaberta deixa livre sua
respiração entrecortada. Suas mãos se estendem. Victor me quer. Eu também o
quero.
Entrego minhas mãos a ele, e sinto seu puxão. Nós nos beijamos no
mesmo instante que resvalamos até a cama. Suas mãos percorrem todo o meu
corpo enquanto nossas línguas batalham, e eu gemo de necessidade.
E era assim, o destino.
Você pode fugir, lutar contra, armar-se com todas as suas armas de
defesa, mas ele avassá-la você assim que pode.
Victor era uma necessidade que eu não pude controlar.
Antes que eu perceba, meu vestido está sendo rasgado e eu me encontro
apenas de sutiã e calcinha.
— Espere — eu suspiro.
— O quê? — Seus olhos estão queimando com a intensidade de fogo, sua
respiração irregular. Eu tremo sob esse olhar faminto.
— Eu nunca fiz isso antes — eu murmurei.
Ele me devolve um sorriso gentil.
— Eu sei.
Victor agora está sendo mais vagaroso, como se tentasse me dar tempo
para cada ação, como se não quisesse me assustar
Ele abre meu sutiã, seus olhos prometendo prazeres além dos meus
sonhos mais loucos. Fico envergonhada e tendo cobrir meus seios grandes com
minhas mãos. É inútil.
— Está tudo bem, Fran...
Ele me beija, chupa meus lábios, tentando afastar minhas mãos dos seios,
deixando-os livres para ele.
Eu estou rendida.
Victor

V ocê sabe quando uma mulher está vulnerável diante de um homem. E eu


sabia que Francine estava sofrendo pelas próprias ações e escolhas, culpando-se
por me desejar, por me querer, por permitir que suas defesas caíssem diante do
tamanho do desejo entre nós.
Eu quero dizer para ela que tudo ficará bem. Mas, eu também reconheço
que ela é minha perdição.
Nada ficará bem. Nós, o fundo do poço um do outro.
Enquanto minha boca captura a dela, e escuto um leve gemido escapar
pelos lábios separados, eu me lembro de um livro que li há muito tempo.
Almas gêmeas sempre se reconhecem... Mas nem sempre devem ficar
juntas.
Talvez eu devesse me erguer e ir embora. Talvez eu devesse fugir para
protegê-la. Talvez eu devesse... Talvez...
Não posso, Fran. Perdoe-me, minha querida. Não consigo ficar longe de
você. Não quero ficar longe de você...
Eu gemo em sua boca e escorrego minha língua, massageando a dela e
apreciando suas mãos emaranhadas no meu cabelo.
Estou aqui, princesa, eu voltei para você...
Ela balança sua boceta contra mim e é quase mais do que eu posso
aguentar.
Eu a quero a tanto tempo que tempo nenhum pode explicar...
Inclino-me e beijo seu pescoço. Ela deixa escapar outro gemido suave de prazer,
expondo mais de si mesma para mim.
Meus dedos seguram a borda da calcinha e eu demoro em puxá-la pelas
coxas. Eu amo tudo nela, especialmente a sensação que ela me provoca, da
forma como se contorce diante dos meus toques, a forma natural de ser
encaixada, abaixo de mim.
Francine olha para mim com uma vulnerabilidade que estou amando. Mergulho
no caminho doce da sua pele. Seus seios, seu ventre, seu íntimo...
Lambo seu calor.
— Você é tão doce.
Não sei realmente se é esse o gosto, mas é como eu o sinto. Observo seu
rosto, um belo rubor colore suas bochechas. Não desvio meus olhos enquanto
chupo seu clitóris, minha boca e minha língua massageando a entrada superior
do seu centro.
Fran tenta manter meu olhar, mas sua cabeça cai para trás e suas mãos
voam para o meu cabelo.
Chupo mais e deslizo dois dedos em sua vagina molhada.
Ela é tão apertada e quente. Eu preciso dela.
Ergo-me o suficiente para afastar minhas calças enquanto ela estremece
em meus dedos. Sua excitação vaza de sua vagina e eu sou rápido em lamber.
Fran se sacode e treme, e seus olhos se fecham enquanto seu corpo encontra a
liberdade.
Empurro minha cueca para baixo e encaixo seu corpo embaixo do meu.
Lentamente, enfio a cabeça do meu pau enquanto o torpor do clímax da
masturbação ainda a sacode. Eu mergulho em sua vagina lentamente, amando o
quão apertada e quente ela é. Prendo a respiração enquanto empurro todo o
caminho, fazendo-a arquear as costas. Suas unhas cravam nas minhas costas
enquanto ela se esforça para suportar meu tamanho. Eu beijo a curva do seu
pescoço e dou a ela um momento para se ajustar àquele novo momento.
É tão gostoso...
Balanço lentamente e ouço como seus gemidos de dor vão se tornando
gemidos de intenso prazer. Não demora muito até que ela esteja balançando sua
boceta contra meu pau, nossos caminhos se encontrando.
Eu não me contenho. Não posso. Não quero.
Empurro tudo dentro dela, segurando seus quadris para baixo, mais e
mais enfiando meu pau. Ela grita meu nome e é o som mais sensual que eu já
ouvi. Preciso gozar, mas eu não quero... Eu não quero que isso acabe.
Eu finalmente tive um gostinho dela. Eu derrubei suas barreiras, mas não
tenho certeza se ela não vai reconstrui-las novamente.
Porque pode haver arrependimento. Ela é um sol e eu sou um pântano
sujo. O sol não toca a lama.
Meus olhos obscurecem, enquanto eu percebo lágrimas se formarem. Eu
não suporto o pensamento de que ela se arrependa de estar comigo. E por quê?
Por que ela? Por que de todas as mulheres do mundo, é dela que eu preciso?
Eu empurro com mais força. Eu bato em sua xoxota apertada com tudo
que tenho, segurando minha necessidade de gozar. Seu pescoço se arqueia e ela
grita enquanto seu corpo treme debaixo de mim. O desejo de gozar é forte, mas
eu não quero. Eu não vou. Eu quero mais. Eu preciso dar mais a ela. Nada disso
basta.
Eu cubro o mamilo com a boca e chupo, mantendo o ritmo implacável.
Seu corpo empurra o meu enquanto ela grita.
É um apelo, reconheço. “Dê-me a liberdade!”.
E não posso mais suportar sua necessidade. Sei que isso é intenso, mas
vou dar a ela tudo o que tenho.
Solto o mamilo. Minhas unhas grossas cravam em seus quadris, segurando-a
ainda enquanto eu batia, sentindo prazer com ela, mas dando-lhe muito mais.
— Goza para mim, Fran — sussurro em seu ouvido.
E como a boa menina que ela é, obedece.
A sensação de sua boceta quente pulsando ao meu redor é mais do que eu
posso suportar. Eu entro em erupção dentro dela, derramando ondas quentes do
meu sêmen.
Eu dou bombadas curtas, depois, solto um gemido longo e caio ao seu
lado.
Nossos olhos se encontram. Há dúvida ali. Existe o medo. Sua pele está
corada com o mais belo rosa. Ela desvia o olhar e percebo que fecha seus olhos.
— Eu me apaixonei por você — sussurro tão baixo que não tenho certeza
se ela ouviu.
Estamos perdidos.
Francine

O diava acordar cedo. Especialmente no outono. Assim que abril começou a


dar as caras, e aquele leve friozinho matutino a surgir, eu me tornei mais
preguiçosa.
Acordava todos os dias muito cedo para ir à faculdade, então meus finais
de semana eram sagrados. Dessa forma, eu podia converter meu espírito sempre
amistoso em um demônio avassalador ao me acordarem no sábado ou no
domingo sem que eu pedisse por isso.
Eu escutei a porta abrir. Puxo as cobertas em cima do rosto e resmungo,
pronta para xingar Vanessa.
Mas é o som masculino da voz de Victor que me faz despertar.
— Ei, Fran... Acorde — ele balança meu corpo na cama. — Quero te
levar para tomar café em uma nova confeitaria que abriu.
Desde que fizemos sexo, há quase um mês, nossa relação se tornou algo
que eu não saberia definir. Nós não havíamos nominado aquele vínculo, mas
acho que ele pensava em mim como sua namorada.
Bom, ele sempre me esperava após as aulas, jantávamos e almoçávamos
juntos sempre que possível, havíamos ido juntos ao cinema, e também
passávamos todo o tempo livre perto um do outro.
Mas, dar um nome? Chamar de namoro...? Ainda nenhum de nós havia
criado coragem.
Eu pensava no meu pai. Pastor João não se sentiria o mais feliz dos
homens quando soubesse que a filha estava enredada com um tatuado dono de
bar. Igualmente, Victor não parecia disposto a me apresentar a sua família.
Um dos seus irmãos havia vindo visitá-lo numa noite a duas semanas, e
ele sequer disse meu nome para ele. Estava sentada no bar, o rapaz entrou, pegou
alguns papeis e saiu. Eu me lembro de ter ficado magoada, mas me coloquei em
seu lugar, imaginando que seria estranho, já que estávamos juntos há muito
pouco tempo.
— Me deixa dormir — resmunguei. — Como você entrou? — minha
pergunta que se seguiu era derivada de não ter dado uma chave reserva para ele.
— Vanessa — ele apontou. — Ela abriu a porta e depois saiu para se
encontrar com um cara.
Victor sentou-se na cama, ao meu lado. Ele estava lindo, e essa primeira
visão do dia me tira o ar.
Céus, estou tão louca por ele...
Percebo que não se barbeou, então ele tem um leve contorno escuro no
rosto. Eu quero sentir aqueles pelos roçando na parte interna das minhas coxas
enquanto ele me devora.
Eu tento evitar esses pensamentos. Depois da nossa primeira vez, nós não
repetimos a dose, como se tivéssemos medo de avançar cada vez mais por esse
caminho.
— Victor, eu...
Eu o quê?
Apaixonei-me? Quero-o novamente? Sinto uma falta desesperada dele
quando não está por perto?
Ele sabe de tudo isso. Ele sente, na pele, na boca, todas às vezes em que
nós nos beijamos.
— Desculpe te acordar, Fran... — ele acariciou minha face. — Só
precisava vê-la. Preciso de você. — Murmurou. — Nós não nos vimos ontem, e
toda vez que não a vejo, sinto sua falta. — Ele se inclina para um beijo e eu não
reluto em ceder.
Eu não posso negar que eu o quero. Estou cansada de lutar.
— Também senti sua falta — admito.
Meu clitóris lateja como se eu estivesse preparada e pronta para ele desde
sempre. Ele se deita na cama, ao meu lado.
— Planos para amanhã? — indaga.
— Meu pai me mandou o endereço de uma pequena Igreja Luterana aqui
na cidade. Estou pensando em visitá-la. Por que não vem comigo?
Era um atrevimento. Mas, eu precisava fazê-lo.
— Melhor não, Fran...
Respeitei.
— E você, planos?
— Afonso, um dos clientes, me convidou para um churrasco e me disse
que eu podia levá-la.
Eu não respondo. Não quero ir. Victor parece entender meu olhar, e
apenas sorri, assentindo.
De repente, a proximidade. O beijo que eu tanto esperei. Logo, seu corpo
está em cima do meu, o beijo mais profundo, o toque mais ousado, a respiração
mais irregular.
Estou apenas de calcinha e camiseta. Ele não tira minha roupa, mas sinto
seus dedos irrequietos puxando o pequeno triângulo de algodão para um lado.
Meus olhos se arregalam e minha boca se abre enquanto ele desce pelo
meu corpo em pequenos beijos, aproximando-se do meu baixo ventre.
De novo?
Estávamos prontos?
Não sei a resposta, mas Victor parece ansiar pelo risco.
Ele lambe meu clitóris e empurra dois dedos grossos dentro de mim.
Sim! É tão bom.
Meus mamilos endurecem e minhas mãos se movem inconscientes até
meus seios. Aperto-os, saboreando as sensações provocadas.
Logo nosso olhar volta a se encontrar. Victor, ali, entre as minhas pernas,
com uma fome que faz minha boceta apertar em torno de seus dedos. Eu, lá em
cima, mordendo os próprios lábios, querendo mais e mais dele, até que sugasse
tudo, toda a sua alma.
— Eu preciso estar dentro de você, Fran — ele murmura.
Ele abre o zíper da calça. Eu não o impeço. Apenas observo enquanto se
senta entre as minhas pernas e move seu pau para frente e para trás entre os
lábios da minha boceta.
Prendo minha respiração enquanto ele empurra seu pênis rígido mais e
mais profundo.
A dor ferina de ser esticada ao meu limite faz com que seja quase demais.
Mas então seu polegar esfrega contra o meu clitóris, e a deliciosa mistura de
prazer e dor faz meu corpo desejar mais.
Ele continua batendo profundamente dentro de mim enquanto beija meu
pescoço, meus lábios, todo meu rosto. Arqueio minhas costas e, em seguida,
inclino meus quadris. Eu preciso de mais dele. Mais.
Quando ele empurra seus quadris, eu solto um grito estrangulado de prazer.
Eu posso morrer agora. Eu já tive tudo que sempre quis.
Victor...
Meu sentimento é recíproco. Eu sei. Eu retribuo seu beijo cálido com
todo meu carinho. Não há pensamentos, apenas emoções que eu não sei definir.
Ele bate em mim, tomando mais e mais a cada vez. Victor se afasta
brevemente e respira fundo, tirando a camisa. Seus músculos ondulam, e a visão
me faz apertar em torno de sua circunferência.
Ele me possui neste momento. Mais que sexualmente.
De todas as formas. Eu sou caça, caçador. Presa, predador. Sou derrota e
vitória. Eu sou dele.
Victor se inclina, pressionando o peito contra meus seios. Seus dedos
hábeis encontram meu clitóris e ele esfrega impiedosamente.
Oh céus, estou vendo o paraíso...
Victor parece querer marcar território. Todo o tempo me fodendo com
um ritmo implacável. Eu arqueio minhas costas e ele vai mais fundo.
Oh!
Eu preciso morder meus lábios para abafar meus gritos de prazer. E
quando eu penso que é demais, e eu não aguento mais, nós dois gozamos
violentamente.
Quando meu orgasmo me deixa e a realidade se instala, o medo começa a
me dominar.
Eu não quero me machucar novamente. E isso é o que vai acontecer.
Minha respiração acelera, e a única coisa que eu posso ouvir é o meu
coração batendo no meu peito.
— Eu preciso me levantar — minto. — Tenho um compromisso. Acho
melhor que vá.
Lágrimas ameaçam se revelar. Sinto-me terrível.
— Ok. — ele murmura, se afastando. — Está tudo bem?
Como viver sem a certeza do amanhã? O que era aquilo que estava
vivendo com ele? Poderia ter sonhos? Casar-me, ter filhos? Ou ele simplesmente
aproveitaria tudo que pudesse e depois desapareceria?
Victor sente minha incerteza e agarra meu braço, fazendo-me encará-lo.
Estou com medo e vou fugir. Mas, Victor não parece disposto a permitir
isso.
Victor

A única pergunta que circulava em minha mente ainda entorpecida pelo sexo
incrível era: eu fiz algo errado?
Porque eu sentia que Fran desejava fugir de mim? Que sua indicação
para que eu fosse embora fosse claramente uma desculpa para me afastar?
Eu não sei o porque, mas eu não a deixarei ir.
Sem palavras, a puxo para meus braços. Ela não parece disposta, mas eu
a forço. Ela precisa de um abraço e eu estou lá para isso. Então, assim que a
relutância inicial termina, percebo um leve soluço contra meus ombros.
— Eu te machuquei?
Era a única coisa que me vinha à mente para aquelas lágrimas. Eu tentei
ser o mais delicado possível, pois havia a questão da virgindade. Na nossa
primeira vez ela sangrou um pouco e dei um tempo para se recuperar. De todas
as formas, sempre tentei deixá-la confortável.
Suspiro de alívio quando Fran nega com a face.
— Então, o que é?
Porra, por que lágrimas? Ficava nervoso diante delas. Nunca quis ver
Francine assim. Eu me esforçava para ser bom com ela, mesmo lutando contra
todos os meus instintos que sempre foram fortes em destacar que eu não
precisava ser bom com ninguém.
— Estou com medo, Victor — ela confessa, e meu coração sangra diante
das palavras.
— Medo?
— Como isso — aponta para nós dois, numa sequência — pode dar
certo?
— Não está dando?
Ela sorri. Percebo que é um sorriso triste.
Era óbvio que havia uma diferença extensa entre nós. Ela era gentil, eu
rude. Ela doce, eu amargo. Ela era uma boa pessoa, eu era um traficante.
Todavia, ela era minha. E disso eu não abriria mão.
— Eu não vou te machucar — afirmo.
E não sinto nenhuma dúvida nessas palavras. Eu realmente vou cuidar
dela. Nunca deixarei que nada ouse feri-la.
Suas bochechas estão avermelhadas e manchadas de lágrimas, mas de
alguma forma ela parece ainda mais bonita. Sua vulnerabilidade e emoção são
coisas que mexem com meus instintos.
— Ouça-me, Fran...
Meu coração bate no meu peito com ansiedade. Estou fazendo uma
promessa para ela neste momento. E estou sendo sério.
— Eu nunca vou te machucar — reafirmo. — Eu nunca vou te
abandonar. Eu sempre estarei ao seu lado, não importa o quê, não importa
como... Eu estarei lá. Se um dia precisar de mim, bastará estender a mão para o
lado. Você sentirá minha presença. Seus dedos tocarão a minha pele. Nem morto,
me afastarei de ti.
Nosso olhar se encontra. Existe uma emoção presente que eu não me
lembrava de já ter experimentado.
— Eu sou seu, Fran... Você será minha?
E então sua boca se abriu. Seus doces lábios, naquele sorriso
maravilhoso. E eu sei que valeria morrer por ela.
— O que você acha? — ela perguntou.
— Eu sei a resposta, mas quero ouvi-la — insisti.
— Sim — seu murmuro é a confirmação da minha felicidade.
Eu a trago para mais um beijo. Nada parecia o suficiente. Eu estava nas
nuvens.
Eu não sei quanto tempo vai durar até ela perceber que somos um
desastre prestes a eclodir. Mas, enquanto eu tiver uma chance de permanecer no
paraíso com aquele anjo, eu me recusaria a voltar para o inferno.

— Não há nada melhor que uma boa cerveja preta no frio — Vanessa
brinca, enquanto bebe um gole da caneca.
Fran sorri para a amiga e também bebe um gole. Eu gosto de tê-la ali, no
meu local de trabalho.
Bem da verdade, eu gosto de ter Francine por perto em qualquer
momento. Especialmente quando ela está claramente à vontade, sentada
confortavelmente num banco acolchoado, sorrindo para a amiga e conversando
com Lucas.
Estava tudo bem...
Eu sentia isso, e isso me animava.
— Você sabia que enfermeiras têm que limpar a bunda de velhos, no
hospital? — Lucas indagou a ela, que sorriu.
Eles estavam num jogo de provocações desde que ela falou sobre o curso
de enfermagem. Eu assistia as brincadeiras do outro lado do balcão.
— Não seria minha primeira bunda — devolveu. — Fui voluntária em
um asilo e dei banhos em idosos.
— Uau — Lucas bateu palmas. — Você tirou a sorte grande — ele
volveu para mim. — Ela poderá dar banho em você também.
— Vou gostar disso — devolvo.
— Viu como ele está apaixonado? — Lucas volve para Fran que ri.
Eu não nego. É verdade.
— Eu não sei se você está com sorte — Lucas prossegue. — Meu irmão
nunca conseguiu ter um relacionamento que durasse mais que uma semana.
Fran fica quieta e eu literalmente quero matar Lucas pela língua solta.
Ele tem alguma ideia de que minha instabilidade em relacionamentos anteriores
é péssima para o que estou tentando agora?
Lucas ainda é muito jovem. Uma das coisas que terei que ensinar a ele é
em manter a boca mais fechada que aberta. No nosso ramo, nunca devemos falar
demais.
— Mas agora ele foi marcado a ferro — Vanessa desdobra e eu concordo,
enquanto rio, agradecendo aos céus pela presença espirituosa dela.
E então, em uma fração de segundo, toda a felicidade se foi quando vejo
Pierre andando até o prédio com uma carranca no rosto.
Pierre nunca vem a Esperança. Ele sempre está em Porto Alegre e sou eu
que viajo para visitá-lo. Agora, sua presença me assusta. Seu olhar pouco
amigável mais ainda.
Meu olhar vai em direção a Fran. Percebo como a testa feminina se
aperta e ela olha para mim como se eu lhe devesse uma explicação do porque da
mudança de ares. Mas, não posso dizer nada.
— Eu já volto — explico, assim que Pierre adentra o bar e caminha até
mim.
Lucas se enrijece imediatamente. Seu corpo parece tão tenso que eu
quase sinto que ele vai desmontar diante de mim.
O que diabos aconteceu?
Meu pai não cumprimenta ninguém. Eu o conheço o suficiente para saber
que ele está possesso. Caminho com ele rumo ao escritório. Fecho a porta atrás
de mim.
— Pai... Algum problema?
— Algum problema, Victor? — ele devolve, sentando-se à mesa. Suas
mãos se retorcem. — Você chefia Esperança. Não devia ser você a me responder
se está ocorrendo algum problema? — Minhas sobrancelhas se erguem. — Está
dando alguma festinha? — indaga, depois disso, mudando o assunto.
— São apenas amigas — respondo.
Algo em mim não quer que Pierre saiba sobre Francine.
— Mande essas putas embora. Precisamos conversar.
Mas, eu não consigo me mexer. Meu pai costuma ser caloroso e gentil. O
que diabos aconteceu?
— Eu disse para tirar essas cadelas daqui, agora!
Meu rosto balança, em concordância. Eu viro de costas para ele e vou
direto para o bar.
— Vocês tem que ir — eu digo assim que me aproximo.
— Por quê? — Fran pergunta.
Eu percebo que está preocupada.
— Apenas vão — indico. — Menos você, Lucas. Papai quer conversar.
Percebo o quanto aquilo era confuso para ela. Se era meu pai, porque não
a apresentava?
— Num outro momento, eu falarei sobre você para ele, Fran — explico.
— Hoje ele não está de bom humor.
— Papai de mau humor nunca é coisa boa — Lucas parecia temeroso.
Dói ver as perguntas não respondidas de Fran em seus olhos. Ela quer
saber o que está acontecendo, de verdade, não aquela minha desculpa
esfarrapada. Mas eu não posso dizer a ela. De jeito nenhum.

— Eu... — gaguejo. Lucas está sentado ao meu lado. — Eu não sei como
isso aconteceu...
Estou sendo sincero. Incrivelmente sincero. Nunca em todos aqueles
anos houve qualquer falha na minha contabilidade. Eu nunca fiquei com
nenhuma porcentagem do valor.
— Você não fez os cálculos? — Pierre questionou. — Não sabe como
aconteceu?
— Eu não fiz os cálculos — admiti. — Entreguei as papeladas para
Gabriel e deixei que Antônio fizesse o serviço. Nunca havia dado qualquer
problema antes, não pensei que pudesse ocorrer algo...
Eu sinto um resmungo ao meu lado. Volvo meu olhar para Lucas.
— É minha culpa, pai — o rapaz assume.
Porra, cala o caralho da boca, seu imbecil! Você não entende que nosso
pai não admite falhas? Que sempre há punições?
— Como assim? — Pierre insistiu.
— Um cliente fixo, Marcelo... A família cortou a mesada dele... Enfim,
ele levou algumas gramas para pagar depois. Algumas pagou, outras ainda estão
pendentes...
Lucas vendeu fiado sem minha autorização?
— Você ficou louco? — Pierre arregalou os olhos. — O que eu sempre
digo? Droga numa mão, dinheiro na outra!
Eu apertei meus olhos, tentando controlar a respiração. Eu sabia o que os
Bianconi faziam com devedores.
— Victor, você levará seu irmão para cobrar essa dívida. Ele tem que
aprender que há consequências.
— Não podemos antes dar um prazo ao cliente? Ele já nos deu muito
lucro. Quem sabe...
— Quem sabe ele dá com a língua nos dentes e conta que o dono do bar
o está cobrando por drogas? — Pierre gracejou. — Esse trabalho não é
filantropia, muito menos um boteco com caderno para vocês venderem fiado. A
polícia nunca desconfiou de nós porque não deixamos rastro. E vocês dois
deixaram um rastro grande e inconsequente. Um drogado. Então, vão ter que
limpar essa bagunça.
Era matar ou morrer.
Francine

N aquela tarde encerramos nossas atividades na Universidade mais cedo. Eu


estava pronta para ir para casa tomar um banho e relaxar do dia difícil. Mas,
Vanessa surgiu ao meu lado e disparou:
— E Victor?
Eu não o via há dois dias. E eu sentia muito sua falta. Mas, algo
acontecera com seu pai e eu respeitava isso. Provavelmente ele estava com
problemas.
O pai de Victor...
Era estranho ter aquela visão do homem grande e forte. Ele não parecia
com Victor, e tinha um olhar duro e ruim, algo que me arrepiou tão logo eu o vi.
Mas, eu sabia que não devia dizer tal coisa, então permaneci em silêncio e
respeitei o pedido de Victor de que eu me afastasse.
Não que eu não quisesse inquirir um monte de coisas. Porém, eu não era
parte daquela família para me atrever a perguntar.
— Eu não sei — respondo para ela, meu coração dispara por alguns
segundos.
— Você sabe... — Vanessa fez uma careta, seu tom de voz mudando um
pouco. — Eu me arrependo de algumas coisas.
A observei melhor. Nós caminhávamos em direção ao ponto de ônibus.
Ela usava uma blusa azul com os dizeres “Ranço” e parecia extremamente fofa
com aquele olhar sagaz.
— Se arrepende?
— De ter incentivado você a dormir com ele. Acho que ele só te comeu e
agora deu no pé.
Eu ficaria chocada pelas palavras se meus sentimentos não estivessem
tão confusos.
Seria assim? Mas, não era como eu me sentia. De repente, aquela pausa
com Victor não parecia um fim, e sim apenas um momento, um tempo.
Mas, não quero dizer isso a ela. Não quero despertar culpa ou surpresa. O
fato é que eu me apaixonei por Victor e está tudo bem ele não estar sempre ao
meu redor. Eu não me sinto abandonada. Apenas, aguardando.
— Você não vai dizer nada — Vanessa insiste e eu apenas lhe dou um
sorriso.
— Eu estou bem — retruco.
— Sério Fran? Você não precisa poupar meus sentimentos. Se quiser me
xingar...
— Eu não quero te xingar — ri. — Está tudo bem.
Vanessa suspira e coloca uma mão reconfortante no meu ombro.
Mas, não me sinto reconfortada. Na verdade, não sinto nada. Não me
importo.

Assim que descemos no nosso ponto de ônibus percebo a figura taciturna


— mas amigável — do pastor João.
— Papai? O que está fazendo aqui?
Eu vou até ele e o abraço, sentindo o carinho de seu toque.
Eu amo meu pai. Ele é uma figura central na minha vida porque me
ensinou a sempre seguir meus princípios. E num mundo onde princípios são a
chave de ridicularizações, eu sou grata por ter me dado à força suficiente para
nunca me esquecer de algo tão importante.
— Me convida para o lar de vocês? — sua pergunta me fez rir.
Ele ajudava a pagar o apartamento que Vanessa e eu usávamos. Minha
amiga trocou um abraço com meu pai, e então rumamos até nosso prédio.
Quando entramos no ambiente, eu agradeci aos céus por ter feito uma
limpeza na noite anterior de uma festinha de Vanessa. Ela estava saindo com
vários caras do campus e sempre os levava ao apartamento. Enquanto eu
permanecia estudando no quarto, ouvia o som das latas de cerveja sendo abertas
e do cheiro do cigarro sendo fumado.
Numa outra noite, reconheci maconha. Papai e eu trabalhamos num
centro de reabilitação e já havia visto e sentido a maconha algumas vezes. Eu
queria falar com Vanessa sobre aquilo, mas temi piorar as coisas entre nós.
Ok, pode me considerar fraca, mas ela era a única figura feminina em
minha vida. Tinha defeitos sim (quem não os tinha?), mas muitas vezes foi nela
que me firmei nos momentos difíceis. Eu não queria perdê-la...
Estávamos sempre em uma corda bamba. Nossa amizade parecia se
encaminhar para um distanciamento, mas crises eram comuns a amigos e eu
queria sobreviver àquela com Vanessa.
Eu queria envelhecer ao seu lado e contar como mantivemos uma
amizade da infância até a velhice.
— Esse lugar é bom — ele comentou, observando ao redor. — E cheira a
lavanda. Você com certeza o limpa e o perfuma com essa essência. Sempre
gostou de lavanda. Sinto falta desse odor em casa.
Eu o observo melhor. Aos sessenta anos, o cabelo dele é branco como a
neve, mas esse é seu único sinal de envelhecimento. Papai tem um rosto liso e
olhos joviais. Está usando calça preta e uma camisa branca discreta. Há uma
protuberância no lado da camisa dele, me deixando saber que ele está
carregando. Papai nunca sai de casa sem sua arma: uma Bíblia pequena, em
formato condensado do novo testamento.
— Bom, eu vou deixá-los a sós — Vanessa comenta, se aproximando do
próprio quarto. — Fique a vontade, Sr. João.
— Foi bom te ver, querida — ele lhe acenou, quando ela sumiu.
Depois disso, nos aproximamos do sofá. Eu procurei por malas perto
dele, mas não havia nada. Então, não sabia se ele passaria a noite ou se essa era
apenas uma visita de rotina.
— Fui transferido de congregação — ele avisou. — Vou ministrar perto
de Panambi.
— No noroeste?
— Eu sei que ficarei um pouco longe, mas estarei sempre pronto para
você, no que precisar de mim.
Aquela frase devia me sentir bem, mas havia veneno em sua voz e as
lágrimas começam a jorrar nos meus olhos.
Senti-me acuada, como se tivesse cometido muitos pecados. Então, sem
perceber, eu comecei a narrar para meu pai às coisas que havia feito desde que
sai de casa. Falei sobre a venda do meu carro, as festas de Vanessa, como eu me
sentia distante dela e, por fim, contei tudo sobre Victor.
Pensei que ele fosse se focar na minha amiga, mas ele pareceu esquecer-
se completamente dela.
— Você dormiu com esse cara? Um dono de bar? Alguém sem religião?
Eu fiquei sem palavras, não sabia realmente o que dizer. Eu nunca fui
capaz de aguentar quando sentia que o decepcionava. Meu estômago começou a
doer.
— Sinto muito. — estou sufocada. — Eu...
Meu pai percebeu seu tom forte e pareceu arrependido. Suspirou e deu
dois tapinhas nas minhas mãos, dessa vez com a voz mais calma e gentil.
— Eu sei o que você pensa: Você vai mudá-lo e o levará para o bom
caminho. Mas, é mais fácil que ele a tire dos caminhos do Senhor. É mais fácil
que ele a faça cometer erros. Sabe quantas vezes nesses anos eu vi alguém
mudar outra pessoa por amor?
Seco minhas lágrimas. Não quero dizer nada. Estou arrasada e só quero
que ele se vá.
— Estou chateado porque me preocupo — papai falou. — Você não quer
ouvir, é jovem, e seus hormônios querem que viva sem pensar no futuro. Mas, o
futuro chega, Fran. E você considera que será bom, ao lado de um homem
desses? Um lixo?
De repente, eu reajo. Uma raiva potente retorce meu estômago.
— Ele não é um lixo — digo calorosamente. — Nem é uma má pessoa.
Desde que nós nos conhecemos, ele nunca me tratou mal, gritou comigo ou
esqueceu-se de ser cavalheiro. Ele me respeita.
Meu pai ri.
— Um cara como ele... Você sabe que ele pode estar vendendo drogas
nas suas fuças? Que garantias têm de que ele é uma boa pessoa?
As palavras emudeceram nos meus lábios.
Não tinha garantias. Por mais que eu odeie admitir isso, ele está certo. O
que eu sabia sobre Victor antes de dormir com ele, exceto que ele mexia com
meus brios? Eu não sei nada sobre o passado dele, nem sei quantas namoradas já
teve, com quantas mulheres fez amor. E sobre seu pai... Por que me deu
arrepios?
— Filha, me preocupo com você. E eu preferiria que você não se
envolvesse com alguém que obviamente não é uma boa opção para seu futuro.
Você precisa deixar este sujeito e se concentrar em seus estudos. Foi para isso
que veio para Esperança.
De repente, um fogo subiu pelo meu ventre e centrou-se nos meus lábios.
— Eu te amo papai, mas já sou adulta. Vou arrumar um trabalho e pagar
minhas despesas, não precisa mais se preocupar comigo. Você fez um bom
trabalho e me educou. Agora, é minha vez de cuidar de mim. Quanto a Victor,
peço que respeite minhas escolhas.
Ele olhou para mim por um longo momento, mas eu segurei meu olhar
firme. Sinto que papai quer dizer que estou proibida de ver Victor e que deseja
que eu me mude, mas ao mesmo tempo ele está em conflito pelo fato de que sou
uma adulta que agora posso tomar minhas próprias decisões.
— Você vai se arrepender amargamente — ele profetiza e aquilo me
destrói.
— Eu vou arriscar — afirmo.
De repente a campainha toca. Minhas mãos estremecem. É Victor? Faz
dois dias que não o vejo. Ele resolve aparecer exatamente naquele momento?
Victor

A porta se abre, e tudo que consigo pensar é no quanto estou revoltado pela
conversa que ouvi no corredor.
Um homem de cabelos brancos surgiu, encarando-me, julgando-me,
estreitando-me.
Eu sei o que pareço. E ele não faz questão de fingir que não me considera
um lixo podre por causa disso.
Normalmente não dou a mínima para velhos julgadores com suas Bíblias
embaixo do braço, mas minha garota está parada atrás dele parecendo nervosa e
em conflito.
E ninguém mexe com a mulher de um Bianconi.
— Você deve ser o pai de Fran — eu digo enquanto estendo a mão para o
velho. — Prazer em conhecê-lo, senhor.
Ele deixa minha mão pairar no ar por um momento, um momento que me
permite saber o que ele realmente pensa. Finalmente, ele a toma com um aperto
firme.
— Você deve ser Victor. — Sua voz não esconde o desprezo. — Fran me
contou sobre você. Ou, ao menos, me contou o pouco que sabe.
Ignoro a malícia.
“Um Bianconi nunca fala demais”, papai fortalece em minha mente.
Mas, aquele homem disse que eu era um desconhecido para Fran. Nem
tudo era mentira, mas o que eu podia falar, eu falaria:
— Sou Victor Bianconi. Minha família é do norte da Itália — afirmo,
orgulhoso. — Meus avós eram fascistas e amavam Mussolini. Meu pai também
se agrada dessas ideias. — Escancaro o pior. — E, pelo seu sobrenome, o senhor
é alemão, mas deve ter um pé no judaísmo. No sangue, quero dizer. Eu soube de
Steins que foram presos pelos nazistas. Provavelmente há uns cinquenta anos
nós seríamos inimigos... Mas, agora não vejo motivos para sermos.
Fran dá alguns passos em nossa direção e segura minha mão.
— Victor não é fascista — ela afirma. — Ele só está contando as origens
para o senhor saber — observa. Ela molha os lábios, percebo o quanto está
nervosa. — Ele é uma boa pessoa. Victor é meu... — ela hesita em terminar,
porque nunca havíamos dado um nome para nossa relação.
Nunca precisamos. Pertencíamos um ao outros desde a aurora dos
tempos.
— Sou o namorado de Fran — completo.
O homem não esconde sua decepção. Eu me sinto irritado e nervoso. Ele
já não teve o genro perfeito? Vanessa me comentou que o antigo namorado de
Fran era da Igreja, líder do grupo de jovens, e que ambos iriam se casar, mas
Fran o pegou com outra.
— Eu só vim ver como foram suas provas — comentei para ela,
subitamente resoluto em ir embora.
Não queria ficar lá diante daqueles olhos que cravavam minha carne.
— Fui bem — ela respondeu, simples.
Antes que ela possa dizer qualquer outra coisa, seu pai interrompe.
— Então, o seu nome real é Victor Bianconi?
Ok. Eu não gosto de como ele está levando essa situação. Meu nome não
era Bianconi, mas eu tinha documentos falsos. Eu nem me lembrava direito de
como era o sobrenome da puta que me deu a vida...
Conti...
O nome veio de súbito e quase me tirou o ar.
— Sim, é meu nome.
— Bom saber — ele eu os ombros. — Você sabe que membros da minha
Igreja são policiais. Não vejo problema em levantar sua ficha. Você vê?
— Por causa das minhas tatuagens? — devolvo, escancarando seus
preconceitos. — Levantaria a ficha de um homem de pele lisa?
Estou me cansando de tanto convencionalismo.
— Eu sou velho, rapaz — ele destacou. — É difícil enganar um homem
que já viu de tudo nessa vida.
— Papai, por favor... — Os lábios de Fran estão pressionados em uma
linha fina e ela está olhando para o pai como se estivesse pronta para chorar.
Eu nem conseguia culpá-lo, na verdade. Estava a poucos momentos de
cometer mais um assassinato. O esquema com Marcelo já havia sido discutido
com Pierre, e eu vendia drogas de forma discreta no meu bar.
O homem sabia que eu não prestava. O que ele não percebia era o quanto
eu adorava sua filha.
— O que você vê nele, Fran? — ele se volta para ela.
— Papai! — O tom de Fran assume uma firmeza raivosa.
— É sério? O que você viu nele? O que ele tem de especial que a faz
discutir comigo para defendê-lo?
— O que ela viu em mim? — retruco. — Talvez alguém que não queira
controlá-la, que a respeite, que a ame do jeito que é. Alguém que não a traía, que
ela pode confiar!
Ele parece furioso. Eu não posso culpá-lo, mas eu não vou deixá-lo falar
desse jeito. Depois de um minuto ele balança a cabeça para Fran como se
estivesse desapontado com ela e essa é a última gota, mas antes que eu possa
dizer qualquer coisa, Fran fala alto:
— Papai, eu te amo! Mas você precisa parar com isso. Agora. Você
precisa respeitar minhas escolhas!
Eu percebo suas lágrimas. De repente, Fran chora compulsivamente e
aquilo acaba comigo. Eu nunca quis fazê-la chorar. Não sou esse tipo de cara.
— Fran, está tudo bem. Eu vou sair e deixá-los a sós e volto num
momento mais calmo. — Giro em direção ao pastor. — Prazer em conhecê-lo,
Sr. — Forço-me a ser formal.
— Você não precisa ir — Fran tenta amenizar com uma voz suave.
— Está tudo bem. Seu pai veio visitá-la e devem passar esse tempo
juntos.
E então me afasto.
Fran não sabe, mas eu realmente preciso ir. A noite se aproxima e eu
preciso dar os primeiros passos para cumprir a palavra dada a Pietro.

Lembro-me vividamente de quando era um garoto e precisei enfrentar


um treinamento de frio, imposto por Pierre.
“Um dia”, ele parecia prenunciar, “vocês poderão se esconder da polícia
no mato. Então, é bom saber o quanto as florestas são geladas, especialmente
aqui no Sul”.
Aquele dia nunca chegou. Mas, nessa noite eu sentia como se estivesse
vivenciando o treinamento.
Apesar do ar condicionado no quente, o carro estava gelado. Lucas, ao
meu lado, tremia. Não sabia se era pelo frio ou pelo que se seguiria.
— Existe algum jeito da gente evitar isso? — ele questionou.
Eu queria ter respostas.
— Talvez — murmurei. — Se ele pagar.
A Universidade de Esperança estava encerrando as atividades do dia. Era
quase meia noite. Algumas poucas senhoras da limpeza cruzavam através das
janelas e alguns estudantes pegavam o ônibus na parada próxima.
Enfim, ele surgiu. Marcelo. Estava como sempre, desleixado e ansioso,
vagando como um sonâmbulo através de passos sem rumo. Ele saiu da
Universidade e uma cadela de rua se aproximou. O rapaz agachou-se antes de
fazer um cafuné amistoso e lhe deu um resto de sanduíche.
— Eu não quero fazer isso, irmão — Lucas estava quase aos prantos.
— Você acha que eu quero? — devolvi. — Eu conheço esse cara há anos.
Ele é um merda drogado, mas é gente boa! Apenas, se você não quer fazer o
trabalho sujo, cumpra uma única regra: nunca venda drogas a um drogado sem
que ele lhe pague na hora por isso!
Saí do carro. Lucas me seguiu.
— E aí, cara? — me aproximei.
Estendi a mão. A mão do diabo. Marcelo sorriu e me cumprimentou.
— Que tu faz aqui, mano? — ele riu.
— Vim ver se a minha garota ainda está em aula?
— Francine? — ele a conhecia de vista. — Acho que ela estuda à tarde...
— Ela comentou que viria fazer alguns trabalhos, enfim... Acredito que
nos desencontramos... — Respirei fundo. — Sabe aquele dinheiro que você
ficou devendo pro meu irmãozinho aqui? — questionei. — Tem ele aí? Estamos
meio apertados.
Eu percebi pelo constrangimento que ele estava sem qualquer valor.
— Vou te arrumar, prometo — Marcelo jurou.
— Tranquilo...
Enquanto conversávamos, observei em volta. Alguns olhares estudantis
nos focaram, e havia uma câmera na entrada do pavilhão.
— Seguinte, Marcelo... — me aproximei. — Chegou um material do
bom — expliquei. — Mas, não posso te mostrar agora. Será que você me
encontra amanhã de tarde, fora da cidade?
— Fora da cidade?
— Francine anda de olho no bar e não quero que ela veja o que rola na
sala de recreação.
Marcelo riu, parecendo compreender. Em sua mente, tornei-me alguém
manipulado por uma mulher. Tolo, nada sabia.
Lucas ao meu lado mantinha um silêncio aterrorizado.
— Só me dá o endereço, mano.
— Aquele casebre que diziam ser mal assombrado... — indiquei. —
Sabe, aquele que a mãe matou a filha?
— A casa do antigo gerente da fábrica... — ele confirmou. A trágica
história ainda chocava Esperança. — Nos encontramos lá?
— Não, mais adiante. Siga a estrada rumo aos distritos. Eu irei te esperar
de carro por lá.
Demos as mãos. Afastamo-nos. A cadela vira-lata cruzou por nós e eu
senti lágrimas me enchendo as vistas.
— Sinto muito — eu disse a ela.
E era verdade.
Francine

M eu pai ficou praticamente às duas horas seguintes me dizendo tudo de errado


que havia em Victor e o quanto o odiou. Cada palavra apontada era ignorada
pela minha alma apaixonada. Eu sabia que Victor não era perfeito. E não me
importava.
— Você não é uma Julieta e ele não é o seu Romeu — ele bramou,
nervoso, num determinado momento que jurei que fosse me bater.
Estranhamente, pensei nas coisas que proclamávamos. Deus não mudava
as pessoas? Talvez ele devesse nos mudar, também. De alguma maneira, éramos
cegos ao nosso redor.
— Eu não vou terminar com ele sem um motivo — avisei. —
Simplesmente porque você quer — fui firme.
— E por que não? Cumprir a vontade do pai é dever de uma filha.
— Eu te amo e respeito, papai. Mas, a escolha perfeita, Marcos, era
perfeito apenas na aparência. Ele o enganou, senhor sábio. Você aceitou seu
pedido de casamento. Por que não pensa que agora está sendo enganado ao
contrário?
Meu pai me olhou como se não me conhecesse. Então, simplesmente
rumou a saída e foi embora.
Eu chorei por tanto tempo que perdi realmente a noção das horas que
passavam. Então, de súbito, escutei o som de passos e a porta de Victor se
abrindo. Era tão tarde? Ele sempre passava as madrugadas no bar...
Não pensei direito e fui para lá. Victor já havia entrado, então dei batidas
fortes e desesperadas na porta.
Ele abriu. Seu rosto ficou chocado pelas minhas lágrimas, senti que ele
também estava em frangalhos.
Papai estava certo. Não era certo. Era proibido. Era imoral. Eu não me
importava.
Rumei até seus braços, e ele me segurou firme, puxando-me para dentro,
batendo a porta. Nossas bocas se encontraram com paixão, mas tudo que minha
mente poluída focava era na minha patética figura ajoelhada diante dele,
chupando seu pau como um sorvete, sendo sua vagabunda e deixando que ele me
usasse da forma que quisesse.
— Me desculpe por antes — eu murmurei contra sua boca.
— Eu te amo, Fran — ele devolveu.
Derreto-me em seu corpo. Mais abaixo, sinto seu pênis pressionando em
mim e estou imediatamente ciente do quanto precisamos um do outro.
Então, ele puxa o meu vestido e empurra os polegares através da minha calcinha,
arrancando-os de mim. Resvalo contra a parede e agarro seu cabelo enquanto ele
me lambe.
Existe uma urgência entre nós que não são ditas em palavras.
Sua língua quente mergulha em mim, me inclino para frente
involuntariamente enquanto minhas pernas tremem ao redor dele.
— Victor! — Eu clamo, tentando me equilibrar.
Suas unhas grossas cravam em minha bunda, forçando-me a balançar
contra sua boca. Céus, é tão bom.
Minhas costas ficam retas e minhas pernas ficam rígidas quando ele
chupa meu clitóris e, em seguida, mergulha de volta para a minha entrada.
Vou gozar. É tão rápido, mas somos jovens e tudo é rápido para nós. O tempo
perdeu sua importância.
Minha respiração vem em ondas curtas.
Eu me balanço contra seu rosto e aperto seu cabelo, empurrando-o mais
profundo. Estou tão perto. Meus mamilos endurecem, e eu quero tanto que seu
pau esteja dentro de mim. Eu preciso dele.
Ohhh...Tão perto.
Ele se afasta e eu quase reclamo por ele me deixar no limite, mas ele
rapidamente empurra dois dedos para dentro e massageia meu clitóris com sua
língua.
Seus dedos acariciam impiedosamente e ele morde levemente meu
clitóris.
Ah!
Minhas costas se curvam e solto um grito estrangulado.
— Me foda — Eu grito enquanto ele age como se estivesse morrendo de
fome e minha liberação cai através de mim.
Eu não sei quem sou. A Fran reprimida perdeu-se naquela boca. Minha
boceta aperta em torno de sua língua, e ele geme quando eu sinto as ondas de
excitação vazarem pelas minhas coxas.
Eu me sinto tão bem.
Ele gentilmente me deixa com as pernas trêmulas. Eu me inclino contra a parede
e recupero o fôlego.
Eu amo-o. A realização me atinge com força e verdade. Ele é o meu
oposto, mas eu não me importo.
Eu o amo.
Eu o amo.
Victor, eu te amo...
Victor

D izem que a casa enlouqueceu a jovem e bela esposa do antigo diretor. Um dia
ela pegou veneno e deu a filha, uma criança bela e miúda, e depois também se
envenenou.
A criança não resistiu, mas a mãe sobreviveu. Foi parar em um sanatório,
onde passou seus dias a declarar que apenas havia libertado a filha da terrível dor
dos dias.
O local já não era bem quisto. Sempre houve rumores que a casa secular
era mal assombrada. Após a morte de Laura, a menina, a coisa piorou e os
imóveis ao redor também se desvalorizaram.
Agora, aquele bairro compartilhava a fama da casa. Não havia muitos
moradores, e a maioria das casas havia sido abandonada.
Eu vi o carro de Marcelo surgir atrás do meu e ele dar um sinal de luz.
— Vai começar — avisei a Lucas, ao meu lado.
Percebi os pelos do seu braço ficarem arrepiados. Eu queria dizer que
estava tudo bem, que isso fazia parte da nossa vida como Bianconi, mas eu sabia
que depois de tomar aquele caminho, não havia volta.
Você pode conseguir a redenção de qualquer delito praticado. Mas,
assassinato é algo sem volta.
Marcelo nos seguiu até próximo de uma estrada de chão que ninguém
usava, pois ia a lugar nenhum. Depois da queda das vendas de fumo, muitas
fazendas daquela região haviam sido abandonadas e agora suas estradas eram
apenas poeira sem pisadas.
Paramos os veículos e logo Marcelo surgiu no banco de trás do prisma
modelo antigo que eu dirigia. Não era meu carro, eu o havia roubado e
adulterado a placa no dia anterior, em uma cidade próxima. Tudo foi bem
planejado para que eu não estivesse vinculado ao desaparecimento dele.
Dirigi em silêncio por uns cinco quilômetros naquela estrada terrível,
entendendo que o balanceamento dos pneus iria ser destruído pelos buracos
enormes da estrada. Então parei.
O ar gelado me tocou enquanto eu descia do veículo.
— O bagulho está escondido — disse a Marcelo, adentrando na mata
fechada.
Lucas, em total silêncio.
O outro me seguia igual um cordeiro indo ao matadouro. Nenhum som
de sua voz, nenhum sinal de qualquer desconfiança.
Então, parei. Girei. O olhar de Marcelo me encontrou e só então ele
soube o que viria. Contudo, antes de dar tempo de reação, eu o acertei com um
soco.
Seu corpo magro chocou-se no chão.
Aproximei-me de Lucas e estendi uma 45 para ele.
— Sua vez — avisei.
Ele parecia reticente, mas não havia escolhas.
— Você tem que fazer — eu avisei. — Se não fizer, papai matará você. E
depois me matará porque não o fiz fazê-lo.
Lucas apontou a arma para Marcelo. Cerrou os olhos, uma dor que
transparecia em seu semblante de pavor.
Originalmente, ele não era um assassino. Mas, depois de tornar-se um
Bianconi, todos nós nos tornávamos um.
Não há fuga. Não há meios de escapar.
Você faz o serviço.
O tiro ecoou.
A morte atingiu a nós três.
Há muito tempo uma mãe matou sua pequena filha naquela pequena
cidade de Esperança.
Agora outro assassinato manchava aquele chão.
O sangue era, definitivamente, maldito.

O desaparecimento de Marcelo foi manchete por algumas semanas. A


polícia veio até meu bar porque eu havia sido uma das últimas pessoas a falar
com ele, segundo as câmeras da Universidade.
Relaxadamente disse que estava lá porque fui encontrar minha namorada,
e que Marcelo parecia confuso. Eu acreditava que ele usava drogas.
O policial, um cliente antigo, acenou como se fosse óbvio e depois fui
deixado em paz.
Três semanas depois, encontrei seus pais num churrasco organizado pela
Igreja Católica e eles pareciam bem e aliviados. Só então descobri que Marcelo,
depois de perder a mesada, passou a roubar as coisas de dentro de casa e vender
a pechincha na periferia.
— Não foi tão ruim ele ter sumido — me confidenciou Marlene, uma das
beatas.
Isso era a vida. Você presta enquanto tem alguma utilidade. O único ser
que realmente pareceu sentir pela falta do rapaz foi à cachorra de rua que ele
alimentava.
Talvez por culpa, eu assumi aquele papel. Nos primeiros dias, ela me
encarava com desconfiança, um olhar de “eu sei o que você fez”, mas depois a
fome pesou e ela comia a ração que eu levava.
Já com Fran, as coisas se ajustaram. Ela vinha todos os dias ao bar e
participava da minha rotina. Às vezes estudava em uma das mesas, e entre um
olhar e outro, comentava sobre alguma doença que eu nunca ouvi falar.
E tudo podia ter ficado simples assim, até que um dia o inevitável
aconteceu: Gabriel viu Fran.
Ele havia vindo uma hora mais cedo. Normalmente nos dias que vinha,
eu pedia a Fran para ir para casa, dava uma desculpa qualquer de que fecharia
mais cedo, ou de que iria fazer uma limpeza geral... Mas, naquele dia não
consegui afastá-la do alcance de Gabriel.
Meu estômago afundou quando percebi meu irmão entrando no bar e
seus olhos centrando-se na figura gentil de Francine.
Naquele momento, eu era exatamente o que o pai dela avisou que eu
seria: um lixo. Porque eu a estava colocando em perigo. Gabriel não era o tipo
de cara que eu queria por perto da minha namorada.
— Nossa, que delícia, hem? — ele murmurou, alto o suficiente para nós
dois ouvirmos.
Francine ergueu a cabeça e pareceu em choque. Eu me aproximei, os
olhos chispando de ódio.
— Agora não, Gabriel — o empurrei contra a porta. — Esse não é seu
horário.
— E eu preciso de horário para ver meu irmão?
Eu não consegui pensar. Eu não sabia o que fazer. Francine iria
questionar como meu irmão podia ser tão machista e idiota. E questionar porque
eu o expulsei. Não saberei o que dizer a ela. E isso nem é o pior.
Gabriel vai falar para Pierre que eu estou com uma garota. Pierre é um
pai ciumento. Ele não gosta de nos ver em relacionamentos.
Quando eu retorno, ela me encara em silêncio. Não pergunta, mas a
dúvida está em seu olhar.
— Desculpe por Gabriel — comento. — Ele é um babaca.
— É seu irmão?
— Sim, você sabe, sou adotado — dei os ombros. De repente, não me
lembrava de já ter contado aquilo para ela.
Mas, ela pareceu não se importar com esse fato. Na verdade, sua postura
era tão rígida que eu mal conseguia alcançar seus pensamentos.
Luzes vermelhas de perigo se acendem em minha mente. Ela está
pensando. Ligando pontos. Eu posso ver. As tatuagens, o irmão claramente
nojento e do crime, o pai que aparece revoltado e que a expulsa do meu bar, o
lugar sendo mantido aberto, mesmo com pouca freguesia... Como eu conseguia o
dinheiro para pagar o aluguel de dois lugares?
— Eu sinto muito — retorno.
— Você lida com drogas? — Ela dispara à queima roupa, sem me dar
tempo de pensar.
— Não... — eu minto porque é automático mentir.
Quando jovem, Pierre costumava passar por nós e perguntar se tínhamos
algum envolvimento com drogas. Se a resposta não fosse automaticamente
negativa, recebíamos um soco.
“Você não pode pensar! Pensar causa dúvida!”, ele berrava.
Ela sacode a cabeça e encolhe os ombros.
— Eu vou para casa — se ergue e começa a andar em direção a saída.
Eu não posso perdê-la. Eu sei que se eu deixá-la ir, ela irá para sempre. E
Fran é a única coisa que eu realmente tenho.
— Fran... por favor.
— Chega! — ela me interrompe.
— Eu sinto muito, Fran.
Sua compostura quebra, e eu posso dizer que ela está segurando mais
lágrimas.
— Não se preocupe comigo — ela murmura. — Eu não vi nada. Não sei
de nada.
Eu queria chorar.
— Obrigado — digo, contudo. — E realmente sinto muito. Eu juro que
nunca vou deixar que nada a machuque.
Ela me olha como se não acreditasse nas minhas palavras. Então, ruma
até a porta. Antes de ir, me encara e dispara:
— Quantas pessoas você já machucou?
Meu silêncio decretou o fim.
Francine

S ubo as escadas, cada passo arrastando-se, minha respiração ofegante.


Havia uma série de emoções. Raiva, tristeza, mais raiva.
Raiva indescritível.
Ele é um traficante de drogas! Eu quero gritar, mas se eu abrir minha
boca, eu sei que vou chorar.
Um traficante de drogas! Era por isso que Marcelo estava sempre indo ao
seu bar! Será que Marcelo...?
Um arrepio percorre meu corpo. Esse homem não era bom.
Eu sou tão estúpida. Meu pai estava certo. Por que não o ouvi?
Pastor João, apesar de mandão e irritante, me avisou para não confiar em
Victor, mas mesmo com minhas dúvidas, eu queria o cara mau de qualquer
maneira.
Quão idiota fui? Como eu não enxerguei o que estava tão claro,
escancarado nas minhas fuças?
Entro no apartamento e vou reto até meu quarto. Minha janela está aberta e um
fraco vento mexe nas cortinas.
Eu olho para fora e vejo o carro de Victor estacionado na calçada.
Meu Deus, como dói.
A porta do meu quarto se abre.
— Fran? — Vanessa pergunta com espanto. — Fran, o que há de errado
com você?
Ali estava minha amiga. A pessoa que eu senti tanta falta. A mesma com
quem cresci e que sempre me consolou no dias das mães porque a minha havia
morrido.
Eu a abraço firme, tentando transpor em palavras todas as minhas dores.
— Fran, pare de chorar, e me explique o que está acontecendo? É o
Victor? Vou descer lá e vou encher aquele cara de porrada!
Tento me acalmar e me concentro em Vanessa. Ela está olhando para
mim com choque.
— Victor, ele... — nova compulsão de lágrimas.
— O que ele fez? Traiu você? — Vanessa faz uma carranca sombria. —
Ele te machucou?
— Não é isso. Não é físico. Vanessa, ele mente. Ele...
— Ele o quê, mulher? Você sabe que sou fãs de séries policiais. Agora
estou aqui sem saber o que pensar! O quão mau ele é? Um psicopata?
— Ele é um traficante de drogas. — despejo. — E pelo que entendi, é
algo da família.
Sinto que Vanessa está chocada.
— É sério?
— Eu desconfiei quando o percebi nervoso na presença do irmão. Então
eu o questionei e ele precisou admitir. Sinto-me exausta, quebrada.
— A família toda... — Vanessa murmurou. — Até Lucas?
— Sim... O que eu devo fazer?
— A única coisa certa é ficar o mais longe possível dele. Assim que
nosso contrato se encerrar, a gente se muda — ela avisou.
Abracei minha amiga. Graças a Deus, a velha Vanessa estava de volta.
Victor

O rosto de Lucas deixou transparecer muito. Ele parecia sombrio e inquiria


coisas que eu não era capaz de responder.
Estávamos ferrados. De muitas formas. Mesmo assim, uma parte de mim
ainda acreditava que era capaz de proteger Fran. Talvez eu apenas fosse um
tolo...
Um lixo...
O pai dela havia me chamado assim. Aquela frase me marcou
profundamente. Um Bianconi... um lixo...? Um Conti... Quem era Conti?
O amor causava dúvidas e confusão. Pierre sempre disse isso, mas só
agora, tremendamente apaixonado, eu percebi que ele dizia a verdade.
O amor me roubou a vida. Estava morto na primeira vez que a olhei.
Apenas, queria tentar poupá-la. Queria que vivesse...
— Você acha que ele vai matá-la?
A frase de Lucas caiu sobre mim. Eu precisava ter certeza de que tudo
ficaria bem.
Puxei meu celular do meu bolso e disquei o número de meu pai.
Eu não deveria. Você não liga para Pierre para dar más notícias. Primeiro
você resolve a merda, e só depois o deixa ciente. Mas, eu não podia resolver
aquilo. Eu jamais teria coragem de ferir Fran. E também não permitiria que outro
o fizesse.
Apertei os botões e coloquei o telefone no ouvido. Cada toque faz a
preocupação aumentar. Finalmente, ele atende:
— Filho? — Seu tom era gentil.
Era um bom sinal, não é? Ele ainda lembrava que eu seu filho.
— Pai, eu tenho um problema. — Fecho os olhos.
Que merda! Eu queria que isso não fosse real. Eu queria poder apenas
voltar ao passado e fingir não ver Francine, mesmo que sua presença me
chamasse como se fosse meu karma. Eu faria tudo diferente apenas para sabê-la
segura.
— Que problema?
— O senhor não sabe? — Eu pergunto a ele.
Como assim ele não sabia? Gabriel não havia contado a ele tão logo saiu
do prédio?
— Saber o quê?
— Aconteceu algo aqui, hoje. Achei que Gabriel havia lhe contado.
— Algo muito ruim?
— Não envolve a polícia. Apenas... Bom... Eu estou namorando —
Merda... merda... —, e Gabriel a viu. Ele mexeu com ela. Francine não é tola e
logo percebeu que Gabriel está envolvido com algo ilegal.
— Isso não é bom, Victor. — A voz de papai é baixa. Há uma pausa
antes que ele pergunte: — Ela viu alguma coisa que possa provar?
Eu não posso mentir para ele. Um Bianconi jamais se atreveria a mentir
para Pierre.
— Ela já sabe que mexemos com drogas. Mas, não vai dizer nada para
ninguém, prometo.
Eu começo a andar pela sala com as mãos no meu cabelo. Lucas está me
observando como se ele estivesse pronto para ir para a guerra comigo. Ele era
meu irmão, e aquilo me aliviou. Mas ele está nervoso, e isso também me
angustia.
— Ela não é cagueta.
Silêncio. Posso ouvir o som do meu coração batendo.
— Tudo bem, Victor — ele parece despreocupado e eu sinto as pernas
amolecendo, de alívio.
— Pai, acho que Gabriel possa ter uma ideia de posse sobre ela, por
causa das coisas que ocorriam em casa. Ele já insinuou que depois de mim, ele a
quer...
— Chega, Victor. Gabriel não vai tocar na sua garota.
Mas, ele não termina com uma célebre frase “tem minha palavra”. E isso
arrepia minha espinha. Pela primeira vez na minha vida, eu não sei se posso
confiar no meu pai.
— Ela é uma boa menina, pai — insisto.
Ele ri baixo e áspero do outro lado.
— Ela vai ficar bem.
Mais silêncio.
— Estou mais tranquilo, agora que disse isso — minto.
Ele hesita do outro lado e meu coração para no meu peito. Mas
finalmente ele responde:
— Certo, filho. Agora tenho outras coisas para fazer. Encerramos?
Despeço-me e desligo. Meus olhos volvem a Lucas.
— O que ele disse? — Lucas pergunta.
Guardo o telefone no bolso enquanto tento me acalmar.
— Disse que está tudo bem.
Nós nos encaramos, nenhum de nós dizendo nada, mas eu tinha a certeza
que nós dois estamos pensando a mesma coisa.
Ele está mentindo.
Ela é uma testemunha e isso significa que deve morrer.
Francine

O amor é uma doença. Você perde a razão e a capacidade de distinguir o certo e


o errado. Assim, pela primeira vez na vida, eu era capaz de entender aquelas
mulheres que ficavam na porta de cadeias, sendo tratadas como burras e lixos,
aceitando se submeter a humilhações a fim de verem seus homens.
Eu era isso. E estava com tanta vergonha disso. Agora, ali, parada diante
da sua porta, eu quase sentia meus dedos tocarem na madeira gelada, uma alusão
a sua pele quente e macia.
Eu o amava...
Victor tem estado em minha mente. Cada momento gasto pensando nele.
Não quero isso, mas não posso tirá-lo da minha cabeça. Quanto mais penso na
minha situação, mais eu começo a racionalizar, dar desculpas para o que ele faz.
Talvez ele fosse uma vítima. O pai o obrigou a entrar para esse negócio.
Talvez tenha sido pressionado. Talvez não tivesse escolha.
Talvez eu devesse deixar de ser idiota...
Eu levanto a minha mão e paro logo antes de bater na porta.
O que eu estou fazendo?
Eu quero vê-lo novamente, aquele sorriso arrogante, aquele corpo esculpido. Eu
quero sentir suas mãos fortes me tocando, me sentindo, me acariciando.
Respiro fundo e reuno minha coragem. Bato. Não há resposta. Eu bato
várias vezes. Nada. O som oco faz meu coração apertar mais e mais no meu
peito. Ainda sem resposta. Eu fico lá pelo que parece ser a eternidade antes de
finalmente desistir.
Ele não vem para a porta.
Ele não me ama com a minha intensidade. Ele não seria capaz de desistir
de tudo por mim.
Sentindo as lágrimas em meus olhos, eu me viro e caminho de volta para a
minha porta.
No fundo isso é bom. É Deus me dando um livramento.
Eu só queria que não doesse tanto...
— Oi Fran — Vanessa me cumprimenta da cozinha.
Ela está pronta para sair. Eu a ignoro e vou para o meu quarto. Não há
nada que ela possa dizer que me faça sentir melhor.
Vanessa segue-me pelo corredor, mas eu finjo que ela não está lá.
Quando chego ao meu quarto, fecho a porta. Antes que eu possa trancá-la,
Vanessa empurra e entra.
— Por favor, vá embora! — imploro, entre lágrimas.
Vanessa cruza os braços sobre o peito.
— Não, Fran. Eu não vou deixar você andar por aí desse jeito e me tratar
assim.
— Não estou fazendo nada — me justifico.
— Você está me tratando mal por causa do que aconteceu com Victor.
Supere essa merda! Você acha que é a primeira mulher que se decepcionou com
um homem? — De repente, ela se dá conta de que eu vinha de fora. — Você foi
atrás dele?
Meu olhar culpado foi sua resposta
— Você ficou louca? Eu estou te avisando. Se você não se afastar desse
cara, eu vou ligar para o seu pai e iremos tirar você daqui. Se dá conta do quão
perigoso é?
Algo em mim não aceita aquilo.
— Talvez eu possa mudá-lo — digo, tentando convencer Vanessa, tanto
quanto eu estou tentando me convencer. — Talvez ele pare.
— Você está se ouvindo? — Vanessa pergunta com descrença. —
Ninguém muda um traficante, Fran. O cara é chave de cadeia. Final dele é prisão
ou cemitério. E ele vai te levar junto, se você deixar.
Um dia vai parar de doer. Eu sei que vai. Eu só preciso viver a dor e isso
vai embora. Um dia.

Aquela manhã gelada estava silenciosa. Era véspera de um feriado


importante, e muitos alunos haviam voltado para casa. Eu preferi permanecer em
Esperança, ter a última aula, e ficar trancada no apartamento assistindo filmes e
comendo pipoca.
Assim, mesmo vazia, a rua me parecia segura. O ar estava pesado, havia
geado de manhã e agora uma nuvem espessa pairava sobre a cidade, tornando a
visibilidade ruim.
Olhei no relógio de pulso. Seis e meia.
O primeiro ônibus chegaria logo. Aproximei-me da parada e sentei-me
no banco.
De repente, o som de pneus cortou o ar. Um carro parou diante da parada.
Eu fiquei tão chocada que nem tive reação. Alguns rapazes saíram rapidamente
do carro e vieram até mim.
Um trapo com cheiro forte inundou meu nariz e meu corpo ficou
dormente.
Eu queria lutar. Mas, logo fiquei inconsciente.
Eu estava dolorida e chocada. Mal consigo acreditar no que estava
acontecendo. Sentada no chão, um quarto escuro me rodeia. Minhas mãos estão
amarradas atrás das minhas costas e meu cabelo está caído para frente. Dou-me
conta que estou inclinada. Tento me sentar corretamente, não consigo.
Meu corpo dói. Muito.
Isso não pode estar acontecendo.
Lágrimas inundam meus olhos e eu sinto medo. Eu não sei porque estou aqui,
nem quem me trouxe, mas estou com medo.
Por que alguém iria querer me fazer mal?
De repente, vem à resposta: É por causa de Victor?
Eu não quero acreditar nesse pensamento. Victor não faria algo assim
comigo. Nós éramos uma unidade, uma única alma dividida em dois corpos.
Mas, o pensamento é tão assustador que inunda minha cabeça e começo a
duvidar daquele sentimento.
— Pai — a voz profunda e não completamente estranha chega a mim. —
Peguei a puta.
Uma figura surge na porta. É um dos irmãos de Victor. Gabriel, pelo que
entendi. Ele tem um telefone pressionado ao ouvido, e está me encarando de
uma forma que me faz querer dar o fora dali o mais rápido possível.
— Céus, ela é parecida com a Amanda. Lembra-se da Amanda, pai? Era
o seu tipo. Claro, Amanda era mais jovem, quinze anos... Carne de vitela — ele
gargalhou. — Essa aqui já é mais usada, mas... Enfim, ninguém dispensa uma
boa costela na brasa.
As alusões do meu corpo ao churrasco embrulharam meu estômago.
Eu posso ouvir uma voz do outro lado e depois silêncio, mas Gabriel não
responde e fica me encarando com aqueles olhos mortos e frios.
Eu fico tonta de terror. Ele desliga o telefone.
— Victor — um murmuro angustiado escapa dos meus lábios. —, por
favor, não deixe que eles me machuquem!
Eu tremo violentamente, lutando em vão para me libertar.
O rosto de Gabriel se contorce de raiva e ele se aproxima e me dá um tapinha no
rosto. Eu suspiro de dor quando a minha cabeça chicoteia para o lado.
— Pedindo pelo cara que te come? — ele ri. — Aquele pedaço de merda
não está vindo para salvar sua bunda.
Um soco. O primeiro que recebi na vida. O gosto de sangue enche minha
boca enquanto uma dor aguda atravessa meu rosto.
— Graças a você, eu vou ter que matar meu irmão. Você tem consciência
de como isso ferra com a vida de um cara? Eu não suporto Victor, mas ele é um
Bianconi. E ele se atreveu a descumprir as ordens de papai. Agora, ele será
morto. E por sua causa!
Aquela frase me deixa mais confusa.
— Eu não fiz nada para Victor merecer isso! — Lágrimas despencam dos
meus olhos. — Não vou falar nada do esquema de vocês, para ninguém. Por
favor, não o machuque.
— E você acha que a gente vai confiar na sua palavra?
Outro soco. Choro de dor. Um fluído quente escorre do meu nariz.
Sangue.
— Por favor — digo entre soluços.
Gabriel dá uma risada maldosa.
— Nada vai te salvar. Se você não quisesse acabar assim, nunca deveria
ter se envolvido com o Victor. Ou vai me dizer que não percebeu que ele era um
zé-droguinha? — gargalhou. — Era assim que me chamavam no campus, sabe?
Eu trabalhei com muita gente ruim, mas meu irmão não... Ele ficou nessa boa
cidade, com conforto. E ele não valorizou isso.
— Então por que não me mata logo?
— Está brincando? E perder uma boceta gostosa dessas? Só estou
esperando pelo papai. Depois, a gente filma, e manda o vídeo de presente pro
Victor. Ele tem que sofrer antes de morrer, para ser exemplo aos nossos irmãos.
— Desgraçados! — berro.
Estou explodindo de raiva. Gabriel ri da minha reação.
— Vai ser engraçado vê-la xingando enquanto meu pau estiver dentro
dessa boca fofa.
Depois ele sai. Fico sozinha, naquele inferno.
Fecho meus olhos. Por favor, Deus, me ajude!
Victor

M eu Deus, que dor insuportável...


E o pior de tudo é que não parou, mesmo quando Francine desistiu de bater na
minha porta e voltou, em passos lentos e resistentes, em direção ao próprio
apartamento.
Ela considerou que eu a ignorei. Sei disso. Não sabe que meu coração
está em frangalhos, e que precisei de todo meu autocontrole para me impedir de
abrir aquela porta.
Por que eu fui considerar que podia amar? Que podia ter uma namorada e
ser um cara normal? Eu não via os meus irmãos? Todos solteiros, gastando suas
energias em prostitutas.
Os dias que se seguiram foram de frequente insônia. Durante o dia, o
olhar mórbido e apavorado de Lucas me tocava como brasa em água fria.
Ele parecia querer dizer que havia algo errado, mas as palavras ficavam
suspensas em seus lábios. Estávamos os dois atentos a cada veículo que passava,
a cada barulho estranho da rua... Lucas havia falhado na questão Marcelo e eu
havia me envolvido emocionalmente com uma garota. Pierre perdoaria tantos
erros?
A resposta era tão óbvia.
Você sabe quando vai morrer. O que angustia é a espera.
— Eles a pegaram.
Lucas havia entrado no meu apartamento. Não eram sete da manhã, mas
por algum motivo ele estava na rua antes das seis. Confessou-me, momentos
depois, que não conseguia dormir. Foi assim que viu Francine sendo arrastada do
ponto de ônibus.
— Quem?
— Gabriel. Tinha mais dois caras, mas eu não os reconheci. Devem ser
novados. Ou simplesmente mulas. Não são nossos irmãos.
Eu assenti, os pensamentos correndo rápido pela minha mente.
Gabriel não se atreveria em tocar Francine sem que Pierre autorizasse. O
peso da mão do nosso pai era sempre frequente em nossos ombros.
— Eu corri, irmão... Tentei impedi-los...
Tentei acalmá-lo. Lucas era muito jovem, não teria conseguido nada além
de ser morto por Gabriel.
— Para onde a levaram?
— O velho casarão abandonado.
— O mal assombrado?
— Não tenho uma boa sensação sobre isso — Lucas parecia sério. —
Demos nossa vida e nosso suor por essa família, mas qualquer coisa que fizemos
que vai de desacordo com a vontade de nosso pai, a punição é terrível. Irmão, eu
acho que está na hora de esquecermos quem somos... de buscar redenção.
— O que você quer dizer?
— Eu não salvei Marcelo. Eu errei. Nunca devia ter matado aquele
jovem. Mas, eu posso e vou salvar Francine. Nem que para isso eu tenha que
matar novamente.
Meus olhos encheram-se de lágrimas e meu sangue aqueceu-se com a
adrenalina, a raiva tomando conta do medo. Lucas estava certo. Nós tínhamos
que lutarmos.

— Pierre está lá dentro — murmurei para Lucas, observando a SUV


negra diante do casarão.
— Você precisa ser frio sobre isso, Victor — eu escuto Lucas falando,
mas eu não estou ouvindo. Estamos perto, tão perto de recuperá-la e mantê-la
segura. — Você não pode entrar lá atirando ao léu — insiste.
Eu sei. Não posso.
— Precisamos entrar em silêncio — ele prossegue.
Minha mandíbula aperta.
— Eu não gosto disso.
— Você precisa ficar quieto. Você não pode deixá-los saber que estamos
lá. Porque se descobrirem, eles podem usar Fran contra nós.
Ele está certo. Logicamente eu sei disso. Mas a lógica pode ir se foder
porque eu estou tremendo de raiva.
Eu dei tudo aos Bianconi. Eu trabalhei por anos, não ficando com
nenhuma parcela de lucro. Eu matei quem eles mandavam, sem questionar. Eu
respeitei Pierre, nunca me atrevi a desobedecê-lo. E agora era recompensado
assim.
— Vamos entrar pela parte de trás — diz Lucas.
Eu percebo que ele é um líder. Espero que um dia encontre algo positivo
e use essa sabedoria para o bem.
Descemos do carro e começamos a percorrer ao redor, adentrando o
terreno abandonado atrás dos arbustos. Ao longe vejo um balanço aos pés de um
enorme carvalho. Era ali que a menina Laura devia brincar. A casa é horripilante,
mas escondo meus medos e entro pela cozinha.
Assim que estou dentro, eu a ouço... Seus gritos abafados por ajuda. Eles
ecoam na parede. Eu me movo naquela direção. Há um corredor enorme após a
cozinha, e a voz dela é fácil de seguir.
Continue gritando. Eu preciso ouvir você, meu amor. Eu preciso saber
qual porta abrir.
Meus pés se movem por vontade própria, e eu sou apenas parcialmente
ciente de Lucas se movendo atrás de mim.
De repente os gemidos de dor se intensificam. É ali, naquela porta, à
direita. Eu abro. Ela ainda está viva.
Estou aqui, Fran... Eu vou te salvar!
Fran está lutando contra as cordas, tentando soltar as mãos enquanto se
levanta do chão. Ela está indefesa e tentando gritar atrás de uma mordaça.
Lágrimas escorrem pelo rosto feminino quando ela me vê.
Meu coração dói no peito.
Então eu vejo meu pai. Ele está ao lado dela. Como se me esperasse.
Instantaneamente pensei que Lucas havia me traído, mas vejo o olhar
horrorizado do meu irmão mais novo, e sei que tanto eu quanto ele fizemos
exatamente o que Pierre esperava que fizéssemos.
Pierre tem um sorriso doentio no rosto enquanto ele corta a perna dela
com uma faca.
Ele quer expôr seu poder.
Atrás dele, Gabriel está montando uma câmera de vídeo.
Fico cego. Ergo minha arma.
Eu te amava, pai...
Minha mão está tremendo tanto. A bala soa e apenas esfolia o braço de
Pierre. Gabriel vem da minha esquerda e joga uma cadeira contra mim.
Enquanto eu caio no chão, percebo o som forte da arma de Lucas soar. Gabriel
cai para o lado, enquanto Pierre nos encara como se não acreditasse que nos
atrevessemos a isso.
— Ela é só uma puta! — ele berrou. — Eu forneço as melhores para
vocês, à vontade, em qualquer época do ano. Como podem trair a família por
causa dessa cadela?
Lucas atira de novo. Não acerta Pierre, e eu sei que errou de propósito
porque ainda não está certo em matar quem nos alimentou e abrigou.
Mas, ele tinha que fazer.
Não por Fran, eu sabia.
Por Marcelo. Pela morte que não o deixava dormir à noite, que o fez estar
presente quando Fran foi raptada.
Enquanto Pierre e Lucas se encaram, eu tento me aproximar de Fran.
Só preciso que ela esteja segura...
Só isso... O resto não importa.
Enquanto rastejo pelo chão em sua direção, vejo Pierre sacar a arma. Fico
na dúvida se ele vai apontá-la para mim ou para Lucas, mas é na direção de Fran
que ele assinala.
— Atira — eu grito para Lucas.
Mas, era tarde demais. Antes de Lucas disparar, escuto o som do 38 de
Pierre estourar o crânio de Fran.
Meu coração para de bater por alguns segundos, enquanto tudo parece
correr em câmera lenta.
O olha dela, fixo ao meu, agora está sem vida.
— Victor! — Lucas grita por mim.
Mas, eu já morri. Morri ali, com ela. Apenas, preciso chegar até seu
corpo inerte. E o faço, enquanto a puxo contra meus braços e beijo sua fronte
ainda aquecida pela vida que acabara de deixá-la.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Com o canto dos olhos, percebo Pierre caído. Lucas o havia matado. Eu
quero agradecê-lo, mas ele me observa com uma piedade tão latente, que me fez
entender que ele sabia o que eu faria após isso.
— Obrigado, irmão — eu digo. — Siga uma boa vida, a partir de agora
— indico.
Ele concorda. Então ergo minha arma e a ponho na minha boca.
E tudo acaba.
Lucas

Trecho da carta enviada dois anos depois:


“Eu lhe escrevo essa carta, Pastor João, não para que compreenda
sobre os sentimentos que uniram sua filha ao meu irmão, mas dos motivos para
que ele tenha interrompido sua vida. Victor jamais viveria sem ela. Quem
conhece o inferno e, por um acaso do destino, toca o céu, quer permanecer lá
para sempre.
A vida é díficil aqui na prisão, mas estou feliz por ter confessado meus
crimes, especialmente a morte de Marcelo. Hoje vejo que passamos – Victor e eu
– por uma enorme lavagem cerebral, e considerávamos Pierre nosso salvador.
Só existe um Salvador. E ele me deu forças para me libertar daquelas terríveis
correntes.
Espero que um dia possa vir me visitar. Eu quero conversar sobre Fran.
Eu a queria muito bem.
Eu sei que está triste. Mas, às vezes, o amor não é feliz. Eu aprendi isso
com Fran e Victor. Espero que o senhor possa perdoá-los algum dia. E a mim,
caso tenha alguma mágoa.
Com carinho, Lucas”.
Considerações Finais
Perdão!
Sei que na Nota de Autora eu indiquei que o livro seria estilo (quase uma releitura) de Romeu e Julieta,
apenas inverti os papéis na hora da morte, e sei que muitos devem ter ficado surpresos com o desfecho, mas
é importante salientar o porquê o protagonista não encontrou redenção.
Como autora de ficção histórica eu sei a importância da Segunda Guerra nas obras. E sei que a Lavagem
Cerebral sofrida pelos jovens nazistas não justifica as atrocidades que cometeram. Dessa forma, eu tenho
por responsabilidade fazer Victor pagar por seus crimes. Mesmo que tenha sido em menor escala, ele
destruiu vidas e assassinou pessoas. Não havia pior maneira de puni-lo que destruindo a única pessoa que
ele amou. Ele precisava vê-la morrer, para depois ir com ela.
Já Fran acabou por ser a vítima principal. Ela não merecia o que sofreu, mas ela não fugiu quando lhe foi
dada a chance. E essa chance veio em diversos momentos na história, às vezes escancarada como quando o
pai a interceptou, às vezes discretamente, quando ela vê Pierre pela primeira vez.
Não há esperança em relacionamentos que estão manchados pelo crime. A mensagem tem que ser passada,
mesmo que doa a autora expressá-la em uma obra que foi difícil de escrever, mas apaixonante de muitas
maneiras.
Eu já tenho quase quarenta anos, então escrever sobre jovens na faixa dos dezoito, dezenove, foi me
reencontrar com uma antiga personalidade. Erros são cometidos nessa fase, mas muitos não têm volta.
Francine não teve volta.
E isso não posso mudar.
Com amor,
Josiane Biancon da Veiga
Maio de 2019.
Anne Ryle acreditava em contos de fadas. Na verdade, durante toda a sua vida preparou-se para
um casamento dos sonhos com o rapaz que sempre amou. Contudo, o noivo a deixou às vésperas do
casamento para ficar com sua própria irmã.
Duplamente traída, Anne focou-se na carreira e prometeu jamais amar alguém novamente. Mas, não era seu
desejo que a família soubesse o quanto ela era solitária e derrotada. Assim, quando foi convidada para um
encontro familiar onde veria o antigo noivo com sua irmã, planejou atentamente um plano para proteger seu
orgulho ferido.
E para isso, ela só precisava de um namorado... Mas, nada a preparou para alguém como Alexander.
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Blake estava de volta. E ele queria apenas uma coisa: o seu bebê.
Isis era uma mulher simples que caiu na lábia de um homem de moral questionável. Apesar de Blake
Code ser conhecido por destruir seus opositores nos negócios, ele a fez tremer nas bases, e avassalou
seus sentimentos e sua razão. Contudo, ela conseguiu dizer adeus.
Porém, agora ele estava de volta. E não queria apenas aquela mulher. Seu desejo profundo era pelo

bebê que ela gerava.


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Josiane Biancon da Veiga nasceu no Rio Grande do Sul. Desde cedo, apaixonou-se por literatura, e teve
em Alexandre Dumas e Moacyr Scliar seus primeiros amores.
Aos doze anos, lançou o primeiro livro “A caminho do céu”, e até então já escreveu mais de vinte livros,
dos quais, vários se destacaram em vendas na Amazon Brasileira.
Table of Contents
JOSIANE VEIGA
Sumário
Nota da Autora
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Francine
Victor
Lucas
Considerações Finais
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